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Neste livro, o Dr.

Frankl descreve a experiência que o levou à


descoberta da logoterapia. Prisioneiro durante longo tempo em campos
de concentração, onde seres humanos eram tratados de modo pior do
que se fossem animais ele se viu reduzido aos limites entre o ser e o
não-ser.

A vida é sofrimento, e sobreviver é encontrar significado na dor, se há,


de algum modo, um propósito na vida, deve haver também um
significado na dor e na morte. Mas pessoa alguma é capaz de dizer o
que é este propósito. Cada um deve descobri-lo por si mesmo, e aceitar
a responsabilidade que sua resposta implica.

"Quem tem por que viver pode suportar quase qualquer como."
Nietzsche:

início do livro
Quando o ex-prisioneiro 119104 tenta descrever agora o que vivenciou

De repente eu estava de
posse de um valor equivalente a doze cigarros! Acontece que doze
cigarros valiam doze sopas, e doze sopas realmente significam muitas
vezes a salvação da morte por inanição, para duas semanas, ao menos.
Somente um Capo, que tinha seus cupons-prêmio garantidos, é que
podia dar-se ao luxo de fumar cigarros além do prisioneiro que dirigia
alguma oficina ou depósito no almoxarifado e que recebia cigarros em
troca de favores especiais. Todos os demais, os prisioneiros comuns,
costumavam trocar por gêneros alimentícios aqueles cigarros que
recebiam através de cupons-prêmio, isto é, por meio de serviços
adicionais que representavam perigo de vida; a não ser que tivessem
desistido de continuar vivendo, por terem perdido as esperanças,
resolvendo então gozar os últimos dias de vida que ainda tinham pela
frente. Quando um colega começava a fumar seus poucos cigarros, já
sabíamos que havia perdido a esperança de poder continuar - e, de fato,
então não agüentava mais.

Pois a atitude dos sobreviventes não é sempre fácil de compreender.


Frequentemente ouvimos essas pessoas dizer: "Não gostamos de falar
sobre a nossa experiência. Não é necessária nenhuma explicação para
quem esteve num campo, e a quem não esteve jamais conseguiremos
explicar o que havia dentro de nós, nem tampouco o que continuamos
sentindo hoje."

É muito difícil fazer uma exposição metódica deste tipo de ensaio


psicológico. A psicologia exige distanciamento científico. Será que a
pessoa que experimentou a vida no campo de concentração teria o
distanciamento necessário, durante a experiência, ou seja, na época em
que precisou fazer as respectivas observações? Aquele que está de fora
tem distanciamento, mas está distante demais do fluxo de vivência para
poder colocar qualquer afirmação válida

poderíamos distinguir
três frases nas reações psicológicas do prisioneiro ante a vida no campo
de concentração: a fase da recepção no campo, a fase da dita vida no
campo de concentração e a fase após a soltura, ou melhor, da libertação
do campo.

A estação ferroviária de Auschwitz


A primeira fase se caracteriza pelo que se poderia chamar de choque
de recepção.

Auschwitz. Imagine-se a situação: o transporte de 1500 pessoas está a


caminho há alguns dias e noites. Em cada vagão do trem se estiram 80
pessoas sobre a sua bagagem (seus últimos haveres). As mochilas,
bolsas, etc. empilhadas impedem quase toda visão pelas janelas,
deixando livre apenas um último vão na parte superior. Lá fora se divisa
o primeiro clarão da aurora. Todos achávamos que o transporte se
dirigia para alguma fábrica de armamento onde nos usariam para
trabalhos forçados. Aparentemente o trem pára em algum lugar no meio
da linha; ninguém sabe ao certo se ainda estamos na Silésia ou já na
Polônia. O apito estridente da locomotiva causa arrepios, ecoando como
um grito de socorro ante o pressentimento daquela massa de gente
personificada pela máquina e por esta conduzida rumo a uma grande
desgraça. O trem começa a manobrar frente a uma grande estação. De
repente, do amontoado de gente esperando ansiosamente no vagão,
surge um grito: "Olha a tabuleta: Auschwitz!" Naquele momento não
houve coração que não se abalasse. Todos sabiam o que significava
Auschwitz. Esse nome suscitava imagens confusas, mas horripilantes de
câmaras de gás, fornos crematórios e execuções em massa.

