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Maiara Linck

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A Redenção de
Um Anjo

Entre o céu e o inferno

May C. Linck
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Maiara Linck
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Para Maira Cardoso Aires, mais conhecida como a melhor mãe do mundo,
por sempre me incentivar e acreditar em mim e Wilfredo Martins, meu padrasto,
por ser a pessoa mais inteligente que eu conheço. Amo vocês mais do que
poderia escrever.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a Vitor Maffioletti meu marido, que foi obrigado a conviver
com Cler como uma hospede e aceitou com paciência. Amo você amor, sempre.

Eu preciso muito agradecer aos meus amigos que tornaram possível a publicação
da Redenção, sem vocês eu não teria conseguido, como eu amo vocês!

Não poderia esquecer-me de agradecer as garotas mais legais do mundo, Stefany


e Fernanda, vocês são as melhores das melhores.

Obrigado queridos seres espirituais e sobrenaturais por fazerem parte da minha


vida.

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PRÓLOGO

Quando somos pequenos fantasiamos com fadas, anões, princesas e


príncipes, anjos e demônios, Deus e diabo. Os anos passam e outras coisas são
inseridas na mente dos humanos como carreira profissional, primeiro namorado,
laços afetivos e dinheiro. Na maioria das vezes o dinheiro vem de forma
impressionante bem na frente de todas as outras coisas citadas. E todas as
histórias e contos de fadas que ouvimos quando criança ficam armazenadas em
um canto da nossa memória e vão sendo substituídos aos poucos pela
responsabilidade de crescer.

Mas algo é reservado para aquelas crianças que passam a infância


preocupando-se com os assuntos dos adultos ou que precisam cuidar-se
sozinhos, os mentalmente crescidos. No lugar aonde deveria haver sonhos,
criações e fantasias há apenas responsabilidade, para essas crianças no lugar de
uma vida adulta cheia de deveres, a vida os dá o retorno da fantasia e mistério.

-Vamos garotas!

Havia duas garotas extremamente loucas que me escoltavam aonde eu ia.


Eu não queria sair de casa, eu não queria mesmo, você simplesmente não quer
mais sair de casa quando algo muito precioso é tirado de você. Quando você se
sente em luto, quando teu peito chia de dor e até mesmo raiva quando vê as
pessoas alegres falando besteiras na rua. Quando a culpa corrói seus
pensamentos te deixando louca.

Quando criança eu era do tipo muito comportada, desde nova responsável,


nunca precisei ser mandada para o castigo, o dever de casa era rigorosamente
cumprido, eu não mentia, nunca. Fui privada de correr, brincar e fazer todo tipo de
coisas que as crianças fazem para se divertir. Meus pais, bem não meus pais,
porque teoricamente não conheço meu pai, fui criada pelo companheiro de minha
mãe, enfim, eles sempre passavam viajando, desde sempre. Não posso afirmar

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que ela se tornou uma viajante compulsiva depois de conhecê-lo ou não. Então
me criei esquentando minha própria comida no microondas.

Sempre soube que se eu esperasse por uma ordem da minha mãe para
fazer o dever, ir tomar banho, desligar a TV, ir deitar e todo esse tipo de coisa,
esperaria para sempre. Então decidi que seria adulta e responsável desde
pequena, e isso foi mais ou menos aos sete anos de idade.

Fui privada de ter fantasia e imaginação quando pequena, mas não


reclamaria nem em um milhão de anos, porque, ao entrar na fase adulta tive
fantasia e coisas de outro mundo para dividir com toda cidade. Infelizmente não
devo ser uma boa pessoa. Na verdade devo ser uma péssima pessoa para
merecer ser o que sou, ou passar o que passei.

Hoje minha vida está em branco e preto, minha amiga Nanda sempre diz
que vai passar com o tempo, e que a vida vai voltar ao normal logo, já a minha
amiga Stefany diz que o que realmente me faria sair da depressão em que me
encontro é ir até o bar mais fulero que eu achar e beber até cair, do tipo dormindo
com a privada. Mas eu sei que elas falam isso porque acham que tudo se trata de
apenas uma decepção amorosa, comum. Bem, é um pouco mais complicado que
isso.

Eu, entretanto não escolhi nem um nem o outro, decidi por mim mesma,
ficar na minha casa chorando até desidratar, não falar com ninguém, não ver
ninguém e nem sequer tomar banho. Essa também era uma tendência minha,
deixar as coisas um pouco mais dramáticas do que são. Eu realmente vivia os
sentimentos, e nesses últimos meses eu estava vivendo uma fossa, e estava bem
com isso. Hoje cedo, porém, acordei com essas duas gritando ao lado de fora da
minha porta, por um momento passou pela minha cabeça chamar a policia, mas
eu não chegaria tão longe.

Como podem ver, fui arrastada a força até esse bar para tomarmos café da
manhã, não sem antes me jogarem dentro do chuveiro, esfregar meu cabelo e me
vestirem. A única coisa que realmente não me fez sair correndo na primeira
oportunidade foi o café, bem, eu amo café, de todos os tipos, mas o meu favorito

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é o Moccacino, e desde que tudo tomou a personificação da loucura eu quase não


sai de casa então tive que me contentar com meses de café solúvel normal.

Eu podia sentir o cheiro vindo, e minha boca já salivava. Stefany e Nanda


falavam uma com a outra. Bem, isso demandou uma atenção minha, por um
momento fiquei as observando, elas estavam debatendo algo sobre mim, se
tocavam e se tratavam como verdadeiras amigas. Quando isso tinha acontecido?

No passado Sté e Nanda viviam disputando o lugar de melhor amiga na


minha vida, e eu tinha que apartar as brigas. A minha reclusão deve tê-las
aproximado, bem, de alguma coisa serviu.

- Precisamos trazer mudanças para ela – Sté falava apontando para mim. –
Ela está horrível.

- Talvez mudá-la de apartamento, isso ajudaria? – Nanda disse.

- Sim! Ótima idéia Nanda! Enquanto achamos um lugar ela pode ficar lá em
casa. – Stefany disse. Eu olhava entre elas, sem poder acreditar na mudança.

-Você comprou as passagens? – Sté derrepente sussurrou para Nanda.

- Sim, sim, está na minha casa – ela disse satisfeita. Elas falavam como se
eu simplesmente não estivesse aqui sentada na sua frente. O que me deixou
irritada. Isso deveria ser uma boa coisa, porque nos últimos meses não fui capaz
de demonstrar nenhuma reação.

- Ei, parem de falar como se eu não estivesse aqui, mas que droga é essa?
– eu disse. – e que porcaria é essa de passagens? Espero que seja para vocês
porque eu não vou a lugar algum.

As duas pararam na hora a conversa e me olharam com assombro, passei


meses deixando-as sozinhas nas conversas, às vezes elas levavam filmes para
olharmos, bem eu entrava em um pranto, mesmo sendo comédia.

-Cler? – Nanda me olhou com cuidado.

-Você está se sentindo bem carinho? – Stefany perguntou.

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- Eu estou é cansada de vocês ficarem conversando achando que não


estou ouvindo vocês falarem do quanto estou horrível, que minha pele está
horrível, que eu estou cheirando mal, que meu apartamento está um lixo. – eu
desabafei. – eu sei de tudo isso.

- Se eu pudesse escolher, escolheria estar de lua de mel com Peter em


uma maldita ilha do outro lado do mundo, mas não posso, eu estou triste, eu só
quero que me deixem em paz. – terminei olhando para meus pés.

- Mas querida, sua tristeza intermitente já dura oito meses. – Nanda disse
com seu vocabulário nerd, eu quase me arrependi de ter falado tudo que falei,
podia sentir a preocupação e a dor em sua voz.

- Eu não sei o que quer dizer intermitente, mas sei que você vai acabar
doente, carinho. – Stefany me disse.

- Vocês querem me ajudar? – Pausei as olhando. – Então simplesmente


parem de me tratar como uma criança e de fazer planos comigo, ou melhor para
mim. Eu passei por muita coisa. - Eu falei.

- E não vou a lugar algum, a não ser que eu queira. – Eu complementei


apenas no caso de que elas resolvessem achar que poderiam me levar a força.

- Cler amor, você precisa superar Peter, eu sei que o que aconteceu entre
vocês dois foi intenso, mas você não pode se acabar... – Stefany disse. Seu tom
era cuidadoso, falar em Peter para mim era como andar em um campo minado.

- Okey chega desse papo, não quero ser a pior amiga do mundo, mas não
estou preparada para ser a melhor, e não estou preparada para falar de Peter. –
eu disse, a ultima parte saindo como um murmúrio.

Não falamos muito mais disso, no fim prometi que ia retornar a tomar banho
e ia tentar melhorar minha vida. Depois disso elas continuaram conversando
sobre bobagens, e algumas vezes tentavam me colocar na conversa, mas eu não
consegui formar respostas mais animadas que...

- Hum.

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- pode ser.

- tudo bem. – eu sei que eu não deveria fazer isso comigo mesma, mas
deixe te contar uma coisa, sempre fui comum e nunca me senti realmente
importante. Então Peter malditamente entrou na minha vida e transformou tudo
em um capítulo mal feito da série Supernatural. A minha realidade inteira foi
modificada.

Eu fui para casa e na hora de deixar as meninas, dei nelas um forte abraço,
eu estava sendo tão merda de amiga que elas bem poderiam ter achado outra
garota para disputar a amizade. Eu não poderia perder a amizade delas também.

Percorri a sala saltando por cima de montanhas de calçados e roupas, tudo


a minha volta estava uma bagunça danada, fui diretamente até a minha cama e
me joguei, minha cama era um mar de diferentes cobertores, me afundei bem no
meio até a cabeça, lembrando e desejando voltar um ano atrás.

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Oito meses atrás

Eu estava ansiosa com meu primeiro dia de aula na Universidade Federal.


Sim, eu não era muito estudiosa, os livros que eu lia, eram de romances aguados
e nunca didáticos, os didáticos eram chatos demais, davam um terrível sono, mas
eu havia segurado uma vaga em uma das melhores faculdades de Santa Maria.

O campus era enorme, e quando digo enorme, quero dizer que deve
demorar uns vinte minutos caminhando até o final. Cheio de prédios, para os
diferentes cursos, e muitos alunos de todos os tipos, alunos em seus carros,
alunos entulhados naqueles ônibus incrivelmente cheios, todos conversando
sobre algo com seus colegas, amigos e namorados, todos tinham um grupo e
para variar eu estava sozinha.

Estacionei meu carro em uma vaga apertadíssima livre na frente do prédio


dezessete aonde deveria ser minha aula, de modo que ainda precisava conferir
isso. Como ainda era bem cedo me restavam alguns minutos antes da primeira
aula.

Em frente ao prédio de enfermagem, havia algo como uma avenida. Carros


passando dos dois lados. Parei na calçada olhando para a imensidão de prédios e
pessoas caminhando apressadas quando notei que bem em frente a mim no outro
lado da rua havia uma bonita cafeteria. Do lado de fora algumas mesas, e o nome
de Caverna do Café estava em uma placa legal bem acima. Deuses, nome legal.

Eu precisava de um café para me incentivar a ser mais simpática, e não


conseguia acreditar na minha sorte. Bem, vamos lá, cafeína, cafeína. Saí dando
suspiros de alegria.

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Entrei no Caverna do Café, havia garotos por todos os lados e meninas


rindo e falando das férias, todos com seus grupos, eu pensei „‟será que ninguém
aqui é calouro como eu?‟‟ infernos, sempre fui deslocada, a maldição deve
continuar na faculdade pelo visto.

Havia um balcão bem na frente e muitas maquinas de café, „‟paraíso‟‟ eu


pensei, uma tentação matar a aula e ter uma overdose de café essa manhã.

Nos fundos havias muitas mesas, tenho que dizer estar admirada, o lugar
parecia europeu. Espelhos inteiros cobriam todas as paredes, as mesas tinham
privacidade ao fundo, com luzes mais baixas, e na parede de trás muitas imagens
enormes da cidade amarela no que parecia uma década muito antiga, carros
muito antigos, pessoas com chapéus e cartolas, mulheres com-

- você é caloura?- uma voz me arrancou da linha de pensamento que me


levava, eu fazia constantemente isso, ao entrar em um pensamento acabava por
me perder, e alguém sempre precisava me resgatar. Minhas duas melhores
amigas Stefany e Nanda costumavam dizer que era um sacrifício manter uma
conversa longa comigo, pois eu me perdia em pensamentos e as deixava falando
sozinhas.

Voltei meu olhar para o cara a minha frente, devia ser dono do bar, bem. –
como? –

- Você, é caloura?- ele devia estar se perguntando se eu sofria de algum


dano mental.

- Sim, sim, sou caloura do curso de enfermagem, esse café é lindo!- ele me
deu um sorriso.

– Engraçado como os calouros sempre agem da mesma maneira quando


entram aqui, então garota ruiva, vai beber o que?- ele era alto, e devia ter uns
vinte e seis anos, pelo menos, mais velho que eu, apesar de muito bonito, não me
chamou a atenção, cabelo claro, barba rala, decididamente bonito. Antes que eu
me perdesse novamente. Eu olhei para o guia embaixo no balcão.

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- Meu nome é Cler, eu huh, vou querer um moca. Grande. – Voltei meu
olhar para cima ele estava olhando meus cabelos, os garotos sempre gostaram
dos meus cabelos. Ele então pareceu notar que eu o estava olhando de volta.

- Ok, saindo. Meu nome é Sam - ele limpou a mão no jaleco branco
manchado de café e esticou para mim, eu rapidamente apertei. Sam era bem alto,
sacudiu minha mão uma vez e a largou. Virou as costas e foi fazer meu café.

Ele voltou trazendo meu Mocca grande, minha boca já fazia saliva para
provar.

– São 4,00 reais. – eu revirei na minha bolsa peguei uma nota de cinco e
entreguei para ele.

-Que idade você tem, Cler? – Sam me perguntou enquanto fazia meu troco,
curioso, como eu. Acho que vamos nos dar bem.

- Vinte e dois. – Peguei meu troco e levantei, eu ainda tinha cinco minutos,
precisava achar minha sala, e toda a loucura do primeiro dia de aula.

- Você vai vi tomar café aqui todo dia? – ele me perguntou.

Hã? Acho que Sam realmente gostou de mim, se ele me conhecesse


melhor, ficaria longe, talvez eu devesse falá-lo antes que ele pense que vai me
conquistar com seu maravilhoso moca, porque pelos deuses, nunca provei algo
tão bom, com certeza eu iria vir aqui freqüentemente.

- Você sempre pergunta isso pras clientes? Bem, acho que vou, não sei se
posso viver agora sem esse café, é realmente muito bom! – eu falei.

-Posso te fazer quantos quiser garota ruiva. – ele meio que sussurrou,
estava flertando comigo? Soou engraçado.

-Estou certa que sim. – eu falei baixo, talvez por aqui caloura seja o mesmo
que presa fácil.

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Seja pelo meu elogio ou por dizer que vou voltar, Sam me deu um amplo
sorriso, realmente bonito, dentes brancos e perfeitos. Agora eu precisava ir,
deuses esse dia havia começado bem.

- Agente se vê Cler, gostei do cabelo! – outro sorrisão, esse garoto devia


fazer propaganda pra alguma marca de creme dental.

Meu cabelo era de um tom laranja, apesar de meus pais serem loiros eu
nasci totalmente ruiva, eu não tinha um corpo curvilíneo, para falar a verdade eu
era muito magra, seios pequenos e pernas magras, para compensar a falta de um
belo porte físico vim a terra com grandes olhos amendoados cor de chocolate com
uma mescla âmbar ao fundo, para ficar mais claro, tinha os olhos castanhos com
um pequeno traço verde terra.

Levantei a mão, como gesto de despedida e fui saindo, antes que ele
resolvesse fazer mais perguntas e eu me atrasasse, ainda mais. Na rua estava
quente, eu usava shorts jeans rasgado, uma regata preta e botas cano curto,
simples. Atravessei a avenida, na calçada havia gente indo para todos os lados,
procurado suas salas, se abraçando, confraternizando, todos pareciam
apressados, o que era bom afinal, eu não era a única atrasada. Entrei no prédio
quase correndo, cuidando para não virar meu moca.

Logo na entrada havia um cara, com pinta de segurança, sentado atrás de


um balcão, uma enorme placa em cima, escrito INFORMAÇÕES. Esse era o meu
cara. Cheguei à frente dele, ele me olhou com uma expressão entediada.

-Curso? – ele me perguntou com uma voz de tédio.

-Enfermagem. – eu falei tentando imitar a voz de tédio dele, o que fez com
que ele me olhasse melhor, entrecerrando os olhos.

- Sobe a escada a direita, as salas são numeradas, na porta a uma lista de


nomes, se o número da sala condisser com o teu, verifique se seu nome completo
está na lista, estando na lista, esta será a sua sala de aula pelo próximo semestre.

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Ele falou a frase inteira sem contar vírgulas, como um texto decorado,
ficando claro que ele devia ter dito aquilo milhares de vezes essa manhã. Ele virou
para outro lado, mostrando o quando ele não gostaria de mais perguntas.

Disse um obrigado, e subi, tinha muitos jovens entrando e saindo das salas
de aula, eu achei meu número, era logo a segunda, 1167, chequei meu nome na
lista e entrei, era uma sala de aula enorme, nada parecido com aquelas do ensino
médio, classe de dois alunos, com tampo? Achei que nunca veria uma dessas.

Havia um grupo de garotas perto das janelas, pararam de conversar na


hora que eu entrei e ficaram me olhando com cara de tudo menos, simpatia.
Droga, eu mal tinha entrado e já sabia que deveria ficar longe delas, mas droga de
novo, elas estavam perto da janela, que é exatamente aonde eu gostaria de
sentar, ficava fácil para eu viajar em pensamentos quando tinha uma linda
paisagem para olhar. Ótimo. Bom começo.

Virei e sentei no lado oposto, na frente de uma menina cheia de piercings e


com um estilo que eu acho que é gótico, ou seria emo? Talvez punk? Não
importa, ela parecia menos problemas que o grupo de patricinhas da janela.

A aula passou voando, Organizações dos serviços de enfermagem


distraíram meus pensamentos, não tive vontade de sair correndo, nem de puxar
um dos meus romances e ler durante a aula, ou ficar com a mente vagando. E
quando o fim da aula chegou eu peguei minha bolsa e sai, ninguém havia sentado
ao meu lado, interessante.

Cheguei ao corredor e olhei na parede a frente, aonde o professor havia


dito que estariam à listagem de campos de estágio. Corri o dedo onde estava
escrito Clerian Gilvez – Grupo 3 – Hospital Psiquiátrico Frederico Gomez-

Anotei tudo, e minha mente rapidamente vagou um hospital psiquiátrico,


essa eu queria ver. O conhecimento do campo inicia-se amanhã, conhecerei o
lugar e veremos no que vai dar.

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Acendi um cigarro e fui procurar a vaga do meu carro, estava quente, mas
havia um vento de março, fresquinho. Sai caminhando, sozinha, ainda não tinha
feito nenhum amigo para vir comigo até minha vaga.

“calma Cler, primeiro dia, não enlouqueça ainda‟‟ Eu pensei.

Destravei meu docinho que eu costumo chamar de urso e entrei. Esse era
meu carro, um Chery QQ negro como a noite, bancos da frente de puro couro.
Quando vi essa belezura na revenda na saída da cidade foi amor à primeira vista,
eu soube naquele momento que não poderia fazer mais nada da minha vida se eu
não o comprasse, e bem, quando minha mãe se ofereceu para me pagar a
metade usei todo o dinheiro que eu havia juntado no banco desde criança para
completar. Não importa, valeu à pena cada centavo.

- Vamos lá ursinho, quero ir pra casa comer – Eu falei em voz alta para
urso, ou para mim mesma.

Arranquei, dei a volta e sai na avenida pela qual entrei, passei do arco de
saída do Campus e peguei a via principal, liguei do som, tocando Imagine
Dragons, uma banda maravilhosa que estourou esse ano, a qual eu era caidinha
pelo vocalista. Deixei minha mente vagar enquanto dirigia de volta pra casa.
Conheci Sam galã do café, um grupo de garotas metidas, o guarda chato e a
menina gótica que senta atrás de mim, e amanha a noite inicio meu estágio na
unidade psiquiátrica. Bom começo de uma longa estrada, garota.

Quando cheguei à esquina de casa, no centro da cidade, entrei na


garagem. Deixei urso dormindo e subi correndo pelas escadas, eu quase nunca
usava o elevador, apesar de ser extremamente sedentária, nunca quis abrir mão
de usar a escada, economizava muita energia elétrica cara.

Eu havia me mudado fazia pouco tempo para cá, minha mãe havia
comprado esse apartamento antes de começar com sua compulsão por viagens,
obviamente ela quis me arrastar junto para muitas delas, mas eu tinha planos
aqui, e eu pretendia ficar e completá-los, por isso sempre fiquei, sozinha. Não
trabalhava, e estava muito feliz por esse estágio do campus ser remunerado, eu

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iria poder comprar comida além do que a minha mãe manda, poder comprar
alguns livros e algumas roupas novas.

Meu apartamento era bem claro, havia muitas coisas jogadas, eu não fazia
o tipo organizada, tudo era limpo, porém nunca organizado, atei meu cabelo em
um rabo de cavalo, fui até a cozinha servir um copo com água e mandei uma
mensagem de texto pra Stefany.

- JÁ CHEGUEI, VEM. –

Stefany era minha amiga, das melhores. Louca e loira aproveitava a vida,
apenas um ano mais nova que eu e viveu muito mais, enquanto eu era do tipo que
temia que as coisas dessem erradas a Sté já havia ido e feito, eu conhecia ela
desde nova, e sabíamos tudo da vida uma da outra, ela tinha certa rivalidade com
a minha outra melhor amiga, a Nanda. Sempre disse que as duas estavam no
mesmo patamar, mas elas meio que me disputavam entre elas, às vezes era
divertido, às vezes era uma droga.

-TO INDO. BJ. –

Mais tarde para compensar ia ligar antes de dormir para a Nanda, a Nanda
era dona de longos cabelos cor de chocolate, fazíamos o trio „‟para todos os
gostos‟‟, ela já era mais madura, e muito mais medrosa que eu de fazer algo
errado, apesar disso tinha o coração maior que o planeta inteiro, era sincera e
doce, nos conhecíamos desde nova e também sabíamos tudo uma da outra.

Duas batidas na porta e eu já sabia quem era, sempre duas batidas, dei um
pulo e fui abrir a porta, Stefany era minha vizinha, chegava sempre correndo aqui.

-Ai to com fome. – sempre com fome, ela apenas vinha na minha casa para
comer, sempre. Stefany foi indo para a cozinha, como de costume ia pegar
alguma bolacha ou ia fazer pipocas de microondas.

- Hoje foi meu primeiro dia no campus, fiquei deslocada, como sempre. - sai
tirando minhas botas e colocando ao lado do sofá onde me joguei deitada.
Quando ganhei esse sofá de presente do meu padrasto, fiz questão de comprar o

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mais macio, a beleza não importava, contando que eu sempre pudesse chegar em
casa tirar os sapatos e me jogar com tudo.

- ai carinho, não fala assim, tinha algum gato na sala? Como são todos? –
ela me perguntou.

- não, na sala não, mas conheci alguém, num bar chamado Caverna do
Café, bem na frente do meu prédio. O nome dele era Sam, eu acho. - Lembrando
do garoto, bonito, ele não havia me causado falta de ar, ou algo assim, nem
esperava que o fizesse também, mas confesso que fiquei curiosa sobre ele.

- E então? Ele era bonito? Como foi? Chamou-te pra sair? E porque esta
cara de funeral? Era pra estar feliz, um gatinho no primeiro dia de aula, é um bom
prognostico querida. – ela respirou. - E, por favor, Cler, você está com teias de
aranhas nessa sua boca linda, não comece antes de começar! -Eu adorava
aquela garota.

- Que tipo de coisa é não comece antes de começar? – Lógica de Stefany


ninguém compreenderia, jamais.

- Você! Dou cinco minutos antes de você começar a listar os motivos para
chutar a bunda do cara, antes mesmo dele te chamar para sair. Desculpe-me
carinho, mas estou começando a achar que seu lance é garotas! – Com a última
parte ela ganhou uma Cler afogada num gole de água, joguei uma almofada nela,
e levantei rindo.

- Não sou Lésbica, senhora não posso deixar nenhum pênis passar por
mim, e vá embora. Tenho que arrumar as coisas porque amanhã começa meu
estagio. Sua louca – Eu não queria que ela fosse embora, mas só deus sabe
como essa criatura podia me distrair, e eu ainda precisava lavar roupa, fazer
comida, entrar nas redes sociais, tomar um banho, coisas de garota é claro.

- Eu só vim dar uma olhadinha nessa sua cara, e sério Cler, deixa de ser
burra e da uma chance pro gatinho do café, talvez eu mesma vá até lá conhecê-
lo, ou talvez você possa pegar o numero dele para mim e - cortei ela empurrando-

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a, eu sabia como funcionava a cabeça dessa garota, ela já estava tecendo idéias
com Sam sem nem conhecê-lo.

- Até depois! agente se vê, beijinho. - a empurrei, as duas rindo. Lancei um


beijo pra ela e fechei a porta, ela ainda ficou gritando do outro lado – mas eu
deixei a pipoca no microondas! Cler eu vou chutar essa sua bunda seca se você
não vier até aqui trazer minha pipoca. – Ela gritou – Cler!

Eu fui até o microondas retirei as pipocas, levei até a porta e abri


entregando para ela, que ainda estava do outro lado como eu esperava. – Toma
sua louca. - Rindo outra vez fechei a porta na cara dela.

O Dia terminou e antes de dormir mandei algumas mensagens para a


Nanda – MEU 1 DIA AULA, HORRIVEL, EXCLUIDA, C SEMPRE, CONHECI
GATO, NOME SAM, DPOIS CONTO, TE AMO.

No outro dia a aula passou, dei oi para minha colega gótica que senta atrás
de mim, e ela sorriu timidamente, sinto que essa garota deve ser legal. A aula
passou voando Saúde mental me prendeu, precisava saber cada detalhe útil para
o estágio dessa noite. Na saída olhei para o outro lado da avenida, para a
Caverna do Café, decidindo se ia até lá ou não. Decidi que devia ir, nem que
fosse para pegar o numero do celular do Sam para Stefany.

Estava abarrotada de jovens, e reconheci até alguns professores pedindo


café pingado ou então um forte expresso, não tinha mesas vagas então decidi
ficar no balcão mesmo, que era onde estava Sam. Fui desviando de um monte de
garotos, testosterona girava no ar, garotos amontoados olhando pras garotas.
Como uma boate, sem a música, sem a dança e sem a noite.

Quando cheguei ao balcão Sam estava passando um pano em uma


daquelas máquinas caras de fazer cafés, virou pra pegar o pedido, quando me
viu, abriu um daqueles sorrisos. Eu estava ganhando muitos desses, ainda que eu
não saiba o porquê.

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- Ei garota ruiva, você voltou... – Ele me saldou, chegando ao balcão ao


mesmo tempo em que eu, hoje ele estava com o jaleco por cima do que parecia
uma camiseta preta, já devo ter mencionado o quanto alto ele é.

- Oi, eu disse que não viveria mais um dia sem seu moca. E meu nome é
Cler! – Ele até poderia ser bonito, com esse sorriso estilo dentista, mas ainda não
havia mexido com meu mundo.

- Bom, então saindo um moca pra você. Grande! – Ele virou e gritou para
uma menina pra preparar uma Moca grande e se voltou novamente pra mim.

- Então, como foram os primeiros dias no campus, os veteranos foram


bonzinhos com vocês?- Os veteranos do curso ainda não haviam vindo ver a
nossa turma, e eu não estava ansiosa por isso. Ainda tem parecido bem calmo,
achei que faculdade seria tudo novo, desenrole esses dias.

- Os veteranos ainda não vieram até nós. Ainda estou meio perdida por
aqui. – eu falei, quase que como um desabafo, sem esquecer o suspiro, logo
após, para dar ênfase.

- Bom, eles virão logo, até que horas vai sua aula? Talvez sua saída bata
com o fim do meu turno, e agente possa dar uma volta. - Podia jurar que ele bateu
os cílios, ok ele podia ser uma gracinha.

- Minha aula termina ao meio dia, mas duvido que eu vá sair com você, eu
não saio com estranhos, Sam. – Virei de lado e olhei a cafeteria, ainda havia
muita gente dentro, a conversa saia alta, e todos estavam em seus grupos felizes.

- eu não sou estranho, e você já sabe meu nome! Então me pergunte o que
você quer saber, garota ruiva, vou ser um livro aberto. – Que história é essa de
livro aberto? Não quero nenhum garoto sendo meu livro aberto. Garotos dão
trabalho.

- É Cler, Sam. E eu não posso sair hoje porque tenho que arrumar minhas
coisas para a noite, eu tenho estágio. – Eu não estava mentindo. A garota loira
vinha trazendo meu mocca, e eu derrepente fiquei mais feliz.

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- Ok, então fica combinado amanhã, depois da sua saída da aula. O mocca
é por conta da casa, garota ruiva. – Antes que eu pudesse responder, ele piscou
para mim, tirou debaixo do balcão um boné preto e colocou virado para trás, virou
e saiu em outra direção para atender outros clientes.

Ótimo, arrumei um encontro, sem nem mesmo querer, Stefany vai


simplesmente adorar isso. Acendi um cigarro e fui direto para meu carro, que
estava estacionado um pouco mais longe dessa vez, Fui direto para casa.
Verifiquei uma mensagem de texto da Stefany.

- EI GIRL, CONSEGUIU NUMER GATO SAM P MIM? AMO VC. - Essa era
a minha amiga de sempre, como eu disse já havia lançado o jogo e ela queria
ganhar.

Havia outra da Nanda: - VC VAI SUPERAR, FACUL É BOM, COMO ELE É,


QUERO SABER TUDO, SDDS AMO VC. - Precisava de uns dias de meninas com
as minhas meninas, só isso.

Já estava bem tarde quando eu percebi, sai do meu livro favorito, romance
de garotinha aguado de Richelle Mead e entrei nas minhas roupas, voando tão
rápido o quanto pude. Preparei um café, muito mais rápido do que qualquer um
poderia, arrumei um pouco de maquiagem e penteei os cabelos, eles estavam se
comportando tão bem ultimamente que até mereciam um agrado. As chaves do
carro me tomaram longos dez minutos para encontrar, mas achei embaixo de uma
almofada no canto do sofá, pelos deuses eu precisava me organizar. Celular,
chaves, café, roupa, tudo pronto. Fechei a porta atrás de mim e fui obrigada a
descer de elevador, devido ao meu atraso.

Essa era exatamente a minha forma de agir, desde criança, quando eu


estava nervosa por algo que ia vim me enfiava em algum livro que eu amasse,
para fingir que não ligava, até eu mergulhar totalmente meus pensamentos na
história e esquecer-me da vida, da realidade e de tudo mais ao meu redor.

Entrei no urso tão rápido quanto cheguei ao hospital psiquiátrico. E pelos


deuses, ele era enorme. Completamente intimidador, eram dois andares, branco
com cinza, aquelas janelas enormes de hospitais, parecia um hospital, mas o que

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identificava o psiquiátrico eram as grades, nas janelas, na porta, e em volta dele


todo, altas grades pretas e fortes. O céu já estava ficando cinza, e eu não gostaria
de ficar aqui fora nem mais um segundo.

Estacionei o urso e fui direto pra dentro com as minhas coisas na bolsa.
Logo na entrada um guarda.

- Boa noite senhora, eu posso ajudar? - Era alto e forte, cabelo meio
grisalho, poderia dizer que ele devia estar entrando na casa dos quarenta anos de
idade, quem sabe, a única coisa em que eu conseguia pensar é que ainda bem
que ele era tão grande e forte, se algum paciente psiquiátrico resolvesse entrar
em surto psicótico, teria grandes homens para ajudar. Olhei para cima, um arrepio
desceu pela minha coluna, intimidador, porém eu devia pensar nele, apenas como
um hospital normal, pelo menos até encontrar algum supervisor, de modo que eu
não possa sair correndo como uma criança de colo com medo de fantasmas.

- Senhora? - A voz grossa do segurança me tirou dos meus pensamentos,


eu posso apostar meu carro no estacionamentoele deve estar pensando que sou
uma paciente em potencial.

- Uh, desculpe. Sou aluna da Universidade, Inicio hoje meu estágio aqui,
meu nome é Clerian Gilvez. – eu disse, enquanto ele pegava um grosso caderno,
do estilo de atas escolares, e folheou, e então disse:

- Clerian Gilvez, do curso de Enfermagem? – Sim, foi o que eu disse.


Ansiosa, eu acenei. Ele fechou seu caderno puxou um grosso molho de chaves e
veio até a grade, com um movimento rápido destrancou.

- A senhora pode dirigir-se até a recepção e dar o seu nome, eles vão
chamar seu supervisor, ok? – ok, vamos sair daqui garota. Eu virei às costas e
segui na direção que ele havia me mostrado, passei pelas grandes portas de
entrada, virei para trás e vi uma placa em neon vermelho escrito SAÍDA, bem, eu
já sabia para onde correr caso algo desse errado.

Na recepção havia uma mulher séria, eu percebi no crachá o nome de


Naia. Ela me olhou na hora que eu cheguei com os olhos curiosos, e até

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divertidos, eles deviam adorar ver os alunos novos, chegando ao hospital


aterrorizados com a idéia de manicômios, e pacientes da saúde mental. Mas eu
era estudiosa e sabia que muito havia mudado na área mental, essas instituições
não eram mais como antigamente, e os pacientes estavam todos sob medicação.
Eram pacientes normais, assim como os outros. Só precisavam avisar isso para
minha coluna vertebral, que insistia em ficar arrepiada e rígida.

- Aluna? – Sua voz era bonita e tranqüila.

-Sim, meu nome é Clerian Gilvez, do curso de Enfermagem. - Ela olhou


para baixo, mexeu em alguns papéis, rabiscou algumas coisas, digitou algo em
seu computador, e o que pareceu um longo tempo depois, me alcançou um
crachá, com minha foto, meu nome e minha função. Secretárias.

- Querida, você segue esse corredor, no final ali naquela ala há o posto de
enfermagem, seu supervisor deve estar lá logo. Bom plantão. – No mesmo
instante que ela terminou a frase já havia virado de volta para o monitor do
computador, de forma que se mostrava totalmente ocupada para bate-papos.
Coloquei meus pés em movimento em um instante, seguindo na direção que ela
havia me indicado.

Passei por um monte de sofás e uma enorme televisão, um lugar muito


bonito. Não era luxuoso e nem simples, com certeza superior a qualquer outro
hospital em que eu estive, quando passei por uma grande coluna senti o olhar de
alguém em mim, virei para o lado para ver de onde vinha. Bem não era alguém,
eram muitos alguéns, cerca de cinco a seis pacientes estavam acompanhando
com o olhar minha caminhada até o posto, olhei rapidamente, e claro desviei, não
fixando o olhar em ninguém. Não iria ficar encarando alguém que poderia muito
bem ser um esquizofrênico paranóico, ou um compulsivo obsessivo.

Mesmo não tendo olhado por muito tempo o grupo que me observava pude
ver que todos eram homens, e de várias idades, a maioria com pijamas, pude ver
um homem mais velho com um roupão roxo, um cara com uma camiseta preta, e
os outros de pijamas.

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O posto ficava bem ali na frente e um homem que eu pensei ser meu
supervisor me esperava na porta.

