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Esse projeto foi contemplado pelo Programa de Estímulo às Artes Visuais - Revistas
Todos os esforços foram feitos para contactar com os detentores dos direitos das imagens. Em caso de
omissão, faremos todos os ajustes possíveis na primeira oportunidade. Esta é uma publicação sem fins
lucrativos, e encontra-se livre de pagamentos de direito de autor no Brasil, protegida pela Lei No 9.610,
Título III, Cap. IV, Art. 46, Inciso VIII.
©Todos os direitos e responsabilidades sobre as imagens e textos pertencem aos seus autores
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MANESCHY, Orlando, MARTINS, Bene Afonso (org.)
ISSN 2446-5356
Reitor
Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho
Vice-Reitor
Prof. Dr. Gilmar Pereira da Silva
Pró-Reitor de Pesquisa
Prof. Dr. Rômulo Simões Angélica
Diretor de Pesquisa
Profa. Dra. Germana Maria Araújo Sales
FICHA TÉCNICA
Editores científicos
Orlando Maneschy | Bene Afonso Martins
Editores Responsáveis
Keyla Sobral | Breno Filo
Bolsista do programa
Keyla Sobral | Breno Filo
Comitê editorial
Bene Afonso Martins | Ana Flávia Mendes | Orlando Maneschy
5
Conselho Editorial
Visuais
Musicais
Cênicas
Revisão Técnica:
Keyla Sobral | Orlando Maneschy
Programação Visual:
Keyla Sobral | Breno Filo | Orlando Maneschy
Diagramação:
Breno Filo
Capa:
Armando Queiroz, Ouro de Tolo, 2010.
Agradecimentos:
Armando Queiroz
Ítala Clay de Oliveira Freitas
Rafael de Figueiredo Lopes
Maria do Céu Diel Oliveira
Amanda Gatinho Teixeira
Iomana Rocha
Ana Flávia Mendes
Walace Rodrigues
Cristiano Alves Barros
Edson Hansen Sant‘Ana
Natalie Mireya Mansur Ramirez
Raquel Stolf
Fundação Nacional de Artes (Funarte)
Ana Paula Siqueira
Ana Paula Santos
Associação dos Amigos do Museu da UFPa
Museu da UFPa
Ministério da Cultura
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SUMÁRIO
Editorial 10
Portfólio 13
Armando Queiroz
A Angústia da Influência nas Artes Visuais, como na literatura, com Harold Bloom 42
Maria do Céu Diel Oliveira
Diálogos cruzados entre música, cinema, dança pictórica em seu próprio corpo. Em A gambiarra e
e artes visuais, refletem, de maneira crítica e o alegórico no cinema contemporâneo brasileiro,
poética, suas potências, articulando acerca de Iomana Rocha fala sobre e bom aproveitamento
um território fértil, território de possibilidades. do acaso, da gambiarra, proporcionando reflexões
A Arteriais no 04 traz artigos heterogêneos, acerca da imagem cinematográfica, do emprego
múltiplos, abordando a arte, seus processos de da “estética da gambiarra” e o que dela resulta
criação, seus alcances estéticos e políticos. e contribui para a direção de arte no cinema
brasileiro contemporâneo.
Na seção PORTFÓLIO Armando Queiroz apresenta
sua maneira de pensar a arte, sua experiência poética No âmbito das discussões que envolvem a
de grande teor político, sua fala feito grito! Brado de dança, o artigo Samba e balé clássico na
um artista resistente, vindo das águas barrocas da construção coreográfica de uma porta-bandeira:
Amazônia, que aborda a violência de maneira ímpar, aproximações com a dança imanente, onde Ana
consciente, apontando e subvertendo, com seu Flávia Mendes Sapucahy relata sua experiência
olhar arguto, a lógica do dominador. artística-poética vivida como porta-bandeira do
Auto do Círio, cortejo cênico realizado anualmente
Na seção dos ARTIGOS, temos diálogos sobre
em Belém do Pará em homenagem à Nossa
os territórios da arte, em Fluxos Semióticos:
Senhora de Nazaré, padroeira dos paraenses. Já
Aproximações Ecossistêmicas entre Comunicação
no artigo Cinema e identidade cultural brasileira:
e Arte, Ítala Clay de Oliveira Freitas e Rafael
possíveis reflexões para uso de filmes em sala de
de Figueiredo Lopes trazem reflexões sobre
aula, Walace Rodrigues e Cristiano Alves Barros
Comunicação e Arte, pelas dimensões do
abordam o contexto educacional que envolve a arte
sensível e da cognição, sublinhando o caráter
e articula sobre como o cinema pode funcionar em
expressivo no entrelaçamento entre esses dois
sala de aula do Ensino Médio enquanto gerador de
campos do conhecimento. A literatura e as artes
informações sociais, históricas e culturais.
visuais estão presentes nesta edição, no artigo
A Angústia da Influência nas Artes Visuais, como No que tange as questões que envolvem a música,
na literatura, com Harold Bloom onde Maria do temos A concepção intervalar na poética pós-
Céu Diel Oliveira analisa os escritos que buscam ruptura: uma análise da sonata n.o 3 de Almeida
entender a possibilidade de migrar as categorias Prado, onde Edson Hansen Sant‘Ana analisa
poéticas elencadas por Harold Bloom na Angustia a póetica do compositor Almeida Prado, indo
da Influência - clinamen, tessera, kenosis, da pós-ruptura ao tonalismo; relata sobre o
demonização, askesis e apófrades - para as artes espaço multi-sistêmico do compositor, chamado
visuais como forma de entendimento, compreensão transtonalismo, bem como trata da comprovação
e superação da influência poética/artística. Em analítica voltada para o problema intervalar em
Um olhar sobre a poética dos parangolés de Hélio uma das obras utilizadas para uma pesquisa mais
Oiticica, Amanda Gatinho Teixeira aborda a poética abrangente, que se ampliou e se verificou ocorrente
de Hélio Oiticica mediante os Parangolés, sua obra em mais de 100 obras do referido autor. No artigo
emblemática, em que o espectador tornando- O que é Performance? Entre contexto histórico
se participador, pode vestir a cor, dançar, e designativos do termo, Natalie Mireya Mansur
movimentar-se e ter a experiência sensorial e Ramirez pretende explorar questões relacionadas
Os editores
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lucrativos, e encontra-se livre de pagamentos de direito de autor no Brasil, protegida pela Lei No 9.610,
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Portfolio 13
UMA PRIMEIRA RESPOSTA PROMETIDA
AO REBOTALHO DE ARMANDO QUEIROZ
Como eles chegaram sem grandes certezas? Como eles cruzaram um Além-Mar com força e coragem?
Lembro da carta de Caminha... Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim
pelos corpos como pelas pernas, que, certo, assim pareciam bem. Também andavam entre eles quatro
ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa,
do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor natural.
Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas
tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma. E o
português nunca mais foi o mesmo sob os encantos das curvas dessas mulheres e homens fortes e
naturalmente sem as vergonhas cobertas.
Valentes e possantes eram os da terra. Amáveis, mas também aguerridos quando necessário. E sim,
fortes, muito fortes. Haveriam uns, com suas alegrias e liberdades, e suas próprias lógicas, e os seus
entendimentos do mundo, com seus seres criadores, entes e conexões com o mundo natural, espiritual,
físico. Tudo era harmonia com a natureza ali, até eles chegarem... Encontrados e amados ferozmente,
com toda a hipocrisia da saudade, Oswald tirando a prova dos nove. De lá prá cá miséria, fome, ilusão,
pobreza e doença. Ouço o apito... é o trem.... oiço o apito.... é o trem.... e tantas riquezas sendo tiradas
e arrancadas desses buracos, boca aberta, peito arrebatado de folhas e terra devastada. Já não é... não
é não... não querem deixar eles existirem. Contra as minorias, os pequeno-burgueses estão a bradar.
Índio, Negro, Pobre... é apenas um índice impessoal presente em chacinas continuadas e amplificadas
numa situação que não podemos mais temer. Pois a vida é bonita, é bonita, sim senhor e todos temos
que existir e viver nossas loucuras e alegrias e desejos, trans, lesb, homo, indefinidos, e para as pessoas
que estão no fundo do Brasil, nos rincões mais afastados, da Amazônia ao Sertão, do Arroio ao Chuí:
Respeito. Paulo Herkenhoff já afirmou ser Armando Queiroz o artista a abordar a violência de maneira
ímpar, ética e consciente. É preciso violentar a violência... O Herkenhoff que devorou a bienal com seu
projeto antropofágico... percebeu...
É disso que a obra do artista aborda. Olhar agudo, dedo na ferida, o desmonte, a lupa para os signos
sutis; a lente para questões emergenciais e abusos históricos. Da colônia, dos El Dourados fictícios, da
Serra que ficou pelada e banguela, com miséria de sonhos devastados. Degredados Filhos de Eva... Não é
discurso de moral ou religioso. Sou mais Guaraci, que aprendemos a conhecer, mesmo que num álbum p
colecionar com refrigerante, mas que, antes do mercado dos gazeificados, era figura natural, nossa mãe.
O artista fuçou. Revelou tantas violências... os jovens índios suicidas, os mineiros engolidos pelo sonho
de riqueza... Midas.... a dissolução do ego com o Desapego do projeto Mirante... Queiroz... as ficções
estrangeiras...os estrangeirismos internos. Já fomos tão... fome... e o senhor da estética vive ainda
com saudades de Belle Époque... Que bom que o artista, diferente dos políticos, não tem o que temer,
... inteligente como é, vai devagar..., com sua voz compassada subvertendo..., questionando..., criando
ambientes para trocas e diálogos. É ali, nesse espaço com o outro, pé na lama, chão de terra batida, vida
explícita, que sutilmente, constrói seu discurso antiviolência. Esse era para ser uma primeira resposta ao
texto Rebotalho. Eu sei... não penses que eu esqueci... como esquecer? Nem há motivo a temer.
Orlando Maneschy
Portfolio 15
Banquete das Orações, 2001
Foto: Flavya Mutran
Portfolio 17
Banquete das Orações, 2001
Foto: Flavya Mutran
Portfolio 19
Conquista das Almas, 2006
Série Reduções
Portfolio 21
Projeto Mirante, 2006
Portfolio 23
Midas, 2009
Portfolio 25
Cântico Guarani, 2010
Foto: Everton Ballardini
Portfolio 27
Ouro de tolo, 2010
Portfolio 29
Desapego, 2010
Pesquisador, artista, curador independente e crítico. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
Desenvolveu estágio pós-doutoral na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. É professor
na Universidade Federal do Pará, atuando na graduação e pós-graduação. Coordenador do grupo de
pesquisas Bordas Diluídas (UFPA/CNPq). É articulador do Mirante – Território Móvel, uma plataforma
de ação ativa que viabiliza proposições de arte. Curador da Coleção Amazoniana de Arte da UFPA.
Como artista tem participado de exposições e projetos no Brasil e no exterior, como: Outra Natureza,
Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 2015; Horizonte Generoso - Uma experiência no
Pará, Galeria Luciana Caravello, Rio de Janeiro, 2015; Transborda, Galeria Casa Triângulo, São Paulo,
2015; Triangulações,Pinacoteca UFAL - Maceió, CCBEU - Belém e MAM - Bahia, de set. a nov. 2014;
Pororoca: A Amazônia no MAR, Museu de Arte do RIo de Janeiro, 2014 etc. Recebeu, entre outros
prêmios, a Bolsa Funarte de Estímulo à Produção Crítica em Artes (Programa de Bolsas 2008); o Prêmio
de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça / Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010 da Funarte
e o Prêmio Conexões Artes Visuais – MINC | Funarte | Petrobras 2012, com os quais estruturou a Coleção
Amazoniana de Arte da UFPA, realizando mostras, seminários, site e publicação no Projeto Amazônia,
Lugar da Experiência. Realizou, as seguintes curadorias: Projeto Correspondência (plataforma de
circulação via arte-postal), 2003-2008; Projeto Arte Pará 2008, 2009 e 2010; Amazônia, a arte, 2010;
Contra-Pensamento Selvagem dentro de Caos e Efeito, com Paulo Herkenhoff, Clarissa Diniz e Cayo
Honorato, 2011; Projeto Amazônia, Lugar da Experiência, 2012, dentre outras.
Mestrando da Escola de Belas Artes da UFMG. Sua produção artística abrange desde objetos diminutos
até obras em grande escala e intervenções urbanas. Detêm-se conceitualmente às questões sociais,
políticas e patrimoniais. Cria a partir de observações do cotidiano das ruas, apropria-se de objetos
populares de várias procedências, tem como referência a cidade e o Outro. Foi contemplado com a bolsa
de pesquisa em arte do Prêmio CNI SESI Marcantonio Vilaça para as Artes Plásticas 2009-2010. Em
2010, recebeu Sala Especial no 29º Arte Pará como artista homenageado do salão. Em 2011, participa
da 16ª Bienal de Cerveira, Fundação Bienal de Cerveira (Portugal) e da III Bienal do Fim do Mundo,
Ushuaia (Argentina). Em 2012, é artista convidado do 64º Salão Paranaense. Em 2013, participa da
XX Bienal Internacional de Curitiba. Em 2014, participa da 31ª Bienal de São Paulo. Em 2015, participa
da exposição Cinéma Permanent do Centre Pompidou-Metz (França). Já em 2016, participa da mostra
Amazonian Video Art da Universit of Glasgow (Escócia). Vive e trabalha entre Belém e Belo Horizonte.
Portfolio 31
FLUXOS SEMIÓTICOS: APROXIMAÇÕES ECOSSISTÊMICAS
ENTRE COMUNICAÇÃO E ARTE
O artigo apresenta pressupostos acerca da This paper presents conjectures about the
perspectiva inter e transdisciplinar de Ecossistemas transdisciplinary perspective of Communicative
Comunicacionais, indicando aportes e trilhas Ecosystems, indicating theoretical contributions
teóricas que embasam esse “conceito aberto”, that support this concept outlined by new
que preconiza um diálogo contextual com os novos arrangements of science and focused on
arranjos da ciência e pensadores voltados a uma the systemic and complex understanding of
compreensão sistêmica e complexa dos fenômenos, phenomena, recognizing the dynamism and
reconhecendo o dinamismo e a interdependência dos interdependence of physical, biological and socio-
acontecimentos físicos, biológicos e socioculturais. cultural events. Accordingly proposes a reflection
Nesse sentido propõe uma reflexão entre of Communication and Art, the dimensions of
Comunicação e Arte, pelas dimensões do cognition, emphasizing the links between these
sensível e da cognição, sublinhando o caráter two fields of knowledge. The theoretical and
expressivo no entrelaçamento entre esses dois methodological approach of semiotics, dialoguing
campos do conhecimento. A abordagem teórico- with aspects of history, anthropology, creative
metodológica é feita a partir da semiótica, processes, and studies on the body and the
em diálogo-trama com aspectos da história, environment. Thus, it shows a possible reading
antropologia, processos de criação, e estudos through interactions and interdependencies,
sobre o corpo e o ambiente. Desse modo, suggesting a relational established understanding
apresenta uma possibilidade de leitura por meio the meaning representation systems by means of
de inter-relações e interdependências, sugerindo creative and communication processes.
uma compreensão relacional estabelecida na
significação de sistemas de representação, por
meio de processos criativo-comunicacionais.
Palavras-chave: Keywords:
Visuais 33
Norte do Brasil a ser aprovado pela Coordenação seja, a capacidade dos sistemas vivos e suas
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior estruturas estarem em constante autoprodução
(Capes)2. Atualmente, suas investigações são e autorregulação, mantendo interações entre
guiadas por duas linhas de pesquisa: Redes seus próprios elementos e na relação com outros
e processos comunicacionais; e Linguagens, sistemas, além do pensamento complexo, do
representações e estéticas comunicacionais. filósofo Edgar Morin, e da ecologia dos saberes, do
sociólogo Boaventura Sousa Santos, em favor de
Assim sendo, o desenvolvimento da perspectiva
uma ciência não paradigmática.
ecossistêmica na UFAM, parte de investigações que
consideram a complexidade sistêmica e informacional Desse modo, conforme Colferai (2014), há uma
dos fenômenos comunicativos, “propondo estudos plasticidade favorável à conexão entre ser humano,
sobre os processos de organização, transformação ambiente e aparatos tecnológicos, e o que vemos,
e produção das mensagens conformadas na cultura ouvimos e sentimos (seja na experiência real ou
a partir das interações entre sistemas sócio- virtual, individual ou na interação social, pelas telas
culturais-tecnológicos” (MONTEIRO; ABBUD; de TV, celulares, ipods, jogos eletrônicos e etc.)
PEREIRA, 2012, p. 09). É um campo de estudos provocam reações no sistema nervoso criando novas
que encontrou no contexto amazônico “um espaço conexões neuromusculares e cognitivas, fazendo
emblemático para a exploração das interferências com que os aspectos biológicos, psíquicos, sociais,
mútuas entre as diferentes esferas que regem a do ambiente e o aparato tecnológico tornem-se
vida, a comunicação e a cultura” (IBID, p. 10). pontos de conexão em simbiose. É nessa dinâmica,
segundo o autor, que se proporciona a expansão
É uma perspectiva em constante construção,
de corpos e sentidos, por atuações diversas e
de fluxos relacionais, e tem ganhado múltiplas
complexas. A compreensão de ecossistemas
propostas investigativas, a partir das diferentes
comunicacionais implica ter essa flexibilidade de
visões e experiências de pesquisadores dedicados
entendimento e percepção e, por isso, quem se
a essa “proposta aberta” da comunicação, a
propõe a pesquisar por esse viés não deve pensar,
exemplo dos trabalhos desenvolvidos por Gilson
necessariamente, em uma aplicação prática, mas
Vieira Monteiro, fundador do PPGCCOM e de
exercitar a busca de multiplicidades, permitindo
Mirna Feitoza Pereira, com pesquisas guiadas
que a criatividade e os afetos ganhem espaço na
pelo viés da semiótica.
produção do conhecimento científico.
Conceitos e quadros teóricos, a exemplo da Teoria
As imensuráveis dimensões da Arte
Geral dos Sistemas (Ludwig von Bertalanffy); do
Pensamento Complexo (Edgar Morin); Ecologia A Arte também é comunicação e representação,
Profunda (Fritjof Capra); Ecossistema Comunicativo além de inúmeras definições técnicas, filosóficas,
(Educomunicação); Novo Sensório (Walter Benjamin); estéticas, metafísicas... Antes de atribuir o
Semiosfera (Yuri Lotman); Rizoma (Gilles Deleuze e caráter artístico a determinadas manifestações
Felix Guattari); entre outros, tangenciem, inspirem ou sistematizar códigos formais para a linguagem
e se incorporem ao viés ecossistêmico proposto verbal ou escrita, os seres humanos já simbolizavam
pelo PPGCCOM, que ao reforçar a suplementação por gestos, dançavam, desenhavam, esculpiam,
do ambiente amazônico, apresenta-se como uma produziam sons, elaboravam construções,
abordagem diferenciada das demais. praticavam rituais...
Para Colferai (2014) a Amazônia é a própria metáfora Portanto, as expressões artísticas e as formas de
de um ecossistema comunicacional. O autor propõe comunicação foram se estabelecendo nas relações
uma aproximação que se articula considerando com o meio, pelas possibilidades materiais e pelo
a corporeidade das relações, as tecnologias, as desenvolvimento do processo cognoscível e da
subjetividades sociais, culturais e o ambiente. Para consciência reflexiva, que se transformaram ao
desenvolver sua tese ecossistêmica, Colferai (2014) longo do tempo e, conforme Santaella (2005), esse
recorreu a conceitos formulados pelos biólogos transcurso proporcionou a criação de linguagens
chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana, para organizar o pensamento afetado pelos sentidos.
como enação, ao considerar a inseparabilidade Sendo assim, num lento e complexo processo, foram
entre ser humano e natureza, e autopoiese, ou sendo aprimoradas a qualidade de gestos, sons,
Visuais 35
espaços e suportes, podem configurar diferentes artísticas, representadas em inúmeras linguagens,
significados conforme os momentos evolutivos da ao logo da história da humanidade, foram sofrendo
espécie, além da gama de diferenças culturais e alterações e ressignificações.
interesses que se expandiram e modificaram-se ao
No senso comum, expressões como pintura,
longo dos séculos. Todavia, mantém uma ligação
arquitetura, escultura, paisagismo, moda, design,
fundamental e universal que é a necessidade de
decoração, teatro, cinema, dança, etc., podem ter
expressão, seja para manifestar a interpretação da
apenas o objetivo de ser “agradável aos olhos”,
experiência vivida ou imaginada, para perpetuar
proporcionando prazer ou fruição estética.
conhecimentos e informações, pela fruição,
Porém, a potencialidade da arte e da estética é
transgressão ou quaisquer outras possibilidades
bem mais complexa, na medida em que a estese
que se convergem para a vontade de comunicar,
afeta diferentes níveis perceptíveis e emocionais,
que é um comportamento interativo por natureza.
extrapassando simplificações sobre o belo ou o feio.
