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DRAFT

A Sociedade em Rede em Portugal:


uma década de transição
2015


Gustavo Cardoso
António Firmino da Costa
Ana Rita Coelho
André Pereira
Índice

Introdução - A Sociedade em Rede em Portugal: uma década de transição ...................... 11


A comunicação em rede enquanto forma de construção de projectos individuais e
colectivos ............................................................................................................................. 14

Capítulo 1 - Processos de mudança estrutural na sociedade portuguesa ......................... 21


Economia ............................................................................................................................. 23
Ciência, tecnologia e inovação ............................................................................................ 37
Níveis de escolaridade e competências de literacia ............................................................ 43
Transformações do trabalho e do emprego ......................................................................... 52
Evolução demográfica e transformações nas estruturas familiares .................................... 64
Estado e cidadania .............................................................................................................. 72
Transformações no espaço dos meios de comunicação de massa .................................... 80

Capítulo 2 - Sociedades em Transição para a Sociedade em Rede ..................................... 89


Sociedades em Transição na Rede Global ......................................................................... 92
Sociedades em Transição, Valores e Bem-Estar Social ................................................... 111
A Mudança Social nas Sociedades em Rede .................................................................... 118

Capítulo 3 - Padrões de uso da internet na sociedade portuguesa ................................... 121


Quem utiliza a internet? Velhas e novas desigualdades ................................................... 124
Frequência, intensidade e espaços de uso da internet ..................................................... 136
Para que serve a internet? Diferentes domínios de uso .................................................... 143
Dispositivos digitais, acesso e partilha de conteúdos na internet ...................................... 153
E os não utilizadores? Obstáculos e resistências face ao universo web ........................... 160

Capítulo 4 - Redes de sociabilidade, internet e quotidiano ................................................ 167


Quotidianos familiares e vida pessoal ............................................................................... 167
Valorização das redes de sociabilidade ............................................................................. 173
Relações de sociabilidade familiares, amicais e vicinais ................................................... 175
Redes sociais online .......................................................................................................... 181

Capítulo 5 - A internet e os media: práticas comunicacionais e acesso à informação ... 197


Práticas comunicativas e vida quotidiana .......................................................................... 197
Meios de comunicação e internet ...................................................................................... 209
Confiança na informação e acesso a conteúdos noticiosos .............................................. 214
A internet e os recursos informativos na sociedade em rede ............................................ 219

3
Capítulo 6 - Referências identitárias, práticas de cidadania, acção colectiva e
utilização da internet ......................................................................................................... 227
Satisfação com a vida e condicionantes da sua trajectória ............................................... 227
Principais referências identitárias dos portugueses ........................................................... 235
Referências identitárias históricas e territoriais ................................................................. 238
Pertença e participação associativa .................................................................................. 242
Apoio a campanhas de solidariedade e participação cívica .............................................. 247
Abaixo-assinados, cartas de protesto e contactos com instituições .................................. 250
Acções de protesto ............................................................................................................ 253
Opiniões sobre as relações cidadãos-governos ................................................................ 260
Movimentos sociais, manifestos e representações dos portugueses ................................ 263

Capítulo 7 - Práticas alternativas e culturas económicas ................................................... 269


Práticas alternativas no quotidiano, autonomia e motivações ........................................... 270
Impacto da crise económica no quotidiano ........................................................................ 282
Atitudes e percepções da crise económica ....................................................................... 296

Capítulo 8 - Culturas de rede e autonomia ........................................................................... 311


Culturas comunicativas de rede ......................................................................................... 314
Perfis de autonomia ........................................................................................................... 323
Culturas comunicativas de rede e autonomia .................................................................... 331
Culturas comunicativas de rede e culturas de acesso, partilha e inovação ...................... 335
Conclusão
Referências bibliográficas ..................................................................................................... 350

4
Índice de quadros

Quadro 1.1 Comparação internacional de indicadores de rendimento e produtividade, 2011 (% da


média da União Europeia) ...................................................................................................................... 31
Quadro 1.2 Distribuição do emprego por sector produtivo e respectivos subsectores, Portugal, 2001-
2011 (%) ........................................................................................................................................... 35

Quadro 1.3 Distribuição do emprego por tipo de sector produtivo e respectivos rácios, Portugal, 2001-
2011 (%) ........................................................................................................................................... 36

Quadro 1.4 Evolução da despesa e dos recursos humanos em actividades de I&D, Portugal, 2001-
2010 ........................................................................................................................................... 38

Quadro 1.5 Comparação internacional de alguns indicadores de despesa e recursos humanos em


actividades de I&D (2009) ...................................................................................................................... 39

Quadro 1.6 Comparação europeia de alguns indicadores de inovação nas empresas, 2010 .................... 41

Quadro 1.7 Evolução dos indicadores de escolarização, Portugal, 2001-2011 .......................................... 45


Quadro 1.8 Qualificação académica segundo idade e sexo, Portugal, 2013 (%) ....................................... 46

Quadro 1.9 Comparação internacional de alguns indicadores de educação (último ano disponível) ......... 48

Quadro 1.10 Comparação internacional do desempenho médio no domínio da leitura dos alunos de
15 anos, 2000-2012 ............................................................................................................................... 51

Quadro 1.11 Comparação internacional de alguns indicadores de emprego, 2001-2011 .......................... 53


Quadro 1.12 Distribuição do emprego por profissões, Portugal, 2001-2011 (%) ........................................ 59

Quadro 1.13 Categorias socioprofissionais segundo idade e sexo, Portugal, 2013 (%) ............................ 62

Quadro 1.14 Evolução de alguns indicadores espaciais e demográficos, Portugal, 2001-2011 ................ 66

Quadro 1.15 Evolução das estruturas familiares, Portugal, 2001-2011 ...................................................... 70

Quadro 2.1 Inovação e Tecnologia 2013 .................................................................................................... 95

Quadro 2.2 Domicílios com acesso à internet e a computador em 2010 (%) ............................................. 97
Quadro 2.3 Utilizadores de internet por país 2010 (%) ............................................................................... 99

Quadro 2.4 Utilização de Internet, por país, segundo grau de educação 2010 (%) ................................... 99

Quadro 2.5 Taxa de utilizadores de internet (%) ...................................................................................... 101

Quadro 2.6 Utilização da Internet por intervalo de idades, por países (%)............................................... 104

Quadro 2.7 Comparações de indicadores de desenvolvimento informacional ......................................... 107


Quadro 2.8 Posicionamento das economias informacionais em análise .................................................. 108

Quadro 2.9 Comparações internacionais de indicadores de cidadania .................................................... 112

Quadro 2.10 Comparações internacionais de indicadores de bem-estar social ....................................... 113


Quadro 2.11 Taxa de pobreza por região (%) .......................................................................................... 113

Quadro 2.12 Índice de participação cidadã por países europeus (%) ...................................................... 115
Quadro 2.13 Assinou petição nos últimos 12 meses (%) ......................................................................... 117

Quadro 2.14 Contactou políticos/membros governo durante último ano (%) ........................................... 118

5
Quadro 3.1 Utilização da internet em Portugal.......................................................................................... 125

Quadro 3.2 Evolução da utilização da internet em Portugal, segundo diversas fontes, 2003-2013 (%) .. 125

Quadro 3.3 Evolução do acesso à internet em casa por parte dos agregados domésticos, 2000-2013
(%) ......................................................................................................................................... 126

Quadro 3.4 Antiguidade da ligação à internet em casa............................................................................. 127


Quadro 3.5 Utilização da internet em Portugal, considerando o contacto prévio dos não utilizadores .... 128

Quadro 3.6 Razões para ter deixado de utilizar internet ........................................................................... 128

Quadro 3.7 Utilização da internet segundo escalões etários (%).............................................................. 129

Quadro 3.8 Utilização da internet segundo o sexo (%) ............................................................................. 130

Quadro 3.9 Utilização da Internet segundo o nível de escolaridade (%) .................................................. 131
Quadro 3.10 Utilização da Internet segundo o nível de escolaridade e a idade (% de utilizadores em
cada categoria) .................................................................................................................................... 132
Quadro 3.11 Utilização da internet segundo a categoria socioprofissional (%) ........................................ 134

Quadro 3.12 Utilização da internet por região (%) .................................................................................... 135


Quadro 3.13 Periodicidade do uso da internet .......................................................................................... 137

Quadro 3.14 Intensidade de utilização da internet .................................................................................... 137

Quadro 3.15 Periodicidade do uso de internet, independentemente do local de acesso, segundo


idade, condição perante o trabalho e nível de escolaridade (%) ......................................................... 138

Quadro 3.16 Utilização da internet em casa, no trabalho, na escola/universidade e noutros locais


(universo dos utilizadores da internet) (%) ........................................................................................... 139

Quadro 3.17 Utilização da internet em casa, no trabalho, na escola e noutros locais segundo idade,
nível de escolaridade e categoria socioprofissional (%) ...................................................................... 141
Quadro 3.18 Periodicidade do uso da internet em casa, no trabalho, na escola/universidade e noutros
locais, entre aqueles que declaram aceder nestes locais .................................................................... 142
Quadro 3.19 Actividades realizadas utilizando a internet, organizadas segundo domínios de uso (%) ... 144

Quadro 3.20 Domínios de uso da internet (% de utilizadores que declararam pelo menos uma
actividade no domínio) ......................................................................................................................... 147
Quadro 3.21 Domínios de uso da internet (rácio do nº médio de actividades realizadas pelos
utilizadores que declararam pelo menos uma actividade no domínio em relação ao nº total de
actividades do domínio) ....................................................................................................................... 148

Quadro 3.22 Incidência dos domínios de uso, segundo idade, sexo, níveis de escolaridade, condição
perante o trabalho e categoria socioprofissional (% de utilizadores que declararam pelo menos
uma actividade no domínio) ................................................................................................................. 152

Quadro 3.23 Posse de equipamentos e serviços tecnológicos entre os utilizadores de internet (% de


utilizadores que declararam possuir cada um dos equipamentos) ...................................................... 154

Quadro 3.24 Utilização da internet a partir de dispositivos móveis (tais como telemóvel, smartphone
ou tablet), segundo idade, nível de escolaridade, condição perante o trabalho e categoria
socioprofissional (%) ............................................................................................................................ 155

Quadro 3.25 Dispositivos digitais utilizados nos domínios de uso da internet (%: média da
percentagem de utilizadores por dispositivo nas actividades de cada domínio) .................................. 157

Quadro 3.26 Sistemas de armazenamento de dados utilizados e percepção da sua segurança ............ 158
Quadro 3.27 Percepções sobre a partilha de conteúdos digitais entre os utilizadores de internet ........... 159

Quadro 3.28 Motivos da não utilização da internet (universo dos não utilizadores que sabem o que é a
internet ou já ouviram falar) (%) ........................................................................................................... 161

6
Quadro 3.29 Perspectivas quanto à futura utilização da internet, segundo o tipo de não utilizador,
escalões etários, nível de escolaridade e categoria socioprofissional (%) .......................................... 163

Quadro 4.1 Evolução da sensação de isolamento, segundo utilização da internet (%) ........................... 170

Quadro 4.2 Evolução do convívio com os membros do agregado doméstico, segundo utilização da
internet (%) ......................................................................................................................................... 171

Quadro 4.3 Horas semanais dedicadas às actividades domésticas segundo utilização da internet (%) .. 172

Quadro 4.4 Evolução da importância da família e dos amigos, segundo utilização da internet (%) ......... 174

Quadro 4.5 Composição das redes pessoais (média de indivíduos) ........................................................ 176

Quadro 4.6 Número de familiares e amigos com quem se relacionam por local de residência, segundo
utilização da internet (%) ...................................................................................................................... 177

Quadro 4.7 Utilização de diferentes meios de comunicação para contacto pelo menos semanal com
familiares, amigos e vizinhos, por local de residência (%) ................................................................... 179

Quadro 4.8 Percepções sobre a aceleração da vida pessoal e das relações sociais e as novas
exigências tecnológicas, segundo utilização da internet (% de respostas positivas à pergunta
“Alguma vez se sentiu desconfortável por…?”) ................................................................................... 181

Quadro 4.9 Utilização de redes sociais segundo idade, sexo, nível de escolaridade e condição perante
o trabalho (universo dos utilizadores de internet) (%) .......................................................................... 183

Quadro 4.10 Itens preenchidos no perfil em sites de redes sociais (%) ................................................... 184
Quadro 4.11 Limitação do acesso a conteúdos colocados no perfil pessoal de sites de redes sociais
(%) .................................................................................................................................... 185

Quadro 4.12 Número de amigos na rede social em que tem perfil criado (na mais utilizada) (%) ........... 186
Quadro 4.13 Motivos de adesão às redes sociais (%).............................................................................. 187

Quadro 4.14 Funcionalidades utilizadas nos sites de redes sociais em que têm perfil criado (%)........... 189
Quadro 4.15 Percepções sobre a evolução da proximidade a amigos e causas políticas e sociais
desde que usam redes sociais ............................................................................................................. 193

Quadro 5.1 Práticas comunicativas e vida quotidiana, segundo utilização da internet (%) ...................... 202

Quadro 5.2 Evolução da dedicação a práticas comunicativas após início do uso da internet (universos
dos utilizadores de internet que realizam cada uma das actividades) (%) .......................................... 204

Quadro 5.3 Utilização de sites de partilha de conteúdos audiovisuais (ex. YouTube), segundo a idade,
o nível de escolaridade e a condição perante o trabalho (universo dos utilizadores de internet) (%) . 206
Quadro 5.4 Actividades que se considera ser mais difícil deixar de fazer, segundo utilização da
internet (%) ......................................................................................................................................... 209
Quadro 5.5 Visionamento ou consulta de canais de televisão na internet (universo dos utilizadores de
internet) (%) ......................................................................................................................................... 211

Quadro 5.6 Leitura de jornais em papel durante a última semana e consulta online, segundo utilização
da internet (%) ...................................................................................................................................... 212

Quadro 5.7 Audição de rádio e consulta online, segundo utilização da internet (%) ................................ 213
Quadro 5.8 Canais que mais vêem na televisão, jornais que mais lêem em papel e estações de rádio
que mais ouvem: top 10 (% de respostas) ........................................................................................... 213
Quadro 5.9 Níveis de confiança na informação disponibilizada pelos media ........................................... 215

Quadro 5.10 Forma como seguem as notícias, segundo utilização da internet ....................................... 217

Quadro 5.11 Tipos de notícias preferidos, segundo utilização da internet (%) ......................................... 218

7
Quadro 5.12 Percepção da importância de diferentes recursos online para obter informação em geral
(universo dos utilizadores de internet) ................................................................................................. 220

Quadro 5.13 Frequência de utilização de diferentes fontes informativas (universo dos utilizadores de
internet) (%) .................................................................................................................................... 221

Quadro 5.14 Meios preferidos para encontrar informação de âmbito local (universo dos utilizadores de
internet que procuram essas informações) (%) ................................................................................... 222

Quadro 6.1 Satisfação com a vida (representada numa escala de 0 a 10, onde 10 representa a melhor
vida possível), segundo utilização da internet, idade, sexo, nível de escolaridade, condição perante
o trabalho e categoria socioprofissional (média) .................................................................................. 231
Quadro 6.2 Percepção dos indivíduos acerca da influência de um conjunto de aspectos na sua
trajectória de vida ................................................................................................................................. 233
Quadro 6.3 Aspectos considerados mais importantes para triunfar na vida, segundo utilização da
internet (%) ......................................................................................................................................... 235
Quadro 6.4 Aspectos com que mais se identificam, segundo utilização da internet (%) .......................... 236

Quadro 6.5 Datas mais significativas, segundo utilização da internet (%) ................................................ 239

Quadro 6.6 Referência identitária territorial............................................................................................... 241


Quadro 6.7 Pertença a entidades associativas e grupos informais, segundo utilização da internet (%) .. 243

Quadro 6.8 Tipo de entidades associativas a que pertencem, segundo utilização da internet (universo
dos indivíduos com pertença associativa) (%) ..................................................................................... 245

Quadro 6.9 Número de entidades associativas a que pertencem, em que participam e em relação às
quais usam redes sociais, segundo utilização da internet (universo dos indivíduos com pertença
associativa) (%) .................................................................................................................................... 246

Quadro 6.10 Número de entidades associativas em relação às quais apoiaram causas nas redes
sociais, segundo pertença associativa (universo dos utilizadores de redes sociais) (%) .................... 247

Quadro 6.11 Apoio ou participação em campanhas cívicas e sociais, segundo utilização da internet
(%) .................................................................................................................................... 248
Quadro 6.12 Modos de utilização das redes sociais e de outras ferramentas da internet em
campanhas que apoiam ou em que participam (redes sociais: universo dos utilizadores de redes
sociais; internet: universo dos utilizadores de internet) (%) ................................................................. 249

Quadro 6.13 Subscrição de abaixo-assinados ou cartas de protesto ou reclamação a órgãos do


estado e da administração pública, segundo utilização de internet (%) .............................................. 250
Quadro 6.14 Utilização das redes sociais e de outras ferramentas da internet em acções que
desenvolveram - subscrição de abaixo-assinados ou cartas de protesto ou reclamação a órgãos do
estado e da administração pública (%) ................................................................................................ 251

Quadro 6.15 Participação em acções de protesto segundo utilização da internet, idade, nível de
escolaridade, condição perante o trabalho e categoria socioprofissional (%) ..................................... 255

Quadro 6.16 Divulgação das acções de protesto e manifestação de opinião através das redes sociais
(universo dos utilizadores de redes sociais) (%) .................................................................................. 256
Quadro 6.17 Opinião sobre os protestos contra a austeridade: percepção geral e apoio ........................ 256

Quadro 6.18 Opinião sobre os protestos contra a austeridade: objectivos e forma como foram
conduzidos ........................................................................................................................................... 258

Quadro 6.19 Utilização das redes sociais com fins de intervenção cívica, social e política (universo
dos utilizadores de redes sociais) (%) .................................................................................................. 259
Quadro 6.20 Opiniões sobre as relações cidadãos – governos (%) ......................................................... 261

Quadro 6.21 Opiniões sobre as relações cidadãos – governos, segundo utilização de internet (%) ....... 262

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Quadro 7.1 Práticas económicas alternativas, segundo utilização da internet (%) .................................. 272

Quadro 7.2 Práticas económicas alternativas, segundo ultima realização (%)......................................... 273

Quadro 7.3 Práticas de troca em sistemas económicos alternativas, segundo utilização da internet
(%) ......................................................................................................................................... 276
Quadro 7.4 Conhecimento do conceito de software livre, segundo utilização da internet (%) ................. 277

Quadro 7.5 Uso de software livre, segundo utilização da internet (%)...................................................... 277

Quadro 7.6 Inserção em espaços cooperativos, segundo utilização da internet (%) ............................... 279

Quadro 7.7 Motivações para a realização de práticas de autonomia, troca e cooperação, segundo
utilização da internet (%) ...................................................................................................................... 280
Quadro 7.8 Motivações para a não realização de práticas de autonomia, troca e cooperação,
segundo utilização da internet (%) ....................................................................................................... 281
Quadro 7.9 Impacto da crise económica por sector social (%)................................................................. 283

Quadro 7.10 Impacto da crise económica por dimensão do quotidiano (%) ............................................ 284
Quadro 7.11 Dimensão do quotidiano mas afectada pela crise económica (%) ...................................... 285

Quadro 7.12 Dimensão do quotidiano mas afectada pela crise económica, por categoria social (%) ..... 287

Quadro 7.13 Impacto da crise económica nas despesas, por sector (%)................................................. 288

Quadro 7.14 Importância de amigos e família na vida dos portugueses (%) ........................................... 288

Quadro 7.15 Variação da importância de amigos, conhecidos e família em relação há 5 anos atrás,
por sector social (%) ............................................................................................................................. 291

Quadro 7.16 Variação da qualidade do relacionamento com as pessoas mais próximas em função da
crise, por sector social (%) ................................................................................................................... 293
Quadro 7.17 Variação do número de visitas a familiares a viver fora da cidade, com acesso a bens de
consumo em função da crise económica (%) ...................................................................................... 294
Quadro 7.18 Variação de práticas e comportamentos quotidianos em função da crise económica (%) . 295

Quadro 7.19 Responsabilidade pela crise económica (%)........................................................................ 298

Quadro 7.20 Preocupação com o quotidiano financeiro do biénio 2011-12 ............................................. 300
Quadro 7.21 Percepção sobre o peso entre medidas de austeridade e medidas de estímulo
económico na superação da crise económica (%) ............................................................................... 301
Quadro 7.22 Percepção sobre a fiscalização por parte do Governo às instituições financeiras (%) ........ 302

Quadro 7.23 Atitudes dos portugueses face ao crédito financeiro (%) ..................................................... 304

Quadro 7.24 Percepções sobre o impacto do sistema económico na vida pessoal (%) .......................... 305
Quadro 7.25 Percepções sobre a distribuição de rendimentos em Portugal, em comparação com a
tendência europeia (%) ........................................................................................................................ 306
Quadro 7.26 Percepções sobre as transformações sociais (%) ............................................................... 308

Quadro 8.1 Tipologia de culturas comunicativas em rede (universo utilizadores de internet) .................. 320

Quadro 8.2 Culturas comunicativas de rede ............................................................................................. 321

Quadro 8.3 Culturas comunicativas de rede por idade, sexo, níveis de escolaridade, condição perante
o trabalho e categoria socioprofissional (% em coluna) ....................................................................... 323

Quadro 8.4 Tipologia de perfis de autonomia (universo dos utilizadores de internet) .............................. 328

9
Quadro 8.5 Perfis de autonomia por idade, sexo, níveis de escolaridade, condição perante o trabalho
e categoria socioprofissional (universo dos utilizadores de internet) (% em coluna) ........................... 330

Quadro 8.6 Culturas de rede segundo perfis de autonomia (%)............................................................... 333

Quadro 8.7 Culturas comunicativas de rede segundo indicadores de culturas de nuvem (acesso vs
posse) ................................................................................................................................................... 337
Quadro 8.8 Culturas comunicativas de rede segundo indicadores de culturas de pirataria (partilha;
público vs privado) ............................................................................................................................... 338

Quadro 8.9 Culturas de rede segundo indicadores de culturas de abertura (inovação, aceleração,
instantaneidade) ................................................................................................................................... 340

Índice de figuras

Figura 2.1 Acesso a Computador e à Internet em casa............................................................................ 102


Figura 2.2 Rácio de aproveitamento do acesso à Internet, por escalão etário ......................................... 103

Figura 2.3 População com Ensino Superior.............................................................................................. 103

Figura 2.4 Negócios pela Internet e potencial de mercado....................................................................... 110


Figura 8.1 Espaço simbólico das culturas de rede e dos perfis de autonomia ......................................... 334

10
Introdução
A Sociedade em Rede em Portugal: uma década de transição

Após quatro décadas de existência, a caminho do seu meio século, a


Internet é hoje já não uma ferramenta mas sim uma tecnologia domesticada no
nosso dia-a-dia.
A Internet deixou de ser uma tecnologia nova para se transformar num
meio para obter contacto com os que mais importam para nós, para obter
informação (e já não apenas notícias), para permitir-nos gerir o nosso lazer, as
nossas amizades, família, emprego, estudo e autonomia, seja essa
comunicativa, política ou de saúde. A Internet permitiu a transformação da
nossa forma de comunicar, da comunicação de massa do século XX – na qual
todos nascemos e crescemos – para a comunicação em rede, o modelo
comunicativo em afirmação neste início de século.
Em 2003 a Fundação Calouste Gulbenkian apoiou o CIES-ISCTE na
realização de um estudo pioneiro e inovador no contexto das ciências sociais
portuguesas – A Sociedade em Rede em Portugal. Esse apoio, permitiu que a
investigação portuguesa neste campo ombreie hoje com o que de mais
relevante é alvo de estudo nos pólos centrais da investigação mundial – seja o
Oxford Internet Institute, o IN3 de Barcelona, a Annenberg School of
Communication USC ou a Universidade de Toronto e muitas outras. Passados
dez anos, cremos ser o momento certo para retomar o estudo realizado em
2003 e actualizar não só a sua recolha de dados, mas também a própria lógica
metodológica e teórica. Mas, porquê agora, passados dez anos após o primeiro
estudo?
A resposta passa, em primeiro lugar, por estarmos a viver hoje aquilo a
que Barry Wellman designou por terceira era dos estudos Internet, ou seja, a
necessidade científica de produzir teoria baseada em sólidas séries de dados
empíricos – abandonando uma visão episódica de estudo da realidade social,
circunscrita a pequenos grupos e eventos. Um segundo contributo para a
resposta, radica no facto de a equipa de investigação do CIES-IUL ter vindo
colaborar com William Dutton, o fundador do Oxford Internet Institute, na
elaboração do “Oxford Handbook of Internet Studies” (2013) e, como tal, ter
11
ajudado a institucionalizar os "Estudos de Internet" como uma área científica de
pleno direito. O livro que agora tem nas suas mãos, constitui um contributo
nacional para a estruturação global desta área do saber dos “Estudos de
Internet” no quadro das ciências sociais e, mais especificamente, da sociologia
da comunicação.
Por último, em Portugal os dez anos que medeiam entre 2003 e 2014, o
tempo de análise deste estudo têm sido profícuos (e tudo indica que o
continuarão a ser até ao final desta década) na atenção dada pelas políticas
públicas à Internet (Programa Magalhães, Programa Internet nas Escolas,
Simplex, Agenda Digital, etc.), no foco empresarial dado ao papel das redes
(aposta nas redes móveis, na fibra, na oferta de TV digital e em HD, redes de
4ª geração e na busca de nova identidade para as empresas operadoras para
além da mera distribuição de pacotes IP) e, por fim, na apropriação social do
uso das tecnologias por parte da população – tendo atingindo em 2012, no que
respeita à Internet, os mais de 50% da população portuguesa e face ao uso de
telemóveis valores próximos dos 100%.
Se esse é o panorama evolutivo das tecnologias de comunicação e
informação em Portugal, a dimensão social da última década também foi
caracterizada por um período de mudança acelerada e de recomposição em
muitas áreas da sociedade portuguesa. Entre 2003 e 2008 Portugal parece ter
continuado numa rota de recomposição social e mudança de padrões
ascendentes a qual, possivelmente, devido à crise global de 2008 se inverteu.
Pois, também em Portugal, o rescaldo da crise de 2008 foi caracterizado pela
inabilidade dos governos de gerirem a crise, induzindo o agravar da crise
económica em 2010 e da crise financeira afectando o estado, famílias e
empresas no pós-2011. Portugal parece assim ter seguido o mesmo padrão
que noutros países Europeus. Isto é, enquanto as empresas financeiras
readquiriram alguma da sua rentabilidade em 2009, o mercado imobiliário
entrou em recessão, o crédito mal parado cresceu vertiginosamente, as linhas
de crédito para as PME’s foram reduzidas drasticamente (promovendo
falências em massa), o desemprego retomou a aceleração, a procura diminuiu
(ainda mais) e os cidadãos fecharam-se cada vez mais em torno do seu país,
expressando de todas as maneiras a sua falta de solidariedade com o “Outro” e
com outras nações, mesmo quando os governos proclamam a absoluta

12
necessidade de partilhar as dificuldades. Assim, a paisagem social que nos
rodeia em Portugal parece ser hoje o oposto do ano de 2003. Em 2014
parecemos observar os restos disfuncionais de um modelo económico e social
baseado num sistema financeiro incapaz de se reformar a si mesmo, uma
mudança da acumulação de capital dos velhos centros para as novas periferias
(com estas ainda sem o poder de gerir o sistema) acompanhado pelos perigos
da deflação e regresso da recessão económica à Zona Euro, a par, de um
contexto político atacado, a partir do exterior pelas massas que não confiam
nas lideranças. Ao mesmo tempo, a sociedade civil encontra-se mais
desamparada, na medida em que as velhas formas de organização perdem
capacidade de actuação e os novos actores de mudança social estão ainda
num estado inicial. Será a sociedade portuguesa, também um espaço onde as
velhas culturas económicas, que nos davam certezas, tais como a confiança
nos mercados e nos bancos, aparentam ter perdido o seu poder comunicativo,
ao mesmo tempo que novas culturas baseadas na tradução do sentido da vida
para o sentido económico parecem estar ainda no processo de serem criadas?
Este poderá, ou não, ser o retrato da sociedade em rede portuguesa em 2014.
Daí, o convite aos que pretendam conhecer melhor as dinâmicas sociais em
acção na sociedade em rede em Portugal que nos acompanhem ao longo das
próximas páginas para partilhar a nossa proposta de compreensão de até que
ponto os portugueses se identificam com essa visão aqui enunciada e de que
forma estão a lidar com as alterações sociais em curso.
O projecto de investigação que deu corpo a este livro procurou aferir
quais as mudanças sociais ocorridas na década 2003-2013 em Portugal, as
que ocorreram e as que se encontram, aparentemente em formação,
procurando respostas para as interrogações centrais sobre o futuro de Portugal
na Europa num momento onde é fundamental recapturar o presente para
discutir as opções de futuro para a sociedade portuguesa.
Este projecto decorre, igualmente, do conjunto de reflexões sobre a
mudança social realizadas ao longo dos últimos três anos, com o apoio da
Fundação Calouste Gulbenkian, pelo CIES-IUL e onde foi possível reunir a
participação de investigadores de renome global, como Manuel Castells,
Rosalind Williams, John B. Thompson, Michel Wieviorka, Sarah Banet-Weiser,

13
Craig Calhoun, Pekka Himanen, Ernesto Ottone, You-tien Hsing e Tehri
Rantanen.

A comunicação em rede enquanto forma de construção de projectos


individuais e colectivos

Tal como na investigação iniciada em 2003, também o projecto na origem


deste livro partiu da hipótese de que as formas de comunicar contemporâneas
são a base para a construção de projectos individuais e colectivos capazes de
reformar ou alavancar mudanças profundas nas sociedades contemporâneas.
No entanto, o estudo realizado em 2003 permitiu-nos compreender que,
embora a fórmula de organização social em rede seja omnipresente, há
sociedades informacionais consolidadas e também sociedades em transição.
Portugal é uma sociedade em transição, encerrando em si múltiplas
contradições entre um modelo industrial e um modelo informacional de
desenvolvimento no inicio do século XXI. Outra das diferenças de ponto de
partida, entre o estudo realizado em 2003 e aquele aqui apresentado, reside na
dimensão teórica de partida, produto também do conhecimento gerado na
“Sociedade em Rede em Portugal” (Cardoso e outros, 2005). Assim, embora a
Internet seja o nosso ponto de partida central, reconhecemos que a
comunicação contemporânea, embora baseando-se na Internet, vai para além
desta. A comunicação em rede, é o produto da nossa decisão de comunicar
fazendo uso da auto-comunicação de massa (Blogues, Twitter, SMS, etc.), da
comunicação mediada de um para muitos (Facebook e outras redes sociais),
da comunicação interpessoal multimédia (Skype, Google Talk, Messengers,
etc.) e da já antiga comunicação de massas dos jornais, televisão e rádio.
A comunicação em rede é o poder da comunicação que capacita a
agência dos indivíduos na procura de construção de projectos individuais e
colectivos, constituindo a base analítica para o estudo da transição da
sociedade portuguesa nas suas diferentes formas de mobilidades sociais
ascendentes e descendentes num contexto de comparabilidade permanente
com a Europa e os países mais desenvolvidos.

14
A comunicação em rede, potenciada pela Internet, pode ser usada numa
série de projectos individuais e colectivos desenvolvidos a partir de diferentes
dimensões como, por exemplo, o desenvolvimento individual. Isto é, a
utilização da Internet para adquirir conhecimento (começando com a
informação mas sendo capaz de a transformar em conhecimento), tal como na
educação e autoaprendizagem. É também uma utilização da Internet para
melhorar a realização do trabalho, tanto no desenvolvimento de uma actividade
numa organização (uma empresa, por exemplo) como na constante
actualização de capacidades profissionais.
Outro exemplo, desses projectos individuais e colectivos, reside no
empowerment Individual. Trata-se do uso da Internet para aumentar a
capacidade de cada um agir sobre os detentores dos meios de informação e
processos de decisão na sociedade. Por exemplo: a capacidade de obter
informação e comunicar horizontalmente, de um modo autónomo (ex: pacientes
obtendo informação, consequentemente colocando-se numa melhor posição
face ao sistema médico; pessoas informando-se sobre as suas vidas e o seu
mundo não dependendo apenas dos mass media; consumidores capazes de
comparar preços e produtos e tomar as suas decisões; pessoas capazes de se
organizarem e debater questões, seja em movimentos sociais ou outras
causas; cidadãos procurando novas formas de participação e monitorização do
processo político).
Mas o quotidiano nas sociedades em rede processa-se num contexto de
sociedades capitalistas sustentadas, em grande medida, pelo consumo
Individual constituido essa uma outra dimensão de análise de projectos
individuais e colectivos. Vivemos numa sociedade onde o consumo é um dado
essencial da nossa participação no conjunto da sociedade. A Internet pode
oferecer possibilidades de extensão do campo do consumo (ex: jogos
multimedia, filmes on-line) ou alterar padrões tradicionais de consumo (visitas a
centros comerciais, utilização de supermercados) ou ainda produzir uma nova
segmentação da intermediação no consumo (CD’s e livros adquiridos na
Internet versus bens essenciais no espaço off-line).
Falar de projectos individuais e colectivos desenvolvidos é também falar
da selectividade das redes. Ou se preferirmos, trata-se da reconfiguração da
sociabilidade através da utilização do potencial da Internet. Isto inclui reforçar

15
os laços fortes, mantendo à distância essas relações; diversificar e aumentar
laços fracos; a construção de novas redes de sociabilidades, tendo em conta
as diferentes possibilidades de escolha. Esta apropriação é fundamental no
quadro da reconstrução das sociabilidades num processo híbrido de face a
face e mediação electrónica, a partir do qual novos padrões de família,
amizades, conhecimentos e afinidades electivas poderão emergir. As redes
selectivas de jovens são um exemplo da importância da Internet. Esta
tecnologia representa um meio crítico para o seu desenvolvimento – embora
também a inter-relação Internet/Telemóvel se venha tornando cada vez mais
importante.
Por último, importa salientar uma outra dimensão, a da construção de
identidade. A distinção crítica, aqui, é entre grupos que centram a sua
identidade nas suas ligações comunais e que utilizam a Internet para as
solidificar-expandir e a construção de identidade através da publicação na
Internet de valores/projectos por indivíduos e grupos que, encontrando as
ligações mais favoráveis para essas mensagens, posteriormente utilizam a
Internet como uma ferramenta organizativa para ajudar a manter a identidade
(ex: linguagens minoritárias mantidas vivas na Internet enquanto ferramentas
de comunicação global; novas identidades como ser-se utilizador de Linux ou
activista, já não apenas à escala local ou nacional mas à escala global, da
causa ambiental, dos direitos humanos, da antiglobalização ou dos direitos dos
animais).
Seguindo o raciocínio exposto, não devemos centrar a nossa atenção
apenas na difusão estatística da Internet e das tecnologias de comunicação
que dela dependem, entre os agregados familiares e pessoas em geral, sem
ter primeiro presente que o sentido da sua utilização é uma variável
fundamental para a valorização do seu papel na mudança social. Essa é a
razão pela qual este livro, em vez de partir das utilizações da Internet, procura
começar pela identificação dos projectos de indivíduos e grupos sociais,
procurando aferir se, como e em que medida a Internet, num contexto de
comunicação em rede, facilita esses projectos, se torna um obstáculo ou se
mantém relativamente neutra (como mero facilitador, sem valor acrescentado).
A teoria diz-nos que tudo dependerá das características dos indivíduos, do tipo
de projectos e do contexto social onde os mesmos se desenvolvem.

16
Ao longo das próximas páginas o leitor será convidado para uma análise
que evitar focar a nossa atenção apenas nos utilizadores de Internet sem nos
possibilitar uma comparação com a maioria que não faz uso dessa tecnologia.
Tendo a análise que suporta esta investigação sidop baseado numa amostra
representativa da população portuguesa foi-nos possível identificar padrões de
comportamento social e observar de que forma a Internet, no contexto da
comunicação em rede, contribui para especificar, ou não, esse comportamento
e em que condições o faz. Tendo-se comprovado a nossa hipótese geral de
partida, tal permite-nos ter sustentação para admitir que a Internet se está a
afirmar como uma ferramenta de reconstrução da sociedade com base em
projectos autónomos.
O estudo realizado procurou analisar cinco diferentes formas de mediação
da comunicação tecnológica: face a face; telefone; telemóvel; consolas;
computador e tablets. As quais, não sendo mutuamente exclusivas, foram
analisadas nas diferentes combinações entre aquelas tecnologias possíveis
pela nossa capacidade de domesticação (Silverstone,...) das mesmas.
Como base dessa comunicação mediada está a profusão do uso da
Internet, pelo que na sua análise realizaram-se diferentes medições da
frequência e da intensidade dessa utilização num número pré-definido de
dimensões, através do tipo de sites visitados e da especificação dos usos de
correio electrónico, das redes sociais, dos programas de mensagens
instantâneas, da conversação telefónica, etc. Tendo-se tido a preocupação de
ter como objecto de analise também os diferentes espaços de fluxos (Castells,
...) nos quais os nossos usos e apropriações comunicativas se processam,
desde a casa, passando pelos espaços de trabalho e, não esquecendo, as
situações de mobilidade.
Procurámos, assim, construir e apresentar uma matriz analítica que,
cruzando cada tipo de media (do face a face à comunicação mediada pela
Internet) com o tipo de actividade social desenvolvida, nos permitisse analisar a
intensidade e a frequência de cada media nas diferentes actividade, dando
origem aos perfis com os quais terminaremos este livro.
Perfis esses que radicando nas características sócio-demográficas dos
indivíduos, estabelecem pontes explicativas e análiticas com o seu nível de
autonomia e auto-definição, o seu nível de literacia face à comunicação em

17
rede e a sua utilização da Internet face a outros media. Procurámos assim
discutir os resultados alcançados pelos indivíduos nas suas vidas e as
alterações dos seus estilos de vida nas diferentes dimensões chave das suas
vidas desde que começaram a utilizar a Internet num contexto comunicativo em
rede (i.e. promoções profissionais; educação; mudanças nas sociabilidades;
fortalecimento ou enfraquecimento de valores sociais; grau de envolvimento
sociopolítico; sentimento de empowerment em dimensões específicas da sua
vida social).
Para cumprir o objectivo analítico a que nos propusemos não poderíamos
deixar, igualmente, de olhar para as mudanças em curso na socialidade
promovidas pelo surgimento das redes sociais, desde as mudanças na gestão
do tempo e espaço familiar até ao namoro e relações online, passando pelo
jogo e os jogos online.
A nossa análise não poderia estar completa sem, de novo, nos
debruçarmos sobre como se cria e trabalha em Portugal no contexto de uma
economia em rede global e como os indivíduos e famílias procuram aproveitar
esse contexto de novos modelos de negócios e novas formas de comerciar e
como se gere a confiança neste quadro. Tão pouco poderíamos não regressar
ao estudo da relação dos indivíduos com o governo e os serviços públicos num
contexto de crise de confiança nos sistemas democráticos e nas culturas
económicas globais.
Este é um livro que procura compreender como se vive, em Portugal, na
sociedade em rede no início da segunda década do século XXI e quais as
diferenças evolutivas, ascendentes e descendentes, que iremos encontrar no
quadro português face aos primeiros anos do novo século, uma época que
antecedeu a actual grande recessão. Para tal, procuramos compreender as
dinâmicas sociais, económicas e culturais entre as duas dimensões centrais
caracterizadoras da sociedade portuguesa: os que utilizam a Internet e
possuem as capacidades educativas e de rendimento para realizar essa
apropriação; e os que estão de fora desse contexto apropriativo da
comunicação em rede.
Este é, pois, o conteúdo que dá corpo às próximas páginas e estas são as
análises para as quais se convida o leitor, na esperança de questionar
certezas, trazer novas perspectivas para fenómenos do nosso quotidiano e

18
reforçar a necessidade de aprofundar sempre o que já sabemos e manter
aberta a curiosidade que é o motor da análise sociológica, saber mais sobre
nós, sobre as nossas sociedades e, acima de tudo, nunca duvidar que para
além do que já sabemos há sempre o que é novo e ainda por conhecer.

Gustavo Cardoso e António Firmino da Costa

19
Capítulo 1
Processos de mudança estrutural na sociedade portuguesa

A sociedade portuguesa tem vindo a conhecer um significativo processo


de modernização, traduzido em domínios tão diversos como a transformação
das estruturas económicas e empresariais, o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia, a escolarização das novas gerações e a recomposição
socioprofissional, a feminização e progressiva terciarização do trabalho, a
urbanização da população e dos espaços, a alteração dos padrões
demográficos e de vida familiar, a democratização das estruturas políticas, a
mediatização do espaço público e o alargamento do acesso tecnologicamente
suportado à informação.
As mudanças verificadas são, sem dúvida, assinaláveis, e o ritmo da
mudança não terá tido paralelo em muitos países, pelo menos nos tempos
mais recentes. Todavia, tal processo de modernização está longe de ter sido
linear, isento de obstáculos e contradições; e, acima de tudo, está longe de ter
terminado.
Portugal encontra-se assim numa encruzilhada, associando traços e
dinâmicas de modernidade, comuns a muitas das nações europeias (em
relação às quais a comparação se torna inevitável), a vestígios de uma
sociedade mais arcaica, que tendem a persistir e a obstruir algumas das
transformações em curso. Enfrenta, por um lado, muitos dos novos desafios e
paradoxos das sociedades actuais – veja-se o envelhecimento populacional a
emergência de novas formas de pobreza, a crise das estruturas democráticas
ou a mediatização da sociedade. Mas, por outro, suporta os atrasos induzidos
pela manutenção de antigas estruturas e disposições sociais, obstáculos ao
necessário, e tão comentado, processo de convergência. Exemplos desses
atrasos são a especialização económica em sectores de fraca intensidade
tecnológica, a manutenção de deficientes níveis de qualificação da população,
a insuficiência dos apoios sociais ou o ainda limitado desenvolvimento das
novas classes médias. É, neste sentido, que ainda é pertinente falar de
Portugal como cenário de “processos de uma modernidade inacabada”
(Machado e Costa, 1998), como um “país dual” (Conceição e Heitor, 2003),
21
onde inovação e apego a antigos modos de estar e fazer se cruzam e
sobrepõem, ou como palco de um desenvolvimento intermédio, numa condição
híbrida de “semiperiferia” (Santos, 1993). Epítetos como estes resultam de
análises teórica e substantivamente diversas, mas convergem na identificação
do carácter complexo e não raras vezes contraditório da sociedade portuguesa
do final do século XX e início do século XXI.
Esse carácter antinómico tornou-se particularmente visível desde o final
da primeira década do presente século. Vivendo actualmente um período de
agravada recessão económica, Portugal enfrenta um conjunto de desafios
suplementares. As consequências da recessão económica atravessam todos
os domínios da sociedade portuguesa. Múltiplos indicadores analisados ao
longo das próximas páginas transparecem o abrandamento e a estabilização
do acelerado desenvolvimento registado até aos últimos anos da década de
2000, ou mesmo, em muitos casos, o seu retrocesso, eternizando os
obstáculos à consolidação efectiva de uma sociedade de modernidade
avançada.
Parte-se, pois, do pressuposto de que compreender a transição
portuguesa para o que Manuel Castells (2007) conceptualiza como sociedade
em rede, na sua dupla dimensão social e tecnológica, implica conhecer a
posição particular em que o país se encontra, após o finalizar da primeira
década do novo milénio, as evoluções a que tem sido sujeito e que ele próprio
protagoniza. É esse o sentido deste capítulo. Nele se cruzam dados de fontes
secundárias – nomeadamente publicações estatísticas, mas também diversos
estudos sobre a realidade portuguesa – com informações directamente
recolhidas através da pesquisa agora apresentada. Sempre que possível, o
cenário e os processos descritos e analisados são comparados com outros
países, designadamente da Europa.

22
Economia

A história da sociedade portuguesa na última década é, do ponto de vista


económico, marcada por dois períodos distintos do ponto de vista económico.
Grande parte da década foi marcada pela melhoria dos indicadores
económicos e sociais. Fomentou-se o desenvolvimento económico, consolidou-
se a abertura ao exterior, e apostou-se na modernização do tecido empresarial,
na investigação e desenvolvimento, em novos sectores de actividade, na
qualificação e no emprego. Isto permitiu que Portugal se fosse
progressivamente aproximando das médias europeias, embora as
comparações com os países mais desenvolvidos ainda se mantivessem
desfavoráveis a Portugal na generalidade dos aspectos referidos. A
globalização comercial e o aumento da competitividade externa ao longo deste
período foram tornando visíveis as vulnerabilidades da economia portuguesa. A
partir do final da década assistiu-se ao abrandar e mesmo regredir do
crescimento económico, face ao culminar de uma crise mundial que afectou
intensamente as economias europeias mais frágeis. Em Portugal, uma política
orçamental restritiva levou à diminuição dos níveis de rendimento e ao aumento
histórico das taxas de desemprego, num cenário de forte endividamento
público e das famílias.
Uma breve retrospectiva dos principais momentos que marcaram o país
do ponto de vista económico nas últimas décadas do século XX permite
enquadrar a situação económica do novo século (Barreto, 1996; Mateus, 1998;
Viegas e Costa, 1998).
Esses momentos foram a adesão à Associação Europeia de Comércio
Livre (EFTA), a revolução do 25 de Abril de 1974 e a adesão à União Europeia.
A adesão à EFTA no início da década de 60 marcou uma importante abertura
económica e uma gradual reestruturação e modernização do tecido
empresarial. A revolução desencadeada a 25 de Abril de 1974, ditando o fim da
ditadura vigente, conduziu, por seu turno, a uma progressiva democratização
das estruturas políticas e a uma significativa modernização da sociedade,
embora a instabilidade social, política e económica vivida nesse período, tenha
ditado um abrandamento do crescimento económico. A adesão em 1986 à

23
União Europeia – à data ainda Comunidade Económica Europeia – voltou a
assinalar o início de um período de grande progresso económico e
convergência para os níveis de rendimento europeus.
Tal como nos anos 60, a crescente abertura comercial e financeira ditada
pela adesão à União Europeia veio exigir às empresas e ao Estado um reforço
da competitividade, conduzindo ao investimento na requalificação das unidades
produtivas, na modernização das infraestruturas de apoio e no
desenvolvimento dos sistemas de ensino e formação. Este esforço foi
beneficiado, a nível financeiro, quer pelos fundos comunitários destinados ao
desenvolvimento da economia portuguesa, quer pelo crescente investimento
estrangeiro. Data da década de 80 a progressiva mudança, entre as elites
políticas dominantes, da orientação face ao papel de regulação económica e
social do Estado, num processo que culmina com a privatização de boa parte
das empresas públicas.
Outros três momentos-chave são de destacar na evolução económica do
país na transição para o novo milénio e na primeira década do século XXI: a
adesão à moeda única europeia, o alargamento da UE e a crise económica
mundial que originou um pedido de ajuda externa (Caetano, Galego e Costa,
2005; Amaral, 2009; Banco de Portugal, 2009; Mateus, 2009; Amaral 2010;
Rollo, Amaral e Brito, 2011; AA. VV., 2012).
A adesão de Portugal em 1999 à moeda única europeia, no quadro da
União Económica e Monetária, foi um dos acontecimentos que iria marcar a
primeira década do novo milénio (Ministério das Finanças, 1998). O euro entrou
em circulação em 2002 em doze países. Desde então, os países da área do
euro partilham uma moeda única, eliminando a existência de variações
cambiais entre si. A sua implementação foi o culminar de um processo de
integração económica que implicou o cumprimento de critérios de convergência
ao nível dos estados membros. Esses critérios tinham o objectivo de fornecer
uma base comum para a estabilidade, solidez e sustentabilidade das finanças
públicas dos países aderentes. Por outro lado, as restrições ao uso de
instrumentos de política económica, no âmbito da união monetária, vieram
limitar as estratégias de resposta dos governos para enfrentar as
consequências sociais de choques económicos adversos (Caetano, Galego e
Costa, 2005).

24
A participação na área do euro potenciou uma crescente integração
financeira da economia portuguesa no quadro das economias europeias e a
nível global. Durante a transição para o euro e no início da participação na
área, a natureza expansionista da política orçamental fomentou o dinamismo
da economia e as expectativas de crescimento no início do século XXI (Banco
de Portugal, 2009). Assim, observou-se uma expansão das despesas de
consumo e investimento das famílias e das empresas, uma diminuição das
respectivas taxas de poupança e, face à descida da taxa de juro e à facilidade
de financiamento externo da economia portuguesa, um aumento do
endividamento.
A década de 2000 foi também marcada pelo alargamento da União
Europeia. A UE27 resultou da integração, em 2004, de Chipre, Eslováquia,
Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia e República
Checa, e, em 2007, de Bulgária e Roménia. A entrada das economias do leste
europeu na UE, assim como a integração crescente das economias asiáticas
no comércio mundial, fruto da diminuição de barreiras ao comércio no quadro
da Organização Mundial do Comércio, implicou uma concorrência acrescida de
países que apresentavam uma vantagem comparativa face à economia
portuguesa em vários sectores de baixa e média-alta tecnologia. Este processo
veio tornar mais visíveis as vulnerabilidades estruturais da economia
portuguesa. Factores como o fraco nível de produtividade relativa, a existência
de uma estrutura industrial ainda com um grande peso de actividades de baixo
valor acrescentado, ou o baixo nível de qualificações, foram penalizadores para
o desempenho da economia no passado recente, impedindo que Portugal
pudesse aproveitar totalmente as oportunidades decorrentes do alargamento
do comércio externo (Caetano, Galego e Costa, 2005; Banco de Portugal,
2009).
A política de convergência e a entrada na zona euro, associada à
globalização comercial resultante do alargamento a leste da UE, contribuíram
para que Portugal perdesse competitividade externa (Rollo, Amaral e Brito,
2011). As mudanças ocorridas no contexto internacional exigiram uma
capacidade de resposta acrescida do governo e das empresas. Os novos
desafios económicos que se colocaram a Portugal significaram também
dinamização da economia, aposta na modernização e inovação das empresas,

25
investimento na educação, e melhoria de um conjunto de indicadores que nos
foram progressivamente aproximando dos países mais desenvolvidos.
Contudo, nos últimos anos da primeira década do século XXI uma crise
financeira de dimensões alargadas veio abalar o normal funcionamento
económico nacional e mundial. A crise dos mercados financeiros
internacionais, considerada por alguns especialistas como uma das maiores
crises financeiras dos últimos 70 anos (Mateus, 2009), marca o início de um
ciclo de recessão económica particularmente agravado nos países da Europa
do Sul.
A desaceleração da actividade económica global foi despoletada em 2007
com quedas bastantes acentuadas nos mercados imobiliários dos EUA e com o
início em 2008 das falências dos bancos e seguradoras norte-americanos. O
sobrendividamento das famílias em vários mercados do mundo e, em especial,
as elevadas perdas das instituições financeiras no crédito hipotecário dos EUA,
são consideradas as causas directas da crise financeira (Mateus, 2009). A
maior parte das economias avançadas viu o seu PIB decrescer a partir dessa
altura (Banco de Portugal, 2011). Enquanto economia aberta ao exterior, a
economia portuguesa também foi contagiada pelos acontecimentos mundiais,
mas as suas fragilidades e os seus problemas estruturais tornaram-na ainda
mais vulnerável.
A dívida pública portuguesa subiu a partir de 2008 a um ritmo muito
acelerado, chegando a rondar os 108% do PIB em 2011 e ultrapassando os
120% do PIB em 2012. O aumento da dívida nos últimos anos está associado a
elevados défices orçamentais consecutivos, ao abrandamento do crescimento
do PIB e a taxas de inflacção baixas. Esta situação conduziu ao receio dos
investidores internacionais quanto à sustentabilidade das finanças públicas
portuguesas e, portanto, à deterioração das condições de acesso aos
mercados de financiamento internacionais.
O ano de 2011 ficou marcado pelo pedido de assistência financeira
externa por parte de Portugal. O Programa de Assistência Económica e
Financeira acordado com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e
o Banco Central Europeu garante o financiamento da economia portuguesa por
um período que possibilite uma correção estrutural e gradual dos desequilíbrios
financeiros. Neste contexto, foram também recomendadas e implementadas

26
reformas que intencionalmente pretendiam reverter os principais bloqueios ao
crescimento da economia.
A política orçamental em 2011 e 2012 foi fortemente restritiva, assentando
essencialmente no aumento dos impostos, na redução do investimento e da
despesa com recursos humanos (Banco de Portugal, 2011). Exemplo disso é a
revisão do Código do Trabalho, a aprovação de uma nova lei da concorrência
ou a privatização de empresas públicas. Por outro lado, os bancos portugueses
aumentaram significativamente o grau de restritividade na concessão de
crédito, em particular no final de 2011 e no início de 2012. As taxas de juro dos
empréstimos sofreram um aumento continuado em 2011. Este quadro de
condições de financiamento restritivas afectou famílias e empresas,
principalmente as empresas mais pequenas e com risco mais elevado que não
têm acesso ao mercado de crédito externo.
Não obstante as políticas implementadas, a situação económica
portuguesa agravou-se ao longo de 2011. A contracção da actividade
económica traduziu-se numa redução particularmente acentuada do emprego e
no aumento da taxa de desemprego para níveis máximos históricos, assim
como no agravamento das desigualdades sociais (AA. VV., 2012; Carmo,
Cantante e Carvalho, 2012; Silva, 2012b). A crise financeira veio lançar o
debate entre os especialistas sobre as estratégias de recuperação económica e
os modelos económicos vigentes. Os desafios da adaptação económica à
globalização e da participação na união monetária, as debilidades do modelo
capitalista actual e a emergência de novas culturas económicas são temas
recorrentes de debate no actual contexto de crise (Amaral, 2010; Rolo, 2010;
Cardoso, Caraça, Castells e Van Der Haak, 2011; Rollo, Amaral e Brito, 2011).
Um indicador claro da recessão económica foi a redução do consumo. O
consumo privado registou a maior queda das últimas décadas, a par com a
redução do rendimento disponível das famílias, o aumento da restritividade no
acesso ao crédito e a deterioração progressiva da confiança dos consumidores.
Segundo o Banco de Portugal (Banco de Portugal, 2011), o comportamento
das famílias é consistente com um quadro de elevada incerteza e com a
percepção de que a queda do rendimento disponível assumirá uma natureza
permanente.

27
Já anteriormente à crise os níveis de rendimento dos portugueses eram
reduzidos em comparação com a média europeia, apesar do crescimento
registado face às últimas décadas do século XX. A recente crise económica
veio interromper essa evolução positiva, agravando o nível de vida da
população portuguesa. Em 2011, o PIB per capita era de 77% da média
comunitária (UE27) (quadro 1.1). Este indicador evolui negativamente a partir
de 2008, associado essencialmente à queda da taxa de emprego (Banco de
Portugal, 2011).
O excessivo endividamento das famílias é um grave problema associado
à crise financeira e uma das suas principais causas. O nível de endividamento
das famílias portuguesas foi aumentando ao longo de mais de duas décadas,
caracterizadas pelo acréscimo dos níveis de consumo e pelo facilitismo no
acesso ao crédito bancário. Apesar de terem contribuído nesse período para a
dinamização do mercado interno, o aumento do consumo e do endividamento
colocaram simultaneamente algumas questões quanto às perspectivas de
manutenção futura dos ritmos de crescimento por essa via até então
alcançados (Mateus, 1998). Como se veio a verificar, esse crescimento não era
sustentável. O nível de endividamento das famílias em Portugal é agora um
dos mais elevados da área do euro. Face ao actual contexto macroeconómico
muito desfavorável, tem-se verificado o aumento das famílias em situações de
grande vulnerabilidade, com dificuldades em cumprir as responsabilidades
associadas à dívida, quer no curto prazo quer no médio/longo prazo. Trata-se
de famílias que assumiram no passado níveis de endividamento elevados, mas
que entretanto enfrentaram uma deterioração significativa da sua situação
financeira (Costa e Farinha, 2012).
A pobreza associada às famílias sobreendividadas – que em muitos
casos veem as suas casas ou outros bens serem penhorados –, aos
desempregados de longa duração, aos sem abrigo, aos idosos sem apoio
social significativo, aos trabalhadores precários e às inserções profissionais
menos qualificadas, tem também vindo a assumir um carácter cada vez mais
preocupante. Em 2010, 18% da população residente em Portugal encontrava-
se em risco de pobreza. A proporção da população cujo rendimento se
encontra abaixo da linha de pobreza tem-se mantido inalterável desde 2008,

28
ano em que teve início a crise económica mundial, contrariando a tendência
decrescente verificada até então (INE, 2012f).
Em termos médios, o rendimento disponível por adulto equivalente,
segundo o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do INE (INE, 2012f),
era, em 2010, de cerca de 10 400 euros por ano. O crescimento anual dos
rendimentos abrandou a partir de 2008 e verificou-se uma variação anual
negativa de 2009 para 2010.
A análise do grau de desigualdade na distribuição dos rendimentos revela
o atraso de Portugal face à União Europeia. Em 2010 Portugal tinha o terceiro
maior coeficiente de Gini entre os países da Europa, sendo portanto um dos
mais desiguais na distribuição do rendimento (Eurostat, 2012c). A evolução
deste indicador ao longo da primeira década deste milénio correspondeu a uma
diminuição das desigualdades: o coeficiente de Gini passou de 37% em 2000
para 34,2% em 2010. Contudo, esta tendência de diminuição teve
recentemente um pequeno recuo. O valor registado pelo coeficiente de Gini em
2010 foi superior em cerca de 0,5 pontos percentuais face a 2009,
evidenciando um ligeiro aumento no distanciamento entre os mais ricos e os
mais pobres. Em Portugal, em 2010, o rendimento monetário líquido dos 20%
da população com maiores recursos correspondia a 5,7 vezes o rendimento
dos 20% da população com mais baixos recursos (INE, 2012f).
A situação quanto à desigualdade de rendimentos nas últimas décadas é
bastante variável entre os países da OCDE, embora a tendência maioritária
seja de aumento da desigualdade (OECD, 2011). Em termos médios, na OCDE
os rendimentos dos 10% mais ricos são nove vezes superiores aos dos 10%
mais pobres, tendo os primeiros crescido a um ritmo mais acelerado do que os
segundos. As alterações nas políticas públicas são destacadas pela OCDE na
análise das causas do aumento das desigualdades de rendimentos. Outros
factores são também identificados como tendo potenciado essas
desigualdades, como a globalização, a inovação tecnológica e as alterações
demográficas (OECD, 2011; Costa, 2012a). Segundo a mesma organização, a
crise económica mundial aumentou a urgência do debate em torno das
desigualdades.
O cenário já anteriormente descrito de queda do consumo interno
contribuiu para significativas alterações ao nível macroeconómico,

29
nomeadamente nos fluxos do comércio externo português. Nos anos mais
recentes, as importações retraíram-se, sendo que em 2011 o volume de
importações de bens e serviços caiu 5,5%. A queda das importações em 2011
foi a mais pronunciada da última década, com excepção para a verificada no
ano de 2009 quando se observou o colapso do comércio mundial (Banco de
Portugal, 2011). Contrariamente ao verificado com as importações, as
exportações de bens e serviços apresentaram nos últimos anos uma forte
tendência de crescimento. Esse crescimento estará associado a uma maior
diversificação e a um redireccionamento da oferta para os mercados externos
mais dinâmicos, perante a forte contração da procura interna, assim como à
diminuição dos custos unitários de trabalho, que aumentou a competitividade
internacional da economia (Banco de Portugal, 2011). No período mais recente,
entre 2006 e 2011, as exportações portuguesas registaram uma taxa de
crescimento médio de 4,1%, 0,5% superior à média da zona euro. Em 2011, o
crescimento das exportações portuguesas atingiu os 7,4 %, 1,3 % acima da
média europeia.
O aumento das exportações permitiu abrandar os efeitos da diminuição
do consumo interno. Pela primeira vez desde 1943, Portugal registou, em 2011,
um saldo positivo ao nível da sua balança comercial. Apesar de a economia
portuguesa ter aumentado o seu nível de integração económica, o peso das
exportações no PIB foi cerca de 9% inferior ao da média da área do euro, tendo
em consideração a última década. Nos últimos anos o crescimento das
exportações portuguesas, que foi superior ao aumento da procura externa,
traduziu-se num aumento da quota de mercado (Banco de Portugal, 2011).
Um dos principais problemas enfrentados pela economia portuguesa
prende-se com a relativamente reduzida taxa de produtividade nacional
(Godinho e Mamede, 2004; Amaral, 2009; Amaral, 2010). Na verdade, os
índices de produtividade aumentaram de forma considerável, muito em
particular graças aos aumentos assinalados no que respeita à produtividade do
trabalho. Tal aumento – em geral explicado pela situação anterior
particularmente desfavorável e pelos esforços de modernização entretanto
efectuados – esteve contudo longe de ser suficiente para garantir convergência
face aos valores europeus (quadro 1.1). A situação é especialmente crítica no

30
que toca à produção por hora trabalhada. O PIB por hora trabalhada
representava ainda, em 2011, 64% da média comunitária.

Quadro 1.1 Comparação internacional de indicadores de rendimento e produtividade, 2011


(% da média da União Europeia)

Produtividade do trabalho
1
País PIB per capita
1 1
PIB por empregado PIB por hora trabalhada
União Europeia 100 100,0 100,0
Alemanha 120 106,5 125,0
Áustria 129 116,3 115,5
Bélgica 118 127,4 ---
Bulgária 45 43,5 43,5
Chipre 92 90,3 81,0
Dinamarca 125 110,2 119,2
Eslováquia 73 80,3 74,0
Eslovénia 84 81,8 81,9
Espanha 99 108,5 106,4
Estónia 67 67,6 58,0
Finlândia 116 109,6 107,7
França 107 115,5 129,2
Grécia 82 90,1 73,0
Hungria 66 70,8 59,7
Irlanda 127 142,0 130,1
Itália 101 109,7 102,1
Letónia 58 62,7 53,1
Lituânia 62 64,9 57,6
Luxemburgo 274 169,8 ---
Malta 83 92,1 ---
Países Baixos 131 111,5 133,2
Polónia 65 68,8 55,7
Portugal 77 75,3 64,4
Reino Unido 108 104,2 ---
República Checa 80 74,1 66,8
Roménia 49 51,1 ---
Suécia 126 115,2 116,0
EUA 148 143,5 ---
Japão 105 95,0 ---
1
Em paridade de poder de compra.
Fonte: Eurostat (2012f).

Vários factores têm sido sistematicamente apontados na explicação desta


fragilidade da economia portuguesa, alguns dos quais serão adiante alvo de
atenção mais pormenorizada, como é o caso dos ainda relativamente baixos
níveis de escolaridade e qualificação (DataAngel Policy Research Inc., 2009), o
ainda limitado desenvolvimento tecnológico ou o ainda não generalizado
investimento em I&D. Mas um aspecto igualmente decisivo é a própria
estrutura do tecido empresarial.

31
O panorama económico português mantém-se esmagadoramente
dominado por micro, pequenas e médias empresas (PME), frequentemente de
natureza familiar, muitas delas com uma gestão pouco profissionalizada
(Lança, 2000; Amaral, 2009). Em 2010, as PME representavam 99,9% do total
de empresas em Portugal. As grandes empresas, representando apenas 0,1%
do total de empresas, empregavam 22% do total de pessoas ao serviço, tendo
sido responsáveis por cerca de 45% do volume de negócios realizado pelo
conjunto do sector empresarial. Tomando em consideração não a dimensão
mas a forma jurídica, a estrutura empresarial portuguesa é dominada por
empresas em nome individual (69%), tendo as sociedades um peso
comparativamente reduzido (31%) (INE, 2012b).
As áreas de actividade de maior intensidade tecnológica, embora cada
vez mais significativas, têm ainda em Portugal uma expressão relativamente
reduzida. Segundo o Eurostat, em 2007 existiam em Portugal 1786 empresas
industriais em sectores de alta tecnologia e 14519 empresas de serviços
intensivos em conhecimento (Eurostat, 2011). As empresas em áreas de
actividade de maior intensidade tecnológica representavam assim cerca de
1,5% do total de empresas em Portugal (tendo em consideração o universo de
1 168 964 empresas, tanto individuais como sociedades, apuradas pelo INE:
INE, 2012b). O número de novas empresas em sectores de alta e média-alta
tecnologia tem vindo a decrescer desde 2005, sendo que em 2009 estas
representavam apenas 2% das empresas nascidas ao longo do ano (INE,
2012g). Analisando os sectores de alta tecnologia, verifica-se que o valor
acrescentado bruto dos serviços intensivos em conhecimento de alta tecnologia
cresceu bastante significativamente na última década – embora esse valor
ainda seja inferior à média europeia –, destacando-se face ao contributo da
indústria de alta tecnologia (Eurostat, 2011).
O investimento em I&D na última década em Portugal contribuiu para o
desenvolvimento progressivo da produção e comercialização de produtos de
alta intensidade tecnológica. Numerosos casos de sucesso em sectores de
maior inovação têm permitido o crescimento das exportações de maior
conteúdo tecnológico e uma alteração significativa da estrutura de exportações
(Rollo, Amaral e Brito, 2011). A evolução do comércio externo português tem
sido marcada, desde a segunda metade dos anos noventa, pelo significativo

32
aumento do peso dos sectores de média-alta tecnologia. O Banco de Portugal
aponta para uma redução do nível global de especialização das exportações
portuguesas desde 2000, evidenciando alguma diversificação do leque de
produtos exportados (Amador, Cabral e Maria, 2007).
No entanto, apesar da convergência da estrutura de exportações
portuguesa para a média mundial, subsistem ainda diferenças significativas. Os
produtos de baixa intensidade tecnológica continuam a dominar as exportações
portuguesas, mantendo-se uma forte desvantagem comparativa da economia
portuguesa relativamente aos produtos de alta tecnologia.
Segundo dados do INE e Eurostat relativos a 2010 – baseados numa
selecção de produtos considerados de alta tecnologia, sem ligação automática
ao ramo de actividade que os produzem –, os produtos de alta tecnologia
tinham um peso de 3% relativamente às exportações totais, cerca de um quinto
da média europeia (INE, 2012g). Este indicador apresentou uma tendência
ascendente até 2004, observando um perfil descendente desde então, com um
recuo particularmente acentuado em 2009.
Por sua vez, segundo a classificação da OCDE das indústrias
transformadoras por intensidade tecnológica, em 2010, as indústrias de alta
tecnologia eram responsáveis por 7% das exportações portuguesas de bens e
as de média-alta tecnologia por 29% (Banco de Portugal, 2011). O Banco de
Portugal aponta, no que concerne à alta e média tecnologia, o aumento em
2011 das exportações de veículos e outro material de transporte, de máquinas
e aparelhos, e de produtos farmacêuticos. Neste âmbito, terá sido decisivo,
entre outros, o investimento estrangeiro no sector automóvel em Portugal, em
particular a instalação ainda nos anos noventa do complexo Volkswagen
Autoeuropa (Lança, 2000).
O investimento estrangeiro em Portugal foi bastante variável ao longo da
última década (INE, 2012g). Os primeiros anos foram marcados por fortes
oscilações, representando esse investimento de 2000 a 2006 em média 3,6%
do PIB. A partir de 2007 observou-se um decréscimo acentuado do
investimento, chegando aos 0,6% do PIB em 2010, o que estará associado à
crise económica. À excepção dos últimos anos da década, os níveis de
investimento estrangeiro em Portugal, por relação ao PIB, foram regularmente
superiores à média dos 27 países da União Europeia. Por seu turno, o

33
investimento português no exterior, relativamente mais circunscrito, teve uma
tendência decrescente desde 2000, registando-se mesmo um valor negativo
por relação ao PIB em 2010.
Como já referido, apesar de a estrutura empresarial portuguesa ser ainda
dominada por empresas de pequena e média dimensão e ser ainda
relativamente especializada em sectores mais tradicionais que utilizam mão-de-
obra pouco qualificada, tem-se verificado um progressivo crescimento de
alguns sectores de maior intensidade tecnológica, empregando trabalhadores
mais qualificados, e uma diversificação dos produtos e destinos de exportação.
Mas importa ter também em consideração a crescente importância dos
serviços relativamente aos outros sectores de actividade. Em 2010, o valor
acrescentado do sector dos serviços representava 75% do valor acrescentado
bruto total, enquanto o da transformação representava 23% e o da agricultura
2% (Banco de Portugal, 2011). Alguns sectores dos serviços têm demonstrado
elevado dinamismo, como o sector das telecomunicações ou o turismo, tendo
sido este último o maior sector exportador de serviços do país em 2011 (Rollo,
Amaral e Brito, 2011).
A distribuição do emprego por sectores de actividade confirma o domínio
do sector dos serviços. Portugal tem acompanhado a tendência generalizada
para o aumento das inserções profissionais no âmbito dos serviços, em
detrimento dos sectores extractivo e, mais recentemente, de transformação
(quadros 1.2 e 1.3). O sector da transformação foi precisamente aquele que
apresentou uma maior redução na estrutura de emprego nos últimos dez anos
(menos 9%). Essa redução deveu-se sobretudo à retracção do emprego na
indústria e na construção. Tal situação reflecte a redução do investimento
público, a diminuição da procura interna e a restritividade na concessão de
crédito pelas instituições bancárias em contexto de crise (Rollo, Amaral e Brito,
2011).

34
Quadro 1.2 Distribuição do emprego por sector produtivo e respectivos subsectores,
Portugal, 2001-2011 (%)

Sectores 2001 2011


I Extractivo 5,4 3,4
Agricultura 5,0 3,1
Mineração 0,4 0,3
II Transformação 34,7 25,7
Construção 12,3 8,5
Electricidade, gás e água 0,7 0,9
Indústria 21,7 16,2
Alimentar 2,1 1,8
Têxtil 5,7 3,3
Metalúrgica 2,4 2,5
Máquinas e equipamentos 2,1 1,2
Produtos Químicos 0,7 0,7
1
Diversos 8,6 6,7
III Serviços de distribuição 19,3 20,8
Transportes 2,9 3,3
Comunicações 1,5 1,6
Comércio 14,8 15,8
IV Serviços relativos à produção 7,2 8,6
Actividades financeiras 1,5 1,8
Seguros 0,5 0,6
Actividades imobiliárias 0,5 0,6
Engenharia 0,6 0,9
2
Contabilidade -- 1,4
Serviços empresariais diversos 4,1 2,7
2
Serviços jurídicos -- 0,8
3
V Serviços sociais 22,5 29,3
4
IV Serviços pessoais 11,0 12,2
TOTAL 100,0 100,0
1
Inclui indústrias da madeira e cortiça; do papel, tipográficas e afins; de produtos minerais não metálicos; e
outras indústrias transformadoras.
2
No ano de 2001 os valores relativos à contabilidade e aos serviços jurídicos estão incluídos na categoria
serviços empresariais diversos.
3
Inclui administração pública e defesa; serviços de saneamento e limpeza; serviços sociais e similares;
serviços recreativos e culturais; e organismos internacionais e outros.
4
Inclui serviços pessoais e domésticos; e restaurantes e hotéis.
Fonte: INE (2002 e 2012), adaptado de acordo com o apresentado em Castells (2007a).

Boa parte dos jovens integrados no mercado de trabalho concentra-se


aliás, segundo os dados recolhidos directamente nesta pesquisa, no sector
terciário – nomeadamente no comércio, nas comunicações ou nos serviços
sociais e pessoais – sendo raras as inserções no sector extractivo. O país
viveu, contudo, um processo de industrialização comparativamente bastante
tardio. Manteve durante largas décadas um enorme contingente agrícola e o
desenvolvimento dos serviços foi mais lento do que noutros países
desenvolvidos. Ainda assim, o peso relativo do emprego nos serviços é já
considerável também entre a população mais velha, excepto em alguns casos
específicos como as actividades relacionadas com alojamento e restauração,
em que os mais jovens predominam.

35
Quadro 1.3 Distribuição do emprego por tipo de sector produtivo e respectivos rácios,
Portugal, 2001-2011 (%)

Tipo de sector produtivo 2001 2011


1
Indústria 39,3 28,2
Serviços 1 60,7 71,8
Serviços / indústria 1,5 2,5

Gestão de produtos 2 57,1 47,2


Gestão de informação 2 42,9 52,8
Gestão de informação/gestão de produtos 0,8 1,1
1
A indústria soma os sectores extractivo, da construção e da transformação; os serviços
incluem os restantes sectores.
2
A gestão de produtos inclui o sector extractivo, da construção, da transformação, dos
transportes e do comércio; a gestão de informação integra os serviços públicos, as
comunicações, serviços relativos à produção, serviços sociais e serviços pessoais.
Fonte: INE (2002 e 2012), adaptado de acordo com o apresentado em Castells (2007a).

O sector dos serviços representava, em 2011, 72% do total do emprego


em Portugal. Este valor tem vindo a crescer bastante ao longo dos anos – só
na última década aumentou 11% –, tendo-se consolidado a preponderância
dos serviços em relação à indústria. Mas, como já referido, este processo foi
lento, verificando-se um desfasamento de cerca de duas a três décadas em
relação aos países do centro europeu e de outros como os EUA ou a Inglaterra
(Castells, 2007a). A título de exemplo, em 1991, o sector dos serviços
correspondia já a 75% do emprego nos Estados Unidos da América, e a cerca
de 70% no Reino Unido e em França.
Em Portugal, o rácio do volume de emprego nos serviços por comparação
ao da indústria só no final dos anos 90 se inverteu a favor do primeiro (quadro
1.3). Tal dever-se-á, em particular, à relativamente reduzida expressão dos
serviços relativos à produção, reflexo precisamente das fracas exigências do
tecido económico nacional. Já o crescimento acelerado dos serviços a partir do
século XXI deveu-se em grande medida à muito significativa expansão dos
serviços sociais, que incluem as áreas da segurança, saneamento, apoio
social, saúde, educação, investigação, cultura e lazer. A diversificação dos
serviços privados e o impulso inerente à implementação pelo Estado ao longo
das últimas décadas de um conjunto de políticas de educação, saúde e
segurança social, claramente deficitárias no período anterior à democracia, terá
contribuído para esse crescimento. A “terciarização” das sociedades
contemporâneas tem assentado a nível mundial precisamente na expansão de
uma categoria dos serviços mais qualificada e em larga medida associada aos
serviços sociais (Almeida, 2007).

36
As actividades de gestão de informação, que integram grande parte do
sector dos serviços, tendem, no mesmo sentido, a sobrepor-se às actividades
de gestão de produtos. Em Portugal tal aconteceu pela primeira vez no início
da segunda década do século XXI (quadro 1.3). A reconfiguração da estrutura
económico-produtiva do país, na última década, é considerada um dos
aspectos mais marcantes dos processos de recomposição social em curso em
Portugal (Mauritti e Nunes, 2013).

Ciência, tecnologia e inovação

As capacidades e os desempenhos no domínio da ciência, tecnologia e


inovação tornaram-se um aspecto absolutamente fundamental na transição
para os novos modelos sociais, económicos e culturais emergentes a nível
global. Integrando o processo de convergência iniciado após a adesão à União
Europeia, a generalidade dos indicadores portugueses nestes domínios
registou, a partir daí, ritmos de crescimento bastante acentuados. A última
década intensificou esse crescimento, em muitos casos sem paralelo na União
Europeia. Contudo, também neste ponto, a aproximação face aos padrões
europeus ainda não está totalmente alcançada, à semelhança aliás do que
tende a acontecer nos restantes países da Europa mediterrânica. Algum atraso
das estruturas científico-tecnológicas nacionais, as especificidades do tecido
económico e os défices de qualificação da população activa são, entre outros,
factores que ajudam a explicar esta situação (Gomes, 2012).
As principais linhas de investimento no sistema científico e tecnológico
nas últimas décadas passaram principalmente pela atribuição de bolsas de
formação avançada e contratação de doutorados, apoio a projectos de I&D,
promoção de parcerias internacionais, reforma de laboratórios, promoção da
cultura científica e tecnológica, e incentivo à inovação no contexto empresarial
(Gomes, 2012). A mobilização de fundos estruturais tem sido muito relevante
para o financiamento destas medidas de investimento.

37
Quadro 1.4 Evolução da despesa e dos recursos humanos em actividades de I&D,
Portugal, 2001-2010

Anos 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Taxa média de
crescimento anual da 8,2 -4,5 -3,8 6,3 5,5 28,5 20,9 --- 6,0 -1,2
1
despesa em I&D
Taxa média de
crescimento anual do 5,9 7,1 6,6 2,2 2,1 16,7 14,3 --- 9,1 4,9
total investigadores (ETI)
Investigadores (ETI) /
3,3 3,5 3,7 3,8 3,8 4,4 5,0 7,2 7,9 8,3
população activa (‰)
1
A preços constantes.
Fonte: OECD (2012c).

Observando a evolução da despesa em actividades de I&D, verifica-se


que esta oscilou bastante na última década (quadro 1.4). Entre 2001 e 2005 a
taxa de crescimento anual foi em média de 2%; seguiu-se um período de
grande crescimento entre 2006 e 2007, durante o qual rondou os 25%; e
posteriormente, um novo período de quebra da despesa, que leva a que a taxa
seja estimada em valores negativos em 2010. Apesar destas variações,
Portugal registou nestes dez anos uma média de crescimento superior (7%) à
média europeia (3%).
A despesa em I&D por referência ao PIB em Portugal representava no
final da década 1,6% do PIB, tendo duplicado relativamente a dez anos antes.
Não obstante o progresso verificado, este valor mantém-se abaixo dos
registados noutros países desenvolvidos, quer em termos absolutos, quer
relativos (quadro 1.5).
Na maior parte dos países da União Europeia e da OCDE, o sector
empresarial tem uma participação decisiva, sendo o principal sector de
financiamento de I&D. No caso de Portugal, Estado e empresas repartem
quase igualmente essa despesa: cerca de 45% do investimento é oriundo de
fontes governamentais e 44% resultam do esforço financeiro protagonizado
pelo sector privado. Importantes progressos ocorreram na última década, tendo
a participação das empresas duplicado em termos relativos. Portugal é um dos
países que têm conseguido manter padrões positivos na despesa em I&D das
empresas durante a crise (OECD, 2012d).

38
Quadro 1.5 Comparação internacional de alguns indicadores de despesa e recursos
humanos em actividades de I&D (2009)

Estrutura da despesa em I&D por sector de


Despesa em Despesa em financiamento (%) Investigadores
I&D
1
I&D (ETI) /
País Outras fontes
6 população
(10 US$) (% do PIB) Estado Empresas nacionais ou activa (‰)
estrangeiras
União Europeia 298 966,4 1,92 35,5 53,3 11,2 6,5
Alemanha 83 297,2 2,82 29,7 66,1 4,2 7,6
Áustria 8 839,3 2,72 34,9 47,1 18,0 8,1
Bélgica 8 031,4 2,03 25,3 58,6 16,1 8,0
Bulgária --- 0,53 60,5 30,2 9,3 ---
Chipre --- 0,49 69,0 15,7 15,3 ---
Dinamarca 6 478,6 3,06 27,8 60,2 12,0 12,3
Eslováquia 590,3 0,48 50,6 35,1 14,3 4,9
Eslovénia 1 031,2 1,86 35,7 58,0 6,3 7,1
Espanha 20 546,6 1,39 47,1 43,4 9,5 5,8
Estónia 378,3 1,43 48,8 38,5 12,7 6,2
Finlândia 7 496,3 3,92 24,0 68,1 7,9 15,1
França 49 143,5 2,26 38,6 52,4 9,0 8,3
Grécia --- --- --- --- --- ---
Hungria 2 358,5 1,82 42,0 46,4 11,6 4,8
Irlanda 3 138,5 1,74 31,3 51,2 17,5 6,6
Itália 24 534,5 1,26 42,1 44,2 13,7 4,1
Letónia --- 0,46 44,7 36,9 18,4 ---
Lituânia --- 0,83 53,9 21,0 25,1 ---
Luxemburgo 684,5 1,66 24,3 70,3 5,4 6,5
Malta --- 0,54 30,0 51,6 18,4 ---
Países Baixos 12 374,1 1,82 40,9 45,1 14,0 5,3
Polónia 4 871,1 0,68 60,4 27,1 12,5 3,5
Portugal 4 349,2 1,64 45,3 44,0 10,7 7,9
Reino Unido 39 537,8 1,86 32,6 44,5 22,9 8,2
República Checa 3 977,9 1,48 43,9 44,6 11,5 5,4
Roménia --- 0,47 54,9 34,8 10,3 ---
Suécia 12 488,7 3,61 27,5 58,8 13,7 9,6
EUA 401 576,0 2,90 31,3 61,6 7,1 ---
Japão 137 314,2 3,36 17,7 75,3 7,0 9,9
OCDE (total) 968 394,7 2,40 30,6 60,7 8,7 ---
1
Em paridade de poder de compra.
Fonte: OECD (2012c) e Eurostat (2012f).

No que toca aos recursos humanos envolvidos em actividades de I&D, os


valores em Portugal aumentaram a um ritmo comparativamente bastante
acelerado. Nos anos que antecederam a adesão à União Europeia,
encontrava-se em Portugal cerca de 1 investigador em cada mil habitantes, no
início do século XXI esse valor ascendia a 3‰, e finda a primeira década do
século atingia os 8‰ (quadro 1.4). Desta forma, no que respeita à proporção
de investigadores por população activa, Portugal situa-se actualmente à frente
de uma grande parte dos países europeus (quadro 1.5). Este cenário tem
permitido um enorme crescimento do trabalho científico desenvolvido no país e,

39
inclusivamente, a projecção internacional de alguns grupos de investigação
considerados de excelência.
Dados da FCT – a entidade responsável pelo financiamento público das
unidades de I&D –, referentes a 2007-08, mostram uma evolução considerável
na dimensão média das unidades, com cerca de 2/3 destas a integrarem mais
de 15 doutorados, metade das quais mais de 30. Face a 1999, o número de
investigadores doutorados em unidades e instituições científicas financiadas
pela FCT duplicou. Como resultado da avaliação da FCT, e tomando em
consideração todo o sistema científico nacional, 21% das unidades foram
avaliadas com classificação de Excelente e 38% de Muito Bom. Os resultados
confirmam a qualidade da investigação realizada em Portugal em todas as
áreas quando avaliada por padrões internacionais (FCT, 2009).
Importantes progressos marcaram também os últimos dez anos no que
toca à produção tecnológica ou, em geral, a capacidade de inovação das
empresas. Ainda assim, alguns défices são conhecidos nesta área, como o
reduzido número de patentes registadas por entidades portuguesas. Apesar do
forte crescimento verificado na última década, em que o número de patentes
triplicou, os níveis de patenteamento mantêm-se quase inexpressivos
comparativamente com outros países europeus, muito em particular no que
toca a produtos ou processos de elevada intensidade tecnológica. As empresas
são as instituições que mais patenteiam, sendo à data de 2006 responsáveis
por mais de 65% das patentes em Portugal. Não obstante, esta percentagem
fica também aquém do registado pela maioria dos países da União Europeia
(média de 87%), indiciando ainda algum défice na incorporação de actividades
de inovação nas estruturas produtivas (Eurostat, 2011).
A este respeito, Portugal pode ser caracterizado como um “país dual",
onde um grupo de empresas fortemente inovadoras, dispondo de recursos
humanos altamente qualificados, apostando em novos produtos e em múltiplas
parcerias, coexiste a par de um outro conjunto de estruturas empresariais não
inovadoras, regra geral de baixo perfil tecnológico, pouco cooperativas e com
mão-de-obra pouco qualificada (Conceição e Heitor, 2003). O último grupo já
não é, contudo, tão maioritariamente representativo do tecido empresarial
português como era até ao final do século passado.

40
Quadro 1.6 Comparação europeia de alguns indicadores de inovação nas empresas, 2010

Despesas totais em inovação


Empresas inovadoras (%) (% do volume de negócios de
País empresas com inovação tecnológica)
Indústria Serviços Indústria Serviços
Alemanha 82 77 3,7 1,1
Áustria 60 53 3,2 1,2
Bélgica 67 56 2,7 2,0
Bulgária 31 22 1,0 0,5
Chipre 48 45 3,9 2,1
Dinamarca 57 53 7,1 4,5
Eslováquia 36 35 1,7 1,0
Eslovénia --- --- 2,8 1,2
Espanha 44 39 1,7 1,5
Estónia 60 53 2,2 2,8
Finlândia 59 53 4,9 1,8
França 56 51 3,4 0,6
Grécia --- --- --- ---
Hungria 31 31 1,7 1,0
Irlanda 66 56 2,0 0,8
Itália 59 52 2,6 1,4
Letónia 32 28 1,0 1,2
Lituânia 33 36 2,7 3,0
Luxemburgo 66 69 2,3 0,7
Malta 44 40 2,8 1,1
Países Baixos 60 55 3,2 1,6
Polónia 28 28 2,4 2,1
Portugal 56 67 1,9 1,3
Reino Unido 48 41 --- ---
República Checa 53 49 2,4 1,4
Roménia 30 32 2,0 1,0
Suécia 60 59 5,8 2,3
Fonte: Eurostat (2012d).

A evolução positiva dos indicadores de inovação está patente nos


resultados do oitavo inquérito comunitário às actividades de inovação, lançado
em 2010 (Eurostat, 2012d). Segundo o mesmo, 56% das empresas do sector
da indústria e 67% das empresas dos serviços a operar no território nacional
teriam introduzido no mercado ou nos seus sistemas produtivos, no período de
2008 a 2010, produtos, processos ou serviços tecnologicamente novos ou
melhorados (quadro 1.6). A comparação com outros países europeus é
tendencialmente positiva relativamente à proporção de empresas inovadoras.
Não obstante, o esforço financeiro realizado por essas empresas nesse âmbito
ainda é reduzido em relação à média europeia, principalmente no sector
industrial. As actividades de inovação, principalmente no caso das pequenas e
médias empresas portuguesas, privilegiam a aquisição de novos equipamentos
ou a informatização, designadamente, dos sistemas administrativos e
comerciais. Menos frequentemente se referem ao desenvolvimento de

41
produtos/processos próprios, o que ainda assim acontece mais frequentemente
entre as grandes empresas (Gama e Fernandes, 2011/12).
Assim, tendo em conta a situação anteriormente vivida, é de ressalvar a
considerável melhoria apontada por estes indicadores. O desfasamento face
aos padrões europeus de inovação é aliás mais significativo na indústria do que
nos serviços. É de considerar a emergência nos últimos anos de sectores muito
mais propensos à mudança, nas suas várias vertentes, que têm aberto portas à
difusão da inovação em Portugal. Trata-se de um segmento com alguma
dimensão no tecido empresarial português, que tem vindo a desenvolver-se e a
actualizar-se, tanto em termos de tecnologias empregues como de processos
de trabalho e de acção comercial (Freire, 2007).
Segundo o ranking europeu de inovação 2011, que tem em consideração
um conjunto de indicadores relativos ao desempenho nesta área, Portugal
situa-se no grupo dos países “moderadamente inovadores”. Encontra-se assim
um pouco abaixo da média europeia, estando a par de países como Espanha,
República Checa e Itália. Ainda segundo esta análise, Portugal é um dos
países cujo desempenho mais rapidamente tem evoluído no domínio da
inovação (European Commission, 2012). Este domínio tem sido assumido
como uma prioridade governamental. Recorde-se que em 2005 foi lançado em
Portugal o Plano Tecnológico, designado como uma estratégia para promover
o desenvolvimento e reforçar a competitividade do país nos domínios do
conhecimento, da tecnologia e da inovação.
Actualmente, devido aos compromissos assumidos pelo estado português
na sequência da crise económica e no quadro do pedido de ajuda externa, um
conjunto de acções e de metas na área do ensino superior e da ciência
encontra-se suspenso. As medidas políticas dedicam-se essencialmente a
objectivos que permitam uma maior eficiência dos investimentos nestas áreas,
resultando em contenção de despesas (Gomes, 2012).

42
Níveis de escolaridade e competências de literacia

Os baixos níveis de qualificação da generalidade da população


portuguesa e, em particular, da inserida no mercado de trabalho, têm-se
apresentado como um dos principais obstáculos ao desenvolvimento mais
acelerado, em Portugal, de uma sociedade de modernidade avançada
(Machado e Costa, 1998) e de uma economia baseada no conhecimento
(Conceição e Heitor, 2003; Rodrigues, Oliveira e Carvalho, 2007; DataAngel
Policy Research Inc., 2009) ou, nos termos da conceptualização de Manuel
Castells (2007), à definitiva consolidação da sociedade em rede.
O défice de escolarização e de qualificação profissional é um dos
principais fenómenos considerados como determinantes na produção de
mecanismos de desigualdade na sociedade portuguesa, juntamente com a
debilidade do nosso tecido económico e empresarial e o baixo nível de
rendimentos auferidos por parte substancial da população (Carmo, 2011).
Como análises recentes sobre o tema das desigualdades têm colocado em
evidência, as desigualdades têm um carácter transversal, manifestam-se em
diversos domínios e estabelecem conexões com vários aspectos da vida social,
resultando em impactos diversos e de grande relevância social (Costa, 2012a).
O processo de difusão da escolaridade básica universal foi bastante mais
lento do que o registado noutros países europeus, mantendo-se durante boa
parte do século XX uma política estatal (ditatorial) muito restritiva quanto aos
processos de escolarização e um grande afastamento entre a escola e a
generalidade dos cidadãos. Com a implementação do regime democrático, esta
área de intervenção pública assume-se definitivamente como prioritária,
alargando-se os níveis de escolaridade obrigatória, investindo-se na melhoria
das infraestruturas educativas, promovendo-se a formação de professores e
implementando-se um conjunto de sucessivas reformas do sistema educativo
tendo em vista a obtenção de uma melhor resposta aos novos desafios da
(ainda recente e incompleta) massificação do ensino. Tais mudanças têm
estado contudo longe de ser consensuais entre os agentes educativos, e a
eficácia do sistema de ensino português é, ainda hoje, bastante questionada
quando comparada com a de outros países. O esforço de investimento em

43
educação aproximou-se bastante da média europeia (quadro 1.9), mas os
índices de abandono e insucesso escolar mantêm-se superiores. Embora tendo
diminuído quase 15% na última década, o indicador relativo ao abandono
escolar precoce situava-se ainda nos 29% em 2010. Portugal apresenta
também uma percentagem elevada de alunos que, aos 15 anos, já repetiram
pelo menos um ano no seu percurso escolar, atingindo os 35%, enquanto a
média dos países da OCDE é de 13% (Gomes e Duarte, 2012).
A taxa de analfabetismo portuguesa mantém-se também ainda
incomparavelmente elevada, não obstante o continuo decréscimo (passou de
9% em 2001 para 5% em 2011) (quadro 1.7) – induzido mais pela evolução
demográfica do que por qualquer estratégia de alfabetização de adultos. O
analfabetismo deve-se em grande medida ao facto de existirem ainda
segmentos da população adulta das gerações mais velhas que não tiveram
oportunidades de acesso à escola (Rodrigues, Oliveira e Carvalho, 2007).
De qualquer forma, os níveis de escolaridade da população registaram
progressos bastante significativos, principalmente a partir das últimas décadas
do século XX (quadro 1.7). No recenseamento de 2011, 32% dos residentes
em Portugal com 20 anos e mais tinham já completado, pelo menos, o ensino
secundário. Este valor, embora bastante abaixo do registado noutros países,
significa um enorme progresso face à situação vivida nas décadas anteriores.
Basta referir que, em 1991, tal percentagem não chegava ainda, em termos
médios, a 14% e, em 2001, a 23%.
Expansão também significativa foi a registada no que toca ao ensino
superior. Em 1970, não chegava a 2% o peso relativo da população que tinha
frequentado um nível médio ou superior de ensino, mantendo-se o acesso às
universidades circunscrito a uma pequena elite. Em 2011, tal percentagem
ascendia já a 16%. Por outro lado, a população com 23 ou mais anos com o
ensino superior completo representava 15% do total da população em causa,
mais 6% do que há dez anos atrás. Estes valores são fruto da forte adesão por
parte da população jovem, muito em particular do sexo feminino aos níveis de
escolaridade mais avançados. O progresso dos níveis de escolaridade das
mulheres é aliás, em Portugal, bastante significativo. As mulheres representam
cerca de 60% dos diplomados com um grau de ensino superior (INE, 2012a).
Especialmente nas faixas etárias mais jovens, as mulheres são maioritárias

44
entre os estudantes e recém diplomados do ensino secundário e superior.
Portugal foi assim um dos primeiros países europeus a inverter a tradicional
hegemonia masculina nos níveis superiores de escolaridade (Machado e
Costa, 1998).
A sociedade portuguesa, à semelhança da generalidade dos países
europeus, tem seguido também a tendência de alargamento da base social de
recrutamento dos estudantes do ensino superior (Costa, 2012b). Note-se
contudo que, embora o acesso ao ensino superior tenha conhecido nas últimas
décadas uma clara abertura, ainda são os indivíduos provenientes das
categorias sociais melhor dotadas de capitais económicos, culturais e sociais
que constituem a maior parte dos estudantes desse nível de ensino (Mauritti e
Martins, 2007).

