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Sandra Lopes Luís
Assistente da Faculdade de Dire-iio da Universidade de Lisboa

VERSÃO EBOOK

INTRODUÇÃO
AO ESTUDO DO DIREITO
SUMÁRIOS DAS AULAS PRÁTICAS E HlPÓTESES RESOLVIDAS

3îil edição
Reimpressão 2019

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer


i
processo electrónico, mecánico ou fotográfico, incluíndo fotocopia, xerocópia
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4L
ou gravaçäo, sem autorizaçäo prévia do editor.
Exceptuam-se as transcríções de curtas passagens para efeitos de apresentaçäo,
crítíca ou discussão das ideias e opiniöes contidas no Iivro. Esta excepção
não pode, no entanto, ser interpretada como permítindo a transcrição
de textos em recolhas antológicas ou similares, da qual possa resultar
AAI D l,
EDITORA
prejuízo para o interesse pela obra.
Os infractores sáo passíveis de procedimento judicial, nos termos da lei. Lisboa | 2019
Aas meus alunos

Ficha Técnica

Título:
Introdução ao Estudo do Direito - Sumários das aulas prätiœs e hipóteses resolvidas
3Ë ediçâo | Reimpressão 2019

Autora:
Sandra Lopes Luís

Ediçäo:
AAFDL
Alameda da Universidade — 1649-014 Lisboa

ISBN: (versäo papel):


9789726298194
ISBN: (versäo digital):
978»972»629»000»0

Setembro | 2019
PREFÄCIO

Uma das qualidades mais apreciáveis num académico e' a


humildade científica, permitindo-lhe aprender com sucessos mas
também insucessos e optar, na dúvida, por postura contida, atitude
modesta, mesmo que 0 seu percurso ou algum contributo seu pudesse
legitimar maior desenvoltura ou acrescida afirmaçäo.
A Mestre Sandra Lopes Luis tem essa qualidade, a juntar a
muitas outras, que pude comprovar na colaboraçäo que tem dado,
ao longo dos últimos anos lectivos, nas disciplinas de Introdugao ao
Estudo do Direito I e II.
Os presentes Sumarios para apoio das aulas praticas, mas úteis
para ajudar a ligações com mate'rias mais teóricas, sao um exemplo
eloquente de humildade científica, para além de inequívoca preocupaçäo
pedagógica e salutar capacidade de analise de temas e pistas em
dominios propedêuticos para alunos que chegam ao curso de Direito.
Nao querem arrogar—se uma roupagem de lições ou de manual.
Arrancam da experiencia do convivio corn as questôes concretas
suscitadas pelos alunos e pretendem proporcionar um vade—mecum
complementar na aventura de descobrir uma nova ciência e, ao
mesmo tempo, e sobretudo, uma now perspectiva acerca dos valores,
dos interesses, dos poderes e das formulaçôes normativas que regem
a vida em sociedade.
Em suma, nascidos do entusiasmo com que vive a sua vocaçäo
universitaria, estes Sumarios sao um sinal de empenho da Mestre
Sandra Lopes Luís num caminho longo, espinhoso, as vezes extenuante,
mas, por igual, pessoalmente muito gratificante, no qual só desejo
que persista. Corn imaginacao e bom senso. E, se sem
adiamentos ou
Estes Sumarios devem ser um primeiro pequeno passo em tal
caminho. um mas um E, por esse começo, merecem
ser com expectativa, embora, inevitavelmente, com a
que os ensinam a manter numa saga tao
mas cheia de como e' a Academia, em que cada
prova é como se fosse a primeira e cada éxito passado responsabiliza
mais do que consagra.
NOTA PRÉVIA DA AUTORA À 3E EDIÇÃO

Lisboa, Setembro de 2012


Nesta terceiIa ediçâo limitei-me a fazer breves alteracóes ao
Marcela Rebelo de Sousa texto relacionadas, especificamente, com a actualizagao de diplomas
legislativos e também com a actualização de alguma bibliografia.
Deixo, mais uma vez, um especial agradecimento aos alunos
pelo contínuo interesse manifestado pelo livro, pois foi a pensar
neles e para eles que este trabalho foi feito.

Lisboa, Maio de 2018

Sandra Lopes Luís


NOTA PRÉVIA DA AUTORA À 2E EDIÇÃO

Após reímpressão, decidi nesta segunda edição fazer algumas


alteraeòes pontuais ao texto, que se prendem designadamente com
actualizagào de certa legislaeao e aditamento de pequenas partes,
que considero poderem enriquecer o seu conteúdo.
As pretensòes desta publieaqào sao bastante modestas, pois ela
visa constituir apenas uma base de trabalho destinada a auxiliar os
alunos do primeiro ano, que iniciam a sua caminhada pelo mundo
do Direito.
Mais uma vez, quero deixar um especial agradecimento aos
alunos, pelo interesse que tem manifestado pelo livro. Aos meus alunos,
aqueles a quem tive 0 prazer e privilégio de ensinar, e também, de
modo particular, aos alunos da F aculdade de Direito da Universidade
Católica Portuguesa. É por eles e para eles que este trabalho foi
feito.

Lisboa, Setembro de 2016

Sandra Lopes Luís


NOTA PRÉVIA DA AUTORA À 1E EDIÇÃO

O presente trabalho corresponde aos sumarios e casos praticos


que serviram de apoio a matéria das aulas práticas das cadeiras de
Introduqao ao Estudo do Direito I e H leccionadas nos anos lectivos de
2010-2011 e 2011-2012, na Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa.
A ideia da publicacao destes maten'ais veio dos meus queridos
alunos, que, nao raras vezes, referiram a sua utilidade para a consolídação
do estudo, e que me deram o necessario apoio e estimulo para tornar
o passo da publicaçäo. A e1es deixo, sem duvida, o meu especial
reconhecimento, pois é para eles e por eles que este trabalho foi feito.
A varias outras pessoas devo, ainda, uma palavra de agradecimento.
Em primeiro lugar, ao Senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa,
com quem tenho tido o piazer e privilégio de colaborar nestes últimos
anos e que teve a amabilidade de escrever o prefacio, agradeço as
palavras sempre motivadoras, agradeço a incansavel disponibilidade,
agradeço a amizade, o carinho, e o quanto me tem permitido aprender.
Aos meus colegas da cadeira, o Professor Miguel Nogueira de Brito
e o Mestre Joaquim Cardoso da Costa, agradece, também, o excelente
acolhimento, a amizade e a disponibilidade. Uma referência especial
quero deixar igualmente: ao Senhor Professor Miguel Teixeira de
Sousa, que sempre respondeu corn simpatia e gentileza as minhas
constantes dúvidas; ao Mestre Pedro Murias, que teve a amabilidade
de ler os meus casos práticos, e cujas criticas e sugestôes, sem dúvida,
contribuiram para a melhoria do texto; ao meu amigo Ivo Miguel
Barroso pela leitura e sugestóes apresentadas; a Professora Carla
Amado Gomes, que tanto apoio também me tem dado nesta Vida
académica; ao Mestre André Salgado de Matos, pela amizade e
incentivo constante; e ao Mestre Daniel de Bettencourt Silva Morais,
pelas palavras sempre amigas. Finalmente deixo, ainda, uma palavra
de muito agradecimento ao Senhor Professor Paulo Otero, o meu
Orientador e amigo, a quem tanto devo.

Lisboa, Outubro de 2012

Sandra Lopes Luís


PLANO GERAL

PARTE I

CAPÍTULO I: A ordem jurídica


1. Ordem natural e ordern social
Diversidade de ordens nonnativas

HQEJHÀWN
Relagòes entre o Díreíto e a moral
Caracterizacáo da ordern jurídica
Os fins do Direito
Sociedade politicamente organizada
Ramos de Direito

CAPÍTULO II: Fontes de Direito


8. Considerações gerais sobre fontes de Direito
9. O costume
10. A jurisprudencia
1 A doutrina
1.
1 2…A lei
13. O direito internacional
14. Os principios fundamentals de Direito
15. A hierarquia das fontes

CAPÍTULO III: Interpretaçâo


16. A interpretaçâo em sentido restrito
17. A integraçâo de lacunas
18. News perspectíws metodológicas de concretízacáo ou desenvolvímento
do Direito
19. Considerações finais: exemplos práticos e dúvídas da doutrina

CAPÍTULO IV: A norma jurídica


20. Noção e estrutura da norma juridica
21. Características da norma jurídica
22… Classificaçâo das normas jurídicas
PARTE ll PARTE lll — EXERCÍCIOS PRÁTICOS

CAPÍTULO I: Existência, validade e eficácia da lei CAPÍTULO I: Exercicios sobre a PARTE 1

23. Consíderações iniciais 39. Casos praticos resolvidos sobre interpretação


24. Inexistência juridica 40. Testes e exames resalvidos
25. Invalidade: nulidade e anulabilidade 41. Perguntas teóricas
26. Ineficácia 42. Esquema aimiliar para resoluqao de hípóteses sobre intexpretação

CAPÍTULO II: Publicidade e inicio da vigència das leis CAPÍTULO II: Exercícios sobre a PARTE n
27. A publicaçâo 43. Casos praticos resolvidos sobre validade e vigência da lei
28. Rectificaçôes 44. Casos praticos resolvidos sobre retroactividade
29. Entrada em vigor 45. Casos praticos resolvidos sobre sucessão de leis
46. Casos praticos resolvidos sobre sançôes e meios de tutela privada
CAPÍTULO III: Cessação ou termo da Vigência da lei 47. Casos praticos resolvidos sobre meios de tutela privada
48. Casos praticos resolvidos sobre sançôes
30. Cessação da Vigência da lei e suspensáo 49. Testes e exames resalvidos
31. Modalidades de cessação da vigência da lei 50. Perguntas teóricas
51. Esquema aimiliar para resoluqao de hípóteses
CAPÍTULO IV: Sucessão de leis — Aplicaçäo da lei
no tempo
32. A problemática da sucessia de leis
33. Critérios de resoluçäo do problema da aplicaçäo da lei no tempo

CAPÍTULO V: Sanções
34. Noção e consíderações gerais
35. Classificaçôes de sançôes: critérios

CAPÍTULO VI: Tutela pública e tutela privada


36. Tutela juridica: consíderações iniciais
37. Tutela pûblica
38. Tutela privada
PARTE I

CAPÍTULO l: A ORDEM JURÍDICA


SUMARIO:

1. Ordem natural e ordem social; 1.1. Considerações iniciais;


1.2. Noçâo de “ordem”; 1.3. Ordem natural; 1.4. Ordem social;
1.4.1. Ordem técnica; 1.4.2. Ordem factica; 1.4.3. Ordem
normativa; 2. Diversidade de ordens normativas; 2.1. Ordem
de trato social; 2.1.1. Noçäo; 2.1.2. Os usos normativos e os usos
näo normativos; 2.2. Ordem religiosa; 2.2.1. Noção; 2.2.2. Ordem
religiosa e outras ordens; 2.3. Ordem moral; 2.3.1. Noçâo; 2.3.2.
As varias areas da ordem moral; 2.4. Ordem juridica; 3. Relações
entre o Direito e a moral; 3.1. Separaçâo entre Direito e moral;
3.1.1. Critério teleologico; 3.1.2. Criterio do objecto; 3.13. Critério
da imperatividade; 3.1.4. Critério da autonomia; 3.1.5. Critério
do minimo ético; 3.1.6. Consideracòes finais; 3.2. Relações de
interdependência entre Direito e moral; 3.2.1. Influència da
moral sobre o Direito; 3.2.2. Recepçâo da moral pelo Direito;
4. Caracterizacào da ordem juridica; 4.1. Necessidade; 4.1.1.
Necessidade como imprescindibilidade social do Direito; 4.1.2.
Necessidade como fundamento do Direito; 4.2. Imperatividade;
4.2.1. Noção; 4.2.2. Imperatividade enquanto caracteristica do
Direito; 4.2.2.1. As teses; 4.2.2.2. Actos não imperatives; 4.2.2.3.
Entendimento da imperatividade; 4.3. Exterioridade; 4.4. Estatalidade;
4.5. Coercibilidade; 4.5.1. Noçäo; 4.5.2. Quem pode exercer a
f0rça?; 4.5.3. Coercibilidade enquanto característica do Direito;
4.5.3.1. As teses; 4.5.3.2. Entendimento da coercibilidade; 5. Os fins
do Direito; 5.1. Justica; 5.1.1. As modalidades de justica; 5.1.2.
Elementos concretizadores da ideia de justica; 5.2. Segurança
juridjca; 5.3. Relações entre a justiça e a segurança juridica; 5.4.
Promoqio do bem-estar economico, social e cultural; 6. Sociedade
politicamente organizada; 6.1. Noção de Estado; 6.2. Funções
do Estado; 6.2.1. Funções primáriasz política e legislativa; 6.2.2.
lntrodução ao Estudo do Direito

Funções secundárias: jurisdicional e administrativa; 6.3. Relações


entre o Estado e o Direito; 6.4. Estado de Direito. 7. Ramos
de Direito; 7.1. Conceito; 7.2. Criterios de djstinçào entre direito
§ 1. Ordem natural e ordem social‘
público e direito privado; 7.2.1. Critério do interesse; 7.2.2.
1.1. Considerações iniciais
Critério da qualidade dos sujeitos; 7.2.3. Critério da posição dos
sujeitos; 7.3. Posições da doutrina sobre os diferentes criterios;
O homem e um ser social que estabelece relacóes com os outros
7.4. Classificações dos ramos de Direito; 7.4.1. Direito publico;
homens, por isso, o seu comportamento deve ser disciplinado por
7.4.2. Direito privado; 7.4.3. Ramos de Direito com natureza
mista; 7.4.4. O Direito Penal.
,
regras de organizacao e de conduta deve-se fixar uma “ordem”
para a sua actuaqao ,, razao pela qual surge a necessidade de:
l. Definir ordem;
2. Distinguir a ordem social da ordem natural;
3. Separar os varios tipos de ordens dentro da ordem social:
ordem factica; ordem técnica; e ordem normativa.

1.2. Noçâo de “ordem”

Ordem é a conjugaçâo de Varios elementos através dos quais


se pretende a obtencao de urna função comum ou a realizaqao de
certos objectivos. É um dado imedìato da observacao sociológica,
é uma realidade.
Consoante o objecto a que se destinem, é possivel separar Varios
tipos de ordens, de entre os quais se destaca, desde logo, a dívisão
entre ordem natural e ordem social.

1.3. Ordem natural (ordem do “ser”)

A ordem natural é a ordem que mio se dirige ao homem, mas


que Visa compreender os fenómenos naturais, isto é, é composta
por regras que explicam o fenómeno botánico e o equilibrio dos
organismos animais, e apresenta as seguintes caracteristicas:

Sobre esta matéria vide, entre outros, JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÀO,


f
*

0 Direita Intmduçãa e Teoria Geral, 13” ed…, Coimbra, 2005, pp… 23 e segs;
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introduçâo a0 Estudo da Direita
I, Coimbra, 2004, pp… 23 e segs; ANTÓNIO SANTOS JUSTO, Introduçãa aa
Estua'o do Direito, 5a ed,, Coimbra, 2011, pp… 15 e segs. 21
Sandra Lopes Luís lntrodução ao Estudo do Direito

1. A ordem natural é alheia a consideraçôes de valor, pois 2. Nao tem imperatividade, dado näo se impor ao homem
tem por base um principio da causalidade (causa/efeito), e este nao sentir um “dever”: caso o sujeito nao queira
sendo as suas regras sempre posteriores aos fenómenos obter um resultado nao violou qualquer obrigaçäo.
que visam interpretar;
Exemplos de regras técnicas säo: as regras de construçâo civil;
2. Nao pode ser violada, porque se reconduz a esquemas
as regras de fertilizacao de solos; ou as regras para 0 fabrico de
mentais de explicaçäo da realidade. Por isso, quando se
automòveis.
chegue à conclusao de que certos esquemas mentais estao
errados, porque contrariados pelos factos, entäo essa regra
natural é afastada e procura-se uma nova para explicar a 1.4.2. Ordem fáctica
realidade;
3. Exprime-se por leis da fisica, leis da geografia ou leis da A ordern factica consiste na descricao das condutas humanas
genética. e nas previsòes de comportamentos futuros, isto é, tem por obj ecto
a análise da actividade do homem (relacóes de facto ou “ser”) sem
Sao exemplos de regras naturais: a lei do heliocentn'smo (ou do que lhe irnponha o modo como ele se deve comportar. Também esta
geocentrismo) e a lei da gravitaçäo universal de Newton. ordem apresenta algurnas características:
1.4. Ordem social l. Exprime—se por 1eis sociológicas2 e económicas, segundo as
quais, diante certas condiçôes, determinadas consequências
A ordern social é a ordern das condutas humanas que se expressa tendem a verificar—se;
através de narmas relacianais, pois tern por objecto regular a actividade 2. Distingue-se da ordem técnica, porque a ordem factica
do homem e as relaçôes entre os membros da comunidade. Esta traduz meras enunciacòes de juizos de valor da actuaçäo
ordem revela—se imprescindivel para a manutengáo da sociedade, do homem, näo orientando a sua conduta para atingir um
na medida em que uma sociedade sem normas nao pode subsistir. fim: os sociólogos, economistas e historicistas nao têm
Dentro da ordem social podem-se separar: l) a ordem técnica; o propósito de disciplinar formas de conduta, embora as
2) a ordem factica; 3) e a ordem normativa. suas conclusóes possam e devam influir na ordenaçäo dos
comportamentos;
1.4.1. Ordem técnica . A ordem factica é constituida por regras que se separam

b)
das regras naturaís, pois enquanto estas sao exactas ou
A ordem técnica é a ordem que disciplina a actividade humana universais (a ordem natural é sempre a mesma, podendo
tendente à realizaçâo de certos objectivos. Esta ordem, também apenas mudar a sua explicacao), as regras fácticas säo
chamada de “ordem do útil ou ventajoso”, apresenta as seguintes contingentes porquanto a convivencia dos homens muda
características: através dos tempos e do espaco.
1. É composta por regras condicionais, segundo as quais,
se se quiser alcancar algo é útil que se proceda de acordo
com uma determinada técnica, isto e, orienta a acçäo do
homem na sua relaçâo com os instrumentos para alcancar
os objectivos pretendidos, configurando-se como um “meio 2A Sociología estuda a formaçâo, transformaçäo e deserrvolvimento das sociedades
22 para atingir um fim”; humanas, nomeadamente os seus factores económicos, culturais e religiosos
Sandra Lopes Luís lntrodução ao Estudo do Direito

Exemplos de regras fácticas sao: a regra tendencial de que depois § 2. Diversidade de ordens normativas
de urna guerra se verifica urna expansào da natalidade; a lei da oferta
e da procura3; o desvio de emprego para paises com mäo—de-obra Dentro da ordem normativa (ordem do “dever ser”) podemos
mais barata; ou a existência de criminalidade mais concentrada nos separar quatro tipos de ordens:
grandes centros urbanos. 1. Ordem de trato social;
2. Ordem religiosa;
1.4.3. Ordem normativa (ordem do “dever ser”) 3. Ordem moral;
4. Ordem juridica.
A ordem normativa é a ordem que visa orientar a conduta do
homem na relaçâo com os outros homens. Trata—se de uma ordem 2.1. Ordem de trato social
que revela grande importancia, pois é nela que se inclui o Direito
2.1.1. Noção
(ou a ordem jurídica), e, tal como as restantes ordens, apresenta um
conjunto de caracteristicas que auxiliam a sua compreensao:
A ordem de trato social é a ordem que define as regras de cortesia
1. A ordem normativa tem um carácter intersubjectívo, e de civilidade que se verificam entre os membros de uma sociedade.
pois pretende disciplinar as condutas humanas, fixando o Integra todos os usos e praticas do comportamento social, tais como:
modo como elas se devem processar; o modo de vestir; a etiqueta; ou os deveres de respeito para com as
2. Corresponde a realidades éticas do ponto de Vista do “dever outras pessoas. Esta ordem visa facilitar ou tornar mais agradavel a
ser” (diferentemente da ordem natural que se refere ao convivencia social“.
“ser”); A ordem de trato social apresenta uma certa Vinculatividade para
. Dirige-se com carácter imperativo à vontade do homem
W

os seus destinatarios, que se traduz no receio de enfrentar sançães


(V.g., o homem sente um dever de nao roubar, pois se o
sacíais.
fizer tera consequências);
4. A ordem normativa é violavel, porque a conduta do homem
2.1.2. Os usos normativos e os usos nâo normatives5
pode adequar—se a ela ou nâo;
. É anterior aos actos que pretende regular, pois impóe-se
LI]

Devem—se separar os usos e praticas sociais que têm um caracter


a vontade do homem antes de ele agir;
normativo, e que, por esse motivo, fazem parte da ordem de trato
Difere da ordem técnica, porque, ao contrario desta, a ordem
9*

social, dos que näo o têm:


normativa situa-se num plana axiológíco de valores.
1. ,
Usos normativas gozam de uma certa vincalatividade
social decorrente da pressão que o grupo exerce sobre todos
os membros para se obter um certo comportamento.

3 Esta regra factica estabelece a relação que existe entre a demanda de um produto

ea quantidade que e' disponibilizada, determinando que: quando a oferta e' maior 4 Cfr. PAULO OTERO, Liçães de Inrmdução ao Estado do Direito, I VOL, l"

do que a procura, os precos tendem a cair, e quando a procura e' maior que a oferta, Tomo, 1998, pp… 242 e 245…
os preces tendem a aumentar… 5 Cfr… PAULO OTERO, Liçães de Introdupáom, I vol, 1°Tomo, pp… 245 e segs.
Sandra Lopes Luís lntrodução ao Estudo do Direito

A sua nao observancia é sancionada com uma reaccao social 2.2.2. Ordem religiosa e outras ordens
adversa (reprovaqao/ marginalizaeao), o que depende da
cultura em que se esta inserido. V.g.: 0 respeito das filas Devem-se separar as normas de ordem religiosa das normas
nos autocarros; o luto por morte de um familiar; ou 0 uso que regulam a estrumra e actividade das comunidades religiosas,
de as noivas vestirem de branco no casamento; pois estas säo impostas pela hierarquia das igrejas e, por isso, sao
2. Usos não normativas ,
sao meros “comportamentos
regras terrenas que apresentam sangòes igualmente terrenas.
Por outro lado, no que diz respeito às relagòes entre a ordem
convergentes”6 que nao integram a ordem de trato social.
Trata—se de usos e praticas sociais que traduzem habitos
religiosa e a ordem juridica, 0 Direito garante a liberdade de culto
sem carácter vinculativo, porque a conduta que se afaste
religioso, mas nao acolhe o conteúdo das normas religiosas.
deles nao é objecto de pressäo ou sanção social. V.g.: o uso
2.3. Ordem moralll
de fato e gravata em provas orais; ou as horas das refeicóes7.
2.3.1. Noção
2.2. Ordem religiosa8
A ordem moral define os deveres de natureza etica através dos
2.2.1. Noção
quais se visa o aperfeieoamento da pessoa, quer perante si propria,
quer no seu comportamento (extemo e interno) em relação aos outros
A ordem religiosa estabelece o relacionamenm do homem com as
divindades, tem por base afé, e manifesta-se nao só no comportamento
(com todos aqueles com que se relaciona). Implica um conjunto de
preceitos e directrizes que se impõem obligatoriamente à consciencia
de cada Lun perante si proprio, mas também nas ]igagòes com os outros.
humana.
As normas religiosas definem as relagòes entre o homem e uma
O desrespeito da regra moral tem como consequéncia 0 surgimento
certa divindade, fixam os deveres do erente para com “Deus”9 (V. g.‚
de sançães internas que se traduzem, por exemplo, em “pesos na
os mandamentos da Lei de Deus: a proibição de matar e de roubar,
consciéncia” ou “remorsos”. Fala—se numa coercibilidade psíquica,
ou o dever de amar o próximo) e nao para com os outros homens“),
dai a falar—se num sentido de transcendència da regra religiosa, cuja
por contraposicao à coercibilidade material da ordem jurídica.
violação implica sançäes divinas, como, por exemplo: “Deus castiga”
2.3.2. As várias areas da ordem moral12
ou “näo ir para 0 céu”.
A ordem moral caracteriza—se pela interioridade, absolutidade e
6A expressäo e' de HERBERT L.A. HART, 0 Conceito de Direito, trad. port., espontaneidade. Contudo, é uma realidade dotada de alguma irnprecisao,
5” ed…, Lisboa, 1986, p… 14. por isso podem-se separar très grandes áreas dentro da moral:
7 Cfr… PAULO OTERO, Liedes de 1nnodução..,, I vol…, 1° Tomo, p. 246.

3 Cfr… PAULO OTERO,Liçãe.y deIntmduçãD,_, I vol…, l“ Tomo, pp… 255 e segs,

° Ou outra entidade divina, consoante a religiào que possa estar em causa…


“’ O que acontece mesmo quando tais normas impoem condutas nas relacóes
entre os homens… Efectivamente, as normas religiosas podem ter expressao e produzir “ Sobre esta materia, vide, entre outros, PAULO OTERO, Lições de Intmdugfia…,
efeitos entre os homens, todavia, tal ocorre de modo refiexo, enquanto resultado IvoL, l“ Tomo, pp… 267 e segs.
do relacionamento entre o creme e as divindades: os nossos semelhantes apenas “ Fazendo esta separaqào e referindo—se ainda a uma area ou sector da moral
beneficiam refiexamente das normas religiosas, nao podendo exigir ao crente o relativa aos “sistemas religiosos ou filosóficos", PAULO OTERO, Liedes de
26 cumprimento dessas regras estabelecidas a seu favor… Intraduçän..., 1 vol., 1° Tomo, pp… 267 e segs. 27
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

l. Moral de consciéncia individual 7 é a moral que faz parte da 2.4. Ordem jurídica
consciéncia de cada ser humano e que o leva a optar pelas condutas
que geram o bem, em detrimento das condutas que geram e mal. A A ordem juridica ordena es aspectos mais importantes da
consciéncia individual apresenta uma dupla funçäo: revela a norma convivéncia social. Exprime-se através de regras jurídicas e Visa
de conduta, como, por exemple, “nao matar”, e, ao mesmo tempo, a prossecução dos valores da justíça e da segarança. As regras
aparece “como ínstâncíajulgadora do cumprimento ou incumprimento juridicas eu normas juridicas15 concretizam a ordem juridica e têm
dos seus ditames”‘3, sancionando com arrependjmento ou sentimento a seguinte estrutura:
de culpa a respectiva Violaçâo”.
l. Prevísãa ou fattispecie 7 é a parte da regra que estabelece
2. Moral social ou positiva 7 diz respeito ao conjunto de preceitos
um acontecimento ou um estado de coisas, v.g., “aquele
de carácter ético que se verificam numa certa época entre os membros
que peifizer dezaita anas de idade” (art. l30.° do CC).

de uma sociedade. Temes trés tipes de moral social: 2. Estatuiçäo ou efeitajurz'dica 7 é a parte da regra que fixa
a) A moral social própria de cada pals ou de varios paises, a consequéncia jurídica no caso de os factos descritos na

cem similar padráo cultural e civilizacional; previsao se verifiearem, v.g., “fica habilitado a reger a
b)A moral social no ámbito interna de cada pais: moral sua pessoa e a dispor das seus bens” (art. 130.o do CC).
social urbana e rural; Tal come entende Antonio Santos Justo“, subjacente à ordem
c) A moral social universal ou consciência moral comum, que jurídica está a ideia de um “direito relativamente estavel num certo
respeita as regras morais genericamente aceitas nos Varios tempo, censtituide per um conjunto de normas correlacionadas e
países e culturas, v.g., a proibição de matar ou de roubar.
harmónicas entre si que se denomina direito pesitive...”, e ao qual
se apentam algumas caracteristieas, que adiante analisaremes”.
3. Morais particulares 7 atendem aos preceitos de carácter ético
existentes no ámbito de ceitas profissöes. V. g.:

a) Étíca médica ou bioética 7 respeita aos principios éticos § 3. Relações entre o Direito e a moral
que devem pautar a investigação cientifica e tecnológica
3.1. Separaçâo entre Direito e moral
sobre a Vida humana (situaçôes em que esta ética pode
ser posta à prova Sao, por exemplo, a clonagem, e aborto
Existem cinco eritéries que permitem separar e Direite da
ou a eutanasia);
moral“:
b) Deontologia juridica oujornalistica 7 traduz o conjunto
de deveres de natureza moral a que se encontram suj eitos
es juristas ou jornalistas na relação com os colegas e no
*5 Embora, em bom rigor, estejamos diante realidades diversas, utilizaremos
desempenho da sua actividade (nomeadamente o respeito indistintamente as expressòes regra juridicae norma jurídica
dos direitos liberdades e garantias das pessoas). is Cfr, ANTÒNIO SANTOS JUSTO, Intmdução ao Estudo…, p. 3l.
” Infra 4.
… Sobre es diferentes criterios, vide, entre outros, ANTÓNIO SANTOS JUSTO,

“ A expressäo é de Paulo Otero, cfr, PAULO OTERO, Lições de Introduçào..., Intmdução ao Estuda…, pp… 23 e segs; MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA

I vol., l" Teme, p. 268. GALVÂO, Intmduçäo ao Estudo do Direita, 5a ed., Lisboa, 2000, pp, 222 e segs,
“ Nao obstante e seu carácter individual, tais preceitos morais assumem relevancia DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Intmdugäam, pp… 103 e segs; PAULO
social, pois carecem de sentido para a conduta de um individuo que viva isolado. OTERO, Lições de Introduçäa..., l vol., 1° Temo, pp… 275 e segs, 29
Sandra Lopes Luís lntrodução ao Estudo do Direito

3.1.1. Critério teleológico Critica: nem todo o direito é bilateral, pois existem normas
que nao säo susceptiveis de sançâo ou imposiçâo coactiva, V.g., o
A moral tern por base um fim pessoal: visa a realizacao plena cumprimento das obrigacoes naturais nao é judicialmente exigível
do homem; (art. 402.° do CC)”.
O Direito tem por base umfim social: visa a realizacao da justica,
imprescindivel para a garantia da paz nas sociedades. 3.1.4. Critério da autonomia

Critica: este critério nao atende a que os fins da moral apenas A moral é autonoma, porque as normas morais emanam da
se conseguem alcancar porque o homem se relaciona com os seus consciencia do sujeito que as deve cumplir, que constitui também a
semelhantes; e também para que as finalidades do Direito se concretizem, instancia julgadora sobre o seu incumprimento. A moral revela—se
as suas regras nao podem estar completamente desligadas dos valores como um imperativo categorico que cada suj eito comporta em si;
morais (um Direito imoral ou injusto dificilmente subsistira).
O Direito é heterànomo, porque as normas jurídicas emanam
3.1.2. Critério do objecto de entidades exteriores aos sujeitos que llie devem obediencia, e que
vêm também sancionar um eventual desrespeito dessas normas. No
A moral incide sobre a interioridade, isto é, com o que se processa Direito existe uma sujeiçâo a uma vontade de outrem e ele revela-se
ao nivel do pensamento e da consciencia (a motivacao dos actos e como um imperativo hipotético.
as íntenções do foro intimo), que sao as accòes humanas intemas; Critica: dado que muitas normas morais resultam de máximas
O Direito incide sobre a exterioridade, isto é, sobre as actuacòes universais importantes na relacào com os outros, e nao da consciencia
do homem, depois de manifestadas extemamente. do individuo, a moral também goza de uma vertente heteronoma;
da mesma forma, o Direito goza de uma vertente autónoma, pois
Critica: este criterio nao atende a relevancia que o Direito confere o cumprimento de certas normas jurídicas tem por base nao só a
a “intencao” nas accóes humanas 7 o Direito nao dispensa a apreciacao sujeiçâo a urna vontade alheia, mas também o reconhecimento da
de factores intemos como a “culpa” ou o “dolo”, ou seja, nao dispensa existéncia de um dever que se impòe à propria consciéncia.
os motivos da actuacào; e também este critério nao toma em
consideracao a importancia que a moral confere ao lado externo, 3.1.5. Critério do minimo ético20
pois esta exige a actuacao correctamente manifestada.
De acordo com este criterio, o Direito é a parte da moral que
3.1.3. Critério da imperatividade respeita aos preceitos que sao indispensa'veis à ordenação da sociedade.
Por isso, pode-se considerar que a moral constitui uma área maior
A moral é unilateral, porque ímpõe deveres mas nao reconhece
correspectivos direitos, isto e, nao se pode impor a outrem o
cumprimento de deveres morais; “’ Um exemplo de obrigações naturais serio as dividas de jogo (art… 1245.“ do
O Direito é bilateral, porque impöe deveres e reconhece CC).
2° Cfr. ANTÓNIO SANTOS JUSTO, Intmdução an Estudo…, pp… 26 e 27;
correspectivos direitos: caso alguém nao cumpra uma certa obrigacao
MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÀO, Introduçãa ao Estuda…,
legal a que está adstrito, o seu cumprimento pode ser exigido por pp… 222 e segs; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdupfiam, pp. 103
30 outrem. e segs. 31
Sandra Lopes Luís lntrodução ao Estudo do Direito

e que o Direito constitui uma parte menor dessa area, 0 que leva ao 3.2.2. Recepçâo do moral pelo Direito
entendirnento de que todo o Direito faz parte da moral, mas nem
toda a moral faz parte do Direito. Existem também casos em que sao as normas jurídicas a remeter
expressamente para a moral, falando—se, a este respeito, de uma recepgao
Critica: näo sâo todas as regras do Direito que têm uma conotacao
da moral pelo Direito. Nestes casos, verifica-se uma incorporaçäo
ética (v.g., as regras de transito); e também, embora o criterio indique
das normas morais que passam a valer como Direito, como por
uma area de sobreposicao entre o Direito e a moral, nao esclarece a
exemplo:
razâo delimitadora dessa area, ou sej a, o que deva pertencer a moral
e o que deva pertencer ao Direito. l. O art. 29.°, n.° 2, da Declaracao Universal dos Direitos
do Homem, que a CRP acolhe, remete para “as justas
3.1.6. Considerações finais exigêncías da moral”.
2. Também no Direito Civil, 0 art. 280.°, n.° 2, do CC refere—se
Nenhum destes criterios estabelece, de um modo certo e definitivo, a negocios jurídicos cujo objecto ou fim “seja ofensivo
os limites que afastam 0 Direito e a moral, para além de que, muitas das bons costumes”, apelando à moral social dominante.
vezes, os valores morais e os valores jurídicos sao coincidentes.
Todavia, e näo obstante estes factos, a analise dos diferentes critérios
distintivos permite-nos ficar corn uma ideia acerca dos principais § 4. Caracterização da ordem juridica22
vectores que norteiam cada urna destas duas realidades.
Como já afirmamos, subjacente a ordemjurídica esta a ideia de
3.2. Relações de interdependência entre Direito e moml21 um Direito positivo estavel presente numa determinada época”, ao
3.2.1. Influência da moral sobre o Direito qual se apontam algumas caracteristicas.
Vamos abordar cinco características do Direito ou da ordem
Enquanto ordem normativa, verifica—se que a ordem moral pode jurídica:
influenciar a ordemjuridica, nomeadarnente, quando a primeira assuma 1. A necessidade;
uma relevancia social. Fala—se, assim, da possibilidade de legalizacao 2. A imperatividade;
de soluçôes morais, o que no nosso ordenamento juridico se verifica 3. A coercibilidade;
com a existencia de normas cujo fimdarnento se reconduz claramente 4. A exterioridade;
aos preceitos morais, tais como: o art. 282.“ do Código Civil (doravante 5. A estatalidade.
CC), que fixa a proibiçäo de negocios usurarios; ou o art. 13.“ da
Constituigao da República Portuguesa (doravante CRP), que consagra
o principio da igualdade.

Sobre esta materia vide, em particular, ANTONIO SANTOS JUSTO, Intraduçân


,
22

a0 Estudo…, pp… 30 e segs; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÂO, 0 Direito


Intraduçän..., pp. 193 e segs; PAULO OTERO, Liçães de Intmdução aa Estuda
da Direito, I vol, 2° Tomo, 1998, pp. 127 e segs.
21 Com este enquadramento da materia, cfr… PAULO OTERO, Lições de 23 Direito visto na perspectiva da ordem jurídica, considerado como um sistema

Introduçãa..., I vol, 1° Tomo, pp… 290 e segs. de normas, 33


Sandra Lopes Luís lntrodução ao Estudo do Direito

4.1. Necessidade24 4.1.2. Necessidade como fundamento do Direito

Enquanto caracteristica do Direito, a necessidade pode ser A intervenção sobre inümeros sectores da vida social só sejustifica
encarada de duas perspectivas: se existir uma razao de necessidade ou utilidade que fundamente o
Direito. Esta razäo de necessidade legitima a forma de exercicio do
4.1.1. Necessidade como “imprescindibilidade social do poder, o que sucede com:
Direito”25
1.A intervenga!) juridica-penal 7 a incriminação de condutas
só deve ocorrer se o comportamento em causa ofender
O Homem é um ser social, que se relaciona com os outros para
os valores ou bens essenciais da sociedade, v.g., quem
satisfazer as suas necessidades. A existencia das relaçôes entre os estaciona no passeio nao vai preso;
membros da sociedade determina o aparecimento de regras que as
2. A íntervenção fiscal 7 a fixaçäo de impostos nao deve ser
regulem ou disciplinem. Por isso, o Direito surge como algo natural
ao próprio estado social do Homem, revelando-se irnprescindivel para
arbitraria, mas deve antes ter uma fimdamentacao suficiente.
efeitos da sobrevivencia da sociedade 7 o Direito é uma realidade
social inerente a condicao humana. 4.2. Imperatividade
Esta ideia da necessidade da ordem juridica, para efeitos da 4.2.1. Noção
subsistência da sociedade e do próprio Homem, permite distingui-la
das restantes ordens nonnativas: A ímperatividade tem por base uma ideia de obrigatoriedade
l . Ordem de trato social 7 a sociedade pode viver perfeitamente dos actos juridicos, dado que a sua essência é a do dever ser: existe
um dever de obediêncía ao Direito, independentemente de uma
sem as regras de trato social, nao obstante a reduçäo da
qualidade de Vida; manifestaçãa de vontade nesse sentido“.
É esta obrigatoriedade que fundamenta a funçäo de ordenaçäo
2. Ordem religiosa 7 mesmo que se acredite que a religiao é
social que incumbe ao Direito, pois caso se pudesse optar livremente
essencial a condicio humana, tal é urna imprescindibilidade
entre o seu acatamento ou nâo, as normas jurídicas dificilmente
individual (de sobrevivencia espiritual de cada suj eito) e
conseguiriam assegurar a justica e a seguranca necessarias à convivencia
nao social (a sociedade consegue viver sem religiäo);
humana.
Ordem moral 7 aqui também existe uma imprescindibilidade
E"

Um factor bastante importante para a afinnaçäo da imperatividade


individual e nao social, embora o Direito se preocupe em ou obrigatoriedade do Direito é a existência de sançôes. As sangòes27
transformar certas regras morais em regras juridicas devido sâo as consequências jurídicas desfavoráveis que ocorrem quando
ao seu inevitavel reflexo na sociedade. se desrespeita uma certa norma juridica, e que sao um factor muitas
vezes determinante para o seu cumprimento.

“ Com este enquadramento da materia, vide PAULO OTERO, Lições de “ Este “dever ser" implica um reconhecimento do Direito por parte dos
Introduçäa..., I vol, 2° Tomo, pp… 129 e segs, sujeitos destinatarios, de modo a que näo se transforme num “ter de ser” que nao
25 A expressão e' de PAULO OTERO, Lições de Intraduçã0..,, I vol…, 2° Tomo, o legitimaria.
p… 129. 27 Vide infra 34.1. 35
Sandra Lopes Luís lntrodução ao Estudo do Direito

Embora elas nao estejam presentes em todas as regras juridicas, de vinculatividade para os seus destinatarios (os aplicadores do Direito 7
nao pode deixar de se afirmar que assistem a ordem juridica em tribunais e Administracao), atendendo a que estes devem obediència
geral. à lei e nao podem, sob pena de ilegalidade da decisào, opor—se à
aplicacao de um conceito legal, v.g., todos os negòcios juridicos
4.2.2. Imperativídade enquanto característica do Direito que tenham por objecto coisas devem atender à deñnição do art.
202.° do CC.
4.2.2.1. As teses28
4.2.2.3. Entendimento da imperatividade
Discute-se se todo o Direito é imperativo, no sentido de que
todos os seus actos têm natureza obrígatáría ou impõem a adopção
Deste modo, perfilhamos o entendirnento de que a imperatividade
de uma deteiminada conduta. A imperatividade nao tem reunido
deve ser entendida como urna característica da ordem jurídica em
consenso enquanto caracteristica do Direito, havendo Varias teses
a este respeito:
gera], dado 0 seu sentido nem sempre corresponder à existencia
de um comando concreto que impòe urna certa actuacao aos seus
1. ¡ése ímperatívísta 7 segundo esta tese a imperatividade destinatarios”, mas, ainda assim, corresponder a toda a norma uma
é Luna caracteristica do Direito, so existindo Direito quando ideia de obrigatoriedade, que decorre do dever de respeito ao Direito,
haja imperatividade; enquanto garante da resolucao de conflitos na sociedade.
2. ¡ése anti-ímperativísta 7 de acordo com esta tese, nega—se
a todas as normas jurídicas urna natureza imperatiw, pois a 4.3. Exterioridade
imperatividade nao deve ser tida como um factor constitutivo
de Direito; Consiste no facto de as normas juridicas disciplinarem
Cancepçães mistas 7 representam uma sintese das teses comportamentos que se manifestam exteriormente, o que significa
E"

anteriores, porque apenas reconhecem imperatividade a que as meras intencóes sem manifestaeao externa nao provocam
uma parte dos actos jurídicos, sem que aqueles que näo Direito, embora se dé relevancia à consciência paIa determinar
perfilhem desta caracteristica percam o carácter jurídico. os motivos que explicarn as condutas sociais. V.g., se alguém tem
intencao de furtar uma carteira, caso nao concretize essa vontade
4.2.2.2. Actos não imperativos num acto externo, o Direito nao lhe da importancia.

Existem certos actos na ordem jurídica que nao podem ser 4.4. Estatalidade (pretensa caracteristica)
considerados verdadeiros irnperativos, como é 0 caso das definiçôes
legais. No entanto, mesmo em relacào a estas é possivel perspectiwr Segundo a estatalidade ou estadualidade todo 0 Direito brota
alguma imperatividade, pois sendo as definicòes legais29 as normas que dos órgãos do Estado. Trata—se de urna (pretensa) caracteristica do
só ganham sentido quando conjugadas com outros preceitos jurídicos, Direito que tem por base a teoria do manismajuridica, representada
que por elas säo esclarecidos, estas normas gozam de um certo grau por Hans Kelsen na obra “Teoria Pura da Direito”, segundo a qual

2‘ Vide PAULO OTERO, Lições de Introduçâow I VOL, 2…“ Tomo, pp… 143 e 3“ Tal como adiante observaremos, quando tratarmos da materia da norma jurídica,

segs. nem todas as normas jurídicas se podem considerar normas de conduta, e, também,
29 Vide infra 22.224… muitas delas envolvem na sua aplícação uma manifestação de vontade do destinatario… 37
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

se defende que o Estado é o Direito (isto é, o direito positivo) e Exemplos de possiveis expressôes de utilizaçâo da força em
que o Direito é o Estado (enquanto conjunto de normas dotadas de Direito 7 manifestacòes de coacçäo directa ou indirecta 7 sao:
coercibilidade e emanadas das estruturas decisòrias do poder), por
1. As sancòes patrimoniais ou pessoais;
isso, a aplicacao e a criacao das normas juridicas compete sempre
2. A execuçâo forçada de certa prestacao sobre patrimonio
ao Estado.
ou sobre pessoa;
Em contraposicào a teoria do monismo jurídico surgiu a teoria
3. A detenção pessoal;
do pluralismo jurídico, que vem defender precisamente o oposto,
4. A entrada em domicilio privado;
ou seja, que nem todo o Direito é criado e aplicado pelos organismos
5. A expulsao de um certo local;
estaduais.
6. O uso de armas de fogo;
Em nossa opiniao, é esta a teoria que melhor se adequa a
7. O uso material de forca fisica através de uma intervenção
realidade, porque, embora nao se duvide que em regra as normas
(de forcas policiais) corn meios violentos sobre as pessoas.
dimanem dos orgàos estaduais que exercem uma função legislativa
(que a sua aplicação seja feita pelo poder executivo e as situaçôes
4.5.2. Quem pode exercer a força?
de litigios dirimidas pelos tribunais), a verdade é que o Estado nao
tem o monopolio da criacao do Direito, nem a exclusividade da sua
A regra geral vai no sentido de só o Estado pode exercer coacçäo.
aplicacao, pois ha normas jurídicas com outra proveniéncia, como
Todavia, existem casos excepcionais em que se permite o uso da
é 0 caso do direito internacional (V.g., a Declaraçâo Universal dos
forca por particulares 7 os meios de tutela privada33 (v. g., a legitima
direitos do Homem) ou mesmo do direito consuetudinario.
defesa ou o direito de resistência) 7 em que se autoriza a defesa a certa
Por estes motivos, entendemos que a estatalidade se configura
agressao pela via da forca, desde que verificados certos pressupostos.
apenas como uma pretensa caracteristica do Direito.
4.5.3. Coercibilidade enquanto caracteristica do Direito34
4.5. Coercibilidade31
4.5.1. Noção 4.5.3.1. As teses

A coercibilidade consiste na “possibilidade de um aparelho Existem très teses acerca da questâo de saber se a coercibilidade
organizado usar a forca sempre que uma disposicào juridica seja violada
constitui uma verdadeira caracteristica do Direito:
por acçäo ou omissäo, isto para obter do infractor o constrangimento 1. Tese tradicional 7 de acordo com esta tese, a coercibilidade
para o respectivo cumprimento ou simplesmente para sancionar é uma caracteristica do Direito, pois este configura-se como um
esse mesmo incrmiprimento.”32 conjunto de normas que sao ou podem ser garantidas através da
A coercibilidade separa-se da coacçâo, porque coercibilidade utilizacao da forca. Temos, assim, em primeiro lugar o Direito e em
traduz a mera passibilidade do uso da forca (afigura—se como uma segundo lugar a forca, configurando-se esta como um instrumento
coaccao potencial), enquanto que a coacçäg é o efectiva usa da forca, de realizacao do Direito (o que pode acontecer pela sujeicao ao
isto é, a actuacao através da qual se pratica a forca. cumprimento do Direito ou pela interdicào da Violaçâo do Direito).

“ Sobre esta caracteristica vide PAULO OTERO, Lições de Intraduçäo..., I


VOL, 2° Tomo, pp, 44 e segs. “ Vide infra 38.
:2 Vide PAULO OTERO, Lições de Intradugdnw, Ivol., 2“ Tomo, p. 44. “ Cfr… PAULO OTERO, Liçães de Intraduçän..., I vol., 2" Tomo, pp… 47 e segs. 39
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

2. Hase do Direito como regulador da força 7 de acordo com o obrigado (Estado) é precisamente o detentor da força
esta tese, o Direito é um conjunto de normas que regula o exercicio da (excluindo—se, evidentemente, os mecanismos de direito
força, por isso, temos agora em primeiro lugar a força e em segundo internacional, quando existam, o que podera suscitar,
lugar o Direito. A força deixa de ser encarada apenas como um igualmente, o problema da coacção em relação a eles).
mera instrumento de realizaçâo do Direito, mas passa a ser a propria
matén'a que é por ele regulada: as normas jurídicas “disciplinam
4.5.3.2. Entendimento da coercibilidade
o quando, a coma, o quem e o quanta do exercicio do poder de
coacçã0”35.
Rejeitamos, desde logo, a tese que considera o Direito como
configuradora da força coma elemento nao essencial
3. Tese um mecanismo regulador da força, pois este deve ser prévio a sua
do Direito 7 de acordo com esta tese a coaccao e a coercibilidade existéncia, devende—se configurar, antes, a força como um instrumento
nao sao características do Direito devido a très factores: de realizacao do Direito. Embara, nao se duvide que a maior parte
das normas jurídicas sejam dotadas de coercibilidade, a verdade é
a) A coacção mio é necessária a todo o Direito, porque muitas
vezes o cumprimento das normas jurídicas fundamenta-se que algumas existem em que tal nao sucede, por isso acolhemos a

em motivaçôes psicológicas que ultrapassam o receio do última tese apresentada“, segundo a qual a coaccao näo é necessaria,
nao existe e naa é pessivel em todo o Direito.
exercicio da força por parte do Estado. Isto é, o acatamento
espontâneo do Direito funda-se na existencia de um dever Deste modo, a caercibilidade apenas pode ser considerada uma
que tem por base a ideia de que só por essa via se pode característica tendencial do Direito.
garantir a convivencia e a subsistència da soeiedade, näo
sendo necessaria, por esses motivos, a sua imposição
caactiva através de sançôes; § 5. Os fins do Direito37

b) A coacçäo nao existe em toda o Direito, dado que o respeito


O Direito regula as relaçôes da Vida social, para isso prossegue
de muitas normas jurídicas nao se consegue assegurar
certas fins e conjuga interesses confiituantes. O peso que se da aos fins
através do uso da força, como, por exemple, o caso do
do Direito (ou do Estada, enquanta entidade que prossegue o Direito)
art. l36.°, n.° 1, da CRP, em que inexiste um mecanismo e aos diversos interesses varia de comunidade para comunidade
coactivo que obrigue o Presidente da Republica a premulgar
(censeante seja mais eu menos democrática), no entanta, podem—se
as leis no prazo de 20 dias quanda a tal esteja ebrigado;
identificar certos fins do Estada universais, que sao constantes em
c) A coacção nao é passive] em todo o Direito, parque em toda a parte, como é o caso dajustiça, da segurança e dapromoçäo
ultima instancia naa existe a possibilidade de se coagir do bem—estar económico, social e cultural.
o proprio coacter, iste é, nao existe protecçäo coactiva
em relaçäo à norma que permite o uso da coacçäo. V.g.,
no caso de o Estado ser candenada pelos tribunais, per
35 Cam esta posiçäo, PAULO OTERO, Lições de Intmduçãnw l vol, 2“ Tomo,
exemple, aa pagamento de uma indemnizacàe, inexiste pp. 54 e segs.
um mecanismo coactivo de execução da sentenca, parque ” Sobre esta materia, vide: ANTONIO SANTOS JUSTO, Introduçäa ao Estaria“,
pp… 64 e segs; MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmdução
aa Estudo…, pp… 25 e segs; PAULO OTERO, Lições de Introduçào..., I vel., l“
40 35 Assim, PAULO OTERO, Lições de Intmduçãnw l vol., 2° Tomo, p. 52. Tomo, pp… 146 e segs. 41
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

5.1. Justiça 5.1.2. Elementos concretizadores da ideia de justiça38


5.1.1. As modalidades de justiça
A justiça implica algumas ideias ou corolarios que auxiliam na
sua definicao, tais como, o principio da igualdade, o principio da
Nao existe um conceito unitario de justiça. Trata—se de uma realidade
complexa que encerra diversas perspectivas de enquadramento: proporcionalidade e 0 principio da imparcialidade.
segundo postulados da Igreja Católica define-se como a “vontade 1. Principio da igaaldade39 7 este principio significa que:
de Deus no coraçäo dos homens”; há também quem a trate como o
a)Deve—se tratar igual 0 que é igual na sua esséncia 7 a
“dar a cada um o que é seu”.
justiça impôe que as pessoas e as suas actuaçôes devem
Vamos, por isso, analisar algumas perspectiws ou modalidades de ser regidas de acordo com as mesmas regras quando se
justiça, enquanto fim do Direito: encontrem em semelhantes situaçôes ou circunstâncias.
1. Mapa comutativa 7 tem por finalidade corrigir as desigualdades
V.g., os seres humanos nao podem ser discriminados
que possam existir nas relaçôes entre os particulares, nomeadamente
por razòes de sexo, idade, raça, religiâo, estado, situaçäo
economica, ideologia ou actividade politica (art. 13.° da
ao nivel da equivalencia de prestaçôes contratuais. Assenta numa
ideia de paridade de posiçôes entre as pessoas no âmbito das relaçâes CRP);
de coardenação e respeita ao direito privado. V.g., a proibicao de b) Deve-se tratar de modo desigual a que e' substancialmente
cláusulas contratuais gerais abusivas; diferente 7 ajustiça irnpöe que as pessoas e as suas actuaçôes
devem ser tratadas ou regidas de modo dissemelhante
2. Justíça distributiva 7 tem por finalidade assegurar que a
quando se encontrem também em circunstancias distintas.
distribuiçâo dos bens do Estado (principalmente dos bens economicos Pretende-se uma correccào das desigualdades na distribuicào
sociais e culturais) pelos cidadaos e classes nao seja feita de modo da riqueza e rendimento centrada na melhoria das condiçôes
desproporcionado, por forma a que n5o se ponha em causa a natureza dos mais desfavorecidos. V.g., a atribuiçâo de subsidios
identica do ser humano. Esta justiça gera uma desigualdade de as pessoas mais carenciadas.
resultados, pois atende a finalidade da distribuicào e 5 situaçäo
particular dos sujeitos destinatarios (méritos e necessidades). Ocorre 2. Principio da proporcionalidade entre as soluçôes fomecidas
ao nivel das relaçães de subardínação e respeita ao direito público. pelo Direito e as situaçôes a que elas se destinam‘O. Assenta em tres
V.g., a prestaçäo de cuidados de saúde gratuitos a pessoas mais ideias:
carenciadas;
3. Justiça geral 7 diz respeito a participacao dos cidadaos nos
encargos comuns da sociedade: o contributo do cada um deve ser
pautado por critérios de igualdade e proporcionalidade. Esta em
causa urna perspectiva inversa da justiça distributiva, pois agora é m Vide PAULO OTERO, Liçães de Introduçào..., I vol…, l“ Tomo, pp… 158 e
relevante aquilo que cada um da, de acordo com as suas possibilidades, sags.
” Para maiores desenvolvimentos acerca do principio da igualdade, vide JORGE
para o bem comum. V.g., o pagamento de mais impostos por parte REIS NOVAIS, Os Principios Constitucionais Estruturantes da República
das pessoas com maiores rendimentos. Portuguesa, Coimbra, 2004, pp… 101 e segs,
““ Sobre as diferentes vertentes deste principio, vide JORGE REIS NOVAIS,
42 Os Principios Canstitucionais“, pp, 161 e segs. 43
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

a) Adequação das soluções às situapoes reais (au idoneidade) partes fundou a sua decisäo de contratar, pode ocorrer a
7 a justiça impôe ao decisor a aptidäo do meio para alcançar resoluçâo ou modificacào do respectivo contrato; ii) o art.
o resultado pretendido: idoneidade das medidas para realizar 428.° do CC dispòe que se num negòcio juridico bilateral
o fim Visado. V.g.: i) segundo os artigos 562° e 566.0 se verificar o incumprimento de uma das partes, pode
do CC, para a reposiçäo da situaçâo existente antes da a outra invocar a seu favor a figura da excepçäo de nao
Violaçâo do direito, a restituiçäo in natura é preferivel à cumprimento‘”.
indemnizaçäo em dinheiro; ii) a obrigatoriedade de vacinas 3. Principio da imparcialidade 7 a justica irnpede que os titulares
a animais atingidos por certa doença (e nao o seu abate) dos órgãos do poder politieo (Estado) se beneficiem a eles pròprios,
sera uma medida adequada se se souber que isso é suficiente aos parentes, sócios ou colegas, quando definem as regras de Direito.
para a prevençäo da propagaçäo da epidemia a outros Para tal, fixam—se impedimentos e incompatibilidades aos titulares
animais“; dos òrgaos da Administracao Publica, aos titulares de cargos politicos
b) Proibíção do excesso au a necessidade (indispensabilidade) e aos magistrados (vide art. 266.°, n.° 2, da CRP e artigos 69.0 a 76.0
7 a justica impede que o Direito imponha sacrificios para do Código de Procedimento Administrative).
além do estritamente necessario, o que implica que o
meio a adoptar em concreto seja indispensável, ou seja, 5.2. Segurança jurídica
por exemplo, a intervençâo das normas incriminadoras de
Um outro fim do Direito é a seguranca juridica, que tem por base
condutas deve ocorrer unicamente quando sejam postos
uma ideia de certeza e da garantia de paz e tranquilidade na sociedade.
em causa bens ou valores essenciais da comunidade e as
actuaçôes sejam ética e socialmente reprovaveis; V.g., i) O conceito de seguranca pode ser entendido de très modos:
nao se deve criminalizar a conduta de quem estaciona o 1. Como traduzindo um estado de ardenação e paz que a
carro no passeio; ii) a protecçäo ao abrigo da legitima defesa ordem juridica tutela através da prevencao e repressäo
nao deve ser excessiva, sob pena de ser considerada ilícita das agressôes contra pessoas e bens, afigurando-se im-
(art. 337.“, n.° 2, do CC) 7 o meio de defesa diante de um prescindivel para a subsistência da sociedade;
empurräo nao pode ser um tiro com uma arma“; 2. Como traduzindo uma certeza do Direito, o que permite
c) Ideia de equilibrio au pmparcionalidade em sentido restrito prever os efeitos juridicos das nossas actuaçôes e conse-
entre as prestaçôes envolvidas 7 a justiça impôe que os quentemente o planeamento da vida apoiada em bases
interesses de uma parte nao se realizem à custa dos firmes e estaveis;
.Como traduzindo uma pratecçãa das particulares em

b)
interesses da outra, o que implica a exclusao de soluçôes que
relação ao Estado (poder), o que tem por base a ideia de
conduzam a desequilibrios na equivalencia das prestaçôes
que num Estado de Direito os orgaos devem respeitar os
(em termos contratuais ou das posições juridicas em
direitos dos cidadâos. Esta segurança é concretizada pelo
confronto). V.g.: i) o art. 437.“ do CC dispõe que, no caso
principio da legalidade, que limita a acçäo do Estado, e
de alteraçâo anormal das circunstâncias em que uma das
também pela independencia dos tribunais que decidem
os recursos contra os actos da Administracao.
‘"Cfr. PAULO OTERO, Liçães de Intmdução.,., I VOL, ]" Tomo, p… 165…
42Para mais exemplos, vide PAULO OTERO, Liçães de Intrvdugäa„„ I vol…,
44 1“ Tomo, p, 164. 43 Cfr, PAULO OTERO, Lições de Intmduçäo..., I vol, l" Tomo, p… 166… 45
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

5.3. Relações entre a justiça e a segurança juridica44 c) Prescriçäo47 7 consiste na supressao da possibilidade de
se fazer valer judicialmente um direito. Por exemplo, as
Sende a justica e a seguranca dois dos principais fins do Direito, prestacóes tributarias dos impostos periódicos (como é 0
verifica-se que este muitas vezes traduz apenas as situacoes possiveis case do IRS) prescrevem no prazo de oito anos a partir do
e n50 as desejaveis, por isso, nao raro, surgem conflitos entre estes dois termo do ano em que se verificou o facto tributario (vide
valores. Quando tal sucede sera que deve prevalecer a justica ou esta 0 art. 48.°, n.° 1, da Lei Geral Tributaria), o que significa
deve ser sacrificada em nome da seguranca? A resposta a esta questao que a Administracào fiscal n5e pode reclamar e imposto
implica inevitavelmente que nenhuma delas pode ser totalmente uma vez decorrido este prazo. Existe também aqui urna
afastada, devendo antes procurar—se solucoes que impliquem uma prevaléncia da seguranca sobre a justica, pois a pessoa
complementaridade integrada numa lógica global do sistema. nao pode ficar etemamente à espera para saber se deve
Vejamos alguns casos em que existe urna tendencial preponderancia pagar certo imposto ou n5e.
da seguranca sobre a justica 7 casos hipotéticos de prevalencia da
Da analise destes casos, verificamos que as situacóes em que a
seguranca sobre a justica:
seguranca parece prevalecer sobre a justica implicam elas proprias,
a) Caso julgado“5 7 verifica—se quando um conflito 1150 pode igualmente, uma ponderacao deste último valor, razao pela qual o
voltar a ser apreciado judicialmente, 0 que tem por base uma que existe é uma complementaridade entre a segurança e a justiga“.
ideia de seguranca e estabilizacào das situacòes juridicas Assim:
das pessoas. Todavia, sendo a sentenca um acto praticado
a) Ajustiça tem sempre per base um pressuposto de seguranca,
pelo homem mio se afasta a possibilidade de haver uma
nao se podendo imaginar uma sociedade justa sem um
injustica na aplicacao do Direito, V.g., alguém pode ser
minimo de seguranca já instaurada, logo os eventuais
condenado por um crime que n5e cemeteu;
conflitos entre a seguranca e a justica acabam por se
b) Usucapiäa46 7 consiste na posse do direito de propriedade reconduzir a conflitos da justica consigo própr‘ia;
durante certo periodo de tempo que permite ae possuidor b)A seguranca juridica só se mantém se as normas 1150
adquirir a titularidade do direito. Implica a perda do direito negarem em absoluto a justica, pois a ordern estatal, que
per parte do legitimo proprietario a favor do possuidor pretende manter a paz e a seguranca, encontra-se mais
que se comporta como se fosse proprietario. Ocorre, neste susceptivel a contestacao pelo uso da forca no caso de as
caso, um sacrificio da justica, decorrente da existencia suas normas serem alheias a consideracòes de justica e
de um titulo legitimador, e a valerizac5e da seguranca e terem como fundamento um poder arbitrario.
estabilidade, resultante da aparència da situacao factual
subjacente 5 posse; Posto isto, concluimos que nao existe uma contradicáo entre
seguranca e justica, mas uma complementaridade entre ambas 7 a
justica pressupóe sempre seguranca e a seguranca esta ao serviço
da justica.

“ Cfr… PAULO OTERO, Liedes de Intmduçäo..., I VOL, l" Tomo, pp… 211 e
segs. ‘” Vide, em gera], os artigos 300.o e segs do CC.
45 Vide o 677.0 do Código de Processo Civil.
art… “ Com esta posiçâo, PAULO OTERO, Liedes de Intmdução.,., I vol…, 1“ Tomo,
45 Vide os artigos 1287.“ e segs do CC. pp… 219 e 220. 47
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

5.4. Promoção do bem-estar económico, social e cultural Na definiçâo de Estado observamos trés elementos essenciais
que a teeria tradicional põe em destaque:
Hoje em dia, o Estado intervém também na vida económica,
1. Povo 7 é o conjunto de cidadäos (ou nacionais) ligados a um
nas relacóes sociais e na actividade cultural, devido ao facto de os
determinado Estado, através de um Vinculo de nacianalidade, que
naturais mecanismos de mercado nao assegurarem a reduçäo das lhes reconhece o gozo de direitos politicos. Trata—se de um conceito
desigualdades existentes na colectividade (assimetrias pessoais,
juridica-politica que nao se confunde com o conceito de:
funcionais e regionais). Per isso, na sua actuacao o Estado visa
garantir um patamar minimo de bem-estar, o que implica a adopçäo de a) Papulação 7 é um conceite de natureza demografica, que
medidas variadas, tais como: a fixacao de niveis salariais minimos, respeita ao conjunto de pessoas fisicas (quer sejam nacionais,
a fixaçäo de pensões sociais, eu a tendencial gratuitidade dos graus estrangeiras ou apátridas) residentes em certa época no
de ensino (escolaridade obrigatoria). tenitório de um Estado;
A promoção destes objectivos é também indissociavel da b) Naçäo 7 é um conceito de natureza cultural, pois traduz os
justiga distributiva e da seguranpa, pois a tranquilidade pública e aspectos característicos de uma determinada comunidade
a estabilidade do Direito sâo mais facilmente alcancaveis numa que assentam na convivencia mais ou menos longa de
comunidade onde o bem-estar seja partilhado por todos os cidadaos. homens ligados pela mesma etnia, lingua e tradicòes.
2. Territorio 7 é o espaco limitado por fronteiras, onde o povo
§ 6. Sociedade politicamente organizada49 se rege segundo as suas leis, que sao executadas por autoridade
própria e com exclusao da intervencao de outros povos“. Integra o
Depois de termos estudado os principais fins do Direito, vamos territorio terrestre (solo e subsole), o espaco aéreo e o mar tenitorial
agora analisar o modo de organizacao da sociedade, imprescindivel (no caso de o Estado ter costa maritima).
para perceber como se efectua a criacao e aplicação do Direito. 3. Poder politico 7 é “a facuidade de que é titular um povo de,
por autoridade própria, instituir orgäos52 que exerçam, com relativa
6.1. Noção de Estado autonomia, a jurisdicao sobre um tenitório, nele criando e executando
normas juridicas, usando os necessários meios de coaccao”53.
A organizaçâo da sociedade tem por base a noçäo de Estado.
Segundo Marcelo Rebelo de Seusa/ Sefia Galväo, Estado e a
“colectividade, ou seja, um povofixo num determinado territorio que
nele institui, por autoridade propria, um poderpolitico relativamente
autònomo”5°.

“ O território proporciona uma ideia de estabilidade, per isso um povo nómada


“" Sobre esta materia, vide, em particular, ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmduçâa nâo tem Estado.
ao Estuda…, pp… 83 e segs; MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÀO, 52 Os órgãos são os centros institucionalizados de poderes e deveres que participam

Introduçãa ao Estado… pp, 22 e segs. no processo de formaçäo e manifestaçäo de vontade imputável ao Estado,
5" Cfr… MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÀO, Introducào aa “ Tal como referem, MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO,
48 Estado“, p. 22. Intmdução ao Estudo…, p. 23.
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

6.2. Funções do Estado seguranca social); o acesse a determinados cargos e funçôes públicas;
e os actos politicos negociais (acordos de concertagao social, acordos
Para assegurar os objectivos que constitucionalmente lhe estao de recuperacao de empresas, ou contratos de investimento).
atribuidos, o Estado tem de realizar permanentemente varias actividades
2. Funçäo legíslatíva 7 consiste na pratica de actos por parte
a que se da o nome de funçães54.
de órgãos censtitucienalmente eempetentes, que obedecem a um
As fimçôes do Estado nao se encontram todas no mesmo plano:
procedimento previsto na Constituiçäo e apresentam a forma extema
o poder eenstituinte gera a Constitui95o, que condiciona o poder
de lei (os actos legislativos s5o a lei, o decreto-lei e o decreto legislativo
de revisâo constitucional e as demais funçôes do Estado. Assim,
regional).
temos:
1. Funções prima'rias/principais ou independentes: sao as A flmção política e a funçäo legislativa obedecem a Constituicao
funçôes que os org5es do poder politico do Estado podem (incluindo as leis de revisão censtitucienal) e condicionam as fimçôes
realizar “de uma forma essencialmente livre ou minimamente secundarias.
Vinculada”55 7 funçäo política efunção legislativa;
2. Funçães secunddrias/subardinadas ou dependentes: sao 6.2.2. Funções secundarias: jurisdicional e administrativa
as funções que es órgãos do poder politico do Estado
exercem de modo coridicioriado 7 funçäo jurísdícíonal e As fimçôes secundarias decorrem das primarias:
função adminístrativa. 1. Funçäojurisdicianal 7 traduz—se no julgamente de litigios
derivados de conflitos de interesses priwdos ou de conflitos
6.2.1. Funções primarias: política e legislativa entre interesses püblicos e priwdos, e também na punicao
do desrespeito do Direito. Esta funçâo é exercida per
As funçôes primarias s5e independentes e apenas est5e suj eitas org5os independentes e impareiais, e es seus titulares s5o
à Constituiçâo: inamoviveis, nao podendo igualmente ser responsabilizados
1. Funçäo politica 7 cabe ae Governo (art. 182.° da CRP) e pelas decisöes que proferem;
“traduz—sena definiçâo e prossecuçäo pelos orgâos do poder politico 2. Funçäa administrativa 7 traduz—se “na satisfacao das
dos interesses essenciais da colectividade, realizando, em cada necessidades colectivas que, por Virtude da prévia opção
momento, as opçôes para o efeito consideradas mais adequadas”55. No politica ou legislativa, se entende que incurnbe ao Estado
ambito desta iunçäo incluem—se: a criaçäo das condiçôes necessarias prosseguir”57. O exercicio desta iunçäo compete aos órgãos
para a concretizaçâo dos direitos económicos e sociais (v.g., o administratives que s5o “interdependentes, detades de
desenvelvimente de politicas relativas aos sistemas de saûde, educaçäo e
iniciativa e parcialidade na realizacao do interesse público,
e com titulares arnovíveis e responsaveis pelos seus actos”53.
“ Cabe aos órgãos realizar os objectivos do Estado, sendo as funções as
actividades desenvolvidas pelos orgies para alcançar os objectivos que lhe estao
constitucionalmente cometidos
55 A expressäo é de MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, 57 Assim, MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmduçãü

Introduçäa a0 Estudi)“, p… 30. aa Estado… p. 31.


55 Tal como referem, MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÀO, 53 Wde, novamente, MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVAO,

50 Introduçäa a0 Estudi)“, p… 30. Intmdução uo Estud0…, p. 31… 51


Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

A funçâo jurisdicional e a funçäo administrativa devem ser 6.4. Estado de Direito60


conformes à Constituicaa, aos actos pelitices e as leis.
O Estado de Direito tem na sua base a juridicidade: o Direito
6.3. As relações entre o Estado e o Direito59 motiva-e e define-lhe as competéncias. Todavia, até à afinnaçäo da
juridicidade do Estado, surgiram varias etapas:
Ae longe da historia verificou—se uma luta contra a arbitrariedade l. A luta contra o arbitrio judicial na Idade Média, coma
da actividade do Estado. A ideia de justiça, ligada ao Direito, sempre
per exemple, contra as abusos dos juizes que tratavam
esteve presente, pois tal seria uma forma de assegurar a paz: ne Estado mais severamente es pobres;
Liberal pretendiam—se destruir es privilégies do clero, assegurar a
igualdade dos cidadaas perante a lei e tutelar direitos civis e pelitices; 2. A criacao de uma justiça administratiw de fiscalizaçâo dos
o Estado Social de Direito preocupa—se com a justiça distributiva e actos da Administracao, que comecau a ser sedimentada
com o bem-estar económico, social e cultural dos cidadaas. apos a Revoluçâo Francesa;
Existem varias doutrinas acerca da relaçäo entre o Direito e o A implementacao de mecanismos de controlo jurisdicional

b)
.
Estado: das leis, pois o legislador também se encontra limitado na
l. A doutrina normativista 7 identifica o Estado com o Direito sua actuaçäo ao respeito da Constituiçäo.
e como ta] 0 Estado age sempre de acordo com ele, razäo Percorridas estas fases, surge um Estado material de Direito,
pela qual nao faz sentido o problema de limitaçäo do Estado que tem por missäo concretizar a justiça, e cujos postulados sâo os
pelo Direito (tese defendida per Kelsen); seguintes:
2. A doutrina marxista 7 entende igualmente que o Direito O ordenamento juridico obedece a uma estrutura hierárquica,

._.
.

se confunde com o Estado, mas agora aquele nao passa sendo a lei a sua principal fonte;
de um instrumento nas mãos da classe dominante para a
sujeição das outras classes. 2. A protecção dos direitos fundamentais, ligados à dignidade
humana, assume um valor essencial ao Estado de Direito;
Critica a estas deutrinas: Sao criados mecanismos reforcados de controlo da actuaçäo

b)
.

Per um lado, o Direito, que Visa realizar a justiça, tem como administrativa e de tutela dos direitos des cidadäos, tanto
funçâo limitar e legitimar o Estado, por isso nao se confunde com ao nivel gracioso (junto da propria Administraçâo), como
ele. E por outro lado, o Estado pretende garantir a ordem juridica, ao nivel contencioso (junta dos tribunais);
que lhe deve obediéncia, per isso o Estado tem de ser de Direito. 4. A legislaçäo é controlada pelos tribunais, principalmente
no que diz respeito à sua conformidade cam Constituiçäo.

5° Sobre esta materia, vide ANTONIO SANTOS JUSTO, Introduçäo aa Estado…


52 pp. 90 e segs. 5° Vide ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmduçäo aa Estado… pp. 93 e segs.
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

§ 7. Ramos de Direito61 7.2. Critérios de distinçâo entre direito público e direito


privado63
7.1. Conceito
Säo avançados pela doutrina très critérios distintivos:
O direito estadual pode ser entendido como urna árvore, que tem
um tronco e diversos ramos: a árvare diz respeito à ordem juridica 1. Critério do interesse
em geral; o tronco é composto pelos valores superiores e principios 2. Critério da qualidade dos suj eitos
gerais que sao comuns a todos os ramos de Direito; e os ramos são 3. Critério da posiçâo dos sujeitos
as várias partes au fracções do Direito, que se separam de acordo
com as matérias que visam regular (v. g., o Direito Constitucional, 7.2.1. Critério do interesse
o Direito Penal, os Direitos Reais, etc)“.
Cada ramo de Direito dedica-se a uma matéria especifica, que De acordo com este critério, as normas de direito publico visam
pode dizer respeito, por exemplo, à vida privada das pessoas, à sua proteger os interesses pûblicos do Estado ou da comunidade, e as
relaçâo com a Administraçâo ou à criminalizaçäo de condutas, por normas de direito privado visam proteger os interesses proprios dos
isso, cada um deles assume um conjunto de caracteristicas próprias individuos. Assim, a norma administrativa sobre as competencias dos
que justificam a sua autonomizaçâo. governadores civis ou a norma fiscal sobre o imposto de imóveis
servem os interesses públicos. Ja a norma civil sobre o contrato de
Tradicionalmente faz-se a divisäo entre direito intemacional e
arrendamento entre particulares ou a norma laboral sobre a remuneraçäo
direito interno, todavia, para efeitos de estudo dos ramos do Direito
do trabalho nocturno sao normas que servem os interesses privados
vamos cingir—nos ao direito intemo ou direito estadual. Vamos analisar
dos individuos.
a distincao classica entre direito público e direito privado, que remonta
ao periodo romano, e cujo criterio de separaçâo esta longe de ser Critica: embora o mais das vezes este critério seja certo, a verdade
unánime. e que ha situaçôes em que tal nao sucede, dado que“:
1. Ha nonnas de direito público que tem por missâo concretizar
os interesses dos particulares, v.g., as normas de processo
civil visam regular os processos que decorrem nos tribunais
judiciais para efectivaçäo de direitos civis comerciais ou
laborais dos particulares;

“ Sobre esta matéria, em particular, vide: DIOGO FREITAS DO AMARAL,


Manual de Introdupdo…, pp… 215 e segs; JOÃO BAPTISTA MACHADO, Intmduçãa 53 Sobre os criterios de distinçäo entre o direito publico e o direito privado,

ao Direito e a0 Discurso Legitimador, 193 ed, (reimp), Coimbra, 2011, pp… 63 vide ainda: ARMANDO MARQUES GUEDES, A Concessdo, Coimbra, 1954,
,
e segs; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito Introdupào…, pp… 333 pp. 129 e segs; MARIA JOÃO ESTORNINHO, A Fuga para o Direito Privado,
e segs; MARCELO REBELO DE SOUSA / SOFIA GALVÄO, Intmdução ao Coimbra, 1996, pp… 139 e segs…; NUNO ALBUQUERQUE SOUSA, Nnções de
Estado… pp… 312 e segs; NUNO SÁ GOMES, Intmdução aa Estado do Direito, Direito Administrativo, Coimbra, 2011, pp… 68 e segs; PEDRO GONCALVES,
Lisboa, 2001, pp… 229 e segs. Entidades Privadas cam Poderes Públicas, Coimbra, 2005, pp… 270 e segs.
“ Fazendo esta comparaçäo, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de “ Vide DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Intmduçän..., pp. 248
54 Introdupáam, p. 215. e 249… 55
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

2. Há normas de direito privado que têm per 111iss5e proteger Critica: este critério também n5e serve, perque muitas vezes
certos interesses publicos que fazem parte do ambito da vida 0 Estade e es restantes entes públicos intervém na vida juridica
privada dos particulares, v.g., as normas civis destinadas exactamente nas mesmas condicóes em que intervém os particulares,
a proteger os interesses dos filhos em caso de divòrcio estando sujeitos a aplicacao de idénticas regras, v.g.: o Municipio
dos pais“, ou a norma que dispöe que na falta de herdeiros de Lisboa pode ser condenado a pagar urna indemnizacào por danos
os bens s50 entregues ao Estado 7 tais normas s5e entendidas causados a um municipe nos termos gerais do direito privado; o Estado
pelos civilistas como normas de direito privado que também pode ser herdeiro de Direito; e Estade p0de arrendar,
prosseguem interesses públicas. vender ou comprar bens tal como se de um particular se tratasse
Apesar destes factos, a verdade é que os defensores do critério (por exemplo, a aquisic5e de veiculos ou de material de escritòrio).
do interesse atenuam a validade das criticas, afirmando que 0 direito
público e e direito privade apenas predominantemente, mas não 7.2.3. Criterio da posicào dos sujeitos
exclusivamente, tutelam, respectivamente, o interesse pública e o
interesse privado“. Surge para responder as insuficiencias do segundo critério. De
acordo com este critério, 1150 é a qualidade dos sujeites da relaçâo
7.2.2. Critério da qualidade dos sujeitos67 juridica que serve de base a distincao, mas é antes a posiçäo que nela
assumem que permite a separacao entre direito público e privado.
De acerde com este critério, é direito público aquele que regula Assim, e direito publico é aquele em que 0 Estade e as pess0as
as relacoes em que ambos os sujeitos, ou pelo menos um deles, sao celectivas de direito público intervém na suaposipdo de supremacía,
sujeitos públicos, isto é, e Estado ou as outras pessoas colectivas enquanto titulares de “jus imperii” ou poderes de autoridade. Por
de direito público (como as autarquias locais ou os institutos públicos). outro lado, ja 550 de direito privado as relacòes em que intervém os
Por outro lado, é direito privada aquele em que ambos os sujeitos particulares, ou mesmo e Estade e as outras pessoas colectivas de
da relacao sao particulares, isto é, individuos ou pessoas colectivas direito publico, quando actuem em posição de igualdade ou paridade
privadas (como as associacóes, fundacóes ou sociedades privadas). com os outros sujeitos.
Nestes termos, quando e Estade exprepria um terreno ou cobra
um imposto age munido de poderes de autoridade, o que justifica
a natureza pública das situacóes juridicas em causa, mas ja quando
compra um automovel ou arrenda um prédio age em condicòes de
55 O Estado considera ser de interesse público assegrrar especial proteccao as
igualdade para com a outra parte, per isso, a natureza das relacòes
criancas privadas de um ambiente familiar normal (art, 69.", n." 2, da CRP), por envolvidas n5e pede deixar de ser privada.
isso, tais normas sao de interesse e ordem pública, mas n50 é por esse facto que
perdem a qualidade de normas de direito privado, dado que a especial protecção Critica: invoca-se, por um lado, que e direito privado também
que concedem aos filhos menores n50 lhes atribui qualquer poder de autoridade disciplina algumas relacòes em que os sujeitos se encontram numa
sobre os pais, cfr… DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introduçào..., situacao de desigualdadejuridica (v.g., no caso da filiacao e das
p. 251…
relaçôes de trabalho, em que os filhos e os trabalhadores se encontram
“ Assim, MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introduçãa
ao Estado, p. 315.
subordinados, respectivamente, aos pais e patroes), e, por outro lado,
57 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introduçäo..., pp. 249 e que existem relacóes de direito publico cuja concretizacao ocorre
56 250. em completa paridade (V.g., as convencòes juridicas entre municipios 57
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

para a prossecuçâo de interesses comuns pertencem ao djreito público, 3. Sá Games considera que a variedade da tipologia normativa do
mas naa se pode dizer que haja nelas “jus imperii’“). Direite implica que os três criterios apresentados sejam insuficientes
para traçar com absoluto rigor as franteiras entre direito público e
7.3. Posições da doutrina sobre os diferentes criterios privado. Por isso, propoe um critério combinado que atende nao
só ao interesse tutelado, mas também à qualidade dos destinatarios
l. Marcela Rebelo de Sousa/Sofia Galvao entendem que o critério das normas, e, ainda, à posição dos sujeitas da relaçäo juridica,
da posiçâo dos sujeitos descreve, mas nâo explica o essencial, isto segundo o qual:
é, a razâo pela qual em algumas situaçôes o Estado age dotado de
a) Sao normas dc direito publico as que tutelarem directamente
paderes de autoridade e noutras näo. Os autores julgam que em
interesses públicos; sae nerrnas de direito privado as que
certos casos tais paderes surgem parque esta em causa um interesse
tutelarem directamente interesses privades;
que o determina e que vem explicar os tais poderes ou deveres
especiais: quando o Estado ou outro ente público agem numa posiçâo b) Especialmente sao normas de direito pública as que
de autoridade o que está em causa e predominantemente a prossecucaa relacionem jurídicamente somente entidades públicas
de interesses püblicos; quando, pelo contrarie, agem numa posição entre si, tutelando interesses p1'1blicos, eu, relacienem
de paridade estao em causa predominantemente interesses privados. juridicainente entidades públicas e particulares, atribuindo
Concluem, deste modo, que é 0 interesse que traga as fronteiras aquelas poderes de autoridade;
entre direito publico e privada”. c) Sao narmas de direito privado aquelas que relacienem os
2. Freitas da Amaral defendeum critérie combinade de interesse sujeites em termes de igualdade juridica (igualdade que
e da posição dos sujeitas, segundo o qual: se mantém mesmo no caso de supra—ordenacao, existente,
per exemple, na filiaçäo e no contrato de trabalho) e ao
a) É direito pública “o sistema de normas que, tenda em Vista a
mesmo tempo tutelem directamente interesses privados“.
prossecuçäo de um interesse colectivo, canfere para esse
efeito a um dos sujeitos da relaçäo juridica poderes de 4. Outros autores, tais como, Santos Justo, Baptista Machado,

autoridade sobre o outro”; Castro Mendes e Oliveira Ascensao defendem o critério da posição
dos sujeites".
b) É direito privado “o sistema de normas que, visando regular
a Vida privada das pessaas, nao conferem a nenhuma
Consideraçôes finais:
delas poderes de autoridade sobre as outras, mesmo quando
pretendam proteger um interesse público considerado Em nossa opiniao, nenhum dos critérios permite um traçado
relevante”7°. rigoroso das matérias que fazem parte do direito público e do direito
privado. De facto, com a crescente publicizacào de certas areas tipicas
de direita privado e com a concomitante privatizacao de sectores
em que o Estade era o actor por exceléncia, toma-se dificil, e até

“ Vide NUNO SA GOMES, Introdagfio ao Estado… p. 232.


59 Vide MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÃO, Intraduçäo ao 7' Cfr, NUNO SÀ GOMES, Introdapdo ao Estado… pp. 232 e 233.
Estado… pp. 314 e segs. ” ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmduçãa ao Estado…
Vide, entre outros,
7“ Vide, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdapào…, p. 252. pp… 237 e 238. 59
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

infrutifero, tentar encontrar um critério rigido de demarcacao entre 7.4.3. Ramos de Direito com natureza mista“
cada um deles. Assim, entendemos ser mais proficuo retirar utilidade
aos aspectos dos criterios referidos que permitem separar estes dois 1. Internacional Privado;
ramos de Direito, e que, sem dúvida, constituem indicios fortes da 2. Direito de Previdência Social;
qualifieaçâe do direito público e do direito privado. 3. Direito Bancario;
4. Direito Agrario.
7.4. Classificações dos ramos de Direito
7.4.1. Direito publico 7.4.4. 0 Direito Penal
Refira—se que nao é unânime a consideração do Direito Penal
1. Direito Constitucional;
2. Direito Administrativo, Direito do Urbanismo, Direito do
ceme rame de direito publico:
Ambiente; 1. Oliveira Ascensäo entende que “os deveres penais são deveres
3. Direito Financeiro, Direito Tributario e Fiscal; dos individuos e a facto de as penas serem aplicadas judicialmente
4. Direito Processual. nda implica que o direita penal regule a actividade do Estado.”
Defende que tal actividade podera apenas respeitar ao processo,
7.4.2. Direito privado mas näo ae direite penal em si”.
2. A maior parte da doutrina, com a qual tendemos a concordar,
1. Direitoprivado Comum ou Civil:73 a) Direito das Obiigacòes;
entende, todavia, que o direito penal tem a natureza de direito público,
b) Direitos Reais; c) Direito da Familia; d) Direito das
pois, sendo o conjunto de normas juridicas que definem os crimes
Sucessöes; e) Direitos da Personalidade e Direitos de e estabelecem as correspondentes penas e medidas de seguranca,
Autor;
visa proteger a ordem juridica de ataques, cuja particular gravidade
2. Direitos privados especiais: a) Direito comercial; b) Direito ofende as condiçôes essenciais da vida social, o que justifica a
do Trabalho. aplicacao de sançôes especialmente graves.

7‘ Existem áreas do Direito em que a demarcacào entre direito público e privado


e’muito dificil de fixar, pois, cada vez mais, as diferencas entre eles tendem a
73 Note-se que a pane Geral do Código Civil (fontes e interpretacào) aplica»se esbater—se. O direito publico está, com o passar do tempo, a privatizar—se, e o
ao direito privado e ao direito público, constituindo, assim, um ponte de referencia direito privado está-se a publicizar devido ae alargamente dos fins do Estado e da
ohrigatório para qualquer jurista Da mesma forma, a Teoria Geral do Direito sua intervençäo na vida económica social e cultural.
Civil aplica-se a todos os ramos de Direito Civil, dai a sua nae autonomizagae. 75 Vide JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, O Direito 7 Introducào…, p. 352. 61
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: Novais, Jorge Reis


7 Os Principios Constitacionais Estratarantes da República
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7 Introdução ao Estado do Direito, 5“ ed., Coirnbra, 2011.

Machado, Joao Baptista


7 Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 19“ ed.
(reimp.), Ceimbra, 2011.

Mendes, Joao Castro


62 7 Introdução ao Estado do Direito, Lisboa, 1994. 63
CAPÍTULO Il: FONTES DE DIREITO

SUMARIO:

8. Considerações gerais sobre fontes de Direito; 8.1. Noção; 8.2.


Classificaçäo das fontes de Direito; 8.3. Consagraçâo legal; 9.
O costume; 9.1. Noçã0; 9.2. O costume e a lei; 9.2.1. A relaçäo do
costume com a lei; 9.2.2. Valia prática do costume por comparacào
com a lei; 9.3. O costume em Portugal; 9.3.1. Acolhimento legal;
9.3.2. Posiçâo da doutrina; 9.4. Exemplos de costumes; 10. A
jurisprudència; 10.1. Noçäo; 10.2. A jurisprudència e os sistemas
de Direito; 10.3. Possíveís casos de jurisprudência como fonte de
Direito; 10.3.1. A jurísprudência uniformizada; 10.3.2. O costume
jurisprudencial; 10.3.3. As decisões dos tribunais superiores
com força obrigatória geral; 10.3.4. Natureza das decisões com
força obrigatòria geral; ll. A doutrina; 11.1. Noção; 11.2. A
relevância da doutrina; 12.A lei; 12.1. Conceito de lei; 12.1.1.As
várias acepções de “lei”; 12.1.2. Lei formal e lei material; 12.1.3.
Posições na doutrina acerca do conceito de lei; 12.2. Classificação
de leis; 12.3. O regulamento; 12.3.1. Noçäo; 12.3.2. Classificaçäo;
12.3.3. Formas de regulamentos; 12.3.4. Considerações finais;
12.4. A lei na CRP; 13. O direito internacional; 13.1. Direito
Internacional Público: tratados e acordos internacionais; 13.2.
Direito da União Europeia; 14. Os principios fundamentais de
Direito; 14.1. Noçäo; 14.2. Distinção entre princípios e regras;
14.3. Caracterização e importância; 14.4. Considerações finais;
15. A hierarquia das fontes; 15.1. A expressão “hierarquia das
fontes”; 15.2. A hierarquia das fontes na doutrina; 15.3. Conflitos
de fontes.
Introduçäo ao Estudo do Direito

§ 8. Considerações gerais sobre fontes de Direito


8.1. Noçâo

No seu sentido juridico formal fontes de Direito sao os modos


de formaçäo ou revelaçäo de normas jurídicas”, isto é, as formas
de aparecimento e manifestacào de nerrnas. Pede, por isso, falar—se
de:
1. Fontes formadoras 7 sao os factos norrnativos que estabelecem
Direito novo, isto é, que criam, modificam ou extinguem normas
juridicas, e que, por esses motivos, têm uma natureza constitutiva e
inevadera. V. g., quando uma lei revoga outra lei, ou revoga mesmo
um costume inovador;
2. Fontes reveladoras 7 sao os factos normativos que desvendam
o conteúdo de normas ja em vigor, mas ignoradas pelo público, e
que, por esses motivos, têm uma natureza declarativa e nao inovadora.
As fentes reveladeras s5o relevantes para redeseobrir as normas
juridicas, cuja fonte ou texto näo careça de publicaçâo em jornal
oficial (o instrumento adequado para divulgação das normas no seio
da comunidade), ou nos casos em que publicadas tenham caido por
completo no esquecimento. V. g., a doutrina e a jurisprudencia”.

8.2. Classificaçào das fontes de Direito

1. Fentes imediatas e fontes mediatas: a) fontes imediatas 7 s5o


as fentes que produzem directamente normas juridicas, sem qualquer
subordinaçäo a outra fonte. De acordo com o Codigo Civil, s5e a

7“ Cfr… DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdugdo…, p… 352…

Note7se que, para Freitas do Amaral uma coísa e' a fonte, ou seja, o facto jurídico
de onde nasce o direito, outra coisa é o direito nascido dessa fonte, ou seja, uma
norma ou um conjunto de normas, por isso, a lei enquanto fonte de Direito nao
pode ser definida como norma (Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual
de Introduçäo..., p… 393)…
77 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdapda…, p. 439… 67
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

lei e as normas corporativas; b) fontes mediatas 7 sao aquelas que 3. Usos 7 estao previstos no art. 3.° do CC, e sâo fonte de Direito
só sâe reconhecidas como fontes de Direito na medida em que a na medida em que säo acolhidos pela lei, V.g., 0 art. 560.°, n.° 3, 0
lei lhes confere esse valor. De acerdo com o Código Civil säo os art. 763.°, n.° 1, 0 art. 885.° e o art. 1158.“, todos do CC;
assentos, as asos e a equidade; 4. Equidade 7 está prevista no art. 4.“ do CC, e nao se pode
2. Fontes voluntarias e fontes nao voluntarias: a)fontes volunta'rias considerar uma fonte de Direito, Visto näo ser um facto produtor
7 sao as fontes que expressam Luna vontade dirigida especificamente a ou revelador de normas jurídicas, mas antes um modo de decisäo
criacao de uma norma juridica, como é o caso da lei, dajurisprudéncia de cases concretos de acordo com a sua justica própria e sem apelo
e da dautrina; b) fontes ndo volunta'rias 7 sao aquelas que nao a criterios genéricos, v.g., 0 art. 339.°, n.° 2, do CC e 0 art. l407.°,
expressam uma vontade dirigida especificamente a criaçâe de uma n.° 2, do CC.
norma juridica, cemo o costume.
Alguns autores, tais como Freitas do Amaral e Oliveira Ascensäo,
8.3. Consagração legal: arts. 1.° a 4.“ do CC. criticam a teoria tradicional das fontes de Direito e mantèm o costume
ao lado da lei, devido a sua relevância nao só no direito intemacional,
O Cödigo Civil adopta a tese clássica das fontes de Direito, mas também em muitos países com os quais Portugal mantém fortes
quando se refere a: relacòes (Paises Afiicanos de Lingua Oficial Portuguesa 7 PALOPS)
onde o costume é fente de Direite per excelencia“.
1. Lei e normas corporativas 7 estao previstas no art. 1.° do
CC, no entanto, a consagracao das normas corporativas como fonte
autònoma de Direito fundamenta—se em resquicios históricos, isto
é, na criacao do sistema corporativo pela Constituicao de 1933. O
§ 9. 0 costume
facto de ter sido abolida a organizacao corporativa do Estado Novo 9.1. Noçâo
nao implica, desde logo, o afastamento das normas corporativas
enquanto fonte de Direito, todavia, a sua natureza tem de ser sempre O costume tern side entendido como uma “prdtica social reiterada
de fonte mediata (e näo imediata), porquanto o art. 1.°, n.° 3, do com convicçäa de abrigatoriedade”.
CC subordina-as à lei”. Perém, e nao obstante esta circunstancia, Desta nocao podemos retirar os seguintes elementos esseneiais
a verdade é que sempre se poderá invocar a inconstitucionalidade do costume“:
das normas corporativas, visto a lógica do sistema corporativo do
Estado Novo ser contraria a certos principios da actual CRP”.
“ Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Intmduçäo..., pp. 367 e
2. Assentos 7 estavam previstos ne art. 2.° de CC, todavia, este ,
segs; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito Innudução..,, pp. 272 e
artigo foi declarado inconstitucional em 19933“; segs e p. 5 82.
“ A este respeito, nao podemos deixar de referir a posição de Miguel Teixeira
de Sousa, pois este autor trata os elementos do costume da perspectiva cronológica do
seu aparecimento, referindo-se, ao contrario da doutrina maioritária, a très fazes
7X Vide DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Intmduçäo..., p. 358. do surgimento do costume: a) o uso ou a mera pratica habitual; b) a convençãn
7° Com esta posiçâo, vide DIOGO FREITAS DO AMARAL, Da necessidade social ou uso normativo pertencente à ordem de trato social, e, por isso, dotado de
de revisdo das artigos 1.“ a 13.“ da Código Civil, in revista Themis, I-1, Coimbra, ohrigatoriedade; c) e a convicção de juridicidude ou convicçäe de que a convençâo
2000, pp… 12 e 13 (9-20). social requer uma tutela pele Direito. Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA,
68 3“ Vide infra 10.3.3. Intmduçãn ao Direito, Coimbra, 2012, p. 156. 69
Sandra Lopes Luís Introduçâo ao Estudo do Direito

1. Elemento material au objectivo 7 também designado por juridicidade do costume, da mesma forma que a juridicidade da
“Corpus”, consiste na pratica social reiterada ou constante, isto é, lei, só existe se o costume tiver um carácter normativo, por isso
urna pratica seguida pelo povo (parte dele ou por certas instituiçôes) a sua obrigatoriedade ou imperatividade nao pode estar desligada
com uma certa duraçäo. da existencia de uma consequência desfavorável (ou sançäo), que
Quanto ao primeiro aspecto, a prática, verifica-se uma confira efectividade a norma juridica por ele criada: na Idade Média a
correspondência com o mero usa. Os usos sao praticas sociais maioria das sançôes por violaçäo de costumes resultavam da propria
reiteradas sem convicçâo de obrigatoriedade, nao sâo modos autónomos populaçâo (morte, prisäo, torturas, expulsao da cidade) e só algumas
de criaçâo do Direito, porque só valem na medida em que a lei os provinham do Rei; hoje em dia, o incumprimento de costumes
acolher (art. 3.o do CC), por isso, ao contrario do costume, os usos internacionais pode implicar sançôes politicas, diplomáticas,
nao têm juridicidade propria“. económicas ou até militares37, e o incumprimento de costumes
Quanto ao segundo aspecto, a duragào, a Lei da Boa Razao, no nacionais, nos paises em que este é a principal fonte de Direito,
tempo do Marqués de Pombal, impunha um periodo de 100 anos implica severas sançôes da populaçâo, tais como a marginalizaçäo
para validaçäo do costume, hoje em dia, ha quem fale de uma pratica social“.
desde “tempos imemoriais”, isto é, que os homens vivos em certa
época nao tenham memória de quando começou a pratica habitual“;
2. Elemento espiritual au subjecn’vo85 7 também designado de 37 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdupfio…, pp… 373 e

“Animus” ou convicçäo, por parte de quem adopta um costume, de ,


374; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÂO, 0 Direita Intraduçäo..., p. 266.
“ A este respeito, nao podemos deixar de fazer uma referencia, a título de exemplo,
que essa pratica é imposta ou permitida pelo Direito. ao ordenamento jurídico mocambicano, onde a par de outros, o costume é a fonte
O “Animus” implica a consciência ou reconhecimento pelos de Direito por excelencia Efectivamente, estima—se que, em Mocambique, cerca
membros de um grupo social de que ha uma obrigatoriedadejuridica86 de sessenta a setenta por cento do Direito brote das comunidades tradicionais,
daquela pratica, isto é, uma consciência de que se deve agir assim, nomeadamente, nas regiòes do pais menos instruidas. Nao despiciendo, e elucidativo
e que tal nao deriva apenas de regras de cortesia ou de civilidade. A desta situacao, é o facto de a Constituição da República de Moçambique, em
2004, ter acolhido e considerado o costume como uma fonte imediata de Direito,
ao dispor no art. 4." que “O Estado reconhece os vdrios sistemas normativos e de
resolupào de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na medida em
“ Vide MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmdução aa que não contrariem as valores e Ds principios fundamentais da Constituipàa”, e,
Estado… p.155, onde se refere o art… 885.“, n.“ 2, do CC como exemplo de relevancia também, ao prever no art… 223.", n." 2, a possibilidade da criaçâo de tribunais
dos usos pela lei. comunitarios, onde seriam julgados (pelos lideres das comunidades tradicionais)
“ Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introduçào..., p. 373. os litigios relativos ao incumprimento das praticas costurneiras. Estas disposicòes, que
35 Segundo os Romanos este elemento era designado de “opinio juris vel dac relevância ao pluralismo juridico e sujeitam a valia do costume apenas aos
necessitatis” 7 convicção de obrigatoriedade ou licitude juridica de certa pratica… limites constitucionais, vêm no fundo retratar a realidade da sociedade mocambicana,
“ Miguel Teixeira de Sousa, tal como ja referimos, utiliza a expressao “convicçäo onde os costumes estao de tal modo enraizados que sao encarados pelas pessoas
de juridicidade", vide MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdapfio ao Direito… com um grau de vinculatividade igual ou superior ao da propria lei, Neste sentido,
p.156. Em nossa opiniao, independentemente da terminologia usada, importa frisar e para melhor perceber a valia do costume em Moçambique, vamos fazer uma
que o que está em causa é uma consciência por parte das pessoas de que certa pratica breve referencia a práticas costurneíras ai existentes, Assim, verifica-se que tais
social reiterada é obrigatória da mesma forma que a lei (ou até mais), o que implica praticas revelam-se, normalmente, em rituais ou cerimónias, com cantos e dancas,
que se ultrapasse a mera vinculatividade social presente numa regra de trato social relativas as diferentes fases da vida das pessoas (que podem ir desde o nascimento,
(vide supra 2.1.). Em sequência, pode-se inclusive afirmar que a diferença entre o aquisicao da maioridade, casamento até a morte), A titulo de exemplo, podemos
costume e a mera regra de trato social é uma diferenca de grau, pois no primeiro referir o “1obolo”. O “lobolo” consiste numa pratica ligada as cerimònias do
70 a consciência da vinculatividade é mais intensa do que na segunda. casamento tradicional mocambicano em que a familia do noivo deve dar à familia 71
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Fala—se ainda de outros elementos, que nao sao mais de que 9.2.1. A relação do costume com a lei
pretensos requisitos do costume, tais come:
Na sua relaçäo com a lei, o costume pode ser:
1. A consagraçäo legal 7 costume nao tem de ser aceite pela lei
para valer como fonte de Direito; 1. Secundam legem 7 verifica-se quando a norma costumeira e
a norma extraida da lei têm o mesmo sentido, e devido a esse facto
2. A imposiçâo pelos orgäos do poder politico 7 nan e indispensável
o costume apenas pode ter utilidade interpretativa;
que o costume seja imposto pelas orgaos do Estado e que seja aplicada
pelas tribunaisx". Por isso, no caso de uma decisao judicial contraiiar 2. Praeter legem 7 verifica—se quando a norma costumeira nao
uma regra costumeira, a sua valia nao será afectada 7 tal só ocorrerá contraria a lei, mas vai além dela, pois tem por obj ecta matéria que
se, devido à persistência da actuacao dos órgãos do poder público, a lei nao regula. Quando tal suceda, o costume pode ter utilidade na
for atingido um dos seus elementos, o uso ou a convicçâo de integraçäo de lacunas da lei”;
obrigatoriedade, somente nestes casos o costume deixará de existir.
3. Contra legem 7 verifica—se quando o costume e a lei estao em
contradicao. Por isso, tal como uma lei pode revegar um costume,
9.2. O costume e a lei
também este pode fazer cessar a Vigéncia de uma lei anterior.
Importa separar o costume contra legem do desaso, pois este
A lei é a principal fonte de Direito no nesso erdenamento jurídico, nao importa a extinçâo da lei. A extincao da lei só acorrera se se
todavia, tal facto nao nos permite afirmar que ela se situa numa posição
criar a convicçâo de que é licito proceder assim, isto e, se se formar
hierárquica acima do costume, pois o carácter jurídico deste tem
um costume contra legem, razäo pela qual no desusa o repúdio da lei é
por base precisamente os mesmos valores e principios normativos
menos energico. V.g., se os órgãos policiais tolerarem a circulaçäo
presentes na consciência juridica geral que perpassa na lei.
de motociclistas sem capacete, havendo a conviccao de que nao se
esta a cumprir a lei, esta nao cesseu a sua vigéncia.

