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Andreza

Família Garcia – Livro 5

(A história de Andreza e Lucas)

Manuele Cruz
Copyright © 2020 Manuele Cruz

1° Edição – 2020

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e

acontecimentos descritos são produtos da imaginação da


autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução no


todo ou em parte, por quaisquer meios, sem a autorização
da autora.

Capa: L.A Design

Revisão e diagramação: Manuele Cruz


Sinopse
A história de Andreza Garcia e Lucas Noriega

Andreza, a única filha de Anthony Garcia, o chefão do Distrito. Seu


nome sempre foi associado a riqueza e ao perigo, acabou engravidando
justamente de um herdeiro de outra gangue. Gangue que, no momento, é o
maior inimigo.

Andreza sempre se considerou boba, no entanto, nunca quis mudar


seu jeito de ser. Encontrou em Lucas um par perfeito, ele não a julgava, ria
das suas piadas, fazia com que Andreza se sentisse leve, feliz... No fim,
tudo uma enganação, como sempre foi.

Era sempre sobre ser herdeira, nunca sobre ser a Andreza, sobre
seu jeito, sobre amor e amizade verdadeira.

Andreza é a mãe de um herdeiro da Calle Veintitrés. Ela é


praticamente a primeira dama, não mais a ''princesinha'', mas sim a
primeira dama...

Mas Andreza não quer nada com Lucas, pelo menos, é o que ela
quer acreditar.

Lucas está dividido entre uma gangue que o pertence e precisa de

comando, e a garota que ele magoou, e que engravidou. Não deveria ser
nessa ordem, realmente, não a amou naquela época. Porém, há um clichê
verdadeiro: Só damos valor quando perdemos.

Mas Lucas não pode aceitar que perdeu Andreza. Ele ama Andreza,

não sua vida financeira e de gangue.

Agora é o início para todos. Lucas não deixará essa chance escapar.
Não pode perder a garota mais verdadeira que conheceu na vida. Lucas
sabe que a ama, e espera que não tenha perdido o amor de Andreza.
Sumário
Nota da autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
(1) Nacho
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
(2) Nacho
(3) Nacho
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
(4) Calle Veintitrés
Capítulo 21
Capítulo 22
(5) Calle Veintitrés
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Epílogo
Família Garcia – Livro 6
Prólogo
Duologia ''Entre as grades '' – livro 1
Prólogo
Capítulo 1
Livros da série ''Família Garcia''
Contatos da autora
Alguns livros da autora
Nota da autora
É necessário ler:

Pedro – Família Garcia (Livro 1)

Jade – Família Garcia (Livro 2)

Natasha – Família Garcia (Livro 3)

Além da fronteira – Família Garcia (Livro 4)

*Há cenas que falam sobre presídios, por mais


estranho que possa parecer, aquele tipo de local
existe*
Prólogo
ANDREZA

Dois dias após o fim do livro 4

— Oi, loirinha. — viro-me de costas, apoiando minhas mãos na


bancada da pia. — Eu sei que odeia essa maneira de te chamar...

— Lucas, é sério, me chame de Andreza, apenas Andreza. — tomo


coragem e olho para ele, o cara que acreditei que seria meu grande amor, o
amor para a vida inteira. — Temos uma ligação, mas não precisamos ser
amigos, ou melhor, nem podemos, não é mesmo?

Ele fica sem graça, sem jeito, e abaixa a cabeça.

Eu me apaixonei por Lucas no exato momento em que nos vimos


pela primeira vez. Boy urbano... Eu rio para essa bosta de apelido!

Lucas era perfeito, ria das minhas idiotices, mantinha contato


comigo em segredo, mandava mensagens engraçadas, memes, vídeos,
falávamos sobre a vida. É, eu acreditei nele, seria meu boy urbano ideal!
Eu o acho lindo, mesmo que tenha gente que ache o contrário, mas
gosto é igual a nariz, cada um tem o seu. Ok, o ditado nem é esse, mas essa

sou eu, a idiota Andreza que nem fala palavrão!

E aí está o cara que passei meses ao lado, cuidando dele, vivendo


um romance escondido e... Bem, vivendo minha fantasia de família
perfeita.

Eu sempre fui a de ler romances, gosto, mas reviro os olhos em


inúmeras cenas. Por mais que fosse sonhadora, sempre tive na cabeça que
não, não poderia ser sonhadora. Mas fui sonhadora com Lucas.

Me iludi, sonhei, vivi, quebrei a cara e ganhei um presente. Um


lindo presente, o qual fica guardado a sete chaves, somente nossa família
sabe, mas nem falam muito do assunto.

Lucas beija nosso pequeno Rick, que está dormindo tranquilamente


em seus braços. Henrique... Rick... Henrique Garcia Campello Noriega.

O nosso filho!

O fruto do meu sonho romântico!

Que não foi sonho, foi real, eu que fui a iludida.

Tudo aconteceu no Azerbaijão, Lucas estava ferido e precisava se


tratar na paz de algum local, e eu estava lá para cuidar dele.

Mesmo após a calmaria reinar na Candelária, eu continuei naquele


local e vivemos meu sonho idiota de romance. Tanto que meu filho é bebê

mais novo de todos.

Cara, eu sou mãe! A idiota da Andreza é mãe!

E eu fui traída por Lucas, meu boy urbano ideal.

— Deza, eu juro, não engravidei aquela mulher! — ele fala e


pronto, o choro que tanto prendi cai livremente. — Eu não a engravidei!

— Você sempre fala e nunca prova, ou melhor, você tem a prova,


mas ela vai contra você! Eu fui idiota, Lucas. Eu acreditei em você e você
só me iludiu, depois me traiu na cara de pau! Eu vi as fotos!

As fotos dele no quarto com aquela mulher!

— As fotos foram tiradas depois que ela falou da gravidez...

— Exame de DNA, cadê? — corto sua fala. — Você disse com


todas as letras que havia feito, mas nunca mostrou o resultado, aposto que
deu positivo.

— Falsificado.

— Ah, claro, pegue seu filho e faça outro exame de DNA. Ah, é
mesmo! Fazer pra que? Dar positivo novamente?

— Eu preciso falar disso com você.

— Não tem mais conversa alguma.


— Foi verdadeiro, Andreza! Eu nunca mentiria sobre isso, nunca!
Eu gostei de você desde aquela noite na fazenda, me afastei por conta de

Sandro e ele nos afastou novamente! Não percebe? Eu já falei da minha


mãe e da minha tia, elas fizeram tudo isso para que Anthony me tirasse da
jogada, afinal, eu teria traído a filha do chefão.

— Olha só, Anthony Garcia sempre em primeiro lugar. — dou um

riso amargurado, cheio de dor. — O Distrito sempre comandando minha


vida. Até mesmo os assassinos fazem joguinhos clichê para separar o
casal.

— É a verdade.

Eu duvido muito disso, foi sobre o Distrito. Sobre eu ser a única


menina, a única filha de Anthony Garcia.

— Prove! — tento manter minha calma. — Faça o exame de DNA


no garoto! Ele tem a mesma idade que o Henrique! Oito meses, aquela

foto, tudo aconteceu na mesma época.

— Eu não posso provar...

— Saia, Lucas! E agradeça porque eu sempre sou a idiota


boazinha, não contarei o que fez para meu pai. Serei corna calada, guardo
tudo para mim...

— A criança está em San José.


— Olha só, a mulher é sua conterrânea.

— Escute-me, Andreza! — Henrique finalmente acorda com a

barulheira e começa a chorar, tento pega-lo nos braços de Lucas, mas ele
aproveita minha aproximação para me abraçar, eu o empurro e viro de
costas, meu choro se misturando ao de Henrique. — Foi uma armação, não
traí você e ela falsificou os exames. Ela voltou a San José e eu preciso ir

atrás dela.

— Vá se foder, Lucas! — grito, pela primeira vez, eu falo algo


assim. — Foda-se!

— O Junior...

— Olha, ela deu o seu nome a criança que não é sua...

— Junior está com a Grézia! — ele grita, depois de colocar


Henrique no carrinho de bebê. — Grézia está presa, está encarcerada e
colocaram um bebê com ela. Chino recebeu um vídeo chamada, Sandro

quer a nossa presença, quer a nossa volta para poder liberar Grézia e o
bebê. O filho não é meu, Andreza, mas é um bebê. Um bebê que minha
mãe e tia fizeram o teatro para ser meu, a mãe dele está morta. Sandro
matou. Você sabe muito bem como tudo isso é um jogo. O filho não é
meu, mas eu preciso salva-lo, como preciso salvar Grézia.

Eu não quero ser egoísta, não quero, não quero, não quero!
Eu não sou egoísta!

Lucas não estava lá quando tive depressão pós-parto, mas ele

sempre está presente para Grézia.

Mas Grézia passa dificuldades, precisa de ajuda...

É sempre a Grézia, sempre ela!

Sempre Júlio, sempre Marcelo, sempre Cauã, sempre Pedro...

Andreza? ''Andreza, mande recado''. ''Andreza, cuide do meu filho''.


''Andreza, cuide da minha esposa...''.

Eu já deveria estar acostumada a sempre ser a segunda.

Mas Grézia precisa de ajuda, não merece o que passa. E o bebê? É


um bebê sem culpa alguma.

Eu não sou egoísta, é isso, sempre me coloquei atrás de todos.

— Tudo bem, Lucas. Boa sorte. — tento manter a calma. — Espero

que fiquem bem.

— Andreza, precisamos conversar...

— Conversamos e terminamos com um contrato de casamento. É


isso. Casaríamos sem amor, mas neguei aquela merda. Depois você tentava
me convencer que aquilo era melhor para nós dois. — engulo as palavras
que diria, onde falaria que ele fez tudo de caso pensado para ficar com uma
herdeira sem importância para o Distrito, mas que, para Lucas, serviria
muito. — Depois veio a gravidez dupla, minha e da América, então, vamos
deixar do jeito que está. Salve vidas, depois volte para seu filho.

— Voltarei para a nossa família, eu vou provar que não te traí.

— Não me prove nada. Eu fui tola, cara. Você ia a festas, curtia a


vida e eu ficava em casa.

— Porque queria.

— Porque não combinamos em nada, nunca fez questão que eu


entrasse na sua vida. Eu fui a merda do seu segredinho, e só apareci para
todos como sua ''namorada'', ou melhor, como a sua ''foda sem
compromisso'' apenas na gravidez. E sabemos o porque disso, Lucas.
Sabemos bem porque só fui importante após a descoberta da gravidez. —
enxugo minhas lágrimas com força. — Eu mereço mais que ser a segunda
opção de alguém.

— Você sabe que eu e Chino somos mais procurados até que o meu

próprio pai...

— Mari também é procurada, assim como Álvaro, nem por isso


eles se afastam de quem amam. Mas que merda eu falo? Nunca foi amor,
nunca foi um simples ''gostar''.

— Seu pai não queria...

— Agora eu que não quero. — pego Henrique e o carrego. —


Apague a luz quando for embora.

Lucas não fala nada, como sempre!

Eu vivo com Henrique em uma pequena casa, sem tanto luxo,


diferente do que vivi em toda a minha vida.

Mas essa sou eu tentando apenas viver uma vida normal. Sendo
filha de um chefe de gangue e mãe de um herdeiro de outra gangue.

Essa é a Andreza que todos diziam que nunca conseguiria viver


longe dos pais, porque é mimada demais e atrapalhada para se virar
sozinha.

E o ruim é que eu quero correr até minha mãe agora e chorar em


seus braços.

Mas apenas beijo a cabeça do meu filho, sentindo seu cheirinho de


bebê e sentindo o conforto de ter alguém que amo por perto.

Eu quero acreditar que Lucas não me traiu, o que ele fala tem um

fundo de verdade, no entanto, é sempre todos da sua vida, não eu! É o seu
pai, o seu tio, seus amigos, Grézia... Sim, eles vieram muito antes de mim,
mas estou aqui! Estou aqui e ele não se importa comigo de modo algum.

E o pior de tudo: Lucas me usou. Ele sabe disso, seus amigos


sabem disso.

Eu fui usada, de novo, como sempre.


Sempre sou usada, sou a Andreza Garcia.

E termino a noite chorando, abraçada a um travesseiro e chorando

por um amor que só existiu na minha cabeça, vindo da minha parte.

— É só mais um, Andreza. — falo comigo mesma. — Já deveria


estar habituada a ser usada pelas pessoas, nunca tive amigos por isso,
sempre foram meus parentes. Agora Lizandra é minha amiga porque ela é

tão solitária quanto eu, nossa solidão se completa. — choro só de pensar


que ela é procurada por sexo e eu por ser a filha de Anthony Garcia. —
Então, apenas pare de chorar e não caia na depressão novamente.

Olho para Henrique, que dorme ao meu lado.

— Não caia em depressão novamente, Andreza. Não por alguém


que só te usou. — respiro fundo. — Viverei por mim e por meu filho.
Capítulo 1
ANDREZA

Mal acordei e já tenho aquela maravilhosa notícia: Estamos indo a


San José.

Começo a resmungar de raiva, muita raiva.

Eu não queria estar nesse assunto. Quando a galera foi, uma


pequena parte ficou para trás, torci para ficar também, mas não, já me
avisaram que preciso ir. Eu e meu filho.

Termino de dar o banho em Rick e ele logo começa a choramingar,


pedindo por leite. Coloco-o para mamar enquanto faço um sanduíche ao

mesmo tempo. Muito frango, muito presunto, queijo, maionese, requeijão


cremoso. É, até que está pequeno.

Coloco meio litro de café em meu enorme copo, que ganhei após
comprar dez hambúrgueres, e vou para a sala, equilibrando meu filho nos
meus braços, o prato em uma mão... Me irrito, preciso fazer duas viagens
para levar tudo.

Depois me jogo no sofá e como, enquanto alimento meu filho.


— Ai, criança, como será sua educação? — olho para meu filho,
mais esfomeado que eu. — Um dia você arranca meu peito. — ele ri, com

maldade, depois volta a morder e eu rosno, ele ri de novo. — Você é


malvado.

Ele finalmente larga meu peito e começa a rir. Limpo toda a baba e
o leite vazado, coloco minha roupa no lugar e tento comer sem que ele

queira roubar meu lanche.

— Olha, mamãe terá um parceiro de gordices. — ele tenta, de todo


o jeito, roubar meu pão. — Não, não pode. — faz biquinho para chorar. —
Mamãe sabe, esse cheiro é delicioso, mas não pode.

Ele apenas desiste e coloco-o no chão, enquanto ele fica


engatinhando sem ter muito o que fazer. Mais entediado que eu.

— Que vida de bosta! — falo com a boca cheia. — A que ponto


cheguei? Nem um sanduíche calórico me faz sorrir.

Largo o sanduíche em cima do prato, no sofá, quando a campainha


toca. Corro para atender e vejo que é Lizandra.

— Olha, a manhã mal começou e já está suja de requeijão. — entra


na minha casa.

— Como sabe que é requeijão?

— Eu sei que sua maionese favorita é a temperada. — dá de


ombros. — Está arrumada?

— Para?

— Ué, vamos para minha terra natal. San José!

— Ah, que saco! Já me avisaram sobre essa bela viagem.

— Mari falou comigo, ela disse que Nacho ficou irritado, pois falta

gente na caravana, então ele acha que Anthony não confia nele. Então,
vamos a San José.

— Espera. — agora penso em algo. — Isso inclui meu boy lixoso?

— De boy urbano para lixoso é uma merda mesmo.

— Ah, Lizandra. — esperneio. — Não quero ir.

— Nem eu quero, mas se tem que ir, vamos! O navio sairá daqui a
duas horas.

Resmungando, eu subo as escadas para arrumar minhas roupas.

Rick fica com Lizandra enquanto vou arrumando minhas tralhas, que são
poucas. Pego meu celular e leio as mensagens irritadas do meu pai.

É, me avisaram desde ontem sobre a viagem, eu que nem atendi e


nem li as mensagens...

Depois de uma hora eu tenho tudo arrumado, ou melhor, abarrotado


em malas e caixas.
— Eu não sei se estou feliz. — reclamo de novo, após a última
caixa ser colocada no carro. — Meu filho é filho do Lucas, ele tem direito

em alguma parte da Veintitrés. Ah, não sei se gosto disso não.

Na verdade eu torci para que me esquecessem, afinal, eu engravidei


de Lucas, Rick é bisneto daquele povo que cuida do arsenal, ou cuidava,
sei lá, da Veintitrés. E agora estamos indo para lá.

Tenha coragem, Andreza. Se não for, o plano do meu pai dará


errado, porque mostrará desconfiança em Nacho.

Não confiamos, mas não precisamos demonstrar nada disso.

— Eu viverei trancada em casa. — olho para fora da janela do


carro. — Bela vida. Sair de uma casa e ir para outra ficar trancada.

— O problema nem é esse, Andreza. — Lizandra olha para mim.


— O problema é uma pessoa chamada Lucas. Raiva de ter que encontra-lo,
e raiva porque ele tem uma gangue e você será a primeira dama de lá. De

princesinha para primeira dama.

— Primeira dama de nada, nem casamos. — cruzo os braços, como


uma menina birrenta que estou sendo. — E ele nem ficará ao meu lado, vai
salvar a Grézia. Olha, é sério, ela precisa ser salva, eu entendo, mas não
gosto de escutar o nome dela.

''Grézia é minha amiga''. Nem isso eu sou de Lucas.


— Respira, inspira, respira, inspira...

— Não é expira?

— Não sei, estou tentando manter a calma e não surtar de ódio. —


respiro fundo. — E eu achando que viveria longe de todo o caos.

— Você herdou o caos de dois modos. — olho para Andreza, que


sorri. — Ninguém mandou ser afim de um boy urbano. Melhor visita-lo

em San José que na cadeia.

— Lizandra, querida, por favor, não piore minha vida.

— Eu piorar? Aquele cara ali fará isso por mim. — aponta para
frente, e ali está ele, Lucas Noriega. O meu antigo amor, quer dizer, vai
virar antigo, lutarei para virar antigo. — Confrontar ou esnobar?

— Fazer de conta que não ligo. Sem barraco, sem amor, apenas
educação.

Respiro fundo quando o carro para. Tiro Rick da cadeirinha e o

carrego enquanto o motorista tira minhas tralhas do carro. Lizandra fica ao


meu lado e o grito de Rick ao ver o pai me assusta.

Seus bracinhos vão para frente, sacudindo e querendo o pai.

Lucas abre um enorme sorriso, um lindo sorriso, o mesmo que ele


dava quando nos encontrávamos. Pelo menos com o filho é verdadeiro.

Ele pega Rick dos meus braços e começa a beijar e a brincar,


levantando-o e fazendo o nosso filho rir.

Eu sorrio nesse momento, vendo o quanto Lucas é bom em ser pai,

e como sim, eu adoraria estar ali com eles, sermos uma família.

Lucas já propôs isso, porém, não confio mais nele.

— Andreza...

— Lucas. — eu falo seu nome de um jeito mais severo, fazendo-o


ficar sem graça.

— Lizandra, bom te ver.

— Olá, Lucas. — Lizandra prende o riso. — Olha só, uma viagem


em família. Muito feliz com isso.

Traidora babaca!

— Então, Andreza. — que voz maravilhosa, eu me derreti tanto


com essa voz em vários momentos. Infelizmente, continuo do mesmo

modo. — Estamos indo para San José, como deve saber, eu vim de lá.
Tenho pessoas que podem ser da minha confiança, um grupo apenas meu.
Eu não tinha como falar com eles antes, porque não poderia passar a
fronteira.

— Sim. — tá, mas o que tem?

— Quero que saiba, se eu morrer, eu juro, Andreza, eu


definitivamente não te traí. Eu iria hoje a sua casa e persistiria nisso. Do
mesmo modo que posso me dar bem lá, eu posso morrer. Então, eu quero
que saiba, que não te traí em momento algum.

— Eu acho engraçado que você foca sempre na traição carnal, mas


nunca na traição de enganar, de me iludir, de mentir sobre sentimentos.
Essa parte aconteceu, foi real, por isso não jura nada. Você me usaria sim,
me usou.

— Eu não te usaria, não fui sincero em sentimentos, porém, não te


usei. E eu mudei...

— Mudou em nove meses.

— Andreza, você estava certa ao dizer que não tínhamos coisas em


comum. Quer dizer, só temos em comum gostar de comer e o mesmo
humor, mas, fora isso, eu... — nem ele sabe o que dizer. — Eu fui idiota,
não falarei que não errei. Sim, errei muito, mas eu mudei.

— O problema é que você me enganou para ter dinheiro, ter mais

acesso a uma gangue e voltar ao poder. Você volta para San José para ter
tudo de volta, não apenas para lutar e nos ajudar. Você quer uma gangue,
quer aquilo que te pertence. E eu continuo sendo a herdeira. Eu não sei se
posso e se um dia acreditarei.

— Eu mereço, mas...

— Você quebrou a minha confiança. Olha para mim, veja quantos


amigos sem ser meus parentes eu tenho, apenas Lizandra. Eu não confio
em estranhos, mas confiei em você. E sabe o que mais me deixa mal? —

mordo meu lábio para não chorar. — É que eu desabafava com você, eu
era idiota com você, eu fazia piadas toscas. Imagina o quanto você não ria
de mim pelas costas? ''Olha só, que garota idiota, ela acha mesmo que
gosto disso?''.

— Eu sempre gostei do seu jeito!

— Eu não acredito! Eu não acredito em qualquer coisa que disser


sobre tudo aquilo. Não acredito que seus risos eram reais, você dizendo
que eu era legal, maravilhosa, nada disso era real! — minhas lágrimas vão
caindo, sinto um aperto na minha garganta, um nó se formando, e a dor do
meu peito. Poderia ser infarto, mas é a dor de pensar como fui idiota, como
fui enganada, usada... Não doeu com os outros, pois eram apenas ''outros'',
mas com Lucas? Ele era o cara que eu sonhei para ter na minha vida, é o

pai do meu filho. — Eu me despi, literalmente, para você. Mostrei quem


sou de verdade, senti o alívio de encontrar alguém que me compreendia e
não me julgava. E no fim, era tudo para me enganar. E como acreditei que
era a melhor garota? A mais linda? A melhor de todas? Você falou o que
eu quis escutar, e eu, tonta, caí.

Lucas não diz nada, fica apenas com essa cara de cachorro que caiu
da mudança.
Parece arrependido. Arrependido demais para arrumar uma
desculpa, ele sabe bem como errou.

Lucas se defende da traição porque, provavelmente, nunca fez nada


daquilo. Mas ele não se defende de me enganar porque, sim, ele fez e tem a
plena consciência disso.

— Não fala comigo. — peço. — Quando chegarmos em San José,

resolveremos sobre suas visitas ao Rick.

Ele abre a boca para falar, mas não espero para escutar. Só vou até
Lizandra, que está com os braços abertos na entrada do navio a minha
espera.

Abraço Lizandra, e tento não chorar, não na frente dele.

Eu me despi na frente dele, de tudo. Contava das minhas


frustrações... Ele sabe o quanto odeio meu corpo, emagreci, mas nem
tanto, não tenho corpo padrão, tenho celulites e estrias, até no braço.

Flacidez, tanta coisa, ele sabe como odeio tentar emagrecer e nunca
conseguir nada, só emagreci mais após amamentar Rick, mas antes eu
chorava, dizia tudo o que sentia... Lucas falava que sou linda.

Ele saía com lindas garotas, como pude me iludir tanto nisso?

Ele me via comendo como um animal, ele via minha frustração


sendo jogada em comida, em caloria...
''Não ligue para os outros, você é linda''.

Como caí em frase de auto-ajuda do Facebook?

— Ele não merece suas lágrimas, Andreza. — Lizandra segura o


meu rosto. — Você é incrível demais para esses babacas.

— O mesmo para você. — ela enxuga minhas lágrimas.

Forçamos o sorriso uma para a outra, depois ela segura a minha


mão e entramos no navio.

Não chora, Andreza, infelizmente, não é a primeira vez e nem será


a última.

LUCAS

— Eu me pergunto todo aonde eu errei com você. — não olho para


meu pai, envergonhado por ele saber o que fiz. Eu contei tudo ontem, ter
na cabeça que voltarei para San José, me fez perceber que, talvez, eu não
voltarei, então preferi contar o que fiz. — E nunca contou porque sabia que
eu reclamaria, que eu nunca apoiaria nada disso.
— Que tem raiva.

— Vergonha também. — olho para o mar abaixo dos meus pés. —

Eu tenho vergonha de pensar que sempre falei bem de você, que me


orgulhei do homem que virou, e você age como moleque. Passou a
adolescência toda sem dar trabalho, aí chega na idade adulta, vinte e sete
anos, e me faz uma presepada dessa? Uma babaquice, isso não é coisa de

homem. Eu acho que você tem muito mais da sua mãe do que eu imaginei.

Fecho as mãos, tentando controlar a raiva. Não do meu pai, porque


ele fala a verdade, mas a raiva de mim mesmo.

— Por que, Lucas? Por que enganar uma garota assim? Eu falaria
''Por que enganar uma garota como Andreza?'', mas ninguém merece ser
enganado assim. Andreza tinha brilho nos olhos ao te ver, eu falava disso
com você, eu dizia que era uma boa menina. Eu mandei você se afastar. E
olhe para mim enquanto eu falo! — ele grita, nem quando eu era criança

ele gritou desse modo. Olho para meu pai. — Eu disse, se não quiser nada
sério, se afaste, não iluda ninguém, não magoe. E você a engana, por que,
Lucas?

— Não sei, pai...

— Porque você é mimado. Eu não percebi, eu só percebo agora que


não tem mais nada como antes. Sua vida de luxo, sua vida de bebedeiras,
festas, de ser um dos herdeiros, seu status se foi. Não tem mais tanto
quanto antes, precisamos economizar, o dinheiro não chega tanto em

nossas mãos. Você é acostumado a mordomia, usou uma garota para entrar
na família rica dela. Eu tenho vergonha de tudo o que fez, Lucas. Eu vim
de baixo, eu era um ninguém, e voltei a ser, mas você nunca me viu
enganando alguém por dinheiro.

— Eu não enganei...

— Não, Lucas? Você nem encara para se defender.

— Eu não menti sobre achar Andreza maravilhosa, eu gostava de


ficar perto dela, mas...

— Mas?

— Eu não sei explicar. Ela estava ali, Andreza gostava de mim, e


eu gostava dela. Eu não imaginei que me amasse. Eu sempre gostei de
ficar perto dela...

— E como decidiu engana-la?

— Eu não enganei, pai.

— Não? Você engravidou.

— Sim, mas foi sem querer, não por dinheiro, não pensei nisso. Eu
a enganei apenas em questão de... — respiro fundo. — Eu dizia o que ela
queria escutar. Andreza se colocava para baixo, eu não ligava, só queria
que ela parasse de falar. A elogiava para ela sorrir e parar de chorar. Eu

dizia o que ela queria escutar, era sincero, porém, eu falava sem me

importar tanto com seu drama. Quando ficamos lá no Azerbaijão, eu estava


ferido, mas... — eu fui tão idiota. — E só Andreza estava bem próxima,
Mari estava mal por Katya. Então eu precisava de cuidados e sim, eu
ficava com Andreza para ter esses cuidados, para que eu tivesse um local

para ficar. Eu estava estressado, mas éramos amigos, ela falava demais,
aquilo me irritava e eu dizia o que faria se sentir bem. E quando melhorei
eu queria sair daquele local lotado de tristeza, Mari, Jade, Lya, Samuel, um
povo pra baixo. Eu queria espairecer, eu sabia que Andreza não sairia
comigo, e se saísse e começasse a desabafar? Eu preferia sair sozinho.

— Você continua sendo errado, muito errado, e eu tenho mais


vergonha ainda. Ela confiou em você, desabafava, falava dos problemas
dela e seu egoísmo foi tão grande que nunca ligou. Era sempre você, nunca

ela. Não sei o que é pior, usar a garota para ter dinheiro, ou não ligar para
os sentimentos dela, usa-la para ficar bem de saúde e depois descarta-la.

— Eu me arrependi, pai. Eu arrependi de tudo, mas já era tarde.


Quando eu adoeci e Andreza estava lá, quando passou horas ao meu lado
no hospital, mas quando acordei tudo terminou. Veio aquela coisa da
traição, uma coisa levou a outra, Andreza me odeia.

— E sabe que a traição, com outra mulher, nem dói tanto, o que
mais dói nela, foi se abrir com você, confiar tudo, e você nunca ter ligado

verdadeiramente.

— Eu não direi que sou inocente, não sou mesmo, longe disso. Não
sou coitado, mereço tudo o que passo. Porém, eu mudei. Eu mudei e sei
que Andreza continua me amando. Um ano e meio depois e ela me ama.
Agora eu acho que podemos dar certo.

— Você enganou, brincou com os sentimentos dela. A achava


chata, os problemas ela nunca foram importantes para você. E quem disse
que você é importante para ela agora? — aperta meu ombro, após o soco
no estômago que foram suas palavras. — Não sei se merece, parece que
não conheço mais o filho que criei. Mas eu juro, se for mentira, se tudo
isso for falsidade, siga seu caminho para longe de mim. Eu não tolero que
aja como sua mãe, eu apoio você na mudança, não na persistência do erro.

Se nem meu pai acredita em mim, imagina Andreza?

Se pudesse voltar no tempo, eu teria escutado os problemas de


Andreza, teria ajudado de algum modo. Mas era um babaca, o tipo de
pessoa que olha para uma pessoa rica, que tem tudo na vida, e pensa: Por
que caralho ela tá chorando? Tem tudo do bom e do melhor.

Eu me comparava a ela.

Olhava para Andreza, sua vida perfeita, e ela lamentando sobre


pessoas só quererem seu dinheiro, dela ser feia, gordinha, de não conseguir

parar de comer e eu só pensava: Então doa seu dinheiro, faz uma plástica,

faz dieta, tem dinheiro para tudo isso e fica chorando...

Como eu me odeio!

Como odeio ter sido esse tipo de ser humano que acha que a dor
dele é maior que a dos outros.

Eu olhava para minha vida, perdi tudo, casa, dinheiro, minha mãe
quer me matar, minha tia também... Eu queria o amor da minha mãe e ela
me odeia. Eu perdi pra caralho, e Andreza tinha tudo e reclamava.

As reclamações me davam nos nervos.

Não era reclamação, ela confiava em mim para desabafar, aos meus
ouvidos era uma conversa de menina mimada. Quando ela dizia que era
feia, eu pensava que era apenas para escutar um elogio. Mas não, ela tem
baixo autoestima, e eu considerava frescura.

Eu amo Andreza.

Hoje, depois de ver tanta gente sofrendo ao meu lado, por coisas
grandes ou pequenas, eu vejo o quanto fui egoísta.

E pensar naquela garota que eu achava mimada, que abdicou de


tanta riqueza apenas para poder viver normalmente, que cuidou de
mim... E eu fui um escroto com ela.
Eu não mereço Andreza de modo algum, é a melhor garota,
inocente, bondosa, faz o bem sem cobrar algo, é inteligente e não vê nada

disso, é importante e sempre se coloca para baixo...

Porra! Eu sei que não a mereço, no entanto, agora sou eu que a


amo e faço de tudo para ter uns instantes de conversa com
Andreza. Quando podíamos conversar, eu reclamava.

Não tenho direito algum de pedir uma chance, talvez por isso eu
me cale quando Andreza me acusa, ela tem razão.

Mesmo assim eu amo, depois de tanta merda feita, eu sei que amo
Andreza.
Capítulo 2
ANDREZA

— Obrigada por ser tão incrível. — estendo minha mão e aperto a


de Lizandra. — E pensar que um dia nos odiamos.

— Uma coisa que preciso dizer, quando me trancou no porão, tive


os dias que mais refleti na minha vida. Ali, trancada, eu e meus
pensamentos, percebi o quanto era escrota e precisava mudar. E quando
subi para casa, você me tratou bem. Percebi que meu jeito escroto afastava
pessoa. Eu não era legal, eu era um porre.

— Eu só fico triste porque não temos a chance de construir uma


vida normal. — respiro fundo, encarando o mar a minha frente, são dois
dias de viagem até o nosso destino, e já fico imaginando como será do
outro lado, em San José. — Eu queria apenas ficar distante de todo esse
assunto, criar meu filho. Às vezes me arrependo de não ter sido como
Natasha.

— Sair por aí escondendo que é uma Garcia?


— Sim. Natasha acabou rodando, rodando e parou no Distrito
novamente. Mas ela teve a chance de viver um pouco. Tem momentos que

paro e penso: E se eu tivesse tido coragem?

A coragem de sair de casa e apenas viver, conhecer pessoas novas.


Ter a cabeça erguida o suficiente para quebrar a cara e seguir em frente.

Sempre tive medos, uns mais fortes que outros, mas ser do Distrito

sempre foi o pior de todos. Ter aquela certeza que corria riscos, que minha
vida vale muito para inúmeras pessoas. Então, sair até do meu bairro
sozinha era motivo de pânico.

Ser filha de Anthony Garcia me fez ser conhecida. Não nos


parecemos em nada, eu com meu cabelo louro, meio cacheado, corpo mais
cheinho... Pareço a minha mãe com uns vinte quilos a mais, já que a
mulher é toda esbelta, quase uma modelo. Meu pai é alto, fortão, negro,
um homem sério... Passei despercebida em vários locais, o problema é que

na escola sabiam da minha família. Então pronto, Andreza é uma


Campello Garcia.

Há quem não saiba os negócios ilícitos da minha família, mas se


aproximaram de mim porque minha família é rica.

Queria conhecer novas pessoas, ter amigos diferentes de irmãos e


primos, mas meu medo de morrer, de ser a filha do Anthony, tomou conta
de mim por um longo tempo.

Eu não era gorda, apenas mais cheinha que minhas colegas.

Lembro que desenvolvi seios em uma idade muito precoce, aos dez anos já
tinha um volume em mim, pequeno, mas em relação as outras meninas, eu
tinha algo acontecendo ali.

Lembro de chegar na escola, minha farda parecia uma regata, na

época de calor, uma vez, brincando, a alça do meu sutiã acabou


aparecendo de tanto que corri. Uma colega perguntou o que eu estava
vestindo, era meu primeiro sutiã da vida, eu estava feliz, tinha
moranguinhos nele, achei lindo. A menina sorriu com minha resposta,
depois uma outra colega riu e falou alto: ''Isso não são seios, Andreza, isso
é gordura! Se cortar aí só sai gordura, nenhuma carne''.

Eu voei em cima da garota. Não discuti, não falei, voei em cima


dela, dei na cara dela e terminamos na enfermaria da escola, eu com o

lábio partido e ela com a cara toda arranhada e um olho roxo.

Depois disso também escutei umas antigas amigas da minha mãe


falando o mesmo. Mães e suas manias de falar que os filhos estão
crescendo: ''Andreza até compra sutiã, minha menina está crescendo
tanto'', ''Mas ali é gordura, Christina, tem que colocar essa menina para
emagrecer, se não vai ficar obesa. Não se engane, esse corpo desenvolvido
não tem nada a ver com puberdade, é gordura''.
Então iniciaram uma discussão sobre minha saúde, onde minha
mãe dizia que sou bastante saudável e as mulheres insistiam que no futuro

eu pagaria com a saúde. Bem, elas não são mais amigas.

Mas ao longo de toda a minha vida escutei todo mundo, de novo a


velho, dizendo que sou gorda.

Eu não era gorda, essa era a verdade, as outras meninas que eram

muito magras, tanto que os médicos nunca falaram algo sobre essa
questão, até meu colesterol é bem tranquilo, coração também,
absolutamente tudo saudável. Mas as pessoas sempre me fizeram acreditar
no contrário disso.

Meus parentes sempre falavam que não sou gorda, no máximo


alguém me chamava de gorda para me irritar, mas eu também os insultava
de algum modo, então era mais implicância infantil que uma verdade,
nunca me magoaram.

Namorados? Sempre me achei inferior a todos. Um sorriso, uma


palavra, qualquer cara que chegasse em mim eu já pensava: ''O que faz
aqui? Por que sorri? Eu não tenho nada a ver com você''. Meu
subconsciente me boicotava, começava a falar que nada daquilo era real,
que nunca era boa intenção, que eram bonitos demais para a garota
estranha e feia como eu. Era tanta confusão no meu cérebro que eu
acabava preferindo evitar novas pessoas.
Isso durou bastante tempo, até vir o Dante, meu ex. Não o amava,
mas ele insistiu tanto que pensei ''talvez seja diferente''. Não foi, era

interesse mesmo.

Mais tempo sozinha, aí chega o Lucas.

Suspiro com cansaço.

Tão compreensivo, tão legal, me escutava, dizia o que eu queria

escutar, não o que eu precisava.

O considerei um amigo, depois apaixonei ainda mais.

Eu sempre olhei para meus seios com um misto de ''É gordura


mesmo'', com ''Mas são duros demais para ser só gordura''. Mas são
medianos, não combina com meu corpo mais... Cheio. Sempre achei meio
desproporcional, queria silicone, mas sou covarde demais para imaginar
uma cirurgia desse tipo. Minha bunda redonda, com algumas celulites, não
é totalmente empinada, não é caída, porém, sempre achei meio feinha... Na

real mesmo, sou comum. Nem gostosona, nem gorda, nem modelo. Apenas
comum.

Sem grandes atrativos físicos, mas também tenho algumas ''carnes''


e gordura, claro. Mas essa questão de ser padrão, de ter dinheiro para fazer
plásticas, me fez ficar completamente pra baixo sobre meu corpo.

Minhas colegas já modificavam o nariz aos quinze anos, deixando


menor, empinado, fechando mais, fazendo mil e uma coisas. Já diminuíam
bochechas, colocavam silicone, afinavam cintura. Colocavam

preenchimento labial, bronzeamento para parecer uma laranja, cílios


gigantescos, sobrancelhas estranhas... No fim, todo mundo era igual, todo
mundo estava parecida umas com as outras.

E eu ali, sendo a mais natural possível, e escutando sussurros de

como eu era estranha, gorda e feia.

Cogitei mudar em inúmeros momentos, minha mãe cansou de me


levar a consultórios, para falarmos de plásticas e eu desisti de tudo uma
semana antes de alguma cirurgia. Ela me levou ao psicólogo, então
entenderam que sim, eu queria mudar, mas por outros, não por mim.

Compulsão alimentar.

Foi uma merda mesmo.

Tentava emagrecer com dieta e exercício físico, não conseguia e

me entupia de comida, por pura raiva.

Minha gordura da barriga, minha celulite das pernas, minhas


estrias, meu braço gordo, minha bochecha grande... Tudo me irritava, ao
mesmo tempo eu questionava: ''Qual o problema comigo? Por que tanta
gente fala mal do meu corpo? Eu sou tão comum''.

Agora eu penso o que Lucas realmente pensou quando fiquei nua,


ele dizia que eu era linda, mas talvez ele tenha sido como todas as outras
pessoas, no fundo sempre desejaram curvas perfeitas, boca perfeita,

perfeitas para seus padrões de mulheres perfeitas.

E minhas conversas? O quanto Lucas não debochou da minha


cara? O quanto ele não deve ter rido? Me achado idiota?

Tudo o que me disse foi mentira, aquela sensação de ter alguém ao

seu lado, alguém estranho que te compreende, te respeita, te ajuda, não te


julga... Nunca foi real.

Não tinha coragem nem de tirar a roupa na frente da minha mãe.


Ela com o seu corpo lindo, escultural, e eu gorda, cheia de celulite e
flácida. Por mais que ela me desse apoio, palavras de incentivo, eu sempre
tive vergonha.

Meu pai chegou ao cúmulo de brigar comigo na praia porque eu


não queria tirar minha blusa de manga comprida, porque eu estava bem

mais gorda e com o braço gordo também. Ele odiava me ver naquele
estado, calor de trinta e seis graus e eu como uma muçulmana da Arábia
Saudita, porque até cobri minhas pernas com uma toalha.

Aí, a primeira vez que fico com alguém, que tenho coragem, que
mostro meu corpo, mostro tudo, era uma mentira, como sempre.

E lá no fundo eu fico pensando em todas as pessoas que riram do


meu corpo ''transformado pela puberdade'', que riram de mim.

Lucas não seria diferente.

Menino rico, popular, cara e jeito de bad boy, a malícia urbana que
sempre disse que tinha... Imagina as meninas que ele ficava? Todas
como... Lizandra.

Olho para ela, que apenas está distraída pensando na vida.

Em outro momento jamais seríamos amigas. Ela é linda,


maravilhosa, seu corpo é perfeito, mas até ela tem suas questões sobre
corpo. Acho que por isso nos demos bem. Ambas com suas cargas
emocionais, muitas vezes palavras que foram ditas no passado, mas que
afetaram nossas vidas no presente.

— Quer dizer algo? — pergunto.

— Não. — ela sorri. — Quando chegar em San José talvez eu volte


a chorar no seu colo, por enquanto, prefiro apenas imaginar um futuro

diferente lá.

— Quando chegarmos saberemos que nada mudou.

— É estranho, eu queria um homem rico, agora sou cercada de


riqueza, mas queria me virar sozinha de algum modo. — encosta no banco
ao meu lado. — Queria crescer de algum modo, assim como você também
deseja.
— O que seremos da vida?

— Por enquanto, apenas fugitivas de uma guerra que nada tem a

ver conosco. — coloca a cabeça no meu ombro. — E olhando para esse


mar a nossa frente, sabemos bem que não teremos conversa por agora.
Estamos presas em pensamentos do passado, martirizando nossas dores.

— O que as pessoas fizeram conosco, Liza? As palavras não

deveriam machucar após tanto tempo.

— O problema é que acreditamos nelas por anos, acreditamos em


tudo o que falaram. Para acreditar que mentiram, pode demorar um pouco.
Capítulo 3
ANDREZA

— Nunca contará a verdade sobre Lucas? — olho para Marcelo,


meu irmão mais novo, quer dizer, o garoto mais novo, porque eu sou a
caçula. — Eu não acho que foi apenas um ''Não deu certo''. Acho que tem
muita coisa que escondeu, para salvar a pele dele.

Lucas é um escroto, mas não para levar uma surra do meu pai ou
morrer. Anthony Garcia jamais perdoará o que Lucas fez, e o cara é o pai
do meu filho, e sou adulta o suficiente para resolver meus problemas, não
preciso chamar meu pai para isso.

E conversar sempre será melhor que violência, pelo menos com o


pai do meu filho.

— Foi traição, não foi? Mesmo que diga que aquela criança...

— Marcelo, eu sou grandinha. — ajeito Rick em seus braços, já


que o tio é uma anta que nunca carrega corretamente. — Eu resolvo meus
B.O.

— Mas eu queria bater em alguém, Andreza, lavar sua honra em


sangue.

— Marcelo!

— Ok, ok. Não vai me contar mesmo?

— Você é um fofoqueiro. — bato em seu ombro. — Mas é sério,


Marcelo, não precisa se preocupar comigo.

— Mas também sou curioso, essa coisa de ''não deu certo'', me


parece mais uma desculpa para salvar o couro do seu boy urbano.

Boy lixoso agora!

— Eu me iludi sozinha, como sempre.

— Não é o seu boy perfeito? Seu boy ideal?

— Não, eu quis acreditar sozinha, me iludi sozinha. — mais ou


menos uma verdade, talvez se eu não fosse tão iludida, eu teria percebido
que eu amei sozinha. — Olhe bem para mim, Marcelo, tenho cara de

sofredora?

— Você rejeitou uma torta de morango.

— Estou de dieta.

— Por que Lucas disse que precisa de dieta?

— Não, ele disse que sou linda. — idiota, babaca, mentiroso... —


Marcelo, por favor...
— Tudo bem, não insistirei mais com isso.

— Obrigada.

— Eu sei que o que falarei não adiantará de nada, mas eu sou mais
afim de uma beleza natural do que algo fabricado. Claro, existe diversos
tipos de beleza natural, mas o padrão não me atrai. Até acho celulite algo
bonito.

— Fala sério!

— É sério, você sabe disso. E olha o Pedro também, olha as


meninas que ele tinha e veja como Mari é o oposto. Só não posso falar o
mesmo de Jade.

— Ela é bem padrão curvilínea.

— É, no entanto, tem o jeito bem retraído e nada sexy, não é tão


padrão assim. E você deveria parar de se colocar tão para baixo. Eu sou teu
irmão, poderia falar muito mal de você, mas você é linda, apesar de você

achar o contrário disso sempre.

— Só parentes e Lizandra dizem isso.

— Lucas não? — não respondo. — Às vezes ele fala isso porque


considera ser a verdade. Nem todos mentem, Andreza.

Mas Lucas mentiu, seu sentimento não era real.

— Estou indo lá para cima pegar água. — aviso. — Cuide do seu


sobrinho.

— Claro que cuidarei dele, quem mais cuidaria tão bem de uma

criança molenga e babada? — ele parece uma estátua, com medo de


segurar um bebê. — Acho mais seguro deixa-lo na cama.

— Quatro sobrinhos, Marcelo, e você não sabe carregar nem um


deles.

— Estou me acostumando a Letícia agora, ela é mais dura que seu


filho. Quando Rick tiver próximo a um ano, talvez eu o carregue sem
medo de mata-lo em uma queda.

— Olhe Rick, não demorarei nem cinco minutos.

— Ande rápido, por favor.

Saio do ''quarto'' de Marcelo e vou até as escadas, sentindo como


esse navio balança e começando a ter enjoo por isso.

Subo as escadas me agarrando ao corrimão. Venta muito, o mar

está agitado e teremos dois dias nisso.

Dois dias em um navio, no mar aberto, com Lucas.

Lucas...

— Andreza. — olha se não é boy lixoso. — Eu quero falar com


você.

— Vim apenas pegar água. — falo, olhando para ele, não


desviando o olhar. — O frigobar só tem água com gás.

— Eu já estava indo pegar Rick, acho que ficou muito tempo com

ele. Daria um descanso para você e Lizandra.

— Ok. Obrigada.

— Não precisa agradecer, é meu papel de pai.

Disso não posso reclamar, ele é um pai maravilhoso. Sim, é


obrigação dele, mas teve momentos em que questionei se ele seria um bom
pai mesmo.

— Então, mas não é sobre isso que quero falar. — eu me encosto a


''parede'' para poder ter um equilíbrio nesse navio, Lucas faz o mesmo que
eu. — Já pedi desculpas milhares de vezes, é repetitivo e chato, mas não
sei mais o que fazer para me perdoar.

— Lucas...

— Andreza, eu nunca disse que não errei. Está certa, eu falo muito

sobre a traição que não cometi, porque disso eu sei que não fiz. E não me
defendo por te enganar porque enganei, mas não por dinheiro, nunca por
dinheiro.

— E só agora abriu a boca para se defender?

— Eu não sabia o que era pior, te enganar por dinheiro ou por, sei
lá, nem eu sei o que fiz.
— Então explique.

— Andreza, sei que é difícil acreditar em qualquer coisa que direi,

mas eu juro por tudo, juro por nosso filho...

— Não jure por nosso filho.

— Eu amo o Henrique, amo muito, eu jamais juraria em falso por


ele. Jamais. — não retruco. — Eu sempre gostei de você, eu nunca menti

sobre nada disso. Eu não enganei, não menti na nossa amizade. Você
sempre me fez rir, foi legal comigo, eu sempre gostei da sua companhia.

— E então?

— Eu fui escroto, Andreza. Egoísta também se encaixa nisso.


Quando éramos amigos, apenas de sorrir e brincar, falar besteiras, você me
fazia bem. Você me dava paz, eu gostava da paz longe de tanta confusão.
Mas a nossa amizade evoluiu. Um dia você estava triste e eu disse que
poderia desabafar. Terminou que você desabafou demais, e eu não gostei

de ser seu confessionário.

Engulo em seco no momento.

Não sei o que é pior, sinceramente. A verdade mesmo, ou os meus


questionamentos... Agora sei que o cara em quem confiei, era como todos
os outros mesmo, nunca se importou comigo...

Confessionário...
Ainda debocha da minha cara.

— Eu sempre tive problemas, muitos. E na minha cabeça, seu

sofrimento era fútil demais.

— Uau! — pisco os olhos, tentando deixar minhas lágrimas fora


dessa história. — Eu também pensei o mesmo, sempre me achei idiota
nesse sofrimento. — dói saber que ele pensava isso também. — E talvez

se tivesse falado isso na minha cara naquela época, teríamos evitado muita
coisa.

— Eu sempre gostei de você, por que seria um escroto? Eu sabia


que era escroto, Andreza, sempre tive a plena consciência disso, e eu te
escutava, falava coisas bonitas apenas para...

— Para que eu calasse a boca.

— Eu achava que meus problemas eram maiores que o de todo


mundo. Eu achava seus problemas fáceis de serem resolvidos, mas eu

gostava de você, não queria te magoar falando o que pensava.

— Não era sobre dinheiro, era pena. — eu não sei se isso fez
alguma diferença. — Você tinha pena de mim.

— Eu era egoísta. Achava que meu problema era o maior de todos


e ainda tinha que ficar escutando um drama adolescente.

— Por que continuou escutando? — não chora, não chora... Ele só


pensou o que todos pensam, que você é uma idiota que sofre por merda
nenhuma, uma fraca, idiota! — Era só se afastar. — como sempre

fazem. — Mas precisou da minha ajuda, da casa, de cuidados médicos.

— Nessa parte foi interesse, apenas nessa parte. — apenas. — E


depois ficava aquele clima sombrio naquela casa, gente sofreno e tudo
mais, eu só queria espairecer, e saía sozinho.

— Eu era chata demais, sei disso. O problema é que eu tinha


encontrado um estranho legal, um estranho que parecia ser amigo e me
escutava...

— Eu era amigo, nunca menti sobre isso.

— Você odiava me escutar, e sabe o que me irrita? Você não era


obrigado. Eu falava porque você parecia estar me ajudando, parecia não se
incomodar com nada daquilo. Eu amava conversar com você, depois você
me fazia sorrir. Se você não sentisse pena de mim, eu teria entendido antes

que eu só te incomodava. E nada disso teria prosseguido. Mas você sabe


que, aí no fundo, você não falava nada por causa do meu pai. Você me
escutava e não era para não me magoar, era para não magoar a filha do
Anthony Garcia. Meus sentimentos nunca foram importantes para você,
nunca!

— Não mentiu. — ele assume. — Não eram importantes, assim


como sentimentos de várias outras pessoas não me importam. — sua frieza
a falar tudo isso me causa um certo desconforto. — Não sou um cara fofo,

Andreza. Olha onde nasci, olha quem são meus pais. Olha o mundo que fui
criado desde criança. E era por esse motivo que eu ficava com raiva dos
seus assuntos, por isso te considerava uma dramática por motivos fúteis.
Você sempre teve tudo na vida, e sofria por palavras, por um corpo que

achava feio.

Eu sempre achei um drama sem fundamento, por isso fiz


tratamento, adquiri ansiedade, ouvi vozes que me diziam o quanto eu era
feia... Vozes que me depreciavam. O quanto comi na hora da ansiedade, o
quanto evitei pessoas por acharem que todas tinham interesse no meu
dinheiro, ou que elas eram perfeitas demais para uma idiota como eu.

E a pessoa que confiei, pensou o mesmo que eles...

— E eu? Eu convivi com meu pai falando mais de Mariana que

qualquer outra coisa, só que o amo demais para ficar com raiva dele. —
Lucas continua, sua voz dura, contendo a raiva. — Minha mãe ficava
implantando ódio em mim, para que eu odiasse meu pai e tomasse tudo
dele, para que eu o matasse. Depois falava que eu deveria matar Mariana.
E, por fim, eu tentei matar minha própria mãe e não consegui prosseguir
com aquilo, me senti mal. Hoje em dia ela quer me matar, e sei que preciso
mata-la. Ela quer matar o próprio filho. Assim como meu padrinho, o cara
que considerava um segundo pai, o Sandro. Eu perdi tudo, pessoas,

dinheiro, casa, tudo. Rasparam minha conta, eu não tenho nada. Fui

reduzido a um ninguém, e as pessoas que um dia amei, querem me matar.


Escutar suas conversas me dava raiva porque eu pensava que meus
problemas eram maiores e eu não chorava, e você chorava por palavras
ofensivas. Eu era esse cara, Andreza, e não me orgulho. Eu chamava a dor

de frescura, e eu me chamava de fresco, covarde, molenga, um idiota por


ficar sofrendo por uma mãe que nunca me amou, e um padrinho que não
vale nada. Então eu te julguei também, julguei todo mundo. Era ódio da
minha própria vida.

— Por que nunca falou sobre isso? Por que nunca conversou?

— Eu sei que não mereço você, Andreza, bastou eu falar a minha


merda de vida que seu olhar suavizou e você se importa comigo. — nem
eu percebi que fiz isso. — Você é boa demais, Andreza, e não percebe, isso

me irritava ao extremo. Se coloca tão para baixo sendo que você é tão
perfeita, de todas as garotas, você sempre foi a melhor. Sempre deixando a
vida de lado para cuidar das pessoas, sempre abandonando tudo para
ajudar a família, mesmo com medo, nunca recusou nada, sempre com
palavras amigas, sempre ajudando as pessoas a melhorarem. Você nunca
percebeu que Anthony confia mais em você que em qualquer outra pessoa?
— nego. — Seu pai confia em você, ele não te usa, ele apenas sabe que
você é ótima em cuidar e proteger, mas você não percebe isso. E isso me
irritava, mas você é tão meiga, tão especial, que não queria te magoar

mandando você acordar para vida, então eu era suave nas minhas palavras.

— Um chega pra lá, um ''sacode'', vale mais que palavras doces em


vários momentos. — porque o seu ''doce'' foi puramente falso.

— Não queria te magoar, mas magoei mesmo assim. Não dei valor

a você, ignorei todos os seus problemas e te usei. Não só para ter uma casa,
mas te usei para me confortar. Você era a pessoa que me fazia bem. E eu
sempre corri para você por causa disso, sabia que me faria sorrir, que me
faria feliz depois do caos. E eu ignorava seus problemas, para que pudesse
parar de reclamar e me fazer sorrir. Tudo o que falei naquela época era
real, eu não ligava para seus problemas, achava tudo uma frescura, mas as
minhas palavras boas para você foram reais, todas.

Estou incerta agora...

— No mundo onde fui criado, ninguém fala de depressão ou


qualquer outra coisa. Você precisa ser forte, se for fraco, se chorar por algo
''pequeno'', você é um molenga que não merece estar ali, um covarde, vão
te humilhar ali dentro. Eu cresci com esse pensamento. Se você for pensar
bem, com certeza alguém do Distrito passou por alguma coisa pesada e
ficou calado.
Júlio... Que sofria e mostrava arrogância para o Distrito, para
parecer forte, para não o julgarem como fraco, para não sair da hierarquia.

E, na verdade, era o mais sofrido de todos. E sofria calado.

— Se falar com Natasha, que foi sequestrada pela Veintitrés, ela,


com certeza, vai falar que ninguém se importou com a dor dela. Que
mesmo que chorasse, talvez nem o Álvaro tenha se comovido com isso.

Somos assim, Andreza, não crescemos com essa coisa de entender os


outros, de ter compaixão e algo do tipo. Não somos um grupo social,
somos assassinos, talvez mais assassinos que traficantes. É meio
complicado pedir para entender a dor dos outros, sendo que causamos dor.
Meu pai só ama os filhos e o irmão, olha para ver se ele será suave com
outra pessoa. Talvez só se ele amar uma mulher, fora isso ele não tá indo
consolar ninguém. Então meus problemas eram maiores que o seu e eu não
chorava, e mesmo que eu quisesse desabafar com você, eu seria fraco de

chorar em seus braços. E eu, como um herdeiro, como um cara que quer
pegar tudo de volta, não poderia fraquejar.

Ele respira fundo.

— Em nenhum momento eu te traí, eu saía para espairecer e pensar


na vida. Pensar sozinho, ter raiva de tudo sozinho. O problema nunca foi
você. O problema era meu ódio pela vida que estava sobressaindo em tudo.
Eu fui legal da vez que queimou a perna, porque ali eu não tinha tantos
problemas, depois eu fui ficando distante, com ódio e você me ajudava.

Mas na história da traição e gravidez, criada por minha própria mãe, você

notou que não era sincero em nada com você. E eu, no ódio que estava,
falei que não me importei com sua dor, que era interesse. Você entendeu
errado e sumiu da minha vida. Interpretou que era interesse financeiro. E
quando analisei as merdas que fiz, vi como fui completamente babaca.

Quando realmente reparei o quanto você é isolada do mundo, eu percebi


que confiou em mim e te magoei. Repensei minha vida toda. E não, não foi
rápido. Foi demorado, sofrido, ninguém muda rapidamente. E foi tão
demorado que eu não insisto tanto porque eu sei que errei demais, que te
usei ao meu favor, para me sentir melhor, mas nunca fiz algo verdadeiro
para que se sinta bem. Minhas palavras soaram com falsidade, porque eu
nem me dei ao trabalho de formular tantas palavras e te ajudar. E sempre
pensei: ''É melhor ela pensar que a enganei por dinheiro, ou saber que sua

dor nunca me importou?''. Seria escroto de qualquer maneira, mas essa é a


verdade mesmo.