A arte é e sempre foi um dos principais elementos
Santaella (2007) diz que “cabe à estética, concebida
da comunicação humana, como aponta Littlejohn
num sentido muito mais vasto que o de uma teoria
(1988, p. 18), que amplia ainda mais a discussão ao
do belo, descobrir o que deve ser o ideal supremo da
enfatizar que “a arte é um processo de descoberta
vida humana” (SANTAELLA, 2001, p. 38).
e um caminho muito pessoal para a verdade”.
Portanto, há um amplo panorama a ser percorrido
Refletir sobre teorias e conceitos a respeito da arte
para compreender que a arte envolve aspectos
é um exercício que exige paciência e despojamento.
da dimensão humana, de contextos históricos e
Janson (1996) explica que a palavra “arte” do
socioculturais, interesses políticos e econômicos,
latim ars corresponde ao termo grego téchne,
aperfeiçoamentos tecnológicos e mobiliza
ambos podem ser traduzidos como as técnicas ou
transformações paradigmáticas. No campo da
os meios para se criar, fabricar ou produzir algo, o
semiótica, segundo Santaella (2001), a arte é
que pressupõe atividades submetidas à regras e,
uma linguagem polissêmica, ou seja, de inúmeras
portanto, do ponto de vista semântico em oposição
linguagens e estéticas, que traz características
ao natural, livre e espontâneo. Entretanto, segundo
tanto das percepções do mundo físico quanto das
o autor, na contemporaneidade, arte é um conceito
elaborações mentais.
subjetivo e gasoso, pois varia tanto na forma de ser
produzida quanto na forma de ser interpretada, Portanto, é uma ação sígnica mediada, não é mera
resultando de percepções culturais, valores e reprodução ou equivalência do juízo perceptivo, mas
anseios humanos. uma espécie de tradução conceitual que adquire
forma (seja figurativa, simbólica ou abstrata),
De modo que não pode ser lida e compreendida
conteúdo e subjetividades a partir do meio e dos
de forma linear, como se a memória, o imaginário
suportes materiais na qual é representada. A
e a cultura não fossem aspectos fundamentais
exemplo da gravura, do grafite, da fotografia, da
na constituição de linguagens simbólicas. Paes
ópera, do cinema e assim por diante, que apresentam
Loureiro (2007), inclusive, considera que a cultura
peculiaridades em seus contextos e aparatos.
é um meio de significação da arte.
Conforme Santaella (2001) a não linearidade dos
É matéria em que o artista modula sua criação, nossos processos cognitivos em sua evolução
uma vez que por meio dessa ambiência criada é
histórica, desdobrados a partir das combinações e
que o homem vive e transvive a realidade. O real
nos coloca diante da objetividade prática de viver. misturas entre diferentes linguagens, faz com que
O imaginário nos garante as aventuras de sonhar. “as camadas da criação humana vão se superpondo,
(PAES LOUREIRO, 2007, p. 17) formando um agregado cada vez mais espesso
A arte é um tema amplo e complexo para ser em processo de crescimento vetoriados para a
explorado, a julgar pelo universo da música, da complexidade” (SANTAELLA, 2001, p.95).
literatura, da pintura, entre outras expressões, Desse modo, compreender e interpretar
portanto, vamos tratá-la de forma contextual, pois a implica em traduzir signos em outros signos,
intenção desta comunicação não é o aprofundamento num movimento inter-relacional e ininterrupto
epistemológico-teórico. Entretanto, precisamos do pensamento. Esse fluxo, de signos em
compreender que as concepções sobre manifestações transformação, carrega linguagens artísticas
Visuais 37
termos algumas noções sobre aspectos relativos Segundo Mlodinow (2013) outras espécies animais
aos sistemas sensórios e cognitivos do ser humano, também apresentam atividades cerebrais em níveis
e sobre as implicações na relação do corpo, mente, conscientes e inconscientes, mas, no caso da espécie
da cultura e da tecnologia com o ambiente, suas humana a necessidade de interação social foi propulsora
inter-relações e interconexões. para a evolução da inteligência. Conforme o autor,
diferente de outras espécies, a capacitação do ser
No fluxo intercambiante de memórias mentais e
humano para o comportamento social, é decorrente
corporais, Sacks (1997) salienta que o cérebro é
da conformação genética que caracteriza a espécie
capaz de criar inúmeras realidades e de se adaptar
humana há cerca de 50 mil anos, quando os
a elas, por vezes provocando curiosas conexões
indivíduos começaram a pescar, caçar e perseguir
entre alucinação, memória e realidade, bem como
animais ferozes no intuito de lutar em coletividade
a ativação de talentos artísticos, que podem eclodir
pela sobrevivência.
a partir de percepções, gestos, deslocamentos no
espaço, reflexões pessoais, etc. Mais ou menos na mesma época, começaram também
a construir estruturas para abrigo e a criar arte
Para o físico teórico norte-americano Leonard simbólica e complexos sítios funerários. De repente
descobriram como se juntar para caçar mamutes
Mlodinow (2013) é preciso compreender a influência lanudos e começaram a participar de cerimônias e
dos instintos inconscientes, abaixo da superfície da rituais que são os rudimentos do que hoje chamamos
mente, que se escondem nos sujeitos, para entender de cultura. Num breve período de tempo, o registro
arqueológico de atividades humanas mudou mais do
o comportamento social e o mundo ao nosso redor,
que havia se alterado no 1 milhão de anos anteriores
pois a memória e a imaginação são de extrema (MLODINOW, 2013, p. 76).
importância para a construção, compreensão e
comunicação em torno do que concebemos por O autor nos indica que essa transformação começou
realidade. Para o autor “ao contrário dos fenômenos a conformar as bases da cultura, da complexidade
da física, na vida, os eventos com frequência podem ideológica e cooperação coletiva da sociedade, do
obedecer a uma teoria ou a outra; o que acontece mesmo modo que nela podem estar as raízes da
na verdade pode depender muito da teoria em que arte e a gênese do processo criativo. Contudo, tratar
escolhemos acreditar” (MLODINOW, 2013, p. 258). da arte e da criatividade, por si só, é uma tarefa
hercúlea, e neste momento vamos discutir apenas
A preocupação em distinguir consciente de alguns aspectos que envolvem processos criativos
inconsciente acompanha os filósofos desde a e comunicativos, portanto, nossa abordagem é um
antiguidade, mas conforme Mlodinow (2013) só a pequeno recorte de um universo riquíssimo e que
partir do século XIX é que os cientistas passaram pode ser explorado por diferentes perspectivas.
a dar mais atenção aos estudos envolvendo a
fisiologia e a psicologia. Desde então, os estudos A percepção estética, por exemplo, pode provocar
evoluíram e hoje, com os progressos da ciência, é efeitos reverberados no corpo todo, a partir das
possível mapear rotas complexas realizadas pelo sensações captadas pelo entorno, muitas vezes
cérebro. Conforme Mlodinow (2013) estima-se regidas por leis da física, como, a percepção das
que apenas 5% de nossas funções cognitivas sejam cores, que está relacionada à ótica (pela interação
conscientes o restante é inconsciente, porém, da luz com a matéria), ou aos sons detectados pelo
esses 95% exercem influência subliminar em ouvido que chegam por ondas sonoras e que podem
nossos atos e pensamentos, por isso, é impossível provocar uma série de imagens mentais, conforme
dissociar a importância dos sentimentos e das Santaella (2001). Todos esses processos perceptivos
vivências para a cognição. são codificados em processos fisiológicos, psíquicos
e químicos pelo cérebro, seguindo às leis da natureza
A evolução nos deu uma mente inconsciente porque
é ela que permite nossa sobrevivência num mundo
e posteriormente ressignificados.
que exige assimilação e processamento de energia
tão maciços. Percepção sensorial, capacidade de Desse modo, percebemos a importância do
memória, julgamentos, decisões e atividades do dia a “corpomente”3 e do ambiente como uma força
dia parecem não exigir esforço – mas isso só porque o motriz no ciclo comunicacional e na criação
esforço demandado é imposto sobretudo a partes do
artística. Para Greiner (2005) o corpo não é apenas
cérebro que funcionam fora do plano da consciência
(MLODINOW, 2013, p. 31). um recipiente e transmissor de informações,
mas um organismo transformador em constante
Visuais 39
percurso singular que “é feito de palavras, imagens, Federal do Amazonas, Programa de Pós-Graduação
sons, gestualidades etc.” (SALLES, 2010, p.102). em Sociedade e Cultura na Amazônia. Manaus:
UFAM, 2014.
Diante disso, ao apresentarmos essa aproximação
entre comunicação e da arte, procuramos ampliar as GREINER, Christine. O corpo, pistas para estudos
possibilidades de reflexão e leitura acerca de objetos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
e processos da realidade sociocultural, iluminando
JANSON, Horst. História da Arte. São Paulo:
caminhos não trilhados, propondo outros olhares
Martins Fontes, 1996.
e metodologias, frente aos fenômenos que exigem
maior plasticidade nas abordagens investigativas e, LITTLEJOHN, Stephen. Fundamentos teóricos
assim, criando novas perguntas e significados para da comunicação humana. Rio de Janeiro: Editora
configurações culturais-artísticas-comunicacionais, Guanabara, 1988.
em contínuos fluxos semióticos.
MLODINOW, Leonard. Subliminar - Como o
inconsciente influencia nossas vidas. Rio de
Janeiro: Zahar, 2013.
NOTAS
MONTEIRO, Gilson Vieira; ABBUD, Maria Emília de
1. Disponível em: <http://www.ppgccom.ufam.
Oliveira Pereira; PEREIRA, Mirna Feitosa (orgs.).
edu.br/index.php/apresentacao> Acesso em:
Estudos e perspectivas dos ecossistemas na
18 mai. 2016.
comunicação. Manaus: Edua/Ufam, 2012.
2. Disponível em:
PAES LOUREIRO, João. A conversão semiótica:
<https: //sucupira.capes.gov.br/sucupira / na arte e na cultura. Belém: Edufpa, 2007.
public/consultas/coleta/propostaPrograma/
PROUS, André; RIBEIRO, Loredana. Arte Rupestre
listaProposta.jsf> Acesso: em 18 mai. 2016.
Pré-histórica: imagens fixas, significados
3. Estamos trabalhando com a ideia de mutáveis. Curitiba: Zencrane, 2007.
“corpomente” e ambiente, a partir da Teoria
SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua
Corpomídia, formulada pelas pesquisadoras
mulher com um chapéu e outras histórias
Christine Greiner e Helena Katz, do Centro de
clínicas. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.
Comunicação das Artes do Corpo, vinculado ao
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado:
Semiótica da PUC-SP, que propõe pensar o corpo processo de criação artística. São Paulo:
como um organismo ecológico, ou seja, inseparável Intermeios, 2012.
da relação com o seu ambiente. Segundo Greiner
(2005) o corpo é sujeito físico, mental e ambiental, SALLES, Cecília Almeida. Arquivos de Criação:
pois está em permanente processo de evolução arte e curadoria. São Paulo: FAPESP/ Ed.
com o ambiente natural e cultural em que se insere, Horizonte, 2010.
contrapondo-se a noção cartesiana na qual corpo,
SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-
mente e ambiente estão dissociados.
humano: da cultura das mídias à cibercultura.
São Paulo: Paulus, 2003.
SOBRE OS AUTORES
Visuais 41
A ANGÚSTIA DA INFLUÊNCIA NAS ARTES VISUAIS,
COMO NA LITERATURA, COM HAROLD BLOOM
Estes escritos buscam entender a possibilidade These writings seek to understand the possibility
de migrar as categorias poéticas elencadas por of migrating the poetic categories listed by Harold
Harold Bloom na Angustia da Influência1 - clinamen, Bloom in Anguish Influence - clinamen, Tessera,
tessera, kenosis, demonização, askesis e apófrades - kenosis, demonization, askesis and apofrades
para as artes visuais como forma de entendimento, - for the visual arts as a way of understanding,
compreensão e superação da influencia poética/ understanding and overcoming the poetic /
artística. Assim, acredito que as mesmas categorias artistic influence. Thus, I believe that the same
de Bloom para a literatura podem ser escopo de categories of Bloom for literature can be creative
processo criativo nas artes visuais. process scope of the visual arts.
Palavras-chave: Keywords:
Bloom, Angústia da Influência, artes visuais, poesia. Bloom, influence anguish, visual arts, poetry.
Visuais 43
sinais da juventude desviados pelo presente do autênticos - processa-se sempre através de uma
tempo, estas imagens tornam-se suportáveis e leitura má do poeta anterior, um ato de correção
familiares, conformando o artista de sua existência criativa que é realmente e necessariamente uma
e convívio com elas. interpretação errônea. A história da influência
poética frutífera, que o mesmo é dizer a tradição
Escreve Malraux - o coração de qualquer jovem é
da poesia ocidental a partir do renascimento é uma
um cemitério no qual se inscrevem os nomes de mil
história de angústia, e de caricaturas defensivas de
artistas mortos, mas cujos únicos residentes são
distorções de revisionismos perversos e deliberados
uns poucos fantasmas poderosos e frequentemente
sem os quais a poesia moderna não poderia existir.
antagonísticos. O poeta é assombrado por uma voz
com a qual a palavra tem que se harmonizar. Malraux Mas o que é a influência poética? Pode o seu estudo
chega a fórmula - do pastiche ao estilo - que não ser mais do que a indústria enfadonha de caça as
é adequada a influência poética, pois o movimento fontes, contagens de alusões?
de autorrealização encontra-se mais próximo do
O que dizer da máxima de Emerson: Insiste em
espírito mais drástico da máxima de Kierkegaard:
ti: nunca imites. Como confrontar-se com o
aquele que está disposto a trabalhar dá a luz a seu
grande original?
próprio pai. Desde Homero que a influência poética é
descrita como uma relação filial, mas no Iluminismo O demônio da continuidade é o querubim protetor
demonstra-se um produto do dualismo cartesiano. - ver no gênese os querubins que abriram suas
asas para proteger a arca. Continuidade é gestão.
A palavra “influência” recebeu seu significado de
Seu encanto pernicioso aprisiona o presente no
“ter um poder sobre outra pessoa” logo no latim
passado e reduz um mundo de indiferenças a
escolástico de São Tomás, mas durante séculos
uniformidade acinzentada.
não perdeu seu sentido etimológico de “influxo”,
seu sentido primordial de uma emanação ou força O poeta forte de fato diz: Parece que acabei de cair,
sobre a humanidade proveniente dos astros. No seu agora sou caído e, portanto, aqui estou no Inferno,
primeiro uso, ser influenciado significava receber mas ao dizê-lo pensa: Ao cair, desviei-me portanto
um fluxo etéreo proveniente dos astros, um fluido estou aqui num inferno melhorado pela minha
que afetava o caráter e o destino de uma pessoa. própria criação.7
Porém a angústia precedeu seu uso. Por imitação,
entende-se “ser capaz de converter a substancia TESSERA, ou conclusão e antítese
ou as riquezas do outro poeta para nosso próprio
Bloom rememora o ensaio de Nietzsche Acerca da
uso. Fazer a escolha de um homem excelente sobre
vantagem e da desvantagem da história para a vida,
os demais, e assim segui-lo, até se tornar nele
que leu como estudante em outubro de 1951:
próprio, ou tão como ele como cópia que possa ser
tomada por original.” “Podem-se criar as obras mais assombrosas; o
enxame de eunucos históricos lá estará sempre
Blake diz: ser escravizado pelo sistema de
no seu lugar, pronto a considerar o autor através
um percursor é ser inibido da criatividade por
de seus compridos telescópios. Ouve-se logo o
um raciocínio e uma comparação obsessivos,
eco, mas sempre sob a forma de ‘crítica’ apesar do
presumivelmente entre as próprias obras e as
crítico não sonhar com a possibilidade da obra um
do percursor. Aí reside a natureza de perdas e
momento antes. Nunca chega a ter influência, mas
ganhos da influência no labirinto da história. Blake
só uma critica e a própria critica não tem influencia,
distingue entre Estados e Indivíduos. Os indivíduos
mas gera outra critica. (...) O treino histórico de
passam através de estados de ser e permaneciam
nossos críticos impedem que tenham qualquer
indivíduos, mas os estados estavam sempre em
influência no verdadeiro sentido do termo - uma
movimento, sempre a oscilar. E só os estados eram
influência sobre a vida e a a ação”8.
culposos, os indivíduos nunca. A influência poética
é uma passagem de indivíduos ou particulares Continua a seguir dom a concepção de gênio, no seu
através de estados. Crepúsculo dos Ídolos:
Assim, o princípio geral do argumento é: A influência “Os grandes homens, tais como as grandes épocas,
poética - quando diz respeito a dois poetas fortes, são explosivos nos quais se armazena uma força
Visuais 45
KENOSIS Bloom então apresenta a noite e a morte, amigas
do poeta/artista forte. ‘As folhas tornam-se
A terceira categoria de revisão poética é a
gritos emudecidos e não se ouvem gritos reais’.
Kenosis, ou “esvaziamento” como elenca Bloom,
As continuidades começam com a manhã, mas
“um movimento da imaginação, de dissolução
então nenhum poeta pode ceder a injunção de
e isolamento”. O termo é retirado da descrição
Nietzsche - tenta viver como se fosse manhã -
de São Paulo, da “humilhação” de Cristo que de
Enquanto poeta, o artista deve viver como se fosse
Deus se fez homem. Nos poetas fortes - e para
meia noite - uma ‘meia noite suspensa’. O lugar
nós aqui, os artistas fortes - a kenosis é um ato
e o fato para o artista forte é a sensação de ter
de revisão no qual tem lugar um esvaziamento
sido projetado de forma centrífuga e cadente, em
ou um abaixamento em relação ao percursor.
direção ao mar. Instintivamente tenta manter-se na
Bloom explica que tal esvaziamento é uma
sua borda, mas o impulso antitético o empurra para
‘descontinuidade libertadora’ e torna possível um
o interior, para a demanda de fogo. A demanda de
tipo de poema que a simples repetição o afflatus10
fogo é a descontinuidade. A repetição pertence a
não poderia permitir. Assim a dissolução do artista
borda da água - QUE ONDE O ID, O PERCURSOR
forte percursor em si próprio serve ainda para
DO POEMA ESTÁ, FIQUE O MEU POEMA. Mas a
isolar o eu da posição de percursor. Serão, pergunta
repetição pode ser elevada dialeticamente a re-
Bloom, estes mecanismos de defesa semelhantes
criação, mesmo sendo, segundo Freud, uma pulsão
aos que existem em nossa vida psíquica?
de morte enquanto inércia, regressão, entropia.
Porque a influencia - que poderia ser uma questão Assim na repetição temos o enunciado da pulsão
de saúde - é uma angústia? Acreditava-se numa regressiva, ou morte. Mas Kiergegaard enuncia que
pureza original, impossível de ser tocada pela mera ‘se o próprio Deus não tivesse querido a repetição
experiência natural. Os artistas fortes devem crer o mundo nunca teria podido aceder a existência.
nisto, visto que são, ao dizer de Bloom, “perversos” Teria ou seguido os leves planos da esperança ou
11
. Desviar-se então pode ser etimologicamente recordado tudo e tudo conservado em memória’.
entendido como ‘limpar, limar, polir’. Porém a Mas tal não fez e por isso o mundo subsiste devido
imaginação do poeta forte não se pode ver como ao fato de que é uma repetição. A vida que passou
perversa, sua inclinação tem que ser a saúde, a torna-se agora. O único lugar onde pode o artista
sua prioridade. Se o dom da imaginação provém ser feliz é na repetição. Mas o poeta forte sobrevive
necessariamente da perversidade do espírito, então porque vive na descontinuidade de uma repetição
‘o labirinto vivo da literatura constrói-se sobre as dissolvente e isolante. Quando o efebo pede a Musa
ruínas de nossos mais generosos impulsos’. Para que o ajude a lembrar do futuro é quase como se
as coisas e lugares indizíveis da imaginação, a pedisse uma repetição. Condenação do percurso a
potência da repetição perde-se. ‘Não há nomes, queda em um chão bem duro.
diz Valery, para as coisas entre as quais o homem
DEMONIZAÇÃO - ou contra-sublime
está mais verdadeiramente só’. A crítica aprecia a
continuidade, mas aquele que vive da continuidade O novo artista forte deve reconciliar em si próprio
não pode ser um artista. duas coisas - o ethos (identificação) é o daimon
(espírito) e “Todas as coisas foram feitas através
Bloom ironiza então o ‘deus dos poetas não é Apolo,
dele e nada que foi feito foi feito sem ele”.
mas um gnomo careca chamado Ero, que vive nas
traseiras de uma caverna (...) e que assoma de seu Para Bloom, os poemas emergem não como uma
esconderijo apenas a intervalos regulares para resposta a um tempo presente, mas em resposta
festejar os poderosos mortos na escuridão da lua’ a outros poemas. Para Rilke, ‘os tempos são
(primos são Desvio e Conclusão). São adoradores resistência’. Para Rilke, a história era o índice dos
da continuidade, pois só ali tem alcance. E conclui homens que nasceram cedo demais, mais a arte é o
que ‘só o leitor Ideal ou o Verdadeiramente Corrente índice dos homens nascidos tarde demais.
gosta da descontinuidade e um tal leitor está ainda a
Os antigos referiam-se a demônios queriam também
espera de nascer’12 (Hermes envelhece, transforma-
referir-se àqueles que pela grandeza de alma
se em Erro e inventa o comércio). As relações inter
também se aproximam dos deuses. Nascer de um
poéticas não são nem comércio nem roubo.
