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DADOS DE ODINRIGHT

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de levar reconhecimento às obras para que futuramente sejam publicadas. O Tea & Honey Books

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deixamos claro que, caso os livros sejam comprados por editoras no Brasil, retiraremos de todos

os nossos canais e proibiremos a circulação através de gds e grupos, descumprindo,

bloquearemos o responsável. Nosso intuito é que os livros sejam reconhecidos no Brasil e fazer

com que leitores que nunca comprariam as obras em inglês passem a conhecer. Nunca diga que

leu o livro em português, alguns autores (e eles estão certos) não entendem o motivo de fazermos

isso e o grupo pode ser prejudicado. Não distribua os livros em grupos abertos ou blogs. Além

disso, nós do grupo sempre procuramos adquirir as obras dos autores que traduzimos e também

reforçamos a importância de apoiá-los, se você tem condições, por favor adquira as obras

também. Todos os créditos aos autores e editoras.


Aviso depor conteúdo
thb

Este livro contém elementos literários que podem despertar interesse em

alguns leitores. Os tropes presentes incluem a dinâmica grumpy x

sunshine, friends to lovers, mutual pining e slow burn. Além disso, a

obra traz representatividade com personagens secundários gays que são

casados, contribuindo para a diversidade na narrativa. No entanto, é

importante notar que o livro também aborda cenas com sangue presente,

incluindo situações em que personagens bebem sangue, bem como um

personagem principal masculino com mais de 200 anos, o que pode

resultar em ideologias e falas que não são mais aceitas socialmente nos

tempos atuais. Além disso, há cenas relacionadas a sequestro. Esteja

ciente de que o livro também contém cenas sexuais explícitas.

Recomendamos a leitura com consideração a esses elementos,

lembrando que a interpretação e apreciação da obra podem variar de

leitor para leitor.


CONTEÚDO

Capa

Página de título

Dedicatória

Capítulo um

Capítulo dois

Capítulo três

Capítulo quatro

Capítulo cinco

Capítulo seis

Capítulo sete

Capítulo oito

Capítulo nove

Capítulo dez

Capítulo onze

Capítulo doze

Capítulo treze

Capítulo quatorze

Capítulo quinze

Capítulo dezesseis

Capítulo dezessete

Capítulo dezoito

Capítulo dezenove
Capítulo vinte

Epílogo

Agradecimentos

Sobre a autora
Para Brian, que sempre me faz rir e que está sempre disposto a

adotar só mais um gato.


UM

Procura-se colega de quarto para


compartilhar apartamento espaçoso em
Brownstone no terceiro andar na Lincoln
Park.

Olá. Procuro um colega de quarto com quem dividir meu

apartamento. É uma unidade espaçosa para padrões modernos,

com dois quartos grandes, uma área de estar aberta e uma

cozinha semiprofissional para refeições. Grandes janelas

flanqueiam o lado leste do apartamento e proporcionam uma

vista impressionante do lago. A unidade está totalmente

mobiliada em estilo clássico e de bom gosto. Raramente estou em

casa depois do pôr do sol, então se você trabalha em horário

tradicional, geralmente terá o apartamento só para você.

Aluguel: $200 por mês. Nada de animais de estimação, por

favor. Por gentileza, encaminhe todas as perguntas sérias para

fjfitzwilliam@gmail.com

— tem que haver algo errado com este lugar.


— Cassie, escute, este é um ótimo negócio...

— Esqueça, Sam. — Essa última parte saiu com mais força do que

eu pretendia, embora não muito. Mesmo que eu precisasse da ajuda dele,


meu constrangimento por estar nesta situação tornou difícil aceitar essa

ajuda. Sam tinha boas intenções, mas sua insistência em se envolver em

cada parte da minha situação atual estava me dando nos nervos.

Para seu crédito, Sam – meu amigo mais antigo, que há muito tempo

se acostumou com o quão rude eu podia ser quando estava estressada –

não disse nada. Ele simplesmente cruzou os braços sobre o peito,

esperando que eu estivesse pronta para dizer mais.

Eu só precisei de alguns momentos para me recompor e começar a

me sentir mal por ter gritado com ele.

— Desculpe — eu murmurei baixinho. — Eu sei que você está

apenas tentando ajudar.

— Está tudo bem — disse ele, solidário. — Você está em um

momento complicado. Mas não há problema em acreditar que as coisas

podem melhorar.

Eu não tinha motivos para acreditar que as coisas pudessem

melhorar, mas agora não era hora de entrar nisso. Simplesmente suspirei

e voltei minha atenção para o anúncio do Craigslist em meu laptop.

— Qualquer coisa que pareça boa demais para ser verdade

geralmente é.

Sam olhou por cima do meu ombro para a tela.

— Nem sempre. E você tem que admitir que este apartamento parece

ótimo.

Parecia ótimo. Ele estava certo sobre isso. Mas…

— São apenas duzentos por mês, Sam.

— E? É um ótimo preço.

Eu olhei para ele.

— Sim, se estivéssemos em 1978. Se alguém está pedindo apenas

duzentos por mês hoje, provavelmente há cadáveres no porão.

— Você não sabe disso. — Sam passou a mão pelo cabelo loiro sujo

e desgrenhado. Mexer no cabelo dele é o sinal mais óbvio de Sam de

estou-falando-besteira. Ele fazia isso desde pelo menos a sexta série,

quando tentou convencer nossa professora de que não fui eu quem

desenhou flores cor-de-rosa em toda a parede do banheiro feminino. Ele


não tinha enganado a Sra. Baker naquela época – eu tinha desenhado

aquela paisagem agressivamente neon – e ele não estava me enganando

agora.

Como ele conseguiria ser advogado com uma poker face tão terrível?

— Talvez essa pessoa simplesmente não fique muito em casa e só

queira um colega de quarto por razões de segurança, não de renda —

sugeriu Sam. — Talvez a pessoa seja idiota e não saiba quanto poderia

estar cobrando.

Eu ainda estava cética. Eu estava vasculhando a Craigslist e o

Facebook desde que meu senhorio colou um aviso de despejo na minha

porta, há duas semanas, por falta de pagamento do aluguel. Não havia

nada disponível tão perto do Loop por menos de mil por mês. Em

Lincoln Park, a taxa corrente estava perto de mil e quinhentos.

Duzentos não estavam apenas um pouco abaixo da taxa de mercado.

Não estava nem no mesmo universo da taxa de mercado.

— Também não há fotos com este anúncio — apontei. — Essa é

outra bandeira vermelha. Eu deveria ignorar este e continuar procurando.

— Porque sim, meu senhorio iria me levar ao tribunal na próxima

semana se eu não me mudasse primeiro, e sim, morar em um

apartamento tão barato realmente me ajudaria a controlar minha

situação, e talvez até me impediria de acabar nesta mesma situação

novamente em alguns meses. Mas eu morava na região de Chicago há

mais de dez anos. Nenhum acordo tão bom em Lincoln Park vinha sem

uma grande pegadinha.

— Cassie — O tom de Sam era calmo, paciente e mais do que um

pouco paternalista. Lembrei a mim mesma que ele estava apenas

tentando ajudar do seu jeito Sam e mordi a língua. — Este apartamento

está em uma ótima localização. Você pode pagar facilmente. É perto o

suficiente do El para que você possa chegar rapidamente ao seu trabalho.

E se as janelas forem tão grandes quanto este anúncio diz, aposto que há

muita luz natural.

Meus olhos se arregalaram. Eu não tinha pensado na iluminação do

apartamento quando li o anúncio. Mas se tivesse janelas enormes


voltadas para o lago, Sam provavelmente estava certo.

— Talvez eu consiga criar em casa novamente — pensei. Eu não

morava em algum lugar com iluminação suficiente para trabalhar em

meus projetos há quase dois anos. Senti mais falta disso do que gostaria

de admitir.

Sam sorriu, parecendo aliviado.

— Exatamente.

— Ok — eu concedi. — Estou pelo menos disposta a pedir mais

informações.

Sam estendeu a mão e a colocou no meu ombro. Seu toque quente e

constante me acalmou, assim como sempre que eu precisava, desde que

éramos crianças. O nó de ansiedade que havia assumido o que parecia

ser uma residência permanente na boca do meu estômago nas últimas

duas semanas começou a se afrouxar.

Pela primeira vez em muito tempo, senti como se pudesse respirar

novamente.

— Vamos ver o apartamento e conhecer o colega de quarto primeiro,

é claro — disse ele rapidamente. — Posso até ajudá-la a negociar um

aluguel mensal, se quiser. Dessa forma, se for realmente horrível, você

poderá ir embora sem quebrar outro contrato.

O que significaria que eu não teria que me preocupar em ser levada

de volta ao tribunal por outro senhorio furioso. Honestamente, isso seria

um compromisso decente. Se essa pessoa fosse um assassino com

machado, um libertário ou alguma outra coisa horrível, um aluguel

mensal me permitiria sair rapidamente, sem compromisso.

— Você faria isso por mim? — Perguntei. Não pela primeira vez, me

senti mal por ter sido tão rude com ele ultimamente.

— O que mais vou fazer com meu diploma de direito?

— Para começar, você poderia usá-lo para ganhar muito dinheiro em

sua empresa, em vez de usá-lo para ajudar idiotas perenes como eu.

— De qualquer forma, estou ganhando muito dinheiro na minha

empresa — disse ele, sorrindo. — Mas já que você não me deixa te

emprestar nenhum desse dinheiro...


— Eu não vou — eu concordei. Foi minha escolha obter uma pós-

graduação pouco prática e acabar desesperadamente endividada com

empréstimos estudantis, com poucas perspectivas de emprego para meus

problemas. Eu não estava disposta a fazer disso problema de mais

ninguém.

Sam suspirou.

— Você não vai. Certo. Já passamos por isso. Várias vezes. — Ele

balançou a cabeça e acrescentou, em um tom mais melancólico: — Eu

gostaria que você pudesse morar conosco, Cassie. Ou com Amélia. Isso

resolveria tudo.

Mordi o lábio e fingi estudar intensamente o anúncio do Craigslist

para evitar ter que olhar para ele.

Na verdade, uma grande parte de mim ficou aliviada porque Sam e

seu novo marido, Scott, tinham acabado de comprar um pequeno

condomínio à beira do lago que mal acomodava eles e seus dois gatos.

Embora morar com eles me poupasse do estresse e do aborrecimento

pelos quais estava passando agora, Sam e Scott tinham acabado de se

casar há dois meses. Minha convivência com eles não apenas

prejudicaria sua capacidade de fazer sexo onde e quando quisessem,

como eu entendia que os recém-casados tendiam a fazer, mas também

seria um lembrete estranho de quanto tempo se passou desde a última

vez que estive em um relacionamento.

Assim como um lembrete constante de como todos os outros

aspectos da minha vida foram um fracasso colossal.

E, claro, viver com Amélia estava fora de questão. Sam não entendia

que sua irmã puritana e perfeita sempre me desprezava e pensava que eu

era uma perdedora total. Mas era a verdade.

Honestamente, encontrar um lugar para morar que não fosse o novo

sofá de Sam e Scott nem o loft de Amelia em Lakeview era o melhor

para todos nós.

— Eu vou ficar bem — eu disse, tentando parecer que acreditava

nisso. Meu estômago se apertou um pouco com a expressão de


preocupação que cruzou o rosto de Sam. — Não, sério, eu vou ficar

bem. Sempre fico, não é?

Sam sorriu e bagunçou meu cabelo muito curto, que era sua maneira

de me provocar. Normalmente eu não me importava, mas cortei meu

cabelo dramaticamente por capricho algumas semanas atrás porque

estava frustrada e precisava de um escape que não exigisse conexão com

a internet. Foi mais uma das minhas decisões recentes não muito boas.

Meu cabelo loiro grosso e encaracolado tendia a ficar em lugares

estranhos se não fosse cortado por um profissional. Naquele momento,

enquanto Sam continuava a mexer no meu cabelo, eu provavelmente

parecia um Muppet que recentemente enfiou o dedo numa tomada.

— Pare com isso — eu disse, rindo enquanto me afastava dele. Mas

meu humor estava melhor agora, e provavelmente foi exatamente por

isso que Sam fez isso.

Ele colocou a mão no meu ombro.

— Se você mudar de ideia sobre o empréstimo…

Ele parou sem terminar a frase.

— Se eu mudar de ideia sobre um empréstimo, você será o primeiro

a saber — eu disse. Mas nós dois sabíamos que eu nunca faria isso.

esperei até chegar ao meu trabalho da tarde na


biblioteca pública para falar com a pessoa que tinha o quarto de

duzentos dólares para alugar.

De todos os trabalhos de meio período, não relacionados à arte, que

consegui organizar desde que obtive meu mestrado, esse era o meu

favorito. Não porque adorei todos os aspectos do trabalho, porque não

adorei. Embora fosse ótimo estar perto de livros, eu trabalhava

exclusivamente na seção infantil. Eu alternava entre sentar atrás do

caixa, guardar livros sobre dinossauros e gatos guerreiros e dragões e

responder a perguntas de pais frenéticos com crianças em idade pré-

escolar raivosas a reboque.


Sempre me dei bem com crianças mais velhas. E eu gostava de

humanos minúsculos como um conceito abstrato, entendendo – pelo

menos em teoria – por que uma pessoa poderia adicionar um humano

intencionalmente à sua vida. Mas embora Sam e eu definitivamente

considerássemos seus gatinhos mimados como seus filhos, ninguém em

minha vida ainda teve um filho humano de verdade. Lidar com crianças

pequenas vinte horas por semana em um cargo de serviço público foi

uma introdução difícil.

Trabalhar na biblioteca ainda era meu trabalho de meio período

favorito, por causa de todo o tempo de inatividade que isso acarretava.

Eu não tinha tanto tempo livre durante meus turnos no Gossamer's, a

cafeteria perto do meu futuro apartamento – o que era o pior aspecto

daquele trabalho em particular.

— Tarde parada hoje — minha gerente, Marcie, brincou em sua

cadeira ao meu lado. Marcie era uma mulher agradável, de quase

cinquenta anos, e dirigia efetivamente a seção infantil. Era nossa

piadinha interna comentar como era parado quando trabalhávamos

juntas à tarde, porque todas as tardes eram paradas aqui. Entre uma e

quatro horas, a maioria dos nossos clientes estava cochilando ou ainda

na escola.

Eram duas horas. Apenas um garoto havia passado por lá nos últimos

noventa minutos. Não só isso não era nada digno de nota, como era

normal.

— Está parado hoje — concordei, sorrindo para ela. Com isso, virei-

me para o computador da mesa de circulação.

Normalmente, o tempo de inatividade da biblioteca era para

pesquisar novos empregadores em potencial e me candidatar a empregos.

Eu não era exigente. Eu me candidataria a praticamente qualquer coisa –

mesmo que não tivesse nada a ver com arte – se isso prometesse

melhores salários e horários mais regulares do que a minha atual

situação improvisada.

Às vezes, aproveitava o tempo para pensar em futuros projetos

artísticos. Eu não tinha uma boa iluminação no meu apartamento atual,


o que dificultava desenhar e pintar as imagens que formavam a base dos

meus trabalhos. E embora eu não pudesse terminar meus projetos na

biblioteca, pois minhas tintas estavam muito bagunçadas e as etapas

finais envolviam a incorporação de objetos descartados em meu

trabalho, a mesa de circulação era grande e bem iluminada o suficiente

para eu pelo menos fazer esboços preliminares com um lápis.

Hoje, porém, precisei usar meu tempo de inatividade para responder

ao sinal de alerta de um anúncio da Craigslist. Eu poderia ter respondido

antes, mas não o fiz – em parte porque ainda estava cética, mas

principalmente porque, há algumas semanas, me livrei do Wi-Fi para

economizar dinheiro.

Eu abri o anúncio no computador. Ele não tinha mudado desde a

última vez que o vi. O estilo estranhamente formal continuava o mesmo.

O valor absurdo do aluguel também permanecia igual e disparava tantos

alarmes agora quanto quando o vi pela primeira vez.

Mas minha situação financeira também não mudou. Empregos na

minha área ainda eram difíceis de encontrar. E pedir ajuda a Sam – ou

dos meus pais contadores, que me amavam demais para admitir na

minha cara a decepção que eu era – era tão impensável como sempre.

E meu senhorio ainda planejava me despejar na próxima semana. E,

para ser justa, eu nem poderia culpá-lo. Ele suportou muitos atrasos no

pagamento do aluguel e acidentes com soldagem relacionados à arte nos

últimos dez meses. Se eu fosse ele, provavelmente também me

expulsaria.

Antes que eu pudesse me convencer a não fazer isso, e com a voz

preocupada de Sam soando em meus ouvidos, abri meu e-mail. Percorri

minha caixa de entrada: um anúncio de uma promoção de dois por um

na Shoe Pavilion; uma manchete do Chicago Tribune sobre uma série

bizarra de invasões a bancos de sangue locais – e então comecei a

digitar.

De: Cassie Greenberg [csgreenberg@gmail.com]


Para: fjfitzwilliam@gmail.com
Assunto: Anúncio do seu apartamento
Oi,
Vi seu anúncio no Craigslist procurando um colega de quarto. Meu
aluguel termina em breve e seu lugar parece perfeito. Sou uma
professora de arte de 32 anos e moro em Chicago há dez anos. Não
sou fumante e não tenho animais de estimação. Você disse em seu
anúncio que não fica muito em casa à noite. Quanto a mim, quase
nunca estou em casa durante o dia, então acho que esse acordo
funcionaria bem para nós dois.

Suponho que você tenha recebido muitas perguntas sobre seu


apartamento devido à localização, preço e tudo mais. Mas caso o
quarto ainda esteja disponível, incluí uma lista de referências. Espero
ouvir de você em breve.

Cassie Greenberg

Uma pontada de culpa passou por mim por ter falsificado alguns

detalhes importantes.

Por um lado, eu tinha acabado de contar a um estranho que era

professora de artes. Tecnicamente, essa era a verdade. Foi para isso que

estudei na faculdade, e não é que eu não quisesse lecionar. Mas no meu

primeiro ano de faculdade, apaixonei-me pelas artes aplicadas e pelo

design, para além de qualquer esperança razoável, e depois, no meu

último ano, fiz um curso onde estudamos Robert Rauschenberg e o seu

método de combinar pinturas com esculturas. E foi aí que me apaixonei.

Imediatamente após a formatura, me lancei em um mestrado em artes

aplicadas e design.

Eu adorei cada segundo disso.

Até, é claro, me formar. Foi quando aprendi, às pressas, que minha

visão artística e meu conjunto de habilidades eram muito específicos

para atrair a maioria dos distritos escolares que contratam professores de

arte. Os departamentos de arte das universidades tinham a mente mais

aberta, mas conseguir algo mais estável do que um cargo adjunto

temporário em uma universidade era como ganhar na loteria. Às vezes,

eu ganhava dinheiro extra em exposições de arte quando alguém que,

como eu, via uma espécie de beleza irônica em latas de Coca-Cola

enferrujadas incorporadas em paisagens à beira-mar comprava uma das


minhas obras. Mas isso não acontecia com frequência. Portanto, sim:

tecnicamente eu era uma professora de arte, mas a maior parte da minha

renda desde que obtive meu mestrado em belas artes vinha de empregos

de meio período com baixa remuneração como este.

Nada disso me faz parecer um inquilina em potencial atraente. Nem

o fato de que minhas referências não eram ex-proprietários – nenhum

dos quais teria coisas boas a dizer sobre mim –, mas apenas Sam, Scott e

minha mãe. Mesmo que eu fosse uma decepção para meus pais, eles não

iriam querer que sua única filha ficasse sem teto.

Depois de alguns momentos de angústia por causa disso, decidi que

não importava se eu tivesse contado algumas mentiras inocentes. Fechei

os olhos e cliquei em enviar. Qual era a pior coisa que poderia

acontecer? Essa pessoa – um perfeito estranho – descobriria que eu

havia exagerado a verdade e não me deixaria morar com ele?

Eu não tinha certeza se queria o apartamento de qualquer maneira.

Tive menos de dez minutos para me preocupar com isso antes de

receber uma resposta.

De: Frederick J. Fitzwilliam [fjfitzwilliam@gmail.com]


Para: Cassie Greenberg [csgreenberg@gmail.com]
Assunto: Anúncio do seu apartamento

Prezada Srta. Greenberg,


Obrigado pela sua gentil mensagem expressando interesse em meu
quarto extra. Como mencionado no anúncio o quarto é decorado em
estilo moderno, mas de bom gosto. Acredito, e outros me disseram,
que também é bastante espaçoso no que diz respeito a quartos
vagos. Para responder à sua pergunta não feita: o quarto
permanece inteiramente disponível, caso você continue interessada
nele. Informe-me o mais rápido possível se você deseja se mudar e
eu providenciarei a documentação necessária para sua assinatura.

Seu em boa saúde,


Frederick J. Fitzwilliam

Eu olhei para aquele nome no final do e-mail.

Frederick J. Fitzwilliam?
Que tipo de nome era esse?

Li o e-mail novamente, tentando entendê-lo enquanto Marcie pegava

seu telefone para navegar diariamente no Facebook.

Então, a pessoa que listou o apartamento era um cara. Ou, pelo

menos, alguém com nome tradicionalmente masculino. Isso não me

intimidou. Se eu fosse morar com ele, Frederick não seria o primeiro

cara com quem eu moraria desde que saí da casa dos meus pais.

O que me perturbou, porém, foi… todo o resto. O e-mail tinha uma

redação tão estranha e tão formal que me perguntei quantos anos

exatamente essa pessoa tinha. E então houve a estranha suposição de que

eu poderia estar disposta a me mudar sem ver o lugar antes.

Tentei ignorar essas dúvidas, lembrando-me de que tudo o que

realmente me importava era que o apartamento estivesse em boas

condições e que ele não fosse um assassino com um machado.

Eu precisava conhecer o lugar e conhecer pessoalmente Frederick J.

Fitzwilliam antes de tomar uma decisão.

De: Cassie Greenberg [csgreenberg@gmail.com]


Para: Frederick J. Fitzwilliam [fjfitzwilliam@gmail.com]
Assunto: Anúncio do seu apartamento

Olá Frederick,
Estou muito feliz que ainda esteja disponível. A descrição parece ótima
e eu gostaria de vê-lo. Estou livre amanhã por volta do meio-dia, se
isso funcionar para você. Além disso, você poderia me enviar algumas
fotos? Não havia nenhuma no anúncio do Craigslist e gostaria de ver
alguns antes de passar por aqui. Obrigada!

— Cassie

Mais uma vez, tive que esperar apenas alguns minutos antes de

receber uma resposta.

De: Frederick J. Fitzwilliam [fjfitzwilliam@gmail.com]


Para: Cassie Greenberg [csgreenberg@gmail.com]
Assunto: Anúncio do seu apartamento

Olá novamente, senhorita Greenberg,


Você está convidada a visitar o apartamento. Faz todo o sentido que
você queira vê-lo antes de tomar sua decisão. Receio estar
indisposto amanhã ao meio-dia. Você poderia estar livre algum dia
depois do pôr do sol? Normalmente estou no meu melhor durante a
noite.

A seu pedido, anexei fotografias de dois cômodos que você


provavelmente usaria com frequência caso se mudasse. O primeiro é
do meu quarto de hóspedes, como está decorado atualmente. (Você
pode, é claro, alterar a decoração como desejar, caso decida morar
aqui.) A segunda fotografia é da cozinha. (Pensei ter incluído as duas
fotos quando coloquei o anúncio no Craigslist. Talvez tenha feito isso
incorretamente?)

Seu em boa saúde,


Frederick J. Fitzwilliam

Depois de ler o e-mail de Frederick, cliquei nas fotos que ele me

enviou e…

Uau.

Uau.

Ok.

Eu não sabia qual era o problema desse cara, mas ele claramente não

morava na mesma esfera socioeconômica que eu. Também era possível

que não vivêssemos no mesmo século.

Esta cozinha não era apenas diferente de todas as outras cozinhas de

todos os outros lugares onde já morei.

Parecia que pertencia a uma época totalmente diferente.

Nada nela parecia ter sido feito nos últimos cinquenta anos. A

geladeira tinha um formato estranho, meio oval na parte superior e

muito menor do que a maioria das geladeiras que eu já tinha visto. Não

era prateada, nem preta, nem creme – as únicas cores que já associei a

geladeiras –, mas sim um tom muito incomum de azul claro.

Combinava perfeitamente com o forno ao lado.

Lembrei-me vagamente de ter visto aparelhos como esses em um

antigo episódio colorido de I Love Lucy que vi quando era criança. Tive

uma sensação estranha e desorientada quando tentei conciliar a ideia de

que uma cozinha antiga como esta existia num apartamento moderno.
Então resolvi parar de tentar e passei para a foto do quarto. Era

grande, exatamente como dizia o anúncio do Craigslist. De alguma

forma, isso parecia ainda mais antiquado que a cozinha. A cômoda era

linda, feita de uma madeira escura que não consegui identificar, com

entalhes ornamentados em arabescos na parte superior e nas alças.

Parecia algo que você poderia encontrar em uma exposição de

antiguidades. A grande colcha floral, provavelmente feita em casa, que

cobria a cama também.

Quanto à cama em si, era uma cama de dossel honesta, completa

com um dossel branco rendado pendurado acima dela. O colchão era

grosso e parecia suntuoso e confortável.

Pensei em todos os móveis de segunda mão de merda no meu futuro

apartamento. Se eu me mudasse para lá, poderia jogar tudo numa loja de

consignação.

Essas fotos e os e-mails sugeriam que, embora Frederick pudesse ser

muito mais velho do que eu, ele provavelmente não roubaria todas as

minhas coisas no dia seguinte à minha mudança.

Eu poderia lidar com um colega de quarto estranho que talvez

estivesse na casa dos setenta, desde que ele não fosse me roubar ou

matar.

Então, novamente, você não poderia dizer muito pelo tom de um e-

mail.

De: Cassie Greenberg [csgreenberg@gmail.com]


Para: Frederick J. Fitzwilliam [fjfitzwilliam@gmail.com]
Assunto: Anúncio do seu apartamento

Frederick,
Ok, essas fotos são incríveis. Seu apartamento parece ótimo! Eu
definitivamente quero ver, mas não posso passar amanhã à noite
antes das 8. É tarde demais? Avise-me e obrigada. — Cassie

Sua próxima resposta veio em menos de um minuto.

De: Frederick J. Fitzwilliam [fjfitzwilliam@gmail.com]


Para: Cassie Greenberg [csgreenberg@gmail.com]
Assunto: Anúncio do seu apartamento

Prezada Srta. Greenberg,


Amanhã às oito da noite combina perfeitamente com minha agenda.
Vou me certificar de arrumar o local para que tudo esteja como deveria
quando você chegar.

Seu em boa saúde,


Frederick J. Fitzwilliam

sam passou pelo meu apartamento naquela noite com um


monte de caixas de mudança e dois cafés tamanho venti da Starbucks.

— Puxe uma cadeira — eu brinquei, apontando para onde meu velho

La-Z -Boy de segunda mão costumava estar. Eu o havia vendido no

Facebook por trinta dólares no dia anterior, que era mais ou menos o

que valia.

Sam sorriu e cuidadosamente espalhou uma caixa de mudança

achatada no chão antes de se sentar nela de pernas cruzadas.

— Não se importe se eu fizer isso — disse ele.

— Obrigada por trazer elas — eu disse, apontando para as caixas.

Mesmo que eu não acabasse me mudando para o quarto totalmente

mobiliado de Frederick, tudo o que planejava trazer deste lugar eram

minhas roupas, meus materiais de arte e meu laptop. Apenas o essencial

– mas eu ainda precisava de caixas para embalar tudo.

— Não tem problema — disse Sam. Ele me entregou o café que eu

tinha pedido a ele. Ele tinha dito que me traria o que eu quisesse, mas eu

me senti culpada por pedir o caro explosivo de açúcar colorido que eu

realmente queria e apenas pedi um café preto simples.

— Mal posso esperar para morar em algum lugar com Wi-Fi de novo

— pensei, tomando um gole. Estremeci com o gosto amargo. Como

alguém poderia realmente gostar de beber café puro? Era algo que eu me

perguntava sempre que trabalhava na Gossamer's. — Sinto falta de Drag

Race.
Sam pareceu ofendido.

— Tenho mantido você informada sobre as vencedoras, não é?

Acenei com a mão desdenhosa.

— Não é o mesmo. — Os reality shows sempre foram um prazer

culposo para mim, e os resumos áridos de Sam simplesmente não foram

suficientes. — De qualquer forma, você vem comigo amanhã à noite,

certo?

— Claro — disse ele. — Essa ideia foi minha em primeiro lugar,

certo?

— Realmente foi.

— Se você vai encontrá-lo às oito, devo buscá-la por volta das sete e

quarenta e cinco. Isso funciona?

— Sim. Já vou ter saído do meu turno na biblioteca. — A biblioteca

organizava atividades especiais para crianças nas noites de terça-feira, o

que significava que todos estariam trabalhando até às sete e meia. Com

toda a honestidade, eu adorava as noites de terça-feira na biblioteca.

Geralmente havia algum tipo de atividade relacionada com artes e

ofícios, e eu poderia fingir por um tempo que criar ainda era uma parte

significativa da minha vida.

Eu havia feito uma nota mental para deixar de fora minha camiseta

temática da Vila Sésamo "Ler é para Vencedores!" quando comecei a

fazer as malas. A biblioteca gostava que nos vestíssemos bem para as

crianças às terças-feiras.

— Ótimo — disse Sam. — Se eu te buscar então, teremos bastante

tempo para chegar ao apartamento. Embora…

Ele parou e olhou para seu café.

Reconheci aquele olhar preocupado.

— O que é?

Ele hesitou.

— É… provavelmente não é nada. Mas você deveria saber que não

consegui encontrar Frederick J. Fitzwilliam hoje cedo quando o

pesquisei no Google.

Eu olhei para ele.


— O que?

— Sim. — Sam tomou um gole de café, parecendo contemplativo. —

Se minha clínica de justiça criminal me ensinou alguma coisa é que você

nunca deve morar com alguém sem antes procurá-lo na internet. Então

tentei procurá-lo, imaginando que com um nome como Frederick J.

Fitzwilliam eu o encontraria em dois segundos, mas…

Ele balançou sua cabeça.

Aquele nó sempre presente de ansiedade na boca do estômago

apertou um pouco mais.

— Nada?

— Nada — Sam confirmou. — Eu até verifiquei a ficha criminal do

condado de Cook. Não há nada sobre Frederick J. Fitzwilliam — Ele fez

uma pausa. — É como se ele não existisse.

Eu sentei lá, atordoada. Numa época em que tudo sobre todos era

conhecido com uma simples pesquisa de dois minutos na Internet, como

era possível que Sam não tivesse encontrado nada?

— Talvez seja um nome falso que ele está dando às pessoas que

perguntam sobre o apartamento — sugeriu Sam. — Craigslist pode ser

assustador. Talvez ele queira permanecer anônimo.

Isso me fez sentir um pouco melhor. Porque isso parecia plausível.

Lembrei-me de uma época na faculdade em que gostaria de ter pensado

em dar um nome falso a alguém no Craigslist. Me formei há dez anos e a

Sociedade Literária de Younker College ainda não me deixou em paz.

— Sim — eu disse. — Mas se ele quisesse permanecer anônimo, por

que se preocuparia em incluir um endereço de e-mail na postagem? Ele

poderia simplesmente ter usado a conta de e-mail anônima que o

Craigslist gera automaticamente para pessoas que colocam anúncios.

O silêncio se estendeu entre nós enquanto pensávamos sobre o que

tudo isso poderia significar, interrompido apenas pelo som abafado do

tráfego vindo da rua do lado de fora da minha janela.

Por fim, inclinei-me para Sam e perguntei:

— Se esse cara for o próximo Jeffrey Dahmer, promete que vai

vingar minha morte?


Sam bufou.

— Achei que você queria que eu fosse com você. Se ele for o

próximo Dahmer, nós dois estaremos ferrados. Também possivelmente

morto.

Eu não tinha considerado isso.

— Bom ponto. — Pensei por um momento. — Talvez me espere no

carro. Mandarei uma mensagem para você assim que entrar. Se eu não

sair em trinta minutos, chame a polícia.

— Claro — disse Sam, sorrindo novamente. Só que desta vez o

sorriso dele não chegou aos olhos. Ele sempre foi péssimo em esconder

de mim sua preocupação. — Sabe, se Scott e eu consolidarmos algumas

das coisas do nosso casamento, tenho certeza que poderíamos abrir

espaço para você até que você encontrasse algo mais permanente.

Engoli em seco o nó na garganta com sua oferta renovada.

— Obrigada — eu disse, falando sério. Tive que desviar os olhos

antes de acrescentar: — Eu vou… pensar um pouco sobre isso.


DOIS

Lista de tarefas de FJF: 15 de outubro


1. Tirar a poeira dos móveis da sala de estar.
2. Passar o aspirador no quarto extra.
3. Comprar alimentos para a geladeira e a despensa antes da
visita da Srta. Cassie Greenberg para enganá-la.
4. Caso a Senhorita Greenberg não queira alugar o quarto
vago, perguntar a Reginald como incluir fotografias no
anúncio para evitar futuras interações desnecessárias com
os candidatos.
5. Renovar os livros da biblioteca.
6. Escrever para mãe.

o apartamento de frederick ficava numa parte do


Lincoln Park que eu raramente visitava. Ficava a apenas alguns

quarteirões a oeste do lago, no final de uma fileira de elegantes edifícios

de arenito marrom que, se eu tivesse que adivinhar, provavelmente

seriam vendidos por vários milhões de dólares cada.

Recusei-me a pensar sobre isso. Já era bastante intimidante respirar o

mesmo ar das pessoas que viviam aqui. Não precisava piorar as coisas

pensando em como eu nunca seria capaz de viver aqui sem ganhar na

loteria ou sem recorrer a uma vida de crime organizado.


— Vou encontrar estacionamento — disse Sam quando saí do carro.

Olhei para ele por cima do ombro; ele estava com o rosto preocupado

novamente. — Me mande uma mensagem assim que subir, ok?

— Tudo bem — prometi, tremendo um pouco. Nós dois nos

acalmamos um pouco quando percebemos que Frederick J. Fitzwilliam

poderia ser apenas um pseudônimo do Craigslist. Mas toda essa situação

ainda era estranha.

Eu apertei meu cachecol em volta do pescoço um pouco mais forte.

Outubro em Chicago sempre era mais frio do que estritamente

necessário. O vento realmente aumentava perto do lago também. Ele

cortava minha camiseta fina como tesouras cortando papel.

Eu provavelmente deveria ter usado meu casaco de inverno, mesmo

que ele acabasse respingado da tinta do evento da biblioteca desta noite.

O ridiculamente divertido evento da biblioteca desta noite, para ser

mais precisa, que Marcie e eu havíamos planejado inteiramente nós

mesmas. Se o grande número de crianças chorando que tiveram que ser

carregadas para fora da biblioteca depois que ela terminou fosse alguma

indicação, “Noite de Pintar A Sua Princesa da Disney Favorita” foi um

sucesso estrondoso. Não pude deixar de sorrir quando pensei nisso,

embora estivesse mal vestida para o clima e tremendo, e mesmo sabendo

que, entre minha camiseta da Vila Sésamo, distribuída pela biblioteca,

meus jeans, que estavam desgastados devido à idade em vez de moda e

meus tênis laranja com um buraco em um dos dedos do pé, eu

provavelmente parecia ter me vestido dentro de um armário escuro de

materiais de arte.

Desejei que todas as noites na biblioteca fossem noites de arte,

embora soubesse por que isso não era possível. A noite de arte

invariavelmente terminava com a seção infantil em total caos, com

respingos de tinta em todas as superfícies e diversas substâncias

misteriosas espalhadas pelo carpete. Os zeladores – e Marcie, e eu –

teríamos que limpar o lugar por dias.

De alguma forma, porém, nada disso importava. Era impossível estar

de mau humor quando eu tinha segurado um pincel nas mãos por duas
horas, ajudado um garotinho sorridente a pintar uma Ariel, a sereia, com

cabelos ruivos brilhantes, e fui paga para fazer isso. Mesmo que eu

estivesse indo conhecer um novo colega de quarto em potencial que

pode ou não ser um serial killer.

Eu estava feliz por Sam estar esperando aqui, só para garantir.

Olhei para o meu telefone para confirmar o endereço e o código da

campainha que Frederick havia me enviado por e-mail. Corri para o

prédio e rapidamente digitei o código para entrar, depois subi os três

lances de escada até o último andar. Esfreguei minhas mãos geladas,

saboreando o calor relativo da escada aquecida depois de passar menos

de dois minutos ao ar livre no que parecia ser outono em Chicago.

Quando cheguei ao último andar – e ao apartamento de Frederick –

um tapete que dizia boas-vindo! cor-de-rosa brilhante em frente à porta

me cumprimentou. Também tinha um filhote de golden retriever e um

gatinho se aninhando juntos em um campo de grama alta e talvez fosse a

coisa mais brega que eu já tinha visto além de uma Hobby Lobby.

Estava tão deslocada naquele edifício luxuoso e multibilionário que

me perguntei se o tempo frio tinha feito alguma coisa com meu cérebro

e eu apenas imaginei.

Então a porta do apartamento se abriu antes mesmo que eu tivesse a

chance de bater – e de repente eu não estava mais pensando no brega

tapete de boas-vindas mais.

— Você deve ser a senhorita Cassie Greenberg. — A voz do homem

era profunda e sonora. Eu podia sentir isso, de alguma forma, na boca

do estômago. — Eu sou o Sr. Frederick J. Fitzwilliam.

Ocorreu-me, enquanto piscava estupidamente para a pessoa que

poderia ser meu novo colega de quarto, que eu realmente não tinha

considerado a aparência da pessoa por trás do anúncio de Procura-se

Colega de Quarto. Isso não importava. Eu precisava de um lugar barato

para ficar, e o apartamento de Frederick era barato – mesmo que as

circunstâncias que rodeavam tudo parecessem um pouco estranhas.

Passei boa parte do dia me perguntando se mandar um e-mail para

ele tinha sido uma boa ideia ou se ele poderia ser um psicopata. Mas
como ele era? Isso realmente não tinha passado pela minha cabeça.

Mas agora que eu estava aqui, a menos de meio metro do homem

mais lindo que eu já tinha visto…

A aparência de Frederick J. Fitzwilliam era tudo em que conseguia

pensar.

Ele parecia ter trinta e poucos anos, embora tivesse o tipo de rosto

comprido, pálido e ligeiramente anguloso, difícil de dizer. E sua voz não

foi a única coisa com alto valor de produção. Não, ele também tinha um

cabelo escuro ridiculamente grosso que caía descontroladamente sobre

sua testa, como se ele tivesse saído de um drama de época em que

pessoas com sotaque inglês se beijavam na chuva. Ou como se ele fosse

o herói do último romance histórico que li.

Quando ele me deu um pequeno sorriso de expectativa, uma covinha

apareceu em sua bochecha direita.

— Eu… — eu disse. Porque eu ainda tinha inteligência suficiente

para lembrar que, quando alguém se apresentava, o costume social

ditava que você dissesse algo em troca. — Você é… huh.

A essa altura, eu estava gritando internamente comigo mesma para

sair dessa. Eu não era alguém que geralmente ficava boquiaberta com as

pessoas ou entrava automaticamente no modo de luxúria imediatamente

após conhecer alguém atraente. Não assim, de qualquer maneira. Eu

ainda não tinha certeza se queria me mudar para este apartamento, mas

também não queria que o cara me rejeitasse logo de cara só porque eu

estava agindo de forma estranha e inapropriada.

Não importava que Frederick J. Fitzwilliam tivesse o tipo de físico

amplo e musculoso que sugeria que ele liderou times de futebol à vitória

quando era mais jovem e ainda treinava regularmente agora.

Não importava que ele usasse um terno de três peças de corte

perfeito, o blazer cinza-carvão e a camisa branca engomada agarrada aos

ombros largos como se tivessem sido feitos especificamente para seu

corpo, ou que suas calças cinza combinando lhe servissem igualmente

bem.
Nada disso importava, porque ele era alguém com um quarto que eu

talvez esperasse alugar. Nada mais.

Eu tinha que me controlar.

Tentei me concentrar nos aspectos mais excêntricos de sua roupa: a

gravata azul com babados que ele usava no pescoço; os sapatos

brilhantes com pontas de asas em seus pés – mas isso não ajudou.

Mesmo com aqueles acessórios incomuns ele ainda era o homem mais

lindo que eu já vi.

Enquanto eu estava lá, gritando comigo mesma para parar de ficar

boquiaberta e incapaz de fazer qualquer coisa, Frederick apenas olhou

para mim com uma expressão confusa. Eu não tinha certeza do que

havia para ficar intrigado. Ele tinha que saber o quão gostoso ele era,

certo? Ele devia estar acostumado a receber essa reação das pessoas. Ele

provavelmente tinha que afastar as pessoas excitadas com um pedaço de

pau toda vez que saía de casa.

— Senhorita Greenberg?

Frederick inclinou a cabeça para o lado, provavelmente esperando

que eu formasse uma frase completa. Quando não o fiz, ele saiu para o

corredor, provavelmente para dar uma olhada mais de perto na esquisita

que acabara de aparecer em sua porta.

Mas seus olhos não estavam mais em mim. Eles estavam no chão,

presos ao capacho cafona aos meus pés.

Ele fez uma careta para a coisa estúpida como se ela o tivesse

prejudicado pessoalmente.

— Reginald — ele murmurou baixinho. Ele se ajoelhou e agarrou o

tapete de boas-vindas com as duas mãos. Eu com certeza não olhei para

sua bunda perfeita enquanto ele fazia isso. — Ele se acha tão engraçado,

não é?

Antes que eu pudesse perguntar quem era Reginald ou do que ele

estava falando, Frederick voltou sua atenção para mim. Eu devo ter

parecido bastante fora de mim porque sua expressão se suavizou

imediatamente.
— Você está bem, senhorita Greenberg? — Sua voz profunda

transmitia o que parecia ser uma preocupação genuína.

Consegui, com dificuldade, desviar os olhos de seu rosto perfeito e

olhei incisivamente para meus sapatos. Eu me encolhi ao ver meus

velhos Chucks, respingados de tinta e surrados. Eu estava tão perturbada

que esqueci completamente o fato de que apareci coberta de tinta e

vestindo as piores roupas que tinha.

— Estou bem — menti. Fiquei um pouco mais ereta. — Eu estou

apenas… sim. Só estou um pouco cansada.

— Ah. — Ele assentiu, compreendendo. — Eu entendo. Bem,

senhorita Greenberg... você ainda está interessada em visitar o

apartamento hoje à noite para determinar se ele atende às suas

necessidades? Ou talvez você prefira reagendar devido ao seu cansaço

atual e ao seu… — Ele parou, seus olhos vagando por mim lentamente,

observando cada parte da minha roupa.

Fiquei vermelha de vergonha. Ok, sim, claramente eu estava mal

vestida para vir aqui. Mas ele não precisava falar nada sobre isso,

precisava?

De certa forma, porém, fiquei grata. Ele pode ser o homem mais

atraente que eu já vi na minha vida, mas as pessoas que eram esnobes

com as aparências eram uma das minhas maiores irritações. Sua reação

às minhas roupas me ajudou a sair do meu ridículo estado de fuga

sensual e de volta à realidade.

Eu balancei minha cabeça.

— Não, está tudo bem. — Afinal, eu ainda precisava de um lugar

para morar. — Vamos fazer o tour. Estou me sentindo bem.

Ele pareceu aliviado com isso, embora eu não conseguisse entender

o porquê, dado o quão pouco impressionado comigo ele parecia até

agora.

— Bem, então. — Ele me deu um pequeno sorriso. — Entre,

senhorita Greenberg.

Eu tinha visto as fotos que ele enviou, então pensei que estava

preparada para o que me esperava lá dentro. Percebi imediatamente que


as fotos não faziam justiça ao lugar.

Eu esperava que fosse chique. E era.

O que eu não esperava era que também fosse... estranho.

A sala de estar – assim como as fotos da cozinha e do quarto de

hóspedes que Frederick me enviara – parecia congelada no tempo, mas

não de uma forma que eu pudesse colocar em palavras e nem congelada

em qualquer período específico que eu pudesse nomear. A maioria dos

móveis e acessórios nas paredes pareciam caros, mas estavam reunidos

em uma confusão tão multifacetada e multiépoca que minha cabeça

doía.

Dezenas de arandelas de latão brilhantes criavam o tipo de

iluminação fraca e atmosférica que eu só tinha visto em filmes antigos e

casas mal-assombradas. E a sala não estava apenas mal iluminada.

Também estava apenas... escura. As paredes eram pintadas de um

marrom chocolate escuro que eu lembrava vagamente das aulas de

história da arte que estavam na moda na era vitoriana. Um par de

estantes altas e escuras de madeira, que deviam pesar uma tonelada

cada, ficavam como sentinelas silenciosas em cada extremidade da sala.

No topo de cada uma delas havia um candelabro ornamentado de latão e

malaquita que teriam saído de uma catedral europeia do século XVI.

Eles colidiam em estilo e de todas as outras maneiras imagináveis, com

os dois sofás de couro preto de aparência muito moderna, um de frente

para o outro, no centro da sala, e a austera mesa de centro com tampo de

vidro, no centro da sala de estar. Esta última tinha uma pilha do que

parecia romances da era regencial empilhados em uma extremidade,

aumentando ainda mais a incongruência da cena.

Além do verde claro dos candelabros, a única outra cor encontrada

na sala era o grande tapete oriental floral berrante que cobria a maior

parte do chão; os olhos vermelhos brilhantes de uma cabeça de lobo

empalhada profundamente assustadora pendurada sobre a lareira; e as

cortinas de veludo vermelho-escuro penduradas em ambos os lados das

janelas do chão ao teto.

Estremeci, e não apenas porque o cômodo estava gelado.


Em suma, a sala era a confirmação de algo que eu já sabia há anos:

as pessoas com dinheiro muitas vezes tinham péssimo gosto.

— Então. Você gosta de cômodos escuros, hein? — Perguntei.

Talvez tenha sido a coisa mais ridiculamente óbvia que eu poderia ter

dito, mas também foi a coisa menos ofensiva que consegui pensar. Olhei

para o tapete enquanto esperava que ele respondesse, tentando decidir se

as flores em que eu estava eram peônias.

Uma longa pausa.

— Eu... prefiro lugares pouco iluminados, sim.

— Mas aposto que há muita luz aqui durante o dia. — Apontei para

as janelas que revestiam a parede leste da sala. — Você deve ter uma

vista fabulosa do lago.

Ele encolheu os ombros.

— Provavelmente.

Olhei para ele, surpreso.

— Você não sabe?

— Dada a nossa proximidade com o lago e o tamanho dessas janelas,

posso inferir que é possível ver o lago muito bem daqui, caso desejemos.

— Ele mexeu com um grande anel de ouro no dedo mínimo; tinha uma

pedra vermelho-sangue do tamanho da minha unha no centro. — No

entanto, mantenho as cortinas fechadas enquanto o sol nasce.

Antes que eu pudesse perguntar por que ele desperdiçaria uma vista

como aquela por nunca olhar para ela, ele acrescentou:

— Se você decidir se mudar, poderá abrir as cortinas sempre que

quiser ver o lago.

Eu estava prestes a dizer a ele que era exatamente isso que eu faria se

eu me mudasse quando meu telefone vibrou dentro do bolso da frente da

minha calça jeans.

— Hum — eu disse sem jeito, pescando. — Espere um segundo.

Droga. Era Sam.

No choque de perceber que Frederick era gostoso, esqueci de avisá-

lo que não estava sendo assassinada.


Cassie? Você está bem?

Estou tentando não surtar.

Por favor, me mande uma mensagem


imediatamente para que eu não comece a me
preocupar com o fato de você ter sido cortada e
colocada em sacos no freezer.

Estou bem

Só estou entretida no passeio pelo apartamento

Desculpe

Está tudo bem

Frederick não é um assassino, então?

Se sim, ele ainda não tentou me matar

Mas não, eu não acho que ele seja um assassino

Eu acho que ele pode ser MUITO estranho

Vou te mandar uma mensagem quando eu sair

Enviei a Sam um emoji de coração rosa como oferta de paz, caso ele

estivesse bravo.

— Desculpe por isso — eu digo sem jeito, enfiando meu telefone de

volta no bolso da calça jeans. — Meu amigo me trouxe até aqui. Ele só

queria verificar e ter certeza de que estava tudo bem.

Frederick sorriu ao ouvir isso – um sorriso torto e desajeitado que

me fez esquecer que ele era estranho e esnobe demais para ser

considerado atraente.

— Isso é inteligente da parte do seu amigo — disse ele, balançando a

cabeça em agradecimento. — Você e eu ainda não tínhamos sido

devidamente apresentados quando combinamos de nos encontrar. Agora,

senhorita Greenberg, podemos começar o passeio?

Mas ouvir Sam me lembrou que, embora eu quisesse dar uma boa

olhada neste lugar, havia algo importante que precisava ser respondido

primeiro.
— Na verdade, antes de fazermos isso, posso fazer uma pergunta?

Com isso, Frederick congelou. Ele deu um pequeno passo para longe

de mim, enfiando as mãos profundamente nos bolsos da calça cinza.

Demorou mais um longo momento antes que ele me respondesse.

— Sim, senhorita Greenberg. — Ele cerrou a mandíbula, sua postura

repentinamente rígida. Ele parecia estar reunindo coragem para

enfrentar uma tarefa desagradável. — Você pode perguntar o que quiser.

Endireitei meus ombros.

— Ok. Então, pode ser estúpido da minha parte perguntar, já que

estou prestes a argumentar contra o meu próprio interesse aqui. Mas

minha curiosidade está literalmente me matando. Por que você está

pedindo apenas duzentos por mês?

Ele deu um pequeno passo para trás, piscando para mim no que

parecia ser uma confusão genuína. O que quer que ele esperasse que eu

perguntasse, não era isso.

— Eu... perdão?

— Eu sei quanto deveria ser o aluguel em um lugar como este —

continuei. — Você está pedindo apenas, tipo... uma fração disso.

Uma pausa.

— Eu estou?

Eu olhei para ele.

— Sim. Claro que você está. — Eu gesticulei vagamente ao nosso

entorno, às arandelas de latão e às estantes de livros, às janelas do chão

ao teto e ao intrincado tapete oriental sob nossos pés. — Este lugar é

incrível. E a localização? Insana.

— Eu estou... ciente de seus atributos — disse Frederick, parecendo

atordoado.

— Ok, então… — eu disse. — Então, qual é o problema? O preço

que você está pedindo fará com que todos que virem o anúncio pensem

que há algo errado com o seu apartamento.

— Você acha?

— Eu sei disso — eu disse. — Quase não vim por causa disso.


— Ah, não — ele gemeu. — Qual teria sido o preço mais

apropriado?

Eu não pude acreditar nisso. Como alguém rico o suficiente para

viver aqui poderia ser tão ignorante sobre o valor do que tinha?

— Quero dizer… — Eu parei, tentando decidir se ele estava

brincando comigo. O olhar sério e ligeiramente em pânico em seus olhos

me disse que não. O que não fazia sentido nenhum. Mas, na

eventualidade de ele realmente não saber que duzentos dólares por mês

era um preço ridículo para este quarto, eu não estava disposta a negociar,

contra o meu interesse, mais do que já tinha feito, dando-lhe um número

exato.

— Definitivamente mais de duzentos por mês — eu me esquivei.

Ele olhou para mim por um momento e depois fechou os olhos.

— Eu vou matar Reginald.

Esse nome novamente.

— Sinto muito, mas quem é Reginald?

Frederick balançou a cabeça ligeiramente.

— Oh. Eu... deixa para lá. — Ele suspirou novamente e beliscou a

ponta do nariz. — Reginald é apenas... alguém que eu odeio. Ele me deu

alguns conselhos muito ruins. Mas não há necessidade de se preocupar

com isso, senhorita Greenberg. Ou sobre ele.

Eu não sabia o que dizer sobre isso.

— Ah.

— Perfeitamente. — Frederick pigarreou e disse: — De qualquer

forma, suponho que o que está feito está feito. Se você concordar em

alugar o quarto vago, não vejo necessidade de puni-la pelo meu erro ou

pela sua honestidade aumentando o preço. Fico feliz em deixar o aluguel

mensal em duzentos dólares se você se mudar.

Ele encolheu os ombros. Como se descobrir que poderia ganhar

muito mais dinheiro pelo seu quarto do que estava pedindo não fosse

grande coisa.

Eu não poderia imaginar não me importar em perder tanto dinheiro.

Quão rico era esse cara?


Talvez o mais importante: se ele não se importava com quanto

dinheiro poderia ganhar com o aluguel do quarto, por que ele queria um

colega de quarto?

Não tive coragem de perguntar nada disso.

— Obrigada — eu disse em vez disso. — Manter o aluguel em

duzentos realmente me ajudaria.

— Bom — disse ele. — Agora, já que aparentemente chegamos à

fase de perguntas do passeio, posso te fazer uma pergunta, Srta.

Greenberg?

Meu estômago embrulhou. Minha gratidão pelo aluguel barato o

alertou de que eu havia exagerado minha situação profissional em meu

e-mail? Ele de alguma forma descobriu que eu estava prestes a ser

despejada?

Se esse fosse o tipo de conversa que estávamos prestes a ter…

Bem. Talvez seja melhor acabar logo com isso.

— Pergunte — eu disse, me sentindo nervosa.

— Embora eu espere sinceramente que quem quer que se mude para

a minha casa sinta que esta também é a sua casa, dois quartos

permanecerão estritamente proibidos — disse ele, com uma expressão

séria. — Se você se mudar, eu precisaria que você prometesse

permanecer fielmente fora desses espaços durante nossa coabitação.

Você pode concordar com isso?

— Quais quartos?

Frederick ergueu um único dedo longo.

— Primeiro, você nunca pode entrar no meu quarto.

— É claro — eu disse rapidamente. — Isso faz sentido.

— Devido à natureza do meu... negócio, fico fora do apartamento

quase todas as noites e preciso dormir durante o dia. — Ele fez uma

pausa, observando minha reação. — De modo geral, descanso entre

cinco da manhã e cinco da tarde, embora esses horários exatos

provavelmente variem nos próximos meses. Quando estou dormindo, é

imperativo que eu possa descansar sem ser perturbado.


Minha mente ficou presa na parte da natureza do meu negócio que

ele tinha acabado de dizer. Minha compreensão do que os CEOs e

outros empresários ricos realmente faziam para viver limitava-se

principalmente ao que eu tinha visto na televisão – mas mesmo assim eu

tinha certeza de que os turnos noturnos não eram uma coisa normal para

os caras dos negócios.

Ele deve ser algum tipo de médico, então. Os médicos trabalhavam à

noite, certo?

De qualquer forma, me pedir para ficar fora do quarto dele parecia

justo.

— É o seu quarto — eu disse. — Entendo.

Isso pareceu agradá-lo. Um sorriso se espalhou por seu rosto.

— Estou feliz que você concorde.

— Qual é o outro cômodo que não posso entrar?

— Ah. Certo. — Ele apontou para o que parecia ser um armário no

final do corredor. — Aquele.

Eu fiz uma careta.

— O que há lá?

— A resposta a essa pergunta também está fora dos limites.

Ok, isso me assustou um pouco. Talvez Frederick fosse um assassino,

afinal.

— Não são... pessoas mortas, não é?

Seus olhos se arregalaram.

— Pessoas mortas? — Ele parecia horrorizado, colocando a mão no

peito de uma forma que me lembrou uma senhora idosa segurando suas

pérolas. — Meu Deus, senhorita Greenberg! Por que você acha que eu

tenho pessoas mortas no armário do corredor?

Ele parecia estar levando a piada um pouco a sério demais.

— Tudo bem, sem pessoas mortas. Você pode pelo menos me dizer

se o que está lá é perigoso?

— Digamos apenas que eu tenho um hobby um pouco…

embaraçoso — Ele olhou para os pés, como se seus sapatos brilhantes

com pontas de asas fossem de repente a coisa mais interessante da sala.


— Um dia posso divulgar o conteúdo daquele cômodo para a pessoa que

divide meu apartamento. Mas se o fizer, deverá ser nos meus termos, no

momento e da maneira que achar adequado. — Ele olhou para mim

novamente. — Não divulgarei seu conteúdo hoje.

— Você coleciona guardanapos de renda, não é? — Eu não sei o que

me deu para provocá-lo assim. Mas as palavras saíram da minha boca

antes que eu pudesse impedi-las. — Você tem centenas deles naquele

armário.

O canto de sua boca se contraiu um pouco, como se ele estivesse se

esforçando para conter um sorriso.

— Não — ele disse. — Eu não coleciono guardanapos de renda.

Ele não deu mais detalhes. Dessa vez tive o bom senso de deixar o

assunto de lado. Encolhi os ombros e disse:

— De qualquer forma, está tudo bem. São suas coisas e seu

apartamento. Então, suas regras.

— Se você se mudar, espero que você pense nisso como seu

apartamento também. — Ele se aproximou de mim, olhos castanhos

escuros procurando os meus. Seus cílios eram tão longos e exuberantes,

e seu olhar era tão penetrante que eu podia sentir meus joelhos

fraquejando. Ele realmente era injustamente atraente. — Além dessas

duas limitações, você terá uso total e irrestrito deste apartamento.

Engoli em seco, tentando regular minha respiração.

— Eu... Acho que posso viver com isso.

— Maravilhoso. — Desta vez, ele permitiu que seu sorriso se

estendesse por todo o rosto. — Agora, com isso resolvido, vamos olhar o

apartamento?
TRÊS

Mensagens de texto entre o Sr. Frederick J.


Fitzwilliam e o Sr. Reginald R. Cleaves
Boa noite, Reginald.

Ei, Freddie, meu garoto, tudo em cima?

Várias coisas estão “em cima”.

Em primeiro lugar, gostaria de informar que destruí


e descartei aquele horrível tapete de boas-vindas
que encontrei ontem na frente da minha porta.

Presumo que foi você quem o colocou lá?

Ah, você não gostou?

Ah, você não gostou?

Mas passei tanto tempo escolhendo um presente


que pensei que você adoraria

Duvido muito seriamente que seja esse o caso.

Mas não importa.

A principal razão pela qual estou digitando para


você agora na tela irritantemente pequena do meu
telefone celular é para informar que alguém
respondeu ao anúncio do Craigslist que você
colocou para mim.
Ela vai se mudar no fim de semana.

Ei, isso é ótimo

Existe apenas um problema.

Minha nova colega de quarto não é nada do que eu


esperava.

De que maneira

Primeiro, ela é uma mulher. O que eu soube, é


claro, quando ela respondeu ao meu anúncio e vi o
nome dela.

Não tenho nada contra as mulheres, como você


sabe. Também percebi, através da minha análise
dos jornais e revistas que você me trouxe, que na
era atual, não é incomum que homens e mulheres
solteiros vivam juntos.

Então: embora seja um pouco desconcertante, não


estou muito preocupado com o fato de ela ser uma
mulher.

Minha principal preocupação é que ela é uma


mulher que pode não ser totalmente normal.

E você É normal?

Esse é um ponto justo.

Eu pensei que sim

Simplesmente me preocupo que isso não funcione


se minha nova colega de quarto for alguém que
acha apropriado chegar a uma consulta com o
cabelo desgrenhado e roupas esfarrapadas e
respingadas de tinta.

Eu acho que vai ficar tudo bem

Além disso, ela sorri bastante, o que acho um tanto

Não sei
Distrativo.

Distrativo, hein?

Distrativo como em… a mulher que conhecemos


naquela noite em Paris, distrativo?

Você certamente tem muita coragem de trazer isso


à tona.

Desculpe

Esqueça que eu disse alguma coisa

De qualquer forma, ainda acho que está tudo bem.

Ninguém mais respondeu ao anúncio, certo?

Está correto.

Por causa de você.

Por causa do aluguel?

Sim. Por causa do negócio do aluguel.

Ok, sim

Cometi um erro de digitação ao preencher o


formulário do Craigslist.

Desculpe por isso. Isso é por minha conta.

Não tenho certeza se você realmente está


arrependido. De qualquer forma, isso não pode
mais ser adiado. Preciso de um colega de quarto, e
o mais rápido possível.

Quanto mais o tempo passa, mais percebo o quão


completamente fora do meu elemento estou.

Eu preciso de ajuda. Urgentemente.

Suponho que ela servirá.

Mesmo que ela seja estranha.


Bem, pense desta forma. Se ela for realmente TÃO
estranha, você não ficará tentado a comer OU
transar com ela, certo?

Por que ainda falo com você?

Quer dizer, eu me certifiquei de que você fosse


alimentado, certo?

E configurei para que suas contas e taxas HOA1


sejam pagas em dia

Eu também te arranjei um celular

Você me devia PELO MENOS isso, dadas as


circunstâncias.

Você sabe, pensando bem, provavelmente seria


bom para você se você transasse com sua nova
colega de quarto

Deus sabe que já faz tempo suficiente

Bloquearei seu número assim que descobrir como


isso é feito.

frederick não estava lá para me receber quando me


mudei. Claro, eu não esperava que ele estivesse. Mandamos alguns e-

mails algumas vezes depois que eu disse que ficaria com o quarto, e ele

explicou que sua programação noturna era sete dias por semana. Ele

estaria dormindo em seu quarto – para não ser incomodado – quando eu

chegasse.

Portanto, não foi uma surpresa quando rolei minha mala pela porta

da frente e me vi sozinha em minha nova sala de estar estranhamente

escura e estranhamente decorada. Também estava congelante lá dentro,

como estava quando visitei pela primeira vez.

Esfreguei meus braços, tentando aquecê-los.

Originalmente, Sam deveria me ajudar a mudar, mas ele também não

estava lá. Suspeitei que sua necessidade de última hora de visitar uma
tia-avó idosa da qual eu nunca tinha ouvido falar antes, em Skokie, fosse

sua maneira passivo-agressiva de dizer que achava que minha mudança

era um erro.

Para minha extrema irritação, ele mudou de ideia completamente

sobre o apartamento ser apenas duzentos dólares depois que eu disse a

ele que Frederick era gostoso.

— Viver com alguém que você acha gostoso nunca acaba bem — ele

avisou na noite anterior. — Ou você acaba dormindo com eles, o que é

um grande erro, nove em cada dez vezes… ou então você enlouquece

porque quer dormir com eles.

Sam e Scott vieram na noite anterior para me ajudar a fazer as malas.

Não havia muito o que fazer; Eu já tinha deixado a maioria das coisas

grandes na loja de consignação. Mas fiquei um pouco triste por me

despedir de mais um apartamento e fiquei feliz pela companhia.

Mesmo que Sam tivesse aproveitado a oportunidade para me

convencer a não ir morar com Frederick.

— Se eles são gostosos, ou você dorme com eles ou quer dormir com

eles, hein? — Eu olhei para ele. — Você fala por experiência própria?

— Não — disse Sam rapidamente, olhando por cima do ombro para

ver se o marido estava ouvindo isso. Eu tinha certeza de que sim, Scott

continuava sorrindo para si mesmo e balançando a cabeça enquanto

fingia verificar seu e-mail de trabalho na mesa da cozinha, mas ele tinha

uma poker face muito melhor do que Sam. — Só estou contando o que

ouvi.

Eu zombei.

— A gostosura de Frederick não será problema nenhum. Temos

horários totalmente opostos. Mal vou vê-lo.

— E se o horário de trabalho dele mudar? — Sam havia pressionado.

— E se de repente ele não tiver algum trabalho misterioso que o

mantenha fora a noite toda? E se no próximo mês ele começar a

trabalhar em casa?

— Sam…
— Eu só não quero que você se machuque de novo, Cassie. — Sua

voz caiu um pouco e seus olhos ficaram suaves. Minhas bochechas

ficaram quentes, sabendo que ele estava pensando na minha longa série

de decisões estúpidas quando se tratava de romance. — Será difícil

planejar jogá-lo de um prédio por quebrar seu coração e arruinar seu

crédito se ele estiver ali, dormindo no quarto ao lado.

— Isso só aconteceu uma vez — retruquei. — A maioria das minhas

outras decisões erradas tiveram pelo menos a decência de deixar minha

pontuação de crédito em paz. E Frederick é tão estranho que nunca vou

querer dormir com ele, mesmo que ele seja o ser humano mais gostoso

que já vi pessoalmente.

Sam ainda parecia cético.

— Escute, quando digo que ele é estranho, quero dizer que ele é

realmente estranho. Tenho certeza que ele coleciona estatuetas de

Precious Moments ou algo assim. Há um armário que ele diz ser

proibido de entrar e ele não me conta o que há nele.

Scott – que claramente estava ouvindo naquele momento – riu.

— Sim, isso não é uma bandeira vermelha de jeito nenhum.

— Não vi nenhum sinal óbvio de que ele fosse um serial killer na

minha visita — insisti. — E como você disse quando me disse para

enviar um e-mail para ele, estou sem opções.

Quando Sam e Scott deixaram minha casa naquela noite, quase fiquei

feliz em vê-los partir. Mas agora eu queria que Sam estivesse aqui

comigo. Agora que eu estava me mudando e estava praticamente sozinha

em um apartamento desconhecido, parecia… estranho. Frederick queria

que seu apartamento parecesse minha casa, mas como poderia? A

vibração assustadora que as paredes muito escuras e a decoração

confusa emitiam só era reforçada pelo quão frígida, imaculada e

completamente desprovida de qualquer tipo de objeto pessoal a sala era.

Minha ideia de finalmente poder trabalhar na minha arte e assistir

meu lixo de televisão na minha nova sala parecia ridícula agora. Como

eu poderia trazer RuPaul ou os tesouros que encontrei nos centros de

reciclagem de Chicago para esta sala impecável? O apartamento parecia


tão cavernoso que não pude deixar de me perguntar se haveria eco se eu

gritasse. Abri a boca para tentar antes de me lembrar que Frederick

provavelmente estava em seu quarto, dormindo. Acordá-lo gritando sem

um bom motivo provavelmente não seria uma boa maneira de começar

nosso novo relacionamento com colegas de quarto.

Rolei minha mala pelo corredor em direção aos quartos, tomando

especial cuidado para deixar bem longe do quarto do corredor que

Frederick disse ser proibido. Ao passar por ele, pensei ter detectado um

leve cheiro frutado vindo dele, mas pode ter sido apenas minha

imaginação. De qualquer forma, ceder à minha curiosidade vendo o que

havia dentro também não seria uma boa maneira de começar nosso novo

relacionamento como colegas de quarto, já que ficar fora disso era uma

das únicas regras de Frederick.

A porta do quarto de Frederick estava fechada, é claro, mas havia um

envelope colado do lado de fora da minha porta, com Senhorita Cassie

Greenberg escrito em letras cursivas.

Tirei o envelope da porta e vi que estava fechado com um selo de

cera vermelho-sangue com as letras FJF gravadas. Eu nunca tinha visto

um selo de cera de verdade além de em filmes. Eles ainda existiam?

Deslizei o dedo por baixo do selo e, rompendo-o, abri o envelope

com cuidado. Dentro havia uma única folha de papel timbrado branco,

dobrada em terços perfeitos, com outro monograma altamente estilizado

com FJF no topo da página.

Prezada Srta. Greenberg,


Bem-vinda.
Lamento não estar disponível para cumprimentá-la
pessoalmente. Se você chegou às duas da tarde, como indicou
em seu último e-mail para mim, estou no meu quarto,
dormindo. Lembro-lhe que, por favor, permita-me descansar
sem ser perturbado.
Deixei instruções para você sobre vários recursos do
apartamento em locais onde acredito que essas instruções
serão mais úteis. Acredito que pensei em tudo, mas se perdi
algo crucial, avise-me e farei o possível para resolver suas
preocupações.
Como já discutimos, suspeito que interagiremos com pouca
frequência. Quando eu quiser lhe transmitir informações e
você não estiver aqui, deixarei um bilhete para você na mesa
da cozinha. Peço-lhe que gentilmente se comunique comigo
desta mesma maneira. Prefiro fortemente métodos de
comunicação mais “antiquados” a e-mail e mensagens de
texto. Eu uso o último com a menor frequência possível.
Estou ansioso para cumprimentá-la adequadamente em
algumas horas, se você ainda estiver no apartamento quando
eu acordar ao pôr do sol.
Seu em boa saúde,
Frederick J. Fitzwilliam
A caligrafia de Frederick era facilmente a mais bonita que eu já vi,

sua letra cursiva graciosamente inclinada pela página como as letras de

um convite formal de casamento. A última vez que recebi uma carta

manuscrita foi na sexta série, quando minha turma fez uma troca de

correspondência com uma turma da sexta série na França. De alguma

forma, não me surpreendeu que meu novo colega de quarto escrevesse

cartas com frequência suficiente para justificar ter um papel de carta

com monograma.

Sorrindo um pouco, entrei em meu novo quarto.

Havia um segundo envelope sobre o colchão, ao lado de uma tigela

de madeira esculpida cheia de objetos laranja-vivos em formato de

azeitona. Elas eram frutas? Elas cheiravam fortemente a frutas cítricas,

mas eram diferentes de todas as frutas que eu já tinha visto antes.


Perplexa, abri lentamente o segundo envelope – que também havia

sido fechado com um selo antiquado – e retirei a folha de papel elegante

e bem dobrada que havia dentro.

