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Escola de Comunicações e Artes - Universidade de São Paulo - 23 a 26 de agosto de 2011

Eixo Temático
Quadrinhos e Educação

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NA ESCOLA: UMA PROPOSTA


MÍDIA EDUCATIVA
Mariana Ferreira Lopes1

Resumo:

Este artigo refere-se ao relato de uma pesquisa-ação de mídia educação nas histórias em
quadrinhos (HQ) realizada entre os meses de maio a novembro de 2010 com 15 alunos da 4ª
série da Escola Municipal Olavo Soares Barros, em Cambé-PR. As oficinas inserem-se no
contexto produtivo de mídia educação e se constituíram em três ciclos. O primeiro abordou a
alfabetização dos participantes na linguagem da HQ, o segundo na leitura crítica do
personagem Chico Bento e o terceiro na produção de tirinhas. Esta pesquisa teve por objetivo
a formação de receptores críticos frente aos conteúdos dos quadrinhos e o uso desta
linguagem como meio de expressão.

Palavras-chave: Mídia educação; histórias em quadrinhos; potencial educativo das histórias


em quadrinhos.

Abstract

This article refers to the research for media education in the comics held between the months of
May to November 2010 with 15 students in the 4th grade of the Municipal School Olavo Soares
Barros in Cambé-PR. The workshops are part of the productive context of media education and
were formed into three levels. The first addressed the participants of literacy in the language of
comics, the second in the critical reading of the character Chico Bento and third in the
production of strips. This study was aimed at the formation of receptors compared to the critical
content of the comics and the use of language as a medium of expression.

Keywords: Media education; comic books; educational potential of comics.

Introdução

As linguagens midiáticas, sejam elas advindas das novas tecnologias da


comunicação ou dos meios tradicionais, estão cada vez mais inseridas no
cotidiano de crianças e jovens, o que provoca uma série de reflexões sobre as
conseqüências destas relações. Ampliação do repertório cultural, alterações na

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Estadual de
Londrina (UEL), Londrina-PR e bolsista CAPES. Docente do curso de Jornalismo da Faculdade
Maringá, Maringá-PR. Email: flopes.mariana@gmail.com
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compreensão da realidade e nas noções de espaço temporais são algumas


das implicações da sociedade midiatizada que suscitam novas formas de
educação cuja função deve estar cada vez mais alinhada com as necessidades
de ser criança e adolescente hoje.

Considerando este panorama, entende-se a importância de trabalhos que


atuem na perspectiva de problematizar a interação entre crianças, jovens e as
mídias na busca por um consumo reflexivo destes conteúdos e no seu uso
como força expressão. Inserido nesta problematização encontra-se o presente
trabalho, cujo objetivo é relatar uma experiência de mídia educação em
histórias em quadrinhos (HQ) com alunos de 4ª série de uma escola municipal
de Cambé-PR. A oficina abrangeu a alfabetização das crianças na linguagem
específica das HQ, leitura crítica do personagem Chico Bento e produção de
quadrinhos pelos participantes. Trata-se de uma pesquisa-ação desenvolvida
entre os meses de maio a novembro de 2010 e que resultou na proximidade
dos envolvidos com o universo das histórias em quadrinhos.

Mídia educação e potencial educativo dos quadrinhos

A oficina de histórias em quadrinhos realizada na Escola Municipal Olavo


Soares Barros caracteriza-se como uma pesquisa-ação definida por Thiollent
(2000,p.14) como

um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e


realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução
de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão
envolvidos de modo cooperativo e participativo.