íncubo celeste não é senão ter um espírito grande
Nesta categoria de revisão poética, o Grande Original Muito daquilo que chamamos loucura ou o perigoso
permanece grande, mas perde sua originalidade, equilíbrio foi simplesmente o exercício desta
cedendo-a ao mundo no númen - poder dos perigosa defesa, a demonização. Será esta uma
espíritos ou deidades presentes nos lugares e nos revisão uma ekstasis – este último passo para o além
objetos. Esta é uma guerra de orgulhos, mas a - apenas a intensidade da repressão da imaginação?
negação do percursor nunca é possível, já que
Como na visão de Abraão - ‘quando o sol se pôs
nenhum novo artista forte pode permitir ceder a
e se estenderam as trevas, eis que uma fogueira
pulsão de morte, pois a literalidade poética visa a
fumegante e uma tocha de fogo passaram entre
imortalidade literal, e todo poeta pode ser definido
os animais divididos... SOMBRA é bela a palavra de
como um evitar de uma morte possível.
Deus que a ele não volta até que volte a fogueira’.
Como imagens de um movimento em direção a
Askesis ou purgação
demonização, Bloom aponta uma queda para
fora e para baixo, um voo, uma espécie de queda Bloom apresenta nesta quinta categoria a askesis
ascendente. Projetado pela glória inebriante de - o ascetismo, ou a sublimação dos instintos -
participar da glória do percursor, o artista parece pois afirma que ‘a sublimação dos instintos de
levitar, numa experiência de afflatus que o abandona agressividade é central para a escrita e a leitura
nas alturas, elevado a extravagância. A ajuda da poesia e é quase idêntica ao processo de
para sair desta extravagância é possível apenas encobrimento poético’. Assim a sublimação poética
se for uma ajuda exterior. Imagine-se então este
Visuais 47
é uma askesis, um modo de purgação, que visa um ‘elaboração’. Quando elaboramos tornamo-nos ao
estado de solidão’. mesmo tempo Prometeu e Narciso. Mas para esta
contemplação deve fazer um sacrifício, pois ‘na
O poeta forte está então inebriado e consegue ‘a um
medida em toda a criação-por-evasão depende de
preço terrível’ virar toda sua energia para si próprio
um sacrifício’. Citando Cornford15, Bloom explicita
e vê sua vitória contra os ‘poderosos mortos’.
que a humanidade ‘aparece’ em Hesíodo quando
De fato, apenas a sublimação pode nos dar uma
‘Prometeu rouba de seus a melhor parte’ e ainda no
espécie de ‘pensamento liberto do nosso passado
Gênesis ‘o primeiro pecado cometido pela expulsão
sexual’ e modificar o impulso instintivo - ou criativo,
de nossos primeiros pais do paraíso foi motivado
no nosso caso - sem o destruir. Bloom explicita
pelos sacrifícios oferecidos por Abel e Caim’. Assim,
que os ‘poetas em particular (...) são incapazes de
a escrita e a leitura de poemas são um processo
existir quer numa frustração prolongada quer numa
sacrificial, uma ‘purgação que esgota mais do que
renúncia estóica’. E pergunta:
restaura’. Cada poema - ou obra artística no nosso
“...como podem eles receber o mais fundo prazer, caso - é uma invasão não se de outro poema, mas
o êxtase da prioridade, do auto-engendramento, também de si próprio. Para poder separar a alma do
de uma autonomia certa, se a sua vida para o corpo é necessária uma ‘internalização’, não só um
Verdadeiro Sujeito e os seus próprios Verdadeiros afastamento da alma em relação a si própria mas
Eus atravessam o sujeito do precursor e o seu eu? ”. também de todos os precursores e seus mundos.
‘Deformado em cima, deformado para cima’ como
O orfismo, religião natural de todos os poetas escreve Bloom, o poeta não pode permitir uma
enquanto poetas, carrega, segundo Bloom ‘uma outra kenosis. A askesis ‘enquanto defesa eficaz
infelicidade’. Os órficos, que adoram o Tempo contra a angústia da influência’ age como uma
como origens de todas as coisas reservavam sua espécie de cegueira em relação as outras realidades
verdadeira adoração para Dionisio, devorado pelos e exterioridades, até emergir um novo estilo de
Titãs e renascido de Semele. A infelicidade deste rudeza, ‘com vários graus de solipsismo’. Assim,
mito está nas cinzas dos ‘Titãs pecaminosos’. E Bloom explica que na sua askesis purgatorial o poeta
continua dizendo que ‘todo o êxtase poético, todo só conhece a si próprio e ao outro, seu precursor que
o sentimento de que o poeta sai do homem para finalmente ‘deve destruir e que a esta altura pode
deus, reduz este amargo mito, como o faz todo o ser uma figura imaginária, mas ainda formada por
ascetismo poético’. poemas passados que não se deixarão esquecer’.
O jovem artista transformado pela purgação da De fato, continua Bloom, ‘o clinamem e a tessera
sua posição de revisão é descendente dos adeptos tentam corrigir e completar os mortos, a kenosis e
órficos. Sendo vitima da compulsão à repetição a demonização trabalham no sentido de recalcar a
transportava “água com uma peneira para o Hades”. memória dos mortos, mas a askesis é a verdadeira
‘luta de morte contra os mortos’. E então Bloom
Se pensarmos numa ‘filosofia da composição’ é
nos faz recordar de Dante e seu mestre Virgilio.
necessariamente uma genealogia da imaginação,
Quando depois de longa peregrinação e com o
um estudo da única ‘culpa’ que importa para
desaparecimento de Virgilio para ser substituído
o poeta, a culpa da dívida. Assim Bloom evoca
por Beatriz, após as inúmeras barreiras e conversas
Nietzsche quando este diz que ‘não há talvez nada
no Inferno, finalmente o poeta é nomeado, quando
mais terrível na história remota de um homem
Beatriz o chama “Dante!”.
que sua mnemotécnica’, pois a intuição associava
toda a criação de uma memória a uma dor atroz. Apófrades, ou o regresso dos mortos
Assim Bloom explica que todos os costumes são
uma seqüência de processos de apropriação, Bloom inicia esta categoria citando Empédocles
inclusive as defesas e reações. Assim entendemos que ‘acreditava que nossa psique ao morrer
esta categoria poética como uma consciência retornava ao fogo de onde tinha vindo’. Mas não o
da força do antepassado, promovido ao lugar nosso demônio, que nos foi herdado. A genealogia
de deus primitivo. Mas aquilo que os poetas da imaginação traça uma descendência do
chamam de purgatório, pode ser denominado de demônio e ‘a obra de um poeta forte pode
sublimação. Esta sublimação pode ser chamada de expiar a obra de um precursor’. Os mortos fortes
Visuais 49
A obra de Ficino acaba culminando em uma Terra. Skira ,2011, Milano.
glorificação de Saturno, o Deus-Ancião que
Cornford. F.M: Principium Sapientiae: As origens
renunciou ao mando em troca da sabedoria e trocou
do Pensamento Filosófico Grego. Editora
a vida no Olimpo por uma existência dividida entre
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1989.
a mais alta esfera do céu e as profundidades mais
interiores da Terra. Forster, Kurt M., Mazzucco, Katia: Introduzione ad
Aby Warburg e all Atlante della Memoria, Bruno
Shakespeare, Cervantes, Michelângelo, são alguns
Mondadori, Milano, 2002.
exemplos dessa melancolia conscientemente
cultivada. Pois a síntese mais perfeita para a Muhana, Adma: Poesia e Pintura ou Pintura e
inteligência se atinge quando o verdadeiro humor Poesia- Tratado Seiscentista de Manuel Pires
se acerca da melancolia, ou quando a verdadeira de Almeida. FAPESP/EdUSP, São Paulo, 2002.
melancolia se transfigura pela ação do humor.
Oliveira, Maria do Céu Diel: Conversações com
14. Solipsismo (do latim “solu-, «só» +ipse, imagens in Diálogos com a Arte, Revista de Arte,
«mesmo» +-ismo”.) é a concepção filosófica de que, Cultura e Educação, volume 1, 2010, pags 9 a 22,
além de nós, só existem as nossas experiências. Braga.
O solipsismo é a consequência extrema de se
acreditar que o conhecimento deve estar fundado Pepiatt, Michael: Em El taller de Giacometti,
em estados de experiência interiores e pessoais, 2010, Barcelona.
não se conseguindo estabelecer uma relação direta
Vircondelet, Alan: Balthus - Memorias . Editorial
entre esses estados e o conhecimento objetivo de
Lumen S.A, Barcelona 2002.
algo para além deles. O “solipsismo do momento
presente” estende este ceticismo aos nossos Yates, Frances A: The Theatre of the World.
próprios estados passados, de tal modo que tudo o Barnes and Noble, New York, 2009.
que resta é o eu presente.
SOBRE A AUTORA
BIBLIOGRAFIA:
Maria do Céu Diel de Oliveira. Professora Associada
Bloom, Harold: Abaixo as verdades sagradas. do Departamento de Desenho da Escola de Belas
Companhia de Bolso, São Paulo,2012. Artes. Doutora em Educação pela Universidade
__________: The Anatomy of the Influence- Estadual de Campinas (2000).
Literature as a Way of Life. Yale University Press, E-mail: mariadiel@gmail.com
Londres,2011.
Resumo Abstract
O presente texto aborda a poética de Hélio Oiticica The present text approaches the artistic poetics
mediante os Parangolés, sua obra emblemática, of Hélio Oiticica through the Parangolés, his
em que o espectador tornando-se participador, emblematic work, in which the spectator becoming
podia vestir a cor, dançar, movimentar-se e ter a participant, could wear the color, dance, move
experiência da cor em seu próprio corpo. Assim and have the experience of color in his own body.
como, analisar como se dá a fusão do criador- As well as analyzing how the creator-participator
participador nos Parangolés, por meio do conceito merges in the Parangolés, through the concept
de Anti-arte; apontar como se deu a apreensão e of Anti-art; To point out how the apprehension
o uso de elementos do cotidiano; como emprestar and use of elements of daily life occurred; How
uma gíria carioca, para dar nome a sua obra; e to lend a carioca slang, to name his work; And
como utilizar os elementos construtivos estruturais how to use the popular structural constructive
populares da cultura do morro da Mangueira e elements of the Mangueira hill and samba culture,
do samba, vivência esta que teve conseqüências an experience that had profound consequences
profundas no seu trabalho. Tanto que quase um for their work. So much so that almost a year
ano e meio depois de seu primeiro contato, já and a half after his first contact, he was already
estava levando os mangueirenses ao MAM-RJ, ato taking the mangueirenses to MAM-RJ, an act that
que contribuiu para o processo de dessacralização contributed to the process of desacralization of
da obra de arte no Brasil. the work of art in Brazil. For this understanding,
qualitative researches were carried out in
bibliographies on the subject.
Palavras-chave: Keywords:
Visuais 51
isenta disto – é uma simples posição do homem carnavalescos de “classe média”; as ideias sobre
nele mesmo e nas suas possibilidades criativas cultura popular discutidas no âmbito do Centro
vitais. [...] “Parangolé” é a formulação definitiva Populares de Cultura (CPC) da Une, e do nascente
do que seja a antiarte ambiental, justamente Cinema Novo; as políticas oficiais para as favelas, e
porque nessas obras foi-me dada oportunidade, a alternativa urbanização/remoção; a descoberta
a idéia, de fundir cor, estruturas, sentido poético, contracultural das drogas e a criação de um novo
dança, palavra, fotografia – foi o compromisso mercado para o “tráfico de entorpecentes” dos
definitivo com o que defino por totalidade-obra morros cariocas (e também a criação de um novo
(OITICICA, 1966, p. 1-2).1 tipo de “bandidagem”); os embates entre as várias
definições de brasilidade e autenticidade em vários
“Estou possuído”, “Incorporo a revolta”, “Capa campos artísticos do país (incluindo a invenção
da liberdade”, “Da adversidade vivemos”, estas da Mangueira como no espaço do samba mais
autêntico). (VIANNA, 2001, p.3)
são algumas das “mensagens” utilizadas sobre
as capas. Nesta obra de Oiticica, o espectador é Esta vivência com a Mangueira marcou
convidado a vesti-las e a dançar, determinando profundamente seu trabalho, tanto que os
uma transformação expressivo-corporal. O Parangolés são o primeiro fruto desse contato,
ato de vestir os Parangolés traduz a totalidade gerando experiências ao mesmo tempo individuais
vivencial da obra, pois ao desdobrá-la, tendo e coletivas, mas que revelam a força de superação
como núcleo central o seu próprio corpo, o do individualismo.
espectador (agora considerado participador)
vivência a transmutação espacial, percebendo-se O EXPERIMENTALISMO [VIVENCIAL]
como “núcleo” estrutural da obra. NA MANGUEIRA
pobres da população, devido a contestação política tomaram corpo pela primeira vez e de forma
sobre as desigualdades do país. variada [...] “Opinião 65” trouxe o posicionamento
dos artistas após a instauração do regime militar.
ATO NO MAM-RJ E A DESSACRALIZAÇÃO A exposição foi, no dizer de muitos críticos (como
Frederico Morais, Wilson Coutinho, Mário Pedrosa
DA OBRA DE ARTE e Ferreira Gullar), a primeira manifestação efetiva
das artes plásticas com relação ao golpe de 1964.
Na inauguração da exposição “Opinião 65” no (REIS, 2006, p. 31)
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em
agosto de 1965, Oiticica apresentou publicamente Na época em que se entrava nos museus com terno
pela primeira vez seus Parangolés. e gravata, Oiticica levou uma ala de passistas da
favela e da escola de samba da Mangueira para
[...] essa mostra representou o momento privilegiado
no qual as discussões sobre a volta da figuração
apresentar, em seus corpos os Parangolés (Fig.2).
Visuais 53
Figura 2 - Hélio Oiticica em manifestação no MAM-Rj. Fonte: SOUZA, [s/d], p.5.
Tal evento resultou em conflito, pois a direção por uma população pobre, ora vistas como
do museu não permitiu a entrada e a exibição portadoras de riqueza folclórica de raízes, ora
dos passistas dentro de suas instalações e a vistas como incivilizadas, atrasadas e perigosas.
apresentação se deu nos jardins do MAM-RJ. O E é esse cenário que Hélio frequentava quase
ato foi aplaudido pelos críticos, jornalistas, artistas que diariamente, observando entre outros
e parte do público que lotavam as dependências. elementos, a arquitetura peculiar típica de
Os motivos alegados para o veto, apurados por paisagens urbanas periféricas.
jornais da época foram o barulho dos pandeiros,
Hélio buscaria nos Parangolés uma estrutura de
tamborins e frigideiras.
caráter universal. Até certo ponto que o artista
Este ato foi de grande importância, pois marcou procura e elabora da favela e das manifestações
o auge da dessacralização e a real tentativa de populares (tanto as organizadas, como escolas
democratização da obra de arte, por meio da de samba, frevos, feiras, ranchos, futebol,
união da cultura popular com a erudita, firmando festas de toda ordem, quanto as espontâneas
assim uma relativização cultural em que o samba ou casuais) ou ainda as construções populares
conquista o sacrossanto espaço museal e este como as casas de mendigos; estas são suas
“desce” à quadra de samba. estruturas universalizáveis e o que é retirado delas
são os princípios de flexibilidade, participação,
coletividade, improvisação e de ginga.
OITICICA E O PRINCÍPIO CRIATIVO DA
Seria, pois o “Parangolé” um buscar, antes de
ARQUITETURA FAVELAR
mais nada estrutural básico na constituição do
O mundo das favelas cariocas dos anos 60 já mundo dos objetos, a procura das raízes da gênese
era inteiramente urbano, porém, segregado objetiva da obra, a plasmação direta perceptiva da
do reconhecimento social da cidade. Habitado mesma. Esse interesse, pois, pela primitividade
construtiva popular que soe acontecer nas
Visuais 55
Figura 3 - Caetano Veloso usando P04 Parangolé 01, 1964. Disponível em: <http://3.
bp.blogspot.com/_wyOQq3rG2wE/TEPE35mCixI/AAAAAAAAAYI/xw_TCcfBn6U/s1600/
parangole-1+helio.jpg>
“estar” das coisas, ou seja a expressão estática Para Hélio, a dança, representada pelo samba
dos objetos, sua imanência expressiva, que é aqui o contribuiu para o ambiente de liberdade, alegria e
gosto da imanência do ato corporal expressivo, que
se transforma sem cessar. (OITICICA, 1965, p. 1-4) ineditismo, uma perfeita comunhão da expressão
catártica e extática.
Os Parangolés necessitam da participação corporal
[...] As imagens liberadas na dança são móveis,
direta, além de revestir o corpo, pede que este se rápidas, inapreensíveis – são o oposto do ícone,
movimente que dance (Fig.3). A dança é elevada a estático e característico das artes ditas plásticas
um nível de experimentalidade aberta. Por meio da – em verdade a dança, o ritmo, são o próprio ato
plástico na sua crudeza essencial – está aí apontada
expressão corporal, os Parangolés manifestam a
a direção da descoberta da imanência. Esse ato,
cor no espaço ambiental através da aeração da cor. a imersão no ritmo, é um puro ato criador, uma
arte – é a criação do próprio ato, da continuidade;
[...] o espectador “veste” a capa, que se constitui de
é também, como o são todos os atos da expressão
camadas de pano de cor que se revelam à medida
criadora, um criador de imagens – aliás, para mim,
em que este se movimenta correndo ou dançando.
foi como que uma nova descoberta da imagem,
A obra requer aí a participação corporal direta; além
uma recriação da imagem, abarcando, como não
de revestir o corpo, pede que este se movimente, que
poderia de ser, a expressão plástica na minha obra.
dance em última análise. O próprio “ato de vestir”
(OITICICA apud FAVARETTO, 1992, p.115).
a obra já implica numa transmutação expressivo-
corporal do espectador, característica primordial da
O Parangolé requer a participação mais ativa
dança, sua primeira condição. (OITICICA, 1964b, p. 1)
do espectador e não sua mera contemplação
ou observação (Fig.4). O ato de vestir, andar Vestir as obras não é simplesmente fazer do corpo
ou dançar com um Parangolé traz um outro um suporte. De acordo com Oiticica, o Parangolé é
elemento presente a “estrutura-ação”. A ação, a incorporação do corpo na obra e da obra no corpo.
ao modificar o caráter do espectador que se torna
Há aqui uma necessidade de “expressão-total”,
um participante, por meio da experimentação onde espectador e obra não mais se distanciem na
do elemento cor (estrutura-cor) no espaço, seja praticidade do diálogo, mas que seja esse diálogo
ela pela dança ou movimento. Assim, Oiticica aqui procurado pela participação por “atos” desse
espectador. O “espectador” passaria a ser então
assume um importante papel na especificidade “participador” na obra. As formas fundamentais
da participação do espectador na arte brasileira. primeiras do Parangolé são a “tenda”, o “estandarte”
A participação ativa do espectador, vista como e a “capa”, 3 posições espaciais na relação obra-
participador – Na “tenda” o participador penetra
apreensão dos significados da obra, ligava-se
para desvendar a estrutura-cor espacial da obra; o
para ele à participação corporal (vivencial) e à “estandarte” é a estrutura ligada ao ato de carregar
participação semântica (intelectiva). que aí se cumpre pelo participador; a “capa” que
cumpre 3 ciclos: o participador assiste a outro que
Visuais 57
a veste, depois ele mesmo a veste e desvenda a interatividade fosse motor vital para a apreensão
estrutura-cor da mesma, e por fim participa de um dos sentidos. Obras como Bólides, Penetráveis,
vestir-assistir coletivo. A “capa” seria a valorização
expressiva do inter-espaço do sujeito e da obra- a ambientação Tropicália, explica esse sentido,
espaço inter-corporal. assim como, os próprios Parangolés, por meio da
Essa descoberta do espaço inter-corporal através do organicidade da obra com o participante.
