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Livreto de Poemas

Primavera & Verão

2022
IV

@marianaritzmann
MANUELA LEITÃO Desde a China à Guatemala.
Por isso, pelo sim pelo não,
Segredo para a primavera Sempre que acaba o verão,
Eu corro a fazer a mala!
Tantos dias, tanta chuva,
Tanto vento, tanto frio, A que cheira o verão?
Que, ainda há pouco, o meu jardim
Parecia triste e vazio. Espera.
Oue cheiro é este
Mas um segredo escondia-se Que me acordou de manhã?
Nesta terra adormecida.
E, quando março chegou, Cheiro de sol e de sal,
O meu jardim ganhou vida: Cheiro de azul e pinhal,
Cheiro de água e hortelã?
Campainhas, margaridas,
Begónias, narcisos, cravos, Espera.
Madressilva e gerbérias, Eu sei que cheiro é este,
Tulipas, lírios e jarros, Acho que o conheço bem:
Papoilas, dálias, jasmim,
Violetas, rosas, hera... Se me cheira a melancia,
Se me cheira a maresia,
Venham, abelhas, venham, É o verão que aí vem!
Já cá está a primavera!

Andorinha

Escura e pequenina
É assim a andorinha
Que todos os anos regressa
Para viver no meu terraço.
Quando chega a primavera,
Lá estou eu, à sua espera,
Para darmos um abraço.

Gosto de a ouvir contar


As histórias de espantar
Das terras que visitou:
De piratas, feiticeiros,
Mamutes, peixes falantes, Na esplanada
De reis, dragões e gigantes,
Princesas e marinheiros. Desculpe,
Posso fazer-lhe o pedido?...
A minha querida amiga Traga-me um dia comprido,
Já me prometeu que um dia Em copo alto, de vidro,
Me leva a conhecer o mundo Com gelado, insetos e flores.
@marianaritzmann
Ponha fruta variada E iria para a escola
– Melão, ameixas, coco ralado – Montada na pulga-do-mar.
E no fundo do copo,
Não se esqueça, por favor, Andava de carrossel
Um pêssego alaranjado Nos braços de um polvo amigo
Para fazer de sol-pôr. E o búzio faria o favor
De servir de intercomunicador
E decore com uma sombrinha Para eu falar contigo.
De um azul-céu, delicado,
Só por causa do calor. Quando a noite enfim trouxesse
A lua, para me dar um beijo,
Até já e obrigado! Deitava-me numa conchinha
E ouvia uma historinha
Ah, desculpe... Por favor! Contada por um caranquejo.
Pode também ver se há
Uma flor de jacarandá
Para eu limpar a boca?

A menina da Sophia

Ah, se eu fosse a menina do mar.


A menina que a Sophia
Pôs-se um dia a imaginar!...

Viver numa poça de água,


Fazer dela o meu abrigo
– Cabeça tonta, esse mar,
Que se esquece de levar CECÍLIA MEIRELES
As poças de água consigo!
Pescaria
Pediria às algas verdes
Que fizessem de alface Cesto de peixes no chão.
E à estrela-do-mar, com os seus braços,
Que me desse mil abraços Cheio de peixes, o mar.
Sempre que eu precisasse.
Cheiro de peixe pelo ar.
Como cabide da roupa
Usaria o camarão E peixes no chão.
E pediria à anémona
Que me enfeitasse a lapela Chora a espuma pela areia,
Ou fizesse de botão. na maré cheia.

Ondeava o meu cabelo As mãos do mar vêm e vão,


De manhã, ao levantar; as mãos do mar pela areia
Fazia do mexilhão a sacola onde os peixes estão.

