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Pitágoras e o Pitagorismo

Certamente, Pitágoras é amplamente reconhecido pelo famoso teorema que leva seu
nome, onde a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa, conceito
fundamental ensinado nas nossas escolas. No entanto, a contribuição de Pitágoras transcende
esse teorema, abrangendo uma filosofia subjacente que suscita discussões entre estudiosos da
Grécia antiga.

Historiadores da filosofia grega antiga, bem como adeptos do pitagorismo, especulam


sobre o papel de Pitágoras na formação de filósofos renomados como Platão, Aristóteles e
Sócrates. No entanto, há dissidências quanto a essa visão, com alguns argumentando que é uma
tentativa dos pitagóricos de elevar Pitágoras a um estatuto de gênio fundador do Ocidente.

A escassez de registros escritos diretamente atribuídos a Pitágoras complica a avaliação


de seu legado. Sabe-se que viveu aproximadamente entre -570 e -490 a.C. Nasceu em Samos e
viajou ao Egito, onde teve contato com a matemática egípcia, influenciando significativamente
o desenvolvimento da matemática grega.

O destaque de Pitágoras na matemática grega não se limita à sua influência no teorema


que leva seu nome. Junto a Tales de Mileto, contribuiu para elevar a matemática a um patamar
além das aplicações práticas dos egípcios, introduzindo uma abordagem mais teórica e
necessária.

Pitágoras também ganhou notoriedade ao aplicar conceitos matemáticos à música,


especialmente ao dividir o monocórdio em frações, percebendo que as notas produzidas eram
harmônicas. Essa descoberta contribuiu para sua reputação como uma figura importante na
história da música.

O pensamento de Pitágoras é dividido em duas partes: a exotérica, mais acessível e


centrada em conceitos quantitativos como o teorema de Pitágoras (onde a soma dos quadrados
dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa), e a esotérica, mais reservada a iniciados, focada
na noção simbólica de número ou "arithmos."

O pitagorismo, dentro dessa visão esotérica, sustenta que tudo é número (como base da
realidade), interpretando o número como uma ordem simbólica. Essa ordem, concebida como o
arranjo de muitas coisas de acordo com um princípio. Via a relação das partes com o ente como
uma unidade. Essa unidade, não seria como um “um” absoluto, mas uma unidade divisível, que
apresenta uma tensão entre aquilo que ela é, e as coisas que são exteriores a elas, então dessa
unidade surge o que Pitágoras chama de indíade, ou seja, o número dois, que está presente
intrinsecamente no ente.

A partir dessa dualidade, surge a "ternada," ou o número 3, que representa uma relação
de proporcionalidade entre os elementos. Essa progressão se estende, indicando o número 4 e
subsequentes. Pitágoras percebe, assim, que todas as entidades são dotadas de um número, um
artihmos.
Filolau, discípulo de Pitágoras, destaca a importância fundamental do número ao afirmar
que todas as coisas conhecidas têm um número. Ele enfatiza que sem essa noção de número,
nada poderia ser conhecido ou compreendido. Essa visão reflete a profunda conexão entre a
noção de número e a lei de proporcionalidade intrínseca das coisas, intrinsecamente ligada à
forma das coisas que conhecemos.

A relação entre número e harmonia também é destacada, onde a harmonia surge da


tensão entre opostos, ajustados de maneira equilibrada. Esse aspecto simbólico do número está
presente na relação entre a unidade de um ente e tudo o que ela não é, refletindo uma harmonia
na tensão entre opostos.

O pitagorismo, conforme desenvolvido por Filolau, revela uma compreensão mais


profunda do número como algo que vai além do quantitativo. A noção de "aritmos pitagórico"
inclui os aritmoi archai, que são princípios supremos derivados do "um absoluto". Este "um
absoluto" é concebido como indivisível e inquebrantável, aproximando-se da ideia de
divindade. Esses aritmoi archai são reservados para iniciados na escola pitagórica, tornando-se
conhecimentos esotéricos.

Essa interpretação simbólica do número é exemplificada pelos aritmoi archai e destaca a


influência do pitagorismo na filosofia posterior, como nas formas platônicas. Platão,
influenciado pelos pitagóricos, incorpora muitos conceitos matemáticos em seus diálogos e
desenvolve sua própria doutrina das formas, conectando a matemática ao âmbito filosófico,
como a tentativa de explicar a doutrina da reminiscência da alma.

Em resumo, o número era visto simbolicamente como uma lei de proporcionalidade


intrínseca do ente.

Além da influência nas filosofias de Sócrates e Platão, Pitágoras também propôs ideias
éticas e religiosas. A metempsicose, ou reencarnação das almas, é uma doutrina associada a
Pitágoras, introduzindo a noção de que as almas são eternas e passam por sucessivas
encarnações. A prática do vegetarianismo na época era atribuída a essa crença na transmigração
das almas.

Ao explorar conceitos específicos, destaca-se a tetraktys, uma representação numérica


que une o cosmos na perspectiva pitagórica. A tetraktys é visualizada como um triângulo com
patamares de pontos, onde cada patamar representa simbolicamente um número. Inicialmente,
o ponto representa a zero dimensão (1), seguido pela reta (2), o plano (3) e, finalmente, o sólido
(4).
Essa abordagem simbólica enriquece a compreensão do número na visão pitagórica,
conectando-o a aspectos mais amplos da ordem cósmica e da realidade.

A soma desses números, associados geometricamente ao ponto, reta, plano e sólido,


resulta em 10, um número que Pitágoras considerava atingir o nível de perfeição na realidade.
A tetraktys é uma representação simbólica da ordem cósmica, conectando a geometria aos
fundamentos do universo.

Essa abordagem simbólica culmina na formação de um sólido platônico, um conceito


associado à cosmovisão de Platão, que adotou e desenvolveu ideias pitagóricas. Platão, ao
conceber o cosmos, fundamentou parte de sua cosmologia na noção pitagórica da tetraktys,
influenciando sua visão sobre os átomos do mundo material como triângulos.

A síntese abrangente do pitagorismo foi realizada por Mário Ferreira dos Santos, que
compilou informações dos textos pitagóricos, descendentes da escola pitagórica e críticos do
pitagorismo. Essa síntese resultou no livro "Pitágoras e o Tema do Número", uma obra valiosa
para compreender as complexidades e a profundidade do pensamento pitagórico.
Embora o neopitagorismo contemporâneo destaque a parte quantitativa, é crucial
compreender que a visão de Pitágoras sobre o número vai além do quantitativo, abrangendo
aspectos qualitativos, relacionais e simbólicos. A compreensão dessa riqueza filosófica e
matemática contribui para uma visão mais completa do pitagorismo e sua influência ao longo
da história da filosofia.

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