-Senhorita Clerian? – Alto e velho, com um aspecto extremamente


simpático e sábio, exalava conhecimento atrás daqueles óculos, caídos na ponta
do nariz.

-Sim, Pode me chamar de Cler, senhor? - deixei como uma pergunta para
ele se apresentar, nunca o havia visto antes, não devia dar aula no campus, não
que eu conhecesse muitos dos professores que lecionavam lá, mas pelo menos
ainda não o tinha visto no meu prédio e nem na Caverna do Café.

- Tomaz. Venha deixe que lhe mostre primeiro o posto de enfermagem. –


ele virou as costas entrando na grande sala, eu o segui.

- Você pode guardar suas coisas naquele armário, pegue a chave e guarde
com você, hoje você pode usar apenas seu avental e identificação, ok? – ele me
indicou uma parede de armários cinza, como aqueles usados nas universidades
americanas, quadradinhos, empilhados numerados. Escolhi o numero sete, é
claro, guardei minhas coisas e voltei, Tomaz me esperava com os óculos na ponta
do nariz, batendo o pé.

- Bem, querida, esse é o posto de enfermagem, mas é claro que não a


quero amontoada aqui dentro o tempo inteiro, quero você ali fora no meio dos
pacientes, pegando o máximo que conseguir de cada um, as características de
cada doença, os aspectos e jeitos de cada paciente, suas manias. Você deve
retornar aqui para buscar a medicação, e evoluir o quadro clinico do paciente no
fim do plantão, ou no caso de alguma alteração significativa, vou lhe mostrar. –
Duro, e rápido, percebi que teria que me esforçar com esse cara, ele e mostrou
aonde se localizavam os prontuários de cada paciente, as medicações e
computadores. E Então foi saindo. Eu o seguia como, bem como uma aluna.

-Essa primeira ala, é a ala masculina, você vai passar duas semanas em
cada. Quero que depois de organizar seu material, saia para falar com os
pacientes, um por um, com calma, e controlando seu tempo. Quero que
demonstre segurança, mas no limite certo, sem afrontar e nem amedrontar

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nenhum paciente, alguns são muito vulneráveis. Os leitos ficam naquela direção.
– Ele apontou para um corredor a direita, com varias portas em ambos os lados.

- Sei que hoje sendo seu primeiro dia, deve estar um pouco intimidada,
além do mais, é muito nova, e bem diminuta. Mas isso não importa, deve saber
que toda nova noite de plantão deve me trazer o que aprendeu na noite anterior.
Preciso saber a sua evolução, a partir do seu ponto de vista. - Ele me olhou dos
pés a cabeça, e deu um suspiro, não pude identificar, se era de cansaço, ou
apenas entusiasmo.

- Hoje quero que vá conhecer os pacientes, se apresentar, e falar que vai


cuidar deles nas próximas semanas, eu estarei bem aqui te observando de longe,
qualquer dúvida venha para mim. Entendido? – Ele sorriu, e então eu fiquei
parada esperando.

- O que foi menina, está esperando o que? Vá conhecer e se apresentar


para seus pacientes!- Eu girei em meus calcanhares, bem por onde começar?

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Do Grupo que me observava quando eu cheguei apenas três ainda


estavam na sala de estar, digamos assim, e então eu fui para eles.

- Uh, oi, meu nome é Clerian, eu sou estagiária de enfermagem, vou cuidar
de vocês pela próxima semana, mas vocês podem me chamar de Cler. – Todos
ainda me observavam em silêncio, ninguém disse uma única palavra. Completo
silêncio, eu senti minhas bochechas ficando quente, droga, eu não queria ficar
ruborizada de vergonha.

- Bem, uh, algum de vocês gostariam de se apresentar? – Tentei soar


segura e amigável ao mesmo tempo, mas o que havia para mim era mais silêncio,
nenhum dos três se movia ou falava algo, droga, eles pareciam que nem ao
menos respiravam.

- Ok, eu vi que antes havia mais dois com vocês quando eu cheguei vocês
sabem para onde eles foram? – que ótimo tagarelando com pacientes mudos.
Eles ficaram em silencio, ninguém me respondeu sequer uma pergunta. Eu olhei
para meus pés, sou uma droga de enfermeira, pensei. Eles olharam de volta para
a televisão, ignorando minha presença, Eu levantei meus olhos e vi que um
paciente ainda me olhava. Ele não vestia pijamas, e sim uma camiseta preta, e
calça jeans, como se estivesse aqui a passeio. Quando eu olhei para ele, ele me
olhava com uma expressão estranha, pelos deuses, eu vi humor por trás dos
olhos dele?

Ele se levantou do sofá e saiu andando, ele era alto, e pude ver pelo corpo
dele, que ele tinha um ótimo tipo físico, muito bonito. Não pude evitar esse último
pensamento. Ele entrou no corredor e sumiu em um dos quartos.

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Os outros homens continuavam olhando a TV como se eu nunca tivesse


falado com eles. Virei às costas e olhei para Tomaz.

- Me diz que eles não são sempre assim. – Sai para dentro do posto.
Tomaz veio junto.

- Calma, minha querida, eles acabaram de te conhecer, são todos


vulneráveis, eles não te responderam, mas pode acreditar que a cabeça deles
deve estar trabalhando nesse exato momento sobre você, o motivo de você estar
aqui, sua aparência, seu caráter, tudo. Logo se acostumarão a sua presença, e
ficará mais fácil. – Cheguei à frente dos prontuários, eu gostaria de saber com
quais doenças eu teria que lidar, os nomes dos pacientes e os riscos, é claro.

- Tomaz, qual é o nome daqueles três pacientes que estavam lá?

- O de roupão roxo é Dimas, o leito dele é o três. O Loiro magrinho de


pijamas é Andre, seu leito é o seis, e o de preto é Peter, e o seu leito é o sete.
Estude o prontuário deles, e depois os procure novamente, a noite é longa, e
quero ver avanço aqui. Qualquer coisa me pergunte Cler. – Ele se afastou, acho
que para me dar espaço.

Eu não precisei perguntar a mim mesma qual eu olharia primeiro. Peguei o


prontuário do leito sete. Peter sem sobrenome. Sem sobrenome? Ainda não havia
visto um prontuário incompleto. Patologia: Esquizofrenia. Bem, nos aspectos do
Peter dizia que era calmo, quieto, não era agressivo. Não era comunicativo, não
havia surtos, tomava corretamente os medicamentos. Eu me pergunto, porque
esse garoto foi internado, se tem uma ficha limpa, e uma conduta sóbria?

Anotei algumas coisas em meu caderno e guardei o prontuário. Tomaz


estava distraído lendo um livro, e enfermeiros entravam e saiam do posto de
enfermagem.

- Uh, bem, Tomaz, peguei algumas informações sobre alguns pacientes,


acho que irei conversar com os mais calmos, ok? – fiquei com medo de que ele
negasse, e resolvesse ir comigo, o que eu não saberia se me sentiria aliviada, ou
pressionada. Bem Vamos descobrir.

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- Ok, seja segura, Cler. Eles não gostam de enxergar insegurança nos
olhos de quem cuida deles. Há câmeras em todos os corredores, você pode
conversar com eles da porta, da onde eu possa te ver pelos monitores, se algum
paciente for agressivo, ao lado de cada porta há um botão vermelho, é uma
campainha, um alarme, eu estarei ao seu lado, no mesmo instante. Não se
preocupe, Seja tranqüila e confiante. – Acenei e saí.

Sai do Posto e percorri o corredor, notando os números e as campainhas


ao lado das portas, me surpreendi ao ver que ia apenas até o leito sete, que era o
ultimo quarto do corredor, e era pra lá que eu estava indo.

A maioria das portas se encontrava fechada. A porta do leito sete estava


encostada, uma fresta mostrava apenas a claridade de um abajur, eu acho. Eu
bati levemente na porta e chamei.

-Com licença? – Nada. Quem sabe mais uma vez, então.

-Sr. Peter? – Quase pude ouvir um sorriso, era isso? Empurrei levemente a
porta, para me dar mais visão do quarto. Cama de solteiro, sofá bem na frente,
mesinha de cabeceira, mesa para alimentação, porta pro banheiro, alguns livros
empilhados na cabeceira, um copo com água, um abajur, edredom de leito, no
chão botas de couro, botas? Sim do tipo rock, curioso. Ele estava deitado me
observando com um sorriso fino, calça jeans surrada e camisa preta, cabelo
esparramado e bagunçado, tudo preto, como a noite.

-Posso entrar? – dei mais um passo, e parei quase me esquecendo de ficar


na porta aonde as câmeras me pegassem, ele poderia ser jovial e muito bonito,
mas exalava algo extremamente estranho dele, tipo perigoso. E ainda por cima,
eu sou uma desconhecida, ele poderia me ter como uma ameaça. O que era
quase engraçado, tendo em vista, medrosa como sou.

- Pelo que vejo você já entrou. – Sua voz era grave e forte, mas não muito
grossa, um calafrio percorreu minha espinha.

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- Desculpe, você é Peter? – eu não sabia direito para onde olhar, o quarto
se encontrava escuro, eu podia ver ele deitado, mas as sombras cobriam o rosto
dele, que maravilha.

- Sim, e você é Cler não é? – Apesar de enigmática e meio ameaçadora a


voz dele, ele parecia relaxado, e até irônico, o que me deu coragem para dar mais
um passo para dentro.

-Bem, sim, e se você ainda não me mandou sair, é porque posso ficar?
Certo- eu perguntei.

-Achei que você devia ficar ao alcance das câmeras. – Ameaçador, me fez
dar um passo para trás, como se tivesse lido meu pensamento. Segurança,
Tomaz disse segurança, passe segurança garota.

-Apenas se eu me sentir ameaçada. Uh, bem, posso ver que você não é
mudo. – Quase pude ver os lábios dele subindo, gostaria de saber sua idade.
Mais do que isso, eu gostaria de saber por que seu prontuário está todo
incompleto, será que ele é algum indigente? Bem não era o que parecia.

- Não. – Ponto final, ele era alguém de frases curtas, precisei me lembrar
de ser profissional, quase me deu vontade de ir lá e sacudir os seus, bem, não ia
acontecer, é claro. Precisava pensar em algo profissional para fazê-lo falar,
peguei minhas anotações do meu bolso e minha caneta, olhei para cima, ele não
estava mais deitado. Ele estava a um suspiro de mim, nossos pés quase se
tocavam. Tranquei a respiração e quase cai para trás, ele agarrou meu cotovelo,
me segurou no lugar e então me soltou.

- Vai fazer anotações sobre mim Cler? – Eu não conseguia respirar direito,
ele estava bem na minha frente e parecia bem alto. Fiquei olhando para ele, olhos
pretos, com uma espécie de humos por trás, ele devia notar o meu medo, a minha
insegurança.

- Eu só queria saber por que você não tem um prontuário completo. – A


frase saiu num fôlego só.

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- Você devia perguntar pros seus colegas. Cedo demais pra você Cler. –
Garoto esquizofrênico pare de falar como se fosse intimo.

-Cedo demais pra que? – eu perguntei sem entender.

-Pra você vim para meu quarto, sozinha, no seu primeiro dia. Além do mais,
eu quase posso sentir seu medo. Está com medo de mim, Cler? – Eu pude jurar
que ele abaixou a cabeça para conseguir olhar nos meus olhos, eu dei um passo
para trás para colocar distancia entre nos dois.

-Você, Peter, é um paciente, medicado e sociável, não vai fazer mal para
mim, eu, só vim te ajudar. – Minha voz saiu estranha, em partes agudas, devido
ao nervosismo, mas as palavras saíram certa, como planejei, ele deu um passo
para trás e me olhou com um olhar quente, praticamente rindo com os olhos.
Temos aqui um debochado esquizofrênico, vou precisar de muitas horas
estudando sobre.

-Está nervosa, Cler, quer sair correndo chamar seu professor? Como quer
me ajudar se não sabe o que fazer? – ele quebrou a distância entre nós, me
fazendo trancar a respiração e dar um passo para trás deixando assim meu corpo
para fora do quarto, na linha da porta.

- Quero conversar sobre você. – falei baixo.

- A conversa acabou. – E bum ele fechou a porta, na minha cara, por


apenas algum pouco de ar, não esmagou meu nariz. Pouco comunicativo? Ok, eu
entendi garoto esquizofrênico idiota, me deixou louca de medo. Olhei pro Lado e
Tomaz vinha chegando perto de mim.

- Vim te buscar, vi pelo monitor que você entrou no leito, achei que
tínhamos combinado de você ficar na porta, aonde eu poderia vê-la. O que
aconteceu? – Eu já não estava mais com medo, estava com raiva, talvez tenha
escolhido a profissão errada.

- Nada, ele só não quis conversar, e bateu a porta na minha cara. – Girei
nos calcanhares retornando para o posto. Para minha alegria já estava a dez
minutos do fim do meu plantão. Céus como passou rápido. Fui organizando as

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minhas coisas, e me arrumando, queria sair desse lugar o quanto antes. Tomaz
entrou na sala.

- Amanhã você terá mais progresso minha querida e não se esqueça de me


trazer seu relatório do que aprendeu hoje. Boa noite, Clerian. – Minha deixa para
dar o fora daqui.

- Pode deixar, até amanhã. – Peguei minha bolsa, minhas coisas e fui
saindo, antes que ele quisesse me dar alguma lição, mais. Passando pelo
corredor cheio de leitos, Peter estava no fim dele, em frente a sua porta, escorado
na parede com a perna, sorrindo. Sorrindo! Um arrepio desceu minha barriga.

Entrei no carro e fui para casa, tudo que eu mais ansiava era chegar,
acender um cigarro, abrir meu vinho e ir para a sacada curtir o vento norte, e
esquecer esse hospital, esquecer essa noite, e esquecer meu mais novo paciente,
estranho esquizofrênico Peter.

Entrei em casa e fiz exatamente o que pensava, meus pés doíam, fiquei na
sacada mais ou menos uma hora, havia uma maravilhosa e clara lua, de chorar de
tão linda. Tomei uma taça de vinho, fumei um cigarro, tomei um banho e cai na
cama sem nem notar. Fiquei com uma imensa preguiça de ir fechar as janelas da
sacada, mas eu sabia que ninguém iria entrar no 8º andar, além do mais, no
prédio havia cerca elétrica, câmeras, e o segurança. Então me deixei cair em um
sono profundo. Céus eu estava cansada. – E esse é apenas o primeiro dia,
docinho. – falei para mim mesma.

Meus sonhos foram uma loucura. Peter estava em todos eles, me olhando
com aquele sorriso ameaçador nos olhos, me observando. O pior é que eu estava
nos sonhos, exatamente como fui dormir, com um lingerie preto, calcinha e sutiã,
apenas. Seu olhar descia pelo meu pescoço, podia sentir o seu olhar quente
levantando o canto da boca, passando pelo meu ventre, parando na minha
cintura. Os pelos dos meus braços arrepiados, e pelos deuses não era frio. Seu
olhar desceu pela minha cintura, parando no meu quadril, me despindo com os
olhos, eu estava muda, esperando, e o mais interessante não estava intimidada,

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como? Seu olhar subiu encontrando-se com o meu. Olhos negros, cabelos
negros, roupas negras.

- Quem diria, lingerie preta? – Peter disse arqueando uma sobrancelha


lançou-me um olhar tão sexy, e forte que me atravessou. Acordei-me com um
barulho ensurdecedor do despertador. Aula.

Levantei-me a contra gosto, enquanto eu escovava os meus dentes, dei


uma bela olhada no meu reflexo. Eu estava corada, cabelos ruivos, hoje
indisciplinados, caído pelos ombros em ondas mal formadas, meus lábios e olhos
inchados pela longa noite. Eu era o tipo de mulher diminuta, a qual geralmente os
homens se aproximavam para requerer uma amizade, e não uma paixão. Mas
isso nunca me importou de verdade, sempre achei mais bonito as mulheres
pequenas. Assim como eu. Eu ainda tinha meus olhos, cor de chocolate com uma
mescla âmbar, lembrando de terra e pôr do sol, amendoados, segundo opiniões
alheias eles eram insinuantes, provocativos e curiosos. Sempre curiosos.

Meu guarda roupa era completo de roupas básicas, peguei um vestidinho


branco soltinho, minhas botas preta de couro, minha bolsa marrom com franjas, e
então eu estava pronta. Ontem foi uma experiência muito perturbadora, é claro
mesmo tentando manter outros pensamentos em minha mente sempre voltada a
inquietante lembrança da minha primeira noite no hospital. Tomaz, Peter. Peter...

Peter, jovem e bonito, meu paciente esquizo, eu tinha que manter uma
conduta profissional. Para um paciente esquizofrênico cada palavra dita por
alguém pode desencadear transtornos e viagens completamente loucas, uma
frase mal pensada poderia desestabilizar totalmente um paciente esquizofrênico.
Para trabalhar com ele, eu precisaria me aproximar e criar um laço de confiança
entendê-lo e principalmente saber como agir.

“Como quer me ajudar, se não sabe o que fazer Cler? ‟‟ ele havia me dito,
na verdade havia jogado na minha cara, ele havia dito também que ele poderia
cheirar o meu medo. Ele estava certo, de que maneira ele poderia se sentir
seguro, com alguém que tinha medo dele.

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A maioria dos pacientes esquizofrênicos sofre rejeições, maus tratos e


incompreensão por toda a vida. Eu iria precisar estudar sobre, para mostrar pra
ele que eu sei exatamente como atuar com ele, e com os outros é claro. Eu só
gostaria que essa ansiedade e esse calor no meu estômago sumisse, esse ia ser
um longo dia.

Urso me levou diretamente para o Campus, eu tinha muita sorte de ter meu
garoto lindo para dirigir até a faculdade, no caminho eu observava os ônibus
direcionados para o campus, abarrotados de gente, alunos, professores e
funcionários, pessoas de todos os tipos e todas as idades. Tanta gente, que eu
desconfiava ser proibida essa superpopulação em um único veículo.

Achei uma vaga bem em frente ao meu prédio, que sorte a minha. Percorri
o caminho até a Caverna do café, ainda não havia adquirido minha dose
necessária de cafeína para começar bem o dia. Já havia muita gente circulando,
conversando e tomando seus cafés no interior. Fui diretamente até o balcão. Sam
me olhou com uma cara divertida.

-Ei garota ruiva, vamos de mocca grande? – Garoto inteligente, já havia


decorado meu café favorito, eu acenei, ele virou e fez o pedido para a garota loira
da máquina de café.

-E ai, vou te esperar em frente à Caverna, hoje. – Hã? Um segundo depois,


me lembrei do encontro empurrado de ontem, a sim, bem eu ia ter que lidar com
isso. Sam era um bom cara, bonito, e dono de si, seria bom se ele invadisse meus
sonhos, ao invés de meu estranho paciente esquizofrênico Peter.

- Okey Sam, mas só se você parar de me chamar de garota ruiva, pelos


deuses. - Dei um sorriso, meu mocca veio, e antes de qualquer coisa, puxei uma
nota de cinco da bolsa e joguei para ele, antes que ele resolvesse me manter com
moccacino de graça diariamente.

- Está bem garota ruiva, tenho uma surpresinha pra você hoje. Vamos nos
divertir. – ele me deu um daqueles sorrisos completos. Que tipo de diversão teria
em pleno meio-dia? Eu só conseguiria pensar em almoço, comida. Mas bem Sam
era divertido e bem-humorado, ótima companhia para se almoçar. E talvez, só

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talvez eu pudesse mandar um sorrateiro torpedo para Stefany, para ela nos
encontrar e então poderia deixar os dois a sós, e fugir. Não que eu ache que Sam
estaria disposto a concordar com isso.

- Vamos Cler, você sempre se perde assim?- derrepente Sam me


perguntou.

- huh? – eu o olhei.

- Em pensamento quero dizer, em um momento você está aqui, um


segundo depois, é como se estivesse vendo um filme por trás dos olhos, te perco
totalmente. – ele disse. A sim, freqüentemente faço isso, minha cabeça é como
uma roda gigante.

- Sim – eu sorri, envergonhada. – Isso que você não passa muito tempo
comigo, minhas amigas costumam me sacudir, às vezes funciona. - sorri
novamente, eu realmente gostava da companhia desse garoto, conversa leve,
flertes leves. Bons para administrar, nada que fizesse tremores descer pela minha
coluna, nem faltar ar aos meus pulmões, ou me deixar completamente sem fala.

-Lá vai você de novo, mas bem, eu não vou sacudir seus ombros, e nós
podemos fazer algo sobre passar mais tempo juntos. – Eu sabia que ele ia
comentar algo sobre isso no momento em que eu terminei a frase, garotos, são
sempre garotos.

- Para Sam, tenho aula. Então, huh, agente se encontra na frente do


Caverna ao meio dia? – Vamos lá, então.

- Sim, não me faça esperar muito, garota ruiva. – Ele piscou para mim, e se
virou para atender dois garotos que estavam esperando do outro lado do balcão,
com cara de poucos amigos. Essa era minha deixa para ir embora. Sai do caverna
saboreando meu mocca, e entrei no prédio a frente.

Minha sala era logo a segunda do corredor da escada, no primeiro dia eu


havia decidido por ficar longe do grupo de patricinhas da janela, então sentei na
terceira classe dupla da parede, é claro, fiquei sentada sozinha. Eu nunca fazia
amigos tão rápido, e facilmente. Mas hoje a menina gótica e cheia de piercings

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que sentava atrás de mim nos outros dias, estava sentada na minha classe. Acho
que eu havia ganhado uma colega de classe, afinal.

-Oi, você vai se sentar comigo? – Eu perguntei, em um tom meio baixo, e


calmamente.

- Huh, sim, mas se você não quiser eu posso –

- Não, não tudo bem, vamos sentar juntas, acho que vai ser legal. - eu
disse cortando-a, acho que apesar da aparência agressiva, ela era doce, e
insegura, e tenho certeza que devo ter feito pontos com ela quando resolvi me
sentar longe das patricinhas da janela.

Eu me sentei e tirei minha agenda e caneta para fora, meu mocca já estava
acabando.

- ei você quer café? É um moccacino, é delicioso. - eu perguntei, meio sem


jeito, nunca soube como puxar conversa fiada com alguém, com a Stefany e com
a Nanda sempre foi muito fácil e fluente, nunca forçado, até mesmo nas nossas
brigas, palavrões e xingamentos fluíam facinho, facinho.

- não obrigada, já tomei café hoje. – tímida, eu percebi.

- então, meu nome é Cler. - fiquei em dúvida se esticava minha mão para
ela, ou apenas deixava no ar para ela também dizer o seu. Escolhi a segunda
opção e dei o ultimo gole na mocca.

- legal, meu nome é Taci. – Fim de conversa, sou tão acostumada com as
minhas meninas conversadeiras, que não sei como dar continuidade em
conversas curtas.

O professor de anatomia adentrou a sala com alguns cartazes em mãos, já


falando e mandando os alunos fazerem anotações. Enquanto ele falava, minha
mente vagou para o hospital, o que será que eles faziam durante o dia? O que
Peter fazia durante o dia? Como seria a rotina daqueles pacientes. Pensando no
hospital, lembrei do relatório de Tomaz, em que eu deveria escrever o que eu
aprendi ontem, bem sim.

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Peguei uma folha aleatória da minha agente e comecei a rabiscar – OS


PACIENTES NÃO FALAM COM ESTRANHOS – NÃO ENTRAR NO LEITO
ENQUANTO FOR DESCONHECIDO – NÃO ACHAR OS PACIENTES
ATRAENTES – okey essa última eu iria riscar bem forte em cima. Eu não havia
aprendido muito no meu primeiro dia, eu fiquei com medo feito uma criancinha,
não sabia o que ia encontrar, fiquei curiosa por Peter ter ficado me encarando, e
por ele ser tão jovem diagnosticado esquizofrênico, e o prontuário incompleto?

Eu iria averiguar tudo isso, claro, mas daí eu cheguei em casa e sonhei
com Peter enquanto estava praticamente nua, ele me olhava com real desejo, e
eu não fiquei com medo. Enquanto o professor ia falado sobre os ossos e
músculos do corpo humano, minha mente vagava e vagava...

Sai dos meus pensamentos com o sinal tocando e a Taci se levantando.

- Huh, bem, eu nem vi o tempo passar, agente se vê amanha então!

- Sim, até amanha Cler- Taci me deu um sorrisinho tímido.

Fui descendo pelas escadas, pegando a chave do urso na mão, já estava


quase me dirigindo para meu carro quando me dei conta que eu tinha alguma
coisa marcada com Sam. Olhei em direção ao Caverna, Sam estava lá na frente,
uma camiseta pólo cinza e bermuda jeans, tênis e boné virado para trás.
Esportivo. Ele já estava sorrindo para mim, enquanto atravessava a avenida.

- Ei garota ruiva, eu quase pensei que você estava fugindo de mim. - ele
me disse. Dei uma risadinha.

- Bem, você trouxe café? – eu perguntei. Era claro que ele não havia
trazido, ele estava com as mãos nos bolsos. Mas ele ficou surpreso, como em
“como não pensei nisso”.

- Na verdade não, mas se você quiser posso voltar e-

- Não eu estou brincando, mas então, hã, aonde vamos? – eu perguntei o


cortando.

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- Vamos para a praia, agente pode comer alguma coisa lá, o que você
acha? – Eu amava a praia, sempre gostei do mar, e do cheiro de sal, do barulho
das ondas quebrando na orla. Sim vamos.

- Sim, Vamos. Você tem um carro, ou você quer vir comigo? – eu perguntei.
Ele parecia do tipo que ia trabalhar de bicicleta para falar a verdade, mas nunca
se sabe.

- Não, vamos no seu carro, minha mãe está com o meu, tenho vindo de
bicicleta para o Caverna. – então bingo, acho que sei alguma coisa de analise
pessoal afinal.

Dirigi o urso pela cidade, até chegar a beira-mar, onde o cheiro da maresia
já nos alcançava, Sam veio o tempo inteiro falando do quanto acha interessantes
garotas independentes, que dirigem seus próprios carros, do quanto desprezava o
tipo que se aproximava dos garotos pelo dinheiro, do tipo interesseiras. Pontuou
as minhas chances de ter um câncer no pulmão pelo cigarro, que eu vou acabar
morrendo antes de todo mundo. Ele até trocava as músicas do som do carro,
como se fossemos amigos há anos. okey, ele era do tipo que se fazia intimo
rápido.

Tranquei urso e nos dirigimos para pedras da orla, a maré estava nos
dando uma boa visão. Os pássaros voavam enlouquecidos com as sardinhas que
a maré deixava para trás nas pedras. Eu sorri, o mar era incrível, já fazia tempo
que eu não vinha para cá, estava sempre ocupada em meu apartamento,
estudando, ou encabeçada nos meus romances.

Sam sentou ao meu lado, ele era bem mais alto que eu, e muito maior, eu
parecia uma criança sentada ao seu lado.

- E então Cler, você tem namorado? – Sam perguntou. Cedo demais para
essa pergunta.

- Não, sou difícil com os caras. E você? – resolvi perguntar de volta.

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- Bem, uma aqui, uma lá, o que eu posso fazer? As garotas gostam do cara
do café! – ele disse dando seu melhor sorriso, aposto. Huh, presunçoso. Mas eu
tive que rir, a cara que ele fez foi mais pro tipo “estou encalhado há meses”.

- Tenho uma amiga, que adoraria o seu tipo então. – E adoraria mesmo,
Stefany ficaria muito feliz em degustar seu bom humor, e lhe ensinar umas
coisinhas.

- Me de o seu numero, e estará feito. – ele me disse sorrindo, ele tinha um


sorriso muito bonito.

- Mas preciso te dizer, não estou interessado na sua amiga, além do mais,
conheci uma garota ruiva, que prendeu meu interesse. – ele falou. sei, sei, sei.

- Sam agente acabou de se conhecer– ele abaixou o olhar, como se eu


tivesse jogado água na sua fogueira. Não gostaria de ser antipática, logo ele
estaria achando que gosto de garotas também, diabos.

-Você que sabe, hoje a noite vai ter uma festa de uns amigos meus, não
sei, talvez você gostasse de ir? eu até gostaria de ir, mas já faz tanto tempo
desde a última vez que eu fui a uma festa. E além do mais, conheci Sam há
poucos dias, ele poderia ser um assassino, marginal, estuprador.

- Não posso, tenho estágio no hospital. – Não era uma coisa com a qual eu
estava ansiosa, mas eu precisava descobrir sobre Peter, eu precisava da minha
nota com Tomaz. Eu precisava avançar.

-Hum, sei, está certo, vamos à próxima então. – Sam ficou mais cabisbaixo,
olhando o horizonte, eu percebi que o afastei, mas eu era a verdade, sempre. Eu
gostei de Sam desde o momento que o conheci, mas isso não queria dizer que eu
queria algo romântico com ele.

Olha vejam bem, fiz vinte e dois anos esse ano e eu nunca tive um
namorado, ainda mantenho minha virgindade, e pelos deuses o único beijo que
dei foi em um colega do laboratório de química no primeiro ano do ensino médio,
ele era do tipo nerd e nunca havia beijado também, então a coisa toda parecia de
enredo de desenho, ele era alto, magro e com uma acne muito mal tratada. Nós

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resolvemos nos ajudar mutuamente e nunca revelar isso para ninguém, e bem, o
beijo não durou cinco segundos e nem por um momento pensei em envolver a
minha língua naquele beijo experimental. Apesar de ter sido o único beijo da
minha vida, eu detestei.

Sentada aqui na orla da praia com o boa pinta do Sam, eu conseguia


enxergar muito melhor os aspectos físicos dele, eu já sabia que ele era bonito,
tinha os lábios grossos e quando sorria, mostra uma linha de dentes brancos e
retos.

-Então você sempre trás as garotas pra cá? – quis soar divertida, mas a
pergunta saiu meio sem jeito, precisava tomar umas aulas de flerte com a Sté,
apenas para não ficar para trás, é claro.

- Na verdade não, você é a primeira. Quero dizer, pensei em um lugar que


poderíamos ir, e apenas tive um palpite que você ia gostar da praia. – ele
encolheu os ombros, não que eu fosse acreditar que eu era a primeira garota que
ele trazia a praia, mas o seu gesto havia sido gracioso.

- Espera aqui, vou comprar uns cachorros-quentes pra nós. – ele disse.
antes que eu pudesse responder ele se levantou e saiu correndo até a barraca de
cachorro-quente. Eu levei um tempo meditando no silêncio sobre o fato dele ser
totalmente legal, e ao mesmo tempo não me despertar nenhuma vontade louca de
beijá-lo, nem arrepios, ou ansiedade concentrada no estomago.

-Ei garota ruiva, espero que goste de mostarda, porque pedi extra. – Ele me
arrancou de meus pensamentos me entregando um hot-dog, eu sorri, ia ser por
conta da casa novamente. Ele trouxe uma garrafa de água e me entregou.

-Eu trouxe água, não sei se viciados em cafeína bebem coca. - ele sentou
na pedra ao meu lado sorrindo, doce. Nos comemos em silêncio, eu sorria pra ele,
quando ele sorria pra mim, ele terminou muito antes de mim é claro, e ria
desesperadamente enquanto eu mantinha uma briga com meu hot-dog e a
salsicha.

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- Eu devo estar toda suja, inferno. – eu só conseguia pensar no quanto


estúpida eu devia estar parecendo, mas mesmo assim, não podia evitar sorrir.

- se eu soubesse que você ia ficar tão linda e suja comendo hot-dog, teria
colocado no cardápio do Caverna a tempos. Eu teria feito você experimentar logo
no primeiro dia. – Eu me levantei, e o Sam quebrou a distancia entre nós com um
papel na mão.

- Ei me deixe limpar pra você, criancinha. - ele se inclinou, eu tenho certeza


mais perto do que necessário e passou o papel no canto esquerdo da minha
bochecha. Ele abaixou a mão e ficou me olhando nos olhos. Se existe um
momento pra alguém decidir beijar alguém, esse seria um perfeito. Ao invés disso
ele colocou a boca próxima ao meu ouvido.

- Vou te trazer pra comer hot-dog sempre. – Sam deu um suspiro se virou e
subiu as pedras, parou na ponta da mais alta e esticou a mão para que eu me
apoiasse e então me puxou e saímos os dois em direção a rua.

- Se você me trouxer sempre pelos hot-dogs vou ficar enjoada, e vou chutar
a sua bunda. - como se meditando sobre a possibilidade de vir comer aqui com
Sam sempre.

- como se você conseguisse, pequena desse jeito é capaz de machucar a


si mesma tentando. – com uma gargalhada ele alcançou o Chery. O caminho de
volta foi rápido, Sam cantou as musicas do meu pen-drive, ficou me olhando até
eu ficar vermelha e meditou sobre as mulheres. Eu o respondia com acenos,
mantendo o cuidado para não deixar minha mente vagar enquanto ele decidia se
iria casar-se no futuro ou não.

Ele pediu para que o deixasse na esquina do parque Central da cidade,


disse que morava do outro lado do parque, mas que gostaria de ir caminhando,
dei a volta, ainda me restavam uns dez minutos até chegar em casa. Percebi que
eu e Sam não conversamos sobre nada particular, apenas falamos sobre
bobagens do dia a dia e coisas vulgares.

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Estacionei o urso na garagem e subi direto para casa pelas escadas


enquanto digitava uma mensagem para Nanda. – PRECISO NOITE MENINAS,
VC E STÉ SUPEREM DIFERENÇA, HJ?

Em questão de segundos recebi de volta – OK VINHO? 23h30min? –


Ótimo, eu ia ter uma noite de meninas, com vinhos, e o melhor no meio da
semana. È isso garota.

- SIM E SIM. BJS-

Entrei em casa, e a primeira coisa que eu senti foi um cheiro de Vetiver. Pra
quem não sabe, Vetiver é um aroma amadeirado sensual, sempre gostei de
cheirar as amostras dos perfumes da minha mãe. Antigamente ela revendia uma
famosa marca de perfumes, tudo sob encomenda, aonde ia levava um enorme
estojo com centenas de frasquinhos de amostras. Minha mãe conseguia fazer
com que suas amigas experimentassem não importa onde estivessem, na feira,
no supermercado, no ponto de ônibus, ou até mesmo dentro dos ônibus. Ela era
uma grande vendedora e sempre conseguia grandes encomendas.

Aquele cheiro veio até mim, como um aroma no vento. Poderia ter sido do
corredor, talvez. Minha casa não tinha esse cheiro, e ainda tinha mais, algo como
pimenta? Minha mãe poderia ter vindo me visitar, chegado enquanto eu estava na
aula, feito alguma comida, e deixado um cheirinho no ar, então ela deve estar por
aqui.

Percorri a sala e entrei rapidamente na cozinha, nada. Entrei no quarto e o


cheiro decididamente se originava aqui, estava forte. Olhei ao redor e não vi nada,
a não ser a bagunça de sempre, a janela estava fechada, trancada. Bom, o cheiro
era bom, não importa de onde vinha.

Tirei minhas botas, larguei minha bolsa e puxei meu vestido branco até os
quadris para que eu pudesse me sentar em posição de lótus. Uma brisa gelada
passou por mim, okey, voltando, brisa gelada com a janela fechada. Levantei-me
em um pulo, e olhei ao redor, devo estar ficando louca de vez. Me deitei de
bruços na ponta da cama e cochilei, eu havia dormido tão mal a ultima noite, e me

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senti tão cansada ao acordar hoje de manha, uma cochilada depois do almoço
não iria me atrasar muito.

