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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO PRO-


GRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SINTAXES PEDAGÓGICAS NO FOTOJORNALISMO DA VEJA


SOBRE O AGRONEGÓCIO

ANTÔNIO LUÍS TUBINO SOBRAL

Dissertação de Mestrado

Canoas, RS, 2013.


UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO PRO-
GRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SINTAXES PEDAGÓGICAS NO FOTOJORNALISMO DA VEJA


SOBRE O AGRONEGÓCIO

Antônio Luís Tubino Sobral

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade Lute-
rana do Brasil como requisito parcial para ob-
tenção do título de Mestre em educação.

Orientadora: Profª. Dr.ª Marisa Vorraber Costa

Canoas, 2013
Para Márcia, Beatriz e Cassiano que
“fizeram” este trabalho junto comigo.
AGRADECIMENTO

À professora Marisa Vorraber Costa, estimada orienta-


dora, intelectual e educadora notável, agradeço pela
acolhida e pela condução precisa deste trabalho. Às
professoras Iara Tatiana Bonin, Saraí Patrícia Schmidt
e ao professor Edgar Roberto Kirchof, pela disponibili-
dade para participarem da minha banca.
RESUMO

O presente estudo, inserido no campo dos Estudos Culturais, analisa o fotojorna-


lismo da revista Veja sobre o agronegócio. Propõe-se a fazer uma leitura das i-
magens fotográficas com o objetivo de mostrar as estratégias pedagógicas utili-
zadas para construir e disseminar a noção de que o agronegócio está vinculado
ao "Brasil que dá certo". Tal exercício de leitura se justifica na medida em que
essas imagens e significados circulam na sociedade brasileira, ensinando a cri-
anças, jovens e adultos “verdades convenientes” a certos grupos e projetos so-
ciopolíticos e culturais da atualidade. Para analisar as imagens fotográficas recor-
ro a Roland Barthes, especialmente a seu texto “A mensagem fotográfica”, que
aponta a existência de três mensagens na fotografia: a mensagem linguística, a
mensagem icônica de denotação e a mensagem simbólica de conotação. Busco
também subsídios em autores que analisam as práticas e políticas culturais em
andamento nas sociedades contemporâneas, produzindo teorizações que possi-
bilitam problematizar a cultura da mídia e suas pedagogias. Encontro tais contri-
buições em Bauman (1998, 2001, 2003, 2010), Jameson (2000), Harvey (1993),
Kellner (2000, 2008), Giroux (2003), Hall (1997a, 1997b, 1997c), Costa (2009,
2012b, 2012b), Fischer (1997), Schmidt (1999), Gerzson (2007, 2012), H. Costa
(1994) e Souza (1998, 2000, 2003). O corpus de analise foi composto mediante
seleção, no acervo digital da revista Veja, de 43 edições com reportagens foto-
gráficas sobre agronegócio, em um recorte temporal que abrange de 1980 a
2012. O critério de escolha considerou: presença de fotos de impacto com boa
qualidade na abertura das matérias, e extensão mínima de duas páginas. Os a-
chados da pesquisa evidenciaram a utilização pela Revista de estratégias peda-
gógicas visando esboçar uma linguagem em que se estabeleça a comunicação
didática com o sujeito-receptor. Tais estratégias estão dispostas e são acionadas
na forma como a Veja trama e organiza a edição das fotos, textos escritos e ou-
tros recursos gráficos. A esta organização discursiva dei o nome de sintaxe pe-
dagógica e as classifiquei como: sintaxe pedagógica da repetição, sintaxe peda-
gógica do contraste e sintaxe pedagógica do exemplo. As habilidades técnicas de
ensino apresentadas por Santana (1979) em conexão com a taxonomia de Bloom
(1971) subsidiaram a identificação das sintaxes. Destaquei também a grandilo-
quência como um atributo tanto das imagens como da retórica adotada nas man-
chetes, títulos e outras chamadas. A revista Veja, mediante articulação estratégi-
ca de discursos verbais e visuais, ensina e faz circular valores, comportamentos
e modelos pessoais e institucionais de empresariamento em direção a um certo
projeto de sociedade e de nação. A Veja posiciona o agronegócio como mola
propulsora do País que incorpora de forma sutil discursos favoráveis de desregu-
lamentação e privatização, refletindo o capitalismo contemporâneo baseado na
acumulação flexível e na globalização econômica.

Palavras-chave: Sintaxes pedagógicas do fotojornalismo; pedagogia cultural; mí-


dia e educação; revista Veja; fotojornalismo e agronegócio.
ABSTRACT

The present study, inserted in the field of Cultural Studies, analyses the the
photojournalism of agribusiness published on Veja magazine. The study aims to
make a reading of the photographic images to show pedagogical strategies used
to create and disseminate the notion that agribusiness is connected to the “Brazil
that works”. Such reading exercise is justified insofar this images and meanings
surround the Brazilian society, teaching children, the young and adults, “conve-
nient truths” to specific groups and current socio-political and cultural projects. To
analyse the photographic images, I refer to Roland Barthes, specially his text “The
photographic message”, which points out the existence of three messages in pho-
tography: the linguistic, the iconic denotation and the symbolic connotation mes-
sages. I also search assistance from authors who analyse cultural practices and
policies ongoing on contemporary societies, producing theories which make poss-
ible problematize the media culture and its pedagogies. I find these contributions
in Bauman (1998, 2001, 2003, 2010), Jameson (2000), Harvey (1993), Kellner
(2000, 2008), Giroux (2003), Hall (1997a, 1997b, 1997c), Costa (2009, 2012b,
2012b), Fischer (1997), Schmidt (1999), Gerzson (2007, 2012), H. Costa (1994)
and Souza (1998, 2000, 2003). The analysis corpus was composed by a selection
of 43 issues with photographic reports about agribusiness in a temporal cut that
covers the years from 1980 to 2012 from the digital collection of Veja magazine.
The choice criterion considered the presence of good quality featured photos in
the opening of the articles and a minimum of two-page length. The findings of the
research made clear the magazine uses pedagogical strategies whose purpose is
to outline a language in which it is possible to estabilish a didactic communication
with the receiver-subject. Such strategies are arranged and put in action in the
way that Veja plots and organizes the editing of the photographies, written texts
and other graphic resources. I have named this discursive organization as peda-
gogical syntax and classified them as: pedagogical syntax of repetition, pedagogi-
cal syntax of contrast and pedagogical syntax of example. The technical abilities
of teaching presented by Santana (1979) in connection with Bloom‟s taxonomy
(1971) assisted the identification of the syntaxis. I have emphasized the grandilo-
quence as an attribute of the images as well as the rhetoric adopted in the ar-
ticles, headlines and other headings. Veja magazine, through strategic articulation
of verbal and visual discourses teaches and makes values, behaviors and per-
sonal and institutional entrepreneurship models encompass towards a specific
project of society and nation. Veja places the agribusiness as a leverage of the
country which embodies, in a subtle way, favorable discourses of deregulation
and privatization, reflecting the contemporary capitalism based on the flexible ac-
cumulation and economic globalization.

Keywords: pedagogical syntax of photojournalism; cultural pedagogy; media and


education; Veja magazin; photojournalism and agribusiness.
SUMÁRIO

PARTE I

O AGRONEGÓCIO - IMAGENS E A NOVA CIVILIZAÇÃO DO CAMPO ............. 10


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 11
2 Explorando a visualidade .................................................................................. 15
3 Fotojornalismo .................................................................................................. 20
3.1 Recorte histórico ........................................................................................ 20
3.2 O nascimento do fotojornalismo moderno .................................................. 21
3.3 O pós-guerra: a primeira "revolução" no fotojornalismo ............................. 22
3.4 A segunda "revolução" no fotojornalismo .................................................... 23
3.5 A terceira "revolução" no fotojornalismo..................................................... 24
3.6 Campo do fotojornalismo ........................................................................... 25
4 Agronegócio – economia, política e cultura ...................................................... 28
4.1 O Brasil que planta e colhe dinheiro .......................................................... 28
4.2 A civilização do campo ............................................................................... 30
4.3 Ícones do Brasil Rural ................................................................................ 32
5 Cultura visual e pedagogia................................................................................ 35
6 Retratos de um Brasil que dá certo (o caminho investigativo) ............................ 38
6.1 Uma aproximação teórico-metodológica − a retórica da imagem de Roland
Barthes e o fotojornalismo do agronegócio. ............................................... 39
6.2 A retórica da imagem ................................................................................. 47
6.3 A mensagem linguística ............................................................................. 51
6.4 A mensagem icônica de denotação – a imagem denotada ........................ 52
6.5 A mensagem simbólica da conotação − a retórica da imagem .................. 53

PARTE II O OLHAR QUE ENSINA – PEDAGOGIA DAS IMAGENS ................. 55


1 Sintaxes pedagógicas ....................................................................................... 56
2 Sintaxe pedagógica da repetição ...................................................................... 59
3 Sintaxe pedagógica do contraste ...................................................................... 66
4 Sintaxe pedagógica do exemplo ....................................................................... 76
5 O impacto/sedução das grandezas (a guiza de considerações finais) ............. 85

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 89
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ........................................................................... 92
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 − Do engenho à engenhosidade. ........................................................... 29


Figura 2 − Agricultura de precisão. ...................................................................... 30
Figura 3 − Tecnologia e produtividade. ................................................................ 31
Figura 4 − O empresário rural. ............................................................................. 33
Figura 5 − A cultura do consumo. ........................................................................ 33
Figura 6 − De Jeca Tatu ao agroboy. ................................................................... 34
Figura 7 − Retratos de um Brasil que dá lucro. .................................................... 42
Figura 8 − A supersafra brasileira. ....................................................................... 43
Figura 9 − Os objetos mostram eficiência e sucesso. .......................................... 44
Figura 10 − As estrelas do campo. ....................................................................... 45
Figura 11 − A floresta vira soja. ............................................................................ 46
Figura 12 − Grão da prosperidade. ...................................................................... 47
Figura 13 − A civilização do campo. ..................................................................... 49
Figura 14 − Máquinas agrícolas em operação. .................................................... 60
Figura 15 − Descarregando a fartura. .................................................................. 62
Figura 16 − O empresário rural. ........................................................................... 63
Figura 17 − A extensão é o eldorado. .................................................................. 64
Figura 18 − Os anacrônicos. ................................................................................ 68
Figura 19 − Guerra no campo. ............................................................................. 70
Figura 20 − Os foras da lei. .................................................................................. 70
Figura 21 − Os inimigos. ...................................................................................... 72
Figura 22 − O empreendedor. .............................................................................. 73
Figura 23 − O messiânico. ................................................................................... 74
Figura 24 − Carrões e aviões. .............................................................................. 77
Figura 25 − Detalhe da figura 24. ......................................................................... 78
Figura 26 − A transformação. ............................................................................... 79
Figura 27 − Sucesso no campo. ........................................................................... 80
Figura 28 − Sempre pioneiros. ............................................................................. 82
PARTE I

O AGRONEGÓCIO - IMAGENS E A NOVA CIVILIZAÇÃO DO CAMPO


1 INTRODUÇÃO

Meu tema para a dissertação sempre esteve muito próximo de mim e eu


não havia percebido. Quando ingressei no programa de mestrado em educação,
tinha em mente apenas que a fotografia e, em especial, o fotojornalismo seria a
pauta de minha pesquisa. Que abordagem? Qual o tema? Em que artefato? Na-
da disso tinha ainda se delineado.
Nas primeiras conversas com a orientadora foram surgindo algumas pos-
sibilidades de temas cujas imagens fotográficas poderiam ser estudadas: a clas-
se C, o mensalão, o Lula, o pré-sal, a pacificação das favelas no Rio e o agrone-
gócio. Estes foram buscados em um artefato de grande circulação e importância
política na sociedade brasileira, e a escolha recaiu sobre a revista Veja, devido a
duas características interessantes. A primeira é que as revistas são produtivas
por que “são artefatos culturais carregados de sinais de seu tempo, implicados
em questões de história, política, poder, cultura e consumo” (COSTA, 2012). E a
segunda diz respeito à metodologia, já que a revista Veja possui um acervo com
todas as suas edições digitalizadas e aberto à consulta, o que facilita muito a ta-
refa do pesquisador. Fiz uma incursão inicial no arquivo da revista, tentando aqui-
latar quais temas poderiam ser interessantes para um estudo sobre o fotojorna-
lismo e educação. Desta primeira aproximação com o acervo resultou uma am-
pliação dos temas que poderiam ser analisados: além dos já mencionados, bele-
za, saúde, boa forma, dietas e sexo emergiram como outros focos possíveis.
Mas, de qualquer forma, o agronegócio ficou, pedindo desculpas pelo irresistível
trocadilho, plantado na minha cabeça.
Antes de prosseguir, quero explicar porque o tema do agronegócio sempre
esteve muito próximo de mim, como afirmei no início desta seção. Entrei no Curso
de Jornalismo com o firme propósito de me tornar um repórter fotográfico. E foi o que
aconteceu. Atuei como jornalista na função de repórter fotográfico durante 23 anos.
Minha primeira experiência profissional foi na revista A Granja, uma publi-
cação especializada em agronegócio editada em Porto Alegre pela Editora Cen-
taurus há 67 anos. Fui contratado em regime de free-lancer para completar a e-
quipe de fotógrafos durante a cobertura da Expointer no ano de 1990. Permaneci
neste veículo durante os dois anos seguintes, produzindo reportagens fotográfi-
12

cas sobre fronteiras agrícolas, pecuária, agricultura, tecnologia, leilões e outros


assuntos referentes à cadeia produtiva do agronegócio.
Sete anos depois, ingressei na equipe do jornal Correio do Povo, graças,
em parte, a essa pequena experiência com o setor primário. É importante ressal-
tar que o setor rural sempre teve grande importância para o jornal, que, por mui-
tos anos, publicou um suplemento semanal dedicado ao setor chamado Correio
Rural. Para este jornal fiz várias fotorreportagens tratando de assuntos do campo
e cobri 17 edições da Expointer.
Agora, retomando a escolha do assunto, decidi pelo tema do agronegócio
nas fotorreportagens da revista Veja, por perceber que as imagens fotográficas
destas reportagens representam um “país que dá certo”, “um novo Eldorado”, onde a “tecnologi-
a”, o “trabalho” e o “dinheiro” investidos no campo fazem brotar do chão a “fartura”, a
“riqueza” e a “abundância”. Destaquei algumas expressões recorrentes na revista, que
são utilizadas para construção de manchetes, títulos e linhas de apoio na edição
das matérias de agricultura e pecuária. Todas elas estão implicadas nos discur-
sos contemporâneos que posicionam a gestão competente das atividades do se-
tor primário como eixo das economias de países emergentes como o Brasil. Mas
o atrativo principal é o espetáculo das imagens fotográficas. Descrevo as ima-
gens como grandiloquentes, produzidas com tomadas aéreas, em plano geral,
mostrando grandes extensões de terra sendo trabalhadas com o que há de mais
avançado em termos de mecanização rural. São fileiras de colheitadeiras e plan-
tadeiras de última geração, dispostas em linha e avançando em uma direção cer-
ta e segura. O êxito do negócio traduz-se também em fotografias de empreendedo-
res ao lado de carros de luxo, aviões, casas cinematográficas, máquinas agrícolas
avançadas e outros ícones que atestam o sucesso na empreitada agropecuária.
Cabe apontar que a história do Brasil pode ser contada através dos dife-
rentes ciclos agrícolas que o país atravessou. Estes ciclos deixaram marcas im-
portantes na cultura brasileira, iniciando pelo extrativismo do pau-brasil, no início
da colonização, até o agronegócio atual. Os ciclos agrícolas são claramente mar-
cados por monoculturas agrícolas motivadas por bolhas artificiais de demandas
por produtos agrícolas nos mercados internacionais, que atendidas deixavam os
agricultores brasileiros quebrados. Para a Revista Veja, conforme dito em suas
páginas, o moderno agronegócio no Brasil reúne alta tecnologia, equipamento de
ponta e crédito farto. Essa conjunção de fatores faz o campo brasileiro reunir
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condições para fugir da maldição dos ciclos que tantas chagas deixaram na histó-
ria econômica das Américas.
Segundo informações disponíveis no site da Editora Abril, que edita a revista,
a Veja é a terceira maior revista semanal de informações do mundo e a primeira
fora dos Estados Unidos. A Editora Abril possui as dez revistas mais lidas do Brasil,
publicou 52 títulos em 2011, é líder em 22 dos 26 segmentos em que atua e, no
mesmo ano, fez circular 192 milhões de exemplares com 28 milhões de leitores e 4,
4 milhões de assinaturas. Uma revista com este poder de penetração e circulação
transcende o papel informativo e se torna um agente importante no cenário econô-
mico, político e cultural do país. O que é publicado na revista acaba se tornando um
discurso autorizado, como se fosse envolvido por uma “aura” de veracidade.
A revista vai além da transcrição dos fatos, avaliando e julgando mediante
estratégias discursivas (ALMEIDA, 2012), operando texto, fotos e outros elemen-
tos gráficos e oferecendo ao leitor a representação do agronegócio brasileiro. Ou,
como dito por Costa (2012a), “para além de „veicular‟, seja o que for as revistas
são produtivas. (...) elas concentram um enorme poder ao construir relatos inte-
ressados que operam sobre nossas vidas” (p.6).
Nesta seção usei os termos fotojornalismo e fotorreportagem, sendo neces-
sário fazer uma distinção formal entre ambos. Vou me apropriar das definições de
Souza (2008), para quem o fotojornalismo se distancia da fotorreportagem por seus
objetivos e sua elaboração. No fotojornalismo o repórter fotográfico vai à cena, capta
o que está acontecendo no momento e condensa a notícia em algumas fotos de
impacto. Já a fotorreportagem ou reportagem fotográfica compõe ou dá corpo a
um projeto organizado antes do fotógrafo entrar em ação, e o resultado do traba-
lho é um documento com fotos de atualidades ou de validade atemporal. Como o
trabalho fotográfico em uma revista se aproxima frequentemente desta modalida-
de, vou adotar em alguns momentos desta pesquisa o termo fotorreportagem.
Analiso as fotorreportagens sobre o agronegócio na revista Veja como
constituidores de uma representação sobre o país que “dá certo”. Considero rele-
vante, especialmente, investigar as formas como a revista opera com fotografias
na constituição destas representações. Segundo H. Costa (1994), o fotojornalis-
mo “é elemento fundamental da cultura contemporânea e um dos principais agen-
tes da pletora de imagens na qual nos encontramos submersos” (p.83). Nesta
mesma direção, a contemporaneidade tem imposto aos leitores a necessidade de
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habilitarem-se a decodificar imagens da publicidade e do fotojornalismo, em vir-


tude de haver uma avalanche de revistas de todos os segmentos.
De acordo com Costa (2012a), “o aprimoramento de seus recursos e es-
tratégias de composição textual evidenciam a complexificação tanto das formas
de construção e disseminação de informações quanto o refinamento de táticas de
persuasão e convocação” (p.6). Reconheço que a fotografia, junto com o texto
escrito, publicados nas revistas tem um poder de persuasão quase imbatível. No
caso da revista Veja, ela é capaz de construir narrativas sobre o Brasil que são
apropriadas por todo o complexo midiático do país. Ou seja, usando o jargão jor-
nalístico, a Veja pauta e norteia os noticiários dos demais veículos de comunica-
ção nacionais. Cito dois exemplos emblemáticos deste fenômeno. O primeiro, a
publicação na década de 90, das denúncias de corrupção feitas por Pedro Collor
contra seu irmão, o então presidente da república Fernando Collor de Melo. As
acusações motivaram o “impeachment” do presidente após uma forte mobilização
de estudantes em um movimento que ficou conhecido como “caras pintadas”.
O segundo, mais recente, em 2005, conhecido como o escândalo do “mensalão”,
com desdobramentos até nossos dias, resultado das denúncias feitas à revista
Veja pelo senador e líder do governo, na época, Roberto Jeferson, de pagamen-
tos de propinas para políticos aliados do Partido dos Trabalhadores (PT). Segun-
do o senador, assessores e políticos próximos ao presidente Luís Inácio Lula da Sil-
va pagavam por apoio de outros partidos ao governo. As campanhas polêmicas em
que a Vejas e engaja garantem milhões de leitores cativos todas às semanas.
Darei preferência, em minhas análises, à visualidade. Portanto vou tratar
de cultura visual, e, particularmente, de imagens fotográficas. Proponho-me a
fazer uma leitura destas imagens fotográficas para mostrar as estratégias que
utilizam para construir e disseminar a noção de que o agronegócio está profun-
damente vinculado ao Brasil que dá certo. Aliás, mais do que isso, tais fotografias
constroem representações com valor de verdade sobre o papel do agronegócio
como propulsor do progresso e expressão da inserção do País no conjunto das
grandes nações contemporâneas avançadas. Mostrar isto é um exercício de leitu-
ra que se justifica na medida em que tal constituição circula no interior da cultura
e da sociedade brasileira da atualidade, ensinando às crianças, jovens e adultos
“verdades convenientes” a certos grupos na arena da significação. Há questões
de poder implicadas em todo este processo.
2 EXPLORANDO A VISUALIDADE

