Consumo, Comunicação e Religião

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CONSUMO,

COMUNICAÇÃO E
RELIGIÃO
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Deborah Pereira da Silva


UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Universidade Nove de Julho – UNINOVE


Rua Vergueiro, 235/249 – 12º andar
01504-001 – Liberdade – São Paulo, SP
Tel.: (11) 3385-9191 – editora@uninove.br
Deborah Pereira da Silva
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

CONSUMO,
COMUNICAÇÃO E
RELIGIÃO

São Paulo
2018
© 2017 UNINOVE
Todos os direitos reservados. A reprodução desta publicação, no
todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei nº 9.610/98).
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer
meio, sem a prévia autorização da UNINOVE.

Conselho Editorial Eduardo Storópoli


Maria Cristina Barbosa Storópoli
Patricia Miranda Guimarães
Luis Fernando Varotto
Antonio Marcos Vivan

Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade do autor


UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Capa: Autora
Editoração eletrônica: Big Time Serviços Editoriais
Revisão: Antonio Marcos Cavalheiro

Catalogação na Publicação (CIP)


Cristiane dos Santos Monteiro – CRB/8 7474
------------------------------------------------------------------------------------
Silva, Déborah Pereira da.
Consumo, comunicação e religião / Déborah Pereira da Silva.
— São Paulo : Universidade Nove de Julho, UNINOVE, 2018.
120 p.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-89852-61-6 (e-book)
ISBN: 978-85-89852-60-9 (impresso)

1. Consumo (Economia) 2. Marketing 3. Comunicação de massa


4. Economia e religião 5. Influência social 6. Propaganda
7. Publicidade I. Autor II. Título

CDU 658.8
------------------------------------------------------------------------------------
Sumário

Introdução................................................................................................ 8

CAPÍTULO I
O DESENCANTAMENTO DO MUNDO, 11
1 Breve histórico da secularização......................................................12
1.1 A secularização..............................................................................13
1.2 Algumas consequências da secularização.................................18
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2 A Reforma Protestante......................................................................20
3 O crescimento do racionalismo .......................................................22
4 O desencantamento...........................................................................25
4.1 Algumas consequências do desencantamento..........................29
4.2 Os limites do conceito de desencantamento.............................30
4.3 A reação ao desencantamento.....................................................35
5 A busca pelo reencantamento...........................................................36

CAPÍTULO II
A PROPAGANDA E O CONSUMO, 38
1 A propaganda e a busca pelos símbolos..........................................39
1.1 A trajetória da propaganda .........................................................45
1.2 O crescimento da propaganda....................................................49
1.3 A atuação do marketing...............................................................52
2 O consumo..........................................................................................53
2.1 A cultura de consumo e a propaganda ......................................54
2.2 Da ética puritana à cultura do consumo....................................60
2.3 O consumo sem interditos ..........................................................66
2.4 Necessidades e desejos.................................................................68
CAPÍTULO III
A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO, 72
1 O comportamento de compra .........................................................73
2 O encantamento do consumo...........................................................77
3 A relevância da metáfora...................................................................81
4 A criação de significado e a metáfora..............................................84
4.1 Os produtos como comunicadores.............................................90
5 Fetiche..................................................................................................91
5.1 O fetiche das mercadorias............................................................96
6 O fetiche do dinheiro.......................................................................100
7 A metáfora e a propaganda ............................................................101
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CONSIDERAÇÕES FINAIS, 103

REFERÊNCIAS, 110

A AUTORA, 115
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À minha mãe (in memorian)


8 - Introdução

VOLTAR AO
Introdução SUMÁRIO

O consumo faz parte da vida de todos nós. Consumimos para


sustentar a nossa vida. Precisamos de alimentos, roupas, remédios e
outros produtos e serviços que compõem o nosso cotidiano.
Mas, de certa forma, intuímos que o consumo é mais do que
isso, é mais do que satisfazer as necessidades. O consumo é encan-
tamento, é sedução.
Muito disso se deve aos espaços físicos onde o consumo acon-
tece. São lojas bonitas, com uma boa iluminação, com produtos bem
expostos, vitrines bem montadas e convidativas. São espaços agra-
dáveis, onde mesmo que não se compre nada, muitos de nós gostam
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de passar algum tempo.


Eu, você, seus amigos, sua família estamos imersos num mun-
do de consumo e, portanto, compreender melhor o que ele é e como
nos encanta é uma das propostas desse livro.
Aqui você vai entender que consumir é mais do que resolver
necessidades e desejos. Consumir é uma forma de dizermos quem
somos para os outros.
Pense, por exemplo, em alguma vez em que você quis impres-
sionar alguém, por qualquer razão. Imagino que uma das suas preo-
cupações tenha sido que roupa usar. Isso porque a roupa é um forte
comunicador, ou seja, são objetos que falam muito sobre nós.
E como foi que o consumo acabou tomando um lugar tão im-
portante nas nossas vidas? Em que momento e por que os produtos
começaram a ser importantes para a nossa felicidade?
A ideia desse livro é explicar o caminho que nós percorre-
mos para chegar até aqui. Dessa maneira, no primeiro capítulo você
aprenderá um pouco sobre como o mundo se desencantou, como ele
foi perdendo a magia e se tornando quase que todo quantificado e
explicado pela ciência. Nesse mundo, o poder econômico se impõe
em quase todas as esferas da vida humana e faz com que as pessoas,
muitas vezes, se sintam vivendo em um universo frio, sem emoção,
onde tudo tem uma explicação e pode ser medido e quantificado.
Deborah Pereira da Silva - 9

Depois, no segundo capítulo você entenderá mais sobre o con-


sumo e a propaganda e como essas duas áreas se relacionam e de-
pendem uma da outra.
Veremos também como o marketing atua e como se conecta
com nossos desejos e necessidades.
No último capítulo, o terceiro, vocês verão como a propagan-
da nos oferece alívio para um mundo duro e desencantado por meio
das promessas de um mundo onde cada um de nós consiga se sentir
mais feliz por ter conseguido comprar algo que desejava e que sig-
nificava muito.
A ideia geral do livro é convidar cada um de vocês a compre-
ender o lugar do consumo nas nossas vidas. Há milênios, os seres
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humanos acreditavam em explicações sobrenaturais para o mundo.


Depois surgiram as religiões e começaram a explicar o cosmos, os
seres humanos e a natureza.
Nessa época, as pessoas buscavam sentido para a vida e encon-
travam-na nas explicações religiosas. Ocorre que a ciência se desen-
volveu, começou a explicar o mundo de outra maneira e o sentido
que antes se encontrava na religião foi sendo perdido.
Os seres humanos não sabem viver sem um sentido. Cada um
de nós, quando acorda e começa o seu dia, tem uma razão para fazer
isso. Cada vez mais essa razão foi se afastando da religião e como
não pode ficar inutilizada, foi resgatada pelo consumo.
Ou seja, o sentido que havia sido perdido começou a ser inva-
dido pelo marketing e pela propaganda. O marketing e a propaganda
buscam, mais do que convencer o consumidor, seduzi-lo, encantá-
-lo. Para isso se utilizam da linguagem e conceitos religiosos de
forma metafórica. Participar desse universo é participar de novo do
encantamento.
O marketing e a propaganda estariam reencantando o mundo,
não buscando trazer a religião para o centro da nossa vida novamen-
te, mas sim através de outras ferramentas por eles utilizadas, que se-
riam a cultura de consumo e a sociedade de consumo.
10 - Introdução

Este livro pretende ser uma contribuição à área de marketing,


que parece carente de olhares diversos que tragam questionamentos
e proposições da área de humanidades.
A relevância do tema se justifica uma vez que a cultura de con-
sumo tem a sua importância assegurada. O universo do consumo não
pode somente receber um olhar de reprimenda. Não podemos esque-
cer que é aqui, na contemporaneidade, que se dá a manutenção da
vida. É através da produção e do consumo de produtos que a socie-
dade se mantém. É no mercado que as relações econômicas neces-
sárias à manutenção da vida acontecem.

A Autora
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CAPÍTULO I

O DESENCANTAMENTO DO
VOLTAR AO
SUMÁRIO

MUNDO
12 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

Compreenderemos, nesse capítulo, como a religião deixou de


ocupar o papel central na vida dos seres humanos.
Você verá como alguns eventos históricos e mesmo eventos
que, a princípio, não pareciam se relacionar vão se conjugando para
que ao longo do tempo o mundo vá se desencantando.
VOLTAR AO
1 Breve histórico da secularização SUMÁRIO

No princípio dos tempos o ser humano vivia imerso em um uni-


verso de magia. A vida, a morte e cada um dos eventos que aconte-
cia entre esses dois instantes era carregado de significação. A vida
era explicada e fazia sentido imersa em encantamento.
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Durante a Idade Média, a visão de mundo predominante era a


de que a ordem do universo fora criada e era mantida pelo poder de
Deus. Durante muito tempo o sobrenatural e o real foram quase a mes-
ma coisa. Lentamente essa maneira de ver o mundo foi se alterando
e o que antes parecia milagre divino passou a ser considerada uma
lei científica em operação. Tudo aquilo que antes era transcendente e
divino passa a ser algo natural explicável ou explicado pela ciência.
Os conceitos que são utilizados para falar dessa passagem são
secularização e desencantamento de mundo. Esses dois fenômenos
tem uma mesma origem e o desencantamento não poderia ter ocor-
rido, sem que antes houvesse a secularização.
Portanto, o desencantamento só pode existir como consequên-
cia da secularização, sem ela não teria havido espaço para o desen-
cantamento. São fenômenos interligados, mas distintos.
Podemos identificar já no Antigo Testamento os primeiros si-
nais de secularização. Nas origens de Israel encontra-se uma ruptura
com todo um conceito de universo que ocasionou três fenômenos: a
transcendentalização, a historicização e a racionalização da ética.
A transcendentalização deu-se em função da ruptura com um
Deus que estava presente e participava da vida diária. São várias as
passagens no Antigo Testamento em que Deus interage diretamen-
te com os seres humanos. Era a descida de Deus entre os homens.
Deborah Pereira da Silva - 13

Com a transcendentalização Deus havia se separado e estava além


de tudo e de todos, não era mais deste mundo.
A historicização ocorreu quando as palavras de Deus passa-
ram a ser tomadas menos como transcendentais e mais como pro-
messas de um porvir dentro da história. Assim, a palavra de Deus
passa a fazer parte da história e leva a uma racionalização do que
se deve esperar no futuro.
O ser humano foi retirado de um universo onde tudo era expli-
cado de forma mágica e foi jogado para dentro de um conceito novo
de explicação dos mitos através da história.
Como resultado, o ser humano passará a experimentar a rea-
lidade de forma diferente da que existia quando se vivia em meio à
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magia e ao encantamento.
VOLTAR AO
1.1 A secularização SUMÁRIO

Para que mais à frente se possa discutir as consequências ad-


vindas tanto da secularização quanto do desencantamento do mundo,
procuraremos trabalhar de forma mais clara a distinção entre os dois
conceitos. Para isso começaremos com uma explanação um pouco
mais detalhada do que veio a ser a secularização.
A união entre a Igreja e o Estado havia se iniciado quando o
Imperador Constantino decidiu pôr fim a perseguição que havia con-
tra os cristãos até então pelo Império Romano. É conhecida a lenda
de que Constantino teria tido um sonho que se usasse a cruz, símbolo
dos Cristãos, como estandarte à frente de seu exército, teria sucesso
em suas batalhas. Ele decidiu usar a cruz e foi vitorioso. Assim, ele
se converteu e pôs fim à perseguição aos Cristãos.
Em 380 d.C. Teodósio irá transformar o Cristianismo em úni-
ca religião do Estado. A união que se estabeleceu entre a Igreja e
o Estado foi fundamental para as duas partes envolvidas, já que a
Igreja se propunha a legitimar o poder imperial enquanto este en-
trava em decadência, e a Igreja conquistava liberdade para estabe-
lecer seus interesses.
14 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

O crescimento do Cristianismo nesse momento deve-se, tam-


bém em parte, ao fato de que o Estado instituído não possuía a sen-
sibilidade que a Igreja demonstrava ao dar abrigo aos excluídos dos
organismos estatais. Criava-se assim um mundo governado pela san-
tidade dos Papas e a autoridade do Imperador, com a marca da opo-
sição entre poder espiritual e temporal.
O objetivo da cristandade era criar um mundo cristão, e essa
tarefa pressupunha uma organização moral do mundo só possível
através de um Estado instituído que oferecesse a oportunidade de
estender seu poder não somente às questões dentro do espectro reli-
gioso. Para que as ideias pudessem crescer de forma importante pre-
cisavam primeiro de liberdade de circulação e, mais ainda, do apoio
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que vinha através do Estado, que acaba por delegar a formação edu-
cacional dos seus cidadãos aos cristãos, que assumem a tarefa de
educar e formar assim uma base social cristã importante.
O Cristianismo passa a ser então a força que sedimenta a for-
mação da sociedade, através da união com o Estado, e será capaz de
oferecer a autonomia necessária para que todos se reconciliem com
sua própria interioridade, oferecendo uma proposição de explicação
do mundo não só satisfatória, mas que encontrava suporte na socieda-
de e no Estado. A consequência imediata é a concepção de um Deus
pessoal interior, que estava separado de um mundo que claramente
não era o que Deus prometia na outra vida.
Essa característica do Cristianismo é fundamental no proces-
so de secularização, ou seja, para o cristão o mundo já havia ante-
riormente sido colocado para fora do âmbito do sagrado. O sagrado
se dava na interioridade do Deus pessoal. Cada ser humano passa
a desenvolver uma interiorização de um mundo individual, mundo
este que abriga a religiosidade como uma questão íntima e privada.
Ao identificarmos esse processo podemos perceber que ele traz
em seu bojo questionamentos que surgem para as instituições assim
como para cada ser humano, em sua vida. A Igreja havia sido até
então responsável não somente por dar conforto espiritual, mas por
resguardar um universo simbólico que dava significado à vida. Ao
Deborah Pereira da Silva - 15

enfrentar a secularização e a consequente perda de capacidade de


oferecer significado à vida, a Igreja Católica começará a enfrentar
sua maior crise e junto arrastará o mundo cristão.
Um dos resultados da Reforma foi o posterior surgimento das
Guerras de Religião. Estas disputas haviam mergulhado a Europa
numa situação que demandava uma solução eficaz e rápida. A solu-
ção encontrada foi a da separação política entre o Estado e a Igreja
Católica. Talvez a dor da guerra e a consequente solução efetiva en-
contrada por essa via possam ser apontadas como as bases necessá-
rias para o crescimento das ideias racionais.
Abriu-se mais facilmente a possibilidade de se aceitar concei-
tos antes impensáveis, já que aceitá-los significava a possibilidade
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de viver em paz. Esses mesmos conceitos, que nesse instante pas-


saram a fazer parte integrante dos grupos sociais envolvidos pelas
questões das Guerras de Religião, serão o princípio da secularização
que irá fortalecer-se na instalação dos Estados Nacionais quando da
redação das constituições que claramente farão a divisão dos novos
espaços do Estado e da Igreja nestas sociedades.
A tolerância religiosa no século XVI era frágil e era resulta-
do de um Estado incapaz de impor a uniformidade religiosa, cru-
cial para a sobrevivência política de reis e imperadores do período.
A tolerância só existia até o instante em que o governo fosse capaz
de impor uma única fé aos governados. Alguns optaram pelo catoli-
cismo, outros não. Aqueles que optaram por outra crença, queriam
a divisão e os bens que a Igreja tinha à época.
A distinção entre religioso e secular nasce quando um determi-
nado grupo religioso não conseguiu mais impor suas crenças para
toda a sociedade. Portanto, foi necessário que a ordem social passas-
se a ser organizada de outra maneira que não a religiosa, que estava
se mostrando destrutiva. Em função disso, grupos sociais decidiram
que para a obtenção da paz, tanto a religião, quanto as controvérsias
que a ela diziam respeito, deveriam ser eliminadas. Assim se deu o
surgimento do secularismo. Com a clara separação entre Estado e
Igreja e com a explicitação de que os códigos que regeriam esses
16 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

grupos sociais não seriam mais os de um determinado grupo reli-


gioso. Como consequência imediata dessa separação, a religião, no
caso o Cristianismo, perde espaço político.
As Guerras de Religião que se seguiram à Reforma e a poste-
rior solução encontrada para por fim aos conflitos, a separação en-
tre Estado e Igreja, é que foram na verdade a raiz da secularização
moderna. Anteriormente já existia um espírito de separação nos pri-
mórdios das ideias cristãs. A distinção entre secular e religioso já
era uma ideia presente, uma vez que era evidente que a ordem so-
cial existente à época era bastante diversa da que era pregada como
sendo o Reino de Deus.
Para os cristãos, a ideia de secular e religioso não era estranha
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já que para eles era claro que havia um mundo no qual viviam e um
mundo que deveria existir se a palavra de Deus fosse realmente se-
guida por todos. Havia uma separação na maneira de pensar a pró-
pria vida, dividida entre dois mundos distintos: um com uma vida
secular que não deveria ser valorizada e o outro com uma vida imer-
sa no sagrado e na noção de perfeição Divina. Fica claro que na pró-
pria noção de Vida Eterna está embutida a secularização. Duas vidas,
uma vivida neste mundo imersa em problemas profanos e outra, a
Vida Eterna, esta sim repleta de sacralidade.
A partir da Reforma, a Igreja vai perdendo espaço dentro da
sociedade e não só porque perde os seus bens e consequentemen-
te dinheiro e poder. Ela perde a condição de definidora de valores e
comportamentos para a sociedade.
Essa fragilidade permitirá a liberdade de escolha e de ação das
pessoas no mundo. Os valores e conceitos, que antes direcionavam
a vida e davam sentido e explicação, se enfraquecem, e o homem
vai interiorizando sua religiosidade e experimentando a possibilida-
de de agir no mundo livre para experimentar outras dimensões de
escolha que não só a religiosa.
Como primeira consequência dessa substituição de significado,
temos uma maior liberdade em relação aos modelos tradicionais e a
possibilidade de questionamentos. Há espaço para incertezas onde
Deborah Pereira da Silva - 17

antes só havia o inquestionável. Questões que antes eram respondidas


de forma assertiva pela Igreja passam a contar com a possibilidade
de encontrar respostas em outros universos, não mais no religioso.
Entretanto, não devemos confundir o processo de secularização com
a perda da fé. Na verdade, a fé não se perdeu, mas se deslocou para
outros espaços que antes eram regiões estranhas ao sagrado.
Essa mudança não significou a eliminação do controle da Igreja
sobre a vida cotidiana, que não era um controle estrito sobre a vida
pessoal e cotidiana. O controle que os reformadores propõem é mui-
to mais incisivo e regulava toda a conduta, a social e a privada.
A expressão secularização foi usada durante as negociações de
paz de Westphalia, como o sinal da passagem das propriedades das
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mãos dos religiosos para as mãos dos príncipes. Isso se deu como
uma das consequências da Reforma, que além de propiciar o surgi-
mento das igrejas nacionais, fez com que os príncipes buscassem a
autonomia do poder temporal. Essa solução terminou com a Guerra
dos Trinta Anos e também com o que o Imperador Constantino ha-
via conseguido com o Edito de Milão de 313, quando criara a união
entre poder político e religioso.
Dessa maneira, vamos ficar com a noção de que secularização
seria a separação entre política e religião, Estado e Igreja como so-
lução para as Guerras de Religião e que teve como uma de suas con-
sequências a perda do poder político das Igrejas.
A ampliação do conceito de secularização, até então estritamen-
te religioso, será feita pela sociologia de Max Weber que acabará por
criar o conceito de desencantamento. Essa ideia é o resultado da se-
cularização acrescida de um novo olhar oferecido pelo Iluminismo.
Esse olhar surge, coincidentemente, com o momento em que as ideias
religiosas de explicação da vida sofrem um esgotamento em rela-
ção à visão de um mundo que aceitava unicamente a visão religiosa
e que vai retirando o sagrado de forma progressiva do universo. A
partir deste instante este mesmo universo será aberto não só às ex-
plicações científicas, mas também à pesquisa, ao questionamento do
que antes era inquestionável.
18 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

VOLTAR AO
1.2 Algumas consequências da secularização SUMÁRIO

A separação entre Igreja/Estado ocorre como uma solução en-


contrada para um novo equilíbrio dentro da sociedade. Essa separa-
ção é que mais tarde possibilitará o surgimento de noções de direitos
humanos e tolerância religiosa. Com o nascimento de novos Estados,
constituições são elaboradas e nelas cada vez mais a vida humana é
considerada um direito fundamental do cidadão, não mais um dom
de Deus a ser preservado, algo sagrado ou um Mandamento a ser
seguido. O Estado passa a assegurar, dentro de uma visão racional,
a dissidência que nascia com a Reforma e o direito à livre expres-
são religiosa.
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Outra consequência desta separação é o conceito de progresso


através da história. Deus sai do mundo, passa a ser totalmente trans-
cendente, sendo, cada vez mais, uma questão do indivíduo e menos
de explicação do mundo e da vida.
Podemos imaginar que a força da secularização e o consequen-
te desencantamento do mundo vêm do fato de que ambos os concei-
tos se amparam na mudança, no deslocamento da ideia de Deus, da
ideia de sagrado, da perda do encantamento. Uma mudança que uma
vez iniciada seguiu gerando consequências que não haviam sido ima-
ginadas a princípio. Essa mesma mudança deslocou o lugar da reli-
gião para o íntimo de cada um. O lugar é o espaço íntimo e pessoal.
Entretanto, a secularização ao pretender restringir o espaço da
fé busca os poderes que antes tinham seu espaço na esfera do sagra-
do e desloca-os para os aspectos culturais, políticos ou econômicos.
Transforma-os em fatores de tomada de decisão e de sua justificati-
va e desta forma os coloca acima e fora do mundo, em uma palavra:
sacraliza-os. O sagrado, ao perder seu espaço na esfera religiosa,
se deslocará e buscará refúgio em espaços não imaginados, como
o mercado.
Em última instância, o mundo secularizado, racional e desencan-
tado, não significou o fim da religião. Houve mais uma substituição
de uma lógica por outra. O lugar do encantamento que existia den-
Deborah Pereira da Silva - 19

tro do universo religioso se desloca para outras áreas da vida, como


a economia, criando outro tipo de religião. Pagar as contas em dia,
honrar as dívidas assumidas, ter o nome limpo, se torna sagrado para
a vida em sociedade. O mundo passa a usar outros parâmetros, que
não os religiosos, para definir o que é sagrado.
A filósofa alemã Hanna Arendt (1997) descreve três eventos de-
cisivos para entender de que maneira a Modernidade se estrutura. O
primeiro evento é a Descoberta da América; o segundo, a Reforma
Protestante; e o último, a Invenção do Telescópio.
O primeiro dá início à globalização do mundo, o segundo de-
sencadeia acúmulo de riqueza, e o último dá início a uma perspecti-
va científica que possibilitou a visão do mundo do ponto de vista do
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universo através da Nova Astronomia de Copérnico, Kepler e Galileu.