Prezada Srta. Greenberg,


Disseram-me que é costume dar presentes de boas-vindas
quando uma pessoa se muda para uma nova casa. Não sei se
você gosta de frutas, mas eu tinha esses kumquats em mãos e
pensei em presentear você.
Espero que você goste deles.
Com os melhores cumprimentos,
Frederick
Larguei a carta, espantada.

Ele me deu um presente de boas-vindas.

Eu tive mais de uma dúzia de arranjos de moradia desde o ensino

médio. Até agora, a coisa mais próxima que já cheguei de um presente

de mudança foi a senha comum da conta Hulu do ex-namorado de um

colega de quarto.

Olhei para a tigela novamente, pegando uma das pequenas frutas

laranja e cheirando-a. De perto o cheiro cítrico era forte e inconfundível.

Eu nunca tinha visto frutas assim antes e não tinha ideia do que era

um kumquat. Eu adorava frutas cítricas, no entanto. De alguma forma,

tive a sensação de que também eram orgânicos.

Peguei meu telefone para contar a Sam sobre isso. Ele não iria

acreditar que meu estranho novo colega de quarto me deu uma tigela de

frutas exóticas como presente de mudança. Mas então pensei melhor. Se

Sam já estava preocupado sobre eu ir morar com uma colega de quarto

gostoso, ele ficaria ainda mais preocupado se soubesse que esse colega

de quarto gostoso me comprou um presente – por mais aleatório e

frutado que fosse.


Não. Embora eu sempre contasse tudo a Sam, precisava guardar esse

detalhe para mim.

Curiosa, mordi a pequena fruta em minha mão. A luz do sol

explodiu em minha língua.

Delicioso, pensei, colocando o resto na boca.

já passava das cinco quando transferi todas as minhas


coisas do meu antigo apartamento. Tudo o que eu tinha – meus materiais

de arte, minhas roupas, o violão meio quebrado com as cores do arco-

íris que eu carregava comigo em todos os movimentos desde a

faculdade, embora mal soubesse tocar – cabia facilmente no armário do

meu novo quarto.

Quando fechei a porta do armário, não dava para perceber que

alguém tinha acabado de se mudar.

Encostei-me na parede e examinei a sala. Eu ainda não conseguia

acreditar que aquele espaço era meu. Tudo parecia surreal – a cama com

dossel que ocupava um terço do quarto; a cômoda antiga e o conjunto de

mesa; as paredes quase nuas.

Lembrei-me de Frederick dizendo que eu poderia redecorar.

Normalmente eu gostava de cobrir minhas paredes com coisas que eu

fazia. Mas era difícil imaginar a maioria das minhas peças nesta sala.

Especialmente o meu projeto mais recente, que chamei de A Eterna

Claridade do Capitalismo em Estágio Avançado, feito principalmente

com um carburador enferrujado e confetes das cores do arco-íris.

Mas a decoração do quarto era péssima. Sim, a mobília era

sofisticada e antiga, mas era uma mistura de estilo e época tão grande

quanto a sala de estar. Uma única pintura a óleo emoldurada de um

grupo de caça à raposa era tudo o que estava pendurado nas paredes. Era

enorme, pendurado na parede oposta à minha cama, e talvez fosse a

coisa mais feia que eu já vi. Apresentava uma dúzia de homens mortos
há muito tempo andando a cavalo em um campo, vestidos com perucas e

casacos vermelhos. Beagles corriam ao lado deles.

Estudei em Londres durante meu primeiro ano de faculdade e

lembrei-me de ter aprendido que esse estilo de pintura era muito popular

nas estalagens inglesas do século XVIII. Sem dúvida, combinava muito

melhor com a decoração da sala do que meus próprios projetos. Mas

também era horrível. Não pensei que conseguiria dormir ali sabendo que

destino aguardava aquelas pobres raposas históricas.

Após alguns momentos de reflexão, decidi que o projeto paisagístico

à beira-mar que fiz no verão anterior, após minha viagem a Saugatuck,

na costa leste do Lago Michigan, ficaria ótimo naquele local.

Embora paisagens não fossem minha praia habitual, achei que fiz um

trabalho decente com essa série. Eu estava com um raro humor para

aquarelas naquela viagem e pensei que os tons quentes e arenosos que

usei combinariam bem com o esquema de cores da sala. Assim como as

conchas e os pedaços de lixo da praia que colei na tela depois que a tinta

secou.

Decidi escrever um bilhete para Frederick antes de pegar qualquer

uma das minhas peças no depósito de Sam, só para garantir.

Olá Frederick,
Já me mudei completamente! Amanhã vou pendurar algumas
das minhas artes no meu quarto, se estiver tudo bem para
você?? As paredes do meu quarto estão meio vazias, e você
disse que eu poderia redecorar se quisesse. Tenho muitas peças
das quais tenho orgulho e que gostaria de exibir lá, mas este É
o seu apartamento, então queria ter certeza de que estava
tudo bem antes de trazer coisas do depósito de Sam. Até
porque minha arte tem um estilo bem diferente da forma como
o resto do lugar é decorado.
Além disso, obrigado pela fruta! Eu nunca tinha comido um
kumquat antes. Eles estavam deliciosos.
Cassie
Minha caligrafia não era nem de longe tão bonita quanto a de

Frederick, e eu não tinha um envelope para colocar meu bilhete. Mas

não havia nada que pudesse ser feito a respeito. Coloquei-o no centro da

mesa da cozinha, imaginando que se ele ainda não estivesse acordado

quando eu saísse para meu turno na Gossamer's, ele o veria ali.

Eu estava exausta de tanto me mudar e me arrependi de ter

concordado em fazer um turno na cafeteria naquela noite. Tudo que eu

queria era relaxar no meu novo quarto e ouvir música. Mas eu precisava

do dinheiro e não estava em condições de dizer não aos turnos, por mais

cansada que estivesse.

Eu ainda tinha uma hora antes de precisar sair para o trabalho. Muito

tempo para comer alguma coisa. Tive a precaução de guardar alguns dos

meus bens não perecíveis para a mudança, o que foi uma coisa muito

boa. Eu estava tão ocupada com a mudança que esqueci do almoço –

algo que raramente fazia. A fruta era saborosa, mas não era uma

refeição.

E agora eu estava morrendo de fome.

Entrei na cozinha e pela primeira vez percebi como ela estava limpa.

A foto que Frederick me enviou não capturou realmente isso. O piso de

cerâmica branca não tinha uma partícula de sujeira. Nem o fogão

antiquado nem as bancadas rosa-claras.

Eu presumi que Frederick tinha pessoas que limpavam para ele. Mas

isso era mais do que limpo.

Esta cozinha parecia nunca ter sido usada.

Meu jantar seria a primeira refeição preparada ali? Impossível. E

ainda assim, de alguma forma, eu não conseguia afastar a sensação de

que era verdade. Nesse caso, era muito patético que meu macarrão

espaguete com um pouco de sal adicionado para dar sabor fosse o único

a quebrar o selo.

Ajoelhei-me e abri ao acaso um dos armários da cozinha, à procura

de uma panela. Estava completamente vazio, exceto pelas prateleiras


vazias, pelo forro que havia sido colocado sobre elas e por uma camada

de poeira.

Franzindo a testa, abri o armário seguinte na fila. Este estava cheio

de uma variedade bizarra de comida que eu teria que estar prestes a

morrer de fome para comer – potes de coquetel de cebola e peixe gefilte,

caixas de Hamburger Helper e latas de aspargos – mas nada para

cozinhar.

— Huh — eu murmurei. Onde estavam as panelas e frigideiras de

Frederick? Será que ele comprava comida todos os dias?

— Senhorita Greenberg.

Ao som da voz de Frederick, dei um pulo e bati com o topo da

cabeça na parte de baixo de uma gaveta aberta.

— Porra — eu murmurei, esfregando minha cabeça. Já estava

latejando. Eu tinha certeza de que teria um galo feio pela manhã.

Eu me levantei e… lá estava ele. Meu novo colega de quarto, bem na

minha frente. Ele parecia ter acabado de sair de uma sessão de fotos para

uma revista, com o cabelo artisticamente despenteado e caindo

perfeitamente sobre a testa. Ele estava muito mais perto de mim do que

quando visitei seu apartamento, e pareceu notar isso também, seus olhos

se arregalando e suas narinas dilatando-se um pouco, como se ele

estivesse me inspirando. Ele estava vestido bem mais formal do que na

noite em que o conheci, acrescentando um lenço de seda vermelha e

uma cartola preta ao terno cinza-carvão de três peças que se ajustava

como se os deuses o tivessem feito especificamente para ele.

Era uma aparência estranha, com certeza. Mas – Deus me ajude –

funcionava. Fiquei com água na boca por motivos que não tinham nada

a ver com fome.

Se ele percebeu o quão impressionado eu estava com sua aparência,

ele não deu nenhum sinal disso. Ele simplesmente franziu a testa, com a

testa franzida em preocupação. Ele se aproximou um pouco mais. Ele

cheirava a amaciante de roupas, a frutas cítricas que ele colocou no meu

quarto e a algo profundo e misterioso para o qual eu não tinha nome.

— Você está bem, senhorita Greenberg?


Eu balancei a cabeça, confusa e envergonhada.

— Sim. — Esfreguei o local onde minha cabeça encontrava a gaveta.

Uma colisão já estava começando a se formar. — Onde estão suas

panelas e frigideiras?

— Panelas e frigideiras? — Ele olhou para mim, intrigado. Como se

as palavras estivessem numa língua que ele não entendia.

Eventualmente, ele balançou a cabeça. — Eu sinto muito, mas... Eu não

entendo.

Agora foi a minha vez de ficar confusa. O que sobre a minha

pergunta foi difícil de entender?

— Eu ia cozinhar espaguete antes de ir para o trabalho — expliquei.

— Não tive oportunidade de almoçar hoje e estou morrendo de fome.

Eles têm sanduíches e outras coisas no Gossamer's, mas a comida lá é

bem nojenta e super cara, e só conseguimos um desconto de cinquenta

por cento para funcionários. O que, se você me perguntar, é basicamente

roubo de salário. Eu já comprei esse espaguete, então…

Os olhos de Frederick se arregalaram. Ele bateu na testa.

— Oh! — ele exclamou. — Você quer cozinhar alguma coisa!

Ele disse as palavras como se tivesse acabado de ter uma

compreensão profunda. Olhei para ele, tentando entender sua reação

bizarra.

— Sim. Quero fazer meu jantar. Então... onde estão suas panelas e

frigideiras?

Ele esfregou a nuca.

— Elas estão... hum. — Ele fez uma pausa, olhando para mim, antes

de voltar sua atenção para o chão de azulejos brancos e angustiantes da

cozinha. E então, seus olhos brilharam e ele encontrou meu olhar

novamente. — Oh! Estou consertando minhas panelas e frigideiras.

Isso era algo que você poderia fazer com panelas e frigideiras?

— Você está consertando-as? Mesmo?

Talvez o dele tivesse recursos extras que exigiam manutenção

regular. Para ser justa, eu não cozinhava muito e dificilmente

acompanhava as últimas tendências em utensílios de cozinha.


— Sim. — Frederick sorriu para mim, parecendo extremamente

satisfeito consigo mesmo. Droga, se seu sorriso megawatt não iluminasse

apenas seu rosto bonito demais. — Minhas panelas e frigideiras estão na

loja. Sendo reparadas.

— Todas elas?

— Oh. Sim — disse ele, balançando a cabeça vigorosamente. —

Todas elas.

— Então… — Eu parei e olhei ao redor da cozinha em confusão. —

Com o que você vai cozinhar até elas voltarem?

— Eu... não cozinho com frequência — admitiu ele, calmamente.

— Ah. — Eu poderia ter me chutado por deixar minhas panelas e

frigideiras de baixa qualidade na loja de remessa. Fazer três refeições

por dia fora de casa poderia ser uma opção para alguém como Frederick,

mas não era uma opção para mim. — Acho que vou passar pela Target e

comprar algumas depois do trabalho hoje à noite.

— Não, senhorita Greenberg — disse Frederick. — Eu disse que o

apartamento seria totalmente mobiliado. Presumo que suas expectativas

era que a cozinha teria tudo o que você precisava para preparar suas

refeições.

— Quero dizer… sim. Mais ou menos.

— Então comprarei utensílios de cozinha quando sair esta noite. —

Ele sorriu para mim, um pouco envergonhado. — Por favor, perdoe o

descuido. Não vai acontecer novamente.

Abri a boca para agradecê-lo. Mas antes que eu pudesse pronunciar

as palavras, Frederick saltou para longe de mim e saiu correndo do

apartamento, aparentemente para me conseguir algo para preparar

minhas refeições.

1. A chamada “HOA Fee” ou “Home Owners Association Fee” é a taxa que cada

proprietário deve pagar à esta associação para que ela possa fazer frente à manutenção do

condomínio e outras despesas relacionadas ao melhor interesse da comunidade.


QUATRO

Mensagens de texto entre o Sr. Frederick J.


Fitzwilliam e o Sr. Reginald R. Cleaves
Posso incomodá-lo por um favor, Reginald?

Eu pensei que você não estava mais falando comigo

Em breve você estará livre de mim para sempre.

Mas preciso de ajuda uma última vez e com


bastante urgência.

O que é

Onde alguém compra equipamentos de cozinha no


século XXI?

E você pode me dizer como chegar lá?

Ah MERDA

Esquecemos de comprar panelas e frigideiras, não


é?

Também preciso pegar emprestado seu cartãozinho


de dinheiro de plástico uma última vez.

eu suspeitava que os proprietários do gossamer's


originalmente queriam que o lugar fosse uma cafeteria artística e

moderna, com bandas indie tocando nos fins de semana e arte local nas
paredes. Ficava em um prédio antigo que os guias turísticos de Chicago

teriam considerado arquitetonicamente significativo, com lindos vitrais

voltados para a rua e linhas simples inspiradas em Frank Lloyd Wright.

A mobília era de brechó e todos os cafés tinham nomes começando com

Nós Somos e terminando com um adjetivo inspirador.

Nenhum de nós que trabalhava lá entendia por que uma cafeteria que

atendia principalmente caras do setor financeiro se preocupava com

convenções de nomenclatura hipster para suas ofertas de bebidas

totalmente genéricas. Porque, apesar do que eu suspeito serem os planos

originais dos proprietários, o bairro onde Gossamer’s era localizado era

muito mais de terno e gravata do que hipster. Sua localização – ao lado

de uma parada da Linha Marrom – significava que a maioria de nossos

clientes eram passageiros indo ou voltando de seus empregos no Loop,

com ocasionais estudantes universitários incluídos para variar.

Claro, eu preferiria trabalhar em uma cafeteria moderna de verdade.

Mas trabalho era trabalho. E este não pagava nada mal.

Mesmo que a comida fosse uma droga e as bebidas tivessem nomes

bobos.

As opções de jantar eram ainda mais limitadas quando cheguei lá

para o meu turno da noite. Normalmente, por volta das seis horas, a

maior parte da comida pré-pronta de Gossamer’s já havia sido vendida

há muito tempo. Os únicos sanduíches que sobraram eram de pasta de

amendoim e geleia triste e encharcada e de hummus e pimenta vermelha

no pão de trigo. Quem fornecia a comida pré-pronta de Gossamer

realmente precisava aprender a fazer amizade com o sabor. E textura.

Meu turno só começaria em quinze minutos, então tive pouco tempo

suficiente para engolir alguma coisa. Peguei o sanduíche de hummus e

pimenta – a menos trágica das duas opções – e fui até uma das mesas

perto do fundo.

Havia apenas um cliente lá: um cara que parecia ter trinta e cinco

anos, com cabelo loiro-sujo e um chapéu de feltro preto tão inclinado

para a frente que cobria metade do seu rosto. Ele tinha uma caneca com

algo quente e fumegante na frente dele.


Eu podia sentir seus olhos em mim enquanto me aproximava da

mesa no canto onde costumava comer antes do meu turno.

Ele limpou a garganta.

— Hm — ele disse, para ninguém. — Deixe-me ver. — Ele estava

olhando abertamente agora, inclinando-se ligeiramente em minha

direção, uma expressão estranha e calculista no rosto. Seu tom, sua

expressão, até mesmo sua postura, tudo nele sugeria que ele estava me

avaliando. Me avaliando. Não de uma forma sexual ou predatória,

exatamente. Era mais como se ele fosse um entrevistador tentando

decidir se eu era a pessoa certa para um emprego.

Ainda era assustador como o inferno.

Olhei para a porta da frente, esperando que minha gerente, Katie,

estivesse a caminho.

Depois de mais alguns momentos, o cara assentiu como se tivesse

tomado uma decisão.

— Não sei por que ele estava tão preocupado. Você deverá se sair

bem.

Com a entrevista de emprego aparentemente encerrada, ele voltou

toda a atenção para o telefone.

Gossamer’s às vezes atrai pervertidos à noite. Apenas parte do

trabalho em uma cafeteria. Minha abordagem típica era não interagir

com eles e apenas deixar minha gerente cuidar disso se as coisas

ficassem muito estranhas. Mas naquele momento eu estava exausta com

a mudança e nervosa demais com aquela interação bizarra para esperar

por Katie.

Contra o meu melhor julgamento, eu me engajei.

— O que você acabou de dizer?

— Eu disse que você deverá se sair bem — ele respondeu sem tirar

os olhos do telefone, parecendo irritado com a interrupção.

— O que você quer dizer com eu devo me sair bem?

— Exatamente isso. — Ele olhou para mim, sorrindo. Ele se afastou

da cadeira e se levantou. Percebi, pela primeira vez, que ele estava

vestindo um sobretudo azul-marinho que ia até o chão, que combinava


horrivelmente com seu chapéu preto. Por baixo havia uma camiseta

vermelha brilhante que dizia Claro que estou certo. Eu sou o Todd!

Provavelmente não era um pervertido, então. Apenas uma variedade

esquisito comum. Às vezes também temos isso.

— Eu irei agora — ele disse, importante, mas desnecessariamente.

— Preciso encontrar um amigo necessitado na Caixa & Barril.

Quando olhei para cima novamente, ele havia sumido. O único sinal

de que ele esteve lá era a caneca ainda fumegante de Nós Somos Legião

que ele deixou para trás. A bebida de cappuccino mais cara que

preparamos. Estava completamente intocada.

Claro que estava.

Deus. Os clientes que pediam café caro que eles nem bebiam eram

muito irritantes e esbanjadores. Levei a caneca de “Todd” para a

banheira de plástico azul onde levamos a louça, carrancudos e irritados.

Não havia muitos de nós programados para trabalhar naquela noite.

Carregar a máquina de lavar louça provavelmente acabaria sendo meu

trabalho. Mas eu poderia fazer isso mais tarde. Eu ainda tinha alguns

minutos antes do meu turno começar, e meu sanduíche de hummus e

pimenta vermelha não ia se comer sozinho.

felizmente, katie apareceu alguns minutos depois que


“Todd” saiu, e então Jocelyn – outra barista – apareceu às sete e meia.

Com nós três trabalhando acabou sendo uma noite lenta. Mais alguns

clientes chegaram, a maioria estudantes que procuravam um local

relativamente tranquilo para estudar e socializar enquanto faziam a lição

de casa e tomavam lattes. Felizmente, não havia mais excêntricos

maliciosos em gabardines e chapéus de feltro.

Pouco depois de Jocelyn aparecer, eu estava limpando uma mesa que

acabara de ser desocupada quando meu telefone tocou no bolso com

uma nova mensagem.

Peguei-o e olhei para a tela.


Olá Cassie. É Frederick.

Eu tenho uma pergunta para você.

Olhei por cima do ombro para onde Katie estava atendendo um

cliente e Jocelyn estava preparando uma bebida atrás do balcão. Elas

pareciam ter as coisas sob controle o suficiente para que eu pudesse

responder a ele agora.

Claro! Estou no trabalho, mas tenho um minuto.

E aí?

Você come molho?

Eu olhei para o meu telefone. Molho?

Sim. Você gosta de comê-lo?

Por que

No momento estou em uma loja que vende


utensílios de cozinha. Uma seção inteira da loja é
dedicada às “panelas para molho”.

Outros clientes parecem bastante apaixonados por


elas, mas antes de comprar uma para o
apartamento queria confirmar que molho é algo
que você come.

Uma risada inesperada escapou de mim antes que eu pudesse

impedi-la.

Quem imaginaria que Frederick tinha um senso de humor tão seco?

você é hilário

Eu sou?

Sim, eu acabei de cascar o bico em público ;)

Eu não sei o que “cascar o bico” significa.


Meu Deus, vou ter problemas aqui no trabalho se
continuar rindo.

Oh. Peço desculpas.

Eu não pretendia causar problemas para você com


seu empregador.

Está tudo bem.

Minha gerente é legal.

Embora eu provavelmente devesse voltar ao


trabalho.

Claro. Verei você em casa eventualmente.

Com panelas para molho.

A essa altura eu estava sorrindo tanto que minhas bochechas doíam.

Talvez essa nova situação de vida dê certo, afinal.

quando voltei para a casa de frederick, já era quase


meia-noite.

Eu estava exausta. Eu normalmente passava um turno preparando

bebidas e limpando mesas, mas a situação ficou pior por ter passado a

primeira parte do dia carregando caixas pesadas e me mudando para o

apartamento de Frederick. Eu me senti quase morta enquanto subia as

escadas até o terceiro andar.

Ao destrancar a porta da frente do apartamento e entrar, decidi que

primeiro tomaria um banho para lavar a sujeira de toda a correria que fiz

naquele dia. Então eu desabaria na cama. Eu não tinha onde estar pela

manhã – Gossamer's não precisava que eu fosse, nem a biblioteca –

então no dia seguinte eu dormiria o máximo que pudesse.

Eu estava pronta para embarcar na primeira parte do meu plano

quando o enorme número de caixas empilhadas em pilhas organizadas


nas bancadas da cozinha chamou minha atenção. Elas não estavam lá

quando saí para trabalhar naquela noite.

Curiosa, fui até a cozinha – e parei quando percebi o que eram todas

aquelas caixas.

Frederick cumpriu sua promessa de encontrar utensílios de cozinha

para mim.

E não qualquer panela.

Ele comprou cinco panelas Le Creuset, seis frigideiras Le Creuset de


2
tamanhos variados, duas das maiores woks que eu já vi, uma máquina

de waffles, uma panela elétrica e uma torradeira. Quando me virei,

chocada, para ver as caixas empilhadas na mesa da cozinha, percebi que

ele também tinha comprado talheres suficientes para dez lugares na

Caixa & Barril.

Atordoada, peguei o bilhete com meu nome que estava ao lado dos

talheres. Tal como aconteceu com as notas anteriores de Frederick para

mim, ele escreveu meu nome na parte externa do envelope em uma letra

tão elegante que parecia quase caligrafia.

Prezada Srta. Greenberg,


Por favor, deixe-me saber se esses utensílios de cozinha serão
suficientes. Você nunca respondeu às minhas perguntas sobre o
que você acha de molho, então se as panelas não servirem posso
devolvê-las ao estabelecimento onde as comprei.
Em relação às suas dúvidas sobre a redecoração do seu
quarto, como eu disse quando você se mudou, você pode
redecorar o seu quarto como quiser. Peço apenas que você não
destrua nada que esteja na sala. Muitos itens em minha casa
são heranças que estão na minha família há muitos anos.
Minha mãe, em particular, ficaria zangada caso algum mal
lhes acontecesse.
Quando você disse que era professora de arte, admito que
não me ocorreu que você também criasse sua própria arte.
Em retrospecto, isso foi uma tolice da minha parte. Avise-me
quando você redecorar. Gostaria muito de ver alguns de seus
trabalhos.
Seu em boa saúde,
Frederick J. Fitzwilliam
Larguei o bilhete, sorrindo apesar da minha exaustão.

Por favor, deixe-me saber se esses utensílios de cozinha serão

suficientes. Ele devia estar brincando, certo? Essas eram as panelas e

frigideiras mais bonitas que eu já vi fora das lojas sofisticadas da

Magnificent Mile.

Quanto ao restante do bilhete de Frederick, não pude deixar de me

perguntar o que ele pensaria quando visse a antiga pintura de caça à

raposa atualmente pendurada no meu quarto ser substituída por uma tela

cheia do melhor lixo de praia do Lago Michigan. Com base em suas

outras escolhas decorativas, duvidei que ele gostasse do meu trabalho.

Mas o fato de ele ter pelo menos curiosidade sobre minha arte me fez

sentir aquecida por dentro, por motivos que eu estava cansada demais

para analisar.

Na verdade, eu estava tão cansada que me senti prestes a desmaiar.

Mas antes de tomar banho e ir para a cama, queria escrever uma

resposta.

Frederick,
As panelas e frigideiras que você comprou são INCRÍVEIS.
Você não precisava comprar nada tão sofisticado só por minha
causa. Principalmente porque meu repertório culinário é
bastante limitado. Da próxima vez que estivermos no
apartamento, ficarei feliz em preparar algo para agradecer
(desde que sejam ovos mexidos, macarrão ou feijão).
Cassie
Fui até o banheiro e me despi. O banheiro de Frederick era enorme –

pelo menos duas vezes maior que o quarto do meu antigo apartamento.

Eu não tinha certeza se algum dia me acostumaria com isso. O chão era

de mármore branco e fazia um frio doloroso sob meus pés. Achei que

não deveria ter ficado surpresa com isso, dado o quão frio Frederick

mantinha o resto do apartamento. Eu teria que falar com ele sobre isso

em algum momento; usar suéteres sempre que estava em casa não era

algo que eu realmente queria fazer.

Abri a porta do chuveiro com paredes de vidro e corri para dentro,

aumentando a temperatura da água ao máximo e deixando o vapor

quente me aquecer.

Anos de altos pagamentos de empréstimos estudantis e empregos

com salário mínimo me ensinaram a temer as contas de serviços

públicos e a manter meus banhos eficientes e rápidos. Mas Frederick

pagava as contas aqui. Por uma vez, decidi tratar meus músculos

doloridos e ficar um pouco mais.

Suspirei, deleitando-me com a sensação do jato constante e da

pressão perfeita da água quente contra minhas costas. Deixei minha

mente vagar enquanto a água caía sobre mim, pensando em como

poderia passar o dia seguinte. Com todo o caos do meu aviso de despejo

e mudança, eu não ia ao estúdio onde fazia a maior parte do meu

trabalho há semanas. Depois de dormir o máximo que pudesse, talvez eu

fosse para Pilsen e fuçasse algo novo pelo resto do dia.

Depois de um tempo – dez minutos? uma hora? – olhei para meus

dedos. Eles estavam enrugados como ameixas secas na água. Há quanto

tempo eu estava lá?

Relutantemente, desliguei a água quente e abri a porta do chuveiro.

O ar parecia ainda mais frio do que antes, depois do banho quente que

acabei de tomar, causando um arrepio na parte de trás dos meus braços.

Peguei minha toalha na parte de trás da porta, onde ela estava pendurada

em um gancho prateado e cromado, e enrolei-a firmemente em volta do

meu corpo, colocando-a debaixo dos braços.


Meu banho embaçou o espelho. Eu rapidamente esfreguei as costas

da minha mão sobre ele para poder ver meu reflexo.

Eu fiz uma careta com o que vi.

Meu cabelo estava crescendo novamente devido ao incidente

impulsivo da tesoura de algumas semanas atrás, mas ainda estava mais

curto do que normalmente usava. E estranhamente desigual. Depois de

seco, ele ficaria grudado nas costas, não importa quanto produto eu

colocasse nele.

Depois que eu me recuperasse um pouco mais, a primeira coisa que

faria seria uma visita honesta a um salão de verdade para consertar o

que tinha feito comigo mesma. Enquanto isso, eu provavelmente deveria

fazer o que pudesse para parecer apresentável.

Pensei na tesoura de tecido do meu quarto. Ela provavelmente era

muito cega para fazer um bom trabalho no meu cabelo. Mas seria

melhor do que nada.

Colocando minha toalha um pouco mais apertada em volta do meu

corpo, abri a porta do banheiro e me preparei para ir direto para o meu

quarto...

… e bati diretamente em Frederick, meu rosto batendo direto em seu

peito.

Seu peito nu.

Devo ter ficado superaquecida por causa do banho, ou de vergonha –

ou ambos – porque sua pele estava fria de forma quase anormal. Ele

ficou ali, imóvel como uma estátua, com um par de shorts de linho

branco pendurados distraidamente na cintura, enquanto eu gritava e

saltava para longe dele. Sua mão direita estava erguida em punho, como

se ele estivesse prestes a bater na porta do banheiro quando colidimos.

Seus olhos estavam arregalados como pires, seu rosto pálido como o

luar.

Balbuciamos nossas desculpas ao mesmo tempo.

— Senhorita Greenberg! Ah, me desculpe, eu...

— Merda! Eu sinto muito! Eu não...!


Pensando bem, deveria ter me ocorrido que morar com outra pessoa

significava andar por aí só com uma toalha, não era mais algo que eu

pudesse fazer. Mas ele fez um grande alarido sobre normalmente ficar

fora a noite toda. Como eu poderia saber que no exato momento em que

decidi sair do banheiro ele estaria parado do lado de fora da porta do

banheiro, sem camisa?

Enquanto eu estava a apenas alguns centímetros de distância dele,

usando apenas uma toalha, meu cabelo molhado pingava continuamente

sobre meus ombros nus. Seu peito estava na altura dos meus olhos e…

Tentei não ficar boquiaberta. Eu realmente tentei. Ficar boquiaberta

com meu novo colega de quarto mal vestido quando eu também estava

quase nua não era apenas nojento, mas também totalmente inapropriado.

Mas eu não pude me controlar. Esse homem estava escondendo um

verdadeiro e honesto tanquinho sob suas roupas perfeitamente ajustadas.

Seu peito largo se estreitava até uma cintura fina, a maneira como ele

usava seus shorts o fazia parecer um modelo de cuecas maldito, em vez

de um médico ou CEO, ou seja lá o que diabos ele fosse.

Frederick não era apenas atraente, percebi.

Ele era um deus grego.

Os segundos se passaram enquanto estávamos ali – eu olhando para

ele, ele olhando com os olhos arregalados para um ponto vazio logo

além do meu ombro esquerdo. Tentei pensar em qualquer coisa, menos

em quão perto estávamos, em quão pouco estávamos vestindo e em

como meu batimento cardíaco estava subitamente acelerado. E então,

porque eu nunca tive muito instinto de autopreservação, tive uma

vontade repentina e quase irresistível de traçar as linhas sólidas de seu

peito com as pontas dos dedos. Para ver se aqueles abdominais dele

eram tão duros quanto pareciam.

O que ele faria se eu fizesse isso?

Ele me expulsaria e encontraria um colega de quarto que realmente

soubesse como se comportar adequadamente em situações embaraçosas?

Alguém que talvez também pudesse pagar-lhe um aluguel mais próximo


da taxa de mercado? Ou ele puxaria minha toalha e a jogaria de lado

antes de pegar meu corpo com aquelas mãos gigantes e…

Cerrei os punhos com força e os forcei ao lado do corpo antes que

tivesse a chance de fazer algo estúpido. O calor formigante de um rubor

furioso subiu pelo meu corpo, aquecendo minhas bochechas e fazendo

minhas mãos suarem.

Frederick não estava corando, embora ainda parecesse tão

envergonhado quanto eu. Para seu crédito, ele manteve os olhos fixos na

parede atrás de mim. Ele honestamente parecia que poderia morrer se

deixasse seu olhar se desviar para mim por apenas um centímetro.

Claramente, ele não era nem metade do pervertido que eu era.

Ele era um cavalheiro.

Uma onda de decepção totalmente equivocada passou por mim ao

perceber isso.

Limpei a garganta para tentar manter meus pensamentos sobre o

assunto em questão.

— Eu não pensei que você estaria… Quero dizer, você disse que

geralmente sai à noite e…

— Peço desculpas, senhorita Greenberg. — Sua voz parecia tensa.

Ele ainda não olhava para mim. — O chuveiro ficou ligado por tanto

tempo que presumi que você tivesse saído do apartamento sem desligá-

lo. Então eu vim. — Ele fez uma pausa, os olhos se arregalando ainda

mais quando percebeu o que acabara de dizer. — Para o banheiro, claro.

Para desligar. A água, quero dizer.

Ele inclinou a cabeça em minha direção em uma reverência

desajeitada. A essa altura meu rosto devia estar tão vermelho que podia

ser visto do espaço.

— Por favor, me perdoe, senhorita Greenberg. Isto nunca vai

acontecer de novo.

E então ele passou por mim, tomando cuidado para não roçar em

nenhuma parte do meu corpo ao passar.

Ouvi o clique da porta do banheiro atrás de mim, e então o que

parecia muito com o conteúdo do armário de remédios caindo no chão


de azulejos do banheiro.

— Você está bem? — Eu gritei, alarmada. Ele ficou tão mortificado

com o que aconteceu que caiu?

— Sim! Perfeitamente bem! — Frederick disse, parecendo

estrangulado, antes de soltar o que parecia ser uma série de palavrões

murmurados.

Fiquei tão envergonhada que mal me lembrei de ter entrado no meu

quarto. Mas no segundo em que entrei no meu quarto, fechei a porta

com força e me joguei de bruços na cama, esquecendo todos os

pensamentos sobre o sono. Meu coração batia tão forte que parecia que

minhas costelas poderiam quebrar. Tentei dizer a mim mesma que era

simplesmente porque o que aconteceu foi um dos momentos mais

estranhos da minha vida. Mas no fundo eu sabia que isso era apenas

parte disso.

Eu não queria pensar em como Frederick ficava incrível sem camisa.

Nada de bom poderia vir dessa linha de pensamento. Com tudo o mais

acontecendo na minha vida, ter fantasias sinistras sobre um homem

bonito que estava a quilômetros de meu alcance e meu colega de quarto,

ainda por cima, era a última coisa que eu precisava fazer com meu

tempo.

Com dificuldade, me forcei a pensar em meus planos de retirar

minhas telas do depósito de Sam no dia seguinte.

Meu cabelo ainda estava um desastre. Isso também precisava da

minha atenção.

Peguei a tesoura de tecido em cima da minha mesa. Ela era ainda

mais cega do que eu lembrava. Mas se eu bagunçasse ainda mais meu

cabelo, pelo menos isso me impediria de pensar no que aconteceu com

minha colega de quarto.

Comecei a cortar e… bem, o resultado final foi um pouco melhor. Se

você semicerrasse os olhos. Pelo menos as pontas estavam iguais.

Apaguei as luzes e subi na cama, me encolhendo ao ver como eu era

boa em bagunçar minha vida, mesmo quando nada mais saía conforme o

planejado.
2. Wok, uoque ou uosque é uma panela utilizada na culinária asiática, originário da China e

tradicionalmente usado para torrar chá e grelhar, saltear ou cozer a vapor vegetais e carnes entre

outros variados pratos.


CINCO

Registro no diário do Sr. Frederick J.


Fitzwilliam, datado de 20 de outubro
Querido Diário,
Ah, deuses.
É possível que uma pessoa como eu morra de vergonha?
Sento-me à minha mesa às 2 da manhã, tentando
desesperadamente me lembrar que a senhorita Greenberg é
uma dama. Uma dama cuja beleza ultrapassa em muito o que
notei quando nos conhecemos. Uma dama com curvas lindas,
sardas deliciosas espalhando-se pela ponta do nariz e uma
boca que agora assombrará meus sonhos – mas ainda assim
uma dama.
Parece que também devo lembrar desse fato uma certa
parte traidora da minha anatomia – uma parte que não
responde dessa maneira a uma mulher há mais de cem anos.
Meus pensamentos seguem um caminho perigoso e não sei
como proceder. Antes de ver a senhorita Greenberg quase
despida esta noite, eu não queria nada mais dela além da
oportunidade de aprender sobre o mundo moderno,
observando-a de uma distância respeitável. Um dia atrás, a
ideia de que eu pudesse querer qualquer outra coisa dela
nunca passou pela minha cabeça.
Mas agora...
Pelos polegares de Deus, eu sou o pior e mais imundo tipo
de depravado.
Não sei se a senhorita Greenberg tem pais vivos. Preciso
descobrir se ela tem — e, se for o caso, devo pedir desculpas a
eles por colocar a filha em uma posição tão comprometedora.
Devo pedir desculpas também à Srta. Greenberg, é claro. De
preferência com um presente que expresse adequadamente
minha contrição. Consultarei Reginald para ver se ele tem
ideias sobre o que pode ser adequado. (Afinal, há muito tempo
ele tem o hábito de precisar se desculpar com as mulheres.)
Enquanto isso, irei até o lago e acabarei com minhas
frustrações. Já faz muito tempo que não saio para correr à
noite. Esperançosamente, a rajada de ar fresco da noite irá
clarear minha cabeça. Se isso não funcionar, espero que um
dos livros da biblioteca que Reginald me emprestou resolva.
Em notícias totalmente não relacionadas, esta noite
descobri que existe uma variedade verdadeiramente
impressionante de opções de utensílios de cozinha. O século
XXI pode ser o que finalmente me matará depois de todos
esses anos — se viver com a Srta. Greenberg não fizer isso
primeiro.
FJF

dormi até mais tarde do que de costume na manhã


seguinte, fazendo todo o possível para adiar a saída do quarto e correr o

risco de ver Frederick novamente logo depois do que aconteceu na noite

anterior.
Felizmente, não havia sinal dele quando finalmente coloquei a

cabeça para fora do quarto, com minha bolsa de arte gigante pendurada

no ombro. Claro, ele não deveria estar fora de seu quarto naquele

momento, visto que eram onze da manhã. Mas dei um suspiro de alívio

mesmo assim.

O inevitável poderia ser adiado um pouco mais.

A porta do quarto de Frederick estava fechada. Mas estava sempre

fechada, mesmo quando eu o encontrei na noite anterior, então isso não

me dizia se ele estava dormindo lá ou não. Mantive meu passo o mais

leve possível, só para garantir, enquanto caminhava até a porta da frente.

Mover-se silenciosamente era estranho e estressante; meu andar não

era exatamente o que se chamaria de gracioso, mesmo quando eu não

carregava uma sacola de arte que pesava uma tonelada. Felizmente, a

porta do quarto de Frederick permaneceu fechada.

Se ele estava lá e me ouviu, estava tentando me evitar tanto quanto

eu esperava evitá-lo.

O que era bom. Completamente bom. Na verdade, é preferível à

alternativa.

Nunca pensei que tivesse ficado mais feliz na minha vida ao entrar

no meu estúdio de arte quando cheguei lá, uma hora depois.

Chamar isso de meu estúdio de arte não era correto, é claro. O

espaço se chamava Vivendo a Vida em Cores e pertencia a Joanne

Ferrero, uma idosa excêntrica que décadas atrás era um peixe grande no

cenário artístico de Chicago. Estava localizado no primeiro andar de um

pequeno prédio em Pilsen e era compartilhado por cerca de duas dúzias

de pintores, metalúrgicos e ceramistas locais que se aproximavam de

seus artesanatos com vários graus de seriedade. Alguns deles, como eu,

esperavam um dia fazer carreira na arte e passavam tanto tempo lá

quanto seus horários permitiam. Outros – como Scott, que estava

desenhando algo na grande mesa comunitária que ocupava a maior parte

do espaço do estúdio quando cheguei – tinham empregos regulares e

simplesmente alugavam o espaço para se dedicar a um hobby criativo e

desestressar ocasionalmente.
— Ei, Scott — eu disse, feliz em vê-lo. Como era meio da manhã de

uma quarta-feira, quase não havia ninguém no estúdio e havia muito

espaço à mesa. Isso me serviu muito bem; Eu gostava de poder espalhar

todos os meus suprimentos quando trabalhava.

Puxei uma cadeira até a mesa e comecei a vasculhar minha bolsa em

busca de lápis.

— Ei. — Ele parou o que estava fazendo, um esboço a carvão de um

buquê de rosas, a flor favorita de Sam, e se virou para mim. — Estou

feliz por você estar aqui. Sam e eu íamos entrar em contato com você

sobre uma oportunidade que acabamos de descobrir.

— Oh? — Fui até a prateleira marcada como C. Greenberg, onde

guardo muitas das minhas telas em andamento. Com meu aviso de

despejo e depois minha mudança, eu não ia ao estúdio há quase duas

semanas. Felizmente, meu trabalho atual em andamento – um campo de

girassóis em aquarela feito em amarelos e verdes brilhantes, sobre o qual

eu planejava sobrepor tantas embalagens de fast-food quanto

conseguisse fazer caber na tela – não parecia estar em mau estado de

conservação devido a minha ausência.

— Sim — disse Scott. — Você conhece nosso amigo cuja família é

dona daquela galeria de arte em River North?

Eu mordi meu lábio, sem conseguir lembrar. Sobre quem ele estava

falando? Ele e Sam tinham muitos amigos, mas a maioria deles eram ou

colegas de Scott do departamento de inglês de sua universidade ou

outros advogados como Sam. Eu me lembraria de alguém com uma

galeria de arte, não me lembraria?

Sentei-me à mesa e então me dei conta.

— Você quer dizer David? Seu coordenador de casamento?

Eu quase tinha esquecido que depois da despedida de solteiro, Scott

e Sam iniciaram uma amizade improvável com o cara que contrataram

para planejar o casamento. Lembrei-me vagamente de David nos

dizendo que ele vinha de uma família rica e que, entre outras coisas que

eles possuíam, havia uma galeria de arte extremamente pouco lucrativa

perto do Loop.
Eu tinha certeza de que essa conversa havia acontecido enquanto

todos os envolvidos – inclusive eu – estavam extremamente bêbados

com champanhe comemorativo. Provavelmente foi por isso que esqueci

tudo até aquele momento.

— Esse David — Scott concordou.

— Sim, ok, me lembro dele vagamente. O que tem ele? — Será que

eu estava me lembrando mal de que aquela galeria de arte era

basicamente apenas uma redução de impostos para a família rica de

David? Poderia ter decolado o suficiente nos seis meses desde a última

vez que vi David para poder contratar alguém? Isso parecia difícil de

acreditar.

Mas por que outro motivo Scott estaria trazendo isso à tona?

— No jantar de ontem à noite, David nos contou que a galeria de sua

família está planejando uma exposição de arte com júri com outra

galeria maior em River North. — Ele fez uma pausa, lutando contra um

sorriso. — Com uma galeria que é realmente bem-sucedida, devo dizer.

Meus olhos se arregalaram. Fazia anos que eu não tinha uma peça

aceita em uma exposição com júri. Chicago tinha apenas um

determinado número de exposições com júri por ano, e eu não estava

arrecadando dinheiro suficiente com minha arte para apresentar minhas

peças de forma mais ampla. Se eu conseguisse participar deste programa

e possivelmente até ganhar um prêmio, poderia ser apenas a injeção de

ânimo que minha carreira não precisava.

— Você sabe alguma coisa sobre quais artistas eles estão

procurando? — A última vez que falei com David, discutimos se Eye of

the Tiger seria uma escolha de bom gosto para a primeira dança de Sam

e Scott. Não havíamos conversado sobre seu gosto pela arte. Scott

empurrou o esboço em que estava trabalhando para o lado e tirou o

tablet da bolsa.

— Vamos pesquisar.

Observei enquanto ele digitava exposição de arte River North na

barra de pesquisa, lembrando a mim mesma que não fazia sentido ficar

animada ou pensar que talvez minha sorte estivesse finalmente


começando a melhorar, até que visse do que se tratava aquele programa.

Apesar de meus esforços para manter a calma, minhas mãos já estavam

suando quando Scott encontrou o que procurava e virou o tablet para que

eu pudesse ver.

— Oh — eu disse, agradavelmente surpreso quando vi o tema listado

no topo da chamada para inscrições. — Eles estão pedindo peças

inspiradas na sociedade contemporânea.

— Isso é ótimo — disse Scott. — Não existe nada mais

contemporâneo do que o que você faz.

Cantarolei concordando, rolando a página para baixo. Quanto mais

eu lia, mais melhorava.

— Parece que todos os artistas são bem-vindos — eu disse, meu

sorriso crescendo. — Incluindo obras multimídia. — Minhas peças, que

combinavam pinturas tradicionais a óleo e aquarela com objetos

encontrados, eram a própria definição de multimídia.

Scott tocou na parte inferior da tela, onde os prêmios estavam

listados.

— Você notou que o grande prêmio é um prêmio em dinheiro de mil

dólares?

Minha garganta ficou seca. Haveria também alguns prêmios menores

concedidos por excelência em diferentes categorias, e eu ficaria muito

feliz em ganhar qualquer um deles porque a coisa mais importante sobre

ganhar um prêmio em uma mostra de arte com júri é o reconhecimento

que vem com ele, mas...

Bem, mil dólares viria a calhar muito bem.

— As letras miúdas aqui dizem que apenas vinte candidatos serão

selecionados — eu disse, sentindo o início familiar da dúvida se

instalando. Isso tinha as características de um processo de seleção

incrivelmente competitivo. Ganhar em primeiro lugar provavelmente

seria uma tarefa difícil.

— Você nunca sabe se não tentar — disse Scott, sem ser rude. —

Você deveria ir em frente, Cassie.

Devolvi seu tablet a Scott e respirei fundo.


— Eu deveria — concordei. Talvez nada resultasse disso, assim

como nada tinha resultado na maioria das minhas tentativas de obter

reconhecimento para a minha arte nos últimos anos.

Então, novamente, talvez minha sorte estivesse finalmente

começando a mudar.

frederick não estava em casa quando voltei do estúdio


naquela noite.

Também não o vi no dia seguinte – nem à noite.

Encontrar com ele novamente em algum momento era inevitável, é

claro. Nós morávamos juntos. Mas, esperançosamente, quanto mais

adiássemos isso, menos desconfortável o inevitável seria. Enquanto isso,

nossas conversas, limitadas como eram, se resumiam a bilhetes que

deixávamos um para o outro na mesa da cozinha. Na maioria das vezes,

tratavam das questões logísticas da nossa convivência e, sinceramente?

Era mais fácil assim. Frederick não fez nenhuma referência em nenhum

dos seus bilhetes sobre ter me visto quase nua naquela noite. E eu

também não. Era como se tivéssemos chegado a um acordo não dito de

fingir que nada de estranho, ou excitante, ou estranhamente excitante

tivesse acontecido entre nós.

Provavelmente era melhor. Sam pensaria assim, de qualquer forma.

Mesmo que minha mente continuasse a repetir aquele momento em

que eu e Frederick nos esbarramos depois do meu banho quando eu

deveria estar me concentrando em outras coisas.

Prezada Srta. Greenberg,


Não quero ser chato, mas lembre-se de recolher as meias
descartadas no chão da sala antes de ir para a cama. Acabei de
escorregar em uma meia que sei que não é minha no caminho
para a porta e quase me machuquei.
(Além disso, devo perguntar: as meias azuis felpudas até os
joelhos com fantoches verdes são o estilo atual?)
Com os melhores cumprimentos,
Frederick J. Fitzwilliam
Frederick,
Ui! Sinto muito pelas meias! Serei melhor, prometo.
E não, HA, as meias felpudas do Caco, o Sapo, não são “o
estilo atual”. ÓBVIO, hahahaha. Você é hilário. Ganhei elas como
uma piada do meu amigo Sam.
Além disso, antes que eu esqueça, você poderia se lembrar
de me fornecer o nome e a senha da sua rede WiFi? Desculpe
continuar insistindo nisso, mas tenho usado meu telefone
como ponto de acesso desde que me mudei e ele consome
meus dados.
Cassie
Prezada Srta. Greenberg,
Eu não pretendia ser engraçado em meu bilhete para você,
embora esteja satisfeito por ter feito você rir de qualquer
maneira.
Por outro lado, a mulher que mora no segundo andar acabou
de me informar que quinta-feira é “dia do lixo”. Eu não sabia
disso, pois não tenho o hábito regular de jogar coisas fora.
Agora que somos dois aqui, talvez queiramos participar
deste ritual semanal. Presumo que você jogue coisas fora? Se
sim, você faria a gentileza de adquirir uma lata de lixo? Não
possuo uma, nem sei quanto custa ou como alguém faria para
obtê-la. Deduzirei do seu aluguel mensal tudo o que você
gastar na compra de uma.
Com os melhores cumprimentos,
Frederick J. Fitzwilliam
ps: Em relação às suas dúvidas sobre WiFi e nomes e senhas de
redes, não acredito ter nenhuma dessas coisas, mas vou
conversar com Reginald e avisar você.
Fiquei olhando para aquele bilhete por um tempo antes de respondê-

la.

Como poderia um adulto não ter uma lata de lixo? E não sabe onde

conseguir uma?

E ele não sabia se tinha wi-fi? Essa devia ser mais uma de suas

piadas peculiarmente secas. Eu conversaria com ele sobre isso na

próxima vez que o visse.

Frederick — Eu também não jogo muita coisa fora. Não gosto de


me livrar de nada que possa ter utilidade mais tarde,
principalmente porque reciclagem é uma grande parte da
minha arte. Mas, em princípio, sinto que dois adultos deveriam
ter pelo menos uma única lata de lixo entre eles. Certo? Vou
comprar uma na Target depois do trabalho.
Cassie
ps: Por que você continua me chamando de senhorita
Greenberg? Não há necessidade de sermos tão formais um com
o outro, não é? Apenas me chame de Cassie. :)
Antes que eu pudesse me convencer do contrário, acrescentei um

esboço rápido e sorridente de mim mesma, segurando uma lata de lixo

nos braços, antes de deixar o bilhete na mesa da cozinha. Fazia algum

tempo que eu não desenhava pequenas figuras de desenhos animados e

disse a mim mesma que era uma boa prática abafar a voz na minha

cabeça gritando comigo por flertar com ele.


A resposta de Frederick estava me esperando na mesa quando

cheguei em casa do trabalho com nossa lata de lixo de cozinha nova.

Prezada Srta. Greenberg Cassie,


A imagem que você desenhou para mim em sua última nota é
linda. Isso era para ser você? Você claramente tem muito
talento.
Obrigado por lidar com a situação da lixeira.
A seu pedido, daqui em diante farei o possível para me
referir a você pelo seu primeiro nome, em vez de “Senhorita
Greenberg”. No entanto, chamar você de “Cassie” vai contra
minha educação e meus instintos. Como tal, por favor, seja
paciente comigo se eu ocasionalmente esquecer e voltar a
usar formas de tratamento mais formais.
FJF
Eu rapidamente reprimi a estranha onda de prazer que tomou conta

de mim com seu elogio à minha arte, lembrando-me de que gastei

menos de dez minutos naquele rabisco e ele claramente estava apenas

tentando ser legal. Em vez disso, optei por me concentrar em como ele

estava sendo estranho ao me chamar pelo primeiro nome.

Frederick,
Vai contra a sua educação e seus instintos me chamar de Cassie
ao invés de “Senhorita Greenberg”? Mesmo? Quem criou você,
Jane Austen?
Cassie
No final daquela nota desenhei uma caricatura apressada de alguém

com trajes antiquados, só para ser uma idiota.

Sua resposta estava me esperando na mesa da cozinha na manhã

seguinte.
Querida Cassie,
Não... exatamente Jane Austen, não.
Além disso, isso deveria ser um desenho meu?
FJF
Frederick,
Não exatamente Jane Austen, né? Intrigante. Bem, em qualquer
caso, obrigada por tentar me chamar pelo primeiro nome.
E sim, deveria ser um desenho seu. Você não viu a
semelhança?? Braços e pernas altos e salientes, expressão
ranzinza, roupas tiradas diretamente do set de Downton
Abbey?
Cassie
Prezada Srta. Greenberg Cassie,
Oh, sim. Suponho que vejo ALGUMA semelhança. Embora eu
ache que meu cabelo real parece muito melhor do que o do
homenzinho careca que você desenhou aqui. Não é?
(O que é Downton Abbey?)
FJF
Frederick,
Downton Abbey é um programa de TV inglês. Acho que foi
ambientado em cerca de cem anos atrás? Algo parecido. De
qualquer forma, não é minha praia, mas minha mãe e todas as
suas amigas adoram. Além disso, você se veste igual ao primo
Matthew, um dos personagens.
Ah, e por falar nisso você recebeu algumas encomendas

esta manhã. Empilhei-as sobre a mesa para você bem ao lado



de seus romances regenciais. (Você tem recebido muitos
pacotes ultimamente, na verdade. Eu sei que eles não estão
endereçados a mim, então não estou examinando-os muito de
perto, mas tenho que admitir estou INTRIGADA. Eles são tão

estranhos???)
(Além disso, romances regenciais, hein? Eu mesma não li
muitos deles, meus prazeres culposos tendem mais para a
televisão ruim, mas… eu definitivamente aprovo.)
Cassie
Querida Cassie,
Primo Matthew, você disse? Interessante. (Ele também é
careca?)
Obrigado por cuidar dos pacotes para mim. Você está certa;
eles são estranhos. Esperamos que não haja mais deles.
Estou feliz que você aprove minhas seleções de leitura. Não
me importo muito com o foco no romance, mas acho
reconfortante ler histórias ambientadas no início do século
XIX. Eu acho que você poderia dizer que eles me lembram de
casa.
FJF
Reli sua nota mais recente, tão divertida com sua defesa de seus

romances regenciais quanto desapontada com sua falta de uma

explicação mais concreta para as encomendas que vinha recebendo.

Porque esses pacotes...

Bem.

Eles eram realmente coisa de outro mundo.

Ele recebeu seis deles desde que me mudei. Todos tinham o mesmo

endereço do remetente – o remetente era um tal de E.J, de Nova York –

escrito em uma letra ornamentada e florida que me lembrou muito a bela


caligrafia de Frederick, mas principalmente pelo fato de que sempre foi

escrito com tinta vermelho-sangue.

Os pacotes vinham em diferentes tamanhos e formatos, cada um

embrulhado em um horrível papel de embrulho floral que me lembrava a

decoração do condomínio da minha avó na Flórida. Alguns dos pacotes

emitiam cheiros estranhos. Um deles parecia ter fumaça saindo dele.

Jurei que podia ouvir um assobio vindo de outra pessoa.

Deveriam ser ilusões de ótica, concluí. Não havia como o correio

entregar algo que estivesse realmente pegando fogo. Ou cobras vivas.

Embora esses pacotes fossem endereçados a Frederick, e não a mim

– e mesmo que seu conteúdo obviamente não fosse da minha conta –,

como ele não tinha me dado esclarecimentos em seus bilhetes, decidi

perguntar a ele sobre eles na próxima vez que estivéssemos juntos no

mesmo cômodo.

Quando quer que fosse.

— você teve uma boa jornada — murmurei me


desculpando para a pintura do grupo de caça em meu quarto.

Eu me senti um pouco mal por estar retirando-o e substituindo-o por

minha própria arte. Não era culpa da pintura, ela era horrível; alguém,

em algum lugar, se esforçou muito para fazer isso. Também parecia

muito antigo, o que me fez pensar se era isso que Frederick quis dizer

quando se referiu às heranças de família.

De qualquer forma, este era meu quarto agora, e aquela pintura era o

combustível do pesadelo.

Eu cuidadosamente o levantei da parede. Devia estar ali pendurado

há anos, porque a pintura da parede atrás dele era meio tom mais escura

que o creme fosco que cobria o resto do quarto.

Peguei a primeira das três pequenas telas que estava prestes a

pendurar no lugar da Antiga Partida de Caça, sorrindo ao me lembrar de

como tinha sido divertida a semana em que as fiz. Estávamos de férias


em Saugatuck, e Sam me provocou por passar tanto tempo de nossas

férias vasculhando a praia em busca de lixo – mas ele nunca entenderia

como eu me sentia ao pegar o que outras pessoas jogavam fora e

transformá-los em arte que sobreviveria a todos nós.

Eu não tinha um trabalho de advogado tão importante como ele, mas

através da minha arte, eu fazia uma declaração. E deixava minha própria

marca no mundo.

Peguei meu martelo e arrastei a cadeira antiga que devia ser pelo

menos tão antiga quanto a cidade de Chicago até o local onde planejava

pendurar minha série. Subi nele e comecei a bater um prego na parede.

Depois de algumas pancadas fortes com o martelo, congelei,

percebendo o que estava fazendo.

Eram cinco horas.

Eu ainda estava um pouco confusa sobre o horário exato de

Frederick. Ele ainda estaria dormindo?

Se estivesse, bater na parede provavelmente o acordaria.

Se isso acontecesse, ele provavelmente sairia do quarto e me daria

um sermão sobre acordá-lo.

Eu ainda não achava que estava pronta para vê-lo novamente.

Cuidadosamente coloquei o martelo no chão, torcendo para que

Frederick não tivesse ouvido.

Mas alguns minutos depois a porta do seu quarto se abriu com um

rangido.

Porra.

— Boa noite, Senhorita Greenberg.

A voz de Frederick estava mais profunda que o normal e carregada

de sono. Virei-me lentamente para encará-lo, preparando-me para um

sermão sobre a importância de fazer silêncio quando um colega de

quarto estava tentando descansar.

Sua voz e seu cabelo desgrenhado sugeriam que ele tinha acabado de

acordar, mas estava completamente vestido com um terno marrom

listrado de três peças e um chapéu de pajem. Ele parecia um professor

de inglês do set de um filme de época, indo dar uma palestra sobre o


simbolismo encontrado em Jane Eyre ou algo assim – não como alguém

que tinha acabado de sair da cama.

Não que eu já tivesse tido um professor de inglês com essa

aparência.

Mas ele não começou uma palestra sobre Jane Eyre. Ele também não

estava olhando para mim do jeito que eu estava olhando para ele. Ele

estava olhando carrancudo para minhas telas da costa do Lago Michigan,

encostadas na parede do meu quarto, como se estivesse confuso sobre o

que estava olhando. Seus braços estavam cruzados firmemente sobre o

peito largo enquanto ele fazia uma careta, o que absolutamente não me

fez pensar sobre como era seu peito nu na outra noite. Ou a maneira

como parecia ostensivamente naquele exato segundo sob suas roupas

muito formais.

— Me desculpe por ter acordado você — eu ofereci, para direcionar

meus pensamentos para um terreno mais seguro.

Ele acenou com a mão.

— Está tudo bem. Mas... o que é isso? — Ele acenou com a cabeça

na direção das minhas paisagens.

— Você quer dizer minhas paisagens?

— É... é isso que são? — Suas sobrancelhas se ergueram. Ele entrou

no quarto, como se quisesse olhar mais de perto. — Você fez isso?

Ele parecia pelo menos tão confuso quanto meu avô sempre que via

uma de minhas peças – mas não parecia horrorizado. Ele também não

pareceu nem soou particularmente elogioso ou impressionado com

minhas criações. O que era válido. Há muito tempo eu havia aceitado o

fato de que minha arte não agradava a todos.

Mas esta série foi provavelmente o trabalho mais acessível que fiz em

anos. Para começar, era óbvio que eram imagens à beira do lago. Para

ser honesta, depois dos elogios que ele me fez pelos meus pequenos

esboços bobos em nossas anotações um para o outro, parte de mim

esperava que ele entendesse imediatamente – e apreciasse – o que eu

estava tentando fazer com essas telas.


— Eu os fiz, sim — confirmei. Tentei parecer confiante, embora

minha voz tremesse um pouco.

— E você pretende pendurá-los? — Frederick olhou para o prego

que eu tinha acabado de pregar na parede. — Aqui?

— Sim.

— Por que? — ele perguntou, caminhando em direção às minhas

telas. Ele olhou para eles, as mãos enfiadas nos bolsos das calças. Ele

parecia totalmente desnorteado. — Eu garanto que a pintura pendurada

aqui anteriormente estava datada, mas...

— Era horrível.

Ele olhou para mim, o canto direito da boca se erguendo em

diversão.

— Isso é justo. Era da minha mãe, não minha. Mas Cassie...

Ele se levantou, balançando a cabeça.

— Sim?

— É lixo — disse ele, enfatizando a palavra final.

Minha raiva aumentou. Eu já tinha ouvido esse tipo de crítica antes e

era especialista em simplesmente ignorá-la. Mas depois da emoção de

saber sobre a exposição de arte algumas horas atrás, eu não estava com

vontade.

— Minha arte não é lixo —, eu disse, desafiadoramente.

Frederick olhou novamente para a tela, dessa vez realmente

examinando-a – como se tentasse decidir se estava certo em sua

avaliação inicial.

Ele balançou a cabeça novamente.

— Mas... mas é lixo.

Um momento se passou antes que eu percebesse que ele quis dizer

isso literalmente.

— Oh. — Eu me encolhi interiormente. — Quero dizer... sim, ok. É

feita de lixo.

Ele ergueu uma sobrancelha divertida.

— Acredito que foi isso que acabei de dizer.


Não foi exatamente o que ele tinha acabado de dizer, mas deixei

passar.

— Sim — eu disse, sentindo meu rosto esquentar de vergonha pelo

mal-entendido. — Você disse.

— Admito que não entendo. — Ele balançou sua cabeça. — Com

base nas partes desta... desta cena que não está coberta de lixo, e os

desenhos que você fez para mim, sei que você é uma artista com talento.

Talvez eu tenha opiniões antiquadas, mas simplesmente não entendo por

que você gastaria seu tempo criando algo assim. — Ele encolheu os

ombros. — O tipo de arte que estou acostumada a ver é mais...

Eu levantei uma sobrancelha.

— Mais o que?

Ele mordeu o lábio, como se procurasse as palavras certas.

— Agradável de se ver, suponho. — Ele encolheu os ombros

novamente. — Cenas da natureza. Meninas usando vestidos brancos

com babados e brincando nas margens dos rios. Tigelas de frutas.

— Esta peça mostra uma praia e um lago — apontei. — É uma cena

da natureza.

— Mas está coberto de lixo.

Eu balancei a cabeça.

— Minha arte combina objetos que encontro com imagens que pinto.

Às vezes, o que encontro e incorporo é literalmente lixo. Mas também

sinto que minha arte é mais do que lixo. É significativa. Essas peças não

são apenas imagens planas e sem vida em tela. Elas dizem alguma coisa.

— Oh. — Aproximou-se ainda mais das paisagens, ajoelhando-se

para poder observá-las de perto. — E o que sua arte... diz?

Seu nariz estava a poucos centímetros de uma velha embalagem de

Quarteirão com Queijo do McDonald's que eu plastifiquei na lona para

parecer que estava saindo do Lago Michigan. Eu pretendia que

representasse o domínio esmagador do capitalismo sobre o mundo

natural. Além disso, parecia legal.

Mas decidi dar-lhe uma explicação mais ampla.


— Quero criar algo memorável com minha arte. Algo duradouro.

Quero proporcionar às pessoas que veem meus trabalhos uma

experiência que não desaparecerá. Algo que permanecerá com eles

muito depois de verem.

Ele franziu a testa com ceticismo.

— E você consegue isso exibindo coisas efêmeras que outros jogam

fora?

Eu estava prestes a contra-argumentar, dizendo a ele que até mesmo

a pintura mais bonita no museu mais luxuoso desvanecia da memória

quando os visitantes voltavam para casa. Que ao usar coisas que outras

pessoas descartavam, eu transformava o efêmero em permanente de uma

maneira que nenhuma aquarela bonita jamais poderia.

Mas então, de repente, percebi o quão perto estávamos. Durante

nossa conversa, ele deve ter se aproximado gradualmente até que agora

havia apenas alguns centímetros de espaço nos separando. Minha mente

voltou para a outra noite – meu cabelo molhado pingando sobre meus

ombros nus, seus olhos castanhos escuros arregalados de surpresa

enquanto ele olhava para todos os lugares, menos para mim.

Ele estava olhando para mim agora, no entanto. E seus olhos estavam

por toda parte. Eles desceram lentamente pela encosta do meu pescoço,

permanecendo na pequena cicatriz irregular abaixo da minha orelha que

ganhei quando criança, antes de passar para a curva suave dos meus

ombros. Eu não estava vestindo nada particularmente bonito, apenas

uma camiseta fina e uma calça jeans velha – mas seu olhar estava

aquecido mesmo assim. Isso me fez sentir tonta e quente de uma forma

que eu não tinha palavras para descrever.

Eu queria me aproximar dele, então o fiz, sem me preocupar em

parar e me perguntar se isso era uma boa ideia. Mas então, um momento

depois, ele se endireitou, como se estivesse voltando a si, e então

rapidamente recuou e se afastou de mim. Ele enfiou as mãos nos bolsos

das calças mais uma vez, olhando para os sapatos brilhantes com pontas

de asas como se fossem as coisas mais fascinantes do mundo.


O momento acabou. Mas de alguma forma, parecia que algo entre

nós havia mudado. Havia uma doce e elétrica antecipação no ar que não

existia antes. Eu não tinha certeza se tinha palavras para definir o que

era. Tudo que eu sabia era que queria sentir isso novamente. Eu queria

senti-lo. A superfície dura de seu peito largo sob minhas mãos. Seus

lábios, sua respiração, quente e doce contra meu pescoço.

Balancei a cabeça para tentar clareá-la. Este era um homem que eu

mal conhecia, lembrei a mim mesma. Este era meu colega de quarto.

Não funcionou.

— Eu... Posso tentar explicar minha arte para você — ofereci, só

para ter algo a dizer. Na minha cabeça, a voz de Sam gritou: Má ideia,

má ideia, como uma buzina de alerta. Eu ignorei. Francamente, naquele

momento não me importei se era uma má ideia. Meu coração estava

acelerado, o sangue bombeando quente em minhas veias. — Se você

quiser.

Ele hesitou, ainda sem olhar para mim. Ele balançou sua cabeça.

— Provavelmente não é uma boa ideia — disse ele, ecoando a voz na

minha cabeça. — Suspeito que sou um caso perdido quando se trata de

arte moderna.

Eu podia sentir que ele estava tentando colocar alguma distância

entre nós depois... bem, depois do que quer que tenha acontecido. Eu

não queria que ele fizesse isso.

— Nunca conheci ninguém que fosse um caso perdido.

Seus olhos se fecharam.

— Você nunca conheceu ninguém como eu, senhorita Greenberg —

disse ele, parecendo quase triste com isso, antes de se virar e sair do

meu quarto.

Demorou mais alguns minutos até que eu conseguisse me recompor

o suficiente para pensar direito. Quando o fiz, afundei na cama,

enterrando o rosto nas mãos.

As palavras de advertência de Sam outro dia de repente voltaram à

minha mente: Viver com alguém que você acha gostoso nunca acaba

bem. Ou você acaba dormindo com eles, o que é um grande erro, nove
em cada dez vezes, ou então você enlouquece porque quer dormir com

eles.

Eu gemi.

Bem, parecia que Sam estava certo.

O que diabos eu iria fazer?


SEIS

Carta do Sr. Frederick J. Fitzwilliam à Sra.


Edwina Fitzwilliam, datada de 26 de outubro
Minha querida Sra. Fitzwilliam,
Espero que esta carta a encontre bem e de bom humor.
Muita coisa mudou na quinzena desde a última vez que
escrevi. Agora moro com uma jovem chamada Srta. Cassie
Greenberg. Estou aprendendo muito sobre arte, cultura
popular do século XXI, palavrões e trajes simplesmente por
observá-la e estar em sua presença ocasional. A cada dia me
sinto mais eu mesmo e mais à vontade neste estranho mundo
moderno.
E então peço novamente: por favor, pare de se preocupar
tanto comigo. Não há necessidade de você escrever com
tanta frequência, nem de perguntar repetidamente sobre
minha saúde a Reginald. (Sim, ele me contou tudo.) Estou
tão são de mente, corpo e espírito como sempre estive.
Além disso, devo insistir que você termine o acordo que
você fez com a Srta. Jameson em meu nome. Mal conheço
esta mulher e, como você bem sabe, Paris foi há mais de um
século. Eu mesmo terminaria o acordo, mas penso que isso não
seria apenas imprudente, mas também injusto, tanto para
mim como para a Sra. Jameson. Por favor, peça também à
senhorita Jameson que pare de me enviar presentes. Ela
ignorou minhas súplicas, mesmo eu tendo enviado cada
presente de volta para ela, sem abrir assim que eles
chegavam.
Escreverei mais em breve. Dê meus cumprimentos a todos
na propriedade. Espero que o tempo em Nova York esteja
muito bom.
Amor,
Frederick
Olá Frederick,
Estaria tudo bem se eu aumentasse alguns graus a temperatura
do apartamento? Não quis dizer nada sobre isso, já que você
paga pelas contas básicas, mas está um pouco mais frio aqui
do que estou acostumada. Até mesmo três cobertores não são
suficientes à noite.
Cassie
Querida Cassie,
Por favor, aceite minhas desculpas. As temperaturas frias não
me incomodam como incomodam outras pessoas, e eu deveria
ter previsto que você preferiria um lugar mais quente para
morar. Deixe-me saber a temperatura que devo ajustar o
termostato para você ficar mais confortável e eu cuidarei
disso.
Eu gostaria que você tivesse dito algo sobre isso para mim
antes. Odeio a ideia de que você está desconfortável desde
que se mudou.
FJF
ps: Aquele desenho que você desenhou de si mesma vestindo
uma parca e luvas é adorável, embora me faça sentir ainda
mais mal por mantê-la no frio por tanto tempo.