Nesta seção, apresento uma discussão sucinta sobre a questão do realis-


mo na fotografia, apoiado no trabalho O ato fotográfico (2006), de Philippe Du-
bois. Neste texto, o autor afirma que toda a reflexão sobre um meio qualquer de
expressão deve estar centrada na relação específica existente entre o referente
externo e a mensagem produzida por este meio. No caso particular da fotografia,
segundo ele, existe certo consenso de que o documento fotográfico prestaria
conta do mundo com fidelidade, a fotografia seria uma espécie de prova que a-
testa, de maneira indiscutível, a existência daquilo que mostra. Neste percurso, o
autor sintetizou os três principais posicionamentos teóricos sobre imagem foto-
gráfica: a fotografia como espelho do real, a fotografia como transformação do
real e a fotografia como traço do real.
A fotografia como espelho do real é a percepção da fotografia em seu iní-
cio e é atribuída à semelhança da foto como seu referente. Um “analogon” objeti-
vo do real, um discurso da mimese por essência. A realidade e sua semelhança
dão uma noção de verdade e autenticidade. Nesse sentido, a fotografia é conce-
bida como espelho do mundo. É o discurso primário sobre a fotografia que a con-
sidera como a imitação mais perfeita da realidade. Sua capacidade mimética pro-
cede de sua própria natureza técnica, de seu procedimento mecânico que permi-
te fazer uma imagem de forma “automática” quase “natural” sem que a mão do
artista intervenha diretamente. Nisso, como afirma Dubois, “essa imagem „aquei-
ropoieta‟ (sina manufacta, como véu de Verônica) se oporia à obra de arte, pro-
duto do trabalho, do gênio e do talento manual do artista” (2006, p. 27). A partir
desta divisão, fica estabelecida uma clara oposição entre a arte e a fotografia. O
papel da fotografia seria documental - a referência, o concreto, o conteúdo; à pin-
tura, caberia a busca formal, a arte, o imaginário.
Esta polarização coloca a técnica de um lado e a atividade humana de ou-
tro. Nesta perspectiva, a fotografia seria o resultado objetivo da neutralidade de
um aparelho, enquanto a pintura decorreria do produto subjetivo da sensibilidade
de um artista e de sua habilidade. A pintura transita invariavelmente em uma indi-
vidualidade; mesmo que se pretenda ser objetivo ou realista, o sujeito pintor faz a
imagem passar por uma visão, uma interpretação, uma presença humana que,
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de qualquer maneira, vai marcar o quadro. Na fotografia, ao contrário, o que faz o


surgimento da imagem, operaria na ausência do sujeito. Daí se conclui que a foto
não interpreta, não seleciona e não hierarquiza. Como imagem mecânica resul-
tante da ação da máquina, da ótica e química, só lhe reserva retransmitir a natu-
reza com precisão e exatidão.
A fotografia como transformação do real é a reação ao discurso de espelho
fotográfico. Tomando o princípio de realidade como um simples “efeito”, como
“impressão”. Nesta perspectiva, a imagem fotográfica é considerada como um
instrumento de análise, interpretação e transformação do real. Para além de um
espelho neutro da realidade, a fotografia é culturalmente codificada. Ou seja, esta
visão procura analisar a imagem como uma formação arbitrária e ideológica. Du-
bois assinala que a corrente teórica que considera a foto como eminentemente
codificada surge já no século XIX. Críticos do realismo fotográfico vão afirmar que
a foto é inapta para exibir toda a sutileza da luz, reduzindo o espectro de cores a
escalas de preto e branco. Outros estudiosos vão apontar outras diferenças que
a imagem aparenta com o real.
A fotografia ofereceria uma imagem determinada pelo ângulo de visão es-
colhido, distância do objeto e enquadramento, e reduz o objeto tridimensional a
uma imagem bidimensional. Isola um ponto do espaço-tempo e é puramente vi-
sual, excluindo qualquer outra sensação tátil ou olfativa. Portanto, como assinala
Dubois, a desconstrução do realismo fotográfico está apoiada na observação da
técnica fotográfica e seus efeitos perceptivos. A naturalidade da imagem fotográ-
fica é “desnaturalizada” por que a caixa preta fotográfica não é inocente, mas
uma máquina de efeitos deliberados. Da mesma maneira que a língua é um pro-
blema de convenção e instrumento de análise e transformação do real, a signifi-
cação das mensagens fotográficas é também culturalmente determinada. Como
afirma Dubois, “ela não se impõe como uma evidência para qualquer receptor,
sua recepção necessita de um aprendizado de um código de leitura” (2006, p.
42). A fotografia é um dispositivo codificado culturalmente.
A fotografia como traço de um real, na terceira concepção, mostra que a
imagem fotográfica se diferencia dos outros modos de representação. Na fotogra-
fia sempre “resta um sentimento de realidade incontornável do qual não conse-
guimos nos livrar apesar da consciência de todos os códigos [...] que se combina-
ram para sua elaboração” (2006, p.26). Na foto, a imagem remete invariavelmen-
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te a seu referente. Como afirma Barthes em sua Câmera clara, o “referente ade-
re” (BARTHES, apud DUBOIS, 2006) em direção a tudo e contra tudo. Por sua
gênese automática, a fotografia é testemunha inapelável da existência do refe-
rente e isto não implica a priori que ela se pareça com ele. O fato é que o peso do
real que a fotografia carrega se origina no fato de ela ser um traço, não de ser
mimese. Nas duas concepções anteriores, Dubois evoca a semiologia de Peirce
que classifica como ícone a representação por semelhança (o espelho do real) e
como símbolo a representação por convenção geral (operação de codificação
das aparências). A concepção da fotografia como traço do real se diferencia das
duas anteriores por ser da ordem de índice, representação por contiguidade física
do signo com seu referente, determinada unicamente por este: um traço de um
real. Segundo Dubois, a “teorização do índice coloca de forma positiva [...] a
pregnância do real na fotografia, trazendo a discussão sobre o realismo referen-
cial sem a obsessão de se cair no ardil do analogismo mimético, livre da angústia
do ilusionismo” (DUBOIS, 2006, p. 46). Dubois traz para a discussão novamente
as ideias de Roland Barthes sobre referencialização da imagem fotográfica, a
presença do referente dentro da foto e por meio dela:
De início, era necessário conceber bem e, [...] dizer bem [...] que o
referente da fotografia não é o mesmo que os dos outros sistemas
de representação. Chamo de “referente fotográfico” não a coisa
facultativamente real a que remete a imagem ou o signo, mas a
coisa necessariamente real que foi colocada diante da objetiva sem
a qual não haveria fotografia (BARTHES, 1984, p.114 e 115).
A pintura pode simular a realidade sem ter estado lá, a fotografia precisa,
necessariamente, que a coisa esteja lá. Barthes aponta que a imagem fotográfica
é atravessada por todos os tipos de códigos e afirma que “é evidente que códigos
vão influenciar na leitura da foto” (2006, p. 49). Barthes (1984, p. 17) defende que
fotografia sustenta duas estruturas: uma denotativa, o análogo fotográfico, e outra
conotativa que suporta uma codificação sociocultural. Além do texto, a conotação
compreende seis processos: trucagem, pose, objeto, fotogenia, esteticismo e sin-
taxe. Mais adiante, no capítulo 6, vou explorar um pouco mais as teorias de Bar-
thes sobre a mensagem fotográfica e a retórica da imagem.
Dubois comenta que, por ter passado por esses saberes dos códigos, Bar-
thes insistiu no realismo da fotografia marcada pela essência referencial, na “pu-
reza” de sua denotação. Por sua “gênese automática”, ele declarou que a foto-
grafia é uma imagem sem código:
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Evidentemente, ao apresentar as coisas desta maneira, Barthes é


pego na armadilha, não mais da mimese, mas do referencialismo.
Pois aqui está o perigo que espreita esse tipo de concepção: ge-
neralizar, ou melhor, absolutizar, o princípio da “transferência de
realidade”, quando se adota uma atitude exclusivamente subjetiva
de pretensão ontológica. Barthes está longe de ter escapado a esse
culto- a essa loucura- da referência pela referência (2006, p. 49).
Nesse sentido, Dubois justifica a expressão “imagem sem código” e alerta
que a relativização do domínio da referência pressupõe que uma abordagem teó-
rica do realismo fotográfico tem que ultrapassar o obstáculo epistemológico da
mimes. Os estudos semióticos de Charles Peirce, principalmente as noções de
índice, vão se fixar para além da questão da referência e vão apontar que, para
que haja foto, é necessário que o objeto mostrado tenha estado ali num determi-
nado momento do tempo. É a condição indicial da fotografia:
As fotografias [...] se parecem com os objetos que representam.
Porém, essa semelhança deve-se na realidade ao fato de que
essas fotografias foram produzidas em tais circunstâncias que e-
ram fisicamente forçadas a corresponder detalhe por detalhe à
natureza; desse ponto de vista, portanto, pertencem à nossa se-
gunda classe de signos: os signos por conexão física [índice]
(PEIRCE apud DUBOIS, 2006 p. 49).
A natureza técnica do processo fotográfico é o ponto de partida, o princípio
elementar da impressão luminosa regida pela física e pela química que, portanto,
deixa um traço, uma marca. A fotografia, explica Dubois, do ponto de vista tipoló-
gico, alinha-se na categoria dos signos, onde encontramos a fumaça - indício do
fogo, a sombra - indício da presença da luz, a cicatriz - marca de um ferimento, a
ruína - traço do que havia ali e etc. Estes sinais elencados pelo autor têm em co-
mum o fato de “serem afetados por seu objeto” (PEIRCE, apud DUBOIS, 2006, p.
50). Isto é, vão manter uma relação de conexão física com o objeto, e é esta ca-
racterística que vai diferenciar o índice radicalmente dos ícones, que se definem
por relação de semelhança, e dos símbolos que, como as palavras da língua,
definem seu objeto por convenção geral.
Dubois afirma que a definição mínima de fotografia como simples impres-
são luminosa não implica, a priori nem que se passe por um aparelho de fotogra-
fia, nem que a imagem obtida se pareça com o objeto do qual é traço. A mimese
e a codificação perceptual da câmera escura não são seu princípio. Por outro
lado, o princípio do traço, em que pese sua essencialidade, marca apenas um
momento no conjunto do processo fotográfico. Antes ou depois do lapso de luz
que faz a inscrição natural do mundo sobre a superfície sensível, existem gestos
19

codificados e culturais que são escolhas e decisões humanas. A escolha do sujei-


to, lentes, tempo de exposição, ângulo de visão que culmina com o derradeiro
disparo. Depois, a escolha da foto, a edição e o tratamento, para em seguida en-
trar no circuito de difusão, sempre codificados e culturais. “Entre essas duas sé-
ries de códigos, é apenas no instante da exposição propriamente dita que a foto
pode ser considerada como um puro traço [„uma mensagem sem código‟]” (DU-
BOIS, 2006, p. 51). Nesta passagem, Dubois justifica, mais uma vez, Barthes, e
afirma que somente ali o homem não intervém e não pode intervir, sob o risco de
mudar o caráter fundamental da fotografia. Entretanto, este instante dura apenas
uma fração de segundo para em seguida ser tomada pelos códigos que nunca
mais o abandonarão. O que, de certa maneira, relativiza o domínio da referência
em fotografia, pois a condição de índice da imagem fotográfica estabelece uma
relação com seu objeto referencial marcada por quatro princípios: de conexão
física, de singularidade, de designação e de atestação.
A conexão física remete sempre a um único referente, o mesmo que a
causou como resultado da ação da física e da química, daí a singularidade ex-
trema da relação. Ao mesmo tempo em que a foto é vinculada a um objeto único
e somente a ele, essa foto adquire uma força de designação muito característica
e que é assinalada por Barthes (1984) como “„isso é isso‟[...] „olhe aqui‟ está; ela
aponta”. E por último, a fotografia, na lógica do índice, é conduzida a funcionar
como testemunho, ela atesta a existência de uma realidade.
Para finalizar, a centralidade do índice na mensagem fotográfica utiliza a
distinção entre sentido e existência, como explica Dubois: “a foto-índice afirma
aos nossos olhos a existência do que ela representa [o „isso foi‟ de Barthes], mas
nada nos diz sobre o sentido desta representação; ela não nos diz „isso quer di-
zer aquilo‟” (2006 p; 52). A referencialização da fotografia torna a imagem foto-
gráfica inseparável de sua experiência referencial, sua realidade primordial nada
é além da afirmação de sua existência. A fotografia é em primeiro lugar índice,
depois ela se torna ícone (semelhança) e adquire sentido (símbolo). Completan-
do esta observação, Dubois afirma que “o referente é colocado pela foto como
uma realidade empírica, [...] sua significação continua enigmática para nós, a não
ser que sejamos participantes da situação de enunciado de onde a imagem pro-
vém” (2006, p.52).
3 FOTOJORNALISMO

3.1 Recorte histórico

Nesta seção apresento um panorama da história do fotojornalismo basea-


do nos estudos de Souza (2000 e 2004). Para este autor, a história do fotojorna-
lismo no ocidente narra a expansão do que merece ser olhado e fotografado, a-
firmando que:
A história do fotojornalismo é uma história de tensões e rupturas
[...] do aparecimento, superação e rompimento de rotinas e con-
venções profissionais entre a busca da objetividade e a assunção
da subjetividade e do ponto de vista, entre o realismo e outras
formas de expressão, entre o matizado e o contraste, entre o va-
lor noticioso e a estética, entre o cultivo da pose e o privilégio
concedido ao espontâneo e à ação, entre a foto única e as várias
fotos, entre a estética do horror e outras formas de abordar temas
[...] chocantes (SOUZA, p.14, 2000).
A fotografia nasceu no ambiente positivista do século XIX e parece ter sido
resultante da vontade de se registrar a realidade visual de forma mecânica. Os
dois principais antecedentes tecnológicos necessários à descoberta da fotografia
já eram conhecidos na Europa há muito tempo: a fotossensibilidade da prata e as
câmeras obscuras. Este último, artefato largamente utilizado por cientistas, dese-
nhistas e pintores para acelerar a produção e dar fidelidade aos detalhes de seus
desenhos e pinturas. Os cientistas utilizam as câmeras obscuras principalmente
na astronomia para observação de eclipses.
Os primeiros passos da fotografia são restritos a exibições da técnica, por
influência dos primeiros fotógrafos que, em muitos casos, são também pintores.
Lentamente, vão surgindo determinados cânones estético-expressivos para esse
novo meio de expressão visual. O pictorialismo vai, como primeira tendência, in-
fluenciar a fotografia durante todo o século XIX e visava que a fotografia fosse
reconhecida como arte. O retrato também adota poses e cenários forçados inspi-
rados na pintura. A adoção do retrato pelas novas classes sociais urbanas que
ascendem com a revolução industrial amplia a popularização da fotografia ao
ponto de alguns considerarem que ela vai substituir a pintura. A pintura não de-
sapareceu como tabu e é provável que a fotografia ajudou-a a libertar-se do rea-
lismo.
21

3.2 O nascimento do fotojornalismo moderno

De acordo com Souza (2000), considera-se que o fotojornalismo moderno


nasceu na Alemanha após a Primeira Guerra. Nesse período florescem naquele
país as artes, as letras e as ciências. Esta efervescência cultural se reflete na
imprensa. Entre os anos vinte e trinta do século XX, a Alemanha se torna o país
líder em revistas ilustradas, cuja tiragem é de cinco milhões de exemplares, atin-
gindo 20 milhões de leitores. As revistas ilustradas alemãs vão influenciar a fun-
dação deste tipo de revistas: surgem na França a Vu, na Inglaterra, a Picture
Post, e nos Estados Unidos, a Life. No Brasil, o modelo de revista ilustrada al-
cança grande sucesso com a revista O Cruzeiro. O mesmo modelo prossegue
aplicado com sucesso em todo o mundo.
A articulação de texto e fotos nas revistas alemãs dos anos 1920, já apon-
ta para o fotojornalismo propriamente dito. Não é mais apenas uma imagem iso-
lada que interessa, mas toda a construção de texto e o conjunto de fotografias
capazes de contar uma história. Surgem novos elementos de midiatização visual
com as fotos de imprensa: o instantâneo, os foto-ensaios e as fotorreportagens,
formadas por várias fotografias. Segundo Souza (2002), o desenvolvimento do
moderno fotojornalismo na Alemanha dos anos vinte se deve a alguns fatores:
a. Melhorias tecnológicas, como a redução do tamanho das câmeras, lentes mais
luminosas e filmes mais sensíveis, viabilizando o foto-ensaio e as sequências
fotográficas.
b. Surgimento de uma geração de repórteres fotográficos com boa formação inte-
lectual, em alguns casos, com nível social elevado, o que lhes abria muitas
portas.
c. Atitude experimental e de colaboração intensa entre fotojornalistas, editores e
proprietários das revistas ilustradas, promovendo o aparecimento e difusão da
candid photograph(a fotografia não posada e não protocolar) e do foto-ensaio.
As revistas ofereciam um bom produto a preço razoável.
d. Interesse humano. Amadurece a ideia de que ao público não interessam so-
mente assuntos que envolvam figuras públicas. As revistas alemãs começam a
integrar reportagens da vida quotidiana das pessoas comuns,com as quais o
público se identificava.
e. Ambiente cultural e suporte econômico.
22

O fotojornalismo ganhou força e as fotografias ultrapassam a ideia de mera


ilustração. O valor noticioso sobrepôs-se, pela primeira vez, à nitidez e à reprodu-
tibilidade enquanto principal critério de seleção. Pela primeira vez, também, a
imagem foi privilegiada em detrimento do texto, que surgia como um complemen-
to, por vezes reduzido a pequenas legendas. Com a ascensão de Hitler ao poder,
em 1933, o fotojornalismo alemão entra em colapso. Muitos dos fotojornalistas e
editores, identificados com a esquerda, tiveram de fugir, levando consigo as con-
cepções deste modelo de fotojornalismo, que se espalham por vários países da
Europa e nos Estados Unidos.
Nos Estados Unidos, o fotojornalismo se consolida como integrante da im-
prensa moderna. No entanto, na Europa o fotojornalismo das revistas ilustradas
se apoiava na fotografia de autor e nos foto-ensaios, nos Estados Unidos é nos
jornais diários que se dão mudanças importantes para o futuro da atividade. Es-
tas mudanças, como no caso europeu, afetarão todo o mundo. A integração do
fotojornalismo nos jornais norte-americanos acontece por que já há uma cultura
visual se desenvolvendo graças ao cinema que ajusta a atração e a popularidade
das fotografias. Os trabalhos documentais desenvolvidos pelo Farm Security Ad-
ministration durante a Depressão demonstram que o documentalismo social po-
dia ser utilizado pela imprensa. Os editores e o público encontram nas imagens
um elo de legibilidade e de acessibilidade aos textos. Verifica-se a elevação defi-
nitiva do fotojornalismo à condição de sub campo da imprensa devido à cobertura
fotojornalística da Guerra Civil de Espanha e da II Guerra Mundial. A estes fato-
res junta-se a industrialização crescente da imprensa e a ânsia do lucro que fize-
ram estender ao fotojornalismo o ideal da objetividade.