É importante notar que os três eventos continuam a ter seus
desdobramentos até hoje. O ser humano continua a explorar agora
não só a Terra, mas também o espaço; e o fenômeno da globaliza-
ção é fonte constante de questionamentos e análises; as consequên-
cias da Reforma Protestante fazem parte da vida cotidiana e a ciência
se fortalece como fonte de poder a cada nova descoberta mostrando
que ainda os três eventos são fundamentais para a compreensão do
mundo em que vivemos hoje.
Esses eventos trouxeram aos seus contemporâneos sensações
distintas. O deslumbramento aos que partilharam das Descobertas, a
inquietude aos que viveram a Reforma e o que podemos chamar de
uma falta de curiosidade aos indivíduos que perceberam como ape-
nas mais um objeto, sem se darem conta de que o telescópio seria o
primeiro objeto puramente científico criado pelo homem.
A inquietude que surgiu quando ocorreu a Reforma permane-
ceu com o ser humano. A mesma inquietude que surgiu quando o
ser humano se viu sem certezas e sem o encantamento de um mun-
do que antes fazia sentido e que agora precisava ser redescoberto e
explicado pela ciência. A ciência com seu crescente poder vem tra-
tando de cumprir o seu papel de alimentar a fé no futuro sempre com
novas descobertas e invenções. Não é proposta da ciência dar sen-
20 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

tido à vida, não podemos esperar dela um sentido, porque isso ela
não é capaz de oferecer.
Essa busca do ser humano pelo significado, pelo encantamento,
existe porque paixão e intuição são fundamentais. A vida desencan-
tada é impossível, a razão unicamente não oferece resposta para os
questionamentos humanos, por isso as pessoas buscam por paixão
e intuição em suas vidas, assim, tem a percepção de há algo além.
Portanto, o mundo externo tornou-se difícil e problemático e
mesmo o mundo interno também se torna mais complexo. O ser hu-
mano passa a ter que fazer escolhas, quase sempre precárias, op-
tando dentro das possibilidades que se oferecem para dar o sentido
perdido à vida. A religião, que por muito tempo tinha oferecido res-
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postas que permitiam ao ser humano tomar suas decisões baseado


na certeza de que seguia os preceitos religiosos adequados e reque-
ridos, perde a condição de guia para a sociedade e o indivíduo pas-
sa a ter que decidir sozinho. O que antes era destino concebido fora
das mãos humanas se incorpora como uma sequência de escolhas
que devem ser guiadas pela racionalidade.
VOLTAR AO
2 A Reforma Protestante SUMÁRIO

No mundo que é resultado da Reforma Protestante, o ser hu-


mano vê-se só e vai buscar na ética religiosa o caminho que irá bali-
zar o seu comportamento. Weber, quando reflete sobre essa questão,
aponta para “o sentimento de uma inacreditável solidão interna do
indivíduo” (1996, p. 72), que teria que seguir, a partir de então, so-
zinho na busca do destino que Deus havia lhe reservado.
Esses mesmos preceitos, que haviam sido introduzidos pela
Reforma, serão os responsáveis pela inoculação dos valores do ra-
cionalismo prático na vida cotidiana.
O Deus do Novo Testamento agora não é mais o bondoso Pai,
mas é aquele que normatiza a vida e através da normatização de to-
das as áreas da vida humana indica qual o comportamento correto
deve ser expresso pelos que foram escolhidos para a Salvação.
Deborah Pereira da Silva - 21

Os que se creem escolhidos percebem-se profundamente sós já


que não podiam contar com mais ninguém para saberem se haviam
ou não sido escolhidos. Cabia somente a cada um saber, nos seus co-
rações, a resposta. Não era permitido sequer duvidar, uma vez que
o questionamento era indicação clara de que não haviam sido aben-
çoados pela Graça Divina.
Desta forma, estabeleceu-se a eliminação da salvação através
da Igreja e dos sacramentos. Somente o ser humano na solidão de
sua fé poderia saber em que situação se encontrava perante Deus.
Concluía-se desta maneira o processo de retirar a magia da vida
que havia se iniciado com os judeus. Não havia mais maneiras má-
gicas de se obter a Graça Divina, não havia maneira de se interceder
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para obtê-la. Tudo dependia da vontade de Deus.


Pode-se identificar no surgimento e posterior estabelecimen-
to do Protestantismo um segundo momento de desencantamento do
mundo, sendo o Protestantismo responsável por reduzir de forma
drástica o âmbito do sagrado na realidade na medida em que abre
a possibilidade de salvação pela Graça Divina como único milagre
presente nesta concepção.
O Protestantismo havia abolido a possibilidade do encantamen-
to na relação com o sagrado. A relação entre os seres humanos e o
sagrado fora reduzida ao livro sagrado e a palavra de Deus nele con-
tidas. Não há imagens, nem santos ou santas com os quais se iden-
tificar, ou com quem interagir nas horas de dificuldades. O sagrado
passa a ser somente a palavra fria e distante contida na Bíblia.
Devemos nos lembrar de que para os Protestantes, o Reino de
Deus está em nós e não num porvir, numa Vida Eterna. O Reino
está onde a palavra possa ser pregada e aceita, na proposta de aco-
lher Deus dentro de cada um. A confiança na palavra deve-se ao fato
sustentado pelos Protestantes de que a palavra encontrada na Bíblia,
uma vez sendo aceita como a palavra de Deus, não permite possi-
bilidade de engano.
Ao desvencilhar-se dos elementos mais poderosos de media-
ção que são o mistério, o milagre e a magia, o Protestantismo cami-
22 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

nha para a secularização (BERGER, 1985). Esse arcabouço teórico


é o que Weber chamará, mais tarde, de desencantamento do mundo.
VOLTAR AO
3 O crescimento do racionalismo SUMÁRIO

Racionalismo, de maneira mais ampla, é uma tese filosófica


que, como o próprio nome indica, dá prioridade à razão em relação
às emoções, aos sentidos. Já o desencantamento é um conceito de-
senvolvido pelo sociólogo alemão Max Weber que, de maneira bas-
tante simplificada, revela o distanciamento de Deus do centro da vida
humana e uma aproximação da lógica capitalista.
A crença em um mundo encantado dá lugar à racionalidade; de
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sociedade comunitária, onde o agir era direcionado pelo afeto, pas-


sa-se à sociedade burocratizada onde não há mais espaço para o en-
cantamento. O comportamento religioso Calvinista migrara para o
cotidiano. Ou talvez o cotidiano já estivesse de tal forma desencan-
tado que a ética Calvinista era necessária como uma nova proposi-
ção de vida cotidiana.
A salvação deixa de ser mágica e acontece na medida em que
através do trabalho se obtém o sucesso, e este é a confirmação de
que se foi eleito por Deus e que, portanto, deve-se honrá-lo através
do trabalho disciplinado e da vida ascética. Para Lutero, a salvação
viria como resultado do cumprimento dos deveres da vida mundana.
O resultado material da adoção desse conceito é que o ganho
auferido não é para ser gozado. O ganho é em si a finalidade, não
meio de obtenção de bens ou de ostentação. O ganho obtido por ter
sido escolhido por Deus não pertence à pessoa, pertence ao próprio
Deus e a Ele se deve prestar contas. Desta maneira, o ganho passa a
ter uma característica transcendental e merece a mais cuidadosa das
administrações, a mais racional.
Essa postura frente ao ganho leva à acumulação de bens e capi-
tal, o que antes da Reforma seria inaceitável para um cristão. Como o
que se ganhava não podia ser ostentado, uma vez que não pertencia
à pessoa e sim a Deus, a única opção que restava era a acumulação.
Deborah Pereira da Silva - 23

Dentro desta mesma ética puritana, o trabalho científico tam-


bém visava a Glória Divina, a pesquisa científica era vista como um
trabalho, um caminho para honrar a Deus. O que a princípio pare-
ce contraditório, já que a ciência seria por princípio sem religião.
O desencantamento do mundo foi conquistando seu espaço
dentro da sociedade porque oferecia explicações e interpretações
do mundo que eram coerentes com a nova forma científica de se ex-
plicar o mundo. As coisas passam a serem passíveis de explicações
científicas racionais. Mais que explicar, a ciência de um mundo de-
sencantado começa a oferecer uma nova opção de resposta aos ques-
tionamentos humanos. A ciência, que é capaz de garantir resultados
para a vida dos indivíduos, passa a se apresentar como solução para
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todos os problemas e, de certa maneira, os soluciona efetivamente.


Doenças têm as suas causas descobertas, novas tecnologias tor-
nam a vida mais fácil como um todo, e assim acaba-se por substi-
tuir o que era prometido pela religião – um mundo perfeito – pelo
racionalismo da ciência. O futuro passa a ser a possibilidade de um
mundo perfeito. A racionalidade aplicada à vida como possibilida-
de de solução de problemas.
Celebrava-se a ciência como a técnica do domínio da vida que
levaria o ser humano à felicidade, a mesma ciência que tem como
proposta oferecer método e disciplina que seriam capazes de permi-
tir a previsibilidade de eventos na vida humana.
Há aqui um paradoxo: a ciência que não é capaz de oferecer
significado à vida é a mesma ciência que encanta, pois consegue ex-
plicar o mundo.
Dissemos que a ciência a princípio era um trabalho que como
os outros tinha como objetivo a Glória Divina. Este mesmo trabalho
se mostrará mais à frente incompatível com a religiosidade, e será
uma questão que não encontra equacionamento definitivo.
A mudança na concepção do imaginário religioso medieval
para o da razão é acompanhada de uma flexibilidade no pensar que
passava a ser exigência de um mundo que criava novas regras para
utilizar as novas descobertas frequentemente. Essa flexibilização de
24 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

pensamento é associada a uma visão de vida religiosa mais dinâmi-


ca, nunca fora do mundo, mas dentro. Nunca uma concepção fecha-
da, mas dinâmica, na medida em que o amor à Deus se provava na
vida cotidiana, nas soluções encontradas para tornar o trabalho mais
eficiente na dominação e no controle efetivos da natureza.
O que Max Weber (1996) chama de espírito do capitalismo foi
um conjunto de ideias aprendidas para que a busca do ganho racional
pudesse alcançar toda uma sociedade de maneira que o trabalho e o
ganho dele advindo acabassem tornando-se atividades racionais que,
no entanto, tinham sua justificativa dentro da própria ética protestante.
Esse efeito não foi intencional, mas foi fundamental para que
o capitalismo pudesse desenvolver-se e criar sociedades voltadas
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para a economia. O que ocorre neste instante é que a economia vai


tornando-se cada vez mais o ponto de referência para a análise e to-
mada de decisão, até que acaba por tornar-se o único ponto. Assim,
sociedades capitalistas acabam reféns do mercado. Ele acaba por ser
o balizador principal para a tomada de decisão não só dentro da es-
fera social como também na pessoal.
Há aqui uma mudança na concepção de mundo. Como consequ-
ência de um maior racionalismo impregnando a sociedade, a ciência
vai oferecendo ferramentas para que esse racionalismo se sustente e
avance. O mundo que antes encontrava uma explicação mágica jun-
to à religião é agora racionalmente explicado pela ciência.
Seriam os efeitos inesperados advindos da Reforma Protestante
que tinha como preocupação primeira a salvação da alma. O desen-
cantamento ocorre como consequência de um processo que se ins-
tala. Sendo, portanto, não o protestantismo, mas sim o puritanismo
uma das variáveis que colaboram para o surgimento do desencanta-
mento e do utilitarismo.
Há sobre a ideia de desencantamento do mundo uma pesa-
da carga associada ao materialismo que teria sido introduzida pelo
Protestantismo, e que ao invadir todos os setores da vida contempo-
rânea extirparia desta o conteúdo encantado e mágico da vida. Ao
unir sob uma mesma ética religiosa a graça e o sucesso como sua
Deborah Pereira da Silva - 25

reafirmação, o Protestantismo uniu o rigor religioso e a inserção no


mundo dando assim as bases para o espírito do capitalismo, que traz
para a sociedade e para os relacionamentos nela inseridos a ideia de
dessacralização na recusa de meios mágicos para a busca da salvação.
A figura do pregador, com sua autoridade advinda de uma reve-
lação pessoal por ele recebida, que depende de seus dons pessoais,
não traz para a vida o universo da magia, mas sim o da vida vivida
em um mundo desencantado. Não há encantamento na fala do pre-
gador, mas a lembrança das obrigações para com Deus, a lembran-
ça de que não estamos sendo eficientes o bastante em nossas vidas
de modo a glorificá-lo.
Há ainda a dessacralização da natureza já que esta passa a ser
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vista pelo ponto de vista das sociedades ocidentais como algo a ser
dominado e explorado dentro de uma perspectiva absolutamente au-
sente de magia.
Não havia possibilidade de Salvação por meios mágicos, a
Graça de Deus era para os que Ele havia escolhido, não havia como
interceder para se mudar o destino. O sinal de que se era um esco-
lhido viria através do sucesso obtido com o trabalho, que se torna-
va cada vez mais eficiente. Assim, a vida ficou desencantada, com
o ser humano vivendo num universo de números, de quantificação,
inclusive do tempo, explicado pela ciência e sem nenhuma magia.

4 O desencantamento VOLTAR AO
SUMÁRIO

O desencantamento do mundo não poderia ter existido sem a


secularização. Foi através dos novos conceitos oferecidos pela se-
cularização que o desencantamento se tornou possível de ocorrer.
Como resultante deste movimento de ruptura, surgem resul-
tados que nunca haviam sido planejados pelos Reformadores, cuja
ideia original era desenvolver um projeto mais harmônico de prática
cristã. Com o consequente desenvolvimento que se sucedeu, nasceu
o conflito com a fé dentro de um novo conceito de mundo em que
não havia lugar para forças mágicas e misteriosas.
26 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

Para que a nova proposição tivesse sucesso, o mundo precisava


ser esvaziado de seu conteúdo mágico, o mundo precisava ser desen-
cantado. Essa nova teoria filosófica que estava em gestação propu-
nha um mundo revelado pela ciência e comandado pelo pensamento
da razão mecanicista.
Weber desenvolveu o conceito de desencantamento do mundo
ao falar do progresso científico e do processo de intelectualização
ao qual os indivíduos estão submetidos.
Diferentemente do selvagem que conhecia os instrumentos dos
quais se utilizava na sua vida, na contemporaneidade o ser humano
não tem condições de obter esse tipo de conhecimento.
Anteriormente, o ser humano conhecia quem, como e com qual
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finalidade os objetos haviam sido feitos. Com as diversas mudanças


que ocorreram nas formas de produção o ser humano perdeu o con-
tato com este significado primeiro que os objetos adquiriam.
A intelectualidade e a racionalização não significam que se te-
nha um conhecimento acerca das condições sob as quais se vive. As
capacidades científicas e intelectuais desenvolvidas pela humanida-
de não são sinônimos de conhecimento.
A importância de se conceituar de forma lógica para os anti-
gos gregos era equivalente a conhecer a verdade. Ao se compre-
ender um conceito de forma racional teríamos a compreensão do
que ele era na realidade. A conceituação correta e o seu conhe-
cimento pelo ser humano seriam importantes, pois desta manei-
ra possibilitariam o agir correto, como cidadão. A preocupação
grega é principalmente voltada para a política, daí o agir correto
como cidadão ser a razão de se conceituar corretamente. Ao se
conhecer a verdade, as pessoas seriam melhores, fariam melho-
res escolhas políticas.
Já o Renascimento foi um período que trouxe como contribui-
ção a experimentação racional para a construção da ideia de mun-
do desencantado a partir da possibilidade de controle da experiência
científica com a ciência moderna. Através do controle que a expe-
riência científica exige, e da possibilidade de repetição dos experi-
Deborah Pereira da Silva - 27

mentos, tirava-se a aura de magia dos eventos que anteriormente


encontravam sua explicação no universo mágico.
O desencantamento do mundo será o caminho traçado por Max
Weber para propor a relação entre o calvinismo, a Reforma e o de-
senvolvimento do espírito capitalista. Para ele, o grande diferencial
é o conceito de salvação.
Para Lutero, havia uma parte da humanidade que estava salva
e outra condenada. Não havia nada que o ser humano pudesse fa-
zer para mudar este desígnio eterno, já que era divino e seria uma
contradição imaginar que Deus pudesse permitir que Seus desíg-
nios fossem influenciáveis por atitudes humanas. Assim sendo, a
Graça é impossível de ser atingida por aqueles a quem Deus a ne-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

gou, assim como é impossível de ser perdida por aqueles a quem


Ele salvou. A atividade profissional intensa é recomendada como
forma de alcançar a autoconfiança desejada, já que o questiona-
mento sobre ser um escolhido para receber a Graça Divina era
entendido como falta de fé, portanto, sinal de Graça imperfeita.
Era considerado dever absoluto de todo crente considerar-se um
escolhido por Deus, ter a certeza que recebera a Graça Divina e
agir de modo a que o grupo soubesse que, no seu coração, ele ti-
nha certeza da Salvação.
O Cristianismo, ao ter desenvolvidas as ideias de pecado, ex-
piação e salvação, torna factível para os cristãos que se sacrifique
a vida na terra como forma de alcançar a vida eterna e, portanto, a
vida na terra perde em importância, uma vez que ao expiarmos nos-
sas vidas em sofrimento alcançaremos os céus.
Lembrando que os efeitos posteriores à Reforma de Lutero, e de-
pois à de Calvino, foram inesperados para os próprios Reformadores.
Devemos notar que são esses efeitos que irão estabelecer as condi-
ções para que o capitalismo pudesse se estruturar no Ocidente du-
rante os séculos XV e XVI.
Dentro dessa nova concepção a vida não é um eterno sofrimen-
to, não era mais sacrificar-se e esperar pela morte e a consequente
Vida Eterna. O motivo para a vida do cristão era ser um instrumento
28 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

de Deus. Isso oferecia ao crente o motivo necessário para o trabalho


que edificava, dominando e transformando a natureza e o mundo.
Essa nova visão acaba por trazer para a vida a racionalidade
no gerenciamento do tempo, dos recursos econômicos e financei-
ros. Esses seriam então os princípios do puritanismo que vão avan-
çando pela sociedade e tornando-se valores aceitos por todos. Esses
princípios conseguem penetrar na sociedade porque seus resultados
são visíveis e mensuráveis. A vida passa a ser passível de controle e
previsão, o que a torna mais racional e mais fácil de ser administra-
da. Assim, a ética protestante passa a ser uma das causas do desen-
volvimento do capitalismo, já que oferece os conceitos necessários
para o crescimento econômico nas sociedades que o adotam.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

A vocação não é uma opção, ela é um chamado de Deus para o


cumprimento do trabalho. Desta maneira, se assegurava o serviço à
Deus de forma adequada, pela intervenção no mundo, pelo trabalho
e pela transformação da natureza. A conquista do sucesso advindo do
fato de ter sido escolhido por Deus era uma consequência que tornava
patente para o grupo social o acerto na opção pelo caminho indicado
por Ele, a certeza de se ter sido escolhido era o sucesso profissional
como expressão da vocação dada por Deus e seu correto cumprimento.
O sucesso obtido para quem se dispusesse a seguir a vocação
era proposto através da racionalidade do trabalho, que buscava sem-
pre fazer melhor e mais para a glória de Deus, e que acaba perme-
ando outros aspectos da vida; da concepção de mundo voltada para
a Graça Divina, que é reconhecida através do sucesso profissional e
financeiro; e de uma vida regrada voltada para o trabalho executado
como vocação, chamamento e predestinação.
Nesta ótica, o trabalho cotidiano é sagrado, pois é o atendimen-
to de um chamado Divino e a via pela qual se obtém o sucesso pro-
fissional, sinal inequívoco de Salvação.
Assim, o que começou como busca de eficiência no trabalho
extrapolou para a vida como um todo. Nesse mundo controlado por
números, por quantidades, por conceitos científicos, já não há mais
lugar para a magia.
Deborah Pereira da Silva - 29

Ao se retirar a possibilidade da magia como parte da vida cria-


-se um mundo desencantado.
VOLTAR AO
4.1 Algumas consequências do desencantamento SUMÁRIO

Com a eliminação da magia e com a racionalização do mundo


Weber nos chama a atenção para outra consequência do desencanta-
mento, que vem a ser a falta de um movimento, religioso ou artísti-
co. Para ele, o que ainda há de supremo e sublime na vida encontrou
o seu espaço na transcendência na vida mística.
Ao eliminarmos valores humanos que habitavam o espaço re-
ligioso e que agora se encontram sem guarida dentro dos grupos so-
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ciais e em cada indivíduo, corremos o risco de esvaziar o sentido de


nossas vidas cotidianas. O ser humano passa a conviver com o senti-
mento inquietante de que existe um vazio que não pode ser preenchi-
do pela ciência ou pelo racionalismo. Passa a existir uma percepção
generalizada de que a vida humana não pode e não deve restringir-se
unicamente ao universo do cientificamente explicável, do palpável,
do mensurável. Por mais que os seres humanos tenham avançado em
termos tecnológicos e científicos, ainda buscamos algo maior, para
além das descrições científicas ou racionais, que seja capaz de dar
não explicação, mas sentido à vida humana.
Ao dizer que banimos os valores supremos e desencantamos o mun-
do, Weber indica como a vida fica tediosa e cética. Não podemos esque-
cer que, apesar da sociedade ter se secularizado, a fé não desapareceu.
A ciência através da certeza de sempre obter respostas na ver-
dade direciona essa força para o descobrimento do futuro. Não se
conquistam mais almas, mas sim o Cosmo.
Se a ciência falhou ao trazer a felicidade ao indivíduo, onde po-
deríamos buscar respostas que pudessem organizar nossas vidas de
maneira a que pudéssemos conquistar a felicidade?
Weber responde ao dizer que a solução encontrada pelo ser hu-
mano foi de substituir a religião por outras possibilidades às quais
atribuímos certa dignidade e santidade.
30 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

A fé na História e no futuro mostra como o ser humano substi-


tui uma fé por outra, o ser humano não consegue viver sem fé, sem
ter o espaço para um mundo além da mundanidade cotidiana.
Crer no futuro e na ciência passa a ser encantador. A ciência pas-
sa a oferecer soluções tecnológicas e científicas que resolvem pro-
blemas cotidianos da vida dos indivíduos. Curar doenças, descobrir
novas terras, novas civilizações, passa a ser encantador. Mais que
isso, assume dentro da sociedade o papel efetivo de oferecer explica-
ções e soluções para a vida. Podemos dizer que o desencantamento
foi um conceito atrativo, já que a ciência que nascia oferecia encan-
tamento ao prometer soluções para a vida do indivíduo.
Se a ciência foi capaz de encantar, foi justamente porque não
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

chegou a haver um rompimento, houve sim um deslocamento do en-


cantamento do espaço religioso para o científico.
Entretanto, isso não foi capaz de perdurar, porque apesar de
responder aos questionamentos humanos, a ciência não é capaz de
oferecer um sentido à vida humana. A ciência é capaz de nos forne-
cer conhecimentos técnicos, mas não sentido.
Fica claro que dentro do cotidiano é fundamental que exista es-
paço para algo além, que projete outra possibilidade de compreen-
são da vida humana.