9.2.2. Valia prática do costume por comparaçào com a lei91

da noiva certos bens escolhidos por esta última, simbolizando uma especie de
pagamento pelo facto de se estar a retirar uma pessoa a essa familia… Aa pagamento Dada a sua natureza, o costume e a lei apresentam diferentes
do “lobolo” está ligado um ritual, segundo o qual a familia do noivo envia à casa valias enquanto fontes de Direito. Assim, verifica—se que:
da noiva alguns “emissarios” (amigos ou familiares) encarregues de transmitir
o seu interesse pela senhora, e, passado cerca de um mes, é a familia da neiva
que envia outros “emissarios” com a lista dos bens pretendidos, que podem ser
vestuario, gado ou mesmo dinheiro. S6 após o cumprimento do “lobola” é que
se consuma a uníão entre os nubentes e se entende na comunidade que eles estao °“ Note-se que quando haja uma regra costumeira nao se pode dizer que haja
casados, independentemente da realizaçäo do casamento civil. Esta pratica, nao uma lacuna. A lacuna, tal coma veremos infra (17.21.), é a inexistencia de uma
obstante se verificar ja a dissipaçâo de certos costumes nos meios mais citadinos, regra juridica imprescindivel para regular um certa caso, razão pela qual quando
ainda se tem mantide praticamente em todo o territorio de Mocambique, sendo existe costume (entendido como uma fonte de Direito ao lado da lei) näo ha lacuna.
verdadeiramente reveladora da valia que o costume tem neste pais. Nestes termes, usames a expressào, quiçá em termes pouco rigorosos, de “integraçâo
” Segundo Oliveira Ascensào, do mesmo modo que a coercibilidade nao é uma de lacunas da g" para exprimir uma ausencia de regra no Direito positiva e a valia
caracteristica de todas as normas jurídicas, também a valia da costume nao depende do costume nestas situaçôes.
do seu acalhimento per parte dos argaas do Estado, vide JOSÉ DE OLIVEIRA 9' me JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direita , Introduçäo..., pp. 268
72 ASCENSÄO, 0 Direito 71ntrodupdo..., pp. 266 e 267. e 269. 73
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

1. O costume tern como vantagens o facto de implicar uma 9.3.2. Posiçâo da doutrina
maior adaptac5e 5 evoluçâo social, mas tem como desvantagens
a sua maior incerteza, na medida em que, ao exprimir uma ordem Embera em Portugal e costume 1150 tenha a importancia que tem
espontánea da sociedade, acaba por ser de prova dificil. a lei, a verdade é que ainda assim parte da doutrina tem acolhido a
2. A lei implica uma maior certeza e adequacao, enquanto ideia de que o costume em Portugal constitui urna fonte de Direito
instrumento de regulacao, no entanto, a sua rigidez, por vezes, ao lado da lei:
impede-a de acompanhar a evoluçäo social. l. Para Oliveira Ascens5e a valia do costume, enquanto fonte
de Direito, nao depende do seu acolhimento legal, mas é antes um
9.3. O costume em Portugal modo de revelaçäo do Direito que brota directamente da sociedade
9.3.1. Acolhimento legal e que existe independentemente da atitude dos governantes em relacào
a ele, per isse, 0 costume está em pé de igualdade com a lei“.
Reconhecimento do costume na lei portuguesa: Todavia, com frequència sucede o costume existir, mas o Estado
nao lhe cenceder efectividade, o que pode lewr a perturbacòes sociais
1. Costume secundum legem (ou costume cujo conteúdo
graves devido ao conflito de orientaçôes normativas: por um lado a
coincide com e disposte na lei) 7 a lei ignora-o;
lei, por outro lado e costume”. Para Oliveira Ascensao, esta tens50
2. Costume praeter legem (ou costume cujo conteúdo vai entre o que é “Direito” e o que 0 Estado aplica, tende a cessar pela
para além do disposto na lei) 7 a lei ignora-o, porque 0 derrota de urn: a) nuns casos pela falta de aplicac50 ceactiva, 0
art. lO.° do CC, a respeito da integrac5e de lacunas, n50 costume definhará 7 as pesseas acatam a posição dos órgãos publicos
se refere ao cestume”; que fazem prevalecer a lei; b) noutros casos, o costume impóe-se
Costume contra legem (0u costume cujo conteúdo contraria até a proibicao da lei ser suprida”;
W

a lei) 7 a lei n50 lhe recenhece qualquer valor jurídico, 2. Freitas do Amaral97 defende o pluralismojuridico, de acordo
porque nao admite a possibilidade de a lei cessar a sua com e qual e ordenamento juridico tem mais do que uma fonte
vigéncia por forca de um costume que lhe é contrario de Direito valida: o Direito brota nao só do Estado, mas também
(art. 7.“ do CC). de outros organismos e da própria sociedade. É neste sentido, que
Todavia, é recenhecide o costume internacional nos artigos acolhe a ideia de que o costume é uma fonte imediata de Direito em
8.“, n.° 1, e 29.°, n.“ 2, da CRP. E também, apesar de e costume Portugal, o que justifica com os seguintes aspectos: a) e costume tem
1150estar referido nos artigos iniciais do Código Civil, relativos as maior legitimidade democrática porque brota do povo; b) existem
fontes de Direito, ele parece ser acolhido no art. 348.°, n.° 1, do CC, varios casos ern que 0 cestume se afirma como fonte de Direito,
onde se prevê a prova do direito consuetudinário”. nomeadamente ao nivel internacional; c) e cestume é também a

” E em born rigor também nao 0 deveria fazer, pois, tal como ja verificámos, “4 Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito ¡Introdupdaw p. 582.
quando haja um costume 1150 se pode dizer que haja uma lacuna. Com esta posiçäo, “5 O que sucedeu com os touros de morte em Barrancos,
vide MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introduçào ao Direito… p. 158. % Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, o Direito * Introdupào…, pp. 276
” Ainda outros preceitos do Código Civil fazem alusao ao costume, tais como: e segs e p. 582.
o art, 1400.“ do CC “costumes na divisña de águar” e o art. 1401.“ do CC “costumes “7 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Intmdupñom, pp. 385 e

74 abolidos". segs. 75
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

principal fonte de Direito nos Paises Africanos de Lingua Oficial Evidentemente que, sendo Portugal um pais onde o Direito é
Portuguesa (PALOPS)93; d) em Portugal o costume incide mais na maioritariarnente escrito, o costume n5e tern uma importancia similar
area do direito público. a existente em paises onde ele é a fonte de Direito por excelencia,
no entanto, esse facto nao nos pode fazer subaltemizar ab initio a
3. Segundo Marcelo Rebelo de Sousa/ Sofia Galvao99 a relevancia
sua valia ao acolhimento legal.
do costume n5e depende da lei, pois é uma forma autònoma de criação
Assim, para haver costume basta que haja a repetic5e de uma
do Direito que se situa ao lado dela (nao carecendo de consagracào
legal, nem de efectiva aplicac5o ceactiva peles órgãos do Estado).
pr5tica (com caracter de durabilidade) por parte de uma certa
O costume é uma importante fonte de Direito particularmente ao
comunidade, e que o sentimento de acatamento dessa pratica seja
similar ao existente quando se cumpre uma regra de Direito escrite,
nivel do direito internacional, mas o seu desafio maior consiste em
de mode a poder afirrnar—se que o costume é encarado pelas pessoas
saber se existem condiçôes favoraveis ao seu desenvolvimento, o
com um grau de obrigatoriedade similar ao existente quando se
que depende de razöes historicas e sociais.
cumpre uma lei. Nestes casos o costume é fonte de Direito.
Consideracòes finais:
Em nossa opiniao, embora o costume seja uma fente de Direito 9.4. Exemplos de costumes102
ao lado da lei, ele n5e pode deixar de ser avaliado 5 luz dos valores
fundamentais expresses na CRP‘OÙ. Por isso, tal como a lei, o 1. No Direito Internacional 7 o principio do pacta sant servanda
costume também se deve conformar 5 Constituiçäo e aos principios ou o principio do mare liberam.
de direito natural, encontrande—se sujeite às limitacòes e valores 2. No Direito Constitucional 7 em Portugal, Jorge Miranda entende
por eles prescritosm‘. que existem costumes contra legem nos casos de: a) desvalorizaçäo
dos planos; b) desnecessidade de deliberac5e para que projectos e
prepostas de lei sejam vetados, na especialidade, em Comiss5e,
desrespeitando—se 0 art. 168.°, n.° 3, da CRP; c) a prevalência da
” Veja-se, a este respeito, o ja referido art. 4.” da Constítuição da República de
Mocambique, de 2004, “O Estado reconhece os varios sistemas normativos e de categoria “Ministro de Estado” sobre os demais Ministros, em
resolagfio de eonflitas que coexistem na sociedade mopambicana, na medida em desrespeito do art. 183.° da CRP; d) e o aparecimento do Presidente
que nao eontrariem os valores e os principios fundamentais da Constitaipdof’, da Camara Municipal como órgão autónomo do municipio, contra
ou o art. 7.0 da Constituíção da República de Angola, na sua redaccao de 2010, o art. 250.o da CRP”.
“E reeonheeida a validade e a força juridica do costume que ndo seja contrario
à Constitaigào nem atente contra a dignidade da pessoa humana”, E fora de 3. Ne Direito Administrativo 7 a) existe o costume universitario
África, o art… 2…", ri…“ 4, da Constituição da República de Timor-Leste, de 2002, “0 do voto de Minerva (quando o júri esta empatado sobre a nota a
Estado reeonheee e valoriza as normas e os usos costameiros de Timor-Leste que atribuir a um aluno, deve decidir a favor dele 7 é como se Minerva,
ndo contrariem a Constitaigdo e a legislaçào que trate especialmente do direito
costumeirof’.
deusa da sabedoria, ajudasse o alune); b) no periodo da queima das
99 Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introduçào ao

Estado… pp. 151 e segs.


xoo Neste sentido, vide MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, Intmdução ao Estado

do Direito, 2“ ed, Lisboa, 2018, p. 121, “72 Para mais exemplos, vide DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de

““ Elucidativo desta situação é o facto de nas dísposições constitucionais dos Introdugdo..., p. 375 e pp. 378 e segs.
paises de lingua portugiesa, que acolhem expressamente o costume, se limitar “” Cfr. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 6“
76 sempre a sua existencia ao respeito da Constituicao (vide nota de rodape' 91). ed., Coimbra, 2007, pp… 153 e 154. 77
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

fitas é costume suspenderem-se as aulasm“; c) também é costume inicial resultou uma regra para decisao de nevos casos (o juiz que
no dia de Carnaval haver tolerancia de ponto e desfiles nas ruas criou o precedente decide numa perspectiva generalizadora, isto é,
cem máscaras, trajes e carros alegóricos‘os. a sua decisäo baseia-se num critério normativo)‘°7.
2. Sistema romano-germànico: a ele pertencem paises como
Portugal, Franca e Alemanha.
§ 10. A jurisprudência
Aqui está consagrado o principio da liberdade de decisào judicial,
10.1. Noçâo de acordo cem o qual a decisâe judicial de um caso concreto nao
constitui precedente obrigatòrio para o julgamento de casos idénticos
A jurisprudència tem sido entendida como o “conjunto de no futuro, quer sejam perante o mesmo tribunal, quer perante tribunais
decisöes em que se exprime a orientacao seguida pelos tribunais ao inferiores ao que decidiu primeiro. Ne sistema romanistico a
julgarem os casos concretos que lhes sâe submetides’mô. jurisprudència nao é fonte de Direito, pois a maxima de decisäo
Tais decisôes podem ser consideradas uma fente de Direito dos tiibunais nao é elevada a regra que deve observar—se nos outros
quando a maxima de decisâe ou 0 criterio normativo que conduziu casos.
a solução do caso concreto seja considerado vinculativo perante
outro caso da mesma natureza. 10.3. Possiveis casos de jurisprudência como fonte de Direito
10.3.1. A jurisprudencia uniformizada
10.2. A jurisprudencia e os sistemas de Direito
A jurisprudencia uniformizada verifica-se quando os tribunais
Antes de determinar as situacòes em que a jurisprudencia pode
superiores, diante casos semelhantes, decidem adoptar as mesmas
ser considerada como fonte de Direito, convém analisar o modo
providencias para chegar a modos uniformes de decisao (evitando-se,
como ela é considerada nos principais sistemas de Direito existentes
assim, oscilacòes e inseguranca nas suas decisòes, e, também,
do mundo ocidental:
desperdicio de actiVidade jurisprudencial na decisao de novos casos
1. Sistema angla—saxo'nico: a ele pertencem paises como a idénticos aos já outrora decididos). As decisóes de uniformizacao
Gra-Bretanha, os Estados Unidos da América e o Canadá. de jurisprudéncia implicam a verificacào de certos pressupostos:
Aqui está consagrado o principio do precedente judicial, de a) a existència de dais acorddos contraditàrios quanto è mesma
acordo com o qual a decisao judicial de um caso concreto vincula questäo de Direito; b) a identídade da legislacdo a aplicar; c) e a
os tribunais a decidir os casos idénticos que aparecarn no futuro. No possibilidade de interpor recurso para o tribunal superior (em tribunal
sistema de precedente a jurisprudéncia é tida como fonte de Direito, pleno) do segundo acerdâe.
porque estando o juiz, que decide um caso semelhante, vinculado Os acordäos de uniformizaçäo de jurisprudència nao tém força
a manter a orientaçäo antes seguida, da indicacao jurisprudencial obrigatòria geral, pois vinculam apenas no processo em que sao
proferidos (e nao os tribunais inferiores a adoptar uma determinada
“" Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Intmdugäaw, p. 379.
“75 Nao obstante a “suspensäo governativa” da tolerância de ponte, no ano vigente,

a verdade e' que esta nao foi respeitada pelas entidades públicas e populacao, em “” Note-se que, nos tempos originarios, este sistema de precedente implicava
geral. a deslocacào de pessoas pelas varias localidades para conhecer as decisòes dos
78 “7“ Assim, JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdupào ao Direito“, p. 162. diferentes tribunais, que iriarn constituir máxima de decisào para outros tribunais. 79
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

decis5e). Têm uma eficacia meramente persuasiva, e, por isso, a de Direito, dai a sua insercào no capitulo das fontes, no Código
jurisprudéncia uniformizada n50 é fonte de Direito. Civil, e a necessidade da sua publicacao no Diario da República.
Todavia, 0 Acord5e 11.“ 810/93 do Tribunal Constitucional, de 7 de
10.3.2. O costume jurisprudencial Dezembro, veio julgar inconstitucional, ern processo de fiscalizacao
concreta, a norma do art. 2.° do CC por Violacao do art. 112.°, n.° 6,
O costume jurisprudencial consiste na repeticào de julgados que da CRP (actual art. 112.°, n.° 5)‘“. Em sequència, com a reforma
origina um costume na jurisprudència, e que, per este m0tiv0, leva do Código de Processo Civil os assentos foram substituidos pelo
à formaçâo de novas regras. O costume jurisprudencial também tem julgamento ampliada de revista, que é um meio de uniformizacao
dois elementos distintos: a) 0 uso ou repeticao de julgados 7 implica de jurisprudencia pelo Supremo Tribunal de Justica, mas que nao
urn número significativo de casos; b) a conviccào de obrigatoriedade vincula os restantes tribunais.
7 n50 só para os juízes que decidem, mas também para os interessados 2. Acórddos do Tribunal Constitucional com força obrigatória
directos no processo…. Nestes casos, Oliveira Ascensao, com 15250, geral
c0nside15 que a fonte de Direito 1150 é propriamente a jurisprudencia,
Os acordaos do Tribunal Constitucional com forca obrigatória
mas antes o costume….
geral estao previstos no art. 281.°, n.°s 1 e 3, da CRP, em sede de
fiscalizacao abstracta e concreta, e também em sede de fiscalizacao
10.3.3. As decisöes dos tribunais superiores com força
preventiva nos artigos 278.“ e 279.“ da CRP. Surgem ao abrigo da
obrigatória geral
faculdade conferida pelo art. 119.°, n.° 1, alinea g), da CRP e sao
publicados no Diario da República no capitulo dedicado 5s fontes
1. Assentas do Supremo Tribunal de Justica
de Direito. S50 entendides como fonte de Direito, pois a declaracao
Os assentos estavam previstos no art. 2.° do CC e eram decisòes de inconstitucionalidade ou de ilegalidade vincula a todos para o
do Supremo Tribunal de Justica, reunido em plene, que fixavam futuro….
d0utrina comforpa obrigatória geral, isto é, no caso de duvida ou 3. Acárdãos da Suprema Tribunal Administrativo“3
contradicao na interpretacao de algum preceito legal, o Supremo
Tribunal de Justica fixava a interpretac50 tida per mais adequada, A decl51ac50 de ilegalidade de uma nerrna com forca obrigatória
com forca irnperativa para posteriores casos idénticos“: o assento geral pelo Supremo Tribunal Administrativo também é uma das
Vinculava para 0 future es tribunais, a Administracao Publica e todos situações em que a jurisprudencia pode ser tida como fonte de Direito,
os cidad50s. Per este m0tiv0, os assentos eram considerados fonte pois estas decisöes vinculam tedos es posteriores aplicadores da
norma…. Este meio processual está previsto nos artigos 72.“, 73.“

“73 O costume jurisprudencial separa-se da jurispmdència constante, n5o so

quanto a este aspecto, mas também pelo facto de esta abranger poucos casos. “‘ Contra esta posiçâo do Tribunal Constitucional, vide DIOGO FREITAS DO
“’" Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÀO, 0 Direito 7Introdugdo..., p. 323. AMARAL, Manual de Intmducào..., p. 463.
“° 0 art. 763." do Código de Processo Civil de 1936 dispunha que “se no dominio “2 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Intraduçän p. 466.
da mesma legislacao, o Supremo Tribunal de Justica proferir dois acord5os que, “3 Vide DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdupao…, p. 467.
relativamente 5 mesma questäo fimdamental de Direito, assentem sobre soluções ““ Este mecanismo do contencioso administrativo portugués veio concretizar,
opostas, pode recorrer»se para 0 tribunal pleno do acórdão proferido em ultimo entre outras disposicóes constitucionais, o art. 119“, n.“ 1, alinea g), da CRP,
lugar" 7 em pleno 0 Supremo Tribunal de Justica proferia um assento em relacào que prevê a possibilidade de ser concedida forca obrigatória geral às decisöes de
80 à questao. outros tribunais, para além do Tribunal Constitucional. 81
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

e 76.“ do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e tem dado também aqui a tribunal realizar uma declaracao (abstracta) de
um carácter subsidiario em relaçâo as situacòes de apreciaçäo de direita a aplicar ao caso…, por isso, pode—se dizer que tais decisöes
ilegalidade da competência do Tribunal Constitucional“. servem o direito canstituido, e nao visam proceder a uma renovacaa
da erdem juridica, come acontece na lei.
10.3.4. N atureza juridica das decisões com força obrigatôria
geral
§ 11. A dautrina‘18
Analisadas as principais situaçôes de decisöes des tribunais cem
11.1. Noção
força obrigatöria geral, convém agara determinar a sua natureza
juridica, pois discute—se se sao leis ou jurisprudência, isto é, se têm
A doutrina reconduz—se as opiniòes dos jurisconsultos119 sobre
um carácter legislativo ou jurisdicional, sendo avancados argumentos
uma determinada questäo juridica, que sao manifestadas, por exemplo,
em ambos os sentidos:
em manuais ou pareceres.
1. Carácter legislativo 7 tal coma a lei, as decisöes com força A doutrina e feita pelos teóricos do Direito para ser usada
obrigatòria geral também tem uma prescriçäo normativa, na medida pelos práticos do Direito, por isso, influencia es poderes legislativo
em que asseguram para o futuro um certo conteúdo normativo; e judicial no exercicio das suas funcòes: da a cenhecer aos praticos

2. Carácterjurisdicional 7 a) tal come qualquer decisão o conteúdo e significado das normas que fazem parte de um certo
jurisdicional, as decisöes cam força obrigatória geral têm um carácter ordenamento juridico 7 nâo so através de pareceres sobre a melhor
vinculado, porque säo de emissäo obrigatória quando verificados forma de aplicar o direito aos casos concretas (influenciando, por
os respectivos pressupostos e estäo sujeitas ao principio do pedido; esta via, as decisöes judiciais), mas também através de sugestöes aa
diversamente a lei é adeptada por livre iniciativa do legislador, legisladar sobre o direito a criar.
independentemente de vinculacao a um pedida prévio, pela que se A dautrina pode ser exercida: a) por forma individual 7 no caso
pode falaI numa liberdade constitutiva da lei; b) as acordaos estäo da influência dominante, por exemplo, de um certo professor em
subordinados à lei; diferentemente a lei pode incidir sobre todas determinado ramo de Direito; b) per forma colectiva 7 a conhecida
as matérias; c) os acôrdäos com força obrigatória geral gozam da “communis opinio doctorum” ou posiçâo unanime da doutrina.
estabilidade própria das decisöes judiciais, par isso nao podem ser
livremente revegades (a poder de Direito esgata—se na declaraçäo
com força obrigatória geral); já a lei tem aato-reversibilidade, pois
pode ser alterada ou suprimida.
Em nossa opiniâo, a atribuicao de força obrigatória geral a uma
decisao jurisprudencial nao lhe retira carácter jurisprudencial‘“,

“7 Nas restantes situacòes em que a decisào do juiz nao é fonte de Direite, o


tribunal declara em concreto a direito a aplicar ao caso.
“5 Veja-se o art. 72", n." 2, do Código de Processo das Tribunais Administrativas DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introduçäa...,
“3 Vide, entre outros,
e a art. 281.“, n.° 1, da CRP. pp. 427 e segs; MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÀO, Introdacdo
“5 Com esta posicào, Marcelo Rebelo de Sousa/Sofia Galväo consideram que as ao Estudo……., pp. 156 e segs.
decisöes com forca obrigatória geral também sao actos jurisdicionais, cfr. MARCELO “" Os jurisconsultos sao juristas qualificados, em regra docentes de Direito nas
82 REBELO DE SOUSA / SOFIA GALVÂO, Introduçäa ao Estado… p. 142. universidades. 83
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

11.2. A relevancia da doutrina b) Os projectos, escritos e criticas ajurisprudência de Marcello


Caetano influenciaram o nosso Direito Administrative,
A importancia da doutrina tem variado ao longo do Historia. até aos dias de heje;
Em Portugal, houve épocas em que a epini5o de um “Doutor” criava e) Freitas do Amaral influenciou a feitura do Còdigo de
Direito, como por exemplo, a Glosa de Acúrcio ou a epini5o de Bartelo
Procedimento Administrativo;
nas Ordenaçôes Afonsinas. Também nas Ordenaçôes Manuelinas,
diante da insuficiência da lei, a epini5o de varios autores, a “communis d) Mario Aroso de Almeida influenciou a feitura do Código
apinio doctarum”, servia para resolver as dúvidas existentes, e devia de Processo dos Tribunais Administrativosm.
ser acolhida e respeitada por todos, nomeadamente pelos aplicadores
do Direito.
Hoje em dia, a doutrina ja ndo e' considerada uma forma de § 12. A lei124
criaçâo irnediata e directa do Direito (ojuiz n5o lhe deve obediencia ”°.
Todavia, a sua interferencia na Vida juridica é muito relevante, 12.1. Conceito de lei
nomeadamente para a compreens5e de certes institutes e principios 12.1.1. As varias acepgòes de “lei”
juridicos, para a criac5e e interpretacao das leis e também para a
integracao de lacunas. A doutrina tem assim um papel bastante Existem varias acepçôes para a palavra lei no campo do Direito:
importante no aperfeicoamento do Direito, contribuindo para o bom
l. Lei com significado de Direito;
desempenho das funçôes legislativa, administrativa e jurisdicional.
Embora, n5o se pessa considerar uma fonte directa de Direito, a 2. Lei, enquanto fonte de Direito, como um dos modas de
verdade é que contribui fertemente para a determinaçäodo seu formaçãa de normas juridicas;
verdadeiro significado‘“. E a sua influéncia “depende da valia 3. Lei enquanto diploma da Assembleia da Republica, por
intrinseca dos juriscensultes, eu seja, da sua auctoritas ou saber contrapesic5o aos decretos-leis do Governo.
socialmente reconhecido”m.
Atendendo 5 natureza de fente de Direito, 0 art. 1.“, n.° 2, do
Verificam-se alguns exemplos desta influencia da doutrina em CC considera a lei como “todas as dispasiçâes genéricas provindas
Portugal: dos árgãos estaduais competentes”.
a) Os ensinamentes de Manuel de Andrade e Antunes Varela
centribuiram para a feitura e conformaçäo do Código
Civil;

…‘ A maior parte dos autores defendem esta posicao, porém, Diogo Freitas do

Amaral entende que a doutrina é fonte irnediata de Direito, vide DIOGO FREITAS
DO AMARAL, Manual de Introduçäo..., pp. 431 e segs, … Vide MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introduçãn ao
… Muitas vezes quem prepara as leis ou os códigos sao os professores universitarios, Estado… pp. 157 e 158.
da mesma forma, quando surgem duvidas jurisprudenciais sao estes professores ““ Analisamos, nesta parte do nosso trabalho, o aspecto estático da lei, o seu aspecto
que resolvem as variadas questòes com os seus pareceres. dinamico sera estudado na parte II, onde se abordarn as materias do desvalor
84 ”2 Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Introduçäo ao Estado… p. 211. jurídico, da publicacáo e da cessação de vigencia da lei.
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

12.1.2. Lei formal e lei material por feitos gloriosos em combatem; b) uma lei em sentido material
pode nao ter a forma extema de lei, V.g., urn regulamento do Govemo
A determinacao precisa do conceito de lei enquanto fonte de que aprove normas gerais e abstractas 7 um despacho normativo
Direito, que é o que ora nos interessa, nao tem sido fácil, nem täo que fixe as taxas das rendas condicionadas.
pouco consensual, todavia para superar essa dificuldade tem sido
aceite pela doutrina a seguinte distinçäo: 12.1.3. Posições na doutrina acerca do conceito de lei
l. Lei farmal125 7 e o diploma emanado por um órgãa
1. Para OliveiraAscensao‘ZS, lei é “Um texto oufórmula significativa
legislativo“, sujeito a um determinado procedimento
de uma ou mais regras, emanado com a observáncía das formas
legislativo, que reveste uma certa forma pre-determinada e
eventualmente estabelecidas de uma autoridade competente para
cujo conteúdo pode abranger normas juridicas ou comandos
individuais;
pautar critérios normativos de solucdo de situacóes concretas.” Ou
seja, sao três os pressupostos da noçäo de lei:
2. Lei material 7 é o diploma emanado pelo órgão competente,
com conteúdo normativo, contendo uma ou mais normas a) Uma autoridade competente para fixar critérios normativos;
gerais e abstractas, independentemente da sua forma b) A observancia das formas estabelecidas para essa actividade
extema. 7 o acto “lei” deve revestir a forma escrita (nâo ha leis
orais);
O direito positivo portugués refere-se a estas duas modalidades
de lei: a) o art. 1.“ do CC adopta um conceito material de lei; b) o c) Um sentido de alterar a ordem jurídica pela introduçäo
art. 112.“ da CRP adopta um conceito formal de lei; c) 0 art. 18.°, de um acto normativo 7 a lei deve criar, modificar ou
n.° 3, da CRP adopta um conceito formal e material de lei. extinguir normas juridicas.
Em regra a maioria das leis é simultaneamente formal e material,
Em suma, Oliveira Ascensâo adopta uma noçäo ampla de lei,
v.g., a lei da Assembleia da Repùblica que disponha em sentido
considerando que para a sua qualificaçâo basta apenas a sua existência
geral e abstracto sobre a indemnizaçâo devida as Vitimas de crimes
em sentido material.
Violentos. Mas pode suceder que os dois critérios nao concordem:
a) uma lei em sentido formal pode näo ter o conteúdo material de 2. Marcelo Rebelo de Sousa/ Sofia Galvâo nao referem directamente
lei, V.g., uma lei da Assembleia da República que privatiza uma um conceito de lei, porém, consideram que a contraposiçâo deve ser
determinada empresa ou uma lei que promova um general a marechal entre lei meramente formal e lei também material, pois esta ultima,
para além de ter um caracter geral e abstracto, deve ainda revestir a
forma de lei. Deste entendimento parece decorrer que para se poder
”5 Note-se que F reitas do Amaral considera como leis em sentidofarmal somente
falar em lei devemos ter sempre um acto legislativo (lei em sentido
as leis daAssembleía da Republica, porque sao as únicas com nome e forma externa formal), isto é, uma lei da Assembleia da Repüblica, um decreto-lei
de lei; e considera leis em sentido material, para além destas últimas, também os
decretos-leis do Govemo e os decretos legislativos regíonaisi Autonomíza, ainda,
o regularnento como fonte autónoma de Direito, vide DIOGO FREITAS DO
AMARAL, Manual de Introduction, pp… 403 e 509.
”5 Em Portugal, os orgies do poder politico com competencia para produzir m Cfr… DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdupdow, p. 402.
actos legislativos sao a Assembleia da República, o Governo e as Assembleias m Vide JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÂO, o Direito 7 Intmduçän..., pp. 284
86 Legislativas Regionais. e segs. 87
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

do Govemo ou um decreto legislativo regional, tal como resulta do regulamentares regionais; c) leis das Autarquias Locais,
art. 112.° da CRP129. V.g., posturas municipaism.
3. Santos Justo defende que a lei propriamente dita é simultaneamente Deste conjunto de leis, importa distinguir as formas legislativas
formal e material, por isso, define lei como “uma declaracao solene das formas regulamentares, isto é, separar, entre as leis em sentido
cem valer normativo, ditada pela autoridade que detém a potestas material, as que nao o sao em termos fermaism.
normandi do Estado com observancia da forma estabelecida”‘3°.
12.3. 0 regulamento
Para efeitos de explanacào da matéria, vamos seguir a posicao de
Oliveira Ascensäo, e, desse modo, incluir na noção de lei, enquanto 12.3.1. Noçâo
fonte de Direito, nao só os actos legislativos, mas também todos os
actos normativos emanados por entidades públicas, o que significa que Regulamento é o acto unilateral do Estado, ou de outra entidade
vamos incluir na noção de lei também as normas regulamentares. pública ou privada habilitada a exercer 0 poder executivo (funçäo
administrativa), que de forma escrita cria, modifica eu extingue
12.2. Classificacào de leis normas jurídicas subordinadas a lei”“.
Os regulamentos estäe previstos no art. 1 12.°, n.°s 6 e 7, da CRP e
Atendendo a solenidade, as leis podem qualificar—se em: no art. 199.°, alineas c) e g), da CRP, e abrangem todas as fontes que se
destinam a dar execucao às normas contidas nos actos legislativos.
1.Solenes 7 as leis que obedecem a um procedimento
especifico‘”: a) leis constitucionais; b) leis ordinarias: leis
12.3.2. Classificaçx’ie‘35
da Assembleia da República e decretos-leis do Govemo;
c) decretos legislativos regionais;
1. Critério do ámbito de aplicacao: regulamentos centrais;
2. Comuns 7 as leis que nao obedecem a um procedimento , ° wregionais,, o vv locata. o winstztuctonais.
especifico: a) leis elaboradas pelos orgäos centrais do Estado,
a) Regulamentos centrais 7 provém do Govemo e aplicam—se
V.g., decretos regulamentares do Governo, resoluçôes do a todo o territorio, V. g., os decretos regulamentares, as
Conselho de Ministros, portarias ou despachos normativos reseluçôes do Conselho de Ministros, as portarias ministeriais
dos Ministerios; b) leis elaboradas pelos örgäos locais do e os despachos normativos;
Estado, v.g., regulamentos dos Govemos Civis ou decretos
b) Regulamentos regionais 7 provêm dos Govemos Regionais
e Visam regulamentar legislacao regional ou nacional,
V.g., os decretos regulamentares regionais (art. 227.“, n.° l,
alinea d) da CRP);
“" Vide MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmduçãa ao
Estado,“, pp. 52 e segs.
““ Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmdução ao Estado… p. 192. da CRP e 0 art. 254“, n.“ 2, da CRP.
“2 Vide 0 art. 238.°, n.°s 3 e 4,
… Por exemple, as leis daAssembleia da Republica sao elaboradas de acordo … VideNUNO SÁ GOMES, Intmduçãa ao Estudo..., p. 179.
com um certo processo legislativo fixado nos artigos 167.“ e 168.“ e 226.“, n.“ 2, ““ Para maiores desenvolvimentos, vide DIOGO FREITAS DO AMARAL,
da CRP, sao promulgadas pelo Presidente da República e mandadas publicar nos Manual de Introduction, pp. 509 e segs.
termos dos artigos 134.“, alinea b), e ll9.°, n.“ l, da CRP. Cfr. NUNO SÁ GOMES, ”5 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introducào..., pp. 510
88 Introduçãa ao Estudo..., p. 174. e segs. 89
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

c) Regulamentos lacais 7 prevém dos orgaos das autarquias economicamente mais desfavorecidos poder5e beneficiar
locais, e aplicam—se somente no territorio municipal, v.g., de uma belsa de estude a conceder pelos Services Seciais
as posturas municipais; da Universidade, nos terrnos que estes venham a definir
através de regulamento, torna-se claro que tal norma so
d)Regulamentos institucionais 7 provêm dos orgaos de
pessoas colectivas de direito público, v.g., o regulamente da
podera ter aplicaçäo efectiva aos casos concretos da vida
depois da criaçâo do regulamente de execuçâo que fixe:
Biblioteca de uma Faculdade ou o regulamente deontológico
as condiçôes em que os interessados podem beneficiar
de uma Ordem Profissional.
da bolsa, os montantes das bolsas, os documentos que
2. Critério da ebrigateriedade: regulamentos extemos; regulamentos devem acompanhar o pedide da belsa, etc.“;
internos“.
b) Regulamentos autónomos139 7 s5e os regularnentos emitides
a) Regulamentes externes 7 S50 es regulamentos que vinculam peles órgãos da Administraçäo descentralizada do Estado,
n5o so es órgãos da Administraçâo, mas também os devido 5 existéncia de um poder regulamentar próprio e
cidadäos em geral, e gozam de publicidade extema, V.g., autónomo para o desempenho das suas iunçôes. Incluem—se
o regulamento de avaliaçâo da Faculdade de Direito de aqui os regulamentos das Regiôes Autónomas (art. 227.°,
Lisboa; n.“ 1, da CRP) e das autarquias locais (art. 241 .° da CRP),
b) Regulamentes internes137 7 s5e es regularnentos que Vinculam v.g., posturas municipais de trânsito 7 em que se define
semente es funcionarios hierarquicamente dependentes com pormenor, para cada localidade, quais as ruas abertas
do orgao que o emite, e que n5e gezam de publicidade ao público e os locais de estacionamento;
externa, v.g., a circular da Direcçäo de Services do IRS e) Regulamentos independentes 7 s5e os regulamentos do
que esclarece as dúvidas de aplicaçâo suscitadas pelo Governo emitidos ao abrigo dos artigos 199.“, alinea g) e
despacho que fixa as tabelas de retencao na fonte de IRS; 112.“, n.° 7, da CRP, quando o Govemo, na auséncia de leis
ou o regularnento sobre as regras de vestuario dos agentes ou decretos—leis (em matérias n5o legislatiws por natureza e
da PSP. concorrenciais com a Assembleia da República), opta por
3. Critério da relaçäo com a lei: regulamentos complementares ou intervir n5o legislativamente, mas pela via regulamentar.
de execuçäo; regulamentos autónomos; regulamentos independentes. Deste modo, o Geveme exerce o seu poder proprio de
editar regulamentos neeessdrios para a execuçäo das leis,
a) Regulamentos complementares ou de execução 7 s5e os entendido em termes amples. Estes regulamentos revestem
regulamentos que cencretizam a disciplina constante de a forma de decreto regulamentar, tal como resulta do art.
uma lei, permitindo, desse modo, a sua aplicac5e aos 112.°, n.° 6, da CRP.
casos concretos, v.g., se uma lei prevê que os alunos

“5 Cfr. NUNO SÁ GOMES, Intmduçãa ao Estudo..., pp. 120 e 179. ”3 Com este exemplo, DIOGO F REITAS DO AMARAL, Manual de Introduçäo...,
“7 Os reglamentos internos da Administração abrangem apenas os funcionarios p. 51 1.
subalternos de um superior hierarquico e têm por fundamento a própria hierarquia “" Refira—se que Freitas doAmaral trata os reglamentos autónomos e independentes
administrativa, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introduçàa..., como uma mesma categoria, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de
90 p. 513. Introduçäo..., p. 511 e segs. 91
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

Note-se que tanto os regulamentos independentes como os 4. Despachos normativos 7 s50 subscrites por um ou
regulamentos autónomos ndo vêm complementar uma lei carecida mais Ministros (0u Secretarios de Estado) em nome do
de regulamentacáo, mas visam antes fixar a disciplina juridica Ministério(s) e s50 publicades no Diario da República
necessária 5 realizaçäo das atríbuíções especificas de certas entidades (art. 119.°, n.° 1, alinea h), da CRP);
públicas a que o legislador cenferiu este poder, devido ao melhor Instrucoes, circulares e oficios circuladas 7 s50 regulamentes

U’I
.
conhecimento da realidade com que têm de lidar. Freitas do Amaral intemes do Governo‘“;
fala, a este propósito, de casos em que apesar de n50 haver nenhum
.Regimentos internos 7 s50 es estatutos de um òrgao ou

@
preceito legal ou constitucional que especificamente confira um
poder regulamentar, esse poder existe, dando como exemplos: os instituicao‘“;
regulamentos internos da Administracào cem fimdamento na hierarquia Decretos regulamentares regionais 7 s50 es regulamentes

\]
.

administrativa; os regulamentos relatives ao poder de gest50 do servico das Regi6es Autónomas;


pelos dirigentes face às relacòes especiais de poder em que se
Posturas municipais 7 s50 0s regulamentos das autarquias


acham es utentes (v.g., utentes de h0spitais, escelas, bibli0tecas eu
locais‘“.
museus.); e 0s regulamentos do funcionamento de 01g50s colegiais (ou
regimentos), que têm por fimdamento 0 poder de auto-organizacào Sem forma especial temos ainda os regulamentos dos restantes
da instituicaom. institutos públicos, os regulamentos dos services com autonomia
administrativa, e, mesmo, es regulamentes dos órgãos colegiais das
12.3.3. Formas de regulamentos empresas privadas concessionarias de servicos públicos.

1. Decretos regulamentares 7 s50 premulgades pe10 Presidente 12.3.4. Considerações finais145


da República, referendados pelo Govemo (de acordo com
o art. 134.“, alinea b), e art. 140.“, n.° 1, da CRP) e s50 1. Regulamento e lei em sentido formal 7 tanto a lei como os
publicades 110 Diario da República (art. 119.°, n.° 1, alinea regulamentos s50 actos materiais criadores de normas juridicas,
h), da CRP); porém, a sua diferenca reside no valor formal de cada um em relac50
50 outre, isto é: a) uma lei pode revogar um regulamento, mas 0
2. Resolucoes do Conselho de Ministros 7 traduzem, em regra, contrario ja n50 pede suceder, pois se um regulamento contrariar
a competencia regulamentar deste órgáo (art. 200.° da CRP) uma lei ele sera invalido; b) normalmente a lei baseia-se somente
e n50 tém intervenc5e presidencial. S50 publicadas no na Constituicao, enquanto que o regulamento depende da existência
Diario da República (art. 119.°, n.° 1, alinea h), da CRP); de uma prévia lei de habilitaçâo, que lhe atribuia competência para
3. Portarias 7 s50 assinadas pelo Ministro (ou Secretario de a sua emiss50 (salvo es regulamentes independentes, que se fundam
Estado) da matéria em nome do G0vem0 e 550 publicadas directamente na Constituic50).
no Diario da República (art. 119.“, n.° 1, alinea h), da
CRP)141;
“Z V.g., a circular n.“ 2/2010 da Direccào de Servicos do IRS que esclarece o
regime fiscal dos residentes n50 habituais.
“° Vide DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdupào…, p. 514. … V.g., o regimento da Assembleia da Republica.
… v.g., a portaria que identifica os modelos para publicitacào de pedidos de ““ V.g., a postura municipal relativa ao estacionarnento reservado a deficientes.
licenciamento, de comunicacào prévia ou de autorizacào de operacòes urbanisticas. “5 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introduction, p, 515 e segs. 93
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

2. Valia dos regulamentos enquanto fonte de Direito 7 os no topo temos as leis constitucionais, a seguir as actos legislativos
regulamentos de execucao têm acentuado valor, nomeadamente e no fim as actos regulamentares.
quando interpretem as leis (interpretaçâo oficial)”, integrem lacunas
ou concretizem os aspectes genericamente tratades nas leis. O principio da hierarquia desdobra—se em Varios sub-principios:
a) O principio da proeminéncia ou superioridade das leis
12.4. A Lei na CRP relativamente aos restantes actos normativos 7 decorre do
art. 112.°, n.° 5, da CRP, que impede que as leis criem
A CRP identifica as diversas fantes de arigem normativa: outros actos normativos com forca igual ou superior as
1. O direito internacional 7 art. 8.“ da CRP; delas proprias ou que tais actos as possam interpretar ou
alterar (proibe—se assim a interpretado autêntica por parte
2. Os actos normativos internos 7 estâo enumerados no art.
de regulamentas149 e também a existéncia de regulamentas
112.o da CRP e sae os seguintes:
revegatories ou suspensivos de leis);
a) Os actos legislativos da Assembleia da República (previstos
b) O principio da tendencialparidade entre leis e decretos—leis
nos artigos 161.“, alinea c), 164.“ e 165.“ da CRP);
7 decarre do art. 112.“, n.“ 2, da CRP e determina que
b) Os actos legislativos do Govemo (previstos no art. 198.o normalmente as leis e os decretos—leis têm o mesmo valor;
da CRP) e os actes regulamentares do Govemo (previstos
c) Oprincipio da proeminéncia das normas de enquadramento
no art. 199.°, alineas c) e g), da CRP);
sobre normas complementares 7 segundo este principio,
c) Os actos legislativos das Regiòes Autònomas (previstes podemos separar os actos legislativos em leis de valor
no art. 227.“, n.° 1, alineas a) a c), da CRP) e os actes reforgado‘s0 (ou leis de enquadramento) e leis ordinarias,
regulamentares das Regiòes Autònomas (previstos no art. devendo as segundas respeitar sempre as primeiras;
227.“, n.“ 1, alinea d), da CRP);
d) O principio da preferencia de lei 7 segundo este principio,
d) Os actos regulamentares das autarquias lacais (previstas a lei funciona camo limite de actuaçäo, isto é, prevalece
no art. 241.“ da CRP). sobre todos os actos do poder executivo, e, como tal, naa
A Constituiçâo fixa no art. 112.°, n.°s 2 a 7 os critérios de pode ser contrariada per nenhum acto inferior a ela;
validade e relacionamento entre os diversos actos normativos, o que e) O principio da precedéncia de lei 7 segundo este principio,
tem subjacente uma ideia de hierarquia‘“. Por isso, deste preceito a lei funciona como habilitaçäo legal de outros actos, par
decarre um principio da hierarquia dos actos normativos“, segundo isso, näo podem existir regulamentos sem lei prévia anterior
o qual os actos normativos nao têm todos o mesmo valor hierarquico: 7 art. 112.°, n.° 7, da CRP;

”5 Tal como veremos infra 16.2.1.2. “" Tal como veremos infra 16.2.1.1.
… Vide GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituipdo da
J. J. 15° As leis de valor reforcada sao aquelas que beneficiam de forma e procedimentos

Republica Portuguesa 7Anotada 7 Volume II 7 artigos 108.“ a 296.“, 4a ed., Coimbra, especiais, e que regulam a produção de outras leis. V.g., as leis de bases, as leis de
2010, pp. 50 e segs, autorizacào e as leis orgánicas 7 art. 1 12.“, n.“ 3, da CRP; a lei de enquadramento
”3 Quanto as relaçôes entre lei e regilamento, vide os artigos 112.°, n.“s 5, 6 do orcamento prevista no art. 106.“ da CRP; e as leis que carecem de aprovação
94 e 7, da CRP. per maioria de dois tercos dos deputados 7 art. 168.“, n.“ 6, da CRP… 95
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

f) O principio da reserva de lei 7 segundo este principio, a Direito Internacional’"52. Como exemplos de tratados internacionais,
lei constitui um fundamento de actuacao, havendo certas entre muitos outros, temos: a Carta da Organizaçäo das Naçôes
matérias que a Constituiçâo deterrnina serem reguladas Unidas (de 1945) e o Tratado do Atlantico Norte (de l949)‘53.
por lei (artigos 164.o e 165.“ da CRP) 7 reserva material Säo acordos internacionais em forma simplificada: os acordos
de lei. O principio da reserva de lei tem duas dimensôes:
internacionais aprovados pelos Parlamentos nacionais e assinados
i) Negativa7 corresponde à proibição de que outra fonte (nao ratificados) pelo Chefe de Estado (art. 134.°, alinea b), da
regule a matéria, salvo quando se limite a executar a CRP); os acordos intergovemamentais aprovados pelos govemos que
lei; nao versem sobre matérias pertencentes à reserva de competência
ii) Positiva 7 corresponde ao dever da lei fixar o regime de dos parlamentos nacionais (art. l97.°, n.° 1, alinea c), da CRP);
certa matéria, näo podendo declinar a sua competência os acordos celebrados entre organizaçôes internacionais ou entre
a favor de outra fonte. organizaçôes e Estados. Säo exemplos de acordos simplificados
celebrados por Portugal: 0 Acordo de supressäo de Vistos no
ambito da Comunidade dos Paises de Lingua Portuguesa (CPLP)
§ 13. 0 direito internacional151 e o Protocolo de Cooperaçäo entre Portugal e Macau no dominio
das pescas‘“.
O direito intemacional é o direito que rege as relaçôes extemas dos Os tratados e acordos internacionais sâo considerados fontes
Estado e das outras entidades que integram a sociedade internacional. de Direito, porque constituem actuaçôes de carácter normativo e as
Pelas particularidades que revestem, dentro do direito internacional, suas normas vigoram na ordem juridica portuguesa (art. 8.“, n.° 2,
podemos separar o Direito Intemacional Publico do Direito da da CRP) nao como fontes nacionais, mas antes enquanto fontes
Uniäo Europeia. normativas intemacionais.

13.1. Direito Internacional Público: tratados e acordos 13.2. Direito da União Europeia
internacionais
O Direito da Uniâo Europeia integra o conjunto de regras e
O Direito Intemacional Público é o direito internacional que, principios que regem as relaçôes entre os Estados que fazem parte
entre outros aspectos, se dedica ao estudo dos tratados e dos acordos da Uniâo Europeia.
internacionais (ou direito internacional convencional).
Podemos separar o Direito da Uniao Europeia em direito originario
Sao tratados internacionais “os acordos de vontades celebrados e direito derivado:
entre Estados soberanos, devidamente aprovados pelos parlamentos
nacionais e ratificados pelos respectivos Chefes de Estado, e que, l. Direito origina'rio 7 abarca o texto dos tratados, v.g., o
de forma escrita e solene, criam, modificam ou extinguem normas de Tratado de Lisboa.

“Z Vide DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdupdo…, p. 486.


… Sobre esta materia vide, entre outros, DIOGO FREITAS DO AMARAL, “3 Para mais exemplos, vide DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de
Manual de Intradupdow, ppt 486 e segs; NUNO SA GOMES, Intmduçãn aa Introdacdo…, p. 487.
Estado… pp, 192 e segs. … Cfr… DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdacdo…, p… 488. 97
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

2. Direito derivado 7 é o direito produzido pelos ôrgäos § 14. Principios fundamentais de Direito157
da Uniâe Europeia, que comporta: a) os regulamentos e
14.1. Noção
decisoes 7 sao os actos imediatamente aplicaveis dentro
das ordens jurídicas dos diversos estados membros e que
Os principios gerais ou fimdamentais de Direito sao “as máximas
apresentam um carácter obrigatório para os seus destinatarios;
ou formulas que exprimem as grandes orientacòes e valores que
b) as directivas 7 sâe os actos cuja aplicacao carece de
transposicao ou integraçäo através de um acto normativo caracterizam uma certa ordemjuridica ou um certo ramo do Direito”‘53.
interno dos estados destinatarios; c) as recomendacoes e Trata-se de postulados existentes em qualquer ordenamento juridico
pareceres 7 sao os actos que nao apresentam um caracter que decorrem do direito natural e da propria ideia de justica, e que,
Vinculativo. por esses motivos, se impôem ao legislador num Estado de Direito
Democratico. Em Portugal, o seu acolhimento decorre do art. 8.°,
Os actos da Uniao Europeia configurarn uma importante fonte n.° l, da CRP.
de Direito em Portugal, que tem acolhimento no art. 8.“ da CRP:
1. O art. 8.“, n.“ 3 da CRP consagra o principio da aplicabilidade 14.2. Distinção entre principios e regras
directa das normas emanadas das Organizaçôes Intemacionais
que, no caso da Uniao Europeia, sao os regulamentos Enquanto fonte de Direito, os principios enunciam valores ou
(integrantes do direito comunitario derivado). Trata-se de orientacòes que se transformam em regras juridicas: os principios
uma recepçäe automática plena, o que significa que tais actos sâe fonte geradera de regras e estas sâe 0 produto dos principios.
produzem efeitos imediatamente no Estado portugués sem
necessidade de qualquer acto de aprovacao ou ratificacao‘“. Todavia, 0 art. 204.“ da CRP distingue as regras constitucionais
dos principios nela consignados, por isso, devemos entender que: os
2. O art. 8.“, n.° 4, da CRP consagra o principio do primado principios sao fórmulas com um reduzido grau de determinabilidade,
do Direito da Unido Europeia sobre o direito do Estado que para serem aplicados necessitam da mediaçäo do legislador ou
Portugues, isto é, a normas de direito originario e derivado juiz; as regras sao fórmulas com um maior grau de determinabilidade,
da Uniao Europeia prevalecem sobre as normas de direito e, por esses motivos, susceptiveis de aplicacao imediata‘”.
interno (incluindo as da CRP). Assim, o primado afirma—Se:
a) como aplicacdo preferente 7 0 Direito da Uniao Europeia
14.3. Caracterizacào e importancia
näo pode ser declarado inconstitucional nem desaplicado,
o que leva a que o direito interno ordinario pré-existente
Quanto à forma podemos falar de: a) principios normativos de
se torne inválido ou inaplicavel; b) como reserva de
constitucionalidade 7 a aplicação do Direito da União direito positivo, que sao enunciados de modo expresso, V.g., principio
Europeia pressupöe o respeito dos principios fimdamentais do Estado de Direito Democratico previsto no art. 2.“ da CRP; b)
do Estado de Direito Democrático“. principios gerais que resultam de indugoes lógicas das normas jurídicas,

‘55 Diferentemente do que sucede no caso do direito internacional convencional “7 Fala7se também de principios fiindamentais da CRP e principios gerais de
em que existe uma recepcào automática condicionada 7 art. 8.“, n.“ 2, da CRP. cada ramo de Direito, cfr. NUNO SÁ GOMES, Intmduçãn ao Estado… p. 205.
“° Cfr… J. J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituicfio da “E Seguimos a noção avancada por Diogo Freitas do Amaral, cfr. DIOGO
Republica Portuguesa *Anotada 7 Volume I7 artigos 1.“ a 107.“, 4a ed., Coimbra, FREITAS DO AMARAL, Manual de Introduction, p. 499.
98 2007, pp. 265 e segs. “" Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introducà'o… p. 501. 99
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

cuja concretizacao implica uma compreensâo teleològica do sistema § 15. Hierarquia das fontes
positivo, v.g., o principio da igualdade dos ministros dentro do 15.1. A expressao “hierarquia das fontes”
Governo‘“.
A importancia dos principios decorre das funcóes que desempenham: Segundo Oliveira Ascensao, n5o ha hierarquia entre regras, mas
a) funcao criadora de normas 7 enquanto fentes de Direito 7 eu sim hierarquia das fontes de Direito, isto porque as regras derivam
dimensdo antologica (V.g., o principio da boa fé, enunciado no art. das fontes e todas as regras tém uma natureza vinculativa‘“.
266.°, n.° 2, da CRP, da origem a varias normas do Código do Por sua vez, Marcelo Rebelo de Sousa/Sofia Galväo sustentam
Procedimento Administrativo, que concretizam os deveres de que a express5e hierarquia das fentes de Direito n5o parece a melhor,
actuac5o da Administrac5e pautados pela boa-fé 7 art. 10.° do porque n5o existe verdadeiramente uma hierarquia “no sentido de
Codigo do Procedimento Administrative‘“; b) função interpretativa das
ordenacao de relevancia juridica decrescente quanto aos diversos
leis eu dimensäo metodologica; c) funçâo integradora das normas
modos de revelação de Direito”, mas o que existe e apenas urna
juridicas 7 enquanto meio de integracao de lacunas da lei 7 ou hierarquia quanto ao seu modo de criaçäo. Por isso, é preferivel falar
dimensào axiolégica‘“. de hierarquia de fermas de críação de Direito 7 trata-se de urna
hierarquia de titulos ou de matrizes de concretizacào do Direito, e
14.4. Considerações fmais
so corisequentemente de regras‘“.

N50 é consensual a consideracao dos principios fimdamentais Freitas do Amaral considera que se pode falar de paridade de
como fonte autónoma de Direito: alguns autores como Santos Justo, fontes e de hierarquia de fontes. Em Portugal, referem—se casos de
Freitas do Amaral e Baptista Machado entendem que s5e fontes paridade defontes, como, por exemplo, entre a lei e o decreto-lei,
de Direito‘“; Oliveira Ascens5e e Marcelo Rebelo de Sousa/ Sofia e também entre a lei e o costume; mas a maior parte das vezes é
Galvâo näo se pronunciam. utilizada a express5e hierarquia das fontes, que teria o seguinte
conteúdo: l.° a CRP; 2.“ as leis de valor reforcado; 3.° as leis simples;
e 4.° os regulamentes‘“.
Baptista Machade entende, e em nessa epini5o com razäo, que
a hierarquia das nonnas “depende da hierarquia das fontes em que
est5o contidas”‘67.

Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introduçäa..., p. 502.


, Introdagfio… pp. 579
…‘

… Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introduçä ..., p. 502. … Vide JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÁO, 0 Direito
‘52 Referindo estas dimensoes, ANTÖNIO SANTOS JUSTO, Introdugdo ao e 580.
Estudo..., p. 225. 1“ Wde MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intraduçãü ao
‘53 Note-se que Nuno Sá Gomes entende que os principios fazem parte das Estudo..., pp. 177 e 178.
fontes nao intencionais de Direito, a par do costume, cfr. NUNO SÁ GOMES, ‘56 Vide DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdapdo… p. 563.
100 Introduçäa ao Estado… p. 205 e segs. … Vide JOÀO BAPTISTA MACHADO, Introdagdo ao Direito… p. 166.
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

15.2. A hierarquia das fontes na doutrina168 Hierarquia para Freitas do Amaral‘“:


1. F entes intemacionais: costumes, tratados e jurisprudéncia.
Hierarquia para Marcelo Rebelo de Sousa/Sofia Galvdo‘”: Abarcam o Direito Internacional Geral ou Comum (art.
1. CRP formal e costume constitucional; 8.“, n.° 1, da CRP), o Direito Internacional Convencional
2. Leis de revis50 constitucional; ou Particular (artigos 8.°, n.° 2, art. 278.“, n.° 1, e 280.“,
3. Factes criadores de Direito Internacienal: actos e costumes; n.“ 3, da CRP) e 0 2. Direito da Uni5e Eurepeia (art. 8.“,
4. Actos politicos stricto sensu 7 actos que condicionam o n.°s 3 e 4, da CRP)”;
exercicio da função legislativa, v. g., 0 programa do Govemo; CRP;

P’.“
a m0c50 de censura 50 G0vem0; o decreto do Presidente Direito ordinario ou infraconstitucional: a) lei e costume,
da Republica que dissolva a Assembleia da Republica ou em paridade; b) regulamentos e praxes administrativas,
que declare o estado de sitie 0u emergéncia; em paridade.
. Leis em sentide formal 7 em primeire lugar as leis reforcadas
LI]

e em segundo lugar as leis cemuns‘7“; Hierarquia para Nuno Sá Games‘”:


. Decretes legislatives regionais 7 a CRP submete-os às
ox

Principios jurídico-fundamentais;

._.
.
leis gerais da Republica e aos decretos-leis do Governo
2. CRP e leis de revis50 constitucienal;
(art. 112.“, n.°s 4 e 5, da CRP);
3. Direito Internacional Geral (incluindo o costume) e
. Acòrdàos do Tribunal Constitucional com forca obrigatòria
\]

Convencional (tratados e acordos intemacionais);


ge1517 est50 acirna dos actos jurisdicionais e dos actos da
4. Decretos do Presidente da República;
Administrac5o Pública;
. Leis, decretos-leis e resolucòes da Assembleia da República

U’I
8. Regulamentes administratives (estande no mesmo plano
com eficácia normativa;
os costumes administrativos);
6. Decretos legislativos regionais;
9. Contratos administrativos;
7. Decretos regulamentares;
10. Actos jurisdicienais e actos administrativos.
8. Decretos regulamentares regionais;
9. Resolucòes normativas do Conselho de Ministros;
10 . Portarias e despachos normativos (regulamentos ministeriais);
11 .Regulamentos dos Govemadores Civis;
12 . Regulamentos das autarquias locais (posturas, regulamentos
e regimentos, entre os quais n50 ha hierarquia);
13. Regulamentos dos entes públicos intermédios.
l“ Sem grandes aprofimdarnentos, defendemos a seguirrte hierarquia: 1.“ o Direito
Internacional Geral; 2.“ 0 Direito da Uniäo Europeia; 3.“ o Direito Constitucional;
4.“ 0 Direito Internacional Público; e 5.“ 0 direito ordinario.
“" Vide MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmduçãa ao
Estado… pp. 180 e segs. … Vide DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdupdo…, p. 567.
”“ Os autores defendem ainda que os costumes em materias legisladas ou ”2 Como se verifica, F reitas do Amaral defende o prirnado do Direito Internacional
legisláveis est50 no mesmo nivel das leis e decretos—leis, cfr. MARCELO REBELO sobre a CRP
102 DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introduçào ao Estudo..., pp. 182. ”3 Cfr. NUNO SÁ GOMES, Introducdo ao Estado… pp. 225 e segs. 103
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

15.3. Conflitos de fontes 5. Nao se verifica uma relaçâo de hierarquia entre o direito
regional (decretos legislativos regionais e decretos
Baptista Machado17A refere algumas regras importantes que regulamentares regionais) e o direito estadual, pois existe
auxiliam a resolver os conflitos entre actos normativos de direito uma delimitaçäo das competências de cada um deles pela
interno. Constituiçäo;
. As autarquias locais apenas tèm competencia normativa de

O’\
Existem très critérios gerais para resolver os conflitos de nonnas:
tipo regulamentar (posturas e regimentos), mas o direito
1. O critério da posteridade 7 quando existe um conflito entre regulamentar estatal precede o direito regulamentar das
fontes da mesma hierarquia, prefere a lei mais recente: a autarquias, salvo nos casos de autonomia constitucionalmente
lei posterior derroga a lei anterior 7 art. 7.° do CC; reconhecida. Assim, fora estes casos, as autarquias devem
2. O criterio da especialidade 7 quando existe um conflito respeitar as leis estatais sob pena de ilegalidade, v.g., um
entre fontes da mesma hierarquia, a lei especial prevalece regulamento municipal sobre edificaçôes nao deve contrariar
sobre a lei geral, ainda que esta seja posterior, salvo se uma lei sobre edificaçôes urbanas.
outra for a intençäo inequivoca do legislador 7 art. 7.° do
CC;
. O crite'rio da superioridade 7 quando existe um conflito
W

entre fontes de hierarquia diferente, a lei superior derroga


lei inferior, isto é, as normas de hierarquia superior
prevalecem sobre as normas de hierarquia inferior.
Podem—se ainda apontar mais algumas ideias também úteis na
resoluçäo de conflitos entre normas“:
l . Entre lei e decreto—lei ndo há hierarquia, mas caso o Govemo
regule por decreto—lei matéria de reserva de lei da Assembleia
da República o diploma padece de inconstitucionalidade
orgânica;
2. Os decretos regulamentares ou os decretos simples do
Govemo que Violem leis ou decretos-leis sao ilegais;
. As portarias genéricas e os despachos normativos devem
W

respeitar os decretos regulamentares e os decretos simples;


4. Nos casos de matérias de competência conjunta (ou
concorrencial) da Assembleia da Republica e do Governo
deve prevalecer a lei posterior, V. g., um decreto-lei pode
revogar uma lei ou o inverso;

”“ Vide JOÃO BAPTISTA MACHADO,Int70duçã0 aa Direito ., pp. 166 e segs.


104 ”5 Cfr… JOÃO BAPTISTA MACHADO, Intmduçãa aa Direit0…, pp… 169 e I70. 105
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: Moncada, Luis Cabral de


7 Líçães de Direito Civil 7 parte geral, 4“ ed. (reimp.), Coimbra,
Amaral, Diogo Freitas do 1995.
7 Manual de Introduçäo ao Estudo do Direito, vol. I, Coimbra,
2004. Santa, Joao Espirito
7 Da necessidade de revisan dos artigos 1.“a 13."do Codigo Civil, 7 Código Civil 7Anotac5es aos artigos I “ a 13°, AAFDL, Lisboa,
in revista Themis, I-l, Coimbra, 2000, pp. 9-20. 201 1.

Ascensäo, José de Oliveira Sousa, Marcela Rebela del Galvâo, Sofia


7 O Direito 7 Introduçäo e Teoria Geral, 13“ ed., Coimbra, 2005. 7 Introducdo ao Estudo do Direito, Lisboa, 2000.

Brito, Miguel Nogueira de Sousa, Miguel Teixeira de


7 Introducào ao Estado do Direito, 2“ ed., Lisboa, 2018. 7 Introducdo ao Direito, Caimbra, 2012.

Duarte, Maria Luisa Telles, Inocêncio Galvâo


7 Introducào ao Estado do Direito 7 Sumarios Desenvolvidos, 7 Introducdo ao Estudo do Direito I, 11“ ed. (reirnp.), Coimbra,
AAFDL, 2003. 2010.

Gomes, Nuno Sá Miranda, Jorge


7 Introducào ao Estado do Direito, Lisboa, 2001. 7 Manual de Direito Constitucional, tomo II, 6“ ed., Coimbra,
2007.
Justo,Antóni0 Santos
7 Introducào ao Estado do Direito, 5“ ed., Coimbra, 2011.

Lima, Fernando Pires de /Varela, J. M. Antunes


7 Co'digo Civil Anotado, vol. I, 4“ ed. (reimp.), Caimbra, 2010.
7 Noçães Fundamentaís de Direito Civil, val. I, 6“ ed., Coimbra,
1973.

Machado, Joao Baptista


7 Intmduçãa ao Direito e ao Discurso Legitimador, 19“ ed. (reimp.),
Caimbra, 201 1.

Mendes, Joao Castro


7 Introducào ao Estado do Direito, Lisboa, 1994.

106 107
CAPÍTULO lll: INTERPRETAÇÃO

SUMARIO:

16. A interpretaçâo em sentido estrito; 16.1. Noçâo; 16.2.


Modalidades de interpretaeaa; 16.2.1. Criteria da fonte e valor;
16.211 Interpretaçäo autêntica; 16.212. Interpretacao oficial;
16.2.1.3. Interpretaçäo judicial; 16.214. Interpretacao doutrinal;
16.2.1.5. Interpretação particular; 16.2.2. Critério do objectiva ou
fim da interpretaeao; 16.2.2.1. Teses subjectivista, objectivista e
mista; 16.2.2.2. Teses historicista e actualista; 16.2.2.3. Posição de
legislader portuguès: e art. 9.0 do CC; 16.2.3. Critério dos resultados
da interpretaçâo; 16.231. Os elementos da interpretacao: noçäo
e classificaçâo; 16.2.3.2. Os elementas da interpretaçäo no art. 9.“
do CC; 16.233. Modalidades de interpretacaa quanta ao resultado:
1) interpretacao declaratiw; 2) interpretaçäo extensiva e restritiva; 3)
interpretaçâo abrogante; 4) interpretaçâo enunciativa; 5) interpretaçäo
correctiva; 17. A integraçäo de lacunas; 17.1. Considerações
iniciais; 17.2. A lacuna juridica; 17.2.1. Noção; 17.2.2. Espécies
de ' ' 17.2.3. F " ‘ ,i… da n' * ' de' ‘ 17.3.
A integracào (de lacunas); 17.3.1. Noçâo; 17.3.2. Os processes
de integraçâo; 17.3.3. Analogia legis; 17.3.3.1. Noçäo; 17.3.3.2.
Exemplas de analogia legis; 17.3.3.3. Diferencas entre analogía
legis e interpretacao extensiva; 1733.4. Limites a analogia legis;
17.3.4. Analogiajuris; 17.3.4.1. Noçâo; l7.3.4.2. Diferença entre
analogia legis e juris; 1734.3. Admissibilidade da analogiajuris;
17.3.5. A “norma que 0 intérprete criaria”; 18. Novas perspectivas
metodològicas de concretizaçâo ou desenvolvimento do Direito;
18.1. Redueña teleológica; 18.1.1. Noçâo; 18.1.2. Exempla pratico;
18.1.3. Admissibilidade; 18.2. Extensão teleológica; 18.2.1. Noçâo;
18.2.2. Exemplo pratico; 19. Consideraçôes finais: exemplos
praticos e dr'rvidas da doutrina; 19.1. Exemplos práücos acerca das
diferentes modalidades de interpretacao; 19.2. Dúvidas suscitadas
na doutrina. 19.2.1. Analogia e interpretaçâo extensiva. 19.2.2.
Aplicaçäo analôgica de normas excepcionais e argumento “a
Introduçäo ao Estudo do Direito

cantrario”; 19.221. Elucidaçâo do problema; 19.2.2.2. Exemplos


praticos; 19.2.2.3. A resoluçäo pela doutrina.
§ 16. Interpretaçào em sentido estrito

Depois de termos analisado e definido o Direito, e de termos


verificado que este se manifesta através de regras juridicas, vamos
agora determinar o sentido da regra para poder solucionar o caso
concreto ou a situaçäo da Vida com que o aplicador do Direito se
depara”?
Fala—se de interpretaçäo em termos amplos que abrange todas
as modalidades de detenninaçâo da regra juridica, onde se incluem:
a) a interpretacdo em sentido estrito 7 é a detenninaçâo do sentido
da regra; b) a íntegração de lacunas 7 é o preenchimento do vazio
juridico, depois de se concluir pela Via da interpretaçäo que näo
existe regra na fonte; c) as novas perspectivas metodológicas de
concretizagáo ou desenvolvimento do Direito 7 os autores incluem
aqui outras modalidades de detenninaçâo de regras, que nao cabem
no conceito de interpretaçäo, porque ultrapassam a letra da lei‘77.
Os preceitos relevantes do Código Civil para o estudo desta
matéria sao 0 art. 8.°, o art. 9.“, 0 art. 10.°, o art.ll.“ e 0 art. 13.°.

16.1. Noção

Tal como já foi referido, a interpretagào em sentido estrito


consiste na deterrninaçäo do sentido da regra que decorre da fonte,
de forma a poder resolver o caso concreto. Imaginarido que a regra é

”5 A este respeito, Thomas Hobbes refere a necessidade de todas as leis (escritas e


nao escritas) serem interpretadas, cfr… THOMAS HOBBES, Leviatd, 4a ed. (reimp.),
Lisboa, 2010, Segunda Parte, Cap. XXVI, p. 224.
”7 Tèm sido tratadas neste ambito figuras como a redução e a extensao teleológica,
que analisaremos infra 18. Santos Justo trata aqui também a interpretacào correctiva
(cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmdução ao Estado… pp. 364 e segs), e
Oliveira Ascensao a interpretacao enunciativa ou inferência logica de regras
implicitas (cfr. JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, O Direito 7 Innoduçãa..,,
pp. 381 e 469 e segs). 111
Sandra Lopes Luís Introduçâo ao Estudo do Direito

uma obra de arte”, um quadro, por exemplo, pela via da interpretaçâo 16.2. 1.1. Interpretação autêntica
vai-se determinar 0 significado de cada traco da pintura.
Pressupöe a verificaçäo de dois requisitos:
16.2. Modalidades de interpretacào
1. Esta interpretacao deve ser feita por uma nova norma 7 a lei
interpretativa (art. 13.“ do CC)180 7 que se dirige 5 fixar 0 sentido da
Os autores apresentam Varias modalidades de interpretaçäo, de
norrna anterior, e que tem um valor igual ou superior ao da norma
acordo com très critérios principais, que convém analisar:
interpretadam. V. g.:
1. Critério da fonte e valor;
Norma interpretada 7 uma lei daAssembleia da República dispöe
2. Critérie do objectivo ou fim da interpretacao;
que “quem conduzir sob efeito de substáncias psicotrápicas deve
3. Critério do resultado da interpretac5o.
ser punido com coima”.
16.2.1. Modalidades de interpretação quanto à fonte e valor Norma interpretativa 7 uma lei da Assembleia da Repübliea ou
um decrete—lei do Governo dispöe que “devem-se incluir também
Este critérie atende, per um lado, 5 natureza do acto que faz os medicamentos no conceito de substáncias psicotrápicas”.
a interpretac5o e, per 0ut10 lado, ao valor que essa interpretacào 2. A interpretac5o auténtica é vinculativa para todos os aplicadores
tem relativamente aos restantes sujeitos interpretes e aplicadores do Direito, ainda que esteja errada.
do Direito.
Quanto a este critério, podemos falar de: a) interpretacao auténtica; 16.2.1.2. lnterpretacao oficial
b) interpretac5o oficial; c) interpretacao judicial; d) interpretacào
doutrina]; e) e interpretac5o particular”. Pressupôe a verificac5e de dois requisitos:
1. Esta interpretaçâo deve ser feita por uma norma de valor
inferior 50 da norrna interpretada, V. g.:
”3 Esta comparacào, que apresenta bastante utilidade para explicar a interpretacào
juridica, é feita por MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmduçàa Norma interpretada 7 uma lei daAssembleia da República dispöe
ao Estado… pp. 56 e segs. que “quem conduzir sob efeito de substancias psicotrápicas deve ser
”" A doutrina adopta, genericamente quanto a este critério, as modalidades punido com coima”;
de interpretacào referidas. Todavia, pela aparente dissemelhanca, convém referir
a posicào de Marcelo Rebelo de Sousa/Sofia Galvào. Estes autores fazem a Norma interpretativa 7 um despacho normativo do Ministério
distincào entre auto-interpretaçäo (feita pelo mesmo 0rg50 que elaborou a lei) e da Administracao Interna dispöe que “devem-se incluir também os
hetero-interpretacfio (feita por órgão diferente do que elaborou a lei), incluindo
medicamentos no conceito de substáncias psicotrópicas”.
no ambito desta a hetero-interpretacao: legislativa, administrativa, jurisdicional e
doutrinal (cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA / SOFIA GALVÀO, Introdapfio
ao Estado… pp. 61 e segs).
Duas notas devem ser referidas quanto 5 posic5o de Marcelo Rebelo de Sousa/ “° Note»se que a palavra “lei" deve ser entendida em termos arnplos de molde
Sofia Galv50: l) a interpretacao legislativa corresponde genericamente 5 interpretac5o a abranger os diplomas normativos em geral.
autentica, e a interpretacao administrativa corresponde 5 oficial; 2) n50 se descarta m A interpretaçâo legislativa autentica pode ser: a) sucessiva 7 quando uma
a possibilidade de auto-interpretac5o legislativa, no caso de um decreto-lei do lei nova vem interpretar uma lei anterior; b) simultanea 7 quando, dentro de um
Govemo interpretar um regulamento seu, e também situacòes de auto-interpretacào corpo normativo, um preceito interpreta expressoes usadas em outros preceitos 7
112 administrativa, no caso inverso. norma interpretativa originaria… 113
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

2. A interpretaçäo oficial nâo tem efic5cia extema devido ao 16.2.1.4. Interpretaçäo doutrinal
art. 112.°, n.° 5, da CRP, pois deste preceito resulta que as leis de
valor inferior n5o pedem alterar eu contradizer o sentido norrnativo 1. E a interpretaçäo que é feita por juristas ou jariscansaltos e
das leis hierarquicamente superiores. Por isso, esta modalidade de fora das condiçôes que caracterizam as situaçôes anteriores;
interpretaçäo näo tem efeito vineulativo para os outros (tribunais ou
2. N50 tern qualquer força vinculativa, mas pode persuadir devido
particulares), apresentando apenas uma eficacia meramente interna,
ao prestigio do intérprete ou da ceeréncia legica da argumentacào.
isto é, vincula nos termos da obediencia hierarquica 7 ebriga
semente es agentes administratives subordinados 5 entidade que 16.2.1.5. Interpretaqào particular
fez a interpretaçäo oficial.
Situac5e particular que suscita dúvidasm: 1. E a interpretaçäo que é feita por qualquer cidadào comum,
n5e jurista 7 fala—se de interpretaçâo nos termos do art. 6.o do CC;
Qual o valor da interpretaçäo feita por despacho normativo do
Ministro da Administraçâo Interna nos casos em que é a propria lei 2. N5o tem qualquer força vinculativa.
a estabelecer que “as dúvidas suscitadas na sua aplicaçäo devem
ser resolvidas por despacho ministerial”? 16.2.2. Critério do objectivo ou fim da intei‘pi‘etaçäo183
1. Ha quem entenda que temos uma interpretacàa auténtica,
feita por delegacào da lei interpretada; Este critério decorre de correntes doutrinarias de interpretaçäo
2. A maier parte da doutrina pensa que estames diante uma que surgiram no século XIX, através das quais se pretendia saber
ínterpretação oficial, perque a Constituicao fixa a escala as finalidades da interpretaçâo: quando estamos a interpretar que
hierarquica das leis, n5o pedende as leis de grau inferior sentido da lei pretendemos abter?
altera-la 7 0 art. 112.°, n.° 5, da CRP estabelece limites
Quanto a este critério podemos falar de: a) teses subjectivista,
5 delegação de pederes, n5e sende pessivel atribuir per
obj ectivista e mista; b) teses historicista e actualista.
delegaçäo competência legislativa a entidades que so têm
competéncia regulamentar. 16.2.2.1. Teses subjectivista, objectivista e mista
16.2.1.3. Interpretação judicial
1. Tese subjectivista 7 elaborada pela escola classica alem5,
representada per Savigny e Heck no inicio do século XIX. Visa
1. E a interpretaçâo que é feita pelos tribunais no ambito de
determinar o pensamente do legislador ou “mens legislatoris”, isto
um processo; é, a vontade da pessoa concreta que fez a lei.
2. Só tem valor vinculativo no processo em si. Fora dele, apenas
Vantagens 7 maier certeza e segurança, porque só existe um
pode persuadir pela força e exactidäo dos argumentes 7 nos casos
sentido possivel da lei, o sentido dado pelo legislador.
de invocac5o de jurisprudencia.

… Sobre esta materia, vide, entre outros,ANTÓNIO SANTOS JUSTO, Intraduçào


ao Estudo..., pp. 328 e segs; JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introduçào ao
Direito..., pp. 177 e segs; MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO,
132 Vide NUNO SA GOMES, Introduçàa ao Estado… p. 258. Intraduçãn ao Estado… pp. 57 e segs. 115
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

Desvantagens 7 dificuldades em determinar, nos tempos de hoje, Desvantagens 7 nao atende ao carácter de durabilidade das leis.
a vontade concreta do legislador, porque as leis resultam de ôrgäos As leis näo sao feitas para vigorarem apenas por um ou dois anos,
celegiais. e por vezes o sentido inicial da sua feitura nao se coaduna cem as
mudanças sociais que entretanto possam ter ocorrido.
2. Tese objectivista 7 defendida por Radbruck no final do século
XIX. Visa determinar o sentido intrinseco da lei, desligado da vontade 2. Rese actualista 7 de acordo com esta tese, Visa-se determinar
de quem a fez “é coma se a lei ganhasse vida própria”. É limitada o sentido da lei no momento da sua interpretacao.
apenas pelos elementos linguisticos e pelo sistema de Direito em Vantagens 7 maior adaptaçäo às exigencias da vida, dado que
que se insere. Esta em causa determinar a “mens legis”.
se interpreta a luz das exigéncias actuais urna lei que pode ter, por
Vantagens 7 maior adaptacao às exigencias de justica e as exemple, trinta anos. Impede que tenham de se estar sempre a fazer
necessidades do caso concreto. A lei tem virtualidades próprias, novas leis.
para além daquelas que o legislador lhe deu, pois nem sempre ele Desvantagens 7 pode lewr a situaçôes de arbitrio e à aplicaçâo de
se exprime da melhor forma, e a propria lei pode abranger casos
leis a cases que nao se compadecem com tal solucao 7 desfasamento
nao previstos pelo legislador.
da realidade.
Desvantagens 7 falta de unanimidade quanto à determinaçäo
do sentide da lei. 16.2.2.3. Posiçâo do legislador portugués: art. 9.“ do CC185

3. ¡Pese mista ou de sintese 7 sustentada por Larenz e Engisch 1. Teses subjectivista, obj ectivista e mista
no inicio do século XX. De acordo com esta teoria, pretende-se
O legislador portugués parece nao se ter querido comprometer
acolher os aspectos relevantes das teses subjectivista e objectivista. nem com a tese subjectivista, nem com a tese obj ectivista. Tal facto
Assirn, a detenninaçäe do sentido da lei tern por base a consideracao
resulta da expressäo “pensamento legislativo” usada no n.“ 1 do art. 9.“
nao só do texto legal, mas também da própria mens legislatoris, pois
do CC, pois nao se fala em pensamento do legislador (subjectivismo),
“é necessário conhecer a decisao do legislador e os fundamentos
nem em pensamento da lei (objectivismo)‘8“. No entanto, podem—se
em que se apoia, para se acomodar e adaptar a lei ao presente…“.
observar indicios de cada uma das teses no preceito referido:
16.2.2.2. Teses historicista e actualista

1. Tese historicista 7 de acordo com esta tese, visa-se determinar


o sentido da lei no momento da sua criacao e entrada em Vigor.
Vantagens 7 maior certeza e seguranca, dado que se determina …; Cfr. JOÃO BAPTISTA MACHADO, Intmduçãn ao Direito… pp. 188 e
o sentido da lei no âmbite das circunstâncias da sua criacao. segs.
*“ Na altura da aprevaçâe do Código Civil, Antunes Varela, Ministro da Justica,
escreveu, a este respeito, que “colocando-se deliberadamente acima da velhu
querela entre subjectivistas e objectivistas, a nova lei limitau-se a consagrar uns
tantas principios que considerou aquisicfies definitivas da ciénciajuridica, sem curar
grandemente da sua origem doutrindria". Cfr. JOÃO BAPTISTA MACHADO,
116 1x4 Vide ANTONIO SANTOS JUSTO, Introducào aa Estado… p. 333. Intmdução ao Direito..., p. 188.
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

a) Indicios objectivistas completamente da letra da lei e acatam apenas a vontade do legislador


(9.“, n.“ 2, do CC)”.
i) Referência ao elemento literal 7 a expressaa “... a partir dos
textos...”, prevista no art. 9.“, n.“ 1, do CC, e a expressäo ii) Marcelo Rebelo de Sousa/ Sofia Galväo190 e Oliveira Ascensaa
na letra da lei um minimo de correspondencia...” prevista
“... têm uma posiçâo objectivista, parque defendem que “a lei deve
no art. 9.°, n.° 2, de CC, afastam o subjectivismo, pois o valer uma vez integrada na ordem social”‘“1, verificando—se um
sentido da lei deve ter urn minimo de correspondência na apagamento do legislador após o acto de criacao normativa: “a lei
letra lei; é necessariamente... aberta a todas os estimules que nela provocam
ii) 0 art. 9.“, n.“ 3, do CC reporta—se aa legislador em abstracto, alteracòes histôricasm”. Oliveira Ascensäo näo deixa, todavia, de
que é racional, juste e sabio, näo sendo importante determinar reconhecer que se “o objectivo do legisladar tiver ficada perceptivel
o sentido da interpretaçâo dado pelo legislador em concreta, na lei, o íntérprete nao o pode ignorar”‘“3.
que muitas vezes é precipitado e incorrectom. Em nossa opiniao, 0 art. 9.“ do CC acolhe uma tese objectivista
b) Indicios subjectivistas mitigada, parque embera atenda predominantemente ao sentide da
lei in se, nao deixa igualmente de considerar os elementos históricos
i) 0 art. 9.“, n.“ 1, de CC, quando dispôe que “A interpretacdo da interpretaçäo, que Sao essenciais a uma interpretacao subjectivista.
näo deve cingir—se à letra da lei...”, consagra a menor
importancia da lei; 2. Teses actualista e historicista
ii) 0 art. 9.“, n.“ 1, do CC consagra o elemento histórico O acolhimento da tese historicista decarre da expressaa
“... circunstancias em que a lei foi elaborada...”, que é “... circunstâncias em que a lei foi elabarada”, e o acolhimento da
essencial as teses subj ectivistas. tese actualista decarre da expressaa “... candições espectficas do
tempo em que a lei é aplicada.” (art. 9.“, n.“ 1, do CC).
c) Posiçôes da doutrina
i) Santos Justa e Pires de Lima/ Antunes Varela entendem que
A doutrina194 tem defendido uma conotaçâo actualista prevalecente,
porque esta näo é incompativel com a consideraçâo das circunstâncias
o Cödigo Civil acolhe uma tese mista, pois embora o sentido da lei
do tempo de criaçâo da lei para o efeito de determinar o seu sentido‘95,
nao se identifique com a mens legislatoris, a verdade é que também
mas ja a pesicao historicista é íncompativel com a consideraçäo
näo a dispensa, por isso, a interpretaçäo “é o resultado de um processo
que considera es momentos objectivos e subjectivosm“: so conhecendo
a decisao do legisladar e as razöes em que ela se suporta, é pessivel
m Vide FERNANDO PIRES DE LIMA / J. M. ANTUNES VARELA, Código
adaptar a lei ao presente. Segundo Pires de Lima/ Antunes Varela, Civil Anotado, val. I, 4“ ed. (reimp.), Caimbra, 2010, pp. 58 e 59.
o art. 9.“ do CC afasta os excesses dos ebjectivistas, que nao atendem ”“ Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmduçäo ao
às circunstâncias históricas em que a norma nasceu (art. 9.°, n.° 1, Estado… pp. 65 e 66.
… Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7 Intmduçäo..., p. 401.
do CC), e condena os excesses dos subjectivistas, que prescindem 192 Cfr. JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7 Intmduçäo..., p. 403.

m Cfr. JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7 Intmduçäo..., p. 401.


… Cfr., entre outros, MARCELO REBELO DE SOUS/ SOFIA GALVÄO,
Intmdução ao Estado… pp. 65 e 66; JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito
71ntrodupdo..., pp. 403 e 404.
”5 Baptista Machado considera que a occasio legis e importante ao actualismo
mAssim, JOÃO BAPTISTA MACHADO, Intmduçãa ao Direito..., pp. 189 e 190. para ajustar o significado da norma a evoluçâo entretanto sofrida, cfr. JOÃO
118 “X Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmduçäo ao Estado… pp. 333 e 334. BAPTISTA MACHADO, Introduçäo ao Direito..., pp. 190 e 191. 119
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

das circunstâncias do tempo de aplicaçäo da lei para detenninar o 2. Elemento logico


seu sentido.
Sao todas as circunstancias que ultrapassam a letra da lei, e que
nos podem auxiliar a perceber o seu sentido. No exemplo da obra
16.2.3. Critério dos resultados da interpretacào
de arte, seria o autor, a corrente em que se insere, as circunstâncias
históricas, etc. Dentro deste elemento, temos os seguintes elementos:
Este critério está directamente dependente da relação entre os
varios elementos da interpretaçäo, por isso, urge primeiramente a) Elemento historico 7 consiste na evoluçäo temporal ou
determinar os elementos da interpretaçâo de que o aplicador do cronologica da feitura da lei. Pode-se separar emm:
Direito se pode socorrer. i) Trabalhos preparatórios 7 incluem todos os anteprojectos,
projectos e actos que registam as discussôes nas comissôes
16.2.3.1. Os elementos da interpretaçâo: noçäo e classificaçäa
e plenarios, que sao relevantes para estabelecer o sentido
da lei e a vontade do legislador;
Os elementos da interpretaçäo sâo os meios para se determinar
ii) Precedentes normativos 7 sâo as normas nacionais e
o sentido real dos textos legais. Imaginando que a lei é a tal obra de
estrangeiras vigentes por altura da formaçâo da lei e que
arte, os elementos sao os instrumentos que temos ao nosso dispor
infiuenciaram a sua feitura;
para perceber o que a pintura significa, como, por exemplo, a tela,
iii) Occasio legis 7 sao as circunstâncias històricas, politicas
o pintor que a fez, a corrente em que se insere, a circunstancia histórica
e juridicas que rodearam a feitura da lei, e que o intérprete
em que foi feita, etc. Todos estes elementos Vâo-nos auxiliar a dar
um sentido à obra de arte, o mesmo sucedendo na detenninaçâo do nao deve desconsiderar. V. g., a CRP mantém traços de
sentido da lei: os elementos da interpretaçâo integram-se num acto socialismo, que hoje em dia ja perderam razâo de ser,
unitario, que é a interpretaçâo. mas que faziam todo o sentido na época em que foi feita.

Podemos distinguir os seguintes elementos de interpretaçäo: b) Elemento sistemático 7 consiste no facto de a interpretaçâo de
uma norma implicar o conhecimento das normas afins, pois a ordem
1. Elemento literal ou gramatical 7 o “corpo” da lei; juridica tem uma unidade e coerência que devem ser salvaguardadas
2. Elemento lógico ou espirito da lei 7 a “alma” da lei. na interpretaçäo 7 deve—se atender à ideia de que “o preceito ndo e
uma ilha isolada”‘93. Assim, um preceito deve ser interpretado em
1. Elemento literal conjunto com as restantes normas: com a epigrafe que a precede,
É composto pelas palavras pelas quais a lei se exprime, cujo
sentido é determinado por regras gramaticais. No nosso exemplo da
obra de arte, o elemento literal seria a tela. Este elemento constitui um DOMINGUES DE ANDRADE, in Ensaio sobre a Teoria da Interpretagdo das
ponto de partida da interpretaçäo, mas é um elemento frágil, porque Leis, Coimbra, 1963, p, 128…
“” A propósito do elemento histórico, ha quem fale em interpretação genetica
muitas vezes as palavras säo vagas e equivocas, e também pode (elemento genetico), que atende aos materiais legislativos prévios à feitura da lei,
suceder que o legislador mio se tenha exprirnido da melhor for-mamá. e em interpretagdo comparativa (elemento comparativo), que toma em consideracao
os preceitos paralelos de ordenamentos juridicos estrangeiros. Cfr… KLAUS STERN,
Derecho del Estado de la Republica Federal Alemana, Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1987, p… 283.
”5 Referindo que a letra da lei é “apenas um meio de comunicacao: as palavras sao ”E A expressao é de INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Intmduçâo aa Estado
simbolos e portadores de pensamento, mas podem ser defeituosas", MANUEL do Direito I, 11z ed… (reimp), Coimbra, 2010, p. 250. 121
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

com os textos que estao irnediatarnente antes e depeis, e ainda com 2. Elemento histórico: previsto no art. 9.°, n.° 1, “... circunstancias
outros textos relevantes que podem estar mais afastados (em lugares em que a leifoí elaborada...”.
paralelos). V.g., o art. 1273.“ do CC “indemnizacao por benfeitorias”, 3. Elemento sistemática: previsto no art. 9.°, n.“ 1, “… anidade
previsto no livre III relativo aos Direitos Reais, n5o pode deixar de
do sistemajuridico...”.
ser interpretado em conjugagao com 0 art. 216.“ do CC, que esta na
parte inicial do Còdigo, onde se definem as varias modalidades de 4. Elemento teleológica: decorre do art. 9.°, n.“ 3, pois se o
benfeitorias. legislador se exprimiu bem, e porque escolheu os fins mais adequados
para satisfazer as necessidades. Oliveira Ascensao e Marcelo Rebelo
c) Elemento teleolo'gieo ou racional 7 consiste na finalidade
de Sousa/Sofia Galv5o, perque s5o ebjectivistas, consideram que o
eu necessidade que se pretende satisfazer com a feitura de uma elemente teleològico também decorre do art. 9.“, n.° 1, “... condipñes
determinada lei, e que implica uma ponderacao dos interesses que espeeificas do tempo em que a lei é aplicada”, o que atende 5 ideia
determinaram o seu conteudo‘”. de fins actuais.

16.2.3.2. Os elementos da interpretacao no art. 9.“ do CC Note—se que para a interpretaçäa objectivista s5e essenciais os
elementos: literal, sistematico e teleológico; para a interpretaçäo
1.Elemente literal: a) previste do art. 9.“, n.“ 1, “... ndo deve subjectivista é essencial o elemento histörico.
eingir—se à letra da lei...”, consagra a menor importancia da letra
da lei na interpretaçâo; b) previsto do art. 9.“, n.“ 1, “... recenstituir
Consideraçôesfinais:
a partir dos textas...”, consagra a letra da lei como ponto de partida da
interpretaçäo; c) previsto do art. 9.°, n.° 2, “... deve ter um minimo Apenas com a consideraçâo destes elementos se pode verdadeira—
de correspondéncia na letra da lei...”, consagra a função negativa da mente interpretar uma lei2°°, por isso, tal como entendem Marcelo
letra da lei; d) previste do art. 9.°, n.° 3, onde se consagra oprincipia Rebelo de Sousa/Sofia Galv5e“°‘, n5o é qualquer pessoa que lendo
do apreveitamente das leis ou a funçâo positiva da lei. o Diario da República consegue encontrar a soluçâo para a resoluçäo
de um litigio que tenha: a determinaçâo do sentida real da lei é
uma tarefa que ultrapassa a sua mera leitura e que só se obtém pela
consideracao dos elementos literal e do logico.
Da “relac5o” entre a letra e o espirito da lei resultam diferentes
”° Nuno Sá Gomes identifica o elemento teleológico com a ratio legis da lei, ou
seja, com o fim ou necessidade pratica que a lei visa satisfazer. Defende que tal ratio modalidades de interpretaçäo, as medalidades de interpretagào
legis respeita aos fins que o legislador historico quis atingir, o que só nao acontecera quanto ao resultado.
se estes n5o se puderem determinar: neste caso, deve-se atender à finalidade que
razoavelrnente uma regilamentacào pode ter, isto é, aos fins objectivos do Direito
7 justiça, segurança juridica, paz e equilibrio social (cfr. NUNO SÁ GOMES,
Introduçäa ao Estudo… pp. 264 e 265). Em sentido oposto, Oliveira Ascensao
separa o elemento teleológico da ratio legis, identificando esta ultima com o espirito da
lei ou elemento logico, Defende, ainda este autor, que sendo o elemento teleológico 2°“ Ha quem refira a existéncia de urna hierarquia entre os diferentes elementos da
a justificacao social da lei, as condicóes que se tomam em conta para a sua interpretacáo, fazendo prevalecer o elemento teleológico, cfr. KARL ENGISCH,
determinacáo 550 as condiçôes actuais, o que esta em consonancia com a posiçäo Introdugdo ao Pensamento Jaridieo, trad. port., Lisboa, 1997, pp. 146 e 147.
ohjectivista por ele acolhida (cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, O Direito 2‘” Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introduçäo ao
122 7Intredupäe..., pp. 414 e segs). Estudo..., p. 69. 123
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

1623.3. Modalidades de interpretacao quanto ao resultado b) Interpretacào declarativa restrita 7 se o interprete opta
pelo significado menos extenso, v.g., quando opta pelo
Podemos separar algumas modalidades de interpretaçäe quanto Significado de pessoa do sexo masculino.
ao resultado: l) interpretaçâo declarativa; 2) interpretaçäo extensiva
c) Interpretacào declarativa media 7 se o interprete nao tem
e restritiva; 3) interpretaçâo abrogante; 4) interpretaçäo enuneiativa;
que optar por um destes sentidos, e adopta o seu significado
5) interpretacao correctiva”.
mais comum ou frequente.
1) Interpretacào declarativa
2) Interpretação extensiva e restritiva
Verifica-se quando o espirito da lei, determinado pelos elementos
lógicos, coincide peifeitamente com 0 significado das suas palavras, Estas modalidades de interpretacao ocorrem quando, da análise
nao havendo desarrnonia entre a letra e o espirito da lei: o legislador da relaçäo entre 0 elemento logico e o literal, se apura que existe uma
disse X, e era precisamente X que queria dizer. desarrnonia entre a letra e o espirito da lei, isto porque o legislador
nao foi feliz nas expressòes que useu. Nestes casos, o intérprete
As dificuldades que podem surgir com esta modalidade de está autorizado a fazer uma rectificacao do sentido literalm“, por
mterpretaçäo verificam-se nas situaçôes em que o significado literal consideracao do elemento lògico, que se deve situar ainda dentro dos
é ambiguo ou indeterminado. O que ocorre quando o legislador significados literais possiveis (art. 9.°, n.° 2, do CC), adoptando-se
usa expressñes pluri—significativas, isto é, expressôes cujo sentido um significado mais afastado do significado comurn das palavrasms.
cemum das palavras comporta mais do que um significado, v.g., a
palavra “homem” pode ter o significado, em termos amplos, de ser a) Interpretacào extensiva:
humane (pessea do sexo masculino e pessoa do sexo feminino),
ou ter o Significado, em termos mais restritos, de pessoa do sexo Verifica-se quando 0 legislador disse menos do que queria dizer
masculino. Nestes casos, cabe ao intérprete fixar um dos significados 7 o sentido literal é mais estreito que o sentido real 7 e 0 intérprete
possiveis, que deverá ser escolhido atendendo ao elemento lógico deve estender a letra da lei, em função dos elementos legicos da
da interpretaçâe. Assim, falamos de: interpretaçâe. V.g., quanto ao art. 877.“ do CC, que proibe a venda
de pais e avos, a filhos e netos, sem consentimento dos outros filhos
a) Interpretaçäo declarativa lata 7 se 0 intérprete opta pelo
e netos, coloca—se a questäe de saber se a expressäo “avós ” se refere
significado mais extenso, V.g., no exemplo dado, quando
só aos pais dos pais, ou também aos pais dos avós ou bisavós? A
opta pelo significado de “ser humano”, como é o caso do
resposta a esta questäo vai no sentido afirrnativo, devido à seguínte
art. 362.“ do CC….
ordem de ideias:

… N50 e' consensual a inclusão da interpretacao enunciativa e da interpretacao


correctiva no ambito das modalidades de interpretacào: Oliveira Ascensào trata
a interpretacao enunciativa como urna categoria a parte (a par da interpretacào e
integracào de lacunas), cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÂO, 0 Direito 7 … No entender de Manuel Domingues de Andrade, trata-se de “corrigir a
Introduction, pp… 381 e 469 e segs; Santos Justo considera a interpretacào correctiva expressäo imprecisa, adaptando7a e entendendo-a no significado real que a lei
como uma nova perspectiva metodologica de concretizacao do Direito, cfr. quis atribuir—lhe”. Cfr. MANUEL DOMINGUES DE ANDRADE, Ensaio sobre
ANTÓNTO SANTOS JUSTO, Intraduçãn ao Estudo..., pp. 370 e 371. a Teoria… p. 149.
2““ O mesmo sucede relativamente a expressäo “fillies” usada nos artigos 1826.“, "5 Se for ultrapassado o sentido literal possivel caimos nas figuras da reduçäo
124 1847.“ e 1877.“ do CC. ou extensao teleologica. 125
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i) “Avós” de acordo com 0 seu significado gramatical comurn i) “Estado mental” é a situacao psicologica em que certa pessoa
s50 es pais dos pais, todavia, atendendo aos elementos se encontra, o que pode abranger uma multiplicidade de
lògicos da interpretacao, em especial ao elemento teleologico, estados, que v5e desde, o deprimido, nervoso, irritado,
parece que a preibic5e também se deve estender a bisavós e preocupado, ao lucido, firme ou alegre. Atendendo aos
bisnetos, pois com o art. 877.“ do CC pretende—se, per um elementos logicos da interpretacào, parece que a regra
lado que os restantes filhos ou netos n50 sejam tratados n50 pretende abranger todos estes estados psicológicos,
de modo desigual, e, por outro lado assegurar 0 principio da mas apenas os estados mentais depressivos ou negativos
intangibilidade da legitima (quota hereditaria indisponivel), que revelem uma fragilidade susceptivel de permitir 0
valores que seriam igualmente postergados no caso de aproveitamente p01 parte de outrem, o que se pretende evitar.
se permitir a venda sem consentirnento entre bisavós e Efectivamente, se considerarmos o elemento sistematico,
bisnetos; verificamos que a insercao da express5e no seio do artigo
ii) No mesmo sentido, a express50 bisavós em termos literais “sitaapào de necessidade, inexperiéncia, ligeireza,
n50 esta muito distante da expressâo avòs, havendo, mesmo, dependéncia, estado mental ou fraqueza de carácter de
quem diga que bisavós s50 “es segundes avos”, raz5o autrem” parece determinar que 0 estade mental aqui em
pela qual cem tal extens5o da letra da lei ainda se respeita causa n50 é qualquer um, mas somente um estado mental
o art. 9.“, 11.“ 2, do CC, que constitui um limite aos casos negativo ou frágil. Da mesma forma, 0 elemente teleologico
de interpretac5o extensivam". ou finalidade da lei parece também apontar para Lun estado
mental desta natureza, Visto n50 fazer sentido que se Viesse
b) Interpretaçãa restritiva a anular um negocio por quem o tivesse celebrado com
Verifica—se quando o legislador disse mais do que queria dizer estado mental firme e lúcido. Assim, chegamos 5 cenclus5o
7 o sentido literal é mais ample que 0 sentido real 7 e 0 intérprete de que 0 real sentido da norma n50 abrange qualquer estado
deve limitar a letra da lei, em func5o dos elementos lògicos da mental, mas unicamente os estados mentais negativos e
interpretaçâo. V.g., o art. 282.“, 11.“ 1, do CC disp0e que: “É anulável, depressivosm, o que implica a necessidade da restriçäo
por usura, o negóciojun'dica, quando alguém, explorando a situacáa do preceito per considerac5e dos elementos lògicos da
de necessidade, inexperiéncia, ligeireza, dependencia, estado mental interpretac5o;
ou fraqaeza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para ii) Para além disso, acresce que uma interpretacao feita nestes
terceiro, a promessa ou a concessào de beneficios excessivas ou termos n50 vem pör em causa o art. 9.“, 11.“ 2, do CC, pois os
injustificados.”, face a esta disposicào, coloca-se a quest5o de saber estados mentais negativos ainda cabem dentro dos limites
qual a natureza ou tipo de “... estado mental...” que estará aqui em literais da expressao mais ampla “estado mental”.
causa:

… Note-se que este exemplo é avancado por Joao Castro Mendes (cfr. JOÃO
CASTRO MENDES, Introducdo ao Estado do Direito, Lisboa, 1994, p. 45), e
n50 é isento de criticas quanto à utílização da interpretacào extensiva nestes casos.
Miguel Teixeira de Sousa refere, por sua vez, que a proibicào de venda do art. 877." 2“ N50 descuramos a hipótese de também incluir aqui os estados euforicos,
do CC também se deve estender aos genros e noras, cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE que gerem uma falta de lucidez no comportamento, e que, por esse motivo, sejam
126 SOUSA, Introducào ao Direito, p. 376. susceptiveis de aproveitamento alheio. 127
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3) Interpretaçäo abrogante208 III. Admissibilidade na doutrina da interpretacào abrogante


lógica212
I. Naçäo
A interpretaçäo abrogante logica tem carácter excepcional no
Interpretaçäo abrogante é aquela em que o intérprete reconhece direito portugués“, ocorre em casos muito raros porque o intérprete
que o sentido da lei é mdecifravel, ou seja, que é impossivel determinar está sujeito ao principio do aproveitamento das leis (art. 9.°, n.° 3, do
o seu conteúdo, isto porque existe uma incompatibilidade ou CC) e, como tal, tem o dever de descobrir-lhes sempre um sentido
contradiçâo insanavel entre o espirito e a letra da lei 7 do confionto ütil.
entre a letra e o espirito näa e' possivel retirar qualquer sentido ou Näo obstante este facto, esta modalidade de interpretaçâo pode
significado à lei. Por estes motivos, o intérprete limita-se a reconhecer verificar-se em très casos:
que a fonte juridica nao apresenta nenhuma regra: “ele näo mata a
regra, apenas verifica que ela esta' morta””. a) Quando se conclui que um artigo é carecido de qualquer
sentido, após a utilizaçäo de todos os mecanismos de
II. Modalidades de interpretaçäo abrogante210 interpretaçäo possiveis para retirar um sentido a regra.
V.g., se 0 art. 66.“, n.° l, do CC tivesse a segujnte redacçäo:
a) Interpretaçäa abrogante logica: resulta da incongruència “A personalidade adquire-se no momento do nascimento
insanavel dos preceitos interpretados, o que leva a uma completo e com a morte”;
impossibilidade pratica de soluçäo 7 “Näo pode ser b) Quando uma lei remete para um regime jurídico que näo
assim!”“‘; existe, nem se prevè que venha num futuro próximo a
b)]nterpretacào abrogante valorativa: verifica-se quando existir. V.g., se tivesse sido abolido o registo automóvel,
os valores subjacentes as disposicòes em causa forem deveria ter sido objecto de interpretacao abrogante a lei
incompativeis entre si, isto é, os preceitos interpretados sao nova que impusesse ao proprietário de automóvel que
informados por critérios valorativos opostos e contraditòrios pretendesse recorrer em juizo a apresentaçâo do titulo de
7 “Näo deve ser assim!” registo de propriedadez”;
c) Quando as leis apresentem disposicòes contraditórias, sem
que se possa falar de revogacao, porque tal discordância
ocorre entre preceitos que entraram em vigor ao mesmo
tempo. V.g., se o art. 68.“, n.“ 1, do CC dispusesse que “a
personalidade cessa com a vida”, seria incompativel com o
art. 66.° do CC que dispôe que “a personalidade adquire—se
no momento do nascimento completo e com a vida”.
… No Código Civil admite—se esta modalidade de interpretacao nos artigos
23.°, n.“ 2, e 348.“, n.“ 3.
m Assim, JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, o Direito 7 Introdupdo…, … A doutrina tem admitido esta modalidade de interpretacao, cfr, NUNO SA
p. 428. GOMES, Introdagfio ao Estado… p, 277.
21° Vide JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, O Direito 71ntmdugdo..., pp. 429 213 A este respeito, Marcelo Rebelo de Sousa/ Sofia Galvão entendem que so

e 430; NUNO SÁ GOMES, Intmduçäo aa Estuda..., p. 277. é admissivel a interpretacào abrogante logica e sempre a titulo excepcional, vide
“ A expressâo é de Oliveira Ascensào, in JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÀO,
1 MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introdugäa ao Estado… p… 71.
128 0 Direito 7 Introdupdo…, p. 429. 214 Vide JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7 Intruduçän..., p. 430. 129
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IV. Admissibilidade na doutrina da interpretacào abrogante VI. Consideractîesfinais


valorativa
A interpretaçäo abrogante, nos casos de incompatibilidade de
Oliveira Ascensao considera ínadmíssivel, em Portugal, a preceitos, näo traduz uma revogaçäo da lei, porque nao existe lei,
interpretaçäo abrogante valorativa, porque “se o legislador pôs só existe uma mera aparência da lei (as suas palavras repugnam o
sirnultaneamente em vigor duas regras, a valeracào do intérprete nao espirito). Por isso, estamos diante situaçôes de incompatibilidade
se pode substituir à do legislador, preferindo uma, ou, considerando as simultânea e näo sucessiva (nesta ultima a norma posterior revega
duas liquidadas”2‘5. Em sentido diversa, Miguel Galvâo Teles permite a anterior).
esta modalidade de interpretaçâo quando a incompatibilidade valorativa Embera se autonomize esta figura, a verdade é que ha quem
entre preceitos for particularmente grave…. considere a interpretacaa abrogante coma “interpretacào restritiva
Em nossa opiniao, estes conflitas de regras, enformadas por levada às ultimas consequéncias”, pois “tanto se restringe a letra
critérios valarativos opostos, devem ser resolvidas pela via da que ela desaparece”2‘“.
ponderacào de bens e interesses”, razaa pela qual mio se vé utilidade
à autanomizacao da figura da interpretacao abragante valorativa. 4) Interpretaçäo enunciativa ou inferência logica de regras
implicitas
V. Consequéncias resultantes da existencia de duas leis
I. Noçäo
incompativeis
Interpretaçâo enunciativa é aquela em que o intérprete deduz
Ha quem entenda que as duas leis ficam liquidadas, pois se da sua
dum preceito uma regra que nele apenas esta virtualmente contida,
conjugaçäo nenhuma fonte puder ser utilizada, a consequência normal
usando para tal certas inferencías ou argumentos logico-juridicos.
da interpretaçâo abrogante é a revelaçäo de uma lacuna. Outros,
parém, pensam que se deve aproveitar uma delas. Atendendo ao
II. Separaçäo da interpretacào em sentido restrito
tear do art. 9.“, n.“ 3, do CC, que, tal como ja verificamos, consagra
um principio de apraveitamenta das leis, defendemos ser esta a Na interpretacào em sentido restrito visa—se apenas descabrir o
soluçâo primeira a adoptar, o que so nao poderá acontecer quando sentido real, que tem na lei pelo menos uma explicitaçäo minima. Na
seja inviavel encontrar um critério de prevalencia“. inferência logica de regras implicitas trata-se de, com base em regras
ja existentes, inferir outras regras, que nâo estâo expressamente
formuladas, através de processos logicos de inferencia:
a) Interpretacdo em sentido restrito 7 o sentido da lei esta
explicito, per isso, o intérprete limita—se a retirar uma regra
que tem na letra da lei um “minimo de correspondencia
215 Tal come entende JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÂO, ODireito ¡Introduction verbal”: Letra + Espírito = sentido da lei X (ou regra X).
p. 429.
… Apad JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7Introdupdo..., p. 429.
2” A teoria da ponderacào de bens tem sido relevante na resolucào de problemas
relacionados com a colisao de direitos fiindamentais, cfr. JORGE REIS NOVAIS,
As Restrigò'es aos Direitos Fandamentais ndo Expressamente Aatorizadas pela “" Com esta posicao, vide LUIS CABRAL DE MONCADA, Lições de Direito
Constituipào, Coimbra, 2003, pp. 639 e segs. Civil 7 parte geral, 4“ ed. (reimp.), Coimbra, 1995, pp. 180 e segs; e também
130 0
… Cfr… JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, Direito 7 Introdugdo… p. 429. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Introduçào ao Estado do Direito I..., p. 258. 131
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b) Interpretacdo enunciativa 7 o sentido da lei esta implícito, regime excepcional leva aos regimes regra. V.g.: i) da lei
por isso, o intérprete, através de processos lógicos de que concede 0 direite de vote aos cidad5es estrangeires,
inferencia, retira da lei outras regras n50 expressamente corn residéncia em certo pais p01 um periodo superior a
formuladas: da regra X, o espirito da lei permite retirar a cinco anos, é possivel inferir a regra de que os cidad5es
regraY (uma nova regra sem correspondéncia na letra da estrangeiros, com residência em certo pais por urn periodo
lei, mas implicitamente manifestada). igual ou inferior a cinco anos, n50 têm o direite de voto; ii)
da lei que obriga os proprietérios de automòveis, com registo
III. Os argumentos lógico-jurídicos220 anterior a 1970, a procederem à sua inspecçâo semestral,
é possivel inferir que os proprietários de automóveis,
Podemos separar quatro argumentos lógico-jurídicos:
com registo posterior aquela data, n50 est50 sujeites a tal
a) “A minori ad maius” 7 a lei que preibe 0 menos, também obrigacaom;
proibe o mais. V.g.: i) se uma lei proibe aos menores de 21
d) “A legitimidade dos fins, justifica os meios” 7 a lei que
anos a administraçäo de bens irnóveis, é possivel inferir que
a venda dos mesmos lhes está vedada; ii) se uma lei proibe a
permite ou proibe o fim, permite ou proibe o meio. V.g.,
se uma lei permite a caca, em certas áreas delimitadas, a
actividade cambiária a estrangeiros, podemos inferir que
o comercio bancário também lhes está interditon‘; uma categoria de cidad5es, é possivel inferir a legalidade
da venda de cacadeiras a essa mesma classe de pessoasm.
b) “A maiori ad minus” 7 a lei que permite o mais, também
permite o menos. V.g.: i) se uma lei permite 5 venda de um IV. Admissibilidade da interpretacào enanciativa
certe bem, é possivel inferir a possibilidade de empréstimo
A interpretacào enunciativa é contestada por alguns, mas
desse mesmo bem; ii) quem está autorizado a entrar
admite-se, ern geral, como uma modalidade de interpretaçäa quanto
em competiçôes desportivas, pode também treinar; iii)
quem pode caçar, pode igualmente apoderar—se das peças
ao resultado.
Deve—se, a este respeito, fazer referencia 5 posicao de Marcelo
abatidasm;
Rebelo de Sousa/Sofia Galv5e que, embera pensem estarmes diante
c) “A contrario”223 7 da disciplina excepcienal estabelecida de cases de verdadeira interpretac5e, perquante “o p0nt0 de partida
para certo caso, deduz—se um principio regra oposto para
es casos n50 abrangidos pela norma excepcional: o
regime regra (V.g., os artigos 342.“ e 344.“ do CC relativamente 5 invers50 do ónus
da prova), enquanto que as normas especiais consagram uma disciplina diferente
220 Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmdução ao para um grupo de pessoas, coisas ou situacòes, mas que n50 é directamente oposta
Estado…, p. 75; JOÃO BAPTISTA MACHADO, Intmdacfio ao Direito..., p. 1 87;
,
JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito Innodacdo..., pp. 469 e segs.
ao regime normal das normas gerais (v.g., os artigos 874.“ e segs do CC fixam a
disciplina particular do contrato de compra e venda, sendo que a disciplina geral
2“ Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmdução ao dos contratos consta do art. 405.“ do CC).
Estudo..., p. 75; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, ODireito ¡Introdupñow p. 469. Por outro lado, 0 argimento “a contrario" apresenta também grandes dificuldades
222 Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmdução ao quanto 5 sua separaçäo face ao argurnento de analogia, questào que sera igualmente
Estudo..., p. 75; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, ODireito ¡Introdupñow p. 470. analisada infra 19.2.2.
… Este argumento e de particular complexidade, porque assenta no caracter … Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmdução ao
excepcional da regra de que se parte, nomeadarnente no que respeita 5 sua separacào Estado…, p. 75.
face às normas especiais. Efectivamente, como veremos quando estudarmos as 225 Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmdução ao
132 modalidades de normas, as normas excepcianuis consagram um regime oposto ao Estado…, p. 75. 133
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é a lei”, nao deixam de defender que tal modalidade de interpretaçâo A interpretaçäo correctiva é diferente: a) da interpretaçäo
deve estar rodeada de grandes precauçôes porque pode implicar a extensiva e restritiva, porque na interpretaçäo correctiva o sentido real
fonnulaçäo de juizos de valor, e, também, tem subjacente a discuss5o n5e é aceite (da lei X decorre a regra X, e o intérprete nâo concorda
acerca da admiss5e de formas tacitas de manifestacào da vontade com a regra X); b) da interpretacdo abrogante, porque nesta n5o
no exercicio da função legislativa do Estado“. existe regra.
Em sentido inverso, tal como ja referimos, Oliveira Ascens5o
considera a interpretaçäo enunciativa como uma terceira eategeria II. Modalidades de interpretaçäo correctiva
de determinaçäo de regras, ao lado da interpretaçäo e da integraçäo A interpretaçäo correctiva pode ser admitida a titulo excepcional231
de lacunas….
e em duas circunstâncias:

5) Interpretação correctiva228 a) Quando depois de apurado o sentido real da lei, se verifica


que este é contrario ao direito natural (aos principios
I. Naçäo supra-legais que enforrnam o ordenamento juridico), raz5o
pela qual, tal lei devera ser designada de “injusta” ou “lex
A interpretaçâo correctiva verifica—se quando “o sentido real da lei é corrupta”. Nestes cases, entende—se que o direito natural
afastado, modificado ou corrigido pelo intérprete, com fundamento
deve prevalecer, pois n5o ha seguranca se forem negados
em injustiça ou inoportunidade’mg. Atende 5 ideia de que “o es principios fundamentais da convivencia social;
legislador n5o teria querido aquela nerma se tivesse previste o seu
resultade”2“°. b) Nos casos de extrema inadequaçäo do sentido real da lei
à logiea da justiça do caso concreto.

… Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introdugdo ao III. Admissibilidade em Portugal
Estudo..., p. 74.
227 Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 71ntrodugdo..., p. 381.
O anteprojecto de Manuel de Andrade defendia esta modalidade
… Por exemplo, Vasco Pereira da Silva fazia urna interpretacao correctiva e de interpretacao no seu art. 9.“ ao prever que: “É consentida restringir
sistemática da parte final do antigo art. 37.“, n.“ 2, alinea c) do Código de Processo dos o preceito da lei quando para casos especiais ele levaria a consequéncias
Tribunais Administrativos onde se dispóe que seguem a forma de acçäo administrativa graves e imprevistas que certamente e legislader näe teria queride
comum “c) Condenapdo à adopgào oa abstençäo de eomportamentos, designadamente
sancionar”. Todavia, o teer deste preceite fei eliminado, n5o existindo
a condenade da Administrade d ndo emissdo de um acto administrativo, quando
seja provavel a emissäe de um aeto lesivo", pois tal disposicao quando se refere actualmente no Còdigo Civil uma norma equivalente, por isso, a
a actos administrativos contraria a divisao dicotómica dos meios processuais interpretaçâo correctiva n5e parece ser admitida na ordem juridica
entre acçäo administrativa especial, destinada ao controlo de actos e regulamentos portuguesa.
administrativos, e a acçâo administrativa comum, para o julgamento das restantes Quanto às posições da doutrina, tem sido acolhida a sua
actuacóes, dado que se iria permitir por esta Via um pedido de condenacño à pratica
futura de actos administrativos, aspecto para o qual ja existiría o especifico meio
admissibilidade nos casos em que o sentide da lei contraria o direito
da accao de condenagao a pratica de acto devido (art. 66.“ e segs do mesmo código), natural, havendo ainda alguma abertura 5s situaçôes de inoportunidade.
Cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, 0 Contencioso Administrativo no Divã da
Psicana'lise, 2“ ed., Coimbra, 2009, pp. 414 e segs.
”" Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introdugdo ao 2“ Desde logo, porque envolve um imiscuir do aplicador do Direito no exercicio
Estudo..., p. 70. da ñmção legislativa, e uma consequente violaçäo do principio da separaçäo de
134 … Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Introdupño ao Estudo..., p. 370. poderes. 135
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Oliveira Ascensào232 entende inadmissivel a interpretaçâo ordinaria, sendo fonte de valor inferior aos principios juridicos
correctiva porque nao admitida no anteproj ecto, no entanto, admite que fimdamentais inscritos da Constituiçäo, nao pode contraria-los, razâo
a ordem natural deverá prevalecer se o sentido da fonte lhe for contrario, pelo qual se o fizer é inconstitucional e nao pode ser aplicada“.
revelando, deste modo, um certo acolhimento da interpretacao
correctiva quando o sentido da lei for contrario ao direito natural. No
mesmo sentido Vâe Marcelo Rebelo de Sousa/ Sofia Galvao233 ao § 17. Integração de lacunas
defenderem que, de acordo com 0 art. 8.°, n.“ 2, do CC, a interpretaçâo 17.1. Consideracòes iniciais
correctiva é, em principio, inaceitavel, só sendo excepcionalmente
admitida quando contraria ao direito natural. Ja verificámos como se decifra o sentido ou conteúdo de uma
Com posiçäe mais aberta parecem estar Pires de Lima/ Antunes lei através da interpretacdo (interpretacao declarativa, restritiva e
Varela“, pois consideram que, embora a lei profl)a a apreciaçâe da extensiva). Também verificames como se descebrem regras implícitas
justiça ou da moralidade da regra, o art. 8.“, n.° 2, do CC nao exclui a partir do exame de uma lei (interpretaçäo enunciativa), vamos
que, em caso de dúvida, a justica ou injustica possa ser tida em agora estudar o preenchimento de lacunas, isto é, a actividade de
conta como elemento da interpretaçâe da lei. Entendem ainda que, colmatar emissôes ou vazios em dominios que o Direito deveria
de acerdo cem 0 art. 9.“, n.“ 3, do CC, quando 0 sentido literal da reger237. Importa determinar 0 que é a integração de lacunas, tendo
norma interpretada seja equivoco deve—se presumir que o legislador por base os preceitos do Codigo Civil relativos a esta matéria, que
quis forrnular as soluçôes mais justas e merais. Por sua vez, com sâe: o art. 8.“, n.“ 1, 0 art. 10° e 0 art. 11.°.
posição bastante abrangente Santos Justo235 afirma que a interpretacao
correctiva “considera-se hoje geralmente aceita”. 17.2. Lacuna juridica

IV. Consideracrîesfinais 17.2.1. Neçâo238

Posto isto, perfilhamos o entendimento de que, nos casos em A lacuna juridica existe quando se verifica a ausencia de uma
que alguns autores admitem a possibilidade da interpretacao correctiva regra juridica para reger certa matéria, que deve ser prevista e
com fimdamento na Violaçäo de preceitos de direito natural, o que regulada pelo Direito. Se entendermos que 0 ordenamento juridico
esta efectivamente em causa nâe é uma questao de interpretaçâe, é um puzzle, a lacuna será a ausència de uma peça desse puzzlem.
mas antes de contralo da validade da norma: a “correcçäo” resulta Por isso, devem-se verificar dois requisitos simultaneamente para
de um juizo de validade e nao da interpretacao da regra. Temos, por aferir a existència de uma lacuna:
isso, um problema de hierarquia das fontes do Direito: a legislaçäo

… Corn esta posicao, vide: NUNO SA GOMES, Introdapdo aa Estado… p. 281;


,
m Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÂO, 0 Direito Introduçäa..., pp. 426 e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Intradução ao Direito..., p. 384.
e 427. 2” A interpretacào é previa a integracao de lacunas, pois só depois da interpretado
233 Cfr, MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intrüdução aa das leis vigentes se pode concluir que existe um vazio legal sobre certa materia.
Estado… pp. 70 e 71. … Vide, entre outros, MARCELO REBELO DE SOUSA / SOFIA GALVÄO,
2“ Cfr. FERNANDO PIRES DE LIMA/ .I. M. ANTUNES VARELA, Código Intmdução ao Estado..., pp. 77 e 78.
CivilAnotado..., p. 57. 2” Fazendo esta comparacao, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Intmduçãa
136 … Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmdução ao Estado… p. 371. ao Direito… p. 389. 137
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

l. Inexisténcia de disciplina juridica ou vazio juridico; 2. Lacunas iniciais e posteriores


2.1mprescindibilidade dessa disciplina 7 o vazio respeita Lacunas iniciais 7 surgem na altura em que o legislador legisla;
a matéria que o Direito ndo pode ignorar e que deve ser
Lacunas posteriores 7 decorrem de novas questöes que aparecem
juridicamente conformada. A este respeito, é importante por motivos da evolução técnica ou económica, e detenninam a nao
referir que a lacuna “mio se esgota na ausencia da lei”240 aplicaçâo de certa lei que se tomou desajustada, V. g., contrato de
(de acordo com uma concepção positivista do Direito),
compra e venda por internet.
razäo pela qual se houver uma regra ndo escrita ou
costumeira/jurisprudencial aplicável ao caso, ndo existe 3. Lacunas de previsäo e de estatuiçäo
lacuna. Do mesmo modo, é relevante demarcar fronteiras Lacunas de previsäo 7 resultam da falta de previsäo de uma
entre o Direito e as outras ordens normativas, assim, nao certa situaçäo de facto;
havera lacuna, por exemplo, se näo existir regulaçäo juridica
das formas de saudaçâo dos vizinhos (neste caso estariam Lacunas de estatuiçäo 7 resultam da inexistencia de consequèncias
em causa somente nonnas de trato social)“. a que o Direito faz corresponder a verificacao de certa situaçäo de
facto“. V.g., quando se afirma que haverá um certo prazo para a
17.2.2. Espécies de lacunas242 pratica de urn acto, mas se esquece de indicar a forma de determinar
tal prazo.
1. Lacunas voluntárias e involuntárias 4. Lacunas da lei e do Direito
Lacunas voluntarias 7 a falta da disciplina decorre da vontade Lacunas da lei 7 surgem ao nivel do direito legislado, e revestem
do legislador, que propositadamente nâo quis resolver a questâo e as seguintes modalidades: a) manifestas 7 quando a lei nao contém
deixou-a para a jurisprudència; V.g., a questäo do direito à eutanasia nenhuma norma juridica, embora segundo a sua teologia a devesse
ou das barrigas de aluguerm; conter; b) ocultas 7 quando a lei contém uma norma juridica aplicavel
Lacunas involuntarias 7 o legislador nao previu a situaçâo, por isso, a um conjunto genérico de situaçôes, mas nao previu regras para
nao elaborou a lei (reporta—se a casos em que, por lapso, o legislador certos casos especificos a que as primeiras nâo se podem aplicar“;
nao teve conhecimento da situaçäo ou pensou erradamente que ja c) de colisào 7 quando varias normas contraditórias regulam uma
estava disciplinada).

2‘“ A este propósito, Nuno Sá Gomes fala em lacuna de regularnentacao quando a


lei, prevendo o caso, remete para crite'rios de equidade (näo normativos) a estatuicào,
cfr… NUNO SÁ GOMES, Inrmdução aa Estado… p, 285.

245 Normalmente são descobertas pela vía da interpretaçâo restritiva ou da reduçäo

240 Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introdagfio ao teleológica, quando, devido à análise dos restantes elementos da interpretacào, se
Estudo…, p. 78. conclui que uma lei com forrnulacao muito ampla nao se pode aplicar a determinada
2‘“ Referindo esta ideia: ANTONIO SANTOS JUSTO, Introduçäo ao Estado… situaçäo, que cabe perfeitamente no texto legal, verificando»se, deste modo, a
p. 339; MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introdagfio ao existència de uma lacuna. V.g., se a lei determinar, em regra generica, a forma
Estado… pp, 77 e 78. de celebraçäo do casamento, e se se apurar, por interpretaçäo restritiva, que nao
242 Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Introdupda ao Estado… pp. 348 e segs. se aplica aos casamentos in articulo mortis, existe uma lacuna quanto à forma de
“3 A lei de procriaçäo medicamente assistida proibe as barrigas de aluguer, celebracao destes, cfr… JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÀO, ODireito 71ntmdu§do...,
138 embora em Portugal, se verifique cada vez mais a celebracào deste tipo de contratos. p. 437. 139
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

dada situaçâo, e, na falta de um critério que afaste urn eventual O preenchimento do vazio juridico é um processo normativo,
conflito, nenhurna se aplicam; porque implica a determinaçäo de uma “regra” (concebida numa
Lacunas do Direito 7 verificam—se ao nivel mais ampla do perspectiva geral e abstracta, e hipoteticamente aplicavel a todas
as situaçôes similares) para solucionar o caso concreto, näo se
ordenamento juridico, que sendo um sistema aberto e sujeito a
constante evoluçäo, é susceptível de ser lacunosa, V.g., a nao verificando uma resoluçâo casuistica das situaçôes, como sucede
regulamentacio dos direitos económicos, saciais e culturais, ou das na equidade.
É também um processo preca'rio, porque pressupòe a pennanência
novas areas de Direito Administrativo especial.
da lacuna após a sua integracao 7 o tribunal integra a lacuna para
17.2.3. Fundamentaçâo da existência de lacunas247
resolver o caso concreto, mas esta tera de voltar a ser preenchida
em situaçôes futuras“;
O ordenamento juridico é lacunoso por natureza, pelo facto de as
17.3.2. Os precessos de integração
suas fontes nao conseguirem abranger todas as situacòes hípotétícas.
Sao varias as razôes que explicam a existência de tais lacunas, entre
Temos processos de integracao intra-sistemáticos e extra-
as quais se incluem:
-sistemátícos:
1.A imprevisibilidade 7 o constante desenvolvimenta social,
1. Intra-sistemáticos 7 nestes processos a soluçâo do caso faz—se
económico e tecnológico, faz com que muitas vezes o
Direito seja incapaz de prever e regular com antecedência tomando por base o sistema de normas vigentes.
certos aspectos da Vida das pessoas. V.g., a privacidade a) Analogia legis: pressupôe o recurso a uma regra determinada,
nas redes saciais; normalmente legal;
2. A intençäo do legislador de näo disciplinar certa matéria 7 b) Analogiajuris: pressupòe o recurso a um principio juridico
sucede quando o conhecimento de certas matérias é muita determinado;
incipiente e nao existe um consenso social suficiente que c) Norma que o intérprete criaria: a resoluçäo do caso apela
permita ao legislador temar uma posiçäo, razäo pela qual ao espirito geral do sistema.
este prefere deixar a resolucao da questäo aos orgaas que
2. Extra—sistematicos24“ 7 nestes processos a soluçäo do caso
aplicam o Direito. V.g., a questäo da eutanasia. funda-se noutros critérios.
17.3. A integração (de lacunas) a) Normativos: verificam—se quando o legislador emite uma
norma para calmatar a lacuna;
17.3.1. Noção
b) Discriciona'rios: verificam—se quando o legisladar da a
Admínistração a possibilidade de optar entre duas soluçôes
O dever de integrar lacunas decarre do art. 8.“, n.“ 1, do CC “O
igualrnente possiveis, de acordo com a melhor prossecuçäo
tribunal näo pode abster—se de julgar...”. do interesse público;

… Salve a situacào dos assentos, quando eram considerados fonte de Direito.