3.3 O pós-guerra: a primeira "revolução" no fotojornalismo

De acordo com Souza (2000), no fotojornalismo, os conflitos do pós-guerra


representaram um momento de grandes transformações. Enquanto que, por um
lado, a fotografia jornalística e documental encontrou novas formas de expressão,
por outro lado, o pós-guerra foi um período em que houve uma crescente indus-
trialização e massificação da produção fotojornalística. A criação de agências
fotográficas e a inclusão de serviços fotográficos nas agências noticiosas promo-
veram a transnacionalização da foto-notícia e o esmaecimento das suas diferen-
23

ças nacionais. As revistas ilustradas começam a entrar em crise no final dos anos
cinquenta do século XX, devido ao montante dos investimentos publicitários mi-
grarem para a nova mídia que está nascendo: a televisão. As gigantes Look e
Life vão sucumbir durante os anos setenta.
Durante a Guerra Fria, as revistas protagonizaram acirradas disputas polí-
ticas e ideológicas. Tanto nos países do bloco comunista quanto do lado capita-
lista,as fotografias são alteradas com a inclusão ou a retirada de líderes políticos.
Ocorrem fotomontagens forjando encontros improváveis de políticos, além de
edições deliberadas com as piores fotografias dos retratados. Nestes casos é
posta em funcionamento a ideia da suposta objetividade, veracidade e realismo
da imagem fotográfica para o senso comum. No pós-guerra e nas décadas que
se seguem, surgem outros produtos jornalísticos que vão impulsionar o fotojorna-
lismo. A imprensa de escândalos, as revistas eróticas, como a Playboy, e as re-
vistas ilustradas especializadas em moda, decoração, comportamento, entre ou-
tros temas. A imprensa de escândalos faz surgir, nos anos cinquenta, os papa-
razzi, fotógrafos especialistas na "caça às estrelas" (tornados tragicamente céle-
bres após a morte da Princesa Diana), que se servem dos mais variados expedi-
entes para obter fotografias de gente famosa, tão sensacionais quanto possível.

3.4 A segunda "revolução" no fotojornalismo

Souza (2000) ressalta que nos anos sessenta a concorrência aumentou na


comunicação social, abrindo espaço para o jornalismo sensacionalista. Marca
este período a espectacularização e dramatização da informação. No fotojorna-
lismo, estas mudanças estão inscritas na “captura do acontecimento sensacional”
e na “industrialização” da atividade. Nos anos sessenta, há ainda a Guerra no
Vietnam, acompanhada pelo fotojornalismo sem nenhuma censura, contribuindo
para posicionar a opinião pública americana e ocidental, como um todo, contrá-
rias a esta guerra. Nos conflitos nas décadas seguintes, como a intervenção a-
mericana no conflito entre Iraque e o Kwait, nos anos 90,foram fortemente censu-
rados pelos militares. As informações sobre o dia a dia da Guerra do Golfo eram
dadas por militares que impediam também a movimentação de repórteres e fotor-
repórteres nas áreas de conflito.
24

A concorrência entre as grandes agências noticiosas −Associated Press


(AP), Reuters e Agência France Presse (AFP)− propiciou um impulso tecnológico
que permitiu melhorias na transmissão e edição de imagens, graças às tecnolo-
gias digitais. Nos anos setenta e oitenta, há uma forte industrialização na produ-
ção do fotojornalismo devido ao domínio produtivo das agências noticiosas com
seção de fotografia nos jornais diários. Durante esta época surgem as revistas
semanais de informação como a Time e a Newsweek. No Brasil, este modelo é
introduzido com as revistas Realidade, Veja e Isto é. Estes semanários de atuali-
dades vão reservar um espaço bastante privilegiado à fotografia. Além de ocupa-
rem um espaço tão relevante quanto o destinado ao texto, iniciam a utilização de
fotografias em cores nas publicações. No final dos anos oitenta, o computador
entra em cena na fotografia, facilitando vários ajustes nas imagens.
A manipulação digital das fotografias possibilita a criação de uma imagem
ficcional de forma rápida e quase imperceptível. O foto documentarismo na sua
ação consciente no meio social promove no observador a necessidade de, ques-
tionando, chegar à “sua verdade”, a uma “verdade subjetiva”, deixando de lado a
ideia de verdade universal na construção de sentidos. Ou seja, não existe “a ver-
dade dos fatos” pura. Ela sempre é uma construção, seja do fotógrafo, seja da
revista, seja do editor, seja do leitor.

3.5 A terceira "revolução" no fotojornalismo

Souza (2000) prossegue mostrando que, nos anos noventa, o fotojornalis-


mo sofre uma tremenda transformação com a consolidação dos meios digitais de
produção e transmissão de fotografias. A fotografia digital vai trazer novas dis-
cussões sobre problemas acerca de sua relação com o “real”. A transmissão digi-
tal de fotos por satélite e celulares aumentou a pressão do tempo sobre a produ-
ção de fotografia, afastando dos fotojornalistas a elaboração de pautas mais pla-
nejadas. Ou seja, o fotojornalismo em escala global e industrial está voltado para
o imediato e não ao desenvolvimento, mais ou menos lento, de assuntos que exi-
jam investigação. Por outro lado, as grandes agências fotográficas perderam es-
paço para as agências noticiosas, que dominam totalmente o fotojornalismo
mundial como a Associated Press, Reuters e Agence France Presse, assim como
para as empresas de bancos de imagem (Corbis, Getty Images etc.). Nesta con-
25

juntura, o arquivo fotográfico passou a ser valorizado, tanto ou mais do que a


produção diária.
Na primeira década do século XXI, novas tecnologias desenham um perfil
de profissional de jornalismo com flexibilidade e polivalência, capazes de lidar
com as diferentes linguagens do jornalismo. Um único repórter fotográfico deve
estar apto para a captação de imagens em vídeo e para a captação de fotografi-
as, produzindo registros visuais para jornais e revistas, para a televisão, para os
meios online etc. Este fato contribuiu para a perda de especificidade do fotojorna-
lismo e a flexibilização da profissão.Segundo Sennett (2009), “o capitalismo flexí-
vel bloqueou a estrada reta da carreira, desviando de repente os empregados de
um tipo de trabalho para outro” (p.9). A especialização flexível responde, de for-
ma rápida, às demandas de consumo, neste caso, consumo de imagens trazidas
pelas novas tecnologias. Ao mesmo tempo em que o fotojornalismo perde sua
especificidade com a flexibilidade do trabalho, a identidade de fotojornalista se
ressente na fluidez da contemporaneidade. As inovações tecnológicas promovem
a readaptação dos fotojornalistas a novos modelos e convenções, a novas rotinas
produtivas, a novas táticas e estratégias profissionais de captação, processamen-
to, edição e distribuição de foto-informação. A identidade então, nesse contexto,
muda de estatuto. Segundo Bauman (2003, p. 61), “a identidade deve continuar
flexível e sempre passível de experimentação e mudança; deve ser o tipo de i-
dentidade „até nova ordem‟.” Este recorte demonstra que história é um compo-
nente relevante na conformação de conteúdos fotojornalísticos, porém não o úni-
co. A fotografia digital e os meios de geração e manipulação computacional de
imagem estão provocando nos fotojornalistas questionamentos em torno da natu-
reza da fotografia como documento, devido à sua maior formação, à ação do
meio acadêmico e pela constatação das mudanças.

3.6 Campo do fotojornalismo

Tendo invocado elementos para se esboçar um certo percurso histórico do


fotojornalismo, quero nesta seção discutir o campo do fotojornalismo. Por ser um
gênero do jornalismo, o fotojornalismo tem o objetivo principal de informar. No
cumprimento desta função, o fotojornalismo concilia fotografias com textos, por-
tanto, o fotojornalismo não trata exclusivamente de fotografias. A fotografia, por
26

uma limitação própria de sua linguagem (visual), é incapaz de dar conta de al-
guns conceitos abstratos, necessitando de texto (linguagem verbal) para com-
plementar e dar sentido a sua mensagem ou informação. Assim, a expressivida-
de do fotojornalismo se inscreve na produção simbólica que os meios de comuni-
cação social medeiam sobre o mundo.
As fotografias jornalísticas não são apenas o registro de um fato, são sig-
nos em forma de imagens fixas. Como afirma Souza (1998), “são signos como as
palavras [...] não podem ser tratadas como meras ilustrações, mas como um
meio de comunicação capaz de gerar significados diferenciados dos restantes”
(p.49). Todavia, como diz Vilches (apud SOUZA. 1998), uma imagem tem signifi-
cação porque há pessoas que se interrogam sobre seu significado. Os significa-
dos, no fotojornalismo em particular e na mídia em geral, não são naturais. A
construção de sentido depende do sujeito, da condição social, dos condiciona-
mentos ideológicos, da cultura e do lugar onde vive. Estes fatores conformam,
em mão dupla, tanto quem as produz quanto quem as consome. Os sujeitos vão
construir suas concepções de mundo, crenças e ideias influenciados pelos meios
de comunicação social. Mas não são os únicos na produção significante, concor-
rem a família, a escola, entre muitos outros.
O conteúdo imagético deve ser decifrado, o fotojornalismo pensado como
testemunho “documental” jornalístico resulta de processo de criação. As imagens
são produzidas e materializadas segundo os objetivos de seus autores e configu-
radas, culturalmente, conforme uma determinada visão de mundo. Ao longo da
história da fotografia e da imprensa se percebe que o documento fotográfico é o
resultado final de construções técnicas, estéticas e culturais operadas na produ-
ção da representação. Por esse motivo, servem para uma variedade de propósi-
tos ideológicos determinados.
É seguro dizer então que no fotojornalismo, ao observar uma fotografia, es-
tamos diante da aparência de realidade. Aparência, neste caso, constituída pelo real
transformado através do aparato técnico da fotografia operado pelo olhar do fotógra-
fo. Ou seja, a escolha da objetiva, o enquadramento, o registro do movimento, a ter-
ceira dimensão representada em superfície bidimensional etc., “o que se vê na foto
é a versão, não o real” (HARTLEY apud SOUZA, 1998, [grifo do autor]).
O papel da imagem é central na sociedade contemporânea, mas inserido
neste contexto, o fotojornalismo ainda está marcado pelo caráter de evidência do-
27

cumental, que tem origem na racionalidade positivista da busca pela verdade, que
outorga às fotografias noticiosas o caráter de espelho do real e de verdade. Este
caráter é atribuído tanto pelo senso comum quanto por jornalistas e fotojornalis-
tas imersos na lógica da objetividade. Assim como afirma Kossoy (2007), “a evi-
dência é o fundamento positivista sobre o qual se estribam os processos de cria-
ção/construção de realidades. [...] Assim ganham força documental os mitos políti-
cos, os estereótipos e os preconceitos raciais, religiosos, de classe” (2007, p. 139).
A contemporaneidade trouxe para as discussões sobre a cultura e a socie-
dade variáveis de gênero, raça, classe social, consumo, entre muitas outras. As
imagens da mídia, como aponta Harvey (1993 p. 259), “passaram a ter um papel
muito mais integrador nas práticas, tendo assumido agora uma importância muito
maior na dinâmica do crescimento do capitalismo”. Portanto, o fotojornalismo
tem, constantemente, se constituído como objeto de análises culturais que procu-
ram desconstruir sua aura de objetividade e realismo, já que, segundo Kellner
(2000), “a crítica desconstrutiva da publicidade e de outros artefatos da cultura de
massa é também uma crítica da ideologia” (p.107).
A pós-modernidade também se caracteriza pela emergência das tecnolo-
gias multimídia, o rápido avanço tecnológico, novos padrões de produção e con-
sumo de imagens “que podem ser transmitidas e buscadas online em escala pla-
netária” (Kossoy, p.135, 2007). Este processo de fruição das imagens através
dos meios eletrônicos é feito de forma rápida e em quantidade e redundância,
quase em níveis de saturação, cuja consequência é o declínio da capacidade de
ler e escrever:
A pós-modernidade revela-se também no surto de representação
visual na cultura. [...]. Mas as incertezas, aliadas à imagem, e ali-
adas a uma nova cultura que percebe o real como complexo, fa-
zem ver essas representações visuais mais como um mapa do
que como um caminho para o conhecimento (Souza, p.52, 1998).
A prevalência do ver sobre o ler na cultura pós-moderna de imagens exige
que o sujeito contemporâneo se habilite a uma alfabetização visual. Uma leitura
crítica das imagens, como sugere Kellner, “implica aprender como apreciar, de-
codificar e interpretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construí-
das e operam em nossas vidas quanto o conteúdo que elas comunicam em situ-
ações concretas” (p. 106, 2000 [grifo do autor]).
4 AGRONEGÓCIO – ECONOMIA, POLÍTICA E CULTURA

Para a Revista Veja, no campo impactado pela supersafra e pela agroin-


dústria exportadora, o fazendeiro virou empresário rural, o Jeca Tatu1 virou agro-
boy e o caipira virou caubói. Como argumenta Woodward, “a mídia nos diz como
devemos ocupar uma posição-de-sujeito particular” (2000, p.17). Estas identida-
des são formadas e apropriadas pelos sujeitos do agronegócio brasileiro nas úl-
timas décadas. Nesta seção, apresento um breve panorama de como a Revista
traça estas diferentes identidades. Este painel é baseado em três edições da Re-
vista Veja: as de números 603 de 26/03/1980, 1598 de 19/05/1999, a edição es-
pecial n° 30 (Veja 1848) de abril de 2004, e a 1873 de 29/04/2004, edições que,
de certo modo, conferem um sentido histórico ao abordar o assunto.

4.1 O Brasil que planta e colhe dinheiro2

A revista Veja ensina que os negócios em torno da agricultura e da pecuá-


ria viraram o principal motor da economia brasileira nos últimos trinta anos. A Veja
festeja o fato de que um em cada três reais gerados pela economia tem alguma
relação como o agronegócio. Estas performances são exultadas como desempe-
nho de tigre asiático, águia americana ou dragão chinês e são explicadas, em parte,
pelos baixos estoques mundiais de produtos agrícolas que levaram à valorização
das principais mercadorias, e, por competência, O Brasil estava com ofertas de
commodities, graças ao efeito de farta irrigação de dinheiro no campo. Com os
produtores capitalizados, aumentaram os investimentos em tecnologia, máquinas
e insumos e, por decorrência, aumentou a produtividade das suas lavouras.
Por outra parte, a agricultura e a pecuária são importantes para o Brasil
desde o descobrimento, os produtos agropecuários sempre dominaram o cenário
econômico do país. Produtos como a cana-de-açúcar, cacau, borracha e café se
alternavam neste cenário. A industrialização do século XX pareceu indicar o fim
desta tendência. A Veja situa na década de 1970 o estabelecimento do agrone-

1
Jeca Tatu é um personagem criado por Monteiro Lobato em sua obra Urupês.
2
Revista Veja edição especial n° 30 (veja 1848) de abril de 2004
29

gócio como uma visão global do setor, colocando novamente o campo como
promotor eficaz da economia nacional.

Figura1 −Do engenho à engenhosidade.


Fonte: Revista Veja edição especial n° 30 (veja 1848) de abril de 2004.

As transformações do cerrado em fronteiras agrícolas e a explosão do cul-


tivo da soja (no RS desde 1960) abriram caminho para a implantação de outras
culturas como o milho e o algodão. Novamente a tecnologia é apontada como
decisiva na formação de um ciclo virtuoso de quem investe mais e pesquisa mais,
aumenta a produção e os lucros futuros. Computadores, chips e satélites são tão
comuns no campo moderno como a enxada era na pré-história da agricultura na-
cional. A revista ensina também que o sucesso do agronegócio é fruto da coloni-
zação européia e japonesa, cujos descendentes têm tradição e competência no
campo. Cultua os bem-sucedidos indicando que os sobrenomes como Ometto,
Biaggi, Maggi e Cutrale têm o agronegócio impresso na própria genética.
Para completar a Veja demonstra também as ações governamentais em
relação ao crédito agrícola que deram contribuições para o desenvolvimento do
agronegócio. Dois movimentos antagônicos contribuíram de forma importante,
cada um a seu modo e a seu tempo, um de expansão de crédito (o “plante que o
João3 garante” da metade dos anos 1980) e outro de retração, em 1986, que a-
plicou pesadas correções nas dívidas agrícolas. Na década de 1990 o quadro se
agravou com a correção de preços muito abaixo do que se aplicava nos débitos.
A revista mostra como só os fortes venceram o desafio com comprometimento,
modernização e produtividade. Líderes do setor com ânimo e investimentos em

3
João Baptista de Oliveira Figueiredo, militar brasileiro, tendo sido 30º Presidente do Brasil de
1979 a 1985 e o último presidente do período da ditadura militar
30

pesquisa conseguiram, em quinze anos, por exemplo, dobrar a produção aumen-


tando somente um quarto da área plantada e reduzindo em até a metade o abate
de bois. A palavra de um especialista dizendo que não houve um desempenho
tão extraordinário em nenhum outro lugar do mundo atesta e comprova o suces-
so do maior negócio do país.

4.2 A civilização do campo4

A atual civilização do campo reflete a solidez da base material sobre a qual


está plantada. A pesar de diferentes níveis de tamanho e de desenvolvimento
nas diferentes regiões, a agricultura e a pecuária, ligadas ao mercado externo,
crescem em toneladas produzidas e em riquezas que geram a cada ano. Os a-
vanços do setor exportador baseado no agronegócio borram as fronteiras entre o
mundo urbano e o mundo rural. O sucesso do agronegócio fez com que o atrasa-
do de ontem se tornasse o globalizado de hoje. Os empresários rurais tocam
seus negócios com um olho no campo e o outro nas telas de computadores a-
companhando preços nas bolsas de mercadorias espalhadas pelo mundo.

Figura 2 − Agricultura de precisão.


Fonte: Revista Veja edição especial n° 30 (veja 1848) de abril de 2004.

Entre 1990 e 2002, o PIB agropecuário cresceu em média 3,20% contra o


crescimento da economia em geral que ficou na casa de 2,70%. O Brasil já é
mais competitivo na produção de açúcar, soja, algodão e milho, o país já é o
maior exportador mundial de carne bovina e de frango, o agronegócio representa
cerca de 35% da economia brasileira. O país não está melhor nas exportações

4
Revista Veja n° 1873 de 29/04/2004.
31

agrícolas porque seus concorrentes internacionais, como os Estado Unidos e a


União Européia, subsidiam suas produções e depois despejam seus produtos no
mercado internacional.
A revista acredita que o modelo agroexportador do agronegócio beneficia a
economia como um todo e cita estudos acadêmicos, entretanto, sem apontar ne-
nhum especificamente, para comprovar que a grande lavoura beneficiava poucos
e que a única e a melhor arma contra a pobreza era a agricultura familiar. A Veja,
citando Kevin Cleaver, diretor do departamento de desenvolvimento rural do Ban-
co Mundial, acredita que tanto a agricultura familiar e as grandes propriedades
têm o mesmo poder de geração de empregos.
A excelência atingida pelo agronegócio é exaltada pela Veja graças a in-
vestimentos em tecnologia feitos por fazendeiros que administram suas proprie-
dades como se fossem empresas. Para a revista, não basta saber plantar e co-
lher é necessário ser bom em todas as etapas entre a produção e a comercializa-
ção. Para alcançar este intento os empresários do campo examinam sua lavoura
palmo a palmo digitam informações sobre condições das plantas e do solo em
um computador. Utilizam também GPS para localização exata, essa leitura preci-
sa determinar o tratamento necessário para cada área.

Figura 3 −Tecnologia e produtividade.


Fonte: Revista Veja edição especial n° 30 (veja 1848) de abril de 2004.
32

No agronegócio, o Brasil é respeitado como uma grande potência, graças


à civilização do campo, plugada na internet, remunerada em dólares e ligada ao
mercado internacional, é a mais alvissareira mudança na topografia econômica
do país em muitas décadas.