“ato de vestir” característico da “capa”, isto é: houve
aí a inserção do ritmo da dança como elemento Neto de um importante anarquista, José Oiticica,
intrínseco da “capa” e como integradora ambiental
Hélio descobriu na família a prática da filosofia
dessas formas do Parangolé. (OITICICA, s/d.)
libertária, o que certamente teve uma influência
Assim, nos Parangolés o corpo do espectador- decisiva em todo o seu trabalho. Assim, o artista,
participante passa a inserir-se na estrutura, sentiu a necessidade de dar um caráter de protesto
tendo a experiência da cor em seu próprio corpo, em algumas de suas capas, surgindo o Parangolé
atingindo um clímax corporal por meio da dança. Social e o Poético.
A vivência da obra que se dava a nível subjetivo
Com o Parangolé Poético, Oiticica achou essencial
passa a ser “incorporada”, uma vez que a relação
a participação de outros artistas, em que ficava
entre obra e participante se torna orgânica (Fig.5).
reservado para vivências de ordem subjetiva.
E a partir dessa concepção, surgiu o Parangolé
Social ou de Protesto, em que o artista fazia
CONSIDERAÇÕES FINAIS
uso da palavra, não apenas no sentido poético
Oiticica marcou seu nome na história da como polêmico discursivo, fazendo homenagens
arte brasileira e mundial a partir de diversas aos nossos mitos populares, aos nossos heróis
contribuições. Equiparando-se a importância e principalmente com uma “mensagem” social,
de alguns de seus antecessores ao buscar uma política, protesto ou grito de revolta.
identidade nacional. Fato este que não era uma
Mesmo que os Parangolés estejam intimamente
questão historicamente nova, haja vista que
ligados à arquitetura das favelas, do carnaval e
alguns pintores do romantismo do século XIX,
a experiência do samba, estes não podem ser
tematizaram o indígena e nossa exuberância
considerados mimese dos mesmos e Oiticica temia
tropical de maneira idealizada aos moldes do
que fossem assim interpretados e nem tão pouco
academicismo europeu. Décadas mais tarde, em
uma discussão sobre o suporte da obra de arte
1920, os modernistas paulistanos retomam essa
e sim promover uma ruptura do objeto artístico,
busca, por meio da Antropofagia de Oswald de
questionando a sua fruição.
Andrade. Contudo, a presença desses elementos
culturais da tropicalidade de Oiticica, não pode A complexidade de sua obra reflete a sua trajetória
e nem deve ser considerado uma caricatura, de artística cercada de originalidade e genialidade
como somos compreendidos e nem tão pouco um o que fez Oiticica ganhar grande repercussão no
elogio ufanista e sim um “estado típico da arte cenário internacional, dando maior visibilidade
brasileira atual”. para a produção artística brasileira.
Visuais 59
A GAMBIARRA E O ALEGÓRICO NO CINEMA
CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO
Iomana Rocha
FAV-UFPA
Resumo Abstract
A partir da observação de aspectos estéticos From the observation of the aesthetic aspects
presentes em uma certa produção contemporânea present in a certain contemporary Brazilian
do cinema brasileiro, mais especificamente cinema, more specifically focusing on the image
enfocando a construção imagética desenvolvida construction developed by the art department and
pela direção de arte e seus elementos, aponta- its elements, we point to an interesting recurrence
se para uma interessante recorrência da of the conscious use of “gambiarristic” elements
utilização consciente de elementos e recursos and resources by the Art direction in the visual
“gambiarrísticos” pela direção de arte na construction of them. To present more in detail we
construção visual dos mesmos. Para apresentar observe the film Branco sai, preto fica, pointing
mais detalhadamente observamos o filme Branco to the use of gambiarra as a powerful aesthetic,
sai, preto fica, apontando para a utilização da allegorical and political speech.
gambiarra como um potente discurso estético,
alegórico e politico.
Palavras-chave: Keywords:
Cinema brasileiro; Gambiarra; Estética; Direção Brazilian cinema; Gambiarra; Aesthetics; Art
de arte direction
Este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla O CINEMA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO
que desenvolvo observando aspectos estéticos
Apesar da heterogeneidade da produção
do cinema brasileiro contemporâneo, focando na
contemporânea do cinema brasileiro, existe uma
forma como a direção de arte é proposta, pensada e
parcela desses filmes que se destaca no cenário
estruturada nesse contexto. Nos desdobramentos
nacional e internacional. Tratam-se de filmes
desta pesquisa algumas questões se apresentam
produzidos por jovens diretores, marcados por
como peculiaridades marcantes: a utilização das
certa inventividade, desprendidos de normas
paisagens com poder narrativo, a presença e
ou regras comumente impostas ao fazer
bom aproveitamento do acaso na construção da
cinematográfico, legitimados por uma curadoria
visualidade do filme, o naturalismo poético das
interessada na inovação formal e em posturas de
imagens, além do fator aqui destacado, que é a
criação e produção menos convencionais.
presença da gambiarra como potência estética e
narrativa. Neste artigo pretendo lançar um olhar Uma tendência cinematográfica cujo modus
sobre esta ‘estética da gambiarra’, propondo operandi e a própria linguagem se reconfiguram
reflexões acerca da imagem cinematográfica que e, de certo modo, se reinventam. Uma forma mais
dela resulta. flexível de pensar e fazer cinema, despreocupada
com os por vezes inócuos rigores de qualidade
típicos do cinema mainstream, valorizando a
potencialidade poética e discursiva das imagens.
Visuais 61
No que diz respeito `a forma de produção a etapa de produção, ficando marcado na obra, e
cinematográfica, existe uma tendência na qual passando para o espectador:
artistas/ diretores se agrupam em coletivos, em
O olhar pretensiosamente impreciso é direcionado
parte por partilharem de referências estéticas pela emoção, pela tensão afetiva, pela coreografia
e ideológicas semelhantes, mas também por realizada pelo autor e pelo acontecimento fílmico.
ver a possibilidade de ter independência e Captar com vivência, com a incorporação da
câmera como extensão do próprio corpo. O autor
autonomia em suas criações, realizadas de forma presente e imagens com a potencialidade dessa
colaborativa e experimental. presença. (LIMA, IKEDA, 2011, p. 22)
O modus operandi desses coletivos mostra-se Trata-se de uma contra resposta ao cinema
como resistência às formas mais burocráticas mainstream e às imagens artificializadas e
e hierarquizadas de produção. Busca-se artificializantes dos meios de massa, que se dá
assim uma quebra com regras e estruturas por meio da valorização da sensorialidade, da
hierarquizadas advindas do cinema industrial, participação do espectador, da carga conceitual
marcada comumente por uma produção rígida, e da potencialidade das imagens em movimento.
com roteiros inflexíveis, equipe hierarquizada, Trata-se de “criar imagens que buscam afetar,
autonomia criativa exclusiva do diretor. experimentar linguagens coerentes com o conceito,
alterar a percepção do olhar e exigir o envolvimento
Assim, parte dessa produção contemporânea
do expectador” (LIMA, IKEDA, 2011, p. 22).
brasileira se configura como uma resistência
através da criação de novas alternativas de
produção, mais horizontalizadas, nas quais
os participantes da equipe do filme possam A GAMBIARRA
interferir criativamente, não apenas em seus O termo ‘gambiarra’ é comumente usado para
departamentos, mas no processo criativo do definir qualquer procedimento necessário para
filme em si. a constituição de um artefato ou objeto utilitário
Uma mescla de filme-ensaio, filme-de-arquivo, improvisado. Neste sentido, o termo gambiarra
“filme colaborativo”, ensaio visual, filme-diário, pode ser entendido como uma forma alternativa de
filme-carta. Um pouco de ficção e documentário.
design. A questão da gambiarra envolve temas como
Um videoclipe. De um lado, documento; de outro,
delírio. Um mapa; uma aposta; um gesto. Um filme- o desenho de artefatos, o resgate da função social
de-garagem A começar pelo fato de que os filmes do design, a problemática do lixo, o contexto das
respondem a um desejo mais de expressão que de idiossincrasias e das necessidades específicas, bem
reconhecimento. Em alguns casos, o propósito de
viver “no” cinema supera o de viver “do” cinema,
como a identidade da cultura material brasileira.
refletindo uma linha de continuidade entre o
profissional e o vivencial. (MATTOS, 2012b, p. 95) A prática da gambiarra envolve sempre uma
intervenção alternativa, o que também poderia ser
Tal produção se dá de forma mais fluida, buscando- definido como uma reapropriação material: uma
se algo como uma ‘artesanalização’ do fazer maneira de usar ou constituir artefatos, através
cinematográfico, uma maior permissibilidade de uma atitude de diferenciação, improvisação,
da ‘errância’ e da naturalidade das imagens. adaptação, ajuste, transformação ou adequação
Com isso, observa-se uma maior flexibilidade necessária sobre um recurso material disponível,
quanto aos períodos de gravação, os prazos, muitas vezes com o objetivo de solucionar uma
as metas. Bem como uma maior recorrência do necessidade específica. Podemos compreender
set de ‘guerrilha’, muito presente nas produções tal atitude como um raciocínio projetivo imediato,
brasileiras do cinema novo e cinema marginal. determinado pela circunstância momentânea; ou
ainda, como uma espécie de design espontâneo.
Este estilo de produção tem suas marcas no
resultado final dos filmes, colaborando com a Informalmente é comum associar o termo
construção de elementos estéticos inerentes a estas gambiarra `a ideias como ‘adaptação’,
experiências contemporâneas do cinema brasileiro. ‘improvisação’ ou ‘remendo’. Da mesma forma,
Existe certa afetividade e emoção que vem desde acepções depreciativas costumam ser atribuídas a
Visuais 63
durante anos diversos exemplos de gambiarras no que diz respeito a aspectos plásticos de sua
que ele encontrou em suas viagens pelo Brasil. visualidade, evidenciando sua utilização alegórica
Segundo Cão Guimarães (2009): “A gambiarra na produção da imagem.
é justamente a falta de bula e de manuais de
Os recursos ‘gambiarrísticos’ vem se mostrando
instrução, de mapas e de guias. A gambiarra é o
como alternativas interessantes para o diretor
não oficioso, o que não foi carimbado pela história
e o departamento de arte transpor ideias de
e pelo selo de qualidade registrada”. Na vivência
forma poética, criativa e funcional, num contexto
deste trabalho ele desenvolve o que seria um
de parcos orçamentos, equipe reduzida, tempo
conceito próprio de gambiarra:
apertado. Se configurando ainda como uma forma
O meu conceito de gambiarra é algo em constante consciente de evidenciar uma estética do artificio.
ampliação e mutação. Ele deixa de ser apenas
um objeto ou engenhoca perceptível na realidade Historicamente recursos visuais já foram
e se amplia em outras formas e manifestações
como gestos, ações, costumes, pensamentos, utilizados de forma alegórica no cinema
culminando na própria idéia de existência. A brasileiro. A alegoria e a invenção estão
existência enquanto uma grande gambiarra, onde fartamente presentes em filmes do cinema novo e
não cabe a bula, o manual de instrução, o mapa
do cinema marginal, com destaque para as obras
ou o guia. A gambiarra enquanto ‘phania’ ou
expressão, uma manifestação do estar no mundo. de Glauber Rocha. No contexto contemporâneo,
(GUIMARAES, 2009) observamos em algumas produções a utilização
da alegoria por meio da gambiarra, que é
Podemos observar nessa produção artística assumida esteticamente e politicamente, em
brasileira que a gambiarra, tomado como conceito, todas as suas ‘falhas’ e ‘imperfeições’.
envolve transgressão, fraude, sem jamais
abdicar de uma ordem, embora muito simples. A Assim como ocorre no contexto das artes visuais,
gambiarra, mesmo que utilizada com diferentes observamos no cinema contemporâneo brasileiro
nuances, com mais ou menos alegoria, é a peça em uma evidência do uso conceitual da gambiarra
torno da qual um tipo de discurso está ganhando como recurso imagético, propondo com isso uma
velocidade. Antes de mais nada, é importante estética que convida o espectador a participar
enfatizar que o mecanismo da gambiarra tem um da construção do universo fílmico, apresentando
acento político além do estético. as alegorias como um recorte crível da realidade
paralela do filme.
Visuais 65
Este mesmo recurso é aplicado na sala subterrânea BOUFLER, Rodrigo Naumann. A Questão da
do personagem cadeirante, cenografada com Gambiarra: formas alternativas de desenvolver
elementos metálicos e luzes frias, mantendo a ideia artefatos e suas relações com o design de
de um ambiente futurista notadamente marcado produtos. FAU-USP: São Paulo, 2006.
pela carga de subalternidade que a gambiarra
GUIMARÃES, CAO. Entrevista “Gambiarras”.
carrega consigo. Nesta sala, uma peça de metal
San Juan, II Trienal Poligráfica de San Juan,
interligada por fios é ‘preenchida’ por um material
01/2009. Entrevista a Carla Zaccagnini.
cultural duvidoso, com objetivo de fazer uma
Disponivel em: <http://www.caoguimaraes.com/
bomba que será lançada sobre a cidade de Brasília.
wordpress/wp-content/uploads/2012/12/
Esse recurso estético utilizado por Ardiley gambiarras-ii-trienal-poligrafica-de-san-juan.
mantém um jogo de signos onde o espectador pdf> Acesso em 10/11/15.
precisa compactuar da estética para embarcar na
HAMBURGER, Vera. Arte em cena: A direção de
proposta das alegorias, vendo o que está posto
arte no cinema brasileiro. São Paulo: Edições
como algo crível e potente. A partir do momento
SESC, 2014.
em que este jogo é aceito, a estética da gambiarra
presente nestes cenários e objetos ganha uma LAGNADO, Lisette. O Malabarista e a Gambiarra.
potência visual e discursiva que impressiona. Revista Digital Trópico. Publicado em
03/10/2003. Disponível em <http://pphp.
Acredita-se que estes recursos imagéticos
uol.com.br/tropico/html/textos/1693,1.shl>
apresentados, presentes também em outros
Acesso em 05/10/15.
filmes da produção contemporânea brasileira,
colaboraram na experimentação de linguagens e LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento
na criação de imagens poéticas e alegóricas, que Selvagem. São Paulo: Companhia Editora
afetam e questionam. Além de colaborar Nacional, 1970.
para o entendimento de uma estética inventiva, a
presença alegórica das gambiarras na construção LIMA, Dellani, IKEDA, Marcelo. Cinema de
imagética do filme aponta para uma forte garagem: Um inventario afetivo sobre o jovem
intenção critica do diretor, bem como a afirmação cinema brasileiro do século XXI. Belo Horizonte:
deste filme como manifesto estético e politico. SuburbanaCo, 2011.
________________________(orgs). Cinema
de Garagem: Panorama da produção brasileira
NOTA independente do novo século. Rio de Janeiro:
WSET Multimídia, 2012a. Disponível em: <http://
1. Enfatiza-se que os autores não associam essa
www.cinemadegaragem.com/2012/download/
produção com algo geracional no que diz respeito
catalogo-cinemadegaragem.pdf> Acesso em:
à idade, pois segundo afirma Lima (2012),
05/03/2012.
existem realizadores de todas as idades ligadas a
este cinema contemporâneo de que trata o termo. _______________________. Debate 1 –
“É mais uma questão de coragem que de idade” “Cinema de Garagem”: um “inventário afetivo
completa Delani Lima. do jovem cinema contemporâneo brasileiro
do século XXI.: [2012b]. Debate realizado na
Mostra Cinema de Garagem - Caixa Cultural – RJ.
BIBLIOGRAFIA Disponível em: http://www.cine madegaragem.
com/2012/download/D1. mp3. Acesso em
AUMONT, Jacques. A Estética do filme. São Paulo,
10/03/2014.
Campinas, São Paulo: Editora Papirus, 1995.
MATTOS. C. Alberto. Novíssimos e gregários.
BARBOSA, Livia. O Jeitinho Brasileiro. Rio de
Janeiro de 2011. Disponível em: http://carmattos.
Janeiro: Editora Campus, 1992
com/2011/01/31/novissimos-e-gregarios/.
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. Acesso em 27/10/2012.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1973.
_______________. Gregarismo e Teatralidade.
SOBRE A AUTORA
Visuais 67
SAMBA E BALÉ CLÁSSICO NA CONSTRUÇÃO COREOGRÁFICA
DE UMA PORTA-BANDEIRA: APROXIMAÇÕES
COM A DANÇA IMANENTE
Ana Flávia Mendes
PPGARTES-UFPA
Resumo Abstract
Este texto é um relato reflexivo acerca de uma This text is a reflective account of an artistic
experiência artística vivida pela autora como porta- experience lived by the author as flag bearer of the
bandeira do Auto do Círio, cortejo cênico realizado Auto do Círio, a scenic procession held annually
anualmente em Belém do Pará em homenagem in Belém do Pará in honor of Nossa Senhora de
à Nossa Senhora de Nazaré, padroeira dos Nazaré, patroness of Pará’s population. The
paraenses. A abordagem parte dos pressupostos approach is based on the assumptions of immanent
da dança imanente (MENDES, 2010) para pensar dance (MENDES, 2010) to think about a process
sobre um processo de criação coreográfica que of choreographic creation that transits between
transita entre o samba e o balé clássico, tidos como samba and classical ballet, considered as matrices
matrizes (BIÃO, 2009) e motrizes (LIGIÉRO, 2011) da (BIÃO, 2009) and driving (LIGIÉRO, 2011). The
dança. A argumentação explana os agenciamentos argument explains the assemblages of the body
do corpo que dança no processo criativo de uma that dances in the creative process of an artist-
artista-professora-pesquisa e porta-bandeira e teacher-research and flag-bearer and points
aponta possibilidades metodológicas para o ensino out methodological possibilities for teaching and
e criação em dança a partir das negociações entre creating in dance from the negotiations between
a dança imanente e as danças de escola de samba. immanent dance and samba school dances.
Palavras-chave: Keywords:
Dança 69
A dupla mantém a função dos antigos mestre- vivenciei minha estreia como porta-bandeira no
sala e porta-estandarte presentes nos ranchos, Auto do Círio 2015, aos 40 anos de idade. Para
blocos e cordões. A dança do par, influenciada
originalmente pelos minuetos e contradanças tanto, lancei mão de todo o aprendizado que
da elite, tornou-se uma espécie de balé popular tive na Escola de Mestre-sala, Porta-bandeira e
com códigos e passos característicos (FERREIRA, Porta-estandarte do Rio de Janeiro e na Academia
2004, p. 369).
Paraense de Mestre-sala, Porta-bandeira
Esse balé popular, nomeado por Gonçalves e Porta-estandarte, agenciei informações
(2010) como “a dança nobre do carnaval”, é uma estudadas e compartilhadas com meus
invenção brasileira de matriz africana, criada orientandos de mestrado, retomei inquietações
pelos negros escravos que, em suas celebrações, de meu projeto de pesquisa Majestades do Samba
se “inspiravam” nas danças executadas por seus e, ainda, articulei características de dois universos
senhores nos bailes de corte. aparentemente distintos, porém complementares,
ambos constituintes de minha história de vida: a
Não há como definir precisamente uma razão para dança clássica e o samba.
a invenção desta dança, mas, particularmente,
acredito que seja decorrente de uma mistura de Estudei balé clássico na Escola de Danças Clara
imitação e deboche, tal como os processos de Pinto1 através do método inglês Royal Academy
sincretismo religioso, uma vez que prevalecem, of Dancing entre os anos de 1994 e 2002.
entre as contrastantes características plásticas Não cheguei a concluir os chamados graus de
dos movimentos, a leveza e majestade de danças formação, mas a experiência que tive foi bastante
europeias como o minueto e, em contrapartida, consistente, ao ponto de até hoje, em alguma
os giros e riscos característicos de danças de medida, eu ainda ser reconhecida como alguém
matriz africana e da capoeira, respectivamente, “do balé” entre meus colegas de dança.
conforme argumenta Santa Brígida (2012). Praticar o balé clássico não era uma tarefa
É válido relembrar, nesse sentido, o conceito de muito simples, embora eu a considerasse um
matrizes estéticas proposto por Bião (2009, p. desafio bastante prazeroso. O auge de minha
33-34), que diz: performance como dançarina clássica deu-se
em 1998, quando dancei balés como O lago dos
no âmbito geral da cultura, assim como no
cisnes e O quebra nozes. Para tanto foi necessário
campo mais específico da estética, pode-se
sempre buscar compreender um fenômeno diminuir vários números na balança. Lembro
contemporâneo a partir do esforço de identificação (com certo saudosismo) dos 58 centímetros de
de sua filiação histórica e de seu parentesco cintura atestados na fita métrica da costureira
atual com outros fenômenos. A utilização dessa
ao tomar as medidas para a confecção de um
expressão – matrizes estéticas, sempre no plural,
possui, do ponto de vista retórico, uma consciente figurino. Manter as medidas e o peso em acordo
proposição paradoxal, posto que a palavra matriz com a proposta técnica e estética do balé clássico
remete à ideia de mãe, que também remete à era um projeto de vida. Os quadris largos e a
ideia de unicidade, quando pensada como uma e
única pessoa, do gênero feminino, que alimenta coxa grossa herdados dos meus ancestrais,
em seu próprio corpo e assim é explicitamente tidos popularmente como preferência nacional
geradora de outra, enquanto a palavra matrizes dos brasileiros, não cabiam bem naquela dança.
multiplica esse ente, ainda que se referindo a
Em contrapartida, os braços finos, o pescoço
um mesmo fenômeno – seu descendente direto.