Quadro 1.7 Evolução dos indicadores de escolarização, Portugal, 2001-2011

Indicadores 2001 2011


Taxa de analfabetismo (%) 9,0 5,2
População com 20 ou mais anos com o ensino secundário completo (%) 22,6 31,6
Homens com 20 ou mais anos com o ensino secundário completo (%) 21,9 29,8
Mulheres com 20 ou mais anos com o ensino secundário completo (%) 23,2 33,1
População que atingiu o ensino médio/pós-secundário ou superior (%) 11,5 16,3
Estudantes no ensino médio/pós secundário ou superior 1 390638 400145
Estudantes do sexo feminino no ensino médio/pós secundário ou superior (%) 56,4 53,7
População dos 20-24 anos integrada no ensino médio ou superior (%) 25,6 30,2
População com 23 ou mais anos com o ensino superior completo 8,8 15,1
1
Os valores apresentados podem revelar uma ligeira diferença em relação aos divulgados nas Estatísticas da
Educação do INE. Esta diferença deve-se ao facto de os valores dos Censos, aqui apresentados, remeterem para
declarações espontâneas dos indivíduos e os das Estatísticas da Educação se referirem ao número de inscrições
formais em estabelecimentos de ensino superior.
Fonte: INE (2002 e 2012a).

Os dados recolhidos directamente no âmbito do presente estudo ilustram


de forma bastante evidente as diferenças geracionais no que respeita aos
níveis de qualificação académica de homens e mulheres em Portugal (quadro
1.8). Considerando os indivíduos com 35 ou mais anos – cujo percurso escolar
se desenvolveu, em grande parte dos casos, ainda no período ditatorial –
verifica-se que cerca de um terço (33%) não concluiu mais do que o 1º ciclo do
ensino básico (ou seja, quatro anos de escolaridade). Perto de 5% não obteve
inclusivamente qualquer tipo de qualificação académica, valor que passa a 8%
no caso específico das mulheres. Estes últimos valores diminuíram bastante na

45
última década, assim como quase duplicou a proporção de indivíduos com
mais de 35 anos que completaram o ensino secundário, actualmente de 19%.
Entre os jovens com menos de 35 anos, portanto já todos nascidos no
regime democrático, a situação é bem diferente. Os casos de indivíduos com
qualificações abaixo do 3º ciclo do ensino básico tornam-se pouco comuns. Por
outro lado, são muito mais frequentes os casos que se referem a diplomados
do ensino secundário (40%) ou superior (28%). De destacar, em particular, a
elevada percentagem de jovens mulheres licenciadas – 33% do total das
mulheres com menos de 35 anos, quando entre os homens no mesmo escalão
etário tal valor é de 23%.

Quadro 1.8 Qualificação académica segundo idade e sexo, Portugal, 2013 (%)

Sem
Qualificação académica 1º Ciclo do 2º Ciclo do 3º Ciclo do Ensino Ensino
qualificação Total
segundo idade e sexo ensino básico ensino básico ensino básico secundário superior
académica
Homens 0,0 2,5 9,8 26,4 38,7 22,7 100,0
15-34 anos Mulheres 0,0 0,4 5,1 20,5 40,8 33,2 100,0
Total (n=440) 0,0 1,5 7,4 23,4 39,8 28,0 100,0
Homens 2,6 32,9 14,2 16,0 20,6 13,6 100,0
35 ou mais
Mulheres 7,5 32,3 11,2 17,8 18,3 12,9 100,0
anos
Total (n=1094) 5,3 32,6 12,6 17,0 19,4 13,2 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01 em todas as categorias).

Estas diferenças geracionais têm necessariamente consequências no que


toca à aptidão dos diversos grupos sociais para o desenvolvimento de
actividades com maiores exigências cognitivas. Veja-se, como exemplo, o
domínio de línguas estrangeiras. Num contexto geral em que a compreensão
de idiomas como o inglês é bastante escassa (40% da população não tem
nenhum domínio sobre esta língua), verifica-se que entre os mais jovens
metade declara falar e escrever com facilidade em inglês.
Os progressos verificados entre as gerações mais novas estão todavia
ainda longe de esbater os défices educacionais portugueses, evidentes nas
comparações internacionais (quadro 1.9). Em 2011, Portugal ocupava uma das
últimas posições da União Europeia no que toca à percentagem de indivíduos
com o ensino superior entre a população dos 25 aos 64 anos de idade (17%,
quando a média comunitária é de 27%). Relativamente há dez anos atrás,
Portugal deixou de ter o pior valor da União Europeia no que concerne ao

46
indicador referido, ultrapassando a Itália e dois dos novos estados-membros
(Malta e Roménia), e aproximou-se um pouco mais da média europeia.
A este respeito, a consolidação do processo de reestruturação do ensino
superior que tem vindo a decorrer nos últimos anos na Europa, previsto na
Declaração de Bolonha, subscrita por Portugal em 1999, poderá ter
importantes repercussões (Eurydice, 2010). A constituição do Espaço Europeu
de Ensino Superior, previsto na Declaração, visa a adopção de um sistema de
ensino superior convergente entre os países europeus, promovendo a
empregabilidade entre os cidadãos, a mobilidade de estudantes e docentes, o
desenvolvimento curricular e a cooperação interinstitucional no espaço
europeu.
No que respeita à formação superior em áreas ligadas à ciência e
tecnologia, a situação é significativamente melhor do que em relação à
formação superior em geral. Na última década, Portugal mais do que duplicou o
número de diplomados em ciência e tecnologia por cada mil jovens, que
passou de 6 para 14. No que respeita a este indicador, Portugal situava-se em
2010 acima da média europeia e de países como a Espanha.
A motivação dos jovens para o prosseguimento de carreiras científicas é
um dos objectivos de programas como o Ciência Viva, lançado em 1996 com o
intuito geral de promover a cultura científica e tecnológica junto da população
portuguesa e particularmente dos mais jovens. A cultura científica tem sido
crescentemente objecto de acções na esfera pública, protagonizadas por uma
diversidade de actores sociais, tendo-se mesmo gerado um movimento social
em torno da sua promoção (Costa, Conceição, Pereira, Abrantes e Gomes,
2005; Costa, Conceição e Ávila, 2007).
Também o número de jovens doutorados tem evoluído positivamente em
Portugal, tendo duplicado entre 2004 e 2010 o valor relativo aos novos
doutoramentos. Portugal tem uma posição intermédia neste domínio, face à
grande disparidade registada entre os vários países da União Europeia.

47
Quadro 1.9 Comparação internacional de alguns indicadores de educação (último ano
disponível)

Investimento em Jovens Participantes


População
instituições educativas diplomados Doutoramentos Jovens em formação
com ensino
em ciência em ciência e doutorados ao longo da
superior
País 1 e tecnologia tecnologia 25-34 anos vida
PPS per 25-64 anos
% do PIB 20-29 anos durante o ano de durante o ano de 25-64 anos
capita %
2009 ‰ 2010 2010 %
2009 2011
2010 2011
União Europeia 5,7 6 503,9 26,8 12,5 41 755 --- 8,9
Alemanha 5,3 7 299,0 27,6 14,8 10 168 20 077 7,8
Áustria 5,9 8 945,2 19,3 15,5 1 053 1 748 13,4
Bélgica 6,6 7 658,5 34,6 12,2 977 1 639 7,1
Bulgária 4,5 2 874,1 23,4 11,4 221 271 1,2
Chipre 8,4 8 589,7 37,4 5,1 15 19 7,5
Dinamarca 7,8 9 113,6 33,7 16,5 594 934 32,3
Eslováquia 4,5 3 985,4 18,8 18,3 1 033 1 897 3,9
Eslovénia 5,9 6 609,5 25,1 14,8 248 330 15,9
Espanha 5,6 6 952,7 31,6 13,9 3 701 5 325 10,8
Estónia 6,2 4 172,1 36,8 11,3 93 107 12,0
Finlândia 6,5 7 084,5 39,3 24,2 613 700 23,8
França 6,3 6 987,5 29,8 --- --- --- 5,5
Grécia --- --- 25,4 12,8 772 752 2,4
Hungria 4,8 --- 21,1 8,3 496 807 2,7
Irlanda 6,3 --- 37,7 20,1 618 880 6,8
Itália 4,9 6 275,3 14,9 --- --- --- 5,7
Letónia 5,9 3 721,8 27,7 10,7 48 58 5,0
Lituânia 6,1 3 509,1 34,0 18,7 167 269 5,9
Luxemburgo --- --- 37,0 3,1 22 45 13,6
Malta 6,8 6 836,4 15,3 8,0 5 4 6,6
Países Baixos 6,2 8 358,7 32,1 9,2 1 335 --- 16,7
Polónia 5,8 3 927,8 23,7 15,8 --- --- 4,5
Portugal 5,8 5 298,1 17,3 14,4 638 627 11,6
Reino Unido 6,0 7 847,2 37,0 18,7 8 309 12 763 15,8
República Checa 4,8 4 621,0 18,2 16,5 1 110 1 622 11,4
Roménia 4,2 2 386,2 14,9 15,6 1 452 2 673 1,6
Suécia 6,7 7 950,0 35,2 14,0 1 058 1 388 25,0
EUA 7,3 11 369,5 --- 10,7 23 901 --- ---
Japão 5,0 7 484,0 --- 13,8 6 027 --- ---
1
Poder de compra padrão
Fontes: Eurostat (2012a; 2012e).

Na tentativa de suprir alguns dos défices educativos de boa parte da


população, bem como de acompanhar os próprios desafios da reestruturação
das actividades económicas, alguns esforços têm vindo a ser desenvolvidos,
nomeadamente pelo sector público, no sentido de diversificar as opções
educativas dos jovens e de promover a qualificação e a formação ao longo da
vida dos adultos. A diversificação de opções educativas e formativas no ensino
básico e secundário, assim como a generalização do ensino profissional na
rede de escolas secundárias públicas, contribuiu positivamente para a
escolarização dos jovens (Gomes e Duarte, 2012; Justino, 2012). Também os
cursos de formação profissional conheceram um forte crescimento desde a
48
integração europeia. Os maiores níveis de adesão registam-se entre os jovens,
sendo mais problemático atingir a população mais velha e com níveis de
qualificação mais baixos (OIC, 2003). No sentido de colmatar esta falha, foi
lançado em 2005 o programa Novas Oportunidades. Este programa teve dois
eixos principais com objetivos específicos: primeiro, incentivar os jovens a
completar o ensino secundário, através da promoção de educação profissional
e cursos de formação, e, segundo, proporcionar à população adulta uma nova
oportunidade para melhorar e completar as suas qualificações, através do
reconhecimento, validação e certificação de competências e de ofertas de
educação e formação. A aposta neste domínio reflecte-se na taxa de
participação em processos de aprendizagem formal ao longo da vida, que
quadriplicou entre 2001 e 2011, passando de 3% para 12% (quadro 1.9).
Portugal encontra-se agora acima da média europeia no que a este indicador
diz respeito.
Os resultados do inquérito lançado confirmam o aumento na última
década da incidência de actividades formativas entre a generalidade da
população portuguesa, como também a considerável diferença geracional no
que toca ao interesse pelo aprofundamento de conhecimentos, nomeadamente
no que respeita à profissão. Entre os jovens com mais de 15 anos e menos de
35 anos, cerca de 25% realizaram nos últimos dois anos algum tipo de acção
de formação. Entre os mais velhos este valor é de 15%. Importa referir que
cerca de 5% dos indivíduos nesse último grupo frequentou cursos ou esteve
envolvido em processos de reconhecimento, validação e certificação de
competências (RVCC) no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades.
Embora ainda minoritário, assiste-se assim à emergência de um sector da
população – caracterizado pela sua juventude e pelos seus elevados níveis de
qualificação académica – bastante mais dinâmico no que toca ao
desenvolvimento profissional e ao acesso à informação. Tal é particularmente
evidente entre as jovens do sexo feminino, que contrariam assim o afastamento
deste tipo de actividades ainda patente entre as mulheres mais velhas.
Um outro problema tem vindo contudo a ser cada vez mais reconhecido
em Portugal: os baixos níveis de literacia (OECD, 2000; Ávila, 2008). Os
portugueses apresentam índices bastante críticos quanto à capacidade de
utilização na vida quotidiana de competências de leitura, escrita e cálculo,

49
colocando o país numa das piores posições entre os países da OCDE. À data
do último estudo de literacia da população adulta aplicado em Portugal – o
IALS (International Adult Literacy Survey), em 1998 –, quase metade da
população se enquadrava no nível mais baixo da escala de competências no
que diz respeito à leitura e escrita de textos (prosa), sendo a posição
semelhante no que respeita ao processamento de informação escrita, em
formulários e tabelas (documentos) e envolvendo quadros e gráficos
(quantitativo).
Os baixos níveis de literacia da população adulta incidem sobre os menos
escolarizados. Esta situação estará relacionada, entre outros factores, com o
facto de o tecido económico em Portugal assentar em actividades ainda
bastante desqualificadas, as quais nem sempre estimulam ou exigem a
utilização de competências básicas como as de literacia (Ávila, 2008).
Dados mais recentes referem a um outro programa de pesquisa
internacional, mas este especificamente dirigido aos alunos de 15 anos, o PISA
(Programme for International Student Assessment). Este programa
internacional, promovido pela OCDE, tem permitido avaliar as competências
dos jovens em leitura, matemática e ciências. Em 2000, 2003 e 2006, os
resultados mostravam que os alunos portugueses detinham competências
inferiores aos da média dos países da OCDE, nomeadamente no que concerne
à literacia em leitura, que envolve a descodificação e interpretação da
informação escrita e a capacidade de utilizar a leitura para resolver diferentes
tipos de problemas (OECD, 2010).
Dados mais recentes da aplicação do PISA revelam uma evolução
positiva no domínio da leitura, e portanto, a melhoria das competências dos
alunos portugueses (OECD, 2010 e 2013). O progresso mais destacado
ocorreu em 2009. Observa-se, entre 2000 e 2009, um aumento da pontuação
média obtida e uma aproximação ao valor médio do conjunto dos países da
OCDE, pontuação que se mantém quase inalterada na aplicação de 2012
(quadro 1.10). Um outro elemento a destacar prende-se com a diminuição das
desigualdades entre os alunos portugueses no domínio da leitura. A melhoria
global dos resultados provém, sobretudo, de uma acentuada diminuição do
peso dos alunos com níveis de literacia muito baixos (26% dos alunos

50
situavam-se no nível mais baixo em 2000, passando esse valor para 18% em
2009).

Quadro 1.10 Comparação internacional do desempenho médio no domínio da leitura dos


alunos de 15 anos, 2000-2012

1
Desempenho médio no domínio da leitura
País 2000 2009 2012
Alemanha 484 497 508
Áustria 507 470 490
Bélgica 507 506 509
Dinamarca 497 495 496
Eslováquia --- 477 463
Eslovénia --- 483 481
Espanha 493 481 488
Estónia --- 501 516
Finlândia 546 536 524
França 505 496 505
Grécia 474 483 477
Hungria 480 494 488
Irlanda 527 496 523
Itália 487 486 490
Luxemburgo 441 472 488
Países Baixos --- 508 511
Polónia 479 500 518
Portugal 470 489 488
Reino Unido 523 494 499
República Checa 492 478 493
Suécia 516 497 483
EUA 504 500 498
Japão 522 520 538
OCDE (26) 496 496 498
1
A escala de literacia em leitura está dividida nos seguintes níveis: nível 1 ou
inferior – até 407 pontos; nível 2 – 408 a 480 pontos; nível 3 – 481 a 552
pontos; nível 4 – 553 a 625 pontos; e nível 5 – mais de 625 pontos.
Fonte: OECD (2013).

O relatório internacional do PISA 2009 refere a importância das


transformações ocorridas no sistema de ensino português a partir de 2005 para
as melhorias registadas nas competências de literacia dos alunos. Exemplo
são os programas de incentivo ao uso de computadores e da internet nas
escolas, a reorganização da rede escolar, a instituição de novos instrumentos
de monitorização de aprendizagens, ou ainda o Plano de Acção para a
Matemática e o Plano Nacional de Leitura (OECD, 2010).
O alargamento da escolaridade obrigatória de nove para doze anos de
frequência escolar é também decisivo para o progresso social, económico e

51
cultural do país (MEC, Decreto-Lei nº 176/2012). Esta medida foi estabelecida
em 2009 e entrou em vigor em 2012. A mesma implica importantes desafios no
sentido de proporcionar aos jovens condições para a realização efectiva da
escolarização, reorientando e reorganizando o ensino secundário (Silva,
2012a).

Transformações do trabalho e do emprego

Principalmente a partir da segunda metade do século XX registaram-se


importantes e generalizadas alterações na estruturação dos sistemas de
emprego, fruto e reflexo das transformações tecnológicas, empresariais, sociais
e culturais vividas à escala nacional e global (Castells, 2007; Almeida, 2007).
Portugal não foi excepção, assistindo-se nas últimas décadas a uma
progressiva aproximação aos padrões registados nos países ocidentais, como
aliás os dados avançados anteriormente deixavam já antever. Algumas
particularidades tendem contudo a manter-se, e outras a agravar-se perante o
cenário económico bastante desfavorável com que se finalizou a primeira
década do século XXI e se iniciou a década seguinte.
O mercado de trabalho português foi caracterizado por taxas de emprego
e participação na força de trabalho relativamente elevadas e até em
crescimento entre 1990 e 2001. Mas essa situação alterou-se nos anos
seguintes, perante o início de uma década de fraco crescimento económico e
de desaceleração da produtividade, reflectindo assim os desequilíbrios da
economia portuguesa (MF, MEE e MSSS, 2012).
Desde o início do século XXI e até 2008 as taxas de emprego
mantiveram-se relativamente estáveis, mas sem evolução positiva. A partir de
2009 iniciou-se um forte ciclo de retração do emprego. Resultado da crise
económica internacional, a diminuição ou não crescimento das taxas de
emprego tem afectado a generalidade dos países europeus. Não obstante,
Portugal é um dos países da OCDE onde o emprego mais recuou na última
década (quadro 1.11). A taxa de emprego em 2011 era de 64%, menos 5% do
que dez anos antes.

52
Quadro 1.11 Comparação internacional de alguns indicadores de emprego, 2001-2011

Taxa de emprego Taxa de emprego Taxa de emprego Taxa de emprego a


global feminino sénior tempo parcial
País % % % %
15-64 anos mulheres de 15-64 anos 55-64 anos nos empregados
2001 2011 2001 2011 2001 2011 2001 2011
Alemanha 65,8 72,6 58,7 67,7 37,9 59,9 18,3 22,1
Áustria 68,2 72,1 59,9 66,5 28,2 41,5 12,4 18,9
Bélgica 59,7 61,9 50,7 56,7 25,2 38,7 17,0 18,8
Dinamarca 75,9 73,1 71,4 70,4 56,5 59,5 14,7 19,2
Eslováquia 56,9 59,5 51,8 52,7 22,3 41,4 1,9 4,0
Eslovénia --- 64,4 --- 60,9 --- 31,2 --- 8,6
Espanha 58,8 58,5 43,8 52,8 39,2 44,5 7,8 12,9
Estónia 61,4 65,2 57,3 62,7 45,7 57,1 7,1 8,8
Finlândia 68,3 69,2 65,4 67,5 45,9 57,0 10,5 12,7
França 62,7 63,8 55,7 59,7 30,7 41,4 13,8 13,6
Grécia 55,6 55,6 41,2 45,1 38,0 39,4 4,9 9,0
Hungria 56,2 55,8 49,8 50,6 23,5 35,8 2,5 4,7
Irlanda 65,7 59,6 54,6 56,0 46,9 50,8 17,9 25,7
Itália 54,9 56,9 41,1 46,5 28,0 37,9 12,2 16,7
Luxemburgo 63,0 64,6 50,8 56,9 24,8 39,3 13,3 16,0
Países Baixos 72,6 74,9 63,4 69,9 37,3 56,1 33,0 37,2
Polónia 53,5 59,7 47,8 53,1 29,0 36,9 11,6 8,3
Portugal 68,9 64,2 61,3 60,4 50,2 47,9 9,2 11,5
Reino Unido 72,5 70,4 66,0 65,3 52,1 56,8 22,7 24,6
República Checa 65,3 65,7 57,0 57,2 37,1 47,6 3,2 3,9
Suécia 75,4 74,1 73,5 71,9 67,0 72,5 13,9 13,8
EUA 73,1 66,6 67,1 62,0 58,6 60,0 12,8 12,6
Japão 68,8 70,3 57,0 60,3 62,0 65,1 --- 20,6
OCDE 65,2 64,8 55,1 56,7 48,1 54,4 12,0 16,5
Fonte: OCDE (2012a).

Quanto à taxa de desemprego, o indicador médio anual referente a 2001


situou-se em Portugal nos 4,1%, valor que triplicou dez anos depois. Em 2011
a taxa de desemprego foi de 12,7%, a terceira maior da OCDE (OECD, 2012a).
Tendo em consideração o valor mais recente relativo a 2013, de 16,3%,
constata-se que o desemprego quadriplicou desde o início do século XXI (INE,
2012e). Uma característica associada à dinâmica do desemprego é o crescente
peso do desemprego de longa duração (MF, MEE e MSSS, 2012). A taxa de
desemprego de longa duração situou-se em 2013 nos 10,1%.
Os níveis de desemprego têm merecido uma crescente atenção pública,
dado o significativo impacto que têm na vida das pessoas e famílias, em
especial nas de recursos mais escassos. Segundo a OCDE, o aumento do
emprego é a forma mais promissora de combater a desigualdade. Promover
mais e melhores empregos e oferecer perspectivas de carreira reais, evitando o
aumento de situações de pobreza, é o desafio mais importante para os

53
decisores políticos. Para tal, a OCDE destaca a importância de investir no
capital humano (OECD, 2011).
A qualificação é um indicador decisivo na compreensão do aumento do
desemprego em Portugal, associada ao contexto de crise (Cantante, 2011).
Ainda que o desemprego seja crescente entre todos os perfis escolares, é
entre os trabalhadores menos qualificados e com maiores dificuldades de
adaptação às novas exigências da economia actual que ele é mais
pronunciado. Em termos de estrutura etária, apesar de o número de
desempregados jovens registar, em 2011, um aumento substancial, o peso da
população da faixa etária superior a 45 anos foi o que registou o maior
acréscimo no total da população desempregada na última década. De salientar
também alguma dificuldade de absorção imediata dos jovens recém-
licenciados, decorrente em larga medida de alguma rigidez organizacional e da
fraca modernização de parte do tecido empresarial português.
Os dados apurados directamente através de auto-declaração no inquérito
lançado a propósito deste estudo no terceiro trimestre de 2013 indicam uma
taxa de desemprego real de 21% entre a população em geral. Segundo a
mesma fonte, cerca de 17% dos activos com menos de 35 anos de idade
encontravam-se em situação de desemprego (5 pontos percentuais acima dos
valores registados entre quem tem mais de 35 anos). O impacto social de tal
situação é agravado ainda pelo facto de ser também nestas faixas etárias que
é mais frequente a ausência de qualquer subsídio. Quase 57% dos
desempregados em Portugal não usufruem de subsídio de desemprego,
sintoma da fragilidade das políticas sociais no país. Mas entre os mais novos
essa percentagem sobe para 72% dos casos, reflectindo a grande instabilidade
por muitos destes vivida no que toca à inserção profissional e as insuficiências
dos sistemas de segurança social.
Apesar do actual contexto desfavorável, a participação da mão-de-obra
feminina na força de trabalho mantém-se elevada. Esta participação foi
decisiva para os níveis de emprego alcançados principalmente até ao início do
século XXI, atingindo níveis bastante superiores aos de outros países
tradicionalmente mais próximos de Portugal em termos culturais. Relativamente
a outros países, Portugal destaca-se particularmente pela maior incidência do
trabalho feminino a tempo inteiro, em todas as classes sociais, mesmo quando

54
os filhos são pequenos (Guerreiro e Abrantes, 2004). Este facto pode-se
explicar não só pelas dinâmicas de autonomia e emancipação das mulheres
portuguesas, mas também pelos processos de emigração e mobilização militar
dos homens nas décadas de 60 e 70, ou ainda pelos próprios
constrangimentos financeiros vividos por muitas das famílias portuguesas.
Os dados recolhidos através do inquérito desenvolvido no âmbito da
presente investigação confirmam precisamente este forte envolvimento
feminino no mundo laboral, dando contudo também a conhecer ainda algumas
diferenças geracionais. Entre as mulheres com mais de 35 anos a presença no
mercado de trabalho, embora elevada (na ordem dos 57%), é um pouco inferior
à registada entre os homens da mesma idade (63%). De referir que, entre
essas, 11% ocupam-se exclusivamente das tarefas do lar. Tal categoria é
sobretudo representativa entre as mulheres com 45 e mais anos, sendo
inexpressiva nos escalões etários mais jovens. Entre os indivíduos no escalão
etários dos 15 aos 34 anos, uma parte significativa destes (25%) encontram-se
ainda na condição de estudantes (reflexo do prolongamento dos processos de
escolarização). Mas entre os restantes, a presença das mulheres na esfera
profissional é já idêntica à dos homens (a taxa de actividade ronda em ambos
os casos os 73%), mais um indicador da consolidação do papel da mulher na
sociedade portuguesa.
Outra questão interessante na caracterização do mercado de trabalho em
Portugal diz respeito ao prolongamento da vida activa (que tem acabado por
compensar a crescente tendência para entradas mais tardias). Parte
significativa dos homens ou das mulheres permanecem profissionalmente
activos para lá dos 55 anos de idade (quadro 1.11). A tendência na
generalidade dos países europeus na última década foi o aumento significativo
do emprego sénior, para valores que se assemelham aos registados em
Portugal já em 2001. Pelo contrário, a tendência em Portugal nos últimos anos
foi de decréscimo (embora ligeiro), tal como aconteceu com a taxa de emprego
global.
As estratégias de reestruturação empresarial nas últimas décadas, assim
como o mais recente aumento do desemprego, têm conduzido a um elevado
número de processos de reforma antecipada no país. Contudo, estas poderão
ter tendência a diminuir, uma vez que em 2012 o governo anunciou a

55
suspensão das normas de flexibilização da idade da reforma antes dos 65 anos
até ao final da vigência do programa de assistência financeira a Portugal.
Neste ponto há que considerar também que muitos dos reformados
acabam por desenvolver outras actividades, frequentemente de carácter
independente, prolongando a sua vida activa. Essa é uma forma de reforçar os
orçamentos familiares ou de manter uma ocupação por parte daqueles que se
sentem aptos para tal.
Alguma mudança nos fluxos migratórios em Portugal, decorrente da
desaceleração da produtividade e das alterações recentes nas estruturas de
emprego, terá também contribuído para o recuo das taxas de actividade
profissional. Ao longo da História, os contingentes de imigração, constituídos
na sua esmagadora maioria por população em idade activa, concorreram para
o crescimento desses indicadores.
No que concerne aos vínculos laborais, o mercado de trabalho português
é constituído na sua maioria por trabalhadores por conta de outrem (perto de
80% da população empregada) (INE, 2012e). Entre estes, o vínculo laboral
mais comum continua a ser o contrato permanente. Segundo os dados
apurados directamente pela presente pesquisa, este tipo de contrato
representa cerca de 70% dos casos, sendo contudo bastante mais frequente
entre as gerações mais velhas.
Outras modalidades contratuais, como o “contrato a termo certo”, ou o
chamado trabalho temporário, têm vindo a conhecer um forte crescimento na
última década, fruto do declínio do modelo anterior baseado em inserções
profissionais estáveis e duradouras (Oliveira e Carvalho, 2008). Actualmente,
Portugal tem a terceira maior taxa de trabalho temporário da Europa, com
cerca de 20% de trabalhadores temporários face ao total de empregados
(Eurostat, 2012b). Os vínculos contratuais mais precários atingem em particular
os recém chegados ao mercado de trabalho. Cerca de 35% dos portugueses
entre os 15 e os 34 anos já inseridos profissionalmente têm contratos a prazo,
percentagem que entre os mais velhos é de 8%. Estes valores aumentam
ainda mais se se tiver em consideração as situações de trabalho por conta
própria, que significa frequentemente prestação continuada de serviços a
outrem sem formalização contratual – entre os mais jovens representam 13%
dos casos. De salientar também que, em Portugal, cerca de 5% dos

56
trabalhadores por conta de outrem não dispõem de qualquer tipo de vínculo
laboral formal, situação que atinge em particular as mulheres pouco
qualificadas (9%).
A instabilidade laboral dominante entre as camadas mais jovens da
população é igualmente patente quando se considera há quanto tempo estes
estão no seu actual emprego e se observa o número de entidades para as
quais prestaram já serviços. Cerca de 60% dos activos com menos de 35 anos
a trabalhar estão no seu actual emprego há menos de cinco anos. Entre estes,
cerca de metade trabalhou apenas para uma empresa durante os últimos cinco
anos, 31% trabalharam para duas ou mais organizações, 13% para três e 6%
para quatro ou mais. Tal afigura-se bastante ilustrativo das transformações do
emprego.
A precarização dos vínculos de trabalho e a instabilidade laboral, a par da
actual contracção do mercado de trabalho, têm vindo a gerar um cenário de
enormes incertezas nos trajectos e projectos de entrada dos jovens na vida
adulta (Guerreiro e Abrantes, 2004; Guerreiro e Pegado, 2006). A precariedade
como um permanente modo de vida é um problema grave da sociedade
portuguesa actual, que não se circunscreve à questão laboral mas se expande
pelas várias dimensões da vida social (Alves, Cantante, Baptista e Carmo,
2011).
O alargamento de modelos menos tradicionais de prestação de trabalho,
como o emprego a tempo parcial ou o tele-trabalho, continua a ter no entanto
uma expressão bem mais reduzida do que noutros países ocidentais (quadro
1.11). Segundo os dados recolhidos junto dos inquiridos no âmbito do estudo
agora apresentado, entre os jovens empregados com idade até 35 anos, 14%
trabalha a tempo parcial, valor que desce para 6% entre os mais velhos.
Analisando a dimensão da flexibilidade do tempo de trabalho, verifica-se
que, em 2009, 48% das empresas em Portugal tinham um horário flexível de
trabalho, enquanto na UE27 o mesmo acontecia em média em 56% das
empresas (Dornelas e Silva, 2012).
O trabalho por conta própria (que compreende quer os trabalhadores
independentes quer a classe patronal) tem conhecido, por seu turno, alguma
estabilidade nas últimas décadas, mas com tendência para recuo nos últimos
anos, representando segundo os dados oficiais perto de 1/5 da população

57
empregada (INE, 2012e). Os resultados obtidos directamente confirmam este
cenário, permitindo ainda concluir que estes empreendedores são, na maioria
dos casos, trabalhadores independentes ou pequenos empresários na área do
comércio ou serviços, com poucas qualificações académicas – longe da figura
do empreendedor altamente qualificado emergente em regiões de grande
desenvolvimento económico (veja-se o caso da Califórnia, Castells, 2007a).
Cerca de metade trabalham sós e os restantes detêm pequenas empresas com
um número muito reduzido de trabalhadores, o que vem mais uma vez
corroborar o carácter frágil e disperso da estrutura empresarial portuguesa.
Quanto à evolução da estrutura ocupacional em Portugal, são também
bastante expressivas as alterações verificadas nas últimas décadas,
nomeadamente na mais recente (quadro 1.12), acompanhando as dinâmicas
vividas quer a nível da distribuição sectorial do emprego, quer da qualificação
da população activa (Costa, Mauritti, Martins, Machado e Almeida, 2000; MF,
MEE e MSSS, 2012; Mauritti e Nunes, 2013). Segundo os dados dos Censos
(INE, 2012a), destacam-se entre 2001 e 2011, por um lado, o aumento dos
especialistas das actividades intelectuais e científicas e dos trabalhadores dos
serviços pessoais e vendedores, e, por outro lado, a redução dos empregados
da indústria, construção e artífices, estes mais ligados a uma componente de
trabalho manual.
Os profissionais intelectuais e científicos são o exemplo paradigmático
das ocupações mais exigentes do ponto de vista do processamento da
informação e da mobilização de conhecimentos de natureza complexa, as
quais têm registado uma importante expansão, reflexo da crescente
incorporação de tecnicidade nas actividades económicas e nos serviços
públicos. Estes profissionais, protagonistas centrais das dinâmicas da
sociedade do conhecimento, observam um crescimento muito significativo,
embora ainda longe em Portugal dos valores alcançados noutros países
europeus (Costa, Machado e Almeida, 2007). Em 2011 representavam 15% da
população portuguesa empregada, o que significa um crescimento de mais de
6% na última década. Em termos de representatividade na estrutura de
emprego, este considerável aumento coloca agora o grupo dos especialistas
das actividades intelectuais e científicas à frente dos técnicos intermédios e do
pessoal administrativo. Este cenário confirma a crescente qualificação do

58
emprego em Portugal, uma vez que as profissões intelectuais e científicas
estão associadas a níveis de escolaridade superior (Rodrigues, Oliveira e
Carvalho, 2007).
Expansão também relevante na última década teve o grupo dos
trabalhadores dos serviços pessoais e vendedores, que em 2011 aumentou
mais de 5% relativamente a dez anos antes. Este é actualmente o grupo mais
representado (20%) entre a população empregada, confirmando o já referido
crescimento do sector terciário e o aumento das inserções profissionais no seu
âmbito (Almeida, 2007).

Quadro 1.12 Distribuição do emprego por profissões, Portugal, 2001-2011 (%)

Profissão 1 2001 2011


Representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, directores e
7,0 7,4
gestores executivos
Especialistas das actividades intelectuais e científicas 8,5 14,9
Técnicos e profissões de nível intermédio 9,5 11,0
Pessoal administrativo 11,0 9,0
Trabalhadores dos serviços pessoais, de protecção e segurança e vendedores 14,2 19,7
Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura, da pesca e da floresta 4,0 2,3
Trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices 21,5 15,7
Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem 8,6 6,1
Trabalhadores não qualificados 15,0 13,1
Profissões das Forças Armadas 0,7 0,7
1
As classificações utilizadas sofreram alguns reajustes ao longo deste período. Alterações entre CNP/94 e
CPP/2010 em: INE (2011), Classificação Portuguesa das Profissões 2010, Lisboa, INE.
Fonte: INE (2002 e 2012a).

No que concerne aos trabalhadores qualificados da indústria, construção


e artífices, verifica-se uma redução de quase 6% do seu peso relativo nos
últimos dez anos, tendo este deixado de ser o grupo mais representado entre a
população portuguesa empregada. A tendência decrescente abrangeu
também, embora mais moderadamente, os operadores e trabalhadores da
montagem, os trabalhadores não qualificados, e os agricultores e trabalhadores
qualificados da agricultura, da pesca e da floresta. Note-se contudo que o peso
relativo dos trabalhadores não qualificados ainda persiste consideravelmente
elevado (13%), reflectindo não só as fracas competências de uma parte ainda
considerável da população portuguesa, mas também as parcas exigências de
muitas das unidades empregadoras. O trabalho não qualificado tende a ser
mais frequente entre as faixas etárias mais avançadas (Rodrigues, Oliveira e
Carvalho, 2007).

59
Relativamente às profissões ligadas à agricultura, a redução do seu
contingente vem confirmar o forte declínio deste sector enquanto fonte de
trabalho, verificado com maior intensidade nas últimas décadas do século XXI.
Na actualidade a agricultura ganha sobretudo sentido enquanto actividade
profissional complementar, não exclusiva (Mauritti e Nunes, 2013). Em 2011,
este grupo representava pouco mais de 2% da população empregada, sendo
caracterizado por integrar uma população envelhecida e com níveis de
qualificação escolar bastante baixos. Segundo dados do recenseamento
agrícola de 2009 (INE, 2011), o produtor agrícola tipo é homem, tem 63 anos,
apenas completou o 1º ciclo do ensino básico e tem formação agrícola
exclusivamente prática. Avanços no que toca à procura de formação
profissional na área da agricultura têm-se feito sentir de forma ligeira e
progressiva ao longo dos anos.
Os jovens sem elevadas qualificações têm lugar no mercado de trabalho
principalmente nos serviços e na indústria. Constituem um segmento de mão-
de-obra indiferenciada que serve sectores de actividade ainda desqualificados
(Rodrigues, Oliveira e Carvalho, 2007). Segundo dados dos Censos 2011
disponibilizados pelo INE, 23% dos activos com idades até 35 anos
desenvolvem profissionalmente actividades de prestação de serviços (pessoais
ou de protecção e segurança) e de empregados do comércio. Entre quem tem
35 anos ou mais, tal percentagem é de 18%. Embora esse tipo de actividade
profissional seja o mais comum em ambos os grupos etários, é nele que se
encontra maior diferenciação etária. É também particularmente recorrente entre
as mulheres. Encontramos também muitos jovens nas fileiras do operariado
industrial, sendo esta ainda hoje uma saída profissional particularmente
frequente entre os jovens do sexo masculino e com mais curtos percursos de
escolarização. Cerca de 23% dos homens com menos de 35 anos, e que
actualmente integram a população activa, enquadram-se entre os
trabalhadores da indústria, construção e artífices (percentagem próxima da
registada nas gerações mais velhas). A percentagem de trabalhadores não
qualificados entre os indivíduos nessa faixa etária é ainda assinalável – mais
de 10%. Confirma-se pois, mesmo entre a juventude, a manutenção de uma
faixa não negligenciável da população caracterizada por uma manifesta

60
escassez de recursos face ao mercado de trabalho e, consequentemente, face
a muitas outras esferas da vida social.
Não obstante, têm já uma forte presença entre os jovens os grupos
profissionais caracterizados por uma maior exigência em termos dos níveis de
educação formal, como os especialistas das profissões intelectuais e
científicas. Ainda segundo os dados dos Censos, em 2011, 18% dos
portugueses até aos 35 anos integravam-se nesse grupo ocupacional, face a
14% dos indivíduos com mais de 35 anos. É neste tipo de ocupação que a
presença de ambos os sexos é uma das menos equilibradas entre as novas
gerações, com uma preponderância clara entre as mulheres (23% face a 13%
entre os homens). Esta situação confirma – à semelhança do que se passa
noutros países desenvolvidos – a crescente feminização destas profissões
registada nas últimas décadas (Costa, Mauritti, Martins, Machado e Almeida,
2000; Castells, 2007a; Rodrigues, Oliveira e Carvalho, 2007). Note-se ainda a
considerável representatividade dos técnicos e profissionais de nível intermédio
e do pessoal administrativo entre os indivíduos até 35 anos – 12% e 10%
respectivamente –, e a substancialmente mais reduzida incidência de
dirigentes, directores e gestores executivos – cerca de 4% (face a 9% entre
quem tem mais de 35 anos).
Se se atender ao facto de os mais jovens demonstrarem níveis bastante
mais elevados de educação formal, é curiosa a menor representação destes
entre os dirigentes e o desequilíbrio não tão acentuado quanto seria expectável
entre grupos etários no que concerne às profissões intelectuais e científicas.
Esta situação é, em larga medida, explicada pelo facto de os jovens, mesmo
que frequentemente com elevadas formações académicas, tenderem a iniciar a
sua vida activa em profissões com menores exigências de qualificação e mais
baixas posições hierárquicas. Para além dos factores relativos aos tempos
sociais habituais de progressão nas carreiras profissionais, tal como na
acumulação de capitais económicos, acresce na sociedade portuguesa actual
ainda alguma dificuldade em expandir a oferta de inserções profissionais
melhor posicionadas na estrutura social de modo a absorver estes recém
chegados ao mercado de trabalho, mesmo que estes demonstrem
frequentemente melhores níveis de formação formal do que muitos daqueles
que já o integram.

61
Tal situação é particularmente evidente ao analisar a distribuição da
população segundo um indicador socioprofissional de lugares de classe
(Machado, Costa, Mauritti, Martins, Casanova e Almeida, 2003; Costa,
Machado e Almeida, 2007) – um indicador compósito que integra como
variáveis não só a profissão e a situação na profissão mas também a
qualificação profissional e a posição hierárquica (quadro 1.13). Recorre-se para
isso aos resultados do inquérito Sociedade em Rede 2013.
Os portugueses, tanto os jovens como os mais velhos, concentram-se
maioritariamente nas categorias referentes aos assalariados de base,
nomeadamente, aquelas que integram os empregados executantes (que se
ocupam de actividades administrativas, comerciais, de segurança e serviços) e
os operários industriais (que desempenham tarefas de produção fabril/oficinal e
de transporte). Embora com diferenças significativas entre si – pela
especificação técnica das funções que executam, pelos contextos relacionais
em que se integram ou ainda pela valorização social do trabalho que
desenvolvem – trata-se em ambos os casos de posições na estrutura
socioprofissional caracterizadas pela ausência de poderes hierárquicos
significativos, fracos graus de autonomia no trabalho e níveis de rendimentos
tendencialmente mais baixos.

Quadro 1.13 Categorias socioprofissionais segundo idade e sexo, Portugal, 2013 (%)

Empresários,
Categorias Profissionais
dirigentes e Trabalhadores Agricultores Empregados Operários Assalariados
socioprofissionais técnicos e de Total
profissionais independentes independentes executantes industriais agrícolas
segundo idade e sexo enquadramento
liberais
100,0
Homens 8,6 18,6 2,6 0,6 23,2 45,1 1,4
100,0
15-34 anos Mulheres 9,1 15,2 2,9 0,0 43,8 27,9 1,0
Total 100,0
(n=314)
8,9 16,9 2,7 0,3 33,5 36,6 1,2
100,0
Homens 18,0 15,6 5,9 2,0 18,2 37,7 2,6
35 ou mais 100,0
Mulheres 11,5 15,4 4,3 0,6 31,6 33,2 3,3
anos
Total 100,0
(n=1010)
14,7 15,5 5,1 1,3 25,1 35,4 3,0
100,0
Total (n=1324) 13,3 15,8 4,5 1,0 27,1 35,7 2,6

Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01 em todas as categorias).

Comparando a distribuição dos dois grupos etários considerados


(menores e maiores de 35 anos) por categorias socioprofissionais e focando as
diferenças percentuais, sobressai a maior incidência dos empregados

62
executantes entre os mais jovens e dos empresários, dirigentes e profissionais
liberais entre os mais velhos. A representatividade dos profissionais técnicos e
de enquadramento é quase semelhante entre as duas faixas etárias.
Tal está longe de invalidar uma presença já bastante significativa dos
mais novos entre os profissionais técnicos e de enquadramento e mesmo,
embora em menor escala, entre os empresários, dirigentes e profissionais
liberais, grupo social ainda caracterizado em Portugal por níveis de
escolaridade notoriamente inferiores aos da generalidade dos países europeus
(Costa, Machado e Almeida, 2007). Considerando o seu tempo de vida activa e
a conhecida dificuldade de acesso a capitais, a sua participação pode ser
considerada relevante. Neste domínio, é de destacar em especial o papel das
jovens mulheres, por uma penetração na classe dos dirigentes já idêntica à
registada pelos homens.
A estrutura socioprofissional portuguesa mantém ainda algumas
especificidades. Permanece, inclusive entre os jovens e não obstante o
desenvolvimento sócio-educativo recente, uma proporção significativa da
população com inserções profissionais relativamente pouco qualificadas e
pautadas pela fraca mobilização de conhecimentos codificados. E parecem
manter-se, em muitos casos, estruturas laborais que tendem a privilegiar a
antiguidade sobre a formação. Segundo os especialistas, a segmentação é
precisamente um dos traços estruturantes do mercado de trabalho português.
O mercado de trabalho em Portugal ainda é marcado por dualismos de
qualificações, salários e protecção social, e por uma excessiva rigidez (visível
por exemplo nas carreiras de administração pública), o que favorece a
precariedade principalmente entre os jovens, em média mais qualificados que
os trabalhadores mais idosos (Dornelas e Silva, 2012).
Não obstante estas especificidades, a evolução histórica recente revela o
geminar de novas formas de organização socioeconómica, nas quais os jovens
e os indivíduos mais escolarizados têm um papel bastante relevante. O
desenvolvimento profissional e formativo caracteriza boa parte dos jovens,
mesmo que estes não beneficiem de igual estabilidade laboral ou que se
integrem em categorias profissionais de nível inferior (Parente, Ramos, Marcos,
Cruz e Neto, 2011). Recorde-se também que os especialistas das profissões

63
intelectuais e científicas foram o grupo profissional que mais cresceu entre a
população empregada na última década.
Passaram a assumir maior protagonismo as novas classes médias
assalariadas, caracterizadas por elevados índices de qualificação, melhores
níveis de rendimento, novas modalidades de consumo e práticas culturais e,
ainda, por uma crescente paridade entre os sexos. São precisamente estes
grupos que demonstram um maior dinamismo profissional, traduzido, entre
outros, num maior investimento na formação contínua ou na crescente
complexificação dos conhecimentos mobilizados no trabalho. Estas são
características particularmente importantes no actual contexto de recessão
económica e decisivas para enfrentar os desafios colocados pela contracção
do mercado de trabalho.
A título de exemplo, segundo o apurado directamente por esta pesquisa,
16% dos profissionais técnicos e de enquadramento foram promovidos nos
últimos dois anos, quando a média global não foi além dos 7% (valor
consideravelmente menor ao registado há dez anos atrás). Num contexto
pautado pela crescente tecnicidade das actividades produtivas e dos serviços
prestados, 46% da população activa portuguesa terá, em igual período,
passado a mobilizar no seu trabalho um maior volume de conhecimentos
técnicos. Mas no caso específico dos profissionais técnicos e de
enquadramento, tal incidência é ainda maior (70%), o que indicia os processos
de desenvolvimento profissional em que estes estão envolvidos.

Evolução demográfica e transformações nas estruturas familiares

A primeira década do século XXI foi marcada pela consolidação do


intenso processo de transição demográfica e recomposição familiar que teve
início ao longo do século XX, muito em particular nas últimas décadas desse
século. Apesar de, em termos comparativos, se ter verificado uma entrada
relativamente tardia nos processos de modernidade demográfica comuns à
generalidade dos países ocidentais, sob o ponto de vista de muito indicadores
verificou-se uma rápida aproximação aos padrões médios comunitários.

64
Todavia, alguns traços característicos do cenário tradicional tendem a persistir,
confirmando-se – neste como noutros domínios – o carácter complexo e
multifacetado da sociedade portuguesa (Ferrão, 1996; Guerreiro, Torres e
Lobo, 2007; Carrilho e Patrício, 2010).
Um aspecto desde logo a salientar prende-se com a desigual distribuição
da população pelo território e, nomeadamente, com a intensa concentração
demográfica nas regiões do litoral. Tal tendência tem vindo a acentuar-se
continuamente. Mesmo nos anos 60, quando fortes movimentos de emigração
para países do centro europeu ditam um decréscimo global da população, os
residentes no litoral urbano continuaram a aumentar, assistindo-se
essencialmente ao êxodo das regiões rurais do interior. O padrão de
litoralização do país continuou a reforçar-se no século XXI, assistindo-se nos
últimos dez anos à perda de população em grande parte dos municípios do
interior e à concentração nos territórios do litoral (Carrilho e Patrício, 2010; INE,
2012a). Em 2011, cerca de 3/4 da população vivia na faixa mais estreita do
litoral desde Setúbal ao extremo norte do país.
Intimamente associado ao fenómeno da litoralização encontra-se, por seu
turno, um intenso, e não raras vezes desordenado, processo de urbanização
(quadro 1.14). Em 1960 pouco mais de 1/5 da população residia em centros
urbanos com mais de 10 mil habitantes; na viragem para o século XXI esse
valor ascendia a quase 40% e em 2011 atingia os 43%. Quase metade dos
residentes concentram-se actualmente nas zonas metropolitanas de Lisboa e
Porto, sendo também cada vez mais significativa a concentração em cidades
de média dimensão, nomeadamente algumas sedes de distrito. Nos últimos
dez anos as áreas que registaram maiores crescimentos da população foram
precisamente os municípios à volta de Lisboa, mas também a região do
Algarve e a Região Autónoma da Madeira (INE, 2012a).
A título exemplificativo dos fenómenos de litoralização e urbanização,
observemos os valores de densidade populacional de algumas regiões de
Portugal: as sub-regiões do Grande Porto e da Grande Lisboa apresentam
valores de densidade populacional de 1580 hab/km2 e 1484 hab/km2;
enquanto as sub-regiões da Beira Interior Sul, Alto Alentejo, Alentejo Litoral e
Baixo Alentejo apresentam uma densidade populacional entre 15-20 hab/km2.
Portugal continua a apresentar assim, no século XXI, fortes desequilíbrios

65
regionais, que se manifestam não só em termos da densidade populacional,
mas também – e apesar dos progressos verificados – nas acessibilidades, nas
oportunidades de emprego, no acesso à educação, à saúde ou à cultura, para
citar apenas alguns exemplos.
Os fenómenos de migração interna manifestam um significado importante
na história recente do país. De acordo com os dados directamente recolhidos
pela presente investigação, 38% da população nascida em Portugal não é
originária do concelho onde reside actualmente. Entre os mais novos é de igual
forma frequente a residência noutro concelho do mesmo distrito onde
nasceram e a residência noutro distrito, mas entre os restantes são patentes as
migrações mais distantes, reflexo porventura do mais forte êxodo das regiões
do interior do país registado há algumas décadas atrás. É também interessante
verificar que, se entre os nascidos antes de 1974 não chegam a 10% aqueles
que referem ter mudado de local de residência nos últimos anos, já entre os
mais novos os casos mobilidade residencial recente duplicam. Tal pode ser
atribuído a factores como eventuais deslocações sazonais com intuitos
académicos, mudança de residência por motivos profissionais ou a provável
saída recente do lar paterno, entre outros. Uma parte significativa da
população, em especial a mais jovem, manifesta pois alguma mobilidade
geográfica, que se traduz não só em migrações internas mas também, nalguns
casos, pela residência noutros países. Aliás, é de salientar a emigração como
um dos traços estruturais da história da sociedade portuguesa, nomeadamente
no século XIX e nos anos 60/70 do século XX, e com uma nova tendência de
crescimento no início do século XXI.

Quadro 1.14 Evolução de alguns indicadores espaciais e demográficos, Portugal, 2001-2011

Indicadores 2001 2011


População em cidades com mais de 10 000 habitantes (%) 37,7 42,7
a
Taxa de natalidade (‰) 11,0 9,5
a
Índice sintético de fecundidade 1,5 1,4
a
Taxa de mortalidade infantil (‰) 5,0 2,5
População de 0-14 anos (%) 16,0 14,9
População de 65 e + anos (%) 16,4 19,0
a
Dados de 2010.
Fonte: INE (2002; 2012a; 2012d).

66
No que toca ao crescimento demográfico, do início ao fim do século XX
assiste-se a uma duplicação da população residente, ultrapassando-se na
última década do século a mítica barreira dos 10 milhões de habitantes. Já na
primeira década do século XXI verifica-se um abrandamento do crescimento
demográfico, com 2% de aumento, face aos 5% observados na década de 90
do século XX (Carrilho e Patrício, 2010). Actualmente, Portugal tem cerca de
10 milhões e quinhentos mil habitantes. O crescimento verificado desde o início
do século XX esteve assim longe de ser contínuo. Olhando em particular para a
segunda metade do século XX, terá sido particularmente favorecido, na década
de 70, pelo regresso de um vasto contingente de residentes nas ex-colónias, e,
desde a de 90, pelo aumento significativo do número de imigrantes. Tal
permitiu superar os efeitos demográficos da emigração, particularmente fortes
nas décadas de 60/70. Por sua vez, no final da primeira década do século XXI,
a taxa média anual de crescimento da população torna-se praticamente nula,
para o que contribui tanto o decréscimo do saldo natural como do saldo
migratório.
A população estrangeira representava em 2001, cerca de 2,2% do total de
habitantes; valor que, embora bastante abaixo dos registados noutros países
com forte tradição de imigração (Castells, 2007a) e ainda pouco representativo
na população portuguesa, remete para uma duplicação de efectivos
estrangeiros no espaço de uma década (Machado, 1999). A proporção da
população estrangeira a residir em Portugal voltou a aumentar
significativamente na primeira década do século XXI, atingindo os 3,7% em
2011 (INE, 2012a). Não obstante, a partir de 2009 verificou-se uma ligeira
diminuição do número de novas autorizações de residência emitidas em
Portugal. Para a quebra do crescimento sustentado dos estrangeiros residentes
em Portugal concorreram, designadamente, os impactos da crise económica e
financeira em Portugal e o maior acesso à nacionalidade portuguesa (Malheiros
e Esteves, 2012; OECD, 2012b; SEF, 2012).
As novas tendências migratórias em Portugal são não só de redução do
número de imigrantes, como também de incremento da emigração. A
emigração portuguesa tem vindo a aumentar a partir da segunda metade da
primeira década do século XXI. Estimativas sugerem mais de 70 mil partidas

67
por ano, mais de metade das quais de indivíduos com menos de 30 anos
(OECD, 2012b).
O crescimento natural da população residente em Portugal ao longo da
última década foi diminuto. Os padrões de natalidade/fecundidade e
mortalidade têm vindo a aproximar-se fortemente dos registados na
generalidade dos padrões ocidentais, pese embora se mantenham
internamente forte assimetrias regionais. A partir de 2007, correspondendo ao
início do período de agravamento da situação económica em Portugal,
registaram-se mesmo valores negativos no que ao saldo natural da população
diz respeito, consequência de o número de nascimentos ser inferior ao número
de óbitos.
As elevadas taxas de natalidade e fecundidade dos anos 60 – em que
cada mulher tinha em média 3 filhos – sofrem desde então um intenso
decréscimo. Em 1982 a substituição das gerações deixa de ser assegurada. No
início do século XXI regista-se um índice sintético de fecundidade na ordem
dos 1,5, que, dez anos depois, evolui para 1,4 crianças por mulher (quadro
1.14), valor muito semelhante à média europeia. Razões de ordem económica
encontram-se entre os principais motivos apontados pelas famílias para a
diminuição do número médio de filhos, mas há também a considerar neste
âmbito a generalização das práticas de controlo da natalidade e as fortes
alterações registadas no estatuto da mulher no quadro social, económico e
jurídico português, bem como da própria criança. O prolongamento dos
percursos escolares e de estabilização profissional, associados ao
prolongamento dos processos de transição para a vida adulta, levam também
ao adiamento dos projectos de parentalidade (Guerreiro e Abrantes, 2004).
Veja-se a evolução recente da idade média das mulheres à data de nascimento
do primeiro filho: 24,7 anos de idade em 1990, 26,8 em 2001 e 28,9 em 2010
(INE, 2012d).
Paralelamente, decorrendo do progressivo desenvolvimento dos cuidados
de saúde no país, é evidente a queda das taxas de mortalidade infantil – que
tinham permanecido bastante elevadas durante boa parte do século XX – bem
como o gradual aumento da esperança média de vida à nascença. Esta atinge,
em 2011, 76,5 anos no caso dos homens e 82,4 das mulheres (assemelhando-

68
se aos valores médios europeus), o que significa em termos gerais um
aumento de quase 3 anos no espaço de uma década (INE, 2012h).
Este panorama acaba por se reflectir num progressivo envelhecimento da
população, patente tanto na diminuição do peso relativo da população jovem,
como no aumento da mais idosa. Em 2011, a população com 65 ou mais anos
já ultrapassava em 4% a população com menos de 15 anos (quadro 1.14). Esta
tendência, comum à generalidade dos países europeus, foi iniciada em
Portugal de forma mais tardia, mas também mais intensa, pelo que a estrutura
etária nacional se aproxima hoje bastante da registada naqueles Estados. Tal
facto – traduzido no aumento da população dependente (crianças, jovens e
idosos) – vem colocar novos desafios à manutenção do modelo europeu de
protecção social, ainda mais preocupantes num país como Portugal onde o
Estado-Providência nunca teve a extensão alcançada noutros países
(Mozzicafreddo, 1998; Rodrigues, 2010).
Intimamente associadas a estas alterações, encontram-se por seu turno
as transformações vividas, em especial nas duas últimas décadas, no seio das
estruturas familiares (quadro 1.15). Alguns indicadores demográficos são
particularmente sugestivos destas intensas mudanças, que aproximam
rapidamente Portugal dos padrões vividos na Europa e que o tornam
inclusivamente pioneiro no conjunto dos países da Europa mediterrânica
(tradicionalmente com quadros culturais mais próximos do português). Veja-se
a taxa da nupcialidade que, depois de subir continuamente até meados dos
anos 70, conhece desde então um importante declínio, rondando em 2001 os
5,7‰ e em 2010 os 3,8‰. Muito significativa é a alteração no peso relativo dos
casamentos civis, que em 2007 ultrapassaram a percentagem de casamentos
católicos – em 1960 os casamentos civis representavam menos de 10% dos
casamentos, em 2001 cerca de 38% e actualmente perto de 60%. Destaca-se
ainda a crescente importância relativa dos filhos fora do casamento, que em
2001 ascendiam a 24% do total de nascimentos e em 2011 a 43%. Os dois
últimos indicadores referidos registaram assim um aumento de cerca de 20%
ao longo da última década.
Muito em particular nas zonas mais urbanizadas do litoral e nas regiões a
sul do país – onde as práticas e representações no domínio da família mais se
assemelham às vividas nos países europeus – novos modos de entrar e viver a

69
conjugalidade têm vindo a emergir de forma bastante significativa (Torres,
2002; Torre, Mendes e Lapa, 2006; Amor, Nunes e Lopes, 2010). Tal é
evidente no adiamento da idade média ao casamento, na cada vez mais
frequente coabitação prévia à união formal, na expansão em geral das uniões
de facto ou no considerável alargamento do número de rupturas conjugais. Em
2011 as uniões de facto representavam 13% do total de uniões conjugais,
tendo uma expressão mais significativa nas regiões de Lisboa e do Algarve
(20%). Por sua vez, a taxa de divórcio, actualmente muito próxima da média
europeia, conheceu um crescimento substancial nas últimas décadas,
situando-se nos 2,6‰ em 2010. De lembrar que, até 1975, os casamentos
católicos não podiam, salvo raras excepções, ser alvo de divórcio formal. A
evolução desde então registada acaba por se reflectir também na expansão
das famílias monoparentais – constituídas cada vez mais por divorciados com
filhos a cargo, na maioria mulheres, e não por viúvos(as) – bem como no
aumento da importância relativa dos recasamentos e das famílias
reconstituídas (Lobo, 2009).

Quadro 1.15 Evolução das estruturas familiares, Portugal, 2001-2011

Indicadores 2001 2011


a
Taxa de nupcialidade (‰) 5,7 3,8
Idade média do homem ao 1º casamento 27,8 31,0
Idade média da mulher ao 1º casamento 26,1 29,5
Conjugalidade por união de facto 6,9 12,9
Casamentos católicos (%) 62,5 39,5
a
Taxa de divórcio (‰) 1,8 2,6
Nascimentos fora do casamento (%) 23,8 42,9
Dimensão média dos agregados domésticos 2,8 2,6
Agregados com mais de cinco pessoas (%) 3,3 2,0
Famílias monoparentais (%) 11,5 14,9
Famílias reconstituídas (%) 2,7 6,6
Famílias unipessoais (%) 17,3 21,4
a
Dados de 2010.
Fonte: INE (2002; 2012a; 2012d).

Por todos estes factores, a dimensão média dos agregados familiares


conhece uma progressiva diminuição. São cada vez menos frequentes as
famílias alargadas e os agregados constituídos por vários núcleos familiares. E,
pelo contrário, tende a ser mais expressivo o número de indivíduos que vivem
sós, não só entre os grupos etários mais velhos – que tradicionalmente se
encontravam nesta situação na sequência de uma viuvez – mas também entre
70
os mais jovens – que assim vivenciam uma outra forma de emancipação
familiar, não necessariamente associada à conjugalidade. Embora em Portugal
a proporção de pessoas em monoresidência seja inferior ao registado na
maioria dos países europeus, parece estar a desencadear-se uma dinâmica de
crescimento. Diferentes perfis-tipo de relações com o viver só têm emergido
nas sociedades contemporâneas, reflexo da pluralização e diferenciação de
projectos de vida (Mauritti, 2011).
Actualmente, o número de famílias unipessoais constituídas por uma
pessoa idosa representa a maioria das famílias unipessoais e corresponde a
cerca de 10% do total de famílias clássicas (INE, 2012a). Estes idosos a viver
sozinhos são particularmente vulneráveis pelo seu maior risco de pobreza face
à restante população (Capucha, 2007). Num cenário de crescente
envelhecimento demográfico, intensifica-se o debate em torno dos modelos
actuais de cuidados a pessoas idosas e das políticas sociais direccionadas
para esse grupo.
Apesar das formas plurais e das novas configurações que vai assumindo,
a família continua a ser uma prioridade na vida pessoal dos indivíduos
(Guerreiro, Torres e Lobo, 2007). A vida familiar em várias modalidades, e
constituída pelo casamento formal ou pela coabitação, prevalece face às
situações em que se está sozinho.
Os valores inerentes à família e ao casamento têm vindo assim a mudar
consideravelmente entre a maioria dos portugueses, ainda que as práticas
efectivas nem sempre o reflictam de forma tão imediata e expressiva. Vários
estudos mostram que a conjugalidade é cada vez mais entendida como um
compromisso afectivo e privado, laico e não necessariamente
institucionalizado, e que as formas de viver tanto a conjugalidade como a
parentalidade se tornaram menos padronizadas e mais plurais (Aboim, 2006;
Torre, Mendes e Lapa, 2006; Guerreiro, Torres e Lobo, 2007; Amor, Nunes e
Lopes, 2010). A mudança nas representações sobre a conjugalidade e o
casamento consubstanciou-se também através da legalização em Portugal do
casamento entre pessoas do mesmo sexo, ocorrida em 2010.
A família surge como uma espaço de afectos e realização pessoal, e as
diferenças de estatuto entre homens e mulheres tendem a ser minimizadas,
privilegiando-se concepções baseadas no princípio da igualdade. Contudo, e

71
apesar dos processos de emancipação feminina anunciados, muitas das
práticas no seio familiar (e fora dele), mantêm os contornos do modelo
tradicional de relação entre os sexos. Veja-se o caso da divisão das tarefas
domésticas que, não obstante a participação da mulher no mundo do trabalho,
continua a ser desfavorável para esta (Wall e Guerreiro, 2005; Aboim, 2010);
as desigualdades salariais ainda persistentes (Carvalho, 2011); ou ainda a
fraca taxa de participação feminina na vida social e política (Santos, 2008). A
conciliação entre o trabalho e a vida familiar, particularmente cara às mulheres,
é cada vez mais entendida como uma questão central no desenvolvimento do
país, em relação à qual muito tem ainda de ser feito na aproximação aos
padrões de alguns países europeus, como os escandinavos (Rodrigues,
Barroso e Caetano, 2010).

Estado e cidadania

Do ponto de vista do funcionamento do Estado, das suas áreas de


intervenção e da sua relação com a população em geral, muitas foram também
as transformações vividas nas últimas décadas em Portugal. Durante os
últimos trinta anos do século XX, o país depôs uma ditadura de meio século,
viveu um período revolucionário de grande conturbação e debate político,
consolidou um regime democrático, desenvolveu as estruturas de um Estado-
Providência e integrou as suas instituições no espaço europeu. Sob muitos
aspectos aproximou-se assim fortemente dos modelos políticos de boa parte
dos países ocidentais, vindo a enfrentar no início do século XXI problemas e
desafios semelhantes aos encarados em muitas destas nações. No final da
primeira década do século, esses problemas e desafios agudizaram-se ou
ganharam uma maior visibilidade, face ao contexto de recessão económica.
Algumas especificidades têm também vindo a manifestar-se em Portugal, fruto
quer do desenvolvimento tardio e particular dos modelos políticos actuais, quer
das próprias peculiaridades da sociedade civil.
Um dos aspectos desde logo a salientar prende-se com a emergência
comparativamente bastante tardia do Estado-Providência (Mozzicafreddo,

72
1998; Freire, 2010; Rodrigues, 2010). Este conhece o seu desenvolvimento
após a instauração do regime democrático, estruturando-se – à semelhança do
que acontecera na maior parte das sociedades industrializadas – em torno de
três eixos fundamentais. Por um lado, o desenvolvimento de políticas de
natureza social dirigidas quer à população em geral, quer à protecção dos
segmentos mais desfavorecidos. Por outro, a institucionalização de um modelo
de concertação entre parceiros sociais e económicos. Por outro ainda, e após
um período revolucionário pautado por uma intensa intervenção do Estado na
economia (de que são exemplo as nacionalizações), a implementação de
políticas de regulação económica e minimização das disfuncionalidades do
mercado livre.
Em termos gerais, qualquer destes eixos tem como princípios fundadores
os princípios de igualdade e universalidade. Todavia, as modalidades de
concretização adoptadas acabaram por manifestar alguma selectividade e
fragmentação, respondendo essencialmente às necessidades mais prementes
manifestadas por determinados grupos sociais (Mozzicafreddo, 1998;
Rodrigues, 2010). Veja-se o exemplo do Sistema Nacional de Saúde, em que,
apesar da cobertura pública universal, não está garantida a total equidade no
acesso (Silva, 2012c) nem uma assistência de qualidade a toda a população;
ou ainda dos subsídios de doença e desemprego dos quais são ainda por
vezes excluídos os trabalhadores com inserções mais precárias no mercado de
trabalho.
Importantes desenvolvimentos do Estado-Providência foram sendo
alcançados ao longo do tempo, nomeadamente no âmbito da protecção social
e da regulação económica, esta última particularmente beneficiada pelas
transferências financeiras da União Europeia. Enquadram-se neste âmbito uma
multiplicidade de medidas visando, entre outros, o apoio à requalificação dos
trabalhadores e das estruturas produtivas, o incentivo à inovação ou a
concessão de benefícios à localização de actividades nas zonas do interior
(Mozzicafreddo, 1998).
A situação recessiva que o país atravessa desde o final da última década
manifestou-se no abrandamento das despesas públicas. Quanto ao emprego
público, no final de 2011 os funcionários públicos tinham um peso de 11% entre
a população activa em Portugal. Este indicador tem vindo a decrescer

73
progressivamente nos últimos anos, estando abaixo da média dos países da
OCDE. Paralelamente, o rácio das despesas com pessoal nas administrações
públicas em relação ao PIB em Portugal reduziu 18,8% entre 2005 e 2011,
enquanto na UE27 decresceu a uma média de 0,2% (DGAEP, 2012). A
redução do número de funcionários públicos é um dos objectivos
governamentais integrados no programa de ajustamento económico acordado
com as organizações internacionais no âmbito da crise financeira (Batista e
Silva, 2012).
Segundo dados da OCDE, a despesa com a função social do Estado em
Portugal representava 25% do PIB em 2012. Este indicador – que inclui as
despesas sociais com idosos, doentes e incapacitados, famílias e
desempregados, e com o apoio ao emprego e à habitação – cresceu
consideravelmente nas últimas décadas, tendo ultrapassado a média dos
países da OCDE. Contudo, desde 2009 que a despesa social em percentagem
do PIB apresenta uma tendência de estabilização (OECD, 2012e). Em 2011, a
reforma ou pensão era o principal meio de vida de 27% da população. O
subsídio de desemprego, os subsídios temporários ou de doença e o
rendimento social de inserção eram o principal meio de subsistência de cerca
de 5% da população (INE, 2012a).
Entre as alterações nas políticas de distribuição de recursos
desenvolvidas nos anos mais recentes, com o objectivo de diminuir a despesa
com o estado social, encontram-se a diminuição das indemnizações por
despedimento e as alterações restritivas nas prestações de desemprego
(Dornelas e Silva, 2012). Estas alterações surgem face ao aumento da
despesa com o subsídio de desemprego (33% entre Janeiro de 2012 e Janeiro
de 2013), prestação social que ainda assim estima-se abranger apenas uma
parte do total de desempregados. O Estado português tem também vindo
crescentemente a proceder à venda das suas participações em empresas, no
sentido de contribuir para a liberalização do funcionamento dos mercados de
bens e serviços (Santos, 2012; Xavier, 2012).
A última década ficou marcada por um estado social confrontado com
algumas tensões e disfuncionalidades, designadamente no que concerne aos
mecanismos de regulação e à condição de desigualdade das políticas
(Fernandes 2006; Pinto 2008). Paralelamente intensificou-se o debate público

74
sobre o papel do estado na economia (Santos, 2012) e sobre a
sustentabilidade e o futuro do estado social (Freire, 2010). A manutenção e
desenvolvimento das estruturas do Estado-Providência e a regulação
adequada dos mercados são considerados necessários por grande parte dos
especialistas para garantir a justiça e a coesão sociais (Fernandes 2006; Pinto
2008).
Em curso esteve também, na última década, um processo intensivo de
modernização da própria administração pública (Mateus, 2008; Batista e Silva,
2012; Marques, 2012). A simplificação, desburocratização e desmaterialização
da administração pública foram objectivos definidos em 2005 no Plano
Tecnológico. A entrega das declarações de IRS por via electrónica, o serviço
online Segurança Social Directa, o portal de procura e oferta de emprego
NetEmprego, o cartão de cidadão, o passaporte electrónico, o documento único
automóvel, o acesso gratuito ao Diário da República, são exemplos de serviços
que foram criados com o intuito de melhorar a vida dos cidadãos e aproximá-
los da administração pública.
A informatização das unidades de serviços públicos e a criação de sítios
na internet, que disponibilizam informação e possibilitam a prestação de
serviços, fizeram com que Portugal seja considerado um país de vanguarda em
termos de governo electrónico. Em 2009 o país alcançou a meta de 100% dos
serviços públicos disponíveis online, o que representa uma evolução
significativa face a 2004, em que tal percentagem era de 40%. Portugal está no
topo do ranking europeu dos serviços públicos electrónicos também no que
respeita à sofisticação dos serviços (Capgemini, IDC, Rand Europe, Sogeti e
DTi, 2010).
A utilização destes recursos por parte dos portugueses tem vindo a
aumentar. Em 2011, 57% dos utilizadores de internet visitaram sites de
organismos da administração pública para obter informações, e 48% utilizaram
esses sites para preencher e enviar online impressos ou formulários oficiais
(Cardoso, Espanha e Paisana, 2012).
A generalidade das páginas na internet das administrações públicas
contemplam também espaços para que a sociedade civil apresente
reclamações e sugestões, e se manifeste sobre processos em consulta pública,
tendo-se aberto novas modalidades de participação social e política,

75
nomeadamente no âmbito do Parlamento (Cheta, 2004; Cardoso, Nascimento,
Morgado e Espanha, 2005).
Em termos gerais, é consensual afirmar que, em Portugal, as relações
entre a população e o Estado são historicamente pautadas por uma
considerável distância (Viegas, 2000; Freire e Magalhães, 2002; Viegas e
Faria, 2007). Passado o período de grande reivindicação social e política
verificado entre 1974 e 1976 na consequência do fim da ditadura, e uma vez
consolidada a democracia representativa, os indicadores de participação dos
cidadãos portugueses na vida pública nacional retomam valores bastante
fracos (entre os mais baixos da União Europeia). Tal situação, manifesta entre
outras nas crescentes taxas de abstencionismo eleitoral, vem colocar novos
desafios à qualidade do próprio regime democrático, instaurando – tal como
tem acontecido noutros países – o debate sobre a reforma das instituições de
participação e sobre a necessidade de credibilizar a actividade política (Viegas,
2000). Note-se que as eleições de 2011, tanto as legislativas como as
presidenciais, foram as que registaram o maior nível de abstencionismo do
regime democrático instaurado após o 25 de Abril de 1974 – 42% e 53%,
respectivamente (CNE, 2012).
Vários factores podem ajudar a explicar a fraca cultura de participação
política dos portugueses e o seu alheamento em relação a muitos dos debates
em curso (Viegas, 2000; Freire e Magalhães, 2002). Alguns estudos extensivos
demonstram que, embora a democracia seja considerada um valor decisivo
entre a generalidade dos cidadãos, a normalização do regime, a diminuição da
conflitualidade entre propostas e a pragmatização da política (nomeadamente a
percepção dos limites impostos pelas estruturas político-financeiras
supranacionais) podem constituir factores inibidores de um maior envolvimento.
Também a considerar são os fracos índices de literacia, que tornam mais difícil
uma participação activa e informada na vida política (Nunes e Caldeira, 2011).
Muitos cidadãos demonstram, paralelamente, um claro desinteresse pela vida
colectiva e uma crescente desconfiança em relação aos outros e às instituições
(Freire e Meirinho, 2009). Os autores que se debruçam sobre este tema têm
associado tais tendências, por um lado, ao desenvolvimento de uma cultura
individualista e hedonista e, por outro, à crescente partidocracia e à
multiplicação de escândalos políticos com forte cobertura mediática (desafios

76
em larga medida também presentes noutras nações democráticas) (Sousa,
2003; Sousa e Triães, 2008).
Pode apontar-se ainda a presença em Portugal, como noutros países do
sul da Europa, de importantes traços de uma cultura de autoritarismo e
subordinação, fruto da história e da lenta mudança das estruturas mentais mais
profundas (Cruz, 1995). Esta terá dificultado o pleno desenvolvimento da
cidadania e tornado mais permeável a sociedade portuguesa à adesão a
figuras políticas de imagem carismática e paternalista (frequentemente
encontradas, entre outras, nas estruturas do poder local).
Neste contexto, não será surpreendente o facto de, em 2006, Portugal
apresentar a terceira mais baixa frequência de práticas de acção colectiva do
espaço europeu (Nunes e Caldeira, 2011). No mesmo sentido, Portugal
registava índices de associativismo bastante inferiores à média europeia.
Inquéritos realizados ao longo da última década (Viegas e Santos, 2009 e
2010) indicam que a participação associativa em Portugal só é superior à
participação associativa nos países de leste. Em 2008, mais de 80% da
população portuguesa não tinha qualquer pertença associativa. Os valores
recolhidos directamente no âmbito da presente investigação, em 2013,
apontam para uma percentagem semelhante, revelando também a ausência de
diferenças geracionais significativas neste domínio.
Segundo dados de 2008 (Viegas e Santos, 2009), entre as associações
mais representativas em Portugal encontravam-se as associações desportivas
e sociais e as estruturas com incidência sindical – sendo neste ponto de
destacar a decrescente taxa de sindicalização dos trabalhadores portugueses
(pelo menos até 2010, quando era de 19%), baixa em particular entre os mais
novos. Ao contrário do que se verificava noutras regiões, nomeadamente do
norte da Europa, em Portugal tinham ainda pouca expressão o associativismo
formal ligado aos denominados novos movimentos sociais, que integra as
associações de defesa dos direitos de cidadania, as associações de
consumidores, as associações ambientalistas e de defesa dos animais. Entre
2001 e 2008 verificou-se um decréscimo de envolvimento na generalidade das
associações, com excepção das associações de carácter social e das
associações profissionais.

77
A participação associativa tem sido, nos anos mais recentes, menos
continuada e mais intensa, incidindo em causas específicas e em momentos
bem definidos (Viegas e Santos, 2009 e 2010). O actual momento histórico tem
sido especialmente propício a essa participação, tenho surgido novas
modalidades de acção.
Perante o agravar da situação económica e das políticas de contenção
financeira, tem-se verificado um pouco por todo o mundo o aumento da
contestação e o crescimento da mobilização popular (Ortiz et al., 2013),
associados a uma maior valorização do capital social (Growiec, Vilhelmsdóttir e
Cairns, 2012), e a emergência de novos movimentos sociais, particularmente a
partir do espaço digital (Castells, 2012). Em Portugal, a criação de movimentos
de contestação em rede tem sido alargada face ao contexto de forte
reivindicação social. É o caso das plataformas de protesto contra a má gestão
democrática e da despesa pública, os movimentos de desempregados ou os
movimentos contra o trabalho precário. Esta é uma nova forma de
associativismo informal, que parte da internet e das redes sociais para o
espaço físico (Pereira, 2008). Trata-se de uma nova modalidade de
contestação dos cidadãos, propiciadora de novos espaços de debate na esfera
pública e instrumento de mobilização social.
Ganham também crescente importância novas formas de participação
social e política, de que são exemplo a assinatura de petições ou a
organização de manifestações públicas não directamente decorrentes do
trabalho partidário. Estas iniciativas têm vindo a utilizar crescentemente a
internet, nomeadamente as redes sociais, como forma de mobilização
(Cardoso e Neto, 2003; Sebastião, Pacheco e Santos, 2012). Entre os
exemplos mais recentes e paradigmáticos deste tipo de iniciativas encontram-
se o protesto da “geração à rasca” em 2011 e os protestos contra a austeridade
em 2012 e 2013. Estas iniciativas surgiram de um grupo de anónimos e
revelaram o forte poder de mobilização popular das redes sociais. Segundo os
dados directamente apurados nesta pesquisa, participaram nessas acções,
respectivamente, 6% e 11% da população portuguesa. No caso dos protestos
contra a austeridade, quase um quarto da população em geral teve
conhecimento ou foi motivada a participar neles através das redes sociais, e

78
um em cada dez portugueses utilizou as redes sociais para manifestar a sua
opinião.
Quanto às petições, mesmo que se aponte para um carácter simbólico,
estas funcionam como um facilitador da expressão das opiniões dos cidadãos
(Sebastião, Pacheco e Santos, 2012). Os dados do inquérito aplicado no
âmbito deste estudo mostram que 40% dos portugueses que já subscreveram
abaixo-assinados ou cartas de protesto a órgãos do estado ou da
administração pública fizeram-no através de ferramentas da internet como
petições.
As ferramentas digitais têm assim potenciado novas formas de
participação política (Simões, 2005). O surgimento de movimentos de
contestação em rede realça o papel dos media sociais enquanto instrumentos
de mobilização social (Cardoso, 2014). Até há pouco tempo estes modos de
intervenção eram bastante restritos, estando quase exclusivamente associados
ao envolvimento partidário, ao contrário do que já acontecia de uma forma
muito mais alargada noutros países da Europa (Viegas e Faria, 2007; Nunes e
Caldeira, 2011). Os resultados de alguns estudos apontam no sentido de as
redes sociais poderem influenciar a própria participação eleitoral (Magalhães,
2008) e estimularem uma cidadania activa nomeadamente entre os mais
jovens (Cardoso, 2011). O caminho para uma democracia digital está contudo
ainda limitado pela considerável faixa populacional que permanece excluída
das novas tecnologias de informação e pela interferência demarcada destes
meios na actividade política (tendencialmente mais utilizada para transmitir
ideias pelos eleitos e pelos partidos do que para consultar ou usufruir das
ideias dos eleitores) (Cardoso, Nascimento, Morgado e Espanha, 2005).
Não obstante as mais recentes manifestações, é consensual entre os
diversos analistas a relativa fragilidade da sociedade civil portuguesa ou,
noutras palavras, a sua dificuldade em se afirmar como actor chave das
transformações do país. Em alguns domínios, o Estado tem assumido um
papel central na dinamização da mudança (Rodrigues, 2010). Veja-se, por
exemplo, os incentivos à inovação, nas suas várias vertentes, ou o
envolvimento directo nos investimentos em ciência e tecnologia.
Nesse sentido, poder-se-ia considerar tratar-se o Estado português de um
Estado forte, com grande prevalência sobre os cidadãos. Contudo, mesmo não

79
negando a debilidade e relativa ineficácia das estruturas da sociedade civil,
dificilmente se poder afirmar tal preponderância do Estado na vida económica,
social ou cultural do país. Não só porque se registam diversas manifestações
de mudança desencadeadas à margem de qualquer intervenção estatal – de
que são exemplos a feminização do trabalho, as alterações dos estilos de vida
ou as migrações. Mas também, precisamente, porque é grande a distância dos
cidadãos face às estruturas do Estado, ou mesmo, nalguns casos, face à lei.
São, entre outros, conhecidos os problemas da evasão fiscal e da economia
paralela, ou ainda uma multiplicidade de outras questões em que se regista um
claro desfasamento entre a legislação existente e as práticas correntes
desenvolvidas pela generalidade dos portugueses. Quer porque o quadro legal
nem sempre acompanha as fortes transformações sociais e culturais entretanto
desencadeadas, quer, pelo contrário, porque não raras vezes as práticas não
se alteram por proposta legislativa (veja-se, entre muitos outros, a persistência
de casos de discriminação salarial). Assim sendo, não só a sociedade civil
apresenta fragilidades mas também o próprio Estado português anuncia alguns
traços de debilidade na sua relação com os cidadãos, sobretudo no que diz
respeito a certos grupos de interesse específicos (económicos, religiosos,
desportivos, corporativos, mediáticos, etc.).

Transformações no espaço dos meios de comunicação de massa

Os meios de comunicação de massa afirmaram-se, ao longo do século


XX, como protagonistas centrais no processo de formação da opinião pública,
em Portugal, como noutros países e a nível mundial (Castells, 2007a). As
importantes transformações registadas neste domínio nas últimas décadas
assumem assim, à semelhança de outras já enunciadas, um impacto decisivo
no panorama cultural, político, social e económico do país. Num espaço de
tempo relativamente curto, a comunicação social portuguesa abandonou um
contexto pautado pela censura e por uma forte regulação estatal para, após
uma breve experiência de estatização dos principais núcleos empresariais,

80
enfrentar, como muitos outros países desenvolvidos, os novos desafios da
liberalização e da globalização do sector (Mesquita, 1994; Oliveira, 1995).
Durante as largas décadas do período ditatorial, os media portugueses
permaneceram sujeitos a um apertado sistema de controlo ideológico, não
conhecendo, em termos gerais, grande impacto numa população caracterizada
pelos seus fracos índices culturais e pelo seu reduzido poder de compra. Os
jornais resultavam de pequenas estruturas empresariais, pouco modernizadas,
com baixos níveis de profissionalismo e com uma situação financeira bastante
débil. As rádios, embora com maior audiência, permaneciam essencialmente
sob o domínio do Estado e da Igreja Católica, servindo directamente os seus
interesses. E a televisão, numa situação de monopólio, iniciou sob o controlo
directo do poder político emissões regulares em 1957, mantendo contudo por
vários anos uma fraca cobertura do território nacional. O protagonismo dos
meios de comunicação social em Portugal, embora crescente, manteve-se
assim limitado neste vasto período, afirmando-se os media, em boa medida,
como veículos propagandísticos do Estado junto da população que a eles tinha
acesso.
A revolução de Abril de 1974 consagrou a liberdade de expressão como
direito fundamental, ditando assim o fim da censura; mas conduziu igualmente
à nacionalização dos principais meios de comunicação social e, nesse sentido,
à manutenção de um regime de dependência face ao Estado ou aos principais
grupos políticos então emergentes (Mesquita, 1994). Os anos que se seguiram
foram marcados pela profunda crise financeira de muitas das empresas do
sector – nomeadamente da imprensa escrita, pública ou privada – não obstante
a crescente importância dos media na vida política, social e cultural do país.
Data também desse período a proliferação, por todo o território nacional, das
chamadas “rádios piratas”, iniciativas de base local que, aproveitando a
ausência de regulamentação e controlo efectivo do sector, se propuseram
como alternativas face à hegemonia até então vigente das duas principais
emissoras, a de propriedade estatal e a da igreja católica. Na maioria dos
casos, aqueles projectos tiveram uma curta duração, resultado quer do seu
amadorismo, quer também da saturação do espaço radiofónico e da sua
posterior regulamentação segundo as directivas comunitárias. Apesar disso,
constituíram-se em alguns casos como um importante espaço de dinamização

81
de debates e iniciativas de carácter local, bem como de formação para uma
nova geração de profissionais da comunicação social.
O contexto subjacente à adesão europeia criou novas condições para o
desenvolvimento dos media em Portugal. O clima de confiança económica
então dominante favoreceu a estruturação do sector, suscitando a criação de
novos projectos empresariais e a modernização das estruturas já existentes.
Tais investimentos foram ainda beneficiados pelo dinamismo então conhecido
no mercado da publicidade, fruto da abertura económica aos produtos
estrangeiros e das inovações introduzidas no domínio do marketing. Inicia-se
também neste período uma profunda alteração da composição social dos
produtores de informação mediática, designadamente dos jornalistas, processo
ao qual não é alheia a emergência de novas ofertas de formação nestes
domínios.
Fortemente associado a estas transformações encontra-se o processo de
reordenação legal do sector que, à semelhança do registado noutros países,
acabou por se traduzir na liberalização dos meios de comunicação de massa
em Portugal. Tal processo deu início com a privatização, a partir de 1986, da
imprensa escrita anteriormente nacionalizada; passou pelo reordenamento do
espectro radiofónico, em 1988; e culminou com a revisão constitucional de
1989, que veio permitir a possibilidade de exploração de emissões televisivas
por parte de privados. Assistiu-se assim, em 1992, ao nascimento de dois
projectos de televisão privada e, consequentemente, ao fim dos 35 anos de
monopólio televisivo estatal.
Portugal entra então, embora com ligeiro atraso, na nova era da
comunicação social, marcada pela concentração e internacionalização dos
capitais, pela integração empresarial multimédia e multisectorial, pelo
desenvolvimento de novos modos de fabricação dos produtos informacionais e
de entretenimento e pela crescente tecnicidade dos meios de produção, entre
outros. Parte significativa dos programas emitidos passam a resultar da
importação de produtos ou modelos do estrangeiro, nomeadamente das
grandes redes de audiovisual a operar no território mundial. Os meios de
comunicação social afirmam-se claramente como um dos mais importantes
veículos de incorporação, na cultura portuguesa, de referências simbólicas de
origem estrangeira, designadamente anglo-saxónica e brasileira. Esta abertura

82
ao exterior tem começado nos últimos anos a traduzir-se também no fluxo
inverso, ou seja, na exportação de produtos nacionais, nomeadamente no
domínio da ficção televisiva.
A liberalização criou condições para um maior pluralismo dos produtos,
debates e ideias veiculados pelos vários meios de comunicação social. Mas as
crescentes exigências financeiras e a necessidade de sobreviver num mercado
livre tornaram as empresas mais dependentes do mercado publicitário e, logo,
da conquista de audiências.
As audiências televisivas são, em volume absoluto, bastante mais
reduzidas do que noutros países europeus, embora em termos relativos sejam
consideravelmente elevadas e portanto mais dificilmente expansíveis. Segundo
os dados directamente apurados, ver televisão é a prática comunicacional mais
generalizada na vida quotidiana, com 96% dos portugueses a declarar realizá-
la habitualmente ou ocasionalmente. Cerca de 40% destes ocupam mais de 15
horas por semana nessa actividade.
Já a imprensa escrita continua a enfrentar os ainda consideravelmente
fracos índices de leitura da população portuguesa, em particular das gerações
mais velhas, com menores níveis de literacia (Santos, Neves, Lima e Carvalho,
2007). A título de exemplo, segundo os dados recolhidos directamente nesta
pesquisa, 39% dos indivíduos maiores de 35 anos de idade afirmam ler livros
em papel habitualmente ou ocasionalmente, percentagem que sobe para 52%
entre os mais jovens. Cerca de 10% dos portugueses em geral lêem livros
através de dispositivos digitais. A promoção da leitura, especialmente entre os
mais jovens, tem sido uma prioridade governativa, concretizada mais
recentemente através da implementação do Plano Nacional de Leitura (Costa,
Pegado, Ávila e Coelho, 2011).
A situação é um pouco melhor no que toca especificamente à leitura de
jornais e revistas. De acordo com os resultados de inquéritos nacionais, o
crescimento dos leitores de jornais foi particularmente notório na última década.
Esse era o suporte mais lido pelos leitores (83%) em 2007 (Santos, Neves,
Lima e Carvalho, 2007). Esta evolução estará relacionada com o alargamento
do mercado dos jornais gratuitos em Portugal ao longo da década de 2000.
Segundo o estudo Sociedade em Rede 2013, 72% dos portugueses leem

83
jornais ou revistas em papel habitualmente ou ocasionalmente, e um quarto da
população portuguesa lê jornais online.
O número de títulos de jornais e revistas aumentou essencialmente até ao
início do século XXI, tendo posteriormente registado uma tendência de ligeiro
recuo (Cardoso, Espanha e Paisana, 2012). Segundo dados do INE, em 2011
existiam em Portugal 1513 publicações periódicas, que registaram 720 milhões
de exemplares de tiragem total e 589 milhões de exemplares de circulação total
(INE, 2012c). Ao contrário da década de 1990, a tendência desde 2000 no que
refere à venda de publicações tem sido de recuo. Quanto aos exemplares
distribuídos gratuitamente, em 2011 estes representavam quase metade (47%)
da circulação total, tendo contudo a sua importância relativa decrescido desde
2008 (ano em que atingiu 53%). Os jornais totalizaram 77% da circulação total
de publicações. Segundo dados da Marktest, os jornais diários de informação
geral foram os que em 2011 registaram uma maior audiência média em
Portugal. Considerável expressão tiveram também os jornais e revistas de
interesse geral e os jornais diários de desporto (Cardoso, Espanha e Paisana,
2012).
A Alemanha era em 2009 o país com a maior circulação de jornais pagos
da Europa, vendendo perto de 20 milhões de jornais diariamente, o que perfaz
uma média de 243 exemplares vendidos por cada mil habitantes (Leurdijk, Slot e
Nieuwenhuis, 2012). No mesmo ano, em Portugal o total de exemplares
vendidos em média por dia era de 688 mil, correspondendo a 65 jornais por
cada mil habitantes (INE, 2012c). Este número decresceu relativamente a
2000, quando a média era de 88 jornais pagos por cada mil habitantes. A
distribuição de jornais gratuitos e o mais generalizado acesso online a
informação não paga explicará em grande parte esta quebra. Uma queda na
circulação de jornais tem sido observada nos últimos anos na generalidade dos
países europeus.
A reduzida expressão das tiragens em Portugal tornou nas últimas
décadas a situação financeira destes meios de comunicação ainda mais
dependente das receitas da publicidade, receitas que estão longe de alcançar
os níveis registados noutros países mais desenvolvidos. Na tentativa de
responder de forma mais directa ao mercado e de assim garantir níveis mais

84
satisfatórios de circulação, muitos grupos vieram a adoptar estratégias de
especialização dos seus títulos.
Por outro lado, a partir do final da década de 90, muitas das publicações
impressas, como aliás dos restantes media, ganharam uma nova dimensão
com a entrada no domínio das edições electrónicas (Cardoso, Vieira e
Mendonça, 2010b). Poder-se-á considerar que a notoriedade pública dos títulos
se tornou profundamente associada à sua presença na internet e que os
grupos empresariais aproveitaram as potencialidades desta nova tecnologia na
tentativa de alargar as suas audiências. Nalguns casos, passaram a prestar
novos serviços (ex. acesso aos arquivos para pesquisa), dedicando em geral
bastante atenção às suas edições online. A adesão dos cibernautas
portugueses a este novo formato foi bastante significativa. A crescente difusão
da internet em Portugal tem facilitado a expansão desta área de negócio. Ao
longo da última década o suporte digital foi ganhando importância entre as
publicações periódicas, verificando-se o aumento do número de publicações
usando exclusivamente o suporte electrónico e daquelas que passaram a usar
simultaneamente o suporte electrónico e o suporte papel. Em 2010, o primeiro
caso representava 8% do total de publicações periódicas e o segundo caso
24% (Cardoso, Espanha e Paisana, 2012).
O número de visitas a sites de notícias tem registado subidas constantes.
Comparando os rankings dos meses de Dezembro de 2007 e de 2012 do
medidor de tráfego de entidades web Netscope (Marktest/Weborama, 2012),
verifica-se uma subida muito significativa das visitas à generalidade das
páginas na internet de títulos originários da imprensa, assim como também da
televisão e da rádio. Alguns sites de jornais diários viram mesmo as suas
audiências triplicar nos últimos cinco anos. Os sites de diários de desporto são
os mais consultados na internet, seguindo-se os diários de informação geral e
os diários de economia e finanças.
Não obstante a relevância dos outros media, a televisão assume-se como
o principal meio de informação e entretenimento da população portuguesa,
muito em particular das gerações mais velhas e menos escolarizadas,
caracterizadas não só por mais baixos índices de leitura mas, também, por
uma mais fraca adesão a práticas culturais outdoor e por um maior

85
afastamento face a meios de comunicação baseados em novos suportes
tecnológicos.
Sujeitos à “guerra das audiências” e acompanhando a própria evolução
dos estilos de comunicação audiovisual a nível global, os canais televisivos
portugueses têm vindo a proceder a uma significativa alteração dos seus
produtos, nomeadamente com uma maior aposta na interacção directa com o
público e na correspondência face às expectativas de um maior número de
telespectadores. Esta homogeneização e popularização dos seus produtos tem
conduzido segundo alguns analistas a uma redução significativa da qualidade
da oferta prestada, suscitando assim a discussão pública sobre a natureza do
serviço público fornecido pelos meios de comunicação de massas (Borges e
Reia-Baptista, 2008). É neste contexto – agravado pela persistência de
importantes défices financeiros da empresa pública de televisão – que se
assiste, nos primeiros anos do século XXI, à reestruturação da oferta dos
canais estatais e à posterior intenção governamental da sua privatização. A
reflexão e o debate em torno dos modelos de governação e de financiamento
dos operadores de serviço público têm-se acentuado nos últimos anos
(Carvalho, 2009), com vários especialistas a defender a manutenção de canais
de televisão regulados que sirvam o propósito público, enquanto eixos
estratégicos de afirmação cultural.
Nas últimas duas décadas, a própria interacção entre os domínios da
política e dos media tem vindo a sofrer importantes alterações, na linha do
registado na maioria dos países ocidentais. Os políticos adoptam
frequentemente os timings e técnicas da comunicação audiovisual e os meios
de comunicação afirmam-se como um dos principais espaços de combate
político. Ao promoverem debates, divulgarem sondagens, darem
frequentemente forte cobertura a escândalos de corrupção ou outros, os media
assumem um papel determinante na vida política do país e no posicionamento
dos cidadãos face a esta esfera. A presença na televisão, nos jornais ou nas
rádios de figuras públicas com conexões politico-partidárias tornou-se comum,
frequentemente sob a figura de comentadores sobre os acontecimentos mais
marcantes da vida pública nacional. Nos últimos vinte anos, multiplicaram-se
também os debates televisivos sobre temas de actualidade, os chamados
“directos” nos serviços informativos e os talk-shows ou outros produtos em que

86
é, de algum modo, estimulada a intervenção do cidadão comum (Cardoso,
2004).
Importa frisar que, não obstante a eventual tendência homogeneizante da
oferta de alguns dos meios de comunicação social nacionais, a variedade de
produtos de informação e entretenimento hoje ao dispor dos portugueses
através dos media terá necessariamente aumentado. Basta referir que – pese
embora os canais mais vistos continuem a ser os três generalistas de acesso
livre – pelo menos cerca de 65% da população tem acesso diário, no seu
espaço doméstico, a uma multiplicidade de canais televisivos estrangeiros
através da TV por cabo, fibra ou ADSL. Note-se que na última década o share
médio anual dos canais de cabo duplicou, representando já 1/3 das
preferências televisivas dos telespectadores (Cardoso, Espanha e Paisana,
2012). Por outro lado, um número crescente de cidadãos tem vindo, como se
verá nos próximos capítulos, a familiarizar-se com a utilização da internet,
acedendo assim a um gigantesco manancial de recursos de informação e lazer
de natureza global (Cardoso, Vieira e Mendonça, 2011).
A internet, assim como um conjunto de produtos e conteúdos inovadores
que foram surgindo na última década, vieram revolucionar a relação dos meios
de comunicação de massa com os públicos. Segundo os especialistas, no
século XXI as mutações no campo dos media são essencialmente moldadas
por duas grandes forças. Por um lado, prosseguem e ganham novas
tonalidades os processos tecnológicos baseados na crescente digitalização e
distribuição de conteúdos em rede. Por outro, prosseguem processos sociais
de adaptação e de resposta criativa à inovação tecnológica (Cardoso, Vieira e
Mendonça, 2010a).
Na última década, a televisão, a rádio e a imprensa têm apostado na
criação e disponibilização de conteúdos digitais, no sentido de aumentar a
interacção com o público e de responder à sua crescente procura de conteúdos
online, assim como na diversificação das plataformas em que esses conteúdos
são disponibilizados. Terá sido assim aberta uma maior possibilidade de
acesso à informação e de participação no espaço de debate público por parte
da população, e até de envolvimento no próprio processo de criação de
conteúdos. Como referido num estudo do Obercom (Cardoso, Vieira e
Mendonça, 2010b), para além de telespectador, ouvinte ou leitor, o consumidor

87
é agora, também, activamente, comentador, revisor, mediador, distribuidor e
ocasional cidadão-repórter. A título exemplificativo, os dados recolhidos
directamente revelam que 12% dos cibernautas têm o hábito de comentar
notícias em sites de órgãos de comunicação social e que 36% costumam fazer
o mesmo em redes sociais online.
A generalização da oferta de conteúdos de informação online coloca
contudo questões pertinentes quanto ao financiamento da produção de
informação. Segundo os especialistas, neste processo, a dimensão crítica de
sucesso passa pela capacidade de manter uma forte identidade organizacional,
capaz de fidelizar audiências (Cardoso, Vieira e Mendonça, 2010b). A
diferenciação e especialização da oferta de conteúdos, a aposta na qualidade e
na inovação do processo e da forma de transmissão dos conteúdos, a
segmentação e fidelização dos públicos, são factores que podem contribuir
para o crescimento de um modelo de pagamento para acesso a conteúdos
informativos online.
A nova era da televisão – tal como dos outros meios de comunicação
social – supõe a existência de uma nova geração de espectadores, que segue
a imagem que deseja e quando deseja, que pesquisa programas na internet, a
partir de múltiplas plataformas (televisão, smartphone, tablet) e em qualquer
lugar, que privilegia a construção do “my time” em detrimento do “prime time”
(Borga, 2008; Cardoso, Vieira e Mendonça, 2011). A televisão em rede
combina várias tecnologias de comunicação, interagindo em forma de rede
com o objectivo de promover a interactividade com os telespectadores.
Os meios de comunicação social têm vindo assim a reflectir os estilos de
vida das sociedades avançadas contemporâneas, as quais promovem o uso de
tecnologias que permitam realizar conexões em rede, responder às exigências
identitárias e participativas, e gerir a fronteira entre esfera pública e esfera
privada (Cardoso, 2006 e 2013).