Nem eu sei o que pensar...

Não foi por dinheiro. Mas ele me julgava como todos sempre me
julgaram, não foi diferente como pensei. Mas jurou pelo nosso filho que
suas palavras eram verdadeiras.

Não sei o que pensar no momento.


Jurar pelo filho é coisa séria.

— O único jeito de provar que falo a verdade, é me dando uma

chance. Eu não quero seu dinheiro, Andreza, nunca quis. Mesmo quando
perdi tudo, não quis seu dinheiro. Apenas o conforto da sua companhia,
sem dramas. E aquela casa para ter onde ficar, e poder respirar fundo, ter
um pouco de paz. Não nego nada disso. Na época não pareceu nada de

mais, agora, vendo como você sempre foi incrível, e vendo e sabendo que
te amo, eu vejo como fui babaca. Na época gostava de você, hoje eu sei
que te amo.

— Eu não sei o que te responder. — sussurro.

— Não fui verdadeiro, errei, não vou me fazer de coitado ou dar


uma de inocente. Mas sei que me ama também, não me esqueceu e tem
mágoas. Porém, só posso mostrar que mudei, que sou sincero, se me der
uma chance de conviver com você, que me deixe entrar na sua vida

novamente. Nossos risos não foram mentira, e nem menti quando falei que
gosto de você, eu não seria tão filho da puta para enganar seus
sentimentos. Não me importei com sua dor, mas não menti em dizer o
quanto você é maravilhosa. — ele pega minha mão. — E não menti, na
verdade, eu ainda acho que você é perfeita demais, que não te mereço, no
entanto, nos amamos, Andreza. É sincero dos dois lados, sei que precisa de
tempo, mas pense nisso. E me dê uma chance, só isso que te peço.
Capítulo 4
ANDREZA

Sinto sinceridade nas palavras de Lucas. A maneira como ele falou,


e como jurou pelo nosso filho.

Mas eu ainda preciso processar cada palavra dita por ele, cada
gesto, cada informação, cada sílaba. Eu preciso pensar em tudo o que ele
falou antes de qualquer decisão.

Eu o amo, isso está claro, todos percebem e nem precisam me


avisar, pois sei bem o que sinto.

Lucas foi o primeiro e único grande amor que tive, ninguém se

compara a ele, como me senti bem, segura, livre, leve... Como tive vontade
de me entregar por inteiro, o clássico ''de corpo e alma''. Um clichê, porém,
verdadeiro, pelo menos, da minha parte.

Lucas foi sincero nas palavras, quando me elogiava, ele confirmou


isso, entretanto, não ligou para meus sentimentos, foi como todas aquelas
pessoas que odeio e me afastei. Me julgaram. Porém, eu sei a vida que
Lucas leva, seria pedir muito que ele compreendesse meu drama sobre
corpo, sendo que o cara tem problemas maiores para pensar.

Talvez o erro tenha sido meu, ser uma bobona que fala o que sente.

Uma bobona que acreditou que um cara, um traficante herdeiro de uma


parte da Veintitrés. Lucas seria meu ''confessionário'', que me entenderia
de verdade, que teria compaixão por mim.

Mas era pedir demais...

— Olha, Lucas, eu preciso pensar. — tiro minhas mãos das suas.


Sua cara de decepção é evidente. — Você falou tudo o que sente, tudo
bem, mas eu preciso de tempo para processar tudo e ver o que quero da
vida.

— Mas eu fui sincero em tudo, e agora ainda mais.

— Tudo bem, vejo isso em você, percebo que foi sincero, mas é
que... — tomo uma longa respiração. — Eu preciso de um tempo.

— A mágoa ainda é grande.

— Não sei explicar. Foi sincero agora, tudo bem, mas eu continuo
sendo uma bobona dramática por futilidade.

— Não é futilidade.

Sorrio nesse momento, não um sorriso sincero, é mais um sorriso


para não chorar.

— Lucas, passamos por algumas coisas juntos, se fosse


antigamente, eu abraçaria você nesse momento e agradeceria por me
entender. Mas ainda não cresci o suficiente para poder encarar minha

própria vida. — agora eu sorrio com sinceridade para ele. — Eu não quero
ficar presa a palavras bonitas, a um ombro amigo, porque, no fim, é uma
forma de me deixar tranquila, de me darem apoio moral, não algo
verdadeiro. Eu ainda sou aquela pessoa que não confia tanto. Você fala que

não é futilidade, mas pensava assim, pode ser que tenha mudado, mas meu
consciente vive me boicotando e agora ele me diz que talvez não seja
sincero.

— Para mostrar que é sincero eu teria que...

— Sim, entendo. — interrompo-o. — E está certo. O único modo


de mostrar que mudou, seria deixando você chegar perto, conversas,
amizade, algo assim. Mas eu não estou preparada para isso. A minha
fragilidade emocional fará com que eu me derreta novamente por você.

Um ombro amigo e eu me entregarei novamente, sem pensar muito, sem


analisar algo. Tudo isso pode parecer estranho, mas preciso sentir que
cresci sozinha, sem precisar correr para alguém.

Fiz isso com meu filho, pedi ajuda nos primeiros meses, depois
mudei de casa, fui morar sozinha, precisava sentir que estava fazendo algo
por conta própria, que estava conseguindo. Todas as vezes que eu ia pra
chorar porque estava estressada com a vida, com o choro de Rick, com sua
cólica que não passava, seu choro sem motivo algum, eu lutava para ser

mais forte. Lutava para não correr até uma pessoa e pedir sua ajuda.

Claro, quando eu percebia que iria surtar, eu chamava minha mãe,


mas, fora isso, eu fui vivendo ''sozinha'', tentando crescer.

Aceitar Lucas agora significa tê-lo em minha vida por completo,


como amigo ou namorado, eu sou a pessoa que perdoa e segue em frente,

não tenho paciência de reviver o passado. Se eu perdoo, volto ao normal


com ela, como se nada tivesse acontecido.

Já passou o tempo que eu guardava rancor, era orgulhosa e fazia


alguém rastejar por perdão, que eu tinha picuinhas infantis onde eu não
falava com a pessoa por motivo besta. Sempre fui mais a favor da
conversa, tanto que prendi Lizandra no porão e hoje somos amigas, como
se nada tivesse acontecido.

Mas eu não estou tão ''curada'' do que Lucas me fez. Não é rancor,

é apenas uma dorzinha, uma incerteza de até que ponto ele realmente me
entende. Se eu aceita-lo nesse momento, eu sentirei vontade de conversar,
de desabafar sobre a vida, mas aí não farei nada, vou travar, pois terei
receio do que ele me fala. Se ele é sincero, ou se não liga para meus
sentimentos. E eu não quero ter esse receio, e também não quero uma
relação onde prendo meus sentimentos por pura incerteza se ele se importa
ou não.
O fato é que esse problema pode parecer pouco para alguns, ''olha
só, ele não liga para os dramas dela'', mas esse é o problema. Demorou um

tempo para que eu mesma entendesse que nada disso é drama. Que
precisamos parar de julgar problemas, tristezas, irritação dos outros, como
drama.

Não tem nada disso de ''mas tem gente que está pior que você'',

sempre terá gente pior que você! Isso não tira o fato de podermos sofrer
por algo que para um pode parecer pequeno, para outra pessoa é um
problema gigantesco.

Já vi garotas com o corpo de modelo sofrendo, pois não queriam


ser tão magras assim. Eu olhava e pensava ''Ah, cara, mas deve ser um
sonho entrar em uma loja e sempre achar roupas para vocês'', mas não, isso
não tem nada a ver. Cada um tem seus problemas, talvez pareça pequeno,
mas só eles sabem o que passam.

E saber que uma pessoa julgou do mesmo modo, me faz ter uma
tristeza, porque foi o Lucas! Aquele papo novamente de ''me despi e me
entreguei por completo a ele''. Há mágoa aqui dentro. E eu preciso crescer
mais um pouco, digo espiritualmente e psicologicamente, para poder ir em
frente com ele.

Se eu aceitar Lucas por completo, o meu subconsciente continuará


falando ''Ele foi verdadeiro em palavras bonitas, mas sobre seus problemas
ele não ligou nem um pouco, quem garante que agora ele se importa?''.

O fato é, em muitos momentos ainda acho uma frescura tudo o que

passo. Se eu mesma acho isso, como pedirei que outro alguém me


compreenda?

— Ok, entendi.

— Mas isso não muda o fato que podemos conversar. — falo para

Lucas, que muda um pouco um semblante, quase esboçando um sorriso. —


Conversar uma vez ou outra.

— Nunca mais vai desabafar comigo, não é? — agora eu sinto


raiva e um tom de arrependimento na sua voz.

— Eu me julgo o tempo todo, eu me boicoto sempre. Talvez o


problema não seja você, e sim eu. Não há rancor aqui, não há raiva, não
depois do que me falou. Eu entendo bem tudo o que passou, e está certo, o
mundo de onde veio, sua vida do jeito que foi e é, seria pedir muito por

uma compreensão, mas você sentiu pena de mim. E como também disse
''às vezes um sacode, um acorda pra vida, faz mais efeito que palavras
bonitas''. Você tinha medo de falar a verdade e me magoar, tudo por pena.
Então, vamos aos poucos. Talvez nem eu esteja fazendo algum sentido.

Paro de falar, tentando ver se minhas palavras tem algum sentido.

— Então podemos falar normalmente? — ele pergunta. — Sem


tocar no assunto sobre seus problemas?

— Sim, prefiro evita-los.

— Evita-los comigo.

— Olha, Lucas...

— Não, tudo bem, você está certa. Eu demorei mais de um ano

para assimilar tudo. Porque não é fácil pensar em tudo e ainda pensar nos
meus próprios problemas de gangue.

— E problemas pessoais, sua mãe?

— Prefiro evitar pensar no assunto.

— Nem sempre evitar é bom, vai por mim. Agora que sou mãe que
resolvi pensar na minha própria vida, demorei tempo demais para isso.

— Você continua se preocupando mais com os outros, mesmo


quando esse ''outro'' te magoou.

— Um lado meu é bonzinho, meio trouxa. — dou de ombros. —


Agradeça a ele, se eu fosse dominada pela raiva, eu te tacaria para fora do
navio agora.

— Eu morreria de hipotermia, essa água é muito gelada e profunda.

— É sério? — confirma. — Eu odeio barco, navio, cruzeiro,


qualquer merda marítima. O que é pior, o avião cair ou afogar em um troço
desse?
— Afundar em um troço desse. A chance do avião cair e você
morrer é alto, ou seja, sem tanto desespero e sofrimento. Mas um navio

afundar? — balança a cabeça negativamente. — Você se desespera, vê os


outros morrendo, está no meio do nada, mar agitado, frio, sem comida,
água salgada não é boa para beber, melhor beber a própria urina... Pode
demorar mais de morrer e nem ter algum socorro.

— Sim! É disso que falo. Como as pessoas podem achar um troço


flutuante no mar seguro? Dois dias nisso aqui e já estou enjoada, com
medo desses balanços me afogarem.

— Podemos parar em uma ilha deserta, eu e você...

— Quer fazer uma ''Lagoa Azul''? — faço uma careta para seu
sorrisinho. — Ei, eu disse ir com calma!

— Mas não dá, você falou de um assunto do nada e engatamos uma


conversa, sempre foi assim. Desde que nos conhecemos, nunca agimos

como dois estranhos.

É, ele tem razão. Nos afastávamos, quando voltávamos, parecia que


nada tinha mudado.

— Hum... — cruzo os braços. — Não será nada fácil.

— Eu gosto de dificuldade, já passei por isso antes.

— Estarei ainda mais difícil.


— Aceito o desafio. — ele vem se aproximando.

— Quase um enigma que só o Cellbit poderá resolver.

— Serei tão inteligente quanto ele, por falar nisso, precisamos


assistir a outra parte dele solucionando enigmas.

— Ah, cara, não faz isso! — afasto-me dele, agarrando-me a


''parede'' novamente, por causa do balanço do mar. — Não diga que vai

assistir YouTube comigo!

— Mas você me fez gostar disso, eu não assisto mais porque não
tem graça sem você.

— Falando assim, você parece até que é um cara comum. Não um


cara que vai matar a própria mãe.

Agora ele fica sério.

— Vamos lá, Lucas, você precisa conversar sobre isso. Disse que
agora entende o que passo, que não é frescura, mas você também se julga,

está pensando em sua própria vida e deve achar fraqueza se lamentar tanto
por uma mãe que não te ama.

— Exatamente, ela não me ama, tanto faz, eu deveria entender isso.

— É a sua mãe, Lucas, querendo ou não.

— Jorge era pai, irmão...

— Nenhum irmão, filha, esposa, ninguém tão próximo matou


Jorge. Nem meu pai assistiu aquilo, apesar de tudo, era o irmão dele. Tudo
bem, tinha o fato de Jorge nunca ter feito algo contra os irmãos, mesmo

assim, ele fez coisas graves. Parece que você tem algo que manda matar
sua mãe, como se você devesse isso, como se fosse sua tarefa, e não é. Em
algum momento da sua vida você a amou como mãe, e ela deve ter dado
carinho a você em algum instante.

— Deu, mas depois mudou, tudo por dinheiro e Mariana.

— Conversa comigo, para de achar que tudo isso é fraqueza.


Entendo o ambiente deturpado de onde veio, mas...

— Eu não quero matar minha mãe, apesar de tudo. Eu gostaria que


ela fosse como Safira, mas, pelo que escutei, o maior erro de Safira com
Jade foi ter sido extremista, fora isso, ela cuidava da filha e do neto. Minha
mãe não. Mesmo assim, eu queria que ela tivesse uma salvação, sei lá. É
minha mãe no fim das contas.

— Não mate sua mãe. Não te fará bem algum, será muito pior.

— Eu escutava os planos dela, por medo do meu pai mata-la, eu


não contava nada. Então eu meio que... — para de falar.

— Acha que poderia ter evitado muita coisa contando, mas quis
salvar alguém que não tem salvação. Agora você quer mata-la para reparar
algo que você acha um erro, que foi ajuda-la.
— O que você será depois daqui? — muda totalmente o assunto. —
Você é boa em escutar e falar com pessoas sobre sentimentos.

— Não, nada de psicologia. Sinceramente, não sei o que farei da


vida, já revirei o site da faculdade em busca de algum curso que me agrade
e nada me agradou muito. Meu pai já me deu lojas que não entendo como
administra e quero chorar no primeiro gráfico de vendas que me entregam,

detesto ser dona de casa, então, sinceramente, não faço ideia do que fazer
com minha própria vida. Mas eu percebo como você muda de assunto
rapidamente.

— Olha, Andreza, eu já disse, eu posso entender seus problemas


agora, ver que é algo mais psicológico do que ''faz uma cirurgia que
melhora'', mas eu não posso entender como tenho sentimentos por uma
mãe que quer me matar.

— Porque ela é sua mãe, em algum momento da sua vida ela foi

boa e você lembra disso, e queria que fosse verdade. Queria que ela tivesse
salvação, uma mudança, mas parece que não tem. E não, repito, não
precisa mata-la!

— Eu vim aqui pedir seu perdão, falarmos sobre sua vida, eu dizer
que estou arrependido e tudo mais. Agora você traz o assunto para mim?

— Eu não vou manter seu script, sorry!


— Mas eu ensaiei o texto todo para não gaguejar e nem esquecer
uma parte. É a primeira vez que peço perdão a alguém.

— Doeu?

— Não, você é boazinha, nem quis me bater.

— Eu vi sinceridade aí. Pelo menos não é pelo meu dinheiro.

— Estou na merda por falta de grana, no entanto, no ambiente que


vivi, ser sustentado por mulher não pega bem. Então é melhor roubar que
ser sustentado por mulher.

— Quer horror, Lucas!

— Mas eu vou roubar mesmo, quero tudo o que tenho direito e


mais um pouco. E vou retirar aquele povo da minha casa, nem que eu
tenha que explodir com todo mundo dentro.

— Senhor, agora que pensei, vocês estão indo morar em território


do Nacho.

— Nossa, demorou para raciocinar, não?

— Lucas, eu só pensei no fato de ir atrás da Grézia em território


alheio, não sobre estar com Nacho. — agora eu entendo ainda mais porque
ele decidiu falar tudo agora, no momento que Lucas pisar em San José,
ninguém terá a certeza que eles sobreviverão. — Lucas, mas se for...

— Uma das coisas que aprendemos, não tema a morte.


— Mas eu temo!

— Claro que teme, você me ama.

— Lucas, para de mudar de assunto!

— Podemos voltar aos poucos com a amizade?

A única amizade masculina diferente dos meus irmãos e primos, o

cara que sempre me fez sentir bem... O único que sempre perdia tempo
com meus vídeos idiotas, memes... Ele mandava memes, já tivemos
discussão só com eles, Lucas entende a minha idiotice e participava ao
meu lado.

Lucas diz que foi real.

Foi real.

Ou não...

— Sem relacionamento. — aviso. — Não estou pronta para isso.

— Eu pensei até que fosse pisar em mim.

— Olha para as nossas vidas, Lucas. Eu perdi meu primo, Miguel


era incrível e ele se foi. Quase perdi o Marcelo, e bem naquela noite
discutimos, coisa de irmão, mas chegamos a noite sem nos falar. Ele falou
com minha mãe e nem pediu para falar comigo, assim como eu também
não quis falar com ele. Imagina se Marcelo tivesse morrido, nossa última
conversa teria sido ofensas e um dizendo ao outro que nunca mais
conversaríamos e que nos odiávamos. Acho que já estamos muito
crescidos para ganhar briga e perder um amigo. Hoje em dia penso mais

em neutralizar e ter uma pessoa legal por perto. Eu senti sinceridade em


você. Você tem tantos problemas como eu, e pensa como eu, drama
demais para sair por aí falando. Entendo toda a sua vida, eu tenho Júlio, ele
fez besteiras ao longo da vida por conta do Distrito. Como disse, não tenho

psicológico para voltar a uma relação com você, mas não posso negar que
você me faz bem. É diferente de irmãos e primos, me faz sorrir e sempre
me fez mudar de assunto. É como Lizandra também. Se fosse o contrário,
eu evitaria você, no entanto, não estou aqui para ficar brigando.

— Nem para ficar beijando.

— Ah, isso aí será difícil. Conversas? Tudo bem. Amizade sincera?


Talvez. Mas namoro? — balanço a cabeça negativamente. — Cê nunca me
pediu em namoro, nunca falou abertamente da nossa relação...

— Porque eu era escroto demais, sentia que não era sincero com
seus problemas. Como teria uma relação se eu era um merda julgando seus
problemas?

— Então, apenas conversas amigas. — sorrio para ele. — É,


querido, não será fácil. Pensou que sairia tapas e depois beijos.

— Em breve beijos.
— Em breve eu dormirei...

— Posso acompanhar...

— Sem gracinhas! — grito, mas ele apenas sorri. — Boa tarde. —


passo por ele, para pegar minha água.

— Eu te amo, Andreza! Obrigado pela chance.

Ah, eu não deveria ser tão boazinha, mas eu gosto do cara, pelo
menos na amizade eu senti sinceridade, sem o julgamento dele da minha
dor. Eu sei bem que é difícil de me compreender, e ninguém é obrigado a
me compreender.

Mas eu gosto da amizade dele, senti sua falta...

Porém, relacionamento físico, carnal?

Tempo ao tempo, até porque, eu ainda preciso me encontrar, me


aceitar e aí sim entender o que quero da minha vida.
Capítulo 5
ANDREZA

Eu não consigo perdoa-lo agora.

Acho Lucas legal, continuo gostando dele, amando-o, é a verdade


mesmo. No entanto, não consigo ser aberta com ele, ser como antigamente.

É pedir demais.

— Você é um idiota! — escuto o grito de Lizandra e entro no


quarto de Marcelo, encontrando os dois em um cabo de guerra com uma
mantinha do Rick. — Não é assim que se troca um bebê!

— É assim, sim! — Marcelo protesta.

Rick se diverte nesse cabo de guerra, rindo com esses dois


discutindo a sua frente.

— Ei! — fico no meio deles. — Parem de brigar!

— Andreza, seu irmão é um idiota! — Lizandra solta o pano e


Marcelo acaba cambaleando para trás, já que ambos faziam força puxando,
e ela soltou. — Ele não sabe trocar Rick, mesmo assim fica dizendo que
sabe.

— Eu sei trocar sim! — Marcelo levanta um dedo. — Li tutorial na

internet sobre o assunto.

— Por que leu um tutorial de trocar fralda? — indago.

— Será papai? — Lizandra pergunta. — Engravidou alguma


idiota?

— Nunca transei com você, Lizandra.

— Ah, seu filho de uma... — ela para de falar. — Christina me


trata bem, não merece xingamento. Mas você é um idiota!

— Eu me pergunto se essa implicância é de amigos ou de futuro


casal. — provoco enquanto abro a garrafa d'água e começo a dar na boca
de Rick, que está mais interessado na treta dos tios que na água que ele
chorou para beber. — Garoto fofoqueiro.

— Não, não serei pai. E não, não terei algo com Lizandra. —

Marcelo enfatiza, enquanto eu começo a trocar a fralda de Rick. — Eu li


porque acho que sou o tio mais distante de todos. Pedro e Cauã se dão bem
com as crianças de Júlio e o Rick, eu fiquei meio afastado por conta de
toda a recuperação, então, tento recuperar o tempo perdido.

— Mesmo tendo medo de bebês. — acrescento, depois de terminar


meu trabalho.
— Não é medo, são uns troços molengas. Não bate na minha
cabeça! — ele grita, quando Lizandra levanta a mão. — Que eu fico tonto.

— Mais do que já é? — ela provoca.

— Você me respeita que eu tenho uma gangue!

— Você está afastado da gangue, Marcelo. — lembro.

Nesse mesmo momento, Marcelo senta ao meu lado, na pequena


cama desse quarto. Lizandra senta na cadeira a nossa frente.

— Eu nem tive tempo de mostrar muita coisa. — ele começa a


lamentar. — Eu estava começando a ser mais presente nos assuntos de
gangue e pronto, Miguel morreu e eu levei um tiro na cabeça. Miguel era
meu professor de gangue, um instrutor.

— Quase dois anos já. — respiro fundo. — Por mais que aquela
dor não seja mais tão forte, que já falamos dele sem chorar, ainda dá muita
saudade.

— Apesar de todas as ameaças que ele fazia contra mim, acho que
nos dávamos bem. — Lizandra sorri. — Na fazenda ele riu quando eu
tentei seduzi-lo escovando os dentes. Acho que ele tinha reparado que eu
não o queria de verdade, parou de ficar tão irritado comigo.

— Mas afinal, o que queria com Miguel? — pergunto. — Nunca


falamos disso, mas qual era a real das suas provocações com ele?
— Miguel ia lá ao clube onde eu trabalhava, ele não parecia um
predador em busca de uma presa. Uma vez ele me tratou muito bem, então

eu meio que me apaixonei. Só que ele não queria nada comigo. Acontece
que eu sempre provocava e a reação dele, em me ignorar, me fazia pensar
que ele era o correto para mim. Não sei explicar, mas a sua recusa me fez
pensar nele ser diferente. No fim, eu gostava quando Miguel me tratava

daquele jeito, me fazia sorrir, era uma distração para a minha vida de
merda. Mari me odiava, Katya era mais apegada a Mari e por culpa minha,
Monique não me suportava. Miguel me tratava mal, mas nem tanto. No
fundo era mais engraçado que humilhante. Pelo menos na minha cabeça.

— De pensar que um dia todo mundo te odiou. — Marcelo sorri e


olha para mim. — Lembra que a família toda odiava Lizandra?

— Lembro bem disso, eu nem conhecia e ouvia boatos da doida do


puteiro.

— Fala sério, eu era procurada por isso. As pessoas adoravam


minha pose de doida, eu fazia aquela gente rir! Eu era mais palhaça que
puta. — cruza os braços. — Sério mesmo, muita gente procurava mais
uma distração da vida que o sexo como saída.

— Poderia abrir um circo e ser uma palhaça. — Marcelo provoca.

— Eu poderia te usar como uma bola, em um canhão humano, aí eu


te mandaria pra casa do caralho!

— Oh, ela é irritadinha...

— Se isso não terminar em casamento, eu ficarei irritada por ver


essas discussões a toa! — falo mais alto. — Eu falo bem sério, exijo
casamento!

— Então case com Lucas. — Marcelo retruca. — Vai, fale algo.

— Ok, Marcelo. Sim, eu e Lucas tivemos discussões, ele me


magoou e não, no momento não penso em qualquer casamento além de
você e Lizandra.

— Não mude o foco, querida. — Lizandra se une a Marcelo. —


Demorou para buscar a água, certeza que encontrou o boy lixoso.

— Sim, o encontrei. — confirmo.

— E então? — pede para prosseguir.

— Ele pediu perdão e não dei.

— Que? — Marcelo parece surpreso. — Você é a rainha de


perdoar e não perdoou o homem que ama?

— Sim, o amo, por isso não perdoei. — os dois parecem confusos.


— Minha cabeça está cheia de coisas, ainda mais com essa história do
Lucas precisar encontrar o Nacho. Não posso perdoa-lo apenas por
perdoar, fiquei magoada com umas coisas. Não cicatrizou totalmente,
prefiro ter a certeza do que quero, que estou bem o suficiente para seguir
em frente. Quando isso acontecer, me sentirei leve para perdoar por

completo. Não quero perdoar e ficar sempre pensando ''Ele diz a verdade
mesmo? Ele se importa?''.

— Então ele não se importava com o que? — Marcelo continua


seus questionamentos. — É sério, eu não consigo entender. A coisa entre

vocês foi tão clara que até na fazenda meu pai falou sobre isso, e disse que
poderia não dar certo por causa de Sandro, na época nem sabíamos como
ele era. Agora vocês têm filho, mas parecem dois estranhos. Não consigo
entender.

— Lucas só fez aquilo que varias pessoas fazem. — respondo. —


Achou que todo meu drama era apenas drama fútil, mas ele aparentava se
importar, no fim nunca se importou, apenas me julgou.

Foi quando a história da gravidez da outra garota chegou, que eu

descobri sobre seus sentimentos falsos por mim. Quer dizer, seu
sentimento falso sobre minha dor, ele nunca se importou.

Porque, dramática do jeito que sou, eu comecei a chorar dizendo


que claro, ele nunca me amaria porque eu sou feia, gorda, chata... Lucas
meio que acabou dizendo que não gostava de escutar aquele assunto.

Na hora da raiva deixamos escapar o que sentimos de verdade.


Lucas deixou escapar que deveríamos falar sobre a gravidez da
outra garota, que era armação, e não focar nos meus dramas fúteis... Bem,

a partir daí brigamos e as verdades foram jogadas na roda, o lance do ''só


escutei por interesse'' surgiu, ele travou depois disso e eu entendi que era
sobre dinheiro.

Lucas disse que não havia falado a real história do interesse por não

saber qual a pior versão, interesse em dinheiro ou interesse na paz e


tranquilidade que o proporcionei. Na primeira opção eu sei que jamais o
perdoaria, porque eu nunca teria a certeza que ele estaria comigo por
dinheiro ou não, na segunda opção eu apenas fico dividida, não sou
totalmente descrente da sua mudança.

— Mas Lucas te julgou de um modo que de depreciou, ou...

— De um modo que me faz pensar na vida ao todo. — interrompo


Marcelo. — E me faz querer mudar mais e mais. Acreditar que sou forte, e

ter mais autoestima. Eu preciso ser forte, acreditar nisso por conta própria,
sem precisar que os outros fiquem me dizendo isso. Eu preciso ter mais
pensamentos bons. Se eu não fosse tão depreciativa, eu acho que teria sido
mais verdadeiro com Lucas.

— Agora vai se culpar pela escrotidão dele? — Lizandra parece


indignada. — Sério, Andreza, não faça isso.
— Não me culpo, mas vamos combinar, ninguém merece uma
pessoa falando o tempo todo sobre coisas ruins dela mesma. Até eu me

acho chata nesses momentos. Uma hora me acho maravilhosa, depois me


acho ridícula. Acredito nas pessoas que falam mal de mim, mas não
acredito nas que falam bem. Eu tenho que acreditar em mim mesma. Eu
preciso continuar nesse pensamento, porque aí sim serei forte para

qualquer coisa.

— Agora entendi o que quis dizer, quando conseguir aprender, me


ensine sobre isso.

— Garota, você é maravilhosa!

— Eu sei, Andreza! Pessoas maravilhosas também sofrem


preconceito! — ela tenta brincar, mas no fundo ela fala a verdade. — Eu
ainda sou a Lizandra sem noção e puta da história. Algumas pessoas me
conheceram naquela época. Sabe as festas do Distrito para que fui

convidada? — confirmamos. — Os caras ainda me tratam como um objeto


e as mulheres fogem de mim, como se eu tivesse estuprado os maridos
delas. Então, eu tenho uma mancha gigante no meu histórico de vida. Por
mais que eu queira mudar, as pessoas ainda me olham estranho. E só fico
aqui porque vocês me tratam normalmente, sabem que mudei.

— Seria hipocrisia da nossa parte. — Marcelo prossegue. — Os


caras tudo já pegaram um monte de mulheres por aí, transaram com tanta
gente, mata gente pra caralho, trafica, inclusive eu, vamos falar mal de

uma menina que transava por grana? Eu acho um puta empreendedorismo,

tanto que trabalhamos com isso. Por que transar de graça sendo que
podemos cobrar por tal coisa?

— Viraria um prostituto, Marcelo? — provoco mais uma vez.

— Apenas com mulheres, e nada entrando em mim.

— Ah, mas você tem uma bundinha tão bonitinha. — Lizandra


provoca. — Nunca vi, mas parece redonda e grande.

— Lizandra, não entra nada em minha bunda, eu falo muito sério


sobre isso.

— Nem um...

— Nada! Entra na sua por acaso?

— Como o assunto mudou para sexo anal? — pergunto.

— A doida que habita em mim gosta de irritar Marcelo. —


Lizandra pisca um olho.

— Já fez isso, Lizandra?

— Não fiz nos outros e nem fizeram comigo.

— Marcelo, aproveita. — provoco os dois agora. Só que Marcelo


sorri, Lizandra já faz uma carranca.
— Já ofereceram muito por essa bunda aqui. — Lizandra continua.
— Mas não dei, nem todo dinheiro do mundo me pagará a dor de um cara

escroto sem preocupação com meu desconforto.

— Nem por um milhão? — Marcelo pergunta. — Aposto que


nunca ofereceram mais de cinco mil, um rabo não vale tanto assim.

— Você é tão escroto! — Lizandra protesta.

— Olha só, Lizandra ficando irritada com um assunto sexual! —


provoco. — Marcelo, apresento a sua noiva.

— Pelo menos esse assunto idiota serviu para que a bonita voltasse
a sorrir. — Lizandra continua vermelha de vergonha. — De nada por ser
sua diversão.

— Como se você não gostasse de me irritar com o meu boy lixoso.

— Nem parece a menina que prendeu a outra no porão. — Marcelo


olha para mim e para Lizandra. — E a que chamou a outra de porca obesa.

— Amizades surgindo de locais que você jamais imaginaria.

— E indo viver juntas no local que você jamais imaginaria. —


Lizandra suspira. — Retornando a San José, agora sem mãe, sem tia, com
Mari já casada e indo com minha cara, e uma família nova. — ela pega
Rick no colo. — Ok, espero que seja diferente do que era na minha época.
(...)

Eu imaginei um local caindo aos pedaços.

Nunca procurei por San José no Google Maps, para ver o local por
satélite. E a realidade me surpreende.

Não é lá uma grande coisa, é inferior até mesmo a Candelária, só


que imaginei algo como um interiorzão. Ao mesmo tempo imaginei como
Iêmen, Síria... Aquele clima seco, deserto, local sem cor, sem vida, tiros a
todo momento.

Aqui tem prédios, muitos, nada de tão grandioso, mas eu imaginei


que nem teríamos casas com mais de três andares. O trânsito é caótico.

Carro, carroça, bicicleta, moto, tuk-tuk... Tudo isso junto. Indo e vindo na
contra mão, pessoas andando no meio da rua e não respeitando
sinalizações, buzinas, ônibus se jogando na frente dos carros.

Passamos por áreas comerciais e, também, é bem caótico.


Movimentado, cheio e muita gente falando ao mesmo tempo.

— É tipo a Índia. — Marcelo fala ao meu lado. — Só que menos


lotado que lá, e com as vacas sendo comercializadas. — olhamos para as

vacas sendo vendidas no meio da rua. — É, o comércio é bem

diversificado.

No carro da frente estão Lucas, Chino, Yazid e Rene.

Não nos falamos muito no navio, Lucas apenas pegava Rick,


conversamos poucas coisas e depois ele ia ficar com o filho. Assim que

chegamos tinha carro a nossa espera, seguranças do meu pai.

Eu observo esse local apenas para tirar a angustia, para não pensar
muito no que pode acontecer quando Lucas encontrar o Nacho...

Que nada de ruim aconteça.

Passamos do local comercial, depois passamos uma área mais


residencial, bairros pobres, bairros mais ou menos.

Vejo grupos armados na entrada das ruas e uma cena chama


bastante a minha atenção, o fato de ter uma barreira de homens com

máscaras, colete a prova de balas, armados até os dentes poderia não me


assustar se não fosse o ''12'' que eles têm estampados em seus coletes.

Na Candelária era mais escondido, não tão escancarado. São armas


pesadas, são bandidos mostrando que essa rua pertence a eles.

Ponto cinquenta, pelo menos seis dela!

Engulo em seco.
Passamos por essa barreira e adentramos em um bairro
relativamente tranquilo, se não fosse esses jipes que mais parecem tanques

de guerra, e o fato de ter várias pessoas armadas andando na rua.

— É o território do Nacho? — Marcelo sussurra. — É o local dele


mesmo, onde ele mora?

E o carro vai parando aos poucos, até parar de uma vez.

Um homem armado abre a porta do carro. Seguro Henrique com


força, apertando-o bem ao meu corpo.

— Eu me pergunto se um dia terei a chance de ter um neto. — o


homem sorri para mim, depois tenta apertar a bochecha de Rick. — Calma,
menina, está tudo bem.

— Quem é você? — Marcelo pergunta.

— Eu tenho cara de homem bom ou de homem mau? — o canto da


sua boca sobe em um sorrisinho. — Podem sair do carro.

Olho para Marcelo, que apenas pede para eu descer.

Descemos do carro e olho para frente, onde Lucas, Rene, Yazid e


Chino estão sendo segurados por homens armados.

— Eles são mais perigosos que vocês. — o homem continua. —


Desculpe-me, Marcelo, não quero ofender, mas aqueles quatro juntos pode
dar mais merda que você, uma mãe e uma ex-puta. Sua mãe não teve a
chance de mudar. — olha para Lizandra. — Pena que não foi quem a

matou, era meu sonho esfolar a puta da Monique. Ela fodeu minha vida.

— Nacho. — sussurro. Agora sei que é ele a minha frente.

— Ela acertou. — sorri para mim. — Eu tinha uma filha parecida


com você, pena que seu pai mandou mata-la. — engulo em seco. — Será
que, um dia, ela me daria um neto assim?

— Nacho, nós não sabíamos...

— Eu sei, Marcelo, eu sei. — Nacho confirma. — Não precisa


tremer, meninas. Marcelo levou um tiro na cabeça, mas está bem firme na
atitude. Eu chamei apenas para um almoço de boas vindas. Entrem,
garanto que essa casa não será bombardeada. — ele segura o meu braço.
— Vamos, meninas, eu quero que uma parte da família de Anthony seja
bem tratada, e garantirei o bom tratamento, sendo dado diretamente por
mim.
Capítulo 6
LUCAS

O que eu mais temia aconteceu. Nacho está conosco, ou melhor,


estamos com ele, afinal, Nacho manda mais que qualquer um aqui.

Nacho segura o braço de Andreza, percebo que não aperta, mas só


de Nacho encostar nela, sinto meu sangue esquentando, subindo a cabeça,
de puro ódio e raiva por estar tão impotente nessa situação.

O homem armado, que aperta meu braço, me dá um leve empurrão


para que eu comece a andar. O fato de não poder ver Andreza e Rick me
irrita mais que esse cara me empurrando e colocando a arma em minhas

costas.

É tudo silencioso, em um território do Nacho.

Homens armados até os dentes, não sei qual o milagre dele não ter
um tanque de guerra aqui. Provavelmente não achou onde comprar.

— Engraçado ver um dos herdeiros sendo tão passivo. — o homem


que me segura, zomba da minha cara. — Seria mais engraçado ainda se
pudéssemos usar você.
— Calle Doce, sempre sendo uns maricas, a procura de homens
para exalar...

Recebo um soco na costela, mas não me abalo.

— Saia do armário, cara. — prossigo. — Talvez assim sua raiva


diminua.

— Parem os dois! — olho para Nacho. — Pare de provoca-lo, eu

quero uma conversa séria, não uma troca de farpas.

— Nacho, ele quis dizer que sou veadinho...

— Foi você quem falou em usa-lo. — Nacho dá de ombros. — Dá


próxima vez se expresse melhor.

— Aonde quer chegar com tudo isso? — meu pai pergunta.

— Você está muito bem, El Doctorado. — Nacho prossegue.

— Esse grupo é meio aviadado, né? — provoco ainda mais,

sabendo como atingi-lo, para o meu bem.

E como eu já imaginava, Nacho sorri, olhando para mim.

— Lucas Noriega, escutei falar de você. Afilhado de Sandro, meio


inconsequente, piadista, prepotente. — se aproxima de mim. — Não sabe
temer, apenas ficar batendo de frente. Seria assim se Anthony não tivesse
por trás disso tudo?

— Quem você quer enganar, Nacho? Somos todos fodidos, todos,


você mais que todos nós. Tão fodido que aceitou Anthony. Sandro está
vencendo por aqui.

— Ganhando de vocês também.

— Sim, mas eu tenho Anthony, meu passaporte para a ''glória'' já


existe. — aponto para Andreza e Rick, e torço para que ela não me
interprete errado, que ela entenda que eu apenas tento sair por cima e não

cair nas ameaças de Nacho. — Você ainda precisa de muito para ter
alguma coisa, então, não banque o poderoso, sabemos que não é bem
assim que a banda está tocando no momento.

— Tão glorioso que está em minhas mãos.

— E você não fará nada. O dinheiro, a vingança, a fome pelo poder


te move, Nacho. Por isso será obrigado a engolir o orgulho, a raiva, e nos
aturar aqui. Porque precisa do Anthony, mais dele do que ele de você.

— Você é a cabeça. — aponta para mim. — Chino é o segundo,

Yazid é operação e El Doctorado a ação. — sorri novamente. — Vamos


conversar sobre isso tranquilamente.

— Sem armas. — aviso. — Eu acho que já entendeu que aqui todo


mundo está no mesmo barco. Então, sem armas e sem tocar na minha
mulher e meu filho.

— Possessivo o garoto.
— Estamos de acordo?

Nacho está lutando para não nos matar nesse momento, mas como

disse, ele precisa de Anthony, isso significa que ele vai nos manter vivos.

— Vamos entrando na casa. — ele pede. Sim, pede, na maior


paciência.

No mesmo momento as armas são abaixadas e ninguém mais nos

segura. Andamos enfileirados até a enorme casa que pertence ao Nacho,


assim que chegamos, ele pede para sentarmos no seu sofá, que toma um
lado da sala.

Eu e meu pai permanecemos em pé.

— Mas são marrentos mesmo, não é? — Nacho cruza os braços. —


Quem diria que eu encararia El Doctorado após tudo, e não o mataria?

— Eu mataria Guille quantas vezes fossem necessárias. — meu pai


sorri. — Foi a morte mais memorável, a que me deu mais prazer em fazer.

— De uma maneira psicótica, eu aprecio isso. — Nacho aceita uma


bebida dada por uma empregada, nos oferece e negamos. — Eu aprecio o
El Doctorado, lá no fundo. Eu gosto do fato de você ser temido, não
amado. Nunca foi visto como herói, sempre como um assassino doido,
frio, calculista. Não fez questão de ser herói do povo, e sim dar medo a
eles, diferente do seu compadre, o Sandro.
— Nunca acreditei no fato de traficante ser herói do povo, no início
sim, depois não. — meu pai prossegue. — Matava gente que me

incomodava, a maioria por rixa pessoal mesmo.

— Inclusive meu irmão.

— A melhor vítima de todas. — meu pai prossegue, agora os dois


se encaram, seriamente. — Ele mataria a minha filha, eu o matei antes que

ele conseguisse tocar em Mari. E ela era filha dele naquela época, por isso
acho que você não vai me matar, Nacho. Você sabe que te fiz um favor,
um grande favor. O cara mataria a filha, imagina se não mataria um irmão
que tinha tudo para ser mais idolatrado que ele?

Chegamos ao nosso ponto. No fundo, Nacho sabe que meu pai


acabou facilitando sua vida. Se Guille estivesse vivo, Nacho teria algum
poder na Calle Doce?

— Guille era como meu pai, mas tinha momentos de descontrole,

matar importava mais que crescer. Ainda o amo, mas tenho prioridades no
momento. Vingar a morte dele me parece menos valioso que o nosso novo
acordo, e o fato de você não lamentar o feito, não me irrita. O que irrita
mais é o fato de Sandro subir usando todo mundo.

— Jamais vou me lamentar pelo que fiz, continuo dizendo, se


pudesse, teria poupado Guille, ele seria meu saco de pancadas até hoje.
Viveria para sofrer em minhas mãos.

— Você não é um psicopata, ama os filhos. Assim como também

não sou. Somos pessoas ruins, que sabem disso, mas sabem o momento e
com quem distribuir o ódio e a violência. Eu acho que somos iguais, El
Doctorado. E Anthony é um cara somente de poder. Anthony é inteligente,
poderoso, ardiloso, mas não é movido por ódio, não mais. Ele cresceu

muito porque tinha território para isso, e conseguiu um império, e hoje ele
é mais poderoso que qualquer um de nós. E por isso estão aqui, na minha
casa. Eu não posso deixar um homem, uma família como os Garcias, em
meu território, para que cresçam, que consigam algo em minhas costas. Por
esse motivo, ficarão aqui, minha certeza que não serei atacado, como
minha família foi. Se estiverem aqui, Anthony terá cautela.

— E sabemos que não atacará, você é um subordinado de Anthony


agora. — relembro.

— O genro de Anthony, o único. — olha para Andreza. — Você


tem um péssimo gosto, poderia arranjar um homem melhor. Uma menina
como você merecia alguém melhor.

— Concordo. — Andreza afirma.

— Porra, Andreza! — grito.

— O que é? — ela grita.


— Pena que ela lembra a filha que perdi, ou poderia encanta-la
com meu charme, Lucas. — meu sangue ferve nesse momento com a

provocação de Nacho. — Se a menina quis um ser como você, imagina se


não iria querer algo comigo?

— Não faz meu tipo. — Andreza acrescenta.

— É, vocês combinam, dois sem noção que estão discutindo

comigo.

— Passou do temido Nacho para um Zé Mané. — Marcelo ri. —


Cara, imaginei algo mais tenso, sinceramente. — ele cruza as pernas. — E
aí, cara, o que foi que houve? Francine te fez mudar?

Olhamos para Nacho, só de menciona-la, o cara muda. A sua pose


de deboche some por completo, seu olhar se torna frio.

— Só eu sei o quanto estou lutando para não matar todos vocês


nesse momento, só eu sei o quanto preciso me lembrar e escutar que o

culpado de tudo é Sandro. Eu perdi minha família toda, o único que restou
me odeia um pouco e por minha culpa mesmo. A outra que restou,
Francine, também me odeia e a culpa é minha. Mas todos que me amavam
de verdade foram mortos por culpa de vocês, direta ou indiretamente. E me
irrita saber que só causei desgraça na vida de vocês quando fiz de tudo
para separar Mariana do El Doctorado, e quando Otavio levou Safira para
matar Camila, que nem foi eu quem mandou matar, e no fim acabou sendo
algo útil. Eu não estou sendo um idiota, um fraco, por causa de Anthony, e

sim pela única pessoa que me restou e que, talvez, ainda queira algum
contato comigo. — ele olha para Andreza novamente. — Fiquem a
vontade aí.

E ele sai da sala.

— Até que momento esse cara vai continuar desse modo? — Chino
finalmente fala algo. — Parece um cara perdido mesmo, que quer se
redimir com esse alguém que restou na sua vida, mas pode ser um cara que
se aproveitará de todos nós para matarmos Sandro, depois ele vai nos
matar.

— É o olhar de alguém que já perdeu muito na vida. — agora é a


vez do meu pai. — O mesmo olhar que tive quando achei que nunca
acharia Mariana novamente. Um olhar de quem quer perdão, quer

encontrar uma pessoa que ama, ao mesmo tempo, quer dar orgulho a
alguém. — olha para mim. — Para que essa pessoa não acabe como ele.
Capítulo 7
ANDREZA

No momento meu pai está conversando com Rene e Yazid. Ele


tentou mudar a cabeça de Nacho, mas estarmos aqui é a garantia que meu
pai não vai ataca-lo.

— Sobre o que falei de você ser o meu caminho para a glória. —


olho para Lucas. — Foi apenas para dizer que sou mais importante que
Nacho, não que eu realmente tenha te usado.

— Hum... — murmuro.

— Andreza, é sério, nunca foi por dinheiro e poder. Se fosse sobre

isso eu seria o maior puxa saco do seu pai, e praticamente nem nos falamos
muito. A única pessoa importante da família é você e Rick, ninguém mais.
Quantas vezes terei que falar isso?

— Todos os dias, pelo resto da sua vida.

— Te amo.

— Pronto, a cota do dia foi esgotada. — entrego Rick para ele. —


Já disse ''eu te amo'' seis vezes hoje.

— Você vai me fazer rastejar aos seus pés implorando perdão?

— É uma boa ideia. Eu gosto disso. — me aproveito enquanto ele


faz cara de cachorro que caiu da mudança. — E amei que, finalmente,
sentiu o gostinho do ciúme.

— Ah, agora vai dizer que Nacho...

— Ele daria um belo sugar daddy. — provoco, vendo como ele fica
vermelho de raiva. — E ele olha muito para mim, me senti poderosa. Dois
caras, com malícia urbana, olhando pra mim.

Mentira, eu senti mais medo que poder, essa é a verdade. Medo de


Nacho cismar com minha cara, e medo de Lucas partir pra cima dele.

Lucas coloca Rick em sua cadeirinha, e depois ele se abaixa,


ficando cara a cara comigo.

— Repita isso na minha cara, se tem cora...

— Nacho daria um belo sugar daddy. — repito. — Ele tem malícia


urbana, é bem bonito...

Lucas ataca a minha boca. Quer dizer, ele me beija, mas é tão duro,
tão de repente, que me pega desprevenida.

Ele segura a minha nuca, me mantendo no lugar.

Eu o empurro, bato no seu peito, tento não retribuir, ser mais forte
que ele... É, eu retribuo o beijo.

Retribuo o beijo, deixando meio claro a falta que senti dele.

Deixo meu arrependimento de lado, a voz que me chama de otária


e diz que eu deveria ser mais difícil.

Mas não consigo empurra-lo quando sinto sua falta, quando seu
beijo me faz ter a mesma paixão, o mesmo pensamento de antes.

— Você nunca deixaria outro homem beijar você, Andreza. — ele


fala, mordendo meu lábio se afastando de mim. — Você é minha, sabe
bem disso.

— Não sei de nada, meu querido. Eu sou minha, eu me pertenço.

— Sabe bem que também pertence a mim.

A mulher autoritária que habita em mim manda Lucas ir a merda,


a tonta acha bonitinho.

— Um beijo não muda nada, eu posso apenas te usar.

— Então me use, Andreza. Faça o que quiser comigo.

— Será meu boneco inflável?

— Seu vibrador, o que quiser. Use-me, não me importo.

— Vá a merda...

Ele me beija novamente, só que dessa vez eu sou mais forte e


mordo seu lábio com muita força.

— Não precisa arrancar pedaço, loirinha.

— Agora que sabe que Nacho não vai te matar no momento, fica
cheio de gracinha.

— Nem tanto por ele, e sim porque eu sinto que ainda me ama, que
posso tentar. E sinto que estou, realmente, mudando. Sinto-me melhor

agora. Uma pessoa melhor para você.

— Eu que decido se é bom ou não para mim. — amoleceu meu


coração, quero abraça-lo, mas não vou!

— Sua respiração ofegante mostra que sou bom.

— Você parecia um aspirador de pó, sugou todo meu ar, por isso
estou ofegante.

— Se eu colocar a mão aqui. — o filho de uma cadela coloca a mão


no meio das minhas coxas. — Como imaginei, sempre pronta para mim.

Levanto da cadeira e saio de perto dele.

— Respeita teu filho que está bem ali. — aponto para a cadeirinha.
— E saia de perto de mim.

— Rick se importa mais com o chocalho dele que com a mãe dele
com tesão.

— Você é um babaca!
— Que você ama pra caralho!

— Saia! — grito, levantando um dedo. — Ou eu nunca mais

olharei na sua cara!

— Depois desse beijo acha que acreditarei nisso? — ele ri, pegado
Rick no colo. — Vamos lá, filhão, vamos deixar a mamãe tomar um
fôlego.

Babaca!

Idiota!

Que eu senti falta do beijo.

— Sua traidora do caramba! — falo com minha vagina. — Você é


uma idiota mesmo, né? Sua traiçoeira!

— Com quem está falando? — meu coração para quando escuto a


voz de Nacho. Viro-me para ele. Cara, ele é um homão! Francine, meu
anjo, se ele não fosse um idiota, um macho escroto, certeza que você

babaria nele. Eu, por outro lado, amo meu boy urbano, faz meu tipo. —
Você tem algum problema mental?

— Não interessa. — tento me manter firme. — Por que está me


encarando?

— Eu tinha planos para você. Muitos planos. — pega uma capsula,


daquelas de café, e começa a prepara-lo na máquina. — Tinha planos de te
torturar psicologicamente, para obrigar Anthony a não me trair.

— Tinha? Não tem mais?

Liga a máquina e olha para mim.

— Você lembra a minha filha que Anthony matou...

Sinto um nó se formando em minha garganta.

— Olha, foi um mal entendido...

— Vocês sempre vão falar isso, a todo momento.

— É a verdade. Mas eu sinto muito por tudo o que aconteceu. Eu


também perdi um primo, e a tia de Mari, minha tia Helena, entendo a dor.
Meu pai foi o responsável por suas perdas, mas nesse mundo onde
vivemos, sabemos que sempre há vingança, e nem sempre atinge o
principal causador.

Eu não sei como estou conseguindo manter o diálogo com ele.

— Uma pessoa havia falado isso comigo, dizendo que é uma guerra
sem sentido, que eu deveria parar, pegar minha família e viver longe de
tudo isso. Eu nunca a escutei, e ela estava certa. Fui atingido nessa guerra,
mas não morri, mataram minha família. E você lembra a minha filha, sorte
sua por isso.

— Não sobrou ninguém? Entendo se não quiser responder, pode


achar que informarei...
— Você parece em tudo com minha filha. Alina, era uma menina
igualzinha a você, só que era bem gordinha e mais baixinha. O sorriso dela

iluminava meu dia, eu sempre a procurava quando meu outro filho discutia
comigo. Ele sempre jogou na minha cara o quanto eu sou um monstro que
não merece o amor de ninguém. Enquanto Alina dizia que eu poderia
mudar de algum jeito, ela sempre me abraçava e tinha esperança que eu

mudaria um dia, que eu não seria como o Guille.

Sua última frase quase sai inaudível.

— Você nos aceita pela Alina, não é? Pela Alina e por esse outro
filho que sempre te acusou.

— A mãe da Alina sempre falava que eu perderia a família toda


nessa guerra, e a culpa sempre seria minha, nunca do assassino. Mas a mãe
dela sempre se deslumbrava com qualquer presente. Não éramos casados,
mas ela amava a vida rica que eu a proporcionava. Alina era a mais

diferente de todas. Ela e o Arman. A única coisa em comum deles é que


sou o pai, as mães são diferentes, eles são de origens diferentes, uma de
San José, ele da Armênia, mas os dois, dos cinco filhos que tive, foram os
únicos realmente bons, que torciam por minha mudança e não me
apoiavam nos feitos da Calle Doce.

— Eu não sei o que dizer.


— Você me lembra Alina. — ele repete, agora vejo seus olhos
marejados. — Acho que por isso acabei falando muito, e não consigo

prosseguir o meu plano de te fazer algum mal. Até o jeito como seu olhar
suaviza para me olhar. Não deveria me encarar assim, deveria ter medo, ou
ódio, não um olhar de compaixão.

— Eu sou assim. — dou de ombros. — Meu pai é o Anthony, não

poderei julgar o que faz. Quer dizer, julgo sua escravidão...

— Meu filho me obrigou a parar de pagar pouco aos pobres


coitados e sequestra-los. E por que diabos eu falo com você? — sua raiva
retorna. — Foi engraçado irritar seu namoradinho, apenas isso.

— Você quis ser como o Guille, foi pressionado a ser como seu
irmão...

— Cala a boca, menina. — sua voz agora é dura, cruel. — Se eu


quiser uma psicóloga, eu sequestro uma e a obrigo a dizer tudo o que quero

escutar.

— Vai por mim, nem sempre o que queremos escutar é o correto.

— Cuide da sua família que é melhor.

Nacho sai da cozinha, deixando seu café para trás.

Eu conversei com o Nacho sem temer até o fim da conversa

Pelo contrário... Como que eu senti compaixão pelo cara?


Do mesmo jeito que amo Lucas, mesmo sabendo que são da mesma
laia...

Pego a caneca de café, a minha consciência trouxa pedido para


levar para Nacho. E assim que eu o encontro, na varada da casa, vejo como
ele observa um cara que está no portão.

— É o meu filho. — Nacho fala, apontando para o cara que ele

estava observando. — Arman, o único que me restou.

— Sabe que posso dizer isso ao meu pai. — entrego a caneca para
ele, que dá o primeiro sorriso sincero que vi em sua face.

— Alina me arrancava confissões idiotas sem que eu percebesse.


— olha pra mim. — Arrancou uma confissão minha também.

Ele abaixa a cabeça.

— Não contarei sobre isso, não se preocupe. — sussurro.

— Obrigado. — seus olhos marejados chamam a minha atenção

novamente, quando ele olha para mim. — Andreza.


(1) Nacho

— Está sendo um martírio. — respiro fundo. — Ao mesmo tempo


penso ''talvez eles tenham merecido'', depois penso ''eu também mereço'',

estranho, não?

— Não. — sua voz sai bem fraca. — Se está vivo, merece uma
chance.

— Sempre enxergando pelo lado bom.

— Esse lado existe em você também.

Ela tosse novamente. Corro e pego um copo com água, colocando


em sua boca. Engasga e começa a tossir. O seu desespero me faz ter ódio,
ao mesmo tempo fico sem saber como trata-la.

Ela para de tossir.

— Estou bem. Ainda não sei e nem consigo engolir. — sua voz
embolada me faz ter mais raiva. — Consegui dar dois passos hoje.

— Daqui a pouco estará correndo por aí. — beijo sua mão. — Eles
vão pagar por tudo o que fizeram.

— Sandro vai pagar...


— Ele também.

— Não, eles foram mandados por Sandro. — ela começa a tossir

novamente. Tosse tanto que vomita a água que acabou de beber.

Levanto rapidamente da cama, pego uma toalha e a limpo.

— Pai, por favor...

— Alina, não pense muito nisso. — ajudo-a a levantar da cadeira


de rodas. — Eu nem deveria ter falado sobre esse assunto.

— Pai...

— Vou te limpar, Alina.

Com todo cuidado, carrego-a até o banheiro, adaptado para sua


nova condição.

Alina, a filha mais diferente que tive na vida. E não, não parece em
nada com Andreza.

Meu plano era dar uma ''boa estadia'' aquela gente. Deixar claro
quem manda ali. Mas não consegui prosseguir com Andreza e aquele bebê.
Apesar dela não parecer com minha filha, Andreza tem o mesmo olhar
suave e a voz calma, o mesmo olhar que uma hora é decidido, depois é
piedoso, e ela me escutou...

A minha intensão era dizer que Andreza lembra a minha filha,


fingir de bonzinho, depois tortura-la psicologicamente... No entanto, não
consigo, porque sim, ela lembra minha filha no jeito de ser.

E o pior que demonstrei sentimentos sinceros em nossa conversa.

Ajudo Alina a tirar a roupa, enquanto ela fica resmungando, no seu


jeito embolado, sobre eu ter que dar banho nela.

— Pelo amor de Deus, menina, eu te dei banho a infância toda.

— Eu cresci, pai.

— E eu sou seu pai. — olho para ela. — Quando eu for um idoso


que usa fralda, você e Arman terão que me dar banho também.

Ela sorri.

— Pensa que estará vivo até lá? — arqueia a sobrancelha.

Eu sempre deixei claro que sabia que morreria cedo, e não me


importava com isso... Agora que perdi tanta gente, que só me restaram
dois, eu quero continuar a viver com eles.