O que se pretende, ao recorrer-se a essa figura comprido e os seios pouco avantajados garantiam
paradoxal de linguagem, é chamar a atenção para a plasticidade desejada pelas professoras de balé,
o fato de que na cultura cada fenômeno possui que diziam: “Da cintura pra cima tu és perfeita!”.
simultaneamente múltiplas matrizes, fruto que é de
diversos processos de transculturação. (...) Assim, E da cintura para baixo? Nada diziam, mas o
podemos falar, por exemplo, de matrizes estéticas,
a partir de referências linguísticas, religiosas,
próprio dançar e a dificuldade com o en dehors2
geográficas, históricas, geo-históricas, étnicas, , tão caro para o balé clássico, revelavam que
técnicas, temáticas, teóricas, tecnológicas etc. minha anatomia não era muito favorável àquela
dança. Sempre fui, como os estudos sobre moda
Com base nas matrizes desta dança e nas
e etiqueta nomeiam, o tipo triangular, isto é,
experiências práticas vividas até então, tanto
quadris mais largos que os ombros. De certa
como observadora quanto como dançarina,
Dança 71
Articulada à noção de imanência e plano de
contrário, a encenação é apenas a passagem por
imanência em Deleuze e Guattari (1992), a dança
uma etapa de algo que já vem sendo construído imanente vale-se das particularidades e histórias
em minha práxis como artista-professora- de vida de quem a dança e, logo, é construída
pesquisadora. Dançar como porta-bandeira é o pelos seus próprios praticantes, tidos, portanto,
como matéria-prima para a criação artística. Não
toque que faltava para reforçar meu argumento
há, nesta perspectiva, uma técnica de dança pré-
de que a dança não está desvinculada do corpo estabelecida, mas sim uma construção técnica
que dança; ela reflete o próprio corpo que dança. dada a partir de estímulos gerados pelo coreógrafo,
E mais, assim como qualquer corpo pode dançar, os quais podem advir ou não de padrões técnico-
corporais pré-existentes em dança. (...). A criação
qualquer coisa pode vir a ser dança. do movimento a ser dançado é como uma coleta
de dados que, após selecionados individualmente
No tocante à dança de mestre-sala e porta- por cada dançarino, são compartilhados e
bandeira, a particularidade de quem dança é o editados naquilo que se torna a coreografia.
componente diferencial, aquilo que distingue e Trata-se, portanto, de um fazer que se constroi
coletivamente, refletindo a interdependência dos
dá notoriedade a um casal. Arianne Pimentel, em
participantes no processo de criação (MENDES,
sua pesquisa de mestrado, defende a existência 2014, pp. 7-8).
de uma dança autoral na medida em que, ser
mestre-sala e porta-bandeira requer de quem A dança imanente enquanto práxis cênica é, então,
dança a criação de um estilo pessoal, ou, como uma construção e, deste modo, ela é também
aponta Gonçalves (2010), um estilo próprio. uma proposição metodológica para o ensino e
criação em dança. Ela não existe previamente
Seja pelo estilo próprio, seja pela dança autoral, enquanto técnica de dança, como o balé clássico
o que me instiga diante da dança de mestre-sala ou outros gêneros de dança já consolidados. Ela é
e porta-bandeira é o fato de estar diante de um uma dança sem gênero, embora tenha inspiração
saber transmitido pelas vias da cópia e repetição, em princípios da pós-modernidade coreográfica,
mas que não se sustenta na imitação restrita como a multiplicidade e a liberdade de criação
daquilo que se copia. Sinto-me diante de uma (SILVA, 2005). É uma dança devir (DELEUZE,
contradição verdadeiramente mobilizadora para a 1992), uma potência do corpo que dança, extraída
concepção de dança por mim desenvolvida, a qual a partir de um procedimento coreográfico a que
denomino dança imanente. chamo “dissecação artística do corpo” (MENDES,
2010). Nesta perspectiva, a dança imanente
Desde a realização de minha pesquisa de
materializa-se na medida em que dançarino e
doutorado tenho argumentado acerca da
coreógrafo empenham-se em agir conjuntamente
existência da dança imanente como práxis que
em prol de uma invenção coreográfica.
prima pela autonomia do corpo dançante. A partir
deste pensamento-fazer procuro incentivar Quando formulei este pensamento-fazer em
dançarinos a se colocarem no movimento. Não dança não me importei em chegar a um lugar
parto de vocabulários de movimento existentes em que determinados movimentos obrigatórios
a priori e, portanto, não ensino este ou aquele precisassem ser aprendidos e, por fim, dançados,
“passo de dança”, mas oriento a pesquisa de haja vista que a dança, em minha concepção,
movimentos, instigo e contribuo na edição do pode vir de qualquer lugar. As vivências com a
material desenvolvido, recortando e colando dança de mestre-sala e porta-bandeira, contudo,
peças de movimento até formar, em parceria com colocam-me diante da lida simultânea com o
o dançarino, a coreografia que ele irá executar. paradoxo há pouco referido, isto é, a necessidade
Deste modo, busco instigar em meus alunos/ de estar atenta à pré-existência de um vocabulário
dançarinos a construção de vocabulários que, de movimentos obrigatórios composto de giros,
inevitavelmente, tem relação com suas histórias cortejos e riscados, entre outros, e a liberdade
de vida e experiências de movimento anteriores, de manusear estes em situações de ensino e
sejam elas provenientes de gêneros de dança ou aprendizagem de um gênero de dança específico.
não. Assim, na dança imanente não importa a
procedência do vocabulário de movimentos de Ao aproximar a dança de mestre-sala e porta-
quem dança, mas como este é manuseado na bandeira da dança imanente verifico, sobretudo
criação e execução de uma dança. na questão da autonomia, valores e princípios
Dança 73
pesquisadora, minha intenção é apresentar essas 4. Cinta modeladora que lembra os trajes da
reflexões como um modo de pensar sobre uma corte europeia.
abordagem metodológica possível em dança.
5. Royal Academy of Dancing é um método inglês de
Trata-se de uma possibilidade não apenas para
ensino do balé clássico adotado por várias escolas
o ensino e aprendizagem da própria dança de
de dança do mundo. Anualmente os alunos são
mestre-sala e porta-bandeira, mas talvez sirva
submetidos a exames, pois o curso prevê a transição
como abertura para outras experiências de criação
de níveis, dos básicos aos mais avançados.
coreográfica, independentemente de gêneros de
dança, mas comprometidas com a história de vida 6. Pioneira da dança moderna que preconizava o
de quem dança, tal como proponho na práxis da ideal de liberdade em contraposição à rigidez do
dança imanente. ballet clássico.
De todo modo, estas elucubrações, partindo de 7. Técnica de movimento que opera com a
uma experiência vivida por mim como porta- improvisação a partir do contato entre corpos.
bandeira, me fazem compreender que a dança, a
minha dança, não é tão rigorosa quanto um exame
da Royal Academy5, nem tão ansiosa por liberdade
REFERÊNCIAS
como os movimentos de Isadora Duncan6. Danço
a disciplina do balé clássico e o desprendimento BIÃO, Armindo Jorge de Carvalho. Etnocenologia
de uma sessão de contato-improvisação7. Danço e a cena baiana: textos reunidos. Salvador: P&A
uma dança de giros que renovam o ir e vir da Gráfica e Editora, 2009.
minha existência e a minha resistência. Danço o
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. O que é a
amor, danço o samba, danço a fé. Hoje sou uma
filosofia?. São Paulo: Editora 34, 1992.
porta-bandeira e danço a minha própria vida.
FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval
brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
NOTAS
GONÇALVES, Renata de Sá.. A dança nobre do
1. Clara Pinto é uma personalidade da dança carnaval. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2010.
paraense. Fundadora da escola que leva seu nome,
LIGIÉRO, Zeca. Corpo a corpo: estudo das
atua no mercado desde os anos 1970.
performances brasileiras. Rio de Janeiro:
2. Posição de rotação externa que vai da articulação Garamond, 2011.
do quadril aos tornozelos e que se caracteriza
MENDES, Ana Flávia. Dança imanente: uma
como princípio elementar para a dança clássica,
dissecação artística do corpo no processo
conferindo às bailarinas a popular posição de pés
de criação do espetáculo Avesso. São Paulo:
“dez pras duas”, isto é, pés voltados para fora,
Escrituras, 2010.
lembrando a posição dos ponteiros de um relógio
ao marcar 13 horas e 50 minutos. SANTA BRÍGIDA, Miguel. O sagrado sorrizo de
Selmynha: a dança do mestre-sala e da porta-
3. Meu traje de porta-bandeira, assim como o de
bandeira na cena afro-carioca. Repertório,
meu mestre-sala, Ercy Souza, foram idealizados
Salvador, nº 19, p.18-25, 2012.2. UFBA, 2012.
pela carnavalesca Cláudia Palheta e executados
por outras duas pessoas. Curiosamente, a saia
foi confeccionada por um negro, chamado Marco
Antônia Alcântara, carnavalesco atuante em
Belém e a parte de cima, pelo estilista Ney Lopes,
especializado em confeccionar vestidos de baile
para mulheres. Considero que o traje tenha sido
de fundamental importância para despertar o
reconhecimento e compreensão das matrizes
estéticas da dança.
Dança 75
CINEMA E IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA:
POSSÍVEIS REFLEXÕES PARA USO DE FILMES EM SALA DE AULA
Walace Rodrigues
Cristiano Alves Barros
UFT-TO
Resumo Abstract
O foco deste artigo é o uso do cinema enquanto This paper focus on the use of cinema as a
“reflexo” de uma sociedade e encarado enquanto “reflexion” of a society and as a cultural product.
produto cultural brasileiro. Busca-se refletir sobre Hereby, we search to reflect upon how cinema can
como o cinema pode funcionar em sala de aula do be used in High School classrooms as a generator
Ensino Médio enquanto gerador de informações of social, historical and cultural informations
sociais, históricas e culturais de uma época não regarding a period that the students did not live
vivida pelos estudantes. Os objetos de análise deste themselves. The analysis of this paper focus on
escrito serão os filme Terra em transe, Macunaima the films Terra em transe, Macunaima and Bye
e Bye bye Brasil, já que estes filmes se relacionam bye Brasil, as these films relate to the Tropicalist
diretamente ao movimento Tropicalista, algo que os artistic movement, something that the actual
estudantes do Ensino Médio atual não chegaram a students at High School did not presenced.
vivenciar. Encarando o cinema enquanto produto da Looking ath the cinema as a cultural product of
cultura de um país, os estudantes poderão melhor a country, students can better understand which
compreender quais os elementos que nos marcam elements mark us as Brazilians and how Brazilian
enquanto brasileiros e como o cinema brasileiro pode cinema can help us to understand the formation
ajudar no entendimento da formação da identidade of a cultural identity of their own country.
cultural de seu próprio país.
Palavras-chave: Keywords:
Assim, este artigo busca discutir pontos relevantes O USO DO CINEMA NA ESCOLA E OS FILMES
em relação ao uso do cinema na educação escolar e ESCOLHIDOS
compreender esta forma artística enquanto produto
Vale lembrar que o conceito de identidade cultural
cultural que estimula um pensar sobre a identidade
nacional não tem uma única definição, já que se
cultural brasileira e suas concepções históricas. Por
Visuais 77
No caso deste artigo, acreditamos que o cinema Um destes períodos que podem ser estudados
pode ser utilizado enquanto forma de instruir através do cinema é o período da ditadura
sobre os processos envolvidos na formação de militar brasileira (de 1964 a 1985), período sócio
uma identidade cultural brasileira, principalmente histórico-cultural tão pouco conhecido e tão
de estudantes do Ensino Médio, cuja maturidade pouco estudado pelos jovens de hoje. E é dentro
possibilita um trabalho mais efetivo e direcionado deste período histórico se coloca um dos mais
sobre a diversidade cultural de nosso país. relevantes movimentos para a cultura brasileira
no século XX: o Tropicalismo.
O cinema, como metodologia crítica e instigadora,
serve como base para discussão em sala de aula, O movimento tropicalista se dá durante a ditadura
levantando possibilidades e especificidades de militar no Brasil. A ditadura militar foi instaurada
compreensão de nossa forma de ser enquanto em 1964 e oficialmente terminada em 1985,
brasileiros e como isto se mostra nas criações sendo que o período mais autoritário aconteceu
artísticas (cinematográficas neste caso) nacionais. depois da criação do Ato Institucional número
De acordo com autor Marcos Napolitano (2003), deve 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, que
haver uma coerência entre temáticas estudadas e suspendeu todos os direitos civis dos cidadãos. A
obras fílmicas para que haja um enriquecimento de partir deste ato, a vida cultural brasileira mudaria
conhecimentos para todos: de rumo com a forte influência da censura pública
sobre todos os campos culturais. Utilizamo-nos
Tenha em mente um conjunto de objetivos e metas
a serem atingidas, procurando aprimorar os de uma passagem de Randal Johnson (2004) que
instrumentos de análise histórica e fílmica. Sugerimos clarifica este período da história brasileira dando
que o uso do cinema na sala de aula seja sistemático especial atenção à literatura:
e coerente, e isso implica que os filmes sejam
articulados entre si, sobretudo quando o espírito O golpe de estado militar de 1964 que deu
da atividade é a análise do filme como linguagem e inicio a vinte e um anos de regime ditatorial
fonte de aprendizado, mais do que catalisador de obviamente teve um grande impacto na literatura
discussões (NAPOLITANO, 2003, p. 79). e cultura brasileiras. Numerosos trabalhos de
ficção têm explorado o impacto e ramificações
É neste sentido que este escrito tenta mostrar do autoritarismo, assim como o movimento de
que os estudantes do Ensino Médio podem ser resistência que se ergueu contra este regime
militar (JOHNSON, 2004, 131, tradução nossa).
privilegiados no uso coerente e consciente de
obras de cinema nacional para a compreensão de Durante esse período marcado pela ditadura e pelo
movimentos históricos e culturais desconhecidos AI-5 surge o movimento Tropicalista. Inovando pelas
por eles e de extrema importância para nossa roupas, cabelos, músicas, influências, instrumentos
formação enquanto brasileiros. Utilizando uma musicais e referências culturais, sociais e políticas.
passagem de Roseli Pereira Silva (2007), podemos O “...tropicalismo capta a vertiginosa espiral
compreender como o cinema pode auxiliar os descendente do impasse institucional que levaria ao
professores em relação a uma reflexão crítica da AI-5” (WISNIK, 1979, 16) e a canção “Tropicália”
história cultural brasileira: pode ser vista como uma boa representante deste
A experiência estética que o cinema proporciona período histórico.
abre-nos, sem dúvida, para uma compreensão mais
radical da realidade e do ser humano. É uma obra As várias referências culturais “conflitantes”
de arte com a qual nos relacionamos para iluminar utilizadas pelos tropicalistas dão o toque
a nossa percepção do mundo e, claro, é uma via de interrogativo do movimento: somos isso, ou aquilo,
acesso a nós mesmos; uma convocação instigante
que nos faz repensar nossas atitudes e reavaliarmos ou tudo isso, ou nada disso, ou parte disto, ou parte
nossos valores; uma provocação inquietante para daquilo? Nessa busca artística os tropicalistas
questionarmos possíveis conivências nossas com focam-se na ambiguidade de significados e na
a falta de criatividade, com a mediocridade, que
pluralidade de interpretações, buscando criar
é mostrada, muitas vezes, em comportamentos
rígidos, intolerantes, niilistas, autoritários e uma ideia de desordem criadora, regeneradora.
materialistas. Talvez seja precisamente nesse Conforme texto de Walace Rodrigues (2014a),
ponto que descobrimos, atrás dessas possibilidades pode-se compreender alguns mecanismos críticos
estéticas, as possibilidades educativas e éticas do
cinema (SILVA, 2007, p. 52).
dos tropicalistas:
Terra em Transe apresenta uma discussão política Há de se apontar aqui a crítica a uma pretensa
capacidade de juntar tendências e visões de
que será expandida pelo movimento tropicalista na
“Brasis” que muitas vezes estão separadas por
área da música. Apesar de Terra em Transe poder ser tradições históricas e sociais distintas, impedindo
encarado como uma parábola do Brasil do começo a formação de uma Identidade Nacional que se
da ditadura militar, o filme se mostra como uma clara dá do indivíduo para a sociedade. No Brasil é o
inverso, o trajeto percorre da totalidade para o
crítica a todas as esferas políticas brasileiras, tanto indivíduo, como forma imposta pelo Estado, e não
de esquerda, quanto de direita, deixando ver as desenvolvida de maneira consciente pelas massas
“armadilhas” do poder, a prostituição, a pobreza do populares; logo, como atender aos anseios sociais?
povo explorado, entre outros pontos muito próximos (ROCHA, 2010, p. 88).
da realidade brasileira. O filme se coloca como um Outra obra cinematográfica que ajuda a compreender
importante elemento artístico que busca, através da a formação de uma identidade cultural brasileira
crítica político-social, fomentar discussões sobre a seria o filme Macunaima (de 1969), de Joaquim
vida brasileira da década de 1960, nossa maneira Pedro de Andrade. O filme retrata o nascimento,
de ser e encarar o mundo. crescimento e parte da vida de Macunaíma.
Em uma fictícia república, chamada de Eldorado Este personagem-título do filme se aproxima de
no filme, políticos, jornalistas, prostitutas, um anti-herói, um herói sem nenhum caráter,
empresários, tecnocratas, progressistas, entre bem ao gosto irônico dos brasileiros. Macunaíma
outros personagens, são colocados em uma trama nasce na mata, como um indígena, e se coloca, na
de poder, riqueza, miséria e ambição. As filmagens visão de Mário de Andrade, o escritor modernista
Visuais 79
do livro (de 1928) que inspirou o filme, como a sátira se coloca como mecanismo crítico dos mais
representação do povo brasileiro. refinados, requisitando conhecimentos prévios
dos aspectos da cultura brasileira e fomentando
Macunaíma é um homem preguiçoso e sua frase
relações inteligentes.
jargão é “Ai, que preguiça!”. Adora uma rede e
busca seu amuleto muiraquitã, que havia recebido Em relação às várias inter-conecções entre obra
de sua falecida esposa, a índia Ci. Torna-se branco e literária e obra cinematográfica, como no caso do
muda-se para a cidade de São Paulo para procurar filme Macunaima, a professora Eliana Yunes (2013)
seu amuleto. Em São Paulo se envolve em várias nos deixa ver que as obras de arte que se utilizam
aventuras e estrepolias. Ama, odeia, brinca, foge, de diferentes linguagens artísticas devem ajudar a
ri, enfim, vive. No final do filme Macunaíma reavê divulgar uma a outra, reforçando convergências e
seu talismã e regressa para sua mata. divergências críticas:
A obra cinematográfica traz as várias influências Constatamos que O Cinema olha A Literatura como
fonte de inspiração, e de divulgação ideológica
culturais das três raças que compunham o imaginário
de cânones ocidentais, como matéria-prima de
da época modernista. Essa composição étnica filmes, numa permanente busca de elementos que
que valoriza o que era indígena, negro e branco é despertem a atenção do público cinéfilo, interessa
colocada, no filme, como uma das facetas culturais saber como o Cinema aprender e divulga tanto
o leitor com a própria leitura, inclusiva para o
de nós brasileiros. Macunaíma adora fazer amor e estabelecimento dos pontos de convergência e
gosta de uma vida “mansa” (de nenhum trabalho). de divergência entre a literatura da obra de arte
literária e a leitura da obra de arte cinematográfica,
O estereótipo de preguiçoso, dado ao povo entre o leitor de uma (leitor) e o leitor de outra
brasileiro, no livro de Mário de Andrade, refletem os (espectador) (YUNES, 2013, p. 30-31).
resquícios dos preconceitos dos colonizadores em
A última obra cinematográfica a servir como
relação aos brasileiros. Obviamente há equívocos
elemento indagador para estudantes do Ensino
e pontos questionáveis nesta representação,
Médio pode ser Bye bye Brasil (de 1979), de Carlos
porém o filme deixa ver, claramente, a forma de
(Cacá) Diegues. O filme mostra as várias facetas
compreender a identidade cultural brasileira da
do Brasil em uma época de exploração intensa da
primeira metade do século XX. Walace Rodrigues
região amazônica.