Frederick,
Obrigada!!!!! Porém, não gostei da ideia de você ter contas
básicas mais altas por minha causa (é por isso que não disse
nada antes). Posso pagar a diferença?
(Além disso, estou feliz que você tenha gostado do
desenho. Adorável, entretanto?! Gastei cerca de 5 minutos
nela. As luvas estão totalmente tortas.)
Cassie
Cassie,
Não se preocupe com a diferença na conta de luz. Eu vou
cobrir isso.
E se você desenhou algo tão precioso em apenas cinco
minutos, ouso dizer que você é realmente muito talentosa.
Acho as luvas tortas especialmente charmosas.
FJF

eu estava a meio quarteirão de distância em direção ao


metrô, a caminho do meu turno na biblioteca, quando percebi que tinha

esquecido meu bloco de desenho.

Olhei para o meu telefone. Era noite de Noite no Museu na

biblioteca, e as crianças começariam a aparecer em quarenta e cinco

minutos. Eu não conseguia desenhar no trabalho com uma biblioteca

cheia de crianças munidas de pincéis, mas àquela hora geralmente havia

alguns assentos vagos no trem para que eu pudesse desenhar no

caminho. Eu estava começando a pensar em qual seria minha peça para


a exposição de arte. Minha conversa com Frederick, na outra noite,

sobre minha arte me deu um pequeno indício de uma ideia de

submissão: eu criaria uma cena pastoral tradicionalmente pintada – um

campo de margaridas, possivelmente um lago – e depois a subverteria

com algo decididamente não pastoral, como filme plástico ou canudos

de refrigerante trabalhados na tela.

Ainda era cedo e eu tinha mais o que pensar antes de estar pronto

para pintar a tela. Mas eu levava meu bloco de desenho comigo aonde

quer que fosse, para o caso de a inspiração e alguns minutos de tempo

livre coincidirem.

Passava pouco das seis. Só tive tempo de correr de volta para casa,

pegar meu bloco de desenho e chegar à biblioteca a tempo para a noite

de arte. Seria apertado, e Marcie provavelmente ficaria um pouco

irritada comigo – mas eu conseguiria.

Subi as escadas até o nosso apartamento de dois em dois degraus,

sem me preocupar com a quantidade de barulho que fazia. Eu não sabia

se Frederick estava em casa, mas a essa hora ele já estaria acordado ou

teria saído. De qualquer forma, não precisei me preocupar em acordá-lo.

Meu bloco de desenho estava onde o deixei, na mesa da cozinha, ao

lado do bilhete que deixei para Frederick naquela manhã:

Ei Frederick — não estarei muito em casa nos próximos dias.


Tenho um turno noturno esta noite e vou jantar no Sam amanhã.
Então você poderia colocar o lixo para fora esta semana?
Obrigada! Prometo que farei isso na próxima semana.
Cassie
No final da nota, eu esbocei um cartunista sorridente segurando uma

lata de lixo acima da cabeça. Frederick afirmava gostar dos meus

pequenos desenhos, e seus elogios – sempre formulados em uma

linguagem tão formal, mas aparentemente genuínos – sempre faziam

meu estômago dar uma reviravolta engraçada.


Ao pegar meu bloco de desenho na mesa da cozinha, percebi que ele

havia escrito uma resposta curta:

Querida Cassie,
Sim, posso retirar a lata de lixo. Não é nenhum problema e
você não precisa se preocupar em “compensar isso para mim”.
Além disso, esse desenho é muito legal (todos os seus
desenhos são muito legais, tudo em você é muito legal) mas
deveria ser eu? Tenho certeza de que nunca sorrio assim.
Seu,
FJF
Ele acrescentou seu próprio desenho de um boneco palito à nota,

com uma carranca exagerada quase tão grande quanto a cabeça. Eu não

pude deixar de rir.

O desenho era tão bobo.

E Frederick era o mais longe que uma pessoa poderia ser de boba.

Ou pelo menos era o que pensava.

Além disso – o Seu, FJF?

Seu.

Isso era novo.

Recusei-me a me deixar pensar sobre o que isso poderia significar.

Mesmo assim, não consegui evitar que o sorriso se espalhasse pelo meu

rosto enquanto pegava meu bloco de desenho.

Eu ainda estava sorrindo quando abri a geladeira para pegar uma

maçã antes de sair para a biblioteca.

Mas quando vi o que havia dentro, meu rosto congelou.

Meu corpo inteiro congelou.

O tempo parou.

Depois do que poderiam ter sido vários minutos olhando entorpecida

para o conteúdo da geladeira, comecei a gritar.


Meu bloco de desenho escorregou de minhas mãos e caiu no chão,

esquecido. Continuei olhando para a geladeira, minha mente girando

enquanto tentava entender o que estava vendo.

Devia haver pelo menos trinta sacos de sangue ali, dispostos em

fileiras ordenadas ao lado de uma tigela de kumquats, meu galão de suco

de laranja pela metade e uma caixa de Velveeta. Cada bolsa estava

etiquetada por tipo de sangue e data, e trazia o tipo de adesivo com

código de barras que eu lembrava vagamente de ter colocado em bolsas

de doação de sangue quando fiz uma doação no passado.

O cheiro forte e metálico do sangue era espesso, enchendo o ar e

quase me fazendo engasgar.

Ao contrário do que vi nos hemocentros, nem todas essas bolsas

estavam lacradas. Algumas estavam quase vazias, com um par de

pequenos furos no topo. O sangue escorria de um deles, deixando uma

poça pequena, pegajosa, vermelha e secando na prateleira do meio.

Nada disso estava lá naquela manhã.

Por que estava lá agora?

Eu ainda estava em frente à geladeira aberta, olhando boquiaberta

para seu conteúdo, ficando tonto com o cheiro de sangue e com o choque

do que havia encontrado, mas atordoada demais para me afastar, quando

a porta da frente do apartamento se abriu. Ouvi ao longe os passos

pesados de Frederick quando ele entrou.

— Frederick — eu gritei, minha voz grossa. — O quê... o que tudo

isso está fazendo aqui?

Algo muito pesado caiu no chão. E então veio o suspiro estrangulado

de Frederick.

— Ah, porra.

Olhei para ele, minha mão ainda apertada na maçaneta da porta da

geladeira. Os olhos de Frederick estavam arregalados, as mãos

agarrando o cabelo com as duas mãos. Havia um pacote grande

embrulhado em papel de embrulho rosa brilhante e amarrado com uma

fita rosa claro a seus pés.

— Por favor, eu posso explicar. Não... não fique histérica.


Fiquei boquiaberta para ele.

— Eu não estava ficando histérica antes de você dizer isso.

Ele enterrou o rosto nas mãos.

— Você... não era para ver isso. Você disse que iria sair esta noite.

Eu–

— Frederick?

— Não era assim que tudo isso deveria acontecer.

Esperei que ele continuasse, explicando por que acabei de encontrar

bolsas de sangue no mesmo lugar onde eu guardava meu café da manhã.

Quando ele continuou parado ali, olhando para mim boquiaberta como

um peixe fora d'água, fechei os olhos e deixei a porta da geladeira se

fechar.

Contei lentamente até dez, respirando profundamente pelo nariz para

tentar me acalmar.

— Frederick… — comecei.

— Você obteve algum O negativo desta vez, Freddie? Estou faminto.

— Uma voz masculina alta veio do corredor, suas palavras eram tão

difíceis de processar que fizeram o resto do que eu estava prestes a dizer

morrer na minha garganta. Um momento depois, um cara de aparência

vagamente familiar, com cabelo loiro sujo, entrou no apartamento como

se fosse o dono do lugar, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça

jeans. Sua camiseta preta dizia Esta é a Aparência De Um Clarinetista e

esticava um pouco demais sobre o peito.

De repente, percebi onde o tinha visto antes.

Ele era o cara esquisito de sobretudo e chapéu de feltro que me

avaliou no Gossamer's outra noite.

Eu estava presa no que ele tinha acabado de dizer.

Você obteve algum O negativo desta vez, Freddie? Estou faminto.

Tentei entender o que estava ouvindo, mas meu cérebro parecia lento

– como se estivesse processando coisas na metade da velocidade normal.

Eu não tinha ideia de quem era o cara estranho da cafeteria ou por

que ele estava lá. Ele, porém, me reconheceu imediatamente.


— Ei, Cassie Greenberg. — Ele parecia surpreso em me ver, mas

não infeliz com isso. Ele sorriu, exibindo dentes brancos perfeitamente

retos e brilhantes. Ele estendeu a mão para mim. Depois de uma pausa

constrangedora, percebi que ele queria que eu a sacudisse. Lentamente,

como se estivesse passando por um sonho, apertei sua mão na minha.

Era como segurar um bloco de gelo.

— Meu nome é Reggie — disse ele, ainda sorrindo. — Nos

conhecemos outra noite no café. — Ele fez uma pausa. — Bem. Meio

que nos conhecemos, de qualquer maneira.

Reggie.

Seria este o Reginald que Frederick mencionou algumas vezes de

passagem? Ele deu alguns golpes rápidos em minha mão antes que eu

me soltasse.

Olhei entre ele e Frederick – que, por sua vez, parecia querer que o

chão se abrisse e o engolisse inteiro – tentando entender o que estava

acontecendo.

— Eu disse a Freddie que ele precisava confessar tudo a você. —

Reggie deu uma cotovelada nas costelas de Frederick com bom humor.

— Mas deduzo pela expressão em seu rosto que ele não me ouviu.

Ele cutucou Frederick nas costelas novamente – desta vez com mais

força. Mas Frederick estava claramente ignorando-o. Seus olhos

perfuraram os meus, implorando sem palavras para que eu entendesse...

algo.

— Senhorita Greenberg — ele começou, parecendo desesperado. —

Cassie — ele emendou.

— Sobre o que você precisa confessar, Frederick? — O instinto me

disse que eu não podia confiar em Reggie, Reginald, nem um

pouquinho. Mas o desespero de Frederick confirmou que ele estava certo

em pelo menos uma coisa: havia muita coisa que Frederick não estava

me contando.

— Fale, Freddie! — Reggie encorajou. Ele deu um tapinha nas

costas de Frederick.

— Vá embora — Frederick murmurou, seu tom assassino. — Agora.


— Em um minuto — disse Reggie, em uma canção leve e monótona.

— Já faz um tempo que não vejo um bom show. — Ele entrou na sala de

estar, contornando Frederick e o grande pacote embrulhado a seus pés, e

depois foi direto para a cozinha, onde eu ainda estava enraizada no lugar

ao lado da geladeira da desgraça.

— Acho que vou fazer um lanche antes de ir — ele sussurrou em

meu ouvido, de forma conspiratória. Ele abriu a geladeira com um

floreio, depois enfiou a mão dentro e pegou vários sacos plásticos com

sangue.

Meus olhos se arregalaram.

Com um piscar de olhos para mim, Reggie mordeu um dos sacos

com o que, aos meus olhos, parecia muito com presas.

Enquanto eu o observava engolir o saco, depois jogá-lo no lixo –

vazio em segundos, totalmente drenado – e morder em um segundo,

senti a sala começar a girar. Eu nunca fui uma pessoa particularmente

sensível; mas então, nada em nenhuma das minhas experiências de vida

me preparou para o que estava vendo agora.

— Reginald — Frederick rosnou em advertência. — Saia. Agora.

Ele fez beicinho.

— Mas acabei de chegar! Íamos dar uma festinha antes que sua

colega de quarto chegasse.

— Reginald.

— Freddie — Reginald revirou os olhos. — Deixe de ser tolo. Você

está tão faminto quanto eu. Você não quer um lanche também?

Sem esperar resposta, Reggie pegou outra sacola na geladeira e jogou

para Frederick – que a pegou com facilidade.

A visão de Frederick – meu colega de quarto que ficava fora a noite

toda por motivos enigmáticos e dormia o dia todo, que vestia ternos

vintage e falava como alguém de uma época diferente – segurando uma

bolsa de sangue...

A última peça do quebra-cabeça se encaixou.

Eu sabia exatamente o que ele não estava me contando.


— Frederick… — Comecei, o chão sob meus pés ficando

decididamente instável.

Como isso era real?

Frederick limpou a garganta.

— Ocorre-me que já passou da hora de eu lhe contar várias... coisas

muito específicas sobre mim. — Ele estava olhando para Reginald, mas

estava claro que ele estava falando comigo. Ele teve a decência de

parecer envergonhado. O que... bem. Bom. Eu tinha certeza de que ele

estava mentindo na minha cara sobre muitas coisas importantes desde

que o conheci.

Sentir-se mal por isso era certamente um passo na direção certa.

— Vá em frente — eu pedi.

— Eu não sou... não sou o que você pensa que sou.

Eu bufei.

— Eu imaginei. — Minhas palavras saíram mais geladas do que eu

pretendia. Mas vamos lá. Ele achou que eu era uma idiota? — O que

você é?

Eu sabia, no entanto. Uma pessoa teria que ser muito estúpida para

tropeçar no estoque de sangue de seu colega de quarto e observar seu

amigo servir-se de alguns deles como se fosse algo que ele fazia todos os

dias, e não perceber imediatamente algumas verdades bastante

incômodas.

Eu ainda precisava ouvi-lo dizer isso, no entanto. Depois de uma

vida inteira pensando que pessoas como Frederick só existiam em

romances para jovens adultos e antigos filmes de terror, era a única

maneira de acreditar no que tinha visto com meus próprios olhos.

Frederick suspirou, passando a mão pelo rosto perfeito. Ele mordeu o

lábio, hesitante – e, não, meus olhos não foram atraídos pela forma

como seus dentes brancos pressionaram a carne macia e carnuda de seu

lábio inferior. Eu cansei de fantasiar com meu colega de quarto

injustamente gostoso. Essa fase da minha vida estava cem por cento

terminada.

— Eu sou um vampiro, Cassie.


Sua voz era muito baixa, mas suas palavras me atingiram com a força

de um furacão. Eu já tinha adivinhado a verdade, mas ainda tropecei sob

o peso de sua confissão.

De repente, parecia que todo o oxigênio havia sido sugado da sala.

Eu tinha que sair de lá.

Agora.

Sam e Scott me acolheriam. Fazer com que acreditassem que meu

colega de quarto era um vampiro poderia ser difícil, mas...

Não. Fazer com que eles acreditassem que meu colega de quarto era

um vampiro seria impossível. Sam era advogado e Scott era acadêmico.

Eles não tinham imaginação suficiente para trocar uma lâmpada. E eu

sempre fui a amiga excêntrica. Aquela que conseguia dar despedidas de

solteiro maravilhosas e colecionar crises existenciais como Pokémon,

mas que estava sempre bagunçando as áreas mais importantes de sua

vida.

Eles provavelmente pensariam que eu estava delirando se contasse a

verdade.

Mas isso não importava. Eles veriam que eu estava desesperada

quando chegasse tarde da noite e sem avisar. Eles me acolheriam.

Eu tive que rir do quão estúpida eu tinha sido. Comecei a sentir

sentimentos por Frederick. Enquanto isso, ele estava esperando a

oportunidade perfeita para morder meu pescoço!

— Cassie — disse Frederick, parecendo em pânico. — Eu posso

explicar.

— Eu acho que você acabou de fazer isso.

— Eu não fiz. Eu lhe dei algumas informações que deveria ter

compartilhado com você desde o início, mas...

Eu suspirei.

— Eu que o diga.

Ele parecia castigado, olhando para o chão.

— Eu ainda gostaria de uma chance de me explicar completamente.

Se você permitir.

Mas eu já estava avançando em direção à porta da frente.


— O que há para explicar? Você é um vampiro. Você está ganhando

tempo, esperando pela chance de me atacar, cravar os dentes em meu

pescoço e beber meu sangue.

— Não — disse Frederick, enfaticamente. Ele balançou sua cabeça.

— Nunca foi minha intenção prejudicar você.

— Por que eu deveria acreditar em você?

Ele fez uma pausa, considerando minha pergunta.

— Sei que não lhe dei muitos motivos para confiar em mim. Mas

sinceramente, Cassie. Se eu fosse me alimentar de você, não teria feito

isso antes?

Eu olhei para ele.

— Isso deveria ser reconfortante?

Ele estremeceu.

— Isto... soou melhor na minha cabeça — ele admitiu. — Mas, por

favor, acredite em mim quando digo que, para todos os efeitos, não me

alimento de um ser humano vivo há mais de duzentos anos.

Há mais de duzentos anos.

A sala ficou girando novamente à medida que toda a extensão do que

ele estava me dizendo era absorvida.

Frederick não era apenas um vampiro.

Ele também era muito, muito velho.

— Eu não posso fazer isso — eu murmurei. Eu tive que ir embora.

— Estou indo embora.

— Cassie–

— Estou indo embora — eu disse, tropeçando para fora da cozinha.

— Jogue fora todas as minhas coisas se quiser. Eu não ligo.

— Cassie. — A voz de Frederick parecia dolorosa. — Por favor,

deixe-me explicar. Eu preciso de sua ajuda.

Mas eu já estava abrindo a porta da frente do apartamento e

descendo as escadas correndo, com o coração batendo forte nos meus

ouvidos.
SETE

Mensagens de texto entre o Sr. Frederick J.


Fitzwilliam e o Sr. Reginald R. Cleaves
Ei Freddie

Você está bem?

Não. Estou o oposto de bem.

A mulher que eu esperava que me ensinasse como


viver no mundo moderno fugiu de mim por sua
causa.

O que você estava pensando ao se comportar


daquele jeito na frente da minha colega de quarto?

Ela merecia saber a verdade sobre você.

Eu ainda estava trabalhando em como contar a ela.

Ela é humana

Não dizer a ela que você é um vampiro logo de cara


foi uma jogada de babaca

Não sei o que é “uma jogada de babaca”.

Estou insultando você

Bem, suponho que, neste caso, eu mereço.


Por que você não contou a ela

É complicado.

Complicado?

Sim.

lol

Cassie diz “lol” em algumas de nossas anotações,


mas não sei o que isso significa.

Espere

Você e Cassie deixam bilhetes um para o outro?

Além disso, desde quando você a chama de Cassie


em vez de Srta. Greenberg?

Eu a chamo de Cassie porque ela me pediu. E sim,


deixamos bilhetes um para o outro.

Afinal, somos colegas de quarto.

Ou melhor, éramos colegas de quarto.

Vocês trocam mensagens de texto também?

Às vezes.

Mas você ODEIA mensagens de texto

Isso é verdade.

Você nunca me responde, a menos que esteja tendo


uma crise

Sim. Mas você é um idiota.

Com que frequência você e Cassie trocam


mensagens de texto?

Eu não acompanho essas coisas.


Nosso método típico de comunicação é deixar
bilhetes um para o outro na mesa da cozinha.
Dessa forma não preciso usar esse dispositivo
infernal para me comunicar com ela.

Às vezes ela desenha algo nos bilhetes.

Eles são adoráveis.

Ela é uma artista bastante talentosa.

Na verdade, ela é muito boa em muitas coisas.

Eu não acredito nisso

No que você não acredita?

Você está na dela

Seu DEPRAVADO! Como você ousa?!

O que?????

Oh. Não, lol

“Você está na dela” é apenas uma figura de


linguagem moderna, amigo

Significa apenas que você tem sentimentos


românticos por ela.

Oh.

Eu vejo.

Você ainda está errado, no entanto.

Ok, haha

Ouça. Há quanto tempo eu te conheço?

Estremeço só de pensar.

Você JÁ conversou com uma mulher mais de uma


vez por mês antes
Não. Mas também nunca morei com uma mulher
antes.

Quando você pensa que Cassie não mora mais com


você, como você se sente?

Quando penso em Cassie nunca mais voltando para


mim, fico triste.

Acordar à noite não é mais emocionante agora que


sei que não verei o rosto dela.

Então você gosta dela, é o que estou ouvindo

Absolutamente não. Eu NÃO estou “na dela”.

Eu simplesmente gosto dos desenhos dela.

E tudo sobre sobre ela

Ah, isso vai ser bom

sam morava em uma parte da cidade que era popular


entre os jovens profissionais que tinham cachorrinhos de raça pura e

trabalhavam sessenta horas por semana em seus empregos no Loop.

Visitar Sam e Scott em seu apartamento de arenito no segundo andar

geralmente me lembrava do fracasso colossal que eu era na maioria das

áreas da minha vida. E ficar com eles depois de fugir do apartamento de

Frederick foi extremamente estranho.

Por um lado, dividir um banheiro pequeno com dois caras – mesmo

caras tão arrumados e certinhos como Sam e Scott – não era o ideal. Eu

não tinha tempo suficiente para ficar lá pela manhã e, como eles eram

muito mais peludos do que eu, o ralo da banheira era vinte e cinco por

cento mais nojento do que o estritamente necessário. Por outro lado,

seus gatos Sophie e Moony, embora adoráveis, gostavam de pisar em

mim durante a noite enquanto eu tentava dormir no sofá da sala.

Por outro lado, Sam e Scott eram recém-casados em todos os

sentidos da palavra. Suas paredes eram lamentavelmente finas. Sam era

barulhento. Dormir na sala de estar me deu um lugar na primeira fila


para testemunhar as suas noites de intimidade, uma punição que

ninguém merecia. Menos ainda eu, a melhor amiga de Sam desde a sexta

série.

Por pior que tenha sido viver com um vampiro que escondia de mim

ser um vampiro, viver com recém-casados – mesmo que por apenas dois

dias – poderia ter sido pior.

— Bom dia — disse Sam, bocejando, ao sair do quarto. Ele

esbanjava um enorme chupão roxo no pescoço. Eu tinha quase certeza

de que tinha ouvido cada segundo do processo de fazer essa marca na

noite anterior. Deus, como eu gostaria de não ter ouvido.

— Dia — Afastei a colcha sob a qual dormia e esfreguei os olhos.

Eu estava exausta. Entre todo o sexo que acontecia no quarto ao lado, a

propensão de Moony em colocar pelos brancos e macios no meu

travesseiro e o sofá irregular de Sam, o sono tinha sido difícil nas

últimas duas noites. Mas eu não queria que Sam soubesse disso. As

acomodações podem estar faltando em vários aspectos importantes, mas

ele e Scott ainda estavam me fazendo um grande favor.

E nenhum deles fez perguntas investigativas sobre por que eu estava

lá quando apareci há duas noites atrás. Fiquei grata por isso.

Sam tirou a caixa de mingau de aveia da despensa e perguntou, ainda

de costas para mim:

— Quais são seus planos para o dia?

Eu não sabia se isso era um comentário passivo-agressivo sobre eu

ainda dormir no sofá dele dois dias depois de aparecer sem nenhuma das

minhas coisas e sem explicações. Parecia um, no entanto. Em uma hora

ele estaria saindo de calça e camisa de botão, pronto para mais um dia

como associado de um escritório de advocacia – e eu ainda estaria sem

teto e tão incerta sobre meu próximo passo quanto sempre estive.

Desviei o olhar, mexendo nas franjas da colcha que ainda cobriam

minhas pernas.

— Vou ao centro de reciclagem hoje.

Isso era parte da verdade, de qualquer maneira. Sam não precisou

ouvir o resto – antes de ir para o centro de reciclagem, planejei assistir


alguns episódios de Buffy, a Caçadora de Vampiros. Para pesquisa – ou

pelo menos foi o que disse a mim mesma. O programa devia ser

totalmente impreciso quando se tratava de detalhes vampíricos, mas

depois de dois dias processando o que aconteceu com Frederick na outra

noite, meu pânico sobre a situação estava desaparecendo. E minha

curiosidade estava crescendo.

Como era ser um imortal que bebia sangue humano? O coração de

Frederick batia? Quais eram as regras que governavam como ele vivia,

comia... e morria? Não era muito, mas sem entrar em contato com o

próprio Frederick, Buffy era tudo que eu tinha para orientação. Tinha

que ser uma representação mais precisa dos vampiros do que

Crepúsculo ou aqueles antigos romances de Anne Rice, certo? Além

disso, foi um show agradável.

O fato de Buffy também mostrar relacionamentos românticos entre

humanos e vampiros não teve absolutamente nada a ver com o meu

interesse, é claro. Nem o fato de eu não ter conseguido captar o olhar

suplicante de Frederick, ou suas garantias de que ele nunca faria mal a

mim, fora da minha cabeça desde a manhã em que acordei no sofá de

Sam.

— O centro de reciclagem, hein? — As costas de Sam ainda estavam

voltadas para mim enquanto ele vasculhava os armários em busca de

uma panela.

— Sim — eu disse. — Preciso começar a enviar minha exposição de

arte. — Desde que saí do apartamento de Frederick, minha ideia de uma

cena pastoral que incorporasse pedaços de plástico descartável estava

começando a tomar forma em minha mente. Mas eu ainda precisava

pensar em alguns dos detalhes mais sutis. Que cores funcionariam

melhor para a mansão decadente que eu pintaria? O campo em frente à

casa deve confinar com um lago ou riacho?

Canudos de refrigerante ou embalagens de barras de chocolate

funcionariam melhor para a parte subversiva do meu projeto – ou devo

usar uma combinação de ambos?


Eu esperava chegar a algumas conclusões no centro de reciclagem

naquela tarde. Eu sempre pensava melhor no lixão.

O sorriso de Sam era caloroso e encorajador.

— Estou tão feliz que você está se expondo assim, Cassie.

— Eu também. — Foi a verdade. — Não há como saber se a

exposição de arte aceitará minha obra, mas é bom trabalhar novamente

em algo grande.

Sam foi até a sala enquanto comia seu mingau de aveia.

— A propósito — disse ele, fingindo indiferença —, alguém colocou

uma carta endereçada a você debaixo da nossa porta ontem à noite.

Olhei para ele, surpresa.

— Mesmo?

— É tão sofisticada que a princípio pensei que pudesse ser uma

convocação para visitar o rei da Inglaterra. — Ele levantou uma

sobrancelha para mim. — Mas então me lembrei que essas coisas

geralmente não são colocadas por baixo da porta no meio da noite.

Sam ergueu um envelope que eu não o vi trazer para a sala e jogou-o

na mesinha de centro entre nós.

Minha respiração ficou presa.

Era o papel de carta de Frederick – um envelope quadrado,

esbranquiçado, idêntico aos que ele usava em todas as suas anotações

para mim. Mesmo que ele tivesse usado papel de caderno comum, eu

saberia imediatamente que isso era dele. Ele havia escrito Senhorita

Cassie Greenberg na frente com a mesma caligrafia elegante e com a

mesma tinta azul que usava em toda a nossa correspondência.

Seu familiar selo de cera vermelho-sangue mantinha o envelope

fechado.

FJF

Antes de conhecer Frederick, eu não sabia que ainda existiam selos

de cera. Tudo naquele homem era um anacronismo, percebi. Fora de


lugar. De uma época completamente diferente.

Quantas pistas sobre quem e o que ele realmente era eu havia

deixado passar?

Sam fingiu voltar sua atenção para seu mingau de aveia, mas pude

sentir seus olhos em mim quando deslizei meu dedo por baixo do selo e

o quebrei. Sam estava curioso sobre esta carta, mas eu ainda não tinha

encontrado coragem para lhe contar a verdade sobre Frederick ou por

que eu estava hospedada em seu apartamento. Eu simplesmente não

tinha energia para discutir nada com ele.

Me preparando, tirei a única folha dobrada de papel duro e

esbranquiçado do envelope e comecei a ler.

Querida Cassie,
Espero que esta carta lhe encontre bem.
Escrevo para avisar que seus pertences estão exatamente
onde você os deixou. Quando você foi embora, você disse que
eu poderia me desfazer de tudo o que você deixou para trás.
Dito isto, suspeito que o que resta em minha casa constitui a
maior parte de seus bens materiais. Suspeito ainda que você
disse o que disse apenas por medo e no calor do momento – e
que, de fato, deseja que suas coisas lhe sejam devolvidas.
Se eu não receber uma resposta a esta carta dentro de uma
semana, presumirei que você realmente não deseja ter suas
coisas de volta e combinarei com Gerald para que elas sejam
doadas para instituições de caridade. (Gerald cuida da
reciclagem do nosso prédio. Falei com ele pela primeira vez
ontem. Você sabia que ele trabalha para o departamento de
saneamento da cidade há vinte e dois anos e tem dois filhos
adultos? Eu não sabia. Mas provavelmente você já sabe, já
que você retirou a reciclagem várias vezes nas duas semanas
que moramos juntos e você é muito calorosa e amigável com
todos.)
Por favor, avise-me o mais rápido possível se você deseja que
suas coisas sejam devolvidas a você. Posso até providenciar
para que você possa coletá-las sem precisar interagir comigo,
se quiser.
Apesar de como terminamos as coisas, quero que saiba que
foi realmente um prazer conhecê-la e ter sido seu
companheiro de quarto durante o curto período em que
estivemos juntos. Lamento muito ter chateado e assustado
você por causa da minha falta de divulgação completa e de
minhas ações.
Seu,
Frederick
Engoli o nó na garganta e li a carta de Frederick uma segunda vez.

Seu, Frederick.

Ele era tão… sincero.

E atencioso. Além do elogio que ele me fez – você é tão calorosa e

amigável com todos – ele me entendeu bem o suficiente para saber que

depois que meu pânico diminuísse, eu provavelmente iria querer minhas

coisas de volta.

Sem ele por perto.

A vulnerabilidade que Frederick deve estar sentindo praticamente

saltou da página. No entanto, eu poderia dizer que ele se esforçou muito

para tentar esconder isso. Pensei na noite em que ele se esforçou tanto

para entender minha arte. Pensando bem, é claro que minha arte não

fazia sentido para ele. O homem tinha centenas de anos! Mas ele tentou

mesmo assim, ouvindo atentamente enquanto eu explicava a ele – tudo

porque era importante para mim.

Talvez Frederick estivesse dizendo a verdade quando disse que nunca

quis me machucar. Parecia cada vez mais provável. Ele poderia não estar

tecnicamente vivo – e sim, ele era um vampiro – mas ele também era…

Gentil.
E atencioso.

É possível que ele estivesse fingindo tudo isso só para me atrair, mas

com alguma distância dos acontecimentos da outra noite, não achei que

ele estivesse fingindo.

— Você está planejando me contar o que está acontecendo? — A voz

afiada de Sam interrompeu meus pensamentos.

Mordi o lábio, desviando o olhar.

— O que você quer dizer?

Sam colocou sua tigela de mingau de aveia na mesa de centro e

assumiu o que Scott e eu secretamente chamamos de postura de Sam, o

Advogado: inclinando-se para a frente na cadeira, cotovelos sobre os

joelhos. Eu me familiarizei tanto com isso ao longo dos anos que tive a

sensação de que sabia no que estava me metendo.

— Você apareceu em nosso apartamento outra noite sem nenhuma

das suas coisas, sem aviso e sem explicação — ele começou. — Parecia

que você tinha acabado de ver um fantasma. Você também está assim

agora, lendo e relendo uma carta que parece ter sido escrita com pena e

tinteiro.

Pressionei a carta contra meu peito reflexivamente.

— Esta é minha correspondência particular.

Sam revirou os olhos.

— Você está literalmente na minha sala, Cass. Minha pergunta

permanece. O que está acontecendo?

Fiz uma pausa, tentando pensar em como responder a essa pergunta

sem levantar mais nenhum sinal de alerta na mente de Sam.

— Esta carta é de Frederick — eu disse, com muito cuidado. — Ele

quer devolver minhas coisas, mas eu… — Eu parei. Respirei fundo. —

Acho que preciso conversar com ele. Posso ter sido muito precipitada

quando me mudei.

Sam levantou-se abruptamente.

— Do que você está falando?

— Você me ouviu.
— Cassie — disse Sam. — Você estava com tanto medo dele na

outra noite que correu para cá. Agora ele te manda uma carta e você

quer voltar? — Ele balançou sua cabeça. — Isso parece uma hipótese

que eles poderiam usar para treinar advogados sobre como registrar

ordens de proteção contra parceiros abusivos.

Meu coração pulou na minha garganta.

— Não é desse jeito.

— Não?

— Não. — Eu balancei minha cabeça. — Frederick não fez nada de

errado. Ele tem sido um ótimo companheiro de quarto. Nós apenas… —

Deus. Como eu poderia explicar essa situação para Sam de uma forma

que fizesse sentido?

Sam colocou a mão no meu ombro, calorosa e tranquilizadora. Seu

rosto se suavizou. Sam, o Advogado havia partido e foi substituído por

Sam, o Conselheiro de Vida. Eu o vi muito ao longo dos anos também.

— Deixe-nos ajudá-la a encontrar outro lugar para morar, Cass. Seu

acordo com Frederick claramente não deu certo. E embora você seja

bem-vinda para ficar conosco o tempo que quiser, em algum momento

presumo que você gostaria de não dormir mais em nosso sofá.

Eu hesitei. A coisa mais inteligente a fazer, claro, seria tentar

encontrar outro lugar para morar. Isso é o que uma pessoa racional e

sensata, que acaba de descobrir que seu colega de quarto gostoso é um

vampiro, faria.

Mas nunca fui acusada de ser racional ou sensata.

E agora, depois de pensar um pouco, acreditei nele quando ele disse

que nunca me machucaria.

Pensei em como basicamente menti para ele também, quando contei

a ele em meu primeiro e-mail que era professora de artes. Eu queria

causar a melhor impressão possível quando me inscrevi para o

apartamento e quando me mudei. Queria que ele me escolhesse.

Eu poderia realmente culpá-lo por também querer esconder da sua

nova colega de quarto os aspectos mais desagradáveis de sua história e

seus traços de personalidade mais desagradáveis? Certo, sim, ser um


vampiro era muito mais importante no grande esquema das coisas do

que exagerar meu histórico profissional. Mas naquele momento, acho

que entendi o raciocínio dele para fazer o que fez.

— Preciso conversar com ele antes de tomar uma decisão — disse a

Sam. — Quando eu saí correndo, ele me disse que... ele queria explicar

algumas coisas. Saí sem dar a ele a chance de fazer isso.

O som de água corrente flutuou até nós vindo do banheiro. Scott

também estava acordado agora. Ele e Sam logo iriam para seus

respectivos escritórios.

— E agora você quer dar essa chance a ele? — Sam perguntou,

suavemente.

Eu balancei a cabeça.

— Há algumas coisas que preciso esclarecer com ele.

— Não me sinto bem com isso. — Sam estava olhando para mim

agora, de braços cruzados firmemente sobre o peito. — Aposto que se

você me contasse a história toda eu me sentiria ainda pior.

Ele provavelmente estava certo sobre isso.

Eu rapidamente beijei Sam na bochecha para distraí-lo, então peguei

meu telefone e fui até a porta da frente.

— Vou ligar para ele rapidamente e depois fazer algumas coisas.

Voltarei mais tarde.

— Você não vai ligar para ele aqui?

— Não — eu disse, tentando ignorar o que soava como alarme na

voz de Sam. Não havia como manter Sam sem saber o que Frederick era

se tivesse essa conversa na frente dele. Coloquei os tênis que guardava

na porta da frente. — Quero dar um passeio e esticar as pernas enquanto

falo.

— Você odeia exercícios.

Ele estava certo sobre isso também. Desta vez, o tom de preocupação

na voz de Sam era inconfundível.

— Já volto — prometi novamente, antes de sair.


decidi ligar para frederick, do centro de reciclagem
de South Side.

É verdade que o centro de reciclagem era barulhento. Mas eu

precisava fazer essa ligação com confiança e força. Eu só voltaria a

morar com Frederick se achasse que poderia lidar com isso e se isso me

servisse. Qual a melhor maneira de me lembrar que esse telefonema

representava medidas ativas para melhorar minha situação do que

recebê-lo enquanto trabalhava em minha arte?

Mas quando desci na parada do metrô perto do centro de reciclagem,

meus nervos não aguentaram mais a expectativa. Entrei em uma loja de

donuts com um letreiro de néon piscando na porta que dizia DONUTS

FRESCOS. Estava gloriosamente quente lá dentro e fui recebida pelo

cheiro delicioso de açúcar derretido.

Fui até uma mesa perto dos fundos, prometendo a mim mesma que

poderia comer um donut com cobertura de chocolate se conseguisse

chegar ao final da ligação.

Tirei meu telefone da bolsa, lembrei-me de que poderia fazer coisas

difíceis e mandei uma mensagem para ele.

Olá Frederick

É Cassie

Posso te ligar?

Frederick – um homem que odiava mensagens de texto e que,

segundo todos os relatos, deveria estar dormindo àquela hora –

respondeu imediatamente. Como se ele estivesse sentado ali todo esse

tempo, com o telefone na mão, esperando que eu entrasse em contato.

Sim.

Estou disponível agora se você estiver.

Disquei o número dele. Ele atendeu no primeiro toque.

— Cassie? — A nota de esperança em sua voz quente e rica era

inconfundível.
Ignorei a pontada correspondente em meu peito.

— Sim — eu disse. — Sou eu.

— Isso é uma surpresa. Eu estava preocupado em não ter mais

notícias suas.

— Eu também estou meio que me surpreendendo agora — admiti.

— Até alguns minutos atrás eu também pensei que você nunca mais

ouviria falar de mim.

Uma longa pausa.

— O que lhe fez mudar de ideia?

Frederick devia estar com alguém, porque eu poderia ouvir alguém

dizendo algo que não consegui entender do outro lado da linha.

— Cale a boca, seu imbecil — Frederick murmurou. E então,

apressado, acrescentou: — Ah, Cassie... peço desculpas. Isso...

... não foi direcionado a você.

Sufoquei uma risada na palma da mão.

— Quem está com você agora? Reginald?

— Quem mais? — Ele suspirou. Ele parecia exausto. —

Infelizmente.

— Eu pensei que você o odiasse.

— Eu o odeio — Mais palavras murmuradas por Reginald que eu

não consegui entender, seguidas por sua risada estridente e um ai alto!

Frederick bateu nele? A ideia era tão ridícula que quase ri de novo.

— Entendo — eu disse.

— Sim — ele suspirou. — Infelizmente, minhas opções de

companhia são limitadas.

Eu pisei no chão sob meus pés enquanto uma onda de culpa

irracional crescia em mim. A campainha da porta da loja de donuts

tocou quando um grupo barulhento de clientes entrou. Suas risadas

preencheram o pequeno espaço enquanto eu criava coragem para dizer o

que estava pensando.

— Então. Sobre a nossa situação.

Uma pausa.

— Sim?
Eu respirei fundo.

— Na outra noite, depois de você… antes de eu sair correndo, você

disse que poderia me dar uma explicação.

— Sim.

— Você ainda quer me dar uma? — Meu coração estava batendo

forte. Eu estava realmente fazendo isso?

Sua voz era calma e cautelosa quando ele falou novamente.

— Eu quero. — E então, depois de outro longo momento, ele

acrescentou: — Mas só se você quiser ouvir o que tenho a dizer. Não

vou me impor, ou a minha história, a você.

Respirei fundo novamente.

— Eu gostaria de ouvir.

— Maravilhoso. Mas posso perguntar o que lhe fez mudar de ideia?

Minha respiração ficou presa com a nota esperançosa que ouvi em

sua voz. Como devo responder a isso? Devo contar a verdade a ele? Que

eu estive pensando nele mais do que provavelmente seria sensato desde

que me mudei – o suficiente para começar a fazer minha própria

pesquisa sobre vampiros? Que a carta que ele enviou foi uma das cartas

mais doces que já recebi?

Não. Eu não estava pronta para isso.

Então eu dei a ele parte da verdade.

— Eu me sinto mal por fugir de você sem lhe dar uma chance de

explicar, quando era tão óbvio que você tinha mais a dizer. E eu acredito

em você agora, quando você diz que não vai me machucar.

— Eu nunca vou lhe machucar — ele disse enfaticamente. — Nunca.

Engoli em seco o nó na garganta, sem saber o que fazer com a

emoção que ouvi em sua voz.

— Eu acredito em você — eu disse. — Mas tenho muitas perguntas.

— Claro. Eu entendo que isso é muito para qualquer ser humano

absorver. Estarei em casa a noite toda. Você gostaria de passar por aqui e

conversar então?

— Não. — Precisávamos de um local de encontro neutro. Eu ainda

não tinha certeza de qual seria meu próximo passo e não queria que a
grandiosidade do apartamento ou minha inegável atração por Frederick

influenciassem minha tomada de decisão. Além disso, se eu estivesse

totalmente errada sobre ele e Frederick estivesse fazendo um longo jogo

em relação a me comer, eu queria fazer isso em um lugar público. —

Que tal Gossamer's?

— Gossamer’s?

— É a cafeteria onde trabalho. Vou te mandar uma mensagem com o

endereço.

— É justo — disse ele. — Quando?

Engoli. Não há como voltar atrás agora.

— Hoje à noite às oito?

— Perfeito. — Uma pausa. — Estou muito ansioso para ver você

novamente, Cassie.

Sua voz era suave e sincera. Tentei ignorar o jeito que fez meu

estômago revirar, mas não consegui.

— Eu também — eu disse, falando sério.


OITO

Carta da Sra. Edwina Fitzwilliam ao Sr.


Frederick J. Fitzwilliam, datada de 29 de
outubro
Meu querido Frederick,
Recebi sua carta mais recente. Ler ela não fez nada para amenizar
minhas preocupações. Sua decisão de permanecer em Chicago e colocar
sua segurança nas mãos de um vagabundo como Reginald e de uma
jovem humana é, na melhor das hipóteses, imprudente – e PERIGOSA,
na pior. Essa má tomada de decisão é MUITO DIFERENTE do
Frederick que conheci!
Temo que seja apenas mais uma prova de que o seu estado mental
está comprometido devido ao seu século de repouso.
Eu seria negligente em meus deveres como membro mais velho de
nossa família – e como alguém que cuida de você, APESAR de nossa
história – se permitisse que você cancelasse o acordo de nossa família
com os Jamesons. Se a senhorita Jameson está lhe mandando presentes,
ouso dizer que isso é uma coisa BOA! É um sinal de seu afeto
contínuo por você, apesar de suas contínuas rejeições. Você DEVE abrir
os presentes dela e enviar-lhe alguns presentes EM RETORNO como
um sinal da boa vontade de longa data entre nossas duas famílias.
Não continue a me irritar assim, Frederick.
Sua,
Mãe
Ei Freddy

O que há com os pacotes

Eles são de Esmeralda Jameson.

Eu não os quero.

Ela ainda está enviando coisas para você?

Sim.

Pedi a ela para parar, sem sucesso.

Mãe se recusa a intervir.

Ela acha que é uma coisa BOA.

Então você está dando para mim?

Aqueles que acho que você vai gostar, sim.

Um de nós poderia muito bem tirar proveito deles.

O que vou fazer com um ponto cruz que diz “Lar


Doce Lar” feito com algo que parece cheirar e ter
gosto de entranhas humanas, Freddy

Por que você achou que eu iria querer isso

Achei que combinava com a sua decoração,


Reginald.

Ok, isso é justo

frederick já estava sentado em uma mesa nos fundos


quando cheguei ao Gossamer's, observando o ambiente com a

admiração atordoada e de olhos arregalados que se poderia esperar de

um turista visitando um local exótico do outro lado do mundo.


Ele sempre parecia bem, mas mesmo para seus próprios padrões ele

parecia um docinho completo. Uma única mecha escura de seu cabelo

caía lindamente sobre sua testa, como se ele tivesse saído totalmente

formado das páginas de um de seus romances regenciais. Ao vê-lo

sentado ereto em sua cadeira, vestindo um terno de três peças que

parecia ter sido feito sob medida, comecei a duvidar da ideia de nos

encontrarmos em público, afinal. Porque outras pessoas também

estavam notando como ele estava bonito. Duas mulheres vestindo

moletons da Northwestern University e tomando café na mesa ao lado

dele lançavam olhares furtivos em sua direção.

Uma possessividade estranha e desconhecida que eu não reconheci

nem gostei tomou conta de mim.

E se uma daquelas mulheres começasse a dar em cima dele?

Bati um pouco na mesa delas ao passar por elas, dizendo a mim

mesmo que foi puramente acidental.

Frederick sustentou meu olhar enquanto me aproximava dele. Seus

cílios grossos e longos eram tão desperdiçados em um homem agora

como sempre foram.

Na verdade, era estranho vê-lo aqui. Esta era a primeira vez que

interagimos fora do apartamento, e até agora eu não tinha percebido o

quanto passei a pensar nele como um elemento do lugar luxuoso onde

ele morava. Vê-lo do lado de fora foi tão chocante quanto ver um

flamingo no metrô.

Seu olhar deslizou sobre mim, o nariz se contraiu um pouco quando

seus olhos pousaram na minha mão esquerda desajeitadamente

enfaixada. Ele poderia sentir o cheiro do corte na minha mão? Eu não

queria pensar nisso.

Sua testa franziu.

— O que aconteceu com você?

Escondi minha mão machucada nas costas.

— Não é nada. — Era a verdade. A viagem daquela tarde ao centro

de reciclagem foi produtiva, no sentido de que encontrei vários pedaços

de sucata grandes e úteis que queria levar comigo na próxima vez que
tivesse acesso ao carro de Sam. Mas, ao sair, prendi um pouco a mão na

parte inferior irregular de um velho assento de bicicleta. Mal chegou ao

nível de um corte feio de papel e parou de sangrar quase imediatamente

– mas o sujeito que trabalhava lá ficou assustado, falando sobre o risco

de tétano e responsabilidade. Ele insistiu em me enfaixar antes de me

deixar ir embora.

Eu estava tão nervosa no caminho que esqueci de tirar o volumoso

curativo acolchoado e trocá-lo por um curativo de tamanho mais

apropriado.

— Não parece nada — Frederick respondeu, ainda olhando para

mim. Ele parecia genuinamente preocupado. — Mostre-me.

Ele se inclinou mais perto e pude sentir o cheiro do xampu que ele

deve ter usado naquela noite antes de chegar. Sândalo e lavanda. A

lembrança do cheiro daquele momento do lado de fora do banheiro... eu,

toda molhada, apenas com uma toalha – me atingiu como um maremoto,

impedindo o pensamento mais racional.

Cravei as unhas na palma da mão antes que pudesse fazer algo

estúpido. Como passar os dedos por seu cabelo espesso e atraente em

um lugar público.

Inclinando-me para que ele pudesse me ouvir, mas ninguém mais

poderia, eu sussurrei e sibilei:

— Não vou mostrar a um vampiro um ferimento que estava

sangrando há uma hora. — Meu tom foi mais áspero do que eu

pretendia, e seu rosto se enrugou um pouco. Lutei para ignorar a pontada

de culpa que me atingiu. — Apenas... apenas confie em mim quando eu

disser que está tudo bem. Ok?

Seus olhos caíram para a mesa.

— Ok.

Olhei de volta para o balcão de pedidos, onde Katie estava moendo

grãos para a bebida da manhã seguinte. Foi uma noite lenta e não havia

clientes na fila.

— Vou pegar uma bebida. — Apontei meu polegar em direção ao

balcão. — Quer alguma coisa?


Frederick balançou a cabeça.

— Não. Não consigo consumir nada além de...

Ele arqueou uma sobrancelha significativamente em vez de terminar

a frase. O moedor de grãos de café começou a funcionar novamente

atrás do balcão, alto e abrasivo.

— Oh. — Eu me perguntei se isso era algo que eu deveria saber. Eu

não conseguia me lembrar se Spike ou Angel alguma vez tomaram café

em Buffy. — Nunca?

— Seria como se você tentasse consumir metal — disse ele,

baixinho. — Meu corpo simplesmente não reconhece nada além de você

sabe o que como sustento.

Eu queria ouvir mais sobre isso. Ele realmente não consumia nada

além de sangue desde que se tornou um vampiro? Era uma coisa difícil

de entender. Para começar, parecia incrivelmente ineficiente. Supondo

que suas necessidades calóricas fossem aproximadamente as mesmas de

um ser humano de seu tamanho, quanto sangue ele bebia todos os dias?

Além de tudo, porém, uma dieta que consistia em apenas uma coisa

literalmente para sempre parecia terrível. E chato como o inferno.

Fiz uma nota mental para fazer perguntas de acompanhamento sobre

seus hábitos alimentares mais tarde.

— Posso ir com você enquanto você compra sua bebida? — Ele

olhou para os outros clientes do Gossamer's, observando como cada um

deles comia ou bebia à sua frente. — Como explicarei com mais

detalhes em breve, preciso aprender como me integrar à sociedade

moderna. Não peço café há mais de cem anos. Suspeito que o processo

mudou.

Meus olhos se arregalaram.

Há mais de cem anos.

Esta foi a segunda vez que ele fez uma referência indireta à sua

idade, mas foi tão chocante ouvi-lo agora quanto na outra noite. Ele não

parecia ter mais de trinta e cinco anos. A dissonância cognitiva

necessária para olhar para ele e acreditar que ele tinha séculos de idade

era impressionante.
Minha mente voltou mais uma vez para o momento antes de eu fugir

de seu apartamento. Ele disse: preciso da sua ajuda. Sentado com ele no

Gossamer's – observando-o observar o que nos rodeava com partes

iguais de confusão e fascínio – pensei ter finalmente entendido o tipo de

ajuda que ele precisava.

E, talvez, por que ele colocou um anúncio para um colega de quarto

em primeiro lugar.

Mexi na alça da bolsa para disfarçar o quão abalada eu estava.

— Sim, por que você não vem comigo? — Eu sugeri. — As

cafeterias são uma grande atração em Chicago. Você disse que queria se

misturar...

— Sim — ele interrompeu, enfático.

Engoli.

— Ok. Bem, se você quiser se misturar, precisa aprender a pedir

café. Mesmo que você nunca beba o que pede.

Ele se afastou da mesa sem dizer mais nada, as pernas de madeira da

cadeira raspando ruidosamente no chão de linóleo. Ele me seguiu tão de

perto enquanto caminhávamos para o caixa que pude sentir sua presença

fria e sólida nas minhas costas enquanto nos movíamos. Estremeci – em

parte porque a proximidade dele era mais excitante do que eu queria

admitir para mim mesma, mas também porque seu corpo irradiava frio

de uma forma que eu nunca havia experimentado com mais ninguém.

Pensei novamente em quando colidimos do lado de fora do banheiro.

Eu estava tão mortificada que não tinha registrado completamente o

quão gelado, quão inflexível seu peito tinha sido quando meu nariz

roçou nele.

Eu estava pensando nisso agora, no entanto. Quantas pistas eu perdi?

Katie olhou para cima quando chegamos ao balcão, seu avental

amarelo florido escrito Gossamer's era tão brilhante e alegre quanto sua

personalidade. Ela era facilmente a supervisora mais gentil que já tive,

uma das poucas gerentes que não tentava ganhar posição quando

chegava a hora de limpar o espumador de leite ou lidar com clientes

desagradáveis.
— Aqui na sua noite de folga? — ela perguntou, claramente surpresa

em me ver. Sua surpresa fazia sentido. Eu raramente vinha aqui quando

não estava trabalhando.

— Eu estava na vizinhança — menti. Ela não precisava saber que eu

iria encontrar Frederick em um lugar onde trabalhava, porque isso me

faria sentir mais capacitada para a conversa que estávamos prestes a ter.

E porque eu queria testemunhas, apenas no caso de eu estar errada sobre

ele ser um vampiro amigável e isso ir para o sul rapidamente.

Katie assentiu e perguntou:

— Posso pegar algo para você?

Frederick já estava olhando para o menu do quadro-negro acima da

cabeça de Katie, com uma intensidade que se poderia usar para traduzir

hieróglifos antigos. O cardápio listava quase duas dúzias de bebidas em

letras pastel, escritas com a caligrafia florida de Katie.

— Nós Somos Abundantes — leu Frederick, tão lenta e

desajeitadamente como se as palavras estivessem numa língua que ele

não falava. — Nós Somos... Buscadores da Alma — Ele se virou para

olhar para mim, perplexo. — Achei que você tivesse dito que este

estabelecimento servia café.

— É meio que todo um processo, a forma como nomeamos as coisas

aqui. — Katie revirou os olhos. — A proprietária participou de um

seminário de bem-estar no condado de Marin há alguns anos. Quando

ela voltou, todas as bebidas tinham que ter nomes inspiradores.

— Mas são as mesmas bebidas que você encontraria em qualquer

lugar — esclareci. — Então não deixe que os nomes te confundam.

— As mesmas bebidas que eu encontraria em qualquer lugar —

repetiu Frederick.

— Certo — eu disse. — Então me avise se quiser uma tradução.

Ele pareceu considerar isso e então se virou para Katie.

— Eu gostaria de comprar café. — Ele disse as palavras devagar,

com cuidado e em voz alta. Como o estereótipo de um americano

estúpido tentando se fazer entender em um país diferente por pessoas

que não falam inglês.


— Café? — Katie perguntou.

— Café — confirmou Frederick, parecendo extremamente satisfeito

consigo mesmo. E então, pensando melhor, ele acrescentou: — Por

favor.

Katie olhou para ele pacientemente. Tínhamos pessoas lá o tempo

todo que eram objetores de consciência ao sistema de nomenclatura da

nossa proprietária. Ela sabia como lidar com isso.

— Que tipo de café? — ela perguntou.

Uma pausa.

— Café — respondeu Frederick.

— Mas de que tipo? — Com um movimento experiente, Katie

apontou para o cardápio acima de sua cabeça. — Nós Somos Brilhos é

nossa torra clara, Nós Somos Exuberantes é nossa torra escura e Nós

Somos Vivaz é–

Em algum momento, mais clientes devem ter aparecido, porque uma

fila de pessoas se formou atrás de nós. Frederick não lhes deu atenção

quando se virou para mim.

— Esses nomes são ridículos.

— Você ainda precisa pedir alguma coisa.

— Eu nunca tomo café, Cassie — ele me lembrou, parecendo tão

ofendido que tive que morder o interior da bochecha para evitar que uma

risadinha escapasse. — Talvez isso não tenha sido uma boa ideia.

— Basta escolher um — aconselhei. — Se você não vai beber, não

importa o que você peça. Certo? — Inclinei-me mais perto para que as

pessoas atrás de nós não me ouvissem e sussurrei: — É uma boa prática

para nos misturarmos.

Ele inclinou a cabeça enquanto considerava isso.

— Você tem razão. — Ele se voltou para Katie. — Eu quero um…

— Ele fez uma pausa, olhando para as letras em tons pastéis acima da

cabeça dela, e fez uma careta. — Vou querer um Nós Somos Vivaz.

— Um Nós Somos Vivaz. — Katie apertou um botão na caixa

registradora. E então, com a paciência que normalmente reservava aos

clientes com mais de setenta e cinco anos… o que, dadas as


circunstâncias, era mais apropriado do que Katie imaginava, ela

perguntou: — Qual tamanho você gostaria? Nosso Nós Somos Vivaz

vem nos tamanhos Lua, Supernova e Galáxia.

Este parecia ser o limite de Frederick.

— Reconheço cada uma das palavras que você acabou de dizer como

pertencentes à língua inglesa — disse ele, parecendo atordoado. —

Quando tomados em conjunto, no entanto, nada do que você acabou de

dizer faz qualquer sentido.

— Frederick–

— Um líquido se expande para se adaptar ao tamanho e formato do

recipiente em que é colocado. O café não tem tamanho.

A voz de Frederick estava ficando mais alta. A fila atrás de nós agora

tinha cinco clientes. Eu me virei e percebi que alguns deles estavam

sussurrando uns com os outros e olhando para ele.

Eu precisava intervir.

— O que ela quer dizer, Frederick, é que tamanho de caneca de café

você quer pedir? — Apontei para o menu pendurado acima da cabeça de

Katie. Na parte inferior havia pequenos desenhos desenhados a giz de

xícaras de café pequenas, médias e grandes, ou Lua, Supernova e

Galáxia, e seus preços correspondentes. Eu desenhei as canecas para

aquele menu de exibição na minha primeira semana lá. Isso foi

divertido. — As bebidas aqui vêm em canecas de tamanhos diferentes

dependendo da quantidade que as pessoas querem beber. Cada tamanho

tem um nome correspondente relacionado ao espaço.

A compreensão surgiu em seu belo rosto.

— Eu vejo. — Ele olhou para Katie. — Você deveria ter dito isso

desde o início.

Pela primeira vez, a paciência de Katie estava mostrando rachaduras

visíveis. Ela olhou para mim e murmurou:

— Você conhece esse cara?

— Mais ou menos — admiti timidamente. — Frederick, que

tamanho de caneca você quer que Katie compre para você?

Ele parecia ponderar a questão muito seriamente.


— O que as pessoas normais compram aqui? Esse é o tamanho que

eu gostaria.

— Ele vai querer um grande Nós Somos Vivaz. — eu deixei escapar

antes que Katie tivesse a chance de responder. Essa conversa precisava

terminar o mais rápido possível. — Desculpe, quero dizer, ele quer um

We Are Vivacious no tamanho Galáxia. Eu vou querer um Nós Somos

Empoderados no tamanho Lua, com espuma extra.

Procurei na carteira para tirar meu cartão de crédito, mas Frederick

colocou a mão no meu braço.

— Eu pagarei pelas bebidas — disse ele, seu tom não tolerando

oposição. Do nada, ele tirou uma bolsa roxa neon que parecia muito com

a pochete que meu avô costumava usar nas férias em família na Disney

World. Ele abriu o zíper da bolsa frontal e uma variedade heterogênea

de moedas – dezenas, centenas delas – caiu dela e se espalhou por todo

o balcão à nossa frente.

Olhei para a pilha em completa perplexidade. Devia haver pelo

menos quinze moedas diferentes no balcão. Pareciam dobrões de ouro.

Isso era realmente uma coisa?

Katie, para seu crédito, nem piscou.

— Desculpe. Estamos sem troco. — Ela apontou para o leitor de

cartão de crédito à nossa frente.

Frederick olhou primeiro para o leitor, depois para ela, com uma

expressão totalmente vazia.

— O que é aquilo?

— Eu vou pagar pelas bebidas — eu disse, apressadamente.

Frederick me permitiu afastá-lo do caminho com uma cotovelada, ainda

olhando para o leitor de cartão de crédito em total confusão.

— Mas–

— Você pode me pagar mais tarde — eu disse, inserindo meu cartão

de crédito na máquina. — Com seus dobrões de ouro.


frederick olhou para mim por cima do seu nós somos
Vivaz. Ele cheirou seu conteúdo com óbvio desgosto.

— Lembro-me de adorar café — ele refletiu, colocando-o de volta na

mesa. Ainda estava cheio e ainda fumegante. — Agora só cheira a água

suja para mim.

Ele parecia triste. Quanto de seu antigo eu ele perdeu quando se

transformou no que era agora? Mas haveria tempo para explorar essa

questão mais tarde. Eu precisava de outras respostas primeiro.

Limpei a garganta.

— Então — comecei. — Antes de eu sair correndo naquela noite,

você disse que poderia explicar tudo. Que você tinha mais para me

contar.

Se Frederick ficou surpreso com minha súbita mudança de assunto,

não deu sinais disso.

— Sim. Isto... é uma longa história — disse Frederick. Seus olhos

estavam tristes e distantes. — E uma que eu deveria ter compartilhado

com você desde o início. Peço desculpas novamente por não ter te

contado antes, mas se você estiver disposta a ouvir, gostaria de

compartilhar com você agora.

— É para isso que estou aqui — eu disse. — Espero que pelo menos

parte desta longa história tenha a ver com o motivo pelo qual um

vampiro centenário, sem aparente necessidade de dinheiro, colocou um

anúncio no Craigslist procurando por um colega de quarto.

O canto de sua boca se curvou em um sorriso. Recusei-me a me

distrair com o quão bonito ele parecia quando dava aqueles meio

sorrisos. Especialmente quando eles fizeram sua covinha aparecer.

— Sim.

— Tive um pressentimento — eu disse. — Vá em frente, então.

— Talvez eu deva lhe dar uma versão condensada. Caso contrário,

ficaremos aqui a noite toda.

Tomei um gole de meu cappuccino (estava bom – Katie fazia um

maravilhoso Nós Somos Empoderados) e depois lambi os lábios. Os


olhos de Frederick acompanharam o movimento da minha língua com

interesse. Fingi não notar.

— Uma versão condensada é provavelmente uma boa ideia —

concordei. — O Gossamer's fecha às onze. Katie não vai gostar se ainda

estivermos aqui.

— Eu não gostaria de irritá-la — ele meditou. — Suspeito que ela já

está farta de mim.

Eu sorri.

— Provavelmente.

— Tudo bem, então. — Ele endireitou-se e me olhou com um olhar

tão sincero que me deixou sem fôlego. — Cassie, preciso de alguém

para morar comigo porque, há cem anos, Reginald, enquanto praticava

seu encanto para transformar vinho em sangue, acidentalmente me

envenenou em uma festa à fantasia em Paris. O que posteriormente me

levou a algo semelhante a um coma de um século. Acordei em minha

casa em Chicago há um mês, sem saber nada sobre as mudanças dos

últimos cem anos. — Ele sorriu novamente, mas não havia humor nisso.

— Estou tão perdido e indefeso na era atual quanto um bebê na floresta.

O recinto começou a girar enquanto eu tentava processar o que ele

estava me contando. Meu aperto em minha caneca de café aumentou

sem que eu percebesse, até que meus dedos ficaram brancos.

— Entendo — eu disse, sem ver nada.

Frederick inclinou a cabeça para o lado, avaliando minha reação.

— Acredito que te surpreendi. Eu entendo. Foi muito para eu

compreender também. E fui eu quem passou por isso.

— Mhm.

— Talvez eu não devesse ter lhe dado a versão condensada, afinal —

ele refletiu. — Talvez uma descrição mais detalhada e matizada com

datas, nomes de lugares e cenários teria ajudado a fundamentar a

história e facilitado a compreensão.

Eu duvidei disso.

— Não acho que haja nada que você pudesse ter dito ou feito que

tornaria isso mais fácil de entender.


Seu rosto caiu.

— Talvez não.

— E então — eu disse, juntando tudo. — Você precisa de um colega

de quarto porque precisa de alguém para ajudá-lo a navegar no mundo

moderno.

— Sim — ele concordou. — Mas preciso fazer mais do que apenas

navegar. É imperativo para minha sobrevivência que eu me misture ao

meu ambiente atual da melhor maneira possível. Ou, pelo menos, que

não é tão óbvio que sou um vampiro anacrônico vivendo no século

totalmente errado.

— Porque...

— Porque pode ser... perigoso, para alguém como eu se destacar

demais. Mortal, até.

O que poderia ser perigoso para um vampiro? Os vampiros não

deveriam ser imortais poderosos que matavam humanos por esporte?

Esperei que ele esclarecesse e, por um momento, ele pareceu querer

dizer mais. Em última análise, porém, ele deve ter decidido contra ela,

porque ele simplesmente recostou-se na cadeira, os olhos fixos no café

intocado.

Eu ainda tinha um zilhão de perguntas, no entanto.

— Ok, mas… — Eu balancei minha cabeça. — Por que eu? Por que

sou a colega de quarto que você escolheu para morar com você?

Seus olhos se arregalaram.

— Não é óbvio?

— Não.

Ele encolheu os ombros.

— Quem melhor para me ensinar sobre a vida no século XXI e me

ajudar a me adaptar à Chicago moderna do que um jovem como você,

que desliza por ela sem esforço?

Ele encontrou meu olhar. Seus olhos castanhos escuros eram tão

suaves e convidativos.

Eu poderia me perder neles, percebi. Meu estômago fez algo que

pareceu uma cambalhota.


Perigoso.

Não, gritei comigo mesma. Não vamos pensar em como Frederick

está lindo e triste agora.

— Além disso — ele continuou —, você foi a única pessoa que

respondeu ao anúncio.

Claro. O preço de duzentos dólares provavelmente assustou todo

mundo.

— Ok, mas… — Limpei a garganta, tentando me recompor. — Por

que você não poderia simplesmente morar com Reginald? Ele parece

estar administrando bem o mundo.

— Impensável — disse ele, categoricamente. — Reginald pode estar

mais familiarizado com a era moderna do que eu, mas ele também é a

razão pela qual estou nesta situação. Além disso, ele é a encarnação do

caos. Antes de você morar comigo, eu dependia inteiramente da ajuda

dele. Foi pelo menos tão terrível para nós dois quanto você pode

imaginar. As brincadeiras que ele pregou em mim, mesmo quando eu

ainda estava em coma… — Ele estremeceu e depois balançou a cabeça.

— Embora eu admita que sem ele eu provavelmente teria morrido de

fome durante meu século de sono. Ou teria sido atropelado por um carro

uma hora depois de acordar. Ou teria sido capturado por caçadores de

vampiros.

A sala começou a girar novamente.

— Caçadores de vampiros são reais?

— Eles eram reais há um século. Mas em Chicago? Hoje? — Ele fez

um movimento oscilante com a mão. — Há rumores de que eles ainda

estão por aí. Embora eu admita que não sei até que ponto esses rumores

são confiáveis, especialmente porque suspeito que foi Reginald que

iniciou a maioria deles.

— Ah.

— Certo — Frederick concordou. — Os carros, no entanto, são

absolutamente reais. Desejo muito evitar ser atingido por um enquanto

faço meu exercício noturno.

— Isso... isso te mataria? Ser atropelado por um carro?


Sua boca se curvou em outro meio sorriso. Ele tinha que saber o

quão potentes eles eram.

— Provavelmente não. Mas suspeito que não seria muito bom.

Eu não pude deixar de sorrir de volta para ele com sua tentativa seca

de humor.

— Sim, não consigo imaginar que seria bom para alguém.

— Talvez eu devesse sugerir que Reginald tentasse e pedisse que ele

reportasse.

Isso arrancou uma pequena risada minha, apesar de tudo. A postura

de Frederick relaxou visivelmente e seu sorriso cresceu. Ele realmente

tinha um sorriso incrível. Isso iluminou todo o seu rosto e o fez parecer...

Mais humano, percebi de repente.

Isso me trouxe de volta à realidade.

Isso foi ridículo. Eu não podia me deixar distrair pela minha atração

por ele. Eu ainda tinha muitas perguntas e parecia que quanto mais

respostas ele me dava, mais perguntas eu tinha.

— Eu deveria ter contado a verdade desde o início — disse ele

novamente, com os olhos voltados para o chão.

A contrição em sua voz era inconfundível.

— Sim. Você deveria ter. Meu colega de quarto era um vampiro,

Frederick. E eu não tinha ideia.

Seus olhos se fecharam, os cantos dos lábios curvando-se um pouco

para baixo. Quando ele olhou para mim novamente, seus olhos

castanhos escuros estavam se desculpando.

— Espero que você entenda por que inicialmente relutei em

compartilhar a verdade sobre minha situação com um completo

estranho. — Ele fez uma pausa. — Ou, pelo menos, que um dia você

encontrará dentro de si a capacidade de me perdoar por ter começado as

coisas tão mal.

Ele desviou o olhar novamente, castigado.

— Eu... Acho que entendo — comecei. — E posso estar disposta a

ajudá-lo, se você ainda quiser minha ajuda.

Ele se endireitou na cadeira.


— Mesmo?

— Possivelmente — esclareci, levantando a mão.

Pensei em como ele me fez sentir enquanto morávamos juntos – com

seus presentes de frutas e utensílios de cozinha, seus olhares calorosos e

seu interesse sincero pela minha arte. E minha situação financeira não

era melhor agora do que quando fui morar com ele, há duas semanas; o

aluguel de duzentos dólares seria tão útil agora quanto antes.

Mesmo assim, eu precisava pensar mais um pouco. Toda esta

situação era objetivamente surreal.

— Eu entendo — disse Frederick.

— Bom — eu disse. — Preciso pensar se fornecer instruções de vida

práticas a um vampiro é algo com que posso lidar antes de me

comprometer a fazê-lo.

Frederick ergueu as mãos na frente do rosto, franzindo a testa para

eles.

— Práticas? Admito que não imaginei usar as mãos como parte do

processo de instrução. Mas se você acha que tocar ajudaria...

Se eu estivesse tomando meu cappuccino naquele momento, teria

cuspido na mesa toda. De repente, parecia que a temperatura no

Gossamer's havia aumentado dez graus.

— Ai meu Deus. Não, é apenas uma figura de linguagem.

Ele olhou para mim.

— É uma figura de linguagem?

— Sim. Prático significa apenas aprender fazendo.

Uma pausa.

— Aprender fazendo?

— Sim — eu disse. — A maneira como você pediu sua bebida esta

noite, por exemplo. Eu consideraria essa instrução prática. Você

aprendeu a pedir uma bebida pedindo uma bebida.

O reconhecimento surgiu em seu rosto.

— Oh, sim. Eu vejo. — Seus olhos caíram para sua caneca.

E então, ele se inclinou um pouco mais perto de mim do outro lado

da mesa.
Uma pessoa inteligente na minha situação provavelmente teria

reagido a isso recuando e colocando mais espaço entre nós. Eu não

consegui fazer isso. Não era apenas porque ele parecia incrível, mas isso

certamente fazia parte disso. Apesar de tudo – quem e o que ele era, e o

fato de que ele não tinha sido totalmente honesto comigo quando me

mudei – eu queria confiar nele.

Eu confiava nele.

Mas eu não confiava nele o suficiente para me deixar envolver

daquele jeito novamente. Deliberadamente, e com mais dificuldade do

que eu gostaria, me obriguei a recuar na cadeira para aumentar

novamente a distância entre nós.

Ele pareceu entender minha intenção, porque acrescentou:

— Entendo se você ainda precisar de tempo para pensar sobre as

coisas.

Ele não parecia nem um pouco feliz com isso.

O que não fazia sentido.

— Mesmo que eu não possa morar com você novamente, Frederick,

você simplesmente encontrará outra pessoa que possa.

