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Fatores Associados Ao Homicídio de Mulheres No Brasil Segundo Raça Cor
Fatores Associados Ao Homicídio de Mulheres No Brasil Segundo Raça Cor
Abstract This ecological, time-trend study ex- Resumo O objetivo deste estudo é avaliar as ta-
amined rates of homicide against women residing xas de homicídios contra mulheres residentes no
in Brazil, by state and race/colour, from 2016 to Brasil, segundo unidades da federação e raça/cor,
2020, by performing. Multiple analysis by regres- no período de 2016 a 2020. Trata-se de um estu-
sion model on longitudinal data. During the study do ecológico de tendência temporal. Foi realizada
period, 20,405 homicides of women were record- análise múltipla adotando-se modelo de regressão
ed in Brazil. Standardised homicides rates were para dados longitudinais. No período, ocorreram
higher among black women (6.1/100,000) than no Brasil 20.405 homicídios de mulheres e as ta-
among white women (3.4/100,000). From 2016 xas padronizadas mostraram que as mulheres
1
Programa de Pós- to 2020, rates decreased 25.2%, from 4.7 deaths negras (6,1/100.000) apresentaram as maiores
Graduação em Saúde per 100,000 women in 2016 to 3.5 in 2020, with taxas, em comparação às brancas (3,4/100.000).
Coletiva, Universidade
a statistically significant downward trend among O Brasil apresentou queda de 25,2% de 2016 a
Estadual de Feira de Santana
(UEFS). R. Maricoré 1000, both black and white women. Statistically signif- 2020. A taxa de homicídio variou de 4,7 mortes
Condomínio Ville D’ icant inverse relationships were found between por 100 mil mulheres em 2016 para 3,5 em 2020,
France, Bloco 01, Apto 202,
female homicide rates and HDI, illiteracy rate mas a tendência decrescente e estatisticamente
Santo Antônio dos Prazeres.
44071-890 Feira de Santana and proportion of ill-defined causes. The average significante foi observada nas taxas de mulheres
BA Brasil. homicide rate decreased in 2019 and 2020, as negras e brancas. As variáveis IDH, taxa de anal-
monagdreger@gmail.com
compared with 2016. Despite the decreasing time fabetismo e proporção de causas mal definidas
2
Programa de Pós-
Graduação em Modelagem trend in homicide rates for both black and white apresentaram uma relação inversa e estatistica-
em Ciências da Terra e do women, they differed substantially by race, with mente significante com as taxas de homicídio de
Ambiente, UEFS. Feira de
worse outcomes for black women. mulheres. Nos anos de 2019 e 2020 houve uma
Santana BA Brasil.
3
UEFS. Feira de Santana Key words Violence against women, Murder, diminuição da taxa média de homicídio em rela-
BA Brasil. Racial factors ção ao ano de 2016. Apesar do decrescimento na
4
Instituto Pólis/Abrasco. São
evolução temporal das taxas para negras e bran-
Paulo SP Brasil.
5
Universidade Federal dos cas, houve diferenças raciais importantes nos ho-
Vales do Jequitinhonha e micídios de mulheres, com piores resultados para
Mucuri. Diamantina MG
as mulheres negras.
Brasil.
6
Departamento de Medicina Palavras-chave Violência contra a mulher, Ho-
Preventiva, Faculdade de micídio, Fatores raciais
Medicina, Universidade de
São Paulo. São Paulo SP
Brasil.
Cien Saude Colet 2024; 29:e10202023
2
Nery MGD et al.
opta-se pelo modelo de efeitos aleatórios, pois raça/cor, 54,9% das mulheres negras foram vi-
oferece estimativas consistentes dos parâmetros. timadas com disparo de arma de fogo enquan-
Todos os dados foram sistematizados através to para as mulheres brancas a proporção foi de
de planilhas do Microsoft Excel 2010® e analisa- 46,5%, já o uso de objeto cortante ou penetrante
dos utilizando a linguagem de programação R (R correspondeu a 25% para as mulheres negras e
project). Pontua-se que, por se tratar de um es- 26,7% para as mulheres brancas (Tabela 2).
