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S EÇ ÃO 1 | A r ti gos

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA ESCOLAR PARA


PREVENÇÃO E COMBATE AO BULLYING
CONTRIBUTIONS OF SCHOOL PSYCHOLOGY TO
PREVENT AND COMBAT BULLYING

de Diana Leonhardt dos Santos 1

RESUMO: A violência escolar influencia diretamente ABSTRACT: The school violence strongly interferes
no bem-estar e na qualidade de vida de crianças e in the children and adolescentes behaviour and quality
adolescentes. Uma forma de violência que tem ocorrido of life. Bullying is one of the most common ways inside
com certa frequência nas instituições educativas é o the schools.This task has the goal of searching for real
bullying. O presente artigo tem como objetivo investigar contribuitions brought by the school psychological
as contribuições da psicologia escolar no que se refere support and also preventing and combating the bullying.
à prevenção e ao combate ao bullying nas escolas de The text is organized in three sections. The first provides
educação básica. O texto está organizado em três seções. a brief reflection on the interpersonal conflicts, present
A primeira traz uma breve reflexão sobre os conflitos in all human relationships and can trigger situations of
interpessoais, já que estes estão presentes em todas as violence among peers. Then addresses bullying, concept,
relações humanas e podem desencadear situações de papers, as well as the implications and consequences for
violência entre os pares. Em seguida, aborda-se o tema students. The third section discusses the role of school
bullying: conceito, papéis, assim como implicações e psychology and the contributions that this professional
consequências do mesmo para os estudantes. A terceira may have more specifically in the intervention and to
seção discute a atuação da psicologia escolar e as combat bullying in schools.
contribuições do profissional, mais especificamente na
Keywords: Violence; Bullying; School psychology.
intervenção e no combate ao bullying nas escolas.
Palavras-chave: Violência; Bullying; Psicologia escolar.

1
Psicóloga Educacional, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS, Especialista em Psicologia Escolar pelo CAPE e em Gestão
Educacional pela PUCRS. Endereço: Rua Padre Hildebrando, 474. CEP: 91030-310. Porto Alegre - RS. Telefone: (51) 99805.5466. E-mail: diana.
leonhardt.santos@gmail.com.br

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INTRODUÇÃO trabalhar valores e regras com os jovens, assim como oportunidades de aprender
que existem pontos de vistas e opiniões diferentes umas das outras, e que as
Nos últimos anos, a violência tem chamado a atenção da população brasileira resoluções dos problemas devem contemplar essas diferenças, buscando soluções
devido ao crescente número de casos veiculados em programas de televisão, aceitáveis e respeitosas para todos os envolvidos. Neste sentido, considerar
jornais impressos e mídia eletrônica. A violência, porém, apresenta diversas sentimentos e perspectivas próprias e do outro se torna fundamental (Vinha &
formas de manifestação, interferindo direta e indiretamente no estabelecimento Tognetta, 2009).
de relações interpessoais satisfatórias, influenciando o bem-estar e a qualidade de
Observa-se que, nas escolas, gestores e professores sentem-se cada vez mais
vida das pessoas. Mais especificamente no contexto escolar, professores e gestores
despreparados para intervir diante dos conflitos entre os alunos, já que raramente
observam inúmeras situações de indisciplina, agressões verbais, brigas entre
os cursos de formação abordam esta temática (Vinha, 2004; Vinha & Tognetta
alunos e ameaças. Muitas dessas situações se configuram como bullying entre os
2009). Identificar situações de brigas, gozações e intimidações, promovendo o
estudantes.
diálogo e a problematização dos mesmos, são atitudes fundamentais do professor
Um dos profissionais que pode contribuir com o trabalho preventivo ao para o desenvolvimento da empatia e da reciprocidade entre os estudantes (Dani,
bullying dentro das escolas e no combate deste fenômeno quando já está instalado 2009), agindo, desta maneira, em consonância com o PPP da instituição de ensino.
na instituição educativa é o psicólogo escolar. Considerando o papel estratégico Entretanto, muitas vezes, estas situações se configuram como bullying entre os
que o psicólogo pode desempenhar nos espaços de aprendizagem, percebe-se estudantes, o que será tratado a seguir.
que é de fundamental importância investigar quais as contribuições desta área do
conhecimento na prevenção e no combate ao bullying.
