A Confusao Do Dizimo e o Dizimo Da Confu

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© N. M. Major 2021.

Todos os direitos reservados

Título
A Confusão do Dízimo
e o Dízimo da Confusão

Autor
Norman Monteiro Major

Editor
Norman M. Major

Revisão
Marina de F. Jesus
Mateus Major

1ª Edição∕2021

Capa
Mpanda Mbuta Kene

Revisão Geral
João Angelino

Proibida a reprodução por quaisquer meios


Depósito legal (fotocópia, offset, fotografia, etc.) sem o consentimento
9903/2021 escrito do autor, a não ser em citações breves com
indicação da fonte.

Todas as citações bíblicas, salvo indicação contrária, foram extraídas da versão ACF.

N. M. Major: A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão: um estudo bíblico sobre o dízimo.

ISBN 978-989-53012-4-9

JA Editora
Clese-Huambo
Jaeditora20@gmail.com
Tel: +244 999 999 940
+244 940 158 046
Em memória do tio ZACARÍAS, que depois de se render
aos pés do Senhor Jesus Cristo, suportou todas as dores
possíveis, mas não voltou para atrás, deixando um exemplo
de fidelidade e rendição a Deus. Queria tanto que lesse este
livro, mas Deus concedeu-lhe o descanso oportuno antes
do lançamento desta obra.
SUMÁRIO
Agradecimentos.................................................................................................................vii
Prefácio.................................................................................................................................ix
Introdução..........................................................................................................................11
1 Velho Testamento Versus Novo Testamento...........................................................17
Velho Testamento.........................................................................................................18
Novo Testamento.........................................................................................................22
Superioridade do Novo Testamento..........................................................................26
Está Consumado...........................................................................................................28
2 O Dízimo Antes Do Velho Testamento....................................................................39
Dízimo da Suméria (5000-3000 AC)..........................................................................39
Melquisedeque Não é Jesus Cristo.............................................................................47
Dízimo de Jacó..............................................................................................................53
3 O Dízimo No Velho Testamento...............................................................................59
Os levitas e o Dízimo...................................................................................................59
A Instituição do Dízimo: Números 18......................................................................63
Características do Dízimo............................................................................................68
Malaquias e o Dízimo...................................................................................................77
4 O Dízimo No Novo Testamento................................................................................99
Dízimo dos Fariseus.....................................................................................................99
O Orgulho do Dizimista............................................................................................102
Príncipe Não Justificado pelo Dízimo....................................................................104
O Dízimo de Hebreus 7............................................................................................107
O Caso de I Coríntios 9.............................................................................................112
Dízimo na Igreja Primitiva........................................................................................113
A Compreensão de Estêvão......................................................................................120
O Surgimento do Dízimo na Igreja.........................................................................124
5 Argumentos Dos Dizimistas.....................................................................................141
Argumento 1: Quem não dá o dízimo não está salvo..........................................143
Argumento 2: O dízimo é também encontrado no Novo Testamento.............149
Argumento 3: Os que não dão o dízimo são contra a obra de Deus................152
Argumento 4: O dízimo é da lei, é antes da lei e é depois da lei........................155
Argumento 5: Dar segundo propor seu coração não é sobre o dízimo............157
Argumento 6: O dízimo não nos pertence.............................................................160
Argumento 7: Não cabe a nós administrar o dízimo............................................162
Argumento 8: O dízimo avança a obra de Deus...................................................164
Argumento 9: O dízimo faz parte do estilo de vida do adorador......................167
Argumento 10: Enquanto houver liderança deve-se dar o dízimo.....................170
Argumento 11: A ordem de Melquisedeque é eterna...........................................173
Argumento 12: Paulo defende o princípio do dízimo..........................................177
Argumento 13: Não dar o dízimo é um roubo......................................................179
Argumento 14: Ananias e Safira foram mortos por causa do dízimo...............181
Argumento 15: Até Cristo pagava taxas..................................................................183
Argumento 16: Não há refutação clara na Bíblia contra o dízimo.....................184
6 O Significado Espiritual Do Dízimo........................................................................195
Parte Separada da Terra.............................................................................................197
Herança de Deus.........................................................................................................207
O Valor da Alma.........................................................................................................211
Bibliografia........................................................................................................................219
Agradecimentos
Ao Pai Celestial e ao SENHOR Jesus Cristo, pela graça imensurável e indescritível que
derramaram sobre mim. Sem o favor divino eu teria continuado no caminho largo, e nunca teria
tido a segunda chance de voltar para o lar e, deixar de cobiçar a comida dos porcos. Quando olho
para a minha trajetória, não consigo escapar a percepção de que foi Deus quem me resgatou, guiou
e capacitou para poder mergulhar nas coisas que busco compartilhar nesta obra.
Agradeço de modo especial à minha esposa Marina Mateus Major, pelo amor e apoio total com
que me agraciou. Amo-te! Agradeço à minha primeira professora, aquela que me ensinou a ler e a
escrever, minha mãe Suzana Monteiro (infelizmente nos deixaste cedo demais), obrigado por todo
gesto de amor e carinho que marcaram a pessoa que hoje sou. Tenho também de agradecer ao
Adilson Costa, por ter-se disponibilizado a fazer uma espécie de investigação de campo, onde
colheu opiniões muito úteis, fazendo entrevistas com o seu telemóvel em praça pública. Não me
posso esquecer da forma aberta como fui encorajado e até desafiado a terminar este livro pelo
Manuel Marques, o Director da Visionários Editora. Que Cristo vos retribua generosamente.
Para amadurecer algumas ideias que apresento neste livro foi graças ao magnífico livro do
teólogo americano Russell Earl Kelly, intitulado: “Should the Church Teach Tithing? A Theologian’s
Conclusions about a Taboo Doctrine”, e as contribuições, discussões e perguntas que recebi dos meus
irmãos: Eduardo M. Sambu, Marley Fuku, Afonso Cutambo, Neves Cutambo, Laura Tyassuku,
Tomás Yambi, Sandra Fungula, Celestino Daniel, Fábio Samuel, Daniela Calunga, Tadeu Freitas e
de todos com quem de uma forma ou doutra tratei sobre o dízimo, pelo que agradeço de todo o
coração e em nome de Jesus.
Entretanto, qualquer insuficiência que a actual obra eventualmente apresentar será de minha
inteira responsabilidade.
Que Deus vos abençoe!
Prefácio
Desde muito cedo, fiquei a saber sobre o projecto deste livro: A Confusão do Dízimo e o Dízimo
da Confusão. Dentre os vários debates que tivemos, Norman Monteiro Major e eu, o título
mereceu a minha crítica, pois me parecia estranho e mormente controverso. Mas, depois dos
argumentos de razão do autor, permaneceu este título. Aliás, o tema em si é desafiante pelo facto
de contrastar em grande medida com um conjunto de saberes que adquirimos ao longo dos
tempos, essencialmente, sobre a questão do dízimo. Os argumentos trazidos ao longo do livro não
são levianos nem de mera vontade própria, pelo contrário, são fundamentados nas Santas
Escrituras. Por essa razão, ao ler este livro, desafio-lhe, a orar ao SENHOR e fazer um estudo
minucioso das referências bíblicas sugeridas para evitar conclusões prematuras.
O livro está dividido em seis partes ou capítulos se preferir: Velho Testamento e Novo
Testamento; O Dízimo Antes do Velho Testamento; O Dízimo no Velho Testamento; O Dízimo
no Novo Testamento; Argumentos dos Dizimistas e finalmente, O Significado Espiritual do
Dízimo.
No primeiro capítulo, encontramos duas ideias centrais. Na primeira parte o irmão Norman
esclarece, com bases bíblicas, as fronteiras que delimitam não só o Antigo Testamento (AT), mas
também o Novo Testamento (NT), emancipando as várias percepções de que o Génesis-Malaquias
e Mateus-Apocalipse são os marcos do AT e NT. Na segunda parte, o autor mostra o
derramamento de sangue como sendo o sinal do início de ambos os testamentos. Essas duas
partes servem para sustentar a tese de que as referências que Jesus Cristo faz sobre o dízimo ao
falar com os fariseus não se aplicam aos princípios do NT, visto que se enquadram no VT e que
no NT a lei, os sacrifícios sucessivos, os holocaustos e os mandamentos cerimoniais ganham uma
reinterpretação espiritual.
Ao debater o dízimo antes do VT, já no segundo capítulo, o autor apresenta pelo menos três
ideias centrais: algumas evidências de povos existidos muito antes do VT como: os sumérios, os
egípcios, os fenícios, árabes, povos da Ásia Ocidental, gregos, romanos e outras nações da Europa
terem práticas de oferenda, a que o autor chamou de espécie de dízimo, como primícias dos
produtos da terra, anualmente, e não só, bem como os despojos obtidos nas guerras.
Na segunda parte, o autor traz um esclarecimento sobre a tese de que “Abrão deu o dízimo à
Melquisedeque antes mesmo da Lei, por essa razão não é a Lei que institui o dízimo, e por isso o
dízimo não pode passar por causa da abolição da Lei”. Nesta parte, o autor defende que esta
prática de Abrão terá sido mais por força de direito costumeiro, ou seja, por força de leis sumérias
de onde Abrão tinha proveniência, e que, portanto, não era sob nenhuma orientação divina. Já na
terceira parte, o irmão Major mostra a não sistematização da entrega do dízimo, por parte de
alguns personagens bíblicos, mesmo na ausência de uma orientação divina ou por orientação
profética.
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

No terceiro capítulo, debruça-se sobre o dízimo no AT, fazendo uma caracterização do mesmo
em Génesis 14 e, o de Malaquias 3. Também podemos ver a explicação da natureza do dízimo, não
obstante já ter existido dinheiro naquela época e também a periodicidade do dízimo. Ainda no
terceiro capítulo, podemos ver pelo menos três tipos de dízimo e a quem eram entregues. Podemos
ainda aprender sobre a referência do devorador numa visão mais literal e também figurativa. O
capítulo termina fazendo uma diferenciação entre a Casa de Deus e a Casa do Tesouro.
O quarto capítulo, introduz a tese de que a referência de Mateus 23:23-24 não legitimou a
prática do dízimo, se não apenas confrontar e expor a hipocrisia daqueles fariseus que se diziam
guardiões da Lei, e que também o VT ainda vigorava. O autor elucida que o todo da vida vale mais
que o dizimar. Ainda neste capítulo, o autor enfatiza à luz das Sagradas Escrituras que nem Abrão,
não obstante ter dado o dízimo, nem a igreja primitiva, em nenhuma instância ensinavam que
dízimo devesse ser mantido no NT. O capítulo termina com a confirmação de que o dízimo
cobrado nos nossos dias é diferente daquele que se apresenta o povo de Israel praticava e, que não
passa de uma criação de mais de cinco séculos depois de Cristo.
O quinto capítulo abre um aceso debate, onde, pelo menos 16 argumentos conhecidos por
muitos de nós, são confrontados à luz da Bíblia Sagrada. O autor enfatiza não haver necessidade
de se praticar o dízimo, porque este a igreja começou a cobrar entre o final do século oitavo e
princípio do século nono depois de Cristo e, que se cada discípulo de Jesus, segundo Hebreus
10:11-14 já é, de certa forma, perfeito e santo, torna-se desnecessário e até ridículo a entrega do
mesmo. Vai mais longe dizendo que a cobrança do dízimo nos nossos dias não passa de uma
doutrina humana que para nada serve, senão para enganar crentes e criar confusão.
Não termina por aí, depois de elucidar alguns equívocos sobre o dízimo, vai além, no capítulo
sexto e último, procura trazer o significado espiritual do dízimo. A tese neste capítulo é de que “os
salvos em Cristo representam uma espécie de dízimo espiritual, pertença exclusiva de Deus”. E
nos mostra que se a alma do homem tem mais valor que o mundo inteiro como atesta Mateus
16:24-26, então qualquer dízimo fora deste espectro seria uma mera oferta barata e indigna para o
“Deus tão Único em Dignidade, Bondade e Perfeito amor”. Já a terminar, o autor diz que por
Deus não ser o autor da confusão, que os discípulos de Jesus exponham o engano.

Tomás de Aquino Yambi

x
Introdução
Quando em meados de 2018, em conversas com alguns irmãos, anunciei a minha intenção de
escrever sobre o dízimo, no intuito de desvendar que a prática não sobrevive a um exame bíblico
integral, à luz do Novo Testamento, a reacção foi de espanto por parte deles; de alguma forma
acharam que eu estava a pisar na linha vermelha. Tentei, por uns minutos, mostrar-lhes algumas
inquietações e citei certos versículos no intuito de revelar que havia muito mais no ensino do que o
simples Malaquias 3:10, entretanto, fiquei com a impressão de que os irmãos sofreram uma espécie
de dissonância cognitiva, ou seja, as verdades que eu estava a apontar não se encaixavam na
estrutura teológica que eles até então conheciam e, daí uma confusão no processamento dos
preceitos a que foram expostos por mim.
Passados alguns meses, voltamos encontrar-nos numa conferência, no auditório da União dos
Escritores Angolanos, desta vez, um dos irmãos aproximou-se de mim e disse “Irmão Norman,
continuas empenhado em escrever sobre o dízimo? Andamos a pensar naquela conversa que
tivemos, e só queria te dizer que se escreveres o livro vais te tornar no próprio demónio para
muitos pastores. Estás mesmo preparado para isso?”
Ninguém gostaria de ser chamado de “demónio” principalmente por pastores e pessoas que
servem a Deus. Nem mesmo eu gostaria de ser demonizado por ter buscado com determinação e
fé escrever estas páginas de estudo sobre o dízimo. Entretanto, nem sempre o que gostaríamos de
fazer é mais forte do que aquilo que deveríamos fazer. À medida que amamos a Deus, somos
levados a falar das verdades que conhecemos sobre Ele. Foi assim que, desde o primeiro dia que
escrevi as primeiras palavras jamais consegui parar de pensar em terminar com o trabalho que
havia iniciado.
Na verdade, a consciência de que escrever sobre o dízimo é algo muito sensível no meio
evangélico não surge no momento em que o irmão acima me abordou sobre a possível reacção de
muitos pastores. A princípio, eu nunca havia imaginado escrever sobre este tema, por essa razão,
deixe-me descreve-lhe como acabei por escrever este livro, para que você tenha uma ideia do meu
background.
Embora tivesse crescido num meio evangélico, só em 2013 me rendi aos pés de Jesus Cristo, em
meu quarto, convicto e arrependido da vida carnal e cheia de hipocrisia que me caracterizava.
Clamei ao SENHOR por misericórdia e Ele me salvou, e mudou completamente a minha forma
de encarar o mundo, as pessoas, a mim mesmo, e sobretudo a própria teologia. Este livro é
somente um traço nesta viagem eterna de me render ao Criador.
Ora, importa mencionar que antes de me converter, eu acreditava no ensino do dízimo, tal
como fui endoutrinado na congregação onde eu cresci; mas já tinha algumas dúvidas sobre o
assunto. Uma das dúvidas centrava-se no facto de eu achar (na altura) que os argumentos usados
contra a guarda do Sábado (defendido pelos adventistas) devessem ser, de alguma forma,
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

igualmente aplicáveis ao dízimo. Em minha confusão mental, já me parecia que do mesmo jeito
que os pastores argumentavam contra o Sábado e a circuncisão deviam, por implicação,
argumentar também contra o dízimo. Mas eu não meditava nas Escrituras e as várias respostas que
me davam, embora não me convencessem totalmente, faziam algum sentido (por algum tempo), e
eu preferia sempre acreditar em vez de investigar o assunto, mesmo sabendo, bem no fundo, que
algo não estava esclarecido.
Porém, um dos primeiros acontecimentos que vivi depois de me render a Jesus Cristo foi o
desejo pela leitura das Escrituras. Este evento tinha sido para mim um espanto, um novo mundo se
abriu de um dia para o outro, os mesmos versículos que eu havia lido alguma vez no passado
tinham ganhado outras cores; davam-me novo entendimento. E, rapidamente, comecei a meditar
no amor de Deus, no significado do sacrifício de Jesus Cristo para a humanidade, na justificação,
na fé, no arrependimento e outras doutrinas, e as dúvidas sobre o dízimo voltaram a acender, desta
vez, de forma mais viva. Por não ter guardado as minhas dúvidas e pensamentos em torno do
assunto, certo pastor da congregação onde eu fazia parte, preparou um estudo sobre o assunto e,
na medida que apresentava os versículos e fazia o enquadramento histórico, praticamente estava a
concordar com os pontos que eu havia abraçado. Entretanto, em meio a explicação, juntou-se
algumas ideias estranhas e a conclusão ficou confusa, bem no final, eu e alguns outros irmãos nos
perguntamos: “espera aí, então, será que devemos ou não dar o dízimo?”.
E isso começou inquietar-me, como eu tinha um colega pastor, formado em teologia e outro
também evangélico, indaguei a opinião deles, e estes apresentaram seus argumentos a favor e eu
apresentei os meus; passadas umas semanas de muito debate, convenceram-me (alegadamente) de
que estava equivocado, à luz do Velho Testamento (VT) e do Novo Testamento (NT) era dever de
cada cristão dar o dízimo. Assim, eu havia decidido voltar a dar o dízimo, mas não por muito
tempo.
À medida que o desejo de meditar e de ouvir pregações centradas em Cristo aumentava em
meu coração, comecei a baixar matéria da internet, comprei livros, e assim comecei a conhecer
pregadores de distintas tradições eclesiásticas, algumas bem diferentes do campo pentecostal. Na
altura eu nem sabia distinguir as diferentes linhas teológicas, só queria ouvir pregações que me
falassem de Cristo e me motivassem a amar a Deus um pouco mais.
Certa vez busquei por um tema no Youtube e pela graça de Deus apareceu a pregação de Zac
Poonen com o título: “Algumas verdades que tenho aprendido em 50 anos”, que captou logo a
minha atenção, pensei bem dentro de mim “essa deve ser uma boa oportunidade para aprender
com um ancião na fé”. A verdade é que aquele momento marcou uma virada na minha vida
espiritual. Ouvir aquele sermão foi o esclarecer da maioria das coisas que Deus estava a falar
dentro de mim, mas que por causa da minha tradição religiosa eu não tinha ainda percebido com
clareza. Foi quando os princípios que ele apresentou mostravam a mesma compreensão que eu
estava a ter sobre várias coisas, incluindo o dízimo. Finalmente, percebi que eu não era lunático,
existiam cristãos muito mais piedosos e experientes do que eu, que interpretavam o dízimo do jeito

12
Introdução

que as Escrituras realmente apontam. Posteriormente, quando comecei a ler sobre a história da
igreja só confirmei que afinal de contas toda igreja cristã, até 567, simplesmente não
recomendavam qualquer dízimo.
A partir dali, só fui conhecendo outros pregadores de visão semelhante, desde o Brasil até aos
EUA. Dos EUA conheci Steve Gregg, e este, tal como Zac Poonen, foi um instrumento que Deus
usou para me fazer olhar para o evangelho e para as Escrituras de um modo que eu nunca antes
tinha olhado. De lá para cá o nosso empenho pela meditação bíblica não baixou. Sem dúvidas, hoje
eu vejo que foi Deus quem providenciou o contacto pontual com diferentes servos dEle,
pregadores e teólogos, para estabelecer certos fundamentos que eu necessitava.
Como resultado, em 2017 preparei uma série de cinco estudos bíblicos de quase 8 horas sobre o
dízimo, intitulado “Dízimo: Aquilo que se dá ou aquilo que se é?” 1. Foi um tempo depois que eu
notei que poderia transcrever os áudios em um livro, e assim nasceu este que chegou a si, neste
momento. Acrescentei detalhes que os áudios não contém e busquei estruturar de tal forma a levar
o leitor ao entendimento bíblico e histórico do assunto.
O título do livro surge já muito depois de ter começado a escrever o livro, isso porque na
medida em que fui analisando os factos bíblicos e históricos, mais e mais se tornava evidente que
para defender o dízimo é necessário cometer erros de interpretação de várias passagens bíblicas,
erros de lógica, ter uma mui negligente compreensão da história da igreja, e ou ser mesmo
mentiroso. O ensino do dízimo é como uma cebola em que cada casca é feita de confusão, tiras
um equívoco doutrinal, surge outro e mais outro e outro, por isso o melhor é estudar o assunto
com honestidade e deixar as Escrituras darem o veredito.
O que mais me chamou atenção neste estudo foi o nível de manipulação encontrado nos
argumentos dos teólogos que se esforçam em defender o dízimo. Kelly chamou o mesmo
fenómeno de “theological double-talk”, que traduzido seria mais ou menos “linguagem teológica
ambígua”, onde os mesmos usam de artifícios teológicos para dizer “sim e não” ao mesmo tempo,
tudo no intuito de usar a confusão na compreensão dos leigos para manter a prática do dízimo, e
não assumir abertamente que impor dízimos aos cristãos chega a ser imoral. Eu já fui vítima desta
tática e escrevi este livro para examinar biblicamente cada um dos principais argumentos que
realmente têm confundido os que não dominam o assunto.
Gostaria de aproveitar, de igual modo, esta oportunidade para explicar que o objectivo principal
deste livro não é o de criar polémica (pela polémica), é unicamente mostrar à luz das Escrituras as
verdades fundamentais que não apoiam o ensino do dízimo nas igrejas cristãs, por um lado. Por
outro lado, gostaria de promover a compreensão do NT, especialmente no que tange à prática do
VT também conhecida como dízimo com este livro. Entendo a profundidade e sensibilidade deste
tema, espero que os leitores tenham a visão crítica dos de Bereia (Actos 17:10-11), como disse
Paulo em I Tessalonicenses 5:21: “Examinai tudo. Retende o bem”. A nossa abordagem é
essencialmente histórica e bíblica.

1. https://hearthis.at/audiotec/set/dzimo/

13
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Busquei de todo o coração tratar o assunto com um espírito pedagógico (minha profissão),
porém, em alguns momentos não poderia deixar de fazer críticas incisivas que podem ser
exageradas para aqueles que não concordam com a minha posição. Se realmente acreditamos que
somos salvos pela fé que opera em amor (Gálatas 5:6), então espero que os de opinião contrária
me suportem e não me tratem como se eu fosse um “demónio”, por ter a coragem de expor
abertamente aquilo que acredito ser a verdade do evangelho sobre o dízimo. (Não esqueçam que
todos os primeiros cristãos até o sexto século depois de Cristo tinham a minha opinião, foi deles
que nós recebemos o evangelho, portanto, só estou a defender o que os primeiros discípulos de
Cristo defendiam, e acredito que aprenderam diretamente dos apóstolos e estes do SENHOR).
Finalmente, a minha oração é que ao ler este livro o Espírito Santo abra a sua compreensão
para além das doutrinas de homens, e que a compreensão do carácter de Deus e a dimensão do
sacrifício de Jesus na cruz sejam ampliados, tornando-se mais profundo e verdadeiro, avivando em
seu coração maior devoção e amor ao Criador do céu e da terra.

A Deus toda glória!

14
Parte I
΅
Velho Testamento
Versus
Novo Testamento
1

Velho Testamento Versus Novo Testamento

N a minha experiência em lidar com o debate sobre o dízimo, tenho constatado que o ponto
principal, que pode, ora facilitar ou complicar, a compreensão é a correcta separação do
Velho Testamento e do Novo. Esta tarefa é uma das mais controversas que surge na tentativa de
interpretarmos algumas passagens bíblicas, por exemplo, quando um adventista defende a guarda
do Sábado, os evangélicos respondem que “é assunto do Velho Testamento.” Quando alguns
evangélicos se levantam contra tatuagens, outros segmentos evangélicos também respondem “é
assunto do Velho Testamento”. Afinal de contas, dizer que isso ou aquilo é assunto do VT torna-
se muito complexo, misterioso, dúbio, de tal forma que pode se tornar um esquema para defender
ou ensinar várias coisas estranhas.
Eu não sei qual é a sua história, caro leitor, mas no meu caso, desde os meus sete à oito anos
cresci em ambiente evangélico, porém, não me lembro de ter participado de um ensino ou
pregação que empreendesse um esforço e zelo em buscar esclarecer a diferença entre o Velho e o
Novo Testamento. Lembro-me de ter confrontado um dos líderes da igreja de onde eu fazia parte
com a questão: “se o Sábado é do Antigo Testamento, por que o dízimo também não o é?”, a
resposta foi longa e muito confusa para satisfazer a minha curiosidade infantil de então.
Foi nessas curiosidades que guardei algumas perguntas por muito tempo dentro de mim, e
quando me converti, em 2013, algumas delas levaram-me a buscar respostas nas Escrituras e, em
certos pregadores e professores que passei a respeitar e a acompanhar. Uma das primeiras coisas
que mexeu comigo foi perceber que o Antigo Testamento não começa em Génesis, nem sequer
termina em Malaquias. Esse facto foi somente um dentre vários outros que me obrigaram a
repensar sobre muitos dogmas e conceitos que eu tradicionalmente havia construído ao longo do
tempo de modo não crítico. Não é em vão que Paulo escreve:
Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo,
santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas
sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa,
agradável, e perfeita vontade de Deus. (Rom 12:1-2)
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

É necessário ter entendimento de Deus para caminhar na verdade e seguir nos caminhos da Sua
justiça. Por falta de conhecimento, o inimigo se aproveita e faz das suas falcatruas; muitos são
enganados e muitos são destruídos (Os. 4:6). Quando o Diabo foi tentar o Filho de Deus no
deserto (Mt 4:1-11), vemos que o inimigo usou as Escrituras para induzir Jesus Cristo ao erro, foi
através do conhecimento das Escrituras que o SENHOR resistiu a tentação, tendo manifesto um
nível superior de interpretação, alinhado a verdade e não a distorção do sentido das Escrituras.
No centro da distinção entre o Velho e o Novo Testamento está o entendimento do sacrifício
de Jesus Cristo e o significado de Sua cruz e ressurreição para toda a criação. O entendimento da
obra que o Verbo (João 1:1,14) encarnado executou na cruz é a compreensão da Boa-Nova, o não
entendimento das implicações do sacrifício de Jesus Cristo é, talvez, o pior engano que o Diabo
pode executar, um engano até maior que o de ter levado a Eva a comer do fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal. Por essa razão, vamos começar por analisar um pouco o que é o
Velho Testamento.

Velho Testamento
Quando por exemplo, um carro é considerado velho, significa que já surgiram modelos mais
sofisticados, de modo que o carro velho representa um modelo ultrapassado. A palavra “velho” do
termo Velho Testamento é geralmente usada para se referir a um sistema de mandamentos que
actualmente não está em vigor, em outras palavras, ultrapassado pelo Novo Testamento, por um
lado.
Por outro lado, quando se fala de Testamento trata-se de (a) uma aliança e (b) um documento
deixado por um testador, revelando a vontade do morto, dando legitimidade a distribuição da
herança aos seus beneficiários (particularmente relevante se considerarmos o capítulo seis). Na
concepção judaica, na qual as Escrituras foram essencialmente escritas, o termo Testamento
assume os dois (a e b) sentidos simultaneamente. Deste modo, Velho Testamento significa Velha
Aliança.
Vejamos, em hebraico a palavra aliança é o berit (Strong, H1285), tem como sinónimos os
termos: confederação, pacto ou liga. O mesmo termo tem como sua raiz a palavra berâ (Strong,
H1262) que significa selecionar, cortar, separar, escolher, manifestar ou servir (comida).
Se analisarmos com calma esses dois termos, veremos que não é sem nexo que em quase todas
as instâncias na Bíblia em que se firma uma aliança ou pacto, há algum elemento de derramamento
de sangue (corte/separação) e ou comida. Isso não é só na cultura judaica ou semítica, mas
também em nossas culturas africanas. Por exemplo, onde há casamento há comida, há o
derramamento do sangue de galinhas, cabritos etc. Vejamos alguns exemplos bíblicos:
E eis que veio a palavra do SENHOR a ele dizendo: Este não será o teu herdeiro; mas aquele que de
tuas entranhas sair, este será o teu herdeiro. Então o levou fora, e disse: Olha agora para os céus, e
conta as estrelas, se as podes contar. E disse-lhe: Assim será a tua descendência. E creu ele no
SENHOR, e imputou-lhe isto por justiça. Disse-lhe mais: Eu sou o SENHOR, que te tirei de Ur dos

18
Velho Testamento Versus Novo Testamento

caldeus, para dar-te a ti esta terra, para herdá-la. E disse ele: Senhor SENHOR DEUS, como saberei
que hei-de herdá-la? E disse-lhe: Toma-me uma bezerra de três anos, e uma cabra de três anos, e um
carneiro de três anos, uma rola e um pombinho. E trouxe lhe todos estes, e partiu-os pelo meio, e pós
cada parte deles em frente da outra; mas as aves não partiram. E as aves desciam sobre os cadáveres;
Abrão, porém, as enxotava. E pondo-se o sol, um profundo sono caiu sobre Abrão; e eis que grande
espanto e grande escuridão caiu sobre ele. Então disse a Abrão: Sabes, de certo, que peregrina será a tua
descendência em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos, mas
também eu julgarei a nação, à qual ela tem de servir, e depois sairá com grande riqueza. E tu irás a teus
pais em paz; em boa velhice serás sepultado. E a quarta geração tornará para cá; porque a medida da
injustiça dos amorreus não está ainda cheia. E sucedeu que, posto o sol, houve escuridão, e eis um
forno de fumaça, e uma tocha de fogo, que passou por aquelas metades. Naquele mesmo dia fez o
SENHOR uma aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência tenho dado esta terra, desde o rio do
Egito até ao grande rio Eufrates; e o queneu, e o quenezeu, e o cadmoneu, e o heteu, e o perizeu, e os
refains, e o amorreu, e o cananeu, e o girgaseu, e o jebuseu. (Gn 15:4-21)
Génesis 15 é o relato da aliança que sustenta tanto o Novo como o Velho Testamentos (Ne.
9:7-8), como explicaremos ao longo deste livro, por agora basta notar que houve derramamento de
sangue (animais foram cortados e separados ao meio), essa separação em duas partes é simbolismo
de pacto ou aliança. Depois, temos também o exemplo de Moisés e o povo de Israel, após mais de
400 anos de cativeiro, tal como Deus havia falado a Abrão:
Veio, pois, Moisés, e contou ao povo todas as palavras do SENHOR, e todos os estatutos; então o povo
respondeu a uma voz, e disse: Todas as palavras, que o SENHOR tem falado, faremos. Moisés escreveu
todas as palavras do SENHOR, e levantou-se pela manhã de madrugada, e edificou um altar ao pé do
monte, e doze monumentos, segundo as doze tribos de Israel; E enviou alguns jovens dos filhos de
Israel, os quais ofereceram holocaustos e sacrificaram ao SENHOR sacrifícios pacíficos de bezerros. E
Moisés tomou a metade do sangue, e a pós em bacias; e a outra metade do sangue espargiu sobre o
altar. E tomou o livro da aliança e o leu aos ouvidos do povo, e eles disseram: Tudo o que o SENHOR
tem falado faremos, e obedeceremos. Então tomou Moisés aquele sangue, e espargiu-o sobre o povo, e
disse: Eis aqui o sangue da aliança que o SENHOR tem feito convosco sobre todas estas palavras. (Êx.
24:3-8)
Aqui vemos a instituição do pacto entre Deus e as 12 tribos de Israel, no deserto, após terem
saído do Egipto. As principais marcas de pacto podem ser identificadas, o corte que gera o sangue,
os animais sacrificados, a separação (corte dos animais, metades de sangue…). É de suma
importância notar o aspecto de aliança que envolve comer (Êx. 12:3-20, Lv. 6:16-18, 8:31-32, 22:7-
11, 29-30, Nm. 18:8-20, Mt. 26:26-28). Aqui também temos a proclamação dos termos da Aliança,
e o comprometimento por parte do povo em cumpri-los. Começando do capítulo 20 de Êxodo até
ao 24 encontramos parte dos mandamentos decretados por Deus, aos quais o povo de Israel se
sujeitava a cumprir, outras leis são expandidas nos livros de Levítico, Números e Deuteronómio,
totalizando praticamente 613 leis. Esta é a aliança de Levi, conhecida também por Lei de Moisés
ou mais comumente chamado, Velho Testamento.
Os seguintes versículos fazem referência à Velha Aliança ou Velho Testamento:

19
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua boca devem os homens buscar
a lei porque ele é o mensageiro do SENHOR dos Exércitos. Mas vós vos desviastes do caminho; a
muitos fizestes tropeçar na lei; corrompestes a aliança de Levi, diz o SENHOR dos Exércitos. Por isso
também eu vos fiz desprezíveis, e indignos diante de todo o povo, visto que não guardastes os meus
caminhos, mas fizestes acepção de pessoas na lei. (Ml. 2:7-9)
Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em verdade
vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja
cumprido. (Mt. 5:17-18)
Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais
o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir
aquelas. (Mt. 23:23)
E, cumprindo-se os dias da purificação dela, segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém, para o
apresentarem ao SENHOR (Segundo o que está escrito na lei do SENHOR: Todo o macho
primogênito será consagrado ao SENHOR); e para darem a oferta segundo o disposto na lei do
SENHOR: Um par de rolas ou dois pombinhos. (Lc. 2:22-24)
Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca
esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus. Por isso nenhuma carne será justificada
diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado. (Rom 3:19-20)
Para entendermos que o termo aliança e testamento são palavras sinónimas no contexto bíblico,
podemos começar por notar que a palavra grega diateke (Strong, G1242), tem como significados:
contrato, aliança ou testamento. Este termo surge nas escrituras cristãs visto que os seus escritores
já falavam e escreviam em grego e aramaico devido a colonização que Israel sofreu. Seu uso é
claramente o equivalente do termo hebraico berit. Vejamos dois casos:
E, quando comiam, Jesus tomou o pão, e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai,
comei, isto é o meu corpo. E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei deles todos;
porque isto é o meu sangue; o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão
dos pecados. E digo-vos que, desde agora, não beberei deste fruto da vide, até aquele dia em que o beba
novo convosco no reino de meu Pai. (Mt. 26:26-29)
E tomou o livro da aliança e o leu aos ouvidos do povo, e eles disseram: Tudo o que o SENHOR tem
falado faremos, e obedeceremos. Então tomou Moisés aquele sangue, e espargiu-o sobre o povo, e
disse: Eis aqui o sangue da aliança que o SENHOR tem feito convosco sobre todas estas palavras. (Êx.
24:7-8)
Talvez o caso mais claro que nos mostra como os termos aliança e testamento assumem o
mesmo significado seja o seu uso no seguinte trecho:
Porque onde há testamento, é necessário que intervenha a morte do testador. Porque um testamento
tem força onde houve morte; ou terá ele algum valor enquanto o testador vive? Por isso também o
primeiro não foi consagrado sem sangue; porque, havendo Moisés anunciado a todo o povo todos os
mandamentos segundo a lei, tomou o sangue dos bezerros e dos bodes, com água, lã purpúrea e
hissopo, e aspergiu tanto o mesmo livro como todo o povo, dizendo: Este é o sangue do testamento

20
Velho Testamento Versus Novo Testamento

que Deus vos tem mandado. E semelhantemente aspergiu com sangue o tabernáculo e todos os vasos
do ministério. E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de
sangue não há remissão. De sorte que era bem necessário que as figuras das coisas que estão no céu
assim se purificassem; mas as próprias coisas celestiais com sacrifícios melhores do que estes. (Hb. 9:16-
23).
O escritor do livro de Hebreus faz um trabalho muito valioso ao empreender esforços a fim de
explicar em sua carta a diferença e os termos, tanto do Novo como do Velho Testamento. Na
citação acima, podemos notar que ele faz referência a Êxodo 24:7-8 como sendo o momento em
que o VT é consagrado, isso no Monte Horebe (Sinai). Essa verdade é de suma importância e tem
sido fruto de muitos equívocos. Ao contrário do que cresci acreditando, que o Velho Testamento
começa em Génesis e termina em Malaquias, as Escrituras afinal nos mostram que foi depois de
Moisés aspergir com o sangue de bezerro e bodes, com água, lã purpúrea e híssope tanto o livro
como o povo que se consagrou a Velha Aliança.
Há ainda outro nome também associado ao VT.: Aliança da Circuncisão. Nas seguintes palavras
de Jesus Cristo enquanto defendia a inspiração divina de seu ministério diante dos judeus que
conspiravam contra ele, chama a nossa atenção à circuncisão:
Não vos deu Moisés a lei? E nenhum de vós observa a lei. Por que procurais matar-me? A multidão
respondeu, e disse: Tens demónio; quem procura matar-te? Respondeu Jesus, e disse-lhes: Fiz uma só
obra, e todos vós maravilhais. Pelo motivo de que Moisés vos deu a circuncisão (não que fosse de
Moisés, mas dos pais), no Sábado circuncidais um homem. Se o homem recebe a circuncisão no
Sábado, para que a lei de Moisés não seja quebrantada, indignais-vos contra mim, porque no Sábado
curei de todo um homem? Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça. (Jo. 7:19-
24)
No caso descrito, por Jesus ter curado alguém num Sábado (João 5:1-10), os judeus
(especialmente os líderes) estavam indignados e dispostos a matá-lo, visto que para eles Moisés
lhes havia dado o mandamento de guardar o Sábado (Ex 20:8-11), isso implicava abster-se por
completo de todas as actividades regulares do dia-à-dia. Porém, Cristo mostrou-lhes a contradição
deles, visto que, os mesmos que condenavam a Jesus por fazer milagres ao Sábado aceitavam a
prática da circuncisão nesse mesmo dia.
Entretanto, temos aqui algo sobre a circuncisão que deve chamar à nossa atenção, Cristo disse:
“não que fosse de Moisés, mas dos pais” para enfatizar que a Aliança da Circuncisão (embora seja
ligada à Lei de Moisés) na verdade antecede a Lei. Por isso lemos:
Disse mais Deus a Abraão: Tu, porém, guardarás a minha aliança, tu, e a tua descendência depois de ti,
nas suas gerações. Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós, e a tua descendência depois
de ti: Que todo o homem entre vós será circuncidado. E circuncidareis a carne do vosso prepúcio; e isto
será por sinal da aliança entre mim e vós. O filho de oito dias, pois, será circuncidado, todo o homem
nas vossas gerações; o nascido na casa, e o comprado por dinheiro a qualquer estrangeiro, que não for
da tua descendência. Com efeito será circuncidado o nascido em tua casa, e o comprado por teu
dinheiro; e estará a minha aliança na vossa carne por aliança perpétua. E o homem incircunciso, cuja

21
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

carne do prepúcio não estiver circuncidada, aquela alma será extirpada do seu povo; quebrou a minha
aliança. (Gn.17:9-14)
Essa aliança era primeiramente uma marca na carne de todo o descendente de Abraão, desde
Ismael, Isaque, à posteridade de seu filho Jacó (Génesis 17). Deste modo, entendemos que quando
o povo de Israel era escravizado no Egipto, todos os seus filhos eram circuncidados ao oitavo dia.
Tal como a seguinte citação atesta:
Então Josué fez para si facas de pedra, e circuncidou aos filhos de Israel no monte dos prepúcios. E foi
esta a causa por que Josué os circuncidou: todo o povo que tinha saído do Egito, os homens, todos os
homens de guerra, já haviam morrido no deserto, pelo caminho, depois que saíram do Egito. Porque
todos os do povo que saíram estavam circuncidados, mas a nenhum dos que nasceram no deserto, pelo
caminho, depois de terem saído do Egito, haviam circuncidado. (Js. 5:3-5)
…E deu-lhe a aliança da circuncisão; e assim gerou a Isaque, e o circuncidou ao oitavo dia; e Isaque a
Jacó; e Jacó aos doze patriarcas. (At. 7:8)
Tanto o Velho, como o Novo Testamento são o desenvolvimento ou cumprimento da Aliança
que Deus fez com Abraão em Génesis 15. É na circuncisão que os judeus chamavam à memória a
identidade deles, traçando as gerações até chegar a Jacó, a Isaque e finalmente a Abraão. Vale a
pena tomar nota neste ponto que, a instituição da circuncisão antecede a instituição do Sábado. O
seguinte extrato da oração dos levitas, Jesuá, Cadmiel, Bani, Hasabnéias, Serebias, Hodias, Sebanias
e Petaías pode trazer luz a esse assunto:
…E guiaste-os de dia por uma coluna de nuvem, e de noite por uma coluna de fogo, para lhes iluminar
o caminho por onde haviam de ir. E sobre o monte Sinai desceste, e dos céus falaste com eles, e deste-
lhes juízos retos e leis verdadeiras, estatutos e mandamentos bons. E o teu santo Sábado lhes fizeste
conhecer; e preceitos, estatutos e lei lhes mandaste pelo ministério de Moisés, teu servo. (Ne. 9:12-14)
Assim vemos palavras como Lei, Velha Aliança, Velho Testamento e inclusive Aliança da
Circuncisão (embora sejam referentes a Abraão) acabam significando a mesma coisa. Não
obstante, se concluímos que o Velho Testamento começa em Êxodo 24:6-8, especificamente
quando Moisés aspergiu tanto o livro como o povo, com o sangue de bezerro e bodes, com água,
lã purpúrea e híssope, então, quando termina o Velho Testamento e onde começa o Novo? A
seguir abordaremos sobre estas questões.

Novo Testamento
Semelhantemente, a forma com que se consagrou o Antigo Testamento, com a aspersão de
sangue e água, o Novo Testamento também foi consagrado no derramamento de sangue e água
(Hebreus 8 e 9). Como podemos ler a seguir:
Foram, pois, os soldados, e, na verdade, quebraram as pernas ao primeiro, e ao outro que como ele fora
crucificado; Mas, vindo a Jesus, e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas. Contudo, um dos
soldados lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água. E aquele que o viu testificou, e o

22
Velho Testamento Versus Novo Testamento

seu testemunho é verdadeiro; e sabe que é verdade o que diz, para que também vós o creiais. (Jo. 19:32-
35)
Porque, se o sangue dos touros e bodes, e a cinza de uma novilha esparzida sobre os imundos, os
santifica, quanto à purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se
ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará as vossas consciências das obras mortas, para
servirdes ao Deus vivo? E por isso é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte
para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a
promessa da herança eterna. (Hb 9:13-15)
O Antigo Testamento só passa a ser antigo quando o NT é consagrado, querendo dizer que do
mesmo jeito que o Antigo Testamento começa no Monte Sinai, o Novo Testamento começa no
Calvário, deste modo, podemos concluir: o Antigo Testamento termina no Calvário. Em outras
palavras, quando o sangue e a água dos lombos de Cristo são derramados do seu corpo o Novo
Testamento é consagrado, a semelhança de Êxodo 24:6-8. Lemos no seguinte trecho:
Ora, se ele estivesse na terra, nem tampouco sacerdote seria, havendo ainda sacerdotes que oferecem
dons segundo a lei, os quais servem de exemplo e sombra das coisas celestiais, como Moisés
divinamente foi avisado, estando já para acabar o tabernáculo; porque foi dito: Olha, faze tudo
conforme o modelo que no monte se te mostrou. Mas agora alcançou ele ministério tanto mais
excelente, quanto é mediador de uma melhor aliança que está confirmada em melhores promessas.
Porque, se aquela primeira fora irrepreensível, nunca teria teria buscado lugar para a segunda. Porque,
repreendendo-os, lhes diz: Eis que virão dias, diz o Senhor, em que com a casa de Israel e com a casa de
Judá estabelecerei uma nova aliança, não segundo a aliança que fiz com seus pais No dia em que os
tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; como não permaneceram naquela minha aliança, Eu
para eles não atentei, diz o Senhor. Porque esta é a aliança que depois daqueles dias Farei com a casa de
Israel, diz o Senhor; porei as minhas leis no seu entendimento, e em seu coração as escreverei; e eu lhes
serei por Deus, e eles me serão por povo; e não ensinará cada um a seu próximo, nem cada um ao seu
irmão, dizendo: conhece o Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior.
Porque serei misericordioso para com suas iniquidades, e de seus pecados e de suas prevaricações não
me lembrarei mais. Dizendo Nova aliança, envelheceu a primeira. Ora, o que foi tornado velho, e se
envelhece, perto está de acabar. (Hb. 8:4-13)
O autor da citação busca explicar que Jesus Cristo nasceu judeu da tribo de Judá, segundo a
carne (2 Sm. 7:12-13/Rm. 1:1-3) e segundo a Lei (Ex. 28: 1-2, 41:43/Lv. 18:19-26) os sacerdotes só
podiam ser da tribo de Levi, por esta razão, o escritor de Hebreus afirma que Cristo não podia ser
sacerdote segundo os critérios do Antigo Testamento, logo, Ele, Jesus Cristo, é apresentado como
sacerdote, segundo a Ordem de Melquisedeque (em distinção a Ordem de Arão/Levítica) é o
mediador de uma Nova Aliança, uma aliança melhor e um ministério mais excelente. O NT é
diferente da Velha Aliança, exatamente por esta última ter sido menos excelente e inferior.
Vejamos:
Porque dele (Cristo) assim se testifica: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de
Melquisedeque. Porque o precedente mandamento é ab-rogado por causa da sua fraqueza e inutilidade
(Pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou) e desta sorte é introduzida uma melhor esperança, pela qual
chegamos a Deus. E visto como não é sem prestar juramento (porque certamente aqueles, sem

23
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

juramento, foram feitos sacerdotes, mas este com juramento por aquele que lhe disse: Jurou o Senhor, e
não se arrependerá; Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque), de tanto melhor
aliança Jesus foi feito fiador. E, na verdade, aqueles foram feitos sacerdotes em grande número, porque
pela morte foram impedidos de permanecer, mas este, porque permanece eternamente, tem um
sacerdócio perpétuo. (Hb. 7:17-24)
O termo ab-rogado, segundo o Dicionário Verbo da Língua Portuguesa, significa fazer cessar a
existência ou obrigatoriedade de uma lei, abolir, revogar ou ainda fazer cair em desuso, fazer
desaparecer, suprimir. Outra coisa importante de notarmos é, o autor de Hebreus não somente
afirma que o Novo Testamento é mais excelente e superior, mas também nos aponta para as
razões, por exemplo, ao dizer que a Lei nenhuma coisa aperfeiçoou está a mostrar que o Novo
Testamento aperfeiçoa (II Coríntios 3:15-18/I Pedro 5:10) e ainda no que diz respeito a validade
da Aliança, o Antigo Testamento foi temporário, tanto Moisés, Arão e os levitas morreram e o
próprio Deus já antes havia anunciado a afirmação de outra Aliança, um Novo Testamento
(Jeremias 31:31-34). O Novo Testamento ao contrário do Velho é perpétuo e não passageiro. Por
isso lemos:
Ora, o Deus de paz, que pelo sangue da aliança eterna tornou a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus
Cristo, grande pastor das ovelhas, vos aperfeiçoe em toda a boa obra, para fazerdes a sua vontade,
operando em vós o que perante ele é agradável por Cristo Jesus, ao qual seja glória para todo o sempre.
Amém. (Hb. 13:20-21)
O VT tinha a sua justiça centrada no cumprimento dos mandamentos recebidos no Sinai
(Romanos 10:5/Tiago 2:10-12), mas o NT, que é superior, tem a sua justiça centrada na fé que
opera através do amor (Gálatas 5:6). Inaugurada a Nova Aliança, em todo mundo é proclamada a
justificação pela fé (leal) em Jesus Cristo, diferente da Aliança da Circuncisão (da carne), diferente
do Antigo Testamento, de vários mandamentos, assim Paulo escreveu:
Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também
crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto
pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. (Gl. 2:16)
O Novo Testamento é o culminar da justiça de Deus, manifeste na Sua fidelidade em cumprir
tanto a promessa feita a Eva (Génesis 3:15) como todas as promessas feitas a Abraão (Génesis
17:1-22), de tal modo que o Antigo Testamento pode ser visto como uma etapa deste processo de
redenção da humanidade. Paulo explica o seguinte:
Logo, a lei é contra as promessas de Deus? De nenhuma sorte; porque, se fosse dada uma lei que
pudesse vivificar, a justiça, na verdade, teria sido pela lei. Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do
pecado, para que a promessa pela fé em Jesus Cristo fosse dada aos crentes. Mas, antes que a fé viesse,
estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar. De maneira
que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados. Mas,
depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio. Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo
Jesus. Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu
nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo

24
Velho Testamento Versus Novo Testamento

Jesus. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a promessa. (Gl. 3:
21-29).
Esta palavra é digna de aceitação e de suma importância para toda a humanidade, visto ser ela a
dar sustentação à pregação do Reino de Deus, a remissão dos pecados e a salvação de todo aquele
que crê em Jesus Cristo. Como vai fazer sentido João 3:16 se não percebemos o significado da
morte e ressurreição de Jesus Cristo? É a partir deste ponto fundamental que o evangelho se revela
verdadeiramente como sendo BOA-NOVA (I Timóteo 1:10). Isso é o Novo Testamento e graças a
Deus é eterno, Aleluia! O perigo de negligenciarmos a diferença e a superioridade do Novo
Testamento pode ser vista nas duras palavras de Paulo dirigidas a igreja de Gálatas:
Oh insensatos Gálatas! Quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, a vós, perante os olhos de
quem Jesus Cristo foi evidenciado, crucificado, entre vós? Só quisera saber isto de vós: recebestes o
Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo
Espírito, acabeis agora pela carne? (Gl 3:1-3)
De todas as cartas escritas por Paulo a carta dirigida aos Gálatas é a mais severa, quase sem
nenhum elogio, é repreensão do princípio ao fim. Os cristãos de Gálatas estavam a confundir as
duas Alianças, de tal forma que muitos entre eles, seduzidos por judeus que haviam crido em
Cristo, mas que ainda guardavam algumas práticas ou mandamentos do Antigo Testamento,
estavam a adotar práticas da Lei. Para o apóstolo Paulo, todos que abraçavam tal comportamento
ou que induziam a igreja a abraçar eram repreensíveis, incluindo o próprio Apóstolo Pedro
(Gálatas 2:11-21).
No verso primeiro do capítulo 3 da carta aos Gálatas, vemos Paulo considerando a mensagem
do Novo Testamento como sendo a verdade (João 1:17) que devemos obedecer, em seguida ele
fala sobre a cruz de Cristo que é o lugar da consagração da Nova Aliança, e a sua pergunta sobre o
critério pelo qual recebemos o Espírito Santo é o ponto principal por que ele busca mostrar a
tolice de todos aqueles que procuram a justificação pelas obras do Antigo Testamento. Paulo no
verso terceiro traz a diferença entre as duas alianças, sendo que “começar no Espírito” (Gálatas
4:21-31) é referente ao Novo Testamento e “terminar na carne” é referente ao Velho Testamento
ou Aliança da Circuncisão (Génesis 17:9-4).
Assim como a circuncisão servia de selo ou marca de aliança na carne dos judeus, o Espírito
Santo dentro de cada discípulo de Cristo serve de selo para os filhos de Deus (Efésios
1:13/Romanos 8:8-9), no Novo Testamento. Paulo está a enfatizar que para ser filho de Deus
precisamos ter o selo do Espírito Santo e este não recebemos segundo o cumprimento dos
mandamentos do Velho Testamento, por isso ele vai mais longe e considera uma apostasia um
discípulo de Cristo se voltar para as obras da Lei, como se pode ler a seguir :
Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do
jugo da servidão. Eis que eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos
aproveitará. E de novo protesto a todo o homem, que se deixa circuncidar, que está obrigado a guardar
toda a lei. Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído. Porque
nós pelo Espírito da fé aguardamos a esperança da justiça. Porque em Jesus Cristo nem a circuncisão

25
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor. Corríeis bem; quem vos
impediu, para que não obedeçais à verdade? Esta persuasão não vem daquele que vos chamou. Um
pouco de fermento leveda toda a massa. Confio de vós, no Senhor, que nenhuma outra coisa sentireis;
mas aquele que vos inquieta, seja ele quem for, sofrerá a condenação. Eu, porém, irmãos, se prego ainda
a circuncisão, por que sou, pois, perseguido? Logo o escândalo da cruz está aniquilado. (Gl. 5:1-11)
Não creio que existam palavras mais duras para exprimir a gravidade de abraçarmos as práticas
da Lei ou de impormos os mandamentos da Lei ao Novo Testamento. Quando ele diz que “essa
persuasão não vem daquele que vos chamou” está a dizer que se trata de uma manipulação
diabólica, visto que, só o diabo estaria interessado em anular o escândalo da cruz (I Coríntios 1:23-
24) que é a pregação da boa-nova da salvação (Romanos 1:16).

Superioridade do Novo Testamento


Paulo, na defesa da fé, apresenta os seguidores do Antigo Testamento como sendo
descendentes da escrava Hagar, e os discípulos de Cristo e participantes do Novo Testamento
como sendo filhos da promessa, tal como Isaque. De tal modo, da mesma forma que o filho da
carne (Ismael) perseguia o filho (Isaque) nascido de acordo ao Espírito assim também os do Velho
Testamento perseguem os do Novo. Atentemos para o seguinte:
Mas nós, irmãos, somos filhos da promessa como Isaque. Mas, como então aquele que era gerado
segundo a carne perseguia o que o era segundo o Espírito, assim é também agora. Mas que diz a
Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da escrava herdará
com o filho da livre. De maneira que, irmãos, somos filhos, não da escrava, mas da livre. (Gl. 4:28-31)
Em todos os aspectos, o Novo Testamento é superior ao Velho, os principais pontos que
mostram a inferioridade do Antigo Testamento, são como constam na tabela a seguir:
Tabela 1: Velho Versus Novo Testamento

Velho Testamento (VT) Novo Testamento (NT)

1. Passageiro (Jr. 31:31- Eterno (Lc. 1:31-33/2 Pe. 1:11/Dn.


32/II Co. 3:6-18) 7:27/2 Sm. 7:16/Hb. 1:8)

2. Inicia no Monte Sinai Inicia no Calvário (Lc. 23:33/Mt.


(Êx. 24:16) 27:33)

3. Consagrada com Consagrada com o sangue de


sangue de animais (Êx. Jesus Cristo (Hb. 9:13-15/Jo.
24:6-8) 19:32-35)

4. Dadas as 12 Tribos de Dado a todas as nações (Jo. 1:1-

26
Velho Testamento Versus Novo Testamento

Israel (Ml. 4:4/Êx. 12:4-


17/Jo. 3:15-21)
16)

5. Não justifica (Gl. 2:16, Justifica (Rm. 3:23-31, 4:13-16/Tt.


3:11/At. 13:39) 3:7)

6. Não Aperfeiçoa (Cl. 2:22-


Aperfeiçoa (Hb. 9:11-14, 10:14-23,
23/Hb. 7:11-19, 9:9,
11:39-40)
10:1)

7. Da carne/Exterior (Cl. Do Espírito/Interior (Hb. 8:10/1 Co.


2:20-23/Gl. 4:22-26) 3:2-3/Rm. 8:6)

8. De vários sacrifícios (Hb. De um único sacrifício (Hb. 7:27,


7:27) 9:25-28)

Sacerdócio aberto a todos


9. Sacerdócio restrito ao
discípulos (1Pe. 2:9/Ap. 20:6/Hb.
Levita (Êx. 25:41-43)
13:15)

10. Manda lembrar o Manda lembrar o sacrifico de Cristo


Sábado (Êx. 20:8) (Lc. 22:19/1Co. 11:23-26/At. 20:7)

11. Santuário/Tabernáculo Santuário/Tabernáculo Celeste (Hb


Terrestre (Hb. 9:1-5/) 9:11-24)

12. Sumo-sacerdote
Sumo-sacerdote Perfeito (Hb. 7:28)
Imperfeito (Hb. 7:23-27)

13. Sombra (Hb. 9:9,


Realidade (Hb. 10:5-10/)
10:1/Col 2:17)

14. Da escravidão (Gl. 4:24-


Da liberdade (Gl. 4:26-30)
25)

15. Insuficiente (Hb. 8:7-8) Suficiente (Rm. 13:10)

16. De menor juízo De maior juízo (Hb. 10:25-31/Hb.

27
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

12:14-29)

17. Ministério da Ministério da Reconciliação (I Co.


Condenação (1Co. 3:9) 5:18-19/Hb. 2:17/Rm. 5:10)

18. Lei do Pecado e Morte


Lei do espírito e Vida (Rm. 8:2, 9-
(Rm. 8:2,7:5/I Cor.
11, Jo. 6:53)
15:56)

19. Trouxe Apenas


Trouxe a Graça e a Verdade (Jo.
Mandamentos (Êx.
1:14-17/Cl.1:6)
24:9/Ne 9:13)

Mais glorioso (I Pe. 1:16-17/Hb. 3:2-


20. Glorioso (II Co. 3:11)
6)

21. Garantia bênçãos Garante Bênçãos Espirituais (I Pe.


Temporais (Dt. 28:1-12) 1:4/Ef .1:3)

22. Olhava para Conquista


Olha para Glorificação (I Jo. 3:2/ I
Completa de Canaã (Gn.
Co. 15:42-46/Rm. 8:30/Ef. 1:5)
17:8/Êx. 6:2-4)

Está Consumado
Estava a investigar algumas coisas sobre o Templo de Israel e fui até à página de Times of
Israel2 que tinha como título “The Women Waiting and Weaving-for the Third Temple”
traduzindo seria “As Mulheres em Espera e Tecendo para o Terceiro Templo”. A matéria relata o
caso de um pequeno grupo de mulheres judias que estariam a tentar recriar o véu que separava o
Lugar Santo do Lugar Santo dos Santos no Templo de Jerusalém. Essas são também conhecidas
por “The Women of the Veil Chamber”, ou seja, “As Mulheres do Compartimento do Véu”. Para
elas, aprender a tecer o véu é uma das formas de se prepararem para o dia em que o Templo será
reconstruido. Entretanto, dizia a fonte, a tarefa é quase impossível, visto que, tudo deve ser
aprendido do zero. Desde as técnicas de costura, as cordas especiais de seis fios segundo o texto
bíblico, à produção do azul correcto, púrpura e tintura escarlate, e todas essas são artes perdidas.
Esse empreendimento é particularmente recente, naturalmente que nenhum esforço deste tipo
existiu antes que o Estado de Israel fosse formado em 1947. Para a maioria dos cristãos à volta do
2. www.timesofisrael.com.

28
Velho Testamento Versus Novo Testamento

mundo, o judaísmo anda perdido pois rejeitou o Messias. Todo o ritual relativo à Lei foi
ultrapassado quando Cristo se entregou na cruz; as Escrituras relatam-nos que quando Cristo
morreu na cruz, o véu do Templo rasgou-se, simbolizando a eliminação de quaisquer barreiras
entre Deus e os gentios através de Cristo.
E Jesus, dando um grande brado, expirou. E o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo. E o
centurião, que estava defronte dele, vendo que assim clamando expirara, disse: Verdadeiramente este
homem era o Filho de Deus. (Mc. 15:37-39)
É interessante notar, “as mulheres do compartimento do véu” estão engajadas em reconstruir o
véu que o próprio Deus rasgou aquando da morte de Seu filho unigénito. Tendo sido o sangue de
Cristo que rasgou o véu do Templo, todo o esforço em reconstrui-lo simboliza a anulação do
sacrifício de Jesus na cruz do Calvário.
Dito isto, pode-se afirmar a princípio: pior do que “as mulheres do compartimento do véu” a
maioria das denominações cristãs têm-se esforçado para recriar o véu, através da introdução de
práticas do judaísmo que nem Cristo, nem os apóstolos recomendaram à Igreja. O dízimo é
somente um destes exemplos, não precisamos de ir longe para notar traços judaizantes no seio
cristão. Uns se esforçam em pronunciar o nome de Jesus em Hebraico, outros constroem réplicas
da arca da aliança, uns são chamados de levitas e tantas outras coisas semelhantes.
A diferença entre o Velho Testamento e o Novo Testamento é um assunto que para muitos não
é fácil de entender, porém, a dificuldade encontrada não é por falta de passagens bíblicas que de
modo objectivo esclarecem as coisas, a dificuldade surge porque a maioria dos cristãos prefere
deixar as Escrituras pegar poeira na cómoda, outros só a usam no dia do culto, outros fizeram de
seus líderes seus mediadores (entre as Escrituras e eles, e entre Deus e eles), algo que a bíblia
condena (I Timóteo 2:5).
Para além da ignorância das Escrituras, há ainda outra fonte de confusão, trata-se da linguagem
sofisticada e ambígua de muitos pregadores, que de modo muito engenhoso se servem de
ambiguidade, quando explicam, pegam versículos de difícil interpretação, e fazem comparações
simbólicas muito “avançadas” e aí o crente leigo fica confuso, convence-se de que o assunto é
“muito alto” para ele, e para evitar entrar no grupo dos “rebeldes” ou “crentes complicados”
prefere somente calar e seguir a tradição a aprofundar mais o estudo. Perguntar mais a fundo, por
vezes, é equiparado a ser um rebelde! Escrever um livro sobre o assunto, para alguns, só mesmo
um “demônio”.
A seguinte passagem é provavelmente a mais usada sempre que alguém busca marcar a
diferença entre os dois testamentos:
Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em verdade
vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja
cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos
homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será
chamado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e
fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus. (Mt. 5:17-20)

29
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Jesus Cristo disse “não vim ab-rogar, mas cumprir” e depois diz “até que o céu e a terra
passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido”. Essas são as
palavras mais manipuladas de modos a tentar refutar tudo o que está espelhado na Tabela nº 1.
Porém, não é necessário ser doutorado em teologia para entender o que Jesus disse nos mesmos
versículos.
A palavra cumprir está repetida três vezes, deixando claro que representa uma ideia de suma
importância que o emissor (Jesus Cristo) queria transmitir. Ao enfatizar, Ele sugere que a
compreensão do conceito “cumprir” é fundamental para a compreensão da mensagem que Ele
busca passar.
Jesus Cristo no primeiro caso está a elevar a ideia de “cumprir” sobre a ideia de “ab-rogar”
(anular), é como dizer “eu não vim arrendar a casa, mas sim comprar”. O termo grego usado aí é o
pleiróu (Strong/G4137) e seu significado envolve: completar, preencher, fartar, tornar cheio,
encher completamente, consumar etc. Em outras palavras, não se trata de repetir um acto
ordenado, mas sim de executar o mesmo de uma vez satisfazendo o propósito da própria ordem.
Vejamos exemplos da mesma linguagem em outras passagens:
Mas é para que se cumpra a palavra que está escrita na sua lei: Odiaram-me sem causa. (Jo. 15:25)
Jesus, porém, respondendo, disse-lhe: Deixa por agora, porque assim nos convém cumprir toda a
justiça. Então ele o permitiu. (Mt. 3:15)
E eis que ficarás mudo, e não poderás falar até ao dia em que estas coisas aconteçam; porquanto não
creste nas minhas palavras, que a seu tempo se hão-de cumprir. (Lc. 1:20)
Bem-aventurada a que creu, pois hão-de cumprir-se as coisas que da parte do SENHOR lhe foram
ditas. (Lc. 1:45)
Nas três primeiras passagens (João 15:25, Mateus 3:15 e Lucas 1:20) a palavra grega usada é a
mesma (Strong/G4137). Vale a pena notar que em João 15:25 Cristo diz: “a palavra que está
escrita na sua lei” que quer dizer que Jesus aqui interpreta a lei levítica e as profecias dos profetas
que Lhe antecedem como sendo sinónimos. O que tem acontecido é que muitos pensam que
“cumprir a lei” significa obedecer detalhadamente aos 613 mandamentos da Velha Aliança,
pensamentos estes que as Escrituras não concordam, sobretudo, se nos lembrarmos das seguintes
palavras:
Mestre, qual é o grande mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E
o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos
dependem toda a lei e os profetas. (Mt. 22:36-40)
O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem
maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos. (Jo. 15:12-13)
Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo. (Gl. 6:2)

30
Velho Testamento Versus Novo Testamento

Todavia, se cumprirdes, conforme a Escritura, a lei real: Amarás a teu próximo como a ti mesmo, bem
fazeis. Mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, e sois redarguidos pela lei como
transgressores. (Tg. 2:8)
A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama
aos outros cumpriu a lei. Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso
testemunho, não cobiçarás; e se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao
teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo. De sorte que o cumprimento da lei é o
amor. (Rm. 13:8-10)
Há nestas passagens (Mateus 22:36-40/ João 15:12-13/Gálatas 6:2/Romanos 13:8-10) uma
clara elevação do amor para com Deus e para com o próximo em relação as restantes leis, quer
dizer que esses dois mandamentos são os “fundamentais”, não estão na categoria ou nível de
qualquer outra lei do Velho Testamento. Na verdade, vale a pena lembrar também que antes das
613 leis, existiram homens (Abel, Enoque, Noé, Abrão) que agradaram a Deus e foram
justificados, se o Deus é o mesmo e não muda, logo (I João 1:5) é necessário perceber que para
satisfazer a Deus, nunca o critério foi estritamente obedecer cada um dos 613 mandamentos
(Romanos 3:20), mas sim a fé (Gálatas 2:16, 21/Gálatas 3:10-13/Romanos 10:4/Romanos 3:20-
24/Hebreus 11) e o amor (Romanos 13:10/Gálatas 5:22-23).
Segundo as palavras inspiradas por Cristo, qual é a nossa dívida para com os presbíteros? Amor.
Qual a nossa dívida para com os irmãos? Amor. Qual a nossa dívida para com a humanidade?
Amor. E mais importante, qual a nossa dívida para com Deus? Amor. Se Paulo acreditasse que o
cristão que não dá o dízimo é um ladrão ele teria exortado: “a ninguém devais coisa alguma, a não
ser o amor com que vos ameis uns aos outros e os dízimos; porque quem ama aos outros, e dá o
seu dízimo mensalmente, cumpriu a lei”.
Notemos em Tiago 2, em seu oitavo versículo que a referência é “lei real”, real vem de realeza,
ou seja, relativo ao rei, dando-nos a entender duas coisas: trata-se de uma lei que veio do rei
(Jesus/Gl. 6:2) e que ela é proeminente em relação à outras leis. É preciso também relembrar que
os apóstolos pregaram o reino de Deus (At. 20:25/Lc. 22:30/Mc. 1:14-15), a ressurreição de Jesus
é a Sua proclamação como Rei Eterno e Soberano (Sl. 2/I Tm. 6:14-15/Mt. 28:18).
Se o amor é o cumprimento da Lei (Ro. 13:10), e o maior amor é dar a vida para a salvação dos
seus amigos (Jo. 15:13-14) segue-se que Jesus não abrogou a Lei, mas sim cumpriu quando deu a
sua vida para o resgate de muitos (Mc. 10:45). Cumpriu no sentido de satisfazer o propósito da
Lei, tornando-a satisfeita e sem necessidade ou vigor actual. O amor sendo fruto do Espírito Santo
(Gl. 5:22) e o Espírito Santo sendo gratuitamente recebido pela fé (Gl. 3:2), faz com que a fé
cumpra com a Lei.
O Pai não era satisfeito com sacrifícios de animais, Ele sempre preferiu as coisas de dentro para
fora (Mt. 15:7-11/Tg.4:8) e não de fora para dentro (Lc. 11:39). Por isso podemos ler:
Porque eu quero a misericórdia, e não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os
holocaustos. Mas eles transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim.
(Os. 6:6-7)

31
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Pois não desejas sacrifícios, senão eu os daria; tu não te deleitas em holocaustos. Os sacrifícios para
Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus. (Sl.
51:16-17)
O ministério do maior profeta nascido de homem e mulher também não deixa de ser um bom
exemplo de como o cumprimento das 613 leis não encerram a justificação de um homem diante
de Deus. As vestes (Mc. 1:6) de João Batista contrariam as leis de purificação (Lv. 11:4-8/Dt. 14:7)
do Velho Testamento, para além disso, o próprio João Batista mesmo sendo levita nato, é uma
figura de contrariedade que rejeitou o sistema sacerdotal levítico, consagrado por Moisés, dado ele
desenvolver o seu ministério no deserto, com um sistema próprio de discípulos (Jo. 3:25).
Não há relatos bíblicos de João Batista ter frequentado o Templo de Jerusalém para cumprir
tarefas sacerdotais, como o seu Pai Zacarias, nem mesmo de ele ter sentado aos pés de um homem
para aprender e ser capacitado para o seu curto ministério. Na verdade, as Escrituras deixam claro
a existência de um antagonismo entre ele e os sacerdotes da era (Lc. 7:29-30/Mt. 21:25). Sem
esquecer que de maneira alguma, a João Batista seria permitido colocar os pés no Templo, vestido
de pele de camelo, pois, seria considerado um acto de profanação ao Templo. Ainda assim é o
maior dentre os profetas da Velha Aliança, e considerado grande aos olhos de Deus (Lc. 1:15).
Se olharmos para Jesus, veremos que ele quebrava o Sábado (Jo. 5:18/Êx. 31:15), pegou em
cadáver (Lc. 8:42-54/Ne. 19:13), e ainda deixou-se tocar por um leproso (Mt. 8:1-4/Lv. 5:2-3,
13:46). Todas estas coisas contrariavam a Lei. Um dos argumentos dos adventistas é que “até
Cristo guardava o Sábado”, mas João afirma exatamente o contrário; ele não fala da opinião dos
fariseus ou dos judeus, mas relata como testemunha ocular o que Cristo fazia:
Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não só quebrantava o Sábado, mas
também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus. (Jo. 5:18)
Muitos tentando distorcer as palavras de João acima, vão fazer uma ginástica de interpretação
para tentar defender que “não é João que está a afirmar, mas é João relatando a má compreensão
dos acusadores de Cristo”. Mas está claro, não precisamos ser peritos em hebraico ou grego, o
próprio apóstolo diz “(…) os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não só quebrantava o
Sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus”. A pergunta
simples para eliminarmos a poeira aqui seria “Por que queriam matar Jesus?”
No versículo 18 do capítulo 5 de Mateus, a palavra traduzida como cumprido é o grego ginomai
(Strong/G1096) seu significado engloba: tornar-se, vir a existência, acontecer, aparecer, surgir, ser
feito, terminar, etc. A mesma palavra é traduzida como acabadas ou concluídas em Hebreus 4:3.
De novo enfatizando que o cumprimento em causa se refere a terminar um processo ou atingir o
seu objectivo e não o obedecer a uma mesma ordem continuamente.
Já no versículo 19 de Mateus 5, temos uma transição, vejamos:
Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens,
será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande
no reino dos céus.

32
Velho Testamento Versus Novo Testamento

Ser chamado “grande no reino dos céus” nos remete a Lucas 1:31 e 32, tal como nas parábolas
de Jesus Cristo, a mensagem desemboca no próprio Jesus, é Jesus Cristo quem cumpre, é Ele o
verdadeiro “grande”, tal como é Ele quem ensina os mesmos mandamentos. Paulo nos resume
muito bem o que significa cumprir a lei quando nos diz: “A ninguém devais coisa alguma, a não ser
o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama aos outros cumpriu a lei. Com
efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçarás, e, se
há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti
mesmo. O amor não faz mal ao próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor” (Rm. 13:8-
10).
Em Mateus 5:19 a palavra traduzida cumprir é poieo (Strong/G4160), e seu significado engloba:
fazer, construir, moldar, preparar, adquirir, providenciar, declarar alguma coisa, concretizar,
executar, proceder acertadamente, etc. É a mesma palavra traduzida fazer em Judas 1:15 e executar
em Actos 13:22. A transição do qual nos referimos é pelo facto de aqui o cumprir não ser referente
à Lei ou os Profetas, mas sim a “…um destes mandamentos, por menor que seja…”. Diferente
dos versículos 17 e 18 que Jesus fala sobre cumprir “a Lei ou os Profetas”, aqui ele fala de cumprir
os mandamentos que ele aponta a seguir, por isso diz: “destes mandamentos”, se fossem os
mandamentos da Lei ou os Profetas Jesus teria de dizer “daqueles mandamentos”, de tal forma
que o pronome demonstrativo diferencia os mandamentos dados por Moisés, dos mandamentos
que Ele (Cristo) passa a descriminar.
Nos versículos a seguir até ao capítulo 7 de Mateus, Jesus apresenta como se o Manifesto do
Reino de Deus, sendo que a Sua lei é mais rigorosa que a Lei ou os Profetas, exatamente seguindo
o princípio de que: “se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum
entrareis no reino dos céus” (Mt. 5:20). Isso para deixar claro que o cumprir dos versículos 17 e 18
são sinónimos, mas o cumprir do versículo 19 é diferente. Até aqui o leitor poderá estar-se
perguntar, qual é a relevância desta diferença? Ora, quando Cristo diz:
Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em verdade
vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja
cumprido.
Ele aqui está a dizer que somente depois de cumprido pleiróu (Strong/G4137) é que a Lei ou os
Profetas podem passar, caso não se cumpra tudo o que a Lei ou os Profetas declararam no
passado, permaneceria, nem um jota ou til poderia se omitir da lei até mesmo que o próprio céu ou
a terra passassem. Aqui a referência do céu e a terra é nada mais do que uma figura de estilo que
visava enfatizar a necessidade incontornável do cumprimento de tudo que sobre si foi profetizado.
A lei tinha um papel ou propósito e só depois de atingir tal desiderato poderia então passar, dando
lugar à graça, que é a lei de fé (Rm. 3:27). Atentemos para outras instâncias:
Cumprido a Lei e os Profetas a própria Lei pode e deve passar. O que Cristo enfatiza não é que
a Lei e os Profetas permanecerão até que passe o céu e a terra, mas sim que a Lei necessariamente
seria cumprida, ainda que passasse o céu e a terra. Cumprida a Lei: quer dizer atingindo o seu

33
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

propósito, a Lei então podia passar, e de facto passou. Por isso ele diz “sem que tudo seja
cumprido”, “tudo” referindo-se a quê? Tudo o que foi profetizado na Lei e nos Profetas. É neste
contexto que devemos entender as seguintes passagens:
Depois, sabendo Jesus que já todas as coisas estavam terminadas, para que a Escritura se cumprisse,
disse: Tenho sede. Estava, pois, ali um vaso cheio de vinagre. E encheram de vinagre uma esponja, e,
pondo-a num híssopo, lha chegaram à boca. E, quando Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado.
E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. (Jo. 19:28-30)
O que ele tomou, e comeu diante deles. E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda
convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos
profetas e nos Salmos. Então abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras. E disse-
lhes: Assim está escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse, e ao terceiro dia ressuscitasse dentre
os mortos, e em seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão dos pecados, em todas as nações,
começando por Jerusalém. E destas coisas sois vós testemunhas. (Lc. 24:43-48)
A morte de Cristo e sua ressurreição representam o cumprimento daquilo que a Lei exigia, e é
neste prisma que devemos interpretar Mateus 5:17-20. (comparar com Lc. 18:31/Mt. 11:13 e Jo.
1:45).
No capítulo 19 do livro de Mateus nos seus versículos 28 até 30 as palavras: terminadas teleioo
(Strong/G5048), cumprisse e consumado (teleo (Strong/G5050) são termos derivados da mesma
raiz, que é telos (Strong/ G5056) e seu significado engloba: o fim, terminação, limite pelo qual algo deixa
de ser (sempre referente ao fim de um acto ou estado e não de período), último em qualquer sucessão ou séries, aquilo
pelo qual algo é terminado, o fim eterno, o fim pelo qual tudo se relaciona, propósito, objectivo, a conclusão de um
acto ou estado etc. Em Lucas 1, no seu versículo 45, a palavra traduzida “cumprir-se” é teliosis (Strong
G5050).
Todas estas palavras querem dizer que Cristo cumpriu de uma vez por todas com TUDO que a
Lei e os Profetas haviam profetizado, depois deste ponto, a Lei passou, os sacrifícios sucessivos
passaram, os holocaustos, as coisas exteriores perderam razão de ser, foram terminadas, deixaram
de ser eternamente. Aleluia! Vejamos ainda o seguinte trecho:
Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.
Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que
estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em
ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, E pela cruz reconciliar
ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades. E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós
que estáveis longe, e aos que estavam perto. (Ef. 2:13-17)
Quando Cristo diz “está consumado” e entrega Sua Alma ao Pai, o véu do Templo rasgou de
cima a baixo (Marcos 15:38), anunciando a abertura do Caminho (João 14:6) para Deus, a figura do
Sumo-sacerdote carnal deixou de ter consequência, toda humanidade por meio da fé em Jesus
ganhou acesso a Deus. O próprio Cristo (Sumo-sacerdote espiritual) adentrou ao Tabernáculo
celestial (Ver tabela nº1), e de uma vez por todas assegurou a reconciliação entre Deus e os

34
Velho Testamento Versus Novo Testamento

homens, céu e terra, não resta NADA da Lei e dos Profetas que deva ainda ser cumprido. TELEO:
ESTÁ CONSUMADO!