4.2 Os limites do conceito de desencantamento VOLTAR AO


SUMÁRIO

Dizer que vivemos em um mundo onde a religião tem pouco


espaço é um engano. O mundo em que vivemos hoje, com algumas
exceções, é até mais religioso do que jamais foi em alguns lugares.
Para Berger (1999), a ideia incorreta da secularização, que de-
pois permitirá a abertura pela qual o encantamento retornará, é a de
que o mundo moderno leva ao declínio da importância da religião
na sociedade.
Não se pode negar o peso que a Modernidade imprimiu sobre
a religião, mas também fez com que surgissem movimentos impor-
tantes na direção contrária, e mais importante, que a secularização
Deborah Pereira da Silva - 31

que ocorre na sociedade não se dá igualmente com cada um dos in-


divíduos que dela fazem parte.
A Igreja Católica, que cresce dentro de um mundo globaliza-
do, percebe que suas proposições encontram resistência crescente
no novo desenho religioso. O Concílio Vaticano II foi uma tentativa
de se abrir a Igreja às novas tendências e questionamentos exigidos.
Entretanto, ao oferecer algum espaço para esses novos ares a Igreja
Católica abriu-se também, e aí não foi capaz de controlar a exposi-
ção que sofreu ao mundo da cultura moderna.
Em parte, o desencantamento perde sua força quando o mito do
progresso deixa de encantar, quando o ser humano começa a com-
preender que, apesar dos avanços científicos, há uma incapacidade
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crônica de não se gerar guerras regionais, ou mundiais. Generaliza-


se também a percepção de que o sistema econômico mundial é ina-
dequado, que há excluídos demais, que a vida se torna violenta e,
portanto, sem sentido.
Como agravante desse processo pode-se apontar as inúmeras
guerras e os deslocamentos de pessoas causados por elas, as catás-
trofes ambientais, os ciclos recorrentes de doença, fome e pobreza e
problemas causados pela tecnologia que, como princípio, deveriam
ser somente fonte de solução.
As promessas do mundo desencantado não se cumpriram. Não
basta que a ciência avance continuamente se esta não é capaz de
chegar a todos, e muitos se veem distantes de obter a cura para as
doenças mais simples, se não há como evitar guerras e conflitos a
todo instante, se não há como evitar a fome e as misérias humanas.
Todos esses fatores trouxeram uma forte carga de cinismo para
a ideia de progresso e como consequência o desencanto para com
ele também.
Devemos lembrar que para alguns setores da sociedade a se-
cularização sempre foi bem-vinda, já que se propunha a libertar
o ser humano de crenças ultrapassadas e tidas como supersticio-
sas e reacionárias e que encaravam a religião como um inimigo a
ser combatido.
32 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

Algumas instituições religiosas perderam seu poder e a capa-


cidade de influência nas sociedades, mas práticas e crenças religio-
sas se mantiveram presentes na vida pessoal. E o fato de que alguns
grupos religiosos não possuam um número significativo de adeptos
não significa necessariamente uma perda de poder de atuação polí-
tica na sociedade.
Para atuar no mundo secularizado há duas estratégias que as
comunidades religiosas adotam: a rejeição e a adaptação. A rejeição
seria ao mundo moderno e se daria no momento em que um grupo
religioso assumisse o controle de todo um grupo social e, numa rea-
ção à modernidade, instituísse uma única religião como obrigatória
a esse grupo, fechando assim qualquer outra possibilidade de opção
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

religiosa para esse dado grupo social. A adaptação seria a oferta de


uma religião mais apropriada aos novos padrões da modernidade,
uma religião mais adequada aos novos valores e conceitos.
A globalização, que já foi apontada como um dos fatores fun-
damentais para a estruturação da Modernidade, trouxe uma inter-re-
lação maior entre culturas e povos distintos. Esse fator associado à
possibilidade de negação e não aceitação das ideias modernas cria
algum substrato necessário para a manutenção da religião como fa-
tor importante na vida do ser humano.
O primeiro fator que permite às sociedades uma maior troca, in-
clusive religiosa, já conta com a noção de tolerância religiosa quan-
do começa a ganhar força. Assim, cada um sente-se livre para mudar
de crença, como para fazer uma opção religiosa distinta da do seu
grupo social se a opção predominante não parecer adequada ou su-
ficiente. Há sempre a possibilidade de se mudar de opção religiosa
sem maiores problemas. A manutenção de algum vínculo religioso
se torna mais atraente e passa a ser adotada como opção a, simples-
mente, afastar-se da religião.
A segunda opção é relativa a grupos religiosos que negam a
possibilidade de aceitação dos valores da modernidade e pregam
uma vida fora deste mundo onde é impossível manter-se uma rela-
ção com o transcendente.
Deborah Pereira da Silva - 33

Esses grupos, contrariamente ao que se possa imaginar, obtém


sucesso não ao propor uma religião mais secularizada, mais racio-
nal, mais dentro da história. Oferecem a seus adeptos uma religião
imersa naquilo que se convencionou chamar de superstição e cren-
ça. Comunidades religiosas desse tipo cresceram de forma a não te-
rem que se adaptar mais ao mundo. Elas passam a ser um mundo
em si mesmas, já que dentro do seu universo suas explicações do
mundo fazem sentido.
A incerteza que o mundo moderno implanta na vida de cada ser
humano é um fator no processo de reencantamento que não devemos
desprezar. Certezas são um produto que qualquer movimento, seja
ele religioso ou não, oferece e encontra mercado certo, já que a bus-
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ca por certezas num mundo cada vez mais precário e incerto passa a
ser encantadora, e o ser humano busca o encantamento.
Resumindo, podemos dizer que a princípio o desencantamen-
to foi bastante sedutor ao oferecer uma proposta que também era
encantadora, ao propor soluções para todos os problemas humanos.
A possibilidade de se pôr fim às Guerras de Religião, associada ao
crescimento da ciência como possibilidade real de resolução dos pro-
blemas humanos, pareceu bastante sedutora, e, mais que isso, há o
progresso que passa a ser oferecido como possibilidade infinita de
conquista e realização do indivíduo.
O que ocorreu é que como substituição ao encantamento religio-
so o mito do progresso foi convincente. Na medida em que o ser hu-
mano sentia na sua vida particular cada evolução prometida, ao tornar
possível salvar uma vida através da descoberta de novas tecnologias,
ou drogas, ou de simplesmente por poder ter água encanada em sua
casa. Entretanto, esse projeto encontrou o esgotamento e foi inca-
paz de se renovar trazendo como consequência o desencantamento.
Em face da perda de fé na tecnologia e na ciência, surge na so-
ciedade um espaço para o reencantamento. Os problemas do progres-
so e a falta de significado para a vida trazem consigo a vontade de
ressuscitar a magia existente na sociedade pré-moderna, e que havia
ficado deslocada durante esse período. Começam a renascer movi-
34 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

mentos religiosos, há uma busca pelo mistério, pelos mitos e pela


magia, que encontrarão um forte aliado na propaganda, no marke-
ting e no mercado. São esses os novos espaços onde o ser humano
buscará os novos significados que transportará para a sua vida.
A possibilidade de existir conhecimento fora do âmbito exclusi-
vamente científico, ou seja, produzir-se conhecimento também atra-
vés da filosofia e da religião passa a ser desconsiderada. As questões
que antes encontravam seu espaço de questionamento nessas áreas
passam a ser encaminhadas para a esfera de atuação da ciência, que
não tem ferramental adequado para aplacar angústias existenciais
estruturais do ser humano. Esse não é o espaço onde o racionalismo
científico sinta-se confortável ao ser indagado sobre seus resultados.
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Nem mesmo a morte, cuja presença é inevitável e certamente


fonte de angústia humana por excelência, deixa de ser resolvida pela
ciência com a promessa de cura para todos os males, e com propos-
tas como a clonagem ou a criogenia.
Descartamos a sabedoria e abraçamos o conhecimento cientí-
fico objetivo tirando do mundo o seu encantamento mágico e assu-
mindo o encantamento com a ciência.
Essas concepções são resultantes do modo capitalista de pro-
dução, que herdou sua ética do protestantismo. Este foi penetrando
cada uma das áreas da vida humana e eliminando qualquer vestígio
de encantamento que ainda houvesse. A vida passou a ser calcula-
da, medida, cronometrada com a eficiência científica esperada e as-
sim perdeu o espaço para a reflexão, o espaço para se apaixonar,
para se encantar.
O ser humano passa de sujeito a objeto. A produção de bens,
por ser passível de medição, torna-se parâmetro e passa a determi-
nar quantos empregos são necessários, quantas horas de trabalho
são adequadas, e acaba por determinar a vida individual de cada ser
humano. Houve uma inversão, e nela as necessidades humanas não
são mais definidas pelos homens, mas sim pelo sistema dominante.
Deborah Pereira da Silva - 35

VOLTAR AO
4.3 A reação ao desencantamento SUMÁRIO

O que assistimos é não o esperado conflito entre religião e mo-


dernidade, mas a transformação da própria modernidade em encan-
tamento conectando as novas tecnologias de comunicação à lógica
das religiões populares.
Atualmente, cada novo grupo religioso que surge trata de ob-
ter seu canal de TV, seu site na internet, sua revista ou jornal. Ou
seja, é a própria religião se utilizando da tecnologia para buscar uma
revitalização.
A propaganda, a mídia em geral e o mercado acabam por se tor-
nar a fonte onde as instituições e os indivíduos vão buscar o rumo
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para se reordenarem dentro da sociedade.


Temos que reconhecer que tem havido uma busca maior pela
religião. Tem ocorrido um reavivamento do Islamismo em países
com estilo de vida ocidental, como a Turquia, entre pessoas com um
bom nível de educação formal, o que é interessante observar, já que
o Islã tem enormes dificuldades com instituições que tem um papel
fundamental na modernidade, que são: a democracia, o pluralismo
e a economia de mercado. O Islamismo vem crescendo também en-
tre populações de imigrantes na Europa. Europeus de nascimento se
convertem em busca de fundamentos, de princípios mais sólidos, em
um mundo em que tudo é fugaz.
Reforçando os conceitos acima trabalhados podemos dizer que
são exemplos de uma reação ao desencanto da vida, uma busca de
identidade dentro de universos desencantados que não são capazes
de oferecer alternativas que deem sentido à vida.
Já na América Latina, os Evangélicos, principalmente os
Pentecostais, são um grupo importante e podemos identificar como
fator desse crescimento a transformação cultural que propõe novas
atitudes em relação ao trabalho, ao consumo, à educação e no com-
bate às desigualdades entre homens e mulheres. O crescimento dos
Evangélicos tem alcançado também outras regiões do globo onde se-
quer era conhecido, ou, se conhecido, era colocado na marginalidade.
36 - CAPÍTULO I – O DESENCANTAMENTO DO MUNDO

A Igreja Católica, que sempre foi muito presente na Europa,


tem atualmente a maioria de seu clero na América Latina e na África.
Apesar das mudanças inegáveis que a Modernidade trouxe para
a fé, ela nunca deixou de existir. O ser humano busca um sentido que
a ciência não consegue preencher. O ser humano tem dificuldades
para lidar com as incertezas e a religião sempre foi um abrigo segu-
ro e uma provedora de certezas e sentido.
Através da mídia está acontecendo um reenergização dos inte-
resses religiosos, mas os padrões de religiosidade e as instituições
religiosas em uma cultura imersa na mídia são significativamente di-
ferentes dos da Modernidade. As instituições religiosas mais tradi-
cionais, as que foram capazes de acomodar-se à Modernidade e suas
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estruturas, estão assistindo aos seus membros abandonarem sua fé


rapidamente. Nas religiões mais tradicionais, talvez porque acomo-
dadas a ideias culturais, práticas e organização, perderam o encan-
tamento da espiritualidade ao torná-las intelectualizadas.
Os valores humanos que ainda se buscam encontram abrigo
na transcendência, e na contemporaneidade isso se dá na intimida-
de de cada um.
O ser humano busca criar, ainda que intelectualmente, novas reli-
giões, já que o sagrado é uma invariante da condição humana e, de cer-
ta forma, antecipa o que poderá ocorrer na busca pelo reencantamento.

VOLTAR AO
5 A busca pelo reencantamento SUMÁRIO

Como já apontamos anteriormente, há na América Latina um


crescimento no número de pentecostais que poderíamos indicar como
exemplo de busca pelo reencantamento.
Entretanto, notamos que esse crescimento não ocorre somente
por conta de indivíduos que anteriormente não professavam nenhu-
ma religião e que decidem converter-se. Um grande número é for-
mado por ex-católicos.
Na América Latina, as conversões ao protestantismo trazem
novas atitudes em relação ao trabalho e ao consumo. Muitas igrejas
Deborah Pereira da Silva - 37

desse grupo adotam a Teologia da Prosperidade, cuja principal ideia


é a de que os indivíduos, uma vez que aceitem Jesus, serão abenço-
ados na forma de bens materiais.
O pentecostalismo busca resultados objetivos na aquisição de
bens. Se isso não ocorre, há duas explicações possíveis: falta de fé
ou domínio de satanás sobre a pessoa. O crente que não vê progres-
so na sua situação financeira, geralmente passa a frequentar outra
igreja onde imagina obterá melhores resultados.
Assim, percebemos que o eixo central do pentecostalismo se
dá no consumo. O encantamento surge com a possibilidade de se
partilhar do universo do consumo proposto pela propaganda. O que
poderia ser identificado como uma busca de reencantamento no
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

crescimento do pentecostalismo parece um encantamento pela pos-


sibilidade de consumo que se apresenta. A religião seria o encanta-
mento de mediação para se chegar às possibilidades de aquisição de
mercadorias.
Portanto, não seria a religião em si a fonte de reencantamen-
to. Isso se pensarmos em grupos que estão envolvidos com a busca
através da religião. Há outros grupos, porém, para os quais a reli-
gião não é opção de encantamento. Para esses, tanto quanto para os
que buscam o encanto na religião, e na Teologia da Prosperidade em
particular, podemos pensar que a propaganda seja a real fonte de en-
cantamento na vida cotidiana que se verifica no consumo.
Seria no universo que compreende a propaganda e na aquisi-
ção de bens e serviços que esses grupos estariam buscando o sen-
tido da vida.
Se a vida está desencantada e fria, o ser humano vai buscar o
encantamento. Daí a oposição entre trabalho frio e consumo encan-
tado. O importante é que se alcance o status oferecido pelo acesso a
bens e serviços. Para que se possa consumir e, finalmente, se encan-
tar com a vida é que se suporta um cotidiano desencantado.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

CAPÍTULO II

A PROPAGANDA E O CONSUMO VOLTAR AO


SUMÁRIO
39 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

Como vimos no capítulo anterior, o conceito de secularização


está consolidado, ou seja, exceto pelos movimentos fundamentalis-
tas, não se imagina uma volta às condições que existiam antes que
houvesse a secularização.
Com relação ao desencantamento há uma diferença: há uma
busca pelo reencantamento da vida. Há sinais de que possivelmente
seja na propaganda e no consumo que isso esteja ocorrendo, ou seja,
o reencantamento estaria ocorrendo fora do universo da religião. É
o que veremos neste capítulo.
VOLTAR AO
1 A propaganda e a busca pelos símbolos SUMÁRIO
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

O poder dos símbolos nas sociedades contemporâneas deri-


va não somente da capacidade dos criadores das mensagens, mas
da necessidade que todo ser humano tem de buscar significados. O
significado não é uma questão secundária, ele faz parte da experi-
ência humana.
Num mundo onde a esfera econômica é dominante de vários as-
pectos da vida e a escassez é uma realidade, o simbólico pode subs-
tituir a busca por um sentido que o consumo não permite.
Aceitando que o ser humano busca significados outros, seria
possível nos perguntarmos onde esse significado é encontrado? Qual
seria o papel da propaganda e do consumo?
Foi ao final do século XIX e início do XX que a cultura purita-
na começou a abrir espaço para uma cultura menos voltada para os
valores éticos puritanos e mais aberta ao consumo. A secularização
da sociedade, associada a outros fatores, tais como a urbanização,
o desenvolvimento tecnológico, e o surgimento de uma economia
cada vez mais interdependente, foram razões que somadas levaram
a sentimentos de perda e vazio. A interdependência econômica foi
esgarçando a possibilidade de autonomia e o ser humano foi deixan-
do de ser definido por algo inerente à própria pessoa.
Os seres humanos não são mais somente o que sempre os defi-
niu enquanto pessoa e individualidade, não são mais entendidas den-
Deborah Pereira da Silva - 40

tro de um contexto que os vinculava à sua história pessoal de vida,


sua família, sua comunidade – e dessa forma criava uma identidade.
A vida profissional vai tornando-se cada vez mais importante,
ocupando um maior espaço na definição da identidade e é através dela
que se passa a avaliar o sucesso, ou a falta dele, associada a cada um.
O sucesso se torna dependente da imagem que se reflete, e o ser
humano vê-se esvaziado dos fatores que outrora lhe identificavam.
Há um espaço na vida cotidiana que a vida profissional e a busca
incessante pelo sucesso não conseguem preencher. O consumo pas-
sa a ser não somente algo que define a identidade, que informa se o
sucesso foi ou não alcançado, mas também passa a preencher o es-
paço antes ocupado pela família, pelo grupo social e pela religião.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Os meios de comunicação e o seu desenvolvimento durante


este período tiveram forte influência nesse processo de deslizamen-
to. Absorveram em grande parte a capacidade de doarem significado
que fora esvaziada anteriormente pelo processo de desencantamen-
to do mundo.
Quando as pessoas começaram a se dar conta de que a vida de-
sencantada era menos satisfatória, descobriram que o consumo e o
mercado substituíam a religião como marco de pertencimento social
e de significação da vida. Não tão coincidentemente assim, esse é o
momento histórico do surgimento de algumas mídias que permiti-
ram a disseminação e a sustentação do consumo como possibilida-
de de encantamento.
Nas sociedades pré-capitalistas uma grande parte do signifi-
cado dos objetos derivava do fato de que se conhecia quem o havia
produzido e o processo em si. Os objetos retinham muito do espírito
de quem os produzia e do próprio processo do qual resultavam. Nas
sociedades capitalistas ocorre que pouco ou nada se sabe de quem e
em quais circunstâncias um determinado objeto foi produzido.
Os objetos ao não existirem já com um significado intrínseco
à sua produção, ao deixarem de carregar o significado primeiro de
quem os produziu, e sob quais condições, ficam esvaziados. Passam
a ser receptáculos vazios em que não há significado algum, apenas o
41 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

objeto e sua existência e, como já dissemos, os seres humanos bus-


cam sempre algo além, um significado transcendente.
Assim, chegamos a ideia de que o processo capitalista de pro-
dução esvazia os bens de significado e a propaganda os preenche.
O ser humano ao perceber-se sem o significado primeiro que
cada objeto possuía deixa entreaberta a possibilidade de preenchi-
mento desse vazio por algo externo, e é exatamente isso o que faz a
propaganda. Podemos dizer que a força da propaganda advém não
somente da capacidade das pessoas que participam de sua criação,
mas daqueles que buscam nela um significado.
Assim, o papel da propaganda é menos o de despertar o desejo
pelo consumo de bens e serviços, mas o de dar significado para a vida.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Os seres humanos não são criaturas passivas sujeitas à manipu-


lação direta dos agentes do capitalismo. Tornaram-se consumidores
no processo de ajuste às condições de vida materiais e espirituais.
Através do consumo eles continuaram a procura pela vida real que
as gerações passadas haviam encontrado no domínio da transcen-
dência religiosa.
Ao combater às religiões, o marxismo tendeu a vê-la como
tendo sido relegada em algo do passado. Na visão marxista haveria
a necessidade de se empregar outro tratamento que não se atives-
se unicamente a fazer com que a religião fosse um fator de distor-
ção da realidade.
Isso teria ocorrido a despeito do fato de que embutido na noção
de fetichismo há um arcabouço religioso que dá estrutura à teoria.
O fetiche, como veremos adiante, pressupõe atribuir características
mágicas aos objetos. Não estamos nos referindo apenas a objetos
que tem uma forte carga religiosa, como uma relíquia de um santo,
ou um ícone. Falamos aqui de objetos que não tem uma relação di-
reta com a religião e, no entanto, possuem a mágica de transformar
a vida de quem crê nisso. É acreditar que ao se comprar o cosméti-
co realmente se ficará mais bonito, ou ao se comprar determinado
carro se ficará mais jovem.
Deborah Pereira da Silva - 42

O encanto do consumo reside no fato de que há um vácuo, um


espaço vazio deixado pela religião no mundo, que o ser humano bus-
ca preencher e a propaganda se propõe a oferecer o preenchimento
para o espaço da magia e do encantamento que foram esvaziados.
Como veremos mais adiante, quando tratarmos da história da
propaganda mais especificamente, é que num primeiro momento o
propósito da propaganda era informativo, comunicava sobre o que
era, para que servia ou como se utilizar dos objetos. A propaganda
passa por um processo que faz com que ela substitua a informação
pela emoção.
A partir de então a propaganda buscará a emoção, não mais a
simples informação. Agora o propósito é emocionar, arrebatar o con-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

sumidor. Colocar um pouco de mágica no cotidiano desencantado.


Não há detalhes sobre o produto, não há racionalidade na informa-
ção. Não é mais essa a proposta da propaganda.
Mas, não podemos deixar de pensar que a propaganda não exis-
te fora do mundo, ela não é algo destacado da realidade. Ela busca
refletir, à sua maneira, o que acontece na sociedade como um todo.
Neste mundo, no qual a propaganda está inserida, os indivídu-
os são identificados através das coisas que consomem. É o consu-
mo que fornece a identidade e a possibilidade de vir a ser capaz de
se transformar no que se quer, no que se sonha. É um mundo encan-
tado onde tudo é possível desde que se creia.
As premissas sobre as quais o capitalismo se mantém são ba-
seadas na possessão de objetos e na satisfação que o consumo des-
ses objetos proporciona às pessoas.
Esses objetos seriam vistos como entidades autônomas, capazes
de relacionar-se entre si, de forma mágica. Já que os seres humanos
não conhecem mais os processos de produção, os objetos passam a
ser parte de um mundo desconhecido, mágico. Nesse mundo os ob-
jetos surgem como que do nada já carregados de significados. Esse
significado é o que a propaganda cria para cada um dos objetos e as-
socia ao seu consumo.
43 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

O que pode ter acontecido foi uma perda de memória do valor


de uso original dos objetos, eles perdem seu valor intrínseco e po-
dem assumir o valor que passam a lhe imputar.
Haveria uma interação entre o mundo dos seres humanos e dos
objetos, onde estes seriam capazes de operar proezas de transforma-
ção e enfeitiçamento.
Esses objetos encantados seriam capazes de proporcionar gra-
tificação e até mesmo felicidade. Seriam não somente intermediá-
rios nas relações pessoais, iriam além, sendo substitutos para essas
mesmas relações, reificando-as, dando existência material, tangível.
Seriam as relações sociais que se estabelecem dentro desse
processo que fariam com que as pessoas buscassem por significado
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

para o mundo. Essa busca se daria dentro do próprio universo das


mercadorias, no mundo dos objetos que possuem significado para
além deles mesmos.
O ser humano transforma a natureza através do seu trabalho.
Esse trabalho é o resultado de uma mágica, já que o trabalhador não
controla mais o processo de produção e desconhece seus meandros.
Esta seria uma das causas da sua alienação e do que poderíamos tal-
vez chamar de estranhamento com relação a si e aos outros. O esva-
ziamento de significado do resultado dessa produção faria com que
se buscasse por um preenchimento.
Percebe-se que no capitalismo o processo simbólico é contro-
lado pelo econômico. O simbolismo que é doado a cada objeto tem
um forte caráter econômico embutido.
Esse mesmo caráter econômico pode ser percebido na correta
administração de demanda e oferta. Para que um bem seja deseja-
do, deve haver escassez.
O que se poderia chamar de lógica da apropriação de bens é o
que aponta para o fato de que mais que satisfazer necessidades, um
bem deve ser escasso para que seja desejado e para que exista a im-
possibilidade de que todos o possuam. O valor que um bem possui
está associado ao fato de que os integrantes de um determinado gru-
po social o reconheçam como valioso.
Deborah Pereira da Silva - 44

Esta ideia vem ao encontro da proposição de que o encanta-


mento pela propaganda conta com a colaboração do consumidor,
este também participa ao buscar o encantamento, ao buscar preen-
cher o vácuo do desencanto.
Mais importante que o domínio dos meios de produção é o do-
mínio dos meios daquilo que nos distingue simbolicamente. É atra-
vés desses meios que se constrói a unidade social, a integração do
grupo, na medida em que os bens consumidos tenham valor não para
o todo de uma sociedade, mas para grupos que existam dentro dela.
O simbolismo dos objetos e o que eles são capazes de comu-
nicar ao grupo social ocorreria no espaço que antes era reservado à
religião. O espaço mágico do encantamento onde os objetos adqui-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

rem significados, para além deles mesmos, onde são usados como
marcadores de relações sociais e como comunicadores. Se encarar-
mos os objetos sob essa ótica, perceberemos que são mais do que
a utilidade material que possuem, são signos e é como signos que
são consumidos.
A necessidade que o ser humano tem de dar significado aos ob-
jetos é o resultado de uma incapacidade dos grupos sociais suporta-
rem por muito tempo a quantidade enorme de desejos despertados
constantemente e a indefinição do que significa a vida.
Os grupos sociais precisam ordenar seus desejos, sob pena de
destruição do grupo. A ordem sobre o que cada um deve desejar ga-
rante a sobrevivência do grupo, uma vez que garanta a escassez con-
trolada, que seria uma demanda nem tão grande que faça com que
o objeto perca seu valor, nem tão pequena de modo que possa cau-
sar a destruição do grupo na luta pela obtenção do bem desejado.
Os símbolos produzidos pela cultura de consumo não são pro-
fanos, possuem poder, em si, comunicam ao revelarem o que seriam
valores reconhecidos pelo grupo. Esses valores estão inseridos em
produtos ou serviços, e são reconhecidos pelo grupo como comuni-
cadores de mensagens.
Sagrado e profano, sacralidade, rituais, e comprometimento
em torno de valores, todos esses temas por séculos pertenceram ao
45 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

universo da religião e com o desencantamento do mundo podem ter


deslizado para o universo do consumo. O encantamento tão neces-
sário à vida humana também pode ser encontrado aqui na forma da
propaganda que incentiva o consumo. O simbolismo que antes era
encontrado nas religiões também deslizou e pode ter ido acomodar-
-se nos objetos e nos significados que a propaganda lhes oferece.
Ao compreendermos que o ser humano não consegue viver sem
encantamento, percebemos também que a busca por uma religiosi-
dade doadora de significados tem sido uma característica dos gru-
pos humanos ao longo dos tempos.
A modernidade não foi capaz de esconder o sentimento religioso
do ser humano, a sua busca por encantamento. As religiões formais
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

perdem espaço como doadoras de significado nas sociedades mo-


dernas, entretanto mesmo dentro das práticas profanas, na vida secu-
lar, persistem os símbolos e os ritos que remetem ao encantamento.
A Modernidade não conseguiu eclipsar os movimentos reli-
giosos, as questões simbólicas sobrevivem inseridas nos processos
sociais seculares. Esses processos podem açambarcar a propaganda
e o consumo. Desse ponto de vista pode-se imaginar que qualquer
coisa pode ser sagrada, inclusive os produtos. Em certos momentos
as mercadorias assumiriam um simbolismo para além do imagina-
do pelos próprios profissionais de comunicação.
Os objetos são passíveis de serem encantados e se deixam en-
cantar, já que o seu significado original se perdeu. O consumidor crê
que ao consumir um produto ou serviço esteja realmente tomando
parte do universo do encantamento, que os objetos têm “magia” e
são capazes de cumprir as promessas contidas na propaganda e pre-
encher a vida de magia. Tudo é uma questão de se acreditar.
VOLTAR AO
1.1 A trajetória da propaganda SUMÁRIO

Antes de entrarmos na propaganda é válido de início indicar-


mos a diferença entre propaganda e marketing por Associação dos
Profissionais de Propaganda, Las Casas e Kotler:
Deborah Pereira da Silva - 46

A propaganda é a técnica de criar opinião publica favorável


a um determinado produto, serviço, instituição ou ideia, vi-
sando a orientar o comportamento humano das massas num
determinado sentido. (ASSOCIAÇÃO DOS PROFISSIO-
NAIS DE PROPAGANDA, 2016).