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Eu estava caminhando descalça por uma terra rochosa, apesar de ser


rochosa era fria, e havia muita umidade no ar, eu quase podia sentir no meu nariz.
O céu estava bem azul, e eu podia notar que eu estava caminhando sozinha, olhei
em volta ninguém me acompanhava, tentei avistar o horizonte e enxergar o meu
destino, mas só via poeira, eu poderia estar em um deserto. Continuei
caminhando diretamente para frente, uma ansiedade percorria meu estomago, e
um calafrio desceu pela minha coluna quando vi uma sombra caminhando na
minha direção, eu não podia ver seu rosto já que o sol estava batendo em suas
costas o sombreando as feições.

Que droga de lugar era esse? Não a pergunta certa é que droga de sonho
era esse?

- Eu te trouxe aqui. – Como se lesse minha mente, alguém respondeu.


Ponto. Essa voz eu já conhecia. A pessoa ainda caminhava na minha direção,
mas agora eu estava parada o esperando chegar até mim.

-Quem é você? Que lugar é esse? Trouxe-me como? Quem é você? –


Minha voz saiu fraca.

- você é sempre cheia de perguntas não é? – Sim, sim, eu conhecia essa


voz, e a ultima frase dita por ela envolvia minha roupa intima.

Peter estava a minha frente com um brilho louco nos olhos. Eu demorei um
tempo olhando pra ele, normalizando minha respiração. Ele estava vestindo preto,
o cabelo preto, olhos pretos, sua boca era vermelha e ele inclinou o canto para
cima percebendo a minha analise sobre ele.

- está gostando do que vê, Cler? – zombeteiro, ele colocou as duas mãos
no bolso, e me fitou.

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- só estou curiosa, porque estou sonhando com você e não com o Sam.
Quero dizer, eu não posso me ter sonhando com você, você é meu paciente, é
proibido e errado, você sabe profissional e paciente. – abaixei o olhar, não era
exatamente o que eu estava pensando em falar, mas saiu antes que eu pudesse
refrear.

- Quem é Sam? – Derrepente seu olhar ficou afiado, eu me perguntei por


quê. Olhei ao redor, não havia nada nem ninguém nesse lugar, com tantos
lugares lindos para eu fantasiar, fui sonhar logo com esse lugar horroroso.

- Como faço pra acordar do meu sonho? – Falei ignorando a sua pergunta

- Achei que você tinha perguntas para mim Cler. – Sua face ela totalmente
inexpressiva, ele deu um passo a frente, nos deixando um pouco mais próximo.

-Quem é você? – eu falei cinicamente, desdenhando desse sonho e das


coisas que aconteceriam nele, com exceção da ansiedade no meu estomago.

-Meu nome é Peter, você sabe.

-Peter sem sobrenome? Eu sei, porque seu prontuário está incompleto?- a


boca dele se fez uma linha fina, e o brilho negro dos seus olhos cintilaram.

-Isso é tão importante? Está incompleto porque deve estar. – ele respondeu
secamente.

-Você não pode me responder com evasivas! – Apesar de ele ter me


concedido as perguntas, não estava respondendo a nenhuma delas com
claridade.

- Seu tempo acabou Cler. - Ainda com as mãos nos bolsos, ele se virou e
seguiu caminhando na direção em que veio. – Agente se vê, logo.

Como assim meu tempo acabou? Meu tempo para que? Eu ia ficar sozinha
sonhando no meio desse deserto árido? Fechei meus olhos e passei a mão pela
nuca. Não quero sonhar, quero dormir um sono profundo. Como uma ordem
mental inconsciente eu acordei. Eu estava deitada ainda na ponta da cama, com
os pés para fora, uma fina linha de suor descia pela minha testa, e diabos me

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sentia com muito sono. Sentei na cama e olhei para fora na janela, me perdi
lembrando o solo, a umidade, o papo estranho do Peter, e então notei que já
havia escurecido.

Como um breve cochilo havia me tomado toda à tarde até o escurecer?


Que horas eram? Deuses eu ia me atrasar! Pulei para fora da cama, vesti minha
roupa de estágiaria, enfiei meu bloco de anotação e meu material na minha bolsa,
sem esquecer meu lindo crachá, e sai em direção à cozinha. Eu bem poderia
comer um boi agora, mal podia acreditar que havia dormido da hora do almoço até
o entardecer. Tive um sonho louco com o Peter, mas este mesmo pareceu tão
rápido, mal ia dar tempo de comer umas bolachas.

Cheguei rápido ao hospital Psiquiátrico, dessa vez apenas me limitei a


erguer meu crachá para o segurança e para a secretária, indo direto para o posto
de enfermagem. Novamente havia alguns pacientes olhando TV na sala de estar,
reconheci o homem do robe lilás, mas não encontrei Peter entre eles.

O lugar era claro, bege, cinza e branco tomavam a maior parte da


decoração, ainda havia alguns vasos com flores, algumas pinturas nas paredes, e
uma grande estante de livros em uma parede atrás de uma série de sofás. Uma
grande grade separava a recepção da esfera masculina do hospital, isso se dava
pelo risco de fuga. Também eu percebi não havia objetos pontiagudos, na
verdade não havia nenhum objeto fora os extremamente necessários, pelo risco
de agressão, automutilação ou até mesmo risco de suicídio. Tudo
cuidadosamente pensado para o bem estar dos pacientes. Mas acredito que não
importa o quanto bonito seja o lugar, estar internado em um hospital psiquiátrico
nunca seria aconchegante ou intimo.

Cheguei ao posto de enfermagem os enfermeiros estavam concentrados na


passagem de plantão, então me direcionei para os consoles e guardei minhas
coisas. Hoje eu precisava de resultados. Tomaz estava entre os enfermeiros,
apenas me deu um aceno breve e voltou a sua atenção para os dados dos
colegas. Quando tudo terminou ele veio para mim, e me passou tudo sobre todos
os leitos, mas no leito sete ele apenas disse – Sem alteração no leito sete.-

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Ele me passou orientações sobre abordagem suave e segura, fiquei


tranqüila, hoje eu estava mais calma e faria um bom trabalho. Passei por todos os
leitos. Havia dois esquizofrênicos, um dependente alcoólico, um com transtorno
do pânico, um com demência senil e seu Dimas com transtorno Obsessivo
compulsivo.

Resolvi que ia começar por Peter, já que ele era o Leito sete e o último do
corredor, iria de lá para cá. Apesar de ter um sonho estranho, ou melhor dois
sonhos com esse paciente, precisava manter uma postura profissional frente a
ele, frente a todos.

Passei pelo corredor, havia algumas pinturas, e o mais incrível é que


estavam assinadas por Carlo, seria o mesmo Carlo do leito quatro? Elas eram
incríveis, e fazia sentido que um homem com um medo extremo de ver pessoas e
socializar com elas fosse tão sensível. Nas pinturas estavam estradas verdes,
como as íngremes estradas do Perau, vegetação incrível, traços incríveis, por um
momento minha mente entrou pela figura, e eu quase poderia me ver afastando
as enormes folhas de samambaia do caminho, lindas pinturas. Eu sempre gostei
de desenhar, rostos e expressões que me fizessem sentir, corpos, anjos e
demônios, criaturas mitológicas e seres imaginários, boa parte dos meus mais
significativos desenhos estavam penduradas pelas paredes do meu apartamento.

Retornei a realidade, minha mente estava sempre vagando e trabalhando


para fora do meu corpo, mas aqui eu não poderia me dar o desfrute, devo estar
sempre atenta. O Quarto de Peter estava com a luz ligada.

- Boa noite? Sr. Peter? – Eu disse dando apenas uma batidinha, ninguém
respondeu, empurrei a porta apenas alguns centímetros e entrei um passo mais.

- Peter? - Falei com a voz um pouco mais séria e dura. Ouvi barulho de
chuveiro, e antes que eu pudesse me dar conta e sair do leito, Peter saiu pela
porta do banheiro enrolado em uma toalha, quem diria branca. Ele estava com
uma expressão indecifrável, parou e passou outra tolha pelo cabelo, que não era
muito comprido. Sem conseguir segurar o impulso, percorri seu corpo
rapidamente com o olhar. Que tipo de esquizofrênico era esse? Ele ia à academia

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por acaso? Eu podia afirmar com toda a certeza do mundo, que músculos assim
não se ganha fazendo abdominais na sua sala. Ele era completamente definido,
nada daqueles músculos enormes e inchado, os deles eram médios e rígidos, a
barriga era definida, pelos deuses, eu bem poderia lavar uma roupa naquele
abdômen. Bem poucos pelos circulavam a cicatriz umbilical e a toalha estava
enrolada bem abaixo daí, o que me fez percorrer as pernas e então voltar para lhe
olhar no rosto.

Peter estava sorrindo. Ele estava sempre sério e ameaçador, mas nesse
momento ele estava sorrindo, com os olhos cheios de humor, ele com certeza
deve ter percebido meu espanto de encontrá-lo apenas de toalha, e deve ter visto
o quanto casta eu sou. Eu fiquei completamente imóvel, não sabia se entrava e
começava a ver os sinais vitais dele, ou se saia do leito o deixando só.

- Me desculpe, eu volto depois, vou deixar você se arrumar. - Eu disse em


um fôlego só, um aperto no meu estomago, seria ansiedade, poderiam bem ser as
borboletas no estomago de que eu tanto leio.

- Não, fica. Eu já estava te esperando mesmo. - Sim claro, ele já estava me


esperando quase nu. Qual é o objetivo disso tudo, ele quer seduzir-me? Ele quer
fugir do hospital e espera obter a minha ajuda?

- Eu não posso, quero dizer, não enquanto você estiver de toalha. – Olhei
para baixo, e eu sabia que ele estava caminhando para mim, então dei um passo
para trás, o que me arrependi na hora, eu estava cometendo na verdade uma
série de erros, primeiro eu deveria ter partido no momento em que ele saiu do
banheiro, segundo não posso recuar dele, tenho que ser segura, e terceiro não
posso sentir nenhuma atração pelo meu paciente, minha ética está em jogo.

- Então você quer que eu a tire? – ele arqueou uma sobrancelha negra, o
humor nos seus olhos demonstrava o quanto ele estava adorando a situação.

- Não Peter, Você não pode fazer isso na minha presença, então eu vim ver
teus sinais, e conversar um pouco, sobre você. – Poderia fazer isso agora, o ar
havia ficado gelado, derrepente senti uma náusea e minha boca se encheu de
saliva, senti uma necessidade de sair desse lugar.

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- Parece que você está sempre querendo saber sobre mim, está tão
interessada assim? – Ainda com humor, embora seu olhar tenha ficado mais
afiado. Ele caminhou e sentou na cama. Eu segui cada movimento.

- Na verdade isso faz parte do meu trabalho. – Quase soei orgulhosa.

- Será mesmo? Porque eu sei que eu fui o único paciente do qual você foi
atrás, desde que veio pra cá, e há muitos outros, você sabe. - Ele soava
intimidador, e ele estava certo, diabos, sete leitos e em dois dias, só vim para
este, e nem sequer estou fazendo o que deveria.

- Estou, huh, curiosa sobre você. Você foi diagnosticado com esquizofrenia.
Você não precisa ter medo de mim. – Eu tentei soar como uma profissional muito
competente que esta tentando ganhar a confiança de seu paciente.

- Eu não tenho medo de você. – Peter levantou e quebrou a distância,


completamente ameaçador, ele falou cada palavra com um tom ácido de deboche,
o humor e perigo brilhavam no seu olhar.

- Então você pode confiar em mim Peter, vou te ajudar a passar por isso. É
por isso que estou aqui. – Ele então deu passo pra trás.

- Na verdade não, não e não. – Pisquei, eu não entendi o que ele quis
dizer, não queria que eu o ajudasse? Poxa, será que isso fazia parte da doença?

- Não o que? Porque você não quer ser ajudado? – Eu perguntei confusa.

- Não, não posso confiar em você, não, quem vai lhe ajudar sou eu, e por
fim não, não é por isso que você está aqui. – okey, agora ele estava agindo como
um esquizofrênico, seu olhar cortante fez com eu desse um passo em direção a
porta.

- Peter, você deve se acalmar. – Virei e estava quase chegando à porta


quando ele me alcançou e me pegou pelos ombros.

- Peter, não! – Minha respiração agitada saiu entrecortada.

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- Clerian, se acalme, eu não vou machucar você. –Eu me virei e fiquei perto
dele, muito perto.

- Você ainda não está pronta, mas estou correndo contra o tempo. – Mais
conversa esquizofrênica. Minha respiração se acalmou só um pouco.

- Você está correndo contra tempo pelo que? Olhe eu sei que é difícil para
você, isso faz parte da doença, mas você precisa se abrir e me deixar entrar, para
eu poder ajudar você. – Eu tinha um ponto, se fosse qualquer outra aluna, já teria
desistido de Peter na primeira oscilação, não é só curiosidade, quero saber o que
estava acontecendo dentro da sua cabeça.

- Cler, você é só uma menina, mais uma menina! – Ele virou as costas, e
disse isso como se fosse uma coisa difícil de aceitar, quase com raiva? Eu não
entendia, não devíamos ter muita diferença de idade para ele me chamar de
menina. Mas eu tinha um dever, e meu tempo com Peter estava acabando, logo
Tomaz ia vim me verificar, e eu não havia conseguido nada.

- Olhe, eu não sei o que está acontecendo dentro de sua cabeça Peter,
mas agora preciso verificar seus sinais vitais, para poder te ajudar ok? – Dei dois
passos na sua direção, ele virou para mim indecifrável novamente, os seus olhos
negros me analisando. Nunca em um milhão de anos poderia tentar adivinhar
onde estariam os pensamentos dele.

Ele acenou e se sentou me lançando seu braço. Verifiquei pressão


sanguínea, freqüência respiratória, freqüência cardíaca e temperatura. Fiz tudo
em silêncio enquanto ele observava cada gesto meu. Eu quase podia sentir seus
olhos em mim, examinando meus movimentos. Meu estômago estava apertado, e
uma sensação de ansiedade crescia em minha coluna, seja lá o que isso queira
dizer.

- Okey, já terminei. – Meus dedos formigavam de maneira engraçada.


Levantei e me arrumei para partir, não havia jeito de eu ficar a noite inteira
batendo papo com Peter, por mais que eu estivesse interessada nessa loucura.
Levantei e fiquei tonta, uma vertigem repentina me fez balançar em cima das
pernas. Ouch.

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- Você está bem? – Peter se levantou e me perguntou, enigmático e sério.


Meu estômago deu uma guinada, uma náusea me atravessou.

- Não eu estou bem, só não tenho dormido o suficiente. – soubesse ele que
eu estava fantasiando sonhos em desertos e seminua com ele.

- Porque Cler anda tendo sonhos ruins? – ele me lançou um olhar


humorado e forte, e eu abaixei a cabeça, não queria lembrar que eu havia
sonhado com ele enquanto vestia apenas um lingerie.

- Nada que eu não possa suportar. Nós vemos depois Peter. – Eu virei às
costas, queria ir embora, me sentia estranhamente diferente quando estava com
ele, quero dizer, fora a atração e os calafrios no estômago que ele me causa na
maior parte me sinto mal e esquisita, acuada.

- Logo. – ele falou baixo.

Saí pelo corredor, eu tinha outros pacientes para visitar. Fui ao posto de
enfermagem, Tomaz estava lendo, sem querer interromper peguei o prontuário do
leito quatro, Carlos.

- Tomaz, O Carlo do leito quatro é o mesmo que fez aquelas pinturas do


corredor? – Eu queria mesmo saber, realmente gostei delas, eu gostaria de
conhecê-lo, afinal, para pintar telas tão delicadas e sensíveis ele deve ser uma
pessoa realmente incrível.

- Você percebeu, bem na verdade sim. Carlo é um grande artista, ou era.


Antes de ele ser internado ele tinha uma galeria ao lado do museu do comércio,
muitas pessoas iam lá, e ele mantinha uma vida em alto nível social, vendia
muitos quadros, até mesmo para pessoas famosas. Mas algo aconteceu e ele
desenvolveu Transtorno do Pânico, a família o internou aqui com a condição que
ele pudesse continuar pintando. Ele pinta sempre pela manhã, nós damos a ele
cerca de duas horas. Ele já fez belíssimos trabalhos aqui dentro, a maioria ele dá
para a família quando eles vêm visitar. Ele não fala muito, e prefere se reservar,
mas na hora de pintar ele sai para o pátio, olha para as pessoas, e até
conseguimos alguma conversa. Quando termina ele volta a ser o Carlo com medo

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e cabisbaixo, caminha rapidamente para o leito, não fala com ninguém e fica lá,
sozinho.

-É uma historia bem triste, e uma pena que um artista tão talentoso tenha
que estar preso aqui dentro. – Meditei sobre isso, enquanto fazia algumas
anotações.

- você precisa de ajuda com alguma coisa Cler, alguma dúvida? – Tomaz
perguntou para mim por cima dos óculos que se mantinham sempre na ponta de
seu nariz, as pernas compridas e magras cruzadas como as mulheres costumam
cruzar.

- Na verdade não, por enquanto está tudo bem. Vou ir ver outro paciente. –
Fiz uma cara de competente e sai pela porta, eu iria ver Dimas então do leito Três.
Dimas tem Transtorno Obsessivo compulsivo, eu estava ansiosa para saber mais
sobre ele.

Dimas se mostrou receptivo, me mostrou a coleção de relógios, não tive nenhum


problema com os sinais, embora ele tenha insistido para que eu verificasse três
vezes sua freqüência cardíaca, lavou as mãos um bocado de vezes e fez com que
eu também lavasse, fora isso ele parecia quase normal, em alguns momentos de
nossa conversa ele se mostrava ansioso e exaltado, eu então o levava por outro
caminho o fazendo me contar um pouco de seu passado. Ele me contou como
sua esposa era desorganizada e deixava pilhas e mais pilhas de roupas sujas
espalhadas pela casa, segunda ele, a casa era um inferno, louça suja, banheiro
sujo, cama desarrumada, ele foi enlouquecendo, até alguns animais resolveram
migrar para a casa. Além de desorganizada e não limpar a casa, sua antiga
esposa costumava acumular todo tipo de porcaria, porta retratos, canecas,
canetas, latas coloridas, vasos de cerâmica, potes, ursos de pelúcia, isso tudo o
foi transtornando, pouco tempo depois ela acabou falecendo de câncer no útero e
depois do trauma da doença ele desenvolveu TOC. Pude ver que ele mantinha
seu leito em extrema limpeza, lençol impecavelmente estendido, tudo organizado.
Sobre a mesa de cabeceira havia um copo pela metade com água, que de minuto
em minuto ele o levantada e passava um pano por baixo, enquanto conversava

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comigo ele lançava olhares ansiosos para o copo, como se estivesse vazando por
baixo.

Eu me despedi dele e sai, ele foi agradável e disse que eu lembrava sua
irmã quando era nova.

Já estava na hora de eu ir embora, então me dirigi ao Tomaz.

- Nossa hoje a noite foi ótima, aprendi tanto com Dimas. – Eu não sei por
que, mas não conseguia falar sobre o paciente do leito sete com o Tomaz, eu
sentia uma sensação de „‟melhor não tocar no assunto‟‟, mesmo sem entender o
motivo.

- É isso aí pequena Cler, logo você vai se sentir em casa, e vai conseguir
trabalhar com as diferentes patologias. – Ele me disse orgulhoso, o que me fez
sentir uma ponta de saudade. Minha mãe e meu padrasto vivem viajando e
quando digo vivem, quero dizer exatamente isso, eles chegam de um lugar com
as passagens compradas para a próxima viajem, nunca tenho tempo de lhes
contar detalhes da minha vida, ou qualquer outra coisa, nunca tenho tempo de
matar a saudade.

Acenei e o sorri, peguei minhas coisas do armário e saí, eu não precisava


olhar para saber que Peter estava no fim do corredor na frente do seu leito. Eu o
olhei e senti os pelos do meu braço arrepiar. Eu sabia que ele estaria ali, mas não
esperava ouvir o que ele disse.

- Tenha bons sonhos Cler. – Seu olhar era inexpressivo e quente, na maior
parte do tempo eu não conseguia ler as suas feições, mas às vezes eu conseguia
pegar algo como presunção, arrogância, desejo e humor. Na maioria humor. Eu o
olhei rapidamente, me sentindo estranha, eu precisava dar o fora logo antes que
eu decidisse ir até o quarto dele para conversar mais.

Meu carro estava parado no estacionamento, e no momento que sai pelas


portas me senti aliviada. Entrei e acendi um cigarro, geralmente eu não fumava no
carro, apesar de ser um dos meus péssimos vícios eu detestava o cheiro quando
impregnava nos tecidos, mas hoje eu fumaria, me sentindo confortável depois de

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algumas horas. Apesar de começar a pegar o jeito do hospital, estar ali dentro era
uma tensão onde eu ficava concentrada e atenta.

Estacionei o Urso e subi correndo as escadas, logo que virei o corredor


avistei minhas duas melhores amigas do mundo. Elas estavam silenciosas,
estranho para elas, mas compreensível quando estão juntas.

Elas vivem disputando o lugar de melhor amiga na minha vida, e bem, sou
totalmente inocente, pois sempre digo pra elas que as amo e as quero da mesma
maneira. Embora elas vivam me lançando perguntas do tipo „‟pra qual das duas
você deixaria o Urso se caso descobrisse um tumor?‟‟ ou „‟se você pudesse salvar
uma e as duas corressem perigo de vida, qual salvaria?‟‟ baixo nível.

- Garotas! – As puxei para um abraço triplo, não me importava a disputa


delas, apenas que hoje eu teria uma noite de garotas. Elas eram preciosas para
mim.

- Achei que você não iria chegar nunca carinho. – Stefany sempre exigindo.

- Eu sabia que você viria já havia te sentindo bem antes. – Além de muito
mais madura que nós duas a Nanda era minha amiga sensitiva, sempre foi capaz
de saber quando eu não estava bem ou quando eu precisava de um colo amigo.

Nos três entramos no apartamento e fomos diretamente pra cozinha.

- Eu posso cair morta a qualquer momento de tanta fome. – eu estava me


sentindo exausta mentalmente e com uma fome enorme.

- O que nós vamos comer? – Uma vez que a Stefany estivesse dentro da
minha casa ela estava procurando comida.

- Fundue! – Eu e Nanda dissemos ao mesmo tempo. Há alguns anos eu


havia comprado o aparelho inteiro de fazer fundue depois de uma mal terminada
tentativa de derreter chocolate em banho Maria em panelas normais.

- Bem, tenho algo para contar, preparem-se: eu saí com um garoto. – eu


falei.

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- Não me diga que é Sam docinho? Então minhas chances acabaram antes
de começar? – Sté disse fingindo uma expressão triste, mas eu sabia que ela
estava empolgada por eu ter um possível novo lance com Sam.

- Ele é bonito? Inteligente? É de confiança? – Nanda sendo Nanda, a


maioria das garotas não ia se interessar em saber o KI de um cara, mas Nanda
gostaria, incluindo antecedentes, aposto que ficha criminal e antecedente era a
sua próxima pergunta.

- Quem diabos quer saber se o cara é inteligente ou confiável? Por todos os


deuses troianos! – Stefany não iria se importar que o cara fosse o maior burro do
mundo. Tivemos que rir.

- Bem, ele é bonito, do tipo alto de parar o transito, ele é esportivo e se


veste bem, ele é definitivamente uma gracinha. Mas não sei. – eu falei.

- Como assim? E vocês se beijaram? – Nanda iria com calma comigo,


mesmo demonstrando empolgação.

- É claro que eles não se beijaram! Você não conhece nossa pequena
ursinha aqui? Provavelmente só vá beijá-lo no pé do altar. – Stefany não aceitava
a minha falta de experiência, fazia discursos e mais discursos de todo o prazer
que eu estava perdendo em ser exigente e não sair beijando cada boca disponivel
por ai.

- Calma, eu disse pra ele que nos deveríamos ir com mais calma. Ele
aceitou numa boa. Parece que ele gosta de mim. – eu respondi, ignorando a
provocação de Sté.

- Carinho se você continuar indo com tanta calma, provavelmente só vá


beijar alguém de verdade quando tiver oitenta anos! – todas riram. Nanda e
Stefany podiam disputar minha amizade, mas quando estávamos às três reunidas,
era bandeira branca, e elas até agiam como se amassem uma a outra.

- Bem se só irei beijar com oitenta, provavelmente vá manter minha


virgindade para sempre. – ironicamente não era algo que me preocupava.

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- Provavelmente! – As duas disseram juntas, e nos todas rimos.

Ficamos até bem tarde, amanhã provavelmente estaria um bagaço, mas


tudo valia a pena por um pouco de diversão com as amigas. Acompanhei as
garotas até a porta, eu já estava doente pela minha cama. Depois de um bom
banho, fui deitar, eu estava com tanto sono que eu não me importei nem em me
vestir, fiquei só de lingerie novamente. Um erro.

Eu estava andando pelo que parecia a ponta de um precipício, muitas


pedras e o mesmo chão árido embaixo dos meus pés. Ao meu lado estava Peter,
camiseta preta do AC/DC, calça jeans e botas de couro. Ele olhava para frente,
mas eu tinha certeza que ele sabia que eu estava sentada ao seu lado, a nossa
distancia era equivalente a uns dois palmos apenas, eu podia sentir o seu cheiro
de Vetiver e pimenta. Vetiver e pimenta?

- Oh, Vetiver e pimenta! – Eu disse derrepente me lembrando do aroma


pelo meu apartamento outro dia. – Você cheira a Vetiver e pimenta!

- Você tem um bom olfato Cler. – ele disse simplesmente. Ainda


inexpressivo. Não virou para mim, ele parecia totalmente relaxado com os
cotovelos apoiado nos joelhos.

- O que você faz nos meus sonhos Peter? Acho que estou desenvolvendo
sua doença. – eu desisti e fitei o espaço a minha frente, parecia um deserto sem
fim lá em baixo.

- eu não sou esquizofrênico. – Eu podia sentir que ele estava me olhando


agora, mas me recusei a encontrar meu olhar com o dele e preferi fitar a
paisagem que estava começando a ficar familiar.

- É claro que você é. É meu paciente da psiquiatria, na verdade, sendo isso


um sonho, podemos ser o que quiser. – ponderando. – Se você não quiser ser
esquizofrênico aqui tudo bem por mim. – eu falei como se tivesse desistido de
lutar para entender algo, afinal, eu me senti atraída por Peter e curiosa, e pensar
nele estava me fazendo sonhar com ele e isso era perfeitamente normal. Isso
acontecia o tempo todo no mundo, com qualquer pessoa. Apenas acho que seria

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mais saudável e mais certo não sonhar com ele, ou mais certo ainda se estivesse
sonhando com Sam.

- Parece que você também gosta muito de preto afinal. – Primeiramente


não entendi ao que ele se referia, quando olhei para ele vi que seu olhar estava
no meu corpo, um olhar quente. Automaticamente senti um aperto no estomago e
percebi que estava apenas de calcinha e sutiã. Tentei mover minhas mãos para
baixo mesmo sem conseguir esconder nada.

- Porque eu apareço com a roupa que eu durmo? Eu deveria desejar uma


roupa e a mesma aparecer, porque esse é o meu sonho! - Eu estava ficando
irritada, não queria sonhar com Peter enquanto estivesse seminua, eu achava que
não pelo menos.

- Você quer minha camiseta? – Ele arqueou uma sobrancelha com o olhar
controlado, mas cheio de humor.

- Esta bem, parece que não há maneira de sonhar sem que um de nós
esteja quase pelado. Passa pra cá! – Tentei soar segura, mas minha voz saiu
aguda e fora de tom.

Ele tirou a camiseta pela cabeça e me entregou, eu coloquei ela em um


segundo e ficou enorme em mim, o aroma de Vetiver e pimenta por toda a parte,
abri os braços e dei uma olhada, eu nunca havia colocado a camiseta de outro
homem antes. Quando olhei para Peter ele estava mudo olhando para mim, com
uma expressão indecifrável.

-Que foi? Fiquei horrorosa não é? – eu não achava que ele diria que fiquei
feia com a camiseta dele, mas afinal eu não sabia nada sobre ele.

- Acho que ainda não tinha te visto tão bonita. – ele me disse. Pude ver que
ele tentava controlar a sua expressão, virou para frente e ficou sério, ele era
intimidante e me deixava nervosa, mas aqui em meu sonho ele até parecia mais
fácil de levar.

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Algum tempo passou em que ficamos em silencio apenas olhando a grande


caída a nossa frente. Era um lugar sem fim, sem vida, nem uma só arvore a vista,
ou lago ou nada. Aqui não havia nada.

- Então, porque será que não paro de sonhar com esse lugar horrível?
Quero dizer, apesar de ser árido e sem vida, tem uma enorme umidade, acho que
é um deserto. – eu estava tentando procurar algo para falar, não sabia que
podíamos ficar sem assunto em um sonho.

- Na verdade essa terra é uma lembrança minha. – Ele me sussurrou.

- E como uma lembrança sua está no meu sonho? – A maior parte das
coisas que Peter falava eu não compreendia por completo, mas essa foi uma das
que mais me deixou confusa. Isso era loucura.

-Porque este não é seu sonho Cler, é meu. – Peter falou sorrindo como se
isso fosse à resposta para todos os mistérios do mundo. E como se alguém
tivesse jogado água em mim, eu acordei.

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Céus! Nunca imaginei que sonhar com Peter me deixaria tão cansada,
como alguém depois de dormir uma noite interrupta de sono profundo pode
acordar cansada? O sonho todo estava chamuscado, mas a última parte eu
recordava muito bem. Eu pensaria nisso, com certeza eu pensaria nisso, mas
antes eu tinha aula para ir e coisas pra fazer.

Levantei e me olhei no espelho, havia duas olheiras embaixo dos meus


olhos, de modo que precisei passar corretivo para esconder. Eu quase nunca
usava maquiagem a não ser um básico delineador e máscara para os cílios. Fui
direto para a cozinha pegar algumas bolachas, decidi então que eu merecia um
mocca direto da Caverna do Café e também de um dos sorrisos reconfortantes e
flertes saudáveis de Sam. Optei por usar toca, estava completamente sem
paciência para escovar meus cabelos e os fazer apresentável, me vesti
rapidamente e sai.

A Caverna do Café estava começando seu movimento matutino, muitos


alunos entrando e saindo, professores pegando seus cafés, pessoas
compartilhando torradas. Sam estava atendendo duas garotas, pude reconhecer
uma delas como minha colega da janela, daquele grupo simpático que me olhou
como excremento no primeiro dia de aula. Ela lançava olhares atraentes para
Sam piscando e dando pequenos sorrisinhos, estava claramente interessada.
Hoje o dia havia começado desgastante, e eu precisava de um pouco de atividade
então fui até ao balcão diretamente para o lado delas, lancei meu olhar mais
sensual e chamei por Sam.

- Ei Sam, que tal uma mocca aqui? – No instante que ele me notou, deixou-
as e se virou para mim com um sorriso enorme de parar o coração de qualquer
garota. Pude ver o olhar da patricinha percorrendo meu corpo, e então o
reconhecimento. Raiva borbulhou em seu olhar.

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Sam pediu meu moca para a moça do bar e veio para mim.

- Ei garota ruiva, estava me perguntando se você não ia aparecer. – Sua


voz era bonita, mas hoje ele parecia diferente, ele se debruçou sobre o balcão
deixando pouco espaço entre nós, eu me lembrei que a loira ainda estava nos
olhando e por mais que não seja uma atitude do meu costume resolvi flertar com
Sam.

- Eu te disse Sam, acho que não posso mais passar uma manhã sem seu
café. – Fiquei parada e o olhei.

- A hora que quiser você sabe. – Não sabia se ele se referia ao café, ou a
alguma outra coisa porque ele deixou a voz mais grave e intima, o que me fez
sentir estranha. Ele endireitou a coluna e espalmou as mãos no balcão com um
lindo sorriso nos lábios.

- Na verdade eu estava pensando que podíamos almoçar hoje novamente,


mas dessa vez quero cozinhar para você! – ele disse. Eu pisquei, não sabia
completamente o que ele quis dizer com cozinhar. Ele quer me levar na casa
dele? Meu moca havia chegado e enquanto eu tomava um longo gole tirei uma
nota de cinco e o lancei.

- Como assim? – falei por cima do copo.

- Sim, quero dizer se você aceitar poderia ir lá para –

- Acho melhor continuarmos nos encontros normais Sam. – eu o cortei, não


precisava o ouvir dizer a última palavra para saber o rumo da historia.

- Você que perde garota ruiva, mas eu ouvi você dizer encontro? – ele
arqueou uma sobrancelha, ele estava de bom humor pude definir confiança.

- Não você me ouviu dizer almoços. – mas já era tarde de mais, ele havia
me pegado. Eu sorri.

- Tenho que ir Sam – Eu tinha aula dentro de cinco minutos.

- Almoço hoje? – Ele gritou pelos meus ombros.

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- Okey! – Eu gritei para ele de volta, ainda podia sentir o olhar secante da
loira do outro lado do balcão, eu me sentia bem.

A aula foi o que parecia tempo interminável, sentei com Taci e passamos a
fazer os trabalhos juntas apesar de ela ser tímida e não gostar de muita conversa,
eu estava agradecida por não precisar ser a única a não ter um parceiro para os
trabalhos. Quando o sinal tocou, eu saí da sala quase correndo, hoje eu estava
quase animada para almoçar com Sam. Como no outro dia ele estava me
esperando do outro lado da rua.

- Você não estava fugindo dessa vez, ponto pro Sam! – Ele disse animado
se referindo a outra vez que eu me direcionava direto para o carro por ter
esquecido nosso almoço.

- Eu não estava fugindo, eu estava indo pegar algo no carro. – Eu falei


olhando pro chão, mas sorrindo.

- Te conheci essa semana e já posso dizer que você é a pior mentirosa que
já vi. – Ele me disse sorrindo.

- Okey você ganhou, eu havia esquecido tudo bem? Mas hoje eu lembrei. –
eu reconheci.

- Vem, vamos comer alguma coisa. – Ele disse nos direcionando pro carro.

Dessa vez escolhemos um restaurante mexicano, precisava comer chilli,


sei que estamos no verão, mas chilli é aceito em qualquer estação do ano.
Sentamos na frente um do outro, eu pedi uma água mineral, se fosse noite eu
provavelmente estaria tomando margaritas, mas como é meio dia e o sol está no
alto optei por algo não alcoólico. Enquanto eu olhava o cardápio, mais
precisamente as sobremesas pude notar o olhar quente de Sam em cima de mim.

- O que foi? – eu perguntei por cima do cardápio.

- Você é linda, sabe. Não posso acreditar que você não tem um namorado.
– Eu pisquei, agora não tinha tanta certeza se queria flertar com Sam.

- Huh, obrigado. – falei.

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- Cler, preciso te perguntar uma coisa. – Ele ficou sério, pude sentir a
intensidade de sua voz.

- Então me pergunte, ora. – tentei soar tranqüila.

- Eu preciso saber se tenho chances com você, quero dizer, não sou o tipo
de cara que gosta de ficar correndo atrás, mas eu sinto que você é diferente,
então preciso que me diga se pelo menos passou pela sua cabeça que você e eu
podemos ter alguma coisa? – Pelo motivo que não faço idéia a imagem de Peter
se formou na minha cabeça, proibido, antiético e mesmo assim irresistivelmente
atraente.

Eu nunca poderia estar com Peter, mas eu poderia estar com Sam e talvez
Stefany esteja certa, talvez seja à hora de começar a pensar em ter algo com
alguma pessoa antes de entrar na melhor idade.