Seus olhos ficaram duros.

— Impossível. Eu… — Ele parou, então balançou a cabeça. —

Embora sim, eu suspeito que poderia encontrar outro colega de quarto,

com tempo suficiente, não encontrarei ninguém que possa me instruir

tão bem quanto você.

Isso me surpreendeu.

— Não sou nada especial.

Sua testa franziu. Algo no que eu disse o incomodou, embora eu não

conseguisse imaginar o que poderia ser.

— Nas últimas duas semanas, descobri que nesta cidade de milhões

de pessoas, você é única. — Suas palavras carregavam uma intensidade

silenciosa que eu podia sentir na boca do estômago. De repente, não

havia ninguém naquele lugar barulhento além de nós dois. O barulho da

sala desapareceu, inaudível devido ao súbito fluxo de sangue em meus

ouvidos. Meus olhos caíram reflexivamente para a mesa.


A caneca de café do tamanho galáxia que ele segurava parecia

positivamente minúscula em suas mãos.

Limpei a garganta.

— Tenho certeza de que isso não é verdade, Frederick. Eu sou–

— Não pense nem por um momento que você é substituível, Cassie

Greenberg — disse ele. Ele parecia quase irritado. — Pois você é tudo

menos isso.

revirei minha conversa com frederick repetidamente em


minha cabeça até o apartamento de Sam.

O apartamento estava escuro quando entrei. Lembrei-me vagamente

de Scott mencionando um evento naquela noite em sua universidade

para professores e seus parceiros. Deve ser onde ele e Sam estavam.

Considerando o quão confusos estavam meus pensamentos, fiquei

grato por ter o apartamento só para mim. Eu não seria capaz de lidar

com isso se Sam estivesse lá com suas perguntas intrometidas, mas bem-

intencionadas.

Para ser sincero, já estava inclinado a voltar a morar com Frederick.

Mas eu não queria apressar essa decisão, não importa o quanto ele

parecesse querer que eu morasse com ele. Se eu dissesse não, ele ficaria

bem. Independentemente do que ele dissesse, ele facilmente encontraria

alguém igualmente qualificado para fazer isso... seja lá o que isso fosse.

Ele ficou perturbado quando sugeri isso, embora fosse verdade. Por

causa disso, eu devia a ele dar uma resposta assim que a tivesse, e não

apenas ficar sentada tomando essa decisão.

Olhei para o meu telefone. Eram quase onze da noite. Frederick não

pensaria que era tarde se eu ligasse para ele. Onze da noite era

basicamente o final da manhã para ele. Ele pode pensar que eu estava

sendo um pouco patética e ansiosa, já que tínhamos acabado de nos

despedir há uma hora.


Então, novamente, talvez ele ficasse feliz por eu ter me decidido tão

rapidamente.

Respirei fundo e fechei os olhos.

Na viagem de trem de volta para casa, decidi que se ele pudesse me

tranquilizar sobre uma coisa muito específica, eu ficaria satisfeita. O

resto das minhas perguntas poderia esperar.

Contei até dez, desejando que meu coração acelerado diminuísse a

velocidade. Então liguei para ele.

Ele atendeu no primeiro toque.

— Cassie. — Sua voz estava brilhante de surpresa. — Boa noite.

— Tenho mais uma coisa que quero discutir com você — eu disse,

entrando imediatamente. Este não era o momento para conversa fiada.

— Se conseguirmos chegar a um acordo sobre alguns parâmetros agora,

posso concordar em voltar.

O som do trânsito na rua – uma buzina de carro, alguém rindo –

vinha do lado de Frederick ao telefone. Ele deve estar na rua, fazendo...

seja o que for que ele fez à noite.

Eu não queria pensar no que poderia ser.

— O que é? — ele perguntou, incapaz de esconder a ansiedade em

sua voz.

Fechei os olhos novamente, tentando controlar meus nervos.

— Precisamos discutir comida — comecei. — Especificamente, sua

comida.

— Sim. Presumi que você gostaria de discutir isso eventualmente.

— Você presumiu corretamente. — Mordi o lábio, tentando pensar

em como expressar o que queria perguntar a ele. — Eu acredito em você

quando você diz que não se alimenta de humanos vivos–

— Bom — disse ele, enfaticamente. — Porque eu não faço isso.

— Você consegue comida em bancos de sangue, então?

Uma pausa.

— Normalmente, sim.

Tomei a decisão intencional de não pensar no que normalmente

significava. Ou sobre o dilema ético do roubo de bancos de sangue


levantado. Beber sangue destinado a pacientes humanos que dele

necessitam também levaria à morte humana, mesmo que indiretamente.

Mas supus que Frederick estava apenas fazendo o que precisava para

sobreviver da maneira mais humana possível.

— Acho que posso lidar com o fato de você beber sangue,

considerando como você se limita.

— Estou muito feliz em ouvir isso.

— Mas… — eu continuei. — Não consigo lidar com outra

experiência como a que tive outra noite. Onde eu abro a geladeira e,

bam.. sangue. — Fiz uma pausa, tentando não pensar no cheiro enjoativo

de todo aquele sangue no lugar onde guardava minha comida. A maneira

como Reginald engoliu tudo como uma criança comendo uma caixa de

suco no recreio. — Se algo assim acontecer novamente, eu vou embora

para sempre.

— Eu entendo — disse Frederick, muito rapidamente. — Você não

quer ver sangue no apartamento nem me ver me alimentando.

— Isso mesmo.

— Eu farei isso — ele prometeu. — Todo o espaço de

armazenamento de alimentos na cozinha será apenas para seu uso.

Guardarei minha comida em uma geladeira especial que guardarei em

meu quarto para esse propósito expresso. Ou então o manterei

completamente fora de nossa casa.

Nossa casa.

Ignorei o calor que me inundou com essas palavras.

— Isso deve funcionar — concordei, feliz por ele não estar lá para

ver como meu rosto estava vermelho.

— Bom. — Ele fez uma pausa e acrescentou: — Por favor, acredite

em mim quando digo que nunca quis que você visse o sangue. Ou ver

um de nós comer. Juro que acreditei que você só chegaria em casa

naquela noite muito mais tarde.

Eu acreditei nele.

— O que Reginald fez não foi culpa sua.


— De qualquer forma, só me alimentarei no apartamento quando

você não estiver por perto para me ver fazer isso.

— Obrigada.

— Não é nenhuma dificuldade. Há apenas algumas horas por dia

quando estamos ambos em casa, e menos ainda quando estamos ambos

acordados.

— Você realmente não fica muito acordado durante o dia, não é?

Ele fez uma pausa e depois suspirou.

— Receio que seja um efeito colateral de ter dormido durante um

século. Já fui capaz de ficar acordado durante o dia como qualquer ser

humano mortal, embora estar sob a luz direta do sol sempre tenha sido

um pouco desagradável. Mas… — Ele parou e suspirou novamente. —

Ainda estou recuperando minhas forças, Cassie. Por enquanto, a melhor

maneira de fazer isso é minimizar o tempo que fico acordado durante o

dia.

— Claro — eu disse, como se entendesse. Mas eu não entendia. Eu

ainda tinha muitas dúvidas sobre como sua vida, ou não-vida,

funcionava. Tudo o que aprendi sobre vampiros veio de fontes fictícias.

Mesmo entre os mundos fictícios de vampiros que eu vi ou sobre os

quais li, havia muitas inconsistências. Os vampiros dos romances de

Anne Rice, por exemplo, não agiam como os vampiros de Buffy ou True

Blood.

Presumi que Frederick não brilhava ao sol como os vampiros de

Crepúsculo, embora até isso fosse apenas um palpite. Além disso, eu

não tinha ideia de como isso funcionava.

Achei que haveria tempo para decifrar tudo mais tarde. Por enquanto,

coloquei uma marca mental ao lado de Comida, razoavelmente satisfeita

com o que ele acabara de me prometer.

— Ainda tenho muitas perguntas — admiti. — E preocupações

também. Mas estou disposta a confiar muito, desde que você seja sincero

comigo sobre as grandes coisas que estão por vir.

— Se você concordar em viver comigo e me ajudar a me adaptar à

vida no século XXI, nunca mais omitirei nada sobre mim que possa
impactar sua vida de forma significativa.

— Bom — eu disse. E então, antes que pudesse me conter,

acrescentei: — Vou voltar amanhã.

Eu não tinha certeza, mas quando Frederick me disse boa noite,

alguns minutos depois, pensei tê-lo ouvido sorrindo.


NOVE

Ei Frederick

Cassie. Olá.

Está tudo bem?

Você ainda está planejando se mudar, espero?

Ah, sim, com certeza

Só queria que você soubesse que estou


providenciando a instalação do Wi-Fi na sua casa

Por minha conta

Wi-Fi?

Sim. Se eu voltar, precisarei de internet.

Tudo o que ouvi sobre a internet faz com que


pareça um câncer no mundo moderno.

Não tenho certeza se quero isso.

Bem, eu quero isso

Eu preciso dele para assistir meus programas e


enviar e-mails e outras coisas

Você vai adorar, eu prometo

Posso garantir que não vou


Mas se for algo que você precisa para ser feliz, eu
permitirei

era surpreendentemente bom estar novamente no


apartamento de Frederick. Eram três da tarde, então, assim como da

última vez que me mudei, ele não estava lá para me cumprimentar. Ele,

no entanto, deixou abertas as cortinas que cobriam as janelas voltadas

para o lago – provavelmente para meu benefício. O sol brilhante do

outono brilhava na água de forma tão atraente que quase parecia que a

vista estava me dando as boas-vindas de volta para casa.

Ou talvez eu estivesse cansada de acampar no sofá de Sam.

Entrei silenciosamente no apartamento, fazendo o possível para

ignorar a decoração bizarra. As paredes excessivamente escuras, a

cabeça assustadora de lobo empalhado sobre a lareira, a forma como o

quarto do corredor, do qual me foi proibido entrar, tinha um leve cheiro

de fruta – tudo isso continuava tão estranho e ainda transmitia a mesma

sensação de que pessoas ricas têm mais dinheiro do que senso, como há

alguns dias atrás. A única diferença agora era que, ao saber que ele era

um vampiro centenário, tudo isso fazia um pouco mais de sentido.

Bocejei enquanto caminhava em direção ao meu quarto. Eu fiquei

acordada até tarde na noite anterior tentando convencer Sam de que sim,

eu tinha certeza de que voltar a morar com o mesmo colega de quarto de

quem fugi outro dia era o que eu queria fazer. Eu não poderia culpar

Sam pela sua preocupação; Eu entendia que, por todas as aparências

externas, eu estava me comportando de maneira irregular.

Mas o segredo de Frederick não era meu para compartilhar.

Esperava que com o tempo Sam não se preocupasse tanto comigo.

Assim que entrei no meu quarto, minha respiração ficou presa.

Frederick havia deixado minhas paisagens de Saugatuck exatamente no

mesmo lugar em que estavam quando me mudei. Mesmo sabendo que

ele realmente não os entendia.

Dois envelopes com meu nome esperavam por mim no colchão

grosso da minha cama de dossel. Ao lado deles havia uma tigela de


madeira cheia com mais daqueles deliciosos kumquats laranja que ele

me deu na primeira vez que me mudei.

Abri o primeiro envelope e de dentro dele saíram duas folhas de

papel esbranquiçado, bem dobradas, com uma caligrafia que a essa

altura eu reconheceria em qualquer lugar.

Querida Cassie,
Bem vinda de volta. Estou muito feliz que você decidiu morar
comigo novamente e espero que você também esteja feliz.
Comecei a preparar uma lista de possíveis tópicos de aula
para abordarmos juntos. Em anexo encontra-se a referida
lista, submetida para sua aprovação. Por favor, observe que
estou tão desinformado sobre os caminhos do mundo moderno
que provavelmente nem sei o que é que não sei.
Seu,
Frederick
ps: Como você deve ter notado, incluí “Cafeterias e como
navegar por elas” na lista. Depois do que aconteceu no
Gossamer's, quando tentei pedir uma bebida, pensei que você
concordaria que é necessária mais educação.

Soltei uma risada quando cheguei à linha final.

Boa decisão, Frederick.

Revi a lista que ele incluiu na carta, preocupando meu lábio inferior

enquanto ponderava o que ele havia anotado.

Lista proposta de lições dos dias modernos de Frederick J.


Fitzwilliam
1. Cafeterias e como navegar por elas.
2. Dicas gerais de conversação (com foco específico em como
conversar com outras pessoas de uma forma que não fique
imediatamente aparente que nasci no século XVIII).
3. Transporte público: como, onde e quando?
4. A internet (já que você insiste que eu aprenda sobre isso).
5. “Tique-toque”
6. Um breve resumo de todos os principais eventos históricos
que ocorreram nos últimos cem anos.
Deixando de lado o fato de que não havia como resumir cem anos de

história mundial, a lista de Frederick estava incompleta. Se ele quisesse

se misturar com Chicago no século XXI, uma das primeiras coisas que

precisava fazer era abandonar os ternos de três peças, as gravatas e os

sapatos de bico fino e comprar roupas mais modernas e menos formais.

Eu presumi que ele já sabia que se vestia como um figurante de um

antigo episódio do Masterpiece Theatre e que grandes mudanças eram

necessárias – mas Ensinar-me o que vestir não estava em nenhum lugar

desta lista, então devo ter presumido errado.

Eu rapidamente anotei Lições de moda – maratona de compras? no

topo de sua lista para que eu me lembre dele.

O resto da sua lista serviria para começar. Com alguns ajustes, pensei

que poderia resolver suas maiores preocupações sem muita dificuldade.

Eu não sabia mexer muito no TikTok, mas poderia mostrar o Instagram

para ele. Ensiná-lo sobre a internet poderia até ser divertido. Dobrei sua

carta e sua lista e coloquei-as de volta no envelope, já pensando na

melhor forma de ensinar-lhe as coisas que ele mais queria saber.

Enquanto ponderava, peguei o segundo envelope que estava no

colchão. Embaixo dela havia uma caixa longa, fina e retangular,

embrulhada em papel alumínio prateado e dourado, que parecia

suspeitamente com um presente.

Frederick me deu outro presente de mudança?

Abri lentamente o segundo envelope e tirei o pedaço de papel de

dentro.
Esta carta tinha apenas três palavras.

Querida Cassie,
Para sua arte.
Seu,
Frederick
Engolindo em seco, peguei a caixa e rasguei cuidadosamente o

embrulho. O papel em que ele embrulhou era grosso e macio como

manteiga. A caixa dentro era de cor creme claro, com o fundo

estampado com o famoso logotipo verde-floresta da Arthur & Bros.

Arthur & Bros. era uma loja de materiais de arte com sede perto da

Universidade de Chicago que fazia remessas internacionais e fabricava

alguns dos pincéis mais bonitos que já usei pessoalmente.

Abri a caixa. Dentro havia um conjunto de quarenta e oito lindos

lápis de cor, variando em cores do rosa pálido ao azul tão escuro que era

quase preto. Eu não usava lápis de cor em nenhum dos meus trabalhos

desde que estava no ensino médio e não tinha certeza se encontraria um

uso para eles.

A consideração deste presente, porém, era inegável. Eu me perguntei

como ele conseguiu obtê-los, dado o quão longe o Hyde Park ficava de

seu apartamento – e como ele parecia não ter ideia de como pagar pelas

coisas.

Disse a mim mesma que precisava deixar de lado qualquer

pensamento sobre o que um presente generoso e atencioso como esse

poderia significar.

Mas não consegui.

Peguei uma caneta e um pedaço de papel da minha bolsa e rabisquei

um bilhete apressado para ele.

Olá Frederick,
Sua lista me parece boa! De qualquer forma, é um bom lugar
para começar. Mas também precisamos trabalhar nas suas
roupas. Elas são muito legais, mas fazem você se destacar de
uma maneira que acho que você não deseja. Devíamos ir às
compras juntos em breve. O que você acha? Vou lhe mostrar
exatamente o que comprar para que ninguém pense que há
algo de errado com você quando o vir em público.
E muito obrigada pelos lápis. Eles são lindos.
Sua,
Cassie
Fiquei olhando para o modo como assinei o bilhete por um longo

tempo antes de conseguir me convencer a deixá-lo para ele na mesa da

cozinha.

Não havia nada de estranho, nada de pior ideia do mundo em assinar

um bilhete Sua, Cassie em resposta a um bilhete assinado Seu,

Frederick... certo?

Eu estava apenas sendo educada. Fazendo o que qualquer colega de

quarto bom e amigável faria. Não havia nenhuma razão para meu

coração disparar quando eu o imaginei lendo meu bilhete depois que eu

fui dormir, sorrindo tão abertamente pela maneira como eu o assinei que

isso ativou sua covinha assassina na bochecha. Nenhuma razão.

Mesmo assim, meu coração estava acelerado quando deixei o bilhete

na mesa da cozinha, cinco minutos depois.

como muitos dos artistas que dividiam espaço no


Vivendo a Vida em Cores tinham empregos diurnos durante o horário

comercial tradicional, o estúdio estava sempre mais movimentado à

noite e nos fins de semana. Quando cheguei lá, algumas horas depois de

voltar para o apartamento de Frederick, eram sete horas e o estúdio


estava lotado. Não havia mais espaço para mim na grande mesa

comunitária – meu lugar favorito para trabalhar quando cheguei.

— Ainda há um cubículo vago nos fundos — disse Jeremy, um

pintor que quase morava lá, pelo que pude perceber, de sua posição na

cabeceira da grande mesa.

— É aquele com a lâmpada boa ou quebrada?

— Oh, Joanne consertou o quebrado na terça-feira.

— Sério? — Isso foi uma surpresa. Não era segredo que o estúdio

mal ganhava dinheiro suficiente com aluguel de artistas para cobrir o

aluguel. Joanne geralmente via qualquer reparo que não fosse

absolutamente necessário para manter o prédio dentro dos padrões como

algo que ela poderia adiar indefinidamente.

— Eu sei, também fiquei surpreso. — Jeremy riu. — De qualquer

forma, é o cubículo que até terça-feira tinha uma lâmpada quebrada, mas

agora funciona perfeitamente.

O projeto que eu queria criar para minha inscrição vinha chegando

até mim aos poucos nos últimos dias. Isso havia se solidificado naquela

tarde, quando entrei em meu quarto e vi minhas paisagens do Lago

Michigan penduradas no lugar onde antes havia aquela horrível pintura a

óleo da caça à raposa.

A antiga pintura de Frederick era horrível. Mas nem toda a arte que

retrata a vida na zona rural inglesa do século XVIII era ruim – pelo

menos se as aulas que tive enquanto estudava em Londres, quando

estava na faculdade, fossem parcialmente precisas. E se eu criasse algo

inspirado naquela época, mas sem aquela coisa horrível de caça? Uma

mansão, situada em Lake District, com árvores frondosas ao fundo e um

riacho murmurante em primeiro plano? Eu ainda precisava pensar

exatamente em como subverter a imagem por meio de objetos

encontrados – como torná-la moderna, como torná-la minha –, mas isso

aconteceria comigo. Enquanto isso, o tipo de imagem que eu estava

imaginando realmente me faria alongar os músculos da pintura a óleo de

uma forma que me entusiasmasse.


Procurei em minha bolsa meu bloco de desenho e meu mais novo

presente de Frederick. Normalmente eu usava apenas um lápis de grafite

comum para meus esboços preliminares, mas para este projeto, eu

desenharia meus esboços de planejamento em cores.


DEZ

Mensagens de texto entre o Sr. Frederick J.


Fitzwilliam e o Sr. Reginald R. Cleaves
Posso pedir sua opinião honesta?

Sempre

O que você acha das minhas roupas?

A maneira como me visto, quero dizer.

Eu me visto com estilo?

Com estilo?

Sim.

Eu acho que você se veste muito bem, cara

Bom.

Eu também acho. Obrigado.

Acho que minhas roupas parecem muito refinadas.

Quer dizer, eu mantive todas as suas roupas


cuidadosamente preservadas para você enquanto
você dormia, certo?

Então eu posso ser tendencioso


Talvez, mas também penso que, neste caso isolado,
você se saiu bem.

Ahhh obrigado

Mas ei, por que de repente você se preocupa com


suas roupas

Eu sempre me importo com minhas roupas.

Hummmm, nos três séculos que te conheço, você


nunca perguntou minha opinião sobre suas roupas
ou aparência.

Por que você está perguntando agora?

Eu só estava...

Curioso.

Lolllllll, você tem certeza de que não tem nada a


ver com aquela MENINA voltando a morar com você

Não tenho a menor ideia do que você está falando.

na noite seguinte – depois que o sol se pôs e frederick


me recebeu pessoalmente de volta ao apartamento com um pequeno

sorriso nos lábios – nos encontramos amontoados à mesa da cozinha em

frente ao meu notebook.

Frederick estava carrancudo, os braços cruzados firmemente sobre o

peito enquanto olhava para minha tela.

— O que estou olhando, Cassie?

— Instagram.

— Instagram?

— Sim.

Frederick apontou para a imagem filtrada de um café da manhã que

Sam havia comido, segundo a legenda, há alguns meses, em sua lua de

mel no Havaí.

— Instagram é... fotos de comida?

À
— Às vezes, sim.

Frederick zombou, claramente impressionado.

— Reginald realmente não lhe mostrou nada na internet antes? — Eu

perguntei, um pouco incrédulo. Mas foi uma pergunta retórica. Não

poderia estar mais claro que antes de eu colocar a internet de Frederick

em funcionamento naquela tarde, ele nunca havia sido exposto a nada

online.

Frederick balançou a cabeça.

— Ele não fez isso.

— Como você sabia que deveria perguntar sobre o TikTok, então?

Uma pausa.

— Achei que fosse um novo tipo de música — admitiu ele, um

pouco envergonhado.

Eu não pude deixar de sorrir com isso. Ele realmente era

adoravelmente sem noção.

— Sério?

— Chama-se TikTok — disse ele. — Esse é o som que um relógio

faz, não é? Acho que foi um palpite razoável.

Ele tinha razão nisso. Se eu tivesse acabado de acordar de um

cochilo de um século, poderia ter chegado à mesma conclusão. Na

verdade, nasci há apenas algumas décadas e também mal sabia o que era

TikTok.

— Bem, de qualquer forma, estar conectado à internet é essencial no

século XXI — eu disse. — É a única maneira de as pessoas obterem

informações agora.

— É provavelmente por isso que Reginald não me conectou — disse

Frederick, sombriamente. — Ele me alimentou por um século e garantiu

que minhas contas fossem pagas para que eu não definhasse ou ficasse

sem teto quando acordasse. Mas se, ao acordar, eu tivesse acesso

confiável às informações ao meu alcance, isso teria impedido sua

capacidade de pregar peças em mim.

Eu bufei.

— Acho que serei uma assistente de vida melhor do que ele.


— Não tenho dúvidas sobre isso.

Ele voltou sua atenção para meu laptop. Anteriormente, eu havia

explicado a ele que, embora eu não estivesse familiarizada com todos os

cantos da Internet ou com todas as plataformas de mídia social (por

exemplo, eu só entrava no TikTok para ver vídeos engraçados de gatos e

mal entendia isso), eu estava regularmente no Instagram e poderia

mostrar-lhe o local.

Ele concordou prontamente, embora, pensando bem, eu tenha

percebido que isso acontecia porque ele não sabia o que era Instagram.

Desde que abri a página de Sam, Frederick deixou bem claro que se

arrependia dessa decisão – e possivelmente se arrependia de ter pedido

que tivéssemos aulas sobre internet juntos.

— Qual é o sentido da tecnologia dedicada exclusivamente ao

compartilhamento de fotos de alimentos para o café da manhã? — Ele

parecia tão perplexo, quase ofendido, na verdade, que tive que morder o

lábio para não rir. Ele era a personificação de peito largo, lindo e não

muito vivo do meme Ok boomer. O fato de ele parecer um homem de

trinta e poucos anos só tornava tudo mais engraçado.

E mais adorável.

— Instagram não é apenas fotos de comida — retruquei, tentando

manter a cara séria.

Ele apontou um dedo acusador para a tela.

— A conta do seu amigo parece conter inteiramente fotos de comida.

— Sam gosta de tirar fotos de comida — admiti. — Mas o Instagram

permite que você compartilhe fotos de tudo o que quiser com pessoas de

todo o mundo. Não apenas fotos de comida.

Ele pareceu considerar isso.

— Oh?

— Sim — confirmei. — Você pode compartilhar fotos de notícias

importantes ou de lugares bonitos. E, sim, tudo bem, às vezes as pessoas

compartilham fotos de refeições que gostaram. Especialmente se eles

estivessem em algum lugar especial ou emocionante quando comeram.


— Por que as pessoas de todo o mundo se importariam com o que

seu amigo Sam comeu durante as férias?

Abri a boca para responder, mas então percebi que não tinha uma

boa resposta para isso.

— Eu... realmente não sei — eu admiti. — Mas poderíamos tirar

uma foto daquela tigela de laranjas que você guarda para mim no balcão

e postar se quiser. São bonitas.

Ele olhou por cima do ombro para as laranjas em questão e depois

balançou a cabeça em desaprovação.

— Eu simplesmente não entendo esse desejo moderno de

compartilhar com o mundo inteiro cada pensamento corriqueiro que

alguém tem no instante em que isso acontece.

— Também não posso dizer que entendo completamente — admiti.

— Eu uso o Instagram para divulgar minha arte. Fora isso, não uso

muito as redes sociais.

— Então por que você está insistindo que eu aprenda como usá-lo?

— Ele parecia petulante, como uma criança prestes a fazer birra por ter

que fazer o dever de matemática. — Se isto é mídia social, a mídia

social parece nada mais que uma perda de tempo barulhenta e invasiva.

Enquanto ele continuava a fazer cara feia para meu notebook, fiquei

quase dominada pela simpatia por ele. Quando Frederick caiu em seu

sono de um século, ele deixou para trás um mundo de cartas escritas à

mão e passeios a cavalo. Acordar com redes sociais e as Kardashians

deve ser um choque incrível. Ele era como um octogenário aprendendo a

usar um computador – só que pior.

Os octogenários eram mais de duzentos anos mais jovens que ele.

Eu estava determinada a continuar com esta lição, no entanto.

Frederick pode não ter a intenção de me pedir para ensiná-lo sobre

mídia social quando perguntou sobre o TikTok, mas, honestamente? Foi

uma boa ideia. Agora que estávamos fazendo isso, eu não iria deixá-lo

atrapalhar.

— Você não precisa usar as redes sociais — eu disse, mantendo

minha voz gentil. — Mas se você quiser se misturar, precisa pelo menos
saber o que é mídia social.

— Não tenho certeza de que isso seja verdade.

— É sim.

Seus lábios carnudos e macios se transformaram em um beicinho.

Meu companheiro de quarto vampiro de séculos de idade estava fazendo

beicinho. Era uma visão tão ridícula quanto fascinante. Ele mordeu o

lábio e meus olhos caíram impotentes em sua boca. Seus dentes da

frente não pareciam diferentes dos de ninguém. Frederick tinha presas

em algum lugar, como Reginald tinha?

Se ele pressionasse aqueles lindos lábios em minha garganta, ele

seria capaz de sentir meu coração batendo sob a pele?

Eu ainda tinha tantas perguntas. Algumas das quais eu não ousava

admitir nem para mim mesmo.

— A clareza das fotografias que você pode ver na internet é

surpreendente. — O elogio relutante de Frederick às fotos de Sam

interrompeu meus devaneios, salvando-me de mim mesma. Pensar na

boca dele no meu pescoço – em qualquer parte do meu corpo – não

levaria a nada de bom.

Sentei-me um pouco mais ereto na cadeira, sentindo-me um pouco

corada.

— Tenho certeza de que Sam usou um filtro nisso.

— Um o quê?

Eu balancei minha cabeça. Uma lição sobre filtros do Instagram

pode esperar outro dia.

— Deixa para lá.

Felizmente, Frederick deixou passar.

— Meu entendimento com Reginald é que existe uma maneira de

interagir com as imagens que você vê nas redes sociais. Como faço isso?

— Oh. Bem, no Instagram você pode curtir uma postagem clicando

naquele coraçãozinho, ou pode deixar um comentário.

Frederick franziu a testa.

— Um comentário?

— Sim.
— Que tipo de comentários se deixa no Instagram?

Eu pensei por um momento.

— Quero dizer, as pessoas dizem o que querem. Geralmente as

pessoas tentam ser engraçadas. Às vezes elas podem tentar ser más, eu

acho. Mas isso seria uma coisa idiota de se fazer.

— Uma... coisa idiota de se fazer — ele repetiu lentamente,

parecendo confuso.

— Exatamente.

Frederick balançou a cabeça e murmurou algo baixinho que parecia

um pouco com uma gíria moderna incompreensível, embora eu não

tivesse certeza. Então ele perguntou:

— Posso deixar um comentário sobre esta foto que seu amigo postou

do café da manhã?

Sua pergunta me surpreendeu, depois de quão abertamente hostil ele

foi à própria ideia de mídia social. Foi bom que ele quisesse aprender,

no entanto.

— Claro. — Apontei para a caixa de comentários. — Basta digitar o

que você quiser dizer aqui.

Ele olhou para o teclado e depois começou a digitar as teclas bem

lentamente com dois grandes dedos indicadores.

— Ainda não estou familiarizado com os teclados modernos —

admitiu ele enquanto elaborava meticulosamente sua mensagem. — Eles

diferem muito das máquinas de escrever com as quais estou acostumado.

Pensei nas velhas máquinas de escrever que o Instituto de Arte de

Chicago tinha em sua coleção e tentei imaginar Frederick com suas

roupas antiquadas, usando uma delas.

— Você é muito bom em enviar mensagens de texto — eu disse. —

Eu acho que um telefone seria ainda mais difícil de usar.

Frederick encolheu os ombros.

— Descobri um recurso chamado falar para texto — disse ele,

enquanto continuava digitando. Para alguém que normalmente se movia

com tanta fluidez, que parecia tão à vontade com seu próprio corpo, ele
era um digitador desajeitado e sem graça. Era estranhamente cativante.

— Sem ele eu nunca usaria meu telefone.

Falar para texto explicaria a extensão de algumas das mensagens que

ele me enviou. Sorrindo um pouco, olhei para a tela do meu notebook.

Meu sorriso desapareceu quando li o que Frederick estava escrevendo.

Embora esta fotografia seja agradável o suficiente,


não consigo entender o motivo de usar tecnologia
avançada para fins tão comuns. Por que você a
compartilhou? Seu em boa saúde, Frederick

Eu olhei para ele.

— Você não pode postar isso — eu disse, exatamente ao mesmo

tempo em que ele clicou em enviar e a mensagem foi postada.

— Por que não? — Frederick parecia genuinamente confuso. —

Você acabou de dizer que as pessoas poderiam deixar as mensagens que

quisessem no Instagram.

— Não quando você está conectado com minha conta. — Afastei as

mãos de Frederick do teclado, ignorando seus protestos. — Delete isso.

Isso foi uma coisa cruel de se dizer.

— Não foi. Eu estava simplesmente pedindo esclarecimentos.

— Foi cruel. Sam vai pensar que você é um idiota. — Claro, Sam já

não gostava de Frederick. Eu ainda não tinha explicado por que fugi

deste apartamento e apareci na porta dele sem aviso prévio, ou por que

voltei para Frederick com a mesma rapidez. Conhecendo minha história

com situações de vida terríveis e homens terríveis, Sam quase

certamente estava tirando as piores conclusões.

O olhar pensativo no rosto de Frederick sugeria que ele de alguma

forma adivinhara o que eu estava pensando.

— Seu amigo já tem motivos de sobra para desconfiar de mim —

disse ele. — Se eu fosse ele, provavelmente também não confiaria muito

em mim. Suponho que você esteja certa. Não quero piorar a situação

insultando sua escolha em fotografia de café da manhã.


— Não. — Eu balancei minha cabeça. — Você não quer.

— Muito bem — disse ele. — Você pode retirar o comentário. —

Ele fechou os olhos, seus cílios longos e grossos espalhando-se pelo

topo de suas bochechas. Fiquei paralisada por eles e pela subida e

descida lenta e constante de seu peito enquanto ele respirava.

— Eu... já fui conhecido por meu comportamento direto — disse ele,

sua voz um pouco mais alta que um sussurro. — Era uma característica

admirável entre os homens da época. Imagino que agora é preciso medir

as palavras com frequência para não ofender. — Ele fez uma pausa

novamente. — Nada disso é intuitivo para mim. Sinto que serei para

sempre um idiota desajeitado em público.

Seus ombros caíram, fazendo-o parecer tão triste que meu coração

doeu. A enormidade do que ele enfrentou, o que ele estava tentando

fazer – e tudo o que ele havia perdido ao longo dos longos séculos de

sua vida – pairava silenciosa e pesada no ar entre nós.

— Farei o que puder para ajudar. — Minhas palavras, a oferta que eu

estava fazendo, pareciam inadequadas. Muito pequenas.

Lentamente, ele abriu os olhos, um ardor silencioso neles que não

existia antes.

— Eu sei que você vai. — Uma pausa. — Você pode me mostrar sua

conta do Instagram?

Pisquei para ele.

— O que você disse?

Ele franziu a testa.

— Você não me ouviu?

— Eu te ouvi. Estou apenas surpresa.

— Por que?

— Não achei que você quisesse ver o Instagram.

— Não quero ver os cafés da manhã do Sam no Instagram —

corrigiu ele. — Mas se é tão importante aprender sobre mídias sociais e

internet, eu gostaria pelo menos de ver algo interessante.

Eu hesitei.

— Minha conta é entediante.


— Tenho certeza de que não é.

— O Instagram tem zilhões de vídeos de gatos hilariantes — eu me

esquivei, minhas bochechas esquentando. — Vamos dar uma olhada em

um deles.

Inclinei-me para clicar em uma das minhas contas de gatos favoritas.

A parte interna do meu braço roçou seu antebraço no processo,

causando um arrepio involuntário na minha espinha. Fechei os olhos

contra a onda inesperada de sensações que percorreu meu corpo, só por

causa disso.

— Cassie.

Tentativamente, ele colocou uma de suas mãos em cima da minha,

parando minha rolagem – e minha respiração – instantaneamente. Sua

mão estava fria, a palma suave contra os nós dos meus dedos. Olhei para

nossas mãos, maravilhada com o contraste entre elas enquanto lutava

para estabilizar minha respiração. Quente e frio. Pequeno e grande.

Bronzeado e pálido.

Foi a primeira vez que ele me tocou intencionalmente. Isso pareceu

ocorrer a ele no mesmo momento em que ocorreu a mim, e o

surpreendeu igualmente. Seus olhos se arregalaram, as pupilas dilatando

enquanto ele me olhava.

Foi necessária uma quantidade embaraçosa de força de vontade para

não entrelaçar os dedos, apenas para ver como seria também.

— Por favor, pare de me distrair.

A voz de Frederick estava em meu ouvido, fazendo cócegas nos

pelos da minha nuca, fazendo meus antebraços explodirem em uma

profusão de arrepios.

Engoli em seco, tentando me concentrar no gato na tela do meu

notebook. O gatinho era fofo e muito bom no snowboard. Ele merecia

toda a minha atenção.

— Distrair você? — Eu respirei. Eu mal conseguia ouvir minha voz

por causa do sangue correndo em meus ouvidos.

— Sim. — Frederick tirou a mão da minha. Tentei reprimir uma

onda irracional de decepção pela perda de contato. — Quero ver sua


conta do Instagram. Você está tentando me distrair com gatos.

Respirei fundo e me acalmei e dei uma olhada em seu rosto. Seus

olhos brilharam com diversão.

— Não está funcionando? — Eu consegui.

— Não. Eu gosto bastante de gatos. Mas já vi gatos antes. Nunca vi

sua página. — E então, quase como uma reflexão tardia, acrescentou: —

Por favor, mostre-me.

Os vampiros tinham poderes mágicos que faziam os humanos

quererem cumprir suas ordens ou algo assim? Eu não tinha certeza.

Tudo que eu sabia era que em um momento eu estava prestes a contar a

ele que, embora ele pudesse ter visto gatos antes, não havia como ele ter

visto uma prancha de snowboard – e no momento seguinte eu estava

carregando meu Instagram, exatamente como ele me pediu.

Talvez não fosse nenhum poder mágico. Talvez fossem os efeitos

persistentes da sensação de ter a mão dele na minha.

Pisquei para o monitor e para a selfie boba de cinco anos atrás que

servia como minha foto de perfil.

Limpei a garganta.

— Aqui está.

Ele cantarolou em agradecimento.

— Como posso ver as fotos?

— Assim — eu disse, mostrando a ele como navegar. — Eu publico

principalmente coisas que fiz, mas não é uma verdadeira conta de arte

porque também há selfies e fotos de amigos misturadas.

— Selfies?

— Oh. — É claro que ele não conheceria essa palavra. — Selfies são

fotos que você tira de si mesmo.


3
— Ah. — Ele assentiu. — Selfies .

Ele descobriu como navegar pelas fotos no meu Instagram com

bastante rapidez. Ele olhou para as fotos que eu tinha tirado em

Saugatuck, minhas, de Sam e de Scott, abraçados enquanto sorrimos

para a câmera. Ele clicou em fotos do lixo da praia que eu havia

recolhido para fazer as telas do meu quarto – e as minhas fotos, sorrindo


como uma tola orgulhosa de rabo-de-cavalo e chinelos, parada na frente

dele.

Frederick examinou as fotos, olhando cada uma delas com leve

interesse.

Isto é, até que ele chegou a uma foto que Sam havia tirado no último

dia de nossas férias: eu, no único dia da semana que poderia ser descrito

com precisão como quente, usando o único biquíni que tinha. Era rosa

brilhante, a parte inferior coberta de margaridas brancas.

Não era nada de especial.

No que diz respeito aos biquínis, nem era tão revelador.

Frederick fez uma pausa na rolagem. Seus olhos se arregalaram, sua

mão livre cerrou-se em um punho apertado ao seu lado.

Parecia que ele estava prestes a ter uma embolia. Ou qualquer que

fosse o equivalente vampiro de uma embolia.

Ele apontou um dedo trêmulo para a foto.

— O que você está vestindo? — Sua mandíbula estava cerrada, os

tendões do pescoço se destacando em relevo.

— Uma roupa de banho.

Ele balançou sua cabeça. Fechou os olhos. O zumbido da geladeira

aumentou, enchendo a sala com um ruído branco.

— Isso — disse ele, com a voz rouca — não é uma roupa de banho.

Eu estava prestes a perguntar do que ele estava falando – porque sim,

claramente era uma roupa de banho. E então percebi que ele

provavelmente estava acostumado com trajes de banho femininos que

cobriam você da cabeça aos pés.

Mas por que ele se importaria com o que eu usava nas férias na

praia, anos atrás?

— É um biquíni, Frederick. — Olhei para a minha imagem, sorrindo

para a câmera. — Eu sei que é diferente dos trajes de banho com os

quais você está acostumado, mas...

O resto das minhas palavras morreu na minha garganta enquanto eu

observava sua expressão. O brilho em seus olhos, a mandíbula tensa.....

Eu estava errada. Ele não parecia bravo.


Ele parecia homicida.

Lambi os lábios, procurando algo para dizer, tentando entender sua

reação bizarra.

— Você não gostou da foto?

Sua carranca se aprofundou. Claramente este foi o eufemismo do

século.

— Não.

Um pequeno nó duro se formou na boca do meu estômago. Eu sabia

que dificilmente teria um corpo de supermodelo. Meus quadris

curvilíneos e meu tronco longo faziam do biquíni uma escolha ousada.

Mas ele tinha que ser tão cruel com isso?

— Você... não achou que fico bem nele? — Assim que fiz a

pergunta, me senti boba por me importar. O que importava se ele

achasse que eu estava bem ou não? Não importava.

Exceto por algum motivo... aconteceu.

— Não foi isso que eu disse — murmurou Frederick.

Eu fiz uma careta para ele, intrigada com a forma como ele estava

agindo.

— Eu não entendo.

O silêncio se estendeu entre nós, pontuado apenas pelo tiquetaque do

relógio de pêndulo na sala de estar.

Quando Frederick abriu os olhos novamente, eles estavam cheios de

uma possessividade ardente que me surpreendeu. Ele se afastou da

cadeira com tanta força que quase a derrubou no chão.

— O que eu disse, Cassie, foi que não gostei da foto — Ele estava de

frente para a janela que dava para o Lago Michigan, de costas para mim.

O que foi bom. Se a expressão em seu rosto fosse tão acalorada quanto o

tom de sua voz, eu não tinha certeza do que faria. Provavelmente algo

que Sam me daria um sermão mais tarde. Possivelmente eu explodiria

em chamas.

Suas mãos ainda estavam cerradas ao lado do corpo, todo o corpo

tenso como a corda de um arco.


— Talvez mulheres jovens e bonitas rotineiramente se vistam com

quase nada quando vão à praia. Talvez minha reação ao ver você vestida

dessa maneira seja incrivelmente antiquada. — Ele fez uma pausa e se

virou para mim. Seus olhos estavam cheios de tormento, e outra coisa

para a qual eu não tinha palavras, mas que meu corpo de alguma forma

reconheceu mesmo assim. Meu coração acelerou com a maneira como

ele estava olhando para mim agora, minha respiração ficando curta e

rápida demais.

— Eu posso me vestir como eu quiser, você sabe.

— Você pode. — ele admitiu. — Não tenho o direito de ditar como

você se veste ou viva sua vida. Minha opinião não importa, e não

deveria importar. Mas a ideia de outras pessoas poderem ver tanto do

seu corpo… — Ele desviou o olhar novamente e suspirou. — Talvez eu

tenha vivido muito tempo.

No momento em que consegui me recompor o suficiente para

responder, ele se virou e saiu da sala, deixando uma tensão palpável e

insuportável em seu rastro.

3. A palavra "self" em inglês refere-se a "eu" ou "si mesmo".


ONZE

Registro no diário do Sr. Frederick J.


Fitzwilliam, datado de 4 de novembro
Cassie foi para a cama há duas horas.
Cada vez que fecho os olhos, ainda consigo vê-la, sorrindo
para a câmera com aquela desculpa de roupa, o cabelo
formando uma auréola dourada em volta da cabeça, o corpo
iluminado e glorioso.
Estou cheio de raiva.
Com o fotógrafo por tirar aquela foto.
Com Cassie por permitir que tantos outros a vissem
praticamente nua.
Com todos os sete bilhões de pessoas neste planeta que têm
a capacidade teórica de ver aquela foto dela com apenas
alguns cliques de um botão.
Comigo mesmo.
Enquanto estou sentado curvado sobre minha mesa, tento
desesperadamente ignorar a dor urgente e agora familiar em
minha região lombar. Como Cassie dorme inocentemente,
sem saber, no quarto ao lado, agarro-me ao que resta da
minha sanidade e do meu autocontrole.
Porque, pelo amor de Deus, quando vi aquela foto dela,
tudo que consegui pensar era no quanto eu queria que Cassie
usasse aquela “roupa de banho” dela para mim.
Se eu estivesse lá quando ela foi tirada, tudo o que eu
poderia fazer seria evitar tirar aquelas tiras delicadas de
tecido de seus ombros e expor o resto de seu lindo corpo aos
meus olhos.
Eu sou uma criatura repreensível.
Cassie é uma humana jovem e vibrante que não merece ser
objeto de minhas imaginações lascivas. Amanhã ela vai me
levar às compras para me ajudar a escolher o que ela insiste
que será uma roupa casual mais adequada do que meu guarda-
roupa atual. Espero que isso envolva a avaliação do meu corpo
e da aparência dele em várias roupas. E se ela precisar me
tocar como parte desse processo? Fico mais duro do que uma
pedra só de imaginar.
Se eu já não estivesse condenado por toda a eternidade,
certamente estaria agora.
Estou, como diria Reginald, muito além da minha
capacidade.
FJF

— então. seu colega de quarto precisa de uma


reforma completa, hein? — Sam lutou para manter a diversão longe de

sua voz, mas não estava conseguindo lidar bem com isso. Ele estava

mordendo o interior da bochecha, claramente lutando contra um sorriso.

— Deve ser urgente se você pediu minha ajuda.

O shopping estava lotado, cheio de adolescentes suburbanos

barulhentos e pais exaustos com filhos a tiracolo. Propus que Frederick

me encontrasse lá em uma terça-feira à noite porque eu presumi que o

shopping estaria relativamente quieto e vazio no meio da semana. Mas

dez minutos antes quase fui atropelada por uma mulher empurrando um
carrinho de bebê e percebi que uma pessoa como eu, que raramente ia

aos shoppings, não tinha base para fazer suposições.

— Não é tanto uma reforma, mas um guarda-roupa novo — eu disse.

Dei uma mordida no pretzel que acabei de comprar em um quiosque de

shopping, maravilhada com a forma como sua delícia química derreteu

na minha língua. Eu não tinha ideia do que realmente ia dentro daqueles

pretzels. Provavelmente era melhor assim.

— Um novo guarda-roupa?

— Sim. Ele precisa de roupas novas com bastante urgência. É por

isso que pedi que você se juntasse a nós. Você é um homem e eu não.

Você saberá mais sobre moda masculina do que eu.

Na verdade, Sam não sabia mais sobre moda masculina do que

muitas pessoas. Sua abordagem em relação às roupas não evoluiu muito

além do que ele usava na faculdade, exceto os ternos que usava para

trabalhar. Na verdade, eu pedi a Sam para se juntar a nós no último

minuto na esperança de que ele servisse como um amortecedor entre

Frederick e eu enquanto escolhíamos as roupas e ele as experimentava.

Porque agora que eu estava no shopping, percebi que uma coisa era dizer

ao seu colega de quarto vampiro extremamente bonito e fora dos limites

que ele precisava se vestir de maneira diferente – e outra coisa

totalmente diferente era realmente levar seu colega de quarto vampiro

extremamente bonito e fora dos limites ao shopping, ajudá-lo a escolher

as roupas e, em seguida, avaliar como todas elas ficavam em seu lindo

corpo enquanto você o ajuda a tomar decisões.

Especialmente considerando como nossa aula sobre Instagram

terminou.

Já se passaram dois dias e eu ainda não tinha certeza do que

significava a reação dele à foto minha de biquíni. Não por falta de pensar

nisso indefinidamente, de todos os ângulos possíveis, é claro.

Eu pensei sobre isso no trabalho. Enquanto tento trabalhar na minha

submissão para a mostra de arte. Enquanto tentava adormecer à noite,

hiper consciente de que ele estava acordado e no quarto ao lado do meu,

cumprindo sua rotina noturna.


Eu passei mais tempo do que queria admitir para mim mesma

revivendo exatamente como ele olhou para mim antes de sair furioso da

sala – seus olhos brilhando com, o quê? Raiva? Ciúmes? Ou alguma

outra coisa?

Não tínhamos nos falado desde então, exceto por algumas anotações

coordenando essa viagem de compras. Se eu quisesse sobreviver duas

horas olhando para Frederick de jeans e Henleys, precisava do meu

melhor amigo comigo.

— Mas achei que seu colega de quarto se vestia bem. — Eu podia

ouvir o sorriso provocador na voz de Sam enquanto me encostava em

um grande pilar branco com um anúncio de perfume de um lado e uma

planta do shopping do outro. — Achei que ele fosse um barco dos

sonhos.

Minhas bochechas coraram de vergonha pela situação e leve

aborrecimento com meu amigo.

— Ele se veste. Ele é. Mas… — Mordi o lábio, tentando pensar em

como descrever o problema de Frederick de se vestir como-se-ele-

tivesse-vivido-há-cem-anos-atrás sem revelar também que ele é um

vampiro.

E então Frederick escolheu aquele momento para aparecer,

poupando-me de ter que dizer qualquer coisa. Como sempre, ele estava

vestido como se estivesse indo encontrar Jane Austen, com um terno de

lã cinza-escuro de aparência cara e sapatos pretos engraxados.

Ele havia deixado a gravata em casa, o que era bom. Mas eu esperava

que ele também deixasse a jaqueta do terno em casa para essa tarefa.

Isso só atrapalharia quando ele experimentasse as coisas. Dito isto, ele

parecia incrível – mesmo que mais deslocado do que nunca neste

shopping suburbano.

Uma olhada para Sam me disse que ele concordava com minha

conclusão. Frederick estava bonito. Foi a primeira vez que ele viu

Frederick em pessoa, e eu quase podia sentir meu melhor amigo

guerreando consigo mesmo enquanto lutava para manter os olhos fixos

no rosto perfeito e esculpido de Frederick, em vez de deixá-los deslizar


sobre seus ombros largos e na forma como suas roupas perfeitamente

ajustadas se ajustavam ao seu corpo.

Frederick contornou agilmente um grupo de adolescentes

conversando animadamente entre si com uma facilidade que eu não

esperaria dele, e então se juntou a nós onde estávamos, perto da planta

do shopping. Ele olhou para Sam, parando quase me dando as costas

completamente. A intensidade aquecida em seus olhos da outra noite

desapareceu, substituída por uma expressão agradável e vazia. Ao vê-lo,

você nunca imaginaria que duas noites atrás ele tinha perdido

completamente a cabeça com uma foto minha de biquíni.

Ele tinha, no entanto.

Se a maneira como ele estava ali, evitando meu olhar, servisse de

orientação, ele não queria desvendar o que isso significava naquele

momento.

Pensando bem, eu também não.

— Olá. Eu sou Frederick J. Fitzwilliam — disse ele, estendendo a

mão para Sam apertar.

Sam aceitou ansiosamente. Tive que reprimir uma risada na palma da

mão. Quem era essa pessoa e o que ele fez com meu amigo que se opôs

tanto a que eu voltasse a morar com Frederick?

— Prazer em conhecê-lo, Frederick — disse ele. — Eu sou Sam.

— É um prazer conhecer você também. Cassie me disse que você se

juntará a nós esta noite para me ajudar a escolher as roupas. —

Frederick gesticulou para mim sem olhar para mim, seus olhos ainda

fixos em Sam. Uma onda de decepção irracional passou por mim quando

percebi que ele estava tão feliz por ter uma proteção humana para isso

quanto eu.

— Espero poder ajudar — disse Sam, muito animado.

— Assim como eu. Sei pouco sobre moda moderna. — Ele

gesticulou vagamente para si mesmo. — Como tenho certeza que você

pode ver.

A essa altura, Sam havia perdido completamente a batalha ao olhar a

maneira como Frederick preenchia seu terno. Ele estava olhando


abertamente para ele agora. Ele engoliu em seco e depois esfregou a

nuca.

— Ah, tenho certeza que você sabe... algumas coisas.

— Eu não sei — insistiu Frederick. Se ele percebeu o quanto Sam

estava olhando para ele de forma nada discreta, ele não demonstrou

nenhum sinal disso. — Confio em Cassie quando ela me diz que devo

me vestir de maneira mais casual ao realizar minhas atividades diárias.

Mas sempre foi meu instinto me vestir da forma mais formal possível

para cada ocasião.

— Sim — Sam concordou. — Você não pode usar um terno assim

para ir ao supermercado. Ou para levar o lixo para fora.

Frederick suspirou e balançou a cabeça.

— Acontece que eu uso exatamente esse terno para levar o lixo para

fora todas as quartas-feiras à noite.

— E isso é um problema — lembrei-lhe, inserindo-me na conversa

pela primeira vez desde que Frederick apareceu. Frederick ainda não

estava de frente para mim, mas todo o seu corpo ficou tenso quando

falei, como se apenas o som da minha voz fosse suficiente para lhe

causar ansiedade. Ignorei a confusa confusão de emoções que surgiram

em mim e continuei. — Se você quiser... ficar mais confortável, você

deve usar camisetas e jeans ocasionalmente.

Levantei minhas sobrancelhas de forma significativa, para que ele

soubesse que ficar mais confortável era um código para menos como um

vampiro centenário.

— Você tem razão. — O olhar de determinação resignada de

Frederick fez com que ele parecesse que alguém o havia oferecido como

voluntário para acompanhar um baile do ensino médio ou lhe dissera

que havia sido eleito para o conselho de administração de uma

associação de proprietários de casas e que, embora preferisse fazer

qualquer outra coisa, ele preferia fazer qualquer outra coisa mas era

muito honrado para desistir agora.

Virei-me para Sam.


— Devemos começar na Gap ou em outro lugar? — Já fazia um

tempo que eu não fazia compras em qualquer lugar que não fosse on-

line, mas parecia que me lembrava que a Gap era boa nesse shopping.

— Depende de qual é o seu orçamento. A Nordstrom daqui também

tem coisas legais.

Frederick olhou diretamente para Sam e perguntou:

— Entre Nordstrom e Gap, qual você diria que tem roupas

masculinas casuais mais bonitas?

— Nordstrom, com certeza.

— Então Nordstrom será — Decidido isso, Frederick tirou do bolso

um verdadeiro relógio de bolso preso a uma corrente. Verificando a

hora, ele disse: — Acredito que temos duas horas antes do shopping

fechar e nossa missão terminar. Podemos começar?

— Espere, só um minuto — Agora Sam estava tirando o telefone do

bolso. — Merda, é minha empresa.

Ele colocou o telefone no ouvido.

— Sam Collins. — Sua voz era tão diferente, mais rígida e mais

formal do que quando ele falava comigo. Devia ser um dos sócios

ligando para ele.

Frederick franziu a testa para mim.

— Seu empregador liga para ele à noite?

— Sam é advogado — expliquei. — Ele está no primeiro ano e

trabalha horas absolutamente desumanas. O marido dele, Scott, me disse

que agora está no escritório quase setenta horas por semana.

Frederick pareceu horrorizado.

— Isso é horrível.

— Eu sei.

Sam havia tirado um caderno de sua bolsa e estava anotando coisas

enquanto ouvia o que quer que a pessoa do outro lado da linha estivesse

lhe dizendo.

— Não entendo por que a Kellogg está em pânico com a fusão. Vai

acontecer na próxima semana, eu entendo isso, mas… — Outra pausa.

— Sim, claro. Vou redigir esse memorando assim que chegar ao


escritório. — Ele olhou para o relógio de pulso. — Estou em

Schaumburg agora, mas posso chegar lá em quarenta e cinco minutos.

Sam desligou e olhou para mim com olhos de desculpas.

Meu estômago afundou em algum lugar próximo aos meus sapatos.

— Você tem que ir agora? — Eu perguntei, meu pânico aumentando.

— Sim. Eu realmente sinto muito. Esta fusão que estamos fazendo

é… — Ele parou, balançando a cabeça. Pela primeira vez notei as

olheiras em seus olhos. — Não há nenhum problema com esta fusão.

Deve acontecer sem problemas na próxima semana, mas nosso cliente

está em pânico e preciso acalmá-lo.

E então, ele ergueu uma sobrancelha e se aproximou um pouco mais

antes de acrescentar, em voz baixa:

— Lamento especialmente por perder Frederick experimentando

roupas.

Isso foi quase o suficiente para me distrair do terror que sentia pelo

fato de que em breve estaria sozinha com Frederick, em vários estados

de roupa e roupa, durante uma noite inteira. Eu dei um tapa no meu

melhor amigo.

— Você é um homem casado, Sam.

— Casado, não morto. — Ele fez uma pausa e acrescentou: — Mas

falando sério, ele parece um cara legal. Um pouco estranho, mas… —

Ele encolheu os ombros. — Não estou mais convencido de que você

esteja cometendo o pior erro da sua vida ao viver com ele.

Eu bufei.

— Bom. Agora vá ser advogado. Nós ficaremos bem. — Olhei para

Frederick, que parecia tudo menos bem com essa mudança de planos.

Seus olhos estavam arregalados, fazendo-o parecer quase tão

aterrorizado com a ideia de fazer isso sozinho comigo quanto eu.

— Me mande uma mensagem se surgir alguma coisa ou se você tiver

alguma dúvida — disse Sam, colocando sua bolsa no ombro. — Entrarei

em contato com você amanhã para ver como foi.

E então ele se foi. Deixando-me sozinha com Frederick, para

experimentar roupas masculinas casuais.


Isso seria ótimo.

Absolutamente ótimo.

Frederick pigarreou ao meu lado. Seus olhos estavam nos sapatos, os

dedos esquerdos da mão tamborilando rapidamente na parte superior da

coxa.

— Eu estou... feliz que você não trabalha tanto quanto ele, Cassie. —

Sua voz era tão baixa que tive que me esforçar para ouvi-lo em meio ao

barulho do shopping lotado. — Eu me preocuparia muito, eu acho, se

você fizesse isso.

Seus olhos encontraram os meus, suaves e tão quentes, antes de se

desviarem novamente um momento depois.

Ele limpou a garganta.

— Vamos para Nordstrom então?

Nordstrom. Certo.

— Sim — eu disse, sentindo-me sem fôlego e um pouco tonta com a

mudança abrupta de assunto. Como diabos eu iria sobreviver a isso? —

Nordstrom, então.

a última vez que estive em uma nordstrom foi há quase


vinte anos, quando fui ao mesmo shopping com minha mãe para

experimentar vestidos para meu bat mitzvah. Dado há quanto tempo isso

foi, foi surpreendente o quão forte foi a sensação de déjà vu no momento

em que entrei na loja. O perfume que parecia permear o ar, a iluminação

fluorescente – tudo isso me trouxe de volta aos treze anos de idade,

miseravelmente desconfortável em minha própria pele e desejando estar

em qualquer lugar diferente de onde estava.

Pela maneira como as mãos de Frederick se fechavam e se abriam ao

seu lado, suspeitei que ele estava se sentindo da mesma forma que eu,

anos atrás.

— Eu não esperava que este estabelecimento fosse tão… — Ele

parou, seus olhos escuros arregalados e mostrando o quão


sobrecarregado ele estava enquanto tentava absorver tudo.

— Você não esperava que fosse tão o que? — perguntei, enquanto o

guiava pelo ostentoso departamento de calçados que tinha seu próprio

bar de vinhos.

Ele parou abruptamente quando chegamos à vitrine de casacos de

inverno de cinco mil dólares que pareciam ter sido remendados com

strass e sacos de lixo.

Ele franziu a testa para eles. Eu só podia adivinhar o que ele estava

pensando agora.

— Eu não esperava que este estabelecimento fosse… demais.

Ele não deu mais detalhes. Mas ele não precisava. Eu entendi o que

ele quis dizer perfeitamente.

Minha mão ainda estava em seu cotovelo enquanto eu o conduzia em

direção ao departamento masculino, aplicando apenas uma pressão

suave para encorajá-lo a se mover para a esquerda. Estava barulhento lá

dentro, a loja estava cheia de compradores e vendedores e música de

fundo genérica – mas mesmo assim, eu ouvi a forma como a respiração

dele engatou ao meu toque tão facilmente como se não houvesse mais

ninguém lá.

Tentei seguir a sinalização do departamento masculino, mas havia

tantos outros departamentos naquela enorme loja que foi um desafio.

Também havia muitas outras pessoas. Estava quase tão lotado lá quanto

na área principal do shopping. Parecia que estávamos esbarrando em

mais um comprador bem vestido a cada três metros.

Devemos ter perambulado pela Nordstrom por dez minutos antes de

finalmente encontrar o departamento masculino. Ficava no sexto andar,

depois da seção de artigos domésticos e no extremo oposto da loja à

entrada do shopping. Era tão menor do que as partes cumulativas da loja

dedicadas a roupas femininas que parecia um enteado esquecido.

O que eles vendiam aos homens, porém, parecia tão caro quanto todo

o restante que a Nordstrom vendia. Prateleiras de ternos em cores

conservadoras, adornados com etiquetas de preços de mil dólares, nos


cumprimentaram. Logo atrás deles havia um mostruário de gravatas de

seda que ocupava uma parede inteira.

Felizmente, eles pareciam vender coisas mais casuais também. Um

pouco mais adiante na seção encontramos jeans que fariam Frederick se

destacar bem menos na próxima vez que ele saísse.

— Posso ajudar?

Uma mulher esbelta, com um vestido preto e o cabelo escuro preso

em um coque severo, mas elegante, apareceu ao lado de Frederick. Notei

seu crachá – era Eleanor M. – e o fato de que ela parecia ter a minha

idade, embora muito mais equilibrada. Eu me perguntei se a Nordstrom

exigia que os funcionários comprassem as roupas que usavam para

trabalhar, como a The Limited fazia quando eu trabalhava lá na

faculdade.

— Sim — disse Frederick. — Meu nome é Frederick J. Fitzwilliam.

Eu preciso de roupas.

As sobrancelhas da vendedora se ergueram.

— Roupas?

— Sim.

Ela continuou a olhar para Frederick com expectativa, como se

esperasse por esclarecimentos. Quando nada aconteceu, ela girou sobre

um de seus saltos de sete centímetros, aparentemente caros, para me

encarar.

— O que ele quer dizer — comecei, me sentindo um pouco estranho

— é que quer experimentar alguns jeans. E algumas camisas casuais. Ele

já tem muitos ternos, mas quer algumas roupas que possa usar, por

exemplo, em casa ou para ir a um café. Coisas assim.

— Ah. — Ela me deu um sorriso conhecedor. E então, num sussurro

conspiratório, ela acrescentou: — Seu namorado é um verdadeiro

viciado em trabalho, do tipo que está sempre-no-escritório, não é?

Namorado.

Meu coração se alojou no esôfago ao mesmo tempo em que meu

estômago deu uma cambalhota não totalmente desagradável. Olhei para


Frederick. Pela expressão estupefata em seu rosto, eu poderia dizer que

ele tinha ouvido exatamente o que ela acabara de dizer.

— Oh... ele não... —, gaguejei. Eu tentei rir. — Ele não é meu…

Mas ela não estava lá para ouvir o final da minha frase, já se

afastando e gesticulando para que a seguíssemos para longe dos ternos e

em direção à seção masculina de roupas mais casuais. Olhei para

Frederick, seguindo logo atrás de mim. Eu não pensei que os olhos de

uma pessoa pudessem ficar tão arregalados.

— O departamento masculino da nossa loja é o maior de todos os

Nordstroms na área de Chicago — ela se vangloriou, alheia aos meus

pensamentos tumultuados. — Nossas opções de ternos são

especialmente robustas. Mas suponho que você não está aqui para isso.

— Não — concordou Frederick. Ele gesticulou para mim e

acrescentou: — Cassie diz que preciso usar roupas mais casuais para me

integrar à sociedade moderna.

A vendedora cantarolou, balançando a cabeça sabiamente.

— Sim. Bem, você veio ao lugar certo. — Ela parou de andar quando

chegamos a várias prateleiras de jeans. — Você está interessado em

jeans desgastados ou em um visual mais clássico?

Frederick ergueu uma sobrancelha desconfiada para a vendedora. Ele

cuidadosamente puxou um par de jeans que estava tão desgastado que

parecia ter sido encharcado em um tanque de ácido por duas semanas.

— Eu não vou usar isso — disse ele, categoricamente. — Meu Deus,

Cassie. Esta roupa tem mais furos do que tecido.

— Ele gostaria de um visual mais clássico — eu disse, muito

rapidamente à vendedora. Levei Frederick até uma prateleira de jeans

que achei que ele acharia mais aceitável.

Ele piscou.

— Esses?

— Estes — eu concordei.

Ele me considerou por um momento antes de perguntar:

— Como posso saber qual destes vai servir em mim?


Com isso, a vendedora virou-se para Frederick, deixando seus olhos

percorrerem seu longo corpo e depois voltarem a subir. Eles

permaneceram em seu peito por mais alguns instantes do que o

estritamente necessário, dado que estávamos falando sobre jeans.

Minhas mãos se fecharam em punhos involuntários ao meu lado, uma

sensação desagradável e quente que eu absolutamente não iria analisar

enchendo meu peito.

— Qual é a sua costura interna? — ela perguntou. — E a medida da

sua cintura?

Frederick mordeu o lábio inferior, parecendo estar tentando

descobrir a resposta para um difícil problema de matemática em sua

cabeça.

— Já faz algum tempo que não tiro minhas medidas — admitiu. —

Admito que não me lembro delas.

— Fico feliz em medir você — ofereceu Eleanor M.. Ela puxou uma

fita métrica de tecido de algum lugar e se aproximou dele.

Frederick parecia tão aterrorizado como se tivesse tropeçado num

ninho de vespas. Ele deu um passo reflexivo para trás e se afastou do

vendedor.

— Assim está perfeitamente bem — disse ele, parecendo

escandalizado. Ele olhou para mim e depois para a prateleira de jeans.

Ele pegou cinco pares aleatoriamente, segurando cada um deles contra o

corpo. — Quais destes você acha que combinam mais comigo?

Considerei cada um deles enquanto ele os segurava para si, lutando

arduamente contra o instinto de imaginá-lo naquele camarim, tirando as

calças e vestindo o jeans que segurava.

— Isso é... difícil de dizer — eu me esquivei. — Por que não leva

todos eles com você para o camarim e vê?

Ele assentiu, como se isso fizesse muito sentido para ele.

— Vou experimentar esses — informou ele a vendedora. — Se você

pudesse me trazer camisas casuais em todos os tamanhos e cores

disponíveis, seria um bom uso do seu tempo.


— não olhe.
— Eu não estou olhando.

— Tem certeza de que não está olhando?

Revirei os olhos, mas os mantive fechados.

— A porta está fechada, Frederick. Mesmo que meus olhos

estivessem abertos eu não poderia te ver. Mas sim, juro pelo kombucha

do meu pai que não estou olhando.

Uma pausa. Eu podia ouvir o tecido caindo no chão do camarim.

— Você jura pelo… o quê do seu pai?

Eu soltei uma risada.

— É uma coisa que minha mãe e eu dizemos quando queremos tirar

sarro do meu pai. Em sua aposentadoria, ele se interessou muito por

fazê-los.

— Fazer... o que?

— Kombucha. É um chá naturalmente fermentado. É muito bom,

mas papai está obcecado por isso agora. Existem dezenas de garrafas em

sua garagem em vários estágios de prontidão para consumo.

— Entendo — disse ele, embora eu tivesse certeza de que não. Um

som alto de zíper veio de dentro do camarim. Frederick devia estar

experimentando o jeans. Apertei os olhos com mais força, tentando não

imaginar o jeans deslizando por suas pernas nuas, o cós caindo em seus

quadris.

— Sim — eu respirei, balançando a cabeça para limpar imagens

desnecessárias. — De qualquer forma, sempre que mamãe e eu

queremos provocar papai, começamos algo mundano com “Juro pelo

kombucha do meu pai”. Mamãe e eu rimos, papai fica irritado; é um

ótimo momento.

Silêncio dentro do camarim. Mais tecido farfalhando. Um cabide

sendo retirado da parede.

A fechadura da porta do camarim girou. A porta se abriu.


— Nenhuma palavra do que você acabou de dizer fez qualquer

sentido — disse Frederick, saindo do camarim. — Mas você pode abrir

os olhos agora.

Eu abri.

Minha boca se abriu.

Frederick estava ótimo no desfile de ternos antiquados que eu o vi

desde que nos conhecemos, é claro. Mais do que ótimo. Mas percebi

agora que seu traje sempre muito formal e desatualizado servia como

um lembrete constante para mim de que Frederick estava fora do meu

alcance em todos os sentidos imagináveis – e completamente fora dos

limites.

Intocável. E algo mais.

Agora, porém...

— O que você acha? — ele perguntou. — Parece que me encaixo na

sociedade moderna agora?

Com dificuldade, desviei meus olhos da ampla extensão de seu peito

agora coberto por uma Henley verde-floresta que lhe caía como uma

luva e encontrei seu olhar. Ele estava um pouco inquieto quando olhei

para ele, tamborilando as pontas dos dedos na parte superior da coxa

novamente e olhando para mim com uma intensidade nervosa que

roubou o fôlego dos meus pulmões.

Deixei meus olhos percorrerem lentamente seu corpo, absorvendo-o,

observando sua camisa nova e o jeans azul escuro que caía tão bem nele

que você não teria imaginado que ele não tinha ideia do tamanho que

tinha vinte minutos atrás. Os outros jeans que ele experimentou estavam

dobrados numa pilha na cadeira ao lado dele; seu terno estava

pendurado em um cabide no camarim.

Concentrei-me nesses outros detalhes para me distrair de como

Frederick não apenas parecia tão atraente em roupas mais casuais

quanto em seus ternos abafados, mas também como ele agora parecia

alcançável de uma forma que era perigosa para mim, especificamente.

Tive que desviar os olhos. Olhar diretamente para ele era como olhar

diretamente para o sol.


— Você parece ótimo. Você parece inacreditável, na verdade. —

Ouvi sua respiração profunda, só então percebi que não tinha sido

exatamente isso que ele havia me perguntado. Tudo o que ele perguntou

foi se ele parecia se encaixar. Meu estômago embrulhou, meu rosto de

repente pareceu estar em chamas. Idiota. — Isso é... digo que…

— Você acha que estou ótimo? — Ele estava olhando para mim com

uma expressão que ficava em algum lugar entre surpresa e prazer. Ele

saiu do camarim, parando quando estava a apenas alguns centímetros de

mim. Respirei involuntariamente, sentindo o cheiro de sabonete de

lavanda e roupas novas que grudaram nele. — Sério?

Seu tom era tão esperançoso. Isso desencadeou uma onda de frio na

barriga que tentei ignorar.

Assenti – embora ótimo não fizesse justiça à aparência dele.

— Sim. Sério.

Ele me deu um sorriso tímido e torto que ativou sua covinha

assassina, depois olhou para seus braços. Ele esfregou um dos polegares

ao longo da clavícula e depois no peito.