4.3 Ícones do Brasil Rural5

Quando os pioneiros do agronegócio começaram a se instalar nas frontei-


ras do Centro-Oeste, do Nordeste e do Norte do país, a partir da década de 1970,
se estabeleceram em lugares tão precários que sequer havia água e luz. Muitos
se aventuraram sozinhos nesta jornada deixando em suas cidades de origem
mulher e filhos. O principal desejo daqueles produtores era um radioamador para
falar com parentes distantes. A qualidade de vida melhorou e os ícones de con-
sumo foram sofisticando. Os celulares de última geração tomaram o lugar do ra-
dioamador, casas simples tornaram-se confortáveis e, em alguns casos, viraram
mansões equipadas com internet, TV a cabo, antenas parabólicas e ar condicio-
nado.
O padrão de vida aumentou de maneira que pecuaristas e agricultores pre-
ferem ser chamados de empresários rurais. A Veja, na edição n° 603 de
26/03/1980, aponta que certas palavras, como fazendeiro, por exemplo se torna-
ram anacrônicas. O empresário rural se afasta da imagem do fazendeiro que agia
como um senhor feudal ligado ao gado, café e cacau, e cede espaço ao profis-
sional que vai batalhar o lucro onde o lucro estiver e com as armas mais eficien-
tes que podem manejar.
Para os contemporâneos empresários rurais, o avião se tornou ferramenta
de trabalho e avaliam que, longe de ser um luxo, encurta distâncias e economiza
tempo. A Veja mostra dados que dão conta de que a frota aérea do campo é de
1200 aeronaves. Com os pés no chão, as picapes grandes, na maioria de marcas
importadas, garantem a imponência e garantem visibilidade para o carro e para o
seu dono.

5
Revista Veja edição especial n° 30 (veja 1848) de abril de 2004
33

Figura 4 −O empresário rural.


Fonte: Revista Veja n° 603 de 26/03/1980.

Independente de ser tradicional ou contemporâneo, os fazendeiros sempre


estão de olho no aumento da produtividade, com imensas áreas plantadas, só o
monitoramento com a chamada agricultura de precisão pode garantir bons resul-
tados, o que faz crescer as vendas de colheitadeiras e outros implementos com-
putadorizados com o preço variando entre 400 a 750 mil reais.

Figura 5 −A cultura do consumo.


Fonte: Revista Veja edição especial n° 30 (veja 1848) de abril de 2004.

Os protagonistas do agronegócio integram o mundo moderno e são orgu-


lhosos de si mesmos, são cidadãos globais que vivem longe dos grandes centros
urbanos. A música sertaneja, com seu sucesso também urbano, representa 20%
do faturamento da indústria fonográfica no país. O sucesso do estilo sertanejo é
explicado pelo fato que, com a riqueza do campo, o músico sertanejo deixou de
cantar lamúrias de um Brasil pobre e atrasado e hoje é um vencedor que provoca
admiração. Agora, o Jeca Tatu ficou rico, veste-se bem e anda de carrão, ele já
pode cantar seus versos simples com orgulho.
34

Novos atores da cena rural brasileira podem ser vistos aos milhares no cir-
cuito formado por rodeios, leilões de gado, feiras e exposições agropecuárias
A Veja apresenta dados que dão conta de que são realizadas anualmente no pa-
ís cerca de 3000 eventos de médio e grande porte voltados para a agricultura e
pecuária que juntos movimentam cerca de cinco bilhões de reais. Alguns destes
eventos têm repercussão internacional e servem de vitrine para agricultores, pe-
cuaristas e empresas ligadas ao agronegócio e todos fazem diferença sobre a
economia e na vida social das cidades onde são realizados.

Figura 6 −De Jeca Tatu ao agroboy.


Fonte: Revista Veja n° 1598 de 19/05/1999.

O rodeio ensina a Veja, é o esporte que reflete as ideias e os valores da


próspera civilização criada pelo agronegócio. O maior e mais famoso rodeio do
país é a Festa de Peão de Boiadeiro de Barretos, considerada a terceira maior do
mundo, comparando com seus similares de Huston nos Estados Unidos e Cal-
gary no Canadá. Apesar de comparar a mobilização das cidades em função dos
rodeios com a do carnaval, ao crescer o rodeio brasileiro americanizou-se. Caipi-
ra virou country, peão é caubói e todo mundo botou roupa texana. A moda coun-
try faz parte da grande indústria do rodeio e movimenta 2,4 bilhões de reais.
5 CULTURA VISUAL E PEDAGOGIA

“No Ocidente, é secular a concepção de que as imagens têm a capacidade


de ensinar” (CUNHA, 2004, p. 3). Esta secularidade vem da Igreja Católica, a
primeira instituição a fomentar regimes escópicos com a intenção de criar formas
de ver o mundo. Na Igreja Católica, as imagens sacras surgem com o propósito
de difundir seus ensinamentos e angariar mais adeptos. As imagens narravam os
acontecimentos em um mundo onde o letramento era restrito ao clero e a alguns
poucos da nobreza. Iniciei esta seção sobre cultura visual e pedagogia localizan-
do o tema historicamente, porque entendo que, de certo modo, a religião cristã
antecipou o que as produções artísticas do Renascimento e depois a fotografia, o
cinema e os meios de comunicação de massa têm realizado com as imagens:
“narrar o mundo, criar efeitos de realidade, normatizar modos particulares de ver
e agregar adeptos em torno de suas visões” (CUNHA, 2004, p. 3).
Para além das interpretações, a visualidade, a partir da metade do século
XX, marca o mundo de forma indelével. Segundo Susan Bukc-Morss (apud
DUSSEL, 2008, p. 4) “oséculo XX se distingue dos anteriores, pois deixou um
rastro fotográfico. O que acontece só uma vez e é registrado, pode ser revisto a
qualquer tempo e por todos”. Muitos outros autores referem-se à centralidade da
imagem (do visual), ou mais exatamente, da cultura visual, como característica
das sociedades contemporâneas, pois muitas formas de entretenimento, informa-
ção e conhecimento são visualmente construídas.
O espaço que se abre entre a experiência cotidiana do visual e a habilida-
de de compreender o que é visto cria, como diz Mirzoeff (2003, p. 19), “a oportu-
nidade e necessidade de converter a cultura visual em objeto de estudo”. Pode-
se afirmar, portanto, que a cultura visual se apresenta como um alfabetismo visu-
al que se inscreve, como diz Costa, “na constituição de um esboço de uma nova
gramática cultural, o que justificaria os alertas recorrentes de pesquisadores em
educação preocupados com o imperativo da aquisição de múltiplos alfabetismos”
(2012b, p. 264). Palavras que fazem eco ao que alerta também Kellner, quando
diz que “a educação certamente deveria [...] desenvolver uma pedagogia crítica
que estivesse preocupada com a leitura de imagens” (2000, p. 105). Ainda nas
palavras de Mirzoeff (apud DUSSEL, 2008, p. 4), “hoje somos primeiramente su-
36

jeitos visuais, pessoas definidas como agentes de visão (independente de nossa


capacidade de ver) e como objetos de certos discursos visuais”.
Nesta direção, conforme nos aponta Santos (2002), é preciso ter em men-
te que as imagens não são inocentes, não são janelas transparentes para o
mundo. Elas carregam representações interessadas sobre o mundo, apresentan-
do-o de modos muito particulares. Ainda segundo Santos (2002), é necessário
fazer uma distinção entre visão, que é o olho humano fisiologicamente capaz de
ver e visualidade, ou seja, o modo como a visão é construída de diferentes mo-
dos: como vemos? O que estamos aptos a ver? Como vemos este modo de ver?
Ou um regime escópico, que é como o ver é culturalmente construído (ROSE,
apud SANTOS, 2002, p.145).
A cultura visual se dedica a discutir os eventos visuais em que a informa-
ção, os significados e o entretenimento são vistos pelo consumidor em conexão
com a tecnologia visual. Tecnologia visual, segundo Mirzoeff (2003, p.19), é
qualquer forma de aparato visual projetado para ser olhado ou para ampliar as
capacidades da visão, desde uma pintura a óleo, passando pela televisão até a
Internet. Dito de outro modo, Costa (2012b) esclarece que as imagens não são
mais simples representações ou expressões das ações humanas mas que se
tornaram “centro das atividades que conectam as pessoas entre si e com a tec-
nologia” (p. 264).Santos (2002),acompanhando o que diz Mirzoeff (apud SAN-
TOS, p.146), afirma que a experiência humana tem interagido de forma crescente
com experiências visuais totalmente construídas, tornando-as mais visuais e vi-
sualizadas do que em qualquer outro período da história. E lembra que a prolife-
ração das imagens, o modo de entender e construir o mundo através de imagens,
não estão separados de determinados regimes de poder que organizam a visua-
lidade no sentido de que sejam vistas algumas coisas e não outras.
Mirzoeff, como aponta Santos (2002), argumenta que a modernidade as-
sim como a pós-modernidade são ocularcêntricas. Mirzoeff (apud SANTOS,
2002, p 146) chama atenção para a necessidade de também se considerar a re-
escrita das explicações históricas da modernidade e do modernismo, na direção
de se falar, em termos de pós-modernidade, de uma “virada visual”, afirmando
que a pós-modernidade não é simplesmente uma experiência visual.
Na modernidade a centralidade do olhar é marcante na construção do co-
nhecimento moderno, como argumenta Alfredo Veiga-Neto, “o iluminismo aponta
37

exatamente para o papel da visão na nossa relação com o mundo”. (2007, p.28).
Na matriz do pensamento moderno, a prevalência da visão é apontada por Costa
(2012b), na medida em que “são as noções cartesianas de „ideias claras e distin-
tas‟, de„luzes inequívocas da razão‟, que posicionaram o cogito pensante na ori-
gem de todo conhecimento válido” (p. 264).
Por outro lado, a pós-modernidade, segundo Jameson (1996) e Feathers-
tone (1995), e conforme demonstra Costa (2007b), carrega consigo uma ideia de
cultura fundida com a economia expressa em uma textualidade predominante-
mente visual. O pós-moderno transformou-se numa influente e poderosa “ima-
gem cultural”. Portanto, como argumenta Costa:
A profusão incontrolável de imagens e os excessivos apelos ao
olhar acarretam a banalização, o esgotamento do olhar, que não
se aprofunda e vaga por superfícies. Essa imensa produção e cir-
culação de imagens hoje tem como motivação central o aciona-
mento do consumo (2012b, p.265).
A cultura visual é nova justamente por centrar-se no visual como um lugar
onde se criam e discutem significados. A cultura ocidental sempre privilegiou o
mundo falado de forma sistemática, considerando-o a mais alta forma de prática
intelectual e deixando em segundo plano as imagens como apenas ilustrações de
ideias. Por fim, com base nesta discussão pretendo balizar as análises que vou
empreender no sentido de reafirmar que é “possível pensar a visualidade também
como um tipo de discurso” (ROSE apud SANTOS, 2002, p.145), assim como não
se deve perder de vista que os artefatos culturais contemporâneos, segundo Ca-
mozzato e Costa (2013), estão implicados em uma vontade de pedagogia, em um
desejo de conduzir sujeitos atrelados a interesses e relações de poder. Segundo
as autoras, quase todas estas “pedagogias do presente”, de uma ou outra forma
visam formatar pessoas para as sociedades neoliberais contemporâneas, orien-
tadas para o mercado.
6 RETRATOS DE UM BRASIL QUE DÁ CERTO (O CAMINHO INVESTIGATIVO)

O percurso metodológico desta pesquisa começa com a seleção, no acer-


vo digital da revista Veja de 106 edições, que apresentam reportagens fotográfi-
cas sobre agronegócio em um recorte temporal que abrange de 1980 a 2012.
Tendo definido as fotografias do agronegócio como objeto de estudo, tratei de
examinar o acervo on-line da Veja, estabelecendo alguns critérios para buscar as
fotorreportagens que tratassem do tema. Usei como primeiro critério de seleção,
capas que focalizassem, com foto e manchete, assuntos ligados à produção agrí-
cola e pecuária. O resultado foram 16 capas, partindo da avaliação visual das
2.288 edições da revista até o dia 29 de setembro de 2012. Como o assunto não
me pareceu muito frequente nas capas da revista, adotei uma outra estratégia de
busca. Entretanto, 13 das 16 capas foram incluídas no corpus da pesquisa.
Usando as ferramentas de pesquisa que o acervo digital oferece, elegi al-
gumas palavras-chave para operar a procura: agronegócio, safra agrícola, safra
recorde, supersafra, rural, força do interior e tecnologia. Como resultado encon-
trei 350 edições que tratam destes assuntos e foram selecionadas 43 edições
para compor o corpus da pesquisa, cujo critério de escolha explicito a seguir. In-
teressam-me, em primeiro lugar, as reportagens com fotos na abertura das maté-
rias e com, no mínimo, duas páginas de reportagens, além do impacto e da qua-
lidade das imagens fotográficas. E, em segundo lugar, fotografias que apresen-
tam uma conexão mais evidente como meu foco de pesquisa, com fotos que
mostram elementos associados à tecnologia, maquinário, retratos de personagens
ligados ao sucesso. Foi necessário, também, descartar dos registros encontrados
aqueles textos que tratavam do tema das palavras-chave, mas sem fotografias.
As 43 edições, em termos quantitativos, foram selecionadas da seguinte
forma: com o termo agronegócio apareceram 141 edições e selecionei sete, para
o termo safra agrícola houve 36 edições e selecionadas três. Com a expressão
supersafra vieram quatro edições de onde selecionei uma, já com a palavra safra
recorde surgiram 31 edições das quais separei três. A expressão força do interior
trouxe sete edições e selecionei uma, a palavra tecnologia mostrou 14 edições e
selecionei uma. O termo fronteira agrícola apontou 74 edições de onde selecionei
nove edições, o rural surgiu com 30 edições de onde selecionei três e ainda a-
39

cresci duas edições especiais, uma sobre o agronegócio e a outra sobre agrone-
gócio e exportação. Essas 43 edições representam 112 páginas de matérias com
fotografias sobre o agronegócio de onde foram examinadas, neste estudo, 39
páginas entre duplas, simples e capas.
A pesquisa, na perspectiva dos Estudos Culturais, examina as maneiras
como o agronegócio é tratado na teia de discursos da mídia, discutindo como
essas representações são urdidas na textualidade do discurso fotográfico do jor-
nalismo. Observo que as imagens fotográficas são cruciais na construção do a-
gronegócio como mola propulsora do crescimento da nação e da ascensão social
dos sujeitos nela envolvidos. Constatei também, implicações pedagógicas na
produção fotojornalística sobre o tema.
Na análise deste material, procuro olhar as formas com que a revista cons-
trói uma ideia de nação forte, organizada e produtiva através de um conjunto de
imagens fotográficas de grande impacto que discursam com muito mais veemên-
cia do que o texto escrito. Não se trata de descobrir significados, justificativas ou
explicações certas ou erradas, mas de examinar as imagens da revista sob outro
enfoque. Conforme Hall (1997), indagar quais os diversos significados que a re-
vista quer privilegiar, quais são os significados preferidos, implica considerar que:
Os significados “flutuam”. Não podem ser definitivamente estabe-
lecidos. Todavia, tentar estabelecê-los é a tarefa de uma prática
representacional, que intervém nos vários significados em poten-
cial de uma imagem numa tentativa de privilegiar algum (p.2).
Dito de outro modo, a fotografia é polissêmica, ou seja, pode haver múlti-
plos significados para uma única imagem, além de que esses se transformam
através do tempo. Segundo Hall (1997, p.4), “o significado é um diálogo sempre
apenas parcialmente compreendido, sempre um intercâmbio desigual”. Quer di-
zer, um terreno de disputa entre a diferença e o poder entre diferentes emissores
dentro de um mesmo circuito cultural.

6.1 Uma aproximação teórico-metodológica − a retórica da imagem de Ro-


land Barthes e o fotojornalismo do agronegócio.

Adjetivei as imagens fotográficas do agronegócio publicadas na Veja como


imagens grandiloquentes, porque elas nos “falam” com mais veemência que o
texto escrito. É como se a revista pretendesse criar uma espécie de marca atra-
40

vés de certa maneira de fotografar/mostrar o agronegócio. Marca, como referem


Lipovetsky e Serroy, “pretende ser global e cultural, criadora de universo de vida,
de um estilo de vida global” (2010 p. 116). O agronegócio para a revista Veja é
reinventado, renovado mediante uma marca, cujo universo estético é composto
com o uso de montagens e fotografias sublimes.
De outro modo, poder-se-ia classificá-las como poderosas, uma vez que,
como afirma Dussel (2008, p.5), “são imagens que, de alguma forma, marcam
nossa cultura, seja pelo seu enquadramento, seja pela cena fotografada ou pelo
tema que registram”. As imagens veiculadas pela Veja inserem o agronegócio em
uma sociedade, ou, para usar um dos termos da revista, em uma “civilização” do
espetáculo. Como nos aponta Kellner, “sob a influência da cultura multimídia, os
espetáculos sedutores fascinam os habitantes da sociedade de consumo e os
envolve [...] no mundo de entretenimento, da informação e do consumo” (2008b,
p.122). Kellner afirma, ainda, que a produção de notícias também está sujeita à
lógica do espetáculo. Uma civilização do espetáculo, para ele, pressupõe a mer-
cantilização de setores não colonizados da vida social. O espetáculo, como ar-
gumenta Debord (apud KELLNER, 2008b, p.123), “é o momento em que o con-
sumo atingiu a ocupação total da vida social”. A espetacularização do agronegó-
cio introduz o mundo rural no universo midiático-mercantil.
Para analisar as imagens fotográficas da comunicação de massa, Roland
Barthes, em seu texto “A mensagem fotográfica”, propõe a existência de três
mensagens na imagem fotográfica: a mensagem linguística, a mensagem icônica
de denotação e a mensagem simbólica de conotação. A imagem, tomada isola-
damente, é sempre polissêmica, a retórica pretende refrear a polissemia e criar
argumentos a partir da imagem, ou seja, a construção de uma representação que
quer direcionar o significado. O que vai refrear a polissemia é o código que a i-
magem é capaz de mobilizar e que pode ser reconhecido por receptores. O códi-
go, nas palavras de Barthes (1982, p. 15) “é, provavelmente, constituído, quer por
uma simbologia universal, quer por uma retórica de época, em resumo, por uma
reserva de estereótipos (esquemas, cores, grafismos, gestos, expressões, grupos
de elementos)”.
Segundo Barthes, o fotojornalismo “é um objeto trabalhado, escolhido
composto, construído, tratado segundo normas profissionais, estéticas ou ideoló-
gicas (1982, p.16)”. A fotografia de imprensa, além destes fatores de conotação,
41

ainda apresenta uma outra característica importante, a fotografia não é só capta-


da, recebida, mas também lida. Esta leitura acontece através de signos contidos
na imagem, mais ou menos conscientes e conhecidos pelo leitor. Todo o signo
pressupõe um código de conotação. Barthes aponta aqui o paradoxo da imagem
fotográfica: ela possui ao mesmo tempo uma mensagem literal e uma mensagem
conotada.
O paradoxo fotográfico seria, então, a coexistência de duas men-
sagens, uma sem código [seria o análogo fotográfico], e a outra
com código [seria a „arte‟, ou o tratamento ou a „escrita‟, ou a re-
tórica da fotografia]; estruturalmente, o paradoxo não é evidente-
mente o conluio de uma mensagem denotada e de uma mensa-
gem conotada [...] a mensagem conotada [ou codificada] desen-
volve-se aqui a partir de uma mensagem sem código (grifo do au-
tor) (1982, p. 16).
A conotação é a imposição de um segundo sentido à imagem fotográfica,
elaborado em diferentes níveis da produção de uma fotografia, seja no momento
do disparo, na composição, no enquadramento, na edição, no tratamento técnico
ou na paginação. Estes elementos do processo não são unidades de significação
em si, mas fazem parte, em termos estruturais, da imagem fotográfica. Barthes
apresenta seis processos de conotação.
a) Trucagem - Consiste na supressão, alteração ou adição de elementos numa
fotografia. Há uma intervenção no interior do objeto fotografado. Segundo Bar-
thes:
O interesse [...] da trucagem reside no fato de intervir [...] no pla-
no da denotação [...], utiliza a credibilidade especifica da fotogra-
fia, [...] seu poder excepcional de denotação, para fazer passar
como simplesmente denotada uma mensagem que é, com efeito,
fortemente conotada (1982, p. 18).
Na foto que segue (fig.7), o cifrão foi desenhado digitalmente sobre uma
fotografia tomada de cima para baixo de uma plantação. A colheitadeira, posicio-
nada junto ao círculo, remete à ideia de que a própria colheitadeira fez o desenho
sobre a plantação. O signo do cifrão tem sido amplamente associado ao dinheiro,
à economia, ao lucro e à riqueza. No caso da fotografia mencionada, a riqueza e
os lucros são colhidos no campo, resultado do trabalho e da tecnologia aplicados.
42

Figura 7 −Retratos de um Brasil que dá lucro .