88
Capítulo 2
1
Sociedades em Transição para a Sociedade em Rede

Vários analistas têm proposto que as sociedades encontram-se a viver


uma transformação significativa que pode ser caracterizada por duas
tendências paralelas que enquadram o comportamento social: individualismo e
comunalismo (Castells, 2003b). Por individualismo entende-se aqui a
construção de sentido em torno da concretização dos projectos individuais. E
por comunalismo a construção de sentido em torno de um conjunto de valores
definidos por uma colectividade restrita e internalizados pelos seus membros.
Diferentes observadores têm olhado para estas duas tendências como
potenciais fontes de desintegração das actuais sociedades, enquanto as
instituições sobre as quais elas assentam perdem a sua capacidade
integradora, isto é, são cada vez mais incapazes de fornecer sentido às
pessoas: a família de modelo patriarcal, as associações cívicas, as empresas
e, acima de tudo, a democracia representativa e o Estado-Nação, pilares
fundamentais da relação entre a sociedade e as pessoas, ao longo do século
XX (Castells, 2003; 2004, Giddens, 2000).
Mas pode haver uma hipótese diferente. Talvez aquilo a que se assista
não seja a desintegração e fraccionamento da sociedade, mas a reconstrução
das instituições sociais e, para além disso, da própria estrutura social, com
base nos projectos autónomos dos sujeitos sociais. Esta autonomia (face às
instituições e organizações da sociedade) pode ser vista como individual ou
como colectiva, neste último caso diz respeito a um grupo social específico,
definido pela sua cultura autónoma.
Nessa perspectiva, a autonomização dos indivíduos e grupos é seguida
pela sua tentativa de reconstruir sentido, numa nova estrutura social, a partir
dos seus projectos auto-definidos. A Internet, em conjugação com os mass
media, ao fornecer os meios tecnológicos para a socialização do projecto de
cada um numa rede de sujeitos similares, torna-se uma poderosa ferramenta
de reconstrução social e não um pretexto para a desintegração. Mas essa


1
Este capítulo contou com a participação de Branco di Fátima.

89
reconstrução social não terá de seguir a mesma lógica dos valores da
sociedade industrial tardia, de onde emerge a nova estrutura.
No entanto, sendo a Internet uma tecnologia, a sua apropriação e
domesticação (Silverstone, 1994) pode também ocorrer de forma conservadora
e assim actuar apenas enquanto propiciadora da continuidade da vida social tal
como ela se encontrava pré-constituída. Os exemplos são muitos.
Se quisermos alargar o nosso campo de visões podemos olhar para a
Internet como, por exemplo, instrumento de manutenção de uma sociedade
patriarcal radicada numa interpretação fundamentalista do Islão, quando a
vemos ser utilizada para o recrutamento de operacionais para a Al-Qaeda ou
— outro exemplo — como instrumento de perpetuação de velhos modelos de
funcionamento da administração pública, quando as páginas on-line dos
ministérios nada mais oferecem do que os contactos telefónicos dos serviços,
numa lógica de substituição das páginas amarelas, em papel, pelo hipertexto
em circuito fechado institucional. Ou ainda quando nos limitamos a construir
uma página pessoal centrando conteúdos em torno da personalidade e
identidade individual sem qualquer ligação a entidades de pertença ou
afiliação, recusando assim a lógica da partilha numa rede de interesses.
A hipótese para a análise da evolução social e do papel da Internet nessa
evolução é que a Internet é uma ferramenta para a construção de projectos, no
entanto, se ela for apenas utilizada como mais um meio de fazer algo que já
fazemos, então, o seu uso será limitado e não necessariamente diferenciador
face a outros media existentes (como por exemplo a televisão, no que diz
respeito ao entretenimento e informação noticiosa).
Como se verifica pela análise das realidades de duas sociedades em
transição, como a catalã e a portuguesa (Castells, et al., 2003, Cardoso, et al.,
2005), a Internet é apropriada de forma diferente por diferentes pessoas e nem
todas realizam usos que a diferenciem face ao que outros media poderiam já
oferecer. Essa é uma realidade mais perceptível porventura em sociedades
onde os níveis de utilização da Internet são ainda reduzidos. No entanto,
diferentes estudos realizados em sociedades diversas (Cole, 2005)
demonstram que essa é uma realidade que não está directamente ligada ao
carácter de transição, ou já de afirmação enquanto sociedade informacional,
mas sim a variáveis como a dimensão educativa e geracional.

90
No entanto, há algo nas sociedades em transição que as faz enfatizar
mais as diferenças: nas sociedades em transição as divisões entre quem usa e
quem não usa tecnologias, como a Internet, são mais fortes e tendem a tornar,
ainda mais, o seu uso dependente da geração a que se pertence: quanto mais
jovens, maior a utilização e quanto maior o nível de educação, maior será o uso
(Castells, 2007a).
Se parece ser um dado adquirido que sociedades como a norte-
americana, a finlandesa ou a de Singapura podem ser catalogadas como
informacionais (Castells e Himanen, 2002) como poderemos definir o que são
sociedades em transição para um modelo informacional, isto é, sociedades em
que a marca da organização social em rede já se afirma em largos sectores da
sociedade? Para responder, iremos aprofundar a análise de uma sociedade
cujas características, embora profundamente europeias, deixam transparecer
também proximidades de relacionamento e de valores com o continente
americano: Portugal.
O argumento em torno da escolha de Portugal como exemplo-tipo de uma
sociedade em transição para a sociedade em rede é o de que se trata de um
país que, em diferentes graus, partilha características de desenvolvimento,
valores e condicionantes histórico-políticas com um grupo de outras
sociedades que têm em comum terem partilhado, nas três últimas décadas, a
democratização das suas sociedades e, ao mesmo tempo, posições de
desenvolvimento informacional similares.
Todas essas sociedades surgem, em diferentes índices de digitalização
(ITU, 2003) partilhando um mesmo grupo: os países de alto acesso digital. No
caso concreto do índice DAI (ITU, 2003) este grupo de países é liderado pela
Espanha e encerrado pelo Brasil, agrupando, entre outros, os que aqui
escolhemos analisar, isto é, aqueles que, nos últimos 30 anos, foram
protagonistas das vagas de democratização (Huntington, 1991; Altman, 2002)
na Europa e América do Sul: Espanha, República Checa, Grécia, Portugal,
Hungria, Polónia, Eslováquia, Chile, Uruguai, Argentina e Brasil.
No entanto, porque é necessário comparar esse conjunto com um grupo
de países mais informacionalizados, escolhemos também aqui analisar de
modo comparativo a Finlândia, os Estados Unidos, Singapura e também a
Itália, neste contexto de transição, pois, embora fazendo parte do G7, este país

91
configura um modelo proto-informacional (Castells, 2002) que se aproxima, em
várias dimensões, mais de uma sociedade em transição do que de uma
sociedade informacional plena.
Iremos analisar Portugal como exemplo paradigmático de transição em
curso mas, ao mesmo tempo, procurar-se-á identificar as características que
tornam sociedades tão diferentes entre si, como a espanhola, a grega, a da
República Checa, Eslóvaquia, Hungria, Polónia, Argentina, Chile, Uruguai e
Brasil em sociedades em transição para a sociedade em rede.

Sociedades em Transição na Rede Global

A análise dos diferentes modelos de sociedade informacional pode tomar


como ponto de partida a individualização de quatro dimensões (tecnologia,
economia, bem-estar social e valores) através das quais se pode compreender
melhor a posição relativa de cada sociedade no panorama global das
sociedades informacionais (Castells e Himanen, 2002). Pode considerar-se que
uma sociedade é informacional se possui uma sólida tecnologia de informação
- infra-estrutura, produção e conhecimento (Castells e Himanen, 2002).
Finlândia, Estados Unidos e Singapura são sociedades informacionais
avançadas e, igualmente, economias dinâmicas porque são internacionalmente
competitivas, têm empresas produtivas e são inovadoras. Mas porque «(...) a
tecnologia e a economia não são mais do que uma parte da história» (Castells
e Himanen, 2002: 31), pode-se dizer que uma sociedade é aberta se o é
politicamente, isto é, ao nível da sua sociedade civil, e se está receptiva aos
processos globais. O seu bem-estar social também pode ser avaliado em
função da estrutura de rendimentos e da cobertura, oferecida aos seus
cidadãos, em matéria de saúde e educação.
Portugal, quando olhado a partir de uma perspectiva de evolução de
modelos de desenvolvimento, é um país que se encontra num processo de
transição de uma sociedade industrial para uma sociedade informacional. No
entanto, trata-se de uma sociedade industrial que como, por exemplo, a
sociedade italiana e a espanhola, é em grande medida constituída por

92
pequenas e médias empresas e que nunca se afirmou fortemente enquanto
produtor industrial em larga escala (Castells, 2002). Portugal assumiu, na
segunda metade do século XX, aquilo que se pode designar por proto-
industrialismo e procura agora atingir um proto-informacionalismo (Castells,
2002). Enquanto exemplo de sociedade em transição, a análise de Portugal
permite-nos perceber que se trata de um país que através das suas múltiplas
redes de pertença (que vão da inserção na União Europeia à manutenção das
boas relações, na óptica da defesa, com os EUA; ao estabelecer redes de
parceria com o Brasil, com as ex-colónias africanas e asiáticas e as regiões
dotadas de autonomia na vizinha Espanha) procura adaptar-se às condições
de mudança da economia global. E esse é um padrão comum a todas as
sociedades em transição.
Hoje em dia não é difícil encontrar, em documentos produzidos nas
instituições da União Europeia, ou no quadro da OCDE e mesmo da ONU, que
a equação para o desenvolvimento económico e social dos países, cidades ou
zonas na Era da Informação é a apropriação do uso das ferramentas
tecnológicas e a sua integração nos circuitos produtivos e de relacionamento
pessoal necessitando, todo o país, cidade ou zona, de realizar a inserção
efectiva das mesmas no tecido empresarial e ao nível do Estado (na gestão da
república, na formação, na gestão do território e na sua defesa, etc.).
Na segunda metade da década de noventa o investimento em tecnologias
de informação, enquanto fonte de formação do PIB, em países como os EUA, o
Reino Unido e Canadá equivaleu, em percentagem, ao contributo dado
isoladamente pelo trabalho ou pelo investimento em capital não oriundo de
tecnologias de informação (Jorgenson, 2005). A tendência de aproximação do
contributo do investimento, em tecnologias de informação, ao contributo de
outros investimentos em capital ou do trabalho, parece ser geral para os
diferentes países mais desenvolvidos, embora ocorrendo em grau diferente em
cada um. Igualmente há a registar a tendência de aumento, em todos os
países, do valor acrescentado, introduzido pelas tecnologias de informação, na
formação de valor acrescentado no sector dos serviços (OCDE, 2004).
Clarificando um pouco, importa salientar que, ao contrário do que muitas
vezes se apregoa, o tecido produtivo da era da informação não é,
simplesmente, o das empresas tecnológicas (as chamadas .com — «dot com»)

93
mas sim o das empresas que saibam incorporar as tecnologias de informação
no seu processo produtivo, organizativo, de distribuição e de promoção.
Assim, a «nova economia» não são apenas as amazon.com, e-bay ou as
empresas de telecomunicações, embora façam parte dessa mesma economia,
mas também empresas que, como a INDITEX (Grupo espanhol detentor da
ZARA, entre outras marcas de roupa), souberam usar a Internet para atingir os
seus objectivos económicos (Castells, 2004b).
Aliás, as empresas de sectores tradicionais são em muito maior número
que as puramente tecnológicas ou directamente vocacionadas para o on-line. E
um tecido produtivo, terá hoje, como aliás tem vindo a acontecer ao longo dos
séculos, um sector dinamizador e igualmente outros que aproveitam esse
mesmo dinamismo para inovar.
Qualquer país ou zona geográfica, para triunfar neste jogo, de
importações e exportações e desenvolvimento de competências, necessita
também de ter quadros com capacidade de utilizar a tecnologia para inovar,
seja no circuito económico ou no Estado. Quadros que realizem trabalhos
repetitivos — ou não criativos — com aquelas tecnologias, uma infraestrutura
de telecomunicações, um tecido empresarial inovador, um Estado que saiba
criar as condições de formação das pessoas, de reconversão dos seus
modelos organizativos e de gestão e que estabeleça leis de regulação,
enquadramento e incentivo.
Os dados presentes nos quadros seguintes comparam Portugal, e
restantes países em transição, com três modelos de sociedades informacionais
que são respectivamente o de Silicon Valley, de uma sociedade orientada pelo
mercado e aberta, o modelo de um regime informacional autoritário, o modelo
Singapura, e, por fim, o modelo Finlandês de uma sociedade-providência
informacional.
Se a qualificação de uma sociedade como informacional se baseia numa
sólida tecnologia de informação ao nível das infra-estruturas, produção e
conhecimento, como se posicionam esses países nessas dimensões?

94
Quadro 2.1 Inovação e Tecnologia 2013


Fonte: PNUD, 2013

A maior parte dos países aqui considerados, no que se refere ao índice


de desenvolvimento tecnológico, em 2013, encontravam-se (PNUD, 2013) no
que podemos designar como segunda divisão de países — os denominados
líderes potenciais sendo essa segunda divisão comandada pela Espanha (23º
lugar) e pela Itália (25º lugar). Portugal fechava a lista de países em transição
para a sociedade em rede, aqui em análise, colocando-se na 43ª posição do
ranking PNUD.
Embora não figurando na lista dos cinquenta países melhor posicionados
no ranking, o Brasil merece uma especial atenção pois como refere o IMD
95
(2004) se tomarmos em conta a dimensão competitividade, para o todo do
Brasil, veremos que ocupa a 85ª posição, mas se pensarmos apenas no
Estado de São Paulo, onde em torno da Universidade de Campinas se centram
pólos tecnológicos de elevado potencial e onde o contributo para o PIB, em
1998, rondava um terço do total do país, então a posição de São Paulo a nível
global colocaria o Brasil no top-50. No entanto, essa não é apenas uma
particularidade do Brasil pois, no que respeita às sociedades em transição,
parece ocorrer uma diferenciação geográfica em termos da integração na
economia global.
A inclusão selectiva a que Castells (2003) se refere, quando analisa o
espaço de fluxos, é uma realidade perceptível no caso da relação estabelecida
entre Catalunha e Espanha ou Lombardia e Itália (IMD, 2004) ou ainda no caso
da zona de Buenos Aires e Argentina (Amadeo, 2005).
Os países mais populosos parecem aparentemente não ser capazes, ou
preferirem optar por não fazer essa transição para sociedades informacionais e
organizadas em rede dirigidas a todo o seu território e população, pelo menos
nesta fase histórica.
A similitude entre os países atrás identificados encontra eco em outros
índices internacionais como os da ITU (International Telecommunications
Union) através do DAI (2003). Nomeadamente, porque o DAI (Digital Access
Índex) estabelece categorias de identificação, como: infraestrutura (para se
referir às linhas telefónicas, subscrições de telefones móveis e Internet); custo
(tarifas de acesso e uso de Internet face ao rendimento nacional);
conhecimento (literacia e inclusão no sistema de ensino); qualidade (largura de
banda internacional e subscritores de banda larga) e utilização de Internet.
Ao comparamos essas categorias, entre os países líderes (como a
Finlândia, EUA e Singapura) e as sociedades aqui designadas de transição,
apercebemo-nos que não são apenas os baixos níveis de utilização tecnológica
destas últimas que marcam a diferença.

96
Quadro 2.2 Domicílios com acesso à internet e a computador em 2010 (%)

Países Acesso à Internet Acesso a computador


Austrália* 72.0 78.0
Canadá** 77.8 81.7
Chile** 30.0 43.9
República Checa 60.5 64.1
Finlândia 80.5 82.0
França 73.6 76.4
Alemanha 82.5 85.7
Irlanda 71.7 76.5
Itália 59.0 64.8
Japão** 67.1 83.4
Holanda 90.9 92.0
Noruega 89.8 90.9
Portugal 53.7 59.5
Espanha 59.1 68.7
Suécia 88.3 89.5
Suíça* 77.0 81.4
Reino Unido 79.6 82.6
EUA 71.1 77.0
Fonte: OECD, 2013a / *Ano de referência: 2008 / **Ano de referência: 2009

De facto, nos últimos anos temos vindo a aperceber-nos de que as


análises dos próprios intervenientes nos processos tecnológicos, como as
operadoras de telecomunicações, começam a aceitar que a infraestrutura de
comunicação não é o único elemento explicativo para as diferenças entre
países e que o rendimento e a educação têm também uma elevada importância
(ITU, 2003). Só olhando a sociedade de uma forma integrada tendo em conta a
infra-estrutura, a produção e o conhecimento (Castells e Himanen, 2002) se
pode identificar os processos de transição em curso nas sociedades
contemporâneas.
A análise de comparações internacionais no domínio da tecnologia
mostra-nos uma realidade aparentemente convergente entre as diferentes
sociedades aqui analisadas. Assim, todas elas apresentam valores de
máquinas ligadas à Internet próximo de um quarto da média das economias
avançadas, e também de cerca de um terço das exportações de alta tecnologia
realizadas pelas economias avançadas (à excepção da Polónia, Uruguai e
Argentina), apresentando, por último, valores de utilização da Internet de mais
de dois terços da média das economias avançadas (à excepção da Argentina e
do Brasil).
97
No geral, os países aqui analisados apresentam sempre melhores
resultados, e valores mais equilibrados, na dimensão de «conhecimento
tecnológico» do que nas de «infraestrutura» e «produção tecnológica». No
entanto, a irregularidade de performance nessas duas últimas categorias
parece ser, ela própria, um marco distintivo destas sociedades que nesse
processo de transição não conseguiram ainda estabilizar bons resultados em
todas as categorias.
No entanto, há também que ter em conta algumas particularidades das
sociedades em transição sem o que poderá ser difícil explicar algumas das
suas performances. Tomemos por exemplo a questão da penetração de
servidores seguros. O facto de Portugal e Espanha possuírem taxas mais altas
de ATM (multibanco) por milhão de habitantes (BCE, 2003), com
respectivamente 1047 e 1230 máquinas para uma média da UE de 700,
permitiu o desenvolvimento de sistemas alternativos ao uso de cartão de
crédito e servidores seguros para compras através da Internet.
Em Portugal, o facto de existir um sistema de cartão de débito comum a
todo o sistema bancário, o Multibanco, permitiu que se efectuem encomendas
on-line conjugadas com pagamento via rede ATM criando assim um canal
electrónico alternativo e de maior segurança de transacções. Este é um
exemplo, entre outros, que nos ajuda a perceber que, para além dos traços
comuns e dos individuais, existem por vezes situações comuns a dois ou mais
países permitindo identificar alguns subgrupos característicos, no quadro da
transição aqui analisada.
Se, aparentemente existe algo que aproxima, entre si, as diferentes
sociedades de dois continentes, aqui analisadas, são, como já foi referido, as
dimensões de conhecimento tecnológico. Assim, os valores de número de
estudantes do ensino terciário em Ciências é claramente superior ao da média
dos G7 na quase totalidade dos países em análise (Uruguai e Brasil são a
excepção), bem como os valores para cientistas e investigadores em R&D
representam mais de metade dos valores dos países G7 (estando apenas os
quatro países da América do Sul abaixo dessa média). No que respeita aos
resultados PISA de literacia das populações em Matemática e Ciências só o
Uruguai e Brasil apresentam valores inferiores a 90% dos apresentados pelas
economias avançadas.

98
É também no campo do conhecimento, neste caso já não apenas
tecnológico, que a marca geracional (que parece atravessar quase todas estas
sociedades) mais se manifesta. A questão educativa é fundamental para a
análise da transição para a sociedade em rede de organização económica
informacional porque, como iremos verificar, existe uma forte correlação entre
as competências educativas e o número de utilizadores da tecnologia base da
sociedade em rede: a Internet.
Os valores de utilização de Internet constituem um marco para
caracterizar a transição para a sociedade em rede porque esses valores
espelham tanto, a dimensão de uso, no quadro de socialização quanto no de
potencial de mercado. Pois, sem número elevado de utilizadores também não
há incentivo ao aumento do comércio electrónico (seja interempresarial ou com
particulares).

Quadro 2.3 Utilizadores de internet por país 2010 (%)

Sem acesso Menos de Uma Várias Uma vez Várias Todos


Nunca
no trabalho uma vez vez por vezes por por vezes por os
uso
ou em casa por mês mês mês semana semana dias

Suíça 15.5 7.5 1.5 1.6 2.5 5.0 16.8 49.6


R. Checa 28.8 8.2 1.3 1.1 3.1 4.0 17.1 36.3
Alemanha 19.2 9.2 1.9 1.3 3.3 5.3 16.0 43.7
Espanha 20.8 17.9 0.7 0.5 2.8 3.0 11.9 42.4
Finlândia 12.6 10.9 1.7 1.5 2.7 4.2 12.6 53.9
França 23.9 7.4 0.9 1.0 2.7 3.2 12.3 48.5
Reino
18.7 9.4 1.2 1.5 2.2 3.9 15.7 47.4
Unido
Irlanda 16.6 14.7 1.1 1.7 2.8 4.3 12.0 46.8
Holanda 7.9 7.5 1.0 0.5 2.1 2.5 15.8 62.6
Noruega 7.7 4.3 0.9 0.8 1.6 3.1 13.8 67.8
Portugal 36.0 25.2 0.9 1.1 1.4 2.1 6.8 26.5
Suécia 9.8 5.0 1.1 0.9 2.1 4.8 12.9 63.4
Fonte: European Social Survey, 2010

Quadro 2.4 Utilização de Internet, por país, segundo grau de educação 2010 (%)

Utilizadores de Internet
Nível de escolaridade obtido
Sim Não
Chile 41,1 58,9
Israel 15,6 84,4
Japão 41,7 58,3
Escola Primária, ou menos
Portugal 5,9 94,1
Suécia 62,7 37,3
EUA 78,3 21,7

Secundário incompleto
Chile 53,1 46,9

99
Israel 71,1 28,9
Japão 81,1 18,9
Portugal 39,7 60,3
Suécia 85,2 14,8
EUA 70,8 29,2

Chile 68,8 31,3


Israel 74,6 25,4
Japão 92,9 7,1
Portugal 77,6 22,4
Secundário completo
Suécia 89,0 11,0
EUA 56,6 43,4

Chile 89,8 10,2


Israel 90,2 9,8
Frequência universitária Japão 96,6 3,4
Portugal 89,7 10,3
Suécia 94,3 5,7
EUA 83,4 16,6

Chile 100,0 -
Israel 82,7 17,3
Licenciatura, ou mais Japão 100,0 -
Portugal 89,0 11,0
Suécia 93,2 6,8
EUA 93,2 6,8

Chile 68,6 31,4


Israel 74,4 25,6
Japão 84,4 15,6
Total Portugal 44,5 55,5
Suécia 84,8 15,2
EUA 82,4 17,6
Greco-cipriotas 57,8 42,2
Turco-cipriotas 57,9 42,1
Fonte: World Internet Project, 2010

Como se pode inferir da análise do quadro anterior, a relação entre


acesso e utilização está dependente de uma condicionante fundamental: o grau
de educação. No entanto, a franca democratização da internet, quer nas suas
dimensões e espaços de utilização, quer ao nível do seu impacto no quotidiano
do tecido social abrem campo a que as diferenças entre os perfis sociais de
utilizadores se venham a esbater gradualmente.
Paralelamente, a idade desempenha também um factor de mobilização
pois facilita o uso, por via das pertenças de grupo e práticas partilhadas entre

100
as populações em frequência escolar. No entanto, diferentes estudos
demonstram que a relação directa mais forte se estabelece entre o nível de
escolaridade e a utilização efectiva da Internet.
No que respeita à análise comparativa entre países demonstra-se que
nas sociedades informacionais a utilização de Internet por quem concluiu o
ensino secundário corresponde a 60% e, a 90%, dos utilizadores do ensino
superior. Nas sociedades em transição esses valores são inferiores a 50%. O
caso português, com valores na ordem dos 80%, afasta-se dos dados
apresentados em 2005, acentuando a discrepância entre os índices de
utilizadores de internet com formação ao nível do secundário e superior.
Embora a análise, até aqui, se tenha referido apenas quase a países
europeus, uma análise mais alargada geograficamente, como a proposta pelo
World Internet Project (2005), verifica as mesmas relações entre uso de
Internet e educação.

Quadro 2.5 Taxa de utilizadores de internet (%)

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

União Europeia a 28 - 60 64 68 71 73 75 77
Itália 38 41 45 49 54 57 58 61
Portugal 38 42 44 48 53 58 64 65
Hungria 47 53 61 62 65 70 72 74
Espanha 50 55 60 63 67 69 72 74
República Checa 48 52 63 64 69 73 75 76
Irlanda 55 61 65 67 70 77 79 80
Áustria 64 69 73 73 75 80 81 82
Bélgica 64 69 71 76 79 83 82 83
Alemanha 72 75 78 79 82 83 84 86
Reino Unido 69 75 78 84 85 87 89 91
Holanda 83 86 87 90 91 92 93 94
Dinamarca 87 85 85 87 89 91 93 95
Suécia 88 82 89 91 92 94 94 95
Noruega 83 87 91 92 93 94 95 96
Islândia 90 91 91 93 - 95 96 97
Fonte: Eurostat

Na caracterização de sociedades em transição, aparentemente, as


similitudes cruzam-se com as excepções e a questão do acesso à Internet
oferece um novo exemplo para a afirmação das singularidades. Embora seja
possível encontrar semelhanças entre as taxas de acesso de alguns dos

101
países aqui analisados (Portugal e Itália) também, imediatamente, encontramos
diferenças quanto ao uso efectivo desse acesso. Pois, se estabelecermos um
rácio entre acesso e uso verificamos que Portugal é dos países que mais uso
faz da disponibilidade existente, ficando assim a par de países-líder como a
Noruega, Holanda e Finlândia e à frente de outras sociedades em transição,
como a checa, com altos índices de acesso mas utilização efectiva, pelas suas
populações, muito baixa.
O que esse rácio de aproveitamento da disponibilidade de acesso
existente mede é o uso efectivo da tecnologia, demonstrando que terão de
existir também outros factores, endógenos a cada sociedade, que possam
explicar o porquê das diferenças na utilização de uma tecnologia mesmo
quando o acesso é à partida elevado.
A análise dos valores obtidos para Portugal e para os restantes dos
países europeus demonstra que, em certas condições, mesmo quando o grau
de acesso aumenta tal não terá de reflectir-se directamente num aumento do
uso pois ocorrem dinâmicas, próprias a cada país, que podem explicar os
diferentes ritmos de socialização dessa tecnologia.

Figura 2.1 Acesso a Computador e à Internet em casa

Fonte: OECD, 2013a / *Ano de referência: 2009 / **Ano de referência: 2008

102
Figura 2.2 Rácio de aproveitamento do acesso à Internet, por escalão etário

Fonte: OCDE, 2013a

Figura 2.3 População com Ensino Superior

Fonte: OCDE, 2013a

Também a dimensão etária extravasa a mera comparação europeia, pois


como se pode observar tanto as sociedades europeias como as americanas e
asiáticas oferecem a possibilidade de análises comparativas intergeracionais. A
Itália apresenta-se como o país que se situa num patamar intermédio entre
sociedades informacionais como a alemã, as do Reino Unido, Japão e Estados
Unidos e as outras em transição como Portugal, Espanha e Hungria.
A explicação dessas diferenças entre gerações no uso da Internet parece,
para as sociedades em transição, assentar maioritariamente na diferença de
posse de literacias-base enquanto, que, no caso das sociedades mais
desenvolvidas informacionalmente, as diferenças estarão provavelmente mais

103
ligadas à disponibilidade de conteúdos se adaptarem aos interesses de todas
as gerações e por outro lado da dimensão das redes de sociabilidades que
essa tecnologia poderá oferecer aos cidadãos mais velhos.

Quadro 2.6 Utilização da Internet por intervalo de idades, por países (%)

Utilização da Internet
Sem
acesso Menos Várias
Uma Várias Uma vez
no Nunca de uma vezes Todos
vez por vezes por
trabalho uso vez por por os dias
mês por mês semana
ou em mês semana
casa
14-24 1,40% 0,50% 1,40% 1,90% 3,20% 19,90% 71,80%
25-34 2,10% 2,10% 0,50% 0,50% 2,60% 4,60% 15,90% 71,80%
35-44 6,00% 5,60% 0,80% 2,00% 2,00% 5,60% 19,40% 58,50%
Suíça
45-54 5,30% 8,10% 1,40% 2,10% 3,90% 6,70% 19,30% 53,30%
55-64 17,50% 8,50% 3,70% 3,30% 2,00% 7,30% 19,10% 38,60%
65 e +
48,90% 15,90% 1,00% 1,30% 2,50% 2,50% 9,20% 18,70%
anos
14-24 2,10% 0,70% 0,40% 0,40% 1,10% 2,50% 17,50% 75,40%
25-34 9,90% 1,90% 1,20% 1,00% 2,60% 4,10% 22,10% 57,20%
35-44 15,10% 6,20% 0,80% 1,30% 3,90% 6,50% 24,70% 41,60%
República
Checa 45-54 24,60% 7,10% 2,70% 1,70% 5,70% 4,70% 22,10% 31,40%
55-64 43,90% 13,10% 1,30% 1,30% 2,70% 4,00% 13,60% 20,00%
65 e +
63,70% 16,70% 1,40% 0,70% 2,00% 2,30% 4,70% 8,60%
anos
14-24 3,40% 0,70% 0,70% 0,70% 2,70% 2,90% 17,40% 71,60%
25-34 4,70% 2,30% 0,80% 1,80% 2,60% 5,70% 17,10% 64,90%
35-44 6,10% 3,30% 2,40% 1,50% 5,40% 7,20% 19,50% 54,70%
Alemanha
45-54 12,20% 9,50% 3,20% 1,70% 4,00% 7,60% 19,70% 42,00%
55-64 25,60% 12,70% 2,30% 1,10% 4,00% 6,30% 16,70% 31,30%
65 e +
50,90% 20,90% 1,60% 0,80% 1,60% 2,50% 7,60% 14,20%
anos
14-24 2,80% 2,80% 0,40% 0,40% 2,80% 2,80% 15,30% 72,60%
25-34 10,40% 4,20% 0,30% 3,00% 2,10% 14,30% 65,80%
35-44 11,70% 11,40% 0,80% 0,50% 3,00% 4,90% 14,20% 53,40%
Espanha
45-54 15,20% 20,80% 1,70% 1,10% 4,80% 4,50% 15,80% 36,10%
55-64 28,60% 37,20% 0,90% 0,90% 1,70% 2,10% 8,50% 20,10%
65 e +
53,90% 33,00% 1,20% 1,20% 2,90% 7,80%
anos
14-24 1,20% 1,20% 2,00% 12,40% 83,30%
25-34 0,40% 0,40% 1,10% 2,20% 1,80% 2,20% 12,50% 79,50%
35-44 3,10% 0,40% 1,60% 1,20% 2,00% 2,40% 16,90% 72,50%
Finlândia
45-54 3,90% 6,60% 1,00% 1,00% 3,60% 7,60% 16,40% 59,90%
55-64 13,40% 12,90% 2,00% 2,00% 5,30% 6,70% 15,40% 42,30%
65 e +
38,40% 31,30% 3,20% 1,40% 1,60% 3,20% 5,50% 15,50%
anos
14-24 5,30% 1,10% 1,60% 1,10% 1,10% 13,90% 75,90%
25-34 3,90% 1,30% 0,40% 1,30% 3,00% 14,70% 75,40%
França
35-44 11,50% 5,80% 1,40% 1,00% 3,40% 4,10% 14,20% 58,60%
45-54 14,70% 11,50% 2,20% 1,00% 3,80% 4,80% 13,80% 48,10%

104
55-64 23,90% 9,40% 0,60% 1,60% 3,80% 3,50% 15,10% 42,10%
65 e +
62,10% 10,20% 0,80% 0,80% 2,10% 2,10% 5,20% 16,70%
anos
14-24 4,40% 0,80% 2,00% 4,00% 2,80% 17,30% 68,50%
25-34 4,70% 3,80% 1,20% 0,60% 1,50% 3,20% 14,20% 70,90%
35-44 5,70% 4,90% 1,50% 1,20% 3,20% 2,20% 20,20% 61,10%
Reino
Unido 45-54 7,80% 6,80% 1,80% 2,00% 2,50% 6,00% 17,90% 55,20%
55-64 16,70% 14,30% 1,20% 2,20% 2,90% 6,10% 15,80% 40,80%
65 e +
49,10% 17,20% 0,50% 2,00% 0,70% 2,90% 11,40% 16,30%
anos
14-24 5,60% 4,10% 1,30% 1,60% 5,60% 2,50% 20,30% 59,10%
25-34 18,20% 10,50% 1,30% 1,30% 5,40% 3,00% 13,90% 46,50%
35-44 19,00% 22,70% 3,20% 1,50% 4,80% 3,20% 14,30% 31,40%
Grécia
45-54 27,30% 32,10% 0,70% 1,20% 3,10% 3,60% 10,00% 22,00%
55-64 39,80% 43,20% 0,30% 0,60% 1,10% 1,40% 3,70% 9,90%
65 e +
52,70% 43,90% 0,30% 0,50% 0,80% 1,10% 0,70%
anos
14-24 11,90% 0,50% 1,50% 3,10% 1,50% 10,80% 70,60%
25-34 20,80% 1,60% 1,60% 1,20% 2,00% 1,60% 13,70% 57,60%
35-44 19,30% 3,30% 4,00% 1,80% 4,40% 7,30% 13,10% 46,70%
Hungria
45-54 30,80% 10,00% 2,90% 1,30% 4,60% 2,90% 16,30% 31,30%
55-64 51,70% 8,40% 2,10% 1,00% 2,40% 1,40% 8,70% 24,10%
65 e +
83,80% 6,20% 0,30% 0,30% 0,60% 1,00% 2,60% 5,20%
anos
14-24 3,90% 1,10% 0,30% 1,90% 1,40% 2,80% 7,50% 81,20%
25-34 6,10% 2,80% 0,90% 1,10% 2,60% 3,90% 14,10% 68,60%
35-44 6,50% 7,50% 1,00% 1,80% 3,50% 4,10% 17,10% 58,50%
Irlanda
45-54 11,10% 13,60% 1,30% 1,80% 4,40% 6,70% 15,70% 45,50%
55-64 20,30% 30,00% 1,40% 1,70% 3,10% 6,60% 12,30% 24,60%
65 e +
46,00% 31,70% 1,70% 2,10% 1,70% 2,50% 5,60% 8,70%
anos
14-24 8,10% 0,50% 0,80% 1,00% 2,00% 8,90% 78,70%
25-34 9,80% 2,20% 0,50% 1,50% 1,20% 2,70% 12,00% 70,00%
35-44 14,90% 5,70% 1,70% 0,90% 2,90% 3,20% 14,30% 56,40%
Israel
45-54 19,90% 14,00% 0,60% 0,60% 0,90% 4,40% 12,60% 47,10%
55-64 23,30% 17,90% 0,90% 1,20% 4,20% 10,00% 42,40%
65 e +
52,50% 13,60% 1,10% 0,60% 0,40% 0,90% 8,90% 22,00%
anos
14-24 0,70% 1,40% 0,70% 1,40% 12,90% 82,90%
25-34 1,30% 1,30% 0,40% 0,80% 2,10% 1,70% 12,20% 80,30%
35-44 1,10% 1,40% 0,60% 1,10% 2,80% 2,00% 17,60% 73,40%
Holanda
45-54 3,60% 4,50% 1,50% 1,80% 3,00% 19,60% 65,90%
55-64 4,50% 9,10% 0,90% 0,90% 3,00% 3,60% 19,70% 58,20%
65 e +
25,50% 19,20% 1,60% 1,60% 2,50% 11,10% 38,40%
anos
14-24 0,40% 0,40% 0,40% 0,90% 8,30% 89,60%
25-34 0,90% 1,30% 0,40% 1,30% 11,40% 84,60%
35-44 0,70% 1,00% 0,70% 0,30% 1,00% 3,50% 12,50% 80,30%
Noruega
45-54 1,10% 4,20% 0,80% 0,40% 1,90% 4,20% 15,50% 72,00%
55-64 4,90% 6,10% 1,20% 2,00% 2,00% 4,50% 19,80% 59,50%
65 e +
34,10% 12,10% 1,70% 1,70% 3,80% 3,80% 14,80% 27,90%
anos

105
14-24 3,00% 0,90% 0,60% 1,20% 2,40% 12,40% 79,50%
25-34 6,30% 1,90% 1,60% 1,90% 2,50% 4,70% 16,80% 64,20%
35-44 10,50% 6,50% 2,80% 1,60% 4,80% 6,00% 18,50% 49,20%
Polónia
45-54 22,50% 17,40% 1,00% 2,70% 5,40% 5,00% 21,10% 24,80%
55-64 28,50% 30,70% 0,70% 1,50% 3,70% 5,20% 10,00% 19,60%
65 e +
62,20% 29,00% 0,40% 0,40% 0,40% 1,40% 2,80% 3,50%
anos
14-24 4,90% 2,70% 1,10% 2,20% 2,20% 1,60% 9,80% 75,40%
25-34 10,80% 9,10% 1,30% 2,60% 3,40% 4,70% 12,50% 55,60%
35-44 11,40% 21,50% 2,00% 1,00% 2,00% 5,00% 13,40% 43,60%
Portugal
45-54 27,60% 32,10% 1,00% 1,30% 2,20% 1,60% 7,40% 26,90%
55-64 40,00% 36,20% 0,80% 0,80% 0,50% 1,60% 6,20% 13,80%
65 e +
62,60% 29,00% 0,30% 0,40% 0,30% 0,70% 1,70% 5,10%
anos
14-24 0,50% 1,40% 0,90% 10,00% 87,30%
25-34 1,00% 1,00% 1,00% 10,70% 86,20%
35-44 0,90% 0,40% 0,90% 3,50% 14,30% 80,10%
Suécia
45-54 0,40% 2,20% 1,30% 1,30% 4,80% 8,40% 12,80% 68,70%
55-64 6,40% 7,20% 2,40% 3,20% 2,80% 7,60% 19,50% 51,00%
65 e +
33,90% 13,20% 1,90% 0,80% 1,90% 5,90% 10,50% 32,00%
anos
Fonte: European Social Survey, 2010

Todos os factores até aqui analisados nas dimensões da infraestrutura,


produção e conhecimento e também os referentes às competências adquiridas,
estrutura de emprego e predominância de áreas de baixa e média tecnologia,
na economia, têm visibilidade também ao nível da produtividade comparada
das economias e do seu PIB per capita.
No ranking abaixo, em que a média das economias avançadas é de 5.4
pontos na escala de competitividade, as sociedades em transição aqui
analisadas ocupam posições muito diferenciadas, com média não superior a
4.61. Chile (34º), Espanha (35º), República Checa (46º) e Itália (49º) ocupam
posições entre os primeiros 50 países ou regiões, enquanto que os restantes
ocupam posições entre o 42º (Hungria) e o 59º (Argentina).
Se o PIB per capita português representa 67% da média das economias
mais avançadas, encontrando-se entre os 60 primeiros países numa
comparação internacional (junto com Espanha, Itália e Grécia), já os restantes
países (com excepção da República Checa, Eslováquia e Hungria) apresentam
valores inferiores a 30% do PIB per capita das economias do G7.
Vale realçar que as economias avançadas tendem a ser as mesmas que
têm o número mais elevado de investigadores entre a sua população ativa e,
consequentemente, também registrou o maior número de patentes científicas

106
entre 2005 e 2010. Quem lidera o ranking de pesquisadores com ampla
vantagem é a Finlândia, com 17 pesquisadores para cada mil trabalhadores a
tempo integral, seguida pela Suécia (10,9), Japão (10,4), Noruega (10,1) e
Estados Unidos (9,5).
Também neste ponto da análise, Portugal apresenta paradoxos próprios
das sociedades em transição, que ora aproximam-se mais das economias
avanças e ora das economias em desenvolvimento. Portugal tem 9,3
pesquisadores para cada mil trabalhadores a tempo integral mas, ao mesmo
tempo, registrou apenas 13 patentes entre 2005 e 2010. Enquanto o número de
pesquisadores é próximo ao de Japão, Noruega e Estados Unidos, o baixo
índice de patentes é mais próximo aos dados apresentados pelo Brasil, Chile e
pela Espanha. A Itália, mais uma vez, dá mostras de uma sociedade proto-
informacional. Tem apenas 4,3 pesquisadores para cada mil trabalhadores
mas, ao mesmo tempo, registrou 303 patentes em cinco anos, acima de
economias avançadas como Finlândia (172 patentes), Alemanha (166), Suécia
(147) e Holanda (117).

Quadro 2.7 Comparações de indicadores de desenvolvimento informacional

Competitividade PIB per Investigadores por


Investimento em I&D Patentes
2013 / 2014 capita (2012) / cada mil
em % do PIB (2005- concedidas
Mundo: trabalhadores full-
Posição Pontos 2010) (2005-2010)
10184 time (2010)
Finlândia 3 5.54 32510 3.8 17.0 172.1
EUA 5 5.48 43480 2.8 9.5 (dados de 2007) 707.6
Singapura 2 5.61 52613 2.7 - 873.3
Alemanha 4 5.51 35431 2.8 8.1 166.2
Chile 34 4.61 14987 0.4 0.9 (dados de 2008) 59.6
Espanha 35 4.57 25947 1.4 7.2 60.2
Portugal 51 4.40 19907 1.7 9.3 13.1
Reino
10 5.37 32538 1.8 7.6 90.2
Unido
Noruega 11 5.33 48688 1.8 10.1 334
Suécia 6 5.48 36143 3.6 10.9 147.1
República
46 4.43 22067 1.5 5.6 86.8
Checa
Holanda 8 5.42 37282 1.8 6.2 117.6
Itália 49 4.41 26158 1.3 4.3 303.4
Brasil 56 4.33 10152 1.1 - 16.7
Suíça 1 5.67 40527 3 5.6 (dados de 2008) 96.7
França 23 5.05 30277 2.2 9.1 157.7
China 29 4.84 7945 1.5 1.6 100.7
Japão 9 5.40 32545 3.4 10.4 1759.9
Irlanda 28 4.92 28671 1.8 7.8 54.4
Fontes: Global Competitiveness Report, 2013/14 / OCDE / United Nations Development Programme

107
A comparação entre sociedades em transição, no que diz respeito a
indicadores de desenvolvimento informacional, apresenta mais disparidades do
que traços comuns, no entanto, é possível, para o investimento em R&D e em
conhecimento, apresentar dois estádios diferentes de transição.
Assim, Itália, Brasil, Espanha, Portugal, República Checa, Hungria e
Eslováquia representam um estádio em que os países investem em R&D e em
conhecimento (decomposto em software, R&D e Ensino Superior) cerca de
50% dos valores das economias avançadas. Um segundo grupo de países
encabeçado pela Grécia, Polónia, Chile, Argentina e Uruguai já apresenta
valores inferiores a 0,7% do PIB.

Quadro 2.8 Posicionamento das economias informacionais em análise

Ambiente Ambiente Visão Consumo


Resultado Dimensão
Conectividade de social e política e e
global legal
trabalho cultural governativa negócios
Finlândia 8.36 8.0 8.30 8.47 8.35 8.0 8.85
EUA 8.41 7.35 7.85 9.0 8.7 9.25 8.6
Singapura 8.22 7.35 8.63 7.33 8.7 9.13 8.48
Alemanha 7.80 7.6 7.82 8.0 8.05 7.4 7.98
Chile 6.39 4.15 8.0 6.67 7.4 6.75 6.43
Espanha 7.31 6.2 7.39 7.60 8.35 7.85 7.23
Portugal 6.90 5.4 6.64 7.33 8.35 7.40 7.1
Reino
7.89 7.65 7.4 7.73 8.10 8.55 8.0
Unido
Noruega 8.24 7.95 7.95 8.0 8.3 8.05 8.9
Suécia 8.49 8.2 8.13 8.53 8.25 8.9 8.75
República
6.29 5.55 7.18 6.6 7.2 5.95 6.0
Checa
Holanda 8.36 8.05 8.05 8.07 8.45 8.25 9.0
Itália 6.92 6.45 6.32 7.6 8.45 6.55 6.88
Brasil 5.27 3.6 6.66 5.73 6.1 5.70 4.93
Suíça 7.72 6.8 7.54 7.6 7.85 8.2 8.1
França 7.67 7.80 8.33 7.93 7.93 6.8 7.65
China 4.28 2.65 6.36 5.4 5.2 4.6 3.11
Japão 7.85 7.70 7.16 7.8 7.43 8.75 8.04
Irlanda 7.82 7.20 7.75 7.6 8.0 7.85 8.4
Fonte: Economist Intelligence Unit (2010)

Ainda no quadro de comparação internacional de desenvolvimento


podemos analisar as economias em transição com base em dois outros níveis
de classificação: a preparação das economias para um modelo de
desenvolvimento informacional e o seu índice de crescimento e
competitividade.
108
Em termos de incorporação tecnológica na sociedade, o relatório The
global information technology, do World Economic Forum (2013a), apresenta
um índice com 54 indicadores que medem a preparação das economias para
um modelo de desenvolvimento informacional baseando em dados de 144
países (98% do PIB global). Este ranking tecnológico é uma média de dez
dimensões analíticas: Ambiente político e regulador; Ambiente de negócio e
inovação; Infraestrutura e conteúdo digital; Acessibilidade; Habilidades e
literacias; Uso individual; Uso comercial; Uso governamental; Impacto
económico e Impacto social.
Em termos gerais, Portugal aparece no 33º lugar à frente de países como
Chile (34º), Espanha (38º), República Checa (42º), Hungria (44º), Uruguai
(52º), China (58º) e Brasil 60º). No outro extremo da tabela, está atrás de
Finlândia (1º), Singapura (2º), Holanda (5º), Estados Unidos (9º), Austrália
(18º), Japão (21º) e França (26º).
Os países e regiões que lideram o ranking apresentam valores mais
elevados para todos os campos do relatório, enquanto as sociedades em
transição apresentam essencialmente más desempenhos no que respeita às
dimensões de análise e os seus subtópicos. Por exemplo, Portugal possui bons
resultados nas dimensões «ambiente de negócios e inovação» (27º lugar) e
«uso governamental» (28º), mas resultados menos satisfatórios quanto à
«acessibilidade» (57º) e «habilidades / literacias» (48º). Ainda, se olharmos os
subtópicos da dimensão «ambiente político e regulador», encontraremos
Portugal no 121º lugar na “eficiência do sistema legal para a resolução de
litígios”.
O caso português pode ser visto em paralelo com o de outros países
analisados até aqui, já que os seus desempenhos ora aproximam-se das
sociedades informacionais ora das sociedades em transição. Por exemplo, a
Espanha está em 29º lugar quanto ao «ambiente de negócios e inovação»,
mas em 102º no subtópico «acessibilidade». O Brasil está em 34º lugar no
«uso comercial», mas em 91º na dimensão das «habilidades / literacias». E,
por fim, a China aparece em 35º lugar no «uso comercial», mas em 83º quanto
ao «uso individual». Ainda de acordo com dados do World Economic Forum
(2013a), as sociedades em transição apresentam baixos desempenhos no que
respeita às utilizações das redes telefónicas (fixa e móvel), da Internet e do

109
grau de uso de computadores a par do custo, qualidade e confiança que os
serviços oferecem.
Todavia, as próximas sociedades informacionais não verão a luz do dia
apenas com base nas dimensões listadas pelo World Economic Forum, mas
também é preciso levar em conta as características e o tamanho do mercado
online, bem como a infraestrutura tecnológica e o potencial de crescimento das
sociedades em transição. Parte desses dados pode ser encontrado no índice
The global retail e-commerce, elabora pela consultora A.T. Kearney (2013).
Apesar de Portugal não estar na lista dos 30 mercados online mais atrativos,
encontraremos nela, lado a lado, sociedades informacionais (Estados Unidos,
Finlândia, Singapura etc), proto-informacionais (Itália) e sociedades em
transição (Brasil, Eslováquia, Chile etc).

Figura 2.4 Negócios pela Internet e potencial de mercado

Fonte: A.T. Kearney (2013)

110
Ainda no quadro das comparações em torno da competitividade, o
relatório The global competitiveness report 2012-2013, do World Economic
Forum (2013b), coloca Portugal em 49º lugar num ranking com 144 países. O
índice é baseado na análise da infraestrutura, macroeconomia, educação,
mercado, potencialidade tecnológicas etc. Portugal é acompanhado por Estónia
(34º), Espanha (36º), República Checa (39º), Polónia (41º), Brasil (48º) etc.
Assim como mostram outros relatórios já referenciados neste trabalho (OCDE,
2013a; A.T. Kearney, 2013; PNUD, 2013 etc), os países em transição
apresentam resultados similares e, que, ora os aproximam e ora os distanciam
das sociedades informacionais.

Sociedades em Transição, Valores e Bem-Estar Social

As sociedades informacionais não são apenas caracterizadas pela


apropriação da tecnologia mas também pela sua abertura interna e bem-estar
social. Em nenhum dos países em transição aqui analisados vigora um regime
autoritário e os valores predominantes nessas sociedades são, hoje, os de
sociedade aberta. A abertura de uma sociedade pode ser medida através de
várias dimensões, como por exemplo a da posição relativa que a população
reclusa tem face à totalidade da população.
Como se pode verificar pelo quadro seguinte, se o modelo finlandês se
caracteriza por um rácio doze vezes mais baixo que o dos Estados Unidos,
Portugal tem valores duas vezes superiores à Finlândia, muito próximos da
média das sociedades dos G7. No entanto, se tivermos que avaliar a totalidade
dos países em transição ao nível do seu número de reclusos verificamos,
apenas com a excepção da Itália e Grécia, que todos os restantes possuem
uma população reclusa superior às médias das economias avançadas.
Ao nível da igualdade entre homens e mulheres, a maioria das
sociedades apresentadas encontra-se nos primeiros 50 lugares do ranking
global, com excepção do Chile (66) e Brasil (85), sendo estas duas sociedades
ainda muito desiguais na relação de género. Portugal, Espanha e Itália
apresentam importantes evoluções nesta matéria quando comparados com os

111
dados de 2005, ocupando agora posições entre os 20 países com melhores
resultados. A Finlândia, por sua vez, perdeu também a liderança deste sector,
posição ocupada atualmente pela Holanda.
Noutra dimensão, podemos igualmente comparar o bem-estar das
populações das sociedades em transição com o dos três modelos de
sociedade informacional em análise (Finlândia, Singapura e Silicon Valley)
olhando agora as suas estruturas de rendimentos.
No que diz respeito ao rácio dos 20% mais ricos em relação aos 20%
mais pobres, o modelo finlandês de providência informacional é o que
apresenta uma maior igualdade de rendimentos (37). No campo oposto, o
modelo informacional liderado pelo mercado (Silicon Valley) ou o autoritário
(Singapura) apresentam distribuições de rendimentos muito mais
desequilibradas, ocupando respectivamente o 4º e 5º lugar no ranking das
economias em análise, com a pior relação entre os rendimentos dos mais ricos
e dos mais pobres (46º e 49º lugar, respectivamente), superados apenas por
Chile (58º) e Brasil (59º).

Quadro 2.9 Comparações internacionais de indicadores de cidadania

Liberdade
Estrangeiros Meio
dos meios
ou nascidos ambiente:
de Igualdade Satisfa- Confiança População
no emissão
comuni- de género ção com social reclusa (por
estrangeiro de CO2
cação (ranking/ a vida (nas 100.000
(percentagem (milhões
social valor) no geral pessoas) habitantes)
sobre total da de
(0>100
população toneladas)
livre)
Finlândia Livre 6.38 6/0.075 7.4 58 58 3.7 63
EUA Livre 18.22 42/0.256 7.1 37 707 13.1 5369
Não livre
Singapura 13/0.101 6.5 33 242
43.43
Alemanha Livre 10.24 6/0.075 6.7 31 77 16.4 762
Parcial-
Chile mente livre 66/0.36 6.6 15 249 1.9 70
26.24
Espanha Livre 20.5 15/0.103 6.5 22 143 14.9 268
Portugal Livre 16.75 16/0.114 5.2 27 137 7.3 48
Reino
Livre 16.89 34/0.205 6.9 35 149 12.9 484
Unido
Noruega Livre 6.52 5/0.065 7.6 72 10.0 39
Suécia Livre 9.23 2/0.055 7.5 55 67 16.8 48
República
Livre 10.17 20/0.122 6.3 24 158 2.9 114
Checa
Holanda Livre 6.48 1/0.045 7.6 46 82 11.2 187
Parcialmen
Itália te livre 11/0.094 6.1 20 102 8.8 398
26.11
Parcial-
Brasil mente livre 85/0.447 6.8 15 274 0.4 388
32.75

112
Suíça Livre 9.94 3/0.057 7.5 44 82 27.8 44
França Livre 21.60 9/0.083 7 20 100 12.6 358
Não livre
China 35/0.213 5 57 124 0.1 7428
73.07
Japão Livre 25.17 21/0.131 6.1 33 51 1143
Irlanda Livre 10.06 19/0.121 7 30 86 15.5 39
Fontes: OCDE

Quadro 2.10 Comparações internacionais de indicadores de bem-estar social

Número
População de horas Riqueza
Cobertura
com pelo Taxa de Esperança de concen-
de cuidados Coeficiente
menos o literacia de vida à trabalhos trada dos
de saúde (% GINI
ensino adulta nascença anuais 20% mais
do PIB)
secundário por ricos (%)
pessoa
Finlândia 100.0 80.2 6.7 1684 37 26.9
EUA 94.5 78.7 9.5 1787 46 40.8
Singapura 75.0 96.1 1.4 49
Alemanha 96.5 80.5 9.0 1413 37 28.3
Chile 74.0 98.6 79.0 3.8 2047 58 52.1
Espanha 66.4 97.7 82.2 6.9 1690 42 34.7
Portugal 40.4 95.2 79.8 7.5 1711 46
Reino
99.7 80.6 8.1 1625 44
Unido
Noruega 95.2 81.2 8.0 1426 37 25.8
Suécia 85.0 81.5 7.8 1644 37 25.0
República
99.8 77.7 6.6 1774 36
Checa
Holanda 88.9 80.8 9.4 1379 39
Itália 72.8 98.9 7.4 1774 42 36.0
Brasil 49.5 90.3 73.2 4.2 59 54.7
Suíça 95.8 82.5 6.8 41 33.7
França 78.4 81.3 9.3 1476 40
China 62.7 94.3 73.3 2.7 47 42.5
Japão 81.1 83.0 7.8 1728 36
Irlanda 73.9 81.0 6.4 1543 42 34.3
Fonte: United Nations Development Programme

Quadro 2.11 Taxa de pobreza por região (%)


Taxa de pobreza (1.25 dólares por dia, ou menos)
Ásia e Pacífico 12.5
Europa e Ásia Central 0.7
América Latina e Caraíbas 5.5
Médio Oriente e Norte de África 2.4
Sudeste Asiático 31.0
África sub-sahariana 48.5
Fonte: World Bank

Neste sentido, a generalidade das sociedades em transição da América


do Sul (Brasil, Chile, Argentina, Uruguai) apresenta valores de desigualdade
extremamente elevados, por vezes o triplo do que os dos Estados Unidos. Por

113
outro lado, alguns desses países têm feito esforços significativos para superar
a desigualdade. Por exemplo, o Brasil deixou pela primeira vez na sua história
o Mapa da Fome Mundial em 2014. De acordo com a ONU, o número de
brasileiros em situação de subalimentação caiu 82% entre 2002 e 2013.
No caso das sociedades europeias ocorre uma divisão em dois grandes
grupos. O primeiro, constituído por Portugal, Itália, Reino Unido e Irlanda, com
valores de desigualdade mais próximos do modelo informacional dos Estados
Unidos, e um segundo grupo onde a República Checa, Noruega e Espanha se
encontram numa situação mais próxima do modelo informacional da Finlândia.
Salientando de novo algumas particularidades de cada sociedade em
análise, quando nos referimos ao nível da educação valerá igualmente a pena
acentuar que a abertura de uma sociedade informacional não depende apenas
da taxa combinada de estudantes dos três ciclos pois, sem introduzir a
dimensão do abandono escolar (que essa taxa não leva em consideração)
estaríamos perante uma situação que colocaria Portugal e outras sociedades
em transição, ao nível dos Estados Unidos e da Finlândia, países com graus de
abandono muito mais reduzidos.
Embora os dados não sejam conclusivos, no que à literacia adulta diz
respeito, por consequência da ausência de indicadores de vários países em
análise, os dados dispostos evidenciam um desenvolvimento importante dos
níveis de literacia, quando comparados com o estudo realizado em 2005,
posicionando todos os países num nível superior a 90%.
No entanto, Portugal é o país com o menor índice de população com
formação ao nível do ensino secundário ou superior, com apenas quatro em
cada dez portugueses a apresentar este nível de formação, seguindo-se o
Brasil, com um valor a rondar os 50%. Neste campo, destacam-se a Finlândia,
Reino Unido e República Checa, com índices a rondar os 100%, sendo o índice
absoluto no caso da Finlândia.

114
Quadro 2.12 Índice de participação cidadã por países europeus (%)

Trabalhou em
Contactou político Trabalhou em partido Assinou Boicotou certos
outra
ou membro do político ou grupo petição nos produtos por razões
organização
governo nos últimos activista nos últimos últimos 12 políticas/ambientais
nos últimos 12
12 meses (%) 12 meses (%) meses (%) (%)
meses (%)
Portugal 5.6 1.4 4.0 7.3 3.2
Bélgica 16.1 4.4 18.4 20.6 11.3
República
12.3 1.9 6.3 18.9 13.7
Checa
Alemanha 15.1 4.6 31.6 35.0 33.6
Dinamarca 16.6 3.9 25.0 25.0 25.7
Espanha 13.2 7.7 22.0 33.2 17.3
Finlândia 18.4 3.1 37.2 23.7 34.9
Reino
15.3 2.0 7.9 32.3 18.9
Unido
Irlanda 18.5 3.5 11.4 22.5 11.4
Israel 10.4 2.4 3.8 13.4 22.1
Holanda 13.5 3.5 25.2 22.1 13.7
Noruega 21.8 7.9 32.1 35.4 24.0
Polónia 7.3 2.5 7.3 10.7 6.0
Suécia 16.3 4.4 34.3 43.6 42.8
Eslovénia 7.2 2.6 1.9 7.7 3.9
Fonte: European Social Survey (2012)

As razões para a fraca participação cidadã são várias mas será possível
traçar algumas hipóteses condutoras se focarmos a nossa atenção sobre uma
realidade específica, como a portuguesa.
Entre os motivos para a falta de participação podemos apontar para
Portugal, em primeiro lugar, o grau de confiança pública nos políticos. Embora
se possa considerar como um fenómeno global (Castells, 2004) a evolução do
grau de desconfiança entre cidadãos e políticos não ocorre da mesma forma
em todas as sociedades. Recuperando o contributo de Cardoso (2005), ao
período, Portugal situava-se em 28º lugar na confiança pública na honestidade
dos políticos, partilhando o seu grau de confiança com um grupo de países
europeus — Bélgica, França, Itália e Irlanda. A Finlândia, em 3º lugar, é um dos
países com maior confiança a nível mundial na honestidade dos seus políticos.
Uma outra dimensão de análise da participação entre diferentes países
deve levar em conta também condicionantes históricas de carácter global mas
também local. A chamada participação política não convencional tornou-se
cada vez a fórmula mais comum nas nossas sociedades desenvolvidas. As
petições, boicotes e outras formas de acção directa têm vindo a tornar-se mais
vulgares pelo que mais do que a pertença a partidos, sindicatos e presença em
manifestações devemos estar atentos a essas dimensões da participação.
Nesse nível de participação, Portugal regista valores ainda mais baixos. O
índice calculado segundo diferentes actividades de envolvimento cívico e

115
participação em organizações demonstra que Portugal (3,2%) ocupa a posição
mais baixa entre os países em análise, sendo que existem apenas mais dois
países com índices de participação inferiores a 10%, respectivamente a
Eslovénia (3,9%) e a Polónia (6%). Apesar da proximidade cultural e geográfica
a países como a Espanha e Itália, estes demonstram um grau de participação
bastante mais elevado.
O contexto histórico de cada sociedade pode também ajudar-nos a
compreender um pouco melhor os níveis de participação. Por exemplo,
Inglehart (2001) sugere, na sua análise de dados obtidos em mais de 70
países, e referente a mais de 80% da população mundial sobre a participação
em democracias estabelecidas e novas democracias, que a pouca participação
em algumas sociedades tem a ver com aquilo que designa ser o efeito pós-lua-
de-mel. Após épocas de elevada participação cívica seguem-se quebras ou a
estagnação da mesma, mas no longo prazo a tendência é de crescimento
dessa participação.
Segundo Inglehart (2001), os dados demonstram que em 21 países
analisados entre 1981 e 1990, embora as pessoas votem menos regularmente,
os públicos não estão a tornar-se mais apáticos, pelo contrário aparentam ter-
se tornado mais interessados na política, opinião passível de ser confirmada
também pelas análises de Castells (2003a), na Catalunha, e Cardoso e Firmino
da Costa (2004), em Portugal.
Recuperando a contribuição de Cardoso (2005), o interesse político
sofreu importantes transformações, em função das modificações dos regimes
políticos e da consolidação da democracia como modelo político, verificando-se
um crescimento em generalizado. Porém, Portugal faz parte do pouco
representativo conjunto de países onde a participação é baixa e estagnou, tal
como Espanha. Em ambos os países, após o período de participação
acelerada, na década de 70, seguiu-se uma normalização democrática.
Embora Inglehart não apresente dados que permitam comparar a década
de 70, data das transições e revolução, em Espanha e Portugal, para a
democracia, é possível verificar esse tipo de comportamento nas novas
democracias do leste europeu caracterizadas por momentos de acelerada
participação seguidos depois de períodos de menor envolvimento cívico.

116
O que a leitura dos dados nos permite inferir é a relativa proximidade dos
valores de participação entre todos os países que passaram nas três últimas
décadas por transições para a democracia, independentemente de se situarem
na Europa ou América do Sul. O efeito de pós-lua-de-mel será significativo,
mas o facto de se tratar de sociedades que viveram, durante longas décadas,
regimes autoritários de esquerda e direita, dá também uma dimensão
justificativa da fraca participação das populações.
Um terceiro factor a ter presente na análise da participação deve ser o da
relação entre participação e confiança nos outros. Ainda com base na World
Values Survey (2001) verifica-se que países geográfica e culturalmente
próximos de Portugal, como a Espanha, França e Itália, apresentam valores
médios, de pertença a associações, relativamente próximos.
Em Espanha, respectivamente para homens e mulheres, 32% e 26%,
para a Itália de 46% e 38% e para França de 36% e 43%. Onde as diferenças
são claramente maiores é na relação com os outros, pois Espanha com 35%,
Itália 32% e França com 20% estão claramente acima dos valores portugueses.
Essa desconfiança face aos outros é também claramente um factor a ter em
conta nas análises dos motivos para baixos níveis de participação.

Quadro 2.13 Assinou petição nos últimos 12 meses (%)

Ensino primário, Licenciatura ou


não concluído o ISCED nível 1 equivalente ao ISCED nível 5
Portugal 0.9 13.8
Bélgica 2.5 43.6
República Checa 9.1 42.6
Alemanha 20.0 38.7
Dinamarca 33.3 30.6
Espanha 14.3 48.2
Finlândia 2.6 41.0
Reino Unido 25.0 47.2
Irlanda 6.5 30.3
Israel 0.0 23.7
Holanda 10.0 40.0
Noruega 0.0 50.7
Polónia 0.0 8.9
Suécia 28.0 42.2
Eslovénia 0.0 18.7
Fonte: European Social Survey (2012)

117
Quadro 2.14 Contactou políticos/membros governo durante último ano (%)

Ensino primário, Licenciatura ou


não concluído o ISCED nível 1 equivalente ao ISCED nível 5
Portugal 4.3 14.1
Bélgica 7.5 28.2
República Checa 0.0 19.1
Alemanha 0.0 6.5
Dinamarca 0.0 24.3
Espanha 4.1 16.2
Finlândia 10.3 26.5
Reino Unido 25.0 21.8
Irlanda 13.0 20.1
Israel 1.9 12.6
Holanda 5.0 22.6
Noruega 14.3 32.9
Polónia 0.0 10.5
Suécia 3.8 24.4
Eslovénia 0.0 17.1
Fonte: European Social Survey (2012)

A Mudança Social nas Sociedades em Rede

A caracterização das sociedades em transição que se procurou realizar


neste capítulo, com especial aprofundamento na realidade portuguesa, reflecte
a transição de populações com menores níveis de educação para uma
sociedade onde as gerações mais novas atingiram já competências
educacionais mais aprofundadas. Essa análise também reflecte sociedades
que, embora tenham realizado elevados esforços na área do conhecimento,
procuram ainda afirmar-se nas dimensões de infraestrutura e produção
tecnológica.
Esta análise reflecte também uma transição sociopolítica, de ditaduras
para uma politização institucional democrática e depois, para uma rotinização
da democracia num processo que combina um crescente cepticismo, face aos
partidos e às instituições de governo, com um acentuar da participação cívica,
a partir de formas autónomas e por vezes individualizadas de expressão da
sociedade civil. É nesse contexto que se produz uma transição fundamental
nestas sociedades: a tecnológica, expressa por meio da difusão da Internet, e
pela aparição na estrutura e na prática social da sociedade em rede.
Depois da leitura destes dados e análises há uma pergunta a que importa
ainda responder: existe ou não uma clivagem geracional em todas as
sociedades aqui analisadas? Se na sociedade portuguesa os dados confirmam
essa clivagem, ela não está presente em todos os países analisados.
118
Aparentemente as excepções ocorrem em alguns dos países do leste europeu,
como é o caso da República Checa, Eslováquia e Hungria.
A clivagem geracional não resulta de uma opção, é antes fruto de uma
sociedade onde os recursos cognitivos necessários estão distribuídos de modo
desigual entre gerações, pelo que sociedades em que a aprendizagem e
literacia formal se encontram mais bem implantadas historicamente,
apresentam processos de transição que enfatizam menos as diferenças
geracionais.
Só assim se pode explicar, por exemplo, que, entre os que nasceram em
Portugal antes de 1967, encontremos uma parcela de actores sociais que se
aproximam em algumas dimensões de práticas, e por vezes de
representações, dos portugueses mais jovens. Essa proximidade é visível no
facto de aqueles que possuem competências educacionais similares se
aproximarem, por exemplo, na utilização da Internet ou na sua perspectiva de
valorização profissional.
A sociedade em que vivemos não é uma sociedade em cisão social. É
sim assente num modelo de desenvolvimento informacional em que há
competências cognitivas mais valorizadas do que outras, nomeadamente: a
escolaridade mais elevada, a literacia formal e as literacias tecnológicas. Todas
elas são competências adquiridas e não inatas, como tal não há lugar a uma
inevitabilidade de cisão social, antes existe um processo de transição em que
os protagonistas são os que dominam essas competências mais facilmente.
Sociedades como a portuguesa e a catalã, ao mesmo tempo que se
deparam com múltiplos processos de transição, conservam uma forte coesão
social sobre uma densa rede de relações sociais e de território. Trata-se de
sociedades em que se muda e se mantêm a coesão ao mesmo tempo. Evolui-
se na dimensão global, mas mantém-se o controlo local e pessoal sobre aquilo
que dá sentido à vida (Castells, 2004c).
Nas sociedades em transição, esse equilíbrio entre a mudança e a
coesão social poderá constituir outro dos traços comuns também encontrados
em países da América Latina e Ásia. Embora partilhando redes globais, cada
realidade social é única e só uma análise mais aprofundada de cada nação nos
pode dar a conhecer os sinais de evolução futura em cada uma das nossas

119
sociedades: é esse o desafio para compreender as transições, em curso nas
nossas sociedades, para a sociedade em rede.

120
Capítulo 3
Padrões de uso da internet na sociedade portuguesa

A última década produziu profundas transformações na esfera da


comunicação, consequentes, em particular, da difusão da internet à escala
global. A dimensão da abrangência do acesso à internet repercutiu-se no
quotidiano das sociedades, produzindo transformações nucleares tanto ao nível
dos conteúdos e possibilidades como dos objectivos e modos de utilização,
estabelecendo um importante campo de sinergias entre os vários elementos
deste universo. O caso português é um bom exemplo da expansão do acesso e
da democratização da internet entre a população. Conforme documentado
adiante no presente capítulo, o índice de utilizadores de internet expandiu-se
de 25,7% em 2003 para mais de 60% em 2012, segundo dados do Instituto
Nacional de Estatística. Este elemento é particularmente significativo para a
análise das transformações aos padrões de comunicação e difusão informativa
dos media, bem como às dinâmicas comunicacionais dos cibernautas em geral.
Ao longo dos últimos 10 anos a internet contribuiu nuclearmente para a
transformação dos clássicos modelos de difusão informativa, abrindo campo
para uma sociedade de conhecimento dinâmica e articulada, em que todos os
agentes são potenciais transmissores e receptores de matéria.
Não obstante, a democratização da internet nas sociedades encontra-se
estritamente relacionada com factores sociais de diferentes ordens, estando
longe de ser uniforme, não apenas no caso português mas também no
panorama transnacional. Em A Sociedade dos Ecrãs (Cardoso, 2013) abre-se
o campo para este debate fundamental, direcionando a investigação sobre a
internet para o campo das perspectivas comparativas à escala global, com
base no World Internet Project, um projeto que procura avaliar os impactos
produzidos pela adaptação desta ferramenta ao quotidiano das sociedades.
De facto, projetos como o WIP abrem campo a um importante sector de
investigação, em função do seu carácter transnacional. As profundas
transformações experimentadas ao nível da comunicação e dos media em
função da expansão da internet serão um dos mais importantes campos de
estudo no sector, permitindo aos investigadores estabelecer diferentes padrões

121
de utilizadores em função das condições sociais, geográficas e geopolíticas em
que se inserem, elementos que não estavam ao alcance de estudos nacionais
sobre a rede. De facto, os estudos que se têm debruçado sobre esta matéria,
nos quais se inclui o Sociedade em Rede 2003, contribuíram para a extinção
de alguns mitos sobre a utilização da rede e os impactos da mesma no
quotidiano dos indivíduos. Se por um lado, em 2003 se debatiam os perigos da
utilização da internet nas transformações dos padrões de comunicação física
dos indivíduos, por outro, a quebra dos vínculos sociais, com a atomização e
individualização crescentes nas sociedades modernas, os desenvolvimentos
teóricos e evidências empíricas alcançadas na última década abriram campo à
desconstrução desta tese. No sentido inverso, a internet tornou-se o elemento
chave para a combinação de formas de comunicação presenciais e virtuais,
numa lógica acumulativa e não substitutiva, por consequência das
transformações na sua estrutura e da introdução do elemento chave para a
transformação da sociedade em rede ao longo da última década, as redes
sociais.
Retrocedendo ao estudo Sociedade dos Ecrãs (Cardoso, 2013)
anteriormente referido, salienta-se a importância dos ecrãs no quotidiano das
sociedades, revelando outro elemento central para esta transformação, a
portabilidade da comunicação virtual. A introdução do acesso móvel à internet,
em relação com o desenvolvimento tecnológico dos suportes físicos móveis
abre campo a novas dinâmicas comunicacionais, esbatendo-se grande parte
das limitações físicas existentes na comunicação virtual.
No quotidiano das sociedades atuais, o acesso à internet é dinâmico,
imediato e constante com as redes sociais a ocuparem um lugar fundamental
no espectro das novas metodologias de comunicação. As transformações ao
nível das plataformas de redes sociais ocorridas ao longo da última década
abriram campo a novos tipos de comunicação. Presentemente, o
desenvolvimento das plataformas de comunicação permite ultrapassar os
limites da comunicação textual e avançar para modelos de comunicação
visuais que, num cenário de comunicação à distância, ultrapassam os limites
das formas de comunicação tradicionais, como por exemplo o telefone. Deste
modo, os sites de redes sociais, enquanto instrumentos que podem potenciar a
multiplicação e reforço dos laços sociais, podem estar a contribuir para

122
importantes alterações na utilização da internet e nas relações de sociabilidade
dos indivíduos. Por outro lado, novos debates surgem na sociedade actual,
nomeadamente em torno dos perigos associados à utilização de redes sociais,
relacionadas em larga medida com a própria definição da barreira entre o
público e o privado no que concerne a informação e conteúdos pessoais. Ao
mesmo tempo, as redes sociais vão alargando o seu papel também na
potenciação do contacto das marcas com os seus públicos, e na promoção de
causas sociais e políticas, assumindo-se como plataformas dinâmicas e
estruturalmente mutáveis.
Outro elemento decisivo é introduzido à equação por Cardoso e Lapa em
a Sociedade dos Ecrãs (Cardoso, 2013). Os autores abrem campo a um
importante debate sobre as diferentes experimentações em torno da internet,
estruturando a sua análise com base no acesso a internet de banda larga,
verificando uma correlação entre o acesso à internet de banda larga e o tempo
despendido pelos cibernautas na rede. Este elemento é revelador da
diferenciação da experimentação da internet, consequente não só de
condições sociais mas também de condições geográficas, o que revela que a
generalização da internet à escala global em similares padrões de acesso é
ainda um processo carente de consolidação.
O presente capítulo procura ser um elemento contributivo para esta
matéria, visando analisar os padrões de uso da internet na sociedade
portuguesa, bem como interpretar os diferentes índices de acesso da
população, consequentes do gradual processo de difusão e institucionalização
de qualquer inovação mas também das desigualdades existentes ao nível da
estrutura social. Se, por um lado se assinalam diferentes níveis de adesão às
novas tecnologias em função da ausência de um mútuo contacto desde cedo
na idade ou à débil aquisição de competências informacionais, por outro a
conjuntura económica corrente da sociedade portuguesa é potenciadora do
afastamento ou anulamento do contacto directo entre determinados públicos e
os novos recursos tecnológicos, ganhando esta condição uma importante
expressão na consolidação das desigualdades sociais em função das
desigualdades económicas.
A afirmação da sociedade em rede é, contudo, uma realidade,
evidenciada claramente pelo alargamento da internet à maioria da população

123
portuguesa, fenómeno evidente na comparação entre os dados do presente
estudo com os recolhidos para o estudo apresentado em 2003. Como tal, a
análise dos perfis de utilizadores e não utilizadores de internet em Portugal em
função do sector social, associada às transformações quotidianas produzidas
pela condição de utilizador da rede, uma década passada, pode constituir um
guia útil para a compreensão das características particulares da sociedade em
rede em Portugal, no seu actual momento de desenvolvimento, permitindo
ainda antever algumas das oportunidades da sua expansão a curto e médio
prazo.
A introdução da portabilidade na utilização da internet ao longo da última
década, abre campo a novas dimensões de utilização da rede. A difusão de
smartphones, tablets e internet de banda larga móvel no mercado assumem-se
como importantes elementos para novas experiências, alternativas ao
tradicional acesso a partir do computador, sendo também este um elemento de
estudo deste capítulo, visando analisar as transformações nos métodos e
plataformas de utilização de internet dos portugueses.

Quem utiliza a internet? Velhas e novas desigualdades

Os dados recolhidos no âmbito do presente estudo permitem concluir que


em 2013 se podem contabilizar 55% de utilizadores de internet em Portugal. A
quase totalidade destes utilizadores (93%) considera ser utilizador directo,
enquanto uma pequena parte (7%) usufrui da internet através de outros. Uma
diferença mais destacada é encontrada entre os não utilizadores de internet
tendo em consideração a ausência ou não de utilização prévia. Assim sendo,
15% dos que presentemente se consideram não utilizadores já utilizaram
anteriormente a internet, tendo deixado de o fazer (quadro 3.1).

124
Quadro 3.1 Utilização da internet em Portugal

n %

Utilizadores 852 55,2


Utilizador Direto 791 92,9*
Usufrui através de outra Pessoa 61 7,1*

Não utilizadores 690 44,8


Deixou de utilizar 100 14,5**
Nunca utilizou 590 85,5**

Total 1542 100,0


* Percentagem por relação ao total de utilizadores.
** Percentagem por relação ao total de não utilizadores.
Nota: Os dados do inquérito Sociedade em Rede 2013 foram ponderados por sexo, idade e região, de acordo com os
resultados dos Censos 2011 (INE, 2012a).
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Analisando a evolução da utilização da internet nos últimos dez anos,


verifica-se que houve uma variação percentual bastante positiva no número de
utilizadores. Todos os estudos analisados apontam para a quase duplicação da
população que faz uso da internet, a qual já corresponde à maioria da
população adulta portuguesa (quadro 3.2). Na comparação de dados
estatísticos relativos à utilização da internet é necessário ter em consideração
um conjunto de factores que podem ser preponderantes na compreensão de
diferenças entre valores de utilização em diferentes pesquisas. Um dos
principais factores é o conceito de utilizador de internet, que dita a formulação
da pergunta a aplicar. No presente estudo, este conceito baseia-se na auto-
definição do próprio indivíduo e abrange tanto utilizadores directos como
indirectos.

Quadro 3.2 Evolução da utilização da internet em Portugal, segundo diversas fontes, 2003-
2013 (%)

Fonte Descrição 2003 2006 2008 2010 2011 2012 2013


CIES-IUL Quem se auto-define como utilizador de internet com 15 29,0 - - - - 55,2
e mais anos.
INE/UMIC Utilização de internet. 25,7 35,6 41,9 51,1 55,3 60,3 -
Indivíduos com idade entre os 16 e os 74 anos.
OberCom Quem se auto-define como utilizador de internet com 15 - 33,8 40,7 - 49,1 - -
e mais anos.
WIP Quem se auto-define como utilizador de internet com 15 29,0 35,7 38,9 44,6 - - -
e mais anos.
Fontes: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal; INE/UMIC, Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da
Comunicação pelas Famílias; OberCom, Inquérito Sociedade em Rede; e WIP - World Internet Project.

De acordo com os resultados do INE e do inquérito Sociedade em Rede,


presentemente cerca de 60% dos portugueses têm acesso à internet em casa.

125
Entre 2003 e 2013 quase triplicou a percentagem de agregados domésticos
com acesso à rede no lar. No entanto, apesar da tendência de crescimento
gradual, verifica-se uma progressiva desaceleração do aumento de ligações à
internet. Pela consulta do quadro 3.3 verifica-se que enquanto o aumento de
ligações foi de 144% entre 2000 e 2003, entre 2003 e 2006 foi de 59%, entre
2006 e 2009 foi de 37% e entre 2009 e 2012 foi de 27%.

Quadro 3.3 Evolução do acesso à internet em casa por parte dos agregados domésticos,
2000-2013 (%)

Acesso à internet em casa 2000 2003 2006 2009 2012 2013

CIES-IUL -- 21 -- -- -- 57
INE/UMIC 9 22 35 47 61 --

Fonte: INE/UMIC, Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias; e CIES-IUL, Inquérito
Sociedade em Rede em Portugal.


Através do quadro 3.4, que apresenta a antiguidade da ligação à internet
em casa por parte de quem respondeu ao inquérito Sociedade em Rede, é
também possível constatar que a quantidade de novos lares com ligação à
internet tem vindo a decrescer percentualmente desde meados da década de
2000. É necessário salientar que em 2000 os adoptantes iniciais,
caracterizados por serem maiores de 18 anos, possuírem formação académica
elevada e conhecimentos técnicos na área da informática, necessidade
profissional e espírito inovador já tinham acesso à internet em casa ou já
estavam ligados noutros locais. A partir desse momento foram aderindo de
maneira progressiva outros estratos etários e sociais. Entrou-se assim numa
fase de maturidade e consolidação. As causas desta desaceleração do
crescimento poderão encontrar-se também nos custos do acesso e na
deterioração das condições de vida da população nos últimos anos face à crise
económica. Nesse sentido, verifica-se um abrandamento substantivo dos novos
lares com internet nos últimos três anos. Importa ainda salientar que 20% dos
indivíduos que actualmente não têm ligação à rede em casa, já a tiveram no
passado.

126
Quadro 3.4 Antiguidade da ligação à internet em casa

Há quanto tempo tem internet em sua casa? %


Há 8 anos ou mais anos (…-2005) 41,5
Entre 4 a 7 anos (2006-2009) 32,3
Há 3 anos ou menos (2010-2013) 19,8
Ns/nr 6,4
Total (n=883) 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

O custo da ligação à internet, considerado elevado, é o motivo mais


apontado para não se ter acesso à rede em casa (20%), a par com a
percepção de ausência de utilidade da internet (23%) e abaixo da falta de
conhecimentos para a usar (39%). A ausência de conhecimentos é mais
declarada entre os que nunca tiveram ligação à internet em casa (49% face a
10% entre os que já tiveram), enquanto os motivos financeiros são
principalmente indicados por quem já teve anteriormente acesso à rede no lar e
presentemente já não tem (55% face a 11% entre os que nunca tiveram). Note-
se que em alguns casos a instalação do acesso à rede em casa poderá ser
protagonizada por outros elementos do agregado doméstico que não o próprio
inquirido, podendo este nunca ter utilizado a internet.
Retomam-se de seguida os resultados relativos à utilização da internet,
pelo seu maior interesse analítico, na medida em que incidem na utilização
própria da internet, independentemente de se ter ou não acesso à rede no
contexto doméstico. Face aos resultados dos indicadores de utilização da
internet, tem interesse analítico a divisão dos indivíduos em três categorias: os
que utilizam internet (55%), os que deixaram de utilizar (7%) e os que nunca
utilizaram (38%) (quadro 3.5). Embora sem uma expressão tão significativa
como o grupo dos utilizadores ou mesmo dos que nunca utilizaram internet, os
indivíduos que deixaram de a utilizar merecem especial atenção por retratarem
uma situação de certa forma inesperada, recente2 e que ainda não foi
devidamente analisada.


2
Dados do OberCom relativos a 2011 (em OberCom, 2012), indicam a essa data 3,9% de
indivíduos que deixaram de utilizar a internet.

127
Quadro 3.5 Utilização da internet em Portugal, considerando o contacto prévio dos não
utilizadores
n %
Utiliza 852 55,2
Deixou de utilizar 100 6,5
Nunca utilizou 590 38,3
Total 1542 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Para o grupo de “desistentes”, motivos financeiros frequentemente


associados ao desemprego e ao facto de a internet deixar de ser considerada
um bem essencial estão na principal origem de deixarem de utilizar a internet
(44%). Seguem-se, a uma distância considerável (na ordem dos 10%), aqueles
que indicam como motivo a circunstância de terem deixado de ter acesso a um
computador ou à internet – parte deles deixaram de ter acesso a estes
recursos no local de trabalho ou estudo -, e os que declaram ter deixado de
precisar ou apenas ter utilizado no passado por via do acesso doméstico
protagonizado por outros que não o próprio. Entre os restantes motivos
referidos encontram-se a falta de tempo e de interesse e, de forma residual, a
falta de conhecimentos (quadro 3.6).

Quadro 3.6 Razões para ter deixado de utilizar internet*


Razão de ter deixado de utilizar internet %
É caro/razões económicas/desemprego/não é um bem essencial 44,4
Deixou de ter acesso a um computador ou à internet 13,2
Deixou de precisar ou quem mais usava já não está em casa 12,2
Falta de tempo 9,5
Não gostou ou perdeu o interesse 8,5
Não sabia o suficiente para usar 1,8
NS/NR 10,3
Total (n=100) 100,0
* Pergunta de resposta aberta.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

A análise do perfil social dos utilizadores de internet, e paralelamente dos


grupos que constituem os não utilizadores, permitirá perceber quais as
características sociais que os distinguem.
À semelhança do que frequentemente acontece com outras tecnologias
de carácter relativamente recente, a idade dos indivíduos surge como um
aspecto central na sua adesão à internet. Esta prática tem particular incidência
junto da população mais jovem (quadro 3.7). Na faixa etária dos 15 aos 24
anos os utilizadores da internet representam já 94% dos casos e no escalão

128
dos 25 aos 34 são 86%. Os utilizadores são ainda a maioria entre os inquiridos
nos escalões etários dos 35 aos 44 anos (72%) e dos 45 aos 54 anos (58%).
Entre os mais velhos – que passaram boa parte da sua vida na ausência deste
tipo de tecnologia – o uso da internet não é tão transversal. Tal é evidente no
caso dos indivíduos com idade entre os 55 e os 64 anos e com mais de 65
anos, entre os quais a taxa de utilização é de, respectivamente, 31% e 12%.
Embora de forma mais lenta, também entre as gerações mais avançadas
a utilização da internet aumentou nos últimos dez anos. Em 2003 a taxa de
utilização dos portugueses com mais de 50 anos não ia além dos 5%. Já entre
os mais jovens, dos 15 aos 24 anos, essa taxa era há dez anos atrás da ordem
dos 60%. Não obstante o aumento de novos utilizadores também verificado nas
restantes faixas etárias, importa assinalar que actualmente é entre os
indivíduos com idade entre os 25 e os 44 anos que é mais comum a passagem
de utilizador a não utilizador – 10% destes deixaram de utilizar a internet.

Quadro 3.7 Utilização da internet segundo escalões etários (%)

Utilização da internet Total


Utiliza Deixou de utilizar Nunca utilizou
Escalões etários (n=1542)

15-24 anos 94,1 3,7 2,2 100,0


25-34 anos 85,8 9,9 4,3 100,0
35-44 anos 71,6 10,0 18,4 100,0
45-54 anos 58,2 5,2 36,6 100,0
55-64 anos 31,0 8,1 60,9 100,0
65 e mais anos 11,8 2,7 85,4 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

A socialização precoce com a internet ou a oportunidade de acesso


facultada, entre outros, pela escola, são factores de grande importância na
familiaridade com este tipo de recursos tecnológicos e no desenvolvimento de
práticas de utilização mais correntes. Como seria de esperar, verifica-se uma
distinção bastante significativa entre aqueles que nasceram a partir de 1974,
frequentando já o sistema de ensino no regime democrático e crescendo a par
e passo com uma multiplicidade de novas tecnologias de base
microelectrónica, e os restantes. Embora esta diferença se tenha vindo a
esvanecer nos últimos dez anos, em Portugal, a maioria da população
utilizadora da internet nasceu depois de 1974 (cerca de 60%).