“5 Sie descobertas pela via da interpretacào abrogante… 24° Vide, entre outros, JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, ODireito *Introducào…,
2‘” Vide ANTONIO SANTOS JUSTO, Introduçàa ao Estado… pp. 350 e segs. pp. 444 e segs. 141
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

c) Equitativos: verificam—se quando 0 juiz n50 decide segundo 2, do CC, os casos análogos s50 aqueles em que procedem as
11.“
Luna norma, mas segundo as circunstancias do caso concreto, razões justificativas da regalamentacào do caso previsto na lei, o
isto é, 0 juiz n50 pretende criar uma norma, procurando que pressupöe 5 existéncia de deis requisitos:
Luna seluc50 adequada a todos 0s cases daquela indole, mas
l. Uma similitude de situacñesfa'cticas, ou seja, a existéncia de
pretende, antes, considerar o caso nas suas particularidades, duas situaçôes em que uma delas é regulada pelo Direito e a outra
procurando uma soluçäo que se lhe adeqúe 5 luz do valor näo é regulada:
da justicam.
Facto X ................... Lei A
Note-se que, ha quem defenda, e com raz5e, que nos casos de F acto Y -------------------- ?????
processos extra-sistemáticos n50 existe verdadeiramente integracào de
2. Uma identidade de razöes legais que justifica a aplicaçäo do
lacunas, porque a lacuna eu desaparece ou ent5e nunca existiuzs‘,
regime do facto regulado ao facto n50 regulade, tal como decorre
dado que:
do art. 10.“, n.° 2, do CC, quando se dispöe que “... no caso omisso
a) Se um acto legislativo regular a situ5c5e 7 a lacuna procedam as razñesjustificativas de regalamentacào do caso previsto
desaparece; na lei”. O que significa que se deve atender 5 ratio legis (da Lei
b) Se aAdministiacào actuar ao abrigo de um poder discricionario A) ou justificacao do regime de certo facto regulado (facto X), e
que a lei lhe confira 7 n50 existe qualquer lacuna; verificar se as mesmas razöes legais procedem para regular o facto
c) Se o juiz resolve um caso concreto com recurso 5 equidade sem regime (facto Y). Só se houver essa identidade de razöes legais
7 também n50 ha qualquer lacuna, n50 havende igualrnente é que é legitimo estabelecer—se uma relac5e de analogia.
qualquer preocupacao normativa.
Do exposto decorre que:
17.3.3. Analogia legis252
Para haver analogia, n50 basta que o facto Y seja semelhante
17.3.3.1. Noção ao facto X, mas deve-se também olhar para a justificacdo do regi-
me que se define para este último (a ratio legis da lei A) e depois
A analogia legis esta prevista no art. 10.“, 11.“ 1, do CC e verifica-se ponderar se essa mesma raz5e vale para 0 primeiro (facto Y) 7 só
quando os casos que o Direito n50 prevé s50 regulades segundo a quando existe esta identidade de razöes legais e que procedem as
norma aplicável aos “casos análogos”. De acordo corn o art. 10.“, mesmas razöes justificativas, e se pode dizer que existe analogia.
Por outro lado, a analogia pode ter por base qualquer regra,
quer seja ela legal ou consuetudinária.
25° Embora os processos equitativos apresentam a vantagem de maior adequacao
ao caso concreto, a verdade é que pouco ou nada contribuem para a definicao da
ordem juridica, visto depois da resoluçäo do caso concreto tudo ficar na mesma. 17.3.3.2. Exemplos de analogia legis
25‘ Com esta posicao, vide MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÀO,

Introdupdo ao Estado.… pp. 80 e 81. 1. Se existe uma lacuna sobre o regime dos pederes das
252 A propósito da analogía, enquanto busca da solução com recurso a outras regras F orcas Armadas em situaçôes de calamidade públíca (V. g.,
jurídicas, Manuel Domingues de Andrade faz notar que se trata de um processo ínundação ou incendio), pode-se preencher a lacuna com
em que se desenvolvem normas “latentes" ja previstas no sistema, referindo que
“A obra do jurista é como a dum poeta que componha a rimas obrigadas", cfr.
base no regime dos poderes extraordinarios das Forcas
142 MANUEL DOMINGUES DE ANDRADE, Ensaio sobre a Teoria… p. 164. Armadas em situacao de pertarbacào da ordem pu'blica, 143
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

quando se verifique uma identidade de razöes legais, isto que na integracdo o caso n5o esta compreendido nem na letra nem
é, nos casos de necessidade de aplicaçäo da disciplina no espirito da lei, enquanto que na interpretaçäo extensiva o caso näo
militar na obtençäo e uso de meios para enfrentar a situaçâo esta previsto na letra257, mas esta no espirito da lei (e nao repugna
de crise vivida“; a letra)”.
Vejamos alguns exemplespratices, apresentados por Karl Engisch
2. Se existe uma lacuna sobre navegacdo ae'rea, pode-se aplicar
e Karl Larenz, que geraram duvida na doutrina e jurisprudência
analogicamente o regime da navegacdo maritima, quanto
alem5s ha alguns anes atras:
aos aspectos em que se considere haver uma identidade
de razöes legais, isto é, es aspectes que n5o atendam as 1. A jurisprudéncia do Tribunal Federal considerou que o
especificidades de se Viajar no mar e no ar…; acide cloridrico era uma arma para efeitos de aplicaçäo do
art. 223.“ do Código Penal alem5e (arma por interpretacao
Se existe uma lacuna sebre o regime das matérias de
W

.
extensiva também inclui meios que actuam quimicamente)
televisäe per cabo, pode-se aplicar analogicamente a lei
que regula a difusào televisiva por sistema hertziano
7 no entante, Karl Engisch questiona esta posieaom;
tradieional, também quando haja uma identidade de razöes 2. Discutiu-se, também, punir como violação de domicilio
legais; as chamadas nocturnas feitas com intuito malicioso, pois
o art. 123.“ do Código Penal alemao exige para tal puniçäo
4. Se existe uma lacuna sobre o regime das sociedades
a “introduc5e na habitaçâo” 7 Karl Engisch defende que
anónimas, podem-se aplicar analogicamente as regras
aqui nâo pode haver interpretaçäo extensiva“;
disciplinadoras das sociedades por quotas, quando as
razöes justificativas destas ultimas sejam as mesmas das O art. 463.“, n.“ 2, do BGB (o Código Civil alem5o) dispöe

b)
.

primeiras255. que “o comprador pode exigir uma indemnizaçäo per


danes relatives a incumprimente se o vendedor oculta
17.3.3.3. Diferença entre analogia e interpretacao extensiva delesamente e defeite da coisa.” Diante deste preceite,
celoceu—se a quest50 de saber se o vendedor que simuleu
A distinçäo entre analogia legis e interpretaçâo extensiva em delesamente ao comprador uma qualidade inexistente da
termes teóricos parece facil, contudo, na pratica é muito dificil de coisa, também estaria abrangido por tal disposiçâo. A lei näo
apurar, pois n5o é facil descebrir a correcta linha de fronteira entre menciona esta situaçâo, mas em ambos casos o vendedor
ambasm. Pode dizer—se, em terrnos genéricos e pouco rigorosos, aproveita-se dolosamente de um erro do comprador
perfeitamente conhecido sobre a qualidade de urna eoisa.

253 Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introdugdo ao

Estudo..., p. 82. 257 Tal comoja verificamos, adopta-se um significado mais afastado do significado

25‘ Vide JOÀO CASTRO MENDES, Introduçäo ao Estudo do Direito, Lisboa, comum das palavras, vide supra 16.2.3.3.
1994, p. 238. 25“ No entender de Karl Engisch, a interpretacao encontra o seu limite na letra

255 Cfr. JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 71ntrodugdo..., p. 446. da lei, e é a partir dai que “começa a indagaçäo de urn argurnento de analogia”,
255 Esta dificuldade tern levado mesmo a posicòes que negam a possibilidade de cfr. KARL ENGISCH, Introdupdo ao Pensamento Juridico, trad, port., Lisboa,
separaçâo entre interpretaçâo extensiva e analogia legis, cfr. MARCO BOSCARELLI, 1997, p. 294.
L’analogia giuridica, in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, ano 25“ Cfr. KARL ENGISCH, Introduçào ao Pensamento..., p. 298.
144 VIII, fasc. 1, 1954, pp. 639 a 641. 2““ Cfr. KARL ENGISCH, Introduçào ao Pensamento..., p. 298. 145
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

Por isso, as duas situacòes devem ser reguladas do mesmo pode aplicar analogicamente à liberdade de manifestacao
mode 7 a maioria da doutrina entende existir aqui uma dos professores;
lacuna que deve ser integrada pela Via analögica 7 analogia d) Regras sobre impostos 7 as regras que criam os impostos e
legis“. detenninam os seus elementos essenciais nao podem ser
aplicadas analogicamente. A razäo deste limite prende—se
Para além destes exemplos, muitos outros existem onde se suscita
com a salvaguarda do principio da seguranca juridica e
a dúvida. E esta dificuldade é acentuada porque alguns autores
do principio da legalidade fiscal (art. 103.“, n.° 2, da CRP
identificam a interpretacao extensiva com a interpretacao declarativa
e art. ll.°, n.° 4, da Lei Geral Tributaria). V.g., se uma lei
lata (casos em que o interprete se limita a escolher um dos sentidos
prevé uma taxa de IVA de 30% relativamente a bebidas
possiveis do texto), falando em integracao a partir do momento em
alcoólicas, näo se pode aplicar analogicamente a surnos
que se transcendam os sentidos gramaticais.
naturais;
Nao obstante a dificuldade, a separacao entre estas duas figuras
e) Tipologias legais 7 os tipos sao institutos jurídicos que
é, no entanto, muito relevante, devido ao regime previsto do art. 11.“
do CC, onde se exclui a aplicaçäe analógica de normas excepcionais
visam regular realidades com aspectos comuns, entre os
quais se incluem os impostos, os crimes, os contratos ou os
mas se permite a sua interpretacao extensiva.
direitos reais. Por exemplo, quanto aos direitos reais, temos
o direito de propriedade, o usufruto, a compropriedade, entre
17.3.3.4. Limites à analogia legis
outros, e em relacao a cada um deles fixa—se um regime
1. Enunciacdo juridico que atende às suas especificidades próprias. Ora,
se 0 legislador fixa um regime particular para cada um dos
A analogia legis nao é possivel em relacao a regras bem tipos, na auséncia de regulamentaçäo de algum aspecto de
determinadas: um deles, nao se pode aplicar analogicamente o disposto
a) Regras excepcionais 7 art. 11.“ do CC; em outro tipo….
b) Regras penais pasitivas 7 sao as regras que definem os 2. Analogia e as normas excepcionais
crimes e fixam as suas penas e efeitos. A razâo deste limite
O art. 11.“ do CC admite a interpretacao extensiva de normas
prende—se com o principio da tipicidade penal (art. 29.“
excepcionais, mas proibe a sua analogia 7 o que radica na ideia de
da CRP e art. l.“, n.“ 3, do Còdigo Penal) que tutela a
que as normas excepcionais só valem para os casos previstos, e nao
liberdade das pessoas contra os abusos do poder. Assim,
se certo facto nao é considerado crime, nao se pode aplicar
para outros, sob pena de se generalizar o que é excepcionalm.
Nao obstante este facto, a verdade é que se discute se a proibição
analogicamente o regime que esteja previsto para um outro
da aplicacao analógica de normas excepcionais é total, ou se se dirige
facto que constitui ilicito penal;
apenas às normas excepcionais cujas normas gerais correlativas
c) Regras restritivas de direitos, liberdades e garantias 7
art. 18.“ da CRP. V.g., a lei que restringe a liberdade de
manifestacao dos militares das Forcas Armadas nao se … A este respeito, vide ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmduçãn ao Estado…
p. 359; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, o Direito 7 Introduçào..., pp. 452 e
segs,
2“ Cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciencia do Direito, trad. port., Lisboa, 253 Vide ANTONIO CASTANHEIRA NEVES, Metodologia Juridica 7 Problemas
1997, p. 542. Fundamentais, Coimbra, 1993, pp. 272 e segs, 147
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

contenham principios de ordern publica, de molde a que a supasta Como se verifica, temos duas regras com o mesmo significado,
norma excepcienal contrarie esses mesmas principios. Cem esta mas cuja identificacaa da regra e da excepçâo, em cada uma delas,
posiçâo, entre outros, Oliveira Ascensaa264 faz uma interpretacao varia, devido à diferente técnica legislativa usada, nao pedendo, por
restritiva do art. 11.“ do CC e considera que a regra excepcional estes motives, ser esta a excepcienalidade que se pretende proibir
aqui prevista nao se basta com a mera contradiçâo de uma outra no art. 11.“ do CC. De acorde com este preceito, para se excluir a
regra (excepcào formal, que depende apenas da técnica legislativa analogia deve—se criar um verdadeiro ius singulare, que se verifica
usada), mas exige um suporte mais solide, isto é, que exista uma quando a disciplina do caso vem contrariar um principiojuridico geral,
contradiçâo com um dos principios gerais subjacentes às diferentes como é o exemple do art. 875.“ do CC que, ao prever a escritura
areas do Direito, de molde a que se erie um verdadeiro ius singulare pûblica para a compra e venda de bens imoveis, vem a contrariar o
(excepcào material). Oliveira Ascensäo pensa que este método de art. 219.“ do CC, onde se fixa o principio de liberdade de forma dos
determinaçâo, que atende a materialidade da norma, é o mais conforme negocios juridicos.
com o sentido do art. 11.“ do CC, dado não depender apenas da
Note—se que:
técnica legislativa usadam.
Pires de Lima/ Antunes Varela, em sentido diverso, entendem
Efectivamente, a excepcienalidade formal nao pode ser o critério
que: “O projecto do Código Civil chegou a admitir, como regra, a
determinante, senâo vejamos o seguinte exempla:
aplicaçäo analógica das normas excepcionaís, só a nao permitindo nos
1.É proíbida a circulacào de veiculos na rua “X”, com casos em que as normas gerais correlativas exprimissem principios
excepcào dos moradores. essenciais de ordem publica”. Todavia, tal posiçäo suscitou dúvídas
2. É permitída a circulacdo de veiculos na rua “X”, com sobre o seu resultado pratico de aplicaçäo, pelo que foi rejeitada266 ….
excepcào dos ndo moradores.

O conteúdo da regra de conduta é exactamente o mesmo, pois, 17.3.4. Analogiajuris


em ambos casos as moradores podem circular na rua “X”, e as nao
moradores näo podem circular na rua “X”. No entante, a regra e a Se näo for possivel a analogia legis, o passo segujnte é a analogia

excepçäo ja divergem, isto é: juris.

1.Regra: é proibida a circulacào de veiculos na rua “X”/


excepçäo: so os moradores podem circular.
2. Regra: é permitida a círculação de veiculos na rua “X”/
excepçäo: os nao moradores näo podem circular. 2““ FERNANDO PIRES DE LIMA/ J. M. ANTUNES VARELA, Código Civil
Anotado..., p. 60.
257 Ainda a respeito desta matéria, Daniel Morais afirma que Pamplona Corte»Real
… Cfr… JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÂO, 0 Direito , Introdupdo..., pp. 448 rejeita a distincao entre normas formalmente excepcienais e normas substancialrnente
e segs; vide ainda, no mesmo sentide, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introduçäa excepcienais, pois entende que tante as normas geraís come as excepcienais sao sempre
ao Direito..., pp. 400 e 401. sustentadas par principios gerais. Par isso, “para existir uma norma excepcianal,
2“ Isto é, nao basta para qualificarmos uma regra coma excepcianal que ela definida come uma norma que partículariza e contraria substancialmente uma
contrarie uma outra regra de ambito mais vasto, pois se o legisladar apresentasse uma norma geral, tem de haver uma razão farte...que e precisamente o principio no
primeira categoria como regra, ficariam automaticamente as restantes qualificadas qual esta se apoia". Cfr. DANIEL DE BETTENCOURT MORAIS, Hipoteses
coma excepcoes, mesmo nos casos em que o seu conteúdo nao fosse realmente para a disciplina de Introdacdo ao Estado do Direito, AAFDL, Lisboa, 2007,
148 cantraditaria. pp. 147 e 148. 149
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

17.3.4.1. Noção 17.3.4.3. Admissibilidade da analogia jaris

A analogiajuris verifica—se quando nao existe uma regra análoga, O art. 10.“, n.°s 1 e 2, do CC refere-se exclusivamente a analogia,
e, devido a esse facto, apela-se aos princtpiosjuridicos para resolver a näo distinguindo entre analogia legis e juris, por isso, pode-se questionar
situacao. Isto é, olha—se para o ordenamento juridico na sua globalidade a adrnissibilidade da analogiajaris. Efectivamente, pode-se argumentar
e retira—se uma disciplina juridica para o caso (o que pode ter por que este preceito apenas consagra a analogía legis, porquanto o n.° l
base uma regra que nao pode ser aplicada analogicamente ou entäo refere-se a “norma aplicável ao caso análogo” e o n.° 2 ao “caso
um conjunto de preceitos de onde se extrai o principio“). previsto na lei”, e nao a qualquer principio juridíco.
V. g.: se o facto X, näo previsto e regulado pelo Direito, for No entanto, tem sido entendimento predominante na doutrina
resolvido, por exemplo, com apelo a um destes principios: ígualdade, que a díferenca entre a analogia iuris e a analogia legis “é uma
boa-fé, proporcionalidade, proteccao de confiança ou liberdade diferença de grau, pois à medida que a regra se vai esbatendo, o
religiosa, temos uma situaçäo de analogia juris. principio afirma-se e torna-se mais nitido”27‘, razäo pela qual nao se
costumam apontar obstáculos à admissibilidade da analogiajuris.
Em nossa opiniäo, estes argumentos nao säo decisivos, pois, tal
17.3.4.2. Diferença entre analogia legis e analogia juris269
como entende Miguel Teixeira de Sousa, quando se consiga extrair
do ordenamento juridico um principio material que resolva o caso
Oliveira Ascensao270 da um bom exemplo para ajudar a perceber
omisso nao existe qualquer lacuna, e, como tal, também nao tera de
a diferença entre a analogia legis e a analogiajuris: existindo uma
ser feita a sua integracàom.
norma que dispôe que “as obrígações contratuais devem—se exercer
de boa—fé”, temos analogia legis se esta norma, dada a proximidade 17.3.5. A “norma que o intérprete criaria”
das situaçôes, se aplicar igualmente as abrigaçôes näa contratuais;
ja teremos analogia jaris, no caso de justificarmos o exercicio de Nos casos em que nao se consiga solucionar o caso pela via da
boa-fé dos direitos näa obrigacianais (direitos subjectivos V. g., direitos analogia, porque nao existem situaçôes reguladas similares, nem
de personalidade) com recurso ao principio geral da boa-fé. qualquer preceito ou principio assente na mesma razäo de decidir,
o art. 10.“, n.“ 3, do CC refere que a situaçâo deve ser resolvida
pela norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar
dentro do espirito da sistema. Isto é, de acordo com este preceito,
quem esta a integrar a lacuna deve agir como se fosse legislador
2““ A este respeito, vide o exemplo avancado por Migiel Teixeira de Sousa, segundo (Assembleia da Repüblica, Govemo ou Assembleias Legislativas
o qual existe um principio da tutela inibitoria no ordenamento juridico portugiès Regionais) e criar uma norma tomando em consideraçâo as demais
resultante dos artigos 70.“, n.“ 2, e 1276,“ do CC, que admitem a propositura de regras, os principios de Direito e os interesses envolvidos na situaçâo
uma acção inibitoria com a finalidade de evitar, respectivamente, a consumacáo
de ameaca de direitos de personalidade, e a perturbaçäo ou esbulho da posse. Cfr.
a regular.
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introduçào aa Direito… p. 408.
25“ Note7se que há quem chame a analogia legis, analogia simples, e a analogia

jaris, analogia complexa ou de sistema, cfr. FRANCESCO CARNELUTTI, Teoria 271 Tal como entende JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, ODireito 7Intmdu§do...,

General del Derecho (original: Cedam, Padua), trad. de CARLOS G. POSADA, pp. 455 e segs; entre outros, ainda, MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA
Comares, Granada, 2003, p. 126. GALVÀO, Introdupdo ao Estado… p. 85 e NUNO SA GOMES, Introdupào ao
27° Cfr. JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÀO, o Direito 7 Introdupdo…, pp. 454 Estudo…, p. 289.
150 e 455. 272 Vide MIGUEL TEDŒIRA DE SOUSA, Intmdução ao Direito… pp. 408 e 409. 151
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

Note-se, porém, que a criacao desta norma por parte do integrador de 18.1. Redueña teleolr’)gica274
lacunas deve atender a criterios objectivos 7 o que decorre da expressäo
18.1.1. Noçâo
“espirita do sistema” 7, por isso, embora se pretenda solucionar um
caso concreto, a verdade é que o integrador deve criar uma norma
Verifica-se quando, interpretada uma lei e dela se retira uma
que, em abstracte, possa ser aplicada a uma indeterminabilidade de
regra, se entende que esta tem um sentide muite amplo, pelo que 0
destinatarios e de situaçôes. Nestes tennos, o mecanismo do art.
intérprete, atendendo a finalidade da lei, vai restringir o seu ambito
lO.°, n.° 3, do CC nao pode significar:
de aplicação para além do seu sentido literal.
1. Remissäo para 0 arbitrio do intérprete; Esguema: da lei X pela interpretaçäe (elementes histórico/
2. Apelo ao sentimento juridico; sistemático/teleológico + literal) retira-se a regra X. Todavia,
3. Recurso à equidade 7 a) a equidade tem subj acente uma atendendo a finalidade da lei o intérprete conclui que esta regra X
intencao individualizadora, isto é, atende à circunstância é demasiado ampla, por isso vai restringi—la.
do case concrete, pois visa reselvè—lo de acerdo com a sua Na reduçäo teleològica existe uma nova releváncia do elemento
justiça prOpria; b) o art.10.°, n.“ 3, do CC tem subjacente teleológica, isto é, o elemento teleológico, que ja é um dos elementos
uma intencao generalizadora, o que resulta da expressäo essenciais a interpretaçâo, vai ter nova relevância em momento
“pela norma”, por isso, Visa resolver mio 0 caso concreto, posterior, permitindo-se a restriçäo da propria norma e nao somente
mas a categoria de casos em que ele se enquadra. da fermulaçäe ampla da letra da lei, o que vai gerar, em termos
práticos, a nâe aplicaçäe da lei, eu seja, a criaçäo de uma exclusäo
Consideracòes finais:
ao regime legal.
Da analise deste mecanismo de integracao de lacunas, verifica-se, Trata—se de uma figura diferente da interpretacào restritiva, porque
em primeiro lugar que a ele preside uma orientaçäe generalizadora esta tem a sua fronteira no significado literal possivel, enquanto que
e abjectivista 7 art. lO.°, n.° 3, do CC. E, em segundo lugar que, tal a reducao teleológica vai mais além 7 normalmente estao em causa
como os restantes processos de integracao, tem Luna natureza precaria, situacòes que se subsumem a previsäe legal mas que contrariam 0
ou sej a, a “norma que o intérprete criaria” aplica-se ao caso concreto, seu fim, porque nao foram pensados pelo legislador quando fez a
e, uma vez resolvido, a lacuna mantém-se.

§ 18. Novas perspectivas metodológicas de concretização 27" Sobre esta materia, vide KARL LARENZ, Metodologia da Ciencia…
ou desenvolvimento do Direito pp. 555-569; ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmduçãa ao Estado… pp. 372 e 364;
JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7 Introduction, pp. 427 e 428.
Come ja foi referido, os autores incluem nesta categoria outras 275 A diferença entre interpretaçâe restritiva e reducir) teleológica (para quem a

modalidades de deterrninacào de regras, que nao cabem no conceito faça), em termos teóricos parece muito Simples, pois encontra o polo de separacào no
de interpretacao porque ultrapassam a letra da lei. Santos Justo abarca limite literal (art. 9.“, n.° 2, do CC), isto é: na interpretacao restritiva restringese
a norma até ao limite literal possivel e, nestes termos, excluem-se certos casos do
aqui a interpretacào correctiva, a extensao teleológica e a reduçäe ámbito de aplicaçâo da letra da lei, enquanto que na reduçäe teleológica já se
teleológica. Há ainda quem trate neste ambito, a respeito da integracao ultrapassa esse limite literal, optando por não se aplicar a norma a um caso que
de lacunas, a figura da “norma que o intérprete criaria”273. por ela estaria abrangido, mas que de acordo com a sua teleologia não deveria estar.
Todavia, em termes práticos nem sempre e’ fácil separar estas duas situacòes. Por
isso, em nossa opiniao, devemos optar pela interpretapdo restritiva sempre que
152 2” Entre outros, cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciencia… pp. 519 e segs. seja evidente que 0 legislador nao quis abranger pela norma urna dada situacao, 0 153
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

18.1.2. Exemplo pratico 18.1.3. Admissibilidade

Trata—se de um caso, referido por Karl Larenz, que ocor'reu na A reducao teleológica, tratada originariamente najurisprudéncia
jurisprudencia alem527“: e doutrina alem5s, h0je é também acolhida no ordenamento juridico
portugués, nomeadamente pelos nossos tribunais.
O art.181.° do BGB277 estabelece a nulidade do negocio jurídico
No entanto, Oliveira Ascens5o Vê a redução teleolögica com
realizado consigo mesmo. O fim deste preceito é proteger o representado,
dificuldade e nega a sua auten0mi25c50, pois considera que, ou cai
impedindo que 0 representante, em virtude de uma celis5e de
na interpretaçäo abrogante pela via da contradicao valorativa, ou,
interesses entre ele e o representado, realize um negocio consige
ent5e, cai na interpretacño correctiva pela via da inadequacàom.
mesmo, com eficacia para o representado, que 0 beneficie (ao
No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa refere as dificuldades
representante) em detrimento do outro (e representado)“. Portanto, o
da delimitac5e da reduçäo teleológica em relacao 5 interpretacào restritiva
art. 181.“ do BGB visa proteger os interesses do representado.
e acaba por concluir n50 haver 15250 para a sua autenomi2a950m.
Diante deste regime coloca—se a seguinte quest50: se o representante
legal fizer ama doação a um incapaz e ao mesmo tempo a aceitar 18.2. Extensâo teleològica281
(em nome do representado), será que se deve aplicar o art. 181.°
18.2.1. Noçâo
do BGB?
A letra da lei parece abranger esta situaçäo, pois a deac5e é um
A extensâo teleològica verifica-se quando da interpretac5e resulta
negocio jurídico gratuito que carece de aceitacao do beneficiario
que o sentido da regra é demasiado restrito, 1a25e pela qual, temando
(neste caso seria do menor ou do representante em nome dele).
per base uma nova consideracao da teleologia da lei, vai-se alargar o
Todavia, verifica-se que a invalidade de tal negòcio juridico contradiz
seu campo de aplicação 5 casos literalmente n50 abrangidos 7 trata—se
o fim do art. 181.“ do BGB, dado que, sendo a doacao um negócio
de uma centinu5c5e da interpretacào que ultrapassa o limite literal
juridice gratuito, que visa trazer uma vantagemjuridica ao representado,
possivel.
se for declarada nula, prejudicar—se—iam os interesses do representado,
que é precisamente o que tal norma pretende evitar. O Supremo
18.2.2. Exemplo pratico 282
Tribunal Federal entendeu, por isso, que a regra contida no art.
181° foi concebida de modo muito amplo, ra250 pela qual decidiu O art. 844.“, 2.“ parágrafo, do BGB fixa ao responsavel por acidente
fazer uma restric5o do preceito, que ultrapassa o seu sentido literal que causou a morte do maride de alguém uma indemnizacào por
(interpretaçâo contra o seu sentido literal, mas de acordo com a
danos através do pagamento de ama pensdo pecuniária para o sustento
sua teleologia), e concluiu pela sua n50 aplicac5e a este caso näo
previsto pelo legislador.
27" Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7 Introducdo..., p. 428.
2““ Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdacfio ao Direito..., p. 379.
que só veio a ocorrer porque se exprimiu mal. E já deveremos optar pela reduçãa 2“ Sobre esta figura, vide KARL LARENZ, Metodologia dn Ciéncia..., pp. 555-569;
teleológica quando entenderrnos que o legislador n50 ressalvou uma certa situaçâo da ANTONIO SANTOS JU STO, Inrmdução no Estado… p. 371. Convém referir, a
aplicac50 da norma, porque, simplesmente, n50 se lembrou da possibilidade de este respeito, a posicao de Oliveira Ascensào que inclui a extensào teleológica no
existencia dessa situacao. ámbito da interpretacào extensiva, pois refere que a interpretacào extensiva pode
275 Cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciéncin..., pp. 557 e segs. n50 estar compreendida na letra da lei, mas somente no seu espirito, cfr. JOSÉ DE
”7 “Bürgerliches Gesetzbuch" que é o Código Civil alem5o. OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7 Innodacdo…… p. 438.
154 … No mesmo sentido, vai o nosso art. 261.“, n.“ 1, do CC. 222 Cfr. KARL LARENZ, Metodologia dn Ciencia… pp. 564 e segs. 155
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

durante e tempo presumivel da vida do “de cujas”. A finalidade V. g.: a) a express5e homem 7 pode corresponder a individuo de
deste artigo é fazer com que a pessoa que causou a merte do marido sexo masculine eu a ser humane (v.g., no art. 362.“ do CC significa ser
se substitua, de certa forma, a este último no cumprimente do seu humane); b) a express5efilhos 7 pode corresponder a descendentes
dever de alimentos para com a esposa. Por isso, esta pens5e pecuniaria do sexo masculino ou descendentes em geral, do sexo masculino
para o sustento deve ocorrer durante o tempo em que a suposta e feminino (V.g., no art. 1826.“ do CC significa descendentes do
pessoa falecida viveria. sexo masculino e feminino); c) a express5e culpa 7 pode incluir as
situaçôes de dolo e negligência, ou somente uma destas (v.g., no
Uma viúva, cujo marido falecera num acidente, pediu em tribunal
art. 493.“, n.° 1, do CC a palavra culpa significa negligénciam); d) a
uma pens5o que ultrapassa aquele momento e que se estenderia ate ao
express5o alienar 7 pode corresponder a dispor duma coisa totalmente
final da sua Vida, invocando que: depois da merte natural do marido e completamente, ou, entao, dispor duma coisa por qualquer forma,
teria direito a uma pensdo de velhice que, deVido ao acidente, veio a incluindo também os casos de oneracao com direitos reais ou disposiçäo
perder por o marido n5e ter podido continuar a pagar as necessarias parcial284 (v.g., no art. 94.“, n.“ 3, do CC refere-se a disposiçäo total
quotas 5 Segurança Social. O nâo surgimento deste direito na sua e completa duma coisa).
esfera juridica é consequència da morte do marido, por isso, o
responsavel deve pagar uma pens5e que ultrapasse a presumivel 19.1.2. Interpretaçâo extensiva 7 deve—se estender a letra da lei.
vida do marido, e que se estenderà até ao final da vida da viúva. O V.g.: a) a expressâo “avós”, no art. 877.“ do CC, estende-se a
Supreme Tribunal Federal alem5e deu—lhe raz5o e alargeu o dever bisavos; b) 0 art. 506.“, n.“ 1 do CC, sobre a responsabilidade nos
de indemnizar ate 5 merte da titular do direito de alirnentos (da casos de colis5e de veicules, abrange n5o só es danos causades
Viúva). pelos veiculos, mas também todos os outros danos que resultarem
Neste caso, existe uma extensao teleológica porque a lei foi da celis5e; c) a indemnizac5e per danos decerrentes de escavaçôes,
pensada para uma indemnizaçäo que substitua o dever de alimentos, prevista no art. 1348.“, n.“ 2 do CC, abrange näo só os proprietarios dos
e n5e para outros danos negativos que possam decorrer da morte do prédios vizinhos afectados, mas também os donos de estabelecimento
marido. Todavia, dado que a finalidade da lei é compensar a Viúva pelos comercial instalado no predio afectado pela escavaçäozxs.
prejuizos que para ela decorrem da morte do de cujus (falecido), fazendo
19.1.3. Interpretaçäo restritiva 7 deve—se limitar a letra da
com que o responsavel se substitua a este em termos pecuniarios,
lei. V.g.: a) a express5o “estado mental” no art. 282.°, n.° 1, do CC,
faz todo o sentido que ultrapassande a letra da lei, se fixe uma
limita-se a estado mental negativo ou depressivo; b) a express5e lei,
indemnizaçâo para além da presurnivel vida do de eujus.
no art. 5.“, n.“ 1, do CC, limita-se 5s nerrnas que estejam sujeitas
a publicaçäo em jomal oficial (n5o inclui, per exemple, as normas
das autarquias lecais); c) a expressâo “casamento é indissolúvel”,
§ 19. Considerações finais: exemplos praticos e dúvidas da
limita-se a casamento indissolúvel por divórcio.
doutrina
19.1. Exemplos práticos acerca das diferentes modalidades
de interpretação 2“ Com este entendimento, vide MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdagdo
ao Direito..., p. 374.
… Cfr. LUIS CABRAL DE MONCADA, Liçôes de Direito Civil 7 parte geral,
19.1.1. Interpretação declarativa 7 deve—se optar pelo sentido 4“ ed. (reimp.), Coimbra, 1995, p. 152.
mais restrite ou pelo sentido mais amplo. … Referindo, entre outros, estes exemplos dajurisprudéncia portugiesa, MIGUEL
156 TEIXEIRA DE SOUSA, Introduçäo ao Direito..., pp. 376 e 377. 157
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

19.1.4. Reduçâo teleolôgica — deve—se restringir a letra da lei para 19.1.6. Interpretaçâo enunciativa 7 depois de determinada a
além do significado literal possivel cam base numa nova consideraçâo sentido da regra pela via da interpretaçäo, vai-se retirar uma outra
do elemento teleológico. regra implicita com base em argumentos logico-juridicos….
V.g.: a) o art. 181.“ do BGB, que fixa a proibiçäo de negocios V.g., os já referidas: a) a lei que proibe o menos, proibe o mais
consigo proprio, nao se aplica no caso da doaçäo do representante 7 se as menores de 21 anos nâo podem administrar os bens, também
a favor do representado“; b) a leí que impöe ao senhorio o dever nâo os podem vender; b) a lei quepermite o mais, permite o menos 7
de fazer obras de canservacao nao se aplica nos casas de regime de se é possivel vender certo bem, também se pode emprestar; c) o regime
rendas condicionadas; c) a norma que proibe a entrada nos jardins e excepcienal permite determinar o regime regra 7 da obrigatariedade
parques públicos de “quaisquer veículos com motor” (para evitar a de inspeccianar veiculos antigos, deduz—se a regra da nâo inspecçâo
perturbacao dos seus frequentadores) nao se aplica aos deficientes de veiculos novos; da lei que concede o direito de voto aos cidadäos
que se desloquem através de cadeiras de rada mavidas por motor. estrangeiros, com residência em certo pais por urn periodo superior
a cinco anos, é possivel inferir a regra de que as cidadäos estrangeiros,
19.1.5. Extensâo teleolôgica — deve—se estender a letra da lei para com residência em certo pais par um período igual ou inferior a
além do significado literal possivel cam base numa nova cansideracaa cinco anos, nao têm esse direita de voto; d) a legitimidade dos fins,
do elemento teleológico. legitima os meios 7 se se permite a caca, também é legal a compra
V.g.: a) o art. 844.“, 2.“ parágrafo, do BGB fixa aa responsavel por de espingardas.
acídente que causou a morte do marido de alguém uma indemnizaçäo
por danos atraves do pagamento de uma pensdo pecuniária para o 19.1.7. Analogia legis 7 se pela via da interpretacao chegarmos
sustento da viuva durante o tempo presumivel da vida do de cujus à conclusäo de que näo existe uma regra para resolver o caso, devemos
7 esta indemnizaçäo também abrange uma pensâo de velhice com procurar uma outra regra no ordenamento juridico aplicavel a situaçäo
duraçâo até ao fim da Vida da Viuva, que existiria se o marido tivesse diversa, mas em relaçâo a qual pracedam as mesmas razöes justificativas
pago as respectivas quotas”; b) a norma que náopermite aos docentes do regime.
acumular fungñes no ensino particular, se estes beneficiarem de V. g., as ja referidas2““: a) aplicaçäo do regime dos poderes
dispensa de actividade docente durante um ano escolar a fim de extraordinarios das F orcas Armadas em situaçâo de perturbaçäo da
realizarem trabalhos de investigacào, näo se deve circunscrever a ordem pública às situaçôes de calamidade pûblica; b) aplicaçäo do
regéncia de disciplinas integrantes de um cursa no ensino particular, regime de navegacao maritima as situações de navegação aérea;
mas devera também abranger as funçôes de direcçäo ou gestäo que c) aplicaçäo do regime de difusâo televisiva por sistema hertziano
as docentes desempenhem nas escolas particulares, pois embora a
tradicional ao sistema de difusao par cabo; d) aplicaçäo das regras
letra da lei abranja somente a primeira situaçâo, a sua teleologia
sobre sociedades por quotas às sociedades anónimas.
parece incluir todas as actividades do tipo mencionadas susceptiveis
de dispersarem ou absorverem, em termos intoleraveis, o docente
(com frequência muito mais que a simples regência de cadeiras)m.

2“ Tal como referido supra,


237 Tal como referido supra,
… Cfr. FERNANDO JOSE BRONZE, Liedes de Introduçäa ao Direito, 2“ ed. 2““ Vide supra l6.2.3.2.
(reimp.), Coimbra, 2010, p. 850. 290 Supra 1733.3. 159
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

19.2. Dúvidas suscitadas na doutrina e 1571.“ do CC, quando se verificar a impossibilidade do exercicio
do direito de servidâo (V.g., uma servidao de passagem obstruida
19.2.1. Analogia e interpretaçäo extensiva
devido a alteraçäo do terreno), esta só se extingue após o decurso
de 20 anos 7 sendo 0 art. 1571.“ do CC um preceito excepcional,
Remetemos para o que ja foi referido supra 17.3.3.3.
entende Oliveira Ascensao que dele decorre a regra geral de que a
impossibilidade de exercicio de qualquer outro direito real implica
19.2.2. Aplicação analógica de normas excepcionais e o
a sua extincdo imediata, por isso, no caso do usufruto de um pomar,
argumento “a contrario”
se a fruição da coisa for impossivel (porque o terreno é arenoso, por
exemplo) o usufruto extingue—se no ímedíatom; c) tendo por base a
19.2.2.1. Elucidaçäo do problema
existència de uma lei que dispôe que oproprietário de um quadrúpede
responde pelos prejuizos que tal animal tenha causado, discute-se
Temos uma norma X que se dirige a uma situaçâo particular
qual será o regírne a aplícar aos anírnais bípedes (v.g., avestruz) 7 a
X, e uma situaçäo da vida Y que nao cabe na letra de tal norma.
duvida pauta—se por saber se se deve usar um argumento de analogia
Procura—se determinar a norma para resolver a situaçäo Y.
ou antes um argumento “a contrario”: o argumento de analogia parte
l. Se optannos pelo argumento de analogia: mi—se discutir se do pressuposto de que existe uma lacuna, mas que as mesmas razöes
a norma X é materialmente excepcional ou formalmente justificativas da aplicaçâo da norma aos quadrupedes também wlem
excepcional: a) se é materialmente excepcional 7 a norma X para os bipèdes; ja o argumento “a contrario” parte do pressuposto
nâo se aplica ao facto Y; b) se é formalmente excepcional de que a norma, sendo excepcional, aplica-se somente a particular
7 a norma X pode—se aplicar analogicamente ao facto Y. situaçäo dos animais quadrupedes, dela se extrame urn regime geral
2. Se optarmos pelo argumento “a contrario”: parte-se do oposto no sentido de que face aos restantes animais (incluindo os
principio de que a norma X nao se aplica ao facto Y, bipèdes) nao deve haver qualquer responsabilidade do proprietario.
todavía, a norma X auxilia na deterrninaçäo do regime Como se verifica, a opção por um ou por outro argumento leva a
a aplicar ao facto Y, na medida em que este regime tera soluçôes opostas, Karl Engisch, neste caso, vem a entender como
conteúdo oposto ao previsto na norma X. preferlvel a resoluçâo pela via do argumento “a contrario…”.
Argumento de analogia 7 aplicaçâo analógica de normas
19.222. Exemplos praticos excepcíonais: a) aplicaçâo do regime de renda condicionada previsto
para o arrendamento de habitaçâo, a um caso de arrendamento
Argumento “a contrario” 7 a) os ja referidos, casos291 de que: da comercial; b) aplicaçâo da norma que prevè linhas de créditos
regra excepcional que permite o voto a estrangeiros com residéncia ha
especiais para minimizar danos ocorridos por efeito de condiçôes
mais de cinco anos, extrai—se a regra de que os residentes estrangeiros atmosféricas em actividades comerciais, industriais e de servicos,
ha cinco ou menos de cinco anos nao têm o direito de voto; ou da a uma empresa de plantaçäo de legumes (actividade agricola); e)
regra excepcional da obrigatoriedade de inspecçâo de veiculos antigos, aplicaçâo de uma norma que atribui subsidios a empresarios de
retira-se a regra geral da nao obrigatoriedade de inspecçäo face a
veiculos recentes; b) nos termos dos artigos 1569.“, n.“ l, alinea b)
292 Cfr. JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, o Direito 7 Innodução..,, pp. 471
e segs.
… Supra 16.2.3.3. … Cfr… KARL ENGISCH, Introdupào ao Pensamento… pp. 291 e segs. 161
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

taxis por efeito de aumento de combustiveis, a uma empresa privada BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
de transporte de alunos.
Amaral, Diego Freitas do
19.2.2.3. A resoluçäo pela doutrina 7 Da necessidade de revisäe des artigos 1.“a 13.“de Código Civil,
in revista Themis, I-1, Coirnbra, 2000, pp. 9-20.
Karl Engisch afinna que a escolha entre o argumento de analogia
e o argumento “a contrario” n5o se pode fazer no plano da pura lògica, Andrade, Manuel Domingues de
mas tem de combinar—se com a “teleelegia”2“". Segundo Castanheira 7 Ensaio sobre a Teeria da lnterpretagào das Leis, 2“ ed., Coimbra,
Neves a opção entre a analogia e o argumenta “a contrario” deve-se 1963.
resolver pela interpretaçâo de acordo com “valoraçôes teleológicas”.
Para este autor n5o existe um critério seguro que permita optar entre Ascensâo, José de Oliveira
cada um dos procedimentos 7 deve—se verificar se a razão própría 7 O Direite 7 Introduçãa e Tearía Geral, 13“ ed., Coirnbra, 2005.
da norma excepcional também justifica a sua aplicaçäo a outros
cases…. No mesmo sentido, Karl Larenz defende que a decis5e da Boscarelli, Marco
escelha entre o argumenta “a contrario” e o argumenta por analogia 7 L’analogia giuridica, in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
n5o depende de uma apreciaçäo subj ectiva, mas é erientada per Civile, ano VIII, fasc. 1, 1954.
valores, iste é, por um “pensamente teleológico”295.
Bronze, Fernando José
Do pensamente destes auteres decerre que a escelha entre o 7 Líçães de Introduçãa ao Direito, 2“ ed. (reimp.), Coimbra, 2010.
argumente de analogia e o argumente “a contrario” passa pela
analise da teleologia da lei: ideia de que para se perceber a intencao Carnelutti, Francesco
da lei, a logica tem de combinar—se com a teleologia. Assirn, usamos o 7 Teoria General del Dereeho (original: Cedam, Padua), trad. de
argumente “a contrario” quando o caso concrete está mais distante da CARLOS G. POSADA, Comares, Granada, 2003.
teleologia ou finalidade da lei a aplicar, isto é, quando n5e precedem as
mesmas raz6es justificativas presentes na situac5e regulada, raz5o Duarte, María Luisa
pela qual a nerma n5e pode resolver este caso, e, como tal, apenas 7 Introducdo ao Estudo do Direito 7 Sumarios Desenvolvidos,
serve para determinar o regime geral que tem uma natureza epesta. AAFDL, 2003.
E usamos o argumente de analogia, quando a situaçäo factica está
mais próxima da teleologia da lei, o que vem justificar a sua aplicac5e Engisch, Karl
para resolver essa situaçäo. 7 Introducdo ao Pensamento Juridico, trad. port., Lisboa, 1997.

Gomes, Nuno Sá
7 Introducdo ao Estudo do Direito, Lisbea, 2001.

… Cfr. KARL ENGISCH, Introduçäo ao Pensamento,,,, p. 292. Hobbes, Thomas


295 Cfr. ANTONIO CASTANHEIRA NEVES, Metodologia Juridica,,,, p, 265, 7 Leviatä, 4“ ed. (reirnp.), Lisboa, 2010.
29“ Vide KARL LARENZ, Metodologia da Ciencia… p. 554.
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

Justo,António Santos Queiroz, Cristina


7 Introducdo ao Estado do Direito, 5“ ed., Coimbra, 2011. 7 A interpretacdojuridica, in Estudos em Homenagem ao Professor
Doutor Marcello Caetano 7 No Centenario do seu Nascimento 7
Lima, Fernando Pires de /Varela, J. M. Antunes Volume I, Coimbra, 2006, p. 267-287.
7 Co'digo Civil Anotado, vol. I, 4“ ed. (reimp.), Coimbra, 2010.
7 Noçães Fundamentaís de Direito Civil, vol. I, 6“ ed., Coimbra, Santo, Joao Espirito
1973. 7 Código Civil 7Anatacoes aos artigos I ° a 13“, AAFDL, Lisboa,
201 1.
Larenz, Karl
7 Metodologia da Ciencia do Direito, trad. port., Lisboa, 1997. Silva, Vasco Pereira da
7 O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2“ ed.,
Machado, Joao Baptista Coimbra, 2009.
7 Intmdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 19“ ed. (reimp.),
Coimbra, 201 l. Sousa, Marcelo Rebelo de / Galväo, Sofia
7 lntrodacdo ao Estado do Direito, Lisboa, 2000.
Mendes, Joao Castro
7 Introducdo ao Estado do Direito, Lisboa, 1994. Sousa, Miguel Teixeira de
7 lntrodacdo ao Direito, Coimbra, 2012.
Moncada, Luis Cabral de
7 Líções de Direito Civil 7 parte geral, 4“ ed. (reimp.), Coimbra, Stern, Klaus
1995. 7 Derecho del Estado de la Republica Federal Alemana, Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1987.
Morais, Daniel de Bettencourt
7 Hipóteses para a disciplina de Introducdo ao Estado do Direito, Telles, Inocêncio Galvâe
AAFDL, Lisboa, 2007. 7 lntrodacdo ao Estudo do Direito I, 11“ ed. (reimp.), Coimbra,
2010.
Neves, António Castanheira
7 Metodologia Jaridica 7 Problemas Fundamentais, Coimbra,
1993.

N ovais, Jorge Reis


7 As Restrições aos Direitas Fundamentais não expressamente
Aatorizadas pela Constituicdo, Coimbra, 2003.

164 165
CAPÍTULO IV: A NORMA Juxich

SUMARIO:

20. Noção e estrutura da norma juridica; 20.1. Noçâo; 20.2.


Estrutura da norma; 20.2.1. A previsâo; 20.2.2. A estatuiçâo;
20.2.3. Relaçôes entre a previsäo e a estatuicao; 21. Caracteristicas
da norma jurídica; 21.1. A generalidade; 21.1.1. Noçäo; 21.1.2.
Separaçäo da individualidade; 21.1.3. Separação da pluralidade;
21.1.4. Generalidade aparente; 21.1.5. Generalidade e abstraccao;
21.1.6. Admissibilidade como caracteristica da norma; 21.2. A
abstraccao; 21.2.1. Nocao; 21.2.2. Posições da doutrína acerca da
noção de abstracçâ0; 21.2.3. Admissibilidade como caracteristica
da norma; 21.2.4. Consideracoes finais sobre generalidade e
abstraccao; 21.3. A bilateralidade; 21.4. A hipoteticidade; 21.5.
A imperatividade; 22. Classificacào das normas juridicas; 22.1.
Critério da vontade dos destinatarios; 22.1.1. Normas injuntivas;
22. 1 . 1 . 1. Nacio; 22.1.1.2. Classificaçäo; 22.1.2. N ormas disposifivas;
22.1.2.1. Nocao; 22.1.2.2. Classificaçäo; 22.2. Critério da
plenitude do sentido; 22.2.1. Normas autònomas (ou completas);
22.2.1.1. Noçäo; 22.2.2. Normas n50 autónomas (ou incompletas);
22.2.2.1. Nec5o; 22.2.2.2. Classificacao: remissöes explicitas
(normas interpretativas; normas de reenvie eu devoluçäo); 22.2.2.3.
Classificaçäo: remissôes implicitas (ficçôes legais; presunçôes
legais); 22.2.2.4. Classificacao: normas n50 remissivas (definicòes
legais); 22.3. Critério do ambito pessoal de validade das normas;
22.3.1. Normas gerais; 22.3.2. Normas especiais; 22.3.3. Normas
exeepcionais; 22.3.4. Consideracòes finais; 22.4. Critério do ambito
espacial de validade das normas; 22.4.1. Normas universais;
22.4.2. Normas regionais; 22.4.3. Normas locais; 22.5. Critério
da sançào (que apljcam); 22.5.1. “Leges plus quam perfectae”;
22.5.2. “Leges perfectae”; 22.5.3. “Leges minus quam perfectae”;
22.5.4. “Leges imperfectae”; 22.6. Critério da função das normas
juridicas; 22.6.]. Normas primarias; 22.6.2. Normas secundarias.
Introduçäo aa Estuda do Direito

§ 20. Noção e estrutura da norma jurídica


20.1. Noção

O sentido de norma juridica297 näo tem sido univoco, pois


muitas vezes utiliza-se a denominaçâo preceito, disposiçäo ou lei,
para tratar a mesma realidade.
A norma é geralmente definida coma um critério de conduta,
au seja, a regra pela qual se pautam as condutas humanas. Na entanta,
embara efectivamente a maior parte das normas visem orientar as
comportamentos das pessaas, em algumas delas essa função está
ausente, coma par exempla: a) normas de segundo grau 7 normas
de identificacaa juridica (V.g., as artigas 1.“ a 4.“ do CC), normas
sancionatórías (v.g., as normas que fixam coimas ou multas),
normas sobre Vigência da lei (V.g., o art. 5.“ da CC), normas sobre
interpretaçâo (v.g., os artigos 8.“ a 11.“ do CC) ou normas revogatórias
(sabre a revogaçâo de outras normas 7 V.g., 0 art. 7.“ do CC); b)
normas totalmente retroactivas (coma o art. 292.“ da CRP que fixa
a incrimjnaçâo de condutas dos agentes e responsaveis da PlDE/DGS;
ou a lei que atribua uma indemnizacaa as vitimas de uma intempérie
acorrida)”.
Deste modo, verifica—se que nem todas as normas regulam os
comportamentos humanos, por isso, segundo Oliveira Ascensao,
para o Direito a regra é inevitavelmente um critério de decisào de
casos concretos 7 “a regra surge como medianeira da solucào juridica
de casos concretos. Da ao intérprete o critério pelo qual ele pode
julgar ou resalver”2““. Todavia, para este autar, nao sao todos os
critérios juridicos de decisao que sao regras juridicas, pois estes
podem ser: a) materiais 7 Sao os critérios normativos, em que se
procede a uma valerizacào generalizadora das situaçôes; b) e formais
7 sae os critérios equitativos, em que se fixa uma orientacaa que

”7 Tal como ja referimos, utilizamos indistintamente as expressoes norma juridica


e regra juridica.
2““ Vide NUNO SÁ GOMES, Intmduçãa ao Estado…, p. 101.
299 Cfr. JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÂO, 0 Direito 7 Introdacdo..., p. 493. 169
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

permite, através de valoraçôes próprias de cada caso, alcançar a sua A previsäo da norma é sempre uma previsào normativa, pois
resoluçäo. E a normajuridíca apenas se pode reconduzír aos primeiros. embora se refira a uma realidade empirica, a verdade é que a de-
Nestes termos, segundo Oliveira Ascensâo a regra juridica é terminaçäo do seu sentido deve ser feita de modo juridico, isto é,
os factos da Vida säo jurisdicionalizados, transformando—se os seus
um critério material de decisdo de casos concretos3°°, definiçäo
conceitos naturalistas em conceitos juridicos, razao pela qual o seu
que, para efeitos de explanaçâo da matéria, vamos acolher.
significado deve ser aquele que o Direito lhe atribui.
Vej amos um exemplo elucidativo desta situaçâo avançado por
20.2. Estrutura da norma juridica
Marcelo Rebelo de Sousa/ Sofia Galvao: o que significa a expressäo
“quem matar outrem”?
A norma juridica preVè uma situaçâo de facto, a que se fazem
corresponder certos efeitos juridicos, V.g.: “quem matar outrem, l. Após uma discussäo, alguém da um tiro a outrem de que
sera' punido com pena de prisáo de 8 a 16 anos”3°‘. resulta a sua morte;
A norma é, assim, composta por dois elementos: a) a previsäo 2. Um médico desliga o aparelho a que se encontra ligado
ou antecedente (fattispecie ou tatbestand); b) a estatuiçâo ou um doente com diagnóstico de morte cerebral;
consequente. 3. Um paí nâo Vigia adequadarnente um filho de quatro anos
que brincava a beira mar, resultando desse facto o seu
20.2.1. Previsâo afogamento mortal.
A detenninaçäo do sentido da expressao tem de ser aferida
A previsäo corresponde a uma certa situaçäo de facto que se juridicamente, e nao factícamente, ou seja, nestas très situaçôes
deve verificar para que a norma seja aplicada“.
apenas se podera dizer que um sujeito matou o outro, caso o Direito
o entenda desse modo….

30° Vide JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÃO, o Direito 7 Innaduçäa..., pp. 493 20.2.2. Estatuição
e segs.
… Note»se que o exemplo por nos avancado constitui, como veremos adiante,
A estatuição é a determinaçâo de certas consequências, que se
uma norma sancionatoria, isto é, uma norma que fixa uma sançäo devido à violaçâo
iräo verificar no caso da norma se aplicar.
de uma outra norma. Assim, estaria aqui em causa a violaçäo da norma de conduta
“é proibido matar outrem" que esta implicita nesta norma sancionatóría, Embora Dentro da estatuiçäo é possivel separar dois elementos”:
as normas sancionatórias se limitem a fixar sançôes, a verdade é que também nelas
podemos separar uma previsäo e uma estatuicao, isto é, a previsño dira respeito à 1. O operadar deântico 7 isto é, o comando da norma, que
situaçâo factica da violaçâo da norma de conduta “quem matar outrem", e a estatuiçàa pode ser urna permissao, uma proibição ou uma obrigacao;
respeitara a consequència desfavoravel decorrente dessa violacào “sera punido
com pena de prisao entre 8 a 16 anos". Cfr. NUNO SÁ GOMES, Introduçàa ao
Estudo…, p. 104.
… Note-se que, a este respeito, Miguel Teixeira de Sousa considera a previsào
como o elemento da regra juridica que define as condicòes em que ela é aplicada, e, m: Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmduçäo ao
neste sentido, entende que a previsao é composta por dois elementos: um elemento Estado… p. 233; JOÃO BAPTISTA MACHADO, Intmdução ao Direito… pp. 80 e
objectivo, que corresponde ao facto; e um elemento subjectivo, que respeita ao 81;NUNO SÁ GOMES, Introduçào ao Estado… pp. 102 e 103.
destinatario da regra. Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introducfio ao 204 Com esta posicào, e para mais desenvolvimentos, vide MIGUEL TEIXEIRA

170 Direito… pp. 206 e 207. DE SOUSA, Introdagfio ao Direito… pp. 206 e segs, 171
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

2. O objecto (do comando) 7 isto é, aquilo que é permitido, b) 1.“ Estatuiçâe / 2.“ previsäo 7 art. 284.“, n.° 1, da CRP:
proibido ou obrigatòrio, e que pode corresponder a uma estatuiçäe: “A Assembleia da República pode rever a
conduta305, a um poder306 ou a um efeito juridico307. Constituicào...”; previsào “… decorridos cinco anos sobre a
Tal como a previsao, a estatuicao da norma também apresenta data da publicacào da a'ltima lei de revisào ordina'ria”.
um carácter normativo, pois o seu sentido é igualmente aferido de
modo juridico.
§ 21. Características da Norma Juridica
20.2.3. Relações entre a previsão e a estatuição
21.1. A generalidade
Aspectos relevantes da relacao308 : 21.1.1. Noçâe
1.Uma norma nem sempre corresponde a um certa preceito de
A generalidade traduz—se ne facto de a norma juridica se dirigir
um diploma, pois nao raro a determinacào do seu sentido implica a
conjugaçäe de duas ou mais dispesiçôes, iste é, a previsao pode estar
nae a uma SO pessoa, mas a todas as pessoas que se possam encontrar
num artigo, de uma determinada lei, e a estatuiçâe estar neutre na situaçâo hipotética à qual uma certa estatuiçäe corresponde,
artige, da mesma eu de outra lei, v.g., o art. 122.° do CC dispôe que isto é, dirige-se a uma categoria de pessoas ndo individualmente
“quem ndo tiver completado 18 anos de idade e menor”, e 0 art. determinadas.
123.“ do CC dispõe que “as menares carecem de capacidade para
o exercicio dos direitos”: a regra que se retira destes dois preceitos 21.1.2. Separacao da individualidade
conjugados, vai no sentido de que quem ndo tiver completado 18
anos, não tem capacidade para o exercicio de direitos. A generalidade contrapOe—se à individualidade: tipicamente é geral
0 preceito relativo “aos cidadäos”, e é individual o preceito relativo
2. A formulaçãa prevísão versus estataicào pode estar invertida, “ao cidadäo Y”. Centudo, mio se pode dizer que em todos os casos
pois trata-se de uma estrutura tendencial, razäo pela qual a previsäo em que haja apenas um sujeito na situacao norrnativamente prevista
pode nao anteceder a estatuicao. V. g.: 0 preceito seja individual. Por exemplo, as normas constitucionais
a) 1.“ Previsâe / 2.“ estatuiçäo 7 art. 483.°, n.° 1, do CC: que definem as cempetências e deveres do Presidente da República
previsao “Aquele que com dolo ou mera culpa violar o ou do Primeiro-Ministro são geraism, isto, porque nao se dirigem
direito de outrem ou qualquer disposicdo destinada a especificamente à pessoa que em determinada altura exerce essa
proteger interesses alheios...”; estatuicáo “... fica obrigado funçâe, mas dirigem-se a tedos os sujeitos que venham a ocupar
a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violacdo”. esse cargo.
Assim, verifica-se que o relevante para caracterizar a generalidade
é que a lei fixe uma categoria de pessoas, e nao uma entidade
”5 V.g., a norma que dispöe que “é proibido circular a mais de 50 km por hora" individualizada.
proibe uma conduta, ou seja, configura um“nonfacere”.
306V.g., as normas de competencia (corno é 0 caso do an. 164.“ da CRP) conferem
poderes para a pratica de certos actos.
““7 V.g., 0 art. 66, n.° 1, do CC dita um efeito obrigatório decorrente da verificaçâo

de certas condiçôes. m" Trata-se de normas que se dirigem a uma categoria de pessoas que em cada
172 m Cfr, ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmdução ao Estado… p. 141. momento se concretizam numa única pessoa, 173
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

21.1.3. Separacao da pluralidade se a norma se dirigir, num certo momento, a todas as empresas
portuguesas de censtruc5e aeron5utica, e se se concluir que apenas
Em ambos casos existem varios sujeitos na situaçäo normativamente existe uma unica 7 neste case, nao temos generalidade, mas antes
prevista. Porém, existe pluralidade de destinatarios quando a norma um comando individual.
se dirige a varias pessoas individualmente determinadas. Vejamos
o seguinte exemplom: 21.1.5. Generalidade e abstraccio
1. Se um director geral ordena ao sea secretario que avise
todos es directores de servipos para se deslocarem ao sea A generalidade celeca—Se no plano subjectivo dos destinatarios,
gabinete em certo dia e hora, existe uma ordem plural isto é, dos titulares das situaçôes juridicas por ela configuradas.
e n5e geral, perque se dirige a pessoas individualmente A abstracçao situa-se no plano objectivo da situaçäo juridica
consideradas; prevista na norma.
2. Se o director geral determinar para o futuro que todos os
directores de servicos em certo dia e hora se devem reunir 21.1.6. Admissibilidade como caracteristica da norma
no seu gabinete, temes uma erdem geral, porque se dirige,
n5o so aos actuais directores, mas também a todos aqueles 1. A generalidade e uma caracteristica da norma 7 pesic5o
que em cada momento estiverem a desempenhar o cargo. defendida per Oliveira Ascens5o, nâo obstante algumas dificuldades;
Santos Justo e Baptista Machado, embora n5o se prenunciem
Oliveira Ascens5o censidera que nem sempre é facil separar
directamente, parecem também acolher esta posicao3‘3.
a pluralidade da generalidade, e da um exemplo para elucidar este
problema: “no caso de uma norma estabelecer que todos os 2. A generalidade näo é uma caracteristica da norma 7 pesic5o
govemadores sao chamados à capital, estamos diante um preceito defendida por Nune Sá Gemes, para quem a generalidade é apenas
geral ou individual.” A respesta deve passar per saberrnos se se caracteristica das normas que têm destinatarios, isto é, das normas
tem em vista as pessoas individualmente determinadas, que em de conduta, e n5o das restantes normas jurídicas“; no mesmo sentido,
certo momento preenchem aquela categoria, ou se se tem em vista mas com fundamentacao diversa, Marcelo Rebelo de Sousa/ Sofia
a categoria tomada em si, independentemente das pessoas que a Galv5e consideram que a regra juridica so seria geral se existisse
preencham3“, sendo a interpretaçäo da norma essencial para resolver sempre uma indeterminabilidade dos seus destinatarios, o que nem
esta questâo. sempre sucede, pois existem situaçôes: de indeterminaçâo que s5o
determinaveis; de mera pluralidade dos destinatarios; ou mesmo
21.1.4. Generalidade aparente312 de unidade dos destinatarios (quer seja uma pessoa individual ou
colectiva). E também, de acordo com estes auteres, só assim se
A generalidade aparente verifica-se quando a norma se dirige compreende que existam matérias em que a quest50 da generalidade
a uma categoria de pessoas, mas na pratica chega-se 5 conclus5o
de que so pode ter aplicacao em relaçäo a uma 1'1nica pessoa, v.g.,
… Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7 Introducáo,,,, p, 507;
ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmdugdo ao Estado… p. 143; JOÃO BAPTISTA
““ Cfr. NUNO SA GOMES, Introdugdo ao Estudo..., p. 107. MACHADO, Intraduçäo ao Direito..., p. 92.
… Cfr. JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito ¡Inflvdupdonw p. 506. ““ Cfr. JOÀO BAPTISTA MACHADO, Introduçäo ao Direito..., p. 92; NUNO
… Vide NUNO SA GOMES, Introduçàa ao Estado… pp. 108 e 109. SÄ GOMES, Intredupae ao Estudo..., p. 109. 175
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

é expressamente mencionada como requisito necessario, o caso 21.2.2. Posições da doutrina acerca da noçâo de abstracção
das regras sobre direitos, liberdades e garantias (art. 18°, n.° 3, da
CRP)315 l. Oliveira Ascensao316 entende que a abstraccào implica que a
Note-se que: norma juridica se aplique a factos futuros, porquanto so quando tal
aconteca a previs5e da norma será incerta, V. g.: a) se se ordenar que
Para Marcelo Rebelo de Seusa/ Sofia Ga1v5o é precise n50 todos entreguem as armas que possuem nos postos de Policia, temos
confundir indeterminabilidade cem indeterminacào 7 115 cases de generalidade, mas n50 abstraccao, porque a situacao a que o preceito
regras corn indeterminacao de destinatarios (regras indeterminadas) se aplica ja esta concretizada; b) se se ordenar que as armas que
que s50 determinaveis (isto é, em relaçäo às quais n50 existe forem adquiridas, sejam apresentadas nos mesmos postos, ja existe
indeterminabilidade de sujeitos). Decorre do pensamento destes abstraccào, pois a disposicào esta pensada para execucao futura.
autores que na indeterminabilidade (suj eites i11determin5veis) nunca No primeiro caso a previs5e é “todos os que tiverem armas na sua
se censeguem individualizar os destinatarios no momento da feitura posse”, e 5 estatuic5e é “devem entregar nos postos de Policia”. No
da norma, ja na indeterminaçâo (sujeitos indeterminados), embora segundo caso, a previs5e é “as armas que forem adqairidas”, e a
aparentemente se dirija a uma multiplicidade de suj eitos, a verdade é estatuic5e é “devem entregar nos postos de Policia”. S0 nesta ultima
que eles efectivamente podem ser individualizados. Marcelo Rebelo situacao teremos uma norma verdadeiramente abstracta.
de Sousa/ Sofia G51v5e entendem que para uma regra ser geral tem Assim, segundo este autor, para ser caracterizada pela abstraccao
de haver indeterminabilidade, por isso a generalidade mio e' uma a norma tem de ser posta a vigorar so' de futuro. Razao pela qual,
caracteristica da regra (wlendo o mesmo raciecinie para a abstracc5o, partindo do principio de que ha normas que se dirigem somente a
tal como veremos infia). situaçôes passadas (seria o caso das nonnas retroactivas), conclui
que 5 abstracc50 n50 é uma caracteristica da norma juridica.
21.2. A abstracçào
2. Nuno S5 Gomes317 n50 cencerda com a afirmacao de que
21.2.1. Noção a abstraccào se refere apenas a factos ou situacòes futuras n50
cencretizadas. Defende, antes, que “o abstracto op0e—se 50 concreto,
A abstracçâo traduz—se no facto de a norma juridica n50 se aplicar porque considera a realidade não em tada a sua identidade, mas
a um caso especifico, mas antes a um nu'mero indeterminado de com referencia a determinadas caracteristicas normativamente
situacòes subsumiveis 5 categoria anunciada. seleccionadas”, e, por isso, afirma que a sua previs5o “é um padräa,
O abstracto opöe-se ao concreto: o preceito abstracto disciplina um modelo, um tipo”, quer se dirija a factos passados, quer se dirija a
um numero indeterminado de casos (uma categoria mais ou menos factos futuros. No mesmo sentido, wi Baptista Machado, considerando
ampla de situacòes), e n50 casos ou situacòes determinadas (que que a norma é abstracta quando abranja uma categoria de casos,
s50 particularmente visadas pela norrna). independentemente das situacòes estarem ja concretizadas, ou ainda
por concretizar (V.g., a lei que qualifique terrenos para construir ou

“5 Cfi’. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introduçäo ao “° Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÀO, 0 Direito 7 Introducdo..., p. 510.
Estado…… p. 235. “7 Cfr. NUNO SÁ GOMES, Intraduçãn no Estado… pp. 109 e segs. 177
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

a lei que ordene aos proprietarias de terrenas canfinantes com vias 3. Em nossa opiniao, a generalidade e a abstracçäo devem ser
pûblicas o arranque de certas espécies arbéreas)”. consideradas caracteristicas da norma juridica, pois defendemos
que tada a norma se deve reportar a uma categoria de pessoas nao
3. Para Marcela Rebela de Sousa/ Sofia Galvao319 também aqui
nao se deve confundir indeterminabilidade com a indeterminacdo: individualmente determinadas e a uma categoria de casos.
“existem regras que se dirigem a situacòes de facto que podem ser
indeterminadas, mas que nao sao indeterminaveis ”, isto é, regras 21.3. A bilateralidade
relativas a situaçôes bem precisas, V.g., casa das leis retroactivas.
Quando ha indeterminabilidade (situacòes indeterminaveis) nunca se A bilateralidade tem por base a ideia de que o Direito pretende
consegue concretizar a situaçäo no momento da feitura da norma, regular as relaçôes sociais segundo a justiça, e, como tal, impôe
ja quando ha indeterminacao (situaçôes indeterminadas), embora deveres e reconhece direitas correlativas, isto e: se alguém se encontra
aparentemente se dirijam a uma multiplicidade de casos, a verdade juridicamente obrigado, existe sempre uma outra pessoa que lhe
é que eles efectivamente podem ser concretizados. pode exigir o cumprimento desses deveres.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa/Sofia Galväo e Oliveira
21.2.3. Admissibilidade coma caracteristica da norma Ascensaa, a bilateralidade nao pode ser uma caracteristica da norma,
pois nem todo o direita pressupöe uma relaçâo entre sujeitos, v. g.:
A abstracçäo é uma caracteristica da norma 7 posicao defendida, a) ao dever de nao matar, nao corresponde um especifico direita a
entre outros, par Nuna Sá Games; Santos Justa, embara nâo se nao ser morto; ou inexiste, mesmo, em certos crimes uma Vitima
pronuncie directamente, parece também acolher esta posiçâo; determinada, como é o caso do crime de profanaçäo de cadáver 7 tais
circunstâncias justificam-se porque a norma penal impôe deveres
A abstraccaa näo é uma caracteristica da norma 7 posiçäo
para a defesa de valores que transcendem a simples relacàojuridica; b)
defendida, entre outros, por Oliveira Ascensäo e Marcelo Rebelo
também o direito de propriedade tem apenas em vista uma pessoa e
de Sousa/ Sofia Galväo;
uma coisa: aqui nao ha suj eitas passivos do direita de prapriedade,
Castro Mendes e Baptista Machado defendem que generalidade mas existe, apenas, um dever genérico de respeito que nao se íntegra
e abstracçäo säo uma mesma categoria”). numa relacao juridica“.
No firnde, quando se fala em bilateralidade come caracteristica da
21.2.4. Censideracòes finais sobre generalidade e abstraccae norma, pretende-se apenas exprimir a sua socíalidade ou alteridade,
isto é, a norma impôe-se ao respeito de todas as outras pessoas 7 a
1. A generalidade e a abstraccao sao analisadas so na previsáo valoraçäo que o Direito confere a situaçäo de uma pessoa tem de ser
da norma; uma valoraçâo social relevante”. Assim, a bilateralidade so pode ser
2. A generalidade e a abstraccaa sao apuradas no momento da considerada uma caracteristica da norma quando seja tamada com
feitura da lei. este entendimento.

“X Cfr. JOÃO BAPTISTA MACHADO, Intmduçãn ao Direito..., pp. 92 e 93. ”‘ Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmdução aa
“" Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmdução aa Estado… p. 236; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÂO, 0 Direito 7 Introduçäa...,
Estudo..., p. 235. pp. 510 e 511.
”“ Cfr. JOÀO CASTRO MENDES, Introducdo ao Estado… p. 45; JOÃO :22 Com esta pasicaa, JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, O Direito 7 Intmduçäo...,

178 BAPTISTA MACHADO, Introdapdo ao Direito..., p. 93. p. 511. 179


Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

21.4. A hipoteticidade Pesto isto, as classificaçôes de normas dividem—se de acordo


com os seguintes critérios:
A norma juridica é hipotética porque os seus efeitos juridicos
só se produzem se se verificarem as situacOeS de facto enunciadas 22.1. Critério da vontade dos destinatarios
na previsao, isto é, a aplicacao da regra depende da “hipotese” da
verificaçâe de uma certa actuaçäo eu da prática de um facto juridi- Segundo este criterio, as normas podem ser injuntivas ou
co. Por isso, a lei que proibe e sanciona a conducao sem cinto de dispositivas.
seguranca sO tem aplicacao quando for praticada esta conduta.
A hipoteticidade tem sido considerada pela doutrina como uma 22.1.1. Normas injuntivas (ou imperativas)
efectiva caracteristica da norma juridica.
22.1.1.1. Noçâe
21.5. A imperatividade323
Normas injuntivas sâo as normas que se aplicam independentemente
da vantade das pessoas destinatarias (as normas impòem—se sem ou
Tal como ja verificamosm, a imperatividade é considerada como
contra essa ventade, e, por isso, nao estao na disponibilidade dos
uma caracteristica da ordemjuridica em geral, pois nao se pode entender
destinatarios). Trata-se de comandos que prosseguem interesses gerais
que todas as normas traduzam verdadeiros imperativos. De facto,
ou individuais muito fortes, pelo que têm de ser acatadas a tedo 0
embora nao se negue que as normas de conduta sej am imperativas, custo, V. g., as normas que regulam o tránsito.
a verdade é que a definicao de norma ultrapassa-as, dado termos
situacòes que nao visam impor um deterrninado comportamento aos
22.1 . 1 .2. Classificaçâe
seus destinatarios (v.g., as normas definitórias e classificatórias).
Deste modo, a imperatividade nao pode ser tida como uma As nennas injuntivas diVidem—se em:
caracteristica da norma juridica.
1. Preceptivas 7 normas que impOem um comportamento, uma
conduta ou a pratica de um acto. Sao formas positivas de conduta:
§ 22. Classificaqio das normas juridicas facere. V. g., a norma que diz que 0 contrato deve ser puntualmente
cumprido; a norma que manda circular pela direita; a norma que
Em primeiro lugar, convém referir que esta matéria da classificaçäe manda pagar irnpostos; 0u a norma que ordena que 0 pai dê alirnento
de normas traduz um esforco da doutrina em agrupar, de acordo aos filhosm;
com diferentes caracteristicas, a multiplicidade de norrnas com que 2. Proibitivas 7 normas que prorbem ou impedem uma conduta,
hoje em dia nos deparamos. Acolhemos varies critéries, que sao os ou impOem uma emissäo. Sao formas negativas de conduta: non
habitualmente utilizados pelos autores, porém, nao descartamos a facere. V. g.: a maioria normas penais (as pessoas nao devem ofender a
existència de eutres, e também o facto de muitas vezes uma norma vida, honra, liberdade e patrimonio de outras pessoas); a norma que
caber em mais que um critério. proibe o casamento a menores ou a quem ja é casado“.

:23 Vide supra 4.2.2., a imperatividade enquanto caracteristica do Direito. … Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Introduçâo ao Estado… pp. 146 e 147.
180 … Vide 4.2.2. ”° Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Introduçâo ao Estado… p. 147. 181
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

22.1.2. Normas dispositivas aspectos deixades para as regras supletiws da compra e venda
previstas no Còdigo Civil, que se aplicam automaticamente
22.1.2.1.Noc5e
no seu siléncio 7 V.g., se a coisa tiver defeito, aplicam-se
as disposiçôes supletivas da lei;
AS normas dispositivas (ou facultativas) s5e aquelas que se
aplicam atendendo à vontade dos seus destinatarios 7 se as partes b) Suprir a falta total da declaração 7 V.g., o regime supletivo
suscitam ou n5o afastam a sua aplicaçäo, e, por isso, pode dizer-se de benS de casamento aplica-se quando os nubentes n5o
que se verifica uma disponibilidade de aplicacao de tais normas celebram convenc5e antenupcial 7 art. 1717.“ do CC.
pelos seus destinatarios. Um dos seus pressupostos é a vontade das
partes quanto a sua aplicaçâo, v.g., o art. 1445.“ do CC, ou 0 art. 22.2. Criterio da plenitude do sentido
2131.“ do CC.
De acordo com este critérie as nerrnas pedem ser autónomas
22.1.2.2. Classiñcação
(ou completas) e n5e autónomas (ou incompletas).
As normas dispositivas dividem-se em:
22.2.1. Normas autónomas (ou completas)
1. Permissivas 7 S50 normas que perrnitam ou autorizam certos 22.2.1.1. Noçâo
comportamentos ou condutas. V.g.: a norma que autoriza a feitura de
testamento; a norma que permite ae cònjuge requerer o divórcio, se o
Normas autònomas s5o as nerrnas que tém por si so um sentido
outro violar es deveres cenjugais; a norma que permite o casamento pleno, isto é, delas pode-se retirar um conteúdo sem necessidade de
(a norma que fixa os efeitos do casamento so se aplica se houver
serem combinadas com outros preceitos”. V.g.: o art. 130.“ do CC,
urna manifestagao de vontade nesse sentido)”;
que fixa os efeitosjuridicos da maioridade; o art. 1367.“ do CC, que
2. Supletivas328 7 S50 normas que visam suprir as deficiéncias permite ae proprietario fazer a apanha dos frutos no prédio Vizinho;
ou ausencias de manifestaçäo de vontade das partes em determinado o art. 1690.“ do CC, que reconhece a legitimidade a qualquer dos
acto juridico, porque as partes n5o est5o em condiçôes de antecipar cònjuges para contrair dividas33“.
uma disciplina completa dos seus negócios. Assim, estas regras
podem: 22.2.2. Normas nao autónomas (ou incompletas)
a) Suprir a dqiciéncia da declaracdo da vontade das partes 7 22.2.2.1. Noçâo
v.g., num contrato de compra e venda as partes normalmente
indicam apenas os aspectos mais importantes daquela compra Normas n5o autónomas s5e as normas que per Si so n5e têm
e venda (o obj ecto da venda, o preço, a coisa vendida, as um sentido complete, so o obtendo em combinacao com outros
circunstâncias de entrega e pagamente), sendo os demais preceitos 7 trata—se de normas que remetem para outras normas,
podendo essa remiss5o ser explicita ou implicita.

… Cfr. ANTÓNTO SANTOS JUSTO, Intraduçäo ao Estudo..., p. 147; JOSÉ


DE OLIVEIRA ASCENSÄO, e Direito 7 Introduçäa..., p. 524.
… Vide JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÃO, 0 Direito 7 Intraduçäa..., pp. 526 ”" Dispondo, por isso, de previsao e estatuicao,
e 527. “° Vide ANTONIO SANTOS JUSTO, Introdupáo ao Estudo..., p. 150. 183
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

22.2.2.2. Classificaçäo: remissôes explicitas 2222.3. Classificaçâo: remissöes implicitas

As remissöes explicitas verificam—se quando existe uma indicaçâo Verificam—se quando a norma juridica nao remete expressamente
expressa para uma outra norma. para outra norma, mas fa-lo apenas de modo indirecto. Isto é,
considera duas realidades diferentes como idênticas, para lhes aplicar
1. Normas interpretativas331 7 sao as normas que visam fixar
o mesmo regirne, ou, entäo, entende que se verifica uma realidade,
o sentido das palavras utilizadas no texto de um outro preceito, ou
que nao se sabe se exístíu, para efeítos de lhe aplicar certo regime.
esclarecer as dúvidas que o seu conteúdo suscita, porque muítas vezes
o legislador usa expressôes ambiguas, nao se exprimindo da melhor 1. Ficções legais: consideram duas realidades diferentes como
forma. Através delas ordena-se que tais expressöes se entendam e idénticas.
apliquem com um deterrninado sentido. a) Noçäe 7 verificam—se quando o legislador entende que certo
A norma interpretativa näo é autónoma, porque dela só se consegue facto ou situaçâo prevista nurna lei se considera igual ao
retirar um sentido quando se ligar ao preceito interpretado. facto ou situaçâo prevista noutra lei: uma lei considera que
o facto X (a disciplinar) é igual ao facto Y (ja disciplinado),
2. Normas de devoluçâo332 7 sao normas que nao disciplinam
permitindo—se, deste modo, que a norma que regula o facto
directamente certa matéria, mas que se limitam a remeter para uma
Y também se aplique ao facto X.
outra norma que contém o regime aplícável. Podemos separar as
normas de devoluçâo em: b) Exemples 7 i) o antigo art. 109.“ do Código de Procedirnento
a) Intra—sistema'ticas 7 existem quando a devoluçâo ocorre entre Administrativo previa que o síléncío da Adrninistraçäo
(quando solicitada a pratica de um acto) durante um certo
normas do mesmo sistema juridico. V.g., o art. 156.° do CC,
periodo de tempo equiwle a pratica de um acto administrative
que manda aplicar à inabilitacào as normas sobre a interdiçäo
de indeferimento (siléncio + decurso prazo decisdo =
(em vez de se repetir toda a regulamentaçäo anteriormente
formulada para a interdiçäo, diz—se simplesmente que essa
pratica de acto administrativo de indeferimento). A ratio
desta equiparacào consistia em permitir que as pessoas
regulamentaçäo se aplica a inabilitaçâo); ainda os artigos
1151.“ do CC (1134.°), 1186.“ do CC (1158.°) e 1773.“,
prejudicadas com tal siléncio pudessem recorrer para os
n.“ 3, do CC (1779.“ e 1781.“).
tribunais da ausència de decisäo da Administraçäo (numa
altura, hoje ultrapassada, em que o contencioso administrativo
b) Extra-sistemáticas 7 existem quando a devoluçäo ocorre
entre normas de sistemas juridicos diferentes. V.g., as
portugués consagrava o recurso contencioso de anulaçäo
de actos administrativos como o principal meio contencioso
normas de Direito Internacional Privado, que remetem
de defesa dos particulares face a Administraçäo). Embora
para outra ordem juridica (artigos 14.“ a 65.“ do CC).
se saiba que o siléncio é diferente de um acto expresso de
indeferimento, a lei considera-os iguais para efeitos de
aplicaçâo do regime dos actos expressos, nomeadamente
para efeitos de impugnacao; ii) 0 art. 275.“, n.° 2, do CC
finge a verificaçäo da condicao quando esta tenha sido
impedida contra as regras da boa-fé, para lhe aplicar o
… Vide supra interpretacao autentica, 16.2.1.1. respectivo regíme.
184 2:2 Vide ANTONIO SANTOS JUSTO, Introdupáa ao Estado… pp. 150 e segs, 185
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

c) Separacào das normas de devolucdo 7 i) nas normas de d) Tipas de presunções 7 est50 previstas nos artigos 349° e
devolucdo existe uma identificacao da estatuicao das normas: 350° do CC, e separam-se em: i) presuncfies absolutas ou “jure et
a “A” aplica-se o mesmo regime previste para “B”; ii) nas de jure” 7 s50 insusceptiveis de afastamente através de prova em
ficçôes existe uma identificaçäo da previsâo: diz-se que contrario, v.g., 0 art. 1260.“, n.° 3, do CC (remete implicitamente
“A” é igual 5 “B” (que facticamente s50 muite diferentes) para todas a normas sobre o regime da posse de ma-fé, como por
para necessariamente se aplicar a estatuicao prevista para exemple, as normas de usucapi5o) ou 0 art. 243.“, 11.“ 3, CC; ii)
“B”. presuncñes relativas oujures tantum 7 s50 afastadas per prova em
contrario, V.g., a presunc5e de paternidade (art. 1826.“ do CC).
Em sintese:
Em sintese:
As ficçôes s50 regras ndo autónomas porque n50 regulam
directamente certa matéria, mas têm de ser combinadas com outras As presunçôes s50 normas n50 autónomas porque, também aqui,
regras para obter 0 regime aplic5vel. uma regra (a presuncao) devolve para outra regra a regulaçäo da matéria.
O objectivo das ficcoes é aplicar a um facto diferente as O objectivo das presuncòes tem a ver com a prova de factos que
consequéncias juridicas de outro facto. n50 se sabe se existiram, mas que, segunde a experiéncia, quando
normalmente se verifica um outro, também se verifica aquele, e,
2. Presuncòes legais333 como tal, deve estar suj eito a certo regime juridico.
a) Naçäa 7verificam—se quando 0 legislador, devido 5s dificuldades
22.2.2.4. Classificacào: normas näo remissivas
decerrentes da prova de certos factos ou situaçôes, entende que
provada a existência de um facto, também se considera provada a
1. Definiçôes legais 7 550 as normas que visam determinar
existência de outro (nas presunçôes existe uma relaçäo entre dois
o significado de conceitos utilizados em outras normas. V.g., art.
factos, o que se prova e 0 que n50 se prova 7 apurado e provado
1207.° do CC, que define empreitada, ou 0 art. 1251.“ do CC, que
o facto X, tem-se por realizado 0 facto Y, por isso, a norma que
define a posse.
estabelece a presunçäo, remete implicitamente para 5 norrna que
disciplina o facto X). Discute—se na doutrina se estas definicòes s50 verdadeiras normas,
cerrespondentes 5 categoria das normas n50 autónomas e meramente
b) Exemplo 7 o art. 1826.“ do CC estabelece a presunçäo de
qualificativas, porque n50 têm um sentido completo, so 0 obtendo
paternidade: prowdo que A tem por mãe B (facto X), presume-se que
em combinaçäo com outras regras (a qualificacao só faz sentido
o pai e o marido da mãe (facto Y), tal facto leva a que se apliquem
para efeitos de aplicaçäo de um regime legal estabelecido noutras
ao pai es efeitos da filiaçâo, nomeadamente, o poder patemal (art. normas)“, ou se ser5o simples preceites legais que n50 chegam
1874.“ do CC).
a normas juridicas (funcienam c0m0 elementos orientaderes n50
c) Separacào das ficçâes 7 i) nasficçâes sabe-se que os factos decisives), dado que é 0 regime juridico do instituto que vincula e
s50 diferentes, embora sejam tratados como iguais pelo Direito; ii) n50 5 sua definic5e335. Tendemos para a primeira posiçäo referida.
nas presuncóes desconhece-se o tracado exacto do facto ou situacao a
regular, 15250 pela qual se recerre a outros ja regulados pelo Direito.
… Corn esta posicao, vide NUNO SA GOMES, Introdacào ao Estado… p. 132.
”5 Neste sentido, vide ANTONIO SANTOS JUSTO, Introdacào ao Estudo.…
2:3 Vide ANTONIO SANTOS JUSTO, Intraduçän ao Estudo..., pp. 153 e 154. p. 164; JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÂO, 0 Direito 7 Introducfio…… p. 517. 187
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

22.3. Criterio do âmbito pessoal de validade das normas determinada madalidade de trabalho por conta de outrem (por
contraposiçâo ao regime geral aplicavel a todas as trabalhadores
22.3.1. Normas gerais eu comuns
par conta de outrem).
Sao as normas que definem um regime regra para a generalidade
22.3.3. Narmas excepcianais
dos factos ou situaçôes consideradas 7 repartam—se a um grupa de
relaçôes e regulam—no na sua plenitude. V.g.: o art. 219.“ do CC,
Sao as nonnas que também estabelecem um regime diferente para
que fixa o principio da consensualidade dos negòcios juridicos; o
uma situaçäo de facto particular, e que agora se apresenta directamente
art. 342.“ do CC, que consagra o ónus da prova a quem invocar o
oposto aa regime da generalidade das situaçôes, razao pela qual, tal
direito; ou a norma que impôe o dever de pagamento de impostas
comoja verificamosm, se entende que consagram um ius singulare.
aos trabalhadores”.
Exemplos de normas excepcianais sao: a) o art. 344.“ do CC,
22.3.2. Normas especiais337 que inverte o ónus da prova; b) o art. 875.“ do CC, que exige escritura
pública ou documento particular autenticado para a celebraçâo de
Sao as normas que estabelecem um regime diferente para uma certos negócíos juridicas; c) o regime que isenta do certo imposto
situaçäo de facto especifica, mas que näo é dírectamente oposto aa um sector de cidadäos (v.g., pessoas deficientes), que pela aplicaçâo
regime geral. Tal como entende Oliveira Ascensaa “Uma regra é da regra geral estaria obrigado ao seu pagamento….
especial em relaçâo a outra quando, sem contrariar substancialmente
o principio nela centido, a adapta a um dominio particular.”3““. 22.3.4. Consideracòes finais

Exemplos de normas especiais sao: a) as artígos 874.“ e segs


do CC sao normas especiais, porque disciplinam um dos contratos
Em primeiro lugar, importa ressalvar que a especialidade é
uma qualificaçäo relativa, isto é, a regra “A” pode ser especial em
em particular, no casa, a compra e venda (por contraposicao aos
relacao à “B”, mas geral em relacao a “Cm“.
artigos 405.“ e segs do CC, que sâo normas gerais, porque fixam
o direito genérico aplicado a todos es contratos); b) as dispesicòes Em segundo lugar, a grande diferenca entre as normas especiais e
de direito do trabalho ou de direito comercial säo regimes especiais as normas excepcienais respeita ao facto de as últimas contrariarem
dentro de direito civil geral; c) a norma que prevé o dever de pagar o regime geral, enquanto que as primeiras, embara se dirijam também
impostos per parte dos agentes desportivos é uma norma especial, a uma situaçâo particular, nao são apastas a ele.
porque se dirige uma categoria de cidadäos que desenvolvam uma
Em terceiro lugar, a separaçäo entre normas especiais e normas
excepcionais é muito importante, devido as diferencas de regime
de cada uma delas, isto é, diferentemente das normas especiais, as
… Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmduçäo ao Estado… p. 149. normas excepcienais, nos termos do art. ll.“ do CC, nao comportam
… Acerca do regime das normas especiais, vide: 0 art. 11.“ da CC, que nao
veda a sua aplicaçäo analogica; e, ainda, o art. 7.“, n.“ 3, da CC a proposito da sua
revogacào (este preceito será analísado infra 31.4.3).
“8 Cfr. JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÃO, 0 Direito 7 Introdacdo..., p. 528; … Vide supra 1733.4.
No mesmo sentido, Nuna Sa Gomes afirma que “a norma especial se inclui numa ANTONIO SANTOS JUSTO, Introduçào ao Estado… pp. 149 e 150.
““ Cfr.
norma geral, cuja regime se particalariza oa adapta", cfr. NUNO SÀ GOMES, … Neste sentido, vide JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÂO, 0 Direito 7
188 Introduçäa ao Estado..., p. 154. Introdacdo… p. 527. 189
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

aplicaçäe analôgica, mas somente interpretacao extensiva, e perrnitem por alguém que näe tem capacidade para testar (artigos 2189.“ e
também o argumento “a contrario…“. 2190.“ do CC)“.

22.4. Critério do ambito espacial de validade 22.5.3. “Leges minus quam perfectae” 7 Sao as normas cujo
desrespeito nao implica a invalidade dos actos a elas contrarios,
22.4.1. Normas universais, nacionais ou globais 7 Sao as mas determinam a ndo produçäa de todos os seus efeites. V.g., 0
normas que se aplicam a todo o territorio do Estado. Sucede com a casamento de um menor sem auterizaçäo dos pais ou do tutor é
maior parte das normas contidas em leis e decretos-leis. valido, mas o menor continua a sè-lo para efeites de administraçâo
dos bens que leve para o casamento ou quanto aos bens que adquira
22.4.2. Normas regionais 7 Sao as normas que só se aplicam a posteriormente a titulo gratuito (art. 1604.“, alinea a), e art. 1649.“
determinada regiâe, V. g., 0 caso dos decretos legislativos regionais. do CC); o casamento sem respeito do prazo internupcial é valido,
mas o nubente que desrespeite este prazo perde es bens que tenha
22.4.3. Normas locais 7 sao as normas que se aplicam apenas adquirido per doaçâe eu testamente do primeiro cOnjuge (art.
no terTitOrio de uma autarquia local, V.g., as normas contidas numa 1604.“, alinea b), art. 1605.“ e art. 1650.“ do CC)”.
postura municipal.
22.5.4. “Leges imperfectae”347 7 sao as normas cuja violação
22.5. Critério da sanção (que aplicam)343 ndo implica nenhuma sançãoz normalmente têm por destinatarios
certos órgaos do Estado, quando a sua Vielaçâe é insusceptivel de
22.5.1. “Leges plus quam perfectae” 7 sao as normas cujo uma sancao juridica. V.g.: nao existe sancao para 0 Presidente da
desrespeito determina a invalidade dos actos a elas desconformes República se este näe promulgar uma lei quando a tal esteja obrigado
e a aplicaçäe de uma pena aos infractares. V.g., a celebraçâo de (vide 0s termos em que tal sucede no art. 136.“ da CRP); ao nivel do
um casamento por quem é casado implica a invalidade do segundo direito civil, as obrigacòes naturais… nao impóem 0 seu cumprimento
casamento (art.1601.“, alinea c), e art. 1631.°, alinea a), do CC) e a (art. 402.“ do CC)”.
punição do infractor pela pratica de crime de bigamia (art. 247.“ do
COdigo Penal)“. 22.6. Critério da função das normas jurídicas

22.5.2. “Leges perfectae” 7 säo as normas cujo desrespeito Este critério atende à finalidade das normas: as normas de
determina a invalidade dos actos a elas contrarios. V. g., o contrato conduta e as normas que ndafixam condutas.
de compra e venda ou o contrato de doação de imOvel celebrado
sem escritura pública ou documento particular autenticado (artigos
875.° ou 947.“, n.° l, do CC e art. 220.“ do CC; o testamento feito “5 Cfr. ANTONIO SANTOS JU STO, Introdacào ao Estado… p. 155.
“° Cfr. ANTONIO SANTOS JU STO, Introdacào ao Estado… p. 155.
“7 Veja-se, a este respeito, a coercibilidade enquanto caracteristica do Direito,
supra 4.5.3.
… Exemplo de obrigacoes naturais sao as dividas de jogo, estas nae obrigarn
Vide supra 1623.3 e 17.3.3.4.
242 ao seu pagamento, mas se forem pagas, quem pagou nao pode posteriormente
Vide ANTONIO SANTOS JUSTO, Introducào ao Estado… pp. 154 e segs,
243 exigir a devolucao do que foi pago (vide o art. 1245.“ do CC).
… Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmduçäo ao Estudo..., pp. 154 e 155. … Cfr. ANTONIO SANTOS JU STO, Introdacào ao Estado… p. 156. 191
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

22.6.1. Normas primarias BIBLIOGRAFIA CONSU LTADA!

S50 as normas que se destinam a regular es comportamentos Ascensao, José de Oliveira


humanes 7 normas de conduta”. V.g., os contratos de compra e 7 O Direite 7 Introduçãa e Tearía Geral, 13“ ed., Coirnbra, 2005.
venda de bens irnoveis devem ser celebrados por escritura pública
(art. 875.“ do CC). Gomes, Nuno Sá
7 Introducdo ao Estudo do Direito, Lisboa, 2001.
22.6.2. Normas secundarias ou de segundo grau351
Justo, Antonio Santos
Sao as norrnas que se referem a outras norrnas * normas sobre 7 Introducdo ao Estudo do Direito, 5“ ed., Coirnbra, 2011.
normas. Podem-se separar em:
a) Normas de identificaçäo 7 identificam as normas de cada Lima, Fernando Pires del Varela, J. M. Antunes
sistema, V.g., as normas sobre fontes de Direito (artigos 1.“ a 4.“ do 7 Noçães Fundamentais de Direito Civil, Vol. I, 6“ ed., Coirnbra,
CC); 1973.

b) Normas sobre praduçäo normativa 7 S50 as normas que Machado, Joao Baptista
estabelecem as formas de aplicaçâo de outras normas, v.g., as normas 7 Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 19“ ed. (reimp.),
que fixam os limites de espaço (artigos 25.“ a 65.“ do CC) e de tempo Coimbra, 201 1.
(artigos 12.“ e 13.“ do CC) das eutras regras do sistema juridico; as
normas sebre interpretaçäo e integraçäo de lacunas (artigos 8.“ a Mendes, Joao Castro
11.o do CC); 7 Introducdo ao Estudo do Direito, Lisboa, 1994.
c) Normas sancionatorias 7 sao as normas que fixam a sançäo
decorrente da violaçao de outras regras, v.g., o art. 456.“ do Código Sousa, Marcelo Rebelo de/Galvao, Sofia
dos Contratos Públicos, onde, por exemplo, se fixa que constitui 7 Introducdo ao Estudo do Direito, Lisboa, 2000.
contra-ordenacdo punivel com coima de 2000 a 3700 euros, a
prestação de falsas declaraçâes no decurso da fase de formação Sousa, Miguel Teixeira de
do contrato por qualquer candidato ou concorrente que seja pessoa 7 Introducdo ao Direito, Coimbra, 2012.
singular (alinea e)). Em geral sao as regras que fixam penas ou
coimas. Telles, Inocêncio Galvâo
7 Introducdo ao Estudo do Direito II, 10“ ed. (reimp.), Ceimbra,
2010.

35“ A este respeito, Miguel Teixeira de Sousa refere que as “regras primarias...

regulam condutas, poderes ou efeitos juridicos,,,", cfr, MIGUEL TEIXEIRA DE


SOUSA, Introduçào ao Direito… p. 223.
192 … Cfr. NUNO SÁ GOMES, Intmduçãa ao Estudo..., pp. 121 e segs. 193
PARTE Il

CAPITULO l: EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÂCIA DA LEI

SUMARIO:

23. Considerações iniciais; 24. Inexistència juridica; 24.1. Nacio;


24.2. Vicios do acto que geram a inexistencia; 24.3. Aspectos
definidores do regime da inexistencia; 25. Invalidade: nulidade
e anulabilidade; 25.1. Nocao; 25.2. Vicios do acto que geram
a invalidade; 25.3. Separacao da inexistencia; 25.4. Graus de
invalidade; 25.4.1. Nulidade; 25.4.2. Anulabilidade; 25.4.3.
Invalidade mista; 25.5. Regime constitucional da invalidade da
lei; 26. Ineficacia.
Introduçäo ao Estudo do Direito

§ 23. Considerações iniciais

Na parte I do nosso trabalho tratamos da interpretaçäo da lei,


enquanto acto que vale para o Direito e que produz efeitos. Todavia,
pode suceder que a suposta lei, afinal, nao exista, näo seja válida ou
nao produza efeitos.
Fala—se, a este respeito, em desvalores do acto legislativo ou
valores juridicos negativos, que cerrespondem, no fundo, as
consequèncias do facto de o acto ser desconforme ou contrariar o
Direito, e que sao os seguintes:
l. Inexisténcia
2.1nvalidade: nulidade e anulabilidade
Estuda—se também a ineficacia, que se verifica quando a
conformidade para com o Direito näo e posta em causa, mas a lei
simplesmente nâo produz efeitos devido ao näo preenchimento de
algum requisito ou condiçäo352.
Antes de analisarmos cada um destes desvalores juridicos,
convém fazermos duas precisöes:
1. OS desvalores juridicos aplicam—Se nao só a actos legislativos,
mas também aos demais actos jurídicos, taís como, os actos
administrativos (vide OS artigos 161.“ a 163.“ do Código
de Procedimento Administrative) e os negocios jurídicos
(veja—se o regime dos artigos 285.“ a 294.“ do CC). Este
aspecto ajuda a explicar o tratamento da anulabilídade
neste ámbito, pois ao nivel da desconformidade dos actos
legislativos 7 a inconstitucionalidade da lei 7 fala—Se, apenas,
de inexistència (nas situaçôes expressamente previstas na
CRP) e de nulidade (no caso, uma nulidade atipica, que
como veremos comunga aspech também da anulabilidade);

”2 Note-se que, a este respeito, Oliveira Ascensäo concebe a eficacia num sentido
muito amplo 7 enquanto consequencia de todos es actes que nàe produzem efeitos 7
nela abarcando: a inexistència juridica; a invalidade (nulidade e anulabilidade);
e a ineficacia em sentido restrite. Cfr… JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0
Direito ¡Introdupáow p, 77, 197
Sandra Lopes Luís Introduçäo ao Estudo do Direito

2. Devem—se separar es desvaleres juridices, dos vicios dos 24.2. Vicios do acto que geram a inexistencia
actos:
a) Um vicio corresponde 5 medida em que se contraria o Para que exista uma lei é preciso que esta preencha certos
requisitos mínimos de identificabilidade formal, organica e material.
Direito (os parametros de controlo), isto é, aos aspectos
Caso os viele, temes vicies de…:
do Direito que se violam. Podem dizer respeito a aspectos:
de forma eu procedimento (forma escrita, maioria de 1. Inconstitucionalidade formal 7 quande se desrespeitam
aprovacao, firndamentacào, consulta a uma certa entidade, requisites de existéncia formal. V.g., a n50 promulgaçäo
pedido de parecer, apreciaçâo na especialidade); orgánicos duma lei por parte do Presidente da República (art. 137.“
(regras de competencia e de repartiçâo de funçôes); ou de da CRP), a n50 referenda do Govemo (140°, n.° 2, da CRP)
matéria (vielac5e de uma lei que constitui parâmetro de ou a n50 vetac5o de uma lei aprevada pela Assembleia da
confermidade 7 v.g., violacao de uma norma de direitos República;
fundamentais);
2.1nconstitucionalidade orgánica 7 quande se desrespeitam
b)O desvalor juridica é a consequéncia ou “sançao”353 requisitos de existencia organica (a competéncia do 61g50
decorrente do desrespeito do Direito. para aprevar as leis ou a própria funcáo de Estado que
lhe esta incumbida), isto é, quando um òrgao que n50
exerce a função legislativa pratica um acte que cabe nas
§ 24. Inexistência juridica cempeténcias de um órgão legislative (casos de usurpacao
24.1. Nocao da funçäo legislativa). V.g., a lei aprovada por um ôrgäo
da Administraçâo, como seria 0 case de um director de
financas criar um imposto (de acordo com 0 art. 103°, n.° 2,
A inexistência juridica verifica-se quando um deterrninado
da CRP es impostos só podem ser criados por lei);
acte legislativo se encontra de tal forma em descenforrnidade para
com o Direito que para este “nada ha”. Nestes casos, nem sequer 3. Inconstitucionalidade material 7 quande se desrespeitam
existe uma base que permita identificar um acto juridice, mesmo requisites de conteúdo (aspectos que n50 s50 de forma
que invalido. A lei inexistente é uma mera aparència de lei, pelo ou org5nices). V.g.: a desconforrnidade face aos direitos
que näo produz qualquer efeitom. fundamentais (como seria o caso de uma lei que suprima
o direito 5 vida dos cidad50s de certa raca); ou a lei praticada
sob coacçäo fisica ou ausência completa de vontade do
seu autor.

… Adiante trataremos da questao de saber se os desvalores jurídicos s50


verdadeiras sancòes, infra 35.2.6.
35‘ A CRP delimita algimas situacoes de inexistencia, no entanto, trata7se de
um desvalorjuridico que, em geral, n50 tem tido acolhimento consensual devido às
suas escassas referencias legais 7 veja-se ao nivel do Código Civil a única referéncia
no art. 1628.“; e no Direito Adrninistrativo as breves referencias no Código de “5“ Assim, MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmduçãa

Processo dos Tribunais Administrativos 7 art. 2.“, n.“ 2, alinea a), art. 4.“, 11.“ 2, ao Estudo…, pp. 123 e 124; também, MARCELO REBELO DE SOUSA, 0 valor
198 art. 39.“, n.“ 1, art. 50.“, n.“ 4 e art. 79.“, 11.“ 3, alinea b). juridice do acta inconstitucional, Lisboa, 1988, pp. 313 e 314. 199
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

24.3. Aspectos definidores do regime da inexistência 2. Inconstitucionalidade orgánica 7 V.g., o decreto—lei aprovado
pelo Governa cujo conteúdo incide sobre matéria da
Sendo o desvalor juridico mais grave do ardenamento, a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia
.—

inexistência apresenta alguns aspectos definidores do seu da República;


regime, tais coma o facto de es cidadäos poderem resistir
3.1nconstitucionalidade material 7 V.g., a lei que apresente
a tentativa da aplicacao de uma lei inexistente (invocando
um conteúdo discordante com um principio naa essencial
o direito de resistência do art. 21.“ da CRP);
da Constituiçâo.
2. A lei inexistente nao pode ser aplicada pelos orgaos
públicos que tenham essa funçäo. 25.3. Separaçâo da inexistência

A invalidade da lei verifica—se quando surgem incanstitucionalidades


§ 25. Invalidade: nulidade e anulabilidade menos graves do que aquelas que geram a sua inexistência. Per isso, tal
25.1. Noçâo camo entendem Marcela Rebela de Sousa/ Sofia Galväo, a diferença
entre invalidade e inexistência da lei é uma questäo qualitativa ou
de grau: quando a Violaçâo da Constituiçäo é tào grave que afecta
A lei que existe para o Direito pode ser valida ou nao valida.
a identificabilidade da lei, temos inexistência; quando a violaçäo
É nao valida quando näo respeita todas as exigências previstas na
Constituiçäo, por isso, tal lei näo tem qualquer valor para o Direito,
revesteformas menos graves, mas existe, temos invalidade”.
embara preencha os requisitos minimes que a permitem identificar
25.4. Graus de invalidade358
coma tal 7 existe uma violacao da Constituiçâo que nâo afecta a seu
reconhecimento como lei. 25.4.1. Nulidade

25.2. Vicios que geram a invalidade”6 A nulidade é a forma de ínvalídade mais intensa, por isso, também
se chama de “nulidade absoluta” (vide art. 286.“ do CC e artigos
A invalidade verifica-se quando existe um vicio da lei (quanta 161.“ e 162.“ do Côdigo de Procedjmento Administrative). Com este
aos aspectos que nâo se reconduzam aos requisitos de inexistência) desvalorjuridico visam-se tutelar interesses públicos relevantes.
que se pode traduzir em:
Esta forma de ínvalídade acarreta alguns corolários relativos
1. Inconstitucionalidade formal 7 V.g., a lei que nao respeitou ao seu regime:
os tramites constitucionalmente fixados para a sua apravacaa
7 como é a casa dos actos praticados sem a existência do
quórum de deliberaçäo exigido (art. 116.“, n.“ 2, da CRP);

… Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introduçäo ao


Estado… pp. 125 e 126.
35“ Vide MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Intmduçãa ao 35" Trataremos deste aspecto em relação a qualquer acto juridico, e nao somente

Estado…, p. 125. em relaçâo à lei enquanto acto legislativo, 201


Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

1. O acto é nulo desde a altura em que é praticado, per esse 25.4.2. Anulabilidade
motivo nunca produziu qualquer efeito e nâo é obrigatório
ab initiem; A anulabilidade é a forma de invalidade menos intensa, por
2. A nulidade pode ser declarada pelos triburiais (note-se que isso, também é apelidada de “nulidade relativa” (vide 0 art. 287.°
também es erg5os da Administraçäe podem cenhecê-la a do CC e o art. 135.“ do Còdige de Procedimento Administrativo).
todo o tempo), por razôes de segurança juridica, no caso Com este desvalor juridico visam-se proteger os interesses de certas
de existir um litigio quante 5 sua verificaçâo; pessoas.
. A declaraçäo de nulidade n5e tem natureza constitutiva,
W

Os seus corolarios de regime S50:


mas antes declarativa, pois n5o altera a erdem juridica;
4. O acte nulo pode ser impugnado a todo o tempo, n5o estando 1. O acte anulavel, embora invalide, produz efeites até a
sujeito a qualquer prazo (artigos 286.“ do CC e 58.“ do sua anulaçäe, per isse, é ebrigatòrio até ser anulado 7
Còdige de Processo dos Tribunais Administrativos); geza de uma presunçãa de legalídade35';
. Os tribunais podem declarar a nulidade eficiesamente 7 2. A anulaçäe do acto compete aos tribunais;
LI]

“ex oficio”, ou seja, sem solicitaçäo nesse sentide; 3. A anulaçâo tem uma natureza constitutiva 7 vem alterar a
.A nulidade é insanavel, pois o acto nulo n5o se pode ordem juridica 7 e näo meramente declarativa;
ox

transformar em acte valido, embora se possam reconhecer, 4. O acto anulavel só pode ser impugnado dentro de um certo
por força do decurso do tempo e de harmonia com os prazo fixado pela lei (vide o art. 287.“ do CC eu 0 art. 58.°
principios gerais de direito, certos efeitos juridicos a do Código de Processo dos Tribunais Administrativos);
situaçôes de facto resultantes de actes nulos 7 efeites A anulacao de um acto esta dependente do pedido das

.V'
putatives dos actos nulos (art. 162.“, n.“ 3, do Còdige de pessoas com especial interesse na anulaçäo;
Decorrido o praze de impugnac5o, o acte subsiste na

9
Procedimento Administrative)36°.
ordem juridica como se fosse valide, sende, per essa razâe,
intecavelm.

25.4.3. Invalidade mista


“5“ 0 acto é nulo “ope legis”, nao produzindo quaisquer efeitos, independentemente

de declaraçäo de nulidade 7 vide o art, 162.“, n.“ l, do Código de Procedimento


Administrative. Come n5o produz efeites, o acto nule n5o é obrigatório, o que faz A invalidade mista é uma figura a meie terrne entre a nulidade
com que, por um lado, possa ser desobedecido pelos destinatarios, sem que por esse e a anulabilidade, reunindo algumas caracteristicas de regime de
facto lhes venha qualquer tipo de desvantagens, e, por outro lado, urna eventual ambas”. Tem por base formas impeifeitas de invalidade, tais ceme:
coaccao que lhes seja oposta é ilicita e pode dar origem a responsabilidade do órgão
que a pratique. Assim, por exemplo, se uma Cámara Municipal pratica um acto
de encerramento de certo estabelecimento em violacao do respectivo quómm de
aprovacao 7 seria um acto nulo de acordo com o art. 133.“, n“ 2, alinea g) do Código … Se o Presidente de uma Cámara Municipal pratica urn acte de encerramento
de Procedimento Administrative 7, o seu destinatarie pode nao acatar o acte praticado de certo estabelecimento com deficiente fundamentacàe 7 seria um acte anulavel
nestes termes, sem que lhe advenha qualquer consequéncia desfavoravel, de acordo com o art. 135.“ do Código de Procedimento Administrativo 7, o seu
35“ Veja-se, a este respeito, o art. 2309.“ do CC, onde se permite a possibilidade destinatario deve-111e obediencia até ser anulado,
de actos nulos poderem ser confirrnados, e que, por esses motives, produzem “2 Veja—se a ja referida possibilidade de cenfirmaçäo do negocio jurídico anulavel
efeitos (embora de acordo com o art. 288.“ do CC a cenfirmaçao seja uma forma 7 art. 288.“ do CC. Excepcionalmente face a negocios nulos 7 art. 2309.“ do CC.
202 de sanaçäo dos actos anulaveis), … Um exemple é o art. 1939.“ do CC. 203
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

l . A anulabilidade atipica 7 verifica—se quando as caracteristicas de uma arma que está carregada, ela só produz efeitos quando se
aperta o gatilho e dispara.
m
da anulabilidade sâo predominantes e as caracteristicas
da nulidade tém menor peso; Assim, a ineficacia verifica-se quando um M
ou (pode ser
2. A nulidade atipica 7 verifica—se quando as caracteristicas
simplesmente o factor tempo), distinto da lei, paralisa ou impede
a produçäo dos seus efeitos juridicos, sem que haja um vicio ou
da nulidade säo predominantes e as caracteristicas da
anulabilidade têm menor peso.
desconformidade para com o Direito dessa mesma lei. V.g.: a) a
lei näo publicada no Diario da República; b) a lei que nao entra
25.5. Regime constitucional da invalidade da lei imediatamente em vigor 7 decurso do prazo de vacatio legis; c) a
lei que coloca a sua eficacia na dependéncia da verificacào de certo
acto ou facto (V. g., uma lei que disponha no sentido de que no caso
De acordo com a CRP, a invalidade das leis inconstitucionais é
de Portugal sair da Uniao Europeia seräo reduzidos em vinte por
a nulidade atipica, porquanto perfilha as caracteristicas da:
cento os vencimentos dos funcionarios públicos)“.
l. Nulidade: a) as leis inconstitucionais nao produzem efeítos Embora a ineficacia seja o desvalor menos grave”, a verdade
desde que säo elaboradas 7 a declaraçâo pelo Tribunal é que impede a produçâo de qualquer efeito juridico de um acto.
Constitucional elimina todos os seus efeitos, respeitando,
em principio, só os casos julgados (art. 282.“ da CRP); b)
a invocaçäo da inconstitucionalidade pode ser feita sem
sujeiçäo a um prazo; c) é uma forma de invalidade muito
grave porque pöe em causa a “lei fundamental”;
2. Anulabilidade: a) somente um universo limitado de entidades
pode pedir a declaraçâo de inconstitucionalidade (artigos
280.“ e 281.“ da CRP); b) a declaraçäo de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral pode salvar excepcionalmente
alguns efeítos das leis inconstitucionais, para além do
caso julgado (art. 282.“, n.°s 3 e 4, da CRP)”.

