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Acta Scientiarum

http://www.uem.br/acta
ISSN printed: 2178-5198
ISSN on-line: 2178-5201
Doi: 10.4025/actascieduc.v36i1.21940

Análise de concepções e propostas de gestores escolares sobre o


bullying
José Leon Crochík*, Pedro Fernando Silva, Cintia Copit Freller, Lucas Stefano de Lima Alves,
Aline Costa Carrenho e Gianlucca Vergian Dalenogare

Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, Av. Prof. Mello Moraes, 1721, 05508-030, Bloco A, Sala 196, Butantã, São Paulo, São Paulo,
Brasil. *Autor para correspondência. E-mail: jlchna@usp.br

RESUMO. Analisou-se o conteúdo de entrevistas com gestores escolares – diretores de escola e


coordenadores pedagógicos – de cinco escolas públicas de ensino fundamental da cidade de São Paulo,
Estado de São Paulo, para investigar: 1) como eles compreendiam o bullying, principalmente no que tange às
suas determinações; 2) o que propunham em suas escolas para combatê-lo e 3) a relação entre sua
compreensão do fenômeno e as propostas feitas para seu combate. Concluiu-se que os gestores que
percebiam haver determinação social sobre a violência escolar apresentavam propostas de combate ao
fenômeno mais estruturadas, voltadas ao entendimento do fenômeno por parte de alunos e professores. Os
demais, por outro lado, com base em uma visão mais reducionista que dificultava a percepção da incidência
do bullying no ambiente escolar, elaboravam ações pouco relacionadas com os fatores que o produzem –
ações estas, em muitos casos, ineficientes ao seu combate.
Palavras-chave: teoria critica da sociedade, psicologia, educação, gestão escolar, violência escolar.

Analysis of school authorities´ concepts and suggestions on bullying


ABSTRACT. Interviews by school authorities from five public primary schools in São Paulo, São Paulo
State, Brazil were analyzed. The contents of the interviews by school principals and pedagogical
coordinators investigated (1) the manner they understood bullying, especially with regard to their
determinations; (2) their proposals for combating the problem; (3) the relationship between their
understanding of the phenomenon and the suggestions against it. Results showed that the authorities that
perceived the social determination on school violence had the best structured suggestions against the
phenomenon, with regard to its understanding by students and teachers. On the other hand, others,
foregrounded on a more reductionist stance which made difficult the perception of bulling within the
school milieu, suggested activities which were not relevant to the factors that produced it and thus not
efficacious in their attacking the phenomenon.
Keywords: critical theory of society, psychology, education, school administration, school violence.

