Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
br/teoespestvid-
g03273-fev-2024-grad-ead/)
1. Introdução
Seja bem-vindo ao estudo da obra
!
Nesta parte do material didático, você encontrará o referencial teórico das sete
unidades em que se divide a presente obra.
Enquanto cada qual possui sua própria identidade e maneira de seguir Jesus
Cristo, todas participam da única missão con�ada pelo Pai a toda a Igreja: ser
sacramento universal de salvação.
Essas três formas de vida representam a liberalidade com que o Espírito con-
cede os seus dons, para que eles se transformem em ministérios a serviço da
Igreja e de toda a humanidade.
Bom estudo!
2. Informações da disciplina
Ementa
Fundamentos e história da espiritualidade cristã. A experiência de Deus na
Bíblia e a espiritualidade de Jesus de Nazaré. Fundamentos teológicos e pasto-
rais do presbiterato, do laicato e da vida religiosa da nova aliança. Lugar da es-
piritualidade no quefazer teológico e pastoral. Mística e espiritualidade na
atualidade. Espiritualidade e ecologia.
Objetivo geral
Investigar os fundamentos básicos da espiritualidade cristã e dos estados de
vida no discurso bíblico-teológico e na história da Igreja, visando a práxis
eclesial-libertadora.
(https://md.claretiano.edu.br/teoespestvid-
g03273-fev-2024-grad-ead/)
Unidades de estudo
g03273-fev-2024-grad-ead/)
Objetivos
• Estudar a espiritualidade como disciplina cientí�ca.
• Compreender a espiritualidade como experiência que envolve todos os
aspectos da vida humana.
• Ter uma noção dos principais elementos que compõem a espiritualidade
cristã.
• Analisar a experiência espiritual no contexto humano e social.
• Conhecer os principais desa�os do desenvolvimento e maturidade espiri-
tual.
Conteúdos
• Conceito e estudo da espiritualidade.
• A experiência espiritual e seus novos lugares e estados.
• Breves acenos da espiritualidade na Bíblia.
• As grandes escolas de espiritualidade na história.
• A Trindade como fonte de toda espiritualidade.
• A vida segundo o espírito.
• A espiritualidade e o “ethos” social.
• As instituições e normas como meios para o desenvolvimento espiritual.
• Ascese e discernimento espiritual.
• Crescimento e maturidade espiritual.
1. Introdução
Nesta unidade iremos ver mais de perto como a Teologia da Espiritualidade
foi se tornando uma disciplina teológica e a experiência espiritual vai sendo
estudada de uma forma mais sistemática, sem perder a sua dimensão trans-
cendental, mas também analisando a sua manifestação histórica, concreta.
A teologia, porém, depara-se com uma di�culdade muito particular ao ser es-
tudada cienti�camente: as bases de toda re�exão está fundamentada por
, em uma livre . Esta Revelação se
manifesta na história humana ao eleger um povo e propor a eles o signi�cado
último de tudo o que foi criado. Desta forma, só se pode falar em uma "certeza
teológica" pelo fato de que esta fé na Revelação de Deus é, também, investiga-
da racionalmente, por teólogos que procuram encontrar a inteligência das pro-
posições fundamentais da fé confrontando-as com outros dados da vida do
ser humano, como aqueles das ciências exatas e humanas (cf. BERNARD, 2011,
p. 11).
É por isso que os princípios de uma teologia espiritual estarão sempre em re-
lação com a doutrina da Igreja universal, não podendo desprezar o aprofunda-
mento teológico nos seus vários níveis de re�exão, quer da teologia dogmáti-
ca, quer da teologia moral. Esta relação com Deus, que possibilita ao ser huma-
no o conhecimento mais profundo de sua vida sobrenatural e �m último de
sua existência, terá uma in�uência direta no seu conhecimento de Deus. Isto
in�uenciará o ambiente social, cultural e histórico de sua vida concreta, à me-
dida que cresce na sua vida sobrenatural.
A vida espiritual é sempre vida de um ser humano concreto, com sua história,
suas capacidades e limites, que dependem de muitos fatores da sua formação.
Deste modo, o conhecimento do ser humano ajudará para que a teologia espi-
ritual se identi�que como uma disciplina teológica própria e verdadeira.
Mesmo que as ciências humanas não possam ser consideradas o primeiro
princípio de uma teologia espiritual (pois o dom de Deus precede dando a pos-
sibilidade da participação na vida divina), elas também não são secundárias,
pois esse dom é recebido sempre por um sujeito determinado.
Como são pessoas concretas que fazem a experiência da vida divina, as ciên-
cias humanas são um fundamento irrenunciável da teologia espiritual. Pode-
se falar de uma , ou seja, o ser humano concreto que
se conhece a partir da sua relação com Deus (cf. BERNARD, 2011, p. 12-13).
Segundo Secondin (1994, p. 17), como disciplina ela pode ser de�nida pelos se-
guintes elementos:
Conceito de espiritualidade
Não foi simples de�nir um conceito de espiritualidade, pois este recebeu mui-
tas in�uências históricas, doutrinais, devocionistas, �losó�cas e antropológi-
cas. A própria Bíblia, embora esteja impermeada de espiritualidade, não traz
um conceito teórico sobre o tema. Paulo fala de um "homem espiritual" (cf.
1Cor 2,13; Gl 6,1; Rm 8,9) que vive na experiência do Ressuscitado, assumindo
uma vida eclesial, e que vai crescendo em todas às suas dimensões –
(1Ts 5,23) – a espera de uma plenitude futura (cf. Rm 8).
O outro elemento é o sujeito, que tem uma grande capacidade criadora na rela-
ção com a realidade, até mesmo podendo modi�cá-la. Ele faz a experiência
com a totalidade de seu ser: com a sua história (forma concreta de sua exis-
tência), seu corpo (sem separá-lo de sua alma), sua razão (faz parte da sua na-
tureza humana).
Por �m, temos o próprio fazer a experiência, que é algo realizado, concretizado,
não apenas fruto de especulações teóricas, mas algo que envolve toda a pes-
soa e traz a ela consequências concretas.
Assim, pode-se a�rmar que:
Na experiência existe um elemento ou um componente extrapessoal (objeto) e um
outro intrapessoal (sujeito). Ambos são relacionáveis. De fato, estão em recíproca
dialética. É desta relação que emerge e que se a�rma a unidade da pessoa. Em se-
melhante unidade pessoal e dialética, a pessoa é movida, criada e recriada – na al-
ma e no corpo – de maneira imprevisível, com uma ponta de fatalismo. Ora, mais
ou menos, vai-se lenta e progressivamente criando aquele fundo que denominamos
experiência, e que por caminhos não sempre conhecidos – ao contrário, muitas ve-
zes ignorados – guia a pessoa, indicando-lhe uma estrada a ser palmilhada e
escondendo-lhe outras. O homem é "animal de experiências" (GUERRA, 1994, p. 40).
Guerra (1994, p. 47-51) ainda propõe alguns critérios que ajudam na veri�cação
desta experiência espiritual:
De acordo com Zovatto (1994, pp. 115-192), podemos elencar as grandes escolas
de espiritualidade e suas principais características, apresentadas aqui de for-
ma bem panorâmica:
O Deus que Jesus revela é o Deus de seus pais, o Deus que foi se revelando na
fé hebraica da qual Jesus também fez parte. A novidade é que o Reino espera-
do pelos judeus somente nos últimos tempos torna-se já concreto e presente
em Jesus, mostrando o rosto de um Pai amoroso e misericordioso, que vai res-
gatando a vida do seu povo, criando novas relações mais fraternas e solidári-
as. Para que isso aconteça, convida à obediência da Lei com um novo sentido
e desa�a a um processo de conversão que vai concretizando o Reino já no pre-
sente, rumo ao Reino de�nitivo. Toda a vida e anúncio de Jesus é a partir de
Deus e em vista de Deus.
Já para os ocidentais, destaca-se a entrega total de Cristo na cruz como ato de-
cisivo de "satisfação", ou seja, que restitui, responde às exigências do mérito
in�nito do amor de Deus violado pelo pecado da humanidade. Considera-se,
assim, a encarnação como necessária para se cumprir esse ato �nal de resti-
tuir a humanidade para a glória de Deus.
Toda a vida de Jesus, sua história, seu agir são obras do Espírito Santo que se
revela desde sua concepção, sem ser suplantado pela sua união com a condi-
ção humana. Durante toda a sua vida pública, a manifestação deste Espírito é
atualizada e rea�rmada, sendo que na ressurreição, possuindo-o juntamente
com o Pai, Ele será comunicado a toda a humanidade para que esta dê conti-
nuidade à missão iniciada por Cristo.
Espiritualidade trinitária
Portanto, falar de espiritualidade é falar de participação na Trindade. Porém, o
ser humano não sendo criatura divina como Deus não pode participar da vida
trinitária do mesmo modo em que Deus se relaciona com o Verbo encarnado.
Mas na sua e ao ser humano através da his-
tória, conhecemos Deus como Pai que nos torna todos e
, por conseguinte, e , recebendo em nossa vida o seu
Espírito que nos leva a chamá-lo de Pai, Abbá (cf. Gl 4,6).
Desta forma, não se pode mais retroceder à busca de uma Trindade intradivi-
na , a qual seria acessível somente por meio de conceitos, teorias.
Participamos da vida de Deus Trindade da mesma maneira como o conhece-
mos: através de seu modo histórico de se revelar, que se torna a única maneira
pela qual podemos falar deste mistério trinitário.
A Palavra é a ação de Deus na história, pois foi desta forma que Ele se fez co-
nhecer pelo povo de Israel, através das alegrias e dores vividas por esse povo.
Mais tarde, com a ressurreição de Cristo, chega-se à plenitude desta revelação,
sendo �el à promessa uma vez feita e agora totalmente realizada.
A Palavra não pode ser compreendida sem a dimensão da fé, pois requer o
daqueles que con�am num Deus que é digno de con�ança.
Também não pode renunciar à , pois estará sempre ligada ao Espírito
Santo (Ruah, no Antigo Testamento, e Pneuma, no Novo) que recorda tudo o
que Deus é e fez na história de seu povo. O Espírito sustenta toda ação e obra
de Jesus, ensina e relembra, faz compreender sua mensagem e as consequên-
cias concretas do seu seguimento.
Todo sacramento celebrado que invoca o Espírito é um acontecimento tanto
da Palavra como do Espírito, pois não se recebe uma , e sim a
através de sua Palavra que concretiza o projeto
de Deus nela revelado. É uma memória que remete ao que Deus fez, ao que a
Palavra transmite. Aqui vem toda dimensão do compromisso com a Palavra,
pois o que é celebrado na memória deve se tornar novamente
de quem celebra, atualizando a obra de Deus, participando na missão de
seu Filho.
A oração do povo de Israel surge da certeza de um Deus que ouve o grito de sú-
plica de seu povo, pois, pela sua própria natureza e revelação na história, é um
Deus �el, verdadeiro, que não abandona a sua gente. Por isso mesmo, a memó-
ria é feita não pra recordar-se somente de um sujeito, mas de um povo. A re-
cordação se torna oração, assumida depois pela Igreja nascente. E a oração
por excelência que faz memória da ação de Deus será a : ela atualiza
a ação de Cristo na comunidade e a concretização do seu Reino na vida daque-
les que celebram e se comprometem com seu projeto, que é a vontade perma-
nente do Pai.
A oração ao Pai deve ser amplamente "católica", ou seja, que abrange toda a
, desde a fé de Abraão. Ela reúne todos, judeus e gentios
(cf. Ef 2,11-22), num só povo, na comunhão de uma mesma história, da mesma
Aliança feita com Deus. Esta faz com que toda a oração dirigida ao Pai não se-
ja uma oração a si próprio, mas a súplica dos membros de Cristo por todo o seu
povo, do qual faço parte como cristão.
O mistério pascal
O mistério da Páscoa é a resposta de�nitiva de Deus à oração do povo. É o
cumprimento da promessa messiânica, ligando a Páscoa de Cristo à Páscoa
judaica, o presente e o passado numa mesma história de vida e salvação. É
ainda a manifestação plena do Espírito que acompanhou Jesus e que agora é
entregue a toda a humanidade, formando a Igreja, já pré-�gurada desde as ori-
gens na Aliança de Deus com seu povo. É o mistério que reconcilia o ser hu-
mano com o Pai, reunindo todos num mundo (cf. Jo
11,51-52).
O Espírito, que faz chamar a Deus de Pai, convoca todos a constituir-se Povo de
Deus, o corpo místico de Cristo, convite estendido a toda a humanidade. Para
isso, Deus escolheu um povo na história para com ele viver uma experiência
de vida que se tornasse consciência para outros povos, para que outros tam-
bém estivessem abertos e disponíveis à ação do Espírito, à experiência pascal.
Diante disto, pode-se assumir duas atitudes espirituais diferentes: viver so-
mente numa perspectiva (da plenitude dos tempos), desconside-
rando ou desprezando os aspectos culturais terrenos; ou , e
a cultura presente, dialogando com ela. Esta segunda atitude foi
assumida pelo Concílio Vaticano II quando reconhece que os cristãos devem
se na vida cultural e social de cada tempo, pois nas diversas cultu-
ras existem também as "sementes do Verbo" (Decreto Ad Gentes, n. 11).