Arman ainda nutre aversão por mim, só se aproximou quando


soube que só me restou Alina...

Eu tenho dois filhos bons, dos cinco que tive, apenas dois são bons.
Na verdade, de todos os parentes que tive, apenas eles são bons, e
Francine... No entanto, eu sei que não sou para Francine, ela merece
alguém melhor. Vejo sua forma de viver agora, seu sorriso, sua alegria...
Nunca tivemos isso. Foi casamento arranjado por Otavio que aceitei
porque... Sei lá porque, apenas aceitei, gostei dela. Sofri por achar que
Francine tinha morrido, mas ela nunca sentiu algo por mim.

E Alina e Arman me convenceram a não insistir mais nela.

E, pela primeira vez, eu tento escutar meus filhos, os bons.

Meus outros filhos eram como eu e Guille. Na verdade, um tanto


piores, eu ainda tinha uma irmandade com Guille, amigos, um cobrindo o

outro. Agora meus outros filhos? Cada um por si. Eles amavam o fato de
saber que Arman não queria os negócios, e que Alina era quieta demais
para fazer algo contra eles ou tomar a herança.

Claro que sofri pelos meus filhos, mas eles, assim como eu, tinham
a ideia de ''mais cedo ou mais tarde morrerei, e morrerei pelos negócios''.
Meus tios, primos... Também se foram, mas como os outros da família,
eram como eu.

Alina me faz me sentir tão bem que ela tem vinte e dois anos de

idade, corpo de mulher, está debilitada, mesmo assim não sente medo por
eu dar banho nela. Ela não tem qualquer receio de estar comigo.

Passei anos da minha vida sendo visto até como estuprador, sendo
que nunca fiz algo do tipo. Culpa minha, nunca me preocupei em mostrar
inocência em algo.

— Pronto, Alina. — ajudo-a a levantar do banco. — Banho


tomado.

— Pareço uma criança. — resmunga e a carrego até seu quarto.

Pego uma roupa e a ajudo a vestir a roupa. — Não faz nada contra eles.

— Alina, se eu não fizer, eles farão.

— Eles podem ser verdadeiros. — sua voz quase não sai, é como se
ela falasse de boca fechada.

— Bandidos não são verdadeiros.

— Então não me ama?

— Mais que tudo, Alina, sabe disso. Mas eles deixaram você
assim. Você ficou em coma por meses, não anda, quase não falava, seu
rosto estava paralisado e ainda está fazendo tratamento, talvez nunca ande
novamente...

— Gente deles morreram.

— Nossa gente morreu.

— Foram tarde, pai. — ela toca meu rosto. — Eu e Arman não


gostávamos deles, sinto muito, mas não fazem falta. Eles eram ruins...

— Eu sou ruim.

— Se fosse ruim não estaria aqui, teria me abandonado, como


Sandro fez a filha dele. Pai, por favor...
— Eu não serei um molenga, Alina. Eles são traiçoeiros, e se eu
perder, você perde também, o Arman perderá.

— Eles não mataram Francine.

— Eu não sou Francine, eles me matarão.

— Pai, você sempre pode mudar, mas nunca quer...

— Eles mataram minha família, ruins ou bons...

— O sangue não é mais importante do que o coração deles. Se você


tivesse morrido, eles fariam festa e depois brigariam para pegar seu lugar.
Eu teria que fugir deles e Arman nunca apareceria aqui para não ser morto.
Sangue não é tão importante assim, mesmo que tenha aprendido isso...

Ela volta a tossir.

Acaricio as suas costas, beijo sua mão.

— Eu tenho quarenta e sete anos, Alina.

— Não parece. — seu sorriso me faz sorrir.

— Eu nasci assim, posso ter mudado alguns negócios por conta do


Arman, mas não posso mudar algo que sou.

— Porque o negócio dos seus parentes eram assim, mas agora são
seus e pode mudar.

— Eu nunca me perdoarei se deixar os assassinos da minha família


impunes.

— Eu estou ferrada e os perdoei. — suas lágrimas começam a

descer. — Pai, eu disse que se eu ficasse ao seu lado, uma hora ou outra
seríamos atingidos. Assumi o risco, mesmo que eu não tenha feito nada.
Essa é a vida. Você mandou matar Camila...

— Ela merecia morrer.

— Se não merecesse, você seria o culpado por isso, do mesmo jeito


que essa gente foi. Vocês são iguais, e talvez isso possa dar certo, pai.
Sandro é um problema, deveria aproveitar isso para terminar a guerra de
San José, para evitar mais conflitos, não causar mais guerra.

— A Calle Doce é isso.

— Guille te fez ser isso. Pela milésima vez, apenas pare de ficar
criando guerra apenas para mostrar quem manda.

— Eu preciso mostrar quem manda...

— Para de ser cabeça dura! — Alina tenta me tocar, como se fosse


me empurrar, por não ter movimento nas pernas, ela acaba caindo da cama.

Alina chora, caída no chão. Vou correndo até ela, chorando em vê-
la em uma situação tão impotente, tão diferente da menina cheia de vida
que tive há quase dois anos.

— Eles fizeram isso, Alina. — abraço-a, colocando-a no meu colo,


como um bebê.

— Vocês fizeram, vocês fizeram isso comigo. Suas guerras fazem

isso. Você fez pior com outras famílias. — ela tenta me empurrar, mas eu a
seguro apertado. — Não faça outra guerra, pai. Não há indícios que seja
mentira do Distrito, eles querem vingança, mas eles estão tentando te
ajudar também...

— São bandidos, Alina. — tento não alterar, elevar a minha voz. —


Parar de trata-los como se fossem bons. Eu odeio essa coisa de ''rouba, mas
faz''.

— Mas eles deram uma vida boa a Francine, diferente do que


Otavio fez. — fala com mais calma. — Evite mais guerras, pai. Se eles
derem motivos, ok, mas enquanto não derem, não machuque inocentes sem
ter motivos para isso.

— Eu não deveria ter falado...

— Eu estava sedada, não morta, escutei seu plano, porque confia


em mim. Então, não deixe pessoas pagarem por isso, nem mesmo Grézia.

Eu quero matar Grézia.

— Sua bondade me irrita. — beijo sua testa.

— Pai, por favor...

— Não posso mudar quem sou...


— Mas eles mudaram você.

— Preciso ir, Alina. Não posso deixar que descubram sobre uma

filha que está viva.

— Quem não pode saber?

— Sandro.

Ela sorri.

— Vá dormir, Alina, sem sorrisinhos para mim.

— Não faça mal a Andreza e a criança, ou jamais falarei com você.

Apenas saio do seu quarto, passando pela enfermeira que já está


preparando as medicações de Alina.

Eu sou o Nacho, comando uma boa parte de San José, não posso
deixar que um bando de riquinhos metidos a bandidos se aproveitem de
mim. Eles vão se aproveitar, é sempre assim. Não posso acreditar na

bondade dessa gente.

Um dia acreditei em me aliar a Sandro... Ele foi conivente na morte


de Guille.

Se confiei em um cara que conheci, que era um aliado, e esse é meu


maior inimigo agora, como posso confiar em um bando de gente que
acabei de conhecer e tem o mesmo objetivo que eu?

O poder, ter San José nas mãos.


Não, isso não é verdadeiro, nunca será.
Capítulo 8
LUCAS

— Eu não acredito que Andreza está dando assunto a esse homem!


— meu pai segura meu braço, quando faço menção de ir até os dois. —
Pai...

— De uma maneira esquisita, Nacho foi com a cara de Andreza. —


meu pai aperta meu braço com mais força. — Então, apenas pare de ter
ciúmes sem sentido.

— É do Nacho que estamos falando.

— Eu sei, mas também sou um pai que procurou Mariana por anos.

Eu reconheço outro pai, e aquele ali é um pai sem grandes esperanças, que
já perdeu muito na vida. — ele para, parecendo que pensa em algo. — O
que é estranho ter compaixão por Nacho, deveríamos estar nos matando
nesse momento.

— É, e por isso eu acho uma burrice parar com planos contra ele.
— agora que me acalmo mais, meu pai solta o meu braço. — Muita
calmaria nunca soou de maneira correta, ainda mais estando no mesmo teto
com Nacho.

— Sim, sabemos disso, no entanto, precisamos levar em

consideração que ele precisa mais do que todos nós. Quer dizer, nós dois,
Yazid e Chino estamos precisando mais que o próprio Nacho, no entanto,
faz de conta que ainda temos algo a mais que ele.

— Eu só não sei se Nacho tem a consciência de, simplesmente,

deixar todo esse assunto para trás apenas para derrotar Sandro.

— Temos que torcer para que ele entenda que Sandro é o real
culpado. — meu pai aperta meu ombro. — E, de qualquer maneira, a
família dele morreria em algum momento. É a vida que levamos, nem
todos chegarão a velhice.

Respiro fundo, olhando para Andreza, que agora está sozinha, já


que Nacho se afastou e, possivelmente, está saindo de casa.

— E você, veja se faz algo certo agora. — olho para meu pai. — É

uma boa garota, não merecia nada disso que um moleque fez.

— Pai, eu já disse que me arrependo.

— Falar não basta. Olhe tudo o que fiz por você e Mariana.

— Andreza não quer nem que eu fique a dois passos dela. Parece
que nos daremos bem, logo após ela praticamente me expulsa de perto
dela.
— Correr atrás de quem ama nunca será uma fraqueza. Entendo
bem a nossa vida, nada de amor, nada de ensinamentos sobre sentimentos,

choro é frescura, ''seja forte'', ''não chore como uma mulherzinha''. Mas, às
vezes, precisamos chorar, nem que seja sozinho. Eu lembro quando
encontrei Mariana, tentei passar a pose de homem forte, macho alfa, mas
acabei chorando, depois disso eu jurei que não faria mais nada daquilo,

porque me fez sentir impotente diante de uma gangue como a do Distrito.


Até que o próprio Anthony apenas apertou meu ombro e deu um sorriso
simpático, me deixando sozinho ali. E preciso falar, ele chorou quando
Jorge morreu, eu o encontrei lamentando o que o irmão dele havia se
tornado. Essa é a nossa vida, precisando esconder sentimentos até de quem
amamos, para não demonstrar fraqueza, mas tem horas que precisamos.
Não será um cara fraco se correr atrás de quem ama, se levar um ''não''.
Claro, se Andreza não te quiser mesmo, não apoio que vire um psicopata

atrás da mulher que ama, mas se ela demonstrar que quer, não vejo
motivos para não tentar.

— Eu sinto que decepcionei muitas pessoas, e por mais que eu veja


que Andreza ainda me quer, que me ama, eu penso em como fui um
babaca escroto com ela, então vejo o seu olhar ficando feliz e depois
entristecendo, sei que abri uma ferida nela, que talvez nunca cicatrize.

— Quando amamos alguém, perdoamos. Não significa que


passaremos a mão por sua cabeça e diremos que não foi nada demais, mas
creio que perdoam.

— Espero que sim. — respiro fundo, voltando a olhar para Andreza


e vendo como ela parece pensativa, ainda olhando para o caminho que
Nacho fez para sair dali, do seu lado. — Qual a probabilidade de Andreza
estar indo muito com a cara de Nacho?

— Acho que não dessa maneira que você está pensando, no


entanto, talvez ela se aproveite disso. Afinal, eu acho que ela teve mais
ciúme de você do que você dela. Algumas mulheres gostam dessa
sensação, de ver alguém sofrendo por elas.

— Até parece que viveu muito o amor para passar por tanta coisa
assim.

— Não vivi, mas vi pessoas ao meu redor vivendo, então. — dá de


ombros. — Vá falar com Andreza, enquanto tento pensar com Chino sobre

como chegaremos em Grézia.

Dá dois tapinhas nas minhas costas, depois se afasta.

Volto a olhar para Andreza novamente, dessa vez ela está de


cabeça baixa. Tiro toda a minha raiva por vê-la tão próxima a Nacho e vou
até ela.

Assim que abro a porta, ela me encara, mudando toda a sua


postura, seu semblante, parecendo ter raiva.

— Oi. — falo com ela.

— Oi. — responde, em um tom seco.

— Vamos ficar nessa por quanto tempo? — sento ao seu lado. —


Eu acho que deveríamos nos apoiar, já que estamos em território inimigo.
Se bem que você parece bem próxima ao inimigo. — seu sorrisinho me

irrita. — Não é uma boa ideia brincar de fazer ciúme usando o Nacho.

— Eu não sou uma garota idiota, Lucas. Eu não brinco com


pessoas, com seus sentimentos, sou crescida demais para isso.

Merecido!

— Andreza, tente me entender, passei tempos remoendo a merda


que fiz, quando finalmente tive coragem de desabafar, eu te encontro
muito próxima ao cara que pode querer nos matar? E você me evita.

— Eu não te evito, se te evitasse não estaria mais aqui, ao seu lado.

— Mas não é como antigamente.

— Aí você já pede demais.

— Mas porque aceita o Nacho e não a mim?

— Eu não aceito o Nacho! — rosna. — Ele apenas disse que


lembro a filha dele, e parece sincero. Cara, vocês mataram a família dele.
Mesmo que fosse tudo um esquema, não eram eles os verdadeiros
culpados.

— É um plano, Andreza. Um plano de te comover e te usar depois.

— Eu não serei usada, porque a única pessoa que me usou foi você,
Lucas. E eu deixei por amor, porque fui cega. Ninguém além de você me
usou.

— Quando esqueceremos isso?

— Não sei, Lucas. Eu acho que exijo demais sua sensatez, você
não foi criado para isso, ao mesmo tempo eu vejo que você ainda não é
sincero em tudo.

— Porra, isso é sério? Eu falei tanto, estou vindo atrás...

— Você me coloca na frente porque você não quer pensar em sua


mãe...

— De novo esse assunto?

— Sim, de novo! Você quer me usar de novo, Lucas, como me


usou antes, é inconsciente. Lembra quando disse que você me usou porque
eu te dei a paz de não pensar em guerra, conflitos? Agora é igual, você me
quer para não pensar nessa treta toda.

— Você realmente não acredita que eu te amo.

— Eu acredito, não acho que correria tanto atrás de mim se não


sentisse algo, até porque era só ir atrás de outra mulher. No entanto, você
me quer para ter um pouco de paz, não quer pensar na sua vida ao todo. Eu
poderia aceitar isso se fosse para seu bem, mas não é e você não quer falar

sobre o assunto.

— Então me diga uma solução, Andreza. Minha mãe armou para


parecer que te traí, colocou uma criança desconhecida na minha vida, e
tirou de mim logo após. Ela ferrou com minha vida na minha gangue,

talvez meus próprios parceiros queiram me matar agora. Ela matou a mãe
da criança e a colocou para morar em um presídio com Grézia. Dê uma
solução melhor que mata-la.

— Mande outro matar.

— A responsabilidade é minha.

— Porque você ainda nutre um sentimento por ela.

— Não, ela ferrou com minha vida.

— Mas nem sempre foi assim, e essa parte da sua vida onde ela não

foi ruim, faz com que você não consiga pensar em mata-la. E falar sobre
esse assunto te faz parecer fraco. É engraçado, eu reclamava tanto da
minha vida para você e você odiava. Você não quer reclamar, mas eu
persisto em querer te escutar e cuidar de você.

— Por isso eu te amo e sei como fui um escroto, um ser humano


terrível com você.
— Terrível não, ninguém é obrigado a escutar o outro. No entanto,
o que posso fazer? Pessoas evoluem, só espero sua evolução para entender

que tristeza, medo, não são frescuras. — segura a minha mão. — Fale,
como seremos felizes se esconde sentimentos? Se não pode desabafar
comigo?

Aí eu lembro de todos os ensinamentos da Calle Veintitrés.

Por mais que pareça uma idiotice, eu não fui criado para ser tão
emotivo, para ficar falando o que sinto... Os ensinamentos foram para
matar, traficar, ser um líder impiedoso...

— Eu tive uma namorada antes de sair de San José e ir a


Candelária. Era fácil com ela, talvez por isso eu seja tão travado com você.

— Eu não te acho travado.

Respiro fundo novamente.

— Calle Veintitrés tem algo bem dominante. Se formos falar com

moradores, sempre falarão como se fossemos uns monstros. Eu, o filho do


El Doctorado, sou temido só pela fama que o povo nos dá, e para eles
precisamos parecer como vilões. Quero dizer, amados por sermos tão ruins
que vamos proteger o país, meio estranho, é complicado. Mas tem muitas
garotas que vão se ajoelhar aos seus pés e obedecerão ordens. Às vezes
pelo fetiche de estar com alguém que tem poder, para ter o poder, ou
porque os pais obrigaram a isso. É bastante complicado, para falar a

verdade. Então essa minha namorada era o tipo que apenas ficava calada, e

quando eu falava algo, ela sempre concordava. Então não, nunca tive a
experiência de desabafar com alguém. Eu e Chino somos iguais, então
nada de desabafar, meu pai já tinha preocupações demais e não queria
atrapalha-lo, Yazid sempre ocupado fazendo negócios, então só restava...

— Sua mãe.

Esfrego meus olhos nesse momento.

— Eu acho que talvez você não odiasse meus assuntos, porque


você não demonstrava raiva. Eu acho que você odiava o fato de não
conseguir conversar. Meus problemas ''menores'' eram falados, os seus
maiores eram abafados porque você se sente mal ao falar da sua mãe. É
algo mais seu do que meu, Lucas. É um ambiente bastante opressor, e não
estou aqui para mudar nada do Distrito ou da Veintitrés, mas precisamos

falar sobre o fato de homens não poderem demonstrar fraqueza e medo.

— Faça psicologia. — tento mudar de assunto.

— Não! Eu tenho tantos problemas, não conseguirei ouvir o


problema de tantas pessoas.

— Mas você escuta tão bem a todos.

— É, mas... — sua vez de respirar fundo. — Não sei, eu sempre


sinto como se eu não tivesse qualquer vocação. Sou um horror com
números e fórmulas químicas, detesto ensinar pessoas, não sou tão expert

em tecnologias, sinto-me perdida na vida. Me encontro apenas com meu


filho, mas não quero ser apenas mãe.

— Pode ser minha mulher também.

— Ai, Lucas. — bate em minha mão. — Quando confiar em mim

para conversar, eu pensarei no assunto.

— Chantagista.

— Grande novidade. — levanta do meu lado. — Agradeça porque


ainda aceito uma conversa.

— E porque me ama.

— Ah, Jesus! — resmunga.

— Me ama pra caralho!

— Também não exagere tanto. — entra na casa, deixando-me


sozinho.

Olho um pouco para o local onde estamos.

Calle Doce, nunca imaginei...

Levanto do chão e entro na casa, indo a procura de Chino.

Em breve, muito em breve, essa calmaria terminará. Mas terminará


apenas para Sandro ou teremos uma briga com Nacho também?

ANDREZA

Estar em um shopping de San José foi algo que nunca imaginei


fazer.

Já são cinco dias desde que chegamos aqui, eu e Lizandra quase


choramos de tanto tédio. San José faz um calor absurdo, nem o ar
condicionado foi capaz de nos trazer qualquer frescor, ou gelo. Juntou o
tédio e calor e não aguentávamos mais.

Um shopping em um território da Calle Doce... Não é um grande

shopping, mas é o que temos para hoje.

— Eu nunca imaginei algo assim, sendo sincera. — falo com


Lizandra. — Sempre odiei shopping, e agora o que me traz alívio é um
shopping.

— Em San José. — ela complementa. — Sério, quis tanto sair


daqui, voltar para esse local depois de alguns anos é meio estranho.
— Estranho é ver como esse local é habitável. — Marcelo fica ao
meu lado. — Eu não imaginei uma San José assim. Sério, se nossa família

investir pesado nesse local... Espero que invistam.

— Só acho a TV daqui uma bosta. — sussurro.

— O governo controla todas as mídias locais, imagina se alguém


faz uma propaganda contra eles? — Lizandra explica. — Afinal, os caras

vão em quem der mais vantagens, uma hora a Doce, depois a Veintitrés, e
assim vão vivendo.

— Ah, Henrique! — resmungo quando começo a sentir o seu mau


cheiro. — E você ainda ri?

Henrique dá risada quando eu faço um muxoxo.

— Preciso trocar a fralda dele. — aviso ao segurança que está


conosco.

— Fraldário a frente. — ele aponta para uma placa com a seta

apontando para o local.

E eu sou seguida até lá.

Nada diferente de antigamente, quer dizer, agora são seguranças da


Doce e do Distrito.

Entro no fraldário junto com Lizandra, que entrou para retocar sua
maquiagem no espelho.
Abaixo-me para procurar a fralda e o lenço umedecido na bolsa.

— Meu senhor Jesus Cristo! — o espanto de Lizandra me faz olhar

para ela, e quando vejo o reflexo no espelho...

— Deus! — levo a mão a boca, assustada com tudo, tão assustada


que me esbarro na bolsa e tudo cai no chão, e nem tenho reação para pegar.

— Sem escândalo, por favor. — faz um sinal de ''silêncio''. — Sim,

sou eu, na versão loira e de óculos escuros, pele um tanto mais clara pela
falta de sol...

— Tia Helena? — sussurro.

— Bom, meninas. — ela se aproxima, e eu ainda estou espantada


com tudo isso. — Precisamos passar informações.

Levanto a minha mão e toco no seu rosto.

— Em carne e osso. — ela fala. — Sem medo, não abraçará uma


fantasma.

Tia Helena abre os braços, ainda estou espantada com tudo.

— Mas você tinha morrido. — falo atropelando as palavras. —


Sido enterrada...

— Pior momento da minha vida, saber que fui enterrada foi


horrível, ainda bem que me tiraram antes mesmo que eu tivesse com os
olhos abertos. Então, abraço na sua tia?
Ainda trêmula, eu a abraço, e quando sinto que é real... Eu não sei
explicar, passo de surpresa, espantada, para uma garota chorona em seus

braços. Tia Helena acaricia as minhas costas enquanto murmura palavras


bonitas, mas com a voz ainda embargada com o choro.

— Denise sabe? — olho para ela.

— Ainda não. Na verdade, só Anthony e Cássio sabem disso.

— Espera aí, eles participaram do plano?

— No dia da ''morte'' não, no dia seguinte sim. Ter que enganar


Denise foi doloroso, mas fácil, ela estaria muito mal para perceber
qualquer falsificação naquela encenação toda, para perceber como aquilo
era uma ótima maquiagem, o sangue foi verdadeiro, mas de outra pessoa.
Um segurança acabou segurando Denise para que ela não ficasse tão
próxima ao meu corpo para notar algo estranho. Mas Anthony e Cássio?
Quem pararia os dois? Imaginamos algo assim, eles descobriram tudo e

continuaram o plano deles, a partir daí, nossas ideias se misturaram. Eles


explicarão melhor que eu, mas, vamos ao assunto. — sua postura muda,
ficando mais séria. — Você sabe, Andreza, por mais que diga que não
serve para nada, você é a melhor garota para cuidar e passar informações
em reuniões.

— Eu ainda estou tonta, não entendo nada, mas ok. — olho para
Lizandra, tão espantada quanto eu. — É, seremos as informantes do que
quer que seja esse assunto.

— Eu já sei onde Fatima e Miranda estão, a mãe e tia de Lucas. E


estão com pessoas importantes para ele. É só ele chegar e creio que Lucas
saberá o que fazer após isso. Temos como atacar. Pela primeira vez, temos
como atacar pessoas importantes da Veintitrés.
Capítulo 9
ANDREZA

Minha cabeça ainda está girando após toda a informação, ainda


mais com minha tia a minha frente.

Uma tia que estava morta para todos nós, quer dizer, menos para
os mais importantes do Distrito...

— Andreza, você me escuta? — tia Helena segura meus dois


braços e me sacode.

— Sim, claro. — respondo. — Escutei e entendi tudo.

— Você sempre foi boa em passar informações sigilosas, então,

fale disso com seu pai, em breve trago mais informações para vocês, ok?

— Ok.

— E fale com Denise também, diga que sinto muito por tudo, mas
se ela soubesse que eu estava viva naquele dia, o plano não seria tão
convincente como deve ser.

— Ela está obstinada a entrar de vez no Distrito.


— Sim, sei que sim. — ela suspira, agora parecendo culpada. —
Não deveria ser desse modo, mas sabíamos que Anthony viria para San

José, e se ele viesse para cá, não teria tanta gente importante do Distrito na
Candelária. Forjar mortes nos deixaram invisíveis tanto na Candelária,
quanto aqui. Eles têm pessoas para passarem por todos esses lados. —
segura a minha mão bem apertado. — Eles pensaram que recuamos da

Candelária, Anthony deu a entender isso, mas ele jamais perderia, jamais
deixaria tudo de mãos beijadas. Família Garcia e Juarez tem fome de
poder, não tem medo da guerra, mas ainda vão colocar seus familiares em
locais seguros. Porém, nunca recuam. E agora, agindo desse modo,
conseguimos ver cada passo sem desconfiarem, em breve derrubaremos
um por um. Pra começar, seu namorado precisará derrubar a mãe e a tia,
pegar o grupo dele de volta. Se Lucas reconquistar a confiança de uma
parte da Veintitrés, tenha certeza, Andreza, uma boa parte dos nossos

problemas estarão resolvidos.

(...)
— Vocês só me dão netos brancos! — meu pai fala, enquanto fecha
o macacão de Rick, e enquanto ele tenta retirar o pacote de lenço

umedecido da boca do neto. — Sempre brancos.

— Olha quem fala, o homem que casou com a loira dos olhos
azuis.

Meu pai olha pra mim enquanto carrega o neto. É um grande

contraste, meu pai é enorme, deve ter quase dois metros de altura, e é
musculoso, nada exagerado, mas tem músculos; com seu neto pequeno e
fofo. É engraçado quando eu lembro o meu pai chegando para me buscar
no colégio, acho que nunca pensaram que meu pai fosse tão diferente de
mim.

— Acho que relacionamento inter-racial faz parte da família


Garcia. Natasha tem o mais branco de todos.

— Ninguém dessa família bate a brancura do Álvaro. O seu plano

com tio Cássio de escurecer a família não é tão bom assim.

— Seu avô ficaria puto...

— Não xinga perto do meu filho, pai!

— Eu acho incrível como essas mães são tão atenciosas e educadas,


mas sempre se envolvem com os errados. Isso é incrível!

— Pronto, falaremos de Lucas agora?


A sua resposta é apontando para a cama, para que eu sente nela.
Faço o que ele pede, no mesmo momento ele faz uma barreira de

travesseiros para Rick e coloca-o deitado nela, com um chocalho para


distraí-lo.

— Andreza, do jeito que e chamou para conversar, imagino sobre o


que seja o assunto. — tia Helena. — Mas, antes disso, precisamos falar

sobre Lucas. Sua mãe queria vir no meu lugar, mas ela é muito delicada
para isso e quero ser direto com a realidade.

Eu tive que chamar meu pai para vir até aqui, porque Nacho não
confia em minhas saídas. Ele acha que tramarei um plano contra ele, para
mata-lo, então, conversas serão feitas aqui dentro. O que é horrível, por
que, como falarei de tia Helena viva, se essa casa pode ter escutas?

— O que aconteceu para que evite Lucas?

Suspiro.

— Resumindo, ele basicamente não se importou com meus


problemas pessoais, fizemos coisas, apaixonei mais, no fim ele acabou
falando que não suporta escutar meus dramas, teve o lance da gravidez da
outra mulher, depois ele tentou se redimir dizendo que me ama, eu achei
que ele tinha mais interesse no Distrito que em mim, agora acredito que ele
apenas não entende nada de questões psicológicas, porque gangster não
sabe ser sentimental com sentimento alheio, eu o amo, mas gosto de evita-
lo porque, sei lá, sou rancorosa.

— Mulheres são todas iguais, tudo sem coração.

— Ei!

— É a verdade, Andreza, nada está bom para vocês. Erramos, e


quando pedimos desculpas, pisam ainda mais.

— Ninguém mandou fazer merda. Vamos ser sinceros, quando a


mulher erra, são poucos os homens que perdoam. Homem tem o ego mais
elevado, parece que perdoar erro de mulher os tornam mais ''fracos''. Então
sim, somos mais ''frias'', pelo menos eu.

— E o resto das mulheres Garcias. Esqueci o aniversário da sua


mãe uma vez e ela me ignorou por uma semana, e quando me ''perdoou''.
— faz aspas no ar. — Só sabia falar ''hum'', ''sei'', ''ok''. Vocês são frias!

— Mas o que está acontecendo? — levanto da cama, abro os

braços, parecendo exasperada. — Está defendendo Lucas? Eu imaginei


isso de qualquer um, menos do meu pai. Na verdade, esperei que fosse até
Lucas e quebrasse a cara dele em duas partes iguais, ou diferentes, tanto
faz.

— Se quiser, eu faço isso.

— Não, não precisa. — agora peço calma, já que falou sério. — Se


não é um sogro como Cássio, que pelo menos seja indiferente como Rene é
com Pedro. Nem ama e nem odeia.

— Ok, então não quebrarei a cara do pai do meu neto.

— Obrigada.

— Mas precisamos falar sobre a sua autoestima, melhor dizendo, a


falta dela.

— Ai, pai, por favor. — sento novamente na cama, preparando-me


para ele me encher de coragem e eu ficar revirando os olhos para sua
motivação.

Ele sempre me incentivou, sabe dos meus problemas, mas é aquilo,


ele confia em mim, eu que não confio em mim mesma, não acredito em
meu potencial.

— Não, não vou ficar falando das suas qualidades porque você
parece odiar todas elas ou não acredita em mim. Sua mãe conversou

comigo.

— Aposto que ela gritou.

— Sua mãe nem pode gritar comigo. — bufa. — Uma mulher


gritando comigo?

— Dona Christina gritou sim, aposto! Não negue!

— Ela falou firme.


— Gritou!

— Falou alto, apenas.

— Dona Tina sempre grita quando quer ser escutada, depois ela
fala firme. Minha mãe gritou sim, aposto!

— Ela nem é louca de gritar comigo. Quer dizer, louca ela é...

— Eu ligo para ela e ela me confirmará.

— E daí se ela tiver gritado? — agora ele assume. — É minha


esposa, a esposa que eu conheci fazendo barraco no colégio, eu já sabia
com o tipo de louca que estava me envolvendo.

Eu lembro essas histórias. Ela rica, meu pai pobre, quer dizer, era
visto como pobre por ter vindo da favela, mas o pai dele já estava no
tráfico, logo, ele estava ganhando dinheiro.

Meu avô queria mais dinheiro e já estava se juntando ao pai da


minha mãe. Meu pai achou que minha mãe era uma patricinha esnobe, e

ela estava lá, na porta do colégio mais caro da Candelária, batendo em uma
colega por causa de futebol.

Christina jogava futebol no colégio, e a outra garota deu uma


bolada na cara dela de propósito, depois deu um ''carrinho'' e levou minha
mãe ao chão. No dia do primeiro encontro deles, meu pai teve que separar
uma Christina enfurecida em cima da colega dela... É, ele sabia no que
estava se metendo.

— Eu amo isso, cara! — meu pai até faz uma carranca para minha

animação. — Ah, qual foi? É engraçado que vocês não aceitam grito dos
outros, mas a mulher fala mais alto e vocês aceitam.

— E pra que eu vou gritar? Pra sua mãe me ignorar por uma
semana?

— Quem manda não querer escutar? Aí ela grita para ser escutada.
Quer saber? No fundo vocês são todos iguais! Nunca escutam as mulheres,
só quando o assunto é de negócio. Vocês são surdos para várias coisas que
contamos.

— Vocês são fofoqueiras na maior parte do tempo.

— Pedro é mais fofoqueiro que eu!

— Ele e Samuel, só por Deus! Parecem duas matracas quando o


assunto é vida alheia, não sei como Pedro aguentou saber sobre Álvaro e

não ir correndo contar a Natasha.

— Mari o impediu, sim, ela falou que se Pedro contasse, ela falaria
com Rene para quebrar a cara dele. Pedro disse que recuou por respeito a
Mari, não por medo do sogro.

— Eu digo, dois fofoqueiros, as vizinhas perdem feio para Samuel


e Pedro. Mas voltando ao assunto, que você não me manipula, Andreza!
— Eu estava matando a saudade de um dialogo saudável com o
amor da minha vida que chamo de pai. — mostro os dentes, em um

sorriso. — Senti sua falta, Lebron James.

— Se eu tivesse a mesma habilidade que ele, eu não iria querer,


ganho mais dinheiro traficando.

— Que tipo de exemplo a futura geração terá?

— Não mude de assunto, Andreza. — sua vez de sorrir. — Vamos


lá, se mudar de assunto, eu tiro seu celular e notebook.

— Pai, eu sou grandinha e tenho um filho...

— Não me importo, serei seu pai para todo o sempre!

— Pai...

— Talvez a culpa seja minha, Andreza. — paro de protestar, não


entendendo tão bem o que ele quer dizer com isso. — Tenho quatro
meninos, e você foi a única menina, e ainda é a caçula. Os garotos sempre

estiveram ao meu lado, quer dizer, quando foram crescendo vieram de vez
para o meu lado. Você não. Por ser minha única filha, tratei como uma
princesinha. Não queria mima-la para não virar uma patricinha
insuportável, mas eu coloquei uma superproteção em cima de você. Os
garotos sempre foram protegidos, mas eu os obriguei a serem fortes,
obriguei tanto que Júlio passou por toda aquela barra, e não contou porque
tinha que ser forte a todo momento.

Eu sei que meu pai se culpa sobre Júlio. Colocou uma carga

enorme, uma responsabilidade gigantesca nas costas do filho mais velho, e


nunca perguntou se ele queria aquilo para sua vida, e Júlio, que aprendeu a
ser líder e responsável por todos, sempre acreditou que aquilo era o certo a
ser feito. E não, Júlio não quer ser líder de qualquer gangue, nunca quis.

— Mas com você não, Andreza. Eu super protegi você, de todo o


mal. Quando chegava em casa chorando porque alguém falou mal de você,
fez uma piada de mal gosto, ao invés de te incentivar a bater de frente, eu
mandava seus irmãos resolverem o problema, que sempre era com
violência ou ameaças. Eu te via fragilizada e tinha pena, não queria que
ficasse mais triste, pois te olhava e não achava capaz de bater de frente e se
defender. Não te incentivei a lutar.

Eram sempre palavras motivadoras, quase um livro de autoajuda

ambulante.

— Conforme foi crescendo, precisei te ensinar a se defender,


precisei te ensinar a usar armas, a lutar, mas sempre torcendo para que não
precisasse de nada daquilo, mas seus irmãos? Eu queria ensina-los amava
vê-los lutando. Mas você não, eu torcia para que nunca precisasse de nada
daquilo. Os garotos sempre tiveram seguranças ao redor, mas você sempre
tinha mais. Tratei os garotos como guerreiros fortes, e você como uma
garota indefesa. Acho que tanta proteção, não te fez crescer, te fez achar

que é indefesa que nunca conseguirá nada sozinha.

Sim, ele tem razão. Sempre que tentei fazer algo sozinha, alguém
aparecia para fazer por mim. Por isso quis sair de perto deles quando tive
Rick, quis crescer sozinha, mas sempre preciso voltar para eles, para o
Distrito...

— Cássio e Jorge praticamente foram obrigados a ensinar as


garotas sobre os negócios. Fomos ensinados que os homens comandam.
Cássio tem Samuel de filho, mas sabemos bem que ele não quer nada com
o Distrito, Jorge só teve meninas. E nenhuma delas quis contato direto com
os negócios. Sobrou pra mim, tive que ensinar os garotos, e você, como
única menina, foi deixada de lado. Mas falando sobre Lucas, depois eu
volto sobre o Distrito. Você o ama?

— Sim. — respondo, mesmo estando confusa com a mudança

súbita de assunto.

— O que ele te fez magoou muito?

— Não tanto quanto eu pensei que magoaria. — sou sincera na


resposta. — Ele jura que não me traiu e quer pegar a criança e provar que
não é dele, ele sempre se defendeu tanto sobre isso que acredito nessa parte
da história. Pensei que o interesse dele fosse no Distrito, mas se fosse, era
mais fácil ele ficar comigo, que lutar pelo lugar dele na Veintitrés.

— Eu ofereci ajuda a ele, Andreza, ele não aceitou.

— Que tipo de ajuda?

— Dinheiro para que ele vivesse ao seu lado e o de Rick, sem


precisar lutar pela Veintitrés. Dei um lugar para ele no Distrito, mas negou.
Lucas tem os ideais dele, assim como eu. Eu nunca deixaria que Jorge

pegasse meu lugar, se um dia ele pegasse, eu lutaria contra ele, mesmo
tendo dinheiro para viver sem o Distrito, pela honra, eu lutaria para ter
meu lugar de volta. E Lucas é obstinado, quer o dele, quer justiça por tudo
o que ele fez para aquela gente e como foi enganado e quase morto. Então
não, não é pelo Distrito.

Fico feliz por isso. Eu já acreditava que Lucas não me queria pelo
Distrito, mas escutar isso da boca do meu pai, torna ainda mais verdadeiro.

— A única coisa que restou foi o fato de Lucas não ter ligado para

aquilo que ele chama de drama, mas, agora, também entendo o lado dele.

— E qual o lado dele? — indaga.

— O mesmo que o seu, Júlio, Pedro, Álvaro, o lado de todos esses


homens que nasceram e cresceram para estar em um negócio sangrento.
Vocês estão ocupados demais, focados demais, e foram ensinados a serem
frios, não tem tempo para essas questões sentimentais e psicológicas.
— Exatamente. Matamos pessoas, como vamos pensar em nossas
próprias questões? Cada um tem traumas, tem sequelas e tristezas, mas

sempre precisamos deixar isso de lado. Aposto que tem pessoas que olham
para Júlio e pensam ''Por que ele pensa tanto em uma ex que não o fez
bem?'', mas só ele sabe o que passou. Mas é isso, não fomos ensinados a
falar de tristezas, a abrir a boca para falarmos de algo sentimental. Então,

talvez o seu problema com peso, aparência, seja visto como frescura para
um cara que terá que fazer a própria mãe sofrer.

— Você também pensa isso de Lucas? Que ele tem essa questão,
mas prefere ficar calado?

— São anos nesse negócio, eu via que Júlio não estava bem, mas
nunca entendi o motivo, pensei que era sobre todas as namoradas que
nunca deram certo, jamais imaginei que era aquela história. Mas sabendo
desde sempre a história de Lucas, a história do Chino, sei que ambos

sofrem calados, porque não fomos ensinados a falar sobre sentimentos. —


agora ele ajoelha, ficando a minha frente. — E vai por mim, Andreza, eu
nunca defenderia um cara que magoou ou que aparenta que vai magoar a
minha filha, mas Lucas te ama. Já conversamos várias vezes sobre o
assunto, eu nunca te contei, ele nunca te contou, mas sempre vi o amor que
ele tem por você, e eu impedi que vocês se conhecessem de uma maneira
normal. Talvez se eu deixasse acontecer naturalmente, nada disso teria
existido.

— Do que está falando?

— Eu fui tão super protetor que liberei o relacionamento de Pedro e


Mariana, mas falei sobre os perigos de namorar o filho de Rene, porque eu
não queria um alvo na sua cabeça. No entanto, vocês se aproximaram em
um momento de tensão, um momento onde Lucas estava ferido e ele só

queria descanso, e aposto, pensar na própria vida, pensar na mãe que o


traiu, no padrinho, que ele considerava um segundo pai, querer mata-lo
junto a sua mãe e tia. Você viu um momento de ser mais amiga dele, ele
viu um momento de pensar na vida. Ficaram juntos no pior momento, onde
ambos não tinham cabeça para tal coisa. Se fosse de outra maneira, no
momento que tínhamos calma...

— Já passou, de qualquer maneira. — forço um sorriso.

— Não tenha rancor, Andreza. Essa coisa de fazer alguém rastejar,

de fazer alguém sofrer como você sofreu, só vale para quem te magoou de
maneira extrema, ou nem isso, diria que serve para alguém que te causou
muito, mas muito mal mesmo, tipo um inimigo. Mas um amor? Uma
pessoa que você ama? — nega com a cabeça. — Todos erram, eu errei
com você, você já deve ter errado com outro alguém. Por que
menosprezar? Para fazer o outro sofrer? Você se sente bem com isso? —
não respondo. — Lucas não menosprezou a sua dor porque ele quis, ele
tinha questões dele, que deve considerar mais fortes que a sua, no entanto,

ele até hoje não fala das questões dele, Lucas não foi ensinado a falar de

sentimentos. O próprio El Doctorado chorou ao ver Mariana, mas sempre


pareceu forte estando ao redor de bandidos. Ele só desabou na frente da
filha, mas tratou de se recompor. É isso que somos, querendo ou não. —
entendo bem o que ele diz. — Não deixe o rancor de algo que você

entende, passar por cima dos sentimentos bons que tem em seu coração.

Beija minha mão.

— Não sabemos o dia de amanhã, Andreza. Hoje Lucas está aqui, e


amanhã? Miguel estava ao nosso lado, sempre brincamos com ele,
tratamos como filho, um irmão, ele morreu sabendo que não era apenas um
cara do Distrito, era mais que isso. A sua morte doeu muito, mas ele foi
amado por todos, por seus pais, irmãos, tios e primos. Mas e se ele
morresse sem termo falado algo de bom para ele? Se ele morresse pelo

Distrito, trabalhando conosco, sem saber que era mais que um soldado
armado? Lucas não faz tudo isso por ele. Ele não é um impulsivo junto a
Chino por sua causa e de Rick. A raiva deles é tão grande que jamais
pensariam neles mesmos. Lucas pensa na família que quer ter ao seu lado,
e Chino pensa na família do amigo. Então, pense nisso, o rancor é tão
grande que não pode enxergar que Lucas sofre tanto quanto você, e que te
ama? Ele pode morrer a qualquer momento, qualquer um pode, na verdade,
mas ele tem um alvo na cabeça, vai ficar esse tempo todo nessa de ''se
rasteje'' apenas para fazê-lo sofrer?

Meu pai enxuga as lágrimas que nem eu percebi que eu estava


derramando.

— E voltando ao assunto do Distrito, perdoe-me, Andreza.

— Perdoar o que? — de novo uma mudança súbita de assunto.

— Não te fazer enxergar a garota foda que você é. Sua mãe


conversou comigo, disse que você se acha incapaz, que não encontra seu
lugar nesse mundo, mas preciso dizer algo em voz alta, que pensei que já
tivesse percebido isso há muito tempo. Você se acha uma babá, não é?

— Sim. — respondo, já que pediu para falar em voz alta.

— Você é mais que isso, muito mais. Nunca percebeu quão foda
você é. Você sempre é chamada para ficar com pessoas que precisam de
segurança. Você foi chamada para estar com Mariana na fazenda, você

falava diretamente com Torres, o chefe da segurança. Estava ali, de olho


em tudo. Posteriormente com Jade, depois com todas as garotas e Samuel,
sempre você. Com as crianças não era sobre ser babá, porque se fosse,
chamariam a Tina que teve cinco filhos e entende mais do assunto, sempre
foi sobre você passar a segurança para as pessoas que precisavam ser
cuidadas, vigiadas. Você conhecer bem os seguranças da casa, mandar e
desmandar em suas ações. Você via um ponto cego e falava com Torres,

que já resolvia o problema. Você sabe os locais que temos para fugir, os

esconderijos, poderia fugir com as pessoas em segundos. Sabe usar uma


arma, sabe mandar, sabe acalmar.

— Eu nunca percebi nada disso, sempre fiz, mas...

— Mas sempre achou que era uma babá. Sua autoestima é baixa e

nunca percebeu que é muito mais que uma babá. E como você sempre agiu
corretamente, na minha cabeça, você entendia o que acontecia. Você passa
recados, hoje mesmo passou um importante, porque até aquela pessoa
confia no seu potencial de saber falar. — ele se refere a tia Helena. —
Nem mesmo Denise foi escolhida para isso. Você não é vista como
''princesinha do Distrito'' só por ser minha filha, e sim porque você faz
parte do assunto, do seu jeito calmo, parecendo uma garotinha, você faz
bem o seu papel. Não é sobre fragilidade, é como você é diferente dos

outros membros.

— Eu sou membro do Distrito?

— Como eu disse, pensei que já tivesse entendido sobre esse


assunto. Erro meu não ter falado em voz alta. Mas você, Andreza, faz mais
parte do Distrito que Denise. Você sempre soube dos planos, muitas vezes
nem os garotos sabiam, mas assim que eles sabiam, eu também contava a
você, ou eles contavam logo após. Nenhuma outra garota soube tanto
assim. Cada fuga, cada esquema, cada captura, você sabia de tudo antes

para ir se preparando. É só pensar, tinham momentos que você precisava

falar com Júlio, o sucessor do Distrito, e quem sabia primeiro? Lógico,


você, para poder passar despercebida e chegar nele, passar informações.
Mesmo que não seja da luta, das armas, você tem um local no Distrito,
Andreza. Mais que qualquer outra garota, você é importante no Distrito.

Talvez tenha procurado demais seu local no mundo, e não tenha percebido
que você já tem um local, o Distrito é o seu lugar. — meu coração acelera
cada vez mais. — Você é respeitada e acatam suas ordens, você é um
membro do Distrito. Pra falar a verdade, você é a única mulher de grande
importância e influência do Distrito.
Capítulo 10
ANDREZA

Ainda é uma surpresa saber que sou um membro do Distrito. A


única mulher com importância para a gangue.

— Isso é sério mesmo? — pergunto, ainda confusa e um tanto


cética quanto a isso. — Eu? Andreza?

— Sim, Andreza, você. — meu pai repete, agora sorrindo


amplamente para mim. — Não falo isso apenas para que se sinta bem,
forte. Falo porque é a verdade. Pense bem, lembre toda a sua vida, e verá
que tudo tem sentido. Suas saídas para falar com seus irmãos, sempre

cuidando de quem precisava de proteção, sempre nas casas ou nas viagens


com pessoas que estavam sendo procuradas. Quem mais faria aquilo?
Somente você, Andreza. Nem Denise fazia algo do tipo.

Meu senhor! Eu sempre fiz de tudo para ajudar, sempre fiz de


coração, e no fim, era tudo um trabalho de gangue, nunca percebi algo do
tipo.

— É tão boa que nem percebeu que era um assunto de gangue, um


trabalho. — meu pai aperta meu ombro. — E recebeu por isso...

— Achei que fosse agrado comum, sei lá, não trabalho. Cê também

nunca falou algo do tipo.

— Eu só falava para Júlio ser o líder, nunca disse algo para os


outros garotos, somente quando precisavam de palavras de incentivo,
sempre achei que estava óbvio o fato de todos vocês serem do Distrito.

— Eu sou meio lerda, tinha que ter desenhado para que eu


entendesse.

— Lerda? — ri um pouco. — Você é mais esperta que Pedro, por


isso eu te contava para que repasse para outras pessoas, Pedro é fofoqueiro,
mas nunca sabe falar direito.

— Por falar nisso, que bom que Cauã está se saindo bem. Eu creio
que o tiro na cabeça de Marcelo fez com que ele ficasse mais idiota, Pedro
é besta e Júlio não quer o Distrito...

— Eu não creio que Júlio vai sair do Distrito, assim como Álvaro
não sairá dos negócios.

— Depois de tudo o que falaram, acredita que eles ficarão?

— Sim, acredito. Penso que não serão líderes, mas acredito que
continuarão ligados ao assunto, não tão participativos, mas sair de vez? —
nega, balançando a cabeça. — Não mesmo! Eles cresceram com isso,
aprenderam os negócios, mesmo que não comandem algo, eles continuarão
fazendo parte do assunto. Agora mesmo, estamos aqui, tem mais gente

conosco, eles ficam quietos? Não, estão na ativa. O problema está no fato
deles não terem vivido normalmente, eles querem ter essa oportunidade de
família, no entanto...

— Não sairão. — complemento. — Assim como eu, procurei meu

lugar, e meu lugar é aqui.

— Sem pressão, Deza. Não quero que acredite que é seu lugar
apenas porque falei, mas é só pensar bem. Fez de tudo por todos nós,
abdicou de vários momentos da sua vida, correu perigo e nunca fez
oposição a isso. Você procura uma vocação, uma ocupação e nunca acha a
resposta, já no Distrito sempre fez sem pensar. Então, apenas pense nisso,
sem pressão.

— É por isso que não se preocupa tanto comigo aqui dentro, não é?

Não fica tão preocupado que eu fique aqui com Nacho.

— Fico muito preocupado, muito mesmo, quero mata-lo por esse


acordo feito em cima da hora, no entanto, acredito que você é inteligente e
sabe muito bem em que terreno está pisando. Marcelo continua retardado,
mas ainda é centrado para assunto sério, ficam bem juntos, e Lucas é outro
que também presta para negócios.
— Senti um certo rosnar em sua voz ao falar de Lucas.

— Ele discutiu comigo sobre negócios, como contei.

— Não falou que discutiram.

— Coisa de sogro e genro, normal.

— Cássio ama o Álvaro.

— Cássio é fanfarrão, Andreza. Não sendo aquele ex de Natasha,


ele estaria comemorando. E Álvaro deu bons negócios e netos ao Cássio, o
que Lucas me deu? Apenas um neto, ele está em desvantagem comigo.

— Vai cobrar dote também?

— Oh, filhota. — aperta meu ombro. — Quando Lucas retomar os


negócios dele, eu vou cobrar toda a ajuda que dei. Papai não ficou rico
sendo bom samaritano e ajudando sem receber algo em troca.

— Cês não valem nada!

— Conte-me uma novidade, minha filha.

Sorrio para o meu pai.

Eu precisava dessa conversa. Precisava sentir como sou importante


de algum modo, e ver tia Helena confiando em mim, meu pai fazendo o
mesmo, o Distrito...

— Sobre aquele assunto? — indago.


— Não agora e nem aqui. — responde. — Mas se tiver algo
relacionado a outro alguém, pode falar com essa pessoa.

— Lucas.

— Tudo certo então?

— Aparentemente sim, não sei, não entendi tanta coisa.

— Preciso saber de Nacho ainda. Tem uma tal de Katleen,


comanda uns presídios e algumas localidades de San José. Se rolar um
acordo nessa conversa, talvez eu fale algo a Nacho.

— Mulher chefona em San José? Essa tem coragem!

— Coragem mesmo, porque Nacho nunca escutou falar dela e, do


nada, a mulher tem tanta coisa. Achamos que ela roubou algo que já estava
feito, ou herdou de alguém. San José é conhecida pela Calle Doce e
Veintitrés, mas tem pequenos traficantes que ainda vivem aqui, ou fazem
pequenos serviços para Calles, ou fazem algo em outros locais, eu ainda

não conheço tão bem as movimentações locais, mas Katleen é importante,


ao que parece.

— E como falo com Lucas?

— Não cite nomes. — meu pai sorri. — Eu gosto de perturbar o


juízo de Nacho. Ele vai escutar isso aqui e ficará puto da vida, querer saber
de quem se trata. Aí vem o papo de ''confiança é uma via de mão dupla''.
— Agora que sei que sou do Distrito, acho nossas conversas muito
de gangue, me acho uma bandidona.

— Não é para tanto.

— Pai! — grito.

— Você nem mata uma barata, garota.

— Barata é um ser grotesco, se compara ao Sandro, só que a barata


me causa medo, porque algumas voam, e já fui mordida por duas. — ele
começa a rir. — Pai, não quebre minha confiança por uma barata.

— Não, não quebrarei sua autoconfiança. Agora que você entendeu


sua importância, não aceito que pense que é uma princesinha apenas por
ser minha filha. Ou que será uma segunda dama porque é a mãe do filho de
Lucas. Você é mais que isso, mais que uma garota que precisa ficar na
sombra de homens. Você é incrível por ser Andreza, não por ser algo de
alguém.

— Pai, você está muito feminista.

— Só para enaltecer minha filha, minha esposa, minhas noras...

— Nora Jade que gritou contigo.

— Minha neta e outras que estão por vir! — fala mais alto e eu
quero rir porque só minha mãe o deixava calado, agora Jade também o
deixou. — Cunhada, sobrinhas, é, somente para a família mesmo. De resto,
estou nem aí.

— Cê tem bom coração no fim das contas. — provoco.

— Apenas com quem me importa, você tem com todos, por isso
você é foda.

— Te amo, cara!

— Quando eu tiver sessenta anos, eu exijo que ainda me trate assim


e que meu neto não me trate como um idoso!

— Mas você será um velho de sessenta anos.

— E ainda serei mais ativo que você e todos os seus irmãos juntos.

— Isso eu não duvido nada!

— Então, sabe o que fazer agora?

— Sim. — respiro fundo e o abraço. — Agora eu acho que sei.

(...)

— Tem tempo que não nos falamos. — sento ao lado de Chino, que
está de cabeça baixa enquanto come alguma mistura de tudo o que tinha na

geladeira. — Sei que não somos amigos, mas se precisar de um ombro

amigo, pode contar comigo.

Ele levanta a cabeça e olha para mim.

— Ainda fico surpreso em ver que você é o amor da vida do Lucas.

''Amor da vida de Lucas''. Ai, que bonitinho.

— Eu sei, sou maravilhosa demais para ele.

Isso faz com que Chino dê um sorriso, bem, é um progresso para


quem só anda cabisbaixo.

— Tipo isso. Lucas sempre foi muito ''vida louca'', estar com uma
garota tão calma e legal me surpreende sempre!

— Mas vamos falar de você. — mudo de assunto, pois sei que aqui
a minha frente está mais um cara que se nega a falar de
sentimentos. Sempre, homens sempre querendo pagar de macho alfa,

mesmo quando tem motivos para sofrer. — Esses homens são muito duros
na queda, não é? Nunca demonstre sentimentos, eles dizem.

— Está no manual do gangster.

— Em que página?

— Primeira página, segundo mandamento.

— E qual o primeiro?
— Proteger a família, que, nesse caso, seria a sua própria gangue.

— Sente mal por ter que matar sua própria família. — não é uma

pergunta, é a minha constatação.

— Saber que meu pai fez isso com a família de sangue dele me faz
pensar que vivi uma farsa, do início ao fim. Ele nunca me amou, Grézia
nunca foi sua favorita, ele nunca sofreu pela morte dos meus irmãos, ele

nunca quis libertar o povo. Sempre foi sobre poder, sempre sobre ele ter
tudo e todos aos seus pés. Isso me faz repensar em tudo e ver como amei
uma pessoa que nunca pensou em mim. Eu não queria pensar tanto nisso.

— No fim todos que estão aqui tem sentimentos, e todos foram


traídos por pessoas importantes da família. Uns mais que outros, mesmo
assim, há a dor da traição. Não é fácil lidar com isso, de pensar que nesse
negócio, tudo se resume a sangue e mais sangue.

— O meu mal tem que ser, literalmente, cortado pela raiz. Mas é

aquilo, eles nunca tiveram qualquer sentimento conosco, mas eu tive,


Lucas também. Eles nos enganaram nos fazendo acreditar que nos amaram
em algum momento. Pra eles sempre será algo normal, porque eles nos
fizeram acreditar na importância que tínhamos para eles, mas nunca fomos
algo para esse povo. Eu já aceitei que meu pai é o pior homem do mundo,
que só me restou Grézia na família e que precisamos mata-lo. Porém, isso
não significa que seja fácil de concluir. Mas deixarei de lamentações
agora. — faz um gesto com a cabeça, apontando para algo atrás de mim,

quando me viro, vejo Lucas com Rick. — Boa noite.

— Se precisar conversar...

— Sei a quem recorrer. — pisca um olho. — Obrigado, cunhada.

— De nada, cunhado.

— Boa noite, minha querida e amada mulher. — Lucas chega por


trás e beija minha bochecha. — Já que ele é seu cunhado...

— Pode ser que ele queira algum dos meus irmãos, tem dois
solteiros ainda. — provoco-o, virando-me para ele e para um Rick todo
sujo de morango. Chino já foi embora. — Você não sabe deixar o próprio
filho limpo, não é?

— Eu sou do time que deixa o filho se sujar, máquina de lavar e


sabão estão aí para isso. E é a casa de Nacho, ele que lute para pagar a
conta de água e energia.

— Ele que lute é tão Twitter.

— Você que mandou lutar por você. Antes era ''ninguém solta a
mão de ninguém'', agora é ''você que lute''. Isso me magoa, Andreza.

— Não magoou mais do que a mim, Lucas.

— Quando vamos virar a página? Tá chato já. Chato pra caralho.


Ivan é teu cunhado e eu sou o que?
— Um cara que eu amo, pai do meu filho e que não sabe deixa-lo
limpo.

— E que me dará um beijo agora?

— Meu pai está do seu lado nessa.

— Claro, um homem inteligente reconhece o outro. Além de ser


pai dessa linda garota, inteligente, extremamente incrível chamada

Andreza.

— Vai puxar meu saco para sempre?

Rick larga o morango e faz uma careta.

— Olha só, nosso filho também não gosta do jeito que me trata,
que considera meu amor um puxa-saquismo. Quer que eu ajoelhe aos seus
pés e beije cada um deles?