Introdução de modo importante na produção desse modo de


Na escola contemporânea, alguns problemas, violência, mas a sua supervalorização em detrimento
além das dificuldades de aprendizagem, estão da análise da determinação da sociedade, da qual
presentes; dentre outros, a indisciplina, a fazem parte, sobre essa esfera da formação é
discriminação, problemas de relacionamentos entre ideológica e pode nos levar a equívocos sobre como
pares e entre o corpo docente e discente e o bullying. enfrentá-la. Na medida em que dissocia o particular
Ainda que estejam associados e possam ser gerados do todo com o qual se relaciona dialeticamente, a
pelos mesmos fatores, cada um deles necessita de cisão entre escola e sociedade reproduz a violência
entendimento específico. do todo, tendendo a tornar natural a determinação
A violência presente no bullying e nos demais social. Se de uma perspectiva hegeliana, o particular
tipos de conflitos interpessoais, que frequentemente expressa o todo, mesmo porque esse último o
ocorrem no ambiente escolar, não se reduz às medeia em sua constituição, a relação escola-
motivações individuais das crianças e adolescentes sociedade deve ser pensada para compreender cada
envolvidos nem tampouco às especificidades da uma das dificuldades acima explicitadas.
instituição escolar. Estas duas dimensões, a A escola possui peculiaridades por meio das quais
individual e a institucional, certamente participam é reconhecida, e mesmo elas são geradas em virtude
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das necessidades e conflitos sociais. Isso pode ser bullying que reconhece a mediação social para, com
ilustrado por Adorno (1993), que descreve uma isso, avaliar a relação entre as concepções de
situação que viveu em sua infância, na qual, em sala dirigentes institucionais a respeito desse tipo de
de aula, alunos mais fortes saltaram sobre um colega; violência e a efetuação de propostas para combatê-lo
essa situação, segundo o autor, já seria um prenúncio no ambiente escolar.
do fascismo. Nos dias de hoje, talvez a A tentativa de considerar o bullying um fenômeno
que tem determinações institucionais, sem que essas
denominássemos de bullying, pois envolve uma
instituições sejam pensadas socialmente, faz parte de
relação desigual de forças:
uma perspectiva, diversa da nossa, que não considera
A irrupção do Terceiro Reich surpreendeu, decerto, a estruturação da sociedade como a determinação
meu juízo político, mas não minha predisposição principal de todos os fenômenos humanos,
inconsciente ao medo. Todos os temas da catástrofe aproximando-se, no campo da ciência, da filosofia
permanente tinham-me roçado tão de perto, os Positivista de Augusto Comte e, no campo social, da
sinais de advertência do despertar da Alemanha
ideologia liberal.
tinham-me marcado de uma forma tão indelével,
que fui capaz de identificar cada um deles nos traços Para pensarmos a mediação social que constitui o
da ditadura de Hitler: e, no meu horror tolo, com fenômeno do bullying, podemos partir de sua
freqüência eu tinha a impressão de que o Estado definição usual: hostilidade/violência intencional e
total havia sido inventado especialmente contra frequente de aluno mais velho, mais forte e mais
mim, para fazer-me sofrer aquilo que na minha esperto, ou grupo de alunos, em relação aos mesmos
infância – a pré-história dele – eu havia sido colegas (FANTE, 2005; FREIRE et al., 2006;
dispensado até segunda ordem. Os cinco patriotas PINHEIRO; WILLLIAMS, 2009; SCHULTZ et al.,
que se precipitaram sobre um único colega, 2012; VOORS, 2006) para, então, avaliarmos o que
espancando-o, e que o difamaram como traidor da
significa esta disparidade quanto ao emprego da
classe quando ele se queixou ao professor – não são
eles os mesmos que torturaram prisioneiros para violência, da força ou da astúcia em uma sociedade
desmentir os que, no exterior, diziam que se hierarquizada, como é a sociedade capitalista. As
torturavam prisioneiros? (ADORNO, 1993, p. 169). dimensões individual e social da hostilidade típica do
bullying, intencional e frequente, não podem ser
Caso seja adequado nomearmos de bullying a separadas senão arbitrariamente; seu entrelaçamento
situação descrita por Adorno, então, esse fenômeno é notório, inclusive, nos meios utilizados pelos
não deveria nos preocupar somente pela violência agressores: o cerceamento psicológico, a coação
mediata ou imediatamente gerada – sobre a vítima física, a destruição das defesas da vítima; todos,
ou sobre sua possível ‘vingança’, essa última também estratégias também frequentes em relações
expressada, nos EUA, por assassinatos em escolas e interpessoais próprias de outros ambientes e
universidades (FANTE, 2005; FREIRE et al., 2006; instituições sociais.
LOPES NETO, 2005; VIEIRA et al., 2009), nem A dominação pelo mais forte sobre uma vítima
tampouco deveríamos responsabilizar somente a que não reage é fato que aproxima esse fenômeno do
escola (CEATS, 2010; FANTE, 2005; FREIRE et al., antissemitismo, tal como analisado por Horkheimer
2006; VIEIRA et al., 2009) e/ou a família e Adorno (1985). A vítima expressa fragilidade e
(ANTUNES; ZUIN, 2008; FANTE, 2005; ausência de reação, ou reação insuficiente, o que
VOORS, 2006) –, a preocupação deveria também se suscita o prazer da dominação: como todos nós, para
voltar para a sociedade que enseja esse fenômeno constituirmos um ‘eu’, tivemos de superar nossa
(ANTUNES; ZUIN, 2008). fragilidade, a violência contra o alvo de bullying
A precisão conceitual pretendida a esse respeito também é autoviolência; quanto mais impotente é a
é, ela mesma, uma das pré-condições para se vítima, segundo os autores, mais suscita a irritação
combater o bullying, pois, tal como indicado por dos agressores; assim, quanto mais agridem, mais
Antunes e Zuin (2008), a conceituação instrumental precisam agredir.
desse fenômeno, em geral, fundamenta-se na Essa fúria lembra a que existia nos pogrons no
negligência teórica em relação à tensão social que período do nazismo; mais do que isso: a invasão dos
está na origem da barbárie e se manifesta em diversas cemitérios judaicos indica que o objeto de ataque
formas de violência, como é o caso do preconceito, não é real, mas imaginário; dessa forma, como
que se diferencia e se associa com o bullying: o enfatizamos antes, o bullying se aproxima do
preconceito é uma atitude; o bullying é uma das preconceito, que também se nutre da ilusão, quando
formas de sua realização. Em consonância com a não da alucinação. Segundo Horkheimer e Adorno
crítica destes autores à instrumentalização (1985), a projeção patológica dos nazistas sobre os
conceitual, este artigo parte de um conceito de judeus é ódio contra si mesmo e independe da
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vítima, mas do significado que outros atribuem a ela, existência das hierarquias é compreensível à luz de
podendo converter situações de origem social em uma sociedade de classes, essas hierarquias também
determinação natural, como é o estereótipo disputam entre si e, no fascismo, a da força física
associado ao judeu de que é essencialmente ligado ao deve triunfar sobre a escolar.
comércio e à circulação do dinheiro, quando A hierarquia escolar, por se referir a conteúdos
historicamente ao judeu foi vedado, pelo menos da importantes para a reflexão, ainda que seja
Idade Média até o século XIX, a possibilidade de hierarquia, contém em si mesma o antídoto contra a
outras ocupações. desigualdade: a autorreflexão, que pode denunciar a
Na nossa sociedade, a apologia da força, quer humilhação a que todos os homens são submetidos
física, quer intelectual, é visível; a hierarquia nessa disputa, uma vez que expressa um prazer
formada pelos ‘melhores’ e ‘piores’ é oriunda de infantil associado à onipotência; claro, esse prazer
uma sociedade de classes que não casualmente infantil é suscitado e perpetuado socialmente e leva
nomeia uma de ‘superior’ e outra de ‘inferior’. Por os indivíduos a atuarem contra sua própria
mais que a democracia considere todos formalmente individuação. O bullying, ao expressar e reafirmar a
iguais perante as leis, é visível que, economicamente, estrutura hierárquica, revela a dupla
a desigualdade predomina: quem tem capital tem despersonalização: do agressor, que atende a prazeres
mais e melhores condições de suprir suas primitivos, e da vítima, que não é percebida como
necessidades de saúde, educação, consumo e, indivíduo. A outra hierarquia parece não conter essa
consequentemente, de estabelecer relações possibilidade e só pode se reproduzir.
interpessoais marcadas pela valorização da posse de Ao que foi escrito no parágrafo anterior, cabe um
mercadorias. Claro, como Marx (1984) demonstrou, duplo acréscimo: a hierarquia cultural também
essa ‘superioridade’ se dá por meio da exploração dos dispõe uns contra outros na afirmação de melhor
que são considerados ‘inferiores’ e, desse modo, a desempenho intelectual; nesse caso, a onipotência
real inferioridade econômica se torna inferioridade infantil é recompensada pela ilusão de ser mais
social. Esse é o papel da ideologia que, incorporada inteligente ou melhor preparado intelectualmente
pelos indivíduos, fundamenta seus modos de que os demais; a força física é substituída pela força
compreensão, explicação e justificação da realidade, intelectual, mas ainda calcada na necessidade de
bem como seus preconceitos; logo, as defesas dominação. Quanto à hierarquia corporal, Adorno
psíquicas e os estereótipos que utilizam para (1995a) defende que os esportes coletivos podem
justificar seus atos violentos são também expressão fortalecer atitudes importantes para a civilização, tais
dessa sociedade desigual; condições para a adaptação como a solidariedade e a identificação com o
a um modo de vida cuja base é a competição por perdedor, e que o problema em geral ocorre entre
meio do emprego da força física ou espiritual. aqueles que torcem. Se o fascismo, conforme
A intimidação presente no bullying gera o medo insistem Horkheimer e Adorno (1985) e Adorno
constante, o que parece ser propício a uma sociedade (1995a), é devido a fatores objetivos, com a maior
fascista: aqueles que destoam da maioria e não fazem concentração de capital, com o fortalecimento dos
parte dos grupos socialmente valorizados devem oligopólios, a violência cotidiana contra os
temer, não importa o que façam; aliás, se como dito, indivíduos, tal como a presente no bullying, é
é a ausência de reação ou reação insuficiente que desviada da verdadeira fonte de opressão que a gera e
gera e mantém o bullying, não depende da vítima a tenta se esvair em alvos que a reproduzem, mas
cessação da violência, a não ser que ela se iguale na nunca a saciam; para eliminá-la, somente com a
força, o que não resolve o problema, só o reproduz. alteração das estruturas sociais que provocam a
Tal como escrito por Horkheimer e Adorno (1985) competição pela sobrevivência; enquanto isso não é
em relação ao antissemitismo, não é o bullying que possível, caberia fortalecer a reflexão e a