Diante disto, pode-se assumir duas atitudes espirituais diferentes: viver so-
mente numa perspectiva (da plenitude dos tempos), desconside-
rando ou desprezando os aspectos culturais terrenos; ou , e
a cultura presente, dialogando com ela. Esta segunda atitude foi
assumida pelo Concílio Vaticano II quando reconhece que os cristãos devem
se na vida cultural e social de cada tempo, pois nas diversas cultu-
ras existem também as " " (Decreto Ad Gentes, n. 11).
O papel do corpo, da psique e do tempo na espiritualidade
cristã
Mais do que o simples que expressa uma estrutura do ser hu-
mano (corpo e alma), a manifesta a (integral) da
pessoa toda, seu modo de ser, de viver, de realizar a sua história. A corporeida-
de não é um limite, mas uma forma da pessoa ser, de existir.
Como compreender, então, a oração como encontro íntimo com Deus que vai
além ou supera a dimensão corpórea? Nesse sentido é preciso lembrar que a
, a experiência de intimidade com Deus, não signi�ca
abandonar a própria corporeidade, mas deixar que o Espírito pascal impregne
toda a dimensão do ser da pessoa. É preciso permitir que o estado corpóreo
carnal seja espiritualizado, abrindo-se ao contato imediato com o divino.
Assim, o corpóreo é símbolo de oração ou vivência sacramental na sua união
com o Espírito, o que o diferencia de qualquer outra matéria: é a pessoa inteira
que reza, que se puri�ca, que se alimenta da Eucaristia (cf. GOFFI, 1994, p.
372-373).
Como são nas relações afetivas com as pessoas que se dá o verdadeiro conhe-
cimento do outro, não é diferente com Deus. O ser humano o conhece na medi-
da em que, acolhendo a experiência de fé, vive uma relação de amor que o
Espírito comunica. Assim, assume-se a vontade divina não como uma teoria,
mas como experiência concreta, fundamentada no testemunho de amor que
temos por Deus.
Neste sentido é que as instituições eclesiais são aquelas que estruturam a vida
cristã e permite a aos valores evangélicos, vividos em comunhão.
As normas vão estabelecendo as atividades a serem realizadas para atingir tal
�m. As instituições, portanto, concretizam as dinâmicas espirituais. Deste
modo, a espiritualidade não é somente algo pessoal, vivido na sua individuali-
dade, mas se alimenta de uma tensão vital com a comunidade na qual perten-
ce, na busca da vontade de Deus, renunciando aos ídolos e assumindo a práti-
ca do amor (cf. MOLARI, 1994, p. 423).
Entretanto, não se pode também acolher o novo sem uma atenta �delidade à
progressiva ação de Deus na história humana, aos valores irrenunciáveis do
Reino que introduzem dimensões eternas nas experiências da existência tem-
poral onde a vontade divina se manifesta. Por isso, a deve
estar atenta: à do presente (o que vivemos hoje como resposta atual
ao compromisso uma vez assumido); à do passado (experiência que
fundamenta os valores a serem vividos no presente); e à do futuro
(tensão trazida pelo presente que nos faz projetar o futuro diante da leitura dos
sinais dos tempos).
O teólogo italiano MOLARI (1994, p. 437-440) lembra-nos que há também ris-
cos e ambiguidades nas Instituições, pois estas podem ea
reprimindo a criatividade ou a valorização do novo. Podem ainda ali-
mentar certo desejo de e ao querer levar vantagens de
estruturas de poder para se autopromover ou se destacar entre os outros, es-
quecendo o sentido de serviço e humildade nas estruturas religiosas. Outro
risco é o de querer se manter a partir de um (doutrinação), não
respeitando a liberdade humana, forçando as pessoas a assumirem os valores
religiosos.
A palavra ascese (que vem do grego “áskesis”, do verbo "askéo", que signi�ca:
esforçar-se, exercitar-se) justamente se refere a todo o exercício realizado, todo
esforço intenso e metódico feitos para se alcançar um resultado, quer físico ou
espiritual. No sentido Teológico, a ascese são os exercícios que proporcionam
a possibilidade de perceber a ação de Deus, os apelos de sua Palavra, a força do
seu Espírito que se manifesta na história humana; são exercícios que possibi-
litam que os valores divinos se expressem na vida humana, guiando a história
da pessoa.
A ascese cristã, porém, não é para levar as pessoas à busca de uma perfeição
no sentido moral, muito menos para amenizar ou esconder as limitações hu-
manas que cada um possui. Pelo contrário, é para abrir toda essa realidade da
pessoa à revelação de Deus que vai se manifestando por meio dos atos huma-
nos. É neste sentido que a ascese irá levar à busca da santidade não como “es-
tado de perfeição”, mas como abertura a Deus, para que ele aja e transforme as
realidades humanas de acordo com sua vontade.
Isso não signi�ca dizer que a pessoa continue sempre imatura, pois a imaturi-
dade sim deve ser superada para que haja um verdadeiro crescimento espiri-
tual. A ascese abre a pessoa para acolher a ação divina, acolhendo o dom da
vida nova, superando aquilo que impede este dom se manifestar, ainda que
convivendo com as limitações humanas.
A necessidade de discernir
No caminho da espiritualidade, o é muito importante
pelo fato de lidar com eventos salví�cos que, embora aconteçam na história,
seu signi�cado vão além de sua realização, daquilo que podemos ver e con-
templar. Muitas vezes, essa dimensão transcendental da história pode nos re-
meter a interpretações ambíguas ou não tão claras. Por isso que a vida espiri-
tual necessita de um discernimento dos diferentes que a
pessoa pode viver e ainda pode ser desa�ada a acolher em diversos momentos
de sua vida.
O discernimento é feito, através da fé, pelas circunstâncias, situações, impul-
sos interiores que a pessoa recebe em relação à vontade de Deus ou aos valo-
res do Evangelho. O desa�o é sempre de discernir, nos sinais dos tempos, os
apelos da vontade de Deus em determinadas situações ou circunstâncias.
Portanto, a vida e seu crescimento, os frutos que dela vão surgindo, será um
critério fundamental para o discernimento espiritual, pois a salvação vai sen-
do realizada em tudo aquilo que faz a pessoa crescer até a plenitude eterna. Se
ainda não há frutos, os critérios de avaliação, mesmo que provisórios, deverão
ser a lei ou a tradição que mostram o caminho, o confronto ou o diálogo com
os outros, para se comparar com os frutos vitais do crescimento espiritual.
Para o diálogo, deverá haver uma abertura para o sadio pluralismo, acolhendo
outras opiniões ou formas de ver as coisas. Nesse sentido é que a oração em
comum também será imprescindível para criar comunhão, clarear as motiva-
ções, amenizar as tensões, etc. E uma vez tomada a decisão, é importante o
envolvimento e compromisso de todos, mesmo daqueles que foram contrários
a elas ou de opinião diversa.
Desta forma é que a vida vai sendo pautada por aquilo que se chama de
, as quais vão fundamentando o comportamento da pessoa. Para aqueles
que querem "viver em Cristo", terá que dar uma atenção especial às chamadas
, as quais constituíram o modelo do seu comportamento:
uma absoluta no Pai; uma inabalável na realização do Reino; a
prática da que norteou toda a sua vida.
São valores centrais que devem conduzir a vida de todo cristão, não somente
em teoria, mas na prática. Pois o centro de todas as virtudes, segundo Paulo, é
o que supera tudo, que espera tudo, que desculpa tudo, etc. (cf. 1Cor
13,4-13), inserindo totalmente o ser humano na identi�cação com o Cristo.
Muitos místicos hoje vivem uma experiência profunda de unidade com Cristo
sem grandes manifestações externas particulares, mas nas
suas relações com o próximo a mesma caridade que experimenta na vida de
intimidade com Deus.
12. Considerações
Vimos, de uma forma muito geral, alguns elementos essenciais que compõe a
Teologia da Espiritualidade. É claro que o tema é bem mais amplo e abrangen-
te. Porém, de uma forma sintética, abordamos os princípios básicos que nos
ajudam a re�etir sobre a experiência espiritual e os componentes nos quais se
fundamenta a espiritualidade cristã.
g03273-fev-2024-grad-ead/)
Objetivos
• Compreender o termo "leigo".
• Interpretar a História do leigo na Igreja.
• Entender a visão teológico-eclesiológica de forma decisiva na vida do lei-
go na Igreja.
• Estabelecer pontos de referências para a identidade do leigo hoje.
Conteúdos
• O termo "leigo".
• Conotações atuais do termo.
• Etimologia da palavra.
• O termo "leigo" na Bíblia.
• O leigo nos primeiros séculos do cristianismo.
• A reviravolta do século 4º.
• Os leigos na Idade Média.
• Os leigos na Idade Moderna.
1. Introdução
Nesta unidade, a partir do ponto de vista da re�exão teológica contemporânea,
buscamos lançar um olhar panorâmico sobre o modo como o leigo foi visto
pela Igreja Católica nos seus vinte séculos de História, abordagem essa que
nos ajuda a entender melhor os diversos pontos de vista existentes.
Por que olhar para o passado, se o mais interessante e produtivo seria �xar
nossa atenção na realidade pastoral e na re�exão teológica que temos hoje?
Se não tomarmos consciência de tal processo, ele continuará e até mesmo de-
terminará opções presentes em nossos comportamentos. Seria praticamente
impossível entender certas concepções que ainda carregam o imaginário
eclesial sem conhecer as principais visões e posturas que incidiram no modo
como o leigo foi visto e considerado ao longo da História.
Por outro lado, na medida em que conhecemos nossa história, com seus valo-
res e condicionamentos, nos tornamos mais livres para escolher o rumo que
queremos dar à nossa existência. Não esqueçamos que a consciência, a liber-
dade e a responsabilidade caracterizam o modo de ser humano.
Na proporção em que conhecemos a trajetória do laicato católico na Igreja – e
no mundo –, descortina-se diante de nossos olhos o horizonte de liberdade,
fruto da consciência, que nos permite apropriar os valores da tradição e, ao
mesmo tempo, exercer a criatividade, de forma consciente e responsável, para
que a riqueza de carismas e ministérios suscitados pelo Espírito, em nossos
dias, tornem-se e�cazes na promoção dos valores do Reino de Deus.
2. O termo "leigo"
Antes de iniciarmos nosso percurso histórico, vamos dedicar um pouco de
tempo para entender melhor o signi�cado do termo "leigo". Conhecer a etimo-
logia da palavra é um passo fundamental para aprofundar o tema que estamos
estudando.
4. Etimologia da palavra
Como dissemos anteriormente, para entender bem uma palavra, além das co-
notações que ela assume nos dias de hoje, é importante conhecer, também, a
sua origem. provém da palavra grega laikós, por sua vez derivada do ter-
mo laós, que signi�ca "povo". O su�xo ikós designa uma categoria que se dife-
rencia de outra no interior do mesmo povo (laós). Em alguns papiros antigos, a
palavra laikós é usada para indicar a população enquanto distinta daqueles
que a administram. Nesse caso, laikós são as pessoas que fazem parte de um
grupo social, mas que não tem dentro dele uma função de administração, isto
é, de autoridade.
Se pertence ao povo numa perspectiva, na outra é alguém que não faz parte do
polo ministerial ou hierárquico. Com muita perspicácia, o teólogo italiano
Bruno Forte a�rma que a História do laicato católico se inscreve justamente
entre as várias articulações desses dois polos (cf. FORTE, 1987, p. 22).
A raça eleita, o sacerdócio real, uma nação santa, o povo de sua particular proprie-
dade, a �m de que proclame as excelências daquele que vos chamou das trevas pa-
ra a sua luz maravilhosa, vós que outrora não éreis povo, mas agora sois o Povo de
Deus (1Pd 2, 9-10).
Em outras palavras, aqueles que antes eram o ta etné, agora são o laós.
Indo às origens, o cristão logo percebe que de leigo nada se fala no Novo
Testamento: não há nenhum indício do termo! Nem traço algum de qualquer reali-
dade que se pudesse transpor e fazer corresponder ao fato leigo contemporâneo!
Pelo contrário, os elementos com que de�nimos atualmente os leigos como uma
categoria especí�ca na maior parte estão ausentes dos escritos neotestamentários,
quando não são neles explicitamente contestados (FAIVRE, 1992, p. 17).
Esse sentido de unidade era favorecido, também, pelo fato de que as grandes
expressões de vida cristã estão tanto para os leigos como para os sacerdotes.
Muitos leigos se destacam no campo teológico e, também, no do ensinamento
e do testemunho de fé. Os leigos Justino, Clemente de Alexandria, Panteno e
Tertuliano estão entre os maiores teólogos dos primeiros séculos. Assim, tam-
bém, Orígenes era reconhecido como grande teólogo e pregador, bem antes de
ser ordenado presbítero. Entre os mártires, que é a expressão por excelência
da vida cristã, encontram-se tanto ministros ordenados quanto leigos. A signi-
�cativa representatividade do leigo no campo teológico e no testemunho da fé
faz com que o leigo conte com um alto nível de apreço por parte de toda a
Igreja nos primeiros séculos do cristianismo.
7. A reviravolta do século 4º
A partir do século 4º, começa-se a desenhar um novo cenário na História do
cristianismo, e grandes mudanças não tardam a chegar. Em 313, Constantino,
provavelmente, já convertido ao cristianismo, assina o Édito de Milão, pelo
qual concede liberdade religiosa a todo o território do Império Romano. Por
obra de Teodósio, em 389, o cristianismo torna-se a religião o�cial do Império
e, a partir de 391, qualquer outra forma de culto passa a ser proibida.