— Acho uma boa ideia. — e ele tenta me entregar Rick para poder
se ajoelhar. — Ei, é uma brincadeira! Não precisa se ajoelhar não.

— Depende do contexto, se quiser posso me ajoelhar de outro


modo. — ele passa a língua pelos lábios. A malícia urbana que sinto falta,
suas mãos em mim, sua boca pelo meu corpo... — Sei que sente falta,
Andreza. Deixaremos esse assunto de lado, por enquanto, vamos
aproveitar a quantidade de babás, que chamamos de ''tios de Rick'' pela
casa, e vamos apenas aproveitar. Não há nada de errado em fazer sexo
quando quisermos. Não significa que vamos namorar e casar após isso,
infelizmente.

— Quer namorar e casar comigo?

— Sim. Minha mulher.

— Ficaremos lado a lado?

— Como assim?

— Na vida, nos negócios, tudo.

— Você é mais inteligente que eu, é bem óbvio. Na real, é melhor


que eu, muito melhor. E por Deus, não imaginei que fosse tão decidida
assim. Sendo sincero, por tudo o que chorava e lamentava, não imaginei
que fosse passar por tudo isso no Distrito e se manter em pé. Por isso achei
meio dramático de sua parte, sempre de um lado para o outro no Distrito, e
sem medo, mas na vida de pessoa comum sempre pareceu temer tudo e
todos.

— Primeiro vamos falar de negócios.

— Que negócios? — franze o cenho. — Negócio sexual?

— Não, besta! — sua animação se esvai. — Negócio de Distrito e


Calle Veintitrés. Eu fui destinada a conversar com você sobre negócios de
gangue, meu querido.

— Puta que me pariu! Isso é tão sexy!


— Estou falando sério, Lucas!

— Eu também, Andreza! Você está falando sério que é sobre

negócio? Vai ser minha parceira?

— Eu sou do Distrito, meu amor.

— É, mas falaremos de gangue mesmo?

— Sim, cara! Qual a surpresa disso?

— A surpresa que eu achei que só fosse ser minha mulher, a


primeira dama, não falar de negócios. Isso é sexy pra caralho, Andreza!
Sermos parceiros no crime, na família, no amor! — aperta a minha
bochecha. — Te conquistei, não foi?

— Vamos falar de negócios? — bato em sua mão.

— Eu não sei se vou me concentrar com você sendo tão autoritária,


tão crescida...

— Cê tá carente, sedento, né?

— Um ano e meio, Andreza! Um ano e meio sem sexo é muito


para você?

— Eu passei vinte anos sem sexo, tanto faz.

— Mas passar vinte anos virgem é fácil, passar um ano e meio sem
sexo sabendo como ele é bom, são outros quinhentos.
— Para de falar disso com nosso filho no colo!

— Ai, ai, mamãe é tão chata e conservadora, pequeno Rick. Mas

vai falar de negócios perigosos com o seu papai. — Rick pega a mão suja
de morango e praticamente empurra o rosto de Lucas para longe. — Ei,
garoto!

— Nem teu filho te aguenta, Lucas.

— Claro, eu corro atrás e você não me dá chance, até nosso filho


cansou de tanto que corro atrás e te quero.

— Quer falar de negócios ou falar de suas tentativas de me ter


novamente?

— Meter novamente? — arqueia uma sobrancelha e dá o sorriso


safado que me conquista.

— Meter a mão na sua cara, querido!

Ele ri e coloca a mão na minha cintura, depois beija a minha testa.

— Vamos lá, minha querida futura esposa. Vamos falar de


negócios e terminar a noite juntos, e não será nos meus sonhos, será na
realidade.

Ai, coitada de mim!

Coitada nada! Aproveite e coite!

Coito nem é verbo para ser conjugado!


Vai, Andreza, seja a mulher foda que seu pai disse que é... Aposto
que ele não se referiu a sexo, mas...

Represente o Distrito na sua melhor forma, e depois... Depois faça


o que sentir vontade, sem julgamentos.
Capítulo 11
ANDREZA

Lucas vai todo animadinho a minha frente. Eu até sorrio para sua
alegria.

— Irmãozinho. — Lucas fala, todo sorridente, após Chino abrir a


porta do seu quarto. — Faz um favor para mim e cuida do seu sobrinho.

— Cuidar do Rick. — Chino pega Rick no colo. — Lucas


sorridente, Andreza vermelha de vergonha. Se ferrar! Sério que vão transar
enquanto cuido do seu filho?

Eu sei que estou mais vermelha que antes.

— Cara, ajuda aí. — Lucas sorri. — Primeira vez que Andreza me


dá atenção...

— Vamos conversar, apenas. — falo alto e os dois me encaram.


Chino bem cético, ao mesmo tempo com um riso provocador e Lucas com
um sorriso safado. — É sério, Lucas, é assunto de negócio.

— Chino, cuidará de Rick? — Lucas me ignora por completo.


— Claro, até limpar esse garoto sujo de... — Chino cheira a mão de
Rick. — Morango?

— Seu amigo não sabe deixar o próprio filho limpo.

— Eu ainda fico surpreso dele saber ser pai. Por uns dias fiquei
com pena de você, Andreza, Lucas não cuidava dele mesmo, quanto mais
de uma criança.

— Não estraguem a minha noite! — Lucas já se prepara para


fechar a porta na cara de Chino.

— Mas, Andreza, ele é um cara com ótimo coração. Ele ama você e
Rick, e isso eu notei desde o dia que ele te salvou do óleo fervendo, e
quando ele contou do seu hamburgão, sabia que ele tinha encontrado a
alma gêmea.

— Ai, que bonitinho. — aperto a bochecha de Lucas, que mostra os


dentes e depois tenta morder minha mão, mas bato no braço dele. —

Contando ao melhor amigo sobre encontrar o amor da sua vida.

— Chino também precisa encontrar um amor. — Lucas muda


totalmente de assunto.

— Não mude de assunto! — Chino ajeita Rick em seus braços. —


Eu nem tenho quem amar.

— Tem a menina da Veintitrés, a irmã do Mauro. — lembro. —


Jamile, eu acho. Da vez que a vi, ela te encarava muito.

— Ela é como uma irmã pra mim. — franze o cenho, pensativo. —

Nada vai acontecer entre eu e Jamile. E não, obrigado, não quero pensar
em amor tão cedo.

— Não é cedo para um cara de vinte e sete anos, Ivan. — Lucas


fala sério agora. — Mas entendo, não tem porque pensar nisso. Vamos

resolver nossas vidas, e aproveite para aprender a cuidar de bebês, para


quando tiver os seus.

— Bela desculpa para que eu cuide do seu filho. Rene e Yazid nem
estão aqui para me defender das suas ordens.

— E onde estão? — pergunto.

— Conhecem gente em San José, estão tentando algo mais. —


Lucas responde e segura a minha mão. — Vamos, precisamos da nossa
conversa.

E Lucas praticamente me arrasta para o meu quarto. Destranco a


porta, entramos, depois tranco novamente.

Ele senta na cama enquanto ligo a TV e quase resmungo por essa


merda de programação de San José.

— Como vocês sobrevivem em San José? — pergunto ao constatar


que só tem canal educativo, do governo, ou jornal que nunca fala de
violência. — Sério, até a internet é controlada.

— Sabia que pornô é proibido aqui no país?

— Sério? — agora olho para Lucas.

— Muito sério. Temos prostitutas, atores pornôs, mas não podemos


assistir pornografia, qualquer site pornográfico é proibido aqui dentro, aí
tem que trocar o VPN para ver. O presidente é meio conservador, mas é

apenas doidice mesmo, visto que o cara é um pau mandado de ambas as


gangues.

— Eu ainda não entendi nada de San José, mas tudo bem. —


aumento o volume da TV, depois chamo Lucas para vir ao banheiro
comigo. Ligo o secador de cabelo na potência máxima, ligo o meu celular
no máximo em um heavy metal e ainda levo Lucas para debaixo do
chuveiro e deixo a água caindo no máximo. — Então...

— Eu ficaria feliz em saber que fez tudo isso para que pudesse

gemer sem ser escutada. — bato em seu braço novamente. — Mas sei que
é apenas barulho para falar sem que Nacho te escute.

— Bom líder, Lucas! — sorrio para ele, mostrando toda a ironia


das minhas palavras.

— Pode ficar nua, aí não estaremos desperdiçando água.

— Foco, querido! — estalo os dedos na sua frente. — Uma pessoa


me contou que sabe que terá uma reunião do seu grupo, aquele grupo
envolvendo sua tia e mãe. E essa pessoa acredita que é o momento para

que mostre a verdade a eles.

Assim que citei ''mãe'', todo ar divertido que havia em Lucas se foi.
Agora ele está bastante sério, nada a ver com o Lucas brincalhão de antes.

— Quem é essa pessoa que te contou?

— Tia Helena. — apenas mexo os lábios, não deixo que o som


saia.

— Que?

— É, também não entendi, mas foi essa pessoa quem contou. Dará
mais detalhes em breve, mas pediu para te avisar, para pensar em um modo
de ir até lá e conseguir seu grupo novamente. Lucas, se conseguir uma
parte da Veintitrés ao seu lado, Sandro vai perder muito. Você era de
confiança, de importância, não era?

— Sim. — ele ainda está surpreso com a informação de tia Helena


viva. — E são raras essas reuniões com o grupo todo.

— Sim, por isso o aviso veio rápido, porque é uma chance de


conseguirmos quebrar ainda mais a Veintitrés. Assim como Álvaro
também quebrou com a guerrilha.

— A guerrilha não existe mais, pelo que escutei falar. Os outros


guerrilheiros devem ter estranhado o fato de Álvaro deixar tudo junto com
Mauro, Jamile e Bernardo, e como os outros membros nunca mais

voltaram. Agora preciso pensar em um modo de me aproximar do grupo e


convencê-los que falo a verdade. Só penso em Grézia, porque se ela falar
tudo, acreditarão nela e Chino. Mas nem sei onde ela está.

— Nada da menina do presídio? Katleen? — acho que esse é o seu

nome. — Meu pai falou sobre ela mais cedo, sobre, talvez, Grézia estar um
presídio comandado por Katleen.

— Arman encontrou Katleen, só precisa achar um jeito de


aproximar. Parece que ela anda com uns seguranças, meio complicado de
chegar assim. Aparentemente Nacho vai oferecer aliança. Mas preciso
pensar logo, se terá uma reunião em breve, preciso de um jeito para chegar
lá e falar algo.

— E ainda correrá o risco de não sair de lá com vida. — é a minha

vez de falar de modo triste. — Lucas, vale a pena?

Ele segura o meu rosto, dos dois lados.

— Parece loucura, e como eu disse antes, não é sobre poder,


dinheiro, se fosse, eu aceitaria a oferta do seu pai e seria do Distrito. Mas é
sobre honra, Andreza. É sobre ter sido enganado por anos. Eu era amigo
dos irmãos de Chino, éramos um grupo de amigos, irmãos, eles morreram
por causa de Sandro, do próprio pai, não por causa de Nacho. Eles eram
mais velhos que eu, mas sempre estavam ali por mim. Minha própria mãe

quer me matar. Grézia está sofrendo por causa do próprio pai. Coloquei
minha vida em risco várias vezes, durante anos, por aquele cara, e, no fim,
ele não é nada daquilo. E tem pessoas que continuam o enxergando como
esse homem bonzinho, salvador da pátria. Não posso deixar que Sandro

continue sendo visto desse modo, que sua ideologia continue cegando as
pessoas. Não é só por mim. Álvaro continua nessa luta porque é desse
jeito. Não podemos deixar que mais pessoas caiam nessa. O modo que
preciso agir é arriscado mesmo, porém, é o único jeito de acabar com isso.

Abraço Lucas, entendendo bem o que ele quer dizer, ao mesmo


tempo orgulhosa e irritada comigo mesma por ter, um dia, pensado que ele
era um cara ganancioso, que me engravidou, se aproximou de mim pelo
Distrito.

— Agora é a parte que tira a roupa?

— Babaca! — olho para Lucas. — Sempre sendo engraçadinho


após falar sério e coisas que, realmente, te machucam.

— Um dia esquecerei que amei essa gente, que fomos uma família.
— beija a minha testa. — Rick é minha família agora, e meu sonho é que
você seja também, pelo menos em meu pensamento você já é minha
esposa. Te amo.
— Você não falou seis vezes hoje.

— Tenho certeza que falei dez.

Sorrimos um para o outro.

Lucas acaricia meu rosto, enquanto eu apenas olho em seus olhos.

Ele é um cara tão legal, nem tão babaca que me faz revirar os olhos

com suas brincadeiras, nem tão sério que me faça revirar os olhos com
tanta formalidade.

É um ótimo pai, é um bom amigo, e foi um bom ''namorado'' nos


dias que estivemos juntos.

— Não me olhe assim se não quiser que eu tire a sua roupa,


Andreza.

— Você disse que não podemos desperdiçar água, Lucas.

Sua mão desce do meu rosto para minha cintura, depois para minha

bunda.

Eu sempre tive vergonha do meu corpo, e isso não mudou com o


Lucas, no entanto, depois que ele me toca, quando olha para meu corpo,
seu olhar mostrando que gosta do que vê...

''Gosta do que vê'', não, não é nada disso! É como se contemplasse


meu corpo, como se eu fosse a mulher mais linda, mais gostosa do mundo.
E sei que não sou, ainda mais sabendo como eram as garotas do seu
passado, no entanto, quando penso que sou eu aqui e agora, com ele, eu me
sinto mais especial ainda. A vergonha vai embora.

Minha autoestima eleva, sinto-me uma deusa, é a verdade.

Levanto o queixo de Lucas e sorrio para ele.

— Também te amo, cara.

Nossa, é como se ele tivesse ganhado na loteria. Seu amplo sorriso,


seus olhos brilhando, o abraço ainda mais apertado em mim. Tão apertado
que ele me levanta do chão e eu preciso colocar minhas pernas ao redor do
seu corpo.

— Lucas, você vai escorregar! — reclamo, mas ainda estou rindo


com sua felicidade.

— Você falou que me ama de forma espontânea e zero dramática,


loirinha!

Apoia minhas costas na parede, depois me desce um pouco mais,

ficando bem de frente para ele. Com apenas uma mão ele me apoia, com a
outra ele tira as mechas do meu cabelo que ficaram grudadas no meu rosto
após me molhar no chuveiro.

— Me dará uma chance? Você acredita que tudo o que fiz não foi
sobre enganar você? Nunca quis te magoar. Fui escroto por minimizar seus
problemas, colocar os meus a frente, mas eu nunca te enganei com aquelas
palavras para te fazer bem. Por isso eu falava daquele modo. Você se acha
feia, mas é a mulher mais linda de todas, porque esse sorrisinho, essa

covinha em sua bochecha. — toca o local. — Deixa tudo ainda mais lindo.
Seu corpo é perfeito, estava morrendo de saudade de tê-lo novamente.
Tantos outros choros que você tinha, e eu só pensava ''Caralho, por que ela
chora? Ela é tão perfeita, tem tudo, é maravilhosa, por que sofre tanto?''.

Na real, você sempre foi perfeita demais para mim. E eu te amo, Andreza,
amo muito mesmo. Eu jamais insistira tanto em alguém se não fosse real...

E eu que tomo a iniciativa de beija-lo. Pegando-o de surpresa,


calando-o, mas logo sendo recíproco.

É como a primeira vez. O friozinho na barriga, a ansiedade, a


emoção permanece aqui. Nossas línguas, o seu gosto de morango...

— Eu vou matar esse filho da puta um dia! — ao mesmo tempo


que fico com raiva, quero rir quando Lucas grita isso após escutar os gritos

de Nacho chamando por ele. — Ele escutou, aqui tem escutas. Certeza, e
veio nos atrapalhar.

— Não exagera, acho que separar casal não está nos planos de
Nacho.

— Porra, Andreza. — desço dos seus braços. — Logo agora que


me deu uma chance?
— Parem de brincadeiras e abram essa porra agora! — Nacho grita
tão alto que nem todo o barulho que fiz, faz com que esse som seja fraco.

— Melhor ver o que ele quer. — falo e recebo o muxoxo de Lucas,


mas antes ele me dá um selinho.

Desligo o chuveiro, com a consciência pesada pelo gasto de água


— porque sou aquela que detesta desperdiçar qualquer coisa —, desligo o

celular, secador e depois a TV do quarto.

— Por que demorou de me atender? — Nacho cruza os braços


quando Lucas abre a porta. — Poderia ser uma urgência.

— Ah, claro. — Lucas bufa. — Você ia mesmo se desesperar para


nos ajudar em algo ou para pedir nosso socorro.

Olho para Nacho, que encara Lucas com os olhos semicerrados.

— É, Nacho. — concordo com Lucas. — Você nunca nos ajudaria,


não é? — não responde. — Então não há urgência.

— Como odeio essa merda. — ele rosna, depois olha para mim
com raiva, depois Lucas. — A porra do mundo se acabando e vocês
transando embaixo do meu chuveiro?

— Não tinha como transar em cima dele. — dou uma cotovelada


em Lucas. — O que quer, Nacho? Por que tanta raiva? Se tem tempo de ter
raivinha, então não é urgente!
— Ele tá puto que Katleen não tem medo dele. — olho para
Arman, que está sorrindo quando seu pai rosna. — Quem rosna é cachorro,

Nacho.

— Arman, que eu nunca esqueça que você é meu filho. — Nacho


fecha seus olhos. — E Katleen não foi ríspida...

— Foi sim, ela te colocou tanto no seu lugar que você precisou

apertar o braço da cadeira para não explodir em fúria. — Arman olha para
mim, depois Lucas. — Falei com ela hoje, porém, ela só aceita falar de
negócios com Nacho.

— E eu, como dependo desse povo, tive que me calar para ouvir
uma fedelha que brinca de ser gangster!

— Se ela brinca de ser gangster, parabéns, está indo muito bem.

Eu acho que Arman ama provocar o pai, não sei se por maldade ou
porque acha engraçado ver que Nacho é como um cara normal, que parece

até forçar para ser cruel.

— A garota era uma pedagoga. Quem a fedelha pensa que é para


me rebater? Amanhã mesmo eu vou colocar essa pivetinha no lugar dela.

— ''Pivetinha?'' — repito a sua palavra que foi dita com raiva.

— Vinte e quatro ou vinte e cinco anos, sei lá. Se acha a chefona?


Deve ser herdeira, fala firme, mas quando me encontrar vai tremer na base.
E espero que Cássio também seja firme, não quero ninguém achando que
tem poder aqui. Se Katleen acha que vai me dobrar, que vai me seduzir...

Agora eu, Lucas e Arman rimos e Nacho fica com mais ódio.

— Qual a porra da piada? — ele está muito irritado pela audácia de


Katleen.

— Seduzir? — Lucas continua rindo. — Ela foi ríspida e você acha

que ela vai te seduzir? Ego lá no alto, hein?

— Eu conheço as mulheres, tenho experiências, como sabem, já


que mataram meus filhos.

— Soltei foguetes de alegria. — Arman cruza os braços.

— Eita! — é o que eu digo.

— Foda-se essa merda aqui! — Nacho abre os braços. — Todo


mundo levando na piada. Mas quando essa Katleen querer montar em
nossas costas, quero ver o sorriso. Não, ela não fará isso, porque vou matar

essa fedelha antes.

— Isso tudo porque ela foi ríspida? — pergunto.

— Eu faço um favor tentando ajudar a tal Grézia, sou destratado


pela tal Katleen, agora tenho que ouvir esse povo achando que isso é uma
piada? — desce os braços. — Anda, Lucas, que temos reunião agora sobre
a tal Katleen e como eu vou mata-la após a sua ajuda. Porque ela não sairá
viva disso.

— A reunião é sobre como resgatar Grézia e fazer com que ela

conte sobre Sandro para a Veintitrés. — Lucas relembra.

— Eu já estou sendo bonzinho com vocês, não me obriguem a ser


bonzinho com uma fedelha que se acha chefona de gangue só porque tem
um presídio aqui e outro ali. — Nacho tem muita raiva, e Katleen serviu

para atiçar ainda mais. — Riam agora, mas eu ainda sou o Nacho que mata
pessoas.

— Eu também mato, Nacho. — Lucas relembra. — E eu sei sobre


o que faz, mesmo assim te encaro e rio na sua cara sem medo algum.

— E eu não vejo a hora dessa porra terminar para poder voltar a ser
o Nacho de sempre.

É uma troca de olhares carregada de ódio, o clima divertido se


esvaindo.

Às vezes penso que Nacho se esforça para ser cruel, às vezes penso
que ele é cruel, mas não quer ser assim conosco e força para ser; às vezes
penso que sim, ele vai nos matar na primeira oportunidade.

Mas Nacho apenas faz um aceno com a cabeça e sai pelo corredor.

— Acha que um dia ele vai nos matar? — pergunto a Lucas.

— Não, ele não vai. — mas é o Arman quem responde. — Eu sei


que não vai.

Como eu comecei a ir com a cara de Nacho?


Capítulo 12
ANDREZA

— Banhozinho gostoso que mamãe deu. — beijo Rick. — E você


se sujando todo de maçã?

Rick ri da minha reclamação enquanto faz sujeira com a maçã.

— Você não gostou, não é? — pego um pedaço e vejo que apesar


da maçã ser bonita por fora, ela está sem gosto algum, e, por isso, Rick fica
colocando a maçã que dou amassada, para fora da boca. — Quer banana?
Pêra? Mamão?

— Eu sempre esqueço de mandar seu pai pagar seus gastos. —

olho para trás, vendo que Nacho está aqui. — Ontem mesmo tinha TV
ligada no seu quarto, uma altura que nem meu avô surdo utilizava...

— Talvez porque ele fosse surdo.

— Menina, não me retruque.

— Você não é meu pai!

Com os olhos semicerrados, Nacho me encara.


— Seu pai vai pagar a feira, o mercado, a água, a energia...

— Dom Nacho tem que pagar por tudo isso? Pensei que era só

chegar e usar, levar, sem pagar.

— Não pago por nada disso, tudo cortesia por ser um bem feitor
para meu país. — quero rir da forma orgulhosa como diz isso, mas me
contenho. — Entretanto, eu quero fazer vocês pagarem. Sua criança come

como um bezerro, quer dizer, o bezerro tira o leite da mãe e depois


matamos e vendemos a carne, seu bebê nem para isso serve.

— Acordou de mau humor, hein?

— Quem deu liberdade para falar assim comigo?

— Estamos nessa há uma semana, cara. Relaxe! — volto a raspar a


maçã e dar a Rick, porém, agora, ele até vira o rosto e rejeita o que quero
dar a ele.

— Toma! — olho para baixo, para a mão de Nacho com uma maçã.

— Escondi as melhores maçãs para seu namorado folgado; Marcelo, seu


irmão paspalho, e o rejeitado do Chino não comerem.

— E você vai dar ao meu filho? — pego a maçã da sua mão e


sorrio para Nacho.

— Sendo que pode estar envenenada e posso mata-lo agora.

— Tá bom. — bufo e ele se irrita mais. Parto a maçã no meio e


começo a raspar com a colher, dando a Rick, agora sim ele come e sorri,

sem desperdiçar o que come. — Obrigada, Nacho.

— Estou virando um merda mesmo, porque nem falando em matar


seu filho, você ficou medo. — senta na cadeira a minha frente. — Uma
fedelha bate de frente comigo, agora...

— Ainda nessa com Katleen?

— Claro, isso foi ontem a noite, hoje eu mato a garota. — cruza os


braços, sorrindo com prazer por tal pensamento. — Matarei na frente de
todos, mostrando que Nacho cruel ainda está vivo.

— Claro que está vivo, mas nem para todo mundo. — paro de dar a
maçã para Rick quando ele estica as mãozinhas e pede pelo mamão. —
Você apenas...

— Esse menino come pra caralho, Andreza! Eu sempre soube que a


comilona é você, não seu filho!

— Ei, me respeita!

— Você nem come, o resto desse rebanho que come sem parar.

— Eu sou educada, ninguém me convidou para comer, então não


tenho a liberdade de abrir a geladeira e sair pegando tudo o que quero. É só
ver que Lizandra também não faz isso. No entanto, como deve saber, esses
homens são ogros e agem fora das regras, meio óbvio que assaltar sua
despensa e geladeira, não é nada para eles.

— Então você não come por que não ofereço?

— Minha mãe me ensinou assim.

— E o que Anthony ensinou?

— ''Se algum filho a puta te impedir de comer, você come,

Andreza!''. — imito a voz grossa do meu pai. — ''Você atira na cabeça


dele, mas você come tudo o que quiser. Só não atire na sua nutricionista e
endocrinologista, porque elas sabem do que estão falando''.

Nacho faz uma careta, um misto de ''garota esquisita'', com ''o que
esse ser está falando?''.

— Pode abrir a despensa e a geladeira. — por fim ele me informa,


para a minha surpresa. — Você e a tal Lizandra. O resto continua sem
poder abrir.

— Obrigada, mas eles vão abrir.

— Colocarei senha nas portas.

— Eles vão arrombar.

— Multas, já tenho tudo esquematizado. Eles me tratam como se


eu fosse amigo.

Olho para Rick, que está rindo.


— Até meu filho ri de você, Nacho!

— Uma criança bobalhona, ri de tudo! Coitado do Anthony com o

futuro dessa gangue.

— Pelo menos nosso futuro está garantido com tantos bilhões. —


sua carranca me faz rir. — Cara, você realmente está se esforçando para
ser chato pra caramba, né?

— Eu não sei por que eu deveria ser simpático com as pessoas que
mataram minha família.

Respiro fundo.

Pego Rick e o coloco em meu colo, para poder dar o mamão a ele e
ainda poder ficar cara a cara com Nacho.

— Olha, Nacho, sei que ficará repetitivo, porém, entendo


completamente a sua dor. — agora não há mais qualquer tom de
brincadeira em minha voz, há sinceridade, porque sim, eu entendo a dor de

Nacho, entendo o jeito como nos trata, e sei que sua mente está uma
confusão. — Que minha família assassinou a sua, agora tem que nos
abrigar.

— Não entendem, nunca passaram por isso. Nunca precisaram


abrigar um grande inimigo, sabendo que ele fez mal a vocês. É diferente se
aliar sem que tenha recebido algo ruim deles. Vocês se aliaram fazendo
algo ruim para mim.

— Sim, está certo. Você nunca fez algo de ruim contra a nossa

família ou a gangue, mas não fizemos aquilo porque queríamos. Foi uma
retaliação a morte de Miguel, sobrinho do chefão, e a morte da tia de Mari,
que é a nora do chefão. Naquela época tudo estava contra a Calle Doce.
Vamos lá, Nacho, sei que não quer concordar com nada que favoreça ao

nosso lado, mas vocês mesmos deixaram isso acontecer. Vocês deixaram a
fama de vilão tomar conta. Se tivessem dito alguma vez que a Calle
Veintitrés também é ruim, talvez pensaríamos melhor.

— Vai dizer que Anthony nunca desconfiou de Sandro? Tanto que


nunca se uniram.

— É, mas naquela época, foi seu grupo que estava com Monique.
Espera aí! — agora falo alto, até assustando Rick. Mas eu começo a
pensar, começo a relembrar. — Você é um manipulador ridículo! — agora

Nacho começa a sorrir para mim. — Você é patético, Nacho! Entendi sua
jogada. Você quer jogar a culpa para meu pai e para Sandro, que sim,
tiveram culpa, mas você está querendo passar como se não tivesse feito
nada. Mas fez!

— Eu não fiz...

— Fez sim! — interrompo-o. — Se Camila não fosse traidora, você


teria dado a arma para que Safira matasse a sobrinha de Anthony! Você
sequestrou Monique e ela faria mal a Mari, Lizandra... Oh! — agora

entendo tudo. — Você sabia de Katya, sabia que a tia de Mari participou
na época da junção das Calles. Você a mataria também, porque ela sabia
que vocês tinham contato com os poderosos da Candelária, e você usaria
essa gente para poder entrar no país, e se Katya falasse algo, já que estava

conosco, você poderia perder possíveis aliados.

— É, até que a doida estabanada pensa. — cruza as pernas. — Eu


mataria Camila e Helena, mas usaria Safira nisso, assim a sogra de Júlio
também morreria e a tal Jade ficaria contra a família de vocês e eu mataria
também. Depois eu mataria Mariana, Lizandra e Katya. Pedro se
desestabilizaria e Jorge seria visto como um traidor, e eu começaria a
matar as famílias do Distrito. Porém, o tio de Katya, Otavio, não seguiu
minhas ordens e deu tudo errado. E, no fim, eu apenas concluí a morte de

Camila, no final das contas, ainda ajudei vocês!

— Estamos quites então. Porque se não matou foi por erro do seu
grupo. E você atacaria primeiro, Nacho! Não pague de homem sofrido que
perdeu a família sem chance de defesa, que não fez nada, que Sandro e o
Distrito são os culpados por tudo. Você teve sua parcela de culpa. O
Distrito tem armas e helicópteros, conseguiu mais. Do mesmo jeito que
Mari e Lizandra são inocentes, nunca fizeram qualquer mal e você mataria
as duas, meu pai mandou matar sua família, tendo inocentes ou não. E não
vamos esquecer, Mari e sua família fugiram daqui porque você a

ameaçava.

Lucas, Chino, Rene e Yazid não estão em casa. Marcelo levantou


rapidamente da cama e ficou tonto — sequelas do tiro e a cirurgia na
cabeça —, os seguranças do meu pai estão por aqui, mas só aparecerão se

eu gritar por eles.

Mas, olha só, aqui estou eu, batendo de frente com Nacho e
entendendo sua jogada.

— Você se faz de injustiçado. — concluo. — Mas é tudo mentira.


Sofre sim por sua família, mas sabe bem que você faria o mesmo. E sua
raiva é por não ter concluído primeiro, porque você tramou primeiro. E
aposto que não tem filha parecida comigo. Ao ver sua cara olhando para
mim, surpresa e agora raiva, você pensou que sou uma garotinha boa que

cairia na sua conversa de pobre coitado.

— Decida, ou eu sou um cara que força a crueldade, ou eu sou um


cara que joga me fingindo de bonzinho.

Sorrio para ele.

— Nacho, você é cruel sim. Muito, assim como os caras que estão
aqui. No entanto, aí no fundo você sabe que aquelas pessoas morreriam de
qualquer maneira, ontem mesmo Arman disse que soltou foguetes com

aquelas mortes, o que me faz acreditar que eles não prestavam nem para o

parente, Arman, então não valiam nada. Aí no fundo você sabe disso. E
digo mais, aí no fundo você agradece por Rene ter assassinado seu irmão.

Vejo como engole em seco, seu pomo de adão subindo e descendo,


e depois ficando ali, parado em seu pescoço, sua veia pulsando, seu rosto

ficando vermelho de raiva.

— Rene matou o seu irmão e assim você ganhou a liderança.


Sempre foi um pau mandado de Guille, a morte dele doeu, porém, nem
tanto, já que não fez uma grande vingança contra o assassino dele. E agora
você não tem raiva de ir com nossa cara, a sua raiva é sobre alguém mais
poderoso que você estar nesse lugar. Você não quer perder San José para o
Distrito, não quer gente rica aqui dentro, assim você perde espaço. Não é
sobre perder sua família, Nacho, porque eles não te importavam, talvez o

seu sofrimento naquela época tenha sido por pensar que Arman e Francine
tivessem morrido, porque, pelo que vejo, são os únicos que prestam. E sua
filha. Sua raiva, sua confusão, é sobre saber que o Distrito é bom para
você, ao mesmo tempo, é poderoso demais e pode ir contra você. Não é
sobre a família morta, sabe que só agimos desse jeito, porque era você na
frente de tudo.

Ele levanta da cadeira.


— E sua raiva toda nesse assunto também é por outro motivo. —
mesmo assim prossigo. — Sandro sabia disso tudo. Ele sabia o que Otavio

faria, e, por isso, Sandro matou Miguel e Katya, e quase matou Marcelo.
Alguém muito importante do seu grupo te traiu, Nacho, talvez Otavio ou o
tal do Inacio. Porém, ambos já morreram. Seu maior plano contra o
Distrito foi destruído por alguém que estava ao seu lado, Anthony passou a

frente, e, agora, depende dele, e vem com a incerteza se é sincero ou não.

— Não, você não parece com Alina, a minha filha.

— Mesmo assim, sinto muito por ela.

— Ela não morreu.

É uma surpresa de ter outra filha de Nacho, viva, e dele me contar


isso.

— Por que me contou isso? Sabe que posso dizer ao meu pai, e...

— Você sabe que está certa em tudo o que disse. — dito isso, ele

sai de casa, e acho que já vai de encontro a Katleen.

Abraço Rick nesse momento.

Senhor, eu bati de frente com Nacho da Calle Doce. E ele se calou!

Então estou certa mesmo? Nacho não quer vingança sobre as


mortes, e sim tem receio de ter dado muito espaço para que Anthony
cresça e tome tudo o que é dele?
(...)

— Ou ele pode ter jogado com isso também. — minha mãe fala,
após minha teoria ser dita. — Você entendeu dessa forma, mas Nacho
pode ter deixado isso no ar para que Anthony não faça nada nesse lugar, e,
no fim, não ser esse o medo de Nacho.

— Sim, também pode ser. — concordo com ela. — Mas Nacho não
parece esse monstro todo.

Minha mãe, Denise e tia Eloísa me encaram como se eu fosse uma

louca.

Estou na casa onde minha mãe está ficando, consegui sair da casa
de Nacho, porém, Lizandra e Marcelo não poderiam vir comigo.

— Você já percebeu que Nacho tentou manipular vocês com esse


luto, Andreza. — tia Eloísa fala calmamente. — Quem garante que essa
simpatia, essas discussões dele, não são fingimento também?
— O olhar dele, o modo como fala. — começo a explicar. — Eu
entendi a jogada dele quando citei que ele tinha sequestrado Monique.

Aconteceram tantas coisas nesses quase dois anos, que essa parte estava
bem escondido na minha memória. Quando me recordei, percebi que foi
Nacho que tinha feito tudo aquilo, então foi tudo clareando e fui falando.
Nacho não rebateu nada disso, ele apenas aceitou o que falei. Mas ele tinha

raiva no olhar, o seu corpo demonstrou tudo o que sentiu. E quando ele age
de uma maneira mais branda, eu vejo raiva pelo o que ele faz, não raiva no
sentido de ''quero matar essa gente''. Nacho entende muito bem que o
maior causador de problemas é o Sandro, para não perder a pose de chefão,
para não ser reduzido no Distrito, Nacho continua com essa pose de durão
e de ''vou matar vocês!'', para se proteger. É só ver que ele está bem
irritado com Katleen. Ele não gosta de pessoas que batem de frente com
seus negócios. Eu acho que ele tolera pessoas que batem de frente em

discussão, mas não em termo de negócios. Isso sim desestabiliza por


completo.

— Tio Anthony havia comentado algo assim. — olhamos para


Denise. — Que Nacho não gostaria de saber que a família Garcia está
investindo aqui, mas, para se estabilizar, teremos que nos envolver com
esse país. E se o Distrito mexe com a Candelária, mexer em um país quase
falido como esse é fácil.
— Então, talvez, nossa união permanente, a calma de Nacho, seja
selada por completo se Anthony crescer aqui dentro e leva-lo junto nisso.

— minha mãe começa a pensar. — Porém, também pode ser um plano de


Nacho.

— Ele não ama a família? — tia Eloísa pergunta. — Só os negócios


importam para ele?

E assim que essa pergunta é feita, o celular da minha mãe começa a


tocar.

— É seu pai. — ela avisa e atende o celular.

A conversa vai seguindo e não entendo nada, apenas que Katleen se


juntou a eles e ela é algo importante de Nacho.

— Conte a ela, Anthony. — minha mãe prossegue sua conversa. —


Não importa se conheceram agora, se o marido dela está em algum país da
África e você sabe disso, você vai contar a Katleen sem pedir a aliança em

troca. — fica em silêncio, o escutando. — Você pesquisou a vida dessa


garota, sabe bem que ela procura pelo irmão e marido, namorado, sei lá.
Fale onde ela está, ajude-a nisso.

Minha mãe desliga o celular e olha para mim.

— Sim, a família de Nacho é importante para ele. — minha mãe


sorri. — E acho que as coisas estão começando a se ajeitarem.
(2) Nacho
*Esse bônus também faz parte do livro ''Depois da tempestade – Duologia
''Entre as grades'' (Livro 2)''*

Até que o dia de hoje foi produtivo.

Respiro fundo e olho meu celular, o vídeo que anda circulando por
aí, treze homens sem cabeça que foram encontrados em um matagal. Um
homem esquartejado na mala — que, em breve, saberão que foi um dos
chefes de armamento da Calle Veintitrés —, e seis homens sendo
torturados pela Calle Doce.

O dia de hoje foi bastante produtivo. Ainda não é do jeito que


esperei, mesmo assim, foi bem feito.

Agora preciso me preparar para conversar com Katleen.

Resmungo quando penso na audácia da fedelha, a quase pedagoga


que se acha a gangster do momento! Pedi para Arman falar com ela, e sua
resposta? ''Eu sou a chefe, quero falar com o chefe, não com o filho dele.
Eu sou fodona''. Vontade de quebrar a cara dessa garota! Aí sim ela
aprenderá o que é ser bandido de verdade.
Mas juntando toda a calma que nem tenho, pego o telefone para
ligar para Katleen.

Sim, já sei de Katleen há algum tempo, sei que ficou presa por
tentativa de homicídio e está em liberdade há uns dois anos, mas de onde
veio essa gangue? Não faço ideia!

Inclusive tenho até o número da sua casa. É bom ser o Nacho,

consigo muitas coisas desse jeito.

— Alô. — e Katleen atende. A voz de uma garota, quer dizer, se


não me engano tem vinte e cinco anos, mas a sua voz é de uma garota, não
de uma adulta.

— Oi, Katleen. — falo com ela, repreendendo minha vontade de


dizer que ela é uma ninguém nesse lugar. Que ela deve respeito a mim, por
ser o Nacho. — Pediu para falar comigo, aqui estou.

— Quem é? — ela acha mesmo que isso cola comigo? Ela sabe

que sou eu!

— É o Nacho, o líder da Calle Doce. — porém, respondo sua


pergunta. — Pronto, vamos marcar essa conversa de chefe para chefe.

— Então é um assunto bem importante, para o próprio chefe dar


um jeito de conseguir meu número. — a garota a fedelha faz a voz firme,
com certeza muda a postura, para tentar passar algum poder que ela não
tem! — E, ao que tudo indica, precisam muito de mim.

Arrasto a cadeira para trás, pronto para iniciar uma discussão...

Katleen tem o presídio onde Grézia está e, infelizmente, precisamos delas!

— Podemos dizer que conseguiremos mais juntos que separados.


Ainda mais que Katleen Mendonza é apenas uma ''meia'' pedagoga, que
ainda não entendi como conseguiu tanto. — tento obter alguma resposta

para essa duvida.

— E eu posso saber qual o seu interesse? — fedelha! — Seu


filho...

— É, Katleen, meu filho não é nada para você, você só quer falar
com o alto nível. Aproveite que estou de bom humor, e aceite a porra da
conversa. — ela não vai me tratar desse jeito! — Porque você é um nada
aqui dentro, apenas uma herdeirazinha de uma gangue fajuta brincando de
ser bandida...

— Tá estressadinho, querido? — ela não teve essa audácia! — Eu


não aceito ordens suas, ainda mais xingamento vindo de você.

Arman entra nesse momento e olha para mim, depois sorri quando
olha para minha mão, onde aperto o braço da minha cadeira.

Tenho raiva por essa petulante, uma fedelha, zombar da minha


cara.
Debochar de mim!

Pior, dois debochados, porque Arman está se divertindo com meu

jeito.

Mas eu dou risada, um riso amargo, de puro ódio.

— Olha aqui, garota, agradeça porque eu ainda quero conversar,


não iniciar uma porra de guerra, para matar você e seus comparsas

idiotas...

— Agradeça que eu ainda quero te escutar e que, talvez, eu possa


te ajudar. — filha da puta mimada! Ela vai pagar, eu vou matar essa
garota, tortura-la lentamente, mostrar quem manda aqui! — Mas precisa
me tratar com educação. Pergunto-me, se fosse um homem aqui você se
acharia no direito de mandar? É assim mesmo, primeira mulher que
comanda alguma gangue em San José e você acha que montará em mim...

— Feminismo agora, menina? — minha vez de zombar, não tanto,

porque meu ódio é para mata-la, não ficar de picuinha besta por telefone.
Sou o cara que faz, não de ficar ameaçando.

— Eu mando na minha gangue, eu sou tão importante que você


perde tempo comigo. Então, abaixe a bolinha e falaremos de negócios.

Ah, mas eu vou matar essa garota!

Eu preciso dela!
Mas eu matarei essa garota depois!

— Amanhã pela manhã, no porto que fica próximo ao Yatch clube.

— eu preciso dela, infelizmente.

— Yacht clube?

— É, os ricos de San José precisam de um lugar caro para


frequentar, ou você não é rica o suficiente, ou não tem tantos contatos para

saber desses locais.

— Amanhã às nove da manhã. — é, é uma novata mesmo. — E


quem me garante que não será uma emboscada?

— Traga seu grupo armado então. Acha mesmo que eu perderia


meu tempo e munições matando sua gente agora? — eu vou matar você
com minhas mãos, não com uma arma.

— Vá a merda! — herdeira mimada do caralho!

— Eu já estou nela, garota. — desligo o telefone em sua cara.

Olha o que estou me tornando, até uma herdeira mimada acha que
pode bater de frente comigo.

(...)
Tive que vir a esse encontro com Cássio, Álvaro e Bernardo, fora
os seguranças do Distrito. Assim que descemos no porto do Yatch clube,
quero rir quando olho para a ''fodona Katleen''.

É uma baixinha, cara de menininha, nada de perigoso.

É tipo uma ratinha.

Dou um meio sorriso, satisfeito por saber que estou certo: Uma
garota brincando de ser bandida.

Ela me encara, e quero rir por ela estar de óculos escuros,


claramente tentando passar uma pose. Katleen assistiu muitos filmes e
decidiu vir vestida de uma maneira que mostre elegância, a idiota pensa
que isso aqui é uma máfia italiana, elegante...

Mas se eu olhar muito, eu acho que já vi essa garota em algum

lugar.

Já vi fotos sua, tive uma leve impressão que já a vi antes, mas


vendo de perto... Eu a conheço de algum canto.

— Eu não acredito nisso! — mas minha inspeção em Katleen para


quando Bernardo grita isso. — Tadeu!

— Bernardo? — o outro homem, do lado de Katleen, grita isso.


E os dois se abraçam, como velhos amigos.

Ah, que caralho!

Abro os braços, olho para o céu, reclamando que nem com essa
gente eu tenho vantagem! Até o esquisito do Bernardo conhece o possível
braço direito de Katleen.

— Eu não entendo. — o tal Tadeu fala. — Por que estão com

Nacho?

— Eu que não entendo. — Bernardo diz, olhando para Katleen. —


Você disse com todas as letras que jamais voltaria a vida do crime por
causa da sua esposa e filhos, agora está em uma gangue nova?

— Se vocês não entendem, eu entendo muito menos! — eu falo,


tentando terminar com essa confraternização. — Por que ambos já têm
amiguinho nessa gangue?

— Isso soou de uma maneira ciumenta. — Cássio zomba.

Ainda bem que não atuo com Cássio, eu não aguentaria muito
tempo com esse cara!

— Maldita hora que Cássio entrou nos meus assuntos! — grito e


olho para Katleen. — Brincando de ser bandida com esses óculos escuros?

Katleen ri e tira os óculos escuros.

Seu olho está bem vermelho e inchado.


— Fumou maconha estragada? — Cássio pergunta.

— Não. — responde e sorri. — Um cara tentou me agredir, ele

enfiou um dedo no meu olho, mas eu consegui acabar com ele. Arranquei
um pedaço da sua bochecha com os dentes depois matei.

Katleen acha que isso me choca? Ela, realmente, não me conhece!

— Mas e então? — Tadeu fala com Bernardo. — Como foi parar

com Nacho?

— Pessoal, abaixem as armas! — Bernardo pede e eu me sinto um


insignificante... Calma, preciso de calma, necessito de Katleen,
infelizmente. — Eu confio em Tadeu, mesmo que ele não seja o líder,
acredito que não deixará nos matar, não é?

— Não, claro que não deixarei. — o tal Tadeu fala. — Eu conheço


o Bernardo e o Álvaro porque ambos foram parte da Calle Veintitrés. —
outro ex- amigo de Sandro. — Para ser mais preciso, eu fui parceiro do pai

de Álvaro na guerrilha. Inclusive foi o pai dele que falou com Sandro, me
ajudando a sair da gangue. Mas por que estão com o Nacho?

— Sandro não é nada disso que pensamos. — Álvaro responde. —


Ele está crescendo, ganhando novos territórios, e atingiu pessoas que
amamos. Precisamos acabar com ele, então...

— Então se juntaram ao homem que sempre falou mal da Calle


Veintitrés! — começo a falar e fico a frente de Katleen. Ela está ofegante,
meio nervosa. Sim, garota, eu quero te matar, pode tremer na base mesmo.

— Eu sempre deixei bem claro que a Calle Veintitrés era um lobo em pele
de cordeiro. O que eu fazia era explícito, Sandro sempre escondeu tudo.
Ganhou em cima de um bando de gente cega de ideologia, e hoje ele é
mais problemático que eu.

— Pois é. — Bernardo continua. — No momento a galera tem mais


coisas em comum com Nacho que com qualquer outra pessoa, estamos
unindo forças no momento.

— E quando Sandro morrer, como será? — ela me encara, tentando


ficar firme. — Vai matar a todos?

— Talvez sim, talvez não. — meneio a cabeça. Me aproximo mais!


Eu conheço essa garota de algum canto! Seguro seu queixo, começo a
mexer sua cabeça de um lado para o outro. Mas Katleen se afasta. — Eu te

conheço de algum lugar?

Ela é muito familiar...

— Não viu fotos minhas? — pergunta.

— Poucas, mas nada tão próximo assim. Esses olhos... — esses


olhos azuis, essa forma de me encarar... Quem é você, Katleen? —
Esquece.
— Então vamos diretamente ao ponto. — pigarreia. — O que
querem comigo?

— Precisamos de mais gente no momento, assim como Sandro


também precisa. — volto ao meu lugar, deixando meus questionamentos
de lado. — Existem pequenas gangues por San José, que não fazem
qualquer diferença em nossas vidas, no entanto, Katleen, sabemos que a

sua gangue domina presídios, isso nunca me interessou, entretanto, ela está
ganhando as ruas. Poucos quilômetros e você chegará ao meu território. E
não, não é medo de perder meu território, e sim uma aliança.

Em San José tem gangues menores, quando vejo risco neles, trato
logo de aniquila-los, não me alio a gente pequena... Mas tenho que me
aliar a Katleen por causa do presídio onde Grézia está.

— Vieram antes que Sandro nos procurem. — Katleen fala. —


Melhor aliança do que mais um rival.

— Na verdade queremos uma troca. — respondo. — Quer dizer,


você sairá ganhando muito, na verdade.

— Eu não sei se temos a mesma ideia desse ''muito''. — que


audácia, ela acha que pode pedir muito aqui?

— Temos uma pessoa presa em um presídio que pertence a você.


— Bernardo começa a falar. — Ela foi presa injustamente e está com um
bebê, que nem filho dela é, mas ela está passando por esse castigo.

— Castigo?

— Sim. — ele confirma. — Filha de Sandro, ela foi contra o pai,


no momento ela é acusada de matar a própria mãe, sendo que Sandro fez
tudo isso. Ele jogou a filha em um presídio que nada tem a ver com
qualquer gangue, justamente para ela não ter qualquer chance de viver. No

presídio para a Veintitrés ela poderia abrir a boca e falar a verdade sobre o
pai, porque Grézia tem muito crédito com a gangue, ela sempre foi por
dentro da gangue, ela herdaria a Veintitrés. E nem foi pra um presídio da
Doce, porque mesmo sendo inimigos, eles falariam isso para Nacho antes
de fazerem algo contra a garota. Então mandaram para um presídio neutro,
para que ela morra sem direito a um julgamento verdadeiro.

Sinceramente, não me importo com Grézia, mas ela é importante


para poder quebrar a Veintitrés.

— Em troca de? — Katleen pergunta.

— Algumas pessoas dizem que eu faço tráfico humano. —


prossigo. — Que sequestro pessoas para trabalho escravo, eu gosto dessa
fama porque me tornou intocável. A verdade é que a Veintitrés fez muito
disso, o que fiz foi colocar gente para trabalhar para mim e pagar pouco
para eles. Meu irmão escravizou gente, mas aí algumas pessoas
começaram a encher a minha paciência e terminei com esse negócio.

Arman e Alina falando da injustiça trabalhista, quase fizeram um

ministério do trabalho, um sindicato...

— Mas nunca vendi pessoas. — continuo. — Porém, essa fama


sempre esteve ligada a minha gangue, por esse motivo recebi propostas,
conheci pessoas e negócios. Hoje em dia só tenho um filho, e esse filho é

contra esses negócios. E eu não quero decepcionar o único que me restou,


então sim, Katleen, eu sei de movimentos desse povo, e sei que você está
ligada a eles de alguma maneira. Eu não admito esses negócios aqui
dentro, no entanto, olhando para sua vida, e sabendo do seu ''lar de
crianças''.

Agora eu atingi.

— Sei bem que procura por tipos específicos de homens. —


prossigo. Sim, Katleen, eu pesquisei a sua vida. — E eu posso ajudar

bastante nisso. Eu posso encontrar seus dois homens, e você me entrega


Grézia, o bebê que está com ela e a aliança dos negócios.

— Muita coisa para apenas entregar duas pessoas. — o outro cara


fala por Katleen. Eu também acho que conheço esse cara. É mais velho
que Katleen, mais novo que Tadeu. De onde conheço esses dois?

— Depende do quanto querem esses dois. — pego meu celular e


mostro o material que é crucial para essa negociação aqui. — É, eu acho

que é o seu cara. Foi um tanto difícil de achar, mas sei de alguns negócios

obscuros.

Katleen se importa com esse homem, seu namorado, Renan e


Brian, acho que é seu irmão, ou algo assim.

Katleen tenta pegar meu celular, mas desligo a tela e guardo no

bolso.

— Então, esses dois valem tanto assim? — olho para ela, vendo o
quanto posso jogar. — O outro homem que tanto procura está com esse
lutador também, e eu sei onde estão. Meu preço não vai abaixar. Se não
aceitar, terá guerra comigo, porque eu derrubo aquele presídio, mas pego
Grézia, e ainda mato seu povo em todos os territórios. E se aceitar, eu nem
quero conversa de porcentagem dos lucros, isso vem depois. Creio que há
urgência em ambas as partes. Pegar ou largar, Katleen.

Só que o outro cara não deixa que ela responda, apenas a arrasta
para longe, junto a Tadeu.

De onde conheço Katleen?

E esse outro cara com ela, quem é? Eu já o vi em algum lugar...

— Não faça besteiras. — Cássio fica ao meu lado. — Precisamos


dela.
Ignoro-o, na verdade tento ignorar minha raiva por ela nesse
momento. E é quando Katleen retorna com sua resposta:

— Nada feito.

Dou risada. Katleen quer jogar, quer aumentar o preço, quer


brincar comigo!

— Eu tenho informações sobre onde os dois homens estão. —

reforço a informação. — Informações exatas...

— Mas eu tenho mais que você, Nacho. Porque é a filha de Sandro,


um bebê que desconheço, mas que deve ser importante para alguém.
Tendo a tal Grézia eu tenho alguém importante para Sandro, mesmo que
ele mate a filha, ela será de interesse para ele. Assim como ela é
importante para você, ou seja, duas pessoas importantes para dois chefes. E
meu território, minhas armas, meu pessoal. Mais gente para guerrear ao
seu lado. E esses dois caras que você tem informações, Nacho, só são

importantes para mim, nada mais. Acho que eu tenho pessoas mais
interessantes, do que você para mim.

A filha da puta sabe jogar!

— Subestimou a quase pedagoga. — Bernardo cantarola. — Isso


que dá viver achando que é o poderoso chefão.

— Você depende dela também, Bernardo! — grito para Bernardo.


— Grézia é mais importante para você, do que para mim.

— Renan foi sequestrado. — Katleen fala com Bernardo. Ah, é

isso, ela vai jogar sentimentalismos para esse cara esquisito. E foi
certeiro, o espanto de Bernardo deixa claro que ele sabe de quem Katleen
está falando. — É ele quem estou a procura.

— Mas como que tudo isso aconteceu? — Bernardo pergunta. —

Por isso voltou a vida bandida?

E sou deixado de lado.

A porra da conversa, a reunião, as negociações eram para ser


feitas comigo, mas é Bernardo quem tem a atenção deles!

— Sim. — Tadeu responde. — Preciso encontrar meu filho, me uni


a Katleen para isso.

— Eu acho foda o quanto estou sendo usado por esse bando de


filho da puta! — cansado de ser ignorado, eu corto essa conversa. —

Mataram minha família, só restou um filho porque ele nem ao menos


morava em San José, e minha ex-esposa que conseguiu fugir. Se não, não
poupariam ninguém. Mas agora eu sou obrigado a ajudar esse bando de
gente a salvar a família. Obrigado a salvar a filha de Sandro porque ela é
importante para uns filhos da puta que dizem que só me ajudarão contra
Sandro se eu salvar aquela criatura. E um bebê que nem tem pai e mãe,
mas que precisa ser salvo. Agora eu preciso salvar o filho de um cara que

era da Veintitrés, e que deve ser marido dessa garota que não faço ideia de

quem seja. Eu acho isso incrível. Perdi minha família, mas agora sou
obrigado a salvar a família dos outros.

— Foi o Sandro quem armou para matarmos sua família... —


Cássio começa a falar, mas eu faço sinal com a mão para que ele pare. Sei

que foi Sandro que armou tudo, e estou cansado de escutar a mesma
ladainha sempre.

— Eu não vou ajudar, Katleen. — tomo minha decisão. Não vou


me arrastar, implorar ajuda a essa garota. Eu seria obrigado a ajuda-la
dando a informação do paradeiro desses dois caras, na verdade Anthony
tem a informação exata da localização, mas não estou aqui para me
rebaixar a essa garota. — Estou ajudando os assassinos da minha família,
não tenho porque ajudar você. E estou pouco me fodendo para Grézia, Não

foi o Sandro que orquestrou as mortes da minha família? Que a filha dele
morra com esse bebê, não devo nada a Chino, Lucas e El Doctorado.
Cansei dessa fala mansa, cansei de apenas conversar e ser obrigado a ser
simpático com rivais. Não quer aliança? Foda-se, posso conseguir tudo
usando apenas a minha força e minha gangue.

Mesmo que Andreza Garcia tenha entendido minha jogada, eu não


deixarei esse assunto de lado.
Na verdade, estou sendo deixado de lado.

No meu próprio país.

No meu próprio assunto!

Por uma fedelha que brinca de ser bandida!

Eu pego minha arma. Se essa garota não vai ajudar, matarei logo, já

que está a minha frente.

Usaria minhas mãos primeiro, porque eu mataria Katleen de


qualquer maneira, mesmo após ajudar. Mas vou mostrar que ainda sou o
Nacho que mata sem pensar, sem me importar quem será a vítima.

E assim eu desestabilizo os negócios dela, pego o presídio, a tal


Grézia e o bebê... É, bem mais fácil que negociar com essa garota.

— Eu não perderei nada mesmo...

— Perderá uma filha! — a fedelha me interrompe falando isso...

Que? — Vai matar sua própria filha?

Escuto as armas sendo engatilhadas, mas apenas encaro a garota.

Que tipo de jogada ela está tentando fazer?

— Que porra está falando, garota? — destravo a arma. Ela sabe


que perdi a minha família e acha que vai jogar comigo com isso?

— Você não me conhece, mas eu lembro uma antiga mulher com


que se relacionou. Tania era o nome dela, ela era uma prostituta da Calle

Doce. — Tania... Eu lembro dela e sim, se parecem muito... É daí que

conheço a Katleen? — Você se relacionou com ela, eu sou sua filha com a
Tania. Por isso aceitei essa reunião, porque era a chance de ver como seria
com você, saber se poderia falar que é meu pai...

E se for verdade?

— Isso vai colar comigo? — solto um riso, mas agora em dúvida.


— Tudo isso porque surgiu a notícia que fiquei mal pela perda da família...

— Eu sou o Merlin. — olho para aquele cara que também acho que
conheço de algum canto. — Aquele cara que já trabalhou para você. O que
pegava os inimigos com rapidez, matava e sumia com os corpos. Você
dizia que eu era como um mago, um mágico.

Eu lembro desse cara! Guille disse que não era bom confiar nele,
depois o próprio pai do Merlin veio falar comigo, disse que seu filho tinha

problemas mentais, e era psicótico. Se ele entrasse muito no assunto, seria


pior pra mim. Merlin me mataria.

Merlin sempre foi bom para caçar, encontrar e acabar com os


inimigos. E por ser tão bom, desconfiei que, realmente, ele pudesse ser um
futuro inimigo.