— O tecido é mais bonito do que eu esperava. Mais suave.

Observei enquanto ele passava a mão sobre o material.

— Oh?

— Sim. — Ele fez uma pausa. — Você... você gostaria de tocá-lo

também?

Minhas sobrancelhas subiram tão alto que quase atingiram a linha do

meu cabelo.

— O que?

— Estou curioso para saber se a maioria das camisas feitas nesta

época são tão macias quanto esta. Eu pensei que se você tocasse minha

camisa… — Ele parou. — Pensei que talvez você pudesse me dizer se

esta camisa em particular era representativa.

Ele estava olhando para os sapatos como se fossem as coisas mais

interessantes do mundo inteiro.

Eu olhei para ele, o sangue correndo em meus ouvidos.

Ele... queria que eu o tocasse.


Aqui.

Do lado de fora de um camarim da Nordstrom.

Engoli em seco.

— Seria... educacional? Para você?

Ele assentiu, ainda olhando para os sapatos.

— Eu penso que sim. Mas... — Ele olhou para mim com uma

expressão ilegível. — Mas só se você quiser, Cassie.

No final, não precisei pensar muito sobre isso. Se fosse qualquer

outra pessoa além de Frederick fazendo esse pedido, eu presumiria que

essa era a desculpa mais transparente do mundo para conseguir que

alguém os tocasse.

Mas não era outra pessoa.

Este era Frederick, alguém tão formal, respeitoso e correto que só

parou de me chamar de Srta. Greenberg e começou a se referir a mim

pelo meu primeiro nome depois que eu lhe pedi várias vezes. Essa era a

mesma pessoa que ficou tão surpreso ao me ver de biquíni que não

conseguiu falar comigo por dois dias.

Frederick pode ser a pessoa mais cavalheiresca que já conheci. Se ele

quisesse encontrar alguma desculpa esfarrapada para eu colocar as mãos

nele, ele já teria feito isso há muito tempo.

Além disso, eu queria tocá-lo. Muito, na verdade. Se era uma boa

ideia tocá-lo era uma questão à parte, e eu teria bastante tempo para

pensar mais tarde.

Aproximei-me e coloquei ambas as mãos em seu peito. Parte de mim

ainda esperava sentir um batimento cardíaco, um corpo masculino

quente e maleável sob minhas palmas. Mas o peito de Frederick estava

frio e quase anormalmente sólido onde o toquei, sem batidas rítmicas

onde estaria se ele ainda fosse humano.

Felizmente – ou infelizmente – meu coração batia mais do que

suficiente para nós dois.

Frederick estava certo. O tecido de sua camisa era macio. Eu deslizei

lentamente minhas mãos para frente e para trás sobre o material de

malha em formato de favo de mel, aproveitando a sensação sedosa que


ele proporcionava sob as pontas dos meus dedos, apreciando o delicioso

contraste com os contornos firmes do peito por baixo.

Agora que eu tinha a resposta para sua pergunta, provavelmente

deveria ter parado de tocá-lo. Eu deveria ter me afastado dele e mantido

minhas mãos afastadas pelo resto da noite.

Mas não parei.

A camisa que ele usava era bonita o suficiente. Mas não foi isso que

me manteve presa no lugar, o que manteve minhas mãos em seu corpo

muito além do que ele provavelmente imaginou quando me pediu para

fazer isso. Eu sabia que ele era musculoso, mas agora que o estava

tocando, percebi que ele era quase feito de músculos. Ele era assim tão

bem fisicamente quando ainda era humano, eu me perguntei? Ou ter a

constituição de um atleta profissional era uma peculiaridade fisiológica

exclusiva dos vampiros? De qualquer forma, eu podia sentir seus

peitorais se contraírem e flexionarem sob minhas palmas quando o

tocava, pude sentir sua inspiração acentuada quando fiquei mais ousado

e comecei a traçar suavemente suas clavículas com meu polegar.

Seus olhos ainda estavam fixos em mim, mas cada vez mais vidrados

e desfocados.

— Como… — Ele parou, seus olhos se fecharam. Quando os abriu

novamente, havia um calor em seu olhar que fez a loja de departamentos

e o resto do mundo desaparecerem. Ele inclinou a cabeça em minha

direção, sua boca a poucos centímetros da minha. Eu podia sentir cada

uma de suas respirações contra meus lábios, fria e doce. Meu coração

disparou. Meus joelhos vacilaram. — Como é a textura?

— Uau! Seu namorado fica ótimo em tudo, não é?

Nós nos separamos ao som da voz da vendedora, vindo logo atrás de

mim. Frederick — agora parado a pelo menos trinta centímetros de

distância – enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans, com os olhos

baixos. Ele não estava corando – os vampiros poderiam corar? Eu não

tinha certeza, mas tinha certeza.

Eu estava muito chocado para responder.


Felizmente, Frederick pareceu recuperar o juízo mais rápido do que

eu. Ou talvez ele nunca os tivesse perdido. Embora ele também não a

corrigiu.

— Obrigado — disse ele, com a voz tensa. Seus olhos nunca

deixaram meu rosto. — Cassie gosta desta camisa. Vou levar uma de

cada cor.
DOZE

Carta do Sr. Frederick J. Fitzwilliam para a


Srta. Esmeralda Jameson, datada de 7 de
novembro
Querida Esmeralda,
Recebi sua correspondência mais recente. Via de regra, odeio
me repetir, pois fazer isso geralmente é uma perda de tempo.
Contudo, a sua última carta mostra-me que não tenho escolha.
Como já disse várias vezes, tanto para você quanto para
minha mãe: não acredito que um casamento em que um dos
parceiros seja um participante relutante seria feliz. Além
disso, desde minha última carta para você, desenvolvi
sentimentos por outra pessoa. Duvido que alguma coisa
resulte deles por uma série de razões com as quais não vou
aborrecê-la contando. De qualquer forma, você merece
muito mais do que casar com um homem que anseia por outra
pessoa. Não vou condená-la a uma vida desse tipo de miséria.
Já se passaram mais de cem anos desde a última vez que nos
falamos pessoalmente, mas lembro-me de você não apenas
como uma mulher sensata, mas também como uma mulher
admiravelmente independente. Você não pode querer um
casamento arranjado com um homem que não a ama. Por
favor, ajude-me a convencer nossos pais de que essa trama
deles é a mãe de todas as más ideias.
Com os melhores cumprimentos,
Frederick J. Fitzwilliam
PROCURA-SE PROFESSOR DE ARTE PARA A ESCOLA SUPERIOR –
ACADEMIA HARMONY

A Academia Harmony, uma escola particular mista de ensino

fundamental e médio localizada em Evanston, Illinois, dedicada

a promover a integridade moral, a vitalidade intelectual e a

compaixão entre nosso diversificado corpo discente, procura um

professor de artes para sua escola secundária. Posição para

começar no semestre de outono. Candidatos qualificados

deverão ter um Bacharel em uma disciplina artística de uma

universidade credenciada, 1 a 3 anos de experiência no ensino

de belas artes em ambiente educacional e excelentes referências.


4
MFA fortemente preferido. Artistas ativos são especialmente

incentivados a se candidatar.

O candidato ideal, por meio de sua história profissional e

portfólio artístico, deverá demonstrar um compromisso sincero

com os valores declarados pela Academia Harmony. Para

consideração, por favor, envie seu currículo, carta de

apresentação e portfólio para Cressida Marks, Diretora da

Academia Harmony.

olhei para a descrição da vaga da academia harmony,


tentando decidir o que fazer com ela.

Normalmente, eu simplesmente a excluiria – da mesma forma que

excluí todos os e-mails do escritório de carreira da minha alma mater.

Uma taxa de rejeição de cem por cento em todos os empregos indicados

por Younker aos quais me candidatei nos primeiros dois anos após o
MFA me ensinou que continuar batendo a cabeça naquela parede em

particular não valia a pena.

Mas eu estava me sentindo bem. Passei a maior parte do dia no

estúdio trabalhando no meu projeto para a exposição de arte. Foi

emocionante a rapidez com que tudo começou a se formar quando

percebi que os materiais necessários para isso eram celofane amassado e

enfeites de Natal colados com epóxi. O título provisório da peça era

Mansão à beira do Lago e, embora raramente estivesse satisfeita com

minhas pinturas a óleo, senti que este projeto representava alguns dos

melhores trabalhos que fiz em anos. A mistura de celofane e ouropel

emergindo da tela fazia a água parecer um sonho febril tridimensional

em cor neon – e no bom sentido.

No geral, pensei que Mansão à beira do Lago – ao casar tintas

tradicionais e materiais sintéticos modernos – era ao mesmo tempo

clássica e pós-moderna. Foi a subversão perfeita do tema Sociedade

Contemporânea da exposição.

Já fazia um tempo que eu não conseguia dizer com sinceridade que

gostava do que estava criando.

Então, sim. Em geral, eu estava me sentindo otimista.

Otimista o suficiente para decidir que poderia muito bem me

candidatar a esse emprego na Academia Harmony. Eu não conseguia ver

uma desvantagem. A pior coisa que poderia acontecer seria eu não

conseguir o emprego – mas eu era basicamente uma profissional em não

conseguir emprego. Dado tudo o que estava acontecendo, aquela voz

quase constante no fundo da minha cabeça que me dizia que eu estava

fadada ao fracasso era mais fácil do que o normal de ignorar.

Uma boa e velha carta de rejeição pode ser a coisa certa para me

fazer parar de ruminar sobre o que aconteceu comigo. Frederick na

Nordstrom outro dia. Parar de pensar na sensação de seu peito largo e

sólido sob meus dedos. Parar de reviver sua compostura descontrolada

enquanto eu o tocava.

Sim. Talvez me inscrever na Academia Harmony fosse exatamente o

que eu precisava.
Determinada, peguei a última carta de apresentação que havia escrito

para um cargo de professora e dei uma rápida olhada nela. Minha

situação profissional não mudou muito desde a última vez que me

candidatei a um emprego como este, então a atualização demorou menos

de dez minutos.

Antes que eu pudesse me convencer a não fazer isso, enviei por e-

mail a carta de apresentação, meu currículo e fotos de vários projetos

recentes – incluindo uma foto em andamento de Mansão à beira do

Lago – para Cressida Marks, diretora da escola Academia Harmony.

Pronto. Feito.

Com isso resolvido, espero poder dedicar o resto da noite ao desenho

e à televisão estúpida.

Recostei-me no sofá de couro preto, onde meu bloco de desenho

estava ao meu lado. Antes de descobrir sobre o trabalho na Academia

Harmony, eu estava assistindo um episódio antigo de Buffy, a Caçadora

de Vampiros na nova televisão de tela plana de Frederick, deixando-o

passar em segundo plano enquanto eu desenhava. Eu já tinha visto esse

episódio – desde que descobri que Frederick era um vampiro, eu tinha

devorado a maior parte das duas primeiras temporadas – mas era um

ruído de fundo confortável, ajudando-me a me concentrar enquanto

pensava em alguns detalhes finais complicados de Mansão à beira do

Lago.

— Posso me juntar a você?

Eu me assustei com o som da voz profunda de Frederick,

acidentalmente empurrando meu bloco de notas para fora do sofá com o

joelho. Caiu com um forte farfalhar de páginas, caindo de cabeça para

baixo no chão.

Eu nem o ouvi entrar na sala.

Na verdade, até agora, eu não o tinha visto desde a nossa viagem de

compras alguns dias antes. Parte de mim suspeitava que ele estava

mantendo distância intencionalmente depois daquele momento que

compartilhamos fora do provador. Mas eu não podia me permitir pensar


sobre isso. Eu não estava pronta para admitir para mim mesma que tinha

gostado de tocá-lo tanto quanto gostei.

Ou que isso tivesse acontecido.

Ele estava olhando diretamente para mim com um olhar penetrante,

vestindo um dos suéteres que escolhemos na Nordstrom. O suéter verde-

claro acentuava perfeitamente seu peito largo, e os jeans escuros também

lhe caíam bem.

Engoli em seco e procurei meu bloco de notas, desejando que meu

coração subitamente acelerado diminuísse a velocidade. Ele poderia

ouvir meu coração batendo? A maneira como seus olhos desceram para

o meu peito antes de voltarem rapidamente para o meu rosto me fez

pensar.

— É claro que você pode se juntar a mim — murmurei para o chão.

Apontei para o lugar ao meu lado no sofá sem olhar para ele.

Ele cantarolou e depois se sentou, deixando espaço suficiente entre

nós para que nenhuma parte de nossos corpos se tocassem – mas não

tanto espaço que eu não pudesse sentir o cheiro do sabonete de lavanda

que ele gostava de usar no chuveiro.

Ficamos sentados juntos em silêncio por um longo momento,

observando Buffy Summers, sozinha, espancar e depois estacar uma

série de vampiros, um após o outro. Este foi um dos episódios

anteriores, quando Sarah Michelle Gellar ainda tinha bochechas

arredondadas e o orçamento de efeitos especiais do programa era

inferior ao QI de Xander.

Os movimentos de luta e suas roupas de Buffy eram algo para se ver,

como sempre. Mesmo assim, foi preciso mais concentração do que

realmente deveria para manter meus olhos voltados para a tela e não

para a pessoa ao meu lado.

— Você já viu esse show? — Eu deixei escapar. Foi uma pergunta

idiota. Frederick estava dormindo há um século e só tinha acesso ao Wi-

Fi há alguns dias; certamente ele não tinha encontrado tempo para

assistir a um programa exagerado dos anos noventa sobre vampiros


fictícios. Mas eu estava desesperada por algo a dizer para quebrar o

silêncio constrangedor.

Ele ignorou minha pergunta.

— Você acha Angel ou Spike mais bonito? — ele perguntou em vez

disso, com toda a seriedade de um jornalista da NPR. Seus olhos

estavam na tela, não em mim, mas seu tom, sua postura ereta e a

maneira rápida e firme com que tamborilou os dedos na coxa revelaram

seu grande interesse em minha resposta.

Fiquei completamente chocada. O que quer que eu esperasse que ele

dissesse quando se juntou a mim no sofá, não foi isso. Eu não tinha ideia

de como deveria responder – em parte porque parecia extremamente

carregado, mas principalmente porque eu nunca tinha gostado

particularmente de nenhum dos vampiros bad boy de Buffy.

Depois de pensar um pouco freneticamente, contei-lhe a verdade.

— Giles é o homem mais gostoso deste programa.

— Giles? — Frederick balbuciou o que pareceu uma surpresa

genuína. Ele se virou para mim, os olhos fixos nos meus com uma

expressão que beirava a indignação. — O bibliotecário?

— Sim. — Apontei para a tela, onde Giles presidia uma reunião de

adolescentes na biblioteca da escola. Ele parecia extremamente elegante

e atraente em seu jeito único de bibliotecário de meia-idade e de óculos.

— Quero dizer, olhe para ele.

— Estou olhando para ele.

— Ele é objetivamente atraente.

Frederick grunhiu algo ininteligível. Ele cruzou os braços

firmemente sobre o peito, sua boca se curvando em uma carranca.

— Além disso, de todos os homens neste programa, vivos e mortos-

vivos, ele é o único que já processou e lidou com suas merdas. — Dei de

ombros, voltando-me para a televisão. — Todo mundo tem bagagem

demais.

Frederick não parecia convencido.

— Mas Giles é tão… — Ele parou, balançando a cabeça e fechando

os olhos. Sua carranca se aprofundou.


— Ele é tão o quê?

— Humano — ele cuspiu, a única palavra misturada com amargura e

desaprovação.

Fiquei boquiaberta para ele. Mas Frederick não estava mais olhando

para mim. Seus olhos estavam de volta à televisão, olhando para ela com

uma intensidade que poderia abrir um buraco no papel.

Frederick estava com ciúmes de um bibliotecário fictício de um

episódio que foi ao ar há quase vinte e cinco anos? Era isso que estava

acontecendo aqui?

Impossível.

Estupidamente, meu coração acelerou algumas batidas com a ideia

disso mesmo assim.

— O que há de errado em ser humano, Frederick?

Ele murmurou algo baixinho que eu não consegui entender, mas não

reconheci que ele tinha me ouvido.

— Para responder à sua pergunta anterior — disse Frederick

finalmente, evitando a questão dos bibliotecários atraentes —, eu assisti

esse programa. Reginald me recomendou.

— Mesmo? — Isso me surpreendeu.

— Sim. Embora a versão que assistimos em sua casa tivesse

interrupções frequentes de empresas que queriam vender coisas.

Comerciais — Ele balançou sua cabeça. — Chato.

Acho que Reginald não assinava plataformas de streaming sem

comerciais.

— Eles geralmente são — eu concordei.

— Eu nem sabia o que deveria comprar na metade das vezes —

reclamou ele. — Embora eu tenha gostado de cantar junto com alguns

deles. A música costumava ser muito boa.

A ideia de Frederick bem vestido cantando junto com um anúncio de

seguro de carro – ou, meu Deus, um anúncio de um daqueles remédios

para melhorar a sexualidade – era tão ridícula que quase caí na

gargalhada.
— O que... o que você achou do show em si? — Eu perguntei,

tentando me recuperar.

Se Frederick percebeu que eu estava prestes a me dissolver em

risadas, não deu sinais disso.

— É um pouco bobo — disse ele, pensativo. — Embora eu tenha

gostado do que assisti.

— Quão preciso você diria que é? — Eu provavelmente estava

cruzando os limites, mas não pude evitar. Eu estive me perguntando isso

desde que descobri que ele era um vampiro.

Ele hesitou, ponderando a questão.

— Os escritores do programa entenderam algumas coisas erradas

sobre a minha espécie. Por exemplo, não tenho nenhuma queda por

jaquetas de couro e não queimo até virar cinzas quando exposto à luz

solar. Além disso, meu rosto não muda de forma caricatural antes de me

alimentar. Mas eles também conseguiram acertar vários detalhes. — Ele

fez uma pausa e acrescentou: — O que é surpreendente. Até onde eu sei,

ninguém na equipe de roteiristas era vampiro.

Meus olhos se arregalaram. Eu não esperava tanta honestidade

quando fiz a pergunta. Seria esta a minha chance de finalmente obter

mais informações sobre ele?

— O que eles acertaram? — perguntei, incapaz de esconder minha

ansiedade.

— Eu, como Angel, gosto de um bom olhar taciturno.

— Eu notei isso.

— Imagino que seria difícil não perceber — ele admitiu, com os

olhos brilhando.

— Algo mais?

Ele considerou isso.

— Exijo permissão expressa antes de entrar na casa de alguém.

Algumas lendas de vampiros são absurdas e outras são legítimas, e devo

dizer que a série lida muito bem com esses detalhes. Além disso, não

posso suar, nunca coro e meu coração não bate mais desde que me

transformei. — Ele olhou para mim pelo canto do olho. — Você


provavelmente notou que eu não tinha batimentos cardíacos quando

nós... quando você tocou minha camisa na loja de departamentos.

Ele talvez não conseguisse mais corar, mas ao me lembrar daquele

momento que compartilhamos fora do camarim, eu estava corando mais

do que o suficiente para nós dois.

— Ah — eu murmurei. — Sim. Eu... percebi.

Ele assentiu, seus olhos inescrutáveis enquanto sustentava meu olhar.

— Se você sentir falta de diversão, poderá fazer pior do que Buffy, a

Caçadora de Vampiros. Especialmente se você quiser saber mais sobre

mim. — Uma pausa. — Não que você necessariamente queira saber

mais sobre mim, é claro. Eu estou... meramente afirmando uma hipótese.

— Eu vou — eu disse, a sala de repente parecendo um pouco quente

demais. — Quero dizer... Eu quero saber mais sobre você.

Na tela, a mãe de Buffy estava dando um sermão nela sobre ficar fora

a noite toda de novo, mas eu não estava mais prestando atenção no

programa.

não me lembrava de ter adormecido no sofá ao lado


dele.

Num minuto, Spike e os outros monstros de Sunnydale estavam

fazendo suas travessuras habituais. Eu estava rindo; Frederick estava

olhando atentamente para a tela, como se estivesse assistindo a uma

importante palestra universitária e não quisesse perder uma palavra.

No minuto seguinte eu estava piscando para o lado do rosto de

Frederick, onde minha cabeça descansava em seu ombro.

O instinto me disse para me afastar. Frederick ficaria horrorizado ao

perceber o que havia acontecido. Mas, à medida que a consciência

voltava lentamente, percebi que ele precisava estar plenamente

consciente da situação. Ele pode ser um vampiro, mas até onde eu sabia

ele tinha terminações nervosas no ombro. Certamente ele podia sentir

quando um objeto pesado como a minha cabeça estava apoiado ali.


Eu olhei para baixo. Os cuidadosos centímetros que ele deixou entre

nossos corpos quando se juntou a mim no sofá evaporaram enquanto eu

dormia. Nossas coxas estavam pressionadas juntas agora, joelho no

quadril.

Minha mão pousou levemente na parte superior de sua coxa, logo

acima do joelho. Sua perna era musculosa e sólida, seu corpo

estranhamente frio sob a palma da minha mão.

Minha mente percorreu todas as opções disponíveis para mim. Pular

para longe dele e pedir desculpas era atraente. Mas também era ficar

exatamente onde eu estava, admirando o ângulo agudo de sua mandíbula

e a forma como sua camisa cheirava sedutoramente a sabão em pó e pele

masculina fresca. Foi bom estar perto dele assim. Emocionante, mas

confortável. Nossos corpos se encaixam perfeitamente.

Assim como eu decidi ficar onde estava, Frederick falou, sua voz era

um estrondo baixo no topo da minha cabeça que eu podia sentir mais do

que ouvir.

— Sua arte é notável, Cassie.

Isso foi inesperado o suficiente para me fazer esquecer esta situação

embaraçosa. Afastei-me dele e notei o suspiro suave e resignado que

escapou de seus lábios quando o fiz.

Talvez ele tenha gostado de eu adormecer nele tanto quanto eu.

A ideia me emocionou. Mas desenrolar esse pensamento teria que

esperar. Eu tinha muitas perguntas sobre o que ele acabara de dizer.

— Minha arte?

— Sim. — Ele apontou para a mesa de centro com tampo de vidro

ao lado do sofá. Meu caderno estava aberto em uma página de rabiscos

que eu havia feito no início do planejamento de Mansão à beira do Lago

— Sua arte.

Uma explosão de alguma coisa – em parte constrangimento por

alguém ter visto meus esboços incompletos, em parte irritação genuína

com sua intrusão – passou por mim.

— Isso não é para você olhar! — Inclinei-me para frente e fechei o

caderno. Eu sabia que ele não entendia minha arte. Sua confusão abjeta
anterior sobre meu artigo sobre Saugatuck ecoou em meus ouvidos. Ele

estava zombando de mim agora quando disse que minha arte era

notável?

— Peço desculpas por invadir sua privacidade — disse ele

timidamente. Ele parecia genuinamente arrependido, mas isso não

justificava sua bisbilhotice. Os sentimentos carinhosos de alguns

momentos atrás desapareceram. — Eu não deveria ter olhado seu

caderno.

— Então por que você fez isso?

Ele não disse nada por tanto tempo que presumi que ele não

responderia à minha pergunta. Quando finalmente o fez, sua voz estava

baixa e um pouco tensa.

— Eu fiquei... curioso sobre você e o funcionamento interno de sua

mente. Achei que olhar o caderno de desenho com o qual você passa

tanto tempo forneceria uma visão com interrupção relativamente

mínima. — Ele fez uma pausa. — Eu deveria ter pedido sua permissão

primeiro e peço desculpas por não ter feito isso.

Confusão misturada com minha irritação.

— Você está curioso para saber como eu penso?

— Sim.

A única palavra pairou no ar entre nós. Fiz uma pausa, sentindo

como se o chão estivesse se movendo sob meus pés.

— Você está curioso para saber como eu penso porque você... quer

aprender o máximo que puder sobre o mundo moderno e... aprender

mais sobre como acho que ajudará nesse sentido. — Fiz uma pausa,

avaliando sua reação. — Certo?

Ele não me respondeu imediatamente. Seus olhos escuros ficaram

pensativos, seu rosto adotando uma expressão estranha que não consegui

interpretar.

— Claro. — Ele assentiu bruscamente. — Essa é a única razão pela

qual estou curioso sobre o que você está pensando.

Mas seus olhos eram tão suaves, sua voz era uma carícia gentil,

desmentindo sua afirmação. Meu batimento cardíaco acelerou e…


Os olhos de Frederick desceram para o meu peito novamente, da

mesma forma que fizeram na última vez que meu batimento cardíaco

começou a acelerar quando eu estava com ele.

Talvez ele pudesse ouvir meu coração batendo.

Minhas bochechas esquentaram novamente só de pensar nisso.

— Peço desculpas novamente — disse ele. — Mas, por favor,

acredite em mim, Cassie. Seus desenhos são excelentes.

— São apenas esboços.

— Não subestime seus talentos — disse ele, franzindo a testa como

se a ideia de eu me vender fosse ofensiva para ele.

Ele se inclinou para pegar o caderno, então fez uma pausa, olhando

para mim por cima do ombro antes de seus dedos se fecharem em torno

dele.

— Posso?

Balancei a cabeça, incapaz de pensar em uma razão para dizer não,

quando desta vez ele estava pedindo permissão.

Ele abriu o caderno na página que eu estava trabalhando quando se

juntou a mim no sofá, aproximando-se um pouco mais de mim no

processo.

Nossas coxas estavam se tocando novamente. Minhas entranhas

tremiam com sua proximidade, com a musculatura sólida de sua coxa

sob suas roupas. Mas não parecia ter o mesmo efeito sobre ele que teve

sobre mim. Seus olhos estavam fixos firmemente na arte da página.

— Isso é fascinante — ele respirou, apontando para meus designs.

Esta versão inicial de a Mansão era nada mais do que os mais simples

contornos de uma casa e a impressão geral de um lago. As setas

apontavam do meio do lago até a borda da página para representar

movimento e modernidade; a ideia de combinar enfeites e celofane

ainda não me ocorrera quando o desenhei.

— Você não precisa dizer isso. — Anos de palavras gentis de Sam e

de outros amigos bem-intencionados que não entenderam o que eu fiz

fizeram com que elogios falsos machucassem quase tanto quanto


feedback negativo, mas honesto. — Eu sei que você não entende o que

eu faço.

— Isso... pode ser verdade — ele admitiu. Ele tocou o topo do

telhado da Mansão com o dedo indicador direito. — Mas isso não

significa que eu não ache fascinante.

Observei enquanto ele traçava cada linha da página, de cima a baixo,

sem pular nenhuma parte dela, com cuidado deliberado. A casa. O lago.

As árvores mal insinuadas florescendo como redemoinhos de grafite

áspero em ambos os lados da página. As lembranças de sua mão grande

cobrindo a minha enquanto explorávamos o Instagram juntos – a

maneira como minhas mãos pareciam pressionadas contra seu peito no

camarim da Nordstrom – surgiram espontaneamente, provocando um

arrepio delicioso na minha espinha.

Sempre senti que minha arte era uma extensão do meu eu mais

íntimo, e a visão de suas mãos grandes e graciosas tocando cada parte

desse desenho inicial parecia quase insuportavelmente íntima.

— O que você acha fascinante nisso? — Eu não conseguia desviar os

olhos da visão de suas mãos tocando meu trabalho. Eu me senti prestes a

derreter em uma poça aos seus pés.

— Tudo — Sua mão saiu da página. Eu o senti se afastar tanto

quanto o vi e exalei pela primeira vez no que pareceram minutos. Uma

sensação inesperada e indescritível de vazio percorreu meu corpo. —

Não pretendo entender o que você vê quando desenha e constrói essas

coisas. Mas a complexidade do seu detalhamento sugere que seja o que

for, é grande e deliberado. Isto é intencional. Isso significa algo para

você. Não posso deixar de respeitar isso.

Seus olhos encontraram os meus, seu olhar tão penetrante que tirou o

ar dos meus pulmões.

Levei um momento para lembrar como formar palavras.

— Sim — eu disse. Como uma idiota.

Sua expressão ficou subitamente distante e melancólica.

— Havia uma artista na vila onde fui criado. Ela desenhou as coisas

mais lindas. O pôr do sol no inverno. Uma criança brincando com um


pequeno brinquedo. — Ele fez uma pausa. — Eu, quando era criança,

rindo com os amigos.

Mordi o lábio, tentando ignorar a súbita pontada de ciúme irracional

que passou por mim ao ouvir a palavra ela.

Controle-se, Cassie.

— Sua namorada?

Seu sorriso desapareceu.

— Minha irmã.

Estremeci, me sentindo uma idiota. Ela devia estar morta há

centenas de anos.

— Desculpe.

— Não se desculpe. — Ele balançou sua cabeça. — Maria viveu

uma vida longa e rica, cheia de arte e outras coisas bonitas. A vila onde

ela se casou era pequena e unida. Não duvido que ela tenha vivido feliz

até o fim de seus dias.

Esses detalhes sobre sua irmã foram os primeiros detalhes pessoais

sobre sua vida que ele me deu, além do básico de como ele acabou na

situação atual. Eu não sabia por que ele escolheu compartilhar isso

comigo agora, mas a decisão foi importante.

Na verdade, eu ainda não sabia quase nada sobre meu estranho e

fascinante colega de quarto. Esse pequeno boato foi como uma represa

rompendo minha curiosidade sobre ele.

De repente, eu estava ávida por saber mais.

— Onde você cresceu?

— Inglaterra. — Ele esfregou a nuca, os olhos distantes, como se

estivesse imaginando a cidade com os olhos da mente. — Cerca de uma

hora ao sul de Londres de carro, se você fizesse a viagem hoje. Quando

morei lá, porém, a viagem para Londres envolvia quase um dia inteiro

de viagem.

Inglaterra? Isso me surpreendeu.

— Você não fala com sotaque.

— Moro na América há muito mais tempo do que na Inglaterra. —

Ele me deu outro pequeno sorriso. — Não importa onde você nasceu,
Cassie. Depois que você sai de um lugar por algumas centenas de anos,

o sotaque quase não é mais detectável.

Depois que você sai de um lugar por algumas centenas de anos.

Mordi o lábio, reunindo coragem para perguntar algo que me

perguntava desde que descobri o que ele realmente era.

— Você... saiu da Inglaterra há algumas centenas de anos? — Eu

perguntei, dançando em torno dele.

Ele assentiu.

— Não voltei ao lugar onde nasci desde pouco antes da Revolução

Americana.

— Quantos anos você tem exatamente?

Ele olhou para mim por um momento tão longo e pesado antes de

responder que comecei a me preocupar por ter ultrapassado o limite.

Antes que eu pudesse me desculpar por bisbilhotar, ele disse:

— Não tenho certeza. Minhas lembranças antes de me transformar

em 1734 são… opacas. — Ele engoliu em seco e desviou o olhar. —

Houve um ataque de vampiros na minha vila naquele ano. A maioria de

nós foi morto ou transformado. Acredito que eu tinha trinta e poucos

anos quando isso aconteceu.

1734.

Minha mente estava girando enquanto tentava processar o fato de que

o homem sentado ao meu lado no sofá tinha mais de trezentos anos.

— E é precisamente por isso que não volto há tanto tempo —

continuou ele. — Todas as pessoas que eu conhecia antes de me

transformar já se foram há muito tempo, exceto… — Ele interrompeu

abruptamente, como se estivesse prestes a dizer mais alguma coisa, mas

decidiu não fazê-lo no último minuto. Ele balançou sua cabeça. —

Todas as pessoas que conheci e amei desde a minha infância estão

mortas.

A firmeza de sua mandíbula me disse que havia mais coisas que ele

queria dizer, mas ele simplesmente apertou os lábios e olhou novamente

para o caderno de arte aberto diante de nós na mesa de centro. Pela


primeira vez, ocorreu-me que deve ser incrivelmente solitário viver para

sempre enquanto todos ao seu redor envelhecem e morrem.

Talvez fosse por isso que ele mantinha Reginald por perto. Ter uma

constante de seu passado deve ser um conforto para ele – mesmo que

essa constante também seja meio idiota.

— Como era sua cidade natal? — Perguntei.

Ele já havia compartilhado mais sobre seu passado nesses poucos

minutos do que durante todo o tempo em que o conheci, e parte de mim

se perguntava se pedir mais seria forçar a barra. Mas ele ainda era um

enigma, mesmo depois de todas essas semanas com ele. Agora que

estávamos conversando sobre o passado dele, não pude evitar.

Se ele se importou com a minha pergunta, ele não agiu como tal.

— Não me lembro de muita coisa — admitiu. — Lembro-me de

sentimentos. Minha família, alguns dos meus amigos mais próximos.

Algumas das coisas que eu gostava de comer. Eu adorava comida. — Ele

sorriu melancolicamente. — Lembro-me da casa onde morei.

— Como era?

— Pequena — disse ele, rindo. Olhando ao redor de sua espaçosa

sala de estar, ele acrescentou: — Poderia facilmente caber três dela neste

apartamento. E éramos quatro morando lá.

— Não havia McMansões na Inglaterra há trezentos anos?

Ele balançou a cabeça, ainda sorrindo.

— Não. Certamente não na pequena vila onde fui criado. Ninguém

tinha dinheiro ou recursos para construir algo maior do que o

absolutamente necessário para manter uma família protegida dos

elementos.

Pensei no pouco que aprendi sobre a arquitetura da Inglaterra do

século XVIII em minhas aulas de história da arte. Eu quase conseguia

imaginar a casinha de Frederick em minha mente. Um telhado de palha,

possivelmente. Pisos em madeira simples.

Como é que um rapaz criado num lugar como aquele acabou aqui –

em riqueza e esplendor, num apartamento fabuloso do outro lado do

oceano – centenas de anos mais tarde? Os detalhes que ele compartilhou


comigo apenas aguçaram meu apetite por mais informações sobre ele.

Mas ele recostou-se nas almofadas do sofá, com os braços cruzados

sobre o peito, sinalizando que havia terminado de compartilhar a noite.

Eu não precisava terminar de falar, no entanto. Depois de

compartilhar comigo o que ele tinha compartilhado sobre sua irmã, o

desejo de retribuir e compartilhar algo de minha própria vida era forte

demais para resistir.

— Estou feliz que você teve sua irmã por um tempo — eu disse

gentilmente.

— Eu também.

— Eu não tenho irmãos.

Seus olhos – que mais uma vez estavam pousados em meu caderno

de arte aberto – se voltaram para os meus.

— Você deve ter se sentido muito solitária enquanto crescia.

— Eu não era. — Era a verdade. — Minha imaginação e meus

amigos me fizeram companhia. — O único problema real de não ter

irmãos era que não havia mais ninguém por perto para distrair meus pais

de mim e de minhas muitas falhas. Mas eu não iria reclamar, dado o que

ele acabara de compartilhar. Minha culpa idiota de ser filha única era

mais do que Frederick precisava saber.

Sentamos juntos em um silêncio confortável depois disso. Os olhos

de Frederick desviaram-se mais uma vez para meu caderno de arte, mas

seu olhar estava desfocado.

— Eu gostaria de ouvir mais sobre sua vida, Cassie. — Ele engoliu

em seco, o pomo de adão balançando em sua garganta. — Eu gostaria de

saber mais sobre você. Eu desejo... Desejo saber tudo.

A intensidade silenciosa de seu tom passou direto por mim. A

atmosfera na sala pareceu mudar, a natureza do que éramos um para o

outro subitamente inclinou-se em seu eixo.

Olhei para meu caderno, que de repente se tornou o único lugar

seguro na sala para qualquer um de nós descansar os olhos.


4. Geralmente se refere a um "Master of Fine Arts" em inglês, que em português seria

traduzido como "Mestre em Belas Artes".


TREZE

Histórico de pesquisa do Google do Sr.


Frederick J. Fitzwilliam

como você beija se já se passaram trezentos


anos desde a última vez
como você pode saber se ela quer beijar você
é uma má ideia beijar sua colega de quarto
é ruim pensar ou fazer sexo com sua colega de
quarto
relacionamentos com diferença de idade
melhores balas para mau hálito

[RASCUNHO DE E-MAIL, NÃO ENVIADO]

De: Cassie Greenberg [csgreenberg@gmail.com]


Para: David Gutierrez [dgutierrez@rivernorthgallery.com]
Assunto: inscrição para mostra de arte da Sociedade Contemporânea

Querido David,
Desejo submeter à consideração minha peça tridimensional de
mídia mista de óleo e plástico, Mansão à beira do Lago Tranquilo,
para a exibição de arte da Sociedade Contemporânea da Galeria
River North à sociedade em março. As dimensões da tela em si são
de um metro por 60 centímetros, com uma escultura de celofane e
enfeites de Natal estendendo-se da tela por mais 25 centímetros.

Anexei cinco imagens JPEG da minha peça concluída a este e-mail para
sua consideração. De acordo com os parâmetros definidos na
Solicitação de Inscrições, a peça finalizada estará disponível para
exibição em sua galeria mediante solicitação.

Estou ansiosa para ouvir de você em breve.

Cassie S. Greenberg

quando cheguei ao estúdio de arte, sam e scott já


estavam lá, parados na frente da Mansão e olhando para ela com

expressões correspondentes que eu não conseguia entender.

Eles não pareciam horrorizados, pelo menos. Isso já era alguma

coisa.

Deixei minha bolsa em um cubículo vazio e fiquei ao lado deles.

— Muito obrigada por tirar fotos para mim — eu disse a Scott. Ele

tinha uma câmera sofisticada com um nome que não reconheci e era um

grande fotógrafo amador. Fiquei grata por ele estar disponível para fazer

isso. Eu estava planejando me inscrever para a exposição de arte da

Galeria River North naquela noite e, embora já tivesse redigido meu e-

mail para David, precisava anexar cinco fotos da minha peça para ser

considerada.

— O prazer é meu. — Scott levantou sua câmera, pendurada em uma

alça em volta do pescoço, sem tirar os olhos do que estava ali para

fotografar. — Onde eu deveria... hum. — Ele fez uma pausa e depois

olhou para Sam, com os olhos arregalados, em busca de ajuda. Sam

balançou a cabeça e riu baixinho antes de voltar para o que quer que

estivesse lendo em seu telefone. — Onde devo ficar?

Apontei para um local a cerca de meio metro de distância de onde a

Mansão estava pendurada na parede do estúdio.

— Comece por aqui. Acho que isso vai capturar a luz que entra pela

janela. Esperamos que isso reflita na escultura de celofane e realmente

faça as fotos se destacarem.


A boca de Scott se contraiu.

— Entendi.

— A mansão em si não é tão grande quanto eu planejei

originalmente — pensei. A explicação provavelmente era desnecessária,

Scott era um grande amigo por fazer isso por mim e provavelmente não

se importava. Mas eu estava animada com o projeto finalizado e

precisava contar para alguém.

— Oh? — Scott moveu-se pela peça, tirando uma nova foto a cada

poucos segundos. — Você inicialmente queria fazer algo maior?

— Mais ou menos — eu admiti.

Enquanto eu dava os últimos retoques nisso nos últimos dias, minha

mente continuava revisitando minha conversa com Frederick sobre seu

passado. No processo, incorporei inadvertidamente alguns dos detalhes

que ele compartilhou sobre sua antiga casa. Quando terminei a Mansão,

a casa que ela mostrava era menor do que eu havia planejado

originalmente, os pisos simples de madeira que ele descreveu podiam

ser vistos através das janelas, e o telhado tinha assumido uma aparência

mais de palha do que foi minha ideia original.

— O lago e a escultura de ouropel que sai dele são maiores do que eu

planejei originalmente para compensar a casa menor — acrescentei,

enquanto Scott continuava a tirar fotos.

Scott sorriu para mim.

— De qualquer forma, a escultura de plástico é a parte mais legal.

Eu não sabia se ele estava falando sério ou se estava apenas sendo

gentil. De qualquer forma, eu definitivamente concordava.

— Espero que os jurados gostem.

E se não gostassem? Eu estava tão preocupada com simplesmente

terminar esta peça que eu não tinha me permitido pensar sobre o que

faria se ela fosse rejeitada.

Tudo bem, no entanto. Eventualmente. Seria uma droga no curto

prazo, assim como todas as rejeições que recebi nos últimos dez anos

foram uma droga. Mas eu gostei dessa peça, mesmo sendo a única

pessoa que gostaria. Isso tinha que contar para alguma coisa.
Enquanto Scott voltava a tirar fotos, voltei para o cubículo onde

havia guardado minhas coisas e peguei meu laptop para poder revisar o

e-mail que havia redigido para David antes de enviar minha inscrição.

E quase pulei da cadeira quando vi o e-mail que acabara de receber.

De: Cressida Marks [cjmarks@harmony.org]


Para: Cassie Greenberg [csgreenberg@gmail.com]
Assunto: Entrevista – Academia Harmony

Querida Cassie,
Estou escrevendo para informar que nosso comitê de contratação
avaliou seus materiais e gostaria de levá-la ao campus para uma
entrevista pessoal. Estamos realizando entrevistas na última
semana deste mês e todas as sextas-feiras de dezembro. Por favor,
informe-me o mais rápido possível se você ainda está interessada
na posição e, em caso afirmativo, qual é a sua disponibilidade
nessas datas.

Sinceramente,
Cressida Marks
Diretora da Escola
Academia Harmony

Li o e-mail de Cressida Marks novamente, atordoada demais para

acreditar que o que acabara de ler era real.

— Você está bem? — Eu me assustei com o som da voz de Sam. Ele

olhou para mim de onde estava ao lado de Scott, linhas de preocupação

marcando entre suas sobrancelhas. — Parece que você viu um fantasma.

— Não é um fantasma — assegurei a ele. — Acabei de descobrir que

consegui uma entrevista de emprego que não esperava. — Esse foi o

eufemismo do ano. Eu só me inscrevi na Academia Harmony porque

estava tendo um bom dia e tinha todos os materiais de inscrição no meu

disco rígido. Eu não esperava que nada acontecesse.

E agora, poucos dias depois, Cressida Marks, diretora da escola

Academia Harmony, queria realmente me entrevistar para um emprego.

Como isso era real?

— Isso é uma ótima notícia — disse Sam. Ele sorriu, puxando uma

cadeira da mesa principal e sentando-se. — Para o que é?


Eu hesitei. Esta situação já era surreal o suficiente. Parecia que se eu

contasse isso a outra pessoa viva, a oportunidade desapareceria em uma

nuvem de fumaça. Eu não tinha credencial de ensino. Isso pode não

importar para Harmony; alguns dos meus colegas de classe de Younker

conseguiram cargos de ensino em escolas particulares sem um. Mas o

fato de todo o meu portfólio estar a anos-luz de distância daquilo que os

pais queriam que os seus filhos aprendessem nas aulas de arte seria

quase certamente importante para uma escola que procurasse alguém

para educar os seus alunos.

Sam, porém, não pareceu perceber minha dúvida.

— É um cargo em uma escola particular em Evanston — acabei

dizendo. — Ensinando arte na escola.

— Isso é fantástico! — O sorriso de Sam cresceu. — Você é tão

talentosa, Cassie. E você parece gostar de noites de arte com as crianças

da biblioteca, certo? Essa escola teria sorte em ter você.

— Você realmente acha isso?

Sam foi até Mansão e parou, estudando-o.

— Eu acho — ele confirmou. — É claro que sei mais sobre fusões

corporativas do que sobre arte. Admito que não sei exatamente o que

estou vendo, mas posso dizer, só de olhar, que você sabe. — Ele sorriu

para mim. — Você é alguém com visão e apaixonada por essa visão.

Quem melhor para ensinar algo aos jovens do que alguém que se

preocupa apaixonadamente com o que faz?

Suas palavras me surpreenderam. Sam sempre apoiou a mim e aos

meus objetivos, mas de uma forma vaga, tipo eu-te-amo-mas-não-te-

entendo-realmente. Este pode ter sido o elogio mais efusivo que ele já

fez sobre minhas habilidades em todos os anos em que o conheci.

— Obrigada — gaguejei, totalmente perdida. — Isso... realmente

significa muito para mim.

— Se precisar dar referências a eles, você pode dar meu nome, se

quiser.

Eu bufei.

— Você é meu melhor amigo, não meu atual empregador.


— A oferta permanece — disse ele, com convicção.

— Obrigada, Sam — eu disse. — Eu... apenas, obrigada. — E então,

sem pensar, acrescentei: — Mal posso esperar para contar a novidade a

Frederick.

Sam olhou para mim com uma sobrancelha levantada.

— Desculpe. Quem você mal pode esperar para contar? Eu não

entendi direito.

— Hum. — Estendi a mão e coloquei uma mecha de cabelo atrás da

orelha. — Apenas Frederick.

Sam estava sorrindo para mim agora. — Apenas Frederick, hein?

— Sim — eu disse. — Frederick. Meu colega de quarto. — Colegas

de quarto contavam coisas uns aos outros, certo? Por que Sam estava

agindo assim?

— Por que está corando? — Agora até o sorriso malicioso de Sam

era malicioso.

— O que? Eu não estou corando. É apenas... quente aqui.

Conhecer Frederick pessoalmente aparentemente deixou Sam

tranquilo, por eu não estar vivendo com um monstro serial killer. Que

foi ótimo, é claro. Mesmo que um pouco irônico, já que Frederick era

literalmente um monstro.

Só que agora não foi tão bom. Sam estava agindo do jeito que agia

toda vez que eu confessava uma paixão para ele. E não era isso que

estava acontecendo aqui.

Ou, mesmo que fosse o que estava acontecendo aqui, não era como

se alguma coisa fosse acontecer.

Revirei os olhos para Sam, minha irritação com ele crescendo, então

fui até Scott, esperando que isso fosse o fim da conversa. Felizmente,

Scott estava olhando para sua câmera, não para mim.

— Posso ver as fotos que você tirou? — Eu perguntei, tentando

ignorar o quão perturbado eu estava. — Gostaria de enviar minha

inscrição aos organizadores da exibição esta noite.

— Claro — disse Scott. Ele se inclinou para mais perto de mim para

que eu pudesse ver sua tela e então me deu um sorriso largo e de merda.
— Eu nem vou te deixar triste pelo quanto você está corando por causa

do seu colega de quarto enquanto fazemos isso.

havia um recado de frederick esperando por mim na


mesa da cozinha quando cheguei em casa naquela tarde. Meu coração

deu um pulo e senti meus lábios se curvarem em um sorriso enquanto

desdobrava a agora familiar folha de papel branco.

Querida Cassie,
Quais são suas comidas favoritas?
Ainda não fiz minha pergunta pessoal hoje e gostaria que
esta fosse a pergunta de hoje.
Seu,
FJF
Essa coisa de uma pergunta-pessoal-por-dia era algo novo que

concordamos em tentar depois da noite em que ficamos acordados até

tarde assistindo Buffy. Depois que ele disse que queria saber mais sobre

mim para poder aprender sobre o mundo moderno, decidimos que uma

pergunta pessoal por dia seria uma boa maneira de conseguir isso.

Eu sabia, pelo menos em algum nível, que aprender mais sobre o

mundo moderno era apenas um estratagema que usávamos para nos

conhecermos melhor como pessoas. Mas tentei eliminar essa linha de

pensamento sempre que ela surgia.

Eu ainda não estava pronta para refletir sobre o que isso significava

que estava acontecendo entre nós.

A cada pergunta subsequente que ele fazia, porém, a verdade sobre o

que estávamos fazendo ficava cada vez mais difícil de ignorar.

Querido Frederick,
Tenho muitas comidas favoritas! Lasanha, bolo de chocolate,
cheerios com nozes e mel, ovos Beneditinos e sopa de macarrão
com frango são provavelmente os 5 primeiros.
Além disso, isso não responde à sua pergunta, mas
adivinha? Tenho uma entrevista de emprego hoje!
Provavelmente não há nenhuma chance no mundo de eu
conseguir o emprego, mas ainda assim é emocionante.
Cassie
Querida Cassie,
Notícia maravilhosa sobre a entrevista de emprego! Por que
você acha que não conseguiria o cargo? Se dependesse de mim,
eu a contrataria num piscar de olhos (se você me desculpar a
figura de linguagem).
Obrigado por responder à minha pergunta sobre suas
comidas favoritas. Isso ajuda a compreender o que os humanos
na faixa dos 30 anos gostam de comer no início do século XXI.
Minha pergunta de hoje tem a ver com cor. Especificamente:
Qual é a sua cor favorita?
FJF
Querido Frederick,
É muito gentil da sua parte dizer que me contrataria num
piscar de olhos. Mas você não pode querer dizer isso. Você nem
sabe qual é o trabalho! Pode ser algo para o qual não tenho
qualificações. Na verdade, é sim.
Tenho duas cores favoritas: carmim (que é um tom
específico de vermelho) e índigo. E você? Você tem uma cor
favorita?
Cassie
Querida Cassie,
Provavelmente isso é extremamente clichê, mas minha cor
favorita é o vermelho.
E eu quis dizer exatamente o que disse. Eu contrataria
você em um piscar de olhos. Para qualquer trabalho.
Ainda preciso pensar em uma boa pergunta diária para
fazer a você, mas enquanto isso quero que você saiba que
ontem à noite, enquanto você dormia, visitei um café aberto
a noite toda com Reginald chamado “Casa do Waffle”. Acho
que você ficaria orgulhosa de como consegui pedir nossa
comida e bebidas sem qualquer acidente ou chamando
atenção indevida para nós mesmos. Ouso dizer que até
Reginald ficou impressionado com a fluidez com que consegui
extrair meu novo cartão de crédito da carteira e pagar tudo.
(Como você deve ter adivinhado, impressionar Reginald é
quase impossível.)
Recebemos alguns olhares da mesa de jovens adjacentes à
nossa, mas suspeito que isso pode ter sido um efeito colateral
das substâncias que eu sentia o cheiro neles e não devido a
algo anacrônico que Reginald e eu estávamos fazendo. Em
ambos os casos, estou ansioso para viajar para outro café em
breve para praticar minhas habilidades iniciais.
Dado que eu não teria conseguido pedir aquele waffle de
chocolate e manteiga de amendoim ontem à noite sem sua
paciência infinita comigo, gostaria de avisá-la. Eu não
poderia comer, é claro; mas ainda parecia uma pequena
vitória.
Seu,
FJF
Peguei a caneta que agora ficava permanentemente na mesa da

cozinha e pensei no que escrever no bilhete para ele.

Sam tinha acabado de me mandar uma mensagem mais cedo naquele

dia para me convidar para uma festa que ele e Scott dariam na noite de

sexta-feira. Talvez Frederick pudesse vir comigo. Ele poderia praticar a

interface com pessoas em público lá.

Mandei um bilhete rápido para ele antes que pudesse me convencer

do contrário.

Olá Frederick,
Ótimo trabalho na Casa do Waffle. Sim, tenho certeza de que
aquelas crianças só estavam olhando para você porque estavam
chapadas demais (embora eu possa estar projetando um pouco
da minha adolescência).
Não relacionado meu amigo Sam vai receber algumas

pessoas na sexta à noite. Você quer vir comigo? Poderia ser


outra oportunidade para você praticar suas habilidades de
conversação com pessoas perto de alguém que não seja eu e
Reginald.
Cassie
Li meu bilhete, dividida entre deixá-lo na mesa para Frederick ou

rasgá-lo em mil pedaços.

Na verdade, levar Frederick provavelmente tornaria a noite mais

divertida para mim e poderia ser uma grande distração de todas as

perguntas embaraçosas que eu inevitavelmente receberia dos amigos da

faculdade de direito de Sam e dos colegas do departamento de inglês de

Scott sobre o que eu fazia da vida. Eu teria que prestar atenção nele e

possivelmente interferir se as coisas dessem errado e ele tentasse pagar

algo com dobrões de ouro ou algo assim.

E quanto mais chances Frederick tivesse de colocar tudo isso em

prática, melhor.
Era normal que colegas de quarto se convidassem para alguma coisa,

certo? Assim como era normal colegas de quarto contarem uns aos

outros sobre entrevistas de emprego e suas comidas favoritas, e apalpá-

los do lado de fora de um camarim da Nordstrom quando precisavam de

roupas novas.

Mas então, uma pequena parte de mim se perguntou: apaixonar-se

por ele seria realmente tão ruim? Claro, havia aquela coisa toda de beber

sangue, e toda aquela coisa de centenas-de-anos-mais velho-que-eu-e-

também-imortal. Mas ele estava sendo muito bom em cumprir sua

promessa de nunca comer na minha frente. E eu namorei caras com

ataques muito maiores contra eles do que a imortalidade.

Antes que eu pudesse me convencer a não amassar minha nota,

esbocei uma rápida imagem de nós dois, dançando, em meio a um mar

de notas musicais flutuantes. Desenhei a versão cartoon dele com um

sorriso no rosto – porque ele realmente tinha um sorriso incrível.

Deixei o bilhete na mesa da cozinha antes de sair para meu turno

noturno no Gossamer's, sem ter certeza se esperava que ele aceitasse o

convite ou me recusasse.

quando voltei para casa à meia-noite do meu turno,


Frederick estava no fogão, de costas para mim, enquanto mexia algo que

tinha um cheiro suspeito e delicioso de canja de galinha.

Esta foi a primeira vez que o vi parado na cozinha desde a minha

primeira noite lá, quando fiz aquela busca inútil por utensílios de

cozinha. Eu certamente nunca o vi cozinhar nada. Eu não sabia por que

ele estava fazendo isso agora; sua rotina de preparação de alimentos

limitava-se, até onde eu sabia, a rasgar bolsas do banco de sangue.

Ele não pareceu notar minha presença, então decidi ficar ali em

silêncio e observá-lo por um tempo. Ele realmente tinha uma

constituição incrível para camisetas masculinas. E uma bunda incrível

para calças jeans.


Levá-lo ao shopping e comprar roupas novas não foi apenas um favor

para ele. Foi um favor à humanidade.

— Frederick?

Ele se virou ao som da minha voz, uma colher de pau com algo

pingando em uma mão e uma folha de papel na outra. Ele usava um

avental preto sobre suas roupas com as palavras Este cara Esfrega Sua

Própria Carne em grandes letras brancas da Comic Sans.

Soltei uma risada involuntária, esquecendo momentaneamente o que

estava prestes a perguntar a ele.

— O que você está vestindo?

Ele olhou para si mesmo e depois para mim.

— É um avental.

— Sim, posso ver que é um avental, mas… — Consegui converter as

risadas que ameaçavam escapar em tosse, mas por pouco. — Onde você

conseguiu isso?

— Amazon — Ele colocou a colher de pau no fogão e sorriu para

mim, claramente orgulhoso de si mesmo. Fiz uma nota mental para não

permitir mais que Frederick navegasse na Amazon em meu laptop sem

supervisão. — Vi este avental e pensei imediatamente: Esta mensagem

transmite competência na cozinha. E era exatamente isso que eu

esperava transmitir enquanto preparava sua refeição.

Meus olhos se arregalaram.

— Você está cozinhando algo para mim?

— Eu estou.

Eu não sabia o que dizer.

— Mas por que?

Ele encolheu os ombros.

— Para agradecer por me ajudar. Eu vejo o que você come, Cassie.

Todos aqueles lanches e coisas prontas que você guarda na geladeira. —

Ele olhou por cima do ombro para mim. — É importante obter uma

nutrição adequada, você sabe.

Fiquei ali, com o coração na garganta, muda com a ideia de que um

vampiro centenário estava me dando um sermão sobre a importância de


comer três vezes ao dia.

Ninguém preparou uma refeição de verdade para mim desde que

deixei a casa dos meus pais. Nem mesmo Sam.

— E então você está me fazendo...

— Sopa de galinha. — Ele me deu um sorriso tímido. — Posso ter

tido um motivo oculto quando perguntei quais eram suas refeições

favoritas. Também cortei algumas frutas frescas para você. Abacaxi e

kiwi. Há uma tigela sobre o balcão.

— Obrigada — murmurei, meu peito apertado. Eu era adulta e

cuidava de mim mesma há anos. Mas a ideia de que ele queria cuidar de

mim...

Isso mexeu comigo.

Tentando me distrair, me virei e sentei à mesa da cozinha. Meu

notebook estava lá e decidi que era melhor verificar meu e-mail

enquanto esperava Frederick terminar a sopa.

Peguei uma fatia de kiwi da tigela de frutas frescas, coloquei-a na

boca e aproveitei a explosão de sabor na minha língua. Cantarolando em

agradecimento, cliquei no botão do mouse no meu notebook.

A tela se iluminou e–

COMO BEIJAR: DEZ DICAS CONFIÁVEIS PARA FAZER SEU


PARCEIRO PEDIR POR MAIS!

Levantei-me da mesa tão rapidamente que derrubei minha cadeira.

Esfreguei os olhos com os punhos, pensando que talvez tivesse apenas

alucinado com a manchete do Buzzfeed em fonte de trinta e seis pontos

que acabara de ver no meu laptop.

Eu verifiquei novamente e...

Não.

Definitivamente havia um artigo com dicas de beijo no meu

notebook.

Eu tinha cem por cento de certeza de que não havia pesquisado nada

no Google que pudesse produzir um resultado como esse na última vez


que usei meu computador.

Eu tinha, no entanto, dado permissão a Frederick para usar meu

notebook sempre que quisesse.

— Hum. Frederick?

— Hum?

Mordi meu lábio. Devo admitir o que acabei de ver?

Se ele quisesse ler artigos de instruções sobre beijos na Internet, ele

tinha todo o direito de fazer exatamente isso. Minhas bochechas coradas

e meu coração acelerado precisavam ficar totalmente fora dessa situação,

já que não tinha nada a ver comigo.

Minha falta de resposta deve ter dado a Frederick a ideia do que me

fez pular da cadeira, porque dois segundos depois ele se inseriu como

um escudo vampírico de quase dois metros de altura entre mim e a mesa

da cozinha. Suas mãos dispararam, agarrando meus braços como tornos

de ferro gêmeos, as pontas dos dedos frios cravando em minha carne

quente.

— Computador portátil. — Sua voz falhou na palavra. — Você viu–

Não adianta negar agora.

— Sim.

— Hum — ele disse. Ele lambeu os lábios e... olha, depois de

encontrar aquele artigo no computador, não foi minha culpa que meus

olhos tenham caído reflexivamente em sua boca. — Ouça…

— Você não precisa dizer nada — eu disse muito rapidamente. —

Eu disse que você poderia usar meu notebook e… não é da minha conta

para o que você o usa. Desculpe. Eu não deveria ter olhado.

— Você não tem nada pelo que se desculpar — disse ele,

flexionando um pouco as pontas dos dedos em meus braços. — É o seu

notebook. Você não precisa da minha permissão para usá-lo. Eu

pretendia guardar aquele artigo antes de você voltar para casa, mas me

preocupei em preparar a comida e… — Seus olhos caíram para o chão.

— Devo ter esquecido.

Ficamos assim por um longo momento, as mãos dele ainda em meus

braços. A sopa ainda estava borbulhando no fogão, mas nós dois a


ignoramos. Parecia que eu deveria dizer alguma coisa – algo para

acalmar a situação, provavelmente – só que não tinha certeza do que

deveria ser.

Então eu disse a primeira coisa que me veio à cabeça.

— Você está... curioso sobre beijar?

Provavelmente uma pergunta estúpida, dado o que encontrei no meu

notebook. Mas ele parecia surpreso mesmo assim. Seus olhos se

voltaram para os meus.

— O que te faz pensar isso?

Eu soltei uma risada.

— Seu histórico do navegador.

Eu quase podia ver as rodas em sua mente girando enquanto ele

pensava em como responder. Mas depois de um momento interminável

ele pareceu recuperar um pouco da compostura.

Ele se aproximou um pouco mais de mim. Ao olhar acalorado que

ele me lançou, todos os pensamentos racionais fugiram.

— Eu sei sobre beijos, Cassie.

Ele parecia genuinamente ofendido, e eu me encolhi com o que

acabei de insinuar – mesmo quando meus joelhos fraquejaram com a

implicação do que ele acabara de dizer. Ele estava vivo – ou o

equivalente a vivo – há centenas de anos. Ele provavelmente beijou

centenas de pessoas. Talvez milhares.

Na verdade, ele provavelmente era muito bom em beijar.

— Tenho certeza que sim — eu disse, nervosa demais para olhar

mais para o rosto dele. Meu olhar desceu para seu avental ridículo. Esse

Cara Esfrega Sua Própria Carne. Eu corei ainda mais com a estranheza

de toda essa situação. Como isso estava acontecendo? — É apenas...

bem. Esse site. — Eu fiz uma pausa. — Você pode ver por que eu acho

que–

— Certo, certo — disse ele, impacientemente, acenando com a mão

desdenhosa. — Eu entendo como deve ser. Mas eu juro, minha única

razão para ler isso foi... isto é, eu só queria ver se...

Ele parou.
Ele soltou meus braços e passou a mão agitada pelos cabelos.

Eu olhei para ele.

— Você só queria ver se...?

Sua expressão era ilegível.

— Eu só queria ver se alguma coisa... significativa... havia mudado.

O que?

— Você queria ver se... alguma coisa mudou?

Ele assentiu.

— Sim. Já faz um tempo, desde que eu… — Ele balançou a cabeça e

enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans. — Ao longo dos anos, houve...

tendências nesta área, você vê. O que é desejável em um beijo em uma

época pode não ser prazeroso em outra.

Oh.

Oh.

— E você está curioso para saber quais são essas tendências agora?

Ele engoliu em seco.

— Sim.

Eu não tinha motivos para pensar que sua curiosidade sobre as

tendências modernas de beijo fosse outra coisa senão puramente

intelectual. Ele tinha curiosidade sobre muitas coisas no século XXI –

tudo, desde sistemas de esgoto urbano até a política do Meio-Oeste. Mas

algo na maneira como ele agora olhava com firmeza para tudo na sala,

menos para mim, fez meu coração bater forte nas costelas – e me deu

coragem para admitir algo muito estúpido.

— Também estou curiosa.

Seus olhos se voltaram para os meus.

— O que?

Operando com pura coragem, esclareci.

— Eu nunca beijei um vampiro antes. — Eu não precisava admitir

que me perguntei como seria beijá-lo especificamente, certo? — Então,

estou curiosa para saber como é. — Diante da expressão estupefata em

seu rosto, acrescentei: — Puramente do ponto de vista intelectual.

Uma pausa.
— Claro.

— Pela ciência, honestamente.

— Ciência.

— Fins de comparação.

— Que outro propósito poderia haver?

Ficamos ali na cozinha pelo que pareceram minutos inteiros, apenas

olhando um para o outro. A sopa ainda borbulhava no fogão. Parecia que

cheirava como se estivesse queimando neste momento. Eu não me

importei.

Eu dei mais um passo para mais perto, até que estávamos próximos o

suficiente um do outro para que eu pudesse ver todas as variações de cor

dentro dos seus olhos escuros. Eles não eram um marrom

monocromático, como pareciam de longe. Suas íris continham

pontinhos muito sutis de cor avelã também, se misturando com o

marrom para criar a cor de olhos mais rica e bonita que eu já tinha visto.

Lambi meus lábios. Seus olhos caíram diretamente para minha boca.

— O que você acha de mostrarmos um ao outro como é? — Sua voz

era pouco mais que um sussurro. — Pela ciência. E para fins de

comparação.

Eu balancei a cabeça.

— Não sou uma especialista, mas provavelmente tenho pelo menos

tanto conhecimento sobre as tendências modernas de beijo quanto

aquele artigo.

Sua mandíbula apertou.

— Provavelmente.

— E dado que eu sou a pessoa indicada para lições sobre como viver

na era moderna...

— Só faz sentido que seja você — ele concordou. — Da mesma

forma, não pretendo ser um especialista em beijos de vampiros, mas...

Ele parou. Seus olhos ainda estavam focados na minha boca.

A oferta estava aí, agora – para nós dois. Não havia como voltar atrás

agora.
Antes que eu pudesse me lembrar que beijar esse homem lindo e

morto-vivo que queria fazer canja de galinha para mim e disse que

gostava da minha arte poderia acabar sendo a pior decisão que tomei em

uma vida cheia de decisões não boas, coloquei minha mão em seu peito,

bem no lugar onde seu coração estaria batendo se ele fosse humano.

Ele fechou os olhos, respirando profundamente várias vezes. Ele

inclinou um pouco a cabeça em minha direção, novamente me fazendo

pensar se ele conseguia ouvir, ou mesmo cheirar, meu batimento

cardíaco.

Ele cobriu minha mão em seu peito com a sua. Sua palma estava tão

fria contra minha pele aquecida. Ele apertou minha mão suavemente, me

fazendo tremer, e se aproximou ainda mais de mim.

E então ele me beijou, apenas uma pressão suave e quase

imperceptível de seus lábios nos meus. Ele se afastou meio momento

depois, encerrando o beijo assim que começou. Para me dar uma saída

se não era isso que eu queria.

— Eu... nós... nos beijamos assim — ele sussurrou. Tracei seu lábio

inferior macio com a ponta do meu dedo indicador, emocionada com a

maneira como seus olhos se fecharam ao meu toque. Lentamente, como

se estivesse passando por um sonho, segurei seu rosto com a mão,

inclinando seu rosto um pouco para que ele tivesse que me olhar nos

olhos.

Seus olhos estavam com as pálpebras pesadas, desfocados.

Ele não precisava de mais incentivo.

O segundo roçar de nossos lábios foi casto e sem pressa, sua mão

livre subindo para segurar meu rosto em uma imagem espelhada de

como eu o estava tocando agora. Sua boca era tão macia quanto parecia,

em nítido contraste com a barba por fazer contra minha palma e as

linhas duras de seu corpo pressionado contra o meu. À distância, eu

podia ouvir o relógio de pêndulo no corredor marcando o tempo, mas

parecia que o tempo havia parado – os braços de Frederick lentamente

envolvendo meu corpo para me puxar para mais perto, a batida


constante do meu coração um lembrete indelével de quanto tempo eu

queria que isso acontecesse.

Meus dedos logo percorreram seu cabelo, acariciando seus cachos

incrivelmente macios. O puxão das minhas mãos pareceu desbloquear

algo dentro dele. Ele me puxou para mais perto, permitindo-me sentir

cada centímetro frio e inflexível dele contra a frente do meu corpo. Sua

respiração engatou quando ele inclinou a cabeça novamente e beijou

minha boca com intencionalidade e consideravelmente mais pressão do

que ele usou antes. Abri-me para ele instintivamente, sua intensidade

silenciosa e necessária separando meus lábios antes mesmo de eu

perceber que tinha acontecido.

E então acabou. Ele se afastou abruptamente, apoiando a testa na

minha, respirando com dificuldade para alguém que tecnicamente não

precisava de oxigênio para sobreviver. Ele balançou sua cabeça

minuciosamente e depois fechou os olhos com força, como se estivesse

tentando recuperar o controle sobre uma situação que estava escapando

rapidamente por entre seus dedos.

— Isso — ele respirou — é como beijar um vampiro.

Do ponto de vista técnico, não foi muito diferente de beijar outra

pessoa. E ainda assim eu nunca tinha experimentado nada parecido. Ele

ainda me segurava, seus braços enrolados tão firmemente ao redor do

meu corpo quanto estavam enquanto estávamos nos beijando – o que era

uma coisa boa, já que meus joelhos pareciam prestes a ceder sob o meu

peso. Enquanto ele tentava acalmar a respiração, detectei o leve, mas

inconfundível, cheiro metálico de sangue em seu hálito. Eu me perguntei

se o constrangimento causado por uma refeição recente foi o motivo pelo

qual ele terminou nosso beijo tão abruptamente.

Quando ele abriu os olhos, sua expressão era tão cautelosa que eu

sabia que as aulas de beijo mútuo haviam acabado e que, qualquer que

fosse o motivo, eu não deveria me intrometer.

— Você também se saiu bem — eu disse, tentando parecer... me

sentir... desapegada em relação à coisa toda. A realidade, claro, era que

eu me sentia tudo menos desapegada. Eu queria beijá-lo novamente.


Certo então. Com uma reserva de vontade que eu não sabia que possuía,

recuei, mas não antes de registrar o lampejo de decepção que cruzou seu

rosto quando me afastei. — Você conhece as tendências modernas, eu

diria. Você aprende rápido.

Frederick se endireitou e depois me deu um sorriso controlado que

roubou o fôlego dos meus pulmões.

— Foi o que me disseram — disse ele.


QUATORZE

O Sr. e a Sra. James Jameson XXIII

e a Sra. Edwina Fitzwilliam

Por meio deste, solicitam a honra de sua presença no

casamento de seus filhos

s rta . e s m e r a l da ja m e s o n

s r . f r e de r i ck j . f it zw i l l i a m

~ Data e horário a serem determinados ~

O Salão de Baile, Castelo Jameson

Nova Iorque, Nova Iorque

Serão fornecidos petiscos leves e sangria

~ O casal está registrado na Crate & Feral ~

— responda-me isso — eu disse, olhando para


Frederick. — Para alguém que afirma não ter noção da sociedade

moderna, como você aprendeu como se vestir tão bem depois de uma

pequena viagem a Nordstrom?

Frederick pareceu genuinamente surpreso com meu comentário.

— Eu sei me vestir bem?


Eu soltei uma risada. Se eu não soubesse, o teria acusado de falsa

modéstia. Ele estava vestindo jeans azul escuro e uma camisa de botão

azul clara, sobre a qual havia colocado um suéter cor de vinho – nenhum

dos quais tínhamos comprado no shopping na semana anterior.

