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Construção de si, gênero e sexualidade1

Autora: Maria Luiza Heilborn2

● Oitenta entrevistas no estilo ‘história de vida’, feitas com homens e mulheres heterossexuais de
20 a 45 anos de camadas médias e populares no Rio de Janeiro. O objetivo é compreender as
práticas e valores sexuais em diferentes contextos culturais e a relação entre a vida sexual e as
questões de gênero e subjetividade.
● Hipótese: na classe trabalhadora – média e popular – encontra-se uma visão de mundo holista,
coexistente com o individualismo da sociedade moderna. O sexo está englobado em uma
moralidade também relacionada a valores de família, gênero e reciprocidade, e não é parte
fundamental de uma política identitária ou da construção do sujeito.

Carreiras masculinas

● Para os homens de segmentos médios e populares, independentemente de suas origens sociais,


a vida sexual “é capital para a construção de suas identidades de gênero” (p. 4) e o que marca
esse início é a penetração.
● A atividade sexual dos homens de classes populares tende a ter início mais cedo, por volta dos
13 anos, coincidindo com a entrada no mundo do trabalho. Essa concomitância denota uma
saída do mundo da casa dos pais e uma entrada no mundo da masculinidade adulta.
● A iniciação dos homens de classe média ocorre aproximadamente quatro anos mais tarde, por
eles estarem inicialmente contidos nas relações sociais do colégio.
● Padrões diferentes que surgem nas histórias dos entrevistados:
○ Iniciações repentinas: a primeira relação ocorre com uma parceira normalmente mais
velha, que aparece como iniciadora com quem o homem pretende aperfeiçoar a técnica
sexual. O sexo é descrito como uma “necessidade”, que é tanto corporal quanto social.
○ Importância da experiência de sucesso ou fracasso em relação às expectativas.
○ Iniciação em um relacionamento: tem começado a se destacar na geração mais jovem. A
idade da iniciação sexual de homens e de mulheres está mais próxima, devido às novas
relações de gênero e a queda na valorização da virgindade.
○ Bom desempenho: “fazer de tudo”, experimentar possibilidades.
● Modelo valorizado de masculinidade: conquista as mulheres, mas não se prende a um
relacionamento, este sendo um foco de pressão feminina que o afasta do envolvimento. Nas
classes populares, é relatada a insistência das garotas em controlar o namorado, exigir sua
atenção e propor o casamento. De forma parecida, os garotos de classe média falam de uma
intenção de “amarrar” o homem.
● A timidez masculina se apresenta como obstáculo para o cumprimento do roteiro sexual
esperado para o homem. Não somente é necessário iniciar a vida sexual dentro de uma idade

1HEILBORN, Maria Luiza. “Construção de si, gênero e sexualidade”. 1999. In: Maria Luiza Heilborn
(Org.) Sexualidade: o olhar das ciências sociais. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed. P. 40-58.

2Historiadora, Mestre e Doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em


Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ (PPGAS/MN/UFRJ). pós-doutora pelo Institut National
d'Études Démographiques (INED), França. Professora Associada do Instituto de Medicina Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ). Sua atuação privilegia estudos sobre gênero,
sexualidade, família e juventude, agora dedica-se ao tema do suicídio e dos limites da vida. (Fonte:
Lattes)
aceitável, mas também com uma parceira aprovada pelos pares. Esse excesso de expectativas
causa um desconforto no homem tímido, que não consegue corresponder ao roteiro ideal.

Carreiras femininas

● Camadas médias:
○ São expostas ao ideário individualista, mas não representam totalmente o imaginário do
sujeito moderno, “que tem sua armadura em torno do psicológico e do ordenamento
pela ‘verdade do sexo’” (p. 9).
○ Têm vida sexual ativa, relatam um contexto de repressão sexual por parte da família,
que raramente informa sobre sexo.
○ Há uma rejeição dos papéis femininos tradicionais, em direção a uma vida mais
autônoma e independente do homem, mas também medos e vergonhas relativos às
percepções alheias sobre a sua iniciação sexual.
○ Há relatos de posições assertivas e de desamparo.
○ O amor é essencial e valida o sexo, que é melhor com o afeto.
○ O uso do preservativo é muito mais consciente e as mulheres demonstram-se
suficientemente informadas sobre a prevenção da Aids. Porém, para as mais velhas é
mais difícil convencer o parceiro a usá-lo, enquanto as mais jovens o usam
principalmente para impedir a gravidez, não as doenças sexualmente transmissíveis. A
gravidez também é normalmente a única preocupação dos homens nos relatos das
participantes.