Marketing é a área do conhecimento que engloba todas as


atividades concernentes às relações de troca, orientadas para
a satisfação dos desejos e necessidades dos consumidores,
visando alcançar determinados objetivos da organização ou
indivíduo e considerando sempre o meio ambiente de atua-
ção e o impacto que estas relações causam no bem-estar da
sociedade. (LAS CASAS, 2007 p.15).
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Marketing é um processo social e gerencial pelo qual indi-


víduos e grupos obtêm o que necessitam e desejam através
da criação, oferta e troca de produtos de valor com outros.
(KOTLER, 2000 p. 30).

A propaganda surgiu no momento em que houve a necessidade


de se comunicar ao mercado que existia alguém, que produzia algo,
a partir de algum tipo de matéria-prima e que custava um determi-
nado valor. Surgiu como uma ligação entre o produtor e o consu-
midor. Ainda hoje é assim, é uma espécie de ponte que une os dois
lados do consumo.
O que mudou é que hoje além da simples informação, cruzam
a ponte o dinheiro, e a capacidade de influenciar pessoas. Existe o
fluxo para o outro lado da relação onde os consumidores, por meio
de pesquisas de mercado e outras ferramentas, comunicam o que
querem, que tipo de produto, a que preço, em que locais deverá es-
tar disponível para a compra etc.
O que nos interessa na propaganda, para este trabalho, é o fato
de que além de comunicar, como já vimos e buscar influenciar cons-
tantemente o consumidor, a propaganda pensa seus produtos de for-
ma simbólica e transmite isso aos consumidores. Um dos avanços
que a propaganda conquistou foi o fato de cada vez mais ser capaz
de associar produto e símbolo, o que é uma combinação que possui
47 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

inúmeras variáveis que devem ser levadas em consideração ao se


decidir por um conjunto produto-símbolo.
Até quase o final do século XIX, a propaganda era restrita ao
texto. Em função dos poucos recursos tecnológicos dos jornais, a
presença de ilustrações era bastante restrita. Já as revistas, princi-
palmente da segunda metade do século, tinham mais condições para
utilizar ilustrações. A princípio, as propagandas mostravam a em-
balagem, mais tarde começaram a realçar as qualidades e a utiliza-
ção dos produtos.
As agências de publicidade ofereciam serviços em seus catá-
logos onde compilavam todas as possibilidades de anúncios e seus
preços. Ofereciam poetas, e escritores para o texto, artistas plásticos
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para as ilustrações e assim justificavam sua existência para o mer-


cado. Num segundo momento, quando o número de jornais cresceu,
as agências começaram a inovar e passaram a comprar espaços e re-
vendê-los para os anunciantes. Para que os preços pudessem ser de-
finidos, era fundamental que se conhecesse as tiragens dos veículos
e assim surgiram os primeiros catálogos que se propunham a fazer
uma auditoria das tiragens. O passo seguinte foi a criação do siste-
ma de contratos, onde o publicitário e o anunciante acordavam um
período pelo qual a agência seria remunerada através de uma por-
centagem do que fosse anunciado. Até hoje, as contas podem ser de-
finidas desta forma, com um contrato por um determinado período e
um percentual fixado em conjunto pelas partes.
Para vender seus produtos nacionalmente, as empresas que ven-
diam a granel optaram por usar marcas. O uso de marcas demandou
propaganda e as revistas ofereciam justamente o que elas precisa-
vam. Um público adequado, tecnologia com possibilidade de uso de
ilustrações e textos mais sofisticados.
No início do século XX, as pesquisas ganharam importância e
passaram a ser feitas pelas próprias agências e analisadas por cien-
tistas sociais num movimento que buscava entender o consumidor
e seus desejos.
Deborah Pereira da Silva - 48

As agências logo perceberam que para destacar a marca do pro-


duto, ou o próprio anúncio dentre tantos outros, a persuasão era fer-
ramenta fundamental.
Assim, os textos começaram a se sofisticar, a buscar linguagens
que os diferenciasse dos outros aos olhos do consumidor.
Surgem assim as primeiras tentativas de se utilizar a psicolo-
gia associada à propaganda, que já recomendava que o produto de-
vesse estar relacionado com experiências prazerosas, sentimentos,
motivos e memórias.
A importância de associar uma identidade à marca se define com
a mudança radical que houve com a I Guerra Mundial, já que havia
o crescimento da população com a chegada dos imigrantes vindos
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de diversos países. Esses elementos criam um novo mercado, e com


ele novas demandas.
Daí a importância quase educativa dos anúncios na ajuda aos
consumidores que só agora tinham acesso ao mercado, a aos novos
produtos. Para criar motivação para a compra, inúmeras situações
eram abordadas pelas propagandas, com destaque para o pertenci-
mento social.
Deste modo, a propaganda se estruturava como força coletiva
capaz de sustentar as mudanças sociais. Progredia e dava espaço para
que o marketing crescesse e ocupasse o seu papel dentro das empre-
sas. Criava um mundo simbólico baseado no consumo de produtos
que ela associava a situações agradáveis ou indicava qual produto
deveria ser consumido por aqueles que queriam sentir-se incluídos
num determinado grupo social.
Os consumidores queriam se associar às imagens projetadas pe-
los produtos via propaganda, queriam ser a família feliz que anun-
ciava um carro, ou a esposa que sabe como cuidar da família e por
isso só usava a margarina X, e assim por diante. Cada vez mais os
produtos eram apresentados menos por suas qualidades e mais pelo
que os consumidores buscavam ao consumi-los, menos por seus atri-
butos e mais por sua capacidade de encantar.
49 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

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1.2 O crescimento da propaganda SUMÁRIO

A propaganda vem se utilizando de novas estratégias para


crescer. Ao perceber o enorme vácuo de significação que se formou
quando as instituições que eram doadoras de sentido deixaram de
fazê-lo, principalmente por meio da religião, ela começou a investir
cada vez mais numa nova postura em que quanto mais aprendemos
a confiar em um produto por ela anunciado, mais devemos acredi-
tar nas promessas do produto. Há um preenchimento que podemos
perceber como substituição.
O vácuo de significação que se abriu permitiu não somente à
propaganda e ao marketing ganharem o espaço antes destinado às
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religiões tradicionais, mas também permitiu que novas opções reli-


giosas surgissem. Movimentos como os de Nova Era, o renascimen-
to do interesse pela Astrologia e pelo Tarô, por exemplo.
Há traços dessa nova religiosidade nos esportes, no cinema ou
mesmo em séries de TV que criam legiões de aficionados que se
portam e se vestem como pertencentes à alguma espécie de culto.
As agências de publicidade, para acompanhar seu novo papel,
tratam de vendê-los como a fonte na qual todos poderão encontrar
o sentido perdido, bastando para isso que se entreguem ao seu con-
sumo que passa a ser o ato pelo qual o infiel se converte, ou que o
consumidor passa a acreditar nas virtudes apregoadas para aquele
determinado produto.
Não podemos negar o crescimento de opções religiosas, a moder-
nização da mídia e sua capacidade de oferecer discursos religiosos alter-
nativos. Como consequência, o que antes era um monopólio de igrejas
institucionalizadas, se quebra. Isso colabora para que os fiéis se sintam
libertos para novas possibilidades. Essas novas possibilidades não são
só religiosas, mas são também de buscar o preenchimento de significa-
do de outras maneiras. Ampliam as possibilidades de experimentação e
práticas alternativas dentro do universo religioso tradicional ou fora dele.
A mídia acabou por fazer o trabalho de aproximação entre a re-
ligião e o mundo da mundanidade e do consumo, trazendo esses uni-
Deborah Pereira da Silva - 50

versos para um mesmo nível dentro do espectro a ser considerado


pelo fiel/consumidor. Podemos dizer que houve uma banalização ou
trivialização do que antes era reduto exclusivo das religiões. Houve
um deslizamento do que antes era uma esfera unicamente religiosa
para o mercado de consumo.
A criação de significado que se propõe para o marketing e a
propaganda são ecléticas e pluralistas e são reconstruídos em ba-
ses diárias, num trabalho contínuo de significação e ressignificação.
As necessidades e desejos humanos são mutáveis e complexos,
e é com essa mutabilidade e complexidade que os profissionais de
marketing e propaganda contam para poder combinar, em infinitas
possibilidades, a satisfação de desejos e necessidades e assim conti-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

nuar criando e desenvolvendo produtos que mantenham o consumo.


A maioria dos produtos é uma combinação de características
tangíveis e outras intangíveis criadas pela propaganda e pelo marke-
ting. Quando se compra um batom, por exemplo, compra-se o con-
junto de materiais que se utilizou para que o batom existisse, os
ingredientes da fórmula. Por outro lado, compra-se também a bele-
za que é oferecida pelo batom, a sua juventude, o seu estilo de vida,
tudo isso representado por uma modelo que representa exatamente
o que aquela propaganda quer comunicar sobre o produto.
A decisão sobre quais características serão associadas pelo
marketing e pela propaganda vai depender diretamente do que o
produto for capaz de agregar ao seu valor. Produtos podem incor-
porar novas tecnologias na sua fabricação, ou novos componentes,
ou mesmo uma nova utilidade. Desta forma, o marketing e a propa-
ganda poderão definir quais e quantos significados se associarão ao
consumo de um produto ou serviço.
O que ocorre atualmente é uma mudança constante na indicação
de qual produto satisfaz qual necessidade. Por exemplo: imaginemos
uma bolsa cuja marca tenha sido associada à juventude, a ser moderno.
No momento em que pessoas que não se identificam necessariamen-
te com essas características (mas que gostariam que o grupo social as
visse dessa forma) passarem a consumi-la, ela terá perdido o seu re-
51 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

ferencial de juventude e modernidade e a propaganda e o marketing


indicarão então qual é a bolsa que passará a identificar esses atributos,
e assim sucessivamente com uma infinidade de produtos.
Desta maneira a sociedade de consumo exige uma mudança
constante por parte dos profissionais de propaganda e marketing.
Mudam-se os produtos, as marcas, o valor que se é capaz de agre-
gar a um ou outro, mas as ideias associadas à sofisticação, realiza-
ção pessoal, familiar e etc. continuam a contar com um imaginário
que vem sendo construído há décadas.
Isso explica, em parte, porque produtos que parecem não guar-
dar relação com as imagens que frequentemente são a eles associa-
das tem sido eficientes. Algumas vezes, as imagens parecem ser até
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contraditórias em relação aos produtos anunciados. Isso se dá sem


maiores problemas porque a mensagem que se está enviando não visa
uma reflexão racional sobre a decisão de consumo, mas antes busca
atingir o emocional do consumidor. Busca acessar o imaginário de
cada um e satisfazer necessidades que muitas vezes nunca atingirão
a consciência, a lógica não é requerida no universo da propaganda.
Os anúncios possuem uma dupla característica: cada ser humano
deve ocupar-se diligentemente de satisfazer seus desejos e necessi-
dades e simultaneamente fazer com que isso traga em si uma insa-
tisfação, de forma que sempre se esteja em plena busca.
A propaganda cresce significativamente durante o século XX
porque o volume de produtos novos que surgiam precisava ser co-
municado aos consumidores e, como o seu número cresceu, a pro-
paganda foi a reboque desse crescimento.
Para a propaganda não basta que o consumidor seja informado
sobre os atributos de um produto, o consumidor deve adotar o esti-
lo de vida que o consumo de um determinado produto proporciona.
Se a ideia não é só informar, formatos são necessários para aten-
der à nova função proposta e são essas fórmulas que serão repetidas
que irão permitir a passagem de um mundo em que as forças que for-
neciam sentido vão se dissipando e uma nova surge como doadora
de sentidos e significados, criando assim a era do consumo de massa.
Deborah Pereira da Silva - 52

VOLTAR AO
1.3 A atuação do marketing SUMÁRIO

Durante a década de 1920, ficou claro que os consumidores se


interessavam pela ideia de se expressarem através de objetos. Esses
objetos possuíam significado e descobriu-se ainda o fascínio exerci-
do pela novidade. Essas observações foram decisivas para a passa-
gem da sociedade industrial para a sociedade de consumo. Há uma
força que nasce da versatilidade necessária para atender ao consu-
midor dentro deste espectro de mutabilidade constante.
O marketing passou a responder ao consumidor oferecendo uma
variedade de formatos, cores e materiais que podem ser combinados
entre si e constantemente substituídos. Criar produtos que atendiam
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a uma função adequadamente já não era mais suficiente, era neces-


sário que o consumidor se sentisse impulsionado a consumir e para
tanto o produto precisava ser esteticamente atraente e mais, o pro-
duto precisava ser expressivo.
O incremento na produção inundou o mercado com possibili-
dades de consumo que tornaram cada vez mais presente a prática da
diferenciação através da opção de consumo.
Isso ocorreu, e continua ocorrendo, pois cada vez mais, pode-
mos identificar que é através do que consumimos que buscamos in-
formar à sociedade o que somos, é através da mudança no consumo
que indicamos alterações significativas em nossas vidas. É dessa for-
ma que o espaço de expressão da cultura de consumo se insinua na
vida de cada indivíduo.
Podemos concluir que a propaganda e o marketing conquistaram
a sua força na sociedade através de uma conjunção de fatores que ti-
vemos a oportunidade de apontar. A criação de novos produtos, a ca-
pacidade de oferecer múltiplas escolhas e de mudar constantemente
e de maneira repetida se associando a novos veículos de comunica-
ção de massa que permitiram um uso mais intensivo da propaganda.
Essa conjunção de fatores facilitou o surgimento de uma nova
simbologia relacionada ao consumo de bens que, por sua vez, assu-
miu o espaço que antes era preenchido por outras instituições sociais
53 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

doadoras de significado. Essas instituições viram sua capacidade de


dar sentido à vida e ao mundo ser lentamente desconectada da vida
do indivíduo. Um indivíduo que tende a acreditar que a felicidade
está no consumo de bens e serviços que possuem a capacidade de
preencher de sentido a vida.
VOLTAR AO
2 O consumo SUMÁRIO

Se aceitamos que encantamento pressupõe transcendência, que


existia no arrebatamento religioso, podemos supor que o deslocamen-
to que houve a princípio para a ciência tenha sido um encantamento
que não atendeu plenamente à busca dos indivíduos. Daí o vazio, o
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

vácuo que surge mesmo com uma ciência que encanta. Isso sugere a
abertura para outras possibilidades de encantamento, e é aí que nas-
ce a nossa hipótese: a de que muito provavelmente o encantamen-
to tenha se deslocado para o universo da propaganda e do consumo.
Podemos observar uma das principais distinções que buscamos
fazer quando trabalhamos os conceitos de secularização e desencan-
tamento no capítulo anterior: o reencantamento está sendo retomado
porque é impossível para o ser humano viver em um mundo frio e
distante. O ser humano busca sempre outro significado, um signifi-
cado que estaria além, não neste mundo, mas em algum outro lugar
e que em algum momento foi identificado como uma narrativa que
deu sentido à vida humana.
Se o encantamento é fundamental à vida humana, podemos
nos perguntar onde, em que espaço da vida humana, isso ocorre na
Modernidade.
Para que possamos entender melhor como isso se dá, analisa-
remos a hipótese de que parte do reencantamento esteja ocorrendo
na propaganda e no consumo e, para tanto, é importante que anali-
semos com mais detalhes a questão do consumo.
O consumo como forma mercantil é apenas uma das suas inú-
meras facetas. Consumimos para satisfazer desejos e necessidades,
e esses desejos e necessidades nem sempre são físicos, consumimos
Deborah Pereira da Silva - 54

para que os amigos nos aceitem, para nos sentirmos melhor, para ter-
mos a ilusão de que controlamos algo na nossa vida.
Para que o consumo signifique mais do que a obtenção de obje-
tos necessários à manutenção da vida e torne-se um processo muito
mais rico, é necessário perceber que este mesmo consumo tornou-
-se o formador de identidade por excelência. Seria através do que
consumimos, produtos ou serviços, que estaríamos comunicando ao
grupo social quem somos. Seria através do consumo que nos reco-
nheceríamos e nos diferenciaríamos dentro de um grupo social e, em
última instância, seria através dele, do consumo de produtos e ser-
viços encantados pela propaganda que voltaríamos ao mundo má-
gico do encantamento.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Para que isso aconteça os objetos teriam que significar algo


mais, eles passariam a ser símbolos de algo que os seres humanos
buscam comunicar. O significado além é o verdadeiro poder do ob-
jeto na sociedade da cultura de consumo.
Mais importante do que o consumo do objeto em si, com suas
qualidades e especificidades materiais, tangíveis, o ser humano bus-
ca o símbolo. Assim, ao consumir estaríamos buscando o intangível,
o significado que se supõe existir no objeto.

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2.1 A cultura de consumo e a propaganda SUMÁRIO

Defensores e críticos da propaganda tem se utilizado dos mes-


mos argumentos para defendê-la ou atacá-la desde o século passado.
Os defensores dizem ser impossível manter uma economia moderna
sem informar e persuadir os consumidores através da propaganda, e
excluem as fraudes a que os consumidores são expostos e os enga-
nos a que são levados, já os críticos acreditam que estes fariam es-
colhas melhores se não fossem constantemente bombardeados por
propagandas.
Pode-se argumentar que a capacidade de persuasão e de sedu-
ção dos profissionais de propaganda é relativa ao desejo do consumi-
dor de ser encantado, de ser levado a crer na possibilidade proposta
55 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

pela propaganda. O consumidor vê no objeto que está sendo anun-


ciado não o objeto em si, o material do qual é feito, o seu tamanho
ou outras características tangíveis. O que ele busca é o encantamen-
to, as características intangíveis que são as funções de signo do obje-
to. O que o produto ou serviço comunica socialmente sobre a pessoa
que o consome.
Se a propaganda não serve para influenciar, então para que ser-
ve? Pode-se inferir que ao simplesmente informar também se esteja in-
fluenciando, entretanto se a qualidade desta informação é adequada ou
não, se a maneira como ela é proposta seria a mais correta é uma ques-
tão tão controversa que talvez jamais se chegue a uma única posição.
Devemos considerar também as mudanças a que a propaganda e
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

a sociedade foram submetidas durante o século XX, quando a maioria


das sociedades ocidentais foi capaz de oferecer o acesso a uma cons-
tante série de mudanças nas mercadorias que oferece para consumo.
Ao mesmo tempo, inovações tecnológicas nas comunicações
de massa têm possibilitado a transformação do formato das mensa-
gens, e a propaganda não tem se limitado mais a ser uma ferramenta
de comunicação entre a empresa e seu cliente que recebe uma infor-
mação sobre uma mercadoria.
É possível organizar a comunicação em dois casos: no primeiro,
os consumidores são informados sobre as características dos produ-
tos; no segundo, os publicitários tentam alterar as atitudes dos con-
sumidores em relação às marcas, padrões de gastos, estilo de vida,
técnicas para alcançar sucesso pessoal e social etc.
É possível focar a comunicação mais nos benefícios do produto
do que nos seus atributos, favorecendo muito mais o desenvolvimen-
to de uma atitude favorável em relação ao produto do que buscando
informar o consumidor sobre as suas reais características.
Se levarmos isso em consideração, teremos um indicador im-
portante do que tem sido o papel da propaganda na sociedade, e qual
tem sido a relação das pessoas com os objetos de consumo.
Há toda uma dedicação para que a forma da embalagem, a cor
do produto, o tamanho, a decoração das lojas, os odores e as cores
Deborah Pereira da Silva - 56

utilizadas nessa decoração sejam as mais adequadas para se comu-


nicar ao consumidor a impressão correta. Todos os elementos devem
ser coerentes entre si para atingir ao público correto e gerar nele a
reação adequada quando for decodificar essa infinidade de mensa-
gens codificadas.
Podemos observar como o marketing se preocupa com a co-
municação, e não só a que se utiliza da mídia, mas tem uma percep-
ção da importância de todos os itens que compõem uma imagem
que ajudam a criar um conceito que deve se relacionar ao produto.
O mix de marketing é o esforço de criação de imagem de um
produto, serviço, ou marca como um conjunto de características que,
no entanto, só terão valor na medida em que seja facilmente decodifi-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

cado pelo público-alvo, o público que interessa ter como consumidor.


O próprio consumidor ajuda a criar a imagem de um produto, serviço
ou marca. Quando se foca em um público-alvo, a empresa fará todo
o mix de maneira que fique clara a mensagem que se quer passar.
A propaganda na sociedade contemporânea cumpre então não
somente o papel de encantar e seduzir o consumidor, mas ela comu-
nica muito a respeito dos valores do grupo social ao qual se dirige.
Diz mais a respeito da sociedade do que sobre o produto em si. Ela
passa a ser mais que um mecanismo de comunicação sobre um pro-
duto, serviço ou marca ao consumidor, passa a ser um sistema cul-
tural que dá significado e sentido ao consumo.
O foco da propaganda se desloca da informação pura e simples
sobre o produto, serviço ou marca e vai obtendo uma forte relação
com a criação da imagem, como um todo, utilizando-se do estilo de
vida como comunicador.
Críticos da propaganda apontam para o seu caráter intrusivo, de
sua frequente incapacidade ou desinteresse em fornecer informações
relevantes sobre o que se quer comunicar. Não podemos esquecer
que a propaganda, conceitualmente, não tem como propósito a infor-
mação. Essa responsabilidade dentro do conceito das comunicações
sociais é dirigida ao jornalismo, este sim teria um compromisso com
a comunicação imparcial sobre a verdade dos fatos. A propaganda
57 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

tem como função encantar o consumidor de forma a levá-lo a efe-


tivar o consumo. A boa propaganda não é só a que ganha prêmios,
a boa propaganda é aquela que é capaz de integrar-se no esforço de
marketing de uma empresa e ser eficaz ao ser parte da alavancagem
de vendas de um determinado produto ou serviço.
Na medida em que as sociedades amadureciam, mudava também
o tipo de comunicação na propaganda e no marketing transforman-
do constantemente a relação das pessoas com os objetos sempre re-
forçando as duas funções principais que o consumo exerce, que são:

 satisfazer necessidades imediatas;


UNINOVE – uso exclusivo para aluno

 comunicar e marcar as distinções sociais.