Fonte: Revista Veja edição especial nª 30 de abril de 2004.

b) Pose – Diz respeito aos gestos e às expressões significativas das personagens,


feitas em flagrante ou encenadas na fotografia. A pose do sujeito cuja foto ilus-
tra a supersafra brasileira (figura 8) vai indicar os significados de conotação: o
olhar direto para o fotógrafo revela uma pose planejada, os braços erguidos
formando um “V” de vitória em meio à chuva de grãos demonstram o sucesso
no empreendimento e a abundância de uma grande safra. No fundo, o cano de
onde jorram os grãos sugere uma cornucópia, figura da mitologia greco-romana
que simboliza fartura, riqueza e a fertilidade. Barthes afirma que a imagem fo-
tográfica só é evidentemente significativa por que existe um conjunto de atitu-
des estereotipadas que já estão permeadas por significados. Os elementos de
conotação iconográfica estão presentes na pintura, no teatro, nas associações
de ideias, nas metáforas recorrentes, isto é, na cultura (1982).
43

Figura 8 − A supersafra brasileira.


Fonte: Revista Veja nº 1598 de 19 de maio de 1999.

c) Objetos – Segundo Barthes, o sentido conotado surge dos objetos fotografa-


dos, portanto, objetos são indutores de sentidos e produzem associações de
ideias. No conjunto de fotografias que estão em análise neste trabalho, os ob-
jetos presentes nas imagens estão ligados, de uma forma ou de outra, ao su-
jeito fotografado (figura9). Efetivamente, estão ali para constituir significados:
mostram a felicidade que o sucesso promove. O que se pode comprar– carros,
aviões, casas, roupas de luxo etc. Apontam para uma estratégia comporta-
mentalista do reforço, da recompensa – olha o que acontece com quem traba-
lha bem, investe, tem coragem, é organizado. A força da imagem não está no
objeto em si como assegura Barthes, mas no seu sentido.
44

Figura 9 − Os objetos mostram eficiência e sucesso.


Fonte: Revista Veja nº 603 de 26 de março de 1980.

d) Fotogenia-Uma cena ou um sujeito podem ser embelezados pela iluminação,


pela composição, pelo enquadramento e ângulo de tomada. A fotografia tam-
bém pode ser “melhorada” pela aplicação de técnicas de processamento e im-
pressão. Barthes argumenta que (1982), cada uma destas técnicas correspon-
de a um significado de conotação suficientemente constante para ser incorpo-
rado em um léxico cultural dos efeitos técnicos. As duas fotos que aparecem
nesta página foram tomadas de cima para baixo e exploram a geometria das
linhas. Nas imagens (figura10) se observam linhas diagonais formando uma
composição harmoniosa e dinâmica. Também se destacam linhas retas con-
vergentes, resultando numa composição clássica com ponto de fuga.
45

Figura 10 − As estrelas do campo.


Fonte: Revista Veja nº 717 de 02 de junho de 1982.

e) Esteticismo – É um processo de conotação que explora a estética da fotogra-


fia ao ponto de assemelhá-la com pintura, ou, como afirma Barthes (1982), im-
por-lhe um significado geralmente mais sutil e mais complexo do que permitiri-
am outros processos de conotação. O pictorialismo, movimento fotográfico do
início do século XX, fazia deste objetivo sua razão de existir. A fotografia (figu-
ra 11) lembra as figuras geométricas pintadas por Piet Mondrian6. Há certo tom
de deboche na imagem, e a árvore solitária no meio da fotografia (figura 11)
denuncia que o vigor do agronegócio engoliu a floresta. A precisão e a organi-
zação do agronegócio empurram a floresta para fora.

6
Mondrian nasceu na Holanda em 1872 e morreu em Nova York em 1944.
46

Figura 11 − A floresta vira soja.


Fonte: Revista Veja nº 2053 de 26 de março de 2008.

f) Sintaxe – Associação de duas imagens ou mais imagens diferentes que não


formam uma sequência, que juntas buscam um determinado sentido. Estes
processos de conotação até aqui descritos consideram a leitura discursiva dos
signos apenas no interior de uma imagem única. Na sintaxe, o significante de
conotação não está em uma das partes da sequência, mas precisamente no
encadeamento das imagens. A sequência de fotos (figura12) sugere o ciclo da
plantação à industrialização, a planta pronta para ser colhida, a colheita meca-
nizada, moderna e eficiente é destacada pelo tamanho e posição da foto. No-
vamente a cornucópia como ideia de prosperidade e riqueza é utilizada, só que
agora ela é reforçada pela última foto da sequência. Nela aparece um empre-
sário de terno e gravata, traje associado usualmente a sucesso e poder. A justa-
posição das três imagens liberta uma relação lógica assim como um assíndeto.
47

Figura 12− Grão da prosperidade.


Fonte: Revista Veja nº 1026 de 04 de maio de 1988.

6.2 A retórica da imagem

No texto clássico “Retórica da imagem”, Barthes (1982) submete a imagem


a uma análise das mensagens que ela pode conter, tentando responder: como o
sentido vem à imagem? Onde acaba o sentido? E se ele acaba o que há além
dele? As questões são centrais à semiologia das imagens, configurada na ques-
tão principal: pode uma representação analógica produzir verdadeiros sistemas
de signos e não somente aglomerações de símbolos? Barthes utiliza em sua aná-
lise a fotografia de um anúncio publicitário (massas Panzani) e justifica a escolha
afirmando que, em publicidade, a significação da imagem é seguramente inten-
cional e deve ser transmitida o mais claramente possível, “se a imagem tem sig-
nos é, pois, certo que, em publicidade, estes signos são plenos, formados em
vista da melhor leitura: a imagem publicitária é franca (grifo do autor) ou pelo me-
nos enfática” (BARTHES, 1982, p. 27). Depois de “espremidas” as diferentes
mensagens que esta imagem podia conter, Barthes propõe como modelo de aná-
lise o estudo de três mensagens: uma mensagem linguística, uma mensagem
icônica de denotação e uma mensagem simbólica de conotação.
48

O corpus de análise desta dissertação é composto por fotografias jornalís-


ticas. Será que este modelo pode ser utilizado para o exame do fotojornalismo?
Considero que sim. O argumento principal é a franqueza (grifo meu) da imagem
em relação à leitura, como ponderou Barthes. Longe de querer estabelecer se-
melhanças entre o discurso visual publicitário e o jornalístico, cabe, justamente,
demonstrar com a diferença de intencionalidades a semelhança na consecução
da franqueza da leitura visual de ambos. Na fotografia publicitária, os signos são
dispostos de forma proposital em busca de uma compreensão franca e objetiva
da mensagem. No fotojornalismo, a imagem não é apenas um acessório da notí-
cia, a fotografia se posiciona na afirmativa de Silva Jr.(2009), como uma indiciali-
dade noticiosa:
Na dualidade entre forma e conteúdo noticioso, é a fotografia que
se propõe como conteúdo antes de ser forma. Contudo, este fe-
nômeno, compreendido como foto-notícia, é acompanhado de um
largo contexto, onde a sua inserção depende do diálogo com va-
lores sociais atribuídos e reconhecíveis como notícia, onde se es-
tabelecem cadeias de pertencimento ao seu tempo e cenário his-
tórico da construção de um tipo de conhecimento específico atre-
lado ao cotidiano(SILVA JR., 2009, p. 220).
Portanto o fotojornalismo deve ser capaz de se dar a reconhecer, também,
de forma clara e objetiva, distante do evento, seu relato noticioso visualmente
codificado. Neste contexto, passo a analisar uma das imagens selecionadas para
o corpus desta pesquisa, adotando metodologia de análise similar àquela utiliza-
da por Barthes ao analisar o anúncio publicitário.
49

Figura 13−A civilização do campo.


Fonte: Revista Veja nº 1873 de 29 de setembro de 2004.

“A civilização do campo”
“Quem são e como vivem os protagonistas da revolução do agronegócio brasileiro”
“Em Sapezal, no oeste de Mato Grosso, o milho é plantando logo depois que as máquinas automáticas equipadas com
ar-condicionado colhem a soja. Em um dia de trabalho, cada uma extrai cerca de 3.500 sacos. Juntos, os tratores,
plantadeiras e colheitadeiras que aparecem nesta foto representam um investimento de 20 milhões de reais”.
(Revista Veja nº 1873 de 29.09.2004)

No modelo de análise empreendida por Barthes, ele destaca de imediato


uma mensagem linguística, materializada no título da reportagem, na linha de
apoio e no “olho” (pequeno texto sobreposto à foto). O código desta mensagem é
a língua portuguesa. Para “ser decifrada esta mensagem não exige mais saber
do que o da escrita” (BARTHES, 1982, p. 28). O signo “a civilização do campo”, que dá
título à reportagem e que é completado pela linha de apoio: “Quem são e como vivem os
protagonistas da revolução do agronegócio brasileiro”, oferece um significado complementar:
Civilização, como define Darcy Ribeiro na sua obra O processo civilizatório, con-
siste no movimento histórico de mudança dos modos de ser e de viver dos gru-
pos humanos, desencadeado pelo impacto de sucessivas revoluções tecnológi-
cas (agrícola, industrial etc.) sobre sociedades concretas, tendentes a conduzi-las
à transição de uma etapa a outra, ou de uma a outra formação sociocultural
(1975). O conjunto de textos formado pelo título, linha de apoio e legenda, asse-
50

gura que estamos diante de uma nova civilização dentro do País, e esta nova
civilização resultante de investimentos em tecnologia faz uma revolução no cam-
po, deixando para trás o anacrônico mundo rural e despontando para o contem-
porâneo agronegócio.
Decifrada a mensagem linguística, resta a imagem, que se impõe com
seus signos descontínuos; a fotografia em página dupla (fig.13) mostra grande
área plantada sendo colhida de forma completamente mecanizada. O ângulo de
tomada de cima para baixo (certamente uma foto aérea) expõe a extensão da
área e mostra também duas colunas de máquinas agrícolas em operação. Os
primeiros signos que se impõem desta imagem são o latifúndio e a mecanização
rural. Seus significantes são − mobilizando um saber, mais ou menos recorrente
quando se trata de agricultura − a extensão da terra e a quantidade de máquinas
em funcionamento. A linha do horizonte, que mostra apenas um terço de céu,
deixa a impressão de um “sem fim” na fotografia ampliando a ideia de latifúndio.
Alinha de colheitadeiras impecavelmente organizadas em forma de cunha lembra
uma coluna militar em posição de ataque. Esta linha avança segura e em frente,
estas máquinas transmitem o apelo de potência, que nas palavras de Sennett, “o
apelo está [...] na ligação entre a potência material e a aptidão potencial da pró-
pria pessoa” (2006, p.141). A mecanização aumenta exponencialmente o poder
de produção, como também representa a capacidade tecnológica e de investi-
mento de quem as detém.
Explorando um pouco mais a imagem, outro signo se apresenta, seu signi-
ficante é o formato de losango composto pelas colheitadeiras sobre uma cor em
que predomina o amarelo, lembrando a bandeira nacional. A ordem é represen-
tada pelas linhas formadas pelas máquinas e o progresso é a própria mecaniza-
ção do campo estampada na foto. Em outro signo, a composição em grande pla-
no geral com enquadramento de cima para baixo, as máquinas que aparecem
pequenas, fornecendo escala à fotografia, remetem à grandiosidade da área e
apontam para o significado estético do sublime matemático:
Do „absolutamente grande‟, não mensurável diante do qual a i-
maginação capitula. A razão, de alguma forma, substitui o enten-
dimento: ela julga o sublime apesar da falência da imaginação.
[...] tomar consciência desta impotência engendra um sentimento
de dor, mas, finalmente a alegria resulta da tomada de consciên-
cia da superioridade do intelecto sobre os sentidos (JIMENEZ,
1999, p. 137).
51

Com imagens espetaculares e também monumentais, a Veja constrói ima-


gens documento-monumentais. A palavra documento se origina da expressão
latina documentum, derivado de docere, que significa ensinar. Para Jacques Le-
Goff, “o que transforma o documento em monumento é sua utilização numa pers-
pectiva econômica, social, jurídica, política, cultural, espiritual, mas, sobretudo
enquanto instrumento de poder” (1990, p.462).
A característica do monumento, como afirma LeGoff (1990), é filiar-se ao
poder de perpetuação das sociedades como um legado histórico à memória cole-
tiva. Por outro lado, não existe um documento-verdade, porque um monumento é,
em primeiro lugar, uma roupagem, uma aparência enganadora, uma montagem.
Michel Foucault aborda com clareza a questão ao afirmar que:
O documento não é o feliz instrumento de uma história que seja
em si própria e com pleno direito, memória: a história é uma certa
maneira de uma sociedade dar estatuto e elaboração a uma
massa documental de que se não separa (2010, p.8).
Esta imagem monumental se apropria de uma representação estética para
construir uma mensagem discursiva.
Neste método, a fotografia analisada nos propõe três leituras: uma da
mensagem linguística, outra da imagem simbólica e uma da imagem literal.
A mensagem linguística, o texto, a legenda e outros escritos, são facilmente se-
parados das duas outras. Conforme explica Barthes, a distinção entre as duas
outras mensagens icônicas não é perceptível de imediato no nível de leitura re-
corrente. Isto porque o receptor da imagem recebe, ao mesmo tempo, a mensa-
gem perceptiva e a mensagem cultural. Esta confusão de leitura é característica
das imagens difundidas em massa. A mensagem literal aparece como suporte da
mensagem simbólica, da mesma maneira que ele afirma que a imagem literal é
denotada e a imagem simbólica conotada. Portanto, as três mensagens a serem
analisadas são: mensagem linguística, mensagem icônica de denotação e men-
sagem icônica de conotação.

6.3 A mensagem linguística

Sob o ponto de vista do fotojornalismo, a mensagem linguística está pre-


sente em todas as imagens nos títulos, nas legendas em linhas de apoio. A men-
sagem linguística tem a função de ancoragem. Segundo Barthes, “toda a imagem
52

é polissêmica, implicando como subjacente aos seus significantes uma „cadeia


flutuante‟ de significados, dos quais o leitor pode escolher uns e ignorar outros
(1982, p. 32)”. A ancoragem vai fixar os significados e, ao nível da mensagem
simbólica, ela orienta a interpretação para impedir que sentidos conotados se
espalhem em compreensões exageradamente individuais. De acordo com Bar-
thes (1982), a ancoragem também assume um papel ideológico. O texto dirige o
leitor entre os significados da imagem, faz-lhe evitar uns e receber outros, tele-
guia-o para um sentido escolhido de antemão.
A polissemia, prossegue o autor, produz interrogações sobre o sentido. A
mensagem linguística é uma das técnicas utilizadas para “fixar a cadeia flutuante
dos significados de modo a combater o terror dos significados incertos” (1982,
p.32). Na mensagem literal, a palavra ajuda a identificar pura e simplesmente os
elementos de uma cena, a legenda permite um bom nível de percepção, ajuda a
acomodar o olhar e o entendimento. Em todos estes casos de ancoragem, a lin-
guagem tem uma função de elucidação que se processa de modo seletivo:
...trata-se de uma metalinguagem aplicada não à totalidade da
mensagem icônica, mas somente a alguns dos seus signos; o
texto é verdadeiramente o controle do criador [...] sobre a ima-
gem: a fixação é um controle, ela detém uma responsabilidade,
face ao poder projetivo das figuras, sobre o uso da mensagem;
em relação à liberdade dos significados da imagem, o texto tem
valor repressivo, e compreende-se que seja ao seu nível que se
investem, sobretudo a moral e a ideologia de uma sociedade
(BARTHES, 1982, p. 33).
O conjunto de elementos que formam a mensagem linguística opera não
só na tradução simbólica dos componentes visuais da fotografia, como também
instrui política e ideologicamente a ancoragem.

6.4 A mensagem icônica de denotação – a imagem denotada

A imagem denotada tem pelo menos um sentido: o da identificação da ce-


na representada. Uma mensagem literal, a relação entre os significados e os sig-
nificantes é de registro e não de transformação. Como afirma Barthes,“trata-se de
ausência de sentidos cheia de todos os sentidos; [...] ela tem pelo menos um sen-
tido ao nível da identificação da cena representada”(1982, p.34). A imagem deno-
tada é compreendida a partir da descrição objetiva dos elementos visuais que
formam a imagem, “a mensagem denotada [...] uma espécie de estado adâmico
53

da imagem; desembaraçada, utopicamente, das suas conotações, a imagem tor-


nar-se-ia radicalmente objetiva, isto é, inocente” (Barthes, 1982, p.33). O autor
explica que a denotação disfarça o sentido construído a partir da escolha do as-
sunto, do enquadramento, do ângulo e da edição, sob o aspecto de sentido dado,
“a imagem denotada naturaliza a mensagem simbólica, fica uma espécie de estar
lá natural dos objetos, na medida em que a mensagem literal é suficiente: a natu-
reza parece produzir espontaneamente a cena representada” (BARTHES, 1982,
p.36).