Um grupo mais fervoroso, que vive à sombra dos mosteiros e das igrejas, em um es-
tado de "conversão" ou "penitência", e a massa do povo, que apenas recebe alguma
instrução religiosa por ocasião da recepção de um sacramento (ALMEIDA, 2006, p.
80).
Graciano foi professor de leis canônicas da Universidade de Bolonha, Itália, a sua obra,
Concordia discordantium canonum, publicada entre 1140 e 1150, sob o título Decretum
Gratiani, tornou-se o livro canônico mais estudado, até a publicação do código de direito
canônico. Grande canonista, Graciano foi o primeiro sistematizador do direito eclesiástico.
É desse "húmus" que nasce o grande servo dos pobres, São Francisco de Assis.
Recusando-se a escrever uma regra para os seus discípulos, ele demonstra
participar da sensibilidade do seu tempo, que clama por uma vida cristã au-
têntica e plena, como faziam os monges.
Outro destaque dado aos leigos aparece com o surgimento das grandes cate-
drais:
Como você mesmo pode notar, estamos diante de uma mudança de paradig-
ma. Na Idade Média, Deus é a verdade, e a sua vontade, interpretada e ensina-
da pela autoridade; a razão tem seu espaço de importância, mas ela está, fun-
damentalmente, a serviço da fé, daí a concepção de que a Filoso�a é a serva da
Teologia.
O mundo moderno parte de outro princípio: nem Deus, nem a autoridade; a ra-
zão é o critério e fundamento de toda a verdade.
A reforma que começa a a�orar nas primeiras décadas do Século 16 não parte
do centro, mas da periferia, de nações que não toleram mais as imposições de
Roma. A reforma é um profundo desejo de um retorno à pureza originária da
Igreja primitiva. Mais que uma reforma doutrinal ou teológica, busca-se uma
renovação da prática eclesial. Não há na mente dos reformadores a intenção
de dividir a Igreja; o que buscam é uma renovação dentro dela, à luz do grande
ideal de vida cristã vivido pelas primeiras comunidades, assim como são
apresentadas pelos Atos dos Apóstolos (cf. ALMEIDA, 2006, 168).
Você mesmo pode perceber que o ideal de retorno ao passado, expresso pelo
Renascimento e Humanismo como um retorno à cultura clássica, aparece no
interior da Igreja em manifestações diversas, retorno esse ao ideal cristão vi-
vido pelas primeiras comunidades cristãs tanto pela Sagrada Escritura quanto
pelos Padres da Igreja.
A Reforma Protestante
Entre os reformadores, aparece a �gura do alemão Martinho Lutero
(1483-1546). Acentuando de forma exacerbada a dimensão invisível da Igreja
em contraposição aos que, de forma unilateral, privilegiam a dimensão social
e visível dela, contesta qualquer forma de fundamentação divina na autorida-
de do papado de Roma. Somente Cristo é a cabeça da Igreja, não havendo ou-
tro. Em outras palavras, ninguém pode ser vigário de Cristo nem pedra ou fun-
damento da Igreja espiritual. No seu entendimento, o papado tem origem hu-
mana, e sua função se restringe à Igreja de Roma, que, pela forma como vive,
não é a verdadeira Igreja. Entre os sinais que edi�cam a Igreja – o batismo, a
eucaristia e, principalmente, o Evangelho –, não está o papado romano (cf.
ALMEIDA, 2006, p. 173).
A Contrarreforma
Mesmo que Lutero não tivesse intenção de fundar uma nova Igreja, a cisão
acontece e provoca fortes consequências dentro da Igreja Católica. De um lado,
há uma reação positiva que buscará uma progressiva renovação eclesial, na
qual é incluída uma maior preocupação pela formação de todos na vivência
da fé; de outro, percebe-se que a Protestante gerou traumas que ne-
cessitarão de séculos para serem amenizados. A mesma Igreja que no segun-
do milênio viu romper-se sua unidade no Oriente, na primeira parte do século
16 vê rompida, também, sua unidade no Ocidente. A autoridade eclesial, con-
testada de fora pelo mundo moderno, passa a ser contestada também no inte-
rior da Igreja pelos protagonistas da Reforma Protestante.
Formados nesse contexto, os leigos, até o �nal do século 18, na sua maioria,
mostram-se empenhados em viver a fé cristã no âmbito privado. Buscam vi-
ver de forma coerente a própria fé, mas ela tem uma conotação fundamental-
mente individualista e, por consequência, não se sentem, ainda, envolvidos
nas grandes questões da sociedade. A Igreja busca, com relativo sucesso, pro-
teger os seus �éis da nova mentalidade proposta pela cultura moderna e pela
Reforma. A sociedade moderna e a Igreja trilham caminhos independentes,
num clima de mútua hostilidade, caracterizado por, de um lado, desprezo e, de
outro, condenações. A Igreja Católica e as Igrejas reformadas ocupam-se em
evidenciar as diferenças e limites entre umas e outras, numa atitude altamen-
te defensiva. No interior da Igreja Católica, os leigos mantêm uma atitude de
submissão diante de uma hierarquia eclesiástica que a�rma cada vez com
mais força a sua autoridade.
Ninguém pode ignorar que a Igreja é uma sociedade desigual na qual Deus desti-
nou alguns para comandar, outros para obedecer. Estes são os leigos, aqueles os
clérigos (ALMEIDA, 2006, p. 79).
Essa é, também, a postura fundamental dos demais papas do século 19, bem
como da primeira parte do século 10: Pio IX, Leão XIII, Bento XV e Pio XI (cf.
SCOPINHO, 2011, p. 582-586).
O ideal da santidade passa a ser visto não mais a partir da perspectiva apre-
sentada pela antiga hagiogra�a, mas segundo novos modelos que surgiam no
interior do associacionismo e, sobretudo, uma santidade não mais vista como
prerrogativa de alguns, mas como vocação de todos.
Karl Rahner (1956), certamente o maior teólogo do século 20, apresenta a rela-
ção com o mundo como elemento distintivo do leigo. Seu apostolado mais es-
pecí�co não se realiza no ambiente eclesial, mas no mundo, partindo do papel
e das responsabilidades que ele ocupa na sociedade. Se o leigo se dedica uni-
camente ao apostolado dentro da Igreja, ele abandona o seu campo especí�co
de trabalho, deixando, na realidade, de ser leigo.
Merece, porém, particular destaque a obra escrita pelo teólogo Yves Congar,
publicada em 1953, traduzida e publicada no Brasil 13 anos depois, Os leigos na
Igreja (1966). O autor destaca alguns elementos que contribuíram signi�cativa-
mente para a redescoberta do leigo ao longo do século 20, reconhecendo:
A partir dessa nova re�exão teológica, o laicato passa a ser apresentado não
tanto na sua dependência do clero, mas num horizonte mais amplo, no aspec-
to mais cristológico que eclesiológico. Pelo batismo, a pessoa é incorporada a
Cristo e participa do Seu múnus sacerdotal-profético e régio. Como con-
sequência, torna-se membro da Igreja, entendida como Mistério, Comunhão,
Povo de Deus, que é, essencialmente, missionária (AG, 2). Pelo simples fato de
pertencer a ela, o leigo participa do seu apostolado, exercido por todos os seus
membros em modos e ministérios diversos (AA, 2; em, 73; LG, 31; AG, 35). A �-
gura do �el leigo passa a ser vista, a partir da nova visão eclesiológica do
Concílio Vaticano II, na sua realidade de comunhão e missão (cf. L, 18-44). Na
Igreja do Brasil, é o documento da CNBB, de 1999: "Missão e Ministérios dos
cristãos leigos e leigas".
10. Considerações
A re�exão que realizamos nesta Unidade 1 mostra como o leigo foi considera-
do de forma bem diversi�cada ao longo da História do cristianismo. O modo
como o leigo é visto em cada momento histórico depende de uma série de fa-
tores, que envolvem a vivência da fé, o nível cultural do laicato, a visão eclesi-
ológica predominante, bem como a visão da Igreja em relação ao mundo.
A Unidade 2 tem como foco a teologia do laicato, buscando apresentar de for-
ma mais ampla e positiva a identidade e a missão do leigo.
Até lá!
(https://md.claretiano.edu.br/teoespestvid-
g03273-fev-2024-grad-ead/)
Objetivos
• Compreender o termo "leigo".
• Interpretar a história do leigo na Igreja.
Conteúdos
• Teologia do laicato.
• Consagrados e inseridos em Cristo.
• Leigo, Igreja e missão.
• Espiritualidade e santidade de vida.
2. Teologia do Laicato
O esboço histórico sobre o leigo na vida da Igreja mostrou-nos que o leigo foi
considerado de forma diversi�cada ao longo da História do cristianismo. Se
quisermos que o leigo realmente tenha o seu lugar reconhecido na Igreja, é
fundamental que tenhamos clareza do ponto de vista teológico sobre sua iden-
tidade e dignidade. Esse é o foco desta unidade, que iniciamos agora.
O segundo capítulo é dedicado ao Povo de Deus. Forte (1987, p. 40) nota que an-
tepor esse capítulo ao da hierarquia e ao do laicato representa uma verdadeira
revolução copernicana, pois, dessa forma, a Igreja restitui o primado à ontolo-
gia da graça. Isso signi�ca que esse Concílio, em primeiro lugar, olhou para a
Igreja na sua totalidade, isto é, toma como ponto de partida o que é comum a
todos os seus membros. Na base de tudo está a consagração batismal, que é a
consagração primeira, a qual torna todos os membros da Igreja santos, eleitos,
comunidade sacerdotal.
Em Cristo, sacerdotes
O Novo Testamento, bem como os escritos dos padres apostólicos e subapostó-
licos utilizam as palavras "sacerdote" e "sumo sacerdote" para indicar os sa-
cerdotes levíticos, bem como para indicar os sacerdotes pagãos. Quando, po-
rém, referem-se ao âmbito cristão, utilizam unicamente em relação a Cristo ou
à comunidade dos �éis. O Novo Testamento, bem como os escritos dos primei-
ros dois séculos, não usa o termo em relação aos que hoje nós chamamos de
sacerdotes, designados pelo nome para o qual foram ordenados: diáconos,
presbíteros e epíscopos.
O fato de que o título sacerdote, aplicado a Cristo, seja aplicado também à co-
munidade dos �éis indica que algo que pertence a Cristo, pelo batismo, é co-
municado a todos os membros do seu corpo (cf. Hb 10,22). Esse é um traço ca-
racterístico da economia divina: o que é dado a um só, em seguida é estendido
a todos. Cristo é Filho, mas pelo batismo, nele, também nós fomos feitos �lhos;
Cristo é o único templo, mas nele também os �éis são templos; Cristo é o único
sacerdote, mas pela união com ele também os �éis são sacerdotes (CONGAR,
1966, p. 177).
Re�etir sobre esse conceito nos permite a�rmar que o sacerdócio comum dos
�éis não se confunde com o ministerial: "É de outra natureza. É de outra or-
dem. Situa-se na ordem da existência, não da função. É existencial, não mi-
nisterial" (ALMEIDA, 2005, p. 205). As duas palavras, "função" e "ministerial",
apontam para os aspectos distintivos entre um e outro.
O louvor a Deus que brota da vida se torna liturgia, assim como ela precisa
sempre estender-se pela vida. Falando do sacerdócio dos �éis, o Concílio
Vaticano II harmoniza adequadamente essas duas realidades:
[...] consagrados a Cristo e ungidos pelo Espírito Santo, os leigos são admiravelmen-
te chamados e munidos para que neles se produzam sempre mais abundantes os
frutos do Espírito. Assim todas as suas obras, preces e iniciativas apostólicas, vida
conjugal e familiar, trabalho cotidiano, descanso do corpo e da alma, se praticados
no Espírito, e mesmo os incômodos da vida pacientemente suportados, tornam-se
"hóstias espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo" (1Pdr 2,5), hóstias que são
piedosamente oferecidas ao Pai com a oblação do Senhor na celebração da
Eucaristia. Assim também os leigos, como adoradores agindo santamente em toda
parte, consagram a Deus o próprio mundo (PAULO VI, 1964, n. 34).
Em Cristo, profetas
Em relação ao conhecimento da fé, encontramos na Sagrada Escritura uma
série de textos que apontam para duas realidades, distintas entre si, mas com-
plementares do ponto de vista eclesial: todos são esclarecidos e ativos, dentre
eles, alguns têm um Magistério:
Eis que virão dias – oráculo de Iahweh – em que selarei com a casa de Israel (e
com a casa de Judá) uma aliança nova [...] Eu porei a minha lei no seu seio e a es-
creverei em seu coração. Então eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Eles
não terão mais que instruir seu próximo ou seu irmão, dizendo: "Conhecei a
Iahweh!" Porque todos me conhecerão, dos menores aos maiores (Jr 31,31-34).
Não terás mais o sol como luz do dia, nem o clarão da lua te iluminará, porque
Iahweh será a tua luz para sempre e o teu Deus será a o teu esplendor (Is 60,19).
Depois disto, derramarei o meu espírito sobre todos. Vossos �lhos e vossas �lhas
profetizarão, vossos anciãos terão sonhos e vossos jovens terão visões (Jl 3,1; cf. At
2,17ss).
Quanto a vós, a unção que recebestes dele permanece em vós, e não tendes neces-
sidade de que alguém vos ensine; mas como sua unção vos ensina tudo, e ela é ver-
dadeira e não mentirosa, assim como ela vos ensinou, permanecei nele (1Jo 2,27).