129
As diferenças geracionais são também manifestas quando se observa o
grupo dos estudantes, por oposição ao dos reformados. No primeiro caso as
taxas de utilização ascendem a perto de 100%, facto que estará directamente
relacionado com a possibilidade (ou dir-se-ia mesmo a obrigatoriedade) de
contacto com esta nova tecnologia no contexto escolar; no segundo não vão
além dos 16%, pelo que a internet ainda está longe de se afirmar como uma
forma de comunicação e integração social para estes inactivos (como aliás se
verifica também no caso das domésticas).
À juventude dos utilizadores estão, tal como seria de esperar, associadas
outras características sociodemográficas. Verifica-se, por exemplo, um elevado
peso relativo dos solteiros e dos casais a viver em união de facto – entre estes,
cerca de 80% utilizam a internet, o que significa quase o dobro da taxa de
utilização dos casados (entre os quais há uma maior peso de indivíduos com
mais de 55 anos).
Interessante é também o facto de a utilização da Internet, em Portugal,
ser ainda ligeiramente mais comum entre os homens do que entre as mulheres
(quadro 3.8). Esta diferença é sobretudo visível nas faixas etárias mais
avançadas, sendo perceptível a inversão desta situação entre os mais jovens.
Cerca de 25% dos homens com mais de 55 anos são utilizadores de internet,
valor que passa a cerca de 15% entre as mulheres no mesmo intervalo etário.
Já na faixa dos 15 aos 34 anos a taxa de utilização das mulheres é superior à
dos homens em cinco pontos percentuais, embora em ambos os casos ronde
os 90%.

Quadro 3.8 Utilização da internet segundo o sexo (%)

Utilização da internet Deixou de Nunca Total


Utiliza
Sexo utilizar utilizou (n=1542)

Masculino 59,6 6,8 33,6 100,0


Feminino 51,3 6,2 42,5 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

Tão ou mais importante na compreensão dos níveis de difusão da internet


é – em Portugal, como noutros países – um terceiro factor, em relação ao qual
os mais velhos, e em especial as mulheres mais velhas, se apresentam em
nítida situação de desvantagem: o nível de escolaridade.

130
Tal como há dez anos atrás, os dados recolhidos confirmam claramente a
maior incidência de utilização da Internet entre os indivíduos com melhores
níveis de educação formal, como acontece aliás com muitas outras práticas de
base tecnológica e de carácter mais inovador (quadro 3.9). Cerca de 93% dos
detentores de diplomas do ensino superior utilizam a internet, tendo sido aliás
este grupo social o protagonista pioneiro do desenvolvimento da sociedade em
rede em Portugal.

Quadro 3.9 Utilização da Internet segundo o nível de escolaridade (%)

Utilização da internet
Deixou de Nunca Total
Nível de escolaridade Utiliza
utilizar utilizou (n=1535)
concluído
Sem escolaridade ou 1º 6,2 2,7 91,1 100,0
ciclo do ensino básico
2º ciclo do ensino básico 31,6 13,3 55,1 100,0
3º ciclo do ensino básico 63,5 9,8 26,7 100,0
Ensino secundário 87,2 7,4 5,4 100,0
Ensino superior 92,7 3,4 4,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

Os indivíduos que completaram o ensino secundário apresentam


actualmente uma taxa de utilização da internet bastante próxima à dos
diplomados do ensino superior, tendo passado de 65% em 2003 para 87% em
2013. Mas o maior aumento nos últimos dez anos (de 25%) registou-se entre a
população com o 3º ciclo do ensino básico, que tem em 2013 uma taxa de
utilização de 64%. No caso específico dos indivíduos com quatro ou menos
anos de escolaridade a utilização da internet continua a ser inexpressiva, facto
que ajuda precisamente a explicar o tendencial afastamento da população
feminina mais idosa – em Portugal menos qualificada – do universo
cibernáutico.
É de registar que as diferenças entre homens e mulheres no que respeita
à adesão à internet são mais acentuadas quando se trata de indivíduos pouco
qualificados. A título de exemplo, entre a população apenas com o ensino
básico (concluído ou não), a taxa feminina de utilização da internet é de 25%, e
a masculina de 36%. Ainda assim, esta diferença já não é tão acentuada como
há dez anos atrás, quando a taxa masculina de utilização da internet era o
dobro da das mulheres.

131
Um dos aspectos mais relevantes neste contexto prende-se, no entanto,
com a associação do factor geracional com o educativo. Se, entre os jovens, a
ausência de recursos escolares significativos não conduz a um necessário
afastamento face a esta tecnologia, já entre os restantes, a dupla condição de
mais velhos e pouco escolarizados parece ser particularmente inibidora.
As análises estatísticas efectuadas permitem concluir que, não obstante a
relevância do género, a idade e a escolaridade se assumem como as variáveis
que mais contribuem para a explicação dos níveis de adesão à internet. Apesar
de essa adesão ser na actualidade mais generalizada do que há dez anos
atrás, a desigualdade ainda existente continua a ser explicada
substancialmente pela idade e pela escolaridade.

Quadro 3.10 Utilização da Internet segundo o nível de escolaridade e a idade (% de


utilizadores em cada categoria)

Nível de escolaridade Escalões etários


concluído 15-34 anos 35-54 anos 55 e mais anos
Ensino básico ou menos 76,6 40,8 9,9
Ensino secundário 94,6 86,6 62,8
Ensino superior 97,0 95,8 73,1
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01 em todas as categorias).

O quadro 3.10 é bastante ilustrativo do efeito combinado destes dois


factores. Entre os portugueses com 55 e mais anos, todos eles com contacto
necessariamente tardio com a internet, os menos qualificados têm uma adesão
muito reduzida (10%), enquanto os mais qualificados (com o ensino secundário
ou superior) atingem taxas de utilização entre os 63% e os 73%. Ou seja, a
idade, embora seja um factor inibidor, está longe por si só de ser um obstáculo
intransponível no uso desta nova tecnologia.
No escalão etário oposto (dos 15 aos 34 anos) o efeito da escolaridade
faz-se também sentir mas de forma bastante menos significativa. Os
licenciados e aqueles que terminaram o ensino secundário manifestam níveis
de adesão esmagadores, de mais de 95%. Entre os qualificados ao nível do
ensino básico, entre os 15 e os 34 anos, a taxa de utilização da internet é ainda
bastante significativa, rondando os 77%, o que revela bem o efeito positivo da
juventude neste domínio e a presença neste grupo de estudantes que ainda
estão a concluir os seus estudos. Importa realçar que tal efeito positivo da

132
juventude não será certamente consequência de características biológicas
mas, acima de tudo, da presença, entre os mais jovens, de um leque de
competências adquiridas tanto por via formal, como por processos de
aprendizagem não formal e informal. O contacto mais precoce com as novas
tecnologias, nas mais variadas esferas da vida social, e a interacção com
outros jovens utilizadores da internet propiciado pelas intensas relações de
sociabilidade que tendem a caracterizar os mais jovens são factores a ter aqui
em consideração. Nesse sentido, poder-se-á admitir que a adesão à internet
depende, acima de tudo, de questões ligadas à formação, entendida no seu
sentido mais amplo, não exclusivamente formal.
As diferenças até agora enunciadas entre os universos dos utilizadores e
dos não utilizadores manifestam-se também, necessariamente, no que toca à
categoria socioprofissional dos internautas portugueses e aos seus níveis de
rendimento. Mas antes, importa realçar a influência da inexistência de inserção
profissional no recuo da adesão à internet. É entre os desempregados que se
verifica uma percentagem mais significativa daqueles que deixaram de utilizar a
internet – 15%, face a 6% entre os empregados. A falta de recursos financeiros
para custearam uma ligação à internet em casa, combinada com o facto de
terem deixado de ter acesso à internet no trabalho por via da situação de
desemprego, parece ter conduzido à emergência deste grupo de indivíduos
que já foram utilizadores de internet mas que deixaram de o ser.
Quanto à categoria socioprofissional, o quadro 3.11 mostra que o uso da
internet é particularmente comum entre os profissionais técnicos e de
enquadramento. Este grupo está associado a ocupações que exigem uma
maior mobilização de informação e a níveis académicos mais elevados.
Verifica-se também uma substancial penetração da internet entre os
trabalhadores executantes, em particular dos ligados ao comércio e serviços.
Na categoria do topo, onde se incluem os dirigentes do estado e das empresas
e também os profissionais liberais, a utilização da internet é substancialmente
menos comum do que entre os dois grupos referidos anteriormente, embora
esteja a par com a média geral. Os mais afastados da plataforma web são os
agricultores e os assalariados agrícolas, regra geral com fraca formação
escolar e profissional.

133
Quadro 3.11 Utilização da internet segundo a categoria socioprofissional (%)
Utilização da internet Deixou de Nunca Total
Utiliza
Categoria socioprofissional utilizar utilizou (n=1324)

Empresários, dirigentes e
54,1 2,8 43,1 100,0
profissionais liberais
Profissionais técnicos e de
80,6 5,8 13,6 100,0
enquadramento
Trabalhadores independentes 53,6 9,6 36,8 100,0
Agricultores independentes 6,7 0,0 93,3 100,0
Empregados executantes 61,6 7,5 30,9 100,0
Operários industriais 38,1 9,5 52,4 100,0
Assalariados agrícolas 20,6 4,6 74,9 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

Em consonância com o verificado a respeito das inserções


socioprofissionais, a difusão do uso da internet tende também a estar
intimamente associada ao nível de rendimento dos agregados domésticos
(uma vez que estas duas dimensões são interdependentes). De referir que um
número importante de inquiridos, em particular utilizadores da internet, não
respondeu a esta questão – situação que se pode explicar pelo
constrangimento que este tipo de perguntas sempre suscita, bem como, no
caso dos mais novos, pela permanência num agregado familiar em relação ao
qual não são os principais contribuintes. Ainda assim, os dados disponíveis
tornam evidente que a adesão a este media é directamente proporcional ao
rendimento disponível. Neste sentido, cerca de 90% dos indivíduos que
declaram integrar agregados com rendimentos superiores a 2000€ mensais
são utilizadores da internet. A percentagem de utilizadores passa para 71% no
caso de quem declara ter rendimentos entre 1001 e 2000€ mensais. Entre os
indivíduos com rendimentos familiares mais baixos, até 1000€, a taxa de
utilização da internet ronda os 38%. Apesar do aumento generalizado a todos
os escalões de rendimento da adesão à internet, a associação entre essas
duas variáveis continua assim a verificar-se tal como há dez anos atrás.
Merece uma última referência a distribuição geográfica dos cibernautas
portugueses. Em termos gerais, os níveis de adesão à internet tendem a
aproximar-se em todo o território nacional. No entanto, como se verifica no
quadro 3.12, a maior proporção de utilizadores encontra-se na região do
Algarve, seguidos dos residentes no Norte, na Madeira e em Lisboa. Açores,
Alentejo e Lisboa têm a maior representação daqueles que deixaram de utilizar
internet.

134
Quadro 3.12 Utilização da internet por região (%)

Utilização da internet Deixou de Nunca Total


Utiliza
Região utilizar utilizou (n=1542)

Norte 60,0 5,1 34,9 100,0


Centro 51,1 4,6 44,2 100,0
Lisboa 52,5 9,3 38,1 100,0
Alentejo 50,9 9,8 39,3 100,0
Algarve 63,4 4,0 32,6 100,0
Madeira 59,8 2,3 37,9 100,0
Açores 48,7 10,1 41,2 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,03).

Esta primeira aproximação à difusão do uso da internet em Portugal


revela, por um lado, o alargamento da adesão a esse recurso tecnológico e,
por outro lado, a persistência de desigualdades entre grupos sociais. A maior
abrangência da população em geral na utilização da internet nos últimos dez
anos é evidente, sendo que actualmente a maioria dos portugueses já usufrui
desta tecnologia. Mas a utilização da internet passa a ser comum a
praticamente todos os que se incluem nas gerações mais novas e nos grupos
mais qualificados. Assim, ainda é visível o carácter dual da sociedade
portuguesa, marcado simultaneamente por distinções de carácter geracional e
educativo, com reflexos ao nível do género, da inserção socioprofissional ou
ainda, em menor escala, da implantação territorial.
A potencialização de um recurso tecnológico como a internet surge
associada a competências e predisposições tendencialmente ausentes entre as
gerações mais velhas e menos qualificadas ou entre aqueles cujas actividades
laborais são menos exigentes do ponto de vista do processamento da
informação; e, pelo contrário, mais frequentemente presentes entre os jovens
ou entre os indivíduos que, ao longo da vida, mais directamente lidaram com
conhecimentos de natureza complexa. Apesar das desigualdades constatadas,
a utilização da internet não deixou de crescer também de forma relevante entre
as gerações mais velhas e menos qualificadas. Assim sendo, poder-se-á
considerar que a sociedade em rede, enquanto nova modalidade de
organização social e tecnológica, tem impulsionado e tornado particularmente
decisiva a capacidade cultural e cognitiva dos indivíduos de adaptação às
novas tecnologias e ao constante processamento de informação em contextos
quotidianos.
135
Importa contudo não perder utilizadores no caminho da consolidação da
sociedade em rede. A deterioração das condições de vida a que se tem
assistido nos últimos anos, por via da desaceleração da actividade económica
e das políticas orçamentais restritivas, têm contribuído para a emergência de
um (pequeno) grupo de indivíduos que já foram utilizadores de internet e que
deixaram de o ser. Os grupos sociais mais vulneráveis do ponto de vista
económico – menos favorecidos no que toca a inserções profissionais e níveis
de rendimento – são também aqueles que, mesmo quando de alguma forma
familiarizados com o uso da internet, têm menores oportunidades de acesso a
esta tecnologia. A transformação das condições socioeconómicas da
população poderá constituir-se como um novo desafio para a sociedade em
rede.

Frequência, intensidade e espaços de uso da internet

Uma vez traçado, em linhas gerais, o panorama da difusão da internet em


Portugal e caracterizadas as principais distinções entre a população que aderiu
ou não a este meio de comunicação, importa agora centrar a atenção nos
cibernautas, procurando discriminar as suas práticas efectivas de acesso e
utilização da rede ao seu dispor. Este tipo de análise permite identificar e
caracterizar de forma mais fina diversos perfis de utilizadores e modos de uso
da internet em Portugal.
Analisando a periodicidade da utilização da internet por parte dos
internautas portugueses (quadro 3.13), verifica-se que esta é bastante elevada.
Para 73% dos utilizadores a ligação à internet é uma prática diária. Cerca de
23% referem acessos de 1 a 4 vezes na semana. A percentagem de
utilizadores ocasionais (com ligações de uma vez por mês ou menos) é quase
residual (4%). O aumento da periodicidade de uso da internet é notório
relativamente a 2003, quando apenas 36% dos utilizadores se ligavam à
internet diariamente.

136
Quadro 3.13 Periodicidade do uso da internet

Periodicidade de utilização de internet %


Diária 72,9
Semanal 22,8
3 ou 4 vezes por semana 13,2
1 ou 2 vezes por semana 9,6
Ocasional 3,8
Pelo menos uma vez por mês 2,8
Menos do que uma vez por mês 1,0
Ns/nr 0,5
Total (n=852) 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Entre os utilizadores mais regulares (diários ou semanais), o tempo médio


de ligação semanal à internet é bastante variável (quadro 3.14). Cerca de 47%
destes utilizadores contabilizam até 7 horas semanais de navegação no espaço
web; 32% estão ligados entre 8 e 21 horas; e os casos de maior intensidade de
utilização, superior a 21 horas semanais, representam 20% dos casos.

Quadro 3.14 Intensidade de utilização da internet

Intensidade de utilização, considerando


%
número de horas por semana na internet
3 horas ou menos 23,5
Entre 4 e 7 horas 23,8
Entre 8 e 21 horas 31,5
22 horas ou mais 19,6
Ns/nr 1,7
Total (n=816) 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

A análise comparativa do perfil social dos utilizadores diários e mais


esporádicos da internet reforça o panorama já retratado a respeito da distinção
entre utilizadores e não utilizadores de internet.
Os grupos sociais com maiores índices genéricos de utilização da rede
digital – os mais jovens, os estudantes, os mais qualificados – são quem acede
mais regularmente ao espaço web (quadro 3.15). Os utilizadores com mais de
55 anos, os reformados e outros inactivos, e os escolarizados com o ensino
básico ou menos, registam uma frequência de uso mais reduzida em
comparação com os restantes grupos. Importa relembrar que proporção geral
de utilizadores diários é bastante elevada em todas as categorias sociais, pelo
que mesmo no caso dos últimos grupos referidos a utilização quotidiana
representa a maioria.

137
A periodicidade do uso da internet não varia significativamente por
categoria socioprofissional. No que toca às distinções de género, as diferenças
apenas são significativas em relação à intensidade do uso da internet e não à
sua periodicidade. Os homens tendem a despender mais horas do que as
mulheres nas suas pesquisas ou contactos através da web, ainda que a esta
acedam com uma periodicidade relativamente semelhante.

Quadro 3.15 Periodicidade do uso de internet, independentemente do local de acesso,


segundo idade, condição perante o trabalho e nível de escolaridade (%)

Diária Semanal Mensal Ns/nr Total (n=852)


Escalões etários (p<0,01)
15-34 anos 100,0
78,1 18,2 3,2 0,5
35-54 anos 100,0
72,0 23,5 3,9 0,6
55 e mais anos 100,0
57,4 37,0 5,6 0,0
Condição perante o trabalho (p<0,01)
Estudantes 84,5 14,7 ,9 0,0 100,0
Activos 73,0 22,6 3,8 0,6 100,0
Reformados ou outros inactivos 56,0 36,1 7,9 0,0 100,0
Nível de escolaridade (completo)
(p<0,01)
Superior 100,0
82,9 14,7 1,5 0,9
Secundário 100,0
74,6 23,1 2,0 0,3
Básico 100,0
61,5 29,9 8,3 0,3
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Um elemento central na compreensão dos padrões de utilização da


internet em Portugal prende-se também com os locais privilegiados de acesso
à rede.
O espaço doméstico surge como o principal ponto de acesso à internet
entre os cibernautas portugueses (quadro 3.16). Cerca de 95% declaram
práticas de uso da plataforma web a partir de casa, evidenciando a total
penetração desta tecnologia nos contextos domésticos dos utilizadores da
internet em Portugal. O aumento desta adesão nos últimos dez anos foi muito
expressivo, passando-se de 57% de cibernautas a utilizarem a internet em
casa para 95% em 2013.
Também os tipos de ligação à internet no contexto doméstico se
alteraram na última década. A banda larga fixa é actualmente a principal forma
de acesso à internet nos lares portugueses, principalmente por cabo: 87% dos

138
portugueses com internet em casa declara ter banda larga fixa e 50% internet
por cabo, independentemente de terem ou não outro tipo de ligação. A banda
larga móvel, por placa USB, é uma forma de acesso à internet em casa para
13% dos inquiridos. A ligação por linha telefónica tornou-se praticamente
inexistente.
É de referir que, uma vez disponibilizado o acesso à internet a partir de
casa, vários membros do agregado familiar tendem a utilizá-lo. Exceptuando os
casos de agregados de uma única pessoa, cerca de 88% dos cibernautas que
referem o uso desta tecnologia em casa mencionam partilhá-la com outros
elementos do agregado. Este facto aponta para o considerável potencial dos
contextos domésticos na expansão dos níveis de utilização da internet por
parte de grupos que à partida poderiam estar mais afastados deste tipo de
tecnologia.
A maior parte das crianças estão já familiarizadas com o uso da internet
em casa. Em 75% dos agregados familiares em que há crianças ou
adolescentes (até aos 15 anos), estas utilizam a internet. Os objectivos de tal
utilização, segundo os adultos, prendem-se principalmente com questões de
sociabilidade e de lazer. Usar redes sociais (36%) e jogar ou divertir-se (23%)
são as actividades mais referidas. Seguem-se aqueles que indicam o estudo
como o principal intuito (15%) e os que consideram que a internet é utilizada
para a criança fazer um pouco de tudo (15%). É curioso verificar a alteração da
percepção dos adultos a este respeito, uma vez que há dez anos atrás os
motivos de ordem escolar surgiam em primeiro lugar. Parecem, assim, não
existir na actualidade resistências significativas por parte dos adultos à
utilização da internet pelos mais jovens com um objectivo lúdico e de
sociabilidade.

Quadro 3.16 Utilização da internet em casa, no trabalho, na escola/universidade e noutros


locais (universo dos utilizadores da internet) (%)

Utilização da Na escola / Noutros locais


No trabalho
internet nos locais Em casa universidade (rua, café, casa
(caso trabalhe)
considerados (caso estude) amigos, etc.)
Utiliza 95,1 65,2 75,1 39,2
Não utiliza 4,9 34,8 24,9 60,8
100,0 100,0 100,0 100,0
Total
(n=847) (n=566) (n=140) (n=711)

Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

139
Os acessos a partir do local de trabalho e da escola têm também uma
importância considerável na difusão da internet em Portugal (quadro 3.16).
Entre os cibernautas inseridos no mercado laboral, 65% declaram aceder à
internet no contexto de trabalho. Entre os cibernautas a estudar, a incidência
do acesso à web no espaço escolar é ainda superior à registada a respeito das
ligações de índole profissional, rondando os 75%.
No primeiro caso, o valor obtido é um importante sinal da integração da
internet nas rotinas profissionais de uma parte substancial da população
portuguesa. Não obstante, o aumento de cerca de 15% de abrangência de
cibernautas a utilizar internet no trabalho face há dez anos atrás, fica atrás do
aumento registado no que concerne ao espaço doméstico e ao espaço escolar.
Isto pode ser interpretado como um sintoma da ainda fraca mobilização deste
tipo de recursos em parte das estruturas produtivas portuguesas, mesmo
quando muitos trabalhadores adquiriram já, noutros contextos, as
competências necessárias para tal utilização. Importa também considerar que o
sector de actividade em que se trabalha influi na utilização ou não da internet
no trabalho. A quase totalidade dos cibernautas que trabalham em actividades
de consultoria, científicas e técnicas, financeiras e imobiliárias utilizam-na
nesse âmbito, enquanto, no caso exemplificativo daqueles que trabalham em
actividades ligadas à produção e distribuição de electricidade e gás ou nas
indústrias extractivas, apenas cerca de um terço fazem uso da internet no
contexto laboral. Da mesma forma, a utilização dos recursos web no trabalho é
mais comum entre os diplomados do ensino superior (81% destes utilizam) e
entre os profissionais técnicos e de enquadramento (84%) (quadro 3.17).
Na grande maioria dos casos, o acesso à internet no local de trabalho não
é sujeito a limitações em termos de uso. Cerca de 70% dos inquiridos que
referiram utilizar a internet no local de trabalho afirmam poder aí utilizá-la para
tudo aquilo que pretendem. E, como os dados revelam, os acessos em
contextos de trabalho não são exclusivamente pautados por motivos de ordem
profissional. Mais de 55% dos que referiram aceder à internet no trabalho
admitem fazê-lo por motivos pessoais pelo menos uma vez por dia, o que
significa um aumento de 20% face a 2003.
No que refere ao espaço escolar, os resultados confirmam o progressivo
investimento governativo no desenvolvimento tecnológico das escolas e o

140
papel decisivo que as instituições académicas tiveram na difusão da internet
em Portugal. O contexto escolar foi, a seguir ao doméstico, aquele em que se
verificou um maior aumento de utilização da internet face a 2003: a taxa de
utilização passou de 55% em 2003 para 75% em 2013. Como seria de esperar,
o acesso à plataforma web a partir das escolas secundárias ou das
universidades é protagonizado essencialmente pelos mais jovens – obviamente
mais próximos do universo escolar (quadro 3.17).
Já o acesso a partir de outros locais registou um aumento menos
significativo mas ainda assim relevante (10%) (quadro 3.16). Assim, na
actualidade, cerca de 40% do total de utilizadores de internet declaram utilizar
locais como a casa de amigos ou familiares, a rua, o café ou outros locais
públicos para aceder à plataforma web. A maior parte daqueles que utilizam a
internet nesses locais também o faz em casa e no trabalho ou na escola. A
análise do seu perfil social permite verificar a grande incidência de estudantes
entre estes utilizadores.

Quadro 3.17 Utilização da internet em casa, no trabalho, na escola e noutros locais segundo
idade, nível de escolaridade e categoria socioprofissional (%*)

Utilização em Utilização no Utilização na Utilização


casa trabalho escola noutros locais
Escalões etários p<0,05 p<0,01
15-34 anos 95,0 59,1 77,3 51,9
35-54 anos 95,2 69,6 65,8 27,6
55 ou mais anos 95,5 69,4 39,8 22,9
Nível de escolaridade (completo) p<0,01 p<0,01
Ensino Superior 94,9 80,9 87,1 47,1
Ensino Secundário 96,2 66,7 72,8 39,5
Ensino Básico 94,0 43,1 66,5 30,7
Categoria socioprofissional ** p<0,01
Empresários, dirigente e profissionais liberais 91,9 73,5 32,7
Profissionais técnicos e de enquadramento 96,1 84,1 41,9
Empregados executantes 93,9 65,4 28,3
Operários industriais 94,3 44,6 35,2
* As percentagens são relativas ao número de utilizadores no local designado em cada um das categorias.
** Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – trabalhadores independentes,
agricultores independentes e assalariados agrícolas.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Quanto à periodicidade de contacto com a internet nos diversos


contextos, verifica-se que o acesso em casa ou no local de trabalho assume
um carácter mais regular do que os restantes (quadro 3.18). Cerca de três
quartos dos que referem aceder à rede no contexto laboral fazem-no

141
diariamente. De forma semelhante, as utilizações diárias a partir de casa
representam perto de 70% do total de utilizadores no espaço doméstico. Já na
escola/universidade a frequência é menor, ainda que claramente superior à
registada noutros locais de acesso público. Os cibernautas que se ligam a
partir das instituições escolares dividem-se na sua quase totalidade entre os
que o fazem diariamente e os que o fazem semanalmente. Note-se que foi no
contexto escolar que o acesso à internet como prática diária mais aumentou
entre 2003 e 2013 (de 11% para 46%). Já o acesso à internet a partir de outros
locais públicos é em cerca de metade dos casos uma prática semanal e em
cerca de um terço dos casos é mesmo ocasional.
A intensidade de uso da internet revela um panorama semelhante ao da
sua periodicidade, com os utilizadores da internet em locais públicos e os
utilizadores na escola a manifestarem um uso menos demorado do que os
utilizadores de internet no espaço doméstico ou no trabalho. Estes dois últimos
espaços de uso da internet obtêm as maiores percentagens, em comparação
com os restantes, nas categorias referentes a um uso superior a 7 horas
semanais.

Quadro 3.18 Periodicidade do uso da internet em casa, no trabalho, na escola/universidade


e noutros locais, entre aqueles que declaram aceder nestes locais

Periodicidade de uso, Na escola /


Em casa No trabalho Noutros locais
segundo o local universidade
Diária 67,9 75,8 45,5 18,3
Semanal 28,8 19,7 46,4 48,1
Ocasional 3,4 4,5 8,1 33,6
100,0 100,0 100,0 100,0
Total
(n=806) (n=369) (n=105) (n=279)
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Nos últimos dez anos a utilização da internet tornou-se mais regular e


intensificou-se nos vários espaços da vida quotidiana. A internet é assim
presentemente um recurso a que se acede com uma periodicidade geralmente
diária e em múltiplos locais. Destaca-se a penetração da internet nos contextos
domésticos à quase totalidade dos utilizadores de internet, mas também o
aumento substancial da sua utilização nos espaços laboral, escolar e público, o
que revela a crescente participação da população portuguesa na sociedade em
rede.

142
Para que serve a internet? Diferentes domínios de uso

Um outro aspecto absolutamente fundamental na análise da difusão da


internet prende-se com as actividades efectivamente desenvolvidas pelos
utilizadores através do acesso à rede. Nos últimos dez anos multiplicaram-se
as potencialidades e as possibilidades de uso da internet, nomeadamente com
o surgimento das redes sociais, com a mais forte participação dos vários media
na disponibilização de recursos informativos online, com a generalização do
acesso a conteúdos culturais digitais, com o alargamento das actividades de
troca, compra e venda de bens e serviços no universo web, ou ainda com a
proliferação de espaços que apelam à participação e à opinião dos utilizadores.
Importa então conhecer que tipo de usos têm desenvolvido os cibernautas
portugueses nas suas práticas de utilização da internet. Consideraram-se, para
tal, 71 actividades possíveis de realizar no âmbito da plataforma web,
questionando-se os inquiridos se costumavam ou não praticá-las. Essas
actividades foram agrupadas em seis grandes domínios de utilização –
comunicação; informação diversa; informação sobre a actualidade;
entretenimento; bens e serviços; e conteúdos gerados pelo utilizador –,
possibilitando assim a construção de uma tipologia de usos da internet e a sua
análise por relação à diversidade social dos cibernautas.
Tal como há dez anos atrás, a actividade mais comum na internet é o uso
do correio electrónico (quadro 3.19). A troca de emails é referida por 88% dos
utilizadores. Por sua vez, utilizar a internet para contactar com amigos é uma
prática corrente para 81% dos cibernautas portugueses. Assumem também
lugar de destaque, com uma percentagem de utilizadores entre os 70% e os
80%, a procura de informação sobre produtos e a utilização de sites de redes
sociais. Seguem-se, apontadas por 60% a 70% dos internautas, a leitura dos
títulos de notícias, a utilização de programas de mensagens instantâneas/chat,
e a navegação na internet sem objectivos concretos. Ainda com uma
abrangência acima dos 50% encontram-se: fazer upload de fotografias, vídeos
ou filmes; fazer actualizações do seu status em redes sociais; consultar
bibliotecas, enciclopédias, dicionários ou atlas; ver vídeos online; fazer
comentários em blogues ou no mural de alguém; ler notícias da imprensa no

143
Facebook; pesquisar informação sobre espectáculos programados; procurar
informação sobre viagens; e ler o texto de uma notícia na íntegra.

Quadro 3.19 Actividades realizadas utilizando a internet, organizadas segundo domínios de


uso (%*)
%
Actividades que realiza utilizando a internet
(n=852)
Comunicação
Enviar/receber emails 87,5
Utilizar programas de mensagens instantâneas (ex. Messenger, iChat) 63,1
Fazer/receber telefonemas através da internet (Skype, etc.) 31,7
Trabalhar no seu próprio blogue 7,8
Utilizar sites de redes sociais (ex. Facebook, Google+) 74,6
Contactar com programa de televisão ou de rádio 19,5
Contactar com amigos 80,7
Informação diversa
Procurar informação sobre viagens 50,4
Pesquisar informação sobre a sua cidade 43,1
Procurar emprego/trabalho 41,3
Procurar casa/ apartamento 19,8
Procurar informação sobre saúde 45,6
Pesquisar receitas de cozinha 45,8
Consultar bibliotecas, enciclopédias, dicionários, atlas (ex. Wikipédia) 56,6
Ler blogues 40,9
Utilizar o Twitter 12,5
Participar em cursos online 6,9
Pesquisar informação sobre cursos de formação 25,5
Pesquisar informação política, sindical ou associativa 20,9
Pesquisar informação sobre serviços públicos 48,2
Informação sobre a actualidade
Ler os títulos de notícias 64,3
Ler o texto de uma notícia na íntegra 50,2
Ver vídeos noticiosos 38,5
Ver notícias em directo 19,2
Ver um programa de notícias online 14,5
Ouvir um podcast noticioso 8,8
Ler um blogue noticioso 17,6
Ler notícias da imprensa no Facebook 51,6
Entretenimento
Jogar jogos 43,9
Ver vídeos online 55,4
Visitar sites religiosos/espirituais 7,0
Ouvir uma estação de rádio online 27,7
Navegar na internet sem objectivos concretos 63,0
Ver sites pornográficos 9,7
Fazer apostas online ou jogar a dinheiro 6,8
Fazer downloads de música não pagos 41,8
Fazer downloads de música pagos 5,7
Fazer download de filmes 38,6
Fazer download de séries de tv 25,4
Ler livros online ou fazer download de livros 14,6
Consultar sites/ jornais online sobre desporto 37,8
Pesquisar informação sobre espectáculos programados 51,4
Procurar conteúdos humorísticos (ex. anedotas) 35,4
Fazer download de software 34,7
Bens e serviços
Procurar informação sobre um produto 78,4
Participar ou comprar num leilão 12,4
Publicar anúncios em sites de classificados (OLX, Custo Justo, etc.) 29,2
Procurar ou comprar produtos em sites de classificados (OLX, Custo Justo, etc.) 40,3
Fazer as compras do supermercado através da internet 5,8
Comprar livros ou cd’s 14,1
Comprar produtos informáticos 16,7

144
Comprar ou reservar entradas para espectáculos 23,4
Comprar produtos relacionados com saúde, estética e bem estar 15,0
Comprar outras coisas 29,9
Fazer reservas de viagens/ alojamento/ alugar um carro 31,1
Utilizar serviços de e-banking/home-banking 30,0
Ler críticas e avaliações de produtos 37,5
Utilizar sites de cupões/descontos/promoções (Groupon, Caça Promoções, etc.) 20,9
Conteúdos gerados pelo utilizador
Dar opinião ou avaliar produtos e serviços 37,9
Fazer actualizações do seu status em redes sociais 57,5
Fazer upload de fotografias, vídeos ou filmes 57,7
Fazer comentários em blogues ou no mural de alguém 54,3
Editar conteúdos da Wikipédia ou outras enciclopédias online 27,3
Escrever/acrescentar posts ou comentários em sites diversos 33,9
Participar em votações online 27,9
Fazer uploads de vídeos de música 41,5
Colocar na sua rede social notícias de um jornal, tv ou rádio 33,9
Comentar notícias numa rede social 36,3
Comentar notícias no site de um órgão de comunicação social 12,1
Escrever um post num blogue sobre notícias que leu 14,5
Trabalhar a partir de casa 25,8
* Percentagens do número de utilizadores que responderam positivamente a cada uma das actividades,
em relação ao total de utilizadores.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Há alguns aspectos a salientar perante os resultados mencionados.


Desde logo a constatação de que três das quatro actividades mais realizadas
na internet pelos portugueses, com mais de 70% de adesão, remetem para fins
de comunicação e sociabilidade. Importa também referir que a utilização de
redes sociais é transversal a várias das actividades referidas pela maioria dos
internautas, o que é indicativo da actual relevância deste canal de comunicação
em rede.
Por outro lado, os dados apurados dão conta da importância da internet
como fonte informativa sobre bens e serviços, mais do que como meio de
aquisição dos mesmos. A procura de informação sobre produtos na internet, a
terceira actividade mais referida, constituir-se-á para uma parte dos
consumidores como uma etapa prévia à sua aquisição fora da web, o que
indicia as potencialidades deste contexto para as marcas na divulgação dos
seus produtos.
Um dado que também importa salientar, face o actual contexto de crise
económica, é a recorrência da procura ou compra de produtos em sites de
classificados, que obteve 40% da adesão dos cibernautas. No mesmo sentido,
perto de 30% referem utilizar a internet para publicar anúncios nesse tipo de
páginas web e cerca de 20% indicam visitar sites de cupões, descontos ou
promoções.

145
A utilização da plataforma web para o download de música paga é a
actividade menos frequente, realizada apenas por 6% dos utilizadores. No
entanto, o download não pago de música obtém 42% de adeptos, o que revela
a preferência pela partilha gratuita de conteúdos musicais digitais.
Entre as actividades menos realizadas, com valores de abrangência
abaixo dos 10% de utilizadores, surgem ainda: fazer as compras do
supermercado através da internet; fazer apostas online ou jogar a dinheiro;
participar em cursos online; visitar sites religiosos ou espirituais; trabalhar no
seu próprio blogue; ouvir um podcast noticioso; e ver sites pornográficos.
Apesar de o nível declarado de adesão a sites de natureza pornográfica
ser relativamente reduzido, ascendem a 70% os cibernautas que concordam
com a afirmação “muita gente utiliza a internet para ver pornografia de adultos”.
É assim provável que o valor declarado esteja subdimensionado, em virtude do
possível constrangimento suscitado por uma resposta positiva. É grande a sua
distância face à ideia generalizada de que este tipo de consumo está
fortemente difundido na sociedade.
Uma análise comparativa dos resultados obtidos em 2003 e em 2013 tem
em consideração as actividades comuns entre as duas aplicações3. Algumas
actividades evidenciam-se pelo aumento nos últimos dez anos da proporção de
internautas que indicam realizá-las através da internet. As actividades que se
destacam pelo aumento da sua abrangência, em mais de 25%, estão
relacionadas com o contacto com amigos, o upload de fotografias e vídeos, a
pesquisa de receitas de cozinha, a procura de emprego, a realização de
telefonemas através da internet e a procura de informação sobre saúde. Trata-
se de actividades de comunicação, informação prática e de partilha de
conteúdos.
A única actividade passível de comparação entre as duas aplicações do
inquérito que reduz a sua abrangência, embora ligeiramente, é a navegação na
internet sem objectivos concretos. Embora mantenha ainda um valor
relativamente elevado, esta actividade de algum modo semelhante ao zapping
televisivo, deixou de ser tão preponderante relativamente às restantes como
era há dez anos atrás (quando era a segunda mais realizada), o que pode ser

3
Em certos casos verificam-se também algumas diferenças na formulação/descrição/conteúdo
das actividades, pelo que não é possível uma comparação exacta.

146
interpretado como um indício de que os cibernautas conhecem melhor as
potencialidades da internet e estão mais orientados para objectivos de
utilização concretos.
Analisando agora os domínios genéricos de uso, onde se agrupam as
diversas actividades consideradas, verifica-se que a internet é na actualidade
um espaço com várias vertentes de utilização, e que cada indivíduo usa a
internet para múltiplos fins (quadro 3.20).
O peso relativo dos cibernautas que declaram utilizar a internet com o
intuito da comunicação e dos que visam a recolha de informação diversa
(educativa, profissional ou prática) é de, respectivamente, 93% e 92%. Com
uma percentagem semelhante, de 92%, surge o entretenimento. A
percentagem daqueles que desenvolvem pelo menos uma actividade
relacionada com conteúdos gerados pelo utilizador é de 88%. Já as utilizações
que remetem para práticas comerciais ou informativas sobre bens e serviços
são declaradas por 86% dos utilizadores. Apresentando uma difusão
relativamente mais restrita, comparativamente com os restantes domínios,
surge a consulta de informação sobre a actualidade, sendo que ainda assim
79% dos utilizadores realizam pelo menos uma actividade no seu âmbito.

Quadro 3.20 Domínios de uso da internet (% de utilizadores que declararam pelo menos
uma actividade no domínio)

%
Domínios de uso da internet
(n=852)
Comunicação 93,0
Informação diversa 92,4
Informação sobre a actualidade 79,1
Entretenimento 91,8
Bens e serviços 86,1
Conteúdos gerados pelo utilizador 87,7
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Os usos que os internautas dão à plataforma web multiplicaram-se


relativamente há dez anos atrás. A utilização é mais diversificada pelas várias
vertentes da internet. Enquanto em 2003 se destacava o domínio do lazer
relativamente aos restantes, em 2013 verifica-se que mais de 80% dos
utilizadores realizam pelo menos uma actividade em cada domínio
considerado. A internet é hoje um meio de comunicação e de sociabilidade, um
instrumento de circulação e de consulta de informação, seja noticiosa, virada

147
para fins de ordem prática ou para fins educativos ou profissionais, um espaço
de lazer e entretenimento, de práticas comerciais e de partilha de conteúdos.
A análise do número de actividades realizadas na internet em cada
domínio permite complementar os dados apresentados e aprofundar algumas
distinções entre os domínios de uso da internet (quadro 3.21).
Os utilizadores que desenvolvem actividades através da internet de
recolha de informação diversa, de entretenimento ou de criação de conteúdos,
declaram realizar em média cinco actividades em cada um desses domínios.
No caso da comunicação e das práticas relacionadas com bens e serviços a
média é de quatro actividades. Já no que concerne à informação sobre a
actualidade a média é de três actividades.
O rácio do número médio de actividades realizadas pelos utilizadores que
declararam pelo menos uma actividade no domínio em relação ao número total
de actividades previstas nesse domínio, coloca a comunicação em primeiro
lugar, o que revela que existem não só mais utilizadores a realizar actividades
com esse objectivo como também que estes realizam uma proporção maior
dessas actividades. Por outro lado, conclui-se que embora haja menos
utilizadores a realizar actividades no domínio de informação sobre a
actualidade relativamente aos restantes domínios, este grupo mais pequeno
desenvolve uma maior proporção de actividades. Pelo contrário, no campo do
entretenimento por exemplo, há mais pessoas a desenvolver pelo menos uma
actividade, mas estas declaram realizar uma menor proporção das actividades
previstas.

Quadro 3.21 Domínios de uso da internet (rácio do nº médio de actividades realizadas


pelos utilizadores que declararam pelo menos uma actividade no domínio em
relação ao nº total de actividades do domínio)

Nº médio de Nº total de Nº médio actividades


Domínios de uso da internet actividade actividades realizadas / nº total
realizadas do domínio actividades
Comunicação 4 7 0,6
Informação diversa 5 13 0,4
Informação sobre a actualidade 3 8 0,4
Entretenimento 5 16 0,3
Bens e serviços 4 14 0,3
Conteúdos gerados pelo utilizador 5 13 0,4
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

148
Apesar das percentagens muito altas de utilizadores que declaram utilizar
a internet com cada um dos intuitos analisados, a utilização da internet não é
totalmente uniforme entre todos os cibernautas. Como em muitas outras
esferas da vida social, também as práticas de uso da internet se apresentam,
em vários casos, relacionadas com a posição dos indivíduos na estrutura
social.
Os usos relacionados com a comunicação, o entretenimento e a criação
de conteúdos assumem particular relevância entre os mais jovens, na faixa dos
15 aos 34 anos, os escolarizados ao nível do ensino superior ou secundário e
os estudantes (quadro 3.22).
Algumas actividades justificam especialmente a distinção etária nos três
domínios referidos, tais como a utilização de programas de chat e de redes
sociais e a inserção de comentários ou upload de conteúdos na rede, a
realização de jogos através da internet, a visualização de vídeos online ou o
download gratuito de música.
O domínio de conteúdos gerados pelo utilizador é aquele em que existe
uma maior diferenciação em termos etários. Cerca de 95% dos internautas com
idade entre os 15 e os 34 anos declaram realizar pelo menos uma actividade
com esse objectivo, percentagem que desce para 75% entre os utilizadores
com 55 ou mais anos. Comparativamente com os mais jovens, as gerações
mais velhas parecem ter assim uma utilização mais passiva da internet,
preferindo a consulta à criação ou partilha de conteúdos. Tal estará
eventualmente associado a uma menor confiança no sistema e à menor
probabilidade de participação dos pares na internet – menor entre os mais
velhos.
Ainda no âmbito dos usos de comunicação, entretenimento e criação de
conteúdos, a distinção em termos de escolaridade é mais significativa nas
actividades que envolvem a utilização de redes sociais, o download de
conteúdos culturais e de software, a audição de estações de rádio online e a
pesquisa de informação sobre espectáculos. Esta distinção vai no mesmo
sentido referido para os domínios em causa, sendo mais frequente entre os
escolarizados do ensino secundário e superior.
Importa também notar que, no caso da utilização da internet com o
objectivo de comunicação, a incidência de activos é mais elevada e assemelha-

149
se mais à proporção de estudantes do que nos outros domínios referidos.
Empregados ou à procura de emprego, os activos evidenciam-se
particularmente no uso do correio electrónico, habitual no contexto profissional.
Apesar de ser praticamente semelhante a percentagem de homens e de
mulheres que indicaram pelo menos uma actividade nos domínios em causa –
comunicação, entretenimento e conteúdos gerados pelo utilizador –, algumas
actividades específicas da categoria de entretenimento revelam distinções
significativas por sexo. É o caso do download gratuito de música e de software,
em que os rapazes destacam-se de forma relevante face às raparigas,
apresentando uma maior familiarização com este tipo de actividades. É
também mais habitual entre os homens a consulta de informação desportiva, a
realização de apostas online e a visualização de sites pornográficos.
Já a respeito da utilização da internet para fins mais instrumentais,
verifica-se que o domínio da pesquisa de informação diversa é mais recorrente
entre os mais jovens, as mulheres, os mais escolarizados, e os estudantes ou
activos (quadro 3.22).
A procura de emprego e a consulta de recursos educativos como
enciclopédias são algumas das actividades do domínio de informação diversa
em que as diferenças etárias são mais acentuadas. Contudo, no primeiro caso
destacam-se os jovens activos e no segundo caso os jovens estudantes. Por
sua vez, a pesquisa de receitas de cozinha é a actividade em que se verifica
uma maior distinção de género, seguida da pesquisa de informação sobre
saúde. Ambas são mais realizadas por mulheres.
A qualificação académica é relevante em todas as actividades
relacionadas com a pesquisa de informação diversa, seja educativa, cultural ou
mais virada para usos práticos. No último caso, as diferenças são verificáveis,
por exemplo, no que toca à recolha de informação sobre aspectos relacionados
com a saúde, sobre os serviços públicos, ou ainda sobre assuntos de índole
político-sindical, temas em princípio de interesse transversal a boa parte da
população. Isto não quer dizer que os escolarizados ao nível do ensino básico
não utilizem a internet com esses objectivos, até porque procurar informação
sobre saúde é uma das actividades que mais desenvolvem neste domínio.
Significa sim que esses são objectivos de pesquisa comparativamente mais

150
comuns entre os qualificados com o ensino secundário e principalmente com o
ensino superior.
No que concerne às práticas de índole informativa sobre a actualidade,
estas são menos diferenciadas em termos de idade e de sexo, mas são
particularmente incidentes entre os indivíduos com o ensino superior e os
activos e, embora menos distintamente, entre os profissionais técnicos e de
enquadramento (quadro 3.22).
Mais de 90% dos cibernautas com o ensino superior declaram realizar
pelo menos uma actividade relacionada com informação sobre a actualidade
recorrendo à internet, percentagem que desce para 65% entre os escolarizados
ao nível do ensino básico. Este é o domínio em que existe uma maior distinção
em termos de qualificação, a qual é transversal a todas as actividades aí
incluídas.
Finalmente, nas práticas relacionadas com bens e serviços, a
diferenciação percorre as diversas condições sociais dos indivíduos. Este tipo
de uso é especialmente recorrente entre os internautas do sexo masculino, nas
faixas etárias até aos 55 anos, os diplomados do ensino superior, os activos, e
ainda entre as categorias socioprofissionais de topo, tanto os profissionais
técnicos e de enquadramento como os empresários, dirigentes e profissionais
liberais (quadro 3.22).
Procurar ou comprar produtos em sites de classificados é uma das
actividades que denota uma maior distinção etária, sendo menos frequente
entre as gerações mais velhas. A participação nesse tipo de páginas online de
publicação de anúncios de compra e venda de produtos, e também a compra
de produtos informáticos, têm uma particular incidência entre os homens. Já a
compra de produtos de saúde, estética e bem-estar contraria a tendência
masculina do domínio, sendo mais comum entre as mulheres.
Praticamente todas as actividades relacionadas com bens e serviços são
realizadas diferenciadamente pelos indivíduos de acordo com o seu nível de
educação formal, o que poderá revelar diferentes níveis de confiança na
plataforma web para este efeito, diferentes disposições para o consumo ou
mesmo interesses diferenciados em se informarem sobre bens e serviços. Os
escolarizados com o ensino básico não recorrem tanto a este tipo de práticas
online como os restantes. Não obstante, apesar de o domínio em causa se

151
evidenciar entre os diplomados do ensino superior – geralmente inseridos nas
categorias socioprofissionais de topo e mais bem remuneradas
profissionalmente –, em algumas actividades, relacionadas com a utilização de
sites de classificados e de sites de descontos e promoções, os menos
escolarizados ganham especial relevância.

Quadro 3.22 Incidência dos domínios de uso, segundo idade, sexo, níveis de escolaridade,
condição perante o trabalho e categoria socioprofissional (% de utilizadores
que declararam pelo menos uma actividade no domínio)
Informação Conteúdos
Informação Bens e
Comunicação sobre a Entretenimento gerados pelo
diversa serviços
actualidade utilizador
Escalões etários p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.05 p<0.01

15-34 anos 96,4 94,4 82,5 96,3 87,2 94,6


35-54 anos 91,6 92,3 76,9 90,0 87,2 83,9
55 e mais anos 85,2 85,7 74,1 81,3 78,5 74,9

Sexo p<0.01 p<0.01

Masculino 92,2 90,2 80,4 92,9 89,1 87,9


Feminino 93,9 94,7 77,8 90,6 82,9 87,5

Nível de escolaridade (completo) p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01

Superior 96,8 98,4 91,6 95,8 95,6 93,9


Secundário 94,7 94,3 81,4 93,2 90,4 89,7
Básico 87,1 84,6 64,7 86,1 72,1 79,1

Condição perante o trabalho p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01 p<0.01

Estudantes 97,7 96,4 75,5 97,8 78,6 96,9

Activos 93,5 93,0 81,4 91,9 88,4 87,0

Reformados ou outros inactivos 82,0 82,1 65,0 82,6 77,0 80,4

Categoria socioprofissional * p<0.05 p<0.01

Empresários, dirigentes e prof. liberais 95,3 90,5 83,9 90,6 91,8 86,6
Profissionais técnicos e de enquadramento 94,0 95,8 86,4 91,4 95,4 88,5
Empregados executantes 91,0 92,2 80,9 89,6 85,4 87,6
Operários industriais 91,4 89,1 75,1 92,4 82,3 81,1

* Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – trabalhadores independentes,
agricultores independentes, assalariados agrícolas.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Também em relação ao número médio de actividades realizadas se


encontram diferenças entre grupos sociais. Os mais jovens são os que
declaram um maior número médio de actividades em cada domínio, assim
como os escolarizados com pelo menos o ensino secundário. Estes são os
grupos que apresentam usos mais diversificados da internet.
A ausência de qualificações mais elevadas não se apresenta actualmente
como uma barreira à difusão do uso da internet na população em geral. No
entanto, acaba por representar em certa medida uma inibição no
desenvolvimento de usos mais diversificados, quer porque indicia uma menor

152
familiarização com as novas tecnologias e com os processos de pesquisa,
tratamento e mobilização de informação, quer também porque está em geral
associada a menores índices de autonomia, a maiores restrições no consumo e
a interesses culturais menos diferenciados. Por um lado, são precisamente os
menos qualificados que revelam, comparativamente com os restantes, maior
dificuldade na pesquisa de informação na internet e que mais declaram ficar
confusos com a grande quantidade de informação disponível. Por outro lado,
em boa medida, as práticas de uso da internet reflectem as restantes práticas
sociais dos indivíduos em causa, transpondo-se para o universo da rede a
intensa sociabilidade dos jovens e a sua maior disponibilidade para actividades
lúdicas, a procura de instrumentos de informação e cultura por parte dos mais
qualificados e de recursos educativos pelos estudantes, ou os padrões de
consumo dos cibernautas com maior poder de compra ou daqueles que com
um poder de compra mais limitado se orientam para a obtenção de promoções
e de produtos em segunda mão.

Dispositivos digitais, acesso e partilha de conteúdos na internet

Nos últimos dez anos, o panorama de utilização da internet alterou-se não


apenas em relação ao quem, quando, onde e porquê/para quê, mas também
em relação ao como. Como seria expectável, a evolução tecnológica tem vindo
a alterar o modo como utilizamos a internet. Do lado da oferta, a internet por
banda larga móvel difundiu-se e surgiram novos dispositivos digitais. O
surgimento de dispositivos móveis como é o caso do smartphone e do tablet
representa não apenas a portabilidade, também possível com o computador
portátil, mas também uma nova experiência de utilização face ao computador.
O acesso a software aplicativo muito variado e a conteúdos personalizados, e o
interface táctil (touch screen), constituem uma nova forma de aceder à
informação e de partilhá-la, mais directa e mais instantânea. Estes dispositivos
estão associados também a novos sistemas de armazenamento de dados e ao
alargamento das possibilidades de partilha de ficheiros na internet.

153
A este respeito, vale a pena convocar alguns dados sobre a posse de
equipamentos tecnológicos no lar entre os utilizadores de internet (quadro
3.23)4. Cerca de metade dos utilizadores de internet dispõe de computador
pessoal fixo e quase 90% de computador pessoal portátil. A posse de tablet é
mais restrita, mas mesmo assim significativa face ao carácter mais recente
deste dispositivo, sendo que 20% dos portugueses que utilizam internet
afirmam possuir este equipamento. Representam cerca de 60% aqueles que
declaram ter um telemóvel que permite ligação à internet. Importa ainda referir
que cerca de 40% dos utilizadores tem acesso a internet por banda larga
móvel, seja por usb ou via tablet ou smartphone. Note-se que estes valores
percentuais, referentes aos utilizadores de internet, estão bastante acima dos
verificados para a população em geral: 36% dos portugueses têm computador
pessoal fixo, 58% têm computador portátil, 38% dispõem de telemóvel que
permite ligação à internet, 12% possuem tablet e 25% aderiram à banda larga
móvel.

Quadro 3.23 Posse de equipamentos e serviços tecnológicos entre os utilizadores de


internet (% de utilizadores que declararam possuir cada um dos equipamentos)

%
Posse de equipamentos e serviços tecnológicos
(n=852)
Computador pessoal fixo 53,4
Computador pessoal portátil 87,3
Telemóvel que permite ligação à internet 61,2
Tablet 20,4
Banda larga móvel 41,1
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

A utilização da internet a partir de dispositivos móveis tem já uma


abrangência relevante entre os internautas. Cerca de 39% dos mesmos utiliza
internet a partir de dispositivos móveis, tais como o telemóvel, o smartphone ou
o tablet. A utilização da internet a partir de dispositivos móveis é
particularmente relevante entre os mais novos, na faixa etária dos 15 aos 34
anos (51%), os estudantes (61%), e entre os mais escolarizados,
principalmente ao nível do ensino superior (48%) mas também do secundário
(41%). Destaca-se ainda entre os empresários, dirigentes e profissionais

4
Essa posse refere ao contexto doméstico, podendo a aquisição ter sido protagonizada pelo
próprio inquirido ou por outras pessoas do agregado.

154
liberais (41%) e os profissionais técnicos e de enquadramento (42%) (quadro
3.24).
O tempo de utilização da internet a partir deste tipo de dispositivos é, para
cerca de dois quintos dos internautas, de até três horas semanais. Para 16%
essa utilização varia entre 4 e 7 horas, para 18% entre 8 e 21 horas, e para os
restantes 7% que respondem a esta questão é de 22 horas ou mais.

Quadro 3.24 Utilização da internet a partir de dispositivos móveis (tais como telemóvel,
smartphone ou tablet), segundo idade, nível de escolaridade, condição perante
o trabalho e categoria socioprofissional (%)

Utiliza a internet a partir de dispositivos móveis? Sim Não Ns/nr Total (n=852)
Escalões etários (p<0,01)
15-34 anos 51,2 48,5 0,3 100,0
35-54 anos 30,8 68,3 0,9 100,0
55 ou mais anos 17,2 82,8 0,0 100,0
Nível de escolaridade (completo) (p<0,01)
Ensino superior 48,1 51,5 0,5 100,0
Ensino secundário 40,6 59,1 0,3 100,0
Ensino básico 26,6 72,6 0,8 100,0
Condição perante o trabalho (p<0,01)
Estudantes 61,3 38,7 0,0 100,0
Activos 37,0 62,3 0,7 100,0
Reformados ou outros inactivos 19,3 80,7 0,0 100,0
Categoria socioprofissional * (p<0,05)
Empresários, dirigentes e profissionais liberais 40,9 57,9 1,2 100,0
Profissionais técnicos e de enquadramento 41,9 57,5 0,6 100,0
Empregados executantes 26,8 73,2 0,0 100,0
Operários industriais 34,2 64,6 1,2 100,0
Total 38,5 61,0 0,5 100,0
* Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – trabalhadores
independentes, agricultores independentes e assalariados agrícolas.

Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Retomando a análise dos domínios de uso da internet, é possível verificar


que dispositivos são utilizados mais frequentemente com cada um dos intuitos
previstos. Para além de questionados sobre se desenvolviam cada uma das
várias actividades possíveis de realizar na internet, já apresentadas
anteriormente, os inquiridos foram simultaneamente interrogados sobre os
dispositivos digitais que utilizavam para tal. Assim sendo, calculou-se a média
das percentagens de utilizadores que disseram usar cada tipo de dispositivo
nas actividades que integram cada domínio. Distinguiu-se entre os que usam

155
só o computador, os que usam só o telemóvel ou o tablet e aqueles que fazem
uso de ambos para realizar cada actividade (quadro 3.25).
Tal procedimento permitiu tirar algumas conclusões interessantes. A
primeira é que o computador (seja fixo ou portátil) ainda é o principal dispositivo
de acesso à internet em Portugal, independentemente do objectivo de
utilização. Uma segunda conclusão diz respeito à proporção reduzida daqueles
que utilizam apenas o telemóvel e/ou o tablet na utilização da internet, que
nunca ultrapassa a média dos 4%. Já a utilização de ambos os tipos de
equipamento – computador e telemóvel/tablet – é mais comum, em geral na
ordem dos 10%.
A análise permite ainda perceber que as actividades com o objectivo de
comunicação são aquelas que mais recorrentemente são efectuadas a partir
outros dispositivos que não apenas o computador: em média, 17% dos
utilizadores de internet realizam-nas tanto a partir do computador como do
telemóvel ou tablet, e 4% apenas através dos últimos. A utilização de redes
sociais é a actividade que mais se realiza através do telemóvel ou do tablet, o
que acontece com 28% dos internautas (25% utilizam também o computador e
3% utilizam apenas o telemóvel ou o tablet).
Já a utilização da internet relacionada com bens e serviços é aquela que,
em comparação com as restantes, tem uma menor incidência dos mais
recentes dispositivos digitais móveis. Apenas uma média de 11% dos
internautas utilizam telemóvel ou tablet para realizar as actividades desse
domínio, dos quais 10% utilizam-nos para além do computador e 1% em vez do
computador. A falta de confiança para efectuar determinadas operações a
partir de dispositivos móveis pode ser uma causa dessa relativamente menor
incidência no domínio de bens e serviços. Destaca-se nesse sentido a maior
prevalência do computador em actividades como a participação em leilões e
em sites de classificados – actividades que têm uma maior incidência entre os
menos escolarizados em comparação com outras – ou os serviços de home
banking.

156
Quadro 3.25 Dispositivos digitais utilizados nos domínios de uso da internet (%: média da
percentagem de utilizadores por dispositivo nas actividades de cada domínio)

Só telemóvel ou Ambos Ns/nr Total


Domínios de uso da internet Só computador
tablet
Comunicação 77,6 3,5 16,7 2,2 100,0
Informação diversa 85,5 1,5 11,1 1,8 100,0
Informação sobre a actualidade 85,6 2,3 10,0 2,2 100,0
Entretenimento 85,6 2,0 8,5 3,9 100,0
Bens e serviços 87,3 1,2 10,1 1,4 100,0
Conteúdos gerados pelo utilizador 84,4 2,6 12,2 0,7 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

O surgimento de novos dispositivos de acesso à internet trouxe consigo o


apelo do acesso digital à informação ao invés do seu armazenamento físico.
Um novo sistema de armazenamento de ficheiros, através da nuvem, refere à
utilização da memória e capacidade de armazenamento de computadores e
servidores ligados por meio da internet. Este sistema permite que os dados
possam ser acedidos de qualquer lugar do mundo, a qualquer hora,
precisando-se apenas para isso de uma ligação à internet.
Segundo os dados do inquérito Sociedade em Rede 2013, em Portugal
são 9% os utilizadores de internet que armazenam os seus ficheiros utilizando
os serviços da nuvem (quadro 3.26). Com possibilidade de resposta múltipla,
82% dos utilizadores de internet declararam armazenar os seus ficheiros
apenas ou também no computador de mesa ou portátil, e 38% indicaram
guardá-los num disco externo, como uma pen ou DVD.
Os sistemas físicos de armazenamento de dados, sem recurso à internet,
são ainda aqueles em que os internautas portugueses mais confiam em termos
de segurança. Enquanto mais de 50% dos utilizadores de internet confiam em
parte ou totalmente no computador e no disco rígido externo, apenas 22%
expressam o mesmo grau de confiança em relação aos serviços da nuvem
(quadro 3.26). A confiança neste serviço é ligeiramente maior no caso dos
utilizadores mais jovens e mais escolarizados.

157
Quadro 3.26 Sistemas de armazenamento de dados utilizados e percepção da sua segurança

Percepção da segurança dos diferentes sistemas de armazenamento de


% de utilizadores que dados
armazenam os seus %
ficheiros em cada um 1- Não
dos sistemas confia 5 -Confia Média
Total
nada 2 3 4 totalmente Ns/Nr (n=852) (1 a 5)
Computador de mesa ou
portátil 82,4 0,7 4,1 36,6 36,2 17,6 4,7 100,0 3,69
Disco rígido externo (disco
externo, pen, cd-rom, dvd) 38,1 1,1 1,7 22,6 30,9 19,9 23,9 100,0 3,88
Serviços da nuvem (iDisk;
Dropbox; Gmail; Amazon 8,9 4,1 5,8 25,2 15,1 7,1 42,7 100,0 3,27
Cloud, etc)
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

As possibilidades de partilha de conteúdos digitais na internet têm


também vindo a alargar-se, tanto formalmente por autores e empresas, como
informalmente pelos utilizadores anónimos. No último caso, a partilha em rede
que não refere a conteúdos pessoais mas a conteúdos audiovisuais com
direitos de autor, gerou nas sociedades contemporâneas um intenso debate em
torno da pirataria digital. Importa assim perceber como os internautas se
posicionam relativamente a esta questão.
Cerca de 40% dos utilizadores de internet afirmam que quando encontram
um ficheiro na internet que lhes interessa usam-no e partilham-no com os seus
amigos, sem se questionarem sobre se é legal fazê-lo. Representam também
pouco mais de 40% da amostra aqueles que dizem que não há problema em
partilhar ficheiros de filmes ou séries de televisão na internet, e aqueles que
indicam fazer downloads de música não pagos.
Em questões semelhantes mas que tomam por referência as práticas das
pessoas em geral e não do próprio, os resultados são um pouco diferentes.
Cerca de 70% dos inquiridos concordam em parte ou totalmente que quando
alguém se depara com um conteúdo digital na internet, seja de música, vídeo
ou livro, não se questiona se o seu uso é legal antes de utilizá-lo (quadro 3.27).
O facto de o nível declarado de adesão a esta prática ser mais reduzido do que
a ideia generalizada de que a mesma está fortemente difundida entre os
internautas, sugere que o primeiro pode estar subdimensionado.
Adicionalmente, 83% dos utilizadores têm a percepção de que a maioria
das pessoas que utiliza a internet usa conteúdos livres em vez de conteúdos
pagos (quadro 3.27). Da mesma forma, 69% concordam ou concordam

158
totalmente com a ideia de que a pirataria de música, livros e vídeos, desde que
acontece na internet, já não é considerada negativa pelos jovens; 68%
desvalorizam a importância das queixas das grandes empresas contra a
partilha online; e 61% acedem à ideia de que mais de metade dos downloads
de conteúdos audiovisuais são em violação de direitos de autor. Destaque
ainda para os 51% de utilizadores que declaram que partilhar a sua música,
vídeos e livros digitalmente faz parte da sua vida quotidiana actual,
percentagem que é de 60% entre os indivíduos na faixa etária dos 15 aos 34
anos.

Quadro 3.27 Percepções sobre a partilha de conteúdos digitais entre os utilizadores de


internet
%
Não Média
1- 5-
Percepções sobre a partilha de concorda Total (1 a 5)
Discorda Discorda Concorda Concorda Ns/Nr
conteúdos digitais nem (n=852)
totalmente totalmente
discorda
Quando alguém se depara com um
conteúdo digital (música, vídeo ou livro)
1,4 4,1 15,8 56,6 14,0 8,0 100,0 3,84
na internet, não se questiona se o seu
uso é legal antes de usá-lo
A maioria das pessoas que utiliza a
internet usa conteúdos livres em vez de 0,3 2,1 8,5 53,7 29,5 5,8 100,0 4,17
conteúdos pagos
Na minha opinião mais de 50% dos
downloads de música, vídeos e livros 1,4 8,1 21,0 46,9 14,2 8,4 100,0 3,70
são em violação de direitos de autor
A sociedade não toma como uma questão
importante as queixas das grandes
0,4 3,1 19,6 54,6 13,0 9,4 100,0 3,85
empresas contra a partilha online de
música, livros e vídeos
A pirataria de música, livros e vídeos,
desde que acontece na internet, já não 0,6 4,0 17,2 53,8 15,6 8,7 100,0 3,87
é considerada negativa pelos jovens
Partilhar a minha música, videos e livros
digitalmente faz parte da vida quotidiana 7,7 12,5 19,7 41,6 10,3 8,2 100,0 3,37
actual
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Novas formas de utilização da internet emergem assim na actualidade.


Multiplicam-se os objectivos de uso, mas também os dispositivos digitais
através dos quais se acede à rede. Serão ainda nesta fase os mais favorecidos
a protagonizar o uso destas novas tecnologias, para já os nativos digitais, mais
novos, mais escolarizados e aqueles que estão inseridos nos grupos
profissionais que requerem maior mobilização de conhecimentos técnicos ou
capacidade de gestão e inovação, também mais remunerados. A situação
económica actual do país pode tornar mais lento o processo de alargamento
dos novos equipamentos tecnológicos a alguns grupos da população, pelo seu

159
custo relativamente elevado. Adicionalmente, começam também a fazer parte
do quotidiano dos portugueses novos modos de acesso à informação e de
partilha de conteúdos. Estes poderão, a curto e médio prazo, contribuir para
alterar as representações da sociedade em torno de noções como as de
público e privado. Veja-se que, actualmente, a partilha de conteúdos
audiovisuais na internet é considerada habitual. A consolidação da sociedade
em rede poderá assim ser marcada pela evidenciação do digital face ao físico,
do acesso face à posse, do público face ao privado.

E os não utilizadores? Obstáculos e resistências face ao universo web

Caracterizados os perfis de uso da internet em Portugal e seus


protagonistas, merecem ainda uma última análise os não utilizadores,
procurando-se compreender o seu grau de distanciamento em relação a este
novo media e aprofundar os motivos de tal afastamento.
Na sociedade contemporânea, a não participação na rede está longe de
significar necessariamente um total desconhecimento sobre o tema. Cerca de
três quartos daqueles que se identificam como não utilizadores de internet
consideram saber do que se trata e mais de 20%, embora não saibam, já
ouviram falar. Ainda assim, perto de metade dos não utilizadores refere nunca
ter contactado directamente com informação ou documentação retirada da
internet, por um amigo ou familiar, nem ter solicitado que alguém o fizesse. Os
inquiridos que indicam não saber o que é a internet, assim como os que nunca
contactaram com informação de lá retirada, pertencem na sua quase totalidade
às gerações mais velhas e menos qualificadas.
Mais de 80% dos portugueses que não utilizam internet não dispõe de
acesso à rede no seu agregado doméstico, representando ainda assim uma
percentagem relativamente significativa aqueles que, tendo hipótese de se ligar
à internet a partir de casa, não o fazem. Nestes casos, a decisão da instalação
deste equipamento no espaço doméstico não terá sido, regra geral, da sua
responsabilidade, sendo o facto de não usufruírem deste recurso

160
maioritariamente justificado pela ausência de conhecimentos sobre o seu
funcionamento ou de disponibilidade para aprender a usá-lo.
Como já constatado previamente, pode-se presentemente diferenciar,
dentro do grupo dos não utilizadores de internet, aqueles que nunca usaram
esse recurso e aqueles que deixaram de o usar. Recorde-se que cerca de 15%
dos inquiridos que se identificam como não utilizadores já utilizaram internet no
passado.
Quem nunca utilizou a internet aponta como a principal razão para essa
não utilização a escassez de competências para tal (perto de 60%), seguindo-
se a ausência da percepção da utilidade deste recurso (22%) (quadro 3.28). Já
os “desistentes”, à semelhança do que já haviam respondido quando
questionados sobre o motivo de terem deixado de usar internet, apresentam
maioritariamente motivos de ordem financeira (43%). Em segundo lugar surge
a percepção da falta de utilidade (19%) e só depois a falta de tempo (13%).
Tanto entre os que nunca utilizaram internet como entre os que deixaram de a
usar, a lentidão dos acessos à rede, a falta de equipamento informático ou
outro tipo de argumentos, como o risco de pirataria informática ou a sensação
de que se pode ser vigiado, são totalmente inexpressivos.

Quadro 3.28 Motivos da não utilização da internet (universo dos não utilizadores que sabem
o que é a internet ou já ouviram falar) (%)

Utilização da internet
Deixou de utilizar Nunca utilizou Total (n=673)
Principal motivo pelo qual não utiliza a internet
Não sabe o suficiente para usar 9,3 58,5 51,2
Não vê utilidade 19,0 22,1 21,6
É muito caro 42,5 4,4 10,0
Não tem acesso a um computador ou à internet 5,0 7,3 7,0
Não tem tempo 12,7 3,7 5,0
Não tem o equipamento informático necessário 1,0 0,5 0,6
Tem a sensação que pode ser vigiado 1,8 0,0 0,3
Podem introduzir-se vírus perigosos 0,0 0,0 0,0
É muito lento 0,0 0,0 0,0
Outro motivo 6,9 2,4 3,1
Ns/Nr 1,8 1,2 1,3
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p< 0,01).


Evidenciam-se também duas ordens de razões distintas do
distanciamento em relação à rede digital de acordo com a idade. Enquanto

161
para os mais novos a falta de recursos económicos parece ser uma limitação,
para os restantes é a ausência de competências e motivações para a utilização
das novas tecnologias o principal argumento que justifica o afastamento. No
último caso, essa ausência assume-se como uma dificuldade acrescida
particularmente entre os indivíduos com menores qualificações académicas.
Idade avançada e fracas qualificações são precisamente características
vincadas dos indivíduos que nunca utilizaram a internet.
A falta de conhecimentos para usar a internet é também especialmente
referida pelos empresários, dirigentes e profissionais liberais que não recorrem
à plataforma web – dois terços afirmam não saber o suficiente para usar. Esta
é uma categoria socioprofissional com um diminuto peso relativo de jovens e
pouco escolarizada, atributos que se acentuam no caso específico dos
empresários, dirigentes e profissionais liberais não utilizadores de internet: 80%
têm 55 ou mais anos e cerca de 90% são escolarizados ao nível do ensino
básico.
As perspectivas dos indivíduos em relação à possibilidade de virem a ter
uma participação directa no universo da internet são também fortemente
diferenciadas. Cerca de 58% dos que deixaram de utilizar internet afirmam
claramente ter a intenção de voltar a utilizar este meio de comunicação,
representando quase 36% aqueles que, não tendo igual certeza, consideram
no entanto esta hipótese como provável (quadro 3.29). Os indivíduos que
nunca utilizaram a internet mostraram-se mais reticentes, sendo que
igualmente 36% afirmam talvez poder vir a utilizar, mas uma clara maioria
(54%) põe de lado tal cenário, pensando que nunca virá a utilizar esta nova
tecnologia. Esta posição é, em conformidade com os dados anteriormente
apresentados, particularmente comum entre os indivíduos de idade mais
avançada, entre aqueles que nunca completaram qualquer grau académico ou
que concluíram apenas o 1º ciclo do ensino básico, entre os agricultores e
trabalhadores agrícolas, e ainda entre boa parte dos trabalhadores
independentes (do pequeno comércio e serviços domésticos) e dos operários
industriais, nomeadamente os mais velhos e menos qualificados.

162
Quadro 3.29 Perspectivas quanto à futura utilização da internet, segundo o tipo de não
utilizador, escalões etários, nível de escolaridade e categoria socioprofissional
(%)

Acha que um dia virá a utilizar a Internet? Sim Talvez Não Ns/nr Total (n=673)
Utilização da internet (p<0,01)
Deixou de utilizar 58,1 35,7 6,2 0,0 100,0
Nunca utilizou 9,4 35,5 53,5 1,5 100,0
Escalões etários (p<0,01)
15-34 anos 66,0 31,3 2,8 0,0 100,0
35-54 anos 25,5 50,9 22,5 1,1 100,0
55 ou mais anos 7,7 29,6 61,2 1,5 100,0
Nível de escolaridade (completo) (p<0,01)
Ensino superior 29,6 53,7 16,6 0,0 100,0
Ensino secundário 40,8 44,8 14,4 0,0 100,0
3º Ciclo do ensino básico 37,4 46,9 15,7 0,0 100,0
2º Ciclo do ensino básico 20,1 51,7 28,2 0,0 100,0
Sem escolaridade ou 1º Ciclo do ensino básico 6,2 25,6 65,9 2,3 100,0
Categoria socioprofissional (p<0,01)
Empresários, dirigentes e profissionais liberais 22,7 44,9 31,1 1,3 100,0
Profissionais técnicos e de enquadramento 17,4 48,5 34,0 0,0 100,0
Trabalhadores independentes 21,1 25,2 53,7 0,0 100,0
Agricultores e assalariados agrícolas 3,1 19,8 77,1 0,0 100,0
Empregados executantes 20,6 46,0 32,3 1,1 100,0
Operários industriais 16,0 33,9 49,1 1,0 100,0
Total 16,6 35,6 46,6 1,3 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Os dados expostos no presente capítulo evidenciam importantes


transformações ao nível dos utilizadores de internet, quando comparados com
os índices relativos a 2003, indicando significativos desenvolvimentos no
processo de consolidação da sociedade em rede em Portugal. A evolução no
número de utilizadores diretos e indiretos de 38,8% para 55,2%, e de
utilizadores diretos de 29% para 51,3% para além de muito significativa, é
também uma evidência de importantes transformações na esfera de
utilizadores. A evolução do acesso à internet a partir do espaço doméstico foi
também um elemento marcante ao longo da última década, com
aproximadamente 60% dos portugueses a indicarem ter acesso à internet a
partir de casa, quando comparados com os 21% registados em 2003.
Apesar da expansão do uso e acesso à internet em Portugal ser
francamente expressivo, a crise económica assume-se como um elemento
contributivo para o abrandamento do processo de consolidação da sociedade
em rede em Portugal, facto evidenciado por aproximadamente 45% dos
portugueses que deixaram de utilizar internet (6,5%) o terem feito por razões
económicas, desemprego, custo e o facto de não ser um bem essencial. Ainda

163
nesta dimensão, mais de 13% dos ex-utilizadores indica como motivo o facto
de ter perdido acesso a um computador ou à internet, dado que pode estar
indiretamente relacionado com questões de ordem económica.
À semelhança do que acontece com outras tecnologias, a idade dos
indivíduos é um elemento nuclear para a adesão à internet, não obstante, a
análise comparativa os cibernautas portugueses entre o presente estudo e o
estudo de 2003, revela que a expansão da utilização de internet em Portugal
está presente em todos os escalões etários, com todos os escalões etários até
aos 45-54 anos a apresentarem maior número de utilizadores de internet do
que de não utilizadores.
Um segundo factor significativo dos níveis de difusão de internet é a
utilização da internet em função do sexo e do índice de escolaridade. No
primeiro, como seria expectável, existe um crescimento expressivo no número
de utilizadores em ambos os sexos, 59,6% em 2013 por oposição aos 34,4%
registados em 2003, para o caso masculino e 51,3% por oposição aos 24%
registados para o caso feminino. Porém, mais importante do que este dado é a
diminuição da diferença percentual entre utilizadores masculinos e femininos
ao longo da ultima década, de 10,4% em 2003 para 8,6% em 2013.
No que ao nível de escolaridade diz respeito, o crescimento do número de
cibernautas em Portugal regista-se em todos os níveis, com as diferenças a
diminuírem também entre os vários grupos, com particular enfoque entre os
portugueses com o habilitações ao nível do ensino secundário e os que
apresentam habilitações ao nível do ensino superior, com a diferença do índice
de utilizadores a diminuir de 10,3% para 5,5%. O sector com maior crescimento
de utilizadores de internet ao longo da última década foi o dos portugueses
com habilitações ao nível do 3º ciclo do ensino básico, com um crescimento de
aproximadamente 25%. Paralelamente, a escolaridade é também um factor
explicativo das desigualdades no acesso à rede, acompanhando a tendência
do sexo e do escalão etário, com os maiores índices de adesão a
concentrarem-se nos indivíduos do sexo masculino, com elevados índices de
escolaridade e inseridos nos escalões etários mais jovens.
A periodicidade do uso de internet sofreu um aumento muito expressivo,
com o índice de utilizadores diários a aumentar 36,9% na última década.
Paralelamente, o aumento dos espaços e mecanismos de acesso à internet

164
produziu outra transformação significativa, se em 2003 o índice de utilizadores
de internet em Portugal com base semanal era superior ao índice de
utilizadores diários, essa tendência inverteu-se ao longo da última década, com
os utilizadores diários em Portugal a representarem mais 50,1% de cibernautas
portugueses do que os utilizadores semanais, em 2013.
A utilização de internet por local também registou um crescimento em
todas as dimensões, embora se destaque a residência como o local com maior
crescimento de utilização por parte dos cibernautas portugueses, registando-se
um crescimento na ordem dos 40%. Os locais com menor crescimento de
utilização são a rua, café e casa de amigos, com o diferença a ser inferior a
10%.
A diversificação dos equipamentos que permitem acesso à internet
aumentou de forma muito significativa ao longo da última década. A expansão
dos computadores pessoais portáteis e a introdução de tablets e smartphones
acrescentaram aos utilizadores alternativas ao tradicional computador fixo, com
cerca de 90% dos utilizadores de internet em Portugal a indicar ser proprietário
de um computador pessoal portátil. Em estreita relação com a diversificação de
equipamentos encontra-se a diversificação de funcionalidades, tanto ao nível
do equipamento como da própria rede.
Neste campo, a principal transformação da última década foi a
modificação das tipologias de comunicação, resultante da introdução das redes
sociais, parte integrante das atividades realizadas na internet de
aproximadamente 75% dos cibernautas portugueses. Este desenvolvimento é
acompanhado pelo crescimento do número de cibernautas portugueses que
utiliza plataformas de comunicação, com um crescimento superior a 40%. Este
crescimento está patente no índice de cibernautas portugueses que indica
realizar atividades no domínio da comunicação, com o índice a atingir os 93%.
No campo dos não utilizadores de internet, as questões de ordem social
posicionam-se novamente como componente significativa para a não utilização
deste mecanismo, com cerca de 60% dos não utilizadores a considerar a que
não tem competências para a utilização como o elemento determinante para a
não utilização de internet. Quando comparados os resultados recolhidos com
os apresentados no estudo de 2003, verifica-se uma inversão de motivos para
a não adesão à internet, com motivos de custo ou ausência de acesso a

165
equipamento a sofrer uma diminuição de 22,5% ao longo da última década e
questões relacionadas com conhecimento e competências a sofrerem um
crescimento de 28,1%. Para esta analise importa ainda considerar que o índice
de não utilizadores, conforme referido anteriormente, diminuiu
significativamente e que, do índice de não utilizadores de internet em Portugal
registado em 2013, 15% indica já ter sido utilizador de internet.
Conclusivamente, a avaliação dos resultados dispostos no presente
capítulo parece indicar que a internet é hoje um importante elemento no
quotidiano dos portugueses, com os índices de crescimento na adesão e
diversificação da utilização a crescerem de forma significativa. Deste modo,
apesar das desigualdades verificadas, o alargamento da sociedade em rede
nos últimos dez anos mesmo entre públicos improváveis, indicia que os mais
velhos e menos qualificados não estarão necessariamente arredados do
processo de consolidação da sociedade em rede em Portugal.

166
Capítulo 4
Redes de sociabilidade, internet e quotidiano

A análise das relações de sociabilidade na sociedade em rede ocupa um


lugar de destaque na conceptualização teórica desta forma de organização
social. Contudo, a agenda de investigação deste tema mudou
substancialmente na última década. Há dez anos atrás a discussão centrava-se
nos argumentos sobre os supostos perigos decorrentes da utilização da
internet relacionados com o isolamento dos indivíduos, com a quebra dos
vínculos sociais, com a atomização e individualização crescentes nas
sociedades modernas. Vários estudos, incluindo o Sociedade em Rede 2003,
trouxeram evidência empírica que permitiu desconstruir tal argumento. A
combinação das formas de relacionamento presencial e virtual é uma das
grandes mudanças que se fica a dever à internet, mas no sentido da
acumulação e não da substituição de umas pelas outras.
Esta conclusão remete-nos para aquela que é a grande mudança na
sociedade em rede na última década: o surgimento de redes sociais online.
Cardoso e Lamy (2011: 75) contribuem para este debate, escrutinando o papel
da rede nas novas lógicas comunicacionais. Ao centrarmos o estudo sobre o
papel das redes sociais nos processos de transformação aos modelos de
comunicação clássicos, Cardoso e Lamy sugerem uma tese sobre os vários
modelos comunicacionais, indicando que o modelo “que parece caracterizar as
nossas sociedades contemporâneas, é formado pela capacidade de
globalização comunicacional, juntamente com a interligação em rede dos meios
de comunicação de massa e interpessoais e, consequentemente, pela
emergência de mediação em rede sob diferentes padrões de interação. Esses
padrões poderão tomar a forma de Auto- Comunicação de Massa (Castells,
2009) (...) de Comunicação Interpessoal Multimédia (...) de Comunicação
Mediada de Um para Muitos (...) e, claro está, os casos de comunicação de
massa e comunicação interpessoal não mediada”. Em função desta tese, os
autores enfocam o papel das lógicas comunicacionais clássicas na construção
do novo modelo instaurado nas sociedades de informação, centrado na rede e
apelidado de Comunicação em Rede (Cardoso, 2009). Esta estrutura relacional
167
entre as novas e as velhas metodologias comunicacionais, segundo os autores,
é conseguida pela tendência para a interligação dos modelos anteriores,
“produzindo novos formatos de comunicação e permitindo novas formas de
facilitar a capacitação, logo, a autonomia comunicativa” (idem, 2011: 76).
Esta tese tende a evidenciar que os sites de redes sociais, enquanto
instrumentos que podem potenciar a multiplicação e reforço dos laços sociais,
podem estar a contribuir para importantes alterações na utilização da internet e
nas relações de sociabilidade dos indivíduos. De facto, e recuperando uma
citação do estudo de 2003, as pesquisas desenvolvidas “evidenciam
claramente que a internet não só tem um efeito multiplicador dos contactos
estabelecidos com a família e os amigos, independentemente do local do
mundo onde estejam, como também é entre os utilizadores que se verificam
menores ocorrências da sensação de estar isolado do mundo ou deprimido”
(Cardoso, Costa, Conceição e Gomes, 2003: 179). Cardoso e Lamy no estudo
atrás referido avançam também para uma evidência empírica deste facto, uma
vez que aproximadamente 85% dos portugueses utilizadores de redes sociais
indicam que utilizam ferramentas de mensagens nas redes sociais e
aproximadamente 50% referem que utilizam ferramentas de chat e procura de
amigos5.
Por outro lado, novos debates surgem na sociedade atual,
nomeadamente em torno dos perigos associados à utilização de redes sociais,
relacionadas em larga medida com a própria definição da barreira entre o
público e o privado no que concerne a informação e conteúdos pessoais. Ao
mesmo tempo, as redes sociais vão alargando o seu papel também na
potenciação do contacto das marcas com os seus públicos, e na promoção de
causas sociais e políticas. Cardoso e Lapa (2014) focam esta temática,
reforçando o papel das redes sociais na construção e reforço da coesão de
grupos, com maior enfoque nos jovens, a partir de códigos linguísticos
personalizados e distintivos, “reforçando a coesão de um grupo que partilha os
mesmos símbolos e a mesma cultura móvel ou electrónica”.
No que aos interesses motivados pela intervenção social e política,
também Cardoso e Lamy (2011) avançam que as redes sociais virtuais


5
Dados relativos ao estudo Sociedade em Rede, 2010, CIES - ISCTE

168
conduziram a um repensar do social e político nas sociedades
contemporâneas. De facto, a ideia de uma plataforma em que todos os
cidadãos, independentemente da sua condição social, têm acesso a
ferramentas e elementos contributivos para o debate racional das questões da
sociedade onde se inserem, favorecem o fluxo da informação, contribuindo
para o desenvolvimento do capital cultural dos agentes sociais, bem como para
a consolidação da rede como espaço dinâmico em que todos os elementos se
assumem como potenciais transmissores e receptores de conhecimento.
O presente capítulo pretende contribuir para a análise do fenómeno das
redes sociais na internet a partir dos dados da população portuguesa, visando
analisar as redes de sociabilidade no espaço real e no espaço virtual,
estabelecendo um elemento comparativo com o estudo desenvolvido em 2003
e estudos intermédios levados a cabo ao longo da última década.
Paralelamente, procurar-se-á também atualizar informação sobre o
impacto da internet e das novas tecnologias no quotidiano familiar e nas
relações de sociabilidade dos portugueses, procurando dar resposta a nível
nacional às questões relacionadas com o isolamento e as transformações
relacionais nas estruturas familiares, em função da utilização da internet.
A evolução da valorização das redes de sociabilidade nos últimos anos
face ao contexto de crise económica será também um tópico de análise neste
capítulo, procurando dar resposta e estabelecer padrões entre a utilização de
internet e a valorização dos círculos relacionais, focando ainda o papel da
comunicação virtual na manutenção e fomento dos ciclos relacionais.
Particular ênfase será colocada nas redes sociais online, pelo seu
carácter recente e pelo seu uso constituir presentemente, como já referido no
capítulo anterior, uma das principais atividades desenvolvidas pelos
utilizadores de internet. Os objectivos e modos de utilização das redes sociais
serão objecto de análise aprofundada, estabelecendo dados empíricos sobre
diferentes índices e métodos de utilização das redes sociais em função das
condições sociais dos agentes. Neste campo destaca-se o facebook, com
análise dos perfis de utilizadores e dimensão do campo de amigos como
elementos fundamentais para compreender diferentes níveis de exposição na
rede.

169
Serão ainda focados os motivos de adesão, bem como a percepção dos
utilizadores relativamente ao seu quotidiano relacional e comunicacional, com o
objectivo último desta dimensão do estudo assente no desenvolvimento e
entrosamento das dimensões física e virtual da comunicação da população
portuguesa, visando estabelecer um mapa sócio-demográfico das lógicas
comunicacionais da sociedade portuguesa.

Quotidianos familiares e vida pessoal

A actualização de dados referentes às redes de sociabilidade torna


pertinente a análise da sensação de isolamento social e a sua comparação
entre a população utilizadora e não utilizadora de internet. A maioria dos
portugueses demonstra estabilidade relativamente à evolução da sensação de
isolamento (63%). Através dos resultados do inquérito Sociedade em Rede
2013, confirma-se que o uso da internet aparece como um factor propiciador da
diminuição da percepção de estar sozinho e afastado dos outros. Essa
diminuição é declarada por 19% dos utilizadores e 9% dos não utilizadores de
internet (quadro 4.1). Adicionalmente, foi entre os internautas que a sensação
de isolamento mais reduziu entre 2003 e 2013.

Quadro 4.1 Evolução da sensação de isolamento, segundo utilização da internet (%)

Evolução da sensação de
Utilizadores Não utilizadores Total
isolamento
Aumentou 10,5 13,5 11,9
Isolamento
Igual 58,8 67,1 62,6
(p<0,01)
Diminuiu 19,2 9,0 14,5
Ns/nr 11,5 10,4 11,0
Total (n=999)* 100,0 100,0 100,0
* Total de indivíduos excluindo aqueles que indicam nunca ter acontecido a situação.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Procurou-se também saber as evoluções registadas em alguns aspectos


da vida familiar dos portugueses, tais como as conversas e as actividades
realizadas com os filhos (quadro 4.2). De salientar que a grande maioria dos
indivíduos demonstra uma grande estabilidade nas conversas que mantém

170
com membros do agregado (80%) e nas actividades que realiza com os filhos
(71%). Relativamente a este último aspecto, contudo, verifica-se uma maior
variação, sendo que cerca de 14% dos inquiridos dizem ter aumentado durante
o último ano as actividades com os seus filhos e 12% afirmam ter diminuído.
São os utilizadores de internet que mais referem que as actividades com
os filhos aumentaram – 21% face a 7% entre os não utilizadores -, o que
também estará relacionado com a idade mais avançada dos não utilizadores e
a consequente menor probabilidade de terem filhos pequenos. Também as
conversas com os membros do agregado doméstico aumentaram mais entre os
utilizadores de internet (17%) do que entre os não utilizadores (13%), embora a
diferença não seja estatisticamente significativa.

Quadro 4.2 Evolução do convívio com os membros do agregado doméstico, segundo


utilização da internet (%)

Evolução do convívio com os


Utilizadores Não utilizadores Total
membros do agregado doméstico
Aumentaram 16,5 13,3 15,2
Conversas
Iguais 79,7 81,3 80,4
Diminuíram 3,2 4,3 3,7
Ns/nr 0,5 1,0 0,7
Total (n=1287)* 100,0 100,0 100,0
Actividades com Aumentaram 20,6 6,8 13,5
os filhos Iguais 69,6 72,3 71,0
(p<0,01) Diminuíram 6,5 18,0 12,4
Ns/nr 3,4 2,9 3,1
Total (n=955)* 100,0 100,0 100,0
* Total de indivíduos excluindo aqueles que indicam não se aplicar a situação ou nunca ter acontecido.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Uma fatia importante dos tempos quotidianos no lar é votada também às


actividades domésticas. Os utilizadores de internet despendem um pouco
menos de tempo nas tarefas domésticas do que os não utilizadores (quadro
4.3). Cerca de 58% dos internautas despendem até 13 horas semanais nas
tarefas domésticas, sendo a categoria modal a de 5 a 13 horas. No caso dos
não utilizadores, 55% afirmam demorar entre 5 e 25 horas semanais nas
actividades do lar, os quais se dividem uniformemente entre a categoria 5 a 13
horas e a categoria 13 a 25 horas.
Tal diferença não é de estranhar quando se sabe que entre os não
utilizadores existe ainda uma maior representação das mulheres e que são
estas que asseguram no quotidiano a realização da maior parte das tarefas

171
domésticas. Embora se tenham vindo a registar, nos últimos anos, grandes
mudanças no que respeita à participação dos homens na vida familiar e à
partilha das responsabilidades e das tarefas domésticas, em Portugal são
ainda maioritariamente os homens que menos horas dedicam à sua realização.

Quadro 4.3 Horas semanais dedicadas às actividades domésticas segundo utilização da


internet (%)

Total de horas semanais Utilizadores Não utilizadores Total


dedicadas às tarefas domésticas (n=852) (n=690) (n=1542)
0 horas 16,6 17,7 17,1
De 0,1 a 5 horas 25,5 15,1 20,8
De 5,1 a 13 horas 32,2 27,4 30,0
De 13,1 a 25 horas 20,7 27,6 23,8
25,1 ou mais horas 4,8 11,8 8,0
Ns/nr 0,2 0,4 0,3
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<001).