desfigura a sociedade, mas é essa que não pode, em autorreflexão sobre a violência, para que com a
sua estrutura atual, ficar sem a dominação dos mais compreensão do que a gera e do prazer que ela
fortes sobre os mais fracos. permite satisfazer, possa ser evitada ainda que
Essa hierarquia social se traduz, na escola, na constantemente suscitada.
dupla hierarquia descrita por Adorno (1995b): a A escola foi considerada (FANTE, 2005; FREIRE
hierarquia escolar, que se expressa pelos melhores e et al., 2006; CEATS, 2010; VIEIRA et al., 2009) como
piores alunos nas disciplinas escolares, e a hierarquia geradora da violência que lá se expressa. A importância
corporal, que tem como critério a adaptação aos do clima escolar é indicada por Fante (2005) e Ceats
costumes mundanos: a esperteza e a destreza (2010): o autoritarismo, mas também a falta de
corporal. Segundo esse autor, no fascismo, essa autoridade, são assinalados por esses estudos para
última hierarquia foi dirigida contra a primeira. Se a explicar a violência entre os colegas. O Relatório da
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pesquisa Bullying Escolar no Brasil (CEATS, 2010) combate a violência; o que pensam seus dirigentes é
mostra que os professores tendem a atribuir a violência importante para saber o que propõem, dentro dos
entre pares à família; já os pais a atribuem à escola, limites desta sociedade, para que se possa minimizar
principalmente, à ausência de autoridade. essa forma de violência, uma vez que as questões
Para superar o reducionismo das explicações disciplinares e os casos de violência escolar são,
calcadas em instituições e/ou nos indivíduos, sem geralmente, encaminhados para eles, que também
desresponsabilizá-los, a análise de como a sociedade são responsáveis pelo projeto político pedagógico da
medeia essas instituições e os indivíduos que a escola. Assim, o objetivo deste artigo é analisar o
compõem é condição para que se possa explicitar o modo como os gestores escolares – diretores de
modo como a escola não somente reproduz a escola e coordenadores pedagógicos – compreendem
violência social, mas torna objetiva essa violência o bullying quanto às suas determinações, elencar o
social de maneira específica. que propõem para enfrentá-lo e verificar se há
Ao reconhecer este nexo entre a totalidade social, relação entre essa compreensão e as propostas feitas
as instituições e as reações individuais de adaptação para seu combate.
destrutiva, a pesquisa sobre o bullying permite Como hipóteses a serem verificadas por meio da
compreender o entrelaçamento entre o tipo de análise do conteúdo das entrevistas com os gestores
violência que caracteriza a hostilização efetuada por de escolas públicas da cidade de São Paulo, supõe-se
indivíduos ou grupos que sistematicamente que tenderão a perceber o bullying como um
ofendem, perseguem ou humilham as mesmas problema pontual, dependente da escola e/ou da
vítimas, em geral, sem condições de reagir, e a família e/ou do indivíduo, mas sem indicarem a sua
violência imbricada de maneira difusa na determinação social; justamente por essa ausência da
organização e nos objetivos contraditórios das percepção da determinação social, as medidas
instituições da democracia formal. As instituições propostas deverão contemplar aspectos individuais
sociais estão permeadas por tendências favoráveis ao ou medidas institucionais. Por fim, espera-se que
exercício de formas sofisticadas de manipulação que, quanto mais elaborada for a compreensão desse
assim como ocorre no bullying, partem da destruição fenômeno, mais as propostas para combatê-lo se
das resistências internas da vítima para chegarem à
dirijam à coletividade, sem desconsiderar o
sua subjugação completa; a dominação exercida
indivíduo e a própria escola.
sobre o mais frágil parece expurgar o sofrimento
decorrente da própria fragilidade. Ao não se perceber
Método: sujeitos, procedimentos de coleta de
como parte do processo institucional responsável
dados e material
pela reprodução da violência social nas situações
favoráveis ao bullying, a escola permanece incapaz de Foram sujeitos desta pesquisa cinco diretores e
refletir sobre o modo como a barbárie socialmente dois coordenadores pedagógicos das equipes gestoras
produzida se reproduz em sua própria dimensão de cinco escolas públicas municipais de ensino
institucional. Ao contrário, ao iniciar o processo de fundamental. A opção por pesquisar escolas públicas
autorreflexão crítica a respeito do modo como produz não se deu por supormos que a problemática
violência a partir de si mesma, ela se torna capaz de se estudada não ocorra em escolas particulares, mas,
contrapor à formação para a barbárie. Ao avaliar o papel
sim, para que pudéssemos ter uma amostra mais
da escola numa sociedade contraditoriamente voltada
homogênea. Três dessas escolas localizam-se na
para a autodestruição, Adorno (1995b) indicou qual
deve ser o objetivo da escola e sua importância para a região Norte da cidade e outras duas, na região
desbarbarização da humanidade, ainda que seu alcance Oeste. O Índice do Desenvolvimento Humano dos
e possibilidades sejam limitados: distritos onde essas escolas estão localizadas variou
de 0,66 a 0,89, isto é, variaram de uma classificação
Enquanto a sociedade gerar a barbárie a partir de si
média a uma elevada (SÃO PAULO, 2002).
mesma, a escola tem apenas condições mínimas de
resistir a isto. Mas se a barbárie, a terrível sombra As entrevistas foram realizadas nas próprias
sobre a nossa existência, é justamente o contrário da escolas. Nos dois casos em que o coordenador estava
formação cultural, então a desbarbarização das na escola, sua participação foi solicitada pelo diretor,
pessoas individualmente é muito importante. A mas cada um respondeu um questionário. Cabe
desbarbarização da humanidade é o pressuposto enfatizar que no caso das entrevistas com ambos os
imediato da sobrevivência. Este deve ser o objetivo gestores seus posicionamentos convergiram.
da escola, por mais restritos que sejam seu alcance e Para participar da pesquisa, os sujeitos assinaram
suas possibilidades (ADORNO, 1995b, p. 116-117).
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O
A escola, certamente, é uma instituição anonimato quer dos sujeitos quer das escolas foi
privilegiada que contribui para a reflexão que assegurado. O projeto do qual fazem parte os dados
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coligidos ora apresentados teve o Protocolo de As entrevistas tiveram seu conteúdo analisado
Pesquisa n.º 066/2011 aprovado pelo Comitê Ético tendo em vista os objetivos a que se destinavam e
em Pesquisas com Seres Humanos da Pontifícia considerando as perspectivas teóricas apresentadas
Universidade Católica de São Paulo em Reunião na introdução deste artigo.
Ordinária de 28/3/2011.
Os dados gerais dos diretores e coordenadores Análise dos resultados e discussão
entrevistados estão na Tabela 1.
Nessa parte serão apresentados e discutidos os
Tabela 1. características gerais dos diretores e coordenadores
resultados referentes às respostas dos gestores
escolares entrevistados. escolares acerca dos motivos do bullying e às
propostas para o seu combate, bem como a relação
Características das equipes gestoras
Escola Cargo Idade Formação Tempo de Tempo no entre ambos.
Magistério cargo na Em relação aos motivos da ocorrência do bullying
Escola
A Diretor 46 anos Matemática 23 anos 4 anos nas escolas que coordenavam ou administravam, os
Diretor 37 anos Pedagogia e 18 anos 10 meses gestores entrevistados atribuíram a esse fenômeno
B Psicologia
Coordenador 53 anos Geografia com Esp. 12 anos 8 meses
causas distintas, dentre as quais se destacaram três: as
a em Ed. Infantil sociais, as familiares e as individuais.
C Diretora 53 anos Pedagogia 30 anos 15 anos A influência da sociedade foi mencionada por
D Diretora 27 anos Letras e Pedagogia 8 anos 2 meses
Coordenador 39 anos Pedagogia com 12 anos 2 meses gestores de quatro dentre as cinco escolas
a Mestrado em investigadas, que reconheceram que o bullying não se
Educação
E Diretor 58 anos Educação Física e 33 anos 12 anos reduz a fatores individuais ou familiares, como
Pedagogia comumente se defende. Um deles, o diretor da
Escola A, caracterizou o bullying como reflexo da
De acordo com a Tabela 1, a idade dos sociedade: “Nossa sociedade é capitalista,
entrevistados variou de 27 a 58 anos, cinco deles foram individualista, preconceituosa [...]” (DIRETOR A);
formados em Pedagogia; na época da entrevista sua com isso, enfatizou a importância de fatores
experiência no magistério variou de oito a 33 anos e na socioculturais que adentram os muros da escola na
direção/coordenação da escola pesquisada de dois determinação dessa forma de violência. Os gestores
meses a 15 anos. Cabe salientar que nas escolas B e D, da Escola B assinalaram a importância da dimensão
nas quais foram entrevistados dois educadores em cada social ao considerarem que o bullying é “[...] reflexo
uma, ambos ocupavam o cargo há pouco tempo; nas de como o mundo está [...]” (GESTORES B),
outras três escolas, os diretores entrevistados estavam enfatizando a questão da competição presente na
no mínimo há quatro anos na equipe gestora da escola. sociedade, a qual também tem a escola como palco;
As questões feitas aos entrevistados cujas mencionaram também que os alunos reproduzem na
respostas foram analisadas neste artigo são: escola a violência de seu dia a dia extraescolar.
- Por que ocorre o bullying? De modo distinto, os gestores da Escola D
- O que é necessário fazer para combatê-lo? também mencionaram aspectos que remetem à
Na época da coleta de dados, segundo relato das determinação social do bullying; relacionaram
equipes gestoras, três escolas (B, C e E) eram características específicas do bairro em que se
consideradas pela comunidade e pelos professores localiza a escola – especialmente a história de brigas
como ‘modelos’, com boa qualidade de ensino e clima entre as famílias que atualmente moram em um
favorável de convivência. Essas escolas eram conjunto habitacional popular e aquelas que já
especialmente escolhidas pelos professores para moravam no mesmo espaço, onde existia uma favela,
lecionarem, bem como pela comunidade para os seus bem como o tráfico de drogas presente na região –
filhos estudarem. A escola C era considerada ‘normal’, com o comportamento agressivo dos alunos.
com problemas e qualidades esperadas para instituições Segundo o relato dos gestores da Escola D, os
educativas da rede pública. A Escola D atravessava moradores da favela se sentiram prejudicados, uma
problemas na relação entre os educadores e os alunos, vez que esse conjunto habitacional foi destinado a
dificuldades no processo de ensino-aprendizagem e famílias de outras localidades. Essa questão foi
situações de violência. Essa instituição foi apontada como um dos motivos que explicam a
desqualificada por alunos e professores, os quais violência extrema que atinge a escola, pois, segundo