Seu objetivo abrange o conhecimento da linguagem das histórias em


quadrinhos, o desenvolvimento de uma consciência crítica em relação a este
meio de comunicação e sua utilização tendo em vista formação cidadã dos
sujeitos envolvidos. Trata-se de um trabalho inserido nos pressupostos teórico-
metodológicos da mídia educação, enquanto práxis que deriva das areas da
Comunicação e Educação a fim de não apenas proteger esse público do que
pode ser considerado um efeito nocivo da presença dos meios de comunicação
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na sociedade contemporânea, mas sim de capacitá-los para as necessidades


do ser criança hoje na busca por um consumo reflexivo das mídias e pela
garantia de uma resposta social a esses meios. Fantin (2006, p.100) define a
perspectiva da mídia educação amparada na ampliação de repertórios
culturais; na capacidade crítica de análise e reflexão; na capacidade de criação
e da criatividade na expressão e comunicação; e por fim, na cidadania. Busca-
se, portanto, garantir os direitos das crianças sobre as mídias estabelecidos
pela Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, que se resumem em
três aspectos fundamentais: o acesso à informação, a proteção e a
participação acrescidos da chave de todo este processo, denominada por
Buckingham (2007, p.293) como educação ou mídia educação .

As possibilidades de intervenção da práxis da mídia-educação na formação de


um receptor crítico constroem o significado de seu contexto, ou seja, das
perspectivas pelas quais ela vem sendo pensada e praticada. Essas são
apresentadas por Rivoltella (Apud FANTIN, 2006, p. 85) como: contexto
metodológico ou tecnológico; contexto crítico e contexto produtivo, que,
respectivamente, podem ser traduzidos como uma educação com, para e
através dos meios de comunicação.

Considerando que num processo de apropriação crítica e criativa


sempre se aprende através das mídias, seja com ou sobre elas, as
práticas de mídia educação dizem respeito à sua concepção como
objeto de estudo, como instrumento de aprendizagem e como forma
de cultura (IDEM, p.86).

Na oficina de histórias em quadrinhos da escola municipal Olavo Soares


Barros, a mídia educação é desenvolvida em seu contexto produtivo no qual as
HQ são trabalhadas como objetos de estudo e forma de expressão. Enquanto
objeto de estudo, as atividades do projeto versam sobre a linguagem específica
deste meio conceituado por Cagnin (1975:21) como “um sistema narrativo
formado de dois códigos de signos gráficos: a imagem, obtida pelo desenho; e
a linguagem escrita” e,na leitura crítica de seu conteúdo, que se define na
busca pela desnaturalização do processo comunicativo em suas dimensões
políticas, econômicas e culturais. Segundo Moran (1993,p.22),
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Ler a comunicação é interpretar essas mediações tão fortes dentro do


universo cultural e ideológico, principalmente a função transmissora
de valores culturais dominantes. (...). Ler a comunicação é descobrir
as relações humanas e econômicas dissimuladas, explicitar as
contradições ocultas.Desvendar as discrepâncias entre o discurso e a
práxis, “desnaturalizar” o modelo de vida apresentado pelos grandes
meios.

Ao que tange a forma de expressão estão as produções de quadrinhos pelos


participantes, uma vez que para Peruzzo (2007, p.84) “a melhor forma de
entender a mídia é fazer a mídia”. Os alunos foram incitados a utilizar as
histórias em quadrinhos para expressarem problemas e propor soluções acerca
da realidade na qual estão inseridos, ampliando seu pertencimento e
comprometimento com sua escola e seu bairro.
O emprego das histórias em quadrinhos nos processos educativos consolidou-
se graças às pesquisas realizadas no campo das Ciências Humanas, pois este
meio de comunicação sofrera severas críticas na metade do século XX e foi
caracterizado por prejudicar o desenvolvimento intelectual e moral do público
infanto-juvenil (ANSELMO, 1975). A partir das décadas seguintes, os
quadrinhos começaram a ser analisados considerando a especificidade de sua
linguagem narrativa sob uma ótica própria, como nos aponta Cirne (1970: 11-
12),

Uma nova base metodológica de pesquisas culturais conseguiu


estruturar a sua evolução crítica, problematizando-os a partir do
relacionamento entre a reprodutibilidade técnica e o consumo em
massa, que criaram novas posições estético-informacionais para a
obra de arte.