Note-se ainda que, no que toca às horas de trabalho, não se verificam


diferenças significativas entre os utilizadores e os não utilizadores de internet.
Perto de metade dos portugueses dedica entre 36 a 40 horas semanais ao
trabalho.
Quando questionados se estariam dispostos a trabalhar menos horas e
diminuir o vencimento, apenas 14% dos portugueses se mostram disponíveis
para tal. Já 68% dos inquiridos mostram relutância face ao modelo laboral em
causa e os restantes 18% mostram-se indecisos ao não responder à questão.
Esta fraca adesão à ideia de trabalhar menos e ganhar menos pode ter
explicação pela diferença de vencimento médio entre Portugal e a maioria dos
países da Europa Central, sendo que uma diminuição do vencimento poderia
ter um impacto não suportável na conjuntura financeira familiar de uma parte
substancial dos portugueses. Contabilizando apenas as respostas positivas,
destacam-se com uma adesão ao modelo ligeiramente mais alargada, os
utilizadores de internet (16%), os escolarizados com o ensino secundário ou
superior (17%), os indivíduos na faixa etária dos 15 aos 34 anos (19%), e
principalmente os desempregados (31%). Não se registam diferenças
significativas por categoria socioprofissional ou por sexo. A grande maioria dos
portugueses que subscrevem a proposta de diminuição da carga horária laboral

172
nas condições referidas, associam-no ao usufruto do tempo livre junto da
família e amigos e ao desenvolvimento de hobbies.
Em suma, os dados desta primeira parte do capítulo mostram claramente,
tal como há dez anos atrás, que não há um efeito de isolamento social pelo uso
da internet nem de diminuição da disponibilidade dos cibernautas portugueses
para a sua família. Pelo contrário, os relacionamentos sociais tendem a
reforçar-se entre os utilizadores da internet. A explicação da relação entre
estas percepções e práticas dos indivíduos e a utilização da internet ficará
porventura a dever-se também a outros factores sociais que caracterizam os
utilizadores e os não utilizadores, como o sexo, a idade, a escolaridade, o
rendimento, ou seja, as condições sociais de existência em geral.

Valorização das redes de sociabilidade

Antes de se analisar a dimensão das redes de sociabilidade dos


portugueses e as formas de contacto dentro dessas redes, procurou-se neste
ponto perceber em que medida é valorizada a família e os amigos, se existem
diferenças entre utilizadores e não utilizadores de internet e se o contexto
económico e social dos últimos anos provocou alterações nas percepções a
este respeito.
Os resultados indicam que a família tem uma elevada importância na vida
dos portugueses. Cerca de 20% dos indivíduos percepcionam-na como
importante e 70% como muito importante. Os amigos são também valorizados,
embora de forma ligeiramente menos acentuada do que a família. Perto de
80% dos inquiridos distribuem-se uniformemente entre os que consideram os
amigos e conhecidos importantes e os que os consideram muito importantes.
Neste caso, os utilizadores evidenciam-se face aos não utilizadores, revelando
a maior importância que os amigos têm na sua vida: 83% dos internautas
declaram que os amigos são importantes ou muito importantes, percentagem
que passa a 73% entre os não utilizadores.
Quanto à evolução da importância da família e dos amigos nos últimos
anos, na generalidade esta tem-se mantido estável (quadro 4.4).

173
Respectivamente, 66% e 78% dos inquiridos declaram valorizar familiares e
amigos da mesma forma que há cinco anos atrás. Não obstante, uma análise
mais fina permite salientar alguns aspectos. Um aumento de importância é
atribuído mais destacadamente à família (31%) do que aos amigos (17%). É no
que concerne aos amigos que se encontram novamente diferenças relevantes
entre utilizadores e não utilizadores de internet. Embora ambos, em grande
maioria, considerem que a importância dos amigos se manteve (75% e 81%
respectivamente), os que dizem que aumentou têm um maior peso relativo
entre os utilizadores (20%) do que entre os não utilizadores (12%).

Quadro 4.4 Evolução da importância da família e dos amigos, segundo utilização da


internet (%)

Evolução da importância da família Não


Utilizadores Total
e dos amigos na sua vida (n=852) utilizadores (n=1542)
(relativamente há cinco anos atrás) (n=690)
Aumentou 32,7 28,2 30,7
Família
Manteve-se 64,0 68,8 66,1
Diminuiu 2,2 2,0 2,1
Ns/nr 1,1 1,1 1,1
Total 100,0 100,0 100,0
Amigos e Aumentou 19,9 12,4 16,5
conhecidos Manteve-se 75,2 81,0 77,8
(p<0,01) Diminuiu 3,8 4,7 4,2
Ns/nr 1,1 1,8 1,4
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

O contexto de crise económica que tem caracterizado o país nos últimos


anos poderá ter influído no reforço dos laços sociais e da importância atribuída
às redes de sociabilidade. Este facto pode ser indiciado pelos 31% de
portugueses (independentemente das suas características sociais) que
consideram o aumento da importância da família na sua vida nos últimos cinco
anos.
Não obstante, questionados especificamente sobre o impacto do actual
contexto de crise na qualidade dos seus relacionamentos com as pessoas que
lhes são próximas, os indivíduos tendem a considerar que não houve qualquer
impacto (42%) ou que esse impacto foi negativo (43%).
Um dado interessante emerge quando se ventilam os resultados por
grupos sociais. São os desempregados quem mais encara como negativa a
influência da crise na qualidade dos seus relacionamentos com as pessoas
mais próximas (58%). A crise pode estar assim, em certa medida, a afectar

174
negativamente a qualidade dos relacionamentos, principalmente entre os
desempregados, mais afectados à partida pela crise. Note-se que, apesar
desta percepção negativa do impacto da crise na qualidade dos
relacionamentos, a maioria dos desempregados declara que a importância da
família e dos amigos se manteve nos últimos cinco anos.

Relações de sociabilidade familiares, amicais e vicinais

A análise das redes de sociabilidade dos portugueses tomou como


referência familiares, amigos e vizinhos. No caso dos familiares e amigos,
contemplou-se ainda diferentes distâncias geográficas em relação ao próprio
inquirido: os que vivem no mesmo distrito, os que vivem noutro distrito e os que
vivem no estrangeiro. Assim, foi possível analisar a composição das redes
pessoais (quadro 4.5).
Os portugueses têm redes de relacionamento relativamente fortes com os
seus familiares. Em média, mantêm relação com cerca de 9 familiares no
mesmo distrito, 5 noutro distrito e 3 no estrangeiro. Para se ter uma outra
perspectiva da dimensão da rede familiar, são 93% os portugueses que se
relacionam com pelo menos um familiar a residir no mesmo distrito; 72%
relacionam-se com familiares a viver noutro distrito; e 50% mantêm contacto
com familiares a viver no estrangeiro.
Também as redes de sociabilidade amicais são relativamente extensas:
94% dos portugueses declaram ter pelo menos um bom amigo a viver no
mesmo distrito, 59% respondem o mesmo em relação a amigos a viver noutro
distrito, e 32% em relação a amigos a residir no estrangeiro. A média é de 8
amigos a viver no mesmo distrito, 4 amigos a residir noutro distrito e cerca de 2
amigos no estrangeiro.
As relações de vizinhança foram também analisadas. Cerca de metade
dos portugueses (52%) relaciona-se e/ou pede pequenos favores a pelo menos
um vizinho. Este tipo de relacionamento é estabelecido, em média, com 3
vizinhos.

175
Se os resultados relativos à proximidade de residência são muito
elevados para o mesmo distrito, podendo evidenciar de alguma forma um certo
enraizamento territorial, eles coexistem também com uma razoável amplitude
das redes familiares e amicais dos portugueses. Não se podem descurar aqui,
como factores explicativos, quer a importância da forte mobilidade geográfica
interna dos portugueses nas últimas décadas, caracterizadas pelos fluxos
migratórios do interior para o litoral e do rural para o urbano, quer a intensidade
dos movimentos emigratórios, que continuam a registar-se para os mais
diversos locais do mundo, embora actualmente com padrões bastante
diferenciados da emigração da década de 60.
Considerando o conjunto dos vários locais de residência, os portugueses
relacionam-se, em média, com 17 familiares, 14 amigos e 3 vizinhos (quadro
4.5).

Quadro 4.5 Composição das redes pessoais (média de indivíduos)

Composição das redes Familiares Amigos Vizinhos Total


No mesmo distrito 8,9 8,3 2,6 19,8
Noutro distrito 5,1 3,7 -- 8,8
No estrangeiro 2,6 1,5 -- 4,1
Total 16,6 13,5 2,6 32,7
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Procurou-se perceber se o facto de se ser ou não utilizador de internet


altera a configuração das redes de sociabilidade familiares e amicais. Como o
quadro 4.6 mostra, a utilização da internet amplia essas redes. Exceptuando o
caso dos familiares que vivem no mesmo distrito que o próprio (em que as
diferenças não são significativas), os valores percentuais são sempre mais
elevados entre os não utilizadores nas categorias que indicam a inexistência de
pelo menos um familiar ou amigo com quem se relacionam. Por outro lado, os
valores percentuais são geralmente mais elevados nos escalões “de 6 a 10
familiares ou amigos”, e mesmo “11 ou mais”, entre os internautas do que entre
os não utilizadores de internet.

176
Quadro 4.6 Número de familiares e amigos com quem se relacionam por local de
residência, segundo utilização da internet (%)
Não utilizadores de
Número de familiares/amigos com quem se Utilizadores de internet
internet
relacionam
Familiares Amigos Familiares Amigos
0 6,3 3,8 7,7 9,4
No mesmo distrito De 1 a 5 40,1 37,9 41,6 49,2
(amigos: p<0,01) De 6 a 10 28,1 35,9 30,4 29,4
11 ou mais 25,5 22,3 20,4 12,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
0 25,3 30,0 30,4 54,7
Noutro distrito De 1 a 5 42,4 42,0 45,2 32,4
(familiares e amigos: p<0,01) De 6 a 10 21,0 19,4 17,1 10,3
11 ou mais 11,4 8,5 7,3 2,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
0 44,0 58,2 58,1 79,9
No estrangeiro De 1 a 5 41,5 31,6 31,3 16,6
(familiares e amigos: p<0,01) De 6 a 10 10,3 7,5 6,8 2,9
11 ou mais 4,2 2,8 3,9 0,6
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
0 1,3 2,8 2,8 8,3
Número total De 1 a 5 18,1 18,2 28,3 34,6
(familiares e amigos: p<0,01) De 6 a 10 23,4 25,3 20,9 29,7
De 11 a 20 27,6 30,0 25,3 17,5
21 ou mais 29,6 23,7 22,8 10,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Ao contrário do que se verificou para familiares e amigos, a inexistência


de relação com vizinhos é mais comum entre os utilizadores de internet (54%)
do que entre os não utilizadores (39%). A idade mais avançada que caracteriza
grande parte dos não utilizadores estará associada a modos de vida em que as
relações de vizinhança estão mais enraizadas.
Analisou-se ainda a frequência e o meio utilizado pelos portugueses para
os contactos com familiares, amigos e vizinhos (quadro 4.7).
O contacto pessoal é o mais comum em relação a familiares que moram
no mesmo distrito. O segundo meio de comunicação utilizado mais
frequentemente é o telemóvel, seguindo-se o telefone fixo e os sites de redes
sociais. O email e os programas VoIP6 obtêm os valores mais baixos relativos
ao contacto pelo menos semanal com familiares a residir no mesmo distrito.
No que concerne aos amigos mais próximos geograficamente, o contacto
pessoal é também o mais frequente, seguido do telemóvel. No entanto, ao
contrário do que acontece no caso dos familiares, as redes sociais surgem à

6
Voice over Internet Protocol (conversação de voz/vídeo em tempo real através da internet).

177
frente do telefone fixo. Assim, as redes sociais são a terceira forma mais usada
para contactar com os amigos que moram no mesmo distrito, seguindo-se o
telefone fixo, o email e os programas VoIP.
Duas diferenças evidenciam-se na comparação dos valores percentuais
indicadores da utilização pelo menos semanal dos diferentes meios de
comunicação para contacto com amigos e com familiares a morar no mesmo
distrito: a mais frequente utilização das redes sociais online para contacto com
os amigos (31%) do que para contacto com os familiares (22%), e a maior
regularidade do uso do telefone fixo com os familiares (34%) do que com os
amigos (20%).
Como seria de esperar, à medida que a distância geográfica aumenta, a
regularidade do contacto pessoal diminui, tanto em relação a familiares como a
amigos. Também o uso do telefone fixo e do telemóvel diminui
consideravelmente. O uso do serviço VoIP aumenta principalmente quanto está
em causa o contacto com o estrangeiro (atingindo taxas de utilização pelo
menos semanal que rondam os 9%). Não obstante, as redes sociais são o
principal meio de contacto tanto com familiares como com amigos que estão
fora de Portugal (as taxas de utilização pelo menos semanal nestes casos são
de 24% e 32%, respectivamente).
Já com os vizinhos, os contactos pelo menos semanais são menos
recorrentes do que com familiares e amigos. Neste caso, são os contactos
pessoais que prevalecem. Apesar da menor regularidade com que recebem os
vizinhos em casa ou vão a casa deles, cerca de 85% dos portugueses que se
relacionam com os vizinhos referem recebê-los em casa. O telefone e as redes
sociais são utilizados com uma frequência semanal bastante menor do que
acontece com outros familiares ou com amigos, como seria de esperar dada a
proximidade física.

178
Quadro 4.7 Utilização de diferentes meios de comunicação para contacto pelo menos
semanal com familiares, amigos e vizinhos, por local de residência (%)

Meios de comunicação utilizados para contacto


Local de residência Pessoal- Telefone Sites de
VoIP (Skype,
Email redes sociais
mente Viber, etc.)
Fixo Telemóvel (Facebook, etc.)
Mesmo distrito 78,8 34,4 62,9 9,4 22,3 3,0
Familiares Noutro distrito 14,8 18,1 31,2 7,7 20,0 2,5
Estrangeiro 4,2 12,2 10,7 8,0 24,4 8,4
Mesmo distrito 80,2 20,3 59,9 13,9 30,8 3,9
Amigos Noutro distrito 17,6 10,3 35,0 14,1 33,6 3,9
Estrangeiro 4,7 5,5 8,5 10,3 32,1 9,1
Vizinhos 56,6 9,3 -- 8,2 --
Nota: Cada célula representa o somatório da % de inquiridos que responderam nas categorias “Todos os dias/Quase todos os dias” e
“Pelo menos uma vez por semana” em cada uma das variáveis. O universo corresponde aqui ao conjunto da população (que indicou ter
familiares, amigos e vizinhos com quem se relaciona em cada local de residência), independentemente de ser ou não utilizadora dos
serviços de internet.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

A análise do uso dos diferentes meios de comunicação teve até aqui por
base a população em geral, mas interessa também considerar a frequência do
seu uso especificamente entre os utilizadores de internet que usam os meios
de comunicação online. As principais diferenças relativamente à população em
geral são a utilização mais frequente do telemóvel para falar com as pessoas
mais próximas geograficamente. E, obviamente, o uso de meios de
comunicação com recurso à internet entre estes indivíduos faz subir bastante
os valores percentuais de contacto pelo menos semanal com familiares,
amigos e vizinhos através dos mesmos.
Mais de 65% dos portugueses que usam meios de comunicação online
recorrem às redes sociais para contactar pelo menos uma vez por semana com
amigos que vivem no país e 52% fazem-no em relação a amigos que vivem no
estrangeiro (nos casos em que tal situação se aplica). Em relação aos
familiares, esses valores rondam os 50%. Os serviços VoIP chegam a ter uma
taxa de utilização pelo menos semanal por parte dos internautas de 22% no
contacto com pessoas a viver fora do país (quando existe relacionamento com
familiares ou amigos no estrangeiro). Em relação aos familiares a viver no
estrangeiro, nota-se aliás que o uso de programas como o Skype tem
correspondência numa diminuição substancial do uso regular do telefone fixo,
comparativamente a quem não usa internet. Trata-se de programas que aliam
a voz à imagem, favorecendo a sensação de proximidade. O contacto com
vizinhos é também interessante, pois neste caso particular diminui o contacto
pessoal e aumenta o contacto através das redes sociais.

179
A frequência dos contactos em geral, principalmente os telefónicos e os
estabelecidos através da internet, aumentaram consideravelmente em relação
há dez anos atrás. Este dado é muito interessante pois releva a maior
“proximidade” entre as redes de sociabilidade, em parte resultado do
desenvolvimento e difusão de infraestruturas e meios de comunicação.
A evolução positiva da frequência de contacto com as redes pessoais
através da internet sobressai quando se recupera a situação do início da última
década, em que era praticamente inexpressiva a percentagem de portugueses
que utilizava diariamente ou semanalmente a rede digital com esse intuito. Em
2003 não chegavam sequer aos 2% os indivíduos que contactavam pelo
menos semanalmente com familiares através da internet, e rondavam os 5% os
que utilizavam esse meio de comunicação para contacto com amigos, nos
vários locais de residência. Presentemente, particularmente no caso das redes
sociais, esses valores passam a mais de 20% no caso dos familiares e
ultrapassam os 30% no caso dos amigos. Este facto denota não só um
potencial aumento deste meio de contacto como forma de relacionamento,
como também evidencia o facto de a internet ser cada vez mais
frequentemente utilizada como ferramenta de contacto tanto localmente como
globalmente.
Na continuidade do que foi referido, é pertinente apresentar os resultados
de um conjunto de questões centradas nas percepções dos indivíduos sobre a
aceleração da vida pessoal e das relações sociais perante as novas
“exigências” tecnológicas (quadro 4.8).
Os portugueses parecem estar tranquilos quanto a grande parte dos
pontos analisados: apenas 6% a 7% indicam não conseguir acompanhar as
actualizações de todos os seus amigos nas redes sociais, ter dificuldade em
gerir as suas relações sociais online ou não conseguir responder a todos os
seus emails. Porém, três preocupações destacam-se: a dificuldade em
alcançar os objectivos traçados para a vida à velocidade desejada (23%), a
falta de tempo para estar pessoalmente com os amigos (18%) e a sensação de
desactualização face ao ritmo da evolução tecnológica (14%). As duas
primeiras adquirem maior relevância entre os internautas, enquanto a última é
mais recorrente entre quem não utiliza internet. Importa ainda referir que 11%
dos utilizadores de internet já se sentiram incomodados por não se

180
conseguirem “desligar” do seu telemóvel, situação que é praticamente
inexistente entre os não utilizadores de internet.

Quadro 4.8 Percepções sobre a aceleração da vida pessoal e das relações sociais e as
novas exigências tecnológicas, segundo utilização da internet (% de respostas
positivas à pergunta “Alguma vez se sentiu desconfortável por…?”)

Alguma vez se sentiu desconfortável por: Utilizadores Não utilizadores Total


Não conseguir acompanhar as actualizações de todos os seus amigos
5,9 -- 5,9
nas redes sociais
Não conseguir responder a todos os seus emails 7,2 -- 6,9
Ter dificuldade em gerir as suas relações sociais online 6,2 -- 6,2
Não ter tempo para estar pessoalmente com os seus amigos (p<0,01) 22,7 10,7 18,2
Não se conseguir “desligar” do seu telemóvel (p<0,01) 11,4 3,1 8,3
Se sentir desactualizado face ao ritmo da evolução tecnológica (p<0,01) 11,3 18,0 13,8
Não conseguir alcançar os objectivos que traçou para a sua vida à
27,1 17,0 23,2
velocidade que deseja (p<0,01)
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

É assim plausível ponderar que o mais intenso contacto com as novas


tecnologias de comunicação, que caracteriza os utilizadores de internet, pode
contribuir de alguma forma para uma mais incidente necessidade de
aceleração da vida pessoal e de frequência de contacto com as redes de
sociabilidade, transpondo para a vida real a instantaneidade e a evolução
constante que caracteriza o digital.

Redes sociais online

Os serviços de redes sociais online constituem-se como plataformas para a


construção ou desenvolvimento de relações sociais entre indivíduos que
partilham interesses ou que estão ligados na vida real. As redes sociais
baseiam-se na elaboração de perfis pessoais, que representam cada utilizador,
e na possibilidade de adicionar outros utilizadores como amigos, com os quais
se pode contactar e partilhar conteúdos. Na actualidade, o exemplo mais
popular de uma rede social online é o Facebook, lançado em 2004 e que em
2012 contava com mil milhões de utilizadores activos em todo o mundo.
Conforme se auto-descreve, a sua missão é “dar às pessoas o poder de
partilhar e tornar o mundo mais aberto e conectado”.

181
Segundo os dados recolhidos no âmbito do inquérito Sociedade em Rede
2013, 78% dos utilizadores de internet são também utilizadores de redes
sociais online. No cômputo geral, pode dizer-se que 43% da população
portuguesa usa redes sociais.
A análise do perfil social dos utilizadores de redes sociais permite
salientar algumas das características que os distinguem (quadro 4.9).
Um primeiro aspecto que se evidencia é que a utilização de redes sociais
é mais comum entre os internautas mais jovens. Cerca de 90% dos utilizadores
de internet com idades entre os 15 e os 34 anos usam redes sociais; valor
percentual que desce para 70% no caso dos utilizadores de 35-54 anos e para
60% entre os que têm 55 ou mais anos.
Outro traço distintivo dos utilizadores de redes sociais encontra-se quando
se analisa a sua distribuição pela condição perante o trabalho. Praticamente
todos os estudantes que usam internet (96%) acedem a redes sociais. O
mesmo acontece com 77% dos activos e 63% dos reformados ou outros
inactivos. Importa referir que os estudantes foram aqueles que declararam ter
maiores redes de sociabilidade familiares e amicais, relacionando-se com cerca
de 20 familiares e 20 bons amigos (quando a média é, como já referido, de 17
familiares e 14 amigos).
À semelhança da internet, também quanto ao uso de redes sociais a
maior incidência de utilizadores, tendo em consideração a qualificação
académica, ocorre entre os escolarizados ao nível do ensino secundário e do
superior básico. Assim, 83% dos internautas com pelo menos o ensino
secundário utilizam redes sociais, enquanto entre os internautas escolarizados
com o ensino básico a taxa de utilização é de 68%.
A utilização de redes sociais é também ligeiramente mais comum entre as
internautas do sexo feminino. Isto embora exista um maior número de homens
utilizadores de internet, o que pode revelar uma ligeira preferência das
mulheres pelos serviços de redes sociais online.

182
Quadro 4.9 Utilização de redes sociais segundo idade, sexo, nível de escolaridade e
condição perante o trabalho (universo dos utilizadores de internet) (%)

É um utilizador de redes sociais? Sim Não Total (n=852)


Escalões etários (p<0,01)
15-34 anos 90,5 9,5 100,0
35-54 anos 70,0 30,0 100,0
55 ou mais anos 60,1 39,9 100,0
Sexo (p<0,02)
Masculino 75,1 24,9 100,0
Feminino 81,5 18,5 100,0
Nível de escolaridade (completo) (p<0,01)
Ensino superior 82,5 17,5 100,0
Ensino secundário 82,8 17,2 100,0
Ensino básico 68,1 31,9 100,0
Condição perante o trabalho (p<0,01)
Estudantes 96,1 3,9 100,0
Activos 77,0 23,0 100,0
Reformados ou outros inactivos 63,4 36,6 100,0
Total 78,2 21,8 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

O Facebook é indiscutivelmente o site de redes sociais preferido dos


portugueses. Praticamente todos os utilizadores de redes sociais (98%) têm um
perfil criado nessa rede. Os valores percentuais de usuários das redes que se
seguem são bastante mais reduzidos: apenas 14% dos utilizadores de redes
sociais dizem ter conta no Google+ e 10% no Hi5.
A quantidade de informações de carácter pessoal disponibilizadas pelos
utilizadores no seu perfil nas redes sociais é variável. Fica ao critério de cada
um o preenchimento de cada item informativo que constitui o perfil pessoal.
Segundo os dados do inquérito (quadro 4.10), a quase totalidade dos
utilizadores (96%) identifica-se pelo nome. A fotografia pessoal é o segundo
item mais frequentemente adicionado ao perfil, por 85% dos utilizadores. A
informação sobre a sua localidade e a data de nascimento são os terceiro e
quarto itens mais divulgados nas redes sociais, incluídos em cerca de 75% dos
perfis. Seguem-se a informação sobre interesses (52%), música (39%) e
vídeos (33%), e o endereço de email (19%). Os itens menos frequentemente
disponibilizados pelos utilizadores nas redes sociais online são o telefone fixo
(0,4%) e o telemóvel (3,3%).

183
Quadro 4.10 Itens preenchidos no perfil em sites de redes sociais (%*)

%
Itens preenchidos no perfil
(n=657)
Nome 96,1
Data de nascimento 74,5
Fotografia pessoal 84,7
Localidade 76,0
Interesses 52,0
Vídeos 33,1
Música 38,5
Endereço de email 18,8
Telemóvel 3,3
Telefone Fixo 0,4
* Percentagens do número de utilizadores que indicaram ter preenchido cada item no seu
perfil, em relação ao total de utilizadores.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Não existem diferenças relevantes entre homens e mulheres quanto aos


itens preenchidos no perfil de redes sociais. Por idade, evidencia-se a
disponibilização da fotografia pessoal e da informação sobre interesses, que
são mais comuns entre os mais jovens do que entre os indivíduos da faixa
etária mais avançada. Curiosamente, a data de nascimento é menos
preenchida por quem tem o ensino superior e, embora com uma diferença
ligeira, por quem tem uma idade mais avançada.
Três outros indicadores permitem perceber como os utilizadores gerem a
partilha da informação e conteúdos pessoais nas redes sociais.
As opções de privacidade do perfil pessoal são passíveis de configuração
por cada utilizador. A edição dessas opções é realizada por 55% dos
utilizadores de redes sociais, ao invés de usarem as opções pré-definidas.
Quanto à limitação do acesso a conteúdos que o próprio coloca ou que
são colocados por outros no seu perfil de rede social, 40% dos utilizadores
declaram permitir o acesso apenas aos seus contactos e 28% facultam o
acesso aos amigos mas também aos conhecidos dos amigos. Já 18% afirmam
nunca vedar o acesso aos conteúdos em causa e, no sentido oposto, 8%
asseguram que limitam o acesso a todos os utilizadores da rede social (quadro
4.11).

184
Quadro 4.11 Limitação do acesso a conteúdos colocados no perfil pessoal de sites de redes
sociais (%)

Costuma limitar/vedar o acesso a conteúdos que coloca/são


%
colocados no seu perfil de rede social?
Sim, a todos os utilizadores da rede social 8,3
Sim, mas não aos meus contactos 39,9
Sim, mas apenas a utilizadores que não são amigos ou
28,4
conhecidos de amigos
Não, nunca 17,5
Ns/nr 6,0
Total (n=667) 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Ainda este respeito, a maior parte dos utilizadores de redes sociais tem
por hábito remover fotos ou outros conteúdos que aparecem com o seu nome
ou contacto associado (tags): 41% fazem-no às vezes, 13% frequentemente e
8% sempre. Cerca de 30% não tem esse hábito.
Se, por um lado, se verifica alguma variabilidade nas práticas de balanço
entre público e privado no contexto das redes sociais, por outro lado, a
tendência é de selecção dos conteúdos a partilhar e com quem os partilhar.
São os indivíduos nos escalões etários mais jovens, assim como os mais
escolarizados, que mais revelam ter esse cuidado. Os indivíduos com idades
mais avançadas mostram até algum desconhecimento em relação às opções
de privacidade e de restrição de acesso a informações e conteúdos pessoais, o
que é indiciado pela percentagem relativamente elevada de não respostas a
este conjunto de questões.
Com a difusão das redes sociais alguns alertas têm surgido quanto aos
perigos da sua utilização. A definição do perfil pessoal como público pode
tornar mais vulneráveis determinados públicos. Nesse sentido, conforme
expresso pelos inquiridos numa pergunta com possibilidade de resposta
múltipla, o principal perigo reconhecido pelos utilizadores é o roubo ou acesso
a informação privada (55%). Segue-se a predação sexual (48%), o acesso a
aplicações que possam danificar o computador ou outro dispositivo digital
(33%) e os furtos financeiros, associados à disponibilização de dados pessoais
(26%). Os menos referidos, mas ainda assim com percentagens significativas,
são o cyberbullying (19%) e a perda de propriedade intelectual (no caso de
empresas) (16%).

185
O número médio de amigos no site da rede social mais utilizada pelos
portugueses é de 370 amigos, um número bastante superior ao indicado pelos
inquiridos em relação às pessoas com quem se relacionam na “vida real”. Uma
análise mais detalhada (quadro 4.12) permite destacar o grupo de utilizadores
de redes sociais que declara ter entre 200 a 499 amigos na sua rede de
contactos (36%), seguindo-se os que têm 500 ou mais amigos (23%). As
parcelas de utilizadores integrados nas categorias que dão conta de redes de
contactos mais restritas, de até 49 pessoas e de 50 a 99 pessoas, são de
apenas 10% e 8% respectivamente.

Quadro 4.12 Número de amigos na rede social em que tem perfil criado (na
mais utilizada) (%)

Nº de pessoas na área de amigos %


Até 49 9,9
De 50 a 99 7,6
De 100 a 199 16,0
De 200 a 499 35,7
500 ou mais 23,0
Ns/nr 7,8
Total (n=657) 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

A média mais elevada de amigos nas redes sociais encontra-se entre os


indivíduos na faixa etária dos 15 aos 34 anos, estudantes e escolarizados com
o ensino básico ou secundário. Os homens têm também um número médio de
amigos ligeiramente superior ao das mulheres. Entre os activos, são
curiosamente os empresários, dirigentes e profissionais liberais que se
destacam. O maior número de amigos nesta categoria socioprofissional poderá
ser justificado pelos contactos profissionais, pois o número de familiares e
amigos mais chegados com quem estes indivíduos se relacionam não é mais
elevado do que o dos indivíduos das restantes categorias socioprofissionais.
O facto de as redes de sociabilidade no mundo virtual serem na
generalidade muito alargadas indicia a possibilidade de incluírem não apenas
familiares e bons amigos, mas também outras pessoas que normalmente não
se reconhece como pertencendo às redes de sociabilidade mais próximas. Não
obstante, na resposta ao inquérito, 85% dos utilizadores declaram que a sua
área de amigos nos sites de redes sociais é maioritariamente composta por
186
pessoas que conhecem pessoalmente (onde se podem incluir não apenas os
amigos e familiares, mas também os “conhecidos”). Representam 12% os que
indicam que têm maioritariamente ligação nesse contexto com pessoas que
não conhecem para além do espaço virtual. Adicionalmente, a procura de
informação ou do perfil de alguém que se conhece, ou tenha conhecido, e que
não consta da rede amigos é comum entre os utilizadores de redes sociais:
cerca de três quartos dizem já o ter feito.
Os principais motivos expressos pelos utilizadores para se terem
registado em sites de redes sociais prendem-se com o desejo de manter
contacto com pessoas que estão distantes (quadro 4.13). Cerca de quatro
quintos dos utilizadores de redes sociais declaram ter-se inscrito numa rede
social para poder manter contacto com pessoas que estão longe (81%) ou para
encontrar e manter contacto com pessoas que não veem há muito tempo
(79%). Mas os motivos são múltiplos e não são mutuamente exclusivos. O
terceiro motivo mais indicado relaciona-se com o sentimento de pertença e de
“bola de neve”: o facto de a maioria das pessoas conhecidas estar registada
nas redes sociais levou 76% dos utilizadores a inscrever-se. Fortalecer os
laços sociais que já existem offline foi, por sua vez, a razão apresentada por
70% dos utilizadores de redes sociais. A rondar os 50% de utilizadores que os
enunciaram estão ainda a possibilidade de partilha de pensamentos,
comentários, vídeos ou fotos (56%) e a intenção de conhecer pessoas novas
(47%). Iniciar ou potenciar uma relação amorosa é a razão menos referida, que
ainda assim contribuiu para a adesão de 9% dos utilizadores às redes sociais.

Quadro 4.13 Motivos de adesão às redes sociais (%)

Quais os motivos que o levaram a inscrever-se numa dada rede social? Sim Não Total
(n=657)
Fortalecer os laços sociais que já existem offline 70,0 30,0 100,0
Conhecer pessoas novas 46,7 53,3 100,0
Motivos profissionais 31,7 68,3 100,0
Porque a maioria das pessoas que conheço está nesse tipo de sites 76,0 24,0 100,0
Para poder manter contacto com pessoas que estão longe 80,9 19,1 100,0
Para encontrar e manter contacto com pessoas que já não vejo há muito tempo 79,2 20,8 100,0
Para não me sentir excluído 19,2 80,8 100,0
Para poder partilhar pensamentos/comentários/vídeos/fotos 55,9 44,1 100,0
Porque me convidaram 40,7 59,3 100,0
Iniciar/potenciar uma relação amorosa 9,1 90,9 100,0
Para promover o meu trabalho 15,3 84,7 100,0
Para promover eventos 21,4 78,6 100,0
Para promover causas ou posições 19,5 80,5 100,0
Outro 1,0 99,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

187
As motivações apresentadas não são totalmente uniformes entre todos os
utilizadores de redes sociais. Conhecer pessoas novas, iniciar uma relação
amorosa e partilhar pensamentos e conteúdos têm uma maior incidência entre
os mais jovens. As diferenças por sexo evidenciam-se em relação ao
estabelecimento de contacto com pessoas que estão longe, motivo
particularmente referido pelas mulheres, e no que respeita ao início de relações
amorosas e à promoção de eventos, mais declarados pelos homens. O nível de
educação formal exerce também alguma influência sobre as motivações para
adesão às redes sociais. Conhecer pessoas novas, não se sentirem excluídos
e poderem partilhar pensamentos e conteúdos são motivos mais destacados
entre os escolarizados ao nível do ensino básico, que incluem também grande
parte dos estudantes, indo portanto no sentido das respostas do público mais
jovem. Já os motivos profissionais e a promoção do trabalho são mais
indicados pelos escolarizados com pelo menos o ensino secundário.
Tal como o uso da internet em geral, também a utilização das redes
sociais online parecem assim reflectir a fase da vida, as condições e práticas
sociais e o estilo de vida dos indivíduos. Um exemplo é a transposição clara
para as redes digitais da intensa sociabilidade dos jovens e da sua maior
procura de alargamento da rede de amigos.
A análise das funcionalidades utilizadas nos sites de redes sociais
contribui para perceber os tipos de uso que os portugueses fazem deste
recurso (quadro 4.14). O envio de mensagens é a funcionalidade a que mais se
recorre, sendo uma prática de 85% dos utilizadores de redes sociais. Fazer
gosto (like) nas publicações de outros é a segunda actividade mais realizada
(75%), seguida da utilização do serviço de chat (72%). Assim, duas das três
actividades mais realizadas remetem para o uso de ferramentas de
comunicação directa. Com percentagens ainda acima dos 50%, surgem o
comentário de publicações (posts), a criação de álbuns fotográficos e o uso da
funcionalidade de alerta de aniversários de amigos. Perto, com 45% de
adesão, encontra-se uma prática relacionada com o desenvolvimento das
redes de sociabilidade virtuais: procurar e fazer amigos ou sugerir amigos a
outros.
Importa ainda referir algumas funcionalidades que remetem para um uso
mais participativo, activo ou criativo das redes sociais. O apoio a causas é

188
referido por 26% dos utilizadores de redes sociais, a divulgação de eventos por
36% e a criação ou adesão a grupos por 37%. Cerca de 30% fazem post de
músicas ou vídeos e proporção semelhante escreve comentários na wall.

Quadro 4.14 Funcionalidades utilizadas nos sites de redes sociais em que têm perfil criado (%)

Total
Funcionalidades utilizadas Sim Não
(n=657)

Serviço de chat 71,5 28,5 100,0


Envio de mensagens 85,2 14,8 100,0
Jogar (por exemplo, Farmville, Mafia Wars) 35,7 64,3 100,0
Apoiar/aderir causas 26,2 73,8 100,0
Criar álbuns fotográficos 55,2 44,8 100,0
Enviar presentes virtuais 9,0 91,0 100,0
Comentar publicações (Posts) 66,6 33,4 100,0
Gostar / Fazer Like nas publicações de outros 75,2 24,8 100,0
Criar/aderir a grupos 36,6 63,4 100,0
Divulgar eventos 35,9 64,1 100,0
Procurar e fazer amigos/sugerir amigos 45,2 54,8 100,0
Quiz/testes 7,2 92,8 100,0
Fazer post de músicas/vídeos 31,8 68,2 100,0
Criar aplicações 7,2 92,8 100,0
Escrever comentários na Wall 28,4 71,6 100,0
Alertas de aniversários de amigos 54,0 46,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Certas funcionalidades são mais usadas por determinados grupos sociais.


O serviço de chat, os jogos, a partilha de músicas e vídeos e os comentários na
wall têm uma maior incidência entre os mais jovens. Por sua vez, criar ou aderir
a grupos e divulgar eventos são actividades mais comuns entre os homens e
entre os escolarizados com pelo menos o ensino secundário.
A comunicação é uma vertente importante das redes sociais. Mas de que
assuntos se fala nesse contexto e com quem? Procurou-se perceber se os
portugueses têm o hábito de falar ou partilhar ideias nas redes sociais sobre os
seus interesses e mesmo sobre assuntos mais pessoais.
Segundo os resultados do inquérito, mais de 80% dos utilizadores falam
ou partilham ideias na sua rede social online sobre assuntos pessoais,
emoções, sentimentos ou preocupações. Percentagem semelhante representa
os que falam ou partilham ideias nesse contexto sobre hobbies ou interesses
menos íntimos. Sem diferenças relevantes por idade ou por sexo, por

189
escolaridade contudo percebe-se que entre os menos qualificados há uma
maior propensão para falar sobre estes temas.
Os grupos escolhidos preferencialmente para falar ou partilhar ideias,
quer sobre assuntos mais pessoais quer sobre hobbies e outros interesses, são
os amigos íntimos, sendo que em ambos os casos 43% dos indivíduos indicam
fazê-lo várias vezes ao dia ou diariamente. Seguem-se os familiares, com os
quais cerca de 37% dos utilizadores de redes sociais falam ou partilham os
assuntos em causa com uma regularidade pelo menos diária. Com colegas de
trabalho ou de escola e com amigos menos íntimos, independentemente de se
tratar de assuntos mais ou menos pessoais e íntimos, o mais comum é falar
com um regularidade semanal ou mensal. Menos habitual é recorrer a
conselheiros profissionais ou pessoas socialmente reconhecidas, o que a
grande maioria faz menos frequentemente ou nunca.
Outras duas baterias de perguntas procuraram aprofundar o
conhecimento acerca dos usos que se fazem das redes sociais.
Uma primeira dizia respeito especificamente à utilização das redes
sociais, ou de sites de encontros online ou serviços de mensagens
instantâneas, com objectivos que remetem para o desenvolvimento de relações
amorosas. É comum a ideia segundo a qual a internet favorece as relações
entre sexos, é um local privilegiado para conhecer novas pessoas e encetar
relações afectivas. Não obstante, apenas uma pequena parte dos utilizadores
em geral declara já ter utilizado a internet com esses intuitos. A situação mais
comum (embora apenas para 26% dos indivíduos) é pedir ou marcar um
encontro com alguém. Seguem-se os objectivos de: procurar um lugar para
encontrar alguém com quem sair (21%); permitir ou fazer com que uma terceira
pessoa o apresente a alguém (19%); encontrar alguém com quem teve um
encontro ou relacionamento há algum tempo atrás (17%); participar num grupo
online onde espera encontrar alguém para sair que tenha gostos parecidos
com os seus (17%); procurar informação sobre alguém depois do primeiro
encontro (15%); manter uma relação à distância (15%); e, por fim, romper uma
relação (5%).
Todos estes objectivos são mais frequentes na faixa etária dos 15 aos 34
anos. A título de exemplo, pedir ou marcar um encontro com alguém é um
propósito declarado por 34% dos utilizadores de redes sociais nessa faixa

190
etária, enquanto nos escalões etários que se seguem ronda os 16%. Esse
intuito é também mais comum entre os homens (31%) do que entre as
mulheres (21%). Ora entre os rapazes/homens dos 15 aos 34 anos, a utilização
de redes sociais ou sites semelhantes com o objectivo de pedir ou marcar
encontros atinge mesmo os 41% de representatividade.
Uma segunda bateria de perguntas era menos específica, pelo que
obteve mais respostas que indicavam a utilização das redes sociais com os
objectivos apresentados (com uma frequência diferente de “nunca”, mesmo
que pouco regular). Assim, partilhar uma novidade é um dos propósitos mais
habituais da ligação às redes sociais online (80%). A uma distância substancial,
surgem: aprofundar o conhecimento de assuntos não relacionados com os
seus estudos ou trabalho mas que são do seu interesse (61%); saber da vida
dos seus conhecidos sem ter que perguntar diretamente (60%); falar ou pedir e
fornecer informação sobre hobbies (59%); jogar (57%); aprofundar o
conhecimento de assuntos relacionados com os seus estudos ou trabalho
actual (58%); apoiar causas (58%); aprofundar o conhecimento de assuntos
relacionados com os seus estudos ou trabalho futuro (56%); seguir a trajectória
artística ou profissional de uma pessoa que admira (53%); falar ou pedir e
fornecer informação sobre questões profissionais (48%); falar ou pedir e
fornecer informação sobre a sua saúde (45%); e, por último, falar ou pedir e
fornecer informação sobre a saúde dos seus filhos (40%). Informação mais
detalhada sobre a frequência com que os indivíduos declaram ligar-se às redes
sociais com o intuito de apoiar causas mostra que cerca de 30% fá-lo pelo
menos mensalmente, 30% menos frequentemente e 40% nunca.
Ainda no âmbito das redes sociais online, analisam-se as percepções dos
utilizadores sobre a evolução da proximidade a amigos e causas políticas e
sociais desde que usam esse recurso (quadro 4.15).
Todos os itens que avaliam o desenvolvimento dessa proximidade têm
taxas de adesão não menosprezáveis. Contudo, há uma hierarquia de
concordâncias. É em relação aos amigos que a percepção do impacto do uso
de redes sociais é mais evidente. Cerca de 77% dos utilizadores de redes
sociais concordam, em parte ou totalmente, que desde que usam redes sociais
têm maior conhecimento das actividades desenvolvidas pelos seus amigos.
Este é o item que reúne um consenso mais alargado, mas não é o único.

191
Assim, rondam os 73% os indivíduos que concordam ou concordam totalmente
que desde que usam redes sociais têm maior conhecimento das opiniões e dos
gostos dos seus amigos. Ainda 68% declaram sentir-se mais próximos dos
amigos.
Mais de metade dos utilizadores (54%) dizem também sentir-se mais
próximos de pessoas com quem partilham interesses, opiniões ou situações
(políticos, culturais, religiosos, profissionais, etc.) desde que usam redes
sociais. Menos vincada é a percepção quanto ao efeito da utilização de redes
sociais online na evolução da proximidade a causas políticas e sociais. O peso
relativo dos utilizadores que concordam, em parte ou totalmente, com a
afirmação que sugere a sua maior predisposição para expressar opiniões ou
apoiar causas políticas e sociais desde que usam redes sociais é de 36%.
Cerca de 30% não conseguem definir a sua opinião, não concordando nem
discordando com tal afirmação. No mesmo sentido, 33% concordam em parte
ou totalmente que se sentem mais intervenientes em causas políticas e sociais,
e percentagem semelhante não concorda nem discorda desse efeito.
Por fim, encontram-se dois itens que remetem para a transposição dos
efeitos da participação nas redes sociais online para a presença em eventos
fora do contexto digital. Respectivamente, 26% e 22% dos utilizadores
concordam de alguma forma que desde que usam redes sociais têm estado
presentes mais frequentemente em eventos sociais e culturais ou em eventos
relacionados com a defesa de causas políticas e sociais. Em ambos os casos,
cerca de 60% dos indivíduos dividem-se entre os que adoptam uma posição
indefinida quanto à concordância com essas situações e os que discordam
delas em parte.

192
Quadro 4.15 Percepções sobre a evolução da proximidade a amigos e causas políticas e
sociais desde que usam redes sociais

%
Não Média
1- 5-
concorda Total (1 a 5)
Desde que usa redes sociais: Discorda Discorda Concorda Concorda Ns/Nr
nem (n=667)
totalmente totalmente
discorda
Sente-se mais próximo dos seus amigos 2,0 7,9 19,0 52,6 15,5 3,0 100,0 3,74
Tem maior conhecimento dos gostos dos
1,1 7,5 15,3 59,9 12,9 3,3 100,0 3,79
seus amigos
Tem maior conhecimento das opiniões dos
1,0 7,1 14,8 61,6 12,1 3,5 100,0 3,79
seus amigos
Tem maior conhecimento das actividades
1,0 5,5 13,7 64,8 11,9 3,1 100,0 3,84
desenvolvidas pelos seus amigos
Sente-se mais próximo de pessoas com
quem partilha interesses, opiniões,
1,4 11,9 28,8 45,8 8,3 3,9 100,0 3,50
situações (políticos, culturais, religiosos,
profissionais …)
Sente-se mais participante/interveniente
5,3 23,0 33,7 30,3 3,0 4,7 100,0 3,03
em causas políticas e sociais
Sente-se mais predisposto a expressar a
sua opinião ou a apoiar causas políticas e 5,9 24,2 28,8 31,8 4,5 4,7 100,0 3,05
sociais
Tem estado presente mais frequentemente
em eventos relacionados com a defesa de 9,9 32,8 29,5 20,2 2,2 5,3 100,0 2,70
causas políticas e sociais
Tem estado presente mais frequentemente
7,7 30,0 31,6 23,2 2,7 4,7 100,0 2,82
em eventos sociais e culturais
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

A sensação de maior participação em causas políticas e sociais


decorrente do uso de redes sociais é o efeito que apresenta uma maior
variabilidade de acordo com as condições sociais dos indivíduos. São os
utilizadores nas faixas etárias menos jovens, os escolarizados com pelo menos
o ensino secundário e os activos quem mais declara essa sensação. As redes
sociais parecem nesse caso reflectir a maior predisposição desses grupos para
a participação política e social. Adicionalmente, o avançar da idade parece
favorecer também a percepção da presença mais frequente em eventos
relacionados com a defesa de causas políticas e sociais decorrente do uso de
redes sociais.
Assim, para além da relevância da utilização de redes sociais na
sensação de maior proximidade aos amigos, transversal a todos os grupos
sociais, também a percepção da proximidade a causas políticas e sociais é
reforçada entre alguns grupos por essa utilização7.
Importa no final deste capítulo reter o importante desenvolvimento
ocorrido na sociedade em rede em Portugal que se prende com o surgimento


7
A relação entre as redes sociais e a participação política e social será objecto de análise mais
aprofundada no capítulo 6.

193
das redes sociais online. As redes sociais vieram nos últimos anos desenvolver
o efeito da internet em reunir e reforçar as relações sociais de dois espaços
físicos diferentes – o real e o virtual. A sociedade em rede potencia as relações
de convivialidade existentes, ao mesmo tempo que acrescenta novas formas
de sociabilidade e de contacto entre os indivíduos. Neste campo, o presente
estudo contribui para validar a tese de que a internet e as redes sociais
contribuem para os esbatimento da sensação de isolamento, sendo este o
parâmetro com maior redução entre os cibernautas portugueses, entre 2003 e
2013. Paralelamente, a redução da sensação de isolamento entre os
portugueses utilizadores e não utilizadores de internet varia em mais de 10%,
com vantagem para os primeiros.
Similar tendência é evidente ao nível das relações pessoais com
membros do agregado doméstico, neste campo, os utilizadores de internet em
Portugal assinalam uma significativa evolução no convívio doméstico, tanto ao
nível da comunicação como das atividades, quando comparados com os não
utilizadores de internet em Portugal, dado este que tende a validar o reforço
entre as relações virtuais e as relações físicas nos utilizadores de internet,
reforçando a ideia de que os encontros pessoais são o meio privilegiado para
as relações locais.
Neste campo registam-se significativas diferenças em função da condição
de utilizador/não utilizador de internet. O número de familiares e amigos com
quem os portugueses se relacionam tendem a ser maiores em função da
utilização da internet, sendo que as diferenças tendem a aumentar em função
do distanciamento. Nesse caso, o telemóvel e as redes sociais surgem como
forma de contacto complementar e com uma dinâmica própria. Refira-se que a
sensação de maior proximidade aos amigos pelo uso de redes sociais online é
evidente entre os seus utilizadores. Mas a internet surge também como
potenciadora dos contactos à escala global, intensificando a frequência das
comunicações entre indivíduos que vivem, por exemplo, em diferentes locais
do mundo. O desejo de manter contacto com pessoas que estão distantes é,
aliás, o principal motivo de adesão às redes sociais, acompanhado pelo desejo
de fortalecer os laços sociais existentes fora da rede.

194
Dentro da oferta de sites e plataformas de redes sociais, a prevalência do
Facebook em Portugal é praticamente absoluta, com aproximadamente 98%
dos utilizadores a indicarem ter um perfil criado nessa rede.
No que aos sectores sociais diz respeito, o Facebook segue a mesma
tendência da utilização da internet, com uma disposição inversamente
proporcional entre a idade e o índice de utilizadores. Contrariamente à
utilização da internet, o Facebook alberga maior quantidade de perfis de
utilizadores portugueses do sexo feminino do que do sexo masculino, com a
diferença a cifrar-se nos 6,4%.
A adesão a esta rede social, acompanhando a tendência registada nos
escalões etários, tende a ser superior nos estudantes, quando comparados
com a população ativa e com reformados e outros inactivos, porém,
contrariamente à utilização da internet, existe maior adesão por parte dos
cibernautas portugueses com habilitações ao nível do ensino secundário do
que nos portugueses com o ensino superior.
Os resultados relacionados com privacidade e proteção de dados são
indicativos de um significativo índice de preocupação com a exposição por
parte dos cibernautas portugueses, com as informações menos presentes nos
perfis das redes sociais a serem os contactos telefónicos e o endereço de e-
mail. Esta evidência é suportada também pelo facto de aproximadamente 77%
dos portugueses colocar limitações ou restrições no acesso a conteúdos
colocados no perfil de utilizador, associado ao facto de 55% dos utilizadores
considerar que tem preocupações com roubo e acesso a informação privada.
Principalmente para os mais jovens, a procura de relações afectivas, o
alargamento da rede de amigos e a partilha de ideias são propósitos relevantes
no uso de redes sociais online. Determinados grupos estão também a usufruir
mais intensamente de outros potenciais em desenvolvimento das redes sociais,
seja para divulgar o seu trabalho ou promover causas. A internet e as redes
sociais são assim, em Portugal, tal como noutros locais do mundo, um
instrumento da vida e das actividades quotidianas dos indivíduos, sendo
também um importante contributo para a evolução da proximidade a questões
políticas, sociais e culturais.

195
Capítulo 5
A internet e os media: práticas comunicacionais e acesso à
informação

A comunicação, nomeadamente a comunicação tecnologicamente


mediada, é um factor central da sociedade em rede. Os media, enquanto fontes
informativas e meios de comunicação de massas, assumem um papel de
destaque nas sociedades informacionais. Justifica-se, pois, na análise da
sociedade atual e das suas dinâmicas, tomar como objecto de análise os
processos e meios comunicacionais, particularmente quando nos encontramos
numa fase de importantes transformações no campo dos media, relacionadas
com os processos tecnológicos baseados na crescente digitalização e
distribuição de conteúdos em rede.
Tal como em outros domínios já analisados, como exemplo as redes de
sociabilidade, também em relação aos media o surgimento e a utilização da
internet estarão a provocar alterações determinantes. Essas mudanças podem
expressar-se nas práticas comunicacionais, nos hábitos de consumo de
informação, nas representações sociais sobre os diferentes media, nos
próprios meios de comunicação e nas práticas jornalísticas, nas fontes
informativas, nos conteúdos disponíveis ou nos modos de interatividade.
Sproull e Keisler (1992) debruçaram-se sobre esta matéria, avançando
que “embora tenhamos a tendência de chamar essa tecnologia de ‘tecnologia
de informação’, ela também é uma tecnologia social, ou seja, promove tanto a
socialização como a sociabilidade”. De facto, os usos sociais da internet
enquanto veículo de comunicação estão presentes desde o início da sua
utilização social, destacando-se o e-mail e as salas de chat numa primeira fase,
e as redes sociais interativas e blogues numa posterior.
Em convergência com o capítulo anterior, reposiciona-se o debate nas
redes sociais enquanto principal transformação na internet ao longo da última
década, no entanto, importa recuperar os modelos precedentes a esta
ferramenta, conforme a conhecemos. As novas redes sociais pautam a sua
diferença por três características, de acordo com Cardoso (2008). Em primeiro
lugar, o autor assinala a explosão demográfica de utilizadores nos sites de

197
redes sociais como o Facebook e o Twitter, por comparação com os
utilizadores das plataformas de comunicação virtuais existentes na década de
1990, exemplificando a ClassMates (1995) e a SixDegress (1997). Este dado,
acompanhando a informação exposta no capitulo anterior, avança ainda uma
importante transformação que conduz à segunda característica, o facto de 90%
dos utilizadores de internet à escala global estarem registados com perfil em
sites de redes sociais, sendo que apenas 10% deste grupo não os utiliza para
leituras ou partilha de conteúdos.
Este segundo ponto indica que as redes sociais atuais se caracterizam
pela expansão das possibilidades e tipos de interação social, com os
utilizadores a terem à sua disposição mecanismos de comunicação que
recriam dinâmicas equiparadas a espaços físicos de interação social, em
virtude da capacidade tecnológica para “listar e ver todas as pessoas que
fazem parte do nosso círculo de interações seja para expressar e compartilhar
ideias (texto, vídeo, imagem ou som), seja para obter os seus comentários e
aprovações. Nós sabemos quem são essas pessoas e estamos perto delas,
mas a proximidade é mediada” (idem, 2008, 4-5).
A terceira característica tende a ser simultaneamente resultante e
agregadora das duas anteriores, prendendo-se com o facto das redes da
internet terem alterado o modelo de comunicação social clássico, não apenas
porque tecnicamente multiplicaram as formas de comunicação, mas também
porque são o elo que faltava para operar uma revolução estrutural na maneira
como as sociedades comunicam entre si. Cardoso (2011) e Castells, (2012)
indicam que as redes sociais são o hub que conecta todas as outras formas de
comunicação até então disponíveis, dando origem à comunicação em rede ou,
após um processo de institucionalização, às sociedades em rede.
O que aparenta avançar o aglomerar destas características
diferenciadoras é que as redes da internet não se limitaram à promoção de
novas tecnologias de informação, questionando também a sua estrutura,
colocando em xeque a noção de que o que é importante na comunicação está
apenas articulado entre o processo de mediação, o meio e a mensagem.
Neste sentido, a validação da tese de que as redes sociais são um
elemento fundamental do modelo comunicacional das sociedades
contemporâneas, obriga a um repensar da relação entre meio e mensagem.

198
Cardoso e Quintanilha (2013), apresentam um contributo para esse debate,
rejeitando mutuamente as teses de McLuhan (1967) e Castells (1999),
considerando que o meio não é a mensagem, nem a mensagem é o meio,
sendo ambos produtos sociais, “produtos dos processos de recepção e
consumo e da autonomia do sujeito social face às tecnologias, daí que faça
sentido relembrar que a mensagem são as pessoas” (idem, 2013: 14).
Contrariamente a outros domínios, esta tese tende a assinalar que, na rede,
seja qual for o meio escolhido, a mensagem tende a ser alvo de atualização ou
transformação por parte dos seus membros, resignificando-a e afirmando,
conforme indica Coleman (1999), que na sociedade em rede a autoria da
mensagem deixou de ser suficiente para a sustentar, avançando que as
pessoas tendem a direcionar a mensagem em função dos seus objectivos de
autonomia. Por sua vez, a capacidade de construção de autonomia “introduz-
nos perante uma realidade social em que a tecnologia é produto da interação
constante entre tecnologia, instituições, ações comunicativas, representações e
práticas dos sujeitos” (Cardoso e Quintanilha, 2013), sendo a mediação o
produto dessas interações, centrando o poder da comunicação nas pessoas e
não nas mensagens ou meios.
Em suma, os tradicionais meios de comunicação social coexistem hoje
com uma rede digital cheia de potencialidades, mas também de novos
desafios, e com um conjunto alargado de plataformas que permitem ao
utilizador aceder aos conteúdos comunicacionais da sua preferência, quando,
onde e como quiser. Num contexto que exige uma certa especialização de
conteúdos e multiplicação das formas de relacionamento com os públicos,
perceber as práticas, os interesses e as percepções dos utilizadores em torno
dos diferentes media e dos conteúdos informacionais parece de elevada
pertinência.
Este capítulo centra-se assim nos processos e meios comunicacionais,
situando-os no âmbito das práticas de vida quotidiana e destacando o lugar
específico das práticas comunicacionais apoiadas em dispositivos tecnológicos.
Procura-se perceber o papel da internet no universo das práticas comunicativas
em Portugal, nos modos de acesso a vários tipos de conteúdos e na confiança
que se tem na informação.

199
A partir da proposta conceptualizadora de práticas comunicativas utilizada
já no estudo Sociedade em Rede 2003, inspirada por Manuel Castells (Castells
e outros, 2003), na qual é colocado em evidência o carácter amplo dessas
práticas e onde se incluem diferentes aspectos de interacção comunicacional –
tais como conversar com os membros do agregado familiar, brincar com os
filhos, ouvir música, ler jornais, ver televisão, entre outras –, desenvolver-se-á a
análise diacrónica de alguns indicadores. Através destas práticas dar-se-á
início à caracterização atualizada das interconexões entre uso da internet e de
outros media na sociedade em rede em Portugal.

Práticas comunicativas e vida quotidiana

Ver televisão continua a ser, tal como há dez anos atrás, a prática
comunicacional mais generalizada na vida quotidiana. Quase todos os
portugueses declaram ver televisão (96%). Encontrar-se com familiares ou
amigos (89%), passear (89%) e falar com as pessoas do agregado ou brincar
com as crianças (75%) são as práticas mais comuns a seguir ao visionamento
televisivo. Estes dados confirmam, aliás, os resultados atrás analisados acerca
da intensidade das relações de sociabilidade dos portugueses. Surgem ainda,
com valores bastante elevados, práticas comunicacionais como ouvir rádio
(73%), ler jornais ou revistas em papel (72%) e ouvir música (67%). Todas
estas actividades são realizadas por mais de dois terços dos portugueses.
Entre as práticas que aparecem como menos preferidas estão as mais
eruditas, como assistir a espectáculos de teatro, ópera ou concertos (22%) e ir
a museus, exposições ou conferências (19%), e as actividades que envolvem
participação social e política, como assistir a manifestações ou reuniões de
sindicatos, partidos políticos ou associações (8%).
Tentou-se perceber se a realização deste tipo de práticas varia consoante
se é ou não utilizador de internet (quadro 5.1). Os resultados mostram que a
navegação na internet não põe em causa o desenvolvimento das actividades
analisadas. Aliás, é bastante interessante verificar que, comparativamente,

200
estes indivíduos mantêm um leque bastante mais diversificado e intenso de
hobbies e outras actividades quotidianas do que os não utilizadores.
Como é patente no quadro 5.1, regista-se uma significativa adesão por
parte dos cibernautas portugueses a uma multiplicidade de práticas
comunicacionais, desde as mais ligadas ao lazer e fruição cultural no espaço
doméstico (como ver televisão, ouvir rádio e música, ler jornais, revistas ou
livros), às mais vocacionadas para o convívio dentro ou fora de portas (como
passear, estar com amigos e conversar e brincar com crianças). É interessante
notar também que os cibernautas são os que mais frequentemente
desenvolvem em casa tarefas relativas à sua actividade profissional. Na
verdade, todas as práticas comunicativas e da vida quotidiana analisadas,
excepto as práticas religiosas, são mais comuns entre os utilizadores de
internet do que entre os não utilizadores.
As características sociais que distinguem utilizadores e não utilizadores
de internet, como a maior juvenilidade e qualificação dos primeiros, ajudam a
compreender as diferenças encontradas, sendo representativas de estilos de
vida e práticas culturais diferenciadas.
Como seria expectável, as práticas comunicativas quotidianas variam
conforme a idade dos indivíduos. Grande parte das actividades são mais
desenvolvidas pelos inquiridos entre os 15 e os 34 anos, com especial
destaque para as que envolvem as novas tecnologias ou as que se realizam
fora de casa. Em geral segue-se o grupo dos 35 aos 54 anos, o qual contudo
se evidencia face aos restantes grupos etários na leitura de jornais e revistas
em papel. O grupo dos 50 anos ou mais destaca-se principalmente nas práticas
que remetem para o culto religioso.
Melhores níveis de escolaridade favorecem o desenvolvimento das
práticas em causa, sendo que a maioria das actividades vai aumentando a
proporção de indivíduos que a realizam à medida que aumenta a escolaridade
dos mesmos. A maior diferença divide os escolarizados com o ensino básico
dos restantes. Os primeiros evidenciam-se pela percentagem muito reduzida
(cerca de 8%) de realização de práticas mais eruditas, como a ida a museus,
exposições ou conferências e a ida ao teatro, ópera ou concertos.

201
Quadro 5.1 Práticas comunicativas e vida quotidiana, segundo utilização da internet (%*)

Utilizadores Não utilizadores Total


Actividades realizadas habitualmente ou ocasionalmente
(n=852) (n=690) (n=1542)
Ver TV 97,2 95,0 96,2
Ver vídeos ou DVD na TV 61,9 17,4 41,9
Passear 94,0 82,1 88,7
Ouvir rádio 76,4 68,2 72,7
Ouvir música 87,6 41,7 67,0
Ler jornais ou revistas em papel 76,5 67,2 72,4
Ler livros em papel 57,0 24,4 42,4
Não fazer nada de especial 60,6 53,6 57,5
Ir a bares, restaurantes, discotecas 63,2 18,2 43,1
Ir ao cinema 54,9 11,3 35,4
Ir ao teatro, ópera ou concertos 35,0 5,6 21,8
Ir a museus, exposições ou conferências 28,3 7,0 18,8
Encontrar-se com familiares ou amigos 96,3 80,0 89,0
Jogar com o computador ou consola 44,9 4,7 26,9
Falar com as pessoas da casa, brincar com as crianças, etc. 84,5 63,3 75,0
Assistir a espectáculos ou competições desportivas 51,1 15,4 35,1
Praticar algum desporto ou actividade física 51,8 11,2 33,6
Assistir a manifestações ou reuniões de sindicatos, partidos
políticos ou associações 10,5 4,3 7,7
Ir à igreja ou lugar de culto religioso 26,7 40,7 32,9
Assistir a acontecimentos populares, festas ou feiras 66,2 47,3 57,7
Praticar algum hobby 48,0 13,6 32,6
Actividades em casa relacionadas com o trabalho
profissional 32,3 7,6 24,8
* Percentagens do número de indivíduos que indicaram realizar cada uma das actividades, em relação ao total de indivíduos em cada
grupo.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01 em todos os itens, excepto “Ver TV” em que p<0,02).

A análise diacrónica dos resultados proporciona também alguns dados


interessantes. As actividades que viram reduzir entre 2003 e 2013, de forma
mais relevante, a proporção de portugueses que as realizam, foram: ir a bares,
restaurantes e discotecas (-17%); ir à igreja ou lugar de culto religioso (-16%);
ouvir rádio (-14%); e ouvir música (-11%). Ao invés, as que mais aumentaram a
adesão foram: praticar algum hobby (+19%); não fazer nada de especial
(+19%); e praticar algum desporto ou actividade física (+11%).
O contexto económico e social desfavorável que caracteriza a sociedade
portuguesa no início da segunda década do século XXI poderá explicar em
certa medida as alterações detectadas. A redução da ida a restaurantes, por
exemplo, poderá ser uma das consequências visíveis das medidas de
austeridade sob o sector da restauração e da redução do poder de compra da
população portuguesa. Por outro lado, esta situação, conjugada com a apologia
de modos de vida mais saudáveis, terá levado simultaneamente ao aumento
das práticas desportivas e outras sem custos directamente associados.

202
A distinção entre utilizadores e não utilizadores na análise evolutiva das
práticas comunicativas entre 2003 e 2013 mostra que a redução da ida à igreja
é a mais transversal aos dois grupos em causa. Já a evolução respeitante à
prática de ouvir música é essencialmente motivada pela diminuição bastante
acentuada da sua realização pelos não utilizadores de internet – em 2003, 70%
dos indivíduos incluídos nesse grupo ouviam música e em 2013 apenas 42%
declaram tal prática. Num contexto actual de retracção do consumo, parece
plausível ponderar que o afastamento em relação à rede digital e à
possibilidade de acesso livre e gratuito a conteúdos audiovisuais, poderá
significar para alguns um maior distanciamento da prática de ouvir música. A
internet parece estar a desempenhar um papel relevante na democratização do
acesso a conteúdos audiovisuais, nomeadamente musicais, se tivermos em
consideração que é nas actividades culturais e de lazer que os portugueses
mais declaram ter cortado nas despesas (como será analisado mais
detalhadamente em capítulo posterior).
No seguimento da análise, procurou-se aprofundar as possíveis
alterações na disponibilidade dos internautas para as práticas comunicacionais,
face à entrada da web nas suas vidas, nomeadamente para actividades
quotidianas que implicam a utilização de outros media. Com esse intuito,
recolheu-se a percepção dos indivíduos acerca da evolução do tempo por eles
despendido nessas actividades após o início do uso da internet (quadro 5.2).
Uma ampla maioria dos cibernautas portugueses que referiram
desenvolver cada uma das actividades analisadas, afirmou que a sua
dedicação se manteve igual após o início da utilização da internet. Apesar
disso, manifestam-se alterações relevantes, que não eram observáveis no
início da última década. Os resultados obtidos confirmam que o uso da internet
está na actualidade a provocar algumas alterações nas actividades
quotidianas.
Três actividades destacam-se por uma proporção significativa dos
utilizadores de internet (entre 20 e 30%) considerar dedicar-lhes mais tempo
em consequência do uso desse recurso. Desenvolver actividades em casa
relacionadas com o trabalho profissional, jogar com o computador ou consola e
ouvir música surgem como práticas favorecidas pelo uso da internet. No último

203
caso, tal facto vem confirmar a relação privilegiada entre utilizar a internet e
ouvir música.
Por outro lado, as práticas que mais se evidenciam pela redução da
dedicação dos internautas são essencialmente práticas comunicacionais que
implicam a utilização de equipamentos ou suportes tecnológicos mais
tradicionais e também algumas actividades culturais outdoor (com custos
directos associados). A ida ao cinema e a espectáculos musicais ou teatrais, e
o visionamento de vídeos ou DVD na televisão são as actividades que mais
viram diminuir o tempo dedicado a elas pelos portugueses (entre 30% e 40%)
após início do uso da internet. Mais de um quarto dos inquiridos indica ainda ter
reduzido o tempo ocupado com a ida a museus e exposições, o visionamento
televisivo e a leitura de jornais ou revistas em papel. Assim, por exemplo no
caso do visionamento televisivo, conclui-se que embora os utilizadores de
internet continuem generalizadamente a desenvolver essa actividade, uma
parte significativa deles reduziu o tempo que lhe dedica.

Quadro 5.2 Evolução da dedicação a práticas comunicativas após início do uso da internet
(universos dos utilizadores de internet que realizam cada uma das actividades)
(%)

Desde que utiliza a internet dedica mais, o mesmo Total


Mais Igual Menos
ou menos tempo às seguintes actividades:
Ver TV 4,8 69,5 25,7 100,0 n=828
Ver vídeos ou DVD na TV 5,9 62,8 31,2 100,0 n=527
Passear 8,6 73,6 17,8 100,0 n=801
Ouvir rádio 9,4 73,6 17,0 100,0 n=651
Ouvir música 21,8 67,6 10,7 100,0 n=746
Ler jornais ou revistas em papel 6,9 68,4 24,7 100,0 n=652
Ler livros em papel 8,4 68,5 23,1 100,0 n=485
Não fazer nada de especial 8,6 74,4 17,0 100,0 n=517
Ir a bares, restaurantes, discotecas 5,8 71,8 22,5 100,0 n=539
Ir ao cinema 5,3 54,9 39,8 100,0 n=468
Ir ao teatro, ópera ou concertos 4,1 63,6 32,4 100,0 n=298
Ir a museus, exposições ou conferências 4,1 69,3 26,6 100,0 n=241
Encontrar-se com familiares ou amigos 11,2 80,3 8,5 100,0 n=820
Jogar com o computador ou consola 24,4 61,8 13,8 100,0 n=382
Falar com as pessoas da casa, brincar com as
crianças, etc. 12,1 82,3 5,6 100,0 n=720
Assistir a espectáculos ou competições desportivas 13,2 73,8 13,0 100,0 n=435
Praticar algum desporto ou actividade física 15,7 73,0 11,3 100,0 n=441
Assistir a manifestações ou reuniões de sindicatos,
partidos políticos ou associações 13,7 65,7 20,6 100,0 n=90
Ir à igreja ou lugar de culto religioso 6,0 80,4 13,6 100,0 n=228
Assistir a acontecimentos populares, festas ou feiras 6,5 81,6 11,9 100,0 n=564
Praticar algum hobby 11,6 78,0 10,4 100,0 n=409
Actividades em casa relacionadas com o trabalho
profissional 30,9 65,3 3,8 100,0 n=187
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

204
O tempo quotidiano despendido com o visionamento televisivo é bastante
alargado entre a população em geral. Cerca de 40% dos portugueses dedicam
15 ou mais horas a esta actividade e 25% destinam-lhe de 8 a 14 horas. Mas
diferenças relevantes são encontradas segundo a utilização da internet,
particularmente evidentes no que concerne à categoria indicadora da
dedicação de um maior número de horas. Aproximadamente 44% dos não
utilizadores de internet passa 15 ou mais horas por semana em frente ao
televisor, o que acontece com 34% dos internautas. Tal como indiciado
anteriormente pela percepção transmitida em relação à evolução do tempo
despendido a ver televisão desde o início do uso da internet, confirma-se assim
que os utilizadores de internet ocupam menos tempo com esta actividade do
que os não utilizadores.
O menor consumo de tempo, por uma parte significativa dos internautas,
em frente ao televisor, seja para assistir a conteúdos televisivos seja para ver
ver vídeos ou DVD, pode significar que os internautas estão a partilhar a sua
atenção com outro tipo de ecrãs, ondem podem aceder a conteúdos idênticos,
embora com graus de qualidade e facilidade de acesso diferentes. Na
sequência do que foi referido, é pertinente analisar uma outra prática, de certa
forma equiparável às actividades realizadas através do ecrã televisivo habitual,
mas que é desenvolvida no contexto da rede digital. Trata-se do visionamento
de vídeos online, que tem adquirido uma importância relevante entre os
utilizadores de internet.
Os sites de partilha de conteúdos audiovisuais, tais como o YouTube,
funcionam como plataformas de distribuição de conteúdos originais. “Broadcast
yourself” é o slogan do mais popular site de partilha de vídeos fundado em
2005. Segundo dados do YouTube, cerca de mil milhões de utilizadores
individuais em todo o mundo visitam esse site a cada mês e nesse mesmo
período são visualizadas seis mil milhões de horas de vídeo.
Em Portugal, cerca de 80% dos utilizadores de internet declaram aceder a
páginas web de partilha de conteúdos audiovisuais, percentagem semelhante
aos que indicaram usar redes sociais. No panorama geral, perto de 45% da
população portuguesa usará sites como o YouTube. A utilização deste tipo de
sites tem uma maior incidência entre os internautas com idade entre os 15 e os

205
34 anos (93%), os escolarizados com o ensino secundário ou superior (86%) e
os estudantes (97%) (quadro 5.3).
Entre os cibernautas com idade dos 15 aos 34 anos a utilização deste tipo
de recurso está quase a par do visionamento televisivo e entre os estudantes
tal equiparação é mesmo alcançada. Se tivermos em consideração o
visionamento de cada canal de televisão (conforme resultados apresentados
mais à frente neste capítulo), conclui-se que sites como o YouTube alcançam
uma maior adesão por parte dos utilizadores de internet do que os canais de
televisão mais vistos por eles. Mesmo tomando por referência a população em
geral, estes sites conseguem ter uma maior audiência do que a generalidade
dos canais por cabo/fibra considerados mais vistos.

Quadro 5.3 Utilização de sites de partilha de conteúdos audiovisuais (ex. YouTube),


segundo a idade, o nível de escolaridade e a condição perante o trabalho
(universo dos utilizadores de internet) (%)

Utilização de sites de partilha de conteúdos audiovisuais Sim Não Ns/nr Total (n=852)
Escalões etários (p<0,01)
15-34 anos 92,8 5,8 1,4 100,0
35-54 anos 74,1 21,5 4,4 100,0
55 ou mais anos 56,2 39,1 4,8 100,0
Nível de escolaridade (completo) (p<0,01)
Ensino superior 86,2 10,9 2,9 100,0
Ensino secundário 85,8 11,8 2,3 100,0
Ensino básico 67,9 27,9 4,2 100,0
Condição perante o trabalho (p<0,01)
Estudantes 96,7 1,7 1,6 100,0
Activos 80,5 16,5 3,0 100,0
Reformados ou outros inactivos 57,2 37,2 5,6 100,0
Total 80,5 16,5 3,1 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

A música é o conteúdo mais procurado nos sites de partilha de material


audiovisual (por 80% dos internautas que acedem a estes sites). Em segundo
lugar posicionam-se os conteúdos de entretenimento (58%), seguidos dos
conteúdos humorísticos (44%). Destaca-se ainda o visionamento de filmes e
animação (30%) e de conteúdos desportivos (24%).
Uma parte considerável dos inquiridos não consegue contabilizar o
número de vídeos consultados em média por semana em páginas web de
partilha de conteúdos audiovisuais. Apesar disso, 30% declara que vê menos
de 10 vídeos, 27% entre 10 e 49 vídeos e 8% vê mesmo 50 ou mais vídeos.

206
Em média, são visualizados 18 vídeos por semana por cada utilizador dos sites
em causa que respondeu a esta questão.
Esses vídeos dividem-se uniformemente entre os que são visualizados
por recomendação de terceiros (por exemplo, através do Facebook) e aqueles
que são visualizados após procura pessoal num motor de busca. Quase
idêntica é também a distribuição dos vídeos pelo tipo de autor, com uma ligeira
prevalência dos vídeos produzidos por empresas profissionais do sector face
aos vídeos amadores criados por outros utilizadores.
Analisaram-se também os dispositivos utilizados para realizar algumas
práticas comunicativas quotidianas. Mesmo entre os utilizadores de internet os
dispositivos e suportes mais tradicionais (como a televisão, o rádio ou os
jornais e livros em papel) são os mais recorrentes para desenvolver actividades
passíveis de realizar online ou através de plataforma digital. No entanto, essa
utilização não é exclusiva. Mais de um quarto dos internautas vê televisão ou
ouve rádio no computador, e cerca de metade utiliza esse equipamento para
ouvir música ou ler jornais. A leitura de livros digitais no computador é uma
prática de aproximadamente 15% dos utilizadores de internet. A utilização de
dispositivos móveis digitais, tais como telemóvel ou o tablet, no âmbito das
práticas em causa é a menos frequente, evidenciando-se ainda assim as
relacionadas com a música e os jogos.
O telemóvel, cujo uso é generalizado entre os portugueses, é um
dispositivo através do qual se pode realizar um conjunto alargado de práticas
comunicativas quotidianas. O seu uso tem vindo a intensificar-se. Perto de 40%
dos inquiridos declara que hoje em dia comunica mais através do telemóvel do
que há dois anos atrás. Pretendeu-se, assim, caracterizar o uso desse
dispositivo no momento actual, o qual adquiriu um novo significado ao longo da
última década. Presentemente ter um telemóvel não significa apenas
mobilidade da comunicação. São múltiplas as actividades que os telemóveis,
principalmente os smartphones, permitem realizar, sendo que as suas
potencialidades aumentaram com a adição da internet móvel. Recorde-se que
perto de 40% dos portugueses e 60% dos utilizadores de internet têm
telemóvel que permite ligação à internet.
Segundo os resultados do inquérito Sociedade em Rede 2013, as funções
para as quais os telemóveis foram originariamente concebidos, como falar ao

207
telefone (95%) e enviar e receber mensagens de texto (74%), seguidas de tirar
fotografias (48%), são as mais generalizadas entre a população portuguesa. Os
utilizadores de internet apresentam uma utilização mais ampla das várias
funcionalidades do telemóvel relativamente aos não utilizadores de internet.
Todas as actividades identificadas são mais realizadas pelos internautas,
mostrando a sua maior “necessidade” de comunicação, mas também o maior
aproveitamento das funcionalidades resultantes das novas tecnologias
aplicadas a esse dispositivo móvel. Demonstração disso são os 50% de
indivíduos entre os utilizadores de internet que dizem enviar ou receber
mensagens multimédia, os 43% que dizem ouvir música no telemóvel, os 31%
que utilizam redes sociais e correio electrónico ou os 23% que instalam
aplicações. Todas estas são actividades ausentes ou muito pouco frequentes
(abaixo dos 7% de adesão) entre quem não utiliza internet. As práticas
referidas são também mais usuais entre os mais jovens e os escolarizados com
pelo menos o ensino secundário.
Tomou-se ainda como objecto de análise as representações dos
indivíduos acerca das práticas comunicativas. Procurou-se, assim, perceber a
importância de um conjunto de práticas na vida quotidiana dos portugueses,
tais como ver televisão, ouvir rádio, usar o telemóvel, usar a internet, ler jornais
e revistas, jogar videojogos, ouvir música e ler livros (quadro 5.4). Os
portugueses em geral elegem o visionamento televisivo como a actividade que
seria para eles mais difícil deixar de fazer (com uma adesão de 44%). Seguem-
se usar o telemóvel (indicada por 24% dos inquiridos) e aceder à internet
(referida por 15%). Repare-se que só estas três actividades abrangem quatro
quintos da amostra.
Ser ou não utilizador de internet provoca alterações substanciais na
valorização das práticas em análise. Entre os utilizadores, ver televisão é
apenas a terceira actividade considerada mais difícil de deixar de fazer (com
uma taxa de resposta de 23%), enquanto para a grande maioria dos não
utilizadores (70%) essa é a actividade de que se sentem mais dependentes. A
actividade mais valorizada pelos internautas é usar o telemóvel (32%), a uma
distância próxima de usar a internet (28%). Entre os não utilizadores a
utilização do telemóvel fica em segundo lugar (15%). Assim, os internautas

208
optam preferencialmente por actividades interactivas e os não utilizadores de
internet dão primazia a uma actividade mais receptiva.

Quadro 5.4 Actividades que se considera ser mais difícil deixar de fazer, segundo
utilização da internet (%)

Qual destas actividades seria mais Utilizadores Não utilizadores Total


difícil para si deixar de fazer? (n=852) (n=690) (n=1542)

Ver televisão 22,9 69,8 43,9


Ouvir rádio 2,0 3,9 2,9
Usar o telemóvel 31,8 14,6 24,1
Usar a Internet 27,6 0,0 15,2
Ler jornais e revistas 1,0 2,0 1,5
Jogar videojogos 1,1 0,3 0,7
Ouvir música 5,3 1,4 3,6
Ler livros 3,1 1,4 2,3
Ns/Nr 5,1 6,6 5,8
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

A diferenciação na resposta à pergunta em análise percorre diversas


condições sociais dos indivíduos. À medida que a idade avança, aumenta a
preferência pela televisão e diminui a valorização do telemóvel e da internet.
Por outro lado, melhores níveis de qualificação favorecem a atribuição de valor
pessoal ao telemóvel e principalmente à internet, e diminuem a prevalência da
televisão. As diferenças de género mostram ainda uma maior representação
entre as mulheres das respostas que remetem para a maior dificuldade em
deixar de ver televisão, e o mesmo relativamente ao uso da internet entre os
homens (embora neste caso com uma menor diferenciação). O uso do
telemóvel é valorizado de forma idêntica por homens e mulheres.

Meios de comunicação e internet

Televisão, rádio e imprensa continuam a constituir-se na actualidade


como importantes meios de comunicação de massas. Mas, com o surgimento
da internet, os media tradicionais têm vindo a procurar adaptar-se a essa nova
realidade, aproveitando as potencialidades dos novos suportes tecnológicos e
apostando em novos produtos online. Na análise das práticas comunicacionais
dos portugueses é, assim, indispensável ter em consideração não apenas os
209
suportes clássicos através dos quais sempre se viu televisão, leu jornais ou
ouviu rádio, mas também a integração desses media no universo web, que vai
ao encontro do conceito de meios de comunicação em rede. Procurou-se assim
aprofundar as práticas relacionadas com os media e perceber quais os canais
televisivos, títulos de jornais e estações de rádio preferidos dos portugueses,
no âmbito dos dois contextos referidos.
Questionados sobre os canais de televisão que mais vêem (quadro 5.8),
surgem com uma maior declaração de resposta as estações privadas – SIC e
TVI –, logo seguidas pelo canal 1 da estação pública de televisão. Entre os
canais temáticos destacam-se a SIC Notícias e outros canais de informação, e
também os canais de entretenimento, mais especificamente de filmes e séries.
Tendo sido formulada para resposta múltipla, esta pergunta concentra uma
grande variedade de canais referidos, sendo que em média se indicaram
quatro canais como os mais vistos.
Os internautas distribuem-se de forma menos convergente do que os não
utilizadores de internet entre os três canais abertos generalistas predominantes
na televisão portuguesa, declarando também o frequente visionamento dos
canais temáticos do cabo. Para além disso, quanto ao canal televisivo
preferido, a SIC fica em primeiro lugar entre os utilizadores de internet,
enquanto entre os não utilizadores é a TVI que obtém uma percentagem mais
elevada do total de respostas.
Analisou-se também a interferência da internet como novo suporte
tecnológico dos media, como é o exemplo generalizado das páginas web de
televisões, rádios e jornais. Tendo presentes os valores analisados das práticas
comunicacionais relativamente a estes meios de comunicação, vale a pena
agora analisar outros indicadores que permitem uma análise mais detalhada.
Quanto à consulta ou visionamento de canais de televisão na internet
(quadro 5.5), cerca de 18% dos utilizadores afirmam fazê-lo, proporção que se
situa nos 10% para o conjunto da população portuguesa. Os sítios mais
consultados são a SIC e a TVI, seguidos da Sport TV e da SIC Notícias.
Parece, pois, haver uma consulta aos sítios online coincidente em parte com os
canais preferidos que se vê na televisão. A consulta de conteúdos desportivos
na página web da Sport TV é bastante mais frequente do que o visionamento

210
do canal televisivo, o que pode ser explicado por no último caso o acesso ser
pago.

Quadro 5.5 Visionamento ou consulta de canais de televisão na internet (universo dos


utilizadores de internet) (%)

Costuma ver e/ou consultar canais de televisão na internet? %


Sim 17,8
Não 76,9
Ns/nr 5,3
Total (n=852) 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Para além da televisão, tentou-se perceber qual o papel que


desempenhavam os outros media, e os seus diferentes suportes, no quotidiano
dos portugueses.
A leitura de jornais em papel na semana anterior à aplicação do
questionário surge com uma declaração de 64% dos portugueses (quadro 5.6).
Não se verificam diferenças entre utilizadores e não utilizadores de internet
quanto a esta prática, ao contrário do que acontecia há dez anos atrás.
Enquanto a proporção de não utilizadores a declarar ler jornais em papel no
período de referência se manteve semelhante à do início da década de 2000, o
mesmo não aconteceu no caso dos internautas, que diminuíram
consideravelmente essa leitura. Em 2003 a taxa de leitura de jornais em papel
entre os utilizadores de internet era de 83%, enquanto em 2013 passou a ser
de 65%. Esses cerca de 20% de diferença correspondem precisamente ao
aumento da proporção de leitores de jornais na internet entre 2003 e 2013. Em
2003 os resultados do inquérito apontavam para 22% de utilizadores de
internet a ler jornais online, valor que passou para 43% em 2013 (ou seja, 24%
da população portuguesa) (quadro 5.6). Conclui-se, portanto, que a diminuição
da leitura de jornais em papel entre os utilizadores de internet (agora
equivalente à dos não utilizadores), ocorre a favor da leitura online, o que
indicia uma crescente aproximação do suporte digital. Mas será que um
suporte exclui totalmente o outro? Parece pertinente questionarmo-nos se
quem lê jornais através da internet também lê jornais em papel, ou se estas
são práticas mutuamente exclusivas. Ora três quartos dos indivíduos que lêem
jornais online também lêem jornais em papel com alguma regularidade. Assim,

211
presentemente, para a grande maioria, a leitura online não substitui a leitura
em papel, combinando-se o uso dos dois suportes de informação.

Quadro 5.6 Leitura de jornais em papel durante a última semana e consulta online,
segundo utilização da internet (%)

Leitura de jornais Utilizadores Não utilizadores Total


Leu jornais em papel durante Sim 65,1 63,6 64,4
a semana passada? Não 34,2 35,9 35,0
Ns/nr 0,7 0,5 0,6
Total (n=1542) 100,0 100,0 100,0
Sim 42,9 -- 42,9
Lê algum jornal através da
Não 54,7 -- 54,7
internet?
Ns/nr 2,4 -- 2,4
Total (n=852) 100,0 -- 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Os jornais mais lidos em suporte papel pelos portugueses foram o Correio


da Manhã, o Jornal de Notícias, A Bola e o Diário de Notícias (quadro 5.8).
Este ranking é semelhante tanto para utilizadores como para não utilizadores
de internet. No entanto, é interessante salientar que, mesmo que nem sempre
com diferenças preponderantes, o Público, o Diário de Notícias, o Expresso, o
Diário Económico, os jornais desportivos e a revista semanal Sábado têm
valores superiores de leitura entre os cibernautas, enquanto o Correio da
Manhã, os jornais gratuitos e outros jornais locais e regionais são mais
referidos pelos não utilizadores de internet. Quanto à consulta online, surgem
com uma maior declaração de resposta o Jornal de Notícias, A Bola, o Correio
da Manhã e o Público.
Outro media referenciado foi a rádio (quadro 5.7). Cerca de 70% dos
portugueses ouve rádio habitualmente, como aliás já se tinha verificado através
da análise das actividades quotidianas mais desenvolvidas. Essa percentagem
diminuiu de forma notável ao longo da última década, uma vez que em 2003
era de 87%. O decréscimo relativo do hábito de ouvir rádio é transversal a
utilizadores e não utilizadores, mas é mais acentuado entre os primeiros (ainda
que estes continuem a declarar mais esta prática dos que os não utilizadores).
Tal como verificado para os jornais, também em relação às estações de rádio
se regista o incremento do hábito de consultar as suas páginas web. Em 2003
esta era uma prática de 14% dos internautas e em 2013 passou a ser realizada
por 22% daqueles que acedem à internet.

212
Quadro 5.7 Audição de rádio e consulta online, segundo utilização da internet (%)

Audição de rádio Utilizadores Não utilizadores Total


Costuma ouvir rádio? Sim 74,4 67,6 71,4
(p<0,01) Não 25,3 32,2 28,4
Ns/nr 0,2 0,3 0,3
Total (n=1542) 100,0 100,0 100,0
Costuma ouvir ou consultar Sim 22,0 -- 22,0
páginas web de estações de Não 74,6 -- 74,6
rádio na internet? Ns/nr 3,3 -- 3,3
Total (n=852) 100,0 -- 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

No conjunto da população portuguesa, as estações que se destacam


como preferenciais são a Rádio Comercial, a RFM e a Rádio Renascença
(quadro 5.8). A tendência maioritária mantém-se entre os utilizadores de
internet quanto às duas estações preferidas, mas a terceira é a Cidade FM. Já
os não utilizadores de internet apresentam como a sua estação preferida a
Rádio Renascença, em segundo lugar, a Rádio Comercial e, em terceiro, a
Antena 1. Como também já havia acontecido em parte com os outros media, as
estações de rádio que mais se consultam na web são as que mais se ouvem.
Assim, evidenciam-se, com as maiores percentagens do total de respostas, a
Rádio Comercial, a RFM e a Cidade FM, as estações mais ouvidas pelos
utilizadores de internet.

Quadro 5.8 Canais que mais vêem na televisão, jornais que mais lêem em papel e
estações de rádio que mais ouvem: top 10 (% de respostas*)

Canais mais vistos % Jornais lidos em papel na última % Estações de rádio que %
na televisão (n=1542) semana (n=993) mais ouvem (n=1100)
SIC 14,0 Correio da Manhã 21,7 Rádio Comercial 19,4
TVI 13,9 Jornal de Notícias 14,4 RFM 15,6
RTP1 11,3 A Bola 10,0 Rádio Renascença 11,1
Sic Notícias 6,1 Diário de Notícias 9,5 TSF 8,3
RTP2 5,2 Record 7,3 Antena 1 7,8
RTP Informação 4,4 Público 6,5 Cidade FM 6,3
AXN 4,0 O Jogo 4,7 Antena 3 6,1
Fox 3,6 Jornais gratuitos (ex. Destak, Metro) 4,5 M80 5,7
Hollywood 3,2 Expresso 3,6 Mega Hits 2,6
TVI 24 2,9 Visão 2,3 Antena 2 1,4
Outros 29,4 Outros 14,2 Outras 9,7
Ns/nr 2,0 Ns/nr 1,3 Ns/nr 6,0
Total 100,0 Total 100,0 Total 100,0
* Percentagem do número de respostas indicadoras de cada canal/jornal/rádio como um dos mais vistos/lidos/ouvidos, em relação ao
total de respostas (resposta múltipla). Total de respostas: televisão=6832; imprensa=2046; rádio=2133. Apresentam-se os dez canais
mais referidos em cada caso, sendo que os restantes (com percentagens inferiores) estão agrupados em “outros”.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

213
Estes resultados são reflexo da forma como os media têm vindo a
adaptar-se e a recorrer às potencialidades das novas tecnologias de
informação para diversificar a sua oferta e aumentar a interactividade com os
seus públicos. Por outro lado, mostram que os públicos (com acesso à internet)
têm vindo a alterar em certa medida a forma como se relacionam com os
media, combinando modos tradicionais com formas mais recentes de uso
desses meios de comunicação. Através dos novos produtos online dos media,
os utilizadores podem aceder aos conteúdos que querem ver, ler ou ouvir, onde
e quando quiserem. Embora em alguns casos se tenha refreado as práticas
através dos suportes tradicionais, a internet é usada recorrentemente como um
meio de informação adicional.

Confiança na informação e acesso a conteúdos noticiosos

Para além da utilização dos diferentes media, importa também saber que
confiança se tem na informação por eles veiculada. Os conteúdos
comunicacionais têm sido muito discutidos, quer pela sua própria natureza e
forma, quer pela veracidade e confiança nas fontes que os divulgam. As
alterações verificadas nos meios de comunicação e divulgação mediática,
como é exemplo paradigmático o aparecimento do novo suporte electrónico
que é a internet, veio trazer novas interrogações a este respeito. O que se pode
divulgar? Quem divulga? Que confiança se pode ter nessa informação?
Comparativamente com os media tradicionais, a informação divulgada através
da internet é mais ou menos fidedigna?
O quadro 5.9 permite ilustrar as opiniões que os portugueses têm sobre
este assunto. Em geral, os portugueses mostram confiança na informação
transmitida pelos media tradicionais (televisão, rádio, jornais). Ainda assim, são
a televisão e a rádio os meios de comunicação percepcionados como mais
fidedignos. No caso da televisão, 62% dos indivíduos confiam em parte ou
totalmente na informação veiculada através desse media; o mesmo acontece
com 58% em relação à rádio. Em ambos os casos, é da ordem dos 30% a
proporção de indivíduos que adoptam uma posição intermédia de confiança

214
para avaliar a informação disponibilizada através desses meios de
comunicação. Quanto à informação transmitida pelos jornais, 48% dos
portugueses declaram um nível de confiança positivo a seu respeito e 40%
avaliam-na através de uma categoria intermédia. Note-se que são os
utilizadores de internet quem mais manifesta a sua confiança na imprensa.
Já a internet recolhe valores mais baixos do que os media tradicionais,
não significando isso que os portugueses (que se sentiram aptos para a
avaliar) não têm confiança neste novo media. Representam 38% os que
confiam, em parte ou totalmente, na informação disponível na web, e 46% os
que declaram um nível de confiança intermédio. Se tivermos em consideração
apenas os utilizadores de internet, os valores referidos passam a 44% e 43%,
respectivamente. Não obstante, a internet é, de entre todos os media, o que
merece menos confiança por parte dos seus utilizadores. Importa contudo
referir que ser jovem, estudante ou qualificado (pelo menos ao nível do ensino
secundário) favorece a confiança na informação presente na internet.
Adicionalmente, numa outra questão sobre a informação disponibilizada
na internet, mais de metade dos utilizadores de internet (52%) expressaram a
sua concordância com a afirmação que dava conta que a internet em geral é
um meio de acesso a informação de confiança. Cerca de 30% mostraram-se
mais reticentes a este respeito, não concordando nem discordando.

