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SOBRAL
SOBRAL
Dissertação de Mestrado
Canoas, 2013
Para Márcia, Beatriz e Cassiano que
“fizeram” este trabalho junto comigo.
AGRADECIMENTO
The present study, inserted in the field of Cultural Studies, analyses the the
photojournalism of agribusiness published on Veja magazine. The study aims to
make a reading of the photographic images to show pedagogical strategies used
to create and disseminate the notion that agribusiness is connected to the “Brazil
that works”. Such reading exercise is justified insofar this images and meanings
surround the Brazilian society, teaching children, the young and adults, “conve-
nient truths” to specific groups and current socio-political and cultural projects. To
analyse the photographic images, I refer to Roland Barthes, specially his text “The
photographic message”, which points out the existence of three messages in pho-
tography: the linguistic, the iconic denotation and the symbolic connotation mes-
sages. I also search assistance from authors who analyse cultural practices and
policies ongoing on contemporary societies, producing theories which make poss-
ible problematize the media culture and its pedagogies. I find these contributions
in Bauman (1998, 2001, 2003, 2010), Jameson (2000), Harvey (1993), Kellner
(2000, 2008), Giroux (2003), Hall (1997a, 1997b, 1997c), Costa (2009, 2012b,
2012b), Fischer (1997), Schmidt (1999), Gerzson (2007, 2012), H. Costa (1994)
and Souza (1998, 2000, 2003). The analysis corpus was composed by a selection
of 43 issues with photographic reports about agribusiness in a temporal cut that
covers the years from 1980 to 2012 from the digital collection of Veja magazine.
The choice criterion considered the presence of good quality featured photos in
the opening of the articles and a minimum of two-page length. The findings of the
research made clear the magazine uses pedagogical strategies whose purpose is
to outline a language in which it is possible to estabilish a didactic communication
with the receiver-subject. Such strategies are arranged and put in action in the
way that Veja plots and organizes the editing of the photographies, written texts
and other graphic resources. I have named this discursive organization as peda-
gogical syntax and classified them as: pedagogical syntax of repetition, pedagogi-
cal syntax of contrast and pedagogical syntax of example. The technical abilities
of teaching presented by Santana (1979) in connection with Bloom‟s taxonomy
(1971) assisted the identification of the syntaxis. I have emphasized the grandilo-
quence as an attribute of the images as well as the rhetoric adopted in the ar-
ticles, headlines and other headings. Veja magazine, through strategic articulation
of verbal and visual discourses teaches and makes values, behaviors and per-
sonal and institutional entrepreneurship models encompass towards a specific
project of society and nation. Veja places the agribusiness as a leverage of the
country which embodies, in a subtle way, favorable discourses of deregulation
and privatization, reflecting the contemporary capitalism based on the flexible ac-
cumulation and economic globalization.
PARTE I
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 89
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ........................................................................... 92
LISTA DE FIGURAS
condições para fugir da maldição dos ciclos que tantas chagas deixaram na histó-
ria econômica das Américas.
Segundo informações disponíveis no site da Editora Abril, que edita a revista,
a Veja é a terceira maior revista semanal de informações do mundo e a primeira
fora dos Estados Unidos. A Editora Abril possui as dez revistas mais lidas do Brasil,
publicou 52 títulos em 2011, é líder em 22 dos 26 segmentos em que atua e, no
mesmo ano, fez circular 192 milhões de exemplares com 28 milhões de leitores e 4,
4 milhões de assinaturas. Uma revista com este poder de penetração e circulação
transcende o papel informativo e se torna um agente importante no cenário econô-
mico, político e cultural do país. O que é publicado na revista acaba se tornando um
discurso autorizado, como se fosse envolvido por uma “aura” de veracidade.
A revista vai além da transcrição dos fatos, avaliando e julgando mediante
estratégias discursivas (ALMEIDA, 2012), operando texto, fotos e outros elemen-
tos gráficos e oferecendo ao leitor a representação do agronegócio brasileiro. Ou,
como dito por Costa (2012a), “para além de „veicular‟, seja o que for as revistas
são produtivas. (...) elas concentram um enorme poder ao construir relatos inte-
ressados que operam sobre nossas vidas” (p.6).
Nesta seção usei os termos fotojornalismo e fotorreportagem, sendo neces-
sário fazer uma distinção formal entre ambos. Vou me apropriar das definições de
Souza (2008), para quem o fotojornalismo se distancia da fotorreportagem por seus
objetivos e sua elaboração. No fotojornalismo o repórter fotográfico vai à cena, capta
o que está acontecendo no momento e condensa a notícia em algumas fotos de
impacto. Já a fotorreportagem ou reportagem fotográfica compõe ou dá corpo a
um projeto organizado antes do fotógrafo entrar em ação, e o resultado do traba-
lho é um documento com fotos de atualidades ou de validade atemporal. Como o
trabalho fotográfico em uma revista se aproxima frequentemente desta modalida-
de, vou adotar em alguns momentos desta pesquisa o termo fotorreportagem.