Assim, podemos ver as funções do marketing e da propaganda


como fundamentais na geração de significado e ao permitirem que
através do consumo ocorra a diferenciação.
Nas sociedades primitivas a relação com os objetos necessários
para a sobrevivência era conhecida, era familiar. Com a sociedade
de consumo há um distanciamento dos produtos que nos rodeiam.
Uma vez que nas sociedades ocidentais as necessidades básicas fo-
ram asseguradas (estamos falando de Estados Unidos e a maior par-
te da Europa), a criação de produtos liberta-se da função de manter
relação com o que era necessário, agora a produção é infinitamen-
te livre. No século XVIII isso já se tornara uma preocupação – que
a produção sem relação estrita com o atendimento de necessidades
levasse ao consumo descontrolado.
Os códigos de restrição ao consumo construídos principalmen-
te pelas religiões não conseguiram resistir a um avanço sutil, porém
constante, da industrialização. Surge um relativismo cultural que é
resultado de uma rápida capacidade de amalgamar grupos distintos,
da erosão da função econômica da família estendida e do surgimen-
to de um novo tipo de lazer individualizado desconectado das for-
mas populares ou da rotina doméstica.
Deborah Pereira da Silva - 58

A Exposição de 1900, em Paris, pode ter sido o momento em


que todas essas mudanças se tornaram perceptíveis, onde os praze-
res do consumo ficaram patentes sobre o prazer intelectual de se ob-
servar o progresso surgindo e se renovando.
Naquele momento ficou perceptível que havia a possibilida-
de bastante provável de que os grupos sociais pudessem se livrar
das restrições morais construídas pela religião e pela cultura tradi-
cional. Alguns pensadores da época reforçavam a proposta de um
consumo mais livre propondo que a sociedade renunciasse menos
aos desejos, e se abrisse mais às novas possibilidades de consumo
como uma maneira de criar uma sociedade que seria então abundan-
te. Vale lembrar que a pobreza, e a austeridade entre puritanos ricos,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

era valorizada e que havia a promessa clara de uma vida melhor no


outro mundo como compensação pelo sofrimento e privações neste
mundo. O que era, sem dúvida, uma ideia confortadora para muitos.
Entretanto, podemos considerar como o momento fundador da
cultura de consumo um novo tipo de personalidade, mais voltada
para a individualidade, que gradualmente vai se libertando dos an-
tigos códigos de comportamento que julgavam as pessoas por pa-
drões imutáveis. A orientação passa a ser para o mercado que agora
se dirigia a todos como indivíduos. Isso fez com que os antigos pa-
drões de reconhecimento social perdessem força e dessem lugar ao
reconhecimento, à capacidade individual de enriquecer, de fazer di-
nheiro, que permitia o consumo de qualquer mercadoria que fosse
tida como um marco social.
O indivíduo percebe-se sem a estrutura do grupo social e passa
a ter que conviver com “o sentimento de uma inacreditável solidão
interna” (WEBER, 1996, p. 72). Dentro do grupo social do qual os
indivíduos eram partes antes da industrialização, a religião tinha o
papel de ser a doadora de sentido para a vida humana, e também exer-
cia o papel de limitadora de consumo. Isso ocorria porque a quan-
tidade de bens dentro desses grupos era restrita e para que o grupo
não se desintegrasse havia a necessidade de se restringir o consu-
mo de mercadorias.
59 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

O consumo, dentro do processo de industrialização, passa a ter


a função de ser o integrador do indivíduo à sociedade e também o
provedor de experiências intensas que haviam ficado sem espaço na
vida pessoal. A aquisição de um bem ou de um produto vai além e
passam a ser marcos sociais.
Por outro lado, a indústria percebeu que precisava tanto da pro-
paganda quanto do marketing para manter o consumo dos seus pro-
dutos em constante movimento. Assim, podemos dizer que a cultura
de consumo nasce determinada por três fatores: a industrialização,
a urbanização e as novas formas de comunicação, o que nos leva a
identificar os fatores que fazem com que a propaganda tenha assu-
mido um novo papel na sociedade: a comunicação de massa, a cul-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

tura de consumo e a indústria da propaganda.


Ao se estabelecer, a industrialização trouxe as pessoas para as
cidades e estas se viram sem os seus referenciais, ou os referenciais
que serviam como marcadores na sua comunidade de origem pas-
saram a não encontrar eco na nova sociedade industrial urbana. As
mercadorias e produtos passaram então a preencher esse vazio na
medida em que eram compartilhadas em seu significado pelo novo
grupo que surgiu. A propaganda surgiu como doadora de significa-
do; cresceu e ganhou importância quando a indústria dela se utili-
zou para comunicar os seus produtos e convencer os consumidores
a optarem por eles.
Assim deu-se a transição de uma sociedade industrial para uma
indústria cultural. A nova organização do grupo social já não é mais
étnica, mas sim passa a ser definida pela capacidade de consumo de
cada grupo, que são as classes sociais, e a possibilidade de se des-
locar de uma para a outra. Dentro de cada coletividade vão se esta-
belecendo padrões e através deles as pessoas participantes de cada
grupo se sentirão recompensadas na medida em que consumir algo
valorizado por aquela determinada comunidade.
Gradualmente foi se dando uma homogeneização dos padrões
culturais e por volta da década de 60 esse processo já se encontrava
bastante avançado. Essa homogeneização é o que o marketing cha-
Deborah Pereira da Silva - 60

mará de segmentos de mercado, que é o agrupamento de pessoas que


partilham os mesmos valores e estilos de vida.
As construções simbólicas de cada grupo passam a oferecer
uma variedade de possibilidades onde cada ser humano é levado a
acreditar que pode obter a sua realização pessoal. Significados que
antes pertenciam às pessoas ou que pertenciam aos objetos são ab-
sorvidos e amalgamados para a construção de significados do grupo.
O mercado, através das mensagens que emite sobre os produtos
e seus significados, vai absorvendo as funções que antes eram do do-
mínio das tradições culturais, e passa a ser o balizador de quem está
ou não de acordo com os novos significados adquiridos.
Desta forma, a relação entre os seres humanos e os obje-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

tos de desejo de consumo vai também influenciar na definição da


personalidade.
Concluímos que a percepção clara de que o ato de satisfação
com a aquisição de um produto vai muito além da satisfação de uma
necessidade. É isso que será utilizado pelos profissionais de marke-
ting ao associarem os produtos anunciados com um estado de en-
cantamento e satisfação.

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2.2 Da ética puritana à cultura do consumo SUMÁRIO

Se o consumo ocupou o espaço de encantamento da vida, po-


demos nos perguntar: como fica a relação de desencantamento que
Weber propõe com o que vimos até aqui?
Para entendermos isso, precisamos de uma rápida visão da pas-
sagem da sociedade puritana para a cultura de consumo.
Max Weber (1996) colocou que a Reforma Protestante teve
consequências que não haviam sido antecipadas e sequer planeja-
das pelos seus idealizadores. A principal delas teria sido o desencan-
tamento do mundo.
A intenção dos Reformadores do século XVI era reorganizar as
práticas religiosas cristãs e como consequência a vida em socieda-
61 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

de. Havia uma insatisfação com as estruturas existentes então, tanto


do Estado quanto da Igreja.
Duas mudanças relevantes propostas pelos reformadores terão
importância na passagem da ética puritana ao consumo. A primei-
ra foi o fato de passarem a afirmar a autoridade soberana das escri-
turas, explicitando a força da Palavra de Deus contida na Bíblia, e
a segunda é uma nova formulação para o conceito de Salvação. Os
Reformadores assumem a crença que propõe que os seres humanos
não alcançarão a Salvação, mas sim que Ela é uma Graça de Deus,
e que cabe somente a Ele decidir os que serão os seus escolhidos.
Os Protestantes decidem que deviam concentrar-se somente na
glória de Deus e no Seu serviço e que diferentemente dos católicos
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

não sucumbiriam à glorificação das coisas humanas.


O trabalho passa a ser sagrado. Lutero propunha que todo tra-
balho feito a serviço de Deus qualificava o ser humano a uma vida
correta aos Seus olhos e que, portanto, todas as vocações seriam
iguais perante Ele. O trabalho passa a ser a forma de honrar a Deus
e na medida em que ele era bem executado passava a ser a prova de
que quem o fazia era um dos Escolhidos por Deus.
Desta maneira, conceitos como a eficiência e o trabalho, co-
locados como atividade que enobrecia, que elevava, passam a ser
fundamentais na execução do trabalho diário de todo o crente que
honrava sua fé.
Representantes dessa ética decidem refugiar-se nas colônias in-
glesas em busca de liberdade religiosa, já que na Europa, e principal-
mente na Inglaterra, enfrentavam oposição à sua crença. Refugiam-se
nos Estados Unidos e será o grupo religioso que majoritariamente
irá influenciar toda a formação, não só religiosa, mas também so-
cial, já que para os Puritanos a vida religiosa e a vida civil se inter-
ligavam de forma importante.
Surge então, como consequência da ética puritana, uma ética
do trabalho, que segundo Weber será fundamental para o estabeleci-
mento do capitalismo e seu crescimento. Quando os Reformadores
instituíram o conceito de salvação não tinham em mente fornecer as
Deborah Pereira da Silva - 62

bases para que o capitalismo se afirmasse, mas segundo Weber, esse


conceito foi central, já que passa a ver o trabalho como sagrado e a
obtenção de lucros como prova da Graça Divina.
Assim se evoluiu para a ética puritana de negação das coisas
humanas, do trabalho incessante e da não ostentação, já que, não po-
demos nos esquecer, o fruto auferido pelo trabalho não pertencia ao
seu executor e sim a Deus.
A passagem que se dá do ascetismo puritano para o consumo
sem interditos é importante de ser percebida. Ela nos permite iden-
tificar como o consumo passa a ser não só permitido como também
incentivado. A aquisição de bens e produtos passa a ser um dos prin-
cipais meios de comunicação dentro de um grupo social.
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O que ocorreu é que como a vida secular e a vida religiosa eram


extremamente imbricadas, os conceitos religiosos passam a perme-
ar a vida secular e vice-versa e, dentro do universo secular, passam
a ser conceitos que perdem o seu vínculo religioso.
O trabalho se torna importante porque através dele se pode con-
quistar aquilo que é reconhecido e valorizado pelo grupo. Desta ma-
neira, o trabalho vai perdendo a sua sacralidade e se recobrindo de
uma secularidade que faz com que os frutos auferidos através dele
deixem de ser somente o reconhecimento da Salvação Divina, mas
que se convertam em resultados dos valores trazidos pela ética puri-
tana, como a eficiência, e a serem importantes porque permitem que
o trabalho aconteça de forma mais adequada, não à sociedade ou ao
ser humano, mas à obtenção de lucros.
Essa ética do trabalho passa lentamente a permear toda a socie-
dade e a forma de conferir a eficiência, financeira, produtiva, ou qual-
quer outra, passa a ser avaliada por conceitos com os quais os seres
humanos avaliam outras áreas de suas vidas onde isso não se aplica-
va. Quando o trabalho perde sua aura sagrada, o lucro dele auferido
também deixa de pertencer a Deus, essa alteração conceitual é que
vai permitir o consumo sem interditos. Vamos nos lembrar de que a
princípio a ostentação era condenada pela ética puritana e que dentro
do processo acima descrito ela vai se tornando absolutamente aceita.
63 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

Mais a frente a aceitação já não será o bastante e o consumo será


então incentivado socialmente. As igrejas pentecostais e principal-
mente as neopentecostais serão as que pregarão sem nenhum cons-
trangimento o consumo como forma de expressar a Graça Divina.
O trabalho e o resultado dele são obras da fé do crente em Deus,
não são de Deus, e usufruir os seus resultados seria a maneira de se
mostrar crente. Ao se acreditar, Deus provê mais que o necessário.
Assim, deixam de existir os impedimentos religiosos que se in-
terpunham ao consumo e este passa a ser incentivado. Dentro desta
atmosfera, percebe-se uma mudança importante que fará com que
a satisfação de desejos passe a ser uma necessidade em um mundo
em que a ostentação passa a ser incentivada e não mais reprimida.
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A religião foi esmaecendo e foi se retirando da vida social como


parte dos processos de industrialização, racionalização, urbanização
e diferenciação social. Esta é uma crise da religião que se relaciona
diretamente com os movimentos sociais que farão parte do proces-
so de desencantamento.
O que antes era desejo passa a ser necessidade fundamental
para reconhecimento social e preenchimento do vazio deixado por
um mundo desencantado.
É importante percebermos a distinção entre o que é desejo e
o que é necessidade. Podemos colocar de forma muito simples que
necessidades são limitadas apesar de serem constantes por um de-
terminado período. Ao se alterar tempo e situação as necessidades
também se alteram. Desejos são ilimitados e em algumas situações
podem tornar-se necessidades.
Quando falamos em necessidades imaginamos mais facilmente
se trabalharmos com conceitos de necessidades fisiológicas; fome,
sede, abrigo etc. Mas, se pensarmos em necessidades psicológicas,
o leque se amplia significativamente. Superadas as necessidades bá-
sicas de sobrevivência as psicológicas tornam-se poderosas. Estar
vivo socialmente, ser reconhecido como pessoa, como parte de um
grupo, pode se tornar fundamental, e o marketing ao reconhecer essa
força traça suas estratégias de atuação na sociedade.
Deborah Pereira da Silva - 64

No início do capitalismo havia um controle que vinha das res-


trições da ética puritana que via com bons olhos a acumulação, mas
não o consumo. Trabalhava-se para a glória de Deus, não para se
atender a desejos.
O que ocorre é que a sociedade abandona essa visão e como
consequência os indivíduos começam a buscar a gratificação de seus
desejos numa ética hedonista de prazer imediato e consumo. Isso é
o resultado parcial de um processo que ocorre quando surgem as
grandes cidades, e com elas a sociedade de consumo, que leva a um
solapamento do sistema de valores então vigentes e passa a exaltar
esse mesmo consumo, sem maior compromisso com o controle dos
impulsos. O indivíduo distante do seu grupo social original perde os
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balizadores que antes o posicionavam dentro do grupo. Nas grandes


cidades será o consumo e a ostentação que servirão de comunicado-
res a respeito do indivíduo.
Nesse processo, o que antes era considerado luxo para o con-
sumo de alguns passa a ser necessidade de todos e obtém um refor-
ço importante ao definir a ideia de que a tecnologia, ao contrário da
natureza, tem uma capacidade de atendimento ilimitada, o que justi-
fica a possibilidade de todos terem seus desejos atendidos, em teoria.
Alguns aspectos sociais que surgem durante os anos de 1920 e
que contribuíram para essa passagem foram:

1) a produção de massa, como resultado da criação da linha


de montagem;
2) o desenvolvimento do marketing, que racionalizou a arte
de identificar diferentes tipos de grupos de compradores e
de estimular os apetites desses consumidores; e
3) a difusão do crediário, que quebrava o velho receio pro-
testante – a dívida e que libera o consumo de algumas de
suas amarras (BELL, 1974).
65 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

Surge então o mundo do hedonismo, onde se vive para as ex-


pectativas, o vir a ser, ao invés de se viver o que se é. Aqui o marke-
ting encontra terreno fértil ao se fazer necessário em uma sociedade
que muda muito rapidamente e onde essas mudanças passam a indi-
car como se portar, como e o que consumir, ou seja, a maneira cor-
reta de ostentar. O marketing define o que se desejar entre inúmeras
opções, faz o que antes a religião fazia ao canalizar os desejos. A
religião desde sempre foi o palco onde se buscou o limite, que era
oferecido via interdito para as questões do desejo. Era a religião que
refreava os desejos, incluindo os sexuais, definindo qual a conduta
moral era aceitável, que permitia a respeitabilidade social. A igreja
oferecia o modelo a ser seguido entre seus inúmeros santos, márti-
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res ou mesmo padres e freiras.


Os pilares sobre os quais o capitalismo havia se estabelecido,
exaltação de trabalho, frugalidade e sobriedade são então substituí-
dos pela cultura de consumo e da ostentação dos bens e serviços. Se
no primeiro caso o trabalho e a acumulação eram valorizados social-
mente, no segundo, a respeitabilidade desejada vem da ostentação.
O consumo de bens e serviços que distinguem é a demonstra-
ção de que se é diferente. Quanto mais valiosos os bens e serviços
forem para o grupo, maior será a respeitabilidade alcançada. Se esse
consumo não se dá, há uma indicação de fracasso. O indivíduo não
foi capaz de atender às expectativas do grupo; ou por falta de con-
dições financeiras ou ainda porque não foi capaz de cultivar o gosto,
de aprender a apreciar. Para que o indivíduo possa ter o gosto que o
grupo reconhece como cultivado, e portanto adequado, ele deve in-
vestir muito do seu tempo aprendendo a ostentar corretamente. Ao
aprender o que consumir para obter distinção dentro de um deter-
minado grupo, será possível se alcançar a nobreza pretendida. Na
Modernidade, quem faz essa indicação é o marketing e a propaganda.
Mais do que apenas indicar o que consumir para se obter a res-
peitabilidade ambicionada, o marketing e a propaganda passam en-
tão a transformar hábitos. E logo passarão a influir também em como
se estabelecem as relações sociais entre os indivíduos. Questões éti-
cas e familiares, por exemplo, que antes encontravam seu espaço de
Deborah Pereira da Silva - 66

questionamento no interior das religiões deslizaram para o espaço


do consumo e, consequentemente, da propaganda e do marketing,
dessa forma o sujeito das relações passa a ser a mercadoria e os ob-
jetos são comunicadores.
Na cultura de consumo tudo comunica algo sobre alguém. O
consumidor sabe que a comunicação acontece por meio de tudo o
que ele associa a si mesmo. Seu carro, suas roupas, seu gosto por um
determinado tipo de decoração. E sabe também que esse conjunto é
avaliado e classificado constantemente pelo grupo social.
Note-se que a satisfação depende da posse ou do consumo de
bens que sejam aceitos e considerados como desejáveis dentro do
grupo social. Uma das razões que faz com que os bens sejam dese-
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jados é o fato de serem escassos. No instante em que todos passam


a ter possibilidade de acesso ao bem, ele perde seu valor, que é des-
locado para outro.
O sistema capitalista e a cultura de consumo tem como bali-
zador de reconhecimento social o consumo de bens e serviços. Há
uma valorização do hedonismo, pregando uma realização imedia-
ta de desejos.
Consome-se para se realizar desejos e desta forma se comuni-
car com a sociedade.
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2.3 O consumo sem interditos SUMÁRIO

O período que compreende o final do século XIX e o início do


século XX pode ser identificado como aquele em que se pode per-
ceber, de forma mais clara, as alterações no consumo: de uma cul-
tura eminentemente puritana, na qual o trabalho era parte integrante
e fundamental da vida religiosa, e onde o consumo era reprimido,
para uma cultura de consumo voltada para o hedonismo, para o la-
zer, para o lúdico e para a realização pessoal.
Os interditos religiosos que impediam o ser humano de consu-
mir livremente garantiam o paraíso no pós-morte, ao se livrar deles
o paraíso se torna imediato, nesta vida.
67 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

Tudo é permitido e essa é a senha para a corrida sem fim rumo


ao consumo. Sem fim porque o objeto de desejo muda constante-
mente e pela sua escassez (necessidade fundamental para ser dese-
jado) nunca consegue dar conta da demanda proposta.
Essa escassez intrínseca ao objeto desejado faz com que surja
uma enorme massa de indivíduos que não tem seus desejos atendi-
dos e que, no entanto são necessários para que os que têm seus de-
sejos atendidos possam se diferenciar de alguma forma. Não só não
podemos satisfazer os desejos de todos por uma questão de limita-
ções que nos recusamos a ver, mas porque se todos tivessem tudo o
que desejam, como saber o que desejar então?
Produtos e serviços que inicialmente tinham uma razão espe-
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cífica para serem desejados passam a ser desejados em si mesmos.


Deixam de ser os meios para algo e passam a ser o fim em si mesmos.
A elite, os poucos que conseguem satisfazer seus desejos, sur-
ge como os novos profetas que nos guiam pelo caminho que enfim
nos levará a distinção e ao reconhecimento tão necessário para que
nos sintamos parte de algo.
Deixamos de esperar pelos profetas divinos, para esperar pelo
progresso, pelo futuro, pois é assim que virá a realização da profe-
cia do mercado que diz que todos podem tudo. Que não há mais li-
mites, não há mais interditos religiosos. O mercado também oferece
a boa nova do consumo, todos merecem ter seus desejos atendidos
sem se preocupar com limites. Esse passa a ser o verdadeiro paraíso
ao qual as pessoas procuram ter acesso.
Como resultado, o mercado se torna sagrado com o desloca-
mento dessa concepção do universo religioso para o econômico, para
o consumo, onde agora se encontra a possibilidade de realização de
desejos ilimitados. Sendo assim uma sociedade sem limites (e res-
gatando o conceito de que a religião também é limite), percebemos
que a ideia de Deus tornou-se irrelevante porque perdemos a noção
de nossa própria condição. Somos seres limitados e Deus é também
a representação que encontramos para esses limites.
Deborah Pereira da Silva - 68

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2.4 Necessidades e desejos SUMÁRIO

As necessidades humanas podem ser divididas em dois aspec-


tos: as materiais e as simbólicas. O ser humano precisa do aspecto
material para sua sobrevivência e para isso a natureza é modifica-
da pela ação do homem: para atender às suas necessidades e satis-
fazer seus desejos.
O ser humano é um ser desejante, talvez sem muito controle
dessa força que o move, nem muita consciência de como e porque
essas forças operam.
René Girard propõe sua Teoria do Desejo Mimético (1998) pen-
sando nas sociedades primitivas e esse processo de solução de escas-
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sez de mercadorias via sacrifício. Esta solução não se encaixa mais


nas sociedades contemporâneas. Girard propõe na sua teoria que um
indivíduo deseja um objeto não pelo objeto em si, mas pelo fato de
que outro deseja. Fica claro que a escassez é um dos componentes
do desejo criando a rivalidade entre os dois indivíduos desejantes.
Apesar de proposta para as sociedades primitivas, a questão
do desejo mimético pode ser vista como extremamente atual e per-
tinente, já que não é difícil identificar a sua força atuando no merca-
do de consumo e consequentemente no comportamento de compra.
Quando Girard fala sobre a relação que se estabelece entre mo-
delo e discípulo, ele fala de uma busca insaciável por sermos nós os
modelos. Pois bem, essa busca é insaciável primeiro porque jamais
poderemos ser o outro e segundo, como já vimos, porque o objeto
de desejo mudará constantemente.
Essa mudança constante da indicação pelo modelo do que deve
ser desejado é um dos motos que move o comportamento de com-
pra do consumidor. Marketing busca exatamente isso: fazer com
que nossos desejos sejam sempre atendidos; lançando novos pro-
dutos ou modificando os já existentes; e por outro lado assegura-se
que jamais possamos nos sentir com nossos desejos atendidos; cada
vez que um novo produto é lançado, o que temos torna-se obsoleto
e precisamos do novo. Não porque necessariamente vá atender nos-
69 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

sas necessidades mais adequadamente, mas porque o desejo mimé-


tico está presente e atuante. Dependemos do objeto para sermos na
sociedade contemporânea.
Kotler (2000, p. 33) define necessidade como sendo as “exi-
gências humanas básicas”, elas se tornam desejos “quando são diri-
gidas a objetos específicos capazes de satisfazê-las [...]. Desejos são
moldados pelas sociedades em que se vive”.
Podemos perceber que suas referências a estímulos culturais,
sociais, pessoais e psicológicos nada mais são que as mimeses em
suas variações. Os modelos que os seres humanos buscam variam
(família, grupo de trabalho, escola, etc.), mas buscamos por um que
nos dê a sensação de sermos reconhecidos. Esse conceito reforça o
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

que Maslow (19--?), citado por Kotler (2000), coloca: a necessida-


de de reconhecimento, depois de resolvidas as necessidades básicas,
como fundamental para a vida.
Os grupos de referência citados acima são os grupos aos quais
pertencemos e pelos quais nos sentimos estimulados a consumir de-
terminado produto ou marca.
Clara também é a questão do status e do papel que representamos
na sociedade, mostramos quem somos, no que cremos, o que valo-
rizamos através do que consumimos e quem nos diz isso são nossos
modelos que representam tudo isso e que associamos aos bens que
possuem e que exibem justamente para dizer quem são.
A autoimagem que Kotler (2000) trabalha parece ser a imagem
que nós acreditamos que passamos para os outros e que temos de
nós mesmos, estaremos tanto mais felizes com ela na medida em que
conseguirmos nos parecer, nos igualar, ao ostentarmos os mesmos
bens que nossos modelos ostentam. O marketing trabalha com isso
ao escolher como garotos-propaganda de suas marcas pessoas com
quem parece ser mais fácil criar uma identificação por serem ven-
cedores, ou possuírem qualidades que valorizamos. Isso nada mais
é do que o desejo mimético se materializando num par de tênis de
grife quando na verdade se quer o sucesso, a juventude ou qualquer
Deborah Pereira da Silva - 70

outro atributo associado à imagem do modelo. O par de tênis perdeu


seu valor como qualidade intrínseca e passou a significar muito mais.
Acredito ser importante discutir necessidade e desejo, quando
um se torna o outro. Anteriormente reproduzimos a opinião de Kotler
(2000), em que ele diz que os profissionais de marketing não criam
necessidades, elas já existem anteriormente e a eles caberia apenas
a canalização dessa necessidade no momento de atendê-la via con-
sumo de um bem. De que necessidades falamos? Se falamos das fi-
siológicas, realmente elas já existiam antes de qualquer outra coisa,
mas a forma de satisfazê-las é que muda. Todos temos sede, portanto
necessitamos de água, entretanto se eu busco aceitação e reconheci-
mento social para realmente existir, eu posso necessitar de determi-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

nado refrigerante para ser reconhecido e aceito.