A psiquiatria conhece o quadro clínico da assim


chamada ilusão de indulto: a pessoa condenada à morte, precisamente
na hora de sua execução, começa a acreditar que ainda receberá o
indulto justamente naquele último instante. Assim nós nos agarrávamos
a esperanças e acreditávamos até o último instante que não seria nem
poderia ser tão ruim. "Olha só o rosto rechonchudo e rosado desses
prisioneiros!" Nem de longe sonhávamos que se tratava de uma "elite",
um grupo de prisioneiros escolhido para receber os transportes dos
milhares que, anos a fio, entravam diariamente pela estação de
Auschwitz, isto é, para tomar conta de sua bagagem juntamente com os
valores nela ocultos: utensílios difíceis de conseguir naquela época e
jóias contrabandeadas. Auschwitz naquele tempo era, sem dúvida,um
centro singular na Europa

À noite ficamos sabendo o significado desse jogo com o dedo


indicador: era a primeira seleção! A primeira decisão sobre ser ou não
ser. Para a imensa maioria do nosso transporte, cerca de 90%, foi a
sentença de morte. Ela foi levada a cabo em poucas horas. Quem era
mandado para a esquerda marchava diretamente da rampa da estação
para um dos prédios do crematório, onde - segundo me contaram
pessoas que ali trabalhavam - havia letreiros em diversas línguas
européias que caracterizavam o prédio como casa de banhos. Então
todos os participantes do transporte mandados para a esquerda
recebiam um pedaço de sabão marca "Rif". Sobre o que se desenrolava
dali em diante posso calar-me, depois que relatos mais autênticos já o
tornaram conhecido.

completo. Então começa: "Dou dois


minutos. Estou olhando para o meu relógio. Dentro de dois minutos
vocês têm que estar completamente nus. Atirem tudo no chão; não
podem levar nada, exceto sapatos, cintos ou suspensórios, um par de
óculos e, no máximo, o bragueiro de quem tem hérnia. Vou cronometrar
dois minutos: já!" Com uma pressa incrível o pessoal arranca a roupa do
corpo; à medida que o tempo vai se esgotando, forçam a roupa, correias
e cintos e se despem cada vez mais nervosos e desesperados. Súbito,
os primeiros estalos. Sobre os corpos nus descem chicotes. Somos
levados para outra sala. Então nos raspam o pêlo de cima a baixo. Não
somente da cabeça: não fica um pêlo no corpo inteiro. Dali somos
tocados para dentro dos chuveiros. Entramos mais uma vez em fila. Um
prisioneiro mal reconhece o outro. Mas é com grande alívio e alegria que
alguns constatam que dos chuveiros realmente sai água. . .

Enquanto ainda esperamos pelo chuveiro, experimentamos


integralmente a nudez: agora nada mais temos senão esse nosso corpo
nu (sem os cabelos). Nada possuímos a não ser, literalmente, nossa
existência nua e crua. Que

." Na primeira noite em Auschwitz, dormi


em beliches de três andares, e em cada andar (medindo mais ou menos
2x2x5m) dormiam nove pessoas, em cima de tábua pura; e para cobrirse,
havia dois cobertores para cada andar, isto é, para nove pessoas.
Naturalmente só podíamos nos deitar de lado, apertados e forçados um
contra o outro, o que, por outro lado, face ao frio reinante no barracão
sem calefação, não deixava de ter suas vantagens. Não era permitido
levar sapatos para os beliches. Em grave infração ao código, um ou
outro os usava à guisa de travesseiro, mesmo estando totalmente
enlameados. No mais, nada nos restava senão apoiar a cabeça sobre o
braço, mesmo que quase o destroncasse. Mas o sono leva consigo o
estado consciente, eliminando também o dolorido da posição.

frase de Dostoievski, que define


o ser humano como o ser que a tudo se habitua. Podem perguntar-nos.
Nós sabemos dizer até que ponto é verdade que

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