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Giselle Beiguelman: 'Toda imagem é política, mesmo a selfie'

Artista e professora participa do Sempre um Papo virtual sobre seu mais recente livro,
"Políticas da imagem: vigilância e resistência na dadosfera"

Questões que estão presentes em obras da artista e professora Giselle Beiguelman desde o
início dos anos 2000 foram agora sistematizadas por ela no livro “Políticas da imagem:
vigilância e resistência na dadosfera”. Inteligência artificial e cultura visual são alguns dos
temas abordados no volume, lançado em julho pela Ubu Editora, e que é o mote da conversa
entre Giselle e o jornalista Afonso Borges, transmitida ao vivo nesta quinta-feira (23/09), às
19h, pelo YouTube, Facebook e Instagram do projeto Sempre um Papo, com tradução
simultânea em libras.

“Políticas da imagem” é, na verdade, a reunião de seis ensaios que contêm ideias que Giselle já
explorou em suas obras, mas não são textos sobre essas obras, segundo a autora. Cada um dos
ensaios aborda um tema específico, analisando as transformações do olhar, as estéticas da
vigilância, a vida urbana mediada por imagens, as novas formas de exclusão, a cultura da
memória do tempo do digital e a pandemia das imagens do coronavírus no Brasil e no mundo.
“Me parece que há hoje uma urgência de se discutir de forma mais conceitual a questão da
imagem, uma vez que ela deixa de ser apenas representação e passa a ser o campo em que os
principais embates políticos da nossa época se dão”, diz Giselle

É por meio da pletora de imagens da contemporaneidade que se chega ao que ela chama de
estéticas da vigilância, que é parte do estar em rede e, portanto, estar sendo rastreado,
monitorado, doando dados compulsoriamente. Giselle fala da onipresença da vigilância na vida
das pessoas, algo que considera ter se acentuado significativamente no contexto da pandemia.
“Passamos a ter um monitoramento sistemático da nossa fisiologia quando somos escaneados
por uma câmera térmica, por exemplo”, diz.

AMBIVALÊNCIAS

Ela ressalta que essa é a dimensão mais específica da imagem contemporânea, o fato de ela
ser, também, uma imagem invisível, feita por máquinas para ser lida por outras máquinas.
“Dar visibilidade a essas imagens invisíveis é um dos vetores da estética da vigilância, um
termo guarda-chuva que engloba tanto a vigilância se convertendo em linguagem visual
quanto o campo da crítica ativista, que atua no sentido de dar visualidade ou pelo menos
leitura a essas imagens invisíveis, que processam dados e informações sobre nós”, explica.

Giselle considera que há uma explosão da cultura visual em que as pessoas operam,
basicamente, por meio das imagens, que acabam se tornando mediadoras das relações
humanas. Numa outra camada, há o que Giselle chama de monitoramento fisiológico ou
vigilância porosa, essa que atravessa os corpos, como é o caso das câmeras termais que se
popularizaram no último ano e meio para fins de controle da COVID-19. “E tem as câmaeras de
reconhecimento facial, que, a partir de dados diversos, produzem imagens que não são dadas
à contemplação da visão humana. Essa presença da imagem no cotidiano vai das redes sociais
à nossa experiência urbana, com essas câmeras todas e as biometrias diversas”, diz a autora.
A autora enxerga uma questão ambivalente nessa profusão imagética. Por um lado, ela indica
uma era repleta de capacidade de novas linguagens, de uma explosão da cultura visual que
absorve repertórios que jamais foram possíveis dentro das escolas tradicionais de cinema, de
arte ou de fotografia. “A imagem, historicamente, sempre esteve relacionada a um fenômeno
de classe: quem pode aparecer num quadro?. Isso se alarga com a foto e a TV, mas só com a
internet temos uma diversificação de sujeitos. O direito à tela, que já foi circunscrito a
determinados setores, hoje é transversalizado, é muito mais amplo, e isso é enriquecedor”,
diz.

ALGORITMOS

Por outro lado, ela observa, a sociedade opera num mundo cada vez mais dominado por
algoritmos proprietários que transformam essas imagens numa plataforma de coleta de dados
e metadados sobre as pessoas sem que haja um mínimo controle sobre isso

“Quando pensamos na inteligência artificial, que demanda a padronização, o quanto isso pode
implicar numa contração do nosso campo visual? Será possível que só veremos aquilo que os
algoritmos nos deixam ver? E se pegamos os casos recorrentes de erros de reconhecimento
facial, identificamos a dificuldade do treinamento de máquinas para reconhecer a diversidade
racial, por exemplo, daí você vê um perfil de racismo algorítmico se consolidando. Por isso digo
que é um momento de extrema ambivalência: poderíamos estar diante de uma potência
inédita, mas que lida num campo opaco de processos de rastreamento, vigilância e coleta de
dados massiva sobre a qual não temos controle”, explica.

Giselle diz que seu novo livro parte de questões presentes em sua obra, mas estabelece
diálogo com trabalhos de outros artistas e pensadores, de Eisenstein a Antonioni, de Rejane
Cantoni e Lucas Bambozzi a Harum Farocki, passando por Adam Harvey e Trevor Paglen, entre
muitos outros.

MEMES E STICKERS

O livro se chama “Políticas da imagem” porque tenta compreender como elas, as imagens, se
transformam no próprio campo da disputa política contemporânea, o que abarca dos memes e
stickers às novas linguagens audiovisuais. Numa outra face da moeda, Giselle observa que, nos
dias atuais, toda imagem é política. “Se nós pensarmos que, em última instância, tudo o que
fazemos no mundo é uma expressão política de algo, as imagens não poderão fugir a essa
questão. Mas hoje, mais do que nunca, toda imagem expressa uma forma política, ocupa um
lugar político. Mesmo a imagem que talvez seja inocentemente produzida por alguém, como
uma selfie, ela carrega consigo todos os elementos corporativos, os metadados. Então, sim, a
gente pode dizer que toda imagem é política”, destaca..

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