Merlin era muito bom, até conversávamos.


Ele está com barba, cabelo um pouco maior e o ar mais velho, ele
era muito jovem na época.

Merlin!

— E daí? — pergunto, continuando com minha pose arrogante e


superior, fingindo que pouco me importo.

— E daí que meu pai também era da Calle Doce. — ele continua.

— E ele conheceu a Tania, mãe da Katleen. Tania engravidou, você é o


pai, ela tentou te procurar, mas o Guille impediu...

— Agora envolverá o Guille nisso? Um morto que não está aqui


para falar a verdade?

— É a verdade, Guille ainda estava vivo naquela época. — Merlin


prossegue.

Na verdade ele resume uma história bastante confusa, cheia de


detalhes... Mas só sei olhar para Katleen e agora vejo Tania nela.

Sim, pode ser verdade.

E se Katleen for minha filha?

E se eu quase matei minha filha?

— É isso, você me lembra a Tania. — falo, olhando para Katleen e


lembrando claramente de Tania. — Mas ela era uma puta que ficava com
todo mundo. Ela pode até ter achado que você é minha filha, mas... —
respiro fundo. — Vamos ao teste de paternidade. Siga meu carro.

Afasto-me, entrando no carro.

E se Katleen for minha filha... Eu quase matei minha filha...

Eu posso ganhar uma filha!

E, instantaneamente, sorrio com tal possibilidade.

Uma filha que é corajosa, poderosa...

Não, sem sorrisos e orgulho, Nacho, você sabe que se envolveu


com Tania, mas, talvez, seja engano, Katleen nem seja algo seu.
(3) Nacho

Cheguei à clínica para fazer o teste de paternidade e expulsei o


povo daqui, deixei apenas os funcionários para que possam fazer o exame.

Quero o resultado do teste de paternidade pronto em menos de


vinte e quatro horas.

Katleen achou tudo exagerado, eu a chamei de idiota, depois me


arrependi. É o estresse que me faz ser grosseiro com a garota.

Mais de vinte horas, já é o dia seguinte e nada do bendito resultado.

Não falei mais com Katleen, estou nervoso, aflito, ansioso por esse
resultado.

Ela parece Tania. Uma puta da Calle Doce. Era normal no início,
depois foi como Monique. Uma puta grudenta e insuportável!

Guille. Guille me impediu de conhecer minha filha?

E Andreza está certa. Ontem conversamos, ela falou que agradeço a


Rene por ter matado meu irmão. Eu o amei, Guille foi quase um pai, mas
era controlador pra caralho! E se ele me impediu de conhecer Katleen...

Olho para ela novamente.


Katleen parece ter certeza dessa paternidade.

E eu quase matei, jurei essa menina de morte...

Katleen me encara. Os olhos azuis, agora não mais inchados,


olhando diretamente para mim. Desvio o olhar, tentando não pensar nela
como se já fosse minha filha.

E se for...

— Temos o resultado. — levanto rapidamente e olho a funcionária,


que está com medo. — Aqui. — a mulher trêmula me entrega o papel e
depois entra novamente na sala.

Leio o papel rapidamente, esperando o negrito com o resultado.

É minha filha!

Katleen é minha filha!

Minha terceira filha que está viva!

Uma filha em minha vida.

Um soluço escapa.

Apoio-me na parede, sentindo um aperto no peito junto a uma


sensação boa.

Perdi três filhos no ataque do Distrito, mas Alina está viva, Arman
também, agora Katleen. E todos os outros três filhos eram ruins, não que
eu seja bom, mas nenhum deles eram de demonstrar sentimento. Agora

tenho uma filha, Katleen...

Eu mataria essa menina.

Mas uma vez passando a imagem ruim para um a filha.

Olho para Katleen, que abre os olhos.

— Eu odiava a sua mãe. Eu odiava muito a Tania, ela começou a


ser insuportável após um tempo que ficamos juntos. — engulo em seco. —
Mas eu não a matei, eu sei que ela foi assassinada, mas não fui eu...

— Mas o que isso tem a ver? — sussurra, quase sem voz.

Eu não posso suportar mais uma filha achando que sou ruim...
Quer dizer, sou ruim, mas não quero ser ruim para eles.

Já basta pensar que quase a matei, que mirei uma arma em sua
cabeça.

Vejo Andreza hoje em dia, vejo Lucas e Marcelo, vejo como


ambos amam e respeitam seus pais. Dos cinco filhos que conheci, apenas
Alina demonstra sentimento pra mim. Agora a sexta filha...

Eu posso ter estragado tudo.

— Quer dizer que posso aguentar muitos crimes sendo ditos que eu
fui o culpado, mas não posso aguentar o peso de acharem que matei a sua
mãe... — toco o rosto dela. — Que matei a mãe da minha filha.
E quase te matei.

— Positivo. — sussurra, sabendo o resultado.

— Eu nem posso acreditar. — as lágrimas vão caindo, sem que eu


possa contê-las. É um misto de sensações, com a culpa sendo ainda maior.
De todas as ofensas, ameaças... Eu imaginei matar essa garota, na minha
mente perturbada eu via torturas, já conhecia seu rosto das fotos, e em

meus pensamentos a enxergava, eu a matava. Com esse mesmo rosto, eu


matei a minha filha em pensamentos. — E eu mataria você...

— Por isso eu falei logo. — ela também chora e enxuga suas


lágrimas. — Eu... Eu não tive pai, e quando tive ele tentou me matar, daí
surgiu a história de você amar sua família, então eu... — amei mais Arman
e Alina. O meu luto foi por pensar que Alina e Francine estavam mortas,
inocentes para morrerem daquela forma, depois que descobri que não,
restou apenas a vontade de prosseguir os negócios. — Eu não sei.

Levanto a mão para toca-la, mas não ainda estou incerto. No


entanto, toco sua bochecha, mas logo me afasto.

Eu quase a matei. Ela é a minha filha. Minha filha com Tania!


Uma garota inteligente, poderosa... Que Guille me impediu de conhecer!

— Foi o Paulo Santiago? — pergunto e ela confirma. — Renan é


seu marido?
— Sim, e Brian é o cara que me ajudou muito.

Olho para o papel novamente.

— Mauritânia, é lá onde eles estão. — dou a localização de onde


eles se encontram. Mesmo não dando qualquer aliança, qualquer ajuda no
presídio, eu a ajudo, dando a localização de quem ela tanto procura. —
Vamos resolver esses assuntos primeiro. Depois precisamos falar sobre

essa paternidade. Eu nem acredito que ganhei uma filha, e logo uma filha
de Tania. — solto todo o ar pela boca e olha para cima. — Eu nem mereço
tanto. — sussurro. — Mas farei diferente agora. Mesmo que não me
conheça nem um pouco, e que nem eu te conheço, fico feliz em saber que
tenho uma filha. Uma filha boa, mais uma. — fecho os olhos com força,
me culpando por tudo. — E não deixarei que você morra. — eu
prometo. — Faremos diferente agora.

— Obrigada. — agradece.

— Não precisa agradecer. Não precisa... — enxugo minhas


lágrimas. — Eu que preciso agradecer.

— Pelo o que?

— Porque de toda a família que perdi, só os bons me restaram. —


eu disse que ela estava brincando de ser bandida, porque nas minhas
investigações, ficou claro que ela não é uma bandida real, que ela foi
colocada nesse assunto de algum modo, não porque quis. — E eu preciso

agradecer por isso.

Respiramos fundo no mesmo momento.

Acabamos sorrindo um para o outro no mesmo momento, após


percebemos que, novamente, fizemos algo momentaneamente.

— Lembrava os olhos da minha mãe? — pergunta.

— Lembro bem da Tania, ficamos juntos por um tempo, nada sério,


mas o tempo suficiente para lembrar dela. — sorrio para ela. — Depois ela
sumiu da Doce, nunca mais apareceu, quando soube, tinha morrido, sido
assassinada. Mas ela era muito complicada de viver, quero dizer, sempre
atrás de dinheiro, status, viagens. Ela seria morta em algum momento, é a
nossa vida.

— Sim, é a nossa vida. Entrei nessa do nada, mas entendo.

— Como entrou nessa? Futura pedagoga e agora traficante?

— Eu ainda acredito que tenha sido uma armação. — olha para


trás. O resto do grupo, que antes estava tenso pelo resultado do exame,
agora está reunido e conversando — Uma armação para que dependesse de
Santiago.

— Precisamos conversar sobre esse assunto, não aqui na clínica.

— É, temos que livrar as pessoas do seu cárcere.


— Eu nunca entendo como faço filhos bons, sinceramente. — faço
um sinal para que o segurança vá soltar o resto dos funcionários. — Mas

vamos conversar sobre tudo, colocar tudo na mesa e organizar nossas


vidas.

Tento manter meus sentimentos mais calmos, mais distantes nesse


momento, pois tenho mais um assunto para pensar agora, ajudar Katleen

em sua busca.

— Tem um restaurante, podemos ir até lá, nos reunir com o


restante das pessoas. — aviso. — Acho que está cedo para irmos a uma
casa.

— Tudo bem. — concorda comigo. — Pode ir a frente, iremos logo


atrás.

Saio na frente, sendo seguido por meus seguranças, entro no carro e


Furtado fala comigo:

— Estou feliz por essa descoberta. — ele é o meu atual ajudante na


Calle Doce. Após a morte de Inácio e Otavio, Furtado pegou esse lugar. —
Bom para que possa recomeçar.

— E eu quase a matei.

— Exatamente, quase. Não matou. Sei que fica dessa maneira


porque sempre tentou ser legal com sua famílias, alguns não aceitaram,
outros nunca se importaram. Só Alina sempre ficou ao seu lado.

— Mas me diga, como mudar isso com Katleen? — olho para

Furtado. — Não nos conhecemos, quase a matei, e ela só se aproximou de


mim porque queria ajuda. Se não fosse isso, ela não se aproximaria, afinal
de contas, eu sou o Nacho da Calle da Doce. Tento até hoje mudar isso
com Arman, e nem sei se está dando certo.

— Você está mudando. Até Andreza percebe isso.

— Não sei se Andreza é um bom parâmetro.

— A menina entendeu sua jogada, então sim, ela sabe o que diz.
Katleen é uma filha perdida por culpa de Guille. Supere essas mortes, teve
gente que morreu e você odiava. Supere, viva com está verdadeiramente ao
seu lado. Arman não teria saído da Armênia para te ajudar se não sentisse
algo por você. Alina te ama. Katleen está aí. Para de focar tanto em querer
destruir Distrito por mortes que eles foram coagidos a cometerem.

— Desde quando é sentimentalista?

— Sempre fui, por isso você só me colocou aqui depois que Otavio
e Inácio morreram. Sou sua última opção, porque você sempre disse que
sentimentalismo...

— Ah, cala a boca!

— Sorria pela sua filha.


— Estou sorrindo. — abaixo a cabeça. — Ela é foda!

— ''Fedelha'', alguém disse.

— Eu tinha raiva porque ela me confrontou, porque ficou


debochando de mim.

— De família, Nacho! Igualzinho ao Arman irritando você.

— Acha que Katleen poderá ir com minha cara?

— Ela pareceu emocionada. É só não ser o idiota de sempre e


ajudará no processo todo.

(...)

Katleen parece um pouco perdida nessa reunião. Sua cabeça mexe


de um lado para o outro, mostrando que está bastante confusa aqui dentro.

Aqui de longe eu olho para Katleen e penso como teria sido se nos
conhecêssemos desde sempre. Se eu tivesse ficado com ela. Somente
Arman não conviveu comigo, já que sua mãe sempre foi sensata e me
excluiu da sua vida após descobrir quem sou.
Katleen... Uma quase pedagoga, que teve sua vida atrapalhada por
Guille, e por outro cara que estava querendo se aproximar de mim.

Aproximo-me de Katleen, e ela toma um susto, mas logo sorri.

— Oi.

— Perdida? — arqueio a sobrancelha. — Cadê a mulher fodona


que conversou comigo no telefone?

— Você era o Nacho ali, não meu pai. — dá de ombros.

— Espera, quer dizer que não teme o Nacho? — ela sorri, mas logo
para quando vê Anthony se aproximando. Sempre atrapalhando! — Esse é
o Anthony do Distrito, o chefe da gangue do país vizinho. — e só
apresento porque ele me ajudou a descobrir mais coisas de Katleen. —
Minha filha, Anthony, a Katleen.

— Fico feliz em ver uma filha de Nacho. — Anthony aperta a mão


de Katleen. — Uma filha, Nacho.

Eu entendo bem o que essas palavras querem dizer

— Se tocar um dedo nela...

— Se tocar na minha filha, você já sabe, Nacho. Mantenha a


aliança intacta.

— San José me pertence, Anthony. — deixo claro, porque Andreza


entendeu meu jogo. — Nunca pense que manda aqui porque é mais rico.
Essa porra de país me pertence.

— Mas a porra do armamento, dos homens, de todo o caralho de

poder de manipulação e corrupção me pertencem. — ele sorri. E, merda!


Eu deveria ter investido mais meu dinheiro, assim poderíamos bater de
frente nesse quesito também. — Não toque em minha família, ou eu toco
na sua, de novo.

— Olha, eu não vim para brigar. — olhamos para Katleen. — Eu


nem ao menos conheço vocês, não me envolvam nisso.

— Você não tem culpa, Katleen. — Anthony fala. — Assim como


minha filha e meu neto não tem e esse filho da puta está colocando em sua
casa. Então, é apenas um aviso mesmo. Faça mal a alguém da minha
família, Nacho, e fim de aliança.

E o pior que não quero fazer mal, pelo menos não a Andreza
enxerida, Lizandra ex vadia e o bebê bobalhão. De resto ainda quero

descontar raiva, principalmente no folgado, paspalho e no rejeitado!

— Vejo que é uma aliança forçada. — Katleen volta ao assunto.

— Mesmo inimigo em comum. — dou de ombros. — Era para ser


inimigo de Anthony, mas precisamos um do outro. No fim somos bandidos
atrás de dinheiro e poder, até que ponto vamos continuar amiguinhos? Nos
tolerando? Não sabemos, mas, por enquanto, vamos nos controlar.
— Eu não quero me meter nessa treta...

— Está metida a partir do momento que virou chefe de uma gangue

que está subindo muito. Precisa da nossa ajuda e daqueles filhos da puta
que se acham os donos dessa porra toda. — aponto para frente, com raiva
de que sim, preciso do Distrito se quero ajudar Katleen. — Vamos,
precisamos conversar logo sobre tudo.

Discutimos nessa reunião, com umas cinquenta pessoas, e Katleen


já liberou o acesso de Lucas e Chino no presídio, para verem Grézia e o
bebê, e, a partir daí, começarem o processo para sua retirada de lá.

E espero que isso surta efeito, que a tal Grézia consiga convencer
uma parte da Veintitrés que Sandro não é esse cara justiceiro que muitos
imaginam.

Enquanto tudo isso acontecia, só observava Katleen, vendo que ela


apenas dá a última palavra. Seu grupo respeita suas decisões, ela é a

palavra final, mas Tadeu e Merlin são mais por dentro do assunto.

Katleen só entrou nisso para salvar Brian e Renan, ela não é desse
meio.

Mais uma filha inocente que veio parar na vida bandida por minha
culpa, direta ou indiretamente, e que sofreu algo por causa da vida que
levo.
Respiro fundo.

Mais uma filha.

— Seremos parceiros então. — quero reclamar quando Cássio fica


ao meu lado. — Quem diria, Nacho? Me odiou tanto, e agora depende de
mim.

— Nós não precisamos conversar durante esse período, Cássio.

— Não, não precisamos. — sorri de modo vitorioso. — Só terei


que conversar com Katleen mesmo, o assunto é dela. Não me importo de
ficar falando com sua filha.

— Nem pense em fazer algo contra...

— Abaixe a guarda, homem! Confiamos Andreza, Rick, Lizandra e


Marcelo a você, então relaxe. Matar sua família só foi necessário quando
você sequestrou Monique e usou Safira para matar Camila.

— Andreza já falou tudo, não é?

— Lealdade a família, Nacho. Assim como é leal a sua. Pare de


agir como se ainda fossemos um bando de inimigo tentando se matar,
abaixe sua bolinha e vamos começar a conversar como adultos. Amizade
que pode gerar grana, altos investimentos. Estou disposto a jogar pesado
para ajudar Katleen, e quando falo pesado, digo em usar meu dinheiro
nisso. Muito dinheiro para ajudar sua filha. Pense nisso.
E eu sei que precisarei do dinheiro, da influência do Distrito.

Vejo Anthony indo em direção a Katleen, e também vou até eles,

para saber o que ele quer com minha... Filha.

— Não podemos ir até onde seu marido está. — Anthony fala. —


Nos reunimos e...

— Mas eu já liberei a visita para Grézia, e o juiz...

— Mauritânia é uma San José africana, Katleen. Jogue no Google e


encontrará várias matérias falando sobre escravidão, tráfico humano. É um
país fechado, com ditatura, seus terroristas. Como entraremos lá com
armas? Nem entraremos no Senegal, Mali, Argélia, pelo Saara, nada, não
tem como. Podemos entrar lá, mas com armas? Para salvar pessoas? As
lutas nem ao menos tem expectadores por conta disso, porque é um local
de difícil acesso. — olha se Anthony não deixa claro que eu devo
concordar com o Distrito, que preciso deles. — Eles pagam para assistir,

não para irem até lá.

— Então é isso? — Katleen começa a chorar. — Eu tenho que


aceitar essas respostas e deixar pra lá?

— Não, Katleen. — meu instinto faz com que eu comece a enxugar


as lágrimas de Katleen. Sentindo-me impotente, ao mesmo tempo ciente do
que fazer nesse momento. — Eu sou o Nacho da Calle Doce, aquele ali é
Anthony Garcia, muito mais rico que qualquer um de nós. Infelizmente,

dependemos dele.

Infelizmente, mais uma vez, terei que passar por cima de uma
vingança para o bem da minha família.

Eu poderia continuar com a Calle Doce sem precisar do Distrito,


mas só fico com eles, porque penso que Arman e Alina estão vivos, e que

Sandro vai querer mata-los também. E preciso acabar com Sandro antes.

E, agora, permanecerei na aliança porque quero ajudar Katleen.

— É seu pai quem precisa manter a aliança intacta, não eu. —


Anthony fala. — Estou aqui para vencer e crescer, não apunhalar, avise
isso ao seu pai.

— Infelizmente, precisamos dele. — repito, olhando para Katleen.

— E qual o plano? — há esperança na voz de Kaatleen, algo que só


poderá acontecer se Anthony permitir.

— Vamos até a Mauritânia. — Anthony responde. — Sem armas,


seremos turistas, apenas. Entrarei em contato com os responsáveis pela luta
e falarei que preciso de alguns lutadores, oferecerei mundos e fundos para
isso, e espero que concordem. Assim que aprovarem nossa ida, veremos
rostos dos envolvidos, pesquisaremos mais da vida deles, seja aqui ou lá.
E, a partir daí, teremos que investir pesado neles.
— O que seria investir pesado?

— Calle Doce ficou conhecida durante anos por trabalho escravo.

— começo a falar. — Envolveremos muito dinheiro nisso, investiremos


pesado para que concordem em dar lutas em locais que eu quiser. — isso
foi o que resolvemos na pequena reunião que tivemos antes de Katleen
chegar aqui. — O plano mesmo é tirar os lutadores daquele país, tirando

daquele país, fica mais fácil de resgata-los.

— E se nada disso der certo?

— Aí sim teremos que atuar como gague em outro país, outro


continente. — aperto sua mão. — Mas não deixaremos os dois naquele
lugar. Tentaremos a praticidade primeiro, depois o extremo. Não
deixaremos você na mão. Traremos Renan e Brian, vivos.

Katleen começa a chorar ainda mais, agora parecendo de alívio,


esperança.

— Obrigada. — agradece

Começo a enxugar suas lágrimas, querendo falar algo mais, ao


mesmo tempo sentindo que está tudo muito rápido. Eu já quis mata-la,
agora é minha filha, vou ajuda-la...

É tudo uma novidade.

Apenas pego o lenço na mão de Denise e entrego a Katleen.


— Prepare as malas. — aviso. — Estaremos providenciando tudo
para a nossa viagem. Assim que tudo for confirmado, vamos para outro

local, porque o aeroporto de San José está fechado, e de lá começaremos


nossa viagem até a Mauritânia.

E assim eu tomo minha decisão.

Meu sonho sempre foi tomar San José, virar algo somente da Calle

Doce. Mas para uma filha desconhecida, desesperada, e que entrou nessa
sem querer — e indiretamente por minha causa —, deixarei meus
negócios — que acreditei serem tudo para mim —, nas mãos de Arman,
Furtado e Perez.

Largando tudo para ajudar uma filha que acabei de conhecer.

Que tipo de pessoa estou me tornando?

*A duologia ''Entre as grades'', principalmente o livro 2, é ambientado na


mesma época desse livro aqui, por isso há o bônus na história da ''Família Garcia''.
Não é necessário a leitura da outra duologia, porém, é por lá que a história do
Nacho com a filha é contada, pois são os livros dela, Katleen*
Capítulo 13
ANDREZA

— Será que agora o Nacho suaviza? — Lizandra faz essa pergunta,


sussurrando. — Vai ver uma filha nova faz o cara parar de ser ranzinza.

— Gostaria de saber mais sobre os filhos que morreram. Nacho não


tinha netos, já que nunca mencionou, assim como crianças. Queria saber
mais dos filhos para saber se o que pensei tem sentido. Eram tão ruins, que
talvez Nacho não ligue tanto.

— Não ligue para morte de filhos?

— Tipo Jorge. Foi tão ruim que no fim ninguém se importou,

ninguém sofreu, ninguém impediu ou lutou por sua vida. Quando foi o
lance de ''traiu Helena'', ainda o defenderam, afinal, isso era entre ele e tia
Helena, depois que a coisa subiu de nível, o abandono de Jade, ele
começou a ser excluído, mas quando ele tentou matar Jade, Igor, Letícia e
Mari, a coisa ficou tão grotesca que ninguém impediria sua morte. É disso
que falo, às vezes algum familiar é tão ruim que acabamos pensando ''se
ele estivesse vivo, faria coisa muito pior''. Já vi alguns casos assim nos
jornais, pais falando que era melhor ver o filho morto que vivo, porque
eram o diabo na terra. Não sei, mas algo me diz que a família de Nacho era

assim. Pensa comigo, estamos aqui há dias e o máximo que sabemos são
mortes de inimigos. Você viveu aqui, sabe a fama ruim da Doce. Vai ver
eram os outros parentes que comandavam tal coisa, Nacho sendo a
minoria, tinha que acatar as decisões. Ele era chefe, mas vai ver a família

era tão ruim que mesmo ele comandando, não poderia recusar, ou se
voltaria contra ele, Arman e a outra filha boa.

— Refém da própria família. — Lizandra pensa um pouco. — Sim,


faz sentido agora. É tipo o Distrito, mesmo querendo matar Jorge, tinham
que pensar mais amplamente. Assim como Nacho, mesmo não querendo o
lance escravo, já estava na Doce e não poderia mudar, ou seria morto com
seus filhos bons.

— Você pensa muito bem. — olho para Arman, acabando de entrar

na casa. — Mesmo sussurrando, escuto bem.

— Então estou certa? — suponho.

Arman arrasta a cadeira e senta na ponta da mesa.

— Meu pai disse que a despensa está livre para vocês duas e o
bebê.

— Nacho não voltará? — Lizandra pergunta.


— Não no momento, está meio ocupado e depois vai ajudar
Katleen. Eu e mais dois caras ficaremos em seu lugar. Eu quero deixar

umas coisas claras, já que ficarei por aqui agora. Perez é o cara mais casca
grossa que vai encontrar, pior que meu pai. Meu pai ainda é tranquilo se
for com a cara de alguém, Perez não, ele é tipo um funcionário que segue
ordens de Nacho, ser simpático com possíveis traidores não está em sua

lista do que fazer. E, para ele, vocês não são aliados, apenas suportados
para o bem dos negócios.

— Isso significa o que exatamente? — pergunto.

— Pergunte a coisa errada e levará uma patada, então, pra evitar


essas tretas pequenas, apenas ignore e só escute ou fale o necessário. Ele é
mais turrão.

— E o outro cara? — faço outra pergunta.

— Mais tranquilo. A questão mesmo é Perez, muito mais rígido

que meu pai, até mesmo comigo.

— E ele e algum tipo de problema? Se é que me entende?

Arman dá um pequeno riso para a minha pergunta.

— Não sei. Meu pai tava puto da vida porque você leu a vida dele
muito bem, então você pode ser inteligente para isso. Se Perez mostrar
algo estranho, qualquer atitude muito esquisita, diferente do que falei, me
avise.

— Algo contra ele? — Lizandra pergunta.

— Era muito próximo a Inácio. Inácio ainda é uma incógnita, se


traiu meu pai ou não. Algumas vezes Inácio tomava atitudes por conta
própria dizendo que era para mostrar serviço, impressionar meu pai. Ele
pode ter ido atrás de Álvaro, que estava com Francine, para trazê-la de

volta e agradar o chefe, como pode ter ido ali a mando de Sandro. Não
sabemos, mas, um dia, Inácio trabalhou para os dois lados. Como era
grudado com Perez, que é muito caladão, não sei se minha desconfiança
faz algum sentido.

— Ah, qual foi? Tem coisa mais aí sim!

— Ele não concorda comigo e nem com essa união, se assim posso
chamar. Meu pai teve que terminar com esse lance ''salário baixo para
trabalhadores'' por minha causa. Depois se uniu a Anthony e era algo que

Perez não queria. Então todo cuidado é pouco.

— Então agora sim corremos perigo. Porque você falou pra mim e
Lucas que Nacho não nos mataria, mas se avisa sobre Perez, isso significa
que ele é mais perigoso.

— Eu suponho que sim. — Arman enfatiza.

Ou você que é perigoso e tenta me enganar...


— E sobre o que falei com Lizandra? — questiono. — Sobre os
filhos de Nacho, ele não se importa?

— Ele se importaria mais se fosse eu ou Alina, talvez com Francine


também. Agora ele estaria matando vocês, não ligaria para Sandro. Nacho
morreria pelas mãos de Sandro, mas não se importaria, porque ele mataria
Anthony antes de qualquer coisa. Meus irmãos, tios, primos, seriam o El

Doctorado e meu pai o Guille, só esperava o momento certo. Meu pai sabe
que um dia ele teria que acabar com eles de algum modo. Eu não vivi aqui
por conta deles, Alina morava, mas não era amiga e era odiada por duas
irmãs. Aqui era loucura. Nem um filme de terror pode ser comparado
aquelas pessoas. Quando Guille era vivo conseguia ser pior.

— Nacho continuou com eles de boa? — Lizandra pergunta.

— Filhos com vinte e poucos anos, Nacho ainda tinha esperança de


mudança, de não serem tão psicóticos. Eles amavam a arte de enganar um

pobre coitado e depois prendê-los em um cativeiro e obriga-lo a trabalhar.


Meu pai sabia que se fosse contra, Alina pagaria caro por aquilo e eu
também. Esse lance escravo nunca foi lucrativo, era mais sobre prazer em
fazer o mal, sadismo, que negócios em si. Porém, não importava para onde
iriamos, eles nos encontrariam, porque seria Nacho contra todos. Então ele
apenas seguiu o jogo. Por isso digo que Nacho não vai matar vocês, você
fizeram um favor a família e aos negócios. Meu pai fala de Sandro matar
os próprios filhos porque eles eram bons, mas os outros filhos de Nacho e

Guille? Valiam nada, um pior que o outro!

Olho para Lizandra, que também me encara.

Até onde Arman fala a verdade?

DOIS DIAS DEPOIS

— Katleen vai liberar a visita em alguns dias. — olho para Lucas.

— Alguns dias, não poderia ser amanhã? Ela não manda no


presídio?

— Sim, manda. — confirma. — Porém, precisam encontrar Grézia.

— Encontrar?

Lucas senta a minha frente.

— Aqui é San José, Andreza. Tudo isso aqui, lá fora, o caminho


que você conhece, o shopping, é a coisa bela de San José. Esse país é um
caos. Vá a outros locais e verá que a pobreza da Candelária é um paraíso
perto da classe média de San José. O presídio é comandado por uma garota
de fora, que deixa gente entrar e sair. Um pai prendeu a filha só por ela
discordar dele. Os sanatórios daqui são como cárcere para pessoas odiadas,

ou para pais se livrarem de filhos, e filhos se livrarem de pais


problemáticos ou indesejados. Esse país é um caos.

— Isso quer dizer algo ruim sobre Grézia?

— Quer dizer que ela nem ao menos foi encontrada ou lembrada

quando Katleen perguntou a alguém do presídio sobre ela. Corre risco de


Grézia e do bebê nem estarem mais vivos.

— Mas não saberiam de uma mulher e um bebê morto?

— Katleen já foi presa lá, viu um assassinato onde ninguém ligou e


o cara foi enterrado como indigente só porque não recebia visitas, eles nem
ao menos tem controle sobre isso. E nada tem a ver com a Katleen. Katleen
apenas trafica lá dentro e mantém as ordens, fora isso é com a lei, e a lei
está nem aí. Então sim, corre o risco deles nem estarem vivos e o corpo ter

sido largado em algum buraco do presídio.

Estou tão presa nessa casa que até esqueço que estou na temida San
José. E escutar algo tão louco de um presídio me dá calafrio.

— Grézia deve estar viva, ela e o bebê. — tento ser mais confiante.
— Talvez escondidos com medo de uma retaliação.

— Espero que sim. Grézia não merece nada disso, ainda mais com
um bebê. Mas mudando de assunto.

— Pode falar de Grézia.

— Você a odeia.

— Ódio é um sentimento pesado e forte, apenas não curtia o lance


de Grézia ser boa em tudo. — sou sincera, me sentia inferior a Grézia,
agora vendo a forma como Lucas me trata, me sinto melhor e vejo que era

tudo fruto da minha mente me boicotando, colocando alguém acima, ao


invés de acreditar em mim mesma, em acreditar que também posso ser
interessante. — Era ciúme.

— Que nem o que sinto por você e Arman.

— Agora é o Arman? — começo a rir. — Você deve me ver como


a Barbara Palvin. Primeiro Nacho e agora Arman?

— Nem sei quem é essa, mas você é mais bonita, certeza que sim.

— Não, não sou mais bonita que a Palvin, longe disso. Mas gosto

que me veja desse modo, me sinto bem.

— Eu não gosto de te ver desse modo. — aponta para minhas


roupas. — Moletom no meu quarto?

— Está fazendo frio!

— Eu sinto calor.

— Lucas... — tento brigar com ele quando aperta a minha coxa. —


Falando sério, sobre Grézia...

— Eu já queimei meus neurônios pensando nela. — olha para mim.

— Dois dias que não te vejo, só em reuniões com meu pai, tio, Chino, seu
pai, até com a Doce! Amo a Grézia, é uma irmã, mas amo você de outro
modo e sinto sua falta! Só conversamos sobre negócios, Rick ou alguma
piadinha. Sério, Andreza, eu só queria te encontrar e matar a saudade. Sei

que não mereço, mas não aguento mais!

— Me compreenda. — seguro sua mão. — Eu nunca passei por


isso sendo o centro das atenções, nunca! Era sempre sobre outras pessoas,
e mesmo assim tinha medo. E agora com esse lance de ''você é a mulher
mais importante do Distrito'', eu fico pior. Vocês vivem nisso por anos. Pra
você é normal chegar aqui, falar que Grézia pode estar morta, falar sobre
matar mais pessoas, e aí começar a falar de sexo. Eu nunca consegui
compreender. Lembro que Mari corria perigo, Pedro saía em busca de

respostas, e quando voltava ainda tinha cabeça para perturba-la e ficar de


brincadeiras. Júlio passou um período longe, mas quando voltava ficava
com Jade e os filhos de boa, ele até conseguia fingir estar bem. Agora eu
passo por isso e fico ''Como pensa em sexo nessa situação?''.

— É meio mórbido, parece uma frieza e insensibilidade. Porém,


lidamos com mortes desde sempre, por isso que apenas tento ignorar o
lance da minha mãe. Assim como Chino tenta ignorar o pai. Se voltarmos
para casa, para pessoas que amamos, e levarmos preocupação juntos, nós

vamos nos afundar em incerteza e tristeza. Queremos um descanso, um

carinho, vivemos tanto nesse lance de medo e perigo que queremos voltar
para casa e sorrir um pouco. E aqui ainda é um tanto ruim porque você é
do meio, então tenho que compartilhar as histórias e o assunto vem pra
casa. — acaricia meu rosto. — Mas entendo o que quer dizer. Você é

sentimental e nova nesse assunto, não quero acelerar a parte onde você tira
a roupa...

— Quer acelerar sim!

— Sim, quero! Se dependesse de mim já estaria nua aqui, e eu aqui,


no meio das suas pernas. Eu já estou...

— Lucas...

— Está sem calcinha?

Eu ruborizo.

— Está ou não, Andreza?

— Estou. — pigarreio. — Minha bunda é grande, se eu não usar a


calça entra na minha bunda e... — paro de falar. — Por que estou falando
disso?

— Porque ficou nervosa. — ele sorri e morde minha coxa, fazendo


com que eu tente fechar minhas pernas. — Eu sempre te fiz ficar assim, o
que mostra que também quer.

Quero sim. Prossegue que me entrego!

Sinto sua mão vindo para o cós da minha calça.

Desce, desce, desce!

— Preta, Andreza! — perdida em meus devaneios, nem entendo o

que ele quer dizer. — Depois diz que não estava preparada?

— Não foi intencional! Eu gosto da cor preta. Sabe o que também


gosto?

— Tanta coisa.

— Adivinhe uma. — se afasta.

— Você voltando para aqui e terminando o que começou, Lucas!


— tento não gritar. — Volte aqui e termine o que começou!

— Eu não comecei nada, você não quer!

— Se não voltar em três segundos, eu não...

— Eu posso usar a mão, dormirei tranquilo.

— Eu também posso usar meus dedos!

— Você prefere os meus dedos, a minha língua...

— E você também prefere a mim! — não acredito que estou


falando isso!
— Tire a roupa então!

— Tire você a minha!

— Ninguém tira e eu vou dormir.

— Lucas, eu te odeio!

— Então sente na força do ódio!

— Isso não está sexy, Lucas! — jogo o travesseiro nele, que desvia
e começa a rir. — Nunca transaremos nessa casa, é oficial!

— Mas você nem quer transar.

— Quero sim, mas não tem clima. — agora fico séria. — Eu não
consigo, Lucas. Eu quero ir embora daqui. Talvez se não fosse nessa casa
eu estaria sentando na força do ódio até quebrar seu pênis.

— Por que quer quebra-lo?

— Você pediu na força do ódio, essa bunda quicando no seu colo

junto com as coxas do tamanho do mundo, ou quebra seu quadril ou seu


pênis.

— Eu amo que seja tão idiota e falante nesses assuntos sexuais.


Nem parece a Andreza que ruborizou quando mandei se ajoelhar e usar
essa boca para algo mais que falar, chupar. — sorri.

— Você me depravou ali. — ignoro seu sorriso. — Porém, não


tenho clima para isso. E ainda acho que tem escutas nesse quarto, e é
estranho porque já falei demais.

— Na verdade você está bem assustada, pior que qualquer outro

dia.

Ligo a TV, volume alto e Lucas entende, voltando ao meu lado.

— Depois desse lance com Perez eu fico com medo. — sussurro o


mais baixo que consigo. — Eu e Lizandra pedimos ao Pedro um troço de

encontrar escutas e câmeras, porque até disso tínhamos medo. Agora


deixei Rick com Marcelo e Lizandra, mesmo assim tenho medo de ficar
sozinha nessa casa. — não há mais clima bem humorado. — O chefe saiu,
ficou o filho simpático demais e o Perez caladão que o filho do chefe
desconfia. Eu tenho muito medo.

— E quando Nacho estava você nem falava tanto, quer dizer,


falava mais no geral do que sobre ter perigo nessa casa.

— Porque Nacho é motivado a matar Sandro, mas aqueles dois que

desconheço? Eu acho que relaxar nesse momento, continuar do modo que


estávamos com Nacho é ser muito besta e dar espaço para perder. E perder
nessa casa significa muito.

— Vamos pensar em um jeito então.

— Que jeito? Temos que ficar nessa casa ou o acordo com Nacho
será desfeito. Meu pai fez muito para perder um acordo por minha causa,
por um medo meu. E não quero decepciona-lo.

— Como você disse, se até o Arman falou mal do parceiro do pai,

ou Perez não vale nada ou Arman está tramando algo. Eu não posso deixar
você e Rick nessa casa.

— Lizandra também não sabe se cuidar sozinha, coloca em sua


conta!

— Esqueci que são tipo irmãs.

— Rene também a adotou como filha. Não no papel, mas de


coração, hoje ele até reclamou por Lizandra só saber comer doce. E seu pai
reclamou comigo também, Lucas! Disse que comi muita gordura no dia de
hoje.

— Ele não mentiu.

— Eu fico nervosa e como mais que o normal. Você nem estava em


casa para dividir meu medo, Marcelo disse que me protegeria, mas ele é

apenas um para defender três pessoas.

— E ele não está totalmente equilibrado para tal coisa.

— Então, quatro pessoas para protegerem! Eu sinto algo estranho e


não quero ficar aqui, decidido!

— Precisamos arranjar um jeito de sair daqui sem irritar o Nacho e


sem que tenhamos uma complicação com a Calle Doce.
— Isso se a Calle Doce já não estiver complicada. O chefe
largando tudo para ajudar a filha, o novato no comando e outro que ele não

gosta. Vai ver já está complicado e nós somos a garantia que Anthony será
obrigado a ajuda-los após tudo.

— Isso já sabemos, sempre foi óbvio. — coça a nuca. — Porém,


quando o gato sai, os ratos fazem a festa, como dizem.

— E uma festa com o filho de Sandro, El Doctorado e Anthony


Garcia, é uma baita festa.

— Uma festa que rende uma boa recompensa. — pensa um pouco.


— Uma boa recompensa para a Doce e para a Veintitrés. Resta saber qual
deles paga mais, e se realmente vai rolar algo aqui dentro.

— Vai esperar para saber?

— Darei um jeito de saber.


Capítulo 14
LUCAS

Há algo de muito errado nessa história toda, porém, ainda não sei
dizer o que ou quem.

Arman e Nacho não parecem ter um relacionamento comum de pai


e filho, entretanto, estão juntos nessa.

Perez é um velho conhecido nosso, quando eu era da Calle


Veintitrés, sabíamos bem que ele é um dos principais da Doce, muitas
vezes sendo visto como braço direito de Nacho.

É normal que Perez seja mais durão, mais calado, é só ver que meu

pai também é assim, Anthony também é. Porém, Arman ter deixado


subentendido que Perez pode causar problemas, é o que me intriga.

— Foi mal pela demora. — Álvaro senta a minha frente, estou no


apartamento onde ele ''mora'' com Natasha e seus dois filhos. — Estava
vendo uns assuntos com Bernardo, referente as pessoas da guerrilha.

— Conseguiu encontrar com alguém de lá? — pergunto.


— Pior que não. A história espalhada é que sou um traidor junto a
Bernardo, como teve as mortes no dia da guerrilha, onde a mãe de

Francine morreu, agora sou visto como o cara que matou aquela gente.
Bem, pelo menos agora há a certeza que aquele campo era da Veintitrés e
não da Doce. E tudo foi uma grande emboscada.

— E a mãe de Francine com a Veintitrés? Deveria ser a Doce, já

que Otavio era de lá.

— Agora eu já penso que Otavio não fodeu a vida da esposa.


Realmente houve o sequestro do ônibus, não um atentado como foi dito.
Otavio escapou e a mulher se foi. Otavio pode ter pensado que ela tinha
morrido mesmo ou apenas seguiu em frente sem querer procura-la.

— Mas Katya era adolescente e ficou para trás, nunca foi salva. —
penso um pouco. — Se bem que foi Inácio quem a encontrou e a salvou.
Há uma teoria onde Inácio fez aquilo para ficar bem com Otavio, entregar

sua sobrinha e subir em seu conceito. Como Katya entrou na Veintitrés,


por descobrir as merdas de Inácio, ele acabou, sem querer, aliando a
sobrinha com o inimigo, e tentou mata-la. No fim Otavio nem sabia de
algo.

— Faz sentido também, se bem que agora não importa muito qual
era o lado de Inácio e Otavio, já estão mortos. Mas voltando sobre a
guerrilha, depois de tudo aquilo que passei com Natasha, sou visto como
traidor. Um cara de lá aceitou falar comigo porque ele estava cético. Sabe

que sempre fui leal ao trabalho e ao Sandro.

— E conseguiu algum avanço?

— Sua cara de duvida, nada mais que isso. Talvez ele pense e
entenda que falo a verdade, ou talvez ele pense e ache que sou um traidor
mesmo. E você, algum avanço para seu lado?

— Meu pai e tio Yazid ficam indo para as pessoas próximas, mas
ainda não conseguiram aproximação com seus pais. Até o momento nada
consegue causar intriga e ter aliados do outro lado. É complicado porque
nós dois vimos de perto as armações de Sandro, eles enxergam Sandro
como salvador da pátria.

— Já parou para pensar o quanto fomos burros? Não julgo essa


galera que continua acreditando em Sandro, porque um dia fomos como
eles.

Era uma ideologia no início, de minha parte acontecendo por causa


da família. Meus avós, paternos e maternos, sempre foram da Veintitrés.
Falavam que as armas eram para combater a Doce, as drogas era o modo
de ganharmos dinheiro... Bem hipócrita e contraditório, já que lutamos
tanto pela liberdade do povo, mas quando você entra, sentimos na pele
toda a tensão de San José, a guerra contra a Doce. E o que mais prende as
pessoas na Veintitrés: Eles sempre vão libertar pessoas do regime escravo,
de sequestros. Essa parte da história acaba mostrando que tudo de errado

feito pela Veintitrés, é ''compensado'' porque salvamos o povo.

E como Álvaro disse, possivelmente várias pessoas que salvamos


foram presas pela própria Veintitrés.

— Sim, muito burros. — concordo com Álvaro. — É o perigo da

ideologia, você entra de vez nela e pode virar um extremista ou ficar cego.
Sandro é o ditador. Não um revolucionário como sempre pregou. Se
aproveita dos necessitados e usa a sua dor e necessidade para lucrar e
prendê-los. Ganha dinheiro protegendo da Doce, e, possivelmente, a
Veintitrés mesmo que ataca para eles terem mais dinheiro.

— San José ainda é uma incógnita para todos nós. Após Sandro
tem Nacho, o que acontece com esse país? — Álvaro faz a pergunta que
ninguém tem a resposta. — Hoje em dia o poder está dividido em duas

gangues. Polícia faz seu trabalho uma vez ou outra e o presidente nada faz,
fica pulando de lado para ver qual mais lucrativo, e Nacho e Sandro
liberam porque para eles é melhor um presidente frouxo, que um tendo um
lado ou sendo correto. No fim a ideia de Sandro nunca fez grande sentido.
A ideia do pai de Sandro sim, o idealizador da Calle Veintitrés.

— Grézia é a única capaz de falar algo e ser escutada. Porque eu e


Chino já saímos e nos aliamos ao Distrito, somos traidores da Veintitrés.
Grézia não, era uma das que deveria comandar e sempre foi querida.

Mostrando seu sofrimento, você falando sobre a guerrilha, eu e Chino

contando nossa versão, talvez dê certo. Talvez.

— Quando vai vê-la?

— Não sei, ainda não a encontraram.

— Presídio de San José é bastante complicado. Nunca fui preso,

mas já ouvi suas histórias. Se homens e mulheres ficam presos juntos e


ainda podem levar crianças, não quero imaginar tudo de errado que tem lá
dentro.

— Eu não quero pensar tanto nisso, Grézia é uma irmã e está com
um bebê...

— Eu tenho pena dessa criança, do nada tem um bebê na história.

— Eu realmente não entendi a fundo essa criança, foi um plano


estúpido. Sei que foi uma armação da minha mãe para que parecesse que

eu traí Andreza. América, a mãe do bebê, já estava grávida e eu seria o pai,


já que o exame foi falsificado. Penso que nisso tudo Anthony me veria
como um traidor, teríamos tretas, meu pai, meu tio e Chino entrariam no
meio disso e teríamos uma quebra no acordo, ficaríamos fracos. Só que
América não prosseguiu o plano e foi embora, fugiu e foi morta.

— Foi um plano bem estúpido, não tem cara de Sandro.


— Foi minha mãe.

— Eu não sei o que dizer. — Álvaro parece surpreso. — Eu não

sabia disso.

— É que Andreza não falou tanto sobre esse outro bebê, por isso
que também o plano não deu certo. Andreza não espalhou a história para
que Anthony soubesse.

E sofreu calada... Eu queria dizer que acho estranho que pedi


perdão por meses, um ano e meio, e Andreza não aceitou. Porém, agora ela
me aceita, e foi uma maneira tão natural que nem percebemos que já
voltamos a nos tratar como antigamente.

No entanto, sei o que aconteceu. Antes eu pedia com desespero e


Andreza deve ter sentido que eu não tinha entendido seu ponto de vista e
nem entendido onde eu havia errado.

Bem, pelo menos fui perdoado e parei de ser escroto... Pelo menos

com Andreza.

— Mas sobre o que vim falar com você. — pigarreio. — Eu sei que
tem filhos agora, sei que tem todo o lance de fazenda, de negócios legais.
Mas Álvaro, precisamos de você. Você sempre foi um dos mais
importantes, tanto que Grézia colocou esperanças em você e ela estava
certa, você conseguiu muito sendo inteligente. Só tem eu, meu pai, tio
Yazid e Chino. Provavelmente Bernardo, Jamile e Mauro. Seu pai nem faz

mais parte da Veintitrés há tempos.

— Está me querendo na Veintitrés novamente? — confirmo. —


Sabemos que nunca saiu da Veintitrés, você é o herdeiro da parte materna
que chega até a ser maior que a paterna, e tem a parte do El Doctorado, já
que desconfio que Mariana não vai querer.

— Sim, eu quero o que é meu. E a Veintitrés é minha, eu não


mudei de lado, sou contra o chefe, minha tia e mãe.

— Quando me reencontrei com Natasha, eu falei muito sobre


querer sair, sobre ter uma vida tranquila ao lado dela e das crianças. Mas
não dá, cara. Não dá. Eu nasci e cresci nisso aqui. Eu não tenho nada a ver
com Katleen, mas lá estava eu, indo encontra-la para uma reunião sobre
aliança de gangues. Eu também não precisaria ter uma conversa com você,
mas sabia que era sobre a Veintitrés e aceitei. É algo que já está

impregnado, não dá para mudar.

— Sim, é disso que falo. Eu poderia somente ir embora com


Andreza e meu filho, mas não dá. A coisa toda me chama. Não falo de
drogas, mas esse lance libertário, a coisa de saber que Sandro enganou e
continuará enganando pessoas para só ele ter o poder. Não consigo sair
disso, e preciso de gente ao meu lado. E não queria que fosse apenas o
Distrito. Eu sou da Veintitrés, da antiga ideologia deles, e temos que
reviver essa ideologia e colocar em prática. Não devemos nos separar,

devemos nos unir, pegar o que é nosso.

— Algumas pessoas que ajudei, da antiga guerrilha, atravessaram a


fronteira e chegaram aqui. Temos pessoas, não tanto, mas temos...

— Porém, precisamos pensar.

Álvaro sorri para mim, mostrando que já tem sua ideia.

— Como será essa divisão? Só para que eu entenda a nova ordem.

— Chino é o verdadeiro herdeiro de tudo, o que foi colocado para


substituir o pai. No momento ele tenta encontrar Grézia, conversa com uns
prisioneiros. Meu pai e tio Yazid são bons em ação, eu tento ser bom nos
dois.

— Liderança dividida entre você e Chino?

— No momento eu acho que meu pai deve ficar a frente como o


líder. El Doctorado tem mais fama que eu e Chino, além do mais, é o cara

que sempre foi falado como ajudante de Sandro. Dá mais credibilidade


com meu pai sendo chefe. Vamos colocar o apelido dele na frente.

— Certo, somente o nome de ''El Doctorado'' para dar


credibilidade. — Álvaro pensa um pouco. — Coloque-me como um dos
operadores. Você e Chino são operadores, talvez você seja o braço direito
de Chino. Me coloque como operador e vamos a guerrilha novamente.
— Guerrilha novamente?

Álvaro sorri mais uma vez.

— Eu sempre sei o que estão fazendo, Lucas. — Álvaro aperta meu


ombro. — Confie em mim.
Capítulo 15
ANDREZA

TRÊS DIAS DEPOIS

Meu coração está acelerado, minhas mãos trêmulas e geladas. Não


escuto Rick e qualquer outro som... Mas não escutar Rick torna tudo pior.

Não lembro ao certo o que aconteceu. Só lembro de uma mão


tampando minha boca, depois uma agulha entrando em mim e agora, o
meu desespero de estar no escuro, amordaçada e completamente presa.

Sinto o balanço e sei que estou no carro, porém, tão imobilizada


que não consigo nem ao menos me debater.

O suor frio me fazendo tremer e o medo do pior ter acontecido com


Rick.

O carro para, escuto a porta sendo aberta.

— Vocês foram muito longe com isso! — escuto a voz de Lucas e


tento gritar. Sinto mãos me arrastando pelo banco do carro e depois tiram a
minha venda. É o Lucas na minha frente, mesmo com os olhos embaçados
de lágrimas, eu o enxergo. — Não precisava disso tudo!

Lucas tira a minha mordaça.

— Cadê o Rick? — grito. — Cadê meu filho?

— Calma, ele está aqui. — olho para Álvaro, carregando meu filho.

— Espera aí... — assim que vejo meu filho bem nos braços de

Álvaro, olho novamente para Lucas e a luz em minha cabeça se acende. —


Que merda vocês acham que estão fazendo?

— Não foi culpa minha. — Lucas fala, enquanto tira minhas


correntes. — Era para parecer um sequestro mesmo, porém, acho que
levaram o teatro muito a sério.

Assim que as correntes são retiradas, saio do carro e pego Rick das
mãos de Álvaro, beijo meu filho que fica rindo e também me abraça.

Esse pânico, o medo de achar que havia perdido meu filho...

— O que aconteceu? — pergunto.

Vejo Lizandra e Marcelo sentados no chão, sem correntes ou coisas


do tipo, cercados de outras pessoas.

— Álvaro descobriu que o Arman estava certo. — Lucas começa a


contar. — Quando aconteceu o exame de DNA de Nacho com Katleen,
apenas um dos aliados de Nacho foi falar com ele. Perez ficou distante e
Álvaro desconfiou. A partir daí ele descobriu que Perez é muito fiel a ideia
de Guille. E descobriu mais, o único diferente dali é o Arman. Nacho
continuaria com seu plano contra todos nós.

— Como vi que Arman é um homem diferente, conversamos


anteontem. — Álvaro começa a falar. — Ele deixou claro que o pai
realmente não é um grande fã de escravidão, porque a mãe de Nacho é
fruto de um estupro. Porém, Nacho não está nada feliz com Anthony

podendo andar livremente em San José. Seu primeiro plano foi dizer que
você lembrava a filha dele, para ver se te comovia e você não falava mal
dele para Anthony, aparentemente deu certo por um curto espaço de
tempo. Com a chegada de Katleen, veio a liberação de Grézia na prisão, ou
seja, força para Lucas.

— Qual era o plano então? — Marcelo pergunta. — Se não


liberaria Grézia...

— Nacho mataria Katleen. — Álvaro responde. — Aquela raiva

toda dele com Katleen seria para mata-la assim que fosse feita a aliança, e
Grézia morreria assim que saísse da prisão. Não é apenas Sandro que ama
culpar a Calle Doce, Nacho faria o mesmo, culparia a morte de Grézia
falando da Veintitrés. Porém, Grézia foi liberada e tirada de lá por Arman,
não tiveram como atacar, ou Arman morreria nessa.

— Então sempre estivemos certos. — falo, pensativa. — Nacho


nunca ficou calmo e nunca nos deixaria ir.
— Mas nada tem a ver com vingança pelas mortes dos familiares.
— olho para Lucas. — Tem a ver com poder. A única coisa que importa

para Nacho com Anthony aqui dentro. O medo de Anthony crescer a ponto
de Nacho perder.

— Nacho continuaria calmo por um tempo. — Álvaro prossegue.


— Mas boicotaria vocês em diversos momentos, como na morte de Grézia.

Ele não quer uma Calle Veintitrés contra Sandro, ele não quer outra
gangue de maneira alguma. Katleen o faz ficar disperso e, no momento,
em algum país da África. Só que Perez é o cara que quer escravizar
pessoas, ou seja, ele é pior que Nacho. Então tivemos que forjar esse
sequestro...

— Por que forjar e não atacar logo? — Marcelo pergunta. — Ah, já


entendi. Ainda sou meio tonto para pesar muito pela dor de cabeça. Mas se
matassem o Perez, a Doce viria em peso contra todos nós. Não podemos

matar um ''aliado''. — faz aspas no ar. — Forjar sequestro faz parecer que
fomos atacados.

— Sim, porque se agíssemos normalmente, desconfiariam. —


Lucas prossegue. — Obviamente Nacho saberá disso em algum momento,
mas ele não voltará para casa tão cedo por causa de Katleen. É o tempo
que vamos remontando o esquema de pegar a Veintitrés.

— E Perez? — pergunto.
— Vai por mim, o cara nunca vai querer falar para Nacho que
perdeu tanta gente importante. — Lucas responde. — Anthony sabe cuidar

da galera que restou, Arman está com Perez e avisará qualquer plano da
Doce. E quando Nacho finalmente chegar, mostraremos que agora sim ele
terá que dançar conforme nossa música.

— E eu posso saber o que fez para achar que isso dará certo?

Quebramos o acordo, forjaram um sequestro...

— Andreza, o medo de Nacho é perder o poder para Anthony, nada


sobre família morta. Perez quer remontar a Doce como a cruel da era de
Guille. Arman é libertário e influencia o pai de diversas maneiras. Mas a
coisa que todos sabem sobre Nacho é que ele ama dois filhos, e agora a
Katleen. — Lucas segura a minha mão e me leva para dentro de uma casa,
e só agora me dou conta que estou no meio de uma floresta. — Aquela
pessoa ali é quem dará a calmaria para quando Nacho chegar e descobrir

que não estamos mais perto.

Assim que entro na pequena casa, encontro Grézia e o bebê. Mas


tem outra mulher ao seu lado.

— E quem é ela? — pergunto, olhando para a mulher ao lado de


Grézia. — Sei quem é Grézia...

— Oi. — a garota sorri. — Sou a Alina. — encolhe os ombros. —


Filha de Nacho.

— Vocês sequestraram a filha de Nacho? — olho para Lucas.

— Sim. — Lucas dá de ombros. — Ele sequestrou você, meu filho,


Lizandra e Marcelo, aquilo foi cárcere privado somente para vocês,
pessoas importantes para o Distrito. E Lizandra, irmã de Mariana, aquela
que causou indiretamente a treta mais esquisita da Doce com Veintitrés. Só

invertemos a jogada agora. Nacho precisa do Distrito ainda mais. Primeiro


com Katleen buscando aqueles dois homens, e agora com Alina em nossas
mãos. Nacho que mate Perez e comece a comandar sua gangue falando a
jogada correta, e que não fique fazendo joguinho duplo. Porque, agora, é
assim que será.
Capítulo 16
ANDREZA

Eu queria dizer que estou orgulhosa de Lucas por fazer algo de tão
importante para todos nós, tipo, tomar uma decisão como líder. Porém, é
algo perigoso e não sei se dará certo.

Compreendi tudo o que Lucas falou, ainda mais que ele detalhou
com mais calma depois.

A casa de Nacho era o nosso cárcere, para me prender junto ao meu


filho, meu irmão e Lizandra. Ok, isso já era de se imaginar.

A outra coisa que pesou mais foi o fato de Nacho ter na cabeça que

mataria Grézia, e isso faz muito sentido. Sendo cético como Nacho, tendo
medo de perder territórios, ele não poderia deixar Grézia viva para ajudar
Lucas, Chino, El Doctorado e Yazid. Principalmente, ajudar o El
Doctorado.

Nacho mataria sim a Grézia, para impedir uma força da Veintitrés


comandada por essa galera. Assim como mataria Katleen e isso ele deixou
claro quando levantou a arma para ela, e só não atirou pela paternidade
contada e depois a comprovação, se não fosse isso, perderíamos a chance
de ter uma aliada tão importante para pegarmos Grézia.

Agora temos a informação que Perez é um homem da Doce que


quer a volta do regime escravo — mesmo que Nacho diga que não é
escravo porque recebem algum valor em troca de trabalho pesado —, e que
quer a volta da era de Guille. Por outro lado, Nacho parece que não quer

reviver essa época, mas também não quer perder território para o Distrito.
Mataria Sandro, fingiria de amigo, depois nos mataria.