O potencial educativo dos quadrinhos é justificado por Vergueiro (2004:21)


pelos seguintes pontos: os estudantes gostam de ler quadrinhos; palavras e
imagens juntas ensinam de forma mais eficiente; existe um alto nível de
informação nos quadrinhos; as possibilidades de comunicação são
enriquecidas pela familiaridade com as histórias em quadrinhos; os quadrinhos
auxiliam no desenvolvimento do hábito da leitura; os quadrinhos enriquecem o
vocabulário dos estudantes; o caráter elíptico da linguagem quadrinhística
obriga o leitor a pensar e imaginar; os quadrinhos tem um caráter globalizador;
os quadrinhos podem ser utilizados em qualquer nível escolar e com qualquer
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tema. Incluindo dois fatores importantes: a acessibilidade e o baixo custo.


Segundo Abrahão (1977, p.143)

Texto e ilustração se ajustam e se testam, na identificação de seus


significados e de suas relações, naquela necessária integração de
matéria e forma, que tão bem atende aos princípios atuais da
Pedagogia, baseado no caráter sincrético e globalizador do
pensamento da criança.

Em um contexto de educação informal, os quadrinhos representam para as


crianças e os jovens uma forma de leitura e representação do mundo, assim
como outros meios de comunicação de massa, como rádio, internet, televisão,
cinema e jornais.

Contextos sociais e metodológicos da oficina de HQ

A oficina de histórias em quadrinhos foi ministrada no ano de 2010, no


contraturno escolar. Entre os meses de maio a julho, a oficina ocorreu às
segundas e sextas-feiras e de agosto a novembro somente na segunda-feira.
No total houve vinte e cinco encontros com duração de uma hora e meia cada.
A oficina foi estruturada em três ciclos divididos entre o primeiro e o segundo
semestre de 2010, que compreenderam a alfabetização dos alunos na
linguagem das histórias em quadrinhos, a leitura crítica do personagem Chico
Bento e a produção de tirinhas pelos participantes. Parte das atividades foi
inspirada em discussões sobre a relação entre HQ e educação propostas nas
obras de Vergueiro (2004), Calazans (2005) e Carvalho (2006), ainda que
nenhum dos autores tenha se referido aos seus trabalhos na ótica da mídia
educação.

O contexto social vivenciado nesta pesquisa centrou-se na realidade dos


alunos e da Escola Municipal Olavo Soares Barros. Segundo dados cedidos
pela Secretaria Municipal de Educação, no ano de 2010, a escola atendeu 560
alunos do Ensino Fundamental de 1ª a 4ª séries, nos períodos matutinos (3ª e
4ª séries) e vespertinos (1ª e 2ª séries) e da Educação de Jovens e Adultos no
período noturno. A 4ª série (5º ano) do Ensino Fundamental possuía 125
alunos divididos em cinco turmas, dentre os quais foi retirada a amostragem
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deste trabalho. Dos quinze alunos participantes da oficina de histórias em


quadrinhos, catorze habitam os bairros Jardim José Fávaro e Jardim Ana Rosa,
- cujo perfil socioeconômico é de classe média e baixa -, e uma das educandas
mora na zona rural do município. A seleção da amostragem considerou o
interesse pessoal, o comprometimento dos alunos com atividades
extracurriculares e a inclusão de três crianças de cada uma das cinco turmas
de 4ª série. Durante o mês de abril de 2010, houve a apresentação da proposta
da oficina de HQ e foi distribuída uma autorização para os pais e responsáveis.
Inscreveram-se 45 alunos, dentre os quais quinze foram escolhidos em uma
reunião com a diretora da instituição, que avaliou o perfil de cada estudante. A
turma foi composta por onze meninas e cinco meninos entre nove e onze anos.