(2014b) nos dá mais informações sobre a referida
obra fílmica e a literária: Os interiores mais “atrasados” do país e o que
há de mais “moderno”, em termos urbanos e
O filme mostra claramente os mais diversos traços
de nossa formação cultural: o indígena, o negro, tecnológicos, são retratados no filme. As diferenças
o branco, o rural, o urbano, o deslumbramento, culturais e seus ambientes distintos são colocadas
a preguiça, entre outros. Este filme se enquadra propositalmente no filme e deixam conhecer lugares
no período inicial do movimento tropicalista,
refletindo a busca por uma identificação cultural culturais muitos distintos, podendo nos ajudar a
nacional através da confluência de representações compreender melhor nosso país. Das “maravilhas”
de coisas “tipicamente” brasileiras. Não podemos de Brasília aos interiores amazônicos dos indígenas.
esquecer que as obras de Mário de Andrade
Diegues deixa ver várias facetas e paisagens
serviram de inspiração para os tropicalistas, já
que este pesquisador buscou, verdadeiramente, brasileiras desconhecidas para os habitantes do sul
compreender o Brasil, viajando pelo país e sudeste do país. Essa riqueza e diversidade de
para coletar mitos, lendas, crenças, conhecer paisagens se descortina diante de nossos olhos.
personagens interessantes, entre outras
expedições. Seus trabalhos apresentam a primeira A fotografia do filme é de extrema importância
tentativa de tradução do Brasil, antes mesmo do
mito da democracia racial brasileira de Gilberto para deixar conhecer as imagens destes brasis
Freyre, na obra “Casa Grande & Senzala”, de 1933 desconhecidos. Das imagens da caravana
(RODRIGUES, 2014b, p. 6). Rolidei pela rodovia Transamazônica até os
contrastes das casas pobres de Altamira, tendo
O filme Macunaima se coloca como uma obra
como fundo um avião levantando voo; ou da
cinematográfica satírica, onde nosso herói faz suas
Brasília de edifícios imponentes e das casas
estrepolias pelas matas, nas águas e nas cidades. Há
pobres dos operários. Em Bye bye Brasil há uma
uma forte via humorística nesta obra fílmica, porém
tentativa de compreender o Brasil através das
sem perder seu poder de contestação cultural. A
imagens fotográficas, como um álbum de família
O estudioso José Manuel de Sacadura Cabral (2010) Portanto, trazer esse acervo fílmico para o
nos diz que o sentimento nacional, que ele chama de contexto escolar é também aproximar outras
“verdeamarelismo”, com o qual nos identificamos concepções acerca da nossa identidade enquanto
(e somente pode ser realmente sentido durante produtores e divulgadores de cultura. Neste caso,
competições esportivas) é uma criação baseada em muitos dos nossos alunos desconhecem essas
vários mitos, conforme a passagem abaixo: obras e por fim acabam desconsiderando o valor
estético presente nelas.
Nosso vermeamarelismo é, na verdade, um mito
em si mesmo, construído permanentemente por
De fato, para uma geração que está habituada às
outros tantos mitos a partir de símbolos que nos
colocam como especiais em alguma coisa, menos grandes produções cinematográficas e aos grandes
naquelas que realmente deveriam ser especiais, efeitos especiais hollywoodiano, dificilmente vai
como moradia, saúde, educação, transporte, lazer, olhar com certo bom gosto para um filme que não
ou ainda honestidade, seriedade, justiça e orgulho
de ser brasileiro (ROCHA, 2010, p. 76). dispõe de tantos recursos tecnológicos como os
filmes brasileiros proposto. No entanto, o professor
Neste sentido, podemos perceber que o cinema deve ser o incentivador de novas descobertas de
pode, de forma única, muito rica, expressiva e saber estético, hisótico, político e cultural.
sensível, levar-nos a reflexões sobre o sentido e
a formação de nossa identidade cultural nacional Neste caso, tanto a leitura literária quanto a (re)
e como ela se coloca para nós, além de temas leitura fílmica tendem a enfatizar os mais diferentes
históricos e sociopolíticos importantes de serem aspectos que caracterizam a cultura brasileira.
pensados e discutidos na escola. Ainda, não podemos esquecer que tanto a obra
literária quanto a obra fílmica são representações.
Pensando sobre, a inserção dessas discussões Elas não retratam a vida de forma verdadeira,
em sala de aula, propõem-se, também, outros mas representam esta vida através de diferentes
apontamentos a partir desse poder midiático do prismas. Mais especificamente sobre a importância
cinema. De fato, a projeção fílmica na sua conjuntura da representação, colocamos uma valiosa passagem
cultural parte de um ideal capitalista que reproduz de Marita Sturken e Lisa Cartwright (2005):
certos estereótipos acerca da nossa identidade.
Através da história, debates sobre representação
Não é por acaso que o padrão hollywoodiano se faz têm considerado se esses sistemas de
tão presente nos catálogos de filmes e nas salas representação refletem o mundo como ele é,
de cinema. São estes filmes que influenciam e até como se eles espelhassem para nós uma forma
de mímese ou imitação, ou mesmo se, de fato, nós
mesmo determinam uma certa ideologia por trás
construímos o mundo e seus significados através
das grandes industrias cinematográfica. No entanto, dos sistemas de representação que usamos.
os três filmes propostos neste escrito fogem Na perspectiva construtivista, nós somente
desse padrão cinematográfico hollywoodiano, não construímos significado do mundo material através
de contextos culturais específicos. Isso acontece,
somente nos tópicos, mas também nas formas de em parte, através dos sistemas de linguagem
abordar os temas muito brasileiros. (sejam eles escritos, falados ou imagéticos) que
usamos. No entanto, o mundo material somente
Nesse sentido, é importante lembrar que muitos tem significado, e somente pode ser “visto” por
alunos acabam assimilando o cinema a partir nós, através desses sistemas de representação.
Isso significa que o mundo não é simplesmente
de uma acepção predominantemente norte-
refletido para nós pelos sistemas de representação,
americana, logo, desconsiderando outras mas que nós construímos significado do mundo
produções, principalmente nacionais, que fogem material através destes sistemas (STURKEN;
desse arquétipo em que o cinema é difundido. CARTWRIGHT, 2005, p. 12-13, tradução nossa).
Desse modo, abordar filmes em sala de aula exige Assim, o cinema, enquanto sistema de
muita conscientização acerca da veiculação do representação de realidades diversas, pode ser de
cinema, principalmente quando associado ao extrema relevância quando usado na educação,
público de massa. Neste caso, trabalhar com o principalmente dos estudantes do Ensino Médio,
cinema brasileiro em sala de aula é, de fato, um estes já em idade para compreender que os
grande desafio, já que, o cinema nacional é, para filmes são parte de um sistema de representação
Visuais 81
audiovisual que nos ajudam a melhor compreender valorizava a ordem militar, a família tradicional,
quem somos enquanto brasileiros. a propriedade privada, os valores católicos e as
tradições (fossem elas quais fossem!).
Também, a preocupação identitária da produção
nacional atende a uma demanda de estudantes do Vale ressaltar, também, que o próprio contexto
Ensino Médio que está mais acostumada ao “olhar escolar onde esses filmes são vinculados podem
estrangeiro” do que ao próprio ponto de vista que apontar novos direcionamentos acerca da
mostra sua cultura. De certo modo, esse panorama abordagem fílmica em sala de aula. Neste caso,
vem mudando a partir das várias possibilidades de problematizando as situações vivenciadas na
conhecimento que o meio escolar vem a trazer aos atualidade pelos próprios estudantes. Outras
jovens atuais. Neste caso, a escola, com o auxílio fontes de comunicação midiáticas podem, também,
do cinema, pode ajudar na formação de cidadãos reforçar esse discurso de identidade nacional e
plenos e no conhecimento de uma identidade revelar facetas desconhecidas para os estudantes.
cultural tipicamente brasileira.
De fato, é a partir do contato que o público discente
Ainda, estes estudantes do Ensino Médio já têm tem com o meios de comunicação e entretimento que
maturidade bastante para compreender que o podemos alçar outras reflexões sobre nós mesmos
cinema é um produto cultural do qual o capitalismo enquanto brasileiros e qual o papel da arte na nossa
tomou posse para homogenizar a cultura. É nesse (re)configuração identitária e cultural, cabendo ao
sentido que o uso crítico do cinema nacional pode docente articular esses filmes brasileiros sob uma
ajudar a fazer destes estudantes consumidores conotação menos conteudista e mais instigadora de
culturais com mais liberdade para construir seus sentidos estéticos, artísticos e culturais.
próprios significados sobre o que veem.
Desse modo, o papel dos filmes nacionais na
educação escolar surge não como mera “ilustração
da realidade”, mas como ferramenta de reivindicação
CONSIDERAÇÕES FINAIS
social através das mazelas e desigualdades viventes
Através da exposição de argumentos neste artigo, até hoje. Para tanto, o retrato fílmico mostra que
esperamos que a intenção de fazer do cinema uma muito desses assuntos ainda necessitam de uma
ferramenta para o conhecimento histórico e social abordagem mais efetiva, isto é, critiquizando os
da formação cultural brasileira tenha levantado problemas sociais a fim de denunciar as possíveis
ideias e perspectivas para a utilização desta forma causas para este paradigma cultural.
de arte audiovisual no Ensino Médio.
Portanto, trazer essa objetividade à sala de aula
Há uma necessidade crescente de conhecimento é, também, reencontrar o valor da escola nesse
histórico dos estudantes atuais, já que eles não formação cidadã, logo, é a partir dos movimentos
viveram momentos marcantes de (trans)formação artísticos que se sucederam no século passado que
da sociedade brasileira. A exposição de fatos, podemos sintetizar algo sobre nossa identidade
representados através do cinema, pode levar a cultural brasileira e utilizar estas descobertas para
reflexões críticas sobre como a identidade cultural análises atuais de nossa realidade histórico-cultural
brasileira se forma e se modifica com o tempo e e sócio-política.
com os fatos.
SOBRE OS AUTORES
Visuais 83
A CONCEPÇÃO INTERVALAR NA POÉTICA PÓS-RUPTURA:
UMA ANÁLISE DA SONATA N.º 3 DE ALMEIDA PRADO
Este trabalho demonstra a teorização que venho This work demonstrates the theorization that I
desenvolvendo nestes últimos anos (2009-2016) have been developing in recent years (2009-
sobre a póetica de Almeida Prado no pós-ruptura ao 2016) about the poetry of Almeida Prado in the
tonalismo. Este texto aborda sobre o espaço multi- post-rupture to tonalism. This text deals with
sistêmico do compositor, chamado transtonalismo, the multi-systemic space of the composer, called
bem como trata da comprovação analítica voltada transtonalism, as well as dealing with the analytical
para o problema intervalar em uma das obras evidence focused on the interval problem in one
utilizadas para uma pesquisa mais abrangente, of the works used for a more comprehensive
que se ampliou e se verificou ocorrente em mais research, which has been expanded and occurred
de 100 obras do compositor. Venho propondo a in more than 100 works of the composer. I have
superação terminológica do conceito anteriormente proposed the terminological overcoming of the
fundado pelo compositor como expressividade concept previously founded by the composer as
intervalar em direção a um novo termo definifo interval expressivity towards a new term defining
como intervalo característico. Como estudo e as a characteristic interval. As a study and timely
comprovação pontual, construo uma análise da verification, I construct an analysis of Sonata
Sonata n.03 como uma obra representante da fase no. 3 as a work representative of the Post-
Pós-Tonal, entendendo que todo esse mecanismo Tonal phase, understanding that all this interval
intervalar ocorre em obras de outras duas fases mechanism occurs in works of two subsequent
subsequentes, as fases Síntese e Pós-Moderna. phases, Synthesis and Postmodern phases.
Palavras-chave: Keywords:
Música 85
Figura 1 - Espaço “entre”: um lugar entre o sistema tonal e o sistema atonal.
Schoenberg. Para ele, não existe uma normativa de pesquisa, recolocando-se uma das indagações
ortodoxa, mas sim possibilidades livres. principais que envolve a busca da compreensão da
concepção intervalar como material organizado,
Sua composição invariavelmente continua utilizando
consistente e recorrente, nas bases de uma definição
estruturas de origens dos dois sistemas (tonal e
dos termos. Seria coerente, e não contraditório em
atonal), e virão restabelecidas e fundidas neste
bases epistemológicas, o termo expressividade
‘outro sistema’, mas tais estruturas, na fase Pós-
intervalar? Haveria necessidade de se construir
Moderna têm mais intensificadas esse cunho de
ou substituir uma classificação/nomeação de um
grande liberdade, a qual ele, o compositor, chamou
termo que abarque a concepção, a importância
essa ‘liberdade postural’ de “ecletismo total”.
e a modelagem intervalar que são apontadas no
“Em minha tese, tentei racionalizar um pouco. O
processo analítico das obras de Almeida Prado?
transtonal refere-se a uma mistura de serial, com
atonal, e com tonal” (PRADO e MOREIRA, 2002, O termo expressividade intervalar, forjado em
p 63). O conceito transtonal aplica-se também à primeira mão pelo compositor, foi ampliado e
utilização de notas que pertençam às ressonâncias organizado em pesquisa anterior (O AUTOR, 2009c),
da nota fundamental de um acorde (ex. como o como conceito explícito acionado e ordenado pelas
acorde de Messiaen, ou outra estrutura acórdica). preferências de certas distâncias entre as alturas
(diacrônicas, sincrônicas e diagonais) em sua
SUPERAÇÃO DO TERMO EXPRESSIVIDADE
estruturação harmônica.
INTERVALAR EM DIREÇÃO AO INTERVALO
CARACTERÍSTICO A expressividade intervalar perpassa vários
sistemas musicais - tonal, modal, atonal, serialismo
Após o processo da análise musical dos Dezesseis
livre e transtonalismo - tal vinculação ocorre por
Poesilúdios (pesquisa de mestrado) e da Sonata n 0 3
uma ordem de organizações intervalares, que
(fase Pós-Tonal), as Cartas Celestes I (fase Síntese)
fazem tais intervalos estar dentro de um sistema ou
e o Noturno n.0 7 (fase Pós-Moderna) [pesquisa
outro, ou na intersecção ou margem dos mesmos
de doutorado], é possível dizer que as verificações
sistemas. Portanto essa ordem de padrões e
e os dados obtidos dessas análises oferecem uma
recursividade define-se como a expressividade
direção plausível para afirmar a existência de uma
intervalar com sentido ampliado e desenvolvido a
lógica e um controle intervalar em Almeida Prado.
partir do termo cunhado pelo próprio compositor (O
Existe uma referência organizada das distâncias,
AUTOR, 2009c, p 14).
uma consciência clara de que sua composição é
alimentada pelo cuidado às mínimas constituições do “No total cromático, o intervalo mínimo é o intervalo
parâmetro da altura no total cromático: os intervalos de segunda menor. Os intervalos são classificados
em seus sistemas e seus desvios intencionais. pela quantidade de semitons existentes entre uma
altura e outra” (O AUTOR, 2009c, p. 45). Cada
Como parte do exercício metodológico deste
tipo de intervalo possui capacidades qualitativas
trabalho, é importante relembrar nossas questões
Música 87
sonoras que indicam maior ou menor “nível de salientar que a compreensão de intervalo se estende
tensão” (Persichetti, 1961, p. 11-20). Nesse tanto a aspecto vertical (intervalo harmônico) e
sentido, pretendi aproximar as conceituações de horizontal (intervalo melódico, e ou saltos dentro de
Costére (polaridade) às de Forte, Lester e Straus uma lógica arpejada de um dado acorde). Observa-
(pitch class), no entanto, devo apontar que não se uma predominância do intervalo de 2a. menor e
aprofundo os conceitos da Set Theory para os de seus correlativos (7a. maior - 8a. diminuta; 8a.
procedimentos teórico-analíticos que empreendo aumentada - 9a. menor). Ainda que todos tenham
nesta pesquisa. Na minha formulação só me refiro recorrência equiparada, o intervalo de 2a. menor
à classe de intervalos de Forte como um conceito emerge como o extrato desta classe de quatro
tangente às definições de “polaridade” de Costère intervalos. O intervalo de 2a. menor é a ‘menor
(1954, 1962) e “dissonâncias duras” mencionadas medida’ na gama de sistemas que utilizam os Doze
em Persichetti (1961). Tons. A espécie sonora gerada por esse intervalo
é explorada nos planos verticais e horizontais;
Relacionei vários pontos da construção
arrumados em nota contra nota que ao gerar o
argumentativa sobre a questão intervalar construída
intervalo de segunda (menor) quer-se expandir
na pesquisa anterior (2009). Os excertos abaixo
o conceito de sobreposições e contraste por essa
apresentam os argumentos dizendo que
ocorrência intervalar.
1. [...] o intervalo deve ser considerado como
4. Abaixo é demonstrado um breve quadro de
modo de organização entre dois pontos sonoros,
entendimento de equiparação dos intervalos 2a. m,
assim devem ser contemplados como unidades
7a. M e 9.a m. O quadro ajuda no entendimento dessa
elementares das relações dentro das estruturas
equiparação e na construção do pensamento de
acórdicas e sistemas musicais, ressalvando que a
atribuição de valor e importância desses intervalos
disposição de direção dos materiais deve sempre
no processo de estabelecer a malha que dá unidade
ser observada na lógica da verticalidade como na
aos Dezesseis Poesilúdios.
da horizontalidade (O AUTOR, 2009c, p. 46).
Reforçando a percepção de Almeida Prado quanto Ao certo é que se é ou não plausível continuar a
ao valor e potência de tais intervalos, o relato adotando o termo expressividade intervalar ou este
de Flo Menezes (2002) a respeito do intervalo atual, abarcando sua concepção intervalar como
de segunda menor delineia suas características intervalo(s) característico(s), a questão desse e
fenomenológicas nos processos harmônicos da outros arquétipos intervalares, em Almeida Prado, é
música nova no repertório composicional do comprovada e determinante. Ela pode ser reforçada
século XX e XXI: teoricamente por vários conceitos-analíticos
evidenciados por autores já citados, como: os
A emancipação das Segundas menores do plano intervalos polares (Costère, 1954, 1963) e a classe
sequencial para o plano simultâneo fez com que 1 de intervalos do pitch class (Forte, 1973) (Lester,
um fator de proximidade melódica, essencialmente 1989) (Straus, [1990] [2000] 2013). Ainda sim,
horizontal, fosse trazido para a verticalidade, podendo se acrescentar o conceito da harmonia de
perdendo, nesse processo, seu claro direcionamento simultaneidade de Pousseur (POUSSEUR, [2005]
melódico “sensível”, de proximidade. Ao se 2009), (MENEZES, 2002, 2009).
perder a sensibilização melódica, ganha-se aí,
em contrapartida, um equilíbrio ou estabilidade O uso do(s) intervalo(s) característico(s) é
ambígua, bipolar, entre os dois componentes um processo altamente efetivo que produz na
do intervalo. A “dualidade de poder” presente construção da estrutura composicional de Almeida
Música 89
Prado uma malha condutora que cumpre um uma obra musical” (LOCANTO, 2009, p. 221, grifo
caráter orgânico. Essa concepção intervalar tanto nosso). Sabendo-se que Lacanto falasse do próprio
materializa a base de uma estrutura condutora de Stravinsk, incluindo Schoenberg e seus alunos
organicidade como abre caminhos com grande Webern e Berg, ainda assim, podemos inserir com
índice de inovação e possibilidades tímbricas. Nesse uma afirmação segura que a produção pós-ruptura
sentido, das possibilidades, o âmbito alargado de de Almeida Prado está atrelada fortemente ao
multiplicidades se conforma no gesto poético que pensamento de (re)estruturação intervalar.
se apropria de novas contemplações sonoras como
SONATA N.0 3: ANÁLISE INTERVALAR
em semelhança de um pintor que vai materializando
suas ideias, enveredando por visões inesperadas, 1. Intervalo característico em ostinato
planejamentos e moldagens inéditas nos conjuntos (I mov.: c. 3-7)
e expressões cor-som. Tal conjectura teórica
é passível de ser aplicada nesse terreno novo, A segunda menor em estado sincrônico segue
virginal e inesgotável das combinações intervalares com a proposta de um ostinato - uma ideia de
de segunda menor, sétima maior e nona menor, camada. Almeida Prado tem uma predileção por
somadas às outras possibilidades intervalares essa arrumação, construindo camadas, como
oriundas das estruturas acórdicas mais ou menos estratificações6 de materiais, ampliando a ideia e
pertencentes a outros sistemas musicais. Inclusive, manutenção das sobreposições, pois elas podem
Pousseur fala de uma força atrativa dos referidos alimentar, por contraste de materiais diferentes,
intervalos (2a. m, 7a. M e 9a. m), em conjunto com a desejavelmente a poética da ambiguidade - uma
questão primária de dissonância que propicia a eles ambição persistente em Almeida Prado.
as “zonas de contato” ([2005] 2009, p. 58), estas
Essa camada, como um acompanhamento para o
fortalecidas, tornando tais intervalos em redutos
material melódico, é estabelecida pela repetição
de energia sonora que tangenciam/contrastam os
ostensiva do intervalo de segunda menor em uma
outros intervalos inicialmente primordiais da série
mesma altura.
harmônica (8a. J, 5a. J, 4a. J, 3a. M, 3a. m, 6a. M, 6a.
m e trítono). Em síntese, Almeida Prado se apropria
dessa possibilidade de “zonas de contato” entre o(s)
intervalo(s) característico(s) e os outros intervalos
(iniciais da série harmônica), que são geralmente
um pano de fundo que representa o pavimento
tonal que é contrastado com os intervalos de
“dissonância dura”. Assim, tanto o(s) intervalo(s)
característico(s) como os intervalos iniciais da
série harmônica (e todos os outros seus derivados
mais tangentes ao sistema tonal) convertem-se
entre si próprios como estruturas-camadas sempre
dispostas sob uma forte configuração de fricção
intervalar com grandes possibilidades tímbricas.