● Camadas populares:
○ Vêem os papéis de gênero como diferentes. O homem aparece como provedor
financeiro e moral, e a mulher como administradora da casa, responsável por cuidar dos
filhos e realizar tarefas domésticas. O trabalho é secundário, para ampliar a renda
familiar.
○ Expressam preocupação em entender os prazeres do parceiro, já que não se conversa
com este sobre sexo.
○ A iniciação sexual é geralmente conduzida pelo homem, e a mulher cede com a
expectativa da contrapartida do casamento. Casar-se e ter sua própria casa representa
uma transição para a vida adulta. A iniciativa masculina da atividade sexual é mantida ao
longo do relacionamento.
○ A infidelidade dos homens é naturalizada, mas não se reflete na prevenção contra
doenças. Há uma noção de risco, porém a negociação do uso do preservativo não
acontece por constrangimento.

● As transformações recentes nas relações de gênero atribuídas à modernidade não


correspondem totalmente à realidade de todas as esferas sociais, de gênero e de geração.
● Mesmo com as mudanças nos valores e uma difusão de práticas sexuais mais variadas, ainda
não se percebe, no momento do texto, a percepção da sexualidade como “valor fundamental na
construção de si” (p. 15).
● O tema do sexo está mais presente no discurso, porém ainda apresenta diferenças de
abordagem entre homens e mulheres. Elas, em um contexto de dominação masculina, têm
dificuldade de negociar por exemplo o uso do preservativo.
O império dos sentidos: sensibilidade, sensualidade e sexualidade na cultura ocidental moderna3
Autor: Luiz Fernando Dias Duarte4

● Relendo a hipótese do “dispositivo da sexualidade” de Foucault, o autor acredita que no mesmo


momento histórico se construiu um “dispositivo de sensibilidade” no Ocidente.
● Para ele, há três aspectos da construção desse dispositivo que estão presentes desde este
momento, que nos encaminharam para o momento ideológico-institucional em que nos
encontramos hoje.
○ Perfectibilidade: É a ideia de que podemos melhorar indefinidamente em direção ao
progresso, ao desenvolvimento.
○ Experiência: O autor considera a perfectibilidade moderna como resultado da crença de
que somos “seres da razão”, e esta é usada sistematicamente “para o avanço do ser
humano em suas condições de relação com o mundo” (p. 25). Esse avanço só acontece
pela experiência, “através do contato dos sujeitos com o mundo propiciado pelos
‘sentidos’” (p. 25).
○ Fisicalismo: Decorrente da separação entre corpo e alma que ocorre na modernidade. É
um deslocamento para a corporalidade, em que se pretende explicar o ser humano pela
sua fisiologia.
● Pra Collin Campbell, citado pelo autor, o foco no puritanismo na relação entre capitalismo e
ética protestante deixa de lado o desenvolvimento de um ‘sentimentalismo’ como uma
contratendência paralela dentro da Reforma. Dessa corrente, para ele, origina de certa forma
um Romantismo inglês, “antes do ‘oficial’ alemão” (p. 27).
● Formas modernas do comportamento sexual (incitação à sensibilidade), estilo de vida novo em
lugar do tradicional (vanguarda, moda), otimização do corpo, consumo generalizado de drogas
(ilegais ou não).
● Ainda para Campbell, o hedonismo moderno busca uma intensidade cada vez maior. Todas as
diversões contemporâneas estão voltadas para uma procura pelas experiências e sensações
novas.
● Relação entre o dispositivo da sensibilidade e da sexualidade: tensão entre a maximização da
vida (longo prazo) e a concentração no prazer (curto prazo).
● Prevenção contra a Aids: usar preservativo e preservar o corpo para ter prazer por mais tempo
ou ter uma intensidade maior do prazer com o custo da eventual diminuição da vida.

3DUARTE, Luiz Fernando Dias. “O império dos sentidos: sensibilidade, sensualidade e sexualidade na
cultura ocidental moderna”. 1999. In: Maria Luiza Heilborn (Org.) Sexualidade: o olhar das ciências
sociais. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed. P. 21-30.
4Formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1972), obteve o mestrado em
Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1978) e o doutorado em Ciências
Humanas pela mesma universidade (1985). Fez pós-doutorado na EHESS, Paris (1991). Atualmente é
Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, do Museu Nacional, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Antropologia das Sociedades
Complexas, com ênfase em Construção Social da Pessoa, cobrindo temas tais como pessoa, identidade,
doença, família, religião, natureza e modernidade. (Fonte: Lattes)

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