Quadro 5.9 Níveis de confiança na informação disponibilizada pelos media

%
Até que ponto é que confia na 1- Não 5- Confia Média
informação disponível… confia nada 2 3 4 totalmente Ns/Nr Total (1 a 5)
Na televisão 1,1 3,5 32,0 45,0 17,0 1,5 100,0 n=1536 3,74
Na rádio 1,1 3,4 34,8 45,8 11,9 3,0 100,0 n=1383 3,66
Na imprensa 1,2 6,5 40,4 38,4 9,7 3,8 100,0 n=1425 3,51
Na internet 3,8 6,5 45,7 31,7 6,5 5,8 100,0 n=1030 3,33
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

A informação noticiosa é um dos principais conteúdos comunicacionais


disponíveis através dos media, em que a credibilidade é uma questão central.
A hegemonia mediática da televisão confirma-se no que refere ao acesso a
informação noticiosa. A quase totalidade dos portugueses (96%) vê
habitualmente notícias na televisão, independentemente do uso de outros

215
meios com esse intuito. A utilização da internet não detém influência sobre esta
prática.
Outra forma de obter informação noticiosa é a leitura de jornais,
nomeadamente a consulta de jornais online, que, como já referido
anteriormente, tem a adesão de 24% dos portugueses. Entre os leitores de
jornais online, o dispositivo utilizado com maior frequência para consultar
conteúdos noticiosos é indubitavelmente o computador (91%), sendo ainda
bastante reduzida a utilização do tablet (4%) e do smartphone (2%).
Num contexto em que uma grande quantidade de informação está
acessível livremente na internet e em que a sua produção e difusão está aberta
a todos, o acesso a conteúdos noticiosos com o vinco jornalístico e a garantia
de credibilidade que caracteriza a generalidade dos media tradicionais,
nomeadamente os jornais de referência (independentemente do tipo de suporte
utilizado), é um tópico de análise relevante.
Segundo os resultados do inquérito Sociedade em Rede 2013, o
pagamento para acesso a conteúdos noticiosos online é apetecível para um
grupo considerável de leitores, mas é uma prática ainda sem significado. Cerca
de 30% dos leitores de jornais online costumam encontrar no site do jornal que
mais lêem conteúdos que gostariam de consultar mas que são pagos. Apesar
desta declaração, apenas uns inexpressivos 2% afirmam já ter pago por esses
conteúdos noticiosos digitais. E apenas 3% de quem nunca pagou pensa vir a
fazê-lo no futuro.
Quanto à forma de seguir a informação noticiosa, mais de três quintos dos
portugueses seguem as notícias de perto a maior parte do tempo, aconteça ou
não algo importante (quadro 5.10). Os não utilizadores de internet são quem
mais segue as notícias da forma descrita (70%), embora a maioria dos
utilizadores também o faça (57%). Aproximadamente 24% dos não utilizadores
e 37% dos utilizadores optam por seguir as notícias de perto apenas quando
algo importante acontece. A este respeito, note-se que 7% dos utilizadores de
internet têm alguma assinatura para receber alertas de notícias no seu
dispositivo digital/móvel.

216
Quadro 5.10 Forma como seguem as notícias, segundo utilização da internet

Qual das seguintes frases melhor descreve Não


Utilizadores Total
a forma como segue as notícias? (n=852) utilizadores (n=1542)
(n=690)

Sigo as notícias de perto apenas quando 37,2 24,0 31,3


algo importante acontece
Sigo as notícias de perto a maior parte do 57,3 70,4 63,2
tempo, aconteça ou não algo importante
Ns/nr 5,5 5,5 5,5
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

O nível de educação formal não exerce uma influência significativa sobre


a forma de seguir as notícias. Já a idade, a condição perante o trabalho e a
categoria socioprofissional provocam alterações significativas nesta prática.
São os indivíduos nas faixas etárias mais avançadas que denotam um
acompanhamento mais regular dos conteúdos noticiosos. O mesmo acontece
com os reformados e com os activos, comparativamente aos estudantes. São
também os empresários, dirigentes e profissionais liberais que mais mostram a
necessidade de seguir as notícias de perto independentemente da importância
dos acontecimentos.
A noite é a altura do dia em que é mais comum consultar notícias. Com
possibilidade de resposta múltipla, 62% dos inquiridos indicam ver ou consultar
notícias à noite, 27% optam também ou só pela hora de almoço e 23% pelo
período matinal. As restantes opções – assim que acordam, durante a tarde, ao
fim da tarde e à noite antes de dormir – obtêm adesões da ordem dos 10%.
Os dados do inquérito mostram ainda que as notícias que mais
interessam aos portugueses são as notícias nacionais (quadro 5.11). O
interesse por este tipo de informação noticiosa representa 90% dos casos.
Seguem-se as notícias internacionais, pelas quais 52% dos indivíduos
demonstram ter interesse, e as notícias de desporto, que despertam a atenção
de 35% da amostra. Depois ainda, encontram-se as notícias locais e as de
saúde e educação, com respectivamente 27% e 25% de interessados. As
notícias regionais, de finanças e economia e de política obtêm percentagens na
ordem dos 20%. No final da lista do tipo de notícias que mais interessam aos
portugueses estão os conteúdos de arte e cultura (13%), de entretenimento ou
sociais (13%), de ciência e tecnologia (11%) e, embora com um carácter um
pouco distinto, os classificados (8%). Os utilizadores de internet evidenciam-se

217
face aos não utilizadores pelo maior interesse demonstrado por grande parte
das temáticas noticiosas, com particular destaque para as de ciência e
tecnologia, de desporto e internacionais.

Quadro 5.11 Tipos de notícias preferidos, segundo utilização da internet (%*)

Utilizadores Não utilizadores Total


Qual o tipo / tipos de notícia que mais lhe interessam? (n=852) (n=690) (n=1542)
Nacionais (p<0,03) 88,0 91,5 89,6
Internacionais (p<0,01) 58,4 44,2 52,0
Locais (relativas à freguesia, vila, cidade, etc.) 26,5 28,4 27,3
Regionais 21,1 22,8 21,9
Finanças / Economia (p<0,01) 25,9 14,9 21,0
Entretenimento / Sociais (imprensa cor-de-rosa) (p<0,01) 16,8 8,0 12,9
Saúde e Educação (p<0,01) 29,3 20,2 25,2
Arte e Cultura (p<0,01) 18,3 7,2 13,3
Desporto (p<0,01) 41,2 26,7 34,7
Política (p<0,04) 22,1 17,9 20,2
Ciência e Tecnologia (p<0,01) 17,7 3,1 11,2
Classificados (ofertas de emprego, negócios, etc.) (p<0,01) 12,5 1,7 7,7
* Percentagens do número de indivíduos que indicaram cada tipo de notícia como um dos que mais lhes interessam, em
relação ao total de indivíduos em cada grupo.

Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Algumas variações quanto as tipos noticiosos preferidos são encontradas


por idade, escolaridade, condição perante o trabalho, categoria
socioprofissional e sexo, reflectindo interesses diferenciados. São exemplo
disso: o maior interesse dos mais velhos pelas notícias locais e menor
interesse pelo desporto em comparação com os mais jovens; o maior interesse
dos mais escolarizados pelas temáticas de ciência e tecnologia, finanças e
economia e notícias internacionais face aos menos escolarizados; a maior
importância atribuída aos classificados (onde se incluem ofertas de emprego) e
a menor atenção prestada às notícias de saúde e educação pelos
desempregados, em relação aos empregados; o menor interesse dos
estudantes pela actualidade financeira e económica face aos activos; o maior
interesse por notícias de ciência e tecnologia entre os profissionais técnicos e
de enquadramento, e por notícias de política entre os empresários, dirigentes e
profissionais liberais, relativamente aos restantes grupos socioprofissionais; ou
ainda, o interesse mais generalizado dos homens pelo desporto e pela política
e a valorização pelas mulheres das notícias de saúde e educação e de
entretenimento e sociais.

218
A internet e os recursos informativos na sociedade em rede

Centrando agora a análise nos utilizadores de internet, procura-se


explicitar o processo de busca e consulta de informação no universo web.
Quais os recursos online e as fontes informativas mais valorizados e utilizados
com maior frequência pelos internautas para se manterem informados? E para
encontrarem informações de âmbito local? Que relação com os suportes de
informação tradicionais? Que práticas de criação, obtenção e partilha de
informação local são realizadas online? Estas são algumas questões que se
abordam no último ponto deste capítulo.
Para se obter informação através da internet pode fazer-se uso de um
conjunto alargado de recursos online, mais ou menos oficiais ou formais. Os
motores de busca (como o Google) são o recurso a que os indivíduos atribuem
mais importância quando pretendem consultar informação sobre algum assunto
online (quadro 5.12). Quase três quartos dos utilizadores de internet (72%)
avaliam tais plataformas como importantes ou muito importantes para o fim em
causa. Os sites em geral e os sites oficiais de instituições públicas são o
segundo e o terceiro recursos mais valorizados, com respectivamente 63% e
49% de utilizadores a destacar a sua importância. A imprensa online surge em
quarto lugar (41%), seguida das redes sociais (38%) e dos blogues (27%). A
televisão online e a rádio online são aquelas a que menos utilizadores de
internet (cerca de 19%) atribuem importância para se informarem sobre um
assunto em geral.
Embora a preferência pelos motores de busca seja transversal a todos os
grupos sociais, a idade e a escolaridade interferem claramente na valorização
de determinados recursos online. Por um lado, as redes sociais e os blogues
são mais valorizados pelos utilizadores mais jovens, e, por outro lado, os sites
em geral, os sites de instituições públicas e a imprensa online adquirem maior
relevância entre os mais escolarizados. Assim, por exemplo, na faixa etária
mais jovem e no grupo dos escolarizados com o ensino básico, as redes
sociais são preferidas à imprensa online. Já nos grupos com idades a partir dos
35 anos e entre os licenciados é assumida a maior importância da imprensa
online, face às redes sociais, na obtenção de informação na web.

219
Estes dados indicam a preferência dos mais jovens e menos
escolarizados por recursos online caracterizados por uma maior informalidade,
na medida em que a divulgação da informação baseia-se geralmente na
partilha de conteúdos por pessoas anónimas ou amigos, e uma maior
preponderância de plataformas de informação de origem oficial e jornalística
entre os mais escolarizados e de idade mais avançada. As percepções
manifestadas reflectem assim as práticas fora do digital e a maior ou menor
proximidade e familiaridade com práticas informativas, fontes e processos de
pesquisa.

Quadro 5.12 Percepção da importância de diferentes recursos online para obter informação em
geral (universo dos utilizadores de internet)

Qual a importância que atribui a %


cada um dos seguintes recursos
quando se quer informar sobre 1- Nada 5- Muito Total Média
algum assunto em geral online? importante 2 3 4 importante Ns/Nr (n=852) (1 a 5)
Sites 2,6 3,8 27,6 38,6 24,1 3,3 100,0 3,81
Blogues 12,7 16,8 37,8 21,9 4,9 5,7 100,0 2,89
Imprensa online 6,3 13,2 34,1 32,3 9,1 5,0 100,0 3,26
Redes sociais (Facebook, etc) 9,6 14,7 29,9 27,3 11,0 7,5 100,0 3,17
Motores de busca (Google, etc.) 1,4 3,1 19,5 36,1 36,0 3,9 100,0 4,06
Sites oficiais de instituições
5,0 9,3 31,2 31,3 18,1 5,0 100,0 3,51
públicas (Governo, etc.)
Rádio online 12,7 23,7 38,7 15,8 2,6 6,5 100,0 2,70
Televisão online 14,7 23,2 36,5 15,5 3,3 6,6 100,0 2,67
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Para além das representações sociais, analisou-se também a frequência


de utilização pelos cibernautas de várias fontes informativas que não a
televisão (quadro 5.13). Os resultados confirmam a prevalência dos motores de
busca como recurso informativo entre os utilizadores de internet: 67% dos
internautas recorrem pelo menos semanalmente a estas ferramentas digitais
para se manterem informados, sendo que cerca de 38% fazem-no mesmo
várias vezes ao dia ou diariamente. Com valores percentuais também da
ordem dos 60% de recurso pelo menos semanal encontram-se os jornais em
versão impressa (64%) e, com um carácter mais informal, o passa-palavra
entre amigos, família, colegas e vizinhos (63%). Os sites de jornais e outros
sites (que não os dos media) são consultados com uma regularidade pelo
menos semanal por perto de 40% dos internautas. Sucedem-se os noticiários
televisivos em broadcast (29%), os sites de redes sociais por via de uma
pessoa ou entidade que se segue nesse contexto (22%), os sites de canais de

220
notícias na televisão (21%), as transmissões de rádio em broadcast (21%), os
blogues (19%), as newsletters em papel (18%), os sites de programas de rádio
(17%) e, finalmente, as newsletters via email (14%).
O recurso a motores de busca, a redes sociais, a blogues, a sites em
geral e a conversas com pessoas conhecidas para obter informação é mais
frequente entre os internautas mais jovens do que entre os incluídos nas faixas
etárias mais avançadas. Os utilizadores de internet mais velhos destacam-se
pela maior regularidade de utilização de jornais em papel. Por sua vez, os
internautas mais escolarizados evidenciam-se pela maior assiduidade com que
utilizam a generalidade das fontes para se manterem informados, com especial
incidência relativamente aos restantes grupos no recurso a sites de jornais e
sites em geral, a motores de busca e a noticiários televisivos em broadcast.

Quadro 5.13 Frequência de utilização de diferentes fontes informativas (universo dos


utilizadores de internet) (%)

Menos
Pelo menos Total
Com que frequência usa cada fonte para se manter frequentemente Ns/nr
semanalmente* (n=852)
informado? ou nunca
A versão impressa de um jornal 63,9 34,1 2,1 100,0
O site de um jornal 39,6 57,9 2,4 100,0
Um noticiário televisivo em broadcast 29,0 66,1 4,8 100,0
O site de um canal de notícias da televisão 20,9 76,7 2,3 100,0
Uma transmissão de radio em broadcast 20,7 74,5 4,8 100,0
O site de um programa de rádio 16,8 80,3 3,0 100,0
Outros sites 38,8 57,7 3,5 100,0
Um blogue 19,4 77,7 2,9 100,0
Uma pessoa ou entidade que siga num site de redes sociais 21,8 74,7 3,5 100,0
Uma newsletter em papel 18,4 77,2 4,5 100,0
Uma newsletter de e-mail ou listserv 13,8 81,8 4,4 100,0
Passa-palavra entre amigos, família, colegas e vizinhos 63,1 34,9 2,0 100,0
Um motor de busca na Internet, como o Google 67,4 31,4 1,2 100,0
* Inclui a % de inquiridos que responderam nas categorias “Várias vezes ao dia”, “Diariamente” e “Semanalmente”.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Comparou-se ainda a preferência dos indivíduos por jornais ou por sites


de redes sociais em relação a um conjunto de itens de âmbito local sobre os
quais se pode procurar informação. O jornal em papel é o meio preferido pelos
utilizadores de internet para encontrar informação sobre uma grande parte dos
assuntos de domínio local (quadro 5.14), obtendo taxas de adesão entre os
33% e os 66%. A excepção ocorre no que refere às notícias locais de última
hora e à informação sobre o estado do tempo. Nesses dois casos, o jornal
online fica ligeiramente acima do jornal em papel, com aproximadamente 38%

221
dos internautas a preferir o suporte digital. O jornal online é também relevante,
embora não sendo a primeira escolha, na procura de vagas de emprego locais
(35%), de eventos artísticos e culturais locais (31%) ou mesmo de serviços
locais de limpeza doméstica, cuidados de saúde e babysitting (30%). As redes
sociais, por sua vez, aproximam-se mais dos restantes meios na pesquisa de
informação sobre eventos artísticos e culturais locais (28%). Esse item é o que
tem associada a maior proporção de indivíduos a dar preferência às redes
sociais como fonte informativa.
Na pesquisa de notícias locais de última hora – um dos tipos de
informação mais pesquisados no âmbito geográfico mais restrito –, a versão
impressa dos jornais assume maior relevância entre os mais velhos e os
menos escolarizados; os jornais online destacam-se entre os indivíduos com o
ensino superior; e as redes sociais têm uma maior taxa de adesão no grupo
com idades entre os 15 e os 34 anos.

Quadro 5.14 Meios preferidos para encontrar informação de âmbito local (universo dos
utilizadores de internet que procuram essas informações) (%)

Qual o meio que prefere para Jornal Jornal Sites de


Ns/nr Total
encontrar informação sobre: em papel online redes sociais
Políticas, campanhas e eleições locais 66,2 19,5 6,8 7,6 100,0 (n=435)
Outras actividades de governo local, como reuniões
do conselho, audiências ou julgamentos locais
55,5 22,1 8,1 14,4 100,0 (n=289)
O estado do tempo local 36,0 38,2 18,3 7,5 100,0 (n=570)
Eventos artísticos e culturais locais, como concertos,
33,2 30,8 27,7 8,3 100,0 (n=466)
peças de teatro e exposições
Notícias locais de última hora 37,4 38,4 17,8 6,4 100,0 (n=553)
Vagas de emprego locais 40,1 34,8 17,1 7,9 100,0 (n=408)
Planeamento, construção e desenvolvimento local 47,6 25,1 12,3 15,1 100,0 (n=265)
Serviços sociais locais de limpeza doméstica,
37,7 30,0 14,6 17,7 100,0 (n=230)
alimentação, cuidados de saúde e babysitting
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

No caso de utilização da internet, é interessante registar que o


computador é o dispositivo digital privilegiado, não apenas para ler notícias
online como já verificado anteriormente, mas também para obter outro tipo de
informações na web. Pesquisar eventos artísticos e culturais, procurar
oportunidades de emprego, ler sobre restaurantes ou serviços locais e ver
boletins meteorológicos são disso exemplo. No último caso, porém, o telemóvel
ganha uma maior importância relativa, sendo mais comum a sua utilização.

222
Explorando ainda o acesso a informação local no contexto da web,
questionou-se os indivíduos acerca da realização de um conjunto de práticas
online de criação, obtenção e partilha de conteúdos relacionados com a sua
comunidade local. As actividades mais comuns são a publicação de notícias ou
informação sobre a comunidade local em sites de redes sociais, e o envio de
links por correio electrónico para notícias locais ou vídeos de notícias locais a
alguém que se conhece – realizadas, respectivamente, por 34% e 32% dos
utilizadores de internet. Comentar uma notícia local ou blogue local que se lê
online e personalizar a homepage do próprio para incluir a sua informação local
favorita ou fontes ou tópicos de notícias são actividades realizadas por cerca
de 20% dos internautas. Com uma taxa de adesão não menosprezável surgem
ainda: marcar (fazer tag) ou categorizar conteúdos de notícias locais online
(15%); contribuir com o seu próprio artigo, texto de opinião, foto ou vídeo sobre
a sua comunidade local para um site de notícias online (13%); e contribuir para
uma discussão online ou message board sobre a sua comunidade local (10%).
A publicação de notícias ou informação sobre a comunidade local no Twitter é
a prática menos realizada (6%).
Como estes resultados evidenciam, as novas tecnologias de informação e
comunicação proporcionam novas práticas comunicativas, sendo um veículo
informativo por excelência, nomeadamente a nível local. Para além da partilha
e do acesso livre à informação, a internet e as redes sociais vieram motivar a
informação de proximidade e favorecer a própria produção de conteúdos,
embora ainda não tão generalizada, pelos utilizadores anónimos. Esta questão
tem motivado o debate acerca do futuro do jornalismo e dos novos desafios
que se colocam aos media. Surge assim, por exemplo, o conceito de “jornal em
rede” (Cardoso, Vieira e Mendonça, 2010b), que é multiplataformas, é
resultado de constante inovação de formatos e conteúdos informativos, é
interactivo e em comunicação com o leitor, tem em consideração os diferentes
segmentos de públicos e as múltiplas faces da qualidade jornalística.
Na sociedade em rede a organização do sistema dos media e a sua
evolução estão em grande parte dependentes do modo como a população se
apropria socialmente deles. Dez anos depois do primeiro inquérito Sociedade
em Rede, os dados parecem confirmar a argumentação de que o sistema dos

223
media se encontra organizado não em função da ideia de convergência, mas
pela articulação em rede.
Tal como os jornais, a televisão exemplifica essa situação. A televisão
continua a ser o media que chega ao maior número de pessoas e que tem uma
legitimidade destacada e um papel estruturante nos hábitos mediáticos de
grande parte da população, principalmente nos grupos etários mais avançados.
Mas, simultaneamente, emergem novos padrões de consumo (sobretudo em
segmentos mais jovens) que coexistem com o modelo tradicional de
visionamento televisivo. São padrões de consumo fraccionados por suportes
alternativos e por diferentes tipos de conteúdos. A tendência de combinação de
várias tecnologias de informação, oposta à “absolutização” da prática televisiva
tradicional, é visível entre grupos significativos e tendencialmente crescentes
da população portuguesa (os utilizadores de internet, os mais jovens e os mais
qualificados), e expressa-se por exemplo no intenso visionamento de vídeos
online, a partir de sites de partilha de conteúdos audiovisuais, e na menor
valorização relativa do visionamento televisivo clássico face a outras práticas
comunicativas (utilizar o telemóvel ou a internet). A acompanhar esta
tendência, todas as práticas comunicativas avaliadas neste capítulo conduzem
para uma importante transformação, a diminuição da realização de práticas
isentas de mediação virtual. Esta condição poderá ser alvo de uma dupla
explicação, se por um lado a internet e a rede se assumem como elementos
agregadores das experiências comunicacionais e interativas proporcionadas
por estas práticas, como exemplo a leitura de jornais, livros ou a visualização
de conteúdos multimédia, por outro a crise económica poderá ser um factor
explicativo para a diminuição de práticas como frequência de bares,
restaurantes e discotecas, cinema, teatro, ópera e concertos.
A abrangência da internet fica ainda evidente quando se comparam
utilizadores e não utilizadores, relativamente à dificuldade de afastamento dos
canais tradicionais de comunicação, nomeadamente a televisão, com uma
variação superior a 45%.
Na actual “sociedade dos ecrãs”, a televisão é considerada “um sistema
de ecrãs em rede” (Cardoso, 2013; Cardoso, Vieira e Mendonça, 2011). Pelos
seus múltiplos écrãs difundem-se conteúdos idênticos, mas em graus de
qualidade e facilidade de acesso diferentes, disponíveis ora através de

224
pesquisa online ora através de zapping televisivo. A experiência televisiva é
cada vez mais pensada pelos públicos em função da possibilidade de atingirem
uma navegação em rede e se moverem pelas diversas plataformas, conforme a
sua conveniência ou preferência.
A confiança é também um elemento central no momento da escolha da
informação disponibilizada pelos media. Neste campo, a televisão e a rádio
continuam a ser os canais com maior índice de credibilidade noticiosa para os
portugueses, com valores significativamente superiores aos registados para a
internet. A esmagadora maioria dos portugueses indica que a televisão é a
plataforma escolhida para a visualização de notícias, embora a consulta de
jornais online atinja já aproximadamente um em cada quatro internautas. Os
internautas indicam ainda importantes diferenças relativamente ao sectores de
informação consultados com maior interesse, quando comparados com os
portugueses não utilizadores de internet, nomeadamente nas matérias de
notícias internacionais, finanças e economia, desporto e ciência.
O processo de autonomização expressa-se também ao nível dos recursos
informativos, com os internautas a destacarem sites e motores de busca como
elementos mais importantes na procura da informação, sendo que
aproximadamente 70% indica utilizar pelo menos semanalmente o último como
fonte informativa.
Em suma, a sociedade portuguesa situa-se num momento de transição
tecnológica que se reflecte em novas práticas de consumo audiovisual e na
heterogeneidade dos usos sociais dos media. As tendências de consumo
mediáticas estão actualmente relacionadas com a fragmentação das
audiências, a personalização dos consumos, a crescente mobilidade,
interactividade e articulação em rede.

225
Capítulo 6
Referências identitárias, práticas de cidadania, acção colectiva e
utilização da internet

Este capítulo incide sobre dois temas distintos, mas relacionados. O


primeiro remete para as referências identitárias, partindo-se da análise de
indicadores relacionados com a satisfação e as trajectórias de vida para a
discussão de processos de construção de identidade na sociedade portuguesa
actual.
Neste campo e à escala transnacional, Eisenberg (2006) foca o conceito
de identidade, avançando uma explicação sobre a relação entre esta e a
política, elementos que, em contexto relacional, convocam um terceiro conceito
para esta equação, a autonomia. Ao focar o conceito de política ao nível social,
o autor apresenta os conceitos de política e poder como consequentes e
indissociáveis, considerando a sua relação o aspecto central de toda e
qualquer comunicação social. Abrindo uma perspectiva dual sobre o conceito
de poder, refere um elemento negativo, relacionado com a eliminação da
autonomia na interação comunicativa, por consequência da prática de
imposição de identidades, enquanto forma de poder e simultaneamente um
elemento positivo, consequente do anterior, no sentido em que a imposição de
identidades gera novas lógicas de autonomia entre os agentes que se
relacionam. Eisenberg avança nesta tese a noção de que quer “seja do ponto
de vista negativo ou positivo, o que importa é que o conceito de poder sempre
se refere ao aspecto unilateral de interações comunicativas, e que esta
unilateralidade é, ainda assim, sempre e necessariamente relacional, já que só
pode consumar-se em práticas interativas de comunicação”.
De facto, e como referido em vários momentos ao longo deste livro, a
identidade é uma das mais importantes dimensões das sociedades em rede. A
individualização e reflexividade Giddenianas (2002), consequentes do processo
de globalização, são um traço de personalidade nuclear das sociedades em
rede. Castells (2009), contribui para um avanço na tese de Eisenberg,
relacionando os conceitos de poder e identidade, agregando-os, segundo o

227
autor, nas sociedades em rede, o poder não está centrado na política mas sim
na identidade.
No primeiro capítulo deste ensaio (Castells, 2009), o autor direciona a
sua análise para a construção da identidade, classificando-a como fonte de
significados e experiências culturais, consequentes da pertença a um grupo e
definida em função de significados. A construção da identidade, social ou
individual é assim dependente da matéria proveniente da cultura obtida,
processada e reorganizada de acordo com a sociedade de pertença.
Avançando três formas de construção de identidades, o autor abre caminho à
segunda dimensão em estudo neste capítulo, as práticas de ação colectiva.
Identificando a identidade legitimadora, de resistência e de projecto, Castells
tende a indicar que as práticas de ação colectiva são fenómenos resultantes da
construção de identidades em função de necessidades de transformação
social, com cada tipo de identidade a gerar resultados distintos: a identidade
legitimadora origina uma sociedade civil, organizações e instituições; a
identidade de resistência produz comunidades e formas de resistência coletiva
e as de projeto produzem sujeitos, atingindo o seu significado pela sua
experiência.
Num outro momento, Castells (2012) procura assinalar padrões de
identidade na construção de ciclos de protesto na era da internet,
particularizando os protestos com génese na Tunísia e que viriam a contribuir
para o estabelecimento da Primavera Árabe. O primeiro fator identificado por
Castells é a existência de uma juventude fortemente qualificada, inserida em
contextos profissionais precarizados e caracterizada por uma elevadíssima
taxa de desemprego, detentora dos métodos e conhecimentos necessários
para disputar os espaços de poder num contexto diferenciado das redes
institucionais de representação. O segundo fator é a existência de uma cultura
de ciberativismo muito vinculada à população, que procurou estabelecer um
espaço público virtual de análise crítica do regime que, pela sua inserção
dinâmica num modelo subcultural, permitiu estabelecer um campo
semiautónomo à influência e repressão do estado, por consequência do seu
distanciamento dos espaços normativos e institucionalizados de protesto. O
terceiro fator consiste numa difusão alargada do acesso à Internet e às redes
sociais, tanto em contextos domésticos como em espaços públicos.

228
A articulação destes três fatores culmina numa forte cultura virtual,
expressa maioritariamente em blogues e fóruns de discussão política,
ciberativismo, redes sociais e redes informais de contágio, que se tornou
particularmente importante por conseguir garantir a transição da comunicação
para o contexto físico urbano, tornando-se viral pela sua capacidade dinâmica
de mobilização assente num público híbrido. Como exemplo da significância,
segundo Pereira (2013), desta articulação ao nível físico nos protesto ocorridos
no Egito em 2010, a carga viral deste processo foi tão elevada que foi
bloqueado o acesso à Internet como forma de amenizar a adesão e a
articulação da população nos movimentos sociais de contestação.
No campo de interação entre identidade e cidadania importa focar
também as dimensões relativas à acção colectiva, dando especial atenção ao
exercício de algumas práticas de cidadania e de contestação, mas também às
opiniões sobre a relação cidadãos-governos e sobre as ideias defendidas pelos
novos movimentos sociais, contribuindo de forma empírica para tentar
responder a algumas questões levantadas por Cardoso e Neto (???) sobre a
cultura de participação em Portugal. Neste campo, os autores indicam que “a
interpretação das tendências detectadas parece indicar que a Participação é
essencialmente motivada pela solidariedade de grupo para com terceiros, a
qual se encontra dependente da confiança neles depositada. (...) Mais que um
envolvimento directo através de uma militância permanente ou intermitente, o
modelo central de Participação em Portugal parece ser delegar, ou seja, doar
dinheiro, bens ou serviços a terceiros: fornecer os meios para representantes
de intervenção solidária poderem agir, ou dar opinião, apostando nas suas
redes sociais”.
Com o presente capítulo e em função dos contributos apresentados,
pretende-se colaborar para a compreensão das implicações que o uso da
internet tem nas questões identitárias e nas de participação social e política e a
evolução verificada a este respeito na última década.
O conceito de identidade, que transparece nos indicadores utilizados para
a análise das referências identitárias, pode ser definido não apenas como uma
lista de características, mas antes como uma construção simbólica e
interaccional que conjuga elementos de memória e de projecto adquiridos e
desenvolvidos pela prática social (Castells, 2007c; Castells e outros, 2003;

229
Costa, 1999). As representações e os sentimentos de identificação
manifestam-se como autodefinições e ao mesmo tempo como factores de
coesão colectiva. O conceito de identidade integra-se também na análise da
acção colectiva. Na sociedade em rede, os modos de participação cívica, social
e política e os meios ao seu dispor alteraram-se significativamente. O que é
que mudou neste domínio na última década com o surgimento das tecnologias
digitais? O aparecimento dos media sociais estará a fazer com que os
indivíduos pensem cada vez mais em relações sociais, instituições, poder,
mudança social e autonomia como baseadas em redes (Cardoso, 2014). Uma
nova cultura de rede que parte dos media sociais parece sustentar o
aparecimento de novos movimentos sociais, os quais usam o poder dos media
para promover as suas ideias (Castells, 2007c). O surgimento de movimentos
de contestação em rede realça o papel das redes sociais enquanto
instrumentos de mobilização social e de (re)construção de identidades. Trata-
se de uma nova forma de associativismo informal que parte da internet para o
espaço físico. A relação entre acção colectiva e media sociais será objecto de
análise neste capítulo.

Satisfação com a vida e condicionantes da sua trajectória

Como introdução às questões identitárias, analisam-se alguns indicadores


relacionados com as trajectórias de vida. O primeiro diz respeito à satisfação
com a vida. Numa escala de zero a dez adoptada para medir a satisfação com
a vida em geral, em que dez significa a melhor vida possível, em média os
portugueses percepcionam-se na posição seis. É uma posição mediana, que
se distingue suficientemente de uma situação negativa, mas que é também
claramente demarcada de um grau elevado de felicidade.
A utilização da internet, a idade e o sexo não introduzem diferenças
estatisticamente significativas quanto ao grau de satisfação com a vida (quadro
6.1). Ainda assim, quanto às duas primeiras variáveis, a tendência é que a
satisfação seja ligeiramente superior entre os utilizadores de internet e os mais
jovens. Evidentemente que não será só por si a utilização da internet que

230
justifica essa tendência, mas sim um conjunto de características sociais que lhe
estão associadas. Tal será o caso da condição perante o trabalho, do nível de
escolaridade ou da categoria socioprofissional, condições que geram distinção
quanto ao contentamento com a própria vida.
Por um lado, os estudantes, os qualificados do ensino superior e os
indivíduos inseridos em categorias socioprofissionais de topo (mais bem
remuneradas e que exigem uma maior mobilização de informação) são os mais
felizes. Note-se que os estudantes evidenciam-se particularmente face aos
restantes grupos sociais pelo seu mais elevado grau de satisfação com a vida.
Não será apenas a idade menos avançada que caracteriza maioritariamente os
estudantes que está aqui em causa – pois, como referido, ser jovem não é só
por si significativamente diferenciador –, mas a própria vivência e experiência
associada à condição estudantil e à frequência de um grau académico.
Por outro lado, os desempregados são os menos satisfeitos com a vida.
Estes dados confirmam a situação desfavorável em que este grupo se encontra
a vários níveis, incluído o emocional, e que se reflecte num maior
descontentamento com a sua vida. O desemprego mostra-se assim, mais uma
vez, como um grave problema social das sociedades actuais.

Quadro 6.1 Satisfação com a vida (representada numa escala de 0 a 10, onde 10
representa a melhor vida possível), segundo utilização da internet, idade, sexo,
nível de escolaridade, condição perante o trabalho e categoria socioprofissional
(média)
Numa escala de 0 a 10, (onde 10 representa a melhor vida possível) Média
onde sente que está actualmente? (0 a 10)
Utilização da internet
Utilizadores 6,03
Não utilizadores 5,93
Escalões etários
15-34 anos 6,09
35-54 anos 5,96
55 ou mais anos 5,92
Sexo
Masculino 5,99
Feminino 5,97
Nível de escolaridade (completo) (p<0,01)
Ensino superior 6,49
Ensino secundário 5,87
Ensino básico 5,88
Condição perante o trabalho (p<0,01)
Estudantes 6,74
Activos 5,94
Empregados 6,10
Desempregados 5,28
Reformados ou outros inactivos 5,89

231
Categoria socioprofissional * (p<0,01)
Empresários, dirigentes e profissionais liberais 6,12
Profissionais técnicos e de enquadramento 6,29
Empregados executantes 5,92
Operários industriais 5,75
Total (n=1462) 5,98
* Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos –
trabalhadores independentes, agricultores independentes e assalariados agrícolas.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Para além de se avaliar a satisfação com a vida por parte dos indivíduos,
procurou-se também motivar a reflexividade em torno das suas trajectórias de
vida. O aspecto percepcionado pelos portugueses como sendo o que mais
influenciou a sua trajectória e a situação de vida em que se encontram
presentemente, quer seja positiva ou negativamente, é o nível de escolaridade
atingido (quadro 6.2). Cerca de 53% dos indivíduos acha que a qualificação
académica influenciou em parte ou totalmente a sua situação de vida, e 33%
adoptam uma posição intermédia, entre o nada e o totalmente, para avaliar
essa interferência. Os aspectos que se seguem na lista, com mais de 44% de
respostas que expressam a sua influência parcial ou total para a situação de
vida actual, são a escolha das relações pessoais (cônjuge, amigos, etc.), as
escolhas profissionais, os pais ou a família de origem, o país onde nasceram
ou vivem, e a área de estudos que seguiram. Por fim, com percentagens
análogas entre os 36% e os 22%, encontra-se a maternidade ou paternidade, o
género, outras características físicas ou pessoais e, por fim, a raça que lhes
atribuem.
Em suma, estes resultados revelam que em geral os portugueses
percebem a influência que ter ou não um determinado grau académico pode
desempenhar no curso de vida individual. O mesmo parece acontecer em
relação às redes familiares e amicais, e ao contexto nacional em que estão
inseridos (com tudo o que implica). Aspectos biológicos, físicos e raciais são os
que menos são reconhecidos por limitar ou favorecer as trajectórias de vida.

232
Quadro 6.2 Percepção dos indivíduos acerca da influência de um conjunto de aspectos na sua
trajectória de vida

Em que medida acha que cada um destes %


aspectos influenciou a sua trajectória de
vida e a situação de vida em que se 5- Total Média
encontra actualmente? 1- Nada 2 3 4 Totalmente Ns/Nr (n=1542) (1 a 5)
O nível de escolaridade que atingiu 4,2 5,8 32,9 30,8 22,0 4,3 100,0 3,63
A área de estudos que seguiu 4,9 9,5 33,8 28,0 15,7 8,1 100,0 3,44
O facto de ser homem ou mulher 14,3 12,9 33,6 20,4 13,4 5,3 100,0 3,06
A raça que lhe atribuem 21,6 17,0 32,0 13,5 8,1 7,8 100,0 2,67
Outras características físicas ou
18,2 16,2 34,0 16,4 6,7 8,4 100,0 2,75
pessoais
O país onde nasceu ou vive 5,9 8,3 34,7 34,0 12,5 4,6 100,0 3,41
As escolhas profissionais 5,1 5,2 33,0 31,5 17,0 8,2 100,0 3,54
Os seus pais/a sua família de origem 6,1 8,6 33,7 25,0 22,2 4,3 100,0 3,51
A escolha das relações pessoais
7,6 6,6 29,5 29,8 21,4 5,2 100,0 3,54
(cônjuge, amigos, …)
A maternidade/paternidade 10,4 7,5 27,0 18,0 17,8 19,2 100,0 3,31
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Os utilizadores de internet destacam-se, em relação aos não utilizadores,


por tenderem a considerar a maior influência de aspectos escolares e
profissionais (o que, como se confirmará de seguida, reflecte a maior juventude
e qualificação deste grupo). Já os não utilizadores tendem a atribuir uma maior
influência do que os internautas aos factores biológicos, físicos, raciais
(embora, ainda assim, reduzida) e à parentalidade.
Outras características sociais provocam alterações na percepção dos
aspectos que influenciam a trajectória de vida própria e a situação de vida
actual. Em termos etários, os jovens e os adultos de meia-idade percepcionam
uma maior influência dos estudos do que os mais velhos. Os mais jovens não
valorizam tanto como os restantes grupos etários as mudanças associadas à
parentalidade, uma vez que grande parte não terá ainda filhos. Já as mulheres
consideram mais do que os homens que o género e a maternidade as
influenciaram na sua vida.
Analisando os resultados por escolaridade obtida, percebe-se ainda que
os mais favorecidos nesse plano reconhecem mais a influência dos estudos do
que os menos qualificados, assim como a influência do país onde vivem, a
influência das escolhas profissionais, da família de origem e das relações
pessoais. Os menos escolarizados dão maior preponderância ao efeito da
maternidade ou paternidade nas suas vidas.
Já os estudantes identificam mais intensamente do que os activos e os
reformados a influência do país onde nasceram ou vivem e também do grupo
233
doméstico de origem. Adicionalmente, os desempregados distinguem-se dos
empregados por considerarem de forma mais evidente que o país onde
nasceram ou vivem terá contribuído para a sua situação de vida actual.
Importa também referir que os portugueses que expressam uma maior
satisfação com a sua vida são, em geral, os que mais percepcionam a
influência dos vários aspectos considerados na sua trajectória de vida. Ter
consciência dos factores que limitam ou favorecem a situação de vida parece
assim estar associado a um estado de maior contentamento e realização.
Questionou-se ainda os portugueses sobre os aspectos que consideram
mais importantes para triunfar na vida (quadro 6.3). Entre as opções previstas –
a inteligência, os contactos e as “cunhas”, o próprio esforço, e a sorte –, a que
é valorizada em primeiro lugar por uma maior proporção de indivíduos (44%) é
o esforço pessoal. Os contactos e os conhecimentos ou “cunhas” são referidos
por cerca de um quarto dos portugueses (26%) como o aspecto mais
importante para triunfar na vida, e a inteligência surge em terceiro lugar, com
18% de adesão. Por último, e a uma distância considerável, encontra-se a
sorte, indicada por 7% dos indivíduos.
A inteligência é o item que mais gera divergência entre utilizadores e não
utilizadores de internet. Os primeiros valorizam de forma bastante mais
relevante o aspecto intelectual, para triunfar na vida, do que os segundos
(reflectindo o perfil qualificacional de cada grupo). Ao invés, os não utilizadores
da rede digital dão mais importância do que os internautas a elementos
exteriores ao indivíduo ou fora do seu controlo, como os contactos e as
“cunhas” e a sorte. Opinião convergente é a verificada em relação ao próprio
esforço enquanto elemento motivador do sucesso, sendo esse o aspecto
considerado mais importante para triunfar na vida por ambos os grupos, com
uma taxa de resposta idêntica.

234
Quadro 6.3 Aspectos considerados mais importantes para triunfar na vida, segundo
utilização da internet (%)

O que considera mais importante Utilizadores Não utilizadores Total


para triunfar na vida: (n=852) (n=690) (n=1542)

A inteligência 21,1 13,1 17,5


Os contactos e as "cunhas" 24,2 28,9 26,3
O próprio esforço 44,1 43,7 44,0
A sorte 5,3 10,0 7,4
Ns/Nr 5,4 4,1 4,8
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

Através da comparação com os resultados de 2003, identificam-se


algumas alterações a este respeito na última década. O esforço e os contactos
são actualmente mais valorizados para triunfar na vida do que eram há dez
anos atrás, em detrimento da inteligência e da sorte, percepcionadas agora
como menos importantes.
Assim, se por um lado, há uma evolução cultural positiva face à procura
de atingir as metas pessoais por si próprio, o que traduz a maior importância
associada ao esforço e a menor importância atribuída à sorte; por outro lado,
emergem outros elementos não relacionados com o esforço pessoal mas sim
com a constituição de redes de relacionamento, mais propriamente os
contactos e as cunhas, cuja relevância para atingir as metas pessoais é agora
assumida de modo mais alargado. Note-se ainda que a inteligência deixa de
estar a par com o esforço, sendo a capacidade intelectual o item em que a
percepção de importância mais diminui entre 2003 e 2013 e o empenho aquele
em que mais aumenta.

Principais referências identitárias dos portugueses

Com o objectivo de analisar as referências identitárias dos portugueses à


data do início da segunda década do século XXI e registar a sua evolução face
aos últimos dez anos, colocaram-se os inquiridos perante uma lista de
aspectos da vida social corrente com os quais se podem identificar de maneira
mais ou menos acentuada: o trabalho, a família, a cultura, a língua, a religião, o
país, o género, o grupo etário, a natureza, a humanidade, ou ainda eles

235
próprios ou nada em especial. Pedia-se-lhes que indicassem o aspecto com
que mais se identificam, seleccionando apenas uma resposta da lista.
Os resultados mostram que metade dos portugueses elege como principal
referência identitária a família (quadro 6.4). A uma distância substancial surgem
aqueles que afirmam identificar-se fundamentalmente consigo próprios (13%) e
os que não se sentem identificados com nada em especial (9%). Recolhem
taxas de adesão de cerca de 5% as categorias de identificação com o trabalho
e com as pessoas da mesma idade, completando-se assim o top cinco das
principais referências identitárias.
Três dos cinco aspectos com que os portugueses mais se identificam
mantiveram-se nas mesmas posições relativas entre 2003 e 2013. É o caso da
família, da identificação autocentrada e do trabalho. Os restantes dois aspectos
alteraram-se. O sentimento de identificação com a cultura e de identificação
com o país, terceiro e quinto aspectos mais mencionados em 2003, foram
substituídos em 2013 pela ausência de referência identitária e pela identidade
geracional ou etária. A identificação cultural e a nacional descem assim de
posição – com uma redução de 3% entre os dois anos – e a situação de
ausência de referência identitária sobe de forma relevante – aumentando 5% e
passando de sétimo para terceiro lugar. Estes dados sugerem uma maior
insatisfação e abrandamento do sentimento de identificação com o contexto
nacional, que parece estar a conduzir a uma “crise” de referências identitárias.

Quadro 6.4 Aspectos com que mais se identificam, segundo utilização da internet (%)

Aspecto com o qual mais se identifica Utilizadores Não utilizadores Total


(n=852) (n=690) (n=1542)
Com a sua família 46,8 54,9 50,4
Com você mesmo 14,8 10,8 13,0
Não se sente identificado com
7,4 11,0 9,0
nada de especial
Com o seu trabalho 7,1 4,7 6,0
Com as pessoas da sua idade 5,0 3,9 4,5
Com a sua cultura 4,3 3,0 3,7
Com o seu país 2,0 2,3 2,1
Com a sua religião 1,1 2,9 1,9
Com a humanidade 2,0 1,5 1,8
Com a natureza 2,1 0,3 1,3
Com a sua língua 0,9 0,9 0,9
Com ser mulher/ com ser homem 1,0 0,7 0,9
Ns/Nr 5,6 3,1 4,5
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

236
O uso da internet estabelece ligeiras diferenças nas principais referências
identitárias, sendo que entre os utilizadores a identificação familiar e a ausência
de referências identitárias são um tanto mais baixas comparativamente com os
não utilizadores, e a auto-identificação um pouco mais elevada. Esta situação
estará relacionada com a composição sociográfica dos principais protagonistas
da integração na sociedade em rede.
Quando se ventilam os resultados das principais referências identitárias
por escalões de idade, percebe-se que, embora a ordenação dos três aspectos
com que os indivíduos mais se identificam seja semelhante às três faixas
etárias consideradas, algumas particularidades distinguem cada grupo. No
escalão mais jovem (dos 15 aos 34 anos), as referências identitárias à família,
embora sendo as principais, apresentam comparativamente com as outras
faixas etárias os valores mais baixos (44%). Já a identificação consigo próprio
e a identidade geracional ou etária são as comparativamente mais elevadas
nesse escalão mais jovem (17% e 8%, respectivamente). Quanto à faixa etária
mais avançada (acima dos 55 anos), a referência identitária familiar é a que
tem valores comparativamente mais elevados (56%) e o sentimento de
identificação consigo próprio obtém valores mais baixos (10%). Por sua vez, o
escalão etário intermédio (dos 30 aos 49 anos) evidencia-se relativamente aos
outros por ser aquele em que uma maior proporção da população indica o
trabalho como a principal referência identitária (8%). Estes resultados mostram
claramente alguns denominadores comuns identitários bastante estabilizados –
sobretudo a família – e, ao mesmo tempo, alguma especificidade geracional
nas referências identitárias – como é o caso das auto-referências individuais,
mais acentuadas entre os mais jovens, e da referência profissional, mais
alargadamente convocada entre os adultos em idade activa.
Homens e mulheres partilham também as três principais referências
identitárias dos portugueses em geral. No entanto, a família é o principal
elemento de identificação para uma percentagem mais vasta de mulheres
(55%) do que de homens (45%). De destacar ainda a maior identificação com o
trabalho entre os homens (9%) do que entre as mulheres (4%).
O nível de escolaridade não introduz alterações significativas nas
referências identitárias dos indivíduos. A condição perante o trabalho reflecte
as alterações etárias referidas anteriormente. Contudo, dentro da população

237
activa, os desempregados merecem especial atenção, já que se distinguem
perante os empregados por ser ligeiramente mais comum entre os primeiros a
ausência de elementos com que se sintam identificados (13% entre quem não
trabalha face a 8% entre quem exerce uma profissão).
A propósito das referências identitárias, vale a pena convocar ainda neste
ponto alguns dos resultados obtidos sobre crenças religiosas ou espirituais e
usos da internet. A religião enquanto elemento de identificação principal é
mencionada em 2013 por 2% dos indivíduos, valor que era de cerca de 4% em
2003. Na resposta ao inquérito, uma larga maioria dos portugueses declara
acreditar em Deus (77%). Essa maioria mantém-se quer nos utilizadores de
internet (71%), quer nos não utilizadores (85%). Os resultados gerais denotam,
contudo, uma diminuição dos crentes face a 2003, quando 89% dos indivíduos
afirmavam acreditar em Deus. A utilização da internet para aspectos
relacionados com as crenças religiosas ou práticas espirituais é reduzida,
embora com tendência crescente na última década, sendo desenvolvida
actualmente por 7% dos cibernautas.

Referências identitárias históricas e territoriais

Depois de se ter examinado as hierarquias gerais de referências


identitárias, são agora objecto de análise específica as referências históricas e
territoriais. Um dos elementos mais importantes a ter em conta nos processos
de construção da identidade é, sem dúvida, a história. Com a língua e o
território constitui um trio fundamental de referências identitárias. Em Portugal,
a análise da identidade sócio-histórica não pode ser dissociada das mudanças
significativas ocorridas num passado ainda muito recente. A revolução do 25 de
Abril de 1974 que instaurou em Portugal o regime democrático, acabando com
quase meio século de um regime político ditatorial fascista, foi vivenciada por
uma larga maioria da população ainda viva e constitui, por isso, uma referência
histórica inigualável.
Em pergunta de resposta aberta, a referência de 43% dos indivíduos a
datas históricas portuguesas como as mais significativas, e o facto de 35% se

238
reportarem ao 25 de Abril de 1974, constitui um excelente exemplo do
argumento anterior (quadro 6.5). Seguem-se as datas pessoais (19%) e as
datas religiosas (12%). As primeiras estão associadas essencialmente ao
nascimento ou aniversário de familiares e dos próprios, e as segundas são
constituídas principalmente pela referência ao Natal. Quase residual é a
referência a datas históricas mundiais (4%), entre as quais se evidencia o 11
de Setembro de 2001, marcado pelos atentados terroristas contra os Estados
Unidos.
Relativamente há dez anos atrás, duas tendências evidenciam-se no que
concerne às referências identitárias históricas dos portugueses. A primeira é a
diminuição relativamente acentuada da referência a datas históricas
portuguesas (de 51% em 2003 para 43% em 2013), que ainda assim se
mantêm no topo da lista. A segunda é o aumento da referência a datas
pessoais (de 13% em 2003 para 19% em 2013), ultrapassando a convocação
de datas religiosas. Este cenário transparece, assim, uma relativa diminuição
da identificação dos portugueses com o país, a favor de um maior
reconhecimento da sua vida pessoal e familiar e de uma maior valorização de
si próprios.

Quadro 6.5 Datas mais significativas, segundo utilização da internet (%)

Datas históricas mais significativas Utilizadores Não utilizadores Total


(n=852) (n=690) (n=1542)
Datas históricas portuguesas 40,5 45,1 42,6
Datas pessoais 20,8 17,8 19,4
Datas religiosas 10,2 13,8 11,8
Datas históricas mundiais 4,9 2,5 3,8
Outras datas 4,1 2,3 3,3
Nenhuma 3,4 2,4 3,0
Ns/Nr 16,0 16,2 16,1
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

Utilizadores e não utilizadores de internet referem o mesmo tipo de datas


históricas como as mais significativas. Apesar disso, uma percentagem mais
elevada de não utilizadores do que de internautas indica datas históricas
portuguesas (45% e 41%, respectivamente) ou datas religiosas (14% e 10%).
As datas pessoais e as datas históricas mundiais são ligeiramente mais
relevantes entre os utilizadores de internet.

239
Quanto às diferenças geracionais, são os mais velhos que mais
referenciam as datas históricas portuguesas como aspectos identitários
significativos – 50% no grupo dos 55 ou mais anos face a cerca de 38% nos
grupos com idades inferiores –, enquanto são os jovens que mais referem as
datas pessoais – 22%, perante 16% nos indivíduos com pelo menos 55 anos.
Embora com diferenças menos acentuadas, as datas históricas mundiais são
mais relevantes no grupo dos 15 aos 34 anos e as datas religiosas adquirem
especial significado entre os inquiridos com idade superior a 55 anos.
Algumas diferenças há também a salientar quando analisadas as
referências às datas mais significativas realizadas por homens e mulheres. São
os homens que mais referem as datas históricas portuguesas (47% contra
39%) e são as mulheres que mais referem as datas religiosas (15% contra 8%).
Em suma, as principais referências históricas dos portugueses dizem
respeito a acontecimentos nacionais marcantes na vida social e política do
país, como é exemplo o já referido 25 de Abril de 1974, seguidas a alguma
distância das referências pessoais e religiosas. Sendo o Natal uma das datas
mais significativas na categoria das datas religiosas, é razoável admitir que a
referência envolve não só dimensões de carácter religioso mas também uma
dimensão familiar e uma dimensão de celebração comunicativa, lúdica e até
comercial que essa data contém na sociedade portuguesa, tal como, aliás, na
generalidade das sociedades ocidentais. Apesar de tudo, a evolução que mais
se destacou na última década foi a crescente valorização das referências
pessoais e o recuo na relevância atribuída a referências identitárias históricas
nacionais, situação generalizada entre os vários grupos sociais.
Um outro tipo de referência identitária que mereceu análise específica foi
a territorial. Assim, pediu-se aos inquiridos que indicassem em que medida se
identificam com um conjunto de locais, utilizando uma escala de cinco posições
que oscila entre o “nada” e o “totalmente” (quadro 6.6). Nesse sentido, os
indivíduos elegeram nos dois primeiros lugares a localidade em que nasceram
e a localidade em que vivem presentemente. Em ambos os casos, 73% dos
portugueses identificam-se, em parte ou totalmente (posições quatro ou cinco),
com estes locais. Segue-se a identificação com Portugal, que 68% dos
indivíduos avalia favoravelmente. A uma distância razoável, surge a
identificação com a Europa e com o Mundo, que respectivamente 38% e 35%

240
dos indivíduos percepcionam positivamente, mas cuja média se situa numa
posição intermédia de identificação (três numa escala de um a cinco), posição
assumida por cerca de 40% dos portugueses em relação aos dois contextos
transnacionais.
O local de onde são naturais e o local onde residem parecem assim
adquirir enorme importância como elemento identitário dos portugueses,
salientando porventura, principalmente no primeiro caso, as questões
relacionadas com as origens familiares, as tradições culturais, as sociabilidades
infanto-juvenis, entre outras. A referência ao território nacional é também
significativa. Embora não seja possível uma comparação directa com 2003,
pela pergunta prever à data apenas a escolha de um local como a principal
referência identitária territorial, o país era há dez anos atrás o segundo local do
qual os portugueses sem sentiam mais “próximos”. Já a Europa ocupava o
último lugar. Actualmente é ainda em relação à Europa e ao Mundo que os
portugueses se identificam menos intensamente. A identificação é mais forte
em relação aos locais mais restritos do ponto de vista territorial e é menos
intensa com os contextos mais alargados.

Quadro 6.6 Referência identitária territorial

%
1- 5- Total Média
Em que medida se identifica com… Nada 2 3 4 Totalmente Ns/Nr (n=1542) (1 a 5)
A localidade em que nasceu 2,9 3,8 18,6 34,7 38,3 1,8 100,0 4,04
A localidade em que vive actualmente 2,0 3,5 20,2 39,5 33,0 1,9 100,0 4,00
Portugal 1,1 5,1 23,4 41,9 25,9 2,6 100,0 3,89
A Europa 3,3 12,8 40,0 26,7 10,8 6,5 100,0 3,31
O Mundo 5,2 12,2 41,0 22,3 12,3 7,0 100,0 3,26
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

O padrão de identificação territorial entre utilizadores e não utilizadores de


internet apresenta algumas diferenças. Os internautas identificam-se de forma
mais intensa com a Europa e com o Mundo do que os não utilizadores, e estes
últimos evidenciam-se face aos primeiros nas referências territoriais de
naturalidade e de residência. Não se verificam diferenças significativas quanto
à identificação com Portugal entre os dois grupos referidos.
A identificação com os contextos transnacionais é também mais
acentuada entre os mais jovens e os mais escolarizados, enquanto em relação

241
à identificação com as localidades em que nasceram ou vivem passa-se o
contrário – as referências mais altas são entre os indivíduos na faixa etária
mais avançada e entre os menos qualificados.
Mais uma vez, estes resultados parecem indiciar uma maior amplitude de
referências globais, como por exemplo com a Europa e o Mundo, entre os
internautas quando comparados com os indivíduos que se declaram como não
utilizadores da rede digital. Claro está que é entre os mais jovens que estas
referências também surgem com maior destaque para o processo de
construção da identidade. Relembre-se que Portugal aderiu à então
Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1986, completando perto de três
décadas enquanto país participante no processo de integração europeia.

Pertença e participação associativa

As sociedades democráticas enfrentam, na sua maioria, problemas


relacionados com a participação cívica, social e política. Para uns, esses fracos
níveis de adesão, interesse e participação significam maturidade democrática e
bom funcionamento das estruturas de poder, para outros, revelam
descontentamento e alheamento dos cidadãos face a quem os governa. Mas a
sociedade em rede traz novas potencialidades a este respeito, adicionando
novas formas de participação.
Na sociedade em rede, os modos de participação e os meios disponíveis
para serem utilizados alteraram-se significativamente. As tecnologias de
informação e comunicação permitem aos cidadãos uma maior proximidade às
estruturas do poder democrático, associativo, etc., bem como uma maior
facilidade de contacto, interacção e manifestação de opinião. Nos próximos
pontos do presente capítulo procura-se caracterizar a participação cívica, social
e política dos portugueses na actualidade, iniciando-se a análise pela pertença
associativa.
Em Portugal, uma em cada cinco pessoas pertence a uma qualquer
entidade associativa (quadro 6.7). Visto de outra maneira, a grande maioria dos
portugueses (cerca de 80%) não pertence a nenhuma estrutura formal de tipo

242
associativo. O mesmo acontecia há dez anos atrás, não se tendo verificado
portanto nem aumento nem decréscimo da proporção de população
pertencente a associações, clubes, organizações não governamentais (ONG),
sindicatos, partidos políticos ou outras entidades associativas.
Para além das associações formais, pareceu pertinente ter em
consideração a pertença a grupos informais de carácter associativo. Assim, 5%
da população faz parte de algum grupo informal de pessoas com interesses em
resolver problemas comuns, e 20% tem por hábito reunir-se regularmente com
amigos para conversar e debater em conjunto temas que lhes interessam.
Note-se que a maior parte dos indivíduos que integram grupos informais
pertencem também a entidades associativas.
São os utilizadores de internet que mais pertencem a associações ou
grupos informais, em comparação com os não utilizadores. Enquanto no
primeiro grupo, 25% declaram pertencer a uma qualquer entidade associativa
formal, entre os não utilizadores de internet apenas 15% estão na mesma
situação. São também os internautas quem mais adere a grupos informais e
quem mais tem o hábito de debater em conjunto temas do seu interesse – 8%
e 27% respectivamente, face a 2% e 12% entre quem não utiliza internet.
Parece claro então que os internautas são bastante mais activos do que a
restante população portuguesa do ponto de vista da participação associativa,
seja ela formal ou informal.

Quadro 6.7 Pertença a entidades associativas e grupos informais, segundo utilização da


internet (%)

Utilizadores Não utilizadores Total


(n=852) (n=690) (n=1542)

Pertence a alguma associação, clube, Sim 24,9 14,7 20,4


ONG, sindicato, partido político ou outra Não 74,5 84,5 79,0
entidade associativa? (p<0,01) Ns/nr 0,6 0,8 0,7
Total 100,0 100,0 100,0
Faz parte de algum grupo informal de Sim 8,0 1,9 5,3
pessoas com interesses em resolver Não 91,3 97,0 93,8
problemas comuns? (p<0,01) Ns/nr 0,8 1,1 0,9
Total 100,0 100,0 100,0
Tem por hábito reunir-se regularmente Sim 27,3 11,9 20,4
com amigos para conversar e debater em Não 71,1 86,5 78,0
conjunto temas que lhe interessam?
(p<0,01) Ns/nr 1,6 1,6 1,6
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

243
Alguns dados adicionais a respeito das pertenças associativas merecem
ser referidos. A idade não exerce uma influência significativa sobre a adesão a
associações. Alguma diferença é observada sim no que respeita à integração
de grupos informais e principalmente ao hábito de reunir e debater em conjunto
temas de interesse comum, que acontecem com mais frequência entre os
indivíduos incluídos no escalão etário dos 15 aos 34 anos (com taxas de
adesão de 7% e 28%, respectivamente). São os homens que mais pertencem a
estruturas associativas formais (24%) e a grupos informais (7%), quando
comparados com as mulheres (17% e 4%).
A pertença associativa varia ainda numa relação directamente
proporcional aos níveis de escolaridade atingidos pelos inquiridos, ou seja,
quanto maior é a escolaridade mais elevados são os valores de pertença a
estruturas associativas e a grupos informais. A título ilustrativo, refira-se que a
pertença a associações é de 16% para quem tem no máximo o ensino básico,
chegando aos 32% no grupo dos indivíduos com o ensino superior. Os mais
escolarizados integram também com mais frequência grupos informais (10%) e
espaços de debate sobre temas que são do seu interesse (32%).
Importa ainda referir que a taxa de pertença a associações é mais
elevada entre os profissionais técnicos e de enquadramento (29%) e a
integração de grupos informais é mais comum entre os empresários, dirigentes
e profissionais liberais (11%).
Os dados sobre a pertença associativa são ainda mais reveladores
quando se analisa o tipo de associações a que os inquiridos declaram
pertencer (quadro 6.8). Nos cinco primeiros lugares surgem as associações:
desportivas (40% dos que declaram pertencer a alguma associação); culturais
(21%); religiosas (16%); sindicais (12%); e profissionais (12%).
Mas terão os internautas pertenças associativas específicas? Entre os
utilizadores de internet, destacam-se com uma maior adesão os seguintes tipos
de associações: desportivas (45%); culturais (23%); profissionais (17%);
sindicais (14%); e religiosas (11%). No caso dos não utilizadores esses cinco
primeiros lugares são ocupados por associações desportivas (30%); religiosas
(26%), culturais (16%); de idosos (12%); e sindicais (9%).
Adicionalmente, os resultados mostram que as maiores diferenças
percentuais entre internautas e não utilizadores de internet ocorrem a respeito

244
das associações desportivas, profissionais, juvenis, escolares ou culturais – em
que é maior a adesão pelos primeiros – e no que concerne aos grupos
religiosos e de idosos – em que são os segundos a evidenciar-se
positivamente. No caso das associações de tipo desportivo e das associações
de carácter religioso, a diferença entre a pertença pelos utilizadores de internet
e pelos não utilizadores atinge os quinze pontos percentuais.

Quadro 6.8 Tipo de entidades associativas a que pertencem, segundo utilização da internet
(universo dos indivíduos com pertença associativa) (%*)
Tipo de entidade associativa Utilizadores Não utilizadores Total
a que pertence (n=217) (n=107) (n=324)
Desporto 45,0 30,4 40,2
Cultura 23,1 15,7 20,7
Religião 10,7 26,2 15,8
Sindicais 14,1 8,9 12,4
Profissão 16,5 3,8 12,3
Apoio social 13,2 7,6 11,4
Jovens 13,3 3,7 10,1
Escola 11,9 4,0 9,3
Política 10,3 5,9 8,9
Animais 10,0 3,9 8,0
Idosos 5,8 12,3 7,9
Bairro ou condomínio 9,3 4,8 7,8
Defesa dos direitos humanos ou civis,
6,4 2,0 4,9
anti-racistas ou similares
Ecologia 5,3 1,0 3,9
Mulheres 3,4 1,9 2,9
Consumo 2,2 0,9 1,8
Excursionismo 1,8 1,0 1,6
Outra 2,1 6,5 3,5
* Percentagens do número de indivíduos que indicaram pertencer a cada tipo de associação, em
relação ao total de indivíduos com pertença associativa em cada grupo.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Para analisar o associativismo em Portugal, importa caracterizar, para


além da pertença, a participação efectiva dos portugueses nas estruturas de
tipo associativo e, no contexto da sociedade em rede, o uso da internet nesse
domínio. Para esta análise, recorre-se a indicadores agregados construídos a
partir dos vários tipos de associações, apresentados anteriormente,
relativamente aos quais os inquiridos indicaram pertencer, participar e usar
redes sociais. O quadro 6.9 evidencia estas distribuições tendo em conta o
número total de associações e diferenciando utilizadores e não utilizadores de
internet.
São os utilizadores de internet que pertencem e que participam num
maior número de associações, quando comparados com os não utilizadores e
com a população portuguesa em geral. Acresce que quase três quartos dos
utilizadores de redes sociais com pertença associativa fazem uso desse
mesmo recurso social digital em rede no âmbito da associação (o que perfaz

245
cerca de 40% do total de indivíduos com pertença associativa). Há dez anos
atrás o uso da internet nesse contexto era bem mais reduzido – apenas um em
cada dez utilizadores de internet que pertenciam a associações o faziam –, o
que mostra que os portugueses estão actualmente a funcionar na sociedade
em rede de modo mais integrado e a usar crescentemente as potencialidades
comunicativas desta forma de organização social.
O principal intuito com que as redes sociais são utilizadas pelos
portugueses no âmbito da sua pertença associativa é dar e/ou receber
informação – em média, 62% indicam esse como o motivo primordial
relativamente às associações em torno das quais usam redes sociais. Seguem-
se os intuitos de comunicar com outras pessoas interessadas nos mesmos
temas (20%) e de comunicar com a associação (18%).

Quadro 6.9 Número de entidades associativas a que pertencem, em que participam e em


relação às quais usam redes sociais, segundo utilização da internet (universo
dos indivíduos com pertença associativa) (%)

Não
Utilizadores Total
utilizadores
Nº total de associações a que 1 associação 53,8 68,5 58,5
pertence 2 associações 17,3 19,8 18,1
(p<0,01) 3 associações ou mais 28,9 11,7 23,3
Total 100,0 100,0 100,0
(n=210) (n=99) (n=309)

Nº total de associações em que Nenhuma 15,9 18,8 16,8


participa 1 associação 45,3 59,1 49,7
(p<0,01) 2 associações ou mais 38,8 22,1 33,4
Total 100,0 100,0 100,0
(n=210) (n=99) (n=309)

Nº total de associações em relação Nenhuma -- -- 27,0


às quais usa redes sociais * 1 associação -- -- 41,1
2 associações ou mais -- -- 31,8
Total -- -- 100,0
(n=179)
* Universo dos indivíduos com pertença associativa que utilizam redes sociais.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Mas o uso de redes sociais relacionado com associações pode assumir


outros contornos e implicar também quem não tem pertença associativa.
Procurou-se assim perceber se as redes sociais são utilizadas, mesmo por
quem não integra nenhuma associação, para apoiar causas relacionadas com
entidades associativas (quadro 6.10).
Os resultados indicam que 30% da população utilizadora de redes sociais
apoiou causas na rede relacionadas com associações durante o último ano (o

246
que corresponde a 13% dos portugueses em geral). Note-se que 19%
apoiaram causas até de mais de uma associação. Diferenciando os indivíduos
(que usam redes sociais) com pertença associativa dos indivíduos que não
pertencem a nenhum tipo de associação, percebe-se que são os primeiros
quem mais apoiou causas na rede digital relacionadas com grupos associativos
(64%). Não obstante, 18% dos indivíduos sem pertença associativa utilizadores
de redes sociais também o fizeram.

Quadro 6.10 Número de entidades associativas em relação às quais apoiaram causas nas
redes sociais, segundo pertença associativa (universo dos utilizadores de
redes sociais) (%)

Nº total de associações em relação às Pertença associativa


Total
quais apoiou causas nas redes sociais Sim Não Ns/nr (n=667)
durante o último ano (n=180) (n=482) (n=5)
Nenhuma 36,1 82,2 77,9 69,7
1 associação 26,7 5,9 0,0 11,5
2 associações ou mais 37,2 11,8 22,1 18,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

O facto de quase um terço da população utilizadora de redes sociais


apoiar causas relacionadas com associações nesse contexto, e de essa ser
uma prática com um significado considerável mesmo entre quem não tem
pertença associativa, confirma as potencialidades da internet e particularmente
das redes sociais na divulgação de causas e também enquanto novo espaço
para expressar opiniões e interesses e participar de uma espécie de
associativismo informal emergente.

Apoio a campanhas de solidariedade e participação cívica

Depois de analisar a relação dos portugueses com as entidades


associativas, procurou-se perceber como decorre a sua participação ou apoio a
campanhas de solidariedade ou acções de intervenção cívica e social.
Os resultados do inquérito Sociedade em Rede 2013 mostram que 23%
dos portugueses apoiam ou participam em campanhas sobre temas como a
defesa dos direitos humanos, a conservação da natureza, a luta contra a

247
pobreza, a igualdade de género, a defesa das crianças, entre outras de
carácter semelhante – 19% fá-lo ocasionalmente e 4% habitualmente (quadro
6.11). Ao contrário da pertença associativa formal, cuja adesão parece ter-se
mantido sem grandes alterações na última década, o apoio ou participação
neste tipo de campanhas de solidariedade e participação cívica aumentou entre
2003 e 2013. No início da primeira década do século, eram 15% os
portugueses que declaravam apoiar ou participar nas campanhas em causa,
passando a representar 23% em 2013, o que revela uma evolução positiva
neste domínio.

Quadro 6.11 Apoio ou participação em campanhas cívicas e sociais, segundo utilização da


internet (%)

Apoia ou participa em campanhas sobre temas como a


Não
defesa dos direitos humanos, a conservação da Utilizadores Total
natureza, a luta contra a pobreza, a igualdade da (n=852)
utilizadores (n=1542)
(n=690)
mulher, a defesa das crianças ou outras idênticas?
Sim, habitualmente 6,0 2,3 4,4
Sim, ocasionalmente 23,2 12,9 18,6
Não 69,4 83,1 75,6
Ns/Nr 1,3 1,6 1,5
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

Tal como em indicadores anteriores, é no grupo dos utilizadores de


internet que surge uma adesão mais forte a campanhas de solidariedade e
uma maior participação cívica e social. Quase 30% dos utilizadores de internet
apoiam ou participam nesse tipo de acções. Em contrapartida, só 15% dos não
utilizadores de internet o fazem. Adicionalmente, estas práticas são mais
comuns entre a população activa (26%), entre os indivíduos no escalão etário
dos 35 aos 54 anos (27%) e, de forma ainda mais evidente, entre quem tem
uma formação universitária (35%) e entre os profissionais técnicos e de
enquadramento (36%).
A internet e particularmente as redes sociais são hoje espaços que
facilitam e favorecem o desenvolvimento e a participação em campanhas
cívicas e sociais, sendo vários os fins de utilização com que podem ser usados.
Os resultados ilustram esta situação entre quem tem acesso a esses recursos
tecnológicos (quadro 6.12). Assim, 62% dos utilizadores de redes sociais
declaram utilizar as redes sociais para receber informação relacionada com as

248
campanhas que apoiam ou em que participam; 57% declaram utilizá-las para
divulgar causas a serem apoiadas; 46% para comunicar com outras pessoas
interessadas nos mesmos temas; e 27% para organizar acções,
individualmente ou em grupo. A utilização das redes sociais para algum destes
aspectos relacionados com as campanhas que apoiam ou em que participam é
referida no total por 84% dos utilizadores de redes sociais que desenvolvem
acções deste tipo.
No que concerne a outras ferramentas da internet, 49% dos utilizadores
de internet que apoiam ou participam em campanhas de solidariedade ou
participação cívica utilizam-nas para receber informação no seu âmbito; 27%
também ou só para estabelecer contacto com outras pessoas interessadas nos
mesmos temas; 20% para divulgar causas a serem apoiadas; e 16% para
organizar acções. A utilização destas ferramentas digitais para algum dos
aspectos mencionados é declarada por 57% dos utilizadores de internet que
apoiam ou participam nas campanhas em causa.

Quadro 6.12 Modos de utilização das redes sociais e de outras ferramentas da internet em
campanhas que apoiam ou em que participam (redes sociais: universo dos
utilizadores de redes sociais; internet: universo dos utilizadores de internet) (%)

Modos de utilização das redes sociais e da internet em campanhas Sim Não Total
Redes sociais Para receber informação 61,5 38,5 100,0 n=202
Para comunicar com outras pessoas interessadas
45,5 54,5 100,0 n=202
nos mesmos temas
Para organizar acções (individualmente ou em grupo) 27,3 72,7 100,0 n=202
Para divulgar causas a serem apoiadas 57,2 42,8 100,0 n=202

Internet Para receber informação 48,9 51,1 100,0 n=249


Para comunicar com outras pessoas interessadas
26,6 73,4 100,0 n=249
nos mesmos temas
Para organizar acções (individualmente ou em grupo) 15,7 84,3 100,0 n=249
Para divulgar causas a serem apoiadas 20,0 80,0 100,0 n=249

Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

A recepção de informação sobre as campanhas é o objetivo de utilização


das redes sociais e da internet que mais sobressai neste âmbito. No caso das
redes sociais, a vertente de divulgação assume também um lugar de destaque,
e até mesmo a componente comunicativa. Tanto no caso das redes sociais
como de outras ferramentas da internet, a acção directa individual ou em grupo
é o aspecto para o qual menos se utiliza a internet. Estas práticas são bastante
mais comuns na actualidade do que eram há dez anos atrás.

249
Abaixo-assinados, cartas de protesto e contactos com instituições

A internet pode também favorecer o contacto entre cidadãos e a


administração pública ou os órgãos de soberania. Será que isso acontece em
Portugal? Serão os portugueses activos civicamente no contacto com as
instituições públicas? Que práticas desenvolvem? Qual o papel das redes
sociais e de outras ferramentas da internet?
Para dar resposta a estas questões analisou-se, em primeiro lugar, um
indicador relativo à subscrição de abaixo-assinados, ao envio de cartas de
protesto ou reclamação a órgãos do estado e da administração pública e ao
apoio de causas neste âmbito (quadro 6.13). Cerca de 15% dos portugueses
afirmam já ter realizado as acções referidas, mais cinco por cento do que em
2003. Não obstante, representam ainda uma larga maioria dos portugueses
(83%) aqueles que nunca colaboraram ou desenvolveram qualquer tipo de
iniciativa deste género.
Os utilizadores de internet surgem como os mais activos, sendo que 21%
referem já ter efectuado em alguma ocasião uma destas acções, contra 7% de
não utilizadores. Este tipo de acções é também mais recorrente entre a
população activa (17%), entre os indivíduos na faixa etária dos 35 aos 54 anos
(18%), mas principalmente entre os qualificados ao nível do ensino superior
(26%) e os profissionais técnicos e de enquadramento (29%). Estes dados
comprovam claramente o quão determinantes são a posse de recursos
educativos e o desenvolvimento de competências informacionais na adoção de
formas de intervenção junto da administração pública ou dos órgãos de
soberania, e portanto no desenvolvimento de uma postura mais proactiva na
defesa dos direitos de cidadania.

Quadro 6.13 Subscrição de abaixo-assinados ou cartas de protesto ou reclamação a órgãos


do estado e da administração pública, segundo utilização de internet (%)
Em alguma ocasião subscreveu abaixo- Utilizadores Não Total
assinados, apoiou causas ou escreveu (n=852) utilizadores (n=1542)
cartas de protesto ou reclamação a órgãos (n=690)
do estado e da administração pública?
Sim 20,6 7,0 14,5
Não 76,6 90,8 83,0
Ns/Nr 2,8 2,2 2,5
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

250
Os portugueses que já subscreveram abaixo-assinados ou enviaram
cartas de protesto ou reclamação a órgãos do estado e da administração
pública, dirigiram essas acções principalmente a deputados da Assembleia da
República (35%), ao Presidente da República (25%), a Câmaras Municipais
(25%) e a ministros (19%). Essas acções, quando realizadas pelos utilizadores
de internet, foram também dirigidas em maior número a deputados da
Assembleia da República. Já os não utilizadores de internet remeteram-nas
essencialmente a Câmaras Municipais, que enquanto instituições do governo
local apresentam uma maior proximidade física dos cidadãos.
A internet e as redes sociais são recorrentemente utilizadas para realizar
as acções em causa (quadro 6.14). Assim, 44% dos utilizadores de redes
sociais (i.e. 34% dos utilizadores de internet ou 26% do total de portugueses)
que as realizaram já o fizeram pelo menos uma vez através dessa plataforma,
por exemplo através do apoio a causas. Também através de outras
ferramentas da internet, como petições, se podem tomar iniciativas de
contestação a órgãos do estado e da administração pública: 51% dos
utilizadores de internet (i.e. 40% dos portugueses) que tomaram este tipo de
iniciativa fizeram-no através dessas ferramentas digitais. Em 2003 era metade
o valor percentual de internautas que utilizavam a internet com esse efeito.
Fica assim mais uma vez demonstrada a relevância das novas
plataformas tecnológicas e do acesso a elas, na divulgação e no apoio a
causas e na reivindicação de direitos, constituindo-se presentemente não
apenas como um estímulo à responsabilidade social mas também como um
instrumento de cidadania em contexto democrático.

Quadro 6.14 Utilização das redes sociais e de outras ferramentas da internet em acções que
desenvolveram - subscrição de abaixo-assinados ou cartas de protesto ou
reclamação a órgãos do estado e da administração pública (redes sociais:
universo dos utilizadores de redes sociais; internet: universo dos utilizadores de
internet) (%)

Alguma vez efectuou essas acções através das redes sociais


Sim Não Ns/nr Total
ou de outras ferramentas da internet como petições?
Redes sociais (causas) 43,9 48,5 7,5 100,0 n=134

Internet (petições) 51,2 41,5 7,3 100,0 n=175

Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

251
No que concerne particularmente ao contacto com a administração
pública local e à consulta de sites de serviços governamentais, algumas
questões adicionais são analisadas.
A taxa relativa ao contacto com a Câmara Municipal ou Junta de
Freguesia pelos portugueses para obter informação sobre alguma coisa que
afecte a cidade em que vivem é de 21% (mais 7% do que em 2003). Não se
encontram diferenças a este respeito entre utilizadores e não utilizadores de
internet. No que se refere à utilização das redes sociais e de outras
ferramentas da internet como meios para realizar os contactos com os órgãos
do poder local, o primeiro recurso foi mobilizado por 19% dos utilizadores de
redes sociais que já tomaram essa iniciativa, e o segundo por 26% dos
utilizadores de internet na mesma situação (neste caso, o dobro da
percentagem de internautas que realizavam esses contactos através da
internet em 2003).
A criação de sítios na internet de serviços governamentais, com um
conjunto de funcionalidade para os cidadãos, foi na última década uma aposta
governativa em Portugal. Segundo dados do inquérito Sociedade em Rede
2013, o site do Ministério das Finanças e o da Segurança Social são
claramente os mais visitados, seguidos dos sites das Câmaras Municipais.
Respectivamente, 60%, 50% e 36% dos internautas visitam estes sites com
alguma regularidade. Já as páginas electrónicas das Juntas de Freguesia, do
Ministério da Justiça, da União Europeia, da Assembleia da República e da
Presidência da República são visitadas, em sentido decrescente, por entre 20%
e 6% dos inquiridos. Quem consulta este tipo de sites declara de forma
inequívoca ter sido útil a visita. A menor percepção dessa utilidade,
comparativamente aos restantes sites, ocorre entre os visitantes da página da
Presidência da República, sendo que ainda assim perto de três quartos tenham
considerado a visita proveitosa.

252
Acções de protesto

Os primeiros anos da segunda década do século XXI têm sido marcados


em Portugal, à semelhança do que acontece um pouco por todo o mundo, pelo
surgimento de vários movimentos sociais de contestação com origem nas
redes sociais. Neste ponto procura-se perceber qual a participação dos
portugueses nestes protestos, qual a sua opinião sobre eles e qual o papel das
redes sociais no seu âmbito.
A participação dos portugueses foi tida em conta em relação a quatro
movimentos de contestação emblemáticos ocorridos em dois momentos
distintos da História recente nacional e internacional: entre o final da década de
90 e o início da primeira década do século XXI, as acções de protesto ou
solidariedade com o povo de Timor (1999) e os protestos contra a invasão do
Iraque (2003) e, já no início da segunda década do presente século,
acompanhando a tendência mundial de intensificação de acções colectivas de
contestação, o protesto da “geração à rasca” (2011) e os protestos globais
contra a austeridade (2012 e 2013). Os primeiros dois protestos ocorreram
ainda numa fase prematura da sociedade em rede no nosso país, enquanto os
dois últimos decorreram já numa fase mais consolidada dessa forma de
organização social, num contexto de pleno desenvolvimento das redes sociais.
Os protestos relacionados com Timor e com o Iraque, mais distantes no
tempo, são os que os alcançaram menor adesão comparativamente aos
protestos mais recentes e direccionados para o contexto nacional. Tomando
por base as respostas dos inquiridos, participaram no protesto contra a invasão
do Iraque cerca de 1% dos portugueses, e nas acções de solidariedade com o
povo de Timor 4%. Por sua vez, dizem ter estado presentes no protesto da
“geração à rasca”, que pretendia chamar a atenção para a precariedade
laboral, perto de 6% dos portugueses. Mas os protestos que mais pessoas
envolveram foram os protestos globais, que decorreram principalmente em
2012 e 2013, contra as políticas de austeridade implementadas em contexto de
crise económica. Segundo os dados do inquérito, os protestos contra a
austeridade tiveram a adesão de 11% dos portugueses, ou seja, cerca de um
em cada dez portugueses participou neste movimento social.

253
Um dado interessante é que nos protestos mais antigos não existe
diferença significativa entre utilizadores e não utilizadores de internet na
adesão a estas iniciativas. Essa diferença passa a ser relevante nos protestos
mais recentes: nos protestos da década de 2010 a participação entre os
internautas é bastante superior à participação entre os não utilizadores (quadro
6.15). A diferença entre os dois grupos (a favor dos internautas) é de 6% no
que concerne à participação no protesto da ”geração à rasca” e de 9% no que
refere à presença nos protestos contra a austeridade. No caso dos protestos
contra a austeridade, a taxa de participação entre os utilizadores chega aos
15%.
Também em termos etários é nos protestos mais recentes que se
encontram diferenças significativas. Os indivíduos no escalão etário dos 15 aos
34 anos, seguidos dos indivíduos com idade entre os 35 e os 54 anos, foram os
que mais aderiram a estes movimentos de protesto.
O nível de escolaridade introduz também diferenciação, neste caso nos
protestos mais recentes e nas acções de solidariedade com o povo de Timor,
sendo os qualificados do ensino superior e do ensino secundário os mais
participativos. Na actualidade esses grupos distanciam-se claramente dos
escolarizados com o nível de ensino básico, onde se verifica uma menor taxa
de adesão às acções de protesto.
Nos protestos da “geração à rasca” e nos protestos contra a austeridade a
taxa de adesão entre os estudantes é a mais elevada, seguida da taxa de
adesão entre os activos (semelhante entre empregados e desempregados), e
depois entre os reformados.
Não se verificam diferenças muito relevantes entre categorias
socioprofissionais, evidenciando-se contudo os profissionais técnicos e de
enquadramento como aqueles que mais têm participado nas acções – a sua
adesão chega aos 15% nos protestos contra a austeridade.

254
Quadro 6.15 Participação em acções de protesto segundo utilização da internet, idade, nível
de escolaridade, condição perante o trabalho e categoria socioprofissional (%*)

Acções de Protestos contra Protesto da Protestos contra


Participação em acções de protesto solidariedade com o a invasão do “geração à a austeridade,
povo de Timor, 1999 Iraque, 2003 rasca”, 2011 2012-13
Utilização da internet p<0,01 p<0,01

Utilizadores 5,0 1,4 8,0 14,7


Não utilizadores 3,2 1,4 2,4 5,8
Escalões etários p<0,01 p<0,01

15-34 anos 3,1 1,0 8,2 14,4


35-54 anos 5,1 2,1 5,2 11,1
55 ou mais anos 4,3 0,9 3,7 7,5
Nível de escolaridade (completo) p<0,01 p<0,01 p<0,01

Ensino superior 7,3 2,6 9,3 17,0


Ensino secundário 4,8 1,0 9,1 16,1
Ensino básico 2,9 1,2 2,8 6,5
Condição perante o trabalho p<0,04 p<0,03 p<0,01

Estudantes 0,0 0,0 8,6 15,3


Activos 4,9 1,6 6,2 12,6
Empregados 5,3 2,0 6,2 12,9
Desempregados 3,4 0,0 6,2 11,5
Reformados ou outros inactivos 3,7 1,2 3,2 5,5
Categoria socioprofissional ** p<0,03

Empresários, dirigentes e profissionais liberais 5,7 1,7 5,6 9,0


Profissionais técnicos e de enquadramento 8,0 2,5 6,0 15,1
Empregados executantes 5,6 2,0 5,5 11,5
Operários industriais 3,1 1,2 5,3 11,0
Total 4,2 1,4 5,5 10,7
* Percentagens do número de indivíduos que participaram em cada uma das acções de protesto, em relação ao total de
indivíduos em cada grupo.
** Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – trabalhadores independentes,
agricultores independentes e assalariados agrícolas.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Como já referido, os “novos” movimentos sociais de contestação surgem


num contexto onde as redes sociais online já estão largamente difundidas. Em
contexto de crise económica, a rede digital foi apropriada enquanto instrumento
de mobilização social. Mas qual terá sido a relevância das redes sociais na
divulgação destas iniciativas? Os dados do inquérito Sociedade em Rede 2013
mostram a grande abrangência da divulgação proporcionada através desse
meio (quadro 6.16). Cerca de metade dos portugueses que utilizam redes
sociais foram convidados ou tomaram conhecimento das acções de protesto
através das redes sociais online: 47% no caso do protesto da “geração à rasca”
e 54% no caso dos protestos contra a austeridade. Isto significa que quase um
quarto da população em geral teve conhecimento dos protestos contra a
austeridade ou foi motivada a participar neles através das redes sociais.
As redes sociais constituem-se também como espaços informais de
partilha de ideias e opiniões, o que parece ter acontecido também em relação
às acções de protesto e aos seus objectivos e reivindicações (quadro 6.16).
Cerca de 20% dos utilizadores de redes sociais dizem ter expressado a sua

255
opinião a este respeito nas redes sociais, mais especificamente 17% em
relação ao protesto que reivindicava o fim da precariedade laboral e 22%
relativamente aos protestos contra as medidas de austeridade. Isto significa
que, no último caso, um em cada dez portugueses utilizou as redes sociais
para manifestar a sua opinião.

Quadro 6.16 Divulgação das acções de protesto e manifestação de opinião através das
redes sociais (universo dos utilizadores de redes sociais) (%)

Protesto da Protestos contra


“geração à rasca” a austeridade
Foi convidado ou tomou conhecimento das Sim 47,2 54,3
acções de protesto através das redes sociais? Não 52,8 45,7
Total (n=667) 100,0 100,0
Manifestou a sua opinião através das redes Sim 16,7 22,1
sociais? Não 83,3 77,9
Total (n=667) 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

No seguimento da análise, procura-se perceber qual a opinião dos


portugueses sobre os protestos contra a austeridade realizados em Portugal
em 2012 e 2013 (quadro 6.17). Indubitavelmente, os portugueses têm uma
opinião positiva acerca destes movimentos. Cerca de 68% indicam ter uma
opinião favorável ou totalmente favorável, sendo que 37% escolhem mesmo a
última opção. Já 17% preferem uma posição intermédia e 9% não se mostram
favoráveis aos protestos em causa.
Adicionalmente, 51% dos portugueses consideram-se, em parte ou
totalmente, apoiantes dos protestos contra a austeridade (quadro 6.17). Cerca
de 23% têm uma posição mais ponderada entre o apoio e a ausência de apoio
e 19% não se percepcionam como apoiantes.

Quadro 6.17 Opinião sobre os protestos contra a austeridade: percepção geral e apoio

%
5-
1- Nada Totalmente Total Média
(favorável) 2 3 4 (favorável) Ns/Nr (n=1542) (1 a 5)
Qual a sua opinião sobre os protestos
contra a austeridade realizados em 3,6 5,2 16,7 31,6 36,8 6,1 100,0 3,99
Portugal em 2012 e 2013?
Considera-se um apoiante desse
9,2 9,8 22,5 27,6 23,6 7,3 100,0 3,50
movimento de protesto?
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

256
Embora a opinião favorável sobre os protestos seja relativamente
convergente entre os portugueses, verificam-se algumas diferenças entre
grupos sociais. Os internautas tendem a ter uma opinião favorável mais
extremada e esclarecida do que os não utilizadores de internet. São também
eles que mostram menos indecisão em considerarem-se apoiantes do
movimento de protesto contra a austeridade.
O mesmo acontece com os indivíduos até aos 54 anos e com os activos.
A análise por categoria socioprofissional é interessante, pois mostra que os
profissionais técnicos e de enquadramento e que os empregados executantes
são os que mais evidentemente mostram uma opinião favorável e se
consideram apoiantes, por contraponto aos empresários, dirigentes e
profissionais liberais, que são os mais comedidos a esse respeito (embora a
maioria tenha uma opinião favorável). A escolaridade introduz distinção
essencialmente a respeito da questão que remete para o apoio ao movimento
de protesto. Comparativamente com os restantes indivíduos, os escolarizados
com o ensino básico são os que se mostram mais reticentes em se
considerarem apoiantes desse movimento, incidindo neles também a maior
percentagem de não respostas.
Questionados ainda especificamente sobre os objectivos dos protestos
contra a austeridade, quase 70% dos portugueses mostra concordar, em parte
ou totalmente, com os mesmos (quadro 6.18). Cerca de 18% não concordam
nem discordam e apenas 6% afirmam discordar com os propósitos desses
protestos.
Também a forma como os protestos em causa foram conduzidos obtém a
concordância da maioria dos portugueses, embora se verifique uma maior
indecisão ou desconhecimento a este respeito (quadro 6.18). Assim, 53%
concordam em parte ou totalmente com os meios utilizados nestas
reivindicações, 27% não concordam em discordam e 11% discordam. A
percentagem de não respostas ascende neste caso aos 9%.

257
Quadro 6.18 Opinião sobre os protestos contra a austeridade: objectivos e forma como foram
conduzidos

%
Não
1- concorda 5-
Em que medida concorda ou Discorda nem Concorda Total Média
discorda com… totalmente Discorda discorda Concorda totalmente Ns/Nr (n=1542) (1 a 5)
Os objectivos dos protestos
1,5 4,0 18,4 46,3 22,7 7,1 100,0 3,91
contra a austeridade
A forma como os protestos
contra a austeridade estão a 2,6 7,9 27,4 39,3 13,4 9,4 100,0 3,58
ser conduzidos
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

A mesma tendência de diferenciação observada nas questões anteriores


ocorre em geral a respeito dos indicadores agora apresentados. Não obstante,
no que concerne à opinião acerca dos objectivos dos protestos, alguns grupos
evidenciam-se particularmente. Os que mais expressam a sua concordância
com os objectivos dos protestos contra a austeridade são os indivíduos com
pelo menos o ensino secundário (71%), os activos (72%), principalmente os
desempregados (74%), e os indivíduos com a categoria socioprofissional de
empregados executantes (75%).
Já se analisou neste ponto o uso das redes sociais para manifestar
opinião no âmbito de acções de protesto ou como forma de tomar
conhecimento das mesmas. Há um conjunto alargado de fins relacionados com
a intervenção cívica, social e política para os quais se pode usar este tipo de
serviço online, como expressar opiniões em relação ao governo, a empresas e
instituições, apoiar causas ou mobilizar outros indivíduos em relação às causas
que se defende. Em jeito de sumário e de aprofundamento do conhecimento
acerca da utilização das redes sociais no domínio em causa, questionou-se
assim os inquiridos acerca da realização de um conjunto de acções através
desse media social (quadro 6.19).
Os resultados mostram que, de entre os itens apresentados, apoiar uma
causa nacional através de um like ou de um comentário é a acção mais comum
entre os utilizadores de redes sociais: 44% declaram ter utilizado sites de redes
sociais com esse intuito ao longo do último ano. Em segundo lugar surge o
apoio de causas internacionais através das mesmas funcionalidades referidas
para as causas nacionais (38%). Segue-se um item com uma vertente um
pouco distinta, referente ao apelo à participação num evento cultural, e, logo de
seguida, o intuito de utilização das redes sociais para comentar positiva ou

258
negativamente as políticas do governo (ambos com 30% de realização no
último ano pelos utilizadores de redes sociais). Acima dos 20% de
representação na amostra aparece ainda a acção de comentar positiva ou
negativamente uma dada figura pública (23%).
Os itens que obtêm um valor percentual mais reduzido, indicativo de uma
utilização das redes sociais comparativamente menor, mas ainda assim
bastante relevante, para esses fins, são: colocar um post ou fazer like para
apoiar o desempenho de empresas ou bancos (15%), apelar à participação em
manifestações (15%), criticar práticas económicas ou decisões de empresas ou
bancos (14%), criar um grupo de apoio a uma causa social, ambiental ou cívica
(13%) e sugerir o apoio a um partido político através de um like ou de um
comentário (12%).