Em síntese, como referência teórica-musicológica Figura 3 - Intervalo característico aplicado com ideia de
à importância ao problema do intervalo, se pode camada-acompanhamento para o material melódico.
apontar a partir do que Massimiliano Locanto (2009)
disse em seu texto ‘Composition with Intervals’:
Intervall Syntax and Serial Techinique in Late 2. Intervalos de segundas por acumulação
Stravinsk: “Embora todos estes compositores tratem (I mov.: c. 7-8; II mov.: c. 33-34)
o componente intervalar de maneiras diferentes,
tornou-se para eles o aspecto fundamental de uma Ao final do trecho acima, Almeida Prado, utiliza-se
técnica motívica - isto é, uma utilização com base de uma acumulação intervalar por segunda menor.
em um número restrito de figurações intervalares A partir da referência anterior, o ostinato que
que servem a uma função unificadora dentro de agrega sincronicamente o Si1 e o Do2, ocorre um
Música 91
5. Modelo motívico com segunda menor 6. Outro caso de relação intervalar
na cabeça da estrutura rítmica por diagonalidade (II mov.: c. 74)
(II mov.: c. 71-73; c. 84)
Neste exemplo, há uma outra ocorrência de
No trecho abaixo, parece haver uma similaridade intervalos(s) característico(s) por diagonalidade
rítmica-intervalar com o conceito da tematização e uma tematização intervalar. Entretanto,
intervalar. Como se vê há um modelo recorrente neste caso são usados dois tipos de intervalos
de um formato motívico por segunda menor. - nona menor e segunda menor - contando
Este modelo carrega a padronização rítmica em com a enarmonia da nona menor para a oitava
conjunto com a já observada tematização intervalar aumentada (ou vice versa), assim hipoteticamente
(repetição do intervalo característico na primeira contabiliza-se três tipos intervalares (somente
nota do conjunto das quatro semicolcheias). dois sonoros). A enarmonia apesar de trazer
uma dubiedade e sutileza, ainda assim fornece a
possibilidade de se perceber com relativa atenção
o intrínseco planejamento intervalar a partir do
registro gráfico musical.
Outro caso, no próximo exemplo, com o mesmo Figura 10 - A organização intervalar por diagonalidade.
desenho estrutural na forma rítmica de 4
semicolcheias, uma esquematização onde o
compositor coloca a nota mais grave como base
para se estabelecer a relação de intervalo(s) 7. Padronização da ocorrência do intervalo
característico(s) nas 2as. e 4as. semicolcheias: característico dentro de um modelo rítmico
segunda menor e oitava diminuta. Notadamente, (II mov.: c. 94)
este é um outro caso de tematização intervalar
com direção por diagonalidade. Na figura abaixo, a Almeida Prado busca uma expansão do trato
amostra do compasso 84 do II Movimento. intervalar, colocando o intervalo característico
como elemento gerador de outras possíveis
organizações recorrentes - um uso temático do
material. Neste trecho em questão, em termos
temporais, ocorre uma horizontalização da direção,
em contrapartida pode ser pensado também como
uma opção que parte do grave para o agudo,
seguindo os pontos das alturas mais agudas ainda.
Nessa demanda de relação ascendente que busca
intercalar cada tercina (três colcheias na tercina: 1a
figura da tercina: som grave; 2a. figura da tercina:
som médio; e 3a. figura da tercina: som mais agudo)
- verifica-se aí uma direcionalidade diagonal. São
nas figuras extremas da tercina (grave: 1a. figura
Figura 9 - Padronização da ocorrência do(s) intervalo(s) da tercina; e a aguda: 3a. figura da tercina) onde
característico(s). ocorrem a relação do intervalo característico.
Observe-se o compasso 94 do II Movimento:
A tematização ou padronização intervalar prossegue Figura 13 - Sobreposição quartais por uma ordem de
demonstrando possibilidades em um caso baseado ligação em horizontalidade de segundas menores.
na verticalidade intervalar, seguindo uma ideia de
variar os materiais, um arranjo de soluções novas
no desenvolvimento estrutural - o compositor 10. Relação espelhada de segundas menores
propõe a sobreposição intervalar com algumas (II mov.: c. 172-173)
possibilidades dentro do eixo da oitava. Parece
ser, nesta passagem, um esforço para algumas Uma combinação intervalar ainda não ocorrida
variantes da materialização da polaridade da oitava nesta obra. Por um tratamento espelhado das
(COSTÈRE, 1954, 1962) (POUSSEUR [2005] 2009) segundas menores, sendo esse procedimento, uma
(MENEZES, 2002). Ao certo, algumas variações são espécie de alusão semantizada ao serialismo. Em
desenvolvidas a partir dessa distância intervalar alguns aspectos, por essa ordem de reutilização
básica: a oitava justa. Sendo assim, a sétima maior, e transformação de sentidos, Almeida Prado
como meio-tom menor que uma oitava justa, e, oferece a possibilidade da lembrança e correlação
em direção contrária, a oitava aumentada como signicativa da poética das pluralidades e não
meio-tom maior que uma oitava justa - como ortodoxia serial de Berg.
estruturas conviventes em sobreposição (a oitava
Entretanto, o serialismo de Almeida Prado é
mais as dissonâncias duras [7a. M, 9a. m]) acentuam
anunciadamente livre. A própria menção do
a estruturação intervalar por fricção e contraste.
espelhamento, mesmo que de forma transformada e
Esse modelo estrutural intervalar é baseado nessa
semantizada, torna-se uma concepção continuada
formação vertical que explora as possibilidades
a partir do sistema serial. Entendendo que a forma
na cercania da oitava justa: acrescentando aos
retrógrada (RO) e forma inversa do original (IO) no
intervalos sobrepostos, obviamente o intervalo de
serialismo dodecafônico, são ideias pertencentes
segunda menor.
à organização direcional por espelhamento,
ainda assim convém lembrar que o procedimento
espelhado é largamente utilizado já no período
Barroco, especialmente com J. S. Bach.
Música 93
compreender tais artifícios que declaradamente potencialmente vinculados aos vários sistemas por
fazem com que Almeida Prado transite entre o meio da concepção intervalar sob uma organização
tonal e o atonal, sob o fato de tal compreensão, ser de materiais em camadas, em alongamentos, em
ajustada à perspectiva e aos propósitos do espaço encurtamentos, em deformações, em níveis, em
“entre” sistemas (seu transtonalismo). possibilidades de novas aberturas na composição
NOTAS
Música 95
de análise para construção da performance. Tese Maraver e Antonio Ramirez-Angel Sorrosal. Madrid:
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NEVES, José Maria. Música Contemporânea Universidade Federal do Paraná, Instituto de Artes.
Brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1984. Curitiba: DeArtes, 2009b.
Música 97
O QUE É PERFORMANCE?
ENTRE CONTEXTO HISTÓRICO E DESIGNATIVOS DO TERMO
Este artigo pretende explorar questões relacionadas This article aims to explore some of the
aos designativos do termo performance, levando performance term assignments considerating
em consideração a abrangência de campos do fields of knowledge that this term involves, through
conhecimento que esta envolve através de autores the discussion from national and international
nacionais e internacionais, bem como alguns exemplos authors and through some historical exemples.
históricos. O intuito desta pesquisa não é traçar uma The purpose of this research is not to write a
historiografia sobre a arte da performance, mas historiography of performance art, but to describe
descrever alguns dados que ajudem na compreensão some exemples that help in the undertanding
daquilo que buscamos entender como tal. about what we think as performance.
Palavras-chave: Keywords:
Cênicas 99
Figura 1 e 2 - Allan Kaprow, 18 Happenings in 6 Parts (1959), Ruben Gallery, New York. Fonte: https://cyberurchin.com
As Activities também surgem como uma resposta à obra, numa tentativa de aproximar arte e vida. O
crítica institucional que visava traçar nomenclaturas termo também está ligado a uma não representação,
para os trabalhos de arte inovadores da época, como no sentido mimético-teatral.
os happenings, e nessa tentativa de não adequação
O pesquisador brasileiro Renato Cohen afirma
de seu trabalho com as nomenclaturas do mercado
que a performance é intimamente ligada as
de arte, o artista denomina suas próximas realizações
artes cênicas, mas que a mesma rompe com os
de Activities, aproximando tais a ideia de arte e não
padrões aristotélicos de representação, narrativa
arte. Assim como Nardim, Glusberg aponta que o
e linearidade. Assim como a performance existem
diferencial do Happenning para as Activities também
outras manifestações que visam romper com a ideia
está na ausência de uma plateia, pois Kaprow funde a
tradicional de teatro, como o Teatro da Crueldade
figura do ator com espectador. Porém, ao analisarmos
do dramaturgo francês Antonin Artaud. Deste
o Happening e as Activities, mais encontramos
ponto de vista, o termo Live Art pode ser utilizado
semelhanças do que diferenças entre elas para que
para qualquer âmbito artístico, desde que tal
seja necessária a criação de um segundo termo a fim
manifestação utilize o corpo como motor da obra e
de se referir a tais ações, pois em ambas as ações
a desconstrução de paradigmas como índice, tendo
Kaprow coordena, através de um pequeno texto, um
suas origens nos finais dos anos 1990 e para a co-
direcionamento, para que a ação aconteça dentro das
fundadora do Live Art Development Agency, Lois
possibilidades do imprevisto por ele. Talvez a marca das
Keidan “Live Art não deveria ser entendida como
Activities resida no fato de que eram experimentações
a descrição de uma forma de arte, mas sim, como
com alunos, e nada mais, o que não era uma premissa
uma estratégia de inclusão de uma diversidade de
nos denominados Happennings.
práticas e artistas que, em outras circunstâncias,
Live Art é outro termo aplicado para designar as se encontrariam “excluídos” de todos os tipos de
artes performativas, porém para a autora americana política e de apoio e de toda espécie de trabalho
RoseLee Goldberg, ele faz jus à interdisciplinaridade de curadoria ou de debate crítico.” Porém, já que
utilizada por parte dos artistas para criarem seus o termo não se refere a ações específicas e sim
experimentos corporais, e por isso é preferível com aspectos gerais ao que concerne à arte da
utilizá-lo para nos referirmos a arte da performance performance, podemos dizer que Live Art e Body
quando ligada à música, teatro, dança, cinema ou Art referenciam as mesmas questões: o corpo
artes visuais. Live Art ou arte ao vivo pode ser presente e o tempo real e cronológico em oposição
entendida como um designativo para qualquer ao tempo experimentado internamente. Não que o
manifestação, no âmbito artístico, em que o artista artista utilize apenas seu corpo em uma dada ação,
utilize do seu próprio corpo para produção de mas o importante é frisar que seu corpo é o motor
sentido: o corpo como suporte, a mensagem como da obra, o fundamental, o suporte, o próprio canvas.
Cênicas 101
Desses locais espera-se encontrar indivíduos Em grupos acadêmicos e artísticos, o conceito de
compatíveis com tais escolhas, ou seja, indivíduos performance adquire formas variadas, cambiantes
e híbridas; há algo de não resolvido neste conceito,
sociais ou performers sociais. que resiste às tentativas de definições conclusivas
ou delimitações disciplinares. Aquém ou além
Existe a concepção da performance antropológica, de uma disciplina, ou até mesmo de um campo
abordada pela pesquisadora e fundadora do interdisciplinar, os estudos de performance
Instituto Hemisférico de Performance e Política configuram para alguns autores uma espécie de
antidisciplina. A partir de diferentes campos do saber
Diane Taylor, em entrevista concedida em 2002 ao
e expressão artística – desde o teatro e as artes
projeto interdisciplinar e digital Scalar : performativas à antropologia, sociologia, psicanálise,
linguística, pesquisas sobre folclore e estudos de
Eu acho muito difícil definir os estudos da performance,
gênero – formula-se o conceito performance.
porque eles são claramente formados por várias
disciplinas e diferentes modos de pensar sobre
Um ponto interessante trazido pelo autor brasileiro
comportamento corporal. Temos a antropologia,
temos a sociologia, temos a fenomenologia, temos José Mário Peixoto Santos se trata da contextualização
a escola francesa, de [Jean-François] Lyotard em do surgimento da linguagem da arte da performance
diante, tratando da performance. Por isso eu acho nos anos 1970. A isto, ele se refere:
difícil definir se é somente um objeto de análise,
se é uma praxe, se é uma episteme, um meio de Nesse contexto artístico-histórico, surgiram os
conhecimento, se é uma transação comercial, se é movimentos hippie; feminista; gay; estudantil;
uma medida de eficácia. O que importa para mim em também a luta pelos direitos civis dos negros
relação à performance, e aos estudos da performance, e contra o preconceito racial; a valorização de
é que ela nos permite olhar para todas essas coisas atitudes ecológicas e espiritualistas (Woodstock;
como se constituindo mutuamente, de maneira Literatura Beatnick; Stonewall Inn; Maio de 1968
que não dá para pensar sobre comportamento e na França; os Black Panters em legítima defesa; a
práticas corporais sem pensar sobre performances chegada de mestres espirituais da Índia ao Ocidente
disciplinares – como construímos gênero, como a exemplo dos yogis Acharya Rajneesh, Osho,
construímos raça, e como somos construídos e A.C. Bhaktivedanta Swami Srila Prabhupada,
como corpos – mas ao mesmo tempo há um fundador do Movimento Hare Krishna), além de
aspecto verdadeira e maravilhosamente libertador outras reivindicações relacionadas aos direitos
e contestatório, porque podemos performar de humanos na contemporaneidade – movimento mais
maneiras diferentes; a performance refere-se a uma abrangentemente conhecido como contracultura.
ação, a uma intervenção, a uma quebra estrutural e a
uma busca de novas alternativas. Por isso eu acredito Em campos acadêmicos e artísticos, o conceito de
que os estudos da performance não são uma coisa performance adquire formas variadas, cambiantes
específica, e que a sua polivalência é, na realidade, o e híbridas. Há algo de não resolvido neste conceito
que há de mais promissor nesse campo. que resiste às tentativas de definições conclusivas ou
delimitações disciplinares. (...) A partir de diferentes
A amplitude da discussão do termo performance campos do saber e expressões artísticas – desde
o teatro e as artes performativas à Antropologia,
também é debate no grupo brasileiro pioneiro
Sociologia, Psicanálise, Lingüística, pesquisas sobre
de estudos em Antropologia da Performance, o folclore, e estudos de gênero – formula-se o conceito
Napedra . Coordenado pelo professor e pesquisador de performance. (DAWSEY, s/p, 2010.)
John C. Dawsey, os debates ligados a performance
Pode-se concluir que todos os termos criados para
ocorrem através da aproximação entre Antropologia
se referir a performance são termos cunhados
e Teatro, visto que os teóricos fundamentais para
historicamente a fim de se refletir sobre o próprio
o grupo são Victor Turner, antropólogo britânico,
desenvolvimento da prática performática. Visto que
e Richard Schechner, diretor americano de teatro.
é uma linguagem recente, estes termos servem de
Para a Antropologia da Performance, ainda é
caminhos e direções, tanto para artistas quanto
possível realizar seu estudo e análise a partir da
para críticos teóricos, sobre o que esteve e está
Linguística. Tais apontamentos reiteram o caráter
sendo produzido no campo da arte ao vivo. As
interdisciplinar ligado ao termo performance,
delimitações dos termos estão menos associados a
independente da área fenomenológica em que ela é
demarcar o que é performance do que a reconhecer
analisada e ampliam seu campo de conhecimento e
o que é o processo de performance, pois o processo
debate no Brasil.
é muito mais amplo e muitas vezes não condiz com
Para Richard Schechner, teórico influente sobre as um termo fechado em si mesmo, mas com aspectos
pesquisas do grupo Napedra de diferentes termos. Por exemplo, 18 Happenings
In 6 Parts, como já mencionado, é tido como um
Cênicas 103
la não se ajusta a esse debate, pois ele se faz com Uma vídeo-performance ou foto-performance
trabalho, ele é consequência, apesar de ser um termo não deve ser equiparada a uma performance
muito romântico e que pressupõe o mito do artista ao vivo se para compará-las qualitativamente,
como gênio. O repúdio dessa crítica mexicana contra pois o tempo do vídeo e da performance ao vivo,
a performance se dá pela comentada complexidade por exemplo, são diferentes. A performance no
de leitura de imagem em performance e por ela ser vídeo existe independente de ser acionado, é um
uma manifestação da pós-modernidade, a qual tempo resguardado. Tem-se a ação performática
Avelina é resistente em compreender. Seu discurso a qualquer momento em que se executar o vídeo,
se estagna na reiteração de seu gosto pessoal e e a qualidade da apresentação, nesse caso, está
purista, o que não é um problema, mas apenas um ligada ao display, isto é, ao tamanho, formato e
fato explanado. tipo de aparato que irá se exibir tal vídeo, visto que
hoje temos projeções que alcançam dimensões
A americana Peggy Phelan defende que a partir do
exorbitantes e sem perder a qualidade da imagem,
momento em que uma performance é registrada
bem como televisores cada vez maiores e mais
ela perde seu caráter qualitativo que a coloca nessa
tecnológicos. Assistir a uma vídeo-performance no
categoria, e é com a seguinte passagem que Peggy
Youtube e na tela padrão do computador não é tão
inicia o livro A Ontologia da Performance:
interessante visualmente quanto assisti-la em uma
A única vida da performance dá-se no presente. A tela de projeção com tamanho e qualidade que não
performance não pode ser guardada, registada, estejamos habituados em nossa casa. Porém a ação
documentada ou participar de qualquer outro
performática no vídeo, independente do display,
modo na circulação de representações de
representações; no exato momento em que o fia, ela continua a mesma e sem alteração no tempo e
toma-se imediatamente numa coisa diferente da espaço interno da imagem do vídeo.
performance. E na medida em que a performance
tenta entrar na economia da reprodução que ela Quando Peggy Phelan discorre sobre “desaparição”
trai e diminui a promessa da sua própria ontologia.
em performance, ela está se referindo justamente
O ser da performance, tal como a ontologia da
subjetividade que aqui é proposta, atinge- -se por a falta de possibilidade de um novo acesso e
via da desaparição.(PHELAN, 1997, p171) repetição dessa ação, pois a repetição é vista como
uma característica e estratégia de mercado, logo
Felizmente ou não, a documentação de performance, negativamente. Porém, tem-se sempre que levar
desde a década de 1960 e iniciada por artistas, como em consideração a intencionalidade do artista
exemplo o acervo da Franklin Furnace , de Martha ao escolher apresentar por diferentes meios a
Wilson, é de extrema importância para se conhecer materialização de seu processo criativo.
e analisar obras que não são mais possíveis de se
presenciarem ao vivo por seu caráter efêmero. Esses O artista desenvolve a performance, a qual se pode
documentos de registros serviam e ainda servem tomar como um produto de arte, porém efêmero, se
de apoio material e reflexivo aos artistas e para o considerada como arte ao vivo devido à sua duração
desenvolvimento de sua poética. Porém, quando a e materialização da presença se dar em um período
autora Peggy Phelan infere que a performance quando pré-estabelecido, curto ou longo, mas que jamais
registrada por qualquer meio perde seu caráter será o mesmo de uma obra de arte convencional
qualitativo de performance, pode-se subentender que perdura por anos como um mesmo objeto e
que performances que sejam executadas para vídeo por vezes num determinado local. Talvez não seja
ou fotografia na verdade não são performances, pois necessário atribuir a performance apenas o tempo
o registro como escolha consciente de apresentação presente como um elemento estético e de fator
do trabalho é inferior a ação ao vivo. Mas e como decisivo, mas apenas ter consciência da utilização
fica a intensão do artista em relação à apresentação do tempo vídeo e do tempo presente.
do próprio trabalho? A sugestão de Peggy Phelan é
Lucio Agra, pesquisador brasileiro é um grande
cabível quando se pensa, por exemplo, em um registro
fomentador da discussão da performance em
não intencional de performance, ou seja, um registro
São Paulo e no Brasil nos últimos anos. Junto a
de qualquer pessoa do público ou instituição. Talvez a
demais pesquisadores, ele organiza a Associação
passagem de Peggy seja uma forma não intencional de
Brasil Performance , a fim de mapear os festivais
tornar o performer um ingênuo em relação às imagens
e eventos realizados no país, assim como fóruns
que são produzidas por suas ações.