§ 26. Ineficacia

O entendimento do conceito de ineficacia parte de uma primeira


percepçâo do que significa eficacia ou preducào de efeitos: para
explicar o que significa produzir efeitos devemos tomar a imagem

3“ Note-se que ao nivel de Direito Administrativo a regra geral é a da anulabilidade, 3“ Ao nivel dos actos administrativos, a notificacao do destinatario, quando
se nao o sendo assim nos casos previstos na lei 7 art. 163.“, n.° 1, do Código de exigida, é igualmente um requisito de eficacia,
204 Procedimento Administrativo. 3““ Nao é censensual o entendimento da ineficacia como desvalor juridico. 205
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: Sousa, Marcelo Rebelo del Matos, Andre Salgado de


7 Direito Administrativo Geral, tomo III, 2“ ed., Lisboa, 2009.
Amaral, Diogo Freitas do
7 Manual de Intraduçãa ao Estado do Direito, vol. I, Coimbra,
2004.
7 Carso de Direito Administrativo, vol. II, 2“ ed. (reirnp.), Coimbra,
2012.

Ascensao, José de Oliveira


7 O Direito 7 Introduçãa e Teoría Geral, 13“ ed., Coimbra, 2005.

Canotilho, Gomes
7 Direito Constitucional e Teoria da Constituicdo, 7“ ed. (reirnp.),
Coimbra, 201 1.

Canotilho, Gomes / Moreira, Vital


7 Constítuíçãa da República Portuguesa 7Anotada 7 Velume I 7
artigos 1.“ a 107.“, Coimbra, 2007.

Juste, Antonio Santos


7 Introdução ao Estado do Direito, 5“ ed., Coimbra, 2011.

Oliveira, Mario Esteves de / Goncalves, Pedro Costa / J. Amorim,


Pacheco de
7 Co'digo de Procedimento Administrativo 7 Anotado, 2“ ed.,
Coimbra, 1997.

Oliveira, Mario Esteves del Oliveira, Rodrigo Esteves de


7 Co'digo de Processo nos Tribanais Administrativos 7 Anotado,
vol. I, Coimbra, 2006.

Sousa, Marcelo Rebelo de


7 O valor juridico do Acto Inconstitucianal, Lisboa, 1988.

Sousa, Marcelo Rebelo del Galvan, Sofia


7 Introdução ao Estado do Direito, Lisboa, 2000.
206 207
CAPITULO Il: PUBLICIDADE E INÍCIO DA VIGENCIA DAS LEIS

SUMARIO:

27. A publicidade; 27.1. Consideragöes iniciais; 27.2. Figuras


afins; 27.3. Regime legal; 27.4. Formas de publicidade; 27.5.
A falta de publicidade; 28. Rectificacòes; 28.1. Neçâo; 28.2.
Requisitos das rectificacòes; 28.3. Efeitos das rectificaçôes; 29.
Entrada em vigor; 29.1. O prazo de vacatio legis; 29.2. A contagem
do prazo vacatio legis; 29.2.1. As regras da contagem; 29.2.2.
Momento da contagem do prazo de vacatio legis.
Introduçäe ao Estudo do Direito

§ 27. A publicidade
27.1. Considerações iniciais

O processo de feitura das leis (processo legislativo) tem varias fases:


a iniciativa legislativa; a discussäo; a aprovaçäe; a premulgaçäo
pelo Presidente da República; e a publicidade e entrada em Vigor.
Para concluir o processo legislativo a lei deve serpublicitada, pois
a orientacao das condutas das pessoas implica o seu conhecimento.
O modo de publicitacao tem variado ao longo dos tempos. No
passado, a forma de dar a conhecer a lei passava pela afixacao ou
mesmo pela sua leitura em lugares públicos 7 V.g. nas portas das
igrejas e nos mercados. Cem o desenvolvimento da imprensa, a
publicitacao das leis passou a ser feita na maior parte das situaçôes em
jemais oficiais, que em Portugal podem ser o Diario da República
7 em suporte papel ou via electrónica 7, 0 Diario da Assembleia da
Repüblica e o Jomal Oficial das Regiòes Autònomas.

27.2. Figuras afins

Da publicidade devem-se separar algumas figuras, nao raro,


com ela confundidas, tais como: a publicacao, a entrada em Vigor
e a notificacao.
A publicacào consiste na divulgacao de certos actos em jornal
oficial, apresentando, por esse motivo, um âmbite mais restrite do
que a publicidade que, corne veremos, pode ser feita com recurso
a outros meios.
A entrada em vigor é a efectiva produçâo de efeites de certo
acte, depois de deconido o periodo de tempo necessario para que
seja conhecido, o prazo de vacatio legis.
A notificacdo é a acçäo atraVés da qual se dá a conhecer a um
destinatario especifico 0 teor de certo acto (a propOsito dos actos
administrativos vide 0 art. 268.“, n.“ 3, da CRP e o art. 160.°, do Código
de Procedimento Administrativo), diferentemente da publicidade que
se dirige ao público em geral.
211
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

27.3. Regime legal impliquem o recurso a outros mecanismos de divulgaçâo, como,


por exemplo, a publicitaçâo em boletins, editais, jamais, radio ou
A matéria da publicidade das
leis consta do art. 119.“ da CRP, televisaa.
do art. 5.“do CC e da Lei n.“ 74/98, de II
de NovembroW. A nossa
CRP (art. ll9.“) determina que alguns actos devarn ser publicados no 27.5. A falta de publicidade
Diario da República“, remetendo o modo de publicitaçäo quanto aos
demais para a lei ordinaria… 7 art. 119.“, n.“ 3, da CRP. Verifica—se As cansequéncias da falta de publicidade resultam do art. 119.“,
que nem todas as leis/actos normativos têm de ser publicados no jomal n.“ 2, da CRP onde se prevê a sua ineficacia, ou sej a, a nâo producaa
oficial”, coma, par exempla, os regulamentos internos (instruçôes de efeites juridicos. Também 0 art. 5.“, n.“ 1, do CC dispöe que “A
e circulares) e as actos normativos emanados dos institutos públicos lei so se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial”372.
e das autarquias locais: os regulamentos internos, dado näo terem E, neste sentide, no art. 6.“ de CC censagra—se o principio da
eficacia externa, nao estäo sujeitos a qualquer forma especifica de ignorantia iuris non excusat 7 a ignorancia da leí nao apraveita a
publicidade 7 o seu canhecimento aos destinatarios deve ser dado ninguém ou o desconhecimenta da lei é jurídicamente irrelevante.
pela via da natificacao, afixacao ou qualquer outro mecanismo de
publicitacaa; ja as deliberacòes dos orgaos das autarquias locais
destinadas a ter eficácia externa seräo obrigatoriamente publicitadas § 28. Rectificacòes
em edital afixada nos lugares de estilo durante cinco dos dez dias
28.1 Noção
subsequentes à deliberaçäo e também no boletim da autarquia,
quando exista (vide art. 56.“ do Regime Juridico das Autarquias
A publicação deve reflectir integralmente o texto original de
Locais 7 Lei n.“ 759/2013, de 12 de Setembre)“.
que faz fé. Porém, pode suceder que tal nâo aconteça, devido a
lapsos na impressâo ou mesmo anomalias no processo legislativo 7
27.4. Formas de publicidade
V. g.: a alteracao posterior de um texta ja promulgado; o envio para
promulgaçäo de uma versäo errada; a falha técnica na revisao das
O art. 119.“ da CRP permite outras farmas de publicitaçâo para
provas tipográficas 7 par isso, muitas vezes, verifica-se a rectificaçâo
além da publicacao no Diario da Repüblica. Podemos, assim, falar
de textos anteriormente publicados (art. 5.“ da Lei n.“ 74/98, de 11
de formas de publicidade oficiais e de formas de publicidade näa
de Novembra).
aficiais, cansoante impliquem a publicitaçäo em jomal oficial, ou

28.2. Requisitos das rectificacòes

… A ultimaalteracào consta da Lei n° 42/2007, de 24 de Junho. 1. Materiais: as rectificaçôes apenas säo admissiveis para
m O Diario da República tem duas series, tal come consta do art. 3.“ da Lei correcçôes de erros materiais de divergência entre o texto
n.“ 74/98, de 11 de Novembro, onde sao publicados diferentes tipos de actos.
original do diploma e o texto impresso 7 art. 5.“, n.“ 1, da
35“ E neste sentido que e' criada a Lei n.“ 74/98, de 11 de Novembra.
”“ Nate-se que quando esta estabelecida legalmente uma forma de publicidade, Lei n.“ 74/98, de 11 de Novembra;
nao pode ser substituida por outra, V.g.: a publicacào das leis pela televisaa, radio,
imprensa, etc., nao substituira a publicacào em jomal oficial.
271 Note-se que este preceito admite também a publicacào em Diario da República 272 Este preceito deve ser interpretado restritivamente, no sentido de se dirigir
212 quando a lei expressamente o determine. só aos actos que estejam sujeitas a publicacào no Diario da Republica. 213
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

2. Orgánicos: apenas podem ser feitas pelo Org5e que aprovou De acordo com 0 art. 5.“, 11.“ 2, do CC cabe 5 própria lei a publicar
o texto original 7 art. 5.“, 11.“ l, da Lei 11.“ 74/98, de 11 de fixar o prazo de vacatia legis, ou, caso tal n50 suceda, aplica-se
Novembro; 0 praze do art. 2.“, 11.“ 2, da Lei 11.“ 74/98, de 11 de Novembro,
3. Temporais: devem ser publicadas 5té 60 dias após publicacào onde se dispöe que a vacatio legis é de 5 dias ou, melhor dizendo,
do texto rectificado, sob pena de nulidade do acto de que “a lei entra em vigor no 5.“ dia apôs a publicac50”374. O prazo
rectificaçâo 7 art. 5.“, n.°s 2 e 3, da Lei 11.“ 74/98, de 11 de aqui previsto é um prazo supletivo, n50 vinculande 0 legislador que
Nevembre. pode ter razöes fundamentadas para o reduzir ou ampliar. Assim, por
um lado, razöes de urgência podem justificar um prazo de vacatio
28.3. Efeitos das rectificaçôes legis mais curto. Por outro lado, a dificuldade de apreender o
conteúdo de uma lei, mais complexa ou extensa, pode justificar 0
N50 obstante 0 art. 5°, n.° 4, da Lei n.° 74/98, de 11 de Nevembro, seu conhecimento por um periodo de tempo superior 7 v.g., o caso
onde se dispöe que “As declaracòes de rectificacao reportam seus dos còdigos, que normalmente entram em vigor alguns meses apes
efeitos 5 data da entrada em vigor do texto rectificado”, se 5 sombra a sua publicac50.
do texto ainda n50 rectificade ferem praticades actos constitutivos de Note—se que, embera o art. 2°, n.° 1, da Lei 11.“ 74/98, de 11 de
direitos, os seus efeitos juridicos preduzides devem ser salvaguardados, Novembro, disponha que em caso algum, o inicio da vigencia da
pois assentam na garantia particular dada pela publicidade no jomal
lei se verificará no próprio dia da pablicacdo, a verdade é que 0
oficial”. legislador pode optar por uma supress5o do prazo de vaeatio legis375,
o que sera particularrnente necessário em dois tipos de circunstancias:
§ 29. Entrada em vigor a) situacòes de inadiavel urgência (V.g., medidas a adoptar
em casos de calamidade pûblica 7 epidemias, terrametes);
29.1. 0 prazo de vacatio legis
b) situaçôes em que se pretende evitar a frustracao dos
Com a publicaçäo a lei fica em condiçôes de produzir efeitos, 0 objectivos da prôpria lei (v.g.: se a lei deterrnina a suspensäo
que n50 significa que seja desde logo aplicavel. 0 art. 5°, n.° 2, do da compra de divisa estrangeira, 0 periodo de vacatio legis
CC dispöe que entre a publicac50 e a entrada em vigor da lei decorre permitiria a precura intensa de divisas, pessivelrnente
um periodo de tempo, considerado necessario para que a lei seja corn fins especulativos e pondo em causa os objectivos
conhecida, e que é designado de prazo de vacatio legis. iniciais da lei; se a lei suspende as reformas antecipadas,
em época de grave crise economica e necessidades de
contençâo orçamental, a existência de um prazo de vacatia
”3 Imagine-se uma lei que é publicada com o seguinte teor: Quem tiver um
vencimento inferior a 5 000 euros e mais de dois filhos deve estar isento do pagamento
legis poderia frustrar os fins da lei em evitar pedidos de
de tartas modernn'orns. Supondo que a verS5o da lei aprovada e promulgada se referia
a 500 euros e n50 5000 euros, caso tenharn sido concedidas isencòes a pessoas com
vencirnentos inferiores a 5000 euros, n50 se pode agora vir exigir a sua devolucao.
Corn esta posicao, entre outros, vide ANTÓNIO SANTOS JUSTO, Introdupáa ”“ Quanto aos diplomas das autarquias locais 0 art. 5 3.“ do Codigo Administrativo
ao Esa/do..., p. 202. A este respeito, Miguel Teixeira de Sousa defende a aplicaçâo deterrninou que a vaeatio legis n50 pode ser inferior a 8 dias, contados a partir da
analógica do art. 13.“, n.“ 1 do CC para determjnação dos interesses que devem ser afixac50 do diploma.
salvaguardados, cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introducdo ao Direito..., ”5 Cfr. JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÂO, 0 Direito 7 Introducdo..., pp. 306
214 p. 169. e segs. 215
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

aposentaçâo neste perlodo, pois tal facto seria irnpulsionado dia 5 de Fevereiro, e se tem um prazo de vacatio legis
se as pessoas soubessem que dentro de algum tempo ja de 15 dias, este prazo é de duas semanas (alinea d)), e,
nâo teriam a possibilidade de o fazer). por isso, termina terca—feira, dia 19 de Fevereiro (19 de
Esta posiçäo é também sustentada porque, sendo a lei 74/98 de F evereiro é 0 dia correspondente nos termos da alinea c)),
11 de Novembro uma lei de valor ordinario, nada impede que seja entrando em vigor as 0.00 horas do dia 20 de F evereiro.
derrogada por uma lei de valor hierarquice igual ou superior.
Note-se que:
29.2. A contagem do prazo vacatio legis
Näo é consensual a forma como se efectua a contagem dos
29.2.1. As regras da contagem prazos fixados em dias, por isso vamos mencionar as teses que a
este respeito se perfilam.
O prazo de vacatio legis conta-se a partir do dia imediato ao Tomando em consideraçäo o exemplo mencionado, de uma lei
da sua disponibilizaçâo no sitio da Internet gerido pela lmprensa publicada a 5 de Fevereiro com um prazo de vacatio legis de 5
Nacional—Casa da Moeda, S.A. (art. 2°, n.° 4, da Lei n.° 74/98, de dias, ha quem defenda, como nes, que tal lei entra em vigor a 10 de
11 de Novembre), por isso, o dia da publicaçäe do diploma ndo se Fevereiro, porem outros ha que entendem que ela entra em vigor
conta. a ll de Fevereiro. Tudo reside em saber se se deve entender que
A contagem dos prazos de vacatio legis segue as regras do art. 2 79.“ a lei entra em vígor ao 5“ dia, ou seja, as 0.00 horas, do dia 10 de
da CC para o cómputo do termo, sendo relevantes nomeadamente Fevereiro, ou se, em sentido inverso, se devem deixar completar
as alineas b), c) e d): os 5 dias, entrando em vigor as 0.00 horas do dia 11 de F evereiro.
1. Quanto a alinea b), traduz o disposto no art. 2.°, n.° 4, da Está em causa precisar as regras de contagem dos prazos fixados
Lei n.° 74/98, de 11 de Novembro, ou seja, que nos prazos em dias. Nao ha dúvídas de que, nos termos do art. 2.°, n.° 4, da Lei
fixados em dias 0 dia da publicaçäo näo se conta. Por n.° 74/98, de 11 de Novembro e do art. 279.“, alinea b), do CC, o dia
exemplo, se uma lei é publicada a 5 de Fevereiro, caso o da publicaçâo nao se conta, e, como tal, o prazo comeca a centar—se
prazo de vacatio legis seja de 5 dias, entrará em vigor no no dia imediato ao da publicaçâo, ou seja, na hipotese avançada no
dia 10 de Fevereiro; dia 6 de F evereiro. As duvidas ja surgem, porem, relativamente ao
termo do prazo e consequente entrada em vígor da lei, aspecto face
2. Quanto a alinea c), se tivermes um prazo fixado em semanas,
ao qual o legislador nao é täo esclarecido. A defesa de que a lei entra
meses ou anos “termina às 24 horas do dia a que corresponda”,
em vigor no dia ll de Fevereiro aplica o raciocinio previsto no art.
o que significa que a lei entra em vigor no dia seguinte.
279.“, alinea c), do CC quanto aos prazos fixados em semanas, meses
Assim, por exemplo, se uma lei é publicada a 5 de F evereiro
e anos. E é justificado com o argumento de que de outra forma
e se o prazo de vacatio legis é de um més, entrara em Vigor
nao se respeitaría a vontade do legislador de entre a publicaçäo e
as 0.00 horas dia 6 de Marce, pois o prazo termina as 24
a entrada em vigor da lei se deverem completar 5 dias de permeio.
horas do dia 5 de Marco, que é 0 dia correspondente;
A ideia é a de que quando o legislador, como tantas vezes sucede,
Quanto a alinea d), o prazo fixado em oito ou quinze dias prevê que certa lei entra em vigor “x dias após a publicaçäo” ele
W

é fixado respectivarnente em uma ou duas semanas, o que exige que efectivamente se esgotem esses dias sem que o diploma
significa que, por estes motivos, sera contado nos termos esteja em Vigor.
216 da alinea c), ou seja, se uma lei é publicada terca—feira, 217
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Por sua vez, a defesa de que a lei entra em vigor no dia 10 de 29.2.2. Momento da contagem do prazo de vacatio legis
F evereire atende a urna ideia de unidade do sistema, no sentido de
que sende o prazo supletivo do art. 2.“, n.“ 2, da Lei n.“ 74/98, de 11 O momento a partir do qual se começa a contar o prazo de vacatio
de Novembro um praze fixado em dias, e se a sua entrada em vigor se legis fei uma quest50 bastante discutida a proposito da anterior
da ao 5“ dia, ent50 desta dispesiçae extrai—se uma directriz implicita de legislaçäe sebre esta matéria. Efectivamente, a Lei n.° 6/83, de 29
legislader de que quando es prazes S50 fixados em dias, ainda que de Julho, dispunha no seu art. 1.°, n.“ 3, que “O Diario da República
a referência seja feita em nurneraçâo cardinal (5 dias eu 10 dias) e deve ser distribuido no dia correspondente ao da sua data.” Todavia,
n5e ordinal (5“ dia ou 10“ dia), eles devem ser contades do mesme na eventualidade de tal n5o suceder, celecava—se a quest5o de saber
mode, 0u seja, a numeraçäo cardinal usada deve ser interpretada se o prazo de vacatio legis se deveria contar a partir da data de
como sendo ordinal. Assim, se certa lei dispöe que entra em vigor publicaçäa eu da data da sua efectiva distribuipdo. As teses da
5 dias após a publicacao, deve entender-se que ela dispóe que entra polémica eram duas:
em vigor no 5“ dia após a publicaçäe.
1 O momento da contagem do prazo da vacatie legis deve
Tendemos a acelher esta ultima pesiçäo, sem embarge de
ser o da distribuiçao, peis so quando se distribui é que o
recenhecermes salia aos argumentos avançados pelo outre entendimento.
público tem conhecimento do Diario da República e das
No rigor dos termos, e voltando ao exemplo enunciado, nenhuma
leis. Com esta tese Visa-se proteger quem n5o pode contar
das teses cumpre um prazo de 5 dias certes, pois para tal teria de se
com a lei pelo facto de dela n5o ter tido conhecimento
apurar a hora exacta em que uma lei é publicada, centar os 5 dias e
(neste sentido chegeu a decidir um acordäo do Supremo
determinar a sua entrada em Vigor no segundo imediato. A primeira
Tribunal Administrative de 20/11/63);
tese peca por excesso, porque n5o se centando o dia de publicac5o,
Criticas: per exemple, Oliveira Ascens5o e Nune Sá Gomes
nesse dia ha um certo número de horas em que a lei ja se encentra
centestam esta 0rientac5e invocando razöes de certeza e
disponivel que acrescem aos 5 dias, cuja contagem inicia às 0.00
confiança juridica, entendendo o primeiro que a defesa
horas do dia seguinte. Por sua vez, a segunda tese peca per defeito,
desta posiçâe implicaria “despretecçao des que confiaram
pois cemo as leis nunca sâe disponibilizadas no Diario da República
na data formalmente atribuida ae diploma e actuaram na
as 0.00 horas, sendo-e nermalmente per volta das 9 horas, ent50,
conviccao de que estava em vigor”, e o segundo que “a
entrande ela em vigor 5S 0.00 horas de 5° dia, n5o se centabilizam
data impressa no jornal é um atestado oficial que deve
efectivamente 5 dias certos de prazo de vaeatie legis.
O ideal seria que o legislador esclarecesse definitivamente a
merecer crédito e n5e pode ser substituido por um elemento
quest50, na medida em que, se olharrnos para a realidade, o mais t5o fluide como a data de distribuic5e de que poucos ter50
das vezes o prazo de entrada em viger das leis é fixado em dias, conhecimente”377;
circunstancia que tem levado frequentemente 5 discuss5o acerca da 2. O momento da contagem do prazo da vacatie legis deve
data em que tais leis entram em vigor“. ser 0 da publicacào (data do frontispicie do Diario da
República), porque se se atendesse a distribliiçäo seria dificil
determinar urna data em todo o tenitório 7 podende haver
”5 Sobre a discuss5o, especialmente a propósito da entrada em vigor do nove
Código de Procedimento Administrativo (Decreto-Lei n.“ 4/2015, de 7 de
Janeiro), vide ALEXANDRE SOUSA PINHEIRO/ TIAGO SERRÀO/ MARCO
CALDEIRA/ JOSÉ DUARTE COIMBRA, Qaestòes Fundamentais para a Aplicação do ”7 Cfr. NUNO SA GOMES, Introdupdo ao Estudo..., p. 189; JOSE DE OLIVEIRA
218 CPA, Coimbra, 2016, pp. 60 e segs. ASCENSÄO, 0 Direito 7Introdugdo..., pp. 307 e 308. 219
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

datas diferentes consoante a regiao do pais. Dado que a As diferentes versöes da lei que rege a publicidade das leis:
Lei n.“ 6/83, de 29 de Julho fixa o dever de distribuiçäo
ne dia da publicacae, todas as pessoas prejudicadas pele Versao de 1983: Lei 11.“ 6/83, de 29 de Julho
atraso na distribuiçäo pederiam fazer valer um direite de
indemnizaçäo contra o Estado, invocando esta norma”. Arligo l.°
Publicaçâo dos diplomas
O posterior diploma a reger esta matéria, a Lei 74/98, de 1 1 de
7 A eficácia juridica de qualquer diploma depende da publicacào.
Novembro, veio acolher a primeira tese, fixando no art. 2.“, n.“ 4, 1

2 7 A data do diploma e a da sua publicacàe.


que “Os prazos referidos nos números anteriores contam-se a partir 3 7 O Didrio da República deve ser distribuido no dia correspondente
do dia imediato ao da pablicacdo do diploma, ou da sua efectiva ao da sua data.
distribaicào, se esta tiver sido posterior.”
Artige 2.°
Actualmente, com a redacçâe da Lei n.“ 26/2006, de 30 Junho, Cemeço de vigencia
a polémica perdeu algum sentido, visto o seu art. l.°, n.“ 2, dispor que
1 7 O diploma entra em Vigor no dia nele fixado ou, na falta de fixacào,
a data da publicaçäo da lei se censidera a data da sua disponibilizaçäa
no continente no quinto dia após a publicacào, nos Acores e na Madeira no
anline no sitio da Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da
décimo quinto dia e em Macau e no estrangeiro no trigésimo dia.
Moeda, S.A. Todavia, nao descartamos a hipótese de na pratica
2 7 O dia da publicaçâo do diploma não se conta.
suceder que a data do Diario da República nao corresponda ao da
disponibilizacae online, devido a alguma anomalia do site. Per
Versäo de 1998: Lei n.“ 74/98, de 11 de Novembro
isso, devemos aplicar 0 art. 2.“, n.° 4, da Lei n.“ 74/98, de 11 de
Novembro, e entender que o prazo de vacatio legis se centa a partir Arligo l.°
da data da sua efectiva disponibilizacào online. Publicaçâo
1 7 A eficacia juridica dos aetos a que se refere a presente lei depende

da publicacào.
2 7 A data do diploma e a da sua publicacàe.
3 7 O Dia'rio da República e' distribuido no dia correspondente ae da
sua data.

Artigo 2.“
Vigência
1 7 Os actos legislativos e es outres actos de conteúdo genérico entram

em Vigor no dia neles fixado, nio podendo, ern caso algum, o inicio da vigencia
verificar-se no próprio dia da publicaçâo.
2 7Na falta de fixaçäe do dia, os diplomas referidos no número anterior
entram em vigor no 5.“ dia apOs a publicacào.
3. 7 A entrada em vigor dos mesmos diplomas ecorrera, nas Regiòes
Autónomas dos Acores e da Madeira, no 15.° dia apòs a publicacàe e, em
Macau e no estrangeiro, no 30.° dia.
… Com esta pesicào, entre outros, NUNO SA GOMES, Intmdução ao Estado…
220 p. 189. 221
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

4 7 Os prazos referidos nos números anteriores contam-se a partir do dia BIBLIOGRAFIA CONSU LTADA!
imediato ao da pubücaçâe do diploma, ou da sua efectiva distribuiçâo, se
esta tiver sido posterior.
Amaral, Diogo Freitas do
7 Manual de Intradução ao Estudo do Direito, vol. I, Coimbra,
Versão de 2006 7 Lei n.° 26/2006 de 30 Junho
2004.
Artigo 2.°
Ascensao, José de Oliveira
7 O Direito 7 Introduçãa e Tearía Geral, l3a ed., Coimbra, 2005.
27 Na falta de ñxação do dia, os diplomas referidos no número anterior
entram em vigor, em todo o territorio nacional e no estrangeiro, no 5.° dia
após a publicaçâo.
Canotilho, Gomes / Moreira, Vital
3 7 (Revogado.) 7 Constítuíção da Republica Portuguesa 7 Anotada 7 Volume I 7
4 7 O prazo referido no n.“ 2 conta-se a partir do dia imediato ao da sua artigos 1.“ a 107.“, Coimbra, 2007.
disponibilizacfio no Sitio da Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, S. A. Gomes, Nuno Sá
7 Introducdo ao Estudo do Direito, Lisboa, 2001.

Justo,António Santos
7 Introducdo ao Estudo do Direito, 5a ed., Coimbra, 2011.

Lima, Fernando Pires de /Varela, J. M. Antunes


7 Código Civil Anotado, vol. I, 4a ed. (réimp.), Coimbra, 2010.

Machado, Joao Baptista


7 Introducdo ae Direito e ao Discarso Legitimador, 193 ed. (réimp.),
Coimbra, 201 1.

Mendes, Joao Castro


7 Introducdo ao Estudo do Direito, Lisboa, 1994.

Pinheiro, Alexandre Sousa / Lomba, Pedro


7 Comentário à Censtituiçäo Portuguesa 7 principios gerais do
poder politico (artigos 108.“ a 119.”), coord. Paulo Otero, V01.
III, 1.“ Tomo, Coimbra, 2008.

Pinheiro, Alexandre Sousa / Serrao, Tiago / Caldeira, Marco /


Coimbra, José Duarte
222 7 Questäes Fundamentais para aAplicacào do CPA, Coimbra, 2016. 223
Sandra Lopes Luis

Sante, Joao Espírito


7 Código Civil 7 Anotaçäes aos artigos I “ a I3“, AAFDL, Lisboa,
201 1.

Sousa, Marcelo Rebelo del Galvan, Sofia


7 Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 2000.

Sousa, Miguel Teixeira de


7 Introdução ao Direito, Caimbra, 2012.

Telles, Inocêncio Galvâo


7 Introdução ao Estudo do Direito I, 11“ ed. (reimp.), Coimbra,
2010.

224
CAPITULO III: CESSAÇÃO ou TERMO DA VIGÊNCIA DA LEI

SUMARIO:

30. Cessaçâo da vigência da lei e suspensão; 31. Modalidades de


cessacao da vigência da lei; 31.1. Costume contra legem; 31.2.
Invalidade superveniente; 31.3. Caducidade; 31.4. Revogacao;
31.4.1. Momento pelo qual se afere a posteridade de uma lei;
31.4.2. Modalidades de revogacao; 31.4.2.1. Revogaçâo expressa e
tacita; 31.4.2.2. Revegac5e simples e substitutiva; 31.4.2.3. Revogacao
total e parcial; 31.4.2.4. Revogaçäo global e individualizada; 1)
Revogaçäo global; 2) Revogacao resultante da aprovacào de um novo
código; 3) Consideracòes finais; 31.4.3. Leis gerais e especiais;
31.4.4. A nâo repristinaçâo da lei revogada.
Introduçäo aa Estuda do Direito

§ 30. Cessação da vigência da lei e suspensâo

Em principio as leis mantêm tendencialmente a sua Vigência


para sempre. TodaVia, pode suceder que ao longo do tempo haja
uma afectaçâo dos efeitos da lei, ou, entâo, a cessaçäo definitiva
desses efeitos. Assim, uma lei pode ser suspensa, o que se verifica
quando deixa de produzir efeitos durante um certo periodo de tempo,
findo o qual os retomaram, v.g., durante seis meses es funcionarios
públicos nao receberäo o subsidio de alimentaçâo. E pode também
suceder que tal lei deixe de produzir definitivamente os seus efeitos,
o que implica que o proprio diploma seja afectado, falando-se, a
este respeito, de cessaçäo de vigencia da lei.

§ 31. Modalidades de cessação da vigência da lei

Existem varias modalidades de cessaçäo de Vigência da lei:


1. Costume contra legem;
2. Invalidade superveniente;
3. Caducidade;
4. Revogacao.

31.1. Costume contra legem330

Verifica-se quando a cessação da Vigência da lei ocorre pela


afirmacao de um costume (pratica social reiterada cam convicçäo
de obrigatoriedade) a ela contrario.

”“ Nate-se que Paula Otera defende que a suspensào de uma lei per um
periodo excessivo deve-se equiparar a revogaçäo, cfr. PAULO OTERO, Liçães de
Introdacdo..., I val., 2.“ Tomo, p. 224.
3““ Vide os termes em que e admitido a costume contra legem no capitulo das

fontes de Direito, supra 9. 229


Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

31.2. Invalidade superveniente 31.4. Revogação

Verifica—se quando a cessaçäo da vigência de uma lei ocorre A revogação esta prevista no art. 7.“ do CC, e censiste na cessac5e
devido a uma invalidaçäo posterior, o que sucede nos casos de: da vigéncia ou eficacia da lei por Virtude da elaboraçäo de uma
nova lei de valor hierarquico igual ou superior.
1. Declaraçäo de inconstitucionalidade com forca obrigatòria
geral do Tribunal Constitucional 7 face a actes legislatives;
31.4.1. Momento pelo qual se afere a posteridade de uma lei382
2. Declaraçäo de ilegalidade com forca obrigatòria geral pelos
tribunais administrativos 7 face a regulamentes.
A revogacao de uma lei implica uma sucessao entre a lei nova
(doravante LN) e a lei antiga (doravante LA), por isso, é importante
31.3. Cadncidade331
determinar qual é a LN e qual é a LA.
A caducidade está prevista no art. 7.“, 11.“ 1, do CC, resultme Normalmente n50 subsistem düvidas quanto a este aspecto,
mas pode acontecer que, devido 5 preximidade temporal, surjam
da expressâo: “quando se näo destine a ter vigência temporária...”, e
verifica-se quando a cessac5o de Vigéncia da lei ocorre por superveniéncia
dificuldades na sua deterrninac5o, como por exemplo:
de um facto juridico. 1. Uma lei publicada posteriormente entra em vigor antes de
uma lei publicada anteriormente com normas incompativeis
Este facte juridice 7 evento ndo voluntario, em que näa há uma
(v.g., a lei X é publicada a 10 de Janeiro e entra em Vigor
manifestaçäo de vontade 7 pede ser de dois tipes:
a 25 de Janeiro; a leiY é publicada 5 15 de Janeire e entra
1. Um facto previsto na lei: corresponde 5 express5o “Quando em vigor a 20 de Janeiro);
se ndo destine a ter vigência tempordria” e verifica-se
2. Duas leis com normas incompativeis s50 publicadas em
quando a própria lei estabelece um evento que leva 5
datas diferentes, mas entram em Vigor na mesma data (v.g.,
cessac5e da sua vigéncia 7 sende designada, por estes
a lei X é publicada a 10 de Janeiro e a lei Y é publicada a
motivos, de lei temporaria. Temos dois tipos de factos:
15 de Janeiro, mas ambas entram em vigor a 20 de Janeire);
a) Factos meramente cronológicos 7 v.g., a lei diz que tem
.Duas leis corn normas incompativeis s50 publicadas ao

b)
um prazo de vigéncia de seis meses;
mesmo tempo e no mesme Diario da Repüblica (V.g., a lei
b) Factas de autra ardem 7 v.g., a lei diz que cessa os seus
X e a leiY s50 publicadas a 15 de Janeire).
efeitos urna vez resolvida a situacao de crise.
A primeira situac50 para Oliveira Ascens5e n50 suscita duvidas,
2. O desaparecimento dos pressupostos de aplicaçäo da lei 7
pois vale 0 critério da publicidade para se aferir a posteridade (a lei
v.g., uma lei que atribui um subsidio aos ex-combatentes
posterior que revoga a anterior), e, per isse, é a ultima lei a ser publicada
do Ultramar cessa a sua vigéncia com a morte do ültimo
(a lei Y) que revoga a lei que vem entrar em vigor posteriormente
ex-combatente.

m Sobre 0 problema, vide: JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÁO, 0 Direito 7


Introducdo..., p. 311; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Da aplicapào da lei
no tempo e das disposicòes transitorias, in Cademos de Ciencia da Legislacao,
230 … Cfr. JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, o Direito 7 Introducdo..., p. 310. 11.“ 7,Abr-Jun, 1993, pp. 18 e 19. 231
Sandra Lopes Luís Introduçäe ao Estudo do Direito

(a lei X). Ja Miguel Teixeira de Sousa, embora chegue a mesma O critérie da data da aprovacae;

PPP:—
conclusäo, defende existir nestes casos um impedimento de vigencia O critérie da data da publicidade;
da lei publicada inicialmente. O critérie da data da entrada em vigor;
O reconhecimento da existência de uma lacuna de colisäe,
A segunda situaçâe também é resolvida per Oliveira Ascensàe
revelada através da interpretaçâe abregante, e que deve
de acordo com 0 critéria da publicidade, sendo a lei revogatOria
aquela que foi publicada posteriorrnente (a lei Y). Em sentido diverso,
ser integrada nos termes do art. 10.“ do CC;
A existência de um impedirnente de vigència da lei publicada

.V'
Menezes Cerdeire entende que nestes cases a data da publicaçäe
nada tem a ver cem a intençäo do legislader, pois muitas vezes inicialmente.
deriva de factores nao dependentes dele 7 tais como a impressao
31.4.2. Modalidades de revogação
material dos textos. Por isso, 0 conflito deve ser resolvido pela via
interpretativa, ou, quando tal näe seja pessivel, deve-se concluir,
através de interpretacdo abrogante, pelo recenhecimento de uma
0 art. 7.° do CC consagra très espécies de revegaçâe: expressa,
lacuna de celisâe que tera de ser integrada nos termes do art. 10.“
tácita e global. TodaVia, podem—se fixar as seguintes modalidades
de revogaçâe:
do CC….
1. Revegaçäe expressa e tácita;
A ultima situacae é a unica que para Oliveira Ascensäo suscita
2. Revegaçäe simples e substitutiva;
düvidas, pois, diante da impessibilidade de utilizaçäe do critério
3. Revegaçäe total e parcial;
da publicidade, entende, também, que a numeraçäe eu a ordem de
4. Revegaçäe global e individualizada.
publicaçäo näo devem ser relevantes para a reselucae do problema
(pelo facto de a eles nao lhe serem atribuides efeitos juridicos),
e, per isso, chega a conclusäo, sem mais, de que nestes casos nãa
31.421. Revogacao expressa e tacita (previstas no art. 7.“,
n.° 2, do CC)
existe revogacào. Menezes Cordeiro sustentou o mesmo, resolvendo
o problema, mais uma vez, pela Via da ínterpretação abragante e
Revogaçäo expressa 7 verifica—se quando a lei posterior declara
integracae de lacunas. Ha, todaVia, quem defenda que a data de
que revoga a lei anterior. Também é chamada revogacdo por declaracào
aprovaçäa do ultimo diploma possa ser 0 critério para determinar a
e tem por base razöes de certeza e clareza. V.g., a Lei Y centém um
lei revogatOria. Nao descartamos, da mesma forma, a possibilidade
artigo onde se afirma que sao revogados os artigos 20.“ a 25.“ da
de a data da entrada em vigor servir como parámetro para aferir a
Lei X;
última intencao do legislador, perquanto, quando fixada por este,
revela uma manifestaçäo de vontade, 0 que se verifica igualmente Revogaçãa ta'cita 7 verifica—Se quando existe uma incompatibilidade
no caso de nao o fazer, pois subentende—Se uma adesao ao critério entre a lei posterior (revogatOria) e a lei anterior (revogada) 7 também
supletivo do art. 5.“, n.“ 2.“, do CC . é chamada de revogacào por incompatibilidade. Esta modalidade
de revegaçâe deixa ae intérprete a tarefa de verificar a discordáncia
Assim, podemos defender em abstracto cinco modes para resolver
entre es nevos textos e os antiges, per isso, nao proclama es valores
o problema da posteridade da lei:
da certeza e clareza. V.g., a Lei Y dispôe que a nova taxa de IVA de
um certo bem é de 13%, e a lei anterior, a Lei X, dispunha que a
”3 Miguel Teixeira de Sousa defende existir igualmente um impedimento de
taxa de IVA desse mesmo bem era de 6%.
vigencia da lei publicada inicialmente. 233
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

31.4.2.2. Revogação substitutiva e simples 1) Revogaçäo global


A expressae “regular toda a matéria” significa regular globalmente
Revogacào substitutiva 7 verifica—se quando a LN, além de fazer
(n5o regular todas as matérias uma por uma, mas antes fixar uma
cessar a Vigência da lei anterior, também a substitui por um nevo
disciplina genérica) 7 n5o tem de haver uma correspondência ponto
regime. V.g., a Lei Y diz que fica revogada a Lei X, e estabelece um
por pento, um aspecte normativo concreto pode ser atingido por
novo regime de tributaçâo do IVA;
substituicàe de certes institutos, ainda que a nova lei n5o se ocupe
Revogaçäo simples 7 verifica—se quando a LN se lirnita a declarar dele. Este facto pode levar ao apareeirnerito de lacunas, que devem ser
a cessaçâo de Vigência da lei anterior, sem mais. V.g., a Lei Y diz integradas de acerde com a lei nova, e n5o com recurso 5s disposições
que a Lei X se encentra revogada. antigas que ja se encontram revogadas.
Tradicienalrnente a doutrina incluia os casos de revegaçäe global
31.4.2.3. Revogação total e parcial
no âmbite da revogaçäo tacita, V.g., caso seja criado um código que
contenha todo o regime do arrendamento urbano, subentende-se
Revogaçäo total ou abrogaçäo 7 verifica—Se quando uma lei
que os diplomas anteriores sebre esta matéria ficam revegados, ainda
anterior cessa integralmente a sua eficacia. V.g., a lei Y revoga a
que o novo diploma n5o 0 diga expressamente. Perém, devido a
lei X;
ideia de “regulaçäe geral de um certe assunte”, a revogacao global
Revogaçäo parcial eu derragação 7 verifica—se quando só uma foi autonomizada como uma modalidade separada de revegaçäo. Hoje
parte da lei anterior perde a sua eficacia. V.g., a lei Y revoga o art. em dia, Oliveira Ascens5o chega mesmo a defender que a revogacao
20.“ da lei X. global pode também ser expressa, no caso de o legislador dispor que
“certa matériafica revogada” sem indicar o diploma ou diplomas
31.4.2.4. Revogação global e individualizada afastados“, v.g., o referido código do arrendamento urbano contém
uma norma onde se dispôe que ficam revogadas todas as normas
Revogaçäo global eu por substituiçâo 7 verifica—se quando relativas a matéria do arrendamento urbane.
uma nova lei regula completamente todo um ramo de Direito (v.g.,
toda a matéria de Direito da Familia, ou de Direito Administrativo)
eu um institute juridico (V.g., todo o regime do arrendamento eu global para perceberrnos quais matérias n5o se encontrarn em vigor. De qualquer
da compra e venda). Esta prevista na parte final do art. 7.°, n.“ 2, do das formas, a admitirrnes a revogacao individualimda, somos de opini5o que ela deve
CC, e resulta da express50 “da circunstância de a nova lei regular ser definida como a modalidade de revegaçäe em que se revoga especificamente
uma parte de certa matériu 7 e n5o que revoga especificamente a lei anterior ou
toda a matéria da lei anterier”;
uma ou algumas das suas regras (com este entendimento MARCELO REBELO
Revogaçäo individualizada 7 verifica—se quando uma LN revoga DE SOUSA/ SOFIA GALVÁO, Introducao ao Estado… p. 132), pois só deste modo
especificamente uma parte da materia…, V. g., se uma nova lei regula se compreende o criterio que lhe esta subjacente, distinte daquele que separa a
revogacao total da parcial, A este respeito, Miguel Teixeira de Sousa defende
as formas de cessaçäe de contrate de arrendamente.
que a revogacao global separa7se da revogaçäo total perque a primeira atende
ao criterio do seu objecto e a segunda ao criterio do seu ambito (cfr, MIGUEL
TEIXEIRA DE SOUSA, Introducao ao Direito..., p. 176). Porém, pode igualmente
… Note»se que, vemos com pouca utilidade a criaçäe desta modalidade de defender-se que a revogacao global respeita a natureza da lei revogatória, que reyila
revegaçâo, perquante parece-nes apenas ter side criada para se contrapor à todo um ramo do direito ou instituto jurídico, e que a revogaçäe total respeita 5
revegaçäo global, eu seja, tudo o que n5o é revogação global serà individualizada. O lei revogada, que deixa, toda ela, de estar em Vigor,
relevante, em nossa epiniào, é determinar quando é que temos urna revogaçäo … Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÀO, 0 Direito 7 Introdugdo… p. 315. 235
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

2. Revogaçäe resultante da aprovacdo de um novo código 7 por 31.4.3. Leis gerais e especiais
exemplo, se é publicado um novo Código Civil que, ao contrario
do actual, nao contém qualquer preceito sobre Direito Internacional De acordo com o art. 7.°, n.° 3, do CC “lei geral näo revoga lei
Privado existe uma lacuna ou aplicam-se as disposiçôes de Direito especial, salvo se outra fer a intençäo inequivoca do legislador”, v.g.,
Intemacional Privado do anterior Codige Civil? Temos duas posiçôes: a lei que altera o regime geral das formas de cessaçâo dos contratos,
a) Oliveira Ascensâo pensa que a aprovaçäo de um novo nao pode alterar o regime específico das formas de cessaçâo dos
código, sem referência expressa a revogacào do anterior, contratos de trabalho.
nâo atinge os institutos que nao tenham correspondéncia Este regime justifica—se porque se o legislador visou criar uma
no novo código, uma vez que a revogacao global é uma regulamentacao especifica para certa situaçâo, ela näo podera ser
“revogacae per instituto ou matéria”33°; revogada por uma qualquer lei relativa ao regime geral, tal só
b) Diogo F reitas do Amaral defende que, para se evitar uma podera suceder se houver uma “intençäo inequivoca do legislador”.
lacuna de um ramo de Direito, consideram—se em vigor A doutrina388 tem entendido que esta intençäo inequivoca pode
as normas do Código Civil antigo, pois o que parecia ser resultar de:
uma revogaçâo global era, afinal, uma “revogacao parcial 1. Declaraçäo expressa 7 quando o legislador declara
ainda que extensa”, visto aquela, nos termos do art. 7.“, expressamente que com a lei geral também se pretendem
n.° 2, parte final, do CC, dever resultar “da circunstáncia de afastar os regimes especiais;
a nova lei regular toda a matéria da lei anterior”. Assim,
nâo sendo a matéria da lei anterior toda revogada ainda 2. Declaração tácíta 7 quando, pela Via da interpretaçâo, se
se encontra em vigor a parte relativamente à qual a nova puder extrair uma vontade clara e concludente do legislador
lei nada dispôsm. no sentido de pretender regular exaustivamente um sector
e de nao deíxar subsistir fontes especíaís. Para Oliveira
3) Consideraçôesfinais Ascensâo existem indicios da vontade do legislador nesse
sentido, tais como: a) a preméncia de regulacao da situaçâo,
Em nossa opiniäo, a complexidade que podera resultar da revogacae
igualmente sentida no sector em que Vigora a lei especial;
global tern a ver com a delimitaçâo da amplitude da matéria, isto
b) a desnecessidade de um tratamente particular no sector
é, saber quando é que podemos dizer que estamos a revogar toda a
em que vigora a lei especial 7 trata—se de casos em que
“matéria”, “instituto” ou“1amo de direito”. Tudo passa por determinar
a suposta lei especial é afinal geral, pedendo, por esses
a real intençâo do legislador, o que, inevitavelmente, tera de ser
motivos, ser alterada pela nova lei….
aferido pela Via da interpretaçâo. Assim se, no extremo, é intençäo
clara do legislador regular todo um ramo de direito, a nao regulacào Em nossa opiniäo, em principio, a revogaçäo global implica o
de certo instituto implica a existència de uma lacuna, se é intençäo afastamente das leis especiais, pois se se pretende regular completamente
do legislador regular todo um instituto, a nao regulacae de certa uma matéria, entende-se que também existe uma intencao de abranger
matéria implica uma lacuna. os regimes especiais, sob pena de näo termos uma revogacao global.

3“ Cfr, JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7 Inneduçäa..., p. 375. … Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introduçäe ao
… Cfr… DIOGO FREITAS DO AMARAL, Manual de Introduçäo..., pp. 416 Estado… pp. 133 e 134.
e segs, m Vide JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7 Intraduçäo..., p. 535. 237
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

31.4.4. A nâo repristinaçâo da lei revogada declaraçäo tácita do legislador no sentido da repristinaçâo 7 refira—se
que, a este respeito, a lei brasileira dispöe que näo é permitida a
0 art. 7.“, n.“ 4, do CC dispöe que “a revogaçäo da lei revogatória repristinacdo, salvo se outra for a intençäo inequivoca do legislador,
não importa o renascimento da lei que esta revogara”, ou seja, a o que existe quando ha uma declaraçäo expressa ou tácita nesse
perda da Vigência da lei revogatoria nâo faz com que a lei que esta sentido, nos termos agora referidas39‘.
revogara volte a produzir efeitos, o que significa dizer que nao e
Soluçäo diferente ja cansta do art. 282. ", n.“ I, da CRP, onde se
permitida a repristinacào.
prevê que declaraçäo de inconstitucionalidade com força obrigatôria
Vg.: geral pelo Tribunal Constitucional implica a repristinacao das normas
que a lei declarada incanstitucional revagou. Tal facta compreende—se
l“ Lei X 2“ lei Y 3“ lei Z
parque a declaracao de inconstitucionalidade faz um juizo sobre a
revoga a lei X revoga a lei Y
validade das leis declaradas inconstitucionais, afectande, por isso,
também a sua eficacia revogatória“.
As leis podem ter dois tipos de eficacia:
1. Eficacia dispositiva: as efeitos reguladores de certa matéria;
2. Eficacia revogatória: as efeitos de fazer cessar a Vigência
de uma outra lei.

Na caso de a lei Z so ter eficacia revogatória, e nâo dispositiva


sobre a matéria, a revogaçâo da lei Y, nao vai implicar o renascimento
da lei que esta revogara 7 da lei X 7 nâo havendo, por estes motivos,
repristinacao. Este regime justifica—se parque a revagacao nao põe
em causa a existéncia ou validade de uma determinada lei, mas
afecta apenas a sua producaa de efeitasm.

Deste medo, inexiste quanto a matéria revogada legislaçäo em


Vigor, verificando-se uma lacuna que deve ser integrada nos termos
do art. 10.“ do CC.
Nate—se que:

Nada impede o legisladar de apravar uma lei repristinatoria,


ou que essa repristinaçâo resulte da própria interpretacaa da lei. Ou
seja, pode haver uma declaracào expressa do legislador no sentide de
repristinar a primeira lei revagada, ou, esta mesma vontade resultar
dos próprios elementos da interpretaçäo, havendo, assim, uma
… Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÂO, 0 Direito 7 Innodução..,, pp. 311
e 3 12.
292Tambem a declaracào de ilegalidade com forca obrigatória geral de uma norma
390 A este respeito, vide MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, pelos tribunais administrativos implica a repristinacào das normas que ela haja
Introduçäo ao Estado..., p. 135. revagado (art. 76.“, n.“ 5, do Codigo de Processo dos Tribunais Administrativos).
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

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7 Código Civil 7Anotac5es aes artigos I “ a 13“, AAFDL, Lisboa,
201 1.

240 241
CAPÍTULO IV: SUCEssÄo DE LElS — APLICAçÃo DA LEI
NO TEMPO

SUMARiO:

32. A problemática da sucessao de leis; 32.1. Apresentacao do


problema; 32.2. Exemplos praticos; 32.3. Fundamentacao das
vias de resolucao; 33. Critérios de resolução do problema da
aplicacao da lei no tempo; 33.1. Direito transitorio; 33.2. Critério
geral: o principio da mio retroactividade; 33.2.1. Os graus de
retroactividade; 33.2.1.1. Retroactividade extrema; 3321.2.
Retroactividade quase extrema; 3321.3. Retroactividade agravada;
3321.4. Retroactividade de grau minime ou ordinaria; 33.2.2. Os
limites constitucionais da CRP; 33.2.2.1. Direito penal positivo;
33.2.2.2. Direito fiscal; 33.2.2.3. O case julgade; 33.2.2.4. Leis
restritivas de direitos, liberdades e garantias; 33.225. Um principio
constitucional da nao retroactividade das leis mais desfavoráveis?
33.3. Critérios especificos: aplicacao retroactiva da LN; 33.3.1.
Direito penal negativo; 33.3.2. Direito processual; 33.4. Posiçào do
Código Civil; 33.4.1. Doutrinas sobre sucessao de leis; 33.4.1.1.
Doutrina dos direitos adqujridos; 33.4.1.2. Doutrina do facto passado;
33.4.1.3. Doutrina das situaçôes juridicas subjectivas e ebjectivas;
33.4.1.4. Doutrina das situaçôes juridicas de execucao duradoura
e instantânea; 33.4.2. Critérie supletivo: art. 12.“ do CC; 33.4.3.
Estatutos sobre sucessäo de leis; 33.4.3.1. Estatuto real; 33.4.3.2.
Estatuto da responsabilidade civil extra-contratual; 33.4.3.3. Estatuto
sucessório; 33.4.3.4. Estatuto pessoal; 33.4.3.5. Estatuto da familia;
33.4.3.6. Estatuto dos contratos; 33.4.4. Criterios especial sobre
prazos: 0 art. 297.“ do CC; 33.4.4.1. Colocação do problema;
33.4.4.2. O regime do art. 297.“ do CC; 33.4.4.3. Fundamentacao
deste regime especial; 33.4.4.4. Ämbito de aplicacao do art. 297.“
do CC; 33.4.5. Crite'rio especial sobre leis interpretativas: 0 art.
13.° de CC; 33.4.5.1. Delimitacào; 33.4.5.2. Requisitos; 33.4.5.3.
Regime; 33.4.5.4. Natureza da lei interpretativa; 33.4.5.5. Lei
interpretatiw inovadera; 33.4.5.6. O regime do art. 13.“ e do art. 12.°,
Introduçäo aa Estuda do Direito

n.° 1, 1“ parte, do CC; 33.5. Leis confirmativas; 33.5.1. Noçäo;


33.5.2. Justificacàe; 33.6. Nata explicativa sebre retrocenexàe;
§ 32. A problematica da sucessão de leis
33.6.1. Retraactividade; 33.6.2. Retroconexäo; 33.6.2.1. Nocao;
33.6.2.2. Exemplos de factos pressupostos e retroconexao. 32.1. Apresentacao do problema

As questöes relacionadas com a aplicaçâo da lei no tempo säo


distintas das questôes relativas a revogacaa.
Na revogacào uma lei posterior faz cessar a Vigência de uma
lei anterior, ou seja, depois da entrada em vigor da nova lei, é esta
que se vai aplicar aos factos 7 as problemas aqui suscitadas têm a
ver essencialrnente com a deterrninaçäo da própria revogaçâo, isto
é, saber quando é que uma lei revoga outra lei.
Na aplicacdo da lei no tempo, o problema a tratar é diverso.
A existência de uma lei que sucede a outra, ou que revoga a outra,
pode suscitar questöes mais complexos aa nivel da determinacao do
âmbito de aplicacao da lei antecedente e da lei cansequente, isto é,
saber a que situacñes da vida se deve aplicar a lei revogada e a que
situacñes se deve aplicar a lei revogatória. À partida a resposta a esta
questao parece simples, pois facilmente se diria que a lei revogada,
ou LA, se aplica às situaçôes ocorridas na altura da sua Vigência, e
que a lei revogatôria, ou LN, se aplica às situaçôes que venham a
ocorrer no futuro. Assim, por exemplo, a LA que teve um periodo
de Vigência entre 2009 e 2011 aplicar-se-ia aos factos verificados
nesse periodo, e a LN que entra em vigor em 2012 aplicar-se-á aos
factos que a partir deste momento venham a ocorrer. Porém, pode
suceder que certa situaçäo se coloque na fronteira temporal entre
a LA e a LN, pois uma situacao pode ter origem quando estava em
vigor a LA e prolongar os seus efeitos para o futuro, altura em que
entra em vigor a LN. Nestes casos, pöe-se a questâo de saber qual
sera a lei que deve reger es efeitos que se prolongam no futuro, se a
lei LA, que regia a situaçâo quando ela se constituiu, ou, se a LN, que
rege a situaçäo na altura em que as efeitas decorrentes da situaçäo
se prolongam para o futuro.

245
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Esquema: Em 2009, Andre e Ana celebram um contrato de arrendamente


por documento particular que tem a duraçäo de très anos. Este contrato
mantem-se válido?
(situaçäo juridica) (efeitos)
32.3. Fundamentacào das vias de resolucao393
32.2. Exemplos praticos
A resoluçâo do problema, isto é, a opçäo pela aplicaçâo ao
Trata—se de um problema complexo que, desde ha muito tempo, caso da LA ou da LN nao pode deíxar de ter por base duas ordens
tem suscitado estudes por parte da doutrina. Dada a dificuldade que de fundamentacao:
apresenta, a sua compreensäo näo pode deixar de ser feita através 1. Em primeiro lugar, a funcdo de estabilizacào que esta
da enunciaçâo de alguns exemplos: subjacente a aplicaçäo da LA. Isto é, a aplicaçäo da LA
1.
vem salvaguardar os direitos e expectativas legitimas
criadas pelas situacòes que surgiram no momento em que
a) A LA dispôe que a maioridade se atinge com 18 anos; tal lei estava em vigor, V. g., se o contrato foi celebrado em
b)A LN, com entrada em vigor em 2010, dispöe que a 2009 e se a LA perrnitia a sua realizaçâo por documento
maioridade se atinge aos 21 anos. particular, no caso de em 2012 surgir uma LN que exija a
Andre faz 18 anos e adquire a maioridade ern 2009. Cem a forma de escritura publica, o contrato celebrado em 2009
entrada em vigor da LN André perde a maioridade? Ou seja, aplica-se deve manter—se valido para salvaguardar os direitos e as
a LA au a LN às situacoes de estados pessoais já constituidas no expectativas que foram criadas pelas partes com base na
passado? conformidade à LA;
2. 2. Em segundo lugar, uma ideia de funçäo dinamizadora
que esta subjacente à aplícação da LN. Isto é, se a LN fixa
a) A LA dispöe que o aborto é crime; um novo critério, é este que melhor se adapta ao devir social,
b) A LN, que entra em vigor em 2007, considera que o aborto como tal, deve ser imediatamente aplicado às situacòes
deixa de ser crime. constituidas no passado que prolonguem os seus efeitos
Ana pratica aborto em 2006, e é julgada em 2008. Qual a lei para o futuro, pois so deste modo se ajusta a ordem
que se deve aplicar para jalgar Ana? juridica estabelecida à evoluçâo social e se promovem os
interesses gerais da comunidade cuja realizaçâo näo pode
3.
ser protelada.
a) A LA considerava que os contratos de arrendamente com
duracào superior a seis meses podiam ser celebrados por
documento particular;
b) A LN, de 2010, dispöe que tais contratos tèm de ser
celebrados por escritura publica.
… Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Aplicaçäe da lei no tempo, in
Cademos de Direito Privado, n.“ 18, Abr/Jun, 2007, p. 4. 247
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

§ 33. Critérios de resolucào do problema da aplicacao da Embera 0 direite transitorio seja a solucào preferivel, a verdade
lei no tempo é que raras vezes é fixado pele legislador, e quande o é, normalmente
é lacunoso, por isso, a doutrina e a jurisprudéncia tém procurado
33.1. Direito transitorio
outros critérios para resolver 0 problema de sucessäo das leis.
A ferrna mais simples de resolver 0 problema da sucess5o de leis
33.2. Critérie geral: 0 principio da mio retroactividade
censiste na determinacäo de uma soluçäo per parte do legislador
através da fixaçâo do âmbito de aplicaçâo da LN. A esta resoluçäo
Adopta—se na nossa ordem juridica como critério geral para
por parte do legislador chama-se direito transitorio….
resolver os problemas de sucess50 de leis o principio da ndo
Podemos falar de: retroactividade da lei nova, o que significa, em termos genéricos,
que a lei ndo dispöe para o passado.
1. Direito transitorio formal: verifica-se quando a LN contém
urna disposiçäo em que indica qual a lei que deve resolver Antes de mais, importa esclarecer o que significa retroactividade.
o problema de sucess5e de leis 7 se a LN ou se a LA. V.g., Uma lei é retroactiva se produz efeitos n50 só para o future, mas
a LN, que prevé que o pagamento diferido do preço nos também em relaçäo a situaçôes juridicas verificadas no passado,
contratos de compra e venda deixa de ser no domicilio iste é, situacòes criadas antes da sua entrada em vigor:
do credor e passa a ser feito por transferéncia bancaria V.g.:
para a conta do credor, determina que se deve aplicar aos
contratos actualmente em curso 7 aqui 0 legislador opta
LA LN -›
SJ 1 aplica-se 5 LN SJ2 aplica—se LN
pela LN para resolver o problema de sucess5e de leis; (retreactividade)
2. Direito transitório material: verifica-se quando a LN fixa
uma regalamentacdo própria para resolver o problema 33.2.1. Os graus de retroactividade
de sucess50 de leis, que näo coincide com a disciplina da
LN nem com a disciplina da LA (esta via normalmente S50 cencebiveis, em abstracto, quatro graus de retroactividade:
é relevante para regimes de transiçäo). V. g., a LA previa 1. Retroactividade extrema;
um taxa de juro maxima de 6% nos contratos de mutuo, a 2. Retroactividade quase extrema;
LN vem a prever um valor máximo de 10%, deternrinando 3. Retroactividade agravada;
que para es centrates actualmente em curse esse valor 4. Retreactividade de grau minirno ou retroactividade ordinaria.
maximo deve ser de 8% 7 o legislador, neste caso, n50 Opta
nem pela LN nem pela LA, fixande, antes, um regime 33.2.1.1. Retroactividade extrema
especifico para resolver o problema de sucess5o de leis.
Verifica—se quando a LN se aplica a todas as situacòes com origem
no passado, incluindo as definitivamente decididas por sentenca
”4 Note-se que, a este respeito, Marcelo Rebelo de Sousa/ Sofia Galväo admitem a transitada em julgado”? V.g., se a LA criminaliza o aborto e a LN,
possibilidade de declaracòes de direito transitorio tacitas quando “...da interpretacào
resultar claro que pretende assumir um carácter ou uma natureza retroactivam", tudo
se resumindo, no fundo, a um problema de interpretaçâo da lei. Cfr. MARCELO ““5 A decis50 faz caso julgado quando os tribunais ja a n50 podem modificar, o
248 REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introduçäo ao Estado… p. 92. que pode suceder: n) no caso de a sentenca, pelo valor da accao ou por qualquer 249
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

de 2007, 0 despenaliza, Ana, cendenada a 2 anos de pris50 em 2006 a) Cumprimento de obrigaçäo 7 V. g., na situaçae anterior, caso
pela pr5tica de aborto, com a aplicac5o retreactiva da LN deve ser André venha a pagar veluntariamente os 400 euros, nove
libertada, e deve cessar a execuçäe da sua pena. meses após ter abandonado 0 local, se posteriermente
surgir uma LN, nos termos atras referidos, tal lei n5o se
33.2.1.2. Retroactividade quase extrema aplica a esta situaçâo, raz5o pela qual Andre n5e pode
invecar a prescriçâo do crédito;
Verifica—se quando a LN se aplica a todas as situaçôes com
erigem ne passado, salvo as definitivamente decididas por sentença b) Transacçäo 7 é o contrato pelo qual as partes previnem
transitada em julgado. V.g., Andre deve 400 euros a Ana, por ter eu terminam um litigie mediante reciprocas concess0es.
pemoitado urna semana na sua pens50 em Sintra, se o devedor n5o Pede suceder, per exemple, se o creder acerda com o
cumpre veluntariamente a sua obrigaçäe e a credera recerre a tribunal, devedor que este apenas tera de pagar urna parte da divida,
forrnando—se caso julgado (nove meses apòs o surgirnento da ebrigaçäe) para evitar as delongas de um processo judicial (v.g., se Ana
quanto 5 cendenaçâo de André para o pagamento da divida, uma acerda com André 0 pagamento apenas de 250 euros, no
posterier LN que altere os prazes de prescriçäo des créditos de case de este o fazer no irnediato, n5e pode posteriormente
alejamente de 18 meses para 6 meses n5o se aplica a esta situac5o. invocar a prescriçâo do crédito com base na LN)”.

3 3.2. 1.3. Retroactividade agravada c) Actos de natureza análoga, incluem—Se aqui a: i) desisténcia
do pedido, realizada pele autor 7 vide art. 283.“, n.“ 1, do
Verifica—se quando a LN se aplica a todas as situaçôes cem origem
Código de Processo Civil (v.g., Ana interpós uma acçäo
no passade, mas salvaguarda os efeitos produzidos por decisdo de cumprimente contra André porque este n5o lhe paga
judicial ou titulo equivalente. Nestes casos, desde logo, é respeitade es 400 euros, e, posteriormente, em virtude das dificuldades
o caso julgado, celecando-se a quest5o de saber o que significa a financeiras de Andre, perdoa-lhe a divida e vem a desistir
expressao “titulo equivalente”. A doutrina refere-se, a este propósito, do pedido); ii) cenfissae de pedide por iniciativa do reu 7
que a LN respeita também os efeitos produzidos no passado que 283.“, n.° 1, do Cedigo de Processo Civil (v.g.,André, o réu,
confessou—Se devedor de 400 euros); iii) compensacáo 7
tiverem um titulo que lhes dé especial reconhecimento 7 definiçäe
eu recenhecimento expresse do direito 7, e para concretizar tais vide art. 847.“ do CC 7 verifica—se quando duas pessoas sâo
situaçôes tem reconide ao art. 13.“ de CC sebre a retreactividade da reciprecamente devederes e crederes (v.g., André deve 400
lei interpretativa, onde se refere que: “... ficam salves os efeitos ja euros a Ana, mas esta deve tambem 400 euros a André)
produzidos pelo cumprimento da obrigaçäe, por sentença passada em 7 a compensaçäo efectivada por declarac5o de uma das
julgade, por transacc5e, ainda que n5o hemelogada, ou per actos partes 5 eutra, liberta-as da ebrigac5o. Em tedos estes
de natureza analoga”3“5. Assim, a LN n5o se aplica quando existe: cases n5o se pode invocar a prescriçäe do crédite cem
base na LN).

outra raz5o, n50 admitir recurso; b) no caso de ter caducado o direito de interposicao ”7 A transacçâe pode ser judicial (feita em juizo/ tribunal) 7 depois de interposta
do recurso contra a decis5o proferida; c) ou no caso de se terem esgotado os recursos acçäo judicial, tendo de ser homologada pelo tribunal da causa, vide art. 293.“,
admissiveis (vide art. 628.“ do Código de Processo Civil), n.“ 2, e 300, n.° 3, do CPC), eu extrajudicial 7 se ocorre antes da interposicao da
250 “9“ Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA,/{plicapdo da lei no tempo..., p. ll. acçäojudr'cial, vide art. 1248.“ do CC. 251
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

3321.4. Retroactividade de grau minimo ou ordinaria 3322.1. Direito penal positive

Verifica-se quando a LN respeita todos os efeitos produzidos Trata—se de normas que definem 0s crimes e fixam as suas penas
no passado, isto é, produzidos ao abrigo da LA, mas ja abrange os e efeitos“. De acordo com o art. 29.“, n.“s 1 e 3, da CRP e o art. 2.“,
efeitos que se produzem na sua vigència, ainda que com origem em n.° 1, do Còdigo Penal “é proibida a aplicacào retroactiva da lei que
situacòes geradas no passado. V. g., Carla em Maio de 2011 compreu crie novos crimes ou medidas de seguranca ou que agrave penas
um computader a Bruno no valor de 1200 euros, tendo convencionado au medidas de seguranca401 anteriores”. A lei penal incriminatória
com ele o seu pagamento em doze prestacòes mensais de 100 nao pode ser retroactiva (art. 19.“, n.° 6, da CRP) porque ninguém
euros. Supende que as partes nada tenham dito acerca do modo pode ser punide criminalmente sem que exista uma lei anterior que
de pagamento, aplica-se a norma supletiva legal que prevé o seu declare punivel a sua acçâe eu emissäe. Trata-se do principio de
pagamento no domicilio do credor. Caso em Janeiro de 2012 uma LN direite penal “nullum crimen sine lege, nulla poene sine lege” previsto
altere esta norma, determinando agora que 0 pagamento deve ser no art. 29.“, n.“ 1, da CRP e no art. 1.°, n.“ 1, do COdigo Penal.
feito através de depósito no banco do credor, esta nova lei vai-se
Este principio tem duas vertentes:
aplicar retroactivamente as prestacòes que a partir desta data se
venham a vencer. 1. A lei penal nao pode qualificar como crimes factos passados
(ou aplicar medidas de seguranca a situaçôes anteriormente
Note-se que: irrelevantes). V.g., se em 2012 surge uma lei que vem a
Há quem sepaIe a retroactividade (ou retroactividade auténtica) criminalizar a nao paragem dos automóveis nas passadeiras
da retrospectividade (ou retroactividade inautêntica/ ordinaria). A de peöes, esta LN nao se pede aplicar a Daniel, em relacao
primeira verifica-se quando a LN afecta situacOeS ja esgetadas no ao qual estava em curse um processo contra-erdenacienal
passado, enquanto que a segunda se verifica quando a LN afecta por ter praticado esse facto très meses antes da sua entrada
efeitos futures de situacOeS constituidas ne passado…. em vigor;
2. A lei penal nao pode aplicar a crimes anteriores penas
33.2.2. Os limites constitucionais de retroactividade
mais graves (ou aplicar a crimes anteriores medidas de
seguranca mais severas), V.g., se em 2012 surge uma LN
Vames agora analisar algumas areas da Censtituiçâe que vèm que aumenta a pena maxima do crime de furto, de 3 anos
cerroberar 0 prineipio geral da näe retroaetividade, vedando a (art. 203.“, n.“ 1, do Còdigo Penal) para 7 anos, esta nova lei
admissibilidade de leis retroactivasm. Temos, assim, limites nao pode ser aplicada a Eduardo, que praticou um crime
constitucionais de retroactividade, ou seja, certas matérias em que de furto um ano antes da sua entrada em Vigor.
a aplicacao retroactiva da LN é expressamente preibida.

m Cfr. J. J, GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constitaicdo da


República Portuguesa 7 Anotada Volume I ..., p. 394. 4““ Existem penas de prisâo, de multa e de trabalho a favor da comunidade.
39" Refira»se que, outrora, este principio geral da näo retroactividade das leis ‘““ As medidas de segnanca podem ser: internamente de inirnputaveis 7 art. 91.“
assumiu um valer constitucional, Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Introducdo do COdigo Penal; interdicae de actividade 7 art. 100.“ do Código Penal; cassaçâo
252 ao Estado… pp. 382 e 383. de titulo e interdigao da concessao de titulo 7 art. 101.“ do COdigo Penal. 253
Sandra Lopes Luis Introduçâo ao Estudo do Direito

33.2.2.2. Díreíto fiscal Note—se que:

1. Se ha quem defenda que a irretroactividade da lei fiscal


De acordo com o art. 103.“, n.“ 3, da CRP é proibida a aplicacaa
apenas diz respeito a normas que corporizem um acto
retraactiva da lei que crie impostos 7 o que é concretizado no art.
tributario (incidéncia ou taxa), outros ha que propugnam
12.° da Leí Geral Tributaria. Neste sentide, sao ilicitos es actos
que tal proibiçâo também opera em sede de deveres fiscais
tributarios que íncídam sobre factos tributáríos ja verificados, e,
de natureza tributaria, tais como, juras compensatórios
coma tal, o contribuinte tem o direito de recusar o pagamento de
au moratorios 7 o imposto retroactivo, ou “qualquer outra
impostos violadores de tais disposiçôes.
norma fiscal retroactiva, desde que desfavaravel”, sao
Este principio, também designado de “principio do nulum tributus
incanstitucionais403;
sine lege anteriore”,um corolario do principio da seguranca juridica
é

e da protecçäo de confianca, inscrito noprincipio de Estado de Direito 2. 0 art. 103.“, n.“ 3, da CRP limita o legisladar em dais

Democratico, que esta previsto no art. 2.“ da CRP. V.g., se em Janeira sentidos, por um lado impede a edicao de normas retroactivas

de 2012 surge uma LN que vem aumentar a taxa de IRS em mais desfavoraveis, por outro lado impede a livre revagabilidade
de 10% do que a LA, esta nova taxa nâo pode ser aplicada aos de normas favoraveis‘m. Efectivamente, tem sida entendimenta

rendimentos auferídos em 2011402. da doutrina que o principio da proibição da retroactividade


da lei fiscal nao se aplica nos casos em que a norma fiscal
se afigura mais favorável ao contribuinte, v.g., no caso dos
beneficios fiscais, em que so se exclui constitucionalmente
… Nesta sede, revela—se de extrema importancia determinar o momento em o caso julgada4“5.
que se verifica o facto tributario, a que e gerador de especiais dúvídas quando
estaa em causa impostas periodicas, tais come, o IRS, a IRC au o IVA. Fala7se
de factos de formacào sucessiva, o que tem levado a duas vias de entendimento
acerca da sua forrnacào: ha quem propugne, por exemple, no caso da IRS, que
tais factos tributarios se verificam todos as meses, parquarrta a retencào na fonte
da-se com essa periodicidade; e ha ainda quem propugne que a facto tributario so
se consuma no final do ano em cursa 7 facta tributario uno desde a inicio até ao firn do preceito, a verdade e que a Leí Geral Tributaria nao reveste uma natureza de lei
periodo de tributacào 7, vista tais retencòes na fonte serem feitas a titula de pagamento com valor reforcado, razäo pela qual pode ser revogada por posteriores leis que
per conta. Independentemente da nossa posicào, que propende para a defesa da com ela nao sejamcempativeis,
primeira tese, convém fazer referência aos Acórdãos do Tribunal Constitucional "“ Neste sentide, vide: J. J. GOMES CAN OTILHO/ VITAL MOREIRA,
n.“ 399/10 e n.“ 18/2011, onde se faz a distincao entre retroactividade auténtica e Constitaicdo da República Portuguesa 7 Anotada Volume I ..., p. 1093; JOSE
retroactividade inauténtica au (retraspectividade), optanda per se considerar que CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 4a ed., Coimbra, 2006, p. 15 1.
apenas a primeira está vedada no art. 103.“, n.“ 3, da CRP (com esta posicào Alberto … Assim, JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal..., pp. 148 e 150.
Xavier, cfr. DIOGO LEITE CAMPOS/ BENJAMIM RODRIGUES/ JORGE LOPES 4°“ Neste sentido, Jorge Bacelar Gouveia defende que a retroactividade das normas
DE SOUSA, in Lei Geral Tribatdria, comentada e anotada, 3“ ed., Lisboa, 2003, fiscais mais favoraveis e admissivel desde que se respeite o caso julgado, cfr.
p. 83; tadavia, em sentido diverso, Jonatas Machado e Paulo Nogueira da Costa JORGE BACELAR GOUVEIA, A proibicào da retroactividade da norma fiscal
afastam a retroactividade impropria, in JONATAS MACHADO/ PAULO NOGUEIRA na Canrtituiçäo Portuguesa, in Problemas Fundamentais de Direito Tributario, Lisboa
DA COSTA, Carso de Direito Tribatdrio, Coimbra, 2009, p. 60). 1999, p. 65; ainda Diaga Leite Campos/ Benjamim Rodrigues/ Jorge Lopes de
Nao podemos deixar ainda de mencionar, a propósito desta materia, a posição Sousa consideram que “quando a retroactividade e' favoravel ao contribuinte, só a
certeira, a nova ver, acalhida no art. 12.“, n.“ 2, da Lei Geral Tributaria, onde se retroactivídade que pee em causa o caso julgado é constitucianalmente vedada",
dispöe que “Se Dfizcto tributa'riofor defiirmacào sucessiva, a lei nova so' se aplica ao DIOGO LEITE CAMPOS/ BENJAMIM RODRIGUES/ JORGE LOPES DE
Cfr.,
254 periodo decor-rido a partir da sua entrada em vigor". Nao obstante o teor deste SOUSA, Lei Geral Tributa'ria..., p. 85. 255
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

33.2.2.3. O caso julgado 33.2.2.4. Leis restritivas de direitos, liberdades e garantias

A lei nao se pode aplicar retroactivarnente de molde a atacar Resulta do art. 18.“, n.“ 3, da CRP que as leis restritivas de
uma decisao judicial definitivamente transitada em julgado. Este direitos, liberdades e garantias näo podem ter efeito retroactivo. A
principio de ndo retroactividade da lei que afecte 0 caso julgado razao desta proibiçäo prende-se com a seguranca juridica e tutela
nao tem consagracae constitucional expressa, todavia, retira—se dos de confianca dos cidadäos, pois só desta forma se evita o perigo
seguintes preceitos: de atribuir aos seus actos passados efeitos juridicos com os quais
l.Art. 111.“da CRP, que consagra o principio da separaçäe nao poderíam contar e que vêm restringir os direitos fundamentais.
V.g., se é criada, em 2012, uma LN cem efeite retroactivo que vem
de poderes 7 se a LN pudesse ser aplicada a situaçôes ja
sancionar disciplinarmente os jemalistas que publiquem fotografias da
decididas definitivamente pelos tribunais e transitadas
em julgado, e se, eventualmente, o legislador discordasse
vida privada do Primeiro—Ministro, restringindo—se, por esta via, o
direito fundamental a liberdade de imprensa (um direito liberdade
de tais decisôes jurisdicionais, poderia fazer novas leis
e garantia previsto no art. 38.“ da CRP), caso Ana, jomalista do
que, aplicando-se aos casos julgados, traduziriam uma
interferència da funçâo legislativa na funçäo judicial, jomal X, tenha publicado ha dois anos algumas fotografias da Vida
violando—se, deste modo, o principio da separaçâo de
privada do Primeiro-Minístro, näo pode Vir agora a ser sancionada
poderes;
disciplinarmente por um facto outrora perrnitido.

2. Art. 282.“, n.“ 3, da CRP, que prevé que “as declaracoes 33.2.2.5. Um principio constitucional da nao retroactivídade
de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do das leis mais desfavoraveis?
Tribunal Constitucional não abrangem os cases julgados”
7 se se considera que os casos julgados com base na LA Ha quem defenda um principio constitucional da irretmactividade
inconstitucional (o vicio mais grave do ordenamento de quaisquer leis gravosas ou desfavordveis aos cidaddos, tendo por
juridíco) näo podem ser atacados, nâo faria sentido que base o principio do Estado de Direito Democratico…. Efectivamente,
os casos decididos com base nurna LA, que nao enferma a jurísprudéncía constitucional tem víndo a entender que a LN, que
de qualquer vicio, viessem a ser postos em causa porque o afecte retroactivarnente direitos garantidos por uma anterior LA,
legislador, fazendo uso do seu poder de auto-revisibilidade, deve ser considerada inconstitucional no caso de Violar o principio da
entendeu revogar a LA e fazer uma LN para regular a protecçâo de confianca que decorre do Estado de Direito Democrático,
situaçäo; excluindo—se, deste modo, a privaçâo arbitraria de direitos adquiridos”.
.Art. 2.° da CRP, que consagra o principio do Estado de
W

Nao vemos com desagrado esta ideia, todaVia, a sua admissibilidade,


Direito Democratico e de onde decorre tambem o principio em nossa opiniâo, deveria salvaguardar os casos de retroactividade
da seguranca juridica, seria posto em causa se os casos de grau minimo ou ordinaria, sob pena de se estar a por em causa a
julgados pudessem ser revistos por leis posteriores, pois as margem de liberdade conformadora do legislador.
pessoas nunca poderiam ter certeza acerca da resoluçäo
dos seus diferendos, gerando-se uma instabilidade geral
na sociedade que näo se coaduna com a própria ideia de
Direito. 4““ Cfr. NUNO SÁ GOMES, Intraduçäe ao Estudo..., p. 295.
256 4m Cfr. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7 Introducdo……., p. 554. 257
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

33.3. Critérios especificos 2. Redução depena 7 um crime passa a ser menos severamente
punido do que era no momento da sua pratica, caso uma
Em certas matérias e ramos de Direito, o criterio geral da näo lei posterior o sancione com pena mais leve.
retroactividade da lei e substituido por critéries particulares que Existe urna tendência para alargar este principio da aplicaçâo da
permitem a aplicaçäo retreactiva das leis. Esta em causa, a este lei mais favoravel a outras areas de Direito, nomeadamente, fala-se
respeite, 0 direito penal negativo e 0 direite precessual. das leis fiscais mais favoraveis retroactivas410 e também das leis
eenfirmativas, que adiante analisaremos‘“.
33.3.1. Direito penal negativo
No que respeita a matéria fiscal, embera se adrnita 5 possibilidade
da aplicaçäo das leis fiscais retroactivas mais favoraveis, ja se
Trata—se de normas que descriminalizam ou reduzem as penas
considera improcedente a existência de um dever do legislador o
aplicadas a certas condutas. De acordo com o art. 29.“, 11.“ 4, da
fazer em termos similares ao principio da retroactividade in mitius
CRP, art. 2°, n.° 2, do Código Penal (descriminalizacäo) e art. 2.“,
que vigora no direito penal, porquanto os pressupostos de aplicac5o
11.“ 4, do Còdigo Penal (reduçäo de penas) consagra-se um principio
da lei penal e da lei fiscal s50 diversos“, e também urna imposiçäo
da retroactividade in mitius (ou leges favorabiles), aplicando-se
desta natureza certamente iria inviabilizar eventuais alteraçôes
retroactivamente a lei penal mais favoravel ao arguido‘m. Os seus efeitos
legislativas de natureza fiscal que se mostrassem mais fav015veis
abrangem todos aqueles que no passado tenham praticado a conduta, aos contribuintes.
quer estej am ou n50 cendenades. Trata—se da única situaçâo em que
no direito português se permite, e até impñe‘09, a retroactividade 33.3.2. Direito processual
extrema, resultando que se alguém se encontra a cumprir pena deve
ser libertado. O principio da aplicacào da lei penal mais favoravel Tem-se defendido uma aplicaçâo imediata da nova lei processual
tem duas vertentes: aos processos em curso 7 cujes tramites se devem, por esse motive, a
1. Descriminalizacào 7 deixa de ser censiderade crime o ela adaptar 7 tende per base 5 ideia de que: a) a LN centém critéries
facto que a lei posterior vem a despenalizar; mais perfeitesm; b) “0 processe n50 da nem tira direitos, apenas
se assumindo como um conjunto de formalidades, susceptiveis de
imediata remodelac5e”‘“4. Trata—se de uma situac50 de retreactividade,
porque se esta a aplicar uma LN no procedimento de julgamento de
factos que ja se verificaram.
4““ A ideia inspiradora deste principio consiste em favorecer os interesses dos
particulares, nos casos em que n50 seja posta em causa a seguranca juridica, que
o principio da n50 retreactividade pretende tutelar. “° Por exemplo, a aplicacao retroactiva das leis sobre beneficios fiscais, ou,
4““ Vide J. J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constitaicfio dn ent5o, a aplicacào irnediata a todos os prazos em curso de uma lei fiscal que abrevie
Republica Portuguesa 7Anotndn Volume I..., p. 495, onde se afirma que “é obrigatória um prazo de prescricào.
a lei penal mais favorável", Em sentido algo diverso, Marcelo Rebelo de Sousa/ Sofia ““ Tal como veremos, infra 33.5.
Ga1v5o consideram que os casos de alteracào da moldura penal aplicavel a certo 412 Neste sentido, vide JORGE BACELAR GOUVEIA, A proibicdo da
crime, que se mostrem concretamente mais favoraveis ao agente, devem respeitar retroactividade..., pp. 65 a 67.
os casos julgados, e s50 exemplos de retroactividade quase extrema. Para estes “” Assim, entre outros, ANTONIO SANTOS JU STO, Introdupáo ao Estudo...,
autores somente as situacoes de descriminalizacào poderào caber no ambito da p. 384.
retroactividade extrema. Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÀO, … Cfr. ANTONIO MENEZES CORDEIRO, Dn aplicação dn lei no tempo...,
258 Introdupdo ao Estado…… p. 98. p. 23. 259
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

No sentido da aplicac50 imediata da lei processual esta 0 nosse uma distinçâe entre normas processuais penais materiais 7 que
Codigo de Precesso Civil quando no seu art. 136.“ se dispöe que: representam uma cenformac50 da penalidade a que 0 arguide pode
“n.° 1 7 a forma des diverses actes precessuais e regulada pela ficar sujeito 7 e as nermas preeessuais penais preprie sensa. Às
lei vigente no momento em que sae pratieades; n.° 2 7 a ferma de primeiras (que podem ir desde as normas que: alterem a natureza do
processo aplicável determina-se pela lei vigente a data em que a crime; a aplicaçäo, substituiçäo ou revegaçäo de medidas de coacçäo;
acçäo é proposta”. Porém, esta posiçäe é contestavel, porquanto a fundamentacao das decis0es; a liberdade cendicienal e de prova;
n5e s5o raros os casos em que as leis processuais Vém afectar as o exercicio, caducidade e desisténcia de direito de queixa e de
posiçôesjuridicas subjectivas das pessoas“, como seria 0 case, per constituic5e como assistente; ou mesmo a prescriçäe de direito de
exemplo, duma nerma processual redutera do prazo de contestaçao, queixa) aplica—se 0 art. 29.“, n.° 4, da CRP qua tale, que n5o só proíbe
que pode ter como consequéncia pratica a irnpossibilidade da defesa
do réu. m
a aplicac50 de normas processuais materiais menos favoraveis, como
a aplicac50 retroactim das nerrnas processuais mais faver5veis
ae arguide4‘7. Às segundas (que s50 as restantes nerrnas processuais
Também noutras areas de Direito se parece acolher esta ideia da
penais, v.g., alteraçae dos requisitos de acareaçâe eu de netificac5e)
aplicacao imediata da nova lei precessual, e, com uma formulaçäo
aplica—se a LN aos processos em curse (independentemente de ser
mais perfeita, pois salvaguardam os direitos des sujeitos destinatarios:
veja-Se o art. 12.“, n.“ 3, da Lei Geral Tributaria e ainda o art. S.° do
mais desfavoravel ou n5o), que sera retroactiva quando estej am em
causa factos verificados na vigéncia da LA.
Cedigo de Processo Penal.
Quanto 5 aplicaçâe retroactiva da LN no ambito de direito 33.4. Posição do Código Civil
processual penal, convém determe-nos um pouce mais. Ne art. 5.“,
n.“ 2, do Código de Processo Penal estabelece-se como limite 5 Na falta de direito transitório, respeitadas as directrizes
aplicaçâo imediata da lei precessual, as dispesiçôes que sejam mais constitucionais e os regirnes especifices relatives aos diferentes rames
desfaveraveis ao arguide. Trata—se, no funde, de urna cencretizaçäe do Direito, o Còdige Civil consagra um regime supletivo geral e
da aplicaçao de principio da retroactividade in mitius 5s nerrnas de dois regimes supletivos especiais para a reseluc5e des problemas
direitoprocessual penal, pois se se irnpede a aplicaçäo das normas mais de sucess50 de leis. Temes assim:
desfaveraveis, significa que se devem aplicar as normas processuais
1. Regime supletivo geral 7 art. 12.“ do CC;
mais favoraveis aos processos em curso (o que, alias, tambem
2. Regimes supletivos especiais 7 art.13.“ e art. 297.“ de CC.
decorre do n.“ 1 deste preceite). Ne que a esta matéria respeita, tal
come entende Paulo Pinto de Albuquerque“, ha que fazer, porém, Vamos, primeiramente, analisar as deutrinas que estiveram
subjacentes 5S soluçôes adoptadas no Còdige Civil.

’“5 Com esta posiçâo, Menezes Cordeire afirma que o direito processual n50 pode
“ser reduzido a um mero papel de regulador de formalidades", defendendo, por
isso, a aplicacáo do art. 12.“ do CC aos casos de sucessào de leis de natureza
precessual. Cfr. ANTONIO MENEZES CORDEIRO, Da aplicagdo da lei no
tempo..., p. 23. 4” Assim, se uma nova lei vem a reduzir o praxo maxime de pris5o preventiva
415 Vide PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentdrio ao Código de de très anos para dois anos, e este que se deve aplicar, devendo ser libertada a
Processo Penal 7 a luz da Constituipáo da Republica e da Convençäo Europeia pessoa sujeita a esta medida de coaccao quando se encontre nessa Situac5o ha
260 dos Direitos do Homem, 2“ ed., Coirnbra, 2010, pp. 56 e segs. mais de dois anos. 261
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

33.4.1. Doutrinas sobre sucessao de leis413 2. Nao atende ao carácter de durabilidade das situacòes 7 nem
todos os direitos devem ficar indefinidamente sujeitos a disciplina
Podem—Se distinguir quatro teorias sobre a sucessäe de leis: do direito Vigente quando se constituiram, V.g., quanto ao direito
de propriedade, se alguém comprou uma casa ha einquenta anos,
1. Doutrina des direitos adquiridos;
nao faz sentido que caso a queira arrendar se aplique o regime de
2. Doutrina do facto passado;
3. Doutrina das situacOeS juridicas subj ectivas e objectivas;
arrendamente existente nessa altura.
4. Doutrina das situaçôes juridicas de execução duradoura e
de execucae instantânea. 33.4.1.2. Doutrina do facto passado

Defendida em finais do século XIX, de acerdo com esta doutrina


33.4.1.1. Doutrina dos direitos adquiridos
todo o facto juridico deve ser regulado pela lei vigente no momento
em que se produziu, por isso, a LN ndo deve ser retroactiva. Assim:
Defendida por Savigny no século XIX, propugna que os direitos
adquiridos a sombra de uma lei devem ser respeitados pelas leis 1. A LA 7 regula es factos ocerrides na sua vigéncia e os
posteriores, por isso, distingue: seus efeitos (os consurnades e mio consumados);
1. Direitos adquiridos 7 sâo direitos consolidados na nossa 2. A LN 7 regula os factos noves.
esfera jurídica, que nao podem ser retirados porque sao fortemente
Esta deutrina cempreende uma nova versäe exposta per Enneccerus,
tutelados pelo Direito, v.g., es direitos subjectives, que traduzem que defende 0 seguinte:
um poder de dominio sobre uma coisa ou um poder de exigir uma
prestaçâe (quem compra um terreno tem um direite de propriedade 1. A LA 7 regula os factos ocorridos na sua vigéncia e os
sobre esse mesmo terreno). Dada a sua natureza, aos direitos adquiridos seus efeitos ja censumades (isto é, os efeitos produzidos
nao se aplica a LN; antes da entrada em vigor da LN);
2. Simples expectativas 7 säe esperancas de que, dada a situaçâe 2. A LN 7 regula os factos novos e os efeites näo censumades
em que se encontra uma pessoa, previsivelmente vem a adquirir dos factos passados (isto é, 0s efeitos nao produzidos antes
um direito, v.g., es filhos têm uma mera expectativa de vir a ser da entrada em vigor da LN).
herdeiros dos pais quando eles falecerem 7 as simples expectativas A aplicacao da LN aos efeitos näe censumades dos factos
aplica—se a LN. passados, Enneccerus nao faleu de retroactividade, mas antes de
Criticas“? efeito imediato.
1. Nem sempre é facil distinguir um direito adquirido duma Critica 20:
expectativa;
1. A posição de Enneccerus:
Os efeitosjuridices sao censequència dos factosjuridices, existem
desde a sua ecerrència mesmo que dependam também de factos
"X Seguimos a explanacào de ANTONIO SANTOS JUSTO, Introduçäo ao
Estado… pp. 378 e segs.
419 Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmduçäo ao Estudo..., p. 379. 42° Cfr. ANTONIO SANTOS JU STO, Introdacào ao Estado… p. 380. 263
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

novos, por isso, a LN ao modificar o que ja existia é necessariamente 33.4.1.3. Doutrina das situações jurídicas subjectivas e
retroactiva. objectivas
2. A insuficiéncia da formula da doutrina do facto passado 7
Doutrina elaborada por Duguit, na primeira metade do século XX,
por Baptista Machado.
pretendeu substituir o conceito de direito subjectivo pelo conceito
A doutrina do facto passado é util, mas ainda se revela insuficiente de situaçäojuridica, que pode conter duas realidades:
para resolver todos os problemas de sucessâo de leis, pois náo atende
1. Situaçôes sabjectivas 7 decorrem da manifestaçäo de vontade
as diferencas entre os factos passados que:
das pessoas, isto é, resultam de actos e contratos das partes (derivarn
a) Sao constitutivos, modificativos eu extintivos de situacòes da sua autonomia), V. g., as cláusulas de um contrato: preco, local de
juridicas, em relaçâo aos quais a LN näo se aplica, V.g., a curnprimento do contrato.
celebraçâo de um contrato; Segundo esta doutrina, as situaçôes subjectivas Vindas do passado
b) Sao pressupastos da constituicáo de situaçôes juridicas, em aplica-se a LA;
relaçäo aos quais a LN se aplica, v.g., um impedimento 2. Situaçôes objectivas 7 sâo os poderes legaís que a lei confere as
matrimonial ou urn fimdarnento de deserdaçâo. Estes factos pessoas quando se verifiquem certos factos (resultam directamente
sâo apelidados de factos pressupostos, pois nao determinam da lei), V. g., os poderes que envolvem o direito de propriedade sae
a competència da lei aplicavel, mas sâo usados pela lei fixados por lei (fruicae, venda).
como “ponto de referência para definir o regirne juridico
da situaçäo que, durante a sua Vigência, é criada”…. Segundo esta doutrina, as situaçôes obj ectivas Vindas do passado
aplica—se a LN.
Assim, se A se caseu em 2000 com B (nao prevendo, por
hipotese, a lei de 2000 o impedimento matrimonial da
bigarnia), e se em 2010 se pretende casar também com C
Criticas“:
(prevendo a lei desde 2008 o impedimento matrimonial As situacòés subj ectivas nem sempre decorrem unicamente da
de bigamia), vai-se aplicar a LN, e, como tal, A nâo se vontade das pessoas, V.g., a condicio de herdeiro näo depende apenas
pode casar com C, embora o facto impeditivo seja passado da vontade do interessado, mas depende também da morte do de
e nâo fosse nessa altura considerado um impedimento. cujus.
F ala-se aqui de retroconeicáo422 7 temos um facto passado
que contribui para definir o regime do facto presente, ao 33.4.1.4. Doutrina das situações jurídicas de execução
qual se vai aplicar a LN. duradoura e de execução instantánea

Defendida por Inocèncio Galvao Telles“, apresenta-se como


uma renovada versäo da doutrina do facto passado e assenta na
separaçâo entre:

‘… Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Introdupdo ao Estudo…, p. 380 (e … Vide ANTÓNIO SANTOS JUSTO,Introdupáa ao Estado… p. 381.
sublinhado é nosso). … Cfr. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Introduçäe ao Estado do Direito
264 422 Sobre esta materia, vide infra 33.6.2. I… p. 287 e segs, 265
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

1. Situapoesjuridicas de execução duradoura 7 s50 as situaçôes 1.“ parte: “A lei só dispöe para ofitturo”
em que a sua execuçâo ocorre periodicamente e os seus efeitos s50
Consagra—se aqui o principio geral da não retreactividade, que se
duradeures, v.g., num contrato de arrendamento o locador oferece imp0e per razöes de estabilidade, pois só dessa forma os cidadâos
continuamente 50 locatario o gozo da coisa. Para Inocencio Galv5o poderâo prever os efeitos dos actos que praticam. O n.° 2 do art.
Telles é preciso separar o passado (até 5 entrada em vigor da LN),
12°, que adiante analisaremos, vem cencretizar 0 significade da
ao qual se aplica a LA, do futuro (depois da entrada em vigor da
express5o a lei dispöe para ofuturem.
LA), ao qual se aplica a LN;
2.‘l parte: “ainda que lhe seja atribuida eficácia retroactiva,
2. Situacoesjuridicas de execucáo instantánea 7 550 as situacòes
presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos
em que os seus efeitos se esgotam num momento, isto é, a sua
factos que a lei se destina a regular.”
execuc5e ocorre mediante um acto isolado, v.g., um contrato de
compra e venda de uma televis5o esgota—se num só acto: com a Esta parte do artigo admite excepcñes ao principio geral da
entrega da coisa e 0 pagamento do preco. Nestes casos, aplica-se a näo retreactividade, eu seja, permite que a LN seja retroactiva se
lei do momento da pratica do facto, ou seja, a LA. 0 legislader assim 0 entender: “ainda que lhe seja atribuida eficácia
retreactiva.” E quande o legislador censagrar tal eficacia retroactiva, se
Criticas :
nada dispuser quanto ae seu grau, presume—se que essa retreactividade
e ordinária ou de grau minimo “presume-se que ficam ressalvados
Pode haver situacòes em que às relaçôes de execuçäo duradoura,
os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.”
que se estendem para além da entrada em vigor da LN, se justifique
a aplicaçäo da LA, v.g., as normas supletivas sobre o local do
Art. 12.“ n.“2 do CC
cumprimento da obrigacào;
E, do mesmo modo, pode haver situacfies de execuçäo instantánea “Quando a lei dispöe sobre as condicòes de validade substancial
em que se justifique a aplicacào da LN, v.g., as normas relativas a ou formal de quaisquerfactos eu sebre es seus efeitos, entende-se, em
garantia dos equipamentos. caso de du'vida, que so visa os factos novos; mas, quando dispuser
directamente sobre o conteúdo de certas relacóesjuridicas, abstraindo
33.4.2. O critério supletivo: art. 12.“ do CC dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange
as práprias relacñes já constituidas, que subsistam à data da sua
Para a compreensäo do conteúdo deste artigo do Código Civil, entrada em vigor.”
importa separar a análise dos seus números e partes. l“ parte: “Quando a lei dispöe sabre as condicòes de validade
substancial ou formal de quaisquerfactos eu sobre os seus efeitos,
Art. 12.“ n.°] do CC entende—se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos...”
“A lei só dispöe para o future; ainda que lhe seja atribuida
efica'cia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já
produzidos pelosfactos que a lei se destina a regular.”
‘25 Note7se que Miguel Teixeira de Sousa, diferentemente, acolhe uma aplicacao
imediata da LN, nos termos do art. 12.“, n.“ 1, 1“ parte, do CC, quando estejarn em
causa factos juridicos que ocorram após a sua vigencia e factos duradouros. Cfr.
266 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdupáo ao Direito..., p. 285. 267
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Se SO visa es “factos novos” significa que a LN aplica—se aos Efeitos dos factos 7 säe as consequéncias atribuidas pelo Direito
factos novos e a LA aos factos antiges. Ora, se tivermos um problema aos factos, que se encontram na estatuicao da norma. V.g., a lei fixa es
de sucessâe de leis (v.g., se temos uma LA e uma LN sobre as direitos e deveres decorrentes da aquisição do direito de prepriedade
cendiçôes de validade de factes), colocande-se a questäe de saber (art. 1344.“ e segs do CC)”.
qual a lei que vai reger os factos constitutives ecorrides no passado,
a resposta dada per esta regra de COdigo Civil vai no sentido da Efeitos que näa abstraem dos factos que lhes dño origem
aplicaçâe da LA. Entende a doutrina que só cabem na preVisâe do art. 12.°, n.“ 2,
Portanto, de acordo com a 1" parte do art. 12.“, n.“ 2, da CC l“ parte, de CC es efeitos que mio se podem abstrair dos factos que
aplica—se sempre a lei antigam. Resta determinar, agora, em que lhes dao origem, ou seja, es efeitos que nao podem ser desligados
circunstancias tal ocorre, o que implica saber quando se dispöe sobre dos factos que es geram, porque exprimem uma valoracdo desses
as candiçôes de validade substancial ou formal de quaisquerfactos mesmos factos. V. g., a lei que fixa uma ebrigaçäe de indemnizar“28
au sobre os seus efeitos: no caso de danos causados por animal, que certa pessoa estava
encarTegue de vigiar (art. 493.“ do CC), exprime uma valeraçäo do
a) Condicòes de validade (de factos): facto que lhe deu origem, isto é, do dane eausade pele animal, pois
Substancial 7 corresponde aos requisites de validade de um negOcio o montante da indemnizaçâe depende desse dane 7 aqui 0 facta
juridico quanto à idoneidade do objecto, capacidade e legitimidade das constitutivo é o dano causade pelo animal e o efeito é a ebrigacao
partes, erro, delo eu coacçäe, v.g., a lei que determina a anulabilidade de indemnizar da pessoa encarregue de o vigiar (respensabilidade
do negOcio celebrado com base em erro na declaraçäo de vontade; extracentratual).
Formal 7 corresponde aos requisites de validade de um negOcio 2‘ parte: “... quando dispaser sobre o conteúdo de relaçães
juridico quanto a forma e fennalidades, V.g., a lei exige que um juridicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender—se—a'
negOcio seja celebrado por escritura pública. que a lei abrange as pro'prias relaçõesjá constituidas, que subsistam
à data da sua entrada em vigor.”
b) Factos ou efeites:
Se abrange as relaçôes juridicas ja constituidas que subsistam à
Factos 7 sâe es aeentecimentes eu situacOes da Vida valorados data da sua entrada em Viger, significa que a LN se aplica a situaçôes
pelo Direito, que se encontram na previsäe da nenna. V.g., a lei regula passadas.
es medos de aquisiçäe do direito de propriedade ou es requisitos da
celebraçâe de um negocio juridico. Portanto, de acordo com a ¿”parte do art. 12.°, n.“ 2, da CC
aplica-se sempre a lei nova. Resta saber agora em que circunstâncias
tal ecorre, o que implica determinar quando é que se dispöe sobre

“7 Há quem faça a distinçäo entre efeites instantâneos (que se esgotam num


momento preciso) e efeitos duradouros (que se prolongam no tempo), defendendo
que aos primeiros aplica-se sempre e art. 12.°, n.“ 2, 1“ parte, do CC e aos segindos
425 A este respeito, Miguel Teixeira de Sousa fala em sobrevigéncia da LA nos aplica7se a 2“ ou a l” parte do art, 12.“, n.“ 2, do CC, consoante se autonomizem
casos em que a LN se refira as condicòes de validade de um acto juridico ou ao eu nao de facto constitutivo. Cfr. DANIEL DE BETTENCOURT MORAIS,
conteúdo de situacóes juridicas que nao se abstraiam do titulo constitutivo, vide Hipo'teses para a disciplina..., p. 185.
268 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdacào ao Direito… p. 287. ““ Determina, por exemplo, os termos e e montante da indemnizacào. 269
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

o conteúdo de relacñes juridicas abstraindo dos factos que lhes 33.4.3. Estatutos sabre sucessäo de leis
deram origem:
33.4.3.1. Estatuto real (direitos reais ou das coisas 7 artigos
a) Conteudo das relacoesjuridicas 1251.“ e segs do CC)
É o âmbito das relacziesjuridicas ou as seus efeitos depois de 1. Aquisiçäo de um direito real 7 esta em causa um facto
constituidas, v.g., os poderes que o proprietario tem relativamente constitutivo, logo aplica-se 0 art. 12.“ n.“ 2, 1.“ parte, do CC, isto
ao seu bem (âmbito do direito) eu as direitas e deveres das partes é, a leí vigente no momento da constituiçâo 7 a LA. V.g., a LN que
no negócio jurídico. altera os madas de aquisicaa do direito de propriedade (art. 1316.“
b) Abstrair dos factos que lhes deram origem e segs do CC);

Os efeitos que abstraem dos factos que lhe deram origem sao 2. Conteudo do direito real 7 esta em causa um efeito que abstrai

as que se encontram de tal modo autononrízados do facto constitutivo, de facto que lhe da arigem, logo aplica-se o art. 12.“, n.“ 2, 2“ parte,
que näo irnplicarn nenhuma valoraçäe desse mesmo facto, nao fazendo do CC, isto é, aplica-se a LN. V.g., a LN que regula o ambito
sentido aplicar—se—lhes a lei que o rege. V.g., a lei que regula o âmbito do direito de propriedade, por exemplo, as relacòes de vizinhanca
do direito de propriedade quanta à plantaçâo de arvores e arbustos é entre os proprietarias de terrenos contigues 7 apraveitamenta das
o actual art. 1366.“ do CC, eu a LN, pois os poderes do proprietario aguas (art. 1389.“ e segs do CC).
do terreno säo autónomos da moda de aquisiçäo desse direito de
propriedade (o que pade acarrer per contrato, ocupaçâo ou usucapiäo), 33.4.3.2. Estatuto da responsabilidade extracontratual
nâo fazendo sentido que quem adquiriu um terrena, por exemplo, (facto ilicito ou licito/risca 7 art. 483.“ e segs da CC)
em 1940, ainda estivesse sujeito a legislacào dessa épeca (quanto
aos seus paderes come proprietario), altura em que se verificou o 1. Se a LN altera as pressupostos de facto que se devem verificar

facto constitutivo. para haver respansabilidade civil, esta em causa um facto constitutivo,
logo aplica-se 0 art. 12.“, n.“ 2, 1“ parte, do CC, isto é, a lei em vigor
Consideracòesfinais: no tempo da ocorrência do facto que gera a responsabilidade 7 a
LA. V.g., a LN que altera as termos em que os danos causados por
Quando uma lei regula os efeitos de uma situaçâo juridica 7 os
urn animal, que certa pessoa estava encarregue de Vigiar (art. 493.“
efeitos que resultam de am facto ou o conteúdo de ama relaçãa
do CC), geram obrigacàe de indemnizar o lesada.
juridica 7 importa saber se:
2. Se a LN altera, par exemplo, as termos do cálculo e o montante
1.Näo abstraem do facto que os origina 7 aplica—se o 12.“,
da indemnizacào, no caso da verificacao des factos geradores de
n.“ 2, 1“ parte, do CC;
responsabilidade civil, esta em causa um efeito que exprime uma
2. Abstraem do facto que os origina 7 aplica—se o 12.“, n.“ 2, valoraçäo desses factos, isto é, urn efeito que näo abstrai do facto
2“ parte, do CC. que lhe da origem, e, como tal, aplica—se igualmente a 1“ parte da
A doutrina, para melhor determinar quando é que se aplica a 1“ art. 12.“, n.“ 2, do CC, isto é aLA. V.g., no exemple do art. 493.“ do
ou a 2“ parte do do CC, criou regras relativamente às
art. 12.“, n.“ 2, CC, tal como ja referimos, o facto constitutivo é o dano causado pelo
diferentes matérias de direito civil, que veio a designar de estatutos, animal e o efeito é a obrigacào de indemnizar da pessoa encarregue
e que constituem apenas indicios de concretizaçäo, näo havendo de o Vigiar.
270 unanimidade quanto ao seu tear. 271
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

33.433. Estatuto sucessório (sucess5o por morte 7 art. 2024.“ 33.4.3.4. Estatuto pessoal (estados pessoais 7 art. 66.“ e segs
e segs do CC) do CC)
1. Constituiçäo de um estade pesseal 7 esta em causa um facto
1. Sucessäo legal (sem testamento) 7 esta em causa um facto
constitutivo, lego aplica—se 0 art. 12.“, n.“ 2, 1.“ parte, do CC, iste e, a lei
eenstitutive 7 morte de de cujas e consequente abertura da sucess5o Vigente nesse momento 7 a LA. V.g., a LN que altera as condicòes em
7 lege para determinarmos o regime da sucess5o legal429 aplica-se o que as pesseas podem ser inabilitadas (art.152.“ do CC);
art. 12.“, n.“ 2.“, 1“ parte, do CC, isto e, a lei do momento da morte
eu da abertura da sucess5o 7 a LA. V.g., a lei que rege a sucess5o 2. Conteu'do de um estado pessoal 7 esta em causa um efeito
legitimaria (art. 2156.“ e segs do CC); que abstrai do facto que lhe da origem, logo aplica-se o art. 12.“,
n.“ 2, 2“ parte, do CC, iste é, aplica-se a LN. V.g., a LN que altera o
2. Sucessdo voluntaria (com testamento) 7 implica a existencia
regime de administraçäe dos bens do inabilitade (art. 154.“ do CC).
de um testamento, que é feito pelo de cujus, e que, naturalmente,
ocorreu antes da sua morte, que e dizer antes do memente da abertura
33.4.3.5. Estatuto da familia (estados pessoais da familia 7
da sucess5o“: art. 1576.“ e segs do CC 7 casamente e filiaçäe)
a) Validade formal do testamento (art. 2204.“ e segs do CC)
e capacidade para testar (art. 2188.“ do CC) 7 esta em 1. Constituiçäo de um estado de familia (inclui 0s aspectos
causa um facto constitutivo, a feitura do testamento, logo ligades 5 sua existência, validade, objecto e parte do conteúdo ligado
aplica-se o art. 12.“, n.“ 2, 1“ parte, do CC, iste é, a lei em a constituicao) 7 esta em causa um facto constitutivo eu um efeito
vigor no momento da sua feitura 7 a LA; que nao se pode abstrair do facto que lhe da origem, logo aplica-se
o art. 12.“, n.“ 2, 1“ parte, de CC, isto é, a lei vigente nesse momento
b) Contea'do do testamento 7 entende a doutrina estar em
causa um efeito que abstrai de facto que lhe (15 erigem,
7 a LA.
pois caso o testamento tenha sido feito ha 50 anos n5o se V.g., a) a LN que altera es requisites de capacidade des nubentes,
deve pôr em causa a sucess5o legal dos restarites herdeiros eu ent50 as formalidades inerentes a celebraçäo do casamente (trata-se
com a aplicaçâe da lei vigente ne memente da sua feitura, de urn facte constitutive, a celebraçâo de casamente); b) a LN que
que se encontra desajustada aos interesses actuais da altera o regime supletive de bens de casamento 7 art. 1717.“ do
sociedade, lege aplica—se 0 art. 12.“, n.“ 2, 2“ parte, do CC (trata—se de um efeito que n5o abstrai de facto que 0 erigina, o
CC, isto é, a LN 7 lei existente no memente da abertura casamente, perque se as partes n5e escelhem um regime de bens
da sucess5o“. significa que cencerdam com o regime supletivamente fixado pela
lei, per isso, é come se este fosse uma clausula do contrato, que
n5e podera ser alterada por uma lei posterior); c) a LN que altera os
429 0 regime da sucess5o legal consta dos artigos 2024.“ e segs do CC. poderes dos que casam com menos de 18 anos 7 art. 1649.“ do CC
”° Quante 5 sucess5o testamentaria, convém referir que o problema de determinacàe
da lei competente ocorre quando a LN (diversa da LA) surge no periodo de tempo que
medeia entre a feitura do testamento e a morte do testador, cfr., JOÃO BAPTISTA
MACHADO, Sobre a aplicagdo..., p. 189. regalar se lhes aplique a lei existente neste momento, sob pena de, se tal n5o fosse
““ Note-se que a sucess5o testamentaria e' um facto de fermacào sucessiva que assim, se gerar um choque entre o estipulado no testamento e a norma institucional
se se completa com a morte do de cajus, isto é, o testamento prevé efeitos que da LN que atende aos interesses recentes da comunidade acerca das matérias
272 só por morte do seu autor se verificam, por isso, faz todo o sentido que para es sucessórias, 273
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

(trata-se de um efeito que nao abstraí do facto que lhe da origem, 1. Regra: IA (autonomia contratual)
porque exprime uma wloracao do casamento nessas circunstâncias, Em regra, a lei a aplicar aos contratos é a lei existente no momento
isto é, verifica-se uma valoraçâo do facto constitutivo, o casamento da sua celebracae 7 a LA 7, o que se justifica devido ao principio
de menores, pelo efeito, os poderes dos menores casados); da autonomia contratual, pois as partes têm a liberdade para dispor
2. Conteu'do de um estado defamilia (nao ligado a sua constituiçäo) sobre o conteúdo dos contratos, e se, por acaso, nao o fizerarn, significa
7 esta em causa um efeito que abstrai do facto que lhe da origem, que concordam com as regras supletívas previstas na lei (que é como
logo aplica—se 0 art. 12”, n.” 2, 2“ parte, do CC, isto é, aplica—se a se fossem incorporadas nos contratos), por isso, se decidiram
LN quanto à parte do conteúdo autonomízado da constituiçäo do contratar com base na lei Vigente, seria uma violència aplicar a LN
estado de familia. V.g., a) a LN que altera o regime de adrninistraçäo que altere o equilibrio no contrato por elas pretendido, e que muitas
de bens do casal 7 art. 1678.“ e segs; b) a LN que altera a forma das vezes pode ter sido decisivo para a resoluçâo de contratar“.
doaçôes entre casados 7 art. 1763.“ do CC. 2. Excepcao: [A (a defesa de interesses sociaisfandamentais)
Todavia, pode suceder que o legislador sinta necessidade de intervir
33. 4.3.6. Estatuto dos contratos
para salvaguardar interesses sociais fundamentais 7 estabelecendo
uma certa ordem p1'1blica económica de direcçâo, que tem por base
1. Constituiçäo de um contrato e parte do conteúdo ligada à
uma nova concepçäo do regime institucional das pessoas ou coisas,
constítuíção 7 esta em causa um facto constitutivo ou um efeito que
ou, mesmo, uma institucionalizaçäo da relaçäo juridica de base
näe se pode abstrair do facto que lhe da origem, logo aplica—se o
contratual‘m. Nestes casos, que implicam urn sacrificio da autonomia
art. 12, n.” 2, 1“ parte, do CC, isto é, a lei Vigente nesse momento
das partes, deve—se aplicar imediatamente a LN as relaçôes juridicas
7 a LA. V. g., a LN que altera a forma de celebraçâo de contrato de ja constituidas.
sociedade (art. 981.“ do CC);
Para sabermos se a LN salvaguarda interesses sociaisfundamentais,
2. Conteudo de um contrato näo ligado à sua constituiçäo 7
a carácter imperativo da norma pode-nos dar um auxilio. Todavia, tal
esta em causa um efeito que abstrai do facto que lhe da origem, carácter formalmente ínjuntívo pode náo ser decisivo ou ser mesmo
logo aplica—se 0 art. 12”, n.” 2, 2“ parte, do CC, isto é, aplica-se a insuficiente. Assim, é necessárío que, por interpretaçäo da norma,
LN quanto a parte do conteúdo autonomízado da constituiçäo do possamos chegar à conclusão de que esta ern causa uma questäo
contrato. V.g., a LN que altera o regime das causas de dissoluçäo da de ordem pública económica de protecçäe, em que se pretendem
sociedade (art. 1007.“ do CC). tutelar importantes interesses para a sociedade que ultrapassam os
meros interesses particulares. Tal como sucede nos seguintes casos:
Note-se que: a) a alteraçäo das regras sobre contratos de adesäo (transportes/
Quanta à matéria do conteudo dos estados pessoais de familia seguros), onde a parte que adere tem pouca liberdade de estipulaçâo
e dos contratos, os estatutos parecem nao adiantar muito mais do que
o previsto no art. 12.“, n.“ 2.“, do CC, por isso, para determinarmos
432 Nestes casos, as normas da LN atendem aes interesses das partes na relacàe
se aplicamos a LN ou a LA, é necessárío fixar um outro critério
centratual (pessoas enquanto co7contratantes), por isso, pode dizer7se que se reportam
que permita estabelecer quando é que os efeitos do contrato säo ao momento da formaçãa da contrato e náo aos seus efeitos, e, como tal, so se
autonomizados, ou nâo, da sua constituiçâo. Assim, a doutrina tem devem aplicar aos contratos fiituros (de mode que aos contratos ja celebrados
defendido que: aplica7se a LA).
274 … Cfr. JOÂO BAPTISTA MACHADO, Sobre a epliceçäo..., p. 346. 275
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

e muitas ve2es as cláusulas s50 abusivas; b) a alterac50 das leis que 33.4.4.2. O regime do art. 297° do CC
tutelem 5 henra eu os aspectos morais de uma parte no centrate; c)
ou a alteraçâo das regras sobre condiçôes de despejo no contrato de 0 art. 297° do CC contém um regime diverso consoante a LN
arrendamentom. encurte ou alongue um determinado prazo. A sua aplicac5o tern,
Esta argumentacào do interesse social fundamental acaba por porém, um requisito de verific5c5e necessária para ambos casos:
estar, no fundo, subjacente aos criterios adoptados pelos restantes “só se aplica aos prazos que estejam em curso436 no momento da
estatutos. entrada em vigor da LN.”
1.
33.4.4. Critério especial sobre prazos: o art. 297.“ do CC435
Cases em que 5 LN encurta um prazo: art. 297, n.° 1, do CC:”A
33.4.4.]. Celecac5o do problema lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do
que ofixade na lei anterior é também aplicável aos prazos que já
0 art. 297.“ do CC fixeu um criterio supletivo especial para estiverem em curso, mas o prazo so' se conta a partir da entrada em
resolver os casos de sucess5o de leis quande haja alteracòes de prazos, vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menes
isto e, quando a LN altera um prazo em curso aplica-se a LA ou a tempo para o prazo se completar.”
LN?
Deve—se fazer a análise deste preceito em duas partes:
Exemplos :

a) 1"Parte 7 0 praze da LN é mais curte e de acerdo com 5 LA


1. A LA previa que o prazo de usucapi5e era de 15 anes, a falta mais tempo para o prazo se completar:
LN veie fixar um prazo de 10 anos. Andreia tinha a posse
de um certo terreno ha 4 anos, a partir de que momento “A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais
pode usucapir o terreno? curte do que efixado na lei anterior e também aplicável aos prazos
que ja estiverem em curso, mas oprazo so se conta a partir da entrada
2. A LA previa um prazo de 4 anos para liquidac50 de um
em vigor da nova lei...”
imposto, a partir da verificac5o do facto tributario, a LN
fixou o prazo para 5 anos. Bernardo auferiu rendimentes Aplica—se a LN e o prazo conta-se a partir da sua entrada em
come trabalhader dependente há 3 anos, até quando a Vigor.
Administracào fiscal pode proceder 5 liquidac5e do imposto? V.g., 0 case de usucapiào: de acordo com a LA o prazo de
usucapiäo era de 15 anes, e de acordo com a LN o prazo de usucapi5e
é de 10 anos. Se Andreia tivesse a posse do terreno ha 3 anos, de
… Aqui, as normas da LN visarn definir a estrutura basica do sistema juridico
acordo com a LA faltariam 12 anas para o prazo de usucapi50 se
e a ordem social, fixando 0 estatuto fundamental das pessoas e das coisas, que,
por estes motives, se apresenta de interesse geral. Deste modo, pode dizer-se que tais verificar, loge, aplicar—se—ia o prazo de 10 anos fixado na LN, que
normas se reportam aos efeitos dos contratos (e n50 ao seu momento de formaçäo), se deveria contar a partir da entrada em vigor desta mesma lei (LN).
e, como tal, devem—se aplicar aos contratos com origem no passado que se encontrem
ainda em curso.
“5 Sobre esta matéria, vide, entre outros, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “6 Exemplo de um prazo que n50 estaria em curso seria o caso de a LA fixar
Aplicacào da lei no tempo..., p. 14 e 15; JOAO BAPTISTA MACHADO, Introdupfio um prazo de usucapi5o de 10 anos, a LN fixar um prazo de usucapi5o de 15 anos,
ao Direito..., pp. 242 e segs; JOAO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicapfio… e a posse do terreno ocorrer ha 12 anos. Neste caso já se tinha constituido 0 direito
276 pp. 161 e segs. 5 luz da LA. 277
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

b) 2” Parte 7 prazo mais curta e de acordo com a LA falta menos direitos ficassem, em breve periodo de tempe, prescrites por efeito
tempo para o prazo se completar: da entrada em Vigor da LN. Assim, per razöes de justica e seguranca
juridica, entendeu—se aplicar a LN, mas com um ajustamento, isto
“... a ndo ser que, segundo a lei antiga,falte menos tempo para
é, o novo prazo por ele previsto dever-se-á contar a partir da sua
o prazo se completar.”
entrada em vigor.
Aplica-se a LA.
2. Art. 297.“n.“ 1, 2"parte, do CC
V.g., se Andreia tivesse a posse do terTeno ha 8 anos, de acerde
Foge também aos critérios gerais do art. 12.“ do CC, na medida
cem a LA faltariam apenas 7 anes para ela poder usucapir, o que
em que prevé a aplicapdo da LA a uma situaçâe que se vai constituir
seria um periodo de tempo menor do que os 10 anes previstes na
na vigència da LN, isto porque se pretende salvaguardar a ultima
LN. Per isso, aplica—se a 2“ parte do art. 297.“, n.“ l, do CC, ou seja,
intencae do legislador “reduzir es prazos”. Ora, se a aplicacao da
aplica-se a LA.
LN resultar ne caso concreto num alargarnento do prazo, estar-se-ia,
2. no fundo, a subverter o que tinha sido a vontade do legislador quando,
com a nova legislaçäo, pretendeu diminuir tais prazos.
Casos em que a LN alonga um prazo: art. 297.“, n.“ 2, de CC
“A leiquefixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos 3.Art. 297.°, n.°2, da CC
prazos que já estejam em curso, mas computar—se—a' neles todo o O regime previste no art. 297.°, n.“ 2, do CC corresponde aos
tempo decorrido desde o seu momento inicial.” critérios gerais estabelecidos no art. 12.“ do CC, porquarito se 0
Aplica—se a LN, mas descentar—se-a o tempo ja decorrido na decurse global do prazo tem um valer de facto constitutivo de um
vigència da LA. direito ou de uma situaçâo juridica, e se tal prazo estava em curso no
momento da entrada em vigor da LN, é porque a situaçäe juridica
V.g., na mesma situacae de usucapiâe: se a LA fixar um prazo
ainda mio se encontrava constituida nesse momento, por isso, cabe
de 12 anes e a LN um prazo de 15 anes, caso Andreia tenha a posse a LN a competéncia para determinar es requisitos da sua constituicao
do terreno ha 10 anos tera de esperar mais 5 anes para o poder usucapir
(quando uma situacae juridica se encontra em vias de censtituiçâe,
(es 15 anes previstes na LN menos es 10 anes ja decorridos durante passa 0 respective preeesse constitutivo a ficar imediatamente
a vigència da LA). subordinade a LN).
33.4.4.3. Fundamentacao deste regime especial437 33.4.4.4. Ämbite de aplicaçâe do art. 297.“ do CC

1. Art. 297.“n.“ 1, I"parte, do CC 1. Prazos a que se aplica o art. 297.“do CC


Neste preceite mio se aplica em rigor 0 regime geral do art. 12.“ a) Prazos que sejam constitutivos au extintivas de uma situacdo
do CC, ou seja, mio se aplica sem mais a LN as situacOes juridicas juridica 7 isto é, quando o decurso de um período de tempo constitui
em curse e ainda näo constituidas no momento da sua entrada em ou extingue uma situaçäe juridica eu um direite, V. g.:
vigor, pois o encurtamento de um prazo poderia levar a que certos
i) Prazo constitutivo 7 V.g., a usucapiae faz nascer um direito
na esfera juridica de alguém (a posse de um bem durante
… Vide JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introduçàa ao Direito..., p. 243; um certo periodo de tempo implica a aquisicae do direito
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Aplicacfio da lei no tempo..., pp. 14 e 15. de prepriedade desse mesme bem 7 artiges 1287.“ e segs 279
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

da CC); depois de se tirar a carta de conduçäo, o Cadiga i) Fundamenta de certa presunçâo legal 7 V.g., a presuncao de
da Estrada fixa um período de tempo necessário para a patemidade e o periodo legal de concepçäo e de gestaçäo:
sua aquisicaa definitiva; “presume-se que tem como pai o marida da mie, o filho
nascido num prazo de 180 dias posteriores à celebração
ii) Prazo extintivo 7 as prazas de prescriçäo (v.g., o prazo
do casamento” (artigos 1826.“ e 1828.“ do CC); o periodo de
para interpor uma acção em tribunal 7 art. 309.“ e segs
incubacàe e manifestaçäo de uma doenca 7 por exemplo,
da CC) e as prazas de caducidade (V.g., a declaraçâo de
utilidade pública caduca se nâo fer adquirido o bem no
quando a LN encurta de 5 para 3 anos, a contar de fim da
prestaçäo de serviço militar, o periodo de manifestaçäo
prazo de très anos) fazem extinguir o direito na esfera
de doencas do foro psicológico para efeitos de atribuiçäo
juridica de alguém.
de uma indemnizaçäo (aqui o facto constitutivo é a
b) Este preceito também se aplica nos casos em que a LN vem manifestaçäo da doença, presumindo-se que esta decorre
alterar o momento a partir do qual um prazo se comeca a contar: da prestaçâo do serviço militar);

i) Momento inicial antecipado 7 aplica—se o art. 297.“, n.“ 1, ii) Pressuposto do recanhecimenta de certa capacidade
do CC. V. g., a LA prevê que o imposto prescreve no prazo especial 7 V.g., o prazo intemupcial para celebracao de
de 5 anos, a contar do momento da liquidaçäo, e a LN casamento (artigas 1604.“, alinea b), e 1605.“ do CC) 7
prevê que o imposto prescreve no prazo de 5 anos, a contar quando a LN altera o periodo de tempo legalrnente exigido
da momento da verificaçâo do facto tributarie; que medeia entre o divôrcio e urn novo casamento (aqui

ii) Momento inicial é postcipado 7 aplica—se o art. 297.“, n.“ 2, o facto constitutivo é o novo casamento e näo o decurso

do CC. V. g., a LA prevê que o imposto prescreve no prazo do prazo);

de 5 anos, a contar do momento da liquidaçäo, e a LN iii) Em geral, todo o prazo que seja um pressuposto que deve
prevê que o imposto prescreve no prazo de 5 anos, a cantar acrescer a um facto principal.
da fim da ano em que acarrer a liquidaçäo.
Nestes casos, o decurso do prazo constitui apenas um simples
Prazo fixado pela primeira vez na LN 7 se a LN vem fixar
c) facto pressupesto de situaçôes juridicas44“, e nao o proprio facto
pela primeira vez um prazo, este só deve ser contado a partir da constitutivo ou extintivo, por isso, aplica-se-lhes o regime geral do
entrada em vigor da LN: subentende-se que a LA estabelecia um art. 12.“ do CC, sem as particularidades da art. 297.“ do CC.
prazo ilimitado, e, camo tal, a LN vem encurtar o prazo, aplicando—se,
Excepçäo 7 nos casos em que a prazo constitui um pressuposto
por isso, a 1“ parte do art. 297.“, n.“ 1, do CC….
para a preclusäo de uma faculdade legal“, Baptista Machado442
2. Prazos a que 0 art. 297.“ do CC näo se aplica439 entende que se deve aplicar o disposto no art. 297.“ do CC:
a) Prazos não constitutivos ou extintivos de situaçâesjuridicas 7
o decurso de um determinado periodo de tempo pode servir, como:
““ Tal come veremos infra 33.6.2., a aplicacào da lei existente no momenta da
verificacào de facto constitutivo a estes factos pressupestos implica que haja uma
retracanexaa desta lei.
“‘“ Aqui o direito se surge com a exercício da faculdade legal, por isso, o prazo
“X Cfr. JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdacdo ao Direito… p. 243. pressuposto da existencia ou da extincao de tal faculdade nao apresenta uma natureza
280 ‘"" Cfr. JOÀO BAPTISTA MACHADO, Introdacdo ao Direito… p. 244. constitutiva eu extintiva de um direito. Exemplo de um prazo pressuposte da 281
Sandra Lopes Luis Introduçâe ao Estudo do Direito

1. Se a LN mantem os fundamentos para o exercicio de uma nestes casos, pode-se ainda exercer certa faculdade legal
faculdade legal e apenas diminui ou sujeita a um prazo mesmo que ja haja caducado sob a LA, desde que näo se
que antes n5o existia, n5e faria sentido que o decurse do tenha ainda esgotade o prazo estabelecido na LN (que é
prazo quando entra em vigor a LN venha a irnpedir o mais longe)“. V. g., se a LA previa o prazo de 1 ano para
exercicio de tal faculdade legal, que a LN afinal vinha a se solicitar a invalidade do testamento e a LN prevé um
atribuir 7 ndo e' intençäo do legislador retirar a faculdade prazo de 3 anos, tendo passado 2 anos quando entra em
com o encurtamento do prazo eu sujeicào a um prazo que Viger a LN, os interessados na invalidade têm mais urn
nao existia 7 por isso, aplica-se o art. 297.“, n.“ 1, do CC. ano para exercer a tal faculdade legal.
V.g., se a LA previa urn prazo de dois anos para solicitar
b) Prazos estipulados pelas partes 7 0 art. 297.“ do CC nao se
a invalidade do testamento, a partir do conhecimento do
aplica a prazos acolhidos pelas partes, isto é:
Vicio, e a LN passa a prever seis meses, tende ja passado
um ano quando entra em Viger a LN, entende-se haver i) Prazos estipulados pelas partes no contrato;
mais seis meses para o exercicio de tal faculdade, contades ii) Prazos n5o estipulados pelas partes no contrato, mas
a partir da entrada em Viger desta ultima (a LN); quando estas tenham aceitado es prazos supletivos legais,
come, por exemplo, o art. 453.“, n.“ 1, de CC e o art. 929.“
2. Se a LN prolonga um prazo para o exercicio de urna
do CC.
faculdade legal aplica—se a regra do art. 297.°, n.“ 2, do CC.
E, diferentemente do que sucede nas situaçôes tipicas Havende uma estipulaçäo negecial, n5e se pode alterar por
que cabem neste preceite (quando est5o em causa factos urna LN 0 estabelecido pelas partes. 0 art. 297.“ de CC só se aplica
constitutivos ou extintivos de direitos) em que se exige a prazos legais, isto é, a prazos definidos pela lei e indisponiveis
que 0 prazo esteja em curso quando entra em vigor a LN, pelas partes.