2. Bullying
Para tanto, o presente artigo terá como ponto de partida uma breve reflexão
sobre os conflitos interpessoais, já que estes estão presentes em todas as relações
humanas e podem desencadear situações de violência entre os pares. Em seguida, Uma forma de violência que tem ocorrido com certa frequência dentro das
aborda-se o tema bullying, conceito, papéis desempenhados pelos participantes escolas é o chamado bullying. Trata-se de um problema mundial, tão antigo
do fenômeno, assim como as implicações e consequências do mesmo. Por fim, como as instituições de ensino (Dellazzana, Sattler & Freitas, 2010). O bullying
faz-se uma reflexão sobre a psicologia escolar e as contribuições do profissional na é, atualmente, um dos temas mais discutidos por estudiosos e profissionais das
intervenção e no combate ao bullying nas escolas. áreas da educação e da saúde. Pesquisadores de várias áreas do conhecimento têm
se dedicado a estudá-lo. Entretanto, interpretações e informações equivocadas
dificultam o entendimento e a solução do problema (Fante, 2010). Por vezes, os
meios de comunicação têm tratando o tema de forma alarmista, confundindo
1. Conflitos Interpessoais
a opinião pública, acarretando generalizações equivocadas – ou seja, todos
os problemas que ocorrem entre os alunos são vistos como bullying, gerando
Grande parte dos projetos político-pedagógicos (PPP) das escolas de banalização do fenômeno.
educação básica tem como meta o desenvolvimento de relações mais justas
e respeitosas entre os alunos no ambiente escolar (Vinha & Tognetta, 2009). A O bullying caracteriza-se por toda forma de atitude agressiva, intencional e
vivência em diferentes grupos é uma experiência fundamental que aprimora a repetida que ocorre contra outro(s), causando dor e angústia, executada dentro
convivência em sociedade. Neste sentido, a escola torna-se um local privilegiado de uma relação desigual de poder e sem motivação evidente (ABRAPIA, 2009).
para que essas experiências e trocas sociais ocorram no seu dia a dia. Para que seja caracterizado, é necessário que a agressão ocorra entre pares. Alguns
exemplos de situações de bullying são: constrangimento, ameaça, intimidação,
É durante a convivência com seu grupo de iguais que os estudantes se ridicularização, calúnia, difamação e exclusão (Fante, 2005; 2010). A situação
deparam com situações e problemas, confrontos de ideias, assim como opiniões e começa pela recusa do agressor em aceitar uma diferença e na dificuldade de se
pontos de vistas diferentes dos seus. Nesta perspectiva, os conflitos são inevitáveis colocar no lugar do outro (capacidade de empatia).
e ocorrem em todas as relações educativas. Entretanto, divergências e conflitos
estão sendo resolvidos de forma cada vez mais violenta e agressiva por parte A empatia enquanto habilidade social é tão importante que a falta dela, de
dos estudantes. A violência é uma maneira inadequada e negativa de lidar com acordo com Del Prette e Del Prette (2009), está relacionada a comportamentos
os conflitos, visto que utiliza posturas coercitivas, autoritárias e impositivas para anti-sociais e violentos. Pessoas não empáticas possuem dificuldades em sentir
resolver o problema (Dani, 2009). desconforto pelo sofrimento causado a outra pessoa e não se arrependem do
ocorrido, pois não se colocam na situação da vítima.
De acordo com Vinha e Tognetta (2009), existem duas grandes visões sobre
os conflitos interpessoais. Na tradicional, os conflitos são vistos como negativos O bullying acontece em toda e qualquer escola, de ensino fundamental ao
e danosos. Os esforços dos adultos são no sentido de evitá-los a qualquer custo, médio, pública ou privada, rural ou urbana (ABRAPIA, 2009; Fante, 2005; Pereira
através de elaboração de regras e do controle dos comportamentos por meio de et al, 2002). Em nossa experiência profissional, observam-se situações de bullying
vigilância constante dos espaços da escola. Outra conduta adotada por parte dos surgindo cada vez mais cedo, inclusive nas relações entre crianças muito pequenas,
educadores é a resolução rápida dos conflitos, oferecendo aos alunos soluções como no 1º ano do ensino fundamental. A prática do bullying pode ter consequências
prontas e/ou utilizando punições e mecanismos de contenção. Estes mecanismos negativas, imediatas e/ou tardias, para todas as crianças e/ou adolescentes que estão
de controle podem funcionar, porém, apenas temporariamente. As autoras direta ou indiretamente envolvidos (Lopes Neto, 2005).