-Sim. – eu não sabia como ir mais além, eu não tinha muita experiência
com homens, pra não dizer nenhuma.

O semblante de Sam ficou radiante, ele puxou minha mão e colocou a sua
por cima. Eu o observei, podia ver o desejo por trás de seus olhos.

- Eu sabia que você era diferente no momento em que você passou a porta
do Caverna. – Ele aproximou a boca do meu ouvido e sussurrou. – Cai por você
naquela hora.

Eu sabia que essa seria à hora, a hora do meu primeiro beijo de verdade,
sem acordos e segredos. Sam aproximou sua boca da minha e fechou o espaço
entre elas, carinhosamente roçando os lábios, eu senti a ponta de sua língua
tentando entrar na minha boca, eu enrijeci. Não sabia direito como fazer, então
apenas abri a boca para deixar as línguas se encontrarem. Ele mexia sua língua
como se estivesse procurando um caramelo perdido em minha boca, e eu tentei
imitar os movimentos. Bem, foi muito bom ter beijado pela primeira vez alguém
que eu realmente estivesse com vontade, os planetas não se alinharam o chão
não tremeu e eu não senti calafrios por todo o corpo, mas foi muito bom.

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Eu cortei o beijo. Ele me olhava com exasperação, e eu via o desejo em


seus olhos. Ele então se afastou e abriu um sorriso radiante. Eu sorri também, por
dentro eu estava me perguntando se eu não devia estar com uma ansiedade no
estômago, ou estar vendo Sam como o homem mais lindo do mundo agora que
ele tinha me beijado, mas afinal eu não sabia nada sobre homens.

Comemos e eu o levei para o mesmo lugar eu ele ficou no outro dia, ele
me beijou antes de sair do carro novamente. Eu percebi que beijar é como um
esporte, quanto mais pratica melhor fica, eu já me sentia mais confortável o
beijando pela segunda vez, meus movimentos foram mais suaves e menos
imprecisos.

- Agente se vê amanha né? – Ele me disse com os olhos cheios de algo


que eu não reconheci, ele era uma gracinha.

- Sim, agente se vê. – Ele saiu e fechou a porta do carro, e eu me dirigi


para casa.

Atirei-me no meu sofá, agora eu estava em um relacionamento? Ou íamos


nos beijar apensa de vez em quando? Peguei meu celular e mandei a mesma
mensagem para Nanda e Stefany. – SAM ME BEIJOU, COM LINGUA E TUDO.
BJS. Demorou cerca de meio minuto para que chegassem suas respostas.

- EU SABIA, FOI DELICIOSO? – sem dúvida essa era da Stefany.

- COMO FOI? – Mais cautelosa, essa era de Nanda.

- FOI NORMAL. - eu mandei para as duas.

- NORMAL É O BJ MINHA MÃE E PAI CASADOS HÁ 30 ANOS,


CARINHO. – Stefany saberia me ler, ela sempre me falava que eu iria amar, que
meu corpo responderia e minha mente mergulharia no prazer. Isso definitivamente
não aconteceu.

- PQ N GOSTOU QUERIDA? - Nanda não precisava que eu dissesse que


não havia gostado, ela sentiria no momento que eu contasse.

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- DEPOIS CONTO. N ENLOUQUEÇAM. BJS – Eu iria contar tudo para


elas, mas não agora, eu queria limpar minha casa e estudar e então me arrumar
para o estágio.

Limpei o banheiro, minha mente vagando entre Peter e Sam, eu tinha


beijado Sam e eu sabia que gostava dele, ele era bonito e agradável, me fazia
sorrir, mas não parava de sonhar com Peter. Sonhos tão reais que eu poderia
jurar que estava acordada, sonhos em que eu aparecia apenas de calcinha e sutiã
e que ele me dava sua camiseta com delicioso cheiro de Vetiver e Pimenta,
sonhos no árido deserto. Nesses sonhos eu me sentia com vontade de desvendar
a vida de Peter, saber tudo sobre ele. Com Sam eu gostava de falar de coisas
supérfluas e bobagens do dia a dia. Pergunto-me qual seria o gosto do beijo de
Peter, será que o gosto ficaria melhor se eu estivesse apenas de calcinha e sutiã?

Tentei manter minha mente focada enquanto lia e relia o material da aula.
Eu tinha beijado Sam, o que era uma coisa muito importante, mas a única coisa
em que eu conseguia pensar era em meus sonhos com Peter. O tempo passou
voando e eu me arrumei para ir para o Hospital.

Eu me sentia estranhamente ansiosa, um aperto no meu estômago na hora


que estacionei meu Chery QQ no estacionamento do hospital. Uma garoa fina
começou a cair, e o tempo ficou um pouco mais frio que antes. Não sei se seria
por causa de Peter ou alguma outra coisa, me sentia desconfortável. Quando eu
entrei corri meus olhos pela sala de estar esperando ver Peter sentado ali, ela
estava vazia. Quando passei pelo corredor, também não havia ninguém parado ao
fundo. Tomaz já estava pegando o plantão com outros dois enfermeiros e me
dirigi para os armários. Cerca de dez minutos depois Tomaz veio até mim me
dando uma breve fala sobre os acontecimentos dos pacientes. Esperei por ele
chegar ao leito sete, nunca aconteceu. Fui até os prontuários e peguei a pasta.
Nada, ela estava sem nenhum papel dentro.

- Huh, Tomaz você sabe por que a pasta do leito sete está vazia? – eu
perguntei, o que pareceu uma eternidade depois ele respondeu.

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- A sim, o paciente do leito sete deu alta hoje de manhã. – Ele se sentou
em uma cadeira e pegou seu livro.

Peter havia dado alta, e agora eu não o veria mais, talvez nunca mais. A
noticia foi como um tapa na minha cara, fiquei alguns minutos olhando a prateleira
de prontuários, perdida. A noite passou lentamente parecendo que não teria fim
nunca. E quando terminou tudo que eu queria era ir para casa e dormir, infernos.

No exterior a chuva havia ficado mais forte, de modo que ensopou meus
cabelos e roupas apenas no caminho até o carro. Agora estava realmente difícil
de dirigir, a chuva nublava o caminho a percorrer, eu sentia uma angustia
inexplicável e sem motivo.

Entrei na garagem e estacionei quando sai do carro na viga de suporte logo


atrás estava o dono da minha aflição.

Peter estava glorioso escorado na viga me observando com uma


expressão cuidadosa. Tranquei o carro e me senti com medo, como ele sabia
onde eu morava? Ele me faria mal? O que ele queria de mim?

- Huh, oi, como você está? – Eu disse a ele, precisava ver o seu humor.

- Preciso falar com você. – Parecia calmo e controlado.

- Sim claro, pode falar. - eu disse

- em particular. – nós estávamos sozinhos na garagem do prédio, eu sabia


que podia entrar alguém a qualquer momento, mas de maneira nenhuma ia ficar
sozinha com ele. E se alguém testemunhasse o que ele dissesse melhor seria.

-Peter, eu não sei o que você veio fazer aqui, mas eu não posso, huh, falar
com você em particular. Eu não conheço você o suficiente pra isso. Além do mais
estou toda molhada – tentei soar calma, mas meu coração estava acelerado no
peito. Com a última parte consegui com que seu olhar descesse por todo eu
corpo.

Peter quebrou a distancia entre nós e sussurrou para mim. – Você não
queria conversar sobre mim? Essa é sua chance.

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- Eu só posso ser louca, mas okey, eu moro no oitavo andar, espero que
goste de escadas. – o fitei, precisava ver alguma ameaça no rosto dele, precisava
de algo pra me lembrar que ele era um paciente da unidade psiquiátrica e que eu
não deveria o levar para minha casa.

Acenei para a porta de entrada das escadas me virei e sai ele me seguiu
silencioso. Quando cheguei à porta de casa abri e mandei-o passar por mim, ele
entrou e sentou no sofá, no meu lugar.

- Bem, hã você quer beber algo? Quero dizer, te ofereceria uma cerveja,
mas sei que não pode por causa dos remédios, então tem café e água, você pode
escolher. – Larguei minha bolsa e entrei na cozinha, e de maneira pensada deixei
a porta da sala destrancada só no caso de precisar de uma saída de emergência.

- Não obrigado. – Ele disse.

- Okey. - Ele estava sentado no meu sofá com os cotovelos apoiado nos
joelhos com uma camiseta preta, calça cinza e botas de couro, como sempre. De
costas para mim eu podia ver seu cabelo negro da cozinha, meu coração
acelerado, talvez eu conseguisse um ataque cardíaco. Peguei um copo com água
e voltei para a sala e sentei no sofá do lado.

- Então como você está? – eu perguntei novamente.

- Eu não sou esquizofrênico Cler. – Ele me olhava com cuidado, olhos


atentos em todos os meus gestos.

-Você é Peter, você sabe disso, o que eu gostaria de saber é o porquê você
está negando para mim. –Eu também o fitava com cuidado, qualquer oscilação da
parte dele, sairia pela porta e só voltaria com ajuda médica.

- Você tem dormido bem? – Ele me perguntou ignorando minha pergunta


anterior.

- Tenho sim, e você? – Senti meu estomago dar um pulo.

- Nunca dormi melhor. – Ele me olhou os olhos quentes, queimando. Um


calafrio desceu pela minha coluna.

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- Uh, então, sobre o que você veio falar? – Eu não conseguia imaginar
nada que ele pudesse querer conversar em minha casa tão tarde da noite. – Eu
acho que está muito tarde Peter, talvez tenhamos que falar rápido. – uma
afirmação.

- Eu não ia lhe envolver nisso, mas estou sem tempo Cler. Preciso da sua
ajuda pra lhe ajudar. – Meus olhos se abriram, essa frase tinha completos sinais
de confusão mental.

-Você quer minha ajuda para me ajudar em que? – olhei com cuidado sua
expressão que era calma.

- Para começar você precisa saber que eu não sou esquizofrênico. – ele
esperou, eu não ia responder isso, já o havia feito. Minha estratégia seria o deixar
falar tudo o que tem pra falar e fazer com que saísse da minha casa, apesar dele
ser incrivelmente sexy e tentador, me fazia sentir em perigo. – Eu me internei para
que conseguisse um contato com você. – Eu ainda o olhava completamente séria.

-Quando a toquei, consegui um laço, e assim vinculo para contatá-la


inconscientemente. – Bem dessa vez meus olhos se arregalaram, eu levantei e ao
invés de trazê-lo para a realidade eu apenas disse. – Contatar como?

- sonhos. – ele disse unicamente, meu coração palpitava acelerado, eu girei


a cabeça negando.

- Você não acredita em mim? – ele me perguntou, me olhava


cuidadosamente.

- Não, você está confuso e quer me fazer ficar também, mas eu preciso que
vá embora Peter, está muito tarde.

- O deserto Cler, você não quer saber? – Eu estava de pé e virei de costas


pra ele olhando para a janela, como ele saberia do deserto? Como ele saberia dos
sonhos? Quando eu me virei ele estava a centímetros de mim de pé a minha
frente.

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- O deserto é uma lembrança minha, porque foi ali que eu cai quando os
guardiões me expulsaram. Eu já não era imune a sede, nem a dor, nem ao frio,
então eu padeci, e sofri para conseguir sair dali, mas não importa quantos
milhares de anos se passem minha fonte e laço com os céus é ali naquele
assombroso deserto. – Ele me olhava profundo nos olhos, eu tremia por dentro,
isso é loucura, historias contada para adolescentes, agora entendi o porquê de ele
ser esquizofrênico, o cara acha que é um anjo, o cara acha que é um anjo caído
de verdade, pelos deuses. O que eu ia fazer?

- Peter você acha que é um anjo? – eu o perguntei duramente.

- Eu estou com sede. Você pode me dar um pouco de água Cler? – ele me
pediu.

Ignorando a minha pergunta como se nada estivesse acontecendo, eu


simplesmente não sabia o que estava acontecendo aqui, talvez eu até estivesse
tendo outro sonho maluco. Peguei o meu copo com água de cima da mesa e o
alcancei.

– Pode ficar com a minha. – eu estendi a mão oferecendo meu copo.

No momento em que ele botou a mão no copo junto comigo fomos


transportados diretamente para o deserto. A cena a seguir mudou minha definição
de verdade, mentira, realidade e ficção.

Uma forte luz imergiu do céu, tão forte que não pude manter meu olhar
sobre ela, durou segundos até cair e atingir o solo árido e quebradiço do deserto
como um meteorito formando um grande buraco, assim que a poeira se dissipou
pude ver três indivíduos enormes, um estava sobre os seus joelhos, caído e todo
ensangüentado, os outros dois estavam próximo a ele, falando alto e gritando
palavras que eu nunca havia escutado antes, e a sua voz, era calma e forte,
causava um aperto no peito como se eu estivesse a beira da morte. Um deles se
aproximou e fez um símbolo no ar com a mão e então o homem caído sobre os
joelhos gritou, gritou tão alto e dolorosamente que ficou difícil para eu suportar, e
as lágrimas rolaram pelo meu rosto, o aperto no meu peito ficou maior e me sentia
com vontade de gritar junto a ele. Seu grito continuou e continuou alto e sofrido,

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um pranto mortal, então o segundo homem de pé se aproximou e fez um gesto


corporal como se tivesse arrancando espadas ou alguma coisa das costas do
homem caído, eu, porém não conseguia ver nada. O Homem caído então deu
mais um grito de dor e caiu desmaiado sobre o solo. Os dois homens recitaram
mais algumas palavras desconhecidas, algo como um mantra. E então não pude
ver nada a não ser o homem desmaiado. Lágrimas escorriam pelo meu rosto,
nunca havia visto alguém sofrer tanto, nunca havia ouvido um grito com tanto
desespero.

Virei para o lado e Peter estava parado olhando para frente com uma
expressão de dor no rosto.

- Vamos Peter, temos que ajudá-lo! – Ele segurou minha mão e disse. –
Espere, olhe.

Passou alguns minutos em que nada aconteceu então o homem desmaiado


balançou as pálpebras ele era grande e forte, cabelos negros, coberto de sangue,
ele piscou algumas vezes e então entreabriu os olhos, negros. E então como água
fria caindo no corpo quente eu percebi. Aquele era Peter. Ele parecia bem maior,
e estava completamente nu.

- Meu deus, meu Deus. – Eu virei às costas e andei em círculos. – Meu


Deus! - Como estou imaginando tudo isso? Eu estou ficando louca? – eu
perguntei.

Eu olhei para Peter que me observava em silencio, lagrimas ainda rolavam


pelas minhas bochechas, mesmo sem saber pelo quê elas escorriam silenciosas.
Ele negou com a cabeça.

- Tem como ajudar? – eu apontei para o homem caído a uns 5 metros a


nossa frente.

Ele negou novamente.

- Isso aconteceu a milhares de anos Cler, você não pode me ajudar com
isso. – Ele deu algo que deveria ser um sorriso, mas saiu uma expressão
torturada.

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- Como estamos aqui então? Como chegamos aqui? Como podemos ver o
passado? – Eu ainda girava em círculos, eu sabia e sentia que ia pirar a qualquer
momento.

- Eu usei a sua água como uma âncora a única maneira de te provar a


minha verdade. - ele suspirou. – eu esperava que você não fosse acreditar todas
as pessoas que precisei revelar a verdade, precisei mostrar. A sua raça difamou a
minha, sua cultura transformou a raça de anjos guerreiros em fantasia de
adolescentes. Causando-nos dificuldade na realização de nossos deveres. – Ele
falou e eu vi raiva em sua feição.

- Mas o que aconteceu com ele? – um segundo – com você? – me corrigi.

Ele me olhou com os olhos sofridos.

- Eu cai, Cler. Os primeiros a caírem foram anjos encarregados de proteger


os seres de sua raça, alguns se apaixonaram, outros acabaram interferindo no
livre arbítrio de seu protegido, outros passaram a invejar a liberdade de escolha
da sua raça e decidiram que gostariam de mudar as regras, transformar o
sistema. Eles foram banidos foram amaldiçoados e tiveram suas asas arrancadas.

- como banidos? – eu o olhei, ele olhava agora de volta para a imagem do


homem caído.

– Sim banidos, da colônia em que vivíamos. Fomos amaldiçoados,


diferente das maravilhosas histórias que sua raça conta, nós não caímos e então
nos tornamos como os humanos. Caímo-nos e somos amaldiçoados a continuar
servindo a colônia, caçando e banindo demônios por toda a eternidade, eternos
escravos. Há milhares de anos eu caí e então me recuperei da ferida em minha
alma para viver sempre caçando e procurando demônios, vivemos sozinhos,
nunca formamos laços com nenhum ser deste plano e não podemos desfrutar
deste mundo. Um castigo eterno. – Sua voz era dura como aço, e sua expressão
ilegível.

-Então você está dizendo que demônios também existem? – eu perguntei.


Peter me olhou e arqueou uma sobrancelha.

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- Sim esse é o motivo de ter me internado no hospital onde você ia estudar,


porque um demônio está ligado a você. – Ele falou sombrio.

Eu o olhei exasperada, senti meu sangue frio. Ele acabou de dizer que sou
um demônio?

- Você quer dizer que sou um demônio? – Pelos deuses eu nunca nem
sequer roubei algo.

- É claro que não, eu disse que o demônio está ligado a você e não que é
você. Se fosse você já a teria banido desde o início. – Ele me disse incrédulo,
como se fosse obvio.

-Deuses e o que eu fiz para ter um demônio ligado a mim? – mal acabei de
beijar pela primeira vez de verdade.

- Você é virgem. – ele me disse.

Como se tivesse levado um soco no estomago o olhei. Como ele poderia


saber se sou ou não virgem? O que tudo isso tem a ver com ter um demônio
ligado a mim?

- Quem disse? E porque isso teria a ver? – eu perguntei. Meu rosto quente.

Peter me olhava com humor e eu me sentia ruborizada, minha cabeça


estava tão quente que parecia que ia explodir em milhões de partículas.

-Cler, você não pode saber tudo, mas bem preciso usar essa ligação com
você para pega-lo e bani-lo. – ele disse.

- Que tipo de ligação é essa, e como vai banir ele? – me sentia


balbuciando.

- Uso um tipo diferente de âncora e o levo para o outro lado, o lado que ele
não deveria ter saído e então lanço um feitiço de banimento e depois um
selamento.

- Parece fácil. – eu disse ironicamente.

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Ele me olhou incrédulo.

– Você ainda não tem idéia no que está metida Cler, mas você precisa se
lembrar, não pode falar disso com ninguém. – Seu rosto duro, penetrante.

- E por quê? – Não que alguém fosse acreditar nessa loucura, eu


provavelmente irei acordar a qualquer momento.

-Porque não posso interferir no seu livre arbítrio, nem na sua linha da vida.
Se isso acontecer, os guardiões interferem, eu sofrerei você morre e o demônio
pode se deslocar. – ele pausou me dando tempo para reagir a tudo. – Tudo tem
que correr o mais natural possível, sem a interferência de nenhum lado. Você me
entendeu? – quando ele terminou, sua voz tinha um aviso perigoso e algo me
disse que eu não tinha escolha.

- O que é isso, eu estou fazendo algum tipo de pacto sem saber? O que eu
tenho que responder? Sim? O que vai acontecer comigo quando você matar o
demônio? – eu estava soando desesperada feito uma criancinha com medo.

- Eu não vou matá-lo, nenhum caído ou humano pode matar um demônio,


eu vou bani-lo, e depois que tudo acabar sua vida poderá ter dois resultados. – ele
pausou, e olhou para mim prendendo minha atenção. – Você poderá morrer, ou
você poderá continuar com sua vida, mas não recordará de nada.

- Não me lembrarei de nada? – é claro que eles não iam deixar uma
humana por ai sabendo dos segredos dos anjos caídos.

- Não se lembrará de nada a partir do dia que me conheceu no hospital,


não irá se lembrar de nada e nem de mim. – Ele disse calmamente, com uma
expressão ilegível. – Agora nos iremos voltar.

Ele agarrou minha mão e antes que eu pudesse pensar uma segunda vez
estávamos de pé em minha sala.

Como um soco no estômago um vento gelado me causou uma vertigem


assustadora, eu tremi e cai para o lado, mas Peter me agarrou pelo cotovelo antes

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de eu me desequilibrar por completo. Seu toque mandou eletricidade pela minha


pele. Eu me ajeitei e o olhei assustada.

- Isso não foi um sonho foi? – Eu não precisei olhá-lo para saber que ele
estava negando.

-Agora você sabe, mas tem que continuar com sua vida normalmente e
esquecer-se da minha presença, agora que formei um laço psíquico com você
poderei sentir quando o demônio se aproximar e tentar concluir seu objetivo. – Ele
ainda continuava perto o suficiente e quando levantei encontrei seu olhar
diretamente com o meu.

-Não sei se vai ser tão fácil assim esquecer sua presença. – eu disse antes
mesmo de puder evitar.

Ele olhou nos meus olhos e então olhou minha boca todo o meu rosto e
então voltou para meus olhos. Eu não podia me mover, eu não podia respirar, eu
não podia fazer nada que não fosse olhar para ele. Ele era realmente muito bonito
e eu não estava mais amedrontada.

-Você quer saber uma coisa Cler? Você me atraiu pros seus sonhos antes
de eu ter te tocado, isso me surpreendeu, porque eu ainda não havia estabelecido
o vinculo psíquico. – Ele arqueou uma sobrancelha.

Quase não parecia o homem que estava falando agora pouco, ele estava
despojado e relaxado novamente, meu coração acelerou no meu peito e no meu
estomago havia uma ansiedade sugestiva.

-Não faço idéia do que você quer dizer, você sabe, eu não estava tentando
sonhar com você ou algo assim. – Agora eu estava vermelha, ruborizada, que
diabos eu tinha o atraído?

-Na verdade isso quer dizer que você me atraiu porque você criou um laço
psíquico comigo antes, isso não teria funcionado com um mortal, mas como eu
sou um caído você me buscou e me trouxe para dentro da sua inconsciência. –
ele falou como se estivesse meditando sobre o meu feito. – talvez você seja mais

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forte do que eu supunha no início, e eu tenho que te agradecer por aquela noite,
você me deu uma bela visão.

Seu rosto vibrava humor enquanto ele desceu seu olhar para meu corpo,
me deixando quente.

Eu estava parecendo uma garota boba desesperada por um beijo, porque


derrepente eu não conseguia tirar meu olhos da boca desenhada de Peter. Eu
estava perdida.

Ele sorriu, aproximou a boca da minha orelha e disse: - Que bom que você
não tem mais medo de mim Cler. – ele olhou meus olhos e se virou indo para a
porta, abriu-a como se soubesse que eu a tivesse deixado aberta e antes de sair
me piscou.

Eu fiquei parada no meio da sala tentando entender tudo que havia


acontecido hoje.

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Eu deitei em minha cama, depois de tomar uma grande caneca de café, de


maneira nenhuma eu ia conseguir dormir. Milhares de perguntas rodeavam minha
mente e todo o meu mundo parecia pequeno comparado a todas as coisas
acontecendo a minha volta, espiritualmente eu quero dizer. Se eu dormisse eu iria
sonhar com Peter sempre? O que o demônio faria se me encontrasse? O que eu
ia fazer com minha atração por Peter? Como eu ia esconder tudo isso das
pessoas que amo? O que eu faria com Sam? Pobre Sam, o beijo dele não me fez
sentir nem metade do que o simples toque da mão de Peter me fez sentir. Isso
tudo me deixava aonde?

A imagem de Peter sofrendo caído e sozinho naquele lugar fez meu


coração se apertar. Como eu iria seguir o curso natural da minha vida depois de
saber de tudo isso?

Sem querer eu adormeci, tive sonhos terríveis de monstros enormes me


atacado e me mutilando, me torturando e por fim colocando fogo em meu corpo. O
demônio havia me encontrado e alcançado seu objetivo e Peter não havia me
salvado.

Despertei de manhã, eu havia tido sonhos ruins, mas não me sentia


esgotada como naqueles sonhos simples com Peter. Fui para o banheiro,
precisava dar uma olhada em mim mesma para ter certeza que eu estava inteira e
não em pedaços. No espelho meu reflexo estava bom, fora meus cabelos que
pareciam labaredas descontroladas, tudo estava em ordem, todos os membros no
lugar. Tomei um banho e me maquiei, delineador e mascara para cílios, minha cor
estava de volta, e timidamente desejei poder tomar um grande copo de Moca sem
ter que lidar com meu novo relacionamento com Sam.

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Quando cheguei à sala, tudo cheirava a Vetiver e pimenta, meu coração


acelerou droga, eu realmente teria que lidar com essa minha adoração por esse
aroma, ou pelo seu dono.

Fui para o Campus, e tudo parecia insignificante frente a minha nova visão
do mundo. Parei o urso no estacionamento ao lado do campus e quando sai Sam
estava sentado em um banco com uma sacola na mão.

- Oi. – Me perguntei se devia cumprimentá-lo de longe ou ir até ele e beijá-


lo, decidi deixar que ele fizesse.

Ele veio até mim, colocou as mãos na minha cintura e me puxou para um
beijo. Na verdade me surpreendi, por mais que tenhamos nos beijado outro dia,
não havíamos nos tocado muito e hoje simplesmente ele veio e me roubou para
um grande abraço. Primeiramente roçando seus lábios nos meus e a sensação foi
boa, eu até senti um formigamento em minha nuca, depois ele aprofundou o beijo
e me puxou mais junto deixando nossos corpos colados, o que era difícil pela
enorme altura de Sam. Sua língua procurava e procurava dentro da minha, ainda
não estava acostumada com isso de beijo de língua, então fui com calma,
coloquei a ponta da minha língua na boca dele, e então quando me percebi estava
trabalhando com a minha língua tão habilidosamente quanto ele.

Quando nos separamos ele colocou o nariz no meu pescoço e deu uma
enorme fungada, sim ele me cheirou pra valer, e quando olhou nos meus olhos
chamas queimavam puro desejo. Perguntei-me se eu estava tão bem assim para
deixar alguém como Sam tão caidinho.

-Você cheira tão bem, Cler. – ele disse com a voz rouca e íntima.

- Uh, bom dia pra você também. Eu disse enquanto ele retornava a sua
expressão de sempre me abrindo um grande sorriso.

- Bem, você não deveria estar atrás do balcão uma hora dessas, garoto do
café? – eu questionei, ele abriu um sorriso maior ainda, se é que isso é possível.

- Surpresa, hoje é meu dia de folga, e se prepare porque estou fazendo


você cabular aula. – me disse orgulhoso.

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- Mas eu não posso Sam, arrecem começaram as aulas e não posso ficar
para trás. – Ele diminuiu o sorriso e me puxou pelo braço para ele. Eu também
não estava acostumada a ficar aconchegada em nenhum cara.

- Cler, posso apostar a minha casa que você é do tipo nerd, não vai ficar
para trás, só hoje eu juro. Além do mais eu te trouxe dois presentes. – ele arqueou
uma sobrancelha e quase me fez rir.

-Presentes? Algum deles envolve cafeína? Porque se vai me fazer matar


aula, acho digno que me pague um enorme café. – Eu sorri para ele. Sam era
uma graça.

- Já te conheço o suficiente pequena Cler, aqui. – Me alcançou um copo de


moccacino que eu reconheci sendo do Caverna, e o outro era uma pequena
pulseira trançada que parecia ser feita de cobre e pequenas pedras
avermelhadas. – São pedras de verdade, cristais na verdade, quando vi na vitrine
me lembraram do seu cabelo, como fogo. – Ele colocou no meu pulso e pegou
uma mecha do meu cabelo. – como eu pensei perfeito, combinaram.

- Sam é lindo! Deve ter custado uma fortuna, não precisava. – Eu girei o
pulso admirada, nunca havia ganhado nada de um homem, era linda e trabalhada.

-Olha, não quero que você pense que estou tentando te pressionar te
dando presentes ou algo assim, na verdade não é grande coisa, eu vi, me
lembrou seu cabelo na hora e eu precisei comprar apenas isso. – Ele disse
envergonhado.

Eu fiquei na ponta dos pés e o beijei levemente nos lábios. – Bem o que
você pensou em fazer?

- Quero te mostrar algo. Você precisa aceitar, porque é surpresa, e você só


vai saber quando estiver lá. – eu pisquei, Sam era gracioso, e não me parecia um
assassino ou um estuprador.

- Okey, contando que você não vá me matar me cortar em pedacinhos e


largar por ai. – eu disse sorrindo.

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Ele me olhou com os olhos cheios de desejo, aproximou a boca do meu


ouvido e me sussurrou. – Na verdade há muitas coisas que eu gostaria de fazer
com o seu corpo, mas te matar e cortar em pedacinhos não é uma delas, mas não
vamos nos precipitar né. – Ele beijou o topo da minha cabeça e me puxou pela
mão.

-Onde estamos indo? – Decididamente não era de volta para meu carro.

- Vamos pegar meu carro, e nada de perguntas pequena garota ruiva. – ele
me disse, sorrindo amplamente.

Mais atrás havia um Civic preto lindo estacionado, ele destravou e me


puxou para dentro, eu fiquei admirada, eu não diria que o Sam era rico, mas pelo
visto me enganei. Quando ele entrou, fechou a porta e me puxou para um novo
beijo, por mais que eu não sentisse tudo o que eu sentia só de estar perto de
Peter, eu gostava da sensação de beijar Sam, cada vez mais. Ele me puxou pelo
pescoço, enrredou os dedos no meu cabelo me beijando suavemente. Sem nem
mesmo perceber, eu aprofundei o beijo, enlacei as mãos no seu pescoço e trouxe
mais para perto, ele tinha um gosto bom de café, e eu amava café. Suas mãos
desceram dos meus cabelos e foram para a minha cintura, travando ali.

- ah Cler, você tem que parar com isso, antes que eu resolva mudar o
roteiro do nosso passeio e decida te levar para a minha casa. – ele sussurrou nos
meus lábios.

- okey – eu me afastei apenas um pouco, ele pegou minha mão e para


minha surpresa a cheirou, a cheirou forte, eu o olhei esperando o que ele diria.

- Você tem um cheiro único, poucas mulheres cheiram como você. – ele me
disse com a voz rouca de desejo, era como se ele sentisse mais desejo me
cheirando do que me beijando. Eu sorri e disse – Meu perfume deve realmente
ser bom.

Ele sorriu amplamente e dirigiu, depois de mais ou menos vinte minutos


nos estávamos saindo por uma estranha saída, cheia de arvores e muito verde.

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Quando passamos por uma grande porteira ele estacionou logo à frente e fez
sinal para que eu saísse do carro.

- Acho que você vai adorar isso. – ele me disse com um sorriso enorme. Eu
ainda levava meu café e dava pequenos goles no caminho.

Caminhamos por cerca de cinco minutos, por dentro do que parecia um


bosque, logo avistei uma cachoeira enorme e um monte de pedras. Era incrível, a
água era cristalina, ele pegou e se atirou na grama verde que mais parecia um
tapete feito para deitar. Eu o imitei, não conseguindo tirar os olhos da água.

-Você gostou? – ele me perguntou.

-É lindo Sam, eu amo lugares assim. E então? Não vai me dizer que você
também nunca trouxe nenhuma outra garota aqui? – Ele abaixou a cabeça como
se eu o tivesse pegado.

- Na verdade já trouxe uma garota aqui, mas você é diferente Cler, você é
única. –okey, eu o fitei, isso era algo muito profundo para se dizer pra alguém que
você tinha começado a sair a apenas alguns dias. Eu ainda não estava preparada
para ouvir esse tipo de coisa.

-Bem, me parece que você está tentando me conquistar garoto do café! –


Eu tentei soar com humor, mas o olhar de Sam era tão profundo que eu não
soube fazer outra coisa que não o olhar também.

- Eu sei o que você deve estar pensando. – ele pausou e olhou para frente.
– que eu estou indo rápido demais. – ele se voltou novamente para mim. – quero
ter certeza que eu serei o primeiro da lista quando você decidir começar um
namoro.

- Na verdade eu não tenho uma lista. – Eu nunca sequer havia beijado


outro cara, além do meu colega de química no primeiro ano, o que foi horrível.

- Duvido. Você deve ter um monte de caras atrás de você nesse exato
momento. – ele me disse me olhando cauteloso. Peter veio na minha cabeça, mas

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eu não podia pensar em Peter sem pensar nas coisas que Peter havia me
revelado, então eu não queria pensar em Peter.

- Na verdade não, não há outros caras Sam. – eu disse com calma, era
verdade. Sam podia não ser o primeiro na minha lista de pensamentos, mas eu
acho que eu gostaria que fosse.

- Eu gosto de você Cler, gostei desde a primeira vez que você entrou no
caverna, você meio que abriu caminho no meio daquele monte de mulheres
promiscuas, eu nunca poderia resistir. –Ele me disse com a voz baixa, eu não
sabia como responder a isso, eu também havia gostado dele, mas ele não havia
me atraído da mesma maneira. Então eu decidi beijá-lo ao invés de responder a
sua declaração.

O beijei levemente, e então o beijo se aprofundou, ele me deitou na grama


e se apoiou por cima, nunca quebrando o beijo, sua língua procurando a minha,
era bom, eu me sentia bem o beijando. Beijamo-nos por bastante tempo. Então
uma coisa aconteceu enquanto ele me beijava.

Um momento eu estava sendo beijada por Sam no outro eu estava


caminhando pelo que parecia uma cabana abandonada, chamuscada com fogo,
como se fosse uma sobrevivente de algum incêndio, moveis quebrados para
todos os lados. Eu abri a porta e sai, o céu era de um carmim incrível, um que eu
nunca havia presenciado. Havia carros quebrados, mais móveis, o lugar devia ser
alguma espécie de depósito, haviam muitos ferros retorcidos por todos os lados,
eu conseguia ouvir o granido de um pássaro, um tremor percorreu minha espinha
quando avistei no céu muitos corvos carniceiros, com certeza havia por ali carne
putreficada, o chão também estava chamuscado, como se tivesse sido focos de
incêndios, fora o barulho dos abutres era um total silencio. O cenário todo parecia
saído direto do Oblivion, me senti sufocada, como se o ar não estivesse certo,
como se houvesse pouco oxigênio circulante.

Passei pelo meio de pilhas de carros e ferros retorcidos e sai em direção ao


que parecia um vilarejo, o chão era de rocha, não fazia idéia de que lugar era
esse, não havia asfalto e nem vegetação. Adiante havia mais cabanas como das

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que eu saí, meu corpo tremia pela busca de ar e pelo medo. Na primeira cabana
havia muitas tábuas e madeiras cobrindo as janelas e portas, como se fosse
proibido entrar por elas, havia outras, o terreno ia declinando para baixo, e eu
pude avistar milhares delas, pareciam todas iguais saídas direto dos livros de
terror. O céu avermelhado e com nuvens pretas deixava a visão difícil, deixava o
ambiente escuro, como o anoitecer. Depois de passar mais três cabanas, avistei
uma com a porta aberta para trás, na frente da porta havia uma pilha do que
pareciam muitas roupas queimadas. Eu cheguei perto e passei por cima das
roupas quando cheguei ao balastro da porta e olhei para dentro, dezenas de
rostos humanos desfigurados e furiosos olharam diretamente para mim.

E como antes, um segundo eu estava na porta daquela cabana com todos


aqueles seres horríveis me olhando no seguinte eu estava de volta embaixo da
boca de Sam.

- Desculpe Cler, eu te machuquei? – ele me olhou confuso, eu não estava


certa se conseguia responder, por todos os deuses, eu tinha acabado de alucinar
enquanto beijava Sam. Eu nunca havia sentido tanto medo antes, o que foi isso?