6.5 A mensagem simbólica da conotação − a retórica da imagem

Como referi anteriormente, conotação é a imposição de um sentido à ima-


gem fotográfica elaborada em diferentes níveis da produção de uma fotografia,
seja no momento do disparo, na composição, no enquadramento, na edição, no
tratamento técnico ou na paginação. A conotação nada mais é do que a denota-
ção como significante ao qual se acrescentam outros significados de natureza
socio-cultural. Conforme elucida Barthes, “a conotação arrasta um significado
estético, [...] cujos signos provêm de um código cultural [...]” (1982, p.37). A ima-
gem propicia variações de sua leitura segundo quem a lê. Contudo, a variação
das leituras não é anárquica, ela depende dos diferentes saberes investidos na
imagem (saberes prático, nacional cultural, estético). Segundo Hall (1997), é o
código que estabelece o significado, e este depende da relação entre o signo e o
conceito que é estabelecido por um código. Logo os códigos estabilizam o signifi-
cado dentro de diferentes linguagens e culturas. Hall sublinha que o significado é
constantemente produzido e há um intercâmbio constante em cada interação
pessoal e social em que cada indivíduo toma parte. Conforme Barthes, é este o
caso para as diferentes leituras da imagem; cada signo corresponde a um corpo
de atitudes: turismo, o trabalho doméstico, o conhecimento da arte.
A conotação tem significantes típicos dependendo das materialidades em-
pregadas como, por exemplo, a palavra, a imagem, objetos e comportamento. Os
sinais, como demonstra Hall (1997), “significam ou representam nossos concei-
tos, ideias e sentimentos de forma que possibilitem que outros „leiam‟, decodifi-
quem ou interpretem seu significado mais ou menos do mesmo jeito que nós o
fazemos” (1997, p. 5). Barthes chamou estes significantes de conotadores e ao
54

conjunto dos conotadores de uma retórica. A retórica da imagem funciona como


um elemento que signifique ou represente o que a imagem quer dizer, expressar
ou comunicar. Com a retórica da imagem,é possível classificar os conotadores
recorrendo às “figuras de retórica” como a metonímia, a metáfora e outras figu-
ras. No exemplo analisado aqui, a fotografia das máquinas agrícolas em ação é
uma metáfora do impacto e das transformações tecnológicas ocorridas no cam-
po, que substitui o arcaico e manual por tecnologia e mecanização. A linha de
tratores, colheitadeiras e plantadeiras em marcha remete à emergência de uma
“civilização do campo”, que vai protagonizar uma revolução no agronegócio brasi-
leiro. Entretanto,“o mais importante não é inventariar os conotadores, mas com-
preender que eles constituem na imagem total traços descontínuos, ou melhor,
ainda: erráticos” (BARTHES, 1982, p.40).Portanto, a retórica da imagem quer
refrear sentidos e orientar significados.
PARTE II

O OLHAR QUE ENSINA – PEDAGOGIA DAS IMAGENS


1 SINTAXES PEDAGÓGICAS

No método utilizado por Barthes e referido anteriormente, são extraídas das ima-
gens três mensagens: uma linguística, uma mensagem icônica de denotação e
uma mensagem simbólica de conotação. Para analisar a imagem conotada, o autor
apresenta seis códigos de conotação: trucagem, pose, objetos, fotogenia, esteti-
cismo e sintaxe. Concordo com Souza (2004, p.82), quando afirma que “a ação
representada nas imagens ganha sentido devido à sintaxe, isto é, à disposição
orientada e significante das fotografias”; a articulação entre textos, legendas e
fotografias é que vai dar suporte ao sentido. Esta orientação, além de significan-
te, também é pedagógica, na medida em “que a mídia não apenas veicula, mas
constrói discursos e produz significados e sujeitos” (FISCHER, 1997, p. 63). Vou
me apropriar do conotador sintaxe e usá-lo como concepção analítica nesta pes-
quisa, classificando-a como “sintaxe pedagógica”. Recorro ao dicionário para in-
vocar o uso corrente do termo sintaxe,onde consta que sintaxe é a parte da gra-
mática que estuda a disposição das palavras na frase e a das frases no discurso,
bem como a relação lógica das frases entre si. Ao emitir uma mensagem verbal,
o emissor procura transmitir um significado completo e compreensível. Para isso,
as palavras são relacionadas e combinadas entre si. A sintaxe é um instrumento
essencial para o manuseio satisfatório das múltiplas possibilidades que existem
para combinar palavras e orações.
Retomo o conceito de sintaxe, agora no sentido em que Barthes o utiliza.
Quando Barthes se ocupa deste conotador para tratar das imagens, ele trata de
argumentar que o significado advém da forma como se encadeiam as imagens
em uma página. Ou seja, da arregimentação de uma ou mais fotos onde o signifi-
cante não está exclusivamente nas imagens, mas em seu encadeamento. No
caso desta pesquisa, procuro mostrar que há um acento pedagógico na sintaxe,
na medida em que com ela é possível contrastar, dar exemplos e repetir determi-
nadas imagens que constroem sentidos interessados, ou seja, desnaturalizados.
Defino, portanto, como sintaxe pedagógica, no âmbito deste estudo, uma
estratégia teórico-metodológica para analisar a organização dos signos visuais
das fotografias do agronegócio, com vistas a entender e demonstrar como a Re-
vista Veja opera uma relação discursiva pedagógica que constrói e ensina sobre
57

um país que dá certo. Foucault (2010) explica que relações discursivas são ex-
ternas ao discurso que o limitam ou impõe formas de enunciar certas coisas. Tra-
ta-se de estabelecer as relações com as quais a Revista formata apenas uma
modalidade de produção agropecuária e tornam invisíveis todas as demais.Como
demonstra Foucault:
Essas relações são estabelecidas entre instituições, processos
econômicos e sociais, formas de comportamento, sistema de
normas, técnicas, tipos de classificação, modos de caracteriza-
ção. [...]Elas não definem a constituição interna do objeto, mas o
que lhe permite aparecer (2012, p 51).
O processo de conotação e de codificação descrito por Barthes, que vou
adotar nesta análise tem como objetivo proporcionar um exame dos discursos
fotográficos destas imagens, para fazer os signos “falarem”, para mostrarem a
urdidura que trama o discurso que ensina como o agronegócio faz bem para o
País. Como argumenta Foucault (2012), não se trata de considerar os discursos
apenas como um conjunto de signos e significantes que remetem a representa-
ções, mas efetivamente, como práticas que moldam os objetos de que falam. Os
discursos fazem mais do que determinar coisas, como ensina Foucault, “é esse
mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse „mais‟ que é preci-
so fazer aparecer e que é preciso descrever” (2012, p.55).
Entendo que a pesquisa que realizo contribui como afirma Giroux, para
“compreender a pedagogia como uma configuração de práticas textuais, verbais,
e visuais que objetivam discutir [...] a forma como o poder e o significado são uti-
lizados na construção e na organização do conhecimento, desejos valores”
(1995, p. 100). A pedagogia diz respeito às formas e aos processos nos quais as
pessoas se compreendem individualmente e percebem as possibilidades de inte-
ragirem na sociedade. Especificamente em relação à cultura visual e à mídia,
compartilho o alerta que faz Schmidt (1999), quando afirma que “considero impor-
tante também repensar o olhar como forma de „aprendizagem‟ (grifo da autora) e
lançar novos olhares inclusive para as reportagens fotográficas publicadas [...]”
(p. 21). E, a partir também do pressuposto de que a contemporaneidade eliminou
barreiras entre o público e o privado, entre o popular e o erudito, descobriu-se
uma complexidade nos produtos midiáticos que se articulam com a sociedade, a
cultura e a educação. Há uma pedagogia da mídia como esclarece Fischer
(1997). A ação pedagógica da mídia, no nosso tempo, faz com que política e pe-
58

dagogia extrapolem seus lugares de origem para exercerem-se também nos mei-
os de comunicação.
A Veja, além de inventar e exibir um país que está dando certo, pretende
ensinar como construí-lo. As fotografias do agronegócio são alinhadas em uma
lógica discursiva que educa, em uma concepção de educação que:
Está presente na família, nas redes de amizade, nas mídias, nas
estratégias para fazer circular e perpetuar as histórias e valores
de cada grupo, etc. Ela é, portanto, ampla e contínua. Não há,
nesse sentido, um modelo único de educação e nem a escola é o
espaço exclusivo para ela. A cada diferente contexto há a exigên-
cia de que a educação seja configurada para dar conta das espe-
cificidades que ele impõe (CAMOZZATO e COSTA, 2013, p. 3).
A revista amplia um conjunto de enunciados que são seus, que podem ou
não alinhar-se com outras instâncias de poder, e que disputam uma hegemonia
de significações na sociedade. Como afirma Fischer, “ao lado de uma função ob-
jetiva de informar e divertir espectadores, [...] haveria, na mídia, uma função ex-
plícita e implícita de formá-los” (1997, p. 67). É nas práticas sociais de comunica-
ção e informação e nas pedagogias da mídia, segundo Camozzato e Costa, “que
nos tornamos sujeitos de uma cultura que prega o consumo, ou sujeitos de um
ideal corporal, de um padrão de beleza, da aspiração e conquista de um status
profissional, entre tantos outros” (2013, p.3). Alinhado, também, às questões da
pedagogização da mídia como produtora de significados, identidades, discursos e
comportamentos, Kellner aponta, “que a mídia fornece ambientes simbólicos, nos
quais as pessoas vivem, e influencia intensamente pensamentos, comportamen-
tos e estilos destas pessoas” (2001, p.201).
O material empírico foi organizado com vistas aos objetivos desta pesqui-
sa. As análises realizadas permitiram perceber três diferentes possiblidades de
sintaxes pedagógicas que objetivam como descreve Fischer (1997), delinearem
uma linguagem em que seja possível a comunicação didática com o sujeito-
receptor. Optei por denominá-las: a) sintaxe da repetição, b) sintaxe dos contras-
tes e c) sintaxe do exemplo. Passo a expô-las e discuti-las a seguir.
2 SINTAXE PEDAGÓGICA DA REPETIÇÃO

Para caracterizar a sintaxe da repetição, busco em Beatriz Sarlo o argu-


mento de que “deleitar-se com a repetição de estruturas conhecidas é prazeroso
e tranquilizador. Trata-se de um deleite perfeitamente legítimo tanto para as cul-
turas populares quanto para os costumes das elites letradas” (2000, p. 63). Na
música, composições que recorrem à repetição do tema, ou às variações sobre ele,
correspondem a essa função estética apaziguadora que embala as audiências.
As pedagogias familiares e escolares também se utilizam da repetição. Na
familiar, a repetição está presente nas recorrências de prescrições, chama-
mentos, conselhos e etc. Na pedagogia escolar, por sua vez, a repetição se ma-
nifesta na recorrência de prescrições, exercícios de repetição para aprimoramen-
to, inculcação e modelagem.
Da mesma forma, a repetição se constitui numa estratégia de entendimen-
to do texto visual. A organização composicional, (pose, ângulo, iluminação) den-
tro da imagem, deve capturar o leitor. Além deste aspecto, a repetição também
comporta uma estratégia de visibilidade e ocultação, o fotógrafo escolhe o que e
como mostrar, e a edição da página firma um ponto de vista da revista. Como
argumenta Schmidt:
A sequência na qual são colocadas as fotografias e o contexto
que é criado para elas, em livros, jornais ou revistas, são tão im-
portantes como a imagem individual. Nesta ordem ou distribuição
da fotografia, mesclando-se com o texto escrito, pode-se criar
uma representação (1999, p. 17).
No exame do material empírico selecionado, encontrei 16 páginas duplas
da revista com a recorrência de quatro signos visuais bastante claros: a mecani-
zação cujo significante são imensos alinhamentos de máquinas agrícolas; a fartu-
ra, que apresenta como significante as colheitadeiras jorrando grãos; o empresá-
rio, que tem como significante as personagens diante/dentro da lavoura/indústria;
e a extensão de terras, cujo significante são as plantações em plano geral e cap-
tado em imagens aéreas. Separei oito páginas deste conjunto para análise, u-
sando como critério de escolha as repetições dos signos visuais citados.
60

Figura 14 − Máquinas agrícolas em operação.


Fonte: Revista Veja nº 7171 de 02/06/1982.

Na figura 14, o conjunto de fotos é marcado pela idealização do campo al-


tamente mecanizado e tecnológico. Na parte superior da página as fotografias
são conotadas inicialmente pela sintaxe, formando um sequência que inicia com
a colheita, passando pelo processamento industrial do produto e, finalmente, sua
exportação. O conjunto é atravessado pelo código econômico, mostrando a ca-
deia de produção que caracteriza o agronegócio. Como explica José Graziano da
Silva (2010), o agronegócio, ou agribusiness, representa a inter-relação dos seto-
res da agricultura, da indústria e de serviços verificados desde o pós-guerra. Ou
seja, a cadeia produtiva se completa com as atividades “dentro da porteira”, o
plantio e a colheita; e as atividades de “fora da porteira”, a agroindústria e a ex-
portação.
A primeira foto deste conjunto contrasta com as demais, pois mostra um
grupo de trabalhadores colhendo a laranja de forma manual. Observa-se que es-
te grupo não possui equipamento de segurança individual e a proteção contra o
sol, por exemplo, é feita de forma improvisada com chapéus e panos. A mensa-
gem linguística desta foto está destacada na sua legenda, que, como se sabe,
tem a função de orientar o sentido das fotografias e controlar, reduzir a polisse-
mia da mensagem fotográfica. Conforme demonstra H. Costa, “foto e legenda
61

passam a constituir uma unidade de sentido e o potencial significativo múltiplo da


fotografia se dissolve” (1994, p. 88). A autora detalha que a leitura da fotografia
se dá em três etapas: o olhar reconhece e identifica a imagem, na etapa seguinte
lê a legenda a fim de completar a percepção inicial e retorna à imagem interpre-
tando a cena. Na foto em que aparecem os trabalhadores, conhecidos como
“bóias-frias”, colhendo laranja, depois de identificada a cena, lê-se a seguinte le-
genda: “A colheita nos laranjais é manual, dando emprego a quase 14.000 pessoas.” Ao voltar o olhar
para a fotografia, novamente não observamos as eventuais condições precárias
destes trabalhadores, mas saudamos junto com a revista o fato de que o agrone-
gócio da laranja emprega um contingente numeroso de pessoas. Por outro lado,
celebra a tecnologia nas duas fotos seguintes da sequência. A disposição orde-
nada das três fotos, como um assíndeto, narra o ciclo da laranja: mão de obra
barata, agroindústria e exportação. O empresário em frente a sua fábrica, com o
pé esquerdo apoiado em um carrinho elétrico passa uma impressão de superiori-
dade e com a seguinte legenda: “Cutrale em frente a sua fábrica em Olímpia: tudo automático”
demonstra que o domínio da automação está presente até no simples ato de an-
dar pela fábrica. E na última foto, a automação é reforçada pela ausência de pes-
soas na imagem que mostra os tambores de suco sendo movimentados por má-
quinas no porto. A legenda quantifica o sucesso do empreendimento: “Tambores da
Cutrale embarcados em Santos: 40% das exportações de sucos do país”, e na matéria jornalística, a
revista refere-se ao empresário José Cutrale como “o rei da laranja”.
No conjunto seguinte de fotografias (figura 14), na parte inferior da página,
o eixo de análise é o mesmo: o código da economia com signos visuais que re-
metem à tecnologia. Mas é possível apontar uma diferença no discurso das fotos
anteriores. Lá no primeiro conjunto, a tecnologia não está no campo está na agro-
indústria e neste segundo conjunto (da parte inferior) a tecnologia, representada
pela mecanização está no campo. Os conotadores presentes são a pose e os
objetos. A primeira foto é, novamente, de um empresário dentro de uma planta-
ção. Com o retratado no centro do quadro, e o enquadramento em plano geral,
transmite efetivamente a ideia de uma grande área de terra cultivada. Este signi-
ficado é ancorado pela legenda: “Olacyr, na fazenda Itamarati, em Ponta Porã: a maior lavoura do
mundo”. Nas duas fotos seguintes aparecem trabalhadores que executam funções
mais técnicas de operações e controles de máquinas e implementos. Mas, de
62

qualquer maneira, eles são invisíveis, na medida em que o destaque como signi-
ficantes são as máquinas, cujos significados são a potência. Mais do que fixada,
a potência é exaltada pelas legendas que informam o valor dos equipamentos a
quantidade de colheitadeiras que serão movimentadas naquela safra. A exalta-
ção da potência, segundo Sennett (2006), se deve ao fato de que “os investidores
têm sido movidos por uma crença irracional no poder dos objetos” (p.140), as
máquinas ampliam a ideia de potência individual destes sujeitos.

Figura 15 − Descarregando a fartura.


Fonte: Revista Veja nº 1293 de 23/06/1993.

Nas figuras 15 e 16, basicamente, a estruturas se repetem, demonstrando


que a estratégia da repetição posta em prática pela revista é vigorosa. Optei por
analisar o material da figura 15 por me parecer mais produtiva. A fotografia que
domina a página é a que está localizada em cima à esquerda, a pose e objetos
são os principais conotadores desta imagem, e repete o retrato do empreende-
dor. Sentado sobre uma montanha de milho que vai jorrando de uma colheitadei-
ra, a cena remete à figura mitológica da cornucópia que representa a abundância
e a fartura. Na legenda diz: “[...] o milho da fartura em Sete Lagoas: o dobro do rendimento.” Outro
objeto que chama atenção nesta página está na foto abaixo da principal e mostra
um vidro, comumente usado em laboratório, nas mãos de alguém, sugerindo que
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a ciência está à disposição no campo. A legenda confirma porque informa que o


“trigo de proveta do IAC: cópias em laboratório e bons resultados no campo”. O significado que a revista
constrói ao juntar os dois significantes - a colheitadeira e o tubo de ensaio apon-
tam que a natureza está sob controle e que a fartura é obra da produtividade re-
sultante de investimentos na genética, em biotecnologia. Estas duas páginas fa-
zem parte de uma matéria que ocupa seis páginas com o título “Nesse mato a ciência dá
dinheiro”, e com a seguinte linha de apoio: “longe dos laboratórios da crise, a pesquisa cria o porco
light, a super-soja e dinheiro na mão de muita gente”. O significante “do dinheiro na mão de mui-
ta gente” está marcado nos cinco retratos que aparecem nas quatro páginas on-
de cada uma das personagens fotografadas está com a mão no produto de suas
lavouras e laboratórios.

Figura16− O empresário rural.


Fonte: Revista Veja nº 1026 de 04/05/1988.
64

Figura17−A extensão é o eldorado.


Fonte: Revista Veja nº 1489 de 02/04/1997.

Na matéria O novo eldorado verde (figura17), as fotografias ocupam quase meta-


de das duas páginas e chamam e prendem a atenção de leitor. A maior delas é
uma imagem que lembra uma pintura abstrata. As cores contrastantes de verde e
marrom, somadas às linhas diagonais, reforçam a abstração. O grande plano ge-
ral em que a foto foi realizada impede a identificação de outros elementos além
das cores e das linhas. O conotador que dá sentido a esta foto é o esteticismo
que remete à ideia de quadro. Ele dialoga com o código estético do sublime, dei-
xando essa imagem mais próxima da iconografia clássica.
A grandiloquência desta imagem é alentada pelo título “O novo eldorado verde”,
que aciona a lenda narrada pelos índios aos espanhóis na época da colonização
das Américas, afirmando a existência de uma cidade construída em ouro e reple-
ta de incontáveis tesouros. A linha de apoio que diz: “Soja, dinheiro e cidades brotam numa
faixa de Rondônia ao Piauí que tem o tamanho da Espanha”, transforma mitologicamente, as cida-
des tocadas pelo agronegócio em cidadelas de riqueza e progresso. O “El Dora-
do”, o homem dourado em espanhol, cuja cidadela tinha tanta riqueza, a ponto de
o imperador ter o hábito de espalhar ouro em pó pelo corpo para ficar com a pele
dourada, aparece também nesta matéria.
65

Na foto menor, sobreposta no lado direito da maior, a revista recria o “El


Dorado”, ao fotografar o empreendedor sob uma chuva de grãos de soja e vesti-
do com uma camisa amarela. Toda a cena iluminada pela luz forte do sol tem
uma tonalidade dourada de fato. A legenda fixa essas ideias de forma muito su-
gestiva: “Fila de caminhões com sete quilômetros em Sapezal para descarregar a safra, e o novo rei da soja,
Blairo Maggi: 110 milhões de dólares a cada colheita”. Portanto, o novo Eldorado existe e fica em
Sapezal, no norte do Mato Grosso e o “El Dorado” se chama Blairo Maggi, que,
não por acaso, se tornou senador da república anos mais tarde.
Para finalizar, retomo e destaco os quatro signos visuais que a Veja orga-
niza e que formam a sintaxe pedagógica da repetição: a mecanização, a fartura,
o empresário, e a extensão de terras. A publicação utiliza, de forma repetida, a
estratégia de mostrar os imensos alinhamentos de máquinas agrícolas, as colhei-
tadeiras jorrando grãos, as personagens bem sucedidas e as plantações em pla-
no geral. Uma vigorosa tática educativa que se apropria de uma habilidade tradi-
cional da pedagogia que é adotada em todas as matérias sobre o agronegócio
para marcar sua potência, organização e sucesso.
3 SINTAXE PEDAGÓGICA DO CONTRASTE

Contrastar é um dos verbos que procura dar suporte ao domínio cognitivo


da análise, dentro da classificação de objetivos educacionais estabelecidos pelo
grupo de estudiosos liderados por Benjamin S. Bloom7, na década de 1950. Blo-
om foi, sem dúvida, um dos autores que mais influenciou as teorias educacionais
da segunda metade do século XX, impregnadas de tendências pedagógicas tec-
nicistas. As habilidades contempladas por esta taxonomia, por longos anos, e
ainda hoje, estão não apenas incorporadas ao planejamento educacional e esco-
lar, como continuam a ser fonte de inspiração para ações pedagógicas.
Uma aproximação possível à sintaxe pedagógica do contraste identificada
no fotojornalismo da Revista Veja me é fornecida pela influência de Bloom na
educação. Ao que parece, estabelecer contraste como forma de chamar atenção
e promover o desenvolvimento de uma forma peculiar de compreender e signifi-
car algo não é privativo das pedagogias escolares. Localizando o verbo contras-
tar na lista daqueles associados à habilidade de analisar na taxionomia de Bloom
(1971), observo que a análise se caracteriza por decompor uma informação em
partes para examinar seus elementos componentes, estabelecer relações entre
eles e estudar as suas características de estruturação. Bloom considera a men-
sagem um conjunto formado por um grande número de elementos dispostos de
forma explícita ou implícita que podem ser reconhecidos e classificados com faci-
lidade. Existem também suposições não expostas de forma clara nesta mesma
mensagem, que só podem ser descobertas pelo intermédio da análise dos dados
dispersos na mensagem. É aí que se encaixa a utilidade do contraste. Contrastar
significa oposição entre coisas ou pessoas das quais uma faz com que a outra se
sobressaia.