destacam que, em longo prazo, estas condutas contribuem para formar jovens e
Existem três diferentes papéis que podem ser desempenhados: vitimas ou alvos,
adultos com baixo índice de habilidade social, com dificuldades de emitir opiniões,
agressores ou autores, e espectadores. Os agressores procuram pessoas que tenham
argumentar e escutar diferentes opiniões sem se sentirem ameaçados.
alguma característica que sirva de foco para suas agressões. É comum que a vítima
Em contrapartida, a segunda visão sobre os conflitos interpessoais considera apresente alguma diferença em relação ao grupo no qual está inserida como, por
que os mesmos fazem parte de todas as relações – e são até necessários para exemplo, peso excessivo (obesidade). Crianças com alguma característica desse tipo
o desenvolvimento do ser humano. São considerados como oportunidades de se são mais visadas e tornam-se mais vulneráveis (ABRAPIA,2009; Fante, 2005).

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Existe diferença entre os sexos no que se refere à expressão da agressividade. e atitudes agressivas e provocativas, procurando encobrir suas limitações
Crianças, desde pequenas, aprendem padrões culturais e comportamentos humilhando os colegas. São impopulares e normalmente rejeitados por seus pares.
típicos ao seu sexo biológico por meio de observação de modelos masculinos e
Devido à intensidade dos danos físicos e emocionais sofridos pelos estudantes
femininos relevantes com os quais convivem (por exemplo, pais e professores).
envolvidos, o bullying é considerado um problema de saúde pública (Fante, 2005;
Entre meninos, o bullying pode ser expresso na forma de excluir, isolar, apelidar,
Lopes Neto, 2005). A gravidade do fenômeno não pode ser desprezada pelas
ofender, amedrontar, intimidar, dominar, agredir e/ou roubar. Neste caso, os
escolas, devendo estas atuar no sentido de prevenir e controlar o fenômeno
meninos utilizam com maior frequência a força física. De acordo com o senso
(Bandeira & Hutz, 2010). No Rio Grande do Sul, em junho de 2010, foi aprovada a
comum, devem ser fortes, de temperamento difícil e competitivos, enquanto as
Lei nº 13.474, que dispõe sobre o combate da prática de bullying por instituições
meninas são vistas como delicadas, obedientes e mais sensíveis. Em contrapartida,
de ensino e de educação infantil, públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos.
as meninas usam com maior frequência maledicência, exclusão, fofoca, apelidos
As instituições de ensino devem desenvolver a política antibullying, com o objetivo
maldosos e manipulação. As meninas tendem a agir dentro de um círculo bem
de reduzir a prática nas escolas e melhorar o desempenho escolar, assim como
fechado de amizades, tornando a agressão mais difícil de ser identificada pelos
promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito ao próximo.
adultos.
Estudos mostram que professores têm dificuldades em distinguir entre
Bandeira e Hutz (2012) realizaram um estudo com o objetivo de levantar
brincadeiras características da faixa etária e condutas violentas e agressivas,
a ocorrência de bullying em crianças e adolescentes em escolas da cidade de
assim como não se sentem capacitados para elaborar e colocar em prática ações
Porto Alegre. Para tanto, investigaram os tipos mais utilizados de bullying e a
pedagógicas para enfrentar o problema (Costantini, 2004; Fante, 2005). Diante
frequência que ocorrem por sexo. Participaram 465 adolescentes, estudantes de
disso, Silva e Rosa (2013) realizaram uma pesquisa qualitativa sobre a concepção de
quarta a oitava séries do ensino fundamental, de três escolas (duas públicas e
professores sobre o bullying, as formas de intervenção que os mesmos consideram
uma particular). Foi utilizado um questionário sobre o tema, que contou com 15
mais eficazes, assim como as demandas para a formação docente. Seis estudantes
questões de múltipla escolha. Os autores verificaram diferenças significativas entre
de três cursos distintos de graduação da Universidade Federal de Pernambuco e seis
os sexos no que se refere à expressão do fenômeno: os meninos utilizam mais
professores dos anos finais do ensino fundamental de uma escola municipal foram
empurrões, chutes e socos, enquanto as meninas utilizam mais mentiras e fofocas.