Os �éis conhecem a voz de seu Pastor (Jo 10,4), possuem a capacidade de dis-
cernimento (1Jo 2,18-27) e a faculdade de julgar (1Cor 10-16).
1. Teresa de Ávila.
2. Catarina de Siena.
3. Teresa de Lisieux.
Em Cristo, pastores
O Reino de Deus está no centro da vida e da pregação de Jesus. Durante sua vi-
da pública, fala dele de forma abundante. Aponta sinais para que os seus con-
temporâneos possam reconhecer sua presença entre eles (Mt 12,28); diz da di-
�culdade de certos grupos sociais entrarem nele (cf. Mt 19,24; 21,31), enquanto
reconhece a proximidade de alguns (cf. Mc 12,34) e, ao mesmo tempo, uma
certa conaturalidade por parte de outros (cf. Mc 10,14); compara-se a um ho-
mem que lança sementes à terra (cf. Mc 2,26), ao grão de mostarda que, quan-
do semeado, é a menor de todas as sementes, mas, ao crescer, torna-se a maior
das hortaliças (cf. Mc 4,31s); declara ser o Reino o verdadeiro motivo de sua
vinda (cf. Lc 4,43). Interrogado por Pilatos, a�rma que seu Reino não é desse
mundo (cf. Jo 18,36). Como se não bastasse ter falado constantemente do
Reino durante sua vida pública, nas palavras de Lucas, depois de sua ressur-
reição, "durante quarenta dias apareceu-lhes e lhes falou do que concerne ao
Reino de Deus" (At 1,3). Nas palavras do Apóstolo das Nações, Paulo de Tarso, o
Reino estará �nalmente realizado quando tudo estiver submetido a Cristo e,
então, Deus será tudo em todos (cf. 1Cor 15,27s).
O Reino coloca-se na dinâmica do "já" e "não ainda": já presente, mas ainda
não plenamente realizado. Aqui se coloca a missão da Igreja e, consequente-
mente, de todos os seus membros. Como Rei do Universo, Cristo torna todos os
que a Ele são unidos pelo Espírito partícipes da sua realeza.
Portanto, que o pecado não impere mais em vosso corpo mortal, sujeitando-vos às
suas paixões; nem entregueis vossos membros, como armas de injustiça, ao peca-
do; pelo contrário, oferecei-vos a Deus como vivos provindos dos mortos e oferecei
vossos membros como armas de justiça a serviço de Deus. O pecado não vos domi-
nará, porque não estais debaixo da lei, mas sob a graça (Rm 6,12-14).
De sua parte, Deus testemunha sua �delidade ao longo da História e não lhe
esconde o rosto. A mesma atitude ele espera do homem e da mulher, convida-
dos a caminharem na sua presença (cf. Gn 9,9). Na relação com sua criatura,
feita à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,27), como fruto de seu amor, Deus
quer torná-lo partícipe de sua vida divina. Diante da queda humana, que pare-
ce comprometer o projeto, Deus envia o seu que, pelo Mistério Pascal, re-
dime a humanidade e deixa na eucaristia um memorial reconciliador; envia o
, para santi�car continuamente a Igreja e conduzir os homens ao .
A Trindade se apresenta, assim, como uma comunidade em missão.
Dessas missões divinas, brota a Igreja, por sua natureza missionária (cf. AG, n.
2), enquanto é chamada a dar continuidade ao grande plano de salvação que
brota da Trindade. À imagem de Maria, que, coberta pela sombra do Espírito
Santo, acolheu Cristo em seu ventre e o doou ao mundo, a Igreja, continuamen-
te gerada pelo mesmo espírito, tem a missão de sempre doá-lo à humanidade
para que, caminhando na sua presença, realize sua vida na dignidade, vivendo
em plenitude como partícipe da vida divina.
A ação do Espírito que cria a comunhão eclesial: nas palavras de Paulo, "fo-
mos todos batizados num só Espírito para formarmos um só corpo" (1Cor
12,13); sob sua ação, a diversidade cultural e linguística não impede a comu-
nhão (cf. At 2,1-12), mas, pelo contrário, suscita o desejo de viver numa tal uni-
dade que se possa falar de um só coração e uma só alma (cf. At 2,42-47; Fl
1,27).
Primado da Igreja local no plano da comunhão, assim também existe uma priorida-
de da igreja local no plano da missão [...] Toda a igreja local é enviada, o que signi�-
ca que, por virtude do batismo e da eucaristia, não existe ninguém na comunidade
eclesial que possa se sentir isento do compromisso missionário (FORTE, 1987, p.
78).
O Concílio Vaticano II assume uma postura diversa, propondo uma Igreja pre-
sente no mundo, numa metáfora, como fermento na massa, reconhecendo a
positividade de suas realidades. Assume, assim, uma atitude dialogal, saben-
do que pode ensinar, mas que tem, também, muito a aprender com o mundo.
Nessa nova postura está uma nova visão do mundo, a qual reconhece a di-
mensão crística do Universo: "em Cristo foram criadas todas as coisas e em
vista dele [...] tudo foi criado por ele e para ele" (Cl 1,16). Na Encarnação, o
Verbo assume e salva toda a realidade criada.
Essa nova postura em relação ao mundo trouxe mudanças internas. Com base
em um novo conceito de Igreja, que considera todos os seus membros a partir
de sua consagração batismal – eclesiologia total –, reconhecem-se a dignida-
de e a autonomia própria de cada batizado e, por consequência, a responsabili-
dade e missão própria dos leigos. Vejamos o que nos diz a Constituição
Dogmática Lumen Gentium:
A índole secular caracteriza especialmente os leigos. Pois os que receberam a or-
dem sacra, embora algumas vezes possam ocupar-se em assuntos seculares, exer-
cendo até pro�ssão secular, em razão de sua vocação particular, destinam-se prin-
cipalmente e ex-professo ao sagrado ministério. E os religiosos por seu estado dão
brilhante e exímio testemunho de que não é possível trans�gurar o mundo e
oferecê-lo a Deus sem o espírito das bem-aventuranças. (PAULO VI, 1964, n. 31)
Nesse texto, é preciso dar o peso que merece à palavra "especialmente", pois a
relação com o mundo é própria de todos os batizados, mesmo que o seja na va-
riedade de modos e de intensidade, dependendo dos carismas pessoais e do
estado de vida de cada um.
A Igreja como um todo é chamada a assumir sua índole secular nos seus três
diferentes níveis:
Essa re�exão foi aprofundada e ampliada por diversos grandes teólogos do sé-
culo 20, entre eles: Rahner, por meio de um artigo escrito em 1956, traduzido
mais tarde para o italiano (1970); De Lubac (1955) e Congar (1966). O Concílio
Vaticano II, por sua vez, fazendo referência à diversidade de dons descrita pelo
Apóstolo Paulo (Ef 4,11-12; 1Cor 12,4; Gl 5,22), a�rma que o Espírito uni�ca, ins-
trui e dirige a Igreja com diversos dons hierárquicos e carismáticos (cf. PAULO
VI, 1964, n. 4).
[...] será autêntica e terá na Igreja uma verdadeira fecundidade, não tanto na medi-
da em que suscitar carismas extraordinários, mas sim na medida em que levar o
maior número possível de �éis, pelos caminhos da vida de todos os dias, ao esforço
humilde, paciente e perseverante por conhecerem cada vez melhor o mistério de
Cristo e por darem testemunho dele (CT, nº 73).
• ordenados;
• instituídos;
• reconhecidos;
• con�ados.
1. Diaconato.
2. Presbiterado.
3. Episcopado.
Esses ministérios são pessoais e indicam a riqueza de dons que o Espírito in-
funde em cada um para que sejam colocados a serviço da comunidade,
tornando-se ministérios. É, porém, possível estender a ministerialidade da
Igreja também aos grupos que, de maneira orgânica e estável, desenvolvem
um serviço para o crescimento da comunidade. Esse é o caso de movimentos
e associações eclesiais (cf. FORTE, 1987, p. 86).
[...] "manifestem Cristo aos outros [...] pelo testemunho da própria vida, pela irradia-
ção da sua fé, esperança e caridade" (PAULO VI, 1964, n. 31). Dessa forma, o estar e o
agir no mundo são para os �éis leigos uma realidade, não só antropológica e socio-
lógica, mas também, e especi�camente, teológica e eclesial, pois, é na sua situação
intra-mundana que Deus manifesta o Seu plano e comunica a especial vocação de
"procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as se-
gundo Deus" (PAULO VI, 1964, n. 31).
[...]
As imagens evangélicas do sal, da luz e do fermento, embora se re�ram indistinta-
mente a todos os discípulos de Jesus, têm uma especí�ca aplicação nos �éis leigos.
São imagens maravilhosamente signi�cativas, porque falam, não só da inserção
profunda e da participação plena dos �éis leigos na terra, no mundo, na comunida-
de humana, mas também, e sobretudo, da novidade e da originalidade de uma in-
serção e de uma participação destinadas à difusão do Evangelho que salva (JOÃO
PAULO II, 1988, nº 15).
Esses mesmos conceitos foram retomados pelo Papa Bento XVI em sua Carta
Encíclica Deus Caritas Est:
O homem torna-se, realmente, ele mesmo, quando corpo e alma se encontram em
íntima unidade. [...] Se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a car-
ne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem a sua dig-
nidade. E se ele, por outro lado, renega o espírito e consequentemente considera a
matéria, o corpo, como realidade exclusiva, perde igualmente sua grandeza (BENTO
XVI, 2005, n. 5).
Segundo São Basílio de Cesareia (1999, 89ss.) – Padre da Igreja que viveu no
século 4º –, em seu famoso Tratado sobre o Espírito Santo, o verdadeiro espiri-
tual não é o que exercita a inteligência para especular sobre Deus, mas o guia-
do pelo Espírito e que conforma a sua vida aos seus movimentos, além do mo-
vimento principal do Espírito, a caridade. A espiritualidade cristã, portanto,
quando bem entendida, consiste na vida segundo o Espírito (cf. JOÃO PAULO
II, 1988, n. 17).
Em segundo lugar, essa mesma Exortação tece a relação entre a santidade dos
membros e a missão da Igreja, de ser sacramento de salvação para toda a hu-
manidade, a�rmando que a primeira é condição imprescindível para que a se-
gunda se realize, enquanto o dinamismo e operosidade missionários são pro-
porcionais à santidade da Igreja. Para fundamentar a a�rmação, o Papa João
Paulo II recorre a duas analogias: a relação esponsal e a parábola da vinha,
descrita no Capítulo 15 do Evangelho segundo São João:
Só na medida em que a Igreja, Esposa de Cristo, se deixa amar por Ele e O ama, é
que ela se torna Mãe fecunda no Espírito.
[...]
"Como a vide não pode dar fruto por si mesma se não estiver na videira, assim
acontecerá convosco se não estiverdes em Mim. Eu sou a videira, vós as vides.
Quem permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto; porque sem Mim nada
podeis fazer" (Jo 15, 4-5) (JOÃO PAULO II, 1988, n. 17).
Sua dedicação à família e inserção nas mais diversas formas tornam-se ele-
mentos fundamentais de sua espiritualidade, ou seja, seu modo especí�co de
viver a vida segundo o Espírito. É a partir da inserção nessas realidades que
lhe são próprias que o leigo poderá encontrar sua unidade existencial.
A unidade de vida dos �éis leigos é de enorme importância, pois, eles têm que se
santi�car na normal vida pro�ssional e social. Assim, para que possam responder
à sua vocação, os �éis leigos devem olhar para as atividades da vida quotidiana co-
mo uma ocasião de união com Deus e de cumprimento da Sua vontade, e também
como serviço aos demais homens, levando-os à comunhão com Deus em Cristo
(Propositio 5 – João Paulo II, Homilia da solene Concelebração Eucarística no en-
cerramento da VII Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos (30 de Outubro de
1987): AAS 80 (1988), 598) (JOÃO PAULO II, 1988, n. 17).
Para que os leigos possam trilhar com mais segurança seu caminho para a
santidade, é importante que tenham diante de si modelos de santidade reco-
nhecidos pela própria Igreja. Disso decorre o convite da mesma Exortação
Apostólica, para que as Igrejas locais e, de modo particular, as Igrejas mais jo-
vens busquem identi�car, entre os seus membros, aqueles homens e mulheres
que deram testemunho de santidade na vida laical.
6. Considerações
A re�exão desenvolvida mostra como a visão que se teve na Igreja do leigo va-
riou muito nos períodos de sua história. A Teologia desenvolvida de modo par-
ticular a partir do século 20 nos permite falar de uma igual dignidade de todos
os batizados, na diversidade de ministérios e estados de vida.
Até lá!
(https://md.claretiano.edu.br/teoespestvid-
g03273-fev-2024-grad-ead/)
Objetivos
• Compreender um panorama histórico da vida consagrada.
• Conhecer as diversas expressões de vida consagrada.
• Interpretar como as inovações na vida consagrada estão intimamente li-
gadas com a situação sociocultural em que surgem.
Conteúdos
• Das origens até o século.
• Dos séculos 16 ao 19: Os Clérigos Regulares, as Sociedades Apostólicas e
Missionárias, as congregações.
• A Revolução Francesa e as novas fundações.
Como você pode notar, a vida consagrada foi assumindo expressões bem di-
versi�cadas ao longo da História e isso nos diz coisas bem importantes sobre
ela. A primeira é que a vida consagrada não se apresenta como algo já de�ni-
do e pronto. O Concílio Vaticano II a�rma que a Igreja possui duas estruturas:
hierárquica e carismática (cf. PAULO VI, 1964, n. 4).
