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PERÍCIA

Interpretação cautelosa
Peritos sem conhecimento na área química podem cometer equívocos
^Antonio Carlos Vendrame

A legislação vigente em insalubridade está exposto d e forma perm anente). Várias ocorrências na data d e am os­
(anexos da NR 15 da Portaria n° 3.214/ tragem podem invalidar o resultado fi­
78 do Ministério d o Trabalho) traz uma IMPROPRIEDADES nal. É o caso d e baixa produção no dia,
terrível herança da Portaria 491/65: a Exatam ente pela falta de aprofunda­ inatividade, troca de processos e tantos
avaliação qualitativa da insalubridade. mento no conhecimento da química, vá­ outros. N o entanto, para fins periciais e
Tal avaliação prescreve a pura e simples rias impropriedades são constatadas em considerando o pouco período em que a
inspeção no local de trabalho, interpre­ laudos periciais. Uma delas, bastante fami­ perícia permanece numa empresa é im­
tada pela maioria das conclusões perici­ liar, é caracterizar uma at ividade de sínte­ praticável a realização de várias amos­
ais com o sendo a simples presença do se com o insalubre, considerando as ma­ tragens ou amostragens em período in­
agente nas atividades do trabalhador. térias-primas utilizadas no processo e não tegral.
A insalubridade, especialm ente por o seu resultado final. É bom relembrar a
agentes químicos, implica na exposição equação mais básica da química: CONHECIMENTO
do trabalhador (p o r qualquer das vias Juntando hidróxido de sódio (con heci­ Outro equívoco bastante comum nos
de acesso - aérea, digestiva ou derm al) do com o soda cáustica) ao ácido clorídri­ laudos periciais está relacionado à no­
ao agente. Desta forma, o manuseio de co, obtem os cloreto de sódio (sal de cozi­ menclatura dos agentes químicos. Para
embalagens fechadas e lacradas numa nha) e água. Assim, apesar das matérias- aqueles não familiarizados com a quími­
transportadora não caracteriza a insalu­ primas estarem listadas no anexo 13, o ca, a questão de nomenclatura é uma
bridade, ainda que se argumente que vez produto resultante não produz qualquer verdadeira armadilha... Quem poderia
ou outra, uma embalagem se rompa. m alefício ao trabalhador. Desta forma, acreditar que acetaldeído, aldeído acé­
O anexo 13 da N R -15 se encontra há somente caberia a insalubridade se o tra­ tico, aldeído etílico, etanal, acetal, etilal-
mais de 30 anos sem atualização, con­ balhador de fato tivesse exposto à soda deído, acetilaldeído e 1,1 dietoxietano,
tendo vários enquadramentos obsoletos, cáustica e ao ácido clorídrico. Caso con­ representam o mesmo produto? Como
a exem plo d o enquadramento em insa­ trário, seria insalubre por agentes quími­ saber que EDTA é ácido etilenodiami-
lubridade de grau médio de “ telegrafia cos ingressar no mar... notetracético?
e radiotelegrafia, manipulação em apare­ Também é indevida a caracterização de O reconhecim ento dos agentes quími­
lhos do tipo Morse e recepção de sinais insalubridade por agentes químicos, com cos é um capítulo à parte e, é a maior
em fones” . Apesar d e tal enquadramento base no anexo 11, se não houver avalia­ fonte de dor de cabeça dos peritos. O
estar no rol dos agentes químicos, não ção quantitativa. 0 fato de alguns agen­ reconhecim ento de um agente pode ser
há quaisquer exposições a agentes quí­ tes possuírem a coluna “absorção também feito utilizando-se das propriedades or-
micos envolvidos nesta operação. Nos­ pela pele” assinalada não desobriga a ava­ ganolépticas do produto utilizando os
sa impressão pessoal é d e que tal enqua­ liação quantitativa, nem os transforma em órgãos dos sentidos com o o olfato.
dramento foi incluído nos agentes quími­ agente de avaliação qualitativa. Tal mar­ Porém, nem todos os agentes possu­
cos por falta de opção. cação somente identifica um agente que em odor e, nem todos os que possuem
Infelizmente o anexo 13 é muitíssimo além da absorção via aérea possui tam­ odor são perceptíveis pelo ser humano
exercitado em perícias de insalubrida­ bém a absorção via dermal e nada mais! em qualquer con cen tração. Assim , o
de porque não exige análise laboratorial Por estar obsoleta, a legislação ainda “cheirôm etro” é limitado e pouco con­
- que traz vários inconvenientes à perí­ prescreve a amostragem instantânea (p or fiável.
cia. N o entanto, a legislação dispensou tubos colorimét ricos), eis que era a única Uma medida óbvia é verificar o rótulo
som ente a avaliação da concentração do disponível no Brasil na época. Inclusive da substância para a sua identificação.
agente, não o tem po d e exposição. A s­ est ipula a quant idade d e 10 amost ragens Porém , alguns rótulos trazem o nome
sim, a avaliação de uma atividade, por em cada ponto. Atualmente, em raríssi­ fantasia do produto. Para desvendar o
exem plo, de mecânico, para o agente ó- mas oportunidades utilizamos a amostra­ mistério, uma boa prática é solicitar a
leo mineral (qualitativo) não considera­ gem instantânea por tubos colorimétricos. FISPQ ou MSDS do produto em questão
rá a concentração do agente; mas deve As amostragens mais usuais são as contí­ quando, então, será possível verificar a
observar o tem po de ex­ nuas, que normalmente abrangem toda a sua composição, ainda que seja uma mis­
posição (s e m precon- jornada de trabalho. N o caso de utilização tura d e vários componentes.
. ceber que o mecânico de amostragem contínua, não cabe a pres­ Aqueles peritos que não possuem for­
crição d e realização de 10 amostragens. mação em química devem redobrar os
A n to n io C a rlo s Vcndram © - Porém, em termos estatísticos é óbvio cuidados na avaliação de um agente, uma
Engenheiro em Segurança
do Trabalho e perito em que uma única amostragem, ainda que em vez que a área representa um universo à
nsalubndade e
pencutosidade da jornada integral, possa não representar parte das ciências, onde nem sempre
Justiça do Trabalho
penioOvendrame.com.br exatamente a exposição do trabalhador. impera a lógica.

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