- Não, acho que minha pressão baixou só isso. – O afastei e me sentei,


passei uma mão pela testa eu estava suando. Derrepente eu queria ir para casa,
para debaixo das minhas cobertas e não sair mais.

- Tudo bem, me desculpe de novo, eu não queria pegar pesado, mas é que
você me deixa louco, você sabe. – Ele ainda me olhava com desejo, eu poderia
apostar que se eu o deixasse poderia pular novamente em cima de mim em um
segundo.

- Ta tudo bem Sam, não se preocupe. Já estou bem, Então que tal você me
mostrar esse lugar? – Ele levantou e me puxou pela mão, caminhamos de mãos
dadas por todo o bosque conversando sobre tudo, desde futebol até a novela
atual das nove.

-Quantos namorados você já teve? – ele me perguntou mais tarde.

- zero. – eu o olhei, e fiquei corada.

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-como assim zero? – ele me olhou com os olhos arregalados. – Não posso
acreditar, que bandos de idiotas, como deixaram passar uma mulher dessas! – ele
gritou derrepente o que me fez sorrir. - Na verdade fico feliz, sorte a minha! – ele
pontuou, derrepente ele me olhou com os olhos quentes e cautelosos.

Então eu olhei para meus pés e disse. – Bem na verdade, não tenho
experiência em nada relativo a caras. – eu admiti. Eu confiava em Sam, por mais
que o conhecesse há pouco tempo, ele havia me ganhado com seu jeito doce e
atencioso.

-Como assim? – ele me disse. Sua atenção estava toda em mim, e em


seus olhos havia um brilho que não reconheci.

-Não sei, quero dizer, começando por beijos. – eu pausei e o olhei. – Antes
de você eu só havia beijado um garoto. – Pude sentir minhas bochechas
ganhando ainda mais cor.

- Eu fui seu segundo beijo? – ele me disse com a voz rouca.

- Sim, bem, na verdade, eu meio que não contava o primeiro como um beijo
de verdade. – eu disse. Ele ergueu as sobrancelhas e eu lhe expliquei o
combinado com meu antigo colega do laboratório de química.

- Então eu fui seu primeiro beijo de verdade, eu não posso acreditar. – Ele
me disse rindo alto, excitação estava estampada em seu olhar

- Então você, huh, bem você é virgem? – eu sabia que ele deduziria.

Eu acenei, na maioria das vezes eu tinha vergonha de dizer que era


virgem, mas por algum motivo me sentia muito confortável com Sam.

- Então realmente você foi um presente para mim, eu não posso acreditar!
– ele deu uma gargalhada. Eu sorri e lhe dei um soco no braço o que lhe fez sorrir
amplamente.

-Olha Cler, quero que sempre se sinta segura comigo, nunca vou te
pressionar sobre isso, te juro, então finja que nunca conversamos sobre isso,

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apesar de me sentir muito mais enfeitiçado agora. – ele terminou. Parece que uma
mulher virgem sempre significaria glória para um homem afinal.

Sentamo-nos, conversamos e nos beijamos, o que havia acontecido antes


durante o beijo no chão não voltou a acontecer, o que fez com que eu relaxasse.
Haviam se passado cerca de umas três horas até que resolvemos ir embora. Ele
me deixou no estacionamento do campus e foi embora eu sentei dentro do meu
Chery QQ e fiquei pensando em como eu realmente me sentia.

Acendi um cigarro e fui para casa, meus pés estavam dormentes dentro
das minhas botas, eu não podia acreditar que eu tinha acabado de matar aula e
ido me agarrar com Sam em uma linda cachoeira. Estacionei o urso na esquina de
casa em frente a uma padaria, precisava comprar algumas coisa para um lanche
rápido. Peguei algumas coisas e voltei para casa.

Uma semana se passou, passei a semana me encontrando com Sam e até


havia o apresentado para Stefany em um almoço depois da aula.

- ela cheira a homem, sua amiga. – foi o que ele havia me dito,
conversaram e riram juntos, mas ele não tirava os olhos de mim. Eu estava
começando a me sentir acostumada a ter Sam por perto, quando eu menos o
esperava aparecia, um dia eu lhe mostrei meu prédio, e então ele apareceu
muitas vezes para me buscar e me levar para meu estagio obrigatório no Hospital
Psiquiátrico.

- Espero ansioso o dia que você vá me convidar para entrar. – Ele me disse
uma noite quando me largava em casa depois do hospital. Eu queria convidá-lo,
mas algo ainda me travava.

- Ate amanha, garoto do café – era meio que nossos apelidos carinhosos,
ele frequentemente me chamava de garota ruiva e eu o chamava de garoto do
café.

Eu subia para casa, e Sam ocupava a maior parte dos meus pensamentos
agora, era calmo e bom. Eu abri a porta do meu apartamento e me deparei com

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alguém saído diretamente dos meus sonhos. Peter sentado no meu sofá. Um
arrepio passou pela minha nuca.

-Como você entrou na minha casa Peter? – Ele havia sumido, por uma
semana inteira, várias vezes antes de dormir em me perguntei se não havia
sonhado tudo o que havia acontecido, se eu não havia imaginado.

- Você me convidou, eu meio que tenho acesso livre agora. – Eu não


lembrava que sua voz era tão penetrante e forte, senti uma ansiedade crescer no
meu estomago, deuses o que esse garoto provocava em mim. Fiquei em dúvida
se o mandava embora ou se fechava a porta atrás de mim.

- Bem o que você veio fazer aqui? Quero dizer, você sumiu, eu meio que
achei que você tinha que cuidar meus passos depois da nossa ultima conversa. –
Decidi que seria melhor manter nossa conversa longe dos ouvidos dos visinhos e
então fechei a porta e entrei.

- Estive ocupado. – silêncio, disso eu recordava. Sempre misterioso e de


respostas curtas.

-huh, legal, então, o que veio fazer na minha casa? – parei na frente dele,
afastada.

- Cler, eu estive ocupado e preciso te dizer com o que. – ele me olhou,


havia reocupação no seu rosto.

- Essa semana, bani oito demônios de volta pro outro lado. O que não é
uma coisa que eu considere normal. – pausou. – Todos nessa cidade.

- Eles estavam atrás de mim? – o olhei então eu não havia imaginado afinal
de contas.

- Não, eles não pareciam conhecer você, mas eles falaram de uma pura
que visitou o outro lado. – mais pausa. – Os humanos não podem visitar o outro
lado.

-Como assim visitar o outro lado? – minha voz saiu em um fôlego só, minha
voz saiu fraca e sem controle.

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-Quando alguém que não demônio visita o outro lado quer dizer o lado
deles, principalmente alguém puro, os demônios vem pra cá atrás dessa pessoa.

-por quê? – eu travei meu olhar com o dele.

- porque há algo diferente nessa pessoa, se ela consegue andar em ambos


os lados, isso pode significar que essa pessoa seja uma âncora, se um demônio a
possuir ele terá livre acesso dos dois lados. – pausa. – Quando um demônio
rompe a barreira e passa pra cá, acontece um desequilíbrio na ordem natural do
universo, ele é caçado, quase sempre é pego logo que atravessa e é punido e
marcado, nunca mais consegue atravessar. Agora, se ele possuir uma âncora, ele
não pode ser detectado tendo livre acesso nos dois lados.

- E porque você veio para mim? – eu estava com medo de perguntar.

- Eu não tenho certeza, mas eu posso te dizer que eu sinto que essa
Ancora é você. – ele me disse.

-Como assim? Eu não posso ser. Olha Peter, sou apenas uma humana
normal com amigos normais, com um namorado normal. – Quando eu terminei
Peter me lançou um olhar afiado.

- Não sabia que você tinha um namorado. – Ele me olhou sério, quase
pude sentir o gosto amargo na voz dele.

- Eu tenho. Você nunca perguntou se eu tinha. – Ele continuava me


olhando e derrepente eu me senti insegura.

- Mas eu posso ver que você continua pura. – ele me disse.

- Isso não é do seu interesse okey. Posso deixar de ser a qualquer


momento. – Eu disse com o queixo alto, Peter não era meu dono, eu não devia
satisfações a ele. Ele quebrou o espaço eu havia entre nos dois e ficou a
centímetros do meu rosto.

-É do meu interesse se você é uma âncora. Âncoras têm essência imortal,


se você é uma Âncora todos os seus descendentes também serão por toda a
eternidade. Se você é uma âncora Cler eu preciso ter certeza que esteja segura,

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que demônios não vão te possuir a cada esquina e ficar passeando com o seu
corpo entre a terra e o Inferno. Tenho que me certificar que nenhum demônio vá
te estuprar e fazer com que gere uma âncora mestiça. Se você for uma âncora
vou precisar te proteger e manter um olho em você o tempo inteiro, até conseguir
um feitiço para selar seu corpo. – Ele ainda me olhava dentro dos olhos.

Eu estava sem fôlego, não sabia o que dizer, não saberia uma resposta
para dar. Minha vida sempre foi segura, e derrepente estou correndo o risco de
ser possuída por hordas de demônios, de ser estuprada, fora o demônio que já
estava atrás de mim para me matar.

-E o demônio que queria me matar? – eu disse. Peter me olhou com


confusão.

-O demônio não quer te matar, Cler, ele quer te engravidar. – Peter me


disse calmamente. Eu olhei incrédula.

- Me engravidar? Você não havia me dito isso, porque um demônio iria


querer me engravidar? – eu disse minha voz subindo um tom, eu estava à beira
de um ataque, precisava me acalmar.

- Você está escutando o que eu estou dizendo? Você é pura, é virgem.


Lembra que te contei o que aconteceu quando eu caí? A maldição? – pausou. –
Cada anjo caído recebe uma maldição distinta, todas a serviço do outro lado, da
onde eu vim, escravos pela eternidade. Bem, a minha era de que eu passaria a
eternidade caçando uma falange de demônios que a milhares de anos rompem a
barreira e atravessam tentando engravidar mulheres humanas puras, para que
elas gerem crianças mestiças. Eles crêem que essas crianças por serem metade
humana e metade demônio, iriam recorrer o mundo para eles, e achariam uma
maneira que romper de vez com a barreira que separa o inferno da terra.
Liberando assim hordas de milhares e milhares de demônios na terra...

- Já bani centenas deles desde que caí apenas um conseguiu fecundar


uma pura, mas eu interferi antes que ela desse a luz, eu o bani e – ele parou e
olhou para baixo.

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- você a matou? – eu perguntei.

- ela não iria sobreviver ao nascimento, então eu a matei enquanto o feto


ainda era embrião. – a dor se expressou na sua voz, era claro que essa
lembrança o causava sofrimento.

- Então Peter, o que eu vou fazer? O que você pretende fazer? – eu estava
completamente assustada, como milhares de seres humanos podem viver na
ignorância por tanto tempo? Sem saber das ações de outros seres para mantê-los
em segurança e o equilíbrio da ordem natural?

- Bem, se considere com sorte, porque você tem um novo hóspede. – ele
me olhou e humor estava em seus olhos negros.

- O que? Não! Você não está se mudando para minha casa! – eu disse só a
idéia de ter Peter andando pela minha sala, tomando banho no meu banheiro me
dava arrepios.

-Eu sabia que você ia dizer isso, mas você precisa entender Cler o perigo
que você corre, a sua força não é nada comparado com a de um demônio, por
mais que eles passem para o lado de cá mais fracos ainda é muito superior a de
um humano. Então, não haverá discussão. – Ele olhou para os dois lados. – Há
um quarto de hospedes, ou eu fico com o sofá? – ele sorriu.

Eu não tinha um quarto de visitas, então ele arrumou uma cama no sofá, eu
não conseguia acreditar no que estava acontecendo, apesar de tudo ser
aterrorizante eu quase sorri imaginando a cara da Stefany e da Nanda ao entrar e
se deparar com Peter dormindo na minha sala. Eu ruborizei só de pensar na
imagem dele saindo do banheiro do hospital na minha segunda noite. Deuses isso
ia ser intenso.

Apesar de ser bem tarde, o sono não vinha nunca, como eu faria para
dormir sabendo que Peter está ali atirado no meu sofá? Eu precisava falar com
ele sobre a minha visão, mas não queria ir encontrá-lo na sala. Fiquei feliz de
lembrar que não haveria aula no outro dia, finais de semanas são abençoados
ainda mais porque eu havia dito ao Sam que eu ia passar o Sábado com as

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minhas meninas de modo que nos dois passássemos o domingo juntos. Ele
concordou e até falou que haveria surpresa. Pobre Sam se ele soubesse o que
acontece e o perigo da minha vida, ia sair correndo pra nunca mais voltar.

Tive sonhos turbulentos, demônios me perseguindo, e agora um novo


enrredo havia sido adicionado, eu grávida de um demônio, o pai demônio ao meu
lado, cheio de escamas, pele escura, olhos como os de um gato, com língua
bifurcado e até chifres. Quando o sol fez claridade por um espaço que eu deixei
para olhar a lua da minha cama ontem à noite, me senti agradecida por estar
acordando. Tirei as cobertas e empurrei meus pés no chinelo embaixo da cama,
na sabia que horas eram, mas precisava de um bom banho antes que as garotas
chegassem aqui.

Tomei meu caminho até o banheiro ainda grogue de sono, torci a maçaneta
e ao mesmo tempo alguém abriu a porta. Um Peter só de tolha estava em pé a
minha frente, com um enorme sorriso.

- Bom dia – O humor escorrendo pelos olhos.

Antes que eu pudesse evitar meu olhar percorreu sua boca, era linda,
desenhada, a mandíbula feita em linhas grossas, era completamente convidativo,
meu estomago se remoeu em ansiedade, e meus pelos do braço se arrepiaram, o
tórax definido, com músculos enrijecidos e, pelos deuses, úmidos. Quase pude
sentir minha boca salivar, quando alcancei a toalha subi rapidamente o olhar para
seu rosto, ele estava escorado no batente da porta, a boca apertada em uma linha
fina de deboche.

- Preciso te dizer Cler, que você me olha como se quisesse um pedaço de


mim. – ele disse presunçoso.

Eu passei por ele e o empurrei para fora do banheiro batendo a porta atrás
de mim. Precisava de um banho, em uma temperatura bem baixa.

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6
PETER

Eu estava no meu próprio purgatório. Depois de passar a noite vigiando a


pequena humana fraca e frágil no quarto ao lado e desejando ir até lá e me deitar
ao seu lado eu precisava de um banho. Droga, eu não poderia fazer isso, quero
dizer ir até lá e beijá-la, nunca em milhares de anos eu cruzei com uma pequena
mulher tão cativante, apesar de pequena está sempre querendo demonstrar sua
força, afirmar sua confiança. Ainda me pergunto como vive sendo tão curiosa.
Sempre com uma resposta para tudo.

O que me deixa louco é como essa pequena mulher nunca tenha tido um
homem em sua vida. Eu tenho observado essa raça a milhares de anos, há
alguns dignos de minha defesa de nobre honra, mas outros são mais miseráveis
que ratos de esgoto. Passam suas vidas a correr atrás de sexo e dinheiro. E essa
é a sua maior ruína, mesmo que não percebam, e quando percebem não se
arrependem. Mesmo as mulheres, mal seu corpo se apresenta maduro e já levam
amantes a sua cama, diversos amantes, cada vez mais novas. Cler não, apesar
de sua mudança corporal já estar completa, ainda se encontra maculada. Posso
sentir o cheiro de sua pureza do outro lado da cidade. Mas então a presença de
um poderoso demônio procriador me faz cruzar com essa pequena criatura. Uma
tentação não me aproximar.

Eu deveria ter estabelecido contato e criado o elo para poder segui-la e


encontrar o demônio assim que se aproximasse, e nada mais, sem conversas,
sem perguntas, sem revelações. Cler mostrou curiosidade por mim no momento
em que me viu, e eu pude sentir com a minha alma a sincera vontade dela me
ajudar, pensando ser eu um esquizofrênico.

Bondade, outro adjetivo raro e dissipado entre os humanos dessa raça.


Quando ela chegou perto o suficiente ela sentiu o cheiro da minha essência
celestial, bem, apesar de caído, eu permaneci com ela, cada anjo tem a sua
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essência distinta, nunca em milhares de anos alguém foi capaz de senti-la, Vetiver
e pimenta.

Eu a testei revelando toda a verdade sobre minha origem depois de caído,


mas ela manteve sua palavra, e não revelou a ninguém. Lealdade, encontrei em
muitos poucos, inclusive enquanto anjo.

Precisei molhar meu corpo e me preparar, diabos, preciso estar atento.


Tenho coisas a resolver e preciso que Cler seja forte o suficiente para evitar sua
própria morte.

Sai em direção à porta. Apesar de Cler ainda estar dormindo sou um


guerreiro com muitos deveres. Girei a maçaneta e encontrei na minha frente a
criatura mais graciosa de todos os mundos. Cabelos de um ruivo semelhante ao
fogo emaranhado em volta de um rosto rosa inchado pelo sono, olhos grandes
amendoados e curiosos cor de chocolate com âmbar ao fundo, lábios que bem
poderiam fazer uma legião inteira de anjos caírem. Pele sedosa com algumas
quase imperceptíveis sardas, corpo magro, seios pequenos, quadril largo, pernas
curtas, e um pijama de corações vermelhos, incrivelmente encantadora.

No momento em que ela me viu, seus olhos cresceram em par, e eu pude


notar seus pelos dos braços arrepiando-se, seus olhos percorreram todo meu
corpo, eu sabia que meu corpo a atraia desde a primeira vez que nos vimos.

-Posso te dizer Cler, que você me olha como se quisesse um pedaço de


mim. – Ela me olhou surpresa como se eu a tivesse tirado de uma linha de
pensamento muito forte, e sensualmente ela ficou tão vermelha quanto os
corações em seu pijama.

Ela passou por mim e empurrou-me para fora do banheiro, eu podia sentir a
atração dela por mim, mas ela sempre tentava esconder, camuflava suas feições
antes que algo lhe escapasse. Eu precisava me forçar a ir para longe dela,
precisava me vestir, eu podia sentir a presença do demônio, mas não forte o
suficiente para detectá-lo. No inicio da semana eu podia sentir a forte presença
ligada a Cler, mas nos últimos dias essa influência foi escondida por algo. Eu
precisaria trabalhar sobre isso também, mas agora eu precisava ir até o Jango.

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Jango é um arcanjo poderoso apesar de ter seus compromissos no outro


lado, ele passa a maior parte do tempo na Terra, ele fornece informações
importantes em troca de cigarros e favores, ele esta comigo no trabalho com o
demônio procriador. Jango nunca podia ser encontrado, quando tinha algo
marcado com ele bastava apenas eu ir até um bar de quinta que ele aparecia por
lá segundos depois.

Jango me informou a cerca de duas semanas atrás que esse Demônio


Procriador era mais poderoso que os de legiões simples. Então venho seguindo
seu rastro, mas ele sempre escapa o que é algo que não estou acostumado.
Andei até a esquina aonde eu havia deixado meu carro. Isso era algo que eu
realmente odiava em minha vida, eu ficava sempre trocando de carro, e como era
preciso viver nas sombras, tudo em minha vida devia ser discreto e encoberto.
Nunca podia ficar com um belo carro e saboreá-lo, cuidá-lo, da mesma maneira
como não podia ter uma casa como minha, e nunca poderia ter um
relacionamento duradouro. Quando eu resolvia mudar de lugar, tudo adquirido
naquele curto intervalo de tempo devia ser destruído como se nunca tivesse
existido. Sim, o lugar de onde eu vim sabe muito bem castigar os seus.

Dirigi até o Detroni Bar e Lancheria, um bar subterrâneo com algumas


mesas de madeira, mesas de sinuca e clientes bêbados. Não havia mulheres nem
garçons, você pede sua bebida a recebe no balcão, paga e escolhe uma mesa
para sentar. Eu pedi um uísque com gelo, sim anjos bebem, anjos caídos bebem
mais ainda, na verdade anjos não podem sentir os efeitos do álcool, mas os
caídos podem mesmo que sutilmente.

Sentei em uma mesa ao fundo, e dois segundos depois Jango estava


entrando e se direcionando a mim. Ele era alto e não muito musculoso. Arcanjos
não precisam de força física e corpo grande, eles sempre usam seus poderosos
poderes psíquicos em suas batalhas. Jango mantinha um cabelo raspado loiro, e
ainda que um arcanjo era extremamente ameaçador. Desfigure a imagem que
você tem de anjos, bons e simpáticos. Eles são em sua maioria, fortes duros e
ameaçadores, não gostam de papo furado, não gostam de perder tempo, usam
seu silencio como arma poderosa, irradiam poder só de olhar para eles, algumas

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pessoas sentem uma irresistível atração para eles, outras não conseguem olhar.
Diferente dos demônios que causam uma forte atração a todos os humanos lhes
mostrando a face que você mais gosta, são extremamente sedutores,
conquistadores,e lhes alcançam a confiança facilmente.

- Então Peter, o que você tem para mim? – ele e eu compartilhávamos todo
o tipo de informação, ele que me avisou a quem o próximo demônio procriador se
ligaria, e aonde eu deveria ir para criar um contato com ela.

- Sinto que ela foi tocada pelo outro lado, sinto que é a Ancora. Mas ela não
falou nada sobre alguma experiência extracorpórea. Acho que ainda é cedo,
preciso de mais tempo. – Eu falei duramente.

- Você sabe o que acontece se te dou muito mais tempo não é Peter?- Ele
me disse e o aviso cortante na sua voz não me fez encolher. Eu deveria pegar e
banir o procriador antes que ele a tocasse, ela é uma pura se ele a tocasse e a
engravidasse ela iria gerar um mestiço filho de um demônio e logo após morreria,
se ela não engravidasse sua alma estaria para sempre condenada pelo toque do
outro mundo. No caso de uma gestação isso seria muito pior, ela geraria um
mestiço ancora porque teria também o sangue de Cler, seria um mestiço que
poderia andar livremente por todos os reinos, diabos, isso estava ficando cada vez
melhor.

- Há algo bloqueando ele, algum feitiço eu acho, não posso mais sentir sua
ligação com a pura. Você não pode ver o que é? – Eu precisaria de mais ajuda
externa que geralmente preciso. O que me deixa incomodado.

- Bem vai te custar algo. – É claro, nenhuma ajuda seria tão fácil, e a troca
não parecia pecado nos céus. Geralmente Jango me dava informações por
cigarros, mas dessa vez pelo seu olhar pude ver que ele queria algo maior.

- O que você quer? – Meu tom foi grave e perigoso, dando limite para sua
moeda de troca.

- Posso ver que seu vinculo com a Âncora foi forte, ainda é. Você está,
digamos, diferente, parece decidido a protegê-la, e se assim é, então tenho

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certeza que não vai se importar de fazer algo para mim, algo que não posso fazer
por mim mesmo. – Ele me disse.

- Farei. – eu disse decidido.

- Há um demônio de base menor, instalado em uma cidade aqui perto, ele


se mantém sob minha custódia, pegou algo que me pertence à cerca de dois
meses atrás. Preciso que tire dele as informações necessárias para me levar até o
meu pertence. Ele está em um sótão enfeitiçado, não conseguirá se mover para
fora dos limites. Se você conseguir informações úteis, poderei lançar uma
proteção para a sua Ancora. – ele disse.

- O que ele lhe roubou? – eu questionei. Para fazer com que um Arcanjo se
dê a trabalho de custodiar um demônio de base menor deve ser algo valioso.

- Faça sua parte e será recompensado. – Ele terminou ignorando minha


pergunta.

- Você descobrirá o que está bloqueando minha detecção do Procriador? –


preciso estar certo das entrelinhas do acordo.

- O farei logo que você tiver avanço com o demônio. – Ele disse e então se
levantou e virou deixando claro que a conversa havia chegado ao fim.

- E Peter? Não falhe. – Jango disse por fim com um aviso de perigo, se
virou e saiu calmamente pela porta do Detroni. Em cima da mesa ficou um
pequeno papel onde estava Jango, nele continha um endereço e um nome. –
LIAN – ROCHESTER 163 SUBSOLO – GULEVAR.

Voltei para o apartamento de Cler, precisava me certificar de que estivesse


bem antes de avançar para o demônio Lian. Enquanto dirigia pontuei as duas
coisas que eu precisaria me certificar, a primeira seria de que Cler ficasse
protegida, a segunda seria proteger Cler de mim mesmo, deveria manter um limite
de distancia entre eu e ela, por mais difícil que fosse. Nos últimos dias perdi
concentração pensando sobre o sabor de sua boca, a textura de sua pele, e no
quando eu gostaria de enredar meus dedos naqueles cabelos cor de fogo.

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Depois que caí desprezei a raça humana por eles fazerem o que fazem
com si mesmos, as criaturas dos Céus e as do Inferno passam a sua existência
invejando a neutralidade do plano terrestre, onde os humanos podem decidir as
atitudes que vão tomar, sem seguir ordens e mesmo assim limitam-se a destruir-
se e a machucar-se, e por terem um curto prazo de vida deixam as belezas mais
preciosas passarem despercebidas. Mas Cler é ousada e corajosa, está
estudando para salvar vidas, apesar de ser apenas uma menina.

Estacionei o carro em frente ao prédio e entrei, fiz uma cópia de todas as


chaves logo na primeira vez que vim até aqui, elas foram extremamente úteis.
Apressei-me, não iria ser nada bom se Cler tivesse resolvido sair, precisava a
manter em casa, precisava a manter segura. Dentro do apartamento havia vozes
estranhas, femininas percebi. Abri a porta e três garotas estavam me olhando, da
morena de cabelos chocolates pude sentir desconfiança e curiosidade, da loira
pude sentir atração e mais curiosidade e da ruiva sentada entre as outras duas
pude sentir uma mescla de sentimentos, segurança, medo, atração e quem diria
admiração.

- Quem é ele? – Perguntou a loira, e passou a língua nos lábios.

- Olá garotas. – eu disse seriamente. Olhei para Cler ela estava preciosa
em um vestido xadrez, ela me encarava, por alguns segundos nos olhamos, e o
resto do mundo deixou de existir.

- Bem meninas, esse é Peter, e nós meio que, huh, estamos morando
juntos. – Ela disse, ainda me olhando nos olhos, então do silencioso cômodo
estourou uma avalanche de perguntas, mal dava para entendê-las, a humana loira
levantou-se e começou a dar pequenos pulos no lugar soando empolgada,
magoada por não ter sabido antes, curiosa, ouvi entre as perguntas –

„‟Você está grávida Cler? é isso?‟‟

„‟Vocês dormem juntos?”

„‟Como pode me esconder?‟‟ A outra garota levantou-se e começou a


caminhar de um lado ao outro da sala, como se eu não estivesse aqui. Cler estava

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parada sentada no sofá ainda me observando, tive que lutar com um sorriso, eram
encantadoras, a preocupação por Cler, a lealdade, o amor entre elas.

- Isso está errado, porque você está morando com um estranho? – a


morena disse, e então veio até a minha frente com a mão na cintura parou e me
olhou dos pés a cabeça. – Não, não mesmo. Nunca te vi antes na minha vida, eu
saberia se tivesse. – ela pausou. – e bem, conheço a pequena Cler desde
sempre, então me pergunto, Quem é você?

A loira colocou toda a sua atenção em mim, veio caminhando até a minha
frente junto à morena parando ao seu lado.

- Você não é Sam, a descrição não bate e se não é Sam então não é
namorado de Cler, então se não é namorado de Cler está livre. – ela colocou a
mão no queixo e pontuou. – você é solteiro carinho?

Cler que ainda permanecia sentada no sofá levantou-se e abriu caminho


entre as duas humanas a minha frente.

- Okey, okey, deixem Peter em paz, ele é apenas um amigo que precisava
de um lugar para ficar por um tempo. – ela disse olhando para mim, então se virou
para a morena e disse – eu não estou grávida! - virou para a loira e disse. – ele
não está livre! – por fim virou-se para mim novamente enquanto eu segurava-me
para não rir, que situação mais deliciosamente humana.

– Dê o fora daqui Peter, antes que as duas lhe devorem vivo!

Ela estava vermelha eu fui saindo por entre elas, alcancei Cler e sussurrei
no seu ouvido – preciso falar com você sozinha. – ela acenou e eu saí.

Entrei em seu quarto, onde tudo cheirava a Cler e esperei por ela, deitado
em sua cama. Cerca de alguns minutos depois ela entrou, sua face não estava
mais vermelha, porém no momento em que me viu deitado em sua cama, ficou
até mais ruborizada que antes, seus olhos se elevaram e sua respiração pareceu
ter aumentado.

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- O que você quer Peter? – ela estava calma, mas pude perceber a
pequeno tremor em sua voz, definitivamente ela se afetava com a minha presença
e quase não pude controlar a sensação estranha no meu estômago.

- Você precisa arrumar as malas, vamos viajar. – eu disse, eu já sabia a


resposta que iria me dar então mantive seu olhar preso para que percebesse o
quanto sério eu estava falando.

- É claro que não. – teimosa e deliciosamente petulante.

- Você não tem uma escolha. – Eu disse.

Eu já havia montado tudo em minha cabeça, eu precisava viajar, mas não


conseguiria fazê-lo sabendo que ficou sozinha e desprotegida, sei que o demônio
Procriador está localizado nesta cidade, então a levarei comigo, a deixarei em um
hotel enquanto entrevisto o demônio Lian e depois a trago de volta segura.

- Por quê? – ela disse, enquanto batia o pé.

- Porque vamos viajar ou porque não tem uma escolha? – eu arqueei uma
sobrancelha, ela sabia que eu estava a provocando, seu rosto se fez ainda mais
vermelho.

- Bem tenho algo a fazer, mas não conseguirei sem ter certeza que estará
segura. Então vai comigo. – eu disse a ela. Ainda a olhava com força, me levantei
e caminhei até ela, próximo o bastante para que nossos pés se encontrassem.
Minha respiração ficou presa por alguns segundos, diabos, era apenas uma
humana.

- Preciso que me acompanhe Cler, preciso que esteja segura. – Pude sentir
seu coração acelerando, e sem conseguir evitar passei a mão pela sua bochecha.

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Peter chegou e o que eu temia aconteceu.

Nanda e Stefany o viram e enlouqueceram, pularam em cima dele como


abutres na carniça, Nanda provavelmente estava preocupada que ele fosse me
fatiar durante a noite e jogar os pedaços no Arroio Cadena, Stefany, bem Sté deve
estar se imaginando conhecendo-o por inteiro, e deve estar agora mesmo
planejando a oportunidade certa de fazer acontecer.

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-Ninguém pode saber que ele está aqui. – Eu tentei explicar a mentira que
eu havia planejado contá-las quando fiz Peter sumir da sala.

- Ele está fugindo da policia então? – Nanda disse. – Posso sentir que é
perigoso.

- Adoro homens perigosos, talvez ele queira se esconder na minha casa é


aqui ao lado mesmo. – Stefany disse, quase podia ver as engrenagens
funcionando na sua cabeça.

- Não e não. Não é perigoso, não está fugindo da policia, e Stefany o deixe
em paz!- eu pausei. – Não quero que ninguém saiba por causa de Sam, ele não
iria gostar e não quero magoá-lo.

- Para mim parece que o quer só para você. Pequena garotinha safada e
egoísta. – Stefany disse, se alguém sabia algo sobre atração esse alguém era ela.

- Se você está com esse tal de Sam, não devia receber esse outro cara
aqui na sua casa. – Nanda disse.

- Eu sei, mas eu preciso ajudá-lo, ele não tem mais ninguém, e bem, eu
confio nele. - eu disse. – Bem agora eu preciso ir falar com ele, depois nos
falamos okey? – terminei, não queria mandá-las embora, mas realmente
precisava falar com Peter.

- Bom, me avise se quiser mandá-lo para minha casa, ficarei extasiada em


hospedá-lo e dá-lo do bom e do melhor. - ela disse me olhou e riu. – alias deveria
saber que meu nome completo é Stefany bom e melhor. – deu uma gargalhada e
piscou. - você sabe como sou receptiva carinho. – ela me disse. Eu ri, dei um beijo
em sua bochecha e gentilmente empurrei-as pelo corredor.

Oh se sabia, Sté era muito receptiva, por esse motivo não queria
apresentar Peter a ela, ela iria querer devorá-lo no instante que o visse, demônios,
Peter não.

Dirigi-me até o quarto onde ele estava, abri a porta e o encontrei estirado
em cima da minha cama, totalmente relaxado. Seu aroma de Vetiver e Pimenta

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por todo o lugar, meu coração acelerou um passo, e eu conseguia respirar com
dificuldade. Ele estava com uma camiseta pólo preto, uns Jeans surrados e botas
de couro, seu cabelo negro estava brilhante e o canto de sua boca brilhava
deboche.

Incrivelmente lindo.

-Você precisa arrumar as malas, vamos viajar. - ele disse.

- É claro que não. – a imagem de eu sozinha com Peter viajando por horas
me deixou ansiosa, poderíamos conversar, eu poderia arrancar muitas verdades
dele, talvez eu pudesse arrancá-lo um beijo. Okey eu não deveria pensar isso,
mas seja lá o que ele for, Anjo, Deus, demônio, Justin Bieber ou Papai Noel, ele
era incrivelmente sexy, encantadoramente sedutor e perigoso.

- Você não tem escolha. – ele disse como se fosse meu proprietário. Peter
não era meu dono. Sempre me cuidei sozinha, pelos deuses, que garota de vinte
e dois anos ainda é virgem? Sempre fui dona do meu nariz. Peter não era meu
dono.

- Por quê? – agora eu estava ficando irritada.

- Bem tenho algo a fazer, mas não conseguirei sem ter certeza que estará
segura. Então vai comigo. – Ele arqueou uma sobrancelha, e por todos os céus,
mal pisquei e ele havia se levantado da cama e estava a centímetros do meu
rosto.

Eu não percebi que estava sem respirar até meu tórax doer, senti meu
coração pulando no peito e os pelos do meu braço arrepiaram, deuses. Eu jamais
poderia dizer não a ele.

-Preciso que me acompanhe Cler, preciso que esteja segura. – ele


sussurrou com a voz rouca e então ergueu a mão e deslizou pela minha bochecha
carinhosamente, ondas elétricas passaram pela minha pele aonde ele tocava e o
mundo ao redor ficou pequeno e fosco, eu não poderia olhar para outro lugar que
não seus olhos negros como a noite. Eu fiquei imóvel saboreando o contato, suas
feições emolduravam algo que eu não reconhecia.

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Eu estava tão próxima da boca dele, que quase podia sentir sua respiração,
senti vontade de prová-lo. Agora não podia olhar para outro lugar que não sua
boca, era linda, desenhada e úmida. Ele passou a mão da minha bochecha para
meu pescoço e então desceu para meus braços, seu toque era como eletricidade,
meu estomago se fez em pedaços. E por fim sua mão chegou a minha cintura,
lentamente, como se estivesse tocando uma mulher pela primeira vez,
descobrindo. Eu tremia por dentro, e minha respiração se fazia cada vez mais
difícil.

Peter parecia um conquistador, ele era irônico e assassino, usava


respostas curtas sempre, o que me deixava louca, e toda a vez que ele me
provocava, eu demorava a achar minha voz, eu não gostava dele, então porque
diabos meu corpo reagia a ele desse modo?

- Você Cler, é irresistível. - ele inclinou a cabeça para o lado me estudando.


- Seus olhos, sempre curiosos, chocolate e âmbar, provocativos como o outono. –
Ele desceu o olhar – Sua pele, sua boca. Como eu disse irresistível.