Analiso as fotorreportagens sobre o agronegócio na revista Veja como
constituidores de uma representação sobre o país que “dá certo”. Considero rele-
vante, especialmente, investigar as formas como a revista opera com fotografias
na constituição destas representações. Segundo H. Costa (1994), o fotojornalis-
mo “é elemento fundamental da cultura contemporânea e um dos principais agen-
tes da pletora de imagens na qual nos encontramos submersos” (p.83). Nesta
mesma direção, a contemporaneidade tem imposto aos leitores a necessidade de
14
te a seu referente. Como afirma Barthes em sua Câmera clara, o “referente ade-
re” (BARTHES, apud DUBOIS, 2006) em direção a tudo e contra tudo. Por sua
gênese automática, a fotografia é testemunha inapelável da existência do refe-
rente e isto não implica a priori que ela se pareça com ele. O fato é que o peso do
real que a fotografia carrega se origina no fato de ela ser um traço, não de ser
mimese. Nas duas concepções anteriores, Dubois evoca a semiologia de Peirce
que classifica como ícone a representação por semelhança (o espelho do real) e
como símbolo a representação por convenção geral (operação de codificação
das aparências). A concepção da fotografia como traço do real se diferencia das
duas anteriores por ser da ordem de índice, representação por contiguidade física
do signo com seu referente, determinada unicamente por este: um traço de um
real. Segundo Dubois, a “teorização do índice coloca de forma positiva [...] a
pregnância do real na fotografia, trazendo a discussão sobre o realismo referen-
cial sem a obsessão de se cair no ardil do analogismo mimético, livre da angústia
do ilusionismo” (DUBOIS, 2006, p. 46). Dubois traz para a discussão novamente
as ideias de Roland Barthes sobre referencialização da imagem fotográfica, a
presença do referente dentro da foto e por meio dela:
De início, era necessário conceber bem e, [...] dizer bem [...] que o
referente da fotografia não é o mesmo que os dos outros sistemas
de representação. Chamo de “referente fotográfico” não a coisa
facultativamente real a que remete a imagem ou o signo, mas a
coisa necessariamente real que foi colocada diante da objetiva sem
a qual não haveria fotografia (BARTHES, 1984, p.114 e 115).
A pintura pode simular a realidade sem ter estado lá, a fotografia precisa,
necessariamente, que a coisa esteja lá. Barthes aponta que a imagem fotográfica
é atravessada por todos os tipos de códigos e afirma que “é evidente que códigos
vão influenciar na leitura da foto” (2006, p. 49). Barthes (1984, p. 17) defende que
fotografia sustenta duas estruturas: uma denotativa, o análogo fotográfico, e outra
conotativa que suporta uma codificação sociocultural. Além do texto, a conotação
compreende seis processos: trucagem, pose, objeto, fotogenia, esteticismo e sin-
taxe. Mais adiante, no capítulo 6, vou explorar um pouco mais as teorias de Bar-
thes sobre a mensagem fotográfica e a retórica da imagem.
Dubois comenta que, por ter passado por esses saberes dos códigos, Bar-
thes insistiu no realismo da fotografia marcada pela essência referencial, na “pu-
reza” de sua denotação. Por sua “gênese automática”, ele declarou que a foto-
grafia é uma imagem sem código:
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ças nacionais. As revistas ilustradas começam a entrar em crise no final dos anos
cinquenta do século XX, devido ao montante dos investimentos publicitários mi-
grarem para a nova mídia que está nascendo: a televisão. As gigantes Look e
Life vão sucumbir durante os anos setenta.
Durante a Guerra Fria, as revistas protagonizaram acirradas disputas polí-
ticas e ideológicas. Tanto nos países do bloco comunista quanto do lado capita-
lista,as fotografias são alteradas com a inclusão ou a retirada de líderes políticos.
Ocorrem fotomontagens forjando encontros improváveis de políticos, além de
edições deliberadas com as piores fotografias dos retratados. Nestes casos é
posta em funcionamento a ideia da suposta objetividade, veracidade e realismo
da imagem fotográfica para o senso comum. No pós-guerra e nas décadas que
se seguem, surgem outros produtos jornalísticos que vão impulsionar o fotojorna-
lismo. A imprensa de escândalos, as revistas eróticas, como a Playboy, e as re-
vistas ilustradas especializadas em moda, decoração, comportamento, entre ou-
tros temas. A imprensa de escândalos faz surgir, nos anos cinquenta, os papa-
razzi, fotógrafos especialistas na "caça às estrelas" (tornados tragicamente céle-
bres após a morte da Princesa Diana), que se servem dos mais variados expedi-
entes para obter fotografias de gente famosa, tão sensacionais quanto possível.
uma limitação própria de sua linguagem (visual), é incapaz de dar conta de al-
guns conceitos abstratos, necessitando de texto (linguagem verbal) para com-
plementar e dar sentido a sua mensagem ou informação. Assim, a expressivida-
de do fotojornalismo se inscreve na produção simbólica que os meios de comuni-
cação social medeiam sobre o mundo.
As fotografias jornalísticas não são apenas o registro de um fato, são sig-
nos em forma de imagens fixas. Como afirma Souza (1998), “são signos como as
palavras [...] não podem ser tratadas como meras ilustrações, mas como um
meio de comunicação capaz de gerar significados diferenciados dos restantes”
(p.49). Todavia, como diz Vilches (apud SOUZA. 1998), uma imagem tem signifi-
cação porque há pessoas que se interrogam sobre seu significado. Os significa-
dos, no fotojornalismo em particular e na mídia em geral, não são naturais. A
construção de sentido depende do sujeito, da condição social, dos condiciona-
mentos ideológicos, da cultura e do lugar onde vive. Estes fatores conformam,
em mão dupla, tanto quem as produz quanto quem as consome. Os sujeitos vão
construir suas concepções de mundo, crenças e ideias influenciados pelos meios
de comunicação social. Mas não são os únicos na produção significante, concor-
rem a família, a escola, entre muitos outros.
O conteúdo imagético deve ser decifrado, o fotojornalismo pensado como
testemunho “documental” jornalístico resulta de processo de criação. As imagens
são produzidas e materializadas segundo os objetivos de seus autores e configu-
radas, culturalmente, conforme uma determinada visão de mundo. Ao longo da
história da fotografia e da imprensa se percebe que o documento fotográfico é o
resultado final de construções técnicas, estéticas e culturais operadas na produ-
ção da representação. Por esse motivo, servem para uma variedade de propósi-
tos ideológicos determinados.
É seguro dizer então que no fotojornalismo, ao observar uma fotografia, es-
tamos diante da aparência de realidade. Aparência, neste caso, constituída pelo real
transformado através do aparato técnico da fotografia operado pelo olhar do fotógra-
fo. Ou seja, a escolha da objetiva, o enquadramento, o registro do movimento, a ter-
ceira dimensão representada em superfície bidimensional etc., “o que se vê na foto
é a versão, não o real” (HARTLEY apud SOUZA, 1998, [grifo do autor]).