tudo com base em dados secundários disponíveis Em relação às taxas padronizadas de homicí-
livremente para acesso público, sem identificação dio de mulheres, observou-se que no Brasil, du-
ou risco para os participantes, o estudo não foi rante 5 anos observados, a região Norte (6,4) e
submetido à apreciação do comitê de ética para região Centro-Oeste (5,4) apresentaram as maio-
pesquisa, mantendo consonância com o estabele- res taxas médias de homicídios quando compara-
cido nas Resoluções nº 466, de 12 de dezembro de das com a média nacional que foi de 5,1 por 100
2012, e nº 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho mil mulheres, sendo os estados de Roraima (9,1),
Nacional de Saúde que estabelecem normas éticas Ceará (7,2) Mato Grosso (7,1) e Acre (7,1) os es-
para as pesquisas envolvendo seres humanos22,23. tados com as maiores taxas. Vale ressaltar que,
em 2018 os estados de Roraima, Ceará e Acre
registraram um aumento expressivo nas taxas de
Resultados homicídio, 14,4, 10,8 e 8,6, respectivamente. As
regiões Sudeste (3,8), Sul (4,1) e Nordeste (4,8)
Entre 2016 e 2020, ocorreram no Brasil 20.808 obtiveram taxas abaixo da nacional. Os estados
homicídios de mulheres. Desses, 20.405 (98,1%) de São Paulo (2,0), Rio Grande do Norte (2,4),
apresentavam completude das informações de Santa Catarina (3,0) apresentaram as menores ta-
idade e raça/cor e foram considerados na análise xas padronizadas.
dos resultados. Em todo período analisado, as mulheres ne-
No Brasil, em relação ao perfil sociodemo- gras apresentaram taxas maiores do que as mu-
gráfico das mulheres mortas por agressões, des- lheres brancas. Em 2017, as taxas foram as mais
tacou-se a faixa etária de 20 a 29 anos (28,7%), de altas, tanto para os homicídios de mulheres em
raça/cor parda (61,3%), com 4 a 7 anos de estudo geral, quanto por raça/cor. A taxa geral de 2017
(40,19%) e solteiras (70,21%). foi de 5,0 por 100 mil mulheres, a de mulheres
Entre as regiões brasileiras notou-se dife- brancas foi de 3,4 e a de mulheres negras foi de
renças importantes na distribuição percentual 6,1. Já o ano de 2020 apresentou as menores ta-
da faixa etária, raça/cor e escolaridade. A região xas: a geral foi de 3,5, a taxa de mulheres brancas
Sudeste apresentou proporção maior na faixa etá- foi de 2,4 e a de mulheres negras foi de 4,2 por
ria de 30 a 39 anos, enquanto, nas outras regiões, 100 mil mulheres.
a faixa etária predominante foi de 20 a 29 anos. Ao se observar as taxas padronizadas de ho-
Dessa forma, era esperada a diferença na escola- micídio de mulheres, o Brasil apresentou queda
ridade para as mesmas regiões, enquanto na re- de 25,2% entre os anos de 2016 e 2020, variando
gião Sudeste a escolaridade foi de 8 a 11 anos, nas de 4,6 mortes por 100 mil mulheres em 2016 para
outras regiões foram de 4 a 7. A raça/cor parda 3,5 em 2020. Identificou-se tendência decrescente
apresentou maior proporção óbitos em todas as e estatisticamente significante das taxas (VPA=-
regiões, com exceção do Sul, onde as mulheres 8,8%; IC95%: -16,0 a -3,5) com maior destaque
brancas foram as maiores vítimas. nos estados do Rio de Janeiro (VPA=-21,2%;
Em relação à ocupação, apesar da alta subno- IC95%: -32,7 a -7,8), Goiás (VPA=-16,7%; IC95%:
tificação (22,4%), notou-se maior frequência de -26,4 a -5,7), Minas Gerais (VPA=-12,4%; IC95%:
mulheres vítimas de homicídio na condição de -19,9 a -4,1), Rio Grande do Sul (VPA=-11,0%;
donas de casa (29,1%) e estudantes (13,8%) (Tabe- IC95%: -14,2 a -7,7), São Paulo (VPA=-8,5%;
la 1). Na categoria outras, foi considerada a junção IC95%: -9,8 a -7,3) e Paraná (VPA=-7,6%; IC95%:
das ocupações com frequência abaixo de 4%. As -13,2 a -1,7) que, em ordem, apresentaram os me-
regiões Norte e Nordeste foram as que apresenta- lhores resultados (Gráfico 1). Os demais estados
ram maior proporção de vítimas estudantes. apresentaram tendência estacionária.