7
A “Taxonomia de Bloom”, como ficou conhecido o trabalho intitulado Taxonomia dos Objetivos Educacio-
nais, publicado em 1956, é uma proposta de organização hierárquica de objetivos educacionais com a finali-
dade de subsidiar o planejamento, organização e avaliação dos objetivos de aprendizagem. Bloom conside-
rava fundamental definir de forma clara, precisa e verificável o objetivo a ser atingido ao final de uma ação
educacional. Bloom classifica os objetivos no domínio cognitivo em 6 níveis: conhecimento, compreensão,
aplicação, análise, síntese e avaliação. Esta classificação é hierárquica de complexidade crescente partindo
do nível mais simples (conhecimento) até o mais complexo (avaliação); cada nível utiliza as capacidades
adquiridas nos níveis anteriores. Para adquirir uma nova habilidade pertencente ao próximo nível, o aluno
deve ter dominado e adquirido a habilidade do nível anterior. Só após conhecer um determinado assunto al-
guém poderá compreendê-lo e aplicá-lo. As seis dimensões do conhecimento são descritas utilizando verbos
de ação e substantivos que procuram descrever os processos cognitivos desejados .
67

Como tenho procurado demonstrar, a Revista Veja constrói o agronegócio


a partir de imagens fotográficas que produzem representações com valor de ver-
dade sobre o papel do agronegócio como propulsor do progresso e expressão da
inserção do País no conjunto das grandes nações contemporâneas. Para cons-
truir e disseminar a noção de que o agronegócio está profundamente vinculado
ao Brasil que dá certo, além de pautar e mostrar sobejamente bons exemplos de
sucesso, a Veja emprega a estratégia de contrastar para ensinar quem é o “ou-
tro” do agronegócio. A revista, com seu discurso verbal e visual sobre o agrone-
gócio, coloca-o em uma posição normalizadora em relação a outros modelos de
empreendimentos rurais, como, por exemplo, a agricultura familiar, e em confron-
to direto com o MST (Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra). Conforme
argumenta Woodward:
Todas as práticas de significação que produzem significados en-
volvem relações de poder, incluindo o poder para definir quem é
incluído e quem é excluído. A cultura molda a identidade ao dar
sentido à experiência e ao tornar possível optar, entre as várias
identidades possíveis, por modo específico de subjetividade
(2000, p.18).
Ao mesmo tempo em que a Veja diz e mostra que o agronegócio é organi-
zado, faz o Brasil plantar e colher dinheiro, ela afirma também que o MST é uma
baderna, e além de sem-terra é sem lei. Igualmente, e segundo a mesma lógica,
torna invisíveis os trabalhadores rurais, os pequenos produtores e os indígenas.
Ao invisibilizá-los, a Revista marca-os social e simbolicamente e os posiciona
como sujeitos. Como esclarece Woodward:
A marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido a práti-
cas e a relações sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído
e quem é incluído. É por meio da diferenciação social que essas
classificações da diferença são „vividas‟ nas relações sociais
(2000, p.14).
Nesse sentido, ao marcar as diferenças entre os diversos protagonistas da
produção rural, a Veja elabora e legitima um modelo agrário que deve ser adota-
do pelo país, baseado em sujeitos competentes e com capacidade individual para
empreender com sucesso, ou seja, os que sabem enriquecer em um mercado
competitivo e globalizado.
68

Figura 18 − Os anacrônicos.
Fonte: Revista Veja nº 1342 de 01/06/1994.

Na reportagem especial de seis páginas −Olhai as foices dos pobres da terra (figura
18) − a Veja faz um levantamento de como funciona e quem são os militantes do
MST, ou melhor, de onde vêm e quem são os recrutados para marcharem em
suas fileiras. A Revista mostra como são escolhidas as propriedades que serão
ocupadas e como são montados os acampamentos. Relata, uma vez que arregi-
mentam agricultores sem terra e desempregados urbanos, a educação política a
que são submetidos todos os acampados e também descreve com detalhes como
são organizadas e divididas as atividades cotidianas. Tudo isso ilustrado com casos
de militantes que ainda estão acampados e de outros que já conseguiram a terra.
A fotografia que abre a matéria (figura 18) ocupa quase uma página e
mostra um grupo de acampados composto, em sua maioria, por crianças condu-
zidas por uma mulher carregando uma foice sobre o ombro como um soldado
porta sua arma. A imagem é conotada pela pose da mulher, que ocupa o primeiro
plano da cena, e pelo grupo de crianças com os braços para cima brandindo pe-
daços de pau. A mensagem linguística do título é quem conota a cena: “Olhai as
foices dos pobres da terra”. Conformada pela intertextualidade cria uma paráfrase com o
69

sermão bíblico “Olhai os lírios do campo” 8, e ordena ao leitor examinar mais a-


tentamente a cena. O grupo de crianças é sujo e maltrapilho, e liderado por uma
mulher. Há um sexismo explícito nesta articulação entre título e foto, pois, para a
Revista Veja como venho demonstrando, o campo e o agronegócio são limpos,
organizados e masculinos. Nas fotos seguintes (figura 19) fica evidenciado, de
forma muito clara, este contraste. A Veja configura e confronta os dois grupos
antagônicos. Como argumenta Woodward (2000), “A identidade está vinculada
também a condições sociais e materiais. Se um grupo é marcado como inimigo
ou como tabu, isso terá efeitos reais, porque o grupo será socialmente excluído e
terá desvantagens materiais” (p. 14). De um lado, o grupo desorganizado de mili-
tantes do MST armados, sem camisa e com o rosto escondido. O rosto coberto
conota, mediante código político, um grupo de marginais. Do outro lado, o grupo
organizado, desarmado e com os rostos a mostra; como afirma Bauman (2003),
“alguém exuberante e autoconfiante „que faz as coisas acontecerem‟” (p.33). A
legenda informa que são fazendeiros ligados à UDR (União Democrática Ruralis-
ta). A UDR reaparece pacificada pela revista quando ela diz que a própria entida-
de é a favor de uma reforma agrária, basta que o MST fique nos limites da lei.
Este contraste se acentua na medida em que o grupo é formado por crian-
ças (fig. 18). Como lembra Philippe Ariès (1981), a infância sempre esteve ligada
à ideia de dependência e expressões ligadas à infância nomeavam e continuam
nomeando relações de submissão a outros. Mesmo que os signos da foice, no
primeiro plano, e dos pedaços de paus, no segundo plano, produzam na cena
uma sensação de força e de ataque, ao ser ancorado por um título que chama
este grupo de “os pobres da terra” a altivez da ação é enfraquecida e, por metonímia,
enfraquecido o Movimento como um todo.
A estratégia da revista é despolitizar a ação do Movimento, para ela os
sem terra apenas “infernizam fazendeiros, prefeitos e governadores” e jamais poderão ser, e-
ventualmente, um movimento social organizado capaz de propor uma outra forma
de produção no campo. Ao desqualificar o MST, a Veja, como argumenta Kleber
Mendonça (sem data de publicação), reafirma seu papel político de regular e legi-
timar as organizações sociais a partir do pensamento único que é institucionali-
zado em suas páginas. Esta construção, guiada pela ótica neoliberal, redefine os

8
“Olhai os lírios do campo” é como é conhecido o Sermão da Montanha e também inspira o título do roman-
ce de Érico Veríssimo publicado em 1938.
70

movimentos sociais, como o MST, como apenas uma manifestação de violência.


A agricultura de pequeno porte e cooperativada é o anacrônico refugo da agricul-
tura ligada à agroindústria exportadora, recordista e globalizada que a revista
modela com seu discurso.

Figura19 −Guerra no campo.


Fonte: Revista Veja nº 1807 de 18/06/2003.

Figura 20 −Os foras da lei.


Fonte: Revista Veja nº 1648 de 10/05/2000.

Uma matéria de oito páginas sobre a ofensiva do MST que invadiu prédios
públicos em 15 capitais e deixou um saldo de um militante morto pela polícia, a-
parece sob o título “SEM TERRA E SEM LEI” (figura 20). No texto, a Veja diz que a reforma
agrária está fora das agendas dos países há mais de vinte anos. O aumento da
produção e do abastecimento passou a ser garantido não pelo reparte de terras,
mas pela aplicação de tecnologia. Descreve o MST como um apanágio de salva-
ção de desempregados rurais e urbanos com ou sem familiaridade com o campo.
71

E elenca uma série de abusos e ilegalidades que o MST comete quando invade
terras e prédios públicos.
A fotografia em um recorte panorâmico ocupa horizontalmente a metade
das duas páginas. Mostra em linha diagonal um grupo de militantes caminhado
com as mãos nas cabeças, observados por policiais militares. O título “SEM TERRA E
SEM LEI” funciona também como uma legenda e consolida a criminalização do mo-
vimento. Para a Veja, reforma agrária é caso de polícia, ou, como explica Bau-
man, “a tendência atual de criminalizar casos que não se adaptam à norma idea-
lizada” (1999, p.10). As marchas são estratégias de grande visibilidade adotadas
pelo MST, ao contrário das invasões de terras que são táticas de pressão. Nesta
foto, a intertextualidade codifica o signo “marcha” e o destitui de seu significado
mais recorrente que conforma e identifica politicamente o MST. A mensagem lin-
guística da legenda reforça esta intenção: “Marcha frustrada no Paraná a polícia barrou manifes-
tantes, cinquenta foram feridos e um morreu”. A edição, ao escolher uma fotografia de um
grupo de militantes caminhando com as mãos na cabeça, um significante de ren-
dição, e sendo observados e guiados por policiais militares, transforma um dos
símbolos do movimento, por metáfora, em uma passeata de foras da lei. Esta
construção reconfigura o MST, de movimento social organizado a um simples
grupo de desordeiros. A revista repreende a ousadia, em resposta à exclusão e à
violência sofrida, de transformar a sua realidade pelos meios que tem à mão. A
reforma agrária está prevista na Constituição Federal, mas nesta e em outras
matérias da Veja há o objetivo de demonstrar que não há mais reforma possível.
Para isso, lança mão de dados estatísticos da Europa e dos Estados Unidos para
provar que, de um ponto estritamente agrícola, a reforma agrária não tem mais
razão de ser. Ou por que já foi feita ou não é mais fator de desenvolvimento do
país.
A revista acusa o movimento de agir criminosamente contra a democracia
vigente no país e conclama um grupo de especialistas, formado de advogados e
juristas, para sugerir quais são as melhores medidas que o governo deve tomar
para conter o movimento. A revista se alinha e tenta promover, com este discurso
regulador, aquilo a que Harvey (2004) se refere como “manter a disciplina no tra-
balho e promover „um bom clima de negócios‟. Um Estado específico que fracas-
sasse nisso ou se recusasse a fazê-lo corria o risco de ser classificado como Es-
72

tado „fracassado‟ ou „delinquente‟ (p.150).” O agronegócio, inserido na racionali-


dade do capitalismo transnacional, não admite baderna.

Figura 21 − Os inimigos.
Fonte: Revista Veja nº 1856 de 02/06/2004.

A reportagem que aparece na figura 21 trata da invasão de duas fazendas


pelo MST de propriedade de multinacionais da indústria de celulose. Para a Re-
vista Veja, o agronegócio representa “o país que dá certo” e aponta as invasões
de terras promovidas pelo MST como seu principal inimigo. A revista argumenta
que não existem mais no Brasil terras improdutivas ou por que já foram distribuí-
das pela reforma agrária ou se tornaram produtivas, o que já serviria de argumen-
to para a extinção destes militantes da agitação rural. A revista prescreve uma
receita de “democracia” para o MST, afirmando que invasão de terras é uma a-
ção autoritária, que criar um partido político seria um método mais eficaz de con-
vencer a sociedade das convicções do movimento.A edição destaca duas posi-
ções do MST: o agronegócio produz e exporta a comida que falta no prato da
maioria dos trabalhadores brasileiros, já que a lógica do mercado é imposta pelo
capital globalizado, e que a agroindústria brasileira deve ser substituída pela agri-
cultura familiar. O argumento do MST mencionado na matéria é de uma publica-
ção oficial do movimento, que a revista reduz e desqualifica ao referir-se a eles
73

como “palavrório do MST”. A Veja, nesta matéria, coloca o MST em confronto


com os trabalhadores porque diz que, ao invadir fazendas de reflorestamento
financiadas por capital internacional, o MST atrapalha os investimento no país e
prejudica justamente quem mais precisa deles: os trabalhadores que necessitam
de empregos.
A fotografia aberta em página dupla mostra um grupo de militantes do MST
com foices, facões e porretes apontados para o alto. A imagem, provavelmente, é
de arquivo, ou seja, a foto ilustra o assunto, mas não é do fato tratado no texto.
Analisando o ambiente em que a imagem foi produzida, pode-se perceber que é
um acampamento, e a cena retrata o final de uma reunião ou assembléia que,
invariavelmente, termina com gritos de palavras de ordem e o agitar de foices. A
revista, ardilosamente, cria uma narrativa de violência com a articulação destes
signos icônicos codificados com a mensagem linguística “O MST ATACA O BRASIL QUE DÁ
CERTO”, que confere à cena uma conotação de agressão, de ofensiva. É recorrente
na edição de revistas e jornais o uso de fotografias de arquivo na ausência de
fotos que registrem o próprio assunto, favorecendo a constituição pertinente do
fato. Por interpretação pertinente, entende-se, como explica Luiz Costa Pereira
Junior (2006), que “ela tem lastro, [...] porque não excede os limites do próprio
contexto que cria, mas tampouco contradiz absolutamente o projeto de mundo
que se quer mostrar” (p. 32). Deslocando a matriz da notícia do fato para a per-
cepção dele, usando ainda as palavras do autor “os limites da interpretação serão
sempre sociais, econômicos, políticos e culturais (p.32).”

Figura 22 − O empreendedor.
Fonte: Revista Veja n° 1802 de 14/05/2003.
74

Figura 23 − O messiânico.
Fonte: Revista Veja nº 1807 de 18/06/2003.

Na figura 22 a capa da Revista Veja mostra o “brasileiro de 15 bilhões de reais”. Tra-


ta-se do homem que vende 30% do suco de laranja que se consome no mundo, o
agroindustrial José Luis Cutrale. Em tom celebrativo, a revista aponta o sucesso
do empresário mostrando sua forma de negociar: “[...] paga salários baixos, compra terra
barata, pressiona os fornecedores a vender a preços menores e possui 40% das laranjas que processa em poma-
res próprios”. A fotografia é conotada pela pose e foram tomadas em flagrantes por
que a revista informa que o empresário é avesso a badalações e ausente das
colunas sociais. A mensagem linguística de “O MAIOR DO MUNDO” personifica o modelo
agrário que a revista preconiza e remete para o ideia de sucesso, nestas reporta-
gens que tenho analisado, e encobre a massa de excluídos deste processo de
enriquecimento.
Na capa da figura 23, aparece uma foto em close do líder sem-terra José
Rainha, conotada também pela pose com o seguinte título: “A ESQUERDA DELIRANTE”. A
revista já prepara seu ardil para desqualificar um líder, reduzindo-o a um líder
messiânico dos miseráveis, o “BEATO RAINHA”. A mensagem linguística reforça sua
carga de estigmatização, ao exibir num box explicativo, todo o anacronismo do
Movimento. A Veja se utiliza de iluminuras para reforçar a ideia de antigo e atra-
sado, com o seguinte texto legenda: “Para salvar os miseráveis dos desconfortos do capitalismo, o
líder sem-terra José Rainha ameaça criar no interior de São Paulo um acampamento gigantesco como o de Canu-
dos, instalado há um século por Antônio Conselheiro no sertão da Bahia...”.
A estratégia de personificação está novamente presente, mas não a per-
sonificação do sucesso, e sim o delírio de um líder que se espelha na figura de
75

Antônio Conselheiro, para arregimentar uma massa de manobra composta por


deserdados. A revista explica quem são os “deserdados”: “biscateiros, desempregados,
motoristas, pequenos vendedores e também lavradores, pessoas que desenvolvem atividades econômicas margi-
nais, desvinculadas da grande produção”. Também nesta reportagem, a revista demonstra
como a iniciativa de José Rainha não é apenas anacrônica e retrógrada ao pre-
gar o retorno ao campo: volta que, como tento demonstrar com este estudo, já se
mostrou impossível, uma vez que o campo é dos vencedores, dos empreendedo-
res.
A revista esclarece que o movimento de Canudos foi o mais aguerrido e
sangrento movimento de resistência à proclamação da República, e comenta o
“delírio” de Rainha afirmando que, como quase todo militante de seu credo, Rainha
acredita na glorificação ideológica do que foi apenas uma insurreição de fanáti-
cos. Uma definição que é quase uma repetição da forma como a revista se refere
ao MST na edição n° 1648 de 10/05/2000, (figura 20). Um grupo que, além de
sem terra, são sem-leis, devido sua ação contínua de agressão às instituições do
país e à legalidade
Concluindo, destaco que estabelecer contrastes não é privativo das peda-
gogias escolares. A Veja busca em trabalho clássico como a taxionomia de Blo-
om (1971), uma habilidade da educação para marcar as diferenças entre os di-
versos protagonistas da produção rural, a Revista ordena e regulariza um modelo
agrário que deve ser adotado pelo país, baseado em sujeitos competentes e com
capacidade individual para empreender com sucesso, ou seja, os que sabem en-
riquecer em um mercado competitivo e globalizado.
4 SINTAXE PEDAGÓGICA DO EXEMPLO

O grupo de fotografias que analiso nesta seção é atravessado pela sintaxe


do exemplo. Para a Revista Veja há “o novo caminho da roça” resultante do impulso a-
gropecuário que faz brotar no interior do País uma sociedade dinâmica e moderna.
Esta nova sociedade rural tem um comportamento mobilizado para o consumo,
fortalecendo os setores de comércio e serviços e matizando o cenário de bucóli-
cas cidades interioranas com agroindústrias, agências bancárias movimentadas,
universidades e shopping centers. As capitais regionais são guarnecidas também
por redes internacionais de lanches rápidos, operadoras de TV a cabo e internet,
lojas de famosas grifes e cadeias de cinema. O consumo regula e orienta a vida
política, social, econômica e cultural utilizando o exemplo. Como afirma Costa:
Na sociedade de consumidores somos constantemente ensina-
dos, segundo os moldes da melhor pedagogia do exercício e do
exemplo, a formatar nossas ações rigorosamente dentro de pre-
ceitos e táticas que fomentam a realização dos desígnios dessa
sociedade (2009, p.35).
A habilidade de ilustrar com exemplos é tradicional, seja na educação fa-
miliar, seja nas pedagogias escolares. Faz parte das habilidades técnicas do pro-
fessor categorizadas na já referida Taxionomia de Bloom. Dar exemplos é um
dos verbos associados ao domínio cognitivo da compreensão. Essa habilidade
pode ser demonstrada por meio da tradução do conteúdo compreendido para
uma nova forma (oral, escrita, diagramas etc.) ou contexto. Nessa categoria en-
contra-se a capacidade de entender a informação ou fato, de captar seu signifi-
cado e de utilizá-lo em contextos diferentes. Na sala de aula o professor lança
mão de exemplos para facilitar o entendimento de conceitos e princípios. Flávia
Maria Sant‟Anna, em sua famosa publicação Microensino e habilidades técnicas
do professor, defende que “exemplificar adequadamente é de fundamental impor-
tância no ensino, porque por meio do exemplo pode-se conduzir a ideias e pen-
samentos claros, significativos e bem estruturados” (1979, p. 34). Segundo pre-
ceitos didático-pedagógicos, o uso de exemplos auxilia na clareza e no entendi-
mento de uma questão ou conceito.
Ilustrar com exemplos faz parte da pletora de estratégias acionadas pela
pedagogia cultural praticada por revistas em seus estratagemas de construção e
disseminação de saberes como forma de persuasão e convocação. Nesse senti-
77

do, a Revista Veja, quando fala do agronegócio, além de reunir e apresentar da-
dos econômicos e técnicos ilustra fartamente as matérias com exemplos de em-
preendedores, pioneiros e outras personagens que se arriscaram e obtiveram
sucesso no negócio. A Revista traduz este sucesso com os termos “fartura”, “riqueza”
e “abundância” nos títulos e linhas de apoio. Também em fotografias, o bom exemplo
dos protagonistas “deste país que dá certo”, termo utilizado pela própria Veja, é revelado
através de “retratos de um Brasil que dá lucros”, outra expressão da revista e associa ima-
gens dos empreendedores a carros luxuosos, aviões, casas cinematográficas,
máquinas agrícolas de última geração e outros ícones de consumo para atestar o
êxito na empreitada agropecuária. O que é publicado na revista se transforma em
um discurso autorizado. Como afirma Giroux (2003, p.128 ):
A cultura da mídia tornou-se uma força educacional substancial,
senão a principal, na regulação de significados, de valores, e de
gostos, que estabelecem as normas e as convenções que ofere-
cem e legitimam determinadas posições de sujeitos, como se es-
tivesse envolvido por uma “aura” de veracidade.
Passo a analisar seis páginas duplas da revista Veja de um total de 12 que
foram selecionadas do corpus desta pesquisa. O critério de escolha recaiu sobre
aquelas cujo arranjo de legendas e fotos são efetivamente “educadoras” pelos
exemplos que expõem de consumo, de ser empreendedor, de ser pioneiro e de
correr riscos ao trocar de atividade profissional.