Agora penso em todas as nossas conversas, um teatro para pagar de


bonzinho... Se bem que Arman disse que seu pai não nos mataria, mas
agora ele até nos ajudou a sair de lá. Mas ambos falaram de Alina.

Não sei o que pensar.

Por isso fico dividida em ter orgulho pelo feito de Lucas, e achar
que foi arriscado, meio burro. Mas se até meu pai concordou...

Ignorando esses pensamentos, vou até o quarto onde Grézia está


com o bebê. Com a porta aberta, apenas bato na porta e ela pede para que
eu entre.

É estranho que eu tenha tido ranço por essa garota. Ciúme bem
besta, mesmo Lucas sempre falando que são como irmãos e nunca
passaram disso, e que a irmandade é muito forte para que ele a veja como
mulher e ela o enxergue como homem, algo carnal.

Talvez por agora ter a atenção de Lucas, ter mais que beijos e sexo

com ele, eu consiga não ter ciúme de Grézia.

E esse bebê... Nunca tive raiva do bebê — anteriormente chamado


de ''Lucas'' como o ''pai'', agora Grézia o chama de Rodrigo —, até porque
sentir raiva de uma criancinha já seria cruel e burrice. Depois que acreditei

no que Lucas falou, que não é o pai, comecei a pensar em como um bebê
veio parar em uma história que nada tem a ver com ele, e já sofreu tanto
com tão pouca idade. Agora sinto mais compaixão pelos dois, o bebê e
Grézia.

— Eu acho que essas roupas vão servir. — aproximo-me da


pequena cama e entrego as roupas de Rick para Grézia. — Rodrigo é um
pouco menor, mais de corpo eu acho que vai dar.

— Obrigada. — Grézia sorri, pegando uma calça verde que lhe dei

e começando a vesti-lo. — Estava louca para conhecer o filho de Lucas,


quero vê-lo como pai.

— Chino disse que tinha certeza que sentiria pena de mim por ter
dado um pai como Lucas ao meu filho.

— Mas pelo que vi, você salvou aquele cara. — termina de vesti-
lo.
— Às vezes vocês falam como se Lucas fosse um inconsequente,
tipo, como se tivesse corrido o risco dele ser um péssimo pai.

— Eu conheci um Lucas diferente. — olha para mim. — Não esse


cara responsável aí. — encolhe os ombros. — Nada de ruim, apenas nada
de apego sentimental. E eu sempre falei que no dia que ele encontrasse a
mulher perfeita, ela seria o oposto dele, e que ele teria que ralar muito para

conquista-la. Não sei se ralou muito para te conquistar, mas que é o oposto
dele, isso você é.

— Fala de aparência?

— Não, falo de personalidade mesmo. Natasha entende mais disso,


assim como Francine. Ela conheceu as garotas da guerrilha e odiaram. São
garotas mais odiosas, mais, como poderia dizer? — pensa um pouco. —
Metidas a fodonas, valentonas e algumas mais vulgares que outras. Nada
contra vulgaridade, não me importo, mas elas amavam jogar suas bundas

na cara das pessoas. Tipo isso.

— Eu sempre imaginei que Lucas vivesse cercado de pessoas


assim. Mulheres assim. — me corrijo. — Tanto que demorei um
pouquinho para aceita-lo em minha vida, em acreditar em seu amor por
mim.

— Ah, mas se Lucas ama, ele ama mesmo. Como disse, eu mesma
citava que quando ele amasse, ele correria atrás. Lucas era muito nem aí
para garotas, ficava, mas nada de se importar com elas, e se ele correu

atrás, sim, Lucas mudou, pelo menos com você.

— Ele te contou, não é? — ela sorri e volta a encolher os ombros.


— Chino fez o mesmo, começou a falar bem de Lucas do nada.

— Estou aqui há dois dias, Lucas já conversou comigo, das tretas,

resumidamente. E eu falo a verdade quando digo que ele está amando


mesmo. E só mais uma coisa muito importante, ele é como um irmão para
mim, nada além disso.

— Lucas falou algo?

— Não, mas imagino que deva rolar algum ciúme. Lucas ficou com
algumas meninas no passado, que juravam que seriam a esposa algum dia.
E era só eu aparecer que elas ficavam putas da vida. E como você é a
mulher dele, quero deixar claro que estou mais para cunhada que para

mulher apaixonada. Sério, pensar em ficar com Lucas é pensar em transar


com Chino, e é grotesco ter essa imagem na cabeça.

Sorrio para ela.

— Eu não imaginei que você fosse tão falante. Na verdade até


pensei que seria estranho estar ao seu lado.

— Eu pensei o mesmo quando foi citado que Lucas está com a


princesa de uma gangue. Pré-conceito é uma bosta mesmo.

— Sim, é. Mas já que estamos falando tanto, se quiser desabafar

sobre tudo o que aconteceu, estou aqui para ajudar.

— É bastante complicado, ao mesmo tempo tive muito tempo para


pensar. — senta na cama. — Foram oito meses presa com o Rodrigo. E eu
digo, só não me matei por causa dele. De início eu odiei ter um bebê

comigo, eu tinha acabado de ver minha mãe sendo assassinada pelo meu
pai, e aí me entregam um bebê e me prendem por assassinar minha mãe. O
choro de um bebê me irritava ao extremo, mas eu nunca faria mal a uma
criança, tentava fazer parar e com isso, com essa tarefa, digamos assim, eu
acabei tendo um porto seguro. Alguém para cuidar e receber afeto. Você
me entende, eles não falam, mas a cada olhar, a cada sorriso, a cada
momento que abrem os bracinhos pedindo um abraço, para ser carregado,
há um amor transbordando.

Olho para Rodrigo nesse momento, que está brincando com uma
caixa vazia de lenço umedecido.

Ele é menor que Rick e também é gordinho. Ele é branco e têm


cabelos pretos, seus olhos são meio esverdeados, às vezes enxergo
castanho claro também.

— E ele não tem nada a ver com essa história. — acaricio seus
cabelos.

— E eu me pergunto o que teria acontecido com ele se o plano

tivesse prosseguido. — olho para Grézia. — América, a mãe de Rodrigo,


estava grávida na época. Pelo que escutei Sandro falando, Miranda, a mãe
de Lucas, sabia disso e pediu ajuda. O plano era fingir uma traição de
Lucas, dizer que ele engravidou outra. Na verdade era para você surtar e

contar tudo ao seu pai, aí Lucas teria problemas, Rene e Yazid se meteriam
nisso, Chino tentaria ajudar Lucas e, no fim, a morte deles seria justificada
pela traição. Mas tudo deu errado porque você não abriu a boca para falar.
Lucas fez o exame de DNA, que foi falsificado para dar mais treta, mas
pelo que sei, América achou tudo muito louco, ela só imaginou que
apareceria e depois seria livre dessa loucura, tentou fugir com o filho e foi
morta. Como não teria outra pessoa para aparecer com Rodrigo, ou como
era chamado, Junior, ele acabou ficando com minha mãe por dois dias,

depois ela foi morta.

— E Miranda? — pergunto sobre a mãe de Lucas.

— Sandro ficou muito irritado por ter dado tanta confiança a


Miranda, ter dado brecha para ela fazer um plano contra Lucas e ter dado
tudo errado. Minha mãe, achando que conseguiria algo com isso, foi lá e
tentou encoraja-lo a matar Miranda, Sandro já não tinha o que perder, pois
seus filhos já sabem o quanto ele é ruim. Ele foi lá e esfaqueou minha mãe,
na minha frente. Sandro não aguentou meu choro e me colocou em um

presídio nada a ver com a Veintitrés ou com a Doce. E me deu o bebê

porque ele sabia que seria mais um para eu cuidar e me dar dor de cabeça,
era mais para me torturar. Mas acabei sendo salva por esse bebê, ele me
manteve sã.

— E no presídio com o bebê?

— Então, a demora de me achar foi porque lá tem a ala das mães e


das crianças. Muitas detentas entram com bebês, ou tem bebês lá dentro.
Aqui é uma loucura, não existe idade certa para mães e filhos serem
separados, nem ao menos algo que proíba a mãe de levar um bebê para ser
encarcerado com ela. Só que a aquela ala elas realmente tem lealdade, me
ajudaram bastante com Rodrigo, roupas, alimentos, um local para
dormirmos. E quando soube que estavam me procurando, pensei que fosse
Sandro, elas me esconderam, eu só apareci quando decidi ver quem era,

me arrisquei e vi que era Chino e Lucas, agora estou aqui.

Ela desabafou, falou tudo rapidamente.

— Eu sinto muito por tudo que tenha passado. — abraço Grézia,


que retribui. — Sinto muito mesmo. Álvaro havia mencionado sobre você
ter ficado para trás, presa, sem contato, mas na época não tinha como
entrarmos aqui.
— Eu fui por minha mãe. — nos afastamos. — Sandro disse que se
eu não voltasse, ele a mataria. E, realmente, ela ficou viva por meses.

Sofremos juntas, no fim ela morreu por achar que seria uma boa ideia
puxar o saco do meu pai, tentar envenena-lo contra Miranda e sua irmã.
Minha mãe tinha umas ideias estúpidas muitas vezes, mas não para
merecer a morte.

— Mas se Miranda e Fatima fizeram merda, por que não


morreram?

— Lucas está certo quando diz que precisa falar com a Veintitrés
sobre a real de Sandro. Tive que participar de várias reuniões da Veintitrés
após voltar da guerrilha, tive que fingir que estava tudo bem, e todos eles
acreditam cegamente em Sandro. Se Miranda e Fatima morrerem...

— Sandro não tinha quem culpar e os pais delas iriam querer


justiça, os senhores que cuidam do arsenal da Veintitrés.

— Sim, Andreza, exatamente isso. Por esse motivo Fatima e


Miranda tiveram como planejar e executar o plano burro delas, por esse
poder. Pelo que escutei, elas ameaçaram Sandro dizendo que se ele não
topasse, elas contariam tudo aos seus pais, que tem armas para bater de
frente com Sandro.

— Armas e homens, porque amas não seriam suficientes se não


tivesse quem usa-las. O que também significa que Sandro não está tão
forte assim. Se duas mulheres ameaçaram com um arsenal, isso significa

que Sandro está tão ferrado quanto o Distrito estava na época de Jorge. E
se as coisas por aqui pararam um pouco, ele estará indo para outro
território, que significa Candelária. E a reunião que está prestes a
acontecer, ou é sobre a mudança da Veintitrés comandada por Sandro, ou é

sobre a Veintitrés estar mudada por Sandro, algo contra ele. Isso significa
que, mais do que nunca, vocês precisam ir até os avós de Lucas.
Capítulo 17
ANDREZA

— Ainda estou um tanto confusa com tudo. — falo, olhando para


Natasha a minha frente. — Não a vida em si, tipo, como estava antes com
o lance de Lucas me amar ou não, mas falo sobre toda essa confusão. É
como se tudo estivesse ficando mais afunilado, o cerco se fechando e só o
nosso grupo corre perigo. Claro que não quero que todos corram perigo,
porém, eu falo o que sinto. E eu sinto que esse grupo aqui é o mais visado,
ainda mais com esse lance de sequestrar a filha de Nacho.

— Bem, eu acho que somos mais visados mesmo, tanto que estou
aqui também. — Natasha aperta a minha mão. — Eu fugi de Sandro, e

vamos combinar, fui responsável, direta ou indiretamente, pelo declínio da


''guerrilha''. Você é a mãe do filho de Lucas, da Veintitrés. E ainda temos
Álvaro, Lucas, Chino, Grézia, El Doctorado, Bernardo, Mauro, Jamile e
Yazid. Toda a galera de máxima importância da Veintitrés e que caiu fora,
estão aqui. Então sim, corremos perigo. E eu acho que sabemos o que isso
quer dizer.
Respiro fundo.

Uma decisão difícil, porém, que precisa ser feita.

— Pelo menos não teremos Nacho falando que sim, temos que ficar
com ele. — suspiro com cansaço. — Eu não queria trazer meu filho para
essa loucura, na verdade, eu nem queria vir, mas Nacho é um idiota que só
aceitava qualquer acordo se todos estivessem aqui.

— Para nos matar depois. Em algum momento você acreditou que


Nacho não mataria você? — pergunta. — Tudo pareceu calmo para vocês,
mas era realmente real ou você sentia que era apenas um teatro?

Penso no que Natasha perguntou. É o segundo dia longe de Nacho,


e ele ainda não retornou dos seus assuntos com Katleen. Sei que o tal Perez
está irritado por nosso sumiço, no entanto, terá que esperar a volta de
Nacho, porque Arman deixou claro que é melhor seu pai resolver os
assuntos com sua filha, do que atrapalha-lo por um erro cometido por

Perez.

Agora sobre a pergunta de Natasha...

— Não sei. — respondo. — Tinha momento que ele parecia bem


impaciente, deixava claro, tanto verbalmente como na postura corporal,
que se não fossemos importante para seu negócio, estaríamos mortos.
Estava óbvio que estava nos aturando, mas que já estava em seu limite. Ao
mesmo tempo ele parecia um homem impaciente razinza, mas que não

queria fazer mal. Parecia que estava incomodado pela forma como nos

tratava.

— Incomodado pela forma que tratava vocês? — Natasha franze o


cenho, deixando claro que não entende o que quero dizer.

— Porque tinham alguns momentos de conversa normal, até

mesmo de diálogos que poderia soar ofensivo, mas que soavam como
birra, algo divertido. Então ele parecia ranzinza por não ser tão valentão,
malvado conosco. Mas aí Nacho retornava ao seu humor mais sombrio,
sempre cauteloso, sempre de olho em tudo, e com o olhar de ódio. Em
outros momentos acreditei que não era nada daquilo que ele queria, que
não nos mataria, depois eu acreditava que sim, Nacho mataria porque nos
odeia e isso não poderia mudar.

— Então é algo mais sobre não querer mudar algo que já está

ocorrendo há anos, do que querer matar.

— Eu tenho medo, Natasha. Medo de acabar transformado Nacho


em um cara legal e quebrar a cara depois. Tem o lance que a família dele
começou tudo, escravidão e coisas assim. Agora eu já sei que isso não
existe mais e foi tendo continuidade com Sandro. Então sim, Nacho pode
mudar. Eu não digo sobre ser bom, mas falo sobre ele ser que nem a galera
que está ao nosso lado. Nem tão bons, porém, não tão cruéis.
— Entendo o que quer dizer. E no momento eu quero pensar como
você. Eu nem ao menos fiquei mais de dez minutos no mesmo ambiente

que Nacho. Sabe por que Francine não está aqui? — nego, balançando a
cabeça. — Ela não é tão importante na vida de Nacho, não precisa de
proteção. Ou seja, ela não é nada como pensamos. Nacho não tem qualquer
amor doentio por ela, Nacho não a ama a ponto de alguém ir atrás de

Francine.

— Sabe que eu imaginei isso? No momento em que estivemos na


mesma casa, Nacho parecia bem fragilizado ao citar filhos, e agora
entendo o motivo. Um filho não quer nada da Doce, do modo como ela é, e
a outra filha está ferida e na cadeira de rodas por causa da Doce. Claro, o
Distrito teve culpa, mas a Doce também teve. Nacho nunca falava sobre
esposa, Francine, nada.

— É que Francine tinha tanto medo, fugiu tanto, que até pensou

que Nacho fosse puxa-la pelos cabelos. Mas ele foi até ela e deu o
divórcio...

— Que?

— Sim, Andreza. Ele já tinha toda a papelada do divórcio. Uns três


dias após a nossa chegada aqui, ele já estava com os papéis de divórcio. Eu
até achei estranho, mas o cara, definitivamente, não sente nada por
Francine. Tanto que até Grézia mencionou que Sandro nem iria atrás de
Francine, pois sabe que ela não importa.

— Eu sempre tive essa dúvida, mas nunca tive intimidade com

Francine para tanto. Eles se casaram e ela era maior de idade?

— Sim, acho que já faria dezenove anos.

— Nacho a estuprou? Porque ficaram casados por um tempo, eles


não tinham sexo ou...

— Meu pai também queria saber disso. Apoiar estuprador seria o


fim para o Distrito. Porém, Francine sempre deixou claro que Nacho nunca
a forçou a algo. Só que ela sempre teve medo dele e de sua família. Por
esse motivo, quando Nacho a procurava, eles transavam. Ela fazia de tudo
para parecer natural. Então nem sabemos o que ele faria se ela negasse ter
sexo, porque ela sempre foi recíproca. A única coisa que ela fala que ele
tinha muita insistência, era sobre filhos. Ele queria muito ter filhos com
ela, tanto que Inana dava anticoncepcionais para Francine escondido.

Poderia ser injeção, mas Francine sempre teve seguranças e não poderia ir
a qualquer lugar e tomar injeção, e nem Inana queria aplicar, pois tinha
medo.

— Eu pensava que Francine tinha fugido tanto de Nacho porque ele


fazia muito mal a ela. Tipo surras, estupro, coisas assim.

— Francine foi obrigada a casar e convivia com os parentes de


Nacho. Ela era completamente vigiada, ou seja, praticamente presa. E tinha

a pressão de ter filhos. Ela fingia estar tudo bem para Nacho, ele acreditava

e queria formar uma família com ela. Foram todas essas pressões. Não
tanto sofrimento físico. Pela sua cara, vejo que não gostou em nada dessa
história.

— Ah, Natasha! — agora solto o ar pela boca com mais força. —

Estou me perguntando se sou tola ou não, porque é sério, eu não posso ir


com a cara de Nacho!

— Então sim, você vai com a cara dele.

— Eu tenho medo de Nacho ser como Sandro. Um líder


manipulador. Mas é como eu disse, Nacho realmente demonstra não ter
paciência, sorri, se irrita... E depois de Katleen, ele deu uma suavizada.

— A verdade é que você quer que Nacho não seja outro vilão da
história. Você não o odeia, Andreza. E nem se preocupe com isso, porque

Lizandra também não o odeia.

— Ela falou isso?

— Lizandra estava descrente, tipo ''Não, Nacho não pode ter


fingido''. Ela sabe que sim, que é óbvio que ele pode ter fingido, mas
Lizandra não quer acreditar que Nacho mentiu, entende? — confirmo. —
Eu realmente não sei qual foi a conversa de vocês, mas Lizandra também
acredita nele.

(...)

— Ei, garota! — sento ao lado de Lizandra, que está olhando para


o nada. — Nem te vi saindo do quarto.

— Você estava conversando com Natasha e vim pela porta dos


fundos, não quis atrapalhar.

— Pensando na vida?

— Na vida que nunca tive. — torce um pouco os lábios. —


Perguntando se chegarei aos trinta anos sem poder ter uma vida legal.

— Faltam uns cinco anos para isso, até lá essa guerra terá
terminado.

— Acredita que, um dia, essa guerra chegará ao fim? — agora olha


para mim. — Eu vivi esse inferno da infância até a adolescência. Décadas
e décadas de guerra, acha mesmo que duas gangues vão parar isso? A
situação é complicada, é um país sem lei. Não é uma guerra de gangues,
apenas. E parece até que quanto mais eu fujo, mais sou puxada para essa
loucura toda.

— E o pior é que, definitivamente, você é a mais afastada de todo


esse assunto, porém, corre tanto perigo quanto eu.

— Parabéns, Monique! Minha querida mãe que fez tanta merda na


Veintitrés que respingou em mim. Mari eu até entendo, filha do El

Doctorado, agora eu? Tudo por causa de Monique!

— E seu pai? Nada de pertencer a gangue?

— Ele está morto, Nacho me contou.

— Eu nem ao menos sabia que conversava com Nacho.

— Conversar? — bufa. — Do mesmo modo que ele falava com


você, uma irritação, um deboche, tipo isso. Ele disse que meu pai foi morto
em um assalto. Meu pai era ladrão. Nacho sabia disso porque quando
Monique saiu fazendo a merda dela, ele teve que investigar toda a sua

vida, e chegou ao meu pai. Pelo menos era um ladrão solitário, não de uma
quadrilha que me colocará em perigo.

— Como ficou com essa notícia?

— Nem liguei, tanto que nem te contei, pra mim tanto faz. Estou
assim, cabisbaixa, porque estamos no meio do nada. Tão isolados que fica
claro o nível de perigo para o nosso lado. Nem ao menos Mari está aqui,
ou seja, nós corremos mais perigo que todo o resto do Distrito. Aí eu me
questiono, quando isso vai parar? Tia Katya já morreu por essa guerra,

Miguel também. Se não terminar, passaremos o resto de nossas vidas no


meio do nada? E quando vai terminar? Matem Sandro e ainda teremos uma
Veintitrés aí fora.

— Para a Veintitrés enfraquecer, tem que matar pessoas

importantes dali. No momento, os parentes de Lucas parecem de máxima


importância. Mesmo que a Veintitrés continue existindo, o mais correto
para termos a liberdade, seria a junção da Doce com o Distrito, e com
Lucas e Chino conseguindo a simpatia da Veintitrés novamente. Pois seria
muita força contra uma gangue quebrada. Mas aí tem aquilo, Nacho não
vai querer dividir o poder.

— E por isso estamos aqui. Eu só queria voltar para o Azerbaijão, é


sério, seria bem melhor distante de tudo isso do que aqui, no meio dessa

loucura toda. Não tem mais Nacho aqui, Andreza. Não temos que ficar
nesse país para que Nacho confie em todos nós, tanto faz. Por que ainda
estamos aqui?

— Lucas precisa de mim. — encolho os ombros, quase chorando.


Eu sei que Lizandra está certa.

Odiei saber que ficaríamos em San José, nem ao menos queria vir.
Agora podemos ir embora, agora eu posso voltar a calmaria, lá do outro
lado do mundo, porém, eu não consigo ir. Mesmo sabendo que seria

melhor, eu não consigo ir.

— Eu sinto que Lucas vai precisar de mim em algum momento.


Agora ele está agitado, está bem, está pensando e agindo. Mas e quando
ele bater de frente com sua mãe, tia? Primos, avôs? E se ele simplesmente
tiver que fazer algo contra essa galera? Ele vai desabar. E eu quero ser a

pessoa que estará ao lado dele. Eu não consigo simplesmente ir.

— Mas e o seu filho?

— Vai ficar bem.

— É meio suicida, Andreza. Meio não, totalmente...

— Lucas vai precisar de mim. Rick também, sou sua mãe, mas ele
terá muita gente ao lado. Lucas tem o pai, tio e os dois amigos. O que já vi
deles, nenhum está muito apto para cuidar de Lucas nessa situação. Eles
foram criados de modos diferentes. Lucas precisa de ajuda e nem ao menos

fala disso porque não foi criado para falar de sentimentos. Entende? —
Lizandra dá um sorriso fraco, mas confirma. — Lucas precisará de mim.
Mesmo que ele tenha minimizado meus problemas, ele continuou me
escutando e estando ao meu lado. Quero dizer, antes mesmo dele precisar
de um local para ficar. Lucas já conversava comigo e ficou ao meu lado.
Achou besteira meu choro, mas deixou isso pra ele, para não me fazer
sofrer mais. Eu entendi o que ele quis dizer.

— Perdoou completamente, sabia! Na real mesmo, nem era pra

tanto. Tipo, eu me prostituí com minha mãe, ela me vendia. Eu sempre


minimizei as dores de Mari porque sempre pensei ''Garota, pare de chorar,
pelo menos Monique não te vendeu!''. Só que Mari foi vendida a Pedro e
percebi que quando ela falava sobre odiar a própria mãe, sobre Monique

ser a pior pessoa do mundo, Mari estava certa. Ela também sofreu com
essa vida, talvez menos que eu, mas sofreu. Eu entendi Lucas quando você
me contou sobre o que ele falou, por isso não o xinguei. Nessa vida aqui,
sofremos demais. Quando vemos problemas menores, até pensamos: ''Eu
bem que queria que meu problema fosse esse''. Pelo menos Lucas não
falou que seu problema era um nada, porque eu e Mari vivíamos
minimizando a dor da outra.

— Olha o ambiente que foram criadas...

— Sim. Questões psicológicas não são ensinamentos que temos por


aqui. — dá de ombros. — Mas que bom que o perdoou, porque está na
cara que o ama. E, pelo menos agora, poderão fazer sexo selvagem sem um
filho no quarto.

— Ah, Lizandra. — coloco minha cabeça em seu ombro. — Sabe o


quanto tentamos e nada acontece?
— Ele tá brochando?

— Não. — começo a rir. — É que tínhamos o pensamento que

naquele quarto poderia ter escutas, e eu também começava a pensar muito


na vida e já era o clima.

— Vocês se reconciliaram, precisam de um tempo para vocês. Para


realmente selarem a paz.

— Lizandra?

— Oi!

— Você é a madrinha do meu filho, sabe disso. Sabe que também


te odiei muito no começo, mas te quero como cunhada e que fique com
Marcelo. — ela rosna, mas não retruca. — Obrigada por tudo mesmo.

— Pequeno Henrique estará seguro com a titia aqui. Assim como o


pequeno Rodrigo da Grézia, e terei ajuda das outras mulheres. Natasha está
indo também, acho que Jade vai, duas mães, ajudarão bastante.

— Obrigada. — respiro fundo, agora prendendo a vontade de


chorar porque estarei longe do meu filho. — Em breve nos veremos
novamente.

— Muito em breve estaremos juntos. — me abraça. — Na paz,


sorrindo pela nossa vitória.

— Espero que sim, Lizandra. — retribuo seu abraço. — Rezo para


que seja a nossa vitória.
Capítulo 18
ANDREZA

— Boa noite. — El Doctorado entra na casa, colocando uma arma


enorme em cima da mesa. — Como está?

— Boa noite. — sorrio para ele. — Quanto tempo, hein?

— Espero que Lucas não tenha feito merda. — fala, enquanto lava
as mãos e depois pega um pão no armário. — Tem um tempinho que não
converso com ele. Na verdade, nem com você.

Vira na minha direção.

— Estamos nos acertando. — confirmo e recebo o seu sorriso. —

Mas eu gostaria de falar sobre sentimentos. Com você.

Ele arregala os olhos, depois inclina a cabeça para o lado, sem


entender o que quero dizer.

— Sentimentos de Lucas. — acrescento. — Sei que está bem


ocupado, tentando recuperar aliados e tudo mais. No entanto, Lucas
precisa de apoio, apesar dele não admitir nada disso em voz alta.
Respira fundo, deixa o pão de lado e senta na cadeira a minha
frente.

— Eu já tentei falar com ele, Andreza. Mas quando Lucas enfia


algo na cabeça, é difícil tirar. Principalmente nesse tipo de situação,
envolvendo uma traição desse nível. — começa a sussurrar. — Na
verdade, eu e Yazid estamos tendo umas ideias para que Lucas não precise

matar a própria mãe. Por mais que ele diga ''tudo bem'', não está tudo bem.

— Sim, Lucas amou essa mulher em algum momento, já que era a


sua mãe. Por mais que Miranda tenha sido uma escrota, que queira mata-
lo, ele realmente não quer mata-la, ele quer... Ele acha que precisa matar.

— Sendo sincero, confesso que até pensei em manda-la para um


presídio. Não por gostar dela, sempre odiei. Apenas para Lucas não
carregar esse peso. Miranda é traiçoeira, ela armaria, teria alianças no
presídio. Então, precisamos nos livrar do mal. Cortar o mal pela raiz.

— E qual o plano?

— Precisamos conversar com meus pais e os pais de Miranda, eles


precisam acreditar na nossa história. Eu terei que ir nesses encontros. Ao
invés de Lucas atirar, como é o plano, eu ou outra pessoa, vai atirar
primeiro. É bem simples, na verdade. Claro, deve rolar uma tortura antes,
já que precisamos de respostas, mas Lucas não vai assistir e nem dar o tiro
de misericórdia.

— Mas já conversou com Lucas? Uma conversa franca sobre esse

assunto?

— Já. Lucas não quer conversa, enfiou na cabeça e não tira de


modo algum. Ele ficará irritado quando o serviço for feito por outro
alguém, mas é necessário. Pelo bem da sanidade de Lucas.

Concordo com Rene, ao mesmo tempo perguntando se um dia


Lucas vai falar sobre o assunto ou apenas vai deixar de lado e guardar para
ele mesmo.

— Algo sobre Nacho? — Rene indaga.

— Não que eu saiba. Só tem mulheres por aqui, os homens estão


fora, falando de negócios.

— Nacho ficará bastante puto quando souber de tudo o que os


Garcias e Juarez estão investindo aqui dentro.

— É bom deixar o cara... Irritado? — Rene ri um pouco. — Qual


foi a graça?

— Você nem xinga? Sério mesmo?

— Sim, sério mesmo.

— Lucas, Lucas... Eu imaginei tudo para aquele garoto, menos


você.
— Todo mundo fala disso.

— Salvação daquela criatura. Era meio inconsequente. Talvez por

minha culpa.

— Por que teria culpa?

— Passei muito tempo atrás de Mariana, Lucas com a mãe. Sempre


dei atenção a ele, mas nunca deu trabalho, então foquei na filha

desaparecida. Lucas era meio egoísta, um pouco bad boy. Mas aí entrou de
vez na Veintitrés e foi melhorando, ficando mais sério por conta das
atividades. E talvez por isso, ele tenha tanto pensamento de ''O papel de
matar Miranda é meu''. Ensinamentos de gangue, não de pai e filho.

É, entendo bem. Nada de diferente dos meus irmãos.

— Ele te ama, e não tem ciúmes ou raiva da história de Mariana.

— Anthony está orgulhoso da filha que tem. — olha lá, igual ao


filho, mudando de assunto rapidamente. — Estávamos reunidos e Anthony

destacou o quanto a filha é inteligente e estrategista. Tome o lugar de


Pedro, Andreza, você merece mais, está mais apta.

— Eu concordo plenamente com isso. Mas Pedro tem lá suas


qualidades, o jeito dele doido faz com que entre em tretas sem temer.

— ''Jeito doido''.

— Agradeça que Samuel não entrou no Distrito, aquele sim seria o


fim.

— Mas entrará na família.

— Oi?

— Deixe pra lá. — ri um pouco, depois volta a comer seu pão. — E


como está o coração para se despedir de Rick?

Respiro fundo.

É amanhã que me separarei do meu filho pela primeira vez.

(...)

— Onde estava? — abro os olhos, recebendo os beijos de Lucas em


meu braço e chegando até meu pescoço. — Para!

Começo a dar risada quando Lucas começa a morder minha orelha,


porque sinto cócegas.

— Para! — fico de frente para Lucas, ele em cima de mim.


— Marcando um encontro com meus avôs.

— Eles aceitaram te escutar?

— Sim, sempre fui um neto querido. Mas Miranda e Fatima


também são queridas. Mas não quero falar nada disso agora. — beija
minha boca. — Sem escutas por aqui, Andreza.

Agora eu desperto de vez.

— No banheiro. — sussurro. — Rick está dormindo bem ali.

— Entendo, é um bebê, mas é escroto transar com o nosso filho no


mesmo ambiente.

Lucas tenta me carregar, mas impeço.

— Eu posso andar, você nem me aguenta.

— Você nem é gorda, Andreza! E mesmo se fosse, eu sou forte pra


caralho!

— Você é magro...

— Músculos nos locais exatos. E engordei mais.

— Para combinar comigo.

— Não, impossível chegar no tamanho dessas coxas. — aperta


minha coxa, depois morde uma, depois outra. Arrepio por completo. —
Sem gritar, Andreza.
Lucas me carrega e prendo o grito de surpresa que daria quando me
tira da cama. Na verdade, dou um beijo nele, sentindo gosto de menta e

agradecendo por também ter escovado os dentes.

Agarro sua nuca, para Lucas não sair de perto de mim. Beijamos
enquanto ele caminha até o banheiro, e depois rimos baixo quando ele erra
o caminho e acabamos colidindo na parede.

Depois entramos no banheiro e Lucas fecha a porta.

Volta para mim.

Sem palavras ditas, apenas beijos.

Lucas beijando meu corpo.

Passando as mãos pelo meu corpo.

Eu passando pelo seu.

Depois tirando nossas roupas.

Eu tiro a dele, ele a minha.

Nus. No banheiro. Em pé.

Agora sem ninguém para atrapalhar, sem medo de sermos


escutados.

As palavras de Lucas. Eu toda tímida, mas que sempre adorei suas


palavras ''sujas'' ditas em meu ouvido.
Um tapa estalado na minha bunda.

Aquele jeito que sempre amei, a maneira como sempre me beijou,

como sempre parecia contemplar o meu corpo. E que faz esquecer as


minhas paranoias. Como não tenho vergonha de estar com Lucas, de me
despir por completo na sua frente.

Como Lucas se ajoelha a minha frente, a sua boca ali em mim. E

como eu solto gemidos sem reservas, sem vergonha. Como acabo


rebolando, involuntariamente, em seu rosto.

E como reprimo um som alto que escaparia da minha boca.

E depois beijo Lucas.

— Eu te amo. — ele sussurra.

— Também te amo.

Correspondendo suas palavras, Lucas me beija novamente, ainda


mais apaixonado. Mais necessitado... Ambos querendo mais e mais.

Começo a caminhar, ele senta no vaso sanitário. E eu ajoelho, no


meio das suas pernas.

— É a minha vez, Lucas. — seguro-o vendo sua cara com um


misto de surpresa e prazer. — E sei bem que essa é a sua tentativa de
despedida. Mas não vou sair daqui. Eu continuarei bem aqui, ao seu lado.
Capítulo 19
LUCAS

Abro os olhos, encontrando Andreza dormindo ao meu lado.

Nem dá para acreditar que ontem foi tudo real. Tão de repente que
até me surpreendi pela maneira como tudo aconteceu. Agora tendo ainda
mais certeza que quero estar ao seu lado. Que quero fazer tudo diferente do
que fiz no passado. E que preciso sair dessa com vida.

Beijo o ombro de Andreza, ela mexe um pouco, mas não acorda.

Saio da cama com cuidado, para não acorda-la, vou até o berço de
Rick e vejo que ele já está acordado. Grita um pouco quando me vê e logo

pego no colo, levando-o para o banheiro para poder dar banho nele e
depois tomar o meu e escovar os dentes.

Depois que terminamos, voltamos para o quarto e Andreza


continua dormindo.

Saímos de lá e desço a escada, encontrando Chino e Álvaro em pé


na sala, a cara de preocupação ficando bem clara.
— Aconteceu algo? — pergunto, assim que chego à sala.

— Sim. — Álvaro olha pra mim. — A ideia de viagem está

cancelada. Para os bebês e para as mulheres.

— Mas o que houve? — pergunto.

— Nacho acabou de entrar em contato. — Chino responde. —


Falou que quer conversar. No caso, conversar com Andreza e Lizandra,

porque, segundo ele, são as mais sensatas do grupo.

— Mas o que ele quer? Não deveria estar na Mauritânia?

— Então, Lucas. — Álvaro volta a falar. — Ao que tudo indica,


Katleen fez com que Nacho mudasse um pouco de humor, ou algo assim.
Ele ligou, dizendo que sabe sobre nossa fuga, mas que deveríamos ter uma
conversa. Imagina que mandaremos crianças para longe, então ele pede
para ter uma conversa antes, para mostrar que aqui é seguro.

— E se formos pensar bem. — olho para Chino. — Foi o Arman

que ajudou na fuga, mas o perigo era Perez. Então, e aí? O que faremos?
Seguir com o plano ou falar com Nacho?

— Ele demonstrou mudança? — indago. — Mais compreensão?

— Segundo Cássio, Nacho nem parece o temido homem da Calle


Doce. — Álvaro me entrega o celular, onde leio a mensagem de Cássio
falando sobre Nacho. — Parece que toda a situação de Katleen fez com
que Nacho respirasse mais fundo. — devolvo seu celular. — Porém,
continua turrão. Provavelmente na conversa ele falará sobre a nossa

entrada aqui em San José, sobre negócios.

— E ele quer falar com Andreza e Lizandra pra que? Pra tentar nos
convencer que não devemos investir aqui? — bufo, depois coloco Rick no
sofá. — Ele quer limpar San José para ele. Entendemos bem o que ele

quer.

— No entanto, ter treta com Nacho é a última coisa que queremos


no momento. — meu pai se aproxima, chegando a sala e dando um beijo
na cabeça do neto. — Por mais que tenhamos desconfianças, devemos
falar com Nacho. Não podemos esquecer um detalhe muito importante,
Katleen tem um grupo armado e Nacho está ajudando em tudo, assim
como Distrito. É melhor ter a gratidão deles, do que a inimizade.

— Tem razão. — concordo com ele. — Porém, Nacho é traiçoeiro.

Fez um teatro para pegar Andreza e Lizandra...

— Eu digo uma coisa, como pai de uma garota que ficou


desaparecida por anos. Eu jamais me juntaria ao Anthony se não fosse por
Mariana. O Distrito ajudou Mariana e posteriormente nos ajudaram. O
mesmo para Nacho. Ajudaram a filha dele, até vocês ajudaram. Nacho não
é o psicopata que foi pintado para todos nós, ele é um cara ruim, apenas. E
que pode muito bem suavizar pelo bem dos filhos. Ele perdeu muitos, por
mais que fossem ruins, eram seus filhos. Ele tem que manter os que

restaram por perto.

— Então a conversa deve acontecer? — Álvaro pergunta.

Respiro fundo.

— Provavelmente sim.

Pego Rick em meus braços e o alimento. Lá na sala conversam


sobre como vamos conversar com meus avôs.

— Bom dia, pai do ano! — Grézia senta a minha frente. — Quem


diria, um bebê tão fofo desses sendo seu filho?

— Eu sou fofo, Grézia! — acabo afastando a colher da boca de


Rick e ele grita, pedindo mais do seu mingau, volto a alimenta-lo. — E seu
filho?

— Dormindo. — esfrega os olhos.

— O bebê foi a pessoa mais aleatória da história ao todo. Nem


mesmo meu tio Yazid com Samuel foi tão aleatório assim.

— Qual foi, cara? Yazid sempre deu aquele ar de gay. Sem


preconceitos. — levanta uma mão. — Mas até Sandro falava do jeito dele.

— É, mas... Sei lá. Até meu pai sabia, menos eu.

— Você e Chino são tontos para perceberem essas coisas. Mas


sobre o bebê, eu desconfio que seja meu irmão.
— Filho de Sandro e América? — confirma. — Faz algum sentido?

— Não, mas sei lá, foi algo que passou por minha cabeça e ele

parece um pouco comigo. Rodrigo deveria ser uma tortura na minha vida.
Ele ficaria no presídio comigo e eu nunca o mataria, então ficaria com
mais estresse e enlouqueceria. Mas vim de uma guerrilha, cara! Um bebê
não é qualquer tortura pra mim.

— Ainda ganhou um filho.

— E dois irmãos.

— Feliz com isso?

Ontem Bernardo passou por aqui, não aguentou de emoção ao ver


Grézia viva e bem, contou sobre Mauro e Jamile, seus filhos, serem irmãos
de Grézia e Chino por parte de mãe.

— Sim, porque Jamile sempre foi minha melhor amiga. —


responde. — E agora eu penso na galera que dizia que namorávamos.

— Até eu achava isso.

— Só somos góticas, cara! Mas voltando ao assunto, fico


imensamente feliz por ter dois parentes bons e Bernardo que sempre foi
um tio incrível, mas fico triste, cabisbaixa, porque perdi mais encanto por
minha mãe.

— Eu não fiquei escutando, achei que era um assunto muito de


família e depois precisei sair. O que sua mãe fez?

Rick termina de comer e entrego a colher para ele, que fica

brincando e batendo no prato.

— Segundo Bernardo, pouquíssimas pessoas sabem a história


verdadeira da minha mãe. Bernardo fazia parte da Veintitrés ao todo, só
depois foi para a guerrilha. Mauro e Jamile são gêmeos. Bernardo

namorava a minha mãe, ela dizia que era apaixonada por ele. Tiveram os
filhos, algum tempo depois, acho que menos de um ano, ela conheceu
Sandro. Sandro quis minha mãe, a todo custo e ela aceitou. Era muito
sonhadora, odiava a pobreza.

— Bernardo era pobre?

— Naquela época sim, como disse, ele era da Veintitrés ao todo,


sem qualquer cargo de importância. E ela deixou duas crianças para viver
na riqueza.

— E seus irmãos mais velhos?

— Filhos de Sandro, apenas. Ela entrou na vida deles e começou a


cuidar das crianças. Cuidou das crianças dos outros, mas não da dela.

— É como ter vivido uma ilusão.

— Sim, você me entende. Tem Miranda como mãe.

— Entendo, infelizmente.
— Minha mãe sempre foi a corna mansa, mas pensei que só fosse
isso mesmo. Ela era traída, descobria, discutia e fim. No outro dia chegava

com vários presentes caros. Só imaginava que era idiota para isso, não que
abandonou os filhos por Sandro.

— Você não sente nada por sua mãe?

— Sinto, eu realmente a amo. Ela não me fez mal algum, porém,

olhando a situação por completo, eu vejo como a ambição acabou com a


vida dela. Ela tinha sinais claros que Sandro não valia nada, ela conviveu
mais com ele do que os filhos, tanto que quando voltamos, ela falou sobre
Sandro estar estranho... Foi então que Katya morreu.

— Sua mãe falou demais, no entanto, Katya também falaria o que


sabia, sobre junção, separação, coisas assim.

— É, mas minha mãe tinha chance de fugir, e ficava. Pelo dinheiro.


Todas as merdas acontecem pelo dinheiro. — dá um riso amargo. —

''Veintitrés libertará o povo'', eles diziam.

— Escravizamos o povo. — olhamos para o Chino. — E o nosso


maior inimigo virou aliado porque consegue se melhor que nosso próprio
grupo. Pois é, uma loucura sem sentido algum.

— Pensamos na Veintitrés como um grande grupo que


desconhecem o Sandro, mas já sabem que quando voltarmos a ter o
controle, será ''confiar desconfiando'', certo? — eles assentem, com um

balançar de cabeça. — Porque muitos não sabem a realidade, e outros

sabem. Para não morrerem, provavelmente, dirão que não sabiam de nada.

— Vai demorar anos para que tudo entre nos eixos. — Chino pega
um copo d'água. — Em relação a tudo. Política, por exemplo.

— Política ainda é a coisa mais fácil de todas. Basta as duas Calles

entrarem em consenso.

— É, Lucas está certo. — Grézia concorda comigo. — Políticos


são neutros por aqui porque se ir contra ambas as gangues, será guerra
pessoal. Se entrarmos em acordo com Nacho, isso aqui volta ao normal. O
problema foi ter dividido tudo em Calles que nunca queria ceder algo.

— Para que San José sobreviva, temos que ceder espaço, temos que
dar a trégua.

— E isso só acontecerá se tirarmos Sandro do poder. — Chino fala.

— Mas onde ele está? Duvido que seus parentes saibam disso.

— Só tem um lugar que ele pode estar, Candelária. — falo minha


suposição. — Perto para observar tudo, e longe para pegarmos. Longe em
termo de segurança, imagino que seja óbvio que ele está com gente
poderosa.

— Sandro seria burro de ficar na Candelária? — Grézia meneia a


cabeça. — Não sei, sinceramente.

— Conhecendo Sandro, como conhecemos, diga se ele iria para

outro país apenas para fugir? — fico esperando a resposta dos dois, mas
são céticos. — Sandro nunca fica distante o suficiente, justamente por
medo de errarem ou de roubarem tudo dele. Creio que ele não estará em
San José, só se tiver em algum buraco, mas a Candelária é maior. Têm as

favelas, casas juntas umas da outra, vielas, bem mais fácil dele fugir e se
esconder. Tem o interior, tem gente poderosa também. Aqui ele ficaria
bem mais a vista, mais vulnerável. Só estamos aqui porque é território
dividido e certo. Mas não é garantia que sairemos disso vivo. Mas juntando
tudo o que temos, poderíamos atacar Sandro, só que ele não está aqui.

— E como encontraremos Sandro? — Grézia pergunta.

— Isso ficou com o Distrito. — Chino responde. — Dividimos


tarefas, porque o nosso lado é menor. Tentaremos contato com pessoas da

Veintitrés, eles tentam encontrar Sandro e crescer aqui dentro.

— E como cresceremos aqui dentro, pessoas? — Grézia pergunta,


rindo um pouco. — Porque escuto todo mundo crescendo, menos o nosso
lado.

— Você realmente acha que ficaríamos parados vendo todo mundo


crescer menos o nosso lado, Grézia? — levanto da cadeira, pegando meu
filho. — Por que acha que El Doctorado e Yazid ficam pouco por aqui?
Antes, na casa de Nacho, eles mal apareciam, mas não sabe disso, ainda

não estava conosco.

— Vocês estão fazendo negócio por trás de todos? — arregala os


olhos.

— Estamos fazendo negócios para não sermos subalternos de

nenhum deles. Anthony pode ser meu sogro, pode nos ajudar, mas é
ganancioso, assim como Nacho. Um lado sairá com mais poder, mais rico,
e tentará nos levar juntos. Então, tudo o que lutamos será nosso ao todo. E
tem que ser nosso de quem sempre esteve na Veintitrés e foi enganado.

— Álvaro sabe disso? — Grézia sussurra.

— Sim, Bernardo também. Quer dizer, todos os ex membros da


Veintitrés sabem disso.

— Lucas, não quero me intrometer na sua relação, mas e a

Andreza?

— Ela já saberá de tudo, não fui eu quem pediu segredo, foi meu
pai e Yazid. Estávamos na casa de Nacho, montamos esse esquema lá na
Candelária, eu não falava com Andreza. Começamos a nos falar mais na
casa de Nacho, e sempre eram em códigos, porque se tivesse escutas, ele
não entenderia.
— Então essa será a sua desculpa? — cruza os braços.

— Grézia, não é uma desculpa. — Chino fala no meu lugar. —

Você sabe bem que nesses negócios, não contamos tudo, ou não contamos
no momento exato em que ocorre. Não roubamos Andreza e nem o pai
dela, só estamos fazendo nosso negócio, como antes. Nada de mais

— Vocês não confiam nos parentes dela.

— E Andreza terá que entender isso. — falo com mais firmeza,


recebendo a carranca de Grézia. — Pare de pensar tanto com
sentimentalismo, pense como uma profissional. Andreza tem que entender
porque não queremos aliança total com o Distrito. Assim como Natasha
também terá que entender.

— Eu realmente desejo boa sorte a você, Lucas. Eu entendo o que


quer dizer, mas Andreza entenderá? Espero que sim.

— Ela tem que entender.


Capítulo 20
ANDREZA

— Então você fala normalmente? — olho para Alina, a filha de


Nacho. — Estou surpresa.

— Sim, falo normal. — sorri para mim. — Como também consigo


dar alguns passos, mas ainda necessito da cadeira de rodas.

— E por que mentiu? — sento a sua frente.

— Porque era melhor assim. — dá de ombros. — Obrigada por me


ajudar no banho e na roupa. Infelizmente eu só consigo tomar banho se for
um banheiro adaptado.

— Sem problemas, mas realmente estou curiosa sobre porque você


falava embolado e agora fala tudo perfeito.

Abaixa a cabeça, e depois volta sorrindo, como se lembrasse de


algo.

— Porque eu precisava amolecer o coração do senhor Carlos


Eduardo.
— O nome de Nacho é ''Carlos Eduardo''? — confirma. — Que
nome mais formal, poderoso. Melhor que ''Nacho''.

— Segundo meu pai, ''Carlos Eduardo'' é nome de político, e ele


odeia políticos.

— Nacho é bem idiota das ideias, eu nunca imaginei algo assim pra
ele.

— A família fez dele um cara bem ríspido, turrão. Era um conflito


gigante, Andreza. Era ''eu sou cruel'' ao mesmo tempo ''por que estou
concordando com esse povo?''. Era bem louco. Só mesmo os filhos viam o
verdadeiro lado de Nacho. Ele achou que tinha liberdade com todos, para
mostrar quem é de verdade.

— E só teve liberdade completa com você e Arman.

— Não, Arman não morou conosco. Aparecia uma vez ou outra.


Inimigo dos nossos irmãos. Nacho só não está vingativo, porque sabe que

os filhos o mataria em algum momento, nunca valeram nada, por mais que
Nacho quisesse que fossem bons, diferente dele e de Guille.

Isso eu realmente já sei.

— Nacho só permaneceu nesse teatro apenas para sair ileso de


ambos os lados. — suponho. — Lado dos parentes e dos inimigos.

— Exatamente. — confirma. — Depois que todos morreram, ele


sofreu, claro, eram seus filhos. Mas eu vi o alívio. Ao mesmo tempo que,
na cabeça dele, acontecia algo como ''eram meus filhos, apesar de tudo,

preciso me vingar''. Foi aí que comecei a fingir que não conseguia andar,
que minha mão não abre. — ela abre e fecha a mão. — E me fiz de pobre
coitada. ''Não mate a todos, pai, seja bonzinho, acredite neles''. Dá certo.

— Eu amo ganhar tudo no drama!

— Sim! E eles acreditam! Pelo menos se amarem.

— Grézia. — a filha de Sandro que sofreu na mão do pai.

— Sim, eu realmente não imagino Nacho fazendo isso com algum


dos seus filhos. Ah, e tinha Francine.

— Ele não a ama dessa maneira, não é?

— Não, Otavio deu Francine a meu pai, ele apena aceitou. Eu acho
que ele gosta dela, mas não amar. Nunca falou do assunto e nem obrigou a
volta para casa.

— Seus olhos brilham ao falar do seu pai.

— Por incrível que pareça, melhor que minha mãe. Muito melhor.
Porque ela era apenas dinheiro, ele sempre foi amor. Apesar de tudo.

— E sua mãe?

— Morreu, tem tempo. Envenenada. Meu pai simplesmente fechou


a porta do quarto e ficou lá por uma semana completa. Só almoçava e nada
mais. Tenho certeza que entendeu que foi um dos seus filhos. Depois disso
ele dividiu todos em casas. Mesmo com seus filhos tendo menos de

dezoito anos.

— Eles eram psicopatas ao todo? — confirma. — Só você e Arman


não eram desse modo? Porque Nacho é criminoso, de qualquer maneira.

— Não sei se eram psicopatas, as falas sempre foram sobre

''Quando Nacho morrer, seremos mais poderosos''. Eles falavam muito


sobre nosso pai morrer. Mascaravam dizendo que era apenas um fato e que
precisavam falar de mortes por conta do futuro, mas sabíamos que tinha
algo mais ali. Duas irmãs também não valiam nada. Ainda bem que todos
explodiram, ou seriam mais problemáticos que Sandro. Porque, ao que
tudo indica, Sandro opera sozinho.

— E Perez?

— Não conheço tão bem. Não fui mantida dentro dos assuntos.

Conheci Inácio e Otavio, mas só de vista mesmo. Inácio era estranho e


Otavio era ''ok'', nada de mais.

— É tão louco pensar em como essa história já andou. Era Otavio,


Inácio, tinha Miguel, Katya... Nossa, o problema começou por um túnel.
Ao mesmo tempo parece que tem décadas que tudo aconteceu, depois
parece que foi ontem.
— Parece que foi ontem que eu odiava Guille, o meu tio. Que meu
pai gritava vingança pela morte de Guille e não se mexia para matar

alguém. — começa a rir. — É muita loucura. Sério.

— Sim! Parece que foi ontem que estávamos na paz, que todo
mundo comia junto, que saíamos. E olha agora, estamos separados, unidos
com outros, é tanta loucura. Parece que foi um dia desses que estávamos

cantando na fazenda de Álvaro, se bem que não tem tanto tempo. — a


nostalgia vem. — Foi a última vez que todos sorriram. E quando foi sua
última vez?

— Nossa, tem muito tempo! Muito tempo mesmo! Acho que no


aniversário de uma irmã, mas Arman não estava junto. E talvez não tenha
sido riso sincero, Francine queria morrer do que estar ali, eu ri porque
minha irmã queimou o cabelo na vela, meu pai riu porque estava bêbado,
meus irmãos riram da briga que aconteceu entre eles. É, não foram risos

felizes.

— Mas Nacho te ama muito. Muito mesmo.

— Eu também o amo, apesar de ser bem chato e durão. E agora


tenho uma nova irmã e sobrinhas, duas. Meu Deus do céu! Muita loucura.

— Acontecendo do nada. Do nada a mulher fala que é filha de


Nacho, que ele tem netas... E ele queria mata-la.
— Agora deve ser o pai babão, mas que fará pose de durão.
Conheço o pai que tenho.

— Acha que Nacho aceitará tudo? Quero dizer, a situação que


estamos passando?

— Sim, vocês ajudaram a nova filha dele...

Batem na porta e peço para que entrem, é o Lucas.

— Bom dia.

— Bom dia. — respondemos.

— Já vai descer? — pergunta a Alina.

— Não precisa se preocupar...

— Álvaro! — Lucas grita. — Precisamos de um brutamontes aqui.

— Coitado do Álvaro! Se já não bastasse tio Cássio chamando de


branquelo pra lá e pra cá, agora ele é um brutamontes?

— Olha o tamanho do homem, Andreza! Um soco dele me destrói!

— Só não soco porque não preciso de problemas com um Garcia.


— Álvaro entra no quarto. — Quebrar a simpatia que Cássio tem por mim.

— Simpatia? — bufo. — O homem deve te amar mais que


Natasha.

— Isso eu não duvido! — Natasha se aproxima. — Sério, é Deus


no céu e Álvaro na terra.

— Bem que Anthony poderia ser assim. — Lucas olha para mim.

— Por que eu fiquei com o pior sogro?

— Tecnicamente Júlio ficou com o pior sogro. — Natasha pensa


um pouco. — Porém, Jorge morreu logo. É, Lucas, você ficou com o pior
sogro. — bate no ombro dele. — Boa sorte!

— Eu dei bois e cavalos para Cássio. — Álvaro fala, uma espécie


de sugestão.

— Eu vali muito pouco. — Natasha cruza os braços. — Cobre mais


caro, Andreza.

— Tenha certeza que Anthony Garcia, o meu pai, vai cobrar dote,
bem século passado.

— Não tem dinheiro no mundo que pague você, Andreza.

— Oh, Lucas, não precisa mais puxar meu saco. Estamos bem.

Respira aliviado.

— Nem acredito que estamos bem. — ele suspira.

— Nem acredito que estou no meio dessa conversa. — olhamos


para Alina. — Isso porque meu pai disse que vocês não valem nada, que
são malvados, cruéis... Meu pai é louco.

— Eu quase senti ciúmes dele. — eu tenho que rir quando Lucas


admite. — Pare, Andreza!

— Nacho é lindo, mas não faz meu tipo.

— Como ele é?

— Natasha! — Álvaro grita.

— Só tenho olhos para você, meu viking russo!

— Apelidos estranhos é cosia de família. — Lucas olha para mim.


— Boy urbano, viking russo, Cássio e seu rebanho de jumento, mula e
antas.

— Tecnicamente não é rebanho o nome. — Álvaro corrige.

— Meu viking russo é tão inteligente, nem sei como está comigo.

— Você é inteligente, Natasha, uma vez ou outra.

— Ah, o clima está tão bom... — eu suspiro.

— Andreza, meu namorado me chamou de burra! — Natasha fica

indignada.

— Você é chamada de jumenta e de idiota desde sempre. — desvio


quando ela joga um travesseiro em mim. — Olha, tu me respeita que sou
do Distrito!

— De pensar que sempre se colocou para baixo... — Natasha


murmura.
— Por falar em Distrito. — pronto, Lucas fica sério. — Precisamos
falar sobre isso.

Lucas e Álvaro ajudam Alina com a cadeira de rodas, carregando e


levando para o andar de baixo.

Eu já escuto as vozes de Lizandra e Marcelo cantando para Rick e


acho que está com Rodrigo, ou o João, filho da Natasha.

— Eu nem preciso perguntar, sei que ninguém vai embora. — falo


com Natasha.

— Não explicaram muito, mas a viagem foi cancelada. Mas pelo


clima da casa, acho que não é algo grave.

— Como está com Álvaro voltando a gangue?

— Nunca saiu, essa é a verdade. Igualzinho a Júlio. Eles têm


vontade de sair, porém, já estão inseridos demais no assunto, e é o que
sabem fazer. E Lucas, como está na história da mãe?

— Não vai falar, e acho que talvez nem precise. Será que
precisamos desabafar sempre?

Natasha pensa um pouco.

— Depende da intensidade. — responde. — Júlio contou para


pouquíssimas pessoas, e nem sabemos se foi tudo. Está melhor, ao que
parece. Talvez Lucas apenas não queira falar, ficar remoendo o assunto.
Forçar pode ser pior.

Olho para Lucas, que agora está rindo de algo com Álvaro, junto a

Chino.

— Sim, talvez seja apenas a vontade de ajudar. — sussurro. —


Talvez ele não precise contar, apenas fazer e fim. Mas ainda acho que ele
não deve matar a mãe, deve deixar para outro alguém. Porque ele amou a

mãe, não será fácil mata-la, não precisa disso.

Lizandra se aproxima, com Rick nos braços. Pego meu filho e beijo
seu rosto.

— Vem ficar com a mamãe, meu amor! — mordo sua bochecha. —


O que aconteceu?

— Parece que Nacho quer falar com nós duas. — Lizandra


responde.