entrevistados. As autoras destacam que tanto os professores como os graduandos
Outro aspecto constatado é de que os meninos creditam como um dos motivos
possuem um entendimento fragmentado e pouco abrangente sobre o fenômeno,
para o bullying ocorrer brincadeira, e o fato de os agressores serem mais fortes. Já
demonstrando pouca apropriação do tema e apresentando respostas vagas sobre
as meninas acreditam que o bullying ocorre por outros motivos. No que se refere
o assunto. Ressaltam a importância de os profissionais conhecerem o bullying
ao tipo mais utilizado, tanto as vítimas como os agressores afirmaram que foi o
para intervir de forma consciente, já que a falta de informação favorece posturas e
tipo verbal. De acordo com os autores, esse tipo de bullying pode passar, muitas
práticas não interventivas. Durante a formação inicial, ambos os grupos relataram
vezes, despercebido pelos adultos que convivem com os jovens. Tanto pais como
que a abordagem do tema foi ocasional e assistemática, não se lembrando de uma
professores apresentam maior tendência a cessar o bullying do tipo físico (mais
disciplina especifica na graduação que tenha aprofundado o assunto ou fornecido
evidente) do que o verbal.
ferramentas de intervenção. Diante do fenômeno, afirmaram agir primeiramente
Algumas crianças podem ter maior predisposição para se tornarem vítimas de observando e depois conversando com os alunos. Apenas os casos mais graves
bullying, principalmente as quem têm as seguintes características: temperamento levariam para a direção da escola e/ou para autoridade competente (conselho
ansioso, baixa autoestima, insegurança, falta de amigos, facilmente domináveis tutelar, por exemplo). Desse modo, identificaram que os professores assumem
e particularmente não agressivas (Pearce & Thompson, 1998). O bullying causa uma postura de reação diante do fenômeno, e não de prevenção.
sofrimento intenso nas vítimas, mas estas não dispõem de recursos para reagir
De acordo com Silva e Rosa (2013), o fato de os educadores saberem pouco
ou fazer cessar os atos danosos contra si. Frequentemente, relatam altos níveis de
sobre o bullying se deve à formação inicial dos profissionais da educação, visto que
problemas emocionais, como ansiedade e somatizações, bem como problemas
o tema é pouco tratado durante o curso de graduação. É importante rever os cursos
de relacionamentos (Lopes Neto, 2005). Alguns sinais demonstrados por crianças
de formação e de formação continuada para que este tema seja contemplado, visto
que podem estar sendo vítimas são baixo rendimento escolar, perda ou destruição
a relevância e as implicações deste fenômeno nos estudantes e na comunidade
de material e roupas, reservas sobre falar no que está acontecendo na escola para
escolar como um todo.
seus familiares, pedidos para trocar de turma, falta de vontade de ir para a escola,
sintomas clínicos ou até mesmo doenças simuladas (por exemplo, queixar-se de Neste contexto, o psicólogo escolar torna-se um personagem importante
dor de barriga). O bullying é a principal causa de depressão infantil, que pode para a prevenção e o combate às situações de violência, como é o caso do bullying.
gerar, em sua fase mais grave, o suicídio. As vítimas demonstram incapacidade
de se defender, bem como de motivar outros a agir em sua defesa (Detoni, 2008),
dificultando que as situações agressivas parem. São geralmente jovens pouco 3. Psicologia Escolar
sociáveis.
Já os espectadores do bullying são testemunhas dos atos, pois são os O principal objetivo da escola é promover a aprendizagem dos alunos. Para
estudantes que não saem em defesa da vítima nem se juntam aos autores. que isto ocorra de maneira harmoniosa e eficaz, é necessário que haja um clima
Representam a maioria dos estudantes e adotam a lei do silêncio (Detoni, 2008). institucional favorável. Neste sentido, o psicólogo escolar é mais um profissional
Essa atitude passiva pode ocorrer por medo de também se tornarem alvos de que pode trabalhar em parceria com os professores na promoção de um bom
ataques ou por falta de iniciativa para tomar partido ou denunciar as atitudes processo de ensino-aprendizagem, pois pode, de acordo com Andrada (2005),
inadequadas dos colegas. observar, analisar, avaliar e intervir nas situações e nas relações que acontecem
na instituição educativa.