Figura24 − Carrões e aviões.


Fonte: Revista Veja nº 603 de 26/03/1980.
78

Figura 25 −Detalhe da figura 24.

Na figura 25, apresento a foto, destacada em um box, de um empresário


rural exposto como exemplo de empresário bem sucedido. A foto, em plano geral,
mostra o empresário ao lado de um de seus dois aviões. Ao fundo aparece parte
de seus funcionários e as máquinas e implementos que utiliza em sua fazenda. A
imagem é conotada pela pose e objeto e codificada pelo sucesso; a forma como
os elementos significantes estão dispostos na imagem hierarquiza o seu signifi-
cado. No primeiro plano, o avião expressa a dimensão do empreendimento; o
empresário destacado e postado à frente do grupo é investido de posição hierár-
quica superior em relação aos demais. Apesar de a mensagem linguística repre-
sentada pelo título do box, chamá-lo de caipira: “Um caipira que bebe uísque e pratica windsur-
fe”, sua imagem associada à do avião e suas roupas, que nem de longe lembram
um caipira, remetem-no ao status de um empresário urbano bem sucedido. Esta
ideia é reforçada e fixada pela legenda: “Marquez: um próspero fazendeiro dos ares”.
A Veja aproxima o rural do urbano, pois aponta como exemplos de suces-
so e de prosperidade, empreendedores e trabalhadores originários de cidades
com perfil mais urbano, que arriscaram uma mudança de vida nas novas frontei-
ras agrícolas do país. Como argumenta Silva (1997):
O meio rural brasileiro se urbanizou nas duas últimas décadas,
como resultado do processo de industrialização da agricultura, de
um lado, e, de outro, do transbordamento do mundo urbano na-
quele espaço que tradicionalmente era definido como rural. Como
79

resultado desse duplo processo de transformação, a agricultura –


que antes podia ser caracterizada como um setor produtivo relati-
vamente autárquico, com seu próprio mercado de trabalho e equi-
líbrio interno − se integrou no restante da economia a ponto de
não mais poder ser separada dos setores que lhe fornecem in-
sumos e/ou compram seus produtos. (p.1)
Dito de outro modo, o ciclo econômico que compõe o agronegócio é capaz
de alcançar seus protagonistas no campo ou fora dele, fazendo com que as ativi-
dades econômicas nas cidades não possam ser mais identificadas como tipica-
mente urbanas ou rurais.

Figura26 −A transformação.
Fonte: Revista Veja nº 1613 de 01/09/1999.

A transformação que o agronegócio promoveu em uma cidade e nas pes-


soas pode ser visualizada na figura 26, cuja mensagem linguística é codificada
pela intertextualidade com a fábula infantil do patinho feio. A fotografia localizada
na parte de cima, à direita da página, é conotada pela sintaxe, porque conta em
duas fotos a história de alguém que arriscou mudar em busca de oportunidade e
prosperidade. A foto menor ressalta o início da jornada, com o protagonista mal
vestido e ao lado de um carro velho. Esta foto é colorizada em azul, que lembra
um processo fotográfico antigo chamado cianotipia, que confere um aspecto ain-
da mais velho à imagem. Já a fase atual é apresentada por uma foto em cores,
80

na qual o pequeno agricultor gaúcho desponta próspero econômica e socialmen-


te. A prosperidade econômica e social tem como significantes os carros (em se-
gundo plano), e as roupas, a ascensão social é marcada pelo consumo. Como
explica Bauman:
“A „sociedade de consumidores‟, em outras palavras, representa
o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha
de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumista, e
rejeita todas as opções culturais alternativas” (2008, p.71).
O ex-patinho feio agora é o prefeito de Lucas do Rio Verde, município do
estado de Mato Grosso, além de um bem sucedido empreendedor rural.
Na foto maior, que ocupa quase metade do espaço das duas páginas, os
flocos brancos no chão dominam a composição. À esquerda, o olhar do empre-
endedor em direção ao horizonte transmite a certeza no futuro para quem, como
informa a legenda, investiu em terra, tecnologia e trabalho. Os elementos signifi-
cantes são conotados pela pose e pelos objetos, a terra plantada dá seus frutos
em abundância graças à tecnologia. Tecnologia que pode ser também represen-
tada pela colheitadeira que está ao fundo. Olhar para o horizonte parece lhe dar a
confiança de um futuro ainda mais promissor.

Figura 27 − Sucesso no campo.


Fonte: Revista Veja nº 1873 de 29/09/2004.
81

Em outra edição da Veja (figura 27), uma foto ocupando metade de uma
das páginas da matéria mostra um empresário à frente de um helicóptero. A foto,
com enquadramento de baixo para acima, confere uma posição de superioridade
ao fotografado. Os conotadores de pose e objeto são codificados pelo código do
consumo. A mensagem linguística contida na legenda – CONCRETO NO CAMPO− dirige o
significado da foto. A legenda conta um sonho:
Há alguns anos, o construtor José Roberto Pereira Alvim notou que o agronegócio
fazia surgir uma nova classe média alta nos grandes pólos urbanos do interior. Des-
de então, passou a construir na região de Ribeirão Preto (SP) prédios residenciais e
comerciais, além de condomínios de luxo. [...] Foi esta base de concreto que permitiu
a realização de um sonho. Há dezoito anos, Alvim comprou um helicóptero de brin-
quedo, colocou-o no escritório e fez uma promessa: „Um dia vou ter um de verdade‟.
Pois há três anos, ele usa seu aparelho para ir a reuniões em São Paulo ou passar
fins de semana no litoral. Na fuselagem pintou seu lema: „Só alegria‟.
Na segunda página desta matéria há outro exemplo de sucesso. A foto
mostra um bem sucedido empresário do setor de restaurantes, conotado por um
avental e uma taça de vinho erguida num brinde ao sucesso. A legenda – O TERMÔ-
METRO DO AGRONEGÓCIO – esclarece a razão do largo sorriso que também denota os
bons resultados do empreendimento.
Flávio Moraes calcula a seu modo os investimentos que fez para montar, há nove a-
nos, o restaurante Fofo, um dos pontos mais conhecidos de Ribeirão Preto, em São
Paulo. “Foram uns 1 500 bezerros”, diz Moraes, filho de uma família de fazendeiros e
usineiros. O restaurante serve de termômetro para os negócios do campo. Seis de
cada dez fregueses estão ligados ao agronegócio. Com vinhos e bebidas, um casal
gasta cerca de 250 reais num jantar. A lotação esgota-se invariavelmente durante o
Agrishow, a mais famosa feira de agropecuária do Brasil, que acontece todos os a-
nos no mês de maio. A atual novidade na clientela está no número de estrangeiros.
Há muitos americanos, mas principalmente europeus. Uma das explicações para a
variação na freguesia é o crescente interesse dos países da União Européia pelo se-
tor sucroalcooleiro do Brasil.
A Veja investe em exemplos de sucesso para reforçar sua estratégia pe-
dagógica de ensinar como se deve ser empreendedor, seja no agronegócio ou
em outras áreas da economia que crescem na esteira da sua rentabilidade. Co-
mo sugerem as matérias e fotos, o setor rural exportador, baseado no agronegó-
cio, está borrando as fronteiras que antes separavam o mundo rural do mundo
urbano. O sucesso do agronegócio fez com que o atrasado de ontem se tornasse
o globalizado de hoje. As novas cidades surgidas, graças ao agronegócio, atraem
outras atividades econômicas para estas regiões, não necessariamente ligadas
diretamente à agricultura e à pecuária, mas sempre em consequência do cresci-
82

mento, desenvolvimento e impulso financeiro advindo desses setores. Como ar-


gumenta Silva:
O significado do atual processo de „commoditization‟ é que as á-
reas rurais estão crescentemente associadas com atividades ori-
entadas para o consumo, tais como lazer, turismo, residência,
preservação do meio ambiente, etc.(1997, p.3).
Os dividendos do agronegócio se espalham e impulsionam outras ativida-
des econômicas ligadas ao consumo, seja no campo ou em atividades com perfil
urbano.

Figura 28 −Sempre pioneiros.


Fonte: Revista Veja nº 1598 de 19/01/2005.

Na matéria OS NOVOS DESBRAVADORES (figura 28), a fotografia de uma família pos-


tada diante de uma casa de dois andares, com piscina ao fundo, ocupa todo o
espaço das duas páginas. Esta família é composta por um casal e duas crianças
em idade escolar. O menino está montado em um burrico, com os demais mem-
bros da família dispostos em seu entorno. A cena é conotada pela pose e pelos
objetos e o código é a história dos bandeirantes.O burro em que menino está
montado no primeiro plano desencadeia a ideia de viagem longa, e feita a pé,
como faziam os bandeirantes que foram conquistando e definindo as primeiras
fronteiras na interiorização do país. A casa, ao fundo, que parece ser confortável,
83

feita de madeira em tom natural, tratada e, como se sabe, esse tipo é usualmente
de boa qualidade, lembra as austeras moradias dos primeiros colonos. A mensa-
gem linguística extraída do título da reportagem - OS NOVOS DESBRAVADORES - indica que
os “bandeirantes contemporâneos” são empreendedores corajosos e dispostos a
investir em novas fronteiras agrícolas na busca de riqueza. O olhar unidirecional
de todos os membros do grupo familiar para um ponto distante reforça mais uma
vez a decantada importância da família quando se trata de arrojar-se em direção
ao desconhecido, como novos desbravadores.
A Veja situa o agronegócio em outra das características do capitalismo
globalizado, que é a desterritorialização do investimento. Conforme explica Bauman,
“a mobilidade tornou-se o fator de estratificação mais poderoso e mais cobiçado,
a matéria de que são feitas e refeitas diariamente as novas hierarquias sociais,
políticas, econômicas e culturais em escala cada vez mais mundial” (1999, p.16).
Na legenda da foto fala-se em “saudade” e sobre a falta da civilização, a-
profundando a noção do deslocamento. Ao mesmo tempo, contudo, a legenda
também resolve o impasse com a frase “Aí pego um avião e vou tomar banho de mar na Bahia”.
Quer dizer, a prosperidade do negócio traz tudo para perto novamente; tudo se
torna possível com ele.Ou, como nos assinala Bauman, “as distâncias já não im-
portam, ao passo que a ideia de uma fronteira geográfica é cada vez mais difícil
de sustentar no „mundo real‟”(1999, p. 19).Ainda, como argumenta Bauman
(1999), a distância não é mais impessoal e física, tornou-se um produto social
que pode ser vencido em maior ou em menor velocidade, dependendo de quanto,
do ponto de vista financeiro, é possível se investir na produção desta velocidade.
Para finalizar este capítulo, retorno à habilidade de ilustrar com exemplos
que é tradicional seja na educação familiar, seja nas pedagogias escolares.
Constitui-se uma das habilidades técnicas do professor já referida na Taxionomia
de Bloom. Dar exemplos é um dos verbos do domínio cognitivo da compreensão.
O professor no ambiente escolar faz uso de exemplos para facilitar o entendimen-
to de conceitos e princípios. Destaco que elucidar com exemplos faz parte da
pletora de estratégias acionadas pela pedagogia cultural das revistas em seus
estratagemas de construção e disseminação de saberes como forma de persua-
são e convocação.
Por tanto, a revista Veja, quando aborda o agronegócio, muito mais do que
apresentar dados econômicos e técnicos, ilustra abundantemente as matérias
84

com exemplos de empreendedores, pioneiros e outras personagens que se arris-


caram e obtiveram sucesso no negócio. E associa as imagens dos empreendedo-
res prósperos e bem-sucedidos a carros luxuosos, aviões, casas cinematográfi-
cas, máquinas agrícolas de última geração e outros ícones de consumo para a-
testar o êxito na empreitada agropecuária.
5 O IMPACTO/SEDUÇÃO DAS GRANDEZAS (A GUIZA DE CONSIDERA-
ÇÕES FINAIS)

Como referi no início deste trabalho, a Veja, em sua estratégia discursiva


sobre o agronegócio, articula em suas páginas, com textos e fotografias, um dis-
curso do impacto e da sedução das grandezas, que também vai caracterizar o
modo de dizer da revista sobre um país imaginado do ponto de vista de um seg-
mento econômico formatado/moldado pela globalização econômica, desregula-
mentação, pela tecnologia e pelo consumo. Nos textos, a utilização de certas pa-
lavras e expressões revelam movimentos que a revista faz para alcançar este
modelo de país.
No material empírico me deparei com palavras e expressões que evidenci-
am isso: “a safra bilionária”, “o campo conta os lucros da supersafra”, “as estrelas do campo”, “a grande
safra”, “sob o signo da abundância”, “como uma planta mudou a agricultura do Brasil”, “grão da prosperidade”, “a
festa da soja”, “o campo renasce”, nesse mato a ciência dá dinheiro”, “terra de gigantes”, “o novo eldorado”, “o
novo eldorado verde”, “a força do interior”, “o Brasil que aguenta o tranco”, “o ex-patinho feio”, “o maior do mun-
do”, “brotam empregos no campo”, “o avanço da elite no campo”, “retratos de um Brasil que dá lucros”, “o Brasil
que planta e colhe dinheiro”, “a civilização do campo”, “a floresta vira soja”, “ícones do Brasil rural”, “o campo
high-tech”. Este conjunto vocabular vincula-se a sentidos positivos, que celebram
grandezas, representando o agronegócio como um dos mais importantes motores
econômicos do país. A Veja, com este discurso, posiciona o Brasil no conjunto
dos grandes países desenvolvidos, uma vez que o desenvolvimento desses paí-
ses se identifica, entre outras coisas, por um agronegócio de ponta. A revista
proclama de forma esfuziante que a agricultura pode transferir riqueza para ou-
tros setores da economia, movimentando o comércio, a indústria e gerando em-
pregos nas regiões conflagradas pelo agronegócio.
O fascínio e o impacto das grandezas estão articulados também para se-
duzir e capturar olhares por intermédio do espetáculo das fotografias. A Veja ex-
plora o visual do agronegócio, publicando fotos em formato grande algumas che-
gando a ocupar duas páginas. As fotografias que a Revista Veja apresenta nas
reportagens sobre o agronegócio no Brasil podem ser classificadas como grandi-
loquentes e poderosas porque elas “falam” com mais veemência que os textos e
nos mobilizam.
86

Neste estudo, procurei demonstrar que a mídia veicula uma cultura com
imagens e sons espetaculares que vai tramando o pano de fundo do cotidiano,
dominando o tempo de lazer, formulando opiniões e comportamentos sociais,
além de fornecer amplo material para que as pessoas modelem suas visões de
mundo, suas formas de pensar, suas opções e suas identidades. Procuro de-
monstrar que a mídia é poderosa, na medida em que evidencia seus temas prefe-
renciais e suas filiações em termos de discursos que ela compartilha e defende.
Nesta perspectiva, a revista articula uma tática discursiva apoiada em ima-
gens que exploram três signos visuais: a extensão das propriedades, o espetácu-
lo tecnológico da mecanização do campo, o sucesso do empresário rural e, por
outro lado, invisibiliza o setor da agricultura familiar, assim como demoniza o
MST. Em sua urdidura discursiva sobre o agronegócio, a Veja articula em suas
páginas, com textos e fotografias, padrões de conduta do que é ser homem ou
mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou subalterno. Constatei que a
mídia pode ser pedagógica no sentido de não só veicular informações, mas, es-
pecialmente, convencer sujeitos, conduzir as pessoas a pensarem de certa for-
ma, agirem e se modelarem de acordo com aquilo que ela considera desejável,
que ela mostra ser importante, bom e que contribui para certos projetos de sujeito
e de nação. Para a Revista Veja, o agronegócio é mostrado através de arquéti-
pos de empreendedores, pioneiros e outras personagens que se arriscaram e
obtiveram sucesso no negócio.
Com esta estratégia de dar visibilidade ao agronegócio, a Veja sugere que
através deste setor da economia é possível transformar o País em grande potên-
cia. Nesse sentido, Costa (2009) argumenta que:
...a suposição de querer ser uma „grande potência‟ é o melhor
que um país pode almejar parece ser parte da amplamente disse-
minada falácia contemporânea de que felicidade e bem-estar es-
tão inextricavelmente associados a sucesso, poder e dinheiro (p.
24).
A condição grandiosa que a Veja constrói em torno do agronegócio articu-
la, visualmente, signos que vão dar conta das características contemporâneas de
um grande país, conforme elenca Costa (2009), “as grandes potências têm exér-
citos, armas, riqueza concentrada, ciência sonegada ou vendida ao „resto‟ do
mundo e, diante disso, imenso poder de persuasão e barganha” (p. 24). As revis-
tas, de um modo geral, promovem na vida das pessoas e nos projetos de países
87

a ilusão da conquista da potência. A Revista Veja, através de discursos verbais e


visuais, que neste trabalho chamo de sintaxes pedagógicas, ensina e faz circular
valores, comportamentos e modelos pessoais e institucionais de empresariamen-
to em busca de um ideal de nação através de, como demonstra Costa (2009):
...discursos com elevados impactos midiáticos que celebram, dia
após dia, as trajetórias espetaculares e financeiramente bem-
sucedidas de personalidades famosas (e ricas) e de nações podero-
sas (e ricas), transformando-as em modelos desejáveis... (p. 25).
Espero ter conseguido demonstrar que, por meio do agronegócio, a Veja
inventa o Brasil que dá certo e ensina a construí-lo, colocando em prática habili-
dades pedagógicas consideradas importantes nas estratégias de ensino. Estas
práticas que educam, denominadas por mim de sintaxes pedagógicas do periódi-
co, são utilizadas pela Revista quando ela organiza sua forma de lidar com o a-
gronegócio para marcar sua potência, organização e sucesso. Além de celebrar
esses discursos grandeloquentes, a Revista mostra como se faz, dá exemplos e
contrasta sublinhando os prejuízos de quem não fez e o sucesso de quem fez.
Ou seja, a publicação faz uso de exemplos para facilitar o entendimento das
prescrições e modelos que ela preconiza. Por outro lado, ao estabelecer contras-
tes a Revista ordena e normaliza um modelo agrário que deve ser adotado pelo
país, baseado em sujeitos competentes e com capacidade individual para em-
preender. Pretendi ter demonstrado como a Veja sugere modos próprios de na-
ções desenvolvidas que devem ser adotados, e isto tem alguns indicadores: in-
corporação de tecnologia, ter coragem de arriscar, de investir para mudar num
mundo flexível e instável.
Portanto, com esta tática de educar pela visibilidade do agronegócio, a Ve-
ja sustenta uma proposição de fazer do País uma grande potência. Nesse senti-
do, há um reforço da noção contemporânea de que a melhor alternativa para um
país é ser uma grande potência, alinhando o bem-estar a sucesso, poder e di-
nheiro. A existência superlativa que a Veja estabelece em torno do agronegócio
dá ressonância a outros percursos vitoriosos, de personalidades que obtiveram
sucesso e passam a ser um padrão a ser alcançado. Para concluir, a revista Veja
coloca o agronegócio como mola propulsora do País que incorpora de forma sutil
discursos favoráveis de desregulamentação e privatização, refletindo o capitalis-
mo contemporâneo baseado na acumulação flexível e na globalização econômi-
ca.
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