Quadro 6.19 Utilização das redes sociais com fins de intervenção cívica, social e política
(universo dos utilizadores de redes sociais) (%)

Total
Ao longo do último ano alguma vez utilizou sites de redes sociais para: Sim Não Ns/nr
(n=657)
Apoiar uma causa nacional através de um like ou de um comentário 44,3 52,7 3,0 100,0
Apoiar uma causa internacional através de um like ou de um comentário 38,2 58,5 3,3 100,0
Apelar à participação num evento cultural 29,9 67,0 3,1 100,0
Comentar positiva ou negativamente as políticas do governo 29,6 67,3 3,0 100,0
Comentar positiva ou negativamente uma dada figura pública 23,1 74,1 2,9 100,0
Colocar um post ou fazer like para apoiar o desempenho de empresas ou bancos 15,4 81,5 3,1 100,0
Apelar à participação em manifestações 14,7 82,0 3,3 100,0
Criticar práticas económicas ou decisões de empresas ou bancos 13,5 84,0 2,6 100,0
Criar um grupo de apoio a uma causa social, ambiental ou cívica 13,1 83,2 3,7 100,0
Sugerir o apoio a um partido político através de um like ou de um comentário 11,8 84,9 3,3 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Este cenário não é totalmente uniforme entre todos os utilizadores de


redes sociais. Um primeiro padrão de distribuição evidencia que os diplomados
do ensino superior destacam-se, face aos restantes indivíduos, no apoio a
causas internacionais. Os activos sobressaem, relativamente aos indivíduos
com outras condições perante o trabalho, no comentário às políticas do
governo, no comentário a figuras públicas, na colocação de posts ou likes para
apoiar o desempenho de empresas ou bancos, e no apoio a causas nacionais.
Já os profissionais técnicos e de enquadramento destacam-se,
comparativamente aos trabalhadores das restantes categorias
socioprofissionais, na crítica às práticas económicas ou decisões de empresas

259
ou bancos, e no apelo à participação em eventos culturais. Os homens
distinguem-se por ser mais comum entre eles do que entre as mulheres a
utilização de sites de redes sociais para comentar as políticas do governo.

Opiniões sobre as relações cidadãos-governos

No seguimento da análise das formas de participação cívica e política,


apresenta-se um conjunto de indicadores que permitem avaliar as opiniões que
os portugueses têm sobre as relações entre os cidadãos e os governos e sobre
a sua própria capacidade de influenciar ou não as decisões políticas (quadros
6.20 e 6.21).
Uma das conclusões a retirar do quadro 6.20 prende-se, à primeira vista,
com algum cepticismo registado entre os portugueses quanto à sua capacidade
de influenciar as decisões políticas ou económicas. Alguns dos valores mais
elevados de concordância surgem com frases que expressam o sentimento de
incapacidade dos cidadãos comuns para poderem controlar acções dos
membros do governo (76%), influenciar as decisões políticas mundiais junto
dos mais poderosos (70%) ou impedir a subida dos preços enquanto
consumidores (67%).
No conjunto, porém, estas questões apresentam-se aos olhos dos
inquiridos como mais complexas e ambivalentes. Com efeito, apesar do
cepticismo referido, a respeito do peso provável das suas intervenções
enquanto cidadãos face às acções específicas dos poderes políticos e
económicos, os indivíduos não deixam de assumir o seu protagonismo
potencial no rumo dos acontecimentos mundiais. Uma das maiores taxas de
concordância vai para uma frase que declara a capacidade de os cidadãos
influenciarem os acontecimentos mundiais com mobilizações políticas e sociais
(68%). A convocação dos cidadãos para actuar na busca de um propósito
comum, nomeadamente através de movimentos e acções de protesto, são
assim percepcionados como efectivos veículos de mudança social. Uma
maioria menos alargada (52%) acredita também que com esforço e em
conjunto se podia acabar com a corrupção política.

260
Uma maior divisão entre a concordância e a discordância é encontrada a
respeito da concepção de responsabilidade cívica e política dos cidadãos na
escolha dos governantes e no seu interesse pela política, e relativamente à sua
influência no que o governo decide.

Quadro 6.20 Opiniões sobre as relações cidadãos – governos (%)

Total
Opiniões sobre as relações cidadãos – governos Concorda Discorda Ns/Nr
(n=1542)

As pessoas podem influenciar os acontecimentos mundiais com


68,3 16,5 15,2 100,0
mobilizações políticas e sociais
Os cidadãos comuns têm influência no que o governo decide 42,1 47,3 10,6 100,0
Para as pessoas é difícil controlar o que fazem os membros do governo 75,8 13,7 10,4 100,0
No mundo há umas quantas pessoas que mandam e os cidadãos comuns
69,5 15,8 14,7 100,0
não podem fazer grande coisa para controlá-los
Com esforço e em conjunto podíamos acabar com a corrupção política 52,4 32,2 15,4 100,0
Um dos motivos das guerras é porque as pessoas não se interessam
36,7 41,4 21,9 100,0
suficientemente pela política
Nós, os consumidores pouco podemos fazer para que não subam os preços 67,1 21,0 11,9 100,0
Quando pensa nas decisões políticas, dá-se conta que é impossível
53,2 28,7 18,1 100,0
influenciá-las
Prefere dedicar a sua energia a coisas diferentes do que as que se
51,5 29,9 18,6 100,0
relacionam com a resolução dos problemas do mundo
Os responsáveis da má governação, seja local ou estatal, são
37,9 39,5 22,6 100,0
definitivamente os cidadãos que não votam como deviam
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

O perfil dos utilizadores de internet que se foi encontrando ao longo


destas análises evidencia-se mais uma vez. Quando se comparam os dois
grupos – cibernautas e não utilizadores de internet – os primeiros tendem a
aparecer como cidadãos mais convencidos de que é possível influenciar as
decisões políticas e os acontecimentos mundiais, acreditando que uma das
formas de isso se concretizar é através da mobilização colectiva: 76% dos
utilizadores de internet têm essa percepção a par de 59% dos não utilizadores
(quadro 6.21). Os internautas destacam-se também, comparativamente aos
não utilizadores, por concordarem que se pode acabar com a corrupção política
com esforço e em conjunto, confirmando assim a sua convicção na mobilização
colectiva como meio de mudança social. De um modo geral, os utilizadores
parecem posicionar-se como potencialmente mais intervenientes social e
politicamente. Adicionalmente, os não utilizadores mostram-se mais
desinteressados e desinformados a este respeito, o que é visível na proporção
substancialmente mais elevada de não respostas em todos os itens de opinião
sobre as relações entre cidadãos e governos.

261
Quadro 6.21 Opiniões sobre as relações cidadãos – governos, segundo utilização de
internet (%)

Utilizadores Não utilizadores


Opiniões sobre as relações cidadãos –
governos Total Total
Concorda Discorda Ns/Nr Concorda Discorda Ns/Nr
(n=852) (n=690)

As pessoas podem influenciar os acontecimentos


mundiais com mobilizações políticas e sociais
75,6 14,3 10,2 100,0 59,3 19,4 21,3 100,0
Os cidadãos comuns têm influência no que o
governo decide
43,7 47,9 8,5 100,0 40,0 46,6 13,3 100,0
Para as pessoas é difícil controlar o que fazem os
78,4 13,6 7,9 100,0 72,6 13,8 13,5 100,0
membros do governo
No mundo há umas quantas pessoas que mandam
e os cidadãos comuns não podem fazer grande 71,8 17,9 10,3 100,0 66,6 13,3 20,1 100,0
coisa para controlá-los
Com esforço e em conjunto podíamos acabar com
56,4 32,6 11,1 100,0 47,6 31,7 20,7 100,0
a corrupção política
Um dos motivos das guerras é porque as pessoas
não se interessam suficientemente pela política
35,1 46,9 17,9 100,0 38,6 34,7 26,7 100,0
Nós, os consumidores pouco podemos fazer para
65,7 24,5 9,8 100,0 68,7 16,7 14,6 100,0
que não subam os preços
Quando pensa nas decisões políticas, dá-se conta
51,7 35,6 12,8 100,0 55,1 20,2 24,7 100,0
que é impossível influenciá-las
Prefere dedicar a sua energia a coisas diferentes
do que as que se relacionam com a resolução dos 50,8 33,8 15,4 100,0 52,4 25,2 22,5 100,0
problemas do mundo
Os responsáveis da má governação, seja local ou
estatal, são definitivamente os cidadãos que não 38,9 42,2 19,0 100,0 36,7 36,2 27,1 100,0
votam como deviam
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01 em todos os itens).

Poderá concluir-se então que a internet não só potencia novas


oportunidades de participação e contacto com as diferentes estruturas de
poder, como também os seus utilizadores se apresentam como cidadãos mais
interessados, participativos e mobilizados para a acção individual e colectiva.
Uma análise mais detalhada mostra que quem mais declara acreditar na
capacidade de, através de mobilização colectiva, influenciar os acontecimentos
mundiais, são os activos (71%), os jovens até aos 34 anos (73%), os
escolarizados com o ensino superior (79%), e os profissionais técnicos e de
enquadramento (80%). Este perfil remete para jovens com competências
técnicas e científicas. Apesar de os grupos referidos revelarem-se como os
mais convictos na possibilidade de intervenção social e política, a pouca
distância encontram-se outros, como os indivíduos de meia-idade, os
escolarizados com o ensino secundário e os estudantes. Já os mais velhos, os
menos escolarizados e os reformados são os que encaram como menos
provável a possibilidade de influenciar os acontecimentos mundiais.
Este indicador, que expressa a concordância com a afirmação de que as
pessoas podem influenciar os acontecimentos mundiais através de
mobilizações políticas e sociais, é o que mais se alterou entre 2003 e 2013. Se
não contabilizarmos as não respostas (com uma proporção mais elevada em
2013), conseguimos uma comparação mais clara entre os dois anos. Desta

262
forma, conclui-se que a percentagem de portugueses que concordam com a
afirmação em causa aumentou 16% face ao início da primeira década do
século XXI.
Outras representações que mudaram nos últimos dez anos vão no
sentido da menor responsabilização política dos cidadãos na escolha dos
governantes, da diminuição da convicção de que é impossível influenciar as
decisões políticas, da maior crença na mobilização colectiva para acabar com a
corrupção política, ou ainda da percepção do maior comprometimento de cada
um com a resolução dos problemas do mundo.

Movimentos sociais, manifestos e representações dos portugueses

Como já referido anteriormente, o final da primeira década e o início da


segunda década do século XXI foram marcados em todo o mundo por um
crescendo de protestos. Esses protestos tiveram como principais
reivindicações e causas de indignação a justiça económica/anti-austeridade, o
fracasso da representação política e dos sistemas políticos, a justiça global e
os direitos dos cidadãos (Ortiz et al., 2013).
Em Portugal a primeira e a última foram as reivindicações mais
recorrentes, as quais estão presentes em manifestos como o do movimento “12
de Março”, associado ao protesto “Geração à rasca” (2011), o do protesto
internacional de 15 de Outubro (2011), o do movimento “Que se se lixe a
Troika” e o do “Primavera Global” (2012-2013).
Estes movimentos protestaram contra as políticas de austeridade, as
instituições europeias e o programa da Troika, a especulação financeira, o
desemprego e a precariedade laboral, o aumento da carga fiscal, a redução de
salários e reformas, a desigualdade económica, a privatização de bens
públicos. E defenderam a responsabilização de instituições bancárias e
grandes corporações financeiras pela crise económica, assim como uma
democracia mais participativa, o acesso universal e idealmente gratuito à
saúde, educação e habitação, o desenvolvimento de energias renováveis e a
protecção ambiental, o acesso livre e gratuito à internet e a não monitorização

263
das redes digitais. Estes são os principais motivos de protesto expressos nos
manifestos dos novos movimentos sociais, sendo que alguns movimentos se
focam mais numas ideias e outros centram-se mais noutras. Não obstante, há
um ponto convergente entre todos eles: a percepção de que a mobilização
social é decisiva para influenciar os poderes políticos, sendo dessa forma
possível mudar o rumo dos acontecimentos.
Para terminar este capítulo, questionamo-nos se as ideias defendidas nos
referidos manifestos têm acolhimento pelos portugueses em geral. Vimos
anteriormente que 70% dos indivíduos declaram concordar com os objectivos
dos protestos contra a austeridade. Mas concretamente que opinião têm sobre
cada ideia defendida por estes movimentos? Será que os movimentos sociais
estão a mudar a sua forma de pensar? A presença constante dos lemas destes
movimentos nos meios de comunicação social e nas redes sociais online, seja
por notícias ou comentários a seu respeito ou pelo “passa-palavra” informal no
contexto da rede, poderá estar a contribuir para que os indivíduos sejam mais
receptivos a essas ideias e as integrem nas suas representações mentais e
mesmo práticas sociais?
Analisou-se assim no inquérito algumas das perguntas que focam as
preocupações e as ideias defendidas nos manifestos dos mais recentes
movimentos sociais, e procurou-se perceber que acolhimento essas ideias
mostram ter entre os indivíduos. Os dados apresentados de seguida cumprem
esse objectivo8:

• Perto de 70% dos portugueses pensam que as pessoas podem


influenciar os acontecimentos mundiais com mobilizações políticas e
sociais. A concordância com esta ideia teve um aumento claro entre
2003 e 2013.

• Respectivamente, 38% e 35% dos indivíduos sentem-se identificados


com a Europa e com o Mundo. Cerca de 40% mostram-se mais
reticentes, posicionando-se de forma intermédia entre o sentimento de
identificação e a sua ausência.


8
Alguns indicadores serão analisados mais detalhadamente nos próximos capítulos.

264
• Segundo os resultados de três indicadores de atitudes face à mudança,
85% dos portugueses consideram que precisamos de novas políticas
com ideias novas; 56% acham que quando não se tem certezas é
preferível não propor novas soluções; 70% concordam que os protestos
em geral têm de ser criativos e imaginativos para atrair as pessoas.

• O peso relativo dos indivíduos que acham que podem contribuir para
uma mudança social positiva é de 45%. Os qualificados do ensino
superior são quem mais tem tal percepção (61%).

• Um terço dos portugueses (33%) consideram o governo como o principal


responsável pela crise económica actual, 19% os líderes políticos em
geral, 8% os bancos, e 25% culpam todo um conjunto de instituições,
pessoas e contextos por igual. É entre os indivíduos com qualificação
académica superior que a declaração dos bancos como primeiros
responsáveis pela crise é mais comum (13%).

• A grande maioria da população declara ter-se sentido preocupada com


um conjunto de acontecimentos que ocorreram em 2011 e 2012. O
aumento da taxa de desemprego para uma das mais elevadas da
Europa, a redução do poder de compra da população e a falta de
recuperação económica preocuparam cerca de 90% dos portugueses.
Já a dificuldade em chegar a um consenso sobre as medidas a aplicar
com vista à recuperação económica e o pedido de ajuda financeira à
Troika foram motivos de preocupação para perto de 80% dos indivíduos.
Mais de 70% mostraram ainda a sua inquietação com escândalos como
o caso BPN, o Buraco da Madeira ou o caso dos submarinos.

• Segundo a opinião de 50% dos portugueses, para superar a crise


económica devia haver um equilíbrio entre medidas de austeridade e
medidas de estímulo económico; 31% pensam que devia ser dada
preponderância ao segundo tipo de medidas. Apenas 4% consideram
que devia ser dada preponderância a medidas de austeridade, e 15%
não respondem a esta questão.

265
• Cerca de 85% dos portugueses pensam que, de uma forma geral, devia
haver mais fiscalização por parte do governo em relação às instituições
financeiras, como bancos e empresas de crédito.

• No que concerne a atitudes face ao crédito, 82% dos indivíduos pensam


que só se deve pedir emprestado o que se pode pagar; 59% dizem só
usar o cartão de crédito como último recurso; 54% consideram que os
empréstimos devem ser um risco partilhado de igual modo por quem
empresta e por quem recebe; 53% declaram que os empréstimos de um
banco são um negócio como qualquer outro, se se precisa negoceia-se
para os obter; 34% acham que só se deve pedir emprestado se for para
investir e lucrar.

• Cerca de 60% dos portugueses consideram que o sistema económico


actual afecta negativamente a sua vida pessoal.

• Apenas 8% dos indivíduos consideram que o sistema económico


português tem sido justo para si.

• Segundo a percepção de 83% dos portugueses, a distribuição de


rendimentos em Portugal é mais desigual do que na maioria dos países
da Europa.

• A maioria dos portugueses (78%) acha que o custo do acesso à saúde


em Portugal deve ser maioritariamente suportado pelo Estado; 18%
acham que deve ser repartido por utentes e Estado.

• Perto de 60% dos inquiridos residem em casa comprada e perto de 30%


em casa arrendada. Percentagens semelhantes são registadas para a
questão relativa a uma preferência futura em comprar (57%) ou arrendar
habitação (29%), sendo entre os indivíduos com 35-54 anos que se
verifica um ligeiro aumento da opção de arrendamento (34%). São 27%
os portugueses que aconselhariam os seus filhos a comprar casa, 18%
a arrendar e 44% consideram que dependeria da conjuntura económica
ou de outros factores.

266
• Mais de 80% dos indivíduos puseram os seus filhos a estudar em
escolas públicas, e a mesma percentagem preferia que os seus
educandos frequentassem o sistema público nos vários níveis de ensino.

• Somente 12% dos internautas portugueses concordam que devia


cobrar-se a utilização da internet em função do tipo de conteúdos a que
se acede. A mesma percentagem considera que os reguladores e
estados devem controlar os conteúdos a que se pode aceder na internet.
Respectivamente, 78% e 73% discordam destas situações.

Algumas das ideias expressas nos manifestos dos novos movimentos


sociais parecem, assim, ter acolhimento entre os portugueses em geral, e
algumas com maior incidência entre determinados grupos sociais. Isto embora
algumas ideias sejam mais persistentes e estejam bastante enraizadas na
população, como é o caso na sociedade portuguesa das representações sobre
a habitação.
Em suma, os dados deste capítulo mostram importantes alterações nas
referências identitárias, práticas de cidadania e acção colectiva, nas
representações dos portugueses a respeito do seu papel enquanto cidadãos e
da sua relação com o governo, assim como na sua capacidade de influir nas
decisões políticas. Com o desenvolvimento da sociedade em rede, podem
antever-se transformações ainda mais substanciais na forma como a cidadania
poderá vir a ser exercida. E os indivíduos percebem-se cada vez mais como
actores capazes de ter uma palavra a dizer no que respeita ao contexto que os
rodeia e de usar formas criativas de luta contra as regras sociais (Cardoso,
2014). É possível antever que, num contexto de globalização, aceleração e
instantaneidade de circulação da informação, algumas ideias que “vão
entrando pela casa dos indivíduos” através dos media sociais vão fazendo
caminho nas suas representações, enquanto seres dotados de capacidade
reflexiva e crítica sobre si próprios e o mundo que os rodeia. É esse o poder da
sociedade em rede, uma sociedade em que os indivíduos estão interligados
através de ferramentas que facilitam a comunicação e a partilha de
experiências entre si e que, assim, favorecem a descoberta da sua identidade
individual e colectiva.
267
Capítulo 7

Práticas alternativas e culturas económicas

A crise económica e financeira pós-2008 abriu campo a uma


transformação social que, entre outras áreas, potenciou a alteração das lógicas
de consumo, contribuindo para a difusão de práticas económicas alternativas
ou não capitalistas. Estas práticas afastam-se dos princípios reguladores do
mercado, estruturados com base na obtenção massificada de benefícios, lucro
ou recursos e aproximam-se da busca de satisfação das necessidades
pessoais, contemplando em muitos dos seus processos o afastamento dos
princípios de comércio estipulados no mercado económico, banca, moeda e
capital.
O escrutínio deste modelo de organização económica é particularmente
relevante num contexto de crise, por permitir interpretar as motivações dos
seus agentes, não obstante a sua adoção não ser necessariamente consciente,
abrindo espaço ao debate da institucionalização de práticas alternativas no
sistema de comércio e da sua possível incorporação em processos de
transação estruturados numa política económica alternativa, vinculada aos
princípios de cooperação, troca e autonomia.
No presente capítulo pretende-se, assim, analisar os índices e as
motivações para a realização de práticas de troca e cooperação alternativas,
anexas aos processos que as potenciam. Procurar-se-á também interpretar o
impacto da crise económica ao nível da família e contextos relacionais,
emprego, atitudes perante a vida e no quotidiano, particularmente no acesso a
bens de consumo. Num terceiro momento, incidir-se-á sobre as percepções do
impacto do sistema económico e financeiro na estrutura social, nas estratégias
de gestão e regulação política da crise e da economia e nas percepções sobre
a mudança social.
Em consequência da não existência de um capítulo abrangente das
práticas económicas alternativas no estudo A Sociedade em Rede em Portugal
2003 (Cardoso et al, 2005), os dados presentes neste capítulo serão
articulados com o estudo Otra Vida Es Possible, (Conill et al, 2012), centrado
numa análise equivalente para a região da Catalunha.

269
Práticas alternativas no quotidiano, autonomia e motivações

Os dados recolhidos no âmbito do presente estudo permitem concluir que


a realização de práticas económicas de autonomia pessoal em Portugal, em
2013 se encontram em franca expansão. Destaca-se como prática mais
frequente entre os portugueses a doação de bens que já não utilizam ou
precisam a instituições de solidariedade (33%). Seguem-se a pintura ou
realização de reparações em casa (33%) e a produção ou reparação da própria
roupa (29%). Surgem ainda, com valores bastante significativos, o uso de
refeições preparadas em casa no trabalho (28%) e a plantação de vegetais ou
qualquer outro produto alimentar para consumo próprio (27%), sendo qualquer
uma das práticas indicadas realizada por mais de um quarto dos portugueses.
Entre as práticas menos comuns, destaca-se a recolha de alimentos, fruta
ou objetos úteis encontrados na rua ou em mercados (4%). Paralelamente,
salientam-se as que envolvem a realização de tarefas que implicam
competências técnicas, a terceiros sem mediação de dinheiro, nomeadamente
a reparação de avarias no carro, motociclo ou bicicleta de outros sem a
mediação de dinheiro (6%) e as reparações em casa para outros sem a
mediação de dinheiro (9%). São ainda significativamente reduzidas a reparação
de avarias no carro, motociclo ou bicicleta própria (13%), por consequência da
necessidade de competências técnicas bem como a criação de galinhas,
coelhos ou outros animais para consumo próprio (16%), por consequência da
necessidade de espaços físicos adequados a esta atividade.
De acordo com a estrutura do estudo, considerou-se importante
compreender se a realização deste tipo de práticas varia consoante a condição
de utilizador/não utilizador de internet (quadro 7.1). Os resultados demonstram
que a utilização de internet amplifica a realização deste tipo de práticas na
grande maioria das dimensões de análise.
Destacam-se pela diferença mais significativa entre utilizadores e não
utilizadores o mútuo empréstimo de livros, música ou filmes com pessoas que
não são seus familiares (22%), e a visita a familiares que vivem fora da cidade,
onde tem acesso a bens de cultivo (11%). No extremo oposto encontram-se
maioritariamente atividades que implicam um espaço físico apropriado para a

270
sua realização, nomeadamente a criação de galinhas, coelhos ou outros
animais para consumo próprio (18%) e a plantação de vegetais ou qualquer
outro produto alimentar para consumo próprio (14%).
As características sociais que personificam os utilizadores de internet,
como a maior qualificação, maior incidência nas zonas urbanas e a maior
juvenilidade podem ser justificativas das diferenças de resultados, por se
encontrarem associadas a estilos e práticas culturais quotidianas distintas.
Análise similar pode ser efectuada para a relação entre as práticas e o
sexo dos indivíduos, na qual se destacam o maior índice de realização de
práticas de reparações e manutenções mecânicas aos indivíduos do sexo
masculino, particularmente a realização de pinturas ou realização de próprias
reparações em casa (26%) e a realização de reparações de avarias nos
electrodomésticos próprios (26%). No caso feminino destaca-se a produção ou
reparação da própria roupa (38%). Estes dados reproduzem a lógica social da
maior proximidade dos indivíduos do sexo masculino às tarefas físicas e
mecânicas e da consequente maior apropriação das tarefas de gestão do
espaço e quotidiano familiar por parte dos indivíduos do sexo feminino. De
destacar ainda que os homens portugueses tendem a realizar mais práticas
económicas que envolvem a realização de tarefas que envolvam competências
técnicas a terceiros sem mediação de dinheiro, com valores médios
aproximadamente 10% superiores aos evidenciados para as mulheres.
Os níveis de escolaridade evidenciam a aproximação a determinadas
áreas de práticas de autonomia, destacando-se a produção de alimentos para
consumo próprio e as reparações domésticas na população com escolaridade
ao nível do Ensino Básico ou inferior, as reparações para terceiros e
reparações mecânicas no sector populacional com o Ensino Secundário e as
práticas de solidariedade social e partilha/troca associadas ao sector
populacional com formação ao nível do Ensino Superior.
Analisando as práticas de autonomia pessoal realizadas relativamente à
condição perante o trabalho, os valores são muito similares para os vários
grupos, com um ligeiro destaque para o sector da população empregada,
maioritariamente na prática de atividades de solidariedade e, por inerência à
condição perante o trabalho, o uso de refeições confecionadas em casa no
local de trabalho, com uma expressividade de 41% do total da população.

271
Quadro 7.1 Práticas económicas alternativas, segundo utilização da internet (%*)

Práticas económicas alternativas Utilizadores Não utilizadores Total


(n=852) (n=690) (n=1542)
Plantou vegetais ou qualquer outro produto alimentar para
21,2 35,1 27,4
consumo próprio?
Criou galinhas, coelhos ou outros animais para consumo
7,5 25,5 15,6
próprio?
Levou refeições preparadas em casa para o trabalho? 32,7 21,9 27,9
Fez ou arranjou a sua roupa? 23,7 36,2 29,3
Fez você mesmo a reparação de avarias nos seus
21 17,1 19,3
electrodomésticos?
Pintou ou realizou as suas próprias reparações em casa? 32,7 32,3 32,5
Fez reparações em casa para outros sem a mediação de
9,0 7,8 8,5
dinheiro?
Fez você mesmo a reparação de avarias no seu carro, motociclo
15,7 9,0 12,7
ou bicicleta?
Reparou avarias no carro, motociclo ou bicicleta de outros sem a
7,0 4,3 5,8
mediação de dinheiro?
Recolheu alimentos, fruta ou objetos úteis encontrados na rua
3,8 4,3 4
ou em mercados?
Visitou familiares que vivem fora da cidade, onde tem acesso a
24,5 13,1 19,4
bens de cultivo?
Tomou conta de crianças, idosos ou pessoas doentes que não
12,2 10,4 11,4
são seus familiares sem que lhe pagassem?
Emprestou ou recebeu emprestados livros, música ou filmes de
32,9 11,4 23,3
pessoas que não são seus familiares?
Emprestou ou recebeu emprestados roupa ou calçado de
15,3 11,1 13,4
pessoas que não são seus familiares?
Partilhou o uso de objetos como câmaras de vídeo, ferramentas,
eletrodomésticos e similares com pessoas que não são seus 18,0 8,4 13,7
familiares?
Partilhou o uso de um carro com pessoas que não são seus
23,7 13,0 18,9
familiares?
Emprestou dinheiro sem juros a pessoas que não são seus
16,1 8,9 12,8
familiares?
Fez doações em dinheiro ou bens materiais não usados para
26,1 19,8 23,3
instituições
Doou bens que já não usava ou precisava a instituições de
37,0 27,2 32,6
solidariedade
Fez doação de sangue ou medula? 13,2 8,1 11
* Percentagens do número de indivíduos que indicaram realizar a atividade, em relação ao total de indivíduos em cada grupo.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Através do quadro 7.2, que destaca a última realização de uma prática de


autonomia pessoal realizada, é possível constatar que, tendencionalmente, os
portugueses que adotam estas práticas tendem a realizá-las no seu quotidiano
com frequência. Esta dedução pode ser verificada em praticamente todas as
práticas assinaladas, com a maior concentração de frequência a centrar-se na
última semana e no último mês. Destacam-se como atividades com maior
incidência de realização na última semana as refeições preparadas em casa e
levadas para o trabalho (51%), a criação de galinhas, coelhos ou outros
animais para consumo próprio (49%) e a plantação de vegetais ou qualquer
outro produto alimentar para consumo próprio (42%). Por oposição, destaca-se
como a atividade que os portugueses realizam com menos frequência a

272
doação de sangue ou medula, com 25% da população que realiza esta prática
a tê-la realizado pela última vez há mais de dois anos.

Quadro 7.2 Práticas económicas alternativas, segundo ultima realização (%*)

Na última No último Nos últimos Há mais


Última realização de práticas económicas alternativas
semana mês 2 anos de 2 anos
Plantou vegetais ou qualquer outro produto alimentar
42,4 33,5 14,5 7,8
para consumo próprio?
Criou galinhas, coelhos ou outros animais para
49,2 23,1 11,7 13,5
consumo próprio?
Levou refeições preparadas em casa para o trabalho? 51,2 18,4 13,8 13,3
Fez ou arranjou a sua roupa? 33,5 39,3 19,6 3,6
Fez você mesmo a reparação de avarias nos seus
11,7 34,7 46,3 3,6
electrodomésticos?
Pintou ou realizou as suas próprias reparações em
6,8 25,0 56,9 7,7
casa?
Fez reparações em casa para outros sem a mediação
7,2 31,9 43,9 7,7
de dinheiro?
Fez você mesmo a reparação de avarias no seu carro,
12,7 34,5 42,0 5,3
motociclo ou bicicleta?
Reparou avarias no carro, motociclo ou bicicleta de
10,4 40,7 35,2 4,6
outros sem a mediação de dinheiro?
Recolheu alimentos, fruta ou objetos úteis encontrados
21,3 38,3 22,4 6,5
na rua ou em mercados?
Visitou familiares que vivem fora da cidade, onde tem
23,3 40,5 18,9 1,7
acesso a bens de cultivo?
Tomou conta de crianças, idosos ou pessoas doentes
21,4 32,6 26,4 15,6
que não são seus familiares sem que lhe pagassem?
Emprestou ou recebeu emprestados livros, música ou
14,6 36,2 39,6 7,2
filmes de pessoas que não são seus familiares?
Emprestou ou recebeu emprestados roupa ou calçado
10,7 36,1 39,4 9,8
de pessoas que não são seus familiares?
Partilhou o uso de objetos como câmaras de vídeo,
15,8 35,9 39 5,4
ferramentas,
Partilhou o uso de um carro com pessoas que não são
20,6 42,8 28,7 2,8
seus familiares?
Emprestou dinheiro sem juros a pessoas que não são
9,7 26,7 44,5 13,7
seus familiares?
Fez doações em dinheiro ou bens materiais não
8,3 32,9 50,8 3,7
usados para instituições
Doou bens que já não usava ou precisava a
7,8 31,2 51,3 4,3
instituições de solidariedade
Fez doação de sangue ou medula? 6,8 12,1 50,2 25,1
* Percentagens do número de indivíduos que indicaram realizar a atividade.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

O crescimento das práticas económicas alternativas em Portugal é um


dado particularmente importante para compreender as configurações familiares
dos portugueses em contexto de crise, particularmente na sua gestão da
relação entre custo e produção. De acordo com os dados recolhidos para o
presente estudo, aproximadamente um em cada três portugueses conhece
alguém que realiza ou realizou práticas económicas alternativas. Destacam-se,
com os valores mais expressivos a criação de galinhas, coelhos ou outros
animais para consumo próprio, com 53% da população que não adopta estas
práticas a conhecer alguém que a realiza. A plantação de vegetais ou qualquer
273
outro produto alimentar para consumo próprio (52%) e o uso de refeições
preparadas em casa para no trabalho (52%) a par da produção e manutenção
da roupa própria (46%) são as seguintes práticas com maior índice de
democratização na sociedade portuguesa. De entre os menos referenciados
destacam-se o empréstimo de dinheiro sem juros a pessoas que não são seus
familiares (19%) e a recolha de alimentos, fruta ou objetos úteis encontrados na
rua ou em mercados (22%).
Paralelamente com a análise de práticas de autonomia pessoal e partilha,
o presente estudo enfoca os processos de troca nos contextos de cultura
económica alternativa, com particular incidência nos princípios de cooperação
e no espaço virtual. Não obstante a importância prática, a sua expressividade
no contexto português é francamente inferior à encontrada nas práticas de
autonomia pessoal. Evidenciam-se como práticas de troca mais comuns entre
a população portuguesa a utilização de software livre (17%) e o uso de
downloads legais de software livre da internet (17%). De destacar ainda que
estes são também as dimensões de práticas de troca mais desconhecidas da
população portuguesa. Entre as práticas menos democratizadas na população
portuguesa destacam-se a troca de produtos ou serviços sem a mediação de
dinheiro (2%) e o cuidado ou transporte à escola os filhos de outras pessoas
(5%).
O quadro 7.3 apresenta a relação com as práticas de troca em sistemas
económicos alternativos entre utilizadores e não utilizadores de internet em
Portugal, desbloqueando a conexão de determinadas práticas com as
características sociais anexas aos grupos em análise.
A interpretação dos dados presentes no quadro destaca a maior adesão a
este tipo de práticas na comunidade de utilizadores de internet, com uma
expressividade superior na totalidade do grupo de questões. Demarcam-se, por
inerência, o uso de software livre (31%) e o uso de downloads legais de
software livre da internet (31%). Possivelmente mais importante do que a
relação entre utilizadores e não utilizadores para estas duas questões, em
consequência da necessidade de acesso à internet para que possam ser
realizadas, é o índice de democratização destas práticas dentro da comunidade
de utilizadores de internet, com aproximadamente um terço da população
portuguesa utilizadora de internet a utilizar estes serviços. Evidencia-se ainda

274
na relação entre utilizadores e não utilizadores, fora das práticas que impliquem
um acesso à internet o ensino de alguma coisa a outros em troca de lhe ser
ensinado algo, sem a mediação de dinheiro (9%), com uma diferença de
aproximadamente 7% entre os dois grupos em análise, com destaque para os
utilizadores. Entre as práticas com maior expressividade dentro da comunidade
não utilizadora de internet destaca-se a troca de produtos, roupas ou utensílios
domésticos sem a mediação de dinheiro (4%), ainda que inferior ao valor para
a população portuguesa utilizadora de internet (7%).
Analisando os dados a partir das diferenças ao nível do sexo, destaca-se
o sexo masculino como o grupo em que as práticas de troca se encontram
mais democratizadas, nomeadamente o uso de software livre, com um valor de
22% para a população portuguesa do sexo masculino e 13% para a população
do sexo feminino, bem como o uso de downloads legais de software livre da
internet, com uma incidência de 23% no caso masculino e de 12% no caso
feminino. Com maior incidência na população feminina destaca-se a troca de
produtos, roupas ou utensílios domésticos sem a mediação de dinheiro (7%),
ligeiramente superior ao sexo masculino (4%).
Quanto aos escalões etários, destaca-se o sector populacional integrado
na faixa etária entre os 15 e os 34 anos, com exceção da prática associada ao
cuidado e transporte de filhos de outras pessoas, com maior incidência no
escalão etário entre os 35 e os 54 anos. Estes resultados evidenciam uma
maior apropriação das práticas de troca em sistemas económicos alternativos
aos escalões etários mais baixos, como possível consequência de índices de
escolaridade superior e de taxas superiores de acesso à internet.
A interpretação dos dados em função da escolaridade favorece a
população portuguesa com índices de escolaridade mais elevados.
Sobressaem as práticas que envolvem o uso de internet, com valores na ordem
dos 40% para a população com formação ao nível do Ensino Superior e na
ordem dos 28% para a população com formação ao nível do Ensino
Secundário, por oposição aos 6% para a população com índices de
escolaridade ao nível do Ensino Básico ou inferior.
Ao nível da condição perante o trabalho, o grupo com maior enfoque são
portugueses empregados, destacando-se mais uma vez as práticas associadas
ao uso de internet.

275
A população portuguesa tende ainda a realizar estas práticas com menos
frequência do que as práticas de autonomia pessoal, destacando-se nas
respostas o último mês e os últimos dois anos como os períodos em que foram
realizadas este tipo de práticas pela última vez.

Quadro 7.3 Práticas de troca em sistemas económicos alternativas, segundo utilização da


internet (%*)

Práticas de troca em sistemas económicos alternativos Utilizadores Não utilizadores Total


(n=852) (n=690) (n=1542)
Trocou produtos, roupas ou utensílios domésticos sem a mediação
6,9 4,1 5,6
de dinheiro?
Trocou produtos ou serviços (sem a mediação de dinheiro)? 3,0 0,4 1,8
Tomou conta/levou à escola os filhos de outras pessoas? 6,0 2,6 4,5
Ensinou alguma coisa a outros em troca de lhe ensinarem algo sem
9,2 2,3 6,1
a mediação de dinheiro?
Trocou serviços com alguém (por exemplo, ajudar outros a resolver
7,4 1,0 4,6
problemas de computador em troca de outros serviços?
Usa software livre? 31,0 0,4 17,3
Já acedeu a mercados de troca de livros escolares e/ou material
7,8 0,6 4,6
escolar?
Faz download legal de software livre da internet? 30,5 0,3 17,0
* Percentagens do número de indivíduos que indicaram realizar a atividade, em relação ao total de indivíduos em cada grupo.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

O uso de software livre é uma das práticas económicas alternativas, ao


nível das trocas, mais frequentes na população portuguesa. Não obstante a
diferença entre utilizadores e não utilizadores de internet é muito expressiva, o
que eleva a importância de compreender os índices de conhecimento da
população portuguesa acerca deste tipo de software.
De acordo com os dados (quadro 7.4), verifica-se uma diferença muito
expressiva entre os portugueses que, não utilizando software livre, conhecem e
identificam o conceito, em função da utilização ou não de internet. A grande
maioria da população portuguesa que não utiliza internet não tem
conhecimento do conceito de software livre (85%). Embora a relação seja mais
equilibrada para a população utilizadora de internet, o índice de
desconhecimento ainda é superior a metade da população (51%) o que,
articulando ambos os grupos permite concluir que aproximadamente 70% da
população portuguesa que não utiliza software livre desconhece o seu
conceito.

276
Quadro 7.4 Conhecimento do conceito de software livre, segundo utilização da internet
(%*)

Utilizadores Não utilizadores Total


(n=852) (n=690) (n=1542)

Sim 43,6 8,1 24,7


Sabe o que é software livre?
Não 51,2 85,2 69,3
* Percentagens do número de indivíduos em relação ao total de indivíduos que não utiliza software livre.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Paralelamente, considerou-se importante compreender a dimensão das


redes de envolvimento nesta prática. Os dados recolhidos demonstram que
mais de 55% dos portugueses que não utilizam software livre não conhecem
ninguém que o faça, com particular incidência nos não utilizadores de internet
(63%) Não obstante, destacam-se os utilizadores portugueses de internet em
que, aproximadamente um em cada três conhece alguém que utiliza este tipo
de software.

Quadro 7.5 Uso de software livre, segundo utilização da internet (%*)


Utilizadores Não utilizadores Total
(n=852) (n=690) (n=1542)

Sim 32,3 7,8 19,3


Conhece alguém que use?
Não 46,2 63,4 55,4
* Percentagens do número de indivíduos em relação ao total de indivíduos que não utiliza software livre.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Uma terceira abordagem às práticas económicas alternativas incide sobre


a cooperação. Este campo destaca espaços físicos de envolvimento e
desenvolvimento comum, viabilizando lógicas de organização e de estruturação
social contra-hegemónicas, potenciadoras do desenvolvimento de cooperativas
que conduzam à diminuição dos custos de produção individuais e à partilha de
capacidades para a obtenção de um bem comum.
Para o presente estudo, os dados recolhidos indicam um baixo índice de
adesão dos portugueses a este modelo (quadro 7.6). Com valores similares
para utilizadores e não utilizadores de internet, assinala-se uma maior
incidência dos primeiros para a partilha do espaço doméstico com dois ou mais
adultos que não membros da família ou empregados domésticos (3%), com o
valor a cifrar-se em apenas 2% para a população portuguesa não utilizadora de
internet. Destaca-se, pelo valor médio mais elevado na população portuguesa,
a participação presente ou passada no trabalho de uma horta comunitária (5%).
277
A adesão a esta prática é superior para a população não utilizadora de internet
(6%), não obstante, o valor para a população utilizadora de internet (5%) indica
uma adesão crescente a esta prática, fenómeno que pode ser comprovado no
quotidiano da periferia das principais cidades portuguesas, nomeadamente
Lisboa, com uma aposta dos órgãos executivos na democratização desta
prática9.
A expansão das práticas de cooperação na população portuguesa
apresenta uma maior incidência nos indivíduos do sexo masculino, embora a
diferença seja pouco expressiva. Por oposição, existe uma diferença
substancial entre os portugueses com diferentes índices de escolaridade, com
maior expressividade no estrato populacional com habilitações ao nível do
Ensino Básico ou inferior na participação no trabalho de uma horta comunitária
(5%) e da população com Ensino Superior na adesão a uma cooperativa de
consumo (4%).
Os escalões etários também indicam maiores níveis de democratização
em determinadas práticas, destacando-se para a faixa etária dos 15 aos 34
anos, a partilha de residência com dois ou mais adultos que não são membros
da família (3%). A adesão a cooperativas de consumo e a participação no
trabalho de uma horta comunitária são práticas mais frequentes para a
população com idades superiores a 55 anos, com valores de referência de 4%
e 6%, respectivamente.
Com valores muito similares para numa análise sob o vector da condição
perante o trabalho, destacam-se, embora com uma expressividade muito
reduzida, os índices de adesão da população portuguesa sem atividade
económica às práticas de cooperação, consequência que pode ser relacionada
com a sua condição laboral, viabilizando a produção de bens de consumo com
valores de custo mais reduzidos, diminuindo a dependência financeira para a
alimentação.
De assinalar ainda que a frequência de participação da população
portuguesa em cooperativas de consumo ou hortas urbanas é bastante
reduzida, com a grande maioria dos associados a esta prática a indicar que a
realizou pela última vez nos últimos dois anos ou há mais de dois anos, o que,


9
Informação recolhida em http://www.publico.pt/ciencia/noticia/lisboa-vai-ter-mais-e-melhores-hortas-urbanas-ate-2011-1382724, de
acordo com dados disponibilizados pela Câmara Municipal de Lisboa.

278
associado ao facto de dois terços dos portugueses não conhecerem nenhum
agricultor biológico, penaliza a democratização desta prática na sociedade
portuguesa.

Quadro 7.6 Inserção em espaços cooperativos, segundo utilização da internet (%*)


Utilizadores Não utilizadores Total
(n=852) (n=690) (n=1542)
Vive com dois ou mais adultos que não são membros da
3,0 2,0 2,5
família ou empregados domésticos?
É ou já foi membro de uma cooperativa de consumo? 2,1 2,1 2,1
Participa ou já participou no trabalho de uma horta
4,5 5,6 5,0
comunitária?
* Percentagens do número de indivíduos que indicaram realizar a atividade, em relação ao total de indivíduos em cada grupo.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Embora os valores de incidência da população em práticas económicas


alternativas seja ainda ligeiramente inferiores em comparação com os valores
de referência para a região da Catalunha, na qual, citando Conill et al (2012)
“praticamente todos os entrevistados (97%) realizaram alguma prática
económica não capitalista desde o ano de 2008”, os valores para a população
portuguesa ascendem a 87% da população. Não obstante, a adesão difere
mediante o tipo de prática em análise. Destacam-se, com o maior índice de
democratização na população portuguesa, as práticas de autonomia pessoal e
partilha. Este dado evidencia que a população portuguesa tende a valorizar as
práticas individuais em detrimento das comunitárias, incidindo maioritariamente
no espaço doméstico e no quotidiano familiar, bem como em práticas de
solidariedade social.
Consequentemente, é indissociável a análise das motivações para a
realização destas práticas, como via para a interpretação dos resultados
obtidos no âmbito do estudo e como base para compreender os modos de
relação com a crise da população portuguesa.
Com base no quadro 7.7, que representa as motivações para a realização
de práticas económicas alternativas, destacam-se a motivação para poupar
dinheiro, assinalada por 37% dos portugueses que executam uma ou mais
vertentes destas práticas. De realçar ainda a motivação do gosto pessoal, que
atinge 33% dos portugueses associados a estas práticas. Entre as motivações
menos referenciadas pelos portugueses estão a preservação do planeta (<1%),
e ainda razões de saúde, a recolherem 2% das motivações dos portugueses.

279
Interpretando os resultados em função do sexo, as mulheres destacam a
motivação para poupar dinheiro (40%), superior ao valor indicado pelos
homens (35%). Esta é a motivação que, em ambos os sexos, apresenta
valores mais elevados, sendo a motivação principal para a população
portuguesa aderir às práticas económicas alternativas.
A escolaridade é um factor determinante para a motivação, com os
portugueses com habilitações ao nível do Ensino Básico ou inferiores a
destacarem a poupança de dinheiro (61%), valor consideravelmente mais
expressivo do que o referenciado para os portugueses com habilitações ao
nível do Ensino Secundário (24%) e ao nível do Ensino Superior (15%).
As motivações são superiores para os portugueses menos escolarizados
em todos os campos com exceção da preservação do planeta, indicador para o
qual apresentam um índice de motivação nulo. Esta motivação é destacada
maioritariamente pelos portugueses com níveis de escolaridade mais elevados,
com a população com instrução ao nível do Ensino Superior a recolher 66% do
valor total para esta motivação.
As diferenças entre utilizadores e não utilizadores de internet é pouco
significativa, com a maior diferença a ser registada na motivação para poupar
dinheiro, recolhendo 36% e 40% das preferências, respectivamente.

Quadro 7.7 Motivações para a realização de práticas de autonomia, troca e cooperação,


segundo utilização da internet (%*)

Motivações para a realização Utilizadores Não utilizadores Total


(n=764) (n=576) (n=1339)

Para poupar dinheiro 35,7 39,6 37,4


Por razões de saúde 2,3 1,3 1,9
Porque gosto 32,1 33,5 32,7
Para procurar ter relações mais solidárias 5,8 3,7 4,9
Para preservar o planeta 0,4 0,0 0,2
Outro 0,3 0,2 0,2
Ns/Nr 23,5 21,7 22,7
* Percentagens do número de indivíduos que indicaram a motivação para a realização de práticas, em relação ao total de indivíduos em
cada grupo.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Paralelamente, a análise das motivações para a não realização de


práticas (quadro 7.8) atribui ao desconhecimento o elemento fundamental para
o afastamento das práticas económicas alternativas (48%). Este dado é
ligeiramente mais expressivo em não utilizadores de internet, com 44% de

280
utilizadores a indicarem a mesma razão. Também com um valor importante
(24%), os portugueses destacam a não realização de práticas por escolha
própria. Tal como no caso anterior, a incidência é superior nos portugueses não
utilizadores de internet (25%).
A falta de tempo (10%), por sua vez, é a motivação que apresenta um
índice de acessão superior no caso dos utilizadores de internet, com o valor a
cifrar-se nos 13%, por oposição aos 8% para não utilizadores de internet.

Quadro 7.8 Motivações para a não realização de práticas de autonomia, troca e


cooperação, segundo utilização da internet (%*)

Motivações para a não realização Utilizadores Não utilizadores Total


(n=88) (n=115) (n=203)

Porque não quero 22,5 24,9 23,8

Porque não sei/não estou familiarizado com elas 43,9 50,7 47,8

Porque não tenho tempo 13,3 7,9 10,3

Outro 0,0 1,7 1,0

Ns/Nr 20,2 14,7 17,1


* Percentagens do número de indivíduos que indicaram a motivação para a não realização de práticas, em relação ao total de indivíduos
em cada grupo.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

A democratização de práticas económicas alternativas é uma das


principais transformações sociais ocorridas em consequência da crise
económica pós-2008. Porém, se a realização destas práticas se tornou
bastante comum em Portugal, atingindo 87% da população, a cidade de
Barcelona apresenta uma taxa populacional de realização destas práticas que
ascende aos 97%.
Este maior índice de democratização está presente em praticamente
todas as dimensões analisadas no presente estudo. Centrando a análise na
dimensão das práticas de autonomia pessoal e de partilha, destaca-se a
realização de reparações em veículos próprios, prática realizada por
aproximadamente 13% da população portuguesa, ainda distante dos mais de
20% registados para a população de Barcelona. Similar tendência é encontrada
na realização de reparações no domicílio de outras pessoas, sem mediação de
dinheiro, prática afecta a 9% dos portugueses e que ascende aos 21% no caso
dos habitantes de Barcelona.
A dimensão da troca não inverte a tendência. Exemplo disso é a troca de
produtos, roupas ou utensílios domésticos sem mediação de dinheiro, prática

281
que abrange 5,6% da população portuguesa, valor francamente baixo quando
comparado com os mais de 20% referenciados pela população de Barcelona. A
diferença na utilização de software livre é também bastante reveladora das
diferenças sociais entre as duas regiões, com a prática a ser afecta a 40% da
população de Barcelona, por oposição aos 17% de portugueses que a
realizam.
Por último, a realização de práticas ao nível da cooperação segue a
mesma tendência das dimensões anteriores, embora seja a dimensão menos
democratizada entre ambas as regiões, em grande parte consequência das
limitações geográficas que ambas apresentam. Aproximadamente 2% da
população portuguesa faz ou já fez parte de uma cooperativa de consumo,
valor francamente baixo e que ascende aos 9% no caso da população de
Barcelona. A participação em hortas urbanas, embora mais alargada em
ambos os casos, continua a ser pouco representativa em termos de
democratização das práticas alternativas não capitalistas, com os índices de
população afeta a esta atividade a serem de 5% e 7%, respectivamente, para a
população portuguesa e para os habitantes de Barcelona.

Impacto da crise económica no quotidiano

Uma vez analisado o panorama da difusão de práticas económicas


alternativas em Portugal, os índices de adesão e as variações entre os grupos
sociais da população portuguesa que as aplica ao seu quotidiano, importa
agora enfocar o impacto da crise económica na estrutura social portuguesa.
Esta análise contribuirá para escrutinar as alterações à vida de todos os dias e
estabelecer perfis de interação entre a crise económica e as várias dimensões
da vida, nomeadamente ao nível do emprego, família e atitudes perante o
consumo.
Investigando a relação com a crise, de destacar que 85% dos
portugueses se considera pessoalmente afectado negativamente pela crise
económica. Importa, em consequência, analisar o impacto da crise económica
nos vários sectores sociais que constituem o espectro económico da sociedade
portuguesa (quadro 7.9).
282
A população desempregada é a que apresenta o índice de impacto da
crise mais elevado (93%), valor que pode ser associado ao crescimento da
taxa de desemprego em Portugal no período pós-2008. Dentro das categorias
profissionais destacam-se os profissionais técnicos e de enquadramento (89%),
embora os valores sejam superiores a 80% para todos os sectores
profissionais.
Os dados para a escolaridade evidenciam um maior impacto da crise
económica para a população com habilitações ao nível do Ensino Secundário
(87%), sendo o valor mais baixo do sector atribuído à população com
habilitações ao nível do Ensino Superior, embora a taxa seja francamente
elevada (83%).
Os sectores menos afectados pela crise económica em Portugal são os
estudantes (67%) e os portugueses que constituem o escalão etário dos 15 aos
34 anos (77%). De destacar que, de acordo com o presente estudo, a crise
afecta similarmente homens e mulheres, com os índices a serem praticamente
coincidentes (aproximadamente 85% para ambos).

Quadro 7.9 Impacto da crise económica por sector social (%*)


Impacto da crise económica
(n=1542)

Utilizadores 83,8
Utilização de Internet
Não utilizadores 86,2

15-34 77,1

Idade 35-54 88,3

55 ou mais 87,7

Ensino Básico ou menos 84,5

Escolaridade Ensino Secundário 86,7

Ensino Superior (inclui pós-secundário) 82,9


Ativos 87,0
- Empregados 85,4
- Desempregados 93,2
Condição perante o trabalho
Sem atividade económica 81,1
- Reformados ou outros inativos 84,5
- Estudantes 67,3
Empresários, dirigentes e profissionais liberais 83,0

Profissionais técnicos e de enquadramento 89,4


Categoria profissional
Empregados executantes 88,0

Operários industriais 85,8

Masculino 84,8
Sexo
Feminino 84,9
* Percentagens do número de indivíduos por sector, em relação ao total de indivíduos que consideram existir um impacto da crise
económica na sua vida.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

283
O impacto da crise económica no emprego em Portugal é um dado
particularmente importante, afetando negativamente 77% da população ativa
portuguesa.
Agregadamente, a análise do impacto da crise nas dimensões do
quotidiano (quadro 7.10), destaca que 94% dos portugueses considera ter sido
afectado negativamente pela crise, nas suas despesas. A preocupação com o
futuro pessoal e dos familiares, em consequência da crise, atinge cerca de 93%
dos portugueses, o que assinala a prenoção das consequências da crise a
longo termo na sociedade portuguesa. Os rendimentos são uma das áreas
centrais de debate em torno da crise económica na sociedade portuguesa,
consequência da quebra do poder de compra.10 Segundo a interpretação da
grande maioria dos portugueses (88%), a crise económica teve um impacto
negativo nos rendimentos pessoais. Paralelamente, as áreas do quotidiano em
que os impactos da crise são menos sentidos pelos portugueses são a saúde
(35%) e a habitação (60%), embora os valores sejam francamente
significativos.

Quadro 7.10 Impacto da crise económica por dimensão do quotidiano (%*)

Impacto da crise económica


(n=1309)

Teve um impacto negativo nos seus rendimentos? 87,6

Teve um impacto negativo nas suas despesas? 94,4

Teve um impacto negativo na sua habitação? 60,2


Teve um impacto negativo na sua preocupação com o seu futuro ou o futuro dos seus
93,0
familiares?
Teve um impacto negativo na sua saúde? 34,8

* Percentagens do número de indivíduos que responde afirmativamente, em relação ao total de indivíduos que consideram existir um
impacto da crise económica na sua vida.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Quando questionados acerca da dimensão do quotidiano em que o


impacto da crise económica mais se fez sentir (quadro 7.11), 41% dos
portugueses que se considera afectado pela crise destaca os rendimentos. A
despesa é a seguinte área mais assinalada, com um índice de 23%. De
destacar que a relação entre estes dos eixos é estreita, fruto de uma

10
http://www.publico.pt/economia/noticia/poder-de-compra-dos-portugueses-desce-para-76-da-media-da-ue-1616031

284
articulação entre ambos na definição da estrutura económica das famílias. Com
os valores mais baixos posicionam-se a habitação e a saúde, com 5% e 1%
dos portugueses a considerarem-nas, respectivamente, as áreas mais
afectadas pela conjuntura económica.

Quadro 7.11 Dimensão do quotidiano mas afectada pela crise económica (%*)

Impacto da crise económica


(n=1309)
Emprego 11,7
Rendimento 41,2
Despesa 23,3
Habitação 4,6
Preocupação com o seu futuro ou dos seus familiares 16,2
Saúde 1,2
* Percentagem do número de indivíduos que destaca a área como a mais penalizada, em relação ao total de indivíduos que consideram
existir um impacto da crise económica na sua vida.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Revela-se particularmente interessante abordar as dimensões do


quotidiano em que a crise mais se faz sentir a partir das categorias sociais
(quadro 7.12), análise que aufere a compreensão das dinâmicas especificas
para cada categoria social e, consequentemente, as dimensões que mais são
penalizadas em consequência de diferentes experimentações da crise
económica. O rendimento é a dimensão mais penalizada pela grande
generalidade das categorias sociais em análise, com exceção dos
desempregados e estudantes. Destacam-se os empresários, dirigentes e
profissionais liberais portugueses, categoria que em mais de 50% dos seus
integrantes consideram o rendimento como a dimensão mais penalizada pela
crise económica. A despesa é uma área particularmente importante para os
estudantes (31%), consequência entre outros do aumento do custo com a
educação, resultante da progressiva transição das despesas com educação
para as famílias, com Portugal a ser o único país da OCDE em que a
globalidade dos estudantes suporta custos de frequência no Ensino Superior11.
Uma grande fatia dos portugueses sem atividade económica também
consideram esta dimensão como a mais afetada pela crise (29%),
consequência dos baixo índices de rendimentos, associados à inflação.

11
Ver Luísa Cerdeira (2011), "Os Desafios da Gestão do Ensino Superior no Espaço Europeu: Algumas Tendências e Tensões",
Trabalho apresentado no X Seminário Internacional “A Qualidade da Educação Superior: Grupos Investigativos internacionais em
diálogo”, in A Qualidade da Educação Superior: Grupos Investigativos internacionais em diálogo, Porto Alegre.

285
Os desempregados portugueses são o grupo que mais considera o
impacto da crise no emprego, com mais de 40% dos integrantes nesta
categoria a considerarem o emprego como o sector mais penalizado pela crise
económica, consequência direta do aumento da taxa de desemprego
associada à reestruturação económica e ao programa de ajustamento de que
Portugal é alvo. O futuro pessoal e familiar é evidenciado sobretudo pelas
categorias sociais mais jovens, com destaque para os estudantes (30%), lógica
aplicada também às habilitações, destacando-se os portugueses com
habilitações ao nível do Ensino Superior (21%). É visível um crescente impacto
da crise económica no futuro de forma diretamente proporcional às habilitações
dos Portugueses. Dentro da população ativa, destacam-se os empregados
executantes (19%) como o sector com maior impacto da crise no futuro.
Analisando os dados em função da relação entre utilizadores e não
utilizadores de internet, ambos assinalam o rendimento como a dimensão mais
penalizada pela crise. Destaca-se um maior impacto do emprego (14%) e do
futuro (19%) nos utilizadores de internet, por oposição aos não utilizadores, que
apresentam valores superiores, em comparação, para as dimensões do
rendimento e da despesa. Estes dados, quando articulados com as
características sociais dos cibernautas portugueses, evidenciam uma
proximidade às categorias sociais mais jovens, precisamente as que
consideram, comparativamente com as restantes categorias sociais, um maior
índice de impacto da crise no emprego e no futuro pessoal e familiar.

286
Quadro 7.12 Dimensão do quotidiano mas afectada pela crise económica, por categoria
social (%*)

Impacto por categoria social


(n=1309)

Dimensões: Emprego Rendimento Despesa Habitação Futuro Saúde

Utilização de Utilizadores 13,7 40,4 19,2 5,0 18,6 0,6


Internet Não utilizadores 9,3 42,1 28,3 4,1 13,2 1,8
15-34 19,3 27,6 24,6 6,0 18,5 0,5
Escalão etário 35-54 13,4 48,3 17,5 4,5 14,0 1,0
55 ou mais 4,8 43,8 27,9 3,7 16,6 1,7
Ensino Básico ou
10,8 42,1 25,1 4,7 14,0 1,7
menos
Escolaridade Ensino
15,4 36,4 21,9 5,2 17,3 0,8
Secundário
Ensino Superior 8,9 44,6 20,4 3,5 21,3 0,0
16,5 41,7 20,1 4,6 14,8 0,6
Ativos
9,0 46,8 22,4 4,4 15,2 0,7
- Empregados
- Desempregados
Condição 42,5 24,3 12,4 5,4 13,4 0,4
perante o Sem atividade 2,5 40,2 29,3 4,6 18,7 2,1
trabalho económica
- Reformados ou 2,1 44,9 29,0 3,6 16,5 2,3
outros inativos
- Estudantes 4,9 16,1 30,9 9,7 30,0 0,9
Empresários,
dirigentes e
8,1 54,0 19,0 4,9 12,8 0,6
profissionais
liberais
Profissionais
Categoria
técnicos e de 8,8 50,0 18,5 3,7 17,5 0,0
profissional
enquadramento
Empregados
14,5 40,0 20,6 3,3 18,6 1,6
executantes
Operários
12,7 35,5 29,7 5,9 15,0 0,4
industriais
Masculino 13,2 41,8 21,5 5,1 15,8 0,8
Sexo
Feminino 10,3 40,6 24,9 4,1 16,5 1,5
* Percentagem em relação ao total de indivíduos que consideram existir um impacto da crise económica na sua vida.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

No seguimento dos dados relativos ao impacto da crise na estrutura social


portuguesa destacarem o vector das despesas como o que afecta o maior
número de portugueses (94%)12, importa analisar detalhadamente quais as
dimensões do quotidiano em que as despesas mais foram afectadas (quadro
7.13). Para 74% dos portugueses, a crise económica penalizou o acesso a
atividades culturais e de lazer, condição em grande medida influenciada pela
perda de poder de compra e uma consequente reestruturação da economia
familiar. Os bens de consumo doméstico são também um dos sectores com
maior índice de penalização, referenciados por mais de 71% dos portugueses.
A saúde e a educação são os vectores menos penalizados pela crise, não


12
Valor relativo ao quadro 6.10

287
obstante, o impacto nestes sectores é muito significativo, estando
referenciados por mais de um quarto da população portuguesa.

Quadro 7.13 Impacto da crise económica nas despesas, por sector (%*)
Impacto da crise económica
(n=1542)

Bens de consumo doméstico (comida, água, luz, gás, etc.) 71,2

Saúde 39,4
Educação 25,8

Atividades culturais e de lazer 74,0


* Percentagens do número de indivíduos que responde afirmativamente, em relação ao total de indivíduos inquiridos.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Para compreender as diferentes experimentações da crise económica,


contribui a análise dos processos relacionais dos portugueses, nomeadamente
a relação com amigos e conhecidos e a relação com a família (quadro 7.14). A
grande maioria dos portugueses considera a relação com amigos e conhecidos
como importante (41%) ou muito importante (38%), ao passo que a relação
com a família é considerada muito importante por mais de 70% dos
portugueses. Estes valores são particularmente importantes para compreender
as lógicas de transformação dos contextos relacionais em função da crise,
informação que será detalhada adiante.

Quadro 7.14 Importância de amigos e família na vida dos portugueses (%*)


Importância por escalão
(n=1542)
Que importância os amigos e conhecidos Que importância a família tem na
têm na sua vida? sua vida?
Nada importante 0,8 0,4

Pouco importante 2,0 0,7

Razoavelmente importante 18,1 4,8

Importante 40,9 21,5

Muito Importante 37,5 71,9


Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

No que concerne aos índices médios de importância da família e amigos


em função da categoria social, qualquer uma destas apresenta para a
importância dos amigos e conhecidos, um valor igual ou superior a 4,
correspondente a importante. É exceção o sector social dos reformados,
embora o valor se aproxime muito das demais categorias (3,9).

288
Análise equivalente para a importância da família assinala um valor médio
para, qualquer um dos sectores sociais, igual ou superior a 4,6. A categoria
social que mais valoriza em média os amigos, conhecidos e também a família
são os estudantes, com um valor médio de 4,4 e 4,8 respectivamente, numa
escala de 0 a 5.
A relação entre as habilitações e a importância de amigos, conhecidos e
família é diretamente proporcional, isto é, à medida que aumentam as
habilitações dos portugueses, aumenta a importância que estes atribuem aos
amigos e familiares. Lógica inversa é verificada entre os escalões etários,
verificando-se que o aumento da idade está associado à perda de importância,
ainda que ligeira, de familiares e amigos.
A categoria profissional que mais valoriza os amigos e a família é a dos
profissionais técnicos e de enquadramento, destacando-se o caso dos amigos
em que o índice médio de diferença para as restantes categorias profissionais
ronda os 0,2.
Por último, a importância atribuída pelos cibernautas portugueses é
superior à dos não utilizadores de internet, tanto para o caso dos amigos e
conhecidos como para a família, embora a diferença seja mais acentuada no
primeiro caso.
A análise das dinâmicas relacionais é um dado particularmente importante
para compreender o impacto da crise económica no quotidiano dos
portugueses. Para tal, o presente estudo avalia a variação de importância das
dimensões amigos, conhecidos e família relativamente há 5 anos atrás, ano em
que se institucionalizou a crise económica em Portugal (quadro 7.15).
Recuperando os índices de importância de amigos e família na vida dos
portugueses, verifica-se que ambas as dimensões são de franca importância
para a generalidade dos portugueses, dos quais mais de dois terços não
considera que a crise económica tenha alterado os índices de importância de
familiares e amigos. Destaca-se ainda um significativo número de portugueses
(31%) que considera existir um aumento na importância da família,
comparativamente há cinco anos atrás.
A este respeito, considera-se convocar os dados que cruzam as
dinâmicas relacionais com os diversos sectores sociais, sob o pretexto de

289
verificar correlações entre estes, bem como diferentes dinâmicas mediante as
diferentes configurações de pertença.
Num primeiro momento verifica-se que, comparando ambas as dimensões
em análise, o crescimento da importância da família para os portugueses,
comparativamente há cinco anos, é superior, em todas as categorias sociais,
em comparação com a importância dos amigos e conhecidos. Entre estas,
destacam-se os estudantes (42%), os desempregados (36%) e o escalão etário
situado entre os 15 e os 34 anos (34%), fenómeno que poderá estar
relacionado com o crescimento da dependência económica de terceiros, em
função da crise económica pós-2008. Paralelamente, são também os
estudantes portugueses (31%), o sector que mais considera ter evoluído o
índice de importância de amigos e conhecidos. Seguem-se o escalão etário
situado entre os 15 e os 34 anos (24%) e os portugueses com habilitações ao
nível do Ensino Secundário (21%).
Não obstante a quota residual, os empregados executantes são o sector
social português que mais considera ter diminuído a importância da família
(4%), em comparação com o ano 2008. Seguem-se o sector dos
desempregados (3%) e por último as portuguesas (3%). Este dado, embora
reduzido, é particularmente interessante quando comparado com o valor
equivalente para o sexo masculino (1%), embora o aumento de importância
siga a tendência inversa, com 33% das mulheres portuguesas a considerarem
um aumento da importância da família, face aos 28% registados pelos
indivíduos do sexo masculino.
Comparação equivalente em função da utilização de internet revela que
os cibernautas portugueses tendem a considerar uma maior importância de
amigos e conhecidos (20%) e familiares (33%), quando comparados com os
portugueses que não utilizam a internet (12% e 28% respectivamente).
A diminuição da importância dos amigos e conhecidos é, por sua vez
mais significativa no caso dos não utilizadores de internet (5%), quando
comparados com os utilizadores (4%), estando este valor entre os mais
elevados, em comparação com os restantes sectores sociais. Neste campo
destacam-se os desempregados como o sector da sociedade portuguesa que
mais considera a perda de importância dos amigos em consequência da crise,

290
com o valor a ascender a 7%, seguidos pelo sector dos reformados e outros
inativos (6%).

Quadro 7.15 Variação da importância de amigos, conhecidos e família em relação há 5 anos


atrás, por sector social (%*)

Importância de amigos, conhecidos e família por sector social

Amigos e conhecidos Família


Aumentou Manteve Diminuiu Aumentou Manteve Diminuiu

Utilização de Utilizadores 19,9 75,2 3,8 32,7 64,0 2,2


Internet Não utilizadores 12,4 81,0 4,7 28,2 68,8 2,0
15-34 24,3 69,8 4,5 34,4 62,6 2,0
Escalão
35-54 16,1 79,5 3,8 32,2 64,7 2,1
etário
55 ou mais 10,9 82,5 4,4 26,3 70,2 2,2
Ensino Básico ou menos 14,2 78,9 5,1 30,9 65,6 2,2
Escolaridade Ensino Secundário 20,5 74,8 3,5 31,3 65,9 2,0
Ensino Superior 18,9 78,2 2,6 29,8 67,3 1,8
Ativos 17,4 78,2 3,8 30,5 66,4 2,3
- Empregados 16,9 79,8 3,0 29,1 68,0 2,2
- Desempregados 19,4 71,9 6,8 35,9 60,2 2,9
Condição
15,0 77,2 5,0 31,0 65,7 1,7
perante o Sem atividade
trabalho económica
11,2 80,3 5,5 28,4 67,9 1,9
- Reformados/inativos
- Estudantes
30,6 64,6 3,1 41,5 56,8 0,8
Empresários, dirigentes
12,2 83,5 3,2 22,1 75,7 1,7
e profissionais liberais
Profissionais técnicos e
Categoria 14,8 82,8 2,4 25,7 71,8 1,9
de enquadramento
profissional Empregados
17,5 76,8 4,6 29,3 66,4 3,6
executantes
Operários industriais 14,1 79,5 4,9 32,8 64,3 1,6
Masculino 16,3 78,7 3,5 28,0 69,4 1,4
Sexo
Feminino 16,8 77,1 4,9 33,1 63,2 2,7
* Percentagem de respostas por sector social
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Em continuidade com a análise da importância de familiares e amigos


para a população portuguesa, considera-se abordar a variação da qualidade do
relacionamento com as pessoas mais próximas, em função da crise
económica. A este respeito, o presente estudo verifica que o impacto da crise
económica na qualidade das relações dos portugueses é muito significativa,
com 43% dos portugueses a considerarem que as relações com as pessoas
mais próximas foram afectadas negativamente, ao longo dos últimos cinco
anos. Destaca-se ainda um baixo índice de melhoria na qualidade dos
relacionamentos, com apenas por 7% da população portuguesa e registarem
291
um impacto positivo na qualidade do relacionamentos com as pessoas mais
próximas no pós-2008.
Segundo os dados do inquérito Sociedade em Rede 2013 (quadro 7.16),
os sectores que mais consideram ter evoluído positivamente os seus círculos
relacionais em contexto de crise são os portugueses com habilitações ao nível
do Ensino Secundário (9%), a população empregada (9%) e os empregados
executantes (9%). Entre os sectores com taxas mais reduzidas destacam-se os
reformados e outros inativos (4%), dado particularmente interessante quando
cruzado com a variação da importância de amigos, conhecidos e família em
relação há 5 anos atrás (quadro 7.15), em que o sector dos reformados se
representa com uma das taxas mais elevadas para a perda de importância de
familiares e amigos no período pós-2008.
De entre a população que considera a variação na qualidade dos
relacionamentos negativa, destacam-se os desempregados portugueses, com
uma taxa de incidência superior a 57%. Seguem-se os portugueses com idades
entre os 15 e os 34 anos (46%) e a população ativa (45%). Os sectores que
menos consideram que a variação tenha sido negativa são os empresários,
dirigentes e profissionais liberais (38%), os reformados ou outros inativos (38%)
e os portugueses sem atividade económica (39%).
A grande concentração de resultados dos portugueses posiciona-se entre
o impacto negativo e a ausência de impacto da crise na qualidade dos
relacionamentos, não obstante, o sector social que mais considera não
existirem consequências da crise na qualidade dos relacionamentos são os
empresários, dirigentes e profissionais liberais portugueses (50%).
A articulação de resultados em função da utilização de internet revela que
os cibernautas portugueses consideram ter existido um impacto negativo da
crise superior ao registo dos não utilizadores de internet, sendo a incidência de
respostas invertida entre estes grupos para a não existência de alterações na
qualidade dos relacionamentos, em função da crise económica.

292
Quadro 7.16 Variação da qualidade do relacionamento com as pessoas mais próximas em
função da crise, por sector social (%*)

Qualidade do relacionamento com as pessoas mais próximas


Não sofreram Sofreram um
Sofreram um impacto
qualquer impacto
negativo/pioraram
impacto positivo/melhoraram
Utilizadores 41,7 7,0 44,6
Utilização de
Internet
Não utilizadores 43,1 6,0 41,2

15-34 40,2 7,1 44,2


Escalão
35-54 38,8 7,9 46,3
etário
55 ou mais 47,2 4,8 39,2

Ensino Básico ou menos 41,7 5,1 43,7

Escolaridade Ensino Secundário 39,8 8,8 43,7

Ensino Superior 47,8 8,1 39,7


Ativos 40,7 7,8 45,4
- Empregados 43,2 8,5 42,1
Condição
- Desempregados 31,5 5,2 57,8
perante o
Sem atividade económica 45,1 4,3 39,0
trabalho
- Reformados/inativos 47,8 4,0 37,7
- Estudantes 33,7 5,5 44,4
Empresários, dirigentes e
50,2 6,9 37,6
profissionais liberais
Profissionais técnicos e de
Categoria 45,4 6,2 43,0
enquadramento
profissional
Empregados executantes 41,1 8,5 44,9

Operários industriais 42,2 4,4 45,3

Masculino 43,3 5,8 43,4


Sexo
Feminino 41,4 7,2 42,8
* Percentagem de respostas por sector social
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Embora apenas 7% dos portugueses considerem ter existido uma


variação positiva no número de visitas a familiares a viver fora da cidade, em
função da crise económica (quadro 7.17), o fortalecimento dos laços familiares
como via para ultrapassar as desigualdades (36%) e o acesso a produtos
alimentares mais dispendiosos na cidade (33%), são os motivos que mais se
destacam entre os portugueses que aumentaram o número de visitas.
De destacar que, ainda que com um valor significativo, o motivo que
menos portugueses assinalam como potenciador do aumento de visitas é o
mais fácil acesso a produtos alimentares que na cidade são de pior qualidade.
Este dado é particularmente importante porque assinala uma tendência para

293
que os portugueses valorizem mais a economia do que a qualidade, no acesso
aos produtos alimentares.

Quadro 7.17 Variação do número de visitas a familiares a viver fora da cidade, com acesso
a bens de consumo em função da crise económica (%*)

Motivo das visitas


(n=82)

Mais fácil acesso a produtos alimentares que na cidade são mais caros 32,5
Mais fácil acesso a produtos alimentares que na cidade são de pior qualidade 12,0
Fortalecer os laços familiares em busca de maior coesão e apoio para ultrapassar as dificuldades 36,1
Maior necessidade de relaxar e de esquecer os problemas num ambiente mais descontraído 12,3
* Percentagem de resposta para os inquiridos que afirmaram ter visitado familiares que vivem fora da cidade, com acesso a bens de
cultivo (quadro 7.1)
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

As transformações que a crise económica potenciou na estrutura social


portuguesa são um importante elemento de análise para a compreensão das
metamorfoses no quotidiano da população. Nesse sentido o presente estudo
aborda a variação de práticas quotidianas com impacto na economia pessoal
em função da crise (quadro 7.18).
Destaca-se uma crescente preocupação com a saúde por parte dos
portugueses (39%), de entre os quais se destaca a população não utilizadora
de internet (45%).
Com um valor crescente em aproximadamente um quarto da população
portuguesa, as deslocações em transportes públicos assumem-se cada vez
mais como uma prática democratizada na população portuguesa. O aumento
do preço dos combustíveis, influenciado pela subida do valor do crude e do
IVA, bem como da desvalorização do Euro é um dos factores explicativos deste
fenómeno. De entre a população portuguesa que aumentou o uso de
transportes públicos nos últimos cinco anos, destacam-se os não utilizadores
de internet (27%).
A compra de produtos usados também conheceu uma expansão na
população portuguesa (19%), com cerca de 21% dos utilizadores de internet
em Portugal a assinalarem um aumento desta prática no pós-2008. A diferença
entre o valor registado para utilizadores e não utilizadores pode ser

294
parcialmente atribuído à expansão de sites e plataformas de compra e venda
online.
O exercício físico também conheceu um aumento de praticantes em
Portugal (18%), com mais de um quarto dos cibernautas portugueses a indicar
que adoptou esta prática no seu quotidiano. Este comportamento está
relacionado com o aumento da oferta de espaços para a prática de atividades
desportivas, nomeadamente em zonas urbanas mas também pode ser
relacionado com a preocupação com a saúde que, como referido
anteriormente, tem sido alvo de uma maior atenção por parte da população
portuguesa.

Quadro 7.18 Variação de práticas e comportamentos quotidianos em função da crise


económica (%*)

Utilizadores Não utilizadores Total


(n=852) (n=690) (n=1542)

Desloca-se mais em transportes públicos? 21,9 27 24,2


Está mais preocupado consigo em termos de saúde? 33,7 44,8 38,6
Faz mais exercício para estar em forma? 25,5 9,4 18,3
Utiliza mais a bicicleta para desporto ou deslocações? 11,1 4,5 8,1
Opta mais frequentemente por comprar produtos
20,8 16,9 19,1
usados/em segunda mão?
* Percentagens do número de indivíduos que indicaram a motivação para a não realização de práticas, em relação ao total de indivíduos
em cada grupo.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Sintetizando a informação agregada ao longo desta dimensão e


comparando-a com resultados obtidos para a região da Catalunha, manifesta-
se passível de concluir que o impacto da crise económica e financeira foi mais
significativo para a população portuguesa, do que para a população catalã. Se,
por um lado a crise económica afetou aproximadamente 85% dos portugueses,
o valor para a população catalã cifra-se nos 70%. Porém, deste número
importa destacar a diferença entre o impacto da crise económica na população
desempregada em ambas as regiões, não apenas pela perda de capacidade
financeira associada à condição, mas também pelo facto de o desemprego se
assumir como uma das principais consequências da crise. Se, em Portugal,
apenas 7% dos desempregados considera não ter sido afetado negativamente
pela crise económica, para a região da Catalunha esse valor ascende a 20%
da população desempregada.

295
Ao nível do género, as diferenças são também significativas, com a crise
a afetar cerca de 85% dos homens e mulheres em Portugal, por oposição aos
59% e 64%, respectivamente, para a região da Catalunha, dado que evidencia
ainda uma diferenciação importante na percepção da crise entre homens e
mulheres nesta região, por oposição ao caso português, em que o valor é
praticamente igual.
O sector dos reformados é aquele que apresenta maior proximidade entre
as duas regiões, com o impacto da crise a fazer-se sentir em 85% dos
reformados portugueses, por comparação aos 84% registados para a região da
Catalunha.

Atitudes e percepções da crise económica

A terceira e última dimensão em análise no presente capítulo enfoca a


percepção da crise por parte dos portugueses, nomeadamente ao nível da
responsabilização e dos processos necessários para a superação, incidindo
ainda sobre as estratégias quotidianas de adaptação à conjuntura financeira
portuguesa.
O escrutínio desta temática é particularmente interessante por potenciar a
articulação dos dados recolhidos nas dimensões anteriores do presente
capítulo, evidenciando o juízo crítico dos portugueses face à crise económica, à
sua gestão e às estratégias políticas que a regulam e regulamentam.
A este respeito, é significativo convocar alguns dados sobre a
responsabilização pela crise económica por parte dos portugueses (quadro
7.19). Um terço dos portugueses destaca o governo como a entidade com
maior responsabilidade pela crise económica, com maior expressão no
segmento da população não utilizadora de internet (41%), bem como os
portugueses com habilitações ao nível do ensino básico ou inferior (40%). Dado
particularmente interessante sobre a responsabilidade atribuída a este sector é
a diferença entre homens (30%) e mulheres (36%), o que evidencia diferenças
significativas sobre a percepção da crise económica entre os géneros.
Paralelamente, os líderes políticos em geral são apontados por

296
aproximadamente um em cada cinco portugueses (19%) como os maiores
responsáveis pela crise económica, eixo em que é invertida a tendência de
responsabilização entre homens (22%) e mulheres (16%), o que evidencia um
grau de ruptura maior com o sistema político por parte da população
portuguesa do sexo masculino. Associando os resultados que visam o poder
executivo, verifica-se que mais de metade da população portuguesa atribui a
este sector a responsabilidade maior pela conjuntura económica do país. A
materialização desta responsabilização é evidente no crescente número de
protestos e movimentos sociais contestatórios ao longo dos últimos cinco anos,
nos quais se concentram as maiores manifestações sociais da história
portuguesa, desde o 1º de Maio de 1974. Os dados recolhidos evidenciam
ainda uma tendência para o afastamento da responsabilidade sobre a crise
económica das empresas (<1%) e da gestão económica e financeira dos
portugueses (2%).
De entre a população portuguesa, o sector dos estudantes é aquele que
atribui o maior índice de responsabilidade pela crise económica em Portugal à
crise global (11%), facto que pode ser justificado com a maior proximidade a
espaços e contextos informativos potenciados pela escola que, em
consequência da sua construção e articulação com estruturas educativas e
pedagógicas internacionais, pressupõe uma diferente experimentação da crise
aos seus associados.
Destaca-se ainda que cerca de um quarto da população portuguesa
atribui a responsabilidade da crise à combinação de todos os factores que
dinamizam a estrutura económica nacional, evidenciando a tendência de
percepção da crise económica enquanto fenómeno estrutural. De entre os
vários sectores, destacam-se os empresários, dirigentes e profissionais liberais
portugueses (33%), os portugueses com habilitações ao nível do Ensino
Secundário (31%) e os profissionais técnicos e de enquadramento (30%).
No seguimento desta matéria, revela-se particularmente interessante
articular alguns dados produzidos no livro A Sociedade em Rede em Portugal
(2005), relativos à opinião sobre as relações cidadãos-governos, com os dados
apresentados no presente quadro. A responsabilização dos Governos pela
crise económica, como referido anteriormente, é francamente significativa
(33%), dado que se revela particularmente interessante quando, analisando os

297
dados produzidos há uma década, se verifica que apenas 41% dos
portugueses considerava que os cidadãos comuns tinham influência nas
decisões dos Governos, ou ainda mais de 67% dos portugueses considerava
que, quando refletia sobre as decisões políticas, constatava que era impossível
influenciá-las. Não obstante, aproximadamente metade dos portugueses
considera que a responsabilidade das más governações, locais ou nacionais,
parte dos cidadãos que exercem o seu direito de voto de forma incorreta,
canalizando a responsabilidade pela má gestão, ainda que de forma parcial,
para os cidadãos, em função das suas escolhas.
Similar disposição verifica-se na disponibilidade para a participação em
atividades políticas. No estudo de 2005, apenas 27% dos portugueses preferia
dedicar o seu tempo a atividades relacionadas com a resolução dos problemas
do mundo, ao passo que, para o presente estudo, mais de 45% dos
portugueses considera poder contribuir para a construção de uma mudança
social positiva, sendo que, para qualquer um dos casos, o valor aumenta
significativamente, em função da utilização de internet.

Quadro 7.19 Responsabilidade pela crise económica (%*)


Utilizadores Não utilizadores Total
(n=852) (n=690) (n=1542)

Os bancos 8,9 6,8 8,0


As empresas 0,4 0,8 0,6
As agências de notação financeira (Moody´s,
0,8 0,3 0,6
Standard&Poor, etc.)
O Governo 26,6 41,0 33,0
Os líderes políticos em geral 21,7 15,9 19,1
As pessoas que gastam sem pensar 1,6 1,5 1,6
Todos os anteriores por igual 25,6 25,1 25,4
A crise global 8,5 3,3 6,2
Não sabe/ Não responde 5,9 5,4 5,7
* Percentagens do número de indivíduos que indicaram a motivação para a não realização de práticas, em relação ao total de indivíduos
em cada grupo.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

As diferentes experimentações da crise, evidenciadas no quadro anterior,


são também um veículo para diferentes núcleos de responsabilização,
variáveis em função da categoria profissional, idade, escolaridade ou género.
Não obstante, a grande maioria da população portuguesa considera que a crise
económica ainda não atingiu o seu expoente máximo. Esta postura pessimista
materializa-se com aproximadamente 45% da população portuguesa a

298
discordar que a situação económica do país já ultrapassou a sua fase mais
negativa, o que, agregadamente com os mais de 27% que discorda totalmente
desta tese, se traduz numa situação de apreensão quanto ao futuro.
A centralização do debate público na economia tem sido um dos alicerces
que potenciou a aproximação dos portugueses a esta temática, contribuindo
para um maior conhecimento da situação económica e financeira do país por
parte da população. Esta noção está patente na preocupação demonstrada
pelos portugueses perante o quotidiano financeiro da economia portuguesa
(quadro 7.20), com todos os sectores da população a demonstrarem uma
elevada preocupação com estes acontecimentos, destacando-se
aproximadamente 70% da população portuguesa que afirma estar muito
preocupada com o aumento da taxa de desemprego para uma das mais
elevadas da OCDE, a par da redução do poder de compra, indicada com um
factor muito preocupante por metade da população portuguesa, o que,
aglomerado com os portugueses que o consideram preocupante, abrange nove
em cada dez portugueses.
O aumento da taxa de desemprego é uma forte preocupação de todas as
categorias profissionais, embora se destaquem ligeiramente os empregados
executantes, que são também o sector profissional com maior preocupação
relativamente à redução do poder de compra, indicadores consequentes da sua
condição perante o emprego ser mais precária do que nas restantes
categorias.
Interpretando os resultados face à utilização de internet, os cibernautas
portugueses revelam, em média, maior preocupação com o quotidiano
financeiro do que os portugueses não utilizadores de internet, que enfocam as
suas preocupações nos escândalos financeiros e no pedido de intervenção
externa. Esta diferenciação pode, como em outros momentos do presente
estudo, ser justificada por diferentes níveis de acesso à informação e de
percepção da crise, consequentes de diferentes contextos de inserção social.
Os estudantes portugueses, por sua vez, são o sector social que menos
preocupação revela com o quotidiano financeiro do biénio 2011-12, não
obstante, o nível de preocupação é francamente elevado.

299
Quadro 7.20 Preocupação com o quotidiano financeiro do biénio 2011-12
Dificuldade de Escândalos
O pedido
Redução A falta de consenso (BPN, Aumento da
de ajuda
do poder recuperação sobre as Buraco da taxa de
financeira
de compra económica medidas a Madeira, desemprego
à Troika
aplicar Submarinos)
Utilizadores 4,41 4,45 4,24 4,12 4,20 4,63

Não utilizadores 4,39 4,35 4,24 4,14 4,25 4,52

15-34 4,34 4,38 4,20 4,05 4,14 4,57

35-54 4,47 4,51 4,31 4,20 4,31 4,64

55 ou mais 4,38 4,33 4,21 4,12 4,21 4,53


Ensino Básico ou
4,42 4,38 4,25 4,18 4,28 4,58
menos
Ensino Secundário 4,37 4,42 4,21 4,02 4,12 4,57

Ensino Superior 4,39 4,49 4,27 4,11 4,21 4,61


Ativos 4,44 4,46 4,26 4,16 4,26 4,63
- Empregados
4,43 4,46 4,26 4,15 4,24 4,61
- Desempregados
4,47 4,48 4,27 4,19 4,34 4,68
Sem atividade 4,34 4,32 4,20 4,07 4,16 4,50
económica
- Reformados ou 4,36 4,33 4,20 4,10 4,17 4,50
outros inativos
- Estudantes 4,28 4,26 4,20 3,96 4,11 4,49
Empresários,
dirigentes e
4,35 4,40 4,35 4,20 4,25 4,60
profissionais
liberais
Profissionais
técnicos e de 4,39 4,52 4,23 4,04 4,19 4,62
enquadramento
Empregados
4,46 4,44 4,23 4,13 4,28 4,65
executantes
Operários
4,42 4,37 4,25 4,22 4,27 4,55
industriais
Masculino 4,39 4,37 4,24 4,14 4,19 4,57

Feminino 4,41 4,44 4,24 4,12 4,25 4,59


*Valor médio por categoria social, variável entre 1 e 5.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

A interpretação da gestão da crise económica por parte dos portugueses


é um elemento particularmente importante para avaliar o desempenho dos
dirigentes políticos e executivos da crise. Se Portugal tem experimentado um

300
quadro político de austeridade severa, como via para reduzir a despesa
pública, o posicionamento dos portugueses perante este quadro revela-se
francamente negativo (quadro 7.21). De facto, apenas 4% dos portugueses
considera que, como veículo para a superação da crise económica, deve ser
atribuída preponderância às políticas de austeridade. Não obstante, metade da
população portuguesa considera que a melhor via para a superação da crise é
um equilíbrio entre as políticas de austeridade e o estimulo económico, o que
evidencia um elevado nível de compreensão da necessidade de políticas de
austeridade para a consolidação das contas públicas, porém, este modelo deve
ser mantido em equilíbrio com medidas de estimulo económico que potenciem
o desenvolvimento do emprego e das condições económicas da população.
Por outro lado, aproximadamente um terço da população portuguesa
considera que as medidas de estímulo económico devem ter preponderância
sobre as medidas de austeridade na superação da crise económica,
evidenciando uma demarcação do modelo político de gestão da crise em
Portugal.

Quadro 7.21 Percepção sobre o peso entre medidas de austeridade e medidas de estímulo
económico na superação da crise económica (%*)

Não
Utilizadores Total
(n=852) utilizadores (n=1542)
(n=690)

Devia ser dada preponderância a medidas de austeridade 2,8 5,1 3,8


Devia ser dada preponderância a medidas de estímulo
35,2 25,7 31,0
económico
Devia haver um equilíbrio entre medidas de austeridade e
52,1 47,3 49,9
medidas de estímulo económico
Ns/Nr 9,9 22,0 15,3
* Percentagens do número de indivíduos que responde afirmativamente, em relação ao total de indivíduos inquiridos.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

A avaliação da gestão da crise financeira por parte dos portugueses


atinge também o sector financeiro, com o presente estudo a assinalar a
percepção dos portugueses sobre os níveis de fiscalização do governo às
instituições financeiras (quadro 7.22). A esmagadora maioria dos portugueses
(85%) considera que a fiscalização é insuficiente, considerando que o governo
português deveria ter um papel mais interventivo neste âmbito.

301
Destacam-se, para esta análise, embora com valores similares os
cibernautas portugueses como os que mais apontam a necessidade de um
aumento da fiscalização (86%), por comparação aos portugueses não
utilizadores de internet (83%).
De assinalar ainda que apenas 2% dos portugueses considera que
deveria haver menos fiscalização às instituições bancárias e de crédito.

Quadro 7.22 Percepção sobre a fiscalização por parte do Governo às instituições financeiras
(%*)

Utilizadores Não utilizadores Total


(n=852) (n=690) (n=1542)

Mais fiscalização 86,3 83,6 85,1


A mesma fiscalização 3,4 4,3 3,8
Menos fiscalização 2,0 1,5 1,8
Ns/Nr 8,4 10,5 9,3
* Percentagens do número de indivíduos que responde afirmativamente, em relação ao total de indivíduos inquiridos.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

O posicionamento dos portugueses face ao crédito (quadro 7.23) é um


importante contributo para interpretar os quotidianos económicos das famílias.
Aproximadamente metade dos portugueses demonstra-se favorável à
poupança mensal de parte dos rendimentos auferidos, destacando-se os
portugueses com escolaridade ao nível do Ensino Superior, bem como os
portugueses inseridos na categoria profissional de empresários, dirigentes e
profissionais liberais que, em função da sua condição, serão os sectores da
sociedade portuguesa com rendimentos mais elevados, factor que potencia um
maior índice de economia de capital. De destacar ainda que o posicionamento
da população portuguesa face a esta atitude é independente da utilização de
internet, com os valores a serem coincidentes entre os cibernautas e os não
utilizadores de internet em Portugal.
O recurso ao crédito é considerado pelos portugueses como
desadequado, quando existe capital efetivo na economia pessoal ou familiar
para suportar o valor em causa, tese defendida por aproximadamente dois
terços da população portuguesa. De entre os sectores sociais que mais se

302
afastam do recurso ao crédito nestas circunstâncias estão os portugueses com
habilitações ao nível do Ensino Superior, a população portuguesa com 55 ou
mais anos de idade e os profissionais e técnicos de enquadramento. Os
sectores da população portuguesa que mais suportam este modelo, embora
com índices pouco expressivos, são os estudantes e os operários industriais.
Tal como no caso anterior, não existe diferenciação significativa na população
portuguesa em função da utilização de internet.
A utilização do cartão de crédito como último recurso é considerada uma
prática adequada por aproximadamente 60% dos portugueses sustentada
maioritariamente, em concordância com a poupança de parte do rendimento,
pelos portugueses com habilitações ao nível do Ensino Superior e pelos
empresários, dirigentes e profissionais liberais. Os sectores sociais
portugueses que mais se afastam desta prática, embora com um índice de
concordância francamente positivo) são os reformados e os portugueses sem
atividade económica.
As diferenças entre utilizadores e não utilizadores de internet são
expressivas nesta questão, com um maior índice de concordância por parte
dos cibernautas portugueses, revelando-se ainda, paralelamente com as duas
questões anteriores, uma maior adesão a estas práticas por parte da
população masculina portuguesa, face à população feminina.
Quando questionados sobre a capacidade de pagamento dos créditos
contraídos, mais de 80% dos portugueses considera que só se deve contrair
um empréstimo se existir capacidade financeira objetiva para o suportar.
Destaca-se como uma das maiores diferenças, o posicionamento perante esta
questão entre utilizadores e não utilizadores de internet que, não obstante a
concordância generalizada de ambos os grupos com esta questão, é mais
explícita nos cibernautas portugueses.
Relativamente às motivações objectivas que validam o recurso ao crédito,
existe uma maior divisão entre os portugueses. Se, por um lado, mais de um
quarto da população portuguesa considera que o recurso ao crédito só deve
acontecer se existir um objectivo real de investimento e lucro,
aproximadamente 18% da população posiciona-se contra este modelo. A maior
fatia da população posiciona-se num campo intermédio, com mais de 30% da
população a assumir-se neutral a esta tese. De entre os vários sectores da

303
população portuguesa, são os estudantes que mais validam esta tese, por
oposição aos profissionais técnicos e de enquadramento. Similar análise face à
utilização de internet aproxima os cibernautas da concordância com este
conceito, afastando os não utilizadores de internet portugueses.
A concordância com a legitimidade da banca para contrair empréstimos
atinge mais metade da população portuguesa que, associada a
aproximadamente um quarto da população que se posiciona neutral face a esta
questão, aproxima a população portuguesa da tese de que a banca deve
apresentar estatuto similar nesta questão às empresas e ao crédito individual,
destacando-se como maiores subscritores desta tese, os portugueses com
habilitações ao nível do Ensino Secundário e Ensino Superior. A diferença
entre utilizadores e não utilizadores de internet volta a ser significativa nesta
questão, com maior concordância do primeiro grupo.
As duas últimas questões deste grupo evidenciam uma tendência para
que a população portuguesa considere que o crédito deve assumir uma
configuração mais dinâmica do que a que atualmente apresenta. Uma maior
flexibilidade de prazos de pagamento e de juros é analisada favoravelmente
por cerca de 65% da população portuguesa, ao passo que aproximadamente
55% da população considera que o risco deve ser um factor articulado entre
quem contrai e quem financia o crédito, invertendo as lógicas de
responsabilização centradas no devedor. Volta a ser evidente nesta análise
uma diferenciação face à utilização de internet, com maior receptividade destas
teses pelos cibernautas portugueses.