preferiram estar em outra escola e estava localizada no os gestores, há casos de contendas – envolvendo
distrito de menor Índice de Desenvolvimento filhos – entre as famílias, que são resolvidas dentro
Humano (IDH=0,66) entre os distritos nos quais se da própria escola; sendo esses, entre outros, os fatos
localizavam as escolas pesquisadas. que contribuem para espalhar a fama que esta escola
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seria, em toda a rede pública municipal, uma das determinação social, oferece um importante
mais violentas e difíceis de se trabalhar, considerada elemento para a compreensão do bullying. Disse que
por muitos profissionais, segundo os gestores, como “[...] os alunos devem assumir um padrão, de
uma ‘escola de passagem’. maneira que aqueles que não se adaptam a esse
O modo como a dimensão social é padrão tornam-se vítimas [...]” (DIRETOR E) e que
compreendida, pelos gestores da Escola D, como “[...] aqueles que não estão dentro do denominado
causa do bullying, contudo, parece-nos sugerir uma ‘padrão’ sofrem o bullying [...]” (DIRETOR E, grifo
explicação reducionista do problema, pois atribuem nosso). Ao relacionar a estereotipia, que é típica da
diretamente à comunidade, sem reconhecer os nexos sociedade industrial tardia, ao cerceamento que o
entre essa dimensão particular e a totalidade social, a bullying provoca em torno das vítimas, os
forma violenta com a qual tentam resolver os comentários deste gestor nos motivam a destacar a
problemas criados por decisões políticas e importância do funcionamento das turbas de
econômicas, tais como a criação do conjunto crianças e jovens, marcadas por características
habitacional para a moradia de pessoas de fora do semelhantes à psicologia das massas e da exigência
bairro, seguida da expulsão das famílias que de ajustamento aos padrões colocados em relevo. Tal
moravam no local. De todo modo, tal como o argúcia permite perceber duas questões relevantes:
diretor da Escola B, não restringiu os problemas às primeiro, o reconhecimento de que a dimensão
questões individuais e/ou escolares, tem clara noção social, essencial à compreensão das manifestações
de como os conflitos sociais mais visíveis penetram particulares de violência, não basta para explicar a
no cotidiano escolar tornando-o mais violento. Se na produção desses fenômenos; é preciso que os fatores
Escola B, o diretor enunciou algo geral, os gestores que operam a propagação das tendências sociais
da Escola D mostraram sua realização. Se a destrutivas sejam identificados; segundo, a percepção
referência teórica que utilizamos tem em sua base a isolada dos fatores que operam a reprodução das
relação totalidade-particular, cada uma das análises tendências sociais destrutivas, sem a devida
em separado é parcial e, por isso, falsa; relacionadas, articulação com a totalidade social, não favorece uma
no entanto, indicam a importância dos fatores análise consistente do fenômeno, pois pode estar
invisíveis e gerais, mas concretos (a determinação fundamentada em considerações intuitivas pouco
social) e dos visíveis, parciais e abstratos (os conflitos capazes de resistência à constatação de fatos e à
entre os moradores que ressoam na Escola D). Quer argumentação contrária.
seja o entendimento de que conflitos entre As considerações dos gestores a respeito da
moradores adentram os muros escolares, uma vez determinação social, ainda que não aprofundadas,
que ressoam fortemente nos alunos, quer seja o de contradizem, aparentemente, nossa hipótese inicial,
que a competição socialmente necessária é que indicava que os gestores não iriam enfatizar essa
reproduzida também no ambiente escolar, ambas as determinação sobre o bullying; os gestores das escolas
explicações ultrapassam a redução a fatores A e B, no entanto, a indicaram de forma mais
individuais, que responsabilizam somente o apropriada do que seus colegas das outras duas
indivíduo, justificando a ordem social estabelecida. escolas, para os quais faltou analisá-la mais
Apesar desse reconhecimento, há de se notar que a precisamente.
percepção da importância dos conflitos entre O segundo ponto, o da relação que a família
moradores sobre a violência escolar corre o risco de
mantém com esse tipo de violência, foi levantado
se reduzir a esses conflitos, caso não a acompanhe
por duas equipes gestoras. Os gestores da Escola B
uma Teoria da Sociedade.
localizaram a violência escolar na família:
A constatação de Adorno (1986) de que na
sociedade capitalista contemporânea os homens Os alunos projetam a decepção que sentem pelos
permanecem “[...] sendo o que, segundo a análise de pais e descontam nos professores e alunos. As
Marx, eles eram por volta da metade do século XIX: famílias também se agridem e se tratam com
xingamentos e agressões (GESTORES B).
apêndices da maquinaria [...]” (ADORNO, 1986,
p. 68) têm consequências importantes para o O que pode sugerir a importância do papel
entendimento do modo como a estrutura social se desempenhado pela autoridade na relação familiar.
reproduz na esfera das relações escolares: a competição Essa decepção com a autoridade na família é
típica das relações sociais de produção, também exigida reiterada na fragilidade da autoridade do professor;
sob a forma de desempenho nas atividades escolares, é tal fenômeno é indicado por Horkheimer e Adorno
enaltecida como técnica de ajustamento social. (1978) e por Marcuse (1981) quando explicitam que
A ponderação feita pelo diretor da Escola E, as mudanças estruturais da sociedade que se alterou
apesar de aparentemente negligenciar o poder da de concorrencial para a de monopólios/oligopólios
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afetaram a autoridade e a estrutura familiar; não se trabalho, com reflexos sobre as responsabilidades
trata somente, para essa perspectiva, de mudança da domésticas e de educação dos filhos; novos arranjos
estrutura familiar, tal como acentua o diretor da familiares que agregam parentes que outrora não
Escola A, mas que as instituições formadoras – compunham o núcleo básico da família burguesa, de
família, escola –, por perderem sua força, permitem modo a ampliar as condições de sobrevivência etc –,
que os indivíduos sejam socializados mais contudo, não é a ampliação dos modos de
diretamente pela sociedade; dessa maneira, o afeto composição e organização familiar que afetou a
presente nas relações pessoais diminui sua presença qualidade das relações familiares, mas o declínio da
na história individual, tornando-o mais frio. Adorno autoridade, atingindo o potencial de mediação da
(1971), ao indicar o enfraquecimento da autoridade família. Ao indicarem que a família tem deixado de
educacional, mostra sua contradição: não há de se cumprir sua função de educação, os autores revelam
defender o autoritarismo, mas sublinhar que esse que as crianças e jovens estão muito mais suscetíveis
enfraquecimento não foi concomitante com a a influências diretas da sociedade, podendo,
autonomia individual e, por isso, convive com a inclusive, reproduzir de forma acrítica suas
necessidade de autoridade, facilitando o surgimento tendências destrutivas: “[...] o fenômeno
dos líderes fascistas e a adesão a eles. generalizado da delinqüência infantil é indicativo do
A equipe gestora da Escola D chegou a estado atual da família como tal” (HORKHEIMER;
caracterizar as famílias em três tipos segundo o seu ADORNO, 1978, p. 143). Com base nas
envolvimento nas questões escolares – a que sempre considerações desses autores, é possível indicar tanto
comparece; a que, quando comparece, demonstra o potencial analítico quanto as limitações críticas da
um comportamento extremamente agressivo e a que inclusão da família como um dos fatores
nunca comparece. Relacionou o bullying com o meio relacionados à ocorrência do bullying. A relação direta
familiar; ainda que não explicitado, o segundo tipo entre as mudanças transcorridas na estrutura da
de família mencionado parece se associar mais com a família e a ocorrência do bullying pode levar ao
violência escolar, uma vez que se os pais são equívoco de que as famílias ditas estruturadas,
agressivos com os professores e com a escola, podem
aquelas que reproduzem o modelo da família
servir de referência para seus filhos que podem
nuclear burguesa, estariam salvaguardadas em
também desrespeitar essa instituição.
relação à produção desse tipo de fenômeno ou ao de
Considerar a família como instituição
que, independente da sociedade, a família poderia
relacionada com o bullying escolar pode adquirir
oferecer soluções suficientes para a superação do
significados distintos dependendo da centralidade
problema. A derivação que fazem da debilidade paterna
que adquirem na explicação do fenômeno. Há casos
para indicar a participação dos jovens na agressão
em que a referência à família ocorre como a
coletiva nos fornece importantes elementos para
identificação de mais um dos fatores implicados na
analisar o enfraquecimento da autoridade familiar
produção dessa forma de violência; há outros, ao
como um dos fatores da produção do bullying:
contrário, que podem dissociar a dimensão familiar
da social, responsabilizando a família em um grau O pai é inclusive substituído por poderes coletivos,
incompatível com sua realidade. O modo como os como a classe escolar, o ‘team’ esportivo, o clube e,
gestores da Escola B se referiram à família parece se por último, o Estado. Os jovens manifestam a
aproximar do reconhecimento de que há uma tendência a submeter-se a qualquer autoridade, seja
qual for o seu conteúdo, desde que ela ofereça
constelação de fatores implicados na produção do
proteção, satisfação narcisista, vantagens materiais e a
bullying; já a centralidade a ela atribuída pelos possibilidade de descarregar sobre os outros o
gestores da Escola D parece sugerir um grau de sadismo, em que a desorientação inconsciente e o
independência da família em relação à sociedade que desespero encontram cobertura (HORKHEIMER;
a responsabiliza exclusivamente pela formação do ADORNO,1978, p. 145, grifo dos autores).
caráter e manifestações de agressão.
O apontamento de que as mudanças A influência das características individuais daquele
transcorridas na estrutura da família possam ter que pratica/sofre o bullying foi apontada pelos
favorecido formas de conduta condizentes com a entrevistados das cinco escolas. Os gestores das Escolas
violência social pode ser pensado à luz da análise A e B indicaram haver, dentre as características típicas
desenvolvida por Horkheimer e Adorno (1978). De desses alunos, algumas necessidades, como a de
fato, a estrutura da família sofreu importantes imposição/afirmação física e formas de enfrentamento
mudanças em razão das transformações ocorridas no de conflitos que se assemelham ao bullying, os quais,
âmbito das forças produtivas – novas formas de inclusive, poderiam estar ligados ao aparecimento desse
inserção de homens e mulheres nas relações de tipo de violência.
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122 Crochík et al.