Mesmo que eu não o tivesse beijado naquela noite – para fins

científicos e de comparação, é claro – teria sido tudo o que pude fazer

para manter minhas mãos longe dele. Quase tive medo de levá-lo para a

festa do Sam assim. Eu não conhecia os amigos de Sam ou Scott bem o

suficiente para saber como eles reagiriam se Frederick entrasse nesta

festa como se fosse o sexo mais alheio do mundo.

— Você sabe se vestir bem — confirmei. — Parece que você acabou

de sair de uma sessão de fotos da J. Crew.

Ele levantou uma sobrancelha para mim.

— O que é uma sessão de fotos da J. Crew?

Acenei com as mãos.

— Você sabe o que eu quero dizer. Como você pode não saber

exatamente o que está fazendo, vestindo-se assim?

Ele fez uma pausa, considerando minha pergunta.

— Talvez quando uma pessoa se transforma em vampiro, ela adquira

uma compreensão enciclopédica e instantaneamente atualizada de como

se vestir melhor para se integrar à sociedade moderna e atrair vítimas.

— Ele gesticulou para si mesmo, dando-me um sorriso amplo e

deslumbrante. Seus olhos brilharam com diversão. — O que você vê

diante de você é o resultado de milênios de evolução genética vampírica,

Cassie. Nada mais.

Levantei uma sobrancelha cética para ele e cruzei os braços sobre o

peito.

— Poupe-me — eu disse, embora estivesse prestes a rir. — Não

existe osmose vampírica ou eu não estaria aqui. E não compramos essas

roupas para você no shopping.

Ele me deu outro sorriso, mais tímido desta vez.

— Bem, bem. Você me pegou. — Ele apontou para a televisão. —

Tenho assistido dramas coreanos legendados na Netflix.


Uma pausa.

— Dramas coreanos?

— Sim — ele confirmou. — Você sabia que há cerca de uma década,

o governo da Coreia do Sul começou a investir somas enormes na

indústria do entretenimento? É uma potência de entretenimento agora.

Tornou-se uma ciência vestir seus atores e atrizes de maneira atraente.

Entre nossa ida ao shopping e Crash Landing on You, aprendi muito.

Eu nunca tinha visto nenhum show coreano antes. Mas se Frederick

tivesse aprendido a se vestir assistindo, eu não iria reclamar.

— Crash Landing on You? — Perguntei. — Isso é bom?

— Se os vampiros fossem capazes de produzir lágrimas, eu teria

chorado muito. — Então ele olhou para seu novo relógio de pulso, outra

coisa que definitivamente não compramos juntos. Ele se tornou

alarmantemente bom em compras on-line – especialmente para alguém

que originalmente era totalmente contra se conectar à internet. — É hora

de sairmos para a festa do seu amigo. Devemos ir?

Balancei a cabeça e peguei minha bolsa, tentando conter a onda

irracional de possessividade que de repente tomou conta de mim com a

ideia de compartilhar Frederick para uma noite com Sam e seus amigos.

— Ah, antes que me esqueça, quero assegurar-lhe que pensei um

pouco sobre possíveis tópicos de conversa para esta noite.

— Oh? — Esta foi uma boa notícia. Eu esperava que esta noite fosse

uma oportunidade para ele praticar a interação com as pessoas em um

ambiente descontraído. Se ele tivesse pensado um pouco nas coisas,

melhor ainda.

— Sim. Passei quatro horas na internet depois que você dormiu

ontem à noite, pesquisando assuntos de maior interesse para pessoas

entre as idades de vinte e cinco e trinta e cinco anos. Anotei minhas

descobertas em um pedaço de papel. — Ele deu um tapinha no bolso da

frente da calça jeans balançando a cabeça com orgulho. — Estou

trazendo a lista comigo caso haja tempo no trem para eu estudar antes de

chegarmos.
Meu estômago afundou. Eu queria que ele tivesse familiaridade

suficiente com os acontecimentos atuais para poder acompanhar

vagamente a conversa. Talvez até faça uma referência casual à música

atual, ou aos aluguéis exorbitantes na cidade, ou ao declínio lento e

inexorável da sociedade capitalista. Se um desses tópicos surgisse, é

claro.

Mas parecia que ele passou a noite inteira lendo a Wikipédia. Essa

não era minha intenção.

— Na verdade, você não precisava memorizar nada — eu disse. —

Ou realmente estudar qualquer coisa.

Seu sorriso desapareceu.

— Oh.

— Tenho certeza de que vai ficar tudo bem — eu disse rapidamente,

esperando parecer mais certa disso do que realmente sentia. Na verdade,

de repente fiquei muito preocupada que Frederick estivesse prestes a se

tornar uma personificação física do conceito de Como vão vocês,

rapazes? meme. — É sempre melhor estar super preparado do que

despreparado, certo?

Ele se endireitou um pouco com isso.

— Verdade.

Na pior das hipóteses, disse a mim mesma enquanto descíamos as

escadas, Sam e Scott ficariam ainda mais convencidos de que eu estava

morando com um esquisito.

ficou imediatamente óbvio que eu não era a única que


achava que Frederick estava bonito naquela noite.

Ou, pelo menos, ficou imediatamente óbvio para mim. Frederick, por

outro lado, parecia completamente inconsciente do efeito que causava

nas pessoas por quem passávamos na rua. Seus olhos pareciam estar em

todos os lugares ao mesmo tempo enquanto caminhávamos pela noite

gelada de fim de outono em direção ao metrô, estudando os arredores


como se esperasse ser questionado sobre tudo mais tarde – mas os

olhares apreciativos e os olhares boquiabertos que ele recebia dos

transeuntes passaram direto por sua cabeça.

— É assim que você chega ao trabalho todos os dias? — Sua voz

estava cheia de admiração enquanto descíamos para a estação

subterrânea do metrô. Frederick parecia ser a única pessoa que não

estava agasalhada como uma batata disforme contra o frio. Não tinha me

ocorrido antes que ele não ficasse com frio como os humanos, embora,

pensando bem, provavelmente deveria ter acontecido. De qualquer

forma, a falta de um agrupamento extenso apenas aumentou sua

atratividade. Um grupo de jovens que subia as escadas parou no meio da

conversa e se virou para observá-lo enquanto ele e eu nos

aproximávamos do vestíbulo.

— Às vezes eu pego o metrô para a biblioteca, sim — eu disse,

cerrando um pouco a mandíbula e lutando contra uma onda de ciúme

irracional. Todo mundo estava certo em pensar que Frederick era

gostoso, é claro. Eu não tinha nada a ver com ciúmes. Eu não tinha

direito sobre ele. — Outras vezes eu pego o ônibus.

Quando chegamos à plataforma lotada, Frederick olhou ansioso para

a placa que mostrava os nomes e os tempos de espera dos diferentes

trens que deveriam passar pela estação.

— Você realmente nunca pegou o metrô antes? Ou um ônibus? Eu

sabia que não, mas ainda não conseguia imaginar alguém morando em

Chicago por muito tempo sem usar transporte público pelo menos

ocasionalmente.

— Nunca. — Seus olhos se arregalaram quando os 4 minutos

piscando pelo nome do trem da Linha Vermelha em direção ao norte

mudaram para 3 minutos. — Eu não viajo em nenhum tipo de trem há

mais de cem anos e... bem. Funcionava de forma diferente naquela

época.

— Como você se locomove, então?

Ele deu de ombros com um ombro, os olhos ainda na placa.


— Eu me locomovo de algumas maneiras diferentes. Vampiros

podem correr muito rápido, você sabe. Além disso, se necessário, os

vampiros podem voar.

Frederick poderia voar? Isso era novidade pra mim. Olhei para ele e

disse:

— Você me disse que não esconderia mais nada importante.

— Não achei que era importante saber como me locomovo em

Chicago. — Um canto de sua boca se ergueu. — Também estou

brincando sobre ser capaz de voar.

Revirei os olhos.

— Brincando, Frederick? Duas vezes em uma noite?

Seus olhos brilharam com diversão.

— Bem. Parcialmente brincando.

Eu estava prestes a perguntar o que isso significava quando nosso

trem entrou na plataforma. Todos, exceto Frederick, recuaram

instintivamente da borda da plataforma quando ela apareceu à vista.

Agarrei-o pelo braço para fazê-lo se afastar.

A sensação de seus bíceps sob meus dedos desencadeou a memória

do meu corpo.

Foi a primeira vez que nos tocamos desde que nos beijamos na

cozinha, há duas noites. Seus braços fortes me puxando impossivelmente

para perto. Seus lábios, macios e flexíveis, roçando os meus.

Eu balancei minha cabeça. Agora não era hora de pensar em algo

sobre o qual nem havíamos conversado desde que aconteceu. Estávamos

prestes a pegar a Linha Vermelha na hora do rush – uma tarefa

estressante, mesmo que não fosse sua primeira vez no transporte

público. E Frederick contava comigo para guiá-lo.

— Isso é um ataque aos sentidos, Cassie — disse Frederick, gritando

para ser ouvido acima do barulho da estação e do barulho do trem que

se aproximava.

— Você não está errado sobre isso — gritei de volta. A festa de Sam

começou às sete, e a plataforma estava lotada de gente, algumas

voltando do trabalho para casa, alguns a caminho de um jogo dos Cubs


(se o grande volume de bonés e camisetas dos Cubs que as pessoas

usavam fosse alguma indicação), e ainda outros que, como nós, estavam

simplesmente saindo em uma noite de sexta-feira.

O barulho e a multidão que acompanhava o passeio no metrô na hora

do rush de uma sexta-feira eram difíceis de suportar, mesmo para

alguém que fazia isso quase todos os dias. Pensando bem, eu

provavelmente deveria ter apresentado Frederick ao transporte público

em um horário mais sensato. Mas ele queria aprender sobre a vida no

século XXI. Poderia muito bem jogá-lo no fundo da piscina.

Os vagões abriram com um som alto de ding-dong. Continuei

segurando o braço de Frederick, sinalizando-lhe sem palavras para

esperar até que todos que quisessem descer tivessem saído do trem.

— Um pequeno passo para o vampiro, um salto gigante para a raça

dos vampiros — murmurei em seu ouvido enquanto subíamos a bordo,

satisfeita com minha piadinha. Mas sua testa franziu-se em confusão.

Ele parecia prestes a perguntar o que isso significava quando um grupo

barulhento de caras com camisetas dos Cubs passou por nós por trás e

entrou no trem.

— Ah!

As mãos de Frederick voaram para agarrar meus braços, me

firmando enquanto eu quase caí no chão. O trem avançou um momento

depois – e embora normalmente eu me orgulhasse de minha capacidade

de andar de transporte público sem perder o equilíbrio, a rapidez com

que as pontas dos dedos de Frederick cravaram-se em meus braços me

pegou completamente de surpresa.

Eu rapidamente recuperei o equilíbrio, desviando os olhos quando

um rubor quente subiu pela minha nuca. Tentei não pensar em quão

perto ele estava, mas falhei totalmente. Ele relaxou um pouco quando

ficou claro que eu não iria cair, mas mesmo que eu estivesse totalmente

bem agora, ele parecia não saber o que fazer com as mãos depois de

colocá-las no meu corpo.

O que tornou as coisas ainda mais estranhas quando o trem deu um

solavanco inesperado, um dos torcedores dos Cubs tropeçou em mim


por trás e eu caí diretamente em Frederick.

— Merda! — Minha exclamação foi abafada por seu peito largo. Seu

suéter cor de vinho era tão macio que parecia ter sido feito de beijos de

anjo. Respirei profunda e reflexivamente, e então imediatamente desejei

não ter feito isso, porque, meu Deus, ele cheirava bem.

Além de bem.

Eu não tinha ideia se era algum tipo de colônia cara, ou o sabonete

que ele usava – ou se todos os vampiros tinham um cheiro tão incrível se

você os respirasse direto na fonte. Tudo que eu sabia era que o cheiro

dele me fazia querer rastejar dentro de sua camisa macia e justa e me

envolver nela. Bem ali, no lotado trem da Linha Vermelha, todos os

outros passageiros que se danem.

— Cassie? — A voz de Frederick retumbou em seu peito. — Você…

você está bem?

Ele parecia preocupado, mas não fez nenhum movimento para se

desvencilhar de mim. Não que ele pudesse ter feito isso; a parede do

trem estava atrás dele e estávamos amontoados ali como sardinhas. No

entanto, ele poderia pelo menos ter tentado colocar algum espaço entre

nós.

Mas ele não o fez.

Em vez disso, ele lentamente deslizou as mãos de onde ainda

descansavam em meus ombros até a parte inferior das minhas costas,

envolvendo-me em seus braços no processo.

Ele me puxou para mais perto.

— Não é seguro aqui — ele murmurou, sua respiração soprando fria

e doce no topo da minha cabeça. — Eu vou segurar você. Para sua

própria proteção, quero dizer. Só até chegarmos ao nosso destino.

O que ele estava dizendo era apenas uma desculpa para continuar me

abraçando. Eu sabia. Mas eu não me importei. Eu tremi, me encolhendo

mais perto dele antes que eu pudesse me lembrar de que se aninhar em

público com meu colega de quarto vampiro provavelmente não era uma

ideia inteligente. Mas o corpo dele simplesmente parecia tão delicioso

contra o meu. Apesar do frio que ele irradiava, eu senti apenas calor me
envolvendo, excitação correndo pela minha espinha quando ele me

puxou para mais perto e descansou a bochecha no topo da minha cabeça.

O resto da viagem de trem demorou muito e passou em um instante.


QUINZE

Carta da Sra. Edwina Fitzwilliam ao Sr.


Frederick J. Fitzwilliam, datada de 11 de
novembro
Meu querido Frederick,
Eu não vou fazer rodeios com você.
Soube diretamente pelos Jameson que você continuou a ignorar
minhas súplicas e ainda está devolvendo os presentes da Srta. Jameson
para você sem abri-los.
Isto não pode continuar.
Reservei passagem em um voo direto de Londres, onde estou de
férias, para Chicago na próxima terça-feira à noite. Dado que o correio
não é um negócio rápido, suponho que há uma chance de eu chegar a
Chicago antes desta carta. Se isso acontecer, que assim seja. Talvez fosse
melhor que você não fosse avisado antes de eu chegar. Assim poderei
ver por mim mesmo a bagunça que você fez em sua vida.
Apesar de tudo, eu amo você, Frederick. Com o tempo, espero que
você entenda que sempre pensei nos seus melhores interesses.
Com os melhores cumprimentos,
Sua mãe,
Sra. Edwina Fitzwilliam
depois que frederick e eu descemos do trem,
caminhamos juntos em direção ao apartamento de Sam. Embora

tenhamos nos separado no instante em que o trem parou de se mover,

pude sentir seu toque tão intensamente como se ainda estivéssemos nos

abraçando.

Frederick tamborilou rapidamente os dedos da mão direita contra a

perna – o que eu reconheci como sua expressão nervosa mais óbvia. Ele

manteve os olhos fixos à frente, sem me poupar sequer um olhar de

soslaio.

— Fiz uma lista de vários temas de conversa para esta festa — disse

ele, repetindo o que disse no início da noite. Ele deslizou a mão no bolso

da frente da calça jeans e extraiu um pequeno pedaço de papel dobrado.

Sua mão tremia. Ele também deve ter ficado afetado pelo que aconteceu

entre nós no trem porque suas mãos raramente tremiam e ele nunca se

repetia.

O pensamento era ao mesmo tempo estimulante e aterrorizante.

— Você já me disse isso — eu disse.

Um carro passou por nós com as janelas abertas. Música hip-hop que

eu não reconheci tocava no rádio.

— Eu já te disse isso?

— Você disse.

— Oh.

Felizmente, não ficava longe do prédio de Sam. Quando chegamos lá,

apertei a campainha no painel da porta da frente para deixar Sam e Scott

saberem que tínhamos chegado. A fechadura da porta clicou um

momento depois e eu agarrei a maçaneta da porta para abri-la.

Frederick colocou a mão no meu braço, me impedindo. A urgência

de seu toque cortou meu grosso casaco de inverno como uma faca.

— Lembra? Preciso de permissão explícita deles antes de poder

entrar em sua casa.

Pisquei, tentando entender o que ele estava dizendo.

— O que?

Ele desviou o olhar, envergonhado.


— Lembra, quando assistimos Buffy, como eu disse a você que

algumas lendas de vampiros são uma porcaria, enquanto outras são

legítimas? Este é verdadeiro.

Então clicou. Naquela noite, com ele no sofá, quando conversamos

sobre Buffy – pouco antes de eu adormecer com a cabeça em seu ombro.

— Oh — eu disse abruptamente, aquecendo com a memória. —

Sim, claro. Me desculpe, eu esqueci disso. — Apontei para o botão que

acabei de apertar. — Mas eles desbloquearam para nós. Isso não é

suficiente?

— Não. — Seus olhos estavam nos sapatos. Ele estava

envergonhado, percebi. Meu coração se apertou. — Isto... deve ser um

convite direto e explícito. Você poderia mandar uma mensagem para

Sam ou Scott e pedir que me convidem para entrar?

A risada chegou até nós através de uma janela aberta. A festa já

estava a todo vapor.

— Eles vão achar isso estranho, Frederick.

— Seja como for, não tenho muita escolha.

Só então, um cara que reconheci como vizinho de Sam apareceu na

porta, vestido com um minivestido de couro rosa brilhante que parava

cerca de quinze centímetros acima dos joelhos. Ele fazia apresentações

ocasionais como dançarino burlesco em um clube em Andersonville, se

bem me lembro.

Ele estava mexendo em uma bolsa que carregava que combinava com

sua roupa. Pelo canto do olho pude ver Frederick olhando boquiaberto

para ele e sua roupa em um silêncio atordoado, seus olhos escuros

arregalados como pires. Eu o ignorei.

— Jack! — Exclamei, esperando chamar sua atenção e esperando

que esse fosse realmente o nome dele.

Ele olhou para cima.

— Cassie?

— Sim, oi. — Olhei por cima do ombro para Frederick, que assentiu

encorajadoramente. — Podemos entrar?

— Você está indo para o apartamento do Sam?


— Nós estamos.

Ele abriu mais a porta para nós e fez sinal para que entrássemos.

— Claro. Estou de saída.

Olhei interrogativamente para Frederick, que me deu um aceno sutil

que interpretei como significando bom o suficiente para mim.

— Obrigada, Jack — eu disse. Atravessei a soleira, Frederick logo

atrás de mim. Ele soltou um suspiro silencioso quando estávamos ambos

em segurança lá dentro.

Felizmente, Scott já estava nos esperando na porta de seu

apartamento no segundo andar.

— Podemos entrar? — Eu perguntei, esperando que minha voz não

traísse o quão nervosa eu estava de repente. Uma alta cacofonia de vozes

e algum tipo de house music de vanguarda irrompeu do interior do

corredor.

— Claro — disse Scott. Ele apontou para o apartamento atrás dele.

— Só estou esperando Katie chegar aqui, depois voltarei para dentro.

Minhas sobrancelhas se ergueram.

— Katie? Tipo, Katie do Gossamer’s?

— Sim — disse Scott. — Nós a conhecemos por causa de todas

aquelas noites visitando você no trabalho. Fiquei feliz quando ela disse

que conseguiria vir.

Eu queria estar feliz também. Katie e eu nos dávamos bem, mas

Frederick causou-lhe uma primeira impressão estranha na noite em que

tentou pedir um café e depois pagar com sua pochete de dobrões de

ouro.

Ele havia dado passos significativos para parecer normal nas últimas

semanas. Ele aprendeu a comprar roupas online. Ele tinha andado no

metrô sem que ninguém achasse que ele não pertencia lá. A última coisa

que ele precisava era ver a Katie nesta festa e ela fazer perguntas

desconfortáveis.

Mas eu supus que não havia nada a ser feito a respeito.

Virei-me para Frederick.

— Quer algo para beber?


Sua testa franziu.

— Não. Eu comi antes de chegarmos aqui. Você sabe que não

posso...

Agarrei sua lapela e puxei-o para baixo até que sua orelha estivesse

na altura da minha boca. Resisti à vontade de ficar ali, respirando-o –

mas por pouco.

— Você tem que fingir esta noite para que isso funcione.

Ele engoliu em seco e depois se endireitou.

— Certo. — Ele assentiu. — Vamos tomar uma bebida.

Ao entrarmos, virei-me para ele e perguntei, muito baixinho:

— A propósito, o que acontece se você não conseguir permissão?

— Perdão?

— Você disse que não pode entrar na casa de alguém sem convite —

eu o lembrei. — O que acontece se você tentar?

— Oh. Isso. — Ele rapidamente olhou por cima do ombro para ter

certeza de que ninguém estava ao alcance da voz e então se aproximou.

— Desintegração instantânea.

Eu olhei para ele.

— Você está brincando.

Ele balançou a cabeça gravemente.

— Quando ouvi falar desse fenômeno pela primeira vez, também

pensei que fosse uma piada. Mas não muito depois de ter sido

transformado, vi outro vampiro tentar invadir a casa de um fazendeiro

local enquanto ele e sua família estavam fora da cidade. — Ele fez uma

pausa, depois se inclinou mais perto antes de acrescentar: — Pedaços de

vampiro por toda parte.

Estremeci, embora estivesse um pouco distraída da história gráfica,

tanto pelo fato de que, ao contá-la, Frederick escolheu compartilhar

comigo outro detalhe bem guardado de sua vida anterior – quanto pelo

fato de que sua boca estava agora a apenas um fio de cabelo de distância

de mim.

— Que horrível — eu disse, tentando me controlar.


— Sim — Frederick concordou, sombriamente. — Não é um erro

você cometer uma segunda vez.

— Cassie.

Olhei para cima e vi Sam vindo da cozinha em nossa direção. Ele

tinha uma cerveja em uma mão e uma taça de vinho branco na outra.

Ele me entregou o vinho, mas seus olhos estavam em Frederick.

Meu estômago de repente se transformou em um nó duro e apertado

de ansiedade. Uma coisa era Frederick interagir com meu melhor amigo

por dois minutos no shopping outro dia. Outra coisa era eles passarem

uma noite inteira juntos. Pela expressão em seu rosto, Sam parecia ter

superado qualquer momento quente ao qual sucumbiu durante seu

último breve encontro e estava preparado para tomar uma decisão final

sobre se Frederick era um canalha ou confiável.

Mexi na haste da taça de vinho e inclinei a cabeça na direção de

Frederick.

— Sam, você conhece Frederick.

Sam estendeu a mão.

— Prazer em ver você de novo.

Frederick apertou a mão de Sam e apertou-a com firmeza.

— Obrigado por nos estender este convite para vir à sua casa. É bom

ver você novamente também.

— Posso pegar algo para você beber? — ele perguntou. — Vinho?

Cerveja?

Frederick ficou quieto enquanto ponderava como responder a isso.

Ele poderia ter estudado para esta noite, mas ele e eu não tínhamos

conversado sobre amenidades nas festas. O que, pensando bem, foi um

descuido incrivelmente estúpido da minha parte. Preparei-me para a

resposta de Frederick, esperando que estivesse pelo menos um pouco

dentro do normal.

— Eu... não posso decidir — disse Frederick finalmente. — O que

você recomendaria?

Soltei a respiração que não sabia que estava prendendo. Desde que

ingressou em seu escritório de advocacia, Sam se tornou o maior clichê


do advogado do mundo ao se dedicar a diferentes tipos de vinhos

sofisticados. Ele adorava entediar todo mundo com infinitos detalhes

sobre suas últimas descobertas.

Dei a Frederick um pequeno aceno de cabeça, que esperava

transmitir. Foi a coisa certa a dizer. Sua postura rígida relaxou

ligeiramente.

— Isso depende da sua preferência. Tenho vários tintos diferentes —

disse Sam. — Você gosta de Malbec?

Frederick olhou para mim com uma expressão interrogativa nos

olhos. Dei outro aceno pequeno e encorajador.

— Sim — disse Frederick com a convicção normalmente reservada

para perguntas sobre preferências de doces para o Halloween. — Sim, eu

gosto de vinho tinto. Muito mesmo. Na verdade, Malbec é o meu

favorito.

— Meu também. — Sam sorriu para ele, e se eu não estivesse tão

aliviada por Frederick estar indo tão bem, teria rido de como era fácil

bancar meu amigo. — Venha para a cozinha e eu vou servir para você.

Frederick olhou para ele como um cervo apanhado pelos faróis.

— Vá tomar uma bebida — eu encorajei. E então, gesticulando em

direção a Sam, acrescentei: — Sam fará questão de conseguir algo bom

para você.

— Algo bom — repetiu Frederick, com uma sobrancelha levantada.

Eu estremeci, me culpando por não avisá-lo com antecedência que se ele

fosse a festas humanas, ele deveria andar por aí com uma bebida que não

iria querer durante a maior parte da noite.

Assim que Frederick e Sam foram para a cozinha, olhei ao redor da

sala, tentando ver se havia rostos familiares. Reconheci vagamente

alguns convidados de outras reuniões que Sam e Scott realizaram ao

longo dos anos, mas então vi David – amigo de Sam e Scott que estava

envolvido com a exposição de arte da Galeria River North – sentado no

sofá ao lado da irmã de Sam, Amelia.

Meu coração acelerou. O networking profissional ficou logo acima

da extração dentária sem Novocaína na minha lista de atividades


favoritas. Conversar com Amelia, a irmã extremamente competente e

organizada de Sam, foi apenas um pouco mais agradável. Mas David

estava ali, a menos de três metros de distância, conversando com

Amelia, perfeitamente vestida e nem um fio fora do lugar, enquanto

bebia um gole de seu copo de Chardonnay.

Já se passaram quarenta e oito horas desde que enviei minha

submissão por e-mail para David. A Galeria River North tomaria suas

decisões na próxima semana. Uma pessoa organizada na vida

aproveitaria para conversar com ele, certo?

Poderia muito bem fingir que estava no comando da minha vida e

fazer o mesmo.

Endireitei os ombros, lembrei-me de que fazia coisas difíceis o

tempo todo e me aproximei deles.

— Oi — eu disse.

David e Amelia olharam para mim ao mesmo tempo.

De repente, lembrei-me de que não estava nem remotamente no

comando da minha própria vida e que isso provavelmente foi um erro

terrível.

— Cassie —, disse Amelia. Seu tom era alegre e ela sorriu para

mim, mas mesmo com o barulho da festa, lembrei-me de como ela

costumava ser condescendente sempre que se dignava a falar comigo no

colégio. — É tão bom ver você de novo.

— Já faz muito tempo — eu disse. Eu faria um esforço esta noite por

Sam, decidi. — Como você está?

Amelia balançou a cabeça loira e suspirou, depois tomou um gole de

vinho branco antes de colocar a taça de volta na mesinha de centro.

— Ocupada — ela disse. — Não tão ocupada quanto estarei na

primavera, mas mais ocupada do que gostaria.

Tentei pensar em uma época em que Amelia não estivesse tão

ocupada com seu trabalho contábil a ponto de se sentir totalmente

infeliz. Minha mente ficou em branco.

— Isso é uma merda — eu disse, falando sério.

Amelia encolheu os ombros.

É
— É o que é, eu acho. Foi para isso que me inscrevi quando entrei na

empresa. Mas chega de falar de mim — disse ela. — Sam disse que você

está realmente se dedicando à sua arte de novo.

Balancei a cabeça, orgulhosa demais do que vinha fazendo

ultimamente – e ciente demais do fato de que alguém do comitê da

Galeria River North estava sentado ao lado de Amelia – para me sentir

constrangida.

— Sim — eu disse. — Eu estou. Na verdade–

Fui impedida de terminar minha frase por Sam – que agora estava

correndo para o lado de Amelia com Frederick de aparência petrificada

a reboque.

— Amelia — disse ele, rindo. — Você precisa conversar com o novo

colega de quarto de Cassie.

As palavras de Sam me distraíram completamente da ansiedade de

conversar com Amelia e David, chamando minha atenção tão

eficazmente quanto um disco arranhado em uma sala silenciosa.

Alarmada, virei-me para olhar para Frederick, cujo pulso estava preso

no punho de ferro de Sam.

Ele estava olhando, com os olhos arregalados, para os sapatos.

Antes que eu pudesse perguntar o que estava acontecendo, Sam se

virou para mim e disse, encantado:

— Você nunca me disse que Frederick era um grande fã de Taylor

Swift.

Eu engasguei com meu gole de vinho.

— Sinto muito — eu disse, assim que me recuperei. — Mas... Taylor

Swift?

Frederick mexeu os pés desajeitadamente.

— Eu... posso ter mencionado algumas coisas que sabia sobre Taylor

Swift para algumas pessoas na cozinha.

— Algumas coisas? — Sam riu novamente e balançou a cabeça. —

Não seja tão modesto. Seu conhecimento da era 1989 é enciclopédico.

Tive que reprimir uma risada na palma da mão.

— É mesmo?
— Sim! — Sam jorrou. — Como eu estava dizendo, Frederick, você

precisa conversar com Amelia. Ela adora conhecer outros Swifties,

especialmente quando são pessoas que não se enquadram nos

estereótipos habituais.

— Ah, sim — disse Amelia. Ela estava radiante agora. Eu nunca a

ouvi parecer tão encantada. — Quando pessoas fora do grupo

demográfico esperado também gostam dela, isso apenas prova o quão

amplo é o apelo de Taylor e quão profundo é o seu talento.

Eu olhei para ela. Não me ocorreu que uma contadora pudesse ter

opiniões sobre música. Embora talvez fosse apenas eu sendo

excessivamente crítica.

— Você é fã de Taylor Swift?

Amelia encolheu os ombros.

— Quero dizer, o que há para não gostar?

— Concordo — disse Frederick, com um entusiasmo que me

surpreendeu. — Taylor Swift, que nasceu em West Reading, Pensilvânia,

em 1989, ganhou onze prêmios Grammy da Academia Nacional de

Artes e Ciências da Gravação.

Amelia levantou-se e, ainda sorrindo, passou as mãos pela saia sem

amassados.

— Vamos para a cozinha e tietar juntos — ela propôs a Frederick.

Os olhos de Frederick se arregalaram.

— Eu imploro seu perdão, mas… — Ele olhou para mim. — Tietar?

Inclinei-me um pouco e murmurei:

— Significa apenas ficar animado com alguma coisa.

— Oh.

— Vou pegar outra taça de Malbec — sugeriu Sam. — Eu não serei

capaz de contribuir muito para a conversa, mas sempre gosto de ver

Amelia em seu elemento.

Frederick lançou um olhar impotente para mim por cima do ombro

enquanto Amelia o guiava de volta para a cozinha.

Com a partida de Amelia, a única pessoa com quem pude conversar

foi David. Ele olhou para mim com um sorriso de reconhecimento.


Engoli em seco, meus nervos de alguns minutos atrás voltando agora

que as distrações gêmeas de Frederick e Taylor Swift estavam fora da

sala.

— Cassie — David apontou para o lugar vazio no sofá ao lado dele.

Eu sentei, sentindo-me ao mesmo tempo ansiosa e aterrorizada. — É

bom te ver. Faz algum tempo.

— Bom te ver também. — Comecei a mexer na barra da minha saia

enquanto tentava decidir se deveria apenas contar a ele que havia

enviado algo para a exposição de arte ou se deveria ser mais sutil sobre o

motivo pelo qual queria falar com ele. — Como vão as coisas?

— Ocupadas — David riu e então, talvez percebendo que foi

exatamente assim que Amelia respondeu à mesma pergunta alguns

minutos atrás, ele revirou os olhos. — Ocupada é uma maneira sem

resposta de conversa fiada de merda para responder a essa pergunta, não

é?

Eu sufoquei uma risada.

— Talvez?

Ele acenou com a mão desdenhosa.

— Sim. Bem, no meu caso, pelo menos, é verdade.

— Se preparando para a exposição de arte? — Talvez seja melhor

acabar logo com isso.

— Sim, na verdade. — Seu sorriso cresceu. — Nunca estive

envolvido em um programa com júri antes do lado administrativo, mas

dá muito mais trabalho do que eu esperava.

— Posso imaginar que seria muito trabalhoso. — Engoli em seco e

reuni coragem para pedir a informação que realmente queria. — Você

está vendo muitas submissões boas?

— Tantas boas — Ele se mexeu inquieto no sofá ao meu lado. —

Acho que o comitê tomou suas decisões finais sobre quem convidar.

Meu coração de repente estava martelando com tanta força dentro da

minha caixa torácica que parecia prestes a quebrar um osso. Coloquei

minha taça de vinho na mesinha de centro à nossa frente; minhas mãos


tremiam demais para acreditar que não derramaria Chardonnay em

todos os lugares.

— Oh?

— Sim. — David olhava para a cerveja em suas mãos como se fosse

a coisa mais interessante da sala. — Cassie, não sei se devo dizer isso a

você ou se devo esperar para que o comitê entre em contato com você,

mas visto que nós dois estamos aqui...

Ele parou sem terminar a frase. Mas eu poderia dizer, pelo jeito que

ele não estava olhando para mim, que o que quer que ele estivesse

prestes a dizer em seguida, eu não iria gostar.

Respirei fundo, me preparando para o pior.

— Eu prometo que não vou contar a eles o que você me contar.

Ele assentiu.

— Todos concordaram que sua peça era fantástica, mas o comitê

decidiu que sua opinião sobre o tema da Sociedade Contemporânea era

muito abstrata e atenuada para ser aceita na exposição. Uma pintura

clássica subvertida com materiais tão modernos simplesmente não era o

que procuravam. — Ele fez uma pausa antes de acrescentar: — Sinto

muito, Cassie.

O tempo pareceu parar. Todo o barulho da festa desapareceu quando

o que David acabara de me contar foi sendo absorvido lentamente.

— A maioria dos juízes já havia finalizado suas decisões antes de

recebermos sua inscrição — continuou David. Meu desespero deve ter

sido estampado em meu rosto porque ele estendeu a mão e gentilmente

colocou a mão na minha. — Você sabe como é com essas coisas.

Infelizmente, sua peça não os atraiu o suficiente para que mudassem de

ideia.

Lágrimas pinicaram nos cantos dos meus olhos. Eu sabia que não

havia garantia de que meu trabalho seria aceito e, é claro, sabia que a

maioria das vagas provavelmente iria para pessoas que já eram nomes

consagrados no mundo da arte. Então, realmente, eu não tinha ideia de

por que estava reagindo assim.

Mas eu estava, mesmo assim.


Virei-me e olhei para o chão para que David não me visse chorar.

— Eu entendo — eu murmurei.

— Sinto muito — disse David novamente, com a mão ainda apoiada

na minha. — Faremos outra exibição no próximo outono. Você é

realmente talentosa, Cassie. Espero que você considere enviar outra

coisa quando a solicitação de envio for publicada.

— Tudo bem — eu disse. Virei-me para sorrir para ele, mas seu

rosto estava embaçado. As lágrimas ameaçavam cair de verdade agora.

Por que eu pensei que seria tudo menos um completo e total idiota

estava além da minha compreensão. Eu sempre seria apenas Cassie – a

excêntrica peculiar que não conseguia manter um emprego ou mesmo

um apartamento por mais de alguns meses. A garota que nunca

alcançaria seus sonhos ou alcançaria qualquer coisa.

Olhei ao redor da sala. Mais convidados haviam chegado. Sam e

Scott estavam conversando com um grupo de pessoas que reconheci

vagamente como colegas de Sam na faculdade de direito. Um deles

estava rindo de algo que Sam acabara de dizer.

Frederick e Amelia não estavam em lugar nenhum.

Mesmo um vampiro centenário tinha mais controle do que eu.

Eu tinha que sair de lá.

— Com licença — eu disse a David com uma voz chorosa, mantendo

meu rosto virado para longe dele. — Eu... preciso verificar alguma coisa.

Fungando, rapidamente saí do quarto, indo direto para o banheiro.

Eu estava à beira de uma festa completa de piedade.

Ninguém precisava ver isso.

olhei para meu rosto no espelho do banheiro. pela


primeira vez, não conseguia me lembrar há quanto tempo decidi usar

rímel e agora me arrependi dessa decisão. O rosto de um guaxinim me

olhava do espelho, os olhos rodeados de manchas de maquiagem preta e

as bochechas manchadas de lágrimas.


Isso me fez sentir uma idiota ainda maior do que quando entrei aqui

para me esconder dez minutos antes. O que dizia muito.

Uma batida suave na porta do banheiro me tirou da minha

autopiedade.

— Cassie? Você está aí? — A voz de Frederick. Estava baixa e cheia

de preocupação. Um calor suave e reconfortante me inundou ao ouvir

isso.

— Não. — Sem pensar, enxuguei as lágrimas com as costas da mão.

Ela saiu manchada de preto.

— Acabei de falar com alguém que disse que viu você entrar

correndo aqui. Estou preocupado. Posso entrar?

— Eu disse que não estou aqui.

Uma risada silenciosa.

— Claramente você está.

Fechei os olhos e encostei a testa na porta que nos separava. A

madeira lisa era refrescantemente fresca contra minha pele corada.

— Eu sou uma idiota.

— Você não é.

— Você tem que dizer isso. — Novas lágrimas picaram atrás das

minhas pálpebras fechadas. — Você não sabe andar no metrô sozinho e

ficará preso aqui nesta festa para sempre se não for legal comigo.

Outra risada baixa, depois com mais firmeza:

— Afaste-se da porta, Cassie. Estou preocupado com você. Eu

gostaria de entrar.

Seu tom ligeiramente autoritário acionou algum tipo de interruptor

dentro de mim.

— Tudo bem — eu disse, fungando.

Ele entrou no pequeno banheiro – todos os seus 1,80 metro, ombros

largos e bonitos – antes de fechar silenciosamente a porta atrás de si. De

repente, lembrei-me de quão pequeno esse espaço realmente era.

Ele pareceu notar isso no mesmo instante que eu, seus olhos se

arregalaram enquanto eles corriam para o chuveiro atrás de mim, o vaso


sanitário, a pia. Mas então ele viu meu rosto e a bagunça que eu tinha

feito nele – e então sua atenção estava toda voltada para mim.

— Quem fez isto com você? — Sua voz era baixa, mas urgente. — O

que aconteceu?

— Nada aconteceu. — Tentei me afastar dele, mas ele agarrou meu

braço, me mantendo no lugar. Estremeci, o frio do toque dele queimando

o tecido da minha camisa e criando um forte contraste com a onda de

calor que de repente senti em todos os outros lugares. — Eu sou um

fracasso, só isso.

— Você não é um fracasso — disse ele com firmeza. — Qualquer

um que tenha feito você se sentir assim terá que lidar comigo.

Sorri um pouco com a ideia de Frederick ameaçar alguém. Ele

poderia ser uma criatura morta-viva da noite – mas no que diz respeito

às criaturas mortas-vivas da noite, ele era um marshmallow.

Eu funguei.

— Essa pessoa, infelizmente, sou eu.

— Você?

— Sim. — Fechei os olhos. — Submeti uma peça na qual venho

trabalhando há semanas para uma exposição de arte. Fiquei muito

animada com isso, mas acabei de descobrir que foi rejeitada.

— Oh, Cassie — Frederick disse, seu tom cheio de simpatia. —

Sinto muito. — Sua mão ainda estava no meu braço. Seu toque foi

aterrador. Eu esperava que ele não recuasse tão cedo. — Isso é tudo?

Suspirei.

— Eu sou uma idiota, Frederick.

— As pessoas são rejeitadas o tempo todo, Cassie. — Ele fez uma

pausa, pensando. — De certa forma, fui rejeitado durante todo o século

passado.

Revirei os olhos.

— Não é a mesma coisa.

— Você tem razão. O que eu fiz foi pior.

— Como é pior?

Seus olhos brilharam.


— Bebi algo que Reginald me ofereceu em uma festa. Como um

idiota. Fale sobre ser um idiota.

Eu solucei e ri um pouco, apesar de mim mesmo. Ouvir Frederick

usar gírias modernas era como ver uma criança com bigode falso. Ele

sorriu com a minha reação, claramente satisfeito consigo mesmo.

E então, de repente, sua expressão ficou séria.

— Se alguém fudeu tudo aqui, Cassie, foi o comitê que se recusou a

aceitar uma artista visionária na exposição.

Pisquei para ele, atordoada com a intensidade de seu elogio.

— Você não precisa dizer isso.

— Eu nunca digo coisas que não quero dizer.

Antes que eu pudesse decidir como responder a isso, Frederick

puxou um pedaço de tecido do bolso da frente da calça jeans.

Murmurando algo baixinho que não consegui entender, ele abriu a

torneira e passou o tecido por baixo dela.

— O que você está fazendo?

— Parece que ninguém mais carrega lenços — ele refletiu. — É uma

pena. Eles funcionam muito melhor do que os lenços de papel finos

usados hoje em dia. Agora feche os olhos.

Ele se virou para mim com um olhar de concentração silenciosa.

Seus olhos se voltaram para os meus. Ou, mais especificamente, à

bagunça de maquiagem preta nos olhos espalhada por baixo deles.

O constrangimento me inundou.

— Frederick, você não precisa...

— Feche os olhos, Cassie. — Seu tom não tolerava oposição, sua

insistência severa tocava alguma parte crua e primitiva de mim que

estava impotente para fazer qualquer coisa além de obedecer.

Sua mão livre segurou minha bochecha, inclinando suavemente meu

rosto para cima para que ele pudesse me olhar com mais clareza. De

repente, parecia que todas as minhas terminações nervosas estavam

centradas exatamente onde ele me tocou.

Meus olhos se fecharam por vontade própria.


— O que é essa substância preta que você usou para pintar o rosto?

— Sua voz era baixa, curiosa, enquanto ele enxugava com ternura os

restos do meu rímel com o lenço. Seu rosto estava tão perto do meu que

eu podia sentir cada uma de suas exalações superficiais na minha pele.

— Eu nunca vi esse tipo de cosmético antes.

Minha boca ficou seca.

— Isso é... algo chamado rímel.

— Rímel. — Ele disse a palavra com óbvio desgosto, mas eu apenas

a registrei vagamente. Era difícil para mim me concentrar em qualquer

coisa, exceto nos toques suaves de seus dedos sob meus olhos e na

pressão de sua mão livre em minha bochecha. Todo o oxigênio parecia

ter desaparecido da sala pequena demais. Meu coração estava trovejando

em meus ouvidos.

— É vil — acrescentou.

— Eu gosto de rímel.

— Por que? — Seu lenço mergulhou no canto do meu olho direito,

onde as manchas eram piores. Ele se inclinou ainda mais perto,

provavelmente para ter uma visão melhor do que estava fazendo. Ele

cheirava a vinho tinto e ao amaciante que usava nas roupas. Meus

pulmões pareciam ter esquecido como respirar.

— Isto... me faz parecer bonita.

Suas mãos pararam de se mover. Quando ele falou novamente, a voz

de Frederick estava tão baixa que quase não o ouvi.

— Você não precisa de cosméticos para isso, Cassie.

De repente, o barulho da festa, o gotejar lento da água do chuveiro

atrás de mim – tudo isso desapareceu. Houve nada além das mãos ternas

de Frederick, tocando meu rosto com tanta delicadeza que eu mal

conseguia suportar – e as batidas constantes e rápidas do meu coração.

Depois do que poderiam ter sido alguns minutos ou uma hora,

Frederick deixou cair o lenço no balcão. Pude senti-lo se aproximar

ainda mais de mim, na sala pequena e confinada, até que nossos joelhos

se tocaram.
Meus olhos permaneceram fechados. Meu estômago se apertou de

antecipação e nervosismo. Suspeitei que assim que abrisse os olhos

novamente, tudo entre nós mudaria.

Lambi meus lábios sem pensar – e registrei sua inspiração aguda.

— As... as manchas sumiram? — Minha voz estava trêmula. Eu me

senti a momentos de voar pelas costuras.

Sua mão estava firme contra minha bochecha.

— Sim. Elas saíram. — Frederick estava tão perto de mim agora que

suas palavras eram sopros de ar fresco em meus lábios. Estremeci, a

necessidade de ele se aproximar ainda mais era quase esmagadora. —

Abra os olhos, Cassie.

Sua boca estava na minha antes que eu tivesse a chance de obedecer,

a pressão suave de seus lábios roubando o fôlego dos meus pulmões e

afastando qualquer preocupação que eu pudesse ter sobre se isso era

uma boa ideia. Sua mão deslizou até meu queixo, inclinando-o

suavemente um pouco para dar-lhe melhor acesso. Fiquei tão dominada

pela sensação que não pude fazer nada além de deixá-lo me beijar e

retribuir o beijo. Minhas mãos deslizaram por seu peito largo por

vontade própria, o tecido de sua camisa macio sob meus dedos enquanto

eu agarrava as pontas de seu colarinho com as duas mãos.

Meu toque provocou um gemido baixo no fundo de sua garganta que

me deixou tonta com uma pontada de desejo abrasador.

— Não podemos fazer isso aqui — murmurei contra seus lábios.

Principalmente porque parecia algo que eu deveria dizer, visto que isso

era o banheiro de Sam e um apartamento inteiro cheio de gente estava

dando uma festa do outro lado da porta.

Mas eu sabia, enquanto dizia as palavras, que com certeza faríamos

isso aqui.

Parece que Frederick nem ouviu o que eu disse. Se o fizesse,

certamente não estava prestando atenção. Seus beijos ficaram mais

ousados, a pressão deliciosa de sua boca aumentando até que eu separei

meus lábios para ele em um suspiro irregular. Ele tinha gosto de balas de

menta e do vinho que ele deve ter fingido beber mais cedo esta noite. Eu
queria me perder nisso – na maneira como ele deslizou a língua ao longo

da minha, arrancando um gemido da minha garganta; em seus braços

fortes, enquanto eles me cercavam e me puxavam para mais perto. Eu

podia sentir seus caninos afiados e proeminentes contra minha língua

enquanto o beijava, algo que certamente nunca tinha notado antes

quando o vi sorrir. Uma onda emocionante de calor passou por mim, a

lembrança visceral de quem e o que ele era me surpreendeu por apenas

um momento antes de me perder no beijo novamente.

— Não faço isso há mais de cem anos — ele respirou, afastando-se.

Ele parecia tão atordoado que eu não sabia se ele estava me contando

isso ou para si mesmo. — Não desde a outra noite.

Ele não esperou que eu respondesse, apenas rapidamente me afastou

da pia até que senti a parede do banheiro pressionada firmemente contra

minhas costas. Ele se aproximou, me cercando, inclinando-se contra a

parede até que seus antebraços abraçaram minha cabeça. Seus olhos

escuros eram todos pupilas, arregalados com o mesmo desejo que eu

podia sentir percorrendo minha corrente sanguínea. Sua boca estava a

menos de um centímetro da minha. Precisei de todo o meu autocontrole

para não me inclinar para frente naquele momento e capturar aqueles

lábios macios dele em outro beijo.

— Cassie — ele respirou. — Eu–

O que quer que ele estivesse prestes a dizer foi interrompido por uma

série de batidas muito altas e insistentes na porta do banheiro.

Frederick pulou para trás e para longe de mim como se eu o tivesse

escaldado.

— Alguém aí? — A voz agradável de uma mulher cortou a névoa da

luxúria como uma faca.

Ah, não, Frederick murmurou, com os olhos arregalados.

— Só um minuto — gritei, tentando não rir da aparência horrorizada

de Frederick. — Estamos quase terminando aqui.

— Tudo bem! — a mulher disse, um pouco alto demais. — Voltarei

em alguns minutos.
— Por que você disse que estamos quase terminando aqui? —

Frederick sussurrou com voz rouca. Ele parecia que estava prestes a

vomitar. Será que os vampiros poderiam vomitar, pensei? Algo para

pensar mais tarde. — Há pelo menos duas dúzias de outras pessoas por

aí. E agora, todos saberão que estivemos juntos neste pequeno banheiro

todo esse tempo. Sozinhos.

— E?

— E? — Ele olhou para mim, incrédulo. — O que eles vão pensar,

Cassie?

Se Frederick tivesse pérolas para agarrar, certamente as estaria

segurando agora. Ele parecia tão petrificado que tive que morder o

interior da bochecha para não rir.

— Quem se importa com o que eles pensam?

— Sua reputação, Cassie! — Ele balançou sua cabeça. — As

conclusões que eles provavelmente tirarão!

Levantei uma sobrancelha para ele.

— Que tipo de conclusões? Que você estava bebendo meu sangue?

Suas sobrancelhas subiram em sua testa.

— Não! Que estávamos... que estávamos…

Atravessei lentamente o banheiro até ficar a poucos centímetros dele.

Coloquei minhas mãos espalmadas em seu peito. Ele fez um barulhinho

de dor no fundo da garganta que só me estimulou. Se eu pudesse, ele

estaria fazendo aquele barulho para mim repetidas vezes naquela noite.

— Que estávamos o quê, Frederick?

Ele engoliu em seco. Acompanhei o movimento do seu pomo de

adão, lutando contra o desejo agudo de traçar sua forma com a língua.

— Que eu estava corrompendo você.

Foi apenas a expressão mortalmente séria em seu rosto que me

impediu de rir alto.

— Eles podem presumir que estávamos nos beijando aqui, sim. Mas

quem se importa?

Ele parecia horrorizado.

— Cassie…
Coloquei um dedo em seus lábios, silenciando-o.

— As coisas mudaram nos últimos cem anos. Não importa o que

alguém pensa.

Ele não parecia acreditar nas minhas afirmações de que não

precisava se preocupar em proteger minha virtude ou minha honra. Mas

quando agarrei seu pulso para tirá-lo do banheiro, ele me seguiu mesmo

assim.

— Vamos dizer adeus a Sam e Scott e agradecer-lhes por nos

convidarem — eu disse. — Então vamos para casa.


DEZESSEIS

Trecho do capítulo 17 de Fazendo amor com


humanos no século XXI: Um guia definitivo
para o vampiro moderno (Autor
desconhecido)

Se você leu até aqui, agora entende até que ponto os costumes e

expectativas sexuais mudaram desde a época em que todos

simplesmente fingiam esperar até o casamento para ter relações

sexuais. Existem certos atos que seu amante humano do século

XXI provavelmente esperará e que podem pegá-lo de surpresa se

você não tiver relações sexuais há algumas décadas.

Este capítulo descreve vários dos métodos modernos mais

populares para levar um ser humano ao orgasmo usando a boca.

A chave, como discutiremos com mais detalhes abaixo, é ocultar

suas presas. No final deste capítulo, você será guiado passo a

passo por uma série de exercícios práticos que, quando

implementados na cama, deixarão seu amante humano

imensamente satisfeito.

frederick me convenceu a pegar um uber com ele de


volta ao apartamento. Embora convincente fosse um exagero; Eu

concordei assim que ele sugeriu. Afinal, ele se saiu incrivelmente bem

aprendendo os conceitos básicos de transporte público em nossa


aventura anterior no metrô. Se ele se sentisse desconfortável com o

processo de andar de trem, poderíamos tentar novamente em outra hora.

Mais especificamente: o Uber nos levaria para casa mais rápido que

o trem. Depois do que acabara de acontecer na festa de Sam, eu estava

ansiosa para chegar em casa o mais rápido possível.

Era óbvio que Frederick sentia o mesmo. Assim que colocamos os

cintos de segurança e nosso motorista se afastou do meio-fio, as mãos de

Frederick estavam em mim novamente – tocando meus ombros, meus

cabelos. Ele olhou para mim com uma expressão cautelosa e

esperançosa.

Eu estava pronta para continuar de onde paramos. Mas primeiro, eu

tinha algumas perguntas.

— Taylor Swift, hein? — Eu sorri para ele, gostando da maneira

como ele se mexia no banco. — Você é um Swiftie?

Ele estremeceu um pouco com o termo.

— Não. É como eu disse antes. Só estudei antes da festa.

— Eu acho que fez isso mesmo.

Ele assentiu. Seus dedos brincavam preguiçosamente com o cabelo

da minha nuca, provocando arrepios de prazer na minha espinha.

— Eu queria ter certeza de que teria algo a dizer às pessoas na festa,

e minha pesquisa indicou que ela era particularmente famosa entre

pessoas com idades entre 25 e 38 anos.

— Ela é — eu concordei.

Seus olhos caíram para meus lábios, pupilas dilatadas. Seu braço

saiu do seu lado e me envolveu, me puxando para mais perto. Eu podia

sentir que ele estava perdendo rapidamente o interesse nesta conversa.

— Levei apenas duas horas depois que você estava na cama ontem à

noite para memorizar tudo o que pude sobre ela. Foi molequinha.

Sorri e estava prestes a dizer a ele que a expressão que ele procurava

era molezinha, mas antes que eu pudesse formar as palavras ele estava

me beijando novamente, seus lábios dolorosamente macios contra os

meus.
— Espere. — Afastei-me um pouco, tentando recuperar o fôlego.

Inclinei minha cabeça em direção ao nosso motorista. — Talvez

devêssemos esperar até chegarmos em casa.

— Por que?

— Temos um público.

— Ah. — Seus olhos brilhavam com malícia, um sorriso presunçoso

brincando em seus lábios. Agora foi minha vez de olhar para sua boca.

Nossos rostos estavam tão próximos. — O motorista não consegue ver o

que estamos fazendo.

Olhei para o motorista. Seus olhos estavam na estrada à sua frente,

não no espelho retrovisor – que mostrava claramente eu e Frederick

emaranhados um no outro no banco de trás.

— Ele não vê o que estamos fazendo?

— Não.

Um arrepio desconfortável percorreu minha espinha.

— Por que não?

Frederick suspirou e se afastou de mim, caindo de volta no assento.

Meu corpo protestou pela súbita perda de contato físico.

— Vampiros têm... um certo grau de habilidade mágica. — Ele fez

uma careta e depois fez um movimento oscilante com a mão. — Não.

Chamar isso de habilidade mágica não é muito certo. Basta dizer que

tenho a capacidade de fazer algumas coisas que os humanos não

conseguem. A grande maioria dos vampiros pode usar algum grau de

glamour nos humanos para fazer as coisas parecerem diferentes de como

são na realidade.

— Mesmo?

Frederick assentiu.

— Nosso motorista acha que nós dois estamos absorvidos em nossos

respectivos celulares, mantendo as mãos e todas as outras partes do

corpo para nós mesmos.

Fiz uma pausa, processando isso. O que ele estava me dizendo – que

os vampiros tinham a capacidade de fazer as pessoas verem coisas que

não eram ali – estava mais ou menos de acordo com as histórias de


vampiros que ouvi ao longo dos anos. Então, de repente, algo me

ocorreu.

As presas proeminentes que eu nunca tinha notado antes de beijá-lo

na festa de Sam.

— É por isso que nunca notei seus… seus dentes até esta noite? —

Levantei uma sobrancelha acusatória. — Você estava me glamourizando

antes?

Ele pareceu surpreso.

— Eu não sabia que você notou minhas presas na festa.

Eu bufei.

— É meio impossível não sentir elas com a minha língua na sua

boca. Essas coisas são... Quero dizer, elas são enormes. E muito

pontudas.

Frederick mexeu no cinto de segurança.

— Não foi intencional escondê-las de você antes. De um modo geral,

os humanos são simultaneamente uma ameaça para nós e para a nossa

próxima refeição. Usar o glamour para esconder nossas presas dos

humanos em nosso meio é um mecanismo de autodefesa. Um reflexo, na

verdade. Quando esse glamour específico surge, geralmente é tão

involuntário quanto respirar. — Ele esfregou a nuca e acrescentou: — O

glamour só desaparece novamente quando estamos completamente

confortáveis em nosso ambiente. Com pessoas em quem confiamos.

Ele olhou para mim então, seu olhar tão aberto e inocente que

entendi imediatamente a implicação de suas palavras.

Ele confiava em mim.

Pude ver, pela minha visão periférica, que estávamos quase no

apartamento. Alguns minutos sem cinto de segurança estariam bem,

certo?

Antes que eu pudesse me convencer a não fazer isso, desafivelei o

cinto de segurança e subi em seu colo, montando nele, enquanto o cara

do Uber continuava nos levando para casa, alheio. Todo o corpo de

Frederick ficou rígido, os músculos de suas coxas flexionando e

tensionando sob mim enquanto eu me posicionava.


Suas mãos grandes deslizaram para agarrar meus quadris, seus olhos

tão arregalados com surpresa, não pude deixar de me perguntar quanto

tempo fazia desde a última vez que ele teve intimidade com alguém. Ele

certamente aprendeu a beijar rápido o suficiente, mas o pouco que eu

sabia sobre a época antes de ele adormecer sugeria que ele talvez não

estivesse acostumado a fazer muito mais do que beijar.

Seria esta uma oportunidade para eu lhe ensinar algumas das outras

habilidades modernas que ele pode ter perdido durante seu longo coma?

Haveria muito tempo para descobrir isso mais tarde.

Por enquanto, simplesmente me inclinei para frente até que minha

boca estivesse em sua orelha, nossos torsos pressionados um contra o

outro. A respiração de Frederick engatou, as pontas dos dedos agora

cravando na carne macia de cada lado da minha cintura.

— Você tem algum outro poder mágico? — Dei um beijo

prolongado no lóbulo de sua orelha, minha mão direita percorrendo seu

peito até descansar sobre seu coração há muito adormecido. — Ou o

glamour nas pessoas é o único?

Ele riu, as reverberações de sua risada quentes e gentis contra minha

palma.

— Há mais um — ele admitiu.

— O que é? — O carro estava estacionando em paralelo agora,

parando completamente em frente ao nosso apartamento. Dei um beijo

nos lábios de Frederick; uma promessa do que estava por vir quando eu

o levasse para dentro. — Diga-me.

Frederick balançou a cabeça.

— Isso é... uma habilidade bastante estúpida, no que diz respeito a

essas coisas. Mas se você realmente quer saber, eu lhe direi o que é

quando chegarmos lá em cima.

quando voltamos para o apartamento, frederick


agarrou minha mão e me puxou até ficarmos em frente ao armário do
corredor. O mesmo armário que ele deixou perfeitamente claro que

estava fora dos limites para mim quando visitei o apartamento pela

primeira vez.

— A resposta para sua pergunta sobre quais outros poderes você tem

pode ser encontrada aqui. — Ele olhou para mim, avaliando minha

reação. — Se você ainda quiser saber.

Ele colocou a mão na maçaneta e uma pontada de pânico passou por

mim. Eu construí todos os tipos de possibilidades para o que poderia

estar dentro deste armário proibido. Muita coisa já havia acontecido

naquela noite; Eu não tinha certeza se estava pronta para descobrir a

verdade.

Coloquei a mão em seu braço, parando-o.

— Você me disse antes que não havia cadáveres lá — eu o lembrei,

minhas palavras saindo um pouco rápidas demais.

— Eu disse.

— Isso era verdade?

Ele assentiu.

— Sim. Também não há sangue aqui. Ou cabeças decepadas. Nada

que você ache desagradável ou assustador. Eu prometo. Na verdade… —

Ele parou, coçando o queixo. — Talvez você até goste do que vê.

O tom de esperança em sua voz – o fato de que ele queria

compartilhar algo sobre si mesmo que antes sentia necessidade de

esconder – derreteu a última das minhas reservas.

— Ok — eu disse, balançando a cabeça, me preparando. — Abra a

porta.

Prendi a respiração – apenas para soltar uma risada de surpresa um

momento depois, quando ele abriu a porta do armário e eu vi o que

havia dentro.

— Frederick — eu respirei, incrédula.

— Eu sei — ele concordou.

— Por que há tantos abacaxis aqui?

— Não são apenas abacaxis.


Ele empurrou os abacaxis (devia haver pelo menos uma dúzia deles)

para um lado da prateleira onde estavam. Atrás havia fileiras de caquis,

kumquats e outras frutas de cores vivas que eu nem reconheci.

— Alguns vampiros têm habilidades impressionantes, como

transformar vinho em sangue, ou ser capaz de voar, ou voltar no tempo

— ele continuou com tristeza. — Infelizmente, tudo que posso fazer é

conjurar frutas involuntariamente quando estou nervoso.

Enfiei a mão no armário e peguei uma coisa pequena e um tanto

mole que parecia uma pêra, mas cheirava a laranja.

— É isso que você escondeu aqui todo esse tempo?

— Sim — ele disse. — Você pode comê-lo, caso esteja se

perguntando.

— Eu posso?

Ele assentiu.

— Deve ser perfeitamente comestível. Toda semana eu levo tudo o

que conjurei para uma despensa de alimentos local. Ou então dou de

presente à você.

Lembrei-me da cesta de kumquats que ele me deu no dia em que me

mudei. A tigela com várias frutas cítricas que ele guardava na bancada

da cozinha.

— Ah — eu disse.

— Minha taxa de produção disparou desde que você se mudou.

Parece que estou nervoso o tempo todo, ultimamente.

A ideia de que eu o deixei nervoso era difícil de acreditar, mas decidi

deixar para lá.

— Por que você não me contou sobre isso? — Seus olhos se

arregalaram e eu rapidamente acrescentei: — Não que isso seja grande

coisa, você não me contar. Eu só estou curiosa.

— É um dos poderes de vampiro mais ridículos da história

registrada. E inútil, visto que vampiros não podem comer frutas. — Ele

esfregou a nuca, desviando os olhos. — Quando você soube o que eu

realmente era, queria que você pensasse que eu era impressionante. Não

apenas algum mágico acidental de kumquat sem noção.


Uma onda de calor passou por mim.

— Você queria me impressionar?

Ele assentiu.

— Eu ainda quero.

Eu não conseguia entender isso. Ele queria me impressionar?

Frederick era um imortal de trezentos e vinte anos. Eu era só... eu.

Encostei-me na parede atrás de mim para me apoiar.

— Mas... por que? Eu não sou ninguém.

Seus olhos se fixaram nos meus, seu olhar tão intenso que era como

olhar diretamente para o sol.

— Como você pode dizer uma coisa dessas?

Meus olhos caíram para os meus sapatos.

— Porque é verdade.

De repente, ele estava me pressionando contra a parede, os

antebraços apoiando minha cabeça, seu olhar furioso. Seu rosto estava a

poucos centímetros do meu.

— Nunca ouvi algo menos verdadeiro em minha vida.

— Mas…

Ele me cortou com os lábios, beijando-me com uma ferocidade que

eu não tinha visto nele antes. Separei meus lábios reflexivamente e ele

não perdeu tempo, a língua mergulhando em minha boca como se nunca

fosse capaz de se cansar do meu gosto. Ele me beijou como se sua vida

dependesse disso, como um homem possuído, e eu estava impotente

para fazer qualquer coisa além de beijá-lo de volta, envolvendo meus

braços em volta dele, quase desmaiando ao sentir cada parte de seu

corpo longo e duro pressionando com necessidade contra o meu.

— Você. É. Incrível. — ele murmurou, cada palavra pontuada com

beijos fortes e febris em meus lábios, minha mandíbula, minha garganta.

Eu derreti contra ele, sentindo-me em perigo a qualquer momento de

escorregar pela parede nas minhas costas e cair em uma poça no chão.

— Frederick — eu respirei. Suas mãos percorreram meu corpo

possessivamente, deixando rastros de calor apesar do frio de seu toque.

Eu me senti febril e mais leve que o ar.


Mas ele não terminou.

— Você é gentil e generosa — ele continuou. — Mesmo depois que

você descobriu o que eu era, você não me abandonou, porque sabia que

eu precisava da sua ajuda. Em todos os meus anos, nunca conheci

ninguém mais comprometido em permanecer fiel a quem é do que você.

— Ele se afastou, olhando diretamente nos meus olhos. O olhar

acalorado que ele me lançou poderia ter derretido um iceberg. — Você

tem alguma ideia de como isso é precioso, Cassie? Quão raro?

Seus olhos eram piscinas escuras e incandescentes, implorando para

que eu entendesse.

Mas não entendia.

— Não — eu disse. — Não acho que haja nada de especial em mim.

Sua mandíbula apertou.

— Então, por favor — ele começou, com a voz rouca e cheia de

promessas — por favor, permita-me mostrar o quanto você está errada.

o quarto dele era diferente de como eu imaginava. não


havia um caixão, ou qualquer outra coisa que pudesse sugerir que seu

ocupante fosse outra coisa senão um humano rico e perfeitamente

comum, com gosto questionável para decoração.

Era muito maior que meu quarto, com uma janela do chão ao teto

voltada para o lago que combinava com a da sala de estar. Assim como a

sala de estar, também estava bastante escuro. Arandelas de parede de

latão circundavam a sala, sua luz fraca brincando com as cores sutis dos

cabelos de Frederick. Eu queria enterrar minhas mãos naquele cabelo e

sentir as mechas macias e sedosas enquanto elas passavam por meus

dedos.

A cama era king size, com um colchão grosso e um dossel vermelho-

sangue que combinava tanto com o edredom que cobria a cama quanto

com as cortinas que cobriam a janela. Quando Frederick me deitou no


colchão, com o mesmo cuidado com que manuseia uma boneca de

porcelana, percebi que a capa do edredom vermelho era de veludo.

Essa parte é meio clichê, pensei, passando os dedos pelo material

incrivelmente macio. Saído direto de Entrevista com o Vampiro. Mas

meu corpo estava cheio de expectativa e nervosismo, e a maneira terna e

acalorada com que ele olhava para mim enquanto estava ao pé da cama

tornava quase impossível pensar com clareza.

O feedback construtivo sobre o estilo de seu quarto pode esperar.

Estendi a mão para ele, animado para a próxima parte começar.

A visão dos meus braços estendidos, no entanto, pareceu fazer com

que o desejo bruto que o levou a me levar para seu quarto parasse

bruscamente. Ele não estava mais olhando para mim como se quisesse

me foder no meio da próxima semana. Todo o seu comportamento

mudou, seus olhos escuros vagando para as tábuas de madeira, os dedos

da mão direita tamborilando uma batida nervosa em staccato contra sua

coxa.

Apoiei-me nos cotovelos, preocupada.

— Frederick?

— Talvez… — ele começou, parecendo magoado. Ele sentou-se ao

meu lado exalando alto, inclinando-se para a frente até que os cotovelos

estivessem sobre os joelhos. Ele enterrou o rosto nas mãos. — Talvez

não devêssemos fazer isso.

Meu coração vacilou enquanto eu tentava conciliar o que ele estava

dizendo agora com o que acabara de acontecer momentos antes.

Empurrei-me na cama até sentar ao lado dele e então, hesitante, deslizei

minha mão para cima e através de seu peito largo, achatando a palma

sobre o lugar onde seu coração batia.

Cada vez que eu o toquei no passado, isso provocou uma resposta

imediata e cinética dele. Desta vez, ele se manteve quase

sobrenaturalmente imóvel.

Foi como tocar uma estátua.

— Você... você não quer fazer isso?


Sua respiração engatou. Ele se aproximou de mim na cama e então,

hesitantemente, ele passou um braço em volta de mim como uma

resposta sem palavras.

— Eu não disse isso — Sua voz era rouca e áspera, e ele se

aproximou ainda mais, os músculos tensos de seu braço flexionando

contra a parte inferior das minhas costas. — Eu quero fazer isso. Você

não tem ideia do quanto eu quero fazer isso. Eu simplesmente disse que

talvez não devêssemos.

Estávamos sentados tão perto que não teria custado nada virar a

cabeça e pressionar meus lábios em sua bochecha. Com dificuldade,

fiquei parada.

— O que está errado? — Perguntei.

— Eu não planejei arrastar você para um envolvimento romântico

com… alguém como eu.

— Ninguém está me arrastando para nada.

— Mas…

— Eu quero ter um envolvimento romântico com você.

A expressão em seu rosto quando ele encontrou meus olhos foi de

partir o coração.

— Você não poderia.

— Por que não?

— Por um lado, você é humana. — Ele balançou sua cabeça. — Por

outro lado, eu não sou.

Isso, é claro, foi o que me impediu até agora. Mas nada disso

importava. Frederick era gentil e compassivo. Ele comprou uma seção

inteira de utensílios de cozinha quando eu disse que precisava de uma

panela e disse coisas gentis e perspicazes sobre minha arte, embora ele

não a entendesse.

Ele me conhecia, com uma sensibilidade intuitiva que me deixou

sem fôlego.

E, sim, ok, ele era um vampiro. Isso apresentou alguns desafios

legítimos. Mas isso não mudou o quão bom ele era – ou o fato de que eu

o queria mais do que jamais quis alguém em minha vida.


— Eu não me importo — eu disse categoricamente. Eu gentilmente

peguei sua mão e entrelacei nossos dedos.

— Você deveria se importar — ele murmurou. Mas ele não largou

minha mão. Ele estava me segurando tão perto que provavelmente podia

sentir as batidas rápidas do meu coração contra suas próprias costelas.

— Você não quer o tipo de meia vida que eu vivo, Cassie. Você não

pode querer ser o que eu sou. Para estarmos juntos, realmente juntos, as

mudanças pelas quais você teria que passar...

Levantei nossas mãos unidas até que meus lábios encontraram a

solidez fria e suave de seu pulso, deixando minha boca permanecer ali.

Seus lábios se separaram e, ah, eles eram tão macios, pressionados

contra meus próprios lábios. Mesmo quando seus beijos se tornaram

desesperados. Eu queria prová-los novamente, queria separá-los com a

minha língua.

— Ainda não pensei tão à frente — admiti. — Tudo o que sei é que

agora quero estar o mais próxima possível de você. — Em algum

momento, talvez eu queira imaginar o que um futuro a longo prazo com

Frederick exigiria de mim.

Mas não ainda.