Cênicas 105
9. A Franklin Furnace funciona até os dias de hoje, DEMPSY, Amy. Estilos, Escolas e Movimentos: Guia
e seu papel fundamentou consistiu na catalogação, Enciclopédico da Arte Moderna. São Paulo: Cosac
documentação, promoção e preservação de artes Naify, 2003.
efêmeras, como livros de artistas, instalações,
GLUSBERG, Jorge. A Arte da Performance. São
vídeos e performances ao vivo ou online.
Paulo: Perspectiva, 2007.
10. MEDEIROS, Maria Beatriz de. Corpos
GOLDBERG, Roselee. A Arte da Performance: Do
informáticos: arte, corpo, tecnologia. Brasília, DF:
Futurismo ao Presente. São Paulo: Martins Fontes,
FAC: UnB, 2006.
2006.
11. “A Associação nasce em 2010, com a necessidade
GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a
de dialogar com o meio cultural e artístico brasileiro
manipulação da identidade deteriorada. Rio de
e internacional, a fim de pensar e reivindicar
Janeiro: Guanabara, 1991.
incentivos duradouros para a performance no
Brasil. Uma das tarefas da BrP, é o mapeamento da JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a logica
performance em São Paulo e no Brasil, necessidade cultural do capitalismo tardio. 2. ed. - Sao Paulo:
evidenciada a partir das discussões dos Fóruns nas Ática, 1997.
quais sempre se repetia a pergunta: quem somos?
A BrP é uma associação sem fins lucrativos, aberta KEIDAN, Lois. Live Art. O que é Live Art? Disponível
a todos, interessados, artistas e estudiosos da em:
performance.” Fonte: http://brasilperformance.
< http://www.forumpermanente.org/revista/
blogspot.com.br/
edicao-0/textos/liveart > Acesso em: Maio, 2016.
12. “Zygmunt Buman é um grande pensador
LIPPARD, Lucy. Seis años: la desmaterialización
polonês, e o qual qualificou tão bem o célebre
del objeto artístico de 1966 a 1972. Madrid :
conceito de liquidez. Perspicaz analista dos fatos
Akal, 2004.
cotidianos, o sociólogo tem vasta obra sobre temas
contemporâneos, com destaque para o best-seller LYOTARD, Jean-François. A condição pós-
Amor líquido, fundamental para a compreensão moderna. 11. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2009.
das relações afetivas no mundo atual.” Fonte: www.
MEDEIROS, Maria Beatriz de. Corpos informáticos:
zahar.com.br.
arte, corpo, tecnologia. Brasília, DF: FAC: UnB,
2006.
COHEN, Renato. Performance como linguagem. TAYLOR, Diane. O que são estudos de
São Paulo: Perspectiva, 2002. performance? Disponível em:
Cênicas 107
SOB/SOBRE NOTAS-DESENHOS DE ESCUTA
Raquel Stolf
UDESC
Resumo Abstract
O presente texto apresenta investigações em torno This paper presents some researches about silence
de experiências de silêncio, bem como acerca de experiences as well as about writing, reading
propostas de escrita, leitura e escuta que pendem and listening proposals, that move according to
segundo ângulos de suspensão (usos de uma palavra suspension angles (uses of a suspended word)
pênsil) e de processos que envolvem uma escuta and processes involving a porous listening. Such
porosa. Tais investigações movem o processo investigations move the process of sound publication
da publicação sonora assonâncias de silêncios assonâncias de silêncios [coleção] (2007-2010),
[coleção] (2007-2010), que articula relações entre that articulate relations between sound and written
componentes sonoros e escritos, propondo situações components by proposing situations of reading and
de leitura e escuta de silêncios. Mas, se a maquinaria listening silences. However, if the sense machinery is
de sentido é algo difícil de interromper e suspender, difficult to stop and suspend, how can one propose
como propor silêncios em/para outras escutas, em silences in/to other listening, in sound publications?
publicações sonoras? Talvez, pela diminuição da Perhaps, by decreasing hearing, working with
audição, trabalhando com audibilidades precárias? precarious audible facts? Or trying to pause what
Ou tentando pausar o que se ouve no que se escuta? you hear in what you listen? Starting from another
Partindo de outra premissa-interrogação: como premise-question: how to hear, listen and write-
ouvir, escutar e escrever-desenhar silêncios? draw silences?
Palavras-chave: Keywords:
00. frágil e inapreensível rápido e diz que o desenho é uma unidade mínima
de pensamento. E ainda, define o desenho contando
Em meus primeiros trabalhos em que o desenho
uma experiência sua, de 1969:
está presente, lembro do processo de encostar
a ponta do bico de pena na superfície do papel e Um dia, pela manhã, ao abrir a porta da casa, senti
uma vibração estranha no ar. Por puro instinto,
durante alguns milímetros de segundo não saber
olhando à minha direita, fechei um ‘copo-de-leite’,
para onde a linha preta de nanquim seguiria. Esse em cujo interior estava um beija-flor. Foi algo
começo impreciso, inconcluso e imerso num não- indescritível: pegar um beija-flor com a mão apenas
saber parece ser o motor de minhas relações com o para ter o prazer de libertá-lo. O ato de desenhar
me dá uma sensação semelhante: vivenciar algo
desenho (e também com a escrita). O encontro com muito rápido, quase inapreensível. O desenho é algo
o em branco da folha de papel me atrai pela sua tão frágil e veloz como um beija-flor. (MEIRELES in
opacidade. E é nesse instante de quase-pausa de SCOVINO, 2009, p.194-195)
sentido que meu pensamento se move e que algum
O ato de desenhar parece ter algo a ver com
ruído começa.
perceber, tentar pensar e/ou produzir uma vibração
Cildo Meireles, numa entrevista a Frederico de alheia no ar. Desenho-escrevo quando alguma coisa
Morais (MEIRELES in SCOVINO, 2009, p.194), parece estar suspensa e quase-apreendida, quando
sublinha o ato de desenhar como um processo muito algo pende e ao mesmo tempo, pausa. Nem que seja
por um instante.
01. DESENHO COMO ANOTAÇÃO [DE ESCUTA] texto que desvia? Com uma palavra pênsil? Com
notas-desenhos? Como começar, construir e
Por vezes, sinto-me mais lenta que um desenho,
manter uma coleção de silêncios? Como construir
mais lenta que meu próprio pensamento (enquanto
um branco e/ou um zero na escuta?
voz ou silêncio dentro da cabeça). Ou ainda, mais
devagar que minha voz. Por vezes, desenho- Durante o processo de construção de uma coleção
escrevo em câmera-lenta. de silêncios que venho desenvolvendo desde
2007 (nos projetos assonâncias de silêncios2 e
Como escutar um desenho no instante em que
mar paradoxo3), percebi que foi necessário para
ele é construído, (ar)riscado? Como escrever um
a existência da coleção construir uma série de
desenho? Como lidar com uma palavra arisca?
notas-desenhos de escuta. Elas suscitam relações
Como desenhar um silêncio? Como anotar/notar
entre micro-ruídos, desenho e escrita, articulando
algo tentando reter alguma singularidade? Como
também usos do som, da palavra manuscrita e da
apreender ou fisgar um silêncio sonoro? Com um
Visuais 109
Figura 2 e 3 - Raquel Stolf, assonâncias de silêncios [coleção], 2007-2010.
Detalhes de notas-desenhos de escuta da publicação.
ficção – que via Maurice Blanchot (1987, p.45-46), assonâncias de silêncios [coleção] consiste numa
envolve “sair de si para uma fala errante”, ou talvez, coletânea de silêncios gravados em diferentes
para um silêncio vagante. contextos, agrupados num CD de áudio, juntamente
com material impresso, reunindo cinco “espécies
Essas notas-desenhos fazem parte de impressos
de silêncios”4: silêncios preparados; silêncios
que compõem algumas publicações sonoras que
acompanhados; silêncios com falhas; silêncios
integram os projetos, dentre elas, assonâncias
empilhados; fundo do mar sob ruído de fundo.
de silêncios [coleção] (2007-2010), 60 silêncios
A tipologia foi construída durante o processo
empilhados (2010-2014) e mar paradoxo (2013-
de escuta, gravação e edição digital do disco,
2016), entre outras publicações. A publicação
sendo que sua construção envolveu relações
de interdependência entre os áudios e textos, entre ação e inação que o primeiro volume da
palavras-partituras, notas-desenhos de escuta coletânea (volume 0) foi concretizado.
e fac-símiles preparados de páginas de cadernos
Se o silêncio constitui uma questão mental, sendo
de notação musical utilizados como cadernos de
um meio para começar a escutar e/ou a ouvir o que
anotação-desenho.
nos cerca – como nos aponta John Cage (1978):
O início do processo de gravação desencadeou “o silêncio não existe”5 –, ao mesmo tempo, se não
uma série de dúvidas e investigações, envolvendo ficarmos em silêncio, não conseguiremos ouvir o
tanto períodos de crise e distanciamento, como de que se passa ao redor, nem escutar as camadas de
retomada diária da coleção. E foi nesse movimento silêncios ou as texturas de rumor dentro de uma
Visuais 111
Figura 5 e 6 - Raquel Stolf, assonâncias de silêncios [coleção], 2007-2010.
Detalhes de notas-desenhos de escuta da publicação.
massa de barulho. Esses exercícios ou posições de Assim como as tipologias e os títulos de cada
escuta foram necessários e presentes no processo um dos cinqüenta silêncios do disco6, as notas-
de construção da publicação assonâncias de desenhos de escuta atravessam a coletânea de
silêncios [coleção]. sons de diferentes maneiras. Elas foram escritas-
desenhadas durante o processo de seleção, listagem
Passei a me interessar também não só pelo silêncio
e edição dos silêncios já gravados, numa espécie
antes e depois da palavra, ou sendo por ela indicado
de escuta simultânea. E se no início consistiram
(pois os títulos de cada silêncio e a tipologia indicada
em registros de experiências acústicas, enquanto
nos impressos do disco atravessam e tornam a
anotações de processo, percebi que elas também
coleção possível), mas também por um silêncio
lançam a possibilidade de um reenvio das situações
proposto a partir de um paradoxo linguístico. Um
sonoras/insonoras para o leitor-ouvinte (o silêncio
paradoxo presente na relação entre a figura de
enquanto situação).
linguagem sonora da assonância e a tentativa de
escutar um silêncio acústico.
A partir desse momento, as notas-desenhos de noutras, permanecem sem, tinindo no vazio. Mas
escuta foram sendo pensadas enquanto proposições muitas vezes, escrever e desenhar são espécies
que coexistem e expandem os áudios. Foram sendo de atos contínuos, deslizantes, inseparáveis, inter-
pensadas cada vez mais como possibilidades transitáveis (e o vazio continua tinindo nessas
de reimaginar situações silenciosas, propondo oscilações). Nem se sabe ao certo onde um começa
também um lançamento da escuta para silêncios e onde o outro termina. Nem quem é um e quem é
ainda inauditos, esboçados e diagramaticamente outro. E essa situação é imprevista e irreversível. Em
concatenados. Ou como projetos e proposições de meus cadernos, cadernetas e blocos de anotações
outras espécies de silêncios: silêncio despreparado; tudo se mistura: palavra desenhada e desenho
a sós, extra, opaco, torto; (quase) desmaiando; escrito, letra avulsa, rumor-rabisco, lembretes,
pendurado; avulso; embrulhado; etc. Podem ainda relatos, listas, esboços, projetos, partituras,
ser pensadas enquanto palavras-partituras mistas, esquemas, enfim, notas infinitas7.
nas quais combina-se notas manuscritas com
Toda palavra manuscrita é desenhada? Se uma
gráficos multi-temporais, simulando os desenhos
palavra for desenrolada, ela se apaga ou se
de ondas sonoras (o que se conecta diretamente ao
acende? Silencia e/ou se transforma em outra
processo de edição digital de áudio e à visualização
notação, partitura de algo contínuo? Qual é a
de um som). Palavras-partituras mistas que indicam
velocidade de uma anotação? E de uma notação?
silêncios através de (a)notações de sensações/
Qual é a velocidade de uma palavra desenhada?
percepções infinitesimais (de amostras que duram
Qual é a velocidade de uma palavra falada? Qual
segundos), silêncios que podem (ou não) ser
é a velocidade de um desenho escutado? Qual é a
executados ilimitadamente na escuta.
velocidade de um silêncio (quase) desmaiando? E
de um silêncio ao telefone? Qual é a velocidade de
uma palavra não dita? Do rumor de uma boca de
02. palavra-partitura como esquema [errante]
costas, antes ou depois de falar? Como a voz aprende
de execução
a carregar e a desenhar palavras (Zumthor)? Como
Em alguns de meus processos, o desenho acontece escrever-desenhar em voz alta? Desenhar-anotar
sem palavras. Por vezes, alguns desenhos são seria também uma forma de escrever em alguma
nomeados e renomeados, ganham títulos, e voz (baixa, rasteira, plana, tácita)?
Visuais 113
Figura 8 - Raquel Stolf, assonâncias de silêncios [coleção], 2007-2010. Detalhe
de nota-desenho de escuta da publicação.
Uma palavra manuscrita começa sobre uma linha Tentando anotar-desenhar o que se ouve-escuta
em branco (pautada ou imaginada), no atrito- pode-se empilhar camadas simultâneas de uma
rumor da ponta do lápis ou caneta sobre alguma paisagem sonora cotidiana (Schafer), esboçando
superfície e desenha um contorno de sentido. relevos silenciosos, num registro que passa a ser
Ou desenha um pressentimento de sentido. Uma também uma partitura provisória. Tentando escutar
palavra pode se tornar a própria linha em branco, o que se desenha-escreve, oscila-se entre sentidos.
frágil e inapreensível, ao ser desenrolada? E ao ser
Se o uso heterogêneo do som pelos artistas (e
enrolada, escrita, desenhada, o que se escuta?
também em minhas proposições de silêncio e
Cage (1996, p.96) escreve que começou a ouvir com vazio) suscitam reflexões em torno de diferentes
seus ouvidos, e depois passou a escutar com os olhos. experiências entre audição e escuta, propondo-se
O uso de palavras em minhas publicações sonoras posições específicas ou modos de escuta (como
envolve um processo de escrita em que a palavra escutas flutuantes, ativas, porosas, entre outras
pende, oscila, desvia e pode se tornar uma espécie modulações acústicas), essas reflexões relacionam-
de palavra-partitura, catalisando desdobramentos se sobretudo com proposições de sentido. Escutar
sonoros e experiências acústicas. Gosto também implica em um estar à escuta, como sublinha Jean-
de pensar a proposição de uma escuta porosa, Luc Nancy (2014), em que estar em situação de
estremecida e que pode vir a absorver ruídos do escuta “é sempre estar à beira do sentido, ou num
entorno, percebendo e reinventando variações sentido de borda e extremidade, como se o som
entre barulho, ruído e rumor. Uma escuta porosa não fosse precisamente nada de outro que não este
pode acontecer como travessia e como um canal. bordo, esta franja ou esta margem” (2014, p.19).
Portanto, seria possível manter a escuta oscilando
Entre um silêncio sonoro (rumor incessante sob
nessa borda invisível, próxima a uma iminência de
tudo) e um silêncio que transita semanticamente
sentido, num estado movediço?
na própria escuta (silêncio acústico), as notas-
desenhos de escuta podem ser pensadas como Aderências provisórias: se “escutar é aguçar o
combinações entre esquemas-diagramas com ouvido” (NANCY, 2014, p.16), entre desenhar um
palavras-partituras. Algo pode se desdobrar para som e anotar um ruído, o que pisca-aguça é o
fora ou nas bordas das notas-desenhos, em seu mundo como um processo8. E, construir notas-
encontro com um leitor-ouvinte. desenhos que tentam absorver algum rumor do
4. Uma referência crucial para o projeto foi a DIAS, Aline (org.). Cadernos de desenho. Corpo
leitura recorrente do livro Especies de espacios de Editorial: Florianópolis, 2011.
Georges Perec, e os processos de escrita propostos NANCY, Jean Luc. À escuta. Belo Horizonte, Ed.
pelo OULIPO. Chão da Feira, 2014.
5. Cage escreve que “não existe silêncio” (2007, p. PEREC, Georges. Especies de espacios. Barcelona:
191), pois há sempre algo que produz som/ruído, ao Montesinos, 2007.
mesmo tempo em que “O silêncio é simplesmente...
Visuais 115
SCOVINO, Felipe (org.). Encontros – Cildo Meireles.
Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.
SOBRE A AUTORA
b) A Revista Arteriais não aceitará a submissão b) Arteriais Journal will not accept the submission
de mais de um artigo do mesmo autor e ou of more than one paper from the same author
coautor para um mesmo número ou em números and/ or co-author for the same issue or for a
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e originalidade do texto, pelo período de 2 (dois) the term of 2 (two) years, which might be counted
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e) The reviews must have four to six pages and
e) As Resenhas deverão apresentar entre quatro interviews must have ten to fifteen pages;
e seis páginas e as Entrevistas, de dez a quinze
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12, espaço 1.5, margens 2,5;
TITLE
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Abstract with an average of 08 (eight) lines,
TÍTULO
aligned to the left, containing field of study,
Resumo com cerca de 08 (oito) linhas, alinhamento objectives, methodology, results and conclusion.
à esquerda, contendo campo de estudo, objetivo, The Abstract must come right after the title and
método, resultados e conclusões. O Resumo before the main text.
deve ser colocado logo abaixo do título e acima
Three (03) keywords, justified alignment
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Três (3) palavras-chaves, alinhamento justificado.
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117
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extensão máxima de 150 palavras, contendo as objective way;
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Artigos, Resenhas e Entrevistas.
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the original reference and may be translated to
esquerda, seguidas da indicação da fonte pelo
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sistema autor-data. No caso de citações de obras
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em língua estrangeira, essas devem aparecer no
texto conforme o original podendo ser apresentadas n) The indications of the references between
as respectivas traduções para o português, em parentheses, following the system author-date,
nota de rodapé, caso a língua de origem não seja must be structured according to the following way:
espanhol ou inglês.
One reference with one author: (BARROS, 2011, p.30)
n) As indicações das fontes entre parêntesis,
One reference with until three authors:
seguindo o sistema autor-data, devem ser
(MANESCHY; SAMPAIO, 2007, p.120)
estruturadas da seguinte forma:
One reference with more than three authors:
Uma obra com um autor: (BARROS, 2011, p.30)
(SARRAF et al., 2010, p.21-22)
Uma obra com até três autores: (MANESCHY;
SAMPAIO, 2007, p.120)
Even in the case of indirect quotations (paraphrase),
Uma obra com mais de três autores: (SARRAF et the reference must be pointed out, also informing
al., 2010, p.21-22) the page(s), even if there is a reference not to the
general work, but to a specific idea presented by
Mesmo no caso das citações indiretas (paráfrases), a
the author;
fonte deverá ser indicada, informando-se também
a(s) página(s) sempre que houver referência não à o) Tables and charts must be attached to the text,
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