A equipe da Escola B apontou também o Adorno, assinalado na introdução deste artigo,


fortalecimento do aluno quando ele se insere num denominado como dupla hierarquia, uma vez que os
grupo, e decorrente disso a importância que este alunos que não se destacam na hierarquia escolar
assume para aquele: oficial representada pelas notas nas disciplinas de sala
de aula buscam outras formas de se destacar, além de
As pessoas só se fortalecem em grupo. É a forma serem hostis à cultura, o que remete ao texto de
contemporânea de crescimento: identificação com o
Freud (1986), no qual o autor revela que os
grupo. O grupo é para o indivíduo o único valor
importante. É o valor dos iguais. As pessoas fazem indivíduos que não se identificam com a cultura, não
qualquer coisa para ficar no grupo (GESTORES B). percebem nela a possibilidade de realizar seus
desejos e lhe são hostis.
Cabe ressaltar que esse apontamento enfatiza um Ainda, no que concerne ao fator ‛causas
componente histórico ao caracterizar essa individuais’, os modos como cada grupo gestor o
identificação com o grupo como “[...] a forma mencionou também remete a consequências
contemporânea de crescimento [...]” (GESTORES teóricas e práticas distintas. Reconhecer que o
B). Essas características – necessidade de afirmação e crescimento físico e psíquico é repleto de
de pertença a um grupo de iguais – talvez sejam conflitos provocados por mudanças corporais
devidas à fragilidade do desenvolvimento de um pode equivaler ao reconhecimento de que a
ideal de eu, tal como indica Freud (1993), o que natureza corporal acompanha a cultura de modo
fortaleceria a hipótese do enfraquecimento distinto do que comumente se pretende defender.
contemporâneo da constituição dos indivíduos, Ela nem é totalmente independente da cultura,
também gerada pelo enfraquecimento da autoridade, que a transforma, nem está inteiramente
tal como foi discutido antes. Esse fenômeno, subjugada a esta. A natureza, neste caso,
denominado por Adorno (2006) de representada pelo excesso de hormônios e
‘desindividualização’, é propício, segundo esse autor, expressões contraditórias de características físicas
à adesão à propaganda fascista e, no caso do objeto que escapam aos padrões estipulados pela estética
deste artigo, à violência. Certamente, o jovem ainda colocada a serviço da dominação é mais uma das
está em formação, mas essa já se desenvolveu expressões da contradição entre indivíduo e
consideravelmente, assim, deveríamos esperar que sociedade, portanto, elemento importante para
sua consciência moral, que poderia frear a violência, compreensão dos fundamentos dessa forma de
estivesse mais bem constituída. Já a resposta da violência. Contudo, quanto à outra forma de
diretora da Escola C: “[...] o motivo se confunde individualização das causa do bullying, como a que
com a intolerância, uma mistura de amor e ódio. faz a diretora da Escola D ao argumentar que “[...]
Ameaças, apropriação de objetos, chantagens [...]” os alunos estão acostumados a desrespeitar; para
(DIRETORA C); se refere à autoimposição do eles é normal falar palavrão [...]” (DIRETORA D)
jovem sobre os colegas, indica a ambivalência entre e “[...] que a escola não tem bons alunos [...]”
amor e ódio, que é o fenômeno que estudos sobre o (DIRETORA D) ou ainda que “[...] até as mães
preconceito indicam aparecer frente o objeto de xingam os professores, tem a ver com o meio
agressão (ADORNO et al., 1950). Os gestores das familiar [...]” (DIRETORA D), pode-se
escolas D e E indicaram relação entre ser mau aluno considerar que o problema é reduzido à esfera da
e agressão, sobretudo o diretor da Escola E, pois para vida individual e familiar e que ambas são
ele, talvez, os alunos que mais provocam têm concebidas como se fossem dissociadas da
problemas de aprendizagem e dificuldades de se dimensão social. Certamente, não caberia
relacionar com os outros. Para a equipe gestora da descartar a dimensão individual implicada na
escola D, a ênfase parece ser na má educação, no produção do bullying, mas a referência a ela não
costume que os alunos têm de xingarem uns ao pode servir de argumento para se dissociar o
outros. O entrevistado da Escola E alegou também indivíduo da sociedade, como se ela não mediasse
que é importante o aluno fugir ao padrão das vítimas todas as suas ações, de modo que compreendê-la é
do bullying. A explicação por meio do desempenho e pré-condição para se compreender também as
da disciplina escolar – seja porque na visão de alguns condutas individuais. Um importante exemplo
gestores na escola não há muitos bons alunos e eles disso é a constatação feita pela equipe gestora da
não são valorizados, seja porque os alunos acabam se Escola B, que associou corretamente a sensação de
habituando ao desrespeito mútuo, travestido de fortalecimento individual obtida por meio da
brincadeira, ou então porque os agressores integração em grupos de agressores. Com base no
provavelmente sejam maus alunos em classe – nos que indicaram, seria possível analisar os ganhos
permite refletir sobre o fenômeno discutido por narcisistas que agressores e apoiadores obtêm ao
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Concepções de gestores escolares sobre bullying 123