Na próxima unidade, você vai compreender que a vida consagrada é uma das expressões
desta estrutura carismática.
Bom estudo!
O monaquismo
Em primeiro lugar, é importante dizer que o monaquismo não é algo próprio
do cristianismo. Pelo contrário, pode-se a�rmar que é um fenômeno universal
por se encontrar presente na maior parte das grandes religiões, ainda que não
receba tal nome. Alguns elementos são comuns às diversas expressões:
1. : no encontro com
o jovem rico, Jesus diz: "se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens e
dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me" (Mt
19,21). Quando ouviu essa passagem da Escritura, Santo Antão, considera-
do o pai do monaquismo, por volta dos 20 anos de idade, encontrou o que
há tempo buscava. Vendeu os seus bens, distribuiu-os aos pobres e inici-
ou seu caminho de vida solitária em busca de uma vida de maior perfei-
ção e de comunhão com Deus. Antão foi atraído pelo desejo de imitar os
Apóstolos, os quais tinham deixado tudo para seguir o Senhor, como tam-
bém pelo exemplo dos primeiros cristãos, que vendiam os seus bens e en-
tregavam o ganho aos Apóstolos, a �m de que fosse distribuído aos po-
bres.
2. : num momento em que o cristianismo
começa a perder sua vitalidade, o monaquismo aparece com o objetivo de
recuperar o grande ideal de vida transmitido pelos Apóstolos, assumindo
a radicalidade da vida cristã, apresentada pelo Evangelho. É por isso que
João Cassiano, monge que viveu na Palestina, Egito e Constantinopla
(360-435), a�rma que o monaquismo teve sua origem no tempo dos
Apóstolos (cf. MURRAY, 1989, p. 115).
3. : expressa pelos monges como luta contra o demônio
(PADRES DO DESERTO, 2014, n. 13). Os monges iam ao deserto para vencê-
lo, à imagem de Cristo. No deserto, a pessoa se encontra com Deus, mas
também consigo mesma e, portanto, com suas misérias (fragilidades, pai-
xões, divisões internas, inclinações ao pecado). O deserto torna-se, por-
tanto, lugar de crise e de fortalecimento espiritual (Galilea, 1988, p. 47).
4. : o monaquismo tem como uma de suas motivações funda-
mentais a dimensão mística, o desejo do encontro e da comunhão com
Deus.
O monaquismo eremita
A experiência de Santo Antão foi partilhada por um número crescente de ho-
mens e mulheres que, por iniciativa própria, deixaram o convívio social para
retirarem-se no deserto motivados pelo desejo de uma vida inteiramente dedi-
cada à busca de Deus. O monaquismo eremita desenvolve-se de modo particu-
lar no Egito, Síria, Palestina e Ásia Menor. Mais presente nos séculos 3º e 4º, o
monaquismo eremita esteve presente ao longo de toda a História do cristianis-
mo com manifestações diversas.
Inicialmente motivado pelo desejo de uma maior comunhão com Deus e uma
imitação mais perfeita de Cristo, o monaquismo teve forte impulso na metade
do século 3º, quando muitos cristãos buscaram o deserto para fugirem das
perseguições. Vivendo na solidão, eles descobrem a beleza dessa forma de vi-
ver sua fé cristã e, passadas as perseguições, não retornam ao convívio social.
A maior parte dessas pessoas vivia de forma isolada, encontrando-se com ou-
tros monges apenas para a celebração da liturgia e para orientação espiritual.
Grande expoente de tal forma de vida é Santo Antonio do Egito, também cha-
mado Santo Antão, o qual in�uenciou muitos outros por meio de sua orienta-
ção espiritual.
A vontade de viver uma vida cristã típica para devolver à Igreja o seu rosto
inicial imprime uma marca na comunidade basiliana que se aproxima da ci-
dade e assume responsabilidades assistenciais e caritativas. O amor ao próxi-
mo se dilata além da comunidade dos irmãos e se expande entre o povo por
meio da pregação da Palavra e do serviço de caridade aos pobres. Já se entre-
veem caminhos novos para o futuro monaquismo, destinado a abrir-se sem-
pre mais a uma dimensão de ministerialidade e de evangelização (cf. CIARDI,
1994, p. 45-47).
O monaquismo no Ocidente
O monaquismo ocidental teve origem autônoma. No século 4º, conhece-se a
existência de mosteiros masculinos e femininos em Roma, assim como no
resto da Itália, Gália e na Península Ibérica. Foi fortemente in�uenciado pelo
Oriente por meio de escritos e viagens realizadas pelos próprios monges.
Santo Agostinho
Santo Agostinho, nascido em Tagaste, norte da África, no ano de 350, oferece à
vida cenobítica uma incontestável contribuição pela grandeza de sua perso-
nalidade espiritual, riqueza de sua re�exão teológica e grande empenho pela
unidade da Igreja. Ele integra os valores da experiência monástica precedente,
mas também transcende em uma síntese nova, além de superar a visão ere-
mítica de Santo Antão, a comunitário-ascética de São Pacômio e o ascetismo
temperado de São Basílio.
São Bento
São Bento coloca o último pilar da vida monástica. Nascido em Núrsia no ano
de 480, ainda jovem vai a Roma para estudar. Desiludido pela imoralidade da
cidade eterna, ele retira-se para Subiaco – localidade situada a, aproximada-
mente, 200 km ao sul de Roma –, onde vive de forma solitária. Logo é reco-
nhecido pela sua sabedoria espiritual, e começam a chegar os primeiros discí-
pulos. O número cresce e, ao longo dos anos, São Bento funda, em Subiaco, do-
ze mosteiros. Dada a oposição, porém, de um presbítero de uma Igreja próxima,
São Bento se transfere para o Monte Cassino, onde, em 529, erige um novo
mosteiro, próximo do qual surgirá um mosteiro feminino sob a direção de sua
irmã, Santa Escolástica.
A obra de São Bento tem uma in�uência positiva, não apenas no interior da
Igreja, mas na sociedade como um todo. Com as invasões dos povos do Norte e
do Leste, povos esses de cultura nômade, cria-se na Europa Ocidental um esta-
do de constante mobilidade com notáveis repercussões até mesmo na vida da
Igreja. Nesse contexto, os mosteiros beneditinos, caracterizados pela estabili-
dade, tornam-se pontos de referência, ao redor dos quais se reunirão represen-
tantes das diversas culturas e povos, dando assim início à construção de uma
nova civilização.
À luz do princípio paulino de que Deus não faz distinção de pessoas (cf. Rm
2,11), no interior do monaquismo beneditino é eliminada qualquer distinção
entre escravos e livres, nobres e plebeus, romanos e não romanos. No mostei-
ro, ensina-se a todos, inclusive aos povos novos, a dignidade do trabalho. Essa
concepção, aliada à estabilidade, possibilita o desenvolvimento da cultura
agrícola, criando as condições para a recuperação da agricultura, base da eco-
nomia europeia medieval. No equilíbrio do Ora et Labora ("Reza e Trabalha",
lema desta ordem), o ser humano recupera a sua profunda dimensão humano-
divina e entende que o serviço a Deus e ao próximo se unem em perfeita har-
monia na liturgia e no trabalho. O trabalho intelectual faz dos mosteiros os
grandes centros de produção e conservação da cultura na Idade Média, crian-
do as bases para o esplendor cultural nos séculos 12 e 13 e o desenvolvimento
cientí�co dos séculos posteriores.
No ano de 750 nasce Bento de Aniano, aos 24 anos de idade ele entra para a vi-
da monástica. No seu estilo pessoal de vida, recupera o rigor do monaquismo
oriental, mas sua radicalidade cria di�culdades de convivência. Abandona,
então, o mosteiro e parte para a vida eremita à beira do Rio Aniano. Procurado
por um número crescente de discípulos, ele funda um mosteiro e adota a
Regra de São Bento (Regula Benedicti), pois está convencido de que não há ou-
tra melhor. A reforma que propõe é um retorno às origens, à autenticidade da
vida a partir de tal Regra. O Mosteiro de Aniano chega a trezentos monges e,
pela credibilidade que tem diante de todos, especialmente dos bispos e do pró-
prio Imperador Carlos Magno, torna-se ponto de referência para o monaquis-
mo do Ocidente. A partir dele, são reformados todos os mosteiros do reino
franco-germânico. Muitos mosteiros alcançam um esplendor nunca visto an-
tes.
Os cluniacenses
Em 909, o duque de Aquitânia, Guilherme III, doa suas terras de Cluny. O prín-
cipe está convencido de que a liberdade é condição fundamental para que um
mosteiro possa viver seu verdadeiro espírito. O Mosteiro de Cluny é, então,
con�ado ao papa para garantir que nenhuma interferência externa possa atra-
palhar sua vida. Guiado por abades santos e doutos, Cluny lidera uma reforma
gigantesca no Ocidente. Assumindo a Regra de São Bento, con�a menor im-
portância ao trabalho e enfatiza sobremaneira a liturgia. Todos os dias:
A basílica de Cluny, que �ca pronta em 1130, marca o seu apogeu, mas também
o princípio de sua decadência. Na sociedade, respiram-se novos ares, que an-
seiam por uma vida pobre e simples, à imagem da vida de Jesus e dos seus
discípulos. Não percebendo essa mudança socioeclesial, o monaquismo cluni-
acense entra em forte decadência.
Ao lado da pro�ssão monástica, que se orienta sempre mais para a Regra be-
neditina, surge um novo modelo de vida religiosa, aquela que dá maior consis-
tência aos grupos de canônicos regulares: a professio canonica, organizada a
partir da Regra agostiniana. O ordo canonicus se distingue do ordo regularis.
Por volta de 754, São Cordgnano de Metz redige uma regra para reorganizar a
vida comum dos eclesiásticos, a qual teve uma grande difusão, sinal de que se
sentia a necessidade de regras �xas para as comunidades sacerdotais. Bispos
e papas sempre con�arão mais nestas comunidades para a renovação do cle-
ro. Os membros das novas instituições – os cônegos – se diferenciam dos
monges, sobretudo pelo seu estado e ofício clerical: reúnem-se, habitualmente,
nas Igrejas e catedrais, dedicando-se à vida litúrgica e ao apostolado. Embora
tenham vida comum, eles conservam o usufruto do seu patrimônio privado,
mas, à luz da Igreja primitiva, devem ajudar os pobres. Há comunidades femi-
ninas que vivem uma forma análoga de vida consagrada, dedicando-se, de
forma predominante, à contemplação e vida litúrgica e ministerial.
Os cistercienses
O esplendor litúrgico dos cluniacenses, que entusiasmou multidões nos sécu-
los 10 e 11, garantindo um grande número de vocações, não diz mais nada ao
homem do século 12, que busca, ansiosamente, a simplicidade evangélica e
uma piedade mais intimista, isto é, a espiritualidade cluniacense não corres-
pondia aos homens do seu tempo. Cluny permanece como uma ilha em um
mundo que está mudando, mas sem acompanhar as transformações culturais
e religiosas que ocorreram à sua volta, a decadência sendo inevitável.
Como ensinava São Bento, o mosteiro cisterciense quer ser uma escola de ser-
viço a Deus, nas suas duas expressões fundamentais: na liturgia e no trabalho.
Desejam ser pobres com Cristo, buscando não apenas uma pobreza material,
mas o pleno despojamento, assim como Cristo o viveu. Essa atitude evangéli-
ca leva à simplicidade e sobriedade em todos os âmbitos: na liturgia, constru-
ções, alimentação, no estilo de vida. O Cristo da Encarnação, despojado de tu-
do, ocupa lugar central na sua espiritualidade. É Ele o modelo, o homem per-
feito, que o monge deverá imitar para restaurar a semelhança original com
Deus. A autenticidade do seguimento de Jesus é medida pela caridade frater-
na e serviço recíproco, essencial na vida monástica. Seu grande objetivo é rea-
lizar o ideal da vida apostólica: a unanimidade de coração e alma da comuni-
dade primitiva de Jerusalém em torno dos Apóstolos.
• com grande aceitação pela população, para eles a�uem as doações antes
direcionadas aos cluniacenses, o que fará com que gradualmente os cis-
terciences percam o estilo sóbrio e pobre que os caracterizava;
• a ideia de solidão e deserto se rompeu pelo afã de in�uir, bene�camente,
com sua presença na sociedade.
O fato de ter dado à Igreja cinco papas é uma amostra signi�cativa da impor-
tância que almejou.
São Domingos e a ordem dos pregadores
Nascido em Caleruega – Diocese de Osma na Espanha – por volta de 1170, São
Domingos de Gusmão manifesta, desde a sua juventude, um profundo amor à
Sagrada Escritura e aguda sensibilidade diante dos problemas humanos. O
Cristo que contempla é o Cristo da Encarnação, que, movido pela misericórdia,
participa profundamente da dor e do sofrimento da humanidade.
Como sacerdote e cônego da Diocese de Osma nos anos 1201 e 1206, acompa-
nha seu bispo em duas viagens para a Dinamarca. De modo particular, no Sul
da França, ele percebe a situação trágica em que se encontra a Igreja. A falta
de cuidado pastoral e a consequente ignorância religiosa expõem os cristãos,
animados por um ideal autenticamente evangélico de seguimento de Jesus na
pobreza e simplicidade de vida, ao risco de heresias. São Domingos testemu-
nha com os seus olhos o abandono pastoral do povo, que adere aos movimen-
tos heréticos, de modo particular os cátaros e valdenses.