O mapeamento do consumo de HQ pelos participantes da oficina demonstrou


que todos os alunos gostam de histórias em quadrinhos, apesar de metade ter
afirmado não possuir gibis em casa. A maioria das crianças (57,14%) costuma
lê-los na escola. Quando questionados sobre a freqüência de leitura, cerca de
50% dos alunos disseram ler histórias em quadrinhos todos os dias; 10% nos
fins de semana; e 40% o fazem uma vez por semana, durante o projeto Hora
da Leitura. A prática de leitura é feita individualmente pela maioria das crianças
(54,54%); quase um terço lê história em quadrinhos junto de membros da
família como primos e irmãos; e o restante (18,18%) na companhia de amigos.
Apesar do consumo de HQ ser predominantemente uma atividade individual,
quase a totalidade dos (80%) disse comentar com outras pessoas sobre as
histórias lidas. Os alunos também afirmaram que a lição mais importante
aprendida com as histórias em quadrinhos envolve situações de
comportamento e convívio social, tais como: nunca mais mentir para ninguém;
não deixar de tomar banho; ser amigo e educado; nunca mais ver TV enquanto
chove, pois pode cair um raio e dar choque; nunca mais dar rasteira de
bicicleta; valorizar a família e que todos possuem imaginação. Dentre os
personagens de histórias em quadrinhos preferidos pelos alunos estão A
Turma da Mônica, Disney, seguidos de Smilinguido, X-Men, Snoopy e Witch.
Quando questionados sobre os motivos de gostarem desses personagens,
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63,6% das respostas apontaram o fato de eles serem divertidos; enquanto


18,18% por fazerem parte de histórias de magia; 9,09% por se tratarem de
super-heróis e outros 9,09% por serem personagens interessantes. Entre os
temas que os alunos gostariam de tratar em suas histórias estão o meio
ambiente (30%); aventuras de super-heróis (20%), livros que já haviam lido
(20%), sua cidade (10%) e seu bairro (10%).

A experiência da oficina de histórias em quadrinhos

As duas aulas iniciais da oficina de HQ foram destinadas a atividades que


possibilitaram um maior conhecimento sobre os participantes e seu dia a dia,
além de promover o reconhecimento dos alunos enquanto grupo e analisar
qual a relação dos participantes com as histórias em quadrinhos. A partir da
segunda semana de oficina, as atividades centraram-se no universo das
histórias em quadrinhos que se caracterizaram como o primeiro ciclo da oficina.
Cada aluno ganhou um manual sobre HQ que continha todo o material
desenvolvido para as aulas. Foram trabalhados os seguintes temas: história
das histórias em quadrinhos, linguagens iconográficas (charge e caricatura),
gêneros e formatos nas HQ, balões, onomatopéias, personagens, e os
aspectos narrativos desta linguagem (continuidade e ação no entre quadros).
As discussões centraram-se em apresentar e desvendar aspectos da
linguagem não-verbal e verbal dos quadrinhos cujas funções narrativas nas
tramas são desconhecidas para a maioria das crianças. Eisner (1989)
considera que nas histórias em quadrinhos as imagens são elementos
comunicadores e seu enunciado só irá adquirir significado se forem
compartilhado pelo criador e pelo leitor. Apresentar esta gramática específica,
que se desmembra em variados aspectos - como os planos pictóricos,
perspectivas, funções do requadro, desenho dos personagens, formatos dos
balões e leitramento, etc – é a função da etapa inicial da oficina. Para
Vergueiro (2004, p.31), a “alfabetização nas linguagens dos quadrinhos é
indispensável para que o aluno decodifique as múltiplas mensagens neles
presentes (...)”. Um exemplo desta abordagem são as aulas que discutiram as
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funções do balão e da onomatopéia, que para Cirne (1970, p. 25) formam