Falamos da sede ou da necessidade básica que todos temos de
pertencer e sermos reconhecidos dentro de um grupo?
Maslow (19--?), citado por Kotler (2000), coloca estima e re-
alização como necessidades fundamentais. Essa necessidade de re-
conhecimento passa a ser desejo e para Girard (1998) seria por ele,
essa coisa efêmera e fluída, absolutamente intangível e ao mesmo
tempo tão fundamental, que teria se dado a fundação não só das so-
ciedades, mas também das culturas e religiões.
Os produtos que são consumidos no mercado possuem um va-
lor distinto do seu valor de uso. Há claramente um valor social, que
é o valor que o grupo lhes atribui e que serve como código de co-
municação das relações sociais.
Na verdade, o que se está consumindo é o signo do valor social
que o produto representa, o signo substituiria o produto.
Outro fator importante que define o consumo é a identidade.
Como dissemos, o ser humano tem dificuldades para viver em um
mundo desencantado onde a solidariedade é frágil, em que as con-
dições de vida são debilitadas e do qual se tem uma compreensão
fugidia.
Na modernidade o ser humano encontra-se liberto da obrigação
de ter uma religião e sente dificuldade em se perceber como parte de
71 - CAPÍTULO II – A PROPAGANDA E O CONSUMO

um todo, uma vez que o todo se globalizou, as identidades imedia-


tas pedem que o ser humano tenha um pertencimento heterogêneo.
Assim, os objetos nem sempre correspondem aos conceitos, mas
a produtos que passam a ser o símbolo da ascensão social.
Como dar sentido à realidade que se insere na globalização
passa a ser definido pelo consumo. A identidade do consumidor vai
se construindo e se definindo de forma gradativa na medida em que
ele vai escolhendo num enorme universo de produtos. Definir-se de-
pende muito do possuir.
Os produtos dependem totalmente da manutenção do significa-
do, uma vez que ele seja removido ou alterado, o produto ou o ser-
viço esvazia-se de significado, o que tem levado a questionamentos
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

com relação ao poder da propaganda e do marketing em criar neces-


sidades onde antes havia somente o vazio.
O consumo de produtos e serviços promete que pode preen-
cher o vazio deixado pelo mundo desencantado, mas acaba por dis-
torcer a visão que o ser humano tem de si mesmo ao fazer com que
reflitamos sobre nosso papel social como consumidores e não como
cidadãos (CANCLINI, 1999). Exercemos o poder através do con-
sumo, no mercado, porque é nessa arena que somos reconhecidos e
avaliados socialmente.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

CAPÍTULO III VOLTAR AO


SUMÁRIO

A PROPAGANDA
REENCANTANDO O MUNDO
73 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

Nos capítulos anteriores, pudemos ver como a propaganda se


reelabora ao passar de um papel social destinado a simplesmente in-
formar os consumidores sobre os produtos à criadora de símbolos.
A associação dos produtos a esses símbolos será, em grande
parte, fundamental quando da decisão de compra do consumidor.
Quando este se decide por um determinado produto em detrimen-
to de outro, podemos imaginar inúmeras razões para isso, entre elas
preço e fácil acesso por exemplo. Entretanto, não podemos esque-
cer que o consumidor está buscando o símbolo que aquele produto
representa quando se decide pela compra.

VOLTAR AO
1 O comportamento de compra
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

SUMÁRIO

Para Kotler (2000, p. 24), “o marketing lida com a identifica-


ção e o atendimento das necessidades humanas e sociais” e acrescen-
ta que outro objetivo seria o de “atender a necessidade de maneira
lucrativa”.
A ferramenta fundamental de marketing seria a detecção das
necessidades do consumidor e o seu atendimento de forma a que a
empresa obtivesse lucros com essa atividade. Necessidades pedem
atendimento, o que o marketing faz é trabalhar com a expectativa do
consumidor. Em outras palavras, o marketing identifica a sede como
uma necessidade, a forma que o consumidor vai escolher para saci-
á-la é o trabalho do marketing. Lembremos que a sede pode ser sa-
ciada com água de um riacho ou com água mineral com sabor que
vem das longínquas montanhas do Alasca. Influenciar nesta decisão
é o papel do marketing e da propaganda.
Mas, marketing é mais do que isso, é compreender que mais
que um produto, o consumidor compra a solução de um problema,
a realização de um sonho ou a aquisição de status, e aqui, mais que
atender a uma necessidade, busca-se satisfazer um desejo. Entender
que a carga simbólica agregada a um produto por vezes acaba por
ser mais importante do que o produto em si no momento da deci-
são de consumo.
Deborah Pereira da Silva - 74

Quando um consumidor opta por consumir um determinado


produto ou serviço, ele identifica-se com a imagem que a propagan-
da desenvolveu e associou a esse mesmo produto ou serviço. No
universo do marketing existem inúmeros cases que exemplificam
de maneira clara a associação que o consumidor faz entre consumir
um produto ou serviço e associar-se à imagem que ele comunica.
Para o marketing, é fundamental que a imagem de um produto
ou serviço esteja evidenciada de forma que o consumidor entenda
ao que ela/ele está se associando. O correto posicionamento de um
produto ou serviço é importante, pois é daí que virão os resultados
que serão medidos pelo volume de vendas.
Para isso devemos considerar o fato de que a principal tarefa
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

do profissional de marketing é entender o que acontece na cabeça


do comprador entre a chegada do estímulo externo, a propaganda e
a decisão de compra.
Os principais fatores que influenciam o comportamento de com-
pra seriam: os culturais, os sociais, os pessoais e os psicológicos;
sendo os culturais os de maior influência (KOTLER, 2000).
A cultura a qual o indivíduo pertence é o resultado da soma de
vários fatores, sendo que a família, a classe social, o grupo religio-
so e a nacionalidade são importantes. Afinal, é com a família que te-
mos nossas primeiras lições de consumo.
A família e a classe social fazem parte tanto dos fatores cultu-
rais como dos sociais. Quando nos referimos aos fatores sociais é
importante destacar os grupos de referência, que são aqueles capazes
de exercer alguma influência direta sobre o consumidor (KOTLER,
2000).
Pessoas são influenciadas ao serem expostas a novos compor-
tamentos e estilos de vida, ao perceberem novas atitudes e uma nova
autoimagem e ao se sentirem pressionadas a tomar decisões (corre-
tas) de consumo.
É interessante observar que os consumidores também são in-
fluenciados por grupos aos quais não pertencem. Existem os grupos
aspiracionais, que são aqueles aos quais o consumidor não pertence,
75 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

mas espera pertencer, e os não aspiracionais, que são aqueles rejei-


tados, os grupos que os consumidores não querem integrar.
Devemos ainda destacar, dentro dos fatores sociais, a subdivi-
são Papéis e Status. Cada papel corresponde a um status e as pes-
soas escolhem produtos que externalizem de forma clara e objetiva
seu papel e status na sociedade.
Sobre isso Kotler (2000, p. 186) diz que cada um de nós parti-
cipa de muitos e diferentes grupos e que a nossa posição dentro dos
grupos pode ser “definida em termos de papéis e status” e que a cada
papel correspondem às atividades que devemos desempenhar. Ainda
segundo Kotler (2000), “um juiz da Suprema Corte possui mais sta-
tus que um gerente de vendas, e um gerente de vendas possui mais
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

status que um auxiliar de escritório” e que as pessoas vão escolher


os produtos que melhor comuniquem seus papéis e seus status nos
grupos sociais.
Apesar de consciente do símbolo de status, Kotler aponta que
o profissional de marketing não cria a necessidade, ela já existiria
e caberia a ele apenas influenciar no processo de decisão de com-
pra sobre qual produto, de qual marca, de qual modelo etc. seria o
adequado para satisfazê-la. Devemos nos lembrar de que cabe ao
marketing influenciar na expectativa do atendimento da necessidade.
Para se conhecer o estilo de vida do consumidor, podemos nos
valer de dados psicográficos baseados em questões sobre localização
geográfica, demografia, atitudes, seu uso de serviços on-line e web-
sites, e, por meio disso, somos capazes de chegar a uma percepção
de padrão bastante específica que se divide em categorias como atu-
alizados, satisfeitos, crédulos etc. Kotler (2000), entretanto, aponta
que essa categorização não é universal.
Finalmente, encontramos a análise da personalidade e autoima-
gem como fatores pessoais que influenciam uma decisão de compra.
Personalidade aqui entendida como características únicas e coeren-
tes ao longo da vida.
A importância da análise da personalidade vem da tentati-
va de se estabelecer uma relação entre o tipo de personalidade e
Deborah Pereira da Silva - 76

a preferência por certo produto. Em relação estreita com a perso-


nalidade está a autoimagem. Para os profissionais de marketing é
fundamental criar imagens para seus produtos que correspondam
às imagens que os consumidores fazem de si mesmos, ou que acre-
ditam que fazem.
É clássico um case de marketing da década de 60 que pode nos
ajudar a compreender isso. A empresa fabricante do carro Mustang
decidiu posicioná-lo como um carro para jovens, que à época eram
chamados de rebeldes. Para isso criou toda uma comunicação que
associava o carro à juventude e à rebeldia contra os valores mais tra-
dicionais da sociedade. O carro foi um sucesso de vendas, mas não
com o seu público-alvo. O carro foi comprado, em sua grande maio-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

ria, por homens na faixa dos 40 anos de idade, que buscavam asso-
ciar-se com a imagem de jovens e rebeldes. Os jovens, para quem o
carro foi a princípio destinado, provaram ser um grupo que não se
identificava com o carro e, mais importante ainda, não tinham con-
dições financeiras para adquiri-lo. Eles eram jovens, não precisavam
de um carro para comunicar isso ao grupo social.
Os fatores psicológicos para Kotler (2000) são em número de
quatro: motivação, percepção, aprendizagem e crenças e atitudes.
Para analisar a Motivação do consumidor, Kotler utiliza-se de três
teorias: a de Freud, a de Maslow e a de Herzberg.
A de Freud propõe que as forças psicológicas que formam o
comportamento de um indivíduo são basicamente inconscientes, o
que faria com que se consumisse sem ter uma razão clara para a op-
ção de consumo, as forças que formam o comportamento de uma
pessoa são inconscientes e que, portanto, decidimos por um produ-
to por motivos que sequer notamos; a segunda teoria é de Maslow,
que propõe uma hierarquia para as necessidades e a de Herzberg que,
grosso modo, trabalha com satisfação e insatisfação.
A Hierarquia das Necessidades de Maslow já foi vista no capí-
tulo anterior, e a de Herzberg resume-se à teoria dos dois fatores: os
satisfatores e os insatisfatores. Para Herzberg não bastaria a ausên-
cia de insatisfatores, seria necessário também a presença dos satisfa-
77 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

tores para estimular o consumidor à efetivação da compra. Uma vez


motivado, o próximo passo na decisão de compra seria a percepção.
Kotler (2000, p. 193) resume assim o que seria percepção: “é o
processo por meio do qual uma pessoa seleciona, organiza e interpre-
ta as informações recebidas para criar uma imagem significativa do
mundo”. Assim, o consumidor estaria pronto para agir consumando
sua compra. Ao fazê-lo, haveria uma aprendizagem neste processo.
A aprendizagem adviria das “mudanças no comportamento de uma
pessoa surgidas da experiência” (KOTLER, 2000, p. 193).
Finalmente, o consumidor chega ao momento de avaliar suas
crenças e atitudes. Essas são criadas e desenvolvidas a partir do
aprendizado. Ou seja, o que se aprende através do ato de consumir
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

criaria as crenças e atitudes do consumidor que, segundo Kotler, te-


riam como base três fatores: conhecimento, opinião ou fé. É neste
instante em que o consumidor é capaz de identificar as imagens de
marcas e de produtos.
VOLTAR AO
2 O encantamento do consumo SUMÁRIO

Seria no mercado onde se daria o processo de enfeitiçamento ou


encantamento que as mercadorias exercem sobre os seres humanos.
A palavra fetiche adotada por Marx deriva de feitiço, no português.
Portanto, acreditamos ser adequado adotar o termo enfeitiçamento
para definir o encantamento que as mercadorias exercem sobre os
seres humanos.
É, provavelmente, do consumo das mercadorias que advém os
sentimentos de gratificação e contentamento que preenchem de ma-
gia a vida e que definem as relações sociais que se estabelecem entre
as pessoas. A penetração que o consumo de mercadorias consegue na
sociedade contemporânea é significativa atuando no dia a dia dos seres
humanos. Assim, as relações entre as pessoas passam pelos objetos e se
ampliam quando esses ganham vida e passam a relacionar-se entre si.
Isso só é possível porque o marketing, através da propaganda,
busca dar significado não só aos produtos em si, mas ao seu consumo.
Deborah Pereira da Silva - 78

Nas sociedades tradicionais, as trocas de mercadorias eram


trocas de pessoas. Quando a troca acontecia, cada uma das pessoas
envolvida oferecia muito de si mesma e do próprio processo de pro-
dução em cada mercadoria produzida. Tal qual uma herança, seres
humanos sempre consideraram as mercadorias como comunicado-
res. Comunicavam muito de si para o outro e para o grupo, e essas
pessoas também eram comunicadas da mesma maneira.
Marx (1982) argumentava, em O Capital, que quando os se-
res humanos fossem capazes de entender o processo de produção de
mercadorias, sua troca e o seu consumo, entenderíamos o sistema
de relações capitalistas.
A diferença entre as sociedades tradicionais e a sociedade con-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

temporânea é que atualmente não temos o conhecimento do pro-


cesso de produção das mercadorias. As mercadorias não tem um
significado intrínseco, elas são esvaziadas de significados. Assim, a
tentativa que fazemos de continuar aceitando as mercadorias como
comunicadoras acaba por ser truncada. Quando buscamos o signi-
ficado ele não é encontrado da mesma forma que existia nas socie-
dades tradicionais.
O processo de produção contemporâneo cada vez mais isola o
homem de sua compreensão e participação efetiva. Também não co-
nhecemos o processo de produção, temos que aceitar o que os pro-
dutores nos dizem a respeito das mercadorias que consumimos. A
forma de nos comunicarem sobre suas mercadorias é via mídia, e
isso vem na forma de propaganda.
Ao alijar-se do processo de produção contemporâneo, os seres
humanos esvaziam as mercadorias do seu conteúdo. Quando não se
conhece o processo de produção, não se pode atribuir significado.
Desta maneira, há sobre cada mercadoria produzida informações que
o consumidor não conhece. Não se sabe quem produziu, como, com
o que e em que condições.
Nas sociedades tradicionais os métodos de produção possuí-
am um significado além daquele inerente à produção em si. Como
eram calcadas fundamentalmente na agricultura e na religião, a re-
79 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

lação entre produção e significado surgia da sobreposição resultan-


te dessas duas forças em ação.
A vida na cidade grande e o trabalho nas fábricas vão fazer com
que a sustentação da estrutura do significado das mercadorias acabe
por deteriorar-se e perder-se rapidamente. É nesse instante de mu-
dança social significativa que se dá o esvaziamento de significado
das mercadorias. É o momento em que o ser humano perde o controle
sobre o processo de produção, o significado das mercadorias se perde
no novo processo industrial capitalista no mesmo instante em que a
religião passa pelo turbulento processo de perda de seu papel social.
Os sentimentos de desconexão com a realidade começam a sur-
gir e não são mais possíveis de serem abarcados pelas instituições
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

originalmente doadoras de significado. Abre-se assim uma fenda


para que o desencantamento se estabeleça, envolvendo não somente
o aspecto religioso da sociedade, mas também a sua força em todo
o espectro social.
Surge então um vazio que a propaganda e o marketing passa-
rão a preencher com o encantamento do universo da propaganda.
Eles passam a oferecer o encantamento perdido e, conjuntamente,
surgem como doadores de significados de mercadorias que, ao per-
derem o seu significado original, precisavam ser preenchidas para
que continuassem o seu papel social de comunicadoras. Desta ma-
neira resolve-se a questão do encantamento do mundo e das merca-
dorias esvaziadas de significado e da busca para se oferecer algum
sentido. Marketing e propaganda passam a desempenhar esse pa-
pel, o que permitirá ao mercado assumir o que antes era da esfe-
ra da família, do grupo étnico, e da religião. O poder de preencher
mercadorias com significado dependerá de quanto de seu signifi-
cado original foi perdido e do quanto do que é real num processo
de produção pode ser subtraído e novamente adicionado pelo ima-
ginário da propaganda.
O encantamento anteriormente experimentado no universo re-
ligioso faz a passagem para o universo da propaganda, do mercado e
do consumo. As mercadorias continuam comunicando, só que agora
Deborah Pereira da Silva - 80

o significado que preenche cada uma delas é definido pela propagan-


da e pelo marketing e o acesso a elas permite a entrada no univer-
so do encantamento.
A propaganda a princípio forneceria informações ao consumi-
dor para que este, racionalmente, pudesse fazer a sua opção de con-
sumo. Ao passar a ser a doadora de significado, retira-se o racional
da equação e se coloca o emocional. O consumidor precisa ser to-
mado pela emoção. É assim, pela emoção, que a propaganda, em vez
de informar, emociona e faz com que o consumidor sinta-se pleno
e feliz através da reprodução de situações que o cliente reconheça
como significativas para si.
Para a propaganda, o consumidor não quer ser informado, ele
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

quer ser capturado pela emoção, e através dela ser capaz de elabo-
rar uma justificativa para o consumo.
O ser humano precisa de outros significados para os objetos,
porque é desta maneira também que percebemos quem somos no
mundo: comparando-nos com outros de uma mesma classe de consu-
midores, sendo capazes de avaliar o nosso progresso frente ao nosso
grupo social. Ao almejarmos frequentemente mudar para um grupo
social que acreditamos tenha melhores condições de vida do que as
nossas, estamos nos colocando no mundo.
Todas essas características são percebidas e organizadas pela
propaganda e pelo marketing e são efetivamente transformadas em
comunicação que visa o consumo.
Ao aceitar essas regras para saber o seu lugar no mundo e como
deve integrar-se ao grupo social ao qual pertence ou deseja perten-
cer, o ser humano está transferindo para a propaganda a esfera má-
gica e sobrenatural que antes era encontrada na religião.
É fundamental apontar que ao dizermos que a propaganda pre-
enche o vazio de significado deixado principalmente pela religião não
pretendemos dizer que a propaganda não é uma religião no molde das
religiões éticas. Poderíamos talvez comparar a propaganda à religião
de fetiche com características politeístas e com um panteão de dife-
rentes deuses poderosos que habitam os produtos que consumimos.
81 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

Para o mercado, é importante que os seres humanos mante-


nham-se ignorantes quanto aos processos de produção, desta forma
ele classifica a todos como consumidores. No momento em que fôs-
semos capazes de entender os intrincados processos de produção da
sociedade contemporânea, talvez nos lembrássemos de que somos
consumidores, mas que somos também produtores e que também
podemos ter controle do processo de significação de mercadorias.

3 A relevância da metáfora VOLTAR AO


SUMÁRIO

Poderíamos dizer que o encantamento do consumo seria ape-


nas uma metáfora. Entretanto, é preciso saber que os seres humanos
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

não conseguem pensar fora da metáfora, logo não se pode dizer que
não significa nada, porque tudo é metáfora.
O que sabemos da sociedade é compreendido através da me-
táfora. O que chamamos realidade, a lógica cultural pela qual o sig-
nificado é derivado dos símbolos e comportamentos, é o modelo
metafórico específico de um dado grupo social condicionando seus
membros.
Talvez o estranhamento que se experimente venha do fato de
que o uso da metáfora sempre foi considerado indesejável como for-
ma de expressão no mundo científico. Para o discurso científico havia
a linguagem literal, que se acreditava ser clara e precisa. A ciência
era feita com a razão e com o uso da linguagem literal enquanto que
para a poesia se utilizava a imaginação e a metáfora.
Lakoff e Johnson (2002) acreditam que este olhar sobre a lin-
guagem deve-se em função do que os autores chamam de “mito do
objetivismo”, que para eles seria um termo genérico resultante de vá-
rias correntes de pensamento, entre elas o Racionalismo Cartesiano,
o Empirismo, o Positivismo Lógico, entre outras. Este conceito se-
ria abrangente o bastante para englobar as correntes filosóficas do
ocidente, que supõe ser possível acessar verdades absolutas sobre
o mundo subjetivo. Pensando assim, a linguagem seria meramente
um espelho que refletiria a realidade objetiva.
Deborah Pereira da Silva - 82

Portanto, a metáfora não deveria ser utilizada quando a preten-


são era a de se estar falando de forma objetiva, pressupondo sempre,
que os seres humanos são capazes de alcançar verdades absolutas e
incondicionais por meio da razão ou da percepção sensorial.
O que ocorre é que há uma mudança de paradigma que vem
propor uma recusa da possibilidade de se obter um acesso verdadei-
ro à realidade, pensando epistemologicamente. A metáfora, no novo
paradigma, deixa de ser uma tentativa de se enganar o pensamento
racional e deixa de ser somente uma figura de retórica assumindo
um novo status de operação cognitiva fundamental.
Lakoff e Johnson (2002) montaram sua tese analisando as ex-
pressões linguísticas que usamos e a partir delas inferiram um sistema
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

conceitual que subjaz à linguagem e que seria capaz de influenciar


os nossos pensamentos e ações. A metáfora deixa de ser uma figura
de linguagem e passa a ser um componente essencial do modo de se
pensar o mundo em termos de conceitualização.
Assim, o conceito de metáfora no novo paradigma passa a ser como
“compreender e experienciar uma coisa em termos de outra” (LAKOFF
E JOHNSON, 2002, p. 48) e não somente uma figura de linguagem.
Dentro da tradição retórica, a metáfora é considerada um des-
vio da linguagem própria da poesia e da linguagem persuasiva. Isso
resultava em uma visão dicotômica entre a linguagem cotidiana e a
poética. Com o novo paradigma, fica claro que a linguagem cotidia-
na é fortemente metafórica e parcialmente literal, o que a transfor-
ma em algo central e não mais periférico, com penetração em todos
os tipos de linguagem, científica inclusive.
Lakoff e Johnson (2002) mostraram que a nossa compreensão
do mundo, de nós mesmos e da cultura se dá através das metáfo-
ras. Eles vão além e propõe que a metáfora une razão e imaginação,
criando o equivalente à racionalidade imaginativa, que seria a sín-
tese do que antes se opunha.
A metáfora deixa de ser então somente uma linguagem e pas-
sa a ser um recurso de pensamento que tem influência direta sobre
como vemos e experienciamos o mundo.
83 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

Precisamos das metáforas para poder dar sentido à realidade,


para que possamos compreendê-la. Dentro da filosofia essas metáfo-
ras tem o tratamento de questões de linguagem, apenas ignorando a
natureza conceitual, seu papel fundamental para a compreensão ou
sua função em relação à realidade. A filosofia prefere acreditar que
tudo não passa de criatividade, expressões poéticas, não sendo a ex-
pressão da verdade e, se chegam a expressar alguma verdade, seria
de forma indireta. Entretanto, “a verdade é sempre relativa a um sis-
tema conceitual definido, em grande parte, pela metáfora” (LAKOFF
e JOHNSON, 2002, p. 261).
Para todos nós, é importante acreditarmos que guiamos nossas
vidas por aquilo que é verdadeiro. As verdades que acumulamos em
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

nossas vidas têm um papel crucial no nosso cotidiano. A verdade está


baseada no que compreendemos, e o que nos permite absorver a re-
alidade e, portanto, organizar nossas vidas.
Dentro de um foco subjetivista as metáforas não podem ser le-
vadas a sério, já que não seriam verdadeiras de uma maneira obje-
tiva. Para Lakoff e Johnson (2002, p. 261), mais importante do que
tentar desqualificar o enfoque objetivista ou o subjetivista, devemos
partir para uma terceira via que seria “uma síntese experimentalis-
ta”, que seria mais adequada, já que a metáfora une razão e imagina-
ção. A metáfora seria “racionalidade imaginativa”, um instrumento
poderoso para a compreensão “de nossos sentimentos, nossas expe-
riências estéticas, nossas práticas morais e nossa consciência espiri-
tual” (LAKOFF e JOHNSON, 2002, p. 262).
Entendemos que a metáfora está arraigada na nossa compre-
ensão do mundo, a maneira como concebemos a realidade estrutu-
ra-se através das metáforas e ao tomarmos o todo da metáfora como
verdadeiro, nos esquecemos de perceber que sempre há algo mais,
uma parte da metáfora que não é correspondente e tomamos o par-
cial pelo todo. Isso porque, como já dissemos, “a essência da metá-
fora é compreender e experienciar uma coisa em termos de outra”
(LAKOFF e JOHNSON, 2002, p. 303).
Deborah Pereira da Silva - 84

Buscamos, pois, aquilo que acreditamos que seja verdadeiro já


que nos foi apresentado como uma metáfora relacionada com outra
ideia que também tomamos como verdadeira.
Isso é fundamental na comunicação. Quando o consumidor
avalia uma propaganda, ele se pergunta se aquilo é verdadeiro, se a
mensagem corresponde à algo que ele crê seja verdadeiro. Para in-
terpretar qualquer tipo de comunicação utiliza-se de seus conteúdos
como valores, crenças aspirações, sentimentos e desejos.
A comunicação busca de forma persuasiva exercer seu poder
na relação com o consumidor e quer que ele partilhe desses mes-
mos valores e crenças.
O fator principal dessa interação é obter a construção de sen-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

tidos. Usando o conceito de metáfora de Lakoff e Johnson (2002),


podemos entender que a propaganda se utiliza dele para associar
seus produtos aos símbolos. Dar sentido aos produtos, através dos
símbolos a eles associados, é função fundamental da comunicação e
pertence ao projeto maior de marketing de preencher o vazio de sig-
nificado dos produtos através da comunicação utilizando-se da pro-
paganda e das ferramentas de marketing.