@marianaritzmann
As mãos do mar vêm e vão, Leilão de Jardim
em vão.
Não chegarão Quem me compra um jardim com flores?
aos peixes do chão. Borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
Por isso chora, na areia, ovos verdes e azuis nos ninhos?
a espuma da maré cheia.
Quem me compra este caracol?
Canção de Dulce Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
Dulce, doce Dulce, uma estátua da Primavera?
menina do campo,
de olhos verdes de água Quem me compra este formigueiro?
de água e pirilampo. E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
Doce Dulce, doce E o grilinho dentro do chão?
dócil, estendendo
pelo sol lençóis (Este é o meu leilão!)
entre anil e vento.
O Vestido de Laura
Dócil, doce Dulce
de face vermelha, O vestido de Laura,
doce rosa airosa é de três babados,
a fugir da abelha todos bordados.

da abelha, de vespas O primeiro, todinho,


e besouros tontos, todinho de flores
pelo arroio de ouro de muitas cores.
de seixos redondos…
No segundo, apenas
borboletas voando,
num fino bando.

O terceiro, estrelas,
estrelas de renda
– talvez de lenda...

O vestido de Laura
vamos ver agora,
sem mais demora!

Que as estrelas passam,


borboletas, flores
perdem suas cores.

@marianaritzmann
Se não formos depressa,
acabou-se o vestido
todo bordado e florido!

A Flor Amarela

Olha
a janela
da bela
Arabela.

Que flor
é aquela
que Arabela
molha?

É uma flor amarela.

Os Pescadores e suas Filhas


Figurinhas II
Os pescadores dormiam
Onde está meu quintal
cansados, ao sol, nos barcos.
amarelo e encarnado,
com meninos brincando
As filhinhas dos pescadores
de chicote-queimado,
brincavam na praça, de mãos dadas.
com cigarras nos troncos
e formigas no chão,
As filhinhas dos pescadores
e muitas conchas brancas
cantavam cantigas de sol e de água.
dentro da minha mão?
Os pescadores sonhavam
E Júlia e Maria
com seus barcos carregados.
e Amélia onde estão?
Os pescadores dormiam
Onde está meu anel
cansados de seu trabalho.
e o banquinho quadrado
e o sabiá na mangueira
As filhinhas dos pescadores
e o gato no telhado?
falavam de beijos e abraços.
–a moringa de barro,
Em sonho, os pescadores sorriam.
e o cheiro do alvo pão?
As meninas cantavam tão alto
E a tua voz, Pedrina,
sobre meu coração?
que até no sonho dos pescadores
Em que altos balanços
boiavam as suas palavras.
se balançarão?...

@marianaritzmann
ROBERT LOUIS STEVENSON
Das águas vi no seu fluir agreste,
O Balanço Espelhar o céu dum azul celeste;
O pó das estradas vi subir e vi cair,
Quem não gostaria de estar a voar, De pessoas num constante ir-e-vir.
No céu azulado, num bom ir-e-vir?
Ah, prazer igual a este embalar, Se uma árvore mais alta encontrar
Não deve outro no mundo existir! Além, muito além, poderei divisar
A nascente sinuosa de nossos rios,
Lá bem no alto, acima dos beirais, E singrando mar adentro os navios,
Eu posso ver em toda a amplidão,
Árvores, gados, rios e tudo mais, E uma estrada onde todas as setas
Bem além de toda a nossa região. Apontam sempre a terras incertas
Onde todas as criancas jantam cedo,
Vejo ao fundo de um jardim florido, E vida possuem todos os brinquedos.
Casas e telhados de telhas marrons,
Pra cima e pra baixo, eis-me erguido, Sono de Verão
A voar sob nuvens de todos os tons!
Inverno, eu desperto à luz de vela
E me visto sob sua luz amarela.
No verão, porém, tudo é diferente:
Vou para a cama ainda dia quente.

Vejo, ao meu leito recolhido cedo,


Pássaros que saltitam no arvoredo;
Ouço o ruído dos passos de pessoas,
Que ao longe, na rua, ainda ressoa.

Não é triste para você me avistar,


Em um dia de céu claro a brilhar,
Quando devia estar ainda na folia,
Recolhido à cama, em pleno dia?