Já em relação às circunstâncias passíveis de No Brasil, ao se observar as diferenças entre
serem verificadas na DO, observou-se que 30,3% as taxas segundo raça/cor notou-se tendência
dos homicídios de mulheres no Brasil ocorreram decrescente e estatisticamente significante tan-
em ambiente residencial seguido da via pública to para os homicídios de mulheres de raça/cor
(28,9%). Em relação ao meio utilizado, segundo branca quanto negras, sem diferenças entre elas.
5
Esse resultado, para os homicídios de mulheres Pará (VPA=-15,5%), Minas Gerais (VPA=-
brancas, foi impulsionado pelas reduções percen- 14,1%), Pernambuco (VPA=-12,6%), São Paulo
tuais de 6 estados (Minas Gerais, Rio de Janeiro, (VPA=-12,2%) e Bahia (VPA=-4,9%) (Tabela 3).
Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondô- A Tabela 4 apresenta as estimativas dos fato-
nia e São Paulo) (Tabela 3). res associados às taxas padronizadas de homi-
Já em relação às taxas de homicídio de mu- cídios de mulheres nos estados brasileiros para
lheres negras, além do Distrito Federal (VPA=- o modelo de efeitos aleatórios com erro padrão
21,4%), 7 estados apresentaram redução esta- robusto. O teste de Hausman indica que o mo-
tisticamente significativa, sendo eles: Rio de delo de efeito aleatório possui estimativas mais
Janeiro (VPA=-22,3%), Goiás (VPA=-19,6%), consistentes (χ2=16,911; p-valor=0,076).
6
Nery MGD et al.
Tabela 2. Distribuição percentual do meio utilizado para agressão de mulheres vítimas de homicídio no Brasil,
segundo regiões, 2016-2020.
Centro-
Raça/ Norte Nordeste Sudeste Sul Brasil
Meio Utilizado Oeste
cor
n % n % n % n % n % n %
Disparo com Branca 146 50,0 498 59,9 934 37,7 1.113 51,1 240 45,5 2.931 46,5
arma de fogo Negra 1.185 53,5 4.098 63,9 1.440 43,6 310 50,7 616 44,1 7.649 54,9
Uso de objeto Branca 69 23,6 185 22,3 696 28,1 581 26,7 153 29,0 1.684 26,7
cortante ou Negra 656 29,6 1.342 20,9 865 26,2 165 27,0 462 33,1 3.490 25,0
penetrante
Uso de um objeto Branca 23 7,9 56 6,7 226 9,1 121 5,6 36 6,8 462 7,3
contundente Negra 114 5,1 408 6,4 240 7,3 42 6,9 104 7,4 908 6,5
Enforcamento, Branca 27 9,2 28 3,4 237 9,6 175 8,0 44 8,3 511 8,1
estrang. ou Negra 126 5,7 202 3,2 232 7,0 45 7,4 89 6,4 694 5,0
sufocação NE
Uso de força Branca 12 4,1 17 2,0 78 3,2 50 2,3 18 3,4 175 2,8
corporal Negra 71 3,2 101 1,6 110 3,3 10 1,6 32 2,3 324 2,3
Por meio de Branca 2 0,7 12 1,4 42 1,7 42 1,9 9 1,7 107 1,7
fumaça, fogo e Negra 9 0,4 49 0,8 78 2,4 9 1,5 24 1,7 169 1,2
chamas
Por outros meios Branca 13 4,5 35 4,2 262 10,6 95 4,4 28 5,3 433 6,9
Negra 56 2,5 211 3,3 340 10,3 31 5,1 69 4,9 707 5,1
Fonte: SIM/DATASUS. Autores (2023).