Resumo do Capítulo
Neste capítulo o nosso objectivo foi esclarecer, biblicamente, os marcos que delimitam o VT
do NT, visto que a maioria dos cristãos têm a falha convicção de que o VT começa em Génesis e
termina em Malaquias. Mostramos que termos como; Lei, Velha Aliança, Velho Testamento e
Aliança da Circuncisão acabam significando mormente a mesma coisa, e que ao contrário da visão
da maioria, o Velho Testamento começa em Êxodo 24:6-8, especificamente quando Moisés
aspergiu tanto o livro como o povo, com o sangue de bezerro e bodes, com água, lã purpúrea e
hissopo.
Vimos também que a semelhança do início do VT que envolveu o derramamento de sangue, o
NT foi inaugurado exatamente quando Jesus Cristo derramou o seu sangue e morreu na cruz (João
19:32-35/Hebreus 9:13-15, 8:4-13). De modo que onde inicia o NT é automaticamente onde
termina o VT. Assim sendo, todas as referências que Jesus Cristo faz sobre o dízimo ao falar com
os fariseus não se aplicam aos princípios do NT visto que se enquadram no VT. Quando o Senhor
na cruz diz “está consumado” significa que cumpriu de uma vez por todas com TUDO que a Lei e
os Profetas haviam profetizado e que tinha de acontecer (Lucas 24:43-48). Depois deste ponto, a
Lei passou, os sacrifícios sucessivos passaram, os holocaustos, os mandamentos cerimoniais
perderam razão de ser, foram terminados uma vez e eternamente

35
Parte II
΅
O Dízimo Antes
do
Velho Testamento
2

O Dízimo Antes Do Velho Testamento

O caso do dízimo é muito sensível, de tal modo que além das pregações baseadas em
Malaquias 3:10 a maioria dos evangélicos, poucos estudos profundos e honestos têm feito
em torno do assunto. Para ver a gravidade desta situação basta atentarmos para as palavras duras
de Paulo em Gálatas 3. Imaginemos que por mais que sejamos cristãos cheios de boa vontade e
bondade acabemos por descobrir que afinal a nossa prática do dízimo (e outras coisas) não passam
de práticas do Velho Testamento?
É com esta preocupação que buscamos a graça da parte de Deus para elaborar este estudo em
torno da controvérsia do dízimo. Se a maior dificuldade na compreensão do dízimo reside na
diferenciação dos dois testamentos (Novo e Velho), acreditamos que até a esta secção do livro já
esclarecemos, o Antigo Testamento começou no Monte Sinai, quando Moisés tomou a metade do
sangue dos bezerros sacrificados e aspergiu aos filhos de Israel (Êxodo 24:6-8), e terminou no
Calvário, onde o Novo Testamento começou, com a morte do Cordeiro de Deus e do
derramamento do seu sangue na cruz (João 19:34), marcado com a exclamação de Jesus “Está
consumado!” (João 19:30).
Feita a separação do Antigo e do Novo Testamento fica mais fácil entender o que queremos
dizer com o dízimo antes do VT; trata-se de qualquer prática do dízimo antes de Êxodo 24:7-9, ou
seja, antes de Moisés consagrar a Aliança no Monte Sinai. Partindo desta compreensão podemos
então começar a recuar, antes de Moisés até Jacó, antes de Jacó até Isaque, antes de Isaque até
Abraão, antes de Abraão até os pais de Abraão e daí para trás.

Dízimo da Suméria (5000-3000 AC)


A civilização suméria desenvolveu na Mesopotâmia, região entre a Ásia Menor e o Médio
Oriente, no vale fértil banhado pelos rios Tigre e Eufrates, regiões onde se situam actualmente a
Síria e o Iraque. Abraão veio de uma das cidades mais importantes da Mesopotâmia conhecida por
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Ur, outras cidades famosas são Eridu, Uruk, Bad-tibira, Nippur e Kish. Mesopotâmia (Sul do Ira
que), Mesopotâmia (Sul do Iraque) era das primeiras terras a atingir um nível complexo de
desenvolvimento nas várias áreas desde o social ao tecnológico, é inclusive apontada como o lugar
onde se inventou a roda e, lá se registou o mais antigo sistema de escrita.
A prática do dízimo é reportada por historiadores como havendo sido uma realidade em
Mesopotâmia (2100 AC). Os egípcios tinham a prática de ofertar 1/6 (um sexto) da produção
agrícola, ou dos despojos de guerra aos seus deuses (2500 AC). Já os Fenícios, Árabes e povos da
Ásia Ocidental, bem como entre os Gregos e Romanos e outras nações da Europa, de um modo
geral, tinha a prática que envolvia a separação dos primeiros produtos agrícolas do ano e os
despojos de guerra, para oferenda aos sacerdotes dos deuses. Os Persas praticavam uma forma de
dízimo bem antes de Ciro, o Grande, os Árabes, Gregos e Romanos igualmente não dissociavam a
religião do comércio, e a prática do dízimo não lhes era estranha 3.
Na mesma obra Landsdell cita a Madame Ragozim que explica o seguinte sobre a justificativa
da prática por parte dos Fenícios:
O deus para ele é um rei...Ele impõe certos direitos e espera zelosamente para que-lhe sejam pagos. Ele
possui a terra onde permite que seus adoradores habitem. Ele deu a eles, com tudo o que contém e
produz, para uso e desfrute. Mas dessas coisas boas uma parte significativa é devida a ele, o Suserano
Supremo, em comum gratidão. Ele deve ser, pelo menos, o primogénito de cada animal doméstico, as
primícias de cada colheita, e uma porção, geralmente, a décima de todos os produtos, ambos do solo
como da indústria do homem, a ser pago em períodos específicos, solenemente consagrados como
festivos no templo mais próximo... Entende-se também que uma parte do despojo feito na guerra, não
menos do que o décimo de direito pertence aos deuses cujo favor fez prosperar as armas da nação.
(Tradução minha)
Com o objectivo de tratarmos o assunto do dízimo de modo pragmático, achamos relevante
focar essencialmente no caso da Suméria, visto ter uma relação directa com Abraão, e este ser o
primeiro personagem a ser relatado nas Escrituras a dar o dízimo.
Os sumérios são também tidos como os pioneiros do imperialismo, quer dizer que foram eles
os primeiros a empreender campanhas de conquistas de outros reinos e assim o desenvolvimento
de um sistema de reis vassalos (chamados lugal) em estados sob o domínio do suserano; uma
espécie de imperador ou simplesmente rei dos reis, o mesmo acumulava dentre outros títulos, o
título de “Seu Pai”. Alguns dos seus mais renomados líderes são: Hamurabi (estabeleceu a
Babilónia), Tiglath-Pileser (estabeleceu o Reino da Assíria), Sargon (estabeleceu o Reino de Acádia)
e Ur-Nammu (Rei de Ur).
O povo de Ur eram os chamados caldeus. As três referências bíblicas relativas aos caldeus não
pintam uma boa imagem deste povo, ao contrário, descrevem muito bem algumas das suas más
características:

3. Henry, 1897.

40
O Dízimo Antes Do Velho Testamento

Estando ainda este falando, veio outro, e disse: Ordenando os caldeus três tropas, deram sobre os
camelos, e os tomaram, e aos servos feriram ao fio da espada; e só eu escapei para trazer-te a nova. (Jó.
1:17)
Mas depois que nossos pais provocaram à ira o Deus dos céus, ele os entregou nas mãos de
Nabucodonosor, rei de Babilônia, o caldeu, o qual destruiu esta casa, e transportou o povo para
Babilônia. (Ed. 5:12
Responderam os caldeus na presença do rei, e disseram: Não há ninguém sobre a terra que possa
declarar a palavra ao rei; pois nenhum rei há, grande ou dominador, que requeira coisas semelhantes de
algum mago, ou astrólogo, ou caldeu. (Dn. 2:10)
Na primeiríssima vez que a Bíblia faz referência aos caldeus, no livro de Jó, temos os caldeus
como o povo usado para atormentar a Jó. Na segunda citação temos os caldeus como os
opressores de Israel, instrumentos do juízo de Deus e destruidores do Templo de Salomão. E, na
terceira citação temos o caso em que Nabucodonosor teve um sonho, e perturbado por não
conseguir decifrar o significado consulta os magos, os astrólogos e os encantadores caldeus, todos
incapazes de revelar ao rei o significado do sonho, de modo que o rei queria por este motivo
exterminar todos os sábios do seu reino (imagina o quão radical, egoísta e sem compaixão ele era).
Daqui podemos pelo menos concluir que se tratava de um povo ligado ao mal, perseguidores de
Israel e fortemente envolvidos com o ocultismo.
Os sumérios eram politeístas, portanto, tinham centenas de deuses, sendo estes sete os mais
importantes: An (deus do céu/supremo deus), Enlil (deus dos ares e trovões), Enki/Ea (deus
criador e protector da humanidade), Inanna/Astoreth, das mais populares (deusa da sexualidade,
paixão e guerra, Utu (deus do sol e da justiça), Ninhursag (deusa mãe/fertilidade/natureza) e
Nanna (deusa da lua e da sabedoria)4.
O dízimo era praticado entre os sumérios e outros povos. Na investigação de Landsdell com
vários especialistas do museu britânico do Departamento da Assíria, os mesmos relatam que é
documentado (em tábuas) que existia uma oferenda religiosa chamada eshru (literalmente décima)
que se oferecia individualmente ou colectivamente a vários deuses, a natureza da mesma era
essencialmente voluntária e parte obrigatória e dava-se anualmente, sendo que não existem provas
que este dízimo representava 10% da produção individual do ofertante5.
Landsdell no mesmo livro, apud o Professor Maspero explica que existia também um sistema de
dízimo relativo aos despojos de guerra, onde quando o rei vencesse uma batalha ofertava parte dos
despojos aos cofres do templo, entregava ao templo parte dos escravos, dava também parte da
terra conquistada ao domínio dos sacerdotes do seu deus. Este dízimo é relevante para a discussão
do dízimo de Abraão.

4. Mingren, 2019.
5. Henry, 1906.

41
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

O mais antigo código de leis data de 1792-1750 AC, chamado de Código de Hamurabi, dá
substância a tese de que foram os sumérios os pioneiros no desenvolvimento da burocracia.
Dentre os decretos passados pelos mesopotâmios figuram as taxas, onde os camponeses pagavam
os dízimos que eram entregues aos oficias do palácio e aos escribas, estes por sua vez guardavam
os registos de cada transação. Cada Estado tinha seu próprio deus, e o rei de cada estado era
considerado intermediário entre o deus da localidade e o povo. O centro do sistema de governação
era o templo, de tal modo que era nele onde se faziam os projectos de construção, divisão da
colheita, etc., sendo que, a maioria das acções administrativas eram registadas e gravadas no
templo, porém, somente aos sacerdotes era permitido escrever tais documentos oficiais 6. Em
outras palavras tratavam-se de governos teocráticos.
Provavelmente o leitor tenha feito a pergunta “o que Suméria e Mesopotâmia têm a ver com o
dízimo”? Acontece que um dos argumentos mais usados no debate sobre o dízimo é: “Abraão deu
o dízimo a Melquisedeque antes mesmo da Lei, por essa razão não é a Lei que instituiu o dízimo, e
por isso ele não pode passar por causa da abolição da Lei”.
É nossa missão tentarmos, segundo a nossa capacidade, analisar este tema de modo honesto,
histórico e bíblico, a fim de buscar os factos, situar e firmar o amado leitor na verdade, sendo
assim, devemos ter em conta o contexto (o quê, onde, quando, porque, quem, como…), para nos
facilitar a chegada de conclusões mais factíveis, ricas e menos vagas. Entretanto, quando falamos
de Abraão devemos perguntar-nos de onde veio Abraão, de que cultura e em que meio ele vivia,
quais eram as práticas do povo na era dele, etc. A Bíblia mostra-nos que Abraão era proveniente de
uma das cidades da Mesopotâmia:
E tomou Terá a Abrão seu filho, e a Ló, filho de Harã, filho de seu filho, e a Sarai sua nora, mulher de
seu filho Abrão, e saiu com eles de Ur dos caldeus, para ir à terra de Canaã; e vieram até Harã, e
habitaram ali. (Gn. 11:31)
Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra
que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu
serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti
serão benditas todas as famílias da terra. Assim partiu Abrão como o SENHOR lhe tinha dito, e foi Ló
com ele; e era Abrão da idade de setenta e cinco anos quando saiu de Harã. (Gn. 12:1-4)
Depois reuniu Josué todas as tribos de Israel em Siquém; e chamou os anciãos de Israel, e os seus
cabeças, e os seus juízes, e os seus oficiais; e eles se apresentaram diante de Deus. Então Josué disse a
todo o povo: Assim diz o SENHOR Deus de Israel: Além do rio habitaram antigamente vossos pais,
Terá, pai de Abraão e pai de Naor; e serviram a outros deuses. Eu, porém, tomei a vosso pai Abraão
dalém do rio e o fiz andar por toda a terra de Canaã; também multipliquei a sua descendência e dei-lhe a
Isaque. E a Isaque dei Jacó e Esaú; e a Esaú dei a montanha de Seir, para a possuir; porém, Jacó e seus
filhos desceram para o Egito.(Js. 24:1-4)

6. Sumerian Theocratic Government.

42
O Dízimo Antes Do Velho Testamento

O relato de Josué é o resumo dos dois relatos anteriores, estabelecendo assim o facto de Abrão
ser sumério, proveniente da cidade de Ur da Mesopotâmia. Desta forma, considerando que Abrão
tinha já 75 anos quando saiu para Canaã podemos afirmar que ele era de um modo geral abalizado
em relação à cultura, política, religião prevalecente na região e época (2000 AC). É com esta
compreensão que devemos interpretar o modo como Abrão lidava com os povos a sua volta, neste
caso específico estaremos a olhar para o dízimo que Abrão deu a Melquisedeque:
E o rei de Sodoma saiu-lhe ao encontro (depois que voltou de ferir a Quedorlaomer e aos reis que
estavam com ele) até ao Vale de Savé, que é o vale do rei. E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e
vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo. E abençoou-o, e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus
Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra; E bendito seja o Deus Altíssimo7, que entregou os teus
inimigos nas tuas mãos. E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo. (Gn. 14:17-20)
Do dízimo dado por Abrão até a instituição do dízimo no Monte Sinai, passam não menos de
430 anos (Gl. 3:17), porém, duas coisas importantes devemos enfatizar aqui, o primeiro é o facto
de o dízimo dado a Melquisedeque ser diferente do dízimo instituído por Moisés (ver capítulo a
seguir), e em segundo lugar, devemos perceber que apesar do primeiro relato do dízimo ser o caso
de Abrão, não podemos pensar que o mesmo foi o primeiro homem a praticar o dízimo, tendo em
conta que era uma prática entre os sumérios.
Convido o leitor a voltar a atenção ao caso relatado em Génesis 14:17-20, lá, temos a conjunção
copulativa “e” no início do versículo 17, marcando a ligação de frases, querendo dizer que os
relatos dos versículos posteriores estão ligados aos acontecimentos anteriores ao versículo 17. Em
outras palavras, para entendermos de modo contextualizado o dízimo de Abrão, devemos
considerar o relato completo dos acontecimentos anteriores e posteriores ao simples acto de dar o
dízimo a Melquisedeque.
No capítulo 13 de Génesis, temos o relato da separação entre Abrão e Ló, onde Ló escolheu ir
viver nas cidades da campina e passou a habitar às margens de Sodoma (Gn. 13:10-11). No
capítulo 14, dando sequência da história, lemos o seguinte:
E aconteceu nos dias de Anrafel, rei de Sinar, Arioque, rei de Elasar, Quedorlaomer, rei de Elão, e Tidal,
rei de Goim, Que estes fizeram guerra a Bera, rei de Sodoma, a Birsa, rei de Gomorra, a Sinabe, rei de
Admá, e a Semeber, rei de Zeboim, e ao rei de Belá (esta é Zoar). Todos estes se ajuntaram no vale de
Sidim (que é o Mar Morto). Doze anos haviam servido a Quedorlaomer, mas ao décimo terceiro ano
rebelaram-se. (Gn. 14:1-4)
Aqui temos um cenário em que duas confederações de reinos entram em guerra, de lembrar
que estamos perante uma situação de vassalagem ou princípio do imperialismo, Quedorlaomer, rei

7. Em Hebraico como em outras línguas semíticas não existia a diferenciação entre maiúscula e minúscula, de tal
forma que os tradutores utilizam a forma maiúscula para denotar uma referência ao Deus de Israel baseando-se na sua
interpretação do contexto. Porém, se tratarmos o texto como está escrito teremos “deus altíssimo”; um atributo que o
deus Anu (El cananeu) e outros deuses ligados a lenda do Carro com Rodas de Fogo ou Rodas dos Deuses poderiam
estar implicados. Para mais informações consultar Kelly, 2007. Páginas 13-29., Walton, J. H., Matthews, V. H., &
Chavalas, M. W, 2000. Página 47., e Della Vida, 1944. Páginas 1-9.

43
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

de Elão junto com os reis Anrafel, Arioque e Tidal decidem guerrear contra Bera, Birsa, Sinabe e
Semeber e Belá, visto que estes depois de haver servido a Quedorlaomer durante 12 anos,
decidiram rebelar-se contra ele. Em outras palavras Quedorlaomer queria ensinar aos rebeldes a
lhe não faltarem com o respeito, afinal de contas eles eram seus vassalos (lugal) e ele era o “Seu
Pai”. Abrão entra na história por causa de Ló, como lemos a seguir:
Então saiu o rei de Sodoma, e o rei de Gomorra, e o rei de Admá, e o rei de Zeboim, e o rei de Belá
(esta é Zoar), e ordenaram batalha contra eles no vale de Sidim, Contra Quedorlaomer, rei de Elão, e
Tidal, rei de Goim, e Anrafel, rei de Sinar, e Arioque, rei de Elasar; quatro reis contra cinco. E o vale de
Sidim estava cheio de poços de betume; e fugiram os reis de Sodoma e de Gomorra, e caíram ali; e os
restantes fugiram para um monte. E tomaram todos os bens de Sodoma, e de Gomorra, e todo o seu
mantimento e foram-se. Também tomaram a Ló, que habitava em Sodoma, filho do irmão de Abrão, e
os seus bens, e foram-se. Então veio um, que escapara, e o contou a Abrão, o hebreu; ele habitava junto
dos carvalhais de Manre, o amorreu, irmão de Escol, e irmão de Aner; eles eram confederados de
Abrão. Ouvindo, pois, Abrão que o seu irmão estava preso, armou os seus criados, nascidos em sua
casa, trezentos e dezoito, e os perseguiu até Dã. (Gn. 14:8-14)
É deste ponto que vem o clímax da história, porque Abrão com apenas 318 dos seus servos
armou uma emboscada nocturna contra Quedorlaomer e prevaleceu, isso no norte de Damasco,
tendo recuperado o seu sobrinho Ló e os outros cativos, bem como os bens que haviam sido
despojados. É imediatamente depois deste acontecimento que temos o relato do encontro entre
Abrão e Melquisedeque e ainda com o Bera, rei de Sodoma. E assim, em seguida, surge o relato do
dízimo de Abrão, nos versículos 17 até 20.
Peço a minuciosa atenção à leitura dos 3 versículos, de Génesis 17 até ao 20, notemos que no
versículo 17 Bera vem ao encontro de Abrão, no versículo 18 Melquisedeque rei de Salém traz pão
e vinho a Abrão e no versículo 19 o mesmo rei de Salém abençoa a Abrão. Essa sequência pode
parecer irrelevante, mas no que diz respeito ao dízimo não é. Devemos notar que (1) antes mesmo
de Abrão dar o dízimo dos despojos da guerra Melquisedeque já havia abençoado a Abrão, sendo
que só depois da bênção é que lemos no versículo 20 que Abrão lhe deu o dízimo de tudo.
Outro ponto relevante de se notar é o facto de (2) o dízimo de Abrão ter sido tirado dos
despojos da guerra. Foi das coisas adquiridas na ofensiva nocturna que Abrão e seus servos haviam
lançado contra Quedorlaomer, de onde se tirou o dízimo e não dos bens privados do próprio
Abrão. Vejamos:
Ouvindo, pois, Abrão que o seu irmão estava preso, armou os seus criados, nascidos em sua casa,
trezentos e dezoito, e os perseguiu até Dã. E dividiu-se contra eles de noite, ele e os seus criados, e os
feriu, e os perseguiu até Hobá, que fica à esquerda de Damasco. E tornou a trazer todos os seus bens, e
tornou a trazer também a Ló, seu irmão, e os seus bens, e também as mulheres, e o povo. (Gn. 14:14-
16)
Abrão não tinha recebido nenhuma lei da parte de Deus para dar o dízimo a Melquisedeque, se
por ventura recebeu as Escrituras não relatam. Desta forma temos aqui duas conjecturas mais
prováveis: a primeira é que se trata de um gesto puramente da livre vontade de Abrão, como

44
O Dízimo Antes Do Velho Testamento

retribuição, depois de ser recebido com pão e vinho, símbolo que na cultura da altura transmitia
honra e respeito, sobretudo vindo de um rei que tinha um estatuto superior aos outros reis da
região (pois que era rei e sacerdote simultaneamente). A segunda probabilidade e talvez a mais
convincente é que se tratava de uma lei costumeira, relativa aos despojos de guerra e os tributos no
contexto das confederações.
No princípio deste capítulo foi descrito que os estados sumérios eram essencialmente
teocráticos, ou seja, o reino tinha um deus, e o rei além de ser visto como o intermediário entre o
deus da localidade e o seu povo, toda burocracia girava em torno do templo e os documentos
oficiais eram redigidos pelos sacerdotes. Vimos também que os dízimos eram dados
individualmente ou colectivamente e isso acontecia (a) depois de um rei ganhar uma batalha ou (b)
de livre vontade e não de forma mensal, geralmente uma vez por ano. É consensual que as leis
costumeiras e as práticas religiosas da região do Médio compartilhassem muito em comum, de
formas que as regras na região de Canaã seriam de familiaridade sumeriana. Esta familiaridade
pode ser vista quando o deus sumeriano An é o deus acadiano Anu, que é associado ao deus
semítico El8.
Ao vermos as características de Melquisedeque que é uma figura misteriosa (ora assume
carácter literal/Gn 14, ora figurativa/Sal 110), podemos perceber que o mesmo era rei e sacerdote
ao mesmo tempo (Gn 14:18), e pelo facto de Melquisedeque receber o dízimo e ter visivelmente
maior protagonismo que o rei de Sodoma sugere que o mesmo era superior aos reis da
confederação dos cinco reinos que haviam perdido contra Quedorlaomer. Na verdade, o contexto
sugere-nos que esses cinco reis haviam se tornado vassalos de Melquisedeque, visto ser ele a
receber o Dízimo proveniente dos despojos dos cinco reinos. Essas características encaixam muito
bem com os dados históricos da Suméria. Entretanto, temos o seguinte relato bíblico que poderá
dar ainda maior substância a essa posição:
Naquele mesmo tempo Rezim, rei da Síria, restituiu Elate à Síria, e lançou fora de Elate os judeus; e os
sírios vieram a Elate, e habitaram ali até ao dia de hoje. E Acaz enviou mensageiros a Tiglate-Pileser, rei
da Assíria, dizendo: Eu sou teu servo e teu filho; sobe, e livra-me das mãos do rei da Síria, e das mãos
do rei de Israel, que se levantam contra mim. E tomou Acaz a prata e o ouro que se achou na casa do
SENHOR, e nos tesouros da casa do rei, e mandou um presente ao rei da Assíria. E o rei da Assíria lhe
deu ouvidos; pois o rei da Assíria subiu contra Damasco, e tomou-a e levou cativo o povo para Quir, e
matou a Rezim. (II Re. 16:6-9)
O texto acima relata um incidente no reinado de Acaz rei de Judá, em que Rezim o rei da Síria e
Peca, o rei de Israel se juntaram e cercaram Judá, sendo que na aflição da guerra, Acaz decide pedir
apoio a Tiglate-Pileser, rei da Assíria. Nas palavras de Acaz podemos notar uma clara diferença
hierárquica, onde o mesmo se considera “servo” e “filho” do rei da Assíria, fazendo Tiglate-Pileser
o “mestre” e o “pai” de Acaz. Certamente estas palavras tinham um significado bem claro no
contexto da diplomacia da região naquela época. Para adicionar, Acaz envia uma oferta de prata e

8. wworldencyclopedia.org.

45
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

de ouro, que tirou do Templo de Jerusalém, simbolizando uma profunda falta de reverência ao
Deus de seus pais biológicos, na verdade Acaz já havia se tornado filho da Assíria, quando se fez
vassalo de Tiglate-Pileser e abraçou toda abominação deste seu mestre (II Reis 16:3-4, 10-15). O
que essa história mostra é um quadro típico de como um lugal ou rei inferior (vassalo) tratava o rei
superior (imperador) na cultura suméria. Outro texto relevante é o seguinte:
O filho honra o pai, e o servo o seu SENHOR; se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou
SENHOR, onde está o meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós, ó sacerdotes, que desprezais o
meu nome. E vós dizeis: Em que nós temos desprezado o teu nome? Ofereceis sobre o meu altar pão
imundo, e dizeis: Em que te havemos profanado? Nisto que dizeis: A mesa do SENHOR é desprezível.
Porque, quando ofereceis animal cego para o sacrifício, isso não é mau? E quando ofereceis o coxo ou
enfermo, isso não é mau? Ora apresenta-o ao teu governador; porventura terá ele agrado em ti? ou
aceitará ele a tua pessoa? diz o SENHOR dos Exércitos. (Ml. 1:6-8)
É certo que os israelitas não interpretavam o conceito de “pai” do mesmo jeito que Jesus Cristo
apresentou aos discípulos, o Velho Testamento repetidas vezes chama aos levitas de “filhos de
Arão” (Ex. 28:1, 40/Lv. 1:5-7) e chama aos Israelitas de filhos de Jacó ou Abraão (Sl. 105:6/II Cr
30:6). O próprio povo israelita orgulhava-se e se apresentava como “filhos de Abraão” (Lc. 3:8/Jo.
8:39). É Jesus Cristo que traz revolucionariamente o conceito de “filhos de Deus” para os que
crêem nele (Jo. 1:12-13/Rm. 8:15/Gl. 4:5). Portanto, podemos argumentar que o tipo de “pai”
referido em Malaquias envolve a visão suméria de um “Senhor” sobre os vassalos, por isso, o
termo surge num contexto de reclamação de lealdade, os subordinados ou governados devem
pagar aos seus senhores as devidas honras e os devidos tributos.
Se no caso de Génesis 14 Abrão deu como oferta o dízimo dos despojos de guerra, poderíamos
aqui fazer um paralelo com a oferta que Acaz envia para o rei da Assíria, pois este tira os bens do
Templo, que não eram seus pertences pessoais. Considerando que Abrão não era vassalo de
Melquisedeque, ao dar o dízimo a este último, o mais provavelmente estaria a cumprir com os
procedimentos diplomáticos sumérios, fazendo um gesto de honra ao superior entre todos os reis
da região, que o recebera com votos de paz (vinho e pão).
Outro pormenor da história do dízimo de Abrão, que não deixa de ser relevante para nossa
reflexão é sobre o que acontece na interação entre o rei de Sodoma e Abrão:
E o rei de Sodoma disse a Abrão: Dá-me a mim as pessoas, e os bens toma para ti. Abrão, porém, disse
ao rei de Sodoma: Levantei minha mão ao SENHOR, o Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da
terra, jurando que desde um fio até à correia de um sapato, não tomarei coisa alguma de tudo o que é
teu; para que não digas: Eu enriqueci a Abrão; salvo tão-somente o que os jovens comeram, e a parte
que toca aos homens que comigo foram, Aner, Escol e Manre; estes que tomem a sua parte. (Gn. 14:22-
24)
Depois de Abrão separar uma parte dos despojos e dar como dízimo a Melquisedeque, o rei de
Sodoma pediu-lhe o povo que havia sido resgatado das mãos de Quedorlaomer. Só o facto de o rei
ter pedido as pessoas já sugere que por ter sido Abrão a vencer a batalha, o mesmo tinha uma
espécie de autoridade legal, sobretudo que havia adquirido da guerra, incluindo as pessoas. Visto

46
O Dízimo Antes Do Velho Testamento

que Abrão acabava de mostrar boa vontade e cordialidade ao aceitar o pão, o vinho e a bênção de
Melquisedeque, bem como a este entregar o dízimo, o rei de Sodoma de modo diplomático
manifesta o desejo de receber o seu povo, abrindo mão dos bens. Abrão, porém, rejeita tomar
qualquer coisa das mãos do rei de Sodoma, em outras palavras, se Abrão havia dado 10% dos
despojos a Melquisedeque, os restantes 90% ele rejeita. Na verdade, quando Abrão diz que
“Levantei minha mão ao SENHOR, o Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra(…)” ele
implicitamente está a dizer que “rejeito tornar-me rico pela mão de homens, o próprio Deus tem
poder para me fazer rico”.
As palavras de Abrão rejeitando os despojos de Sodoma são muito profundas e por vezes
pouco analisadas pelos pregadores quando citam o caso do dízimo, em primeiro lugar mostram
que (1) pela fé Abrão rejeitou o materialismo e a avareza que também é idolatria (Cl. 3:5), não se
dobrando as riquezas do mundo. Hoje, infelizmente muitos de nós cristãos temos rejeitado o
exemplo de Abrão e temos seguido o exemplo de Balaão (Jd. 1:11/II Pe. 2:15). Outro ponto e
muito relevante para o tema do livro é: (2) Abrão não cria que depois de dar o dízimo a
Melquisedeque os restantes dos bens seriam seus de direito. Isto porque assim se ensina sobre o
dízimo, e porque no dízimo levítico encontramos as promessas da multiplicação (Ml. 3:10-11). Para
Abrão (3) a missão foi resgatar o seu sobrinho Ló, encontrar-se com Melquisedeque e o rei da
Babilônia foram somente consequências, isso em si, faz com que tanto o dízimo (que deu ao Rei
de Salém) como todos os despojos (que deu ao rei de Sodoma) fossem somente consequências da
sua missão de salvar a Ló. Os olhos de Abrão e seu interesse estavam fixados em Deus. O homem
de fé deve pensar do mesmo jeito. Por esta razão a Bíblia não relata que (4) Abrão voltou a dar o
dízimo a Melquisedeque; é que não teve de ir guerrear contra nenhum outro rei para salvar outro
familiar seu.

Melquisedeque Não é Jesus Cristo


Lembro-me de ouvir várias vezes no ambiente religioso onde cresci que Melquisedeque era
nada mais nada menos do que o próprio Jesus Cristo. Essa era a opinião que eu tinha até poucos
anos atrás, na verdade essa ideia é estreitamente usada para enfatizar a validade do dízimo, visto
Abrão supostamente ter dado o dízimo a Jesus Cristo que supostamente, na era apresentava-se
como Melquisedeque. A luz do relato de Génesis 14 podemos de modo decisivo concluir que
Melquisedeque não era Jesus Cristo pré-encarnado.
Muito há de misterioso em torno do Melquisedeque, visto que as Escrituras pouco falam sobre
o mesmo, para além de algumas referências em Génesis 14, Salmos 110 e no livro de Hebreus 6:20;
7:1-28. Entretanto, os dados que as Escrituras apresentam são suficientes para rejeitar a ideia de
que ele era Jesus. Em primeiro lugar vale a pena salientar que o Melquisedeque apresentado por
David no seguinte salmo não é o mesmo de Génesis 14:

47
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Disse o SENHOR ao meu Senhor: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por
escabelo dos teus pés. O SENHOR enviará o cetro da tua fortaleza desde Sião, dizendo: Domina no
meio dos teus inimigos. O teu povo será mui voluntário no dia do teu poder; nos ornamentos de
santidade, desde a madre da alva, tu tens o orvalho da tua mocidade. Jurou o SENHOR, e não se
arrependerá: tu és um sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque. O Senhor, à tua direita,
ferirá os reis no dia da sua ira. Julgará entre os gentios; tudo encherá de corpos mortos; ferirá os cabeças
de muitos países. Beberá do ribeiro no caminho, por isso exaltará a cabeça. (Sl. 110:1-7)
Este Melquisedeque não é igual ao histórico de Génesis 14:18, David fala de um Melquisedeque
profético, um símbolo que encerra um mistério que Deus desvenda somente no Novo Testamento,
como descrito em Hebreus:
Porque os homens certamente juram por alguém superior a eles, e o juramento para confirmação é, para
eles, o fim de toda a contenda. Por isso, querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade
do seu conselho aos herdeiros da promessa, se interpôs com juramento; para que por duas coisas
imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o
nosso refúgio em reter a esperança proposta; a qual temos como âncora da alma, segura e firme, e que
penetra até ao interior do véu, onde Jesus, nosso precursor, entrou por nós, feito eternamente sumo-
sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque. (Hb. 6:16-20)
Aqui vemos que o autor de Hebreus pega as palavras de Salmos 110 e começa a aplicar o seu
cumprimento em Jesus Cristo, é desta aplicação que surge o erro de transformar a alegoria ou
sombra em substância ou realidade da profecia. Quando se diz “segundo a ordem de…” quer em
outras palavras dizer “segundo os mesmos princípios de…”, ou seja, a exemplo do objecto em
referência. Dizer, por exemplo, que construiremos em Benguela uma cidade usando a mesma
planta da qual se construiu a cidade de Nova York não significa que a cidade que construiremos
seja a própria Nova York dos Estados Unidos, até porque Angola não é EUA, e o material, o
clima, os engenheiros, o contexto em si, naturalmente, fará com que existam diferenças. Cópia é
cópia, do mesmo jeito que a minha sombra não é igual a mim, ou uma foto não é o próprio
objecto que se busca representar, assim também Melquisedeque não é Cristo.
Melquisedeque tem em si a imagem de Cristo, através dos atributos a ele ligados que referem ou
apontam para Jesus Cristo.
Vejamos como o autor de Hebreus faz o paralelo entre Melquisedeque e Jesus Cristo:
Porque este Melquisedeque, que era rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, e que saiu ao encontro
de Abraão quando ele regressava da matança dos reis, e o abençoou; A quem também Abraão deu o
dízimo de tudo, e primeiramente é, por interpretação, rei de justiça, e depois também rei de Salém, que é
rei de paz; Sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas sendo
feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre. Considerai, pois, quão grande era
este, a quem até o patriarca Abraão deu os dízimos dos despojos. E os que dentre os filhos de Levi
recebem o sacerdócio têm ordem, segundo a lei, de tomar o dízimo do povo, isto é, de seus irmãos,
ainda que tenham saído dos lombos de Abraão. Mas aquele, cuja genealogia não é contada entre eles,
tomou dízimos de Abraão, e abençoou o que tinha as promessas. Ora, sem contradição alguma, o
menor é abençoado pelo maior. E aqui certamente tomam dízimos homens que morrem; ali, porém,
aquele de quem se testifica que vive. E, por assim dizer, por meio de Abraão, até Levi, que recebe

48
O Dízimo Antes Do Velho Testamento

dízimos, pagou dízimos. Porque ainda ele estava nos lombos de seu pai quando Melquisedeque lhe saiu
ao encontro. (Hb. 7:1-10)
Aqui temos uma harmonização entre o histórico e o profético, ou seja, o autor expõe os
elementos históricos de Melquisedeque e mostra como estes apontam para as características de
Cristo. Em primeiro lugar, Melquisedeque era (1) o rei de Salém, que pode ser interpretado como
rei de paz ou rei de justiça (atributos de Cristo/Is. 9:6/Ap. 16:5), em segundo lugar, ele era (2)
sacerdote do Deus Altíssimo (Sl. 110:4), em terceiro lugar (3) não existem dados da sua genealogia,
ou seja, nada se sabe sobre seu pai ou sua mãe ou seus filhos. Aqui, surge o lado misterioso de
Melquisedeque que muitos se apegam e dizem que ele não teve nem pai nem mãe, que surgiu do
nada. Entretanto, a falta de informação não deve ser usada como base para a criação de
informação, querendo dizer que o facto do escritor de Génesis não ampliar os dados relativos à
genealogia de Melquisedeque não deve nos dar legitimidade para afirmarmos que o mesmo
literalmente não teve nem pai nem mãe.
Uma das formas possíveis de contextualmente analisar as palavras de Hebreus 7, é olhar para o
modo como os israelitas tratavam das genealogias, essas eram escritas em livros, de modo que este
sacerdote chamado Melquisedeque não tem o seu nome, nem a sua genealogia em nenhum
daqueles livros. Ora, os sacerdotes eram de uma única e determinada tribo, chamada Levi, desta
linhagem não se identifica nem o pai, nem a mãe de Melquisedeque, de modos que o seu
sacerdócio seja de outra natureza, não segundo a aliança levítica. Vejamos o seguinte:
Depois tu farás chegar a ti teu irmão Arão, e seus filhos com ele, do meio dos filhos de Israel, para me
administrarem o ofício sacerdotal; a saber: Arão, Nadabe, e Abiú, Eleazar e Itamar, os filhos de Arão. E
farás vestes sagradas a Arão teu irmão, para glória e ornamento. (Êx. 28:1-2)
Então disse o SENHOR a Arão: Tu, e teus filhos, e a casa de teu pai contigo, levareis sobre vós a
iniquidade do santuário; e tu e teus filhos contigo levareis sobre vós a iniquidade do vosso sacerdócio. E
também farás chegar contigo a teus irmãos, a tribo de Levi, a tribo de teu pai, para que se ajuntem a ti, e
te sirvam; mas tu e teus filhos contigo estareis perante a tenda do testemunho. (Nm. 18:1-2)
Nos dois casos, queremos enfatizar a posição de Arão como o “pai” de todos os sacerdotes,
estes por sua vez, em todas as suas gerações traçariam o seu sacerdócio até Arão. Porém,
Melquisedeque não encontra nem “pai”, nem “mãe” entre os levitas, a tribo dos sacerdotes. É
neste ponto onde se cria outro paralelo, (4) Melquisedeque tal como Jesus Cristo não traça sua
genealogia na tribo de Levi, lá ambos não têm nem pai, nem mãe. Devemos aqui manter em foco
que o autor de Hebreus está a fazer um esforço para mostrar a superioridade de Melquisedeque
(profético) de Salmos 110, usando como paralelo as características do Melquisedeque (histórico) de
Gênesis 14:18.
Partindo do facto de que não há relato, nem do nascimento, nem da morte de Melquisedeque,
nem da sua genealogia, o autor de Hebreus usa isso como um símbolo referente à eternidade, por
isso diz, “mas sendo feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre”. Aqui
as ideias foram tiradas já de Salmos 110:4, tratando de Melquisedeque profético.

49
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

De igual modo (tirando o literal ou histórico para o profético) quando Abrão dá o dízimo ao
Melquisedeque tem o símbolo da sujeição ou inferioridade de Abrão diante de Melquisedeque, que
por sua vez, nos transmite a inferioridade do Velho Testamento diante do Novo Testamento (Hb.
7:5-10). Vale ressaltar que o que se pode ler em Hebreus sete é algo de carácter descritivo, toda a
citação sobre Levi ou Arão dar o dízimo é uma descrição simbólica, e não há aí nenhuma
prescrição ou Lei sendo dada a igreja para dar o dízimo.
Assim como a Bíblia fala do segundo Adão (I Co. 15:45), assim como os sacrifícios do Velho
Testamento são apresentados como sombra de Cristo (Cl. 2:17), do mesmo jeito as características
de Melquisedeque apontam para Cristo, segundo a mesma ordem. Estamos perante analogias ou
alegorias, e não devemos nunca confundir isso.
Outra forma de entender o que o autor de Hebreus estava a fazer no capítulo 7,
particularmente, e em toda a carta de um modo geral, foi dar uma interpretação espiritual do relato
de Génesis 14 e dos estatutos e mandamentos do Antigo Testamento, trazendo tudo à luz do
Novo Testamento, através de um discernimento dado pelo Espírito Santo. Os acontecimentos que
antecedem o Novo Testamento escondiam os desenvolvimentos proféticos que desabaram ou
culminaram na cruz e na ressurreição de Jesus Cristo. Sem o Espírito tal interpretação não era
acessível aos israelitas. Leiamos:
Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que
pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus. As quais também falamos, não com
palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas
espirituais com as espirituais. Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus,
porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o
que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido. Porque, quem conheceu a mente do
Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo. (I Co. 2:12-16)
Mas os seus sentidos foram endurecidos; porque até hoje o mesmo véu está por levantar na lição do
velho testamento, o qual foi por Cristo abolido; e até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre
o coração deles. Mas, quando se converterem ao Senhor, então o véu se tirará. Ora, o Senhor é Espírito;
e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. (II Co. 3:14-17)
Essas coisas que o autor de Hebreus busca explicar não são fáceis de entender, até para os
cristãos, requerem zelo e interesse incomum, não se trata de leite ou papa, mas de alimento sólido,
por esta razão, bem antes do capítulo sétimo ele escreveu:
Do qual muito temos que dizer, de difícil interpretação; porquanto vos fizestes negligentes para ouvir.
Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais sejam
os primeiros rudimentos das palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite, e não de
sólido mantimento. Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra
da justiça, porque é menino. Mas o mantimento sólido é para os perfeitos, os quais, em razão do
costume, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal. (Hb 5:11-14)
Deste modo é normal ouvirmos muitas distorções sobre Melquisedeque e sobre outras
verdades bíblicas que requerem de nós maturidade e dedicação incomum nas coisas espirituais de

50
O Dízimo Antes Do Velho Testamento

Deus. Infelizmente, não estamos isentos de carnalizar a nossa interpretação, porque nem sempre
estamos disponíveis a largar a tradição e aceitar o que as Escrituras e o bom senso apontam. Nem
os profetas do Velho Testamento podiam decifrar as coisas que estavam codificadas em Cristo,
conhecimentos que não lhes eram lícitos compreender, porque a nós foram destinados:
Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi
dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava,
anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de
seguir. Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que
agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o
evangelho; para as quais coisas os anjos desejam bem atentar. (I Pe. 1:10-12)
Existem outros relatos sobre Melquisedeque, relatos apócrifos e alguns de carácter rabínicos
por causa dos quais outras informações foram adicionadas ao relato de Génesis 14, porém tais
contos não fazem parte das Escrituras. É sabido que entre as tradições rabínicas existia um relato
de que Melquisedeque fosse Sem o filho de Noé. No apócrifo de Adão e Eva ou Livro de Adão e
Eva, de origem etíope, por exemplo, Melquisedeque é apresentado como tendo um pai de nome
“Malqui” e a mãe de nome “Yozedeque”9. De novo, informações não autoritárias.
Se Melquisedeque fosse Cristo Jesus este não seria sacerdote “segundo a ordem de
Melquisedeque”. Quando se diz “segundo a ordem de Melquisedeque” já sabemos que estamos
perante duas pessoas distintas, faz sentido dizer “construiremos uma cidade segundo a planta de
Nova Iorque” quando (a) no momento não temos uma cidade segundo a planta em referência, ou
(b) no momento temos uma cidade que deve ser destruída para a construção da nova cidade. Segue
em tabela um resumo das diferenças.

Tabela 2: Diferença entre Melquisedeque e Jesus Cristo

Melquisedeque Jesus Cristo


1- Sumério Judeu

2- Sem informações geneológicas Com informações


geneológicas

3- Sem nascimento profetizado Nascimento Profetizado

4- Foi rei de Salém É Rei dos vivos e dos


mortos (Romanos 14:9)

5- Teve um reino fraco Tem um reino soberano

9. Jewishencyclopedia.

51
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

(Daniel 7:13-14)

6- Teve um reino terrestre e passageiro Tem um reino celeste e


(Gn 14:18) eterno (João 18:36/I Tim
4:18)

7- Foi chefe de reis perversos É cabeça dos santos

8- Não cumpriu com as profecias Cumpriu com todas as


referentes a Jesus Cristo profecias (Lucas 24:43-48)

9- Não era o Verbo encarnado É o Verbo feito carne (João


1:14)

10- Nem venceu Quedorlaomer Venceu as potestades e


principados (Colossenses
2:15)

11- Recebeu dízimo Não recebeu nenhum


dízimo

12- Não inaugurou a Nova Aliança Inaugurou a Nova Aliança


(Hebreus 7:22)

13- Não foi provado Foi provado e aprovado


(Hebreus 4:15, 7:25)

14- Não ressuscitou Ressuscitou (Mateus 28:6)

15- Não fazia milagres Fazia milagres (Lucas 9:11)

16- Não era unigénito É o Unigénito (João 1:14)

17- Era somente rei e sacerdote Cristo é Filho de Deus, rei e


Sumo-Sacerdote (Salmos
2/Hebreus 2:17)

18- Não foi glorificado Foi glorificado (Salmos 2,


24:7/Hebreus 8:1)

52
O Dízimo Antes Do Velho Testamento

19-Não foi o Cordeiro É o Cordeiro de Deus


(João 1:29)

20-A semelhança de Cristo O próprio Cristo (João


4:26)

21-Servia o deus (Deus) altíssimo Servia o seu próprio Pai


(João 5:18)

Outra dificuldade em aceitar a ideia de Melquisedeque ser Jesus Cristo pré-encarnado, é o facto
de o mesmo ser o rei de um reino tão fraco que nem conseguiu livrar os cinco reis coligados das
mãos de Quedorlaomer,. Foi Abrão com um grupinho de menos de 400 homens que venceram a
guerra. Como é possível que Abrão tinha a mão de Deus sobre ele, e Melquisedeque não, se este
era (segundo muitos) realmente Jesus Cristo?
Outro ponto ainda, como é possível que o rei da justiça e da paz, Melquisedeque era o rei sobre
reis que em vez de justos eram perversos, como o de Sodoma e Gomorra? Seria Cristo aliado de
reis que reinavam em cidades tão perversas que o próprio Deus teve de queimar e literalmente
aniquilar tudo? Se ele fosse Jesus Cristo pré-encarnado Abraão não passaria a visitá-lo com
regularidade e a oferecer a ele holocaustos e os dízimos regularmente?
A tabela anterior busca resumir as razões principais pelas quais Melquisedeque (histórico) de
Génesis 14 não é Jesus Cristo, que por sua vez é apresentado como o cumprimento de (Salmos
110), ou seja, o sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque profético.
Até aqui, temos visto que antes mesmo do Velho Testamento os sumérios já haviam instituído
um tipo próprio de dízimo, que o relato de Génesis 14:18 enquadra-se no contexto da cultura e das
leis dos despojos de guerra da civilização suméria. Em outras palavras, o dízimo dado por Abrão é
totalmente diferente do dízimo que posteriormente é instituído no Velho Testamento visto que (1)
se trata de um costume do povo sumério, (2) não envolve obrigatoriamente que os bens sejam da
pessoa que oferece, (3) não é dado de forma mensal, e no caso de Abrão, a Bíblia relata uma única
instância em que ele deu o dízimo, (4) não há bases suficientes para se dizer que em termos
percentuais representava exactamente 10%, ou seja, este dízimo significava “uma parte”, e (5) não
era restrito a produtos agrícolas.
A seguir, abordaremos sobre outro dízimo que também foi referenciado antes do Velho
Testamento, o dízimo de Jacó.

Dízimo de Jacó
Caso o leitor seja um estudante atento das Escrituras, provavelmente, esteja a perguntar “por
que saltamos para Jacó sendo que Abraão teve um herdeiro chamado Isaque?” Ora, antes de

53
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Abrão se tornar Abraão (Gn.17:5) ele teve Ismael com Hagar, a serva de sua esposa sarai, aos 86
anos (Gn. 16:15). Aos 100 anos Abraão tem Isaque com Sarah e aos 175 Abraão descansou (Gn.
25:7), curiosamente sobre a vida de Isaque as Escrituras não relatam nada referente ao dízimo, para
além de que obrigatoriamente passou pela circuncisão (Gn. 17:9-14), sabemos que dentre as suas
práticas religiosas Isaque construiu um altar em Berseba e adorou a Deus (Gn. 26:23-25). O
dízimo depois de Abrão só volta a ser aludido em relação ao seu neto Jacó, vejamos:
E Jacó fez um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão
para comer, e vestes para vestir, e eu em paz tornar à casa de meu pai, o SENHOR me será por Deus; e
esta pedra que tenho posto por coluna será casa de Deus; e de tudo quanto me deres, certamente te
darei o dízimo. (Gn. 28:20-22)
Esses versículos são parte do relato encontrado em Génesis 28, referentes às experiências que
Jacó teve quando fugiu da casa de seu pai Isaque, visto que seu irmão Esaú estava a preparar-se
para o matar depois do incidente em que viu Isaque abençoar a Jacó, passando-lhe assim a
primogenitura. Na sua trajetória, depois de Jacó ter tido um sonho de uma escada com anjos
subindo e descendo, e ainda ouvir as palavras de Deus reafirmando as promessas da Aliança com
Abraão a ele (Gn. 28:10-22), o mesmo acorda temeroso e faz o um voto.
Em primeiro lugar, está claro que se trata de um voto, ou seja, uma decisão tomada não por
obrigação, mas, fruto de uma decisão autónoma, em segundo lugar, o voto é condicional “Se Deus
for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão para comer, e vestes para vestir; e
eu em paz tornar à casa de meu pai, o SENHOR me será por Deus” e em terceiro lugar, não havia
um templo (Velho Testamento), e nem havia ainda um sacerdócio levítico responsável para receber
dízimos, de modo que onde e como Jacó devia dar o seu dízimo acaba sendo um tema aberto a
várias especulações.
Diante dos três pontos apresentados acima, o que podemos afirmar é, não se trata de nenhum
mandamento recebido da parte de Deus ou da boca de um profeta de Deus, como é o caso do
dízimo do Velho Testamento (Ne. 18:21). É um voto, um acto voluntário, um dízimo diferente do
dízimo de Malaquias 3:10. Provavelmente se tratasse de uma variante do dízimo Sumério, em que
os referidos bens seriam doados aos necessitados (viúvas e órfãos).
Outrossim, vale a pena ressaltar um pormenor que pode parecer diminuto, mas carrega uma
considerável importância, é que se de um lado Abrão deu o dízimo a Melquisedeque, doutro lado
não foi Abraão quem deu o dízimo, e se de um lado Jacó fez o voto de dar o dízimo, doutro lado
não foi Israel (Gn. 32:28) quem deu o dízimo. Há uma diferença que é marcada pela mudança dos
seus nomes, Deus mudou a identidade deles, o estatuto relacional com Deus assumiu outro
paradigma: o novo nome simbolizava a consumação da aliança, como se o baptismo da eleição de
Deus.
O Jacó que faz o voto do dízimo impondo condições a Deus é diferente daquele que diz:
Então disse Jacó à sua família, e a todos os que com ele estavam: Tirai os deuses estranhos, que há no
meio de vós, e purificai-vos, e mudai as vossas vestes. E levantemo-nos, e subamos a Betel; e ali farei

54
O Dízimo Antes Do Velho Testamento

um altar ao Deus que me respondeu no dia da minha angústia, e que foi comigo no caminho que tenho
andado. (Gn. 35:2-3)
O primeiro Jacó é carnal, quer primeiro ter comida, vestimenta e segurança para poder adorar a
Deus, na verdade ele exige essas coisas, porque sua fé é fraca, ele se sente inseguro, não sabe onde
vai comer, nem sabe sequer onde vai conseguir a roupa para vestir. O segundo Jacó é determinado,
fiel, tem fé e segurança na bondade de Deus, este não impõe condições a Deus, ele é quem
obedece às regras e condições de Deus, por isso, ele corajosamente diz: “tirai os deuses estranhos,
que há no meio de vós, e purificai-vos”. Este Jacó é Israel, e quem prometeu o dízimo neste caso
foi o carnal, tal como quem deu o dízimo a Melquisedeque era Abrão o pai de Ismael, e não
Abraão o pai de Isaque.
Estes dois casos são os únicos relatos que envolvem o dízimo antes do Velho Testamento. Em
ambos, não há relato de que Deus lhes ordenou que dessem o dízimo, não há ameaça de maldição
por não darem o dízimo, não há perigo do ataque de um devorador, nem a promessa de uma
bênção abundante por dar o dízimo. Se o dízimo de Abraão se enquadra numa lei suméria de
despojos de guerra, no caso de Jacó enquadrar-se-ia numa variante de prática religiosa de origem
suméria, onde o dizimista de modo autónomo faz um gesto de caridade ou sacrifício em nome de
seu deus. Em seguida abordamos sobre o dízimo no Velho Testamento.

Resumo do Capítulo
O objectivo deste capítulo foi mostrar a existência de práticas de dízimo antes de Êxodo 24:7-9,
ou seja, antes de Moisés consagrar a Aliança no Monte Sinai e para além do povo hebreu.
Vimos que a história aponta que dar dízimos fez parte da realidade em Mesopotâmia (2100
AC). Os egípcios tinham a prática de ofertar 1/6 (um sexto) da produção agrícola, ou dos despojos
de guerra aos seus deuses (2500 AC). Já os Fenícios, Árabes e povos da Ásia Ocidental, bem como
entre os Gregos e Romanos e outras nações da Europa, de um modo geral, tinham a prática que
envolvia a separação dos primeiros produtos agrícolas do ano e dos despojos de guerra, para
oferenda aos sacerdotes dos seus deuses. Os Persas praticavam uma forma de dízimo bem antes de
Ciro, o Grande, os Árabes, Gregos e Romanos igualmente não dissociavam a religião do comércio,
e a prática do dízimo não lhes era estranha
Vimos também, e com especial ênfase, que na Suméria existia uma oferenda religiosa chamada
Eshru (literalmente décima) que se oferecia individualmente ou colectivamente a vários deuses, a
natureza da mesma era essencialmente voluntária e parte obrigatória, e dava-se anualmente, sendo
que não existem provas que este dízimo representava 10 % da produção individual do ofertante.
Esta prática era também associada aos despojos de guerra, onde quando um rei vencesse uma
batalha ofertava parte dos despojos aos cofres do templo, entregava ao templo parte dos escravos,
e dava também parte da terra conquistada ao domínio dos sacerdotes do seu deus, factos
relevantes para a discussão do dízimo de Abrão.
Para finalizar, mostramos a relevância do dízimo sumério na compreensão do dízimo dado por

55
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Abrão em Génesis 14, e subsequentemente, do dízimo dado por Jacó em Génesis 28. Sendo que,
argumentamos que os dois casos em questão se enquadram nas práticas costumeiras da região.
Doutro lado, em relação a identidade controversa de Melquisedeque, mostramos que as Escrituras
não afirmam se tratar de uma forma de aparição de Jesus Cristo.

56
Parte III
΅
Dízimo no Velho
Testamento
3

O Dízimo No Velho Testamento

N o capítulo anterior, vimos que antes mesmo de Moisés instituir a Lei no Monte Horebe,
centenas de anos atrás os sumérios já praticavam o dízimo de várias formas, ora para ajudar
as viúvas, os pobres e necessitados, ora para manifestar gratidão aos deuses. O dízimo sumério
dava-se de modo voluntário, em grupo ou individualmente, numa certa altura o Código de
Hamurabi continha leis relativas ao dízimo, que assumia a forma de uma taxa coletada a favor dos
mais desfavorecidos, conforme testificado nas tábuas encontradas.
Embora fosse pouco abordada, no presente trabalho, foi feita a referência de a prática do
dízimo se espalhar para muitas outras regiões e civilizações, incluindo a egípcia, greco-romana e
outras partes da Ásia, centenas de anos antes de Moisés. Com o objectivo de facilitar a
compreensão desta secção do livro, a seguir abordamos sobre o modo como o dízimo foi
instituído no sistema levítico.

Os levitas e o Dízimo
Lembro-me quando eu era bem pequenino, não me recordo da idade, mas provavelmente já
para além de 7 anos, a minha mãe levava-nos e eu amava ir à igreja (então Unidade Evangélica) no
bairro Mabor, nossa casa era grande, havíamos na altura deixado a casa de rendas e entrado ainda
em condições carentes naquele lugar que viu parte de mim crescer. Devido à falta de condições,
convenientemente repartimos a casa em dois blocos, em um vivíamos nós e na parte que seria a
sala tornou-se a então chamada Permanência. Permanência era o lugar onde os servos de Deus
ficavam para orar, jejuar, estudar as Escrituras longe das distrações das suas casas, um sítio de
silêncio, ou pelo menos, de irmandade e intercessão. E eu amava deixar a minha cama para ir
dormir nas esteiras daquele lugar, havia lá um ambiente diferente, os evangelistas a meia-noite
acordavam para orar, e parece que aquilo de forma especial dava paz, era divertido, misterioso, era
um lugar doce de se dormir.
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Entretanto, lá onde os servos de Deus se reúnem há ensino e doutrina. Foi aí onde rapidamente
aprendi as primeiras ideias sobre o dízimo, sobre o devorador, sobre dar para receber 10 vezes
mais e outros ensinos baseados em vários versículos bíblicos, infelizmente, por vezes,
equivocadamente interpretados. Numa certa ocasião, um dos nossos pastores recebeu o meu
dízimo de um dinheiro que alguém (provavelmente meu chará, não lembro) me havia oferecido, ele
reiterou que Deus havia de me dar 10 vezes mais, passado um tempinho, uma ou duas semanas
depois recebi outra oferta de um familiar, o valor poderia não ter sido o exacto “10 vezes mais”,
era creio, um pouquinho mais, sei que testemunhei dizendo “Deus me deu 10 vezes mais o valor
do meu dízimo”. E assim cresci convicto de que o dízimo é não somente bíblico, mas necessário, à
maneira dos judeus do Antigo Testamento.
No Velho Testamento, fora do relato de Abrão e Jacó, só voltamos a ver outro relato de dízimo
mais de 430 anos depois, isso quando Moisés, ordenado por Deus, instituiu o sacerdócio levítico.
Apesar de o termo usado ser o mesmo “dízimo”, a verdade é que o dízimo que Moisés instituiu
não é igual ao que Abrão deu a Melquisedeque; o próprio Moisés, por exemplo, não deu dízimo,
sendo que o povo de Israel só passou a observar o dízimo depois de ele ser instituído, dentre os
613 mandamentos que receberam no deserto. Repita-se, mais de 430 anos depois de Abrão tê-lo
dado.
Para falarmos do dízimo levítico, o dízimo que Moisés instituiu no deserto, quando conduzia o
povo de Israel à terra prometida, é necessário primeiro identificarmos Levi, quem foi e quem são
os levitas. Hoje, ouvimos muitos cantores cristãos sendo chamados de levitas e isso ajuda de certa
forma a promover a confusão relativamente à concepção bíblica do termo. Vejamos o que as
Escrituras mostram:
Vendo, pois, o Senhor que Lia era desprezada, abriu a sua madre; porém Raquel era estéril. E concebeu
Lia, e deu à luz um filho, e chamou-o Rúben; pois disse: Porque o Senhor atendeu à minha aflição, por
isso agora me amará o meu marido. E concebeu outra vez, e deu à luz um filho, dizendo: Porquanto o
Senhor ouviu que eu era desprezada, e deu-me também este. E chamou-o Simeão. E concebeu outra
vez, e deu à luz um filho, dizendo: Agora esta vez se unirá meu marido a mim, porque três filhos lhe
tenho dado. Por isso chamou-o Levi. E concebeu outra vez e deu à luz um filho, dizendo: Esta vez
louvarei ao Senhor. Por isso chamou-o Judá; e cessou de dar à luz. (Gn. 29:31-35)
Levi foi o terceiro filho de Lia, primeira mulher de Jacó. Todos os descendentes de Levi, seus
filhos e filhas eram chamados de levitas, como referência à tribo de Levi. Todos os descendentes
de Ruben, seja filho ou filha, eram chamados de rubenitas e assim aconteceu com os descendentes
dos 12 filhos de Jacó. É daqui que surgem as 12 tribos de Israel, Israel é o nome que Deus deu a
Jacó. De Levi surge o termo Levíticos. Moisés e Arão eram ambos da tribo de Levi, e isso,
podemos constatar ao lermos os seguintes versículos:
E foi um homem da casa de Levi e casou com uma filha de Levi.
E a mulher concebeu e deu à luz um filho; e, vendo que ele era formoso, escondeu-o três meses. Não
podendo, porém, mais escondê-lo, tomou uma arca de juncos, e a revestiu com barro e betume; e,
pondo nela o menino, a pôs nos juncos à margem do rio. E sua irmã postou-se de longe, para saber o

60
O Dízimo No Velho Testamento

que lhe havia de acontecer. E a filha de Faraó desceu a lavar-se no rio, e as suas donzelas passeavam,
pela margem do rio; e ela viu a arca no meio dos juncos, e enviou a sua criada, que a tomou. E abrindo-
a, viu ao menino e eis que o menino chorava; e moveu-se de compaixão dele, e disse: Dos meninos dos
hebreus é este. Então disse sua irmã à filha de Faraó: Irei chamar uma ama das hebréias, que crie este
menino para ti? E a filha de Faraó disse-lhe: Vai. Foi, pois, a moça, e chamou a mãe do menino. Então
lhe disse a filha de Faraó: Leva este menino, e cria-mo; eu te darei teu salário. E a mulher tomou o
menino, e criou-o. E, quando o menino já era grande, ela o trouxe à filha de Faraó, a qual o adotou; e
chamou-lhe Moisés, e disse: Porque das águas o tenho tirado. (Êx. 2:1-10)
Já sobre Arão lemos o seguinte:
Então disse Moisés ao Senhor: Ah, meu SENHOR! Eu não sou homem eloquente, nem de ontem nem
de anteontem, nem ainda desde que tens falado ao teu servo; porque sou pesado de boca e pesado de
língua. E disse-lhe o SENHOR: Quem fez a boca do homem? Ou quem fez o mudo, ou o surdo, ou o
que vê, ou o cego? Não sou eu, o SENHOR? Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca e te ensinarei o
que hás-de falar. Ele, porém, disse: Ah, meu Senhor! Envia pela mão daquele a quem tu hás-de enviar.
Então se acendeu a ira do SENHOR contra Moisés, e disse: Não é Arão, o levita, teu irmão? Eu sei que
ele falará muito bem; e eis que ele também sai ao teu encontro; e, vendo-te, se alegrará em seu coração.
E tu lhe falarás, e porás as palavras na sua boca; e eu serei com a tua boca, e com a dele, ensinando-vos
o que haveis de fazer. (Êx. 4:10-15)
Depois de Deus tirar o povo de Israel do Egipto, o próprio Deus decidiu instituir um sistema
eclesiástico, uma ordem sacerdotal, tendo para isso separado exclusivamente os descendentes da
tribo de Levi para o efeito. A partir daquele momento surge a ligação entre o termo levita com o
termo sacerdote, visto que os sacerdotes eram levitas, embora, nem todos levitas fossem
sacerdotes. Vejamos o que os seguintes versos nos mostram:
E vestirás com eles a Arão, teu irmão, e também seus filhos; e os ungirás e consagrarás, e os santificarás,
para que me administrem o sacerdócio. Faze-lhes também calções de linho, para cobrirem a carne nua;
irão dos lombos até as coxas. E estarão sobre Arão e sobre seus filhos, quando entrarem na tenda da
congregação, ou quando chegarem ao altar para ministrar no santuário, para que não levem iniquidade e
morram; isto será estatuto perpétuo para ele e para a sua descendência depois dele.
(Êx. 28:41-43)
Deus a partir de Êxodo 25, começa a dar direcções sacerdotais a Moisés, como o povo de Israel
daria ofertas, como devia fazer a arca da aliança, o tabernáculo e dentre vários assuntos, ao
chegarmos ao capítulo 28 vemos Deus dando as diretrizes de como preparar as vestes sacerdotais
de Arão e de seus filhos, e já nos versículos 41 à 43 fica claro o chamado sacerdotal exclusivo a
tribo de Levi, mais restritamente à casa de Arão.
Deus separou a tribo de Levi dentre as 12 tribos, tendo instituído Arão como o sumo-sacerdote
e seus filhos como sacerdotes. Esta separação também foi na dimensão económica, ou seja, os
levitas tinham como responsabilidade essencialmente a ministração da tenda de Deus, ou seja, os
assuntos ligados ao relacionamento entre Deus e o povo de Israel. Se antes os patriarcas faziam
altares e ofereciam sacrifícios, com a separação dos levitas essa prática termina. Por isso lemos:
Todas as ofertas alçadas das coisas santas, que os filhos de Israel oferecerem ao SENHOR, tenho dado
a ti, e a teus filhos e a tuas filhas contigo, por estatuto perpétuo; aliança perpétua de sal perante o

61
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

SENHOR é, para ti e para a tua descendência contigo. Disse também o SENHOR a Arão: Na sua terra
herança nenhuma terás, e no meio deles, nenhuma parte terás; eu sou a tua parte e a tua herança
no meio dos filhos de Israel. E eis que aos filhos de Levi tenho dado todos os dízimos em Israel
por herança, pelo ministério que executam, o ministério da tenda da congregação. E nunca mais os
filhos de Israel se chegarão à tenda da congregação, para que não levem sobre si o pecado e morram.
Mas os levitas executarão o ministério da tenda da congregação, e eles levarão sobre si a sua iniquidade;
pelas vossas gerações estatuto perpétuo será; e no meio dos filhos de Israel nenhuma herança terão,
porque os dízimos dos filhos de Israel, que oferecerem ao SENHOR em oferta alçada, tenho dado por
herança aos levitas; porquanto eu lhes disse: No meio dos filhos de Israel nenhuma herança
terão. E falou o SENHOR a Moisés, dizendo: Também falarás aos levitas, e dir-lhes-ás: Quando
receberdes os dízimos dos filhos de Israel, que eu deles vos tenho dado por vossa herança, deles
oferecereis uma oferta alçada ao SENHOR, os dízimos dos dízimos. (Nm. 18:19-26)
Negritamos algumas palavras para ênfase, a fim de chamarmos a atenção dos leitores à
evidência de um relacionamento entre os levitas (separados para o ministério do Tabernáculo), o
dízimo e as ofertas que as restantes 11 tribos de Israel se comprometiam, por aliança, a oferecer
religiosamente. No capítulo 18 do livro de Números encontramos a instituição dos mandamentos
do dízimo e do dízimo dos dízimos no Antigo Testamento.
Os dízimos dos dízimos e as ofertas alçadas das coisas santas eram parte da herança dos
sacerdotes (casa de Arão), já os levitas tinham por herança os dízimos que dos filhos de Israel.
Quando olhamos de forma honesta ao cenário apresentado em Números 18:19-26 fica claro:
1. Deus deu todas as ofertas alçadas das coisas santas aos sacerdotes;
2. Deus deu a si próprio como herança aos sacerdotes;
3. Deus deu os dízimos do filhos de Israel aos levitas, estes por sua vez dariam o dízimo
dos seus dízimos ao sacerdote Arão (versos 26-29).
O tema em abordagem é muito controverso, há muita tradição, muita ignorância, muito
fanatismo, muito medo misturado, muita superstição, de tal forma que tudo isso dificulta a análise
do assunto. Entretanto, pedimos que sejamos fiéis às Escrituras e abertos aos factos bíblicos pelo
menos.
Seguindo o relato bíblico, fica claro que para além de Abrão e Jacó, não encontramos nenhuma
alusão ao dízimo, até chegar a Lei, isso depois de mais de 430 anos. É natural concluirmos pela
não existência de uma estrutura sacerdotal no meio do povo de Israel antes de Moisés consagrar os
levitas, isso significa que o povo de Israel durante o cativeiro não praticava o dízimo como
obrigação ao Deus de Abrão, Isaque e Jacó.
Podemos, porém, considerar provável que o povo de Israel tivesse conhecimento do dízimo
como uma dentre as milhares de práticas pagãs existentes no Egipto, se levarmos em conta o
relato de Êxodo 32, onde o povo na ausência de Moisés persuadiu Arão a fazer um bezerro de
ouro para adorá-lo, fica claro que a mentalidade deste povo estava altamente contaminada com
paganismo egípcio e que alguns aspectos culturais do Egipto foram assimilados pelos hebreus.

62
O Dízimo No Velho Testamento

Considerando o contexto histórico e bíblico, somos persuadidos a aceitar que este povo
conhecia o conceito de sacerdote, pelo menos na visão pagã, visto que os deuses egípcios tinham
seus templos e seus sacerdotes, pois como escravos no Egipto esse conhecimento era parte do dia-
à-dia. Entretanto, dentre os israelitas não havia nenhum sistema sacerdotal consagrado e aceito
pelo Deus dos seus pais, antes de Moisés.

A Instituição do Dízimo: Números 18


Para falarmos do dízimo no contexto do Antigo Testamento de uma maneira aprofundada é
necessário começarmos por estudar o capítulo 18 do livro de Números, onde encontramos a
instituição do dízimo. Os seguintes pontos são o resumo das ideias mais relevantes que podemos
tirar do capítulo em referência, no contexto do tema do presente livro:
1- O dízimo era dado aos levitas: os levitas tinham o dever de receber os dízimos das 11
tribos e destes dízimos tirar o dízimo e dar para os sacerdotes. O que significa que os
sacerdotes só recebiam o dízimo dos dízimos (v 24-28/Ne. 10:38-39);
2- Os sacerdotes não davam o dízimo: não há lei concernente aos sacerdotes darem o
dízimo, eles somente recebiam o dízimo dos dízimos (igual a décima da décima)
proveniente dos levitas, e recebiam as outras ofertas alçadas bem como parte da carne
sacrificada (v. 26/Ne. 10:28);
3- Os levitas não podiam se achegar as coisas santas: embora os levitas tivessem sido
santificados para a ministração na tenda, eles eram uma espécie de intermediários entre o
povo e os sacerdotes, de modos que estavam restritos a não se aproximar do altar nem dos
utensílios do santuário (v 1-7/3:5-10). Isso contrasta com o facto do véu do altar ter sido
rasgado depois da morte de Cristo na cruz e todos agora serem chamados a se
aproximarem de Deus (Ef 2:14/Hb 4:16);
4- O dízimo era restrito a comida: os dízimos consistiam em alimentos (v. 27), e os sacerdotes
tinham de comer os dízimos dos dízimos na Casa do Tesouro (v. 10), sendo que os levitas
podiam comer em qualquer lugar (v. 31), deste modo podemos entender que Malaquias
3:10, em contraste com Neemias 10:37, diz respeito ao dízimo dos dízimos;
5- O dízimo era exclusivo a Israel: no versículo 18 fica claro que era relativo ao povo de
Israel, as 12 tribos, e todos israelitas que exerciam alguma actividade agrícola lucrativa
tinham o dever de dizimar aos levitas, e os levitas de dizimar aos sacerdotes;
6- Os levitas não tinham herança de terra: enquanto cada tribo tinha a sua parte da herança,
os levitas tinham as ofertas alçadas (que inclui o dízimo) como sua herança (v.