4 A criação de significado e a metáfora VOLTAR AO


SUMÁRIO

A importância das camadas de imagens e símbolos que nos ro-


deiam se relacionam com os produtos, com nosso sucesso pessoal e
com a felicidade. Podemos dizer que houve uma mudança na função
social dos produtos que a princípio foram criados para satisfazerem
nossas necessidades e que passam a ser comunicadores de significado.
Existem fatores que são responsáveis por essa mudança:

1) o reconhecimento do consumo como uma esfera indivi-


dual de autorrealização;
2) a descoberta feita pelos profissionais de propaganda e
marketing que fatores psicológicos, pessoais e sociais
85 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

são mais importantes que as características dos produ-


tos; e
3) a revolução nos veículos de comunicação de massa, que
tornou possível a rápida evolução e adaptação dos for-
matos das propagandas com destaque para o imaginário
representado pictoricamente e seus significados.

Assim, percebemos que consumir é a interpretação do que sig-


nifica satisfação na vida de cada indivíduo. No mercado de consumo
a satisfação e o bem-estar são baseados não no acúmulo de produ-
tos, mas na avaliação contínua e mutante das aquisições efetuadas
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

frente ao que os outros possuem.


A medida de satisfação com a própria vida é pessoal, cada
ser humano irá medir seu fracasso ou sucesso de maneira indivi-
dual, mas a sociedade reconhece indicadores de sucesso que são
comuns dentro de um grupo social e que com a comunicação de
massa rapidamente tornam-se conhecidos por diferentes camadas
da população. Assim como também passam a circular por grupos
distintos que eventualmente avaliam o sucesso ou fracasso com
outros parâmetros.
O ser humano reconhece que o seu sucesso pessoal só será vá-
lido quando for reconhecido pelo grupo ao qual pertence ou ao qual
almeja pertencer. E nesse último caso o sucesso seria mais que um
reconhecimento, seria o sinal que possibilitaria a ascensão social.
Assim, a interpretação do que é sucesso depende de fatores ex-
ternos que o grupo social reconheça e também de fatores internos,
dependendo de quem é o modelo de sucesso que aquele indivíduo
específico reconhece.
O padrão de sucesso oferecido é quase sempre inalcançável
pela maioria da população, mas mais importante do que ser o pa-
drão é acreditar que se possa transformar no próprio padrão, por
meio do consumo.
Deborah Pereira da Silva - 86

Há, entretanto, uma predominância na ideia que o consumidor


faz de si mesmo e que se opõe à realidade. O papel da propaganda a
partir daí é prover o indivíduo psicologicamente do imaginário ne-
cessário para a criação e manutenção de sua autoimagem. Reforçar
a crença de que é possível sim haver a absorção de características
desejáveis através do consumo.
Para isso a propaganda se utiliza da metáfora, que é o âmago
da comunicação. A metáfora atua quando a propaganda coloca em
uma mesma cena produtos e pessoas e busca a partir dessa cena criar
algo que tenha um significado. Essa criação de significado é toda fei-
ta baseada em pesquisas que são constantemente revistas e refeitas,
e que permitem organizar os desejos e a expectativa de atendimento
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

das necessidades de grupos distintos. Esses grupos são organizados


de acordo com critérios demográficos, geográficos, psicográficos e
comportamentais.
Os consumidores, por sua vez, participam ao assumirem sua
integração social via consumo admitindo como suas as necessidades
propostas pela propaganda e pelo marketing e adotando para suas
vidas conceitos e estilos de vida. Tanto o marketing quanto a pro-
paganda se empenham para serem os doadores dos novos significa-
dos através do consumo de produtos e serviços. Isso só é possível
uma vez que as metáforas utilizadas pela propaganda são ampla-
mente aceitas e reconhecidas pelos consumidores que são capazes
de identificar-se com elas e reconhecerem o significado que subjaz.
Os produtos passariam a ser receptáculos dos significados, se-
riam espelhos que refletiriam os sentimentos dos consumidores como
um conjunto de borrões efêmero. Esse seria o reflexo dos significa-
dos com os quais os produtos teriam sido encantados.
A tarefa de atribuição de significado ao consumo de um pro-
duto tem relação com a autoimagem que o indivíduo faz de si, com
a qual se identifica através do consumo e com a imagem valorizada
dentro de um determinado grupo social. A tarefa da propaganda e
do marketing é criar significados desejáveis e mutáveis, de maneira
que sempre que se creia haver alcançado algum tipo de autoimagem
87 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

esta tenha que ser refeita e recriada indefinidamente. E, a cada vez


que há essa mudança, fazer com que ela se faça representar através
do consumo de novos produtos.
A importância dos atributos simbólicos dos produtos nas esco-
lhas de compra acaba por determinar as referências com relação a
status, classe social, e o consumo passa a comunicar a imagem que
queremos que os outros tenham de nós.
O fundamental, para a propaganda e para o marketing, não é
aumentar o consumo exclusivamente, mas transformar os significa-
dos dos produtos que são utilizados no dia a dia de maneira signifi-
cativa. Isso permite que através do consumo de produtos se venda
principalmente bem-estar e felicidade. A medida dessa felicidade e
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

desse bem-estar ocorre quando se olha ao redor, e se verifica o que


outras pessoas estão consumindo. Essa necessidade de comparar-se
com outros é uma questão antropológica, sendo, portanto, parte de
um comportamento ancestral do ser humano.
René Girard (1998), no seu livro A Violência e o Sagrado, faz
uma análise fundamental para a compreensão deste comportamen-
to. Segundo Girard, o desejar seria parte intrínseca do ser humano, e
esse desejo seria movido pelo que o modelo que aquela pessoa quer
seguir deseja. Ou seja, desejaríamos o que o modelo deseja porque
na verdade desejamos ser o modelo. Buscamos ser o modelo para
sermos reconhecidos, se o modelo possui determinado objeto con-
cluímos que esse objeto deve ser fundamental para que ele seja o
que é, e que, ao possuí-lo, serei, enfim, o modelo. Ambos, modelo e
discípulo, não reconhecem que essa busca pela realização do desejo
mimético desemboca diretamente na rivalidade recíproca. Segundo
Girard (1998, p. 224), isso se deve ao fato de que: “o modelo consi-
dera-se superior demais ao discípulo, e este inferior demais ao mode-
lo”. No entanto, essa sequência interminável de sinais contraditórios
– me imite, não me imite – é para Girard (1998) extremamente fácil
de se perceber na sociedade e acaba por constituir “o próprio funda-
mento de todas as relações entre os homens”.. É importante destacar
que essa tendência mimética possui um reforço do próprio grupo, e
Deborah Pereira da Silva - 88

ao darmos ouvido a essas vozes estamos buscando a aceitação e o


reconhecimento social.
Comparar-se aos outros membros do grupo social é a forma
que o ser humano encontrou de se situar na sociedade e de situar
a si mesmo, quanto ao seu nível pessoal de realizações. Para que a
comparação possa acontecer todos devem ostentar os bens e servi-
ços que podem consumir.
Galbraith (1998, p. 54) faz um resumo da teoria de Thorstein
Veblen (1987) apresentada no seu livro A Teoria da Classe Ociosa
que nos ajuda a entender o que o consumo de um produto ou ser-
viço pode significar. Ele deixa claro que a condição econômica su-
perior precisa de reconhecimento para ser usufruída e para isso os
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

ricos planejam de forma detalhada a maneira pela qual ostentam a


sua riqueza. Segundo ele, “duas coisas se prestam a esse propósito
– o Lazer Ostensivo e o Consumo Ostensivo”. Sendo que lazer os-
tensivo seria a possibilidade de se distinguir pelo ócio ou indolência
num mundo onde quase todos precisam trabalhar, e onde esse traba-
lho ocuparia tanto o nosso corpo quanto a nossa mente. Já o consumo
ostensivo seria o consumo “destinado exclusivamente a impressio-
nar pelo custo das coisas compradas”.
O problema que se apresenta é que o critério usado para a com-
paração que os seres humanos fazem entre si é extremamente mutável.
O que hoje é fundamental como símbolo de status de uma determi-
nada classe social, amanhã pode ter se transformado em prova de
mau gosto ou decadência.
A busca pelos símbolos que indicam o sucesso e a realização so-
cial e por consequência o bem-estar e a felicidade é a busca por uma
miragem que toda vez que parece ter sido alcançada muda de lugar.
Sobre isso Girard (1998, p. 54) diz que, na tragédia, há um mo-
mento em que a posse ou privação de um simples objeto “parece tão
importante, que possuí-lo ou estar privado sucessivamente dele equi-
vale a uma inversão completa de status, a uma passagem do ser ao
nada e do nada ao ser”.
89 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

Essa posse ou privação são ilusórias porque uma vez obtido o


objeto do desejo, ele deixa de interessar e outro passa a ser desejado
em seu lugar, ou seja, é uma satisfação temporária e vazia. É o que
Girard (1998, p. 54) chama de kydos, que seria talvez o momento fu-
gaz onde a pessoa se crê possuidora do objeto para perceber no mo-
mento seguinte que já há outro em disputa, “no limite, o kydos não
é nada. Ele é o signo vazio de uma vitória temporária, de uma van-
tagem imediatamente colocada em questão”.
Assim, todas as vezes que um indivíduo consome algum pro-
duto ou serviço, acostuma-se ao status alcançado e logo esse novo
padrão já não mais satisfaz. Todas as vezes que estiver em compara-
ção com outros indivíduos, haverá uma insatisfação que não cessa.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Mesmo quando é possível alcançar um status considerado adequa-


do ao grupo social ao qual se pertence, haverá sempre o desejo de
se continuar na ascensão de consumo para que se alargue cada vez
mais a diferença em comparação aos outros indivíduos do grupo.
Isso porque o horizonte de satisfação é móvel. A satisfação não
é medida pelo que se possui, mas pela relação entre o que se tem e o
que se acredita que se deveria ter para manter a autoestima face aos
padrões normais de consumo aceitos pelos integrantes do grupo no
qual o indivíduo está inserido.
Podemos notar que esse padrão de comportamento não se res-
tringe às classes sociais mais abastadas. É recorrente em todas as
classes, exceto a dos miseráveis, que uma vez que consigam fa-
zer a passagem para uma posição um pouco melhor, rapidamente
adaptam-se e passam a fazer parte do processo. Uma vez superada
a pobreza extrema e, portanto, resolvidas as necessidades de sobre-
vivência, dá-se início ao atendimento imediato de necessidades psi-
cológicas que imediatamente permitem que se faça a comparação e
consequentemente se perceba se há ou não o sentimento de satisfa-
ção e bem-estar.
Essa análise é fundamental, uma vez que grande parte da satis-
fação obtida é exclusivamente derivada do status reconhecido dentro
da comunidade na qual se está inserido. O trabalho é fonte de sa-
Deborah Pereira da Silva - 90

tisfação na medida em que o ganho dele auferido permita o consu-


mo de itens considerados importantes para a satisfação. Sendo que
há ainda outro fator que também contribui, que é a novidade. Cada
nova aquisição que possua, na medida do possível, uma nova tecno-
logia, ou qualquer outro item de produção e comercialização que seja
percebido pelo grupo como inovador, tem o seu valor reconhecido.
Para a manutenção do status associado a um produto ou serviço
a escassez é um ponto que deve ser analisado. Ela sempre foi fator
de agregação de valor a produtos, mas na sociedade em que a maior
parte do mundo ocidental se insere hoje não se pressupõe mais es-
cassez. As empresas querem e precisam atender aos seus consumi-
dores, então o que se faz é atribuir um status ao produto ou serviço
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

que seja escasso. É uma escassez atribuída socialmente. Muitos fa-


bricantes ou fornecedores de serviços não tem interesse em atender
toda uma massa de consumidores. Ao contrário, buscam posicionar
seus produtos de uma maneira que eles sejam realmente acessíveis
a poucos. Pois se passam a ser acessíveis a muitos, a escassez atri-
buída socialmente deixa de operar e o produto ou serviço perde seu
posicionamento original.
O que os profissionais de propaganda e marketing não podem
perder de vista é que ao consumir um produto, mais do que a satis-
fação de necessidades e desejos, os consumidores buscam a realiza-
ção de um sonho. O senso de bem-estar obtido ao se consumir um
produto/serviço está diretamente relacionado ao posicionamento so-
cial do indivíduo no qual ele se insere e consequentemente às expec-
tativas geradas pelo grupo baseadas nas normas sociais de cultura.

VOLTAR AO
4.1 Os produtos como comunicadores SUMÁRIO

Produtos possuem e transmitem significados. Se pensarmos que


nossa vida está imersa em objetos perceberemos a importância que
as opções que fazemos diariamente ganham.
Produtos passam a ter o poder de agir como comunicadores
das interações sociais porque, de alguma maneira, nós os dotamos
de vida. São, portanto, parte de um sistema de informações que na
91 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

sociedade de consumo passa a ter a condição de prover um sistema


de significados que é operado pelo marketing e pela propaganda.
Esse sistema juntamente com o de produção e com as formas
de trabalho, indica como a sociedade se reproduz. Como consequ-
ência, a propaganda e o marketing devem ser percebidos não como
entretenimento, mas como um canal de comunicação válido para a
sociedade. O consumo passa a ser parte de um sistema de signifi-
cados que interfere no processo social. Resumindo, podemos dizer
que é através da propaganda que o discurso de uma sociedade en-
contra o seu canal.
A propaganda e o marketing passam a ser, na sociedade contem-
porânea, instituições doadoras de significado atribuídos socialmente
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

aos produtos e serviços consumidos, ao dar significado a produtos e


serviços, ao dar-lhes vida.
VOLTAR AO
5 Fetiche SUMÁRIO

É possível imaginar que seja no mercado onde se dê o proces-


so de enfeitiçamento ou encantamento que as mercadorias exercem
sobre os seres humanos. É do consumo das mercadorias que advém
os sentimentos de gratificação e contentamento que preenchem de
magia a vida e que definem as relações sociais que se estabelecem
entre as pessoas.
A penetração que o consumo de mercadorias consegue na so-
ciedade contemporânea é significativa atuando no dia a dia dos seres
humanos. Assim, as relações entre os seres humanos passam pelos
objetos e se ampliam quando esses mesmos objetos ganham vida e
passam a relacionar-se entre si.
Nas sociedades tradicionais, as trocas de mercadorias eram tro-
cas de e entre pessoas. Nessas trocas, as pessoas engastavam mui-
to de si nas mercadorias que produziam. Quando a troca acontecia,
cada uma das pessoas envolvidas oferecia muito de si mesma. Assim
como quem produzia conhecia cada detalhe do objeto confecciona-
do, quem o consumia talvez não dominasse aquela técnica específica,
Deborah Pereira da Silva - 92

mas conhecia mais do que o ser humano é capaz de saber atualmen-


te. O número de objetos disponíveis para consumo e uso era infi-
nitamente menor e a relação entre as pessoas que os produziam e
consumiam muito mais próxima. Os seres humanos sempre consi-
deraram as mercadorias como comunicadoras.
O processo de produção contemporâneo cada vez mais isola
o homem de sua compreensão e participação efetiva. Não permite
que ele conheça as diversas fases que se encadeiam para que se ob-
tenha o produto final. Max Weber (2002) ressalta a importância que
esse conhecimento tem. Não temos o conhecimento sobre como algo
funciona, ou é produzido, apenas contamos que funcione para o que
supomos. A importância de não termos conhecimento do processo
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

produtivo como um todo é que como não sabemos como é feito, o


produto vem esvaziado de significado, se vem esvaziado de signifi-
cado, pode receber a significação de outra forma, externo ao próprio
produto. Essa significação não seria atribuída pelos consumidores,
mas sim pelos produtores, que indicariam com qual significado aque-
la determinada mercadoria ou produto devam ser associados. Como
não conhecemos o processo de produção, temos que aceitar o que os
produtores nos dizem a respeito das mercadorias que consumimos.
A forma de nos comunicarem sobre suas mercadorias é via mídia, e
isso vem na forma de propaganda.
Nas sociedades tradicionais os métodos de produção possuí-
am um significado além daquele inerente à produção em si. Como
eram calcadas fundamentalmente na agricultura e na religião, a re-
lação entre produção e significado surgia da sobreposição resultante
dessas duas forças em ação. A confecção de cada objeto era carrega-
da de ritos e significados.
Resumindo, podemos dizer que “o grupo étnico, a família, a re-
ligião e a comunidade estruturavam o discurso que cercava as merca-
dorias” (ANGUS e JHALLY, 2002, p. 220). A vida na cidade grande
e o trabalho nas fábricas farão com que a sustentação da estrutura do
significado das mercadorias acabe por deteriorar-se e perder-se ra-
pidamente. É nesse instante de mudança social significativa que se
dará o esvaziamento de significado das mercadorias e o desencanta-
93 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

mento do mundo. O significado das mercadorias se perde no novo


processo industrial capitalista e a religião passa a ter que lidar com
o desencantamento do mundo.
Os sentimentos de desconexão com a realidade começam a sur-
gir e não são mais possíveis de serem açambarcados pelas instituições
originalmente doadoras de significado. A religião perde a sua capa-
cidade de dar significado e sua influência na sociedade decai como
um todo já que ela não dá mais conta de explicar o mundo de forma
a fazer frente a uma ciência cada vez mais racional.
Abre-se assim uma fenda para que o desencantamento se es-
tabeleça, envolvendo não somente o aspecto religioso da socieda-
de, mas também a sua força em todo o espectro social. A ciência
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

que passara a explicar o mundo não consegue, e nem busca, dar


conta de doar significado ao mundo. A ciência explica, mas não
é capaz de encantar, não consegue oferecer um sentido transcen-
dente à vida.
Surge então um vazio que a propaganda e o marketing passarão
a preencher com o encantamento do universo da propaganda. Eles
passam a oferecer o encantamento perdido e, conjuntamente, surgem
como doadores de significados de mercadorias, que ao perderem o
seu significado original, precisavam ser preenchidas para que conti-
nuassem o seu papel social de comunicadoras.
Desta maneira resolve-se a questão do desencantamento do
mundo e das mercadorias esvaziadas de significado e da busca para
preenchê-lo. Marketing e propaganda passam a desempenhar o papel,
o que permitirá ao mercado assumir o que antes era esfera da famí-
lia, do grupo étnico, e da religião. O poder de preencher mercadorias
com significado dependerá de quanto de seu significado original se
perdeu e do quanto do que é real num processo de produção pode ser
subtraído e novamente adicionado pelo imaginário da propaganda.
A propaganda e o marketing tornaram-se poderosos doadores
de significado porque foram capazes de preencher o vazio deixado
por instituições que na sociedade contemporânea não conseguem
mais preencher esses espaços. O que a propaganda fez, foi perceber
Deborah Pereira da Silva - 94

que os seres humanos precisam de magia em suas vidas, e propôs-


-se a trazer o encantamento para o dia a dia.
O encantamento anteriormente experimentado no universo re-
ligioso faz a passagem, desloca-se para o universo da propaganda,
do mercado e do consumo. As mercadorias continuam comunican-
do, só que agora o significado que preenche cada uma delas é defi-
nido pela propaganda e pelo marketing.
A propaganda, a princípio, buscava fornecer informações ao
consumidor para que este, racionalmente, pudesse fazer a sua op-
ção de consumo. Ao passar a ser a doadora de significado, retira-se
o racional da equação e se coloca o emocional. O consumidor pre-
cisa ser tomado pela emoção. É assim que a propaganda, em vez de
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informar, emociona e faz com que o consumidor sinta-se pleno e fe-


liz através da reprodução de situações que são reconhecidas e sig-
nificativas para si.
Para a propaganda, o consumidor não quer ser informado, ele
quer ser capturado pela emoção, e através dela ser capaz de elabo-
rar uma justificativa para o consumo.
O ser humano precisa de outros significados para os objetos,
pois essa é uma das maneiras pelas quais percebemos quem somos
no mundo. Ao comparar-nos com outros de uma mesma classe de
consumidores e sermos capazes de avaliar o nosso progresso frente
ao nosso grupo social, ao almejarmos frequentemente mudar para um
grupo social que acreditamos tenha melhores condições de vida do
que as nossas, faz com que o ser humano perceba quem é no mun-
do. São os produtos consumidos por esse grupo aspiracional que in-
dicam o que e como deve ser consumido para ser aceito e pertencer.
Todas essas características são percebidas e organizadas pela
propaganda e pelo marketing e são efetivamente transformadas em
comunicação que visa o consumo.
Ao aceitar essas regras para saber o seu lugar no mundo e como
deve integrar-se ao grupo social ao qual pertence ou deseja perten-
cer, o ser humano está transferindo para a propaganda a esfera má-
gica e sobrenatural que antes era encontrada na religião.
95 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

Para o mercado, é importante que os seres humanos mante-


nham-se ignorantes quanto aos processos de produção, desta forma
ele classifica a todos como consumidores. No momento em que fôs-
semos capazes de entender os intrincados processos de produção da
sociedade contemporânea, talvez nos lembrássemos de que além de
consumidores somos também produtores e que também podemos ter
o controle do processo de significação de mercadorias.
A perda de controle sobre o processo e produção como um todo
somada à secularização acabou trazendo um conjunto de consequên-
cias que pudemos analisar anteriormente, e um dos resultados dessa
soma de fatores foi o surgimento do fetiche, outro seria a consequen-
te perda do controle da tecnologia de produção. Esse último, resul-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

tou numa crescente insatisfação dos trabalhadores com o resultado


do seu trabalho, que na maioria das vezes acabou por tornar-se tam-
bém inacessível para quem o produzia. Assim, o trabalhador acabou
por perceber no seu trabalho não mais uma fonte de satisfação, de
preenchimento, mas uma oportunidade de auferir rendimentos que
lhe proporcionassem a possibilidade de consumo e, através desse
consumo, encontrar então o preenchimento de significado necessá-
rio à sua vida, oferecendo valores para preencher o vazio da forma
de produção capitalista.
As relações que as pessoas estabelecem com os objetos não de-
vem ser vistas como uma análise superficial, elas devem ser anali-
sadas como parte importante da vida dos seres humanos. Estes são
capazes de estabelecer suas vidas através da interação a apropriação
que fazem dos objetos, fazendo com que tenham parte atuante em
nossas vidas. Mediamos nossas relações com outros seres humanos
por meio dos objetos.
É interessante apontar que se todo esse processo leva os se-
res humanos a consumirem, fica clara a necessidade humana por
dar significado às coisas, nem que seja um significado claramente
fantasioso, que se associa com significados sociais e pessoais va-
lorizados pelo grupo social. Podemos imaginar uma sociedade em
que os objetos seriam desejados exclusivamente pela sua utilidade
e não significado simbólico. Veremos, porém, que dar significado a
Deborah Pereira da Silva - 96

outros objetos é parte do ser humano. Antropologicamente falando,


faz parte da natureza humana. Mesmo nossas necessidades mais bá-
sicas sempre estiveram mergulhadas na mediação simbólica que o
ser humano é capaz de criar. Mercadorias sempre significaram algo
para além e esse significado sempre se integrou ao jogo de interes-
ses sociais do grupo social no qual se insere.
Objetos sempre foram necessários também pelo seu papel cul-
tural, objetos desde sempre carregaram consigo significados sociais
funcionando como comunicadores dentro do grupo social.