O papel da imagem é central na sociedade contemporânea, mas inserido
neste contexto, o fotojornalismo ainda está marcado pelo caráter de evidência do-
27
cumental, que tem origem na racionalidade positivista da busca pela verdade, que
outorga às fotografias noticiosas o caráter de espelho do real e de verdade. Este
caráter é atribuído tanto pelo senso comum quanto por jornalistas e fotojornalis-
tas imersos na lógica da objetividade. Assim como afirma Kossoy (2007), “a evi-
dência é o fundamento positivista sobre o qual se estribam os processos de cria-
ção/construção de realidades. [...] Assim ganham força documental os mitos políti-
cos, os estereótipos e os preconceitos raciais, religiosos, de classe” (2007, p. 139).
A contemporaneidade trouxe para as discussões sobre a cultura e a socie-
dade variáveis de gênero, raça, classe social, consumo, entre muitas outras. As
imagens da mídia, como aponta Harvey (1993 p. 259), “passaram a ter um papel
muito mais integrador nas práticas, tendo assumido agora uma importância muito
maior na dinâmica do crescimento do capitalismo”. Portanto, o fotojornalismo
tem, constantemente, se constituído como objeto de análises culturais que procu-
ram desconstruir sua aura de objetividade e realismo, já que, segundo Kellner
(2000), “a crítica desconstrutiva da publicidade e de outros artefatos da cultura de
massa é também uma crítica da ideologia” (p.107).
A pós-modernidade também se caracteriza pela emergência das tecnolo-
gias multimídia, o rápido avanço tecnológico, novos padrões de produção e con-
sumo de imagens “que podem ser transmitidas e buscadas online em escala pla-
netária” (Kossoy, p.135, 2007). Este processo de fruição das imagens através
dos meios eletrônicos é feito de forma rápida e em quantidade e redundância,
quase em níveis de saturação, cuja consequência é o declínio da capacidade de
ler e escrever:
A pós-modernidade revela-se também no surto de representação
visual na cultura. [...]. Mas as incertezas, aliadas à imagem, e ali-
adas a uma nova cultura que percebe o real como complexo, fa-
zem ver essas representações visuais mais como um mapa do
que como um caminho para o conhecimento (Souza, p.52, 1998).
A prevalência do ver sobre o ler na cultura pós-moderna de imagens exige
que o sujeito contemporâneo se habilite a uma alfabetização visual. Uma leitura
crítica das imagens, como sugere Kellner, “implica aprender como apreciar, de-
codificar e interpretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construí-
das e operam em nossas vidas quanto o conteúdo que elas comunicam em situ-
ações concretas” (p. 106, 2000 [grifo do autor]).
4 AGRONEGÓCIO – ECONOMIA, POLÍTICA E CULTURA
1
Jeca Tatu é um personagem criado por Monteiro Lobato em sua obra Urupês.
2
Revista Veja edição especial n° 30 (veja 1848) de abril de 2004
29
gócio como uma visão global do setor, colocando novamente o campo como
promotor eficaz da economia nacional.
3
João Baptista de Oliveira Figueiredo, militar brasileiro, tendo sido 30º Presidente do Brasil de
1979 a 1985 e o último presidente do período da ditadura militar
30
4
Revista Veja n° 1873 de 29/04/2004.
31
5
Revista Veja edição especial n° 30 (veja 1848) de abril de 2004
33
Novos atores da cena rural brasileira podem ser vistos aos milhares no cir-
cuito formado por rodeios, leilões de gado, feiras e exposições agropecuárias
A Veja apresenta dados que dão conta de que são realizadas anualmente no pa-
ís cerca de 3000 eventos de médio e grande porte voltados para a agricultura e
pecuária que juntos movimentam cerca de cinco bilhões de reais. Alguns destes
eventos têm repercussão internacional e servem de vitrine para agricultores, pe-
cuaristas e empresas ligadas ao agronegócio e todos fazem diferença sobre a
economia e na vida social das cidades onde são realizados.
exatamente para o papel da visão na nossa relação com o mundo”. (2007, p.28).
Na matriz do pensamento moderno, a prevalência da visão é apontada por Costa
(2012b), na medida em que “são as noções cartesianas de „ideias claras e distin-
tas‟, de„luzes inequívocas da razão‟, que posicionaram o cogito pensante na ori-
gem de todo conhecimento válido” (p. 264).
Por outro lado, a pós-modernidade, segundo Jameson (1996) e Feathers-
tone (1995), e conforme demonstra Costa (2007b), carrega consigo uma ideia de
cultura fundida com a economia expressa em uma textualidade predominante-
mente visual. O pós-moderno transformou-se numa influente e poderosa “ima-
gem cultural”. Portanto, como argumenta Costa:
A profusão incontrolável de imagens e os excessivos apelos ao
olhar acarretam a banalização, o esgotamento do olhar, que não
se aprofunda e vaga por superfícies. Essa imensa produção e cir-
culação de imagens hoje tem como motivação central o aciona-
mento do consumo (2012b, p.265).
A cultura visual é nova justamente por centrar-se no visual como um lugar
onde se criam e discutem significados. A cultura ocidental sempre privilegiou o
mundo falado de forma sistemática, considerando-o a mais alta forma de prática
intelectual e deixando em segundo plano as imagens como apenas ilustrações de
ideias. Por fim, com base nesta discussão pretendo balizar as análises que vou
empreender no sentido de reafirmar que é “possível pensar a visualidade também
como um tipo de discurso” (ROSE apud SANTOS, 2002, p.145), assim como não
se deve perder de vista que os artefatos culturais contemporâneos, segundo Ca-
mozzato e Costa (2013), estão implicados em uma vontade de pedagogia, em um
desejo de conduzir sujeitos atrelados a interesses e relações de poder. Segundo
as autoras, quase todas estas “pedagogias do presente”, de uma ou outra forma
visam formatar pessoas para as sociedades neoliberais contemporâneas, orien-
tadas para o mercado.