O ícone evangélico no qual se inspira essa nova ordem não é mais aquele da
comunidade de Jerusalém, e sim a vida apostólica entendida como um seguir
as pegadas de Cristo, na imitação dos Apóstolos, que partilharam em tudo a
vida do seu mestre e Senhor. À luz dos discípulos de Jesus (cf. Lc 10), São
Domingos esboça o estilo de vida que quer para os seus frades:
Quando partem para exercitar o ministério da pregação, ou viajam por outros moti-
vos, não devem aceitar nem levar ouro nem prata, dinheiro ou outros dons, exceto o
alimento, o vestuário, outros meios de estrita necessidade e os livros (Const. 31).
São Francisco nasceu em Assis – Itália –, entre o �nal de 1181 e início de 1182,
falecendo no ano de 12 Seus pais: Pedro Bernardone e Giovana. De família bur-
guesa e bem-sucedida no comércio, São Francisco experimenta, na pessoa do
seu pai, o desejo ávido de riquezas, próprio da sociedade do seu tempo. Pedro
sonha o mesmo caminho também para seu �lho, mas a ação do Espírito o en-
caminhará por outros caminhos.
A partir de 1204, ele vive algumas experiências que marcarão a sua vida e,
gradualmente, iluminarão o Projeto que Deus tem para ele. Um sonho lhe indi-
ca o grande amor de sua vida: a pobreza. Depois de beijar um leproso, sente-se
impelido pelo Senhor a ir ao encontro dos leprosos e prestar-lhes serviço. Em
oração, na Igreja de São Damião, São Francisco recebe do cruci�xo uma mis-
são: reconstruir a Igreja. Aos 26 anos, despe-se diante do bispo e entrega suas
roupas ao seu pai. O gesto simbólico marca para São Francisco o rompimento
com a sociedade dos negócios, do prestígio e lucro. Nu, quer seguir o Cristo nu
da Encarnação e Cruci�cação. De agora em diante, São Francisco terá um úni-
co Pai, aquele que está nos céus.
Não leveis ouro, nem prata, nem cobre nos vossos cintos, nem alforje para o cami-
nho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado, pois o operário é digno do seu
sustento. Quando entrares numa cidade ou num povoado, procurai saber de alguém
que seja digno e permanecei ali até vos retirardes do lugar (Mt 10,11).
O horizonte se abre diante dos olhos de São Francisco. Apaixonado por Cristo
pobre, despojado de tudo, ele quer imitá-lo na forma mais perfeita possível; à
imagem do Cristo nu do presépio e da paixão, quer uma vida completamente
despojada: sem propriedade, dinheiro ou qualquer forma de segurança, para
con�ar unicamente no Pai, que está nos céus. Seguindo Cristo, São Francisco
se sentirá motivado, como os Apóstolos, a levar a todos o Evangelho que vive,
mais com o testemunho do que palavras.
6. Considerações
A re�exão desenvolvida nesta Unidade 3 mostra a dinamicidade da vida con-
sagrada. Como expressão carismática na Igreja, ela assume características no-
vas partindo das novas exigências da sociedade. Pode-se perceber que se trata
de uma história em que o crescimento e o declínio alternam-se ao longo do
tempo. No momento em que uma forma de vida consagrada já não responde à
sensibilidade sociocultural e religiosa de seu tempo, o declínio torna-se inevi-
tável; em contrapartida, novas expressões surgem, trazendo consigo nova vi-
talidade.
Até lá!
(https://md.claretiano.edu.br/teoespestvid-
g03273-fev-2024-grad-ead/)
Objetivos
• Entender a relação entre a vida cristã e a consagrada.
• Interpretar a vida consagrada como uma das expressões carismáticas na
Igreja.
• Compreender a experiência espiritual do fundador como uma experiên-
cia do Espírito por meio da qual se elabora a identidade de uma nova fa-
mília de consagrados.
• Analisar a dinâmica da �delidade e renovação na vida consagrada..
Conteúdos
• Vida consagrada: um carisma na Igreja.
• Os fundadores: homens e mulheres movidos pelo Espírito.
• O carisma como experiência do Espírito.
• do fundador e do Instituto.
• Fidelidade e renovação.
1. Sugerimos que você leia, atentamente, o texto proposto e elabore uma sín-
tese pessoal para facilitar o entendimento e a assimilação.
2. Também, sugerimos que você leia a bibliogra�a proposta, a �m de apro-
fundar e ampliar os conhecimentos.
3. Para uma maior compreensão desta unidade, leia a Exortação Apostólica
Vita Consecrata (JOÃO PAULO II, 1996).
1. Introdução
Anteriormente, você foi subsidiado com conteúdos relacionados à breve sínte-
se da história da vida consagrada. Seguindo esse raciocínio, podemos com-
preender como esse estado de vida foi assumindo características bem diferen-
ciadas ao longo da História. Ao analisar uma linha de continuidade na pro�s-
são pública de viver a radicalidade evangélica no serviço à Igreja e ao Reino,
percebem-se novidades profundas nos tantos modelos de vida consagrada
que surgiram.
O Concílio Vaticano II a�rma que o Espírito guia a Igreja por meio de dons hie-
rárquicos e carismáticos. A vida consagrada se coloca nessa segunda catego-
ria. Ela não pertence à estrutura hierárquica da Igreja, mas dirige-se intima-
mente à sua vida e santidade (ALMEIDA, 2005, n. 4).
É aqui, a partir da vida cristã e dentro dela, que a vida consagrada encontra a
sua identidade. A vida cristã é já um chamado à radicalidade, enquanto medi-
anos conceitos, característica de atitudes medíocres, são-lhe completamente
estranhas (cf. Ap 3,15s). A vida consagrada, dentro da vida cristã, quer ser si-
nal claro e visível da radicalidade evangélica. Pela pro�ssão dos votos, os con-
sagrados assumem, diante de Deus e da Igreja, o compromisso de mostrarem
com a própria vida o primado de Deus, de modo que, pela sua própria vivência,
seja um apelo para que os demais discípulos vivam de forma plena o
Evangelho no seu próprio estado de vida.
Isso mostra como a vida consagrada não se identi�ca, em primeiro lugar, pela
sua ação ou modo de fazer, mas pela qualidade evangélica de sua vida e pre-
sença na Igreja e no mundo. Sua especi�cidade está, portanto, na realização
plena e radical do seguimento de Jesus Cristo explicitado no Evangelho. As
formas de atuação serão de�nidas a partir do carisma próprio de cada comu-
nidade de consagrados.
Como diz Oliveira (2002, p. 147), o voto de obediência não é nada mais que a ra-
dicalização da obediência à qual são chamados todos os cristãos e cristãs. A
obediência se encontra, portanto, no centro da vida cristã.
A nova visão eclesiológica que se a�rma com o Concílio Vaticano II exige uma
participação de todos no discernimento, que deve ser contínuo, pois o Espírito
fala e vivi�ca sua Igreja por meio de todos os seus membros. Dentro dessa
concepção, a missão do superior não exime ninguém da responsabilidade do
discernimento. Um bom superior é aquele que envolve todos os membros da
comunidade no discernimento e nas decisões a serem tomadas de tal modo
que, à conclusão do processo, ele poderá tomar a decisão já amadurecida no
ambiente (cf. AZEVEDO, 1986, p. 90ss.). A valorização de cada pessoa e o senti-
do da corresponsabilidade tornam-se necessários para que a obediência seja
bem entendida no contexto do mundo contemporâneo.
Segundo Azevedo, mais do que nunca o mundo precisa de pessoas que teste-
munhem, de forma inteligível para o homem de hoje, a absoluta prioridade de
Deus e a consequente relativização do que os homens de nosso tempo preten-
dem absolutizar (cf. 1986, p. 40-53).
Para entender bem tal conselho evangélico, é interessante fazer uma distinção
entre e . A primeira se refere à pureza do ponto de vista
legal, ritual ou moral, colocando-se no campo da observância da norma. A se-
gunda, porém, é muito mais do que isso, pois transcende a norma, estando na
dimensão do amor. Amando a Deus, a castidade se abre ao próximo; amando o
próximo, ela tem a certeza de Deus.
Não podemos esquecer que todos os cristãos são chamados à santidade e que
os consagrados assumem, por meio da pro�ssão, o compromisso público de
buscá-la como primeiro objetivo de sua vida. A santidade, por sua vez, consis-
te na perfeição do amor. A consequência para o tema que estamos desenvol-
vendo é clara: para que a castidade tenha sentido, ela precisa conduzir ao
crescimento no amor. Longe de eliminar a capacidade de amar, a castidade
deve estar a seu serviço e potencializá-la para que alcance a sua plenitude. O
sentido mais profundo da castidade não está na renúncia, e sim na integração
da pessoa e de suas melhores energias em favor do Reino.
Essa segunda concepção foi adotada pelo Concílio Vaticano II. Sem negar a
possibilidade de dons extraordinários, ao falar dos carismas, esse Concílio se
refere, preferencialmente, aos dons ordinários, concedidos pelo Espírito aos
�éis para a sua ação no campo da catequese, evangelização e nas mais varia-
das formas da ação social e caritativa (cf. GRASSO, 1982, p. 13s).
Para referir-se a ela, usam termos como "revelação", "inspiração", "luz", "intui-
ção" ou "visão". Essas expressões indicam a forma como interpretam o próprio
movimento interior que se desencadeia nos fundadores, o longo processo de
discernimento e decisão que gradualmente os conduz à fundação de uma no-
va família religiosa. Embora a forma de tomar consciência da missão que
Deus lhes con�a seja diversi�cada, manifesta-se comum a todos a consciência
de estarem realizando um projeto que não tem a sua origem neles mesmos,
mas que é fruto de uma inspiração que provém do Espírito (cf. CIARDI, 1982, p.
47).
Essa inspiração pode ser percebida diretamente pela própria pessoa do funda-
dor, sem a interferência de outros. Nesse caso, estamos no âmbito da experi-
ência mística – no seu sentido amplo –, na qual Deus manifesta o seu projeto,
por meio de uma visão intelectual ou sensitiva, de uma iluminação interior,
um sonho ou simples intuições espirituais. Tais experiências deixam na pes-
soa a certeza de que a iniciativa de fundar não é sua, mas de Deus (cf. LOZANO,
1978, p. 55ss.). Essas formas diversas são denominadas .
Elas se caracterizam pelo fato de a manifestação da vontade de Deus prescin-
dir de circunstâncias externas, uma determinada leitura dos acontecimentos
ou da realidade histórica.
Por meio desse processo brevemente apresentado, podemos dizer que o funda-
dor aparece como uma pessoa movida pelo Espírito Santo. É sob a sua guia
que se desenvolve a sua vida e o projeto de Deus, o qual, com sua pluralidade
de dons, enriquece e vivi�ca o Corpo de Cristo com novas famílias religiosas,
capazes de responder aos novos sinais dos tempos.
1. carisma fundador;
2. carisma fundador.
A dimensão cristológico-evangélica
Cada fundador faz uma leitura própria do Evangelho a partir de um trecho, pa-
lavra ou frase que se transforma, para ele, em chave de leitura de todo o
Evangelho e toda a experiência do mistério de Cristo. É ao seu redor que ele
harmoniza os diversos elementos da vida da nova família religiosa, como, por
exemplo: espiritualidade, missão, relação entre os membros e formas de go-
verno. Essa leitura particular do Evangelho dá um caráter de originalidade a
cada fundador e instituto.
Um exemplo pode deixar mais claro o que queremos dizer. O aspecto do misté-
rio de Cristo que realmente impressiona São Francisco é o seu despojamento,
que se manifesta de modo particular no nascimento e na morte. Para contem-
plar a simplicidade com que o Filho de Deus nasceu entre nós, Ele criou o pre-
sépio, na cidade de Greccio. São Francisco mostra, apaixonado pelo Cristo do
Mistério Pascal, o trecho do Evangelho que apresenta o seguimento de Cristo
totalmente despojado e dedicado à sua missão, o envio dos setenta e dois dis-
cípulos:
Eis que eu vos envio como cordeiro entre lobos. Não leveis bolsa, nem alforje, nem
sandálias [...] Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘Paz a esta casa!'
(Lc 10,3-5).
Ao ouvir esse trecho durante uma celebração, São Francisco exclamou: "é isso
que eu quero, isso que eu peço, isso que desejo fazer com todo o coração"
(CIARDI, 1982, p. 161, n. 54; 1 CELANO, 22). Tal expressão de São Francisco mos-
tra com clareza que a melhor forma de seguir Jesus, segundo ele, é justamente
despojar-se de tudo, como ele o fez e propôs aos seus discípulos. É nessa pers-
pectiva que se deve entender o seu gesto simbólico de despir-se diante do bis-
po: é preciso despojar-se de tudo para seguir aquele que, por primeiro,
despojou-se. São Francisco vive todo o Evangelho a partir da ótica do despoja-
mento, central na vida franciscana.
A dimensão profético-eclesial
Um dos elementos típicos do carisma, no seu sentido amplo, é a sua eclesiali-
dade: apresenta-se como um dom de Deus para edi�cação do Corpo Místico de
Cristo. É por isso que a Exortação Apostólica Vita Consecrata apresenta a vida
consagrada como um dom do Espírito à Igreja e reconhece nela um "elemento
decisivo para a sua missão" (JOÃO PAULO II, 1996, n. 2). Na sua experiência, os
fundadores manifestam consciência da dimensão eclesial-missionária de seu
carisma. A conformação a Cristo, que o Espírito realiza em suas vidas, não vi-
sa somente a sua santi�cação, mas também os leva a assumir um serviço es-
pecí�co na Igreja, em resposta às situações urgentes do seu tempo.