5.1 O fetiche das mercadorias VOLTAR AO


SUMÁRIO
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Para compreendermos melhor a relação que se estabelece en-


tre os seres humanos e as mercadorias analisaremos brevemente o
conceito de fetiche.
A definição de fetichismo de Marx foi resumida por Jhally
(1989, p. 53) como “qualquer coisa que as pessoas gostam de esco-
lher para adoração”; Ianni (1982, p. 17) tem outra visão e propõe: é
“fundamentalmente a interpretação de como o modo capitalista de
produção mercantiliza as relações, as coisas, as pessoas, em âmbito
nacional e mundial”; e Hinkelammert (1983, p. 220) resume ao di-
zer que “é a “personalização” das mercadorias (o dinheiro e o capi-
tal) e a “coisificação” ou “mercantilização” das pessoas.
Hinkelammert (1983), em seu livro As armas ideológicas da
morte, propõe uma sequência de ideias para explicitar o conceito de
fetiche que utilizaremos aqui.
Para Hinkelammert (1983, p. 25), o fetiche pode ser defini-
do como a “visibilidade do invisível”. O fetiche seria para ele o
que estaria por trás de algo, cujos resultados seriam perceptíveis,
mas que, no entanto, não é visível. As instituições são, por nature-
za, invisíveis. Por exemplo, não vemos realmente a instituição que
compõe uma universidade, somos capazes de ver as pessoas que a
compõe, suas instalações e os resultados que ela oferece, mas não
a universidade.
97 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

Evidente que isso não é a teoria do fetiche, mas uma ferramen-


ta da qual ele se utiliza para que possamos compreendê-la.
Estando o fetiche imbricado com a divisão social do trabalho,
e retomando a questão da invisibilidade, Hinkelammert (1983) diz
que há sistemas de divisão social do trabalho transparentes (as so-
ciedades primitivas e as pré-capitalistas). Já as relações mercantis
não permitiriam a transparência sobre a divisão social do trabalho.
Seriam essas relações, as invisíveis, onde não se consegue vi-
sibilizar nem as relações nem os resultados, as relações de fetiche.
Na sociedade contemporânea, a forma de produção e quem
produz uma mercadoria são fatores fundamentais na definição de
significado. O ser humano busca autenticidade em um mundo inun-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

dado por artificialidade. Para entendermos claramente o significado


embutido em cada mercadoria precisamos saber as relações que o
processo de produção pressupõe. Quando formos capazes de reve-
lar todo o processo de produção de uma mercadoria seremos capa-
zes de desvelar o atual sistema de significação. O que não se revela
é que permite o processo de fetichismo, que permite que se dê um
poder às mercadorias que elas por si só não tem.
A produção de mercadorias não se propõe exclusivamente a
atender necessidades dos seres humanos, ela se propõe a atender ne-
cessidades de um modo específico de vida. Assim, percebemos como
qualquer objeto pode assumir qualquer significado que se queira a ele
agregar, ou seja, o sistema é passível de manipulação. Marx (1982)
acreditava, diferentemente, que para cada objeto existia somente um
significado, que se relacionava diretamente com suas propriedades
físicas e que, portanto, não poderia ser manipulado pelo grupo social.
Entretanto, podemos dizer a favor de Marx que há uma clara
diferença entre se atribuir significados intencionais às mercadorias e
o significado dado pelo grupo social quando faz a sua opção por um
específico estilo de vida. Para Marx, o fetichismo da mercadoria e o
seu mistério estariam relacionados com a falsa ideia de que existiria
outro significado qualquer que não o oferecido pelo trabalho. Assim,
podemos dizer que o mistério do fetichismo seria um falso mistério.
Deborah Pereira da Silva - 98

Os nossos desejos são menos misteriosos, eles emergem da


própria sociedade e, portanto, tem uma natureza relativa. O que é
objeto de desejo para um determinado grupo pode não ter valor al-
gum para outro.
Assim, podemos dizer que:

O fetichismo das mercadorias consiste em primeiro lugar


em esvaziá-las de seu significado, de esconder as reais re-
lações sociais com tratamento de objeto através do trabalho
humano, em tornar possível para o imaginário/simbólico que
as relações sociais sejam injetadas dentro da construção de
significado em um nível secundário. A produção esvazia. A
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

propaganda preenche. O real é escondido pelo imaginário


[...] O vazio da forma mercadoria precisa ser preenchido por
algum tipo de significado, nem que seja superficial. É por essa
razão que a trivialidade da propaganda é tão poderosa. Ela
não fornece um significado falso per se para as mercadorias,
mas fornece significado a um domínio que foi esvaziado de
seu significado. (JHALLY, p. 51,1987).

O capitalismo debilitou as instituições que poderiam ser alter-


nativas para a doação de significado, que poderiam preencher o vazio
existente. O capitalismo esmoreceu a família, a religião e a própria
comunidade. O poder da propaganda vem da necessidade humana
de significado e simbolismo e da sua condição de preencher o va-
zio que não vem sendo preenchido por nenhuma outra instituição.
Para Hinkelammert (1983), o problema com o fetichismo se
dá quando as mercadorias passam a dominar os produtores. Para ele,
isso acontece no momento em que os produtos passam a estabelecer
relações sociais entre si. Aqui também estaria a raiz religiosa do ca-
pitalismo. Ao se personificarem as mercadorias levariam à criação
de outro mundo, conectado com este, “mas cuja essência é produzir
na fantasia religiosa as relações sociais que as mercadorias realizam
no mundo mercantil.” (HINKELAMMERT,1983, p. 10).
99 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

Para Ianni (1982), a análise que Marx faz desmascara ao exigir


críticas de ideias e sem desvelar o que ele chama de “caráter místico”.
Marx diz:

Uma relação social definida, estabelecida entre os homens,


assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas.
Para encontrar um símile, temos de recorrer à região nebu-
losa da crença. Aí, os produtos do cérebro humano parecem
dotados de vida própria, figuras autônomas que mantém
relações entre si e com os seres humanos. É o que ocorre
com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias.
Chamo a isso de fetichismo, que está sempre grudado aos
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produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias.


É inseparável da produção de mercadoria (p. 81).

A teoria do fetiche de Marx vai permitir que se veja o que é in-


visível. Através dela o que há por trás das relações mercantis reve-
la-se. Marx aponta que com o desenvolvimento dessas relações as
mercadorias passam a ser mercadorias-sujeito e que passariam a ter
o poder de agir não somente entre si, mas entre os seres humanos.
O que Marx revela é que o ser humano, ao tomar consciência des-
se processo, percebe que a vida das mercadorias é o reflexo da sua
própria vida.
Marx identificava essa projeção de vida sobre os objetos trans-
formando-os em sujeito dentro do universo religioso no qual as
imagens religiosas também adquirem vida. Esse vínculo traz para
o cenário a questão da sacralização. O que está oculto nas imagens
é sagrado, assim como o que está oculto no fetiche. Nesta teoria, o
fetiche só é possível como resultado do trabalho privado e indepen-
dente entre si.
Deborah Pereira da Silva - 100

VOLTAR AO
6 O fetiche do dinheiro SUMÁRIO

O dinheiro aparece não como mercadoria a ser consumida, mas


como a que possibilita o consumo de outras. É o intermediário en-
tre o trabalho e o valor social do que foi produzido, é através dele
que se tem a confirmação do valor de uma mercadoria que ordena a
produção. O dinheiro é uma mercadoria que possui uma hierarquia
superior, pois permite a compra de todas as outras.
Aquele que possui o dinheiro faz uma opção de caráter reli-
gioso ao optar pela transcendentalidade do dinheiro e pelos valo-
res sociais que regem as relações mercantis, esses valores passam a
ser sacralizados também. O dinheiro passa a ser objeto de devoção
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pelo ser humano. O dinheiro deixa de ser mercadoria e passa para o


universo do símbolo.
Marx (1982) expressa a corporeidade das mercadorias que não
encontram numa única mercadoria a forma adequada de expressar seu
valor. Para tanto precisam do dinheiro, que fornece a possibilidade
de se efetivar a compra sem troca por outra mercadoria. Afastam-se
as pessoas envolvidas na negociação, que agora passa a ser em va-
lores e não entre mercadorias. O dinheiro é a mercadoria.
Os possuidores das mercadorias passam a ser por elas possuí-
dos e as relações entre as pessoas são substituídas pelas relações en-
tre as mercadorias. Ao aceitar que as mercadorias sejam sujeitos da
ação, o ser humano abre mão da liberdade em função da aceitação
pura e simples das regras que regem o mercado. As leis de mercado
passam a ditar a ação do ser humano.
Contratos assinados entre partes devem ser respeitados inde-
pendentemente do fato que signifique a morte de alguém, ou seja, a
relação jurídica incluída aqui por Marx (1982) é tão somente um re-
flexo das relações mercantis.
Com o dinheiro surge uma espécie de ilusão físico-metafísica
na qual se cria a ideia de que o dinheiro é infinito, assim aquele que
acumula dinheiro nunca tem o bastante e nunca se satisfaz com aqui-
lo que o dinheiro pode comprar, uma vez que qualquer compra é fi-
101 - CAPÍTULO III – A PROPAGANDA REENCANTANDO O MUNDO

nita. É aceito que se busque o dinheiro indefinidamente, mas nunca


se aponta que é uma busca infinita.
As relações mercantis estabelecem metas a serem alcançadas,
que são infinitas e serão sempre impossíveis de serem alcançadas.
A meta sempre impossível de ser alcançada torna-se obra de pieda-
de, numa busca de glorificar a Deus, porque é em nome dele que se
está buscando a riqueza, e assim o comportamento necessário pas-
sa a ser virtude e desta maneira o ser humano está livre para fazer
essa associação escrevendo em cada nota de dólar “In God we trust”.
São as virtudes que permitem a acumulação infinita que aca-
bam por instalar-se como valores aceitos e, mais que isso, passa a
ser o alimento do qual o processo de fetichização do dinheiro passa
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a se nutrir e finaliza por sacralizá-las.

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7 A metáfora e a propaganda SUMÁRIO

Com a teoria do fetiche exposta, voltaremos à questão da me-


táfora para compreendermos como a proposição de que o sagrado
deslizou da religião para o consumo.
Essa interpretação poderia ser percebida como a utilização de
termos pertencentes ao universo da religião para referir-se a produ-
tos de forma metafórica.
Quando essa apropriação acontece ela tem justificativas mais
profundas. Aqui não está em jogo se a metáfora feita pela propagan-
da com o vocabulário pertencente ao universo religioso se trata de
algo verdadeiro.
Constantemente, os anúncios de locais para turismo criam uma
metáfora visual com a ideia que todos fazemos do paraíso. Anúncios
de viagens a regiões paradisíacas, com mares transparentes e praias
desertas, utilizam-se dessa ideia. Nesses anúncios, mais do que o
texto, são as fotos que fazem chegar a mensagem que se quer pas-
sar. As fotos são extremamente bonitas e imediatamente remetem à
ideia de paraíso que subjaz no inconsciente dos consumidores. Uma
Deborah Pereira da Silva - 102

ilha isolada de problemas, cercada por águas cristalinas no meio do


nada, talvez seja mesmo o paraíso possível, nessa vida e na terra.
Utiliza-se da ideia de que uma ilha é sempre um lugar mara-
vilhoso e de natureza exuberante, onde se pode experimentar uma
vida distante da que se tem cotidianamente, distante imaginária e fi-
sicamente. Ao se olhar a foto não há questionamento se é um bom
lugar para as férias, o consumidor que busca relaxar e distanciar-se
da vida que leva encontra aqui a solução para os seus problemas.
Assim se encanta o produto, ao permitir que o consumidor
creia nas ideias que são recorrentes de que uma ilha seria realmen-
te um paraíso.
As metáforas seriam a maneira pela qual os consumidores te-
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riam acesso às mensagens emitidas pelas propagandas e ao seu sim-


bolismo. Para que um símbolo faça sentido, ele deve ser partilhado
pelo grupo, como vimos. Cabe à propaganda utilizar-se do símbolo
adequado ao grupo que ela busca atingir com sua mensagem.
O mais importante é que as propagandas encantem o consumi-
dor. Busquem transportá-lo para outro mundo.
O consumidor, seduzido pela propaganda do carro, acredita – e
de alguma maneira ele não sabe e não quer saber, para não quebrar o
encanto – que ele realmente estará caindo em tentação, porque aque-
le consumo foi para ele proibido, por ser acima de suas posses, ou
por ele ter consciência de que é um luxo excessivo e talvez desne-
cessário. De qualquer maneira, ele crê que a sua penitência por cair
nessa tentação será pequena. Afinal, ele fez por merecer o presente.
Nos anúncios de roupas de praia, as mulheres acreditam que
terão muito dos elementos apontados adquiridos para si quando ad-
quirirem o produto. Serão tão charmosas e desejáveis quanto a mo-
delo. No caso da ilha, o consumidor acredita que realmente poderá
adentrar o paraíso encantado, onde tudo é perfeito, não há poluição,
assaltos ou congestionamentos. É o paraíso descrito nas Escrituras,
onde finalmente se pode ser feliz porque tudo é encantado.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS VOLTAR AO


SUMÁRIO
104 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma das características do mundo contemporâneo é sua ca-


pacidade de mensurar e quantificar a vida, assim como a de permi-
tir uma quase que total definição de valores humanos determinados
pelo critério econômico.
Em quase todos os espaços humanos as pessoas são identifica-
das e avaliadas pela sua capacidade de aquisição de bens e seu su-
cesso profissional.
A geração de valores e significados que advém de grupos sociais
que têm esses parâmetros para a construção da identidade individual
e grupal poderia ser vista como resultado do desencantamento. Isso
se entendermos que o encantamento é possível somente no espaço
reservado às tradições religiosas tradicionais. Neste mundo que se
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apresenta, sem magia, sem um sentido além para as suas vidas e sem
explicações para o mundo, o ser humano busca algo. Essa busca é
por um mundo reencantado.
Quando iniciamos esse livro haviam questões a serem respon-
didas. Em grande parte, o esforço era buscar saber se o mundo ha-
via se desencantado. Se realmente os seres humanos teriam passado
a viver em um mundo desencantado, como suportariam? Que des-
tino haviam dado à magia e ao encantamento que haviam encontra-
do, por tempos, no universo religioso?
A possibilidade levantada era a de que as religiões perderam
espaço nas sociedades como instituições capazes de doarem signi-
ficado para a vida e preenchê-la com magia, e por isso os seres hu-
manos teriam ido buscar por esse preenchimento talvez em outras
esferas da vida humana.
É inserido neste mundo, que perde o encantamento religioso,
e vai buscar reencantar-se em outras esferas da vida humana que o
nosso trabalho foi levantar proposições.
Ao pesquisarmos o tema da secularização do mundo buscáva-
mos, mais do que a compreensão do fenômeno, a possibilidade de
distingui-lo do fenômeno do desencantamento. Distingui-los foi
importante no decorrer da pesquisa, já que foi ficando claro que não
seria possível que o mundo retomasse as condições que existiam an-
Deborah Pereira da Silva - 105

tes do processo de secularização. Os indivíduos não parecem empe-


nhados em retomar o mundo que era regido pela religião. Mas, ao
mesmo tempo, esses mesmos indivíduos parecem fascinados com a
hipótese de reencontrar a magia e o encantamento perdidos. Magia
e encantamento que abriam a possibilidade de perceber a vida como
algo mágico que permitiria a experiência da transcendência.
Ao se diferenciar desencantamento de secularização, ficou mais
evidente que os indivíduos buscam não o mundo imerso em religião,
mas o mundo mágico, encantado.
Com a hipótese de que o mundo pode ser reencantado, surgiu
a necessidade de investigar onde isso poderia se dar. Em que esfera
da vida humana teria surgido espaço para o encantamento que ante-
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riormente havia habitado o universo religioso?


Havia uma primeira hipótese, de que esse reencantamento ti-
vesse se deslocado para a ciência. Afinal, a ciência propôs-se a ex-
plicar o mundo, e cada vez que ela avança em uma nova descoberta,
há sim um momento de encanto. Entretanto, a hipótese foi além. A
ciência, apesar de suas conquistas, não foi capaz de trazer a magia e
o encanto para a vida dos seres humanos. A vida explicada pela ci-
ência é fria, distante, sem calor, previsível.
Outra hipótese colocada foi a de que esse encantamento talvez
tivesse se deslocado para o universo do marketing, da propaganda e
do consumo. Isso porque cada vez mais é presente no universo re-
ligioso tradicional a crítica de que as pessoas perderam-se do cami-
nho religioso porque teriam optado pelo consumo. A questão que se
apresentou foi a de que haveria então algo de encantador para que
tantos passassem a encontrar o encanto perdido na propaganda e no
consumo.
Ao se estudar as três áreas – religião, marketing e propagan-
da – se pôde, com a ajuda dos autores citados, identificar que havia
uma forte probabilidade de que o encantamento houvesse se deslo-
cado, em parte, para esse outro universo.
O caminho traçado a partir de então foi o de avançar buscan-
do pelo instante seguinte ao que seria o mundo desencantado, se é
106 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

que realmente havia ocorrido o desencantamento, para compreen-


der como teria ocorrido a passagem de uma ética puritana para a so-
ciedade de consumo.
Essa passagem foi fundamental para se entender para onde e
de que maneira o encantamento se deslocou. O mundo desencan-
tado que Weber (1996) apresenta é como dissemos várias vezes ao
longo do trabalho, difícil de viver, e, portanto, de difícil aceitação
pelos seres humanos.
Quando Weber (1996) identifica o processo de desencantamen-
to do mundo ele traça a passagem da ética puritana para a socieda-
de de consumo, e assim indica o movimento que ocorreu dentro dos
grupos sociais que experimentaram esse deslocamento.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Com essa desarticulação, o universo de valores passou por for-


te alteração e assim as pessoas se viram mergulhadas em um mundo
frio, onde a justificativa para as decisões humanas passa a ser me-
dida em números, passando a ser analisada em termos de resultados
financeiros, e sucesso profissional.
Entretanto, esse deslocamento não se deu sem que para os se-
res humanos houvesse um estranhamento com relação ao mundo
novo. Viver sem magia e sem encanto mostrou-se quase que impos-
sível para os indivíduos.
Associando essa dificuldade à outra característica humana, que
é a busca por um sentido para além das coisas, se pôde imaginar que
os seres humanos não aceitariam simplesmente viver em um mundo
frio e sem significado.
Antropologicamente falando, os seres humanos não aceitam um
mundo sem símbolos e significados, sem transcendência, e isso leva
à questão: para onde o encantamento do mundo teria se deslocado?
A resposta encontrada é a de que esse deslocamento teria ocor-
rido, também, mas não unicamente, para o universo do marketing,
da propaganda e do consumo.
Ao se investigar o que a propaganda e o marketing teriam a con-
tribuir para esse trabalho se percebe que ambos teriam identificado
o espaço que existia e se propuseram a ocupá-lo com encantamento.
Deborah Pereira da Silva - 107

Na verdade, o que se identifica é que o mundo não se desen-


cantou, mas que houve um deslocamento da fonte de encantamento.
Em princípio ela existia como parte do universo religioso das religi-
ões tradicionais, atualmente existe como parte do universo do con-
sumo, do marketing e principalmente da propaganda.
Quando se sugere que este movimento de deslocamento teria
acontecido, ocorre outro questionamento, que é o de entender se isso
teria se passado somente como uma simples questão de escolha de
palavras para os textos da propaganda. Dessa forma, longe de ser
capaz de reencantar, o que a propaganda faz poderia ser a utilização
de termos do universo da religião de forma metafórica.
Ao se buscar a compreensão do que era a metáfora, ficou claro
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que nada do que o ser humano estrutura em seu pensamento ocor-


re fora da metáfora, ela é condição para a construção do pensamen-
to. Visto isso, se percebe que na metáfora havia muito mais do que
uma simples opção por um grupo de palavras.
Se há uma metáfora, e ela diz muito mais do que se imagina, é
porque há algo sendo dito como outra coisa. O que seria isso, o que
estaria por trás da construção dessa metáfora? Para essa pergunta a
resposta que se encontrou foi o fetiche.
Um mundo que passou a oferecer significado, identidade, e
mais importante – encantamento – a partir do consumo de bens pas-
sou pela mudança trazida quando a ética puritana deu lugar à socie-
dade de consumo, e como resultado dessa passagem, a vida passou
a ser cada vez mais mergulhada em fatores que antes se encontra-
vam restritos ao universo do trabalho. Quando o trabalho passa a ser
sagrado, porque feito em nome de Deus, ele vai penetrando as ou-
tras esferas da vida humana e com sua capacidade de mensuração e
de busca incessante de otimização de resultados, recursos e tempo,
vai se esgueirando por outras áreas da essência do indivíduo e aca-
ba por tornar a existência algo mensurável e sem magia. Como re-
sultado, o ser humano ao se perceber parte de um mundo sem magia,
desencantado, vai buscar o encantamento naquilo que havia tomado
o lugar do que anteriormente era espaço da religião.
108 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, os bens passaram a serem os doadores de significado e


de avaliação de sucesso na vida profissional e pessoal. O fator eco-
nômico impõe-se aos outros, e quase tudo passa a se referir à capa-
cidade de obtenção de bens reconhecidos como significativos pelo
grupo social.
A propaganda e o marketing identificam nesse movimento a pos-
sibilidade de serem os novos doadores de significados, a nova fonte
de encantamento da vida. Reconhecem-se capazes de oferecerem a
experiência, pela qual raramente um ser humano nunca passou, de
perceber-se literalmente transportado para outro mundo ao entrar em
um carro novo e sentir o seu cheiro característico, ou mesmo os que
nunca tiveram a chance e oportunidade de fazê-lo, de oferecer o so-
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nho de realizá-la como a possibilidade de fazer parte de um mundo


encantado. Ou ainda o jovem que gasta dois meses do salário para
ter um par de tênis de grife, e sentir-se retirado de sua vida dura e
sem encanto pela magia que ocorre ao calçar os tênis.
Essa religião do consumo que surge como resultado do encan-
tamento, não é uma religião ética nos moldes que se conhece. Ela
não tem preocupações de oferecer orientações morais para a vida do
indivíduo, assim como não há preocupação com bem e mal, menos
ainda com a ideia de piedade para com o próximo, questões éticas
que estão na base das religiões tradicionais. Em nenhum momento
há a proposição de ser a guardiã da moralidade, onde Deus seria o
modelo máximo a ser perseguido, porém nunca alcançado.
Entretanto há algumas similaridades, que são a experiência do
êxtase, a preocupação com o pertencimento a um grupo social que
ofereça a possibilidade de transcendência e um meio de salvação.
O êxtase viria da experiência alcançada quando do consumo de
um produto encantado, o pertencimento seria consequência do con-
sumo correto, ou seja, dos produtos e serviços valorizados dentro de
um determinado grupo social e a salvação seria atingida quando, fi-
nalmente, se conseguisse a passagem para o grupo social almejado,
objeto de desejo e de encantamento.
Deborah Pereira da Silva - 109

É importante entender que a religião que está na vida das pes-


soas também fez essa passagem e hoje habita um universo que não
se restringe às religiões institucionais. Isso pode inspirar as pessoas a
serem capazes de ter um olhar mais amplo para que não se distanciem
do que vem a ser objeto das preocupações no mundo contemporâneo.
Recusar-se a ver as ricas interfaces que o estudo do campo re-
ligioso pode oferecer, e neste caso específico, com o consumo, o
marketing e a propaganda, é recusar-se a compreender a religião na
vida das pessoas.
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110 - REFERÊNCIAS

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115 - Consumo, Comunicação e Religião

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A autora SUMÁRIO

Atualmente, é professora na Universidade Nove de Julho


(UNINOVE). Doutora em Comunicação e Semiótica, mestre em
Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), com curso de Especialização em Marketing pela
Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM)
tendo como foco principal de suas pesquisas as relações entre
consumo e religião.
Publicou, como coautora, capítulos que tratam do tema do
encantamento do mundo pelo consumo nos livros “O meio é a
mestiçagem” e “Comunicação e cultura”.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Deborah Pereira da Silva - 116

O consumo faz parte da vida de todos nós. Precisamos de alimen-


tos, roupas, remédios e outros produtos e serviços que compõem o
nosso cotidiano.
Mas, de certa forma, intuímos que o consumo é mais do que isso,
é mais do que satisfazer as necessidades. O consumo é encantamen-
to, é sedução.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Muito disso se deve aos espaços físicos onde o consumo aconte-


ce. São lojas bonitas, com produtos bem expostos, vitrines bem
montadas e convidativas. São espaços agradáveis, onde mesmo que
não se compre nada, muitos de nós gostamos de passar algum
tempo.
Quem nunca se deixou levar pelo cheiro do pão fresco, mesmo
estando sem fome ou pela cor de uma blusa mesmo que não preci-
sasse dela? É dessa sedução que falamos nesse livro.
Eu, você, seus amigos, sua família estamos imersos num mundo
de consumo onde consumir é uma forma de dizermos quem somos
para os outros.
Com a leitura desse livro você compreenderá o consumo e como
ele nos encanta, seduz e está presente em nossas vidas.

A Autora

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