6 RETRATOS DE UM BRASIL QUE DÁ CERTO (O CAMINHO INVESTIGATIVO)
cresci duas edições especiais, uma sobre o agronegócio e a outra sobre agrone-
gócio e exportação. Essas 43 edições representam 112 páginas de matérias com
fotografias sobre o agronegócio de onde foram examinadas, neste estudo, 39
páginas entre duplas, simples e capas.
A pesquisa, na perspectiva dos Estudos Culturais, examina as maneiras
como o agronegócio é tratado na teia de discursos da mídia, discutindo como
essas representações são urdidas na textualidade do discurso fotográfico do jor-
nalismo. Observo que as imagens fotográficas são cruciais na construção do a-
gronegócio como mola propulsora do crescimento da nação e da ascensão social
dos sujeitos nela envolvidos. Constatei também, implicações pedagógicas na
produção fotojornalística sobre o tema.
Na análise deste material, procuro olhar as formas com que a revista cons-
trói uma ideia de nação forte, organizada e produtiva através de um conjunto de
imagens fotográficas de grande impacto que discursam com muito mais veemên-
cia do que o texto escrito. Não se trata de descobrir significados, justificativas ou
explicações certas ou erradas, mas de examinar as imagens da revista sob outro
enfoque. Conforme Hall (1997), indagar quais os diversos significados que a re-
vista quer privilegiar, quais são os significados preferidos, implica considerar que:
Os significados “flutuam”. Não podem ser definitivamente estabe-
lecidos. Todavia, tentar estabelecê-los é a tarefa de uma prática
representacional, que intervém nos vários significados em poten-
cial de uma imagem numa tentativa de privilegiar algum (p.2).
Dito de outro modo, a fotografia é polissêmica, ou seja, pode haver múlti-
plos significados para uma única imagem, além de que esses se transformam
através do tempo. Segundo Hall (1997, p.4), “o significado é um diálogo sempre
apenas parcialmente compreendido, sempre um intercâmbio desigual”. Quer di-
zer, um terreno de disputa entre a diferença e o poder entre diferentes emissores
dentro de um mesmo circuito cultural.
6
Mondrian nasceu na Holanda em 1872 e morreu em Nova York em 1944.
46
“A civilização do campo”
“Quem são e como vivem os protagonistas da revolução do agronegócio brasileiro”
“Em Sapezal, no oeste de Mato Grosso, o milho é plantando logo depois que as máquinas automáticas equipadas com
ar-condicionado colhem a soja. Em um dia de trabalho, cada uma extrai cerca de 3.500 sacos. Juntos, os tratores,
plantadeiras e colheitadeiras que aparecem nesta foto representam um investimento de 20 milhões de reais”.
(Revista Veja nº 1873 de 29.09.2004)
gura que estamos diante de uma nova civilização dentro do País, e esta nova
civilização resultante de investimentos em tecnologia faz uma revolução no cam-
po, deixando para trás o anacrônico mundo rural e despontando para o contem-
porâneo agronegócio.
Decifrada a mensagem linguística, resta a imagem, que se impõe com
seus signos descontínuos; a fotografia em página dupla (fig.13) mostra grande
área plantada sendo colhida de forma completamente mecanizada. O ângulo de
tomada de cima para baixo (certamente uma foto aérea) expõe a extensão da
área e mostra também duas colunas de máquinas agrícolas em operação. Os
primeiros signos que se impõem desta imagem são o latifúndio e a mecanização
rural. Seus significantes são − mobilizando um saber, mais ou menos recorrente
quando se trata de agricultura − a extensão da terra e a quantidade de máquinas
em funcionamento. A linha do horizonte, que mostra apenas um terço de céu,
deixa a impressão de um “sem fim” na fotografia ampliando a ideia de latifúndio.
Alinha de colheitadeiras impecavelmente organizadas em forma de cunha lembra
uma coluna militar em posição de ataque. Esta linha avança segura e em frente,
estas máquinas transmitem o apelo de potência, que nas palavras de Sennett, “o
apelo está [...] na ligação entre a potência material e a aptidão potencial da pró-
pria pessoa” (2006, p.141). A mecanização aumenta exponencialmente o poder
de produção, como também representa a capacidade tecnológica e de investi-
mento de quem as detém.
Explorando um pouco mais a imagem, outro signo se apresenta, seu signi-
ficante é o formato de losango composto pelas colheitadeiras sobre uma cor em
que predomina o amarelo, lembrando a bandeira nacional. A ordem é represen-
tada pelas linhas formadas pelas máquinas e o progresso é a própria mecaniza-
ção do campo estampada na foto. Em outro signo, a composição em grande pla-
no geral com enquadramento de cima para baixo, as máquinas que aparecem
pequenas, fornecendo escala à fotografia, remetem à grandiosidade da área e
apontam para o significado estético do sublime matemático:
Do „absolutamente grande‟, não mensurável diante do qual a i-
maginação capitula. A razão, de alguma forma, substitui o enten-
dimento: ela julga o sublime apesar da falência da imaginação.
[...] tomar consciência desta impotência engendra um sentimento
de dor, mas, finalmente a alegria resulta da tomada de consciên-
cia da superioridade do intelecto sobre os sentidos (JIMENEZ,
1999, p. 137).