É por essa perspicácia dos fundadores que o carisma religioso traz consigo
um inevitável elemento de contestação histórico-eclesial (cf. GÓMEZ, 1990, p.
105). Os carismas apresentam-se como uma contribuição original à vida da
Igreja. A História mostra de forma clara que o elemento dinâmico, fonte de to-
da verdadeira novidade, é sempre representado pela série de carismas que o
Espírito livre, periódica e imprevisivelmente, suscita quando e onde os ho-
mens menos esperam (cf. CARDAROPOLI, 1981, p. 120).
A dimensão comunitária
A dimensão comunitária, também denominada dimensão de fecundidade,
refere-se à capacidade do fundador de atrair outras pessoas para viver com ele
a mesma experiência do Espírito (cf. ROMANO, 1989, p. 68). Dimensão essenci-
al do carisma de fundador, uma pessoa somente pode ser considerada como
tal quando há um grupo que deseje partilhar efetivamente de sua experiência
carismática. A própria vida do fundador torna-se um chamado do Espírito pa-
ra outras pessoas que nele encontram uma parte de si mesmo, enquanto des-
cobrem que também são chamadas por Deus a viver daquela forma o
Evangelho e a prestar um serviço especí�co à Igreja. Ao entrar em contato
com a nova forma de vida, elas têm a clara sensação de achar o que há tempo
buscavam. Unindo-se ao fundador, essas pessoas dão origem a uma vida de
testemunho comunitário, germe de uma nova família religiosa.
[...] como uma experiência do Espírito transmitida aos próprios discípulos, para ser
por eles vivida, preservada, aprofundada e constantemente enriquecida em sinto-
nia com o Corpo de Cristo em contínuo crescimento (BAGGIO; PIRONIO, 1978, n. 11).
A descrição mostra como o carisma não é algo estático, de�nido de uma vez
por todas. A experiência espiritual do fundador será sempre ponto de referên-
cia para aquela família de consagrados. Mas o carisma é dinâmico e, por isso
mesmo, enriquecido pela forma como cada geração de membros o compreen-
de e vive. Essa diversidade na compreensão e vivência do carisma forma o pa-
trimônio espiritual da família de consagrados.
6. Fidelidade e renovação
Solicitando às congregações religiosas um retorno às fontes, o Concílio
Vaticano II apresenta-lhes uma questão nova: há no próprio instituto continui-
dade com as origens? As comunidades estavam convencidas de que seu modo
de viver estava em perfeita conformidade com as mesmas fontes. Por isso,
certos movimentos de renovação que apareciam no interior da vida consagra-
da se concretizavam, sobretudo, na fundação de novos institutos, sem renovar
aqueles já existentes. Salvo raras exceções, não existia uma mentalidade de
renovação capaz de suscitar uma constante adaptação às novas necessidades
do mundo. Muitos prosseguiam seu caminho com as constituições escritas
pelo fundador ou pela fundadora; os mesmos usos, manuais de oração e devo-
ções conservadas com veneração (TILLARD, 1968, p. 72s). Esse Concílio insiste
em uma renovação que, sem desconhecer a dimensão pessoal, centraliza sua
atenção na comunidade.
Outro elemento não menos importante provém do fato de que se trata de �deli-
dade a um especí�co dom do Espírito Santo. Por isso, a compreensão e o enri-
quecimento não acontecem simplesmente como fruto de estudo ou re�exão –
elementos importantes –, mas é proporcional à qualidade da vida espiritual de
todos os membros da comunidade.
7. Considerações
Chegamos ao término da unidade. Você foi convidado a compreender a íntima
relação entre a vida cristã, a qual todos os cristãos são chamados a viver, e a
vida consagrada, buscando identi�car o que é especí�co, bem como analisar a
dimensão carismática da vida consagrada. Enquanto a Instituição está sem-
pre ligada à tradição, ela precisa zelar pela continuidade e �delidade às ori-
gens, assim, os carismas se colocam, sobretudo, no âmbito da inovação.
Carisma, nesse sentido, é entendido como experiência do Espírito que leva um
fundador ou fundadora dar vida a uma nova família de consagrados, comuni-
cando a ela uma identidade própria. Dado que todas as concretizações enve-
lhecem com o tempo, há uma dinâmica contínua que entrelaça a �delidade à
renovação.
Até lá!
(https://md.claretiano.edu.br/teoespestvid-
g03273-fev-2024-grad-ead/)
Objetivos
• Conhecer a identidade e as funções do sacerdote no Antigo Testamento.
• Compreender a importância do sacerdócio no Antigo Testamento.
• Analisar o sacerdócio a partir do Novo Testamento.
• Interpretar a postura dos autores dos livros neotestamentários em rela-
ção ao sacerdócio antigo.
• Compreender a nova visão do sacerdócio a partir do Novo Testamento.
• Analisar as novidades do sacerdócio de Cristo.
Conteúdos
• O sacerdócio em outras culturas.
• Funções sacerdotais no Antigo Testamento.
• Importância do sacerdócio.
• O sacerdócio no Novo Testamento.
1. Sugerimos que você leia o texto quantas vezes for necessário para uma
boa compreensão do conteúdo.
2. Elaborar síntese e esquemas próprios.
3. Sugerimos, também, que você leia os textos bíblicos que citamos nesta
unidade, para entender melhor o contexto, bem como a bibliogra�a indi-
cada para obter uma compreensão mais ampla e aprofundada.
1. Introdução
Nesta unidade, procuraremos identi�car os elementos essenciais que caracte-
rizam a compreensão do sacerdócio na Sagrada Escritura. Um breve aceno a
outras culturas tem apenas a intenção de mostrar que o sacerdócio não é prer-
rogativa do judaísmo e do cristianismo. Como você mesmo poderá notar, al-
guns elementos perpassam as diversas compreensões, enquanto outras apa-
recem de forma original em uma ou outra tradição religiosa.
Desse modo, por meio de uma abordagem sintética sobre diversas religiões,
Parusel (1993, p. 799-800) a�rma que o sacerdote é:
Uma pessoa que tem por função celebrar atos cultuais e rituais como delegado e re-
presentante de uma comunidade religiosa tornando-se, assim, mediador entre o
homem e a divindade [...]. O seu poder [...] lhe permite [...] aproximar-se sem perigo
da esfera divina para realizar seu papel de mediador.
Uma segunda função consiste em ensinar a Lei de Deus para o seu povo e, ao
mesmo tempo, discernir a conformidade ou desconformidade de um compor-
tamento com a mesma lei. Nesse sentido, os sacerdotes tem a função de zelar
para que o comportamento dos israelitas esteja de acordo com a Palavra do
Senhor. É elucidativa a passagem de Nm 31,9-13: tendo escrito a Lei, Moisés a
entregou aos sacerdotes que carregavam a Arca da Aliança e ordenou-lhes:
Reúne o povo, os homens e mulheres, as crianças e o estrangeiro que está em tuas
cidades, para que ouçam e aprendam a temer a Iahweh vosso Deus, e cuidem de pôr
em prática todas as palavras desta lei.
Onias, que tinha sido sumo sacerdote, homem honesto e bom, modesto no trato e de
caráter manso, expressando-se convenientemente no falar e, desde a infância,
exercitado em todas as práticas da virtude, estava com as mãos estendidas, inter-
cedendo por toda a comunidade dos judeus (2Mc 15,12).
Como você poderá perceber, a missão principal dos sacerdotes – zelar pelo
templo, apresentar as oferendas, interpretar a vontade divina e ensinar sua
palavra – é a de fazer a ponte entre o mundo dos homens, entendido como
profano, e o mundo da divindade, que é o mundo sagrado. A separação entre
sagrado e profano está na base do sacerdócio da Antiga Aliança.
Vale salientar, contudo, que a condição de mediador exigia deles uma particu-
lar proximidade de Deus. Entende-se que o sacerdócio não é apenas uma fun-
ção, mas se refere ao ser, enquanto indica, antes de tudo, uma relação singular
com Deus. A partir da viva consciência da santidade de Deus, há exigências
concretas para quem quer aproximar-se dele:
Sendo Deus santo, para entrar em relação com ele é necessário ser santo, isto é,
passar do nível profano da existência ordinária ao nível sagrado da realidade divi-
na (VANHOYE, 1988, p. 1390).
Antes de continuar nossa re�exão, é importante que façamos algumas considerações para
que você possa entender melhor o sentido do "sacrifício" na Antiga Aliança.
Tendo cumprido todos os ritos, o sacerdote estava pronto para apresentar o sa-
crifício a Deus, o que signi�ca fazer passar uma vítima do mundo profano para
o divino, que é o sentido de sacri�car, tornando-a sagrada. O sacerdote, apesar
dos ritos de consagração, permanecia um homem terrestre, sem passar para o
mundo divino. O ritual previa, então, que fosse escolhido um animal sem de-
feito para ser consumado pelo fogo. Completamente subtraída da existência
terrestre, a vítima era devorada pelo fogo celeste, sendo levada para junto de
Deus. Depois desse movimento ascendente, esperava-se um movimento des-
cendente de graças divinas. O sacerdote, mediante o sacrifício apresentado a
Deus, tornava-se mediador dos favores divinos: podia comunicar ao povo o
perdão divino e o �m dos castigos provocados pelos pecados; o caminho certo
a seguir; e abençoar o povo em nome de Deus, trazendo-lhe fecundidade, paz e
felicidade (VANHOYE, 1988, p. 1391).
4. Importância do sacerdócio
Ao longo dos séculos, observa-se em relação ao sacerdócio uma dupla evolu-
ção, a qual intensi�ca sua importância no interior do povo de Deus. Pela in-
�uência dos profetas e da reforma de Josias, cresce, signi�cativamente, o res-
peito pela santidade de Deus. A consequência disso será uma nova organiza-
ção do culto e sacerdócio. Ao invés de uma multiplicidade de santuários, um
único passa a ser considerado legítimo; todos os demais são comparados aos
templos pagãos e, portanto, destruídos. De forma análoga, o sacerdócio é uni�-
cado e hierarquizado.
De forma análoga, a morte de Jesus não teve nenhuma relação com o culto ri-
tual: Ele não morreu em ambiente sagrado, e sim fora da cidade santa; a sua
morte foi uma condenação por motivos legais e não um ato de santi�cação ri-
tual.
Esses diversos motivos explicam por que a pregação cristã das origens não
associava o sacerdócio à pessoa de Jesus: nem na sua pessoa ou seu ministé-
rio, nem mesmo na sua morte os cristãos identi�cavam uma relação com a
instituição sacerdotal antiga.
Em relação à terminologia
Nessas últimas décadas, a exegese e a Teologia realizaram um progresso sig-
ni�cativo no estudo dos ministérios neotestamentários. Esse é um dos frutos
da renovação teológica realizada ao longo do século O ponto de partida foi um
retorno às grandes fontes da Teologia e, de modo particular, à Sagrada
Escritura. Gradualmente, abandonou-se a perspectiva reducionista que busca-
va nela con�rmação de uma Teologia previamente elaborada. O movimento de
retorno às fontes devolve à Bíblia a importância que ela merece. O resultado
será surpreendente, pois emerge do Novo Testamento uma pluralidade de mi-
nistérios.
O sacerdócio de Cristo
Algumas premissas
Jesus foi reconhecido como o messias davídico, porém, não se privava de re-
lações com as instituições cultuais. Para que você entenda melhor, vejamos
dois exemplos:
Para falar do sacerdócio de Cristo, o autor da Carta aos Hebreus precisará am-
pliar a re�exão. Ele o faz, mostrando que Cristo não é apenas a vítima, mas
também o sacerdote, ou melhor, o sumo sacerdote por toda a eternidade. Para
isso, o autor desenvolve um novo conceito de sacerdócio, que ultrapassa aque-
le antigo.
Esses elementos deixam bem claro que, segundo os costumes do tempo, o de-
sejo de alcançar a dignidade sacerdotal era marcado, essencialmente, pela
ambição. Aqui aparece a novidade da re�exão do autor da Carta aos Hebreus:
ele recusa tal caminho e propõe a direção contrária. Longe de querer elevar-se
acima dos demais, Cristo precisou renunciar a todo privilégio e descer ao nível
mais baixo, aceitando assemelhar-se em tudo aos seus irmãos, até mesmo
compartilhar com eles o sofrimento e a morte.
A plenitude sacerdotal
Cristo realiza, assim, de forma plena, a missão sacerdotal, que consiste em eli-
minar o obstáculo do pecado (cf Hb 5,1-3), de modo que seja restabelecida a co-
munhão entre os homens e Deus. Ele é o mediador perfeito, pois, intimamente
unido a Deus na sua glória celestial, continua intimamente unido a nós. Nele,
portanto, está garantida a comunhão vivi�cadora entre Deus e os homens.
Como sumo sacerdote, Cristo nos fala em nome de Deus, e sua palavra exige
adesão de fé. Por outro lado, como sumo sacerdote, ele apresenta a Deus nossa
pro�ssão de fé; por meio dele, estamos unidos a Deus na fé (cf. Hb 13,15). O au-
tor da Carta aos Hebreus serve-se de uma passagem do profeta Malaquias pa-
ra expressar a novidade cristã diante do sacerdócio de Cristo. Para o profeta, o
sacerdote é mensageiro, e nas suas palavras se ouvem as palavras de Deus (cf.