AC
AC(-1,5;
(-1,5;ICIC == -23
-23 aa 25,9)
AL
AL(-9;(-9;IC
IC==-25,6
-25,6 aa 11,4)
AP
AP(-1,3;
(-1,3;ICIC ==-19,8
-19,8 a 21,4)
AM
AM(-8,4;
(-8,4;ICIC == -24
-24 a 10,3)
BABA(-4,6;
(-4,6;ICIC== -11,1
-11,1 aa 2,3)
CECE(0,1;
(0,1; IC
IC== -33
-33 aa 49,8)
49,8)
DF
DF(-14;
(-14;ICIC==-30,2
-30,2 aa 5,9)
ESES(-6,9;
(-6,9;ICIC==-23,7
-23,7 aa 13,7)
13,7)
GO
GO(-16,7;
(-16,7;IC IC ==-26,4
-26,4 aa -5,7)
MA
MA(-6,6;
(-6,6;ICIC==-20,8
-20,8 aa 10,2)
10,2)
MT
MT(-3,2;
(-3,2;ICIC ==-13,7
-13,7 a 8,6)
MSMS(-5;(-5;IC
IC== -16,5
-16,5 a 8,1)
MG
MG(-12,4;
(-12,4;IC IC == -19,9
-19,9 a -4,1)
PA
PA(-13,6;
(-13,6;IC IC== -25,4
-25,4 a 0,1)
PB
PB(-6,4;
(-6,4;ICIC== -20,8
-20,8 a 10,6)
PRPR(-7,6;
(-7,6;ICIC == -13,2
-13,2 a -1,7)
PEPE(-9,9;
(-9,9;ICIC==-19,5
-19,5 aa 0,8)
PIPI(-2,8;
(-2,8;ICIC== -8,3
-8,3 a 3,1)
RJ
RJ(-21,2;
(-21,2;IC IC== -32,7
-32,7 aa -7,8)
RN
RN(-9,9;
(-9,9;ICIC==-27,4
-27,4 aa 11,8)
11,8)
RSRS(-11;
(-11;ICIC == -14,2
-14,2 a -7,7)
RO
RO(-5,7;
(-5,7;ICIC==-23,1
-23,1 aa 15,7)
15,7)
RR
RR(2,5;
(2,5;IC
IC== -26,4
-26,4 a 42,9)
SCSC(-7,8;
(-7,8;ICIC== -19,7
-19,7 a 5,8)
SPSP(-8,5;
(-8,5; IC
IC== -9,8
-9,8 a -7,3)
SESE(-9,3;
(-9,3;ICIC==-19,6
-19,6 aa 2,4)
TO
TO(-9,3;
(-9,3;ICIC==-19,6
-19,6 aa 2,4)
BRBR(-7,4;
(-7,4; IC
IC == -15
-15 a 1)
-40
-40 10
10 60
60
Gráfico 1. Tendência temporal das taxas padronizadas de homicídio de mulheres no Brasil, regiões e estados,
2016-2020.
As variáveis IDH, taxa de analfabetismo e Constatou-se que nos anos de 2019 e 2020
proporção de causas mal definidas apresentaram houve diminuição da taxa média de homicídio
uma relação inversa e estatisticamente significan- em relação ao ano de 2016.
te com as taxas de homicídio de mulheres. A va- Apesar de não ter significância estatística, a
riável que mais afetou essas taxas foi o IDH, para proporção de mulheres negras (0,035), o índice
cada acréscimo de uma unidade, representou de vulnerabilidade social (6,744) e a proporção
um decréscimo médio de 24,1 homicídios para de mães chefes de família sem ensino funda-
cada 100 mil mulheres. A taxa de analfabetismo mental completo e com filho menor de 15 anos
apresentou um coeficiente inverso (-0,291), haja (0,192) apresentaram coeficientes conforme o
visto que quanto maior o valor dessa taxa, menor esperado e estão positivamente associados à taxa
é a taxa de homicídio de mulheres. Um resulta- de homicídio. A proporção da população pobre
do interessante é que a cada 10% de aumento na (-0,036) e a taxa de desemprego (-0,049) apresen-
proporção de óbitos cuja causa foi mal definida, taram uma relação negativa e não significante es-
temos uma redução de 1,65 óbitos na taxa média tatisticamente. Ressalta-se que os coeficientes de
de homicídio a cada 100 mil mulheres. determinação explicam cerca de 34% da variação
8
Nery MGD et al.
Tabela 4. Coeficientes do modelo de regressão com dados de painel para a taxa de homicídio de mulheres no
Brasil no período de 2016 a 2020.