Ele deu um passo para trás e me avaliou. – Arrume suas malas. – Seu tom
era quase irônico. Peter era insano, por um momento quase achei que fosse me
beijar e então a maliciosidade que me deixa louca entrou novamente no jogo.

-Você não manda em mim Peter. – minha voz saiu estranha. – Só vou ir,
porque quero saber o que você vai fazer, e não porque você quer. – agora eu
estava quase balbuciando, eu sabia que devia estar parecendo uma criança
falando com os pais porque sua expressão era de completo divertimento, sua
boca se elevou nos cantos, mostrando que ele estava se esforçando para não rir.

-Vamos sair hoje à noite, se prepare. Venho te pegar logo, agora preciso
fazer algo. - ele foi em direção a porta, ainda que eu estivesse a bloqueando. Eu
não confiava em minhas pernas para sair da frente demorei a reagir.

- Até parece que você quer me manter em seu quarto. – ele estava com as
sobrancelhas erguidas. Eu dei um salto atrapalhado para o lado, e pude ver
enquanto saia que ele sorria.

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Eu sentei na ponta da cama, por todos os deuses romanos, eu estava com


problemas, por decididamente meu corpo só faltou derreter os pés de Peter, ele
me irritava e me provocava, qual o problema comigo? Se ele tivesse me beijado
naquela hora teria aceito de bom grado, e depois me arrependeria.

Pensei em Sam, o doce Sam, sempre me agradando, nem de perto meu


coração acelerava dessa forma quando ele estava perto, nem quando me beijava,
com Peter por perto parece que estou a ponto de ter um ataque cardíaco a
qualquer momento. Peguei o telefone, precisava avisar Sam que iria viajar.
Pensei, não poderia falar de Peter, então diria que é por meus pais. Peter ao
havia dito quanto tempo duraria a viajem, então estava no escuro. Disquei o
numero de Sam. Ele atendeu.

- Oi Sam. – nunca fui boa em mentir, e não precisava me conhecer a muito


tempo para saber disso.

- Ei Cler, o que houve? - Sam estava, hã, ofegante?

- Uh nada na verdade, liguei porque preciso -. E sem mais Sam desligou na


minha cara, eu olhei para o telefone incrédula. O que é isso? Sam estava me
traindo? Pude ouvi sua voz tremula e ofegante e então ele desligou. Cerca de dois
minutos se passaram e meu celular tocou.

- Desculpe garota ruiva, eu estava meio ocupado, tive que fazer hora extra
no Caverna, e bem está cheio, você sabe como são esses estudantes. – Ele disse
sua voz totalmente recuperada ao tom normal. Algo estava acontecendo?

- Eu queria te avisar que vou precisar viajar por alguns dias Sam, meu pais,
hã, eles me ligaram, eu vou encontrá-los – pausa.

- Quanto tempo? – ele soou duro, afiado.

- Acho que dois dias. – eu estava me explicando. – Não se preocupe, a


surpresa pode esperar? – eu disse tentando soar convincente e alegre.

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- É claro garota ruiva, qualquer coisa por você. – ele pausou. – qualquer
coisa me ligue, nos vemos logo. – sua voz profunda em um tom que eu
desconhecia até o momento.

- Okey, huh, beijos. – e desliguei.

Agora que estava tudo resolvido com Sam precisava arrumar minha bolsa,
e esperar Peter. Coloquei duas blusas, calcinhas e escova de dente, e claro o
spray de pimenta que Nanda me deu. Nunca se sabe quando pode precisar. O
tempo parecia passar lentamente, fui da sala para a cozinha, tomei dois copos
enormes de café, eu estava ansiosa, o céu já estava escuro e Peter ainda não
havia chegado. Pelo tanto de cafeína que eu consumi, provavelmente não
dormirei por dias. Já estava cansada de esperar quando Peter entrou colocando
as mãos nos bolsos.

- Você já está pronta garota problemas? – ele me perguntou com o sorriso


mais sexy de todos os tempos. Alguém deveria escrever um livro sobre Peter, ele
era incrivelmente atraente.

- Eu sou a garota problemas, e você é o que? Homem pássaro? – Ele


ergueu as sobrancelhas.

- Estou mais para Super homem. – ele disse

- Bem estou pronta. Vamos? – Quando coloquei apenas uma pequena


mochila nas minhas costas ele me olhou.

- Eu estava esperando malas. – sorriu – não te disse por quantos dias


vamos ficar fora.

- Você disse que eu devia continuar com a minha vida o mais natural
possível, então tenho aula e estagio na segunda, você sabe, tenho que estar de
volta logo Peter. – Parecia que o tinha surpreendido.

- Você está certa, vamos. – Ele saiu e esperou eu trancar a porta. Ele me
direcionou caminhando para o outro quarteirão aonde havia estacionado o carro
dele. Nos entramos e meu coração deu uma guinada, céus era Vetiver e Pimenta

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por todo o ar, este carro cheirava a Peter, e eu inconscientemente me senti


confortável, protegida e excitada. Peter era misterioso, e aqui estava o carro de
Peter, com as coisas dele, não sei por que motivo isso me maravilhou.

Ele dirigiu por cerca de vinte minutos, ficamos em silencio. Já era noite e a
lua estava escondida por nuvens cinza, parecia que ia chover e esfriar, talvez
tenha pegado roupas erradas, afinal.

- Aonde vamos? – precisava saber, estava curiosa.

- Um cidade aqui perto. – ele disse. Mais silencio.

- então, uh, como são os anjos? – perguntei, não apenas para quebrar o
silencio, mas eu aproveitaria cada momento para saciar minhas dúvidas. Pude ver
que ele apertou a mandíbula e me deu um breve olhar voltando-se novamente
para a estrada.

- de aparência? – pausou – Se assemelham aos humanos. São maiores,


mais fortes e resistentes, são imortais.

- o que você fez para cair? – terreno perigoso pôde notar, sua expressão
era dura.

- Eu era protetor de uma mulher, na linha de sua vida estava escrito a


morte precipitada, e eu a quis salvar. – sua voz era baixa, como uma admissão.

- Você quis salva-la? – eu perguntei

- Sim, e então tentei alterar o curso natural de sua vida. Um protetor deve
proteger um humano sem alterar o curso natural de sua vida, quando chega a
hora dele morrer o guardião deve aceitá-lo e então retornar aos Céus. – algo
parecido com frustração passou por seus olhos.

- Quando um anjo interfere desta maneira por ambições próprias e não se


arrepende, é... castigado. – ele terminou soando irônico.

- Quais eram as suas ambições próprias? – tive medo da resposta.

- Eu a amava. – ele disse

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Fiquei em silencio, minha mente vagou imaginando Peter com enormes


asas em suas costas cuidando de uma mulher e então se apaixonando por ela,
amando-a. Um sentimento de ciúmes me invadiu, ele a amou tanto a ponto de cair
por ela, mesmo ela tendo morrido. Minhas mãos se fecharam em punhos, ele era
sempre tão irônico e misterioso, saber que ele amou uma mulher me afetou de
uma maneira estranha. Resolvi mudar o rumo das perguntas antes que ele
decidisse não respondê-las mais.

- Você disse que achava que eu era diferente. Que meus filhos também
seriam diferentes pra sempre, como é isso? – eu perguntei.

- Sim, acho que você é a Âncora pura de quem o demônio falava. – falou
unicamente, o fato de falar que eu era pura fez com que meu rosto esquentasse,
fiquei feliz que Peter olhava para frente, provavelmente teria lançado alguma
provocação.

- E por que você acha isso? – eu questionei.

- Posso sentir que você é diferente Cler, mas preciso te perguntar, alguma
vez já sonhou com o Inferno, ou teve qualquer vislumbre, mesmo que tenha
achado que era sua imaginação? – ele disse sua voz dura. Ao falar isso meu
corpo inteiro ficou gelado, me lembrei do dia em que beijava Sam, a imagens da
cabana chamuscada, ferros retorcidos, os abutres sobrevoando, o desfiladeiro e
as centenas de cabanas iguais. Aquele céu carmim, e o que aterrorizava meus
sonhos desde aquele dia, as dezenas de demônios desfigurados olhando
diretamente para mim. Minha voz se perdeu, minha mente vagou, um tremor
passou pela minha coluna, não fui capaz de responder de imediato, precisei achar
meu controle.

-Cler? Você esta bem? – Os olhos de Peter estavam em mim, preocupação


no seu rosto.

- Eu, sim, bem, me lembrei de algo. – Minha voz saiu fraca e tremula. Como
poderia falar o que eu tinha visto como tinha visto? Mal podia com a lembrança, o
medo que eu senti, como nunca antes.

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- Me fale Cler, confie em mim. – sua voz baixa, rouca e sedutora.

- Um dia eu vi uma coisa, quero dizer, eu estava acordada, foi mais como
se minha mente tivesse vagado para fora do meu corpo, bem, eu estava em uma
cabana em algum horrível lugar, o céu Peter, era vermelho. – eu baixei minha voz
como se estivesse contando um segredo. – eu saí caminhando de dentro e o lugar
era horrível, senti muito medo, nunca senti tanto medo, e então havia centenas de
cabanas à frente, algumas delas estavam trancadas, mas eu entrei em uma que
não estava. – precisei pegar ar. – havia um monte, havia vários, eu não sei rostos
desfigurados, vários... –

- demônios. – Peter completou para mim, sua expressão era de raiva.


Raiva de mim? Sua mandíbula estava trancada sua expressão era dura e afiada.

- Então isso quer dizer que sou sua Âncora? – perguntei, meu corpo
derrepente estava tremendo.

- Sim, quer dizer exatamente isso. – ele disse e então ficamos em silencio
novamente.

Entramos numa cidadezinha de interior, as ruas eram de pedras e não


asfalto, o que me surpreender que tipos de negócios Peter teria aqui? Ele dirigiu
até um hotel, dois andares, parecia simples, mas limpo. Descemos do carro.

-Nos, huh, vamos dormir aqui? – eu perguntei, e a palavra que beirava


minha mete era: juntos?

-Está com medo Cler? – sua boca elevou-se, sempre divertimento.

- Não, já disse que sou mais do que você conhece. – Peguei minha bolsa e
sai na frente dele para a entrada do hotel. Pude ouvir seu sorriso nas minhas
costas.

Na entrada havia um casal de recepcionista, dentro era ainda mais legal


que por fora, parecia diretamente saído de Supernatural, estava esperando
esbarrar com Dean e Sam Winchester por aqui. Eu sorri, o casal nos acenou e
Peter foi até balcão e acertou a estádia para essa noite e para amanha na parte

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da manhã, eu fiquei na sala da recepção onde havia um menino pequeno


brincando com tacos e carrinhos.

- Então, pronta para dormir, amor? – Ele me perguntou alto, de modo que
parecia querer que o casal ouvisse, eles sorriram e eu acenei. Ouvir ele me
chamar de amor causou um formigamento por todo o meu corpo. Eu tentei ignorar
e avançar pelo caminho que ele fazia.

Entramos em um quarto, era grande, cama de casal, cama de casal? Pelo


menos havia um grande sofá aos pés, banheiro, e televisão. Eu parei no meio do
quarto e fiquei imóvel. Céu como ia administrar isso, passar uma noite com Peter.
Não consegui me mover, fiquei desconfortável e nervosa. Ele largou as coisas e
me olhou.

-Assustada? – Ele me perguntou, a luz era fraca, com se estivesse em uma


fase menor.

- Já disse que não estou com medo. – Eu disse, mas minha voz mostrou ao
contrário, estava sem controle.

- Você tem que saber que não vou te machucar Clerian, você tem que
saber. – Ele disse sério e profundo, falou meu nome inteiro mostrando a
sinceridade de suas palavras, eu acreditei, eu já não tinha medo de Peter, tinha
medo do que ele me fazia sentir.

Ele tirou as botas e a camiseta, ficando com o torso nu e com os jeans,


então graciosamente se atirou no sofá erguendo os braços acima da cabeça.

-Bem, vou ficar com o sofá, se deite, você precisa descansar. – ele me
disse, um olhar relaxado estava espreitando seus olhos negros. De matar, ou de
morrer, pensei, vendo o corpo dele sem camisa, forte e rígido, sai pelo lado tirei
minhas calças jeans e fiquei apenas de camiseta e então me deitei por baixo das
cobertas. Apesar de ter Peter e sua proximidade na minha cabeça, não consegui
lutar muito tempo com o sono quando minhas pálpebras começaram a pesar.

Caí em sono profundo.

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Eu estava olhando para um chão árido, reconheci sendo o deserto aonde


Peter me mostrou ter sido o lugar que ele foi castigado e caiu. Porém havia algo
diferente, nas outras vezes senti extasiada em relação ao lugar, desta vez estava
sentindo apreensão e medo.

- Me sacrifiquei tanto para te encontrar minha puuura. – Alguém disse com


uma voz rouca e profunda, virei para trás, a voz lançou calafrios pela minha
coluna.

Atrás de mim estava um homem, bem não bem homem, estava sem
cabelos, sua imagem parecia translúcida e por todos os deuses suas pupilas eram
iguais as de uma cobra, na vertical, ele não tinha nariz, apenas dois orifícios e
seus lábios eram roxos púrpuros, era moreno e estava completamente nu, e bem
no meio de suas pernas havia uma ereção pulsante. O choque e o horror tomaram
conta de meu corpo, eu estava tão apavorada que não conseguia fazer minhas
pernas se movimentarem, não consegui fazer minha voz formar um grito, o medo
se apossou de mim. Ele se agachou como se fosse dar um bote, e então
lentamente inalou o ar com prazer a sua frente.

-Diabos mulher, tu tem o melhor cheiro que já senti: virgindade, medo e


pavor, sou capaz de morrer de prazer apenas te cheirando. – ele inalou mais uma
vez fechando os olhos em prazer. – Vou te possuir, e te manterei, farei tudo que
eu quiser teus piores pesadelos, usarei teu corpo como uma escrava, esse é o
seu prêmio por ser deliciosa. – ele babava, sim, saliva escorria por sua boca, um
enjôo atravessava o meu estomago, eu queria vomitar, queria fugir, queria gritar,
mas apenas conseguia ficar olhando.

Sem esperar um segundo aviso ele saiu correndo em minha direção, eu


não sei como eu sabia, mas eu sabia que bastava ele me tocar para ter controle
sobre meu corpo. Ele estava se aproximando, estava quase em cima de mim, um
medo desesperador atravessou minha mente, eu pensei em Peter. Gostaria de tê-
lo beijado, gostaria de ter me despedido dos meus pais, gostaria de ter abraçado
Stefany e Nanda, gostaria de ter me desculpado com Sam.

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Então eu gritei. Chamei por Peter tão alto que senti como se minha
garganta estivesse se fazendo pedaços.

Em um momento eu estava sendo alcançada por um demônio horrível, e no


outro eu estava na cama no Hotel, Peter estava em cima de mim com as duas
mãos em meu peito. Demorei a perceber, mas ele estava inclinado sobre mim,
mas sua cabeça estava virada ao Céu, olhos brancos como se suas córneas
tivessem sido tiradas do globo ocular. Ele recitava palavras que eu nunca ouvi, no
meu peito onde suas palmas estavam pressionas estava quente, tão quente que
parecia fogo, senti que ficaria marcada para sempre.

Demorou alguns minutos e então ele se virou, seus olhos haviam voltado
ao normal, uma gota de suor escorreu por sua testa. Ele tirou as mãos quentes do
meu peito, só um segundo depois percebi que ele havia rasgado minha camiseta
para entrar em contato com a pele.

No momento em que ele tirou as mãos um sentimento de abandono e


perda tomou posse de mim, e um choro veio às margens. Peter se deixou cair em
meu lado.

-Você está bem? – Ele me perguntou, pude sentir na sua voz o cansaço,
estava ofegante.

Eu não sei o que ele havia feito, mas eu sabia que havia me salvado. Eu
não consegui achar minha voz, lágrimas silenciosas escorriam pelas minhas
bochechas sem que eu conseguisse evitar, e por mais assombroso que pareça
não eram por causa daquele demônio horrível, e sim pelo abandono e sensação
de perda que a falta do toque de Peter me fez sentir.

- Amor, você está bem? – Ele se virou para mim e perguntando novamente.
Chamando-me de amor. Uma sensação estranha passou pelo meu pescoço e
estomago, ele agarrou meu rosto com as duas mãos.

-Eu, eu, sim, estou, eu, ele quase me pegou Peter. – consegui dizer por fim.

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- Sim, o bani antes que ele a possuísse. – Ele disse com raiva, ódio
irradiava dele agora. O que por algum motivo fez com que mais lágrimas
escorressem por meu rosto.

- Calma amor, você vai ficar bem, eles não vão tocá-la. – Eu o olhei nos
olhos, estavam negros e cheios de sentimento. Eu estremeci, eu gosto de Peter,
não quis admitir antes, e quase não o quero fazer agora, mas a verdade é essa,
talvez estivesse apaixonada por Peter.

- Não estou chorando por causa do demônio. – Disse envergonhada com a


voz baixa. Peter havia tirado suas mãos do meu rosto. Mais perda.

-Estou chorando porque quando estava com as mãos no meu peito, me


senti cheia de vida, completa, feliz e amada, e quando você as tirou foi como se
tivesse levado algo de dentro do meu coração, me senti abandonada e perdida. –
mais admissões.

Peter me olhava profundamente, cautela estava em seu olhar e desejo, eu


podia ver, poderia apostar meu Chery QQ que ele estava dando tudo de si para se
manter em controle.

Ele pegou minhas mãos as mantendo em seu domínio, seus olhos ainda
estavam presos aos meus, confiança passaram por seu olhar, sedutor, os cantos
de sua boca subiram, quase não consegui respirar. Eu queria beijá-lo, gostaria de
beijá-lo agora. Eu sabia que tudo estava errado, Peter era um anjo caído, que
vinha levando a eternidade banindo demônios, era indiferente a tudo e nunca
demonstrou afeto por mim. Eu não podia estar apaixonada por Peter, eu não
podia fazer isso comigo mesma.

- Eu não posso mais fazer isso! Eu não fiz nada por isso! Quero minha
casa, quero minhas amigas, meus pais, quero voltar para o Campus, para o meu
namorado. – eu falei, como uma explosão de frustrações. Eu imaginei que essa
seria a hora que Peter daria a costumeira lição de moral.

Como um sopro, ele colocou uma mão em cada lado do meu rosto e me
beijou.

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Eu poderia ter aberto os lábios e aceitado seu beijo, já que momentos


atrás eu estava imaginando exatamente isso, mas ao contrario disso eu fiquei
imóvel, senti as mãos de Peter descer por meus braços, minhas costas e então
para a minha cintura. Meu corpo inteiro formigou, eu não sabia o que fazer. Ele se
afastou.

- Sou louco. – ele disse um sorriso sem humor apareceu nos seus lábios,
lindos lábios úmidos.

Ele levantou e se dirigiu para o banheiro. Por um momento fiquei confusa,


minha mente girou, Peter acabou de me beijar, ele segurou meu rosto e me
beijou. E então saiu com uma expressão de mau humor para longe. Ele ficou
muito tempo lá dentro, a porta aberta, mas era como se ele quisesse um pouco
mais de espaço entre nós, eu deitei e me rendi ao cansaço que todo o drama
demônio/Peter me fez sentir, derrepente eu estava drenada.

Escorreguei e fechei meus olhos no travesseiro macio, não senti Peter e


meus sonhos foram tranqüilos, nada de demônios, nada de anjos, apenas sonhos
normais. Percebi que já devia estar amanhecendo, pois o céu estava mesclado
entre laranja, azul escuro e azul claro, um espetáculo para os olhos.

Aos pés da cama estava minha camiseta que Peter rasgou para encostar-
se ao meu peito. Senti uma onda de ansiedade crescer no meu estômago.
Levantei pé por pé sem querer acordá-lo e peguei outra camiseta na minha bolsa.

No entanto, o sofá onde Peter estava dormindo estava vazio, vazio não,
havia um pedaço de papel. Caminhei e o peguei entre os dedos, estavam
rabiscadas algumas palavras.

– PRECISEI SAIR, PRECISO QUE FIQUE AQUI, AMOR. FIQUE SEGURA,


TOME CAFÉ E ME ESPERE, AQUI NO HOTEL ESTARÁ EM SEGURANÇA, ME
CERTIFIQUEI DISSO. VIREI TE BUSCAR NO FIM DA MANHÃ. POR FAVOR,
CLER, NÃO FAÇA NADA, APENAS ME ESPERE OK? PETER.

Reli duas vezes a mensagem, passei o dedo sobre a palavra amor, e então
guardei o papel.

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A noite passada foi horrível, nunca na minha vida havia sentido tanto medo.
Aquele demônio era uma coisa saída diretamente de livros de terror, mal posso
acreditar que realmente aconteceu. Ele queria me possuir, queria me violar, me
escravizar, e sentia prazer só pensando nisso. Mas Peter havia me confortado,
havia me beijado, havia me salvado.

Eu odiava ficar assim acuada, dependendo de outros pra ter proteção,


precisava achar um meio de nunca mais nenhum demônio me achar.

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PETER

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Eu andava a passos largos, precisava estar de volta logo. Minha mente


girava rápido, tomando decisões rápidas. Um caído não podia hesitar, mas eu não
conseguia evitar pensar na loucura que tinha feito. Nem tão loucura assim.

Eu havia beijado Cler. Ela estava a ponto de ser possuída e eu senti o seu
medo, seu desespero. E então ela gritou meu nome, tão alto que meus ouvidos
ficaram latejando. Em questão de segundos ela estaria morta ou possuída se eu
não tivesse agido rapidamente. Ela parecia desesperada e vulnerável e mesmo
assim pude sentir sua segurança em mim, eu não pensei uma segunda vez
quando senti a presença do demônio de fase menor se aproximar.

Fiquei surpreso ao perceber que o demônio não havia entrado por completo
nesse plano, ele só pode ter feito um grande sacrifício para atraí-la para o outro
lado. Devo admitir que talvez os demônios estejam se tornando menos idiotas, ao
saber que ela é uma âncora eles não precisam mais se sacrificar para vir até aqui,
eles podem simplesmente atraí-la até eles.

Eu senti minhas mãos fechando-se em punhos. Precisava me concentrar e


precisa ser rápido. As palavras de Jango ainda tamborilavam em minha mente. “E
Peter? Não falhe.” Ele havia me dito. Não se ignora um aviso de um Arcanjo.

Tirei o papel amassado do bolso de trás dos meus jeans, quando cheguei
ao cruzamento da Rua Rochester – LIAN – ROCHESTER 163 SUBSOLO –
GULEVAR - estava escrito.

Dirigi-me ao prédio de número 163. Havia muito prédios velhos nessa


cidade, e sinceramente, havia muitas poucas pessoas passando na rua. Nenhuma
dirigiu o olhar a mim, pareciam caminhar rápido para seus destinos sem se
importar com minha presença ou o motivo de minha visita.

O prédio se estendia até o segundo andar, e todos os apartamentos


pareciam estar desocupados, na porta estava um grande cadeado, puxei forte a
corrente, não cedeu. Presumi que não era essa a entrada pretendida por Jango
quando me mandou vir até aqui, então girei pelo lado direito, ao lado de lixeiras
estava a porta de emergência. Destrancada. O interior estava silencioso, somente

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o barulho de uma goteira em algum lugar enchia meus ouvidos. Caminhei até as
escadas, examinei o lugar e a saída com meus olhos, memorizando.

O demônio Lian estava no subsolo em um porão, então desci um lance de


escadas que terminava em uma forte e grossa porta de metal contra incêndio. Abri
a porta e acendi a luz ao lado da porta, bem ao meio da grande sala preso em um
provável circulo de sal enfeitiçado estava o demonio. Não fiquei surpreso com o
lugar, havia pelas paredes muitos objetos de tortura demoníaca, provavelmente
esse seja um lugar fixo de tortura de demônios.

Os anjos caídos usavam da tortura para conseguir informações, prendiam


os demônios com feitiços, círculos enfeitiçados, armas abençoadas, soluções
vindas diretamente do céu. Os demônios sabiam o poder de uma tortura de um
anjo, então não demoravam a abrir a boca e despejar tudo. Além disso, lealdade e
honra não estava dentro dos costumes dessa raça infame.

Não me surpreendeu encontrar muitos símbolos que proteção, isolamento,


aprisionamento e selamento desenhados no chão em volta do circulo. O que
realmente me surpreendeu foi perceber que o demônio Lian era na verdade,
demônia Lian.

- Sinto seu cheiro, caído. – ela disse ofegante.

Ela tinha cabelos raspados, como os de um homem, enormes olhos verdes,


seu rosto estava todo ensangüentando e seus lábios grossos se faziam rasgados
em várias partes. Ela estava amarrada em uma cadeira de ferro, acorrentada no
pescoço, tórax, cintura e pés. Pude perceber que havia uma adaga de ferro
enfeitiçada por arcanjos cravada em seu Ventre. Seu corpo estava todo
ensangüentado, e sua roupa chamuscada e cortada.

- Você é Lian? – perguntei sombrio.

-Se eu disser que não, vai me deixar ir? – ela disse, ainda que
completamente machucada soava irônica.

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-Na verdade não. – eu disse friamente. – Bom você já sabe o protocolo


Lian, então comece a falar. – eu disse rezando para que ela decidisse facilitar
meus esforços.

Caminhei até uma mesa próxima a parede onde havia vários instrumentos
de tortura, água santificada em grandes frascos, facas, adagas, lâminas, correntes
untadas e grandes pinos de ferro. Já fazia vários anos em que não precisei
torturar um demônio, lidar com a legião de Procriadores não exigia tortura, mas eu
sabia muito bem como fazer. Logo que comecei a trabalhar em prol da minha
maldição tive alguns companheiros de má escolha que mostraram o que eu
precisava fazer para conseguir informações. Muitos demônios não precisavam de
tanta tortura e mutilação, mas alguns anjos caídos o faziam mesmo assim, seja
porque gostavam, ou seja, para descontar sua raiva em alguém.

Escolhi que ia começar com água santificada. Água santificada em contato


com pele de demônio queima e muitas vezes abrem caminho até tecidos mais
profundos, músculos e até ossos. A água para ser santificada tem que ter uma
gota de sangue de um Arcanjo a sua mistura, e não apenas aquela mistificada
benzida por padres corruptos.

Escolhi um frasco pequeno, uma pequena tesoura ungida e uma adaga de


ferro com o cabo coberto por pequenos símbolos sagrados. Coloquei o pote de
água no bolso peguei a adaga e a tesoura e caminhei até Lian. Não havia muita
luz no local, a não ser por um bico de luz em cima da cabeça de Lian.

Ao meu aproximar pude ver o real estado de Lian e bem, o corpo da garota
que ela possuiu era realmente muito bonito, e estava em um estado grave de
concussões e mutilações.

- Então vou lhe contar como vou proceder Lian. – pausei e parei na sua
diagonal. – Você tem cinco segundos após minha pergunta, se você não abrir a
boca e começar a falar vou começar com um pouco de fluido santificado para
queimar a sua garganta e chegar a musculatura do seu pescoço. Após isso
marcarei seu lindo rosto com símbolos sagrados de cima a baixo, sem deixar um
único espaço. E eu espero não ter que chegar a utilizar a tesoura. Se por fim,

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você não me ajudar cortarei fora a sua língua e então te destruirei. – falei
sombriamente.

- Como se você pudesse me destruir caído. – ela disse sorrindo.

Eu decidi ignorar a sua provocação e começar, quanto antes eu começasse


mais cedo terminará e então poderei me certificar de que Cler esteja segura.

- Para quem você entregou o artefato de Jango? – Minha voz era cortante.

- Jango, Jango, Jango. Sempre mandando outros fazer seu trabalho sujo. –
Ela me disse.

-Para quem demônio? – eu disse irritado.

- Nada do que faça irá me fazer falar, tudo que me fará estúpido caído, não
é nada comparado do que me farão se eu abrir a minha boca. – ela disse com um
brilho louco nos olhos.

-Na verdade Lian, você vai ver que eu posso ser bem criativo. – Eu disse
colocando um tom mortal como aviso.

-Tente. – ela disse com um olhar arrogante.

Eu peguei o pote com água santificada, apertei sua mandíbula de modo a


abrir seus lábios e derramei o conteúdo em sua boca, no mesmo instante Lian
rugiu de dor, um grito alto e forte, estremecendo e retorcendo até que eu a soltei
pude ver fumaça saindo de sua boca e lágrimas vermelhas escorrendo de seus
olhos. Ela ficou alguns segundos com os olhos fechados contorcendo-se e
chorando e então abriu os olhos e me olhou. Abandono, medo e raiva passaram
por seu olhar. Peguei a adaga e me dirigi novamente a ela.

- Vamos Lian, você está ficando sem tempo. – eu disse.

- Pobre anjo caído. Acha que está fazendo o papel do bom carrasco? Se
soubesse da metade das coisas que está acontecendo a sua volta estaria
envergonhado do papel estúpido e ridículo que está fazendo. – Lian disse quase
cantarolando.

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- Está tentando desviar minha atenção demônia? – eu disse ameaçador. –


isso é um grande erro.

- Jango te disse o que eu o roubei? – ela me disse com um sorriso


diabólico. – posso apostar tudo que você quiser que ele não falou. Apenas o
mandou aqui fazer o trabalho sujo dele como um cachorrinho bem mandado. – ela
arqueou uma sobrancelha.

Eu queria que ela continuasse falando mesmo que seja para me distrair.
Talvez eu conseguisse pegar algo, talvez ela deixasse realmente algo escapar.
Girei a adaga em minhas mãos a dando mais tempo.

- Eu te conheço anjo caído, todos conhecem você. – ela disse. – além do


mais posso sentir o cheiro em você, o cheiro dela. – ela riu.

- Você a está protegendo não é mesmo? – ela continuou. – Você é um


estúpido. Se a quer proteger, deveria começar por deixá-la longe do rastro do
Arcanjo. – ela terminou.

-Por quê? – eu disse desinteressado.

-Porque ele também a quer seu idiota. – ela disse rindo. – todos a querem,
apenas não dividimos o mesmo motivo.

Agora isso estava começando a ficar interessante. Demônios são


mentirosos e estrategistas. Mas eu ainda queria saber tudo que ela tinha pra
dizer, depois faria o que precisava fazer.

- E por que um arcanjo iria querer uma pura? – eu arqueei uma


sobrancelha.

- Ele vai usá-la como moeda de troca, no momento certo. – ela ficou séria.
– Ele apenas precisa da ultima informação para continuar. Ele precisa saber com
quem está seu precioso bem para poder negociar. – ela disse. – E o mais
engraçado foi ele mandar logo você para arrancar a informação de mim.

- Eu a protegei de todos, inclusive de Jango. Então me poupe da sua falsa


preocupação, demônio, e responda minha pergunta. – eu disse cortante.

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-Agora Lian, vamos começar de novo. – eu disse, passei a ponta da adaga


em sua mandíbula, queimando onde tocava. – Onde está o que Jango quer?

- Está no Inferno. – ela abriu um sorriso.

- Com quem? – eu disse.

- Não posso responder essa pergunta, Peter. – falou ficando séria


novamente.

- Vamos começar a nos chamar pelos nomes agora? – eu disse. – Então


tenho outra pergunta. O que você quer para me falar onde está? – eu blefei.

- Hum, você é deliciosamente um mau mentiroso, se vai mentir para um


demônio faça direito querido, somos especialistas em mentiras desde nossa
criação, você sabe. – ela disse com humor.

Eu não podia perder mais tempo, peguei a adaga e rasguei uma linha da
orelha direita até o canto externo da boca. Lian gritou e uivou de dor, fazendo com
que mais lágrimas sangrentas escorressem por seu rosto.

- Se eu falar onde está docinho, sua pura vai morrer. Tem certeza que é
isso que quer? – ela disse sem humor. – Jango não é quem você acha. Ele tem
um único interesse querido, e não se importa com sua pura. – terminou.

- Preste atenção Lian estou cansado de perder tempo, então comece a


falar por sua vida. – falei.

- Você quer saber sobre Jango? – ela disse. – Se fizermos um pacto, posso
te contar tudo, menos onde está o que ele quer. Depois que eu lhe contar o que
eu sei você não vai querer ajudá-lo.

- Um pacto com o demônio? – eu ri mortalmente. – você pensa que sou


idiota?

- Na verdade eu penso sim, anda seu idiota, Jango vai usá-la como moeda
de troca. Vamos fazer um acordo, eu e você docinho, e te conto tudo sobre seu
herói Jango de merda. – ela disse

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- Me fale primeiro, se eu gostar do que tem pra mim, fazemos um pacto. –


eu disse.

-okey seu idiota, o que eu tenho a perder, não é mesmo? – pausa. – bem,
acho que você deveria começar sabendo que o que o Arcanjo quer de volta é uma
fêmea. – ela disse.

Eu olhei incrédulo. Uma fêmea? Como uma fêmea? Uma fêmea de que?
Muitas coisas passaram por minha cabeça.

- Uma fêmea de que? – eu perguntei

- Céus, todos os anjos caídos são tão idiotas assim? – ela disse.

Eu me aproximei a adaga ao pescoço dela como um aviso. – Cuidado


demônio, não esqueça o seu papel aqui. – eu disse sério e ameaçador.

- Ela é uma humana. Uma humana como a sua, e prepare-se, ela também
é uma ancora. – ela disse quase com humor.

-Não acredito, porque Jango estaria disposto a negociar com o Inferno por
causa de uma humana? – perguntei.

- Pelo mesmo motivo que você quer proteger a sua, querido. Ele a ama. –
ela disse como se fosse a coisa mais obvia do mundo.

- Jango ama a uma humana? – eu disse. Isso não podia ser verdade.
Arcanjos também podiam cair, então, se Jango ama uma humana como ainda é
um Arcanjo?

- Parece que estes deliciosos humanos encantam não somente ao inferno,


mas como o céu também. E tem mais, mas só depois de um pacto, Anjo. – ela
disse me olhando seriamente.

-Okey, pactuamos então. – Rapidamente cortei meu pulso até o sangue


estar escorrendo em uma linha fina. – Você me dirá tudo que sabe sobre Jango,
valendo somente a verdade, me falará também de seus planos. Em troca te
libertarei desse exílio, mas você estará presa a mim, não poderá fugir e nem me

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ferir. Se quebrar o pacto será banida e selada. Com muita dor. Você aceita os
termos Lian?

-E estarei presa a você por quanto tempo? – ela me disse.

- Até eu salvar a pura. – falei.

- Okey, okey, que seja, eu aceito seus termos Caído. – ela disse com
desdém. E então peguei seu pulso e fiz um corte profundo fazendo com que
nossos sangues se misturassem. Senti uma onda elétrica passar por meu corpo.

O pacto estava selado.

- Comece a falar Lian. – eu falei agora eu saberia de tudo

- Só depois de sair dessa cadeira imunda e tomar um banho. Olha para


mim anjo, sou uma fêmea e não posso andar por aí dessa maneira. – ela disse
em tom de vitoria.

Eu sabia que o poder de um pacto com anjos caídos era inquebrável e que
ela não poderia fugir, então soltei as correntes e a libertei. Ela levantou
cambaleando, e mal conseguindo andar. E sabia que sua essência imortal a faria
se curar rápido. Então a ajudei a ficar de pé, ela era diminuta e não pesava muito.
Saímos pela porta de aço e subi a escada. Dirigi-me para a porta ao lado
pensando em uma maneira de chegar até o carro sem ninguém vê-la.

-Onde você está indo idiota? – ela me perguntou antes que eu saísse do
prédio.

-Estou te tirando daqui, e eu esperava mais agradecimentos da sua parte


demônio. – eu disse confuso.