Tanto Bandeira e Hutz (2010) como Freire e Aires (2012) chamam a atenção
para outro papel que pode ser desempenhado pelos estudantes: crianças podem Entretanto, o psicólogo, no início da sua trajetória dentro das instituições
ser tanto vítimas como agressores, e são denominadas vítima/agressor. São educativas, limitava-se a uma atuação de caráter clínico e à utilização de testes
estudantes que merecem atenção especial, pois apresentam baixa autoestima psicométricos como medida para possível diferenciação do aluno normal e do que

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apresentava condição patológica. A principio, sua atuação tinha como objetivo o CONSIDERAÇÕES FINAIS
enfrentamento do fracasso escolar e das dificuldades de aprendizagem. Era um
psicólogo acrítico, a-histórico, conservador, visto como técnico ou aplicador de
testes. De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2013), ainda é um desafio É papel da escola, além de tentar garantir a aprendizagem de seus alunos
para os psicólogos escolares a desvinculação da sua prática de uma expectativa como tarefa principal, estimular a formação de cidadãos críticos e agentes de
de atuação de caráter clínico na educação básica, o que pode dificultar a inserção transformação, proporcionando o desenvolvimento de ideias, crenças e valores
e a ampliação destes profissionais na educação. Ainda é necessária a constante (Polônia & Dessen, 2005). A escola é um espaço rico de interações, nas quais se
clarificação do seu papel e de sua relevância para gestores, professores, alunos e promove o desenvolvimento das crianças. Ao se depararem com uma diversidade
comunidade escolar. de situações, elas precisam aprender a respeitar regras e limites da instituição
escolar. O papel da escola é, nesta perspectiva, o de promover a aquisição do
Esta visão do profissional da psicologia está mudando lentamente.
conhecimento formal em associação com a formação integral da criança enquanto
Atualmente, já pode ser visto como alguém que enfatiza as redes de relações
sujeito, considerando suas dimensões afetiva, cognitiva e social (Palmieri &
que se estabelecem entre o professor e o aluno, que leva em consideração a
Branco, 2007).
cultura em que tanto o aluno como a instituição estão inseridas, mantendo uma
posição critica, inovadora e criativa. Segundo Zanella (2003, p.73), a atuação do Neste contexto, a criança tem oportunidade de ampliar suas relações
psicólogo vai muito além da escuta participante, pois este profissional é também sociais e estabelecer diferentes formas de comunicação e trocas com outras
“responsável pela constituição de espaços interpsicológicos em que sentidos crianças e adultos fora da família. A escola é, portanto, um ambiente rico para
possam fluir, emergir, transitar livremente (...) é responsável por espaços de o desenvolvimento e a aprendizagem de crianças e adolescentes, mas pode
troca, de diálogo, em que o direito à voz para todos seja uma realidade”. Nesses funcionar como propulsor ou inibidor destes (Dessen & Polônia, 2007).
espaços interpsicológicos criam-se, conforme Vokoy e Pedroza (2005), condições
para o estabelecimento de trocas de ideias e promoção de mudanças frente às Pérez, Astudillo, Varela e Lecannelier (2013) consideram que a violência
dificuldades de relacionamento interpessoais. É um espaço de diálogo e reflexão, escolar é um fenômeno multicausal, e que a própria escola pode ser geradora de
onde a equipe interdisciplinar é de importância fundamental. violência quando adota práticas pedagógicas agressivas com seus alunos. Böck
(2008) relata que a violência não vem apenas do exterior da escola, como também
Neste novo panorama, há inúmeras possibilidades de ação do profissional da pode ser gerada em seu interior. De acordo com a autora, a escola pode gerar
psicologia nas escolas como nas intervenções que se referem às relações professor- violência quando os professores mantêm uma postura autoritária, são debochados
aluno, relações escola-alunos, relações escola-pais e/ou responsáveis, relações e injustos com os alunos, quando as aulas são maçantes, sem significado e
professor e equipe pedagógica e direção. Preconiza-se, na atuação do psicólogo, desatualizadas; ou seja, entra ano e sai ano, mantêm o mesmo material didático e
promoção da saúde, identificação de necessidades e avaliações específicas. Guzzo metodologia de ensino, gerando frustração e desmotivação nos estudantes.