Variáveis independentes Coeficiente Erro padrão Valor-p
Intercepto 22,288 9,897 0,024
Proporção de pessoas negras 0,035 0,021 0,095
IDHM -24,071 11,746 0,041
Índice de vulnerabilidade social 6,744 8,270 0,415
Taxa de analfabetismo -0,291 0,095 0,002
Proporção de pobres -0,036 0,059 0,544
Proporção de Causas mal definidas -0,165 0,076 0,030
Proporção de mães chefes de família sem ensino 0,192 0,115 0,095
fundamental completo e com filho menor de 15 anos
Taxa de desemprego -0,049 0,088 0,578
Dammy2017 0,364 0,314 0,247
Dammy2018 -0,006 0,329 0,984
Dammy2019 -0,797 0,347 0,022
Dammy2020 -1,278 0,424 0,003
R2 0,339
R2 ajustado 0,274
Fonte: SIM/DATASUS; IPEA. Autores (2023).
das taxas dos homicídios nos estados da federa- traz no seu bojo os argumentos para que os cri-
ção. Apesar de haver certa relevância na estatísti- mes violentos contra as mulheres, ocorram24.
ca R², seus valores não foram consideravelmente Estudo realizado no Brasil, entre os anos de
elevados no modelo em análise. 2009 e 2011, identificou que a faixa etária com
maior proporção de mulheres vítimas de femini-
cídio, estava entre 20 e 39 anos11. Ainda no Brasil,
Discussão entre 2011 e 2015, ao avaliar as ocorrências de
assassinatos por faixa etária, as mulheres adul-
O presente estudo identificou que, no Brasil, mais tas, com idade entre 20 e 59 anos, representaram
de 20 mil mulheres foram vítimas de homicídios, 72,5% das vítimas25. Estes estudos apontam um
entre 2016 e 2020. O perfil epidemiológico mos- padrão que vem sendo observado nos últimos
tra que os homicídios de mulheres ocorreram, anos que também é semelhante ao apresentado
em sua maioria, na faixa etária de 20 a 29 anos, pela população masculina26,27.
na raça/cor parda, com 4 a 7 anos de estudo, sol- A morte violenta e prematura, especialmente
teiras e donas de casa. As vítimas tiveram o lar de mulheres, apresenta um impacto social im-
como cenário principal e a arma de fogo como portante, não somente por interromper a vida
meio utilizado. As mulheres negras apresentaram de uma mulher, na maioria dos casos numa fase
as maiores taxas padronizadas quando compara- economicamente ativa e biologicamente repro-
das com as mulheres brancas. dutiva, mas também por interromper o ciclo
O Brasil apresentou tendência de queda nas natural da maternidade e por conseguinte deter-
mortes de mulheres entre os anos de 2016 e 2020, minar orfandade de mãe de crianças e adolescen-
padrão que também foi observado segundo raça/ tes28. Neste sentido, a morte de uma mulher nessa
cor, tanto para o grupo de mulheres negras quan- fase da vida, pode levar a diversos problemas de
to brancas. Os fatores associados às taxas padro- ordem social, econômica e psicológica.
nizadas de homicídios de mulheres foram IDH, Outra caraterística importante nesse perfil
taxa de analfabetismo e proporção de causas mal é a raça/cor da vítima. O estudo em voga, traz
definidas, mas com relação inversa. mulheres negras com maior suscetibilidade a
Infelizmente, as mulheres são vistas como serem assassinadas em 4 regiões, com exceção
objeto e não como ser social detentor de direitos do Sul do Brasil, além de apresentarem as pio-
e essa visão é decorrente do patriarcalismo que res taxas padronizadas. A população de raça/cor
9
tração dessa redução nos estados do Rio de Ja- tendo em vista o desafio que é classificar correta-
neiro, São Paulo e Minas Gerais. Muitos estados mente o crime42. Outro ponto corresponde à cria-
ainda apresentam tendência estacionária das ta- ção do Estatuto do desarmamento, Lei nº 10.826,
xas tanto na população geral, como entre as cate- de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre re-
gorias de raça/cor branca e preta. gistro, posse e comercialização de armas de fogo
Um aspecto importante é que a redução das e munição43.