- Nos andares acima há vários apartamentos mobiliados vazios. Me leve


para algum deles. – ela cortou.

Subi rapidamente os degraus, precisava saber toda a historia e achar uma


maneira de tirar Cler dessa situação. Abri uma porta quebrando a fechadura, e
soltei Lian que se direcionou no mesmo instante para um banheiro. Pelo laço

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criado pelo pacto pude perceber que ela não planejava fugir. Escorei-me no lado
de fora do banheiro na parede.

- Como Jango não caiu, se ele ama a uma humana? – eu perguntei alto
para que Lian pudesse me ouvir.

- Parece que ele arrumou um jeito de burlar essa regra. Como um furo no
sistema. Não sei bem. – Ela me disse, eu podia ouvir o barulho do chuveiro.

- E o que aconteceu a ela? – Perguntei novamente.

- A possui em um descuido do Arcanjo e a levei para o inferno. – ela


pausou. – Jango ficou puto comigo, mas não podia fazer nada já que a vida que
ele levava com ela era segredo. – mais pausa. – então ele fez um acordo com um
forte demônio para que a achasse e em troca ele o premiaria com uma Pura. Ele
daria uma pura ao demônio para que a engravidasse, mas planejava é claro
acabar com o feto logo após. - ela terminou.

Pude ouvir o barulho do chuveiro cessar. Lian então saiu do banheiro


completamente nua e parou a minha frente. Ela estava limpa, sem sangue e
sujeira, seus olhos verdes resplandeciam. Seria linda se não fosse um demônio.

- Se vista Lian. – eu arranquei minha camiseta e joguei para ela. Como eu


esperava a camiseta ficou enorme nela tapando seus seios nus e seu ventre.

- Anjos caídos são extremamente chatos. – ela disse após colocar a


camiseta pela cabeça.

- Continue falando. – eu a dei o aviso.

- Bem, onde eu estava?- pausa. – Há sim, então o demônio ainda não


achou a fêmea de Jango, mas conseguiu achar outra pura sem precisar do
Arcanjo. O que irritou Jango obviamente, e vejamos só, o demônio que fez o
acordo com o Arcanjo é o mesmo que está ligado a sua pura. Para atrasar o
demônio e o fazer achar a outra fêmea Jango chamou você para protegê-la e
evitar que o demônio a tenha. Até que o Arcanjo descobriu que a pura que o
demônio se ligou não é uma pura qualquer, mas é também uma ancora, o que

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veio como um presente, porque ele decidiu que assim que soubesse aonde esta a
humana iria pegar a ancora pura e usaria como moeda de troca e o demônio
contratado, bem é claro que ele o destruiria.- pausa. – sinto te dizer docinho, mas
o plano de Jango era que você protegesse a pura até o demônio achar a sua
fêmea, depois que achasse ele iria sumir com você e com o outro demônio
deixando apenas ele com as humanas âncoras.

Tudo se encaixava então aonde tudo isso me deixava? Eu precisava


proteger Cler, achar a humana de Jango, matar o demônio e entregar Jango para
as autoridades celestiais. Tudo isso rápido. E como Lian é a única que sabe com
quem está a humana de Jango, terei que a manter por perto.

- Você vai-me dizer onde está a humana de Jango? – perguntei.

- Nem sonhando querido, isso não estava no pacto. – Ela me disse batendo
os cílios.

-Bem então teremos que agir rápido, antes que Jango descubra que te
libertei. O tempo agora está correndo. – eu disse.

- Em que está pesando docinho? – ela disse.

- Que vamos fugir daqui. E você vai vir junto. Preciso pegar Cler. – eu disse
saindo pelo prédio em direção ao meu carro, pude sentir pelo pacto que Lian não
queria me seguir, mas se sentiu obrigada. Rumamos em direção ao hotel em que
Cler estava eu precisava ser rápido agora.

Quando chegamos na frente do hotel senti uma sensação estranha não


soube se era da minha ligação com Cler ou da minha nova ligação com Lian, mas
algo me disse que o medo que passou por mim veio direto de Cler, algo estava
acontecendo. Algo está acontecendo a Cler.

Sai correndo sem pensar em Lian, eu sabia que a ligação dela comigo a
obrigava a manter-se perto, então não fugiria, a única coisa que me importava era
Cler, eu podia sentir seu medo, posso sentir que algo está acontecendo a ela, que
algo está errado. Obriguei minhas pernas a se mexerem mais rápido, passei pela
recepção e sai em disparada para o quarto. A porta estava trancada.

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- Cler? – eu chamei alto.

- Clerian? Abra a porta amor,sou eu, Peter. – chamei novamente.

- Que doce. Mas sinto te dizer que ela não está ai Anjo, e nem precisei de
uma ligação para saber isso. – Lian derrepente disse atrás de mim.

Dei dois passos para trás e então avancei com o pé na porta. Precisava ver
que realmente ela não estava aqui. Não acredito que aquela mulher teimosa e
idiota saiu do hotel. Eu a avisei que aqui estaria segura, eu havia tomado uma
hora do meu tempo enfeitiçando o lugar. Mas ela tinha que sair. Ela realmente
tinha que sair, e fazer o oposto do que eu disse. O que diabo as mulheres tem na
cabeça?

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Eu não podia ficar sentada aqui esperando. Meus pés já estavam por abrir
valetas no piso de tantas voltas que eu havia dado de um lado do quarto ao outro.
Tudo isso por eu ser uma droga de uma virgem de vinte e dois anos, e o pior uma
que podia andar pelo o inferno.

Derrepente uma aparente solução passou pela minha cabeça. E se eu não


fosse mais virgem? Eu não seria uma âncora pura e os demônios não iriam mais
querer me engravidar, apenas me possuir e isso já era muito melhor. Minha
cabeça doía de tanto pensar. Peguei o celular. Eu poderia ligar para Sam, ele era
de confiança, era meu namorado. E não se importaria em me ajudar com isso.

Apesar de estar quase me convencendo de realmente fazer isso, ligar para


Sam e realmente permitir que algo mais sério aconteça, havia algo que ainda me
impedia. Eu não precisava me perguntar o que era porque eu sabia muito bem.
Alto, cabelos e olhos negros, corpo maravilhoso. Peter.

Peter havia me beijado com carinho enquanto eu chorava, e depois


levantou e saiu com algo na expressão, algo entre decepção e tristeza. Isso me
devastou. Me deixou confusa. Eu precisava fazer algo por mim mesma. Peguei o
celular e disquei o numero de Sam, demorou poucos segundos para que ele
atendesse, e dessa vez sua voz parecia estar normal.

-OI Cler. – ele disse apesar de normal sua voz parecia um pouco mais dura
que sempre.

- Ei, oi, como você está? – eu perguntei cautelosa.

- Estou bem, e você garota ruiva? – ele perguntou.

- Também, bem, eu queria falar com você. – eu disse.

- Estou à disposição. – pude ver que ele estava com um bom humor hoje,
sua voz demonstrava leveza.

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- Bem eu estou em uma cidade perto de Santa, queria saber se você


poderia vir me pegar? – eu disse.

- Agora?– ele disse, parecendo confuso. – Qual cidade?

- Gulevar. – eu disse.

- Seus pais estão em Gulevar? – ele me perguntou com um tom ansioso.

- Na verdade estou sozinha aqui, e bem preciso te ver, quero dizer, quero
te ver, muito. – tentei soar sexy, seja lá como isso seja.

- Hum tudo bem, mas porque você não vem até aqui de carro? – ele
perguntou.

- Não vim de carro, usei uma carona. Você vai vir ou não Sam? – perguntei
impaciente.

- Okey, vinte minutos? – ele perguntou.

- okey, eu vou te esperar em vinte minutos na entrada da cidade. Tudo


bem? – perguntei ainda tentado soar rouca e sexy.

- Está bem, até logo garota ruiva. – ele desligou primeiro.

Sentei-me na cama. Eu sabia que Peter onde quer que ele esteja ia querer
me matar por ir embora sem ele, mas afinal, Peter não mandava em mim. Por um
momento senti medo, e se algum demônio voltasse a tentar me possuir enquanto
estivesse com Sam? O que Sam pensaria? Se ele soubesse de tudo que está
acontecendo comigo provavelmente iria romper nosso namoro. Provavelmente
não iria querer ter nada a ver comigo. E Peter? Ficaria bravo por deixar de ser
virgem?

Alguns minutos se passaram em que fiquei perdida em pensamentos, juntei


minhas coisas, pus na bolsa e andei até o banheiro. Meu reflexo mostrava uma
Cler diferente. Eu tinha olheiras e meu olhar parecia distante. Meus grandes olhos
âmbar estavam sem brilho e meus cabelos cor de fogo estavam embaraçados. Fiz
o que pude para arrumá-los da melhor maneira, achei minha escova dental no

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fundo da bolsa. De maneira nenhuma poderia dar um daqueles beijos em Sam


sem ter escovado os dentes.

Derrepente eu me sentia nervosa, uma urgência em meu estomago, deve


ser assim que as garotas normais se sentem antes da sua primeira vez. Eu não
tinha idéia do que fazer e como agir então esperava que Sam seja experiente para
me guiar. A urgência cresceu um passo. Peter não saia da minha cabeça, maldita
ligação, maldito beijo, maldito anjo caído.

Um pensamento passou ligeiramente por minha cabeça. E se minha


primeira vez fosse com Peter? Como seria sexo com um anjo caído? Um calafrio
desceu pela minha coluna. Eu não pensaria em Peter agora. Não podia, se
pensasse provavelmente não conseguiria seguir adiante com meu plano.

Terminei de me arrumar e sai do hotel, fui caminhando até a entrada da


cidade que ficava assustadoramente perto. Senti-me com medo, com medo de
que algum demônio me achasse. A lembrança do Demônio com uma ereção entre
as pernas e saliva escorrendo pela boca veio a minha mente, e um tremor passou
por meu corpo. Eu não poderia permitir isso, não poderia permitir me sentir
sempre com medo.

Fiquei esperando Sam no gramado aonde havia os grandes letreiros com o


nome da cidade, bem na entrada. Não demorou muito para que eu avistasse um
Civic preto se aproximando e diminuindo a velocidade.

- Ei garota ruiva, você parece linda sentada ai. – Ele me disse abaixando o
vidro e me dando um grande sorriso.

- Oi. – eu sorri timidamente e me direcionei para o banco do carona.

- Vamos pra casa ou pra algum outro lugar? – ele me perguntou com a
expressão seria.

- Sam, você poderia me levar para a sua casa? – eu disse.

Demorou alguns segundos para que Sam respondesse, pude perceber nos
seus olhos, controle e confusão, e então divertimento.

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- Sempre soube que um dia você imploraria que eu te levasse para minha
casa. – ele disse me dando um sorriso amplo.

- Eu não estou implorando! – eu disse. Garoto presunçoso.

- Só estou dizendo! – ele disse rindo. Depois disso ficamos em silencio,


pude ver a entrada da cidade e minha mente vagou.

O que Peter estaria fazendo? Ele já teria descoberto que fugi? Pedi que
Sam me levasse para a casa dele porque sei que o primeiro lugar que Peter iria
me procurar seria em casa. E tenho certeza que ele não sabe aonde Sam mora.
Nesse momento também percebi, que os dois nunca se conheceram, melhor
assim.

Quando minha mente retornou estávamos parado em frente a uma grande


casa em um bairro que eu nunca havia visitado, mas que eu imaginava ser
próximo ao bosque onde eu sempre o deixava. Sam já havia estacionado e estava
parado me observando com humor.

- Acho que estou começando a me acostumar com isso. – ele me disse.

- Com isso? O que? – eu perguntei derrepente envergonhada, a quanto


tempo estaríamos parados aqui.

- Você. Seu corpo está aqui, mas sua mente não. Você fica ai, olhando pro
nada, com o olhar vazio, lábios abertos. – ele disse. Derrepente ele pegou a
minha mão e virou, de modo que meu pulso ficasse para cima e o cheirou
profundamente.

- Você tem um cheiro incrível. – ele me disse olhos cheios de desejo.

- Huh, Obrigada, e você cheira a café, sempre. – eu ri.

- Vamos entrar? – ele me perguntou me olhando nos olhos cautelosos.

- Sim – disse finalmente.

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Sam me puxou por um grande portão, a casa era enorme vista de fora, azul
clara com branco, tinha dois pinheiros na frente e um jardim de cinema. Ele abriu
a grande porta de entrada me puxando contra ele.

- Nunca trago ninguém aqui. – ele me sussurrou.

- Gosto disso. – eu lhe disse.

Entramos na casa e deuses do Céu, era incrível, esse garoto só podia ser
de uma família muito rica por que o ambiente todo era luxuoso, móveis de
carvalho escuro, eu quase podia ver meu reflexo no piso, dois grandes lustres de
cristal estavam acima de nós, e pinturas suntuosas estavam espalhadas pelos
cômodos. Fiquei desconfortável.

- Sam, porque você esqueceu de me dizer que era milionário? – eu brinquei


parando.

- Não sabia se você era interesseira ou não. – ele disse me puxando pela
mão.

- Seus pais são o que? Traficantes, barões do petróleo, donos dos


diamantes indianos? – eu estava abismada.

Sam ignorou minha pergunta e seguiu me puxando, creio que para seu
quarto, o que fez com que uma ansiedade crescesse em meu estomago, meu
coração acelerou. Talvez eu ainda não estivesse pronta, embora agora seja meio
tarde pra voltar atrás.

Sam me dirigiu para o andar de cima e abriu a primeira porta. Um enorme


quarto entrou no meu campo de visão. Bem ao meio tinha uma enorme cama,
havia duas portas mais, uma para cada lado do cômodo, não consegui imaginar
para o que serviriam. Havia algumas roupas espalhadas em uma grande cômoda,
e no canto direito um divã preto de veludo chamou minha atenção. Me fez ter um
calafrio na coluna.

- Está assustada por estar no meu quarto garota ruiva. – ele me disse
docente enquanto me puxava para um beijo leve.

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- Não estou assustada. – eu disse convicta.

- Bom. – ele disse e então desceu seus lábios sobre os meus.

Sam me beijou levemente e então aprofundou um pouco, sua língua


dançando dentro da minha boca. Suas mãos desceram ao redor dos meus braços
me causando um calafrio. Eu queria o Sam, queria arrumar as coisas, mas o que
eu sentia com Sam não era certo, era estranho. Ele se afastou um segundo e
olhou nos meus olhos.

- Porque quis vim para cá Cler? – ele me disse com a voz rouca.

- Sam, eu queria vim aqui porque você sabe bem eu acho que eu quero
deixar de se virgem. – Falei tudo em um fôlego só com medo que não
conseguisse falar nada, com medo de virar as costas e ir embora.

Sam parou com os olhos grandes e deu um passo para trás. Seus olhos se
encheram de desejo, fome. O que ficava estranho no olhar de Sam que
geralmente era tão doce.

- Porque isso agora? – ele me perguntou ainda incerto.

- Acho que está na hora, mas se você não quiser Sam, posso ir embora,
numa boa. – eu falei tentando soar segura.

- Você tem certeza que quer isso? Porque eu venho sonhando com isso há
semanas. – ele me perguntou com a voz controlada. Não consegui fazer minha
voz formar a palavra então apenas acenei, foi o que bastou para Sam. Ele veio
para mim, meu coração acelerou.

Talvez se eu pensasse em Peter poderia fazer acontecer, se eu pensasse


que estou beijando Peter ao invés de Sam, que ele está me tocando, e que Peter
vai me tornar mulher. Só o pensamento fez os pelos dos meus braços arrepiarem
e uma ansiedade crescer entre minhas pernas. Esse seria o caminho.

Sam me beijou e então lentamente desceu beijando e lambendo por todo


meu pescoço, enquanto ele me beijava visualizei a imagem de Peter, seus
cabelos negros e macios. Sam me beijava na altura da clavícula, e envolveu meu

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seio direito com uma mão. Levantei minha mão para enredar nos cabelos negros
de Peter e encontrei apenas pontinhas loiras espetando a palma da minha mão,
abri meus olhos e os cabelos negros da minha imaginação agora estavam loiros e
curtos. Afastei-me, eu nunca poderia fazer isso.

Dei um passe para trás e tomei distancia de Sam. Ele me olhou confuso e
com fome.

- Cler, o que foi? – ele pareceu mais duro do que necessitava.

- Eu acho, hã, eu acho que ainda é cedo, Sam. – eu disse e baixei minha
cabeça. – Sinto muito, eu, eu não posso.

Sam me olhou com espanto e então um olhar afiado atravessou seu rosto,
ele entrecerrou os olhos e se aproximou lentamente. Pegou minhas mãos me
limitando a ele.

- Sam, o que está fazendo? Sam me solte! – Eu disse puxando minhas


mãos. Mas Sam era mais forte que eu supunha, por mais que eu colocasse toda a
minha força não conseguia mexer nem sequer um centímetro.

-Sam! Sam! Solte-me! Você. Tem. Que. Me. Soltar! – eu gritei. O que Sam
estava fazendo? Sam ia me tomar à força? Ele ia me bater?

-Você maldita Vadia! Acha que vou te soltar? Fui tão bom para você e é
com isso que me paga? – ele gritou rindo com um humor negro.

-Sam! Porque está fazendo isso? Você prometeu que nunca ia me forçar!
Você prometeu! – eu gritei.

Ignorando-me Sam me puxou pelos pulsos me deixando perto, e então me


cheirou profundamente no pescoço.

- Você cheira tão bem Cler! Quase não posso me agüentar! – Ele me puxou
até a cama e me jogou, no momento em que eu fui rolar para o lado ele estava em
cima de mim. Pegou novamente meus pulsos e puxou para cima, ele era
incrivelmente pesado, tão pesado que ficou difícil conseguir respirar. Levantou
meus pulsos para cima e do canto da cama tirou um pedaço de pano preto

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comprido. Me fez perguntar, quem teria algo assim ao lado da cama? Com uma
habilidade sobrenatural ele atou meus pulsos juntos em cima da minha cabeça na
guarda da cama e então foi para meus pés. Ao invés dele prender meus pés
juntos, abriu as minhas pernas e prendeu cada uma de um lado da guarda inferior
da cama, me deixando completamente vulnerável. Um tremor me atravessou, eu
estava completamente com medo e apavorada. Porque Sam estava fazendo isso?

Eu gritei tão alto quanto podia, lágrimas escorriam pelos meus olhos. Eu
não podia acreditar no que estava acontecendo, não com Sam. Eu devia estar
tendo um pesadelo.

Sem nenhum aviso Sam veio até o meio das minhas pernas e rasgou a
minha calça com uma força que não poderia ser humana. Por todos os deuses,
não. Não podia ser.

- O que você está fazendo? – eu perguntei derrepente me dando conta.

- Cala essa sua boca. – ele disse friamente e sem nenhum aviso ele
cheirou, sim, ele cheirou o meio das minhas pernas, pude ver que seu corpo
estremeceu, e ele colocou a língua para fora, como se fosse me lamber. – Você é
tão pura que posso morrer de prazer só de te cheirar. Sua puta virgem.

A frase foi como um tapa na minha cara. O mundo derrepente parou como
se a cena tivesse congelado. Ele disse quase as mesmas palavras do demônio
antes de tentar me possuir. Eu gritei tão alto que minha garganta se fez em fogo.

Sam levantou e veio até mim, me dando um forte tapa na cara.

- Eu juro Cler, se você gritar de novo, vou pegar a minha faca e vou te
rasgar toda. – ele disse. Eu não duvidei, Sam tinha um olhar assassino no rosto,
na verdade Sam tinha o rosto diferente, seus olhos não eram mais os mesmo,
agora eles estavam na vertical como o de uma cobra. Eu não conseguia evitar as
lágrimas que escorriam pelo meu rosto.

- Por favor, Sam não faça isso. Por favor, não faça. Você jurou. – eu
supliquei entre soluços.

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- Por favor, você acha que meu juramento a uma humana vale de alguma
coisa? Não seja ridícula. – Ele disse dando uma gargalhada. Derrepente
arrancando suas próprias calças deixando a mostra sua ereção.

- A ela não, mas a mim sim! – Uma voz estourou com uma forte luz no
quarto.

Ainda não o conhecia. Era enorme e assustador. Tinha os cabelos


raspados, e grandes asas em suas costas. Estava parado bem em frente à cama.
Olhando mortalmente a Sam.

- Você tem um pacto comigo demônio. E não cumpriu a sua parte, então
não terá a pura. – o estranho disse novamente. Tinha asas, minha mente girava
rapidamente, era um anjo? Ele era um anjo? Sam se encolheu um pouco, e raiva
borbulhou em seu olhar.

- Maldito, você não pode fazer isso! A pura é minha, eu a achei! Pertence-
me! – Sam disse, mas Sam não era mais o Sam doce que eu conhecia, Sam tinha
se transformado em uma besta, salivando, dentes afiados, olhos predadores como
os de uma cobra. Sam era um demônio. Sam era um demônio o tempo inteiro.

“Demônios são sedutores, cativantes, conquistam facilmente sua


confiança.” Havia dito Peter. Deuses como fui ingênua, não ingênua, fui
descuidada. Pensei que Sam era a parte segura da minha vida, e na verdade ele
era o mal.

- Liberte-a demônio, ou te destruirei agora mesmo! – O anjo gritou, e sua


força resplandeceu forte como um raio fazendo Sam se encolher.

- Nunca Arcanjo, eu te destruirei e depois irei atrás da sua ancora Humana


e a tomarei também. Talvez eu inicie uma coleção de humanas ancoras. – Sam
disse saltando em direção ao Anjo, Arcanjo.

No momento em que Sam mencionou a Âncora humana o Anjo criou uma


espada flamejante do ar, como mágica, e acreditem foi como mágica mesmo.
Meus olhos estavam presos, minha respiração trancada. Era como se eu
estivesse presa em um dos livros de Gena Showalter, só que eu não estava em

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um livro, isso estava acontecendo, uma guerra entre o Céu e o Inferno bem em
minha frente enquanto eu estou presa em uma cama. Nua.

Sam saltou para o Anjo e como se batesse em um escudo foi lançado para
trás com força, nesse momento o anjo saltou e inclinou a espada caindo de cima
em Sam, ou melhor, na cabeça de Sam. Como uma grande explosão de luz, meus
olhos não enxergavam mais nada e eu podia sentir ondas de eletricidade
explodindo em cima de mim. Céus, eu iria precisar de terapia. Meus olhos doíam
e minha cabeça mais ainda, meu corpo inteiro tremia.

Conforme a luz diminuía senti minhas mãos leves, sim, estavam soltas e
depois meus pés. Como se tudo estivesse em câmera lenta. Demorei alguns
segundos para fazer meu corpo se mexer e então sentei e olhei a minha volta.

O anjo estava parado a minha frente me observando sério. Não havia sinal
de Sam. Era como se nada tivesse acontecido. Precisei piscar para afastar as
lágrimas.

- Se vista. – O anjo me disse duramente. Jogando-me uma calça de


moletom que estava em cima de uma bancada no quarto.

- Você o matou? – eu perguntei, mal pude escutar minha voz, estava fraca
e tremula.

- Sim. – ele disse friamente.

- Quem é você? – eu perguntei, depois de colocar as calças.

- Eu me chamo Jango. E você vai vir comigo. – Ele disse. Não precisei
responder, até porque não havia soado como uma pergunta.

Jango caminhou até mim quando eu me levantei e então algo aconteceu,


em um segundo estávamos no quarto na casa de Sam, em outro estávamos, bem
eu não fazia idéia de onde estávamos. O lugar era parecido com um calabouço
medieval, ou um porão sujo para ser mais exata, o que não me dizia boa coisa. Se
esse anjo tivesse bons planos para mim teria me levado até o meu apartamento
aonde eu finalmente poderia tomar um banho.

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- Você vai ficar aqui, até que eu venha te buscar. Essa é minha casa, você
não conseguirá sair desse cômodo. Faça qualquer coisa que me desagrade e terá
o mesmo fim do Procriador. – ele disse cortante. – Você me entendeu?

Eu acenei incapaz de falar.

– Porque você me manterá aqui, Jango? – pensei que utilizando seu nome
ao invés de anjo, Arcanjo ou sei lá o quê o amolecesse o coração, se é que tinha
um. Porque para mim parecia ser feito de gelo.

- Se mantenha quieta e não faça perguntas. – ele terminou. E como mágica


eu estava sozinha.

Senhor do céu o que havia se tornado minha vida? De uma garota qualquer
com amigas rivais me tornei uma caçada e prisioneira do Céu e do Inferno, tudo
ao mesmo tempo. Era como se eu fosse um produto de final de linha que todas as
lojas disputam.

Mas eu tenho que admitir embora eu esteja assustada de estar presa aqui
por um Arcanjo poderoso e louco, estou aliviada. Eu estava a apenas alguns
minutos de ser estuprada por um demônio nojento e só Deus sabe o que poderia
ter acontecido. Falando em Deus, gostaria de saber onde diabos ele se enfiou
numa hora dessas.

Caminhei até a cama. Havia uma cama de solteiro encostada em uma


parede. No outro lado um vaso sanitário, e um chuveiro. Nada de banheiro. Em
cima de uma mesa na parte central estava uma grande bandeja cheia de frutas,
havia maças, peras, uvas, ameixas, bergamotas, laranjas, mangas e bananas, ao
lado um grande pão e uma jarra com água. Algo me dizia que eu precisaria dividir
bem a comida para não passar fome no futuro. Sabe-se lá quantos dias precisaria
passar aqui.

Eu pensei em ir até o chuveiro e tomar uma ducha, mas, derrepente meu


corpo estava esgotado. Eu havia tido o suficiente de historia de terror por uma
vida. Encostei-me em um travesseiro e deixei minhas pálpebras se fecharem, eu
iria apenas descansar um pouco. Eu precisava descansar um pouco.

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10
PETER

Lian não calava a boca um segundo, eu já não conseguia formular


estratégias, sua voz e suas histórias eram como um zumbido interminável em
meus ouvidos.

- Que tal você ficar quieta um pouco? Não posso pensar com você
contando sua vida sexual sem parar. – eu disse duramente.

- Te causa ciúmes docinho? – ela disse. Hoje era domingo, se eu não


achasse Cler até amanha provavelmente seu rosto estivesse estampado em todos
os jornais da cidade.

- Só cale a maldita boca, demônio. – eu disse.

- Assim você me magoa. Quem sabe eu posso te ajudar a pensar? – Lian


disse, ela passava a maior parte o tempo flertando comigo.

- Jango deve ter notado que te tirei do exílio, e deve ter pegado Cler. – eu
falei tentando achar uma solução e ignorando os flertes de Lian.

- Sim, ele deve mesmo. Ele é um Arcanjo de merda. – ela pausou - Ei Peter
sabe o que é pior que seres idiotas do Céu?

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Eu a olhei incrédulo, eu estava ponto de fazer um pacto com o próprio


diabo para ter Cler de volta e Lian não parava com as piadas. – Não. Não sei Lian.
– eu falei sem humor.

- São seres idiotas do Céu apaixonados. – ela disse. – Eles querem foder
os humanos e ter uma vida serpentina e ao mesmo tempo querem continuar
bancando os Celestiais castos. – ela riu.

Pensar sobre isso quase me fez rir também, porque era exatamente assim
que acontecia mesmo apaixonados e sedentes por tocar suas amadas negam o
que sentem até o fim, até o momento de sua caída. Hipocrisia.

Derrepente eu parei. E olhei para Lian. Eu só conseguiria negociar com


Jango se eu tivesse algo para negociar, eu precisava achar sua humana e trazer
como uma moeda de troca. Mas para isso precisava enfrentar dois problemas.
Primeiro era fazer Lian falar, o segundo era tirar ela de quem quer que ela esteja.

- O que você quer? – ela pausou – estou a um dia flertando com você e
você nunca sequer me olhou. E agora está me olhando como se tivesse achado a
solução de todos os problemas do mundo. – ela disse séria.

- Lian, o que você mais deseja na sua vida? – eu perguntei. Eu iria iniciar
por outro ponto. Venho a milhares de anos andando sobre a terra, algo aprendi
sobre persuasão.

- Se eu disser que é você, amor, você acreditaria? – ela disse, ela era um
demônio forte, e muito bonito. Apesar de ter os cabelos raspados como os de um
homem tinha um rosto lindo, um dos mais lindos que já vi, grandes olhos verdes e
uma boca incrivelmente sexy. Ela não me interessava, no entanto, e nunca
acreditei que ela me quisesse de verdade, então decidi não ir por esse caminho.

- Não Lian, estou falando sério, o que mais você quer? – eu disse a
agarrando pelos ombros, olhando-a nos olhos.

- Bem, Peter. Quero o que todo o demônio quer. Ser livre. – ela pausou. –
Você não sabe como é lá no outro lado. Quero viver para sempre aqui, onde os
humanos são livres para fazerem o que querem. - ela disse. Nesse momento ela

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pareceu uma criança sonhadora, seus olhos se perderam e eu pude ver que ela
estava sendo sincera. Esse era o caminho a percorrer.

- Você fica muito mais bonita quando fala a verdade. – eu disse.

- Obrigada docinho, sabia que você notaria alguma hora. – disse ela com
humor, voltando a ser a velha Lian.

- e se eu achasse uma maneira de você poder ficar aqui para sempre Lian?
– eu falei cauteloso, esse era o momento de pegá-la ou perdê-la. – e se eu fizesse
um selamento para você, trancando-a nesse mundo? Ninguém poderia obrigá-la a
voltar. E se eu fizesse isso? – eu falei chegando próximo a ela.

Pude ver seu olhar, algo passou através deles, primeiro humor, depois
raiva e por fim esperança. Ela ficou em silencio me olhando, me avaliando. Ela era
um demônio, ela conhecia as piores mentiras e disfarces. Eu não podia falhar.

- E você faria isso por quê? – ela disse erguendo uma sobrancelha.

- Se você me dizer onde está a Humana de Jango te selarei na terra. Pense


Bem Lian, quando tudo isso acabar, e Cler estiver morta, você nunca mais achará
um anjo caído que queira fazer isso. E você sabe que só funciona se for feito por
vontade própria. – eu disse.

Pude ver a dúvida em seu rosto e ao mesmo tempo esforço para manter a
sua expressão controlada. Ela era um demônio e nunca poderia mostrar
vulnerabilidade.

- Então está afirmando que seria capaz de fazer tal selamento? Ou teria
que pedir a alguém mais forte? – ela perguntou.

Eu pensei, minha mente estava girando muito rápido, essa era minha
chance de conseguir salvar Cler e não precisar banir Lian. Demorou um segundo
para que eu pensasse sobre minha força, minhas habilidades. Eu sabia que seria
capaz. Para banir e selar um demônio no outro lado nunca cheguei a utilizar
minha força total. Antes eu precisava saber se isso era uma coisa permitida.
Alguém de outro plano ser selado na Terra para sempre.

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- Eu consigo. – afirmei seriamente. – mas antes de fazermos esse pacto,


irei descobrir se é permitido. Depois disso você terá o que mais deseja Lian, e me
dará o que eu necessito, faremos isso? – eu perguntei, precisava ser claro.

- Sim, mas apenas direi onde está a fêmea, depois que estiver tudo certo
para o selamento, e tem mais. – ela pausou. – se não der certo, você terá que me
proteger e impedir que eu seja banida de volta pelo próximo século, docinho.
Preciso garantir meu futuro de um jeito ou de outro. –Lian disse derrepente
exasperada.

Eu sentia meu coração acelerado, não posso acreditar que encontrei uma
solução. Lian aceitou um selamento terrestre em troca da localização da fêmea de
Jango. Eu precisava agir rápido, eu precisava me mover, e arrumar o selamento
ainda hoje. Mas eu ainda não sabia a quem procurar, normalmente eu procuraria
Jango para me pôr a par das políticas de selamentos e banimentos, mas Jango
está no posto de inimigo temporário.

Eu teria que fazer por mim mesmo, teria que ariscar. Nenhum anjo iria
aceitar selar um demônio para sempre na terra, isso impediria até mesmo anjos e
caídos de bani-los de volta para o Inferno. Eu precisava agir sozinho. Eu me
certificaria de que Lian acreditasse que tudo está pronto para o selamento, e
então pegaria a localização da fêmea. No caso dar tudo errado eu precisaria
começar a procurar um apartamento maior, porque além de ter que proteger Cler
eu ia ter que proteger Lian, para sempre.

-Se prepare demônio. Pois hoje à noite você será amaldiçoada a viver para
sempre entre os humanos. – falei de maneira grave e pude ver a emoção passar
por seus olhos, mesmo que ela a tenha controlado um segundo depois.

- Bem é com isso que estou contando docinho. – ela disse com a
expressão controlada.

O correr das horas passou rapidamente, desesperadoramente rápido. Eu


voltei para a cidade com Lian e a levei até o hotel aonde eu me hospedava antes
de me mudar para o apartamento de Cler.

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- Lian, posso fazer o encantamento à hora que você quiser, mas antes
precisa me dizer aonde está a fêmea. – eu falei derrepente enquanto Lian falava e
falava sem parar.

- Como se eu fosse te falar antes de você fazer o meu grande negócio, não
sou uma amadora meu bem, e além do mais devemos pactuar logo. – Ela me
disse, mas pude notar que ela estava tão ansiosa quanto eu.

Eu precisava fazer, agora.

Peguei Lian pelos ombros e a coloquei na minha frente a segurei por um


momento antes de largar. Eu não gosto de demônios, não trabalho com eles, eu
apenas os mando de volta para o lugar de onde não deviam ter saído, mas então
conheci este pequeno demônio. Fala tanto a ponto de me deixar louco, e mesmo
controlando sua expressão sempre consigo notar a excitação e emoção por trás
da sua ironia e arrogância.

É como se pela primeira vez tivesse encontrado um demônio com


sentimentos. Eu não gostava de Lian e muito menos confiava nela, mas, não a
quero enviar ao inferno novamente.

- Lian, demônios não tem sentimentos. Então me diga por que você quer
tanto viver aqui? Quer poder? Quer diversão? Sexo? – eu perguntei mortalmente
impondo meu poder de Anjo caído.

Eu certamente queria salvar Cler, eu a queria tocar, queria beijá-la, mas


não ia largar um demônio na terra e comprometer a vida de outros humanos
inocentes. Se assim fosse, se Lian tivesse planos de morte e violência, eu acharia
outra maneira de salvar Cler.

-Eu quero Amor, Peter. Eu quero amar. – ela disse e então abaixou a
cabeça olhando para os pés.

- Você quer amor?- eu disse incrédulo. – porque um demônio iria querer


amor?

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- Porque Anjos caem por amor Peter? Você já se perguntou isso?- ela
pausou. – Você acha mesmo que encontraria a resposta para isso? Você acha
que o amor foi feito apenas para os humanos? Você acha que um Arcanjo ou um
demônio não podem amar? Verdadeiramente, você acha isso?

- Não eu não acho isso. Mas é pouco comum demônios quererem algo com
o amor. – eu disse. Eu realmente acreditava que o amor poderia mudar tudo,
sendo realista o amor poderia fazer um ser celestial desistir de seu lugar no Céu,
então porque não poderia fazer um demônio mudar?

- Bem eu não sou qualquer demônio. E sim quero viver aqui, quero amar e
ser amada. Quero viver sem ter que fugir, sem sofrimento e sem violência. Mas
claro que não vou me importar com um pouco de Poder, diversão e sexo, querido.
- Ela disse.

Ela não iria viver na terra distribuindo ódio e dor, então poderia ficar, eu
provavelmente me certificaria de sua conduta. Então já era hora de pactuarmos.