63
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

21/Dt.12:12/Js. 13:14). Deste ponto torna-se inseparável o sacerdócio levítico do próprio


dízimo ou propriamente todas as ofertas alçadas.
É importante realçar que nem todos os levitas podiam exercer o ministério do Tabernáculo,
tanto pelo tamanho do próprio Templo como também pelo número de levitas, de tal forma que
eram divididos em grupos por família que serviam em turnos. No período anterior a construção
do Templo de Salomão, o ministério de um levita começava a partir dos 30 anos de idade (Nm.
4:1-3), que Davi posteriormente alterou para 20 anos (I Cr. 23:24-26). Para além dos vários ofícios
ligados ao serviço do Templo (Nm 3, I Cr. 23-26), eram oficiais, juízes e militares (I Cr. 12:26,
23:1-5/). Outrossim, por não possuírem terras, Deus ordenou aos israelitas que dessem cidades
(48 no total) de sua propriedade para que os levitas habitassem e nelas desenvolvessem suas
actividades agrícolas (Nm. 35:1-8/Js. 21:4-42). Os levitas, portanto, eram também profissionais das
mais variadas áreas.
As implicações dos seis pontos elaborados acima são muito importantes na discussão do
dízimo, vejamos que se (1) o dízimo era dado aos levitas e os levitas por sua vez davam o dízimo
dos dízimos aos sacerdotes, já os sacerdotes não davam dízimos a ninguém, quem hoje, depois da
vinda de Cristo, pode defender biblicamente que entre os filhos de Deus existe uma separação em
três classes (povo, levitas e sacerdotes)? Se os pastores que recebem o dízimo passam-se por levitas
quem em suas igrejas são os sacerdotes? Se os pastores que recebem o dízimo fazem-se de
sacerdotes, não deviam receber somente 1%, visto que o dízimo do dízimo equivale a 1%? Quem
nas igrejas são o povo e quem então são os levitas, os músicos, os diáconos, os “cooperadores”, os
“evangelistas”? Confusão!
Há alguns anos, fui convidado pela direcção da igreja onde um amigo meu é pastor, o pregador
deste dia, ao longo da sua pregação disse algo como “parte dos problemas que os nossos
ministérios vivem é pelo facto de não separarmos o dízimo para o nosso pai espiritual”, mas aqui
(sem tocar ainda neste conceito de “pai espiritual”, fica claro a existência de uma confusão (I Co.
14:33). O pastor que recebe o dízimo se faz de levita, e o pastor que recebe o dízimo daquele que
recebe o dízimo passa-se de sacerdote, sendo que até o pastor sacerdote, deverá tirar do dízimo do
dízimo para dar ao seu “pai espiritual” que é o “bisavó-espiritual” da pessoa que deu o dízimo.
Segundo esta visão, o pastor é levita e sacerdote ao mesmo tempo até morrer, mas segundo as
Escrituras, os levitas e os Sacerdotes não eram a mesma coisa, os levitas davam o dízimo dos
dízimos, mas os sacerdotes não davam o dízimo dos dízimos dos dízimos a ninguém. Os levitas
não tinham acesso ao altar, sequer podiam aproximar-se dos utensílios sagrados, mas os sacerdotes
tinham acesso ao altar e aos utensílios sagrados, como é possível então assumir as duas identidades
simultaneamente, como aquele e muitos pastores ensinam cegamente?
O terceiro ponto é deveras muito importante, os levitas não se podiam achegar ao altar e nem
mesmo se podiam aproximar aos utensílios sagrados, depois da construção do Templo de
Salomão, o acesso restrito prevalece, cada compartimento tinha suas restrições, os não circuncisos
(estrangeiros) não podiam entrar no Templo (Actos 21:27-29), no compartimento chamado Santo

64
O Dízimo No Velho Testamento

dos Santos só o sumo-sacerdote, depois dos devidos rituais de purificação, tinha acesso, uma vez
por ano (Êxodo 30:10/Levítico 16:16-17), e no compartimento chamado de Lugar Santo só os
sacerdotes em seus turnos tinham acesso (Lucas 1:8-10), existiam inclusive restrições em termos de
género, e qualquer transgressão tinha como resposta a morte do transgressor. No Novo
Testamento as Escrituras atestam o seguinte:
Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.
Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que
estava no meio. (Ef. 2:13-14)
Que maior intimidade ou aproximação existe acima de o Verbo se fazer homem (João 1:14), e
os homens através do Verbo serem filhos de Deus (João 1:12-13)? Em Cristo e pela fé não existe
mais separação, todos nós somos sacerdotes (Apocalipse 1:6, 20:6) e Cristo o nosso Sumo
sacerdote (Hebreus 7:28), pelo que somos todos um, tal como as Escrituras nos dizem:
Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Porque todos quantos fostes batizados em
Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho
nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, então sois descendência de
Abraão, e herdeiros conforme a promessa. (Gl. 3:26-29)
O Evangelho é a proclamação da boa-nova, proclamação de vida para todos nós que estávamos
condenados, estávamos longe, se voltarmos a estabelecer os limites e as classes da Lei estaremos a
estabelecer o ministério da morte, pois a pessoa que tentasse assumir as responsabilidades dos
levitas seria morto, e o levita que buscasse assumir as responsabilidades dos sacerdotes seria
igualmente morto. As Escrituras nos atestam o seguinte:
E era já quase a hora sexta, e houve trevas em toda a terra até à hora nona, escurecendo-se o sol; E
rasgou-se ao meio o véu do templo. E, clamando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos
entrego o meu espírito. E, havendo dito isto, expirou. (Lucas 23:44-46)
Há muito do que se tirar da morte de Jesus, mas uma parte significativa já abordamos no
primeiro capítulo, no qual tratamos da diferença entre o Novo e o Velho Testamento, agora chamo
a atenção às palavras “e rasgou-se ao meio o véu do templo…”, talvez o leitor nunca tivesse dado
especial atenção ao significado destas palavras, queremos aqui lembrar de que o véu do templo
separa o Santo dos Santos do Lugar Santo, era um véu que simbolizava separação entre Deus e os
homens impuros, representava distância. Ao rasgar pelo sangue de Jesus Cristo, nós que agora
cremos no Verbo fomos purificados e aceites diante da presença e glória de Deus, já não há um
véu que nos separe, já não estamos longe, agora estamos em Jesus Cristo (Efésios 1:3) e Jesus
Cristo está assentado à direita do Pai (Actos 7:55-57).
Se a salvação é estar em Cristo pela fé, então os salvos são somente aqueles que estão em
Cristo, e se Cristo está à destra do Pai, então, nós que cremos estamos bem próximos e não mais
longe de Deus. Quando um pastor recebe dízimo dos fiéis ele assume o papel de levita, ora, o
levita não podia se aproximar das coisas santas, ele tinha um ministério distante, longe da presença

65
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

de Deus, isso é totalmente contraditório com a condição que cada cristão adquire pela fé em Jesus
Cristo.
No que toca ao quarto ponto, de novo surge uma outra confusão, os dízimos não eram outras
coisas senão produtos agropecuários (animais, sementes, hortaliças, frutas), isso de certa medida
choca com a visão actual de muitas igrejas evangélicas quando dizem ser o dízimo a décima parte
do salário. Deste jeito, o dízimo virou dinheiro, mas as Escrituras não nos mostram levitas ou
sacerdotes recebendo dinheiro no lugar do dízimo ou do dízimo dos dízimos, a Casa do Tesouro
era mais um armazém do que um banco. Podemos até concordar que o povo tinha como
actividade principal a agricultura, mas tentar argumentar que os israelitas não usavam ainda
dinheiro, seria uma coragem que só a desonestidade ou pura ignorância seriam capazes de
produzir. Deste jeito, quando um pregador usa versículos do Velho Testamento para cobrar 10%
do salário dos fiéis, ele erra dado os próprios critérios da lei que cita, ele mesmo já as quebrou.
Uma observação muito pertinente do Kelly 10 resume muito bem o que estamos a tentar
argumentar, traduzido ele diz:
A sociedade bíblica consistia de: padeiros, fazedores de velas, carpinteiros, fazedores de roupas,
camponeses pagos, pastores pagos, empregadas e empregados, joelheiros, pedreiros, serralheiros,
músicos, pintores, fazedores de perfume, médicos, escultores, soldados, curtidores, professores e
fazedores de tendas. Porém, NENHUMA destas profissões ou produtos destas profissões foram
inclusos na lista do dízimo ou dízimos! Por que não? Essas fontes providenciavam boa parte das taxas
individuais, taxas do templo, tributo aos colonos estrangeiros, e obviamente, as ofertas de livre-arbítrio.
É irascível pensar que Deus simplesmente esqueceu de incluir elas nas várias listas de coisas a serem
dizimadas.
O sexto e último ponto é outro que também deveria fazer-nos reflectir para além da superfície,
vejamos duas coisas, (1) por causa dos levitas não receberem a herança da terra, Deus deu-lhes o
direito de receberem os dízimos das 11 outras tribos pelo seu ministério a tenda do SENHOR, e
(2) desde Abraão, Deus havia prometido as terras de Canaã aos seus descendentes, de tal modo
que esta terra, dentre todas do planeta havia sido separada para o povo de Israel, por isso em
Zacarias 2:12 encontramos o termo “terra santa”, isso contrastava directamente com as terras
contaminadas por povos praticantes de idolatrias e outras abominações (Lv. 18:26-28/Ne 35:33-
34).
Portanto, os dízimos não eram referentes a qualquer produção agrícola da terra dos gentios, o
dízimo era santo, porque (1) tinha sido santificado por Deus, (2) era produção do povo que Deus
havia santificado dentre todos os povos da terra, e (3) era produto das terras que Deus havia
santificado ou separado para Israel. Portanto, os levitas não recebiam dízimos provenientes de
qualquer território profano, só recebiam da “terra santa” e isso exclusivamente das mãos dos seus
irmãos. (Ver também Is.28:22/Gn.24:7, 35:12/Êx. 20:12, 23:30/Lv. 18:28, 19:29/Nm. 26:55, 34:2)

10. Kelly, 2007:8.

66
O Dízimo No Velho Testamento

As implicações são variadas, mas basta aceitarmos que o Sacerdócio levítico foi ultrapassado
com a instituição do Novo Testamento (tal como vimos no primeiro capítulo), ficando no mínimo
estranho encaixar um cenário sem levitas, mas onde persiste o mandamento dos dízimos. Se os
pregadores realmente buscassem ser obedientes as ordenanças relativas ao dízimo teriam ainda
assim uma série de dificuldades, como as seguintes:
I. Os dízimos teriam de vir de uma terra santa e não profanada (Lv. 26:1, 27:30/ Dt. 21:22-
23/): suponhamos que existisse realmente o mandamento do dízimo para a igreja, o dilema
seria; “onde estão as terras santas, em Israel actual ou no caso de Angola, de Cabinda ao
Cunene?” Quando foi que as províncias foram santificadas? Essas terras não estão
manchadas de práticas pagãs dos antepassados? Na verdade, segundo as Escrituras os
dízimos só podiam vir das terras repartidas a Israel por Moisés, a terra prometida. O
dízimo era santo porque vinha da terra santa!
II. Os pastores não tem legitimidade para se fazerem passar por levitas: o livro das genealogias
perdeu-se com a destruição do Templo em AD 70, de modo que hoje fica difícil identificar
as 12 tribos de Israel. Com que base alguém se vai levantar para assumir o papel dos levitas
e receber os dízimos, mais, a quem dariam os dízimos dos dízimos? Quando um pastor
recebe o dízimo ele faz-se levita e ao mesmo tempo sacerdote, e isso não é consistente nem
com o Velho nem com o Novo Testamento.
III. Deus teria de reinstituir a Velha Aliança: para voltar a ter trabalhadores na Tenda do
SENHOR e sacerdotes no Templo, teria de instituir novamente o antigo sacerdócio, isso
significa que o sacrifício de Jesus Cristo teria de ser desfeito, por sua vez, todos nós
estaríamos ainda condenados no pecado e sem salvação (I Co. 15:12-16), levando a
conclusão de Deus não ser fiel e nem justo, visto que teria falhado em cumprir com a
promessa feita em Génesis 3:15, e as promessas da Aliança que fez a Abraão, não teria
realizado todas as profecias relativas a Jesus no Velho Testamento, fazendo de Deus
injusto, infiel, mentiroso e fraco.
IV. Jesus Cristo teria de instituir o dízimo ou os apóstolos sob a autoridade do Espírito Santo:
em nenhum lugar nas Escrituras encontramos a instituição de um sacerdócio semelhante
ao levítico no Novo Testamento, os apóstolos vieram de famílias diferentes, ao contrário
dos sacerdotes que eram os filhos de Arão, no Novo Testamento os cristãos são todos
considerados sacerdotes (Ap. 5:10), não há levitas nem povo comum, a distância foi
retirada, o próprio Deus aproximou-se e fez-se nosso Pai (Jo. 1:12-13) e somos todos
chamados aproximar-mo-nos (Hb. 10:22). Em Mateus 5, 6 e 7 encontramos Jesus Cristo a
anunciar os princípios do seu Reino, e não encontramos nenhum mandamento relativo ao
dízimo, nem há algum relato bíblico de um único apóstolo ter recebido dízimo da igreja.
Com que autoridade se cobram dízimos a igreja hoje?

67
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Para além do sistema levítico de dízimo o VT fala-nos do dízimo de um modo negativo, como
um sistema de subjugação do povo por parte dos reis. Quando o povo de Israel pediu a Samuel
que se lhes fosse instituído um rei a semelhança dos povos pagãos a sua volta esta foi a resposta de
Deus:
E disse: Este será o costume do rei que houver de reinar sobre vós; ele tomará os vossos filhos, e os
empregará nos seus carros, e como seus cavaleiros, para que corram adiante dos seus carros. E os porá
por chefes de mil, e de cinquenta; e para que lavrem a sua lavoura, e façam a sua sega, e fabriquem as
suas armas de guerra e os petrechos de seus carros. E tomará as vossas filhas para perfumistas,
cozinheiras e padeiras. E tomará o melhor das vossas terras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais, e
os dará aos seus servos. E as vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais, e
aos seus servos. Também os vossos servos, e as vossas servas, e os vossos melhores moços, e os vossos
jumentos tomará, e os empregará no seu trabalho. Dizimará o vosso rebanho, e vós lhe servireis de
servos. Então naquele dia clamareis por causa do vosso rei, que vós houverdes escolhido; mas o
SENHOR não vos ouvirá naquele dia. (I Sm. 8:11-18)
A forma como se implementou o sistema do dízimo pela Igreja Católica representa um paralelo
fiel destas palavras no seio do cristianismo. Com a institucionalização da Igreja (após a conversão
de Constantino), rapidamente o clero eclesiástico viu-se na posição de reinar sobre a vida do povo
europeu (que era até antes da Reforma maioritariamente católico), tendo para tal adaptado o
dízimo do VT para conseguir dos fiéis 10% da sua lavoura, e posteriormente do seu salário.
Imagina o dinheiro que a Igreja e a realeza angariaram, mas é claro, não demorou, o povo se
revoltou do abuso, sobretudo depois da Revolução Francesa. Hoje a Igreja Católica praticamente já
não cobra o dízimo, afinal de contas já enriqueceu o suficiente no passado, sem falar das
indulgências. Quem ainda cobra são (ironicamente) as denominações de caris protestante.

Características do Dízimo
Vale a pena identificarmos algumas das principais características do dízimo, visto que poderá
facilitar a comparação entre o dízimo dado hoje nas nossas congregações e o dízimo relatado nas
escrituras. Lemos as seguintes palavras:
Estes são os estatutos e os juízos que tereis cuidado em cumprir na terra que vos deu o SENHOR Deus
de vossos pais, para a possuir todos os dias que viverdes sobre a terra. Totalmente destruireis todos os
lugares, onde as nações que possuireis serviram os seus deuses, sobre as altas montanhas, e sobre os
outeiros, e debaixo de toda a árvore frondosa; e derrubareis os seus altares, e quebrareis as suas estátuas,
e os seus bosques queimareis a fogo, e destruireis as imagens esculpidas dos seus deuses, e apagareis o
seu nome daquele lugar. Assim não fareis ao SENHOR vosso Deus; mas o lugar que o SENHOR
vosso Deus escolher de todas as vossas tribos, para ali pôr o seu nome, buscareis, para sua habitação, e
ali vireis. E ali trareis os vossos holocaustos, e os vossos sacrifícios, e os vossos dízimos, e a oferta
alçada da vossa mão, e os vossos votos, e as vossas ofertas voluntárias, e os primogénitos das vossas
vacas e das vossas ovelhas. (Dt. 12:1-17)

68
O Dízimo No Velho Testamento

Só produtos da Terra Santa


Primeiramente, precisamos deixar claro que os dízimos não podiam vir de nenhum território
fora da terra santa (separada). Nos trechos acima vemos Moisés a anunciar os mandamentos que
deviam ser cumpridos na terra de Canaã. Primeiro eles tinham o dever de eliminar todas as
abominações pagãs, limpar a terra de todos os vestígios de idolatria e de coisas consagradas a
deuses. Essas tarefas estão de alguma forma ligadas às tarefas de Adão de cultivar e guardar o
jardim (Génesis 2:15), por sua vez ligadas ao papel dos sacerdotes no Templo (Números
3:6-8/Crónicas 23:32/Ezequiel 44:14).
Em outras palavras, a terra que Deus dava a Israel era semelhante ao território do jardim do
Éden, totalmente separada para Deus, um território santo. Por essa razão lemos:
E eu vos introduzi numa terra fértil, para comerdes o seu fruto e o seu bem; mas quando nela entrastes
contaminastes a minha terra, e da minha herança fizestes uma abominação. (Jr. 2:7)
Então o SENHOR herdará a Judá como sua porção na terra santa, e ainda escolherá a Jerusalém. (Zc.
2:12)
Em segundo lugar, daquilo que produzissem na terra santa tirariam as ofertas, os dízimos e os
holocaustos e levariam ao lugar escolhido para apresentar a Deus, este lugar foi chamado de Casa
de Deus e refere-se ao Templo ou Tabernáculo, onde ficava a Arca da Aliança. As terras pagãs não
podiam ser fontes de dízimos, somente a porção que Deus separara para Israel era o lugar e o
território santo aceitável para produzir os dízimos e as ofertas alçadas. Os seguintes trechos
mostram a realidade do VT sobre terras contaminadas:
Nem te deitarás com a mulher de teu próximo para cópula, para te contaminares com ela. E da tua
descendência não darás nenhum para fazer passar pelo fogo perante Moloque; e não profanarás o nome
de teu Deus. Eu sou o SENHOR. Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; abominação é;
nem te deitarás com um animal, para te contaminares com ele; nem a mulher se porá perante um
animal, para ajuntar-se com ele; confusão é. Com nenhuma destas coisas vos contamineis; porque com
todas estas coisas se contaminaram as nações que eu expulso de diante de vós. Por isso a terra está
contaminada; e eu visito a sua iniquidade, e a terra vomita os seus moradores. Porém vós guardareis os
meus estatutos e os meus juízos, e nenhuma destas abominações fareis, nem o natural, nem o
estrangeiro que peregrina entre vós; porque todas estas abominações fizeram os homens desta terra,
que nela estavam antes de vós; e a terra foi contaminada. Para que a terra não vos vomite, havendo-a
contaminado, como vomitou a nação que nela estava antes de vós. (Lv. 18: 20-28)
Todo aquele que matar alguma pessoa, conforme depoimento de testemunhas, será morto; mas uma só
testemunha não testemunhará contra alguém, para que morra. E não recebereis resgate pela vida do
homicida que é culpado de morte; pois certamente morrerá. Também não tomareis resgate por aquele
que se acolher à sua cidade de refúgio, para tornar a habitar na terra, até à morte do sumo-sacerdote.
Assim não profanareis a terra em que estais; porque o sangue faz profanar a terra; e nenhuma expiação
se fará pela terra por causa do sangue que nela se derramar, senão com o sangue daquele que o
derramou. Não contaminareis, pois, a terra na qual vós habitais, no meio da qual eu habito; pois eu, o
SENHOR, habito no meio dos filhos de Israel. (Nm. 35:30-34)

69
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Consequentemente o dízimo que provém de uma terra profanada ou contaminada com práticas
abomináveis não podia de jeito algum ser considerado santo para Deus. Seria uma afronta oferecer
para o Deus de Israel produtos provenientes de territórios pagãos, terras contaminadas com toda
sorte de práticas imorais e idólatras. Nada melhor do que o seguinte trecho para comprovar a
opinião dos Israelitas em relação aos produtos das terras pagãs:
Porque a sua rocha não é como a nossa Rocha, sendo até os nossos inimigos juízes disto. Porque a sua
vinha é a vinha de Sodoma e dos campos de Gomorra; as suas uvas são uvas venenosas, cachos
amargos têm. O seu vinho é ardente veneno de serpentes, e peçonha cruel de víboras. (Dt. 32:31-33)
O fenómeno em questão tem suas raízes bem em Génesis, começando do Éden, onde Deus
plantou um jardim e nele pós o homem para o guardar e lavrar, sendo que após a transgressão de
Adão o homem foi expulso do jardim. Isso nos mostra que o território do jardim não era igual a
qualquer outro território da terra, era um lugar santo, onde Deus tinha comunhão com a
humanidade. Onde estavam as árvore da vida e do conhecimento do bem e do mal.
Quando Caim assassinou o seu irmão Abel, este foi expulso para mais além do Éden, no lado
do oriente, para longe da face de Deus. O relato sugere que quanto mais longe do jardim a pessoa
se encontrasse, mais longe de Deus essa pessoa estava. O jardim assumia o lugar de intimidade
com Deus, de pureza e retidão, e os territórios para além do Jardim simbolizavam a morte, a
impureza, o caos, a confusão e alienação de Deus:
E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra. E agora maldito
és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue do teu irmão. Quando
lavrares a terra, não te dará mais a sua força; fugitivo e vagabundo serás na terra. Então disse Caim ao
SENHOR: É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada. Eis que hoje me lanças da face da
terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e vagabundo na terra, e será que todo aquele que me
achar, me matará. (Gn. 4:10-14)
Território de maldição e de vagabundos tornou-se o espaço distante do Éden, quanto mais
distante, mais profano. Depois do dilúvio a terra sofreu uma espécie de renovação, como se em
Noé Deus recomeçasse uma nova humanidade, longe da corrupção que ocorreu em Génesis 6:
Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas
dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que houve na antiguidade, os homens de
fama. E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação
dos pensamentos de seu coração era só má continuamente. Então arrependeu-se o SENHOR de haver
feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração. E disse o SENHOR: Destruirei o homem que
criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque
me arrependo de os haver feito. Noé, porém, achou graça aos olhos do SENHOR. (Gn. 6:4-8)
Entretanto, depois da multiplicação dos homens na terra surge uma outra grande transgressão,
transgressão essa que faz com que Deus separasse os homens em 70 nações distintas (Génesis 10).
O evento que marca esta divisão é conhecido como a história da Torre de Babel:
E era toda a terra de uma mesma língua e de uma mesma fala. E aconteceu que, partindo-os do oriente,
acharam um vale na terra de Sinar; e habitaram ali. E disseram uns aos outros: Eia, façamos tijolos e

70
O Dízimo No Velho Testamento

queimemo-los bem. E foi-lhes o tijolo por pedra, e o betume por cal. E disseram: Eia, edifiquemos nós
uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e façamo-nos um nome, para que não sejamos
espalhados sobre a face de toda a terra.Então desceu o SENHOR para ver a cidade e a torre que os
filhos dos homens edificavam; e o SENHOR disse: Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma
língua; e isto é o que começam a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem
fazer. Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro. Assim
o SENHOR os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade. Por isso se
chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o SENHOR a língua de toda a terra, e dali os
espalhou o SENHOR sobre a face de toda a terra. (Gn. 11:1-9)
Foi a esta divisão que Moisés se referiu nos seguintes trechos:
Lembra-te dos dias da antiguidade, atenta para os anos de muitas gerações: pergunta a teu pai, e ele te
informará; aos teus anciãos, e eles te dirão. Quando o Altíssimo distribuía as heranças às nações, quando
dividia os filhos de Adão uns dos outros, estabeleceu os termos dos povos, conforme o número dos
filhos de Israel. Porque a porção do SENHOR é o seu povo; Jacó é a parte da sua herança. (Dt. 32:7-9)
Segundo a versão dos Manuscritos do Mar Morto “Quando o Altíssimo distribuía as heranças
às nações, quando dividia os filhos de Adão uns dos outros, estabeleceu os termos dos povos,
conforme o número dos filhos de Deus”. Essa tradução é a mesma utilizada pela Versão Padrão
Internacional, conhecida em Inglês como ISV. A razão mais directa a favor desta versão é o facto
de que na divisão das nações Israel ainda não existia, e também por existir uma harmonia entre
esse trecho com Génesis 6, Salmos 82 e outros versículos do NT.
Para não fugirmos do foco importa somente notar que quando se diz: Israel é a porção e
herança de Deus estamos perante um contraste, onde os outros povos estavam legalmente sob
domínio de outros deuses (Salmos 82/Romanos 1:18-24/I Coríntios 10:19-20/Colossenses 2:15),
e Israel exclusivamente estava sob domínio do Deus verdadeiro. Somente Israel encontrava-se
numa espécie de Jardim do Éden, foi o Templo de Jerusalém escolhido por Deus como sua casa,
como abordaremos mais adiante no subtema Malaquias e o dízimo.
Todas as outras terras eram profanas, contaminadas, mas o território herdado por Israel era
santo, por ser a terra prometida pelo próprio Deus a Abrão (Génesis 15:7), local exclusivo para a
adoração do Santo Deus. Desta feita somente o que se produzia em território santo e não
contaminado podia ser oferecido como oferta alçada ou dízimo. O dízimo era santo por essa
razão.
A consciência de que os territórios eram alocados a divindades formava parte da cosmovisão
dos povos semíticos, cada nação tinha seu próprio deus e quando um certo povo subjugava o
outro significava para eles a vitória de seu deus sobre o deus do povo vencido. As seguintes
palavras mostram um pouco desta realidade:
Então conheceu Saul a voz de Davi, e disse: Não é esta a tua voz, meu filho Davi? E disse Davi: É
minha voz, ó rei, meu senhor. Disse mais: Por que persegue, o meu senhor, tanto o seu servo? Que fiz
eu? E que maldade se acha nas minhas mãos? Ouve, pois, agora, te rogo, rei meu senhor, as palavras de
teu servo: Se o SENHOR te incita contra mim, receba ele a oferta de alimentos; se, porém, são os filhos
dos homens, malditos sejam perante o SENHOR; pois eles me têm expulsado hoje para que eu não

71
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

tenha parte na herança do SENHOR, dizendo: Vai, serve a outros deuses. Agora, pois, não se derrame
o meu sangue na terra diante do SENHOR; pois saiu o rei de Israel em busca de uma pulga, como
quem persegue uma perdiz nos montes. (I Sm. 26:17-20)
Quando Saul saiu a caça de Davi nos arredores do monte de Haquilá, defronte de Jesimom,
Davi e Abisai foram ao local do acampamento de Saul e suas tropas, tendo Davi tomado a espada
de Saul e já depois de afastado a certa distância bradou e trocou essa conversa com o rei. Chama a
atenção dois pontos, o primeiro tem a ver com a conclusão de Davi de que havia sido não somente
expulso da herança de Deus, mas também que isso significava “vai, e serve a outros deuses”.
No segundo ponto, Davi suplica “não se derrame o meu sangue na terra diante do SENHOR”.
No primeiro caso Davi assume que fora de Israel ele estava em território alheio, de outros deuses,
e em segundo lugar a sua súplica tem como o fundo os mandamentos relativos à poluição da terra
com sangue inocente (Números 35:30-34/Salmos 106:38). Esta compreensão também pode ser
auferida nas palavras do profeta Oséias:
Na terra do SENHOR não permanecerão; mas Efraim tornará ao Egito, e na Assíria comerão comida
imunda. Não derramarão libações de vinho ao SENHOR, nem lhe agradarão as suas ofertas. Os seus
sacrifícios lhes serão como pão de pranteadores; todos os que dele comerem serão imundos, porque o
seu pão será somente para si mesmos; não entrará na casa do SENHOR. (Os. 9:3-4)
Talvez a ilação mais viva do parcelamento divino seja o caso de Naamã como descrita nas
seguintes palavras:
Então voltou ao homem de Deus, ele e toda a sua comitiva, e chegando, pôs-se diante dele, e disse: Eis
que agora sei que em toda a terra não há Deus senão em Israel; agora, pois, peço-te que aceites uma
bênção do teu servo. Porém ele disse: Vive o SENHOR, em cuja presença estou, que não a aceitarei. E
instou com ele para que a aceitasse, mas ele recusou. E disse Naamã: Se não queres, dê-se a este teu
servo uma carga de terra que baste para carregar duas mulas; porque nunca mais oferecerá este teu
servo holocausto nem sacrifício a outros deuses, senão ao SENHOR. (II Rs. 5:15-17)
Segundo esta história, Naamã general da Síria que padecia de lepra foi informado por sua serva
judia que o profeta Eliseu o podia curar, depois deste general famoso inicialmente ter hesitado em
ir para Israel, ao encontro do profeta em Samaria, acabou convencido por seus servos e foi a busca
da cura banhando sete vezes no rio Jordão de acordo as instruções que recebeu do profeta. Ora,
depois de curado o general pede uma carga de terra para levar consigo para Síria.
Este facto é curioso até entendermos que a terra que ele estaria a levar era santa, parte da
herança de Israel. Trata-se de um pedaço do território do Deus vivo, do Deus que dá vida, do
verdadeiro Deus e superior a todos os deuses da Síria. Por isso ele diz “porque nunca mais
oferecerá este teu servo holocausto nem sacrifício a outros deuses, senão ao SENHOR”. O
general Naamã entendia que o território de Israel era santo e diferente de todos outros territórios.
(Ver Daniel 10:18-21/)
Estes espíritos ou deuses são os que no NT são chamados de principados, potestades,
dominadores ou hostes celestiais (Efésios 6:12/Colossenses 2:15/I Coríntios 2:6-8/Efésios 2:2,
3:10). Entretanto, se de um lado estes seres divinos dominavam sobre os povos do mundo, doutro

72
O Dízimo No Velho Testamento

lado Israel era propriedade exclusiva do Deus verdadeiro, somente o que era produzido na sua
herança e terra santa podia ser oferecido como oferta alçada, sacrifícios e dízimos.
Se olharmos com cuidado para as coisas que segundo a Lei poluem ou profanam a terra fica
muito difícil dizer que em Angola ou qualquer outro país do mundo existem condições para se
declarar um único território de santo sequer. Assim sendo, usando os critérios bíblicos não há
nenhum lugar na terra onde podemos produzir coisas dignas de se considerar dízimos para Deus,
os territórios seculares e ou religiosos não se conformam com Israel do VT, não têm um Templo
em Jerusalém, não têm uma tribo de levitas e um sistema de sacerdotes descendentes de Arão.
Se estes pontos são factos bíblicos e não meras invenções minhas, significa que todos os que
cobram dízimos aos fiéis de suas denominações (1) não sabem o que é o dízimo segundo as
Escrituras, visto que aquilo que eles cobram com o nome de dízimo não passa de uma invenção de
homens e (2) todos aqueles que dão fielmente aquilo que chamam de dízimo não dão o dízimo
bíblico, mas sim uma cópia adulterada, sem qualquer legitimidade espiritual. Poderíamos talvez
chamar de ofertas confusas por essência (OCE).

Não era Dinheiro


Em segundo lugar, deve ficar estabelecido que os dízimos eram somente produtos
agropecuários, dentre os mesmos podemos separar os dízimos do campo (hortaliças, sementes e
frutas) e os dízimos do gado e do rebanho (Dt. 14:22). O dízimo representava o décimo numa
sequência de produtos. Em segundo lugar, e no que diz respeito ao gado e o rebanho, usando o
mesmo princípio, o dízimo era todo décimo dentre os animais que eram contados. Lemos o
seguinte:
Também todas as dízimas do campo, da semente do campo, do fruto das árvores, são do SENHOR;
santas são ao SENHOR. Porém, se alguém das suas dízimas resgatar alguma coisa, acrescentará a sua
quinta parte sobre ela. No tocante a todas as dízimas do gado e do rebanho, tudo o que passar debaixo
da vara, o dízimo será santo ao SENHOR. Não se investigará entre o bom e o mau, nem o trocará; mas,
se de alguma maneira o trocar, tanto um como o outro será santo; não serão resgatados. Estes são os
mandamentos que o SENHOR ordenou a Moisés, para os filhos de Israel, no monte Sinai. (Lv. 27:30-
34)
Doutro lado, a qualidade do dízimo do gado não era tida em conta, qualquer que calhasse ser o
décimo do gado ou do rebanho era separado para o SENHOR, porém, os levitas tinham de
escolher o melhor dentre tudo que recebiam para oferecer como dízimo dos dízimos (Números
18:29-30). Entretanto, notemos que o dízimo de 19 ovelhas seria somente a décima ovelha na
contagem, que obviamente não equivale a 10% de 19 ovelhas.

Não Era Mensal


Todos os domingos ou Sábados, na hora dos anúncios ou ofertas, raramente não se ouvem
explicações da necessidade de cada membro trazer o dízimo mensalmente para quem trabalha ou

73
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

de cada lucro para aqueles que fazem negócios, porém, se o dízimo que se pede fosse realmente
consistente com as Escrituras no mínimo deveria ser consistente com todos os mandamentos
inerentes ao dízimo. Vejamos:
Certamente darás os dízimos de todo o fruto da tua semente, que cada ano se recolher do campo. E,
perante o SENHOR teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os
dízimos do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas;
para que aprendas a temer ao SENHOR teu Deus todos os dias. E quando o caminho te for tão
comprido que os não possas levar, por estar longe de ti o lugar que escolher o SENHOR teu Deus para
ali pôr o seu nome, quando o SENHOR teu Deus te tiver abençoado; Então vende-os, e ata o dinheiro
na tua mão, e vai ao lugar que escolher o SENHOR teu Deus; E aquele dinheiro darás por tudo o que
deseja a tua alma, por vacas, e por ovelhas, e por vinho, e por bebida forte, e por tudo o que te pedir a
tua alma; come-o ali perante o SENHOR teu Deus, e alegra-te, tu e a tua casa; porém não desampararás
o levita que está dentro das tuas portas; pois não tem parte nem herança contigo. Ao fim de três anos
tirarás todos os dízimos da tua colheita no mesmo ano, e os recolherás dentro das tuas portas; Então
virá o levita (pois nem parte nem herança tem contigo), e o estrangeiro, e o órfão, e a viúva, que estão
dentro das tuas portas, e comerão, e fartar-se-ão; para que o SENHOR teu Deus te abençoe em toda a
obra que as tuas mãos fizerem. (Dt. 14:22-29)

De Três Tipos
O primeiro ponto que devemos considerar é o facto de que haviam dois dízimos dados
anualmente, isso porque a colheita é anual (v. 22), um era o dízimo dado aos levitas, que por sua
vez tiravam o dízimo do dízimo para os sacerdotes (Ne. 18), e o outro era para as festas religiosas
anuais (Dt. 16:3, 13 e 17), e um terceiro e último, dado trienalmente (Dt 14:28-29/26:12) aos
levitas, estrangeiros, órfãos e viúvas.
O historiador Flávio Josefo é citado nas seguintes palavras (tradução minha): “… dos dois
dízimos que eu te orientei a pagar em cada ano, um para os levitas e o outro para os banquetes, tu
deves providenciar um terceiro a cada três anos para distribuição de acordo as necessidades das
viúvas e órfãos”11. Isso concorda com o relato bíblico que fortemente sugere 3 tipos de dízimos
religiosos. O dízimo dado aos levitas era recolhido das várias cidades da terra santa pelos próprios
levitas (Ne. 10:37-39) e eles o podiam comer em qualquer localidade (Ne. 18:21), ao contrário dos
sacerdotes que tinham de comer o dízimo do dízimo no Templo (Ne. 18:10), os ofertantes não
recebiam nada deste dízimo de volta.
Já o dízimo das festas ou banquetes eram comidos em Jerusalém uma vez por ano, cada família
tinha o dever de deixar a sua cidade e ir participar do banquete religioso que reunia todo Israel (Dt.
14:8-11 e 17-18), este era comido pelos ofertantes com a participação dos levitas, órfãos, viúvas e
estrangeiros (prosélitos). No caso dos judeus que viviam distantes de Jerusalém podiam vender o
dízimo transformando-o em dinheiro, só para depois de chegar no destino comprar (com aquele
mesmo dinheiro) comida para o banquete. E o terceiro, o dízimo do terceiro ano, era direcionado

11. Flavius Josephus. Antiquities IV, 240.

74
O Dízimo No Velho Testamento

aos pobres e era comido na casa do ofertante pelas viúvas, órfãos, estrangeiros, necessitados e os
levitas (Dt. 14:28-29).
Outrossim, existia também um dízimo não religioso (ou híbrido), uma taxa real que a
monarquia exigia dos hebreus, escassamente mencionada em I Samuel 8:7-17. Com a incorporação
de muitos levitas ao governo de David os dízimos sofrem uma adaptação para taxas geridas pelo
rei, algo comum na era.
Se havia três tipos de dízimos religiosos e todos estes eram santos, porque então hoje os
dízimos que são cobrados não obedecem ao critério de nenhum deles? E se realmente o dízimo
cobrado hoje fosse bíblico, onde nas escrituras encontramos um único exemplo de dízimo mensal,
ou do lucro de todo tipo de negócios? Na verdade, se analisarmos de modo desapaixonado, no
mínimo teremos de admitir que os dízimos hoje cobrados na maioria das instituições eclesiásticas
possuem características próprias, que diferem dos três tipos bíblicos. Ora, se o dízimo cobrado
hoje é diferente dos três tipos, logo estamos diante de um quarto tipo, a questão é quem foi que
instituiu o dízimo do quarto tipo? Isso é confusão!
O dízimo de hoje é do tipo quatro, visto que os três tipos bíblicos eram somente de produtos
agrícolas. Alguns dizem que eram produtos agrícolas porque o povo era por essência agrícola, mas
isso não é de todo uma verdade. Existiam sapateiros, pedreiros, soldados, oleiros, marceneiros,
carpinteiros, comerciantes diversos etc., e mais, já usavam dinheiro. Esse tipo de dízimo dado hoje
é uma invenção, não obedece aos critérios bíblicos que os defensores do dízimo alegam cumprir.
De facto, quanto mais estudarmos o dízimo bíblico, mais notamos que existem diferenças
irreconciliáveis com o dízimo moderno. São tão diferentes que é impossível harmonizar os dois
sem cair em contradição e ou fazer confusão na interpretação honesta do VT. Quanto mais
esforço se emprega na defesa do dízimo mais se distorcem as Escrituras e se confunde a
compreensão do NT.
É importante enfatizar que a razão principal pela qual os levitas recebiam o dízimo do povo de
Israel é o facto de eles não terem herança, ou seja, só os que tinham parte da terra santa tinham o
dever de providenciar pelos seus irmãos levitas (Dt. 12:19/18:1-8/Ne. 18:20-22). Os pobres, os
órfãos, as viúvas e os estrangeiros (prosélitos) não davam dízimos. Hoje, nós que na carne somos
todos estrangeiros temos sido chamados a dar dízimo em nossas igrejas, sem falar que até os
pobres também são doutrinados a dar o dízimo, prática que nem a Lei, nem Cristo e nem os
apóstolos ensinaram à igreja. No Sétimo Ano não se dava.
Na minha busca de entendimento sobre o dízimo acabei por descobrir alguns factos
interessantes, coisas que eu nunca tinha ouvido antes nas congregações que frequentei. Um destes
factos é que no sétimo ano o povo de Israel simplesmente não tinha o dever de dar o dízimo, era o
ano do descanso da terra. Nós lemos o seguinte:
Falou mais o SENHOR a Moisés no monte Sinai, dizendo: Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes:
Quando tiverdes entrado na terra, que eu vos dou, então a terra descansará um Sábado ao Senhor. Seis
anos semearás a tua terra, e seis anos podarás a tua vinha, e colherás os seus frutos; porém ao sétimo
ano haverá Sábado de descanso para a terra, um Sábado ao SENHOR; não semearás o teu campo nem

75
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

podarás a tua vinha. O que nascer de si mesmo da tua sega, não colherás, e as uvas da tua separação não
vindimarás; ano de descanso será para a terra. Mas os frutos do Sábado da terra vos serão por alimento,
a ti, e ao teu servo, e à tua serva, e ao teu diarista, e ao estrangeiro que peregrina contigo; e ao teu gado,
e aos teus animais, que estão na tua terra, todo o seu produto será por mantimento. Também contarás
sete semanas de anos, sete vezes sete anos; de maneira que os dias das sete semanas de anos te serão
quarenta e nove anos. Então no mês sétimo, aos dez do mês, farás passar a trombeta do jubileu; no dia
da expiação fareis passar a trombeta por toda a vossa terra, e santificareis o ano quinquagésimo, e
apregoareis liberdade na terra a todos os seus moradores; ano de jubileu vos será, e tornareis, cada um à
sua possessão, e cada um à sua família. O ano quinquagésimo vos será jubileu; não semeareis nem
colhereis o que nele nascer de si mesmo, nem nele vindimareis as uvas das separações, porque jubileu é,
santo será para vós; a novidade do campo comereis. (Lv. 25:1-12)
Este princípio é semelhante ao que Deus introduziu ao povo de Israel quando fez chover o
maná ou pão do céu no deserto, visto que no sexto dia Deus fazia chover o dobro, para
salvaguardar o sétimo dia, que era para descanso :
Então disse o SENHOR a Moisés: Eis que vos farei chover pão dos céus, e o povo sairá, e colherá
diariamente a porção para cada dia, para que eu o prove se anda em minha lei ou não. E acontecerá, no
sexto dia, que prepararão o que colherem; e será o dobro do que colhem cada dia. (Êx. 16:4-5)
Do mesmo modo que o povo colhia o dobro no sexto dia para descansar no sétimo dia, Israel
colhia mais no sexto ano e descansava no sétimo ano (ano sabático). Deus havia prometido a Israel
que no sexto ano teriam uma colheita equivalente a três anos, de modo que somente no nono ano
é que voltariam a dizimar. Em outras palavras, o povo de Israel depois do sexto ano de colheita só
voltava a dizimar a colheita da semeadura do oitavo ano, no nono ano. Em outras palavras,
passavam três anos sem dizimar, isso sem falar do quinquagésimo ano que era o ano do Jubileu em
que igualmente não se trabalhava a terra, e consequentemente não se dizimava:
E se disserdes: Que comeremos no ano sétimo? Eis que não havemos de semear nem fazer a nossa
colheita; então eu mandarei a minha bênção sobre vós no sexto ano, para que dê fruto por três anos, e
no oitavo ano semeareis, e comereis da colheita velha até ao ano nono; até que venha a nova colheita,
comereis a velha. (Lv. 25:20-22)
Também seis anos semearás tua terra, e recolherás os seus frutos; mas ao sétimo a dispensarás e
deixarás descansar, para que possam comer os pobres do teu povo, e da sobra comam os animais do
campo. Assim farás com a tua vinha e com o teu olival. Seis dias farás os teus trabalhos, mas ao sétimo
dia descansarás; para que descanse o teu boi, e o teu jumento; e para que tome alento o filho da tua
escrava, e o estrangeiro. (Êx. 23:10-12)
Se entendermos estes factos, o segundo passo será perguntarmos aos que ensinam a doutrina
do dízimo em suas denominações, se de sete em sete anos obedecem ao ano sabático, e só aceitam
dízimos no nono ano? Afinal de contas, do mesmo jeito que citam Malaquias 3:10 e defendem que
é bíblico a doutrina do dízimo, deviam obedecer a todos os pormenores relativos ao dízimo, tal
como está escrito na Bíblia. Mas, é nestes pontos que fogem ao debate e dizem “as coisas de Deus
não são para se debater”, ou arranjam invenções para não explicarem ao certo o que fazem com
esses factos bíblicos.

76
O Dízimo No Velho Testamento

Se voltarmos para o relato bíblico do pão que Deus fez chover para alimentar o povo de Israel,
veremos que o povo tinha o dever de colher diariamente somente a quantidade necessária para
cada casa, e que este maná não podia ser preservado para o dia seguinte, excepto o que era colhido
no sexto dia, e quando o povo por desacato tentou guardar para o dia seguinte o pão havia
apodrecido, tinha produzido bichos e cheirava mal (Êx. 16:16-24). De igual modo a prática do
dízimo não é para o dia de hoje, é uma doutrina que teve seu valor na Lei, mas que diante de
Cristo apodreceu, e tem produzido bichos (confusão).
Do mesmo jeito que a Lei inscrita em pedras foi lançada ao chão e partiu (Êx. 32:19), provando
assim sua fragilidade, o dízimo praticado no judaísmo não fez dos judeus uma nação justa e
misericordiosa, e de forma simbólica também partiu. Deus trouxe uma aliança superior, cuja lei
não está inscrita em material frágil, mas sim no próprio coração, na alma de cada discípulo de Jesus
Cristo que é o lugar certo onde Deus sempre quis que Suas leis permanecessem desde Adão e Eva:
Porque com uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que são santificados. E também o Espírito
Santo no-lo testifica, porque depois de haver dito: esta é a aliança que farei com eles Depois daqueles
dias, diz o SENHOR: Porei as minhas leis em seus corações, E as escreverei em seus entendimentos;
acrescenta: e jamais me lembrarei de seus pecados e de suas iniquidades. Ora, onde há remissão destes,
não há mais oblação pelo pecado. (Hb. 10:14-18)
Para que os seus corações sejam consolados, e estejam unidos em amor, e enriquecidos da plenitude da
inteligência, para conhecimento do mistério de Deus e Pai, e de Cristo, em quem estão escondidos
todos os tesouros da sabedoria e da ciência. (Cl. 2:2-3)

Malaquias e o Dízimo
A palavra Malaquias significa “meu mensageiro”, pelo que as Escrituras não nos desvendam
quem era objetivamente este mensageiro de Deus, se um dos profetas menores ou outro homem
de uma das tribos de Israel que recebeu a Palavra de Deus e a escreveu, diante da rebelião dos
sacerdotes que havia resultado na corrupção do povo todo de Israel. A única coisa que podemos
afirmar, com certeza, é que o Mensageiro escreveu palavras inspiradas por Deus, de tal modo que
o novo testamento faz quatro referências do mesmo livro (Mt. 11:10, Lc. 1:12, Mc. 1:2 e Rm. 9:13).
Uma das lições que podemos tirar do facto da identidade real do escritor do livro de Malaquias
não ser conhecida, é que como servos de Deus, a única coisa que realmente importa é
apresentarmos a mensagem de Deus, “meu mensageiro” tira o foco no mensageiro e volta ao
dono da mensagem e dono do mensageiro, isso por causa do adjectivo possessivo “meu”. No
mundo onde nós vivemos, os nomes mais famosos chamam mais atenção, as pessoas querem saber
quem vai falar, quem vai pregar, quem aqui e quem ali, o mundo pergunta em relação a tudo, mas
na visão de Deus, os homens deviam questionar-se “de quem é o mensageiro?”. Hoje o mundo se
enche de mensageiros do Diabo.
O livro de Malaquias é muito rico, pena que a maioria dos evangélicos apenas conhece o
versículo 10 do capítulo 3, isso porque é o mais repetido na maioria das igrejas. Há tantos exageros

77
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

e mentiras sendo ensinadas sobre o dízimo que rapidamente fica estampada na memória dos
crentes tanto as bênçãos como as maldições relacionadas ao dízimo.
No seio onde eu cresci, isto é, no seio Pentecostal, os versículos bíblicos mais citados eram
Mateus 7:7 e Malaquias 3:10. Hoje parece que estes versículos são os mais memorizados pelos fiéis,
com o acréscimo de Mateus 7:1. Para sermos objectivos e consistentes, vamos pautar em focar no
assunto deste capítulo e olhar com uma visão clínica o dízimo relatado em Malaquias, assim
podemos ler:
Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei
prova de mim nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não
derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes. (Ml. 3:10)
Aqui mesmo surge logo uma questão que muitos de nós não fazíamos, por que não
meditávamos nas Escrituras: dentre os três tipos de dízimos, qual deles devia ser levado a casa do
tesouro? A resposta é: O dízimo dos dízimos. Em outras palavras, o dízimo em questão não é
relativo ao povo, mas fundamentalmente concernente aos levitas. Malaquias está a repudiar os
levitas por não levar o dízimo dos dízimos aos sacerdotes. Malaquias 3:10 não é sobre o dízimo,
mas sim sobre o dízimo dos dízimos! Neemias relata:
E que as primícias da nossa massa, as nossas ofertas alçadas, o fruto de toda a árvore, o mosto e o
azeite, traríamos aos sacerdotes, às câmaras da casa do nosso Deus; e os dízimos da nossa terra aos
levitas; e que os levitas receberiam os dízimos em todas as cidades, da nossa lavoura. E que o sacerdote,
filho de Arão, estaria com os levitas quando estes recebessem os dízimos, e que os levitas trariam os
dízimos dos dízimos à casa do nosso Deus, às câmaras da casa do tesouro. Porque àquelas câmaras os
filhos de Israel e os filhos de Levi devem trazer ofertas alçadas do grão, do mosto e do azeite;
porquanto ali estão os vasos do santuário, como também os sacerdotes que ministram, os porteiros e os
cantores; e que assim não desampararíamos a casa do nosso Deus. (Ne. 10:27-29)
Já vimos que dos três tipos de dízimos um era comido na casa do ofertante de três em três
anos, outro era comido em Jerusalém nos banquetes religiosos, tendo como beneficiários os
pobres e necessitados, levitas e estrangeiros, e o outro dízimo é aquele relatado em Números 18,
onde o levita recebia o dízimo do povo e depois tirava do dízimo o dízimo e dava aos sacerdotes,
aqui o levita podia comer em qualquer lugar com sua família, mas o dízimo dos dízimos os
sacerdotes deviam comer no lugar santíssimo (Números 18:9-10).
Do lugar santíssimo, o povo e os levitas não se podiam aproximar (Números 18:3), significando
que quando Malaquias diz “trazei os dízimos a casa do tesouro” ele está a referir-se ao dízimo dos
dízimos tal como Neemias explica. É verdade que os filhos de Israel levavam as ofertas alçadas (no
qual o dízimo fazia parte), do mosto e do azeite às câmaras da casa do tesouro, mas isso era feito
obedecendo a ordem estabelecida, o povo dava aos levitas e os levitas davam aos sacerdotes, os
levitas não se podiam aproximar dos lugares restritos aos sacerdotes, o povo não podia aproximar-
se dos lugares restritos aos levitas, as mulheres não podiam aproximar-se dos lugares restritos aos
homens e os estrangeiros não se podiam aproximar dos lugares restritos aos israelitas, qualquer
desobediência resultava em morte.

78
O Dízimo No Velho Testamento

Se por ignorância, se por falta de honestidade, Deus sabe. A verdade é que quando usamos
Malaquias 3:10 para cobrar dízimos estamos a usar erradamente as Escrituras, ou estamos
deliberadamente a manipular as ovelhas de Cristo. Um ensino sincero deve levar em conta o
contexto, a mensagem original e as implicações verdadeiras, sem introduzir artimanhas ou
equívocos que acabam produzindo fardo sobre os membros da igreja. Cristo disse que o seu jugo é
leve.
Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo,
e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas.
Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve. (Mt. 11:28-30)
Existe uma diferença bem clara entre o dízimo e o dízimo dos dízimos, se pensarmos no
dízimo como se fosse 10% (que não é de todo o caso) então teríamos que pensar no dízimo dos
dízimos como sendo 10% de 10% que é igual a 1%. Como então seria correcto ou honesto cobrar
10% usando um ensino relativo a cobrança de 1%? O que acontece é, as pessoas que cobram o
dízimo esforçam-se em interpretar Malaquias 3:10 de uma forma a fazer os membros da igreja
posicionarem-se como os que estão a roubar a Deus, mas, na verdade, o versículo e o livro tratam
primeiramente da infidelidade dos sacerdotes e dos levitas.
Se os que cobram o dízimo cobram-no fazendo-se passar por levitas, então Malaquias 3:10
chama-os de gatunos. Se os que cobram o dízimo cobram fazendo passar-se por sacerdotes (do
VT) então Malaquias 1:12 chama-os de profanos, de jeito nenhum Malaquias 3:10 trata com o
povo no geral, mas estritamente sobre um dos pecados dos levitas.
Se para se cobrar dízimo deve existir diferenças de categorias, onde uns são os sacerdotes,
outros são levitas e os últimos são o povo, é interessante notar que para o sistema do dízimo actual
funcionar é preciso partir de um erro de categoria. Sem que o povo assuma a posição de levitas os
que se fazem de sacerdotes não têm argumentos para receber aquilo que devia ser o dízimo dos
dízimos. E ainda, se assumirem que verdadeiramente Malaquias 3:10 retrata do dízimo dos
dízimos, quais pastores assumirão a categoria de levitas e quais a de sacerdotes? Quem vai passar a
receber 1% e quem vai passar a ficar com os 9%? No final das contas, que tipo de doutrina é essa
que é sustentada por um erro? Confusão!
Tipicamente nas igrejas, depois de uma leitura do versículo 10 de Malaquias 3, segue-se um
sermão que pode ser honesto, com ênfase na necessidade dos membros darem a décima parte dos
seus salários como prova de sua devoção a Deus, e dos benefícios prometidos por Deus,
enfatizando como “Deus vos retribuirá dando-vos 10 vezes mais do que o valor depositado no
dízimo”.
A parte da bênção é tirada de “fazei prova de mim nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu
não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar
suficiente para a recolherdes”. Assim, milhares de milhares de cristãos fiéis e obedientes levam os
seus dízimos às suas igrejas, alguns levam-no com a firme convicção de que receberão 10 vezes

79
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

mais do que o dízimo e que terão tanta bênção que nem conseguirão um lugar para recolher. Isso
também é fé.
Porém, a mensagem equivocada do dízimo de Malaquias não para na bênção, a mensagem tem
sempre três partes, o mandamento (dar), a promessa (receber) e para os desobedientes o castigo (o
devorador). A parte que traz a mensagem do castigo vem a seguir:
E por causa de vós repreenderei o devorador, e ele não destruirá os frutos da vossa terra; e a vossa vide
no campo não será estéril, diz o SENHOR dos Exércitos. (Ml. 3:11)
Aqui, o pregador de forma zelosa e incisiva exprime e espreme em tom grave a gravidade do
castigo, onde o devorador acaba sendo apresentado como a razão de toda sorte de desgraça;
doença é obra do devorador, acidente é obra do devorador, expulsão no emprego é obra do
devorador, etc. No final da pregação o ouvinte só pode fazer parte de duas categorias de pessoas:
dos arrepiados e tremendo de medo do devorador, e dos insensíveis cujo coração resiste a mais
sofisticada forma de persuasão religiosa.
Há uns anos, fui passar uns dias no Lubango, lá pensei em ir à igreja onde um amigo
congregava, peguei no meu violão e fui; o culto foi progredindo até o momento da pregação, após
uns cantos, uns gritos de euforia e devoção, finalmente apareceu o pregador no púlpito, este
pegando no microfone disse “Abram as vossas bíblias no livro de (Malaquias 3:10)” e eu dentro de
mim pensei: “Oops, logo hoje, por favor não me digam que é uma hora de pregação sobre o
dízimo”.
Lá o pregador começou a apresentar seu sermão, bem motivado, e foi então obedecendo as três
partes, o mandamento (dar), a promessa (receber) e para os desobedientes o castigo (o devorador).
Daí decidiu relatar um testemunho que ele dizia ter pegado de um “grande homem de Deus”,
contou mais ou menos o seguinte:
Um casal americano tinha viajado, durante a viagem, o marido foi ouvindo uma pregação sobre a
importância de ofertar e dar o dízimo, e de como Deus prometeu abrir os céus e derramar bênçãos,
então o marido ficou tão convicto desta verdade que cheio de fé, decidiu ir à igreja de Benny Hinn e
oferecer todo o dinheiro que tinha para viagem, sendo que ficou sem dinheiro algum, mas movido de fé
ele permaneceu confiante que lhe Deus iria abençoar. Quando voltou para a sua cidade, passado uns
dias veio uma empresa petrolífera bater à porta de sua casa, estes chegaram e disseram-lhe que a sua
casa estava localizada num terreno petrolífero e que eles gostariam de explorar o líquido bruto e assim
ele assinou um acordo e se tornou milionário, sendo que dos lucros que ele passou a receber do
consórcio fielmente tira 10% e envia para o ministério do Benny Hinn”.
Vejamos alguns exemplos:
A doutrina do dízimo é inaceitável para aqueles que ainda não tiveram uma experiência pessoal com
Jesus Cristo. Isto porque não foram ainda marcados pela consciência da causa de Deus nem pela
prioridade do Seu Reino.12

12. Lopes, s.d.

80
O Dízimo No Velho Testamento

É impossível desassociar o dízimo e as ofertas de certas virtudes fundamentais da vida cristã. Logo, dar
o dízimo atesta se o cristão crê em Deus e na Sua Palavra, se reconhece que Ele é o Provedor, se lhe é
grato e se deseja contribuir para o evangelismo e o estabelecimento efectivo do Reino de Deus em cada
coração.13
Veja bem, se um cristão é avarento, ganancioso, ama as riquezas, detesta falar em dar dinheiro; quando
ele ouvir essa doutrina de demónio que não precisa mais dar oferta na igreja, será que ele não vai cair
nessa e dizer: “Isso que é doutrina! Glória a Deus por uma doutrina tão abençoada!” Porque é a
fraqueza dele? É claro que sim! Muita gente que tem problema com dinheiro vai aderir essa falsa
doutrina, porque toda doutrina de demónio concorda com a carne e não com o fruto do espírito!
Observe que estes que ensinam “Não dê mais oferta na igreja, não dê mais dízimo” são aqueles
insubordinados, infiéis, amigo de contendas e avarentos. Estes estão na revolta de Corá, que influenciou
muitos a perdição e morte (Judas 1:11). Estes estão com a síndrome de Judas. 14
Estes três exemplos são um pequeno extracto de como a parte do castigo pode ser interpretada.
Para muitos pastores conceituados inclusive, falar de “cristão não dizimista” é uma espécie de
oximoro ou paradoxo, é como falar de “cristão-gatuno” ou “gelo-quente”.
Gostaria neste ponto aproveitar e dizer que ao citarmos os pastores acima não o fazemos no
intuito de sujar o nome que cada um deles tem, mas é meramente com o objectivo de ilustrar a
natureza profunda do debate sobre o dízimo, e como alguns conhecidos e influenciadores no seio
evangélico se posicionam diante do mesmo debate. É inclusive possível que quando este livro
estiver a circular por aí, alguns destes nomes poderão ter mudado de opinião ou reduzido a
intensidade da crítica que fazem aos que não concordam com eles (pelo menos desejamos).
Voltando ao assunto, é fácil entender de onde vem a ideia de gatuno ou ladrão, basta
começarmos a considerar o contexto de Malaquias 3:10, isso é, lermos o que vem antes e depois e
nos perguntarmos sobre quando o livro foi escrito, para quem, onde, etc. Vejamos:
Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas
ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, sim, toda esta nação. (Ml. 3:8-9)

Considerando estas palavras, muitos pregadores dedicados a glória de Deus acabam fazendo a
mistura com versículos como:
Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os
sodomitas, nem os LADRÕES, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os
roubadores herdarão o reino de Deus. (1 Co. 6:10)
Entretanto, logicamente concluem que o “não-dizimista” sendo ladrão não herdará o reino dos
céus. Outros ainda vão mais longe e consideram que todo aquele que não dá o dízimo está sob a
maldição. Mas será que estas conclusões são certas para os cristãos? Será que o que separa os
salvos dos perdidos é o dízimo? O que realmente faz uma pessoa cristã e outra mundana?

13. Malafaia, 2013.


14. Rodriguez, 2014.

81
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Antes de respondermos a tais perguntas, voltemo-nos a focar no objectivo deste capítulo, que é
caracterizar a natureza do dízimo de Malaquias, assim como no capítulo anterior falamos sobre o
dízimo levítico. Sendo que a maioria dos debates vulgares sobre o dízimo, centram-se no livro de
Malaquias, então, torna-se necessário perceber se este dízimo é diferente, especial ou é o mesmo
dízimo que os levitas recebiam.
Prosseguimos, vamos buscar somente o contexto do mesmo livro, e vamos caracterizar o relato
antes de Malaquias 3:10 e depois. Assim sendo vamos começar por identificar a quem tais palavras
foram redigidas. Lemos:
Peso da palavra do SENHOR contra Israel, por intermédio de Malaquias. Eu vos tenho amado, diz o
SENHOR. Mas vós dizeis: Em que nos tens amado? Não era Esaú irmão de Jacó? Disse o SENHOR;
todavia amei a Jacó, e odiei a Esaú; e fiz dos seus montes uma desolação, e dei a sua herança aos chacais
do deserto. Ainda que Edom diga: Empobrecidos estamos, porém tornaremos a edificar os lugares
desolados; assim diz o SENHOR dos Exércitos: Eles edificarão, e eu destruirei; e lhes chamarão: Termo
de impiedade, e povo contra quem o SENHOR está irado para sempre. (Ml.1:1-4)
Estas são as primeiras palavras do livro de Malaquias, onde temos o destinatário da carta
identificado como sendo Israel. Aqui é de concordância quase que universal, que se trata da nação
de Israel, as 12 tribos (Gn. 25:23), até porque quando falamos das características do dízimo vimos
que os estrangeiros não davam, isso porque não tinha parte da terra santa. Podemos ver esta ênfase
analisando a referência feita a Esaú, para diferenciar as duas nações, relevando o facto de que Deus
firmou um pacto com Israel e não com Esaú, ou seja, Deus legitimamente reclamava da traição do
único povo com quem Ele tinha firmado uma aliança. Vejamos:
E Isaque orou insistentemente ao SENHOR por sua mulher, porquanto era estéril; e o SENHOR ouviu
as suas orações, e Rebeca sua mulher concebeu. E os filhos lutavam dentro dela; então disse: Se assim é,
por que sou eu assim? E foi perguntar ao SENHOR. E o SENHOR lhe disse: Duas nações há no teu
ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas, e um povo será mais forte do que o outro povo, e o
maior servirá ao menor. E cumprindo-se os seus dias para dar à luz, eis gémeos no seu ventre. E saiu o
primeiro ruivo e todo como um vestido de pelo; por isso chamaram o seu nome Esaú. E depois saiu o
seu irmão, agarrada sua mão ao calcanhar de Esaú; por isso se chamou o seu nome Jacó. E era Isaque
da idade de sessenta anos quando os gerou. (Gn. 25:21-26)
Segundo este relato, Jacó e Esaú representam não somente dois irmãos, mas duas nações
provenientes de um mesmo pai, que é Isaque. Quando em Malaquias 1-4 Deus fala com Israel e
fala de Edom na verdade está a diferenciar estas duas nações, Jacó representa Israel e Esaú
representa Edom. Vejamos:
E disse-lhe Deus: O teu nome é Jacó; não te chamarás mais Jacó, mas Israel será o teu nome. E
chamou-lhe Israel. (Gn. 35:10)
O príncipe Magdiel, o príncipe Irã: estes são os príncipes de Edom, segundo as suas habitações, na terra
da sua possessão. Este é Esaú, pai de Edom. (Gn. 36:43)
Não obstante, devemos notar que Deus tinha firmado uma aliança com Abrão (Gn. 12/Gn.
15:8-18), e dos dois filhos de Abraão, Esaú e Isaque Deus escolheu Isaque para confirmar a aliança

82
O Dízimo No Velho Testamento

(Gn. 15:2-6), este por sua vez teve Esaú e Ismael. Dos filhos de Jacó, de novo, Deus escolheu o
segundo filho para confirmar a aliança. O livro de Malaquias foi escrito no contexto de Israel
como uma nação composta por 12 tribos, uma nação que tinha firmado uma aliança com Deus
(Êx. 24:7-8).
O livro de Malaquias foi escrito entre 500 e 400 anos antes de Cristo, isso depois de Israel sair
do cativeiro em Babilónia, já Neemias havia levantado as paredes de Jerusalém e o Segundo
Templo havia sido reerguido tendo como principais figuras Ageu, Zacarias e Esdras. Os livros
destes profetas menores apresentam muitos temas em comum, sobretudo a decadência moral
generalizada de Israel e a apatia e despreocupação deste povo relativamente a aliança que tinham
firmado desde os seus antepassados.
Nesta senda, acredita-se que Malaquias foi contemporâneo de Esdras e Neemias, e podemos
ver que o seu livro coincide com alguns temas abordados por Neemias. Comparemos as seguintes
abordagens:
1. Sobre a corrupção dos sacerdotes:
Sucedeu, pois, que, ouvindo eles esta lei, apartaram de Israel todo o elemento misto. Ora, antes disto,
Eliasibe, sacerdote, que presidia sobre a câmara da casa do nosso Deus, se tinha aparentado com
Tobias; E fizera-lhe uma câmara grande, onde dantes se depositavam as ofertas de alimentos, o incenso,
os utensílios, os dízimos do grão, do mosto e do azeite, que se ordenaram para os levitas, cantores e
porteiros, como também a oferta alçada para os sacerdotes. (Ne. 13:3-5)
O filho honra o pai, e o servo o seu SENHOR; se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou
SENHOR, onde está o meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós, ó sacerdotes, que desprezais o
meu nome. E vós dizeis: Em que nós temos desprezado o teu nome? Ofereceis sobre o meu altar pão
imundo, e dizeis: Em que te havemos profanado? Nisto que dizeis: A mesa do SENHOR é desprezível.
(Ml. 1:6,7)

2. Sobre o casamento com povos pagãos:


Agora, pois, ó nosso Deus, que diremos depois disto? Pois deixamos os teus mandamentos, os quais
mandaste pelo ministério de teus servos, os profetas, dizendo: A terra em que entrais para a possuir,
terra imunda é pelas imundícies dos povos das terras, pelas suas abominações com que, na sua
corrupção a encheram, de uma extremidade à outra. Agora, pois, vossas filhas não dareis a seus filhos, e
suas filhas não tomareis para vossos filhos, e nunca procurareis a sua paz e o seu bem; para que sejais
fortes, e comais o bem da terra, e a deixeis por herança a vossos filhos para sempre. (Ed. 9:10-12)
Firmemente aderiram a seus irmãos os mais nobres dentre eles, e convieram num anátema e num
juramento, de que andariam na lei de Deus, que foi dada pelo ministério de Moisés, servo de Deus; e de
que guardariam e cumpririam todos os mandamentos do SENHOR nosso SENHOR, e os seus juízos e
os seus estatutos; E que não daríamos as nossas filhas aos povos da terra, nem tomaríamos as filhas
deles para os nossos filhos. (Ne. 10:29-30)
Não temos nós todos um mesmo pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que agimos aleivosamente
cada um contra seu irmão, profanando a aliança de nossos pais? Judá tem sido desleal, e abominação se

83
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

cometeu em Israel e em Jerusalém; porque Judá profanou o santuário do SENHOR, o qual ele ama, e
se casou com a filha de deus estranho. (Ml. 2:10,11)

1. Sobre dízimo e ofertas:


Também entendi que os quinhões dos levitas não se lhes davam, de maneira que os levitas e os cantores,
que faziam a obra, tinham fugido cada um para a sua terra. Então contendi com os magistrados, e disse:
Por que se desamparou a casa de Deus? Porém eu os ajuntei, e os restaurei no seu posto. Então todo o
Judá trouxe os dízimos do grão, do mosto e do azeite aos celeiros. E por tesoureiros pus sobre os
celeiros a Selemias, o sacerdote, e a Zadoque, o escrivão e a Pedaías, dentre os levitas; e com eles Hanã,
filho de Zacur, o filho de Matanias; porque foram achados fiéis; e se lhes encarregou a eles a
distribuição para seus irmãos. (Ne. 13:10-13)
Porventura é para vós tempo de habitardes nas vossas casas forradas, enquanto esta casa fica deserta?
Ora, pois, assim diz o SENHOR dos Exércitos: Considerai os vossos caminhos. Semeais muito, e
recolheis pouco; comeis, porém não vos fartais; bebeis, porém não vos saciais; vestis-vos, porém
ninguém se aquece; e o que recebe salário, recebe-o num saco furado. (Ageu 1:4-6)
Neemias e Malaquias aparecem um milênio depois de Moisés ter instituído a Lei e firmado a
aliança entre Deus e Israel. Neste sentido boa parte da consciência religiosa já estava formatada de
acordo aos fundamentos lançados por Moisés, estas práticas (ofertas, dízimos, cerimonias) foram
consagradas para Israel, não envolviam Esaú, não envolviam os outros povos, estes outros
encontravam-se na categoria dos gentios; povo sem aliança com Deus de Abraão, Isaque e Jacó.
Na época de Malaquias, o povo de Israel estava alienado de Deus, o cativeiro na babilônia havia
deixado marcas profundas na mentalidade de todos, desde os sacerdotes, levitas até ao cidadão
comum. Todos os deveres religiosos que emanavam da aliança que estes tinham com Deus haviam
sido deturpados, esquecidos, ignorados ou violados. Em poucas palavras o tema principal é sobre a
infidelidade de Israel, começando dos líderes religiosos. Infelizmente a história mostrou que foram
estas as mesmas características com que Jesus Cristo se confrontou aquando do seu ministério.
Lembrar que as diretrizes para as ofertas e os dízimos foram originalmente apresentadas a Israel
ainda no deserto, quando saídos do Egipto caminhavam em direcção a terra prometida de Canaã,
isso podemos ler a partir de Êxodo 25 e Números 18, querendo com isso dizer, que o dízimo
tratado por Malaquias, Neemias e o dízimo levítico são a mesma coisa: nada mais do que o dízimo
da Lei. Porém, no caso de Malaquias 3:10 estamos perante o dízimo dos dízimos.
Quando Malaquias e os outros profetas de sua geração falam de dízimo, Casa de Deus ou Casa
do tesouro, devorador e outros termos, precisamos entender que tratavam de conceitos já bem
firmados na sua cultura, na sua visão de vida e na sua religião. Para eles tais termos eram tão claros
quanto termos como Internet, Facebook, televisão, etc., são claros para nós.

O Devorador
Uma vez eu falava com um amigo sobre o dízimo e ele buscou de toda forma defender a
doutrina, depois de usar todos os familiares argumentos, chegou à conclusão mais lógica que os

84
O Dízimo No Velho Testamento

advogados do dízimo chegam: “você assim não vai prosperar na vida, financeiramente as coisas
não vão desenvolver em sua vida”. Essas palavras formam a compreensão das implicações de não
dar o dízimo, para aqueles que o defendem. Essa forma de pensar vem da interpretação
tendenciosa da seguinte passagem:
Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas
ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, sim, toda esta nação. Trazei todos
os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim
nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós
uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes. E por causa de vós repreenderei o
devorador, e ele não destruirá os frutos da vossa terra; e a vossa vide no campo não será estéril, diz o
SENHOR dos Exércitos. E todas as nações vos chamarão bem-aventurados; porque vós sereis uma
terra deleitosa, diz o SENHOR dos Exércitos. (Ml. 3:8-12)
As palavras do meu amigo lá acima são palavras de maldição, palavras que ele infelizmente
aprendeu com os seus pastores e pregadores que usam o livro de Malaquias para cobrar dízimos.
Essas palavras casam com “com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, sim, toda
esta nação”, a questão é, qual nação? Será que esta maldição é para mim que não dou o dízimo? É
para Angola que segundo os estudiosos é uma nação em construção? Ou é relativo a Israel? A
resposta é objectivamente Israel, Deus não estava a falar com Edom ou outro povo estrangeiro.
Leiamos o seguinte:
Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e chamados incircuncisão pelos
que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos homens; Que naquele tempo estáveis sem
Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e
sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo
chegastes perto. (Ef. 2:11-13)
Malaquias escreveu mais de quatro séculos antes de Jesus Cristo nascer, antes do sangue Dele
nos achegar para perto de Deus, como podemos pensar que as palavras dos versículos 8 a 12
referem-se a uma maldição sobre os membros da igreja de Cristo? No VT o povo de Israel estava
diante da maldição e da bênção (Dt. 28), o incumprimento dos mandamentos resultava em
maldição. Confira:
Eis que hoje eu ponho diante de vós a bênção e a maldição; a bênção, quando cumprirdes os
mandamentos do SENHOR vosso Deus, que hoje vos mando; porém a maldição, se não cumprirdes os
mandamentos do SENHOR vosso Deus, e vos desviardes do caminho que hoje vos ordeno, para
seguirdes outros deuses que não conhecestes. E será que, quando o SENHOR teu Deus te introduzir na
terra, a que vais para possuí-la, então pronunciarás a bênção sobre o monte Gerizim, e a maldição sobre
o monte Ebal. (Dt. 11:26-29)
Dentro do VT era totalmente consequente que por desobedecer aos mandamentos da Aliança
as maldições do monte Ebal tinham de ser cumpridas. Não é por mero acaso que Israel foi levada
ao cativeiro várias vezes, sofreu derrotas e invasões e colonizações repetidas, foi por causa da sua
rebelião que as maldições de Ebal lhes atingiram (Gl. 3:10). Mas os que fazem parte do Corpo de
Cristo estão isentos de maldição, visto que Cristo já se fez maldição por eles (Gl. 3:13). Deus não

85
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

somente nos livrou de toda maldição, mas abençoou-nos com toda sorte de bênçãos espirituais,
tudo isso pela fé e não pela Lei (Efésios 1:3). Desta feita o cristão não deve temer maldição
nenhuma, por isso não me preocupei com as palavras do meu amigo, ele não sabe o que disse, e
com este livro espero que tanto ele como os outros em situação similar tenham os seus olhos
abertos a essas verdades, pelo poder do Espírito Santo.
A outra parte da maldição é relativa ao versículo 11 de Malaquias 3, onde fala do “devorador”.
Ora, existem várias teorias sobre quem ou o que é o devorador, para a maioria dos dizimistas o
devorador é praticamente qualquer coisa, situação, demónio, pessoa que nos cria prejuízo
financeiro. Essa interpretação é aquilo que eu chamo de “interpretação-pastilha” o pregador pode
“mascar” como quiser, fazer “balões” do tamanho que quiser e “esticar” o significado até onde
puder, só para defender o que quer, mesmo quando isso não condiz com as Escrituras.
Eles dizem mais ou menos o seguinte, “se você não é dizimista fiel, o devorador vai sempre
devorar o seu salário, este espírito pode vir em forma de doença, em forma de problemas com
eletrodomésticos, com o teu automóvel, acidentes, ou de forma misteriosa, de tal forma que no
final do dia não saberá aonde vai o seu salário”. Imagina este ensino misturado com a superstição
própria da cultura africana, onde os deuses da chuva, do rio, etc., precisam ser satisfeitos para que
o povo tenha bom cultivo, saúde e maior prosperidade, torna-se numa doutrina bomba, que faz
milhares de milhares olharem para o Deus verdadeiro a partir de óculos pagãos. Infelizmente,
muitos têm uma visão muito equivocada do verdadeiro Deus. Olhemos o que Paulo disse a esse
respeito:
O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo SENHOR do céu e da terra, não habita em
templos feitos por mãos de homens; nem tampouco é servido por mãos de homens, como que
necessitando de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas.
(At. 17:24-25)
Deus não precisa de 10% do nosso salário e nunca vai precisar. Na verdade, no dia em que
Deus necessitar de ser servido por mãos de homens, eu mesmo serei o primeiro a deixar de
acreditar Nele, visto que aí estamos diante de uma criatura e não do Criador! Voltemos ao
devorador e analisemos com calma os versos 11 e 12:
E por causa de vós repreenderei o devorador, e ele não destruirá os frutos da vossa terra; e a vossa vide
no campo não será estéril, diz o SENHOR dos Exércitos. E todas as nações vos chamarão bem-
aventurados; porque vós sereis uma terra deleitosa, diz o SENHOR dos Exércitos.
Este devorador não devora a saúde, não devora o carro, não devora o emprego, ele devora os
frutos da terra de Israel. A outra parte da maldição fala sobre a esterilidade da terra, que nos
remete a compreensão de que a maldição está virada a produção agrícola e que se enquadra no
âmbito das maldições do VT. Comparar:
Maldito serás tu na cidade, e maldito serás no campo. Maldito o teu cesto e a tua amassadeira. Maldito o
fruto do teu ventre, e o fruto da tua terra, e as crias das tuas vacas, e das tuas ovelhas. Maldito serás ao
entrares, e maldito serás ao saíres. O SENHOR mandará sobre ti a maldição; a confusão e a derrota em

86
O Dízimo No Velho Testamento

tudo em que puseres a mão para fazer; até que sejas destruído, e até que repentinamente pereças, por
causa da maldade das tuas obras, pelas quais me deixaste. O SENHOR fará pegar em ti a pestilência, até
que te consuma da terra a que passas a possuir. O SENHOR te ferirá com a tísica e com a febre, e com
a inflamação, e com o calor ardente, e com a secura, e com crestamento e com ferrugem; e te
perseguirão até que pereças. E os teus céus, que estão sobre a cabeça, serão de bronze; e a terra que está
debaixo de ti, será de ferro. O SENHOR dará por chuva sobre a tua terra, pó e poeira; dos céus descerá
sobre ti, até que pereças. (Dt. 28:16-24)
Neste entretanto, podemos concluir que o devorador é nada mais do que a peste que destrói a
colheita, em outras palavras o gafanhoto. Outro capítulo que nos mostra a actividade do gafanhoto
e como ele é entendido como um devorador é o seguinte:
Ouvi isto, vós anciãs, e escutai, todos os moradores da terra: Porventura isto aconteceu em vossos dias,
ou nos dias de vossos pais? Fazei sobre isto uma narração a vossos filhos, e vossos filhos a seus filhos, e
os filhos destes à outra geração. O que ficou da lagarta, o gafanhoto o comeu, e o que ficou do
gafanhoto, a locusta o comeu, e o que ficou da locusta, o pulgão o comeu. Despertai-vos, bêbados e
chorai; gemei, todos os que bebeis vinho, por causa do mosto, porque tirado é da vossa boca. Porque
subiu contra a minha terra uma nação poderosa e sem número; os seus dentes são dentes de leão, e têm
queixadas de um leão velho. Fez da minha vide uma assolação, e tirou a casca da minha figueira; despiu-
a toda, e a lançou por terra; os seus sarmentos se embranqueceram. Lamenta como a virgem que está
cingida de saco, pelo marido da sua mocidade. Foi cortada a oferta de alimentos e a libação da casa do
SENHOR; os sacerdotes, ministros do SENHOR, estão entristecidos. O campo está assolado, e a terra
triste; porque o trigo está destruído, o mosto se secou, o azeite acabou. Envergonhai-vos, lavradores,
gemei, vinhateiros, sobre o trigo e a cevada; porque a colheita do campo pereceu. A vide se secou, a
figueira se murchou, a romeira também, e a palmeira e a macieira; todas as árvores do campo se
secaram, e já não há alegria entre os filhos dos homens. (Jl. 1:2-12)
Aqui vemos quatro tipos de gafanhotos que devoram tudo deixando a terra de Israel devastada
e sem alimento, por isso, no verso 13 Deus fala “cingi-vos e lamentai-vos, sacerdotes; gemei,
ministros do altar; entrai e passai a noite vestidos de saco, ministros do meu Deus; porque a oferta
de alimentos, e a libação, foram cortadas da casa de vosso Deus.”
Por que não há mais ofertas alçadas? Porque foram cortadas através da destruição da colheita
por parte dos gafanhotos. Para vermos outra cena do devorador basta voltarmos para o relato das
pragas com que Deus assolou o Egipto, lemos:
Então estendeu Moisés sua vara sobre a terra do Egito, e o SENHOR trouxe sobre a terra um vento
oriental todo aquele dia e toda aquela noite; e aconteceu que pela manhã o vento oriental trouxe os
gafanhotos. E vieram os gafanhotos sobre toda a terra do Egito, e assentaram-se sobre todos os termos
do Egito; tão numerosos foram que, antes destes nunca houve tantos, nem depois deles haverá. Porque
cobriram a face de toda a terra, de modo que a terra se escureceu; e comeram toda a erva da terra, e
todo o fruto das árvores, que deixara a saraiva; e não ficou verde algum nas árvores, nem na erva do
campo, em toda a terra do Egito. (Êx. 10:13-15)
Alguns estudiosos das Escrituras que dão uma interpretação alegórica dos quatro tipos de
gafanhotos ou devoradores em Joel, apontando que os mesmos representam a desolação de Israel,
sendo que cada gafanhoto é o símbolo de um império que invadiu Israel, nomeadamente

87
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Babilónia, Assíria, Grego e Romano. Notemos que a terra implicada é especificamente Israel, que
os produtos apontados são estritamente agrícolas e os que são chamados ao arrependimento e ao
jejum e lamentação são os sacerdotes, tudo isso totalmente consistente com a mensagem de
Malaquias onde os sacerdotes e levitas estavam em falta e com eles o povo.
O que podemos apontar seja na visão do devorador ser gafanhoto, seja na visão do devorador
ser um império, é que na ausência de produção agrícola na terra separada para Israel, não há
ofertas alçadas, não há dízimos. Considerando as maldições de Deuteronómio fica ainda claro que,
por desobediência tanto os gafanhotos como os impérios tinham legitimidade de devorar Israel. O
que não podemos aceitar é que sem nenhuma base das Escrituras os pregadores modernos
adaptem os termos do VT para amedrontar as ovelhas de Cristo, em nome da “obra de Deus”.
Isto é uma confusão!
São irreconciliáveis os termos do VT e do NT, não que os Testamentos não emanem do
mesmo Deus, mas que cada testamento tem sua dimensão e característica, qualquer esforço dos
dizimistas tentarem aplicar os mandamentos do VT aos cristãos tem sido a custo de muita
incongruência, inconsistência, desonestidade e muita ginástica hermenêutica ou simplesmente
interpretação-pastilha. Por isso Cristo explicou:
Disseram-lhe, então, eles: Por que jejuam os discípulos de João muitas vezes, e fazem orações, como
também os dos fariseus, mas os teus comem e bebem? E ele lhes disse: Podeis vós fazer jejuar os filhos
das bodas, enquanto o esposo está com eles? Dias virão, porém, em que o esposo lhes será tirado, e
então, naqueles dias, jejuarão. E disse-lhes também uma parábola: Ninguém tira um pedaço de uma
roupa nova para a coser em roupa velha, pois romperá a nova e o remendo não condiz com a velha. E
ninguém deita vinho novo em odres velhos; de outra sorte o vinho novo romperá os odres, e entornar-
se-á o vinho, e os odres se estragarão; mas o vinho novo deve deitar-se em odres novos, e ambos
juntamente se conservarão. E ninguém tendo bebido o velho quer logo o novo, porque diz: Melhor é o
velho. (Lc. 5:33-39)

Casa de Deus Versus Casa do Tesouro


Outros termos muito usados em volta do dízimo são “Casa de Deus” e “Casa do Tesouro”,
estes termos tinham um significado na mente dos Israelitas, tanto Malaquias como Neemias
quando usaram estes termos tinham um referencial em mente. Buscaremos nos próximos
parágrafos sondar a percepção deles a luz das Escrituras e comparar com a visão que hoje a
maioria defende. Lemos:
Assim fala o SENHOR dos Exércitos, dizendo: Este povo diz: Não veio ainda o tempo, o tempo em
que a casa do SENHOR deve ser edificada. Veio, pois, a palavra do SENHOR, por intermédio do
profeta Ageu, dizendo: Porventura é para vós tempo de habitardes nas vossas casas forradas, enquanto
esta casa fica deserta? (Ag. 1:2-4)
Trazei todos os dízimos à CASA DO TESOURO, para que haja mantimento na minha casa, e depois
fazei prova de mim nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não
derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes. (Ml. 3:10)

88
O Dízimo No Velho Testamento

A ideia de Casa de Deus foi introduzida pelo próprio Deus ao povo de Israel, as escrituras nos
dizem:
E me farão um santuário, e habitarei no meio deles. Conforme a tudo o que eu te mostrar para modelo
do tabernáculo, e para modelo de todos os seus pertences, assim mesmo o fareis. (Êx. 25:8-9)
Vale lembrar aqui que esta ideia não era igual à construção de uma casa, com blocos, mármore,
cimento, etc., não se tratava de um edifício, basta ler as diretrizes (Êxodo 25) que Deus deu a
Moisés em relação ao santuário por onde Deus habitou no meio de Israel, na sua peregrinação
pelo deserto. As diretrizes foram para a construção de um tabernáculo móvel e não fixo.
Outrossim, a Casa do Tesouro ficava na Casa de Deus (Ml. 3:10), quer dizer que se tratava do
compartimento no Templo onde as ofertas eram armazenadas.
O relato bíblico diz-nos que Davi, após relaxar de tantas guerras com os povos inimigos teve a
ideia de que o mesmo tabernáculo que Moisés construiu no deserto não podia continuar
vagueando de um lugar para o outro, que precisava ser pousado num lugar fixo e luxuoso. Lemos o
seguinte:
E sucedeu que, estando o rei Davi em sua casa, e tendo o SENHOR lhe dado descanso de todos os
seus inimigos em redor, disse o rei ao profeta Natã: Eis que eu moro em casa de cedro, e a arca de Deus
mora dentro de cortinas. E disse Natã ao rei: Vai, e faze tudo quanto está no teu coração; porque o
SENHOR é contigo. Porém sucedeu naquela mesma noite, que a palavra do SENHOR veio a Natã,
dizendo: Vai, e dize a meu servo Davi: Assim diz o SENHOR: Edificar-me-ás tu uma casa para minha
habitação? Porque em casa nenhuma habitei desde o dia em que fiz subir os filhos de Israel do Egito até
ao dia de hoje; mas andei em tenda e em tabernáculo. E em todo o lugar em que andei com todos os
filhos de Israel, falei porventura alguma palavra a alguma das tribos de Israel, a quem mandei apascentar
o meu povo de Israel, dizendo: Por que não me edificais uma casa de cedro? (2 Sm. 7:1-7)
Depois destas palavras, ainda no mesmo capítulo, Deus promete edificar uma casa para Davi.
Não obstante, Salomão prosseguiu e cumpriu com o desejo do seu pai Davi. Deus consentiu.
Eis que estou para edificar uma casa ao nome do SENHOR meu Deus, para lhe consagrar, para
queimar perante ele incenso aromático, e para a apresentação contínua do pão da proposição, para os
holocaustos da manhã e da tarde, nos Sábados e nas luas novas, e nas festividades do SENHOR nosso
Deus; o que é obrigação perpétua de Israel. E a casa que estou para edificar há de ser grande; porque o
nosso Deus é maior do que todos os deuses. (2 Cr. 2:4-5)
De 2 Crônicas 2 ao capítulo 5 onde a Casa de Deus foi construída, passaram-se 20 anos (I Reis
9:10). Essa casa que Salomão construiu é o que chamamos de Primeiro Templo ou Templo de
Salomão, essa era a estrutura exclusiva, lugar que Israel chamava de Casa de Deus. Hoje quando o
cristão fala de Casa de Deus quase sempre se não refere àquele lugar específico. Em outras
palavras, quando Malaquias fala da Casa de Deus não se refere a mesma “Casa de Deus” que hoje
muitos de nós falamos; são coisas bem diferentes.