33.4.5. Critério especial sobre leis interpretativas: 0 art.


existéneia de uma faculdade legal seria o prazo da separacao de facto para efeitos
13.° do CC444
de se requerer o divorcio (art, 1781.“ alinea a) do CC), e de um prazo extintivo de
uma faculdade legal, seria e praze para a propositura da acção de investigac5o de 33.4.5.1. Noção
matemidade (art. 1817.“ do CC). Note-se que, quanto a este ultime exemple de
prazo preclusivo de uma faculdade legal, n5o podemos deixar de referir a pesicào de
Baptista Machado relativa 5 natureza das acçôes judiciais de anulaçae eu outras Lei interpretativa é aquela que realiza interpretaçao autêntica, per
causas de cessaçâe dos estados relatives a condicòes de pessoas ou coisas, que isso, tal corne ja verificarnesm, deve ter urn valer igual ou superier
para este autor s5e meras faculdades legais, so convertidas em direitos adquiridos ae da lei interpretada e apresentar um caracter vinculativo para todos
quando exercidas, Assim, a propositura de uma acçae de invalidade de testamento os aplicadores do Direito.
ou a possibilidade de requerer divorcio s5e meras faculdades legais. Em sentido
inverso, quando estejam em causa materias de natureza estritamente obrigacional, a
possibilidade de anulacào eu reselucào de um centrato, configira—se, desde logo,
como um direito adquirido, independentemente da necessidade de urna posterior … Vide JOÀO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicacdo..., p. 236.
actuaçae do seu titular, dai que um eventual prazo para o exercicio do direito de ““ Sobre esta matéria, vide, entre outros: JOÄO BAPTISTA MACHADO,
reselucào do contrato se afigire como urn prazo extintivo de um direito, cabendo, Introdupdo ao Direito..., pp. 245 e segs; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA,
por isso, directamente na previsàe do art. 297.“ do CC. Cfr. JOÀO BAPTISTA Aplicaçäo da lei no tempo..., pp. 10 e ll; JOSE DE OLIVEIRA ASCENSAO, 0
MACHADO, Sobre a aplicacdo..., p. 219. Direito 7Intredupae..., pp. 561 e segs.
282 442 Cfr. JOÀO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicacdo..., pp. 231 e segs. “5 Vide supra, 16.2.1.1. 283
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

33.4.5.2. Requisitos a) Cumprimento de uma obrigacào 7 V.g., se André pagou


400 euros a Ana, tendo por base a interpretaçäo da lei X
1. Temporais 7 a lei interpretativa deve ser posterior à lei em relaçâo a qual existiam duvidas, caso uma posterior
interpretada; lei interpretativa da lei X venha fixar o valor, afinal, em
2. Teleologicos 7 a lei interpretativa tern como finalidade 300 euros, nâo pode André exigir aAna os 100 euros que
interpretar uma LA cuja soluçäo se apresenta controvertida ou pagou a mais;
incerta. Esta intençäo do legislador pode ser expresse 7 decorrer b)Sentenca passada em julgado 7 V.g., caso haja uma
declaradarnente do texto da LA (v.g., “com esta lei visa-se interpretar sentença transitada em julgado a favor de Ana no sentido
a lei Y ”) 7 ou tácita 7 decorrer da interpretaçäo da LA (V.g., do de condenar André ao pagamento de 400 euros com base
preámbulo resulta “com intencdo de esclarecer as da'vidas existentes na ínterpretacáo da tal lei X, a posterior lei interpretativa
acerca de certa matéria...”; que fixaria a divida, afinal, em 300 euros, nao se pode
3. Hierárquicos 7 a lei interpretativa näo deve ser hierarquícamente aplicar a esta situacae, que ja se encontra consolidada;
inferior à interpretada. V. g., um regulamento do Governo nâo pode
c) Transaeçäe 7 V.g., se Ana acorda com André o pagamento
interpretar uma lei da Assembleia da República;
apenas de 250 euros, no caso de este o fazer no imediato,
4. chticos 7 deve estar em causa na LA uma situacae que nâo se pode valer da lei interpretativa e exigir os restantes
se apresenta controvertida ou duvidosa, ou seja, uma situaçâo que 50 euros;
perrnite mais do que uma interpretaçâo legitima, sob pena de a lei
interpretativa ser, afinal, inovatoria. d) Outros actos de natureza análoga 7 tal como ja verificamos,
incluem-se aqui: i) a desisténcia do pedido, realizada
33.4.5.3. Regime pelo autor 7 art. 283.“, n.“ 1, do Código de Processo
Civil 7, V. g., se Ana interpös uma acçäo de cumprimento
O regime das leis interpretativas está previsto no art. 13.“ do CC, contra André, porque este nâo lhe paga os 400 euros, e,
onde no seu n.“ 1 se dispöe que: “A lei interpretativa integra—se na lei posteriorrnente, em Virtude das dificuldades financeiras
interpretada, ficando salvos, porém, as efeitas já produzidos pelo de André, perdoa—lhe a divida e vem a desistir do pedido,
cumprimento da obrigacào, par sentenca passada em julgado, por nâo se pode fazer valer da posterior lei interpretativa que
transaeçäe, ainda que näe homelogada, eu per actos de análoga fixe a divida em 300 euros; ii) a canfissdo do pedido por
natureza.” iniciativa do réu 7 art. 283.“, n.“ 1, do Código de Processo
Do conteúdo deste preceito decorre que a lei interpretativa se vai Civil 7 V.g., se André, o réu, se confessar devedor de 400
integrar na lei interpretada, formando um único preceito através do euros, também näo pode invocar a lei interpretativa; iii)
qual se extrai o sentido da norma. Nestes termos, define-se o sentido a compensaçäe 7 art. 847.“ do CC 7 V.g., André deve 400
da lei interpretada, afastando quaisquer outros possiveis. Todavia, euros a Ana, e esta deve igualmente 400 euros a André,
tal explicitaçâo do sentido da norma nâo pode atíngir certos efeítos a cempensacao efectivada por declaracao de uma das partes
produzidos com base nela, porque já se encontram consolidados. a outra liberta-as da obrigaçäo, näo podendo, por isso,
Tais come…: qualquer uma delas invocar posterior lei interpretativa
que fixe o valor da divida em 300 euros.

284 “5 Vejam7se a referência a estas situaçôes consolidadas supra 33.2.1.3. 285


Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Da analise, deste regime, como ja verificamos acerca das uma lei inicial. Nestes casos, visou—se com a suposta lei interpretativa
modalidades de retroactividade, resulta uma situacào de retroactividade criar um novo regime para certa situac50. V.g., uma lei vigente
agravada, pois a lei interpretativa aplica-se a situaçôes passadas, pretende conceder um beneficio fiscal a todos 0s trabalhaderes, mas 0
respeitando, apenas, dos efeitos produzidos no passado, es que tiverem legislader pretende restringi—lo aos trabalhadores activos, emitindo, para
um titula que lhes dê especial reconhecimento. o efeito, em vez de uma lei inovadora, uma suposta lei interpretativa,
onde so considera os trabalhadores activos“.
33 .4.5.4. Natureza da lei interpretativa
Quando se verificam situacòes desta natureza, suscita-se a dúvida
de saber se se aplica o regime do art. 13.° do CC, ou seja, se se deve
A circunstancia e o facto de, nos terrnes do art. 13.°, n.° 1, do CC, entender que a LN inovatória tem um grau de retroactividade
a lei interpretativa se integrar na lei interpretada, levou a doutrina
agravada. Temos duas posiçôes:
a discutir 0 carácter retroactivo da lei interpretativa, tendo sido
assumidas duas posiçôes: 1. A maior parte da doutrina entende que sim, pois o legislador
sempre teria 5 possibilidade de optar por conferir este grau
1. A lei interpretativa näa e' retroactivaw, porque o art. 13.“,
de retroactividade 5 LN, desde que sejam respeitades os
11.“ 1, do CC, ao dispor que a lei interpretativa se integra
limites constitucionais da retroactividade;
na lei interpretada, implica que é esta que se continua
a aplicar. O seu sentido é o inicial, embora tenha agora 2. Todavia, Miguel Teixeira de Sousa entendia que a lei
sido concretizado pela lei interpretativa que passa a fazer falsarnente interpretativa era inovatória, e, por isso, deveria
parte da lei interpretada; ser tratada como tal, aplicande—se—lhe 0 regime do art. 12.“,
11.“ 1, 1“ parte do CC 7 regra do carácter n50 retroactivo
.A lei interpretativa é retreactiva”, perque é dado um novo
N

7, e n50 0 regime do art. 13.“, que lhe atribui caracter


sentido 5 lei inicial pela lei interpretativa. A situac5o retroactivo“).
juridica vai passar agora a ser regulada per um titulo
composto que abarca também a lei interpretativa, Luna LN.
33.4.5.6. O regime do art. 12°, n.° 1, 2 “parte e do art. 13.“ do CC
Logo, se a LN vem regular 0 passade ela é necessariamente
retroactiva 7 embera a LN n50 suprima a lei anterior, n50
1.Art. 12.“, n.° I, 2." parte do CC 7 censagra Luna mera presuncào
se cenfunde com ela.
de retroactividade ordindria, que pode ser afastada. A ratio deste
regime tem por base a ideia de que o que a lei antiga dispunha estava
3 3.4.5.5. Lei interpretativa inovatòria
certe, havende, todavia, uma nova vontade do legislador que a veio
alterar. Por isso, o passado merece a máxima protecçâo, e, como tal,
Pode suceder que o legislador diga expressamente que certa
consagra-se urn grau de retroactividade menos forte que 0 previsto
lei visa interpretar uma eutra lei, mas resultar, afinal, que tal lei é
no art. 13.° do CC.
inovatória, porquanto, n50 existiam dúvidas de interpretacao acerca de

‘“" Vide JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÀO, 0 Direito 7 Introducdo.… p. 564.


447 Neste sentido, JOÃO BAPTISTA MACHADO, Intmdução ao Direito..., p. 247. 45“ Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Aplicaçäo da lei no tempo..., p. ll.

… Com este entendimento, entre outros, ANTONIO SANTOS JUSTO, Note7se que, este autor, entretanto, mudou de opini5o, aderindo, sem mais, 5 posic5o
Introdupdo ao Estudo..., pp. 389 e 390; ainda MARCELO REBELO DE SOUSA/ de Oliveira Ascens5e, cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introducào ao
SOFIA GALVÄO, Introduçäo ao Estudo..., p. 99. Direito..., p. 291. 287
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

2. Art. 13. " do CC 7 consagra um regime imperativo, iste é, fixa ent50 estavam a ser cumpridos, e que a luz da lei existente ne momento
categoricamente o entendimente a dar a fente anterier, per isso, sera da sua constituicae mio 0 poderiam ser 7 neste caso, teriamos uma
ilegal a norma (ou lei em sentido ample) de valor hierarquicamente confirmacdo expressa. É neste sentido, que se coloca a questäe de
inferior que 0 desrespeitar‘m. A ratio deste regime tem por base a saber se também será adrnissivel a figura da confirmacào tácita. A
ideia de que a LN fixa uma interpretaçäo que é a mais cerrecta, come cenfirmaçäe pela LN de actos anteriores é contraria ae principio
tal, ela deve ser aplicada ae passade, salvo as situaçôes censolidadas da näe retreactividade, per isso, parte da doutrina tem entendido
para que mio se ponha em causa a segurancajuridica: a lei interpretativa que n5o se deveria admitir esta figura da confirmacao tácita. Para
atinge todo o passado, salvo o já assente. resolver esta questao, convém analisar es fimdamentos que est5o
subjacentes 5 admissibilidade de tais leis. Assim, verifica—se que 0
33.5. Leis confirmativas452 principie da proibição da retroactividade tem por base a garantia da
33.5.1. Noção
seguranca e estabilidade das situacòes firmadas com base na LA.
Todavia, sucede que, 0 mais das vezes, as leis confirmatiws, em vez
de comprometer, Vém refercar tal seguranca juridica e estabilidade,
Leis confirmativas S50 leis que vêm aligeirar certes requisitos
de validade havidos por demasiado pesados numa LA, V. g.:
afastande as perturbaçôes que seriam causadas pela invalidaçäe de
certos actos. Por isso, Baptista Machado453 defende uma ideia de
1. A LN altera os requisitos de validade formal de certo retroactividade in mitius similar a que ecerre em relaçäe a lei penal
negocio, V. g., a LN exige mero documento particular para mais faveravel, desde que, sem prejuizo dos interesses da contraparte
celebrar o contrato (enquanto a LA exigia escritura pública); e de eventuais terceires, isto é, permite-se a pessibilidade de leis
2. A LN dispensa algum pressupasto a que a LA condicionava confirmativas tacitas: a) quando o negocio esteja a ser cumprido (se
a validade de certo acto, V.g., a LN dirninui es impedimentos for caso disso); b) não haja prejuizos da cantraparte ou de terceiros;
para casar (por exemplo, dispensa 0 prazo internupcial 7 c) e desde que as expectativas das intervenientes sejam dignas de
art. 1605 do CC). tutela.

33.5.2. Justificacao 33.6. Nota explicativa sobre retroconexao


33.6.1. Retroactividade
A lei confirmativa é uma LN, come tal, aplica-se o regime do art.
12.°, n.° 2, 1“ parte, do CC, ou seja, em regra, ndo e retroactiva (n5o se Existe retreactividade quando uma lei nova se aplica a factos
pode aplicar a factos passados). Porém, pode suceder que 0 legislador, passados. Assim, é retroactiw, por exemplo, a LN que diz que para a
preocupado com a eStabilidade do tráfico juridico e com a proteccao celebracào de um certo contrato se exige escritura pública e determina
da parte mais fraca, tenha motives para atribujr expressamente eficaeia que se aplica aos contratos ja celebrades, V.g., se Antonio celebra
retreactiva a leis cenfirmativas, tornando valides negocies que até um centrate em 2005 e a LN surge em 2009, existe retroactividade
da LN se esta lhe fer aplieada.

““ Com esta posiçâo, vide ANT ONTO SANTOS JUSTO, Intmdução ao Estudo...,
p. 390; JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÂO, o Direito 7 Introdacdo..., p. 567.
‘52 Cfr, JOÁO BAPTISTA MACHADO, Introducdo ao Direito… pp. 248 e
segs. … Cfr., JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdacdo ao Direito… p. 251. 289
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

Aqui o facto passado é a celebraçäo do contrato, que, no caso, Um facto pressuposto (impeditiva ou desimpeditivo) é, assim,
é um facto constitutivo, sendo este o facto relevante para efeitos de um facto que é usado pela lei como ponto de referência para definir
determinacdo da lei aplicável, ou seja, é a leí existente no momento o regime juridico de uma situaçâo que durante a sua Vigência é
da sua ocorrência que deve regular a situacäo. Caso se aplique uma criada “um casamento anterior é relevante para se determinar se
lei que surja posteriormente temos uma situacäo de retroactividade. e possivel celebrar um novo casamento”. Nestes casos, não pode
deixar de se considerar que a LN atenda a factos que ocorreram no
33.6.2. Retroconexao454 passado (o casamento de 2005), todavia, o facto relevante para se
aferir qual a lei aplicavel é o facto constitutivo da celebraçäo do
33.621. Noção
casamento em 2009. A esta consideraçäo dos factos passados que
auxilia na deterrninaçâo dos factos constitutivos da relaçâo juridica,
Em certas circunstâncias, a LN atende a factos passados sem
Baptista Machado chama de retroconexàoA lei competente para
que se possa falar de aplicaçäo retroactiva da lei, isto é, pode atender
regular es factos constitutivos, por maioria de razâo, deve ser também
a factos que sdo pressupastos da constituicao de situacòes juridicas“:
a lei competente para determinar as factos pressupastos relevantes
V.g., imagine—se que, por hipòtese, uma LN de 2009 dispôe que é
para a sua aplicacao, mesmo quando estes se verificaram em momento
impedimento matrimonial um casamento anterior nao dissolvido,
anterior ao da sua entrada em vigor. Deste modo:
e Bruno, casado em 2005 com Carla, pretende casar em 2010 com
Elisabete, sem que tenha dissolvido o anterior casamento. Aqui o 1. Na rectroactividade a LN aplica—se a factos constitutivos
facto que é relevante para determinacào da lei aplicavel é o facto passados;
constitutivo do casamento entre Bruno e Elisabete, e é em relacae a
2. Na retroconexao a LN atende a factos pressupostos do
este facto que se estao a analisar as impedimentos matrimoniais (as
passado que auxiliam na determinacào do regime dos factos
impedimentos matrimoniais servem para aferir a capacidade para
constitutives do presente, que essa LN Visa regular”.
se casar). Contudo, o anterior casamento de Bruno e Carla nao deixa
de ser relevante para definir a regime juridico do novo casamento
entre Bruno e Elisabete, isto é, o casamento de 2005 é urn facto
pressuposto da constituicào de uma nova situacaojuridica, o casamento ‘56 Quanto a este aspecto, nao restam dúvídas que se deve aplicar a leí existente
entre Bruno e Elisabete (aqui esta em causa um facto pressuposto no momenta da verificacäo dos factos canstitutivos, parém, suscita-se a questaa
impeditivo, pois proibe a celebraçâo do novo casamento). de saber qual parte do art. 12.“ da CC permite justificar esta situaçâo. Baptista
Machado parece aplicar a 2“ parte do art. 12.“ n.“ 2 do CC, pais considera que
“... as normas a que se referem as pressupastos de adrnissibilidade säo normas
regiladeras de direitos, tal como as normas que regulam o conteúdo das situacòes
juridicas abstraindo das factos que lhes deram origem, par isso, säo de aplicacao
45" Vide MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Aplicaçäo da lei no tempo..., pp. 13 imediata, embora possam abranger no seu ámbito de aplicacao factos passados",
e14; JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introducfio ao Direito… pp. 235 e segs; cfr. J OÃO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicaçäa..., pp. 319 e 320. Par sua vez,
SERGIO DE ABREU MOTA, Da Aplicaçäo de leis no Tempo, Revista Juridica, Migiel Teixeira de Sousa defende que “vista a retraconexia pressupor a aplicacào
Nova serie n.“ 21 (Jun.1997), Lisboa, 1997, pp.184 e segs. imediata da LN a factos e efeitos, pelo menos em parte, passados, esta consagrada
‘55 Estes factos pressupastos sao normalmente elementos da capacidade ou da no art. 12.“ n.“ 1, l“ parte", cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdacdo ao
legitimacào (que podem gerar a qualidade de uma pessoa) para a exercicia de uma Direito..., p. 296. Em nossa opiniào, parecemos que a mais correcta nao e atribuir
faculdade, direita au canstituicfia de uma situacäo juridica. E podem igualmente uma base legal fixa para justificar as casos em que existe retroconexào, mas antes
representar impedimentos, nomeadamente de competència para a pratica de certos será melhor considerar que se pode aplicar a primeira au a segunda parte da art.
290 actos. 12.“, n.“ 2, da CC, cansaante a situacào que esteja a ser analisada. 291
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

33.6.2.2. Exemplos de factos pressupostos e retreconex50 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

1. Impedimentos matrimoniais 7 factos pressupostos irnpeditivos Albuquerque, Paulo Pinto de


de casar 7 v.g., oja referido caso da n5e disseluc5e do 7 Comentario ao Co'digo de Processo Penal 7 à luz da Constituiçäo
casamento anterior. A lei competente para determinar o da Republica e da Convencào Europeia dos Direitos do Homem,
regime do casamento e a que existe no momento em que 2“ ed., Coimbra, 2010.
o casamento se vai realizar, devendo ser esta tambem
a lei compétente para determinar quais es factes que se Ascensâo, José de Oliveira
configuram come impedimentos matrimoniais, aplicando-se 7 O Direite 7 Introduçäo e Teoria Geral, 13“ ed., Coirnbra, 2005.
mesmo, quando estes impedimentos se tenham produzido
antes da entrada em Vigor de tal lei; Campos, Diogo Leite / Rodrigues, Benjamim Silva / Sousa, Jorge
2. Causas de indignidade sucessório 7 factos pressupostos Lopes de
irnpeditivos de herdar 7 v. g., n5e pode herdar quem coagiu 7 Lei Geral Tributaria comentada e anotada, 3“ ed., Lisboa, 2003.
o autor da sucess5o a fazer testamento. A lei competente
para determinar a sucess5o é a que existe no momento em Canotilho, Gomes / Moreira, Vital
que se verifica a morte do de cujus, devendo ser esta também
7 Constituiçäo da Republica Portuguesa 7 Anotada 7 Volume I 7
a lei competente para determinar quais os factos que se
artiges l.“ a 107.“, 4“ ed., Coirnbra, 2007.
configuram como causas de indignidade sucessória (factos
impeditivos de herdar), aplicando-se mesmo quando estes
Cordeiro, Antonio Menezes
factes se tenham preduzido antes da entrada em Viger de 7 Da aplicacdo da lei no tempo e das disposiçôes transitorias, in
Cademos de Ciéncia da Legislaçâe, n. “ 7, Abr—Jun, 1993, pp. 7-28.
tal lei;
Efeitos inibitários para exercer certa profissdo 7 V. g., n5o Duarte, Maria Luisa
W

pode aceder a um determinado cargo público quem tenha 7 Introducdo ao Estudo do Direito 7 Sumarios Desenvolvidos,
cometido certo crime. A lei competente para determinar AAFDL, 2003.
as condicòes para se aceder a certa prefissàe e a que existe
no momento em que se verifica o cencurso, devende ser esta Gomes, Nuno Sá
também a lei competente para determinar quais os factes que 7 Introducdo ao Estudo do Direito, Lisboa, 2001.
se cenfigurarn como requisitos da candidatura, aplicando-se
mesmo quando estes factos se tenham produzido antes da Goncalves, Luis M. Couto
entrada em vigor de tal lei. 7 A Aplicaçäo da Lei ne Tempo, in Instituicòes de Direito, Paulo
Ferreira da Cunha (org.), Vol. I, Ceimbra, 1998.

Gouveia, Jorge Bacelar


7A Praibíçãa da Retraactividade da norma fiscal na Constituiçäo
Portuguesa, in Preblemas Fundamentais de Direito Tributario,
292 Lisboa, 1999. 293
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Justo,Antônio Santos 7 Aplicaçäe da lei ne tempo, in Cademos de Direito Privado, n.“ 18,
7 Intreduçäo ae Estude de Direito, 5“ ed., Coimbra, 2011. Abr/Jun, 2007, pp. 3-15.

Lima, Femando Pires de / Varela, J. M. Antunes Telles, Inocèncio Galvào


7 Código Civil Anotado, vol. I, 4“ ed. (reimp.), Coimbra, 2010. 7 Introducdo aa Estudo da Direito I, 11“ ed. (reimp.), Coimbra,
7 Neçâes Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 6“ ed., Coimbra, 2010.
1973.
Sousa, Miguel Teixeira de
Machado, Joao Baptista 7 Introducdo ao Direito, Coimbra, 2012.
7 Introduçäo ao Direito e aa Discursa Legitimador,
19“ ed. (reimp.),
Coimbra, 201 1.
7 Sabre a aplicaçäe no tempe do novo Código Civil, Coimbra,
1968.

Machado, Jônatas / da Costa, Paulo Nogueira


7 Curso de Direito Tributa'rio, Coimbra, 2009.

Mendes, Joao Castro


7 Intreduçäo ae Estude da Direito, Lisboa, 1994.

Moncada, Luis Cabral de


7 Líções de Direito Civil 7 parte geral, 4“ ed. (reimp.), Coimbra,
1995.

Mota, Sérgio de Abreu


7 Da Aplicaçäo de Leis no Tempo, Revista Juridica, Nova série
n.“ 21 (Jun.l997), Lisboa, 1997, pp.175-204.

Nabais, José Casalta


7 Direito Fiscal, 4“ ed., Coimbra, 2006.

Santo, Joao Espirito


7 Código Civil 7 Anotaçäes aos artigos I " a 13°, AAFDL, Lisboa,
201 1.

Sousa, Marcelo Rebelo del Galväo, Sofia


294 7 Intreduçäo ae Estude da Direito, Lisboa, 2000. 295
CAPÍTULO v: SANÇÕES

SUMARIO:

34. Noção e considerações gerais; 34.1. Noção de sançâo; 34.2.


As normas sancionatôrias; 34.3. Normas sem sançäo; 35.
Classificaçôes de sançôes: critérios; 35.1. Consideracòes iniciais;
35.2. Classificacào de sancòes; 35.2.1. Sanções reconstitutivas;
35.2.1.1. Nocào; 35.2.1.2. Modalidades; 1) Reconstituiçâo em espécie
ou in natura; 2) Indemnizac5e especifica; 3) Execuc5o especifica;
35.2.2. Sançôes eompensatörias; 35.2.2.1. Noçäo; 35.2.2.2. Justificacào;
35.223. Tipos de danos cobertos; 35.2.3. Sancòes punitivas;
35.2.3.1. Nocào; 35.2.3.2. Modalidades; 1) Sançôes criminais;
2) Sancòes adrninistrativas; 3) Sancòes disciplinares; 4) Sancòes
civis; 35.2.4. Sançôes preventivas; 35.2.4.1. Noçäo; 35.2.4.2.
Exemplos de sançôes preventivas; 35.2.5. Sançôes compulsôrias;
35.2.5.1. Noçâo; 35.2.5.2. Exemplos de sanc0es compuls01ias;
35.2.6. Desvalores juridicos do acto.
Introduçäo ao Estudo do Direito

§ 34. Noção e considerações gerais


34.1. Noção de sanção

Costuma—se definir sançäo como a censequêneia negativa ou


reacçäo desfavorável da ordem juridica ao incamprimento de uma
norma.
Mas, num sentido mais lato, ha quem defenda que sançâo pode
traduzir o efeito imposto pela ordem juridica devido a verificaçâo de
certa situacae de facto, de modo a abranger näo so as consequéncias
negativas, mas também consequèncias positivas”. Fala—se, assim,
de‘”:
1. Sençâes negativas 7 sao as consequèncias desfavoráveis
que traduzem um castigo para quem Violou uma norma
juridica;
2. Sançäes positivas ou premiais 7 sao as consequéncías
favoráveis que traduzem uma reacçäo ao cumprimente
de uma norma juridica: visam premiar quem cumpriu
atempadamente o Direito, V. g., prémios fiscais ou financeiros
para as empresas que mais rapidarnente satisfacam as suas
obrigacòés para com as Finançasm.
Consideramos que o entendimento de sançäo, enquanto
consequència juridica desfavoravel, é aquele que se afigura como o
mais correcto, razae pela qual sera com base nele que vamos tratar
esta matéria das sançôes.

‘57 Note7se, todavia, que este entendimento tem sido excepcional.


45“ Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introdapfio ao
Estado…, pp. 274 e 275; ANTÖNIO SANTOS JUSTO, Introdupáo ao Estado…
pp. 156 e 157.
45“ Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA GALVÄO, Introdapfio ao

Estado…, p. 275. 299


Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

34.2. As normas sancionatOrias460 a) Norma ordenadora: “Éproibido matar outrem”.


b) Norma sancionatória é: “Quem matar outra pessoa e
As normas que contèm as sançôes juridicas S50 as normas punida com pena de prisào de oito a dezasseis anos.”
sancionatórias, por centrapesicao as normas ordenadoras que c) Previsâe da norma sancionatOria: “Quem matar autra
esclarecem o modelo de comportamento a observar. As normas pessoa”.
sancionatòrias sâe normas complementares das ardenadaras, pois d) Estatuiçäo da norma sancionatòria ou sançäe: “… é punido
actuam no caso de estas näa terem sida respeitadas. com pena de oito a dezasseis anos”.

O aspecto ordenador e o aspecto sancionatòrie da norma podem


34.3. Normas sem sanção
estar no mesmo preceito, podem estar separados ou ent50 a norma
ordenadora pode estar implicita na norma sancionatOria: A existência de sançâe é uma consequéncia da imperatividade
a)Aspecto ordenador e sancionatório no mesmo preceito 7 da norma e uma garantia da eficacia do Direito. Contudo, pode suceder
V.g., 0 art. 140.“ da CRP estabelece no n.“ l a neeessidade que nem sempre a norma juridica tenha uma sançäe. Pedemes dar
de referenda de certos actos, e no n.° 2 a sançäe461 da alguns exemplosm:
inexistència juridica para o caso da referenda nao se a) Art. 402.“ do CC 7 as ebrigacòes naturais n5e S5e judicialmente
verificar; exigiveis;
b) Aspecto ordenador e sancionatório em preceitos diferentes b) Ar1iges 1672.“ e 1779.“ do CC 7 nem sempre a Vielacao de
7 V.g., 0 art. 1672.“ do CC fixa os deveres conjugais e 0 deveres conjugais cabe uma sancae, iste é, nem sempre
art. 1779.“ do CC fixa a sançäe para o seu desrespeite; se permite o divòrcio cem base na vielaçäe des deveres
cenjugais;
c) Aspecto ordenador está implicito na norma sancionatória c) Art. 136.“ da CRP 7 a nao premulgacae de uma lei per
7 V.g., o art. 131.“ do COdigo Penal “Quem matar autra parte do Presidente da Republica e algumas outras normas
pessaa e punido com pena de prisdo de oito a dezasseis que se dirigem aos Org5os superiores do Estado carecem
anas.” é uma norma sancionatória que fixa a sançäo de de sançâe.
pena de prisäa para o crime de homicidio. Este preceito
contém implicitamente também a norma ordenadora que
proibe o homicidio “e' proibido matar outrem”. § 35. Classificacòes de sancòes: critérios
Cenvém ainda separar a norma sancionatória da sanc50. A 35.1. Consideracòes iniciais
norma sancionato'ria tem uma preViS5o e uma estatuic50, sendo
a sançäo a estatuiçäo da nerrna sancionatOria. Assim, no caso do Podem ser avancados trés critérios para classificar as sançôes:
homicidio, temos: 1. Critéria do bem em que incidem 7 sançôes patrimoniais e
pessoais;
2. Critério da natureza da ínfracção 7 sançôes administrativas,
disciplinares, civis e criminais;
4““Vide ANTONIO SANTOS JUSTO, Introducào ao Estado… pp. 156 e segs.
““ Tal como veremos infra os desvalores jurídicos dos actos também podem
ser considerados sancoes, 35.2.6. … Vide, ANTONIO SANTOS JUSTO, Introdacào ao Estado… p. 157.
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

3. Critério da finalidade da sançao 7 sancòes reconstitutivas, Segundo es artigos 562.“e 566.“, n.°], do CC, esta e amodalidade
compensatorias, punitivas, preventivas, compulsórias e de sanc5e que o Direito privilegia.
desvalores do acto (ineficacia e invalidade).
35.2.1.2. Modalidades
Por razöes de praticabilidade, e porque e o criterio mais usado
pela doutrina, vamos fazer a analise das diferentes sançôes de acerde
Dentro destas sançôes podemos distingujr: 1) a reconstituiçäo em
com o criterio da finalidade.
espécie; 2) a indemnizacàe especifica; 3) e a execuçäo especifica.
Antes de iniciar, convém, porém, referir que uma unica violaçâe
de Direito pode implicar a acumulaçäe de varias sançôes diferentes.
1) Reconstituiçao em especie ou in natura
Assim, o homicidio pode originar: a) uma sançäo criminal 7 pena Tem por base o principio da repesiçao natural previste no art.
de pris5e; b) urna sançäo compensatória 7 per danos pessoais; c) 562.“ do CC 7 “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve
uma sançäo disciplinar 7 cessac5e do vinculo laboral. recenstituir a situaçäo que existiria, se näo se tivesse verificado o
evente que ebriga à reparação.” 7 e consiste em reper a situaçao
35.2. Classificacao de sancoes tal como estava antes da Vielaçäe da norma e sem recurso a um
bem diferente, V. g., o culpado de um acidente deve mandar reparar
Pedemes separar as seguintes modalidades de sançôes: o veicule sinistrado.
1. Recenstitutivas; 2) Indemnizacào espectfica
2. Compensatórias;
Visa-se reper a situaçâo que existia, antes da violaçâe da norma
3. Punitivas;
7 havende também uma identidade de fotografia entre o antes e o
4. Preventivas;
depois 7, mas agora tal repesic5e verifica—se através do recurso a um
5. Compulsorias;
bem equivalente, iste é, a urn bem que näo sendo 0 que foi danificado
6. Desvalores de acte (ineficacia e invalidade).
permite desempenhar a mesma funçäe, V.g., A parte urn jarro a B,
sendo irnpossivel seu conserto 7 neste case, A deve comprar um
35.2.1. Sanções reconstitutivas jarro igual ae partido e entrega-lo a B.
35.2.1.1. Noção
3) Execução especifica

Sançôes reconstitutivas s5e as sançôes que Visam refazer a Traduz o principio da repesiçao natural ao nivel do direito das
situaçae que existiria se a norma juridica n5o tivesse sido violada. Isto obrigaçôes e consiste na realizaçao da prestaçae irnpesta pela norma
e, visam a ebtençäo de uma realidade idêntica 5 que se verificaria vielada, iste é, ne caso da Violaçâo do contrato por urna das partes,
se tivesse havido ebserV5ncia da regra, de molde que, se retirarrnes a outra parte pode exigirjudieialmente (ao tribunal) a realizacao da
umafotografia ao antes e ao agera ela vai ser igual“. prestaçâo em falta 7 ao devedor 0u a terceiro a custa do devedor.
Podemos separar varias possibilidades de execuçäo especifica:
a) Entrega judicial de coisa 7 esta prevista no art. 827.“ do
CC, e consiste na entrega de uma ceisa que o devedor
‘53 Esta comparacao é avancada por JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÀO, 0 se tinha obrigado a ceder ao creder, V.g., entrega de um
Direito 7 Intmdacdo..., p. 70. decumento. Este processo judicial pode ter duas fases: i) 303
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

fase declarativa 7 em que o tribunal condena o devedor a Esta modalidade de sancòes esta prevista no art. 566.“, n° 1,
entregar 5 ceisa; ii) fase executiva 7 em que, no caso de da CC, quando se dispöe: ”A indemnizacào éfixada em dinheiro,
incurnprimento da fase declarativa, a mandado do tribunal sempre que a reconstituicào natural não seja possivel, náo repare
a coisa é retirada ao deveder e entregue ao creder para se integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o
dar realizaçäo efectiva do seu direite; deveder.”
b) Prestaçäo de facto fimglvel 7 está prevista nos artigos 828.“ 35.2.2.2. Justificaçâo465
e 829.“ do CC, e consiste no facto de 0 creder requerer
ao tribunal que a prestaçäo em falta seja executada per Estas sançôes operam através de uma indemnizacao dos danos
outrem 5 custa do devedor, v.g., A estava encarregue de sofridos, porque a reconstituicào natural pode ser:
pintar 5 casa 5 B, se n50 o fez, B pode pedir ao tribunal
que C 0 faca às custas de A. Podemos separar os casos de: 1. Impossivel 7 V.g.: a morte de uma pessoa resultante de um
i) prestacoes de facto positivo 7 previstes no art. 828.“ do acidente de Viaçäo; a destruiçâo de um bem infungivel
(uma peça única); a n50 prestacäo de facto infungivel
CC (o exemplo agora referido); ii) prestaçôes de facto
deVido a falta de inspirac5e 7 a n50 pintura de um quadro
negative 7 previstas no art. 829.“ do CC, em que existe
por parte de certo pintor famoso;
Luna obrigaçäo de n50 fazer e o devedor faz, V.g., A obriga—se
a n50 fazer construcöes no terreno de B e faz la uma casa, 2.1nsuficiente 7 perque n50 cobre todos es danos. V.g., no
B pode exigir que a casa seja desfeita a custas de A; case de acidente de viaçäo, a reparac5e da viatura n50
compensa a privac5e do seu uso durante o periodo do
c) Obrigacdo de contratar 7 esta previsto no art. 830.“ do CC,
conserte;
e consiste no facto de, no caso de alguem estar obrigado a
celebrar certo contrato e faltar 5 premessa, o credor poder 3.1nadequada 7 perque pode ser excessivamente onerosa.
obter sentenca judicial que substitua a decla1ac5e de vontade V.g., no caso de acidente de Viaçäo, se se inutilizou uma
da eutra parte, tudo se passande como se houvesse contrato. Viatura velha que valia 1000 euros, e 0 seu censerto tiver
o valor de 5000, sera mais adequado 0 pagamento de uma
35.2.2. Sançôes compensatorias464 indemnizacào em vez do censerte.

35.2.2.1. Noção 35.2.2.3. Tipos de danos cobertos

Sançôes compensatórias s50 aquelas que visam recenstitujr uma Danos náo patrimoniais ou morais: previstos no art. 496.“,
1.
situac5o que, embera seja diferente 5 que existia antes da violaçäo 11.“ do CC, s50 os danos que se reflectem na propria pessoa, tais
1,
da norma, é, todavia, equivalente em termos pecunidrios 7 aqui como, dores fisicas e psicológicas;
n50 se pretende uma identidade de fetegrafia, mas umafotografia
2. Danos patrimoniais: previstos no art. 564°, n.° 1, do CC, s50
parecida com a existente antes da Violaçäo da norma. 0s danos que se reflectem no patrimonio dos sujeitos. Podem—se
separar em:

4“ Vide, entre outros, JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, 0 Direito 7Intmdu§fio..., ““5 Cfi’. FERNANDO PIRES DE LIMA/ J. M. ANTUNES VARELA, Código
pp. 71 e segs. Civil Anotado,“, p. 582. 305
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

a)Danos emergentes 7 previstos na 1“ parte do art. 564.“, 2) Sançães administrativas sao as sançôes que visam aplicar
n.° 1, do CC, consistem na desvalerizaçäe imediata do um castigo aos infractores das normas que regulam as relaçôes entre a
patrirnónio do sujeito em Virtude da Violaçâo da norma. Administraçäo e os particulares. Estas normas sae chamadas “normas
Assim, no caso de acidente de viaçâo, caberâo aqui os de mera ordenaçâo social” e tèm como funçäo tutelar interesses
gastos com despesas hospitalares de internarnento; colectivos @ vitais. As sançôes administrativas sâo aplicadas pela
b) Lucros cessantes 7 previstos na 2“ parte do art. 564.“, n.” 1,
Administracáo e revestem a modalidade de: a) caimas 7 quando
do CC, consistem nos ganhas que se deixaram de obter
apresentam natureza pecuniaria, v.g., o estacionamento da viatura
em virtude da Violaçâo da norma…. Na mesma situaçäo no passeio constitui uma infracçâo nos termos do Codigo da Estrada
que implica o pagarnento de uma coima; b) interdiçäe temporária
do acidente, caberao aqui o saldrio que näo se auferiu no
da exercicia de certa actividade ou do usa de certos bens 7 V.g.,
periodo de tempo em que se esteve internado.
retirar a licenca de funcionamento a quem venda bens alimentares
em condiçôes de higiene inaceitaveis;
35.2.3. Sanções punitivas
3) Sancoes disciplinares sao as sancòés que visam aplicar um
3523.1. Noção
castigo ao funcionario ou agente integrado em certa organizacdo,
Sanções punitivas sao aquelas que têm como funçâo principal
porque Viola normas que fixam os seus deveres fimcionais, isto é,
as normas que fixam os deveres a que o sujeito está adstrito e que
aplicar um castigo ao Violador da norma. Concretizam—se através
dizem respeito ao funcionamento interno da organizacáo e à sua
da aplicaçäo de uma pena que se pode traduzir na privaçäo de um
bem ou da liberdade. relacáo com terceíros. As sançôes disciplinares sâo aplicadas pela
organizaçâo de que o sujeito faz parte e podem revestir as modalidades
de: a) repreensäo; b) suspensäo; c) multa; d) demissáo. V.g., o nao
3523.2. Modalidades
cumprimento do horario de trabalho por parte de um trabalhador de
certa empresa pode levar a aplicacáo de uma sancáo desta natureza;
Podemos distinguir as seguintes modalidades de sancòes punitivas:
4) Sançâes civis sâo as sançôes que visam aplicar um castigo
1. Criminais;
ao violador de uma norma que regula as relações entre particulares.
2. Administrativas;
3. Disciplinares; Estas sancöes, com uma funcao repressiva no âmbito do direito
civil, acabam porter um carácter excepcional, verificando-se quando
4. Civis.
existem condutas indignas. V.g., o art. 2034.“ do CC, em que se afasta da
1) Sançôes eriminais sao as sançôes punitivas paradigmátícas sucessâo legal daquele que praticou certos actos; também 0 art. 1649.“
e visam aplicar um castigo ao infractor de uma norma que tern por do CC, em que se continua a considerar “menor”, para efeítos da
funçäo tutelar os valores essenciais da comunidade. Podem revestir adrninistraçäo de bens, o menor que casou sem autorizacaem; e
a modalidade de: a) multa 7 quando têm natureza pecuniaria; b) ainda a inclusâo de cláusulas penais pelas partes nos contratos.
pena de prisäe 7 quando sao redutoras da liberdade humana;

4“ Note-se que estes ganhos devem ser deterrninados com base em critéries de
probabilidade ou previsibílídade, … Vide ANTÓNIO SANTOS JUSTO, Introdupáo ao Estado… p. 160. 307
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

35.2.4. Sanções Preventivas 35.2.5. Sanções compulsórias


35.2.4.1. Noção 35.2.5.1. Noção

Sancòes preventivas Sao as sancòes em que se pretendem afastar Sançôes compulsorias säo as sançäes que pretendem levar o
posteriores vielacòes do Direito, cujo receio existe devido ao facto de infractor da norma a adoptar a conduta devido, de moda a que a sua
se ter praticado previamente um determinado ilicito. Distinguem—se violaçäo ndo se prolongue por mais tempo. Trata-se de sançâes que
das seguintes situacòes: ocorrem em fase tardia, mas em que o cumprimento da norma ainda é
possivel e u'til para o Direito, razào pela qual se visa pressionar o
1. Proteccào coactiva preventiva realizada pelas forcas
infractor ao seu acatamento.
policiais, porque nesta ainda nao houve uma previa Violaçâo
de regras juridicas que justifica a aplicacaa duma sançäo
35.2.5.2. Exemplos de sançôes compulsórías:
preventiva;

2. Sançôes punitivas, em particular, das criminais, parque 1. A pena de prisäo a quem näo cumpriu a ebrigacào de
a função principal das sanções preventivas nao é aplicar prestacao de alimentos (embora se encontrasse em cendicòes
um castigo ao infractor, mas evitar a prática de futuros de os prestar) cessa quando o abrigado decide pagar as
crimes, que podem ocorrer devido a uma tendência para quantias devidas 7 vide artigas 2009.“ do CC e 250.“ do
a delinquência que o passado revela. Codigo Penal;

2. O direito de retençäo dos artigos 754.“ e segs da CC 7 a


35.2.4.2. Exemplos de sancòes preventivas
sançäo compulsôria, neste caso, é a retençâo da coisa que
pode ocorrer até a satisfaçäo da crédita em divida;
1. No direito civil 7 art. 781.“ do CC “Se a obrigacaa puder ser
liquidada em duas ou mais prestaçôes, a falta de realizaçâo 3. A sançäo pecuniária compulsória do art. 829.“—A, n“ I, do
de uma delas importa o vencimento de todas.” Aqui CC implica o pagamento de quantias pecuniarias como
pretende-se evitar o incumprimento das restantes prestaçôes. modo de pressionar o devedor ao cumprimento da prestaçäo
em divida.
2. No direito penal 7 algumas medidas de seguranca, tais
como, 0 art. 91.“ da Código Penal 7 Internamento de
35.2.6. Desvalores juridicas do acto (ineficacia e invalidade)468
inimputaveis; e também algumas medidas acessórias,
como, 0 art. 66.“ do Codigo Penal 7 Inabilitaçäo para o
Nao tem sido consensual na doutrina a consideracdo dos
desempenho de certasfunctîes em consequéncia da prática
desvalores juridicas dos actos como verdadeiras sançâes. Temos,
de actos delittuosos.
por isso, a este respeito, duas posiçôes:

““ Vide supra capitulo V. 309


Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

1. Não existe sancdo, pois aqui o que ocorre é a falta de verificacao BIBLIOGRAFIA ACONSELHADA:
dos pressupostos das regras jurídicas, e nao a vielaçäe das próprias
regras: näo existe nada a reprovar, porquanto apenas n5o se atingem Ascensâo, José de Oliveira
0S pressupostos de relevância de um acto na ordem juridica. Deste 7 O Direito 7 Introduçäa e Tearia Geral, 13“ ed., Coimbra, 2005.
modo, nao seria razoável uma reprovaçâo de sujeito que nâo cumpriu
tais pressupostos, visto n5o se peder esqueeer, tambem, o principio da Duarte, Maria Luisa
autonomia privada, em par1icular, ao nivel dos negócios jurídicos“; 7 Introdacdo ao Estado do Direito 7 Sumarios Desenvolvidos,
2. Existem verdadeiras sangñes, enquanto consequéncias AAFDL, 2003.
desfavoraveis que a ordem juridica atribui a certos actos pelo n5o
cumprimento de todos es requisites exigides pele Direito. Esta posiçäe, Gomes, Nuno Sá
para a qual prependemos, tem por base uma separacae entre: 7 Introdacdo ao Estado do Direito, Lisboa, 2001.
a) Sancrîesjuridico-materiais 7 sancòes que envelvem efeitos Justo,Antonio Santos
materiais que se refiectem sobre 0S infractores das normas, 7 Introdacdo ao Estado do Direito, 5“ ed., Coimbra, 2011.
porque violaram outras regras de Direito;
b) Sançães meramentejuridicas 7 sancòes que mio se projectam Lima, Fernande Pires de /Varela, J. M. Antunes
sobre es infracteres da norma, porque n5o envolvem a 7 Código Civil Anotado, vol. I, 4“ ed. (reirnp.), Coimbra, 2010.
Violaçâe de outras regras de cenduta, mas apenas a näe
observância des requisitos necessários para um certo acto Machado, Joao Baptista
ser considerado Valide e efieaz para o Direito470 7 sendo 7 Introducdo ao Direito e ao Discurso Legitimador, 19“ ed. (reirnp.),
nestas que se incluiriam os desvalores juridicos. Coimbra, 201 1.

Mendes, Joao Castro


7 Introdacdo ao Estado do Direito, Lisboa, 1994.

Sousa, Marcelo Rebelo del Galvao, Sofia


7 Introdacdo ao Estado do Direito, Lisboa, 2000.

Sousa, Miguel Teixeira de


7 Introdacdo ao Direito, Coimbra, 2012.

46° Neste sentido, vide JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÄO, ODireito *Intmducà'o.”

pp.78 e segs. Cem esta pesicao, vide ainda MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA,
Introducdo ao Direito… p. 98.
‘”“ Neste sentido, vide, entre outros, MARCELO REBELO DE SOUSA/ SOFIA
310 GALVÁO, Introduçda ao Estado… p. 281. 311
CAPITULO VI: TUTELA PÙBLICA E TUTELA PRIVADA

SUMARIO:

36. Tutela juridica: considerações iniciajs; 37. Tutela pública;


37.1. Noçã0; 37.2. Modalidades de tutela pública; 37.2.1. Crite’rio
temporal; 37.2.1.1. Tutela preventiva; 37.2.1.2. Tutela repressiva;
37.2.2. Critério organico; 37.2.2.1. Tutela judiciária; 37.222.
Tutela administrativa; 1) Garantias graciesas; 2) Queixa ae Preveder
de Justica; 38.Tutela privada; 38.1. Considerações iniciais; 38.2.
Modalidades; 38.2.1. Legitima defesa; 3821.1. Nec5e; 38.2.1.2.
Requisitos; 38.2.1.3. Erro nos pressupostos da legitima defesa;
38.2.2. Estado de necessidade; 38.2.2.1 . Nec5o; 38.2.22 Requisitos;
3822.3. Exemples; 3822.4. A ebrigaçäo de indemnizar; 38.2.2.5.
Estado de necessidade putativo; 38.2.3. Acção directa; 38.2.3.1.
Neçäo; 38.232. Requisitos; 3823.3. Exemplos; 38.234. Erro
nos pressupostos da acçâo directa; 38.2.4. Direito de retençâe;
38.2.4.1. Noçäe; 38.2.4.2. Requisitos; 38.2.5. Direito de resistência;
3825.1. Noc50 38.2.5.2. Modalidades; 38.3. Considerações finais.
Introduçäo ao Estudo do Direito

§ 36. Tutela juridica: considerações gerais

A tutela juridica pode ser definida como o conjunto de mecanismos


que Visam assegurar o cumprimento ou a realizaçäo do Direito.
lndependentemente das Varias classificaçôes que possam ser
apresentadas acerca deste tema, vamos estudar os dois tipos de tutela
juridica que consideramos serem os mais importantes: a tutela pública
e a tutela privada.
Fala—se de tutela pública ou privada, consoante os actos de defesa
dos direitos das pessoas provenham das entidades públicas ou dos
próprios sujeitos privados.

§ 37. Tutela publica471


37.1. Noção

Tutela p1'1blica é a actuaçâo do Estado através da qual se permite


assegurar 0 curnprimente das nerrnas juridicas e efectivar o respeito
dos direitos subjectivos dos cidadâos.

37.2. Modalidades de tutela publica

Podemos separar as modalidades de tutela publica de acordo


com dois criterios: temporal e orgánico.

37.2.1. Critério temporal

3721.1. Tutela preventiva 7 actua em momento anterior 5 Violaçäo


do direito e procura evita-la. S50 meies de tutela preventiva:

‘… Vide, entre outros, ANTONIO SANTOS JU STO, Introdacào ao Estudo…

pp. 165 e segs. 315


Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

l. A aetuaçäo dos orgdos da Administraçäo que têm como so nas relaçães que os particulares tém uns com os outros, mas
funçäo vigiar a actividade dos sujeites de Direito para, também nas relaçães que os particulares tém com o Estado.
dessa forma, evitar a Violaçâo de interesses juridicamente
Nos termos do art. 202.“, n.“ 1, da CRP “Os tribunais säo os o'rgäos
protegidos. V.g., as varias entidades policiais (de segurança,
de soberania com competencia para administrar a justiça em nome
sanitarias e fiscais);
do povo”. E para o desempenho das suas funções estruturam-se de
2. As medidas de segurança relativas a certos grupos de acordo com as seguintes principios:
pessoas especialrnente perigosas, que têm por objectivo
1.1ndependéncia 7 art. 203.“ da CRP 7 as juizes nao estäo
nâo só impedir a prática de actuaçôes criminosas, mas
sujeitos a ordens ou instruçôes de qualquer outra entidade,
também trata-las relativamente a essa propensae. V.g., o
mas apenas se encontram limitados pelo Direito;
internamento de delinquentes inimputaveis perigosas em
estabelecimentas de tratamento ou seguranca; 2.1mparcialidade 7 as juizes julgarn cam liberdade em
relaçäo aos litigantes.
3.A inabilitacào do sujeite que comete uma determinada
infracçäo para o exercicia de certa actividade ou profissäo. Os tribunais estao estruturados tendo em Vista a interpesicae dos
V.g., a cassaçäo da licença de conduçäo por Violaçâo dos recursas dos tribunais inferiares para os superiores 7 organizaçäo
deveres que incumbem ao condutor; judicial7 art. 209.“ e segs da CRP:
4. Os procedimentos cautelares através dos quais se pretende 1. Temos tribunais judiciais comuns em matéria civil e
evitar a lesão grave e de dificil reparaçâo de urn direito, criminal de: a) primeira instância 7 tribunais de comarca;
para salvaguardar a utilidade da sentença de uma acçäo b) segunda instância 7 tribunais da relaçäo e Supremo
proposta ou a instaurar por quem é titular desse direito. Tribunal de Justiça;
V.g., o pedido de suspensäo do acto que detennina a
2. Temos tribunais administrativos e fiscais de: a) primeira
demoliçäo de urn imovel.
instância 7 tribunais administrativas de circulo; b) segunda
instância 7 tribunais centrais administrativos e Suprema
37.2.1.2. Tutela repressiva 7 actua em momento posterior a
Tribunal Administrativa;
Violacao do direito e traduz—se na aplicaçäo de uma sançäo ao infiactor,
que pode consistir na privaçâo de bens ou da liberdade. 3. Podem existir também tribunais de competencia especializada:
tríbunaís de trabalho, familia, marítimos ou comunítáríos
37.2.2. Critério orgánico (vide art. 211.“, n.° 2, da CRP).

Os órgãos a que esta confiada a tutela püblica sao as tribunais 37.2.2.2. Tutela administrativa
e a Administraçâo Publica, razâo pela qual se faz a distinçäo entre
tutela judiciaria e administrativa. E a tutela que é efectivada pelas orgäos do Estado e Visa contralar
a actividade da Administraçäo na sua relacao com as particulares.
37.2.2.1. Tutelajudiciaria
Para defesa dos direitos dos particulares em relaçäo ao Estado,
temos varias garantias:
E a tutela efectivada pelos tribunais, que constitui o processo
316 normal de defesa das interesses dos particulares, e que ocorre, näo 317
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

1) Garantias administrativas 7 S50 as garantias criadas para pois n5o pode revegar nem modificar actes administrativos, tem
centrolar a actividade da Administracào e que säo efectivadas atraves um importante poder persuasive que decorre do seu prestigio e
dos seus pròpries 0rg5es. Separam—Se em garantias: independência, e que se manifesta pelo envio de recomendacoes 5s
entidades prevaricaderas.
a) Petitórias 7 S50 as garantias que visam prevenir a les5e
des direitos dos cidad5es e que näe pressupöem um acto
administrativo prévio. Cempreendem: i) o direito de petiçäo
§ 38. Tutela privada
7 faculdade de pedir 5Administrac50 que tome certas decisöes
ou adopte certos comportarnentos (art. 52.“ da CRP); ii) o 38.1. Consideracoes iniciais
direito de queixa 7 faculdade de denunciar o comportamento
de um funcionarie ou agente da Administracàe 7 pode A tutela pública e a regra geral, a tutela privada e excepcional,
dar erigem a um precesse disciplinar que terminara com a por isse, n5e é perrnitide, em geral, 5S pesseas per sua própria força
aplicaçäo de uma sançao ao funcionarie (art. 52.“ da CRP); e autoridade fazer valer o exercicio dos seus direitos. Tal aspecto
decorre do art. 1.“ de Còdige de Processo Civil onde se dispöe que
b) Impugnatorias 7 S50 as garantias que os particulares podem
“a ninguem e licite restituir-se ae direito de que seja titular por sua
usar junto da propria Administracào para centestar um conta prápria e autoridade, salvo nos casos previstos na lei”. Deste
acto administrativo p0r ela praticado. Fundamentam—se modo, os meies de tutela privada têm um car5cter subsidiario,
na ilegalidade e incenveniéncia do acto ja praticado (vide o
Visando apenas suprir as insuficiéncias das autoridades públicas.
art. 184.“ e segs do Còdige de Procedirnento Administrativo).
O reconhecimento dos meios de tutela privada permite que actes
Compreendem: i) a reclamaçäo 7 quando 0 pedido de supostamente ilicites472 se tomem licitos.
reapreciacào se dirige ao autor do acto; ii) 0 recurse
hierarquico 7 quando o pedido de reapreciaçae se dirige ao 38.2. Modalidades de tutela privada
superior hiera'rquice do 0rg5o que praticeu 0 acte, selicitande
a sua revegaçao eu modificaçäe; iii) e os recursos Podemos distinguir os seguintes meios de tutela privada:
administrativos especiaiS 7 quando a entidade para a qual
se recorre n5o é superior hierarquice (porque n5o existe 1. Legitima defesa;
uma relação de hierarquia entre o 6rg5o que praticou o 2. Estado de necessidade;
acto e o ergao para 0 qual se recerre, tal come sucede, por 3. Acção directa;
exemplo, nos 0rg5es celegiais), quando a entidade para 4. Direito de retençâo;
a qual se recorre exerce poderes de tutela e quando essa 5 Direito de resistência.
entidade é o delegante 0u subdelegante (vide 0 art. 199.“
de Còdige de Procedimento Administrativo). 38.2.1. Legitima defesa
2. Queixa ao Preveder de Jastica 7 o Proveder de Justica é
A figura da legitima defesa esta prevista nos artigos 337.“ e
um ôrgâo previsto no art. 23.“ da CRP, que exerce uma importante 338.“ do CC, e nos artigos 32.° e 33.“ do Codigo Penal.
funçâo de defesa dos direitos fundamentais des particulares. A sua
actuaçäe incide sebre acçôes eu omissöes do poder publico, e visa
colmatar as deficiéncias das garantias de proteccao dos cidad5os
318 perante a Adrninistrac5o Publica. Embera n50 tenha poder decisório, “” S50 causas de exclusäo da ilicitude e da responsabilidade civil. 319
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

38.2.1.1. Noção b)Actual eu iminente 7 i) actual 7 que ja esta a produzir


efeitos, v.g., quando alguém agride outro com um soco;
A legitima defesa “é 0 acto que afasta uma agressào actual ii) iminente 7 que esta em Vias de produzir efeitos, V.g.,
ou iminente ilicita, contra pessoa, eu patrimonio do agente ou de quando alguém levanta urna cadeira para agredir outra
terceiro, quando n50 for possivel recorrer 5 auteridade publica e o pessoa que se encontra perto“;
prejur'zo causade n50 exceder manifestamente o que puder resultar
c) Pessoal eu patrimonial 7 i) pesseal 7 incide sebre 0 cerpo
da agressao”473.
da pessoa, V.g., alguém da um soco a outro; ii) patrimonial
7 incide sebre 0 património da pessoa, V.g., alguém parte
38.2. 1.2. Requisitos
uma cadeira de outrem;
1. Impossibilidade de recurso aos meios sancionatòrios da d)Do proprio eu de terceiro 7 permite—se, deste modo, a
forca pública ou carácter subsidiário 7 este aspecte n50 legitima defesa de terceiros, V.g., A pode defender B, que
deve ser entendide em terrnes absolutos (impossibilidade esta a ser agredido por C;
definitiva), mas antes no sentido de 0 recurso a estes e) A agress5o nermalmente é uma actividade positiva, mas
meios causar sacrificios 50 defendente, eu, mesmo, um também se pode conceber como uma abstençäo, quando
sacrificio maior que a actuacào em legitima defesa; alguém Viola um dever de agir com intençâo de lesar
2. Existéncia de uma agressdo a alguém: direitos alheios. V.g., 0 bembeire n50 abre 5 5gulheta da
agua porque pretende que o incéndio destrua 0 prédio”.
a) Ilicita 7 contraria 5 lei…; e que n50 seja prevecada pele
que se defende 7 a provocac50 preordenada exclui o animus 3. A actuacào em legitima defesa
defendendi475; a) Em regra ofende um direito de personalidade ou patrimonial,
mas pede suceder que ofenda também direitos de crédito,
quande 0 n50 curnprimente de uma obrigaçäo é 5 via
Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Introducfio ao Estado… p. 184.
‘73
adequada para evitar o sacrificio de outros interesses
‘”“ Coloca-se a questào de saber se a agressào pressupóe sempre uma actuacào
subjectivamente ilicita ou culposa, o que leva a conjecturar a hipótese de legitima
do devedor, em resultado da actuaçâo ilicita do credor,
defesa em relac5o a actuapoes objectivnmente ilicitas, como é o caso dos actos V.g., no caso de venda da produçäo de azeitona, em que
praticados por inimputaveis, dos ataques de animais, ou dos danos causados por a celheita esta a cargo do comprador, o vendedor age em
coisas (v.g., o edificio desaba, o carro estacionado fica sem travöes), sem que estes legitima defesa quando se opöe pela forca a que este a
funcionem como instmmentos de agress50 por parte de um sujeito (v.g., A atica
faça, por recorrer a processos de apanha que prejudicam
um C50 a B). Ha quem entenda que sim, isto é, que também existe legitima defesa
nos casos de actuacòes objectivamente ilicitas (como, por exemplo, Vaz Serra ou as oliveirasm;
Enneccerus—Nipperdey). N0 entanto, ha também quem sufrague a posicao oposta
(como, por exemplo, Fernando Pessoa Jorge), defendendo que tais casos estariarn
cobertos: ou pela figura do estado necessidade, ou, ent50, quando os requisitos de 47“ Note-se que Antunes Varela e Pires de Lima exigem que a agressäo seja
proporcionalidade deste n50 se encontrassem preenchidos (v.g., matar um c5o para actual, n50 bastando que seja previsivel ou iminente. Cfr. FERNANDO PIRES
Salvar outro C50), pela figura da accàe directa. Sobre a discussào vide, FERNANDO DE LIMA/ J. M. ANTUNES VARELA, Código CivilAnotado..., p. 302.
PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos… pp. 235 e segs e p. 259. ‘77 Cfr. FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos… p. 233.
‘75 Neste sentido, FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos… … Cfr. FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos…
320 p. 238. pp. 230 e segs. 321
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

b) Deve evitar que se verifique ou que perdure a lesäe de um c) O art. 337.°, n.° 2, do CC consagra a vertente da necessidade
direito. ou proibicdo do excesso, determinando uma consideracao
4. Proporcionalidade e racionalidade entre a agressäo e a dos interesses do atacante que serao sacrificados e impondo
o uso do meio menos lesivo per parte do defendente4““.
reacçäo. Quanto a este requisito, importa determo-nos
V.g., se a defesa pode ocorrer com o ferirnento, näo se
um pouco em relação a alguns aspectos:
deve matar; se a defesa é possivel com a danificaçäo da
a)O principio da proporcionalidade tem très vertentes: i) coisa, mio se deve destrui—la.
adequaçäo eu idoneidade 7 o meio deve ser apto a
Este preceito dispöe que “O acta considera—se igualmente
alcancar o fim; ii) necessidade, preibiçäo do excesso ou
indispensabilidade 7 o meio usado, de entre todos os justificada, ainda que haja excesso de legitima defesa, se
o excesso for devido a perturbacdo ou medo ndo culposo
disponiveis, deve ser o menos lesivo; iii) prepereionalidade
do agente”, permitindo-se, per esta via, o excesso de
em sentido restrite ou equilibrio 7 deve haver um equilibrio
legitima defesa. Para que tal suceda, importa, desde logo,
entre as vantagens alcancadas e as desvantagens de certa
actuacào; referir que a culpa (no caso, a näo culpa) deve ser aferida
de acordo com o critério do banus paterfamiliae 7 art.
b) Tem-se considerado que o art. 337.°, n.° 1, do CC, parte 487.“, n.“ 2, do CC. Assim, existe perturbaçäo näe culposa
final “oprejuizo causado pelo acto näa seja manifestamente quando, por exemplo, um pai reage à agressäo de um filho;
superior aa que pode resultar da agressaa” consagra a e existe medo ndo culposo quando, per exemplo, alguém
vertente da proporcionalidade em sentido restrito entre a tem de passar necessariamente por um sitio escuro e
reaccao a agressäo e a agressâo, exigindo uma ponderaçâo perigoso.
de interesses do atacante e do defendente, em que pode Deste modo, o excesso de legitima defesa: i) ndo culposo
haver uma sensivel desproporcdo, isto é, os interesses 7 é um acto licito e näo gera dever de indemnizar (nos
sacrificados do atacante podem ser superiores (desde que termos do art. 483.“, n.“ 2, do CC); ii) culposo 7 é um acte
näo “manifestamente”) aos interesses do defendente ilicito e gera um dever de indemnizar (nos termos do art.
em legitima defesa, devido a situaçäo existente de 483.“, n.“ 2, do CC);
actualidade do perigo que pode gerar maior perturbaçäo
d) O Código Penal, apenas faz referência a esta ültima vertente
e perplexidade47“.
da proporcionalidade, quando no art. 33.“ dispöe que: “1.
Se houver excessa das meios empregados em legitima
defesa, e facte é ilicito, mas a pena pode ser especialmente
atenuada. 2. O agente ndo e punido se o excesso resultar

““ Enquanto na pmporcionalidade em sentido restrito a ponderacao de interesses


ocerre sempre entre es interesses de defendente em legitima defesa e os interesses do
atacante, na preibiçäe do excesso a ponderacae de interesses que é feita é sempre
entre interesses do atacante: os interesses que a utilizacào de um meio mais lesivo
‘”" Cfr. FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaia sobre os pressupostos…, sacrificara e os interesses que a utilização de outro meio menos lesive sacrificará,
322 p.250. Cfr, FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos… p. 242. 323
Sandra Lopes Luis Introduçâe ao Estudo do Direito

de pertarbacdo, medo ou susto, näa censurdveis”. Devide e) Para determinar se a legitima defesa respeita a proporciona—
a este facto, parte da doutrina sustenta que com a pOsturna lidade importa fazer uma interpretac50 conjunta do n.“ 1
entrada em vigor do Código Penal, 0 seu art. 33.“ veio e do n.“ 2 de art. 337.“ do CC. Assim, se: i) os interesses do
revogar a parte final do art. 337.“, n.“ l, do CC, isto é, a defendente forem superiores aos do agressor, há equilibrio,
exigéncia da verificaçâo do requisite de prepereienalidade mas ja havera excesso se fer usade o meio mais grave;
em sentido restrito nes casos de legitima defesa‘m; ii) se es interesses de defendente ferem similares aos do
agressor há equilibrio, mas havera excesso se fer usade
meie mais grave; iii) se es interesses do defendente forem
manifestamente inferiores aos do agressor ndo ha' equilibrio
4““ As diferentes exigéncias de “proporcionalidade" tomam—se relevantes quando
e, independentemente de haver excesso ou n5o, a legitima
estejarnos diante de um facto que se configure simultaneamente como ilicito civil
e penal. Quando tal suceda, a doutrina tem-se dividido na resoluçâo do problema: ha
defesa é sempre ilicita. Nos primeiros dois casos, nem
quem defenda que o facto penal justificado (porque nao desprepercienal) pode gerar sempre 0 excesso na actuacae implica a ilicitude da conduta
uma pretens5o indemnizatOria, Visto subsistir o ilicito civil (com esta pesicào: adoptada, nemeadamente quando tal excesso resulta de
Figueirede Dias, Teresa de Brito e Conceicao Valdagia), e, em sentido diverso, perturbaçäo ou medo ndo culposo do agente 7 quando tal
ha quem propugne que e ilicito civil também é excluide, raz5o pela qual e facto suceda a conduta é sempre justificada ou lieita‘m.
penal desproporcional n5o pode gerar qualquer pretens5o indemnizatOria (neste
sentido, Cavaleiro Ferreira, Taipa de Carvalho e Gerrnano Marques da Silva), Estas f) Acresce que, nas situaçôes em que o excesso de actuacao
duas orientacòes têm por base argimentacòes diversas: por um lado, tal como ja resulta de caso fortuito ou forca maior, a legitima defesa
referimes, pode-se argimentar que a clausula da proporcionalidade em sentido
restrito, prevista no art. 337.“, n.“ l, do CC, se encontra revogada por supervenjéncia
é sempre justificada“, v.g., A da um murre a B, que o
do art, 33.“ do COdigo Penal; ou, em sentido inverse, pode-se argumentar que, tenta assaltar, e em consequència B tem um ataque cardiaco
embora nae estejarn previstos requisitos de proporcionalidade ao nivel do direito e morre.
penal, sempre existirâo limites decorrentes de principie da boa-fé para o uso da
forca na reacçäe a agress5o, V.g.: a manifesta superioridade do agente (posse de
armas/ treino profissional); ou a manifesta irrferioridade do agresser (em estado de 3821.3. Erre nes pressupestes da legitima defesa: art. 338.“
embriaguez), Cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentdrio ao Código do CC484
Penal 7 d luz da Canstituiçda da República e da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem, 2“ ed., Coimbra, 2010, p. 178 e segs; MENEZES CORDEIRO, Tratado
de Direito Civil Portugués, I 7 Parte Geral, Tomo IV, Coimbra, 2005, pp. 426 e
Dispôe 0 art. 338.“ do CC que “Se 0 titular do direito agir na
segs. suposiçäo errónea de se verificarem os pressupostos que justificam
Apesar, destas posiçôes, a verdade é que es termes da discussao foram alterados a acçãa dírecta au a legitima defesa, é obrigada a indemnizar o
cem a Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, que consagra o “regime jurídico das prejuizo causado, salvo se o erro for desculpável.”
armas e municòes", quando no seu art. 42.“, n.“ 1, alinea a) se fixarn especiais
exigências nos casos de legitima defesa com recurso a armas de fogo, que vém,
de certa forma, colidir com o instituto da legitima defesa previste ne COdigo
Penal. Assim, com este entendimento, Paulo Pinto de Albuquerque defende que,
embora o ilicito penal tenha especificidades próprias, o facto penal relevante só se
deve justificar “se Satisfizer a cláusula da proporcionalidade, razao pela qual ele 432 Cfr. FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressapostos..., pp. 245
n5o pode dar ab initio azo a uma pretensae indemnizatória", cfr, PAULO PINTO e 246.
DE ALBUQUERQUE, Comentdrio ao Código Penal 7 d luz da Constituigdo da … Com esta posicao, FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os
República e da Convencà'o Europeia dos Direitos do Homem, 2“ ed., Coimbra, pressupostos..., p. 248.
324 20 l 0, p. 1 79. 424 Ou legitima defesa putativa. 325
Sandra Lopes Luis Introduçâo ao Estudo do Direito

Importa, desde logo, referir que, havendo erre sobre as pressupastos485 2. Reaeçäo contra uma situaçäo de perigo (nâo reacçâo a
da legitima defesa, o acto é sempre considerado ili'citoA“, embora uma agressâo): a) própria ou alheía; b) actual ou iminente;
possa näo haver obrigaçâo de indemnizar. Assim: c) pessoal ou patrimonial;

1. Erro desculpável 7 o homem médio incorreria nele (art. 3. A reacçäo reflecte—se sempre numa coisa, danificando—a
487.“, n.“ 2, do CC), por isso nao existe dever de indemnizar ou destruinde (e nâo contra uma pessoa)“;
nos termos da art. 483.“, n.“ 2, da CC;
4. Proporcionalidade entre a coisa sacrificada e o bem que
2. Erro indesculpável 7 o hamem médio nâo incorreria nele é salve de perigo (art. 339.“, n.“ 1, parte final, do CC; e
(art. 487.“, n.“ 2, do CC), por isso existe dever de indemnizar art. 34.“, alineas b) e c), do C6diga Penal). Esta em causa a
nos termos da art. 483.“, n.“ 2, da CC. proporcionalidade em sentido restrito, tal coma a analisamos
a propósito da legitima defesa, que aqui é mais exigente,
Nate—se gue: porque os interesses do defendente devem ser sempre
superiores aos do agressor, visa-se “... remover o periga
Quando a legitima defesa é ilicita, para alem do agente incarrer
actual de um dano manifestamente superior...”"“°.
em respansabilidade civil, é pessivel legitima defesa dessa conduta.

38.2.2. Estado de necessidade


deixar de se lhe aplicar, pois como entende Fernando Pessoa Jorge “...transparece
na própria ideia de necessidade...”, cfr. FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio
O estado de necessidade esta previsto no art. 339.“ do CC e nos sobre os pressapostos ..., p. 215.
artigos 34.“ e 35.“ do Codigo Penal. ““ Nao é unanime a doutrina acerca do caracter taxativo da actuacao em estado
necessidade, embera a lei apenas se refira a destraicdo ou danificacdo de uma coisa,
também ha quem a estenda aos casos de apropriacao ou detencao de coisas (V.g.,
38.2.2.1. Noção
A prende 0 animal de B que pode causar prejuizos ao campa de B). Na mesmo
sentido, faz7se referéncia a uma actuacao que ofenda apenas direitos patrirnoniais,
Estado de necessidade “é a situacao em que alguém se encontra, mas também ha quem conceba a ofensa de direitos de credito sobre a bem destruido
que justifica a licitude da accao de destruir ou danificar uma coisa alheia au danificada, V.g., o locador que ainda nao entregou a coisa locada ao locatario e
para remover o perigo actual au iminente de um dano manifestamente vem a destrui-la para salvar outro bem próprio de valor superior, age em estado de
necessidade, nao obstante a coisa lhe pertencer. De qualquer das farmas, a estada
superior, quer do agente quer de terceira”"37.
de necessidade nunca pode incidir contra bens de personalidade, cfi'. FERNANDO
PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos..., pp. 254 e 255.
38.2.2.2. Requisitos ”“’“ Note-se que, pade-se fazer a separação entre: um estado de necessidade
objectivo, ou estado de necessidade justificante, em que se considera licita a accao
1. Impossibilidade de recurso aos meios sancionatarios da de destruicaa ou danificacao de coisa alheia para remover o perigo de um dano

forca pública ou carácter subsidia'riom; manifestamente superior, tal como resulta da art. 339.“ da CC; e um estado de
necessidade sabjectivo, ou estado de necessidade desculpante, em que se exclui a
culpa mas a conduta perrnanece ilicita, porque a situacao de periga a remover e de
um dano igual au inferior à da acção de destruicao ou danificacao da coisa alheia,
““5 Ou requisitos. a que ocarre nos casos ein que o agente actua “sob a efeito de um mal maior ” (a
““5 Refira-se que, a doutrina nao e unánime quanto a este aspecta. expressao e de FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressapostos…
… Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Intmduçäo ao Estado… p. 185. p. 252), cama, per exemplo, quando um das naufrages mata a outro para ficar
4“ Embora nao haja uma referencia expressa quanto a este requisito, aa contrario com a destroco que serve de boia de salvaçäo (assim, MIGUEL TEIXEIRA DE
326 dos casos de legitima defesa e acção directa, a verdade é que talrequisito nao pode SOUSA, Introduçào ao Direito… p. 113). Esta distincao resulta claramente dos 327
Sandra Lopes Luis Introduçâe ao Estudo do Direito

38.223. Exemplos 3822.5. Estado de necessidade putativo493


a) Destruiçao de material infiarnavel para impedir a extens5o Pede suceder que o sujeito incorra em erro sobre os pressupestos494
de incéndie; de estado de necessidade, isto e, quando se cenvenca erroneamente de
b) Partir o Vidro de um autemovel para transportar ao hospital que certa situaçâe de perige existe. Nestes casos, a conduta adoptada
um ferido em estado grave; para eVitar o suposto perigo e ebjectivamente ilieita, n50 dando, tedavia,
erigem a responsabilidade nas situaçôes em que 0 “mode” venha a
c) Introduçao em casa alheia, arrombande a perta, para refi'rgio
excluir a culpabilidade, 0 que devera ser decidido casuisticamente,
de tempestade.
nos termos de art. 339.“, n.“ 2, do CC….
38.224. Obrigaçâo de indemnizar
Note-se que:
O estado necessidade terna licita a actuaçâo que norrnalmente
Nos casos do art. 339.“ do CC em que o estado de necessidade
seria crime 7 embera haja obrigaçäo de indemnizaçao, porque o
é uma conduta lieita, n5o pode haver legitima defesa em relaçäo 5
lesado n5e deve arcar com o prejuizo. Quem deve indemnizar? Art.
actuaçäo com base nele.
339.“, n.“2, de CC:
1.1ndemnizaçäo a pagar pelo agente 7 quando a situaçao 38.2.3. Acção directa
de perige resulteu de culpa exclusiva de agente, v.g., seA
destrói uma porta alheia para salvar pessoas em perige”, A acção directa esta prevista no art. 336.“ do CC.
devido a um incendie causade per uma vela que ele celecou
junte da cortina; 38.231. Noçâo
.Indemnizaçäo equitativa 7 nes restantes cases, a pagar
N

pele agente, pelos que beneficiaram do acto do agente A acçäo directa censiste no “recurse 5 força para evitar a
e pelos que contribuiram para o estado de necessidade, inutilizaçäo pratica dum direito, no caso de ser irnpossivel recorrer
v.g., se se verifica um incendio imputavel a terceiro ou a aos meios coercivos normais. Pode consistir na apropriacào,
caso fortuito (avaria na instalacao eléctrica), e a pessoa
ilesa arromba uma perta com o objective de poder usar o
492 Ao estado de necessidade putativo em materia penal aplica-se o art. 16.“, n.“ 2,
telefone e charnar os bombeires para secorrer es feridosm.
do Código Penal,
… Ou requisitos.
artigos 34.“ e 35.“ do Código Penal, em que, respectivamente, e estado de necessidade 4” Neste sentido, vide FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os
aparece como uma causa de exclusäe de ilicitude (tambem apelidado de direito pressapostos..., p. 253. O mesmo autor defende que a soluc5o de n5o consagrar e
de necessidade) e como urna causa de exclusäo da culpa. erre nas situaçôes de estado de necessidade e acertada, perque se n5o se exclui a
‘… Fernando Pessoa Jorge defende a mesma soluc5o para es cases em que obrigac5o de indemnizar nos cases em que, efectivamente, existe um perigo de dano
existe culpa exclusiva na criacäo de situaçae de perige de quem tira proveito do superior 7 o estado de necessidade normal 7, per maieria de raz5o também n5o se
acto em estado de necessidade, cfr. FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre deveria excluir nos cases em que tal perige é imaginario 7 estado de necessidade
ospressapostos..., p. 259. putative. Embera aqui a ebrigaçäe de indemnizar se funde em risco e, por estes
492 Nos casos em que n5o existe culpa, esta indemnizac5o tem per base uma metivos, e juiz pessa, nos termes do art. 339.“, n.“ 2, do CC, atenuar ou afastar a
responsabilidade pelo risco, vide FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre indemnizacao, cfr., FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos…
328 os pressapostos..., p. 260. pp. 261 e 262. 329
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

destruiçäo ou deterioraçäo duma coisa, na eliminaçäo de resistencia ao exercicio do direito” (nâo pode consistir na detençäo
írregularmente aposta ao exercicio do direito ou noutro caso de uma pessoa, mas pode implicar actos que limitarn a
analogo”“““. sua liberdade, V. g. subtracçäo de passaporte)“;
4. Pressupöe uma actuaçäo que pode ser cansumada500 7
38.2.3.2. Requisitos
nâo tendo que ser actual ou iminente 7, nâo pressupôe
uma agressäo fisica;
1. Impossibilidade de recurso aos meios sancionatòrios da
forca pública em tempo útil para evitar a inutilizaçäo pratica A reacçäo pressupôe um requisito de proparcionalidade

U’I
.

do direito, ou carácter subsidiário; e racionalidade (art. 336.“, n.“S 1, parte final, e 3 do CC).
O art. 336.“, n.“ 1, parte final, do CC consagra a vertente
2. Tem por base 0 exercicio de um direito próprio 7 näo
da proíbíção do excesso au necessidade, determinando, tal
pode haver acçâo directa a favor de terceiros497 7 e pode
come na legitima defesa, uma consideraçâo dos interesses
consistir na realizaçäo desse direito (v.g., obter a restituiçâo
do atacante que sera0 sacrificados e impondo o uso do meio
da coisa móvel, proceder a reocupaçäo do imóvel ou a
menos lesivo por parte do defendente. Todavia, 0 regirne
demoliçäo da obra feita em desobediència a obrigaçäo
de nâo construir), ou em assegurar o seu exercicio (V. g., desta vertente da proporcionalidade na accào directa é
na circunstancia de fuga do devedor para o estrangeiro diferente da existente na legitima defesa, pois aqui a “aeçäe
com valores que pretende subtrair a acçäo do credor, directa excessiva é sempre ilicita”5“‘. N0 art. 336.“, n.° 3, d0
este pode, no último momento, apropriar-se da mala com CC esta em causa a proporcionalidade em sentido restrito,
os valores, tirar o bilhete ou o passaporte, ou, mesmo, que também é mais exigente do que na legitima defesa,
avariar o carro em que se pretendia fugir; no caso de o porque os interesses do defendente devem ser sempre
devedor começar a destruir os seus bens com intençäo superiores ou pelos menos iguais aos interesses do agressor
de prejudicar o credor, “este perante 0 perigo de nada “a acçäo directa nao é licita, quando sacrifique interesses
encontrar no património daquele, e sendo íneficazes os superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar”.
meios normaís de conservaçäo de garantia patrimonial,
deita mâo a alguns valores do devedor de valor suficiente 3823.3. Exemplos:
para assegurar a divida e instaura subsequentemente o
arresto”)493; a) A acçäo do pai que impede pela força que a mâe leve o filho
para o estrangeiro, confiado por tribunal a guarda do primeiro;
A actuacáo em acçäo directa é um acto material que, nos
W

termos do art. 336.“, n.“ 2, do CC, pode incidir sobre coisas:


“apropriaçäo, destruiçâo ou deterioraçâo”; ou ocorrer
49" Note-se que este preceito nao tem um carácter taxativo, podendo a acção
contra pessoas: “elirninar resistència irregularmente aposta
directa concretizar—Se em outras actuaçôes.
5““ Neste sentido, FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaia sobre os pressupostos…

p. 212. Com opiniáo diversa, e afirmando a exigencia de uma actuacao consumada,


4% Cfr… ANTONIO SANTOS JUSTO, Inrmdução ao Estado… p. 184 (o negrito cfr, LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 5“
eo italico sâo nossos). ed., Lisboa, 2010, p. 724.
“‘” Este aspecto é discutivel. 5‘“ Cfr. FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos… pp, 250

"” Vide FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos… p. 219. e 251. 331
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

b) A 5cc50 de alguem tirar a outrem um anel de familia corn Existem cases de previsäo legal da figura da acçâo directa, tais
bras5e, que havia sido roubado ha algum tempo; como, o art. 1037.“, o art. 1277.“ e o art. 1314.“ do CC.
A accào directa n50 dispensa o recurso aos meios de justiça
c) A acc50 de destruiçâo de um muro feito por outrem para
pûblica para regularizar a situaçäo, salvo quando ja haja realizacào
impedir a entrada num terreno que pertence ao primeiro;
definitiva do direito.
d) A reecupac5o de um imövel.
38.2.4. Direito de retenção
38.2.3.4. Erro nos pressupestes da acçâo directa: art. 338.“ do CC
Está previsto nos artiges 754.“ e segs do CC.
Dispôe o art. 338.“ do CC que “Se o titular do direito agir na
saposicào errónea de se verificarem os pressupostos que justificam 38.2.4.2. Noção
a acçãa dírecta ou a legitima defesa, é obrigado a indemnizar o
prejuizo causado, salvo se o erre for desculpa'vel.”5“2. O direito de retençâo “é a faculdade que, em determinadas
Imperta, desde logo, referir que havendo erro sobre os pressupestes“03 situaçôes, 0 credor goza de reter uma coisa de devedor para o coagir
da acçâo directa, tal como ocorre na legitima defesa, 0 acte é sempre a cumprir a sua obrigac5e”5“5. V.g., 0 relejeeire retém 0 re10gio até
censiderade ilicito, embera possa não haver obrigacào de indemnizar. que 0 dono l11e pague 0 preco do conserto.
Assim:
38.2.4. 1. Requisitos
1. Erro desculpável: 0 110mem médie incorreria nele (vide
art. 487°, n.° 2, do CC), por isso n50 ha dever de indemnizar 1. Uma coisa deve estar em poder do credor a titulo de simples
nos termos do art. 483°, n.° 2, do CC. detençäo (n50 5 titule de propriedade ou posse);
2. Erre indesculpa'vel: o homem medio n50 incerreria nele 2. Existe uma intima relacdo entre o crédite e a coisa detida
(vide art. 487.“, 11.“ 2, do CC), por isso ha dever de indemnizar pele creder 7 a Obrigac5o tem a ver com a coisa;
nos termos do art. 483°, n.° 2, do CC.
3. O detentor da coisa deve ser 0 creder da obrigaçäo e 0
devedor deve ser aquele a quem a coisa tem de ser restitur'da.
Note-se gue:
O direito de retencao traduz uma manifestaçäo de autotutela
Para alguns autores a accao directa deve ser concebida como um
ou tutela privadas“, embora, ao contrario dos restantes meios, n50
tipa de maior amplitade que abrange as situacòes n50 enquadrades na tenha um carácter subsidiario. Protege a reali2ac5e do direito em
legitima defesa, no estade necessidade e no direite de resisténcia50". termos semelhantes 5 acçäo directa.

5‘72 Em matéria penal fala-se também de uma accào directa putativa nos casos
““5 Cfr. ANTONIO SANTOS JUSTO, Introdacào ao Estudo.… p. 186.
com que o agente aja com base em erre sobre os elementos do tipe justificador, 5‘76 Fernando Pessoa Jorge discorda da inclusao do direito de retenção entre os

aplicando—se 0 art. 16.“, n.“ 2, do Código Penal, meios de tutela privada, pois, para este autor, a actuacào em defesa, subjacente a
5‘73 Ou requisitos. estes meios de tutela, implica sempre uma acçäo positivn, e n50 uma abstencào,
5‘" Com esta posição Oliveira Ascens5o e Miguel Teixeira de Sousa. Cfr., razão pela qual consistindo o direito de retencào na “n50 entrega da coisa" n50
JOSE DE OLIVEIRA ASCENSÁO, o Direito 7 Introduçào..., p. 96; MIGUEL p0de ser considerado um meio de tutela privada, cfr. FERNANDO PESSOA JORGE a
332 TEIXEIRA DE SOUSA, Introducao ao Direito…, p. 114 e 115. Ensaio sobre os pressupostos… p. 214. 333
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

38.2.5. Direito de resisténcia 38.3. Considerações finais

Esta previste no art. 21.“ da CRP. O carácter subsidiário da legitima defesa, acçäe directa e
estade de necessidade, tal cemo ja verificames, näe implica uma
3825.1. Nocao impessibilidade definitiva de recurse aes Org5os de coercibilidade,
mas antes que tal recurso n5o seja viavel em tempo útil, isto é, que
Traduz a pessibilidade de os cidad5os se pederem defender ponha em causa ou tome dificil a realizaçäe do direite. Assim, na
contra actuacòes das entidades públicas (ou privadas507) que ponham verificaçâe deste aspecto é relevante atender ao mode de funcienamento
em causa es seus direites, liberdades e garantiasm. do ergâe competente.
O principio da proporcionalidade, eu da ponderaçâo de interesses,
38.2.52. Modalidades apresenta diverses graus nestes meios de tutela privada: a legitima
defesa é licita se 0 bem lesade ao abrige desta actuaçäe for
1. Resisténcia passiva 7 verifica—se quando existe uma ordem inferior, igual ou superior (n5o manifestamente) ae bem protegido;
que ofenda direitos liberdades e garantias, e consiste em a acçäo directa sO é licita se o bem lesado for inferior ou igual ao
nao fazer o que é imposte ou fazer o que é vedado, V.g., bem protegido; e no estado de necessidade o bem lesado deve ser
o n5o cumprimento de erdens que enV01vam a pratiea de manifestamente inferior ao bem protegido5““.
crimes 7 art. 271.“, n.“ 3, da CRP;
2. Resistencia defensiva 7 verifica—Se quando existe uma
agress5o de agentes, e censiste na respesta a agressâe,
V.g., repelir uma agressâe pela forca.
Pela Via de direite de resistència, condutas normalmente
censideradas ilicitas deixam de o ser. V.g., a entrada em habitacao
alheia de autoridades policiais sem mandato judicial 7 o proprietarie
pode impedir a entrada da policia, sem que a sua actuac50 seja
considerada ilicita.

5‘” Cfr. J. J, GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constitaicdo da


República Portuguesa 7Anotada 7 Volume I..., p. 421.
5““ Note-se que, ha quem defenda que o regime especifico dos direitos liberdades

e garantias (onde se inclui este art, 21.“ da CRP) deve ser estendide também aos
direitos económicos, sociais e culturais, Com esta posicao, vide JORGE REIS
NOVAIS, Direitos Sociais 7 Teoria .htrldica dos Direitos Sociais enqaanto Direitos 5°“ Cfr. FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressapostos..., pp. 215
334 Fandamentais, Coimbra, 2010, p. 361. e 2 l 6. 335
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: Novais, Jorge Reis


7 Direites Seciais 7 Teoria Juridiea dos Direitos Sociais enquanto
Albuquerque, Paulo Pinto de Direitos Fundamentais, Coimbra, 2010.
7 Comentario ao Co'digo Penal 7 à luz da Constituiçäo da República
e da Convençäo Europeia dos Direitos do Homem, 2“ ed., Coirnbra, Sousa, Marcelo Rebelo de / Galvao, Sofia
20 1 0. 7 Introducdo ao Estudo do Direito, Lisboa, 2000.

Amara], Diogo Freitas do Sousa, Miguel Teixeira de


7 Direito Administrativo, vol. IV, Lisboa, 1988. 7 Introducdo ao Direito, Coimbra, 2012.

Ascensäo, José de Oliveira


7 O Direito 7 Introduçãa e Teoría Geral, 13“ ed., Coirnbra, 2005.

Canotilho, Gomes / Moreira, Vital


7 Constituiçäo da Republica Portuguesa 7Anetada 7 Velurne I 7
artiges 1.“ a 107.“, Ceimbra, 2007.

Cordeiro, Antonio Menezes


7 Tratado de Direito Civil Portugués, I 7 Parte Geral, Tome IV,
Coimbra, 2005.

Gomes, Nuno Sá
7 Introduçäo ao Estudo do Direito, Lisbea, 2001.

Justo, Antonio Santos


7 Introduçäo ao Estudo do Direito, 5“ ed., Coirnbra, 2011.

Lima, Fernando Pires de /Vare]a, J. M. Antunes


7 Co'digo Civil Anetade, vel. I, 4“ ed. (reimp.), Ceimbra, 2010.

Machado, Joao Baptista


7 Intmdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 19“ ed. (reimp.),
Coimbra, 201 1.

Mendes, Joâe Castro


7 Introduçäo ao Estudo do Direito, Lisbea, 1994.
336 337
PARTE III
EXERCÍCIos PRÁTICOS

CAPITULO I: EXERCÍCIos SOBRE A PARTE |510

SUMARIO:

39. Casos praticos resolvidos sobre Interpretaçäo; 40. Testes e


exames resolvidos; 41. Perguntas teóricas; 42. Esquema auxiliar
para resolução de hipóteses sobre interpretaçâo.

“° Apresentarnos apenas propostas de resolucao para estas hipóteses práticas,


pois, dada a complexidade de certas matérias, n50 descartamos a possibilidade de
outras formas de soluçäo igialmente validas.
Introduçäo ao Estudo do Direito

§ 39. Casos práticos resolvidos sobre InterpretacìioS11

Caso Pratico n.° 1512

Arlindo, adepto fervoroso do Benfica e sócio n.° 999, desde


longa data, assiste aos jogos de futebol do seu “Glorioso” com o
grande amigo Nelson. Em dia de derby na Luz, com a emoção do
jogo, sentiu—se mal e foi—lhe diagnosticada uma deenca grave, tendo
os médicos previsto que teria apenas très meses de Vida. Ao saber
desta pavorosa noticia, Arlme decidiu fazer um testamento público,
em Janeiro de 2009, do qual constava uma disposiçâo a favor de
Nelson com o seguinte teor: “Lego ao meu amigo Nelson a minha
camisola autografada pelo Eusébio, no caso de o Benfica ser campeäe
nacional este ana.”
Arlindo faleceu em Marco de 2009. O Benfica näo ganhou 0
campeonato de futebol, mas 0bteve o primeiro lugar no campeonato
nacional de andebol.
Nelson, consternado com a morte do amigo, que sempre o
acompanhou aos jogos do “Glorioso”, e fa incondicional do Eusébio,
afirma que: “se a mim e a mais ninguém pertence a camisola da
“grande Eusébio”.
Quid iuris? (resolva o caso, pressupondo que náo existe o art.
2187.“ do CC).

Resoluçäo:

Pretende—se saber se Nelson deve ficar com a camisola do Eusébio.