Nós nem havíamos tido um encontro oficial ainda.

Cedendo à tentação, dei um beijo casto e de boca fechada em sua

clavícula, deleitando-me com a sensação da pele de mármore contra

meus lábios.

— Cassie — ele murmurou, sua voz grossa.

Movendo-me um pouco, toquei meus lábios na parte inferior de sua

mandíbula e, em seguida, beijei seu pescoço até um local onde, muitos

anos atrás, havia pulsação. Para o lugar que eu suspeitava que outro

vampiro o tivesse mordido, séculos antes de eu nascer.

— Frederick — murmurei. Abri minha boca, deixando minha língua

sair para prová-lo. Sua pele era salgada e almiscarada, desejo e ar fresco

da noite.

Ele gemeu.
— Se você quer fazer isso e eu quero fazer isso, por que não

deveríamos? — Eu perguntei, embora ele não estivesse mais

protestando. Eu me aninhei no ponto sensível onde seu pescoço

encontrava seu ombro, deleitando-me com sua respiração profunda, com

a forma como seu braço apertou em volta de mim, a forma como as

pontas dos dedos dele cavaram em meu lado.

— Cassie — Seu tom era meio aviso, meio promessa. Com uma

respiração trêmula, sua mão livre subiu para segurar minha bochecha.

Suspirei e me inclinei em seu toque. Cada nervo do meu corpo estava

aceso, brilhando de antecipação. Ele tinha mãos grandes e lindas. Hábil

e forte. A ideia do que eles poderiam fazer comigo se ele apenas me

soltasse...

Foi uma tortura deliciosa.

— Por favor — eu sussurrei.

Com essa única palavra foi como se um interruptor fosse acionado

dentro dele. Eu podia ver isso em seus olhos enquanto os restos de sua

determinação rachavam e desmoronavam, e então, de repente, seus

lábios estavam nos meus novamente, seus beijos tão ansiosos e

necessários quanto na festa de Sam. Ele se moveu rapidamente, sem

palavras, uma mão nas minhas costas e a outra no meu ombro, guiando-

me suavemente para trás até que eu deitasse de bruços no colchão mais

uma vez.

— Oh, Cassie — ele respirou contra meus lábios. Ele pairou sobre

mim, apoiando o peso nos cotovelos, os antebraços de cada lado da

minha cabeça. Ele se inclinou, dando um beijo na minha têmpora. Então

ele riu baixinho, o som tão feliz e cheio de alívio que partiu meu

coração. — Eu nunca poderei negar o que você quiser.

Quando imaginei isso acontecendo, sozinho em meu quarto,

imaginei Frederick como um amante quieto e hesitante, tão educado e

refinado com o sexo quanto era na vida cotidiana. Mas não havia nada

quieto ou hesitante nele agora. Agora que eu estava deitada embaixo

dele, em sua luxuosa cama de dossel, sua paixão era uma represa

estourando, como se até aquele momento ele estivesse segurando voltar


apenas com esforço extremo. Seus beijos implacáveis me deixaram sem

fôlego e cambaleando – e eu acolhi isso, meus braços o envolveram

enquanto ele me beijava, tentando puxá-lo ainda mais para perto.

— Cassie. — Dessa vez meu nome em seus lábios foi um apelo. Ele

não precisava de oxigênio, mas respirava forte e rápido contra meu

pescoço, como se tivesse corrido um quilômetro. Talvez fosse a memória

muscular do homem que ele uma vez chutou, agora que estávamos aqui.

Seu corpo estava quase inteiramente em cima de mim agora, um peso

bem-vindo me pressionando contra o colchão. A sensação de sua

respiração na minha pele sensibilizada me fez estremecer.

Eu me contorci embaixo dele, ansiosa para senti-lo em todos os

lugares.

— Posso te tocar? — ele perguntou em um sussurro rouco, sem

levantar a cabeça de onde ela descansava na curva do meu pescoço.

Balancei a cabeça, sentindo que poderia explodir de ansiedade.

Sua mão deslizou pela frente da minha camisa até encontrar meu

seio. Arqueei-me com seu toque e ele apertou – suavemente no início, e

depois, quando viu o que seu toque estava fazendo comigo, com uma

pressão mais firme. Meus seios eram de um tamanho respeitável, mas

cabiam fácil e inteiramente em sua grande palma. Minhas narinas

dilataram, minha respiração ficou quente e rápida enquanto a sensação

percorria através de mim.

— Frederick — murmurei, com a intenção apenas de encorajá-lo a

continuar. O som de seu nome deve ter feito algo com ele porque ele

rosnou em resposta. Todos os seus formidáveis poderes de fala pareciam

ter desaparecido quando sua mão livre desceu e segurou meu outro seio.

Ele esfregou rudemente meus mamilos através da camisa e do sutiã até

que eles se transformaram em pequenos botões duros e sensibilizados

contra as palmas das mãos, e então ele continuou indo, e indo, e indo,

até que eu não era nada além de pura sensação.

— Oh — eu disse, incapaz de articular uma fala. O edredom de

veludo macio debaixo de mim serviu como um delicioso contraste com

as pontas afiadas de prazer que corriam pela minha corrente sanguínea,


o plácido e até mesmo o tique-taque do relógio de pêndulo no corredor,

um acompanhamento nítido para minhas respirações rápidas e

irregulares. Frederick arrancou minha camisa e meu sutiã com

impaciência, jogando-os no chão como se eles tivessem se tornado um

obstáculo. Seu gemido baixo e desesperado quando viu meu peito nu

aumentou o desejo na boca do meu estômago a alturas quase

insuportáveis.

— Eu quero provar você — ele murmurou, levantando a cabeça.

Suas pupilas estavam cheias de desejo enquanto ele continuava a mexer

em meus mamilos rosados e tensos. — Em todos os lugares.

Meu gemido incoerente era aparentemente tudo que ele precisava

como consentimento. Ele empurrou minha saia até a cintura e então,

com movimentos dolorosamente lentos e cuidadosos, deslizou minha

calcinha pelas minhas pernas. De repente, eu estava seminua e

esparramada diante dele, exposta e vulnerável. Seus olhos escureceram

ainda mais enquanto ele me olhava, seus olhos percorrendo minha pele

nua com tanto calor e avidez que eu podia sentir seu olhar.

— Imaginei esse momento com mais frequência do que é

estritamente decente. — Sua voz era baixa e mortalmente urgente, seus

dedos traçando padrões invisíveis ao longo da parte interna da minha

coxa. Seu toque era proposital, aproximando-se de onde eu o queria a

cada passada, mas seus movimentos eram enlouquecedoramente lentos.

E eu estava cansado de esperar.

— Frederick — eu insisti, me contorcendo na cama para estimulá-lo.

— Por favor.

Mas ele parecia determinado a não ter pressa.

— Eu me toquei no meu quarto, pensando em você, assim — ele

confessou contra a pele sensível atrás do meu joelho direito. — Eu até

fui para a sua cama em meus sonhos. — Sua mão deslizou cada vez

mais alto, até chegar ao meu centro dolorido. Ele me segurou

suavemente, com reverência. Quase me arqueei para fora da cama com

uma necessidade desesperada.

— Frederick...
— Posso te contar o que faço com você em meus sonhos?

Finalmente, finalmente, ele separou minhas dobras encharcadas com

um dedo grosso. Minha cabeça caiu para trás no travesseiro enquanto ele

circulava suavemente o lugar onde cada terminação nervosa do meu

corpo estava centralizada. Meu queixo caiu quando estrelas explodiram

atrás de minhas pálpebras fechadas, meu corpo tenso como a corda de

um arco.

— Oh — Eu estava ofegante agora, qualquer orgulho ou dignidade

que eu pudesse ter já havia desaparecido há muito tempo. Eu precisava

que ele me tocasse. Agora. — Por favor.

Frederick riu um pouco enquanto o colchão ao pé da cama se mexia

sob seu peso. Quase pude ouvir seu sorriso satisfeito quando ele disse:

— Talvez eu apenas mostre a você.

Ele deslizou suas mãos grandes pelo meu corpo até chegar aos meus

quadris. Ele os deixou lá, agarrando minha carne, abrindo-me enquanto

seus olhos se deliciavam com minha carne nua. Estremeci com o quão

vulnerável essa posição me deixou. O desejo aberto e acalorado que vi

nos olhos de Frederick era quase insuportável.

— Você… — ele murmurou contra a parte interna da minha coxa, as

narinas dilatadas enquanto ele me inspirava — é magnífica além da

minha imaginação mais louca.

Eu já tinha feito isso algumas vezes antes. Principalmente com meu

namorado da faculdade, alguém que via o sexo oral como uma obrigação

a ser dispensada o mais rápido possível antes que pudesse passar para

atividades mais prazerosas.

Mas no momento em que Frederick enterrou o rosto entre minhas

pernas, ficou claro que não havia nada no mundo que ele preferisse fazer

do que isso. Ele provou e lambeu, me respirando enquanto tomava seu

tempo doce e deliberado. Meus dedos encontraram apoio em seus

ombros, e eu me agarrei a eles com força enquanto ele me provocava, a

lã do suéter que ele ainda usava deliciosamente suave contra minhas

pernas nuas.
Minha cabeça caiu novamente contra o travesseiro e eu continuei me

contorcendo no colchão, empurrando-se em direção à boca em busca de

maior atrito, precisando de mais. Mas ele não seria apressado. Suas

mãos agarraram meus quadris com mais força enquanto meu corpo

tentava se mover contra ele, mantendo-me presa ao colchão, indefesa, no

lugar exato em que ele me queria. Eu choraminguei em uma agonia

deliciosa enquanto ele traçava o formato do meu clitóris com a língua

dolorosamente macia, dançando em torno do contato direto pelo qual

meu corpo estava gritando. Eu podia sentir o quão molhada eu estava

ficando, podia ouvir os sons agudos que eu estava fazendo, como se

estivessem à distância. Mas ele não se deixou levar pelo meu desespero

enquanto beijava, lambia e provava.

— Frederick — Enrosquei meus dedos em seu cabelo macio e puxei,

gemendo. Eu estava ficando em pedaços. Eu estava louco de

necessidade. — Por favor.

A meu pedido, algo deve ter quebrado dentro dele. Ele gemeu, longo

e alto, as reverberações enviando faíscas de sensações subindo pela

minha espinha...

E então, finalmente, sua língua estava bem ali, me lambendo até

perder os sentidos enquanto seus lábios se fechavam em torno do meu

clitóris. Ele chupou suavemente, depois com maior pressão, e o quarto, a

cama abaixo de nós, caiu. O mundo desabou em uma alfinetada, nada

mais existindo fora de Frederick e do prazer requintado e culminante.

— Oh, Deus — eu gemi, resistindo contra sua boca. Eu estava fora

de mim, fora da razão. — Por favor…

Meu orgasmo veio sobre mim como uma onda devastadora e

consumidora, meus dedos dos pés se curvaram com o prazer de derreter

a espinha. Ao longe, pude sentir Frederick se mexendo na cama,

beijando meu corpo, sussurrando elogios para minhas pernas nuas,

minha barriga, meus seios.

Depois do que podem ter sido alguns segundos ou trinta minutos, ele

se esticou ao meu lado na cama, com um sorriso torto e de auto-

satisfação nos lábios.


— Eu quero fazer isso com você todos os dias enquanto você me

deixar — ele murmurou no topo da minha cabeça.

Eu ri, sentindo-me totalmente exausta e mais leve que o ar.

Rolei e enterrei meu rosto em seu peito.

— Estou tão feliz que você mudou de ideia.

Ele riu e passou os braços em volta de mim, me puxando para perto.

— Eu também.

acordei assustada algum tempo depois, sem perceber


que havia cochilado. Frederick estava caminhando em minha direção

com um copo d'água e um pequeno sorriso nos lábios.

Ele sentou ao meu lado em sua cama.

— Aqui — disse ele, oferecendo-me o copo. — Caso você esteja

com sede.

Eu estava.

— Obrigada — Peguei a água dele, tomando um gole antes de

colocá-la na mesinha de cabeceira. — Quanto tempo eu dormi?

— Não muito. Talvez quinze minutos.

Me mexi um pouco debaixo do edredom. A última coisa que me

lembrei antes de adormecer foi usar seu peito como travesseiro, seus

braços em volta de mim. Ele deve ter me coberto com o edredom

quando saiu do quarto.

A ternura me inundou. Estendi a mão e segurei seu rosto em minha

mão. Ele suspirou, sua barba áspera contra a palma da minha mão

enquanto se inclinava para o meu toque.

Só então percebi que seu jeans estava cheio do que devia ser uma

ereção extremamente desconfortável e enorme.

Dado o recente relato dele sobre seu envolvimento com frutas, fui

tentado a fazer uma piada extremamente inadequada do tipo "Isso é uma

banana conjurada no seu bolso?". Mas eu não fiz. Porque, em primeiro

lugar, ele acabara de me proporcionar um dos orgasmos mais


incrivelmente intensos da minha vida, e provocá-lo parecia uma forma

cruel de retribuição. Por outro lado, eu sabia muito bem que o problema

das calças dele se devia inteiramente ao fato de que, sim, ele estava feliz

em me ver.

Passei minha mão lentamente por seu peito, sem parar até chegar ao

cós de sua calça jeans. Os músculos de seu estômago ondularam,

ficando tensos e flexionados sob minha palma.

— Cassie — ele disse, com voz rouca, rapidamente cobrindo minha

mão com a sua para me impedir. — Espere.

Sentando-me, dei um beijo em cada canto de sua boca. Ele

estremeceu e deixou a cabeça cair sobre meu ombro.

— O que é?

— Eu nunca fiz... o resto disso antes sem… — Ele fechou os olhos,

incapaz ou sem vontade de olhar para mim para saber o que estava

prestes a dizer. — Sem sangue envolvido.

Meu coração pulou, tipo, cinco batidas.

— Oh.

— De fato. — Ele levantou a cabeça e encontrou meu olhar. — Já se

passaram mais de cem anos desde que tive intimidade com alguém.

Estou sem prática e quero tanto você. Se você me tocar, se nós...

continuarmos com isso, não sei se terei autocontrole para ficar sem isso

quando estiver... perto do fim. — Ele caiu de costas nos travesseiros e

soltou um suspiro angustiado. — Não sei se posso fazer isso sem

machucar você.

Deste ponto de vista eu podia agora ver facilmente o contorno de seu

pênis, totalmente ereto e esticado com força contra a frente de sua calça

jeans. Eu queria tanto tirar aquele jeans e dar uma boa olhada nele que

eu pudesse sentir o gosto. Eu tinha certeza de que ele poderia fazer isso

sem me machucar. Se ele fosse perder o controle e dar uma mordida

quando não deveria, isso já teria acontecido há muito tempo.

De repente, tive uma ideia.

— Eu sei o que posso fazer para ajudá-lo a manter o controle.

Ele abriu um olho e olhou para mim.


— O que?

Sem palavras, comecei a desabotoar o botão da sua calça jeans. Suas

mãos apertaram as minhas como um torno.

— Cassie, espere…

— Shhh — murmurei, desejando que seu pânico diminuísse e

afastando suas mãos. Cheguei lá dentro e agarrei-o, deleitando-me com

a maneira como sua respiração ficou presa e sua cabeça caiu para trás no

travesseiro.

Meu batimento cardíaco acelerou. Ele era grande – o que, sim, eu já

tinha previsto. Mas uma coisa era ver o contorno e o formato geral do

pau de um cara quando ele ainda estava vestindo roupas – e outra

totalmente diferente quando você o tinha em mãos.

— O que você está fazendo? — Sua voz era baixa, seus olhos

escuros atordoados e incrédulos.

Ele estava tão lindo e vulnerável naquele momento. Eu queria fazê-lo

se sentir tão bem quanto ele acabou de me fazer sentir.

— Isso — eu disse, antes de me inclinar e colocá-lo em minha boca.

Eu meio que esperava que ele protestasse novamente, mas ele não o

fez. Ele caiu de costas contra os travesseiros com um gemido áspero, as

mãos fechadas em punhos e pressionadas contra os olhos.

Se ele estava preocupado em perder o controle e me morder quando

estivesse dentro de mim, que melhor maneira de diminuir um pouco as

coisas do que dar-lhe um orgasmo de tirar o fôlego antes de fazermos

isso? Um boquete antes do jogo geralmente ajudava os caras com quem

estive no passado a durar mais. E, tudo bem, Frederick não era como os

outros caras, mas neste departamento eu estava disposto a apostar que

ele não era tão diferente de ninguém.

Por instinto, levei-o mais fundo em minha boca, apreciando a

combinação inebriante de sal e almíscar e Frederick em minha língua.

Os sons impotentes e de prazer que ele fez enquanto eu trabalhava nele

me estimularam, encorajando-me a levá-lo mais fundo. Segurá-lo com

mais força.
Quando olhei para seu rosto, seu queixo estava caído e seus olhos

estavam vidrados de prazer. Ele encontrou meu olhar com uma

reverência e um desespero que me deixou ansiosa para tê-lo dentro de

mim, e logo.

— Isso... está tudo bem? — ele murmurou. Ele segurou meu rosto

com mãos instáveis, os olhos segurando os meus enquanto acariciava

suavemente meu rosto com os polegares.

Deus, ele era lindo.

Como resposta, passei a mão pelo corpo dele e apertei sua bunda.

Ele deu um gemido desumano que eu senti mais do que ouvi quando

qualquer controle frágil que ele ainda tinha sobre seu autocontrole

quebrou e caiu. Uma grande mão encontrou o caminho até o topo da

minha cabeça, empurrando-me um pouco para baixo enquanto seus

quadris começavam a se mover para cima em um movimento rítmico

sob mim. Era intenso, era rápido – e era glorioso. Se os sons

ininteligíveis que ele estava fazendo e a maneira como sua cabeça se

agitava para frente e para trás no travesseiro fossem algum indicativo,

Frederick estava incapacitado pelo prazer de eu o levar o mais

profundamente possível.

— Oh, porra — ele gemeu. Suas duas mãos estavam na minha

cabeça agora, guiando meus movimentos enquanto ele tremia e lutava

pelo controle. E por liberação. Suas estocadas já estavam se tornando

mais erráticas e ganhando velocidade. Minhas mãos estavam ficando

escorregadias com minha saliva e suas próprias secreções. — Cassie, oh

Deus, Cassie, eu não posso, eu... Não posso terminar sem…

Ele se interrompeu, tapando a boca com a mão para não dizer mais

nada. Olhei para seu rosto enquanto nos movíamos em conjunto, seus

olhos bem fechados, seu peito arfando.

Ele disse que nunca tinha feito isso antes sem sangue envolvido.

Seria possível que ele realmente precisasse de sangue para isso?

Se sim, por quanto tempo ele estava planejando se privar – para me

deixar levá-lo ao limite assim – sem pedir o que precisava para se

libertar?
Por instinto, deslizei a mão até seu peito e coloquei meu dedo

indicador entre seus lábios. Seu corpo estremeceu embaixo de mim.

Seus olhos desceram para os meus. Por mais desesperado que estivesse,

Frederick ainda mantinha inteligência suficiente para saber o que eu

estava oferecendo.

— Cassie — ele respirou, meu nome em seus lábios era uma

pergunta.

Balancei a cabeça, deixando-o saber que sim, eu estava bem com

isso.

Ele emitiu um som que era meio gemido, meio rosnado. Ele mordeu

e...

Não doeu. Na verdade. Eu já havia doado sangue antes e, embora a

ponta do meu dedo tivesse mais terminações nervosas do que meu

antebraço, a mordida não foi ruim.

Frederick lambeu a pequena ferida como se sua vida dependesse

disso, lambendo-me e sugando-me e... era surpreendentemente sexy. Seu

rosto estava contorcido na mesma expressão de êxtase e felicidade que

ele usou quando enterrou o rosto entre minhas pernas naquela noite, e

porra, se eu não poderia ter passado o resto da minha vida olhando para

ele quando ele estava fora de si com prazer assim.

— Cassie — ele gemeu, totalmente arrasado pelo que eu estava

fazendo com ele. Meu dedo escorregou de sua boca; ele avidamente

sugou de volta.

E então ele nos virou com uma velocidade desumana que me deixou

sem fôlego, deixando-me deitada de costas antes que eu percebesse o

que tinha acontecido. Eu já tinha visto indícios de sua força mais que

humana antes, mas havia algo primitivo e selvagem no modo como ele

subiu em cima de mim agora.

Ele se inclinou sobre mim, seu cabelo escuro caindo em seus olhos.

— Por favor — ele disse rouco, sua voz grossa com sua contenção

desgastada. Seus antebraços eram todos músculos tensos e tremendo de

tensão enquanto ele se mantinha perfeitamente imóvel acima de mim.


Meu dedo ainda estava entre seus lábios. Ele parecia que poderia morrer

se eu o retirasse. — Eu quero te sentir.

Balancei a cabeça, entendendo pelo olhar desesperado em seus olhos

o que ele estava me perguntando.

— Por favor — eu sussurrei.

Com um grunhido e um delicioso impulso de quadris, ele entrou

completamente dentro de mim. Eu engasguei, atordoada, a enormidade

dele roubando o fôlego dos meus pulmões. Meu corpo se contraiu e se

abriu involuntariamente, lutando para se ajustar ao seu tamanho

enquanto ele tentava se conter.

Passei meus braços em volta dele e puxei-o para um beijo ardente.

Eu nunca tinha estado com alguém tão grande antes, e a maneira

deliciosa como meu corpo teve que se esticar para acomodá-lo foi

incrível. Ele estava em toda parte, ao mesmo tempo, e eu queria que ele

se movesse, sentisse o glorioso prazer sensual dele deslizando para

dentro e para fora do meu corpo. Eu queria tê-lo em meus braços

enquanto nos movíamos juntos, desmoronando em êxtase enquanto eu o

segurava perto.

Com uma expiração trêmula, ele puxou lentamente e depois

empurrou de volta para mim com tanta força que a cabeceira da cama

bateu contra a parede. Deslizei minhas mãos por suas costas, agarrando

o músculo duro sob as pontas dos dedos enquanto tentava puxá-lo ainda

mais fundo dentro de mim.

— Está tudo bem? — As cordas em seu pescoço se destacaram em

relevo enquanto ele lutava para se segurar.

— Sim.

Ele gemeu, selvagem, seus lábios tão perto da pele excessivamente

sensível do meu pescoço que senti mais do que ouvi. Qualquer que fosse

o fino filamento de restrição ao qual ele estava agarrado, pareceu quebrar

com outro impulso forte de seus quadris. E depois outro. E outro.

— Minha — ele rosnou, a velocidade de suas estocadas aumentando,

sua voz assumindo um timbre profundo e retumbante que eu nunca tinha

ouvido dele antes. Respondi com um gemido incoerente, contorcendo-


me debaixo dele, preso ao colchão por suas mãos fortes e pelo ritmo

implacável de seus quadris.

Ele tinha sido um amante paciente e generoso antes. Agora, ele

estava me usando, meu corpo – meu sangue – para seu próprio prazer. A

constatação de que ele não iria me deixar sair desta cama até que ele

tivesse feito o que queria comigo me emocionou. Um grito desesperado

saiu de sua garganta, quase me enviando direto para outro orgasmo.

— Por favor — implorei sem fôlego, sem nem saber o que estava

implorando. Inclinei meus quadris para cima, combinando com suas

estocadas, sem pensar em minha necessidade desesperada e urgente.

Meus pulmões não conseguiam inspirar ar suficiente. Meu corpo não

conseguia atrito suficiente. Não havia nada no mundo além de sua

respiração em meu ouvido, as estocadas incansáveis de seu corpo no

meu e o orgasmo cintilante que ele estava prestes a me dar, que ainda

permanecia frustrantemente fora de alcance.

— Frederick…

— Eu... quero… sentir... você... — ele rangeu os dentes. Eu não era

nada além de uma sensação estúpida. — Cassie, goze para mim.

Quando gozei, Frederick rapidamente colocou outro dedo entre os

lábios, mordendo e depois chupando desesperadamente. Eu ainda estava

no auge do prazer quando seus quadris bateram em mim uma última

vez, meu sangue em sua língua, meu nome caindo febrilmente de seus

lábios. Todo o seu corpo ficou rígido acima de mim, as costas

arqueadas, as mãos apertando os lençóis de cada lado da minha cabeça

com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.

Ficamos em silêncio por um longo momento depois disso, enquanto

deitávamos lado a lado em seu colchão. Minha cabeça pendeu em seu

peito, os gentis desenhos que ele fazia em meu braço com a ponta dos

dedos me deixando sonolenta. Os únicos sons na sala, além do ritmo

constante da nossa respiração, chegavam até nós vindos da rua abaixo.

Os carros buzinaram e as pessoas seguiram em frente, como em

qualquer outra noite de sexta-feira – mesmo quando minha vida mudou

repentina e irrevogavelmente.
DEZESSETE

Onda de arrombamentos no Banco de Sangue


em Chicagoland confunde hospitais locais [da
página 5 do Chicago Tribune de 14 de
novembro]

John Weng, AP – Os administradores de hospitais de Chicago

estão coçando a cabeça por causa de uma onda de recentes

invasões a bancos de sangue entre centros de doação no Near

North Side de Chicago.

“Esperamos que um certo número de doações desapareçam a

cada semana”, disse Jenny McNiven, coordenadora de

voluntários do Hospital Infantil da Michigan Avenue. “Nossas

doações de sangue são em sua maioria realizadas por

voluntários e erros acontecem. Mas o que vimos nas últimas

quarenta e oito horas não pode ser explicado por um simples

erro humano”.

De acordo com McNiven, três centros diferentes sofreram

invasões no fim de semana. Em cada caso, os voluntários

compareceram aos seus turnos da manhã e encontraram portas

de frigoríficos penduradas nas dobradiças e a maior parte do

seu conteúdo removido. Um par de luvas de cetim branco até o

cotovelo deixadas em um dos centros estão sendo analisadas


pela equipe forense do Departamento de Polícia de Chicago em

busca de pistas.

“Não sei por que alguém faria algo assim”, disse McNiven.

“No que diz respeito às pegadinhas, esta pode ser uma das

piores. Sangue salva vidas”.

frederick – e seu peito nu – estavam me esperando na


sala quando saí cambaleando de seu quarto na madrugada do dia

seguinte. Ele estava no sofá, folheando um jornal com uma leve carranca

no rosto.

— Bom dia.

Ao som da minha voz, ele ergueu os olhos e colocou o jornal de

lado.

— Bom dia. — Ele sorriu para mim, um pouco tímido – o que era

um pouco ridículo, considerando como havíamos passado boa parte da

noite anterior. Fiquei um pouco surpresa ao ver como ele parecia

penteado e arrumado, já que eu poderia dizer, mesmo sem olhar no

espelho, que estava com o cabelo mais ridículo da história do mundo.

Então me lembrei que ele saiu do quarto com um pedido de

desculpas pouco depois da meia-noite e não dormiu ao meu lado.

— Que horas são? — Perguntei. — Preciso estar no trabalho às oito

e meia.

— Pouco depois das seis. — Ele se levantou e caminhou até mim,

colocando as mãos em cada lado da minha cintura. Ou, mais

precisamente, em ambos os lados da vizinhança da minha cintura. Eu

estava enrolada do peito aos pés em um de seus lençóis macios de cetim

vermelho. A precisão anatômica foi difícil. — Meu lençol combina com

você.

Eu bufei.

— Eu não me vesti de novo ontem à noite depois... bem. — Eu parei,

corando. — Me enrolar neste lençol foi mais fácil do que descobrir onde

você jogou minha calcinha.

Ele cantarolou e deu um beijo na minha bochecha.


— Você parece divina.

— Não pareço não.

— Espero que você nunca use mais nada.

Ele me beijou então, casto e terno. Coloquei minhas mãos em seu

peito e me inclinei, apreciando o toque suave de seus lábios contra os

meus.

— Estou surpresa que você não esteja vestido — pensei. — Não é

como se você estivesse dormindo todo esse tempo.

As pontas dos meus dedos traçaram o contorno de uma cicatriz

irregular e proeminente logo abaixo do mamilo direito. Eu queria

perguntar a ele como ele conseguiu isso. Se aconteceu enquanto ele

ainda era humano, ou depois. Mas agora não era o momento.

— Daqui para frente pretendo passar o maior tempo possível sem

camisa.

Soltei uma risada surpresa.

— O que?

— Você gosta quando eu não uso camisa — disse ele, com tanta

naturalidade como se estivesse me dizendo que a previsão era de chuva.

— Você gosta muito, na verdade. Gosto de fazer coisas que te agradam.

Eu não tentei exatamente esconder o quanto eu estava dentro do

corpo dele, mas a maneira como ele expressou isso me fez pensar em

algo.

— Você percebe que gosto quando você não usa camisa? — Corri

minha mão por seu peito fabuloso para garantir. — Além de

simplesmente dizer que você tem um corpo ótimo, quero dizer.

Ele sorriu, tímido.

— Seu cheiro muda sutilmente, mas, inconfundivelmente, quando

você está excitada.

Meus olhos se arregalaram de surpresa. Essa foi uma novidade.

— Sim?

Ele assentiu.

— Até ontem à noite eu disse a mim mesmo que estava enganado,

que era simplesmente uma ilusão da minha parte. — Seu sorriso se


tornou diabólico quando ele se inclinou e pressionou os lábios na minha

orelha. — Mas agora sei que estava certo.

Pensei na maneira como ele quase me respirou ontem à noite e

estremeci, arrepios irrompendo em meus braços. Deveria ter me

estranhado a ideia de que meu cheiro mudava quando eu estava excitado

e que Frederick podia sentir isso. Mas por alguma razão – talvez porque

fosse Frederick quem estava me contando isso – isso não aconteceu.

Suas mãos começaram a trabalhar sob o lugar onde eu prendi o

lençol em volta do meu corpo.

— Eu quero estar dentro de você de novo, Cassie — ele sussurrou

em meu ouvido. Ele me puxou para mais perto, até que eu pudesse sentir

cada centímetro de sua necessidade se projetando com força e urgência

contra meu estômago. — A noite passada foi gloriosa, além de qualquer

coisa que eu poderia ter imaginado. Mas eu quero mais.

Estremeci, jogando meus braços ao redor dele e enterrando meu

rosto em seu ombro.

Gritei mentalmente com Marcie por me inscrever no turno da manhã

de sábado.

— Eu também quero isso — eu disse. — Mas, infelizmente, tenho

que ir trabalhar.

Frederick gemeu e se afastou de mim. Meu corpo estava gritando

com Marcie agora também.

— Tudo bem — disse ele, laconicamente. — Espero, no entanto, que

você não tenha aversão a continuar de onde paramos quando voltar para

casa.

Então eu o beijei. Porque não, eu não tinha nada de aversão a isso.

flutuei mais do que entrei na biblioteca para o meu


turno.

Quando cheguei lá, sentei-me no balcão de circulação da seção

infantil e comecei a guardar minha bolsa e entrar na área de trabalho


comunitária da estação. Mas minha mente estava a quilômetros de

distância, no apartamento.

O sol havia nascido há cerca de uma hora. Frederick provavelmente

estava se preparando para dormir. Esta manhã era mais um dia de arte e

eu precisava preparar aquarelas, telas e revestimentos plásticos para

pisos. As crianças já haviam começado a comparecer ao evento,

perambulando pelas vitrines de livros com os pais até que estivéssemos

prontos para começar.

Embora os dias de arte geralmente fossem um ponto alto para mim,

agora eu desejava estar de volta em casa, abraçada e dormindo ao lado

de Frederick.

— Bom dia. — Marcie estava prendendo o cabelo em um rabo de

cavalo, remexendo em busca de suprimentos no armário atrás do balcão

de circulação enquanto me cumprimentava.

— Dia. — Olhei para o plano para esta manhã que eu tinha feito

alguns dias atrás, feliz por Marcie ter impresso e colocado na frente do

computador. — O que você acha da minha ideia?

— Pinte O Cenário Do Seu Livro Favorito?

— Sim.

Marcie sorriu para mim.

— Eu acho ótimo.

Meu peito aqueceu.

— Fico feliz em ouvir isso. Estou muito orgulhosa disso.

— Você deveria estar — Marcie disse. Corei um pouco com o

elogio, então peguei um prendedor de rabo de cavalo da minha própria

bolsa e prendi o máximo que pude do meu cabelo ainda muito curto em

um nó bagunçado no topo da minha cabeça. — Já fizemos personagens

de livros antes e princesas da Disney, mas não cenários.

— Tantos livros infantis acontecem em locais incríveis — eu disse.

Agachei-me e comecei a procurar embaixo da mesa, tentando descobrir

onde havia escondido a caixa de pincéis e lápis de cor. — Espero que as

crianças se divirtam muito com isso.


Não tive que esperar muito para obter a confirmação de que o evento

foi um grande sucesso.

— Senhorita Greenberg? Tudo bem se eu adicionar um dragão ao

meu castelo?

Afastei-me de uma garotinha que eu estava ajudando e que estava

pintando uma imagem vibrante do sol. Ela escolheu um tom de roxo

quase neon para os raios do sol. De todos os projetos em que as crianças

estavam trabalhando, era facilmente o meu favorito.

— Claro que está tudo bem — eu disse ao garotinho que fez a

pergunta, que já havia se apresentado como Zach. — Por que não

estaria?

Zach deu de ombros.

— As instruções eram para pintar o cenário do nosso livro favorito

— disse ele. — Eu já fiz o castelo e pensei que pintar um personagem

também seria quebrar as regras.

Eu me agachei para ficar no nível dos olhos de Zach. Sua tela estava

coberta de redemoinhos disformes de tons marrons e verdes. Não se

parecia com nenhum castelo que eu já tivesse visto – mas, novamente,

eu nunca tinha visto um castelo pessoalmente, então quem era eu para

julgar? Talvez em seu livro favorito, ou em sua imaginação – ou ambos –

os castelos fossem exatamente assim.

— Acho que um dragão ficaria ótimo aqui — eu disse, apontando

para o único canto da tela que não estava coberto com aquarela.

— Mas Fluffy é o personagem principal do livro, não um cenário —

destacou Zach. Seu tom era tão sério como se ele estivesse dando uma

palestra sobre o estado atual da política americana, o que – visto que ele

tinha seis anos de idade – foi tão adorável que quase comecei a rir.

Mordi o interior da bochecha para evitar que isso acontecesse e fingi

estudar a tela.

— Entendo o que você quer dizer — eu disse. — Mas você sabe, a

única regra real na arte é fazer algo que você goste.

Suas sobrancelhas subiram em sua pequena testa.

— Nenhuma outra regra?


— Nenhuma — eu confirmei. — Queríamos que as crianças

pintassem os cenários de seus livros favoritos hoje, mas se você quiser

adicionar o Fluffy, vá em frente. Na verdade — acrescentei —, não

consigo imaginar um castelo sem um dragão. Talvez Fluffy realmente

faça parte do cenário do seu livro, e não apenas um personagem.

Zach mordeu o lábio inferior enquanto considerava minhas palavras.

— Isso faz sentido.

— Eu concordo — eu disse. — No final das contas, porém, esta é a

sua pintura. Faça algo que você ama.

E com isso, Zach mergulhou o pincel no pote de aquarela laranja à

sua frente, pintou um redemoinho gigante no único canto livre da tela e

sorriu.

quando voltei para o apartamento já era quase pôr do


sol. Subi as escadas de dois em dois degraus, sorrindo ao me imaginar

jogando nos braços de Frederick e continuando de onde havíamos

parado esta manhã.

Quando cheguei ao patamar do terceiro andar, porém, sabia que algo

estava muito errado.

Por um lado, Frederick estava gritando de dentro do apartamento.

— Como você ousa vir à minha casa sem avisar e se comportar dessa

maneira!

Por outro lado, uma mulher cuja voz não reconheci também gritava.

— Você se atreve a me perguntar como eu ouso? — a mulher

zombou, o clique agudo de seus saltos ecoando tão alto no chão de

madeira que eu podia facilmente ouvir seus passos de onde eu estava. —

Eu teria pensado que suas maneiras eram melhores do que isso,

Frederick John Fitzwilliam!

Hesitei na porta, sem saber o que fazer. A única outra pessoa que

esteve em nosso apartamento durante todo o tempo em que morei lá foi

Reginald – outro vampiro. E isso terminou em desastre.


Pelo que parecia, outro desastre estava se formando ali agora. Mas o

que devo fazer? Esse argumento, por mais amargo que parecesse, não

tinha nada a ver comigo. Mesmo ouvindo inadvertidamente o que eu

tinha até agora, parecia uma intrusão.

— Cassie estará em casa em breve — disse Frederick. — Peço que

você saia antes que ela volte para casa. Não desejo mais discutir esse

assunto com você.

— Não — disse a mulher categoricamente. — Pretendo conhecer

essa garota humana de quem você gostou tanto.

Frederick soltou uma risada sem humor.

— Apenas por cima do meu cadáver.

— Isso é bastante fácil de arranjar.

— Edwina.

— Não há necessidade de ser rude comigo, Frederick. — A mulher

começou a andar de novo, os saltos batendo tão alto no chão de madeira

que parecia que ela estava determinada a abrir um buraco até o

apartamento do segundo andar. — Se eu não conseguir fazer você ver a

razão, talvez essa Cassie Greenberg seja mais maleável.

Ao som do meu nome, meu coração trovejou tão alto em meus

ouvidos que abafou o resto do que Frederick e a mulher que gritava com

ele estavam dizendo. Acho que esse argumento me preocupou, afinal.

Talvez eu devesse intervir.

Antes que eu pudesse me convencer do contrário, abri a porta da

frente do apartamento.

A mulher na sala de estar aparentava ter aproximadamente a idade

dos meus pais, com pés de galinha nos cantos dos olhos e cabelos

grisalhos nas têmporas. No entanto, qualquer semelhança entre a mulher

que atualmente me encarava com olhares gélidos, a Ben e Rae

Greenberg, se encerrava por aí. Seu vestido era todo preto de seda e

crepe com mangas bufantes de veludo, feito em uma mistura vagamente

histórica de um estilo que teria ficado em casa no set de Bridgerton.

A maquiagem dos olhos, porém, foi o que realmente chamou minha

atenção. A última vez que vi uma pintura facial tão dramática foi no
ensino médio, quando o irmão mais velho de Sam nos arrastou para ver

uma banda cover do KISS em uma noite em que seus pais estavam fora

da cidade. Ela se destacava em um contraste tão nítido com sua palidez

geral que meus olhos doíam ao olhar para ela.

— É ela? — A mulher apontou um dedo acusador com uma unha

vermelha brilhante perfeitamente cuidada em minha direção. Mas os

olhos dela permaneceram fixos em Frederick. — A meretriz pela qual

você jogou tudo fora?

— Meretriz? — Eu não pude acreditar no que ouvi. Quem falava

assim? — Com licença, mas quem é você?

— Esta — disse Frederick, sibilando a palavra — é a Sra. Edwina

Fitzwilliam. — Uma pausa. — Minha mãe.

O tempo pareceu parar. Fechei os olhos, tentando entender o que

Frederick acabara de dizer e a situação ridícula em que eu parecia estar

agora.

Sua mãe?

Mas como isso era possível?

Sua mãe não deveria estar morta há centenas de anos?

Então a Sra. Edwina Fitzwilliam me mostrou um conjunto de presas

afiadas e pontiagudas, e tudo se encaixou no lugar.

— Você também é uma vampira — eu respirei, me sentindo tonta e

com os joelhos fracos.

— Claro que sou uma vampira — disse a mãe de Frederick, antes de

passear pela sala como se fosse dona do lugar. Que, eu percebi com um

sobressalto, pode ser verdade. Eu não sabia nada sobre as finanças de

Frederick – ou realmente muito sobre ele.

Isso nunca esteve tão claro para mim como naquele momento.

— Não vou voltar para Nova York com você, mãe. Esse nunca foi

meu plano. — Seus olhos se voltaram para os meus, cheios de culpa. —

Cassie não tem nada a ver com isso. Deixe-a fora disso.

A Sra. Edwina Fitzwilliam acenou para mim com desdém.

— Tudo bem. Nesse aspecto, pelo menos farei o que você diz. Na

verdade, por respeito a você, nem vou comê-la.


— Mãe–

— Não há necessidade de voltar para Nova York comigo —

interrompeu sua mãe. — Os Jamesons chegarão a Chicago amanhã à

noite. Você falará com eles aqui. — Eu não tinha ideia de quem eram os

Jamesons, mas Frederick claramente tinha. Ao ouvir as palavras dela, ele

deu um pequeno e involuntário passo para trás. Ele parecia atordoado,

como se ela tivesse acabado de lhe dar um tapa.

— Eu teria pensado que, ao devolver os presentes de Esmeralda, ela

e seus pais teriam inferido minha falta de intenção de me casar com ela.

— Ele fez uma pausa. — A última vez que escrevi, disse a Esmeralda,

em termos inequívocos, que não iria levar isso adiante.

Ainda bem que eu estava perto do sofá. Se eu não estivesse, minhas

pernas cedendo ao ouvir as palavras casar com ela teria resultado na

minha queda no chão – e teria sido muito mais desconfortável.

— A mensagem foi recebida, meu querido. — A mãe de Frederick

olhou para ele. — Você não poderia ter sido mais claro em sua intenção

se a tivesse anunciado em um jantar cheio de convidados.

— Então por que eles estão vindo aqui?

— Porque os Jamesons interpretam suas ações, como eu, como um

sinal claro de que você não estava em seu juízo perfeito desde que

despertou. Eles concordam comigo que este assunto não pode ser

deixado por correspondência e que uma reunião pessoal é necessária.

— Estou tão são de espírito agora como sempre estive. — Frederick

cruzou os braços sobre o peito largo, adotando o que provavelmente

entendia como uma postura assertiva. O efeito foi prejudicado pelo fato

de ele estar usando calças de pijama com Caco, o Sapo, que eu

definitivamente não comprei para ele na Nordstrom. Mas isso não

importava. Ele ainda estava gostoso.

A Sra. Edwina Fitzwilliam, porém, não pareceu impressionada.

— Vou deixar que você explique isso diretamente aos seus sogros.

Você e eu nos encontraremos com eles em seus quartos no Ritz-Carlton

amanhã à noite, às sete, para discutir suas iminentes núpcias. — A Sra.


Fitzwilliam cheirou o ar e se encolheu. — Uma garota humana,

Frederick. Honestamente.

Com isso, a mãe de Frederick fez uma reverência teatral para nós

dois e saiu pela porta da frente.

Um silêncio ensurdecedor encheu a sala. Olhei para Frederick,

desejando que ele dissesse alguma coisa – qualquer coisa – que

transformasse o caos dos últimos minutos em algo que tivesse alguma

semelhança com o bom senso.

Depois do que poderiam ter sido dezoito anos, ele pigarreou.

— Há mais coisas que não lhe contei. — Ele teve a decência de

parecer envergonhado.

— Você jura? — Ele se encolheu com meu tom hostil, mas eu não

me importei. Ele me prometeu que nunca mais esconderia informações

importantes de mim. — Frederick, o que mais há que eu não saiba?

Ele suspirou e passou a mão pelos cabelos.

— Bastante. — Ele engoliu em seco. — Você quer ouvir ou já

terminou comigo?

— Diga-me uma coisa primeiro — eu disse, levantando uma mão. —

É verdade que você disse a essa Esmeralda que não se casaria com ela?

— Sim — disse Frederick, sinceramente. — Em termos inequívocos

e repetidamente. Essa coisa toda... tudo isso… — Ele parou e passou a

mão agitada pelo cabelo. — Nada disso deveria estar acontecendo.

Ele parecia absolutamente atormentado.

— Tudo bem — eu disse. — Eu vou ouvir.

Ele pegou minha mão, os olhos hesitantes.

— Sente-se comigo?

Balancei a cabeça e me preparei para o resto da história.

ele se sentou ao meu lado no sofá da sala, com as


mãos cuidadosamente cruzadas no colo.
Há apenas dez minutos eu planejei levá-lo para a cama para

continuar de onde paramos esta manhã. Mas tudo isso teria que esperar.

Neste momento, sua necessidade de ser completamente aberto e honesto

comigo estava estampada em seu rosto.

E eu precisava ouvir o que ele tinha a dizer.

— Em certos segmentos da sociedade vampírica — ele começou,

com os olhos voltados para o chão — o casamento arranjado ainda é

uma coisa. Quando deixei a Inglaterra para me mudar para a América, e

especialmente quando deixei o local onde meu povo se estabeleceu em

Nova York e vim para Chicago, pensei ter deixado aquela bobagem para

trás. — Ele engoliu em seco, o pomo de adão balançando em sua

garganta. — Minha mãe claramente tem outras ideias.

Eu esperava que ele elaborasse. Quando vários longos momentos se

passaram, e ele não o fez, perguntei:

— Quem é a Srta. Jameson?

— Alguém que mal conheço. — Sua voz era baixa e tímida. —

Nós... tivemos um caso, uma vez. Quase duzentos anos atrás. — Ele fez

uma pausa. — E agora, aparentemente, estamos noivos e prestes a nos

casar.

Meu coração bateu um pouco no peito quando uma pontada

irracional de ciúme me apunhalou. Minha reação foi irracional, é claro.

Esperar que alguém seja celibatário durante séculos seria injusto. O que

quer que tenha acontecido entre ele e essa senhorita Jameson, mais de

um século antes de eu nascer, não teve nada a ver comigo.

Ainda doeu, no entanto.

— Oh.

Ele se virou para mim, seus olhos tristes.

— Nem sempre vivi como vivo agora, Cassie. Na minha juventude,

eu comia como outros da minha espécie e fodia qualquer um com duas

pernas. Homens, mulheres, humanos… tudo. — Ele desviou o olhar. —

Houve uma festa em Paris durante o período da Regência onde a

senhorita Jameson e eu...


— Entendi — eu disse rapidamente, interrompendo-o. Coloquei

minha mão na dele. — Não preciso de todos os detalhes.

— Bom. Porque não estou com condições de compartilhá-los. — Ele

fechou os olhos. — Eu não sou a pessoa que era no início do século

XIX, Cassie. Faz muito tempo que não sou essa pessoa.

Eu tinha tantas perguntas que queria perguntar a ele sobre como ele

se tornou a pessoa que é hoje. Mas havia outras coisas que eu queria

saber primeiro.

— Há quanto tempo você está noivo dela?

— Aconteceu durante meu coma — disse Frederick severamente. —

Minha mãe nunca aprovou as mudanças que fiz em minha vida quando

decidi viver entre os humanos ao invés de vê-los como um jantar. Ela

pensou que quando eu acordasse, me casar com alguém com valores

mais tradicionais seria uma forma de me trazer de volta ao rebanho.

— Valores tradicionais?

— Sim. — Ele me deu um meio sorriso sem humor. — Beber sangue

humano da fonte, em vez de adquiri-lo em bancos de sangue. Ou, se os

bancos de sangue forem necessários, não deixar nada para trás depois de

invadi-los. — Ele fez uma pausa e depois desviou o olhar. — Assassinar

humanos indiscriminadamente.

Estremeci ao pensar em Frederick vivendo daquela maneira.

— Mas isso não é quem você é.

— Não é — ele disse fervorosamente. — Não mais.

— Mas é quem a Srta. Jameson é — adivinhei. — E a sua mãe.

— Sim.

— E Reginald?

Frederick fez uma pausa, considerando suas palavras.

— Ele está... mudando. Acho que tive uma influência moderadora

sobre ele.

Levantei-me então e fui até a janela com vista para o lago. A

enormidade do que ele estava me contando foi sendo percebida aos

poucos. Eu precisava de espaço para pensar sobre o que tudo isso

significava – para Frederick e para nós.


— Não sei o que dizer — murmurei.

Sua presença sólida estava nas minhas costas um momento depois,

seus braços fortes me envolveram antes que eu tivesse a chance de

protestar. Ele descansou a bochecha no topo da minha cabeça. Respirei

seu cheiro reconfortante, desejando que tudo o que acabara de acontecer

aqui com sua mãe não tivesse sido nada além de um pesadelo.

— Eu não vou me casar com ela — ele murmurou fervorosamente

em meu cabelo. Ele beijou o topo da minha cabeça tão suavemente que

partiu meu coração. Parecia uma promessa. — Eu nunca iria me casar

com ela, nem mesmo antes de conhecer você. Essa é a única razão pela

qual não te contei. Achei que tinha resolvido a situação. Nunca me

passou pela cabeça que minha mãe ou os Jamesons levariam as coisas

tão longe.

Suas garantias ajudaram muito a afrouxar o nó de dor que se instalou

em meu peito. Suspirei, girando no círculo de seus braços até que minha

cabeça descansou em seu peito. Seu domínio sobre mim aumentou.

— Cometi um grave erro de cálculo quando presumi que eles

desistiriam disso — continuou ele. — Agora sei que eles não aceitarão

um não como resposta de longe.

Minha mente captou as palavras de longe. Afastei-me um pouco para

poder olhar para ele.

— Você está planejando contar a eles pessoalmente?

Ele soltou um suspiro.

— Os Jamesons estão me esperando. Minha mãe está aqui e não irá

embora sem mim. Sim, acredito que preciso ir até eles diretamente. É a

única maneira de eles entenderem que estou falando sério sobre ficar

aqui em Chicago e viver minha vida do jeito que escolhi vivê-la. — Ele

engoliu em seco e deu um beijo na minha testa. — Se eu não fizer isso, é

só uma questão de tempo até que todos apareçam na minha porta. E não

vou permitir que isso aconteça. Não enquanto você estiver morando

comigo.

Tentei ignorar o modo como meu estômago afundou como uma

pedra. Eu tive um mau pressentimento sobre isso.


— Então você vai ao Ritz-Carlton amanhã à noite?

Ele assentiu.

— Tem certeza de que é uma boa ideia? — Eu odiava o quão carente

eu parecia. Mas foram vinte e quatro horas loucas. Eu tive um sexo

glorioso com um vampiro e uma altercação não planejada com outro.

Fui rejeitada em uma oportunidade profissional e consegui uma

entrevista de emprego inesperada em outra.

Eu provavelmente precisava me dar uma folga.

— Sim. — Ele escovou uma mecha do meu cabelo que havia caído

nos meus olhos, atrás da minha orelha. Sua mão livre subiu para

embalar meu rosto. — Tudo o que pretendo fazer é ir para o hotel, dizer

aos Jamesons que não vou me casar com Esmeralda, dizer à minha mãe

que ela pode ir para o inferno pelo que me importa, e depois voltar.

— De alguma forma, não acho que será tão fácil. — Eu só passei

alguns minutos na presença de sua mãe, e só sabia que ele estava no

meio de uma situação complicada de noivado da era da Regência

durante a última meia hora. Mesmo assim, vi pelo menos cinco

maneiras diferentes pelas quais isso poderia acabar mal.

— Sim — disse Frederick, com uma confiança que eu absolutamente

não sentia. — Não me lembro bem da senhorita Jameson, mas estamos

no século XXI, não é? Ela não pode querer se casar com alguém que ela

mal conhece, assim como eu.

Ele parecia tão confiante, mas eu não conseguia afastar a sensação de

que esse era um plano terrível.

— Você confia em alguma dessas pessoas?

Com isso, ele fez uma pausa.

— Não — ele admitiu. — Mas eles não aceitarão um não como

resposta por carta, e estou sem opções. — Abri a boca para protestar,

mas ele balançou a cabeça. — Vai ficar tudo bem, eu prometo. E então

voltarei para casa, para você.

Meu coração acelerou com suas palavras, apesar das minhas dúvidas.

— Gosto dessa parte do plano —, admiti.


Ele fez uma pausa, seus olhos de repente ficando escuros com

malícia.

— Já que não vou a lugar nenhum até amanhã à noite, por que não

lhe dou algo para se lembrar de mim antes de ir?

Sua boca estava no ponto pulsante da minha garganta, suas mãos se

enroscando em meu cabelo antes que eu pudesse responder sua

pergunta. De repente, foi como se fosse a última meia hora, e todas as

complicações e novas complicações que vieram com isso nunca tinham

acontecido.

Eu derreti contra ele.

— Isso parece bom para mim — eu respirei, jogando minha cabeça

para trás para lhe dar melhor acesso.

Ele rosnou em aprovação e depois me levou para seu quarto.


DEZOITO

Mensagens de texto entre Stuart e Sullivan,


os guardas noturnos do Naperville Dungeon
Olá Stuart

E aí, cara

Peguei o Departamento de Polícia de Naperville


farejando esta manhã

Bem, droga

Sim

Não é bom

Você disse ao chefe

Ainda não

Eu estou prestes a dizer

Vou te dizer uma coisa, entre nosso novo


prisioneiro, que não fez nada desde que chegou
aqui ontem à noite, a não ser chorar e escrever
cartas para alguma garota humana, e a polícia
passando por aqui, já foi uma semana infernal

E é só terça-feira!

Ugh, eu sei
Devo pedir a Mark para cuidar da polícia?

Na verdade, esquece isso

Faz um tempo que não como

Eu vou fazer isso

Obrigado

Eu te devo uma

Sim, sim

Meanwhile I better get some ear plugs or else


Count von Romeo in here is gonna drive me batty

comecei a suspeitar que algo estava errado quando


acordei no meio da noite e Frederick ainda não tinha voltado do Ritz-

Carlton.

Agora, porém, quinze horas se passaram e ainda nenhuma palavra

dele. Eu estava quase doente de preocupação e ainda mais convencida de

que concordar em encontrar com a mãe dele e os Jameson tinha sido

uma péssima ideia.

Eu odiava que, se Frederick estivesse em apuros, não havia

literalmente nada que eu, uma humana, pudesse fazer a respeito. Mas

infelizmente também era a verdade.

E agora, eu tinha que me concentrar na minha entrevista na

Academia Harmony – que, por uma cruel reviravolta do destino, estava

marcada para aquela tarde. Disse a mim mesma que, se conseguisse

passar pela entrevista, tentaria encontrar uma maneira de entrar em

contato com Reginald para ver se ele poderia me ajudar a descobrir o

que havia acontecido. Reginald pode ser um idiota, mas eu acreditava

que ele se importava com Frederick em algum nível e ajudaria se

houvesse algo que pudéssemos fazer.

Mais importante ainda, Reginald era o único outro vampiro que eu

conhecia. Eu não tinha muitas opções.


Nesse ínterim, focar no fato de que esta tarde eu estava sendo

entrevistada para um cargo que poderia potencialmente mudar minha

vida foi uma distração bem-vinda de como eu estava preocupada. E

como me senti impotente.

Examinei-me no espelho de corpo inteiro do meu quarto e franzi a

testa para meu reflexo. O terninho azul marinho que eu usava era a única

roupa que eu possuía que contava como traje de negócios. Eu não sabia

se a Academia Harmony esperava que eu usasse terno hoje, e parte de

mim esperava que eles quisessem que os candidatos para esta posição

aparecessem com macacões respingados de tinta. Mas Sam me disse que

era melhor aparecer bem vestida para uma entrevista de emprego do que

mal vestida.

Tendo experiência mínima em entrevistas para empregos com

benefícios e péssimos instintos de procura de emprego em geral, fiz o

que ele disse e vesti o terno.

Eu ainda precisava arrumar meu cabelo, no entanto. Ainda não

estava totalmente recuperado da minha experiência de corte de cabelo há

algumas semanas, preso em lugares estranhos nas costas e, em geral, era

extremamente irritante.

Eu poderia aparecer nesta entrevista parecendo e me sentindo uma

fraude, mas se pudesse evitar também parecer um Muppet,

provavelmente deveria.

Resmungando baixinho, saí do quarto e fui até o banheiro, onde

estavam minhas coisas de cabelo. Assim que meus dedos se fecharam

em torno do cabo da escova de cabelo, ouvi um barulho alto e engasgado

alguns metros atrás de mim.

— Com licença.

Eu congelo.

Eu reconheci aquela voz. Isso ficou gravado na minha memória

desde a noite em que descobri que meu colega de quarto era um

vampiro.

— Reginald?
O que ele estava fazendo aqui? E como ele estava aqui? Frederick

não dissera que os vampiros precisavam de um convite expresso para

entrar na casa de alguém?

Mas minha surpresa desapareceu quando vi seu rosto. Nas poucas

vezes que interagimos, vi Reginald parecer divertido, insolente e

entediado. Mas eu nunca o tinha visto parecer preocupado antes.

Ele parecia preocupado agora, no entanto.

Muito preocupado.

— Estou preocupado com Freddie. Ele está… — Reginald

interrompeu-se, dando-me uma rápida olhada antes de seu nariz enrugar

em desaprovação. — O que diabos de roupa é essa, Cassandra?

— Cassie — eu corrigi. — E minha roupa não importa. Por que você

está preocupado com Freddie? — Minha frequência cardíaca acelerou.

— Alguma... coisa aconteceu com ele?

Ele foi até a sala e sentou-se em um dos poltronas de couro, nem

esperando que eu o convidasse para se sentir em casa.

— Eu suspeito que sim. Não tive notícias dele desde que saiu para se

encontrar com a mãe e os Jamesons.

Tentei suprimir meu pânico crescente. Ele também não tinha notícias

dele, então.

— E você já esperava notícias dele?

— Definitivamente. — Reggie hesitou. — Nós meio que nos

odiamos–

— Eu peguei isso.

— ... mas também somos muito próximos.

Notei as rugas de preocupação que marcavam a testa, que de outra

forma seria eterna, de Reginald. A rigidez de seus ombros. Sua

mandíbula cerrada.

— Eu também adivinhei isso.

— Não quero presumir o pior — continuou ele. — Mas acho que é

hora de considerarmos que eles podem ter feito algo com ele.

Então minhas preocupações não eram irracionais.

— Você realmente acha isso?


— A Sra. Fitzwilliam é uma força a ser reconhecida. Para não falar

do que Esmeralda e sua família são capazes. — Ele fez uma pausa

novamente. — Esmeralda é na verdade uma vadia total, se você me

perguntar.

Normalmente, eu odiava quando os homens usavam a palavra vadia

para descrever as mulheres. Neste caso, porém, parecia estranhamente

justificado.

— Ela é?

— Eu não a conheço bem — ele admitiu. — Digamos apenas que a

impressão que ela me causou em Paris na década de 1820 não foi boa.

Estou definitivamente feliz por ter sido com Frederick com quem ela

decidiu se casar e não comigo.

Cada interação que tive com Reginald deixou muito mais claro para

mim por que Frederick o achava tão chato.

Eu olhei para ele.

— Você está feliz que ela queira se casar com ele, não é?

Reginald encolheu os ombros.

— Sem ofensa, é claro. Procure-a se quiser — acrescentou. — Ela

tem muito mais presença na Internet do que a maioria dos vampiros tem.

Suas contas nas redes sociais dão uma boa compreensão de quem ela é

como pessoa. — Ele fez uma pausa e acrescentou: — Ela também é

muito agradável aos olhos, se é que você me entende.

Apertei meus olhos bem fechados. Tive que terminar de me arrumar

e depois me humilhar diante de um comitê de contratação que

provavelmente nunca me daria um emprego. Eu não me importava se

Reggie ficasse por aqui por um tempo, mas não tinha tempo a perder

pensando em quão atraente Esmeralda Jameson poderia ser.

— Eu preciso ir. — Apontei para meu terno. — Tenho uma

entrevista em duas horas e é longe daqui.

Reggie levantou-se.

— Quer que eu voe você até lá?

— O que?
— Eu disse — ele pigarreou, pronunciando suas sílabas com muito

cuidado. — Quer… que… eu… voe.. você… até… lá?

Revirei os olhos.

— Eu te ouvi. Eu acabei de... não esperava a oferta. — Fiz uma

pausa e acrescentei: — Então é verdade? Alguns de vocês podem voar?

Sorrindo para mim, Reginald – sem aviso prévio – começou a flutuar

no chão. Ele subiu cada vez mais alto, até que o topo de sua cabeça

quase roçou o teto alto da sala. De repente, parecia que a sala estava

girando. Uma coisa foi Frederick me dizer que alguns vampiros podiam

voar. Outra coisa totalmente diferente era ver alguém desafiar as leis da

gravidade assim.

— Tento não fazer isso na frente de Freddie com muita frequência, já

que suas habilidades são muito ruins.

Eu me irritei.

— Suas habilidades não são ruins. Os abacaxis dele são deliciosos,

se você quer saber.

Ele ignorou meu comentário e começou a dar voltas lentas e

tranquilas pela sala, parando apenas para passar o dedo pelo topo da

estante. Para verificar se há poeira, talvez. Ele estava claramente se

exibindo neste momento, mas eu não conseguia nem ficar brava com

isso. Foi legitimamente impressionante vê-lo voar.

— Você está errada, Cassandra. Suas habilidades são, na verdade,

profundamente e extremamente fracas no que diz respeito a essas coisas.

Mas, como eu disse, não sou tão idiota a ponto de esfregar minhas

habilidades mais legais na cara dele. Pelo menos, não mais do que uma

ou duas vezes por semana.

— Como… — Observei, ainda impressionado, apesar de tudo,

enquanto Reginald se abaixava lentamente de volta ao chão. — Como

você fez isso?

Reginald encolheu os ombros.

— Eu não tenho a menor ideia. Como os vampiros fazem alguma

coisa? É magia, eu acho.

— Magia — repeti, sentindo-me estúpida e lerda.


— Magia — ele confirmou. — Então. Quer que eu leve você para

onde quer que você esteja indo?

Considerei a oferta tanto quanto meu cérebro confuso permitiu e

reconheci que Reginald estava sendo sincero ao oferecê-la. Mas rejeitei

isso como sendo uma má ideia. Eu já estava muito distraída e

preocupada com o desaparecimento de Frederick para estar

adequadamente preparada para esta entrevista. Se eu voasse para

Evanston com Reginald – sem avião, nada menos – isso provavelmente

quebraria o que restava do meu foco em milhares de pequenos pedaços.

Além disso, era dia. Voar pode ser legal e tudo, mas as pessoas

seriam capazes de nos ver no ar. E o que eles pensariam quando o

fizessem?

— Agradeço a oferta — eu disse, surpreso ao perceber que estava

falando sério. — Mas acho que vou pegar o metrô.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Tem certeza disso?

— Muita.

Reginald suspirou.

— Justo. — Ele inclinou a cabeça na minha direção e foi até a porta.

— Se você tiver notícias de Freddie, poderia avisá-lo que seu velho

amigo está preocupado? Enquanto isso, vou tentar fazer algum

reconhecimento para descobrir o que está acontecendo.

Eu não conseguia imaginar o que ele quis dizer com fazer algum

reconhecimento. Provavelmente é melhor assim.

— Eu vou — eu disse. — Eu prometo. E se você descobrir alguma

coisa, poderia me avisar?

Reginald me olhou, como se estivesse tentando se decidir sobre

alguma coisa. Eventualmente, ele pareceu tomar uma decisão e sorriu

para mim.

— Eu vou — disse ele.


as fotos no site da academia harmony não faziam
justiça ao campus. Era grande e bonito, localizado em vários hectares

arborizados de imóveis, a apenas um quilômetro e meio a oeste do Lago

Michigan. Havia um pequeno lago meio congelado no centro do campus,

com um caminho pavimentado ao redor que sugeria que as pessoas

gostavam de caminhar pelo terreno aqui quando o tempo não estava bom

em novembro.

Decidi usar meu único par de salto alto para esta entrevista.

Felizmente, eles combinavam principalmente com meu traje se você

apertasse os olhos e a luz não fosse muito boa. Mas me arrependi dessa

decisão no segundo em que passei sob o arco que levava ao prédio da

administração. Eles faziam barulho alto contra o piso de mármore

enquanto eu me dirigia ao escritório do diretor da escola para minha

entrevista das onze horas, ecoando alto dentro do átrio abobadado.

O único outro ruído que registrei foram as batidas do meu coração,

batendo em meus ouvidos como um tambor. Eu não conseguia me

lembrar da última vez que estive tão nervosa. Pensei em meu próprio

ensino médio útil, mas genérico. Não havia entradas de mármore ou

professores de arte que se concentrassem na arte encontrada na

Carbonway High.

Eu estava mais convencida do que nunca de que a qualquer momento

alguém apareceria na minha frente e me diria que havia cometido um

erro ao me convidar para vir aqui.

— Bom dia. — A recepcionista tinha mais ou menos a idade da

minha mãe e usava um vestido verde suave que me fazia pensar em um

dia de primavera no campo. A mesa onde ela trabalhava era quase tão

grande quanto o quarto do meu último apartamento. — Você deve ser

Cassie Greenberg.

Agarrei minha bolsa com um pouco mais de força, uma gota de suor

se formando na minha nuca.

— Sim.

Ela apontou para um par de cadeiras macias em uma extremidade da

sala.
— Sente-se enquanto vejo se eles estão prontos para você. Posso

pegar algo para você beber? Café? Água?

— Água, por favor. — Eu já estava nervosa. Adicionar cafeína à

mistura seria desastroso. — Obrigada.

Ao lado das cadeiras havia uma pilha de folhetos brilhantes com

estudantes sorridentes em uniformes verdes combinando na capa.

Enquanto esperava a recepcionista voltar, folheei um deles, tentando

absorver um pouco do que estava vendo e desejando que minhas mãos

parassem de tremer.

Peguei meu telefone e reli as mensagens que Sam me enviou esta

manhã.

Boa sorte!!

Você vai conseguir.

Ele passou uma hora comigo ontem à noite analisando possíveis

perguntas da entrevista e como eu poderia respondê-las. Ele me disse

que eu me saí bem em todas as respostas possíveis e que estava tão

preparada para esta entrevista como jamais estaria. Eu só queria poder

acreditar nele.

— Eles estão prontos para você, senhorita Greenberg. — Eu olhei

para o recepcionista, que me entregou um copo grande de água. —

Poderia me seguir?

Peguei o copo dela, segurando a alça da bolsa com a mão livre com

tanta força que os nós dos dedos doíam.

A sala para onde a recepcionista me levou era pequena e decorada de

forma muito mais casual do que qualquer coisa que eu tinha visto até

agora esta manhã. Não havia nada em nenhuma das paredes além de

uma pintura a óleo emoldurada de um vaso de girassóis e uma grande

janela com vista para o prado gramado atrás da escola.

— Sente-se. — Uma mulher que reconheci em minha pesquisa na

internet como Cressida Marks, diretora da escola, estava sentada

sorrindo na ponta de uma pequena mesa retangular. Duas outras pessoas


que não reconheci estavam sentadas ao lado dela. Um deles parecia ter a

minha idade, com cabelo rosa flamejante.

Por motivos que não consigo expressar em palavras, ver aquele

cabelo rosa em um lugar que de outra forma parecia tão convencional e

austero me deixou um pouco mais à vontade.

Sentei-me na cadeira em frente a eles e coloquei meu copo de água

sobre a mesa.

Soltei um suspiro lento.

Eu poderia fazer isso.

— Bem-vinda, Cassie — disse a diretora da escola. E então,

voltando-se para as outras pessoas à mesa: — Vamos começar nos

apresentando.

— Meu nome é Jeff Castor — disse o cara à esquerda de Cressida.

Ele parecia ter cerca de cinquenta anos e usava uma gravata borboleta

xadrez com uma camisa branca amarrotada. As vibrações distraídas do

professor que ele emitia eram imaculadas. — Sou o vice-diretor da

Escola Secundária Harmony.

— E eu sou Bethany Powers — disse a mulher de cabelo rosa. —

Sou a chefe do programa de artes das escolas inferiores e superiores.

— É um prazer conhecê-los — eu disse.

— Você também — disse Bethany. — Então. Conte-nos um pouco

sobre por que você quer trabalhar como professora de artes. — Ela

estava folheando um arquivo cheio de impressões das fotos que eu havia

enviado junto com minha inscrição. Minhas paisagens da praia de

Saugatuck. A peça que enviei para a exposição de arte da River North

Gallery. — Fica claro no seu portfólio que você tem uma visão muito

específica e que está comprometida com uma carreira nas artes. Mas por

que crianças? Essa é a peça que nos falta.

Era uma pergunta difícil, mas justa. Meu currículo era longo, mas

minha experiência com crianças limitava-se principalmente a noites de

arte na biblioteca. Se me pedissem para entrevistar um novo professor de

artes e alguém entrasse pela porta com minhas credenciais, eu

perguntaria exatamente a mesma coisa.


Felizmente, eu estava pronta para isso.

— Eu trabalho em uma biblioteca agora — comecei. — Nas terças à

noite temos uma noite de arte, onde os pais deixam os filhos e passamos

duas horas fazendo coisas com eles. — Fiz uma pausa, pensando no

último evento de arte que organizamos. — Achei incrivelmente

gratificante ajudar crianças que de outra forma não teriam exposição a

formas artísticas de expressão a concretizar suas visões por meio de tinta

e massa de modelar.

Bethany e Jeff fizeram algumas anotações. Cressida Marks inclinou-

se um pouco sobre a mesa, com as mãos cruzadas na frente dela.

— Por que você não pensou em ensinar arte antes?

Eu considerei isso. Quando pratiquei as perguntas da entrevista com

Sam na noite passada, concordamos que essa provavelmente surgiria. A

resposta que concordamos que eu daria, no entanto – que eu estava

apenas esperando a oportunidade certa de ensinar, que a Academia

Harmony era a primeira escola que achei que poderia ser uma boa opção

— não parecia certa, agora que eu estava aqui.

Por um lado, era mentira. Eu me candidatei a vários cargos de

professora nos últimos anos e fui rejeitada por cada um deles.