89
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Casa de Deus Versus Sinagoga


Há uma diferença de suma importância entre Casa de Deus e a Sinagoga 15, durante as várias
fases em que Israel foi levado ao cativeiro, judeus foram dispersos pelos vários territórios, estes
foram obrigados a desenvolver um mecanismo para preservação da sua cultura religiosa, assim as
sinagogas eram casas onde tais comunidades reuniam-se para orar e estudar os manuscritos da Lei.
Atentemos para uma referência no novo testamento:
E, depois de concluir todos estes discursos perante o povo, entrou em Cafarnaum. E o servo de um
certo centurião, a quem muito estimava, estava doente, e moribundo. E, quando ouviu falar de Jesus,
enviou-lhe uns anciãos dos judeus, rogando-lhe que viesse curar o seu servo. E, chegando eles junto de
Jesus, rogaram-lhe muito, dizendo: É digno de que lhe concedas isto, porque ama a nossa nação, e ele
mesmo nos edificou a sinagoga. (Lc. 7:1-5)
Vemos como as sinagogas eram construídas como um mecanismo para preservação da cultura
e religião judaica. De facto, a expressão “porque ama a nossa nação” transmite logo uma forte
impressão de sentimento nacionalista. As sinagogas espalhavam-se em quase todo o território
onde existiam judeus, vivendo distantes do Templo de Jerusalém, lugar este que ao longo da
história sofreu remodelações e continua sendo palco de várias controvérsias.
A Casa de Deus ou Templo do tempo de Jesus Cristo sofreu a reconstrução na era de Ageu e
Zacarias, e que posteriormente foi remodelado por Herodes, também é conhecido como o
segundo Templo, visto ter sido a remodelação do original, feito por Salomão. Essa realidade é
visível no Novo Testamento pelo facto de vermos uma clara distinção entre sinagoga e o Templo.
Assim:
E, entrando no templo, começou a expulsar todos os que nele vendiam e compravam, dizendo-lhes:
Está escrito: A minha casa é casa de oração; mas vós fizestes dela covil de salteadores. E todos os dias
ensinava no templo; mas os principais dos sacerdotes, e os escribas, e os principais do povo procuravam
matá-lo. (Lc. 19:45-47)
O relato acima é referente ao Templo de Jerusalém. Notemos o uso da preposição “no” ao
invés de “num” na frase: “...entrando no templo, começou a expulsar todos os que nele
vendiam...”. Este pormenor mostra que o Templo em referência era um lugar bem definido. Se
houvesse outros lugares considerados de templos seria lógico termos no lugar de “no” a
preposição “num” visto essa preposição surgir do artigo indefinido “um”. Outra instância que vale
a pena visitar para mostrar a clara e inequívoca realidade da diferenciação entre o Templo e as
sinagogas podemos ver em João 4:19-24:
Disse-lhe a mulher: SENHOR, vejo que és profeta. Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que
é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que
nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que
sabemos porque a salvação vem dos judeus. Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros

15. Encyclopedia Britannica.

90
O Dízimo No Velho Testamento

adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.
Neste extrato do diálogo entre Jesus e a samaritana, notemos como o cerne da comunicação era
responder à questão: “em que lugar devemos adorar a Deus?”. A posição prevalecente entre os
samaritanos divergia a dos judeus, estes últimos defendiam que o lugar era Jerusalém. Jerusalém era
a cidade onde estava o Templo, lá e somente lá era o lugar onde estaria estacionada a Arca da
Aliança e o Altar dos sacrifícios, lá os levitas e sacerdotes ministravam.
Entretanto, por mais que existissem sinagogas em vários pontos de Israel e para além, a visão
da altura, era que o único lugar consagrado para adoração de Deus era na Casa de Deus, ou seja,
no Templo de Jerusalém. Este pensamento fica ainda mais claro quando viajamos para o passado,
vemos como os judeus tinham o consenso de que somente lá onde estivesse estacionada a Arca de
Aliança habitava Deus, fora do lugar da Arca não se podia falar de Casa de Deus. Vejamos:
E, se antes o não fizemos por receio disto, dizendo: Amanhã vossos filhos virão a falar a nossos filhos,
dizendo: Que tendes vós com o SENHOR Deus de Israel? Pois o SENHOR pôs o Jordão por termo
entre nós e vós, ó filhos de Rúben, e filhos de Gade; não tendes parte no SENHOR; e assim bem
poderiam vossos filhos fazer desistir a nossos filhos de temer ao SENHOR. Por isso dissemos:
Preparemo-nos agora, e edifiquemos um altar, não para holocausto, nem para sacrifício, mas as para
que, entre nós e vós, e entre as nossas gerações depois de nós, nos seja em testemunho... (Js. 22:24-27)
Depois da repartição da terra de Canaã entre as tribos de Israel, alguns dentre eles haviam
escolhido terras fora de Canaã. Estes (filhos de Rúben, e os filhos de Gade, e a meia tribo de
Manassés) edificaram um altar diante da terra de Canaã, nos limites do Jordão, e isso gerou um
tumulto, porém depois de confrontados eles responderam que o que eles haviam construído era
somente simbólico e não para ser usado efetivamente. O pensamento de se ter dois altares era
simplesmente inadmissível. (Ver Josué 22:19-20)
As tribos de Israel tinham a missão de reunir-se anualmente no mínimo três vezes (Êx 23:14-
17). Essa reunião tinha como palco a localidade da Arca da Aliança, o que passou a ser em
Jerusalém, no Templo. Era em Jerusalém onde Israel deveria reunir diante de Deus, e não há relato
algum de mandamento idêntico relativo a uma sinagoga.
A sinagoga ocupa uma posição semelhante das denominações cristãs, cada uma com suas
características doutrinais, algumas libertinas, outras conservadoras, algumas mais para fariseus,
outras mais para saduceus (sem conotações), sendo que todos os membros das denominações
cristãs defendem um só Cristo, assim também todos os judeus defendiam um só Templo, este se
situava em Jerusalém. Deste jeito, Cristo surge como sendo o Templo para os cristãos.

Casa de Deus Versus Corpo de Cristo


Se viajarmos para a conversa entre Jesus Cristo e a samaritana (João 4:19-24) poderemos notar
que Cristo ao responder a questão sobre o lugar da adoração disse: “Mulher, crê-me que a hora
vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai”. Esta resposta indica que o

91
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Templo que os judeus prezavam como o único lugar legítimo para a adoração de Deus estava
prestes a ser ultrapassado. Em outras palavras a Casa de Deus do jeito que os judeus conheciam
estava para sofrer uma mudança radical. Lemos depois em Tito 3:14-15:
Escrevo-te estas coisas, esperando ir ver-te bem depressa. Mas, se tardar, para que saibas como convém
andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade.
Esta mudança, em que a Igreja assume o lugar do Templo foi tão radical que os judeus tinham
grande dificuldade em engolir, provavelmente até os próprios apóstolos só aceitaram essa realidade
depois de uns anos, visto que durante certo período os discípulos reuniam-se ainda no Templo
(Actos 5:46/21:20-25). A convicção de que o Templo de Jerusalém não era Casa de Deus aparece
no Novo Testamento, concretamente no discurso de Estêvão em resposta a acusação que lhe foi
feita, quando ele, parafraseando Salomão (II Cr 2:6) diz em Actos 7:45-50) que:
…O qual, nossos pais, recebendo-o também, o levaram com Josué quando entraram na posse das
nações que Deus lançou para fora da presença de nossos pais, até aos dias de Davi, que achou graça
diante de Deus, e pediu que pudesse achar tabernáculo para o Deus de Jacó. E Salomão lhe edificou
casa; mas o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens, como diz o profeta: O céu é o
meu trono, E a terra o estrado dos meus pés. Que casa me edificareis? Diz o SENHOR, ou qual é o
lugar do meu repouso? Porventura não fez a minha mão todas estas coisas? (At. 7:45-50)
Essas palavras de Estevão são depois parafraseadas por Paulo em Actos 17. Vale a pena notar
que a acusação dos da Sinagoga dos Libertinos é ligada a nada mais e nada menos do que o
Templo (Actos 6:13-14):
E apresentaram falsas testemunhas, que diziam: Este homem não cessa de proferir palavras blasfemas
contra este santo lugar e a lei. Porque nós lhe ouvimos dizer que esse Jesus Nazareno há-de destruir este
lugar e mudar os costumes que Moisés nos deu.
De facto se lermos com calma as escrituras notaremos que esta mesma acusação que custou a
vida de Estêvão, também foi uma das principais acusações usadas para justificar a crucificação de
Cristo. (Mateus 26:61), sem descuidar que era a mesma pela qual Paulo quase foi assassinado
(Actos 21:28). Hoje, infelizmente muitos judeus continuam a pensar do mesmo jeito negando o
evangelho, e ainda um número maior de evangélicos pensam de forma semelhante. O Templo ou
Casa de Deus é o Corpo de Cristo:
Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir
o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo. (I Co. 3:16-17)
Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer
sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo. (I Pe. 2:5)
Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o
salvador do corpo. (Ef. 5:23)
E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogénito dentre os mortos, para que em tudo
tenha a preeminência. Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse. (Cl. 1:18-19)

92
O Dízimo No Velho Testamento

Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade. (Cl. 2:9)


E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo do Deus vivente,
como Deus disse: Neles habitarei, e entre eles andarei; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo.
(II Co. 6:16)
A posição ocupada pelo Templo é um assunto de particular importância, sobretudo quando
queremos ter uma compreensão mais profunda da resistência que Cristo sofreu por parte dos
judeus, a tradição, a religião, a cultura a ela associada vinha de centenas de anos, vejamos algumas
passagens que mostram isso:
Bem-aventurado aquele a quem tu escolhes, e fazes chegar a ti, para que habite em teus átrios; nós
seremos fartos da bondade da tua casa e do teu santo templo. (Sl. 65:4)
Inclinar-me-ei para o teu santo templo, e louvarei o teu nome pela tua benignidade, e pela tua verdade;
pois engrandeceste a tua palavra acima de todo o teu nome. (Sl. 138:2)
O Deus, os gentios vieram à tua herança; contaminaram o teu santo templo; reduziram Jerusalém a
montões de pedras. (Sl. 79:1)
Nos primeiros dois salmos apresentados, notamos a exaltação da importância do templo, ele é
chamado “santo templo”, é um lugar onde só o “bem-aventurado” (Mateus 5:2-11) pode-se
achegar, é um lugar cheio da “bondade de Deus” e é em direcção ao mesmo templo que se diz
“louvarei o teu nome”. Todas estas referências encontram paralelos em Jesus Cristo, já no Novo
Testamento. Por exemplo, podemos ler:
Bendito o Deus e Pai de nosso SENHOR Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos
espirituais nos lugares celestiais em Cristo. (Ef. 1:3)
Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e
pós em nós a palavra da reconciliação. (II Co. 5:19)
Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós
sois um em Cristo Jesus. (Gl. 3:28)
Especialmente nas cartas do Ap. Paulo encontramos repetidas vezes o uso dos termos “em
Cristo” e “Nele” referindo-se a Cristo, ambos os termos enfatizam Cristo como sendo um lugar,
dentre várias outras características, Cristo é apresentado como sendo a localização de bênçãos (Ef.
1:3), de segurança (Rm. 8:39), de justiça, sabedoria, redenção (I Co. 1:30) e reconciliação com Deus
(II Co. 5:19). Jesus Cristo é o Templo espiritual (Ap. 21:22).
Aceitar que Cristo é o verdadeiro Templo tem muitas implicações, dentre elas a abolição do
mandamento do dízimo. Isso porque dentre várias razões quem tem o próprio Templo não tem
mais necessidade nenhuma de sacrifícios e ofertas visto que estas coisas todas são inferiores:
Ai de vós, condutores cegos! Pois que dizeis: Qualquer que jurar pelo templo, isso nada é; mas o que
jurar pelo ouro do templo, esse é devedor. Insensatos e cegos! Pois qual é maior: o ouro, ou o templo,
que santifica o ouro? E aquele que jurar pelo altar isso nada é; mas aquele que jurar pela oferta que está

93
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

sobre o altar, esse é devedor. Insensatos e cegos! Pois qual é maior: a oferta, ou o altar, que santifica a
oferta? (Mt. 23:16-19)
Em outras palavras se o Templo de Jerusalém santificava os dízimos, os sacrifícios e as ofertas,
conferindo-lhes valor, quanto mais o Templo Celestial que é Jesus Cristo nos faz isentos de tais
coisas visto que além dele mesmo nos santificar, Ele vive em nós (Gl. 2:20/Jo. 17:21-23). O filho
de Deus tem Jesus Cristo, o verdadeiro Templo, de modo que toda a santificação que precisamos
diante de Deus já a alcançamos Nele, nenhum sistema de sacrifícios exteriores ou materiais tem
qualquer valor espiritual, visto que o Templo que lhes confere valor é nosso, está em nós.
Imagina alguém que não tem dinheiro no banco, que fará com o seu cartão de débito
(multicaixa), ou ainda que serventia teriam os seus cheques? Naturalmente que sem a
disponibilidade financeira do seu banco tanto o seu cartão quanto os cheques não teriam valor
nenhum. O banco é que confere valor ao cheque e ao cartão dos seus clientes. Do mesmo modo, o
templo do sacerdócio levítico é que dava sentido aos sacrifícios, ofertas e dízimos.
Hoje, a Igreja de Jesus Cristo é superior ao sacerdócio levítico, e o próprio Jesus Cristo é ainda
maior que o Templo de Jerusalém. Quem tem o próprio banco é superior àquele que só tem o
cheque ou cartão, e este não depende de tais instrumentos visto que tem acesso directo ao
dinheiro que afinal de contas está em sua posse e em seus próprios cofres. Lemos em Mateus 12:1-
8:
Naquele tempo passou Jesus pelas searas, em um Sábado; e os seus discípulos, tendo fome, começaram
a colher espigas, e a comer. E os fariseus, vendo isto, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos fazem o
que não é lícito fazer num Sábado. Ele, porém, lhes disse: Não tendes lido o que fez Davi, quando teve
fome, ele e os que com ele estavam? Como entrou na casa de Deus, e comeu os pães da proposição, que
não lhe era lícito comer, nem aos que com ele estavam, mas só aos sacerdotes? Ou não tendes lido na
lei que, aos Sábados, os sacerdotes no templo violam o Sábado, e ficam sem culpa? Pois eu vos digo que
está aqui quem é maior do que o templo. Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero, e
não sacrifício, não condenaríeis os inocentes. Porque o Filho do homem até do Sábado é SENHOR.
Muito se pode falar sobre estas palavras do SENHOR, porém basta notarmos que a ideia
principal é que Cristo é superior ao templo, superior a Davi, superior aos sacerdotes levíticos e
também superior ao Sábado. É Cristo quem santifica eternamente, é Ele a fonte da santidade, é
Dele que nasce o valor das coisas. Em outras palavras Cristo é o dono do banco e o resto são
como se os clientes, cheques e cartões de débitos.
Um importante aspecto que distingue o Templo de Jerusalém de Jesus Cristo é que Cristo não
chegou a ser contaminado (Apocalipse 5:9). O Templo de pedras que Asaph lamenta em sua
canção (Salmos 79:1) chegou a ser contaminado, construíram-se ídolos nele, posteriormente suas
paredes foram quebradas por Nabucodonosor (II Reis 15:1-12/586 AC), foi reconstruido um
segundo Templo por Zorobabel e Jesuá (Esdras 3:8-11, 6:15/536 à 520 AC), depois das
remodelações de Herodes uns 20 anos antes de Cristo, um dos pátios acabou por tornar-se casa de
câmbio (João 2.14-17), 70 anos depois de Cristo, o mesmo foi destruído, tal como Cristo havia

94
O Dízimo No Velho Testamento

profetizado (Lucas 21:5-6). Diante destes factos, o seguinte capítulo buscará abordar sobre o
dízimo a luz do NT.

Resumo do Capítulo
O objectivo deste capítulo foi identificar e caracterizar o dízimo instituído no VT de modos a
esclarecer a diferença entre o dízimo de Abrão de Génesis 14 e o dízimo de Malaquias 3:10.
Vimos por exemplo que em Números 18 encontramos a instituição mais detalhada do dízimo
no VT, sendo que aos levitas e sacerdotes Deus entregou as ofertas alçadas, dos quais, o dízimo faz
parte. Se de um lado as restantes 11 tribos tinham para si repartida a terra de Canaã como sua
porção e herança, doutro lado os levitas e sacerdotes tinham as ofertas alçadas como sua porção e
o próprio Deus como herança.
Vimos ainda que apesar de na época existir dinheiro, o dízimo era estritamente proveniente de
produtos agrícolas. Estes produtos agrícolas não podiam ser provenientes de qualquer terra, eram
produtos exclusivos da terra santa alocada as tribos de Israel, só assim o dízimo era santo.
No que tange ao modo de administração vimos que o dízimo não era dado mensalmente, mas
sim anualmente (fim da colheita), sendo que dos três tipos de dízimos que existiam, um era o dado
aos levitas pelo povo, e o dízimo dos dízimos dados pelos levitas aos sacerdotes, e o outro era para
as festas religiosas anuais (Dt. 16:3, 13 e 17), e o último era o dízimo trienal (Dt. 14:28-29/26:12),
dado para os levitas, os estrangeiros, os órfãos e viúva. Mostramos também que no sétimo, oitavo e
quinquagésimo ano não se davam dízimos segundo à Lei.
No que concerne a Malaquias 3:10 tratava-se do dízimo dos dízimos fundamentalmente e da
infidelidade dos sacerdotes e levitas primeiramente. Examinamos a referência do “devorador” e
concluímos à luz das Escrituras que se tratava literalmente de gafanhotos (pragas) e figuradamente
dos quatro impérios que invadiram a Israel, nomeadamente: Babilónia, Assíria, Grego e Romano.
Finalmente, vimos que a Casa de Deus no VT refere-se ao Templo de Jerusalém, e que a Casa
do Tesouro era um compartimento de armazenamento das ofertas alçadas, sendo que no NT a
Casa de Deus é o Corpo de Cristo (Efésios 2:22).

95
Parte IV
΅
O Dízimo no Novo
Testamento
4

O Dízimo No Novo Testamento

interessante, embora os que cobram o dízimo defendam que o ensinamento se encontra no


É Novo Testamento (NT), dificilmente no momento em que ensinam sobre o assunto citam
diretamente um único versículo que suporta sua posição. Na verdade (Malaquias 3:10) é o versículo
mais citado no que diz respeito a doutrina do dízimo, e já vimos no capítulo anterior, na verdade o
mesmo não é propriamente relativo ao dízimo, mas sim ao dízimo dos dízimos. Desta feita, o uso
de Malaquias 3:10 para estabelecer o mandamento de dízimo é um equívoco ou mesmo uma
manipulação deliberada das ovelhas de Cristo.
Se levarmos em conta a diferença entre o VT e o NT tal como já tratamos no primeiro capítulo
deste livro, lembrar-nos-emos de que pensar que o VT começa em Génesis e termina em
Malaquias é um erro, e pensar que o NT começa em Mateus é ainda um erro pior, por esta razão
no presente capítulo buscaremos identificar e examinar os principais versículos que são usados ou
apontados para ensinar a prática do dízimo no seio da igreja, analisá-los-emos contextualmente
para confirmarmos se verdadeiramente existe um único versículo no NT que ensina ou dá
sustentabilidade à luz das Escrituras a cobrança de dízimos na igreja dos santos. Para isso,
começaremos por analisar o primeiro versículo na ordem dos livros que erradamente conhecemos
por Novo Testamento.

Dízimo dos Fariseus


Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais
o mais importante da Lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir
aquelas. Condutores cegos! Que coais um mosquito e engolis um camelo. (Mt.23:23-24)
Ao buscarmos interpretar as Escrituras recomendam-se as seguintes cinco regras cruciais, (1)
determinar se estamos diante de uma passagem descritiva ou prescritiva, (2) determinar se a
linguagem é literal ou simbólica (alegórica), (3) analisar o contexto, (4) analisar o contexto e (5)
analisar o contexto. Quando uma passagem é descritiva significa que descreve certo evento ou
situação, por exemplo o relato da queda de Adão e Eva mostra-nos como a mulher foi seduzida
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

pela serpente e como esta depois de comer da fruta deu também a Adão e este igualmente comeu,
vindo depois as consequências da desobediência deles. Na descrição podemos aprender várias
coisas, à medida que nos identificamos com o relato de forma indirecta ou simbólica.
Já no caso prescritivo estamos diante de uma passagem que prescreve ou apresenta regras que
nos abrangem, por exemplo, quando Cristo diz em Mateus 6:24 “Se alguém quiser vir após mim,
renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me”, sabemos que essa regra é abrangente
a todos os discípulos e desta feita todo aquele que se diz cristão está abrangido. É importante
também identificar a linguagem, na Bíblia encontramos simbolismos, figuras de estilo e
obviamente encontramos também uma linguagem literal, directa, fazendo necessário não
interpretar literalmente o que não é literal. Contam por exemplo que nos EUA um homem chegou
a arrancar um dos seus olhos depois de ler Mateus 5:29, imaginemos o erro de interpretação que
cometeu. Já o contexto é tão importante que nunca é demais enfatizar, devemos levar em conta
quem fala, quando, onde, porque, a realidade da época, a cultura, etc., tudo isso, pode afetar a
compreensão correcta da mensagem.
Voltemos aos versículos e apliquemos os princípios primários de interpretação, estamos diante
de uma passagem descritiva ou prescritiva? Estamos diante de uma passagem que descreve uma
situação que envolveu Jesus Cristo, os escribas e fariseus, no versículo 23 estamos diante de uma
linguagem literal, um repúdio, Cristo alerta “aí de vós”, vós quem? Escribas e fariseus. Cristo ainda
os julga “hipócritas”, porque os julga de hipócritas? Porque eles davam dízimos da hortelã, do
endro e do cominho, mas negligenciavam os preceitos mais importantes da Lei, que são: justiça,
misericórdia e a fé. Cristo considera que eles deviam ser justos, misericordiosos e crentes, sem
omitir os outros preceitos menos importantes da Lei, como o dízimo.
No verso 24, visto que os hipócritas negligenciavam os preceitos mais importantes e prestavam
atenção as coisas menos importantes, como o dízimo, Cristo lhes considera de “guias cegos que
coam o mosquito, mas engolem o camelo”, esta linguagem figurativa, faz a comparação dos
preceitos mais importantes com o camelo, e os preceitos menos importantes com o mosquito.
Imaginemos a diferença de tamanho entre um camelo e um mosquito, é assim que os preceitos da
justiça, da misericórdia e da fé na Lei, eram superiores aos outros preceitos, incluindo o dar o
dízimo, na opinião de Jesus Cristo.
O contexto da passagem começa no versículo 13 do mesmo capítulo e estende-se até ao
versículo 36, onde Cristo faz críticas muito duras aos escribas e fariseus, tachando-lhes acima de
tudo de hipócritas, filhos do inferno, guias cegos, sujos, sepulcros caiados, assassinos de profetas e
serpentes. Já que devemos analisar o contexto com mais ênfase, vamo-nos perguntar mais coisas e
aprofundar o assunto. Esta passagem se insere no quadro do VT ou NT? A resposta é VT, lá
mesmo no versículo 23 Cristo fala que “desprezais o mais importante da Lei” e tal como vimos no
primeiro capítulo antes da crucificação de Cristo não estão diante do NT, mas sim no VT ainda.
No NT os cristãos não são chamados de fariseus, mas de apóstolos, bispos, discípulos, presbíteros,
eleitos, santos, etc.

100
O Dízimo No Novo Testamento

Cristo ao repudiar o comportamento hipócrita dos fariseus e escribas, apontou a verdade sobre
os mesmos, eles eram mestres da Lei e, no entanto, à luz da própria Lei estavam em falta, suas
vidas eram uma contradição, distorciam os seus preceitos mais nobres para lucrar (versos 16-22),
por fora pareciam santos, mas por dentro eram perversos (versos 25-35). Neste contexto, quando
Cristo diz “deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas” não está a dar uma ordem a
Igreja, mas sim está a mostrar aos fariseus e escribas o erro e hipocrisia deles a luz da Lei que eles
mesmo na qualidade de mestres pregavam.
Muitos apegam-se a esse versículo para ensinar que Jesus Cristo ensinou que devemos dar o
dízimo, mas o versículo simplesmente não apoia essa ideia. Se o versículo a apoiasse então da
mesma forma diríamos Cristo ter ensinado que devemos jurar pelo altar, pelo santuário e pelo céu
(versos 18-22), mas isso seria uma contradição aos ensinamentos do próprio Cristo (Mateus
5:34/Tiago 5:12). Mas, suponhamos que por alguma razão concordemos que o versículo 23 ensina
que devemos dar o dízimo, não seria lógico que o dízimo deveria ser da hortelã, do endro e do
cominho? Ficaria ainda assim muito difícil dizer que o dízimo deve ser do salário mensal,
lembremos que na era em que Cristo falou essas palavras já existiam negociantes e cambistas no
próprio templo (Mateus 21:12), mas em nenhum momento falou de dízimos como 10% dos lucros
em dinheiro, de novo, falou estritamente de produtos agrícolas. Tudo isso é porque se tratava dos
preceitos da Lei, ou seja, o VT.
Essa coisa de coar o mosquito e engolir o camelo pode parecer como se um assunto
estritamente ligado aos fariseus, mas se olharmos um pouco mais afundo, ficaremos pasmos com
as conclusões que podemos tirar. Acredito, a vida no quotidiano mostra-nos que os homens no
geral preocupam-se mais com as coisas mais fáceis do que com as mais difíceis, por exemplo, é
normal vermos a TPA 16 apresentar de tempo a tempo um grupo de assaltantes ou criminosos
presos pela polícia, dentre eles assassinos, burladores, falsificadores de documentos, gatunos de
bancos, etc., mas são poucos os corruptos dentre os governantes que têm sido presos e julgados,
o dinheiro desviado por estes assassinos de gravata e caneta é incomparável com aquele dos
assaltantes de bancos, são milhões e milhões de dólares que afectam o sistema de higiene e saúde
pública, inviabilizam a construção de estradas, atrasam a independência económica do país,
enfraquecem a segurança nacional, em fim, no final do dia, assassinam milhões de pessoas com
doenças que podiam ser erradicadas, acidentes de viação que podiam ser evitados, alimentos e
medicamentos falsos que poderiam não ser importados e por aí adiante. Quando será que os
homens deixarão de coar os mosquitos e engolir os camelos?
Conheci alguém, dado à bebida forte, adúltero, perverso e mentiroso, membro de uma igreja
conhecida em Angola, este era um defensor agressivo do dízimo, ele dizia que sempre que não
dava o dízimo notava que a sua vida financeira ficava afetada negativamente. Como ele, existem
milhares de milhares pelo mundo, no final do mês levam o envelope do dízimo ao cesto da igreja,
mas com a mesma mão batem em suas esposas, o mesmo corpo com que trabalham para o dízimo

16. Televisão Pública de Angola

101
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

também serve à fornicação e o adultério. Quantos tremem mais o devorador do que o próprio
Criador? Quantos conseguem levar o dízimo fielmente nos finais dos meses, mas não conseguem
viver o evangelho fielmente, não conseguem evangelizar porque suas vidas são sujas, não
conseguem sofrer pela verdade, porque estão cheios de mentira, seus corações se enchem de ira,
inveja, bebedices, idolatria, brutalidade, prostituição, ganância, profanação, rancor? Está escrito que
“O sacrifício dos ímpios é abominável ao SENHOR, mas a oração dos retos é o seu
contentamento. O caminho do ímpio é abominável ao SENHOR, mas ao que segue a justiça ele
ama”17. Enfatiza-se tanto as coisas que não têm peso aos olhos de Deus, que muitos crentes são
zelosos nas coisas desnecessárias, e totalmente desleixados naquilo que para Deus importa. Não
será que muitas igrejas têm coado o mosquito, mas engolido o camelo?
Quantos dentre aqueles que vão ao monte orar, vão para lá só para ouvir a Deus distantes do
barulho da cidade, e quantos vão para lá só para mendigar alguma novidade? Quantos de nós nos
preocupamos com os pecados de dentro do coração do mesmo jeito que nos preocupamos com
os pecados sexuais? Quantos de nós já jejuamos só para pedir a Deus para purificar os nossos
lábios e quantos de nós já jejuamos para receber uma resposta sobre um assunto do nosso
interesse? Quantos de nós temos rasgado o nosso coração diante de Deus por perceber que Dele
nos temos distanciado, e quantos imaginam que o relacionamento com Deus é baseado em dar
isso e aquilo ou em fazer isso e aquilo? Temos buscado a “unção” mais do que o Ungido, os
benefícios mais do que A Fonte, os dons mais do que os frutos. Não será que eu e você temos
coado o mosquito e engolido o camelo?

O Orgulho do Dizimista
Existem outras passagens que alguns dos apoiantes do dízimo não buscam tocar para
argumentar a favor da doutrina a que eles se apegaram tão intimamente que até chega a igualar a
idolatria. A seguinte passagem é outra em que encontramos a referência do dízimo no Evangelho
segundo Lucas:
E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e
desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, para orar; um, fariseu, e o outro, publicano. O
fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: O Deus, graças te dou porque não sou como os
demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na
semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem
ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: O Deus, tem misericórdia de mim,
pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si
mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado. (Lc. 18:9-14)
Uma das coisas mais lindas sobre Jesus Cristo é que Ele não se conformava com a mania dos
que engoliam camelos, mas coavam os mosquitos, na verdade, Ele continua sendo assim até hoje.
Partindo da realidade de que se trata de uma parábola, uma cena imaginária que busca ensinar uma

17. Provérbios 15:8

102
O Dízimo No Novo Testamento

verdade central, os contornos da cena não são por si só, dignos de serem convertidos em
doutrinas, porém, a mensagem central é a verdade que se deve ater, é ela que fundamenta a própria
parábola.
Nesta parábola, Cristo descreve dois extremos, de um lado o fariseu, o mestre da Lei, a
autoridade espiritual, o “santo”, doutro lado o publicano, o coletor de taxas, o profano, o corrupto,
o “iníquo”. Enquanto o corrupto orava clamando por misericórdia, quebrantado, honesto,
arrependido, sem nenhum argumento a favor de si próprio, ciente das suas falcatruas, o religioso
depositava sua confiança nas coisas que ele próprio fazia, para este último jejuar e dar dízimos
representavam a base da sua justiça. Entretanto, Jesus Cristo mostra que para Deus a honestidade,
a humildade e a fé do publicano valem muito mais do que a justificação baseada em cumprimentos
de preceitos do tamanho de mosquitos.
O publicano só tinha a misericórdia de Deus como sua esperança, mas o fariseu confiava que
jejuar e dar o dízimo dava-lhe automaticamente a justificação diante de Deus. Este confiava em si
mesmo, na disciplina dele, e nos 10% dos seus produtos agrícolas, como se a justiça de Deus fosse
igual a 10% da colheita de feijão ou de batata-doce ou equivalente a fome que o homem passa
durante dois dias de jejum. O que tem a justiça a ver com a fome de dois dias e produtos agrícolas?
Será que Deus morreria de fome caso não se desse o dízimo? Deus ficaria menos Deus caso o
fariseu morresse de fome nos seus dias de jejum?
Vejamos que o fariseu “orava consigo”, a oração dele estava tão cheio dele próprio que Deus
simplesmente ignorou-o totalmente, na verdade o fariseu devia orar para o seu verdadeiro deus
chamado “jejum e dízimos”, pois este tornava-o justo, mas o Deus Verdadeiro não é de barganhas,
não aceita hipocrisia, o fariseu considerava-se justo, mas Deus conhecia a sua injustiça, ele pensava
que não estava preso no pecado do roubo, quando a sua auto-justiça usurpava a justiça de Deus.
Seu coração não estava em Deus, estava nas suas próprias obras, isso fazia-lhe o pior adúltero, ele
não era misericordioso, ao invés de louvar a Deus pela vida de um pecador arrependido, sua
mentalidade de superioridade cegou-o totalmente, e ele só via a condenação, não tinha amor e
nem compaixão dentro de si, era egoísta, totalmente preso no pior de todos os pecados, o orgulho.
Nesta parábola, Cristo derruba a ideia de que jejuar ou dar dízimo mensalmente faz-nos
merecedores de alguma coisa da parte de Deus, nos ensina o mais importante, que devemos ser
sempre humildes, honestos diante Dele, que devemos buscar a justiça Dele, que é pela fé. Muitos
dizimistas quando confrontados com estas verdades usam argumentos como “eu dou dízimo por
vontade própria e não esperando alguma coisa de volta”. A verdade é que a maioria o faz porque
lhes dá um senso de auto-justiça, lhes livra do “devorador”, lhes garante uma “bênção”, lhes faz
sentir diferentes daqueles “publicanos” que não dão.
A conclusão central desta parábola é o assunto que Paulo se debruça na sua carta aos Romanos;
a justificação do homem. Cristo aqui em sua parábola ilustra de modo ímpar a visão de Deus
quando diz “Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que
a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado”. A

103
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

religiosidade não nos rende a justificação, é Deus quem justifica, assim como pela fé, Abraão e
muitos outros foram e são justificados (Hebreus 11), do mesmo jeito aprove a Deus justificar a
humanidade, não por alguma coisa que tenhamos feito, mas graciosamente, de acordo a Sua
misericórdia e boa vontade, é pelo seu amor através da fé (João 3:16).
O dízimo é a desgraça de muitos, porque se apegam a ele confiando que representa alguma
forma de justiça por parte deles, e isso é orgulho sujo aos olhos de Deus, como penso menstrual
(Isaías 64:6). Uma das maiores evidências deste orgulho do dízimo é o termo que as igrejas criaram
para ressaltar a diferença entre os que na igreja são “fariseus” e os que são vistos como
“publicanos”, isso é “dizimista fiel”. Os “dizimistas fiéis” são bem conhecidos em cada igreja,
alguns já têm software para controlar os dízimos, alguns mesmos através dos envelopes também
conseguem. Quando se tratar de receber apoio da liderança, seja de que tipo for a prioridade é
dada aos “dizimistas fiéis”. Não é isso o fazer acepção de pessoas? (Tiago 2:1-9/Romanos 2:11).
Entretanto, quem além de Deus tem o poder e dever de distinguir os fiéis dos infiéis? Quem
disse que a fidelidade para Deus é medida na regularidade com que se dá o dízimo? Será que nos
esquecemos de que Deus está mais interessado nas coisas mais importantes, como a justiça, o
amor, a fé, a humildade? Porque insistimos em seguir o caminho do fariseu justificando-nos em
nome do dízimo? Não basta notar que Cristo não justifica os que seguem tal mentalidade? É difícil
largar este ídolo, o modo como queremos confiar em nossas obras para nos sentirmos justos é tão
profundo que qualquer argumento sem sustentação bíblica será usado para manter o dízimo.
Nas discussões em torno do dízimo já não fico espantado com os extremos que até teólogos
atingem tentando defender o que biblicamente não se pode defender. Alguns nem aceitam
conversar sobre o tema, não querem abrir as Escrituras e discutir verso por verso a busca da
verdade. Eles dizem coisas absurdas como “a Bíblia não se discute”, “a Bíblia não se estuda como
ciência, é preciso revelação”, “quem é você para ensinar a palavra?”, “é preciso o próprio Espírito
Santo interpretar as Escrituras” e etc. Para fugirem a uma análise não superficial do tema do
dízimo os seus defensores inventam milhares de argumentos. O orgulho do dízimo e o lucro que
representa para muitos faz do dogma um assunto muito sensível, um tema taboo. Com este livro
definitivamente faço-me o demónio para muitos defensores do dízimo. Ainda assim vejamos um
caso semelhante ao do fariseu.

Príncipe Não Justificado pelo Dízimo


E perguntou-lhe um certo príncipe, dizendo: Bom Mestre, que hei de fazer para herdar a vida eterna?
Jesus lhe disse: Por que me chamas bom? Ninguém há bom, senão um, que é Deus. Sabes os
mandamentos: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu pai e
a tua mãe. E disse ele: Todas essas coisas tenho observado desde a minha mocidade. E quando Jesus
ouviu isto, disse-lhe: Ainda te falta uma coisa; vende tudo quanto tens, reparte-o pelos pobres, e terás
um tesouro no céu; vem, e segue-me. Mas, ouvindo ele isto, ficou muito triste, porque era muito rico. E,
vendo Jesus que ele ficara muito triste, disse: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm
riquezas! (Lc. 18:18-24)

104
O Dízimo No Novo Testamento

Imagina se Cristo lhe tivesse dito “venda 10% de todos os seus bens e reparta-os aos pobres”
ou como muitos pastores preferem “venda 10% de todos os seus bens e leva-os a igreja”, será que
o príncipe teria problemas em cumprir? Se realmente Deus só requer de nós 10% porque então
Jesus aumenta os 90% restantes? Talvez fosse só para brincar com a cara de um príncipe numa
parábola.
Nesta descrição da interação entre Jesus e o príncipe rico, notemos o atributo que este último
dá a Jesus “Bom Mestre”. Ele não andava com Jesus Cristo, ele não conhecia a natureza de
pensamentos que Jesus Cristo tinha, ele só conhecia Jesus Cristo de ouvir falar, e isso era suficiente
para ele concluir que o Mestre era “Bom”. Deus não nos julga pela aparência, nem tão pouco pela
opinião dos outros, Deus sonda as nossas intenções, examina o nosso coração, por isso, Cristo
sabia identificar sepulcros caiados, pessoas que aos olhos de todos são vistos como santos, mas
dentro de seus corações se enchem de maldade, são como pílulas revestidas de mel, mas o seu
interior é veneno. O príncipe olhou para Jesus do mesmo jeito que o mundo olha para os
hipócritas e considera-os homens de bem. Por isso, Cristo responde de acordo ao erro dele de
percepção “Por que me chamas bom? Ninguém há bom, senão um, que é Deus”.
Como você um mero mortal, incapaz de sondar o interior dos homens vai justificar outros
mortais, taxando pela aparência e ouvir, fazer uns de bons e outros de maus? Cristo conhecia o
fundo deste príncipe, sabia quantos fariseus ele considerava de bons, mas que no fundo eram
daqueles que coavam o mosquito, mas engoliam o camelo, ele tinha a sua visão corrompida como
os seus mestres cegos lhe haviam condicionado, seus óculos de auto-justiça não lhe permitiam
enxergar a verdade, mesmo quando com os lábios ele a podia proferir. Na verdade, o príncipe
olhava para ele mesmo a partir dos mesmos óculos e assim se considerava justo, tal como os
fariseus e escribas que Cristo identificou como sendo hipócritas. Por isso, ao responder-lhe que só
Deus é bom, o Mestre começa por lançar um ataque a sua auto-justiça, implicitamente a resposta
significa “você não é bom, você é um mero mortal, tão falho quanto os outros”.
Em seguida, temos a pergunta “que hei-de fazer para herdar a vida eterna?”, o príncipe era
versado nas Escrituras, tinha lido toda Lei e com excepção de Elías e Enoque todos os santos e
devotos igualmente provaram a morte. Achava o príncipe que tudo que a Lei pedia ele havia
cumprido desde a sua mocidade (verso 21), e bem lá no fundo considerava injusto ter que aceitar
que um dia teria de morrer e deixar todos os bens que ele meticulosamente havia amontoado para
os seus herdeiros. Para ele, sua vida era exemplar segundo a Lei e isso lhe devia garantir a vida
eterna. Notemos que ele diz “Todas essas coisas tenho observado desde a minha mocidade”,
querendo dizer que o príncipe buscava cumprir todos os mandamentos da Lei, mas Cristo olha
para ele e vê um ídolo em seu coração, um bezerro de ouro chamado Riquezas, e por isso lhe diz
“Ainda te falta uma coisa; vende tudo quanto tens, reparte-o pelos pobres, e terás um tesouro no
céu; vem, e segue-me”. O príncipe prefere as suas riquezas a pegar em sua cruz e seguir a Jesus
(Mateus 16:24). É estranho notar que aquele que buscava a vida eterna no final das contas prefere
a morte.

105
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Gostaria de lançar algumas reflexões em torno das conclusões acima. Primeiro é para levarmos
em conta que dentre os mandamentos que o príncipe observava desde sua mocidade, inclui a
guarda do Sábado, o dízimo e outros. É curioso verificarmos que mesmo cumprindo com estes
mandamentos ainda Cristo lhe diz “ainda te falta uma coisa”, essa coisa que Cristo manda é
peculiar, Cristo aparentemente não pensava como os pastores que cobram dízimo, Cristo
primeiramente salta a perspectiva dos 10% e apresenta o mandamento dos 100%, mas, ao
contrário dos pastores que cobram o dízimo, Ele não manda levar dízimo algum a igreja ou
Templo, manda repartir o dinheiro dos 100% dos bens com os pobres, mas não termina por aí,
termina por dizer “vem, e segue-me”. Essas últimas palavras são determinantes, isso porque se a
conversa é sobre a vida eterna, é o próprio Jesus Cristo essa vida (I João 5:11), e Ele determina que
só os que dão 100% de suas vidas são dignos de seguir-Lhe (João 12:24/Mateus 16:24), e a estes
que Lhe seguem ele dará vida eterna (Mateus 19:29/João 4:14).
O Mestre ao pedir 100% destrói logo o pensamento dos dizimistas que ensinam que de tudo
que o homem lucra 10% é de Deus e o resto é do próprio homem. Para Jesus Cristo a vida eterna
é para aqueles que não têm nada, aqueles que reconhecem que tanto a vida como as coisas que eles
têm são pertenças de Deus. O príncipe desde sua mocidade viveu confortável com dar 10% de
suas pertenças, mas quando ouviu 100% largou o desejo da vida eterna, era duro demais para ele.
Se Deus não faz acepções de pessoas, por que pensam os dizimistas que bastam 10%
mensalmente, quando Cristo pede tudo: a vida e os pertences? Os discípulos de Cristo são meros
mordomos de Deus (Mateus 20:1-16), vivem para serví-Lo e morrem servindo-Lhe (Filipenses
1:21), tudo que eles têm é de Jesus Cristo que lhes comprou com 100% do seu sangue (I Coríntios
6:20), tendo morrido 100% no calvário, e ressuscitado 100% ao terceiro dia.
Na verdade, apegar-se aos 90% como sendo seu é negar que Cristo não o comprou totalmente.
Se Cristo não o comprou totalmente então não pode ter a certeza de que esteja vivo, uma vida
10% rendida a Deus é igual a uma vida 90% rendida à carne. É como dizer que 10% de uma
pessoa é justificada e purificada, mas 90% continua morta em pecados e delitos (Efésios 2:1-6). Se
Cristo se entregou 100% na cruz, levando 100% do nosso pecado em seu corpo, para morrermos
100% para o pecado e vivermos 100% em justiça (I Pedro 2:24), segue que, se entregar 10% é
rejeitar 90% de Cristo. Ora, rejeitamo-lo completamente ou abraçamo-lo totalmente. Não
obstante, com isso não estamos a dizer que deve levar 100% do seu salário mensalmente a igreja,
isso seria uma visão carnal.
Diante destas verdades, por mais claras que possam parecer, a verdade é, os defensores do
dízimo conseguem sempre arranjar outro argumento para defender sua posição, um destes
argumentos, mais antigos é que “se o pai da fé, Abraão pagou o dízimo antes da Lei, é porque o
dízimo se aplica a graça”, isso veremos a seguir.

106
O Dízimo No Novo Testamento

O Dízimo de Hebreus 7
A seguinte passagem é de importância determinante, visto conter a primeira menção do dízimo
depois da crucificação de Jesus Cristo, que significa que se separamos o assunto em três partes; o
dízimo antes do VT, durante o VT e no NT, aqui seria o ponto de partida mais coerente para
começarmos o nosso estudo.
Porque este Melquisedeque, que era rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, e que saiu ao encontro
de Abraão quando ele regressava da matança dos reis, e o abençoou; a quem também Abraão deu o
dízimo de tudo, e primeiramente é, por interpretação, rei de justiça, e depois também rei de Salém, que é
rei de paz; sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas sendo
feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre. Considerai, pois, quão grande era
este, a quem até o patriarca Abraão deu os dízimos dos despojos. E os que dentre os filhos de Levi
recebem o sacerdócio têm ordem, segundo a lei, de tomar o dízimo do povo, isto é, de seus irmãos,
ainda que tenham saído dos lombos de Abraão. Mas aquele, cuja genealogia não é contada entre eles,
tomou dízimos de Abraão, e abençoou o que tinha as promessas. Ora, sem contradição alguma, o
menor é abençoado pelo maior. E aqui certamente tomam dízimos homens que morrem; ali, porém,
aquele de quem se testifica que vive. E, por assim dizer, por meio de Abraão, até Levi, que recebe
dízimos, pagou dízimos. Porque ainda ele estava nos lombos de seu pai quando Melquisedeque lhe saiu
ao encontro. (Hb. 7:1-10)
O misterioso escritor de Hebreus tentou simplificar coisas profundas relativas a Melquisedeque
(e sua relação com Cristo) por isso disse “Do qual muito temos que dizer, de difícil interpretação;
porquanto vos fizestes negligentes para ouvir” (Hb. 5:11). Verdadeiramente uma análise preguiçosa
do livro de Hebreus vai-nos fazer confundir alhos por bugalhos e Deus não é o autor da confusão.
Vamos de modo calmo examinar se Hebreus 7:1-10 ensina que devemos dar o dízimo como
cristãos.
Outrossim, dizer que o título “Carta aos Hebreus” foi uma suposição dos estudiosos das
escrituras apenas, visto que não existem suficientes elementos comprovativos para se concluir que
os endereçados eram exclusivamente hebreus, existem elementos ideológicos que podem sustentar
a natureza do referido texto18.
Nos três primeiros versículos do capítulo, o escritor estabelece que Jesus Cristo é o Herdeiro de
toda criação, assentado à destra da majestade nas alturas 19, resplendor da glória de Deus, a expressa
imagem de Deus, sustentador de todas as coisas pela palavra do seu poder e o purificador dos
nossos pecados. Em poucas palavras, a carta começa por mostrar a divindade de Jesus Cristo,
separando-lhe assim de qualquer comparação com figuras espirituais (anjos, querubins, arcanjos,
etc.), ou seres humanos a que os Hebreus atribuíam algum estatuto especial (Abraão, Moisés,

18. Para uma abordagem mais profunda ver o comentário sócio-retórico de David A. deSilva, 2000 .
19. A expressão é uma referência a Daniel 7:13-14 e remete ao estatuto de divindade, por esta razão o Sumo-Sacerdote
rasgou as suas vestes, considerando uma blasfémia a resposta de Jesus Cristo, visto que automaticamente se fazia de
Deus (Mateus 26:63-65). Nota a tensão com Isaías 14:13-14.

107
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Melquisedeque, Jacó, Arão, etc.). Nós lemos no verso oitavo, por exemplo, que “mas, do filho, diz:
ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos…” e no décimo “…Tu, SENHOR, no
princípio fundaste a terra, e os céus são obra de tuas mãos”.
No mesmo diapasão de ideias, o autor continua martelando na mesma ideia da superioridade de
Jesus Cristo, assim no capítulo dois, dos versículos sete à oito lemos (em relação ao Filho) que “…
de glória e de honra o coroaste, e o constituíste sobre as obras de tuas mãos; todas as coisas lhe
sujeitaste debaixo dos pés”. De novo a referência de Daniel 7, mostrando a divindade de Jesus
Cristo. Já no capítulo três podemos ler no versículo três que “…ele é tido por digno de tanto
maior glória do que Moisés, quanto maior honra do que a casa tem aquele que o edificou…”
referindo-se de novo a Jesus Cristo, e deixando claro a sua superioridade em relação a Moisés.
A superioridade de Cristo continua sendo enfatizada no capítulo quatro, onde Cristo é
apresentado como o verdadeiro descanso, por isso, no seu versículo 14 lemos que “…temos um
grande sumo-sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a
nossa confissão…”. O capítulo seguinte diz-nos que “…sendo ele consumado, veio a ser a causa
da eterna salvação daqueles que o obedecem…” no verso nono, num contexto onde Jesus é
apresentado como um sumo-sacerdote eterno e por implicação superior a Arão.
Bem no capítulo sexto, o autor começa por exortar que “deixando os rudimentos da doutrina
de Cristo, prossigamos até a perfeição” e isso começa “não lançando de novo o fundamento do
arrependimento de obras mortas e fé em Deus”. Ao dizer “obras mortas” o Espírito Santo está a
mostrar o quão fundamental é deixar a mentalidade judaica em que levar sacrifícios de toda sorte
obrigava Deus a justificar o sacrificador. Ele aponta em justaposição que a fé na palavra de Deus
(versículos 16-18) é a nossa única âncora, escrevendo no versículo 19 e 20 “a qual temos como
âncora da alma, segura e firme, e que penetra até ao interior do véu, onde Jesus, nosso precursor,
entrou por nós, feito eternamente sumo-sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque”, nestas
palavras Cristo é apresentado como o cumprimento do juramento de Deus, Sua justiça, fidelidade
e nossa única garantia de salvação.
Quando o escritor aponta para “Ordem de Melquisedeque”, ele cita Salmos 110, que apresenta
um Melquisedeque profético e não histórico, visto que o histórico é aquele de Génesis 14 e lá não
há menção de nenhum sacerdócio eterno. Este Melquisedeque profético é uma figura cheia de
especulações e mitos, é um ser coberto de mistérios, porque há muito pouco nas Escrituras sobre
o mesmo. Como abordamos no capítulo sobre o dízimo antes da Lei, se nos apegarmos aos dados
em Génesis 14 e correlacionarmos com o relato histórico, tal como buscamos fazer no capítulo II
entendemos que a Ordem de Melquisedeque refere-se às características atribuídas a
Melquisedeque; um rei (de reis) e sacerdote ao mesmo tempo, assim segue Cristo.
Nos versículos Iº e IIº do capítulo sete o escritor continua mostrando os elementos de
semelhança entre Melquisedeque e Jesus, e aponta aos significados do nome “Melquisedeque”
como sendo “rei de justiça” (Romanos 5:21), “rei de Salém” (donde origina Jerusalém) e “rei de
paz” (Isaías 9:6). Aqui vale a pena ver também a ligação entre “rei de Salém” com “…mas

108
O Dízimo No Novo Testamento

chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de
anjos…” (Hb 12:22). Jesus Cristo segue esta ordem.
No versículo IIº também lemos, “a quem também Abraão deu o dízimo de tudo” como uma
referência de um acto significativo do relato de Génesis 14, aqui temos nada mais do que uma
descrição, não temos prescrição alguma. No verso IIIº, lemos as seguintes palavras controversas,
“Sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida…” e para alguns,
esses versos ensinam que Melquisedeque é um ser eterno, não nasceu e não morreu. Alguns
comentadores dizem que Melquisedeque seria uma cristofania, ou seja, uma aparição de Cristo
antes mesmo do Verbo se fazer carne (João 1:14).
Somos da opinião que este Melquisedeque que “não tem pai, nem mãe, sem genealogia, eterno”
já é o profético, transcende o literal de Genesis 14, aqui temos duas possibilidades, a primeira é o
facto de que Melquisedeque era sumério, não tinha o seu nome nos livros das genealogias dos
Hebreus, de modo que para além do facto de que existiu, nada mais se sabe sobre quando, onde
nasceu e morreu e isto abre o espaço para a colocação do pensamento (simbólico) da eternidade a
esta figura mística. Doutro lado, é sabido que os autores do VT citavam toda sorte de escritos não
canónicos, o autor de Hebreus, tal como o de Salmos 110 poderiam ter contacto com outros
escritos ou tradições orais provenientes tanto dos próprios judeus como dos outros povos ao seu
redor. Um bom exemplo é o relato de Leviatã (Jó 41:1/Salmos 74:14) associado as lendas
ugaríticas do Ciclo de Baal e aos mitos babilónicos da cena da criação.
Nessa última perspectiva, considerar que Melquisedeque era eterno pode ser fruto do
desenvolvimento das ideias pós-bíblicas sobre o mesmo, o vazio das Escrituras sobre a pessoa
naturalmente gerou várias especulações, várias tentativas de interpretações como a versão judaica
que o associa a Sete e na versão etíope desta mesma figura misteriosa. De qualquer das formas, as
interpretações destas referências devem ser essencialmente alegóricas e não literais. Na dimensão
literal rapidamente surgem vários problemas e inconsistências.
Por exemplo, se Melquisedeque não nasceu e não morreu, por que não há nenhum relato de
Isaque ou Jacó encontrar-se com ele? Sendo eterno e não mortal se esperava que estivesse vivo até
os tempos de Moisés, de Elias, de Daniel e até João Baptista, como uma figura eterna, um Cristo
pré-encarnado escaparia de ser relatado por Moisés e pelos outros escritores dos livros canónicos?
Outrossim, seria a Cristofania, alguém que reinou sobre um povo e nada sobre esse povo ressaltou
para as Escrituras, excepto a informação de que era um rei e sacerdote? Teria Ele reinado sobre os
reis de Sodoma e Gomorra sendo que estes obviamente, eram extremamente perversos?
Em meio a essas várias questões sobre Melquisedeque surgiu-me um pensamento, se for o caso
de considerarmos que realmente Melquisedeque fosse sacerdote do Deus de Abraão será que isso
necessariamente tinha de ser prova de ele ter sido uma aparição de Cristo antes de o Verbo se fazer
carne? Como resposta, chamo à lembrança ao caso de Balaão em Números 22 e 23:1-5, este que é
apresentado como um adivinhador, claramente aparece como um sacerdote, oferece sacrifícios,
consulta a Deus e reporta como um profeta as palavras de Deus ao povo, representado pelo seu rei

109
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Balaque. Entretanto, apesar de Balaão assumir também um papel de sacerdote do Deus de Israel é
apresentado como sendo avarento (Jd. 1:11), comercializador de coisas espirituais (Ne. 13:2), falso
profeta (Ap. 2:14). Querendo com isso dizer que, o facto de Melquisedeque ser apresentado como
sacerdote não necessariamente faz dele uma pessoa virtuosa, e excepcionalmente santa. O melhor
a que nos podemos apegar é o facto de o mesmo ser usado como alegoria para mostrar a
superioridade do NT em relação ao VT, sem de jeito algum legitimar a prática do dízimo no NT. O
autor de Hebreus não faz qualquer apologia à prática do dízimo, não é o tema que ele tem em
mente, e quem insiste que é ou erra ou simplesmente mente!
Voltemos para o texto, dos versos quatro à cinco de Hebreus 7 lemos que, “Considerai, pois,
quão grande era este, a quem até o patriarca Abraão deu os dízimos dos despojos, e os que dentre
os filhos de Levi recebem o sacerdócio têm ordem, segundo a lei, de tomar o dízimo do povo, isto
é, de seus irmãos, ainda que tenham saído dos lombos de Abraão” vejamos que estas palavras
seguem a linha dos seis capítulos anteriores, onde a ênfase é a superioridade de Cristo, aqui idem, a
grandeza de Melquisedeque sobre Abraão é alegoria da superioridade da Ordem de Melquisedeque
(sacerdócio de Jesus) sobre o sacerdócio de Levi (Lei). Notar que, Melquisedeque era grande não
necessariamente por ser alguém que havia atingido um alto nível de intimidade com Deus,
devemo-nos lembrar de que ele era um rei que reinava sobre outros reis, e Abrão não era nem
mesmo um simples rei.
Para enfatizar essa superioridade, o escritor pega no facto de que Melquisedeque não era
sacerdote da Ordem de Levi (não era descendente de Abraão), e que o pai de Levi (Abraão) pagou,
ele mesmo, o dízimo a Melquisedeque, alegoricamente fazendo-se inferior. A mesma ideia continua
sendo abordada nos versos 6 a 10. Uso o termo “alegoricamente” porque uma análise literal do
relato de Génesis 14 torna difícil ver a “grandeza” de Melquisedeque, quando o mesmo rei não
teve forças armadas suficientes para no mínimo resgatar os captivos de Sodoma e Gomorra das
mãos de Quedorlaomer.
Até aqui, vemos, em momento algum se ensina o dízimo como uma prática do NT, o escritor
só faz uma pequena alusão para esclarecer a superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o de Levi.
De facto, este relato não é a favor do dízimo no NT, mas sim o contrário. Atentemos para os
versos a seguir:
De sorte que, se a perfeição fosse pelo sacerdócio levítico (porque sob ele o povo recebeu a lei), que
necessidade havia logo de que outro sacerdote se levantasse, segundo a ordem de Melquisedeque, e não
fosse chamado segundo a ordem de Arão? Porque, mudando-se o sacerdócio, necessariamente se faz
também mudança da lei. Porque aquele de quem estas coisas se dizem pertence a outra tribo, da qual
ninguém serviu ao altar, visto ser manifesto que nosso SENHOR procedeu de Judá, e concernente a
essa tribo nunca Moisés falou de sacerdócio. (Hb. 7:11-14)
Neste ponto podemos ver que ninguém podia ser aperfeiçoado com a Lei, o sacerdócio levítico
era impotente no que diz respeito a aperfeiçoar o povo, sua eficácia era em mostrar o pecado
(Romanos 3:19), em esclarecer a transgressão, mas era fraca para avivar os pecadores, não tinha
como purificar o coração e a consciência dos que davam os sacrifícios e guardavam os preceitos

110
O Dízimo No Novo Testamento

(Cl. 2:22-23). Em poucas palavras, os próprios dízimos também não aperfeiçoavam ninguém, e
nem podem aperfeiçoar no presente século.
Nos versículos 12 até 14, o autor mostra que o facto de surgir outro sacerdócio, não segundo a
Lei, faz com que a própria Lei seja mudada. Quer dizer que, desde o momento que Jesus Cristo
assume a posição de Sumo-Sacerdote Eterno, a Lei de Moisés é ultrapassada. Se os sacrifícios de
bodes, a guarda de Sábado, a entrega dos dízimos e etc., faziam parte da Lei então, elas hoje estão
obsoletas, ultrapassadas. O que devemos entender hoje são os princípios do Novo Sacerdócio
(Mateus 5, 6 e 7), a Lei de Cristo que é o amor (Marcos 12:33/João 13:34).
Nesta mesma linha, os restantes versos do capítulo sétimo de Hebreus desabrocham, sendo que
em nenhum momento a alusão do dízimo de Abraão é usada para ensinar ou exortar a mesma
prática no NT, ao contrário, o capítulo vem mostrar que o VT é caduco, ineficaz para aperfeiçoar
ou salvar e que Cristo é superior a Lei, por essa razão o escrito prossegue com as seguintes
palavras:
Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para
interceder por eles. Porque nos convinha tal sumo-sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos
pecadores, e feito mais sublime do que os céus; que não necessitasse, como os sumos sacerdotes, de
oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente por seus próprios pecados, e depois pelos do povo; porque
isto fez ele, uma vez, oferecendo-se a si mesmo. Porque a lei constitui sumos-sacerdotes a homens
fracos, mas a palavra do juramento, que veio depois da lei, constitui ao Filho, perfeito para sempre. (Hb.
7:25-28)
A superioridade do NT continua sendo enfatizada no capítulo a seguir, onde lemos as seguintes
palavras:
Ora, se ele estivesse na terra, nem tampouco sacerdote seria, havendo ainda sacerdotes que oferecem
dons segundo a lei, os quais servem de exemplo e sombra das coisas celestiais, como Moisés
divinamente foi avisado, estando já para acabar o tabernáculo; porque foi dito: Olha, faze tudo
conforme o modelo que no monte se te mostrou. Mas agora alcançou ele ministério tanto mais
excelente, quanto é mediador de uma melhor aliança que está confirmada em melhores promessas.
Porque, se aquela primeira fora irrepreensível, nunca se teria buscado lugar para a segunda. (Hb. 8:4-7)
A explicação é que a Lei era uma sombra e não a realidade das coisas celestiais, os sacrifícios, os
dízimos, a circuncisão, as festas eram tudo uma alegoria das coisas eternas, mas que somente
Cristo glorificado cumpre com todos os requisitos espirituais sacerdotais a favor de todos os que
crêem Nele. Por Cristo ser mediador de uma melhor aliança, significa que o papel da anterior
aliança é ultrapassada, pela simples razão dela ser inferior, dela ser sombra, dela não aperfeiçoar
ninguém.
Até aqui, vimos os casos em que podemos encontrar referências ao dízimo de modo explícito
nos livros não judaicos, vulgarmente chamados de Novo Testamento, sendo que em nenhum deles
achamos qualquer prescrição dizimista alusiva aos cristãos. A seguir veremos alguns versículos que
apesar de não mencionarem o termo dízimo vêm sendo usados para perpetuar o mesmo ensino.

111
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

O Caso de I Coríntios 9
Não temos nós direito de comer e beber? Não temos nós direito de levar connosco uma esposa crente,
como também os demais apóstolos, e os irmãos do SENHOR, e Cefas? Ou só eu e Barnabé não temos
direito de deixar de trabalhar? Quem jamais milita à sua própria custa? Quem planta a vinha e não come
do seu fruto? Ou quem apascenta o gado e não se alimenta do leite do gado? Digo eu isto segundo os
homens? Ou não diz a lei também o mesmo? Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao
boi que trilha o grão. Porventura tem Deus cuidado dos bois? Ou não o diz certamente por nós?
Certamente que por nós está escrito; porque o que lavra deve lavrar com esperança e o que debulha
deve debulhar com esperança de ser participante. Se nós vos semeamos as coisas espirituais, será muito
que de vós recolhamos as carnais? (I Co. 9:4-11)
Como falamos, estas passagens não fazem qualquer menção do termo dízimo, mas, ainda assim,
I Coríntios 9:4-11 é um dos textos mais frequentes apontados para defender o ensino do dízimo. É
preciso lembrar que Paulo estava a tratar com uma igreja tão imatura que ele chegou de
caracterizar os seus membros como sendo “carnais” (3:3-4). Na carta, depois da introdução, o
apóstolo fala sobre as facções no seio da igreja, no capítulo segundo, ele fala sobre a proclamação
de Cristo crucificado e como isso revela a sabedoria de Deus, no terceiro, volta a abordar sobre as
divisões, no quarto, fala sobre o seu ministério como apóstolo e como alguns da igreja o estavam a
julgar, no quinto, toca na imoralidade sexual dentro da igreja de Coríntios, no sexto, repreende-os
por haver quem levasse seus próprios irmãos (em Cristo) ao tribunal, no sétimo, a carta aborda
sobre o casamento num contexto aplicado aos gentios, e no oitavo, já é relativo aos alimentos
sacrificados aos ídolos.
Quando chegamos ao nono, Paulo volta a tocar no seu ministério como apóstolo, com
argumentos em sua defesa e reclama ser vítima de um tratamento desigual em comparação a
Pedro, Tiago e Judas. Os coríntios se manifestavam mais dedicados a apoiar materialmente aqueles
e negligenciavam o ministério de Paulo e Barnabé. Deste modo, a carta foi escrita no intuito de
corrigir todos os desvios que não deviam ser tolerados defender que como ministros do
evangelho, ele e Barnabé igualmente são dignos de beneficiar materialmente daquilo que é
produzido pela igreja. Vejamos o trecho:
Quando houver contenda entre alguns, e vierem a juízo, para que os julguem, ao justo justificarão, e ao
injusto condenarão. E será que, se o injusto merecer açoites, o juiz o fará deitar-se, para que seja
açoitado diante de si; segundo a sua culpa, será o número de açoites. Quarenta açoites lhe farão dar, não
mais; para que, porventura, se lhe fizer dar mais açoites do que estes, teu irmão não fique envilecido aos
teus olhos. Não atarás a boca ao boi, quando trilhar. (Dt. 25:1-4)
Notemos que o capítulo 25 se insere no âmbito dos vários estatutos baixados por Deus para
Israel, começando no capítulo 12, sendo que o verso 4 da citação acima decorre de uma sequência
de estatutos ligados a justiça, o princípio em foco é o direito de quem trabalha a terra (o boi) ter o
direito de comer daquilo que a mesma terra que ele desbrava produz (a erva), por isso, diz “não
atarás a boca”. Paulo usando este princípio como analogia, defende que tanto ele como o Barnabé

112
O Dízimo No Novo Testamento

(ou outros presbíteros) são servos dedicados a Igreja, tal como Pedro, Tiago e os outros apóstolos,
desta feita merecedores de beneficiar dos bens materiais que a igreja produz.
Vale enfatizar aqui que Deuteronómio 25 não menciona nada sobre dízimo, do mesmo modo,
Paulo não menciona nada sobre dízimo em I Coríntios 9, e nem mesmo em qualquer outra das
cartas atribuídas a ele. Tudo que era de relevância espiritual para a igreja, identificamos pela ênfase
com que os apóstolos davam a tais assuntos em suas cartas, quem dentre os apóstolos deu o
mínimo de atenção a doutrina do dízimo? Ninguém!

Dízimo na Igreja Primitiva


Quando falamos de igreja primitiva, estamos diante das primeiras comunidades cristãs, os
irmãos que junto com os apóstolos ou mais imediatamente próximos a eles adoraram a Deus
invocando o nome de Jesus Cristo. Neste contexto, cabe a nós perguntarmo-nos se estas primeiras
igrejas davam o dízimo ou não. Devido à natureza da informação que queremos investigar somos
forçados pela coerência em começar pelo livro de Actos visto que lá encontramos o relato dos
principais assuntos que surgiram no seio da Igreja após a ascensão de Jesus Cristo. Doutro lado,
veremos também alguns relatos históricos complementares dentro e fora das Escrituras.
Como vimos no capítulo anterior, os principais versículos usados alegadamente do NT para
defender o ensino do dízimo na Igreja são essencialmente interpretações equivocadas, desta feita,
veremos se o dízimo era dado na Igreja primitiva, ou se estamos diante de uma prática de homens.
Nós lemos o seguinte:
E em Jerusalém estavam habitando judeus, homens religiosos, de todas as nações que estão debaixo do
céu. E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os
ouvia falar na sua própria língua. E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois
quê! Não são galileus todos esses homens que estão falando? Como, pois, os ouvimos, cada um, na
nossa própria língua em que somos nascidos? Partos e medos, elamitas e os que habitam na
Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Asia, e Frígia e Panfília, Egito e partes da Líbia, junto a
Cirene, e forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos, Cretenses e árabes, todos nós temos
ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus. E todos se maravilhavam e estavam
suspensos, dizendo uns para os outros: Que quer isto dizer? (At. 2:5-12)
Este trecho decorre do estrondo que ocorreu quando o Espírito Santo invadiu a casa onde
estavam os apóstolos inundou-os e aos discípulos que lá se encontravam. O que se quer notar aqui
é a caracterização dos que estavam presentes, essencialmente judeus e prosélitos de vários pontos
do mundo. Prosélitos eram os convertidos ao judaísmo vindo de outras nações, estes tinham de se
circuncidar e passar a guardar a Lei tal como os judeus o faziam. É importante contextualizar e
tecer algumas considerações sobre o que aconteceu antes de Actos 2 e as implicações que
desenvolveram depois.