51
No método utilizado por Barthes e referido anteriormente, são extraídas das ima-
gens três mensagens: uma linguística, uma mensagem icônica de denotação e
uma mensagem simbólica de conotação. Para analisar a imagem conotada, o autor
apresenta seis códigos de conotação: trucagem, pose, objetos, fotogenia, esteti-
cismo e sintaxe. Concordo com Souza (2004, p.82), quando afirma que “a ação
representada nas imagens ganha sentido devido à sintaxe, isto é, à disposição
orientada e significante das fotografias”; a articulação entre textos, legendas e
fotografias é que vai dar suporte ao sentido. Esta orientação, além de significan-
te, também é pedagógica, na medida em “que a mídia não apenas veicula, mas
constrói discursos e produz significados e sujeitos” (FISCHER, 1997, p. 63). Vou
me apropriar do conotador sintaxe e usá-lo como concepção analítica nesta pes-
quisa, classificando-a como “sintaxe pedagógica”. Recorro ao dicionário para in-
vocar o uso corrente do termo sintaxe,onde consta que sintaxe é a parte da gra-
mática que estuda a disposição das palavras na frase e a das frases no discurso,
bem como a relação lógica das frases entre si. Ao emitir uma mensagem verbal,
o emissor procura transmitir um significado completo e compreensível. Para isso,
as palavras são relacionadas e combinadas entre si. A sintaxe é um instrumento
essencial para o manuseio satisfatório das múltiplas possibilidades que existem
para combinar palavras e orações.
Retomo o conceito de sintaxe, agora no sentido em que Barthes o utiliza.
Quando Barthes se ocupa deste conotador para tratar das imagens, ele trata de
argumentar que o significado advém da forma como se encadeiam as imagens
em uma página. Ou seja, da arregimentação de uma ou mais fotos onde o signifi-
cante não está exclusivamente nas imagens, mas em seu encadeamento. No
caso desta pesquisa, procuro mostrar que há um acento pedagógico na sintaxe,
na medida em que com ela é possível contrastar, dar exemplos e repetir determi-
nadas imagens que constroem sentidos interessados, ou seja, desnaturalizados.
Defino, portanto, como sintaxe pedagógica, no âmbito deste estudo, uma
estratégia teórico-metodológica para analisar a organização dos signos visuais
das fotografias do agronegócio, com vistas a entender e demonstrar como a Re-
vista Veja opera uma relação discursiva pedagógica que constrói e ensina sobre
57
um país que dá certo. Foucault (2010) explica que relações discursivas são ex-
ternas ao discurso que o limitam ou impõe formas de enunciar certas coisas. Tra-
ta-se de estabelecer as relações com as quais a Revista formata apenas uma
modalidade de produção agropecuária e tornam invisíveis todas as demais.Como
demonstra Foucault:
Essas relações são estabelecidas entre instituições, processos
econômicos e sociais, formas de comportamento, sistema de
normas, técnicas, tipos de classificação, modos de caracteriza-
ção. [...]Elas não definem a constituição interna do objeto, mas o
que lhe permite aparecer (2012, p 51).
O processo de conotação e de codificação descrito por Barthes, que vou
adotar nesta análise tem como objetivo proporcionar um exame dos discursos
fotográficos destas imagens, para fazer os signos “falarem”, para mostrarem a
urdidura que trama o discurso que ensina como o agronegócio faz bem para o
País. Como argumenta Foucault (2012), não se trata de considerar os discursos
apenas como um conjunto de signos e significantes que remetem a representa-
ções, mas efetivamente, como práticas que moldam os objetos de que falam. Os
discursos fazem mais do que determinar coisas, como ensina Foucault, “é esse
mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse „mais‟ que é preci-
so fazer aparecer e que é preciso descrever” (2012, p.55).
Entendo que a pesquisa que realizo contribui como afirma Giroux, para
“compreender a pedagogia como uma configuração de práticas textuais, verbais,
e visuais que objetivam discutir [...] a forma como o poder e o significado são uti-
lizados na construção e na organização do conhecimento, desejos valores”
(1995, p. 100). A pedagogia diz respeito às formas e aos processos nos quais as
pessoas se compreendem individualmente e percebem as possibilidades de inte-
ragirem na sociedade. Especificamente em relação à cultura visual e à mídia,
compartilho o alerta que faz Schmidt (1999), quando afirma que “considero impor-
tante também repensar o olhar como forma de „aprendizagem‟ (grifo da autora) e
lançar novos olhares inclusive para as reportagens fotográficas publicadas [...]”
(p. 21). E, a partir também do pressuposto de que a contemporaneidade eliminou
barreiras entre o público e o privado, entre o popular e o erudito, descobriu-se
uma complexidade nos produtos midiáticos que se articulam com a sociedade, a
cultura e a educação. Há uma pedagogia da mídia como esclarece Fischer
(1997). A ação pedagógica da mídia, no nosso tempo, faz com que política e pe-
58
dagogia extrapolem seus lugares de origem para exercerem-se também nos mei-
os de comunicação.
A Veja, além de inventar e exibir um país que está dando certo, pretende
ensinar como construí-lo. As fotografias do agronegócio são alinhadas em uma
lógica discursiva que educa, em uma concepção de educação que:
Está presente na família, nas redes de amizade, nas mídias, nas
estratégias para fazer circular e perpetuar as histórias e valores
de cada grupo, etc. Ela é, portanto, ampla e contínua. Não há,
nesse sentido, um modelo único de educação e nem a escola é o
espaço exclusivo para ela. A cada diferente contexto há a exigên-
cia de que a educação seja configurada para dar conta das espe-
cificidades que ele impõe (CAMOZZATO e COSTA, 2013, p. 3).
A revista amplia um conjunto de enunciados que são seus, que podem ou
não alinhar-se com outras instâncias de poder, e que disputam uma hegemonia
de significações na sociedade. Como afirma Fischer, “ao lado de uma função ob-
jetiva de informar e divertir espectadores, [...] haveria, na mídia, uma função ex-
plícita e implícita de formá-los” (1997, p. 67). É nas práticas sociais de comunica-
ção e informação e nas pedagogias da mídia, segundo Camozzato e Costa, “que
nos tornamos sujeitos de uma cultura que prega o consumo, ou sujeitos de um
ideal corporal, de um padrão de beleza, da aspiração e conquista de um status
profissional, entre tantos outros” (2013, p.3). Alinhado, também, às questões da
pedagogização da mídia como produtora de significados, identidades, discursos e
comportamentos, Kellner aponta, “que a mídia fornece ambientes simbólicos, nos
quais as pessoas vivem, e influencia intensamente pensamentos, comportamen-
tos e estilos destas pessoas” (2001, p.201).