Para tal, devemos interpretar a deixa testamentaria onde se dispöe
“no caso de a Benfica ser campeäa nacional”. O Benfica foi campeäo

5“ A resolução dos segiintes cases práticos tem por base somente a analise da
materia da interpretacao,
5” Caso pratico n.° 15 (adaptado) da colectanea de hipoteses de CARLA
AMADO GOMES, Hipoteses de Trabalho I para a disciplina de Introduçàe ao
Estado do Direito, AAFDL, Lisboa, pp. 16 e 17. 341
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

nacional de andebol, sera que este facta preenche o disposte na Casa Pratica n.“ 2513
deixa testamentaria? Nelson faz uma interpretacae literal da norma
e diz que sim, pois a letra da lei refere “no caso de o Benfica ser José Pedro, ha longas semanas, vem sendo acordade a meio da
campeao nacion ” sem especificar se é campeao nacional de futebol, neite per chamadas telefónicas feitas por alguém que inmriavelrnente
de andebol ou de qualquer outra modalidade desportiva. lhe pergunta se consegue dormir bem.
Para responderrnes a esta questäo, importa analisar os elementos a) Tende reconhecido a voz de urn colega da Faculdade, José
da interpretacao. O elemento literal (palavras em que a lei se exprime) Pedro pretende saber se pode apresentar queixa—crime com
parece que apenta para campeao nacional de qualquer modalidade frmdamento no art. 190.“, n.“ 1, do C6diga Penal, apravada
desportiva. Na entanta, ha que observar também o elemento logico, pelo Decreto-Lei n.“ 48/95, de 15 de Março, nos termos do
compasto pelas elementas: sistematico (conjunto de nonnas em que qual “Quem, sem consentimento, se introduzir na habitaçäo
a lei a interpretar se insere 7 esta previsto no art. 9.“ n.“ 1 do CC de outra pessoa ou nela permanecer depois de intimado
“... tendo em conta a unidade do sistema juridico...”), histórico a retirar—se, é punido com pena de prisao ate' um ano ou
(circunstâncias temporais que radearam a feitura da deixa testamentarias com pena de multa até 240 dias.”5“.
7prevista no art. 9.“ n.“ 1 do CC “... circunstâncias em que a lei foi b) Suponha que e consultado um professor catedrático de
elaborada...”) e teleolôgico (finalidade da norma 7 previsto no art. Direito Penal que sobre a questâo emite urn parecer. Que
9.“ n.“ 3 do CC). Para o caso é importante o elemento histórico, pois valor deve ser atribuido a este parecer no que concerne a
Nelson acompanhou, durante largos anos, o seu amigo Arlindo aos interpretacao do citado preceito do Código Penal?
jogos de futebol do Benfica. Interessa também o elemento teleológico c) Suponha que o Govemo, a pretexto de algumas dificuldades
ou fim concreto que a deixa testamentaria vísa satisfazer, Vista de interpretacao do referido artigo, faz um decreto
Arlinda pretender partilhar com o amigo, e depois da sua morte, regulamentar onde vem esclarecer que ali a expressao
a alegria da Benfica ser campeao nacional de futebel nesse ano, “introduzir na habitacdo” deve ser entendida como toda a
dando-lhe a camisela de Eusébio, conhecido jogador de futebol. Violacao de privacidade do domicilio, haja ou nao presenca
Deste modo, verifica-se uma desarmonia entre a letra e o espirito fisica por parte do agente.”
da lei, pois enquanto o elemento literal aponta para “Benfica campeâo Quid iuris?
nacional de qualquer modalidade desportiva”, o elemento logica
aponta para “Benfica campeäo nacional de futebol”. Par isso, fazenda
uma interpretacae restritiva da deixa testamentaria, isto é, limitando
a letra dalei per consideracao do elemento logico, chegames ao seu
sentido real, que consiste na verificaçäo da condiçäo no case de o
Benfica ser campeäo nacional de futebol.
Assim, conclui—se que Nelson nao tem razae, pois nao tendo o
Benfica ganho o campeonato de futebol, a camisola do Eusébie nao 5” Casa pratico n.“ 8 (com ligeiras alteraçôes) da colectanea de hipoteses de
deve ficar para ele. MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA/ LUIS
CORTES MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos
prdtieos de introdacdo ao estado do direito, AAFDL, Lisboa, 1998, pp. 12 e 13.
5” O art. 190.“, n.“ 1, da Codigo Penal esta inserida no Cap. VII 7 Dos crimes
contra a reserva da vida privada, e tem cama epigrafe “Violacao de domicilio au
342 perturbacao da vida privada". 343
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Resoluçâo: Nota:

Alinea a) Temos uma situaçäe em que se pode discutir igualmente a


aplicaçâo analogica deste preceite do COdigo Penal (analagia legis).
Para determinarmos se esta norma se aplica ao colega de José A decis50 da opcao pela interpretaçâe extensiva eu pela analogia
Pedro, que lhe telefona ao meio da noite, importa interpretar a deve passar pela censideraçäe da maier eu menor preximidade da
express5o do art. 190.“, n.“ 1, de Cedige Penal “introduzir na habitacào situaçâe a letra da lei e pelo cumprimento ou n5o do já referido art.
de outrapessaa”, per isso, devemos também aqui analisar 0s elementos 9.“ n.“ 2 do CC.
da interpretaçâe. Se entendermos que a expressâo “introduçäa” também comporta
Quante ae elementa literal verifica—se que a palavra “intreduzir” as situaçôes de presença n5o fisica, fazemos uma interpretaçäo
significa “entrar eu meter dentre” e ne seu sentido gramatical comum extensiva e aplicames a lei a situaçâo. Se censiderarmos que a
implica presenca fisica. Quanto a0 elemento logico é relevante 0 express5o “introducdo” apenas comporta as situaçôes de presença
elemento sistemático (art. 9.“, n.“ 1, do CC), pois 0 art. 190.“, n.“ 1, fisica, entâo teremes de recorrer a analogia legis, pois subentendemes
do COdigo Penal esta inserido no capitulo dos “Dos crimes centra uma lacuna quanto aos casos de intromiss5o sem presenca fisica,
a reserm da Vida privada eu perturbacao da Vida” e tem como epígrafe que deve ser integrada pelo recurso ae referido preceito do Codigo
“Vielaçäe de domicilio eu perturbac50 da Vida privada”, parecende Penal. Para determinar se a analegia é pennitida, devemos verificar se,
abranger todas as situaçôes de perturbaçäo, quer impliquem presença nos termos do art. 10.“, n.“ 2, do CC, procedem as razoesjustificativas
fisica eu n5o; e releva também o elemento teleológico (art. 9.“, n.“ 3, no caso previsto na lei. O que aqui parece existir, pois em ambas
do CC), sendo a finalidade da lei sancionar quem perturba a Vida situacòes se pretende evitar a perturbacao da Vida privada de eutrem.
privada de eutrem. Neste sentido, atendendo ao elemento logico da Tedavia, come esta em causa uma norma de direito penal positivo
interpretacao, a norma parece abranger a perturbaçäo de outrem, (define os crimes e medidas das penas), a sua aplicaçäo analogica
quer haja presenca fisica ou nao. é vedada pelos artigos 29.“ da CRP e 1.°, n.“ 3, do COdigo Penal, 0
Deste modo, verifica-se que, da análise dos elementos da que impede a aplicacao do art. 190.“, n.“ 1, de Código Penal a esta
interpretacao, resulta uma desarmonia entre a letra e espirito da lei, situaçâe.
pois o legislador disse menos do que queria dizer, queria referir-se De expeste, verifica-se que a opção pela via da interpretacao
a todas as situaçôes de perturbaçäo da vida privada de outrem e extensiva ou a epcao pela via da analogia reveste, no case concreto,
referiu—se apenas as situacòes de perturbaçâe com presenca fisica, uma impertância extrema, dade que pode levar a criminalizaçäe eu
raz5o pela qual, fazendo uma interpretacao extensiva do preceite, n5o da conduta em causa.
iste é, estendendo a letra da lei per consideraçäo de elemento logico,
devemos entender que 0 art. 190.“, n.° 1, do COdigo Penal se apliea Alinea b)
a situac5o em causa, de perturbacàe sem presenca fisica 7 através
de chamadas telefónicas. O prefesser catedratice faz uma interpretacz‘io doutrinal do
Tal interpretaçâo ainda parece caber dentre dos sentides literais preceito. Esta modalidade de interpretacào quanto ae critério da fonte
pessiveis da expressäo “introducao”, respeitande-se, per esta raz5o, ou valor nao tem carácter vinculativo para os outros (sem eficacia
0 art. 9.“, n.° 2, do CC. externa), mas vale apenas pela forca dos argumentos invocados e
Assim, verifica-se que José Pedro pode apresentar queixa contra pelo prestigio da pessoa que a efectua.
344 o colega. 345
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Alinea c) Alinea a)

O Governo através do decreto regulamentar faz uma interpretaçäo Para determinarmos se a norma do Decreto—Lei n.“ 21279 também
oficial ou administrativa, aquela que é realizada por uma norma se aplica aos agentes da Policia de Segurança Publica convém analisar
ou fonte de wlor inferior 5 norrna interpretada (neste caso existe um es elementos da interpretacào.
regulamente que interpreta uma lei). Esta modalidade de interpretacao O elemento literal (palavras em que a lei se exprime) refere-se
näo tem eficacia extema (para os aplicadores do Direito), produzindo a objectos contundentes, ou seja, refere—se a quaisquer objectos duros e
apenas efeitos internos no seio da hierarquia administrativa. pesados que possam causar ferimentos, impedjndo, por isso, a entrada
nos estadios de firtebol de todas as pessoas que transportem este tipo
de objectos. Ja o elemento legico 7 dentre do qual se destacam 0
Caso Prático n.° 3515 elemente histórico (circunstancias temporais que rodearam a feitura
da lei 7 previsto no art. 9.°, n.° 1, do CC “... circunstancias em que
Na sequência de desacatos ecerrides, emAbril de 2009, no Estadio a lei foi elaborada...”), devido 5 referéncia de que o Decreto-Lei
da Boa Ventura, que levaram a violentas agressòes entre membros n.“ 21279 fei aprovado “Na sequéncia de desacatos...”, e 0 elemento
das diferentes claques, foi publicado 0 Decrete—Lei n.° 21279 com teleológica (fim visado pela pessoa que elaborou a lei 7 previste no
o seguinte teor: “E proibida a entrada em esta'dios de futebol com art. 9.“, 11.“ 3, do CC) 7 indica que a norma pretende evitar ferimentos
quaisquer objectos contundentes”. entre os adeptos na sequência de eventuais tumultos. E, como tal, a
a) Um més depois, num jogo de futebol entre o Benfica e a proibiçäo de acordo com 0 elemente logico parece abranger a entrada
Naval, nove agentes da Policia de Seguranca Pública, de objectos susceptiveis de causar agressòes entre adeptos, que é
encarregados de vigiar 0 encentre, pretendem entrar no dizer, das pessoas que com eles possam causar essas agressòes.
Estadio da Luz com pistolas e cassetetes. Deste modo, verifica-se uma desarmonia entre a letra e 0 espirite
b) Por sua vez, Ricardo, benfiquista fervoroso, também quer da lei, peis enquante 0 elemento literal aponta para a proibiçäo da
entrar no estadio, levando uma garrafa de vidro de agua entrada nos estadios de todas as pessoas que transportem objectos
com capacidade de um litro e meio. contundentes, 0 elemento logico limita a proibiçâo apenas às pessoas
Quid iuris? que possam causar desacatos. Por isso, deve-se fazer uma interpretação
restritiva do Decreto—Lei 11.“ 21279, iste é, deve—se lirnitar a letra
Resoluçâo: da lei, per censiderac50 do elemente 10gice, para assirn obtermos o seu
sentido real, que consiste em apenas impedir a entrada nos estadios
Temos uma norma que estabelece 5 proibicào da entrada nos de futebol com objectos contundentes dos sujeitos que com eles
estadios de futebol com “quaisquer objectos contundentes”. E esta possam causar disturbios.
express5e que importa interpretar para as duas situaçôes em causa. Por estes motivos, conclui-se que os agentes da Policia de
Seguranca Publica, enquanto garantes da ordem nos estadios de
futebol, n50 est50 abrangides pele ambito de aplicacio da proibicào.
515 Case pratico inspirado ne enunciado de Exame de Coincidencias de lntroducào

ao Estudo do Direito 7 571-1999 (1. C., publicado na colectânea de hipóteses de


PEDRO MÚRIAS, Exercícias de Intmduçâo no Estudo do Direito, AAFDL, Lisboa,
346 2001,p. 123. 347
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Alinea b) artige é, de facto, ambiguo, e a Direcc5e—Geral d0s Registes e


Notariado, excessivamente preocupada com uma certa protecçäo da
Quanto 5 situaçâo de Ricardo, importa determinar se a garrafa privacidade da Vida dos cidadäos, emitiu uma circular determinando
de agua com capacidade de um litro e meio pode ser considerada que es censervaderes e funcionaries de registe civil só passassem
um ebjecte contundente. Para respender a esta quest50, cenvém, desde certidöes a pedido dos advogados quando estes apresentassem
loge, referir que a expressäe “obj ectos contundentes” apresenta um procurac5e 0u autorizaçäe des seus clientes que especificamente
grau de imprecis50 que nos leva a considerar que esta em causa um lhes desse poderes para requerer 0 tipo de certid5e em causa.
conceito indeterrninade. Estes conceitos, que se caracterizam pela Zebedeu, M. D. Advogado, insiste com um funcionarie para
utilizacàe de palavras ou expressöes, genericas, vagas ou imprecisas, s5o que lhe passe a deVida certid50. O bem do funcionarie dizia: «eu
utilizades pelo legislador norrnalmente para permitir uma maier até concordo com o S’outor, mas ordens S50 erdensl, n5o p0sso
adaptabilidade da seluc50 legal 5s circunstancias do caso concreto, passar ao lado de urna circular da Direcc5e—Geral.» Que fazer?
sendo, por esses motivos, carecidos de um preenchimento valorativo
(de cariz obj ectivo) por parte do aplicador do Direito. Resoluçãoz
Deste modo, e tomando por base este pressuposto, importa
analisar os elementos da interpretaçäe. Quante ao elemento literal, Temes uma situaçäo em que uma circular (um regulamente
significando objectos contundentes “objectos duros, pesados, que administrative) interpreta uma lei, limitando o seu conteúdo, pois
causam contus5e”, n5o se duvida que, nesta situaçao em particular, a lei que permite aos advogados requererem quaisquer certidöes
tal garrafa é susceptivel de causar estes danos, com a agravante de relativas aos seus clientes é interpretada no sentido de es funcionarios
que se pode partir e originar, por esse facto, ainda prejuizos mais só poderem passar certidöes se apresentada autorizaçäo des clientes.
graves. Quanto ao elemento lógico, tal como ja referimos, a lei A questâe que se coleca aqui é a de saber o valor que tem tal
pretende evitar ferirnentos entre os adeptos na sequéncia de eventuais interpretaçâo p0r parte da Administrac5e.
disturbios. Assim, verifica-se que a letra e o espirito da lei est5o Estamos diante de urna interpretação oficial ou administrativa,
em consen5ncia (o legislador exprimiu—se de modo adequado a aquela que e feita por uma norma de valor inferior a interpretada, pois
abranger estes objectos), e, por isso, fazendo uma interpretação um regularnento interpreta urna lei. Esta modalidade de interpretaçäo,
declarativa (média) da norma, chega—se 5 cenclus5e que esta se quanto ae critérie da fente ou valor, n50 tem urn caracter vinculativo
aplica, sem mais, 5 situac5e de Ricardo, raz5o pela qual ele n5o ou eficacia externa, iste é, vale apenas no ambito da hierarquia
pode entrar no estadie cem a garrafa de agua. administrativa (tem eficacia intema). Por isso, neste caso, o funcionario
do Registo Civil deve respeitar a circular da Direccao-Geral, o que
Case Pratico n.° 4516 n5e impede, todavia, que o advogado a venha contestar em termos
graciosos ou contenciosos.
Admíta que a correcta interpretaçäe de certo artige alge ambiguo Deste modo, verifica-se que o funcionarie tem raz5o e Zebedeu
do Codigo do Registo Civil da direito aos advogados a requererem devera recorrer hierarquicamente ou contenciosamente da circular
quaisquer certidöes relativas aos seus clientes. O problema é que o da Direccao-Geral dos Registos e Notariado.

… Case pratico n.° 33 da colect5nea de hipóteses de PEDRO MURIAS, Exercicios


de Introdupao,,,, p. 23, cuja publicacào se faz com autorizacào do autor. 349
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Caso Pratico n.° 5517 ainda parece ter um minimo de correspondéncia na letra da lei
(respeitando-se 0 art. 9.“, n.“ 2, do CC), pois muitas vezes usa-se a
Suponha que 0 Govemo pretende proteger a maternidade desvalida, expressäo “selteira” no sentido de “descomprometida”.
e, para tal, cria um pacote de normas, entre as quais se inclui o Assim, verifica—se que Sónía tem razáo ao solicitar a reduçäo
Decreto-Lei n.“ 21058 que contém uma disposiçäo com o seguinte do seu periodo de trabalho.
teor: “As mäes solteiras beneficiam de uma redução de 5 0% no seu
hara'rio de trabalho nos seis meses posteriores ao parto”. Nota:
Imagine que Sónia, recém—divorciada e máe de uma crianca de
um més, selicita a sua empresa idêntica reduçäo. Temos uma situaçâo em que se pode discutir também a aplicaçäo
Quid iuris? analogica deste preceito do Decreto—Lei n.“ 21058 (analogia legis).
A decisäo da opçâo pela interpretaçâo extensiva ou analogia deve
Resoluçâo: passar pela consideraçäo da maior ou menor proximidade da situaçäo
a letra da lei.
Coloca-se a questâo de saber se sonia, mae divorciada, deve Se entendermos que a expressâo “mäes solteiras” comporta as
beneficiar de reduçäo no seu horario de trabalho. Está em causa a situaçôes de maes sozinhas, fazemos uma interpretaçäo extensiva e
interpretaçäo da expressäo “mäes salteiras” prevista no decreto—lei, aplicamos a lei à situaçäo.
e importa, também aqui, analisar os elementos da interpretaçâo. Se considerarmos que a expressäo “mäes selteiras” apenas
Começando pelo elemento literal, mäes solteiras säo aquelas que comporta situaçôes de maes que nunca se casaram, entäo teremos
nunca se casaram, pelo que, fazendo uma interpretacao da letra da de recorrer a analagia legis prevista no art. 10.“ do CC, pois
norma, Sonia nâo teria direito a reducáo. Quanto ao elemento lógico, subentendemos uma lacuna quanto aos casos das maes divorciadas.
em particular o elemento teleologico (ou fim da norma, previsto Tambem aqui deveremos verificar se procedem as razöesjustzfieativas
no art. 9.“, n.“ 3, CC), 0 Govemo pretende proteger a maternidade do caso previsto na lei (art. 10.“, n.“ 2, do CC), 0 que parece suceder,
desvalida com a criaçâo desta norma, isto é, permitir que maes com visto a lei pretender reduzir o periodo de trabalho das maes que
filhos recém-nascidos e que estejam sòs nos primeiros momentos estejarn sós nos primeiros momentos da matemidade. E neste sentido,
da matemidade possam beneficiar de uma reducáo no seu horario podemos ainda suscitar o facto de estarmos diante de uma norma
de trabalho para cuidar da crianca. excepcional (porque se dirige a um número restrito de pessoas 7 as
Deste modo, verifica-se uma desarrnonia entre 0 elemento lógico mães solteiras 7 e contraria o regime geral, que nâo prevê qualquer
e o literal, o legislador disse menos do que efectivamente queria dizer, encurtamento ao periodo laboral), cuja aplicacao analógica é vedada
queria referir—se a todas as mulheres sem companheiro depois do pelo art. 11.° do CC. A este respeito, devemos distinguir os casos de
parto, mas referiu—se apenas as solteiras. Per isso, devemos fazer uma excepcionalidade formal (que dependem apenas da técnica legislativa
interpretacao extensiva do preceito, ou seja, estender a letra da usada) dos casos de excepcionalidade material (que contrariarn um
lei de molde a abranger também as mâes divorciadas. Tal interpretaçäo principio insito na regra geral), pois só estes últimos, de acordo
com a posição de alguns autores, como é o caso de Oliveira Ascensao,
estariam vedados pelo art. 11.° do CC….
5” Caso pratico n.“ 13 (com ligeiras alteracòes) da celectànea de hipóteses de
MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA] LUÍS
CORTES MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos
pra'ticos… p. 16. 5'“ Sobre a interpretacae do art, 11,° do CC, vide supra 17.3.3.4. 351
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Na hipòtese, a excepcionalidade parece ser meramente formal, § 40. Testes e exames resolvidos
dado n50 se vislumbrar a centradic5e de um principio, ra250 pela
qual a aplicac5o analogica do Decreto-Lei n.° 21058 n50 estaria
ved5da. E como tal, por esta via, S0nia tem igualmente ra25e ao Teste de Introducao ao Estudo do Direito I519
solicitar a reduçâo do seu periodo de trabalho. 1.“ Ano, Turno da Noite
30 de Novembro de 2010; 18h30
Duraçäo 60 m
Caso Pratico n.° 6 I
Imagine as seguintes normas hipotéticas sobre 0 regime do
Suponha que 0 regulamento 119/09, estabelece no art. 9.“ que
arrendamento urbano, contidas num decreto-lei: «1 7 Cabe 50 senhorio
“es militares devem entrar e sair fardados das suas unidades” e realizar todas as obras de conservacio, requeridas pelas 1eis vigentes
que no art. 20.“ se dispöe que “os militares podem entrar e sair da
ou pelo fim do centrato, salvo estipulaçäo em contrario. 2 7 A n50
sua unidade em traje civil”. Fernando, militar, tem dúvidas em realizac50 das Obras dá lugar 5 aplicac5o de uma multa correspondente
perceber o regulamente. a um décimo do valor da renda per cada més de atraso na respectiva
Quid iuris?
realizaçäo».
a) Imagine que o inquilino A pretende intimar, ao abrige desta
Resoluçâo:
norma, 0 senhorio B a realizar obras de conservaçâo e
que o mesmo inquilino paga, 50 abrige de um regime de
Aqui o intérprete deve fazer uma interpretaçäo abrogante
renda cendicienada apenas sujeite a actualizaçâo anual
(modalidade de interpretaçâo quante 50 critério do resultado da
per pertaria do Govemo, uma renda de valor irrisôrio.
conjugacäo dos elementos literal e 10gice), segundo a qual se chega
Podera o senhorio invocar que a norma n50 lhe é aplicavel
5 cenclus5o que existe uma contradiçäo insanavel entre os elementos
em virtude do carácter inisório da renda que lhe é paga?
lógico e literal, e que, per esses motivos, n50 se censegue retirar da
E com que fundamento? (5 valeres)
norrna qualquer sentido ou significado.
b) Imagine agora que o regime de renda cendicienada a que
se refere a alinea anterior esta previsto na lei apenas para es
arrendamentes para habitacao. O senhor C pretende tomar
de arrendamento uma loja para instalar 0 seu cemércie e
pede—lhe a sua 0pini50 sebre a aplicabilidade do regime
de renda condicionada ao seu caso. Que lhe diria? (4
valores)

5” Enunciado realizade per Miguel Nogueira de Brito, cuja publicac5o se faz


cem auterizacào do autor. 353
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

c) Imagine que existe uma norma segundo a qual é proibido ao que se encontra numa pesicao financeiramente mais fortalecida, e,
inquilino realizar obras de conservacdo no locado sem como tal, o equilibrio financeiro que se pretende com a norma em
aatorizacdo do senhorio, sob pena de este ultimo poder causa seria fortemente postergade. Trata—se de uma situacae que o
resolver o contrato. O inquilino D fez abras que aumentam legislador, certamente por lapso, nao salvaguardou 7 o fim da lei
o valor do local arrendade, mas nao eram necessarias nao esta pensado para estas hípóteses. Por isso, deve—se fazer uma
para a sua conservacao. Pade o senhorio E resolver o redução teleológica da regra que decorre do decreto-lei e nao a
contrato? (4 valores) aplicar a esta situaçäo, porquanto so assim se respeitara a finalidade
II do preceito em causa.

Situe na letra do artiga 9.“ da Codigo Civil os váríos elementos Admissibilidade da reduçäo teleológica em Portugal:
da interpretacao e aponte ainda as indicaçôes fomecidas por este
artigo quanto aa fim da interpretaçâo. (5 valares) A reducao teleológíca verifica-se quando, para mio se contrariar

Redacçäo e sistematizaçäo: 2 valores o fim que a lei pretendia alcancar, o intérprete, após interpretacao da
qual resulta uma regra com um sentido muito amplo, vem a restringir
Resoluçâo da Parte 1: o seu alcance (da regra), impedinda a sua aplicacao aa case concreto.
Trata-se de cases que se subsumem à previsäo legal, mas que contrariam
Alinea a) o seu fim, porque nao foram pensados pelo legisladar quando fez
a lei. Par este mativa, pode-se questionar a sua admissibilidade no
Temes uma norma que obriga o senhorio a realizar “todas as nosso ordenamento juridico, pois esta-se a per em causa o art. 9.“,
obras de conservaçäo” do prédio (requeridas pelas leis vigentes ou n.“ 2, do CC, onde se dispôe que “a interpretacao deve ter um minimo
pelo fim do contrato, salve estipulaçäo em contrario), sendo esta a de correspondéncia na letra da lei”.
expressao que importa analisar. A letra da
lei refere-se a realizacao Nao obstante as dúvídas acerca da sua adrnissibilidade, alguma
de todas as abras de conservaçäo pelo senhorio. O elemento lo'gico, jurisprudência e doutrina portuguesas têm acolhido esta figura. Em
neste case particular, o teleologico, pretende que haja um equilibria sentido diverso, Oliveira Ascensâo nega a sua autonomizaçâo,
financeira no contrato, porque sendo o senhorio o dono da casa e entendendo que cai na interpretaçâo abrogante pela Via da centradicao
também aquele que recebe mensalmente as rendas, supastamente, valorativa ou na interpretaçäo correctiva pela Via da inadequacao.
encontra-se numa posicao financeiramente mais fortalecida, e, come E com similar posicao, Miguel Teixeira de Sousa nao Vê razão para
tal, deve ser ele a realizar todas as obras (e nao o inquilino que, por a autonomizar da interpretaçäo restritiva”.
esses motivos, se encontra numa posicao mais enfraquecida).
A situacao em causa cabe perfeitamente na previsâo legal, pois o Alinea b)
inquilino “A” intima o senhorio a fazer obras de conservacdo, e este,
de acordo com o preceituado, deveria realiza-las. Todavia, verifica-se Na caso de o regime de renda condicionada estar apenas
que se se obrigasse o senhorio a fazer as obras de conservacao, previsto para as arrendamentos habitacionais, tal regime, pela
neste caso concreto, o fim da norma ou elemento teleolôgico seria Via da interpretacae, nao se podera aplicar a situaçâo do senhor
posto em causa, uma vez que paganda o inquilino, ao abrigo de urn “C”, visto estar em causa um arrendamento comercial.
regime de renda condicionada, apenas sujeito a actualizacao anual
por portaria da Governa, uma renda de valor irrisorio, é, afinal, este
354 5““ Vide supra 18.1.3. 355
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

A sua aplicabilidade apenas podera ser conjecturada pela via Deste mode, cenclui-se que näe se pode aplicar 0 regime de
da analogia legis, isto é, pressuponde uma lacuna quante ae regime rendas cendicienadas ae contrato de arrendamento do Senhor “C”.
de rendas nes arrendamentes eemereiais, que se iria integrar com
a aplicaçâo da norma que prevé o regime de rendas condicionadas nes Alinea c)
arrendamentes habitacienais. A analagia legis está prevista no art.
10.“, n.“s 1 e 2, de CC, exiginde-se que: “no caso omisso procedam Se existe uma norma que proibe a realizacao de obras de
as razfiesjustificativas da regulamentacào da casa prevista na lei”. conservaçäo sem autorizacae do senhorio, de acordo com 0s elementos
O regime de renda condicionada (segundo o qual e valer da renda da interpretaçäe (literal e logice) e cem 0 art. 9.“, n.° 2, do CC parece
é determinado atendendo a uma formula previamente estabelecida) resultar que tal norma n5o abrange es casos de obras que näo sâo de
tem cemo objective impedir aumentes especulatives de valor dos conservaçâo. TodaVia, da regra que impede as obras de conservaçäo
imòveis, e, cemo tal, prossegue finalidades de interesse público. sem autorizacae do senhorio podemos retirar uma outra regra irnplicita,
Admitindo que os motivos de interesse público subjacentes ao regime através de argumentos lógico-jurídicos, no caso o argumento “a
de renda condicionada para os arrendamentos habitacionais S50 minori ad maius” eu “se se proibe o menos, também se proibe o
similares aos que poderiam existir para os arrendamentos comerciais, mais”, no sentido de também abranger as restantes obras realizadas no
considera-se preenchide e requisite de art. lO.°, n.° 2, do CC. prédie que n50 sao de consermcao. Isto é, se se proflee sem autorizaçäe
Posto isto, coloca-se agora a quest5o de saber se esta analogia é de senhorio a realizaçäe de ebras de consemçäe no prédie arrendade,
permitida nos termes de art. 11.“ do CC, onde se proibe a aplicaçäe que sâo obras necessarias para a sua manutençäe, logicamente
analOgica de normas excepeienais. Em primeire lugar, cumpre também fara sentide que as restantes obras, n5o necessarias para a sua
determinar se temos uma norma excepcional, e que se verifica, dado habitabilidade, venham a estar igualmente sujeitas a tal auterizacao
esta lei se dirigir a uma situaçâe particular (restrita) 7 es arrendamentes (independentemente de aumentarem o valor do prédio ou n5o),
habitaeienais 7 e contrariar o regime regra, 0 regime de renda livre porquanto poder5o alterar a eStrutura do prédio em moldes n5o
(segundo o qual e valer das rendas é estipulado pelas partes). Em pretendidos pelo senhorio.
segundo lugar, devemos indagar se esta lei, que prevé 0 regime de Deste mode, fazendo uma interpretacao enunciativa ou uma
renda condicionada, é Luna norma materialmente excepcional (saber inferéncia lOgica de regras implicitas (modalidade de interpretacao
se contraria um principio geral ínsito na norma geral), 0 que pareee em que se retirarn regras irnplicitas de normas através de argumentos
igualmente suceder, visto pór em causa o principio da autonomia lógicos), concluimos que a norma deve ser aplicada ao caso concreto,
privada previste ne art. 405.“ do CC (nomeadamente a liberdade de e, como tal, 0 senherie “E” pode resolver e centrate de arrendamento
contratar e da livre fixacao do conteúdo dos contratos). Assim, seguindo celebrado com 0 inquilino “D”, pelo facto de este ter realizado ebras
a posiçäe de alguns auteres, entre os quais Oliveira Ascens5o, no lecado sem a sua auterizaçäe.
quanto a aplicacao do art. 11.“ do CC, sendo a lei em causa uma
norma materialmente excepcional, ela n5o pode ser aplicada
analogicamente5“.

5“ Sobre as diferentes pesicòes na doutrina acerca da interpretacào do art. 11.“


do CC, vide supra l7,3,3,4, 357
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

c) Imagine que na sequéncia de um terrameto, e da destruic5o


Exame de Introducao ao Estudo do Direito I522 de casas dai decorrente, o Govemo adopta um diploma
1.“ Ano, Turno da Noite 20 de Janeiro de 2011; 19 h contendo, designadamente, o seguinte texto: «Atendendo 5
Durac5o 2h grave crise habitacienal econida na sequéncia do terrarnoto
I verificade, nas zonas centro e sul do Pais, no dia Y, o
Antònie, proprietario de um apartamento em Lisboa, celebrou Geveme adopta as seguintes medidas: Artigo Y 7 Nos
centrates de arrendamento urbano celebrados ou a celebrar
com Beatriz um contrato de arrendamento do referido apartamento.
O contrato e omisso sobre o número de pessoas que podera habitar
nas zonas identificadas no mapa em anexo é aumentado
para seis o número de hóspedes previsto no artigo X, n.° 1,
o local arrendado. Algum tempo depois da celebrac5e do contrato,
alinea b), desde que o acrescimo seja devido 5 destruic5o
Beatriz casa com Carlos, pai de très filhos havidos de um casamento
da habitac5o d0s hóspedes em causa». Indique se estamos
anterior. Carlos passa a Viver com Beatriz, e es seus filhes habitam
aqui perante uma norma juridica e, em case afirmative,
com o casal de quinze em quinze dias. Tendo conhecirnento deste
classifique a norma em causa. (3 valores)
facto, Antònie pretende resolver o contrato de arrendamento, para isso
d) Imagine que Duarte, que reside num apartamento arrendado
invoca a seguinte disposic50 do regime do arrendamento: «Artigo
no Porto, pretende invocar a dispesic5e referida na alinea
X. l 7 Nos arrendamentos para habitacào podem residir no local
anterior, para receber varios hespedes na sequência das
arrendado, alem do arrendatario: a) Todos os que vivarn com ele em
vielentas cheias que se verificaram entretante nessa cidade
economia comurn; b) Um maximo de trés hóspedes, salvo clausula em
e destruiram quase todas as casas das zonas ribeirinhas
contrarie. 2 7 Consideram—se sempre como vivende com o arrendatarie
daquela cidade. Pode fazê-lo? (3 valores)
em economia comum a pessoa que com ele viva em uni50 de facto,
os seus parentes ou afins na linha recta ou ate ao 3.“ grau da linha II
colateral, ainda que paguem algurna retribuic5e, e bem assim as Distinga entre interpretac5e restritiva, interpretac5e correctiva
pessoas relativamente 5s quais, per ferca da lei ou de negócio juridice e reduc5o teleológica. (5 valores)
que n5o respeite directamente 5 habitac5e, haja obrigac50 de III
cenvivéncia eu de alirnentos. 3 7 Consideram—se hospedes as pesseas
Comente a seguinte afirmaçâo:
a quem o arrendatarie proporcione habitac50 e preste habitualmente
“A autonomia individual caracteriza a moral, por ep0sic5e 5
serviços relacienades cem esta, ou femeça alimentos, mediante
heterenomia de direito”. (3 valeres)
retribuic5e. 4 7 A violac5o do disposto no número um confere ao
Redaccào e sistematizaçäo: 2 valores
senhorio o direite a resolver o contrato.»
a) Analise a pretens50 de A, cem base na interpretacàe da Resoluçäo da parte I:
norma em causa. (3 valores)
b) Identifique as normas existentes na disposic5o legal irrdicada,
Alinea a)
classificando as mesmas. (3 valores)
António pretende resolver o contrato, pois entende que de
acordo com o artigo X Carlos e es seus filhos n5o pedem morar na
522 Enunciado realizado per Miguel Negieira de Brito, cuja publicac5o se faz
casa por ele arrendada a Beatriz.
cem autorizac5o do autor,
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Esta em causa a interpretaçâo do Artigo X, nomeadamente do Alinea b)


n.“ l “Nos arrendamentos para habitacào podem residir no local
arrendado, além do arrendata'rio: a) Todos os que vivam com ele Os números l e 4 do Artigo X, quanto ao critério da vontade
em economia comum...” e do n.“ 2 “... Consideram—se sempre como das partes, sao normas dispositivas (que se aplicarn atendende à
vivendo com a arrendata'rio em economia comum a pessoa que vontade dos destinatarios) de carácter perrnissivo, isto é, normas
com ele viva em unido de facto, os seus parentes ou afins na linha que pennitem ou autorizam certos comportamentos. No caso do n.“ 1
recta...”. permite—se ao arrendatario que com ele habitem outras pessoas, e
Importa analisar os elementos da interpretacáo. Do elementa no caso do n.” 4 permite-se que o senhorio resolva o contrato.
literal decorre que Carlos, sendo casado com Beatriz, pode residir com Por sua vez, os nûmeros 2 e 3 do Artigo X sâo definiçôes legais,
ela no ímóvel, pois, de acordo com o art. 1.“, n.“ 2 da Lei n.“ 7/2001, isto é, normas que visam determinar 0 significado de viver em
de 11 de Maio, uniâo de facto é “a situacao juridica de duas pessoas economia comum e de ho'spedes. Discute-se na doutrina se estas
que, independentemente do sexo, Vivam em condiçôes análogas as definiçôes sae verdadeiras normas, correspondentes à categoria das
dos cònjuges ha mais de dois anos”, o que implica que tanto no normas näo auta'nomas e meramente qualificativas, ou, se sera0
casamento como na uniäo de facto se verifique uma vivência em simples preceitos legais que nâo chegam a normas juridicas, porque
economia comum, dado em ambas situações existir a cemunhäo funcionam como elementos orientadores nao decisives (pois é 0
de mesma habitaçäo, mesa e leito. Do mesmo modo, também os regime juridice do instituto que Vincula e näo a sua definigäo)524.
filhos de Carlos podem residir no locado, pois, sendo Beatriz e
Carlos casados, estes sao afins dela na linha rectas“. Por sua vez, Alinea e)
o elemento logice, nomeadamente o teleolo'gico, vem corroborar 0
entendimento do elemento literal, porquanto o fim da norma sera Temos uma norma juridica?
permitir que as pessoas que estâo mais próximas do arrendatario
(no caso, o seu companheiro e 0s seus parentes em 1inha recta) Para saber se temos uma norma juridica interessa verificar se
p0ssam Viver na casa arrendada. estâo presentes as suas caracteristicas, que sao principalmente a
Neste sentido, verifica-se uma harmonia entre o elemento lógico generalidade e abstraccàoSZs.
e o elemento literal, o legislador disse exactamente 0 que queria dizer, A generalidade consiste no facto de a norma se aplicar a uma
por isso, devemos fazer uma interpretaçâo declarativa média das categoria de sujeitos nao individualmente determinades, isto é, a
expressôes “economia comum” e ‘ïiníáo de facto”, e, igualmente, todos quantos pessam caber na previsao da norma a qual se apontam
uma interpretaçäo declarativa média da expressao “afins”, para, certas consequéncias jurídicas”. Neste caso, embora o nûmero de
deste modo, considerar que Antonio näo tem razâo na sua pretensâo.

52“Vide supra 22.2.2.4.


525A doutrina mio e' unánime quanto à consideração da generalidade e abstraccàe
como caracteristica de todas as normas (sobre este aspecto vide supra 22.1.6.
e 22.2.3). Independentemente deste facto, interessa sobretudo verificar se estas
caracteristicas estao presentes neste preceito,
… Tal como já referimes, segundo Marcelo Rebelo de Sousa/ Sofia Galvâo
5” Afinidade e' a relacae de parentesce que se estabelece entre um cònjuge e os importa separar a indeterminabilidade da indeterminacao, pois nesta é possivel
360 parentes do outro cônjuge. individualizar os sujeitos destinatarios, vide supra 21,1, 361
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

hóspedes seja aumentado na sequéncia de uma situaçâo ja oconida Alinea d)


(em que se podem determinar as pesseas com caréncias habitacionais),
a verdade é que n50 se censegue precisar o número de pessoas que Logicamente subentendendo que as zonas identificadas no mapa
i150 beneficiar desta nerma, peis n50 se sabe ao certo, no momento em anexo, que o Artigo Y refere, correspondem a areas do centro
da feitura do artigo Y, quantos contratos de arrendamento Väo ser e sul do pais, parece que pela via da interpretac5o tal norma n50 se
celebrados, dado a norma se referir também aos contratos que venham podera aplicar ao arrendamento de Duarte na cidade do Porto. Por
a ser realizados no firturo. Por isso, concluimos que 0 artige Y tem isso, a utilizaçäo do Artigo Y SO se p0de15 conjecturar pela via da
um carácter geral. analogia, isto é, pressupondo-se uma lacuna quanto ao regime do
Por sua vez, a abstracção consiste no facto de a norma juridica n50 arrendamento no case do aumente de hóspedes devido 5 destruic5o
se aplicar 5 um caso especifico, mas antes a um número indeterminado de habitaçâo nas zonas norte do pais. A analogia legis esta prevista no
de situaçôes subsumiveis 5 categoria anunciada, 0 que na opi11i50 de art. 10.“, n.°s 1 e 2, do CC, exigindo-se que no caso emisse procedam
alguns autores so acontecerá quando ela se dirija a situaçôes futuras”. as razo'esjustificativas da regulamentapào do caso previsto na lei.
Neste caso, a argumentacào awncada quanto 5 generalidade da norma O regime do Artigo Y Visa impedir a falta de habitac50 de certas
vale também para a caracteristica da abstracc5e, peis n50 se sabe pesseas, deVido a existência de um terramete ocorrido nas zonas
no memento da sua feitura quantos contratos de arrendamentes se centro e sul do pais, finalidade que deve igualmente valer para os
i150 celebrar, e, como tal, n50 se pode prever a quantas situacòes casos de falta de habitac5e nas 20nas norte do pais devido 50 efeito
esta norma se irá aplicar. das cheias. Assirn, admitme que os motivos de interesse publico
Deste modo, conclui-se que 0 Artige Y é uma norma com um subj acentes ao regime do Artigo Y s50 similares aos que pederiam
carácter geral e abstracto. existir para esta ültima situaçäo, havera uma identidade de razöes
justificativas e estara preenchido o requisite do art. 10.“, 11.“ 2, do CC.
Classificaçäo da norma juridica:
Posto isto, coloca-se agora a quest5e de saber se esta analogia
é perrnitida nos termos do art. 11.“ do CC, onde se proibe a aplicaçâo
Estando diante de uma norma, consideramos que, tal como o n.° 1
do Artigo X, quanto ao critério da vontade das partes, é uma norma
analógica de normas excepcionais. Em primeiro lugar, curnpre
dispositiva permissiva (aplica-se atendendo 5 vontade dos seus determinar se temos uma norrna excepcional, 0 que ja verificamos
destinatarios que autorizam a 5depc5o de certas condutas), pois existir. Em segundo lugar, devemes indagar (seguindo a posic50 de
depende de opçâo do arrendatario o aumento de número de hóspedes alguns autores, entre es quais Oliveira Ascens5o) se 0 Artige Y é
em casa. Quante ao critério do ämbito de aplicacào pessoal, esta norma uma norma materialmente excepcional. Para tal, temos de saber se
tem um carácter excepcional, porque se dirige a um numero reduzido centraria um principio geral insito na norma geral, o que parece n50
de situapòes 7 es centrates de arrendamento celebrades eu a celebrar acentecer, Visto o regime geral do Artigo X, que lirnita o número de
em regiöes deterrninadas, na sequência do terramoto ocorrido nas hóspedes a três na casa arrendada, näo pretender tutelar qualquer
zonas centre e sul do pais, no dia X 7, e, também, perque centraria principie da ordem juridica. Deste modo, verifica-se que näo é de
o regime geral do arrendamento previste no Artigo X, onde se prevé aplicar a este caso o art. 11.“ do CC, e, como tal, Duarte tem 15250,
um limite máximo de 3 hóspedes. pedende aplicar-se analogicamente 0 Artigo Y ao seu arrendamento
na cidade do Porto….

527 Note-se que ha quem entenda que basta que a norma se refira a uma categoria

de situaçôes independentemente de serem passadas ou futuras, vide supra 21 .2. 5““ Sobre a interpretaçâo do art. 11.“ do CC, vide supra 173.34 363
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

3. Fernando, pedindo—lhe uma indemnizac50 nos termos do


Exame de Introducao ao Estudo do Direito I Decreto-Lei X.
l.° Ano 7 Turma da Neite / 24 de Janeire de 2011 Responda as seguintes queSt0eS, abstraindo do Direito
Coincidéncias 7 Durac50 da preva: 2 horas efectivamente vigente no ordenamento juridico pertuguès
I (art. 202.“, n.“ 1, do CC):
1. Rita tem raz5o? (1,5 valores)
O Decreto-Lei X centém a seguinte dispesic5o:
2. A resposta seria a mesma se fosse criado um despacho
1“ “O vendedor que Simular delosamente ae cemprador a
ministerial 0nde se dispunha que: “Para efeitos do Decreto-Lei
qualidade inexistente de uma ceisa, respende civilmente pelos danos
X, coisa é tudo aquile que pode ser objecto de relacòes
que causar ao comprador”
2° “As duvidas suscitadas pela aplicaçäo deste decreto-lei devem
juridicas.” (2,5 valores)
c) O Decreto—Lei X centém alguma nerma juridica? Se sim,
ser resolvidas per despacho ministerial”
. . . . ' ' ‘l
a) Imagine que Anibal, alune da Faculdade de D1re1to de Lisboa, como a classrficarra. (1,5 valores)
para imprimir a sua dissertacao de mestrade, que estava
. . . . … d)E seo Decreto-Ler X drspusesse que “os vendedores do
prestes a entregar, decidiu comprar no estabelecimento ramo dos electrodomesticos da cidade de ¿”b"? que
de Manuel uma nova impressora.Aimpressera escolhida simularem dolosamente ao compradore's'a qualidade
por Anibal tinhaurn defeite de fabrico que a impe dia de inextstente de uma coisa, respondem Civilmente pelos
imprimir mais de 50 paginas seguidas, aspecto que foi danos que lh'eslcausarem :Terrames também neste caso
delosamente ocultado per Manuel. Em censequència de tal uma norma juridica? Se srm, como a classrficaria? (2,5
facto, Anibal n5o conseguiu imprimir a tese de mestrado valores)
no prazo devido, tendo, por esse motivo, perdido o seu H
peste de trabalho. Anibal pede a Manuel uma indemnizac5o Distinga de modo fundamentado:
civil, invocando para tal o Decreto-Lei X. Quid juris? (3 1. Interpretac5e enunciativa de interpretac5o extensiva. (1,5
valeres) valores)
b) Considere ainda que Rita, deficiente visual, decidiu comprar 2. F icçôes legais de presunçôes legais. (1,5 valores)
um c5o—guia para facilitar a sua mevimentac50 diaria. III
Para tal dirigiu-se 5 leja de Fernando que, regressado dos
Comente com sentido critico a seguinte afirmacào:
Estados Unidos da América, dizia ter adquiride animais
“Reconhece—se que, perante a extrema variedade da tipelegia
com treino deSde nascenca para cenduzir pessoas com
nermativa que o Direito nos apresenta, qualquer critério isolado se
deficiéncia visual. Rita escelheu o “Boby” e decidiu fazer revela insufieiente para tragar com absoluto rigor as fionteiras entre
um teste com o animal, sern que se tivesse dado conta que
_ _

.
Direito publico e e Direito privade, traduzindo—se num redueienismo
. . . . . . . . .

este estaval a ser COIlldllZldO per Fernando, mit“; serl'jum inaceitável.” Nuno Sá Gomes, Intreduc50 ao Estudo do Direito
cao norma sem qua quer preparacao para o e er o. ma p. 232. ( 4 valores)
semana após ter adquirido o animal, Rita apercebeu-se de Redaccào e sistematizaçao: 2 valores
tal realidade, tendo inclusive partide um brace, devido a
uma queda na via pública, motivada pela ma cenduc5e do
“Boby”. Desloca-se, por isso, ao estabelecimento do senher
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Resoluçâo da parte I: Deste modo, Rita tem raz5o ao pedir uma indemnizaçäo a
Femando cem base ne Decreto-Lei X.
Alinea a)
Número 2
Manuel oculta um defeito da impressora, colocando—Se a
quest50 de saber se este caso cabe na previs5o da norma que se refere É a propria lei, no caso o Decreto—Lei X, a estabelecer que
a “simulaçâe delesa de qualidade inexistente da ceisa”. Pede-se as du'vidas suscitadas na sua aplicacào devem ser resolvidas por
discutir a reseluçâo pela via da interpretaçâe extensiva (também despacho ministerial. Quando tal acontece, ha quem entenda que,
extensâe teleológica) ou ent5o pela via da analogia. Dado que a quanto ao criterio do valor, temos uma interpretaçäe autèntica feita
letra da lei “Simulac50 delesa de qualidade inexistente da eeisa” per delegaçäe da lei interpretada. Perém, a maior parte da doutrina
parece n5o comportar as situacOeS de ecultaçâe do defeito da coisa, censidera que temos uma interpretaçâe oficial eu administrativa,
optamos per entender que existe Luna lacuna que deve ser integrada porque a Censtituiçäe fixa a escala hierarquica das leis, nâo pedendo
com recurso ao Decreto-Lei X. Assim, teremos de analisar se as normas de grau inferior à lei altera-la ou interpreta-la (art. 112.°,
eSt5o preenchidos es requisitos do art. 10.“ do CC, nomeadamente n.“ 5, da CRP)”. Defendendo esta ultima pesiçâe, a interpretaçäo
a identidade de razoesjustificativas entre o caso regulado e 0 caso feita pelo despacho ministerial é uma interpretacao meramente
emisse: em ambas situacòes o vendedor aproveita—se dolosamente de oficial, e, como tal, n5o tem eficacia extema, n5o Vinculando os
um erro do comprador perfeitamente conhecido sobre a qualidade de restantes aplicaderes do Direito.
urna coisa, por isso, este requisito esta preenchido, devendo tais Atendendo 5s modalidades de interpretaçâo quanto ae resultado,
situaçôes ser reguladas do mesme modo. Para além disse, n5o existe fariames uma interpretaçâo declarativa (média) do despacho
nenhum limite a aplicaçäe analOgica deste Decreto-Lei, visto n5o ministerial, pois a situaçâo de facto cabe perfeitamente na letra da
estarmes diante de uma norma excepcional, penal eu tributaria. lei, isto é, podende os animais ser objecto de relacOes juridicas,
Deste medo, verifica-se que Anibal tem raz5o ao pedir uma ser5o, de acerde com o referido despacho, considerados “coisas”.
indemnizacie a Manuel com base no Decreto-Lei X, que sera aplicade Deste modo, Rita poderia pedir a indemnizaçäo a F ernande
analegicamente 5 sua situac5o. invecande 0 despache ministerial, embora, tal como ja referimes,
a interpretacàe feita por ele n5o Vincule es tribunais e restantes
Alinea b) aplicaderes do Direito.

Numero 1 Alinea c)

Neste caso, temos a simulaçâe dolesa da qualidade inexistente Temos uma norma juridica?
de um animal, suscitande-se também a aplicacae do Decreto—Lei
X, que se refere a coisas. AbStraindo do art. 202.“, n.“ 1, de CC, ceisa Para saber se temos uma norma juridica teremes de verificar
significa objecto ou ser inanimado, raz5o pela qual um c5o n5o se estâe presentes as suas características, que S50 principalmente a
cabe na noçäe de ceisa. E, assim sendo, também aqui existe uma generalidade e a abstracçäe.
lacuna que deve ser integrada pela Via analOgica 7 analogia legis
7 estando preenchidos, do mesmo modo, os requisitos dos artigos
366 10.“ e 11.“ do CC. ”" Tal como ja verificamos supra 16.2.1.2. 367
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

A generalidade consiste no facto de a norma se aplicar a uma critério da funçâo das normas temos uma norma secundaria ou de
categoria de sujeitos nao individualmente determinados, isto é, a segundo grau, que se configura como uma norma sancionatória,
todas quantos possam caber na previsao da norma a qual se apantam pois trata-se de uma norma referente a outra norma (que impede ao
certas consequéncias juridicas. Neste caso, o Decreto-Lei X tem vendedor a simulacao dolosa da qualidade inexistente de uma coisa)
como destinatarios todos os vendedores que simularem dolosamente e que Visa fixar uma sançäo no caso da sua vielacae (a pagamenta
a qualidade de uma coísa, que no momento da feitura da norma ainda de uma indemnizacao), tende coma previsâo a violaçäo da norma
nao se sabe quais sae, per isso, esta disposicao tem um caracter ordenadora e como estatuicae a respectiva sançäo.
geral. Por sua vez, o n.“ 2 do Decreto—Lei X, quanto ao critério da
Por sua vez, a abstraccae consiste no facto de a norma juridica plenitude de sentide, é uma norma autónoma, que por si só tem
mio se aplicar a um casa especifico, mas antes a um numero um sentido completa, e que no caso se afigura como uma norma
indeterminado de situacòes subsurniveis a categoria anunciada, o de competencia, dado conferir um poder juridico para a prática de
que na epiniao de alguns autores só acontecera quando ela se certo acto.
dirija a situaçôes futuras (para outros basta que a norma se refira a
uma categoria de situacòes independentemente de serem passadas Alinea d)
ou futuras). N0 caso em analise, a argumentaçâo avançada quanto
à generalidade da norma vale também para a caracteristica da Também teriamos uma norma juridica dotada de generalidade
abstraccao, pois nâo se sabe no momento da sua feítura quantas haver uma maior individualizacao
e abstraccae, pois, nao obstante
situacòes Vao existir em que 0 vendedor simule dolosamente a do preceito, no sentido de se reportar apenas aos vendedares do
qualidade de uma coisa. rama de electrodomésticos da cidade de Lisboa, a verdade é que no
Deste modo, conclui-se que o Decreto-Lei X é uma norma, momento da sua feitura nao canseguimas determinar quais serae os
uma vez que apresenta um caracter geral e abstracto“. vendedares que irão simular dolosamente uma qualidade inexistente
da coisa. Da mesma forma, nao se conseguem concretizar as situacòes
Classificacao da norma juridica: em que tal sucederá.
Na que respeita a sua classificaçäo, quanto ao critério da
Estando diante de uma norma, consideramos que o n.“ 1 do vontade das partes, teriamos uma norma injuntiva proibitiva, a
Decreto-Lei X, quanta ao critério da vantade das partes, é uma norma norma de conduta implicita “é proibído aos vendedores da rama
injuntiva praibitiva, subentendendo que deste preceito decorre a dos electrodomésticos da cidade de Lisboa simular dolosamente
norma de conduta implicita “é preibido ao vendedor simular ao comprador a qualidade inexistente de uma coisa”, isto é, uma
dolosamente ao comprador a qualidade inexistente de uma coisa”. norma que impede uma conduta ou impöe uma omissao um “non
Temos, par isso, uma norma que se aplica independentemente da facere”, parque Visa tutelar interesses gerais.
vontade das partes, parque Visa tutelar interesses gerais, e que impede Quante ao critério da fimcao das normas, teriamos uma norma
uma canduta ou impöe uma omissâo, urn “non facere”. Quanta aa secundaria, mais concretamente, uma norma sancionatória, pois
estaria em causa uma norma referente a outra norma (que impede
ao vendedor a simulaçäo dolosa da qualidade inexistente de uma coisa)
e que Visa fixar uma sancao no caso da sua violacae (a pagamenta
5““ Mais uma vez referimos que a doutrina nao e unánime quanto a consideracao da
generalidade e ahstracçäo como caracteristica da norma, sobre este aspecto vide de uma indemnizaçâo), tendo coma previsâo a violaçäo da norma
supra 22.1.6. e 22.2.3. ordenadora e como estatuicae a respectiva sancao. 369
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E quanto ao critério do ârnbito de aplicaçâo espacial, teriamos alojarnento e toda a ajuda necessaria, material e espiritual.
uma norma local ou municipal, que se aplica apenas a vendedores Bento veio a falecer em consequència da doença, näo sem
da cidade de Lisboas". antes beneficiar substancialrnente Diana no seu testamento.
Os familiares de Bento pretendem saber se podem obter
4. a nulidade do testamento a luz da citada disposiçäo legal.
Teste de Introduçâo ao Estado do Direito — I532 Esta de acordo? (4 valores)
1.“ Ano/Noite c) Durante 0 periodo terminal da sua deenca, Bento recebeu
29 de Novembro de 2011 apoio profissional de Eduardo, psicólogo, tendo—o contemplado
I no seu testamento. É este válido? (4 valores)
d)Tendo sido impugnada a validade do testamento feito a
O artigo 2194.“ do Código Civil consigna que «e nula a disposicáo
favor de um sacerdote, ao abrigo da disposiçâo citada, o juiz
a favor do médico ou enfermeiro que tratar o testador, ou do sacerdote que decidiu o caso entendeu näo aplicar a mesma, por ser
que lhe prestar assistência espiritual, se o testamento forfeito durante
perfeitamente legitimo financiar por esta via as diversas
a doenca e o seu autor vier a falecer dela». confissöes religiosas, tanto mais que no caso se provou
Considerando o texto desta disposiçâo, responda a très das que o dinheiro deixado em testamento ao sacerdote nao 0
seguintes questöes: beneficiou individualmente, mas apenas a sua igreja. Fez
a) Antonio é, desde ha muitos anos, médico de famr'lia de bem? (4 valores)
Bento, que sempre 0 consultou em assuntos de clinica
geral. Ultimamente foi detectada uma doença grave a
II
Bento, tendo—se este aconselhado e tratado junto do médico Responda a uma, e só a uma, das seguintes questöes, ern nao
especialista Carlos, sem prejuizo de continuar a consultar mais do que um página (6 valores):
Antonio. Considerando que Bento deixou testamento a a) Em que medida se pode considerar a jurisprudència como
favor de António e que o testamento foi feito durante a fonte imediata de direito?
sua doenca, os familiares daquele pretendem saber se b) Esclareça em que sentido se pode falar de uma hierarquia
podem solicitar ao tribunal a declaraçäo de nulidade do nas fontes de direito.
testamento com fundamento na citada disposiçäo. Qual a Cotaçäo: 2 valores sistematizaçäo e redacçäo, duraçäo 55 minutos.
sua opiniao? (4 va10res)
b) Tende sido diagnosticada uma doença grave a Bento, Resoluçäo da parte I:
residente na provincia, este veio tratar—se em Lisboa, sendo
ai acolhido por Diana, uma amiga de longa data que lhe deu
Alinea a)

Celoca—se a questáo de saber se o testamento de Bento a favor de


5“Note-se que se subentendemos que o regime geral nao implica a responsabilizacae Antonio (o seu medico de familia, mas que nao lhe tratou a deenca de
do vendedor, nestes casos podemos ainda considerar que, quanto ao critérie de que veio a falecer) pode ser declarado nulo com base no art. 2194.° do
ambito de aplicaçâo pessoal, temos uma norma excepcional, porque se dirige a CC. No caso discute-se a ínterpretacáo da expressáo “médico... que
um circule restrito de pessoas “os vendedores do ramo de electrodomesticos da
cidade de Lisboa”, e, também, porque contraria o regime geral,
tratar o testador...”, nomeadamente detenninar se o tratamento
… Enunciado realizado por Miguel Nogieira de Brito, cuja publicacao se faz respeita a qualquer doenca ou somente a doenca de que o testador
370 com autorizacao de autor. afinal veio a falecer. Importa analisar os elementos da interpretaçäo. 371
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Comecando pelo elemento literal, “tratar o testador’ ’ significa trata-lo Alinea b)


em relac50 a qualquer doenca. Ja quante ae elemente legico, é
relevante sobretudo 0 elemento teleológica (previsto no art. 9.°, n.° 3, Coloca-se a questâo de saber se Diana, a amiga de Bento que
do CC que corresponde 5 ratio legis eu fim concreto que a lei visa lhe presteu ajuda material e espiritual antes da morte, também estara
satisfazer) e verifica-se que o art. 2194.“ do CC pretende evitar a abrangida pelo art. 2194.“ do CC.
falta de liberdade do testador ao testar (pois este encontra-se numa Dado que a norma se refere a médicos, enfermeiros ou sacerdotes
espécie de dependencia psicológica mórbida, resultante do seu que auxiliem o testador antes da sua morte (através do tratamento
estado de debilidade fisica e psiquica), o que ocorre principalmente da doenca eu de assisténcia espiritual), pela via da interpretac5o
em relaçäo ao médico que lhe trata a doença, devido 5 permanéncia n50 poderemos aplicar esta disposiçâo 5 situaçâo em causa, tal só
com que 0 assiste, e, também, perque é este médice que no fimdo poderá suceder através da analogia. Iste é, pressuponde uma lacuna
o pode salvar.Assi1n, do elemento lògico decorre que tratar o testador quanto 5s situaçôes em que amigos prestem assisténcia material
significa tratar na doenca de que afinal vem a falecer. e espiritual, e, em que se gerem, por esse m0tiv0, situacòes de
Do exposto, parece que o legislador foi traido pelas palavras dependéncia que coarctem a liberdade de testar. A analogia legis está
na medida em que disse mais do que efectivamente queria dizer. prevista no art. 10.“, n.°s 1 e 2, do CC, onde se exige que no caso
Existe uma desarmonia entre 0 elemente lógico, que aponta para a omisso procedam as razäesjusttfieativas da regulamentaçâo do caso
nulidade do testamento a favor do médico que tratar o testador apenas previsto na lei. Nesta hipótese parece n50 estar preenchido este
na doença de que vem a falecer, e 0 elemente literal, que apenta requisito, pois a lei refere-se a pessoas incluidas em categorias de
para que tal aconteca face ao médico que o tratar em relaçäo a qualquer prefiss0es que, em circunst5ncias normais, o testador näo iria beneficiar,
doenca ou situaçâo que careça de cuidados de saude. Per isso, pele facto de serem pesseas com um certo distanciamento em relaçâo
fazendo uma interpretacao restritiva do art. 2194.° do CC, isto
a ele. Ora, tal circunstância ja n50 sucede com es amigos, peis face a
é, limitando a letra da lei por consideraçäo do elemento lógico,
estes 5 proximidade é maier, e, per isse, mais facilrnente se justificara
chegamos 50 seu sentido real, que consiste no entendirnento de que
a feitura de um testamento que es beneficie, independentemente do
o testamento sera nulo só nos casos em que seja feito a favor do
auxilio prestade em fase terminal.
médice que tratar o testador na doenca de que este vem afalecer.
Assirn, n50 estande preenchido este requisito, o art. 2194.“ n50
Deste modo, os familiares de Bento n50 p0dem pedir a nulidade
podera ser aplicado 5 situ5c5e, e, como tal, o testamento n50 deve
do testamente feite 5 favor de Antonio, corn base no art. 2194.° do
CC533. ser declarade nulos“.

5” Note-se que, no caso de entendermos que a parte final da norma “... se o


testamento for feito durante a doenca e 0 seu autor vier a falecerdela”, n50 respeita
apenas ao momento em que o testamento deve ser feito “durante a existénciadoenca
de que o autor vem a falecer", mas respeita também 50 tipo de doenca que é tratada 5” Neste caso, em vez de um argurnento de analogia, poderiamos utilizar urn
pelo médico e enferrneiro “a deenca de que vem a falecer" (de acordo com a argurnento “n contrario", eu seja, considerando que a norma em causa é excepcional
parte inicial da norrna “é nula a disposiçäo a favor de médico ou enferrneiro que (porque 0 testamento só será nulo quando feito a favor de médico, enferrneiro ou
tratar o testador...”), ent5o, devemos fazeruma interpretacao declarativa da norma testador, e, também, porque contraria o regime geral da liberdade de testar), entäo
e defender que 0 legislador se exprimiu bem (a letra e o espírito da lei coincidem para os restantes casos n50 abrangidos pela excepçäo retirariamos “a contrario”
perfeitarnente), pretendendo apenas considerar nulas as disposiçôes feitas a favor a regra de que es testarnentos n50 ser50 nulos. Sobre as diferencas entre o arglmento
372 de médico ou enferrneiro que tratar o testador da doenca de que ele vem a falecer. de analogia e o argumento “a contrario”, vide supra 19.2.2. 373
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Nota: em particular o teleológica (previsto no art. 9.°, n.° 3, do CC e que


corresponde 5 ratio legis ou fim concreto que a lei visa satisfazer),
E igualmente defens5vel que a ratio legis da norma para as verifica-se que 0 art. 2194.“ pretende evitar a falta de liberdade do
situacòes previstas ne art. 2194.° do CC é a mesma que poderia testador face a certas categorias profissionais em relaçâe 5s quais
fundamentar a sua aplicaçâe ao case concreto, pois semelhante este se encontre numa espécie de dependència psicologica mOrbida,
situaçäo de dependència emocienal pode existir da parte de um deente devido a0 seu estade de debilidade fisica e psiquica. Assim, do
em relaçâo a uma amiga que 0 acelha no periodo da deenca. Se elemento literal parece que o psicólogo n5o esta abrangide pela
assim for, ja estara preenchide o requisito de art. 10.°, n.“ 2, de CC nerma, pois n5o exerce, nem esta liceneiade em Medicina: psicologo
(“ a identidade de razöes justificativas”) e coloca—se a queSt5o de é um profissional de saúde que trata simplesmente da mente das
saber se esta analogia é permitida nes terrnos do art. 11.“ do CC, pessoas. Todavia, do elemento lógico decorre que os psicólogos
onde se proibe a aplicacao analogica de normas excepcionais. também deveriam estar abrangidos pela previs5o da norma, porque
Em primeiro lugar, curnpre determinar se temes uma norma s5o profissionais de saúde em relaçäe aes quais muite facilmente se
excepcional, o que aqui parece existir, pois tem um ambite restrito gerar5 a tal dependència que afecta a liberdade de testar.
e contraria a regra geral de que o testadar tem liberdade para dispor De expeste, resulta uma desarrnonia entre a letra e eSpirito da
como quiser dos seus bens no testamento. Em segundo lugar, devemos lei, dado que o legislador disse menos do que queria dizer: queria
indagar (seguindo a posiçäo de alguns autores, entre os quais se referir-se a médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, e
inclui Oliveira Ascens5o, quanto 5 aplicac50 do art. 11.“ do CC…) só se referiu a médicos e enfermeiros. Deste modo, fazendo uma
se 0 art. 2194.° é uma nerma formal eu materialmente exeepeienal. interpretacio extensiva do preceito, isto é, estendendo a letra da
Para tal, temos de saber se contraria um principio geral insito na norma lei per censideraçäe do elemento lOgico, devemos entender que 0
geral, o que parece acontecer, visto este regime legal contrariar o art. 2194.“ do CC se aplica 5 Situag5o em causa, raz5o pela qual 0
principio da liberdade de testar decorrente do mais amplo principio testamente näe é Valide.
da autonomia privada (art. 405.° do CC). Deste modo, sendo 0 Note-se que:
art. 2194.“ Luna norma materialmente excepcional, n5o pedera ser
aplicada analegieamente, e, per esta via, os familiares de Bento Optamos pela interpretacâo extensiva, perquante entendemos que
também n5o podem obter a nulidade do testamento. a palavra “médico” ainda pode comportar, num sentido gramatical
mais distante, os psicòloges, que seriam os “médices da mente”.
Alinea c) No entanto, também se aceitaria a figura da extens5o teleolOgica, se
entendéssemos que cem tal interpretacao ja estariamos a ultrapassar 0
Esta em causa saber se Eduardo, pSicOlogo, pode ser considerado minimo de correspondència verbal previsto ne art. 9.“, n.“ 2, do CC e
um médico para efeitos de aplicaçâe do art. 2194.“ do CC. fizéssemos uma nova ponderaçäo do elemento teleológicos“.
Quanto ao elemento literal verifica—se que a palavra “médico”
no seu sentido gramatical cemum é o prafissional com diploma em
Medicina que a exerce, visando por esse meio a conservacáo e
restabelecimento da saúde daspessoas. Quanto ao elemento lógico,

374 535 Sobre a interpretacào de art. ll.“ do CC, vide supra 17.3.3.4. 53“ Sobre a extens5o teleolOgica, vide supra 18.2. 375
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Alinea d) 2 7 Cabe aos municipios, através de regulamentos, especificar


para cada municipio o Significade e alcance da diSpesic5o
Neste caso, n5o se duvida que a situac5e em causa tem um anterior”.
minimo de cerrespendéncia com a letra da lei, pois foi beneficiado em Na sequência deste diploma, é aprovado por uma determinada
testamento um sacerdote, o que e expressamente proibido nos terrnos Assembleia Municipal um regulamento que dispöe o seguinte:
do art. 2194.° do CC. Por isso, aplicando-se o preceito, 0 testamento “1 7 Atendendo 5 necessidade de preservar o silèncie e a
seria nulo. Todavia, verifica-se que ojuiz decidiu afastar a aplicac5o do tranquilidade des utentes dos parques e jardins municipais,
art. 2194.“ do CC a Situac50 cencreta, pele facto de se ter prevade que e proibida a entrada de quaisquer meios de transporte nos
o dinheire deixado em testamento n5o beneficieu individualmente parques e jardins públicos do Municipio.
o sacerdote, mas somente a sua igreja. A actuac5o do juiz tem por 2 7 Exceptuam—se do dispesto no número anterior es
base urna interpretação correctiva do preceito legal, per razöes de velocipedes sem motor”.
inoportunidade, isto e, a lei e afastada por se entender inadequada
na resoluc50 e face 5 justica do case cencrete. Em face destas disposicòes, pergunta-se:
a) Qual a validade das norrnas constantes do Decrete—Lei
Admissibilidade da interpretacdo correctiva em Portugal: do Govemo e do regulamente daAssembleia Municipal,
De acordo com o art. 8.“, n.° 2, do CC a interpretac5o correctiva 5 luz das disposiçôes constitucienais que disciplinam as
parece näo ser admitida no nosso ordenamento juridico. Ne entante, relacòes entre actes legislatives e regulamentos? (2 valeres)
parte da doutrina portuguesa defende que ela pode ser aceita quando b) Classifique as normas centidas no decreto—lei e ne regulamente.
a lei for contraria ao direito natural. Sobre as diferentes posiçôes, (2 valores)
vide supra 16.2.3.3., alinea 5). c) Abel, deficiente, pretende saber se pode entrar, com a sua
cadeira de redas movida por um motor eléctrico, no parque
5. onde costuma passar as tardes. Qual a sua opini5e, 5 luz
Exame de Introduçâe ao Estudo do Direito I537 do disposto no decreto-lei? (3 valores)
1.“ Ano 7 Turma da Neite / 9 de Janeiro de 2012 d) Bento e Carlos acham eSpecialmente atractivo um lengo
Durac5o da prova: 2 horas percurso inclinade que existe no parque municipal para
o uso dos seus patins de quatro rodas, opiniäo essa que
I
n5o e, porem, partilhada peles demais utentes do parque,
Imagine que o Govemo faz publicar um Decreto-Lei no qual se incemedades com o barulho e encontröes que sofrem. O
contém um conjunto de norrnas com o proposito de fazer diminuir regulamente permite o uso de patins de quatro rodas? (3
o ruido em tedos es lecais públicos, como se pode ler no respective
valores)
préambule. No mencionado Decreto-Lei inclui-se um artigo com
a seguinte redacc5e:
II
“1 7 E proibida a entrada nos jardins e parques publicos Distinga a interpretac5o declaratiw lata da interpretac5o extensiva
de quaisquer veiculos com motor. e da extens5o teleológica. (3 valores)

5” Enunciado realizade per Miguel Negieira de Brito, cuja publicac5o se faz


com autorizac5o do autor. 377
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

III Quanto aa critério do âmbito espacial da validade, o número 1

“O costume é fonte imediata de direito, tal como a lei, ainda e a número 2 säo normas de carácter nacional, pois aplicam—se a
que a sua importancia quantitatíva seja inferior à lei, nos sistemas todo 0 territorio do Estado.
juridicos actuais”. Comente esta frase (5 valares) Regulamento municipal:
Redaccào e sistematizacào: 2 valores
Numero 1 7 quanta aa critério da vontade dos destinatarios,
temes também uma norma injuntiva proibitiva, que se aplica
Resoluçâo da parte I:
independentemente da vontade dos destinatarios, e que, neste caso,
impede a entrada de quaisquer meios de transporte nos parques e
Alinea a)
jardins públicos da Municipia;

Neste case, temos uma habilitaçäo legal que autoriza as municipios Numero 2 7 quanta ao critério do ambito pessoal da validade
a criar regulamentos para concretizar caso a caso o disposte no das normas, temos uma norma excepcional, visto conter um regime
Decreto-Lei. Trata-se de regulamentos de execuçäo, razao pela qual especifico para uma situaçäo particular (as velacipedes sem motor) e
se respeita 0principio da reserva de lei na sua vertente negativa contrariar o regime geral, segundo o qual é proibida a entrada de
(proibiçâo de que outra fonte regule a matéria, salvo quando se quaisquer meios de transporte nos parques e jardins p1'1blicos do
limite a executar a lei) e também o principio da precedência de Municipio….
lei 7 art. 112.“, n.“s 6 e 7, da CRP 7, pois existe uma lei prévia aa
Quanto ao critério do ambite espacial da validade, sao ambas
regulamenta que vem permitir a sua criacae.
normas locais eu municipais, pois aplicam—se somente à area do
A validade do regulamente só poderia ser posta em causa se Municipio que aproveu 0 regulamento.
entendéssemas que, ao praibir a entrada nos parques e jardins de

“quaisquer meios de transporte” salvo as “velacipedes sem motor”,


Alinea c)
está a ultrapassar a habilitacae legal presente no Decreta—Lei, cuja
proibiçâo se refere a “quaisquer veiculos com motor”.
Estamos diante uma norma que proibe a “entrada de quaisquer
veículos com motor” em jardins e parques p1'1blicos, sendo esta a
Alinea b) expressao que importa analisar.
A letra da lei refere-se a “quaisquer veiculos com motor”. O
Decreto-Lei:
elemento lo'gico, neste case o teleologico, pretende uma diminuicao
Numero 1 7 quanto ao critério da vontade dos destinatarios, temes dos niveis de ruida em tais lacais p1'1blicos, para que as transeuntes
uma norma injuntiva praibitiva, que se aplica independentemente da possam desfrutar com tranquilidade dos beneficias que eles oferecem.
vontade dos destinatarios (parque Visa regular um interesse geral), A situaçâo em causa cabe perfeitamente na letra da lei, pois a
e que, neste caso, impede uma canduta eu impöe uma omissao 7 a cadeira de r0das de Abel é um veículos”: constitui 0 seu meio de
entrada em jardins eu parques públicos com veiculos com motor; transporte (contribuindo para a sua locomecao) e tem motor. Tedavia,

Numero 2 7 quanto aa critério da plenitude do sentide, temos


uma norma autonoma, no caso, trata—se uma norma de competéncia
m Neste caso, seria uma excepcao meramente formal, pois a norma excepcienal
(pois confere um poder juridico para a pratica de certo acto) que nao contraria nenhum principio juridico insito na regra geral.
378 par si so tem um sentido completa. 5““ Veiculo é todo a meia de transporte que conduz e auxilia na locomocao. 379
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

verifica-se que se se impedisse a entrada de Abel no parque, de da norma, pois a situaçäo de facto cabe na letra da lei, optando-se
certa forma, o fim da norma estaria a ser posto em causa, pois este, pelo seu significado mais amplo de meios de transporte, que inclui
enquanto cidadäo, näo poderia beneficiar das vantagens que os parques também os instrumentos de locomoçäo sem motor.
e jardins públicos tèm a oferecer, uma vez que sendo deficiente motor Chegados a conclusâo de que os patins de quatro rodas sâo meios
näo teria qualquer outro meio de locomoçäo, e, também, a sua cadeira de transporte sem motor, coloca—se agora a questäo de saber se podem
de rodas, embora seja um veiculo com motor, näo faz o ruido que ser considerados um velocipede sem motor para efeitos de aplicacáo
com a proibiçâo do Decreto-Lei se pretende evitar. da excepçâo do n.“ 2 do regularnento. Um velocipede é a veiculo com
Assim, verifica-se uma situaçäo que 0 legislador, per lapse, duas ou mais rodas movido pelo esforço do próprio condutor por meio
nao previu, e, como tal, deve-se fazer urna redução teleológica da de pedais au dispositivos análogos. Näo se duvida que os patins
regra que decorre do Decreto—Lei e nâo a aplicar a esta situaçâo, tenharn rodas e que sej am movidos pela força do condutor, todavia,
pois só deste modo se respeitaráo os fins que com ele se pretendem ja se questiona que tal movimentaçâo seja impulsionada pela via de
alcancar”). pedais ou dispositives análogos (exemplo tipico de velocipede sem
motor é a bicicleta ou o triciclo), 0 que parece nao suceder. Assim, nao
Alinea d) sendo os patins velocipedes, esta excepçâo nao se lhes pode aplicar.
Note—se que poderiamos ainda suscitar a interpretaçäo extensiva
Para saberrnos se o regulamento permite o uso de patins de ou mesmo a aplicaçâo analógica desta norma (o n.“ 2 do regulamento)
quatro rodas, teremos de, em primeiro lugar, determinar se os patins à sítuacáo dos patíns, porém, entendemos que a sua ratio legis (que
podem ser considerados meios de transporte. Meios de transporte é excepcionar da proibiçäo de utilizaçâo nos parques os meios de
sae todas as formas de deslocaçäo de pessoas e mercadorias. A transporte que sejarn menos ruidosos) näo se coaduna com a utilizaçäo
enunciacae é ampla, incluindo näo só os mecanismos movidos a de patins de quatro rodas, porquanto, tal como consta do texto, estes
motor, mas também todos aqueles que resultam da força humana vêm perturbar a tranquilidade dos utentes do parque “incomodados
ou animal (e sem motor 7 caso da bicicleta ou carroça de burros). com o barulho e encontröes que sofrem”, aspecto que 0 regulamento
Assim, podemos defender que a expressäo meio de transporte é pretende salvaguardar.
polissémica, podendo ter um sentido ampla, de mecanismos de
deslocaçâo de pessoas e mercadorias com ou sem motor, onde 6.
caberiam automoveis, aviöes, bicicletas ou, mesmo, carrecas de burr0s, Exame de Introdução ao Estado do Direito I
ou, entäo, um sentido mais restrito, onde caberiam somente os 1.“ Ano 7 Turma da Noite / 23 de Janeiro de 2012
mecanismos de transporte com motor (como o automóvel, comboío, Coincidéncias 7 duraçäo da prova: 2 horas
autocarro, etc.). Consequentemente, verifica-se que os patins de quatro
I
rodas podem ser considerados meios de transporte, na medida em que
perrnitem a deslocaçâo de pessoas de um modo mais rápido, através Para reformar o sistema de saúde e com Vista a garantir a
da própria forca humana. E, neste caso, porque esta em causa um meio sustentabilidade do Service Nacional de Saúde (SNS), o Governo
de transporte sem motor, faremos uma interpretacao declarativa lata publicou o Deereto-Lei X que contém as seguintes disposiçôes:
“1. As prestaçôes de saúde, cujos encargos sejam suportados pelo
orçamento do SNS, implicam o pagamento de taxas m0deradoras
54° Para a resoluçâo deste caso seria conveniente analisar a admissibilidade da
nas consultas dos prestadores de cuidados de saüde primarios no
reducae teleolegica em Portugal, por isso, mais uma vez, remetemos para o ja domicilio, nos hospitais e em outros estabelecimentos de saüde
disposto supra 18.1.3. püblicos ou privados. 381
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

2. Est50 isentes do pagamento de taxas moderadoras: os utentes regime de taxas moderadoras violava 0 direite fimdarnental
em situac5o de comprovada insuficiência ecen0mica; as criancas 5 saúde previsto no art. 64.“ da CRP. Pronuncie—se acerca
até aos 12 anos de idade; es utentes corn grau de incapacidade igual dos argumentes invocades pelo Hospital. (3 valores)
ou superior a 60%. c) Imagine ainda que Ana, gravida de sete meses, pretende
3. Cabe aos membros do Govemo respens5veis pelas areas das beneficiar do regime de isencòes previsto no Decreto-Lei
financas e saúde aprovar portaria de onde conste o regime de aplicacao X. Tem ra25e? (2 valeres)
do presente Decrete—Lei.” d)Qua1 a validade das normas constantes do Decreto-Lei
Na sequência deste diploma é aprovada a Portaria Y que centém, X e da Portaria Y, 5 luz das disposicòes constitucionais
entre outras, as seguintes disposicòes: que disciplinam as relaçôes entre actos legislativos e
“l. Est50 suj eitos ao pagamento de taxas moderadoras os actos regulamentos? (1,5 valores)
de assisténcia médica sem a presenca do utente, podendo resultar num e) Classifique as normas contidas no Decreto-Lei X e na
acenselhamente, prescricào ou encarninhamento para outro servico, PortariaY. (2,5 valores)
que pode estar associado as seguintes formas de cemunicac5e II
utilizada: por correie tradicional, por correio electrónico, por telefone
Comente com sentido critico em nao mais de 20 linhas as
e através de terceira pessoa.
afirmacoes que se seguem:
2. O n50 pagamento da taxa mederadora no prazo de 10 dias,
1.“... A teoria do direito que o cencebe como ordens coercivas
apös netificac5e, levara ao pagamento adicional de uma coima no
teve a sua origem, mio obstante os seus erros, numa apreciacào
montante de 100 vezes o valor da taxa a pagar.”
perfeitamente correcta do facto de que onde ha direito, ai a conduta
humana torna—se em certe sentido mio-facultativa ou obrigatória.
Em face destas disposicoes, responda agora às seguintes
“ in Herbert L.A. HART, O Conceito de Direito, p. 92. (3 valores)
questòes:
2. “No que toca ao modo de eficácia do sistema na preservacdo
a) Imagine que Anibal, firncionário público, tem andado com
da unidade e da adequacdo no processo da obtencdo do Direito, pode
graves insónias após saber que llie iriarn retirar os subsidios
ele ser quer conservador, quer dinam izador, travando, pois ou acelerando
de férias e natal. Para poupar alguns “trocos” decidiu
o aperfeicoamento do Direito. No primeiro caso, uma determinada
perguntar no mural do seu Facebook que medicamento
saluçäo é censurada como contrária ao sistema; no segundo, ela
deveria tomar para conseguir dormir. Bento, médico do
desenvolve—se, de novo como determinada pelo sistema; no primeiro
Hospital da S50 José, ern resposta, indicou—lhe a terapéutica
caso trata-se essencialmente da prevencdo de contradiçäo de valores,
adequada. Devem ser cobradas taxas moderadoras a Anibal?
no segundo da determinacáo de lacunas.” in Claus-Wilhelm
(3 valores)
CANARIS, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na
b) Suponha que Alvaro, emigrante, de férias em Portugal, e 15
Ciência do Direito, p.172 e 173 (3 valores)
incendicienal do “pastel de nata”, após ter comido uma
Redacpdo e sistematizaçäo: 2 valores
caixa inteira, sentiu—se mal disposto e deslocou—se ao Hospital
de Santa Maria, onde lhe foi dado tratamento. Quando se
preparava para pagar as devidas taxas moderadoras, foi-lhe
comunicado que era pratica do Hospital nunca cobrar taxas
aos emigrantes, peis era uma forma de melhor os receber
382 no pais de origem, para além de que entendiam que 0 383
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Resoluçâo da parte I: aberto a0 pübliee), razäe pela qual esta situaçäo ultrapassaria a
expressäo “cerreie electrOnico”. Assim, neSte caso existe uma lacuna
Alinea a) que deve ser colmatada pela via da analogia legis, prevista no art.
10.°, números 1 e 2 do CC. De acordo com este preceito no caso
A queSt5o principal que se coloca é a de saber se fazer uma omisso devem proceder as razñesjustificativas da regalamentacdo do
pergunta no mural do Facebook pede caber na formula legal “ arma caso previsto, o que na situaçäe em causa admitimos poder suceder,
de comunicacdo por correio electrónico” prevista na portaria Y. A pois sendo obj ectivo da lei obter receitas taxando todaS as censultas
express5o correio electrOnico implica o envio de mensagens entre médicas suportadas pelo erçamente do SNS, se tal acontece per
servidores de email, raz5o pela qual se descarta uma interpretacàe via de email, também poderá ocorrer por esta via de comunicacao
declarativa. electrónica“?
Em nossa opiniao, far-se-ia uma interpretaçâo declarativa ne
caso de Anibal, titular de uma eenta de email (por exemplo, no Alinea b)
“gmail”), enviar um email ao médico, pois a express5o “correio
electrOnico” pressupôe a criaçâo de um endereço de email que tem Quanto ao primeiro aspecto, invoca—se um uso ou pratica social
como finalidade o envio de mensagens a destinatarios seleccionados, reiterada, o que decorre da express5o “pratiea do Hospital”. TodaVia,
sendo um substitute de eerreie tradicienal per carta. J á se faria uma este argurnento é improcedente pois es uses sâe fontes mediatas de
interpretaçâe extensiva no caso de Anibal enviar uma mensagem via Direito, SO sendo atendiveis juridicamente quando a lei o determine, 0
Facebook ao Bento, que integra a sua lista de amigos nesta rede social, que n5o se verifica no caso (art. 3.“ do CC).
isto porque as redes sociais apresentam funcienalidades que acrescem Quanto ao segundo aspecto, ao recusar a aplicaçäo do Decreto-Lei
as do correio electrOnico normal, embora possam consubStanciar com base na vielaçäo do direito fundamental 5 saúde, podemos
também uma via de cemunicaçäe privada entre remetentes e considerarqueosfuncionáriosdo Hospitalfazemurna interpretação
destinatarios nos mesmos termos que o email541 (no entanto, n5o nos correctiva da norma com fundamento na contrariedade ae direito
parece que em terrnos de linguagem corrente enviar uma mensagem natural. Contude, para determinar se este argumente é procedente,
via Facebook tenha exactamente o mesmo sentido de enviar um email, teremos de analisar a admissibilidade de tal interpretacao tendo por
dai a estendermos a letra da lei de melde a abranger esta situaçäo base 0 art. 8.“, n.“ 2, de CC, o que ja verificames supra, no ponto
também). Per outro lado, quanto 5 situacao que especificamente importa 16.2.3.3., alinea 5), e para onde remetemos.
analisar, da pergunta no mural do Facebook, deve suscitar—se a
aplicacào analogica do n.° 1 da PortariaY, pois aqui n5o se pode Alinea c)
considerar que haja um envio de email, visto n50 existir um destinatarie
especificamente seleccionade (os destinatarios poderiam ser todos 0s Esta em causa saber se uma mulher gravida de sete meses se
amigos ou eventualmente qualquer pessoa, no caso de o mural estar pede considerar uma pessoa com um grau de ineapacidade igual eu
superior a 60%. Em circunstancias normais n5o se pode considerar
que uma gravida seja incapaz, dai a vermos com maior dificuldade
5‘" Recerde—se ainda que, hoje em dia, existem centas de email cujas funcionalidades

se aproxirnarn as das redes sociais, como, por exemplo, a possibilidade de conversa


em chat. E, per outro lado, as redes sociais aproximarn—se 5 conta de email, permitindo 5“ Admitimes outras formas de resoluçâo, desde que se justifique devidamente
que a elas se lhes associe um enderece electrOnico especifico. a posição adoptada. 385
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

uma interpretac5o declarativa. A resposta andaria pela interpretac5o Resoluc5o 2 7 aplicac5e analogica de regime de isenc5o
extensiw (tambem extens5e teleolôgica) eu pela analogia, conseante
entendamos, eu n5e, que a letra da lei comperta a situac5e em causa. Se entendermos que a letra da lei n5o comporta uma interpretac5o
Assim, teriamos duas vias de resoluc5e peSSiveiS: extensiva teriamos uma lacuna quante 5 situac5e em causa, que devera
ser colrnatada pela via da analogia legis prevista no art. lO.°, n.“S 1
Resoluc5o 1 7 interpretac5o extensiva e 2, do CC, ende se exige que no caso omisso procedam as razöes
justifieativas da regulamentaçäo do caso previsto na lei. Ora, sabende
Cemecande pela analise dos elementos da interpretaçâo, Vérifica-se que o objectivo da lei e isentar do regime de pagamente de taxas
quanto ao elemento literal que a express50 “grau de incapacidade moderaderas as pessoas mais carenciadas e que recorrarn mais vezes
igual eu superior a 60%” Significa que permanentemente ou aos cuidades médices, parece estar preenchide este requisite do art.
temperariamente 60% de parte do organismo de certa pessoa n5e lO.°, n.° 2, do CC, colecando-se agora a quest50 de saber se esta
desempenha as suas funçôes norrnais. Ja quanto ao elemento lo'g'ico, aplicac50 analogica e permitida nos termos de art. 11.“ do CC, dado
o elemento sistemático (previsto no art. 9.“, n.“ 1, CC) refere-se a que o art. 1.“ da Pertaria Y é urna nerma excepcienal (dirige—Se a
situacòes de isencòes de pagamento de taxas moderadoras face a um nümero restrito de pessoas e contraria o regime geral que prevè
pessoas com menor capacidade financeira, ou que, per qualquer o pagamento de taxas moderaderas). Seguinde a posic5e de alguns
raz5o, estejam sujeitas a precisar de cuidados de saude com maior autores (entre es quais Oliveira Ascens5o) quante 5 interpretac5o deste
frequéncia (reporta-se a criancas e pessoas com insuficiència preceite, verifica-se que temes uma excepc5o meramente formal,
ecenòmica). Da mesma forma, o elemento teleolo'gico (art. 9.°, n.° 3, pois n5o existe nenhum principio geral de Direito insito ao regime
do CC) consiste em isentar do pagamento de taxas moderaderas as que fixa 0 pagamento de taxas moderadoras, que vem a ser posto
pessoas carenciadas e as que necessitem de maiores cuidados de em causa pela isenc5e, por isso, o art. 2.“ do Decrete—Lei X pederia
saüde. Por isso, atendendo ao elemento lógico da interpretac5o, a ser aplicade analogicamente 5S situac0es de mulheres gravidass‘”.
norma parece abranger também as mulheres gravidas, pois a cendic5e
destas implica um contacto médico cem maier frequència. Alinea d)
Do expesto resulta uma desarmonia entre a letra e espirito da
lei, porquanto 0 legislader disse menes do que queria dizer, iste é,
Esta em causa a criac50 de um tributo, uma taxa, e que nos
termos do art. 103.°, n.° 2, da CRP eSt5 sujeite 5 reserva de lei (acte
referiu—Se a pessoas incapacitadas, mas queria referir-se a tedas as
legislative). Tal facto, n5o impede, todavia, que haja regulamentos
pessoas que, embora n5o incapazes, estejam susceptiveis a ter de
de execuc5e sobre esta materia, 0 que se verifica, peis o art. 3 do
recerrer aos cuidades de saúde com maior frequència. Deste modo,
Decrete—Lei X autoriza essa situac5e. Assim, havende habilitac5o
fazendo uma interpretação extensiva do preceito, isto é, estendendo a
letra da lei por considerac50 do elemento lógico, devemos entender legal, 5 partida, diriamos que se respeita o principio da reserva de
lei na sua vertente negativa (proibic50 de um outro acte regular
que o regime de isenc5e também se aplica as mulheres gravidas. O
certa matéria, salve quando se limite a executar a lei). Respeita—Se
que cabe ainda dentre da letra da lei, respeitande-se 0 art. 9.°, n.° 2,
do CC, pois n5e rare as mulheres gravidas ficam numa situac5e de
também o principio da precedéncia de lei 7 art. 112.“, n.“s 6 e 7,
da CRP 7, pois existe uma lei prévia ao regulamento. Contude,
incapacidade temporaria.

386 5‘” Sobre a interpretac5o do art. 11.“ do CC, vide supra 17.3.3.4. 387
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

nao descartames a possibilidade de se questionar se a Pertaria, ao Portaria:


prever o pagamento de taxas moderadoras em relacae a actos de
Numero 1 7 quanta aa critério da vontade dos destinatarios,
assistência médica sem a presença do utente, nao estara a ultrapassar o
temes uma norma que também é injuntiva preceptiva, porque impöe
disposto no Decreto-Lei quando se refere a “consultas de prestadores
o pagamento de taxas moderadoras de actos de assistência médica
de cuidades de saüde primarios no domicilio, hespitais e outros
sem a presença do utente. Neste caso, a previsao e a estatuicao estao
estabelecimento de saüde püblicos ou privados”. A ser assim, as
invertidas, ou seja, primeira temas a estatuiçâo “estao sujeítos aa
principios acima referidos nao estarao a ser respeitados, pois a
pagamenta de taxas moderadaras” e seguidamente a previsäo “as
portaria teria um conteúdo inovador, ultrapassando a mera execucao
actos de assisténcia médica sem a presenca do utente podendo resultar
da lei, e, como tal, nâo haveria habitaçäo legal para urn acto com
num aconselhamento, prescricao ou encaminhamento para autra
tal conteúdo.
service, que pode estar associado as seguintes formas de comunicacao
utilizada: por correio tradicional, per correie electrònice, per telefone
Alinea e) e atraVés de terceira pessoa”.

Decreto-Lei X: Numero 2 7 quanto ao critério da funçâo das normas, temos


uma norma secundaria ou de segundo grau, que se configura como
Numero 1 7 quanto ao critério da vontade dos destinatarios, temes
uma norma sancionatória, pois trata-se de uma norma que se refere
uma norma injuntiva preceptiva, que se aplica independentemente
a outra norma (a regra que fixa a obrigatariedade do pagamento da
da vontade dos destinatarios (porque Visa regular um interesse geral),
taxa moderadora) e que Visa fixar uma sancao no caso da sua Violacao,
e que neste caso impöe a adopcao de um certo comportamento, o
tendo como previsae a Vielacao da norma ordenadara e como estatuicao
pagamenta da taxa;
a respectiva sancae.
Numero 2 7 quanta aa critério do âmbito de aplicaçâo pessoal,
temos uma norma excepcional, pois prevê um regime especifico para
uma situacaa particular (as pessaas com insuficiéncia economica,
as criancas até aos 12 anos e as utentes cam incapacidade) e que
contraria o regime geral (parque fixa uma isencao aos pagamento
de taxas moderadaras)”;

Numero 3 7 quanta ao critério da plenitude do sentido, é uma


norma autonoma, que por si so tem um sentido completo, e que
no case se afigura como uma norma de competéncia, dado conferir
um poder jurídico para a prátíca de certo acto.

5‘“ Neste caso seria uma excepção meramente formal, pois a norma excepcia»
388 nal nao contraria nenhum principio juridico insito na regra geral. 389
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

§ 41. Perguntas te6ricas 10. “... A teoria do direito que o concebe como ordens coercivas
teve a sua origem, nao obstante os seus erros, numa apreciaçäo
Comente com sentido critico: perfeitamente correcta do facto de que onde ha direito, ai a conduta
1. “Uma vez que náo faria sentido atribuir a lei, uma das fontes
humana t0ma-se ern certo sentido nâo-facultativa ou obrigatória.”
in Herbert L.A. HART, O Conceito de Direito, p. 92.
de direito, o poder de deterrninar a relevancia, numa determinada
ordem juridica, do costume enquanto fonte de direito, devemos 1 1. “No que toca ao modo de eficacia do sistema na preservaçâo

aceitar sem restricòés o costume contra legem”. da unidade e da adequaçâo no processo da obtençâo do Direito,
pode ele ser quer conservador, quer dinamizador, travando, pois ou
2. “Näo podemos aceitar nenhum dos critérios tradicionaís
acelerando o aperfeiceamento do Direito. No primeiro caso, uma
para distinguir direito e moral, mas também nao podemos prescindir
deterrninada soluçäo é censurada come contraria ao sistema; no
de nenhum deles inteirarnente”.
segundo, ela desenvolve—se, de novo como determinada pelo sistema;
3. “Enquanto no Código Civil se apresenta um conceito de lei no prirneiro caso trata—se essencialmente da prevenção de contradicáo
em sentido material, a Constituiçäo opta em regra por um conceito de valores, no segundo da determinacáo de lacunas.” In Claus—Wilhelm
formal de lei, embora algumas disposiçôes pressuponham também CANARIS, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciencia
um conceito material de lei”. do Direito, p.l72 e 173.
4. “Ainda que seja questi0nave1 a possibilidade de estabelecer 12. “O costume, por si, e juridice: traz ordem da sociedade. Mas o
uma hierarquia entre fontes de direitos distintas, sera sem düvida de Estado pode condicionar a medida em que os seus orgäos aplicarn
aceitar um principio hierárquico na estruturaçâo da lei, em sentido 0 direito costumeiro”. Oliveira Ascensäo, O Direito: Introducdo e
amplo, como fonte de direito”. Teoria Geral, 7“ ed., Coimbra, 1997, p. 265.
5. “Reconhece—se que, perante a extrema variedade da tipologia 13. “Em qualquer dos critérios apontados (para distinguir 0
normativa que 0 Direito n0s apresenta, qualquer critério isolado se Direito de outra ordern n0rrnativa que e a Moral) ha um núcleo de
revela insuficiente para tracar cem absolute rigor as fronteiras entre verdade”. J. Baptista Machado, Intreduçäo ao Direito e discursa
Direito público e o Direito privado, traduzindo-se num reducionismo Legitimador, Coimbra, 1983, p. 59.
ínaceitável”. Nuno Sá Gomes, Introdacào ao Estado do Direito,
14. “Lei sem sentido material apresenta-se como a lei com
p. 232.
conteúdo especifico. Ja a lei em sentido formal podera náo o possuir”.
6. “A autonomia individual caracteriza a moral, por oposiçâo a Jorge Miranda, Funçâes, Orgäos e Actos do Estado, Lisboa, 1990,
heteronomia do direito”. p. 171.
7. “Os acerdaes cem força obrigatória geral nâo sâo leis”.
Distinga:
8. “O Direito distingue—se da moral pelo critério do minimo
1. Interpretaçäo restritiva, interpretaçäo correctiva e reduçäo
ético”.
teleológica;
9. “O costume é fonte imediata de direito, tal come a lei, ainda 2. Interpretaçäo enunciativa, de interpretaçâo extensiva;
que a sua importancia quantitativa seja inferior a lei, nos sistemas 3. F icçôes legais, de presunçôes legais;
juridicos actuais”. 4. Interpretaçäo declarativa lata, da interpretaçäo extensiva e da
390 extensao téleelògica. 391
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Perguntas directas: § 42. Esquema auxiliar para resolução de hipóteses sobre

1. Em que medida se pode considerar a jurisprudencia como interpretaçâo


fonte imediata de Direito?;
Interpretaçâo 7 interpretacao enunciativa / reduçäo teleológica 7 analegia
2. Esclareca em que sentido se pode falar de urna hierarquia
nas fontes de Direito; Letra (exegese) --------------------------------------------- fora da letra
(criaçäo)
3. Situe na letra do artigo 9.“ de Código Civil os varios elementos
da interpretaçäo e aponte ainda as indicaçôes fomecidas per este
1. Determinar o que se discute: a expressäo que esta em causa.
artige quante ao fim da interpretaçâo.
2. A interpretaçäo normal resolve?
a) Interpretaçäo declarativa, restritiva, extensiva:
i) Analisar es elementos da interpretacào: literal e lògico
(nocäo; lecali25c5e no art. 9.“ do CC; definir qual é o
mais importante para a reseluc5e do caso);
ii) Determinar a modalidade de interpretaçâo e definir
quem tem ra25o;
iii) Interpretac5e extensiva 7 ver se n50 poderá ser integracào
de lacunas por analogia eu extens5o teleológica: limite
do art. 9.“, 11.“ 2, do CC.
b) Interpretacào abrogante.
3. Algum argurnento lògico auxilia na resolucào? Interpretang
enunciativa (salvo argumento “a contrario”, que merece especial
atenc5e).
4. Reduzindo a letra da lei, reselve—se o problema? (nos casos
de reducào teleológica parece que 115 uma lacuna, que decorre do
facto de a restric5o n50 ter sido feita expressamente, pelo que a
reducäo faz cessar a lacuna).
5. O problema n50 se resolve pelas anteriores modalidades de
interpretacào? H5 normas excepcionais, penais ou fiscais cuja
aplicaçâo se suscita? Case de integracào de lacunas:
a) Analogia: art. 10° do CC 7 analisar a identidade de razöes
justificativas no caso regulado e no caso omisso;

392 393
Sandra Lopes Luis

b) Verificar es limites 5 analogia: se a nerma cuja aplicacao


se suscita é excepcional (art. 11.° do CC), penal positiva
(art. 29.“ da CRP e 1.“, n.° 3, do Codige Penal) ou fiscal (art.
103.“, n.° 2, da CRP e 11.°, n.° 4, da Lei Geral Tributaria);
c) Ver se, em vez de integrac50 de lacunas por analogia, n5o
pedera ser extens5o teleolOgica.
6. Interpretacào correctiva e es limites do art. 8.“, n.“ 2, de CC.
7. O argumento de analogia e o argumenta “a contraria”.

394
CAPITULO II: EXERciCIos SOBRE A PARTE Il

SUMARIO:

43. Casos práticos resolvidos sobre validade e vigència da lei;


44. Casos praticos resolvidos sobre retroactividade; 45. Casos
prátieos resolvidos sobre sucessão de leis; 46. Casos praticos
resolvidos sobre sancòes e meios de tutela privada; 47. Casos
prátieos resolvidos sobre meios de tutela privada; 48. Casos
prátieos resolvidos sobre sançôes; 49. Testes e exames resolvides;
50. Perguntas teôricas; 51. Esquema auxiliar para resolução de
hipóteses.
Introduçäe ao Estudo do Direito

§ 43. Casos práticos resolvidos sobre validade e Vigência


da lei545

Caso Pratico n.“ 1

Imagine que é aprevada a Lei n.“ 21399/10 que tem por obj ecto
a aprovac5e de Estatuto dos Emigrantes. Esta lei foi publicada no
Diario da República, de 13 de Setembro de 2010, e disponibilizada
online, no mesmo dia, no Sitio da Internet geride pela Imprensa
Nacional-Casa da Meeda, S.A.
Censidere as seguintes hipòteses:
a) No seu art. 2.° dispòe-se: “Esta lei entra imediatamente
em vigor”;
b) A Lei n.° 21399/ 10 nada determina acerca da sua entrada
em vigor;
c) Ne seu art. 2.“ dispöe-se: “A presente lei entra em vigor
no prazo de 60 dias a centar da sua publicacdo”;
d) Ne seu art. 2.“ dispöe-se: “A presente lei entra em vigor 2
meses apo's a sua publicacào”.
Quid juris?

Resolucào:

Alinea a)

O art. 2.“, n.“ 1, da Lei n.“ 74/98, de ll de Novembro, dispöe


que “em caso algum, o inicio da vigencia da lei se verificará no
proprio dia da publicaçäo”. Sende esta norma uma lei ordinaria
pode ser derrogada por uma outra lei de nivel igual ou superior, o que
sucederá nomeadamente quando existam situaçôes de inadiavel
urgéncia (V.g., medidas a adeptar em casos de calamidade püblica)

545 A resoluc5o dos exercicios pratices relativamente 5 contagem de prazos

fixados em dias e feita de acordo com a posic5o adoptada supra 29.2.1. 399
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

eu para evitar a frustrac5o dos objectives da prOpria lei (v.g., se a Alinea d)


lei determina 5 suspens5e da compra de divisa estrangeira, o periede
de vacatio legis perrnitiria a procura intensa de divisas, possivelmente Estamos diante uma situaçâo em que é a pröpria lei a fixar um
cern fins especulativos)5‘“’. Nesta situac50, n50 temos dades concretos prazo de vacatia legis, 0 que é permitido ne art. 5.°, n.° 2, do CC.
acerca do conteúdo da Lei 11.“ 21399/ 10 que contém 0 Estatuto dos Este prazo é fixado em meses, como tal, a sua contagem deve ser feita
Emigrantes, porém, sendo ela um acto legislativo de valor similar nos termes do art. 279.“, alinea c), do CC. Deste modo, terminando
5 Lei 11.“ 74/98, de 11 de Novembre, e tende 0 legislador optado o prazo de 2 meses às 24 horas do dia 13 de Novembro (13 é o “dia
expressamente pela sua entrada em vigor no imediato, vamos entender a que corresponda”, perque a lei foi publicada 5 13 de Setembre),
que está em causa uma das situaçôes referidas e que pretende afastar a lei entra em Vigor 5s 0.00 horas do dia l4 de Novembro.
o disposto no art. 2.“, 11.“ 1, e, como tal, entrara em Vigor no dia 13
de Setembro de 2010, a data da sua publicac5e e dispenibili25c5e
online. Caso Pratico n.“ 25“7

Alinea b) 0 Presidente da República promulgou um decreto-lei que foi


referendado pelo Primeiro-Ministro e enviado 5 lNCM para publicacio.
N50 deterrninande nada acerca da sua entrada em viger, de acordo Passaram larges meses, mas este decreto-lei nunca saiu no jomal
com 0 art. 5.“, 11.“ 2, do CC, aplica-se o prazo supletivo de 5 dias que oficial, p01 incompetência dos seus serviços. Qual o seu valor
esta previsto no art. 2.“, 11.“ 2, da Lei 11.“ 74/98, de 1 1 de Novembro. juridico?
Assim, esta lei entra em vigor ne dia 18 de Setembro de 2010 (de
acordo com o art. 279.“, alinea b), do CC e com o art. 2°, n.° 4, da Resolucào:548
Lei n.° 74/98, de 11 de Novembro, n50 se centa o dia da publicaçäo
“... conta-se a partir do dia imediato ao da sua disponibilizaçäo...”, N50 tendo side o Decreto-Lei publicado, a lei näo o considera
que foi o dia 13 de Setembro, entrando em vigor no quinte dia, ou invalido, mas antes inefieaz, impedindo que produza es efeitos que
seja, dia 18 de Setembro). se destinava a produzir. As consequências da falta de publicidade
resultam: do art. 119.“, 11.“ 2, da CRP, onde se prevê a ineficdcia; do
Alinea c) art. 5.“, 11.“ 1, do CC, segundo 0 qual 5 que a lei só se torna obrigatória
depois de publicada no Jornal Oficial; e do art. 1.“, n.“ 1, da Lei
Neste caso, nos termos de art. 5°, n.° 2, de CC, fixande a própria 11.“ 74/98, de 11 de Novembro, que faz depender a eficacia juridica
lei um prazo de vacatio legis, e contando os 60 dias sem que o dia dos diplomas da sua publicacào.
da publicacào seja considerado (art. 279°, alinea b), do CC e art.
2.“, n.“ 4, da Lei n.“ 74/98, de 11 de Novembre), a Lei n.° 21399/10
entrara em vigor no dia 12 de Novembre de 2010.

547 Caso pratico n.“ 63 da colectânea de hipóteses de PEDRO MÚRIAS, Exercicios

de Introducdo..., p. 36, cuja publicacào se faz com auterizacào de autor.


54“ A ahreviatura “INCM” no enunciado significa lmprensa Nacional-Casa da

5““ Vide suprn 29.1. Moeda, S.A. 401


Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

Casa Pratico n.“ 3 Ascensao, e atendenda ao critério da publicidade, nao restariam


duvidas de que o Decreta—Lei n.“ 18685 revoga 0 Decreto-Lei n.“ 20787,
O Decreto-Lei n.° 20787 foi publicado no dia 26 de Dezembro e, como tal, seria aquele que estaria em vigor. Miguel Teixeira de
de 2010 para entrar em vigor n0 dia 26 de Janeiro de 2011. O Sousa, embara chegue a mesma conclusâo, entende que estaria em
Decreto-Lei n.“ 18685, que apresentava um conteúdo incampativel causa um impedimento de vigéncia da Decreto—Lei n.“ 20787.
ao anterior, foi publicado a 10 de Janeiro de 2011, para entrar em
vigor no dia 20 de Janeiro de 2011.

Qual deles esta hoje em vigor?


Casa Pratica n.“ 4550

O D.L. 51/81 regula a concessâo de crédito para habitaçäo por


Resolucao:
bancos e entidades afins. O D.L. 511/81 regula sabre higiene e
seguranca em mercearias e supermercadas. No dia 1 de F evereiro, foi
Temes uma situacao em que se pode suscitar a questao d0
publicado o D.L. X/2000, que regula sobre higiene e seguranca em
momento da posteridade na revogacàom, que é dizer, saber qual é
estabelecimentos de venda a0 público de quaísquer bens, fazenda—a
a lei que efectivamente revogou a autra lei, isto parque, podem haver
em moldes bastante diferentes do D.L. 51 1/81. A ultima dispesicao
situaçôes dubias em que nâo se sabe qual 0 diploma que surgiu
do D.L. X reza assim: «fica revogada 0 D.L. 51/81.» Na dia 1 de
depois e veio traduzir a ultima vontade do legislador (V. g.: duas leis
Março, saiu no DR uma «Declaraçäo de rectificacao» determinando
incompativeis publicadas na mesma data; duas leis incompativeis
que, onde no D.L. X, se le «o D.L. 51/81>› deve ler-se «o D.L.
em que uma é publicada depois da outra, mas a sua entrada em Vigor
5 1 1/81 .»
é no mesmo dia; ou, duas leis incompativeis publicadas em datas
diferentes, mas em que a segunda lei entra em vigor antes da primeira). a) Os diplomas de 1981 estäo revogados? Desde quando?
A questao tem de ser resolvida per um criterio de posteridade da lei, b) Imagine agara que a declaracao de rectificacao saiu a 1

que, em termes académicos, podera ser: a) 0 momenta da aprovacao de Maio de 2000, a resposta seria a mesma?
da lei, b) o momento da publicidade (ou mesmo a ordem de publicacao
e numeraçäo no Diario da República) c) e 0 momento da entrada em Resoluçâo:551
Vigor. Grande parte de doutrina, nomeadamente, Oliveira Ascensao
e Inacéncia Galväo Telles, têm acolhido a critério da publicidade, Alinea a)
outros autores, dependendo da situacaa que esteja em causa, falam
numa impossibílídade de determinar a última vontade do legislador O D.L. X/2000 revoga o D.L. 51/81: temos uma revogacao
e pela Via da interpretaçâo abrogante descobrem uma lacuna de expressa, nos termos do art. 7.“, n.“ 2, da CC, que consta da 1'11tima

colisao. disposicaa do D.L. X/2000: “fica revogado 0 D.L. 51/81”; também


Neste caso, em particular, temos uma lei publicada pasteriarmente é uma revogação substitutiva, Visto haver uma nova regulacao da
(o Decreto—Lei n.“ 18685), que entra em vigor antes da lei publicada
inicialmente (o Decreto-Lei n.“ 20787). Par isso, para Oliveira
55° Exercicia n.“ 66, com aditamento da alinea b), da colectanea de hipateses de
PEDRO MURIAS, Exercicios de Introdacdo… p. 37. A publicacao e aditamento
desta hípótese fazem-se com autorizacao da autor.
402 54“ Vide supra 31.4.1. “5‘ A abreviatura “DR” no enunciada significa Diario da Republica. 403
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

matéria; e uma revogag5o total, pois subentendemos que o D.L. mesmo preceito. Ora, se a declaracae de rectificaçäe é nula, ent5o
51/81 fica completamente suprimido552. o decreto-lei que se encontra revogado, desde o dia 6 de Fevereiro,
Em 1 de Marco surge uma declaracio de recüficaçâo, determinande é o D.L.51/81e n5o o D.L. 511/81.
que, ende no D.L. X/2000 se lé “o D.L. 51/81” deve ler—se “o D.L. Evidentemente que, diante de uma situaçâe destas, 0 interprete
511/81”. A Lei n.° 74/98, de 11 de Novembro, perrnite no seu art. 5.“ e aplicador do Direito vai ter de fazer uma interpretagäe correctiva
a rectificaçâo de leis publicadas, porque a publicac5o deve reflectir da nerma do D.L. X ende se dispöe que: «fica revegade 0 D.L.
integralmente o texto original. TodaVia, fixa—lhe alguns requisitos: 51/81.», porquante näe se percebe que um diploma que regula sobre
a)Âmbito da rectificaçäo (art. 5.“, n.° 1) 7 que aqui esta “higiene e seguranca em mercearias e supermercades” venha num
preenchide, pois temos um erro material, o legislador preceito final considerar revegado o regime da “concess5o de crédito
queria dizer 511 e disse 51; para habitaçäe per bances e entidades afins”. A interpretaçäo correctiva
b) Prazo de 60 dias (art. 5.“, n.“ 2) 7 que aqui também esta verifica—Se quando o sentido real da norma é afastado ou corrigido
preenchide, pois a 1 de F evereiro foi publicado o D.L. pelo intérprete, com fimdarnento na sua injustica ou inoportunidade. E
X/2000 e a 1 de Marçe deu-se a publicaçâo da declaraçäe em Portugal, tal come ja verificames, questiena-se a admissibilidade
de rectificaçâo, tende passade apenas um més; desta figura, nomeadamente a sua cempatibilizaçäe cem 0 art. 8.°,
c) Òrgào cem competència para a rectificaçâe (art. 5.“, n.“ 1 n.° 2, do CC. Mais uma vez, sobre esta matéria, remetemos para os
7 esta igualmente preenchido, pois subentendemos que considerandos tecides supra 16.2.3.3., alinea 5).
o Org5o que aprovou o diploma original foi aquele que
aprovou a rectificacao 7 0 Geveme.
Caso Prático n.“ 5
Assim, deve entender-se que é e D.L. 511/81 que se encontra
revogado, reportando—se, de acordo com 0 art. 5.°, n.° 4, os efeitos De acordo com o Codigo da Estrada de Mocambique os cendutores
da rectificaçäe 5 data da entrada em Vigor do texto rectificado (D.L.
de motociclos e ciclomotores devem usar capacete de protecc5o.
X/2000). O que significa que o D.L. 511/81 se considera revogado
No entanto, os cendutores n5o curnprem esta norma, e es agentes
desde 6 de Fevereiro, pois e D.L. X/2000 foi publicade a 1 de de Policia também n5o controlam o seu incumprimento. Por estes
Fevereire, e, segundo 0 art. 5.°, n.° 2, do CC e art. 2.°, n.° 2, da Lei motivos, Daniel entende que o COdigo da Estrada esta pareialmente
n.° 74/98, de 11 de Novembro, entrou em vigor ne dia 6 de F evereiro.
revegade.
Quidjuris?
Alinea b)
Resoluçâo:
Case a declaraçâe de rectificaçäo tenha side feita a 1 de Maie,
ent5o a resposta ja n5o seria a mesma, pois ela estava a ser feita fora
N50 podemos dizer que exista uma revegacào parcial eu derregaçäo
do prazo de 60 dias exigido no art. 5.“, n.“ 2, da Lei n.“ 74/98, de
do COdigo da Estrada, pois a revegaçâe implica que haja uma nova
11 de Novembro, e, como tal, seria nula nes terrnos do n.“ 3 deste
lei que faca cessar a vigència de uma lei anterior. Neste caso,
temOS um mero desuso, ou seja, uma pratica secial sem cenvicçäo
de ebrigatoriedade, porque, embora as pessoas n5o cumpram cem
552 Pode-se questionar a pessibilidade de uma revogacào global tacita, se

entendermos que existe uma intencào de a nova lei regular toda a materia relativa tal dispesiçâo e as auteridades telerem 0 comportamento, a verdade é
ae regime sobre higiene e seguranca em estabelecimentos de venda ao público, que, dos dades da hipOtese parece resultar a cenvicçäo de que nio 405
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

é licito preceder assim (case a hipòtese referisse que as pessoas tinham Temos duas revogaçôes:
urna convicçâo de que efectiwmente era licito conduzir sem capacete,
1. A Lei n.“ 20693/10 revogou a Lei n.“ 19502/08: temos
ai teriamos um costume contra-legem). Estande em causa um mero
uma revogaçäo tácita, porque näo existe uma declaraçäo
desuso, para que este pudesse fazer cessar a vigència da lei teria de expressa do legislador no sentido de revogar, mas tal facto
haver uma relevância legal dos usos (art. 3.“ do CC), o que no caso decorre da incompatibilidade de disposiçôes das duas leis
parece nâo suceder, por isso, náo se pode entender que o Codigo da (art. 7.“, n.“ 2, do CC); temos uma revogação sabstitativa,
Estrada esteja parcialmente revogad0553. Viste que a Lei n.“ 20693/10 apresentou uma now regulaçäo
da matéria 7 aprovou 0 Cödigo de boa conduta administrativa;
e temos uma revogacao global (art.7.°, n.° 2, do CC, parte
Caso Pratico n.° 6 final), pois resulta uma intençäo do legislador de regular
novamente todo um instituto juridico 7 a boa conduta
A Lei n.° 20693/10, que entrou em vigor a 12 de Fevereíro de administrativa.
2010 e aprovou o Codigo de boa conduta administrativa, revogou a 2. A Lei n.° 20874/10 revogou a Lei n.“ 20693/10: temos
Lei n.“ 19502/08, que continha todo o regime relativo a boa conduta uma revogação expressa (art. 7.“ n.“ 2 do CC), pois 0
administrativa. legislador faz uma declaraçäo no sentido de tal revogaçäo;
Entretanto, a 6 de Maio de 2010 entrou em Vigor a Lei n.“ 20874/ 1 0 temos também uma revogaçäo simples, porquanto
com um artigo 1'1nico onde se dispunha: “Com a presente lei considera—se pretendeu-se apenas revogar a lei anterior, näo visando
revogada a Lei n.“ 20693/10”. legislar novamente sobre a matéria; e podemos entender,
Eduardo, funcionário público, pretende saber qual o regime ainda, que se trata de uma revogaçâo total, visto suprimir
que regula a boa conduta administrativa. completamente a Lei n.“ 20693/ 10.
Quid juris?
Regime:
Resoluçâo: Atendendo a que a ültima lei revogatória, a Lei n.“ 20874/ 10,
tem uma eficacia merarnente revogateria, e näo tarnbem dispositiva,
Temos très leis: para sabermos qual é o regime que rege esta matéria importa determinar
se pode haver repristinacao da primeira lei a ser revogada 7 a Lei
1. Lei n.“ 19502/08 7 continha todo o regime relativo a boa
n.“ 19502/08. O art. 7.°, n.° 4, do CC vem dar a resposta a questao,
conduta administrativa.
ao considerar que “a revogacào da lei revogatoria näo importa 0
2. Lei n.” 20693/10 7 entrou em vigor 12 Fevereíro de 2010
renascimento da lei que esta revogara”, ou seja, nâo é permitida a
e aprovou o Código de boa conduta administrativa.
repristinaçäo.
3. Lei n.° 20874/10 7 entrou em vigor a 6 de Maio de 2010
Todavia, tomando por base a lei brasileira, onde se refere que “náo
e límitou—se a revogar a Lei n.” 20693/10.
é permitida a repristinaçäo, salvo se outra for a intençäo inequivoca
do legislador”, entende a doutrina portuguesa que nada impede o
legislador de aprovar uma lei repristinatöria ou que essa repristinaçäo
553 Note-se que caso estivesse em causa um costume contra legem, de acordo
resulte da própria ínterpretacáo da lei. Ou seja, pode haver uma
com a posicàe de Oliveira Ascensao, a lei cessaria a sua vigència, tal como ja declaracáo expressa do legislador no sentido de repristinar a primeira lei
verificamos supra 9.2.1., 9.3.2. e 31.1. revogada ou esta mesma vontade resultar dos proprios elementos 407
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

da interpretac5o, havendo assim uma declaraçäo tácita do legislador Alinea a)


no sentido da repristinacàeSS“.
Ne case em analise n5o temes dados suficientes que nos perrnitam Estamos diante duas leis incompativeis que S5o aprevadas em
afirmar que existe uma intenc50 de a Lei n.“ 20874/ 10 repristinar datas diferentes, mas publicadas ne mesmo dia 7 pois, de acordo
a Lei n.“ 19502/08, por isso, n5o temos actualmente um regime com 0 art. 1.“, n.° 2, da lei 74/98, de 11 de Novembre, entende-se
relativamente a boa conduta administrativa. Existe uma lacuna que como data da publicacào a data do dia em que a lei é disponibilizada
deve ser preenchida com recurso aos meios normais permitidos de online no sitio da Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da
integrac5e 7 art. 10.“ do CC. Moeda, S.A. Para respendermes 5 quest5o de saber qual delas se
encontra em vigor importa, desde logo, apurar qual e a lei revogatòria
e qual e a lei revogada, o que passa por determinar o momento
Caso Pratico n.° 7 relewnte para se aferir a posteridade da lei. Grande parte da doutrina
(nomeadamente Oliveira Ascens5o) tem defendide que 0 criterio
A Lei n.° 21065 e aprowda a 18 de Abril de 2010 e disponibilizada decisivo para se aferir a posteridade de urna lei e a data da publicaçäe,
enline no sitio da Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da tedavia, neste case, dade que ambas leis foram publicadas no
Meeda, S.A. a 20 de Maio de 2010. A Lei n.° 21083, incempativel mesmo dia, tal critério n50 nos ajuda a selucionar o problema. Assim,
com a primeira, é aprevada a 16 de Maie de 2010 e disponibilizada a resoluc5o da quest5o passa, para alguns, por uma interpretac5o
enline no sitio da Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da abregante e pelo recenhecimento de uma lacuna de colis5e (neste
Meeda, S.A., também a 20 de Maio de 2010. sentido vai Menezes Cordeiro, embora este autor entenda que o
critérie decisivo n5o seja 0 da publicac5e). Ou, em sentido diverse,
a) Qual dos diplomas se encontra hoje em vigor? ha quem entenda que, quando temos diplomas publicados na mesma
b)E se a Lei n.° 21065 tivesse sido disponibilizada online data, o criterio deterrninante para aferir a posteridade de uma lei
no sitio da Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa n5o pode deixar de ser o momento da sua aprovac50555.
da Moeda, S.A. ne dia 18 de Maie de 2010?
Poste isto, a resposta 5 quest5o de saber qual des diplomas se
Resolucao: encontra em Viger, depende da pesic5o adoptada: se acolhermos a
tese da interpretac5o abrogante, temos uma lacuna de colisao e,
Temes duas leis: como tal, nenhum dos diplomas se encontra em vigor; acolhende
o critérie da aprevac5e, e a lei aprovada em ultimo lugar que se
1. A Lei n.“ 21065 foi aprovada a 18 de Abril de 2010 e encontra em vigor 7 neste caso a Lei n.“ 21083, que foi aprovada a
disponibilizada online a 20 de Maio de 2010 no sitio da 16 de Maio de 2010.
Internet gerido pela lmprensa Nacional-Casa da Moeda,
S.A. Alinea b)
2. A Lei n.° 21083 fei aprevada a 16 de Maio de 2010 e
disponibilizada online a 20 de Maio de 2010 no sitie da Se a Lei n.° 21065 tiver sido disponibilizada online no sitie da
Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da Meeda, S.A no dia
S.A. 18 de Maie de 2010, entende—se, de acordo com o ja referido art.