113
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Quando Cristo começou o seu ministério, depois de passar pela tentação do Diabo (Lucas 4:1-
13), ele começa em sua própria pátria, especificamente na Galileia (Marcos 1:14-15) e assim no
desenvolver do seu ministério, escolheu 12 dentre os seus discípulos, e disse-lhes:
Jesus enviou estes doze, e lhes ordenou, dizendo: Não ireis pelo caminho dos gentios, nem entrareis em
cidade de samaritanos; mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel; e, indo, pregai, dizendo: É
chegado o reino dos céus. Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os
demónios; de graça recebestes, de graça dai. (Mt.10:5-8)
Se olharmos para o ministério de Jesus Cristo, veremos que foi essencialmente confinado aos
judeus, sendo a cura da filha da mulher sirofenícia (Marcos 7:24-30) ou ainda a libertação do
gadareno (Mateus 8:28) as poucas excepções. Embora o SENHOR tivesse ido até as regiões de
Tiro, Sidom (Mateus 15:21) e Decápolis (Mateus 7:31) estas localidades habitadas maioritariamente
por gentios não eram o palco da sua desenvoltura missionária. É importante notar que mesmo
antes de Cristo ser crucificado a ordem já era “de graça recebestes, de graça dai” e não “vocês
receberão os dízimos dos que crerem”.
Entretanto, depois da ressurreição de Jesus Cristo e antes de sua ascensão para os céus temos
um incremento, Ele comissiona os discípulos e a ordem é mais abrangente. Lemos as seguintes
palavras do SENHOR:
E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será
salvo; mas quem não crer será condenado. E estes sinais seguirão aos que crerem: Em meu nome
expulsarão os demónios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa
mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão. Ora, o
SENHOR, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu, e assentou-se à direita de Deus. (Mc. 16:15)
Lucas conta o mesmo incidente do seguinte jeito:
Aqueles, pois, que se haviam reunido perguntaram-lhe, dizendo: SENHOR, restaurarás tu neste tempo
o reino a Israel? E disse-lhes: Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu
pelo seu próprio poder. Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há-de vir sobre vós; e ser-me-
eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra. E,
quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus
olhos. (At.1:6-9)
Temos uma clara ampliação do campo missionário da Igreja, se antes da ressurreição o foco
eram as ovelhas perdidas de Israel, depois da ressurreição o foco é os confins da terra. Esta
aparente mudança confunde a cabeça de muitos, mas trata-se do cumprimento de profecias 20
anteriores, dentre estas podemos ressaltar a do próprio SENHOR que havia dito:
E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim. E dizia isto, significando de que morte havia
de morrer. (Jo. 12:32-33)
Querendo dizer que Cristo sabia de antemão que o evangelho seria pregado ao mundo inteiro,
entretanto, esse plano tinha etapas, desde o momento que Deus disse “E porei inimizade entre ti e

20. Salmos 2:8, Isaías 49:6, 65:1, Amos 9:11-12, Joel 2:28-32.

114
O Dízimo No Novo Testamento

a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”
(Génesis 3:15), Deus marca sua decisão e plano de salvar a humanidade, escolhe uma linhagem
(Seth) de onde nasceria a semente da mulher (Jesus), e escolhe uma nação (Jacob/Israel), donde
dentre as 12 escolhe uma tribo (Judá) donde escolhe uma virgem (Maria) para nascer a semente e
escolhe essa localidade (Belém) onde nasceria então aquele que chamamos Jesus Cristo. Tudo isso
foi profetizado à centenas de anos antes de Cristo.
Desta feita, quando Jesus começa com o seu ministério focado às ovelhas perdidas de Israel,
não se trata de uma discriminação, ele naturalmente não tinha outro povo tão íntimo e próximo
como o povo de sua casa, sua pátria com quem a comunicação inicialmente tinha de ser mais fácil
(povo separado pelo seu Pai, povo da cultura de sua mãe, povo donde ele nasceu e cresceu como
homem). Dali ele preparar seus discípulos todos primeiramente judeus até Actos 2.
Depois da ressurreição, sabemos que Jesus Cristo aparecia misteriosamente e do mesmo jeito
desaparecia, mais ainda assim, sempre que ele ressurgia mostrava aos discípulos que estava a par de
tudo, tanto das conversas deles em sua ausência física, como até de seus pensamentos e
incredulidade. Este pormenor fazia transparecer que sua ausência física não significava sua
ausência espiritual, Jesus Cristo estava espiritualmente em todo lugar ao mesmo tempo, isso era
uma forma de preparar os discípulos para o ministério na ausência física de seu mestre, e também
de desenvolver a fé deles no Deus invisível, sobretudo na descida do Espírito Santo, que nos faz
chegar em Actos 2:5-12.
Se Cristo escolheu os judeus, porque estes Lhe eram mais próximo, de jeito semelhante os
gentios convertidos ao judaísmo (prosélitos) eram os mais próximos dos discípulos. Os prosélitos
tinham mais facilidade de comunicar-se com os judeus visto que a Lei representava o coração da
cultura e cosmovisão judaica. Doutro lado, os prosélitos igualmente eram os mais próximos dos
seus próprios povos, servindo assim de ponte de comunicação para o evangelho que o Espírito
Santo lhes capacitou para pregar a toda carne em toda parte do mundo. Cristo Invisível através do
Espírito Santo não tinha mais nenhuma limitação física, cultural, geográfica ou étnica e onde quer
que um discípulo estivesse havia a certeza de que igualmente aí estava o Mestre. No dia da festa de
Pentecostes era, o momento e o lugar ideal escolhido por Cristo para alcançar os gentios
prosélitos.
Queremos assim dizer que a igreja primitiva inicialmente era caracterizada pela presença de dois
grupos, os discípulos judeus e os discípulos gentios de várias nações antes prosélitos no judaísmo.
Dessa mistura, eventualmente desenvolvem conflitos, alguns dos quais não somente influenciaram
o curso da história da igreja, mas continuam até aos nossos dias. Entretanto, um dos conflitos mais
profundos que surgiu foi a questão do lugar da Lei, alguns queriam sincretismo (mistura) do
judaísmo com a fé cristã, outros eram de opinião que a fé em Cristo seria suficiente, sem necessitar
a guarda dos preceitos da Lei, nisto surgem duas figuras importantes: Estêvão o primeiro mártir e
Paulo de Tarso, o apóstolo dos gentios e em quem Cristo maior influência exerceu na história da fé
cristã.

115
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Um dos factos sobre a Igreja primitiva que podemos notar é que inicialmente não haviam ainda
se desprendido da tradição religiosa judaica que era indissociável com o Templo, lemos que:
E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com
alegria e singeleza de coração, Louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias
acrescentava o SENHOR à igreja aqueles que se haviam de salvar. (At. 2:46-47)
E levou-os fora, até Betânia; e, levantando as suas mãos, os abençoou. E aconteceu que, abençoando-os
ele, se apartou deles e foi elevado ao céu. E, adorando-o eles, tornaram com grande júbilo para
Jerusalém. E estavam sempre no templo, louvando e bendizendo a Deus. Amém. (Lc. 24:50-53)
Querendo mostrar que assim como o judaísmo revolvia em torno do Templo e posteriormente
das sinagogas, a Igreja inicialmente, tinha de modo semelhante, dois domínios principais de
adoração, o primeiro era o Templo de Jerusalém e o segundo era nas suas próprias casas.
Obviamente que no Templo os procedimentos eram de acordo a Lei e não de acordo a liberdade
de Cristo.
De um lado podemos enquadrar o facto de a Igreja desenvolver suas actividades a volta do
Templo como mais um curso natural à semelhança do ministério de Cristo focado as ovelhas
perdidas de Israel, e a proclamação da Boa Nova inicialmente aos mais próximos dos israelitas,
neste caso os prosélitos, doutro lado, uma cultura religiosa cultivada ao longo de milénios não
poderia ser desfeita de dia para a noite, os apóstolos mais provavelmente tinham, inicialmente,
dificuldades em abraçar uma nova identidade em Cristo, uma que cortasse o véu da tradição de
modo mais radical.
Entretanto, eles ainda tinham o Templo como o lugar santo para buscar a face do SENHOR e
evangelizar (Actos 3). Talvez seja o mesmo que tem acontecido com os irmãos que vão sempre ao
monte orar (como se o monte garantisse aproximação com Deus) e os que se apegam ao dízimo
até os dias de hoje, não é fácil romper com práticas desenvolvidas com a monitoria de servos de
Deus que crescemos respeitando, nem mesmo largar uma doutrina que a maioria defende com
dentes e unhas (mesmo não tendo bases sólidas para defendê-las).
Neste ponto, vale a pena lembrar de que assim como existiam dois grupos principais no seio
dos discípulos (judeus e prosélitos), também existiam dois grupos principais de Judeus na época,
os que cresceram no meio judaico (Judeia) e no dia-a-dia usavam principalmente o aramaico e o
Hebraico (chamados Hebreus) e os que cresceram na diáspora, que usavam mais regularmente o
grego (Helenistas/Acto 6:1), sem esquecermos que estes dois grupos doutrinalmente subdividiam-
se ainda em outros dois grupos principais: fariseus e saduceus. Com o surgimento da fé cristã os
discípulos passaram a ser vistos como o terceiro grupo, os Nazarenos, portanto uma parte do
judaísmo.
Passados aproximadamente quatro anos depois da ressurreição de Cristo, a visão missionária
dos apóstolos continuava centrada em Jerusalém, lá no Templo os Hebreus eram o foco do
ministério dos apóstolos (Actos 3), facilitados pela comunicação em aramaico. Assim, a visão
doutrinal dos apóstolos continuava acoplada à Lei, guardavam as festas, e os principais rituais.

116
O Dízimo No Novo Testamento

Na verdade, a dimensão do problema do lugar da Lei na cabeça e coração dos primeiros


discípulos é tão profunda que criou muitos problemas no seio da Igreja. O Apóstolo Pedro, por
exemplo, mostra-se instável quanto ao assunto e acaba sendo repreendido eventualmente pelo
Apóstolo Paulo:
E, chegando Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível. Porque, antes que alguns
tivessem chegado da parte de Tiago, comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi retirando,
e se apartou deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também dissimulavam com
ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação. Mas, quando vi que não andavam
bem e diretamente conforme a verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo
judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?
(Gl. 2:11-14)
A repreensão é fruto do afastamento de Pedro, por causa do seu medo de ser repreendido pelos
judeus-cristãos (os da circuncisão), aqueles que não queriam deixar o judaísmo, mas queriam uma
espécie de sincretismo, onde de um lado, os preceitos do VT (guarda do Sábado, festividades,
circuncisão, rituais de purificação etc.) deviam ser observados, e doutro lado a fé nos ensinos de
Jesus Cristo também deviam ser guardados.
Pode parecer que foi Paulo o primeiro a repreender o Apóstolo Pedro, mas não é o caso, o
próprio Deus foi o primeiro a repreendê-lo, mas a dificuldade de Pedro continua até hoje, no
coração de muitos cristãos. Eis o caso da primeira repreensão:
E no dia seguinte, indo eles seu caminho, e estando já perto da cidade, subiu Pedro ao terraço para orar,
quase à hora sexta. E tendo fome, quis comer; e, enquanto lho preparavam, sobreveio-lhe um
arrebatamento de sentidos, e viu o céu aberto, e que descia um vaso, como se fosse um grande lençol
atado pelas quatro pontas, e vindo para a terra. No qual havia de todos os animais quadrúpedes e répteis
da terra, e aves do céu. E foi-lhe dirigida uma voz: Levanta-te, Pedro, mata e come. Mas Pedro disse: De
modo nenhum, SENHOR, porque nunca comi coisa alguma comum e imunda. E segunda vez lhe disse
a voz: Não faças tu comum ao que Deus purificou. E aconteceu isto por três vezes; e o vaso tornou a
recolher-se ao céu. E estando Pedro duvidando entre si acerca do que seria aquela visão que tinha visto,
eis que os homens que foram enviados por Cornélio pararam à porta, perguntando pela casa de Simão.
(At. 10:9-17)
Desde Noé (Gn.7 e 8) até Moisés (Lv. 11) o povo judeu desenvolveu a consciência dos animais
limpos e dos comuns (impuros), de tal modo que tais animais não podiam ser comidos.
Naturalmente que comer um alimento impuro faria da pessoa impura, tocar uma pessoa impura é
de certa forma se tornar igualmente impuro (Lv. 5:2). Os seguintes dois exemplos podem-nos
ajudar a entender a razão pela qual Pedro responde três vezes “De modo nenhum, SENHOR,
nunca comi coisa alguma comum e imunda”:
E disse o SENHOR: Assim comerão os filhos de Israel o seu pão imundo, entre os gentios para onde
os lançarei. Então disse eu: Ah! SENHOR DEUS! Eis que a minha alma não foi contaminada, pois
desde a minha mocidade até agora, nunca comi daquilo que morrer de si mesmo, ou que é despedaçado
por feras; nem carne abominável entrou na minha boca. (Ez. 4:13-14)

117
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

E Daniel propôs no seu coração não se contaminar com a porção das iguarias do rei, nem com o vinho
que ele bebia; portanto pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não se contaminar. Ora, Deus
fez com que Daniel achasse graça e misericórdia diante do chefe dos eunucos. (Dn. 1:8-9)
Existia segundo a Lei uma visão muito rigorosa contra os alimentos considerados impuros, sob
pena de o judeu se tornar impuro ou contaminado. Deste modo, a reacção de Pedro era a mais
natural para um judeu dedicado a Lei desde a infância. Entretanto, o próprio Deus lhe repreende
dizendo “Não faças tu comum ao que Deus purificou”. Jesus Cristo havia inaugurado uma nova
era, mas a tradição no coração de muitos até hoje não lhes permite entender bem o que realmente
é impuro e o que é puro. Este livro defende que não dar o dízimo deixou de ser algo impuro.
Cristo explicou o seguinte:
… Assim também vós estais sem entendimento? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no
homem não o pode contaminar, porque não entra no seu coração, mas no ventre, e é lançado fora
ficando puras todas as comidas? E dizia: O que sai do homem isso contamina o homem. Porque do
interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os
homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfémia, a soberba, a
loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem. (Mc 7:18-23)
Posteriormente, Paulo segue a mesma linha do SENHOR e aplica o conceito de pureza e
impureza de modo espiritual e não carnal:
Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a
injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas? E que concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que
parte tem o fiel com o infiel? E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o
templo do Deus vivente, como Deus disse: Neles habitarei, e entre eles andarei; e eu serei o seu Deus e
eles serão o meu povo. Por isso saí do meio deles, e apartai-vos, diz o SENHOR; E não toqueis nada
imundo, E eu vos receberei; e eu serei para vós Pai, E vós sereis para mim filhos e filhas, diz o
SENHOR Todo-Poderoso. (II Co. 6:14-18)
Estas palavras de Paulo formam um bloco de ideias que na verdade vai até ao primeiro verso do
capítulo a seguir, lembrando que quando Paulo escreveu a carta não incluía nenhuma separação de
versículos e capítulos, assim devemos incluir o seguinte:
Ora, amados, pois que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do
espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus. (2 Co. 7:1)
As palavras de Paulo desenvolvem uma tensão entre duas coisas opostas, infiel e fiel, justiça e
injustiça, luz e trevas, Cristo e Belial, cristã e pagão, templo de Deus (corpo do cristão) com
idolatria. Estas palavras de Paulo desenvolvem de uma interpretação espiritual de Levítico 10:10
que diz que “E para fazer diferença entre o santo e o profano e entre o imundo e o limpo”.
Paulo havia entendido que não se tratava de separar alimentos puros de alimentos impuros, mas
sim de separar o que glorifica a Deus do que glorifica ao Diabo, a verdade da mentira, o amor do
ódio, a honestidade da desonestidade, o perdão do rancor. Paulo entende que se trata do cristão se
apartar do pecado, das obras da carne (imundícia da carne), dos desejos e pensamentos (espírito)

118
O Dízimo No Novo Testamento

que Cristo disse que “contaminam”. Pedro teve dificuldades para abraçar essa verdade de modo
definitivo, por isso acabou sendo repreendido duas vezes.
Se até aqui percebemos a razão pelo qual os judeus não podiam comer certos animais, então
deve desenvolver daí a razão pelo qual os judeus como Pedro não comiam ou entravam na casa
dos gentios, eles eram considerados impuros e fonte de contaminação. Por isso, Deus teve de dizer
a Pedro de modo claro que “Levanta-te, pois, desce, e vai com eles, não duvidando; porque eu os
enviei” (Actos 10:20), porque se tratava de gentios, enviados por um outro gentio, chamado
Cornélio.
Só assim Pedro recebe-os em sua casa e dia seguinte vai com eles à casa de Cornélio, sem medo
de ser contaminado, pondo sua mentalidade judaica de lado, e aceitando a mentalidade de Cristo
(Actos 10:28). Posteriormente ele testemunha aos outros da circuncisão dizendo:
Portanto, se Deus lhes deu o mesmo dom que a nós (da circuncisão), quando havemos crido no
SENHOR Jesus Cristo, quem era então eu, para que pudesse resistir a Deus? E, ouvindo estas coisas,
apaziguaram-se, e glorificaram a Deus, dizendo: Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento
para a vida. (At. 11:19-18)
A Igreja na Judeia precisava entender com que base Pedro havia entrado na casa de um gentio,
como ele havia quebrado a Lei, como podia um apóstolo contaminar-se envolvendo-se com os
“impuros”? Isso gerou polémica:
E ouviram os apóstolos, e os irmãos que estavam na Judéia, que também os gentios tinham recebido a
palavra de Deus. E, subindo Pedro a Jerusalém, disputavam com ele os que eram da circuncisão,
dizendo: Entraste em casa de homens incircuncisos, e comeste com eles. (At. 11:1-3)
Essa mentalidade judaica não desapareceu, os da circuncisão continuaram a defender os seus
costumes de uma ou de outra forma, e não queriam abrir mão do Velho Testamento:
Então alguns que tinham descido da Judéia ensinavam assim os irmãos: Se não vos circuncidardes
conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos. Tendo tido Paulo e Barnabé não pequena discussão e
contenda contra eles, resolveu-se que Paulo e Barnabé, e alguns dentre eles, subissem a Jerusalém, aos
apóstolos e aos anciãos, sobre aquela questão… Alguns, porém, da seita dos fariseus, que tinham crido,
se levantaram, dizendo que era mister circuncidá-los e mandar-lhes que guardassem a lei de Moisés. (At.
15:1-2)
Tem um ditado africano que diz “é mais fácil tirar alguém do mato, difícil é tirar o mato de
alguém”. Este ditado é particularmente verdadeiro para o caso dos da circuncisão, embora
resgatados da Lei por Jesus Cristo, eles não queriam deixar a identidade da Lei, a vanglória judaica,
a circuncisão, os preceitos da Lei que faziam deles um povo “especial”, não queriam ser tornados
“comuns”.
Levando em conta a clara presença dos da circuncisão, sugere a existência de cristãos que,
dentre as práticas da Lei, guardavam o dízimo, significando que os davam aos levitas e praticavam a
guarda das festividades judaicas (Gl. 4:10). Enquanto Pedro e outros apóstolos estavam com
dificuldades de deixar o “mato sair deles”, Cristo levanta dois judeus helenistas que rompem
completamente com a tradição, um depois do outro, de modo radical.

119
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

A Compreensão de Estêvão
Enquanto Pedro e João frequentavam o Templo de Jerusalém para orar e evangelizar, certo
discípulo de Cristo chamado de Estêvão, judeu helenista ia para as sinagogas dos helenistas e
igualmente evangelizava e debatia arduamente com os que se lhe opunham. Deus o havia ungido
de tal modo que Lucas escreve sobre ele contando que:
E Estêvão, cheio de fé e de poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo. E levantaram-se alguns
que eram da sinagoga chamada dos libertinos, e dos cireneus e dos alexandrinos, e dos que eram da
Cilícia e da Ásia, e disputavam com Estêvão. E não podiam resistir à sabedoria, e ao Espírito com que
falava. Então subornaram uns homens, para que dissessem: Ouvimos-lhe proferir palavras blasfemas
contra Moisés e contra Deus. E excitaram o povo, os anciãos e os escribas; e, investindo contra ele, o
arrebataram e o levaram ao conselho. E apresentaram falsas testemunhas, que diziam: Este homem não
cessa de proferir palavras blasfemas contra este santo lugar e a lei; porque nós lhe ouvimos dizer que
esse Jesus Nazareno há de destruir este lugar e mudar os costumes que Moisés nos deu. (At. 6:8-14)
Dentre os fariseus de Cilícia, estava um que se considerava o “fariseu dos fariseus”, nem este
tinha argumentos para contrapor Estêvão, sua única forma de reagir foi o consenso da agressão e
perseguição. Este mesmo perseguidor vem a ser o Apóstolo Paulo (At. 22:3).
Estêvão marca a ruptura entre o judaísmo e a fé cristã, este diácono tinha percebido antes dos
apóstolos que o Templo de Jerusalém não era morada de Deus. Todo aquele zelo e dedicação que
tinham Pedro, João e os todos da circuncisão centrados no Templo e na Lei para ele já não tinham
cor e nem peso espiritual, e essa posição choca directa e profundamente com o coração do
judaísmo. Ninguém defendia tal posição como Estêvão, portanto, ninguém era mais odiado pelos
judeus na Igreja do que este simples diácono. Em seu discurso de defesa diante de seus acusadores
ele chegou de afirmar:
Mas o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens, como diz o profeta: O céu é o
meu trono, E a terra o estrado dos meus pés. Que casa me edificareis? Diz o SENHOR, ou qual é o
lugar do meu repouso? Porventura não fez a minha mão todas estas coisas? Homens de dura cerviz, e
incircuncisos de coração e ouvido, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim vós sois como vossos
pais. A qual dos profetas não perseguiram vossos pais? Até mataram os que anteriormente anunciaram a
vinda do Justo, do qual vós agora fostes traidores e homicidas; vós, que recebestes a lei por ordenação
dos anjos, e não a guardastes. (At. 7:48-53)
Se havia crítica dura demais para se suportar eram essas palavras de Estêvão, uma autêntica
afronta ao Templo e a tudo que representava (valor religioso, cultural, cerimónias, etc.), chamá-los
de “incircuncisos de coração” foi pô-los numa categoria pior que a dos gentios, dizer que “vós
sempre resistis ao Espírito Santo” é considerá-los piores que os magos do Faraó que desafiaram
contra Moisés (2 Tm. 3:8), considerar perseguidores dos profetas é reduzi-los a uma categoria pior
do que a de Amaleque, e dizer-lhes na cara que receberam a Lei e não cumpriram é como reduzir
todo o zelo e esforço religioso judaico a um autêntico fracasso. Por isso, Lucas relata a reacção dos
judeus nas seguintes palavras:

120
O Dízimo No Novo Testamento

Mas eles gritaram com grande voz, taparam os seus ouvidos, e arremeteram unânimes contra ele. E,
expulsando-o da cidade, o apedrejavam. E as testemunhas depuseram as suas capas aos pés de um
jovem chamado Saulo. E apedrejaram a Estêvão que em invocação dizia: SENHOR Jesus, recebe o meu
espírito. E, pondo-se de joelhos, clamou com grande voz: SENHOR, não lhes imputes este pecado. E,
tendo dito isto, adormeceu. (At. 7:57-60)
A cidade representa o mundo. É pena que hoje o mundo esteja cada vez mais amigo da maioria
dos que se dizem cristãos. Existem pouquíssimos Estêvãos, os apóstolos e diáconos de hoje estão
mais dedicados a recolher dízimos do que em pregar a verdade do evangelho que é o reino de
Jesus Cristo. Um evangelho centrado no reino de Jesus e não no dinheiro, não na tradição dos
homens, não na política, não no show e na fama, infalivelmente atrairia pedras e crucificação. É mil
vezes mais fácil pregar sobre o devorador e Malaquias 3:10 do que sobre o SENHOR de Mateus
3:10 e Gálatas 3:10.
Depois da morte de Estêvão, levantou-se uma grande perseguição contra a Igreja que levou os
discípulos a dispersão, excepto os apóstolos (Actos 8:1). Em outras palavras, os 12 apóstolos não
representavam grande ameaça aos olhos dos perseguidores da igreja, liderados por Paulo de Tarso
(futuro apóstolo), o evangelho que os judeus estavam a perseguir de modo mais agressivo era
aquele alinhado às palavras de Estêvão. O evangelho separado da Lei. Afinal de contas Cristo já
havia proclamado:
Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, porque semelhante remendo rompe a roupa, e
faz-se maior a rotura. Nem se deita vinho novo em odres velhos; aliás rompem-se os odres, e entorna-
se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se
conservam. (Mt. 9:16-17)
A morte de Estêvão dispersou os discípulos, quebrou a mentalidade que estava centrada no
Templo de Jerusalém, expôs os discípulos a um mundo mais amplo, fora de sua zona de conforto
buscaram a Deus de outro jeito, fora do ambiente judeu proclamaram o evangelho a outros povos
(Actos 8:4-8/11:19-21).
Verdadeiramente se o sangue do nosso SENHOR havia inaugurado uma nova era para a
humanidade, o sangue de Estêvão tinha sido o instrumento para que nós (os gentios) tivéssemos
acesso aos benefícios do Novo Testamento. Assim surgiram os discípulos incircuncisos e não
judeus prosélitos. Estes ao contrário dos da circuncisão, estavam muito distantes da doutrina do
dízimo, tanto doutrinalmente, como pelo facto de estarem localizados distante do Templo de
Jerusalém. Toda a tentativa de judaizar essa igreja incircuncisa (na carne) tem como resposta a mais
dura repreensão e protesto daquele que Deus levantou como apóstolo dos gentios: Paulo de Tarso.
O mesmo Paulo que participou na morte de Estêvão, enquanto perseguia os discípulos no
caminho de Damasco teve um encontro épico com Jesus Cristo e se converteu (Actos 9:3-9).
Depois disso o SENHOR falou a Ananias sobre Paulo dizendo: “Vai, porque este é para mim um
vaso escolhido, para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel. E eu lhe
mostrarei quanto deve padecer pelo meu nome” (Actos 9:15-16). Este apóstolo como um nascido
precocemente (ICoríntios 15:8/23:14-15) acaba realmente por sofrer pelo evangelho,

121
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

principalmente na mão e na boca dos da circuncisão (judaizantes), que o odiaram de todo o


coração (Actos 9:23-24) e na verdade odeiam-no até aos nossos dias.
Passados alguns anos depois da conversão de Paulo, este foi convencido por Barnabé a deixar
Tarso e relocar-se para Antioquia, lugar onde a Igreja muito crescia entre os gentios, de lá Paulo e
Barnabé (Actos 13:1-3) foram posteriormente separados para a obra missionária junto dos gentios.
É deste labor missionário que surge o primeiro grande conflito entre os judaizantes e a igreja dos
incircuncisos:
Então alguns que tinham descido da Judéia ensinavam assim os irmãos: Se não vos circuncidardes
conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos. Tendo tido Paulo e Barnabé não pequena discussão e
contenda contra eles, resolveu-se que Paulo e Barnabé, e alguns dentre eles, subissem a Jerusalém, aos
apóstolos e aos anciãos, sobre aquela questão… Alguns, porém, da seita dos fariseus, que tinham crido,
se levantaram, dizendo que era mister circuncidá-los e mandar-lhes que guardassem a lei de Moisés.
(At. 15:1-2)
Desta grande contenda surgiu o primeiro concílio cristão, sendo que Pedro tomando a palavra
disse:
Homens irmãos, bem sabeis que já há muito tempo Deus me elegeu dentre nós, para que os gentios
ouvissem da minha boca a palavra do evangelho, e cressem. E Deus, que conhece os corações, lhes deu
testemunho, dando-lhes o Espírito Santo, assim como também a nós; e não fez diferença alguma entre
eles e nós, purificando os seus corações pela fé. Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a
cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais nem nós pudemos suportar? Mas cremos que
seremos salvos pela graça do SENHOR Jesus Cristo, como eles também. (At. 15:7-11)
Vale notar que Pedro em seu discurso considera “tentar a Deus” o acto de obrigar os gentios a
guardar a Lei. Se o dízimo é uma prática da Lei, tal como vimos nos capítulos anteriores, então não
seria exagero considerar que a prática da mesma é tentar a Deus, sobretudo, no caso dos líderes
religiosos que sabem da verdade sobre o dízimo.
Após a intervenção de Pedro, Tiago o irmão de Jesus Cristo, teceu as últimas considerações e
deu por encerrado o concílio. Tendo os apóstolos deliberado escrever a seguinte carta:
Os apóstolos, e os anciãos e os irmãos, aos irmãos dentre os gentios que estão em Antioquia, e Síria e
Cilícia, saúde. Porquanto ouvimos que alguns que saíram dentre nós vos perturbaram com palavras, e
transtornaram as vossas almas, dizendo que deveis circuncidar-vos e guardar a lei, não lhes tendo nós
dado mandamento, pareceu-nos bem, reunidos concordemente, eleger alguns homens e enviá-los com
os nossos amados Barnabé e Paulo, homens que já expuseram as suas vidas pelo nome de nosso
SENHOR Jesus Cristo. Enviamos, portanto, Judas e Silas, os quais por palavra vos anunciarão também
as mesmas coisas. Na verdade, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais encargo
algum, senão estas coisas necessárias: Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue,
e da carne sufocada, e da prostituição, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes. Bem vos vá. (At.
15:23-29)
Nesta carta que de modo objectivo buscou resolver o problema relativo ao papel da Lei na
Igreja encontramos não somente a opinião dos apóstolos, mas a própria posição do Espírito Santo,
visto dizer “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” que concordaram em não impor nada,

122
O Dízimo No Novo Testamento

excepto “vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da
prostituição”. Qual linguagem seria mais clara para dizer que as igrejas dos gentios não tinham
nenhuma obrigação de dar dízimos e de cumprir outras ordenanças para além daquelas que a carta
identificou?
Outra forma de analisar é pondo-se no lugar dos irmãos em Antioquia, Síria e Cilícia, imagine
que o caro leitor recebesse a carta vinda do concílio de Jerusalém, lesse com calma e anotasse as
coisas que se deve abster, nesta lista teria: (1) abster-se das coisas sacrificadas aos ídolos, (2) abster-
se do sangue e da carne sufocada, e (3) abster-se da prostituição. Ai surgisse um dito profeta,
pastor, bispo, etc., que chegasse a sua igreja e pregasse “irmãos, vocês devem dar o dízimo do
vosso salário mensalmente, isto é bíblico, está escrito em Malaquias 3:10”, o que você responderia?
Eu gritaria “O próprio Espírito Santo e os apóstolos disseram que não precisamos dos encargos
da Lei, isso é tentar a Deus”.
É muito triste ter que aceitar que a maioria dos que se dizem cristãos nem conhecem este relato
do primeiro concílio da igreja em Jerusalém, nunca pararam para analisar com suas próprias
cabeças, preferem ouvir sermões e responder “aleluias” sem perceber a profundidade das
doutrinas que lhes empurram para dentro da garganta. Do jeito que muitos respondem “amém” o
pregador pode literalmente gritar qualquer heresia ou besteira, tem quem vai responder amém no
seio da igreja. Infeliz realidade angolana!
O bom seria se as conclusões do concílio terminassem com os argumentos dos da circuncisão e
esta seita cessasse de existir, mas não foi o caso. Até o próprio Pedro volta a ser influenciado pelos
da circuncisão, e através dele Barnabé também é influenciado a afastar-se dos irmãos gentios.
Paulo que acompanhava de perto o fermento dos da circuncisão, combateu incessantemente
todas as tentativas judaizantes. Foi diante destes erros de Pedro e dos da circuncisão que Paulo
escreve a sua carta, a mais agressiva de todas, que é dirigida aos Gálatas. Ao contrário das outras
cartas onde podem se achar palavras de encorajamento ou elogio, Paulo não tece nenhum elogio,
repreende totalmente qualquer tentativa de judaizar a Igreja, considerando de apostasia a
mentalidade da circuncisão (Gl. 5:4). Considerando de malditos os que buscam misturar a graça de
Cristo com a Lei (Gl. 1:8/3:10). Considerando a Lei de ultrapassada chegada a fé (Gl. 3:23-25).
Considerando a Lei de meninice (Gl. 4:1-7), de fraca e pobre (Gl. 4:9-10), considerando os da
circuncisão como sendo escravos (Gl. 4:24-26), considera de perseguidores os da circuncisão e
dignos de rejeição (Gl. 4:28-31).
É neste contexto que podemos notar que mais do que em outras cartas, as cartas escritas por
Paulo são mais enfáticas em exortar as igrejas a não se deixarem enganar pelos da circuncisão, a
justificação pela fé, a incapacidade da Lei aperfeiçoar, e a realidade da Nova Aliança inaugurada
pelo sangue do Cordeiro de Deus, fazendo dos gentios e dos judeus crentes em Cristo um só
povo: a Igreja. Portanto, todos quantos são batizados em Cristo já se revestiram de Cristo. Nisto
não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos são um

123
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

em Cristo Jesus. E, se são de Cristo, então são descendência de Abraão, e herdeiros conforme a
promessa.
Querendo tudo isso dizer que entre os apóstolos e presbíteros da Igreja ninguém recebia
dízimos. Entretanto, os judaizantes especialmente antes da dispersão, podiam entregar seus
dízimos aos levitas e comer o dízimo das festividades. Após a destruição do Templo em AD 70
nem mesmo os judaizantes podiam mais praticar o dízimo, visto que o sistema levítico e sacerdotal
só podiam funcionar no Templo. Hoje, nem mesmo os judeus dão dízimo, porque os livros de
genealogias estão perdidos, e o Templo de Jerusalém não está reconstruido. Deste modo a questão
que surge é: Como foi que a Igreja começou a cobrar o dízimo?

O Surgimento do Dízimo na Igreja


A partir dos escritos da Igreja do segundo século depois de Cristo, é possível tirar várias
impressões relativas às principais doutrinas e práticas da Igreja primitiva. A Didaque é uma coleção
de ensinos atribuídos aos 12 apóstolos e resumem as principais doutrinas da igreja primitiva,
Isidoro21 em seu resumo diz o seguinte:
A Didaque reflecte experiências, tradições diversas e comuns no judaísmo antigo e contemporânea a era
cristã. De certa forma, reflecte também práticas e normas já vivenciadas ou observadas. Seus
ensinamentos irão orientar e dirigir o caminho das comunidades cristãs primitivas e apresentarão um
horizonte de ensinamentos muito amplo no “caminho da justiça e rectidão” para toda a humanidade.
Em nossa busca das origens do dízimo na Igreja achamos prudente computar o Didaque, na
tentativa de aferir a veracidade das conclusões que este livro até este ponto vem apresentar.
Achamos que a descrição dada pelo Isidoro corrobora com a caracterização que nós fizemos da
igreja primitiva, isso é, que os apóstolos inicialmente permaneceram apegados a certos elementos
do judaísmo, sobretudo os Hebreus. Entretanto, embora tivessem (os apóstolos) desenvolvido sua
visão eclesiástica a partir do judaísmo, o dízimo como doutrina não era praticado na Igreja.
A Didaque apresenta alguns princípios praticados pela igreja primitiva, sobre dar e receber
ajuda material e financeira, mas a própria palavra dízimo ou a décima parte não aparece no referido
documento. Talvez a referência mais próxima ao dízimo seja da seguinte citação:
Mas qualquer verdadeiro profeta que desejar habitar em vosso meio é digno de seu sustento. Da
maneira que um verdadeiro professor é merecedor, como um obreiro, de seu alimento. Entretanto, toda
primícia produzida do vinhadeiro e da eira, do teu gado e das tuas ovelhas, levarás e darás como
primícia ao profeta; pois eles são os vossos principais sacerdotes. Porém, se não tiveres um profeta, leve
aos pobres. Se confecionares pão, leve as primícias e doe de acordo ao mandamento. De modo
semelhante, quando abrires o jarro de vinho ou de óleo, leve as primícias aos profetas, sim e do dinheiro
e vestuário e de toda possessão leve a primícia, como propor o teu coração, e dê de acordo ao
mandamento. (Didaque 13:1-8)

21. Isidoro, 2007:90.

124
O Dízimo No Novo Testamento

Uma leitura atenta descarta logo qualquer ideia de que a citação é relativa ao dízimo, primeiro
por não fazer nenhuma menção da décima parte, e segundo por dizer claramente “como propor o
teu coração”. A citação segue a mesma exortação de Paulo em I Coríntios 9 e igualmente não se
trata de dízimo, tal como já abordamos. O mandamento do qual a Didaque aponta pode ser do
seguinte texto do VT:
Este, pois, será o direito dos sacerdotes, a receber do povo, dos que oferecerem sacrifício, seja boi ou
gado miúdo; que darão ao sacerdote a espádua e as queixadas e o bucho. Dar-lhe-ás as primícias do teu
grão, do teu mosto e do teu azeite, e as primícias da tosquia das tuas ovelhas. Porque o SENHOR teu
Deus o escolheu de todas as tuas tribos, para que assista e sirva no nome do SENHOR, ele e seus
filhos, todos os dias. (Dt. 18:3-5)
Tanto Paulo como a Didaque apresentam o princípio do apoio material dos presbíteros que de
modo exclusivo dedicam-se ao evangelho. Não se trata de dar dízimo, mas sim de promover a
piedade e responsabilidade da Igreja em sustentar os seus professores e anciãos cuja vida e
dedicação em prol do evangelho e da Igreja os faz carecer de apoio material, estes que se fazem
materialmente carentes, para enriquecerem a igreja espiritualmente:
Antes, como ministros de Deus, tornando-nos recomendáveis em tudo; na muita paciência, nas aflições,
nas necessidades, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos
jejuns, na pureza, na ciência, na longanimidade, na benignidade, no Espírito Santo, no amor não fingido,
na palavra da verdade, no poder de Deus, pelas armas da justiça, à direita e à esquerda, por honra e por
desonra, por infâmia e por boa fama; como enganadores, e sendo verdadeiros; como desconhecidos,
mas sendo bem conhecidos; como morrendo, e eis que vivemos; como castigados, e não mortos; como
contristados, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo a muitos; como nada tendo, e
possuindo tudo. (II Cor. 6:4-10)
Este mesmo princípio pode ser identificado nas palavras de Jesus Cristo aos apóstolos:
E, indo, pregai, dizendo: É chegado o reino dos céus. Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai
os mortos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai. Não possuais ouro, nem prata, nem
cobre, em vossos cintos, nem alforges para o caminho, nem duas túnicas, nem alparcas, nem bordões;
porque digno é o operário do seu alimento. (Mt. 10:7-10)
Na verdade, quando Cristo diz “digno é o operário do seu alimento” o princípio sendo
ensinado é o mesmo escrito por Paulo em I Coríntios 9:7 “quem apascenta o gado e não se
alimenta do leite do gado?”. Este mesmo princípio Moisés ensina quando diz “Não atarás a boca
ao boi que trilha o grão” (Dt. 25:4) e na Didaque aparece com as palavras “pois eles são os vossos
principais sacerdotes”.
Outro ponto que não devemos deixar escapar nessa parte da nossa abordagem é a concordância
dos testemunhos acima no que tange as primícias ou ofertas. O dar na Igreja era de acordo ao
coração de cada um, e não uma lei como o dízimo. Paulo disse “cada um contribua segundo
propôs no seu coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com
alegria” (II Co. 9:7), Cristo disse “de graça recebestes, de graça dai” e na Didaque lemos que
“como propor o teu coração, e dê de acordo ao mandamento”.

125
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

A igreja primitiva tinha regras bem claras relativamente ao dar e ao receber ofertas, o padrão
das nossas igrejas de hoje no que tange as ofertas estão muito distantes. Até os que já têm sustento
material pedem mais, e quantos sobem nos púlpitos com várias tácticas e manipulações de textos
bíblicos para arrancar dinheiro da igreja?
E qualquer um que dizer em espírito, dai-me dinheiro ou qualquer outra coisa, tu o não escutarás; mas
se o mesmo pedir em nome de outras pessoas necessitadas, ninguém o julgue. (Didaque 11:20-21)
Sendo que os apóstolos e presbíteros da Igreja primitiva não cobravam dízimos, devemos
avançar um pouco a história da igreja para localizarmos quando surgiu o dízimo no seio da Igreja.

O Dízimo e a Institucionalização da Igreja


Os escritos dos patriarcas da Igreja (do período antes do Concílio de Niceia) de um modo geral,
não apoiam a ideia de que os discípulos devessem dar dízimos aos presbíteros, esta lista inclui
figuras como Clemente de Roma, Matetes, Policarpo, Inácio, Barnabé, Pápias, Justino, o Pastor de
Hermas, Tatiano, Teófilo de Antioquia, Atenágoras, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Minucias
Félix, Comodiano, Origem, Hipólitos, Caios, e Novato. Vejamos algumas citações:
Você não deve cometer adultério, 'proibir até mesmo a concupiscência; e, em vez daquele que diz assim:
"Você não deve matar", Ele proibiu a ira; e em vez da lei ordenar a doação dos dízimos, compartilhar
todas as nossas posses com os pobres; e não amar só nossos vizinhos, mas até nossos inimigos…
(Irineus, 150-200, Contra Heresias, Livro 4, cap. 13, par. 3)22
E os ricos entre nós ajudam os necessitados…quando nossa oração termina, pão, vinho e água são
trazidos, e o presidente oferece, da mesma forma, orações e acções de graça, de acordo com sua
habilidade, e o povo concorda, dizendo Amém; e há uma distribuição para cada um, e uma participação
daquilo sobre o qual os agradecimentos foram dados, e para aqueles que estão ausentes, uma porção é
enviada pelos diáconos. E aqueles que estão bem para fazer, e dispostos, dão o que cada um acha
adequado… (Justino o Mártir, 150, Primeira Apologia, cap. 67)23
Nossos presidentes são anciãos de valor comprovado, homens que alcançaram essa honra não por um
preço, mas por carácter. Todo homem traz moedas modestas uma vez por mês ou sempre que desejar, e
somente se estiver disposto e pronto; é uma oferta voluntária. Você pode chamá-los de fundos de
confiança da piedade; eles são gastos...no apoio e enterro dos pobres… (Tertuliano, 150-220, Apologia,
xxxix, 1-18)24
Segundo o historiador Shelley25, inicialmente as igrejas eram administradas por um corpo de
anciãos (presbíteros), estes mesmos eram também conhecidos por bispos ou pastores, e outro
grupo era conhecido por diáconos. Se de um lado os anciãos eram responsáveis em ensinar a
22. Ver Philipe Schaff, pg. 787.
23. Ver Philipe Schaff, pg. 290.
24. Ver The Apology of Tertullian, pg. 110.
25. Shelley, 2008: 69-95.

126
O Dízimo No Novo Testamento

congregação e a discipular os novos convertidos, doutro lado os diáconos auxiliavam os anciãos


em quase tudo, com provável excepção na administração da ceia do SENHOR.
O quadro provavelmente sofre uma mudança no início do segundo século, quando o ancião
Inácio de Antioquia em suas cartas as igrejas apresenta uma estrutura onde aparece um bispo para
cada igreja e este sendo auxiliado por um corpo de presbíteros, e uma companhia de diáconos.
Com o decorrer do tempo e por vários motivos a visão de Inácio acabou por se generalizar. Até ao
final do segundo século, o bispo passou a ser o líder.
Essa mudança desenvolve paulatinamente uma ruptura com a visão inicial deixada por Cristo e
pelos apóstolos. Postas nas palavras de Tertuliano “nossos presidentes são anciãos de valor
comprovado, homens que alcançaram essa honra não por um preço, mas por carácter”. Assim, os
bispos junto dos presbíteros começam a se achar em posição igual a dos sacerdotes e levitas, com a
exigência de receber igual tratamento e benefícios segundo a Lei, especialmente depois do
Imperador Constantino institucionalizar o cristianismo na idade entre 312-590 depois de Cristo.
Os preceitos originais estabelecidos pelos apóstolos, hoje em não pouca instância, são rompidos
audaciosamente por aqueles que ocupam posições ou cargos de liderança nas igrejas:
Mas Jesus, chamando-os a si, disse-lhes: Sabeis que os que julgam ser príncipes dos gentios, deles se
assenhoreiam, e os seus grandes usam de autoridade sobre elas; mas entre vós não será assim; antes,
qualquer que entre vós quiser ser grande, será vosso serviçal; e qualquer que dentre vós quiser ser o
primeiro, será servo de todos. Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para
servir e dar a sua vida em resgate de muitos. (Mc. 10: 42-45)
Manda estas coisas e ensina-as. Ninguém despreze a tua mocidade; mas sê o exemplo dos fiéis, na
palavra, no trato, no amor, no espírito, na fé, na pureza. Persiste em ler, exortar e ensinar, até que eu vá.
(I Tm. 4:11-13)
Aos presbíteros, que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e testemunha
das aflições de Cristo, e participante da glória que se há-de revelar: apascentai o rebanho de Deus, que
está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de
ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao
rebanho. E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa da glória. (I Pe. 5:1-4)
Se levarmos em conta o facto de que a Igreja inicialmente foi de forma brutal perseguida,
entenderemos o porquê de inicialmente não haver muito espaço para o estabelecimento de um
sistema de liderança fotocopiado do sistema judaico. Não obstante a influência judaica não poder,
de nenhum jeito, ser descartada, a própria perseguição não permitia que os discípulos construíssem
lugares fixos para congregação da igreja, seria uma oportunidade para serem todos apanhados e
mortos.
Deste modo, os discípulos viviam como forasteiros, peregrinos que corriam de um lugar para o
outro, sempre que a necessidade surgisse, seja pela visão missionária ou pela perseguição. Isto não
permitia fixar liderança eclesiástica do modo actualmente em vigor na maioria das Igrejas, bastou
erguerem-se templos, principalmente depois do Imperador Constantino tornar lícito o cristianismo

127
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

em 313 AD.26 para que se consolidasse o modelo de liderança eclesiástica centralizada de Inácio e
se adaptassem outros elementos organizacionais provenientes dos costumes da sinagoga e do
Templo.
Nesta senda, com o desenvolvimento da promiscuidade Estado/Igreja, em Junho de 452 DC. o
bispo Leo em representação do imperador de Roma lidera uma comissão de emissários para
negociar um acordo de paz com orei Átila, o Huno, o encontro ocorre no Rio Po. O rei bárbaro
por várias razões concedeu o pedido, e decidiu poupar a capital de Roma, este acto revolucionou o
papel do Bispo de Roma e abriu caminho para a posterior instituição do papado, ou seja, a
doutrina da supremacia do papa na Igreja Católica Romana.
Entretanto, a politização da Igreja e o seu afastamento da simplicidade do evangelho já em 451
DC. no dia 30 de Outubro, no Concílio de Calcedónia havia logrado em dar os mesmos poderes
do Bispo Leo, ao Bispo de Constantinopla, fazendo de Constantinopla no Leste o que Roma era
no Ocidente, e o cristianismo assim foi dividido em dois ramos na altura: a Igreja Católica Romana
e a Igreja Ortodoxa do Leste. Esta ruptura é somente a segunda, a terceira é o surgimento do
protestantismo, depois de Lutero afixar as suas 95 teses na porta da capela de Wittemberg -
Alemanha, em 1517.

Estrutura Organizacional de Pirâmide


Como vimos, com o estabelecimento do modelo de Inácio de Antioquia a administração das
Igrejas passou a ser cada vez mais centralizada, este estilo de liderança é como se uma pirâmide,
onde o topo da pirâmide representa o bispo, depois vêm os presbíteros e na base estão os crentes.

Bispo

Presbíteros

Crentes

Ilustração 1: Estrutura Hierárquica de Inácio de Antioquia

26. Ver When Did Christianity Begin to Spread? 2011.

128
O Dízimo No Novo Testamento

Este modelo clássico de liderança é particularmente característico de instituições militares, em


que as ordens são baixadas de forma vertical, sendo que o comandante do exército se encontra no
topo. O modelo foi amplamente difundido no período da Revolução Industrial (1733-1913) e
depois da Segunda Guerra Mundial (1949), a necessidade de maximizar os lucros e de garantir um
maior controlo da produção, naturalmente facilitaram a replicação do modelo. Não é de admirar
que muitas instituições religiosas estão mais viradas a fazer dinheiro do que em propagar ou
testemunhar o Reino de Deus.
Entretanto, podemos notar que esta estrutura organizacional é uma sombra da mesma estrutura
da primeira civilização humana, isto é, da Suméria. Os mesopotâmios estruturavam-se do seguinte
modo:

Na maioria das denominações o modelo é semelhante, tendo um líder religioso à posição do


topo da pirâmide em
cada igreja local, e este
Rei sob autoridade de outro
Sacerdotes, Chefes do
a nível regional. Não
Exército, Ricos posso julgar o carácter
de todos os pastores que
Pessoas livres, artesãos, fazem parte de uma
comerciantes, etc.
igreja que assume a
estrutura piramidal, o
Escravos
que queremos aqui
Ilustração 2: Estrutura Social Mesopotámica enfatizar é uma espécie
de “erro de fabrico” que
proporciona a Serpente vantagens para disseminar seu veneno nas igrejas. É verdade que existem
muitos outros defeitos e erros usados pelo inimigo, mas nós estamos aqui a ver o caso estrutural.
Tocamos neste ponto porque consideramos que Deus não quis que Israel tivesse essa estrutura,
e duvidamos veementemente que Cristo quer essa estrutura em Sua Igreja. Na verdade, essa
estrutura mais parece ser fruto da rebelião humana. Para vermos isso podemos ler o seguinte:
E sucedeu que, tendo Samuel envelhecido, constituiu a seus filhos por juízes sobre Israel. E o nome do
seu filho primogénito era Joel, e o nome do seu segundo, Abia; e foram juízes em Berseba. Porém seus
filhos não andaram pelos caminhos dele, antes se inclinaram à avareza, e aceitaram suborno, e
perverteram o direito. Então todos os anciãos de Israel se congregaram, e vieram a Samuel, a Ramá, e
disseram-lhe: Eis que já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois,
agora um rei sobre nós, para que ele nos julgue, como o têm todas as nações. Porém esta palavra
pareceu mal aos olhos de Samuel, quando disseram: Dá-nos um rei, para que nos julgue. E Samuel orou
ao SENHOR. E disse o SENHOR a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não
te têm rejeitado a ti, antes a mim me têm rejeitado, para eu não reinar sobre eles. (I Sm. 8:7)

129
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Esta passagem mostra o povo de Israel pedindo que se lhes desse um rei como nas outras
nações (Génesis 11). Eles queriam ser iguais as nações a sua volta, entretanto Deus os havia
separado de todas as nações (Êx. 19:5-6). Israel não era para ser como as outras nações, tal como o
cristão não deve ser como o mundano, do mesmo jeito a Igreja não é para ser administrada do
jeito da Babilónia. A organização da casa de Deus não é para ser segundo o modelo da Suméria.
Por isso, como castigo, Deus lhes deixa concretizar o desejo do coração deles. Vejamos o que viria
a partir daí:
…E falou Samuel todas as palavras do SENHOR ao povo, que lhe pedia um rei. E disse: Este será o
costume do rei que houver de reinar sobre vós; ele tomará os vossos filhos, e os empregará nos seus
carros, e como seus cavaleiros, para que corram adiante dos seus carros. E os porá por chefes de mil, e
de cinquenta; e para que lavrem a sua lavoura, e façam a sua sega, e fabriquem as suas armas de guerra e
os petrechos de seus carros. E tomará as vossas filhas para perfumistas, cozinheiras e padeiras. E
tomará o melhor das vossas terras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais, e os dará aos seus servos. E
as vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais, e aos seus servos. Também os
vossos servos, e as vossas servas, e os vossos melhores moços, e os vossos jumentos tomará, e os
empregará no seu trabalho. Dizimará o vosso rebanho, e vós lhe servireis de servos. Então naquele dia
clamareis por causa do vosso rei, que vós houverdes escolhido; mas o SENHOR não vos ouvirá
naquele dia. (I Sm. 8:10-18)
Em primeiro lugar, o Profeta Samuel explica que da constituição de um rei viria a
hierarquização da nação, onde todos seriam empregados do rei, tanto homens como mulheres, e
que depois o mesmo rei se apropriaria da melhor parte das terras do povo para distribuir aos seus
servos mais próximos. Mas o rei não ficaria por ai, iria mais longe, obrigaria que a nação toda
pagasse o dízimo ou taxa para com isso ele sustentar os seus oficiais e seus servos. Em outras
palavras o rei mexeria profundamente com suas vidas financeiras, se apoderando das riquezas e
dos lucros do povo e Deus não lhes ajudaria depois. Infelizmente é isso que acontece no seio das
igrejas que operam com a estrutura da pirâmide. Não é o caso de que Deus não esteja no meio
delas, mas tal como Israel, Deus as deixou seguir a vontade deles no modo de administração.
Desta feita, o dízimo surge como uma necessidade própria do modelo da Suméria, a marca do
Egipto, a pirâmide. De lembrar que a burocracia desenvolve da Suméria, não é surpresa que o
legalismo como cancro tem invadido as igrejas, é o espírito da Babilónia, é Jezabel agindo em
surdina, como uma serpente na escuridão da noite.
A igreja administrada no modelo de pirâmide é voltada a satisfazer a visão do bispo, do pastor
principal. Entretanto a Igreja de Cristo é voltada a cumprir com a vontade de Deus (Mt. 6:10).
Uma coisa é a vontade do bispo ou pastor principal, outra coisa é a vontade de Cristo. Na pirâmide
quase não há contacto entre a base e o topo, de tal forma que os crentes não têm intimidade com
o pastor principal. Daí conhecermos muitos casos em que o pastor não conhece o nome dos
membros da sua igreja, onde os membros reclamam que o pastor só dá atenção a família x que é
abastada, ou ao fulano e sicrano que por algum talento, ou por serem prestativos em alguma coisa
particular sobressaem no seio da igreja.

130
O Dízimo No Novo Testamento

Estas constatações geram competição (muitos querem ser notados), insatisfação (muitos se
sentem ignorados), irresponsabilidade (muitos acham que só o pastor ou diáconos podem
ministrar à igreja), imaturidade (muitos acabam por não exercitar os dons que Deus lhes deu),
idolatria (os do topo da pirâmide viram estrelas e a igreja um clube de fãs). Esta estrutura torna a
igreja burocrática e dependente da carne, formalismo aumenta no lugar da simplicidade do amor e
liberdade do Espírito Santo.
Não há união onde há insatisfação, competição, imaturidade e irresponsabilidade. Não há amor
verdadeiro onde há idolatria, há muita hipocrisia e desonestidade. Confia-se no talento humano, na
organização da carne e não no agir do Espírito, promove-se o reino de Babilónia e não o reino de
Deus. Talvez seja isso a principal razão pela qual não temos avivamento, se olharmos para as
igrejas subterrâneas da China e do Irão veremos que uma das coisas que elas têm em comum é a
rejeição do sistema administrativo piramidal no seio da igreja.
A visão de Cristo muito se afasta do modelo da pirâmide, primeiro é o facto de que Cristo se
fez íntimo com os seus discípulos, comia com eles, deixava que estes dormissem no peito dele.
Várias vezes vemos Cristo sendo interrogado pelos discípulos livremente, sem medo de receberem
respostas agressivas. E Cristo ao contrário de se fazer chefe dos discípulos lavou os seus pés, e
ensinou-lhes que se todos deviam tratar como irmãos, e todo aquele que buscasse ser o maior
dentre os irmãos que fosse o maior a servir a todos. (Ler Lucas 22:29-26).
Uma vez fiquei na casa de minha tia que, na altura estava no Brasil em tratamento, e ela insistiu
para que fosse com ela à igreja que frequentava, na verdade uma dessas de um “apóstolo” da TV,
acabei por aceitar no intuito de não somente corresponder ao pedido da tia, mas também em ver in
loco as coisas publicitadas e analisar a doutrina. Chegando lá, deparei-me no meio da maior igreja
onde eu, até então, nunca havia estado, e também das clássicas heresias montadas para extorquir
dinheiro. Entretanto, em invés de falar dos ensinos com a tia, limitei-me a perguntar “tia, faz quase
duas semanas que estou aqui, nunca vi nenhuma irmã da igreja visitar-te, é como isso?”. Ela
respondeu dizendo “oh meu filho, nós só nos encontramos ali, cada um com o seu problema, nos
cumprimentamos ali mesmo, de resto não há contacto nenhum”. Considerando que ela estava no
Brasil a bem mais de 2 anos, eu disse-lhe que estava definitivamente na igreja errada.
As palavras de Cristo quando ensina o “carregar a cruz”, ou “de graça recebestes, de graça daí”,
ou mais objectivamente quando diz “…mas não sereis vós assim; antes o maior entre vós seja
como o menor; e quem governa como quem serve…” ensina a inversão da pirâmide. O maior é
Deus e Ele dá o exemplo:
O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo SENHOR do céu e da terra, não habita em
templos feitos por mãos de homens; nem tampouco é servido por mãos de homens, como que
necessitando de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas.
(At. 17:24,25)
Deus é o SENHOR sobre todos e Ele é o Servo de todos. Para mostrar essa realidade Jesus
Cristo lavou os pés dos discípulos:

131
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Depois que lhes lavou os pés, e tomou as suas vestes, e se assentou outra vez à mesa, disse-lhes:
Entendeis o que vos tenho feito? Vós me chamais Mestre e SENHOR, e dizeis bem, porque eu o sou.
Ora, se eu, SENHOR e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros.
Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também. (Jo. 13:12-15)
Hoje em dia, por vezes vemos campanhas de “lavar os pés” dos irmãos nas nossas igrejas, e
pensamos que estamos a cumprir o que Jesus Cristo ensinou, quando, na verdade, podemos estar
equivocados. Por vezes trata-se apenas de um exercício legalista, ou pior, um show de hipocrisia,
querendo-nos passar por humildes publicamente.
No tempo de Cristo não existiam sapatos como os de hoje, e na maioria dos casos calçavam
sandálias (João 1:27), e caminhar num território primitivo, sem asfalto, naturalmente que criava
uma mistura de calor e pó, gerando assim um mau cheiro. Para os judeus que possuíam servos ou
escravos, estes tinham a responsabilidade de lavar os pés dos visitantes. Jesus Cristo posicionou-se
como um escravo de Deus para limpar os homens, para servir os discípulos. É essa a mentalidade
do reino de Deus. A pirâmide na óptica de Deus deve ser invertida. Em outras palavras o modelo
do Egipto assume uma posição de anticristo. A doutrina do dízimo de hoje nasce da mentalidade
da pirâmide, como explicamos a seguir.
A institucionalização do cristianismo apadrinhado por Constantino abriu várias portas para a
igreja, algumas destas suficientemente abertas para a entrada de coisas estranhas no seio da mesma.
O desejo do imperador em unificar o império fez com que olhasse para o cristianismo como um
instrumento para atingir tal objectivo, de maneira que, Constantino começou a apropriar-se das
infraestruturas e funções da antiga religião estatal pagã, passando estas para a Igreja. Os bispos
começaram a ser eleitos pelas comunidades locais, em cerimónias de investiduras, facilitando assim
a eleição de bispos com pouca ou nenhuma bagagem espiritual, moral e intelectual para ocupar as
posições de autoridade27. Dando assim um golpe à visão original da Igreja, como descrita por
Shelley:
No primeiro e no segundo séculos, os cristãos buscavam pela prova do poder do Espírito, não no cargo,
mas sim na vida do crente. Eles identificavam o Paracleto em termos de energia moral. (Opcit, 2008:72)
É a partir deste pano de fundo que a enciclopédia católica 28 afirma o que subsequentemente
acabou por surgir:
No princípio a provisão era dada por apoio espontâneo dos fiéis. Entretanto, no decorrer do tempo, na
medida em que a Igreja expandia e várias instituições surgiram, se tornou necessário criar leis que
garantissem o apoio necessário e permanente ao clero. O pagamento de dízimos foi adotado a partir da
Velha Lei, e os antigos escritores falam dele como uma ordenação divina e uma obrigação da
consciência. A mais antiga legislação sobre o assunto parece estar contida nas cartas dos bispos
reunidos em Tours em 567 e no Canon do Concílio de Mâcon de 585.

27. Nelson, 2018.


28. Catholic encyclopedia.

132
O Dízimo No Novo Testamento

Deve ficar evidente que parte da razão principal que obrigou os bispos a desenvolver a prática
do dízimo foi a expansão da Igreja e de suas instituições. Porque já haviam estabelecido um clero,
ao contrário dos primeiros séculos da igreja, onde os presbíteros e os discípulos eram mormente
uma unidade não estratificada formalmente. Hoje, os maiores defensores da doutrina dos dízimos
continuam a ser os que beneficiam diretamente (clero), e claro, os que nunca estudaram o assunto
com alguma profundidade (crentes); o estrato mais alto (pastores e bispos) e o mais baixo
(membros sem conhecimento bíblico).
Como citado, foi a partir do século VI depois de Cristo que surgem os primeiros passos do
desenvolvimento do sistema dizimista na Igreja. Antes deste período não existe nenhum material
documentado que apoie a ideia de que os cristãos, desde os apóstolos até 585 A.D tivessem uma
obrigatoriedade em dar dízimo aos seus presbíteros. Querendo com isso dizer que o dízimo só se
tornou uma doutrina “cristã” depois da Igreja Católica baixar tal mandamento.
Outrossim, os sermões do Bispo Cesário de Arles (502-42) exortando a prática do dízimo,
aparentemente, tiveram maior circulação e leitura na Idade Média e terão tido maior impacto do
que os dois concílios mencionados. Cesário terá jogado o papel de disseminador das principais
ideias actualmente ubíquas, associadas ao dízimo, como por exemplo, que o crente deve o dízimo
de todas as suas receitas, ou que dizimar fielmente garante a graça de Deus e trás consigo
benefícios materiais, e ainda que não dar o dízimo equivale a roubar ao clero e aos pobres. O que
era inicialmente voluntário gradualmente foi se transformando em obrigatório. Entre o final do
século oito e início do século nove, Carlos Magno (768-814) produz Capitulare de Villis, um
documento que lista uma série de regras e regulamentos sobre a administração geral do estado, e
curiosamente, ordena que todos os dízimos estatais sejam pagos a igreja, transformando os
mesmos dízimos, efetivamente, em dízimo religioso 29. O dízimo surge então como forma de
domínio social e político.
Vale enfatizar que mesmo neste período os dízimos eram inicialmente produtos agrícolas. Para
uma abordagem histórica do dízimo em Portugal e na Inglaterra consultar as dissertações de
Daniel Ribeiro Alves30 e Eric J. Evans31.
Se de um lado a Igreja Católica Romana (Ocidental) foi o braço que introduziu o dízimo no
seio cristão, doutro lado a Igreja Ortodoxa (Oriental) nunca chegou a abraçar essa tradição. Na
verdade, o esforço da Igreja Católica Romana em impor o dízimo através de sua teocracia na idade
média não foi um processo harmonioso, bem o contrário, produziu revoltas por parte da
população da Europa, bem como gerou toda a sorte de situações abusivas tanto do clero como da
nobreza e seus parceiros, situações que não glorificaram a Deus. Infelizmente depois da Reforma a
prática não foi abolida, mas foi mantida até em países protestantes, visto que o sistema já estava

29. John Eldevik,2012:39,46.


30. Alves, 2001.
31. Evans, 1970.

133
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

muito enraizado e era uma fonte de lucro fácil de manter, e consequentemente difícil de
abandonar. Vejamos algumas citações que mostram algumas figuras de realce histórico que não
abraçavam a doutrina do dízimo:
Mas os mandamentos de Moisés que não são implantados no homem por natureza, os gentios não
guardam. Nem mesmo são concernentes aos gentios, como, por exemplo, o dízimo... (Martinho Lutero,
1525)32
Dê tudo que podes dar; ou em outras palavras, dê tudo a Deus. Não te limites como se um judeu nesta
ou naquela proporção, mas sim como cristão. Dê a Deus não a décima parte, não a terça parte, não a
metade, mas tudo que pertence a Deus (seja isso mais ou menos), pela devoção completa do teu ser, tua
casa, a casa da fé e da humanidade, de tal maneira que possas vir a dar um bom testemunho da tua
mordomia quando não poderes mais ser mordomo… (John Wesley, 1744)33
Porém, vocês não estão debaixo de um sistema semelhante aquele a que os judeus eram obrigados a dar
dízimos aos sacerdotes. Se houve tal mandamento no evangelho, teria destruído a beleza da oferta
espontânea e eliminaria o desabrochar do fruto da vossa liberdade. Não existe lei que me diga o que eu
devo dar ao meu pai no seu aniversário. Não há uma lei escrita em algum livro para decidir qual
presente um marido deve dar a sua esposa, nem mesmo que gesto de afeição nós devamos fazer para
com as pessoas que amamos. Não, a oferta deve ser livre, caso contrário perde toda sua doçura. (Charles
Spurgeon, 1880)34
Eu escrevo este livro a partir do contexto essencialmente pentecostal de onde cresci, a maioria
das igrejas pentecostais em Angola pratica e defende o ensino do dízimo, existem muitas outras
igrejas protestantes ou evangélicas que também defendem a doutrina do dízimo. Entretanto, dizer
que os cristãos piedosos desde sempre davam o dízimo não é historicamente certo, mas sim um
erro e uma desonestidade no caso daqueles que conhecem um pouco da história da Igreja. Hoje,
cada vez mais, certas igrejas vão deixando para trás esse ensino, a medida que decidem interpretar
as Escrituras à luz do NT.
Para alguns poderá parecer uma novidade, pensarão que estas ideias aqui abordadas são minhas
e, portanto, originais, mas, na verdade, eu só decidi apresentar o que tenho aprendido com pessoas
muito mais conhecedoras das Escrituras do que eu. No mundo Ocidental, sobretudo nos Estados
Unidos é fácil encontrar livros que abordam a temática do dízimo, mostrando tanto os argumentos
dos seus defensores, como os argumentos dos seus opositores. Minha compreensão actual das
Escrituras leva-me a concordar, no que tange ao dízimo, com os seguintes teólogos modernos:
 Russel Shedd (Pastor-Brasil)
O que damos deve ser com alegria, e não por obrigação legalista. 35

32. Ver o sermão How Christians Should Regard Moses.


33. Ver o sermão The Use of Money.
34. Ver sermão Christ’s Poverty, Our Riches.
35. Russel Shedd citado em Domingos, 2017.

134
O Dízimo No Novo Testamento

 R.N Champlim (Comentarista-Brasil)


É evidente que Jesus reconhecia a natureza obrigatória dos dízimos, no caso da nação de Israel, mas
está longe de ser claro que isso envolvia até mesmo a igreja cristã.. 36
 Werner Fuchs (Pastor Luterano-Brasil)
O Novo Testamento não só deixa de dar fundamento ao dízimo como o refuta. O dízimo pertence a
Velha Aliança assim como a circuncisão; se o apóstolo Paulo, que reconhecia o Antigo Testamento
melhor que nós não o inserimos em seus ensinamentos, é porque o considerou supérfluo. É
irresponsabilidade e incoerência pastoral colocar o dízimo como obrigação para aqueles que foram
libertos por Jesus.37
 Zac Poonen (Ancião da Igreja Não-Denominacional CFC-Índia)
Quando Jesus veio ao mundo, Ele não veio para dar dízimos e ofertas materiais ao Seu Pai (Hebreus
10:5). Ele veio para entregar Seu corpo em sacrifício. E Ele é o Mediador da Nova Aliança e nos
ensinou que o que Deus quer é, primeiramente, o nosso corpo. (2015)
 Steve Gregg (Professor de Teologia-EUA)
Desde que Deus aboliu o Templo e o Sacerdócio levítico, não restam razões plausíveis para que o
dízimo continue definindo a medida da oferta de um cristão. A igreja em termos gerais não comissiona
um só obreiro a tempo integral para cada dez famílias (embora essa média não seria excessiva), assim
sendo não há nenhuma razão bíblica ou lógica para que a mesma percentagem da renda dos cristãos
seja entregue as reservas da igreja como era necessário que os israelitas fizessem em relação ao clero do
templo. Esta é, sem dúvida alguma, a razão pela qual, nunca, nem Jesus ou os apóstolos sugeriram tal
responsabilidade aos discípulos. O dízimo era para o apoio do sistema de rituais de Israel. Estes
aspectos cerimoniais da Lei foram ultrapassados com a vinda de uma melhor Aliança. (2018)
Na verdade, se fosse para listar outros nomes poderíamos ainda incluir o apologêta William
Lane Graig, renomado teólogo pentecostal como Graig Keener. Do campo Reformado teríamos
John Piper, John MacArthur, dentre outros, só para citar alguns nomes que concordam que o
dízimo não é um mandamento no Novo Testamento e que não é aplicável ao cristão. É algo
ultrapassado.
Citamos estes nomes não porque sejam pessoas infalíveis, o infalível é Deus e nem tão pouco
porque concordamos com tudo que os mesmos ensinam, mas essencialmente para proporcionar
ao leitor um senso mais abrangente sobre o tema em abordagem, dando a possibilidade de cada
um investigar individualmente para tirar suas próprias opiniões. Entretanto, mesmo que 99% dos
cristãos mais renomados defendessem o dízimo isso não faria da posição deles a verdadeira, Deus
não é movido pelo número de pessoas, nem faz acepção de pessoas, prova disso é vermos como
alguns famosos pregadores e teólogos erram em doutrinas tão básicas como o dízimo. Que
tenhamos um coração humilde e um espírito ensinável.
36. R. N. Champlim citado em Domingos, 2017.
37. Werner Fuchs citado em Domingos, 2017.

135
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Para escrever este livro se passaram mais de 5 (cinco) anos de ponderações sobre o assunto, e
depois de discussões, leituras, comparações de passagens a passagens bíblicas chegamos a
conclusão de que os defensores do dízimo (1) estão equivocados ou (2) fazem-se passar por
ignorantes da verdade para lucrar em nome de Deus. Acreditamos que a nosso favor, temos as
Escrituras de Génesis a Apocalipse, a lógica, bem como o testemunho da história da Igreja, onde
de modo geral a doutrina do dízimo não era mencionada até o sexto século (567 AD) depois de
Cristo.
Ao olharmos para a Igreja primitiva, temos do nosso lado os milhares de mártires que
morreram defendendo a fé, homens piedosos, totalmente devotos a Cristo até a morte e que não
eram dizimistas. Quem são os cristãos do século 21 para julgar a fé daqueles pelo qual o evangelho
nos alcançou? Quem vai dizer que aqueles cristãos assassinados e entregues as feras por causa de
Cristo não foram salvos porque não acreditavam no ensino do dízimo? Sinceramente, diante destes
factos, espanta-me ouvir pregadores e teólogos defendendo a doutrina do dízimo com os
argumentos que veremos a seguir.

Resumo do Capítulo
O objectivo deste capítulo foi examinar o que o NT ensina relativamente ao dízimo, a fim de
entendermos se existe ou não algum ensino prescritivo do dízimo para a igreja, de modos a
sabermos como lidar com o assunto em nossas vidas.
Foi assim que vimos que quando Jesus expõe a hipocrisia dos fariseus e faz alusão ao dízimo
(Mateus 23:23-24) não se trata de legitimar a doutrina no seio da igreja no NT. Cristo estava
simplesmente a mostrar a infidelidade e hipocrisia daqueles que se achavam perfeitos, mas perante
a Lei que eles mesmo ensinavam encontravam-se em falta. Doutro lado, quando Cristo trata com
os fariseus o VT ainda estava em vigor, pois Ele ainda não tinha passado pela cruz.
Vimos ainda que Jesus Cristo expôs o orgulho daqueles que se vangloriavam por cumprir os
mandamentos da Lei, incluindo o dízimo (Lucas 18:9-14) tendo enfatizado o arrependimento
genuíno e a humilhação diante de Deus como sendo o caminho certo para Deus justificar o
homem. No caso do príncipe que dizia cumprir toda Lei (Lucas 18:18-24), Cristo mostrou que
enquanto o homem não for capaz de largar toda sua riqueza e seguir a Cristo não herdará a vida
eterna. Aqui Cristo destrói qualquer pretensão dizimista, e estabelece 100% como regra, tudo que
somos e temos deve ser de Deus.
Sobre Abraão ter dado o dízimo examinamos o livro de Hebreus e vimos que o escritor de jeito
nenhum ensina que o dízimo deve ser mantido no NT. Seu principal objectivo é mostrar a
superioridade de Cristo em relação ao VT. O próprio escritor de Hebreus elabora detalhadamente
como o VT foi abolido por ser ineficaz para aperfeiçoar e como o NT é uma aliança eterna e de
mui elevada superioridade (Hb 7:11-14).
Já no que tange as práticas da igreja primitiva, vimos que historicamente as primeiras
comunidades cristãs não ensinavam a doutrina do dízimo, não obstante inicialmente terem ainda

136
O Dízimo No Novo Testamento

algumas práticas judaicas. Com a morte de Estêvão e a perseguição dos cristãos, a dispersão levou
os discípulos para bem longe do coração do judaísmo, o Templo de Jerusalém. Esses
desenvolvimentos, mais a conversão e a actividade missionária de Paulo criaram dois grupos
distintos, os cristãos gentios e os judaizantes (os da circuncisão).
Finalmente, mostramos que a mais antiga legislação sobre o dízimo está contida nas cartas dos
bispos reunidos em Tours na França em 567 e na Canon do Concílio de Mâcon de 585. Querendo
dizer que, o dízimo que se cobra hoje, para além de diferente do dízimo bíblico, é uma invenção
que surge mais de cinco séculos depois de Cristo, para apoiar o clero religioso.