juntamente com o ritmo visual a estética específica das HQ. Os balões criam a
intersecção entre a imagem e o texto, transmitindo ao leitor elementos da fala,
pensamento e ação dos personagens, ou seja, “o balão tenta captar e tornar
visível um elemento etéreo: o som” (EISNER, 1989, p.26). As onomatopéias,
por sua vez, se estabelecessem como função visual dos efeitos sonoros, pois
“o ruído, nos quadrinhos, mais do que sonoro, é visual” (CIRNE, 1970, p.30).
As crianças identificarem nas histórias em quadrinhos diversos tipos de balão e
os classificaram enquanto sua forma de expressão nos enredos conforme as
variações em seu leitramento e contorno, tendo como base a sistematização
realizada por Benayoun (Idem, p.27), contendo cerca de 70 espécies de
balões, tais como o de reflexão, de censura, o sonolento e o agressivo. Os
alunos elencaram as onomatopéias nos quadrinhos lidos durante a atividade e
as relacionaram com o som remetido. Por fim, todos produziram uma tirinha, na
qual utilizaram diferentes tipos de balões e onomatopéias.

O segundo ciclo da oficina de histórias em quadrinhos teve por objetivo analisar


a produção de sentido que as crianças possuíam sobre o Chico Bento a fim de
realizar uma leitura crítica acerca do universo do personagem. Este trabalho se
desenvolveu em cinco aulas que abarcaram a leitura de tirinhas e HQ, a
caracterização do Chico Bento e de seu cenário pelos alunos, a elaboração de
um roteiro de entrevista para ser realizada com crianças de uma escola rural,
visita à escola e à vila rural, e por fim uma aula sobre estereótipos. Nesta etapa
também foram trabalhados os diferentes tipos de personagens (protagonista e
antagonista), a presença do narrador e o cenários dos enredos Estes temas
serviram como fatos geradores para entender qual a compreensão dada pelos
alunos às histórias do Chico Bento. A escolha justifica-se por Chico Bento, ao
contrário dos demais personagens do universo de Maurício de Sousa,
apresentar as individualidades e particularidades de um contexto social
brasileiro, o caipira. Criado em 1961, Chico Bento foi inspirado no tio-avô de
Maurício de Sousa e se caracteriza como um menino caipira do interior de São
Paulo. O personagem sempre é apresentado vestindo calças curtas xadrez,
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camisa amarela, chapéu de palha e anda descalço. Seu linguajar diferencia-se


por remeter às expressões típicas do meio rural. Nas histórias, Chico Bento
vive com sua família (seus pais Nhô Bento e D. Cotinha) em um sítio, que
sobrevive da agricultura de subsistência. Outros personagens de seu enredo
são a sua namorada Rosinha; seus primos Zé Lelé e o primo sem nome, que
mora na cidade; a galinha Giselda; o porco Torresmo; os colegas Hiro e Zé da
Roça; sua professora Dona Marocas e Nhô Lau, dono da plantação de goiabas
da qual Chico rouba as frutas. Os personagens vivenciam a vida no campo,
envolta pelos folclores e lendas e pela valorização e preservação da natureza.
O cotidiano rural representado pelas histórias de Chico Bento e sua turma
divulgam aspectos da população campesina brasileira, ainda que, de certa
forma, esta realidade seja embasada na memória de seu autor (VERGUEIRO,
1998). O contraponto entre o homem do campo apresentado nos quadrinhos
do Chico Bento e a realidade atual do morador de zonas rurais levantou a
questão central da leitura crítica deste personagem.