408 55" Vide supra 31.4.4. “5“ Vide supra 31.4.1. 409
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

1.“, n.“ 2, da Lei n.“ 74/98, de 11 de Novembro, que é publicada a Resoluçäo:


18 de Maio. Ora, se a Lei n.“ 21065 é publicada 5 18 de Maio de
2010, e se a Lei n.“ 21083 é publicada a 20 de Maio de 2010 7 e, Temos duas leis:
subentendendo que se aplica o prazo supletivo de vacatio legis do l.Lei 11.“ 18337 7 publicada a 13 Novembro de 2010;
art. 2°, n.° 2, da Lei 11.“ 74/98, de 11 de Novembro, a cada uma das
disponibilizada online ne sitie da Internet gerido pela
leis, entrande em vigor, também, em datas diferentes pela ordem
lmprensa Nacional-Casa da Meeda, S.A. a 15 de Novembro
cronologica da publicaçäo 7 temos uma situaçäo em que n50 se de 2010; aprova 0 regime de tributação dos prédios
suscita qualquer dúvida acerca do momento da posteridade, pois urbanos habitacionais.
é a Lei 11.“ 21083, cem publicacào e inicie de vigência em data
2. Lei n.° 21446 7 publicada 5 8 de Dezembro 2010;
posterior, que revogou a Lei n.“ 21065, sendo, por isso, ela que se
dispenibilizada online ne sitie da Internet gerido pela
encontra actualmente em vigor.
lmprensa Nacional-Casa da Meeda, S.A. a 8 de Dezembro
Quanto às modalidades de revegacàe, neste caso, temos: uma de 2010; aprova o regime legal de tributacao dos bens
revogacào tdcita 7 nos termos do art. 7.“, n.“ 2, do CC 7, uma imòveis; prevé a sua entrada em vigor para 4 de Janeiro
revogaçäo substitutiva 7 peis fixa urn novo regime para regular a de 2011.
matéria 7 e subentendemos que seja uma revogação total 7 peis
faz cessar integralmente 0s efeitos da lei anterior. Data de entrada em Vigor:
Quante 5 Lei n.“ 1833 7, ela fui publicada a 13 de Novembro de
2010 e disponibilizada online a 15 de Novembro, por isso questiona-se
Caso Pratico n.° 8
0 momento em que se deve comecar a contar o prazo de vacatio
legis. Embera e art. 1.°, n.° 2, da Lei n.° 74/98, de 11 de Novembro,
A Lei 11.“ 18337/ 10, que aprow e regime de tributac50 des prédies preveja que a data da publicaçâo da lei se considera o da sua
urbanes habitacienais, é publicada a 13 de Novembro de 2010 e disponibilizacäo anline no sitie da Internet ge1ido pela Imprensa
disponibilizada anline, no sitie da Internet gerido pela lmprensa Nacional-Casa da Meeda, S.A., a verdade é que, na pratica, pode
Nacional-Casa da Meeda, S.A., a 15 de Novembre de 2010. Por suceder que a data do Diario da Repüblica n50 cerresponda ae da
sua vez, a 8 de Dezembro de 2010 é publicada e dispenibilizada
sua real disponibilizacàe na internet. Por isse, deve—se aplicar o art.
online no sitio da Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da
2.“, n.“ 4, da Lei n.“ 74/98, de 11 de Novembro, e entender que 0 prazo
Moeda, S.A. a Lei n.° 21446/ 10 relatiw ae regime legal de tributaçâo
de vacatio legis se conta a partir da data da efectiva disponibilizacào
dos bens imôveis, que prevé a sua entrada em vigor para 4 de Janeiro
online (segue a doutrina acolhida pela vers5e originaria da Lei n.°
de 2011, e que é incompativel com 5 Lei n.° 18337/10 de 13 de
74/98 de 11 de Nevembre quande se discutia 0 problema de saber
Nevembre. se o prazo da vacatio legis se deveria contar a partir da data da
Filipe, dono de um apartamento na cidade de Coimbra, tem publicapdo eu da data da efectiva distribuipde do Diario da República,
düVidas sobre 0 regime 5plic5vel110je a sua casa.
tendo a Lei n.° 74/98, de 11 de Novembro, optado pela data da
Quid juris?
distribuicàe), que no case é o dia 15 de Novembro. Atendendo a
que a própria lei n50 fixeu um prazo para a sua entrada em vigor,
nos termos do art. 5°, n.° 2, de CC e do artige 2°, n.°s 2 e 4, da Lei
410 n.“ 74/98, de 11 de Novembro, aplica-se o prazo supletivo de vacatio 411
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

legis de 5 dias, e, come tal, a Lei n.“ 18337/10 entra em vigor no dia que a Lei n.“ 21446/10 n5o revoga a Lei n.“ 18337/10, e, deste
20 de Novembro de 2010. modo, o regime aplicavel 5 tributac5o da casa de F ilipe é 0 previste
Quanto 5 Lei n.“ 21446, verifiea-se que é publicada a 8 de na Lei n.“ 18337/10.
Dezembro, e entra em vigor a 4 de Janeiro de acordo com 0 art. 5.°,
n.“ 2, do CC, pois é ela propria que define o seu prazo de vacatio
legis.
Revegaçâe:
Estamos diante uma situaçäo em que uma lei posterior, a Lei
n.° 21446/ 10, é incompativel com uma lei anterior, a Lei n.“ 18337/ 10,
o que, 5 partida, nos remeteria para um caso de revogaçâe tácita
(art. 7.“, n.“ 2, do CC) e de revogac5o substitutiva 7 pois fixa um
novo regime para a matéria. Mas a queSt5o que se coloca é a de
saber se tal revogaçâe é permitida?
Tracande a Lei n.° 21446 o regime legal de tributaçâe dos
bens imOveis, a Lei n.“ 18337 afigura—se especial em relaçâe a ela,
visto referir—se 5 situag5o particular do regime de tributacao dos
prédios urbanos habitacionais. Ora, de acordo com e art. 7.“, n.“
3, do CC “lei geral näa revoga lei especial, excepto se outra for a
intencdo inequivoca do legislador”, por isso é conveniente averiguar
se da hipótese decorre urna intençäo inequivoca do legislador revogar
o regime especial. A doutrina tem entendido que esta intençâe
inequivoca pode resultar, por um lade, de uma declaracao expressa
(e legislader diz expressamente que cem a lei geral também se
pretendem afastar es regimes especiais), eu, per outro lado, de
uma declaraçäo tácita (da interpretaçäe resulta que o legislador
quis regular exaustivamente um sector n5o deixando subsistir fontes
especiais)55“. OS dados da hipótese n5o nos permitem aferir tal
inteng50557, per isso, aplieande 0 art. 7.°, n.° 3, do CC, consideramos

55“Neste sentido Oliveira Ascens5o, vide supra 31.4.3.


557Note7se que n50 nos parece haver aqui uma revogag5o global tacita, porquante,
embora a Lei n.“ 21446/ 10 se refira a aprovacao de um “regime”, a verdade é que
a tributacào de bens imOVeiS parece nao ter a amplitude suficiente para se poder
falar na revogacào de toda uma materia eu institute. É no entanto, um aspecto
discutivel, por isso entendemos que a hipótese deveria ter mais dados que nos
412 permitissem identificar uma revogacào global. 413
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

§ 44. Casas praticos resalvidos sebre retroactividade Casa Pratica n.“ 255“

Em 1981, Andre' pratica um crime de homicidio doloso simples


Caso Pratico n.° 155“ punida pelo Còdige Penal, entao em Vigor, com pena de prisao de
16 a 20 anas. E julgada em 1983, a luz do actual Còdige Penal,
Em 2002, Rodrigo praticou um facto punida cem pena de prisao entretanto entrado em vigor, que para 0 mesmo facta prevê uma
até 3 anos. Na altura do julgamento, entrou em vigor uma lei nova pena de 8 a 16 anos.
que previa para o mesmo facto uma pena de prisao de 2 a 6 anos. Qual a lei é aplicavel?
Qual a lei aplicavel?
Resoluçãoz
Resolucao:
Pratica do facto 7 em 1981; na altura a LA previa uma pena de
Prática do facto 7 em 2002; na altura a LA previa uma pena de prisa0 de 16 a 20 anos.
prisäo até 3 anos. Julgamento 7 em 1983; a LN prevé uma pena de prisäo de 8 a

Jalgamento 7 a LN prevê uma pena de prisae de 2 a 6 anos. 16 anos.

Estamos diante um problema de sucessao de leis, pois o facto Temos um problema de sucessao de leis, pois o facto tem c0nexä0
tem conexäo com duas leis de molduras penais diferentes, par isso, com duas leis de molduras penais diferentes, por isso, urge determinar
temos de determinar a lei que deve ser aplicada n0 momento do a lei que deve ser aplicada no momento da julgamenta (se a LN ou
julgamento. Para saber se Rodrigo deve ser julgade de ac0rd0 com a LA). Para saber se André deve ser julgade de acordo com a LA ou
a LA ou de ac0rd0 com a LN, devemos, em primeiro lugar, averiguar de ac0rd0 com a LN, primeiramente devemos averiguar se estamos
se estamos diante de alguma das áreas constitucionalmente proibidas diante de alguma das areas constitucionalmente proibidas de
de retroactividade. Verifica-se que, efectivamente, a LN e uma retroactividade 7 tal circunstância nao se verifica, dado a LN nao
norma de direito penal positivo, pois veio agravar o limite maximo ser direito penal positivo (que criminaliza ou agrava as penas), mas
da pena que passou de 3 para 6 anas. Assim, de acorde com 0 art. 29.“, antes direito penal negativo (despenaliza ou reduz as penas). Depois,
n.“s 1 e 3, da CRP e artigos l.°, n.° 1, e 2.“, n.“ 1, do Codigo Penal, a LN vamos analisar se existe algum critério especifico que imponha a
nao pode ser aplicada retraactivamente (aplicada a factos ocarridas aplicaçâo retroactiva da LN, o que efectivamente ocorre, pois a LN
antes da sua entrada em vigor), e, coma tal, Rodrigo deve ser julgada éuma norma de direito penal negativo (neste caso reduz a moldura
de acordo com a lei vigente no momento da pratica do facto, ou penal de 16 a 20 anos para 8 a 16 anos) que apresenta um conteúdo
seja, de acordo com a LA. mais faveravel ao arguida, e, como tal, nos termos do art. 29.“, n.“ 4,

55“ Caso pratico n.“ 32 (com ligeiras alteracoes) da colectanea de hipóteses de 55" Caso pratico n.“ 31 (corn ligeiras alteraçôes) da colectanea de hipoteses de
MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA/ LUIS MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA/ LUÍS
CORTES MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casas CORTES MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos
prdticos..., p. 29. prdticos..., p. 29. 415
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

da CRP, parte final, e do art. 2.“, n.“ 4, do Codigo Penal é ela que penas), mas antes direito penal negativo (despenaliza ou reduz as
deve ser aplicadas“. penas). Depois, varnes analisar se existe algum critérie especifico que
permita a aplicac5e retroactiva da LN, o que efectivamente sucede,
pois sendo a LN uma norma de direito penal negativo que, neste
Caso Prático n.° 3 caso, descriminaliza o aborto nos termes praticades por Teresa,
apresenta um conteúdo, sem dúvida, mais favoravel ao arguido,
Em Novembro de 2006, Teresa a Sétima semana de gravidez e, como tal, de acordo com 0 art. 29.°, n.° 4, da CRP, parte final, e
decide praticar um aborto. À data, o aborto nestas circunstâncias com 0 art. 2.“, n.“ 2, do Cedigo Penal, e ela que deve ser aplicada
era punide nes termes de art. 140.°, n.° 3, do Cedigo Penal com no momento do julgamento.
pena de pris5o até 3 anos. Fei julgada a Janeire de 2008, altura em
que estava em Viger a nova redacc5o dada pele Lei n.“ 16/2007 Alinea b)
(publicada no Diarie da Repüblica a 17 de Abril de 2007) sobre as
causas de exclus5e da ilicitude nos cases de interrupc5e v01unt5ria Se Teresa ja tivesse sido julgada e condenada, cessaria a execuc5o
da gravidez, prevendo—se no art. l42.°, n.° 1, alinea e), do Código da pena, nos termes do art. 29.“, n.“ 4, da CRP e do art. 2.“, n.“ 2,
Penal a n5e punic50 do aberto nos termos efectuados por Teresa. do Cedigo Penal.
a) Como deve ser julgada Teresa?
b) Imagine agora que Teresa tinha Sido julgada e condenada,
em Janeiro de 2007, a 2 anos de pris5o. Caso Pratico n.“ 4561

Reseluçâo: Em 2000 é publicada uma lei que vem punir cem pena de pris5o
de 2 a 5 anos a expertac5o ilicita de capitais. Do preámbulo dessa lei
Alinea a) resulta que a mesma visa obstar a que, atraves do trafico de capitais,
se continue a afectar a debilidade economica do pais. A lei prevé
Prática do facto 7 em Novembro de 2006; na altura a LA previa numa dispesic5o final um prazo de vigéncia de cinco anos.
uma pena de prisäe até 3 anos. Imagine que Mario pratica o facto em causa em 2003, sendo
Julgamente 7 em J aneire de 2008; a LN prevé uma despenalizacae. julgado em 2006.
Quid juris?
Verifica-se um problema de sucess5o de leis, viste o facto ter
cenex5e com duas leis de molduras penais diferentes, por isso, temos Reseluçâo:
de determinar a lei que deve ser aplicada no momento do julgamento
(se a LN ou a LA). Para saber se Teresa deve ser julgada de acordo Prática do facto 7 em 2003; a LA surgiu em 2000 com prazo
com a LA ou de acordo com a LN devemos, em primeiro lugar, de Vigência de 5 anos e fixa urna pena de pris5o de 3 a 5 anes.
determinar se estamos diante de alguma das áreas constitucionalmente Julgamento 7 em 2006; a LN n5e prevè qualquer puniçâo.
proibidas de retroactividade, o que parece n50 acentecer, dado a LN
näo se apresentar como direito penal positivo (crirninaliza ou agrava as
5“ Caso pratico n.“ 34 (com ligeiras alteracöes) da celectànea de hipóteses de
MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA/ LUIS
CORTES MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos
5““ Vide infra 33.3.1. prdtieos..., p. 30. 417
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

A lei criada em 2000 é uma lei temporaria, destinada a vigorar § 45. Casos práticos resolvidos sobre sucessão de leis
por um período de 5 anos. Por este motivo, nos termos do art. 7.“, n.“
1, 1“ parte, do CC caduca quando se verifique o facto nela previsto, ou
seja, o decurso do prazo em 2005. Assim, no momento do julgamento, Caso Pratico n.“ 1563
em 2006, nâo existe uma lei que criminalize o facto praticado por
Mario, per isso, podemos dizer que a legislaçâo nova a aplicar a Entrou em vigor em Fevereiro uma lei sobre a «taxa de juros
exportaçâo ilicita de capitais consagra uma despenalizaçäo. maxima que pode ser acordada pelas partes nos contratos de mútuo
Temos um problema de sucessâo de leis, pois 0 facto tem conexao [empréstímo] de dinheíro».
com duas leis de molduras penais diferentes, e, nestes termos, urge l. Qual o grau de retroactividade nos seguintes casos:
deterrninar a lei que deve ser aplicada no momento do julgamento. a) A lei nada dispöe sobre os contratos a que se aplica;
Para saber se Marie deve serjulgado de acordo com a LA 011 de acordo b)A lei estatui que se aplica «aos contratos ja celebrados,
com a LN devemos, em primeire lugar, averiguar se estamos diante mas só quanto aos juros que se venham a vencer»;
de algurna das dreas constitucionalmente proibidas de retroactividade c) A lei determina que se aplica «aos contratos ja celebrados,
7 tal nao se verifica, pois a LN náo é direito penal positivo (criminaliza inclusive quanto aos juros ja vencidos, desde que nao tenha
ou agrava as penas), mas antes direito penal negativo (despenaliza ainda ocorrido o seu pagamento.»;
ou reduz as penas). Seguidamente vamos analisar se existe algurn d)A lei estabelece que se aplica aos «contratos celebrados
criterio especifico que permita a aplicacáo retroactiva da LN, o que desde 1 de Janeiro de 1999, inclusive quanto aos juros ja
a primeira vista parece suceder, pois estaria em causa uma norma vencidos, devendo ser restituidas as quantias pagas em
de direito penal negativo, que descriminaliza a exportaçäo ilicita excesso.»;
de capitais, apresentando um conteúdo mais favorável ao arguido. e)A lei ímpõe a sua aplicaçäo «aos contratos celebrados
Todavia, o nosso Codigo Penal consagra no art. 2.°, n.° 3, um regime desde 1 de Janeiro de 1999, inclusive quanto aos juros ja
diferente quando estão em causa situaçôes de leis destinadas a vencidos, devendo ser restituidas as quantias pagas em
ter vigència temporaria, de acordo com o qual se deve aplicar excesso, mesmo que sobre esse pagamento ou sobre a
a lei temporaria existente no momento da prática do facto, ainda relaçäo das partes tenha sido proferida sentença transitada
que a LN posterior seja mais favoravel. Trata—se de um regime que em julgado.»
afasta a regra da aplicaçäo retroactiva da lei penal mais favorável, 2. Quais os contratos a que a lei nova se aplica, e em que
e que se justifica para salvaguardar a aplicabilidade das leis penais medida, no caso da alinea a) do número anterior?
temporarias em fase de julgamento, em Virtude dos atrasos que 3. Quais os contratos a que a lei nova se aplica, e em que
frequentemente ocorrem na justicas‘“. medida, no caso de dela constar um artigo final dizendo:
Deste modo, aplica—se ao caso em analise a lei Vigente no «Esta lei tem eficacia retroactiva.»?
momento da pratica do facto (a LA) e como tal Marie deve ser
condenado.

552 Note-se que pode-se questionar a compatibilidade deste preceito do Codigo

Penal com e art. 29.“, n.° 4, da CRP. Pore'm, parece-nes que outros valores constitucionais
de interesse público seriam postos em causa se os meros atrasos nas decisees 5“ Caso pratico n.° 71 da colectânea de hipóteses de PEDRO MURIAS, Exercicios
judiciais impedissem a aplicacao de leis com esta natureza. de Inneduçäa..., p. 38, cuja publicaçäo se faz com autorizaçâo do autor,
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Resoluçâo: Alinea d)

Se a lei estabelece que se aplica aos contratos celebrados


Alinea a) desde 1 de Janeiro de 1999, inclusive quanto aosjurosja' vencidos,
devende ser restituidas as quantias pagas ern excesso, ent50 temos um
Se a lei nada diz acerca des centrates a que se vai aplicar, e näo grau de retroactividade quase extrema, peis a LN aplica-se a tedas as
havendo qualquer critérie especifice que irnpenha a retroactividade, situaçôes cem origem no passado (incluindo as consolidadas), salvo as
ent50 devemes recorrer ao principio geral da näa retreactividade definitivamente decididas por sentenca transitada em julgado.
da lei nova previsto ne art. 12°, n.° 1, 1“ parte, do CC, segundo 0
qual: “A lei só dispñe para ofuturo”. Alinea e)

Alinea b) Se a lei determina que se aplica aes centrates celebrades desde


1 de Janeiro de 1999, inclusive quanto aos juros ja vencidos, devendo
Se a lei estabelece que se aplica aos contratos ja celebrades, ser restituidas as quantias pagas em excesso, mesmo que sobre esse
ent50 temos Luna norma de direito transitorio que lhe confere eficacia pagamento eu sobre a relac5e das partes tenha side preferida
retreactiva. Dado que a LN apenas se aplica aosjums que se venham sentenca transitada em julgado, ent50 estames diante uma situacào
a vencer esta em causa um grau de retraaetividade minimo ou de retroactividade extrema, peis a LN aplica-se a todas as situacòes
ordinarie, peis 5 LN respeita todos os efeitos produzides 50 abrigo com erigem ne passado, incluindo aes cases julgados.
da LA, abrangendo somente es efeitos que se produzem na sua
vigência, ainda que com origem em situaçôes geradas no passade. 2.
A este grau de retroactiVidade que abrange efeitos futuros de Temes um caso em que es efeitos (as taxas de juros mensais
situaçôes passadas a doutrina também chama de retrospectividade do contrato de mutuo) mio abstraem do facto que lhes da' erigem
eu retroactividade inauténtica. (a celebraçäo do contrato de mütuo), porquanto entende a doutrina
maieritaria que: “as leis que se limitarem a fixar as taxas de jura
Alinea 0) máximas, deixando aos particulares a faculdade de livremente
convencionarem a partir desse maxima o mentante das mesmas,
Se a lei determina que se aplica aos contratos ja celebrados, devem respeitar os poderes e deveres especificamente emergentes
inclusive quanto aos juros ja vencidos, desde que n50 tenha de contratos anteriormentefirmados que venham a ser superiores
eceriide ainda 0 seu pagamento, ent50 esta em causa um grau de ao novo limite máximo”5"‘, dado que muitas vezes esse limite maximo
retroactividade agravada, peis a LN aplica-se a todas as situacòes previste na lei antiga pede ter sido determinante para a decis5o de
com origem no passado, salvaguardande sirnplesmente os efeitos contratar. Assim, tomando por base 0 art. 12.“, n.“ 2.“, 1.“ parte, do
produzides per decis50 judicial ou titule equivalente.

55“ Diferentemente do que sucede no ambito das estatuicòes institucienais que


regilarem taxas de juros, pois a LN que as venha a alterar pode abstrair dos seus
factos constitutivos, cfr, SERGIO DE ABREU MOTA, Da Aplicaçäa de leis...,
p. 190. 421
Sandra Lopes Luis Introduçâe ao Estudo do Direito

CC, esta lei aplica—se aos contratos novos, iste é, aos eontrates que Caso Pratico n.“ 2566
venham a ser eelebrades depeis da sua entrada em Vigor.
Cristina e Mariana s5o proprietarias de dois prédios contiguos
3. desde 1990. A relaçäe de vizinhança e es direites e ebrigacòes dela
Atendendo à regra supletiva do art. 12.°, n.“ 1, 2“ parte, do CC, decorrentes rementam a essa data. Em Novembro de 2006 uma nova
que estabelece um grau de retroactividade ordinaria, a LN aplica—se lei vem alterar o conteúdo dessas relaçôes. Mariana interroga-se
aos contratos antigos, mas SO relativamente aos juros que se venham a qual a lei que se deve aplicar 5S relacòes de vizinhança entre ela e
veneer, isto porque se respeitam todoS os efeitos ja preduzides ao Cristina.
abrigo da LA. Tal cemo ja referimes, estames diante um caso de Quidjuris?
aplicaçäe do art. 12.“, n.“ 2, 1.“ parte, do CC, em que a lei competente
para regular o montante das taxas de jure deve ser a lei existente no Reseluçâo:
momento da celebracae de centrato….
Esta em causa uma situaçâe relativa ae conteúdo do direito de
propriedade, um direito real. Por isso, de acordo com o estatuto
dos direitos reais5“7, aplica—se a LN que vem alterar esse conteúdo 7
fixando um novo regime institucienal das coisas que tem por base
a tutela de interesses gerais da comunidade. E, assim sendo, é a
utilizaçäe da 2“ parte do art. 12.“, n.° 2, do CC que esta em causa,
5“ Note-se que, a este respeito, Baptista Machado adopta urna posicao mais pois considera—se que temos um efeita que abstrai do facto que 1he
moderada, pois ao contrario do que defendem alguns autores (a aplicaçäo da LN
da erigem, eu seja, um efeite (es direites e ebrigaçôes decorrentes
mesmo que só para o futuro 7 a juros vineendes 7 implicaría necessariamente aplicaçäo
a um facto passado 7 eu retroactividade), para ele “a aplicacdo da LN a jaros do direito de prepriedade) que näe implica uma valeraçäo do seu
vincendos ndo teria que ser necessariamente retroactiva: so' o seria quando a LN facto constitutivo (o medo de aquisiçâe do direito de propriedade).
considerasse que, além de certo limite, o negocio se deveria presumir originariamente NesteS terrnos, é a lei de 2006 que se deve aplicar as relaçôes
viciado na sua formação 7 e tal será normalmente o caso 7 mas jd ndo se, por de vizinhança entre Cristina e Mariana.
hipótese 7 mas so por hipótese 7 a proibição se fundasse apenas em razöes de
nataraa economica oufinanceira de caracter geral". A argurnentacào de Baptista
Machado tem por base a seguinte ordem de ideias: l) A LN pode incidir sobre
a cláusula contratual enquanto facto, considerando e momento da fermacào do
contrato, quando: a) proibe cláusulas com certo conteúdo, por presumir que o facto
decorrente de estipulacao traduz um vicio na censtituicào do negocio jurídico;
b) quer que as partes ao organizarem o equilibrio das suas convencóes procedam
de certo modo 7 nestes dois casos a LN só se dirige a factos futures (o juizo de
valor da LN incide sobre a clausula contratual enquanto facto) e aplica7se 0 art.
12.“, n.“ 2, l“ parte; 2) A LN pode incidir sobre a cláusula contratual enquanto
norma, quando proibe certo conteúdo por lhe repugnarem os seus efeitos ou
formas de vinculacae (e juizo de valor da LN incide sobre a clausula contratual 5“ Caso pratico n.“ 21 (com ligeiras alteraçôes) da colectânea de hipoteses de
enquanto norma definidora da situação juridica), nestes casos a LN dirige-se MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA/ LUÍS
imediatamente aos efeitos de contratos anteriores, sem que haja retroactividade, e CORTES MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos
aplica-se o art. 12.°, n.“ 2, 2“ parte. Cfr. JOAO BAPTISTA MACHADO, Sobre a prdticos,,,, p, 22.
422 aplicacdo… pp. 110 e 111. ““7 Vide supra 33.4.3. 423
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Case Prático n.° 3568 tal norma se reporta ao momento da fermac5o do centrate, e n5o
aos seus efeitos, e, como tal, apenas se ira aplicar aos contratos
Carla e Maria celebraram um contrato de mandato, tendo esta a celebrar no future, sendo os centratos existentes regulados pela
última renunciado ae direito de revogac5e do mandato. Entretanto LA, que permitia a renuncia ae direito de revegac5e.
entra em Vigor o art. 1170.“ do Cedigo Civil. DeSte modo, nos termos do art. 12.“, n.“ 2, 1“parte, do CC, temos
Carla pretende saber se Maria pode revogar o referido mandato. um efeite que näe abstrai do facto que lhe da origem, per isse, de
Quid juris? acordo com a LA, Maria, tendo renunciado ae direito de revogac5o,
n5e pode posteriormente vir a exercer esse direito.
Reseluçâo:

Estamos diante matéria de natureza centratual, em que a LA Caso Pratico n.“ 4572
permitia a renúncia ao direito de revegac5o de mandate e a LN vem
impedir essa possibilidade. Temos especificamente uma situac5o Bruno e Pedro celebram um contrato de compra e venda em
relativa ao conteúdo ou efeitos do contrato de mandato. Por isso, que o primeire vende ao segundo os seus livros de Introduc5e ao
de acordo com o estatuto dos contratos“, urge saber se tais efeitos Estudo de Direito pela quantia de 350 euros. Dadas as necessidades
abstraem ou n5o do facto que lhes da origem 7 a celebrac5o de de Pedro para a preparac5e do exame, oS livros s5e—lhe entregues
contrato de mandato 7 isto e, saber se esta em causa uma parte do imediatarnente, devendo efectuar o respective pagamento très meses
conteúdo do contrato ligado a sua cenStituic5e eu n5o. depois. Na data de celebraçâo do contrato esta em vigor o art. 885.“
Atendendo a que a LN 7 o art. 1 170.“ do CC 7 permite a revogac5o do Código Civil, que é posteriormente alterado, passando a prever
do mandate (independentemente do facto de ter havido renuncia que nas transaccòes de livros o pagamento diferide de prece devera
prévia eu n5o), ela visa impedir que uma das partes se aproveite da ser feito por depósito do devedor no banco do credor.
inexperiència eu situac5o de necessidade da outra, estando ern causa Decorrido 0 prazo de très meses Pedro n5o sabe onde deve
a tutela de interesses privades (especificos das partes)570 e näo da curnprir a prestaçâo a que esta obrigade.
comunidade em geral (que irnpliquem um novo regime institucional Quid juris?
das pessoas), raz5o pela qual a sua aplicac5e a centrates ja celebrados
iria por ern causa 0 equilibrio das prestaçôes centratuais inicialmente Resoluçäo:
determinado. Por estes motivos, Baptista Machade571 defende que
Também aqui estames diante uma situac5o relativa ao conteúdo
ou efeitos de um contrato 7 0 lugar de cumprimento do contrato 7,
per isse, coleca—se a quest50 de saber se temos urna parte do conteúdo
5“ Caso pratico n.“ 18 (com ligeiras alteracoes) da colectanea de hipóteses de
do contrato ligado ou n5o 5 sua conStituic5o, que é dizer, determinar se
MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA/ LUIS
CORTES MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos tais efeitos abstraem ou n5o do facte que lhes da origem. Atendendo
prdticos..., p. 20.
5°“ Vide supra 33.4.3.

57° Note-se que a aplicac5o desta nova lei aos centrates existentes pode provocar 5” Caso pratico n.“ 22 (com ligeiras alteracöes) da celectànea de hipóteses de
uma alterac5o das cendiçôes em que as partes se basearam para contratar, que, MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA/ LUÍS
diante destas circunstancias, poderiam ter optado por n5o o fazer, CORTES MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos…
424 … Cfr. JOÀO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicacdo..., pp. 346 e 347. pp. 22 e 23. 425
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

a que 0 art. 885.“, n.“ 2, do CC prevé que 0 pagamento diferido da c) Imagine agora que em Janeira de 2005 surge uma nova
preco seja efectuade no domicilio do credor aa tempo do curnprirnento, lei que veio alterar o prazo referido para dois anos. Este
parece estar em causa uma norma supletiva, porquanta, tal só ocorrera novo prazo é aplicavel a esta expropriaçâo? E se assim
no case de as partes nada terem disposto a esse respeito. Na verdade, for, como se contara 0 prazo?
as partes têm a liberdade para dispor sobre o conteúdo dos contratos 7 Quid juris?
principio da autonomia cantratua17, e se par acasa nao o fizerem,
significa que concordam com as regras supletivas previstas na lei Resoluçãoz
par altura da celebraçâo do centrate. Acresce que a LN, que altera o
local do pagamenta diferida para depósito no banco do credor, parece Alínea a)
nao visar a institucionalizacao de interesses saciais relevantes, mio
se diriginde, por estes motives, aos efeitos da relacae contratual, Na presente situaçäo, 0 decurso do prazo c0nfigura-se como
mas antes aa momento da sua formacae. um facto extintivo de um direito 7 a declaracao de utilidade pública e
Par estes motivos, e, tendo por base o estatuto dos contratos, consequente expropriacao do terreno per parte da entidade exprepriante.
consideramas estar em causa um efeito que ndo abstrai do facto Este prazo encontra-se em curso no momenta da entrada em vigor
que lhe da' origem 7 a celebracae do centrato 7, coma tal, deve—se da LN 7 pois trata-se de um prazo nove e na situacao analisada
aplicar 0 art. 12.“, n.“ 2, 1“ parte do CC, ou seja, a LA. ainda mio se tinha dado a aquisiçâo dos bens. Per isso, suscita-se a
Assim, Pedro deve cumprir a obrigaçâo no domicilio de Bruno. questae da aplicacaa do art. 297.“ do CC.
Dado estar em causa a fixacao de um prazo outrora inexistente
(antes a aquisiçâo dos bens podia ser feita a todo o tempo), subentende—se
Caso Pratico n.° 5573 um encurtamento do prazo, e, como tal, deve-se usar 0 art. 297.“,
n.“ 1, 1“ parte do CC, dai resultando a aplicacao da LN a esta situacao
Suponha que em 1999 é declarado de utilidade pública um terreno 7 a lei de Junho de 2004.
pertencente a Tania. Entretanto, em Junho de 2004 surge uma nova
lei onde se dispöe que “a deelaraçäo de utilidadepublica cadacara, se Alinea b)
passado um ano sobre a sua pablicacào, a entidade expropriante
ndo tiver adquirido os bens por expropriacao amigavel ou näo tiver De acordo com o art. 297.“, n.“ 1, do CC, a entidade expropriante
promovido a constituiçäo de arbitragem nos termos do Código das tem um prazo de um ano a partir da entrada em vigor da LN, ou
Expropriacfies”. seja, a contar desde Junho de 2004, para proceder a aquisicao do
a) O regime de caducidade introduzida pela lei de Junho de terreno pertencente a Tania, sob pena de caducar a sua declaraçäo
2004 aplica-se a expropriaçâo do terreno de Tânia? de utilidade pública.
b) Se assim for, como se c0ntara 0 prazo de um ano?
Alinea c)

Está igualmente em causa a aplicacao do art. 297.“ da CC, pois


573 Casa pratico n.“ 28 (adaptada) da calectanea de hipateses de MARCELO
para além de este prazo ser um facta extintivo, também se encontra
REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA/ LUÍS CORTES
MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos praticos..., ainda em curso, 7 visto o prazo de caducidade previsto na lei anterior
p. 27. ainda näo ter terminada (tal só sucederia em Junha de 2005). Atendendo 427
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

a que a LN (de Janeiro de 2005) fixa um prazo mais longo (de dois Resoluçäo:
anos, diversamente da LA que fixava o prazo de um ano), é 0 art.
297.“, n.“ 2.“ do CC que deve resolver esta situaçäo. Deste modo, é O Decreto-Lei de 2010 (a LN) vem clarificar as dúvidas geradas
a LN que se ira aplicar, descontando-se 0 tempo ja decorrido desde após a entrada em vigor do Decreto-Leí de 2009 (a LA), sendo uma
o seu momento inicial (ou seja, neste caso, desde o momento inicial norma interpretativa, e, por isso, a resolução deste problema de
de contagem do prazo a luz da LA 7 Junho de 2004 7, e näo desde sucessäo de leis passara pela aplicaçâo do art. 13.“ do CC.
a publicaçäo da declaraçâo de utilidade pública, pois só deste modo
se justifica que o prazo seja agora alongado). Por isso, a entidade Alinea a)
expropriante tem até Junho de 2006 para adquirir o terreno pertencente
a Tânia. De acordo com o art. 13.“, n.“ 1, do CC, 0 novo entendimento
dado pela lei interpretativa deve aplicar—se a todas as situaçôes,
respeitando apenas, dos efeitos produzidos no passado, os que tiverem
Caso Pratico n.° 6574 um titulo que lhes dê especial reconhecimento. Está consagrado um
grau de retroactivídade agravada da lei interpretativa, ao contrário
Em Maio de 2009 foi publicado um Decreto—Lei através do qual do que sucede com a regra geral do art. 12° do CC. Assim, neste caso,
se vem atribuir aos docentes universitarios com responsabilidade embora tenhamos uma situaçäo juridica constituida (a regència da
na regéncia de disciplinas um subsidio de regéncia. cadeira de Introduçâo ao Estudo do Direito em Setembro de 2009)
Em Janeiro de 2010, surge um novo Decreto-Lei que veio antes da entrada em vigor da LN (a lei interpretativa), a verdade é
esclarecer ser incompativel a cumulaçâo desse subsidio de regència que esta se lhe vai aplicar. Deste modo, é a Reiteria que tem razao,
com o subsidio de dedicacào exclasiva. devendo nos pröximos vencimentos Margarida deíxar de auferir
A Professora Margarida comecou a régér a cadeira de Introduçâo um dos subsidios.
ao Estudo do Direito em Setembro de 2009, recebendo desde entäo
os dois subsidios mensalmente. Alinea b)
a) Dado o teor do diploma de Janeiro de 2010, a Reit0ria da
Universidade pretende que a Professora Margarida deixe Atendende ao disposto no art. 13.“, n.“ 1, do CC, os efeitos já
de auferir um dos subsidios a partir desse més. Por sua produzidos pelo cumprimento das obrigaçôes devem ser salvaguardadas,
vez, esta sustenta que deve receber os dois subsidios até por isso, tendo sido ja concedidos ambos subsidios, nao se pode
final do ano lectivo. agora exigir a devolucáo de um deles. Neste caso a Reitoria já nao
b) Pode a Reitoria exigir à Professora Margarida a devoluçâo tem razáo.
de um dos subsidios auferidos desde 0 més de Setembro
de 2009?
Quidjuris?

57‘ Caso pratico n.“ 20 (com ligeiras alteracòes) da celectànea de hipóteses de


MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA/ LUIS
CORTES MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos
pra'ticos… pp. 21 e 22. 429
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Caso Pratico n.° 7575 concepçäo do regime institucional das pessoas, afigurando-se, por
estes motivos, como uma norma que se dirige as relaçôes juridicas
Admita que entreu em viger em Abril um neve Codige do Direito ja censtituidas em detrimento da própria autonomia contratual das
de Autor (de obras literarias, artisticas, etc.). Nesta lei, surgiu a partes. Assim, dado a situaçâo factual de PM caber perfeitamente
seguinte inovac5e: «O autor pode, a qualquer momento, retirar da na letra da LN, perquante inveca razöes morais atendiveis e pretende
circulaçâo todos os exemplares da sua obra, desde que tenha razôes indemnizar a Editora pelos danos causados, aplica—se 0 art. 12.“,
merais atendiveis, mas devera indemnizar es interessados pelos 11.“ 2, 2“ parte do CC: temos um efeito que abstrai do facto que lhe
prejuizos que a retirada lhes causar.» dd origem, e, come tal, será a LN que deve resolver esta situ5c5e.
Em Janeiro, PM tinha contratado com a Editora Almoimbrex a Pertante, PM pede retirar de circulac5e os exemplares do seu livro
publicacàe do seu livro Tudo o que voce” queria saber sobre a sucessdo sobre a sucess50 de leis no tempo.
de leis no tempo, mas nunca teve coragem de perguntar. A obra
de PM apareceu 5 venda em finais de Marce e, ao longo de Abril,
Varios colegas apontaram um erro inacreditavel, vergenhoso, que Caso Pratico n.“ 8576
PM tinha cometido. Agora em Maio, desesperado e deprimidr'ssirne,
PM pretende p01 firn 5 venda do seu livro, estando disposto pagar A Lei n.“ 21459 publicada a 25 de Novembro de 2009 dispöe
5 Almoimbrex por todos es seus prejuizos, mas esta n50 esta pelos 0 seguinte: “Devem ser comunicados à Autoridade para as Condicfies
ajustes, lembrando a PM que o contrato entre eles celebrado era do Trabalho, no prazo de um més apes o comeco da sua execucáo,
anterior ao CDA. PM, que ja näo sabe a quantas anda, pede-lhe quaisquer contratos de trabalho celebrados com trabalhadores
ajuda a si. estrangeiros, indicando o respectivo horario de trabalho e retribuicdo
mensal”. Esta lei tem um artige onde se dispöe que entra em vigor
Resoluçâo: quatro meses após a sua publicacao.
Joana, detentora de uma cadeia de restaurantes de comida
Esta em causa uma situaçäo relativa ao conteúdo ou efeitos do japonesa, contratou varios trabalhadores estrangeiros nos anos de
contrato para publicacáo do livro de PM, dado que este pretende 2008, 2009 e 2010. Per isse, pretende saber se 5 Lei 11.“ 21459 se
saber se pode por fim 5 sua venda. De acerde com o estatuto dos aplica aos contratos por ela celebrados.
contratos importa determinar se tais efeitos abstraem ou näo do Quid juris?
facto que lhes da origem 7 a celebracao de centrato para publicacàe 7,
iste é, saber se estamos diante de uma parte de conteúdo do contrato Resoluçäo:
que se pode desligar da sua censtituic5e, eu n50. Atendendo a que
a LN (0 neve Còdige dos Direitos de Autor) permite a retirada de Se a Lei 11.“ 21459 foi publicada a 25 de Novembro de 2009, e se
circulaçâo dos exemplares devido a razöes morais atendiveis, e, nela consta que entra em Vigor quatro meses depois, nos termes de art.
subentendendo que a LA 0 n50 permitia fazer, consideramos que 5°, n.° 2, do CC e art. 279°, alinea c), de CC, comeca efectivamente
esta LN 50 tutelar interesses de erdem moral traduz uma nova a produzir efeitos a 26 de Marco de 2010 (trata-se de um prazo

575 Caso pratico n.“ 72 da colect5r1ea de hipóteses de PEDRO MÚRIAS, Exercieios 57° Caso pratico inspirade no exercicio 11.“ 76 da colectânea de hipóteses de

de Introdupdo… p. 39, cuja publicacao se faz com auterizacào do autor. PEDRO MÚRIAS, Exercicios de Introdupào..., p. 41. 431
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

fixado em meses, que termina quatro meses apòs 0 dia a que uma doenca do fere psicolOgico em 1974. Em Maio de 1975, Manuel
corresponda 7 25 de Novembro de 2009 7, entrando em vigor a lei reclama o seu direito a uma indemnizaçäe.
as 0.00 heras de dia seguinte). Quidjuris?
Atendende a que esta lei nada dispöe aeerea das situacòes a que
se aplica, e t5o pouco eSt5o em causa areas censtitueienais vedadas Resoluçâo:
da retreactividade, devemes recerrer a0 principie geral da n5o
retroactividade do art. 12.°, n.° 1, 1“ parte, do CC “A lei dispâe para o Na presente situaçäo, temos uma LN (a lei de 3 de Março de
fittaro”, cuja concretizaçâo ocorre no art. 12.“, n.“ 2, de CC. Assim, 1975) que veie alterar um prazo de manifestaçâo de uma doenca
estande diante de uma relacao contratual, celoca—se a quest5o de saber para efeitos de aquisiçâe de um direito de indemnizaçäe. Embera
se a LN regula o seu facto constitutivo ou antes o seu conteúdo. Este pudéssemes suscitar a aplicaçäe do art. 297.“ do CC, perquanto
dever de cemunicaçäe 5 Autoridade para as Condiçôes do Trabalho, temos um prazo que é encurtado, a verdade é que tal n5o pode
n5o constituindo um requisito de wlidade nem de eficacia dos contratos suceder, pois estamos apenas diante de um facto pressuposto da
de trabalho, afigura—se apenas como uma obrigacào legal que decorre censtituiçâo de uma situaçäo juridica 7 o direito 5 indemnizaçäe 7,
da sua celebracdo. Dado que tal dever de cemunicaçâe abrange a sendo que o seu facto gerader é a manifestaçäo da doença. Assim,
existéncia do contrato, a retribuiçâo, e a carga horaria do trabalhador, viste estar em causa matéria sobre os requisites para a censtituiçäe
parece estarmos ainda diante de um efeito que é elemento integrante de urn direito aplica-se 0 art. 12.°, n.° 2, 1“ parte, do CC, e, como
do seu processo constitutivo e que atende aos interesses daS partes tal, será a LA (a Lei n.“ 21100 de 20 de Janeiro de 1968) a regular
na relacao centratual, per isso, podemos afirmar que a LN tem em esta situaçäe, perque era ela que estava em Vigor na altura em que
vista a fermaçäe de centrato. Temes, por estes metives, urn efeita se verificou o facto constitutivo do direito a indemnizaçäe 7 a
que ndo abstrai da facta que lhe da' origem, e, come tal, aplica—se manifestacao da doenca que ocorreu em 1974.
a l.“ parte do art. 12.°, n.“ 2, do CC, ou seja, aplica-se a LA aos Deste mede, Manuel pede reclamar o seu direito de indemnizaçâo
efeitos doS contratos passados e a LN aos contratos que se venham em Maie de 1975, visto também n5o existir um prazo para o exercicio
a celebrar após a sua entrada em vigor. de tal direito.
Deste modo, verifica—se que sO es contratos celebrados por Joana
a partir de 26 de Marco de 2010 (altura da entrada em vigor da LN)
eStar5o sujeitas a esta nova obrigaçâe centratual, que deve ser realizada
no prazo de urn mês após 0 comeco da sua execuçäo.

Caso Pratico n.“ 9

A Lei n.“ 21100 de 20 de Janeiro de 1968 dispòe que tèm direito


a uma indemnizaçâe os ex-cembatentes do Ultramar que sofram de
doenca manifestada até cinco anos após o seu regresso a Portugal.
Esta lei foi revogada em 3 de Marce de 1975, tendo—se alterade para
très anos o prazo maxime de manifestaçäo da doença. Manuel,
432 ex—combatente, regressou de Angola em 1970 e foi—1he diagnosticada 433
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

§ 46. Cases praticos resolvidos sobre sanções e meies de Safanz‘ie a Luis: esta em causa a figura da acção directa prevista
tutela privada577 no art. 336.“ do CC, que consiste no recurso à força para evitar a
inutilizaçäo pratica de um direito, no caso de ser impossivel recorrer
aos meios coercivos normais. Convém verificar se est5o preenchides
Case Prático n.° 1 oS seus requisites de aplicac5e:

1. Impessibilidade de recurso aos meios sancienatòries da


Luis pemeiteu uma semana na Pensao “Estrela Vermelha”,
forca pública em tempo útil para evitar a inutilizac5e pr5tica
prepriedade de Daniel. Quando aquele se preparava para abandonar
do direito 7 no caso esta preenchido, porque se Daniel
o local sern pagar as ultimas duas noites, Daniel recusou—se a entregar—lhe
fosse chamar as autoridades publicas, certamente Luis
urna das malas, que ja tinha guardado na recepc5o. Diante da insistència
fugiria cem a mala, impedinde—se, deste modo, o exercicio
de Luis em agarrar a mala 5 ferca, Daniel da-lhe urn safanâo, na
sequência do qual se partem es óculos que Luis usava. do seu direito de retenc5e sobre ela;
Ap0s estes factos, Luis pretende que Daniel lhe devolva a sua 2. Visa assegurar 0 exercicio de um direito proprio 7 o que
mala, assim como o pagarnento de uns óculos novos. Daniel, por sua tambem se verifica, pois com esta actuac5o Daniel pretende
vez, pretende que Luis lhe pague os dois ultimes dias de alojarnente, assegurar o exercicio do seu legitirno direito de retencào
e apenas se disponibiliza a pagar conserto dos eculos, dado que sebre a mala de Luis, eliminando a resistència irregular
somente ficou danificada uma das suas lentas. que este lhe opôe: “Luis insistiu em agarrar a mala 5 força”;
Quid iuris?
A reacc5o pressupöe um requisito de prepereienalidade

b)
.

e racionalidade (art. 336.°, n.“ 1, parte final, e n.“ 3 do CC)


Resolucao:
mais exigente que nos cases de legitima defesa, dado que
Perspectiva dos meios de tutela privada es interesses lesados nunca podem ser superiores aos que
se visam tutelar. Nesta Situac5e parece que este requisito
Actuac5e de Daniel esta preenchido nas suas vertentes da necessidade e do
equilibrie, peis um safan5e é um meio n5o excessive para
Detençâo da mala de Luis: está em causa o direito de retenção impedir que alguém leve uma mala 5 forca e tambem o
7 art. 754.“ do CC 7, segundo esta figura “o devedor que disponha de interesse de Daniel em reaver as quantias em divida, que
um crédito contra o seu credor goza do direito de retencdo se, estando esta subjacente ao exercicie do direito de retenc5e, parece
o devedor obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar justificar esta actuac5o.
de despesasfeitas por causa dela”. Neste caso, Daniel, devedor em Visto estarem preenchides es requisitos da acçâe directa, a
relac50 5 entrega da mala, retém-na, enquanto o seu ereder, Luis, actuac5o de Daniel e licita, e, por este motivo, näo existe uma
n5o satisfizer o credito, isto e, n5e lhe pagar as despesas das duas obrigac50 de indemnizar Luis pelos danes causades.
últimas noites de alojamento. Sendo a sua actuac5o, per estes motives,
considerada licita. Note-se que:
Esta seluc50 n5o pode, contudo, ser acolhida por aqueles que
577 A resoluc5o dos segiintes casos praticos atende apenas a matéria dos meios defendem que a acc5e directa pressupöe uma actuac5o censumada,
de tutela privada e a materia das sançôes. o que ne caso n5o sucederia 7 a leS50 ae direito de retenc50 era 435
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

actual. De qualquer das formas, näo pode deixar de se referir que Caso Pratico n.“ 2
para Oliveira Ascensäo a figura da acçäe directa é um tipo de maior
amplitade que a legitima defesa e estado necessidade, onde cabem Devido a uma forte constipaçäo, que a levou vários dias de
as hipóteses ndo abrangidas por aqueles dois57“. internamente, Liliana apercebeu—se, ja no hospital, que haVia deixado
aberta a torneira da sua casa de banho, razâo pela qual pediu ao seu
Perspectiva das sanções sobrinho, Diogo, que a fosse fechar o quanto antes. Eram duas e
meia da manhä quando Diogo tentava com dificuldade abrir a porta
Em relaçâo a pretensao de Daniel: da casa de Liliana, pois desconhecia os truques de uma fechadura
Como ja verificamos, esta em causa a figura do direito de retencao,
ja bastante antiga. Foi neste preciso momento que, Carlos, o vizinho
de Liliana, pensando que se tratava de um ladráo, desferiu um golpe
quando Daniel detém a mala de Luis em seu poder até que este lhe
pague o que deve. O direito de retençäo configura-se como uma na cabéca de Diogo com o cabo de uma vasseura. Da pancada resultou
uma incisâo com cinco centimetros e dois dias de incapacidade para
sançâo compulsôria, pois visa que o infractor adopte, ainda que
0 trabalho.
tardiamente, a conduta devida.
a) Carlos agiu licitamente?
Em relaçâo a pretensâo de Luis:
b)Diogo tem direito a ser indemnizado pelas despesas,
prejuizos e danos morais resultantes da agressao?
Ôcules partidos: esta em causa uma sanção reconstitutiva,
isto é, uma sancae que visa restabelecer a situaçâo que existiria se Resoluçäo:
a norma juridica nâo tivesse sido Violada. Segundo os artigos 562.“
e 566.“, n.“ 1, do CC esta é a modalidade de sançäo que 0 direito Alinea a)
privilegia. E, neste caso, atendendo a que é pessivel 0 conserto dos
òculos, viste apenas estar uma das suas lentes partidas, seria preferivel Carlos agiu em legitima defesa 7 art. 337.“ do CC 7, que consiste
na sua modalidade de restituiçâo em espécie ou in natura (repöe a no acto de afastar uma agressdo actual ou iminente ilicita contra
situaçäo anterior a violaçäo da norma sem recurso a um bem diferente), uma pessoa, quando não for possivel recorrer à autorídade pública.
e nâo na sua modalidade de indemnizaçâo especifica (em que se Os seus requisitos sae:
iria repor a situaçäo de um bem que, nao sendo o que foi danificado,
perrnitiria desempenhar a mesma funçäo). Deste modo, verifica-se 1. Impossibilidade de recurso aos meios coercivos normais
que é Daniel quem tem razao.
7 o que se verifica, visto as autoridades policiais poderem
nao chegar a tempo para impedir o assalto;
Refira-se, todaVia, que, tal ceme ja referimos, Visto Daniel ter
2. Reacçäo a uma agressäo iminente 7 porque o suposto
agido ao abrigo da acçâo directa, a sua actuaçâo é licita e, como tal,
assaltante ainda náo havia arrembado a fechadura nem
näa existe uma obrígaçãa legal de Daniel indemnizar Luis pelos
prejuizos que lhe causou. roubade ebjectes; e contra 0 patrimonio de uma pessoa 7
de Liliana;
3. Esta legitima defesa é de terceiros, porque Carlos esta a
defender a casa de Liliana;
436 57“ Vide supra, 38.2.3. 437
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

4. Proporcionalidade entre a reaccao e a agressao, prevista no hospitalares (danas emergentes 7 art. 564.“, n.“ 1, do CC,
art. 337.“, n.“ 1, parte final, d0 CC, que consagra a vertente 1“ parte) e aos dois dias de trabalho que perdeu (lucros
da proporcionalidade em sentido restrito, e no art. 337.“, CC, 2“ parte); b) pelos danos
cessantes art. 564.“, n.“ 1, d0
n.“ 2, do CC, que consagra a vertente da proibiçäo do näo patrimoniais ou morais (art. 496.“, n.“ 1, do CC),
excesso ou necessidade. Este requisita esta preenchido isto é, relativamente as dores que teve.
nas duas vertentes: a primeira, porque o interesse de
2. Eventualrnente, poderiamos falar de sançôes punitivas
Carlos, o defendente em legitima defesa que impede o
7 crime de 0fensas a integridade fisica 7 art. 143.“ do
assalta da casa da Vizinha, é equilibrado face ao interesse
Còdigo Penal.
da suposte atacante, que leva uma pancada na cabeca; e
a segunda, parque, partinda do principio que Diogo era
um assaltante, ele p0deria estar armado, e coma tal, uma
Casa Pratica n.“ 357“
pancada com 0 cabo da vassoura seria um meia eficaz e
nâo excessive para 0 neutralizar.
Bernardo passava de n0ite numa rua, quando se apercebeu de
Todavia, Carlos inc0rre11 em erra quanta a verificaçâo d0s um incêndio que deflagrava num edificio de habitacao proximo.
pressupostos da legitima defesa 7 art. 338.“ do CC 7, parque pensou Bernardo entreu nesse edificio onde acordou 0s moradores, avisando-os
que Dioga era um assaltante, 0 que na realidade nâo se verificava. da situaçâo. Ao chegar aa apartamento de André, violinista famoso,
Este erre é, contudo, desculpável de acordo com o art. 487.“, n.“ 2, situado no andar de onde provinha o fumo que lhe chamara a atencao,
d0 CC, pois 0 “hamem média”, vende alguém desconhecide cam Bernardo bateu a porta, mas ninguém atendeu. Resolveu entao
dificuldades em abrir a porta da casa da Vizinha as duas e meia da arrembar a porta, partindo o violino de André que se encontrava
manha, seria levado a pensar que era um ladräo. atras dela. André que estava a cozinhar, sobressaltade, penseu estar
Como ha um erra desculpavel sabre os pressupostos da legitima a ser assaltado par Bernardo e deu—lhe um murro que o deixou
defesa, näo existe o dever de indemnizar 0 lesado, nos termos da parte inconsciente. Mais tarde, Bernardo veio a saber que nao havia
final do art. 338.“ do CC, embara a conduta do titular de legitima qualquer incêndio, mas que a comida de André se tinha queimado
defesa continue a ser considerada ilicita. por este nao ter muito jeito para cozinhar.
Apesar de se ter enganado, Bernardo considerau que André
Alinea b) nao agiu correctamente, razao pela qual pretende ser ressarcido das
despesas hospitalares que teve na sequência da agressaa de que foi
Carlos agiu ao abrige da legitima defesa, e nao é obrigado vitima. Par sua vez, André pretende ser ressarcida pelas danas que lhe
a indemnizar Diogo. Contudo, se 0 tivesse de fazer estariam em foram causados por Bernardo, 011 seja, pelo Violino partido, bem coma
causa as seguintes sancòes: pelo facto de näo ter pedido tecar num concerto que tinha agendado
para o dia seguinte e pelo qual ia ganhar 3000 euros. Pretende
1. Sancae compensatória: visa recanstituir uma situacao
finalmente, que Bernardo seja inibida de exercer a sua pr0fissao de
que, embora diferente da que existia antes da violaçäo da
norma, é, todavia, valorativarnente equivalente a primeira, e
opera atraVés da indemnizacao d0s danas sofridos. Assim,
57" O enunciado corresponde, com ligeiras alteraçôes, ao Teste de avaliacao
deve haver indemnizacao: a) pelos danos patrimoniais continua de Introducao ao Estudo do Direito, realizada a 9 de Janeira de 2006, na
438 sofridos per Diego, isto é, relativamente as despesas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 439
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

guarda-florestal, uma vez que n50 sabe distinguir um incéndie de a culpabilidadesg“, 0 que devera ser decidido casuisticamente, nos
um cozinhado que correu mal. termes do art. 339.“, n.“ 2, do CC, e que nesta circunst5ncia parece
Quid iuris? n50 suceder.
Deste modo, Bemardo deve indemnizar Andre pelos prejuizes
Resoluçâo: que lhe causou, nes termos do art. 339°, n.° 2, e 483.“ do CC.

Andlise da Perspectiva dos meios de tutela privada Actuacào de André

Actu5c5e de Bemarde André agiu em legitima defesa 7 art. 337.“ do CC 7, que


censiste no acto de afastar uma agressde actual ou iminente, ilicita
Bernardo agiu em estado de necessidade 7 art. 339.“ do CC contra uma pessoa quando näa for possivel recorrer à autoridade
7, que consiste em considerar licita a acção de destruir uma ceisa pública. Os seus requisitos s50:
alheia para remover uma situaçäo de perigo actual ou iminente de
1. Impessibilidade de recurso aos meios coercivos normais
dane superior. Os seus requisites s50:
7 0 que se verifica, viste n50 estarem entidades peliciais
1. Impessibilidade de recurso aos meios sancionatòrios da per perto;
forca pública 7 que esta preenchido, pois diante da iminéncia
2. Reacçâo a uma agressde 7 de Bemardo, que arrombou
do incêndio, poderia ja ser tarde aguardar pela chegada
a porta da sua casa; ilicita 7 deVido ao erro quanto aos
dos Bembeires;
pressupostos do estade de necessidade; actual e centra o
2. Reacçäo contra uma situaçâo de perigo actual e alheia 7 patrimonio do próprio 7 de André;
o suposto incêndio no prédio;
Existe proporcionalidade entre 5 reacc5e e a 5gress5e 7

b)
.
Reacçäo que se reflecte contra uma ceisa danificande—a 7 art. 337°, n.° 1, parte final e 337.“, n.“ 2, do CC 7 nas
W

no caso, arrombou a porta; vertentes de proporcionalidade em sentido restrito e de


4. Deve haver urnaproporcionalidade entre a ceisa sacrificada preibic50 do excesse: quante 5 primeira porque 0 interesse
e 0 bem juridico que é salve de perige, de acerde cem o de André (0 defendente em legitima defesa), em proteger
art. 339.“, n.“ 1, parte final, de CC 7 este requisito também os seus bens e integridade fisica, é equilibrado face ao
esta preenchido porque Bemardo arrombou a porta para interesse do supeste atacante, Bernardo, que é agredido
salvar a Vida a alguem que poderia estar 5 ser vitirna de com um murro; e quanto 5 segunda, perque dar um murro
um incendio. a alguém, que arromba a porta da sua casa, é um meio
eficaz e n50 excessivo para impedir 0 assalto e eventuais
N50 obstante, aparentemente estarem preenchidos 0s requisites do ofensas 5 integridade fisica.
estado de necessidade, 5 verdade é que Bemarde agiu em erro quante
5 sua ve1ificac5e, Visto ter confundido o cozinhado queirnado de
Andre com um incendio. Estamos, assirn, diante de uma situaçäo
de estado de necessidade putativo em que a conduta adoptada para
evitar o suposto perigo é ebjectivamente Mi,
n50 dande, todavia,
440 origem a respensabilidade nos casos em que o “mede” venha a excluir 5““ W116 supra 38.2.2.5. 441
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Pode—se discutir se André incorreu em erro quanto 5 verificacàe de indemnizacfio especifica pela compra de um Violino
dos pressupostes da legitima defesa 7 art. 338.“ de CC 7 porque novo (em que se iria repor a situaçäe de urn bem que,
penseu estar a ser assaltade per Bemardo. Tedavia, tal n5o parece n5o sendo o que foi danificado, permitiria desempenhar a
suceder pelo facto da actuac5o de Bernardo ser considerada ilicita, mesma funçäe);
porquanto foi este que efectivamente agiu cem base em erro. 2.1mpedimento de tocar no concerto: trata—se de uma sanção
De qualquer das formas, a haver erro de André, este erre sempre
compensatória de acerdo cem 0 art. 566.0 do CC, em que
seria desculpavel de acordo com o art. 487.“, n.“ 2, de CC, e, per
se visa reconstituir uma situacao que, embora diferente
isso, nao existe obrigaçäe de indemnizar es prejuizes causades a da que existia antes da Vielaçäo da norma, é, todavia,
Bernardo.
valorativamente equivalente 5 primeira, e opera através
da indemnizaçâe dos danos sefrides. Neste caso, eSt5o
Análise da perspectiva das sançôes em causa os danos patrimoniais designados de lucros
cessantes 7 nos terrnos do art. 564.“, n.“ 1, 2“ parte, de CC 7,
Em relaçâe 5 pretens5o de Bernardo: isto é, os prejuizes que resultaram para André pelo facto
1. Está em causa uma sancào compensatória 7 art. 566.“ de Bernardo ter partido o seu Violino e n5o ter podido
do CC 7 em que se visa recenstituir uma situaçäe que, retirar os proveitos decorrentes da sua utilizaçâe;
embora diferente da que existia antes da vielaçäo da norma,
3.1nibiçäo do exercicio de profissäa: estamos diante uma
é, todavia, valorativamente equiwlente 5 primeira, e opera
sançäe preventiva, pois visa-se afastar uma futura
através da indemnizaçâe des danos sofridos. Assim, caso
Vielaçâe do Direito que é justificada pela pratica de um
André estivesse sujeito a responsabilidade peles danos determinado ilicito 7 neSte caso, impedir que Bernardo
causados a Bemarde (o que ja verificames n5o suceder),
venha, eventualmente, a per em risce a sociedade ao
estaria em causa uma indemnizacào: a) pelos danos exercer a profiSS5o de guarda-florestal, devido ao facto de
patrimoniais sefrides, isto é, relativamente às despesas n5o saber distinguir um incéndio de um cozinhado mal
hespitalares (dane emergente 7 art. 564.“, n.“ 1, 1“ parte); feito.
b) pelos danas não patrimoniais ou morais (art. 496.°, n.° 1,
do CC), isto é, relativamente às deres que teve.

Em relac5o 5 pretens5o de André:


1. Violino partido: está em causa uma sanção reconstitutiva,
isto é, uma sanc5o que Visa restabelecer a situaçâo que
existiria se a norma juridica n5o tivesse sido Violada.
Segundo os artiges 562.“ e 566.“, n.“ 1, de CC, esta é a
modalidade de sançäe que o direito privilegia. E, neste caso,
atendendo a que é possivel o conserto do Violino, seria
preferivel na sua modalidade de restituição em espécie
ou in natura (repOe a Situag5o anterior 5 vielaçâe da norma
442 sem recurso a um bem diferente), e n5o na sua modalidade 443
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

§ 47. Cases praticos resolvidos sobre meios de tutela privada 2. Reacc50 centra uma situac5o de perige actual, alheia e
pesseal 7 pois houve uma fuga de gas que levou 5 intexicac5o
do seu irm5o;
Caso Prático n.° 1581
Reacçâo que se reflecte contra uma coisa danificande-a

.…
7 no caso, arrombou a porta da casa de vizinhe, Rui, e
Eurico, aoentramoseudomicilio, verificouqueoirmâo Silvino, utilizou o carro deste, o que lhe causou graves danes;
que com ele morava, se encontrava inanirnado por intoxicac5e de
gas de urna botija que a empregada domestica, Paula, deixara 4. Deve haver uma proporcionalidade entre a ceisa sacrificada
inadvertidamente aberta. N50 disponde nessa altura de veicule próprio e 0 bem juridice que é salve de perigo, prevista no art.
e encentrande—se estacionade preximamente o automòvel do Vizinhe, 339.“, n.“ 1, parte final, do CC 7 este requisito tambem esta
Rui, que se achava ausente, Eurico arrombou a porta da casa deste preenchido porque Bemardo arrombou a porta e utilizou
e retirou aS chaveS de veiculo, tendo conduzido o irm5o Silvine ao o carro de Rui para salvar a vida do irmàe.
hoSpital. Estande preenchides os requisitos do estado de necessidade, a
Devide a esta Situac5e 0 automóvel ficou seriamente danificado, actuac5o de Eurico é licita, pois esta coberta por este meio de tutela
pois carecia de reparac0es urgentes no motor, o que Eurice ignerava. privada. No entanto, tal facto, n5o afasta ao dever de indemnizar,
Tal facto, leva Rui a pedir—lhe uma indemnizac50, ao que Eurico porquanto n50 deve ser 0 lesade (no cas0 Rui) a arcar com es prejuizes.
responde ter sido Paula a responsavel pelo sucedido. Esta, por sua vez, Assim, nos termos do art. 339.“, n.“ 2, parte final, do CC582 o juiz
inveca ser pessoa de reduzides recursos patrimoniais, ao contrario deve fixar uma indemnizac5e equitativa a pagar pelo agente 7 Eurico
dos irm50s Eurico e Silvino. 7, peles que contribuiram para 0 estado de necessidade 7 Paula 7,
Quid iuris? e pelos que beneficiaram do acto de agente 7 SilVino 7 o irm5o
de Eurico. E claro que, sendo esta indemnizac5e equitativa deve
Resolucao: atender 5 justica do caso concreto, e, por isso, nesta situac5o, dado
Paula ter poucos recursos materiais, ao contrarie do que sucedia
Eurico agiu em estado de necessidade 7 art. 339.“ do CC 7, cem es irm5es Eurico e Silvino, n5o se estranharia que o juiz viesse
que consiste em censiderar licita a accào de destruir uma coisa a isenta-la de qualquer pagamento.
alheia para remover uma situaçäo de perige actual ou iminente de
dano superior. Os seus requisites S50:
1. ImpeSSibilidade de recurso aos meies sancienatòries da ferca
p1'1blica 7 pois diante da intexicac5o de gas, o contacto e
chegada des meios de auxilio médico poderia fazer perigar
a Vida de irm5o;

5“ Caso pratico n.“ 42 (com ligeiras alteracoes) da colectanea de hipóteses de


MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA/ LUIS
CORTES MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos … Note-se que n5o aplicamos a 1“ parte deste preceito, porque a situac5o de
prdticos..., p. 34. perigo (a fuga de gas) n5o fei criada per culpa exclusiva do agente 7 Eurico. 445
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Caso Pratico n.° 2583 3. Pressupöe uma actuacio que pode ser consumada, nie
tem que ser actual ou iminente e näo pressupöe uma
A0 entrar no metro, Victor verifica que Guilherme tem em seu agressie fisica 7 nesta situacio a actuacio é consumada,
poder um anel valiese, igual a um anel que aquele havia cemprade pois o anel de Victor haVia sido furtado ha uns dias atrás;
na joalharia do seu grande amigo Francisco, e que, dias antes, havia 4. A reaccie pressupòe um requisito de proparcionalidade
sido furtado da sua casa. Victor dirige—se a Guilherme, agarrando-o
e racionalidade (art. 336.“, n.“ 1, parte final, e n.“ 3 do CC)
para lhe tirar 0 anel, sendo impedide per Guilherme que, com um 7 também este pressuposto parece estar preenchido, pois
forte pontapé, lhe fractura uma pema. o meio utilizado por Victor “agarrar Guilherrne” parece
Após estes factos, concluí-se que o anel possuido por Guilherme
nie ser excessivo e ser equilibrado diante dos interesses
era propriedade deste, e apenas semelhante ao furtado a Victor.
que se pretendem salvaguardar “reaver 0 anel valioso que
Quid iuris? lhe haVia sido furtado ha dias atras”. Note—se que este
pressuposto de proporcionalidade é mais exigente que nos
Resoluçâo: casos de legitima defesa, principalmente quando esta em
causa uma actuacie consumada, razie pela qual 0 meio
Actuacie de Victor usado nio pode implicar o sacrificio de interesses superiores
aos que o agente visa realizar. Neste caso, as exigèncias
Victor agiu ao abrigo da acçâo directa 7 art. 336.“ do CC 7, de proporcionalidade estäo claramente respeitadas.
que consiste no recarso à força para evitar a inutilizaçäe prdtica de
um direito, no caso de ser impossivel recorrer aos meios coercivos Nio ebstante o respeito dos requisitos da accie directa, a verdade
normais. Pode consistir na apropriacào, destruicào de uma coisa, é que, Victor incorreu em erro quanto a sua verificacie 7 art. 338.“
ou eliminaçäo de resisténcia irregularmente aposta aa exercicia do do CC 7 porque pensou que o anel que Guilherme tinha no dedo
direito. Os seus requisitos sio: era o que lhe haviam furtado, mas tal na realidade näo se verificara.
Este erro afigura-se como indesculpável, de acordo com o art. 487.“,
1. Impossibilidade de recurso aos meios coercivos norrnais n.“ 2, do CC, pois o “ homem médie”, vendo alguém num autocarro
em tempo util para evitar a inutilizacie prática do direito
com um anel igual ao seu, seria levade a pensar que poderiam haver
7 0 que se verifica, visto as autoridades policiais p0derem outros anéis idénticos, nio obstante as semelhancas 7 principalrnente
nio chegar a tempo para irnpedir que o suposto assaltante, quando estava em causa um anel comprado em j0a1haria, nie havendo
Guilherme, fugisse com 0 anel roubado;
qualquer referência a que fosse peça ûnica ou critério particular que
2. Visa assegurar o exercicio de um direito proprio 7 o que no permitisse a sua identificabilidade.
caso sucede, pois esta em causa o direito de propriedade Havendo um erro indesculpavel sobre os pressupostos da accie
de Victor sobre 0 seu anel furtado; directa, a conduta de Victor é ilicita e existe um dever de indemnizar 0
lesado, nos termes dos artigos 338.“ e 483.“ do CC.

Actuacie de Guilherme
533 Caso prático n.“ 41 (com ligeiras alteracòes) da celectànea de hipóteses de

MARCELO REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA] LUÍS


CORTES MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos Guilherme agiu em legitima defesa 7 art. 337.“ do CC 7, que
pra'ticos… p. 33. consiste no acto de afastar uma agressäo actual au iminente ilicita 447
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

contra uma pessoa, quando näafor possivel recorrer à autorídade Caso Pratico n.“ 3584
públíca. Os seus requisitos s50:
Devide a uma greve geral nos transportes publicos, Rute, após
1. Impessibilidade de recurso aos meios coercives normais
um cansativo dia de trabalho, teve de regressar a casa a pé, e, quando
7 0 que se verifica, Visto as autoridades peliciais poderem
passava nurna rua deserta, cerca da meia-noite, é assaltada por Paulo,
n50 chegar a tempo para impedir a 5g1ess5e e reubo do
que lhe arranca vielentamente do pescoço um fie de oure. Rute,
anel;
apaverada, defende-se disparande sobre Paulo e atinginde—e no peito.
Reacçâo a uma agressäo actual e contra 0 patrimonio de Em censequéncia do disparo, Paulo morreu alguns dias depois.
N

proprio 7 perque Victor agarra Guilherme para lhe retirar Quid jaris?
o anel. Note-se que, embora Victor n50 seja um assaltante,
visto agir com base em erro, a verdade é que a sua actuacao Resolucao:
é ilícita, e, por esses motives, n50 deixa de se configurar
como uma agress50 que permite por parte de sujeite passivo Rute agiu em legitima defesa 7 art. 337.“ do CC 7, que censiste
uma reacçäo nos termos da legitima defesa; no acte de afastar uma agressdo actual ou iminente ilicita contra
uma pessoa eu patrimonio de uma pessoa, quando não for possivel
Proporcionalidade entre a reaccào e a agress5e, prevista no
W

.
recorrer à autoridade pública. Os seus requisitos s50:
art. 337.“, 11.“ 1, parte final (na vertente daproporcionalidade
em sentido estrite eu equilibrio) e no art. 337°, n.° 2 (na 1. Impessibilidade de recurso aos meios coercivos normais
vertente da proibicào do excesso ou necessidade), 7 este 7 o que se verifica, viste subentendermes n50 estarem
requisite esta preenchido, quanto a primeira vertente, entidades policiais per perte;
porque entendemos existir um equilibrio entre es interesses 2. Reacçâo a uma agressâo actual, pessoal e patrimonial 7
efendidos (dar um pentapé com forca de que resulta a peis Paulo arranca com violência um fio do pescece de
fractura da pema) e es salvaguardades (impedir o reube de Rute;
um anel wlioso); e tambem quanto 5 segunda vertente, perque .Esta legitima defesa é própria, porque Rute se defende

b)
Guilherme defendeu—se cem um pentapé para impedir de uma agress5o a ela e a um bem dela;
que lhe roubassem um anel valioso, e embora da reacçäo
5 agress50 tenha resultado 5 fractura da pema de Victor, 4. Proporcionalidade entre a reacçäo (o disparo de Rute sobre
a verdade é que, dadas as circunstâncias de nâo mais Paulo) e a agress5e (o roubo de fie de ouro). Este requisite
conseguir recuperar o seu anel, 0 meie utilizado revela—se esta previsto no art. 337.“, n.“ 1, parte final, do CC, onde
indispensavel e näo excessive. se consagra a sua vertente da proporcionalidade em
sentido restrito eu equilibrio, e no art. 337°, n.° 2, de
Deste mode, verifica—se que a actuaçâo de Guilherme esta coberta CC, ende se prevê a sua vertente de proibiçäo do excesso
pela figura da legitima defesa, e, como tal, constitui uma actuaçäo ou necessidade, pois 0 meie usade para travar a agress5e
licita que n50 gera qualquer dever de indenmi25c5e.

… Caso pratico n.“ 40 (adaptade) da colectanea de hipóteses de MARCELO


REBELO DE SOUSA/ ANA COIMBRA/ TERESA SERRA/ LUÎS CORTES
MARTINS/ FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Casos práticos,,,,
p. 33. 449
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

deve ser o menos prejudicial. Quanta a primeira vertente Deste modo, verifica—se existir um excesso de legitima defesa,
da principio da proporcionalidade 7 equilibrio 7, nao se que é justificade nos termes da art. 337.“, n.“ 2, da CC, par ser uma
impede que haja uma desproporcao entre as vantagens actuaçâo näo culposa de acordo com 0 art. 487.“, n.“ 2, do CC, e, como
(interesses da defendente) e os prejuizos (interesses da tal, a actuaçäo de Rute é lícita e nâo geradora de responsabilidade
atacante), que podem resultar da reaccae a agressäo, pois civil (nos termos do art. 483.“ do CC e segs).
no momento de tal reaccae é impessivel ao agente medir
com rigor as resultados da sua actuacao. Assim, na situacao
a analisar, embora d0 dispara de Rute tenha resultado a Caso Pratico n.“ 4
morte de Paulo (e interesse da atacante que é posto em
causa é a sua vida), a verdade e que na circunstancia em Catarina apercebeu—se que a sua Viatura estava sem gasalina,
que esta se encontrava 7 numa rua deserta, a meia—noite e per isso, decidiu apanhar um autocarro para se deslocar a F aculdade.
diante de um h0mem que a assaltava 7 o disparo por ela Eram dezassete h0ras, o autacarro estava bastante cheia e numa
efectuado ndo se revela manifestamente superior ao que das paragens, mesmo antes de as partas se fecharem, Regina tira
poderia resultar da actuaçâo do ladrâo, que ja lhe havia violentamente a carteira a Catarina, saindo a cerrer enquanto 0
arrancado o fio de oure com violência, nâo se sabendo o aut0carro comeca a andar. Sara, que estava na paragem a espera
que mais lhe poderia fazer (o interesse da defendente, para de 011tro autocarro, e que andava sempre armada, desde que havia
além de patrimonial, também implicava a sua integridade sido assaltada, diante daquela situacae, dispara sobre as cestas de
fisica e mesmo a sua vida). Quanto a segunda vertente do Regina.
principio da propercionalidade, a da proibicao do excesso Quid jaris?
ou necessídade do meie a usar 7 de todos os meios, o usado
deve ser o menos lesivo possivel 7, verifica—se que, em Resoluçãoz
reacçäo aa roube de um fio de ouro (independentemente da
receio de eventuais posteriores ofensas de caracter pessoal), Sara agiu em legitima defesa 7 art. 337.“ do CC 7, que consiste
p0deriam haver outras medidas menos agressivas para no acto de afastar uma agressdo actual ou iminente ilicita contra
neutralizar o ladrao, além do dispara no peita que, afinal, se uma pessoa ou patrimonio de uma pessoa, quando ndo for possivel
veio a revelar mortal. Efectivamente, Rute poderia atingi—lo recorrer à autoridade pública. Os seus requisitos sao:
numa perna, au, simplesmente ameacar o ladrâo com a
1. Impossibílidade de recurso aos meíos coercivos normais
arma para o forçar a entregar a fia, eu, mesmo, para a
7 o que se verifica, Visto subentendermos nao estarem
dissuadir de futuras agressôes. Temos, partanta e per estes
entidades policiais por perta;
motives, uma situacae de excesso de legitima defesa.
Porém, este excesso de legitima defesa é justificado, visto 2. Reaccao a uma agressao actual e contra 0 patrimonio de
resultar de medo nao culpose do agente (aferido nes termos uma pessoa 7 a carteira de Catarina;
da art. 487.“, n.“ 2, do CC), dado que Rute, devido a greve
3. Esta legitima defesa é de terceiros, porque Sara esta a
d0s transportes, viu—se obrigada a ter de regressar a casa a
defender um bem de Catarina;
pé, atravessanda ruas escuras e a horas tardias, situacao que
para qualquer pessoa (em especial mulber) seria geradora
450 de um medo acrescida. 451
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

4. Pmporcionalidade ou razoabilidade da actuacào em legitima § 48. Casos práticos resolvidos sobre sancòes585
defesa que comporta as vertentes da proporcionalidade em
sentido restrito entre a reacçäo e a agress5o (art. 337.“, n.° 1,
parte final), e da proibicdo do excesso au necessidade Caso Pratico n.“ 1586
(art. 337.“, n.° 2, do CC). Este requisito nâo esta preenchide
em ambas vertentes: a primeira, porque o interesse de Ana Paula contrata com Miguel a pintura do muro do seu jardim
defendente em legitima defesa em reaver Luna carteira a fim de que este espace se encontre em condiçôes de receber es seus
(cujo conteúdo sequer conhecia) é manifestamente inferior convidados numa festa que vai realizar dentro de um més. Miguel
em relac5o ae interesse do atacante 7 Vida 7 que é peste receber5 a quantia de 1500 eures e tera o prazo de 30 dias para
em causa; e a segunda, porque, atendendo aos interesses executar a obra. Sucede que uma Subita censtipaçäo impede—o de
do atacante que foram sacrificados, Sara, defendente, n5o executar a tarefa ne prazo determinade, o que obriga Ana Paula a
usou 0 meie menes lesive, dade ser exeessive disparar adiar a festa para dai a duas semanas. Entretanto, Miguel recupera e
nas costas de alguém, que vai a fugir, para reaver uma finaliza o trabalho. Dada a situac5o, Ana Paula reclama a Miguel 0
carteira roubada. Este excesso de legitima defesa n5o é, dinheire que teve de gastar em telefonemas e convites a desmarcar
também, desculpavel, nos termes de art. 337.“, n.“ 2, do CC a festa, o que este se recusa a pagar.
7 pressupondo que tal actuaçâe excessiw se deveria a medo Imagine agora que, no dia da festa, um automóvel embate no muro,
ou perturbaçäe n5o culposa do agente 7, visto serem provocando-lhe um rombo. Ana Paula reclama uma indemnizaçâe,
dezassete horas (dia ainda) e Regina estar a fugir de costas, e 0 eonduter eferece-se para mandar alguém proceder 5 sua reparacào.
n5o constituindo, per isso, qualquer ameaca para Sara Quid iuris?
que pudesse ser geradora de medo ou perturbaçäe.
Reseluçâo:
Deste mode, verifica-se que a actuaçâe de Sara näe esta coberta
pela figura da legitima defesa, e, como tal, é ilicita, gerando um
Näo cumprimento atempado do nego'cio juridica
dever de indemnizar nos termes do art. 483.°, n.° 2, do CC.
Quanto 5S despesas para desmarcar a festa, eSt5 em causa uma
sançäe compensatOria 7 art. 566.“ do CC 7 em que se visa recenstituir
uma situaçäe que, embora diferente da que existia antes da Vielaçäe da
norma, é, todavia, valorativamente equivalente 5 primeira, e opera
através da indemnizacao dos danos sofridos. Assim, temos uma
indemnizaçâe peles danas patrimoniais sefrides per Ana Paula,
isto é, relativamente ao custo dos telefonemas (danos emergentes 7
art. 564.“, n.“ 1, 1“ parte, do CC).

5““ A resoluçâo des seguintes casos pratices tem per base somente a identificacàe

de sançôes.
5““ Case pratico n.“ 3 (adaptado) da colectanea de hipOteses de CARLA AMADO

GOMES, Hipoteses de Trabalho I..., p. 5 e 6. 453


Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Embate no muro da que existia antes da violac50 da nerma, é, todavia, wlerativamente


equivalente 5 primeira 7, que opera através da indemnizac50 dos
Esta em causa uma sancào reconstitutiva 7 art. 562.“ do CC danos ocorridos. Assim, temos uma indemnizac5e pelos danos
7, iste e, urna sanc50 que Visa restabelecer a situac5o que existiria patrimoniais sofridos por Nuno, no caso de este ja ter pago ao pintor
se a norrna juridica n5o tivesse sid0 Violada. E neste caso, na sua (danos emergentes 7 art. 564.“, n.“ 1, 1“ parte, do CC), e, tambem,
modalidade de reconstituição em espécie eu in natura 7 rep0e a pelos danos näo patrimoniais (art. 496°, n.° 1, do CC), isto é, o
Situac5e anterior 5 Vielac5e da nerma sem recurse a urn bem diferente. desgesto de n5o poder dar 0 quadro como presente de Natal a sua
O cenduter tem raz5o ae pretender mandar alguém reparar o muro, esposa.
porque, nos termes de art. 566°, n.° 1, do CC, a sanc5e compensatòria,
eu c0mpensac5e monetaria, tem um caracter subsidiario em relac5o 5
sanc50 reconstitutiva, eu seja, só ocorre quando esta n5o se puder Caso pratico n.° 3588
verificar.
A Câmara Municipal de Idanha—a—Nova mandou proceder 5
limpeza des jardins públicos do municipio. Quando efectuavam a
Case Prático n.° 2587 poda de uma arvore, os funcionarios da Cámara deixaram cair um
galho sobre a cabeca de um senhor idoso que se encontrava a ler
Ângele, pinter de renome, compromete-se a pintar a mulher num bance de jardim.
de Nuno, ate 30 de Novembre de 2010, destinando-se o quadro a O dite senhor sofreu um traumatismo craniano, que o ebrigou
constituir um presente de Natal para a dita senhera. Em Dezembro, a internamento hespitalar, e pretende ser ressarcido dos prejuizos
Ângele ainda n50 havia terrninade a ebra. Nuno pede-lhe urna materiais e merais que sofreu.
indemnizac5e. Ângele indica urn pinter seu amige para finalizar o Quid iuris?
quadro.
Quid iuris? Resolucào:

Resolucao: Quante ao traumatisme eraniane esta em causa uma sancito


compensatória 7 art. 566.“ do CC 7 em que se visa reconstituir uma
Nesta situac5o, é Nuno quem tem raz5o, e n5o Angelo, iste situac5o que, embora diferente da que existia antes da Vielac5e da
porque, sendo a prestac5o do pintor uma prestac5o infungivel (que norrna, pretende—se, tedavia, que seja valorativamente equivalente
só pode ser realizada por ele, e n5e per qualquer outra pessea), a 5 primeira, e opera atraves da indemnizacäo dos danos sofridos.
1'1nica forma de repor a situac5o que existiria se o contrato tivesse sido Assim, a C5mara Municipal… deve pagar uma indemnizac5o
curnprido a tempo e pela Via da cempensac5e monetaria. Esta, per ao senhor idoso: a) pelos danos patrimoniais sofridos, isto
isso, em causa uma sançâo compensatória, segundo o art. 566° do é, relativamente 5s despesas hospitalares (dane emergente 7 art.
CC 7 em que se Visa reconstituir uma situac5o que, embora diferente

5““ Case pratico n.“ 15 (adaptado) da colect5nea de hipóteses de CARLA

Caso pratico n.“ 4 (adaptado) da celectânea de hipóteses de CARLA AMADO


537 AMADO GOMES, Hipóteses de Trabalho I..., pp. 6 e 7.
GOMES, Hipóteses de Trabalho I..., p. 6. 5““ Independentemente do direito de regresso, se for o case. 455
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

564.“, n.“ 1, 1“ parte); b) pelos danos ndo patrimoniais ou morais caso, podera ser o art. 137.“ do Còdigo Penal 7 crime de
(art. 496.“, n.° 1, do CC), isto é, relativamente às deres que teve homicidio por negligència, que prevè uma pena de prisie
resultantes do traumatismo. ou multa; temos também uma sanção compensatória 7
Podemos ainda conjecturar, a existència de eventuais sançôes art. 566.“ d0 CC 7 em que se visa reconstituir uma situacio
disciplinares face aosfimciona'rios da Câmara, que negligentemente que, embora diferente da que existia antes da vielacie da
deixaram cair o galho na cabeca do senhor idoso, causando—lhe o norma, é, todavia, valoratiwmente equivalente i primeira, e
traumatismo. As sançôes disciplinares sio sançôes punitivas cuja opera através da indemnizacio dos danos sofridos, sendo
funçâo principal é aplicar um castigo aos funcionarios que Violem relevante, neste caso, o art. 496.“ do CC, pois estarnos
normas relativas aos seus deveresfimcianais, isto é, as normas que diante danos ndo patrimoniais ou morais, isto é, 0 dano
fixam os deveres a que 0 sujeito esta adstrito e que dizem respeito ao da morte;
funcionamento interno da erganizacio e a sua relaçâo com terceiros.
3. Danos no veiculo: está em causa uma sancie reconstitutiva,
isto é, uma sancie que visa restabelecer a situacio que
Caso pratico n.“ 4 existiria se a norma juridica nie tivesse sido violada.
Segundo os artigos 562.“ e 566.“, n.“ 1, do CC, esta é a
Alberto, regressande a casa acompanhade da sua namorada modalidade de sancie que o direito privilegia. E, neste
Beatriz depois de uma noitada numa discoteca, ao tentar fazer uma caso, nie obstante os danos elevados causados no veiculo
ultrapassagem colidiu frontalmente com um veiculo pesado, que pesado, admitindo que o seu conserto é possivel, seria
seguia em sentido contrario, conduzído por Carlos. Da ocorrência preferivel na sua modalidade de restituição em espécie
apurou-se que: as analises feitas a Alberto revelaram excesso de ou in natura 7 repöe a situacio anterior a violacio da
alcool no sangue; do acidente veio resultar a morte de Beatriz e norma sem recurso a um bem diferente.
elevados danos materiais no veiculo pesado.
Quid iuris?
Caso pratico n.° 5
Resoluçâo:
Suponha que para minorar os efeitos da peluicie sonora, 0
1. Excessa de alcool: esta ern causa uma sancie punitiva Governo cria uma norma com as seguintes disposiçôes:
de natureza eriminal, em que se visa aplicar um castigo a) n.“ 1 “Os contratos de compra e venda de bazinas que
ao infractor de uma norma que tem por funcio tutelar os näe sejam do tipo Y serdo nulas”;
valores essenciais da comunidade, e que, no caso, é 0 art. b) n.“ 2 “A quem utilizar as buzinas até agora existentes
292.“ do Código Penal 7 crime de cenducio de veiculo será aplicada uma coima de 250 euros”.
em estado de embriaguez. De acordo com este preceito, a Quid iuris?
pena pode ser de multa 011 pena de prisie;
2. Marte de Beatriz: esta em causa tambem uma sanção
punitiva de natureza eriminal, em que se Visa aplicar um
castigo ao infractor de uma norma que tem por funcio
456 tutelar os valores essenciais da comunidade, e que, no 457
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Resoluçâo: § 49. Testes e exames resolvidos

Alinea a) 1.
Teste de Introdução ao Estudo do Direito — II591
A “sanc5o” da nulidade é considerado um desvalor jurídico 1.“ Ano 7 Neite
do acto, que constitui uma das modalidades de invalidade. Discute-se 5 de Abril de 2011
na doutrina se os desvalores juridices dos actos s50 verdadeiras I
sancòes. Temos, a este respeito, duas posicòes5°°: (12 valores)
1. Näe existe sançäo, pois aqui o que ocorre e a falta de Antònie, emigrante, contraiu em 22 de Dezembro de 2006 um
verificaçäo dos pressupostos das regras juridicas, e näo a empréstimo para habitaçäo de casa propria, sendo fixada uma taxa
Violaçâo das prôprias regras, n50 havende, por isso, nada de juro de 3%. Entretanto foi publicado o Decreto-Lei 11.“ B/2007,
a reprovar; de 3 de Janeiro, uma quarta-feira, que dispunha no seu artige 1.“ 0
seguinte: “Considerando o valor acrescentado que os emigrantes
2. Existem verdadeiras sançôes (meramente juridicas),
representam para o Pais, quer em termos de experiencia profissional
enquanto consequências desfaveraveis que a erdemjuridica
adquirida, quer em termos de poupanca canalizada para a banca
atribui 5 certes actes pelo n50 cumprimento de todos os
nacional, os contratos de empréstimo para habitacào própria em
requisitos exigides pelo Direito.
territorio nacional contraido por emigrantesficam sujeites a uma taxa
dejure bonificada de 2%”. O artigo 2.°, por seu turno, estabelecia:
Alinea b)
“1 7 Os contratos de empréstimo celebrados ao abrigo da presente
lei só podem ser celebrados quando as partes hajam previamente
A aplicaçâo da coima constitui uma sanção punitiva, peis têm
obtido certidäo atestando a qualidade de emigrante da pessoa que
como funçäo principal aplicar um castigo 50 vielador da norma.
pretende obter o empréstimo. 2 7 Os intervenientes na celebracáo de
Trata—se de uma sançâo administrativa, viste as normas vieladas
contratos abrangidos pelo presente diploma que obtenham a certidáo
(normas de mera ordenacäo social que pretendem tutelar interesses
referida no presente diploma através defalsas declaracóes incorrem
colectivos näa vitais) regularem as relações entre a Administraçäo
em pena de prisäo de 6 meses a um ano”. Per ultimo, e artige 3.“
e os particulares, isto é, as relaçôes entre as entidades de segurança,
dispunha: “A presente lei entra em vigor no prazo de quinze dias”.
que visam pugnar pela tranquilidade social, e as pesseas em geral. Entretante, em 5 de Maio de 2010 é publicada a Lei 11.“ C/2010
cujo artigo 1.° estipula: “A presente lei tem por objecto o regime
jurídico do contrato de empréstimo”. A mesma lei nada disp0e sobre a
respectiva data de entrada em Vigor, nem sobre a sua eventual eficacia
revogatöria, para além do estabelecido ne seu artigo 222°, nos
termos do qual é expressamente revogade o artigo 2.“ do Decreto-Lei
n.° B/2007.

5‘“ Enunciado realizade per Miguel Nogueira de Brito, cuja publicac5o se faz

5““ Vide com maiores desenvolvimentos supra 35.2.6. cem auterizacào do autor. 459
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

Responda as seguintes questöes: canta que a lei foi publicada a 3 de Janeiro, uma quarta-feira, termina

duas semanas apôs, que é dizer, quarta-feira dia 17 de Janeiro,


a) Qual a data de entrada em Vigor de ambos as diplomas
entrando, por isso, em vigor as 0.00 horas do dia 18 de Janeiro de
mencianadas na hípótese e qual 0 regime legal ao abrigo
2007.
da qual fundamenta a sua resposta? (3 valores)
b) Imagine que Antonio se encontra a cumprir uma pena Lei n.“ C/2010 de 5 de Maio:
de oito meses ao abrigo do disposto no artigo 2.“, n.“ 2, do
Neste case, a lei nao fixa um prazo de vacatio legis, par isso, de
Decreto-Lei n.“ B/2007, quando é publicada a Lei n.“ C/2010.
acordo com 0 art. S.“, n.“ 2, d0 CC deve—se aplicar 0 prazo supletiva de
Quidjuris? (3 valares)
5 dias previsto no art. 2.“, n.“ 2, da Lei n.“ 74/98 de 11, de Novembro.
c) Qual o efeito da Lei n.“ C/2010 sobre o Decreto-Lei n.“
Atendende a que o dia de publicacae nao se canta (art. 2.“, n.“ 4, da
B/2007? (3 valores)
Lei n.“ 74/98 de 11, de Novembre, e art. 279.“, alinea b), da CC),
d)Imagine que 0 Decreto-Lei n.“ B/2007 cantém uma
e tendo side publicada a 5 de Maia, a Lei n.“ C/2010 entraria em
disposicae do seguinte teor: “este diploma é de aplicacaa
vigor no dia 10 de Maio de 2010.
retroactiva”. Em tal caso, a que contratos se aplica a
reducae da taxa nele prevista? (3 valores)
Alinea b)
II
(6 valores) Temos duas leis que se sucedem, em que a segunda vem no seu
Responda a uma das seguintes questöes: art. 222.“ revogar o art. 2.“ da lei anterior (que criminaliza a actuacao
daqueles que prestem falsas declaracòes para obter certidäo sobre
1. Explique a diferenca entre os regimes previstos no artigo
a qualidade de emigrante). Coloca-se a questâo de saber se a LN
7.“, n.“ 4, do Codigo Civil e no artiga 282.“, n.“ 1, da Constituicao.
(Lei n.“ C/2010) se pode aplicar a Antonio que cumpre pena de aita
2. Distinga entre cenceitos indeterminados e cláusulas geraís.
Redaccáo e sistematizacào: 2 valores
meses ao abrigo do disposta no art. 2.“, n.“ 2, da LA (Decreto-Lei
n.“ B/2007). Esta em causa determinar se esta LN pode ter aplicaçâo
retroactiva, por isso, devemos, em primeiro lugar, analisar se temos
Resolução da parte I:
alguma das areas constitucionais de retroactividade pr0ibida. Embora
estejamos diante de uma norma de natureza penal 7 Visto a LN
Alinea a)
revogar 0 art. 2.“, n.“ 2, da LA, despenalizando, deste moda, uma
conduta 7 a verdade é que se trata de uma norma de direito penal
Decreto-Lei n.“B/2007 de 3 de Janeiro:
negativo, cuja retroactividade nao só nao é proibida, coma é antes
Atendendo a que o art. 3.“ dispöe que a lei entra em vigor no imposta nos termos da art. 29.“, n.“ 4, da CRP e do art. 2.“, n.“ 2,
prazo de 15 dias, nos termos da art. 5.“, n.“ 2, d0 CC, é a propria lei que d0 Cödigo Penal. Assim, havendo um criterio especifice que dita
fixa um prazo de vacatio legis, que deve ser cantado de ac0rd0 com a aplicacao retroactiva da lei penal mais favoravel, esta deve
o art. 279.“ do CC. Assim, Visto estarmos diante um prazo de 15 dias, abranger todas as situacöes com origem no passado, incluindo as
aplicamos a alinea d) do art. 279.“ 7 ande se considera que é havido definitivamente decididas por sentenca transitada em julgado 7
como prazo de duas semanas 7 em conjugacao com a alinea c) do retroactividade extrema 7 o que implica a libertaçâo da pessoa
mesmo preceito, onde se dispòe que tal prazo “... termina as 24 horas condenada que se encontre a cumprir pena.
460 do dia que corresponda, dentro da ultima semana...”, isto é, tendo em 461
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Deste mode, verifica-se que a LN deve ser aplicada a esta situacào, es regimes especiais, eu seja, o Decreto-Lei n.° B/2010. No entanto,
e cemo tal Antònie deve ser libertado. parece-nos que deveriam ter sido awncades mais dades para eptannes
por esta seluçâo, tais cemo referir que “com a Lei n.° C/2010
Alinea c) pretende-se regular toda a matéria relativa ao contrato de empréstirno”,
particularmente nesta situaçäe em que a norma de Decreto-Lei
Para reSpondermos a esta quest5o, devemos separar as matérias n.° B/2010 se apresenta numa relacao de especialidade face 5 Lei
de ambas as leis referidas na hipOtese. n.° C/2010.
Quanto 5 matéria penal entendemes haver uma revogacdo da
Lei n.° C/2010 sobre a Decreto—Lei n.“ B/2007. Trata-se de uma Alinea d)
revogacdo expressa, pois existe uma declaracae do legislador nesse
sentido (art. 222.“), e de uma revogaçäo parcial ou derrogacdo, pois Neste case haveria direito transitório que resolveria o problema
afecta apenas uma parte do diploma 7 apenas um artigo 7, no case, de aplicacao do Decreto-Lei n.° B/2007 (agora a LN) no tempo,
0 art. 2.“ da Decreto—Lei n.“ B/2007 que se pretende expressamente
determinando a sua aplicacao retroactiva. Todavia, na auséncia de
revegar. indicaçäe per parte do legislador do grau de retroactividade, teriamos
de nos socorrer do critério supletivo de retroactividade ordinaria
Ja ne que respeita 5 matéria do empréstimo temos uma lei previste ne art. 12.°, n.° 1, 2“ parte, do CC (porquanto n5o existem
geral (a Lei n.“ C/2010), que fixa o regime juridico do contrato de areas de retroactividade constitucionalmente vedadas, nem t50 pouco
empréstimo, e que supostarnente pretende afastar Luna lei especial (a impostas, no que reSpeita 5 matéria da taxa de jures) de acordo
Decreto-Lei n.° B/2007), que fixa um regime particular para o com 0 qual a LN respeita tedes es efeitos produzidos no passado,
empréstimo para habitacao de casa prOpria dos emigrantes. Tendo isto é, produzidos ao abrigo da LA, mas ja abrange es efeitos que
em conta 0 art. 7.°, n.° 3, do CC “a lei geral não revoga a lei especial, se produzam na sua vigéncia, ainda que cem origem em situaçôes
excepto se outra for a intencào inequivoca do legislador”, devemos geradas no passado.
indagar se existe uma intençäo inequivoca de o legislador afastar o Deste modo, a Decreto-Lei n.° B/2007 deve-se aplicar as prestacòes
regime especial. Seguindo a posição de Oliveira Ascensäe, verifica—se que se venham a vencer depeis da sua entrada em vigor, respeitande
n5o existir desde logo uma declarac5o expressa nesse sentido, por es jures das prestacòes entretanto ja vencidas e pagass”.
isso, devemos averiguar se existe uma declaraçâe tácita de o fazer.
Atendendo a que 0 legislader declarou expressamente que pretendia 2.
revogar um artigo do Decreto-Lei n.° B/2007, se quisesse revogar Teste de Introduçäo ao Estudo do Direito — II
o reStante conteúdo também o teria feito expressamente, raz5o pela 1.“ Ano 7 da Noite
qual teremos de concluir n5o existir uma vontade taeita de o fazer. 10 de Maio de 2011
Assim, acolhendo o regime do art. 7.°, n.“ 3, do CC, perfilharnos
Parte I
o entendimento de que a Lei n.“ C/2010 näe afasta o regime especial
de Decreto-Lei n.° B/2010. Abel fez, em Janeiro de 1994, um testamento em que deixou
todos es bens que integravam a sua queta dispenivel, correspondente
Note—se que, pode conceber—se a hipOtese de existir uma revogac5o a um terco de seu patrimonio, de acordo com o disposto na lei em
global tácita (art. 7.“, n.° 2, parte final, do CC) operada pela Lei
n.“ C/2010, porquanto esta visa regular o regime relativo 5 matéria
462 do empréstimo, e, se assim fosse, evidentemente, n5o iriam subsistir 592 Vide supra 32.214. 463
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

vigor, a Bento. Muito embora a lei exigisse à altura que o testamento Resoluçäo da parte I:
fosse feito em documento escrito com assinatura reconhecida
notarialmente, Bento, por se encontrar a residir no estrangeiro, Alinea a)
solicitou apenas ao seu advogado que atestasse a veracidade da sua
assinatura. Entretanto, em Março de 1995, entrou em Vigor uma Pedemos encontrar no texto as seguintes sançôes:
lei que mencionava no seu preâmbulo a vontade de simplificar Desvalor juridico do testamento: a sua nulidade, no caso do
as forrnalidades dos testamentos, reconhecendo que também nessa
art. 1.“ da lei de Março de 1995; e a anulabilidade, no caso do art.
matéria haveria que reconhecer aos advogados o poder de reconhecer 2.“ da lei de Março de 1995. Discute-se se os desvalores juridicos
as assinaturas, como ja vinham fazendo em relacie a muites eutres
sio verdadeiras sancòes, havendo duas posiçôes a esse respeito: a)
act0s. O diploma dispunha designadarnente o seguinte:
näo existe sancie, pois aqui 0 que se verifica é a falta de verificacie dos
Artigo 1.° 7 O testamento deve ser feita por documento escrito, pressupostos das regras juridicas, e nie a violacio das suas pròprias
devendo a assinatura do seu autor ser reconhecida por advogado
regras, nio havendo, por estes motivos, nada a reprovar; b) existem
com mais de cinco anos de profissäo, sob pena de nulidade.
verdadeiras sançôes, enquanto consequèncias desfavoráveis que
Artigo 2.“ 7 A quota disponivel corresponde a um quarto do a ordem juridica atribui a certos actos pelo nie cumprimente de
patrimonio do autor da sueessäo, sendo anula'veis quaisquer todos os requisitos exigides pelo Direito. Faz—se, a este respeito,
disposicoes testamenta'rias em contra'rio e podendo a anulaçäo ser uma separacie entre sançôesjuridica-materiais 7 envolvem efeitos
requerida por qualquer um dos herdeiros legitimos no prazo de um materiais que se reflectem sobre os infractores das normas, porque
ana a contar da data em que tenha conhecimento da existència da Violarn outras regras de Direito 7 e sançâes meramentejuridieas 7 que
testamenta. nie se prejectam sobre os infractores da norma, porque nie envelvem
Artigo 3.“ 7 Canstitui causa de indignidade sucessória a pratica a violacio de outras regras, mas apenas a nie observância dos
de crime doloso contra o autor da sucessäe, a que carresponda
requisitos necessários para um certo acto ser considerado válido e
pena de prisäe igual ou superior a 5 anos. eficaz para o Direitos”;
Em Junho de 1995 Abel morre, deixando dois herdeiros legitirnos, Sancio punitiva civil: decorre do art. 3.“ da lei de Março de
Carlos e Duarte.
1995, quando se dispôe que constitui causa de indignidade a pratica
a) Distinga as varias sançôes que é possivel encontrar no de crime contra o autor da sucessâo. Esta causa de indignidade
texto antecedente. (3 valores) sucessória consta do art. 2034.° do CC e constitui uma sancie punitiva
b) O testamento feito por A é válido? (5 va10res) civil porque Visa aplicar um castigo ao Violador de uma norma que
c) Sabendo que Carlos teve conhecimento do testamento regula as relacòes entre particulares;
em F evereiro de 1994, qual o prazo de que dispöe para
Sancio punitiva criminal: decorre do art. 3.“ da lei de Março
solicitar a anulacio do testamento? (5 valores) de 1995, quando se refere a pena de prisão igual ou superior a 5
Parte II anos. Trata—se de uma sancie que visa aplicar um castigo ao infractor
Distinga as sancòes reconstitutivas das sancòes cempensatòrias. de uma norma que tem por funcio tutelar 0s valores essenciais da
(5 va10res) comunidade.
Redacçäo e sistematizaçäe: 2 valores
464 … Vide supra 35.2.6. 465
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Alinea b) 11.“ 2, 1“ parte, do CC, isto é, a lei em vigor no momento da sua feitura
7 a LA. E, nestes terrnes, o testamento seria tambem, por estes
Temes Lun problema de sucessäo de leis, pois foi feito em Janeiro motivos, inválido, dado ter sido feito sem assinatura reconhecida
de 1994 um testamento 5 luz de uma LA que fixava certos requisitos notarialmente. Porém, sucede que a doutrina tem defendido a aplicac5o
da sua validade, tendo sido esta lei substituida per uma outra 7 lei d5 LN quande esta Vise tornar menos exigentes es requisites de
de Marce de 1995 (LN) 7 que lhe veie a fixar diferentes requisites, validade previstos em leis anteriores, e, desde que, sem prejuizo
suscitande—se a quest5e de saber qual a lei a ser aplicada no momento des interesses da contraparte e de eventuais terceiros. Fala—se, 5 este
da abertara da sucessäe 7 a altura da merte de Abel 7 em Junhe respeite, de leis confirmativas595, que visam salvaguardar situações
de 1995. juridicas antigas invalidas efectivadas 5 luz do direito anterior. E
Esta em causa matéria de sucessòes, em particular um caso de o que sucede na situ5c5e que 015 reselvemos, pois a LN, ao exigir
sucessâo voluntarias“, logo, para aferirmos a wlidade do testamento apenas 0 recenhecimente per advegado da assinatura do testador,
importa separar dois aspectos: esta a aligeirar as fermalidades da LA, que exigia recenhecimento
netarial. Assim, esta LN configura-se como uma lei confirrnativa que
A validade do conteúdo do testamento:
deve ser aplicada a este testamento, ra250 pela qual ele se apresenta
A LA dispunha que a quota disponivel dos bens era de um válido quanto a este aspecto formal.
terçe do patrimonio e a LN dispöe que a quota disponivel dos bens Note-se que a aplic5c5e da LN n50 vem p01 em causa eventuais
é de um quarto do património. Qual a lei que se deve aplicar no direitos de terceiros (os restantes herdeiros), visto este aspecto formal
momento da abertura da sucess5e? Estames diante do conteúdo n50 ser a ünica causa de invalidacào do testamento, perquante, tal
de um testamento e entende a doutrina existir nestas situacòes um como ja verificamos, o seu conteúdo também se apresentava contrario
efeito que abstrai dofacto que lhe da origem, porquanto, no case ao disposto na LN, 15250 pela qual pederia ser, devido a este motive,
de o testamento ter sido feito ha muitos anos, n50 se deve fazer p01 eles centestade.
perigar a sucess5o legal des restantes herdeiros com a aplicaçäo da
lei Vigente no momento da sua feitura que, com fortes prebabilidades, Alinea c)
se encentra desajustada 50s interesses actuais d5 seciedade. E,
assim sendo, aplica-se o art. 12.“, n.° 2, 2° parte, iste é, a LN 7 lei Neste caso, temos uma situaçäo em que a LN vem estabelecer
existente no momento da abertura da sucess50 7 ra250 pela qual 0 uma faculdade legal inexistente 5 luz da lei anterior 7 a faculdade de
testamento n50 e' válido, visto a LN apenas perrnitir a disposicàe solicitar a anulac5e do testamento59° 7, fixande para o seu exercicio
de um quarto dos bens e Abel ter dispeste de um terco; 0 prazo de um ane. Trata—se de um prazo extintivo da faculdade
A validade formal do testamento:
A LA dispunha que o testamento deveria ser feito em decurnente
escrite corn assinatura do testador reconhecida notarialmente, e a 595 W116 supra 33.5.
Note-se que para Baptista Machado as acções judiciais (a possibilidade
LN dispöe que 0 testamento deve ser feito por escrito, bastando 59“

da anulac5e) relativas a condicoes de pessoas ou coisas cenfiguram7se como


assinatura reconhecida por advogado. Atendendo 5 que esta em causa faculdades legais que se se convertem em direitos adquiridos quando exercidas,
um facto constitutivo 7 a feitura do testamento 7, aplica-se o art. 12.“, diferentemente do que sucede quando esta em causa a anulacào ou resoluçäo de um
contrato, que se configrra desde logo como um direito adquirido, independentemente
da necessidade de uma posterior actuaçâo do seu titular, cfr. JOÃO BAPTISTA
466 … Vide suprn 33.4.3.3. MACHADO, Sobre a aplicaçäe..., p. 219. 467
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

legal de anular o testamento, que só se convertera em direite subjective Assim, nesta situac5o, Carlos tem o prazo de um ano a contar
quando se fizer use dela e ebtiver a respectiva anulac5e. Estamos desde Marce de 1995 para suscitar a anulac5o do testamento.
diante daquile que a doutrina tem designado de factos pressupostos,
iste é, os factos condicionantes de situac0es juridicas em vias de 3.
censtituic5e eu extinc5o que, embora nao sejam determinantes para Teste de Introdução ao Estudo do Direito — II59s
definir a lei aplicavel, S50, contude, usados come ponto de referéncia Recurso 7 1.“ Ano/Noite
para demarcar o seu regime. Neste caso, n5o só o prazo de um ano, 26 de Maie de 2011
mas tambem a cendic5o de herdeiro de Carles e o cenhecimento do I
teor do testamento S5o condicòes para que se pessa obter a anulaçâe
Resolva os seguintes casos praticos e justifique sempre as
do testamente, esta sim, urn facte que se afigura extintivo de uma
suas posicòes com base nas disposicòes legais do Código Civil.
situac5o juridica, e, per isse, determinante da lei aplica'vel.
A cenSiderac5e de tais factos passados por parte da lei a aplicar 1. Alfredo costuma queimar folhas secas nas traseiras do quintal,
ao facto constitutivo ou extintivo, faz com que se fale da existéncia
apesar dos protestos dos vizinhos que temem que ele venha a provocar
de uma retroconexao da LN, pois esta vai atender a factos que ja
um incéndio. Foi exactamente o que aconteceu naquele Domingo,
se tinham verificado antes do seu inicio de vigéncia.
as chamas ateadas pelo vento forte, rapidamente, atingiram a casa
A circunstância de termes um prazo suscita-nos, todavia, a de Alfredo sem que este conseguisse controla-las. Quis telefenar para
possibilidade da aplicac5o de art. 297.“ de CC. Porém, constata-se
chamar os Bembeires, mas tinha o telefone cortado e o telemòvel
n5o estarem preenchides os requisitos que ele exige, pois nem o prazo
avariade. Aflitissimo, come es vizinhos tinham saido, n5o Viu eutra
esta em curso (quando a LN entra em vigor 7 Marçe de 1995 7 o
seluc5e sen5e arrombar a porta da casa de Bela 7 que as chamas
prazo já se tínha esgetade 7 em Fevereire de 1995), nem t50 pouce cemecavam ja a ameacar também 7 a fim de telefonar para es
é constitutive, extintive ou medificativo de uma Situac5e juridica 7 ja
Bombeiros.
verificamos que o facto extintivo seria a anulac5e do testamento.
Raz5e pela qual, de acorde com o art. 12.“, n.“ 2, 2“ parte, do CC a) Alfredo tem que pagar es estrages causados na porta de
dever-se—ia aplicar a lei existente no momento da abertura da sucess5e, Bela? (3 valores)
eu seja, a lei de Marçe de 1995, cuja utilizac5e qua tale impediria b) A sua resposta seria a mesma, se o incêndie tivesse sido
Carlos de exercer a faculdade de anulac5o, dado ja ter deconido o provocado por um raie que atingisse uma 5rvore no quintal
prazo para o efeito. Contudo, viste esta seluc50, ne case concreto, de Alfredo? (3 valores)
se afigurar contraditória com o objectivo inicial da LN de atribujr a c) Imagine a mesma situac5o do texte, mas quem arrembeu
possibilidade de anulac50 de testamento, Baptista Machade597 defende a porta foi Celestino, morador na casa do outro lado da
que quando o encurtamente eu a sujeic5e a um prazo inexistente rua, que n5o tinha telefone e se apercebeu que Alfredo,
vier fazer precladir amafacaldade legal que o legislader pretendia completamente desorientado, nada ia fazer. Quem deve
atribuir (porque ja esgotado quando a LN entrou em vigor), deve-se pagar a porta estragada? (3 valores)
aplicar 0 art. 297.°, n.“ 1, do CC e considerar que este novo prazo
se conta a partir da entrada em Vigor da LN.
5““ O enunciado do teste resulta de um compéndio de casos praticos de Introduc5o

ao Estudo do Direito, cedidos 5 Turma B, na Faculdade de Direito da Universidade


468 “97 Cfr. JOÀO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicacdo..., pp. 231 e segs. de Lisboa, no ano lectivo de 2007 (inédito), 469
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