137
Parte V
΅
Argumentos dos
Dizimistas
5

Argumentos Dos Dizimistas

O objectivo deste capítulo é responder a alguns argumentos apresentados por pessoas


defensoras da doutrina do dízimo. Os argumentos para aqui trazidos, foram obtidos de
sermões, discussões e entrevistas feitas no seio da sociedade angolana na busca dos principais
argumentos a favor do dízimo. Alguns dos principais foram rebuscados de páginas oficiais de
pastores conceituados no seio evangélico.
Nosso objectivo é pura e simplesmente examiná-los, visto que, milhares de cristãos são
influenciados pelos seus autores. Infelizmente, os crentes por vezes abraçam ideias sem, no
entanto, analisar com cuidado e a luz das Escrituras as doutrinas que lhes são expostas. Vivemos
num século onde virtualmente (internet) qualquer conhecimento está um click ao nosso alcance,
mas entre investigar sobre uma doutrina taboo e manter-se ignorante sobre a mesma (por vezes de
propósito), a vasta maioria dos crentes prefere a última opção. Na verdade, manter-se ignorante
garante maior aceitação no seio religioso; ninguém te chamará de “demónio”!
Dos 16 argumentos que abordaremos, importa neste ponto introduzir aquela que poderá ser a
refutação mais simples e objectiva para todos eles. Devido a abordagem específica de cada um,
torna-se importante pautarmos alguns factos que são transversais a todos, assim, vejamos a
seguinte verdade:
E assim todo o sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos
sacrifícios, que nunca podem tirar os pecados. Mas este, havendo oferecido para sempre um único
sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de Deus, daqui em diante esperando até que os seus
inimigos sejam postos por escabelo de seus pés. Porque com uma só oblação aperfeiçoou para sempre
os que são santificados. (Hb. 10:11-14)
Cristo ofereceu-se uma única vez pelos nossos pecados, o contrário do sistema sacerdotal do
VT em que periodicamente era necessário oferecer vários tipos de sacrifícios e oblações, através
deste único sacrifício tornamo-nos perfeitos e santos diante de Deus. Estas palavras não podem
ser minimizadas, devemos parar e meditar nelas com muita seriedade e calma.
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

A maior implicação destas verdades consiste em aceitarmos que cada verdadeiro discípulo de
Cristo diante de Deus é de certa forma perfeito e santo. Ora, o autor não disse que para além do
sacrifício de Cristo seria necessário a entrega de dízimo, a guarda do Sábado, a circuncisão, etc.,
mas que para Deus os que creem em Jesus Cristo completam a Sua vontade. Não necessitam de
mais nada diante de Deus para serem declarados perfeitos e santos ou simplesmente filhos de
dEle.
Todos os argumentos a favor do dízimo são, por princípio, contrários a Hebreus 10:11-14. Não
importa o que o defensor do dízimo alegar, para alguém dizer que “…por esta razão é necessário
dar o dízimo”, tem que refutar que “Cristo por uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que
são santificados”. Estas duas posições são mutuamente excludentes e não existe mecanismo
hermenêutico capaz de conciliá-las, sem que seja contraditório, falacioso ou abertamente
mentiroso.
Se a única condição que existe para ser santo é o sacrifício de Cristo, logo qualquer outra coisa
para além desse sacrifício não faz santo a ninguém. Em outras palavras, se alguém é santificado
pelo sacrifício de Cristo, ele não deixa de ser santo por deixar de fazer qualquer coisa. Por
exemplo, se tudo que um estudante de engenharia precisa para ser licenciado é defender a
dissertação final, ele não precisa passar por mais um exame de História de Angola. Na verdade,
depois de ele ser licenciado ele pode até fazer um exame de História de Angola (por um motivo
qualquer), e acabar por atingir uma nota inferior a 10%, ele continuará a ser um Licenciado em
Engenharia.
Eu sou um professor de Inglês, não posso duvidar do Doutoramento de um cardiologista só
porque na prova a que eu o submeti no curso ele teve cinco sobre vinte. Em outras palavras, no
que a sua área de especialização diz respeito ele é PhD. e isso não muda por causa de outras áreas
do saber. De modo semelhante, aquele que é perfeito e santo pelo sacrifício de Jesus Cristo não o
deixa de ser por causa do dízimo, pela guarda do Sábado, pela circuncisão, etc. Somente a apostasia
muda o seu estatuto.
O que os defensores do dízimo se esforçam em fazer em cada argumento é negar a perfeição e
santificação daqueles que pelo único sacrifício de Cristo foram aperfeiçoados e santificados. Os
argumentos dos dizimistas são realmente uma autêntica afronta a Deus. Quem é o homem para
considerar de imperfeito ou profano aquele que Deus aperfeiçoou e santificou com um único
sacrifício? Quem é aquele que em seus argumentos grita “não basta um único sacrifício, tem de
acrescentar o dízimo?”.
Todos os que se esforçam em dar a décima parte de seus salários pensando que faz parte de um
sistema espiritual de sacrifício ou prova de fidelidade para que Deus lhes considere fiéis, santos ou
perfeitos, são como engenheiros que acham que precisam passar periodicamente por um exame de
biologia da décima classe para autenticarem seus diplomas. Com todo o respeito, é no mínimo
ridículo. O que é perfeito é logicamente o que não tem defeito e não necessita de mais acréscimo.

142
Argumentos Dos Dizimistas

Se o cristão que não dá o dízimo deixa de ser perfeito e santo, segue-se que com uma só
oblação Cristo não aperfeiçoou para sempre os que são santificados. Esta conclusão é o
fundamento de cada um dos argumentos a favor do dízimo que existem por aí, e alguns deles
veremos nos próximos parágrafos.

Argumento 1: Quem não dá o dízimo não está salvo


Segundo este argumento as pessoas que não dão o dízimo não estão salvas, são pessoas que não
abraçaram Cristo verdadeiramente. O argumento pode ser apresentado em quatro formas
principais:
1. Dar o dízimo é a prova da salvação;
2. Não dar o dízimo é a prova da condenação;
3. Dar o dízimo é a prova da fé que salva;
4. Não dar o dízimo é a prova de uma fé morta.
Vamos pegar como exemplo a seguinte citação de um renomado pastor do seio evangélico:
A doutrina do dízimo é inaceitável para aqueles que ainda não tiveram uma experiência pessoal com
Jesus Cristo. Isto porque não foram ainda marcados pela consciência da causa de Deus nem pela
prioridade do Seu Reino.
Ao dizer que alguém não tem experiência pessoal com Jesus estamos a afirmar (por
consequência) que a pessoa continua perdida, ou pior do que perdida (Mateus 23:15). Esta mesma
pessoa naturalmente que não pode ser marcada pela consciência de um Deus com quem ela não
tem relacionamento. Nesta condição é óbvio ser impossível priorizar o Reino de Deus. Este
argumento em poucas palavras quer dizer que quem não dá o dízimo não está salvo. Mas as
escrituras decididamente contrariam tal posição. Examinemos o seguinte:
Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós
ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), E nos
ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; Para mostrar
nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para connosco em
Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não
vem das obras, para que ninguém se glorie; Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as
boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas. (Ef. 2:4-10)
Esta passagem nos ensina que pelo amor de Deus nós somos tirados da vida da injustiça
(vivificar) que é a morte (Rm. 7:5/Ef. 2:1), quando pela fé nos unimos ao corpo de Cristo (Ef. 1:
13-14, 2:13-19). Sendo que, ao nos unirmos com Cristo saímos da morte (injustiça/Gl. 5:19-21)
para vida (justiça/Gl. 5:22-23/I Co. 15:45-48), isto é espiritualmente uma ressurreição, ao demais,
se fazemos parte do corpo ressurreto também estamos onde este corpo está, isto é, nos lugares
celestiais em Cristo. Esta realidade gloriosa e espiritual serve como exemplo da bondade imerecida

143
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

de Deus para connosco. Essa honra que nos é dada por Deus por sua bondade e não por nosso
esforço ou méritos centra-se em Jesus Cristo, em quem temos salvação pela fé nEle (Jo. 12:46-
47/At. 4:12/II Tm. 3:15).
Paulo vai mais além e explica que a mesma bondade de Deus não é fruto das obras da Lei, ou
seja, do cumprimento dos 613 mandamentos da Lei (obras/Rm. 3:20, 4:2, 9:32, 11:6/Gl. 2:16, 3:5).
E o trecho termina pontuando que os que fazem parte de Cristo, aqueles que ressuscitaram, são
novas criaturas, regenerados, nascidos de novo em Cristo para boas obras que o próprio Deus
preparou. Estas boas obras não são iguais as obras da Lei, visto que Abraão teve boas obras antes
mesmo da Lei (Tg. 2:21-22), mas é sim relativa as obras que se conformam com a vontade de
Deus, ou simplesmente o amor (I Pe. 2:12). É o cumprimento do maior dos mandamentos:
E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida
eterna? E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês? E, respondendo ele, disse: Amarás ao
SENHOR teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o
teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso, e
viverás. (Lc. 10:25-28)
Agora notemos que o dízimo faz parte dos 613 mandamentos do VT, ou seja, as obras pela
quais ninguém será salvo (Gl. 2:16), mas em momento algum vemos tanto nos ensinos apostólicos
como nos ensinos de Cristo como sendo um requisito para a salvação dos homens, nem tão pouco
como uma prova de salvação. Quem está salvo é aquele que ama a Deus e ao seu próximo. O
dízimo não é a graça pela qual somos salvos (por meio da fé), mas é aquilo que vem de nosso
lucro, portanto longe de ser dom de Deus. Vem das obras, para que todos se gloriem. Se o leitor
está a acompanhar com calma já deverá ter percebido que isto representa o exato contrário de
Efésios 2:4-10.
A salvação é de graça por intermédio da fé em Jesus, e não por mérito, através da entrega de
10% do nosso salário a uma denominação. O próprio Deus decidiu salvar aqueles que se rendem a
Jesus Cristo completamente, à parte de qualquer cumprimento rigoroso dos 613 mandamentos do
VT. Tomemos ainda o seguinte trecho como base:
Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens, ensinando-nos que,
renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa,
e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e
nosso Salvador Jesus Cristo; o qual se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniquidade, e
purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras. (Tt. 2:11-14)
Notemos que a graça de Deus é que trouxe a salvação a todos os homens, não o dízimo, não a
guarda de Sábado ou de qualquer mandamento da Lei. Esta graça não nos ensina a dar o dízimo,
não nos ensina a circuncidar os crentes, mas ensina-nos a renunciar as obras da carne e a viver de
forma pura e piedosa e com a esperança da próxima vinda de Jesus Cristo. O centro de nossa
salvação é Cristo e não as obras da Lei, se fosse o contrário, seria desnecessário a vinda de Jesus
Cristo, visto que bastava cumprirmos com os mandamentos do VT para sermos considerados

144
Argumentos Dos Dizimistas

justos diante de Deus. Ao contrário, nossa salvação não tem a ver com dízimos, mas sim com a fé
em Jesus Cristo:
Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim
também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. (Rm.
5:18)
Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns dentre vós que não há
ressurreição de mortos? E, se não há ressurreição de mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se
Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé. E assim somos também
considerados como falsas testemunhas de Deus, pois testificamos de Deus, que ressuscitou a Cristo, ao
qual, porém, não ressuscitou, se, na verdade, os mortos não ressuscitam. Porque, se os mortos não
ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda
permaneceis nos vossos pecados. (I Co. 15:12-17)
Em outro lugar o Ap. Paulo disse: “Não sabeis que os injustos não hão-de herdar o reino de
Deus?” (I Co. 6:9). Querendo nos mostrar que somente os justos herdarão o reino de Deus. Ora,
se os não dizimistas não foram ainda marcados pela consciência da causa de Deus nem pela
prioridade do Seu Reino logo o não dizimista é injusto. Desta feita, dar ou não dar o dízimo separa
o justo do injusto, logo a justificação diante de Deus é (dentre outras coisas) pelo dízimo, visto que
o dizimista não é injusto como o é o não dizimista. Mas será que isso tem apoio de Cristo e dos
apóstolos? Temos visto que não! Vejamos mais alguns trechos do que a Bíblia nos diz sobre a
justificação:
Apóstolo Pedro:
Mas aquele a quem Deus ressuscitou nenhuma corrupção viu. Seja-vos, pois, notório, homens irmãos,
que por este se vos anuncia a remissão dos pecados. E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes
ser justificados, por ele é justificado todo aquele que crê. Vede, pois, que não venha sobre vós o que está
dito nos profetas: Vede, ó desprezadores, e espantai-vos e desaparecei; porque opero uma obra em
vossos dias, ora tal que não crereis, se alguém vo-la contar. (At. 13:37-41)

Apóstolo Paulo:
Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito
todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las. E é
evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé. (Gl. 3:10,11)
Alguns dos defensores da doutrina do dízimo poderão responder que a fé sem obras é morta
(Tiago 2:17), de novo, que obras são essas que a fé opera, será que são os 613 mandamentos da
Lei? As Escrituras insistem em responder que não:
Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído. Porque nós pelo
Espírito da fé aguardamos a esperança da justiça. Porque em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a
incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor. (Gl. 5:4-6)

145
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

A obra produzida pela fé não é o dar os dízimos, mas sim tudo que nasce do verdadeiro amor
que por sua vez é derramado no coração dos filhos de Deus pelo Espírito Santo (Romanos 5:5).
Vale também notar que a obra de amor aqui em questão é fruto da verdadeira fé e não o contrário
existem muitos pelo mundo que fazem boas coisas, mas por puro humanismo, estas não são as
obras da fé que exprimem a justificação (Gl. 5:6). As palavras de Paulo mostram-nos como o amor
é a única medida da justiça:
A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama
aos outros cumpriu a lei. Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso
testemunho, não cobiçarás; e se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao
teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo. De sorte que o cumprimento da lei é o
amor. (Rm. 13:8-10)
Quando estamos diante do amor, percentagens desaparecem, visto que a contribuição, a oferta,
o dízimo ou qualquer obra de apoio a terceiros é nascido do Espírito Santo dentro de nós. Assim
como um pai não mede a percentagem do seu amor aos seus filhos, do mesmo jeito o cristão não
deve ter sua generosidade restringida a 10%. Na verdade, Cristo não ensinou isso, a mentalidade
do Reino de Deus é totalmente contrária à mentalidade do dízimo, Cristo não deu dízimo e nem
cobrou, quem somos nós para dar e cobrar? Somos mais obedientes que Cristo? Somos mais
sacerdotes que o sumo-sacerdote Jesus Cristo? Somos justificados diante de Deus não pelo dízimo,
mas pela fé em Jesus Cristo, a fé que opera em amor não nos leva a injustiça, porque o amor é o
cumprimento da Lei (Romanos 13:10). Considerar que o não dizimista é um infiel é um erro de
não pequena proporção, é falhar na compreensão de como o homem é justificado diante de Deus,
este é um tema bastante central na fé cristã, por essa razão o Ap. Paulo não guardou palavras em
suas cartas ensinando repetidas vezes a mesma doutrina:
Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também
crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto
pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. Pois, se nós, que procuramos ser justificados em
Cristo, nós mesmos também somos achados pecadores, é porventura Cristo ministro do pecado? De
maneira nenhuma. Porque, se torno a edificar aquilo que destruí, constituo-me a mim mesmo
transgressor. Porque eu, pela lei, estou morto para a lei, para viver para Deus. Já estou crucificado com
Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé do
Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim. Não aniquilo a graça de Deus;
porque, se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde. (Gl. 2:16-21)
Quando Paulo diz que “se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde”, ele
quer deixar claro: se o cumprimento dos mandamentos da Lei torna o homem justo diante de
Deus, então Jesus Cristo morreu em vão. Em outras palavras, se alguém acredita ou ensina que dar
dízimo, guardar o Sábado, circuncidar-se, etc., nos torna justos diante de Deus, então a crucificação
e morte de Jesus Cristo de nada valeu. Infelizmente é isso que os defensores do dízimo ensinam
usando uma linguagem mais sofisticada. Se o dizimista é “fiel” por dar o dízimo, logo, a fidelidade

146
Argumentos Dos Dizimistas

é pelo dízimo. Mas em nenhuma passagem bíblica encontramos Deus medindo a fidelidade dos
seus filhos através do dízimo; somos fiéis pela fé!
Talvez até aqui o leitor pense que a justificação pela fé não seja ensinada pelo próprio Cristo, e
que seja uma doutrina confinada aos apóstolos, mas, na verdade, Cristo de várias formas ensina a
mesma doutrina, olhemos para os seguintes casos:
E ele disse-lhes: A vós vos é dado saber os mistérios do reino de Deus, mas aos que estão de fora todas
estas coisas se dizem por parábolas, Para que, vendo, vejam, e não percebam; e, ouvindo, ouçam, e não
entendam; para que não se convertam, e lhes sejam perdoados os pecados. (Mc. 4:11-12)
Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira
de Deus sobre ele permanece. (Jo. 3:36)
Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus, e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se
sujeitaram à justiça de Deus. Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê. (Rm. 10:3-
4)
E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste. (Jo. 17:3)
A fé que opera em amor é a fé em Cristo que justifica, e não o dízimo que opera em temor do
devorador, ou manipulação através da acusação de se ser “ladrão”. Não há maior engano debaixo
do sol do que o famoso cliché “dizimista fiel”, é um engano do Diabo juntar a doutrina do dízimo
ao conceito de fidelidade cristã, fiel é o justo, e a justiça de Deus é pela fé em Jesus Cristo. João
não diz aquele que dizimar na igreja, mas “qualquer que confessar”, ninguém em seu estado
psicológico normal diria que para sua esposa, parentes, filhos e amigos chegados o seu amor só
precisa atingir 10%, como podemos nós estabelecer essa percentagem para medir a nossa
fidelidade para com Cristo? Será que nos esquecemos de que Cristo espera de nós um amor
superior a tudo e a todos (Mt. 10:37)? É o amor que regula a vida de todo discípulo de Cristo:
Ninguém jamais viu a Deus; se nos amamos uns aos outros, Deus está em nós, e em nós é perfeito o
seu amor. Nisto conhecemos que estamos nele, e ele em nós, pois que nos deu do seu Espírito. E
vimos, e testificamos que o Pai enviou seu Filho para Salvador do mundo. Qualquer que confessar que
Jesus é o Filho de Deus, Deus está nele, e ele em Deus. E nós conhecemos, e cremos no amor que
Deus nos tem. Deus é amor; e quem está em amor está em Deus, e Deus nele. Nisto é perfeito o amor
para connosco, para que no dia do juízo tenhamos confiança; porque, qual ele é, somos nós também
neste mundo. No amor não há temor, antes o perfeito amor lança fora o temor; porque o temor tem
consigo a pena, e o que teme não é perfeito em amor. (1 Jo. 4:12-18)
Para terminar este ponto, vamos ver uma situação que nos pode ajudar a julgar este argumento
dos dizimistas de modo mais abrangente:
E no dia seguinte, indo eles seu caminho, e estando já perto da cidade, subiu Pedro ao terraço para orar,
quase à hora sexta. E tendo fome, quis comer; e, enquanto lho preparavam, sobreveio-lhe um
arrebatamento de sentidos, e viu o céu aberto, e que descia um vaso, como se fosse um grande lençol
atado pelas quatro pontas, e vindo para a terra. No qual havia de todos os animais quadrúpedes e répteis
da terra, e aves do céu. E foi-lhe dirigida uma voz: Levanta-te, Pedro, mata e come. Mas Pedro disse: De

147
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

modo nenhum, SENHOR, porque nunca comi coisa alguma comum e imunda. E segunda vez lhe disse
a voz: Não faças tu comum ao que Deus purificou. E aconteceu isto por três vezes; e o vaso tornou a
recolher-se ao céu. (At. 10:9-16)
Ora, muito poderíamos falar sobre o texto acima, mas no que diz respeito ao argumento em
análise só necessitamos da frase “Não faças tu comum ao que Deus purificou”. Nós somos
justificados pela fé em Jesus Cristo, isso quer dizer que quando submetemos nossa vida a Jesus,
Deus considera-nos justos, essa fé como Paulo explica não é segundo a Lei (circuncisão, dízimos,
holocaustos, etc.), porque pela Lei ninguém será justificado (Rm. 3:20). Assim sendo, todo aquele
que crê em Jesus é justo, foi purificado por Deus (I Co. 6:11). Ora, que denominação ou pastor
têm o poder de fazer comum àquilo que Deus purificou? Quem são os homens para fazer injusto
aquele a quem Deus justificou?
Quando abraçamos o ensino do dízimo posicionamo-nos na contra-mão de Deus, queremos
chamar de impuros ou comuns aqueles a quem Deus purificou e santificou para si. Sim, visto que
ensinamos estar em pecado aquele que não dá o dízimo, e quem está em pecado está ainda impuro
e não pode de jeito nenhum ser considerado de justo diante de Deus. Mas o critério de Deus para
considerar alguém de puro, justo ou santo é a fé em Seu filho Jesus Cristo, e não o cumprimento
dos mandamentos da Lei. Todo aquele que é discípulo de Jesus Cristo, nascido-de-novo, é justo,
santo e puro diante de Deus, sem qualquer necessidade de dar o dízimo dos seus salários!
A resumir os pontos apresentados sobre este argumento, que pode aparecer fundamentalmente
em quatro formas, nomeadamente:
1. Dar o dízimo é a prova da salvação;
2. Não dar o dízimo é a prova da condenação;
3. Dar o dízimo é a prova da fé que salva;
4. Não dar o dízimo é a prova de uma fé morta.
Mostramos cautelosamente que os quatro pontos estão equivocados e que contrariam tanto os
ensinos de Cristo como o dos seus apóstolos. Deixamos para ponderação as seguintes implicações
que mostram a incoerência desse argumento:
1. Se dar o dízimo é a prova da salvação, então por que Deus entregou o seu filho Unigénito
(se basta dar o dízimo para ser salvo/João 3:14-18)?
2. Se não dar o dízimo é a prova da condenação, então toda a igreja primitiva, incluindo os
apóstolos foram condenados porque depois da destruição do Templo de Jerusalém não
havia mais sistema religioso judaico capaz de receber dízimos até aos dias de hoje, (cessou
o sistema de levitas ou sacerdotes) e mesmo os cristãos judaizantes viram-se
impossibilitados de dar dízimos, portanto não davam.

148
Argumentos Dos Dizimistas

3. Se dar o dízimo é a prova da fé que salva e os cristãos primitivos não davam dízimos
(fazendo deles pessoas não salvas), e nós recebemos deles o evangelho como podemos
então ter a certeza de que recebemos o evangelho que realmente salva?
4. Se não dar o dízimo é a prova de uma fé morta, então como é que os desempregados, os
pobres e necessitados podem ser salvos?
5. Se o amor que cumpre a Lei vem do Espírito Santo (Rm. 5:5), e o Espírito Santo vem pela
fé (Gl. 3:1-9), e os salvos são habitados pelo Espírito Santo (Rm. 8:9), defender que só os
dizimistas estão salvos não é igual a dizer que o Espírito Santo é sinónimo de dízimo?

Argumento 2: O dízimo é também encontrado no Novo Testamento


Segundo este argumento o NT também ensina a guarda do dízimo, há quem vá tão longe ao
ponto de dizer que a doutrina do dízimo está presente em praticamente todos os livros da Bíblia, e
assim sendo é necessário que cada cristão a guarde. Um exemplo deste argumento é o que vemos
abaixo:
No Novo Testamento a palavra dízimo aparece 9 vezes e ligadas a duas situações:
1) Mt 23: 23 = Partindo dos lábios de Jesus em relação aos fariseus. Jesus aqui reafirma a necessidade
do dízimo, ao mesmo tempo que denuncia sua prática como demonstração de piedade exterior (Lc
18.12) – “Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho.” Também Jesus denuncia
a prática do dízimo como substituição de valores do Reino tais quais: justiça, misericórdia e fé (Lc.
11.42).
2) Hb. 7: 1-10 = Eis as lições desse texto: a) O Pai da fé deu dízimo de tudo – v. 2; b) O pai da fé deu o
dízimo do melhor – v. 4; c) A entrega dos dízimos se deu não por pressão da lei, uma vez que o povo
israelita ainda não existia e, portanto, muito menos a lei judaica – v. 6; d) Hebreus nos faz perceber e
reconhecer a superioridade do valor do dízimo que é dado a Cristo (imortal) em relação ao dado aos
sacerdotes (mortais) – v. 8; e) O autor destaca que os que administram os dízimos também devem ser
dizimistas – v. 9.
É uma constatação minha que os “dizimistas fiéis” para defender a doutrina do dízimo são
muito infiéis às Escrituras. É interessante que o Ap. Paulo exortou a igreja de Coríntios a não ir
para além do que está escrito (I Co. 4:6), a fim de evitar a soberba e as contendas. Infelizmente
muitos fizeram uma adaptação sobrepondo a tradição de suas denominações e para eles o que está
escrito é “… para que em nós aprendais a não ir para além do dízimo…”
Para responder aos dois pontos do argumento em foco queremos começar por lembrar o que já
tratamos no primeiro capítulo do livro, o que separa o NT e o VT não é o livro de Malaquias, mas
sim o sangue derramado por Cristo. Antes do derramamento do sangue de Jesus Cristo estava em
vigor o Testamento do sangue derramado por animais (Êxodo 24:4-8), isso quando Moisés

149
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

anuncia a Velha Aliança. Querendo isso dizer que a primeira parte do argumento se origina de uma
visão equivocada dos Testamentos.
Levando em conta o que abordamos no primeiro capítulo deste livro, devemos logo entender
que até antes de Cristo derramar o seu sangue na cruz, qualquer menção da doutrina do dízimo
deve ser entendida como referência a um período antes do NT, isso é, VT no caso de Mateus
23:23 e o contexto do relato de Abrão dar o dízimo a Melquisedeque enquadra-se no período
anterior ao VT, tal como abordado no capítulo segundo deste livro. Querendo dizer que não basta
encontrarmos algo nos livros da Bíblia começando de Mateus até Apocalipse para concluirmos
que se trata do NT, é preciso examinar o contexto do que é relatado, visto que nem tudo é
diretamente relativo a Igreja de Cristo. É neste prisma que entendemos não existir nenhum único
verso na Bíblia que ensina o dízimo na Igreja do NT.
Quando alguém que defende a doutrina do dízimo diz que no NT a palavra dízimo aparece 9
vezes ele está a equivocar os livros de Mateus à Apocalipse como sendo o NT, daí termos
escolhido o primeiro capítulo deste livro só para explicar com mais calma onde termina o VT e
onde começa o NT. Ao entendermos bem a diferença e termos dos testamentos fica fácil perceber
que no NT não há nenhuma menção da doutrina do dízimo para a Igreja. Em outras palavras
Mateus 23:23 e Hebreus 7 não são passagens que ensinam que os cristãos devem dar dízimos, mas
sim passagens que citam a prática do dízimo na Lei e antes da Lei.
No caso de Mateus 23:23, o que Cristo denuncia deve ser analisado no contexto do VT, ou seja,
Cristo aponta a hipocrisia e injustiça dos fariseus segundo a Lei pela qual eles operavam e que
ainda vigorava, pois Ele ainda não havia derramado seu sangue na cruz. Então, não podemos de
jeito algum considerar que a repreensão de Cristo quer nos ensinar a jejuar duas vezes por semana
e a dar o dízimo de tudo quanto possuímos aos levitas, que por sua vez devem levar o dízimo dos
dízimos aos sacerdotes no Templo de Salomão. Após o ano 70 DC o Templo foi destruído pelos
Romanos e cessou até aos nossos dias, qualquer sistema sacerdotal levítico, nossas denominações
cristãs não são substitutas do Templo de Jerusalém, são sim parecidas as sinagogas (ver capítulo
Cap. III, Malaquias e o dízimo).
Já quando se argumenta que “Jesus denuncia a prática do dízimo como substituição de valores
do Reino, tais quais: justiça, misericórdia e fé”, precisamos ver que há aqui uma subtileza de
palavras que facilmente podem ofuscar o verdadeiro sentido do que realmente se quer dizer. Este
argumento no fundo passa a ideia de que para além da justiça e da misericórdia (como os
principais princípios do Reino de Deus) devemos também acrescentar os dízimos. E o argumento
traz Lucas 11:42 como suporte, ei-lo:
Mas ai de vós, fariseus, que dizimais a hortelã, e a arruda, e toda a hortaliça, e desprezais o juízo e o
amor de Deus. Importava fazer estas coisas, e não deixar as outras.
Naturalmente, quem argumentou apega-se a parte que diz “Importava fazer estas coisas, e não
deixar as outras”. Para sermos mais objectivos vamos ignorar completamente alguns dos
problemas textuais ligados ao verso e dizer que para aqueles que estavam no Velho Testamento era

150
Argumentos Dos Dizimistas

sua obrigação obedecer aos mandamentos da Lei. No seu tempo existiam os levitas, os
sacerdotes, existia o Templo de Herodes, e existia a Casa do Tesouro, e toda essa estrutura fazia do
dízimo um mandamento a ser cumprido. Hoje, depois de Cristo inaugurar uma melhor Aliança
com o seu sangue, já não há levitas e nem filhos de Arão, também já não há um Templo
construído com mãos humanas, isso faz o dízimo ultrapassado.
Se alguém pretende continuar a dar o seu dízimo segundo Malaquias 3:10, ou para aquele que se
apega a Lucas 11:42 como base, deve no mínimo tornar-se levita, instituir de novo a Aliança do
VT, restabelecendo o sacerdócio levítico e o Templo de Salomão. Isso naturalmente envolve
rejeitar o sacrífico de Cristo. É voltar a cozer o véu do templo que o próprio Deus rasgou (Lucas
23:46) É pôr vinho novo em odres velhos (Marcos 2:22)!
Já no que ao ponto dois deste argumento diz respeito, acreditamos o fundamental já ter sido
abordado quando expandimos nos versículos encontrados no livro de Hebreus no capítulo quarto
deste livro. Ainda assim vamos tratar cada ponto de modo mais directo e polémico. Começar por
dizer que os primeiros versos de Hebreus em seu capítulo primeiro pautam a temática central
abordada pelo seu autor, sendo que a afirmação “a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem
fez também o mundo” (Hb. 1:2) resume o desenvolvimento de toda a abordagem do livro, tudo
gira de alguma forma em torno da verdade que o filho de Deus, Jesus Cristo é exaltado acima dos
profetas e dos anjos. Só esta verdade choca profundamente com a doutrina do dízimo, isto porque
se os sacerdotes do NT (que são todos cristãos) devem dar dízimos quando os do VT não davam,
significaria que o sacerdócio de Arão foi no mínimo igual e não inferior ao sacerdócio de Cristo.
Começar por dizer que é errado ensinar que a lição de Hebreus 7:1-10 é que “o pai da fé deu
dízimo de tudo”, a lição gira a volta de Hebreus 1 em seu verso segundo. O verso primeiro do
mesmo capítulo começa por dizer “Porque este Melquisedeque, que era rei de Salém, sacerdote do
Deus Altíssimo, e que saiu ao encontro de Abraão quando ele regressava da matança dos reis, e o
abençoou”, querendo-nos mostrar que o capítulo sete não pode ser separado do capítulo seis, visto
que ao dizer “porque este Melquisedeque” indica continuidade de raciocínio. Então a mensagem
dos versos primeiros até o décimo só expande o que antecede. Leiamos:
Por isso, querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros
da promessa, se interpôs com juramento; para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que
Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança
proposta; a qual temos como âncora da alma, segura e firme, e que penetra até ao interior do véu, onde
Jesus, nosso precursor, entrou por nós, feito eternamente sumo-sacerdote, segundo a ordem de
Melquisedeque. (Hb. 6:17-20)
Aqui devia ficar claro que o escritor de Hebreus ao dizer “porque este Melquisedeque…” só
estava a dar a explicação da afirmação feita no capítulo anterior, isso é, que Deus “se interpôs com
juramento; para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a
firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta; a qual temos
como âncora da alma, segura e firme, e que penetra até ao interior do véu, onde Jesus, nosso

151
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

precursor, entrou por nós, feito eternamente sumo-sacerdote, segundo a ordem de


Melquisedeque”.
Tudo que encontramos em Hebreus 7 e no resto do livro de Hebreus é a argumentação e
ilustração da doutrina da justificação pela fé em Jesus Cristo, e a superioridade de Cristo e do
Novo Testamento em relação ao Velho Testamento e seu sistema sacerdotal. O relato de Génesis
14 de Melquisedeque é espiritualizado para enfatizar a mensagem da superioridade e justificação de
Cristo.
Usar o relato de Génesis 14 citado em Hebreus para ensinar a prática do dízimo é uma de duas
coisas; ignorância ou simplesmente desonestidade. Como tratado no capítulo dois, o dízimo de
Abrão não foi de suas riquezas, mas sim dos despojos de guerra contra Quedorlaomer (Génesis
14:15-20). Vimos também que o dízimo foi dado como parte de um costume sumério. A
explicação dada pelo autor de Hebreus no capítulo sétimo não é nenhuma prescrição à Igreja, mas
sim uma descrição, assim sendo, é errado dizer: “Hebreus nos faz perceber e reconhecer a
superioridade do valor do dízimo que é dado a Cristo”, esta afirmação trai Hebreus 1:2 tirando o
foco de Jesus Cristo e depositando-o no dízimo. Cristo não deu e nem recebeu dízimo. Porque
receberia Cristo (imortal) o dízimo de homens (mortais)?
Não podemos corromper a verdadeira intenção do autor de Hebreus quando ele espiritualiza o
acto de Abraão dar dízimo a Melquisedeque, seu objectivo é pura e simplesmente mostrar que tal
como Abrão se apresentou em posição inferior a Melquisedeque rei de Salém e sacerdote, de
modo semelhante o sistema sacerdotal levítico apresenta-se inferior ao Novo Testamento
inaugurado por Cristo. Se tivermos que forçar a mensagem do dízimo nesta narrativa, no mínimo
seria o próprio sistema levítico que devia juntar a décima parte de tudo que recebeu dos israelitas e
entregar uma única vez a Cristo, só não compreendo como esta aberração operar-se-ia como na
Igreja.
É importante ver que os que recebiam o dízimo no sistema sacerdotal levítico comiam do
dízimo, pois não tinham herança entre o povo de Israel, e estes dízimos eram a herança deles
(Números 18:20-21). Em nenhum versículo de Hebreus 7, o autor fala sobre novos sacerdotes
recebendo o dízimo no lugar de Cristo. É um salto de coerência usar o versículo nono de Hebreus
sete para defender que “…os que administram os dízimos também devem ser dizimistas”, isso
porque de novo não se trata de um mandamento ou prescrição. Estamos diante de uma alegoria
(aquilo que foi literal, interpretado metaforicamente) para tornar mais claro um princípio ou uma
determinada verdade. Se assim não fosse, como ficaria o facto de que os sacerdotes da Lei, ao
contrário dos levitas, não davam NENHUM dízimo?

Argumento 3: Os que não dão o dízimo são contra a obra de Deus


Outro argumento amplamente difundido pelos defensores do dízimo é que todos os cristãos
que não abraçam o dízimo são pessoas que bem no fundo se posicionam contra a obra de Deus. O
pensamento por detrás deste argumento é mais ou menos assim:

152
Argumentos Dos Dizimistas

1. Os que não dão o dízimo são contra a obra de Deus.


O Diabo é contra a obra de Deus.
Logo, os que não dão o dízimo são obreiros do Diabo.

2. Os que dão o dízimo são a favor da obra de Deus.


Deus é a favor da sua obra.
Logo, os que dão o dízimo são obreiros de Deus
Será impossível um pobre amar a Deus de todo o coração sem ter dinheiro para dar dízimo à
sua denominação? Ou ainda, que seja impossível um bom samaritano cuidar de uma pessoa ferida
mesmo sem levar o dízimo ao Templo de Jerusalém? Será que os irmãos desempregados que por
um tempo deixam de levar fielmente os dízimos tornam-se apóstatas e automaticamente
despreocupados com o evangelho? Eu creio que a resposta é muito óbvia para ser expressa.
Agora, se a experiência nos mostra que a piedade, a devoção a Deus não tem nada a ver com
dar dízimo mensalmente, porque acharíamos impossível os cristãos que não defendem o dízimo
serem pessoas dedicadas a evangelização, a piedade cristã, a publicação de material evangélico e ao
apoio missionário? Pode o facto de se rejeitar que se estipule 10% como obrigatoriedade mensal
dever ser tomado como falta de amor a obra de Deus? Não é nem honesto, nem verdadeiro tal
pensamento. É falacioso. Vamos analisar o seguinte trecho como um exemplo desta mentalidade
falaciosa e desonesta:
Ser ou não ser dizimista é uma questão de acreditarmos na causa que abraçamos, na “pérola que
encontramos.” Hoje muitos crentes não são fiéis a Deus na entrega dos dízimos. Para justificar esta
atitude criam várias justificativas e desculpas. Se dependesse deles a igreja fecharia as portas. Não
existiriam templos, nem pastores, nem missionários, nem bíblias distribuídas, nem assistência social.
Dizer que “se dependesse deles a igreja fecharia as portas” e que “não existiriam templos, nem
pastores, nem missionários, nem bíblias distribuídas, nem assistência social” são afirmações
falaciosas. O que tem uma coisa a ver com a outra? Deixe-me ilustrar um pouco o erro de
raciocínio aqui presente.
Imagina que um pai proíbe a filha de usar saias curtas e roupas indecentes, será correcto
concluir que o pai no fundo quer ver a filha a andar nua, descalça, ou mal preparada? Obviamente
que não, o pai só quer que a filha vista roupas mais decentes e moralmente aceitáveis. Do mesmo
jeito, os que rejeitam o dízimo só querem que os cristãos se revistam da mentalidade de Cristo ou
NT, deixando para atrás os preceitos de homens.
Infelizmente é uma das estratégias dos defensores da doutrina do dízimo atacar o carácter dos
que não apoiam a posição deles, lançando toda a sorte de acusações e usando todo o tipo de
adjetivos possíveis. É normal defender o ídolo usando meios carnais, visto que os ídolos não se
podem defender.
Quando se chama o dizimista de “fiel” quer dizer que o não dizimista é um “infiel”, quando se
diz que os não dizimistas “criaram várias justificativas e desculpas” quer dizer que são

153
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

“mentirosos”, quando se diz que os não dizimistas são contra a existência de missionários,
pastores, distribuição de bíblias e assistência social estão a dizer que os não dizimistas são
“anticristos”. Isso para além de falacioso é calúnia e falso testemunho. Deus conhece o nosso
coração e um dia todos nós estaremos diante de Cristo, tanto os dizimistas como os não dizimistas.
Ficaríamos descansados se a salvação fosse pelos dízimos.
A nossa posição é bem simples, toda a obra da Igreja deve ser desenvolvida do amor, com amor
para a glória do amor que é Deus. Assim como o pai que proíbe a filha de usar roupas indecentes,
quer que a filha vista roupas decentes e que não ande por aí semi-nua, do mesmo jeito,
acreditamos ser uma indecência espiritual a igreja cobrar dízimo dos fiéis. Somos da posição de
Jesus Cristo que manda “de graça daí, pois, de graça recebestes”. Apoiamos a evangelização,
apoiamos os servos dedicados a Deus, apoiamos a distribuição de bíblias e a obra missionária, mas
tudo de acordo ao coração e espírito voluntário de cada um. Só o amor deve mover o cristão a dar,
isso porque o próprio Deus por amor deu Seu Filho (João 3:16).
Quanto a primeira parte do argumento de quem orgulhosamente se gaba que “…uma questão
de acreditarmos na causa que abraçamos, na pérola que encontramos…”, além de ser parecida a
posição dos fariseus (Lucas 11:42), consiste em uma interpretação discutível das palavras de Jesus
Cristo. Se lermos com calma a passagem utilizada em seu contexto, vamos entender que não
somos nós (cristãos) quem “acreditamos na causa que abraçamos ou na pérola que encontramos”,
mas sim Jesus Cristo. Vejamos:
Também o reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem achou e
escondeu; e, pelo gozo dele, vai, vende tudo quanto tem, e compra aquele campo. Outrossim o reino
dos céus é semelhante ao homem, negociante, que busca boas pérolas; e, encontrando uma pérola de
grande valor, foi, vendeu tudo quanto tinha, e comprou-a. Igualmente o reino dos céus é semelhante a
uma rede lançada ao mar, e que apanha toda a qualidade de peixes. E, estando cheia, a puxam para a
praia; e, assentando-se, apanham para os cestos os bons; os ruins, porém, lançam fora. Assim será na
consumação dos séculos: virão os anjos, e separarão os maus de entre os justos, e lançá-los-ão na
fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de dentes. (Mt. 13:44-50)
Nós não compramos a Cristo, mas foi Cristo quem nos comprou com o seu próprio sangue
(Apocalipse 5:9/I Coríntios 6:20/João 15:16). A sequência das parábolas desenvolve a mesma ideia
e atinge o ponto crucial no verso 50, o mesmo homem que achou o tesouro escondido é o mesmo
negociante que busca boas pérolas, que é o mesmo que lança a rede e separa os bons dos ruins
(Mateus 13:30/João 15:6/ Lucas 13:23-28). Assim sendo, o argumento é falho porque o versículo
não é relativo aos cristãos, mas sim a Cristo como aquele que se entrega para adquirir povos de
todas as nações.
Diante disso, talvez alguém possa tentar usar um outro versículo, que de certa forma passa a
ideia, embora distante, de uma renúncia para possuir “a pérola que encontramos” como por
exemplo:
E eis que, aproximando-se dele um jovem, disse-lhe: Bom Mestre, que bem farei para conseguir a vida
eterna? E ele disse-lhe: Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus. Se queres,

154
Argumentos Dos Dizimistas

porém, entrar na vida, guarda os mandamentos. Disse-lhe ele: Quais? E Jesus disse: Não matarás, não
cometerás adultério, não furtarás, não dirás falso testemunho; honra teu pai e tua mãe, e amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Disse-lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade; que
me falta ainda? Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e
terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me. E o jovem, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque
possuía muitas propriedades. (Mt. 19:16-22)
Neste caso não precisamos dar muita volta, só precisamos ler com calma e perceber que o Bom
Mestre não respondeu “Se queres ser perfeito, vai, vende 10 % de tudo o que tens e dá-o aos
pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me”. Como já tratado antes, estes versículos não
apoiam a doutrina do dízimo, mas, na verdade, a refutam. Cristo aqui ensina o princípio do Reino
que requer de cada cristão aceitar a verdade de que foi comprado por sangue, e tudo que possui e
inclusive ele próprio pertence a Jesus Cristo.

Argumento 4: O dízimo é da lei, é antes da lei e é depois da lei


Segundo este argumento, o facto de vermos a prática do dízimo antes da Lei e na Lei significa
que o dízimo permanece até ao NT. O raciocínio deste argumento é que tudo que é antes da lei
permanece. O seguinte trecho é um exemplo deste modo de pensar:
O dízimo é da lei, é antes da lei e é depois da lei. Ele foi sancionado por Cristo. Se é a graça que domina
a nossa vida, porque ficamos sempre aquém da lei? Será que a graça não nos motiva a ir além da lei?
Veja: a lei dizia: Não matarás = EU PORÉM VOS DIGO AQUELE QUE ODIAR É RÉU DE
JUÍZO a lei dizia: Não adulterarás = EU PORÉM VOS DIGO QUALQUER QUE OLHAR COM
INTENÇÃO IMPURA…
A lei dizia: Olho por olho, dente por dente = EU PORÉM VOS DIGO: SE ALGUÉM TE FERIR A
FACE DIREITA, DÁ-LHE TAMBÉM A ESQUERDA. A graça vai além da lei: porque só nesta
questão do dízimo, ela ficaria aquém da lei? Esta, portanto, é uma justificativa infundada. (Mt 23.23) =
justiça, misericórdia e fé também são da lei. Se você está desobrigado em relação ao dízimo por ser da
lei, então você também está em relação a estas virtudes.
O problema com este argumento é que não tem nenhuma base bíblica como suporte. Ela é
baseada em várias citações tiradas fora do contexto bíblico para criar um facto que não existe. É
verdade que o dízimo é antes da Lei, tal como abordado no segundo capítulo. Podemos também
dizer que o homicídio é antes da Lei, se não fosse, Caim não teria sido amaldiçoado por Deus e
expulso do Éden. É igualmente verdadeira a afirmação de que a graça vai para além da Lei, mas
será que os que cobram dízimos hoje têm ido para além dos 10% da Lei, do modo que o
argumento se apresenta? Se assim fosse não estaríamos a falar de dízimo, mas de outra
percentagem.
A lógica do argumento que diz “… a graça vai além da Lei.” deve ser interpretada espiritual e
não literalmente. Por exemplo, quando vemos Cristo dizer “não matarás = eu, porém vos digo
aquele que odiar é réu de juízo” semelhantemente vimos em relação a circuncisão do prepúcio a
ênfase na circuncisão do coração, no lugar do Templo ou Tabernáculo surge o corpo dos santos,

155
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

no lugar do Sábado surge o descanso em Jesus Cristo, no lugar da Lei escrita em tábuas de pedras
as leis escritas no interior do coração, no lugar dos sacrifícios de purificação vimos a doação de
Jesus Cristo na cruz. Diante destes exemplos todos por que então pensar que o dízimo do VT
deve permanecer como 10% de alguma forma de lucro, se a graça transcende o VT
especificamente saindo de algo literal ou material levando-o a uma dimensão espiritual e não
material?
Não sei se o leitor está a perceber que há aqui uma manipulação ou erro de interpretação. Se
um único sacrifício de Jesus Cristo anula todo o sistema de sacrifícios do VT, se Leis escritas no
coração anulam as Leis escritas em pedras, se o descanso dado por Jesus Cristo anula o descanso
semanal do Sábado, por que achamos no caso do dízimo o mesmo princípio não se aplicar? O que
tem o dízimo de especial que a circuncisão do prepúcio pode ser ultrapassada, os sacrifícios de
novilhos pelos pecados podem ser abolidos, mas o dízimo deve permanecer de qualquer forma?
Por que a graça não transcende o dízimo? A resposta é fundamentalmente simples: se não é pelo
lucro material é por ignorância das Escrituras.
Para a afirmação ou argumento número 4 ser verdadeiro, teríamos de provar, no mínimo, que
todas as regras encontradas antes da Lei permanecem depois da Lei. Esta tarefa seria praticamente
impossível, visto que a circuncisão é antes da Lei e foi abolida no Novo Testamento. Como
abordado na nossa análise de Actos 15, no Concílio de Jerusalém o Espírito Santo e os apóstolos
concluíram que a circuncisão é desnecessária para os cristãos. Paulo em Gálatas 5:4-5 vai mais
longe e diz que os que estavam a se circuncidar estariam a cair da graça (apostasia).
Outrossim, para além de a circuncisão ser um mandamento que surgiu antes da Lei e foi
abolido, temos também o caso do sacrifício de animais ou holocausto. Abel sacrificou uma ovelha
antes da Lei (Génesis 4:4), Jó sacrificava animais em holocausto para purificar os seus filhos de
possíveis pecados (Jó 1:5), Noé sacrificou animais e aves limpas em holocausto antes da Lei
(Génesis 8:20) dentre outras figuras antes da Lei, incluindo o próprio Abraão (Génesis 12:7). A luz
destas verdades, por que então não temos visto os dizimistas a sacrificar holocaustos ao
SENHOR, já que isso também antecede a Lei?
Os apóstolos verdadeiramente confirmam que a graça vai para além da Lei, nisso concordamos,
só não concordamos na forma que se deve ir. Por exemplo, a Lei circuncidava o órgão genital
masculino, a graça circuncida o coração (Romanos 2:29/Colossenses 2:11/ Filipenses 3:3). O
Templo deixou de ser o de Jerusalém e passa a ser o nosso corpo (I Coríntios 3:17). Do mesmo
jeito o dízimo deixa de ser a décima parte da lavoura dos judeus e passa a ser outra coisa, de que
nos propusemos abordar no último capítulo deste livro.
Outra coisa que vale a pena apontar sobre a fraqueza deste argumento, é que a justiça,
misericórdia e fé não estão na mesma categoria que o dízimo. O dízimo fazia parte do sistema da
Lei. A Lei desaparece com o desaparecimento do sistema sacerdotal que administra as referidas
cerimonias (Hebreus 8:6-10). O pobre não dava o dízimo, seja na Suméria, seja na Lei, mas o
homicídio continua sendo homicídio, seja ela cometida pelo pobre ou pelo rico. Se Deus enfatiza o

156
Argumentos Dos Dizimistas

amor acima de tudo, segue que quem ama não precisa de mais nada. Considerando que o amor
vem do Espírito de Deus dentro de cada cristão (Romanos 5:5), e que este mesmo Espírito Santo
recebemos pela fé (Gálatas 3:2). Concluímos, (diante destas ponderações) que todo cristão está
isento do mandamento do dízimo.
Se o amor de Deus nos é derramado no coração pela fé, porque temer a ira de Deus quando se
crê em Jesus? O apóstolo João resume isso nas seguintes palavras:
Qualquer que confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus está nele, e ele em Deus. E nós conhecemos,
e cremos no amor que Deus nos tem. Deus é amor; e quem está em amor está em Deus, e Deus nele.
Nisto é perfeito o amor para connosco, para que no dia do juízo tenhamos confiança; porque, qual ele
é, somos nós também neste mundo. No amor não há temor, antes o perfeito amor lança fora o temor;
porque o temor tem consigo a pena, e o que teme não é perfeito em amor. Nós o amamos a ele porque
ele nos amou primeiro. Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não
ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu? E dele temos este
mandamento: que quem ama a Deus, ame também a seu irmão. (I Jo. 4:12-25)

Argumento 5: Dar segundo propor seu coração não é sobre o dízimo


Alguns argumentos são muito mais sofisticados, num olhar superficial parecem estar revestidos
de razão, de base bíblica forte e assim acabam tendo mais poder de persuasão. O argumento que
diz “dar segundo propor seu coração é relativo a ofertas e não relativo ao dízimo” é um destes
argumentos. Atentemos para o seguinte exemplo:
Muitos dizem: A bíblia diz em II Cor 9:7 “Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não
com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama a quem dá com alegria” = espontânea e com alegria.
Só que este texto não fala de dízimo e sim de oferta. Dízimo é dívida. Não pagar dízimo é roubar de
Deus. Perguntamos também: O que estará acontecendo em nosso coração que não permite que não
tenhamos alegria em dizimar? Em sustentar a Causa que abraçamos e defendemos?
Quando os cristãos se tornam preguiçosos e em vez de usarem suas cabeças como os de Bereia
e averiguar os ensinamentos nas Escrituras (Actos 17:11), fazem-se susceptíveis a todo tipo de
engano. Cabe-nos tecer dois pontos fundamentais sobre este assunto. O primeiro é concordar que
não se trata de dízimo, mas sim de ofertas que estavam a ser recebidas para ajudar outras igrejas
que estavam a sofrer dificuldades na época (II Cor 8 e 9). Entretanto, é precisamente o facto de se
tratar de oferta e não dízimo que nós refutamos o dízimos nas igrejas. O Ap. Paulo estava a
receber ofertas voluntárias, conforme a proposta do coração de cada um dos irmãos a fim de
apoiar a Igreja em Jerusalém (que estava a passar por um período de fome/Actos 11:28/Romanos
15:26), e é este o modo que nós devemos guardar. Se a Igreja pensasse de outro modo teríamos
encontrado no mínimo um só exemplo no NT em que os apóstolos deliberadamente cobraram o
dízimo.
Isso nos devia mostrar que na Igreja de Cristo não existe compulsão, não existe o amedrontar
com o “devorador”, na Igreja há justiça, fé, liberdade, gozo, paz e amor. Neste sentido, o nosso
argumento é que, II Coríntios descreve o padrão certo de colecta para apoiar quem quer que seja

157
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

dentro do corpo de Cristo, sejam presbíteros (pastores ou anciãos) ou não, e este padrão não
condiz com a doutrina do dízimo.
O segundo ponto é, na visão do AT o dízimo também se enquadra na categoria das ofertas,
uma oferta alçada. Basta consultar a palavra oferta alçada no dicionário (Strong/H8641) para
vermos que se trata de toda oferta ou tributo separado para contribuir nos assuntos de Deus.
Analisemos os seguintes trechos bíblicos:
Disse mais o SENHOR a Arão: Eis que eu te tenho dado a guarda das minhas ofertas alçadas, com
todas as coisas santas dos filhos de Israel; por causa da unção as tenho dado a ti e a teus filhos por
estatuto perpétuo. (Ne. 18:8)
E que as primícias da nossa massa, as nossas ofertas alçadas, o fruto de toda a árvore, o mosto e o
azeite, traríamos aos sacerdotes, às câmaras da casa do nosso Deus; e os dízimos da nossa terra aos
levitas; e que os levitas receberiam os dízimos em todas as cidades, da nossa lavoura. (Ne. 10:37)
Também no mesmo dia se nomearam homens sobre as câmaras, dos tesouros, das ofertas alçadas, das
primícias, dos dízimos, para ajuntarem nelas, dos campos das cidades, as partes da lei para os sacerdotes
e para os levitas; porque Judá estava alegre por causa dos sacerdotes e dos levitas que assistiam ali. (Ne.
12:37)
O que devia chamar a nossa atenção neste tipo de argumento é o jeito seletivo de sustentação
bíblica utilizada pelos que defendem o dízimo. Quando o assunto é defender a doutrina do dízimo
podem usar toda sorte de versículos bíblicos fora de contexto, mas quando os que não defendem a
doutrina do dízimo apresentam seus versículos, lá aparecem os defensores do dízimo a dar uma de
bons intérpretes das escrituras, ficam atentos às vírgulas e a todos os pormenores minúsculos, para
ver se conseguem levar a melhor. A questão que surge é: Se II Coríntios 9:7 é relativo à oferta e
não se aplica ao dízimo, qual é o versículo do NT que lhes dá a base para ensinar que “não pagar o
dízimo é roubar a Deus?” ou simplesmente qual é o versículo no NT que (a semelhança de II Cor
9:7) mostra um apóstolo cobrando ou recebendo dízimo? Não existe!
Obviamente que o espírito de todos os mandamentos da Lei se cumpre no NT, basta vermos
os ensinos de Cristo (Mateus 5, 6 e 7) e dos apóstolos, sendo que o amor ao próximo é o resumo
(Gálatas 5:6), mas fora disto não existe um só versículo a ensinar a doutrina do dízimo na Igreja.
Se o dízimo é uma doutrina fundamental e válida na Igreja do NT porque então os apóstolos não
gastaram nenhuma gota de tinta para escrever sobre o assunto?
Já ouvi alguns responderem que o dízimo era tão integral na cultura dos apóstolos que eles nem
acharam necessário escrever mais sobre o assunto. Acho essa resposta muito fraca. A circuncisão e
a guarda do Sábado eram mais fundamentais para a identidade judaica do que o dízimo, ainda
assim os autores do NT não pouparam palavras para falarem sobre o assunto. Se o apóstolo Paulo
tirou tempo para falar de ofertas voluntárias, como não teria falado de ofertas obrigatórias como
os dízimos, algo tão sério como “roubar a Deus”?
A verdade é simples, nenhum dos apóstolos falou ou cobrou o dízimo porque era um assunto
ultrapassado, sem continuidade na Nova Aliança. Notemos o seguinte ensino:

158
Argumentos Dos Dizimistas

Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do
jugo da servidão. Eis que eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos
aproveitará. E de novo protesto a todo o homem, que se deixa circuncidar, que está obrigado a guardar
toda a lei. Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído. (Gl. 5:1-4)
Paulo escreve a carta aos Gálatas visto ter-se apercebido de que um grupo de judaizantes
estavam a importunar os fiéis gentios convertidos a passar a guardar a Lei, tal como o caso já
vivido em Antioquia (Actos 15), desta vez até Pedro e Barnabé se haviam deixado influenciar pelos
seus irmãos judeus, vulgo “da circuncisão”. Lembrar aqui que a circuncisão tinha um valor
fundamental para a identidade judaica, visto que, era uma marca de pertença ao povo da aliança, o
que nos remete a Abraão (Génesis 17).
Os israelitas no Egipto não tinham o sistema sacerdotal levítico, portanto na posição de
escravos não havia nenhuma lei de guardar o Sábado, de sacrificar ovelhas para a remissão de
pecados, de ofertas alçadas e nem tão pouco de dízimos, mas os mesmos eram circuncidados
(Josué 5:5). Entretanto, apesar de a circuncisão carregar tamanha dimensão simbólica Paulo prega
aos Gálatas que eles não se deviam deixar circuncidar.
O apóstolo vai expandir um pouco mais o assunto, dizendo que os Gálatas que se submetessem
ao mandamento da Lei (no caso a circuncisão) estariam a anular a obra salvífica de Jesus Cristo
para as suas vidas, daí ele dizer a estes que “da graça tendes caído” ou simplesmente “separados
estais de Cristo”. Para além disto ele diz que aqueles que abraçam a circuncisão devem guardar
todos os outros mandamentos da Lei. É nesta afirmação que devemos analisar com calma a
doutrina do dízimo.
Se Paulo diz que quem se submete a circuncisão deve guardar toda a Lei é porque ele reconhece
que a Lei tem outros mandamentos para além da circuncisão. Os primeiros cinco livros da bíblia,
cuja autoria é de modo geral atribuída a Moisés representam a chamada Torá, ou seja, a Lei. São
todos os outros mandamentos contidos na Torá para além da circuncisão que Paulo está a dizer
aos judaizantes que necessitam cumprir, visto que buscam se justificar pela Lei. A mensagem
crucial aqui é que qualquer um
que se apega a um único mandamento da Lei deve necessariamente cumprir todos os seus
restantes mandamentos.
Como tratado no terceiro capítulo, o dízimo foi instituído na Lei, isto é, mais especificamente
no livro de Números capítulo dezoito. Números é o quarto dentre os cinco livros que perfazem a
Lei. Voltando para Paulo em Gálatas 5:1-4 o aviso dele aos Gálatas em outras palavras é se alguém
se deixa circuncidar obrigatoriamente deve também guardar os 613 mandamentos da Lei,
incluindo o dízimo, a guarda do Sábado e os restantes. Querendo com isto dizer-lhes que
rejeitando se submeter à circuncisão não seriam obrigados a guardar a Lei, que inclui o dízimo.
Para Paulo a fé (Gálatas 3:1-6) é a base da justificação (Romanos 4).
Ora, ser justificado por Deus é ser declarado justo diante dEle, e se Deus declara justo um
Gálatas (que não se busca justificar pela Lei) que rejeita a circuncisão ou dízimo, quem dentre toda
a criação tem autoridade moral para anular a declaração de Deus? Quem são os pastores, bispos,

159
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

teólogos que se atrevem a chamar aos filhos de Deus “injustos” ou “infiéis” por eles não se
submeterem aos mandamentos da Lei, neste caso ao dízimo? Não são eles justificados pela mesma
fé que teve Abraão?

Argumento 6: O dízimo não nos pertence


Os defensores do dízimo dizem que a décima parte do salário de um cristão não pertence a
este, e que mexer naquela parte seja para ajudar aos necessitados ou qualquer outra coisa é
simplesmente infidelidade diante de Deus. Vejamos uma forma deste argumento:
A Bíblia não nos autoriza a administrar por nossa conta os dízimos que são do SENHOR. O dízimo
não é nosso. Ele não nos pertence. Não temos o direito nem a permissão nem para retê-lo nem para
administrá-lo. A ordem é: TRAZEI TODOS OS DÍZIMOS À CASA DO TESOURO PARA QUE
HAJA MANTIMENTO NA MINHA CASA. A casa do Tesouro é a congregação onde assistimos e
somos alimentados. Mas será que damos realmente os “nossos” dízimos aos pobres? Com que
regularidade? Será uma boa atitude fazer caridade com a parte que não nos pertence?
O que defendemos é que segundo o NT o dízimo está ultrapassado e não deve ser observado
por cristãos. Precisamos deixar isso bem claro para evitar o equívoco de passar a ideia de que
ensinamos que o dízimo deve ser dado aos pobres no NT. No VT existiam três tipos de dízimos
religiosos que deviam ser dado aos pobres, estrangeiros, órfãos e levitas (e estes últimos deviam
dar aos sacerdotes), no NT isso foi cumprido e não mais precisa (nem pode) ser obedecido.
Queremos com isso dizer que é proibido ajudar aos pobres e órfãos e pessoas carentes? De
maneira alguma. O que defendemos é por amor se ajudar a todos quanto podermos, segundo as
nossas possibilidades e não segundo a uma percentagem adaptada do Velho Testamento. Quando
tivermos que ajudar que seja com amor, e graça, de coração voluntário, pois Deus ama aquele que
oferta de coração alegre (II Coríntios 9:7).
Em segundo lugar, a ordem para trazer os dízimos à casa do tesouro era referente a nação de
Israel levar os dízimos ao Templo de Jerusalém e não às nossas congregações. Malaquias quando
escreve aqueles capítulos não eram endereçados à Igreja de Cristo, na verdade Jesus Cristo só veio
mais de quatro séculos depois. Em outras palavras, tal ordem era específica ao judaísmo e não a fé
cristã, na altura perduravam os sacrifícios de animais e outros rituais próprios da Lei (Malaquias
1:7-8). Por que não mantêm também os outros sacrifícios apontados por Malaquias?
Como vimos no capítulo terceiro as nossas “igrejas” hoje equivalem as sinagogas judaicas. O
dízimo e os outros sacrifícios não eram praticados nas sinagogas, mas exclusivamente no Templo
de Jerusalém, lá era o lugar sagrado, lá e somente lá se encontrava a Casa do Tesouro. Sabemos
(ver capítulo quarto) que no NT o lugar santo não é nada mais, nada menos do que o próprio
Jesus Cristo. Portanto, toda a retórica baseada no argumento sexto é completamente falsa e
construída por equívocos. Nenhuma igreja hoje é a Casa do Tesouro, nem na congregação onde
você é alimentado, nem em nenhum outro ponto da terra.

160
Argumentos Dos Dizimistas

Esta ideia de que o dízimo não nos pertence vem da visão do VT em que a Lei ordenava que os
dízimos dos produtos agrícolas fossem dados periodicamente (época da ceifa) aos levitas, aos
necessitados e aos estrangeiros (ver cap.III). Assim, os seguintes versos captam melhor a
fundamentação deste argumento:
Porque eu, o SENHOR, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos. Desde os dias
de vossos pais vos desviastes dos meus estatutos, e não os guardastes; tornai-vos para mim, e eu me
tornarei para vós, diz o SENHOR dos Exércitos; mas vós dizeis: Em que havemos de tornar? Roubará
o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas.
(Ml. 3:6-8)
Quando alguém não cumpre com a sua parte de um contrato este está a ser infiel, e Deus tinha
todo o direito de chamar de gatunos aos israelitas que se furtavam de cumprir a Lei, visto que estes
tinham entrado em uma aliança com Deus (Êxodo 24), sob juramento de que cumpririam
fielmente com todos os mandamentos da Torá. Entretanto, quando nós recebemos a Cristo pela fé
nós não fazemos um juramento igual ao que os israelitas fizeram, rendemos a nossa vida ao
SENHOR e submetemo-nos aos seus princípios. Se estudarmos as doutrinas de Cristo e dos seus
apóstolos não encontraremos nenhum mandamento sobre dar dízimos a homem algum.
Ainda assim, há nestes trechos um pormenor pouco percebido, Deus não reclama da
roubalheira somente nos dízimos, mas também nas ofertas. Entretanto, os que ensinam o dízimo
nunca se levantam no púlpito para dizer que aqueles que não dão ofertas são infiéis e ladrões, o
porquê da disparidade? Se examinarmos com calma os argumentos dos defensores do dízimo logo
notaremos contradições, comparar, por exemplo, o argumento nº. 5 com o nº. 6.
No argumento nº 5 “dar segundo propor o teu coração” é relativo a ofertas, mas dar o dízimo é
obrigatório. Ora, só precisamos ser honestos e saber ler em Língua Portuguesa para notar que
“roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos
e nas ofertas” mostra que, segundo o autor de Malaquias, assim como não dar o dízimo era roubo,
não dar as ofertas estipuladas na Lei, também, era roubo. Se for de Malaquias que ensinamos o
dízimo, então, segue que devemos também ensinar que os que não dão as ofertas são ladrões e
infiéis. Nem imagino o slogan “ofertante fiel” surgindo no seio evangélico. O problema será
distinguir quem é mais fiel do que o outro, o dizimista ou o ofertante?
Imagina a denominação que ensinar que os que não ofertam são infiéis, quantos iriam aos
cultos de domingo para ouvir a pregação da palavra e ter comunhão com os seus irmãos caso não
tivessem dinheiro para ofertar? Não seria a oferta um escândalo ao evangelho? Não estaríamos a
pôr pedra de tropeço na fé dos mais necessitados? Só uma consciência poluída e longe de Cristo
concluiria ao contrário. Lembrar que Jesus Cristo deu de comer aos pobres multiplicando pães, ele
não cobrou ofertas para depois mandar os discípulos irem comprar mantimentos, ele tirou do que
tinha e multiplicou e alimentou a multidão que lhe seguia. Como podemos aceitar uma doutrina
que afastaria os necessitados da Igreja por causa de ofertas? Se a oferta ou dízimo prova a

161
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

fidelidade, pode uma pessoa que não oferta ser salva? Na visão dos dizimistas a resposta honesta
teria de ser não.
Se notarmos, a doutrina do dízimo faz exatamente isto, dividir o corpo de Cristo, porém de
forma mais encoberta. Os dizimistas fiéis são a classe privilegiada nas denominações, eles recebem
mais atenção dos pastores, dos que são elogiados como “fiéis” e os outros naturalmente que são os
infiéis, os crentes de segundo grau, mesmo que poucos falem disto abertamente, a maioria sabe
que é mesmo isto que sentem quando não dão os dízimos. São as ovelhas que não dão leite, um
bando de estéreis. Mas Cristo não aceita esta loucura e falta de reverência ao seu próprio corpo, ou
simplesmente a sua noiva.

Argumento 7: Não cabe a nós administrar o dízimo


Este argumento é uma versão do argumento anterior. Se algo não nos pertence logo não nos
cabe administrar tal coisa, excepto se o dono o delegar. No caso do dízimo, o argumento vai dizer
que o dono do dízimo é Deus (segundo Malaquias 3:8-10) e que Ele delegou aos seus servos a
administração. O texto a seguir é um exemplo deste argumento:
Não cabe a nós determinar e administrar do nosso jeito o dízimo do SENHOR que entregamos. Se os
dízimos não estão sendo bem administrados, os administradores darão contas a Deus. Não nos cabe
julga-los, mas sim Deus é quem julga. Cabe a nós sermos fiéis. Não será também esta atitude igual a do
menino briguento, dono da bola, que a coloca debaixo do braço sempre que as coisas não ocorrem do
seu jeito? Deus mandou que eu os trouxesse, mas não me nomeou fiscal do dízimo.
Sendo que o presente argumento é uma variação do argumento anterior então todo
esclarecimento usado para contrapor o argumento sexto é aplicável a este. Se levarmos em conta
que o fundamento dos dois (6 e 7) é a ideia de que Malaquias 3:10 é relativo à Igreja e que a
denominação onde se é membro representa a casa do tesouro é a Casa do Tesouro cristã. Para
entender o equívoco nestes dois pensamentos basta consultar o capítulo III deste livro.
Já anteriormente mostramos não existirem levitas na Igreja, que todo cristão é um sacerdote,
sendo Cristo o sumo-sacerdote. Os sacerdotes nem na Lei davam dízimos, porque então dariam
num sacerdócio superior a Lei? A ideia de que a Casa do Tesouro é a denominação ou paróquia
que alguém é membro é totalmente equivocada, porque as denominações são parecidas com as
sinagogas e os levitas não levavam os dízimos às sinagogas, mas sim ao Templo em Jerusalém,
onde ficava a despensa chamada de Casa de Tesouro.
Desde o ano 70 DC que o Templo foi destruído até os dias de hoje nem mesmo os judeus mais
dedicados a Torá podem cumprir com o mandamento do dízimo. Quer com isso dizer que nem
mesmo nas sinagogas judaicas se pratica o dízimo, infelizmente só alguns evangélicos parecem não
ter percebido ainda a inconsequência. Portanto, nenhum servo de Deus tem o direito de cobrar
dízimos dos filhos de Deus. Se alguém revestido de amor decidir oferecer 10% do seu salário a um
servo ou uma denominação que o faça segundo a sua própria consciência e embasado no amor,
mas tal doação não pode ser chamada de dízimo segundo o critério bíblico.

162
Argumentos Dos Dizimistas

Neste ponto, vale a pena tecermos algumas considerações relativamente a esta ideia de que os
“administradores” de Deus não devem ser fiscalizados ou julgados pela Igreja. Este tipo de
pensamento é típico de seitas e de estruturas de liderança que em vez de estarem focadas em servir
a igreja, e em serem exemplos espirituais, estão organizadas com a mentalidade de serem servidas,
de dominarem os membros, e tudo isto num clima de isenção de escrutínio moral. Paulo exortava
os membros da Igreja a serem seus imitadores, tal como ele era imitador de Cristo (I Coríntios
11:1).
Argumentos fracos e manipuladores como este produzem a ideia de que a fé cristã é contra o
pensamento crítico, e que os “administradores” (clero) das instituições religiosas não podem ser
julgados pelos “meros” membros. Em outras palavras, os “administradores” são intocáveis, podem
fazer o que quiserem, a congregação não os pode julgar. Se lermos os primeiros escritos da Igreja
primitiva, daremos conta que esta mentalidade é nova e que os discípulos de Deus desde o
princípio eram encorajados a julgar os ditos “servos” de Deus:
Mas se aquele que ensina for perverso e expuser outra doutrina para destruir, não lhe dêem atenção.
Contudo, se ele ensina para estabelecer a justiça e o conhecimento do SENHOR, vocês devem acolhê-
lo como se fosse o SENHOR. Quanto aos Apóstolos e Profetas, procedam conforme o princípio do
Evangelho. Todo Apóstolo que vem até vocês seja recebido como o SENHOR. Ele não deverá ficar
mais que um dia ou, se for necessário, mais outro. Se ficar por três dias, é um falso profeta. Ao partir, o
Apóstolo não deve levar nada, a não ser o pão necessário até o lugar em que for parar. Se pedir
dinheiro, é um falso profeta. (Didaque XI, 2-6)
É verdade que o juízo de Deus é o último, Ele é quem determinará quem é justo e quem é
injusto após àquele dia final, será Ele quem dirá “apartem-se de mim, eu não vos conheci” (Mateus
7:23), será Ele quem lançara o joio para o fogo (Actos 10:42/I Coríntios 4:5). Mas a fé verdadeira
ensina os cristãos a julgar e examinar constantemente as coisas (doutrinas), sobretudo a nós
mesmos e depois aos que se dizem cristãos (II Coríntios 13:5). A Igreja primitiva não apoiava
cristãos ociosos, estes que hoje chamamos de “administradores” alertando sobre o perigo dos
falsos profetas que buscam se inserir na comunidade cristã:
…Se quiser estabelecer-se com vocês e tiver uma profissão, então trabalhe para se sustentar. Se ele,
porém, não tiver profissão, procedam conforme a prudência, para que um cristão não viva ociosamente
entre vocês. Se ele não quiser aceitar isso, é um comerciante de Cristo. Tenham cuidado com essa gente.
(Didaque XII, 3-5)
O cristão deve julgar constantemente no sentido de ser prudente e evitar confundir o
verdadeiro pelo falso. Estar numa congregação liderada por pessoas comprometidas com a
maçonaria, ocultismo, ou qualquer outro movimento espiritual contrário à fé cristã é erro. O
cristão deve ter justificativa para permanecer numa determinada denominação ou ainda para
obedecer qualquer liderança humana, seja na vida secular, seja na vida espiritual. Se alguma
instituição humana mandar trair a fé, o cristão deve obedecer a Cristo, se a liderança de uma
denominação ou congregação trair a fé, o discípulo deve obedecer à fé, em oposição aos traidores

163
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

da fé (Actos 4:19). Essa mentalidade do “não julgues” é, tal como o dízimo, uma visão nascida de
uma má interpretação das Escrituras e acção directa do inimigo. Vejamos os seguintes:
Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos
profetas se têm levantado no mundo. (I Jo. 4:1)
Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça. (Jo. 7:24)
E por que não julgais também por vós mesmos o que é justo? (Lc. 12:47)
Então, se tiverdes negócios em juízo, pertencentes a esta vida, pondes para julga-los os que são de
menos estima na igreja? Para vos envergonhar o digo. Não há, pois, entre vós sábios, nem mesmo um,
que possa julgar entre seus irmãos? (I Co. 6:4-5)
Porque, que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro? (I
Co. 5:12)
Toda ovelha de Cristo que apoia financeiramente um lobo faz-se conivente com os pecados do
tal obreiro da Serpente. Os comerciantes da fé, os kimbandeiros travestidos em “profetas” de hoje,
só conduzem milhares de pessoas ao inferno por causa da falta de entendimento. Se os cristãos
fossem encorajados a julgar biblicamente o Diabo teria mais dificuldades em suas façanhas no seio
das igrejas. Quando a bíblia nos diz que “pelos seus frutos os conhecereis” será que não estará a
mandar-nos julgar a natureza dos frutos? Obviamente que sim.

Argumento 8: O dízimo avança a obra de Deus


Este argumento é uma versão do argumento nº 3, tudo que abordamos no argumento terceiro
aplica-se a este. O pensamento fundamental deste argumento é: os cristãos que se negam a dar o
dízimo são causadores do atraso, do progresso da obra de Deus. Essa mentalidade pode se
exteriorizada com as seguintes palavras:
Temos conhecimento das necessidades da igreja? Temos visão das possibilidades de investimento em
prol do avanço da obra? Estamos com essa visão míope, estrábica, amarrando o avanço da obra de
Deus, limitando a expansão do Evangelho? AINDA, não entregamos o dízimo para a igreja. O dízimo
não é da igreja. É DO SENHOR. Entregamo-lo ao Deus que é dono de todo o ouro e de toda a prata.
Ele é rico. Ele não precisa de nada, mas exige fidelidade. Essa desculpa é a máscara da infidelidade.
Assim como o homem não viverá somente do pão, mas de toda palavra de Deus (Mateus 4:4),
do mesmo jeito a Igreja de Cristo não tem sua vida nas coisas materiais, mas sim no Espírito de
Deus. O que é estrábico, míope e absurdo é atribuir o avanço da obra de Deus ao dízimo. E pensar
que a obra de Deus depende do dinheiro é uma autêntica barbaridade e faz de Jesus Cristo um
salvador fraco e necessitado. Como é possível que aquele que não precisa de nada (Actos 17:24-25)
precise do dízimo para alavancar sua obra?

164
Argumentos Dos Dizimistas

Será que os apóstolos receberam essa doutrina de Jesus Cristo, que a necessidade da igreja é o
dízimo? Ou que o avanço da obra de Deus é dependente do dízimo? Não, os apóstolos receberam
outra e mais fundamental orientação de Jesus Cristo:
“Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há-de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto
em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até aos confins da terra.” (Actos 1:8)
Porque, andando na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não são
carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas; destruindo os conselhos, e toda a
altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à
obediência de Cristo. (II Coríntios 10:3-5)
Nas duas citações, fica claro que para sermos testemunhas de Cristo precisamos da virtude do
Espírito Santo. Não é o dízimo que nos capacita para testificarmos de Cristo, mas sim o Espírito.
A obra do Evangelho é de Deus, isso é, crer em Jesus Cristo (João 6:26). Essa obra avança, não
pela força e nem pelo sangue (carne), mas pelo Espírito de Deus (Zacarias 4:6). É verdade que
Deus usa homens para alcançar homens, e os homens usam os meios materiais como
instrumentos para facilitar na evangelização, mas o factor determinante é o Espírito de Deus. As
seguintes passagens mostram-nos isso:
E Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto. (Lc. 4:1)
E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito
Santo lhes concedia que falassem.” (At. 2:4)
Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de
sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio. Mas nós perseveraremos na oração e
no ministério da palavra. Este parecer contentou a toda a multidão, e elegeram Estêvão, homem cheio
de fé e do Espírito Santo, e Filipe, e Prócoro, e Nicanor, e Timão, e Parmenas e Nicolau, prosélito de
Antioquia. (At. 6:3-4)
E, tendo orado, moveu-se o lugar em que estavam reunidos; e todos foram cheios do Espírito Santo, e
anunciavam com ousadia a palavra de Deus.” (At. 4:31)
O critério e a visão da Igreja sempre foram e serão centrados na necessidade e operação do
Espírito Santo. Ninguém podia sequer ser diácono sem ser comprovadamente cheio do Espírito
Santo. A Igreja começou seu ministério ao mundo sendo primeiro cheia do Espírito Santo. Jesus
Cristo nosso SENHOR antes de começar o Seu ministério foi cheio do Espírito Santo. Em
nenhum momento decisivo da história da Igreja o dízimo é sequer sugerido. A ordem do sucesso
no Reino de Deus é encher-se do Espírito Santo e depois obedecer ao Seu mandato. A pregação
sem a unção do Espírito Santo pode até ter gritos e “aleluias,” mas não dá vida aos mortos, já a
cheia do Espírito pode até ser monótona e sem gritos, mas traz ressurreição.
Será que neste preciso momento a Igreja perseguida na China, Coreia do Norte, Vietnam, no
mundo muçulmano e nos países que faziam parte do bloco Comunista têm sobrevivido e até
crescido através do dízimo? É claro que não, são pessoas que vivem somente pela certeza de terem

165
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

um Deus vivo que voltará um dia, um Deus que de tanto lhes amar enviou o Seu filho e este foi
crucificado por causa dos pecados de todo o mundo, um Deus por quem vale a pena perder tudo
desta vida, e inclusive a própria vida!
E disse-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para
perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo; porque a promessa vos diz respeito a vós, a
vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso SENHOR chamar. E com
muitas outras palavras isto testificava, e os exortava, dizendo: Salvai-vos desta geração perversa. De
sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se
quase três mil almas; (At. 2:38-41)
O apóstolo Pedro não estava cheio de dízimos, mas sim do Espírito Santo. Hoje, a maioria das
denominações encheu-se de dízimos e anda vazia do Espírito Santo. Paulo, o apóstolo que mais
labor empreendeu para a propagação do evangelho aos povos gentios, não foi convertido por
qualquer instrumentalização do dízimo, nem mesmo em seu ministério cobrava tal coisa,
preferindo trabalhar com as próprias mãos para não se fazer um fardo a igreja.
No Paquistão, muitos cristãos vivem numa situação similar a escravatura, o Estado tem um
regime de descriminação que não permite o seu desenvolvimento social e económico, excepto se
largarem a fé e abraçarem o Islão. Como consequência, os trabalhos mais perigosos à saúde, mais
pesados e menos bem pagos são confinados aos cristãos. São eles que desentopem as fossas, sem
material de segurança, são eles que constroem os blocos, são os pedreiros, os varredores da cidade,
os limpadores de lixo, os que não têm palavra, recebem como salário o que não serve sequer para
uma alimentação condigna.
Qual dízimo se vai cobrar a estas pessoas que carregam as marcas de Cristo em sua carne e
alma? Estes que são abusados, escravizados, todos os dias morrem de doenças e de acidentes de
trabalho, sem ninguém para defendê-los, mal conseguem salário para sobreviver, imagina ter que
pagar dízimos. Todavia, ensinam aos seus filhos o caminho estreito, o evangelho de Cristo e
negam-se a deixar a fé mesmo diante da morte. Será que essa igreja sofrida anda em pecado por
não dar dízimos? Eu diria que são estes que realmente entregaram a vida toda a Deus, nós não
temos mérito para compararmos a piedade e a santidade deles à nossa!
Os missionários Monrovianos (1732) que se chegavam a vender como escravos para evangelizar
os escravos, não o fizeram com o dízimo, mas com a convicção do Espírito Santo. É necessário
tirarmos da nossa cabeça essa dependência doentia em que pusemos a visão da igreja ao dinheiro.
Sim, o dinheiro é um instrumento que nos ajuda a comprar comida, vestir, distribuir literatura
cristã, etc., mas o dinheiro em si não é igual a dízimo. Todo o discípulo de Cristo quando tem
possibilidades materiais contribui materialmente para a obra missionária da igreja. É contra ética
cristã arrecadar fundos missionários através de manipulação doutrinal!
Hoje, essa visão infantil e carnal, em considerar o dinheiro como factor determinante para o
evangelho tem sido uma das razões de não termos um avivamento nas igrejas, trocamos o lugar do
Espírito pelo dinheiro, pelos diplomas de teologia, livros, tecnologia e pelos modelos carnais de
organização moderna. Não estou aqui a defender que não precisamos de instrucção teológica, ou

166
Argumentos Dos Dizimistas

que o conhecimento de outras áreas do saber não possam ser uma mais valia para a igreja, mas que
o poder de testemunho e a identidade da igreja verdadeira são dependentes do Espírito Santo.