(2012) salienta que a psicologia escolar é uma especialidade que exige formação
contínua e crítica dos profissionais, em uma proposta de atuação que envolve Todos os adultos que trabalham com crianças e adolescentes têm
toda a comunidade educativa e sua dinâmica, deixando de lado um modelo responsabilidade muito grande ao oferecer um modelo de conduta a ser seguido.
ultrapassado e ineficaz de trabalho. De acordo com Costantini (2004), toda ação de um adulto é uma influência
educativa em potencial. Neste sentido, um comportamento impensado, impulsivo
Freire e Aires (2012) ressaltam que o psicólogo precisa atuar de forma ou descontrolado pode ter repercussões imprevisíveis e, até mesmo, indesejadas
preventiva no ambiente escolar, e que não deve partir de ações pré-estabelecidas, no aluno. O autor cita a indiferença e a inadequada atenção diante dos conflitos
de receitas prontas, pois cada instituição educativa possui uma realidade específica como exemplos de atitudes com resultados negativos na relação professor-aluno.
e uma necessidade de intervenção própria. As autoras consideram que o psicólogo
é um profissional com capacitação para o enfrentamento e a prevenção da Como afirma Costantini (2004), o bullying é um problema que interessa a
violência escolar, contribuindo para a construção de relações humanas mais toda coletividade, e também ao futuro da nossa sociedade, visto que estudos
saudáveis, a partir da promoção de reflexões de diversos temas como cidadania, e pesquisas mostram que jovens agressores, por causa do seu comportamento
solidariedade, generosidade, tolerância e respeito às diferenças. Sua atuação é, transgressivo e violento, têm maior probabilidade de assumirem comportamentos
portanto, intencional e comprometida com a realidade da instituição na qual está problemáticos, como delinquência, alcoolismo e uso de drogas.
inserida, envolvendo toda a comunidade escolar, visto que todos devem estar Ribeiro (2011, p.141-142) destaca que
preparados, em um trabalho conjunto, em equipe, para enfrentar o problema.
O Conselho Federal de Psicologia elaborou um documento contendo “quando se percebe um questionamento de toda a forma de
referências técnicas para a atuação do psicólogo na educação básica. Este material
hierarquia, quando ocorre uma deserção dos lugares ou funções
ressalta que a ação do psicólogo escolar deve envolver “o fortalecimento de uma
gestão educacional democrática que considere todos os agentes que participam de autoridade com pais e professores se esforçando para serem
da comunidade escolar e de formas efetivas de acompanhamento do processo de amigos dos filhos e alunos, quando se prioriza a liberdade de escolha
aprendizagem” (CFP, 2013, p.53). individual em detrimento de qualquer compromisso coletivo, fica
O psicólogo escolar é preocupado com a formação de alunos cidadãos, que muito difícil construir uma trajetória social, definida a partir da
possam estabelecer relações baseadas na ética e no respeito mútuo, nas quais a singularidade das marcas simbólicas presentes na história de cada
violência não tem espaço. Seu foco está nas relações que se estabelecem dentro da sujeito”.
escola, visto que“não há dúvida de que as experiências oferecidas pela escola e a forma
como são vividas e interpretadas pelos alunos têm um significado muito profundo
para a sua formação” (Grinspun, 2008, p. 134). Nesta perspectiva, o trabalho deste Neste panorama de papéis difusos, de acordo com Costantini (2004),
profissional na prevenção e/ou intervenção nas situações de bullying é fundamental o agressor não encontra a contenção necessária do ambiente contra a sua
para que os alunos obtenham resultados positivos em sua aprendizagem. impulsividade e agressividade, sentindo-se à vontade em um lugar que lhe parece
sem regras e sem sanções significativas. Não encontra, principalmente, adultos

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Diaphora | Porto Alegre, v. 15 (2) | ago/dez 2015. 48

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