A primeira aula enfocou o personagem e os alunos preencheram uma tabela


com as características psicológicas e físicas do Chico Bento, cujos dados
demonstraram que os atributos físicos marcantes para os alunos são: ser
cabeçudo, pezudo, dentuço, orelhudo, gordinho, andar descalço, usar chapéu,
ser narigudo, fedido e usar roupa caipira. Quanto às características
psicológicas, os alunos apontaram: gostar da Rosinha,de pescar, de tocar
sanfona, de goiaba, ser preguiçoso, não gostar de estudar, falar errado, gostar
da natureza, de cantar, ser engraçado, trabalhador , gostar de subir em
árvores. Os alunos tiveram como estímulo visual uma imagem do Chico Bento
tocando sanfona e observou-se sua influência na caracterização do
personagem feita pelos educandos. Em seguida, todos leram em conjunto três
tirinhas do Chico Bento extraídas do livro As melhores tirinhas do Chico Bento
escolhidas por tratarem o gosto do personagem, a diferença entre campo e
cidade e a sua fala caipira. No decorrer da leitura, os educandos deram
bastante risada e comentaram dois aspectos: o Chico Bento deve ouvir música
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sertaneja e de festa junina, e de que na cidade tem poluição, ao contrário do


sítio.

A segunda aula de leitura crítica teve o objetivo de levantar a produção de


sentido das crianças sobre o meio rural apresentado nas histórias do Chico
Bento. Assim como na oficina anterior, os alunos preencheram uma tabela com
os atributos do cenário. A caracterização demonstrou que, para os educandos,
o universo campesino criado por Maurício de Sousa é um local cheio de
animais, sem poluição, bonito, cheio de árvores, cheio de goiaba, com mato,
limpo, tem muito espaço, é divertido e é uma fazenda. Durante a atividade, os
alunos falaram de suas experiências em sítios e chácaras, normalmente de
seus familiares, e suas falas enfatizaram que o campo é um local sem poluição,
no qual as pessoas tem mais liberdade de brincar. Porém, eles identificaram
que as pessoas que moram nas zonas rurais trabalham bastante. Na
sequencia, todos leram duas histórias do Chico Bento. Na aula subsequente,
os educandos montaram um roteiro de perguntas para as crianças da zona
rural de Cambé. Todas as questões foram idealizadas pelos alunos, que se
interessaram em descobrir como é o cotidiano de uma pessoa que vive no
meio rural, se ela possui acesso aos mesmos produtos e tecnologias midiáticas
de alguém que mora na cidade e quais eram os seus ensejos.

No dia 18 de junho, 14 alunos da oficina fizeram um passeio à Escola Municipal


Rural Dom Pedro II, em Cambé, e à Vila Rural. A visita teve como objetivo
conhecer melhor a vida das pessoas que habitam a area rural, no sentido de
comparar essa realidade com a apresentada pelas histórias do personagem
Chico Bento. Durante o trajeto, alguns alunos disseram que conheciam as
imediações da escola e inclusive a vila rural, pois lá residiam parentes e
amigos da família. A visita foi dividida em dois momentos, sendo que no
primeiro os alunos da oficina conheceram as dependências da escola, foram
apresentados às turmas de 1ª à 4ª séries da escola e realizaram a entrevista.
Os alunos da oficina se mostraram surpresos ao saber que as crianças da
escola rural também consumiam os mesmos aparatos tecnológicos que eles: a
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televisão, o videogame e o computador. Durante a entrevista feita aos alunos


da 4ª série, os educandos da oficina perceberam e comentaram interesses,
expectativas de vida e preferências musicais, de programas de televisão e
brincadeiras. Em um segundo momento, os alunos visitaram a Vila Rural
acompanhados por duas estudantes da escola, que os mostraram sua casa e
falaram de sua vida. No decorrer do passeio, as crianças contaram episódios
de suas vidas que passaram em sítios da família ou de amigos e compararam
o ambiente com o cenário apresentado pelo personagem