se unirem em torno da hostilização sistemática de mais ampla da sociedade, o que constitui um grande
crianças incapazes de reagir a este tipo de passo, no entanto, parece reconhecer suas limitações,
cerceamento que, dentre outras coisas, destrói sua e até impotência, já que não desenvolve estratégias
autoestima, desarmando suas defesas. para agir no que denomina como causas externas do
Resta ainda sublinhar dois dos elementos bullying. Planeja ações mais voltadas ‘às causas
apontados como causas do bullying que não se internas’ e menos específicas para o combate do
encaixam exatamente em nenhuma das três problema, como projetos de artes, esportes e cultura,
categorias acima discutidas. O primeiro deles é a sem regularidade nem foco no tema bullying. Se, no
influência que a mídia – em especial os programas entanto, o particular é mediado pela totalidade
humorísticos – exerce na criação dos estereótipos das social, as ações internas às escolas podem contribuir
vítimas, que seriam os mesmos ‘tipos’ que sofrem o com a mudança social, além de atenuarem a
bullying no colégio. Essa argumentação é bem lembrada violência específica presente no bullying.
pelo diretor da Escola B, quando afirma que As iniciativas apresentadas pelas demais escolas
não chegam a configurar uma política ou um
[...] a mídia e os programas humorísticos
contribuem muito para criar os tipos de alunos que
programa de intervenção estruturado. Apesar de não
sofrem bullying. Os humoristas fazem piada com se omitirem, apresentam pouco investimento no
determinados tipos. Esses mesmos tipos sofrem combate ao bullying. O fato de as escolas A e B
bullying na escola (DIRETOR B). elaborarem projetos para combater essa forma de
violência da escola é sinal de que o problema é
O segundo elemento, relacionado com o considerado grave e não apenas ‘formas de
anterior, consiste na compreensão do bullying como brincadeiras’ ou ‘problemas relacionados à idade’ e
violência contra um sujeito que não se adaptou ou que apesar do reconhecimento da determinação
de alguma maneira fugiu de um determinado social (essas duas escolas, conforme assinalado na
padrão. Nesse sentido, como aponta o diretor da análise da questão anterior, enfatizam a
Escola E, a vítima é facilmente caracterizada: “[...] os determinação social do bullying) se percebe alguma
alunos devem assumir um padrão, de maneira que autonomia da escola para combatê-la. Tal resistência
aqueles que não se adaptam a esse padrão tornam-se escolar à violência social pode ser pensada como
vítimas” (DIRETOR E). Talvez esses dois aspectos ilustração da afirmação de Adorno (1995a) de que o
possam ser destacados por permitirem perceber que, objetivo mais importante da educação é que
contraditoriamente, a esfera da cultura possui um Auschwitz não se repita. Nesse mesmo sentido,
importante potencial para favorecer a ocorrência do podemos supor que a não existência de projetos
bullying e por demarcarem o problema da similares nas outras escolas possa significar, ainda
desadaptação – a sua causa atuando no sentido amparando-nos nesse autor, a não introjeção
positivo (por se ajustar em um estereótipo suficiente desse objetivo e a consequente
depreciado) ou negativo (por não se adequar em um subestimação dessa forma de violência, que, como
padrão de normalidade). indicado na introdução deste artigo, se relaciona com
Das respostas dos gestores escolares à questão o horror experimentado durante o período do
sobre propostas para combater o bullying, observa-se nazismo (1933-1945).
que, dentre os gestores das cinco escolas que O conjunto das ações mencionadas pelos
participaram desta etapa da pesquisa, somente os da gestores educacionais nas entrevistas abarca diversos
Escola A e da Escola B demonstraram pensar sobre a fatores importantes, cuja eficácia deve ser avaliada
necessidade de uma política mais ampla e abrangente mediante sua vinculação com outros fatores
para combater o bullying. A Escola A possui projetos complementares. Foram identificados os seguintes
específicos já encaminhados, que envolvem os fatores: análise da situação, programas específicos de
alunos com pesquisa, reflexão e discussão sobre o enfrentamento ao bullying ou a ele estreitamente
tema, bem como ações que eles entendem que relacionados, como o protagonismo juvenil, a
mobilizam o protagonismo juvenil, como rádio e mediação de conflitos, a orientação aos envolvidos
imprensa feitas pelos jovens para expressar, dos seus em situações de bullying e a seus respectivos
pontos de vista, os seus problemas. Também contam familiares e responsabilização.
com o recurso dos Conselhos Tutelares e da A respeito da análise da situação, destaca-se a
mediação das famílias. Percebem que precisam ir iniciativa da Escola A, que desenvolveu uma
além e avançar nas soluções, já que o problema do pesquisa com todos os seus alunos do ensino
bullying é complexo e envolve a estrutura social. A fundamental II, proporcionando um meio de
equipe gestora da Escola B percebe a dimensão social reflexão a respeito do que é o bullying, dos fatores
do problema e vislumbra que deve atuar na estrutura que o produzem e de seus efeitos. Mesmo
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124 Crochík et al.