O material empírico foi organizado com vistas aos objetivos desta pesqui-
sa. As análises realizadas permitiram perceber três diferentes possiblidades de
sintaxes pedagógicas que objetivam como descreve Fischer (1997), delinearem
uma linguagem em que seja possível a comunicação didática com o sujeito-
receptor. Optei por denominá-las: a) sintaxe da repetição, b) sintaxe dos contras-
tes e c) sintaxe do exemplo. Passo a expô-las e discuti-las a seguir.
2 SINTAXE PEDAGÓGICA DA REPETIÇÃO
qualquer maneira, eles são invisíveis, na medida em que o destaque como signi-
ficantes são as máquinas, cujos significados são a potência. Mais do que fixada,
a potência é exaltada pelas legendas que informam o valor dos equipamentos a
quantidade de colheitadeiras que serão movimentadas naquela safra. A exalta-
ção da potência, segundo Sennett (2006), se deve ao fato de que “os investidores
têm sido movidos por uma crença irracional no poder dos objetos” (p.140), as
máquinas ampliam a ideia de potência individual destes sujeitos.
7
A “Taxonomia de Bloom”, como ficou conhecido o trabalho intitulado Taxonomia dos Objetivos Educacio-
nais, publicado em 1956, é uma proposta de organização hierárquica de objetivos educacionais com a finali-
dade de subsidiar o planejamento, organização e avaliação dos objetivos de aprendizagem. Bloom conside-
rava fundamental definir de forma clara, precisa e verificável o objetivo a ser atingido ao final de uma ação
educacional. Bloom classifica os objetivos no domínio cognitivo em 6 níveis: conhecimento, compreensão,
aplicação, análise, síntese e avaliação. Esta classificação é hierárquica de complexidade crescente partindo
do nível mais simples (conhecimento) até o mais complexo (avaliação); cada nível utiliza as capacidades
adquiridas nos níveis anteriores. Para adquirir uma nova habilidade pertencente ao próximo nível, o aluno
deve ter dominado e adquirido a habilidade do nível anterior. Só após conhecer um determinado assunto al-
guém poderá compreendê-lo e aplicá-lo. As seis dimensões do conhecimento são descritas utilizando verbos
de ação e substantivos que procuram descrever os processos cognitivos desejados .
67
Figura 18 − Os anacrônicos.
Fonte: Revista Veja nº 1342 de 01/06/1994.
Na reportagem especial de seis páginas −Olhai as foices dos pobres da terra (figura
18) − a Veja faz um levantamento de como funciona e quem são os militantes do
MST, ou melhor, de onde vêm e quem são os recrutados para marcharem em
suas fileiras. A Revista mostra como são escolhidas as propriedades que serão
ocupadas e como são montados os acampamentos. Relata, uma vez que arregi-
mentam agricultores sem terra e desempregados urbanos, a educação política a
que são submetidos todos os acampados e também descreve com detalhes como
são organizadas e divididas as atividades cotidianas. Tudo isso ilustrado com casos
de militantes que ainda estão acampados e de outros que já conseguiram a terra.
A fotografia que abre a matéria (figura 18) ocupa quase uma página e
mostra um grupo de acampados composto, em sua maioria, por crianças condu-
zidas por uma mulher carregando uma foice sobre o ombro como um soldado
porta sua arma. A imagem é conotada pela pose da mulher, que ocupa o primeiro
plano da cena, e pelo grupo de crianças com os braços para cima brandindo pe-
daços de pau. A mensagem linguística do título é quem conota a cena: “Olhai as
foices dos pobres da terra”. Conformada pela intertextualidade cria uma paráfrase com o
69
8
“Olhai os lírios do campo” é como é conhecido o Sermão da Montanha e também inspira o título do roman-
ce de Érico Veríssimo publicado em 1938.
70
Uma matéria de oito páginas sobre a ofensiva do MST que invadiu prédios
públicos em 15 capitais e deixou um saldo de um militante morto pela polícia, a-
parece sob o título “SEM TERRA E SEM LEI” (figura 20). No texto, a Veja diz que a reforma
agrária está fora das agendas dos países há mais de vinte anos. O aumento da
produção e do abastecimento passou a ser garantido não pelo reparte de terras,
mas pela aplicação de tecnologia. Descreve o MST como um apanágio de salva-
ção de desempregados rurais e urbanos com ou sem familiaridade com o campo.
71
E elenca uma série de abusos e ilegalidades que o MST comete quando invade
terras e prédios públicos.
A fotografia em um recorte panorâmico ocupa horizontalmente a metade
das duas páginas. Mostra em linha diagonal um grupo de militantes caminhado
com as mãos nas cabeças, observados por policiais militares. O título “SEM TERRA E
SEM LEI” funciona também como uma legenda e consolida a criminalização do mo-
vimento. Para a Veja, reforma agrária é caso de polícia, ou, como explica Bau-
man, “a tendência atual de criminalizar casos que não se adaptam à norma idea-
lizada” (1999, p.10). As marchas são estratégias de grande visibilidade adotadas
pelo MST, ao contrário das invasões de terras que são táticas de pressão. Nesta
foto, a intertextualidade codifica o signo “marcha” e o destitui de seu significado
mais recorrente que conforma e identifica politicamente o MST. A mensagem lin-
guística da legenda reforça esta intenção: “Marcha frustrada no Paraná a polícia barrou manifes-
tantes, cinquenta foram feridos e um morreu”. A edição, ao escolher uma fotografia de um
grupo de militantes caminhando com as mãos na cabeça, um significante de ren-
dição, e sendo observados e guiados por policiais militares, transforma um dos
símbolos do movimento, por metáfora, em uma passeata de foras da lei. Esta
construção reconfigura o MST, de movimento social organizado a um simples
grupo de desordeiros. A revista repreende a ousadia, em resposta à exclusão e à
violência sofrida, de transformar a sua realidade pelos meios que tem à mão. A
reforma agrária está prevista na Constituição Federal, mas nesta e em outras
matérias da Veja há o objetivo de demonstrar que não há mais reforma possível.