Na aula seguinte ao passeio houve uma discussão sobre as impressões do


meio rural visitado e aquele apresentado pelas histórias do Chico Bento. Os
alunos alegaram que existem algumas semelhança entre ambos, sobretudo no
que diz respeito à paisagem rural, mas também havia diferenças como a forma
de se vestir e falar dos moradores e pelo fato de as casas terem aparelhos
eletrônicos, e todos andarem de carro ou motocicleta. Em seguida, os alunos
leram um texto explicando o que era estereótipo e a importância de perceber e
conhecer essas formas de representação da realidade e de grupos sociais. A
atividade foi finalizada com a aplicação de um breve questionário sobre as
semelhanças e as diferenças entre o a vida do homem no campo e as
impressões da visita. Todos os alunos responderam que as pessoas que
moram no campo não se parecem com o personagem Chico Bento. Quando
questionados sobre o motivo, os educandos alegaram o fato de que elas se
vestem de forma diferente do personagem, pois usam sapatos, não usam
chapéu de palha e nem roupas de caipira; não falam errado como o Chico
Bento; possuem aparelhos eletrônicos e tem acesso à tecnologia, como
computador e videogames e não usam porco espinho como palito de dente. Foi
perguntado ainda quais outros personagens por eles conhecidos
representavam o estereótipo do homem do campo. O mais citado foi o Zé Lelé,
seguido por Mirna e sua família e pela Cabocla.

No segundo semestre de 2011, as atividades foram voltadas para a produção


das histórias em quadrinhos configurando o terceiro ciclo de trabalho. Porém,
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dos 15 participantes iniciais da oficina, seis desistiram por terem se inscrito em


outros projetos esportivos e culturais na região. Após uma revisão de todo
conteúdo sobre a linguagem dos quadrinhos, as crianças escolheram o tema
de suas histórias: o meio ambiente. Durante os meses de setembro e outubro,
os encontros foram destinados à discussão sobre esta temática, com
apresentação de vídeos, leitura de textos, recortes e colagens de materiais que
remetessem aos assuntos discutidos em sala. Aos alunos, foi proposto o
desafio de se tornarem fiscais do meio ambiente por duas semanas, cuja tarefa
era anotar todas as atitudes e problemas – no bairro e na escola – identificados
como prejudiciais ao meio ambiente. As situações apresentadas foram: rio
poluído, enchente e lixo no bueiro; queimada;lixo na rua;papel de bala no chão
da escola; lixo em terreno baldio; lixo no chão; indústria soltando fumaça;
caminhão soltando fumaça e desrespeito à coleta seletiva na escola. Os
educandos escolheram as situações que gostariam de retratar em suas HQ e
deu-se início aos trabalhos de criação das tirinhas. Primeiramente, cada aluno
escreveu uma pequena narrativa que foi adaptada aos quadrinhos, já
pensando na inserção dos elementos verbais e visuais dos quadrinhos
estudados no decorrer do ano. Na sequência, eles começaram a fazer os
primeiros desenhos e só depois passaram para o material definitivo, que foi
exposto na última semana de aula no pátio da escola. No encerramento da
oficina, as crianças ficaram com seus trabalhos e fizeram uma festa.

Considerações conclusivas

Este artigo possuiu como objetivo relatar a experiência de mídia educação em


histórias em quadrinhos com alunos de 4ª série de uma escola municipal em
Cambé-PR. A oficina vislumbrou alfabetizar os envolvidos na linguagem
específica das histórias em quadrinhos, realizar uma leitura crítica de seu
conteúdo – especificamente o universo do Chico Bento – e a produção de
tirinhas pelas crianças cuja temática escolhida por eles foi o meio ambiente. O
trabalho demonstrou a importância e a necessidade de intervenções sociais
que tenham o intuito de desconstruir junto ao público infanto-juvenil as
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linguagens midiáticas que já estão inseridas em seu cotidiano. É o caso dos


quadrinhos, cujo potencial educativo já vem sendo explorado em inúmeras
pesquisas sobre o emprego da HQ nos processos de ensino-aprendizagem.
Esta iniciativa reforça a importância de hoje o espaço escolar atuar como
agente de mediação, possibilitando a recontextualização e ressignificação da
linguagen e dos conteúdos das histórias em quadrinhos, a fim de que se
formem sujeitos críticos e capazes de lidar com as implicações de uma
sociedade que é educada cada vez mais pelas imagens midiáticas.

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