Argumento 9: O dízimo faz parte do estilo de vida do adorador


O presente argumento diz que um verdadeiro cristão tem o dízimo como parte integral da sua
forma de viver. Em outras palavras o mandamento do dízimo é tão intrínseco tanto ao judaísmo
quanto ao cristianismo que não há como separar o dízimo da vida do cristão. Este argumento pode
ser apresentado das seguintes formas:
O Sacerdócio de Cristo é superior ao Sacerdócio Levita por ser Cristo o sumo-sacerdote segundo uma
ordem superior: a de Melquisedeque (leia Hb. 7). Todavia, mesmo estando sobre um novo pacto ou
aliança, como ensina Hebreus (ver tb 2Co. 3:1-11), e sendo abençoados com um novo e superior
Sacerdócio de um Ser divino-humano (Jo. 1:1-3m 14; Cl. 2:9; 1Tm. 2:1-6), o plano de salvação continua
o mesmo. Mudou o recurso pedagógico (Deus não mais nos ensina através de sacrifícios de cordeiros),
chamado agora de “nova aliança”, mas o sistema de dízimos continua fazendo parte do estilo de vida do
adorador, pois Hebreus 7 faz menção ao dízimo. Seria totalmente irrelevante o autor de Hebreus
mencionar a prática do dízimo nesse contexto, se dizimar não mais fizesse parte da adoração dos judeus
cristãos a quem ele dirigiu sua carta (ou sermão)!?
Acrescente-se a isso o fato de que Hebreus 7:2 afirma que Abraão devolveu o dízimo a Melquisedeque
porque este era “sacerdote do Deus Altíssimo” muito antes de existir qualquer Israelita ou Levita.
Isso indica claramente que o sistema de dízimos não foi inaugurado com os levitas e muito menos
estabelecido só para eles. Era uma prática de adoração bem anterior feita com base em um pacto
pessoal com Deus. Outra verdade preciosa é que o Sacerdote Melquisedeque não pressionou Abraão,
como o fazem certos teólogos da prosperidade ao tratar do tema com os membros de suas igrejas.
Tanto o pai da fé quanto o líder religioso mais próximo dele sabiam que a adoração precisa vir de
dentro para fora (cf.Jo. 4.23,24), até mesmo porque Deus só aceita algo que seja voluntário (leia Êx.
25:1-2 e II Co. 9:6-7).
Vamos começar a nossa resposta relembrando que o fariseu hipócrita (e que não foi justificado por
Deus) também tinha o dízimo como estilo de vida (Lucas 18:9-14). Doutro lado, igualmente o
jovem rico que preferiu as riquezas do mundo a Cristo também tinha o dízimo como estilo de vida
(Lucas 18:18-24). De facto o povo de Israel juntava à sua rebelião algumas práticas da Lei,
incluindo o dízimo:
O SENHOR Deus diz: —Povo de Israel, vocês querem pecar? Pois vão aos santuários de Betel e de
Gilgal e ali pequem à vontade! Todas as manhãs ofereçam sacrifícios e de três em três dias dêem os seus
dízimos. Apresentem os pães da oferta de gratidão a Deus e depois saiam para contar a todo mundo
que fizeram ofertas de livre e espontânea vontade. E como vocês gostam de fazer isso! (Am. 4:4-5)
Em outras palavras, os israelitas tinham como estilo de vida tanto o pecado como o dízimo
simultaneamente. Eles eram ¨dizimistas fiéis¨ e pecadores implacáveis, Deus não lhes elogia por
serem dizimistas, ou por levarem sacrifícios, mas Deus usa de ironia e sarcasmo para mostrar a
hipocrisia de um povo pecador e rebelde e que amava cumprir os preceitos exteriores da Lei. O

167
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

interior estava apodrecido, mas exteriormente buscavam passar um ar de piedade, tal como os
fariseus de Mateus 23.
Doutro lado, o João Baptista foi considerado o maior dentre todos os profetas, entretanto, este
mesmo não dava dízimos aos sacerdotes do Templo, considerando o facto de ele ser tido por
impuro por vestir-se de pele de camelo. O eunuco etíope que foi batizado pelo Filipe recebeu
algum mandamento sobre dízimos? Onde foi que o eunuco passaria a levar o dízimo na sua terra,
onde ele seria o primeiro cristão (Actos 8:26-39)?
Semelhante ao eunuco, lemos em Actos 10 a história de Cornélio, este era piedoso e temente a
Deus, o relato nos diz que o mesmo dava esmolas ao povo e perseverava em oração. Sendo ele um
centurião romano e não prosélito, tinha por defeito duas razões que o impossibilitavam de ser um
dizimista, primeiro é o facto de os dízimos aceitáveis só poderem vir da terra santa, herdada
divinamente de Deus pelas tribos de Jacó e ele não era israelita, segundo ele era um centurião e não
um agricultor, para, da lavoura, tirar o dízimo dos produtos agrícolas e entregá-los aos levitas. Daí
ele limitar-se a dar esmolas e a orar. Sem ser dizimista Cornélio era piedoso e temente a Deus. Em
Romanos quatro o Ap. Paulo explica que Abraão foi considerado justo sem as obras da Lei e é do
mesmo jeito que a humanidade será justificada aos olhos de Deus, pela fé que opera através do
amor (Gl. 5:6).
Ser dizimista de jeito nenhum descreve o estilo de vida de uma pessoa santa aos olhos de Deus.
Dar dízimo é uma prática que tanto um hipócrita, como qualquer outra pessoa cheia de
religiosidade e amante do mundo pode-se apegar fielmente (tal como os fariseus e o jovem rico), o
primeiro para ganhar boa fama no seio da sociedade e o segundo para justificar-se. Qualquer
leitura atenta das Escrituras devia alertar-nos quanto a este argumento, o próprio povo de Israel é
o maior exemplo de que dar dízimo, sacrificar animais e guardar o Sábado não tem poder para nos
fazer santos e justos diante de Deus (Cl. 2:18-23/Rm. 10:20-21/At. 13:39/Gl. 2:16). O que faz
parte do estilo de vida de um cristão está descrito em Romanos 12:9-21:
O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem. Amai-vos cordialmente uns aos outros
com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros. Não sejais vagarosos no cuidado; sede
fervorosos no espírito, servindo ao SENHOR; alegrai-vos na esperança, sedes pacientes na tribulação,
perseverai na oração; comunicai com os santos nas suas necessidades, segui a hospitalidade; abençoai
aos que vos perseguem, abençoai, e não amaldiçoeis. Alegrai-vos com os que se alegram; e chorai com
os que choram; sede unânimes entre vós; não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes;
não sejais sábios em vós mesmos; a ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas honestas, perante
todos os homens. Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens. Não vos
vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: minha é a vingança; eu
recompensarei, diz o SENHOR. Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede,
dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes
vencer do mal, mas vence o mal com o bem.
Seguir os argumentos dos teólogos que defendem o dízimo mostra-nos (em não poucos casos)
que eles possuem uma capacidade muito elevada de manipular as pessoas através do emprego de
ambiguidades. São discursos muito elaborados para dizer sim e não ao mesmo tempo, e depois

168
Argumentos Dos Dizimistas

voltar a dizer sim. Por exemplo, se o leitor ler só a primeira citação do presente argumento,
facilmente concluirá que o conteúdo apoia a ideia de que seja obrigatório todo o cristão dar o
dízimo, mas se ler a segunda terá a impressão de que o argumento principal diz que Deus só aceita
algo voluntário. Em termos lógicos não se pode aceitar que os dois parágrafos são da autoria da
mesma pessoa, isso porque algo voluntário não é algo estipulado e vice-versa.
Essa ambiguidade cria confusão na mente dos mais simples e desatentos, e é neste espaço de
confusão onde os defensores do dízimo (há centenas de anos) manipulam os crentes. O sim deles
por vezes significa não, e o não deles por vezes significa sim, quando tratam da doutrina do
dízimo. Porém, Jesus Cristo condena essa prática e diz que o nosso sim deve ser sim e o nosso não
deve ser não, e que tudo que passar disso tem origem maligna (Mt. 5:37). Em outras palavras, Deus
não é autor de confusão!
Vejamos que no primeiro parágrafo o argumento começa por apresentar a superioridade de
Cristo como explicada em Hebreus, mas depois a conclusão é de que apesar desta superioridade “o
plano de salvação continua o mesmo”. O que deve chamar a nossa atenção é o facto de o assunto
em debate ser o dízimo e não a salvação, por que se fugiu do foco? Porque todos os que querem
ser salvos não estariam dispostos a ir para o inferno só por causa do dízimo. “Melhor é dizimar o
nosso caminho para o paraíso, é mais seguro pagar os 10% mensalmente para garantir um lugar ao
lado de Deus no céu”. Que doutrina tão perigosa!
Bem no início, já havíamos dito que toda defesa do dízimo só nos levará a confusão, só como
exemplo aceitemos que “o plano de salvação continua o mesmo”, mas daí, o que há no plano de
salvação que envolve o dízimo? Paulo chama esse plano de salvação de mistério, um mistério que
esteve encoberto desde os séculos passados e só se desvendou na manifestação de Jesus Cristo.
Este mistério é que a perfeição e justificação (seja de judeus, seja de todos os outros povos da
humanidade) encontram-se estritamente no SENHOR Jesus Cristo pela fé (Cl. 1:24-29/Rm. 16:54-
26/Ef. 1:9-14). Em nenhuma parte, onde se faz alusão a este mistério se menciona sequer o termo
dízimo. Na verdade, qualquer inclusão do dízimo tiraria o teor de mistério (pelo menos em parte)
visto que desde antes da Lei os semitas praticavam dízimos e desde o VT (Nm. 18) que os israelitas
tinham o dízimo instituído.
Noutra parte do argumento, se o dízimo se enquadra naquilo que chamam de “recurso
pedagógico” (que é, verdadeiramente, nada mais, nada menos do que a Lei) por que se precisaria
do recurso pedagógico depois de se aprender a lição? As Escrituras enunciam-nos que Cristo disse,
“está consumado” (João 19:30) na cruz. Paulo disse em Gálatas que chegada a fé, não precisamos
mais de “pedagogo” (Gl. 3:24-25). Eu sou professor por profissão, e sabemos que os recursos
pedagógicos só são usados para facilitar a aprendizagem, depois dos alunos entenderem já não
precisamos deles.
Noutro ponto, dizer que seria irrelevante o autor de Hebreus mencionar o dízimo sem que isto
fizesse parte da adoração dos discípulos, é um equívoco, até porque só no livro de Hebreus
encontramos mais de 15 vezes (muito mais do que dízimo) mencionado a palavra sacrifício ou

169
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

holocausto, mas de jeito algum podemos concluir que “sacrificar animais fazia parte da adoração
dos judeus cristãos”. Essa forma de interpretação aplicada sistematicamente criaria uma confusão
total, e Deus não é autor de confusão.
Cristo foi o sacrifício único e perfeito, feito uma única vez (Hebreus 10:12). Essa ideia de que
os discípulos adoravam com o dízimo é outra ambiguidade propositada, pois mistura a ideia de
adoração e dízimo, tal como o cliché “dizimista fiel” mistura o conceito de fidelidade com o
dízimo. Estas misturas de ideias visam somente confundir os crentes. Se esses conceitos fossem
verdadeiros a seguinte frase de Cristo ficaria sem relevância alguma:
Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade;
porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o
adorem em espírito e em verdade. (Jo. 4:23-24)
Para os defensores da doutrina do dízimo melhor seria se Cristo tivesse dito:
Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em dízimos e em verdade;
porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, mas importa que os que o adoram o
adorem em dízimo e em verdade.
Infelizmente nem que os versos fossem alterados o dízimo ainda assim teria de ser refutado,
isso porque “adorar em dízimo e em verdade” é uma afirmação doutrinalmente errada. Aceitar a
verdade bíblica obrigaria a tirar o dízimo da frase, pelo simples facto que o Pai não aceita uma
adoração mentirosa. Deus é espírito, mas o dízimo é matéria, Deus é verdadeiro, mas a doutrina do
dízimo é mentirosa.
No que diz respeito ao segundo parágrafo do argumento, recomendamos a leitura das respostas
aos argumentos 2 e 4. Como mencionado anteriormente, o segundo parágrafo defende uma
posição contrária ao primeiro. Nós concordamos com a verdade de que Deus ama a oferta
voluntária, e por considerarmos que o papel de todo cristão deve ser agradar a Deus a vida toda,
ensinamos que a vida toda, o cristão deve somente oferecer o que propõe em seu coração, sem
nenhuma obrigatoriedade.

Argumento 10: Enquanto houver liderança deve-se dar o dízimo


Em outras palavras, o argumento sustenta a ideia de que enquanto existirem presbíteros,
diáconos ou anciãos deve permanecer a prática do dízimo no seio das igrejas. Uma forma de
expressar essa maneira de pensar é a citação a seguir:
Em primeiro lugar: mesmo que os levitas não sejam mais nossos líderes espirituais, continuamos
tendo líderes espirituais. O que mudou foi apenas o tipo de líder religioso, não a natureza
espiritual da liderança religiosa. Obviamente, enquanto houver liderança espiritual e a necessidade
evangelística de salvar pessoas da morte eterna, a prática do dízimo e ofertas vigorará.
Esse argumento não tem nenhuma sustentação apostólica. Trata-se da opinião de homens, que
por mais que tenham boas intenções, não têm autoridade para criar suas próprias leis e impor aos

170
Argumentos Dos Dizimistas

discípulos de Jesus Cristo. O capítulo anterior vimos como a Igreja não cobrava dízimos, tendo
mostrado que a prática só foi institucionalizada em 567 no Concílio de Tours, isto é, na segunda
parte do sexto século depois de Cristo. Se os apóstolos apoiassem tal prática, ela teria sido parte
dos seus ensinos. Se os que cobram os dízimos hoje estão certos, então toda igreja até 567 depois
de Cristo estava errada. Ora, se toda Igreja estava errada então não existe base para dizer que os
líderes de hoje estão certos, visto que receberam o evangelho dos apóstolos que estavam errados.
Se aceitarmos que os apóstolos eram os líderes espirituais da Igreja e que estes não cobravam
dízimos, segue que não é válido que enquanto houver liderança espiritual deva haver dízimos, visto
que a igreja começou precisamente com uma liderança espiritual que não cobrava dízimos. Afinal
de contas que liderança espiritual pode existir hoje que detenha maior autoridade que os próprios
apóstolos? Isidoro38 explica a prática das primeiras comunidades cristãs segundo testificada pela
Didaque dizendo o seguinte:
…Didaque. XII, 3-4 aproxima-se da Segunda Epístola aos Tessalonicenses, quando Paulo, Silvano e
Timóteo se dirigem à igreja de Tessalônica, advertindo-lhes contra a desordem: …Não vivemos de
maneira desordenada em vosso meio, nem recebemos de graça o pão que comemos; antes, no
esforço e na fadiga, de noite e de dia, trabalhamos para não sermos pesados a nenhum de vós.
(Vv. 7-8); Ainda: A estas pessoas ordenamos e exortamos, no SENHOR Jesus Cristo, que
trabalhem na tranquilidade para ganhar o pão com o próprio esforço. (v. 12)
O que as primeiras comunidades cristãs defendiam não era que os servos de Deus tivessem
uma vida de dependência total a Igreja, mas que todos buscassem ser produtivos materialmente,
isso tendo um ofício. Se de um lado os apóstolos podiam reclamar para si tamanho prestígio,
doutro lado este mesmo prestígio dificilmente se concederia aos diáconos e presbíteros ou
pastores sem que houvesse uma espécie de contradição com os princípios que o Ap. Paulo
estabeleceu nas igrejas em meio aos gentios. Vejamos como os princípios da igreja primitiva
enquadram-se com os ensinos dos apóstolos:
Se quiser estabelecer-se com vocês e tiver uma profissão, então trabalhe para se sustentar. (Didaque.
XII,3-4)
Se ele, porém, não tiver profissão, procedam conforme a prudência, para que um cristão não viva
ociosamente entre vocês. (Didaque. XII,4)
Mandámos-vos, porém, irmãos, em nome de nosso SENHOR Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o
irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebeu. Porque vós
mesmos sabeis como convém imitar-nos, pois que não nos houvemos desordenadamente entre vós,
nem de graça comemos o pão de homem algum, mas com trabalho e fadiga, trabalhando noite
e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós. Não porque não tivéssemos autoridade, mas
para vos dar em nós mesmos exemplo, para nos imitardes. Porque, quando ainda estávamos
convosco, vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também. Porquanto
ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs. A

38. Isidoro, L.E. 2007. Didaque: Doutrinas dos Doze Apóstolos. Orácula, São Bernardo do Campo, 2, 6, 2007. ISSN
1807-8222, página 107.

171
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

esses tais, porém, mandamos, e exortamos por nosso SENHOR Jesus Cristo, que, trabalhando
com sossego, comam o seu próprio pão. E vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem. Mas, se
alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai o tal, e não vos mistureis com ele,
para que se envergonhe. Todavia não o tenhais como inimigo, mas admoestai-o como irmão. (II Tm.
3:6-15)
Negritamos algumas partes da citação para enfatizar que Paulo escreve para Timóteo
advertindo-o a não se apartar dos princípios que recebeu dos apóstolos (Paulo e Barnabé), neste
caso de todos na Igreja de Éfeso imitarem os apóstolos que sempre se portaram de modo
exemplar e trabalhavam com suas próprias mãos para não serem fardo para a Igreja. Doutro lado,
Paulo exorta que todos os que se recusarem a portar-se de modo obediente ao exemplo e palavra
dos apóstolos devam ser evitados para que se envergonhem. Se até os apóstolos trabalhavam
naturalmente que Timóteo, Tito e qualquer outra “liderança espiritual” tinha de seguir o exemplo.
Devemos aqui ter em conta que a Carta a Timóteo, tal como a de Tito são, comummente,
chamadas de “epístolas pastorais”, escritas, segundo alguns, para instruir os “líderes espirituais” na
forma como devem proceder e organizar as igrejas.
Vejamos como ao contrário de Paulo dizer “que todos os membros da igreja tragam dízimos
para suportar os domésticos da fé e líderes espirituais”, Paulo diz “…sabeis como convém imitar-
nos, pois que não nos houvemos desordenadamente entre vós, nem de graça comemos o pão de
homem algum, mas com trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a
nenhum de vós…” Estas palavras de Paulo parecem claramente contradizerem a ideia de que
enquanto houver liderança espiritual deve haver dízimos, até porque cada um de nós preferia ter
Paulo e Barnabé como modelo do que os líderes actuais da maioria das denominações cristãs do
nosso tempo.
Relativamente a mistura de dízimo com a “necessidade evangelística de salvar pessoas da morte
eterna” dizer que, de novo estamos diante de uma manipulação e engano. O dízimo não
evangeliza, nem converte o coração de pessoa alguma para Deus, quem convence o mundo do
pecado, da justiça e do juízo é o Espírito Santo (João 16:8) através da pregação do evangelho
(Romanos 10:14-17). Se o dízimo fosse a força da evangelização então Cristo escusava-se de enviar
o Espírito Santo e de enviar-nos a evangelizar, visto que o nosso dízimo já suplantava tudo. Agora,
que o dízimo é a força por detrás de muitos líderes cristãos deste século, essa é uma verdade,
deveras lamentável.
É verdade que alguém poderá dizer: “mas a questão aqui é que para enviar evangelistas e
missionários pelo mundo precisamos de dinheiro”, este é um pensamento aceitável e digno de
fazermos em relação ao assunto em discussão. Entretanto, primeiro precisamos entender que
embora o dízimo cobrado nas igrejas seja dinheiro, nem todo dinheiro que a igreja recebe é
necessariamente dízimo. As pessoas que estão envolvidas com Cristo não definem as suas vidas
devocionais segundo a percentagem do dízimo, nem tampouco se negam a apoiar os seus irmãos
(evangelistas, missionários ou pastores) por terem já gasto 10% com a igreja. Eles ajudam de
acordo as suas possibilidades e com um coração voluntário.

172
Argumentos Dos Dizimistas

Em segundo lugar, a ideia de que precisamos de dinheiro deve ser secundária, visto que as
maiores igrejas cristãs de hoje têm muito mais dinheiro e muito mais pessoas do que as 120 que
estavam no dia de Pentecostes, mas a maioria não é rica do Espírito Santo, nem tem pregadores
ousados como Pedro ou Estêvão, nem mesmo encontramos o mesmo espírito de partilha de bens
que havia na Igreja de Actos 4:32-34. De que adianta termos uma igreja cheia de dinheiro e tão
pobre de Deus? Cheia de organização e tão vazia do poder do Espírito Santo? Cheia de “líderes
espirituais” e tão pobre de diáconos como Estêvão? Ver os argumentos 2, 3 e 8 para melhor
compreensão.

Argumento 11: A ordem de Melquisedeque é eterna


Segundo este argumento em Hebreus 7 encontramos não somente o ensino que Cristo é o
sumo-sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque, mas que também o dízimo é
eterno. A seguir um exemplo deste argumento:
Paulo fala de um sacerdócio superior ao Levita, a “ordem de Melquisedeque”, da qual Cristo é o Sumo-
sacerdote. Se a ordem sumo-sacerdotal de Cristo é superior e eterna, o dízimo como princípio de
adoração ao Sumo-sacerdote Jesus também o é, pois Melquisedeque é um “tipo” de Cristo e
este, muito mais que Melquisedeque, é digno de nossos dízimos e ofertas!
Este argumento é baseado em uma falácia, isto é a falsa pressuposição. A lógica que apresenta é
a seguinte, visto que o sacerdócio de Cristo é superior ao levítico e eterno, o dízimo também é
eterno. Mas um minuto aí, o autor do argumento parte da pressuposição de que na ordem de
Melquisedeque necessariamente tem dízimos tal como na ordem levítica tinha. Onde foi que ele
tirou essa ideia? Será que em Hebreus encontramos este pensamento? Claro que não, em nenhum
momento em Hebreus encontramos o ensino de na ordem de Melquisedeque haver dízimos para o
sumo-sacerdote, sobretudo um dízimo financeiro. Isto é um erro e sem base bíblica (nenhuma).
Ele diz que “o dízimo como princípio de adoração ao sumo-sacerdote Jesus também o é”
referindo-se à eternidade do dízimo a semelhança da eternidade do sacerdócio. Ora, o dízimo era
um mandamento ou então princípio (convenhamos em nome do argumento) do sacerdócio
levítico, se o mesmo sacerdócio é inferior ao sacerdócio de Jesus por que então o dízimo não seria
igualmente inferior aos mandamentos e princípios do sacerdócio de Melquisedeque? Se o dízimo
era do sacerdócio temporário (levítico) com que base seria este transportado ao sacerdócio eterno
(Melquisedeque)? O bom senso mostra-nos que não faz sentido.
Vejamos que o dízimo na ordem levítica não era dado a Arão (sumo-sacerdote), tal como
abordado no capítulo terceiro deste livro, porque então o dízimo teria de ser dado ao sumo-
sacerdote da Ordem de Melquisedeque? Alguns apegam-se aos versos seguintes para defender a
visão que estamos a examinar:
Considerai, pois, quão grande era este, a quem até o patriarca Abraão deu os dízimos dos despojos. E os
que dentre os filhos de Levi recebem o sacerdócio têm ordem, segundo a lei, de tomar o dízimo do
povo, isto é, de seus irmãos, ainda que tenham saído dos lombos de Abraão. Mas aquele, cuja genealogia

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A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

não é contada entre eles, tomou dízimos de Abraão, e abençoou o que tinha as promessas. Ora, sem
contradição alguma, o menor é abençoado pelo maior. (Hb. 7:4-7)
Em primeiro lugar, a mensagem crucial do livro todo de Hebreus e a mesma desenvolvida no
capítulo 7: a superioridade de Cristo. Quando o autor de Hebreus fala sobre o sacerdócio de Arão
dar dízimo ao Sacerdócio de Melquisedeque ele faz uma interpretação alegórica, semelhante a
Paulo em Gálatas (4:21-31) sobre os da fé serem descendentes da livre e os da Lei serem
descendentes da escrava. Não há nestas passagens nenhuma prescrição para os cristãos darem
dízimos a Cristo por ser o sumo-sacerdote da Ordem de Melquisedeque.
No Velho Testamento, por exemplo, eram os levitas e não os sacerdotes que recebiam dízimos
do povo saído dos lombos de Abraão, neste caso Israel. Mas os próprios sacerdotes não davam
dízimos a ninguém, nem mesmo ao sumo-sacerdote Arão. Ora, se usarmos a lógica de que “visto
que o sacerdócio de Cristo é superior ao levítico e eterno, o dízimo também é eterno” teremos que
concluir algumas coisas que contrariam o argumento em análise. Primeiro, dizer que Arão não
recebia dízimos dos sacerdotes, assim sendo, Jesus não pode receber o dízimo eterno dos seus
sacerdotes (Ap. 20:6). Segundo, dizer que no reino de Deus, ou seja, no sacerdócio de
Melquisedeque não existem os levitas e o povo, todos os salvos da humanidade são sacerdotes e
Jesus é o sumo-sacerdote, logo donde os sacerdotes tirariam os dízimos eternos (sem levitas para
receber dízimos e sem povo para dá-los aos levitas).
Até aqui, já deve estar claro a natureza da confusão que este argumento produz, provando
facilmente não se tratar de uma doutrina proveniente de Deus para a Igreja. Entretanto, vamos
ainda examinar a ideia de que o dízimo é eterno tal como a ordem de Melquisedeque é. Ao lermos
Apocalipse 21:22 vemos que, na eternidade não há Templo, logo onde se vai levar o dízimo na
ausência da Casa de Tesouro Eterna? Segundo, para que serviria o dízimo na vida de Jesus Cristo
na eternidade, para comer, para repartir a pobres e estrangeiros, para construir casas, etc? O
dízimo eterno seria de moedas de ouro?
Quando se pensa num dízimo eterno é porque por implicação estamos também a pensar numa
fonte eterna de dízimo. Isto nos leva a questionar se realmente as Escrituras sugerem-nos que na
eternidade vamos cultivar e viver do nosso trabalho a semelhança deste mundo passageiro. Ora, as
Escrituras mostram-nos o seguinte:
E mostrou-me o rio puro da água da vida, claro como cristal, que procedia do trono de Deus e do
Cordeiro. No meio da sua praça, e de um e de outro lado do rio, estava a árvore da vida, que produz
doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a saúde das nações. E ali
nunca mais haverá maldição contra alguém; e nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus
servos o servirão. E verão o seu rosto, e nas suas testas estará o seu nome. E ali não haverá mais noite, e
não necessitarão de lâmpada nem de luz do sol, porque o SENHOR Deus os ilumina; e reinarão para
todo o sempre. (Ap. 22:1-5)
É verdade que o livro de Apocalipse é cheio de símbolos, mas os símbolos são representações
de verdades objectivas e espirituais. Quais palavras nos versos acima não apontam para uma vida
eterna, de glória e sem maldição (nem mesmo a de Malaquias 3:9), nem doença alguma? Imagina se

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Argumentos Dos Dizimistas

levarmos em conta que a luz é a vida dos homens (João 1:4-5), logo estaríamos a entender que a
mensagem é que na eternidade vamos sobreviver não da água, não do sol, não do trabalho x ou y,
mas do próprio Deus. Se fosse diferente Cristo seria mentiroso, visto ele ter dito que a vida eterna
é conhecer ao Pai e a ele (João 17:3), e ainda “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém
vem ao Pai, senão por mim” (João 14:16). Ele não disse “ainda tereis que trabalhar para dar
dízimos na eternidade”.
É uma afronta a mensagem do evangelho argumentar que o dízimo permanece eternamente,
visto que a vida eterna é pela fé em Jesus (Ef. 2:8-9) e não por nenhuma obra da Lei (o dízimo é
obra da Lei/Gl. 2:16). O que espera aos santos na eternidade não é trabalho para pagar dízimos,
mas sim vida eterna, glória, honra e paz, pensar diferente é praticamente acreditar num outro
evangelho:
O qual recompensará cada um segundo as suas obras; a saber: a vida eterna aos que, com perseverança
em fazer bem, procuram glória, honra e incorrupção; mas a indignação e a ira aos que são contenciosos,
desobedientes à verdade e obedientes à iniquidade; tribulação e angústia sobre toda a alma do homem
que faz o mal; primeiramente do judeu e também do grego; glória, porém, e honra e paz a qualquer que
pratica o bem; primeiramente ao judeu e também ao grego. (Rm. 2:6-10)
Deste modo, usar Hebreus 7 para defender a prática do dízimo é simplesmente seguir o
caminho dos equivocados. Nenhum cristão antes do Concílio de Tours de 567 DC. errou ao ponto
de aceitar a instituição do dízimo do jeito que as igrejas de hoje têm errado. Não se aplicam a
examinar as implicações doutrinais das coisas que ensinam para perceber que defender o dízimo é
activar uma série de confusões com efeito dominó no seio da igreja.
Se quisermos usar a explicação alegórica em Hebreus 7:9 que “levitas pagaram o dízimo a
Melquisedeque quando ainda estavam nos lombos de Abraão” para defender a prática do dízimo
seguem-se as seguintes implicações: (1) Abraão deu o dízimo uma única vez na vida a
Melquisedeque, por que as denominações evangélicas defendem que o dízimo deve ser dado mais
do que uma única vez? (2) Se os levitas pagaram o dízimo enquanto estavam nos lombos de
Abraão porque são cobrados dízimos aos que já nasceram, são adultos e economicamente
produtivos? (3) Se os que deram o dízimo a Melquisedeque são do sacerdócio Levítico, por que o
sacerdócio de Melquisedeque é superior ao de Levi, então, por que dariam dízimos a
Melquisedeque os do sacerdócio do próprio Melquisedeque?
Não há em Hebreus e em qualquer outra parte da Bíblia um único ensino que nos mostre que
os sacerdotes de Cristo devam dar dízimos a Cristo. Paulo em seus escritos fala que todos os
cristãos são membros do corpo de Cristo (I Co. 12:12/Rm. 12:4-5), ora, como pode a cabeça
cobrar dízimos da sua própria orelha, dos seus pés, dos seus ouvidos, etc? Não faz nenhum
sentido! Os que se acham com o poder de cobrar dízimos dos seus irmãos fazem-no fora de Cristo
e abusam do poder. É o clero manipulador ou ignorante que cobra dízimos das outras partes do
corpo de que ele mesmo faz parte. Todos os membros da igreja fazem parte do mesmo corpo e

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A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

ninguém é inferior ao outro, todos foram comprados pelo mesmo sangue, logo todos têm o
mesmo valor:
Assim, pois, há muitos membros, mas um corpo. E o olho não pode dizer à mão: Não tenho
necessidade de ti; nem ainda a cabeça aos pés: Não tenho necessidade de vós. Antes, os membros do
corpo que parecem ser os mais fracos são necessários; e os que reputamos serem menos honrosos no
corpo, a esses honramos muito mais; e aos que em nós são menos decorosos damos muito mais honra.
Porque os que em nós são mais nobres não têm necessidade disso, mas Deus assim formou o corpo,
dando muito mais honra ao que tinha falta dela; para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham
os membros igual cuidado uns dos outros. De maneira que, se um membro padece, todos os membros
padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele. Ora, vós sois
o corpo de Cristo, e seus membros em particular. (I Co. 12:20-27)
Parece claro que não é o facto de Melquisedeque ter recebido dízimo que dita que Jesus Cristo
tenha que receber dízimos, não existe tal necessidade. Deve ser levado em conta o facto de que
enquanto Jesus estava no mundo, nem Ele nem os seus discípulos receberam dízimos.
Melquisedeque recebeu dízimo uma única vez de Abrão, mas o sumo-sacerdote do tempo de Jesus,
em representação da tribo de Levi não chegou de entregar nem um único dízimo a Jesus. Isso,
portanto, não fez de Jesus inferior a Anás ou Caifás.
Outro ponto relevante é que, Melquisedeque não enviou representantes para receberem o
dízimo de Abrão, por que então, os que ensinam que devemos dar o dízimo a Cristo fazem-se
representantes de Cristo? Será que há algum mediador entre o homem e Cristo (I Timóteo 2:5)?
Em que parte da Bíblia Cristo ensinou aos seus discípulos que os pastores ou bispos devam
receber dízimos dos crentes em Seu nome?
É preciso prestar-se atenção ao tema em discussão, o ponto de contenção em análise não é
sobre Cristo ser digno ou não de receber dízimos eternos, mas primeiramente se o SENHOR
delegou os pastores ou qualquer outra pessoa no NT para receber no Seu lugar o suposto dízimo.
A isso as Escrituras claramente respondem que não. Todo aquele que esforça tal doutrina faz-se
um manipulador da palavra de Deus, e ensina uma doutrina de homens:
Em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens. Porque,
deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos homens; como o lavar dos jarros e dos
copos; e fazeis muitas outras coisas semelhantes a estas. E dizia-lhes: Bem invalidais o
mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição. (Mc. 7:7-9)
O argumento em análise é fruto de uma sequência de pensamentos falaciosos, tal como temos
mostrado. Não é baseado em nenhum ensino bíblico claro, mas sim em pedacinhos de ideias
tiradas de versículos mal interpretados. Tal método tanto fere claramente os princípios de lógica,
como também os princípios e ensinamentos divinos. A pressuposição errada de que o dízimo deve
permanecer no sacerdócio de Melquisedeque é o cancro do argumento em questão.
Se olharmos para o dízimo sumério tratado no capítulo II, tanto o dos despojos (que Abrão
deu a Melquisedeque), como o de voto voluntário (de Jacó), e ainda as características do dízimo do
VT visto no capítulo III deve ficar evidente que o dízimo dado hoje não se enquadra no conceito

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Argumentos Dos Dizimistas

semítico de dízimo, é uma invenção moderna, uma adulteração barata. Hoje o que se dá em
envelopes e que chamamos de dízimo em termos bíblicos não tem fundamento, nem para ser
chamado legitimamente de dízimo.
Os “dizimistas” por mais zelosos que sejam não dão nem o dízimo de Abrão e nem tão pouco
o dízimo de Malaquias 3:10. O que dão é uma lei de homens que por não ter legitimidade se
travestiu em dízimo. Na verdade, o mundo e o contexto actual não oferecem condições para
oferecerem-se dízimos; (a) as terras estão poluídas com sangue e práticas imundas, (b) o Templo
de Israel foi destruído no ano 70 DC e não há mais levitas e sacerdotes segundo a Lei, (c)
Melquisedeque não se encontra em nenhum país, nem tem representante, e (d) hoje os governos
são na sua maioria laicos, bem como os poucos países que ainda têm reis não se têm engajado em
guerras primitivas que os permitam levar despojos a um suposto substituto de Melquisedeque.

Argumento 12: Paulo defende o princípio do dízimo


Este é o argumento que tem a ousadia de defender que até o próprio Ap. Paulo ensinou o
dízimo. Para poder enganar melhor os desatentos introduziram a terminologia “o princípio”, pois
dizer “Paulo defende o dízimo” é uma mentira bastante óbvia, mas se dissermos “Paulo defende o
princípio do dízimo” logo fica mais fácil argumentar sobre “o princípio”. Aí se alguém refutar a
ideia de que Paulo defende o dízimo basta responder: “não disse que Paulo defende o dízimo, eu
disse que ele defende o princípio do dízimo”. Este estratagema é o que chamamos de ambiguidade
teológica, este é um comportamento que Deus chama de astúcia (Gn. 3:1). Vejamos uma
articulação deste argumento:
O apóstolo Paulo também viu essa prática (dizimar) do sacerdócio Levita (e do Sacerdócio de
Melquisedeque (Gn. 14.20) como sendo vigente em seus dias, em 1 Coríntios 9.9-14, mesmo que tivesse
optado por não fazer uso desse direito em Corinto (1Co. 9.15) como o fez em Filipos: “Como sabem,
Filipenses, vocês foram os únicos que me ajudaram financeiramente quando lhes anunciei as boas-novas
pela primeira vez e depois segui viagem saindo da Macedônia” (Nova Versão Transformadora. Leia
também os versos 16-20). Leiamos especialmente os versos 13 e 14 de 1 Co. 9: “Não sabeis vós que os
que prestam serviços sagrados do próprio templo se alimentam? E quem serve ao altar do altar tira o
seu sustento? Assim ordenou também o SENHOR aos que pregam o evangelho que vivam do
evangelho”. Paulo demonstra com extrema clareza que a mudança do tipo de liderança espiritual (não
mais os levitas) em nada interfere no princípio do dízimo porque continua existindo uma liderança
espiritual que precisa ser mantida para dedicar sua vida na propagação da mensagem de Deus.
Ajudar financeiramente é apoiar livremente, mas quando falamos do dízimo não estamos diante
de uma ajuda financeira, visto que os pastores que defendem o dízimo reclamam de um suposto
“roubo” quando o mesmo não é dado. Para os dizimistas, o dízimo não é de quem dá mas sim “a
parte que pertence a Deus”. Nos livros que são chamados NT sabemos que só no caso relatado
em Mateus 23:23 e Hebreus 7 encontramos a menção do dízimo, já as outras cartas e neste caso as
paulinas não mencionam sequer o termo ou o “princípio” do dízimo.

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A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

As palavras de Paulo em I Coríntios 9:13-14 não fazem nenhuma apologia ao dízimo, na


verdade, em toda a Bíblia não há um único versículo em que um apóstolo defende a prática do
dízimo, em excepção. Vejamos a semelhança dos seguintes trechos bíblicos:
Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os
que trabalham na palavra e na doutrina; porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha.
E: Digno é o obreiro do seu salário. (I Tm. 5:17-18)
Ide; eis que vos mando como cordeiros ao meio de lobos. Não leveis bolsa, nem alforje, nem alparcas; e
a ninguém saudeis pelo caminho. E, em qualquer casa onde entrardes, dizei primeiro: Paz seja nesta
casa. E, se ali houver algum filho de paz, repousará sobre ele a vossa paz; e, se não, voltará para vós. E
ficai na mesma casa, comendo e bebendo do que eles tiverem, pois digno é o obreiro de seu salário.
Não andeis de casa em casa. E, em qualquer cidade em que entrardes, e vos receberem, comei do que
vos for oferecido. (Lc. 10:3-8)
As palavras de Paulo são referentes ao mesmo princípio ensinado pelo SENHOR aos
discípulos, não existe nenhuma razão para pensar que estamos diante de duas posições diferentes.
Notemos que o SENHOR não disse aos discípulos que “recebereis o dízimo das casas aonde fores
recebido”, mas ao contrário diz “comei do que vos for oferecido”. Em outras palavras, todo o
apoio voluntário dos que acolhem os obreiros de Deus representam o salário destes, isto é o que
ordenou também o SENHOR aos que pregam o evangelho que vivam do evangelho. Posição que
concorda com as palavras de outra carta:
Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo. Porque, se alguém cuida ser alguma
coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo. Mas prove cada um a sua própria obra, e terá glória só em
si mesmo, e não noutro. Porque cada qual levará a sua própria carga. E o que é instruído na palavra
reparta de todos os seus bens com aquele que o instrui. (Gl. 6:2-6)
Se o salário do obreiro fosse dízimo, Cristo tê-lo-ia dito e os apóstolos o teriam repetido. Ao
contrário, em todos outros momentos em que Paulo fala sobre o mantimento dos obreiros de
Deus ele enfatiza o apoio voluntário. Repartir todos os seus bens com aquele que te instrui na
palavra não é referente a dízimos, mas primeiramente ao que Cristo ensina em Lucas 10:3-8.
Quando se fala de comida e bebida devemos entender que isso engloba o sustento de forma geral,
hoje a necessidade pode ser comida, amanhã poderá ser a camisa, a cama, etc. O princípio que
Paulo tem em mente não é o dízimo, mas sim que devemos levar as cargas uns dos outros, ou em
outras palavras apoiar materialmente aquele que nos apoia espiritualmente:
Mas agora vou a Jerusalém para ministrar aos santos. Porque pareceu bem à Macedônia e à Acaia
fazerem uma coleta para os pobres dentre os santos que estão em Jerusalém. Isto lhes pareceu bem,
como devedores que são para com eles. Porque, se os gentios foram participantes dos seus bens
espirituais, devem também ministrar-lhes os temporais. (Rm. 15:25-27)
Notemos que Paulo não disse que receberia o dízimo da Macedônia e à Acaia, mas sim de uma
colecta que pareceu bem, e ambas as igrejas ajudaram os santos em Jerusalém. Essa colecta foi
voluntária e não obrigatória, por isso, Paulo diz que “pareceu bem”. Daí que pela mesma causa

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Argumentos Dos Dizimistas

Paulo diz à igreja de Coríntios que “Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com
tristeza, ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria”.
Poderíamos argumentar mais sobre este ponto, mas na ausência de um único texto de Paulo
referindo-se ao dízimo, torna-se irrelevante continuarmos. No dia em que os dizimistas
apresentarem um único versículo onde Paulo fala sobre dízimo, aí sim, teriam a oportunidade de
estarem certos finalmente.

Argumento 13: Não dar o dízimo é um roubo


Este é o argumento mais popular dos dizimistas, geralmente tirado de Malaquias 3:8-10 para
defender que não dar o dízimo é roubar a Deus. É interessante como a maioria dos evangélicos
nem têm João 3:16 memorizado, mas sabem muito bem o que está em Malaquias 3:10. Isso é só
para nos mostrar como o mais importante foi deixado para o final, e tudo que diz respeito ao
dinheiro é prioritário na maioria das igrejas modernas. A seguir exemplos deste argumento:
Se um pastor roubar a Deus, isso não é desculpa para você também roubar. Devemos fazer o certo
independente dos outros. Se Malaquias 3.8,9 ensina que o não dizimar é uma transgressão inclusive a
nível moral (pois a Bíblia considera “roubo”), você não pode pecar porque outros pecam. Deus cobrará
pesado dos líderes desonestos que são o “joio” no meio do trigo, e você e eu nada temos a ver com
isso: “… portanto, derramarei minha fúria sobre eles e os consumirei com o fogo da minha ira. Farei
cair sobre a sua cabeça o castigo merecido por tudo que fizeram. Eu, o SENHOR Soberano, falei!” (Ez.
22.31 – Nova Versão Transformadora).
Matthew Henry em seu comentário sobre Romanos 2.21-22 destacou que roubar, inclusive nos dízimos
e nas ofertas, é um sacrilégio, ou seja: um pecado grave contra coisas sagradas. Você não pode cometer
tal sacrilégio porque outros cometem. Além disso, o sacrilégio é comparado pelo autor à idolatria,
indicando que quem se atreve a mexer naquilo que Deus consagrou para Si – inclusive dízimos e
ofertas – é um sacrilégio e um idólatra:
Se temos muitos escândalos no seio evangélico em parte é por causa destes tipos de exortações.
Segundo os apóstolos devemo-nos afastar daqueles que se dizem cristãos, mas vivem uma vida que
ofende o nome de Cristo (I Coríntios 5:10-11). Pregar outro evangelho não deve ser somente visto
no âmbito do que se ensina doutrinalmente com as palavras, em seminários, na escola dominical
ou no curso de teologia, mas acima de tudo no comportamento. Não foi a hipocrisia o pecado que
Cristo mais condenou?
Temos que parar de promover essa confusão sobre o dízimo, Deus não é o autor da confusão (I
Coríntios 14:33). No VT sim, todo aquele que fazia parte de Israel, circunciso, membro de uma
das 12 tribos, tinha o dever de cumprir com a sua parte da Aliança, e isto implicava dentre outras
coisas, dar os dízimos aos levitas. Entretanto, para os cristãos o dízimo não faz parte da Aliança da
Fé, ou seja, o Novo Testamento. Portanto, com o derramamento do sangue de Cristo os critérios
do contrato da Lei foram abolidos (II Coríntios 3:14/Hebreus 8:13).

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A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

O homem só tem a autoridade de exigir a fidelidade de uma mulher quando esta é sua esposa.
Divorciados ou falecido, a esposa pode arranjar outro matrimónio. Deus tinha toda a legalidade de
cobrar de Israel as promessas da Aliança do VT, porém, Deus não havia celebrado com os gentios
a mesma aliança do Monte Sinai. Nós somos reconciliados com Deus pela Aliança da Cruz, que é
superior em todos os sentidos, de tal maneira que a fé é o seu requisito fundamental, e nisto não
existe circuncisão, nem dízimos ou outras práticas da Velha Aliança. Querendo dizer que o ladrão
era o hebreu que vivendo na terra santa, não sendo pobre, se escusasse a dar o dízimo. Nós
estamos isentos de tal mandamento!
Se todos os cristãos percebessem a diferença entre o NT e o VT, tal como explicamos no
primeiro capítulo, argumentos como este não teriam sucesso em ludibriar os “dizimistas-fiéis”. A
verdade é que, se nem Jesus Cristo, nem os apóstolos, e nem os primeiros discípulos cobravam
dízimos, nenhuma pessoa que veio depois deles está em condição de fazer-se autoridade e impor-
nos a prática do dízimo. Assim sendo, chamar os cristãos que refutam a doutrina do dízimo de
“ladrões” é considerar que todas as igrejas ditas cristãs surgem do evangelho pregado por ladrões,
que seria igual a refutar toda fé cristã, visto a fé ou evangelho de ladrões não poder vir de Cristo.
Relativamente ao comentário de Matthew Henry pensamos que o comentarista não foi citado
de forma honesta. Vejamos a citação integral do seu comentário sobre Romanos 2:21-22:
O apóstolo dirige seu discurso aos judeus e mostra de quais pecados eram culpáveis apesar de suas
confissões e vãs pretensões. A raiz e a soma de toda religião é gloriar-se em Deus acreditando, humilde
e com agradecimento. Mas a jactância orgulhosa que se vangloria em Deus, e na profissão externa de
seu nome, é a raiz e a soma de toda hipocrisia. O orgulho espiritual é a mais perigosa de todas as classes
de orgulho. Um grande mal dos pecados dos professantes é a desonra contra Deus e a religião, porque
não vivem conforme com o que professam. Muitos que descansam em uma forma morta de piedade,
são os que desprezam a seu próximo mais ignorante, apesar de que eles mesmos confiam em uma
forma de conhecimento igualmente desprovida de vida e de poder, ao tempo que alguns que se gloriam
no evangelho, levam vidas ímpias que desonram a Deus e fazem que seu nome seja blasfemado.
Os versículos dizem:
Tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas?
Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, cometes sacrilégio?
A citação trai o autor do comentário em questão. Tanto o comentário como os versículos
comentados não fazem nenhuma referência a dízimos. Dizer que Matthew Henry considera
sacrilégio não dar o dízimo ou ofertas no NT é pôr palavras na boca do autor. São invenções e
interpretações desprovidas de verdade. Mesmo se por alguma razão o famoso comentarista tivesse
considerado de sacrilégio o não dar o dízimo, nossa posição seria a mesma e o comentarista estaria
errado. Infelizmente, do mesmo jeito que o comentarista foi mal interpretado, defensores da
cobrança do dízimo interpretam o Novo Testamento.

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Argumentos Dos Dizimistas

Argumento 14: Ananias e Safira foram mortos por causa do dízimo


O presente argumento é um dentre outros que nasce da ignorância das Escrituras ou do
desespero daqueles que se esforçam em defender o dízimo. Segundo este argumento, o casal
Ananias e Safira foi morto por Deus por terem falhado em dar o dízimo. O relato bíblico relativo
ao argumento vem dos seguintes trechos:
Não havia, pois, entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas,
vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido, e o depositavam aos pés dos apóstolos. E repartia-se
a cada um, segundo a necessidade que cada um tinha. Então José, cognominado pelos apóstolos,
Barnabé (que, traduzido, é Filho da consolação), levita, natural de Chipre, possuindo uma herdade,
vendeu-a, e trouxe o preço, e o depositou aos pés dos apóstolos. (At. 4:34-37)
Mas um certo homem chamado Ananias, com Safira, sua mulher, vendeu uma propriedade, e reteve
parte do preço, sabendo-o também sua mulher; e, levando uma parte, a depositou aos pés dos
apóstolos. Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao
Espírito Santo, e retivesses parte do preço da herdade? Guardando-a não ficava para ti? E, vendida, não
estava em teu poder? Por que formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a
Deus. E Ananias, ouvindo estas palavras, caiu e expirou. E um grande temor veio sobre todos os que
isto ouviram. (At. 5:1-5)
Um dia destes discutia com um defensor do dízimo no Facebook e este convicto de que tinha o
melhor argumento a favor do dízimo disse-me “vai vende tudo e distribui a igreja como os
primeiros discípulos faziam”, claramente fazendo uma interpretação inocente das passagens acima.
Devemos ter cuidado em concluir coisas que as Escrituras não mostram. O relato descreve as
práticas da primeira comunidade cristã em Jerusalém, pouco depois de Pentecostes e após a
ascensão de Jesus Cristo. Eu confesso que no passado, também cheguei a pensar que a primeira
comunidade dos discípulos se reunia num lugar, onde passaram a viver como uma grande família,
sendo que todos os que tinham riquezas chegaram a vender tudo e entregaram aos apóstolos para
gerir. Entretanto, o que está escrito não é bem isso.
O que está descrito é que sempre que no seio da comunidade cristã surgisse alguém necessitado,
aqueles que tinham alguma coisa compartilhavam, ao ponto de venderem até as suas propriedades,
de modo que no seio da igreja já não existiam necessitados; todos tinham o mínimo para comer,
beber e vestir. Não há aqui a ideia de que todos viviam no mesmo lugar, na verdade eles se
reuniam todos os dias no pátio do Templo, vindo de suas casas:
E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com
alegria e singeleza de coração. (At. 2:46)
E todos os dias, no templo e nas casas, não cessavam de ensinar, e de anunciar a Jesus Cristo. (At. 5:42)
É preciso percebermos que o relato da morte de Ananias e sua mulher é descrito em contraste
com o relato de Barnabé. Este é apresentado como se um que oferece a boa oferta (Abel), e
Ananias e sua esposa como os que oferecem a má oferta (Caim), a diferença é que neste caso Caim

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A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

foi morto. A igreja tinha como prática ajudar os necessitados, cada um sacrificando o que era seu
por amor e não para entrar numa lista de benfeitores por pura hipocrisia ou orgulho.
Quando o apóstolo pergunta “Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que
mentisses ao Espírito Santo, e retivesses parte do preço da herdade? Guardando-a não ficava para
ti? E, vendida, não estava em teu poder?” Ele nos revela alguns factos sobre o sucedido. Primeiro é
que Ananias como (Caim) tinha o seu coração cheio de mentira (que vem do Diabo), e segundo, se
ele não trouxesse o dinheiro da venda não teria nenhum problema. O problema dele foi a falsidade
ou mentira diante do Espírito Santo.
Podemos concluir que Ananias ao chegar diante do apóstolo apresentou a parte do valor da
propriedade vendida como se fosse o valor total, na tentativa de parecer tão piedoso e amável
quanto Barnabé.
Muitas vezes Deus não tem estado no meio das nossas congregações, e devemos agradecer a
Ele por isso, caso contrário não sabemos quantos dentre nós continuariam vivos como Barnabé e
quantos cairiam mortos como Ananias e sua esposa.
Em nenhum momento, o relato tem a ver com o dízimo. O dízimo não era dinheiro como
vimos no capítulo terceiro, quando abordamos sobre as características do dízimo. Em segundo
lugar, o dízimo segundo a Lei era obrigatório, o que difere do caso em questão visto que o
apóstolo Pedro deixa claro que Ananias poderia ter ficado com todo o dinheiro da venda da
propriedade, sem nenhum constrangimento. Em terceiro lugar, a parte que Ananias levou não
mudaria a sua sentença de morte, mesmo se fosse 10% ou até 99%. A razão da sua morte foi o
não ser verdadeiro diante de Deus, tentando passar uma imagem de piedade, quando no fundo do
coração não era movido pelo amor e pela honestidade.
O que precisamos é substituir o falso ensino do dízimo pela doutrina da doação honesta e por
amor, tal como foi na primeira comunidade de cristãos. Há muito dízimo dado por outros motivos,
entre os quais a fama, o prestígio, o legalismo, orgulho, o medo do devorador, o medo do inferno,
etc. Devemos ajudar-nos honestamente e por amor, de modo voluntário e segundo as nossas
propriedades.
Um tempo atrás, um irmão contou-me sobre alguém que estava muito doente e não tinha
dinheiro para comprar os medicamentos, foi relatar ao pastor e este no final do culto (de uma
grande congregação) preferiu fazer apelo de dízimos e outras necessidades da instituição do que
arranjar apoio para o necessitado. Foram alguns crentes mais próximos a ele que se apercebendo
da situação se comoveram e arranjaram modos de apoiar. Os irmãos além de ajudá-lo
materialmente, tiveram de convencê-lo que uma coisa é ser chamado pastor, outra coisa é ser
verdadeiramente um filho de Deus.
Não poucas vezes as congregações enchem-se de necessitados, sendo que os cofres das mesmas
instituições enchem-se de dinheiro para tratar das paredes, mármores, e coisas ligadas à
infraestrutura. Mudamos o foco das almas para as coisas.

182
Argumentos Dos Dizimistas

Argumento 15: Até Cristo pagava taxas


Este é um dos argumentos mais usados pelos defensores do dízimo, segundo o qual o próprio
Cristo pagava taxa ao governo Romano e de modo semelhante cada cristão deve dar o seu dízimo.
Baseia-se na seguinte citação:
E, chegando eles a Cafarnaum, aproximaram-se de Pedro os que cobravam as dracmas, e disseram: O
vosso mestre não paga as dracmas? Disse ele: Sim. E, entrando em casa, Jesus se lhe antecipou,
dizendo: Que te parece, Simão? De quem cobram os reis da terra os tributos, ou o censo? Dos seus
filhos, ou dos alheios? Disse-lhe Pedro: Dos alheios. Disse-lhe Jesus: Logo, estão livres os filhos. Mas,
para que os não escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, tira o primeiro peixe que subir, e abrindo-lhe
a boca, encontrarás um estáter; toma-o, e dá-o por mim e por ti. (Mt. 17:24-27)
As dracmas eram taxas direccionadas ao Templo de Israel que todos os judeus maiores de vinte
anos tinham de pagar segundo a Lei (Êxodo 30:13-16/ II Crónicas 24:6-9/Neemias 10:32/ II Reis
12:4), e servia para a manutenção do mesmo. Já o tributo ou censo era a taxa que se pagava ao
governo romano e era direccionado ao censo populacional.
Essa argumentação é muito fraca, e só uma mente não exercitada nos princípios mais básicos
de pensamento lógico pode considerar este como sendo plausível. Vejamos, em primeiro lugar,
estamos diante de um mandamento da Lei, tal como o dízimo era, e já mostramos (capítulo I) que
antes de Cristo morrer na cruz, o NT ainda não tinha sido inaugurado. Para dizer que depois da
crucificação de Jesus Cristo fica ultrapassado o VT.
No que diz respeito a taxa do censo, é de se esperar que Cristo tenha pago a taxa, do mesmo
modo que todos nós que exercemos alguma actividade financeira, ou beneficiamos de serviços do
estado pagamos certas taxas. O que não faz das nossas denominações ou organizações religiosas
instituições estatais, com autoridade para decretar taxas sobre os crentes.
O cristão é exortado a ser um cidadão exemplar e cumpridor da lei (I Pedro 2:13-17/Romanos
13:1-8). Esta é a razão pelo qual Cristo evita escandalizar os cobradores dos dracmas. Na Lei, o
estado judeu não era laico, mas sim teocrático, os preceitos judiciais da nação eram os próprios
mandamentos instituídos no VT. Hoje, para além dos estados muçulmanos quase que não há
países teocráticos, mesmo o actual Israel.
Dito isto, vamos olhar para as outras palavras de Cristo que muitos ignoram neste caso: “De
quem cobram os reis da terra os tributos, ou o censo? Dos seus filhos, ou dos alheios? Disse-lhe
Pedro: Dos alheios. Disse-lhe Jesus: Logo, estão livres os filhos”. Aqui o SENHOR nos ensina
uma verdade que derruba o erro do dízimo, segundo o seu pensamento os filhos de um rei não
devem pagar impostos, obviamente por terem o próprio reino como herança familiar.
Pensemos sobre este assunto, se todos os discípulos de Cristo são filhos de Deus (João 1:12),
que é o Rei dos reis, porque pensaríamos que o próprio Deus a exemplo dos reis da terra cobraria
taxas aos seus próprios filhos, seria Ele menos zeloso que os reis da terra? Não são os cristãos
herdeiros de tudo (I Coríntios 3:21-23)? No reino de Deus não há taxa, porque Deus não necessita

183
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

de nada, Ele é auto-suficiente (Actos 17:25). Outra forma de ver esta situação seria a luz das
seguintes escrituras:
Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao SENHOR; porque o marido é a cabeça da
mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que,
assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus
maridos. Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se
entregou por ela. (Ef. 5:22-25)
Ou não sabeis que o que se ajunta com a meretriz, faz-se um corpo com ela? Porque serão, disse, dois
numa só carne. Mas o que se ajunta com o SENHOR é um mesmo espírito. (I Co. 6:16-17)
Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um
só corpo, assim é Cristo também. Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um
corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito. Porque
também o corpo não é um só membro, mas muitos. (I Co. 12:12-14)
No caso da citação de Efésios, a questão é “que tipo de marido cobraria taxas a sua mulher?”.
Já no verso a seguir a questão seria que tipo de pessoa exigiria que o seu próprio corpo lhe pagasse
tributo? Finalmente, no terceiro a questão seria com que legitimidade as mãos cobrariam taxas as
pernas, se todos os membros do corpo servem o mesmo corpo e todos têm o mesmo valor?
Cristo não pode cobrar dízimos a Igreja Dele, mas pode e deve exigir justiça, misericórdia,
fidelidade e amor. Não há taxas na Igreja de Cristo, nem há dízimos!
Porque a mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver, está-lhe ligada pela lei; mas, morto o
marido, está livre da lei do marido. De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for de
outro marido; mas, morto o marido, livre está da lei, e assim não será adúltera, se for de outro marido.
Assim, meus irmãos, também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo, para que sejais de outro,
daquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que demos fruto para Deus. (Rm. 7:2-4)

Argumento 16: Não há refutação clara na Bíblia contra o dízimo


Segundo este argumento, a Bíblia não apresenta nenhum versículo que de modo explícito
contrarie o ensino do dízimo nas igrejas. Este é aquele argumento que despreza a mensagem
integral do NT em nome de uma suposta necessidade da existência de versículos que
explicitamente proíbam a prática do dízimo. Com este argumento, a masturbação é aceitável visto
que as escrituras não tratam de modo explícito do assunto. O aborto também teria de ser aceito
visto que o NT não fala claramente sobre o assunto. Mas quais dos pastores defensores deste
modo de pensar afastam-se de suas mulheres e as consideram impuras durante o período
menstrual, já que o NT não refuta essa prática de forma “clara”? Se o leitor for alguém que tenha
lido sobre falácias, provavelmente terá já identificado que estamos diante do argumento pelo
silêncio (argumentum ex silentio). Este se refere ao argumento que se apoia na ausência de uma

184
Argumentos Dos Dizimistas

afirmação vinda de uma autoridade, onde o mesmo explicitamente refuta a posição defendida pelo
argumentador. Temos um bom resumo nas palavras de Steven Lewis 39:
Shhhh! Você ouviu isso? Esse é o som da falácia lógica de hoje: o argumento do silêncio! Semelhante à
falácia de um apelo à ignorância, o argumento do silêncio é uma falácia de indução fraca que trata a
ausência de evidência como a própria evidência. Essa falácia lógica essencialmente apela à autoridade e a
inverte. O apelo à autoridade diz que, porque uma autoridade A diz x, então x deve ser verdadeiro; o
argumento do silêncio diz que, porque uma autoridade A não disse x, então x deve ser falso. C efeito, o
silêncio da autoridade em relação a alguma reclamação em particular é tomado como prova contra a
própria reclamação.
Martinho Lutero é por vezes citado como tendo afirmado que “aquilo que não é contra as
Escrituras é a favor das Escrituras, e as Escrituras a favor daquilo” e este posicionamento é
praticamente o mesmo dos que defendem que a refutação do dízimo não está “clara” nas
Escrituras. Entretanto, em vez de fazermos da citação de homens a fonte de autoridade doutrinal
devemos analisar o que a integridade dos princípios das Escrituras nos ensina, e a partir daí filtrar a
posição mais coerente.
Desta feita, achamos que uma interpretação honesta e verdadeira das Escrituras, levando em
conta tanto o VT como o NT derruba de modo claro e sem equívocos, ou quaisquer ambiguidades
a prática do dízimo. Para além do lado fundamental das Escrituras, devemos analisar a história da
Igreja e a coerência dos argumentos usados a favor do dízimo. Feito isso, tal como elaborado neste
livro, chegaremos à conclusão de que o dízimo é ultrapassado legitimamente e eternamente.
Se com a palavra “clara” queremos dizer que não existem versículos bíblicos que explicita e
literalmente proíbem o dízimo, podemos até concordar que existe um “silêncio”. Entretanto, se
com “clara” queremos dizer que a integridade das Escrituras, a coerente, honesta e verdadeira
interpretação dos seus ensinos não são suficientemente evidentes para refutar a prática do dízimo
discordamos veementemente. Não há nenhuma refutação “clara”, mas há refutação total do
dízimo no NT.
Em primeiro lugar, vamos olhar para as Escrituras e examinar se tudo o que foi abolido ou
tudo que é pecado está explicitamente elaborado nas Escrituras, ou se em muitos casos é
necessário aplicar os princípios bíblicos para peneirar ou julgar os casos não explícitos. Vamos
começar do princípio e assim, vejamos dois casos que poderão criar o contexto para o nosso
exame do tema proposto, atentemos para Génesis nos seguintes casos:
Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E
esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim? E disse a mulher
à serpente: do fruto das árvores do jardim, comeremos, mas do fruto da árvore no meio do jardim,
disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais. (Gn. 3:1-3)
E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o
seu irmão Abel, e o matou. E disse o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não

39. https://ses.edu/the-argument-from-silence/.

185
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

sei; sou eu guardador do meu irmão? E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a
mim desde a terra. E agora maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o
sangue do teu irmão. (Gn. 4:8-11)
No primeiro caso gostaria de chamar à atenção à resposta da Eva, ela diz que “é assim que
Deus disse…”, em outras palavras é uma resposta equivalente a “está escrito”. Eva tinha
memorizado as palavras de Deus em relação à proibição de comer do fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal. Se fosse nos nossos dias ela teria dito “está escrito no livro x,
capítulo x e verso x”. Infelizmente isso não foi suficiente para inibir a Eva de pecar. Para Eva
estava “clara” a proibição de comer da árvore.
No segundo caso, Caim depois de assassinar o seu irmão foi indagado por Deus sobre o
paradeiro daquele, e ele responde dizendo: “Não sei; sou eu guardador do meu irmão?”. Em
outras palavras é uma resposta equivalente a “onde está escrito que eu sou guarda de meu irmão?”.
Caim não tinha qualquer memória de alguma vez Deus lhe ter ordenado a ser responsável pelo
bem-estar e segurança de seu irmão. Aqui, ao contrário da Eva, o mandamento não foi
explicitamente pronunciado por Deus; a situação não estava “clara” para o homicida. Mas na
verdade tratava-se de um princípio implantado na consciência de cada um. Caim era legalista,
queria escapar a condenação do pecado cometido, usando o argumentum ex silentio.
Se todo o pecado diante de Deus tivesse que ser explícito nas Escrituras não sei se haveria
espaço para se escrever qualquer outra coisa. Na verdade é muito perigoso pensar como Caim,
pensar que quando algo não estiver escrito, ou se Deus não proibir explicitamente temos o direito
de praticar tal coisa. Isso levar-nos-ia a considerar que o próprio Deus é injusto. Sim, quando foi
que os habitantes de Sodoma e Gomorra receberam uma Lei escrita proibindo-os de praticar as
abominações que os levaram a aniquilação por fogo?
De modo semelhante à Sodoma e Gomorra poderíamo-nos perguntar qual mal cometeram os
povos que tentaram levantar a Torre de Babel, ou ainda com qual legitimidade Deus pensava na
possibilidade de eliminar o povo de Nínive, se estes viviam praticando coisas próprias de pagãos, e
Deus não lhes havia proibido explicitamente? O apóstolo Paulo fala sobre isso nos seguintes
trechos:
Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a
verdade em injustiça. Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho
manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como
a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem
inescusáveis; porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram
graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se
sábios, tornaram-se loucos. (Rm. 1:18-22)
Aqui vemos que a própria natureza tem em si a manifestação do carácter de Deus, este simples
facto elimina qualquer argumento de que para fazermos isso ou àquilo temos que ler na Bíblia. O
que Deus É e o que dEle a natureza revela é suficiente para tornar-nos moralmente responsáveis
por qualquer atitude que fere a Sua glória. Caim pecou ao matar seu irmão, visto que, a nossa

186
Argumentos Dos Dizimistas

própria consciência nos mostra que é errado fazer ao próximo o que não gostaríamos que nos
façam. Este princípio está implantado na nossa consciência:
Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão-de ser
justificados. Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei,
não tendo eles lei, para si mesmos são lei; os quais mostram a obra da lei escrita em seus corações,
testificando juntamente a sua consciência, e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-
os. (Rm. 2:13-15)
O simples facto de sabermos o significado de sermos feridos, caluniados, ou maltratados
ensina-nos que não devemos ferir, caluniar ou maltratar o semelhante. Se nós decidirmos que tudo
que não está explicitamente escrito na Bíblia é aceitável, incorreríamos nos mesmos erros que os
Israelitas cometeram contra Deus. Por exemplo, Nadabe e Abiú foram mortos por Deus por terem
oferecido fogo estranho a Ele, não existia nenhum mandamento “claro” no VT que proibisse o
modo com que eles acenderam seus incensários (Levíticos 10:1-2). Os versículos que sugerem a
causa da morte dos mesmos são os seguintes:
E Arão fará chegar o novilho da expiação, que será por ele, e fará expiação por si e pela sua casa; e
degolará o novilho da sua expiação. Tomará também o incensário cheio de brasas de fogo do altar, de
diante do SENHOR, e os seus punhos cheios de incenso aromático moído, e o levará para dentro do
véu. E porá o incenso sobre o fogo perante o SENHOR, e a nuvem do incenso cobrirá o propiciatório,
que está sobre o testemunho, para que não morra. (Lv. 16:12)
E disse Moisés a Arão: Toma o teu incensário, e põe nele fogo do altar, e deita incenso sobre ele, e vai
depressa à congregação, e faze expiação por eles; porque grande indignação saiu de diante do
SENHOR; já começou a praga. E tomou-o Arão, como Moisés tinha falado, e correu ao meio da
congregação; e eis que já a praga havia começado entre o povo; e deitou incenso nele, e fez expiação
pelo povo. (Nm. 16:46)
Estes dois trechos mostram como Arão devia acender o incensário, tirando o fogo do altar.
Entretanto, a Lei não dizia de forma “clara” que acender o incensário doutro jeito resultaria em
morte. Assim, os dois filhos de Arão acenderam-nos de modo não autorizado. Duas coisas devem
chamar a nossa atenção aqui, a primeira é: a ausência de uma proibição “clara” não significa
autorização para praticar certa coisa, e a segunda: o facto de existir um silêncio sobre certo assunto
não significa que não podemos incorrer em um juízo severo por praticá-lo. A Bíblia não faz
apologia ao argumentum ex silentio.
Outro caso que vale a pena mencionar encontra-se no livro de Jeremias 7:30-31:
Porque os filhos de Judá fizeram o que era mau aos meus olhos, diz o SENHOR; puseram as suas
abominações na casa que se chama pelo meu nome, para contaminá-la. E edificaram os altos de Tofete,
que está no Vale do Filho de Hinom, para queimarem no fogo a seus filhos e a suas filhas, o que nunca
ordenei, nem me subiu ao coração.
Se de um lado a idolatria era explicitamente proibida, doutro lado o próprio Deus chama a juízo
o povo de Israel por fazer aquilo que Ele não ordenou, nem pensou. Em outras palavras Deus
estava indignado com o povo porque estes fizeram exatamente aquilo pelo qual havia um silêncio,

187
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

nada “claro” sobre tais actividades. Ele não lhes tinha falado, eles decidiram fazer e com isso
pecaram gravemente contra Deus. Na verdade, o facto de haver silêncio sobre tais coisas chegou a
ser uma proibição. No Novo Testamento encontramos situações semelhantes em que o silêncio
não é apresentado como permissão, na verdade o exato contrário parece ser a mensagem, vejamos
o seguinte trecho:
“E eu, irmãos, apliquei estas coisas, por semelhança, a mim e a Apolo, por amor de vós; para que em
nós aprendais a não ir além do que está escrito, não vos ensoberbecendo a favor de um contra outro.” ( I
Co. 4:6)
Estas palavras surgem num contexto de repreensão às dissensões e facções que estavam a surgir
em Coríntios, onde uns diziam que eram de Pedro, outros de Apolo e outros de Paulo. É assim que
Paulo fala sobre o julgamento de Deus, e exorta a ponderação no julgamento dos irmãos, visto que
Deus um dia “trará à luz as coisas ocultas das trevas, e manifestará os desígnios dos corações; e
então cada um receberá de Deus o louvor” (I Coríntios 4:5). Essas palavras são relevantes para o
caso em análise pelas razões que passamos a apresentar.
Fomos chamados a seguir Cristo e não as invenções de homens, seja este chamado de Paulo,
Apolo ou Pedro. Tudo o que não está escrito se insere no campo daquilo que Paulo diz “ir além do
que está escrito”. Essas são as coisas que não estão “claras”, visto o que está escrito não fazer
parte das coisas “ocultas das trevas”, nem tampouco dos “desígnios dos corações”. Em outras
palavras, por não haver nenhum ensino “claro” no NT que estipule o dízimo, devíamos ter maior
cuidado em “inventar” tal mandamento. Os princípios que nos foram passados explicitamente são
o evangelho, esse deve ditar o que fazemos ou deixamos de fazer:
Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho
anunciado, seja anátema. Assim, como já vo-lo dissemos, agora de novo também vo-lo digo. Se alguém
vos anunciar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema. (Gl.1:8-9)
As palavras de Paulo direccionadas as igrejas de Coríntios e Gálatas não sugerem a visão que a
maioria dos cristãos modernos apoia, uma de achar que tudo que não está “claro” na Bíblia é algo
aceitável e não condenável. O que não recebemos dos apóstolos deve ser rejeitado. Na verdade, o
apóstolo conecta o “silêncio” das Escrituras com coisas das trevas e segredos impuros do coração.
A tradição do dízimo não a recebemos de Cristo, nem mesmo dos apóstolos, portanto deve ser
examinada criteriosamente à luz do NT.
Quando Paulo exorta a não irmos para além do que está “claro” nas Escrituras, quer dizer que
praticar o que não está “claro” é perigoso e pode levar-nos a juízo diante de Deus. Ora, em vez de
apegarmo-nos a ideia de que: “não há nenhuma refutação clara na Bíblia contra o dízimo”
devíamos é nos apegar a ideia de que “não há nenhum mandamento claro para os cristãos
praticarem o dízimo”. São pensamentos parecidos, mas não são iguais, e na verdade são opostos.
Com a última compreensão teríamos medo de acabar em juízo diante de Deus por praticarmos e
institucionalizarmos o que Ele não nos mandou. Ao contrário de nos apeganharmos ao “silêncio”
devíamos compreender bem o que está “claro”, e através da clareza examinar os silêncios. Fazer o

188
Argumentos Dos Dizimistas

contrário é o errado. O apóstolo João também parece ter escrito algo que vale a pena ler a fim de
termos uma posição sobre o que está “claro” ou não nas escrituras:
Olhai por vós mesmos, para que não percamos o que temos ganho, antes recebamos o inteiro galardão.
Todo aquele que prevarica, e não persevera na doutrina de Cristo, não tem a Deus. Quem persevera na
doutrina de Cristo, esse tem tanto ao Pai como ao Filho. Se alguém vem ter convosco, e não traz esta
doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o saudeis. (II Jo. 1:8-10)
Ele diz “persevera na doutrina de Cristo” não diz “persevera na doutrina de tua denominação”
ou talvez “persevera na doutrina do fulano e do sicrano”. A palavra grega traduzida persevera é
equivalente a habitar ou permanecer, quer dizer que há um lugar específico, com suas delimitações
em que se deve manter, no caso as doutrinas de Cristo. Toda doutrina que Cristo não ensinou de
forma “clara” deve ser evitada. Não evitar seria não permanecer na doutrina de Cristo.
Quando se fala de doutrina trata-se de princípios ou mandamentos. Se Cristo não ordenou que
os cristãos pagassem ou cobrassem dízimos a Igreja, devíamos no mínimo nos questionar se o
mesmo mandamento está em harmonia com tudo que Cristo e os apóstolos ensinaram. Se
examinarmos como os bereanos e concluírmos que se trata de doutrina de homens, só nos deve
restar a sua rejeição. As Escrituras de modo bem “claro” nos diz o seguinte sobre doutrinas de
homens:
Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de
ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais
coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; as quais têm, na verdade,
alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não
são de valor algum senão para a satisfação da carne. (Cl. 2:20-23)
Aqui podemos ver que as “doutrinas dos homens” não têm valor algum. São nada mais do que
perda de tempo e confusão, somadas, multiplicadas ou subtraídas, o seu resultado não vai além de
zero! O dízimo que as igrejas cobram hoje, tal como mostramos nos capítulos anteriores, não é o
dízimo bíblico, nem do tipo dado por Abraão a Melquisedeque, e nem do tipo instituído por Deus
em Números 18. Na verdade o dízimo religioso actual foi inventado por um grupo de bispos
católicos a partir do século sexto depois de Jesus Cristo, e isso aproximadamente 2000 anos
depois do dízimo bíblico. Portanto, a maior refutação da prática do dízimo é o facto de estar
biblicamente “claro” que nem Cristo, nem os apóstolos o ordenaram.
Para vermos como defender o dízimo usando o argumento do “silêncio” ou de “falta de
clareza” é uma confusão é só nos perguntarmos quantas denominações evangélicas que cobram o
dízimo aceitam o uso do rosário, de água benta, consumo de liamba, ou que fazem apologia a
masturbação e apoiam o aborto? Ora, essas são só algumas coisas que se olharmos para o NT
“não há nenhuma refutação clara”. Não será isso hipocrisia?
Talvez o melhor contra-argumento para expôr a duplicidade de critérios daqueles que se
apegam ao argumento 16 seria a poligamia. No VT vemos de forma generalizada a prática da
poligamia, sendo Salomão o caso mais escandaloso. Em qual passagem no NT, de forma “clara”,

189
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

se proíbe a poligamia? Entretanto, 99% das igrejas que cobram o dízimo afirmam que
biblicamente a poligamia é proibida. Ainda que não encontremos explicitamente esta proibição na
confissão de fé das igrejas evangélicas, a verdade é que a prática assim o prova existir.
Ao longo deste livro apresentamos vários versículos bíblicos analisados a partir de um contexto
histórico, a fim de chegarmos a conclusões mais sólidas, e livres de manipulação ou equívocos, e a
súmula de tudo que vimos seja no VT como no NT definitivamente não apoiam o ensino do
dízimo nas igrejas cristãs. As verdades de Cristo devem ser analisadas a partir dos princípios que
Ele nos ensinou, tudo aquilo que fere tais princípios, não precisa estar explicitamente proibido
num versículo para ser rejeitado. Culturalmente sabemos que os judeus do NT eram uma
sociedade de alto-contexto40, querendo dizer que, ao contrário das sociedades ocidentais, não eram
detalhistas, assumiam que o ouvinte possuía suficiente conhecimento contextual para decifrar a
mensagem que era emitida.
Para além disso, nem todas as conclusões doutrinais e verdadeiras são produto de um versículo
explícito. Por exemplo, Paulo em I Coríntios 15:1-2 afirma que: “Cristo morreu e ressuscitou no
terceiro dia segundo as Escrituras”, entretanto, em nenhum lugar nos livros do VT (neste caso a
versão grega chamada Septuaginta que os discípulos usavam) encontramos um único versículo que
tenha isso de forma “clara”. A mesma se pode dizer seguramente em relação ao VT das nossas
Bíblias.
Uma vez explicava isso a alguém e ele respondeu dizendo que Cristo tinha dito “Pois, como
Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do homem três dias e
três noites no seio da terra” (Mateus 12:40). O problema com essa passagem é que no tempo em
que Paulo escreve I Coríntios (49-51 DC) o livro de Marcos (55-60 DC) ainda nem tinha sido
escrito, e segundo, ninguém antes de Cristo poderia ler o relato de Jonas e concluir que o texto
explicava a futura morte e ressurreição de Cristo. Foi o próprio Cristo quem pela primeira vez
alegorizou e usou o incidente de Jonas de modo profético a sua pessoa.
Na verdade, muitos são os versículos do VT que podem ser apontados como possíveis alusões
proféticas da morte e ressurreição de Cristo, mas nenhum deles de modo “claro” ou explícito
mostra que Ele devia morrer e no terceiro dia ressuscitar. O próprio Paulo fala sobre o “mistério
de Cristo” e de como os profetas que escreveram sob inspiração não podiam desvendar, pois tal
revelação era para nós (I Coríntios 2:7/Colossenses 1:26/Efésios 3:4).
Hoje nós lemos as Escrituras com um olhar espiritual, discernindo tudo através do Espírito
Santo, que nos dá a mente de Cristo (I Coríntios 2:15-16), e buscando comparar texto com texto e
aplicando o vasto acervo bibliográfico produzido nos vários campos de conhecimentos para
sondarmos o contexto e a história dos autores das Escrituras. É com a mente que Cristo usou para
interpretar a história de Jonas que Paulo e os outros discípulos interpretaram o VT e perceberam
que a morte e a ressurreição de Jesus Cristo eram “segundo as Escrituras”.