Para isso, lança mão de dados estatísticos da Europa e dos Estados Unidos para
provar que, de um ponto estritamente agrícola, a reforma agrária não tem mais
razão de ser. Ou por que já foi feita ou não é mais fator de desenvolvimento do
país.
A revista acusa o movimento de agir criminosamente contra a democracia
vigente no país e conclama um grupo de especialistas, formado de advogados e
juristas, para sugerir quais são as melhores medidas que o governo deve tomar
para conter o movimento. A revista se alinha e tenta promover, com este discurso
regulador, aquilo a que Harvey (2004) se refere como “manter a disciplina no tra-
balho e promover „um bom clima de negócios‟. Um Estado específico que fracas-
sasse nisso ou se recusasse a fazê-lo corria o risco de ser classificado como Es-
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Figura 21 − Os inimigos.
Fonte: Revista Veja nº 1856 de 02/06/2004.
Figura 22 − O empreendedor.
Fonte: Revista Veja n° 1802 de 14/05/2003.
74
Figura 23 − O messiânico.
Fonte: Revista Veja nº 1807 de 18/06/2003.
do, a Revista Veja, quando fala do agronegócio, além de reunir e apresentar da-
dos econômicos e técnicos ilustra fartamente as matérias com exemplos de em-
preendedores, pioneiros e outras personagens que se arriscaram e obtiveram
sucesso no negócio. A Revista traduz este sucesso com os termos “fartura”, “riqueza”
e “abundância” nos títulos e linhas de apoio. Também em fotografias, o bom exemplo
dos protagonistas “deste país que dá certo”, termo utilizado pela própria Veja, é revelado
através de “retratos de um Brasil que dá lucros”, outra expressão da revista e associa ima-
gens dos empreendedores a carros luxuosos, aviões, casas cinematográficas,
máquinas agrícolas de última geração e outros ícones de consumo para atestar o
êxito na empreitada agropecuária. O que é publicado na revista se transforma em
um discurso autorizado. Como afirma Giroux (2003, p.128 ):
A cultura da mídia tornou-se uma força educacional substancial,
senão a principal, na regulação de significados, de valores, e de
gostos, que estabelecem as normas e as convenções que ofere-
cem e legitimam determinadas posições de sujeitos, como se es-
tivesse envolvido por uma “aura” de veracidade.
Passo a analisar seis páginas duplas da revista Veja de um total de 12 que
foram selecionadas do corpus desta pesquisa. O critério de escolha recaiu sobre
aquelas cujo arranjo de legendas e fotos são efetivamente “educadoras” pelos
exemplos que expõem de consumo, de ser empreendedor, de ser pioneiro e de
correr riscos ao trocar de atividade profissional.
Figura26 −A transformação.
Fonte: Revista Veja nº 1613 de 01/09/1999.
Em outra edição da Veja (figura 27), uma foto ocupando metade de uma
das páginas da matéria mostra um empresário à frente de um helicóptero. A foto,
com enquadramento de baixo para acima, confere uma posição de superioridade
ao fotografado. Os conotadores de pose e objeto são codificados pelo código do
consumo. A mensagem linguística contida na legenda – CONCRETO NO CAMPO− dirige o
significado da foto. A legenda conta um sonho:
Há alguns anos, o construtor José Roberto Pereira Alvim notou que o agronegócio
fazia surgir uma nova classe média alta nos grandes pólos urbanos do interior. Des-
de então, passou a construir na região de Ribeirão Preto (SP) prédios residenciais e
comerciais, além de condomínios de luxo. [...] Foi esta base de concreto que permitiu
a realização de um sonho. Há dezoito anos, Alvim comprou um helicóptero de brin-
quedo, colocou-o no escritório e fez uma promessa: „Um dia vou ter um de verdade‟.
Pois há três anos, ele usa seu aparelho para ir a reuniões em São Paulo ou passar
fins de semana no litoral. Na fuselagem pintou seu lema: „Só alegria‟.
Na segunda página desta matéria há outro exemplo de sucesso. A foto
mostra um bem sucedido empresário do setor de restaurantes, conotado por um
avental e uma taça de vinho erguida num brinde ao sucesso. A legenda – O TERMÔ-
METRO DO AGRONEGÓCIO – esclarece a razão do largo sorriso que também denota os
bons resultados do empreendimento.
Flávio Moraes calcula a seu modo os investimentos que fez para montar, há nove a-
nos, o restaurante Fofo, um dos pontos mais conhecidos de Ribeirão Preto, em São
Paulo. “Foram uns 1 500 bezerros”, diz Moraes, filho de uma família de fazendeiros e
usineiros. O restaurante serve de termômetro para os negócios do campo. Seis de
cada dez fregueses estão ligados ao agronegócio. Com vinhos e bebidas, um casal
gasta cerca de 250 reais num jantar. A lotação esgota-se invariavelmente durante o
Agrishow, a mais famosa feira de agropecuária do Brasil, que acontece todos os a-
nos no mês de maio. A atual novidade na clientela está no número de estrangeiros.
Há muitos americanos, mas principalmente europeus. Uma das explicações para a
variação na freguesia é o crescente interesse dos países da União Européia pelo se-
tor sucroalcooleiro do Brasil.