2. Ana castuma levar 0 seu cäo a lavar, tasquiar e cortar unhas 4. Deve haver uma proporcionalidade entre a coisa sacrificada
no salâo “ Bela Cao”. No entante, Ana nem sempre paga a conta, e o bem juridico que é salvo de periga (art. 339.“, n.“ 1,
sendo frequente o salao ter de esperar varias semanas para ser saldada parte final, do CC) 7 este requisita também esta preenchida
a divida. Na semana passada, Ana deixou o seu cao no salao, quando parque Alfredo arrambau a porta para chamar as Bombeiras
a hora combinada se dirigiu para o ir buscar e se preparava para mais e, desse modo, travar 0 incêndio que ja alastrava na sua
uma vez sair sem pagar, Benta, 0 cabeleireiro, agarrou rapidamente no casa, ameaçava a casa dos vizinhos e poderia, inclusive,
cao e disse-lhc: “ Só pode levar o câo, quando pagar o que deve”. por em causa a sua propria Vida.
Bento pode agir assim? (3 valares)
Tendo agido ao abrigo do estada necessidade, a sua actuaçâo é
II licita, tadavia, tal facto nao afasta 0 dever de indemnizar 0 lesado,
Distinga de modo fundamentado: tal como cansta do art. 339.“, n.“ 2, do CC. Assim, de ac0rd0 com
a primeira parte deste preceito, dado 0 incéndio ter sido prevocade por
1. Retraconexao de retroactividade (2 valares)
culpa exclusiva de Alfredo 7 o agente em estada de necessidade 7,
2. Nulidade de anulabilidade (2 valores)
deve ser ele unicamente a pagar as estragos causados a porta de Bela.
3. Danos emergentes de lucros cessantes (2 valores)
Redacçäo e sistematizaçäo: 2 valores
Alinea b)
Resoluçäo da parte I
Neste caso, 0 incéndio nao teria side causade por culpa do
agente, per isso, nao se aplicaria a 1“ parte da art. 339.“, n.“ 2, d0
Número 1
CC, mas antes a 2“ parte. Nestes termos, o juiz deveria fixar uma
indemnizacao equitativa que abrangeria 0 agente e os que beneficiaram
Alinea 11)
da actuaçâo em estado necessidade, isto é, deveria abranger Alfredo,
e, eventualmente, Bela (Vista as chamas ja ameacarem a sua casa).
Alfredo agiu em estado de necessidade 7 art. 339.“ d0 CC 7,
Assim, dado que Bela era também a lesada da actuaçäo em estada
que consiste em considerar licita a aeçäo de destruir uma coisa
de necessidade, a indemnizacao pelos estragos da porta deveria ser
alheia para remover uma situaçäo de perigo actual ou iminente de
paga por Alfredo, mas sem que abrangesse a tatalidade do montante
dano superior. Os seus pressupastos sao:
do arranjo.
l. Impossibilidade de recurso aos meios sancionatarios da
forca pública 7 neste caso a accao em estado de necessidade Alinea c)
0c0rreu precisamente para se chamarem es meios de forca
pública (es Bembeires); Nesta situaçâo, estaria igualmente em causa a aplicacao do art. 339.“,
n.“ 2, do CC, no entanto, Visto Celestino ter sido o agente em estada
2. Reaccao contra uma situacaa de perigo actual e propria
de necessidade, a indemnizacae deveria ser fixada equitativamente
7 incêndio na casa de Alfredo e que ja ameacava também
entre ele, Alfredo (enquanto 0 causadar da situacao de perigo e
a casa dos vizinhos;
beneficiario da actuacao em estado de necessidade) e, eventualmente,
Reaccao que se reflecte contra uma coisa danificando—a 7 Bela (também beneficiaria da actuacao de Alfredo). Atendenda a
W

no caso, arrombou a porta da casa de Bela; que Alfredo foi causadar e beneficiario, deveria ser ele a pagar o
470 montante maior da indemnizacae. 471
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Número 2 no Diario da Repüblica a 28 de Janeiro de 2011 e disponibilizada


anline, no mesmo dia, no sitio da internet gerido pela Imprensa
Está em causa 0 direito de retençâe, que é a faculdade de em Nacienal-Casa da Meeda, S.A. A Lei X/2011 contém um conjunto
determinadas situaçôes o credor reter uma ceisa do devedor para 0 de medidas com o seguinte teor:
coagir a eumprir a sua obrigaçâo. O direito de retençäo esta previsto Artigo 1.°: n.“ l 7 Tenda camo objectiva o cumprimento atempado
no art. 754.“ do CC “o devedor que disponha de um crédito contra das obrigacñes tributárias, é triplicada o montante dos juros de mara
o seu credor goza do direito de retencdo se, estando o devedor a cobrar aos sujeitos passivos que não paguem o imposto devido
abrigado a entregar certa coisa, o seu credito resultar de despesas no prazo legal; n.“ 2 7 A nova taxa de juros aplica—se também
feitas por causa dela”. Por isso, coloca-se a quest5o de saber se, relativamente aos impostos que neste momento jd se encantrem em
neste caso, es seus pressupostos estâe preenchides: divida;
Artigo 2.“: n.“ l 7 É alterada e reduzída a lista de doencas
1. Uma coisa deve estar em poder do credor a titule de simples prolongadas incapacitantes que permitem aos fimciona'rios publicos
detenção (n5o a titulo de propriedade ou de posse) 7 0 requerer a sua aposentaçäo antecipada por invalidez, passando-se
que se verifica, poiS o c5o esta com Bento simplesmente a considerar apenas as seguintes doencas: tumores malignos;
para este 1he prestar os seus servicos de beleza; daenças degenerativas da sistema nervaso central; acidentes vasculares
2. Existe uma intima relação entre o crédito e a coisa detida cerebrais; e cardiopatias; n.“ 2 7 Opedido de aposentacdo antecipada
pelo credor (a obrigacàe tem a ver com a coisa) 7 o que deve serfeito no prazo de seis meses após diagnosticada a doenca;
também se verifica, pois o crédito de Bento em relaçäe a Artigo 3.“ 7 É alterado o regime do arrendamento urbano
Ana respeita precisamente ae n5o pagamento dos services passando—se a prever, designadamente, que o arrendamento para
de beleza prestades ae animal; habitacdo näa caduca por marte do arrendata'rio se lhe sobreviver
cánjuge com residéncia no locado ou pessoa que com o arrendatario
O detentor da ceisa deve ser o credor da ebrigaçâe e 0

.
vivesse no lacada em uniäo de facto, ha' mais de quatro anos;
devedor deve ser aquele a quem a coisa deve ser restituida Artigo 4.“ 7 A presente lei entra em vigor no prazo de um més
7 o que igualmente sucede, pois Bento é o credor, e Ana, após a sua pablicacào.
a dona de c5o, é a devedora.
Entretanto o Govemo, autorizado a legislar sobre estas matérias,
Deste mede, eSt5o preenchidos os pressupostes do direito de vem considerar que a depress5o também pode ser considerada
retenc5o, e, por esses motivos, a actuaçâe de Bente é licita. doenca incapacitante, e, nesse sentido, a 20 de Janeiro de 2011 aprova
o Decreto-lei Y/2011, que fei publicade no Diario da Repüblica a
4. 30 de Janeiro de 2011 e disponibilizado online quatro dias depois no
Exame de Introdução ao Estudo do Direito II sitio da internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S.A.
1.“ Ane, Tumo da Noite O Decreto-lei Y/2011 centinha um artigo unico com o seguinte teor:
9 de Junho de 2011; 19 h “A depressda crónica também faz parte das doencas incapacitantes
Duracao: 2h para efeitos de reforma antecipada por invalidez dos funciona'rios
I públicos”.
No ambite da grave crise financeira que o pais atravessa, e para Ana, fimcionária pública, ViVia em uni5o de facto ha très anes
cumprir as imposiçôes da Uni5o Europeia, é aprovada pela Assembleia com Bruno numa casa que este tinha arrendade a Cristina, em Janeiro
472 da Republica, a 8 de Janeiro de 2011, a Lei Xl2011, que fei publicada de 2005. Entretanto, devido a um acidente de viaçâe provocado per 473
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

culpa exclusiva de Luis, que entrou em contramie na auto—estrada, II


Bruno vem a falecer em Marco de 2011. Face a tal situacio Cristina Responda apenas a três alíneas, em nie mais de cinco linhas
dirige-se a Ana pretendendo que esta lhe devolva o irnóvel no imediato. cada, distinguindo de modo fundamentado (4,5 valores):
Díante da recusa de Ana, Cristina, numa manhi em que aquela se
encontrava a trabalhar, decidiu com uma chave suplente retirar alguns a) Justica distributiva de justica cemutativa
electrodomésticos da casa arrendada como forma de obrigar Ana a b) Leis cenfirrnativas de leis interpretativas
desocupar a habitacie. Na altura em que se preparava para sair cem o c) Desvalores do acto juridico de sancòes
televisor e a aparelhagem, Cristina é atingida com uma vassourada d) Legitima defesa de direito de resistència
na cabeca, tendo ficado inconsciente e com lesöes fisicas, que a e) Normas de principios
obrigaram a tratamentos hospitalares e a tomararn incapacitada para f) Revogaçäo de caducidade
trabalhar durante dois meses. A autora da agréssio foi Eduarda, III
a nova Vizinha de Ana, que desconhecia a proprietaria do imovel e Comente com sentido critico, em nie mais de Vinte linhas,
pensava ser um assalto. Por 0utr0 lado, em Virtude dos cortes que uma das seguintes afinnaçôes (3 valores):
sofrera no seu vencimento, ha très anos que Ana nio paga qualquer
imposto, tendo recebido no més passado uma carta das Financas 1. “A doutrina do direito natural é uma doutrina idealista-dualista
onde se cobram juros de mora com a taxa fixada na Lei X/2011 assente na distincio entre um direito real (direito positivo) e
relativamente a todo o periodo de tempo da divida. Face a estes um direito imutável identificado com a justica. N0 entanto,
acontecimentos, Ana decide requerer a sua aposentaçäo antecipada este direito ideal carece de eficacia e nio tem condicio
por invalidez, pois ja no ano de 2009 lhe tinha sido diagnosticada para garantir a paz e a seguranca.”
depressâo crónica e incapacitante. 2. “A jurisprudència dos conceitos e a jurisprudència dos
interesses nie sie mutuamente excludentes.”
Responda as seguintes questöes:
Redaeçäo e sistematizaçäo: 2 valores
a) Distinga as varias sançôes que é possivel encontrar no
texto antecedente. (2 valores) Resoluçäo da parte I:
b) Supondo que o anterior regime do arrendarnento urbano,
dispunha que o arrendamento para habitacào nãa caduca Alinea a)
por morte do arrendatdrio se lhe sobreviver conjage com
residencia no locado hd mais de um ano, diga se Cristina 1. Juras de mora: esta em causa uma sanção compulsória em
tem razie? (2 valores) que se Visa fazer com que o infractor da norma a cumpra,
c) É licita a actuacie de Eduarda? (2 valores) ainda que tardiamente 7 no caso, que Ana pague os irnpostos
d) Deve Ana pagar jures de mora com base na taxa prevista em divida.
na Lei X/2011 relativamente ao montante dos impostos
em divida? (2 valores) 2. Entrada em contramäo na auto—estrada: constitui uma
e) Considerando que em 2009 a depressäo nie fazia parte das centra-ordenacie muito grave que implica o pagamento
deencas incapacitantes e que nie havia qualquer prazo de uma coima, sendo esta uma sançâo punitiva 7 que visa
para requerer a reforma antecipada por invalidez, pode Ana aplicar um castigo ao Violador da norma 7 de natureza
ser aposentada hoje com base nos motivos invocados? administrativa, Visto as normas violadas regularem as
474 (2,5 valores) relacòés entre a Administracie e 0s particulares (normas 475
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

de mera ordenaçâo social que têm como funçâo tutelar ocorre em relação a casados e unidos de facto, com residencia há
interesses colectives näo vitais), isto é, as relacöes entre as mais de quatro anas.
entidades de seguranca que visam pugnar pela tranquilidade Estamos diante materia relativa 50 conteúdo ou efeitos do
social e as pessoas em geral. contrato de arrendamento, pois prevé-se a n50 caducidade de tal
contrato diante certas circunstâncias, e, assim sendo, para efeitos
Vassourada (no caso da actu5c5e de Eduarda ser ilicita)
W

.
de aplicaçäo do art. 12.“, n.“ 2, do CC, coloca—se a quest50 de saber se
7 esta em causa uma sançâo compensatória 7 art. 566.“
tais efeitos abstraem ou näo do facto que lhes da origem 7 a celebraçäo
do CC 7 em que se Visa reconstituir uma situaçäo que,
embora diferente da que existia antes da violaçäo da norma,
do contrato. Para responder a esta quest50 cenvém determinar se o
é, todavia, valerativamente equivalente 5 primeira, Operande
conteúdo da LN visa salvaguardar interesses sociais fundamentais
da comunidade, ou se, pele contrarie, esta no âmbito da autonomia
através da indemni25c5e dos danos sefrides. Temos uma
contratual das partes. Parece que a nova norma Visa regular interesses
indemnizaçäo pelos danos patrimoniais sefrides per
sociais firndamentais, peis ao prever a 1150 caducidade (ou transmissao)
Cristina, iste é, relativamente às despesas hespitalares (danos
do arrendamento nos casos da morte do arrendatario 5 pessoa que
emergentes 7 art. 564.“, n.° 1, 1“ parte, do CC,) e também
com ele viva em uni5o de facto estabelece uma certa ordem pública
quanto aos dias de trabalho que perdeu (lucros cessantes
art. 564.“, 11.“ 1, 2“ parte, do CC,). E uma indemni25c5e
económica de direccào, que tem per base uma nova concepçâo do
regime institucienal das pesseas. Por isso, esta em causa um efeito
peles danos näo patrimoniais ou morais (art. 496, 11.“ 1,
que abstrai do facto que lhe dd origem, e, neste sentido, de acordo
do CC), isto é, relativamente às deres que teve.
com a 2° parte do art. 12.“, n.° 2, do CC, deve ser a LN a resolver
Morte de Luis 7 pode-se referir, a este respeito, a existéncia
P

esta situaçäo.
de uma sancito punitiva de natureza criminal, em que se Nestes termes, é Cristina quem tem 15250, devende Ana desocupar
Visa aplicar um castigo 50 infractor de uma norma que tem o irnóvel, pois embora esta vivesse em uni5e de facto cem o arrendatario,
por funçäo tutelar es valores essenciais da comunidade, Bruno, a verdade é que tal só ocorreu durante trés anos, e n50 quatre,
e que se podera reconduzir ae art. 137.“ do Código Penal 7 tal como exigido pela LN.
crime de homicidio por negligencia; e também uma sançâo
Note-se que, embora a LN venha alargar o prazo de permanência
compensatória (art. 566.° do CC 7 visa reconstituir uma
no imóvel de um para quatro anos, n50 esta em causa a aplicac5o
situaçäo que, embora diferente da que existia antes da
do art. 297.“, 11.“ 2, do CC, porquanto este prazo é apenas um facto
Violacao da norma, é, todavia, valorativarnente equivalente
pressuposto da 1150 caducidade do direito de arrendamento (podendo-se
5 primeira, e opera através da indemnizacàe dos danos
falar de retroconexâo, case ja estivesse completado na altura da
sofridos) relativa ae dano da morte, que é um dano näa
entrada em vigor da LN, 0 que aqui verificamos näo ter sucedido)
patrimonial ou moral, nos termos do art. 496.“ do CC.
e, para além disse, 5 LN n50 se limita a alterar 0 prazo de permanéncia
no lecade, mas alte15 igualmente as condicòes dos sujeites para
Alinea b)
que tal situ5c5e suceda (para além dos casades, passa a abranger
Verifica-se um problema de sucessdo de leis, em que: i) de acordo
também os unides de facto).
com a LA a n50 caducidade do direito de arrendamento ocorre so
em relação a casados e com residencia ha mais de um ano; ii) e
de acordo com a LN a n50 caducidade do direito de arrendamento 477
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Alinea c) Por eutre lado, e pelo ja exposto, parece que n5o existe erro
quanto aos pressupostos da legitima defesa, nos termos do art.
Eduarda agiu em legitima defesa 7 art. 337.“ do CC 7, que consiste 338.“ do CC, viste a actuac5o de Cristina ser ilicita.
ne acto de afastar uma agressae actual eu iminente ilicita contra Neste sentido, a actuaçâo de Eduarda e licita, n5o eStando
uma pessea, quando näeferpessivel recerrer a auteridade pública.
ebrigada a indemnizar os danos sofridos por Cristina resultantes
OS seus pressupostos S5o: da vassourada.
1. Impessibilidade de recurso aos meios coercivos norrnais
7 o que se verifica, viste as autoridades peliciais poderem Alinea d)
n5o chegar a tempe para impedir a retirada de bens de
Ana; O art. 1.“, n.“ 2, da Lei X/2011 é incenstitucional, pois prevè a
aplicac5e retroactiva de urna norma de direito fiscal que fixa deveres
Reacc50 a urna agress50 actual e patrimonial, porque
.N

de natureza pecuniaria, os jures meratôries, Vielande-se 0 principio


embora Cristina näo tenha arrombado a fechadura da porta,
a verdade e que ja se encentrava a retirar es electrodomésticos
da nao retroactividade da lei fiscal previsto no art. 103 .°, n.° 3, da
CRP e no art. 12.“ da Lei Geral Tributarias”.
que pertenciam a Ana;
Vencendo-se os juros de mora todos os meses e depeis de
Esta legitima defesa é de terceiros, porque Eduarda esta a
W

. decorrido o prazo legal de pagamente do imposto devido, esta em


defender os bens de Ana; causa um facto de formac5e sucessiva, e, deste mode, a nova taxa
4. Proporcionalidade entre a reacc5o e a agress5e, prevista legal de juros meratòries So deveria ser aplicada aos juros que se
no art. 337.“, n.“ 1, parte final, do CC (proporcionalidade venham a vencer depois da entrada em vigor da Lei X/ 2011, tal
em sentido restrito) e no art. 337.“, n.“ 2, do CC (proibic5o como decorre de art. 12.“, n.“ 2, da Lei Geral Tributaria.
de excesse) 7 este requisito tambem esta preenchido nas
suas duas vertentes. Quante 5 vertente da proporcionalidade Alinea e)
em sentido restrito, porque Eduarda pensou que Cristina
era um assaltante, e, embora, as metivacòes desta fessem A resposta a esta quest50 importa a analise de dois aspectos:
ebrigar Ana a desecupar o imóvel, a verdade é que a sua
actuac5o caberia no ambito do crime de furto, e, como 1.“ Determinar qual é actualmente o regime legal sobre o tipo
tal, es interesses lesados da atacante Cristina (a pancada na de doencas que permitem a aposentacao antecipada: verificar
cabeca com uma wssoura) e os interesses da defendente se o Decrete 7 lei Y/2011 (que se limita a acrescentar a depreSS5o
Eduarda (impedir o reube de electrodomésticos) eram 5 lista de deencas prevista na Lei X/2011) revoga a Lei X /2011.
proporcionais ou equilibrados; da mesma forma, quanto Entrada em vigor da Lei X/2011: nes termes de art. 5.°, n.“ 2,
5 segunda vertente da proporcionalidade, a actuac5o de do CC, quando a própria lei fixa um prazo de vacatio legis é esse
Eduarda n5e seria excessiva, p0rquanto urna vassourada que deve prevalecer. Neste caso, e fixado o prazo de um més (art. 4.“
na cabeca seria um meie eficaz e n5o desmedide para da Lei X/2011), que se deve centar a partir da data da sua publicac50
travar um assalto a urna casa.

478 599 Vide supra 33.2.2.2. 479


Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

e dispanibilizacaa online, que acarreu no dia 28 de Janeiro. De 2.“ Problema de sucessão de leis
acordo com 0 art. 279.“, alinea c), relativo a contagem de prazos em
De ac0rd0 com a LA, existente em 2009, a depressao näo fazia
meses, 0 prazo termina as 24 horas do dia 28 de Fevereiro (28 é o
parte das doenças incapacitantes para requerer reforma antecipada
dia a que corresponda porque a lei foi publicada a 28 de Janeiro),
por invalidez e nao havia prazo para a requerer. De acorde com a
logo a lei entra em vigor as 0.00 horas da dia l de Marce de 2011.
LN, a depressao faz parte das doencas incapacitantes para efeitos
Entrada em vigor do Decreto-Ley Y: embora o art. 2.“, n.“ 1, da de reforma antecipada por invalidez (nos termos da Decreto—Lei
Lei n.“ 74/98, de 1 1 de Novembro, preveja que a data da publicacao da Y/2011) e fixa—se um prazo de seis meses para pedir a reforma, a
lei se considera o da sua dispenibilizacao online no sitio da Internet contar desde 0 diagnostico da doenca (nes termes da Lei X/201 1).
gerido pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S.A., a verdade é
Trata-se de matéria relativa a0 conteúdo ou efeitos do contrato
que, na pratica, pode suceder que a data do Diario da República nao
de trabalho, pois prevê-se a extinçäo de tal contrato se ocorrer doença
corresponda ao da sua efectiva disponibilizaçâo online. Par isso,
incapacitarrte e pedido de reforma antecipada, por isso, para decidirmas
devemos aplicar o art. 2.“, n.“ 4, da Lei n.“ 74/98, de 1 1 de Novembro, e
se aplicamas a 1“ ou a 2“ parte de art. 12.“, n.“ 2, d0 CC, devemos
entender que 0 prazo de vacatio legis se deve contar a partir da data
deterrninar se tais efeitos abstraem, ou nao, do facto que 1hes da origem
da sua real dispenibilizacae online. Deste modo, nos termes do
(a celebracaa do centrate). Importa, assim, analisar se com a LN se
art. 5.“, n.“ 2, do CC e da art. 2.“, n.“s 2 e 4, da Lei n.“ 74/98, de 11
Visam salvaguardar interesses fundamentais da camunidade, eu se,
de Novembra, 0 prazo supletiva de vacatio legis de 5 dias comeca-se
pelo contraria, o seu conteúdo está n0 ambito da autonomia contratual
a contar a partir do dia 3 de Fevereiro (dia da sua disponibilizacao
das partes, Visando simplesmente proteger interesses privados. Parece
online), e, coma tal, o Decret0-lei Y/2011 entra em vigor no dia 8
que a nova norma visa regular interesses saciais fundamentais, a0
de Fevereiro de 2011.
fixar es tipos de doenças que permitem a reforma antecipada por
A duvida que se segue, para aferirmos se o Decreto—lei Y revoga invalidez, e, como tal, temes uma situacae em que es efeitos do
a Lei X, prende—se com o momento da posteridade de tais actos centrato abstraem do facto que 1hes da origem, aplicando—se, par
legislativos. Temos urn caso em que uma lei publicada antes entra estes motivas, a 2“ parte do art. 12.“, n.“ 2, da CC, ou seja, a LNEOO.
em vigor após um decreto-lei publicade depois. Nestas situacòes,
Todavia, a LN vem fixar um prazo de 6 meses para se pedir a
para Oliveira Ascensaa, que defende o critério da publicidade, nao
reforma antecipada, a c0ntar do diagnostico da doenca, prazo que no
restariam duvidas de que o Decreto-lei Y/2011, publicado depois,
momento da sua entrada em Vigor, ja tinha passado, pois a depressao
revoga a Lei X/201 1, e, coma tal, seria aquele que estaria em vigor.
tinha sido diagnosticada a Ana ne ano de 2009. Este prazo de 6 meses
Teixeira de Sousa, embora chegue a mesma conclusao, entende que
é um prazo que constitui urn facto pressupasto da extinçäo de uma
existe um impedimento de Vigência da Lei X/2011.
faculdade legal (a faculdade de pedir a reforma antecipada). Naa
Verifica-se, assim, uma revogaçâo tácita (art. 7.“, n.“ 2, do CC sendo constitutiva ou extintive de um direito ou situacae juridica,
7 nao decarre de declaracao expressa), substitutiva (porque tem
carácter revogatórie e dispositivo) e parcial (porque revoga apenas
uma parte da Lei X, o art. 2.“ n.“ 1) operada pelo Decreto—lei Y em
5““ Note7se que, Miguel Teixeira de Sousa refere a situacao das leis que alterem
relaçäo à Lei X/2011. a lista de doencas prolongadas que pennitem a aposentacao, cama um dos casos
de factos duradouros a que se deve aplicar imediatamente a LN, nos termos do
art. 12.“, n.“ 1, 1“ parte, de CC. Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Intmduçãa
480 ao Direito… p. 285. 481
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

em principio, n5o se lhe deveriam aplicar as regras do art. 297.“ do privada. Tal lei estabelece, por um lado, que as empresas de seguranca
CC. Contudo, nestes cases de preclus5o de uma faculdade legal, a privada apenas podem contratar come agentes de seguranca, sob
doutrina tem entendido que se deve aplicar o disposto neste preceito, pena de nulidade, pessoas que demenstrem possuir as habilitacòes
isto porque se a LN mante'm e alarga es fundamentos para o exercicio legalmente exigidas para o exercicio da profiss5o, per meio de
de uma faculdade legal (no caso, a pessibilidade de pedir a reforma deglaragae emitida peles services competentes do Ministério da
antecipada), e apenas altera o prazo (ou fixa mesmo um nove prazo, Administracào Intema. Per eutre lade, a mesma lei, atendende a que
outrora inexistente) a que tal exercicio esta sujeite, n5o faria sentido es agentes de seguranga privada raramente exercem as suas flmcòes
que o seu decurse quande entra em vigor a LN venha a impedir ne domicilio das empresas de seguranga que es empregam, veie disper
o exercicio da faculdade por ela atribuida“. Assim, quando a LN o seguinte: «Na falta de estipulagae em contrario, a remuneraçäo
fixa um prazo que antes n5o existia, subentende—se que há um dos agentes de seguranca privada deve ser paga per transferência
encurtamento de um prazo anterior e aplica—se 0 art. 297.°, n.“ 1, do bancaria». Finalmente, a mesma lei dispOe ainda que n5o poderae ser
CC, ou seja, o prazo comeca—se a contar no momento da entrada em admitides como agentes de seguranca privada quaisquer individuos
Vigor da LN. Neste sentido, Ana poderia ser aposentada hoje com que tenham praticade crimes a que corresponda uma pena igual ou
base em depress5o cronica diagnesticada no ano de 2009, tendo um superior a très anos. O mesmo diploma contém, ainda, uma dispesicào
prazo de 6 meses para requerer a apesentaçâe a partir do dia l de de direito transitorio, nos termos da qual «O presente diploma entra
Marçe de 2011, altura em que entrou em Vigor a Lei X/2011 (LN). em vigor très meses a contar da data da sua publicaçâe».
a) Quais as datas de entrada em vigor do Decreto-Lei n.“ 200/99
5. e da lei da Assembleia da República de 3 de Marco de 2008? (0,5
Exame de Introdugao ao Estudo do Direito II602 valeres)
Coincidéncias 7 1.“ Ane 7 Noite 24 de Junho de 2011 b) Qual o efeito da lei da Assembleia da Repüblica sobre 0
I Decrete-Lei n.“ 200/99? (0,5 valeres)
c) Apos a entrada em vigor da lei da Assembleia da Repüblica
Abel celebra, em Dezembro de 2007, com a empresa de seguranga
o contrato de trabalho celebrade entre A e B mantém a sua wlidade?
B, um contrato de trabalho, per escrito particular, nes termos do
(2 valores)
qual o primeiro se obriga a prestar a segunda fungöes ceme agente
d) Depois da entrada em vigor da lei da Assembleia da República
de seguranga privada. Na altura, embora as partes nada tenham
onde deve ser paga a remuneraçäe devida a A? (2 valores)
estipulado sobre o assunte, estava em vigor uma norma do regime
e) Supenha que a lei da Assembleia da Repüblica contém uma
geral do contrato de trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 200/ 99,
publicada em 2 de Janeiro, com o seguinte texte: «No silencio das disposiçäo cem e seguinte teer: «As empresas de seguranca privada
apenas podem contratar come agentes de seguranca, sob pena de
partes, a remunerapda do trabalhador deve ser paga, contra entrega
de recibo, no domicilio do empregadom. Mais tarde, surge uma lei nulidade, pessoas que, no prazo de dois meses a contar da data da
celebragae de contrato, demonstrem possuir as habilitagöes legalmente
da Assembleia da República, publicada em 3 de Marco de 2008,
exigidas para o exercicio da profiss5o, por meio de declaracae emitida
que pretende regular todos es aspeetes da aetiVidade de seguranga
pelos servicos competentes do Ministério da Administraçâo Intema».
Esta dispesiçäo seria aplicavel aos contratos em curse? Em que
““1Cfr. JOAO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicactîo..., pp. 231 e segs. termes? (2 valeres)
““2Enunciado realizade per Miguel Negreira de Brito, cuja publicagäe se faz
com autorizagao do autor. 483
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

j) Imagine que D foi cendenado, em 2003, pela pratica de um Nesta concepc5e renuncia—se a fazer reverter 0 cenceite de direito
crime a que corresponde uma pena de 4 anos. Em Julho de 2008 natural 5 ideia de que ha criterios normatives flmdamentais que radicarn
responde a um anúncio tendo em vista a celebrac5o de um contrato uma natureza ou essência prefixada.» Baptista Machado, Introdacào
de trabalho para o exercicie de funções como agente de seguranca ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983,
privado. Podera ser contratado? (2 valores) p. 296.
g) Imagine agora que A, apòs ter side centratado pela empresa
“O problema da validade das norrnas n5o pode ser encarado
B, e colocado a exercer func0es como agente de seguranca privada
nurna perspectiva exclusiwmente sistémica ou hier5rquica, sob pena
nurna fabrica de bolos durante o turno da noite. Tendo-se apercebido
de regress5e infinita. H5 um pento a partir de qual 5 pergunta pelo
que varios adolescentes se introduziam a altas horas da noite no
fundamento de validade de uma norma n5o pode responder-se
local para furtarem boles resolveu emboscar—se, acompanhado do
indicando urna outra norrna, mas apenas um firndamente de wlidade
cäo de que nermalmente se fazia acompanhar para o exercicio das
material.”
suas func0es. Quande se apercebeu que es adelescentes entravam
Redaccào e sistematizaçäo: 2 valeres
na f5brica aticou—lhe de imediate o câe. Em resultado feram causades
ferirnentes graves num des adolescentes, tendo-se os restantes poste
Resoluçäo da parte 1:
em fuga. A actuac5o de A foi licita? (1,5 valores)
h) Imagine, por último, que doiS dos cempanheires do adolescente
Alinea a)
gravemente feride veltam atras e, verificando que o mesmo necessita
urgentemente de ser conduzido a um hospital, utilizam uma das
carrinhas de diStribuic5o da f5brica para o efeito, embora nenhum Quante ae Decreto-Lei n.“ 200/99, n5o determinando nada acerca
deles tivesse ainda a carta de cenduc50. Ae utilizar a carrinha da sua entrada em vigor, de acordo com o art. 5.“, n.“ 2, do CC,
aplica—se 0 prazo supletivo de 5 dias que esta previsto no art. 2.°, n.° 2,
despejaram para fora a respectiva carga, acabando por inutilizar
quase todos os bolos que a compunham. Aprecie a sua actuac5o. da Lei n.° 74/98, de 1 1 de Novembro, e, como tal, tendo sido publicado
(1,5 valores) a 2 de Janeire, entraria em Vigor ne dia 7 de Janeiro de 1999 (de
acordo com o art. 279.°, alinea b), do CC e com o art. 2.“, n.“ 4, da
II Lei n.“ 74/98, de 11 de Novembro, n5o se centa o dia da publicac5o
a) Comente a seguinte frase: «E se o legislador qualificar como “... conta-se a partir do dia imediato ao da sua diSponibilizac5o...”,
interpretativa uma lei que substancialmente é inovadora? A pratica que seria 0 dia 2 de Janeiro, entrando em Vigor no quinto dia, ou
ensina que o faz frequentemente, para tomar menos perceptivel a seja, dia 7 de Janeiro).
retreactividade da lei, que provoca desagrade social. Perante um
caso destes, como procedera o intérprete?» (3 valores) Quanto a lei de 3 de Marco de 2008, visto ela própria ter fixado
um prazo de vacatio legis de trés meses, de acordo com o art. 5.“,
b) Comente uma e só uma, das seguintes frases (3 valores): n.“ 2, do CC, é este que deve valer. Assim, eStando diante de um
«Existe uma concepçâe muite arnpla de direite natural no qual se prazo fixado em meses, a sua contagem deve ser feita nos termos do
abrangem todas aquelas “realidades” previamente dadas a que se acha art. 279.“, alinea c), de CC, per isse, terrninande 0 prazo de 3 meses
vinculado o legislador (tomando este come a inst5ncia positivadora 5s 24 horas do dia 3 de Junho (3 e 0 dia a que corresponda porque
por excelència), desde valores, norrnas, “natureza das coisas”, estruturas a lei foi publicada a 3 de Marçe), a lei entra em vigor as 0.00 horas
da interacc5o humana (da humana convivência), situac5o històrica, do dia 4 de Junho de 2008.
484 espirite ou cultura de um pevo, instituiçôes e papéis sociais, etc. 485
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Alinea b) Alinea d)

Visto que a lei da Assembleia da República pretende regular a A LN veio alterar a norma relativa ao local do pagamento da
situacio especifica da actividade de seguranca privada, incluindo, remuneracio dos agentes de segurança privada: segundo a LA
também, o seu regime de contratacie, afigura—se come uma norma (Decreto—Lei 200/99) era o domicilio do empregador e de acordo
especial em relacie ao regime geral do contrato de trabalho, o com a LN (lei de 3 de Marco) o pagamento passa a ser feito por
Decreto—Lei n.“ 200/99. Deste m0d0, verifica-se que a norma especial transferència bancária. Estamos diante de uma situacio relativa ao
revoga parcialmente a norma geral, ou, melhor dizendo, derroga a conteúdo ou efeitos de um contrato 7 0 local do pagamento da
norma geral. Por isso, neste caso, verifica—se uma revogação parcial, remuneracio 7, por isso, para deterrninarmos se aplicamos a 2“ ou
ou derrogaçâo, da Lei de 3 Março de 2008 sobre o Decreto-Lei a 1“ parte do art. 12.“, n.“ 2, do CC, devemos verificar se tais efeitos
n.“ 200/99, quanto aos aspectos relativos ao contrato de trabalho de abstraem, ou nie, do facto que lhes da origem (a celebracie do
seguranca privada. contrato). De acordo com o estatuto dos contratos“, importa analisar
se com a LN se visam salvaguardar interesses fundamentais da
Alinea c) comunidade, ou se, pelo contrario, o seu conteúdo está no ámbito
da autonomia contratual das partes, visando simplesmente proteger
A questie suscitada tem per base o facto de a lei de 3 de Março interesses privados. Atendendo a que o teor dos preceitos que regem
de 2008, a LN, exigir, sob pena de nulidade do contrato, que as esta situacio tem um caracter supletivo, o que resulta das expressôes
empresas apenas contratem como seguranças privados pessoas que “no silèncio das partes” ou “na falta de éstipulacie em contrario”, a LN
demenstrem pessuir as habilitaçôes legalmente exigidas para o que altera o local do pagamento para transferència bancaria, parece
exercicio da profissâo por meio de declaraçäo emitida pelos serviços náo visar a tutela de interesses sociais relevantes. Efectivamente, as
competentes do Ministério da Administraçäo Intema. Trata-se de um partes têm a liberdade para dispor sobre 0 conteúdo dos contratos,
novo requisito de validade formal que esta lei vem fixar, pois respeita e, se, por acaso, näo o fizeram, significa que concordaram com as
a uma formalidade “a declaracie do Ministério da Administracie regras supletivas previstas na lei por altura da sua celebraçâo, de
Interna”, que deve ser observada sob pena da nulidade do contrato. modo que este regime supletivo acaba por ser considerado como
Deste modo, Visto a LA nie previr este requisito de validade formal, uma verdadeira cláusula contratual. Por ísso, tal como nas restantes
e, atendendo a que o contrato celebrado entre Abel e a empresa B cláusulas que fixam os direitos e deveres das partes, estarnos diante
se encontra em vigor, produzindo efeitos após surgimento da LN, de um efeito que nie abstrai do facto que lhe da origem, pois 0
temos um problema de sucessie de leis, que deve ser resolvido de seu conteúdo implica uma valoracio desse mesmo facto, isto é, a
acordo com o critério supletivo do art. 12.“ do CC. Assim, tomando manifestacie de vontade das partes é que vem determinar 0 regime
por base o art. 12.“, n.“ 2, entendemos, neste caso, aplicar a sua l“
do local de cumprimente do contrato. Assim, consideramos estar
parte, porquanto, tal como ja referimos, está em causa uma questie
em causa uma norma que visa proteger os interesses das partes na
relativa as cendicòes de validade formal do contrato, e, por isso,
relaçâo contratual, e, como tal, temos um efeito que näa abstrai
deve ser a lei existente no momento da sua celebraçâo, ou a LA, a
de facto que lhe dd origem, devendo-se aplicar o art. 12.“, n.“ 2, 1“
regular esta situacio.
parte, do CC, ou seja, a LA.
Nestes termos, conclui—se que o contrato celebrado entre Abel
e a empresa B é Valido, p0rque o Decreto-Lei 200/99 nâo previa a
486 necessidade desta declaraçâo do Ministério da Administracie Interna. °“ Vide supra 33.4.3.6. 487
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Deste mode, 5 remunerac5e devida deve ser paga do domicilio anes de pris50. Iste é, o conteúdo da LN fixa um requisito de (in)
do empregader. capacidade contratual dos sujeitos que queiram exercer funções de
seguranca, e, deste modo, esta em causa uma condicio de validade
Alinea e) do contrato, 15250 pela qual é a lei existente no momento da sua
celebraçâo que, nos termos do art. 12.“, n.“ 2, 1“ parte do CC, deve
O preceito em causa tem 0 mesme teer de previsto no enunciado regular a situac5e.
do texte 7 a exigencia da ebtençäo da declaraçäa de Ministe'rio da A particularidade deste case reside no facto de a condenacao de D
Administraçäe Interna, que ateste as habilitacoes para exercicio ter ocorrido antes da entrada em Vigor da lei de 2008, o que poderia
da profissäo de seguranca, sob pena de nulidade do contrato 7 com suscitar uma eventual 5plicac5o retreactiva desta LN. Tedavia,
a excepcàe de que agora se fixa um prazo de dois meses após a estames diante de uma situaçäo de retroconexâo, pois 0 facto
celebraçâo do contrato para obter tal declaraçâo, surgindo, per este “condenacào a pena de 4 anes” é um facto pressupesto do passado
motivo, a quest50 de saber se deveremos aplicar o art. 297.“ do CC, que auxilia na determinaçâo do regime do facto constitutive do
que se configura como um critério especial da sucess5e de leis que presente 7 a celebrac5o do centrate de trabalho com o seguranca
alterem prazes. privado 7, que essa LN visa regular. Assim, n50 sende aquele o facto
Em nessa opini50, n50 esta em causa a aplica95o deste preceito, constitutivo, a lei de 2008 n50 tern qualquer aplicacào retroactiva,
perquante a LN n50 se limita 5 alterar um prazo previste numa ainda que atenda a factos do passado para concretizaçäo dos factos
LA, mas antes fixa um novo requisito de validade formal para a constitutivos que se verificam quando ela ja esta em vigor.
celebraçâo dos contratos cem segurancas privades. O prazo de deis
meses para se obter a declaraçäo do Ministérie da Administrac5o Alinea g "‘“
Interna n50 se configura come um facto constitutivo ou extintive de
direitos, mas apenas como um pressuposta para o cumprimento de “A” agiu em legitima defesa (art. 337° do CC), que consiste
um requisite de validade. Por estes motivos, tal como ja referimos, no acto de afastar uma agressäo actual ou iminente, ilicita, contra
é 5 lei que existia no momento da celebraçâo do contrato que deve uma pessoa eu patrimonio de uma pessoa, quando näofor possivel
reger os contratos em curse (art. 12°, n.° 2, 1“ parte, do CC), ra250 recorrer a autaridade pública. Os seus pressupostos s50:
pela qual esta nova lei da Assembleia da República apenas se aplicara
aos contratos futures.
°“ Na análise deste caso, n50 esquecemos as particularidades que est50 ligadas
Alinea/) ao exercicio das fimcòes de seguanca privada, cuje regime consta do Decreto-Lei
n.° 35/2004, de 21 de Fevereiro. Efectivamente, estamos diante situacòes em que S5e
atribuidas tarefas de seguranca a sujeitos privados, 0 que suscita, desde lege, a
Na resoluçäo desta hipôtese deve, desde logo, aplicar—se a
quest50 de saber em que termes se pedem cenfiar a particulares e exercicie de tarefas
directriz geral prevista no art. 12°, n.° 1, 1“ parte, do CC, de acordo que s50 tipicas dos poderes éstatais (a este respeito, vide PEDRO GONCALVES,
com a qual “a lei dispöe para efuturo”. Entidades Privndns..., pp. 966 e segs), e, também, saber c0m0 se cencilia o exercicie
Assirn, se 5 LN entra em vigor a 4 de Junho de 2008, e se D destas funcòes, que derivam das entidades que contratam os agentes de segiranca
pretende ser contratado como agente de seguranca em Julho de 2008, privada, com os meios de tutela privada que n50 podem ser exercides por terceiros,
como é o caso da accao directa. Independentemente destas problemáticas, que
esta nova lei, que impede a contrataçâo de pessoas que tenham sido
n50 s50 despiciendas, e das cendicòes previstas no Decreto-Lei n.“ 35/2004, de 21
condenadas cem pena igual eu superior 5 3 anes, deve ser aplicada de Fevereiro, para a resolução desta hip0tese varnos fecar—nos somente na análise
488 sem mais à situaçäe 6m causa, pois D havia sido condenado a 4 dos meios de tutela privada e do seu regime, tal como consta do Código Civil. 489
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

1 . Impossibilidade de recurso aos meios coercivas nannais 7 o Alinea h)


que se verifica, visto pressuperrnes nao estarem entidades
policiais por perto; Os dais companheiros do jovem ferido agiram em estado de
2. Reaccao a uma agressao iminente e contra o patrimo'nio necessidade 7 art. 339.“ do CC 7, que consiste em considerar licita
de uma pessoa 7 as bolos da fabrica; a acçäo de destruir uma coisa alheia para remover uma situaçäo
.Esta legitima defesa é de terceiros, parque “A” esta a de perigo actual ou iminente de dano superior. Os seus requisitos
W

defender bens que pertencem a fabrica; sao:


4. Proporcionalidade entre a reaccao e a agressao, que contém
1. Impossibílidade de recurso aos meíos sancionatóríos da
duas vertentes: a vertente da proporcionalidade em sentido
forca pública 7 que no caso esta preenchida, pois diante
restrito ou equilibrio (prevista no art. 337.“, n.“ 1, parte
dos graves ferimentos do amigo, 0 contacto e chegada
final, de CC), segundo a qual deve haver um equihbrio entre
dos meios de auxilio médico poderiam fazer perigar a sua
as wntagens alcancadas e as desvantagens de certa actuacao,
situaçäo;
isto é, entre os interesses do defendente e es interesses da
atacante; e a vertente da necessidade ou proibiçäo do 2. Reacçâo contra uma situacae de periga actual, alheia e
excesso (prevista no art. 337.“, n.“ 2, do CC), segundo a pessoal 7 pois 0 cao atiçado porA causou graves ferimentas
qual o meio usado, de entre todos as disponiveis, deve ser a um dos adolescentes;

0 menos lesiva. Neste caso, ambas as vertentes parecem nao Reaccao que se refiecte contra uma Lisa danificando-a 7

b)
.

estar preenchidas. A primeira porque 0 interesse sacrificado no case, a utilizaçâo de uma das carrinhas de distribuiçäo
dos atacantes (adolescentes) 7 a integridade fisica 7 é da fabrica pelas adolescentes (sem carta) fez cam uma
manifestamente superior a0 interesse d0 defendente (0 parte da sua carga fasse destruida;
seguranca)7 evitar o roube dos bolos. E a segunda porque
4. Proporcionalidade entre a coisa sacrificada e o bemjuridica
“A” poderia ter escolhído um “meío” menos ofensivo d0s
interesses d0s atacantes para impedir a agressaa, dado
que é salvo de perige (art. 339.“ n.“ 1, parte final, do CC) 7
este requisita também esta preenchido porque a utilizacao da
que um cao aticade pode inclusive provocar a morte de
caninha pelos jovens sem carta, que implicou a destruicao
pessoas. Para além de que, este excesso da defesa nao
de quase todas as balos que ela continha, Visou salmguardar
esta coberto pela parte final do art. 337.“, n.“ 2, da CC,
a saüde do amigo que se encontrava gravemente ferido.
Visto mio se dever “a pertarbacdo ou medo näo culposo
do agente” 7 de facto, tendo—se “A” apercebido da intencaa Estando preenchidos os requisitos do estada de necessidade, a
d0s adolescentes antes de estes iniciarem a agressao (o furta actuaçâo dos adolescentes é licita, pois esta coberta par este meia de
dos bolos) maior ponderacae deveria ter tido na escolha tutela privada. No entanta, tal facto, nao afasta a dever de indemnizar,
da meia a usar (a actuaçâo de “A” é premeditada). porquanto nâo deve ser o lesado (ne caso a fabrica) a arcar com
as prejuizas. Assim, nos termos da art. 339.“, n.“ 2, parte final, d0
Deste modo, verifica-se que a actuacao de “A” naa esta caberta _ . _ _ _ _

CC605, o trrbunal deve fixar uma rndemnrzacao equitativa a pagar


pela figura da legitima defesa 7 temos um excessa de legitima defesa
7, e, como tal, a actuaçäo é ilicita, geranda um dever de indemnizar
nos termos do art. 483.“, n.“ 2, do CC.
"“5 Note-se que nao aplicamos a 1“ parte deste preceito, visto a situacao de perigo
nao ter sido criada por culpa exclusiva da agente em estada de necessidade.
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

pelo agente 7 es deis adolescentes que transpertaram o colega 7, 2. Em Setembro de 2011 qual o diplomas (ou diplomas) em
pelos que contribuiram para o estado de necessidade 7 o seguranca Vigor, de entre es mencionados? (3 valores)
A, que aticou o c5o 7, e pelos que beneficiaram do acto do agente 3. O Decreto-Lei n.° 138/2011 tem natureza interpretativa?
7 o jovem ferido. Esclarega qual o grau de retroactividade prevista em tal diploma
e se 0 mesme se conferma com 0 regime que sobre essa matéria
6. preceitua o COdigo Civil. (3 valores)
Teste de Introdução ao Estudo do Direito II606 4. Admita que em Outubro de 2011 o Tribunal Constitucional
1.“ Ano 7 Noite declara a ineenstitucienalidade com forca ebrigatòria geral do
27 de Marge de 2012 Decreto-Lei n.° 138/2011. Quais as consequéncias de tal decis5o
I sobre os diplomas mencionados na hipòtese? (3 valores)
(ll valores) II
O Decreto-Lei n.° 15/2011, de 3 de Janeiro, regulava os (7 valeres)
empréstimos para habitagae, estabelecende, designadamente, as
garantias exigiveis pelos bancos para efeitos de concess5o de crédito, Responda às seguintes questões:
prevendo a sua entrada em Vigor no prazo de eite dias. Em 6 de Junho 1. Esclarega em que cendigöes é possivel uma lei revogar eutra
foi publicado o Decreto—Lei n.“ 123/11 que tinha como objecto 0 sem que entre ambas exista qualquer incompatibilidade. (2,5 valores)
regime juridico do contrato de empréstimo e continha uma dispesigae 2. Distinga entre conceitos indeterminados e cláusulas gerais.
transitOria determinando a sua entrada em vigor no prazo de dois (2,5 valores).
meses apOs a respectiva publicaçäo. Entretanto, o Decreto—Lei n.“ 3. Distinga entre caducidade e revegagae da lei. (2 valeres)
138/2011, de 20 de Junho, veio esclarecer que a express5o «bancos» Redaccào e sistematizacdo: 2 valores
no Decreto—Lei n.“ 15/2011 abrangia qualquer entidade auterizada
per lei a atribuir empréstimos e, além disso, estabeleceu que tais Resoluçäo da parte I:
entidades, incluindo os bancos, n5o poderiam fazer quaisquer
arredondamentos nas prestagöes des empréstimos atribuides. Este Número 1)
diploma centinha uma disposiçäe transitOria nos terrnos da qual,
considerando a sua natureza meramente interpretativa, todos aqueles Decreto-Lei n.“ 15/2011 :
que ja tivessem contraido empréstimos poderiam exigir quaisquer
quantias pagas a titulo de arredondamento, mesmo as respeitantes Atendende a que o prOprio Decreto—Lei estabelece que entra
a prestagöes ja pagas. em Vigor no prazo de 8 dias, nos termes do art. 5.“, n.“ 2, do CC, é a
propria lei que fixa um prazo de vacatio legis, que deve ser contado
Responda às seguintes questöes: de acordo com 0 art. 279.“ do CC. Assim, viste estarrnos diante um
l. Qual a data de entrada em vigor dos diplomas mencionados prazo de 8 dias, aplicamos a alinea d) do art. 279.“, onde se considera
na hipótese e qual o regime legal ao abrigo do qual fundamenta a que é havide come prazo de uma semana, em conjugaçâe cem a alinea
sua resposta? (2 valores) c) do mesmo preceito, ende se dispöe que tal prazo termina ds 24
horas do dia a que corresponda dentro da última semana. Isto é, tendo
em conta que a lei foi publicada a 3 de Janeiro, uma segunda-feira,
5““ Enunciade realizado per Miguel Negreira de Brito, cuja publicagäe se faz

com autorizagao do autor. termina uma semana após, que é dizer, segunda-feira dia 10 de 493
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Janeiro, entrando, por isso, em Viger 5S 0.00 horas do dia 11 de especial em relac50 a ele, viste referir—se 5 situac5o particular do
Janeiro de 2011. regime de concess5o de crédite nos empréstimos para habitacao 7
designadamente as garantias exigiveis pelos bancos. Ora, de acordo
Decreto-Lei n.“ 123/I 1:
com o art. 7.“, n.“ 3, do CC “A lei geral nao revoga a lei especial,
NoS terrnos do art. 5.°, n.° 2, do CC, também é o proprio Decreto-Lei excepto se outra for a intençäo inequivoca do legislador”, por isso,
que fixa um prazo de vacatio legis. Este prazo e fixado em meses, convém saber se da hipótese decorre uma intenpdo inequivoca do
como tal, a sua contagem deve ser feita nos termes de art. 279.“, legislador revegar 0 regime especial. A doutrina tem entendido que
alinea c), do CC. Por isso, terrninande o prazo de dois meses as 24 esta intenc5e inequivoca pode resultar, por um lado, de uma declarac5o
horas do dia 6 de Agosto (6 e 0 dia a que corresponda, perque a expressa (e legislador diz expressamente que com a lei geral também
lei fei publicada a 6 de Junho), 0 Decreto-Lei n.° 123/11 entra em se pretendem afastar 0s regimes especiais) eu, por outro lado, de
Vigor 5S 0.00 horas do dia 7 de Agosto de 2011. uma declarac5e tacita (da interpretac5o resulta que 0 legislador quis
Decreto-Lei n.“ I38/2011: regular exaustivamente um sector, n5o deixande subsistir fentes
especiais). Os dades da hipôtese n5o nos permitem aferir tal intencào,
Neste caso, o Decreto-Lei n5o fixa um prazo de vacatie legis, por isso, aplicando o art. 7.“, n.“ 3, do CC, consideramos que o
por isso, de acordo com o art. 5.“, n.“ 2, do CC deve—se aplicar o Decrete—Lei n.“ 123/11 nao revoga o Decreto-Lei n.“ 15/2011.
prazo supletivo de 5 dias previsto no art. 2.“, n.“ 2, da Lei 74/98
de 11, de Novembro. Atendendo a que 0 dia de publicac5o n5o se
Poste isto, urge agora determinar se 0 Decreto—Lei n. “ I38/2011,
entrado em vigor a 25 de Junho (e que veio esclarecer que a expreSS5o
conta (art. 2.“, n.“ 4, da Lei 74/98, de 11 de Novembro e art. 279.“,
alinea b), do CC), e tendo sido publicado a 20 de Junho, o Decreto-Lei
“bancos” no Decreto-Lei n.° 15/2011 abrangia qualquer entidade
n.“ 138/2011 entra em Viger no dia 25 de Junho de 2011.
autorizada por lei a atribuir empréstimos, estabelecendo, ainda, que
tais entidades, incluindo es bancos, n5o poderiam fazer quaisquer
arredondamentes nas prestacòes dos empréstimes atribuidos)
Ndmero 2)
revoga o Decreto—Lei n.“ 15/201 I, entrade em Viger a 1 1 de J aneire.
Estamos diante de uma suposta mera lei interpretativa, porquanto
Para determinarmos quais diplomas est5o em vigor, teremes
visa esclarecer as duvidas suscitadas neste ultimo diploma acerca das
de analisar se existe alguma causa de cessac50 da Vigência da lei.
entidades autorizadas por lei a atribuir empréstimos. Todavia, sucede
Neste caso, suscita-se a existència de eventuais revegaçôes.
que na parte em que impede que tais entidades facam arredondamentos
Importa primeiramente determinar se o Decreto-Lei n.“ 123/I 1 , nas prestacoes dos empréstimos atribuidos, este diploma apresenta
que entrou em vigor a 7 de Agosto de 2011 e fixa o regime juridice de um caracter inevador, pois vem acrescentar alge ao diSposte no
contrato de emprestirno, revoga o Decreto—Lei n.“ 15/2011, que entrou Decreto-Lei n.° 15/2011 (que subentendemos n5e estabelecer esta
em Vigor a 11 de Janeiro de 2011 e regula as garantias exigiveis restric50) criando, per isso, um novo regime para esta Situac5e. Assim,
pelos bancos para efeitos de concessäo de credito nos emprestimos o Decreto-Lei n.“ 138/201 1, quanto a este último aspecto, vem revogar
para habitac5e. Supendo que ambes os diplomas tém dispesiçôes o disposto no Decreto-Lei n.° 15/2011, por incompatibilidades de
incompativeis, teriames um caso de revegac50 ta'cita (art. 7.“, n.“ 2, conteúdo. Trata-se de uma revogacào ta'cita (art. 7.“, n.“ 2, do CC)
do CC) e de revegac5e substitutiva (pois é fixado um novo regime e de urna revogacào substitutiva (pois fixa um nevo regime para a
para a matéria). Porém, coleca—se a questâe de saber se tal revegaçäo é matéria), n50 havendo quaisquer restriçôes legais para esta revegaçäo,
permitida. Regulando o Decreto-Lei n.“ 123/11 0 regime juridico de que se limita a traduzir a ùltima vontade de legislador quanto a este
494 contrato de empréstimo, o Decrete—Lei n.“ 15/201 1 afigura—Se assunto. 495
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

Poderiamos ainda conjecturar a hipótese de o Decreto—Lei n.“ inconstitucional revogou. Assim, o Decreto—Lei n.“ 15/2011 é
123/11 (que entrou em vigor a 7 de Agosto) Vir revogar o Decreto—Lei repristinado, ou seja, volta a produzir efeitos na parte em que haVia sido
n.“ 138/2011 (que entrou em vigor a 25 de Junho), apenas em parte revogado, e, por isso, os bancos podem voltar a fazer arredondamentos
interpretativo. Porém, dírigíndo—se este último também a situaçäo nas prestaçôes dos empréstimos atribuidos. Do mesmo modo, deixa
particular do Decreto—Lei n.“ 15/2011, tal revogaçâo näo é permitida de ser vinculativa a interpretacie da expressie “bances” no sentido de
de acordo com a argumentacie ja expendida acerca das leis gerais abranger qualquer entidade autorizada por lei a contrair empréstimos.
e especiais.
Deste modo, em resposta a pergunta forrnulada, verificamos que 7.
em Setembro de 2011 estao em vigor os très diplomas: o Decreto—Lei
Teste de Introducào ao Estudo de Direito II607
3 de maio de 2012; duracie 7 55 In
n.“ 138/2011; o Decreto-Lei n.“ 15/2011, na parte que nio celide
cern 0 Decreto—Lei n.“ 138/2011; e 0 Decreto—Lei n.“ 123/11, na I
parte em que näo colide com os dois últimos diplomas. De acordo com a lei em vigor em 1974, o regime supletivo de
bens do casamento era o da comunhie de adqujridos; para alem disse,
Número 3) a lei previa que cabia ao marido a administraçâo de quaisquer bens do
casal, proprios de cada um dos cônjuges ou comuns; finalmente,
Tal como já referimos, o Decreto-Lei n.° 138/2011 tem natureza a lei em vigor estabelecia ainda que o divórcio podia apenas ser
interpretativa somente quante a parte em que esclarece quaís entidades decretado mediante mútuo consentimento dos cònjuges ou na
säo autorizadas por lei a atribuir empréstimos. sequência de processo litigioso, com fundamento na violacio culp0sa
dos deveres conjugais.
Ao prever que todos aqueles que ja tenham contraido empréstimos
António e Benedita casaram em 1974, sem terem celebrado
podem exigir quaisquer quantias pagas a titulo de arredondamente,
mesmo as respeitantes a prestacöes ja pagas, fixa um grau de qualquer cenvencio antenupcial afastando 0 regime supletivo de
bens.
retroactividade quase extrema, porque perrnite a sua aplicacie
Posteriorrnente, em 1976, a lei civil foi alterada, passando a prever
retroactiva a situaçôes consolidadas em que ja se verificou o
que o regime supletivo de bens do casamento seria 0 da separacie
cumprimento da obrigaçäo (mesme as respeitantes a prestaçôes ja
de bens. Para além disso, a lei passou a prever que cada membro
pagas), parecendo salvaguardar, apenas, as situaçôes definitivamente
do casal administraria os bens próprios, sendo os bens comuns do
transitadas em julgado. Este grau de retroactividade é incompativel
casal administrados conjuntamente.
com o grau perrnitido pelo legislador no art. 13.“ do CC, Visto aqui se
Finalmente, em 2008, a lei civil foi newmente alterada, passando
salvaguardarem, para além do caso julgado, também outras situaçôes
a prever como fundamento do direito de cada um dos cônjuges
consolidadas com base em titulo juridico equivalente, fixando-se,
requererem o divòrcio, para além do mutuo consentirnente, o decurso
por isso, neste preceito, um grau de retroactividade agravada.
de um prazo de très anos sem Vida em comum.
Número 4)

Caso o Tribunal Constitucional declare cern força ebrigatòria


geral a inconstitucionalidade do Decreto—Lei n.“ 138/201 1, o art. 282.“, ““7 Enunciado realizado por Miguel Nogueira de Brito, cuja publicacio se faz
496 n.“ 1, da CRP prevé a repristinacie das normas que a lei declarada com autorizacie do autor, 497
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

a) A partir de 1976, qual o regime de bens por que se rege o momento da celebrac5o do casamente em 1974 (a LA) previa a
casamento de Antonio e Benedita? (3 valores) c0munh50 de adquirides como o regime supletive de bens, aspecto
b) A partir de 1976, qual 0 regime de administraçäo de bens que veio a ser alterado em 1976 (na LN) com a censagracào da
do casal aplicavel ae casamente de Antònie e Benedita? separac5e de bens. Posto isto, coloca-se a quest50 de saber qual o
(3 valores) regime de bens que rege 0 casamente apòs 1976, que é dizer, apòs a
c) Antonio e Benedita levam Vidas separadas desde 2006. entrada em vigor da LN. Para resolvermos este problema de sucess5o
Pedem, depois de 2008, requerer o div01cio corn fundamento de leis devemes determinar se tal efeito abstrai eu n50 do facto
no decurse do prazo de très anos sem Vida em comum'? que lhe da origem, isto e, saber se aplicamos a 2“ eu a 1“ parte do
Em que termos? (4 valores) art. 12.“, 11.“ 2, do CC. Partindo do principio que a norma legal que
d) Imagine que na lei em vigor em 1974 se previa um prazo fixa o regime de bens é uma norma supletiva, perquante as partes
de dois anos, a contar do conhecimento da vielacàe dos podem através de cenvencào antenupcial escolher 0 regime de bens
deveres conjugais, para qualquer dos cònjuges requerer o de casamente, parece que ao n50 o fazerem Vêm acel11er tacitamente
divörcio litigioso, sob pena de caducidade, salvo casos de o disposto na norma legal, isto é, é come se e regime supletivo de
violacào continuada. Benedita seube que Antonio a tinha comunhao de adquiridos fosse uma clausula do contrato de casamento.
enganado, ecasionalmente, com outra mulher em Junho de Ora, e se assim é, verifica—se que, tal como nas restantes cláusulas
1990. Em Dezembro de 1991 a lei foi alterada passando contratuais que fixam os direitos e deveres das partes, estamos diante
a prever, para 0 mesme efeito, um prazo de um ano. Até de um efeito que n50 abstrai do facto que lhe da origem, porquanto
quando pode a Benedita requerer o divórcio litigioso? (4 o seu conteúdo implica Luna mloraçäo desse mesmo facto, isto é, a
valores) manifest5c5e de vontade das partes no casamente é que vem
II determinar 0 conteúdo do regime de bens. Deste modo, temos um
efeito que näe abstrai do facto que lhe dá origem e de acordo com
Responda a uma, e só uma, das seguintes questöes: (4 valores) o preceituado no art. 12.“, n.“ 2, 1“ parte, do CC é a lei que existia
a) Distinga sancòes compulsórias das sancòes punitivas, ne momento da verificaçâo do facto constitutivo (do casamento) que
dande exemplos. deve regular o regime de bens para o futuro, ou seja, esta situaçäo
b) As sançôes compensatôrias têm uma funçâo acessôria em deve ser regulada pela LA. Per isse, ap0s 1976 é 0 regime de
relaçäo às sancòes constitutivas? Justifique. c0munh50 de adquirides que deve reger 0 casamente de António e
Redaccào e sistematizaçäo: 2 valores Benedita.
Note-se que este é um des cases que cabe no ambito do estatuto
Resoluçâo da parte I: da familia e que a doutrina da como exemplo de parte do conteúdo
ligado à constituiçäo de um estado de familia, aplicando, por esses
Alinea a) motivos, a 1“ parte do art. 12°, n.° 2, de CC.

Estamos diante de uma situaçâo relativa a um estade de familia, Alinea b)


pois esta em causa 0 regime de bens pele qual se rege 0 casamente de
Antonio e Benedita. Atendendo a que o facto constitutivo é a realizacào Verifica—se igualmente uma situaçäo relativa a um estado de
do casamente, 0 regime de bens faz parte do seu conteúdo, ou seja, familia, peis esta em causa 0 regime de administraçäo de bens do
498 é um efeito que decorre desse evento. No caso, a lei existente no casal. O facto constitutivo é a celebraçäo do casamento, e o regime 499
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

um efeito que decarre desse facta inicial. A


de administracao de bens é Note—se que este é um dos casos que cabe n0 ambita do estatuto
lei existente no momento da celebracae da casamento, em 1974 (a da famílía e que a doutrina da como exempla de parte do conteúdo
LA), previa que a administracao de quaisquer bens do casal (próprios autonomizado da constituicáo de um estado defamilia, aplicando,
ou comuns) cabía somente a0 marido, porém a LN, de 1976, veio par esses motivas, a 2“ parte do art. 12.“, n.“ 2, do CC.
a estabelecer que a administraçâo dos bens comuns deve ser feita
conjuntamente e que a administraçäo dos bens proprios cabe aa Alinea c)
respectiva proprietario.
Coloca—se a questao de saber qual o regime de administraçâo de Cem a entrada em Vigor da lei de 2008 (LN), 0 decurso do
bens a que o casal esta sujeito após 1976. Sabende que a administracao prazo de très anos sem Vida em camum passa a constituir motivo
dos bens faz parte de conteúdo da relacae juridica matrimonial, determinante para qualquer des membros do casal poder solicitar 0
urge esclarecer se este efeito abstrai ou nao do facto que lhe da div6rcio (diversamente do que sucedia com a LA, em que se previa
arigem, o facto constitutivo casamento, para efeitos de aplicacae da apenas a existéncia de mutuo consentimento para se solicitar dívórcíe
2“ ou 1“ parte de art. 12.“, n.“ 2, do CC. As news normas que fixam o fora de pracessa litigiasa).
regime de administraçâo de bens do casal, ao estabelecerem que a Atendendo ao teor da LN, coleca—se também a questao de saber
mulher também deve ser charnada para desempenhar esta fimçäo, têm se aplicamas a 1“ ou a 2“ parte do art. 12.“, n.“ 2, da CC. Verifica—se,
por base uma nom concepçâo do regime institucional do casamento, desde logo, que nao esta em causa um requisita de validade de um
isto é, traduzem um ajustamento dos interesses e valoraçôes da facta, por isso, estando diante de um efeito que decorre de um facta
comunidade quanta a esta matéria: a mulher passa a ter um tratamento constitutivo (a facta constitutiva é o casamento, e 0 efeito é a
equiparada aa homem na relacae matrirnenial. Par isso, esta nova lei possibilidade da sua dissolucae) urge saber se tal efeite abstrai ou
de 1976 nao implica uma valorizaçäo do facto constitutivo, casamento, nao da facta que lhe da arigem, para determinarmos se aplicamos
mas traduz antes uma adaptacao as novas condicòes sociais, e, neste a LN ou da LA. As normas que definem as causas do div6rcio têm per
sentide, o regime de administracao de bens é um efeito que abstrai do base a tutela de interesses sociais fundamentais, que estao ligados
facto que lhe dá origem, porquanta trata—se de uma materia que naa a uma adaptacao das mudancas e wlores existentes na comunidade: a
esta na disponibilidade das partes, mas que pretende tutelar interesses ideia da perpetuidade ou santidade do casamento vem a ser substituida
saciais relevantes, e que, por esses motivos, deve ser aplicada a todas pela ideia da liberdade individual. Razäo pela qual as preceitos que
as situaçôes juridicas ja constituidas e que se mantenham aquando fixam novas fundamentos para as partes solicitarem 0 div6rcio nao
da sua entrada em vigor. De facto, sendo 0 casamento, uma relaçäo implicam uma valoracao de facto originario, isto é, da celebracao do
juridica tendencialmente duradoura, nâo se perceberia que muitos casamento, mas tratam—se antes de normas que regulam directamente
aspectos do seu regime estivessem ainda sujeitas a legislacae vigente direitos legais. Por isso, também aqui, estamos diante de um efeito
no momento da sua censtituicae, dado os interesses da c0munidade que abstrai do facto que lhe da arigem, e, coma tal, é a 2'l parte
que nela estäo expressos muitas vezes ja se encantrarem absaletos. de art. 12.“, n.“ 2, do CC que deve ser aplicada para resolver esta
Assim, viste termos um efeito que abstrai de facto que lhe da situaçâo, isto é, deve-se aplicar a LN, que é dizer a lei de 2008.
origem, de acordo com o preceituado no art. 12.“, n.“ 2, 2“ parte, do
CC, é a LN que se deve aplicar (a lei de 1976), e, como tal, Benedita
também pode participar na administraçâo dos bens.

500 501
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

O decurso do prazo de très anos sem Vida em comum previsto da LN (2008), poiS SO assim se salvaguardam as expectativas das
na LN constitui um facto pressuposto da existéncia da faculdade legal partes que entre 2006 e 2008 n5o imaginavam que a separagae de
para se requerer o divOrcio“““. Trata—Se de uma situaçäo em que urn facto poderia constituir um fundamento de divorcie.
prazo näe se afigura come um facto constitutivo de uma situacào Assim, Antonio e Benedita apenas em 2011 podem requerer
juridica, raz5o pela qual n5o se pode suscitar aqui a aplicagäe de o divOrcio com fundamento no decurso de trés anos sem vida em
art. 297.“ de CC. A circunstäncia de se pretender aplicar a LN a comum.
urn facto ecorrido antes da sua entrada em Vigor (neste caso a uma
parte do tempo ocorrido no periodo de vigéncia da LA 7 de 2006 a Alinea d)
2008) näe se cenfigura ceme uma situaçäe de retroactividade, mas
antes de retroconexào, Visto o facto constitutive de direito ao divórcio Nesta situacào, as dispesigöes legais acerca de divórcio
ocorrer com o exercicio da faculdade legal, e, como tal, a LN apresentam-se de modo diverso ao sucedido na alinea anterior,
aplicar-se—ia a factos constitutivos oconidos depois da sua entrada em porquanto agora fixa—se um prazo para es cônjuges requererem o
Viger (embora implique uma prévia mleraçäe dos factos pressupostes divOrcio, deSde o momento do conhecirnento da vielagäe ecasienal de
que s5o relevantes para a determinaçâo de regime des factos deveres cenjugais, sob pena de caducidade de tal direito, e, também,
constitutives). N50 obstante estes censiderandes, que em circunstancias a alteragae da LN de 1991 (prazo de um ano) em relagae a LA de
normais levariam 5 apligagae da LN sem mais 5 situagae de Antönie e 1974 (prazo de dois anos) respeita somente 5 duracào do prazo,
Benedita (011 seja, dado levarem Vidas separadas deSde 2006, poderiam n5o acrescentando qualquer outro fundamento de divorcie.
requerer o divórcio em 2009), a verdade é que, como esta lei vem Temes assim uma situaçäe que se pode enquadrar ne regime
fixar um novo fundamento de divórcio, inexistente na anterior, especial do art. 297.“ do CC, dado que: a) o decurso do prazo se
rege preferencialmente a regra de que ndo podem ser atribuidos
afirma como um facto extintivo do direito ao divórcio (e n5o um
efeitos a factos quando näa lhe eram atribuidas no mamento em
facto meramente pressuposto); b) este prazo ainda se encontra em
que foram praticados“°°, por isso, em nossa opini5o, a contagem
curse ne momento da entrada em Vigor da LN, visto Benedita ter
deste prazo de très anos deve ecerrer SO a partir da entrada em Vigor
tido conhecimento de que o maride a tinha traide em Junho de 1990
(ne memente em que a LN entra em vigor 7 Dezembro de 1991 7
0 prazo para ela exercer o seu direito ao divórcio ainda estava em
°°° Seginde Baptista Machado, os factos que servem de fiIndamento ao divorcio curso, terminando apenas a Junho de 1992); c) e a LN limita—se a
s5o meros factos pressupostos, pois o direito ao divorcio configura-se como uma
alterar o prazo fixado na LA, sem que estabelega uma nova causa
simples faculdade legal, que SO com 0 seu exercicio se transforma em direite
adquirido (diferentemente do que sucede cem as normas que permitem requerer de divórcio.
a reseluçâo de simples contratos, em que o direito 5 resoluçäo se adquire com a Deste modo, verifica-se que a LN reduz o prazo previsto na
simples verificagao da causa ou facto que lhe da origem). Por isso, n5o se verifica
ainda nesta altura uma situagao juridica consolidada que merega ser respeitada
LA (passa de doiS para um ano), e, como tal, é a aplicagäe do art.
pela LN, e, ceme tal, o momento relevante para determinar a lei que deve reger 297.“, n.“ l, do CC que eSt5 em causa. Atendendo a que o tempo
e divOrcio, nestes cases, é a altura do exercicio pelo titular da faculdade legal, 0 que falta para 0 prazo se completar de acordo cem a LA é inferior
que significa que deve ser a lei existente neste memento que se deve aplicar. Cfr. ao que decorre da apligagae da LN (a centagem do prazo da LN,
JOÃO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicacdo..., pp. 177 e segs, e pp. 299
nos terrnos do art. 297.“, n.“ 1, do CC, deve ser feita a partir da sua
e segs.
“°° Sobre este aspecto, vide JOÃO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicacdo...,
entrada em vigor, logo o seu termino ecorreria em Dezembro de
502 p. 182. 1992) é a parte final deste preceite que se deve aplicar, e, por isso, 503
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

é a LA a reger esta situacio, dispende Benedita até Junho de 1992 a) Qual a data da entrada em vigor da lei nova? Indique os
para requerer o divórcio litigioso, sob pena de caducidade de tal preceitos legais ao abrigo dos quais fundamenta a sua
direito. resposta. (lvalor)
b) Distinga as varias sancòés que é pessivel encontrar no
8. texto antecedente. (2 valores)
Exame de Introdução ao Estado do Direito II610 c) O contrato celebrado entre Abel e Bento é válido? (2
1.“ Ano, Turno da Noite valores)
8 deJunho de 2012; 19 h d)O prazo de um més previsto na lei nova é aplicável ao
Duracie: 2h contrato celebrado entre Abel e Bento? Em que termos?
I (2 valores)
e) Invocando o disposto na lei nova, Abel denuncia o contrato
Em Dezembro de 2004 Abel, proprietário de um imóvel para
cm 2011. Bento, todaVia, recusa—se a abandonar 0 local
habitacie, celebrou com Bento um contrato de arrendamento tendo
invocando o seu direito a habitacio, previsto no art. 65.“
por objecto o citado irnovel. Na altura, a lei exigia escritura pública
da Constituiçâo. Quem tem razie? (3 valores)
para a celebracie do contrato, sob pena de nulidade, mas Abel e Bento
celebraram o contrato por escrito particular, apenas reconhecendo II
no notário as suas assinaturas. O contrato foi celebrado, de acordo, Responda a duas das seguintes questöes:
com o previsto na lei em vigor, pelo prazo de cinco anos, renováveis
automaticamente, salvo em caso de denuncia pelo inquilino. Entretanto, a) Distinga entre revogacio global e revogacio total; (2,5
va10res)
em 15 de Janeiro de 2010, foi publicada uma lei nova que veio exigir,
b) Distinga entre lei inovadora e lei interpretativa em maté-
igualmente sob pena de nulidade mas reconhecendo o forrnalismo
excessivo da lei anterior, que o contrato para a habitaçâo fosse ria do regime da retroactividade; (2,5 valores)
celebrado por escrito com reconhecimento presencial de assinaturas. c) Concorda com a afirmacie segundo a qual a equidade é a
Para além disso, a lei nova veio também prever a obrigacie de 0 justica do caso concreto? (2,5 valores)
senhorio comunicar a Direccio Geral de Contribuiçôes e Impostos III
a celebracie de quaisquer contratos de arrendamento, no prazo de Comente a seguinte frase:
um més após a celebracie do contrato, com a consequència de nie
serem devidas rendas até se mostrar curnprida tal exigència, bem como “Importa reconhecer a insuficiéncia do método subsuntivo de
a possibilidade de também o senhorio poder denunciar o contrato, aplicacie da lei, sempre que seja necessari0 proceder a valoraçôes.
irnpedindo a renovaçäo do mesmo após o decurso do prazo de cinco Tal nio significa, todaVia, que se deva considerar esse modelo como
anos. De acordo com as disposiçôes transitorias previstas na lei em totalmente superado”. (adaptado de Oliveira Ascensäo, O Direito:
causa, a mesma deveria produzir efeitos no prazo de quinze dias Introducie e Teoria Geral, 7“ ed., p. 582) (3 va10res)
apös a sua publicacio.

… Enunciado realizado por Miguel Nogieira de Brito, cuja publicacio se faz


com autorizacio de autor. 505
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

Resolucao da parte I: A sançâo compulsôria que decorre da obrigaçâo de comunicaçäo


da celebrac5o do centrate 5 Direcc5o Geral de Contribuiçôes e
Alinea a) Impestos, porque a consequéncia de náo serem devidas rendas até
ao cumprimento da obrigaçäo Visa fazer cem que o infractor da
Atendendo a que nas disposiçôes transitorias da LN consta que norma a cumpra, ainda que tardiamente.
ela entra em viger ne prazo de 15 dias, nos termos do art. 5.°, n.° 2,
do CC, é a própria lei que fixa um prazo de vacatie legis, que deve Alinea c)
ser contade de acerde com 0 art. 279.“ do CC. Viste estarrnos diante
um prazo de 15 dias, aplicamos a alinea d) do art. 279.“ do CC Estamos diante matéria de natureza contratual, em que a LA
(onde se considera que é havido como prazo de duas semanas), em dispunha que o contrato deveria ser celebrado através de escritura
conjugac5e com a alinea c) do mesme preceito (0nde se dispöe que pública e a LN dispöe que o contrate pode ser feito por documento
tal prazo terrnina as 24 horas do dia a que corresponda dentro da particular com recenhecimento presencial de assinatura. Visto estar
ültima semana). Isto e, tendo em centa que a lei foi publicada a 15 em causa uma cendic5e de validade formal do facto constitutivo
de Janeire, o prazo termina duas semanas após, ou seja, no dia 29 (a celebrac5o do contrato), aplica—se o art. 12.“, n.“ 2, 1“ parte, do
de Janeiro de 2010, entrando, por isso, em vigor a LN 5S 0.00 horas CC, isto e, a lei em vigor no momento da sua feitura 7 a LA 7 e
do dia 30 de Janeire de 2010. nestes termes, o contrato seria invalido, dado ter side celebrade sem
escritura pública. Porém, sucede que esta LN é uma lei confirmativa,
Alinea b) pois ao exigir apenas o reconhecimento presencial das assinaturas
das partes contratantes visa tomar menos exigentes os requisitos de
Podemes identificar dois tipos de sancòes: validade previstos na LA (que exigia escritura p1'1blica), salwguardando,
O desvalor juridico da nulidade do centrate, no caso da näo
assim, as situaçôes Validas efectivadas 5 sua luz. Deste modo,
ebservância da forma prescrita pela lei para a sua celebrac5o: a LA subentendendo-se näo haver prejuizos de terceiros ou das partes,
exigia escritura publica e a LN exige documento particular com deve a LN ser aplicada a este contrato de arrendamento, raz5o pelo
qual ele se apresenta valido quanto a este aspecto formal“.
reconhecimento das assinaturas.
Discute-se na doutrina se estes deswleres S5o verdadeiras sancòes,
havendo duas pesicòes a esse respeite: a) n5e existem sanc0es, peis
Alinea d)
aqui 0 que se verifica é a falta de ebservância des pressupestos das
regras juridicas, e n5e a Vielac5o do seu conteúdo, n5o havendo, Nesta situac5o em que a LN (que entreu em vigor a 30 de
Janeire de 2010) veio prever “a obrigaçäo de o senhorio comunicar
por estes motivos, nada a reprovar; b) existem verdadeiras sançôes
à Dírecção Geral de Contribuicòes e Impostos a celebraçäo de
(meramente juridicas), enquanto consequèncias desfaveraveis que
a ordem juridica atribui a certes actos pelo n5o curnprimento de
quaisquer contratos de arrendamento, no prazo de um més apás a
todos os requisitos exigides pele Direito….
celebraçäo do contrato, com a consequéncia de náo serem devidas
rendas até se mostrar cumprida tal exigencia”, questiona-se se o
prazo de um més se aplica ao contrato celebrado, em Dezembro de

506 ““ Mais uma vez remetemos para o disposto supra 35.2.6. “” Vide supra 33.5. 507
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

2004, entre Abel e Bente. Esta em causa uma obrigação que decorre Assirn, estames diante um efeito que näo abstrai do facto que
da celebracao do contrato, e, como tal, a LN é uma norma que lhe da origem, e, como tal, nos termes do art. 12.“, n.“ 2, l“ parte,
tem em vista 5 sua formaçäo. Isto é, este dever de comunicacào é do CC deve ser a LA a regular esta situaçäo, razâo pela qual Abel
um efeito que ainda parece ser um elemento integrante do processe n50 pede vir 5 denunciar o contrato em 201 1.
constitutivo do contrato, e que, por estes motivos, nos termos do
art. 12.“, n.“ 2, l“ parte, do CC, ndo abstrai do facto que lhe da Em segundo lugar importa analisar a conduta de Bento.
arigem, ra250 pela qual só se pode aplicar aos contratos que surjam A recusa de Bento em abandonar o imôvel arrendado, invocando
depois da sua entrada em vigor. 0 seu direito a habitaçâo, tem por base o exercicio do direito de
Assim, n50 se aplicando esta LN ao centrate celebrade entre resisténcia, que consiste no meio de tutela privada para defesa de
Abel e Bento, também n50 se lhe ira aplicar 0 prazo de um mês nela direitos liberdades e garantias previsto no art. 21.° da CRP.
previsto. Ne entanto, verifica-se que o direito ahabitacàe invecade, previsto
ne art. 65° da CRP, n50 faz parte do catalogo dos direitos liberdades
Alinea 6) e garantias (que censtam do art. 12° ao art. 57.“ da CRP), nem
t50 pouco é censiderade um direite 5 eles analogo, mas afigura-se,
Em primeiro lugar, importa determinar se Abel, 0 senhorio, antes, come um direito secial, que, por este facto, n50 beneficia do
pode denunciar o contrato. regime do art. 21.“ da CRP“.
Temos especificamente uma situaçäo relativa ao conteúdo ou
Deste modo, Abel n50 pede recusar o abandono do imòvel com
efeitos do contrato de arrendamento 7 5 possibilidade da sua denuncia.
estas motivacòes.
Sabendo que o contrato tinha uma clausula contratual que previa a
faculdade de denüncia por parte do inquilino, subentendendo que a
LA nada dispunha a este respeito e que a LN prevê que o senhorio
também pede denunciar 0 contrato, devemes agera averiguar se
esta em causa uma parte do conteúdo do contrato ligado, ou n50, 5
sua censtituic5e, para assim determinarrnos se nos termos do art.
12°, n.° 2, do CC deve ser a LA ou a LN a resolver esta questâo.
Dado que as partes estipularam no sentido de apenas ao inquilino
ser dada a possibilidade de denunciar 0 centrate, parece que esta
LN n50 se pede aplicar aos contratos que ja tenham sido celebrados,
pois, de outra forma, estar-se-ia a pör em causa o principio da
autonomia contratual e o proprio equilibrio pretendide pelas partes
no momento da decis5e de contratar. Acresce a este facto que a
possibilidade de denuncia per parte do senhorio, n50 traduz uma
intencào de legislador salvaguardar interesses sociais fundamentais
… Note-se que esta posiçäo é sem prejuizo daqueles que defendem que 0 regime
eu de estabelecer uma certa ordem publica económica de direcçâo,
especifico dos direites liberdades e garantias deve ser estendido a todos es direites
mas traduz, antes, uma intencao de intervir directamente nos fimdamentais incluindo aos direitos economicos, sociais e culturais, neste sentido,
interesses das partes na relaçâo contratual. vide JORGE REIS NOVAIS, in Direitos Soeiais 7 Teerin Juridica dos Direitos
508 Sociais enquanto Direitos Fundamentais, Coimbra, 2010, p. 361. 509
Sandra Lopes Luis Introduçäe ao Estudo do Direito

§ 50. Perguntas teOricas coisas”, estruturas da interacçäo hurnana (da humana cenvivència),
situaçâe histôrica, espirite ou cultura de um povo, instituigöes e
Comente com sentido crítico: papéis sociais, etc. Nesta gengepgae renungia-se a fazer reverter 0
1. “A retroactividade ordinaria näe é retroactividade”; cenceite de direite natural a ideia de que ha critérios normativos
fundamentais que radicam uma natureza eu essència prefixada.”
2. “A equidade tem lugar em toda a aplicaçâe do Direito”;
Distinga e relacione:
3. “E constitucionalmente proibida a retreactividade extrema
de leis”; 1. Jurisprudéncia constante e jurisprudéncia uniformizada;
2. Anulabilidade e nulidade.
4. “Facto, norma e valor s5o très opticas possiveis de perspectiwr
a ordem juridica, 0 que toma complexa a cientificagäe de direite”; Distinga:
5. “AS sangöes cempensatöiias têm uma fungae acessoria em 1. Caducidade, revogaçâe e suspensäo;
relaçâe 5S sangöes censtitutivas”; 2. Ineficacia, inexisténcia e invalidade;
3. Revegaçäe global e revogaçâe total;
6. “A equidade é a justica do caso concreto”;
4. Sangöes compulsórias e sangöes punitivas, dande exemples;
7. “Importa reconhecer a insuficiència do método subsuntive 5. Lei inovadera e lei interpretativa em matéria do regime
de aplicaçäo da lei, sempre que seja necessarie preceder a valoracòes. da retroactividade.
Tal n5o Significa, todavia, que se deva censiderar esse modelo come
Relacione:
totalmente superado”;
1. Publicaçäe, distribuiçäe e entrada em vigor da lei;
8. “A doutrina do direito natural é uma doutrina idealiSta—dualiSta
2. Subsunçäo, qualificaçäo e adaptaçäo.
assente na distingae entre um direite real (direite positivo) e um
direite imutavel identificade com a justica. No entanto, este direito
ideal carece de efigacia e näe tem condicio para garantir a paz e a
seguranca”;
9. “A jurisprudència dos conceitos e a jurisprudéncia dos interesses
n5o s5o mutuamente excludentes.”;
10. “0 problema da validade das normas n5o pode ser encarado
numa perspectiva exclusivamente sistémica ou hier5rquica, sob pena
de regress5o infinita. H5 um ponto a partir de qual a pergunta pele
fundamente de validade de uma nerma n5o pode responder—se
indicando uma outra norma, mas apenas um firndamento de validade
material.”;
ll. “Existe uma cencepgae muite ampla de direite natural no
qual se abrangem todas aquelas “realidades” previamente dadas a
que se acha vinculado o legislador (tomando este como a inst5ncia
510 positivadora per excelència), desde valores, normas, “natureza das 511
Sandra Lopes Luis Introduçäo ao Estudo do Direito

§ 51. Esquema auxiliar para resolução de hipóteses III. Retroactividade (sucessie de leis)
1. Verificar se temos dreas canstitucionalmente proibidas
I. Entrada em vigor da lei de retroactividade: a) Direito Penal positivo (art. 29.“,
1. Disposicòes legais: art. 119.“ da CRP; art. 5.“ do CC; art. n.“s 1 e 3 da CRP, e artigos 1.“, n.“ 1, e 2.“, n.“ 1, do Cedige
279.“ do CC e a Lei n.“ 74/98, de 11 de Novembro; Penal); b) Direito Fiscal (art. 103.“, n.° 3, da CRP e art.
12.“ da Lei Geral Tributária); c) leis restritivas de direitos,
2. Momento da contagem do prazo da vacatio legis: data da
liberdades e garantias (art. 18“, n.“ 3, da CRP); d) caso
dispenibilizacie online;
julgado (esta proibicio nio esta expressarnente prevista
3. Contagem dos prazos: art. 279.“ do CC. na CRP, mas decorre d0 principio da separacio de poderes
7 art. 111.° da CRP 7, do art. 282.“, n.“ 3, da CRP e do
II. Cessacio da vigéncia da lei: Revogacio/ caducidade principio da segurança juridica 7 art 2.“ da CRP);
1. Analisar 0s problemas relativos ao momenta da pasteridade: 2. Determinar se existem critérios espectficos que auxiliem
deterrninar a lei revogatória 7 v.g., caso de duas leis a resolver a questie: a) Direito Processual; b) Direito Penal
incompativeis publicadas na mesma altura; Negativo (favoravel ao arguido): art. 29.“, n.“ 4, da CRP e
2. Verificar se existem situacòés de revogacdo global, que art. 2.“, n.°s 2 e 4, do Codigo Penal;
ocerre quando uma lei revoga uma matéria ou instituto Ver se existem normas de direito transitorio que resolvam

b)
.
(existem indicios quando se utiliza a expressie “Visa a questie. Caso haja, verificar se indicarn o grau de
regular toda a matéria relativa a...” ou “regular 0 regime retroactividade. Se nie indicam, aplica—se o critério supletivo
sobre...”); do 12.“, n.“ l, parte final, do CC 7 retroactividade ordinaria;
Ver o conteúdo das leis: se temos uma lei que é especial
W

Se nenhum dos passos anteriores ajudar a resolver a questie:

:'>
.

e uma lei geral 7 art. 7.“, n.“ 3, do CC; caso a LN seja interpretativa, aplicames o art. 13.“ do
4. Determinar se existem casos de repristinacào: se temes CC; caso se verifique uma alteracio de prazos, temos 0
très leis que se revogam e a última nie tem efeito dispositivo, criterio especial do art. 297.“; f0ra estas situaçôes a situacio
0 art. 7.“, n.“ 4, do CC, impede a repristinacio; mas res01ver-se-a de acordo com 0 art. 12.“, n.“ 1, 1“ parte, do
pode suceder que esteja em causa uma declaraçäo de CC, onde se prevé que “a lei dispôe para o futuro”.
inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional com
forca obrigatória geral, aqui já há efeito repristinatório 7 IV. Sucessäo de leis
art. 282.“, n.° 1, CRP;
1. Se ha duas leis que se sucedem temporalmente, o primeiro
Classificar as leis revogatorias quanto as modalidades de passo é ver se a LN é uma lei inovatória ou interpretativa?
.…

revogacio e justificar com base no art.7.“, n.“ 2, do CC;


a) Interpretativa: aplica—se o critério especial do art. 13.“ do
Verificar se existem situaçôes de caducidade: art. 7.“, n.“
ON

. 1, CC (verificar se atras de uma lei interpretativa se esc0nde,


do CC, “lei de vigència temporaria”. afinal, uma lei inevatòria);

512 513
Sandra Lopes Luis Introduçäo aa Estuda do Direito

b) Inovatóría: VI. Meios de tutela privada


i) Critéria especial 7 aplica—se o art. 297.“ do CC quando
.Legitima defesa

._.
o decurso da prazo tem valor de facto constitutivo de
a) Definicaa e identificacao no CC;
uma situacàojuridica (nao se aplica a prazos que säo
b) Verificar se estao preenchidas as requisitos: qualificar
apenas meros factos pressupastos da constituiçäo ou
a agressao;
extincaa de situacaes juridicas);
c) Verificar se ha excesso de legitima defesa 7 art. 337.“,
ii) Criterio geral 7 aplica—se o an.12.“, n.“ 1, 1“ parte e o
n.“ 2, do CC;
art. 12.“, n.“ 2, d0 CC.
d) Verificar se ha erra 7 art. 338.“ do CC.
2. Emprego da critério geral: quando se utiliza a 1“ parte ou
2. Accao directa
a 2“ parte do art.12.“, n.“ 2, do CC? a) Definicae e identificaçâo no CC;
a) Verificar qual a matéria que a LN esta a regular: remete b) Verificar se estâo preenchidos os requisitos;
para as “Estatutos” que auxiliam a resolver a questao; c) Verificar se ha erre 7 art. 338.“ do CC.
b) Quando a matéria tem natureza contratual, determinar
Estado de necessidade

E”
se se trata de um facto ou efeito, e se esse efeito abstrai
a) Definicaa e identificacaa no CC;
ou näo do facto que lhe da origem 7 critério: aplica—se
b) Verificar se estao preenchidas es requisitos;
a LN (art. 12.“, n.“ 2, 2“ parte) quando esta visa proteger
c) Verificar a quem cabe a abrigacaa de indemnizar 7 an.
interesses socialmente relevantes;
339.“, n.“ 2, do CC.
c) Determinar se o facto é constitutivo ou extintive de
uma situacaa juridica: se for um facto meramente 4. Direito de retencào: 754.“ da CC.
pressuposto da constituiçäo ou extincao da situacao 5. Direito de resistência: art. 21.“ da CRP.
juridica temos um caso de retroconexño;
d) Ver se a LN vem alígeirar requisitos de validade da
LA, pois quando tal sucede temos uma lei confirmativa,
que exclui a aplicacae da critério do art. 12.“, n.“ 2, 1“
parte (LA), aplicando-se a LN.

V. Sanções
1. Perguntar se ha uma Violacao do Direito: se sim, determinar
a consequência desfavoravel e verificar se ha danos;
2. Ver se ha mais que uma sançâo para a situaçäo em causa;
3. Identificar as diferentes modalidades de sançôes.

514 515
Introduçäe ao Estudo do Direito

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522 523
[ntroduçâo ao Estudo do Direito

ÍNDICE
Prefacia 7
Nota prévia da autora a 3“ edicion 9
Nota prévia da autora a 2“ edicion
Nota prévia da autara a 1“ ediçäe .............................................................. 13
Plano Geral 15

PARTE I

CAPÍTULO I: A ORDEM Junich


§ 1. Ordem natural ordem social ........................................................
e 21
1.1. Cousideracöes iniciais
1.2. Noção de “ordem”
1.3. Ordern natural 21
1.4. Ordern social 22
1.4.1. Ordem técnica
1.4.2. Ordem factica...
1.4.3. Ordem normativa.

§ 2. Diversidade de ordens normativas ................................................. 25


2.1. Ordem de trato social .................................................................... 25
2.1.1. Noção 25
2.1.2. Os usas normativos e os usos nao normativos ....................... 25

2.2. Ordern religiosa ............................................................................ 26


2.2.1. Noção 26
2.2.2. Ordem religiosa e outras ordens ............................................. 27

2.3. Ordern moral 27


2.3.1. Noção 27
2.3.2. As Varias areas da ordern moral ............................................. 27

2 .4. Ordern juridica 29

§ 3. Relações entre e Direito e a moral...


3.1. Separaçäo entre Direito e moral
3.1.1. Critério telenlògicn
3.1.2. Criterio do abjecta
3. 1 .3. Critério da imperatiVidade
3.1.4. Criterio da autonomia 525
Sandra Lopes Luis [ntroduçâo ao Estudo do Direito

3.1.5. Critério do minimo ético § 7. Ramos de Direito 54


3.1.6. Consideraçôes finais 7.1. Conceito 54
7.2. Critérios de distincio entre direito público e direito privado
3.2. Relacòes de interdependéncia entre Direito e moral .................... 32
7.2.1. Criterio do interesse ...................
3.2.1. Influència da moral sobre o Direito
7.2.2. Criterio da qualidade dos sujeito
3.2.2. Recepcio da moral pelo Direito.….
7.2.3. Critério da posiçäo dos sujeitos..
§ 4.Caracterizaçâo da ordem juridica .................................................. 33 7.3. Posiçôes da doutrina sobre os diferentes critérios
4.1. Necessidade 34 7.4. Classificaçôes dos ramos de Direito.
4.1.1. Necessidade corno imprescindibilidade social do Direito 7.4.1. Direito público .
4.1.2. Necessidade corno fundamente do Direito 7.4.2. Direito privado .
7.4.3. Ramos de direito corn natureza mista .................................... 61
4.2. Imperatividade 35
7.4.4. O Direito Penal 61
4.2.1. Nocio 35
4.2.2. Imperatividade enquanto caracteristica do Direito ................. 36
4.2.2.1. As tese-s 36 CAPÍTULO II: FONTES DE DIREITO
4.2.2.2. Actos nio imperativos ...................................................... 36
4.2.2.3. Entendimento da imperatividade ..................................... 37 § 8. Consideraçñes gerais sobre fontes de Direito ................................ 67
8.1. Nocio 67
4.3. Fxterinridade 37 8.2. Classificacio das fontes de Direito ............................................... 67
4.4. Estatalidade 37 8.3. Consagracio legal ......................................................................... 68
4.5. Coercibilidade 38
4.5.1. Nocio 38 § 9. 0 69
4.5.2. Quem pode exercer a forca? 9.1. Necio 69
4.5.3. Coercibilidade enquanto caracteristica do Direito 9.2. O costume e a lei 72
4.5.3.1. As tese-s 39 9.2.1. A relacie do costume com a lei
4.5.3.2. Entendimento da coercibilidade ....................................... 41 9.2.2. Valia prática do costume por comparacio com a lei

§ 5. Os fins do Direito 41 9.3. O costume em Portugal ................................................................. 74


5.1. Justica 9.3.1. Acolhimento legal ..
5.1.1. As modalidades dejustica 9.3.2. Posicio da doutrina
5.1.2. Elementos concretizadores da ideia de justica 9.4. Exemplos de costumes .................................................................. 77
5.2. Seguranca juridim 45
5.3. Relaçôes entre ajustiça e a segurancajuridica………. § 10.Ajurisprudém-ia 78
5.4.Prornoçâo do bem-estar económico, social e cultural 10.1 Nocio 78
10.2. A jurisprudència e os sistemas de Direito
§ 6. “ ' ’ " profit" or ' ’ 48 10.3. Possiveis casos de jurisprudència como fonte de Direito.
6.1. Nocio de Estado ........................................................................... 48 10.3.1.A jurisprudència uniformizad
6.2. Funções do Estado 10.3.2. O costume jurisprudencial..…
6.2.1. Funçôes primárias 1ca e legislativa 10.3.3. As decisôes dos tribunais superiores com forca obrigatória
6.2.2. Funçôes secundarias: jurisdicional e administrativa .............. 51 gera] 80
10.3.4. Natureza das decisöes com forca obrigatória geral .............. 82
6.3. Relacòes entre o Estado e o Direito
526 6.4. Estado de Direito 527
Sandra Lopes Luis [ntroduçâo ao Estudo do Direito

§ 11. A doutrina 83 16.2.1.4. Interpretacao doutrinal... 115


1 1.1. Noçâo 83 16.2.1.5. Interpretacao particular.. .. 115
1 1.2. A relevancia da doutrina ............................................................. 84
16.2.2. Critérie do objective ou fim da interpretaçâo... 115

§ 12.A lei 85
16.2.2.1. Teses subjectivista, objectivista e mista 115
16.2.2.2. Teses historicista e actualista 116
12.1. Conceito de lei...
16.2.2.3. Posiçâo do legislador portugués: 0 art. 9.“de CC. .. 117
12.1.1. As Varias acepcees de lei
12.1.2. Lei formal e lei material 16.2.3. Critérie des resultados da interpretacàe 121
12.1.3. Posicòes na doutrina acerca de cenceite de lei .................... 87 16.2.3.1. Os elementos da interpretacäo: noçäo e classificac5e.... 121
16.2.3.2. Os elementos da interpretacäo no art. 9.“ do CC 122
12.2. Classificaçâo de leis .................................................................... 88
16.2.3.3. Modalidades de interpretaçâo quante ae resultado 124
12.3. O regulamento 89
1) Interpretacào declarativa .. 124
12.3.1. Noçäo 89
2) Interpretacào extensiva e restritiva. 125
12.3.2. Classificaçâo
3) Interpretacào abregante .. 128
12.3.3. Formas de regulamento
4) Interpretacäo enunciativa .
12.3.4. Consideraçôes finais..
5) Interpretacäo correctiva . . .. .. 134
12.4. A lei na CRP 94
§ 17 A integraçâo de '
§ 13. 0
direito inter ' ' 96 17.1. Consideraçôes iniciais ................................................................
13.1. Direito Internacional Público: tratados e acordos intemacionais ..... 96 172 A lacunajuridica .........................................................................
13.2. Direito da União Europeia .......................................................... 97 17.2.1. Noção
17.2.2. Espécies de lacunas
§ 14. Os principios fundamentais de Direito ........................................ 99 17.2.3, Fundarnentaçâo da ex1stenc1a e acunas..
1 Noção
4. 1 . 99
17.3. A integraçâo (de lacunas) ...........................................................
14.2. Distincàe entre principios e regras.
17.3.1. Noção
14.3. Caracterizaçâo e importancia,
17.3.2. Os processos de integraçâo ..
14.4. Censideracòes finais
17.3.3. Analogia legis
17.3.3.1. Noção
§ 15. A hierarquia das fontes
17.3.3.2. Exemplos de analogia legis ............................................ 143
15.1. A express5e “hierarquia das fontes”.
17.3.3.3. Diferencas entre analogía legis e interpretacàe extensiva
15.2. A hierarquia das fontes na doutrina .,
17.3.3.4. Limites 5 analogia legis… 146
15.3. Conflitos de fontes
17.3.4. Analegiajaris ..
CAPÍTULO III: Imzmmçro 17.3.4.1. Noçäe 150
17.3.4.2. Diferenca entre analogia legis e analegiajuris .............. 150
§ 16. A interpretacao em sentido estrito ................................................ 111 173.43. Admissibilidade da analogia juris .................................. 151
16. 1 . Noção 17.3.5. A “norrna que o intérprete criaria” ...................................... 151
16.2. Modalidades de interpretaçâo.
16.2.1. Critério da fonte e valor § 18. Novas perspectivas metodológicas de concretizacào ou
16.2.1.1. Interpretaçâo autêntica .. 113 desenvolvimento do Direito .................................................................... 152
16.2.1.2. Interpretaçâo oficial 113 18.1. Reduçäo telenlögim 153
528 16.2.1.3. Interpretacàe judicial . .. 114 18.1.1.Noçâo 153 529
Sandra Lopes Luis [ntreduçâe ao Estudo do Direito

18.1.2. Exemple pratico . .. 154 213A bilateralidade... 179


18.1.3. Admissibilidade… 21.4. A hipoteticidade .. 180
21.5. A imperatividade. .. 180
18.2. Extensäo teleológica ................................................................... 155
18.2.1. Nec5e 155
§ 22. Classiñcação das normas juridicas… .. 180
18.2.2. Exemple pratico ................................................................... 155
22.1. Criterio da vontade dos destinatarios. 181
22.1.1, Normas injuntivas 181
§ 19.Consideracòes finais: exemplos práticos e dúvidas da doutrina..... 156
22.1.1.1.Nec5e 181
19.1. Exemplos praticos acerca das diferentes modalidades de
interpretac5o
221.12 Classificac5e .................................................................. 181
19.2. Dúvidas suscitadas na doutrina 22.1.2. Normas dispositivas ............................................................. 182
19.2.1. Analogía e interpretac5o extensiva. 160 22.121. Nec5e 182
19.2.2. Aplicac5e analógica de normas excepcionaís e argumento 22.122. Classificaçâo .................................................................. 182
“a contrario” 160
22.2. Criterio da plenitude de sentido .................................................. 183
19.2.2.1. Elucidac5e de problema 160
22.2.1. Normas autónomas (ou completas) ..................................... 183
1922.2. Examples praticos ..
2221.1. Nec5e 183
19.2.2.3. A reseluc5e pela doutrina. .. 162

22.2.2. Nerrnas n5o autónomas (ou incompletas) ........................... 183


CAPÍTULO IV: A NORMA Junich 2222.1. Nec5e 183
2222.2. Classificac5e: remissöes explicitas. .. 184
§ 20.Noçâo e estrutura da nerma juridica ........................................... 169 22.2.2.3. Classificac5e: remissöes implicitas. 185
20.1. Noc5e 169 22.2.2.4. Classificac5e: nerrnas n5o remissivas. 187
20.2. Estrutura da nerma 170
202.1. A previs5e 170 22.3. Criterio do ámbito pessoal de validade das normas 188
20.2.2. A estatuic5e .......................................................................... 171 22.3.1, Normas gerais
20.2.3. Relaçôes entre a previs5e e a estatuiçâe ............................... 172 22.3.2. Normas especiais ..................................................................
22.3.3. Nerrnas excepcienais
§ 21.Caracteristicas da norma juridica ................................................ 173 22.3.4, Consideraçôes finais.. .. 189

21.1. A generalidade ............................................................................ 173 22.4. Criterio do ámbito espacial de validade .. 190
21.1.1.Noc5e 173 22.4.1. Nerrnas universais .

21.1.2. Separac5e da individualidade. 173 22.4.2. Normas regienais .................................................................


21.1.3. Separac5e da pluralidade… 22.4.3, Normas lecais 190
21.1.4. Generalidade aparente ..
21.1.5. Generalidade e abstracc5e .. 175 22.5. Criterio da sancào (que aplicam) .. .. 190

21.1.6. Admissibilidade como caracteristica da nerrn 22.5.1. “Leges plus quam perfectae”
22.5.2. “Leges perfectae” .................
21.2. A abstracc5e 176 22.5.3. “Leges minus quam perfectae”
21.2.1. Nec5e 22.5.4. “Leges imperfectae” ............................................................. 191
21.2.2. Posiçôes da doutrina acerca da neçâo de abstracçâe
21.2.3. Admissibilidade como caracteristica da nerma 22.6. Criterio da fimçâo das normas juridicas .. 191
21.2.4. Consideraçôes finais sobre generalidade e abstracc5e .. .. 178 22.6.1. Nerrnas primarias
22.6.2. Normas secundarias
530 531
Sandra Lopes Luis [ntroduçâe ao Estudo do Direito

PARTE II CAPÍTULO Ill: CESSACAO ou TERMO DA VIGÈNCIA DA LEI

CAPITULO I:
. '
EXISTENCIA, VALIDADE E EFICACIA DA LEI
§30.C ,” dav'^ 'daleie 229
§23. Consideraçñes ' ' ' ' 197
531.M J "J J de ," dav ” ' dalei 229
§24, Inn' " ' juridica 198 31.1. Costume contra legem ..
24.1. Negao 198 3 1 .2. Invalidade supervenient
24.2. Vicios do acto que geram a inexistència..... .. 199 31.3. Caducidade
24.3. Aspectes definideres do regime da inexisténcra 31.4. Revogagae
31.4.1. Momento pelo qual se afere a posteridade de urna lei
5 25. i "‘ J "J J e ' Lilidade 200 31.4.2. Modalidades de revogagäe
25.1. Noc5o 31.4.2.1. Revegagäo expressa e tacita
25.2. Vicios do acto que geram a invalidade .
31.4.2.2. Revegagäo simples e substitutiva.
25.3. Separagäe da inexistència 31.4.2.3. Revogacàe total e parcial
31.4.2.4. Revegagäo global e individualizada
25.4. Graus de invalidade
1) Revogacào global
25.41 Nulidade
2) Revogacào resultante da aprovagäe de um novo codigo
25.4.2. Anulabilidade
3) Censideragöes finais ..
25.4.3. Invalidade mista . .. 203
31.4.3. Leis gerais e especiais
31.4.4. A n5o repristinac5o da lei revogada
25.5. Regime constitucional da invalidade da lei ................................. 204

526.I “ ' ' 204


CAPÍTULO IV: SUCEssAo DE LEIS - APLICACAO DA LEI No TEMPO

5 32. A p. “ ' ' da " de leis 245


CAPÍTULO ll: PUBLICIDADE E INÍCIo DA VIGENCIA DAS LEIs
32.1. Apresentagäe do problema .......................................................... 245
32.2. Exemplos prátim 246
527.Ar J 211
32.3. Fundamentacào das vias de reselugäe ........................................ 247
27.1. Censideracòes iniciais ................................................................ 211
27.2. Figuras afins 211
5 33.Critérios de resoluçâe do problema da aplicaçäo da lei no tempo.... 248
27.3. Regime legal 212
33.1. Direito transitorio
27.4. Formas de publicidade. 33.2. Criterio geral: o principio da n5o retroactividade...
27.5. A falta de publicidade .. .. 213 33.2.1. Os graus de retroactividade…
33.2. 1 . 1. Retroactividade extrema
5 28. Rectifiraçñes 213 3321.2. Retroactividade quase extrema
28.1. Noc5o 33.2.1.3. Retroactividade agravada
28.2. Requisitos das rectificacòes 3321.4. Retroactividade de grau minimo ou ordinaria
28.3. Efeitos das rectificacòes 33.2.2, Os limites constitucionais da CRP.
3322.1. Direito penal positivo,
5 29.Entrada em vigor .. 214 3322.2. Direito fiscal.....
29.1. O prazo de vacatio legis 33. 2. 2. 3. 0 caso julgado..
29.2. A contagem do prazo vacatio legis 33.2. 2.4. Leis restritivas de d1re1tes,liberdades e garantias
29.2.1. As regras da contagem ............ 33.2. 2. 5. Um principio constitucional da n5o retroactividade das
532 29.2.2. Momento da contagem do prazo de vacatio legis.. leis mais desfavoráveis? ............................................................... 257 533
Sandra Lopes Luis [ntroduçâo ao Estudo do Direito

33.3. Criterios especificos: aplicaçäo retroactiva da LN .. 258 CAPÍTULO v: SANÇÕES


33.3.1. Direito penal negativo
33.3.2. Direito proce "al 259 § 34. Noção e " acfies gerais 299
33.4. Posicao do Cadiga Civil ............................................................. 261 34.1. Nocao de sancao 299
34.2. As normas sanrinnatr'xriz 300
33.4.1. Doutrinas sobre sucessäo de leis
33.4.1.1. Doutrina dos direitos adquiridos. 262 34.3. Narmas sem sanção .......................................................................... 301
33.4.1.2. Doutrina do facto passado. 263
334.13 Doutrina das situacaes juridicas subjectrvas e objectivas.... 265 § 35. Classiñcações de ," ' critérios 301
33414. Doutrina das situaçôes juridicas de execuçâe duradeura 35.1. Consideracöes iniciais ..
e in iantîmea 265 35.2. Classificaçäo de sançôes
35.2.1. Sançôes recenstitutivas..
33.4.2. Criterio supletiva: art. 12.“ do CC.. 3521.1. Noção
33.4.3. Estatutas sabre sucessaa de leis. 3521.2. Modalidades ...................................................................
33.4.3.1. Estatuta real 1) Reconstituicaa em especie ou in natura
33.4.3.2. Estatuta da responsabilidade civil extra-contratual 2) lndemnizacao especifica
33.4.3.3. Estatuta sucessario. 3) Execucao especifica...….
33.4.3.4. Estatuta pessoa 273
33.4.3.5. Estatuta da familia . 273 35.2.2. Sancòes compensatórias ....................................................... 304
33.4.3.6. Estatuta dos contratos
35.2.2.1. Noção
3522.2. Justificacao
33.4.4. Critérios especial sobre prazos: 0 art. 297.“ do CC .............. 276 35.2.2.3. Tipos de danos cobertos.
33.4.4.1. Colocacao do problema ..
33.4.4.2. O regime do art. 297.“ do CC 277 35.2.3. Sancaes punitivas ................................................................. 306
33.4.4.3. Fundamentacao deste regime especial 35.2.3.1. Noção
33.4.4.4. Ämbito de aplicacao do art. 297.° do CC.. 3523.2. Modalidades:
33.4.5. Criteria especial sobre leis interpretativas: o art. 13.“ do CC ..... 283 1) Sancaes criminais

33.4.5.1. Noçäo 283 2) Sancaes administrativas.


33.4.5.2. Requi im 284 3) Sancaes disciplinares..... ..

33.4.5.3. Regime 284 4) Sancaes civis .........................................................................


33.4.5.4. Natureza da lei interpretativa 286 35.2.4. Sancaes preventivas .............................................................. 308
33.4.5.5. Lei interpretativa inovadora ........................................... 286 3524.1. Noçäo 308
33.4.5.6. O regime do art. 13.“ e do art. 12.“ n.“ 1, 1“ parte do CC ..... 287 3524.2. Exemplas de sancöes preventivas .................................. 308
33.5. Leis confirmativas ....................................................................... 288 35.2.5. Sancaes compulsórias .......................................................... 309
33.5.1. Noçäo 288 35.2.5.1. Noçäo 309
33.5.2. Justificacao ........................................................................... 288 3525.2. Exemplas de sancöes compulsarias ............................... 309
33.6. Nota explicativa sobre retroconexao ........................................... 289 35.2.6. Desvalores juridicas do acto ................................................ 309
33.6.1. Retraactividade 289
33.6.2. Retroconexäo ........................................................................ 290
33.6.2.1. Noçäo 290
33.6.2.2. Exemplos de factos pressupostos e retroconexäo .. 292
535
Sandra Lopes Luis [ntroduçâo ao Estudo do Direito

CAPÍTULO VI: TUTELA PÙBLICA E TUTELA PRIVADA PARTE III — EXERciCIos PRÂTICOS
CAPÍTULO I:
§ 36. Tutela juridica: " acòes ' ' ' ' 315
EXERCÍCIOS SOBRE A PARTE I

§ 39. Casos praticos resolvidos sobre interpretaçäo


§37.Tutelar'“' 315
37.1.Noçâo 315
§ 40. Testes e exames resolvidos ............................................................. 353
37.2. Modalidades de tutela pública .. 315
37.2.1. Criterio temporal
§ 41. Perguntas teóricas .......................................................................... 390
3721.1. Tutela preventiva. .. 315
37.2.1.2. Tutela repressiva.. 316
§ 42. Esquema auxiliar para resolucio de hipòteses sobre interpretacìo 393
37.2.2. Criterio orgânico 316
3722.1. Tutelajudícíána .. 316
37.2.2.2. Tutela administrativa.. 317 CAPÍTULO Il: EXERCÍCIOS SOBRE A PARTE ||
l) Garantias administrativas
2) Queixa ao Provedor de Justica .. 319 § 43. Casos praticos resolvidos sobre validade e vigència da lei

§ 38.Tutela privada 319 § 44. Casos praticos resolvidos sobre retroactividade ......................... 414
38.1. Consideracòes iniciais ................................................................ 319
38.2. Modalidades 319 § 45. Casos praticos resolvidos sobre sucessie de leis ......................... 419
38.2.1. Legitima defesa .................................................................... 319
§ 46. Casos praticos resolvidos sobre sançñes e meios de tutela privada 434
38.2.1.1. Nocio 320
38.2.1.2. Requi itn 320
38.2.1.3. Erro nos pressupostos da legitima defesa: art. 338.“ do § 47. Casos praticos resolvidos sobre meios de tutela privada.. .. 444
CC 325
38.2.2. Estado de necessidade .......................................................... 326 § 48. Casos praticos resolvidos sobre sanções ....................................... 453
38.2.2.1. Nocio 326
38.2.2.2. Requi itn 326 § 49. Testes e exames resolvidos ............................................................. 459
38.2.2.3. ermpln 328
3822.4. A obrigacie de indemnizar ............................................ 328 § 50. Perguntas teóricas .......................................................................... 510
3822.5. Estado de necessidade putativo ...................................... 329
38.2.3. Acçäe directa 329 § 51. Esquema auxiliar para resoluçâo de hipôteses....
3823.1. Nocio 329
38.2.3.2. Requi itn 330 Bibliografia geral 517
38.2.3.3. ermpln
3823.4. Erro nos pressupostos da accie directa.
38.2.4. Direito de retencio
3824.1. Nocio
38.2.4.2. Requi itn
38.2.5. Direito de resistència ............................................................
38.2.5.1. Nocio
38.2.5.2. Modalidades.
536 38.3. Consideracòes finais . 537

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