— Eita! Mas por que as duas? — Natasha pergunta.

— Parece que ele vai mais com a nossa cara. — Lizandra encosta
na parede. — Sei lá, pode ser verdade, e se for uma emboscada? Claro que
a galera já tem um plano, mas não sei. Não sei se confio em Nacho nesse
nível.

— Nem eu sei se confio. — daqui de onde estou olho para Alina,


que está comendo ao lado de Grézia. — Eu acho que Nacho ama os filhos,
e tio Cássio é o que mais ajuda Katleen. Talvez Nacho tenha gratidão. Sei
que é muito ficar contando com gratidão vindo dele, mas vai que seja real?

— Eu não conheço o Nacho, não tenho como julga-lo. — Natasha


fala.

— Conhecemos o Nacho. — olho para Lizandra. — E qual o nosso


julgamento?

Não sabemos como responder.

Nacho é uma incógnita!

— Podemos conversar agora? — Lucas fica a minha frente.

— Sim, claro.

Vamos até o quarto. Ligo a TV e coloco Rick sentado, rodeado por


travesseiros, para que não caia. Depois sento na cama, de frente para
Lucas.

— Bom dia. — sorri e me dá um beijo.

— Bom dia. — respondo depois de nos beijarmos. — Finalmente


reconciliação.

— Melhor do que imaginei, tinha medo de demorar mais.

— Não, não vale a pena. Nos perdoamos, mudamos, evoluímos.


Mas e então, o que aconteceu?
— Eu quero te contar uma cosia e quero pedir que não fique
chateada.

— Fez merda novamente?

— Não, calma! — segura a minha mão. — É que, bem... —


pigarreia. — Podemos dizer que não fizemos nada de errado, mas talvez
não goste do meu julgamento.

— O que, Lucas? Fala logo!

— Estamos fazendo um negócio por trás do Distrito. E começando


a vender. A lucrar.

Fico uns segundos em silêncio.

— Drogas? — pergunto, ele confirma. — Por que não contou


antes?

— Não fique chateada, Andreza, mas não poderia falar nada.


Afinal, estávamos com Nacho. E não quero que conte ao seu pai, nem a

ninguém do Distrito. Porque, bem... — coça a nuca. — Porque sabemos


como Anthony é ganancioso.

Eu lembro a conversa com meu pai, quando ele diz que não ficou
rico sendo bom samaritano, sobre Álvaro ter nado negócios ao Cássio.

— Você acha que meu pai impediria?

— Preferimos fazer em silêncio, acho que todos sabem que


Anthony espera a nossa união, para entrar aqui em San José. Mas se
queremos a Veintitrés, no máximo seremos aliados, não unificados,

entende? — confirmo. — Somos grupos bem distintos, não há mistura.

— Mas é tudo sobre dinheiro.

— Exatamente, tudo sobre dinheiro, não queremos nos unir.


Entendo Nacho e seu medo de Anthony crescer aqui dentro. O cara é foda,

Anthony, no caso. Não podemos negar do quanto ele construiu, mas... Mas
não queremos isso, o cara vai crescer em cima de todos nós. Não somos
idiotas.

Seguro seu rosto.

— Tudo bem, eu entendo. — dou um selinho nele. — E te apoio.


Eu realmente imagino que Anthony e Cássio iriam querer a junção e
transformar você em operadores. Vocês querem o que pertence a vocês,
não dividir.

— Você é tão compreensiva que me surpreendo como sou idiota de


ficar temendo. — me abraça e me derruba deitada na cama, dou risada
quando Rick se aproxima e abraça a minha cabeça. — Nem parece que
estamos na merda.

— Não tanto. — coloco Rick sentado na minha barriga. — Não


temos escutas em nossa cola. E Nacho?
— Eu deveria sentir ciúme? — arqueia a sobrancelha.

— Eu sei que sou poderosa, sexy, sedutora...

— Cala a boca, Andreza!

Bato em sua testa, depois ele beija a minha mão.

— Não, não há qualquer clima acontecendo. Eu realmente acho que

ele foi com a nossa cara, mesmo não admitindo. E quer falar comigo e com
Lizandra porque somos menos chatas...

— Chatas? Não são perigosas e são compreensivas.

— Isso também. Iremos a essa conversa. E você, o que fará?

— Faremos um esquema de proteção, caso seja uma armadilha.

— E sobre a reunião de ontem?

— Foi com Bernardo, ele revelou que Mauro e Jamile são irmãos
de Chino e Grézia. Depois falamos com uma galera da Veintitrés e logo

mais falaremos com meus avôs. É isso que temos para essa semana.

— Acha que essa semana o ciclo de ''Miranda e Fatima'' se


encerram?

— Espero que sim. — beija minha testa. — Será que tem algum tio
ou tia que pode olhar o Rick?

— Por quê?
— Eu acho que devemos usar a cama dessa vez. E essa cama é bem
grande.

— Eu acho que Lizandra pode olha-lo. — levanto da cama. —


Fique aí, já voltarei.

— Não vou a lugar algum.


(4) Calle Veintitrés

Rene olha para o pequeno grupo a sua frente.

Pequeno comparado a Veintitrés ao todo, mas até que aqui tem um


bom número, trinta e seis pessoas ao total.

Trinta e seis pessoas que acreditam em sua palavra, na palavra de


Chino, Yazid e de Lucas. E quando escutarem Grézia, provavelmente
acreditarão ainda mais.

— Miranda esconde algo. — Bernardo fala. — Mas o que teria


naquele arsenal?

— Eu realmente acho que é um túnel. — Rene supõe. — Veintitrés


sempre foi boa de túnel, aposto que é isso o que tem ali. Porém,

precisamos convencer meus pais e ex sogros de que falamos a verdade.

— Tem algum problema com seus pais? — Bernardo indaga.

Eles saem do galpão, deixando os outros membros trabalhando.

— Não, nenhum. Porém, sempre foram fiéis a gangue, sempre


amaram Sandro. E, de qualquer maneira, saímos e ficamos sem dar notícia.
Mariana está com Pedro e agora Lucas está com Andreza.
— Parece que vocês deram um golpe.

— Sim, não sei se são cegos para acreditar nisso. Mas eu aposto

que minha lealdade foi jogada no lixo por essas questões. E se não
acreditarem não quero usar a força com eles, nem mesmo com os pais de
Miranda, eles nunca me causaram o mal, pelo contrário, até queriam que
eu me separasse.

— Não gostam de Miranda?

— Percebiam que éramos infelizes. Eles gostam de Miranda.


Miranda não é ruim com todos, e sim comigo, posteriormente com Lucas,
porque, na cabeça dela, ele a traiu. É bem complicado, é uma questão
parental. — Rene passa a mão pela testa. — Não imaginei uma merda
nesse nível.

— Mas precisamos imaginar como mataremos Sandro. Eu acho os


Garcia e Juarez incríveis, fodas pra caralho, mas Sandro é nosso. Para o

nosso bem, Sandro tem que ser morto aqui!

— Eu odeio política!

— Odiamos política!

— E como está na vida? — Rene muda de assunto. — Safira?

— Estamos muito bem. Ela ainda é cheia dos ''não me toque'', mas
está melhorando mais na sua culpa. Entendendo que mesmo fazendo algo
errado, fez o certo. E me aceita agora. Acho que saímos bem nessa história
toda.

— Saímos bem? — Rene arqueia a sobrancelha para ele.

— Sim! Eu com a beata curvilínea, Álvaro e a Poca burguesa,


Lucas e a herdeira, você e a viúva ex defunta. Ah, Yazid e o menino
serelepe.

— Helena?

— Sim, viúva e ex defunta. Eu vi vocês juntos, não rola nada?

— Não.

— Por que não?

— Bernardo continua um sem noção.

— Qual foi, homem? Eu vi o olhar da ex defunta quando se


encontraram para falar da reunião de Miranda. Aquela mulher arrasta uma

bitrem por você. E você precisa parar, sempre foi Mariana, agora gangue,
apenas se aquiete e fique com alguém.

— Justo com uma Garcia?

— Quando tudo melhorar, aposto que a primeira coisa que Helena


fará será anular a certidão de óbito e depois se desvincular de Jorge. Porra,
homem, mudar de Jorge pra você é uma puta evolução.

— Igual a você, não é? Mudaram você para Sandro, mas aí foi


regredir.

— Eu não quero falar daquela vagabunda, só fez filhos de coisa

boa, nada a mais que isso. Mas quero dizer que precisamos respirar um
pouco, não focar só em vingança. Por falar na ex defunta.

Os dois param de falar no mesmo momento que o carro com


Helena chega à frente do galpão. Ela desce do carro.

Helena vem se aproximando, sorrindo timidamente, com um cabelo


castanho claro que combina perfeitamente com seu tom de pele mais
escuro.

— Olá. — ela fica a frente dos dois homens. — Como estão?

— Estou muito bem. — Bernardo dá um tapinha no ombro de


Rene. — Inclusive estarei indo resolver umas pendências, podem ficar a
vontade.

Bernardo entra no galpão, deixando os dois a sós.

— Estou bem. — Rene responde. — E você?

— Respirando fundo para, finalmente, aparecer como a pessoa viva


que sou. — sorrindo, Helena lembra da filha, Denise. — Denise ainda não
sabe sobre mim, mas espero que entenda o que fiz. Não foi fácil, porém,
foi preciso.

— Sim, ninguém te seguiu porque não estava viva para isso,


inclusive soube das reuniões na qual Miranda e Fatima participam.

— Como será feito? Como será a partir daqui? Porque só escuto

falar das duas mulheres e Sandro, não há mais problemas mesmo?

— Sim, tem a Veintitrés em peso que, com certeza, deve apoiar o


Sandro, mas aí é mais fácil, porque Sandro não possui sucessor até o
momento. Pelo menos nisso também conseguimos algo, mataram pessoas

importantes da Veintitrés e alguns já estão ao nosso lado, está mais fácil.

— Eu não vejo a hora de tudo isso terminar. — Helena suspira. —


Então, traficando nas costas de todos?

— Se depender de Nacho não crescemos e se depender de Anthony


estaremos juntos, e não queremos esse tipo de aliança.

— E qual a aliança que deseja?

— Apenas ninguém se metendo no assunto do outro, mas caso


algum dos lados precisem de ajuda, estaremos prontos. Aliança

envolvendo mercadorias, trocas, divisão de lucros, é bem complicado.


Preferimos crescer a sós mesmo.

— Sim, conheço o grupo ao qual pertenço, mesmo que você não


queira falar em voz alta, eles são gananciosos. Não vão roubar, mas vão
monopolizar a liderança, sabemos disso.

— Eu vejo que é diferente deles, por isso pode estar aqui.


— Não sou uma traidora, mas não tenho papel no Distrito. Fiz tudo
isso por eles como família e amigos, mas assim que eu não for mais uma

''defunta'', não quero saber mais do Distrito. Isso fica com meu pai e
irmãos.

— É uma indireta muito direta para que eu convide para sair? —


eles já estavam se conhecendo. Quando Helena chegou a San José, não

conhecia nada, precisou de informações... Já aconteceram beijos entre eles,


nada mais que isso.

Mesmo que os dois queiram ''algo mais''.

— Não sei se sair é uma boa ideia, visto que essa região parece ser
bem perigosa...

— Eu tenho uma casa por aqui, um local seguro e afastado. —


Rene fala imediatamente, para que Helena não recuse o convite. — Eu
faço o jantar.

— Eu levo a bebida?

— Eu tenho adega.

— Isso soa como um jantar romântico.

— Nunca fiz nada disso, será minha primeira vez.

— E logo com uma ex-Garcia.

— Esse povo da Veintitrés tem muita atração pelo Distrito. —


Rene brinca e Helena sorri com isso. — Aceita o convite?

Helena ri, mas vai parando quando encara o homem a sua frente.

Quase suspirando, ela pensa que deve ser a sua segunda chance.
Rene é lindo, alto, forte, esses olhos azuis claros... E ainda tem aquela cara
de homem sério, o combo perfeito para Helena.

— Ok. — Helena responde. — Vamos a um encontro.


Capítulo 21
ANDREZA

Dia seguinte

— Andreza. — olho para Lizandra. — Eu quero te contar algo.

— Ficou com meu irmão? — dou risada, porque falo na


brincadeira, mas fico séria quando Lizandra não corresponde, na verdade,
ela fica até sem graça. — Sério que ficou com o Marcelo?

— Até rimou!

— Não mude de assunto, Lizandra. Ficou com meu irmão?

Mostrando os dentes, Lizandra sorri, parecendo até que pede

desculpas.

— Foi ontem.

— Como foi?

— Não fica chateada?

— Por que ficaria?

— Porque não te contei.


— Mas está contando agora.

— É que não contei o meu interesse em Marcelo.

— E precisava contar? — cruzo meus braços, encarando Lizandra


com um sorriso. — Só um cego para não ver que rolaria algo entre vocês.
Se bem que o cego escutaria, e ele entenderia que tem algo mais aí. Mas
como foi? Como terminaram com aquelas implicâncias?

— Basicamente, com a chegada de casais, mulheres, crianças, a


casa foi ficando pequena. E ontem à noite eu dei meu quarto para que os
filhos de Natasha dormissem, porque ela está em um quarto pequeno com
o Álvaro. Marcelo estava indo dormir no carro, porque deu o quarto para
Grézia.

— Era o quarto de Marcelo? Entrei lá e nem percebi.

— É que tiveram tantas trocas de quartos que no fim nenhum era


do outro.

— Continue a história.

— Então, Marcelo estava indo dormir no carro, eu disse que seria


desconfortável, ele disse que não. Discutimos, como sempre, no fim,
acabamos nos beijando e aconteceu.

— Sexo?

— Não! Apenas beijos, ficamos. — começa a rir. — Sinto-me tão


boba, Andreza!

— Você tá apaixonada, Liza! E pelo meu irmão!

— Tão louco isso. Tipo, vocês nem me aceitavam, agora me tratam


como se eu fosse da família, e ainda beijo o Marcelo! Um dos poucos que
não tem preconceito pelo que fui.

— Vamos lá, Lizandra, ninguém teve preconceito com sua vida. —

começo a falar seriamente. — Você era uma louca, sem noção. E,


realmente, insuportável, tudo para chamar a atenção. Já pensou se algum
Garcia fosse preconceituoso por sua antiga profissão? Os caras são
cafetões, sem moral para julgamentos.

— Às vezes eu olho meu passado e penso que homem ia me


querer? Que homem não ficaria envergonhado...

— Um homem perfeito, um homem sem erros, e sem pecados. Sem


contar que sua mãe te colocou nessa vida.

— Eu era acompanhante mesmo, de companhia, de conversa, uma


vez ou outra rolava sexo.

— Você é maravilhosa para conversar, e quando descobri a garota


incrível que você é, pronto, viramos amigas, porque você é uma ótima
amiga. Então, por que ligar pelo que fez com sua vagina? Tem gente que
dá para o bairro todo de graça, tu ainda cobrou, empreendedorismo que
chama. E em nenhum dos dois casos é errado, dar para o bairro todo ou
cobrar por isso. O corpo é totalmente seu.

— Eu realmente tento enfiar isso na minha cabeça, que eu fui


jogada nessa vida por uma mãe que nunca gostou de mim. Por isso até que
odiei Mariana. Mariana era a intocável, eu era a que todos poderiam tocar.
Foi forçado, depois era eu que queria, me habituei. Mas é passado, o

importante é que beijei Marcelo!

— Estou tão feliz de te ver feliz.

— Estamos felizes, as duas. Você já teve seu momento com Lucas,


eu com Marcelo. Já vão pegar Miranda e Fatima. Se tudo der certo, só
restará um a ser pego. Porque quem sobrar, não tem poder suficiente de
orquestrar algo contra todos nós. Meu Deus, parece tudo tão rápido! Mas aí
lembramos que começamos esse assunto com Mariana sendo empregada, e
já passamos por inúmeras fases, vários bebês nasceram, Natasha

sequestrada, mortes...

— Sim! — concordo com ela. — Parece que está sendo bem


rápido, mas aí olhamos para tudo e vemos que não, não foi nem um pouco
rápido. E estar nessa de ''já terminaremos com duas inimigas'', parece que
será bem prático. E não foi, está sendo rápido graças a uma pessoa.

— Nacho. — Liza fala o nome dele. — Se não fosse Nacho seria


mais difícil, porque ele impossibilitaria a nossa entrada aqui, e seria mais
um para bater de frente. E como ele simplesmente liberou a entrada, tem

sido mais fácil. E será sempre assim? Devemos contar com esse amor dele
pela nova filha?

— E por Alina, a filha que está conosco. Eu lembro quando Nacho


falava comigo da sua filha, inventou que parece comigo só para ter minha

compaixão, para que eu abaixasse a guarda, mas sempre notei o carinho


pelo qual se referia a filha.

— O olhar dele para o filho, Arman.

— Sim, além do mais, nunca nos fez qualquer mal naquela casa.
Nacho é cruel, como meu pai é. Uns moldes aqui e outros ali e ele será
sociável.

— E será que Nacho quer ser sociável?

— Quer, ele quer sim.

Olho para frente, para o mar.

Estamos um porto, mas é uma área de gente rica, uma espécie de


Beach Club.

Quanto mais conheço de San José, mais admirada fico. Eu imaginei


deserto, pobreza, chão sem asfalto, e sim, também tem tudo isso, mas
também tem modernidade e agora entendi o motivo do meu pai e tio
estarem investindo aqui.

Nacho marcou um encontro nesse local, um local aberto no qual

podemos trazer homens armados.

Não sei do que vamos falar, porque seu plano era nos manter na sua
casa. Não sei se Nacho vai querer negociar para voltarmos, afinal, éramos
a garantia que meu pai não faria nada contra Nacho. Ou se ele vai querer

negociar sobre locais de atuações, divisões...

— Olá. — Arman senta a nossa frente. — Nada do meu pai?

— Não. — respondo. — O que faz aqui?

— Bem, não é fácil enganar o Nacho. Ele entendeu que ajudei a


fuga de vocês, óbvio que ele não cairia na história do ''sequestro''.

— E já falou com ele? — Lizandra pergunta.

— Sim, já nos falamos. Gritou sobre traição, que estava fora


ajudando uma filha e eu o traí, coisas assim. Mas aí pedi calma, expliquei

sobre Perez. Não posso dizer se meu pai acreditou em mim, mas acho que
plantei discórdia.

— Será que dará certo? Espero que sim. — respiro fundo. — O


amor de uma nova filha fez com que Nacho ficasse mais calmo?

— Poderia dizer que deixou mais sorridente, já peguei sorrindo


sozinho algumas vezes. Mas nada de tão diferente, ele ainda é o cara sério
que sempre foi. Pode ser apenas para os negócios, ou pode ser que

continua sendo avesso a tudo o que acontece aqui.

Lizandra olha para mim.

— Acha que quando tudo isso terminar, Nacho nos deixará em


paz? — Lizandra indaga.

— Acho que sim. — Arman responde. — Sabe, uma nova filha e

netas, vocês estão com Alina e sei que ela está bem. Meu pai terá algum
apreço por essa situação, eu imagino que sim.

— Esperamos que sim. — concordo com ele. — Já conheceu


Katleen como irmã?

— Não, ela está bastante ocupada e preocupada com sua situação


em relação ao marido e o irmão. Ah, meu pai está com uma certa raiva de
Cássio.

— O que meu tio fez?

— Ajudou Katleen. — Arman dá risada. — Está com ciúme do seu


tio. Na verdade é raiva e ciúme. Por Cássio ser mais rico e conhecido,
tomou a frente das negociações, depois começou a conversar com Katleen
e ela gostou dele. Pronto, Nacho tem raiva e ciúme.

— Se já odiava o Distrito antes...

— Não, Andreza, se meu pai tiver um pingo de sentimento, ele terá


gratidão, no mínimo. Por tudo que estão fazendo para nossas vidas.

— E será que Nacho tem esse mínimo de sentimento? — arqueio

uma sobrancelha para ele.

— É isso que descobriremos agora. — faz um gesto com a cabeça e


olhamos para trás, para ele, Nacho, vindo com um homem ao seu lado. —
É agora que descobriremos o que ele quer.

— Quem é aquele ao lado? — Lizandra pergunta.

— Furtado, faz parte dos mais importantes da Doce. Ele e Perez


meio que tem a mesma função. Mas acho Furtado mais de boa com tudo.

Eles se aproximam e sentam a nossa frente.

Nacho, como sempre, tem a cara de poucos amigos.

— E aí? — começo a falar. — Como vai com a nova filha?

— Vocês me traíram, todos vocês. — Nacho fala calmamente. —

Como acha que estou?

— Espero que esteja bem. — continuo. — Uma troca, Nacho.


Damos a chance de ajudar Katleen e a família, você nos deu a liberdade,
forçada, mas deu.

Ele olha para Arman, completamente relaxado e nem aí para tudo.

— Qual a denúncia sobre Perez? — pergunta. — Quero


fundamento nessa questão dele poder me trair.
Aponto para seu filho.

— Eu sempre disse sobre Perez. — Arman continua. — Sempre.

Não confio nele. Ele sempre foi aquele que está ligado a antiga Calle
Doce. A era da escravidão e sequestros. Perez já estava bem irritado com
sua mudança, pai. E deixando pessoas importantes naquela casa seria o
momento perfeito para Perez crescer. Afinal, dê pessoas importantes do

Distrito que ele teria dinheiro, reféns.

— E por que não me informou isso antes?

— Informei, você era mais ''negócio e vingança''. Então, pai, diga


se me escutaria?

Nacho não olha para o filho, na verdade, olha para mim.

— Por que Alina?

— Porque você a ama. — Arman responde. — Eu que a levei para


eles.

Nacho fecha os olhos, depois esfrega.

— Arman...

— Eu sabia que não fariam mal a Alina. Porque eles estão


ajudando Katleen, uma desconhecida. — Arman continua falando, e vejo a
raiva de Nacho só aumentando. — Então, quem sabe com Alina falando
bem deles, você pararia de ser esse tipo de pessoa? Esse cara que quer
perpetuar o ensinamento da família Coronel.

— O sobrenome de vocês é Coronel? — eu fico surpresa, Lizandra

ri ao meu lado, Nacho reclama. — Qual o seu nome, Nacho? Eu nunca


soube nada de vocês. — mas eu sei seu nome, Alina comentou comigo,
mas quero provoca-lo. — Qual o nome dele?

— Carlos Eduardo. — Arman responde.

— Que nome de político! — Lizandra exclama, me fazendo rir. Ela


nem sabe, mas Alina contou que o pai não gosta desse nome justamente
por isso. — De homem sério, de homem importante...

— Tudo o que sou, tirando o político. E prefiro Nacho!

— Nacho Coronel. Carlos Eduardo Coronel. — falo seu nome e ele


revira os olhos. — Fala sério, cara, seja legal uma vez na vida. Não
precisamos de treta. Vamos falar de negócios.

— Negócios com o Distrito? Você realmente acha que aceito uma

terceira gangue aqui dentro?

— Não, Nacho, eu quero falar de território da Veintitrés.

Nacho inclina a cabeça para o lado, me estudando, depois dá risada.

— Você vai trair seu pai, garota?

— Não é traição, é negócio. — falo de maneira séria, enfática.


Nacho para de rir. — Não me trate como uma garotinha, porque não sou.
Quero, realmente, falar de negócios. Já que não quer falar com nenhum
homem, fale comigo.

— Primeiramente, eu não quero falar com homens por medo ou


merdas do tipo, e sim porque eu prefiro falar com vocês.

— Por quê? — Lizandra pergunta.

— Porque os homens são mais ação ou estratégia de gangue, vocês

duas são emoção. E não falo que por isso são fracas ou manipuláveis, mas
se eu falar com vocês, vocês saberão se falo a verdade ou não. Em segundo
lugar, eu não acho que seja uma garotinha, apenas não imaginei que falasse
de negócios, imaginei que fosse a garota de recados.

Realmente, até eu pensei isso.

— Bom, me reuni com os homens da Veintitrés e eles pediram para


que eu passasse o recado e começasse a negociar. E nada a ver com o
Distrito.

— E o Distrito sabe que a Veintitrés quer crescer nas costas deles?

— Sim. Distrito já tem muitos negócios, não tem porque se


meterem aqui. Podemos falar de negócios, de divisão? Garanto que será
mais prático dessa maneira do que depois iniciar uma treta. Temos o
mesmo inimigo em comum, não tem motivo para continuar uma inimizade.

Nacho pensa um pouco, troca olhares com Furtado, que faz sinal
afirmativo da cabeça.

— Podemos conversar, Andreza.


Capítulo 22
ANDREZA

Até que a reunião com Nacho e Furtado não foi ruim. Eles nos
escuraram, negociaram daqui e dali, no fim rolou até um pedido para que
eu agradecesse por toda a ajuda referente a Katleen.

Foi bem normal e calmo.

— Como foi? — Lucas me abraça, assim que chego na casa. — Foi


tudo bem?

— Melhor até do que imaginamos. — falo e olho para Lizandra,


que já está saindo com Marcelo. — Nacho concordou com a trégua e com

o estabelecimento da divisão de território. No caso, quando recuperar a


Veintitrés, nada terá mudado. E claro, terão que assinar acordos e fazer
disso um evento público. O que é muito louco.

— Você vem do Distrito, ninguém se importa muito em tretar com


eles. — beija minha testa. — Tão orgulhoso do amor da minha vida sendo
essa mulher foda e negociante.
— Você está bem fetichista por isso. Seus olhos até mudaram de
brilho. Tem mais admiração neles.

Mas eu também estou admirada comigo mesma.

É como se eu tivesse mudado por completo, e acho que mudei.


Sinto mais confiança em mim mesma, sinto que posso e devo fazer, e não
me deprecio mais. Nunca mais liguei para peso, e nunca mais comi sem

parar... Porque já era uma compulsão, e não sinto mais essa necessidade de
comer e comer.

— Você sempre foi foda, Deza. Mas agora é aquela mulher foda
que sabe que é foda. E não há nada mais foda nisso.

— Que bela repetição de palavras, senhor Noriega. — beijo sua


boca. — Pena que dividimos o quarto com um bebê.

— O banheiro é o nosso novo quarto. Uma pena não ter banheira,


seria bem proveitoso.

— Sabe que com isso teremos um local para morar.

Pronto, Lucas parece que levou um choque com minhas palavras.

— Qual o motivo para tanto espanto? — pergunto.

— Você ficará em San José? Não imaginei isso.

— Bem, você não me convidou, então estou me convidando.

— Não, claro que te convidaria, mas pensei que... — pigarreia. —


Seria complicado, porque sua família está toda do outro lado da fronteira,
seus amigos, tudo está na Candelária, não imaginei que seria fácil vir para

cá.

— Dependendo de onde formos morar, não dará nem uma hora de


viagem para a casa deles. E o lar é onde está a minha família, e tem um
tempinho que minha família é o Rick. Eu sou aquela que acredita que

quando casamos ou temos filho, quando saímos de casa, a família será com
quem moramos.

— Então já somos uma família.

— Sim. Eu realmente não quero mais dramas em nossas vidas. Eu


cresci, você cresceu. Se achar que sou chata, fale, se achar que sou
dramática, fale também.

— O mesmo para você, loirinha, se achar que sou um idiota, pode


falar...

— Não pensei o contrário disso.

— Eu amo que voltamos ao normal. — ele me carrega em seus


braços, mas quase caio pelo desequilíbrio e peço para que me coloque no
chão. — Te amo.

— Também te amo.

Nos beijamos.
Eu quero muito estar ao seu lado, desde que o vi pela primeira vez,
lá na fazenda. Quando Lucas me ajudou, quando sorriu, quando não me

julgou pela bagunça que eu estava.

— Que tal comemorarmos um hamburgão? — Lucas sugere. —


Relembrar de quando conversamos pela primeira vez.

— Um hamburgão feito pelo boy urbano.

— ''Boy urbano'', uma merda de apelido.

— Meu querido, olha para você. É o típico boy urbano. Essa cara
de cafajeste...

— Só a cara!

— Ainda bem, porque se não eu cortaria seu pênis.

— Você nem é louca, mas nem precisa provar nada.

— Eu sou um membro do Distrito, e a futura primeira dama da

Calle Veintitrés. Quando pensaria isso?

— Se é membro do Distrito, deveremos falar desse assunto com


seu pai?

— Não. — nego no mesmo momento. — Eu não sou membro para


saber de drogas, territórios e coisas assim. Meu pai confia em mim para
assuntos bem sérios, podemos dizer que sou um membro de casos
emergenciais. Então, não, não precisam se unir por minha causa. Mas, com
certeza, vocês serão unidos por armas e coisas assim.

— E o que fará com sua vida, Andreza?

— O que eu tiver vontade. Passei tanto tempo querendo saber o que


posso fazer, que não olhei para o que já fiz. Fiquei tentando provar a mim
mesma o que sou, quem sou, que simplesmente não enxerguei nada do que
já fiz.

— O que isso significa?

— Que tenho dinheiro.

Rimos no mesmo momento.

— Será dona de casa? Mãe? Empresária?

— E além de tudo, aquela que todos procuram para pedir ajuda.


Porque até Nacho veio até mim.

— Conselheira?

— Se precisarem de mim, estarei aqui. Mas vou viver minha vida


tranquila, sem neuras do que sou e do que devo ser, pois eu já sou.

— Isso é tão poético! Você é tão linda. Tão maravilhosa...

— Cadê meu boy urbano?

— Gostosa pra caralho! — aperta minha bunda. — Podemos


aproveitar que Rick está com os outros bebês para usar a cama do quarto
pela segunda vez.

— As paredes são finas, preciso ficar lembrando que não devo falar

muito alto. Porque ao lado do nosso banheiro é um quarto de bagunça,


então é mais fácil...

— Eu tapo sua boca novamente. — beija meu pescoço. — Ou eu


amordaço sua boca. Veremos o melhor jeito para que não faça barulho.

— Eu nunca fui amarrada ou amordaçada.

— Mudaremos isso agora.

LUCAS

Dois dias depois

— Lucas, você não precisa puxar qualquer gatilho. — esse é o dia


da nossa reunião com a Veintitrés, dia que vou encarar a minha mãe depois
de um longo período fora. — Ela é a sua mãe, de qualquer maneira, e nem
precisa estar presente quando eu for conversar com ela.

Olho para Chino, que espera uma resposta.


— Você verá seu pai sendo morto? — pergunto a ele.

— Sim, mas é diferente, meu pai mandou matar meus irmãos.

— A minha tentou estragar com a minha vida, e sabe se lá o que


faria depois daquilo. Provavelmente me matar. — agora olho para meu pai.
— Entendo sua preocupação, a mesma coisa que Andreza fala, mas
precisam entender que tenho que estar nesse momento. Eu preciso apagar

de vez as boas lembranças. Porque é isso o que são ''lembranças'', não é a


minha realidade.

— Lucas está certo. — tio Yazid concorda comigo. — É melhor


encarar, bater de frente com a realidade, do que ficar lembrando quando
ela foi mãe. Porque não existe mais essa mãe. Pra que viver pensando
nisso? Com essa memória afetiva?

— Sim. — volto a falar. — Melhor sofrer com a verdade logo. Essa


é a minha decisão. Sim, estava mal por toda essa situação, mas agora vejo

pessoas que realmente se preocupam comigo. Vocês, Andreza, meu filho


que é pequeno, mas já sinto o amor dele por mim. É isso. Eu aceito, sem
dramas. — eles me olham com incerteza. — Eu juro que não é uma
tentativa de ser um bom gangster, de ''ser homem'', é a mais pura realidade.

Porque eu amei Miranda no passado, a minha mãe. Mas é isso,


''passado''. Quando Mariana não era muito falada, e quando meu pai foi
atrás dela tudo desandou.

Agora eu já não enxergo Miranda como a mãe amorosa do passado.

Eu enxergo como aquela mulher que engravidou para prender um homem.


Que esteve ali por mim pela herança que teria com Rene. Porque quando
me recusei a interceptar o encontro dele com Mariana, eu virei o pior filho
do mundo.

E um amor não terminaria apenas por uma recusa.

Terminou rápido porque nunca me amou.

Então, por que continuar lembrando quando cuidou de mim?


Porque para me esquecer, para passar por cima das minhas decisões, para
tramar contra mim, Miranda foi bem rápida.

Então que eu seja rápido em esquecê-la.

— Tudo bem, então. — meu pai concorda. — Mas se em algum


momento quiser recuar, pode vir falar comigo, sem problema algum, ok?

— Certo.

— Grézia está se preparando para contar tudo o que aconteceu com


ela, assim como Álvaro, Bernardo, Mauro e Jamile. Todos vão
testemunhar contra Sandro na frente da Calle Veintitrés. Temos aliados ali
dentro que garantiram que vão acalmar os ânimos antes. E deixo claro, não
há qualquer certeza que são aliados mesmo, mas é o que temos.
— E tem seus pais. — Chino recorda. — Eles não vão abrir fogo
contra você, Yazid e Lucas.

— Esperamos que não. — meu pai prossegue. — Miranda e Fatima


estarão presentes. Estamos indo com pessoas armadas, incluindo homens
do Distrito. Se elas tentarem fugir, tudo estará cercado. Temos que fazer de
tudo para que, pelo menos, tenhamos provas contra Sandro. Provas

certeiras, não apenas histórias contadas. E, quem sabe, descobrir o


paradeiro dele.

— Com certeza as mulheres não falarão nada. — Yazid continua.


— Na verdade, nem sabemos se elas terão quaisquer informações. No
entanto, ganhando a Veintitrés, ganhamos o território de Sandro e podemos
chegar às casas dele, aí sim podemos prosseguir e ter mais respostas do
assunto. É esse o plano.

— Não há qualquer indício que tenha mais gente importante agora?

— pergunto. — Certeza que é apenas Miranda comandado reuniões?

— Sim. — meu pai confirma. — Os outros foram mortos em


confronto ou já estão ao nosso lado. Eu posso até dizer que Sandro
abandonou o barco.

— Acredita nisso? — Chino é cético. — Ele não perderia tudo.

— Ele não perdeu nada. — meu pai é do contra e parece ter certeza
do que pensa. — Vamos pensar bem na Veintitrés agora, do ponto que

conhecemos. Ideologia cega. Tão cega que ligamos para o ideal, não para a

realidade.

A Veintitrés que nasceu para combater a Calle Doce que vendia


pessoas, mas que já havia, até mesmo, se aliado no passado.

Drogas sendo vendidas para comprar armas para combater esse

mal.

Sandro herói do povo.

Guille o vilão.

E combatemos a Doce, mas da maneira que Sandro queria, que


Sandro ganhasse pelos dois lados.

E por sempre combatermos a Doce, não enxergamos o ideal


verdadeiro por trás. Um líder inalcançável, manipulador e estrategista.

Esse é o Sandro que não víamos.

— Sandro é muito rico, mas aquele tipo de rico que deveria


aparecer bem para o povo. Ser o herói deles, no entanto, sempre teve muito
dinheiro, bancava luxos em outros locais. — meu pai continua. — Pra que
Sandro vai voltar até aqui? Ele já sabe que a fama dele vai cair em algum
momento. Ele não conseguiu matar nenhum dos envolvidos. Conseguiu
matar Katya, mas deixou outros vivos, que sabem de tudo o que ele fez. E
na cabeça de Sandro, ele faria Grézia sofrer estando presa, mas já a
encontramos e ela está conosco. Sandro está perdido, porém rico. Ele pode

viver aonde quiser e sem se preocupar em morrer. Se ele pisar aqui, ele
morre. Sandro não volta, e nem se preocupa com o que deixou para trás. O
que são casas e negócios em San José? Talvez dez por cento da sua
riqueza, que ele logo consegue novamente.

— E como vai conseguir? — Yazid faz o questionamento, mas


sorri. — Chantageando seus aliados, seus comparsas. Porque Sandro
perdeu aqui, mas fez negócios com outras pessoas. E se vai fugir, ele
precisa de ajuda, não vai fazer nada sozinho, pois não tem influência para
tanto.

— Ele estará na Candelária. — falo o óbvio.

— Só resta saber onde. — meu pai balança a cabeça. — Agora é


fácil de ler o jogo de Sandro, porque ele está perdido, acuado. Mas se não

for isso, aí sim estaremos perdidos.


(5) Calle Veintitrés

Grézia esfrega as mãos uma na outra, nervosa pela reunião que


acontecerá muito em breve.

— Então, agora somos irmãs oficiais mesmo. — Jamile fala


quando vê Grézia de costas para ela, parecendo tensa.

Grézia para trás e encontra Jamile, que está sorrindo vindo a sua
direção.

As duas sorriem no mesmo momento, e no mesmo instante correm


e se abraçam, quase chorando.

— Senti sua falta. — Jamile murmura. — Graças a Deus está bem.

— Também senti a sua. Não imagina o quanto desejei que estivesse


ali, ao meu lado. Ou melhor, que eu estivesse ao seu lado. — elas se
afastam, as duas com olhos marejados. — De pensar que tinha gente que
nos queria juntas, como casal.

— Nem somos lésbicas, e ainda somos irmãs. — as duas riem. Os


olhos embaçados com lágrimas não derramadas.

— Eu sempre senti essa conexão com você, mas saber que somos
irmãs... Uau! Eu sinto muito pelo que nossa mãe fez.

— Sua mãe, Grézia. Ela nunca foi minha mãe. Bernardo, por mais

doido que seja, é meu pai e mãe. Eu e Mauro fomos abandonados.

É uma dor escutar isso sobre a mãe. Grézia que tanto a defendeu,
que tanto pareceu ser boa aos olhos da filha... Mas foi aquela que prefere
dinheiro, vida boa, a família que tinha antes.

— Eu juro que jamais imaginaria algo assim vindo dela, e ainda


sem qualquer ameaça.

— Por um tempo quis acreditar que Sandro forçou que ela fosse
com ele, mas foi sempre sobre dinheiro. — Jamile tenta não falar tanto do
assunto, porque ainda dói lembrar quando via a mulher com os outros
filhos e eles ali, vivendo com Bernardo quase na pobreza. — E você deve
saber que foi, conviveu com ela, deve ter presenciado seus luxos, sua
vaidade, e, talvez, o amor dela por Sandro.

Sim, Grézia presenciou tudo. A sua mãe só acordou para vida


quando tudo começou a desandar, antes ela não se importava.

Quer dizer, se sabia, não ligava.

Se não sabia, continuou sendo aquela que abandonou dois filhos.

— E você é meu irmão mais velho. — Mauro se aproxima. —


Cara, nunca imaginei.
Mauro... Nunca imaginaram a irmandade, mas conviveram juntos
na ''guerrilha''.

— Somos todos irmãos sem nem imaginar que algo assim seria
possível. — Chino se aproxima. — Bem, perdemos uns e ganhamos
outros.

— Quatro irmãos. — Mauro fica no meio. — Pena que o

reencontro já acontece quando vamos nos reunir com nossa antiga gangue.

— Esperamos que seja a nossa gangue ainda. — Chino fala com


tanta convicção que até faz Grézia acreditar que será fácil. — Somos vistos
como traidores, mas cadê o Sandro? Se ele não tem culpa, ele deveria estar
presente.

— Então esse será o nosso argumento? — Mauro pergunta e Chino


meneia a cabeça. — Bem, pelo menos temos sobreviventes para contar
história. Agora é torcer para que acreditem.

(...)
Entrar na reunião da Calle Veintitrés nunca pareceu tão tenso
quanto agora.

Todos param para olha-los, até que a confusão quase começa.

Quase.

Porque quando fazem o movimento de ir até o grupo que acabou de


entrar, um tiro para o alto é disparado.

Param tudo e olham para quem atirou, e é o pai de Rene. Senhor


Noriega atira para cima, chamando atenção de todos.

— O que fazem aqui? — o senhor pergunta.

Rene dá um passo à frente, olha para os homens com que ele


conversou anteriormente e esses já estão ao lado de Fatima e Miranda.

— Estamos aqui para explicar sobre Sandro. — Rene começa a


falar. — Para falar a verdade sobre ele.

— E vai se aproveitar que o chefe não está aqui para poder semear
a discórdia? — Miranda fala mais alto, chamando a atenção de todos. Ela
tem uma arma em mãos, mas o homem ao seu lado também tem, e Rene
precisa contar com esse cara para poder prosseguir sem levar um tiro. —
Esse é o temido ''El Doctorado''? Aquele que espera um chefe sair para vir
fazer fofoca? Criar intriga?

— E por que Sandro não está? — Rene indaga. Inúmeras desculpas


aparecem, a principal é que ele está reunido com a gangue em outro lugar.

— Claro, que Sandro está reunido em algum lugar, mas para salvar a

própria pele. Distrito e Calle Doce juntas, em um território de Sandro, e ele


sai para se reunir? Ele abandonou o barco!

— Sandro jamais faria isso! — uma mulher grita. — Ele é um


homem leal aos seus princípios!

E todos concordam.

Rene olha para seu pai e sua mãe, que permanecem quietos no
centro do galpão.

— Tão leal que matou a esposa. — não foi a voz alta de Grézia que
fez com que todos calassem a boca, e sim o que ela disse. — Isso mesmo,
minha mãe foi assassinada a minha frente...

— Você a assassinou! — alguém acusa. — Estava até presa por


isso.

— E fui solta por falta de provas!

— Está com Nacho. — outra mulher fala. — Ele pode comprar


tudo e todos.

— Não há provas. Não há provas de nada. Se não acreditam em


mim, perguntem a América. Ah, é, ela morreu! E sabe quem cuida do filho
dela? Eu! — o local enche de som de surpresa. — Isso mesmo, eu que
nada tenho a ver com América, cuido do seu filho. Porque foi um plano
estúpido de Miranda para separar Lucas de Andreza Garcia.

— Isso não tem o menor cabimento! — Miranda levanta a arma,


mas abaixa quando ninguém a acompanha nessa ação. — Vocês estão
dando ouvidos a ela?

E Miranda só não atira, porque pode ser pior para ela. Já que

parecem acreditar na versão de Grézia, e nessa, Miranda está em


desvantagem.

— Sandro ficou com o bebê. — Grézia continua. — Porque


Andreza não acreditou nessa paternidade. Só que eu estava presa em casa.
Quando a guerrilha foi desfeita, eu fui ameaçada, ou voltava para casa, ou
minha mãe morria. E ela já tinha sido jogada da escada. Ganhei uma mãe
morta e um bebê. E fui presa pela morte da minha mãe. Essa era a tortura
que Sandro guardou pra mim. Sem sentido, mas foi isso que me fez.

Afinal, vocês sabem muito bem como são os presídios daqui.

— E como está aqui? — o pai de Rene pergunta. — Como saiu


dessa?

— Eles nunca desistiram de me encontrar. — aponta para as


pessoas atrás dela. — Então me encontraram no presídio.

— É uma história completamente sem sentido. — Miranda


continua resmungando.

— Por que reclama tanto? — Rene indaga. — Porque, claramente,

tem culpa e está nervosa por ver que seu plano está sendo contado.

— Poupe-me, Rene. Você foi para o Distrito e nunca olhou para


trás...

— Porque quando olhamos, quando Chino voltou para cá, a tia de

Mariana, aquela mulher conhecida como Katya Mendez, foi assassinada!


Sandro sabia que ela contaria sobre seu passado, e ela foi assassinada junto
a Miguel Garcia. Pensamos que fosse a Doce, e por isso as casas foram
bombardeadas, e no final foi tudo culpa de Sandro.

— O que Katya sabia? — o pai de Rene pergunta.

— Que as duas Calles já se uniram no passado. E ela sabia disso


porque já esteve com Inácio, que era a ponte entre as duas gangues.

— E meus outros irmãos morreram por saber disso. — Chino

acrescenta. — Por isso não voltamos antes, já era perigoso. E cortaram


nossos contatos, sabem disso. Sabem que trocaram os números, por pedido
de quem?

Não respondem, eles sabem que foram o Sandro.

— Quando a guerrilha foi desfeita, foi porque descobrimos os


sequestros. — é a vez de Álvaro falar. — A mãe dos meus filhos foi
sequestrada na Candelária, e foi sequestrada pela Veintitrés, para ser
vendida. Descobrimos um local que tinham pessoas presas. A partir daí

Sandro deu as caras e tentou nos matar, buscamos refúgio na Candelária. E


elas estão de prova que é verdade.

Thaís e Esmeralda, as duas que fugiram junto a guerrilha, e


odiavam Natasha quando ela estava com eles.

E claro que ganharam muito dinheiro por esse testemunho.

— Para quem já esteve um dia na guerrilha, sabe quem somos. —


Thaís começa a falar. — Mulheres que estavam ali para entreter os
homens, a mando de Sandro. E devem imaginar que não somos os tipos
que vão arriscar a pele traindo Sandro. Porém, estávamos lá quando toda a
confusão aconteceu. Odiávamos Natasha Juarez, mas não a ponto de mata-
la, diferente de Yolanda, que tentou mata-la a mando de Sandro.

— E fomos com eles. — Esmeralda aponta para os homens atrás

delas. — Para a Candelária. Porque imaginamos que por termos visto


muito, não poderíamos voltar para cá. E sério, jamais perderíamos tudo se
não fosse algo arriscado. Era perigoso voltar por conta de Sandro, por isso
fomos com eles. Não foi traição, foi salvação.

— Palavras, apenas palavras...

— As pessoas mais importantes do Distrito simplesmente fugiram


por quê? — Chino indaga. — Uns primeiros, outros depois. Mas sempre os

mais importantes. Como seria uma traição em grupo, sendo que não

tínhamos contato? Eu perdi contato com Grézia, nunca fui próximo ao


Álvaro e quem me ligava ao Mauro era a época que eu vinha para
reuniões. Então, como nos reuniríamos para ter esse plano? Todos se
reuniram na Candelária, porque fomos afastados pelo Sandro. Não nos

unimos ao Distrito por querer, e sim por necessidade.

— E Nacho? — o pai de Rene novamente.

— Vocês sabem que matei o Guille. Pai, você é o que mais sabe
disso. E sabe que Nacho deixou claro que me mataria, mas agora estamos
juntos? Porque temos o mesmo inimigo. O mesmo inimigo que tramou
para parecer que Nacho matou Katya e Miguel, e que por isso atacamos
Nacho. Nacho não sequestrava pessoas, não as vendia, mas Sandro sim!

— E por que Nacho nunca se defendeu?

— Por que se defenderia? Era a fama de intocável, de cruel, que ele


tanto necessitava para ser temido. Nacho não quer ser inocente, mas
Sandro quer ser visto como herói, para passar despercebido.

— Eu não acredito que estão dando ouvidos a eles! — Miranda


grita. — Eu não acredito...

— Levem Miranda! — e para surpresa de todos, é o pai de Miranda


que dá essa ordem. — E levem a Fatima!

É uma surpresa tão generalizada que conseguem desarmar

Miranda, porque ela ficou estática diante dessa ordem.

— Eu poderia duvidar dessa história. — o pai de Miranda continua.


— Mas aí citaram América. Tem um ano e meio, mais ou menos, que
América estava aqui, com um barrigão. Não liguei para nada disso, mas

Miranda estava passando um envelope para América. Dois dias depois que
eu vi uma enorme retirada da conta bancária. Sim, Miranda, eu tenho
acesso a sua conta bancária, justamente pelos seus gastos desnecessários. E
naquele dia você inventou uma desculpa falando que América era a sua
manicure e fez sua unha. Mas agora já entendi o que fez. E entendi porque
América foi morta. Foi usada e descartada, porque o dinheiro retornou a
sua conta. Eu acredito neles.

Todos acreditam.

Foi mais fácil e rápido do que imaginaram.

Mas eles haviam pensado nisso. Sempre foram importantes na


gangue, e todos saíram, como uma fuga.

Como todos de grande importância poderiam abandonar tudo? Até


mesmo os pais de Álvaro e Bernardo, que são mais velhos.

Eles respiram aliviado.


Uma parte deu certo.
Capítulo 23
LUCAS

Ver minha mãe amarrada não me causa qualquer mal estar.

— Eu deveria imaginar que nessa história sempre estaria ao lado do


seu pai. — ela cospe as palavras. — Esqueceu que cuidei de você durante
anos enquanto seu pai era sempre o fiel e pau mandado de Sandro?

— Não, não esqueci. Na verdade foi você quem esqueceu. Você


quem traiu primeiro, não foi eu quem começou nessa guerra.

— Eu te dei a chance, Lucas. Eu te contei, te chamei para estar ao

meu lado...

— Para esconder Mariana, para atrapalhar o encontro dela com


meu pai. Eu entendi que era tudo ganancia, mas nunca imaginei que
pudesse me envolver para me ferrar nessa história. Afinal, qual foi seu
plano?

Passa a língua pelos lábios.


— O filho da América é filho de Sandro. Se não dava para matar
Andreza, que eu estragasse a relação de vocês. Dava um bebê como

traição, Anthony te mataria, ou, pelo menos, quebrava qualquer acordo


existente, mas Andreza nunca fez nada do que pensei.

— Me entregou para a morte.

— Você deixaria seu pai me matar, como vai deixar que me mate.

E aviso, eu e Fatima morreremos caladas.

— Eu não deixaria que meu pai te matasse no passado, Miranda.


Você poderia ter impedido o encontro de pai e filha, eu pediria clemência
por você. Mas isso termina quando você não teve essa mesma clemência,
piedade, por mim. Por mais idiota que seu plano foi, ele tinha uma chance
de dar certo, porque dependendo da raiva de Anthony, ele poderia me
matar. E esse foi seu plano.

— Não venha dar uma de filho preocupado, que me ama, porque

isso não cola...

— Quem disse que quero que ''cole''? — dou risada. — Eu só vim


te ver, para ter a certeza que estou fazendo o certo em deixar meu pai te
matar. Ver de perto que nunca foi a mãe que me amou. Porque amor não
termina rápido, ainda mais de uma mãe para um filho.

— Eu morrerei calada, não saberão...


— O importante é que vai morrer. É só isso que importa.

(...)

— Eu sinto muito pelo que está passando. — minha avó paterna,


Hilda, me abraça. — A sua outra avó está sofrendo muito.

— Não consigo falar com minha avó agora. — falo, enquanto


retribuo seu abraço. — Entendo, e ela também entenderá, foi o marido dela
quem comprovou tudo.

Nos afastamos.

— Uma hora depois e meu pai ainda não terminou com elas.

— Rene precisa saber mais, ou apenas está descontando a raiva.

— E então? Como será agora?

— Quer falar de sentimentos ou de negócios?

— Em algum momento pensou que tivéssemos traído vocês?


— Não, mas também não pude imaginar algo assim vindo do
Sandro. Apenas imaginamos que, talvez, tivessem tido algum problema

com ele, da maneira de liderar, coisas assim. Que tiveram uma discussão
calorosa que não poderiam voltar. Já Sandro espalhava sobre traição, mas
conheço vocês muito bem, não trairiam apenas por Mariana estar no
Distrito.

— Foi um choque para todos nós, ainda mais com minha mãe e tia
envolvidas. E ainda bem que meu avô presenciou a história de América, ou
estaríamos ferrados para tentar explicar e validar a história.

— De qualquer maneira, não sabemos se todos acreditaram nisso.


A Veintitrés pertence a você, Rene, Chino e Grézia. Terão que colocar
ordem e ter muito pulso firme nisso tudo, porque, talvez, tenha gente
contra por aqui.

— Tem gente que informa Sandro da situação?

— Que eu saiba, Miranda era o contato direto com ele. Pode ter
olheiro, mas algum oficial, era apenas a Miranda, talvez Fatima, já que são
aliadas.

— Ambas morrerão caladas. A esperança está nelas terem deixado


alguma pista para trás.

Duas horas depois.


Três horas no total, e nada de respostas.

— Elas ficarão presas. — meu pai diz sua decisão. — O Distrito

tomará conta do lugar, para que não saiam. Seria muito desperdício matar
sem saber qualquer coisa.

— Não disseram, absolutamente, nada? — pergunto.

— Xingamentos e mais xingamentos. Nada mais que isso. Elas

querem morrer, não aguentam mais, no entanto, elas são importantes,


devem saber de coisas. Agora se encontrarmos respostas sem precisarmos
delas, podemos mata-las, já não fará diferença em nossas vidas.

Meu pai aperta meu ombro.

— Tem tempo que não tortura alguém. — murmuro, respirando


fundo.

— Sim, tem tempo. Mas essas mereceram muito.

— Tomou banho?

— Sim, tem um chuveiro no fundo. Quer falar do assunto?

— Não quero conversar sobre seu banho.

— Conversar sobre Miranda, Lucas!

— Ah! — sorrio. — Não, não precisa. Eu já escutei o que tinha


para escutar, agora é só procurarmos e acharmos respostas. Por hoje já
deu?
— Sim, já estão desacordadas. Ninguém achou nada? Em casa
alguma?

— Não. Já foram fazer buscas nas casas, mandei pessoas de


confiança. Já informaram que só acharam dinheiro e mais dinheiro. Outra
coisa, os armazéns que meus avôs guardam, são armas.

— Nenhum túnel escondido?

— Sim, porém, fechado. Cheio de terra já. Se for para descobrir


algo, terá que ser por cima, de algum modo, ou então escavar e ver onde
vai dar. Meus avôs disseram que Sandro só entrou ali duas vezes, e
coincide na época de Natasha na guerrilha. Acho que Sandro pode ter
usado aquele túnel para ir até eles, ou outro local. No entanto, de qualquer
modo, ele não tem entrado ali durante por mais de um ano, mais ou menos.

— Tem que ter algo mais.

— Ou pode ter sido apenas como distração. — falo uma suposição.

— Pra você ver que meu avô, o pai de Miranda, logo entregou a filha.
Pode ser que tenham dado esse armazém para ser vigiado apenas para
ficarem ocupados.

— Pode ser também, mas minha intuição diz que tem algo mais. Eu
mesmo vou procurar.

— E Fatima e Miranda?
— Yazid pode torturar tão bem quanto eu. Ou Chino, caso ele
apareça por aqui.

— Chino voltará, só foi jantar, porque ficou muito tempo fora


procurando, daqui a pouco estará aí.

— E você vai para casa.

— Pai...

— Sim, Lucas. Não tem o que ver aqui. Já viu sua avó?

— Sim. Tem uma hora que voltei da sua casa, ela ficou pedindo
desculpas sem parar, pelo o que as filhas fizeram, principalmente por
terem feito contra mim.

— Hoje foi um dia cansativo. — me abraça. — Vá para casa,


melhor assim.

— Se encontrar qualquer pode me ligar, mesmo se for na


madrugada.

— Não se preocupe, te deixarei por dentro de tudo. — nos


separamos. — Ah, e mais uma coisa, como talvez demore muito de achar
ou termos respostas, converse com Anthony, mesmo que eu não esteja
presente. Deixe todos os pontos na mesa, seja claro sobre não querermos
aliança.

— Falarei com ele. Se bem que imagino que Anthony Garcia já


saiba que não queremos qualquer tipo aliança em termo de negócios.

— Mas é melhor deixar tudo claro. Está nas suas mãos, Lucas.

— Não decepcionarei.

ANDREZA

— Esse Arman também é uma lindeza. — Lya senta ao meu lado,


depois que Arman vai embora. — O pai é ainda mais bonito?

— Álvaro que não me escute, mas Nacho é lindo! — Natasha


sussurra. — Lindo mesmo!

— Lindo, com a voz grossa, e grosso! — Denise acrescenta.

— Você já o viu nu? — Lya pergunta, espantada.

— Não, garota! Grosso de ignorante, não de tamanho.

— Ah... — temos que rir do duplo sentido que só Lya enxergou. —


Uma pena, eu faria muito no Nacho. Mas posso fazer muito no Arman.

— Como vocês já devem desconfiar. — olhamos para Samuel. —


Estou mais quieto agora. Então, em primeiríssima mão, gostaria de contar

a novidade para vocês. — ele levanta do sofá. — Eu e o Yazid estamos

juntos. Mari. — olha para Mariana. — Sou seu titio agora.

A sala fica em silêncio.

Acho que todos estão surpresos com essa notícia, eu não, eu já


tinha escutado falar sobre.

— Uau! — Natasha é a primeira a falar. — Eu tinha desconfiado lá


na festa da fazenda, mas como que começaram a ficar?

— Eu fui o garoto de recados de tio Anthony. Você sabe, chuva,


frio, um local para passar o temporal...

— Que clichê. — Jade murmura. — E rolou de primeira? Você já


desconfiava que Yazid é gay?

— Então, na fazenda ele foi muito solicito. Eu achei que era apenas
educação, mas me olhava demais. Aí nesse temporal super rolou. Agora só

falta ele falar com meu pai.

— Cássio vai aceitar, tio. — Mariana brinca. — É só Yazid dar uns


bois e umas vacas.

— Eu ainda não acredito que vali tão pouco. — Natasha cruza os


braços. — Mas parabéns, irmãozinho.

Felicitamos Samuel pelo namoro.


— A próxima serei eu. — Lya fala mais alto. — Eu ainda ficarei
com o Arman. Uma pena Alina estar dormindo. Ou eu já faria uma média

com minha futura cunhada.

— Alina tomou muitos analgésico para dores. — explico. — Ficou


bem sonolenta e foi logo deitar.