40. Malina, B. J. 2001. The Social Gospel of Jesus: The kingdom of God in Mediterranean Perspective. Minneapolis:
FortressPress, p. 9. kindle.

190
Argumentos Dos Dizimistas

Depois de considerarmos os pontos acima, podemos ver que argumentar “não há nenhuma
refutação clara do dízimo na bíblia” é um olhar imaturo, manipulador ou puramente carnal e
legalista. Se Cristo considerasse fundamental ou simplesmente válido a doutrina do dízimo (como
instituida a partir do ano 567) pelo menos um apóstolo inspirado pelo Espírito Santo praticaria
e/ou ensiná-lo-ia à Igreja. O dízimo e os argumentos usados em seu apoio são como se um
sistema de fractais, que reproduz infinitamente uma confusão.
Um tempo atrás eu tive a oportunidade de participar de uma palestra sobre o estado da
economia angolana face à crise que começou em 2014. Já que a nossa economia até ao momento
não é diversificada, mas sim dependente da produção petrolífera, o palestrante dentre os vários
gráficos explicativos que apresentou, chamou a nossa atenção à semelhança do gráfico da
produção petrolífera com o da produção geral ou PIB do nosso país, onde o primeiro gráfico
subia, o do segundo também subia e onde descia o primeiro, o segundo também descia. Essa
semelhança mostrava a dependência petrolífera da economia angolana.
Aí o leitor poderá perguntar-se “o que tem a ver o petróleo e a economia angolana com o
dízimo”? A resposta é: quase nada! Entretanto, se o leitor quer ter uma projecção de imagem da
confusão do dízimo, basta olhar para a produção petrolífera angolana como sendo a ignorância
dos cristãos, e o PIB angolano como se o ensino do dízimo, e aí terá a imagem que explica
detalhadamente a razão pela qual a maioria das igrejas evangélicas ainda cobra o dízimo aos seus
fiéis.

Resumo do Capítulo
O objectivo do capítulo V, foi desatar os erros que se escondem em discursos sofisticados dos
defensores do dízimo. Na verdade, os 16 argumentos que vimos são somente um resumo de vários
outros semelhantes que não sobrevivem a um exame minucioso e a uma análise bíblica séria. São
argumentos montados de meias-verdades, distorções, acusações, equívocos e falácias. Quando
estes argumentos são apresentados com palavras sofisticadas e ambiguidades fica muito difícil
separar os alhos dos bugalhos, verdades das mentiras. É isso que mantém o povo cego na doutrina
do dízimo, pensam que é um tema muito complexo e que não lhes compete tratar.
Dos 16 argumentos que apresentamos buscamos mostrar que todos eles estão em clara
contradição com Hebreus 10:11-14 que defende que cada verdadeiro discípulo de Cristo diante de
Deus é de certa forma perfeito e santo. Isso torna desnecessário e até ridículo a entrega de
dízimos, a guarda do Sábado, a circuncisão, etc., mas que para Deus os que creem em Jesus Cristo
completam a Sua vontade. Não necessitam de mais nada diante de Deus para serem declarados
perfeitos e santos.
No final das contas a Igreja não ensinava essa tradição actual do dízimo até o ano 567 depois de
Cristo. Não há legitimidade para continuarmos a praticar, trata-se de doutrinas de homens e para
nada servem, senão para confundir e manipular os crentes. Cada argumento a favor do dízimo é
como se lançar num rio de incoerência bíblica, equívocos históricos, contradições e falácias.

191
Parte VI
΅
O Significado Espiritual
do Dízimo
6

O Significado Espiritual Do Dízimo

N os cinco capítulos anteriores, buscamos lançar as fundamentações, tanto doutrinais como


contextuais, que formam uma fortaleza de argumentos coerentes e verdadeiros contra a
prática da tradição do dízimo moderno no seio cristão. Para tal, começamos por diferenciar o VT
do NT a fim de situar melhor as balizas da discussão, sendo que em seguida examinamos o
surgimento da doutrina do dízimo desde antes do VT até o VT, e daí continuamos para o NT,
onde mostramos, dentre outras coisas, quando e como surgiu a instituição do dízimo na igreja. Já
no capítulo anterior buscamos responder aos argumentos clássicos dos defensores desta doutrina,
e a seguir buscaremos então apresentar uma possível compreensão do dízimo à luz do NT.

Espiritualizar Versus Alegorizar


A fim de evitar equívocos relativamente ao que pretendemos abordar neste ponto, achamos por
bem introduzir uma diferenciação entre duas formas de interpretação que são por vezes aplicadas
às Escrituras Sagradas, que infelizmente na maioria das vezes são até abusadas, dando espaço para
todo o tipo de doutrinas subjectivas e sem embasamento bíblico.
Por vezes, encontramos os autores bíblicos interpretando os acontecimentos relatados no VT
de uma forma literal, e por vezes encontramos casos em que a interpretação é espiritualizada
(tipologia) ou até alegorizada. Quando falamos de espiritualizar, queremos explicar aquela instância
em que a uma certa passagem ou fenómeno das Escrituras é dada uma interpretação espiritual à
luz do NT. Em outras palavras, aquilo que era visto exteriormente passa a ser visto interiormente,
ganha uma interpretação espiritual. Vejamos somente três exemplos:
• Romanos 2:29: Paulo diz: “Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do
coração, no espírito, não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus”.
Querendo dizer que a circuncisão que era feita no prepúcio era somente a imagem de uma
realidade operada no interior do coração, em outras palavras nascer-de-novo (João 3:5) é a
realidade daquilo que na Lei era manifestado pelo ritual da circuncisão.
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

• Mateus 11:29: Cristo disse: “Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou
manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas”. Aqui o
SENHOR fala ao povo de Israel, Ele sabia muito bem o peso da palavra “descanso” na
visão da Lei, que representava o Sábado um dos maiores mandamentos do judaísmo. Ora,
quando Cristo diz que “encontrareis descanso” Ele dá uma interpretação espiritual do
mesmo. Em outras palavras os judeus apesar de não fazerem nenhuma obra no Sábado,
ainda não tinham alcançado o verdadeiro Sábado ou descanso, que só Cristo pode dar.
Para vermos que essa é a mensagem que Cristo queria transmitir podemos coligir com as
seguintes palavras:
Porque nós, os que temos crido, entramos no repouso, tal como disse: Assim jurei na minha ira Que
não entrarão no meu repouso, porque em certo lugar disse assim do dia sétimo: E repousou Deus de
todas as suas obras no sétimo dia. E outra vez neste lugar: Não entrarão no meu repouso. Visto, pois,
que resta que alguns entrem nele, e que aqueles a quem primeiro foram pregadas as boas novas não
entraram por causa da desobediência, determina outra vez um certo dia, hoje, dizendo por Davi, muito
tempo depois, como está dito: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações. Porque,
se Josué lhes houvesse dado repouso, não falaria depois disso de outro dia. Portanto, resta ainda um
repouso para o povo de Deus. (Hb. 4:3-9)
Se notarmos o verso quarto veremos que trata, sem nenhuma dúvida, do sétimo dia, ou seja, o
Sábado. Entretanto, se formos para o salmo 95 (que Hebreus 4: 3-9 cita) notaremos que a palavra
traduzida descanso men-oo-khaw (Strong/ H4495) não é a mesma que o antigo testamento utiliza
para referir-se ao sétimo dia, que é shab-bawth (Strong/H7673). Por terem mais ou menos essa
interpretação muitas igrejas evangélicas não aderem a visão dos Adventistas, naturalmente,
defendem que quem está em Cristo (Efésios 1:3) já alcançou o descanso ou Sábado.
• João 6:33: Cristo disse: “Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao
mundo.” E continua dizendo nos versos 34 e 35 “Disseram-lhe, pois: SENHOR, dá-nos
sempre desse pão. E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá
fome, e quem crê em mim nunca terá sede.” De novo, enquanto que a visão do maná (que
Deus enviou do céu ao povo de Israel no deserto) remete a história de como o povo
morreria de fome caso Deus não providenciasse pão (Êxodo 16), Cristo vem mostrar que a
verdadeira fome do povo é espiritual, que a menos que nos alimentemos Dele, o enviado
de Deus (João 3:16) certamente morreremos nos nossos pecados (João 8:24).
Já ao falarmos de alegorizar, estamos diante de uma espécie de metáfora estendida, isto é, a
mensagem literal de um texto elaborado de modo simbólico. Quando falamos de alegorizar
queremos explicar aquela instância em que a certa passagem ou fenómeno das Escrituras é dada
uma interpretação alegórica, ou seja, simbólica. Em outras palavras aquilo que era visto
literalmente passa a ser visto como símbolo, ganha uma interpretação simbólica. Vejamos também
três exemplos:

196
O Significado Espiritual Do Dízimo

 Mateus 9:16: Cristo disse “Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha,
porque semelhante remendo rompe a roupa, e faz-se maior a rotura.” E continuou
dizendo, semelhantemente, no verso 17 “Nem se deita vinho novo em odres velhos;
aliás rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se
vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam.” A realidade que Cristo
queria ensinar é que o VT como sistema teocrático teve sua serventia (Gálatas 3:24) e
que vindo o NT também temos um outro sistema, próprio e novo, onde os princípios
do Reino de Deus não podem ser vistos como um remendo ao VT (Gálatas 13:25), mas
sim a inauguração de uma aliança que expande para todos os povos, como o fermento
do vinho, requerendo uma nova visão da graça e do amor de Deus. De tal modo que
cada Testamento tem o seu próprio lugar na manifestação do braço redentor de Deus
para com a humanidade.
A alusão a roupa nova e ao vinho enquadra-se nos vários temas de noivo ou esposo e bodas
(com vinho) encontrados nas Escrituras, tal como em Isaías 61, 62, Apocalipse 19:7-9, passando a
ideia de Jesus Cristo e a Igreja, justificação e santidade dos salvos, paz e eterna participação no
Reino de Deus.
• I Coríntios 9:9: Paulo diz que “Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao
boi que trilha o grão. Porventura tem Deus cuidado dos bois?” E continua no verso a
seguir dizendo “Ou não o diz certamente por nós? Certamente que por nós está escrito;
porque o que lavra deve lavrar com esperança e o que debulha deve debulhar com
esperança de ser participante.” Paulo interpreta Deuteronómio 25:4 de modo alegórico,
dizendo que na verdade o que Moisés falou é relativo aos presbíteros que se dedicam a
obra (lavoura) de Deus, estes merecem ser beneficiários dos bens materiais por parte dos
membros da Igreja. Em outras palavras, o boi alegoricamente representa os ministros do
evangelho e trilhar o grão representa a dedicação ao crescimento dos discípulos de Cristo.
• II Samuel 12: O conto do profeta Natã a Davi é uma alegoria da gravidade do pecado que
este havia cometido. O homem rico era nada mais, nada menos do que o próprio rei Davi,
e o homem pobre era o Urias e a Bateseba a pequena cordeira.
Tendo em conta que por vezes é difícil diferenciar taxativamente o alegorizar do espiritualizar,
queríamos lançar luzes sobre esse assunto, a fim de podermos caminhar no mesmo fio de
pensamento, relativamente ao modo que pretendemos espiritualizar o dízimo, a luz do NT
seguidamente.

Parte Separada da Terra


Estas são as origens dos céus e da terra, quando foram criados; no dia em que o SENHOR Deus fez a
terra e os céus, e toda a planta do campo que ainda não estava na terra, e toda a erva do campo que

197
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

ainda não brotava; porque ainda o SENHOR Deus não tinha feito chover sobre a terra, e não havia
homem para lavrar a terra. Um vapor, porém, subia da terra, e regava toda a face da terra. E formou o
SENHOR Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi
feito alma vivente. E plantou o SENHOR Deus um jardim no Éden, do lado oriental; e pós ali o
homem que tinha formado. E o SENHOR Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista, e
boa para comida; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal.
(Gn. 2:4-9)
Gostaria de chamar a atenção a alguns pontos na passagem acima, de um lado será sobre Deus
e doutro lado sobre o homem. Primeiro diríamos que Deus é O Jardineiro ou Agricultor, Ele não
somente criou o céu e a terra, mas também foi da autoria Dele a criação de toda sorte de plantas e
ervas, sendo que antes Dele criar o homem, Ele mesmo regava toda a face da terra através de um
vapor que subia dela. O mesmo Deus plantou um jardim no Éden, um lugar que tinha água
abundante, plantas agradáveis à vista e boa para comida, e ali meteu o homem depois de criá-lo da
mesma terra que suporta a vegetação.
Vale a pena notar que a terra toda não era o jardim que Deus havia criado, mas que no lado
oriental do Éden aí Deus havia separado um espaço onde decidiu plantar o jardim, lugar sagrado,
morada de Adão e Eva em comunhão com Deus (santuário). Bem no centro deste jardim as duas
árvores, a do conhecimento do bem e do mal e a da vida. As árvores e os seres humanos aí, ambos
criados e posicionados por Deus em seus devidos lugares com funções diferentes, sendo que para
o homem sua função era manifestar a imagem e semelhança de Deus:
E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os
peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se
move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher
os criou. E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-
a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre
a terra. (Gn. 1:26-28)
Por esta razão, vimos que tão logo o homem é colocado no jardim Deus orienta-o a lavrar e
guardá-lo, pois a imagem e semelhança de Deus inclui as funções de agricultor ou de jardineiro,
pois expressam o domínio do homem sobre a flora e a fauna. Naturalmente, à medida que a
humanidade frutificaria multiplicar-se-ia e enchesse a terra, os mesmos cuidados e condições
inicialmente criados e desenvolvidos no jardim seriam estendidos para o mundo todo. Em outras
palavras, o mundo todo deveria ser moldado ao modelo do próprio jardim. A autoridade do
homem estender-se-ia sobre toda a terra e os seres nela criados, estando o próprio homem debaixo
da autoridade de Deus, Aquele de quem o homem deve reflectir ao mundo. Por isso, disse o
salmista:
Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que preparaste; que é o homem
mortal para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? Pois pouco menor o fizeste
do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste. Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das
tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés: todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo,

198
O Significado Espiritual Do Dízimo

as aves dos céus, e os peixes do mar, e tudo o que passa pelas veredas dos mares. O SENHOR,
SENHOR nosso, quão admirável é o teu nome sobre toda a terra! (Sl. 8:3-9)
Entretanto, se de um lado todos os produtos do campo, sob a autoridade do homem, serviriam
para as necessidades e os desejos do homem, o próprio homem semelhantemente serviria para
Deus. É aqui onde encaixamos passagens como:
Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu
reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu… (Mt. 6:9-10)
A todos os que são chamados pelo meu nome e os que criei para a minha glória, os formei, e também
os fiz. (Is. 43:7)
Com que me apresentarei ao SENHOR, e me inclinarei diante do Deus altíssimo? Apresentar-me-ei
diante dele com holocaustos, com bezerros de um ano? Agradar-se-á o SENHOR de milhares de
carneiros, ou de dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu primogénito pela minha transgressão, o fruto
do meu ventre pelo pecado da minha alma? Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o
SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a e andes humildemente com o teu Deus?
(Mq. 6:6-8)
Aproximou-se dele um dos escribas que os tinha ouvido disputar, e sabendo que lhes tinha respondido
bem, perguntou-lhe: Qual é o primeiro de todos os mandamentos? E Jesus respondeu-lhe: O primeiro
de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o SENHOR nosso Deus é o único SENHOR. Amarás, pois,
ao SENHOR teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de
todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes. (Mc. 12:28-31)
Todos estes versículos são somente alguns dos que podemos encontrar nas Escrituras que
mostram qual a expectativa de Deus em relação ao homem, e consequentemente qual o dever do
homem em relação ao seu Criador. O papel do homem é glorificar a Deus, e isso é reflectir a
própria pessoa de Deus no mundo. O mesmo homem que tem a missão de reflectir a glória de
Deus no mundo, aparece em certas passagens da Bíblia como uma árvore ou vide:
Veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo: Vai, e clama aos ouvidos de Jerusalém, dizendo: Assim diz
o SENHOR: Lembro-me de ti, da piedade da tua mocidade, e do amor do teu noivado, quando me
seguias no deserto, numa terra que não se semeava. Então Israel era santidade para o SENHOR, e as
primícias da sua novidade; todos os que o devoravam eram tidos por culpados; o mal vinha sobre eles,
diz o SENHOR. (Jr. 2:1-3)
Trouxeste uma vinha do Egito; lançaste fora os gentios, e a plantaste. Preparaste-lhe lugar, e fizeste com
que ela deitasse raízes, e encheu a terra.” (Salmos 80:8-9)
Naturalmente, a alegoria da vide é construída da função de Adão e Eva como reflexos da
imagem de Deus, sendo os guardas e agricultores do Jardim com todo o domínio e autoridade
sobre a flora e a fauna da terra. Estes exerceriam um papel de soberanos do mundo, a semelhança
de Deus soberano sobre os seres divinos e sobre o próprio homem. Em outras palavras, assim
como os homens têm autoridade e direito sobre as árvores que eles mesmo plantam e cuidam,
Deus tem também sobre os homens autoridade e direito supremo, sendo que as virtudes que Ele

199
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

busca produzir no homem se tornam equiparadas as frutas que os homens buscam colher das
plantas.
Ora, se de um lado era tarefa do homem domar o mundo, cuidar da natureza, segue-se que
quando Adão decide desobedecer a Deus e comer da fruta da árvore do conhecimento do bem e
do mal, o inverso aconteceu; o homem havia se deixado domar pelos desejos da sua própria carne.
Em outras palavras, a tarefa de cuidar da terra e dominar sobre o mundo tinha uma mensagem
espiritual, ou seja, tratava-se do homem não ser dominado pela concupiscência, não se fazer refém
do desejo de satisfazer a sua carne. Dali, as palavras de Tiago:
Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a
ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência.
Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a
morte. (Tg. 1:13-15)
Doutro lado, quando o salmista fala que “pouco menor o fizeste do que os anjos” (Salmos 8)
ele está a referir-se ao facto de que o homem foi feito do pó da terra. Essa verdade pode ser
notada nas seguintes passagens aplicadas a Jesus Cristo:
E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigénito do Pai,
cheio de graça e de verdade. (Jo. 1:14)
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em
forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma
de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo,
sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe
deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que
estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o SENHOR,
para glória de Deus Pai. (Fp. 2:4-11)
Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os
anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos. Porque
convinha que aquele, para quem são todas as coisas, e mediante quem tudo existe, trazendo muitos
filhos à glória, consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles. Porque, assim o que santifica,
como os que são santificados, são todos de um; por cuja causa não se envergonha de lhes chamar
irmãos, dizendo: Anunciarei o teu nome a meus irmãos, Cantar-te-ei louvores no meio da congregação.
(Hb. 2:9-12)
Desta feita, num olhar espiritual, quando nas Escrituras encontramos a referência de terra ou
campo, devemos lembrar que o conceito abrange acima de tudo o próprio homem, visto que
fomos feitos do pó da terra. Vamos tentar ler os seguintes versículos neste prisma:
Todavia, nenhuma coisa consagrada, que alguém consagrar ao SENHOR de tudo o que tem, de
homem, ou de animal, ou do campo da sua possessão, se venderá nem resgatará; toda a coisa
consagrada será santíssima ao SENHOR. Toda a coisa consagrada que for consagrada do homem, não
será resgatada; certamente morrerá. Também todas as dízimas do campo, da semente do campo, do
fruto das árvores, são do SENHOR; santas são ao SENHOR. Porém, se alguém das suas dízimas
resgatar alguma coisa, acrescentará a sua quinta parte sobre ela. No tocante a todas as dízimas do gado e

200
O Significado Espiritual Do Dízimo

do rebanho, tudo o que passar debaixo da vara, o dízimo será santo ao SENHOR. Não se investigará
entre o bom e o mau, nem o trocará; mas, se de alguma maneira o trocar, tanto um como o outro será
santo; não serão resgatados. (Lv. 27:28-33)
Aqui, vemos segundo a Lei que (1) desde o próprio homem, animais e produtos agrícolas
podiam ser consagrados ao SENHOR; (2) toda a coisa consagrada não podia ser resgatada, mas
tinha de ser morta ou oferecida em holocausto, e (3) toda a décima parte dos produtos do campo
seriam separados (santo) para o SENHOR. Em outras palavras, o dízimo tal como toda coisa
consagrada ao SENHOR era propriedade exclusiva de Deus e não podia ser resgatada. Querendo
isso dizer que até o próprio homem consagrado ao SENHOR é de certa forma uma espécie de
dízimo do SENHOR.
No NT veremos as passagens que de modo muito contundente sugerem estas nossas
conclusões, passagens que mostram como o cristão é separado ou santo, eleito e que está morto
para a glória de Deus:
Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja
desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do
pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos; sabendo que, tendo
sido Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte não mais tem domínio sobre ele. Pois,
quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim
também vós vos considerai como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso
SENHOR. Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas
concupiscências; nem tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de
iniquidade; mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como
instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei,
mas debaixo da graça. (Rm. 6:6-14)
Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as
virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, que em outro tempo não
éreis povo, mas agora sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes
misericórdia. (I Pe. 2:9-10)
Aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Salvador
Jesus Cristo; o qual se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniquidade, e purificar para si
um povo seu especial, zeloso de boas obras. (Tt. 2:13-14)
Vale a pena chamar a atenção do leitor à palavra de Paulo ao dizer “não reine, portanto, o
pecado em vosso corpo mortal…”, fazendo-nos voltar à função original da criação do homem, em
não ser dominado pela natureza, mas em ser ele o dominador da natureza, a imagem de Deus que
domina sobre tudo no céu.
Existe uma ligação clara entre estas palavras, como se a proclamação de uma humanidade
redimida do erro de Adão, e reestabelecida em Jesus Cristo, o Verdadeiro dízimo. Sim, foi Ele
quem viveu uma vida totalmente consagrada a Deus (João 4:34), é Ele a porção de Deus (I
Coríntios 3:21-23), e foi Ele quem foi morto oferecendo-se em holocausto (I Coríntios 15:3). Se
ainda faz alguma confusão, tente digerir as seguintes palavras:

201
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Porque, havendo Moisés anunciado a todo o povo todos os mandamentos segundo a lei, tomou o
sangue dos bezerros e dos bodes, com água, lã purpúrea e híssope, e aspergiu tanto o mesmo livro
como todo o povo, dizendo: Este é o sangue do testamento que Deus vos tem mandado. E
semelhantemente aspergiu com sangue o tabernáculo e todos os vasos do ministério. E quase todas as
coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão. De
sorte que era bem necessário que as figuras das coisas que estão no céu assim se purificassem; mas as
próprias coisas celestiais com sacrifícios melhores do que estes. Porque Cristo não entrou num santuário
feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer por nós perante a
face de Deus; nem também para a si mesmo se oferecer muitas vezes, como o sumo-sacerdote cada ano
entra no santuário com sangue alheio; de outra maneira, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde
a fundação do mundo. Mas agora na consumação dos séculos uma vez se manifestou, para aniquilar o
pecado pelo sacrifício de si mesmo. (Hb. 9:19-26)
Sim, o que estamos a defender é que o sacrifício de Jesus Cristo é o cumprimento de todos os
sacrifícios e todo o sistema de ofertas, incluindo o dízimo. Assim como em Cristo a circuncisão é
feita em nossos corações, assim como em Cristo os cordeiros e ovelhas não mais precisam de ser
apresentados em holocausto, do mesmo modo em Jesus todo o dízimo que Deus precisa Ele já
recebeu. Por isso lemos:
Mas, vindo Cristo, o sumo-sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não
feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio
sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção. Porque, se o sangue dos
touros e bodes, e a cinza de uma novilha esparzida sobre os imundos, os santifica, quanto à purificação
da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a
Deus, purificará as vossas consciências das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo? E por isso é
Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que
havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna. (Hb. 9:11-
15)
Devemos entender e aceitar que a redenção por Cristo efetuada é eterna, só precisou de ser
feita uma vez para santificar todos os que crêem. As obras mortas são todas as cerimónias e
sacrifícios do VT que tinham de ser feitos anualmente, repetidas vezes (como o dízimo), se elas
fossem eficazes não necessitariam de ser repetidas. Mas Cristo efectuou uma eterna redenção,
oferecendo-se pelo Espírito eterno, isto é, uma única e suficiente vez:
Porque Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu,
para agora comparecer por nós perante a face de Deus; nem também para a si mesmo se oferecer
muitas vezes, como o sumo-sacerdote cada ano entra no santuário com sangue alheio; de outra maneira,
necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do mundo. Mas agora na consumação dos
séculos uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo. E, como aos
homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo, assim também Cristo,
oferecendo-se uma vez para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o
esperam para salvação. (Hb. 9:24-28)
Jesus Cristo é a satisfação de toda a Lei de Deus, isso inclui, naturalmente, o dízimo, ou seja, Ele
representa todas as coisas que a Lei mandava. Desta forma Ele é também o dízimo perfeito, que

202
O Significado Espiritual Do Dízimo

não se precisa dar mais anos após anos repetidamente. E se nós estamos em Cristo (que se fez da
nossa natureza de pó), e por isso membros do Corpo Dele, segue que nós somos,
verdadeiramente, o dízimo que Deus sempre buscou, Sua parte peculiar, separados dos animais e
das plantas, separados daqueles que em vez de dominarem sobre o pecado (mundo), o pecado é
que domina sobre seus membros. Por isso, encontramos a seguinte passagem de um salmo:
Sabei, pois, que o SENHOR separou para si aquele que é piedoso; o SENHOR ouvirá quando eu
clamar a ele. (Sl. 4:3)
O SENHOR separou o piedoso para si, do meio de uma humanidade perversa, assim como fez
com Noé, com Abraão, com Israel, com David e com todos os homens que Lhe foram fiéis desde
o VT até o NT, Ele separou da terra, para Sua glória exclusivamente um povo. São estes separados
aqueles que as Escrituras chamam por remanescente (Isaías 10:12/Apocalipse 12:17), santos
(Êxodo 22:31/Romanos 1:7), ou eleitos (I Tessalonicenses 1:4/II Pedro 1:10). É o mesmo
princípio em questão quando se trata do dízimo; uma parte da colheita agrícola era separada para
Deus. Lemos por exemplo:
Agora cantarei ao meu amado o cântico do meu querido a respeito da sua vinha. O meu amado tem
uma vinha num outeiro fértil. E cercou-a, e limpando-a das pedras, plantou-a de excelentes vides; e
edificou no meio dela uma torre, e também construiu nela um lagar; e esperava que desse uvas boas,
porém deu uvas bravas. Agora, pois, ó moradores de Jerusalém, e homens de Judá, julgai, vos peço,
entre mim e a minha vinha. Que mais se podia fazer à minha vinha, que eu lhe não tenha feito? Por que,
esperando eu que desse uvas boas, veio a dar uvas bravas? Agora, pois, vos farei saber o que eu hei de
fazer à minha vinha: tirarei a sua sebe, para que sirva de pasto; derrubarei a sua parede, para que seja
pisada; e a tornarei em deserto; não será podada nem cavada; porém crescerão nela sarças e espinheiros;
e às nuvens darei ordem que não derramem chuva sobre ela. Porque a vinha do SENHOR dos
Exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta das suas delícias; e esperou que exercesse
juízo, e eis aqui opressão; justiça, e eis aqui clamor. (Is. 5:1-7)
Deus apresenta-se como O Agricultor, e reclama da qualidade da colheita de Sua vinha, e Israel
é a vinha que desiludiu a Deus, isso nos remete às palavras de Jesus Cristo:
Ouvi, ainda, outra parábola: houve um homem, pai de família, que plantou uma vinha, e circundou-a de
um valado, e construiu nela um lagar, e edificou uma torre, e arrendou-a a uns lavradores, e ausentou-se
para longe. E, chegando o tempo dos frutos, enviou os seus servos aos lavradores, para receber os seus
frutos. E os lavradores, apoderando-se dos servos, feriram um, mataram outro, e apedrejaram outro.
Depois enviou outros servos, em maior número do que os primeiros; e eles fizeram-lhes o mesmo. E,
por último, enviou-lhes seu filho, dizendo: terão respeito a meu filho. Mas os lavradores, vendo o filho,
disseram entre si: Este é o herdeiro; vinde, matemo-lo, e apoderemo-nos da sua herança. E, lançando
mão dele, o arrastaram para fora da vinha, e o mataram. Quando, pois, vier o SENHOR da vinha, que
fará àqueles lavradores? Dizem-lhe eles: dará afrontosa morte aos maus, e arrendará a vinha a outros
lavradores, que a seu tempo lhe dêem os frutos. Diz-lhes Jesus: nunca lestes nas Escrituras: A pedra,
que os edificadores rejeitaram, Essa foi posta por cabeça do ângulo; Pelo SENHOR foi feito isto, E é
maravilhoso aos nossos olhos? Portanto, eu vos digo que o reino de Deus vos será tirado, e será dado a
uma nação que dê os seus frutos. E, quem cair sobre esta pedra, despedaçar-se-á; e aquele sobre quem

203
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

ela cair ficará reduzido a pó. E os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, ouvindo estas palavras,
entenderam que falava deles; (Mt. 21:33-45)
Talvez essa visão agrícola possa parecer estranha para alguns, mas vejamos o que Cristo fala aos
apóstolos ainda mais:
Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador. Toda a vara em mim, que não dá fruto, a tira; e
limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto. Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho
falado. Estai em mim, e eu em vós; como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na
videira, assim também vós, se não estiverdes em mim. Eu sou a videira, vós as varas; quem está em
mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não estiver em mim,
será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem. Se vós estiverdes em
mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito. Nisto é
glorificado meu Pai, que deis muito fruto; e assim sereis meus discípulos. Como o Pai me amou,
também eu vos amei a vós; permanecei no meu amor. (Jo. 15:1-9)
Se no VT Israel era a vinha de Deus, no NT vemos uma visão diferente, o próprio Cristo é a
vinha verdadeira e os discípulos as varas de onde Deus espera que brotem muitos frutos contrários
aos que Israel produziu, visto que deles o SENHOR reclamou dizendo ter esperado que
“exercesse juízo, e eis aqui opressão; justiça, e eis aqui clamor”. Nesta mesma exortação em
“permanecer” vem as seguintes palavras:
Digo, pois: porventura tropeçaram, para que caíssem? De modo nenhum, mas pela sua queda veio a
salvação aos gentios, para os incitar à emulação. E se a sua queda é a riqueza do mundo, e a sua
diminuição a riqueza dos gentios, quanto mais a sua plenitude! Porque convosco falo, gentios, que,
enquanto for apóstolo dos gentios, exalto o meu ministério; para ver se de alguma maneira posso incitar
à emulação os da minha carne e salvar alguns deles. Porque, se a sua rejeição é a reconciliação do
mundo, qual será a sua admissão, senão a vida dentre os mortos? E, se as primícias são santas, também a
massa o é; se a raiz é santa, também os ramos o são. E se alguns dos ramos foram quebrados, e tu,
sendo zambujeiro, foste enxertado em lugar deles, e feito participante da raiz e da seiva da oliveira, não
te glories contra os ramos; e, se contra eles te gloriares, não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz a ti.
Dirás, pois: os ramos foram quebrados, para que eu fosse enxertado. Está bem; pela sua incredulidade
foram quebrados, e tu estás em pé pela fé. Então não te ensoberbeças, mas teme. Porque, se Deus não
poupou os ramos naturais, teme que não te poupe a ti também. Considera, pois, a bondade e a
severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas para contigo, benignidade, se
permaneceres na sua benignidade; de outra maneira também tu serás cortado. E também eles, se não
permanecerem na incredulidade, serão enxertados; porque poderoso é Deus para os tornar a enxertar.
Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro e, contra a natureza, enxertado na boa oliveira,
quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira! (Rm. 11:11-24)
Deus quer a Sua parte da colheita, o fruto da Sua vinha, e naturalmente que isso não se trata de
algo que Deus come, mas sim de virtudes que o próprio Cristo satisfez em sua vida perfeita,
imaculada. Essas virtudes podem ser contextualizadas nas seguintes passagens:
Com que me apresentarei ao SENHOR, e me inclinarei diante do Deus altíssimo? Apresentar-me-ei
diante dele com holocaustos, com bezerros de um ano? Agradar-se-á o SENHOR de milhares de
carneiros, ou de dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu primogénito pela minha transgressão, o fruto
do meu ventre pelo pecado da minha alma? Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o

204
O Significado Espiritual Do Dízimo

SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a e andes humildemente com o teu Deus?
(Mq. 6:6-8)
Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão,
temperança. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas
paixões e concupiscências. Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito. (Gl. 5:22-25)
Se no Éden haviam muitas frutas de árvores boas para Adão e Eva alimentarem-se, doutro lado,
o próprio Deus olhava para Adão e Eva esperando que estes crescessem e brotassem esses frutos:
praticar a justiça e andar humildemente diante de Deus. Mas por vontade própria Adão rendeu-se à
desobediência. Felizmente, Deus não abortou o seu projecto para com o homem e toda a história
da humanidade gira em torno do Agricultor agindo de modo especial para um dia colher o que
Lhe pertence. O seguinte verso mostra claramente o que pertence e o que não pertence ao
SENHOR:
Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os
sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores
herdarão o reino de Deus. E é o que alguns têm sido; mas haveis sido lavados, mas haveis sido
santificados, mas haveis sido justificados em nome do SENHOR Jesus, e pelo Espírito do nosso Deus.
(I Co. 6:10)
Notemos que o critério para herdar o reino de Deus não é relativo àquilo que eles dão mas sim
àquilo que eles são. Essa distinção é muito crucial. Voltando para o dízimo, tal como o sacerdote
recebia a melhor porção do dízimo dos levitas enquanto o povo separava de sua produção agrícola
a décima parte como pertença exclusiva a Deus, de jeito espiritual Deus recebe o povo que Lhe
pertence, aqueles que “são”. Na verdade, o Deus que é Espírito só recebe sacrifícios espirituais, e
sabemos que o sacrifício perfeito foi Cristo entregar-se a si próprio (Hebreus 9:24-28), de modo
que o sacrifício agradável que Deus espera de nós é nada mais, nada menos, do que nós nos
entregarmos totalmente a Ele:
Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo,
santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas
sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa,
agradável, e perfeita vontade de Deus. (Rm. 12:1-2)
Porque não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura. Portanto, ofereçamos sempre por
ele a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome. E não vos
esqueçais da beneficência e comunicação, porque com tais sacrifícios Deus se agrada. (Hb. 13:14-16)
Tomai convosco palavras, e convertei-vos ao SENHOR; dizei-lhe: Tira toda a iniquidade, e aceita o que
é bom; e ofereceremos como novilhos os sacrifícios dos nossos lábios. (Os. 14:2)
O que há em comum nestes três versículos, e nos anteriores a eles é que a natureza do sacrifício
que Deus requer de nós não é de nada para além de nós mesmo. É isso que é a verdadeira
adoração que Cristo explica:

205
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Disse-lhe a mulher: SENHOR, vejo que és profeta. Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que
é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que
nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que
sabemos porque a salvação vem dos judeus. Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade. A mulher disse-
lhe: Eu sei que o Messias (que se chama o Cristo) vem; quando ele vier, nos anunciará tudo. Jesus disse-
lhe: Eu o sou, eu que falo contigo. (Jo. 4:19-26)
Lembremos do que tratamos no capítulo três, quando falamos sobre Casa de Deus Versus
Casa do Tesouro, mostrando que só o dízimo dos dízimos era levado à Casa do Tesouro, que era
nada mais do que um compartimento no Templo de Jerusalém, que a vida cerimonial do VT
primeiramente estava confinada ao Templo e secundariamente ao lar e posteriormente as
sinagogas. Portanto, quando Cristo diz que “crê-me que a hora vem, em que nem neste monte
nem em Jerusalém adorareis o Pai”, Ele anuncia que estava prestes a terminar o sistema Levítico
como um todo, não haveria mais nem sacrifícios, nem dízimos, nem primícias nem nada mais do
VT.
É ainda importante notar, que Cristo fala não somente sobre o sistema levítico, mas também
sobre a religião dos samaritanos que era um judaísmo pervertido. As palavras de Cristo deviam ser
fortes o suficiente para nos fazer entender de modo objectivo que os sacrifícios e toda a cerimónia
da Lei não era e nunca será o que Deus busca, Deus busca sacrifícios espirituais, Deus quer que
nós sejamos o sacrifício, a oferta, o dízimo, a primícia. A tabela a seguir busca espelhar a relação do
cumprimento dos sacrifícios do VT no NT.

Tabela 3: Cumprimento dos sacrifícios do VT no NT

Sacrifício/Oferta Cristo Igreja Palavras-chave

Hebreus 9:14, Oferta de cheiro suave, sacrifício


Isaías 53:7-9, vivo, sem mácula.
Romanos 12:1; 15:16, I
Holocausto Marcos 15:14,
Timóteo 2:1-3, I Pedro
(Levíticos 1) Hebreus 4:15, II
2:5,20, Hebreus 13:4.
Coríntios 5:21, I
Pedro 2:22.

206
O Significado Espiritual Do Dízimo

I João 1:3, Rom 8:23, Primícias, comunhão, oferta de


Alimentos/
I Coríntios 1:9; Rom 11:16, 15:16, Tiago cheiro suave, libação.
Comunhão
10:16, 15:20-23, II 1:18, Apocalipse 14:4,
(Levíticos
Coríntios 13:14. Filipenses 2:17-18, II
2/Levíticos 23:13)
Timóteo 4:6.
Efésios 2:13-14, II II Coríntios 5:20, Nossa paz, reconciliação,
Sacrifício Pacífico Coríntios 5:18-19, Romanos 5:10, embaixadores de Cristo.
(Levíticos 3) João 10:18. Colossenses 1:21.

Tito 2:14, Gálatas Redenção, remissão de pecados,


De Expiação de 1:3-4, 1Timóteo Efésios 5:25 -27, Tiago santificar, purificar, perdoar.
Pecado (Levíticos 4)2:6, Hebreus 10, 5:15, João 20:23
Mateus 20:28.
Isaías 6:13, João 17:19, Décima parte, Separado,
João 10:36, 17:19, Romanos 1:6-7, 6:19, 22, remanescente, oferta alçada,
Hebreus 1:4, 2:11, 12:1, 15:16, Actos 20:32, santificado, santificação, santos,
Dízimo (Números
Salmos 2:8, I Coríntios 1:2, Efésios herança de Deus, propriedade
18/Levíticos 27:30-
Marcos 9:41, João 1:11-14, I Pedro 1:3-4, I exclusiva de Deus.
33)
15:19, II Coríntios Pedro 2:9, I João 4:4, I
10:7. Pedro 5:3.

Herança de Deus
Além de termos o dízimo associado à ideia de parte separada da terra, também encontramos
outra ideia intimamente associada a ele, isto é, o conceito de herança de Deus. Neste ponto
gostaríamos de recuar até ao primeiro capítulo onde vimos que quando se fala de testamento trata-
se de (a) uma aliança e (b) um documento deixado por um testador, revelando a vontade do morto,
dando legitimidade à distribuição da herança aos seus beneficiários. Na concepção judaica, na qual
as Escrituras foram essencialmente escritas, o termo testamento assume os dois (a e b) sentidos
simultaneamente.
Com isto dito, uma das implicações fundamentais que devemos perceber sobre a diferença
entre o VT e o NT é concernente à natureza da herança que as duas alianças legitimam aos seus
beneficiários. Em outras palavras, de modo legal os participantes da aliança tinham certos
benefícios garantidos. Porém, a herança proveniente do NT é diferente e superior a do VT (Ver
capítulo I):

207
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Mas agora alcançou ele ministério tanto mais excelente, quanto é mediador de uma melhor aliança que
está confirmada em melhores promessas. Porque, se aquela primeira fora irrepreensível, nunca se teria
buscado lugar para a segunda. (Hb. 8:6-7)
No VT os beneficiários da herança incluíam dois grupos, Deus de um lado e Israel (e
prosélitos) do outro. Com a morte de Cristo, o testador do NT, os beneficiários legais passam a ser
Deus de um lado, e o novo homem do outro (Efésios 2:15). Na verdade, aquilo que vimos que as
Escrituras chamam de “parte separada da terra” é o reflexo da herança de Deus, aquilo que a Ele
legalmente pertence. Podemos ver essa visão nos seguintes versos:
Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências;
nem tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniquidade; mas
apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de
justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da
graça. Pois que? Pecaremos porque não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça? De modo
nenhum. Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos
daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça? Mas graças a
Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes
entregues. E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça. (Rm. 6:12-18)
Os que servem à justiça são legalmente servos de Deus, e os que servem ao pecado são
legalmente servos do Diabo. O que é separado para Deus é de Deus e o que é separado para o
pecado é do Diabo. O que é separado para servir a Deus é a herança de Deus e isto é inseparável
do dízimo:
Todas as ofertas alçadas das coisas santas, que os filhos de Israel oferecerem ao SENHOR, tenho dado
a ti, e a teus filhos e a tuas filhas contigo, por estatuto perpétuo; aliança perpétua de sal perante o
SENHOR é, para ti e para a tua descendência contigo. Disse também o SENHOR a Arão: Na sua
terra herança nenhuma terás, e no meio deles, nenhuma parte terás; eu sou a tua parte e a tua
herança no meio dos filhos de Israel. E eis que aos filhos de Levi tenho dado todos os dízimos
em Israel por herança, pelo ministério que executam, o ministério da tenda da congregação. E nunca
mais os filhos de Israel se chegarão à tenda da congregação, para que não levem sobre si o pecado e
morram. Mas os levitas executarão o ministério da tenda da congregação, e eles levarão sobre si a sua
iniquidade; pelas vossas gerações estatuto perpétuo será; e no meio dos filhos de Israel nenhuma
herança terão. (Nm. 18:2-19-23.
Quando o Altíssimo distribuía as heranças às nações, quando dividia os filhos de Adão uns dos outros,
estabeleceu os termos dos povos, conforme o número dos filhos de Israel. Porque a porção do
SENHOR é o seu povo; Jacó é a parte da sua herança. (Dt. 32:8-9)
Em Números 18, existe algo que precisamos de ressaltar, uma espécie de troca, os filhos de
Arão e Levi não tinham herança na terra, entretanto tinham Deus como sua herança, deste jeito as
ofertas alçadas (que incluem o dízimo) eram deles. Em outras palavras, assim como os dízimos
eram a parte e herança dos sacerdotes, os próprios sacerdotes eram os separados dentre o povo
separado de Israel, ou seja, o dízimo dos dízimos (Números 3:3). Há ainda uma mensagem muito

208
O Significado Espiritual Do Dízimo

profunda aí, os separados para o SENHOR não têm as coisas do mundo como sua herança, mas
sim o próprio Deus, a eternidade, as bênçãos espirituais, por isso lemos que:
Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Não
vos inquieteis, pois, pelo dia amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o
seu mal. (Mt. 6:33)
Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente;
não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são
temporais, e as que se não vêem são eternas.” (II Co. 4:17-18)
Em suma, o filho de Deus não deve ser carnal que é morte (Romanos 8:6-8), mas sim espiritual
que refere à vida eterna, essa que se encontra em Cristo (I Timóteo 1:1, I João 5:11,20).
Infelizmente a doutrina material do dízimo é carnal, e à luz do NT somos chamados a entender o
dízimo de modo espiritual.
Talvez um dos versos mais importantes sobre a discussão do dízimo é o que citaremos a seguir,
pois, enquadra-se bem no centro do tema da herança, fazendo um contraste com Números 18,
contraste este que produz algumas implicações radicais. Vejamos o que Pedro diz:
Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer
sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo. Por isso também na Escritura se contém: Eis
que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa; E quem nela crer não será
confundido. E assim para vós, os que credes, é preciosa, mas, para os rebeldes, A pedra que os
edificadores reprovaram, Essa foi a principal da esquina, e uma pedra de tropeço e rocha de escândalo,
mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as
virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, que em outro tempo não
éreis povo, mas agora sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes
misericórdia. Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das
concupiscências carnais que combatem contra a alma. (I Pe. 2:5-11)
Em primeiro lugar, no VT temos o sacerdócio de Arão, no qual os sacerdotes não davam
dízimos, mas recebiam o dízimo dos dízimos da parte dos levitas. Pedro mostra-nos que os
cristãos verdadeiros são também sacerdotes, de um sacerdócio santo. Pedro não diz que os cristãos
são levitas, uma diferença importantíssima de se fazer. Ele diz que somos parte de um sacerdócio
santo com a missão de oferecer sacrifícios espirituais, não materiais como no sacerdócio de Arão,
em que as ofertas eram perecíveis e agrícolas.
Ora, se no sacerdócio de Arão os sacerdotes eram isentos de dar o dízimo, e o sacerdócio de
Cristo segundo Hebreus 7:16-25 é mui superior, como podemos esperar que um cristão verdadeiro
(sacerdote) dê dízimos? Estaria a desonrar o valor do sacerdócio eterno. Dos vários benefícios do
Testamento de Cristo incluí a isenção de sacrifícios materiais. Sempre que alguém exige sacrifícios
materiais ele volta para o VT. Ninguém, nem mesmo um anjo tem direito de cobrar dízimos a um
discípulo de Cristo, é um acto que rouba os benefícios do NT, anulando assim o valor do sacrifício
de Jesus Cristo na cruz.

209
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

Em segundo lugar, do mesmo modo que os sacerdotes eram a herança de Deus no VT, e por
sua vez os dízimos e ofertas alçadas eram a herança dos sacerdotes, no NT nós somos o dízimo, a
oferta e sacrifício espiritual de Deus. Em Cristo encontramos a nossa herança espiritual (Efésios
1:3), e sua dimensão é inimaginável, como diz Paulo: “Portanto, ninguém se glorie nos homens;
porque tudo é vosso; seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja
o presente, seja o futuro; tudo é vosso, e vós de Cristo, e Cristo de Deus.” (I Coríntios 3:21-23).
Quem dentre os herdeiros de tudo tem legalidade para cobrar dízimos aos co-herdeiros de tudo?
Ninguém.
Por isso, a igreja é chamada de a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo
adquirido, somos a herança que Deus adquiriu através do sangue de Seu Filho e nosso Senhor.
Pedro aconselha a igreja a afastar-se das concupiscências da carne, porque essas combatem a alma.
Falar da alma é falar da essência do verdadeiro dízimo, como falaremos no fim deste capítulo.
Em Deuteronómio 32, lemos a seguinte afirmação: “Porque a porção do SENHOR é o seu
povo; Jacó é a parte da sua herança.” Tanto o termo porção, como o termo herança possuem uma
ligação com o dízimo. O dízimo segundo a Lei é a porção de Deus da produção agrícola, a parte
separada da terra, assim como os sacerdotes tinham como herança o dízimo, do mesmo jeito Deus
tirou Israel dentre as nações como sua herança, o seu dízimo. Querendo dizer que dízimo
espiritualmente significa a “Igreja de Cristo”, os justificados em Cristo diante de Deus.
É neste prisma que convido o caro leitor a ler os seguintes trechos bíblicos:
Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então sereis a minha
propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha. E vós me sereis um reino
sacerdotal e o povo santo. Estas são as palavras que falarás aos filhos de Israel. (Êx. 19:5-6)
Israel falhou, não guardou a aliança, mesmo depois da repreensão de Malaquias. Os sacerdotes
e os líderes religiosos correram atrás do erro, foi neste contexto que Cristo encontrou o povo, e
afirmou as seguintes palavras de juízo que continuam vivas até aos nossos dias:
Portanto, eu vos digo que o reino de Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus
frutos. (Mt. 21:43)
Neste diapasão de conclusões, surge a ideia de que todos os verdadeiros discípulos de Cristo
são o verdadeiro reino sacerdotal, e, por conseguinte a herança de Deus, ou seja, o dízimo de
Deus:
Bem-aventurado e santo aquele que parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda
morte; mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele mil anos. (Ap. 20:6)
E da parte de Jesus Cristo, que é a fiel testemunha, o primogénito dentre os mortos e o príncipe dos reis
da terra. Aquele que nos amou, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fez reis e
sacerdotes para Deus e seu Pai; a ele glória e poder para todo o sempre. Amém. (Ap. 1:5-6)
O sacerdote é separado para oferecer sacrifícios a Deus, é o sacerdote que tem o chamado de
ser o embaixador de Deus. Em outras palavras, trata-se de assumir as tarefas originais adstritas a

210
O Significado Espiritual Do Dízimo

nossa identidade como imagem e semelhança de Deus, seres em quem somente Deus deve reinar,
ao contrário de ser dominado pela natureza. Em Cristo, renasce essa função da humanidade, o
novo homem (Efésios 2:15/II Coríntios 5:17/Colossenses 3:10), o sacerdote é nada mais do que o
reflexo do verdadeiro sumo-sacerdote que é Jesus Cristo (Efésios 4:13/Hebreus 2:11).
As Escrituras mandam-nos oferecer a nós mesmo como o verdadeiro sacrifício aceitável a
Deus, o Espírito Santo capacita-nos a não sermos dominados pelo pecado, dentre outras tarefas,
somos chamados a orar por todos os homens (I Timóteo 2:1), essas são desde já algumas das
tarefas próprias dos sacerdotes.
Continuando, a ideia de sermos herança de Deus também pode ser notada nos seguintes
versículos, por exemplo:
Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o
propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade; com o fim de sermos
para louvor da sua glória, nós os que primeiro esperamos em Cristo; em quem também vós estais,
depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido,
fostes selados com o Espírito Santo da promessa. (Ef. 1:11-13)
Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas
voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a
herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho. E, quando aparecer o Sumo Pastor,
alcançareis a incorruptível coroa da glória. (I Pe. 5:2-4)
Verdadeiramente a igreja de Cristo é a soma da herança de Deus, o verdadeiro dízimo, a parte
separada da terra, estes são a porção eleita, purificada, santificada em Cristo, frutífera para o Seu
Agricultor. Uvas saborosas e não azedas, óleo e perfume de qualidade provados e não
contaminados com pedacinhos de moscas mortas, cereais integrais e jamais contaminados com
pestilência. Sacerdotes dedicados a Deus e não ao mundo, seus olhos são fixos no Autor e
Consumador da Fé e não na décima parte do salário dos seus irmãos em Cristo. Estes são o
verdadeiro dízimo de Deus, a herança de Deus. Será que a sua vida é um dízimo para Deus?

O Valor da Alma
À medida que venho a reflectir sobre o dízimo, Deus me tem ensinado muito. Creio que até ao
momento em que este livro chegou a si, eu já terei aprendido muito mais. Quem sabe até poderei
ter mudado este ou aquele argumento, mas gostaria de compartilhar uma das coisas que ressaltou
muito em minha mente e de alguma forma tem muito a ver com o dízimo também. Esta coisa teve
seu início na análise de um trecho usado para defender o dízimo:
E enviaram-lhe alguns dos fariseus e dos herodianos, para que o apanhassem nalguma palavra. E,
chegando eles, disseram-lhe: Mestre, sabemos que és homem de verdade, e de ninguém se te dá, porque
não olhas à aparência dos homens, antes com verdade ensinas o caminho de Deus; é lícito dar o tributo
a César, ou não? Daremos, ou não daremos? Então ele, conhecendo a sua hipocrisia, disse-lhes: Por que
me tentais? Trazei-me uma moeda, para que a veja. E eles lha trouxeram. E disse-lhes: De quem é esta

211
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

imagem e inscrição? E eles lhe disseram: De César. E Jesus, respondendo, disse-lhes: Dai, pois, a César
o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E maravilharam-se dele. (Mc. 12:13-17)
Como em outras ocasiões, os líderes religiosos enviaram algumas pessoas para buscar algum
erro nos ensinamentos de Jesus Cristo, estas pessoas no caso acima eram provenientes de duas
seitas, os fariseus que surgiram do exilo, eram dedicados não somente ao VT, mas também a
tradição oral, notados particularmente pelo modo externo de religiosidade e visível pretensão de
superioridade espiritual em relação ao povo em geral, já os herodianos mais provavelmente
referem-se àqueles que apoiavam à liderança de Herodes, e eram também conhecidos por
saduceus.
O tributo era uma taxa anual cobrada a cada indivíduo por decreto dos romanos. Quando os
enviados fizeram a questão sobre pagar ou não o tributo, estavam a buscar formas de arranjar uma
acusação contra Cristo perante o governo de Herodes. Entretanto ao responder-lhes “Dai, pois, a
César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Princípio da separação da Igreja e do Estado),
o Mestre para além de responder de modo espetacular, abriu uma porta de mistério. Afinal de
contas, se a moeda é de César, o que é de Deus?
Mas antes de explorarmos a resposta desta questão, é minha intenção provocar a si com as
seguintes questões: o dinheiro que os dizimistas levam nos envelopes será que tem a face de Deus?
Então, por que dizem que a décima parte do salário é de Deus?
É desnecessário argumentar que nos nossos dinheiros não encontramos a face de Jesus nem a
face do Pai Celestial, de forma que se torna necessário identificar o que realmente pertence a Deus.
Talvez os enviados soubessem imediatamente o que Cristo quis dizer em dar a Deus o que é de
Deus e dar a César o que a ele pertencia, mas isso não tem sido entendido por parte da maioria das
pessoas que tentam usar esse trecho para defender o dízimo. Na verdade, não consigo entender
com que carga d'águas alguém vai cogitar que esse trecho apoia à prática do dízimo actual, visto
que me parece ser o exacto contrário.
As palavras de Jesus Cristo poderão parecer entrar em contradição com trechos bíblicos que
afirmam que tudo pertence a Deus, visto que Ele é o Criador do universo. Vejamos os seguintes
versículos como exemplo:
Do SENHOR é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam. Porque ele a fundou
sobre os mares, e a firmou sobre os rios. (Sl.24:1-2)
Tua é, SENHOR, a magnificência, e o poder, e a honra, e a vitória, e a majestade; porque teu é tudo
quanto há nos céus e na terra; teu é, SENHOR, o reino, e tu te exaltaste por cabeça sobre todos. E
riquezas e glória vêm de diante de ti, e tu dominas sobre tudo, e na tua mão há força e poder; e na tua
mão está o engrandecer e o dar força a tudo. (I Cr. 29:11-12)
Porque assim diz o SENHOR dos Exércitos: Ainda uma vez, daqui a pouco, farei tremer os céus e a
terra, o mar e a terra seca; e farei tremer todas as nações, e virão coisas preciosas de todas as nações, e
encherei esta casa de glória, diz o SENHOR dos Exércitos. Minha é a prata, e meu é o ouro, disse o
SENHOR dos Exércitos. (Ag. 2:6-8)

212
O Significado Espiritual Do Dízimo

É verdade que de um ponto de vista criacional (referente à criação) Deus é quem criou a terra, e
tudo que existe; o material e o espiritual provém de um só Criador. Entretanto, do ponto de vista
relacional (referente ao relacionamento ou à aliança) nem tudo é de Deus. Na verdade, do mesmo
modo que existem coisas e pessoas dedicadas a Deus, existem coisas e pessoas dedicadas ao Diabo.
Vejamos os seguintes trechos como exemplos:
Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o
princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do
que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira. (Jo. 8:44)
E respondeu Acã a Josué, e disse: Verdadeiramente pequei contra o SENHOR Deus de Israel, e fiz
assim e assim. Quando vi entre os despojos uma boa capa babilónica, e duzentos siclos de prata, e uma
cunha de ouro, do peso de cinquenta siclos, cobicei-os e tomei-os; e eis que estão escondidos na terra,
no meio da minha tenda, e a prata por baixo dela. Então Josué enviou mensageiros, que foram correndo
à tenda; e eis que tudo estava escondido na sua tenda, e a prata por baixo. Tomaram, pois, aquelas coisas
do meio da tenda, e as trouxeram a Josué e a todos os filhos de Israel; e as puseram perante o
SENHOR. (Js. 7:20-23)
No primeiro caso, sabemos que tanto os homens quanto o Diabo são criaturas de Deus, mas
que o mesmo Cristo que disse “daí a César o que é de César, e daí a Deus o que é de Deus” diz
que os que buscam satisfazer os desejos do Diabo são do Diabo. Isso não significa que Deus deixa
de ser o Criador, mas que Deus não tem relacionamento ou aliança com os praticantes do mal,
estes são pertença do Diabo, visto que se dedicam à vontade do Diabo.
Na verdade, falar sobre o que pertence ou não a Deus nos deve levar a revisar tudo o que foi
abordado no capítulo terceiro, fundamentalmente na secção sobre os dízimos, só poderem ser
produtos da terra santa. Acreditamos que uma boa compreensão do que ali abordamos facilite na
digestão das ideias que serão aqui apresentadas.
Dando sequência, como caso ilustrativo, podemos pensar naquelas pessoas que vivem tão
dominadas pelo mal, que até os seus próprios familiares foram obrigados a afastar-se delas. A nível
biológico, continuam relacionados por DNA, mas emocional ou moralmente deixaram de existir,
isto é, deixaram de ser família.
Já no segundo caso, Acã pecou e acabou sendo apedrejado até a morte, porque se apoderou de
bens amaldiçoados e os trouxe para o seio do território de Israel. Aquele ouro, prata e capa
babilónica eram coisas rejeitadas por Deus, eram objectos consagrados a deuses, propriedade
maligna. Deus aqui não diz “Minha é a prata, e meu é o ouro…” ao contrário, Ele rejeita e castiga
severamente Acã que foi seduzido a tais coisas malditas.
Nem todo ouro, prata, e riquezas são de Deus. Não importa o quão dedicadamente o seu pastor
insistir em usar Ageu 2:8. Algumas coisas são dos homens, outras são do Diabo. As seguintes
palavras de João, o apóstolo, mostram de modo bem nítido a natureza das coisas próprias do
mundo e não de Deus:
Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele.
Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da

213
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

vida, não é do Pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a
vontade de Deus permanece para sempre. (I Jo. 2:15-17)
É preciso tomar-se nota da palavra “vontade”, visto que os que são do Diabo buscam fazer a
vontade do Diabo. As coisas do mundo são mesmo do mundo, elas servem a vontade do mundo, e
o que é de Deus serve a vontade de Deus. Essa concupiscência da carne, dos olhos e a soberba são
as coisas pelas quais o Diabo tentou a Jesus Cristo e continua a tentar-nos até hoje:
E o diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do
mundo. E disse-lhe o diabo: Dar-te-ei a ti todo este poder e a sua glória; porque a mim me foi entregue,
e dou-o a quem quero. Portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe: Vai-
te para trás de mim, Satanás; porque está escrito: Adorarás o SENHOR teu Deus, e só a ele servirás.
(Lc. 4:5-8)
Aqui Cristo mostra-nos que adorar é servir a Deus. A proposta do Diabo era para que Cristo
servisse à concupiscência da carne e dos olhos, deixando-se levar pela luxúria e pelos prazeres do
mundo com todo o seu poder e sua glória. Se assim Cristo se rendesse aos prazeres da natureza,
como Adão se rendeu, estaria a trair a Deus, isso representaria adoração ao Diabo, pois essa é a
vontade do Diabo, que se opõe à vontade de Deus (Mateus 6:10). Por isso Cristo ensina:
Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que
atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela. Portanto, se o teu
olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti; pois te é melhor que se perca um dos
teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te escandalizar,
corta-a e atira-a para longe de ti, porque te é melhor que um dos teus membros se perca do que seja
todo o teu corpo lançado no inferno. (Mt. 5:27-30)
Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e
roubam; Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões
não minam nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. A
candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; se,
porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são
trevas, quão grandes serão tais trevas! Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há-de odiar um
e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom. (Mt.
6:19-24)
A mensagem principal é não servir às riquezas do mundo que literalmente é a idolatria. E ter
“bons olhos” (literalmente olhos simples/singulares) é nada mais do que um eufemismo para nos
acautelarmos da ganância, sendo que cortar as mãos que escandalizam semelhantemente se
referem a fugirmos da cobiça das riquezas do mundo. Entretanto, quando Cristo nos diz “porque
onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” pode remeter-nos as seguintes
passagens do VT:
Guardai-vos, que o vosso coração não se engane, e vos desvieis, e sirvais a outros deuses, e vos inclineis
perante eles; e a ira do SENHOR se acenda contra vós, e feche ele os céus, e não haja água, e a terra
não dê o seu fruto, e cedo pereçais da boa terra que o SENHOR vos dá. (Dt. 11:16-17)

214
O Significado Espiritual Do Dízimo

Entendemos que quando Cristo fala que “onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o
vosso coração”, Ele aplica o ensino de Deuteronómio 11:16-17, que é um alerta relativa à idolatria,
por isso, mesmo Ele prossegue exortando: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há-
de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e
a Mamom”. Este caso faz todo o sentido se levarmos em consideração a tentação de Mateus 4.
Já num olhar mais calmo de Deuteronómio 11:16-17, podemos perceber que o coração que se
apartar de Deus, indo atrás de deuses (riquezas do mundo) está condenada a morte, visto que
Deus vai fechar o céu, não haverá água nem fruto e cedo a morte chegará. Se de um modo
contextual essas palavras foram ditas a Israel, de modo espiritual aplicam-se a todos os seres
humanos, quem serve a ídolos não tem vida, porque a vida está em Jesus Cristo.
Deste jeito, guardar o coração é também nada mais do que um eufemismo para dizer “cuidem
da vossa vida” ou simplesmente “guardem a vossa alma”. Deste modo interpretemos as seguintes
palavras:
Filho meu, atenta para as minhas palavras; às minhas razões inclina o teu ouvido. Não as deixes apartar-
se dos teus olhos; guarda-as no íntimo do teu coração. Porque são vida para os que as acham, e saúde
para todo o seu corpo. Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem
as fontes da vida. Desvia de ti a falsidade da boca, e afasta de ti a perversidade dos lábios. Os teus olhos
olhem para a frente, e as tuas pálpebras olhem direto diante de ti. (Pv. 4:20-25)
“Os teus olhos olhem para frente” são uma forma de dizer “siga o caminho da justiça”.
Guardar o coração é não se desviar do Deus vivo, é seguir fielmente os caminhos de Deus. É nesse
contexto todo que vemos o maior mandamento:
Ouve, Israel, o SENHOR nosso Deus é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR teu Deus de
todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças. E estas palavras, que hoje te ordeno,
estarão no teu coração. (Dt. 6:4-6)
A lição por detrás da ênfase de guardar o coração é preservar o que de mais precioso
possuímos, visto que não se trata de algo que podemos comprar, ou pelo qual podemos trocar
com o próprio mundo. É nesse ponto que encontramos as seguintes palavras de Jesus Cristo:
Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome
sobre si a sua cruz, e siga-me; porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a
sua vida por amor de mim, acha-la-á. Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a
sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma? (Mt. 16:24-26)
Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que
haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o
mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem
segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do
que elas? (Mt. 6:25-26)
Neste podemos notar que, se de um lado a moeda que tem a face de César é pertença de César,
doutro lado, todo o ouro, toda a prata e tudo o que há no mundo, inclusive as aves e os animais

215
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

todos juntos, não chegam a somar o valor de uma única alma humana, que por sua vez pertencem
a Deus. Cristo nos dá uma ideia do valor de nossas almas, e nos mostra que se há uma única coisa
na terra que aos olhos de Deus tem valor, essa coisa absolutamente não é 10% do nosso salário,
nem mesmo 100% do nosso salário, mas sim a nossa alma.
Poderíamos oferecer a Deus todos os animais da terra e todas as aves do céu, poderíamos
oferecer-Lhe todo o ouro e prata e metal precioso, diamantes e rubis que o nosso planeta produz,
mas até o somatório disto não chegaria aos pés do valor de nossas próprias almas. Se Deus merece
alguma coisa, essa coisa é a nossa alma. Por isso lemos que:
Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigénito, para que todo aquele que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que
condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem crê nele não é condenado; mas
quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigénito Filho de Deus. E a
condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque
as suas obras eram más. Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as
suas obras não sejam reprovadas. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras
sejam manifestas, porque são feitas em Deus. (Jo. 3:16-21)
Não é o ouro, nem é o sangue de animais, não é 10% do nosso salário o preço pago pelas
nossas almas. Nem é a vida de um anjo, nem o sangue de um Querubim, mas a própria vida e o
sangue do Verbo que se fez carne. Por isso Deus valoriza o sacrifício feito em nossa alma, muito
mais do que os holocaustos e oferendas de produtos da terra. Assim podemos ler nos Salmos:
Não te repreenderei pelos teus sacrifícios, ou holocaustos, que estão continuamente perante mim. Da
tua casa não tirarei bezerro, nem bodes dos teus currais. Porque meu é todo animal da selva, e o gado
sobre milhares de montanhas. Conheço todas as aves dos montes; e minhas são todas as feras do
campo. Se eu tivesse fome, não to diria, pois meu é o mundo e toda a sua plenitude. Comerei eu carne
de touros? Ou beberei sangue de bodes? Oferece a Deus sacrifício de louvor, e paga ao Altíssimo os
teus votos. E invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás. (Sl. 50:8-15)
Deus alegra-se com o sacrifício do nosso louvor a Ele, a nossa fidelidade a Ele, a adoração, a fé
total dedicada a Ele. Somos nós que nos devemos separar para Ele. O nosso salário não vale mais
do que a nossa vida rendida ao louvor e serviço dEle. Se a vontade de Deus é feita em nossa vida,
verdadeiramente somos o dízimo.
Outro aspecto interessante ainda sobre dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus,
é que do mesmo jeito que a moeda tem a imagem de César, o homem foi feito a imagem e
semelhança de Deus. Em cada um de nós há a imagem e semelhança de Deus inscrita. Por isso
lemos:
E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os
peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se
move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher
os criou. E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-
a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre
a terra. (Gn. 1:26-28)

216
O Significado Espiritual Do Dízimo

Porque toda a natureza, tanto de bestas feras como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, se
amansa e foi domada pela natureza humana; mas nenhum homem pode domar a língua. É um mal que
não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal. Com ela bendizemos a Deus e Pai, e com ela
amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. (Tg. 3:7-9)
Nós somos o dízimo do SENHOR, a nossa vida é a única oferta que tem verdadeiro valor aos
olhos de Deus. Toda alma voltada a viver segundo a vontade de Deus é a parte separada e aceitável
do SENHOR. Qualquer oferta fora da nossa alma, de todo o nosso coração rendido a Deus é uma
oferta barata, ainda que entregássemos a Deus o mundo inteiro. Para Ele só a nossa alma será uma
oferta agradável. Nós somos o verdadeiro dízimo, o azeite espiritual, a hortaliça de verdadeiro
valor, a oferta alçada em Cristo apresentada e aceite pelo Pai Celestial. Do assopro do próprio
Criador tornamo-nos almas viventes, a nossa vida provém de dentro dEle por isso, a nossa alma
deve voltar-se somente a Ele:
E formou o SENHOR Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o
homem foi feito alma vivente. (Gn. 2:7)
O que realmente tem valor diante de Deus é a alma rendida a Ele, este sim é o dízimo perfeito,
foi este princípio que o profeta Samuel buscou incutir “na cabeça” de Saúl, quando proferiu as
palavras que se seguem:
Porém Samuel disse: Tem porventura o SENHOR tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em
que se obedeça à palavra do SENHOR? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar; e o atender
melhor é do que a gordura de carneiros. (I Sm. 15:22)
A terminar, gostaria de convidar você que talvez acreditasse no ensino do dízimo, quem sabe
até a bem pouco tempo recebia e/ou cobrava o dízimo aos outros cristãos, a lançar para fora essa
tradição, pedir perdão a Deus e aos cristãos de quem recebia e cobrava os dízimos. Cristo é
misericordioso, e Ele sabe que por ignorância o fazia, e está disposto a não somente perdoar os
seus erros, mas também a mostrar-lhe que com amor e não com equívocos, ou terror de um
suposto devorador, se edifica a Sua igreja.
Para você que tinha medo do devorador, ou que acreditava que dar o dízimo era uma forma de
comprovação da sua fé, arrependa-se disto, apoie os ministros de Deus e os necessitados, mas
faça-o com um coração alegre e voluntário, faça tudo por amor, com honestidade, doe-se a cada
dia e deixe Cristo brilhar em si. Não queira seguir o caminho pelo qual Israel tropeçou.

Resumo do Capítulo
Neste sexto e último capítulo o nosso objectivo foi: apresentar a compreensão espiritual do
dízimo. Do mesmo jeito que a circuncisão do VT é espiritualmente entendida como a conversão
do coração, e os sacrifícios de expiação de pecado do VT são sombras do sacrifício de Jesus Cristo.
Por isso buscamos apresentar a interpretação do dízimo de forma semelhante.
Vimos através de vários versículos bíblicos do VT ao NT que as mesmas referências alusivas ao
dízimo são aplicáveis aos conceitos que se estendem desde o próprio povo de Israel no VT até a

217
A Confusão do Dízimo e o Dízimo da Confusão

igreja no NT, falo de termos como: herança de Deus, eleitos, sacerdotes, santos, porção de Deus,
povo adquirido, nação santa, etc. Tais termos indicam que os salvos em Cristo representam uma
espécie de dízimo espiritual, pertença exclusiva de Deus.
Concluímos que se a alma do homem é mais valiosa que o mundo inteiro (Mateus 16:24-26),
com todas as suas riquezas, segue-se que qualquer dízimo que não é a colecção de almas separadas
exclusivamente para Deus seria uma oferta barata e indigna para um Deus tão Único em dignidade,
bondade e perfeito amor.
De facto, defender o sistema de dízimo é abraçar o caminho da confusão, visto que só uma
interpretação errada, propositadamente ou por ignorância, pode fazer alguém defender (com
versículos mal-interpretados) uma prática inventada por homens em 567 DC no Concílio de Tours,
em nome do dízimo judaico. Deus não sendo o autor de confusão implica que todo o discípulo de
Cristo exponha a verdade sobre este já idolatrado costume, para abraçarmos a visão do NT, que é
a doação de nossa própria vida por amor a Deus e a favor do próximo.
Porque em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera
pelo amor. (Gálatas 5:6)
Finalmente, gostaria de recomendar ao caríssimo leitor a orar e pedir a Deus para que aumente
ao conhecimento deste assunto, discernimento, amor, honestidade e coragem. Que Cristo possa
reinar acima das tradições e dogmas de homens que muito têm contribuído para ofuscar o
entendimento da liberdade, e do amor oferecido por Deus através da boa-nova do Seu Reino.

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