Quadro 7.23 Atitudes dos portugueses face ao crédito financeiro (%*)


(n=1542)

Concorda Não concorda Discorda


Concorda Discorda Ns/Nr
totalmente nem discorda totalmente
Tento todos os meses poupar
28,0 49,5 8,5 7,7 1,2 5,1
parte do meu rendimento
Mesmo tendo dinheiro no
banco, prefiro sempre usar 1,9 5,5 7,7 36,4 36,1 12,3
primeiro o cartão de crédito
Só uso o cartão de crédito
28,6 30,2 8,5 8,6 7,9 16,1
como último recurso
Só se deve pedir emprestado
40,0 42,4 9,5 1,1 2,8 4,3
o que se pode pagar
Só se deve pedir emprestado
8,4 25,6 30,8 17,2 7,8 10,1
se for para investir e lucrar
Os empréstimos de um banco
são um negócio como
10,4 42,8 23,9 7,3 4,2 11,3
qualquer outro, se se precisa
negoceia-se para os obter

304
Se necessário deve-se
negociar pagamentos de juros
15,1 50,2 17,0 2,4 2,7 12,6
e prazos de pagamento do
empréstimo que tivermos
Os empréstimos devem ser
um risco partilhado de igual
18,1 36,1 23,7 6,5 3,2 12,4
modo por quem empresta e
por quem recebe
* Percentagens do número de indivíduos que responde afirmativamente, em relação ao total de indivíduos inquiridos.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

Recuperando a questão da relação entre austeridade e estímulos


económicos (quadro 7.21), centra-se agora a análise na interpretação do
impacto do sistema económico atual no quotidiano dos portugueses (quadro
7.24). Mais de 60% dos portugueses considera que o sistema económico
capitalista teve um impacto negativo na sua vida pessoal, o que valida o
resultado negativo quanto às espectativas de futuro. Destaca-se ainda um valor
superior a 20% da população que se posiciona de forma neutra quanto a esta
questão. Revela-se particularmente interessante verificar que os sectores
sociais que mais penalizam o sistema económico são os sectores mais frágeis,
nomeadamente os desempregados, os portugueses com habilitações ao nível
do Ensino Básico ou inferior e os operários industriais, sendo que, face à
utilização de internet, os portugueses não utilizadores de internet assinalam um
impacto negativo maior do que os utilizadores.
Paralelamente, cerca de 60% dos portugueses considera que o sistema
económico português não tem sido justo para si, destacando-se cerca de 20%
desse grupo que discorda totalmente da justiça do sistema económico,
destacando-se os reformados, empregados executantes, e a população
portuguesa com idades conferidas entre os 35 e os 54 anos. O sector dos
portugueses não utilizadores de internet, congruentemente com a questão
anterior, assinala uma maior injustiça pessoal por parte do sistema económico
português do que os utilizadores de internet.

Quadro 7.24 Percepções sobre o impacto do sistema económico na vida pessoal (%*)

Utilizadores Não utilizadores Total


(n=852) (n=690) (n=1542)
Concorda
21,0 19,8 20,5
totalmente
O sistema económico atual (capitalismo) Concorda 39,5 41,6 40,4
afecta negativamente a minha vida pessoal? Não concorda
21,6 17,4 19,7
nem discorda
Discorda 10,0 5,6 8,1

305
Discorda
1,3 0,6 1,0
totalmente
Ns/Nr 6,7 14,9 10,3
Concorda
1,3 2,1 1,7
totalmente
Concorda 5,8 6,2 5,9
Não concorda
O sistema económico português tem sido 27,4 18,8 23,6
nem discorda
justo para mim?
Discorda 40,4 40,7 40,6
Discorda
18,8 22,6 20,5
totalmente
Ns/Nr 6,3 9,6 7,8
* Percentagens do número de indivíduos que responde afirmativamente, em relação ao total de indivíduos inquiridos, por sector social.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

As percepções sobre a distribuição de rendimentos (quadro 7.25) são um


importante contributo para compreender o posicionamento dos portugueses
face ao sistema económico e financeiro em que se inserem.
Quando questionados a cerca da relação entre a distribuição de
rendimentos em Portugal, quando comparado com a maioria dos países da
Europa, cerca de 85% dos portugueses considera que a distribuição de
rendimentos é mais desigual, para o caso português.
Destacam-se os empregados executantes (86%) e os portugueses com
idades entre os 35 e os 54 anos (86%) como os sectores da sociedade
portuguesa que mais subscrevem esta tese, por oposição aos estudantes
(76%) e aos portugueses com idades conferidas entre os 15 e os 34 anos.
Os portugueses com habilitações literárias ao nível do Ensino Superior
são os que consideram a distribuição de rendimentos entre Portugal e a
maioria dos países europeus mais semelhante (13%).
Similar análise efetuada em função da utilização de internet evidencia
uma tendência para que os cibernautas portugueses considerem a distribuição
de rendimentos em Portugal mais desigual (84%), quando comparados com os
portugueses não utilizadores de internet (81%).

Quadro 7.25 Percepções sobre a distribuição de rendimentos em Portugal, em comparação


com a tendência europeia (%*)

Mais igualitária Semelhante Mais desigual Ns/Nr


Utilização de Utilizadores 1,2 8,9 84,4 5,4
Internet Não utilizadores 3,2 6,0 81,1 9,8
15-34 2,2 10,7 79,5 7,6
Escalão etário 35-54 2,0 6,5 86,4 5,2
55 ou mais 2,2 6,2 82,4 9,2
Escolaridade Ensino Básico 2,1 5,8 82,4 9,7

306
Ensino Secundário 2,7 7,9 84,2 5,2
Ensino Superior 0,7 13,3 83,0 2,9
Ativos 2,3 7,9 84,6 5,2
- Empregados 2,3 8,8 84,3 4,6
Condição - Desempregados 2,3 4,5 85,8 7,3
perante o 1,8 7,1 80,0 11,1
Sem atividade económica
trabalho
- Reformados ou outros inativos
2,2 5,9 81,0 10,9
- Estudantes
0,0 11,7 76,1 12,2
Empresários, dirigentes e
1,2 9,8 85,0 4,0
profissionais liberais
Categoria Profissionais técnicos e de
1,5 10,8 85,8 1,8
socioprofissional enquadramento
Empregados executantes 2,1 7,2 86,4 4,3
Operários industriais 2,2 5,4 83,4 9,0
Masculino 2,5 7,4 83,5 6,7
Sexo
Feminino 1,8 7,8 82,4 8,0
* Percentagens do número de indivíduos que responde afirmativamente, em relação ao total de indivíduos inquiridos, por sector social.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

O posicionamento dos portugueses relativamente às transformações
sociais (quadro 7.26) indiciam duas diferentes perspectivas: se, por um lado
uma significativa fatia de portugueses (29%) considera que a sociedade
tenderá a evoluir positivamente num futuro próximo, similar número de
portugueses (29%) discorda desta proposta. Esta dualização de perspectivas
evidencia que existe, entre a população portuguesa, um posicionamento pouco
claro e, sobretudo muito cauteloso, no debate sobre evolução da sociedade,
tese sustentada pelos mais de 21% de portugueses que se posiciona de forma
neutral quanto a esta questão, associada a aproximadamente 13% da
população que toma posições de maior certeza (4% dos portugueses concorda
totalmente com a evolução positiva da sociedade e 9% discorda totalmente
desta perspectiva).
Paralelamente, quando questionados acerca da contribuição pessoal para
uma mudança social positiva; ainda que de forma ténue, os portugueses
tendem a ser mais positivos, tendência evidenciada pelos mais de 45% de
portugueses que respondem afirmativamente a esta questão. Ainda assim,
mais de 15% dos portugueses afasta-se desta perspectiva, o que convoca um
debate particularmente atual, sedimentado na relação entre a democracia
participativa e a melhoria da sociedade.
A análise dos resultados a partir da utilização de internet evidencia que os
cibernautas portugueses são mais positivos relativamente às sociedades
futuras do que os portugueses não utilizadores de internet. Não obstante, as
principais diferenças entre estes dois grupos verificam-se na contribuição

307
pessoal para a melhoria da sociedade, com a discrepância de resultados a
revelar-se muito significativa, com 53% dos cibernautas portugueses a
responder afirmativamente a esta questão, por oposição aos 36% de
portugueses não utilizadores de internet.
Resultado particularmente interessante é evidenciado pela análise dos
dados em função da escolaridade. Não obstante a diferenciação de resultados
ser reduzida, é visível em ambas as questões uma relação diretamente
proporcional entre as habilitações e a confiança nas sociedades de futuro,
resultado que, de entre múltiplas interpretações, valida a tese de que a
educação é um importante mecanismo para a sedimentação dos lugares de
classe, contribuindo para a legitimação da estrutura social.
Por último, o presente estudo valida a perspectiva de que os homens são
mais positivos dos que as mulheres, relativamente ao futuro da sociedade
portuguesa, bem como do seu contributo para garantir esta transformação.

Quadro 7.26 Percepções sobre as transformações sociais (%*)

Não
Utilizadores Total
(n=852) utilizadores (n=1542)
(n=690)

Concorda totalmente 4,1 4,3 4,2

Concorda 30,3 26,9 28,8

Num futuro próximo a sociedade Não concorda nem discorda 24,5 17,5 21,4
mudará para melhor? Discorda 27,4 30,5 28,8

Discorda totalmente 7,4 10,2 8,7

Ns/Nr 6,3 10,7 8,2

Concorda totalmente 8,2 6,6 7,5

Concorda 44,6 29,2 37,7

"Posso contribuir para uma Não concorda nem discorda 26,3 26,0 26,2
mudança social positiva"? Discorda 10,2 15,3 12,5

Discorda totalmente 1,7 4,6 3,0

Ns/Nr 9,0 18,2 13,2


* Percentagens do número de indivíduos que responde afirmativamente, em relação ao total de indivíduos inquiridos, por sector social.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013

A responsabilidade pela crise económica é um debate transversal à


população portuguesa, nomeadamente desde a intervenção financeira externa,
de que o país foi alvo, em 2011. Paralelamente, similar debate é convocado por
Manuel Castells (Conill et al., 2012), em Barcelona, importando,

308
consequentemente, comparar os resultados entre ambos e compreender as
diferenças e semelhanças existentes entre ambas as regiões. A população
portuguesa apresenta resultados bastante díspares na responsabilidade de
instituições pela crise económica, não obstante, o Governo é a entidade mais
responsabilizada pela população, sendo referenciada por aproximadamente
uma em cada três pessoas. No caso de Barcelona, a taxa de responsabilização
dos Governos situa-se nos 16%, francamente mais baixa do que o sector
bancário, o principal responsável pela crise económica para 30% dos
habitantes de Barcelona, francamente superior quando comparada com a taxa
registada em Portugal (8%).
A responsabilização colectiva das instituições aproxima as duas regiões,
com Barcelona a registar uma taxa de 28%, face aos mais de 25% registados
pela população portuguesa. Barcelona apresenta ainda uma taxa de
responsabilização da crise económica global superior, referenciada por 16% da
população, comparativamente a Portugal, que regista um valor de 6%.

309
Capítulo 8
Culturas de rede e autonomia

Nos capítulos anteriores analisou-se minuciosamente os vários domínios


da sociedade em rede actual em Portugal, tomando como foco a população em
geral e muito especialmente os protagonistas dessa forma de organização
social, os internautas. Procedeu-se à caracterização da sua composição social,
dos seus padrões de uso da internet, das suas relações de sociabilidade, das
suas práticas comunicacionais e de acesso à informação, das suas referências
identitárias, práticas de cidadania e de acção colectiva, e ainda das suas
práticas alternativas e culturas económicas. Até aqui a distinção baseou-se
essencialmente entre utilizadores e não utilizadores de internet em Portugal.
Mas será que os cidadãos utilizadores de internet são um grupo totalmente
homogéneo? Este capítulo vem complementar a análise efectuada até aqui,
apresentando uma abordagem um pouco diferente.
Procura-se investigar se os internautas se subdividem em segmentos
diferenciados, configurados multidimensionalmente, correspondentes a
diferentes culturas de rede.
A sociedade em rede é precisamente sinónimo de multiplicidade. Num
mundo construído em torno de redes globais de comunicação, os indivíduos
têm à sua disposição um conjunto amplo de formas de comunicação de que
podem fazer uso. As redes de internet alteraram a maneira como comunicamos
e multiplicaram as maneiras pelas quais nos podemos relacionar. As redes de
hoje possibilitam diferentes tipos de interacção (Cardoso, 2014), os quais estão
associados a diferentes modelos comunicacionais. Na auto-comunicação de
massas (Castells, 2011) que caracteriza, por exemplo, o Twitter, os indivíduos
actuam como veículos de comunicação. Já em redes sociais como o Facebook
é tendencialmente mais comum o modelo comunicacional de um-para-muitos,
no qual temos conhecimento prévio sobre as pessoas que fazem parte do
círculo de interacção mediada. A comunicação interpessoal é a bidirecional,
entre duas ou mais pessoas de um grupo, como nos chats. Referência ainda
para a comunicação de massas, para a qual a norma se aproxima cada vez
mais da apropriação de ambientes multimédia, sendo que dessa forma a
311
mensagem pode atingir de forma unidirecional audiências muito alargadas,
como no caso das páginas na internet de estações de rádio, jornais ou canais
de televisão.
A novidade da comunicação em rede é reunir e articular todas estas
lógicas comunicativas e dar-lhes novas funcionalidades num ambiente
multimédia (Cardoso, 2014). As redes de internet vieram não só conectar todas
as lógicas de comunicação, possibilitando por exemplo a conexão entre o que
os veículos de massa publicam e o que as pessoas colocam na web,
comentam ou partilham, como também potenciar a capacidade de manter
relações com um número muito maior de pessoas.
Sendo seres autónomos e dispondo de uma ferramenta como a internet,
os indivíduos passaram a ter uma palavra a dizer no processo comunicativo e
informativo. Na sociedade actual o poder da comunicação está centrado
crescentemente nas pessoas e não somente nos media ou nas mensagens
enviadas. Novas abordagens assumem que na sociedade em rede a
mensagem pode já não ser o meio, mas sim as pessoas (Cardoso, 2014). Elas
têm a capacidade de criar a mensagem no processo comunicativo, de mudá-la
caso não a aprovem e entendam que isso é necessário para atingir os seus
objectivos de autonomia, e de a introduzir na rede. A apropriação da
comunicação numa forma completa, utilizando diferentes modalidades
comunicativas, a adopção de culturas de partilha em rede, uma maior
proactividade na produção e distribuição de conteúdos, podem ser aspectos
reveladores da “interferência” do sujeito na mensagem.
Relacionado com este processo está o conceito de autonomia. Um
projecto de autonomia é, tal como conceptualizado por Castells e outros
(2003), a afirmação por parte de uma pessoa da sua capacidade de pensar e
agir em função dos seus próprios critérios, valores e esforços. A sociedade em
rede caracteriza-se, em todos os contextos culturais, por um incremento
substancial do nível de autonomia e reflexividade dos indivíduos. Mas, dado o
carácter multifacetado da vida social, é à partida de considerar que tais
capacidades não se evidenciam de forma homogénea nos vários domínios da
vida individual e colectiva. Por seu turno, é também de ponderar que nem todos
os indivíduos estarão em iguais condições para desenvolver práticas sociais
pautadas por este tipo de capacidade reflexiva e proactiva. Pretende-se assim

312
considerar a existência de diferentes perfis de autonomia e relacioná-los com
as culturas de rede. O estudo anterior da Sociedade em Rede (Cardoso, Costa,
Conceição e Gomes, 2005) sugeria já que a internet, enquanto meio de
comunicação interactivo e multidirecional, se afirmava como um dos
instrumentos privilegiados de expressão de autonomia e dos correspondentes
modos de acção. Mas como essa relação se expressa actualmente, com a
alteração e amplificação das redes de internet e com o surgimento das redes
sociais? Essa análise será central neste capítulo.
A título exploratório, a análise avançou ainda mais alguns passos. Numa
sociedade global, a utilização da internet e a comunicação em rede podem
facilitar também a mudança dos valores e crenças dos indivíduos,
expressando-se não apenas no “mundo digital” como fora dele (Cardoso,
2012). Podem ser disso exemplo as percepções em torno da partilha, do
acesso, da mudança e da inovação, enquanto valores suscitados pelo contexto
digital. As culturas de rede podem manifestar-se em diferentes incorporações e
valorizações destes conceitos, pelo que essa relação será também
considerada na análise.
Assim, num primeiro momento do presente capítulo, apresenta-se uma
tipologia de culturas comunicativas de rede, fundamentada através dos devidos
procedimentos estatísticos, e caracteriza-se cada perfil identificado segundo as
dimensões analíticas que os estruturaram e segundo a sua composição social.
Num segundo momento sistematizam-se as variáveis entendidas como
indicadoras de autonomia e, após breve análise da sua distribuição entre
utilizadores e não utilizadores de internet, apresenta-se uma tipologia de perfis
de autonomia entre os internautas.
Posteriormente relacionam-se as duas tipologias, de culturas
comunicativas de rede e de perfis de autonomia, procurando discutir a
articulação entre o tipo de uso que se faz da internet e as formas de
reflexividade e autonomia.
Numa última parte do capítulo acrescentamos à análise dimensões que
remetem para percepções e atitudes sobre o acesso, a partilha e a inovação,
enquanto vertentes potencialmente integradoras das culturas comunicativas de
rede no sentido mais amplo de cultura, isto é, como através da domesticação
da tecnologia (Silverstone...) alteramos práticas e, por sua vez, transformamos

313
valores condicionando as práticas, não apenas as presentes no espaço digital
de fluxos, mas também aquelas realizadas fora dele.

Culturas comunicativas de rede

A caracterização de culturas comunicativas de rede teve por base um


conjunto de dimensões fundamentais, selecionadas de acordo com as
principais linhas de investigação disponíveis a este respeito. Em concreto, a
construção de uma tipologia de culturas comunicativas de rede assentou no
tratamento integrado dos resultados obtidos através do inquérito a respeito de
um conjunto nuclear de dimensões: a utilização da internet e de diferentes
modelos comunicacionais nesse contexto, as práticas online relacionadas com
os mass media, os usos do telemóvel, a produção e distribuição de conteúdos
online, o consumo de conteúdos partilhados em ambiente digital e, ainda, a
intervenção social no contexto da rede.
Tal como noutras pesquisas (Costa, Ávila e Mateus, 2002), as formas
possíveis de relação dos indivíduos com as dimensões do social, neste caso
dos internautas com a rede, são entendidas, analiticamente, como sendo o
resultado de uma combinação complexa de múltiplas vertentes, as quais
podem assumir configurações diferenciadas. Convocou-se assim em
simultâneo as diferentes dimensões referidas, procurando apreender as
principais configurações emergentes. Através deste procedimento analítico
foram encontrados entre os cidadãos utilizadores de internet que integram a
sociedade portuguesa actual três perfis de culturas de rede distintos.
Atribuiu-se a cada um desses perfis uma designação que remete para os
traços principais de cada um: paleo-comunicação em rede, proto-comunicação
em rede e comunicação em rede.
Antes de prosseguir na sua caracterização, especifica-se de seguida de
forma sucinta os indicadores selecionados para a distinção de diferentes
culturas de rede, cujos resultados foram já apresentados nos capítulos
anteriores.

314
a) Frequência de uso da internet

Este indicador divide os utilizadores que recorrem à internet diariamente


dos que o fazem com uma regularidade menos frequente, seja semanal,
mensal ou mais ocasional.

b) Utilização de diferentes modelos comunicacionais na internet

Esta dimensão tem em consideração a utilização de diferentes lógicas de


comunicação no contexto da internet. Assim, distinguiu-se, em consonância
com o que a teoria e os procedimentos estatísticos sugeriam, a utilização de
redes sociais (ex. Facebook, Google+); a utilização de emails, programas de
mensagens instantâneas/chats (ex. Messenger, iChat) ou VoIP/conversação de
voz e vídeo (ex. Skype); e a utilização de blogues ou do Twitter.

c) Mass media online

A par das lógicas de comunicação já referidas, foi também considerada a


comunicação de massas, associada a três práticas realizadas em ambiente
multimédia. São elas a leitura de jornais através da internet, o
visionamento/consulta de canais de televisão na internet e a audição/consulta
de sites de estações de rádio na internet.

d) Usos do telemóvel

Tradicionalmente concebido como meio de comunicação interpessoal, o


telemóvel assume hoje potencialidades mais alargadas, possibilitando modos
de utilização diferenciados. Na tentativa de sistematizar empiricamente estas
tendências procedeu-se a uma análise estatística que incidiu sobre um
conjunto de variáveis relativas a diferentes actividades susceptíveis de serem
realizadas através do telemóvel. Os resultados desta análise permitiram
distinguir três factores13. O primeiro reúne actividades mais básicas – falar ao
telefone, enviar e receber mensagens de texto ou multimédia ou tirar
fotografias –, o segundo integra actividades de carácter mais complexo –
navegar na internet, instalar aplicações e outro software, usar redes sociais,
enviar e receber emails, utilizar programas de chat, utilizar serviços de GPS,
ver conteúdos audiovisuais ou realizar videochamadas – e o terceiro inclui

13
A identificação de factores resultou da realização de uma Análise em Componentes
Principais. Este procedimento estatístico foi utilizado com o mesmo objectivo noutras
dimensões de análise.

315
outro tipo de actividades mais específicas de carácter lúdico – a audição de
música ou de rádio.

e) Produção e distribuição de conteúdos online

Trata-se de um conjunto fundamental de indicadores relacionados com a


criação e partilha de conteúdos na rede. Os conteúdos gerados pelo utilizador
foram diferenciados em cinco factores: upload de ficheiros (factor 1); introdução
de conteúdos nas redes sociais (factor 2)14; comentários especialmente de
notícias (factor 3); participação em votações ou avaliação de produtos (factor
4); e edição de conteúdos de recursos de tipo enciclopédico online (factor 5).
O primeiro factor compreende a disponibilização online de fotografias,
vídeos, filmes ou música. O segundo factor inclui fazer comentários em blogues
ou no mural de alguém, fazer actualizações do status nas redes sociais ou
ainda colocar nas redes sociais notícias de jornais, televisão ou rádio. Do
terceiro factor fazem parte os comentários de notícias em sites de redes sociais
ou de órgãos de comunicação social, a colocação de posts em blogues sobre
notícias ou ainda a introdução de comentários em sites diversos. Já o quarto
factor inclui a participação em votações online e a avaliação de produtos ou
serviços. Por fim, o quinto factor, mais específico, isola a edição de conteúdos
da Wikipedia ou de outros recursos enciclopédicos online.
Foi ainda considerado nesta dimensão um indicador relativo à produção
de informação local por parte dos indivíduos, mais propriamente a contribuição
com artigo próprio, texto de opinião, foto ou vídeo sobre a comunidade local a
que pertencem para um site de notícias online.

f) Consumo de conteúdos partilhados

Este domínio diz respeito à recepção e utilização de conteúdos digitais


partilhados e disponíveis gratuitamente online. Analisa-se aqui a realização de
downloads de música não pagos e a utilização de software livre.


14
As variáveis dos dois primeiros factores foram numa primeira análise incorporadas num único
factor, tendo-se posteriormente, por motivos interpretativos, efectuado a divisão em dois
factores, fundamentada pela realização de nova análise estatística assente apenas nas
variáveis em causa.

316
g) Intervenção social no contexto da rede

A última dimensão compreende, em primeiro lugar, a utilização de redes


sociais pelos indivíduos para se expressarem em relação ao governo, a
empresas, causas ou acções de protesto. Essa utilização foi subdividida
analiticamente em três factores. O primeiro factor sugere a correlação entre os
indicadores de introdução de comentários, onde se incluem comentar positiva
ou negativamente as políticas do governo, práticas económicas ou decisões de
empresas e bancos, figuras públicas, ou ainda colocar posts ou fazer like para
apoiar o desempenho de empresas ou bancos. O segundo factor integra as
práticas de mobilização social ou apoio a causas, mais especificamente a
utilização de sites de redes sociais para o apelo à participação em
manifestações ou eventos culturais, a sugestão de apoio a partidos políticos
através de likes ou comentários, a criação de grupos de apoio a causas sociais,
ambientais ou cívicas, ou ainda o apoio a causas nacionais ou internacionais
através de likes ou comentários. Por sua vez, o terceiro factor remete para a
manifestação de opinião sobre acções de protesto através das redes sociais,
concretamente os protestos da “geração à rasca” e os protestos contra a
austeridade que caracterizam Portugal no contexto da intervenção da
denominada Troika - FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu.
Esta dimensão inclui ainda, em segundo lugar, um indicador relativo à
participação em acções directamente dirigidas ao governo através das redes
sociais ou de outras ferramentas da internet como petições, mais propriamente
a subscrição de abaixo-assinados, apoio a causas ou envio de cartas de
protesto ou reclamação a órgãos do Estado e da administração pública.
Com base nos indicadores descritos foi realizada uma análise estatística
de carácter multivariado, neste caso uma análise de Clusters, a qual tem a
particularidade de classificar os indivíduos em função da sua proximidade
relativamente a um conjunto de parâmetros previamente definidos. Desta
forma, a análise conjunta das diferentes dimensões conduziu a uma tipologia
de culturas comunicativas de rede.

317
Os internautas foram classificados em três grupos15, cada um deles
correspondendo a um perfil-tipo específico quanto às culturas comunicativas
de rede. No quadro 8.1 podem observar-se, para cada perfil, os valores
percentuais nos vários indicadores considerados. Seguidamente caracteriza-se
cada um desses perfis-tipo, assinalando em termos comparativos os principais
elementos que distinguem na sociedade portuguesa as culturas de rede entre
os internautas.
Paleo-comunicação em rede. Este grupo é caracterizado por um modo de
relação com a internet em que se acentuam os traços de distanciamento e o
retraimento face a grande parte das dimensões consideradas. Os indivíduos
que nele se integram utilizam a internet com uma regularidade menor do que
os restantes grupos, predominantemente semanal ou mais esporádica. O
modelo comunicacional mais recorrente entre este grupo é o interpessoal,
patente tanto na utilização de emails, chats ou Skype, como no uso que fazem
do telemóvel, essencialmente para realização de chamadas e envio de
mensagens. A produção e distribuição de conteúdos online é pouco frequente
entre os indivíduos que adoptam práticas comunicativas de paleo-comunicação
em rede, como também é limitado o consumo de conteúdos partilhados na
internet. De salientar ainda a inexistência de práticas de intervenção social no
contexto da rede entre os indivíduos deste grupo.
Proto-comunicação em rede. Este grupo configura uma cultura de rede
bastante mais completa do que a apresentada pelo grupo anterior, sendo
caracterizada pelo uso flexível das diferentes vertentes da rede e configurado
de acordo com os seus próprios interesses. Trata-se tipicamente de
utilizadores diários de internet, que fazem uso de modelos comunicacionais
não apenas interpessoais, como também de modelos de um-para-muitos, como
fica demonstrado na sua utilização das redes sociais. Menos característica,
mas ainda assim mais comum do que entre os utilizadores caracterizados por
práticas de paleo-comunicação em rede, é a utilização de modelos de auto-
comunicação de massas (Castells,...). A produção e distribuição de conteúdos

15
O método utilizado foi o Hierarchical Clusters. Os três grupos aqui apresentados são o ponto
de chegada de uma fase prévia de análise dos resultados, que contou com o contributo da
Análise de Correspondências Múltiplas na identificação de diferentes configurações simbólico-
culturais. A solução seleccionada foi a considerada mais adequada, quer do ponto de vista dos
requisitos estatísticos quer do ponto de vista da interpretabilidade sociológica dos perfis
encontrados.

318
online entre os internautas deste grupo passa essencialmente pela introdução
de conteúdos nas redes sociais e o upload de ficheiros, mas sendo também
frequentes os comentários de notícias e a participação em votações ou
avaliação de produtos. A vertente de criação de informação, nomeadamente a
contribuição com informação produzida pelos próprios indivíduos para sites de
notícias já é menos usual neste grupo. Quanto ao consumo de conteúdos
partilhados, destacam-se ligeiramente os downloads de música não pagos. A
intervenção social no contexto da rede por parte daqueles que apropriam
essencialmente práticas de proto-comunicação em rede, embora mais comum
do que entre os utilizadores com práticas paleo-comunicativas em rede, não
atinge percentagens de realização acima dos 50%, sendo contudo de
evidenciar o seu apoio a causas.
Comunicação em Rede. Os indivíduos que fazem parte deste grupo
apresentam uma cultura de rede visivelmente mais avançada do que os
anteriores, principalmente os retraídos, e também diferenciada relativamente
aos utilizadores flexíveis. Obtêm valores elevados relativamente a praticamente
todos os tipos de práticas consideradas, destacando-se ainda assim na criação
de conteúdos online e na mobilização social ou apoio a causas. Os utilizadores
produtores acedem diariamente à internet e usufruem dos diferentes tipos de
interacção possibilitados pelas redes actuais. Aos modelos comunicacionais
interpessoal e de um-para-muitos, acresce neste caso o recurso a modelos de
comunicação de massas e essencialmente de auto-comunicação de massas (a
utilização de blogues ou do Twitter é muito comum neste grupo). Os usos do
telemóvel reflectem também utilizações diferenciadas, que passam pela
combinação de diferentes funcionalidades comunicativas e lúdicas. Para além
de consumirem conteúdos partilhados na rede (apenas neste grupo a utilização
de software livre ultrapasssa a taxa de 50% de adesão), os indivíduos incluídos
neste perfil caracterizam-se por serem verdadeiramente produtores e
distribuidores de conteúdos e informação na internet. Praticamente todos
fazem upload de ficheiros, introduzem conteúdos nas redes sociais, comentam
notícias ou participam em votações ou avaliações de produtos. Para além de
uma vertente de disponibilização de conteúdos, uma parte significativa deste
grupo revela-se como produtora de significado na rede, ao editar conteúdos de
enciclopédias ou ao contribuir com o seu próprio artigo, texto de opinião, foto

319
ou vídeo para sites de notícias online. Também a vertente de intervenção social
é vincada neste grupo, evidenciando-se a transversalidade entre estes
indivíduos da utilização de redes sociais para fins de mobilização social ou para
apoio a causas. São também destacados, relativamente aos restantes grupos,
os comentários nas redes sociais às políticas do governo ou às práticas de
outras instituições, a manifestação de opinião sobre protestos ou até a
subscrição de abaixo-assinados.

Quadro 8.1 Tipologia de culturas comunicativas em rede (universo utilizadores de internet)

Paleo- Proto-
Comunicação
comunicação comunicação
em rede
em rede em rede
Frequência de uso da internet
(% de utilização diária) 30,7 82,0 99,2
Utilização de diferentes modelos
comunicacionais na internet
(% de “sim”)
Utilização de redes sociais 18,6 94,7 100,0
Utilização de emails, chats ou Skype 72,6 94,7 99,3
Utilização de blogues ou Twitter 11,6 48,0 81,2
Mass media online
(% de “sim”)
Leitura de jornais através da internet 23,1 42,1 77,0
Visionamento/consulta de canais de televisão na
6,1 18,5 36,5
internet
Audição/consulta de sites de estações de rádio na
5,7 20,8 53,4
internet
Usos do telemóvel
(% de “sim”)
Utilização mais básica (factor) 100,0 99,3 100,0
Utilização mais complexa (factor) 12,5 50,0 81,5
Audição de rádio ou música (factor) 19,9 47,4 73,1
Produção e distribuição de conteúdos online
(% de “sim”)
Conteúdos gerados pelo utilizador:
Upload de ficheiros (factor) 17,5 71,6 94,7
Introdução de conteúdos nas redes sociais (factor) 7,7 82,9 98,8
Comentários especialmente de notícias (factor) 3,3 58,7 98,2
Participação em votações ou avaliação de produtos
20,8 47,1 89,7
(factor)
Edição de conteúdos de enciclopédias (factor) 15,2 26,9 45,2
Contribuição com o seu próprio artigo, texto de opinião,
foto ou vídeo sobre a comunidade local para um site de 0,0 9,1 43,6
notícias online
Consumo de conteúdos partilhados
(% de “sim”)
Downloads de música não pagos 16,8 42,9 71,5
Utilização de software livre 13,4 28,9 62,3

320
Intervenção social no contexto da rede
(% de “sim”)
Utilização de redes sociais para se expressar em
relação ao governo, empresas, causas, acções de
protesto:
Comentários (factor) 0,0 25,4 75,5
Mobilização social ou apoio a causas (factor) 1,5 43,7 94,8
Manifestação de opinião sobre protestos (factor) 0,0 14,4 56,2
Subscrição de abaixo-assinados através da internet ou
4,9 9,3 33,7
das redes sociais
Nota: No caso dos factores, as percentagens dizem respeito aos utilizadores que declararam pelo menos uma
actividade incluída no respectivo factor. Em todas as variáveis o ns/nr foi assumido como missing.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Depois de descritos os perfis de culturas comunicativas de rede, importa


determinar o peso de cada um no conjunto da população utilizadora de internet
em Portugal. Como se pode verificar no quadro 8.2, a distribuição percentual
das culturas comunicativas de rede é desigual. O indivíduo que privilegia
práticas de proto-comunicação em rede constitui o perfil mais comum,
representando 60% dos internautas portugueses. Os restantes perfis têm um
peso percentual mais reduzido, mais concretamente 23% no caso dos
indivíduos com práticas paleo-comunicativas em rede e 17% no que concerne
aos indivíduos com práticas comunicativas em rede.

Quadro 8.2 Culturas comunicativas de rede

%
Paleo-comunicador em rede 22,8
Proto-comunicador em rede 60,2
Comunicador em rede 17,0
Total (n=852) 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Adicionalmente à caracterização das culturas comunicativas de rede por


via das dimensões que as estruturam, convocamos de seguida para a análise
um conjunto de variáveis sociodemográficas, que nos possibilitarão conhecer a
composição interna de cada perfil e perceber melhor as diferenças entre eles
(quadro 8.3).
Começando pelos utilizadores caracterizados por práticas paleo-
comunicativas em rede, estes têm idades mais avançadas do que os restantes
grupos, sendo os que mais sobressaem nas faixas etárias dos 35 aos 54 anos
321
(categoria modal) e dos 55 ou mais anos. O nível de escolaridade
predominante entre estes indivíduos é o ensino básico. Não se incluem aqui
praticamente nenhuns estudantes, mas sim activos e uma proporção
considerável de reformados.
Os indivíduos com práticas proto-comunicativas em rede são mais jovens
do que aqueles que aqui são definidos como adoptantes de práticas paleo-
comunicativas, sendo este grupo composto na sua maioria por jovens dos 15
aos 34 anos, seguindo-se os internautas na faixa etária dos 35 aos 54 anos. O
nível de escolaridade mais comum neste grupo é o ensino secundário, havendo
de resto uma presença relevante de escolarizados com os demais graus de
ensino. A composição social deste perfil revela ainda a predominância de
activos e estudantes, nomeadamente, no caso dos primeiros, de empregados
executantes e de operários industriais (categorias socioprofissionais também
prevalecentes entre os utilizadores retraídos).
Quando aos indivíduos adoptantes de práticas comunicativas em rede,
estes são o grupo mais jovem, com maior proporção de internautas com idades
compreendidas entre os 15 e os 34 anos. Ao contrário dos restantes grupos,
em que não se observavam diferenças muito relevantes na distribuição por
sexo, este grupo distingue-se por ser composto por um maior número de
homens do que de mulheres. Os membros deste grupo são também mais
qualificados do que os restantes, com um maior valor percentual de diplomados
do ensino secundário e do ensino superior. Compõem este grupo quase
exclusivamente activos e estudantes. As categorias socioprofissionais que
tendem a ser mais comuns são os empregados executantes e, com uma maior
diferença relativamente aos restantes grupos, os profissionais técnicos e de
enquadramento.

322
Quadro 8.3 Culturas comunicativas de rede por idade, sexo, níveis de escolaridade, condição
perante o trabalho e categoria socioprofissional (% em coluna)

Paleo- Proto-
Comunicação Res.
comunicação comunicação
em rede globais
em rede em rede
Escalões etários (p<0,01)
15-34 anos 21,4 52,6 58,3 46,5
35-54 anos 54,6 37,1 33,5 40,5
55 e mais anos 23,9 10,3 8,2 13,0
Sexo (p<0,02)
Masculino 51,6 48,1 60,5 51,0
Feminino 48,4 51,9 39,5 49,0
Nível de escolaridade (completo) (p<0,01)
Superior 19,3 30,2 39,0 29,2
Secundário 32,1 40,5 47,3 39,7
Básico 48,5 29,3 13,7 31,0
Condição perante o trabalho (p<0,01)
Estudantes 2,2 15,8 16,7 12,9
Activos 82,5 75,9 79,0 77,9
Reformados ou outros inactivos 15,3 8,3 4,3 9,2
Categoria socioprofissional *
Empresários, dirigentes e prof. liberais 13,8 13,9 16,6 14,4
Profissionais técnicos e de enquadramento 24,8 23,8 31,7 25,4
Empregados executantes 31,0 34,2 33,1 33,2
Operários industriais 30,4 28,1 18,7 27,1
* Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – trabalhadores
independentes, agricultores independentes, assalariados agrícolas.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Perfis de autonomia

Para além da identificação de culturas comunicativas de rede entre os


internautas portugueses, procurou-se também identificar perfis de autonomia.
Se, por um lado, se pretendia confirmar a diferenciação entre os padrões de
autonomia de utilizadores e não utilizadores de internet, procurava-se
sobretudo perceber se, entre os internautas, diferentes culturas comunicativas
de rede reflectiam de algum modo diferentes perfis de autonomia.
Assim, à semelhança dos procedimentos para a construção da tipologia
de culturas de rede, foram convocados um conjunto de indicadores de
autonomia, que possibilitaram o desenvolvimento de uma tipologia de perfis de
autonomia. As dimensões em que assentou a construção desta nova tipologia
remetem para práticas, atitudes e valores relacionados com a autonomia,

323
enquanto a afirmação por parte de uma pessoa da sua capacidade de pensar e
agir em função dos seus próprios critérios, valores e esforços (Castells, 2003).
Especifica-se de seguida as dimensões e respectivos indicadores
selecionados para a distinção dos perfis de autonomia.

a) Comunicação

Este indicador expressa a confiança dos indivíduos nos conteúdos


informativos disponibilizados por diferentes meios de comunicação – televisão,
rádio, imprensa e internet.

b) Representações sobre o trabalho

Neste caso analisa-se a preferência por trabalhar por conta própria, em


vez de por conta de outrem, ainda que com a possibilidade de ganhar menos
ou ter menos segurança profissional.

c) Participação sociopolítica, cidadania e capacidade de influenciar o


mundo

Esta dimensão inclui indicadores de intervenção social, entre os quais


foram distinguidos (com base nos procedimentos estatísticos adequados) três
factores. O primeiro remete para a percepção da capacidade de os cidadãos
influenciarem o mundo, associado à percepção do poder da acção colectiva. O
segundo está relacionado com a presença em protestos, mais especificamente
os protestos da “geração à rasca” e os protestos contra a austeridade. O
terceiro factor associa práticas de cidadania e participação cívica, como a
pertença associativa, a subscrição de abaixo-assinados, envio de cartas de
protesto ou estabelecimento de contactos com autoridades públicas, ou ainda a
participação em campanhas de defesa de direitos humanos ou outros.
Integra ainda esta dimensão um indicador do contributo próprio para a
mudança social, o qual expressa a concordância com a frase “posso contribuir
para uma mudança social positiva”.

d) Valores e atitudes perante a vida

Este domínio compreende uma variável indicadora da maior valorização


de aspectos interiores ou exteriores ao indivíduo para triunfar na vida – dividida
entre, por um lado, a inteligência ou o próprio esforço e, por outro, os contactos
e as “cunhas” ou a sorte.

324
Integra também um índice da capacidade individual de resolução de
problemas e realização de objectivos, que condensa um conjunto de
indicadores de atitudes perante a vida especificamente direccionados para
avaliar a capacidade referida.

e) Práticas de autonomia

Esta última dimensão trata de um conjunto de práticas de autonomia. Em


primeiro lugar refere a práticas alternativas de autonomia pessoal, organizadas
em três factores: a criação de animais ou a plantação de vegetais ou outros
produtos alimentares para consumo próprio; as reparações em casa (pinturas,
reparação de avarias em electrodomésticos ou outras); e a preparação de
refeições em casa para levar para o trabalho ou a confecção e arranjos no
próprio vestuário.
A procura de informação sobre saúde integra também a presente
dimensão, através de uma variável que indica se, em caso de doença do
próprio ou de uma pessoa próxima, os indivíduos para além de consultarem um
médico, procuram informar-se por si próprios sobre a doença.
Um último indicador considerado nesta dimensão é a realização pelos
indivíduos de algum curso ou acção de formação nos últimos dois anos, com o
objectivo de melhorar as capacidades técnicas ou pessoais.
Importa então observar de que modo a autonomia se encontra
relacionada com um dos instrumentos privilegiados de construção da
sociedade em rede, a internet. Antes de passarmos à distinção de diferentes
perfis de autonomia entre os internautas, procedemos à comparação entre
utilizadores e não utilizadores de internet das dimensões de autonomia
apresentadas previamente.
Os utilizadores de internet obtêm em grande parte dos indicadores de
autonomia valores superiores relativamente aos não utilizadores de internet. Os
utilizadores destacam-se particularmente por ser mais frequente entre eles a
procura de informação sobre saúde, a realização de cursos ou acções de
formação, as práticas de cidadania e participação cívica, a crença na
possibilidade de o próprio contribuir para uma mudança social positiva e a
presença em protestos. Uma diferença importante é também que os
internautas valorizam mais a inteligência ou o esforço para triunfar na vida do

325
que os não utilizadores de internet, estes últimos mais divididos entre esses
aspectos e outros como os contactos ou a sorte. Os não utilizadores
evidenciam-se na realização de algumas práticas alternativas de autonomia
pessoal, principalmente a produção e preparação de alimentação para
consumo próprio.
Esta distribuição dos indicadores de autonomia estará provavelmente
relacionada com as características sociais de cada grupo. Facilmente se aceita
que a concretização da autonomia depende fortemente da capacidade de
mobilizar informação, de resolver problemas, de poder comunicar e expressar
as suas ideias para outros. Nesse sentido, a internet parece ser um importante
recurso. Mas tende a sê-lo sobretudo para aqueles que, em regra apoiados em
condições sociais de algum modo favoráveis, assumiram a autonomia como
um valor fundamental ou tiveram já a oportunidade de a pôr em prática
nalguma dimensão das suas vidas.
Prosseguindo com a análise, procurámos então distinguir entre os
internautas diferentes perfis de autonomia. Para isso, e à semelhança do que já
havia sido o procedimento no caso das culturas comunicativas de rede, foi
realizada uma análise de clusters com base nos indicadores descritos.
Os internautas foram assim classificados em três grupos16, cada um deles
correspondendo a um perfil-tipo específico de autonomia. No quadro 8.4
podem observar-se, para cada perfil, os valores percentuais nos vários
indicadores considerados. De seguida caracteriza-se cada um desses perfis-
tipo de autonomia, assinalando em termos comparativos os principais
elementos que os distinguem.
Representações pessoais de autonomia. Este perfil configura um projecto
de autonomia em fase inicial, mas com largas potencialidades de
desenvolvimento. Os indivíduos nele integrados são os que mais confiam na
informação disponibilizada pelos meios de comunicação social, mostrando um
menor espírito crítico comparativamente com outros perfis. Distinguem-se
também pela quase nula presença em protestos e pelas pouco comuns

16
O método utilizado foi o Hierarchical Clusters. Os três grupos aqui apresentados são o ponto
de chegada de uma fase prévia de análise dos resultados, que contou com o contributo da
Análise de Correspondências Múltiplas na identificação de diferentes configurações simbólico-
culturais. A solução seleccionada foi a considerada mais adequada, quer do ponto de vista dos
requisitos estatísticos quer do ponto de vista da interpretabilidade sociológica dos perfis
encontrados.

326
práticas de cidadania e participação cívica, apesar de a grande maioria
acreditar que os cidadãos têm a capacidade de influenciar o mundo e metade
achar que eles próprios podem contribuir para uma mudança social positiva.
Este grupo valoriza a inteligência e o esforço para triunfar na vida e mostra
alguma capacidade de resolução de problemas e alguma vontade de
desenvolver um projecto profissional independente. Não obstante, é o grupo
que menos desenvolve práticas de autonomia pessoal. Trata-se assim de um
grupo afastado das práticas mas com valores e representações relevadores de
princípios de autonomia.
Práticas não consolidadas de autonomia pessoal. Os indivíduos incluídos
neste perfil caracterizam-se particularmente pela realização mais frequente de
práticas de autonomia pessoal, relevando a sua preocupação de auto-
sustentabilidade. Isso é visível nomeadamente na preparação de refeições
para levar para o trabalho, na confecção de vestuário, na realização de
reparações em casa e na produção de animais ou plantação de vegetais para
consumo próprio. Em relação a outros níveis de autonomia é um grupo mais
retraído. É o que menos confia nos media, mas também porque é o que revela
estar mais afastado de práticas relacionadas com todos os meios em causa
(televisão, rádio, imprensa, internet). Os indivíduos com este perfil são os que
menos desejam desenvolver um projecto profissional autónomo e os únicos
que acreditam que os contactos e a sorte são mais importantes para triunfar na
vida do que a inteligência ou o próprio esforço. No mesmo sentido, não
consideram que possam contribuir para uma mudança social positiva e a
maioria tem uma fraca capacidade individual de resolução de problemas e
realização de objectivos. Apesar de tudo, a maioria acredita que os cidadãos
podem influenciar o mundo e mais facilmente do que os indivíduos do perfil
anterior desenvolvem práticas de cidadania e participação cívica.
Projecto consolidado de autonomia . Este perfil é caracterizado por um
projecto de autonomia mais completo nas várias vertentes analisadas, em
particular no que concerne às práticas de cidadania e participação cívica, às
representações sobre a capacidade de mudança e às atitudes perante a vida.
Este é o grupo que mais tem contacto com todos os meios de comunicação
social, confiando de forma moderada nos mesmos (a maioria adopta uma
posição intermédia a este respeito). Os indivíduos que nele se integram

327
revelam um interesse especial por trabalhar por conta própria, sendo que uma
parte considerável já o faz. Praticamente todos acreditam na capacidade de os
cidadãos em conjunto influenciarem o mundo, sendo que este é também o
grupo que mais participa em acções de protesto, que mais desenvolve práticas
de cidadania e participação cívica e que mais acredita no seu próprio contributo
para um mudança social positiva. À semelhança do grupo identificado como
possuidor de representações de autonomia pessoal, também estes indivíduos
acreditam nos elementos inerentes ao próprio indivíduo para serem bem
sucedidos na vida. A maioria revela alguma ou total capacidade individual de
resolução de problemas e realização de objectivos. No que concerne às
práticas alternativas de autonomia pessoal, a sua realização é mais frequente
do que entre aqueles que apenas se caracterizam pela percepção mas não
pelas práticas de autonomia (destacando-se a levar “marmita” para o trabalho)
mas menos recorrente do que no perfil de práticas não consolidadas de
autonomia pessoal . De notar ainda que este grupo mostra algum interesse na
formação pessoal e que é o que mais procura informação sobre saúde.

Quadro 8.4 Tipologia de perfis de autonomia (universo dos utilizadores de internet)

Práticas não
Projecto
Representações consolidadas
consolidado
de autonomia de
de
pessoal autonomia
autonomia
pessoal
Comunicação
Confiança nos conteúdos disponibilizados por diferentes meios de 45,7 22,6 32,4
comunicação (índice recodificado) (% de “confia”) *
Representações sobre o trabalho
Preferência por trabalhar por conta própria vs. segurança
profissional e remuneração (% de “sim, preferia” + % de “já trabalha 49,5 9,4 54,2
por conta própria”)
Participação sociopolítica, cidadania e capacidade de
influenciar o mundo
Intervenção social (% de “sim”):
Percepção da capacidade de os cidadãos influenciarem o mundo 81,0 67,7 97,9
(factor)
Presença em protestos (factor) 4,3 12,5 23,1
Práticas de cidadania e participação cívica (factor) 21,8 52,2 76,3
Possibilidade de o próprio contribuir para uma mudança social 51,3 1,7 69,4
positiva (% de “concorda”)
Valores e atitudes perante a vida
Aspectos valorizados para triunfar na vida:
% de “A inteligência ou o próprio esforço” 72,7 2,6 76,3
% de “Os contactos e as “cunhas” ou a sorte” 27,3 97,4 23,7
Capacidade individual de resolução de problemas e realização de
47,1 41,9 55,7
objectivos (índice recodificado) (% de “alguma” + “total”)

328
Práticas de autonomia
(% de “sim”)
Práticas alternativas de autonomia pessoal:
Criação de animais ou de produtos hortícolas para consumo próprio 1,5 46,1 30,5
(factor)
Reparações em casa (factor) 9,8 69,6 48,3
“Marmita” no trabalho ou confecção/arranjos no próprio vestuário 9,4 73,5 59,0
(factor)
Procura de informação sobre saúde 40,8 59,6 71,6
Realização de curso ou acção de formação nos últimos dois anos 8,1 37,3 37,1
* Neste indicador foram também contabilizadas as respostas “N.A.” (não vê, não ouve, não lê ou não utiliza algum dos meios: televisão,
rádio, imprensa, internet), opção escolhida por 24% dos indivíduos do perfil Autonomia pessoal, 4% dos do perfil Autonomia avançada e
15% no caso da Relação iniciada com a autonomia.
Nota: No caso dos factores, as percentagens dizem respeito aos utilizadores que declararam pelo menos uma actividade incluída no
respectivo factor. Em todas as variáveis o ns/nr foi assumido como missing.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

O perfil com um projecto consolidado de autonomia é o mais frequente


entre os utilizadores de internet em Portugal, representando 59% dos casos. O
modo de relação com a autonomia ainda muito centrado ao nível das
percepções abrange 33% dos internautas e o perfil menos comum é o assente
nas práticas não consolidadas de autonomia pessoal, com um peso percentual
de apenas 8%.
A análise cruzada dos perfis de autonomia com algumas variáveis
decisivas do ponto de vista demográfico, educativo e socioprofissional, permite
verificar que os indivíduos são mais ou menos propensos a manifestar
determinados perfis de autonomia consoante as suas características sociais
(quadro 8.5). Relembramos que estamos a tomar como referência os
utilizadores de internet, um grupo coeso e que se distingue claramente dos não
utilizadores (como vimos ao longo deste livro, em termos de características
sociais, práticas, atitudes e valores), mas que revela também alguma
heterogeneidade interna, que temos vindo a esmiuçar neste capítulo.
Os internautas com uma relação com a autonomia essencialmente
estruturada em torno das possibilidades e representações da mesma são os
mais jovens, tendo a maioria idades compreendidas entre os 15 e os 34 anos.
Este é o grupo com uma maior proporção de estudantes, embora os activos
estejam em maioria, e o único em que existe uma tendência, ligeira, para existir
uma maior representação de homens. Os níveis de escolaridade completos
mais comuns são o secundário e o básico. Os operários industriais e os

329
empregados executantes são os activos que mais evidenciam uma relação
iniciada com a autonomia.
O perfil assente em práticas não consolidadas de autonomia pessoal, ao
contrário do anterior, integra internautas de idade mais avançada, sendo
composto na sua maioria por indivíduos na faixa etária dos 35 aos 54 anos.
Note-se também que é nele que se encontra a maior proporção de indivíduos
com 55 e mais anos. A escolaridade mais usual neste grupo é o ensino básico,
seguido do ensino secundário. Neste grupo praticamente não se incluem
estudantes, mas sim alguns reformados e sobretudo indivíduos activos (na sua
maioria empregados executantes), sendo no entanto de ressaltar a maior
percentagem de desempregados relativamente aos restantes perfis de
autonomia.
Finalmente, o perfil assente num projecto consolidado de autonomia,
abrange de igual forma internautas nas faixas etárias dos 15 aos 34 anos e dos
35 aos 54 anos e caracteriza-se especialmente pela maior qualificação dos
seus membros. Este é o perfil com uma maior proporção de diplomados do
ensino superior, quase a par com os escolarizados do ensino secundário. É
composto na grande maioria por activos, predominando os empregados
executantes e, com a mais alargada representação relativamente aos restantes
perfis, os profissionais técnicos e de enquadramento.

Quadro 8.5 Perfis de autonomia por idade, sexo, níveis de escolaridade, condição perante o
trabalho e categoria socioprofissional (universo dos utilizadores de internet) (%
em coluna)

Práticas não
Projecto
Representações consolidadas
consolidado Res.
de autonomia de
de globais
pessoal autonomia
autonomia
pessoal
Escalões etários (p<0,01)
15-34 anos 56,5 30,2 43,1 46,5
35-54 anos 31,4 52,3 44,0 40,5
55 e mais anos 12,1 17,5 12,9 13,0
Sexo
Masculino 53,7 48,0 49,9 51,0
Feminino 46,3 52,0 50,1 49,0
Nível de escolaridade (completo) (p<0,01)
Superior 23,9 13,1 34,4 29,2
Secundário 38,1 40,4 40,6 39,7
Básico 38,0 46,4 25,0 31,0

330
Condição perante o trabalho (p<0,01)
Estudantes 24,7 3,6 7,5 12,9
Activos 64,3 86,0 84,4 77,9
Empregados 50,5 68,9 69,8 63,4
Desempregados 13,8 17,1 14,6 14,5
Reformados ou outros inactivos 11,0 10,3 8,0 9,2
Categoria socioprofissional * (p<0,01)
Empresários, dirigentes e prof. liberais 16,1 4,9 14,9 14,4
Profissionais técnicos e de enquadramento 18,3 17,0 29,8 25,4
Empregados executantes 31,0 50,5 31,8 33,2
Operários industriais 34,7 27,6 23,6 27,1
* Optou-se por excluir as categorias socioprofissionais cujos valores absolutos eram inexpressivos – trabalhadores
independentes, agricultores independentes, assalariados agrícolas.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Culturas comunicativas de rede e autonomia

Depois de caracterizados os perfis de culturas comunicativas de rede e de


autonomia entre os utilizadores de internet em Portugal, procura-se de seguida
perceber que relação existe entre essas duas tipologias. Nesse sentido,
podemos observar no quadro 8.6 a distribuição das culturas comunicativas de
rede por perfis de autonomia.
Alguns aspectos ressaltam dessa análise. Há desde logo a salientar que,
sendo o perfil de projecto consolidado de autonomia o mais comum entre os
internautas, todas as culturas comunicativas de rede integram maioritariamente
indivíduos com esse perfil. Contudo, importantes variações podem ser
encontradas.
Os indivíduos com um perfil de "comunicação em rede" destacam-se face
aos restantes pela proeminência do peso percentual entre eles de indivíduos
com projectos consolidados de autonomia (78%, face a cerca de 55% nos
restantes perfis de culturas de rede). Assim, a grande maioria dos perfis de
"comunicação em rede" – os mais activos no contexto da rede, os que mais
introduzem significado na informação e que mais utilizam a internet para intervir
socialmente – são indivíduos com um nível de projecto consolidado de
autonomia, desenvolvendo por exemplo práticas de cidadania também fora do
online e acreditando na capacidade colectiva e na sua própria capacidade
individual de realização de objectivos. Os seus comportamentos, pautados na

331
vida real por uma maior reflexividade e proactividade, tendem assim a reforçar
um uso da internet também mais interventivo e “produtivo”.
Já os utilizadores com perfis de proto-comunicação em rede são os que
apresentam um maior peso de indivíduos com uma relação baseada
essencialmente nas representações face à autonomia (38%, enquanto nas
restantes culturas comunicativas de rede varia entre 18% e 31%). Isto
demonstra que uma parte importante desses internautas são indivíduos com
potencial de desenvolvimento de projectos de autonomia, e que embora não
desenvolvam frequentemente práticas de grande autonomia ou de participação
cívica, no contexto da rede mostram interesse em divulgar conteúdos e até são
capazes, por exemplo, de apoiar causas. As suas práticas online são
comandadas pela experimentação e pela construção de pontes entre as
diferentes camadas dos espaços de fluxos (Castells,...) que poderão
futuramente potenciar uma consolidação das suas práticas e a estruturação de
um projecto de autonomia pessoal. Contudo, esse proto-projeto de autonomia
associa-se a uma menor criação de conteúdos no contexto da rede, quando
comparada com o perfil de indivíduo comunicador em rede, e a uma utilização
mais direcionada para modelos comunicativos menos alargados.
Por sua vez, os indivíduos com práticas paleo-comunciativas em rede
evidenciam-se face aos restantes pela maior proporção de indivíduos com um
perfil de práticas não consolidadas de autonomia pessoal (15%, face a menos
de 7% entre os restantes). Tendencialmente compostos por indivíduos com
uma idade mais avançada, estes perfis cruzam-se, mostrando alguma
consonância entre o retraimento na utilização da internet e o retraimento em
grande parte das dimensões de autonomia, excepção feita às práticas mais
viradas para a sua auto-sustentabilidade. O mesmo acontecerá no online, onde
se distinguem por uma utilização menos elaborada e pela comunicação
interpessoal.

332
Quadro 8.6 Culturas de rede segundo perfis de autonomia (%)

Paleo- Proto-
Comunicação
Culturas de rede/ comunicação comunicação
em rede
Perfis de autonomia em rede em rede
Representações de autonomia pessoal 31,3 37,9 18,0
Práticas não consolidadas de autonomia 14,7 7,0 4,1
pessoal
Projecto consolidado de autonomia 54,0 55,1 77,9
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013 (p<0,01).

Dando continuidade à análise da relação entre os diferentes perfis de


culturas comunicativas de rede e de autonomia, e com o intuito de visualizar a
sua configuração no espaço simbólico, procedeu-se a uma Análise de
Correspondências Múltiplas. Este procedimento estatístico possibilitou a
representação gráfica num espaço bidimensional desses perfis (figura 8.1).
A localização das categorias confirma a proximidade indicada entre os
diferentes tipos de perfis. Uma análise por dimensão da mesma figura,
segundo os eixos estruturantes do espaço simbólico, permite aprofundar um
pouco os resultados. A primeira dimensão (eixo vertical) opõe claramente os
perfis de "comunicação em rede" e o "projecto consolidado de autonomia" face
aos restantes perfis de culturas comunicativas de rede e de autonomia. Esta
dimensão mostra assim como estes perfis (principalmente o de "comunicador
em rede) são distintos relativamente aos outros perfis. Já a segunda dimensão
(eixo horizontal) distingue essencialmente os perfis de "paleo-comunicação em
rede" e as práticas não consolidadas de autonomia pessoal dos perfis de
"proto-comunicação em rede" e das representações de autonomia pessoal.
Relembramos que os primeiros são perfis característicos de indivíduos de
idade mais avançada do que os segundos, e mais direccionados para a
satisfação de “necessidades” básicas e específicas de vida.

333
Figura 8.1 Espaço simbólico das culturas de rede e dos perfis de autonomia

A análise desenvolvida mostra que as culturas comunicativas de rede


estão associadas, pelo menos nalgumas das suas vertentes, à existência de
valores e comportamentos pautados por significativos níveis de autonomia.
Isso é principalmente visível entre os utilizadores produtores, mas também
entre os restantes utilizadores de internet (não nos esqueçamos que o perfil de
projecto consolidado de autonomia é o mais comum entre todos eles).
Não obstante, o perfil de comunicação em rede parece ser o expoente
máximo da coexistência de um projecto consolidado de autonomia e práticas
de acesso recorrente às redes de internet e abrangentes de todas as suas
dimensões. Certamente que esse tipo de autonomia não pode ser totalmente
determinado pela internet, nem vice-versa. O perfil social dos seus
protagonistas indica francamente que estes são suscitados por determinadas
condições sociais de existência e por um conjunto particular de valores e
atitudes que, regral geral, lhes tendem a estar associados. Melhores níveis de
escolaridade ou uma maior familiarização com as novas tecnologias parecem
favorecer um melhor conhecimento das potencialidades da internet e sua
utilização, para além de beneficiarem também, em termos gerais, a adopção de
estratégias de maior autonomia e maior participação nas diversas esferas da
vida social.

334
A internet surge então como um instrumento de autonomia e como um
meio privilegiado da sua expressão e difusão, particularmente explorado por
um grupo de indivíduos que conseguimos delimitar e caracterizar. Estes
indivíduos encontram assim na internet algumas respostas para as suas
necessidades e interesses específicos Não se trata apenas de intensidade de
utilização mas de usos diferenciados consoante as necessidades de autonomia
dos internautas. As práticas desenvolvidas na internet, ou através dela,
parecem surgir em clara continuidade face àquelas que são exploradas por
cada utilizador fora do ciberespaço.

Culturas comunicativas de rede e culturas de acesso, partilha e inovação

Para terminar este capítulo, e no seguimento da análise conduzida até


aqui, procurámos avançar analiticamente ainda mais alguns passos. Um
elemento adicional de abordagem consiste no prolongamento da exploração
dos resultados relativos às culturas comunicativas de rede, convocando
elementos que possibilitem o conhecimento ainda mais aprofundado das
percepções e práticas de cada grupo.
As culturas comunicativas de rede, num sentido mais amplo, podem
manifestar-se num conjunto alargado de dimensões: as culturas de pertença
norteadas pelo conceito de mobilização social, as culturas de “nuvem” assentes
nas dicotomias propriedade versus uso ou posse versus uso, as culturas de
pirataria expressas na partilha e na relação entre público e privado, ou ainda as
culturas de abertura enquadradas pelas noções de inovação, produção, acção,
aceleração, instantaneidade ou mudança (Cardoso, 2012). Os perfis até aqui
construídos e analisados assentaram em indicadores com elas relacionadas,
mas mais direccionados para a percepção do indivíduo enquanto mensagem,
enquanto produtor e distribuidor de conteúdos, enquanto utilizador de modelos
comunicacionais diversos e proporcionadores de diferentes níveis de
interacção, e enquanto actor capaz de intervir socialmente – o que depois foi
relacionado com a autonomia. Procuramos agora perceber como esses perfis
podem estar ou não conjugados com a valorização do acesso, da partilha, da

335
inovação, da mudança e da instantaneidade, tanto online como offline, ou dito
de outro modo nas diferentes camadas constitutivas de um espaço de fluxos
(Castells,...) . Com esse intuito, cruzaram-se os perfis de culturas de rede com
o conjunto de indicadores apresentados nos quadros 8.7, 8.8 e 8.9.
Começando pela dimensão das culturas de nuvem (quadro 8.7),
verificamos que são os utilizadores que possuem práticas de "comunicação em
rede" quem mais armazena ficheiros em cloud services e quem mais confia na
segurança desse tipo de serviço virtual. É também esse grupo que mais
valoriza a possibilidade de aceder online em qualquer lugar aos seus ficheiros.
Quanto aos bens culturais, são também os os utilizadores que possuem
práticas de "comunicação em rede" quem mais utiliza e-books e, embora com
uma diferença não muito significativa face aos restantes, os que mais mostram
ser adeptos do acesso a livros, música e filmes por oposição à compra (de
salientar, contudo, a elevada percentagem dos adeptos da “não compra” em
todos os perfis de internautas). Já no que respeita a bens materiais de outro
tipo, nomeadamente tecnológicos, como um computador portátil ou um
telemóvel, entre usar esses equipamentos que um empregador fornece ou ter
esses equipamentos adquiridos pelo próprio, a grande maioria dos indivíduos
de todos os perfis dizem preferir a segunda opção. No caso de bens imóveis,
como a habitação, a preferência pelo arrendamento (conjugando as respostas
relativas à situação actual, à preferência futura para si e para os seus filhos) é
menos frequente em todos os casos do que a preferência pela compra, com
uma ligeira evidenciação dos utilizadores com práticas de proto-comunicação
em rede (mais jovens do que os utilizadores com práticas paleo-comunicativas
em rede, e menos qualificados e sócio-profissionalmente menos bem
posicionados do que os utilizadores com práticas de comunicação em rede)
relativamente à opção de arrendamento. O vínculo à propriedade é um ponto
que ainda está muito enraizado na sociedade portuguesa. Não obstante, a
percepção da maioria dos internautas é de que, em geral, o acesso a bens e
serviços é mais importante do que a sua posse.

336
Quadro 8.7 Culturas comunicativas de rede segundo indicadores de culturas de nuvem
(acesso vs posse)

Paleo- Proto-
Comunicação
comunicação comunicação
em rede
em rede em rede
Armazenamento de ficheiros em “Cloud Services” (% de “sim”) 2,1 8,0 21,0
Confiança na segurança dos ficheiros em “Cloud Services” (% de “confia”) 19,4 36,5 57,0
Concordância com: Valorizo a possibilidade de aceder online em qualquer
51,2 63,4 73,1
lugar aos meus ficheiros (% de “concorda”)
Concordância com: Em geral, para mim, o acesso a bens e serviços é
57,9 60,4 56,4
mais importante do que a posse (% de “concorda”)
Preferência por usar um computador portátil ou um telemóvel que o seu
trabalho lhe fornece, face a ter esses equipamentos comprados por si (% 12,9 11,5 12,9
de adeptos da primeira opção)
Preferência global pelo arrendamento vs compra de habitação (índice
33,4 39,0 35,8
recodificado) (% de adeptos do arrendamento)
Preferência entre diferentes modalidades de aquisição/acesso de bens
culturais - livros, música, filmes (índice recodificado):
% de adeptos da compra (em loja ou online) nas duas primeiras opções 19,0 20,2 15,9
% de adeptos do acesso (fazer download, pedir emprestado, ver/ouvir na
81,0 79,8 84,1
internet, aceder no videoclube, ver na tv ou cinema)
Utilização de e-books (livros digitais) (% de sim) 2,6 8,8 21,6
Nota: Em todas as variáveis o ns/nr foi assumido como missing.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Também em relação às culturas de pirataria (quadro 8.8) os utilizadores


com práticas de comunicação em rede se destacam (neste caso em
praticamente todos os indicadores). São eles que mais assumem usar e
partilhar ficheiros que encontram na internet, independentemente de o seu uso
ser legal, e que mais mostram ser favoráveis à liberdade de partilha na internet.
Na posição oposta encontram-se os utilizadores com práticas de paleo-
comunicação em rede, que antes de utilizarem os ficheiros se questionam
sobre se o seu uso é legal e que, apesar de defenderem a liberdade de partilha
na internet, apresentam a maior percentagem de concordantes com o aumento
do seu controlo. Um pouco mais de metade dos utilizadores com práticas de
comunicação em rede assumem ainda uma posição marcadamente positiva, e
não intermédia (como a maior parte dos restantes perfis), em relação à
assunção da partilha digital de música, vídeos e livros como parte da vida
quotidiana da sociedade actual, num índice que engloba questões relativas à
aceitação do que as pessoas em geral usam conteúdos livres, não se
preocupam com a sua legalidade, que a maior parte dos downloads violam
direitos de autor, que a pirataria na internet já não é considerada negativa pelos
jovens nem a sociedade toma como uma questão importante as queixas das

337
grandes empresas contra a partilha de conteúdos online, e que esta faz parte
da vida quotidiana actual.
Fora da camada digital do espaço de fluxos (Castells,...), as culturas de
rede são também perceptíveis nas práticas alternativas de
partilha/solidariedade e de troca. Tanto num caso como noutro, os que mais as
realizam são aqueles que adoptam mais as práticas comunicativas em rede.
Teve-se ainda em consideração nesta dimensão a preferência pela educação
dos filhos no ensino público ou privado, e aí são os utilizadores caracterizados
como associados a práticas paleo-comunicativas em rede que se evidenciam
na preferência pelo público (embora todos o prefiram).

Quadro 8.8 Culturas comunicativas de rede segundo indicadores de culturas de pirataria


(partilha; público vs privado)
Paleo- Proto-
Comunicação
comunicação comunicação
em rede
em rede em rede
Quando encontra um ficheiro na internet de que gosta:
% de “usa-o e partilha-o com os seus amigos” 40,6 49,2 59,9
% de “antes de o utilizar ou partilhar questiona-se sobre se é legal fazê-lo” 59,4 50,8 40,1
Liberdade de partilha na internet:
% de “deveria ser mais controlada do que é hoje” 37,9 29,8 23,6
% de “todos devem ser livres de se expressar na internet” + ”é
62,1 70,2 76,4
fundamental manter a internet livre de controlo de empresas e estados”
Percepção da partilha digital de conteúdos, música, vídeos ou livros,
como parte da vida quotidiana da sociedade actual (índice recodificado) 41,1 49,2 56,1
(% de “concorda”)
Preferência pela educação dos filhos no ensino público vs privado (% de
90,8 82,9 77,0
adeptos do público)
Práticas de partilha/solidariedade (% de “sim”: realização de pelo menos
59,5 62,3 78,8
uma actividade)
Práticas de troca (% de “sim”: realização de pelo menos uma actividade) 16,4 21,3 48,2
Nota: Em todas as variáveis o ns/nr foi assumido como missing.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

Finalmente, a dimensão das culturas de abertura (quadro 8.9). Aqui


tomou-se em consideração duas vertentes, cada uma com um conjunto de
indicadores que foram agregados, através de procedimentos estatísticos, em
factores. Primeiro analisam-se as percepções sobre a aceleração da vida
pessoal e as novas exigências tecnológicas, organizadas em duas
componentes: o desconforto com a “vida no online” e o desconforto com a “vida
fora do online”. O primeiro factor expressa a sensação de desactualização face
ao ritmo de evolução tecnológica e a insatisfação pela dificuldade de gestão

338
das relações sociais online, por não conseguir acompanhar as actualizações de
todos os amigos nas redes sociais ou por não conseguir responder a todos os
emails. Este tipo de desconforto é indicado com grande destaque pelos
utilizadores retraídos face aos restantes. Já o segundo factor remete para a
falta de tempo para estar pessoalmente com os amigos, para a dificuldade de
os indivíduos se “desligarem” do telemóvel ou de terem a percepção de que
não conseguem alcançar os objectivos que traçaram para a sua vida à
velocidade que desejam. Este tipo de insatisfação é mais comum entre os
utilizadores que possuem práticas comunicativas em rede (embora apenas por
cerca de metade destes).
Uma segunda vertente da dimensão referida são as atitudes face à
inovação e à mudança, expressas num conjunto alargado de variáveis que
foram organizadas em três factores. O primeiro factor associa indicadores de
atitude positiva perante a mudança e actualização constantes dos
equipamentos tecnológicos e a sua personalização, o segundo factor junta
indicadores de atitude positiva relativamente à inovação e ao risco em várias
esferas da vida social e do quotidiano, e o terceiro factor agrega indicadores de
atitude positiva em relação ao que é novo quando colocado em oposição ao
que já se conhece. Segundo os resultados obtidos, os utilizadores que centram
a sua comunicação num modelo em rede são os que mais demonstram
qualquer um desses tipos de atitudes. Importa adicionalmente referir que, no
caso das atitudes relativamente à inovação e ao risco, todos os perfis
apresentam valores elevados de concordância nos seus indicadores. Já em
relação às atitudes perante a mudança dos equipamentos tecnológicos e às
atitudes em relação ao que é novo, tal não acontece, sobrepondo-se a
dificuldade em assumir posição e optando-se preferencialmente por uma
ambiguidade na resposta.

339
Quadro 8.9 Culturas de rede segundo indicadores de culturas de abertura (inovação,
aceleração, instantaneidade)

Paleo- Proto-
Comunicação
comunicação comunicação
em rede
em rede em rede
Percepções sobre a aceleração da vida pessoal e as novas exigências
tecnológicas (% de “sim” em pelo menos um item do factor):
Desconforto com “a vida no online” – desactualização, dificuldade de gestão
56,6 16,8 20,6
das relações sociais online (factor)
Desconforto com “a vida fora do online” – falta de tempo para o contacto
35,6 38,6 47,5
pessoal, dificuldade em atingir objectivos à velocidade desejada (factor)
Atitudes face à inovação e à mudança (% média de “concorda” em
indicadores de…)
Atitude positiva perante a mudança e a personalização dos equipamentos
15,9 26,8 36,9
tecnológicos (factor)
Atitude positiva relativamente à inovação e ao risco (factor) 61,9 69,5 76,5
Atitude positiva em relação ao que é novo, face ao que já se conhece
6,9 11,7 18,3
(factor)
Nota: Em todas as variáveis o ns/nr foi assumido como missing.
Fonte: CIES-IUL, Inquérito Sociedade em Rede em Portugal, 2013.

A variação nos resultados dos indicadores de percepções culturais fora do


contexto digital, verificada entre os três perfis de internautas, é também visível
se compararmos os utilizadores de internet como um todo com os não
utilizadores de internet. Uma maior percentagem de não utilizadores do que de
utilizadores preferem a compra de bens culturais do que o acesso a eles por
outras formas; uma menor proporção de não utilizadores desenvolvem
actividades de partilha/solidariedade e de troca; os não utilizadores sentem-se
menos desconfortáveis com a “vida fora do online” (não sentido tanto a falta de
tempo para o contacto pessoal ou a dificuldade em atingir objectivos à
velocidade desejada); e uma menor percentagem de não utilizadores
demonstra uma atitude positiva perante a mudança e a personalização dos
equipamentos tecnológicos, a inovação e o risco.

340
Conclusão

Este livro é sobre mudança social. Ao longo dos capítulos anteriores foi
possível acompanhar um conjunto de processos de mudança na sociedade
portuguesa. No cerne da análise encontramos os resultados de um estudo que
empreendemos sobre uma década de transição no que podemos caracterizar
como a sociedade em rede em Portugal. O título e o conteúdo do livro referem-
se, justamente, a essa configuração social e a essas transformações.
Na verdade, sabemos bem que a sociedade está sempre em mudança. A
história é isso mesmo. Mas nem todas as mudanças se equivalem. A
sociedade portuguesa esteve envolvida na última década em processos de
diferente amplitude e com diferentes “durações” (durées), para usar o conceito
de Braudel (1983). Os efeitos e implicações desses processos são, também,
muito diversos.
O ponto de partida foi uma outra análise, realizada logo no início deste
século e publicada em Cardoso et al. (2005). Na altura, movia-nos o intuito de
analisar como é que no país estava a ocorrer a difusão inicial da internet. Mas
não como se se tratasse apenas do surgimento de mais uma tecnologia. Muito
mais do que isso, queríamos perceber o que efetivamente se estava a passar
enquanto processo de mudança social. Um processo com vastas implicações e
com um potencial transformador muito grande.
As nossas observações convergiam em larga medida com a obra que
Manuel Castells tinha acabado de publicar sobre a constituição da “sociedade
em rede” (the network society) na “era da informação” (the information age)
(Castells, 1996, 1997, 1998). Adotámos por isso esses conceitos e a noção de
que estamos perante uma mudança de largo alcance nas relações sociais.
Segundo Castells, trata-se de uma transformação de âmbito global e espessura
transversal, em que as novas tecnologias de informação e comunicação jogam
um papel decisivo, mas de que o componente fundamental são os laços que se
estabelecem entre indivíduos no fluxo da existência quotidiana e na
organização das relações sociais. Neste sentido, sociológico, as redes sociais
sempre existiram na vida humana em sociedade. Agora, porém, com os novos
modos de comunicação tecnologicamente mediados, as redes de relações
sociais adquiriram amplitude e importância exponenciais, transformando
341
estruturas e instituições, influenciando identidades e estilos de vida,
potenciando movimentos sociais e projetos de autonomia individual.
Uma década depois, colocavam-se novas e desafiantes questões. Que se
teria passado entretanto? Segundo que dinâmicas de disseminação, de
inovação e de interseção?
Especificando. Como é que, desde a fase inicial da transição para a
sociedade em rede estudada dez anos atrás, se difundiram os instrumentos e
as práticas desta configuração social? Como é que estão a manifestar-se, e
com que efeitos, os novos dispositivos de interação comunicativa online entre
círculos de aderentes, surgidos justamente nesta década, e significativamente
designados na terminologia corrente como “redes sociais”? E como é que estes
processos se interligam com outras dinâmicas de mudança que têm vindo a
atravessar a sociedade atual, de durações e âmbitos diversos?
Em suma, uma década depois, como se configura agora a sociedade em
rede em Portugal? Este novo estudo proporciona um conjunto vasto de dados e
análises a esse respeito. Os resultados pormenorizados estão disponíveis nos
capítulos anteriores. A concluir poderá ser importante destacar alguns aspetos
e colocar algumas questões em aberto.
A última década produziu profundas transformações na esfera da
comunicação, consequência, em particular, da difusão da internet à escala
global. A abrangência do acesso à internet repercutiu-se no quotidiano das
sociedades, produzindo transformações nucleares tanto ao nível dos conteúdos
e possibilidades como dos objetivos e modos de utilização, estabelecendo um
importante campo de sinergias entre os vários elementos deste universo. O
caso português é um bom exemplo da expansão do acesso e da
democratização da internet entre a população.
O índice de utilizadores de internet expandiu-se de pouco mais de 25%
em 2003 para perto de 60% em 2012. Este elemento é particularmente
significativo para a análise das transformações nos padrões de comunicação e
difusão informativa dos media, bem como das dinâmicas comunicacionais dos
cidadãos em geral. Ao longo dos últimos 10 anos a internet contribuiu
nuclearmente para a transformação dos clássicos modelos de difusão
informativa, abrindo campo para uma sociedade dinâmica e articulada em torno

342
da ideia de participante (Silverstone, 1994), em que todos os agentes sociais
são potenciais transmissores e recetores.
Há uma década atrás ainda debatíamos os perigos da utilização da
internet nas transformações dos padrões de comunicação física dos indivíduos,
ou a potencial quebra dos vínculos sociais, com a atomização e
individualização crescentes nas sociedades modernas. Mas os
desenvolvimentos teóricos e as evidências empíricas que se puderam alcançar
na última década abriram campo à desconstrução destas teses.
A internet tornou-se peça-chave para a combinação de formas de
comunicação presenciais e virtuais, numa lógica cumulativa e não substitutiva,
por via das transformações na sua estrutura e da introdução de um elemento
que se revelou decisivo para a transformação da sociedade em rede ao longo
da última década: as redes sociais.
O modelo comunicativo que caracteriza as nossas sociedades, a
comunicação em rede, é formado pela capacidade de globalização
comunicacional, junto com a interligação em rede dos meios de comunicação
de massa e interpessoais e, consequentemente, pela emergência de mediação
em rede sob diferentes padrões de interação. Esses padrões podem tomar a
forma de “auto-comunicação de massa”, de “comunicação interpessoal
multimédia”, de “comunicação mediada de um para muitos” e, claro está, de
“comunicação de massa” e de “comunicação interpessoal não mediada”. Esta
estrutura relacional, entre as novas e as velhas metodologias comunicacionais,
produz novos formatos de comunicação e permite novas formas de
capacitação, logo, promove a autonomia comunicativa.
Hoje, vivemos numa sociedade onde o ecrã possui uma importância
central no nosso quotidiano revelando, simultaneamente, outro elemento
central para esta transformação, a portabilidade da comunicação virtual. A
introdução do acesso móvel à internet, em relação com o desenvolvimento
tecnológico dos suportes físicos móveis, abriu campo a novas dinâmicas
comunicacionais, esbatendo-se grande parte das limitações físicas existentes
na comunicação virtual do início do século.
No quotidiano das sociedades atuais, o acesso à internet é dinâmico,
imediato e constante, com as redes sociais a ocuparem um lugar fundamental
no espectro das novas metodologias de comunicação. As transformações ao

343
nível das plataformas de redes sociais ocorridas ao longo da última década
abriram campo a novos tipos de comunicação. Presentemente, o
desenvolvimento das plataformas de comunicação permite ultrapassar os
limites da comunicação textual e avançar para modelos de comunicação
visuais que, num cenário de comunicação à distância, ultrapassam os limites
de formas de comunicação tradicionais como, por exemplo, o telefone. Deste
modo, os sites de redes sociais, enquanto instrumentos que podem potenciar a
multiplicação e reforço dos laços sociais, podem estar a contribuir para
importantes alterações na utilização da internet e nas relações de sociabilidade
dos indivíduos.
Por outro lado, novos debates surgem na sociedade atual,
nomeadamente em torno dos perigos associados à utilização de redes sociais,
relacionadas em larga medida com a própria definição da barreira entre o
público e o privado no que concerne a informação, conteúdos pessoais e ao
pretenso fim declarado do anonimato e privacidade. Ao mesmo tempo, as
redes sociais vão alargando o seu papel também na potenciação do contacto
das marcas com os seus públicos, e na promoção de causas sociais e
políticas, assumindo-se como plataformas dinâmicas e estruturalmente
mutáveis.
O que nos diz então, o presente estudo sobre a sociedade portuguesa e
os seus cidadãos no início da segunda década do Século XXI? Segundo os
dados recolhidos, 78% dos utilizadores de internet são também utilizadores de
redes sociais online. No cômputo geral, pode dizer-se que 43% da população
portuguesa usa redes sociais. Um primeiro aspeto que se evidencia é que a
utilização de redes sociais é mais comum entre os internautas mais jovens.
Cerca de 90% dos utilizadores de internet com idades entre os 15 e os 34 anos
usam redes sociais; valor percentual que desce para 70% no caso dos
utilizadores de 35-54 anos e para 60% entre os que têm 55 ou mais anos.
Outro traço distintivo dos utilizadores de redes sociais encontra-se quando
se analisa a sua distribuição pela condição perante o trabalho. Praticamente
todos os estudantes que usam internet (96%) acedem a redes sociais. O
mesmo acontece com 77% dos ativos e 63% dos reformados ou outros
inativos. Importa referir também que são os estudantes aqueles que declaram
ter maiores redes de sociabilidade familiares e amicais, relacionando-se com

344
cerca de 20 familiares e 20 bons amigos (quando a média é de 17 familiares e
14 amigos).
O Facebook é indiscutivelmente o site de redes sociais preferido dos
portugueses. Praticamente todos os utilizadores de redes sociais (98%) têm um
perfil criado nessa rede.
O número médio de amigos no site da rede social mais utilizada pelos
portugueses é de 370 amigos, um número bastante superior ao indicado pelos
inquiridos em relação às pessoas com quem se relacionam na “vida real”. Uma
análise mais detalhada permite destacar o grupo de utilizadores de redes
sociais que declara ter entre 200 a 499 amigos na sua rede de contactos
(36%), seguindo-se os que têm 500 ou mais amigos (23%). As parcelas de
utilizadores integrados nas categorias que dão conta de redes de contactos
mais restritas, de até 49 pessoas e de 50 a 99 pessoas, são de apenas 10% e
8% respetivamente.
Os principais motivos expressos pelos utilizadores para se terem
registado em sites de redes sociais prendem-se com o desejo de manter
contacto com pessoas que estão distantes. Cerca de quatro quintos dos
utilizadores de redes sociais declaram ter-se inscrito numa rede social para
poderem manter contacto com pessoas que estão longe (81%) ou para
encontrarem e manterem contacto com pessoas que não veem há muito tempo
(79%). Fortalecer os laços sociais que já existem offline foi, por sua vez, a
razão apresentada por 70% dos utilizadores de redes sociais.
A comunicação é uma vertente importante das redes sociais. Mas de que
assuntos se fala nesse contexto e com quem? Segundo os resultados do nosso
estudo, mais de 80% dos utilizadores falam ou partilham ideias na sua rede
social online sobre assuntos pessoais, emoções, sentimentos ou
preocupações. Percentagem semelhante representa os que falam ou partilham
ideias nesse contexto sobre hobbies ou interesses menos íntimos. Sem
diferenças relevantes por idade ou por sexo, por escolaridade contudo
percebe-se que entre os menos qualificados há uma maior propensão para
falar sobre estes temas.
Os grupos escolhidos preferencialmente para falar ou partilhar ideias,
quer sobre assuntos mais pessoais, quer sobre hobbies e outros interesses,
são os amigos íntimos. Em ambos os casos, 43% dos indivíduos indicam fazê-

345
lo várias vezes ao dia ou diariamente. Seguem-se os familiares, com os quais
cerca de 37% dos utilizadores de redes sociais falam ou partilham os assuntos
em causa com uma regularidade pelo menos diária.
Quanto aos motivos de uso, partilhar uma novidade é um dos propósitos
mais habituais da ligação às redes sociais online (80%). A uma distância
substancial, surgem: aprofundar o conhecimento de assuntos não relacionados
com os seus estudos ou trabalho mas que são do seu interesse (61%); saber
da vida dos seus conhecidos sem ter que perguntar diretamente (60%); falar ou
pedir e fornecer informação sobre hobbies (59%); jogar (57%); aprofundar o
conhecimento de assuntos relacionados com os seus estudos ou trabalho atual
(58%); apoiar causas (58%); aprofundar o conhecimento de assuntos
relacionados com os seus estudos ou trabalho futuro (56%); seguir a trajetória
artística ou profissional de uma pessoa que admira (53%); falar ou pedir e
fornecer informação sobre questões profissionais (48%); falar ou pedir e
fornecer informação sobre a sua saúde (45%); e, por último, falar ou pedir e
fornecer informação sobre a saúde dos seus filhos (40%).
Ainda no âmbito das redes sociais online, analisamos as perceções dos
utilizadores sobre a evolução da proximidade a amigos e causas políticas e
sociais desde que usam esse recurso. Todos os itens que avaliam o
desenvolvimento dessa proximidade têm taxas de adesão não
menosprezáveis. Contudo, há uma hierarquia de concordâncias. É em relação
aos amigos que a perceção do impacto do uso de redes sociais é mais
evidente. Cerca de 77% dos utilizadores de redes sociais concordam, em parte
ou totalmente, que desde que usam redes sociais têm maior conhecimento das
atividades desenvolvidas pelos seus amigos. Este é o item que reúne um
consenso mais alargado, mas não é o único. Assim, rondam os 73% os
indivíduos que concordam ou concordam totalmente que desde que usam
redes sociais têm maior conhecimento das opiniões e dos gostos dos seus
amigos.
Menos vincada é a perceção quanto ao efeito da utilização de redes
sociais online na evolução da proximidade a causas políticas e sociais. O peso
relativo dos utilizadores que concordam, em parte ou totalmente, com a
afirmação que sugere a sua maior predisposição para expressar opiniões ou
apoiar causas políticas e sociais desde que usam redes sociais é de 36%.

346
Cerca de 30% não conseguem definir a sua opinião, não concordando nem
discordando com tal afirmação. No mesmo sentido, 33% concordam em parte
ou totalmente que se sentem mais intervenientes em causas políticas e sociais,
e percentagem semelhante não concorda nem discorda desse efeito.
Encontram-se ainda dois itens que remetem para a transposição dos
efeitos da participação nas redes sociais online para a presença em eventos
fora do contexto digital. Respetivamente, 26% e 22% dos utilizadores
concordam de alguma forma que desde que usam redes sociais têm estado
presentes mais frequentemente em eventos sociais e culturais ou em eventos
relacionados com a defesa de causas políticas e sociais. Em ambos os casos,
cerca de 60% dos indivíduos dividem-se entre os que adotam uma posição
indefinida quanto à concordância com essas situações e os que discordam
delas em parte.
Uma questão em aberto no processo de transição para a sociedade em
rede tem a ver com a relação ambivalente entre as dinâmicas de difusão e as
dinâmicas de desigualdade, designadamente a respeito da utilização da
internet e das redes sociais. O que há uma década era ainda um processo
embrionário transformou-se agora numa realidade disseminada. Mas não
homogeneamente, longe disso. As desigualdades a este respeito, relacionadas
aliás com outras desigualdades sociais, revelam agora a formação de novas
clivagens e o surgimento de tendências contraditórias.
Para além da clivagem com os não utilizadores, é sintomático que no
estudo se tenha encontrado, entre os próprios os utilizadores da internet,
diferentes culturas de rede (“paleo-comunicação em rede”, “proto-comunicação
em rede”, “comunicação em rede”) e diversos perfis de autonomia
(“representações pessoais de autonomia”, “práticas não consolidadas de
autonomia pessoal”, “projetos consolidados de autonomia”). Estas categorias
devem ser tomadas como hipóteses interpretativas de caráter heurístico e
exploratório, se bem que empiricamente apoiadas. Em todo o caso, parecem
indiciar de forma bastante eloquente que, sob a superfície da expansão da
sociedade em rede, fervilham dinâmicas entrecruzadas de geração de
desigualdades. Em alguns aspetos sugerem novas segmentações
inigualitárias. Noutros aspetos parecem tender a redobrar velhas
desigualdades, como as etárias, as educativas e as socioeconómicas. A

347
“fratura digital”, que vem sendo identificada por inúmeros estudos e denunciada
por múltiplas tomadas de posição (Furtado, 2012), surge agora como um
reticulado movente de macro e micro fraturas ou hierarquias de diversa índole.
Poderá ser pertinente mencionar ainda outra questão em aberto. É ela a
tensão entre autonomia (liberdade) e centralização (dominação), nesta fase de
transição da sociedade em rede.
Em parte, reconheça-se, a contraposição assim formulada corre o risco de
apresentar um caráter demasiado agregado e formal. Além disso, é uma
questão que, em larga medida, escapa ao espaço de pesquisa empírica do
estudo que o presente livro reporta. Contudo, seria omissão difícil de justificar
não deixar aqui registada uma evidência contraditória, a respeito da sociedade
em rede e das tecnologias de informação e comunicação em que ela se apoia.
É uma contradição que parece tender a tornar-se cada vez mais gritante.
Estudos como o que damos a conhecer evidenciam as potencialidades
que a sociedade em rede, baseada em tecnologias de mediação
comunicacional como a internet e as redes sociais, comporta em termos de
capacitação pessoal, relacional e coletiva, designadamente na elaboração e
prossecução de projetos de autonomia pessoal e de movimentos sociais anti-
autoritários.
Ao mesmo tempo, porém, ganham expressão crescente as análises e as
denúncias do grau extraordinário de concentração assimétrica de informação
que se está a verificar através dessas mesmas redes. A expansão atual das
redes e das suas múltiplas possibilidades descentralizadas parece ser, assim,
concomitante de uma centralização inaudita de informação e poder num
complexo circunscrito e opaco de entidades. Estas incluem, basicamente, um
círculo muito restrito de empresas centrais do universo digital e de agências
governamentais ou para-governamentais dos países mais poderosos no
contexto mundial.
Neste sentido, as conclusões deste livro não são “tecno-otimistas” nem
“tecno-pessimistas”. Possivelmente os aspetos capacitadores, criativos e
democratizantes e os aspetos inigualitários, centralizadores e autoritários da
sociedade em rede, tal como ela tem vindo a estruturar-se na última década,
inscrevem-se em níveis diferentes de constituição da sociedade e desenrolam-
se em durações históricas igualmente diferentes. Mas todos coexistem e todos

348
se entrecruzam nas atuais circunstâncias, com a possível complexidade
adicional, em comparação com as análises de Braudel para outras épocas, de
que, presentemente, os tempos da tecnologia, do quotidiano e mesmo do meio
envolvente (agora em grande parte digital ou “virtual”) não correspondem
necessariamente a “longas durações”. Pelo contrário, na sociedade em rede,
nesta fase de transição em que nos encontramos, os tempos de mudança
estão a tornar-se cada vez mais variáveis e prementes.

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