Terras Distantes Ovos no Ninho

Trepado em cima de uma cerejeira, Pássaros num dia de verão


(Como subi tão alto dessa maneira?) A disputar e a voar
Com as mãos ao tronco bem agarrado Por sobre o caramanchão
Avistei as terras todas do outro lado. De folhas a se toldar.

Vi próximo o portão imóvel do jardim, Na forquilha de galhos finos


Diante dos olhos, ornado de jasmim; O ninho pardo está construído;
E outros tantos lugares fascinantes, Dois ovos azuis e pequeninos
Aos quais nunca havia visto antes. Sua mãe mantém bem aquecidos.

@marianaritzmann
Enquanto estivermos a vigiar, Para escavar nos areais.
Os olhos fixos nos ovos, Fiz um buraco, feito xícara vazia,
Seguros no ninho hão de estar Ao qual a maré vinha e enchia,
Os filhotinhos novos. De água até não caber mais.

Breve irão nas frágeis cascas Noite e Dia


Romper as novas crias,
Tornando todos pelas matas, O dourado dia finda ao pôr-do-sol,
Felizes com suas cantorias. E cruza o portão, que suas portas cerra;
Crianças e jardins, as flores e o sol,
Bem mais jovens do que nós, Some tudo o que havia sobre a terra.
Bebês ainda, e frágeis,
Logo ao céu irão empós Como o brilho fugaz das nuvens no
Cantando e voando ágeis. poente,
Como os raios do sol a esmorecer,
Nós, já crescidos, nem de relance, Sob o manto da noite, tudo se pressente
Mesmo mais fortes que eles, À distância, se apagar e desaparecer.
Não teremos sequer nova chance,
De vermos os ninhos deles. No jardim noturno, flores estão fechadas,
Crianças pelas camas já dormitam,
Eles irão seguir voando Vaga-lumes estriam de luzes as estradas,
Pipilando as suas árias, E os ratos nos trastes se triplicam.
Suspensos e pairando,
Sobre o topo destas faias. Todas as casas brilham na noite em breu,
Os pais movem-se com suas velas,
E nós, com todo o nosso saber Tudo sob a noite, em seu divino véu,
E nosso sensato tagarelar, Ronda meu quarto, às apalpadelas.
Sobre os pés vamos nos manter
A labutar e a caminhar. Até que por fim o dia reaparece,
No nascente despontando,
Por sob cercas e o tojo que floresce,
Sonolentas aves despertando.

Na escuridão surgem sombras de entes,


De casas, arvoredos e cancelas,
E os pardais com suas asas frementes,
Roçam pelas bordas das janelas.

Desperta também a donzela preguiçosa,


Que encontra ao descerrar a porta,
Uma lágrima de orvalho sobre a rosa,
Na Beira da Praia E a manhã velando a noite morta.

Andando pela praia, à sua beira, Meu jardim floresce agora novamente,
Achei uma pazinha de madeira, De rosa e de verde está tingido,
@marianaritzmann
Como à janela o vi ontem no poente,
Pouco antes de haver escurecido.

Vi então como aos poucos se sumia,


Com a gangorra a desaparecer;
Agora eu o vejo aflorar em novo dia,
Sob a luz sublime do alvorecer.

Lá estão os campos e os bosques,


Os roseirais todos floridos,
E também os azulados miosótis,
Onde o orvalho tem dormido.

"De pé'", dizem eles, "Já é hora!


O dia quer sorrir e brincar contigo,
Já sopramos os clarins da aurora;
Vamos, junte logo os seus amigos!"

Para Onde Vão Os Meus Barquinhos?

O rio de águas turvas


É de douradas areias,
Sempre a correr nas curvas,
Com árvores nas beiras.

Verdes folhas vão flutuando,


Em castelos que espumam,
Meus barcos vão navegando,
Para onde será que eles rumam?

O rio sem parar desembesta


E o moinho é ultrapassado,
Deixando para trás a floresta,
Deixando para trás o relvado.

Corre assim, sem tréguas o rio,


Cem mil milhas ou mais,
Outras crianças, de volta, confio,
Trarão meus barcos ao cais.

@marianaritzmann

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