Por outro lado, sentada ali naquela sala escassamente mobiliada sala

de conferências, com três pessoas que em breve poderiam ser meus

colegas de trabalho – se tudo corresse bem – finalmente me ocorreu uma

resposta melhor.

— Achei que nenhuma escola me aceitaria.

Isso fez com que Bethany levantasse os olhos do bloco de notas.

— Por que? — ela perguntou.

Estávamos fora do roteiro que Sam e eu ensaiamos, mas isso não

importava. Eu sabia a resposta mesmo assim.

— Minha arte não é convencional. — Apontei para a cópia do meu

portfólio no centro da mesa da sala de conferências. — Não pinto

quadros bonitos nem faço canecas de café na roda de oleiro que as

pessoas possam comprar para as irmãs no Natal. Eu pego lixo, coisas

efêmeras, coisas que outras pessoas jogam fora e as transformo em algo


lindo. — Eu balancei minha cabeça. — Não achei que minha visão se

enquadrasse no tipo de coisas que as crianças aprendiam nas aulas de

arte quando eu estava na escola.

— Mas você decidiu se candidatar aqui — disse Cressida. — O que

a fez mudar de idéia?

Eu ponderei sobre isso por um momento. O que me fez mudar de

ideia?

De repente, eu sabia.

Frederick, em nossa sala, me dizendo que percebeu que eu trouxe

uma visão real e única ao meu trabalho. A admiração em sua voz

enquanto ele dizia as palavras. A expressão em seus olhos quando me

disse que qualquer um que se recusasse a me contratar era um tolo.

— Percebi que sou boa, na verdade. — Sorri e sentei-me um pouco

mais ereto na cadeira. — E que Harmony teria sorte em me ter.

Todos os três assentiram um pouco. A mulher de cabelo rosa fez

algumas anotações. À medida que eles continuavam a me fazer

perguntas sobre meus objetivos profissionais e meu currículo, comecei a

me preocupar se essa resposta era o que eles procuravam. Mas pelo

menos era a verdade.

E de qualquer forma, não havia como voltar atrás agora.

— Você tem algumas perguntas para nós? — Jeff perguntou,

fechando a pasta que ele estava consultando durante a entrevista. Ele

tinha uma voz calorosa e convidativa que me deixou à vontade, apesar

dos meus nervos à flor da pele.

Pensei em tudo o que Sam e eu havíamos conversado, tentando filtrar

tudo através do assunto que esta entrevista já havia abordado.

— Sim — eu disse. — Gostaria de ouvir mais sobre o que vou

ensinar aqui. O que você pode me dizer sobre os tipos de programação

artística que você tem aqui no Harmony e onde minhas aulas se

encaixariam nisso?

— Eu posso falar sobre isso. — Bethany largou meu portfólio e

cruzou as mãos cuidadosamente à sua frente, sobre a mesa. — Aqui na

Harmony levamos muito a sério o estímulo à expressão artística dos


alunos. Do jardim de infância até a oitava série, os alunos são expostos

às artes visuais, musicais ou literárias todos os dias. Quando os alunos

chegam ao ensino aplicado, ou ensino médio, como é conhecido nas

escolas públicas, os alunos selecionam uma das quatro áreas de arte

diferentes que cursam durante os quatro anos.

— Para alguns alunos, a trajetória artística que seguem pode ser a

música — esclareceu Jeff. — Para outros, pode ser teatro ou escrita

criativa. Os alunos do ensino médio que selecionarem a quarta faixa,

artes visuais, seriam os únicos em suas aulas.

— A Academia Harmony está orgulhosa de todas as suas quatro

faixas de expressão artística — disse Cressida Marks, olhando para seus

colegas. Eles assentiram. — Dito isto, a nossa área de artes visuais tem

tradicionalmente tido as ofertas menos aventureiras e diversificadas.

Eu não tinha certeza do que ela quis dizer com isso.

— Menos aventureira e diversificada? O que você quer dizer?

— Historicamente, muitas de nossas aulas de artes visuais cobriram

os tipos de coisas que você disse antes e que não faz — disse Bethany,

olhando para seus colegas. — Pintar naturezas mortas em aquarela.

Aulas de história da arte cobrindo as pinturas famosas que você

encontraria no Instituto de Arte de Chicago ou no Louvre. Lições sobre

a roda de oleiro. E embora qualquer programa de artes visuais do Ensino

Médio que se preze deve cobrir essas coisas, acreditamos que

prestaremos um péssimo serviço aos nossos alunos se pararmos por aí.

— E é por isso — disse Cressida — que queríamos entrevistá-la para

este cargo. Procuramos professores de arte que pensem sobre arte de

maneiras inovadoras e que estejam entusiasmados em compartilhar essas

inovações com nossos alunos do ensino médio.

Todos os três olharam para mim, como se avaliassem minha resposta

ao que acabaram de dizer. Minha mente estava a mil por hora tentando

processar tudo.

O que eles estavam descrevendo parecia...

Bem. Parecia perfeito. Tipo, bom demais para ser verdade, perfeito.
— Isso parece incrível. — Eu não sabia se deveria estar jogando

minha excitação genuína mais perto do peito do que isso, mas não pude

evitar.

Cressida sorriu.

— Estamos felizes que você pense assim.

— Vamos fazer um tour pela Escola Secundária — sugeriu Jeff. —

Podemos levá-la aos estúdios de arte e mostrar onde você ensinaria se

for se juntar a nós no outono.

Isso devia ser um bom sinal.

Eu sorri para eles, incapaz de me conter.

— Isso parece ótimo para mim.

minha empolgação com o desempenho da minha


entrevista durou pouco.

Quando voltei para casa e ainda não havia sinal de Frederick, toda a

minha preocupação do início do dia voltou rapidamente. Verifiquei meu

telefone e vi que também não havia mensagens de Reginald, o que só

aumentou minha ansiedade.

Documentários sobre crimes reais não eram meu tipo favorito de

televisão superficial, mas eu sabia o suficiente sobre casos de sequestro e

assassinato para saber que quanto mais tempo você ficasse sem notícias,

maiores seriam as chances de que as notícias que você recebesse não

fossem boas.

Por um capricho que reconheci como uma ideia terrível, mesmo

quando me ocorreu, peguei meu laptop e pesquisei Esmeralda Jameson

no Google. Se ela tivesse tanta presença na internet quanto Reginald

havia sugerido, talvez procurá-la me desse algumas pistas.

Reginald não tinha me contado nem a metade. O Google trouxe

tantos resultados de pesquisa para Esmeralda Jameson que não havia

como ver todos eles sem uma obsessão séria por ela que eu não estava

interessada em desenvolver.
O principal resultado da pesquisa foi um link para o Instagram dela.

Esse parecia ser um lugar tão bom para começar quanto qualquer outro.

Imediatamente após clicar, a péssima ideia desse plano desabou

sobre mim como um Doberman em um prato de hambúrgueres. Eu

estava preparada para que Esmeralda fosse linda e impecável, da mesma

forma que as ex-namoradas de caras gostosos geralmente costumavam

ser. Mas nada poderia ter me preparado para as fotos que estava vendo

agora.

Eu não sabia se os vampiros já trabalharam como supermodelos. Se

o fizessem, Esmeralda Jameson teria sido muito boa no seu trabalho. Ela

tinha facilmente um metro e oitenta de altura, pernas longas e uma

figura que me fez questionar minha sexualidade até então heterossexual.

Sua última foto a mostrava em um biquíni que se destacava pelo que não

cobria, reclinada em uma espreguiçadeira sob um guarda-sol que a

mantinha completamente na sombra. De acordo com a legenda, ela foi

tirada em algum lugar em Maui. Seu cabelo longo e escuro estava

artisticamente arrumado, cobrindo os ombros nus em tom oliva e

metade do rosto anguloso.

Cliquei no resto do Instagram dela. Havia fotos de Esmeralda

deslumbrante na Suíça com roupa de esqui. Fotos dela examinando

lindamente uma flor em um dos maiores jardins que eu já vi.

Aqui estou na Costa Rica, nadando com tartarugas.

É tão lindo e tranquilo aqui nos Andes.

Meu jardim em casa precisa de cuidados. As flores aqui são lindas,

mas mal posso esperar para voltar para casa entre minhas peônias.

Não houve histórias pessoais engraçadas ou hashtags espirituosas.

Nada que realmente me desse uma noção de como ela era como pessoa.

De qualquer forma, Esmeralda tinha mais de cem mil seguidores –

provavelmente pessoas tão fascinadas por sua beleza quanto eu.

E então vi uma postagem que quase fez meu coração parar.

Aqui estou eu com Frederick, meu noivo. Ele não é lindo?

Era uma foto granulada, tirada à distância e tarde da noite.

Esmeralda estava ao lado de uma limusine preta enquanto ajudava


Frederick a sentar-se no banco de trás. Se não fosse pela legenda, teria

sido difícil distinguir suas feições o suficiente para perceber que era ele.

Mas agora que eu estava realmente olhando, não havia dúvida de que

era, de fato, o mesmo Frederick com quem eu morava – e por quem

comecei a me apaixonar. O ângulo de sua mandíbula, seu cabelo escuro,

a maneira como ele inclinava o rosto para longe das luzes da rua…

Era, sem sombra de dúvida, ele.

A postagem foi feita às dez horas da noite anterior.

Fechei os olhos e bati meu notebook. Eu quase podia sentir meu

coração partido.

Era possível que Reginald estivesse certo e algo tivesse acontecido

com ele, é claro. Mas essas fotos não mentiram. Esmeralda era tudo que

Cassie Greenberg nunca seria. Alta, bonita, controlada e imortal.

Ele me disse que estava a fim de mim. Ele agiu assim também. Mas e

se o encontro com Esmeralda o tivesse lembrado de tudo o que sentiria

falta se ficasse com uma humana como eu? Certamente alguém como

ela – alguém que não iria murchar, envelhecer e eventualmente morrer –

tinha que ser mais atraente do que uma artista semi-empregada com

poucas habilidades, e com mais algumas décadas restantes, no máximo.

Mas então, um momento depois, meu telefone apitou com novas

mensagens de um número desconhecido.

Cassandra. É o Reginald.

Frederick está em GRANDES apuros.

Ele precisa da nossa ajuda.

Encontre-me no Gossamer's em uma hora e lhe


contarei tudo.
DEZENOVE

Carta do Sr. Frederick J. Fitzwilliam para


Cassie Greenberg, datada de 17 de
novembro, confiscada e não enviada
Minha querida Cassie,
Já se passaram quase vinte e quatro horas desde a última vez
que te vi. Nesse tempo, escrevi três cartas para você – embora,
se o que o guarda da minha cela acabou de me dizer for
verdade, nenhuma delas conseguiu sair desta masmorra. No
entanto, continuarei a escrever para você todos os dias em que
permanecer preso – tanto porque isso ajuda a me firmar no
aqui e agora, em um lugar onde o tempo não tem significado e
uma hora se transforma na próxima, quanto porque, quem
sabe? Talvez eventualmente o mensageiro tenha pena de mim
e descubra pelo menos uma das minhas cartas deste lugar antes
que seja notada pelos meus captores.
Para resumir a história: os Jameson não aceitaram bem
minha recusa em relação à filha deles. Minha mãe deve tê-los
alertado sobre minhas intenções, porque, ao chegar no Ritz-
Carlton, um par de vampiros incrivelmente fortes e
assustadores estava me esperando. Tentei repetidamente
dizer a eles que não tinha motivo para acreditar que
Esmeralda não era uma mulher perfeitamente encantadora,
que o problema estava comigo e não com ela, mas eles não
pareciam muito interessados em conversar.
E agora estou preso em uma masmorra em Naperville,
Illinois, entre todos os lugares. A cada poucas horas, um dos
meus guardas me pergunta se cedi e se concordarei em me
casar com a Srta. Jameson. Cada vez digo a eles que minha
resposta não mudou.
Como já discutimos, sei como seria minha vida se me
casasse com a Srta. Jameson. É uma vida que rejeitei
ativamente quando vim para Chicago, anos atrás. Meu
encontro com você apenas reforça minha decisão de não
ceder aos desejos dos meus captores. Continuo esperançoso de
que, se voltar a ver a senhorita Jameson, poderei falar com
ela sobre a situação e convencê-la a chegar a um
entendimento. Ela não estava disposta a conversar ontem à
noite, mas também esteve sob o olhar atento de seus pais.
Dito isto, considerando todas as coisas, fui tratado melhor
do que esperava. Eles exigem que eu coma como os da nossa
espécie normalmente fazem (um negócio desagradável que
tento e dispenso da forma mais indolor possível para todos os
envolvidos) – mas pelo menos eles estão me alimentando.
Também tenho uma cama relativamente confortável, bem
como alguns livros e gravações de comédias de situação
americanas da década de 1980. Não gosto tanto deles quanto
dos programas que assistimos juntos (vários deles parecem
envolver um carro falante, por exemplo, um conceito tão
ridículo que desafia a crença). Mas até onde eu posso dizer
isso, a masmorra não tem WiFi, então minhas opções de
entretenimento são muito limitadas.
Sinto mais sua falta do que posso expressar adequadamente
em uma carta. Espero poder dizer isso pessoalmente muito
em breve.
Seu,
Frederick

olhei para reginald, lutando para processar o que ele


estava me contando.

— Você só pode estar brincando — eu disse.

Reginald balançou a cabeça.

— Se eu estivesse brincando, teria dito: 'Um pirata entra em um bar

com um volante na frente das calças. O barman diz: Senhor, você sabe

que tem um volante na frente da calça? E o pirata diz: Sim, e isso está

me dirigindo à loucura.

A sala girou. Minha cabeça girou. Isso não poderia estar

acontecendo.

— Eu sinto muito, mas... o que?

— Não importa — disse Reginald. Ele pegou a isca Nós Somos

Animados que havia pedido ao barista do Gossamer’s e fingiu tomar um

gole antes de colocá-la de volta na mesa. — Eu quis dizer isso, não, não

estou brincando.

Seus olhos não tinham nenhum humor. Pela primeira vez, ele estava

falando sério. Mortalmente sério.

Meu sangue gelou de medo.

— Então, eles realmente o sequestraram?

Ele assentiu.

— E eles o estão mantendo dentro de uma masmorra em...

Naperville?

Reginald fez um gesto em direção às fotografias que ele havia trazido

consigo, as quais aparentemente ele tinha tirado algumas horas atrás de

um ponto de vista a duzentos pés de altura. Eram imagens aéreas de um

bairro suburbano sem muitos detalhes distintivos. Ele havia desenhado

um grande círculo vermelho sobre a casa onde afirmava que Frederick

estava sendo mantido contra sua vontade.


— Se meus contatos nos subúrbios ocidentais são confiáveis — disse

ele, apontando o dedo para a casa circulada — então, sim.

Eu não pude acreditar nisso.

— E tudo porque ele não concordou em se casar com Esmeralda?

— Infelizmente, sim. A questão do casamento arranjado é um grande

problema entre as gerações mais velhas. — Sua expressão tornou-se

grave. — Se você tiver o azar de ainda ter pais brigando como Freddie

tem, desafiá-los nessas questões é o mais próximo de uma sentença de

morte que você pode realmente chegar em nosso mundo.

Minha mente girava enquanto eu tentava entender isso. Como isso

estava realmente acontecendo? Toda essa situação parecia um enredo

ruim inventado por um aficionado por Jane Austen no sétimo círculo do

inferno.

— Eu simplesmente não consigo entender o fato de que as

masmorras de vampiros são reais.

— Elas foram, em sua maior parte, abolidas entre os membros mais

civilizados da sociedade vampírica logo após a Revolução Francesa. —

Ele balançou sua cabeça. — Os Jamesons ainda fazem as coisas à moda

antiga. De acordo com meus contatos, quando Frederick disse que não

se casaria com Esmeralda, eles o jogaram nisso.

— Essa parece uma maneira ruim de fazer alguém se apaixonar pela

filha.

Ele bufou.

— De fato.

— Mas... Naperville? Existem masmorras de vampiros em

Naperville? — Pensei no subúrbio padrão que visitei uma vez, na

faculdade, quando meu colega de quarto me convidou para passar o Dia

de Ação de Graças em casa. Como poderia um lugar como esse ter uma

masmorra de vampiros?

— Você ficaria surpresa com quantos subúrbios despretensiosos têm

masmorras de vampiros — explicou Reginald. — Aqui em Chicago, os

Jamesons devem ter tido que se contentar com as opções limitadas à sua

disposição. Embora, honestamente, escondê-lo lá foi perfeito. — Ele me


deu um sorriso sardônico. — Ninguém espera uma masmorra de

vampiros em Naperville.

Ele tinha razão nisso.

— Você sabe — acrescentou ele, lançando um olhar penetrante por

cima do ombro. — Provavelmente deveríamos manter nossas vozes

baixas. Os Jamesons têm ouvidos em todos os lugares.

Minha pele arrepiou.

— Mesmo? — Eu perguntei, em voz baixa.

Ele encolheu os ombros.

— Provavelmente não, mas sempre quis dizer algo assim. De

qualquer forma, não acho que seja uma boa ideia se formos ouvidos.

Ele tinha razão nisso também. Nada de bom viria da clientela muito

humana de Gossamer’s ouvindo essa conversa.

— Então aquela foto que vi no Instagram… — Eu parei, mexendo na

borda do meu Nós Somos Belos enquanto me lembrava da imagem de

Frederick sendo ajudado a entrar no banco de trás de uma limusine por

uma linda Esmeralda. — Você está dizendo que ele não entrou naquela

limusine por vontade própria.

— Ele não poderia ter feito isso. — A expressão de Reginald ficou

ainda mais séria. — Esse homem está louco por você. Nas últimas

semanas, tem sido um pesadelo para mim pessoalmente, com que

frequência eu tive que ouvir aquele palhaço declamar poesia sobre

absolutamente tudo relacionado a você. Tem sido constrangedor para

nós dois. — Ele balançou sua cabeça. — Eu não vi a foto de que você

está falando, mas ele nunca teria ido a lugar nenhum com Esmeralda.

Especialmente agora que ele tem você.

Meu coração disparou com a confirmação de que Frederick sentia

algo por mim, mesmo quando meu estômago despencou ao pensar que

ele estava em perigo.

— Então, o que fazemos?

— Temos que tirá-lo de lá. Se não o tirarmos… — Reginald

balançou a cabeça e olhou por cima do ombro novamente. — Ele será


enviado de volta para Nova York e casado com uma mulher que não ama

antes da próxima semana.

— Eles podem fazer isso? — Eu perguntei, horrorizada. — Será que

um casamento contra a vontade de alguém seria legal?

Ele bufou.

— Nós não fazemos as coisas do jeito que os humanos fazem,

Cassandra.

Esse devia ser o eufemismo do século. Meus instintos de lutar ou

fugir estavam em ação, a vontade de ir para Naperville naquele segundo

e exigir que deixassem Frederick ir quase me dominou. Mas eu ainda

tinha bom senso suficiente para saber que invadir uma casa cheia de

vampiros furiosos seria uma ideia seriamente terrível.

E então, de repente, o início de um plano me ocorreu.

— Tenho uma ideia do que poderíamos fazer para tirá-lo de lá — eu

disse. — Você pode não gostar.

Reginald olhou para mim.

— Isso parece ameaçador.

— Pode ser — admiti. — Ou pode ser legitimamente ridículo.

— Vamos ouvir isso.

Girei minha caneca de café sem parar, só para ter algo para fazer com

as mãos. Parte de seu conteúdo caiu sobre a mesa, mas eu estava muito

nervosa para me preocupar com isso. Eu limparia tudo mais tarde para

que quem estivesse encarregado de fechar não precisasse fazer isso.

— Quão familiarizada é a sociedade vampírica com o TikTok?

De: Cassie Greenberg [csgreenberg@gmail.com]


Para: Edwina D. Fitzwilliam [Mrs.Edwina@yahoo.com]
Assunto: Meus termos

Prezada Sra. Fitzwilliam,


Eu não vou ficar de rodeios com você. Você sequestrou alguém que
significa muito para mim. Especificamente: seu filho. Insisto que
você e os Jamesons o libertem imediatamente do calabouço de
Naperville. Se você NÃO deixá-lo ir dentro de vinte e quatro horas,
serei forçada a entrar no TikTok e contar ao mundo inteiro que os
vampiros são reais!!
Aguardo sua resposta imediata.

Cassie Greenberg

Reli meu e-mail para a mãe de Frederick, tentando criar coragem

para clicar em enviar.

— Seu plano não é ridículo — disse Reginald. — É brilhante.

— Você acha?

— Eu acho.

— Será que vai dar certo?

Reginald hesitou.

— Talvez. — Ele ficou atrás de mim, inclinando-se sobre minha

cadeira enquanto lia o e-mail que eu acabara de redigir. Ao nosso redor,

os clientes do Gossamer’s tomavam café e comiam seus muffins,

esperançosamente alheios ao fato de que Reginald e eu estávamos

planejando um resgate de vampiros nos subúrbios do oeste. — Tirando

Esmeralda, que só usa o Instagram para postar fotos, até onde eu sei, o

fenômeno da mídia social passou despercebido à maioria dos vampiros.

Muitos deles têm séculos de idade, afinal de contas. Eles não prestam

muita atenção aos eventos atuais. Se sequer ouviram falar das redes

sociais, é provável que seja apenas como uma ferramenta que os

humanos de hoje usam para espalhar informações.

Isso combinava com tudo que eu sabia sobre os métodos lúdicos de

Frederick. Mas a ideia de que os seus captores pudessem achar a minha

ameaça convincente ainda era difícil de acreditar.

Principalmente porque eu mal sabia navegar no TikTok.

— Eu entendo que a Sra. Fitzwilliam e os Jamesons não querem que

o público humano em geral saiba que os vampiros são reais…

— Eles não querem — disse Reginald, sem rodeios. — Nenhum de

nós quer.

— Tudo bem — eu disse. — Minha preocupação é o que acontecerá

se eles perceberem meu blefe. Tenho sete seguidores no TikTok. Eu o

uso para assistir vídeos de gatos. Mesmo se eu soubesse como postar


algo assim no TikTok, o que eu mal sei, há cerca de zero por cento de

chance de alguém ver.

— Se eles descobrirem, nós elaboraremos um Plano B — ele disse.

— Mas eu acredito que se tudo o que fizermos for simplesmente filmar

você fazendo um anúncio de 'Vampiros são reais!' e enviá-lo por e-mail,

deverá ser suficiente.

— Eu gostaria de acreditar nisso.

Reginald recostou-se na cadeira e coçou o queixo, ponderando.

— Não é como se Edwina ou os Jamesons fossem ao TikTok para

verificar se você seguiu em frente. — Ele me olhou antes de acrescentar:

— E para ser honesto, Frederick não iria querer algo assim na internet

de qualquer maneira. Nem eu.

Engoli o medo que surgiu ao pensar que esse plano poderia colocar

Frederick em perigo, mesmo enquanto eu tentava salvá-lo.

— Tudo bem — eu disse, fechando meu notebook sem apertar em

enviar — Onde devemos filmar isso?

— No apartamento de Freddie — Reginald disse imediatamente. —

A mãe dele reconhecerá o cenário, e sua presença mesmo quando ele

estiver ausente enviará uma forte mensagem de Afaste-se, este homem é

meu. — Ele inclinou a cabeça enquanto me olhava. — Supondo, é claro,

que essa seja a mensagem que você quer enviar.

Ele tinha uma expressão conhecedora no rosto e eu me senti corar

sob seu olhar. Porque não era só porque eu não queria que Frederick

fosse coagido a se casar com alguém que ele não amava.

Foi mais do que isso.

Eu queria que Frederick estivesse seguro.

Mas eu também o queria para mim.

Eu precisava que seus captores entendessem isso.

— Essa é a mensagem que quero enviar — confirmei. — Vamos

voltar para o apartamento e filmar isso.

Reginald sorriu concordando. Embora seja possível que ele estivesse

sorrindo de mim.
— isso não vai funcionar.
— Vai funcionar.

Olhei para Reginald enquanto o vídeo terrível que ele tinha acabado

de gravar de mim ameaçando expor todos os vampiros era reproduzido

para nós no meu notebook.

— Fomos convincentes?

Reginald franziu a testa contemplativamente e fez um movimento

oscilante com a mão.

— Sim? Talvez? Difícil de dizer. De qualquer forma, é tarde demais

para fazer tudo de novo. Já enviamos por e-mail para a Sra. Fitzwilliam.

Suspirei e enterrei meu rosto em minhas mãos.

— Humanos da América do Norte — minha versão em vídeo cantava

com falsa bravata, a assustadora cabeça de lobo empalhada de Frederick

com olhos vermelhos brilhantes pendurados logo acima da minha

cabeça. ( — Comprei para ele na Disney World — explicou Reginald.

— Mas eu disse a ele que cortei a cabeça de um lobisomem para

parecer durão.) — Venho até vocês com notícias de grande

importância.

Eu no vídeo exibia dois sacos de sangue que eu havia conseguido na

pequena geladeira que Frederick mantinha em seu quarto, um em cada

mão. Pensei em como fiquei horrorizada na primeira vez que vi todo

aquele sangue na cozinha. Já não me incomodava tanto. Frederick

manteve sua promessa para mim, nunca comendo na minha presença ou

armazenando seu sangue em um lugar onde eu pudesse encontrá-lo.

Estava claro para mim agora que ele havia escolhido a maneira mais

humana possível de sobreviver.

A eu no vídeo conseguiu evitar transmitir qualquer um desses

pensamentos ternos. Essa parte correu bem, pelo menos. Normalmente

eu não tinha nenhuma cara de pôquer. Brandindo as sacolas,A eu no

vídeo:
— A recente onda de arrombamentos de bancos de sangue foi obra

de vampiros que vivem em nosso meio. E aqui está a prova!

A eu no vídeo apontou para a “cabeça de lobisomem” pendurada

acima de mim.

— Eles decapitam lobisomens por esporte! Eles bebem o sangue dos

nossos filhos! Eles moram aqui mesmo em Chicago. Na cidade de Nova

York. Em todos os lugares! Nenhum canto da terra está seguro enquanto

eles vagam livremente!

( — Você é boa — Reginald disse.

— Você está mentindo — eu acusei.

— Talvez — admitiu Reginald.)

Um momento depois, o Reginald do vídeo entrou em cena.

— Mwah-ha-ha! — ele exclamou, com as presas expostas e os olhos

arregalados. — Eu vim beber seu sangue! — ele continuou com o

sotaque falso da Transilvânia mais brega que eu já ouvi. o Reginald do

vídeo então pegou uma das bolsas de sangue em minha mão e rasgou-a

com um floreio, sugando-a com tanto gosto quanto na noite em que

descobri que ele era um vampiro.

A eu do vídeo gritou e então a cena escureceu.

Reginald fechou o notebook e encolheu os ombros.

— Ok, então admito que não é meu melhor trabalho. Mas estamos

com um prazo curto. E como você sem dúvida já notou, a hipérbole e o

exagero são o pão com manteiga metafórico da comunidade vampírica

em geral.

Lembrei-me da minha primeira impressão de Edwina D. Fitzwilliam,

em seu vestido preto de cetim, seda e veludo e maquiagem glam rock

dos anos 1970.

— Posso ter notado isso.

— De qualquer forma, não há nada que possamos fazer agora a não

ser esperar — disse Reginald razoavelmente. — Se Edwina acreditar,

iremos amanhã ao pôr do sol. E se ela não o fizer…

Reginald não concluiu esse pensamento.

Mas ele não precisava.


Se a mãe de Frederick e os Jamesons não acreditassem nesse

estratagema, eu sabia muito bem que nenhum de nós tinha um plano B.


VINTE

Carta do Sr. Frederick J. Fitzwilliam para


Cassie Greenberg, datada de 18 de
novembro, confiscada e não enviada
Minha querida Cassie,
Já se passaram mais de vinte e quatro horas desde a minha
captura, mas acredito que fiz progressos no sentido de garantir
a minha libertação.
Falei com a Srta. Jameson. Embora esteja mais convencido
do que nunca de que uma união entre nós seria desastrosa,
estou satisfeito pela confirmação de que ela não está tão
presa aos velhos hábitos como os seus pais. Embora minha
rejeição a tenha magoado e ofendido, ela tem autodomínio e
valor próprio suficientes para não querer nenhum homem que
não a queira. Acredito que ela eventualmente se tornará uma
aliada improvável em minhas tentativas de reconquistar
minha liberdade.
Espero que você esteja bem – e que não interprete meu
silêncio como algo diferente do que realmente é.
Especificamente: eu, preso em uma masmorra aterrorizante
nos subúrbios, sem nenhuma maneira de escapar.
Todo meu amor,
Frederick
De: Nanmo Merriweather [nanmo@yahoo.com]
Para: Cassie Greenberg [csgreenberg@gmail.com]
Assunto: Seus termos

Prezada Srta. Greenberg,


Eu, assistente da Sra. Edwina D. Fitzwilliam, escrevo-lhe em nome
dela para informar que você não lhe deixou escolha a não ser
concordar com suas exigências.

Por favor, venha ao castelo localizado em 2314 S. Hedgeworth Way em


Naperville, Illinois, às oito horas da noite de amanhã. Ela irá liberar seu
filho sob sua custódia se, e somente se, você destruir todas as cópias
existentes de sua exposição aos vampiros na presença dela. O filme
que você criou tem o poder de destruir tudo o que trabalhamos tanto
para estabelecer desde que deixamos a Inglaterra – e embora escolher
a noiva de seu filho seja importante para minha senhora, nada é mais
importante para nossa espécie do que viver em segredo.

Nos veremos amanhã à noite. (Além disso, por favor, não responda a
este e-mail. A Sra. Fitzwilliam não sabe como verificar seu e-mail.
Portanto, todos os seus e-mails são enviados diretamente para mim e,
francamente, tenho trabalho suficiente para fazer sem também
acompanhar sua correspondência mesquinha.)

Com os melhores cumprimentos,


N. Merriweather

— eu não posso acreditar que ela ainda tenha nanmo


cumprindo suas ordens assim — Reginald estalou, balançando a cabeça.

— O homem tem quatrocentos e setenta e cinco anos, pelo amor de

Deus. É constrangedor.

— Sim — eu disse, sem saber de que outra forma responder a isso.

Eu estava tão fora do meu elemento que nem conseguia mais ver meu

elemento.

— Bem, acho que o importante é que eles acreditaram — disse

Reginald. — Fico imediatamente surpreso, porque isso é realmente

bobo, e nem um pouco surpreso. Vou levar você para lá amanhã às oito.
— Não — eu disse muito rapidamente, levantando as mãos. — Vou

pegar um Uber.

Reginald olhou para mim do seu ponto de vista privilegiado no sofá

de couro preto de Frederick.

— Não seja ridícula. Não é seguro para você fazer isso sozinha.

Eu empalideci com a ideia de aparecer neste encontro sem o apoio

de um vampiro.

— Ah, eu sei disso. Seria suicídio aparecer sozinha naquela casa.

— Seria — Reginald concordou.

— Eu só quis dizer que se eu voar para lá com você, ficarei muito

distraída com meu primeiro voo sem avião para ser capaz de manter a

cabeça no lugar para o que terei que fazer quando chegarmos lá.

Reginald encostou-se nas almofadas do sofá enquanto pensava nisso.

— Tudo bem — disse ele. — É verdade que voar pela primeira vez

pode ser muito. Tudo bem então. Pegue um Uber. Mas não saia do carro

até me ver pairando no céu do outro lado da cesta de basquete.

Eu fiz uma careta para ele.

— Cesta de basquete?

— Você saberá quando ver — disse ele, antes de murmurar algo

sobre a paisagem infernal suburbana em voz baixa que não entendi

direito. Ele se levantou e foi até a porta da frente.

— Vejo você amanhã à noite — eu disse, tentando transmitir uma

confiança que absolutamente não sentia.

Reginald fez uma pausa e depois se virou para mim, com uma

expressão ilegível.

— Por favor, tenha cuidado — ele disse, sua voz mais suave do que

eu já ouvi.

Meus olhos ficaram subitamente úmidos.

— Eu vou.

— Bom — disse ele. E então, no tom zombeteiro que eu estava

muito mais acostumada a ouvir dele, acrescentou: — Porque se algo

acontecer com você amanhã à noite, Frederick vai me matar pela

segunda vez.
o número 2314 da s. hedgeworth way ficava no final
de uma pequena rua sem saída, uma casa bege e branca de dois andares

que era quase idêntica a todas as outras casas bege e branca de dois

andares da rua. Tinha uma bandeira americana hasteada em um mastro e

– sim, lá estava ela – uma cesta de basquete montada em um galpão bege

e branco um pouco mais escuro ao lado.

Apenas as gárgulas de pedra de sessenta centímetros de altura

montadas em cada lado da garagem – e o vampiro de um metro e oitenta

de altura suspenso no ar cerca de três metros acima da cesta de basquete

– distinguiam esta casa de alguma forma de seus vizinhos.

Meus olhos se voltaram para o vampiro no ar.

Reginald chegou antes de mim.

Isso foi bom.

Foi também minha deixa para sair do carro e me aproximar de casa.

— Obrigada — eu disse ao meu motorista do Uber. Minhas mãos

tremiam tanto que me esforcei para abrir a porta do carro. A noite ficou

mais fria nos quarenta e cinco minutos desde que saí do apartamento de

Frederick. Ou talvez sempre tenha sido alguns graus mais frio no

extremo oeste do lago. Apertei um pouco mais meu casaco de inverno

enquanto me aproximava de casa para me aquecer – e para tentar

acalmar meus nervos agitados.

Reginald e eu concordamos que eu cuidaria da conversa primeiro. O

vídeo que fizemos mostrou claramente que um deles fez parte dessa

trama. Se os vampiros dentro desta casa soubessem que o referido

vampiro veio comigo esta noite, isso poderia complicar as coisas de uma

forma que poderia pôr em risco tanto a segurança de Frederick quanto a

de Reginald. A ideia era que ele ficaria em segurança, fora de vista e no

ar, a menos e até que as coisas dessem errado – e eu precisasse de

intervenção vampírica.

Olhei para ele novamente enquanto me aproximava da casa. Ele

assentiu de forma tranquilizadora. Meu estômago estava embrulhado.


Uma voz no fundo da minha cabeça gritava para eu correr, correr, sair

daqui mais alto a cada passo que eu dava.

Mas Frederick precisava de mim.

Então continuei avançando, colocando um pé na frente do outro até

que, finalmente, cheguei à porta da frente.

Quando eu estava prestes a bater, com o coração batendo forte no

peito, ouvi alguém pigarrear deliberadamente e muito alto, a cerca de um

metro e meio de distância.

— Com licença — disse o limpador de garganta. — Mas você

conhece essas pessoas? — O orador parecia ter cerca de cinquenta anos,

a boca virada para baixo nos cantos em uma carranca de desaprovação.

Ele usava um casaco de inverno, calças de pijama de lã escura e um

chapéu de lã vermelho com luvas combinando.

De todos os cenários que Reginald e eu passamos ao longo das

últimas vinte e quatro horas, nenhum havia incluído o que fazer em caso

de interferência de um vizinho intrometido. Mas parecia que havíamos

passado por um cenário a menos.

— Eu... Eu não os conheço — gaguejei. — Ou melhor, eu sei quem

eles são. Mas não sei se eles os conhecem, se é que você me entende.

— Hum. — A carranca de desaprovação do homem se transformou

em uma carranca franca. — Você está aqui para comprar drogas,

presumo.

Meus olhos se arregalaram.

— Perdão?

O homem apontou para as janelas da frente da casa. Pela primeira

vez percebi que estavam todos cobertos com folhas escuras de plástico.

— Eles escureceram todas as janelas, nunca saem durante o dia e

todo tipo de maluco entra e sai desta casa a noite toda. — Ele contou

cada um dos crimes contra a sociedade cometidos por seus vizinhos

com dedos longos e estendidos. — Não sei de onde você vem, mas por

aqui isso aponta apenas para uma coisa.

Fiz uma pausa, esperando que ele me dissesse o que era aquilo.

Quando tudo o que ele fez foi olhar para mim com um sorriso de
satisfação, imaginei:

— Isso significa… drogas?

— Isso significa drogas — ele confirmou.

— Eu não sei nada sobre isso — eu disse muito rapidamente,

lutando por uma razão plausível para minha presença ali que faria esse

cara ir embora. — Eu acabei de... Só estou aqui porque… — Lambi os

lábios e disse a primeira coisa que me veio à cabeça. — Por causa da

conta de internet.

Não precisei erguer os olhos para saber que Reginald estava

revirando os olhos para mim com tanta força que corriam o risco de cair

da cabeça.

Incrivelmente, o homem pareceu aceitar minha explicação.

— Não me surpreende que pessoas como essas atrasem suas contas

— ele murmurou.

— Exatamente — eu disse, tentando rir. Saiu mais como uma risada

e soluço.

Ele me deu um tapinha no ombro, piscou para mim de uma maneira

que, em qualquer outra circunstância, seria a coisa mais assustadora que

já aconteceu comigo naquele dia, e disse:

— Continue com o bom trabalho, querida.

Enquanto ele voltava para sua casa bege e branca de dois andares,

fechei os olhos e respirei fundo várias vezes. Eu tive que me acalmar. Eu

ainda não tinha feito nada e me senti a segundos de sair da minha

própria pele.

Arrisquei mais uma olhada para Reginald. Ele assentiu e me mostrou

um duplo sinal de positivo.

Já era tempo.

— Aqui vamos nós — murmurei baixinho e bati na porta.

parte de mim esperava que frederick fosse o único a


responder à minha batida. Mas quando a porta se abriu, não fiquei
surpreso ao ver a Sra. Fitzwilliam – de rosto pálido, desta vez sem

maquiagem berrante – parada do outro lado.

Ela não me convidou para entrar. Ela também não mediu palavras.

— Você trouxe com você? — Ela olhou para mim, uma mão no

quadril, a outra abanando o rosto, como se o ar frio da noite que

atravessava meu casaco de inverno fosse quente demais para ela.

Agora que eu estava lá, não pude deixar de me perguntar se Edwina

Fitzwilliam poderia ter sido um tipo diferente de pessoa antes de se

transformar. Ela tinha sido uma mãe boa e gentil para Frederick quando

ele era pequeno? Eu esperava que sim. Eu odiava a ideia do pequeno

Frederick crescer em uma casa com alguém assim como mãe.

Dei um tapinha no bolso da frente da minha calça jeans, onde havia

escondido meu celular antes de entrar no Uber.

— Sim.

— Vamos ver isso.

Peguei meu telefone e abri o aplicativo de fotos.

— Está bem aqui — eu disse, antes de apertar o botão play.

Minha voz subiu levemente no meu telefone, e precisei de tudo que

eu tinha para não me encolher ao me ver gesticulando loucamente na

sala de estar de Frederick com um saco de sangue doado em cada mão.

De alguma forma, o clipe parecia ainda mais ridículo aqui, no meu

telefone, na frente da mesma pessoa que eu esperava ameaçar com ele.

Mas mesmo assim pareceu ter um efeito profundo na mãe de

Frederick. Ela recuou, horrorizada. Suas palmas trêmulas foram para seu

rosto enquanto ela assistia ao vídeo meu alertando a todos sobre a

ameaça iminente dos vampiros norte-americanos.

Guardei meu telefone no bolso quando o clipe curto terminou. A mãe

de Frederick se afastou de mim, voltando lentamente para dentro de

casa.

— Se concordarmos em romper o noivado e deixá-lo ir — ela

começou com uma voz sussurrante, a mão tremendo na garganta —,

você vai destruir isso?


Ela parecia aterrorizada. Felizmente para mim, porém, esse foi o

acordo mais fácil que já fiz.

— Sim.

— Essa noite?

— Bem aqui — eu ofereci. — Bem na frente dos seus olhos.

Ela assentiu, mas só pareceu parcialmente apaziguada.

— Nanmo me disse que é possível fazer cópias de coisas assim. Você

promete destruir todas as outras cópias se libertarmos meu filho? E não

colocar no TikToks?

— Esta é a única cópia — assegurei a ela. — Quando eu excluir do

meu telefone, ninguém mais poderá vê-lo. — Fiz uma pausa e tentei

manter a cara séria quando acrescentei: — Prometo que nunca colocarei

isso no TikToks.

Ela hesitou, como se não tivesse certeza se deveria acreditar em

mim. E então, depois do que pareceram minutos inteiros, ela respirou

fundo.

— Se você está mentindo para mim — ela começou —, vamos caçá-

la como a cachorra que você é.

A porta bateu na minha cara.

Olhei para Reginald, que tinha uma expressão cautelosa.

— Estou descendo — disse ele, flutuando até o chão como se fosse

baixado por uma corda invisível. — Acho que ela acreditou, mas…

Antes que ele pudesse terminar seu pensamento, a porta se abriu

novamente.

Lá estava Frederick, vestido com as mesmas roupas com que saiu do

apartamento algumas noites atrás, quando foi ao encontro no Ritz-

Carlton. Meus olhos percorreram-no, observando cada centímetro dele –

desde a maneira desgrenhada como seu cabelo caía na testa até a

camiseta branca de mangas compridas que se agarrava aos seus ombros

largos como se ele tivesse nascido para não usar mais nada.

Seu olhar fixou-se no meu, como se ele fosse tão incapaz de parar de

olhar para mim quanto eu de parar de olhar para ele. Ele parecia ainda

mais pálido do que o normal, com olheiras rodeando seus olhos que eu
nunca tinha visto antes. Mas ele estava aqui, e estava inteiro, e sorria

para mim com um olhar de tanta ternura e admiração que me senti uma

tola por ter duvidado de seus sentimentos.

— Você veio — ele disse, com voz rouca. Seus olhos estavam

arregalados, incrédulos. — Sua mulher brilhante.

O alívio me inundou ao som de sua voz. Balancei a cabeça, não

confiando em mim mesma para falar.

— Você não vai me chamar de brilhante? — Reginald fez beicinho

em algum lugar atrás de mim. — Eu também ajudei.

— E você ainda teve que aturar Reginald enquanto fazia isso — disse

Frederick, ignorando-o. Ele se moveu em minha direção de onde estava

na entrada, estendendo a mão para mim. Depois de passar dias sem o

seu toque, o abraço de Frederick foi como voltar para casa. Eu me senti

ao mesmo tempo enraizada no lugar e a segundos de cair no chão

enquanto ele me segurava, seu peito largo firme sob minha bochecha,

suas mãos um contraponto gelado ao calor do meu casaco de inverno.

Seu toque me aqueceu por dentro mesmo assim.

— Devíamos ir — Reginald interrompeu bruscamente.

Frederick ergueu a bochecha de onde ela havia pousado no topo da

minha cabeça.

— Você está certo — ele concordou. Ele se afastou um pouco mais

para poder olhar nos meus olhos. — Eles me deixaram ir, Cassie. Mas

não é seguro ficarmos aqui mais um momento.

— Eu me ofereceria para levá-los de volta ao seu apartamento, mas

não posso carregar vocês dois — disse Reginald. Ele acrescentou,

sorrindo: — Eu também prefiro não estar perto de vocês dois,

pombinhos agora, de qualquer maneira.

Frederick olhou para ele e estava prestes a dizer algo em resposta

quando coloquei a mão em seu braço.

— Está tudo bem — eu disse, muito rapidamente. — Vou chamar

um Uber. Não deve demorar muito para chegar aqui a esta hora.

Programei o local de encontro para alguns quarteirões de distância

da casa dos vampiros, só para garantir. Não há necessidade de desafiar o


destino logo depois de recuperá-lo.

— Obrigado por me salvar, Cassie — Frederick murmurou, sua voz

baixa e admirada. — Como eu tive tanta sorte?

Eu o beijei, incapaz de me conter.

— Podemos conversar sobre isso mais tarde — sussurrei contra seus

lábios. — Por enquanto, vamos levar você para casa.

na maior parte do tempo, mantivemos as mãos longe um


do outro durante a viagem de quarenta e cinco minutos do Uber de volta

ao apartamento. Os olhos de Frederick continuavam fechando, e o fato

de eu poder ver facilmente suas presas sempre que ele estava totalmente

acordado me disse que ele estava exausto demais para glamourizar nos

invisíveis para o motorista. Afastei seu cabelo para trás e para longe de

sua testa enquanto ele cochilava, tentando não imaginar o que ele deve

ter passado nos últimos dias para deixá-lo tão cansado depois do pôr do

sol.

No momento em que voltamos para dentro do apartamento, porém,

ele parecia ter voltado a si. Ele me conduziu pela porta aberta até a sala,

como se agora que estávamos aqui ele não quisesse perder mais tempo.

— Espere — eu disse, quando ele se moveu para me envolver em

seus braços. Eu queria me aproximar dele, deixá-lo me beijar e me tocar.

Para beijá-lo e tocá-lo de volta. Mas eu tinha perguntas primeiro. —

Você acabou de ser mantido em algum lugar contra sua vontade por três

dias, e antes de nós... fazermos algo, eu tenho que saber. Você está

realmente bem?

Ele assentiu e diminuiu a distância entre nós novamente.

— Eu estou agora. — Sua voz estava cheia de tanto calor e promessa

que meus joelhos quase cederam. Quando seus braços me envolveram e

me puxaram para ele novamente, foi fácil dizer a mim mesma que essa

conversa ainda poderia acontecer enquanto estávamos nos tocando.


Descansei minha cabeça em seu peito novamente, em uma

aproximação de como ficamos quando nos reunimos em frente à casa de

Naperville. Ele começou a me balançar suavemente, para frente e para

trás. Nunca me senti tão aliviada e tão satisfeita.

— Reginald me contou partes do que aconteceu — murmurei, minha

voz abafada pelo tecido de sua camisa. — Mas eu preciso ouvir isso de

você. É a única maneira de acreditar que você está realmente bem.

Os braços de Frederick se apertaram ao meu redor. Ele suspirou,

deixando a cabeça cair para frente até descansar no meu ombro.

— É exatamente como Reggie disse — ele murmurou. — A família

de Esmeralda não aceitou bem eu acabar com o noivado. — Ele recuou

e ergueu os pulsos, que tinham marcas vermelhas de raiva que eu não

tinha notado antes. — Na minha ausência, conheci muito bem a

masmorra deles.

Minha respiração ficou presa.

— Eles machucaram você.

— Um pouco — ele admitiu. — Não muito. Somos imortais, mas

como nossos corações não batem, nosso sangue não flui como o seu. O

que, por sua vez, significa que leva um tempo irritantemente longo para

as feridas cicatrizarem. — Ele me presenteou com um meio sorriso

irônico. Deus, como eu sentia falta de seus sorrisos. — Meus pulsos

ficaram firmemente amarrados apenas durante parte de um dia. Eu

prometo que esta lesão parece muito pior do que é.

Ele avançou e me envolveu em seus braços novamente. Fechei os

olhos, enterrando meu rosto em seu ombro, respirando-o.

De alguma forma, encontrei coragem para fazer a pergunta que mais

precisava de resposta.

— Então o noivado definitivamente acabou agora?

— Sim. — Sua voz profunda era tão forte como eu já tinha ouvido.

— Terminei o noivado em definitivo. Ironicamente, Esmeralda ajudou

nisso. Ela não estava muito interessada em se casar com alguém que

preferia apodrecer numa masmorra suburbana a ser seu marido. Ela

interveio em meu nome junto aos pais dela ao mesmo tempo em que
você inventou sua brilhante estratégia de TikTok. — Ele recuou e

colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. — Ela é uma

mulher sensata, pelo menos na medida em que qualquer um dos

Jamesons é uma pessoa razoável. Ela simplesmente não é a mulher certa

para mim.

O calor em seu olhar era inconfundível. Corei com a implicação

óbvia do que ele estava dizendo e olhei para o chão.

— Senti sua falta — admiti. Parecia uma tolice sentir tanta falta de

alguém que eu conhecia há apenas algumas semanas. Mas era a verdade.

— Também senti sua falta. — Ele fez uma pausa e acrescentou: —

Eu escrevi para você — Suas palavras foram um estrondo profundo sob

meu ouvido. Ele realmente me escreveu enquanto estava preso? Eu me

enterrei mais perto dele, meu coração tão cheio que parecia prestes a

explodir. — Entreguei as cartas aos meus guardas e pedi que as

enviassem para você. Quem sabe o que os Jamesons fizeram com elas?

Você recebeu alguma das minhas cartas?

Meu peito apertou com a esperança que ouvi em sua voz.

— Não — eu admiti. — Eu não recebi nada de você. — Pensei

brevemente em contar a ele como interpretei seu silêncio a princípio, as

preocupações irracionais que eu nutria. Mas então ele suspirou,

apoiando o queixo no topo da minha cabeça, e minhas preocupações

pareceram muito tolas e distantes para serem justificadas com palavras.

— Sinto muito — disse ele.

— O que as cartas diziam?

Ele se afastou um pouco, seus olhos escuros e convidativos, seus

cílios molhados com algo que, se eu não soubesse melhor, teria

assumido que eram o começo de lágrimas. Ele olhou nos meus próprios

olhos como se estivesse tão paralisado pelo que viu nos meus quanto eu

estava pelo que vi nos dele.

Então ele assentiu, como se estivesse tomando uma decisão.

— Elas disseram isso — ele murmurou, um momento antes de dar

um beijo suave em meus lábios.


A parte racional da minha mente estava me dizendo que não

deveríamos fazer isso agora. As olheiras que ele ainda tinha sob os olhos

desmentiam sua afirmação de que estava bem, e eu não tinha certeza se

ele estava me contando a verdade sobre aquelas marcas vermelhas de

raiva em seus pulsos.

Também precisávamos conversar sobre o que seríamos um para o

outro agora que não havia mais noiva e que não havia nada entre nós

além da minha própria mortalidade.

Mas Frederick estava me beijando com muita urgência – suas mãos

embalando meu rosto, emaranhando-se em meu cabelo; a evidência do

quanto ele me queria já pressionando quente e urgentemente contra meu

quadril – que eu decidi que essas conversas poderiam esperar para mais

tarde.

— Pensei em você sem parar enquanto estive fora — ele murmurou,

beijando as palavras em meu rosto. — Sua paixão pelo que você faz, seu

espírito gentil. Sua beleza. Sua bondade. — Suas mãos estavam ficando

inquietas, subindo e descendo pelas minhas costas enquanto seus lábios

encontravam a parte inferior da minha mandíbula, quando se agarraram

ao ponto doce e sensível onde o pescoço encontra o ombro. Joguei meus

próprios braços ao redor dele, puxando-o para mais perto, nem mesmo

percebendo que ele estava me apoiando contra a parede até senti-la,

firme e sólida, atrás de mim.

— Eu pensei em você também — confessei, saboreando a maneira

como ele estava dando atenção ao meu corpo. Ainda estávamos

totalmente vestidos, mas o toque de suas mãos em cada lado da minha

cintura queimou minha camisa como se eu não estivesse usando nada.

— Eu pensei em você o tempo todo.

— Por favor, me diga que você vai ficar comigo. — Suas palavras

eram pouco mais que um sussurro, sopradas em meu ombro enquanto

ele me beijava ali. — Com as suas convicções e os seus talentos, é

apenas uma questão de tempo até que a sua situação financeira melhore

e você não precise mais participar do nosso acordo original. Mas…


Sua menção ao que me levou a morar com ele em primeiro lugar me

tirou do momento, me lembrando que eu ainda não tinha contado a ele

sobre minha entrevista com Harmony. De repente, era importante para

mim que ele soubesse.

— Você pode estar certo sobre a melhora da minha situação

financeira.

Frederick fez uma pausa, bem no meio de fazer algo absolutamente

delicioso com o lóbulo da minha orelha.

— Hum?

— Enquanto você estava fora, fui entrevistada naquela escola. — Eu

não consegui evitar o sorriso na minha voz. — Eu acho que correu bem.

Nada está resolvido ainda, é claro. Mas estou esperançosa.

Ele enterrou o rosto na curva do meu pescoço e me puxou mais

perto.

— Claro que correu bem. Querida Cassie, nunca duvidei que você os

encantaria completamente. A maneira como você encanta a todos. —

Ele fez uma pausa. — A maneira como você me encantou.

Perdi a conta de quanto tempo ficamos ali na sala, abraçados. Minha

mente girou. Talvez ele estivesse certo sobre mim todo esse tempo.

Talvez se eu acreditasse em mim mesma pela metade do que ele

acreditava em mim, eu não precisaria de uma situação de vida com

amarras por muito mais tempo.

Mas isso não mudaria o que eu sentia.

Ou o fato de que eu gostaria de ficar com ele mesmo que o

contracheque eventualmente se tornasse uma parte mais regular da

minha vida.

— Não me atrevo a esperar que alguém como você escolha ficar com

alguém como eu — ele finalmente continuou. — Mas isso não muda o

quanto eu quero que você fique comigo aqui, mesmo assim.

Engoli.

— Você tem certeza sobre isso? Vou envelhecer um dia. Não ficarei

assim para sempre.


— Eu não me importo — ele disse, categoricamente. E então, com

um brilho nos olhos, acrescentou: — Além disso, sempre serei mais

velho que você.

Eu ri apesar de tudo, então coloquei meus dedos sob seu queixo para

que ele tivesse que me olhar nos olhos. Sua expressão estava cheia de

uma vulnerabilidade tão dolorosa que roubou o fôlego dos meus

pulmões.

Eu balancei a cabeça.

— Eu quero ficar.

Quando ele me beijou novamente, decidi que saber exatamente o que

viria a seguir poderia esperar.


EPÍLOGO

UM ANO DEPOIS
eu estava arrumando minha mala para ir para casa no
final do dia quando meu telefone tocou várias vezes, avisando que eu

tinha novas mensagens.

Levei um minuto para encontrar minha bolsa na minha bolsa de arte.

Agora que eu estava ensinando em tempo integral e precisava levar

suprimentos para o metrô todos os dias, a sacola que carregava comigo

era a maior que já tive. Parecia que a coisa tinha pelo menos uma dúzia

de bolsos internos – bolsos onde minhas chaves e meu celular

desapareciam constantemente.

Quando consegui localizar meu telefone, Frederick já havia enviado

quase uma dúzia de mensagens de texto.

Espero por você na entrada do prédio de Belas


Artes.

Estou usando uma roupa que escolhi esta tarde.

Aquela Henley verde que você gosta, combinando


com calça preta.

Acho que você aprovaria.

Ou espero que você aprove, de qualquer maneira.

Mas suponho que só o tempo dirá.


Sinto sua falta.

Uma risada borbulhou dentro de mim.

Frederick J. Fitzwilliam, de trezentos e cinquenta e um anos, estava

enviando mensagens de texto usando emojis.

Era quase impossível acreditar.

Eu tenho que guardar algumas coisas antes de


estar pronta para sair

Estamos trabalhando em plásticos esta semana

Então minha sala está uma bagunça

Dê-me 15 minutos

Também sinto saudade

Eu o encontrei onde ele disse que estaria, em um local com sombra

do lado de fora do prédio de artes plásticas da Academia Harmony. Ele

estava encostado na parede de tijolos do prédio, com as pernas cruzadas

na altura dos tornozelos, absorto em alguma coisa no telefone.

Quando me aproximei, ele olhou para cima e me deu um sorriso

brilhante.

— Você está aqui.

— Eu estou — eu concordei. Peguei sua mão e apertei. — Como foi

o seu dia?

Ele encolheu os ombros com um ombro só.

— Foi bom. Tedioso. Passei a maior parte do tempo em

comunicação com nosso corretor de imóveis, que parece pensar que

deveríamos conseguir fechar nossa nova casa até o final do próximo mês.

— Ele fez uma pausa. — Passei o resto do dia ouvindo Reginald falar

amorosamente sobre seu contador.

Um grupo de alunos da minha aula vespertina de soldagem passou.

Eles acenaram para mim e eu acenei de volta para eles, sorrindo. Ainda

era muito difícil acreditar que eu estava nesse trabalho, com alunos que

me respeitavam e queriam ouvir o que eu tinha a dizer.


Quando me voltei para Frederick, ele estava olhando para mim com

uma expressão tão acalorada que era quase inapropriada, visto que não

estávamos apenas no meu local de trabalho, mas também na frente de

um monte de crianças.

— Reginald tem um contador? — Eu perguntei, empurrando a alça

da minha bolsa um pouco mais para cima no meu ombro. — Mesmo?

— É o que parece.

— Por que?

— É preciso muita experiência para administrar a riqueza que

começou a acumular há duzentos anos. — Ele me deu um sorriso torto.

— Reginald nunca teve cabeça para os negócios, o que não deveria ser

surpresa, mas ao longo dos anos acumulou uma fortuna mais do que

suficiente para subsidiar o seu estilo de vida. De qualquer forma, parece

que ele se apaixonou por seu contador muito humano, o que levou a

todos os problemas que você possa imaginar e a alguns que você

provavelmente não conseguirá.

Ele provavelmente estava certo sobre isso.

— Não vamos mais falar sobre Reginald — sugeri. Acenei com a

cabeça descendo a colina onde ficava o prédio de belas artes, em direção

ao pequeno lago artificial situado no centro do campus de Harmony e ao

caminho que o circundava. A minha impressão quando fui entrevistada

aqui, um ano antes, de que provavelmente era um local popular para

passear quando o tempo estava bom, revelou-se correta. Era um lugar

favorito para ir caminhando na hora do almoço, depois dos jogos de

lacrosse e nas tardes de sexta-feira. — Vem dar um passeio comigo?

Estava quente para o início de dezembro e eu queria passar um

pouco mais de tempo lá fora aproveitando antes de voltar para casa. O

céu nublado não tornaria as coisas muito desconfortáveis para Frederick,

que estava suficientemente recuperado de seu século de sono acidental

para ser capaz de realizar excursões diurnas, desde que houvesse sombra

adequada. Além disso, eram quatro horas da tarde de um dia de

dezembro em Chicago; o sol não nasceria por muito mais tempo de

qualquer maneira.
Para minha surpresa, Frederick hesitou, com uma expressão de dor

passando por seu rosto.

— O que é? — Eu perguntei, preocupado.

— Nada. — Ele balançou a cabeça e então transformou suas feições

em uma aparência de sua expressão normal. Ele apertou minha mão. —

Uma caminhada ao redor do lago parece adorável.

o caminho estava mais lotado do que o normal para


uma terça-feira, com grupos de estudantes e até mesmo algumas pessoas

não afiliadas ao Harmony aproveitando o clima excepcionalmente

ameno com um passeio à beira do lago. Embora caminhar pelo campus

fosse geralmente uma de nossas atividades favoritas no meio da semana

– a capacidade de Frederick de ficar acordado durante o dia por períodos

mais longos era algo de que ele gostava de aproveitar – a caminhada não

parecia ter diminuído sua agitação anterior. Ele visivelmente se

assustava toda vez que um grupo particularmente indisciplinado de

estudantes passava por nós no caminho, e os dedos da mão que eu não

segurava batiam em staccato constante em sua coxa direita.

Quando Frederick quase deu um pulo com a aproximação de um

pato grasnando ruidosamente sobre algo que deveria ter visto na grama,

parei de andar e puxei sua mão.

— O que há de errado? — Perguntei.

— O que? — Seus olhos estavam no pato, que agora bamboleava

ruidosamente de volta à água. — Nada está errado. Por que você

pensaria que algo estava errado?

Sua voz estava meia oitava mais alta do que o normal, as palavras

pronunciadas quase o dobro do seu ritmo normal de fala.

— Só um palpite — eu disse, olhando para ele.

— Não há nada de errado — ele disse novamente. Sua mandíbula se

mexeu enquanto ele olhava para os pés, para a água, para as nuvens no

céu. — Eu prometo. Podemos… podemos continuar andando?


A última vez que o vi tão agitado foi quando conversamos sobre nos

mudarmos juntos para um novo apartamento. Um que não parecia ser só

dele. Um que não carregasse consigo as más associações do século que

ele passou incapacitado demais para perceber o mundo ao seu redor.

Algo estava definitivamente em sua mente.

— Seja o que for — eu disse com a voz mais gentil que pude —,

você pode me dizer.

Ele fechou os olhos com um suspiro estremecedor.

— Há algo que eu gostaria de perguntar a você.

Ele enfiou a mão profundamente no bolso da calça. Quando ele

puxou-o novamente, em sua mão havia uma pequena caixa de veludo.

Meu coração parou.

— Não tenho o direito de pedir que você fique comigo para sempre

— disse ele. Sua voz recuperou a cadência e o tom normais. Fiquei me

perguntando se ele estava começando um discurso que havia praticado

durante minhas longas horas fora do apartamento nos últimos meses,

desde que comecei meu novo trabalho aqui. — Mas eu nunca disse que

não era um homem egoísta. Ou que eu era uma boa pessoa, aliás.

— Você não é egoísta — insisti. — E você é uma das melhores

pessoas que conheço.

Ele acenou com a mão desdenhosa.

— Pontos sobre os quais as mentes razoáveis podem divergir,

suponho. Mas o que quero perguntar é... — Ele se interrompeu. Fechou

os olhos. Balançou a cabeça. — O que vim aqui hoje para falar com

você é…

— Você quer que eu pense sobre isso — eu disse, interrompendo-o.

Um bando de patos atravessava o caminho a poucos metros de nós,

grasnando ruidosamente uns para os outros enquanto meu mundo inteiro

girava lentamente em seu eixo.

Frederick assentiu lentamente.

— Sim — ele sussurrou.

Então ele abriu a caixa em sua mão.


Eu nunca pensei muito sobre como eu gostaria que meu anel de

noivado fosse se algum dia eu recebesse um. Sempre achei os diamantes

meio bonitos, mas de um jeito insípido e sem personalidade. Eu nunca

fui capaz de me imaginar usando um – na mão ou em qualquer outro

lugar.

O anel que estava aninhado dentro da caixa de veludo preto tinha um

rubi vermelho-sangue no centro que tinha o tamanho e a forma geral de

uma moeda de dez centavos, mas com facetas interessantes cortadas que

refletiam a luz do sol quando as mãos trêmulas de Frederick o

empurravam um pouco.

Posso nunca ter pensado muito sobre o que queria em um anel de

noivado, mas de repente soube que nunca veria um mais bonito ou mais

perfeito do que este.

— Se eu disser sim — eu disse, minha respiração começando a ficar

muito rápida —, você vai precisar me ensinar o que fazer.

Arrisquei olhar para seu rosto. Ele estava olhando para mim com

uma expressão que eu não conseguia ler.

— Ensinar você o que fazer? — ele repetiu.

— Sim — eu disse. — Eu moro com você há mais de um ano, mas

você tem sido tão cuidadoso para me manter longe dos… aspectos mais

detalhados das coisas. Precisarei saber exatamente no que estou me

metendo se eu… — Parei, tentando pensar em como expressar o resto

do que estava pensando de uma forma que não assustasse nenhum

transeunte.

— Se você…? — Frederick perguntou.

— Se eu arriscar — eu disse sem rodeios. Pronto. Isso deve cobrir

tudo. Eu levantei minhas sobrancelhas significativamente.

De repente, ele entendeu o que eu estava tentando dizer.

— Sim, claro. Querida, vou lhe contar tudo — prometeu Frederick,

suas palavras saindo com seriedade. — Eu vou te mostrar tudo o que

você quiser ver. Se, depois de ver e saber como seria para você, você

ainda disser não...

— Eu entendo — eu disse.
— E eu também — ele jurou. — O que você decidir. Este anel é

apenas uma promessa de que você irá…

— Pensar nisso — concordei.

— Sim.

Satisfeita, sorri para ele. E estendi minha mão esquerda.

O rubi estava gelado contra minha pele quando ele deslizou o anel

em meu dedo. Uma vez colocado, nós dois olhamos para ele, incapazes

de acreditar no que acabara de acontecer, até que o sol começou a se pôr

para valer.

Ainda sorrindo para ele, peguei sua mão.

Ele me levou para casa.


Agradecimentos

Nenhum livro é escrito no vácuo. O meu não é exceção. Muitas pessoas

estiveram envolvidas em trazer a história de Cassie e Frederick ao

mundo, e eu seria negligente se não lhes agradecesse agora.

Em primeiro lugar, muito obrigada a Cindy Hwang, de Berkley, por

acreditar em mim e por me dar a oportunidade de escrever a pequena

comédia romântica de vampiros excêntrica do meu coração. Gratidão

infinita também à minha agente fenomenal, Kim Lionetti, que respondeu

pacientemente às minhas inúmeras perguntas e que tem sido o melhor e

mais feroz tipo de defensora.

Uma quantidade impressionante de trabalho aconteceu nos

bastidores de Berkley para imprimir este livro. Serei eternamente grata à

minha genial editora, Kristine Swartz (cujos talentos de edição são

superados apenas por seu excelente gosto para K-dramas) e à sua

assistente editorial, Mary Baker. Obrigada a Christine Legon, editora-

chefe; Stacy Edwards, a editora de produção; e Shana Jones, a editora,

por seu trabalho em tornar este livro legível e bonito. Roxie Vizcarra e

Colleen Reinhart criaram uma capa de livro absolutamente perfeita pela

qual tenho gritado (figurativamente, mas também literalmente) desde

que chegou à minha caixa de entrada. Obrigada a Tawanna Sullivan e

Emilie Mills em Sub Rights; minha assessora de imprensa, Yazmine

Hassan; e Hannah Engler, do Marketing, por trabalhar incansavelmente

para levar a história de Frederick e Cassie às leitoras.


Há tantas outras pessoas em minha vida que preciso agradecer por

estarem ao meu lado enquanto escrevia My Roommate Is a Vampire.

Obrigada a Starla e Dani por serem as primeiras pessoas a ler algo que

eu escrevi e me dizerem que era bom, na verdade. Obrigada a Sarah B.,

Quinn, Marie, Pat, Mateus e Christa por estarem presentes quando o

conceito deste livro foi concebido. (Espero que vocês tenham me

perdoado por ter tirado a virgem do vampiro desta história.) E obrigada a

Celia, Rebecca, Sarah H. e Victoria por examinarem o primeiro esboço

deste livro e me darem um feedback inicial tão valioso.

Agradecimentos especiais a Katie Shepard e Heidi Harper, que

revisaram cada rascunho deste livro enquanto eu o escrevia. Vocês duas

são heroínas absolutas. Vocês forneceram tantos comentários úteis ao

longo do caminho que definitivamente devo um bolo a cada uma de

vocês em um futuro próximo. (Possivelmente também sorvete e/ou um

pacote de seis maracujás La Croix.) Um grande obrigada também às

Berkletes, que são uma potência absoluta de talento e cujos conselhos

foram tão impactantes para mim como autora estreante.

“Obrigada” não é uma palavra grande o suficiente para transmitir

minha gratidão à turma de "Getting Off on Wacker", que não eram

apenas companheiras de cinema maravilhosas quando vimos... hum,

gatos... em dezembro de 2019, mas que se tornaram uma fonte querida

de alegria e apoio nos anos seguintes. Shep, Celia e Rebecca, não sei o

que faria sem sua amizade, suas fotos de gatos, seu senso de humor

ultrajante e sua empatia. Obrigada às minhas amigas do K-drama – Tina,

Emma, Angharabbit, Toni e Bassempire – pela sua inteligência sem fim

e para suas maratonas de televisão que são sempre uma pausa bem-

vinda na escrita. E obrigada a Thea Guanzon, Elizabeth Davis e Sarah

Hawley, cuja amizade – e conversas não oficiais sobre escrita e

publicação – foram uma fonte de validação (e risadas) muito necessária

no ano passado.

Meu marido, Brian, merece reconhecimento especial por seu apoio

infinito em tudo que faço. Obrigada, querido, por sorrir e acenar com a

cabeça de forma encorajadora todas as vezes que perguntei: “Você acha


que meu livro é bom?” antes mesmo de você ter a chance de lê-lo.

Obrigada à minha mãe por me ensinar a ler, anos atrás, enquanto fazia

as vozes dos Muppet; ao meu pai pelos blintzies e panquecas nas férias

em família; ao meu irmão, Gabe, por ser um maravilhoso fotógrafo de

headshots e tutor do Instagram; e à minha irmã, Erica, por ser a pessoa

mais gentil que conheço. E, claro, o maior agradecimento do mundo à

minha filha, Allison, por ser a adolescente mais doce do mundo (apesar

de ela não me achar tão engraçada).

Por fim, quero dar um agradecimento especial à minha incrível

comunidade online de escritoras e fãs. (Vocês, ratos, sabem quem são.)

Vocês me incentivaram a continuar quando lancei ideias para este livro

pela primeira vez nas redes sociais. Vocês me enviaram por e-mail

piadas que me fizeram rir em público e riram em todos os lugares certos

quando este livro nada mais era do que uma sequência de tweets e uma

oração. Para aquelas de vocês que leram este livro em sua verdadeira

infância – e para cada uma de vocês que leram e deram feedback gentil

sobre outras histórias que compartilhei ao longo da última década – não

é exagero dizer que eu não estaria aqui se não fosse por todas aquelas

vezes que vocês me aplaudiram. Do fundo do meu coração, obrigada.

Jenna
Foto por Gabriel Prusak

Durante o dia, Jenna Levine trabalha para aumentar o acesso a

moradias populares no sul dos Estados Unidos. À noite, ela escreve

romances onde coisas ridículas acontecem com pessoas bonitas. Quando

Jenna não está escrevendo, ela geralmente pode ser encontrada chorando

por causa de K-dramas, começando projetos de tricô que ela não termina

ou passando tempo com sua família e um pequeno exército de gatos.

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