reconhecendo-se que pesquisas como essa podem defender adequadamente, que é o caso, em geral, das
não ter precisão suficiente para a produção de minorias delimitadas pela educação inclusiva, essas
conhecimento científico, é importante reconhecer também são alvo do preconceito (CROCHÍK et al.,
que pautar a discussão junto aos alunos e apresentar- 2009); de outro lado, Antunes e Zuin (2008)
lhes questões que promovam alguma reflexão sobre mostram a relação entre bullying e preconceito; dessa
o tema já se configura como uma intervenção forma, parece haver relação entre políticas de
significativa, acionando importantes elementos de combate ao bullying e as políticas de educação
combate ao bullying: a importância de conhecer e de inclusiva. Além disso, essa escola também tem
refletir a respeito desse tipo de violência. A incentivado a atuação do Grêmio estudantil, que no
possibilidade de esclarecimento proporcionada por período da coleta de dados estava empenhado na
pesquisas desse tipo pode levar a se pensar, como efetivação de uma campanha contra o bullying.
ressaltado por Adorno et al. (1950) no estudo que De modo semelhante, a Escola B também tem
fizeram sobre a personalidade autoritária, sobre a desenvolvido ações de protagonismo juvenil
importância de dados da pesquisa permitirem a essenciais ao enfrentamento do bullying: uma dessas
autorreflexão e assim a contenção da violência ações tem, segundo o relato obtido, propiciado o
dirigida aos outros indivíduos e a si mesmos. envolvimento dos alunos com atividades culturais,
Dentre os programas mencionados pelos permitindo se expressarem e trocarem experiências.
entrevistados, os mais especificamente relacionados Isso, por sua vez, permite ao sujeito – por meio do
ao bullying foram precisamente os que estavam contato com o outro – rever e repensar sobre suas
articulados a uma política da escola para seu condutas para com as outras pessoas. Além dessa
enfrentamento. Os demais, ainda incipientes, iniciativa, essa escola também tem investido na
caracterizam-se por sua pouca elaboração. Os formação de professores, com a finalidade de
programas desenvolvidos nas duas escolas que prepará-los para que efetuem a identificação e
formularam políticas mais completas também notificação dos casos de bullying (“Oriento para
demonstram certa compreensão de seus gestores ninguém se omitir. Os professores devem registrar
sobre a complexidade do problema. práticas que antes eram aceitas e agora são
Na escola A, por exemplo, apresenta-se clareza criminosas”, disseram os seus gestores), e na
quanto ao seu papel como instituição educacional, o abordagem com os pais, com o intuito de fortalecer a
qual se desprende de conjecturas de uma opinião autoestima das vítimas. Essas medidas, propostas e
que se faz com base na defesa da punição e opressão projetos foram desenvolvidos, tal como eles são,
como meios formativos de um sujeito, como se sobre um plano de sustentação importante: uma
assinala na própria fala do seu diretor: “[...] a escola compreensão intricada do tema, por meio da qual,
deve orientar e educar. Não adianta punir tudo, acredita-se que o combate ao bullying será viável
senão a escola vira cadeia” (DIRETOR A). quando houver mudanças estruturais da cultura em
Tal compreensão – dos efeitos sobre cada modo larga escala que atinjam a todos; assim como se crê
de lidar com a problemática das diversas que a transformação qualitativa das relações também
modalidades de violência e também do bullying em será possível com a apropriação democrática de
contexto escolar – evita o retalhamento das todos os sujeitos daquilo que a sociedade produz –
condições de se entrar em contato direto com o arte, esporte e cultura. Essa perspectiva de alguma
problema em si. O que, por conseguinte, favorece forma visa à redução progressiva da reprodução de
oportunidades de avaliação e reflexão sobre as comportamentos de uma sociedade marcada pela
diferentes violências e o bullying na escola. O diretor hierarquia e alienação e que, pelo contrário, defende
da Escola A, por exemplo, mencionou o programa condições reais para a autonomia do sujeito, tal
de inclusão escolar, pautado pela compreensão de como indicado por Adorno (1995a); claro, segundo
que “[...] o papel da inclusão é ensinarmos os alunos esse autor, antes de haver tal autonomia, deve existir
a conviver com a diferença [...]” (DIRETOR A), e a compreensão dos determinantes sociais que a
que isso tem consequências importantes para o impedem.
combate ao bullying, como ação específica para Apesar de apenas o diretor da Escola A ter
enfrentar este tipo de violência. De fato, pode-se mencionado o trabalho de mediação de conflitos, a
considerar que mesmo não sendo um programa que orientação dos envolvidos nas situações de bullying e
se dirija exclusivamente às vítimas ou aos agressores, de seus pais foi mencionada pelos gestores das
o trabalho no âmbito da inclusão abrange aspectos escolas A e B (além dessas, a Escola E também
importantes relacionados a situações de bullying; se mantém ações de mediação de conflitos por meio
esse é compreendido como uma forma de violência das intervenções da vice-diretora). A mediação pela
exercida sobre minorias que não conseguem se autoridade escolar para que a violência seja cessada é
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Concepções de gestores escolares sobre bullying 125