Ml 2,7). Agora, porém, a voz que precisa ser ouvida e acolhida com fé plena é a
de Cristo glori�cado, estabelecido "como �lho, à frente da própria casa" de
Deus (Hb 3,6) e que, por consequência, fala com a autoridade de Deus. Cristo é
o sumo sacerdote eminente, que atravessou os céus e é Filho de Deus. Aqui es-
tá fundamentada a autoridade de sua palavra sacerdotal, à qual o cristão é
chamado a aderir sem reservas, mantendo �rmemente sua pro�ssão de fé.
Cristo é o sumo sacerdote digno de fé.
Com efeito, não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas
fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado.
Aproximemo-nos, então, com segurança do trono da graça para conseguirmos mi-
sericórdia e alcançarmos a graça, como ajuda oportuna (Hb 4,15s).
O autor poderia ter usado a forma positiva, mas, no versículo 15, serve-se de
duas negações, para mostrar de forma evidente como não deve ser interpreta-
do o sacerdócio de Cristo. A preocupação do autor é a seguinte: a glori�cação
de Cristo confere a Ele a autoridade sacerdotal mais alta que é possível conce-
ber. Ele partilha da Glória de Deus, na casa de Deus. Desse modo, poderia, po-
rém, levar as pessoas a senti-lo distante demais, quase inacessível. Entretanto,
um sacerdote digno de fé, que está na presença de Deus, mas lhe falta o víncu-
lo de solidariedade com os homens, não seria capaz de acudi-los em sua misé-
ria. O inverso também é verdadeiro: um sumo sacerdote cheio de compaixão
para com seus semelhantes, mas que não fosse agradável aos olhos de Deus
não poderia intervir de forma e�caz.
Aqui está a intenção do autor: aquele sumo sacerdote que está na presença da
casa de Deus, na Sua casa, é plenamente solidário com os homens. Ele chegou
à glória atual pelo caminho da paixão, isto é, do sofrimento e da morte huma-
na. Ele é o sacerdote misericordioso (cf. Hb 2,17), pois é capaz de "compadecer-
se das nossas fraquezas" (cf. Hb 4,15). Tendo experiência direta da realidade
humana, pois foi provado em tudo como nós, Ele tem experiência de nossas
di�culdades, pois conhece de dentro a condição humana, e isso lhe dá uma
profunda capacidade de compaixão.
Por tudo isso, o autor da carta estende o convite: "aproximemo-nos, então, com
segurança do trono da graça para conseguirmos misericórdia e alcançarmos
graça" (Hb 4,16).
6. Considerações
Nesta unidade, foi possível estabelecer um paralelo entre o sacerdócio, assim
como ele era entendido no Antigo Testamento, e a nova compreensão do sa-
cerdócio trazida por Jesus. O aprofundamento da compreensão do sacerdócio
no Novo Testamento é ponto de partida fundamental para qualquer re�exão
teológica sobre ele do ponto de vista cristão.
Até lá!
(https://md.claretiano.edu.br/teoespestvid-
g03273-fev-2024-grad-ead/)
Objetivos
• Compreender as diversas abordagens teológicas atuais sobre o sacerdó-
cio.
• Interpretar essas abordagens segundo o Novo Testamento.
• Analisar a diaconia como elemento característico e distintivo do sacerdó-
cio cristão.
• Compreender a caridade pastoral como elemento uni�cador da espiritua-
lidade sacerdotal.
Conteúdos
• Abordagens teológicas do sacerdócio.
• Um confronto com o Novo Testamento.
• Dimensão pneumatológico-eclesiológica da diaconia.
• Espiritualidade sacerdotal.
• Partícipe da vocação universal à santidade.
1. Introdução
Anteriormente, nossa re�exão sobre o sacerdócio teve como foco a dimensão
bíblica. O paralelo entre o sacerdócio do Antigo Testamento e o de Jesus escla-
receu a novidade do sacerdócio cristão.
1. ontológica;
2. sacramental;
3. funcional.
A particularidade dos sacerdotes está no fato de que eles são sinais de Cristo
Pastor, aquele que está à frente e tem a missão de guiar os demais. Essa é uma
realidade especí�ca do sacerdote, pois, enquanto, pela consagração batismal,
somos unidos a Cristo e con�gurados a Ele, pelo sacramento da Ordem o sa-
cerdote participa de uma forma especí�ca do mistério de Cristo, sendo con�-
gurado a Cristo-Cabeça e Pastor. Pela nova realidade que recebe, o sacerdote é
chamado a ser imagem viva e transparente de Cristo Sacerdote e recebe o po-
der de agir em seu nome.
Dessa forma, São Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica (III, q. 82, a. 7) a�r-
ma que na "eucaristia, quando ora, o sacerdote fala, certamente, in persona
Ecclesiae (em nome da Igreja), com a qual está unido. Mas na consagração ele
fala in persona Christi, que ele representa por sua capacidade de consagrar". É
a partir dessa compreensão que São Tomás de Aquino, ao tratar do sacramen-
to do batismo, a�rma que, quem o ministra, não age por força própria, mas co-
mo simples instrumento de Cristo, que permanece o verdadeiro ministro do
sacramento (SÃO TOMÁS DE AQUINO, III, q. 67, a. 5). Dizer que o sacerdote, ao
celebrar os sacramentos, age in persona Christi signi�ca a�rmar que ele é
apenas um instrumento pelo qual Cristo age e santi�ca a sua Igreja. Para fun-
damentação bíblica, tal corrente teológica recorre a textos nos quais o
Apóstolo Paulo a�rma que age em nome de Cristo (cf. Rm 1,5; 1Cor 1,10; 15,8; 2Ts
3,6), bem como a textos dos Evangelhos Sinóticos, falando que Cristo transmi-
tiu seus poderes messiânicos aos Apóstolos (cf. Mc 3,15; 6,7; Lc 9,1; Mt 10,1).
Por motivos da comunhão eclesial, são eles que presidem as celebrações das
comunidades e também os primeiros responsáveis pela ortodoxia e ordenação
da caridade. Em vista da ordem e comunhão, compete-lhes discernir os espíri-
tos e zelar para que os carismas sejam colocados a serviço da comunidade.
Por sua vez, embora não possam transmitir sua qualidade de testemunhas
oculares de Jesus nem sua tarefa de dar uma �sionomia normativa à Igreja,
transmitem aos seus colaboradores e sucessores a missão de anunciar e ensi-
nar (cf. At 13,1-3; 2 Cor 1,19; 1Tm 3,2; 5,7), batizar (At 8,38), guiar, presidir e edi�-
car a comunidade (cf. 1Ts 3,1-2; Fl 2,19-24; At 20,28-32; 1 Cor 12,8), refutar as
doutrinas falsas (1Tm 1,3-7; 4,6-7; 2Tm 2,14-18; Tt 1,10-14), assistir os necessita-
dos (At 6,1-6; 2Cor 8,16-17-23; Tg 5,14) e constituir novos ministros na comuni-
dade (1Tm 4,14; 5,22; Tt 1,5).
A missão é outra categoria que pode estabelecer essa relação que vai de Jesus
aos Apóstolos e destes a seus colaboradores e sucessores. Essa é a perspectiva
do Evangelho segundo João: assim como o Pai enviou a Jesus, Ele envia os
Apóstolos (cf. 13,20; 17,18; 20,21); estes, por sua vez, associam outras pessoas, a
quem transmitem o mesmo mandato missionário. Dessa forma, pode-se dizer
que a missão que provém de Jesus marca o ministério apostólico, bem como o
pós-apostólico.
Modelo desse novo paradigma é o próprio Jesus, o qual "não veio para ser ser-
vido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos" (10,45). Jesus se
apresenta, portanto, como o novo modo de entender a autoridade e os ministé-
rios.
Diante deste contexto, podemos salientar que, com toda clareza, �ca completa-
mente fora de foco e contexto qualquer compreensão dos ministérios e autori-
dade eclesiais vistas na ótica de domínio ou busca de privilégios. Seguindo tal
raciocínio, podemos dizer que são atitudes antievangélicas. Por isso, os minis-
térios eclesiais, nas mais variadas formas, caracterizam-se pela diaconia.
4. Dimensão pneumatológico-eclesiológica da
diaconia
Logo no início do Capítulo 12, o Apóstolo Paulo mostra-se preocupado com a
necessidade de um cuidadoso discernimento sobre as manifestações espiritu-
ais, isso é sinal de que ele percebe a existência do perigo de ambiguidade na
preferência dos seus interlocutores por certo tipo de experiências espirituais e
de repetirem na assembleia cristã determinadas atitudes praticadas quando
ainda eram gentios (1Cor 12,2). Nem todo tipo de entusiasmo é digno de apro-
vação por parte de um cristão; ao contrário, é necessário discernir as ações
que se apresentam como manifestações do Espírito. Em 1Cor 12,3, ele oferece
um critério de discernimento: quem é verdadeiramente inspirado pelo Espírito
não pode maldizer o nome de Jesus e ninguém pode professar a fé, a não ser
que seja movido pela ação do Espírito Santo.
Não obstante os possíveis desvios que devem ser corrigidos, o Apóstolo Paulo
sabe o quanto é essencial a ação do Espírito na vida da comunidade e reco-
nhece nos carismas uma de suas manifestações. Sua atitude, portanto, é deci-
didamente positiva: "não extingais o Espírito, não desprezeis as profecias.
Discerni tudo e �cai com o que é bom" (1Ts 5,19-20; cf. 1Cor 14,39; 1Cor, 14,18).
Pela analogia do corpo e membros (1Cor 12; Rm 12), ele reconhece na diversi-
dade carismática uma verdadeira riqueza para a Igreja.
É preciso, porém, tomar consciência de que aqui também nos encontramos di-
ante de um novo paradigma. Na mentalidade dos Coríntios, antes do contato
com o cristianismo, a irracionalidade e a divindade se aproximavam, no senti-
do de que quanto mais irracional era uma experiência religiosa, tanto mais era
considerada divina. O distintivo da manifestação do Espírito de Deus parecia
ser a anulação da razão. Segundo esse critério, o carisma de maior valor seria
o falar em línguas, porque exclui a razão; em seguida, viria a profecia, que pro-
duz discursos inspirados (VANHOYE, 1983, p. 35s).
O Apóstolo Paulo, por sua vez, apresenta uma nova compreensão, juntamente
com novos critérios de discernimento da autenticidade dos carismas. O ideal
não é a anulação da razão e a consequente perda da autoconsciência, mas re-
conhecer a presença ativa de Deus em todos os níveis da existência (1Cor
14,15). Especi�camente em relação aos carismas, nota-se uma mudança co-
pernicana: não é a extraordinariedade ou espetacularidade que mede a impor-
tância dos carismas, mas a sua real contribuição para o crescimento da comu-
nidade: "assim também vós: já que aspirais aos dons do Espírito, procurai tê-
los em abundância, para a edi�cação da Igreja" (1Cor 14,12). Há uma clara pas-
sagem do emotivo e maravilhoso para a área dos serviços comunitários
(LOZANO, 1983, p. 134ss.). Para ele, não é o espetacular que conta, mas o dom
de si mesmo em favor da comunidade, o qual raramente é espetacular. A par-
tir desse critério, é de�nida a importância de cada carisma e seu relativo exer-
cício na comunidade (cf. 1Cor 14; 12,20-26; Rm 12,3-8).
5. Espiritualidade sacerdotal
Embora em certas circunstâncias a Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis
use o termo "espiritualidade" no sentido redutivo, isto é, como sinônimo de
"vida interior", o conceito que predomina em sua re�exão recolhe a riqueza te-
ológica desenvolvida no período pós-conciliar.
A caridade pastoral
O Concílio Vaticano II retomou com força a ideia de que a santidade consiste
na caridade. Se todos os cristãos são chamados à santidade, ela consiste na
caridade. Isso implica que a qualidade da vida espiritual de uma pessoa não é
medida pela quantidade de práticas espirituais, mas pela efetiva vivência da
caridade (cf. PAULO VI, 1964, n. 40), a qual assume formas diversas na vida lai-
cal, religiosa ou ministerial. Há um modo próprio de vivenciar cada uma de
suas formas.
Pela qual imitamos Cristo na entrega de si mesmo e no seu serviço. Não é apenas
aquilo que fazemos, mas o dom de nós mesmos que manifesta o amor de Cristo por
seu rebanho. A caridade pastoral determina o nosso modo de pensar e de agir, o
modo de nos relacionarmos com as pessoas (JOÃO PAULO II, 1992, n. 23).
Na eucaristia é cada vez feito memória do dom total de Cristo à sua Igreja, ex-
pressão suprema do seu ser Cabeça, Pastor, Servo e Esposo da Igreja, a carida-
de pastoral do sacerdote não apenas brota da eucaristia, mas encontra na ce-
lebração a sua mais alta realização.
7. Considerações �nais
Esta unidade teve como foco o sacerdócio ministerial, que se fundamenta no
sacramento da Ordem. A consagração batismal confere a todos uma participa-
ção no sacerdócio de Cristo, a qual precede toda e qualquer distinção entre os
membros de seu Corpo e, ao mesmo tempo, fundamenta a diversidade de mi-
nistérios, os quais representam de formas variadas o único Pastor, Sacerdote e
Profeta.