— Então vamos lá. — Mariana chama a nossa atenção. — Eu e

Pedro. Jade e Júlio. Natasha e Álvaro. Andreza e Lucas. Samuel e Yazid.


Safira e Bernardo. E as outras garotos e garotos dessa família Garcia?

Olho para Lizandra.

— Lizandra e Marcelo? — Mariana indaga.

— E por que eu ficaria com Marcelo? — Lizandra pergunta.

— Uai, vocês são tão próximos, grudados, vai que amizade vire
amor?

— É tão óbvio? — Lizandra pergunta pra mim e confirmo. — É,

ficamos, mas nada de mais.

— Duas pessoas, Denise! — Lya aponta para a prima. — Quatro,


na verdade. Quatro pessoas arranjaram outras nessa treta, e nós duas?

— Uma com Arman. — aponto para Lya. — Outra para Nacho. —


aponto para Denise.

Denise começa a rir.


— Não é uma piada. — fico séria.

— Eu e Nacho? — Denise arqueia uma sobrancelha. — Faça-me o

favor! Sério, não rola! Ele é um grosso, sempre ordenando.

— Como conhece o Nacho dessa maneira? — Jade pergunta.

— Nas reuniões para acertar a viagem de Katleen, eu estava


presente. Nacho me via como a garota dos recados, e só falou meu nome

uma vez, porque eu o corrigi, ele me chamou de ''Diana''. Acho bem


grosso.

— Ele é. — concordo com ela. — Arisco que só, mas é gente boa.

— Sério mesmo? — todos me encaram.

— Sim, muito sério. Não é?

— Sim. — Lizandra também confirma. — É o cara que é legal,


mas quer passar a imagem de ser ruim. Talvez Francine falasse algo sobre
Nacho, se ela estivesse aqui.

Francine, a ex-esposa de Nacho. Ela não está aqui, está tentando


trilhar o seu caminho. Como ela só estava aqui por Nacho, e Nacho já deu
o divórcio a ela, Francine simplesmente se foi. Foi embora para tentar
ganhar seu espaço em outo local. Ficou com a herança do pai e foi viver
pela primeira vez na vida.

— Eu a conheci. — Mari começa a falar. — Somos primas, mas eu


acho que Francine, definitivamente, não quer contato com ninguém daqui.

Acho que ela é grata por ter sido salva, mas não está bem para ficar. No

entanto, ela disse que um dia voltará.

— Sim, ela disse que não é um ''para sempre''. — Natasha


complementa. — Mas nessa confusão toda, estar de volta para cá com
Nacho, sem Inana e sem a esperança de ver a mãe, Francine preferiu se

afastar. Mas acho que ela voltará quando tudo terminar. Tipo o que
aconteceu com vocês após a morte de Katya e Miguel. Foram para o
Azerbaijão, tentar respirar fora de toda essa angustia. E olha onde estamos
agora, todas reunidas.

— Parece até o passado. — sorrio com essa nostalgia. — As


mulheres mais adultas em outro cômodo, as mais jovens falando merda e
depois falando sério... — suspiro. — Espero que isso termine logo, para
que possamos viver desse modo.
Capítulo 24
ANDREZA

Beijo Lucas depois de acordamos.

— Está bem? — pergunto.

— Sim. — sorri. — Apenas preocupado com essa demora. Já são


dez da manhã e nada de respostas?

Transamos, conversamos, eu dormi. Era quase cinco da manhã e


Lucas continuava acordado, ansioso por qualquer informação.

— Pode demorar mesmo. — beijo seu ombro. — Mas, pelo menos,


já estão mais confiantes com a Veintitrés.

— Pelo menos isso. — beija a minha mão. — E hoje conversarei


com seu pai, Anthony Garcia.

— Ontem as mulheres estavam aqui em casa, se serve de alívio,


elas são a favor da nossa relação, e que eu more aqui. Então, mesmo se
meu pai for contra, dona Tina é a favor. E, de qualquer modo, eu e você
temos um filho.
— É, mas estamos falando de negócio.

— Ah, tem isso. Mas creio que Anthony Garcia não será relutante.

No início, quando chegaram a Candelária, ele também não foi contra a


união?

— Anthony foi o primeiro a enxergar Sandro com outros olhos, por


isso ele não se aliou. Mas disse que, posteriormente, teríamos uma aliança.

— E não tem como se aliarem em nada? Porque, tipo assim, não


querendo puxar saco dos meus parentes não, mas eles ajudaram muito!

Lucas coça a cabeça, faz uma careta, parecendo pensativo, e depois


respira fundo.

— O problema é que a Veintitrés é bem arcaica, é só ver que


Nacho também é. Essa é a San José, Andreza. — vira de frente para mim.
— E sabemos que os Garcias não se contentarão com pouco.

— Vocês tentaram? Vocês o enxergam como um bando de

mercenários, aproveitadores, mas será que eles farão isso mesmo? Será que
o Distrito não exigirá menos do que vocês imaginam? Podem pensar
horrores deles e no fim ser algo bem mais simples.

— É o pré-conceito. Por tudo o que já rolou e o que somos.

— Vocês são capitalistas, mas odeiam os mais ricos. Eu já entendi,


Lucas. Mas pense comigo, Nacho tem Katleen...
— Sim, eu já pensei. — me interrompe. — Katleen vem com uma
gangue que domina presídios e tem armas, muitas armas. A Veintitrés só

tem a Veintitrés. Se Nacho der para trás, ele tem mais força.

— Então?

— Ligarei para o Chino, ele tem que decidir junto comigo. — me


dá um selinho. — Eu já dei banho no Rick, ele está com a Alina agora.

— Alina virou mais uma babá?

— Não temos empregados na casa, cada um tem uma tarefa.

— Se Nacho soubesse...

— Ele tem que agradecer porque estamos tratando sua filha muito
bem. Inclusive, ela já consegue se manter um pouco em pé. Ela treina pela
manhã, hoje eu a vi com a Denise.

— Que horas você acordou?

— De uma em uma hora. Ansioso por qualquer resposta, agora


ligarei para o Chino e depois para meu pai, para falarmos sobre essa
possível aliança.

(...)
— Você negociou com o Nacho? — a surpresa é evidente na voz
do meu pai. — E ele aceitou?

— Sim! — sorrio. — Mas foi exigência dele falar comigo. Parece


que estabelecemos algum nível de simpatia ou de confiança.

— Estou tão orgulhoso de você, Deza. — aperta a minha mão. —


Na verdade estou orgulhoso de todos. Uma pena que Marcelo ainda tem
sequelas do tiro que levou na cabeça.

— Ele está melhorando. Mas já vi em inúmeros momentos ele


tendo que se escorar porque levanta e a tontura é tanta que ele vai para
cair. Mas está acontecendo somente desse modo, não mais quando ele fixa
o olhar em algo.

— Você finalmente está confiante. Pedro sabe falar sério agora,


mas ainda tem seus inúmeros momentos de idiotice. Eu nunca tive o que
reclamar de Cauã e Júlio ficará.

— Júlio continua?

— Sim! O bom é que Cauã nunca levou a sério a liderança,


também acreditava que Júlio voltaria ao lugar de sucessor. É como sempre
imaginei, foi muita coisa acontecendo com Júlio e nenhum minuto de
sossego. Ele teve seu sossego, mas é isso que Júlio é, futuro líder, chefe. Já

está impregnado nele.

— Eu acho que Álvaro também mudou de ideia.

— Álvaro é outro, só quis sair porque não teve sossego e quase


mataram a família dele, tanto os pais e tios, quanto Natasha e as crianças.

É um momento que, realmente, é um choque de realidade. Passei por isso


em vários momentos, até por esse motivo é bom ter mais de um na
hierarquia. A última vez que precisei me ausentar foi na traição de Jorge.
Eu fiquei naquela indecisão se ele morreria ou não, ao mesmo tempo em
choque por tudo o que Safira disse, dele querer matar a filha e neto.

— Nunca imaginou a traição ao seu lado.

— Imaginamos um parceiro, um membro, mas um irmão que


sempre foi tão próximo? Alguém que sempre esteve ao seu lado dando

apoio em tudo? Não, nunca imaginei isso de Jorge. Ele era melhor amigo
de Cássio, e quando descobrimos as merdas que Jorge fez, ele já era a
pessoa que perturbava o Cássio, que tentava humilha-lo. Mas não quero
falar disso. — volta a sorrir. — Então estou perdendo minha filha para San
José?

— Minha mãe já contou?


— Não, mas imaginei que vai ficar por aqui. Acho que sua relação
com o Lucas melhorou, e que são uma família.

— Sim, quero estar ao lado dele, e se ele ficará, também fico.

— Pelo menos não é distante de casa, e a fronteira poderá ser


aberta quando matarmos Sandro.

Estico a minha mão e ele aperta.

— Lucas já está vindo. — aviso quando ele entra em casa. — Não


seja chato com ele.

— E por que seria?

— Porque o senhor pode tentar ganhar dinheiro em cima desse


casamento.

— Dote.

— Não, pai. Lucas está se reestabelecendo...

Meu pai ri.

— Relaxe, não farei nada disso.

Soltamos nossas mãos e Lucas senta na cadeira ao meu lado.

— Então, Noriega, tem algo a dizer? — meu pai nem o


cumprimenta, já vai direto ao assunto. — Porque, de qualquer modo, já
engravidou Andreza, não sei se temos algo mais a dizer. E não, não estou
reclamando.

— Eu quero saber qual o tipo de acordo que vai querer com a

Veintitrés.

Meu pai coça o pescoço e depois olha para mim.

— Só venda e drogas, talvez armas. — por fim meu pai responde.


— Não precisa me passar relatórios, não precisa convocar alguém do

Distrito para uma reunião. Vocês têm suas drogas, certo? — Lucas
confirma. — Podemos cobrar alguns valores para repassarmos a outros
locais, rotas. É isso, nada de mais.

Lucas fica surpreso.

— Eu estudei bem o mercado, estudei vocês. São aqueles tipos que


temem mudanças com pessoas mais poderosas, e entendo. Vários
pequenos negócios perderam espaço quando se juntaram a outros grandes
negócios. Mas como já temos Mariana, Álvaro, agora você está junto a

uma Garcia, e acho até que Helena está se bandeando para esse lado, eu
prezo mais pelo bem estar e harmonia de todos. Só peço para que algumas
pessoas do Distrito possam ficar por aqui, para serem meus operadores,
para firmarmos melhor. E se alguém precisar ficar do lado de lá, sem
problema também.

— Eu pensei que seria mais difícil. — Lucas sussurra ao meu lado.


— Eu disse que poderia confiar neles. — sussurro.

— Deixo claro que é por respeito as famílias formadas com

Garcias. — meu pai chama a nossa atenção. — Se não fosse isso,


realmente, cobraríamos mais caro. E deixe que a dívida que tem comigo
não existe mais. Sabe, a dívida de ter ajudado lá na Candelária, foi só
pressão psicológica mesmo.

— Eu prefiro o Cássio. — Lucas fala no meu ouvido.

— Eu escuto o mínimo dos barulhos, Lucas. — meu pai sorri de


lado. — E por respeito a Andreza, eu não cobro bois e cavalos.

— Obrigado. E Nacho? Como fica?

— Que trafique usando outro meio, porque passando pela


Candelária, somente a Veintitrés. Precisam colocar isso no acordo. Já foi
assinado?

— Não, mas Nacho já falou sobre isso. — informo. — Já imaginou

que a Candelária seria espaço para a Veintitrés, porém, pediu para que eles
pudessem andar por lá sem serem ameaçados. Porque se vocês podem
entrar aqui, eles também podem entrar por lá.

— Eu só estou concordando com tudo isso, porque segundo Cássio


e Cauã, Nacho, realmente, está grato pela nossa ajuda com Katleen. E
Katleen ainda mais grata conosco.
— Então temos um acordo? — pergunto.

Meu pai estende a mão para Lucas.

Lucas aperta.

— Ok, Anthony. Temos um acordo.


Capítulo 25
ANDREZA

Uma semana depois

Uma semana depois e ainda nada.

— Ei, coisa mais linda da mamãe que ama morango. — entrego


outro morango a Rick, que morde e depois faz de chupeta. — Coisa mais
linda!

— Eu acho que vou plantar um pé de morango nesse quintal. —


Lucas me abraça por trás. — Gostou da minha casa?

— Confesso que é muito bem decorada para um homem que se

dizia tão urbano. — viro-me para Lucas.

Faz três dias que Lucas voltou para sua casa de antigamente, uma
das suas casas.

A Veintitrés está dividida entre acreditar e outras ainda esperam


provas reais sobre a verdadeira face de Sandro.

Por enquanto, estamos bem.


— Podemos dizer que Miranda, com sua mania de riqueza, quis
fazer da minha casinha uma bela mansão. Ela que decorou tudo, para ser

melhor que os outros.

— E como ela está?

— Morrendo, assim como Fatima. Isso é muito insano, uma


semana depois e continuam aguentando caladas.

— É tipo Otavio, não foi isso? — lembro o pai de Francine. — Ele


foi bem torturado e morreu calado.

— É a vontade de nos ver ferrados. Melhor morrer acreditando que


Sandro vai terminar conosco, do que contar e estragar os planos dele.

— Pelo menos ninguém da Veintitrés foi contra essa situação,


ainda deram o poder da dúvida.

Lucas me abraça.

— Vai querer casamento?

— Não.

— Os Garcias odeiam casamento? Quer dizer, só Pedro casou, mas


não lembro se vi algo do casamento deles.

Não teve casamento, Monique vendeu a filha e Pedro aceitou,


porque já era apaixonado. Mas nem todos sabem dessa história.

— É bem chato, Lucas. Já temos amor, um filho e casa. Não


precisamos casar, além do mais, é um porre de chato!

— Garotas do século vinte e um, sempre tão diretas ao ponto.

— Eu sou uma conselheira de gangue, meu amor. — Lucas me


abraça. — E empresária, vou tomar um rumo nesses negócios e ainda
montar alguns aqui.

— Empresária, também precisarei disso. Do jeito que as coisas

estão se acertando, daqui a pouco San José fica civilizado e adeus


mordomia para gangster e seus negócios ilícitos.

— Já está melhorando, pelo que vi no jornal, que é comprado, mas


tudo bem.

— Sim, está melhorando sem guerras de gangue. E vai melhorar


ainda mais.

Rick termina seu morango e pede por outro.

Lucas abre a bandeja e entrega outro a Rick.

— Então esse aqui será o nosso lar mesmo? — Lucas me abraça


por trás e beija o topo da minha cabeça. — Ou vai querer se mudar?

— É um clichê bem brega, mas o ''lar'' é onde as pessoas que amo


estão. Ou seja, minha família, vocês. Então para onde for, eu vou. Se
ficarmos aqui, estarei feliz de estar aqui.

— Então é aqui o lar da família Garcia Noriega. — vira-me de


frente para ele. — Eu te amo, Andreza. Obrigado por não ter desistido de
nós dois.

— Sempre soube que valeria a pena. Que a nossa família vale a


pena. — ele me beija. — Te amo. E agora sim teremos nossa vida juntos.

— Sim, loirinha. Como uma verdadeira família.

Fim da história de Andreza e Lucas.


Epílogo
DUAS SEMANAS DEPOIS

— Eu não me conformo com isso. — Rene olha ao seu redor. —


Esse local não era só para mantê-los ocupados, para que não pensassem.

Esse é outro galpão, arsenal, que seus pais tomavam conta.

— Podemos ficar presos nisso por muito tempo, Rene. — Yazid


fala com seu irmão. — E aquelas duas já estão quase mortas, não falarão
nada!

— Já olhou as paredes?

— Sim, Rene!

— Cada centímetro dela?

— Cada centímetro? — Yazid franze o cenho. — Olha o tamanho


desse lugar, cara! Olhamos as paredes, cada canto. Até pensamos em
quebrar, mas não sabemos o que tem nelas, vai que tem coisas explosivas?
Preferimos...

— Nem que leve um dia. — Rene levanta do chão. — Mas eu vou


olhar essas paredes.

Mesmo achando cansativo, Yazid ajuda seu irmão a procurar algo,

principalmente ver se alguma parte da parede é oca.

Seis horas depois e Rene grita o seu irmão:

— Yazid, venha cá! — ele vai até Rene, que está com o ouvido
colado na parede. — Olhe, tem uma parte oca. Pequena, mas é oca.

Yazid bate no local e vê que é oca, mas só essa parte.

— E o que estaria em um espaço tão pequeno? — Yazid se afasta.

— Vai arriscar para ver se é um explosivo? Porque eu vou.

Yazid respira fundo.

— Ok. — ele concorda. — Vamos ver o que tem aqui.

Eles quebram a parede, e uma parte branca surge. É então que eles
quebram ainda mais e percebem que a parede não é oca ao todo, porque

tem concreto para cobrir, e, por algum motivo, o concreto não pegou nessa
parte.

Quebrando a parede, eles encontram um enorme plástico cobrindo


tudo.

Rasgam o plástico, e ali encontram papéis, muitos papéis.

Começam a retirar, um por um, com cuidado para não danificar.


— São relatórios de vendas. — Yazid lê os papéis. — Vendas de
pessoas.

— As contas bancárias. — Rene continua lendo. — As fotos das


mercadorias, os envolvidos na história. Está tudo aqui. Ou, pelo menos,
uma parte deles.

— É a prova que precisávamos contra Sandro. Conseguimos.

— E talvez conseguimos as pistas, rastros, que nos levam a


apoiadores de Sandro. — Rene sorri. — Estamos próximos, Yazid. Muito
próximos de pega-lo.

Continua no livro 6, o último livro da série.

O último livro já está disponível na Amazon:


''Fim da linha – Família Garcia (Livro 6)''.
Fim da linha

Família Garcia – Livro 6


(Último livro da série)
Prólogo
TRÊS DIAS APÓS O EPÍLOGO DO LIVRO 5

Gianluigi olha impacientemente para Sandro, tamborilando no


braço da cadeira a sua frente.

Gianluigi pigarreia. Sandro levanta o olhar demoradamente, depois


sorri de lado, provocando o homem que está impaciente e nervoso.

— Sandro. — Gianluigi fala calmamente. — Já tem duas semanas


aqui, eu acho melhor...

— Eu que preciso achar melhor, Gianluigi. Eu. — Sandro

interrompe o outro homem. — E pode relaxar, não precisa suar frio. Daqui
eu consigo ver sua testa brilhando. Não dedurarei você, mas para que isso
aconteça, precisa me ajudar. Eu ajudo quem me ajuda, essa é a regra.

— Sandro. — Gianluigi tira os óculos e coloca em cima da mesa.


— Eu lutei muito para encobrir todo o meu negócio, não posso perdê-lo
por ajudar você. E se bem me lembro, não temos qualquer vínculo de
negócios.

— Porém, eu sei o que faz. Sei muito bem sobre seu negócio. Eu te

conheci naquele leilão, você tinha gente para vender...

— Eu não leiloo mais, Sandro.

— Mas aposto que ainda sequestra pobres coitados e vendem. Eu


sei bem disso. E do jeito que essa gente está sedenta, desconfio que nem

trafiquem mais e sejam justiceiros. — Sandro ri, Gianluigi não vê graça em


nada nessa história. — Relaxe, homem. Eu lembrarei que está me
ajudando. Está me dando um abrigo.

— Sandro, eu realmente não vejo a lógica de estar na Candelária,


sendo que seus maiores inimigos dominam esse local.

— Então seu medo não é que todos saibam o que faz, é sobre o
Distrito. Eu tenho dinheiro, muito. Não vou deixar tudo o que construí por
causa deles. Eu tenho apoiadores. Só preciso montar um teatro perfeito, e

tudo pronto, serei o injustiçado.

— Vai se passar por coitadinho? — mas agora Gianluigi ri. —


Faça-me o favor, Sandro! Acha que alguém acreditará nisso? Já perdeu
muitos apoiadores, meia dúzia ao seu lado não fará diferença.

— É só eu descobrir onde o Distrito armazena armas. — Sandro se


inclina na frente de Gianluigi. — E quando descobrir, não darei arma ao
Distrito, darei pessoas. E vamos ver quem será o traficante de seres
humanos.

— Sandro, você está sozinho nessa há um tempo. Você aceitou


ajuda de duas mulheres burras, agora está só. Quase dois anos nessa, você
não é consciente de nada, está perdido.

— Perdido. — Sandro ri, como se tudo fosse uma grande piada. —

Vai pensando, Gianluigi. Construí tudo sozinho...

— Mas teve ajuda durante anos. E agora não tem nada. Está
perdido.

— Vamos ver, Gianluigi. — Sandro levanta da cadeira. — Vamos


ver quem está perdido nessa história. Se sou eu, ou aquele bando de
homem que brinca de ser bandido. Escondi meu negócio por décadas,
vamos ver se não consigo reverter a culpa.

— Escondeu por décadas, e eles levaram menos de um ano para

descobrirem tudo. Então, vamos ver quem ganha nessa, Sandro.

*Gianluigi é personagem da duologia ''Minha doce... Melina'', que não


tem conexão com os Garcias, mas é uma história ambientada na Candelária e San

José. Também é relacionado a tráfico humano. O livro está na Amazon.


EM BREVE O LIVRO 6 ESTARÁ NA

AMAZON...

Presa a você

Duologia ''Entre as grades '' –


livro 1

A história de Katleen e Renan

Essa é uma duologia que é ambientada em San


José. Apesar de alguns personagens da série ''Família
Garcia'' aparecerem, e, posteriormente, há interação dos
personagens de ambos os livros, não será necessário a
leitura desses livros para complementar a série
Família Garcia.

OS DOIS LIVROS, ASSIM COMO O BOX

DESSA DUOLOGIA, JÁ ESTÃO DISPONÍVEIS NA


AMAZON!
Prólogo
KATLEEN

Um dia me disseram que tenho o espírito de justiceira social. Um


espírito de querer que todos paguem pelo mal que fizeram. Com o tempo
aprendi a controlar minha boca, afinal, não podemos falar tudo o que
pensamos, ainda mais em um país como San José.

Uma palavra errada, vários tiros em seu corpo.

Mas sempre achei um absurdo toda a corrupção local. Um absurdo


ver tanta gente ruim livre, e pessoas que roubaram para matar a fome,
sendo presas e esperando julgamento durante anos.

Torço para que, um dia, o dinheiro não fale tão alto como hoje em
dia.

Mas, voltando ao meu espírito de justiceira...

— Não precisa pagar agora...

— Não, obrigada. — eu tenho ser mais simpática possível quando


um cara, muito mal encarado, enfia alguma droga na minha frente. — Não
uso drogas.

O cara ri como se eu tivesse dito uma piada hiper engraçada. Os

homens a sua volta também riem e eles falam algo um com outro.

— Sempre assim, nunca usam. — agora ele mostra uma seringa,


que sim, tenho certeza que já foi usada. — Temos usadas e não usadas...

— Eu não uso nenhuma droga.

— Então a quase assassina é uma beata?

Eu estremeço.

''Quase assassina'', é isso o que sou.

— Adoraria as mãozinhas dela em mim. — engulo em seco quando


escuto essa voz bem no meu pescoço, ao mesmo tempo quero vomitar com
seu hálito podre, como um esgoto entupido. — Gosto quando elas lutam.

Dou um passo para frente, mas outro homem me para, colocando a

mão para frente, ele até chega a me tocar, mas eu dou um passo para trás e
me esbarro novamente no cara das ''mãozinhas''.

É como se eu tivesse cercada. Como se eu fosse um coelhinho


assustado em meio aos leões, loucos para me abaterem... Ou melhor,
loucos para me prenderem e abusarem de mim aos poucos, sendo sua
bonequinha.

— Aonde pensa que vai? — o vendedor de drogas pergunta. —


Aqui não é a casa da mãe Joana, não, branquela. Não é assim que funciona.
Precisa pagar para andar também.

— Para andar? — sussurro, contendo a vontade de falar que não


me informaram nada disso.

— Sim, ou acha que está livre para ir e vir?

— Eu só não quero ficar aqui, está muito abafado. — sussurro

novamente. O local é tão abafado que me causa náuseas. O fedor


insuportável entra por minhas narinas e eu quase vomitei quando passou
por minha garganta, só não fiz isso porque um cara pulou na minha frente
e eu saí correndo com medo. Mas já sinto meu nariz doendo pelo odor,
assim como minha garganta começando a coçar. — Eu só preciso de ar.

O traficante me encara. São seis homens me cercando, todos com


cara de maníacos, na verdade, o traficante é o único que parece estar sóbrio
e está ''bem cuidado''.

— Vá. — o traficante fala. — Mas arrume dinheiro, precisará de


muito para sobreviver aqui dentro.

Com relutância, o homem que estava a minha frente sai do meu


caminho.

Agora eu tento caminhar sem correr nesses corredores. Eu vejo


mais homens que mulheres, e quando as vejo, elas me encaram como se eu
fosse uma inimiga. A raiva estampada na cara, e olha que estou aqui há dez
minutos.

É como uma favela dentro de um presídio, algo que estou


acostumada, já que morei em uma favela por anos, mas lá o povo não
mexia comigo, na verdade, acho que eu era uma invisível para eles.

Aqui é uma sociedade deturpada dentro de uma sociedade ferrada.

Nada de bom nesse local.

Justiceira social.

Ah, Katleen, por que foi dar uma de heroína? Era só sair correndo,
não precisava furar o cara e ainda atropelar depois!

Melhor dizendo: Era só não ter denúnciado aquele filho da puta!

E quando eu chego ao pátio, eu sinto tudo girando.

Vejo tudo rodando e acho que vou desmaiar.

Isso não é nada como imaginei!

São várias barracas no pátio, tem algumas cabanas, assim como


''casas'' de madeira, uma em cima da outra, são muitas pessoas, são armas
que cortam, drogas, esgoto a céu aberto, pessoas andando livremente...
Crianças e mulheres.

É como um bairro dentro de um presídio.


Mas um bairro onde todos cometeram algum crime, menos as
crianças, eu acho...

— Feliz, Katleen? — meu medo vai dando lugar a raiva quando


escuto a voz de Yure atrás de mim. Viro-me para ele e quase sorrio quando
vejo sua cara toda arrebentada, mas eu ainda tenho medo e nem consigo
sorrir. — Espero que tome vergonha na cara e chame seu advogado. Retire

sua denúncia, eu retiro a minha no mesmo instante e acabaremos com esse


mal entendido. Voltaremos para casa e fingirei que nada disso existiu.

É uma proposta tentadora, porque em dez minutos me ofereceram


mais droga que água em toda minha vida!

— Mal entendido, como todas as outras vezes, Yure? — encaro-o,


agora ficando com a postura mais rígida. — Sua ficha é mais suja que o
chão desse lugar, mas você sempre se livra...

— A única que prosseguiu nessa sandice não durou três dias presa,

Katleen. Ela também não aguentou o presídio e pediu para sair. Não vale a
pena.

— Não vale a pena colocar um estuprador na cadeia?

— Você gostaria e ainda pediria por mais, Katleen. — e o filho da


puta tem a coragem de sorrir. — Era apenas um esquenta...

— Um esquenta onde você quase me penetrou com o seu dedo


enquanto eu gritava que não? Onde você quase arrancou meu lábio? Que
você rasgou minha blusa e quase arrancou meu seio com aquele puxão?

Um esquenta que você me derrubou no chão e eu consegui te ferir com


minha chave? Onde te dei uma pedrada? Onde te atropelei? Que você...

— Foda-se! Eu sabia que você não serviria para nada, eu ainda


faria uma caridade ficando com uma puta feia.

Eu começo a rir. Eu rio como aquele traficante riu da minha cara


quando eu neguei a droga.

— Uma puta feia que vai foder a tua vida. — fico séria. — Você
vai pagar por tudo. Você pode ter ameaçado as outras vítimas, a última
menina pode não ter suportado ficar presa e te liberou da prisão, mas eu
não. Eu posso esperar anos aqui pelo nosso julgamento, mas eu vou foder
sua vida todinha, Yure. Em nome de todas as suas vítimas que devem estar
em tratamento psicológico até hoje. O seu dinheiro não vai te livrar disso.

— Katleen, acorda, a minha última menina era mais dura que você
e não durou mais de três dias no inferno do presídio, e o dela era melhor
que essa merda de lugar. Acha mesmo que a futura pedagoga vai aguentar?
— ele tenta me tocar, mas eu bato em sua mão e ele ri. — Você está
sozinha, Katleen. Você se defendeu naquela noite porque eu estava
bêbado, mas aqui não, querida. Eu estarei bem sóbrio e eu pegarei você. E
sabe o melhor? Ninguém te salvará aqui, e você estará tão fraca, tão só, tão
sem dinheiro, que eu pegarei você, e sabe o que mais? Será com raiva,

Katleen. E eu juro, eu vou penetrar em todos os seus buracos, rasgarei cada

um deles e ainda chamarei mais gente para esfolar seus orifícios. Eu juro,
Katleen, você pagará por tudo o que está me fazendo passar.

— Eu mato você antes. — minha ameaça é tão fraca que ele sorri.
Eu sei que sim, Yure pode fazer isso.

— Eu sei que tem medo, Katleen. Mas é só chamar seu advogado,


retirar a denúncia e seremos livres. Eu farei de conta que nunca te vi, e
ainda esquecerei que minha cara foi quebrada por sua causa.

— É uma proposta tentadora, Yure. — sorrio com mais


sinceridade. — Mas eu gosto de ver sua cara arrebentada. Então,
queridinho, estou adorando esse lugar.

— Adora até que alguém pegue mais pesado que eu. Vai nessa,
professorinha, acorda para vida, tem gente pior que eu aqui.

— E por isso você tem medo. E por isso eu não retiro minha
queixa.

— Você vai morrer...

— Morro atirando e levo você junto.

— Não dou um dia, daqui a pouco estará desesperada implorando


para sair daqui.
— E você será a bonequinha de alguém. — aperto seu rosto. —
Rostinho delicado, tem gente que gosta.

— Sorria, Katleen. — tiro minha mão dele. — E depois diga que


não avisei.

E Yure se afasta. Toda a minha casca grossa de ''sou foda'' vai


embora. Quando noto que sou a atração desse lugar, quando eles me

encaram.

Afasto-me do pátio, indo para um cantinho e sentando ali.

— Alugou o espaço? — olho para cima, para a mulher a minha


frente. — É surda?

— Ah, não, desculpa. — me escoro na parede, para conseguir


levantar.

— É, mas aqui você precisa pagar para se encostar em um canto.

Que?

— Sim, garota. Se quer se encostar, sentar, dormir, terá que pagar.


Esse espaço custa caro. Tem dinheiro? — nego, balançando a cabeça. —
Então seu lugar é lá dentro, naquele calor infernal e com a escória do
sistema penitenciário. Talvez lá você possa sentar em algum canto.

— Quanto custa esse espaço?

— Muito caro para uma pessoa sem dinheiro. Arrume dinheiro,


depois falaremos de valores. Eu até poderia pedir alguns favores, mas não
faz meu tipo, branquela.

Eu acho que devo agradecer por isso.

— Sai! — ando rápido, saindo dali.

É um inferno.

Eu não imaginei que seria assim.

Se eu soubesse, eu iria querer justiça?

Encosto-me em outra parede, mesmo querendo desabar e chorar,


mas aprendi que não posso sentar em qualquer canto sem pagar.

Deus, daqui a pouco vai anoitecer, onde dormirei... Ai, Jesus, eu


não pensei sobre a hora de dormir, como vou dormir no meio dessa gente?
Jamais vou fechar os olhos com tanta gente estranha por perto, com
estupradores piores que o Yure.

Então eu vejo meu algoz ali, o Yure, tendo que entregar a camisa e
o tênis a dois presidiários.

Nós dois estamos ferrados.

Eu por quase ter matado o homem que me estuprou. E ele por ter
me estuprado.

Sistema de merda!
A cada olhar na minha direção eu estremeço. A cada olhar, riso,
piadinhas, eu fico fraca.

— A noite vai chegar. — um homem para ao meu lado. — Os


gritos vão começar e você será de alguém. Não tem onde se esconder.

Vou para dar um passo, e ele aperta meu braço.

— É falta de educação deixar um senhor falando sozinho, ainda

mais quando precisará dele para sobreviver aqui. Eu mando aonde você vai
dormir. — olho para esse homem. Ele deve ter uns cinquenta anos, dentes
podres, cheiro ainda mais podre, olhar de maníaco sexual. — Seja rude
comigo, e essa boquinha servirá para algo. Mas se for gentil, eu serei gentil
quando entrar na sua garganta, talvez eu nem queira que vomite.

Eu tremo, sinto minhas forças se esvaindo.

— Eu peguei quinhentos anos, niña. Estupros, muitos. Então pense,


se um estuprador é importante aqui, sabemos o quanto esse inferno é bem

infernal. — seu sorriso podre me causa embrulho no estômago. — Os


muros que separavam as mulheres dos homens foram derrubados,
estávamos cansados de nos aliviar usando a mão ou usando outro homem.
Então, menina, faça seu trabalho. Todas fazem, seja com um homem ou
com outra mulher. Eu tenho óleo de cozinha, para facilitar a penetração.

Começo a balançar meu braço, tentando sair do seu aperto, e ele


aperta mais forte.

— Estava com saudade de meninas que lutam, é mais prazeroso

para mim. Começou bem, chiquita.

E ele me solta, mas antes deixa a sua marca vermelha em meu


braço.

— Espero por você, nem adianta fugir, é impossível se esconder

nesse local.

Eu nunca senti tanta adrenalina na minha vida, nem mesmo quando


lutei contra Yure.

Foda-se a justiça!

Desculpa, vítimas de Yure, mas também não poderei fazer justiça.

Vou até o portão por onde entrei nesse inferno.

— Para onde pensa que vai? — antes que eu chegue ao portão,

outro cara já para a minha frente.

— Eu preciso pedir para falar com meu advogado.

— Mas já vai pedir para sair?

— Foi um mal entendido e preciso reparar esse erro.

— Oh, coitadinha. — ele zomba da minha cara. — Você acha que


está aonde, princesinha? Acha que é só bater no portão e o bom policial vai
te livrar disso aqui?

— Eu preciso falar com meu advogado.

— Entra na fila, acha mesmo que esses mais de dois mil


presidiários não querem falar com o advogado?

— Dois mil presos?

— Talvez mais ou menos que isso, não sabemos com exatidão


porque sempre tem alguém morrendo, alguém desaparecendo, alguém
tirando a própria vida, porém, sempre tem mais gente entrando.

— Como posso falar com meu advogado? — ignoro-o, porque se


não eu desmaio de vez.

— Arrume um celular, que é caro. Ou seja simpática com a


diretoria, quem sabe eles te dão um telefonema ou deixam que fale com
um guarda. É mais fácil comprar um celular.

— Quanto custa?

— Para a novata desesperada? Caro pra caralho. Espere até virar


uma invisível para esse povo, aí o preço vai ficar caro, mas não caro pra
caralho.

— Quanto é caro pra caralho? — pergunto.

— Pode chegar até a quinhentos por minuto, depende do quanto


vão com sua cara. — ah, merda! — Seu desespero é tão caro assim?
Olho para o lado, para o velho estuprador, que está olhando para
mim.

— Eu posso pagar.

— Não pode não.

— Posso sim!

— Ah, garota, você é uma Alice.

— Que?

— Vive no país das maravilhas, acha que o mundo é cor de rosa.

— Não...

— Você é novata, vão te extorquir ou abusar de sua boa vontade e


desespero. Você tem dinheiro? Parabéns, mas como vai pegar o dinheiro,
se a visita é liberada pela diretoria daqui? — ele se aproxima de mim, mas
eu não me afasto, por algum motivo, eu não tenho pavor dele, tenho medo,

mas não pânico. — A diretoria é composta por assassinos, caras que


sequestravam e extorquiam pessoas. Calle Veintitrés? Calle Doce? Não,
não são dessas gangues, são piores, eles precisam de muito mais trabalho,
o dinheiro não vem fácil. Para liberar uma visita para você, vai por mim,
vai ser mais caro que uma ligação. Mais caro que uma cela. Espero que
seja rica, porque para sobreviver aqui, ou fica amiguinha da diretoria ou
fica pobre pagando por privilégios.
Ferrou! Eu poderia ter quinhentos reais para pagar um
telefonema, só que mais que isso? Não, não tenho.

— Quanto tempo demora para que eu fique invisível e cobrem


barato?

— Meses, mas em algum momento vai ter que desembolsar


dinheiro aqui dentro. Você paga até para dormir, por um copo d'água. É

foda, Alice.

— Katleen. Meu nome é Katleen.

— Jordan.

— Aquele cara...

— Sim, ele vai te estuprar. — eu nem preciso dizer de quem se


trata. — E ninguém vai se importar.

Eu preciso falar com meu advogado!

— Como se faz para ter a simpatia da diretoria?

— Ah, garota, você é tão bonitinha que chega a ser meigo. Você
sabe como. Bonita, está bem tratada, dentes brancos, pele bonita, está
cheirosa até agora, talvez não tenha DST, sabe o que quero dizer. Você é
nova nesse local, sabemos como conseguir a simpatia deles.

Renan!

— Por que fala comigo normalmente? — indago.


— Está reclamando?

— Indagando, apenas. Eu entrei aqui e você...

— É, eu sei, drogas, estupro, oferecimento de sexo. Eu não sou um


predador sexual.

Quem me garante?

— Sou um dos caras que vigia o local, mas que não vai se meter
nos assuntos ali de dentro. Se quiser denunciar um abuso, vai em frente.

''Vai em frente'', sabemos o que acontece com dedo duro.

Olho para o portão, minha chance de saída daqui. Depois olho para
o velho estuprador, que não tira os olhos de mim, e o arrepio de pavor vem
com força quando ele morde os lábios, coloca os dois dedos ao redor da
boca e depois faz o gesto com a língua, de ''lamber''. Depois olho para
Yure, quase pelado, espancado, totalmente humilhado.

Estou melhor que Yure, no entanto, quando a noite chegar, eu

estarei sozinha no escuro com um bando de criminosos, e um velho


estuprador que me quer.

— Onde posso achar o Renan? — pergunto ao Jordan.

— Olha, já tem um preferido.

— Por favor...

— Suba as escadas e diga que quer falar com o Renan, se ele


quiser, ele vai te ver, se não, tente com outro.

Sem dizer mais nada, sigo para escada que já havia descido

anteriormente. Antes que eu pise no primeiro degrau, sinto um puxão no


meu cabelo e sou derrubada no chão. É tudo rápido, são socos, chutes,
sinto minha blusa sendo arrancada do meu corpo e sinto quando querem
tirar minha calça, mas não conseguem. Quando tudo termina, abro meus

olhos e vejo o grupo de mulheres.

— Bem-vinda ao inferno, princesa. — a mulher mostra a minha


blusa rasgada em sua mão. — Suas boas vindas.

E elas saem, rindo de mim.

Sinto meu corpo todo quebrado.

— Eu disse, Katleen. — Yure... — Eu disse que era besteira. Eu


não sou o único que sofrerá aqui dentro...

— Eu não tenho como falar com um advogado. — falo, ainda sem

conseguir sair do chão. — Eu não posso...

— Dê seu jeito, nos tire daqui. Porque eu continuo jurando, eu vou


terminar o que comecei naquela noite. E será pior que aquele velho, eu
juro, Katleen.

Eu preciso do Renan.

O assassino será minha única salvação.


Estou tão ferrada!

E tudo por culpa de Yure!


Capítulo 1
KATLEEN

Anteriormente

— Ah, sei lá, não quer filhos e será professora de um bando de


crianças? — minha amiga, Tassia, pergunta, rindo depois que eu falo que
não quero filhos. — É sério, você vai viver com um bando de crianças por
anos!

— Mas é diferente. — argumento. — Não são meus filhos, minha


responsabilidade com eles será dentro da sala de aula. Eu não odeio
crianças, as amo, só não quero ser mãe de uma.

— Às vezes penso se quero ser mãe ou não. — minha outra amiga,


Priscila, também começa a falar. — É muito trabalho, não é apenas dar
banho, dar o que comer, essas coisas. São ensinamentos. Ainda mais onde
vivemos, são tantos moleques que não valem nada, que imagino o
sacrifício dos pais para colocar juízo na cabeça dos meninos bons, e os pais
desses moleques ruins, o quanto sofrem.
— Sim, é disso que falo! — concordo com ela. — Vai muito além
de cuidar da criança, filho é para vida toda. Quando ele já estiver

crescendo, vem aquela conversa sobre amizades, sempre ficar atenta,


aconselhando. Ah, não sei! Eu vim para dançar e beber, agora vocês estão
com conversa sobre filhos que não quero ter.

— Você sabe o motivo da conversa. — pronto a conversa ficou

melancólica graças a Tassia. — Cara, eu me casaria com aquele idiota!


Tínhamos planos de ter filhos e ele me traiu na cara de pau! Com minha
prima que era uma das minhas melhores amigas. Eu perdi o filho dele,
enquanto eu estava no hospital, aquele escroto estava transando com minha
prima! Eu penso na família que perdi.

— Tassia...

— Não, Katleen, você está certa. — ela começa a enxugar as


lágrimas. — Preciso seguir em frente, não deveria trazer esse assunto a

tona novamente. Já foi, isso tem três meses, preciso superar.

Não sei se tenho algum lado romântico. Nunca me joguei de


cabeça em qualquer relacionamento, diferente de Tassia, já teve seis
namorados e pensou em casamento com todos, ok, normal, mas o único
que noivou com ela, foi o que mais a decepcionou.

Minhas decepções amorosas estão resumidas em separar porque o


cara era insuportável ou porque eu já estava cansada de estar com alguém.
Se um dia fui traída, não me importo.

Mas aqui estamos, eu e minhas duas melhores amigas, dentro de


um carro na sexta a noite. Eu estava estudando e as duas chegaram ao meu
quarto exigindo que eu levantasse para podermos sair e espairecer um
pouco, mas agora Tassia pensa no ex e pronto, clima melancólico.

— Tassia...

— Ok, passou. — começa a se abanar com a própria mão. — Tudo


bem, meninas, vamos nos divertir. Eu vou lá na casa do meu irmão, pego
minha bolsa, e poderemos ir embora.

— Isso é uma boa ideia? — Pri pergunta. — Porque, tipo assim,


seu irmão te roubou, agora você vai a casa dele rouba-lo?

— Não é a primeira vez que isso acontece. Sulivan sempre fez


essas merdas, e ele sempre guarda no mesmo local. Ele está dando uma

festa hoje, e pelo que conheço do meu irmão, a porta estará aberta, todos
bêbados e aí eu pego minha bolsa, não é primeira vez que precisarei fazer
isso.

— Seria mais fácil se ele não te roubasse, se ele não ficasse perto
de você. — falo, olhando para a casa a alguns metros de distância,
totalmente caótica e com o som nas alturas.
— Sim, mas minha querida mãe é aquela mãe cega, besta, que acha
ok o filhinho dela ser um drogado inútil. E quando esse filho da mãe

morrer, ela vai chorar. ''Por que o meu filho? Por quê?'', sendo que o cara é
um ladrãozinho que vive fazendo merda!

Aí, eu não sei que tipo de mãe eu seria nessa situação. A mãe de
Tassia até que educou os filhos, o pai dela morreu há muitos anos, Sulivan

cresceu sendo bem tranquilo, no entanto, ele mudou o comportamento


quando já estava um viciado total. A mãe nunca o colocou em uma clínica
de reabilitação e acredita que o filho, um dia, vai querer mudar por conta
própria.

Eu não teria essa paciência...

Quando Tassia para de chorar pelo babaca do seu ex noivo, ela


decide que já podemos sair do carro. Guardo a chave do carro no bolso da
minha saia e logo em seguida começo a estica-la para baixo. Sei que na

casa do Sulivan estará cheio de colegas da faculdade, que sempre fizeram


piada com a minha cara. Eles me sexualizam porque serei professora. São
piadas constantes porque uso óculos e, segundo eles, parece um filme
pornô da professora de óculos, dando aula para alunos tarados... O que me
deixa constrangida e irritada. Na verdade, eles já são babacas que fazem
piadas por nada, aí eles começam a fazer piadas sexuais e pronto, tenho
vontade de matar!
— Pode ficar no carro, Leen. — Tassia olha para mim. — Sei bem
o que está fazendo, melhor evitar.

— Não, ou se não nunca vão parar.

— Você sabe que eles não fazem piada sobre ser professora, e sim
com algumas alunas de pedagogia, assim como as de enfermagem que
também sofrem nas mãos deles. — Priscila continua. — Então, eles não

vão parar mesmo.

— Professorinha, eu adoraria ter uma aula...

— Sai! — grito para um cara da faculdade, que passa por mim e


começa a rir. — Eu odeio essas pessoas com suas piadas escrotas.

Não é apenas o fato de ser ''professorinha'', e sim o fato de ser


extremamente reservada. Odeio a maioria dos meus colegas, sou muito
calada na aula e sempre recuso o convite para sair com essa galera. Pronto,
aí eles perturbam mesmo.

O pior é que tenho vinte e quatro anos e meus colegas tem mais que
isso, nem quando eu era adolescente o povo era tão idiota assim.

— Olha se a professorinha não é uma gostosa...

— Foda-se! — olho para as meninas e ignoro outro idiota. —


Espero vocês no carro.

Saio da frente da casa, ando soltando fogo, com raiva e pensando


que se eu entrasse ali, pronto, já era minha vida acadêmica.

A professorinha estaria dentro de uma festa regada a drogas.

Melhor poupar mais essa merda na minha vida.

Fico encostada no meu carro, começo a pensar se é melhor esperar


dentro ou fora do carro. Bairro mais ou menos perigoso. Mas quando a
mulher está dentro do carro, o bandido pode render a motorista, roubar o

carro e mandar a mulher sair; ou ele pode sequestrar a motorista junto. Se


estiver fora do carro, o bandido pode mandar entrar no carro, ou pode te
estuprar na rua...

Ah, é difícil andar na rua mesmo!

Era melhor perder o resto da minha dignidade e entrar logo nessa


festa promíscua... Mas se souberem que entrei nesse lugar, eu posso perder
meu trabalho na creche...

— Katleen, quanto tempo!

Meu Deus, me ajuda! Me ajuda!

Meu coração para quando vejo Yure se aproximando de mim. Ele


está há uns cinco passos de distância, e, merda! Justo agora que ninguém
passa mais na rua...

Ah, Jesus, ele esperou por isso mesmo.

Meu coração bate tão acelerado que acho que vai sair do meu peito.
Yure é muito conhecido na faculdade, estuda ciências contábeis.
Ele é considerado bonito — não faz o meu tipo —, e tem dinheiro. Seus

pais são empresários importantes em San José. Não diria que são
milionários, mas tem muito dinheiro e influência em vários locais.

E por ter essa influência, esse filho da puta nunca paga por nada!

E o pior, todos sabem o que Yure faz, mas ele continua sendo

popular, tem retardadas que o endeusam, que estão loucas para transarem
com ele, e quem tem juízo, como eu, fica apavorada e quer sumir de algum
jeito quando ele se aproxima.

Lembro muito bem, dois anos atrás, cheguei a faculdade e tinham


vários cochichos, mas ninguém falava algo em voz alta, até que uma
colega me contou o que tinha acontecido. A amiga dela havia sido
estuprada. A menina havia marcado um encontro com o namorado, mas, na
verdade, o namorado era amiguinho do Yure — puxa saco —, na hora dela

entrar no carro, era o Yure lá dentro. Ela tentou ir embora, mas ele o puxou
para dentro... Foi estupro em pleno fim da tarde, dentro de um carro, no
meio da rua. Ela foi estuprada, espancada, estrangulada e jogada na rua.
Quando a encontraram, chamaram a polícia. Alguém a reconheceu como
aluna da faculdade, então a polícia foi até o local e pronto. Chegaram ao
nome de Yure e o cara foi preso na faculdade mesmo.

Não durou dois dias.


Sei que a menina viveu trancada em casa, ainda tem medo de tudo
e todos. A sua única amiga tenta anima-la, tira-la da depressão e fazer com

que ela pare de tomar tantos remédios. E não, ela não aceita novas pessoas,
e eu e minhas amigas tentamos nos aproximar para ajudar, ela apenas
agradeceu e disse que estava bem assim. Uma mentira, claro, porque, no
momento, ela está internada em uma clínica psiquiátrica após a terceira

tentativa de suicídio, ela acredita que Yure vai mata-la. Estuprar e matar
depois. Sei que falam para ela que Yure está preso, que não fará mais isso.

Yure fez isso. E sei que fez mais três vezes após a sua prisão, e sei
que foi preso de novo, e solto novamente. Fora tudo o que ele deve ter
feito e as vítimas se calaram.

O que dá mais nojo é o fato dele andar tranquilamente, nem ao


menos sente vergonha, na verdade, ele ainda se acha o cara mais foda.

E o pior que Yure está a minha frente, e daqui que eu abra a porta

do carro, entre, feche a porta... Ele já vai me pegar.

Escutei histórias que ele é bem forte para segurar uma pessoa,
como ele é rápido em agir...

Deus, me ajuda, que ele não faça nada comigo.

— É, muito tempo. — tento sorrir de modo simpático.

— O que faz a essa hora aqui? — pronto, ele está a dois passos de
distância agora, e eu já sinto o cheiro do seu hálito de bebida
alcóolica. Ferrou! — Katleen, meninas não devem estar a essa hora na rua.

— Eu tenho vinte e quatro anos. — falo minha idade, pois dos


casos que escutei, as meninas tinham menos de vinte anos, pode ser algo
padrão dele. — Não sou uma menina.

— Mas parece, você é tão pequeninha, tem essa carinha meiga, de

bebê...

Eu dou um passo para o lado, e só de fazer isso, Yure já pula e


agarra o meu braço. Corro e ele me solta, assim que pego a chave do carro
para destravar a porta, ele puxa minha blusa com força e depois meu
cabelo, tento sair de perto, mas Yure já se aproxima e começa a tentar me
estrangular em um mata-leão. Seu braço apertando meu pescoço, estou de
costas para ele, perdendo todo meu ar.

Tento acerta-lo e não consigo, nem ao menos consigo dar uma

cabeçada nele, já que é mais alto que eu.

Tento acerta-lo com a chave do carro, e quase torço meu braço,


mas consigo acerta-lo em algum lugar e seu aperto se afrouxa. É o
momento que eu consigo me debater e ele afrouxa mais o aperto e
finalmente consigo sair de perto dele, mas não é o bastante, porque ele
tenta me pegar novamente, mas não consegue me estrangular como antes,
mas consegue me jogar no chão.

Começo a lutar contra Yure, mas esse cara é forte demais. Dou

socos, mordidas, chutes, grito, mas o barulho naquela casa impede que
alguém escute o que acontece aqui, e o carro ao nosso lado impede
qualquer visão do que acontece.

A minha blusa é rasgada e o medo se torna maior.

Não posso desistir de lutar.

Yure é maior, mais forte e luta muito melhor, mas não desistirei,
então sinto um beliscão no meu seio e a dor é como um choque e uma faca
pontiaguda sendo enfiada em mim.

Ele belisca ainda mais o meu mamilo e depois sinto uma lambida
em meu pescoço. Dou socos em sua cabeça, sinto algo molhado em minhas
mãos. Eu estou ferindo o Yure, mas nada faz com que ele pare. Ele morde
meu lábio e estica, quase arrancando.

Sinto o seu dedo entrando em mim. Então soco a sua cabeça com
mais força, mas nada o para, não tenho como mover minhas pernas. Ele me
imobilizou de um modo que minhas pernas estão bem abertas e não posso
mexê-las.

Estou me dando por vencida, estou apenas aceitando que é só


deixa-lo terminar isso aqui e depois ele me jogará em algum canto, assim
voltarei para casa.

A dor do seu ''vai e vem'' com os dedos me penetrando é terrível.

Eu quero para-lo, mas não sei como.

Viro minha cabeça para o lado, e como um sinal divino, a luz da


lua reflete justamente na minha chave do carro. Estico meu braço, paro de
soca-lo com uma mão e consigo pegar minha chave.

Enfio aquela ponta enorme da chave em seu olho.

O grito dele nem se compara com o meu. O dele tem mais dor, é
tanta dor que ele para tudo e começa a gritar e a colocar a mão no local
onde enfiei a chave e já retirei. Só com um empurrão ele sai de cima de
mim.

Mas Yure ainda está bem, está em pé, ele pode correr atrás de mim.
Aproveito esse momento para correr...

— Katleen, você vai pagar!

E quando escuto isso, vejo aquela pedra bem a minha frente. Uma
pedra de tamanho médio. Pego a pedra, Yure já vem na minha direção e eu
bato com a pedra na sua cabeça. Ele cai ajoelhado, eu bato de novo com a
pedra.

Largo a pedra no chão, me perco um pouco na hora de destravar o


carro, por causa das minhas mãos trêmulas, e quando consigo, começo a
escutar as batidas no meu vidro.

Yure não para!

Coloco a chave e giro, o motor do carro liga e vejo pelo espelho


retrovisor quando Yure dá a volta no carro.

Yure está atrás.

Não, não precisa disso, Katleen!

Ele te estuprou, Katleen. Ele enfiou dedos em você e te machucou!

Eu acelero para frente e esse demônio ainda tem força para correr
atrás do carro.

Eu dou a ré na mesma velocidade que acelerei. O barulho do fundo


do carro se chocando ao seu corpo mostra que agora sim ele foi derrubado.

Acelero para frente.

Com a adrenalina e o pânico tomando conta de mim.

Mas não vou chorar agora, não vou desabar...

Meu celular toca no banco do passageiro e vejo o nome de Priscila


na tela, assim como inúmeras chamadas perdidas dela e Tassia. Mais
perdida ainda, consigo atender.

— Perdoe-me, Katleen! — escuto a voz de Tassia. — Eu não


sabia, eu juro, mas já chamei a polícia!
— O que está falando? — pergunto e já vejo os carros de polícia
indo na direção contrária a minha.

— O meu irmão planejou tudo, ele te daria ao Yure, mas que bom
que me atendeu, você está bem. Sulivan me trancou com a Priscila no
banheiro e perguntou de você, Yure também estava aqui, só que já chamei
a polícia...

— Ah, meu Deus!

— O que foi?

— Você chamou a polícia para me salvar?

— Sim, claro! Eles chegaram, Katleen, estou escutando as


sirenes...

— Obrigada pela ajuda, Tassia, mas... — respiro fundo. — Talvez


eu tenha matado o Yure.

— Que?

— Eu perfurei o olho dele, antes disso eu perfurei alguma parte do


corpo dele, dei pedradas e atropelei logo após... — meu coração falha em
várias batidas quando desço a ladeira e vejo vários carros da polícia
parados e os policias com as armas apontando para o meu carro, pedindo
para que eu pare. — Eu vou ser presa, Tassia. — paro o carro e começo a
chorar quando os policiais começam a gritar para descer logo do carro com
as mãos para cima. — Eu vou ser presa!

Disponível na Amazon!
Livros da série ''Família
Garcia''

Pedro – Família Garcia (Livro 1)

Jade – Família Garcia (Livro 2)

Natasha – Família Garcia (Livro 3)

Além da fronteira – Família Garcia (Livro 4)

Andreza – Família Garcia (Livro 5)

Fim da linha – Família Garcia (Livro 6)

*Anteriormente teríamos a história de Lya,


mas o livro foi cancelado. Agora são apenas seis
livros*
Contatos da autora

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Alguns livros da autora

A nova dinastia mafiosa:

Casados pelo poder – A nova dinastia mafiosa


(Livro 1)

Duologia ''Entre as grades'':


Presa a você – Duologia ''Entre as grades'' –
(Livro 1)

Depois da tempestade – Duologia ''Entre as


grades'' – (Livro 2)

Minha doce... Melina (Parte 1)


Minha doce... Melina (Parte 2)

Série Last Justice:


Jason – Last Justice (Livro 1)

Espero você ao meu lado – Last Justice (Livro 2)

Em suas mãos – Last Justice (Livro 3)

Reencontrando o nosso amor – Last Justice (Livro


4)

Entre o céu e o império – Last Justice (Livro 5)

Quando nos reencontrarmos – Last Justice (Livro

6)

Ensina-me a viver – Last Justice (Livro 7)

O preço de uma traição (Livro único)


Série Os mafiosos:
Atraída por um mafioso – Série Os mafiosos
(Livro 1)

Juntos outra vez – Série Os mafiosos (Livro 2)

Nas mãos da máfia – Série Os mafiosos (Livro 3)

Reencontrando o passado – Série Os mafiosos


(Livro 4)

Resgata-me – Série Os mafiosos (Livro 5)

Por toda a nossa história – Série Os mafiosos


(Livro 6)

Entre o amor e a liberdade – Série Os mafiosos


(Livro 7)

O encontro final – Série Os mafiosos (Livro 8)

Série Estúpido:
Meu chefe estupidamente arrogante – Estúpido
(Livro 1)

Um recomeço quase estúpido – Estúpido (Livro

2)

Por amor a você – Estúpido (Livro 3)

Liberte-me – Estúpido (Livro 4)

Uma chance para a vida – Estúpido (Livro 5)

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