A Veja investe em exemplos de sucesso para reforçar sua estratégia pe-
dagógica de ensinar como se deve ser empreendedor, seja no agronegócio ou
em outras áreas da economia que crescem na esteira da sua rentabilidade. Co-
mo sugerem as matérias e fotos, o setor rural exportador, baseado no agronegó-
cio, está borrando as fronteiras que antes separavam o mundo rural do mundo
urbano. O sucesso do agronegócio fez com que o atrasado de ontem se tornasse
o globalizado de hoje. As novas cidades surgidas, graças ao agronegócio, atraem
outras atividades econômicas para estas regiões, não necessariamente ligadas
diretamente à agricultura e à pecuária, mas sempre em consequência do cresci-
82
feita de madeira em tom natural, tratada e, como se sabe, esse tipo é usualmente
de boa qualidade, lembra as austeras moradias dos primeiros colonos. A mensa-
gem linguística extraída do título da reportagem - OS NOVOS DESBRAVADORES - indica que
os “bandeirantes contemporâneos” são empreendedores corajosos e dispostos a
investir em novas fronteiras agrícolas na busca de riqueza. O olhar unidirecional
de todos os membros do grupo familiar para um ponto distante reforça mais uma
vez a decantada importância da família quando se trata de arrojar-se em direção
ao desconhecido, como novos desbravadores.
A Veja situa o agronegócio em outra das características do capitalismo
globalizado, que é a desterritorialização do investimento. Conforme explica Bauman,
“a mobilidade tornou-se o fator de estratificação mais poderoso e mais cobiçado,
a matéria de que são feitas e refeitas diariamente as novas hierarquias sociais,
políticas, econômicas e culturais em escala cada vez mais mundial” (1999, p.16).
Na legenda da foto fala-se em “saudade” e sobre a falta da civilização, a-
profundando a noção do deslocamento. Ao mesmo tempo, contudo, a legenda
também resolve o impasse com a frase “Aí pego um avião e vou tomar banho de mar na Bahia”.
Quer dizer, a prosperidade do negócio traz tudo para perto novamente; tudo se
torna possível com ele.Ou, como nos assinala Bauman, “as distâncias já não im-
portam, ao passo que a ideia de uma fronteira geográfica é cada vez mais difícil
de sustentar no „mundo real‟”(1999, p. 19).Ainda, como argumenta Bauman
(1999), a distância não é mais impessoal e física, tornou-se um produto social
que pode ser vencido em maior ou em menor velocidade, dependendo de quanto,
do ponto de vista financeiro, é possível se investir na produção desta velocidade.
Para finalizar este capítulo, retorno à habilidade de ilustrar com exemplos
que é tradicional seja na educação familiar, seja nas pedagogias escolares.
Constitui-se uma das habilidades técnicas do professor já referida na Taxionomia
de Bloom. Dar exemplos é um dos verbos do domínio cognitivo da compreensão.
O professor no ambiente escolar faz uso de exemplos para facilitar o entendimen-
to de conceitos e princípios. Destaco que elucidar com exemplos faz parte da
pletora de estratégias acionadas pela pedagogia cultural das revistas em seus
estratagemas de construção e disseminação de saberes como forma de persua-
são e convocação.
Por tanto, a revista Veja, quando aborda o agronegócio, muito mais do que
apresentar dados econômicos e técnicos, ilustra abundantemente as matérias
84
Neste estudo, procurei demonstrar que a mídia veicula uma cultura com
imagens e sons espetaculares que vai tramando o pano de fundo do cotidiano,
dominando o tempo de lazer, formulando opiniões e comportamentos sociais,
além de fornecer amplo material para que as pessoas modelem suas visões de
mundo, suas formas de pensar, suas opções e suas identidades. Procuro de-
monstrar que a mídia é poderosa, na medida em que evidencia seus temas prefe-
renciais e suas filiações em termos de discursos que ela compartilha e defende.
Nesta perspectiva, a revista articula uma tática discursiva apoiada em ima-
gens que exploram três signos visuais: a extensão das propriedades, o espetácu-
lo tecnológico da mecanização do campo, o sucesso do empresário rural e, por
outro lado, invisibiliza o setor da agricultura familiar, assim como demoniza o
MST. Em sua urdidura discursiva sobre o agronegócio, a Veja articula em suas
páginas, com textos e fotografias, padrões de conduta do que é ser homem ou
mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou subalterno. Constatei que a
mídia pode ser pedagógica no sentido de não só veicular informações, mas, es-
pecialmente, convencer sujeitos, conduzir as pessoas a pensarem de certa for-
ma, agirem e se modelarem de acordo com aquilo que ela considera desejável,
que ela mostra ser importante, bom e que contribui para certos projetos de sujeito
e de nação. Para a Revista Veja, o agronegócio é mostrado através de arquéti-
pos de empreendedores, pioneiros e outras personagens que se arriscaram e
obtiveram sucesso no negócio.
Com esta estratégia de dar visibilidade ao agronegócio, a Veja sugere que
através deste setor da economia é possível transformar o País em grande potên-
cia. Nesse sentido, Costa (2009) argumenta que:
...a suposição de querer ser uma „grande potência‟ é o melhor
que um país pode almejar parece ser parte da amplamente disse-
minada falácia contemporânea de que felicidade e bem-estar es-
tão inextricavelmente associados a sucesso, poder e dinheiro (p.
24).
A condição grandiosa que a Veja constrói em torno do agronegócio articu-
la, visualmente, signos que vão dar conta das características contemporâneas de
um grande país, conforme elenca Costa (2009), “as grandes potências têm exér-
citos, armas, riqueza concentrada, ciência sonegada ou vendida ao „resto‟ do
mundo e, diante disso, imenso poder de persuasão e barganha” (p. 24). As revis-
tas, de um modo geral, promovem na vida das pessoas e nos projetos de países
87
COSTA, Marisa Vorraber. Revistas para além do bem e do mal (Prefácio) In: A-
BREU, Bento F.; ALMEIDA, Tânia S.; ROCHA, Cristiane M.F. (orgs.) Mídia im-
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