um movimento importante para o reconhecimento semelhante nas outras três escolas. A mesma
de que a escola deve interferir para o fim das distinção se observa em relação às perspectivas de
hostilidades e para o convívio pacífico; essa estabelecer intervenções mais consistentes. Os
mediação, conforme acentuado antes, não precisa gestores dessas duas escolas manifestaram intenções
ocorrer com a utilização de meios coercitivos, de estabelecer um programa de discussões com
punitivos, mas direcionada para o esclarecimento da alunos a respeito da violência, nos moldes das
situação; nesse ponto, pode ser enfatizado que o intervenções promovidas no campo da justiça
esclarecimento sobre si mesmo não é independente restaurativa, de criar uma oficina sobre bullying e de
do esclarecimento sobre as relações sociais; ambos os sistematizar as conversas com os professores. Esse
polos devem estar em evidência, para que o dado fortalece o que temos afirmado: o combate à
problema não se reduza à sociedade ou ao indivíduo violência deve ser feito com esclarecimento e
e possam ser pensados pela mediação social que responsabilização; não basta o esclarecimento das
forma o indivíduo. motivações individuais ou das determinações sociais
Apesar de as dirigentes das escolas C e D isoladamente; tampouco se deve responsabilizar sem
declararem que as duas instituições ainda não se esclarecer; o trabalho feito intramuros e o
possuíam política de enfrentamento do bullying, encaminhamento a outras instituições que possam
apontaram algumas iniciativas das escolas frente ao auxiliar na resolução do problema devem ser
fenômeno. Na Escola D, uma palestra foi ministrada concomitantes; se a escola deve manter certa
por um policial militar a respeito da responsabilização autonomia para cumprir seus objetivos, não pode ser
nos casos de bullying, marcada por um discurso legalista compreendida como instituição à parte da sociedade.
e ameaçador: ‘Ele falava do Carandiru. Perguntava se os
alunos queriam chegar a este nível’, informou a equipe Considerações finais
gestora dessa escola. Já na Escola C priorizam-se Como exposto na introdução, este artigo teve como
valores como a cordialidade e a boa convivência, objetivo analisar as concepções de equipes dirigentes de
princípios que objetivam motivar os alunos a cinco escolas públicas acerca do bullying, suas propostas
estabelecerem boas relações entre eles, os quais são e iniciativas no sentido de seu enfrentamento e, por
reforçados e encorajados pelas atividades de fim, a relação entre aquelas concepções e as respectivas
bandeirismo, nas quais “[...] as crianças aprendem a propostas. Ao contrário do que se esperava de início,
colaborar; dividir alimentos; ajudar a descer da árvore; quatro das equipes dirigentes indicaram aspectos
pegar água; conviver bem etc. [...]” (DIRETORA C), determinantes desse tipo de violência que ultrapassam
como esclarece a sua Diretora. O contraste dos modos as questões individuais ou familiares. Embora cada uma
de procedimento dessas duas escolas permite iluminar dessas equipes gestoras tenha levantado à sua maneira
os limites de ambas as tendências. Se o autoritarismo esse conjunto de aspectos caracterizados nesse artigo
deve ser criticado por ele mesmo gerar a violência, como ‘determinação social’, pareceu haver um
sobretudo, mas não só, a dita civilizada, o estímulo à importante reconhecimento por parte dessas equipes
convivência que não atribui consequências aos atos de que aquilo que causa o bullying não se encontra tão
destrutivos é, em parte, conivente com eles. Se aos somente na esfera individual nem na familiar, ainda
alunos não for atribuída alguma responsabilidade por que essas esferas sejam importantes para o
seus atos, nunca chegarão a ser indivíduos e cidadãos: entendimento desse fenômeno.
os homens devem ter consciência das consequências de De maneira igualmente importante, porém desta
suas ações e se responsabilizarem, na medida do vez de acordo com o que era esperado, as escolas que
possível, por elas. expuseram com mais precisão a determinação social
Por fim, apenas nas duas escolas com políticas de sobre a violência escolar apresentaram propostas
enfrentamento ao bullying mais desenvolvidas há mais estruturadas de combate ao bullying, voltadas ao
indicação de maior cuidado com os entendimento do fenômeno por parte de alunos e
encaminhamentos e notificações dos casos. O gestor professores, dirigidas a toda a escola e não somente
da Escola A mencionou a cooperação com o aos diretamente envolvidos nessa forma de violência,
Conselho Tutelar, que realiza os encaminhamentos enquanto as demais enfrentam essa questão de
para especialistas; o da escola B destacou a orientação forma mais imediata, isto é, agindo quando o
dada aos professores para que efetuem as problema aparece ou atuando unicamente sobre as
notificações necessárias. Em ambos os casos é ações e relações entre os indivíduos.
possível verificar que há a preocupação de se A confirmação dessa hipótese tem uma
promover algum grau de responsabilização dos importância política que merece destaque. A
agressores, o que não se verificou de modo percepção de que, conjuntamente com a existência
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126 Crochík et al.

de grupos dirigentes que pareceram compreender de – têm sido inserido nas questões de violência escolar,
maneira mais complexa as determinações do bullying, tanto para a propagação dessa violência quanto para o
existem propostas e iniciativas de combate a essa aumento das possibilidades de combatê-la.
forma de violência calcadas nesse entendimento
mais amplo do fenômeno – embora levando em Referências
conta a insuficiência da escola nessa luta – acumula
ADORNO, T. W. Teoria de la seudocultura. In:
argumentos que potencialmente podem oferecer ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. (Ed.).
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se parte das escolas possui precárias condições e, por ADORNO, T. W. Minima moralia: reflexões a partir da
isso, nem sempre seu trabalho é exitoso, há escolas vida danificada. 2. ed. São Paulo: Ática, 1993. (Original
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dirigentes escolares a respeito do bullying e de suas de Janeiro: Paz e Terra, 1995b. p. 97-117. (Original
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condições sociais atuais nos permite concluir que a ADORNO, T. W. A teoria freudiana e o padrão da
propaganda fascista. Margem esquerda: Ensaios
articulação entre o esclarecimento acerca da
Marxistas, n. 7, p. 164-189, 2006. (Original publicado em
constelação de fatores que favorecem a manifestação 1951).
dessa forma de violência escolar, sobretudo da
ADORNO, T. W.; FRENKEL-BRUNSWIK, E.;
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