taxas de crimes violentos letais no Brasil vem No estado do Rio Janeiro, defende-se a tese
sendo identificada desde 2017 para a população de que a queda nas taxas se deve a um longo e
geral e desde 2009 para a população de mulhe- árduo trabalho que começou no ano de 2008 com
res2. No Brasil, o Atlas da Violência mostrou que políticas de enfrentamento local por meio das
entre 2009 e 2019 observou-se maior redução Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) em locais
percentual das taxas de homicídio entre mu- específicos do estado, assim o programa foi de-
lheres de raça/cor branca em comparação com senvolvido pela Secretaria do Estado de Seguran-
mulheres não brancas2. Já em nosso estudo, não ça Pública do Rio de Janeiro visa o enfrentamento
houve diferenças estatisticamente significantes da criminalidade violenta44. Também, a criação
dessa redução nas taxas de homicídio de mulhe- de programas como o Empoderadas, criado pela
res brancas. Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social,
Ressalta-se que a redução dos homicídios em visando o combate à violência por meio de infor-
geral, observada particularmente a partir de 2017, mações sobre prevenção e ação contra esse pro-
tem impacto na redução das taxas de homicídio blema.
de mulheres ao reduzir o número absoluto de Já no estado de São Paulo, as principais polí-
mulheres envolvidas no crime organizado e tráfi- ticas de segurança pública criadas entre os anos
co de drogas, tanto por intervenções legais, como 1962 e 2007, que podem estar relacionadas às
nas situações de disputa de território. Além disso, baixas taxas de homicídio de mulheres, foram:
é possível supor que a queda dos homicídios em Disque-Denúncia, linha telefônica anônima para
2018 e 2019 pode estar ligada a uma possível tré- denunciar crimes; Fotocrim, um banco de fotos
gua entre as facções criminosas, presentes princi- de criminosos procurados e presos; elaboração do
palmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro Plano de Combate aos Homicídios; e a Operação
e Minas Gerais, pois a guerra entre facções é bas- Saturação, centralizada e permanente em áreas de
tante dispendiosa e impraticável ser mantida por tráfico de drogas45.
longos anos40. É importante também que outros estados que
Essas taxas decrescentes e estacionárias de al- não apresentaram taxas significativas de mulheres
gum modo podem refletir o arcabouço jurídico adotem políticas efetivas de redução da violência
brasileiro que protege as mulheres – importante contra as mulheres, especialmente das regiões
salientar, que esses dispositivos legais foram con- Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por não apresen-
quistas de movimentos feministas e de mulheres tarem tendência de decrescimento significativo.
que buscavam por proteção – como a Lei Maria A principal limitação do estudo se refere à
da Penha que foi a primeira lei específica com o subnotificação dos dados e à qualidade da infor-
objetivo de reduzir a violência contra as mulhe- mação, particularmente, em contextos com alta
res, sendo pautada em uma violação contra os proporção de causas mal definidas como causa
direitos humanos e agindo justamente no âmbito básica do óbito. Essa limitação possivelmente
do lar, seu principal cenário, tipificando situações subestima os indicadores apresentados em nosso
de violência, aumentando penas e oferecendo estudo.
medidas protetivas às vítimas e seus dependen- Além disso, não é possível distinguir dentre os
tes14. Houve, também, a criação da lei do minu- homicídios, quais se caracterizariam como femi-
to seguinte (nº 12.845/2013) que dispõe sobre o nicídio. Portanto, é plausível que a tendência dos
atendimento obrigatório e integral de mulheres feminicídios tenham aumentado no país, ao pas-
em situação de violência sexual41. so que crimes letais violentos associados ao tráfi-
Mais um marco legal que pode explicar a que- co de drogas tenham diminuído, acompanhando
da nas taxas é a Lei do Feminicídio, uma vez que o cenário dos homicídios entre os homens.
no Brasil houve uma redução de 3,8% na taxa dos É importante salientar que a dinâmica dos
homicídios femininos (por 100 mil mulheres) e feminicídios se distingue dos homicídios, pois
de 1,7% nos crimes tipificados como feminicídio geralmente o autor do crime é conhecido – e na
entre os anos de 2020 e 2021. Vale ressaltar que maioria das vezes, é o próprio parceiro íntimo.
esse valor de feminicídio pode estar subestimado Assim, apesar de ser um termo jurídico, suge-
11
Colaboradores
Referências
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3. Werneck J. Mulheres negras e violência no Rio de ção de Todas as Formas de Discriminação contra as
Janeiro. In: Castro LMX, Calasans M Reis S, organi- Mulheres e da Convenção Interamericana para Pre-
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