Ergui meu rosto aos céus e senti uma onda quente passar por mim.

- Lian, prometo usar meus poderes para selar seu corpo no plano terrestre
em troca da localização da fêmea do Arcanjo Jango, esta noite, se não conseguir
realizar o selamento prometo também te proteger de qualquer ser dos três
mundos os impedindo de machucá-la ou bani-la por toda a eternidade, criando
assim uma ligação entre nós dois para sempre. Você demônio Lian concorda com
os termos e aceita o pacto?

Ainda agarrava Lian pelos ombros e pude sentir uma linha fina elétrica
passando das minhas mãos para o corpo dela, e a podia sentir estremecendo por
baixo. Seu rosto estava iluminado, e a esperança era quase palpável.

- Eu concordo e aceito pelo meu sangue de demônio nascida e criada no


inferno. – ela disse alta e duramente.

Uma onda elétrica quente desceu pelo meu corpo e então senti passando
pelas minhas mãos até o corpo de Lian. O pacto estava selado, agora vinha à
parte principal.

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Confusão se fez em minha mente, eu deitei por uns segundos para


descansar as pálpebras e então pareciam passados dias, minha boca se fazia
seca e senti-me grogue. Levantei sobre os cotovelos para enxergar ao meu redor.
Estremeci, afinal não havia sido um sonho, eu ainda estava no velho porão de
sempre. Quando Peter viria. Peter.

Pensar em Peter fazia meu estomago tremer, uma ansiedade gelada


descer pela minha coluna arrepiando os pelos dos meus braços. Onde Peter
estava? Ele disse que iria me proteger, e ele me beijou e depois me rejeitou,
talvez ele tivesse decidido que eu não valia a pena o esforço. Mas eu precisava
fazer alguma coisa, eu havia causado tudo isso. Eu estava a salvo no hotel e
decidi que precisava perder minha virgindade com um demônio, ora vejam só,
quem mais no mundo consegue atrair tantas tragédias para sua vida quanto eu?
Sam, o doce Sam, o qual eu me afeiçoei, e que nunca poderia dizer que me faria
mal, era na verdade o demônio procriador que estava ligado a mim. Eu havia
confiado nele, eu havia começado um relacionamento, e ele no fim só queria me
engravidar e deus sabe mais o que.

Eu precisava sair daqui, pelos deuses, eu sentia vontade de gritar alto, falar
todos os palavrões que não falei na minha vida. Queria chamar Deus, oxalá ou

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seja lá quem for o criador desses malditos Arcanjos para lhe contar tudo que seus
filhos de merda andam fazendo.

Saindo daqui talvez eu mesma inicie uma caça a demônios e arcanjos. Ia


me certificar de saber mais sobre tudo isso aonde se encaixava os anjos caídos
afinal? Não há bons nessa história?

Levantei calmamente, o Arcanjo havia dito que o lugar era enfeitiçado,


talvez com alguma merda de feitiço de sono para que eu passasse a maior parte
do tempo dormindo e não causasse problemas. Ainda continuava tudo meio
escuro, as frutas na bandeja no centro, a água. Eu tinha tanta sede. Mas ao
contrario do que meu corpo pediu ignorei a comida e a água. Eu não iria tocar
neles, e se o arcanjo tivesse envenenado? Eu olhei mais uma vez. Parecia ótima,
a água translúcida, deliciosa.

- Não está envenenada. – uma voz me tirou da minha discussão mental. Eu


engoli em seco.

- Duvido. – eu disse, minha voz saiu rouca. Eu recuei para trás e pude ver
que ele estava perto da porta. Com as mãos nas costas, parecia um general, duro
e inexpressivo.

- Eu não sou o mau Cler. – sua voz era cortante, mas controlada. Eu podia
sentir o perigo e o aviso de morte no fundo, ecoando.

- Então porque me mantêm aqui? – eu perguntei, eu queria saber tudo, eu


queria informações que me tirassem daqui, que ajudassem Peter.

- Sabe Cler, nesses últimos dias, fui traído várias vezes. – ele disse e
arrastou seus pés ao redor da mesa.

- O que você sente pelo Peter? Você poderia me contar? – ele perguntou
soando como aqueles tenentes de quartéis nazistas, extremamente cortes mas
malditamente letal.

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- Por Peter? O que Peter tem a ver com isso?- eu pude sentir uma
agitação, isso tudo só poderia ter algo a ver com Peter, ele provavelmente quer
saber se temos algo romântico para me usar contra ele.

- Bem já que você quer saber, eu o odeio. O desprezo com todas as


minhas forças. Se você me soltar eu mesma posso matá-lo. – eu disse tentando
imitar seu tom de ameaça.

Nesse momento o Arcanjo me olhou curvando a cabeça para o lado e


então largou uma gargalhada como se eu tivesse acabado de contar a coisa mais
engraçada dos últimos tempos.

- Que encantador! Você o ama! – ele disse então parando de rir. – Está
tentando protegê-lo me fazendo acreditar que o odeia, para que eu não te use
contra ele. Não é mesmo? – Ele disse, como se tivesse lido exatamente o que
estava em minha mente, pude-me sentir ficando quente, provavelmente da cor
das uvas em cima da mesa.

-Na verdade querida, você não precisa responder, porque isso está
exalando de você, tanto quanto dele. – ele disse por fim.

- O que você sabe sobre Anjos, Cler? – ele me perguntou me olhando nos
olhos.

- Que são todos uns bastardos. – eu disse um segundo depois me


arrependendo. Eu estava perdendo minha chance de ganhar respostas. Eu era
uma idiota.

- Desculpe, na verdade achei que anjos deveriam ser bons. – eu pausei


remodelando minha resposta. – você é um anjo. Não entendo por que está me
prendendo aqui, sou só uma humana.

Ele agarrou uma maça e a jogou no ar pegando com a outra mão.

- Sim, temos muitos deveres e obrigações. Diferente do que os humanos


pensam, nós não existimos apenas para proteger vocês. Mas os humanos são tão
irresponsáveis que por muitas vezes essa tarefa se torna uma das mais difíceis.

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Os humanos vivem suas vidas diferentemente, há vários tipos. – ele pausou – Há


humanos que vivem calmamente, se casam, trabalham a vida inteira e por fim,
morrem de velhice ou por alguma doença. Outros são incrivelmente burladores da
lei, estão sempre fazendo coisa errada, roubando, matando, mentindo. Outros
levam a vida por se sentir bem e pelo prazer, são apaixonados por tudo que a
terra lhes oferece, terra, água, ar e fogo. Tudo. Acontece que alguns anjos
acabam se encantando por essa natureza apaixonada do ser humano, e cedem a
um lado sem volta. – ele me olhou observando minha expressão.

- alguns acabam querendo essa vida, querem poder fazer tudo que os
humanos fazem, outros muitas vezes se apaixonam por algum humano, e este
humano acaba se tornando mais importante que suas obrigações com a colônia,
quando a provas que isso acontece ele é banido. – ele pausou. – Ele não é
apenas banido, suas fontes de maior poder lhes são arrancadas e então são
jogados na terra e amaldiçoados. – ele disse me fazendo lembrar tudo que Peter
havia me contado há alguns dias a mesma história.

- Já ouvi essa parte. – eu disse me sentindo triste. – acho muito idiota os


anjos não poderem amar. meio injusto.

- Não é injusto, não se a negligencia de um anjo pode causar coisas


horrendas. – ele pausou. – bem Cler, estou te contando isso para que saiba que
não sou idiota e nem o vilão. Estou prestes a cair, por uma fêmea humana. Eu a
amo, a amo desde o momento em que a vi pela primeira vez. Ela não é uma
simples humana estúpida, ela é uma ancora, assim como você. E por isso estou
te contando isso, é para isso que está aqui. – ele disse.

- Não entendo, e como eu posso ajudar você? – eu perguntei confusa.

- Âncoras são seres que podem transitar entre os planos livremente, como
se não houvesse nenhuma barreira. São seres especiais, podem atrair com
facilidade seres de outros mundos como anjos e demônios. E o principal são
poderosas moedas de troca para demônios. Há quase um mês atrás um demônio
chamado Lian a possuiu e a tirou de mim, escondeu-a. Mas você pode alcançá-la
Cler, você pode achá-la para mim. – ele disse e seus olhos brilhavam.

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- Eu não posso, eu não sei como fazer isso, sinto muito, eu não posso. – eu
disse. Derrepente entendendo o desespero de Jango.

- Você não tem escolha humana! Você vai detectá-la para mim, vou te dar
um objeto de seu pertence, você só precisa se concentrar e então achá-la. Será
muito mais fácil para você, pela sua pureza ainda estar intacta, posso ver o
quanto forte é. Uma das mais fortes que já encontrei você pode fazer isso. Você
vai fazer isso agora Cler. – ele disse alto e se inclinou para mim.

- tudo bem, mas eu não sei como fazer, não tenho idéia de como fazer. –
eu estava cm a voz tremula e nervosa, meu coração estava acelerado.

- Escute bem, vou-te dizer como fazer e quando começar enxergar outra
realidade você a narrará para mim. Eu não quero te machucar, mas você precisa
saber que se falhar Cler, te usarei como moeda de troca, negociarei com o
Inferno. Você por ela. – ele terminou em sua voz um aviso.

Ele caminhou pelo aposento ele era enorme, cabelos raspados e grandes
asas encolhidas em suas costas. Ele chegou até a parede e pegou de uma
estante velha uma grande bacia de alumínio, foi ate a mesa pegou a jarra de vidro
e despejou a água na bacia, a trazendo até a borda da cama e então a colocou no
chão.

- O que está fazendo? – eu perguntei tremendo, algo gritava em minha


mente que eu não gostaria do que estava por vir.

- Estou arrumando uma Ancora. Água. Como você ainda é uma Ancora
nova, não sabe controlar aonde quer ir, usaremos água como ancora para que eu
a ajude controlar. Sua mente é fundamental. Você irá se sentar e colocar os pés
descalços na bacia com água. Você precisará se concentrar no cheiro e no que
quer encontrar. Você deve estar preparada porque ela deve estar no inferno. – ele
disse terminando de arrumar a água perto da cama, então se levantou e me
encarou. – pronta?

- Porque está perguntando se eu não tenho escolha? – eu disse indo em


direção a cama.

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Sentei e tentei acalmar meu coração, coloquei os dois pés na água, estava
gelada e fez subir um calafrio pelas minhas pernas. Pude sentir o olhar de Jango
em cima de mim, ele estava impaciente e ansioso.

-E agora? – eu perguntei, não tinha idéia do que eu tinha que fazer.

- Agora pegue isso, e isso, um em cada mão. – ele disse me alcançando


um vidro bonito parecendo perfume e alguns fios de cabelos soltos e compridos.
Eu os olhei calmamente, abri o perfume e cheirei, baunilha, doce e sensível.
Fechei o frasco e então os olhos tentando imaginar uma mulher desconhecida.

Ouvi o Arcanjo falando algumas daquelas palavras desconhecidas de


anjos, e então senti a água ficando quente. Concentrar-me no cheiro e em quem
quer encontrar, Jango havia me dito. Pensei em baunilha, campos de baunilha,
uma mulher de cabelos dourados. Forcei minha mente a montar uma imagem,
mas a única coisa que veio até meu nariz foi um cheiro de Vetiver e Pimenta, não
precisava perguntar por que eu sabia a quem pertencia, eu sabia com minha
alma. Eu precisava achar a mulher pela minha vida, mas derrepente a única coisa
que importava era conseguir ver Peter.

O aroma me invadiu, seu olhar me invadiu, senti a água embaixo dos meus
pés borbulhar e então derrepente eu não estava mais no porão. Eu estava de pé
em um lugar semelhante a uma floresta, o chão estava coberto de folhas laranja
secas, daquelas que fazem barulho quando se pisa. E de costas pra mim estava
Peter, ele estava lindo como sempre tive vontade de sair correndo para seus
braços, mas percebi que não podia me mover. Ao seu lado estava uma mulher
pequena, mas musculosa, não tinha cabelos, sua cabeças era raspada como a de
Jango, olhos incrivelmente verdes e a boca obscenamente vermelha. Porque
Peter estava com essa mulher?

Eu sabia que esse não era o Inferno, decididamente não era, eu havia
estado no Inferno, e era horrível, esse lugar era quase agradável. Eles estavam
de costas para mim, virados de frente para uma cabana de madeira pequena.

- Ela está ferida? – pude ouvir Peter perguntar, ouvir sua voz fez meu corpo
inteiro estremecer, era igual à de sempre com um tom mais duro talvez.

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- Não, eu a mantenho drogada, docinho. Mas está bem. – Pude ouvir a


mulher dizer, uma onda de raiva passou por mim, não pude deixar de notar ela
chamar Peter de docinho, e com certeza não pude deixar de notar a maneira em
que se inclinava para ele. Eu ofeguei.

Derrepente vi Peter endurecer. – O que é isso? Cler? Sinto o cheiro de


Cler. – eu o vi olhar para os lados, mas não para trás.

A mulher ao lado de Peter se inclinou e cheirou profundamente o ar. – Sim,


com certeza é o cheiro de sua pura, amor. – ela disse. – Jango a deve ter posto
para rastrear.

Senti meus pés formigarem e uma sensação que começou a me puxar para
trás. Em um instinto desesperado eu o chamei. – Peter! – um segundo depois
notei meu erro, provavelmente Jango podia ouvir tudo que eu dissesse, e não
deveria ser boa coisa ele saber que Peter estava com sua mulher.

Peter se virou para trás e seus olhos se arregalaram a me ver, ele se virou
e de passos largos em minha direção, mas não importa o quanto ele viesse até
mim não conseguia me alcançar.

- Cler! Como você está aqui? Calma amor vou te buscar, eu juro, vou te
buscar! – ele disse quase um sussurro, uma expressão de dor atravessou seu
rosto. E então me senti sendo puxada e puxada e puxada. Quando abri meus
olhos eu estava cara a cara com Jango.

Uma tontura me atravessou o estômago e minha cabeça girou. Virei para o


lado da bacia e vomitei, não havia muita coisa em meu estômago, mas o que
havia tinha acabado de sair.

- Então Peter está com ela? – o Arcanjo me disse com um olhar de raiva.

- Não. Não Peter, mas uma mulher. – eu disse quando consegui me


restabelecer.

-Deixem-me adivinhar, cabelos raspados e olhos verdes? – ele disse com o


olhar sério.

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- Sim, nunca a vi antes. – eu estava com raiva daquela mulher,


provavelmente eu jogaria tudo nas costas dela, ela havia chamado Peter de
docinho e por fim de amor.

- Bem, bem. Lian, já era de se esperar. O inimigo de meu inimigo é meu


amigo. Peter é mais inteligente do que eu pensava. – ele pausou. – Onde ela está
Cler? Onde eles estavam, me diga! – ele bufou, sua paciência estava por um fio.

- Uma floresta eu acho, eu não sei, não dava para ver, em uma casa, eu
acho. – eu disse incerta.

Jango se levantou, e pude ver um olhar de surpresa em seu rosto.

- Ela não esta no Inferno. Ela está na terra! – ele pausou. – Ainda posso
alcançá-la afinal. – ele disse virando de costas para mim, indo em direção a porta.

- Você vai me deixar presa? Ei eu te ajudei, não pode me deixar aqui! – eu


disse. Em um segundo Jango estava saindo pela porta e no outro estava a
apenas alguns centímetros do meu rosto.

- Eu posso fazer o que eu quiser, aquele demônio roubou minha mulher, e


Peter a está ajudando. Vou matá-la na frente de Peter se Melinda estiver ferida. E
depois vou destrui-los, todos eles. – ele disse entre os dentes, estava furioso e eu
me encolhi pelo seu poder.

Ele virou as costas e saiu pela porta me deixando sozinha. Eu caí para
trás. Algo me dizia que ele iria matar a todos nós de qualquer maneira.

Eu não estava com sono, então comecei a caminhar como uma louca pelo
cômodo, não havia nada de útil, não havia facas nem talheres. Nada com que eu
pudesse atacar. Olhei para a bacia com água. Eu poderia tentar de novo. Poderia
tentar falar com Peter.

Então vi em cima da mesa estavam o perfume e os poucos fios de cabelo


de Melinda. Talvez eu pudesse falar com ela, talvez eu pudesse arrancar algo
dela. Talvez eu pudesse a convencer a nos ajudar.

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Fui até a mesa e peguei os pertences de Melinda. Eu tinha que conseguir.


Se eu era realmente uma ancora poderosa eu iria conseguir “Uma das mais
poderosas que já encontrei.” Havia dito Jango. Caminhei até a cama e me sentei.
Eu não tinha idéia de como começar, desta vez eu não teria o Arcanjo e sua
língua de anjo para me empurrar, eu teria que fazer sozinha.

Mergulhei meus pés na bacia com água, estava gelada novamente. Abri o
perfume e cheirei. Baunilha. Tentei guardar o Maximo da fragrância em minha
mente, e então peguei os fios e os cheirei também. Não tinha nenhum cheiro.
Tentei pensar na cabana de madeira que Peter e a mulher estavam olhando,
segurando as coisas de Melinda deixei minha mente vagar.

Desta vez tentei deixar a imagem de Peter longe de minha mente, eu


queria Melinda, queria vê-la, queria encontrá-la, queria falar com ela. Senti minha
mente indo. Pensei no amor de Jango por ela, e no quanto ela era importante para
ele. Mais, pensei em como ela devia estar assustada de estar presa, acuada, do
quando ela deveria estar querendo ir para casa, assim como eu.

Senti a água em baixo dos meus pés esquentarem assim como minhas
mãos, minhas mãos pegavam fogo. Podia sentir minha mente sendo puxada, só
um pensamento me levava. Melinda. Eu queria Melinda, baunilha, pude sentir o
cheiro de baunilha. A água começou a borbulhar, eu estava quase lá. Melinda.
Precisava encontrá-la.

Abri meus olhos e na minha frente estava uma jovem mulher. Pequena com
cabelos dourados e ondulados caído pelos ombros, ela era linda, lábios que
pareciam um coração rosado. Olhos azuis com grandes cílios, estava vestindo
uma blusa enorme cinza e calça jeans.

- Melinda! Eu sussurrei. Ela estava deitada em uma cama. Nas paredes da


cabana estavam muitos símbolos, era uma cabana arrumada, havia geladeira,
mesa com cadeiras e até uma pia. Quase parecia uma casa de verdade. Melinda
parecia desacordada.

-Melinda. Melinda voe precisa acordar! – eu disse um pouco mais alto.

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Pude ver que ela mexeu os cílios, como se tivesse dificuldade para abrir os
olhos. A mulher que estava com Peter havia dito que a mantinha drogada. Pobre
Melinda.

-Melinda acorde! – eu tentei mais uma vez, eu estava desesperada, não


podia ser em vão, eu precisava ajudá-la, eu tinha que acordá-la.

Ela se remexeu e então abriu levemente os olhos. Seus olhos tremiam com
dificuldade de fixar o olhar em mim.

-Quem é você?- ela perguntou sua voz quase inaudível. Fraca.

- Meu nome é Cler, sou uma Ancora, assim como você. Vim te ajudar
Melinda, mas preciso que me escute esta bem? – eu disse falando as palavras
com calma, para que ela entendesse.

- Você está presa, assim como eu. Jango me prendeu e pretende me usar
para recuperar você. – pausei dando tempo a ela. – Mas no fim Jango vai
recuperá-la e vai matar-me. – falei calmamente.

- Não, Jango não fará, ele é bom, não machuca as pessoas. – ela me
respondeu, sua voz era doce, mas estava fraca, pude ver que eu tinha pouco
tempo com ela, era como se ela estivesse a ponto de desmaiar logo.

- Sim ele vai fazer, ele está furioso porque pegaram você. Olhe só me
escute está bem? – eu pausei – um homem vai ir buscá-la, ele se chama Peter,
você precisa dizer a ele onde me encontrar. Melinda, eu estou no porão da casa
de Jango. Ele precisa trazer você sã e salva ou todos morreremos, você pode
dizer isso a ele?- eu perguntei.

Melinda piscou algumas vezes, e depois do que pareceu muito tempo ela
respondeu. – Sim eu falarei, mas se esse homem tentar me fazer mal então
deixarei que Jango o mate. – ela disse fracamente. Ela ergueu a mão e passou
pela testa, tentou se sentar, mas seu movimento saiu errado.

- Melinda, você precisa tomar água, precisa se curar, você esta


envenenada. Jango está louco, se ele nos matar ele vai cair. Você o precisa

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convencer de não nos fazer mal. Peter é um homem bom, não quer te machucar,
ele quer me salvar. – eu disse quase suplicando que entendesse.

- Eu tentarei – ela disse. – eu só quero ir para casa com Jango. Eu o amo,


já não agüento mais. – ela disse e lágrimas brotaram em seu rosto. Meu coração
se apertou pobre Melinda, está no mesmo barco em que estou.

- Você irá, mas não esqueça, você precisa nos ajudar Melinda. – eu disse –
Somos iguais, eu também só quero ir para casa, com Peter. Eu o amo. – Eu o
amava? Sim o amava, não percebi quando lágrimas também escorreram
silenciosas pelo meu rosto.

- Então não deixarei que Jango destrua teu Peter, pelo seu amor. – ela
disse e deu um fraco sorriso.

Nesse momento senti minha mente sendo puxada novamente para meu
corpo, com uma tontura pude perceber que já não estava mais com Melinda e sim
no porão de Jango, uma náusea me atravessou, com tempo para desviar e
vomitar novamente ao lado da bacia.

Por mais que eu pensasse, não achava mais nada de útil para fazer. Eu
deveria esperar até Peter aparecer com Melinda sã e salva e esperar que Melinda
impeça o banho de sangue que Jango pretende fazer.

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12
LIAN

Depois de muitos anos de torturas e violações finalmente eu ia conseguir


ficar aqui, nesta terra de vontade própria. Eu não conseguia acreditar. O inferno
não é nada do que os humanos pensam, quero dizer ele é cem vezes mais
horrendo. Colônias e mais colônias de sofrimento, escravidão, mentiras, violações
e tristeza.

Agora estando aqui fora eu finalmente poderia me sentir livre, poderia me


sentir segura e talvez pudesse amar. De nenhum modo você vê o amor no
Inferno, lá nós vemos o ódio, rancor, desesperança, traição, amargura e muito
mais disso, mas o amor? Não o amor não.

Há muitos anos venho dando tudo de minhas forças para achar uma
maneira de nunca mais precisar voltar para a minha colônia. Lá não tenho amigos,
não se pode confiar em ninguém. Quando passei para esse plano a primeira vez,
demandou muita energia de mim e eu precisei fazer um pacto com um demônio
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mais forte que eu para que ele me ensinasse como atravessar, em troca disse-lhe
que ao voltar ele teria caminho livre por meu corpo por dez anos. Uma vez por dia.
Um inferno. O bastardo efetivou muito bem o pacto, por todos os dias em uma
década. Quando nosso pacto finalmente venceu arranquei-lhe as bolas e as
joguei no rio do esquecimento. Ele jurou arrancar a pele de todo o meu corpo e
fazer de cobertor para as noites frias, apesar de que na colônia nunca faz frio.

Para atravessar eu sempre precisei possuir a um humano, mas isso não


durava muito, nunca passou de um mês de possessão. Os corpos dos humanos
são frágeis e se debilitam com a possessão facilmente. Então precisava descobrir
como os demônios de uma legião mais forte conseguiam passar com seus corpos.
Bem, foram sessenta décadas procurando.

Dante era um demônio forte, eu o conheci quando ele destroçou a cabeça


de outro demônio de classe simples no meio da colônia, para todos verem. Ele era
um demônio de uma falange superior e eu precisava falar com ele porque ele com
certeza saberia atravessar a barreira com o corpo.

Eu sempre fui um demônio fêmea bonito, nos parâmetros da colônia eu era


uma das mais preciosas. É claro que nos aspectos dos humanos, eu era nojenta e
horrorosa. Mas da onde eu vim, minha aparência poderia enlouquecer outro
demônio de desejo e luxúria, e eu certamente usaria isso ao meu favor. Então fui
falar com ele, dei o melhor de mim, o enlouqueci.

Dante exigiu poder ter meu corpo em todos os lugares que ele quisesse
como quisesse e quando quisesse. Que eu ofertaria meu sangue e meu corpo ao
mesmo tempo em troca de uma aula de travessia corporal. Assim que eu aceitei e
pactuamos ele me levou até o centro da colônia e me teve ali mesmo. Ele possuiu
meu corpo grotescamente, estocando com força e brutalmente na frente de
hordas de demônios, que riam e gritavam. Demônios adoram sexo e violência, e
os dois juntos ao público era um show, mas não era algo raro, na colônia o sexo é
aberto e todos fazem aonde querem, ninguém se importa com ninguém.

Enquanto ele tinha meu corpo de todas as maneiras possíveis, ele ainda
arrancava pedaços da minha pele com mordidas e arranhões, tirando sangue,

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muito sangue. Depois disso fez questão de ter o meu corpo nos bares, nas
reuniões de falange, aonde tivesse maior numero de demônios possíveis. Quando
terminava eu estava praticamente incapacitada tanto pelo sexo duro e grotesco
tanto pelas feridas abertas que Dante deixava por todo o meu corpo. Mas enfim,
ele me ensinou a atravessar com meu corpo. E eu atravessei, bem já venho
atravessando há muito tempo, mas sempre tendo que retornar. Demônios podem
ficar na terra por um determinado tempo e então começam a definhar. Fazem
mais anos do que posso realmente contar, que eu venho tentando achar uma
maneira de ficar na terra e nunca mais precisar voltar, para a colônia, para o ódio
e violência, para Dante, para o Inferno.

Quando descobri Melinda uma humana Âncora e amante furtiva de um


Arcanjo percebi que nunca acharia outra chance como esta, essa chance havia
caído no meu colo diretamente do céu. Não pense que eu sou boa e casta, sou
um demônio diretamente saída do Inferno e sou má e mentirosa quando preciso.
Planejei uma maneira de possuir a pura e trocar por um selamento, eu a manteria
sobre meu exílio e então chantagearia o Arcanjo, o faria me selar neste plano para
sempre.

Deveria saber que um Arcanjo é mais esperto que estes humanos idiotas,
ele me pegou e me exilou. Estava um a um, e eu precisava achar uma maneira de
corrompê-lo. Mas então para sua derrota Jango enviou para me torturar Peter, o
anjo caído mais gostoso de todos os tempos. Vejam bem, anjos caídos são
intermediários, eram anjos ou arcanjos ou guardiões que decidiram que foder
alguma humana era melhor que continuar limpando as nuvens do céu. E caíram.
Eu sou louca por anjos caídos, eles são arrogantes e perigosos e irradiam uma
áurea negra, a maioria já matou tanto ou mais que até mesmo os demônios.

Não precisei de muito esforço para revelar a verdade de Jango para Peter,
e então Peter me soltou. Mas para a infelicidade do meu anjo caído salvador, o
arcanjo exilou a sua amada outra Ancora, quantas existem por ai afinal? E essa
ainda por cima é pura, sim pura de virgindade, a garota nunca fez um sexo
gostoso. Parece que todos os demônios do inferno a querem, Peter então

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resolveu fazer um pacto comigo. A garota do Arcanjo por um selamento na terra.


Vejam só sem muito esforço meu próprio desejo veio até mim.

-Ela está ferida? – Peter me perguntou.

- Não, eu a mantenho drogada, docinho. Mas está bem. – eu a mantinha


drogada pela água que tomava.

– O que é isso? Cler? Sinto o cheiro de Cler. – Peter endureceu e cheirou o


ar, olhou para os lados. Eu também podia sentir o fedor da virgindade maculada
da fêmea ancora, mas não a queria aqui. Se ela fosse salva antes de Peter
terminar o selamento, ele poderia mudar de idéia. E eu a destroçaria em mil
pedaços antes de seu primeiro respiro livre.

Cheirei o ar, seu cheiro estava estranho não era um cheiro definido, estava
mais para etéreo. – Sim, com certeza é o cheiro de sua pura, amor. – eu disse. –
Jango a deve ter posto para rastrear.

Nós estávamos a ponto de entrar na cabana aonde eu exilava Melinda a


humana âncora amante do Arcanjo Jango. Eu havia escolhido uma cabana na
qual eu havia possuído meu primeiro humano a centenas de anos atrás, eu era
inexperiente e acabei matando o cara. Ela estava caindo aos pedaços, mas eu
sabia que não haveria lugar melhor. Dentro havia tudo que os humanos utilizavam
para viver, eu apenas reabastecia com comida e água. É claro que precisei
encobri-la com muita magia negra para que o Arcanjo não rastreasse e nem
algum outro anjo caído. Entramos e Melinda continuava desacordada. Ela era tão
simples como qualquer outro humano, pequena e frágil, faria qualquer coisa pelo
seu amor.

Peter foi até ela com passos largos a examinou e olhou para mim – Vou
curá-la agora Lian, depois vou encontrar Jango e negociar com ele. Se ele não se
importar o suficiente, que eu acho que se importa. Vou ameaçá-lo lançá-la no
inferno. – ele disse me olhando.

- Faça como quiser, mas antes você precisa terminar sua parte do
selamento, você sabe. – eu disse. Eu sabia que Peter honraria seu compromisso

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comigo, ele era aqueles tipos anjos caídos mortalmente sinceros, como cavaleiro
caído da armadura dourada.

Peter largou Melinda e veio até mim quando estava a apenas meio metro
de distancia ergueu suas mãos e as colocou em meus ombros. Eu era um
demônio saído do inferno, mas ainda era uma fêmea, estremeci instantaneamente
ao toque do anjo. Diabos, ele podia me beijar e eu até permitiria que tivesse meu
corpo, para então depois me selar na terra. Mas é claro que ele não faria, Peter se
encontra apaixonado por uma humana patética e sem graça. Se eu quisesse um
beijo teria que roubar.

Ele fechou os olhos e começou a falar anjionês, que é o nome que eu


coloquei para o idioma sagrado dos anjos. Anjos falam qualquer língua humana,
falam também línguas mortas e amaldiçoadas, mas entre eles, na maioria das
vezes em situações sérias em que precisam demonstrar sua força e seu lugar
falam anjionês.

No momento em que as palavras começaram a sair da boca dele, ele


ergueu a cabeça aos céus e seus olhos ficaram completamente brancos, uma
gota de suor escorreu pela sua testa. Aonde suas mãos me tocavam prendia fogo,
era tão quente que chegava a ser doloroso, eu senti meu corpo vibrando poder e
então senti uma pontada nas minhas costas. Peter continuava estremecendo e
falando palavras sagradas. E então como se o mundo tivesse caído dos meus pés
meus joelhos bateram no chão duro da cabana. Minhas pernas estavam sem
força e eu sentia uma pressão na minha cabeça.

- está feito! Você agora é uma cidadã do mundo humano, como se sente? –
Peter perguntou dando alguns passos para trás. Ele estava completamente
saboroso, suado.

Eu ainda sentia a energia passando por mim, podia sentir o poder de anjo
caído me obrigando a ficar neste plano. Uma onda de alegria me invadiu, eu bem
podia gritar. Por toda a minha existência eu quis exatamente isso.

Saltei em direção a Peter, envolvi seu pescoço com meus braços e o beijei.
Ele imóvel, primeiramente resistindo. Precisei empurrar forte minha língua nos

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seus dentes para que ele abrisse a boca, pude sentir aos poucos seu corpo se
rendendo, mas nunca completamente. Não importa, esse anjo caído realizou meu
maior desejo, e eu o teria. Eu estive com muitos demônios, mas sempre em troca
de algo, também já estive com vários humanos, mas apenas por curiosidade e
prazer, mas não Peter, eu o queria porque o desejava e estava grata por ele não
ter me enganado e me banido para o inferno agora que tinha Melinda, mas mais
do que tudo por que ele era incrível. Força e perigo emanavam dele, eu gostaria
de vê-lo de joelhos me implorando para que o deixe me dar prazer. Sim eu
adoraria isso.

Não muito tempo demorou a que Peter me afastasse. Eu deixei, tinha


planos com Peter pro futuro. Mas agora que Melinda está na mão de Peter, não
sou nenhuma idiota. Talvez a humana e o anjo caído tenham a benevolência do
Arcanjo, mas eu sabia muito bem que o mesmo destino não estava reservado a
mim. Eu precisava ir embora. Precisava sumir.

- Não sou tão fácil assim, demônio. – Peter disse levantando o canto da
boca de maneira sexy.

- Eu sei, mas eu adoro um desafio, anjo. – eu rebati.

- Preciso curá-la Lian, depois vou enfrentar Jango. – Peter me disse,


tomando o ar sério novamente.

- Bem, bem, bem. Eu ia sugerir que entregássemos o Arcanjo mentiroso


para os Céus e então fugíssemos para as Ilhas Caimã, mas como sei que você
está todo caído por aquela pura, então vou embora. – Eu disse brevemente.

- Para onde você vai? – Peter me perguntou.

- Como se eu fosse te contar, docinho. Além do mais, se eu quiser te ver eu


sei onde te achar. Não quero nenhum anjo caído, por mais gostoso que seja no
meu pé. – eu terminei olhando ele da cabeça aos pés. Dei o meu melhor sorriso e
virei para a porta. Por mais que eu estivesse queimando por aproveitar minha
liberdade e dar o fora daqui eu sabia que essa não seria a última vez que eu veria
Peter. Não mesmo.

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PETER

Dei o máximo de minhas forças para a recuperação de Melinda e isso me


tomou cerca de um dia inteiro. Com o passar das horas ela foi ficando mais
desperta e eu pude ver como ela reagia, quem ela era.

Entrei na cabana, eu estava preocupado. Eu sabia que se Cler ficasse


desaparecida por muito mais tempo, os humanos a sua volta desconfiariam e
então eu iria precisar de uma boa desculpa para seu sumiço. Os humanos
sumiam toda hora, demônios que atravessam para esse lado da fronteira os
matam, os levam para o Inferno e a sua raça nem sequer desconfia. Melinda
estava bem, sua pele já mantinha a cor rosada, seus cabelos haviam recuperado
o brilho, e ela agora fixava o olhar em mim sem desmaiar.

Eu entrei e parei em sua frente, ela estava sentada na cama olhando para
mim. Tinha os cabelos dourados na altura dos ombros. Seu rosto era doce, sua
boca era semelhante a um coração rosado. Ela estava me observando.

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-Olá Melinda. – eu disse cauteloso.

- Oi Peter. – ela me respondeu, franzindo os lábios.

- Suponho que Jango falou de mim, você sabe meu nome. – eu disse.

- Jango nunca me falou sobre você. – ela me disse, eu percebi que ao tocar
no nome de Jango seu olhar foi para o chão, triste. Saudades talvez?

- Então como me conhece? – eu perguntei.

- foi você quem me curou? – ela disse ignorando minha pergunta.

- Sim, você se recuperou rápido na verdade, deve ser uma coisa de


Ancora. – eu falei. Ancoras tinham a saúde mais forte, o corpo mais resistente, no
entanto tinham a mente mais frágil e podiam facilmente adquirir doenças mentais.

- Deve ser. – ela disse simplesmente.

- Melinda, preciso te dizer por que está aqui. – eu disse calmamente. Já era
a hora.

- Não se incomode, a garota já me disse, e eu concordei em ajudar. – ela


disse para a minha surpresa. Lian sabia que esse caminho seria tomado quando
exilou Melinda, mas como?

- O que ela falou para você? – eu perguntei.

- Ela me falou que Jango está furioso por vocês terem me capturado. Mas
que prometeu trocá-la por mim, mas ela acredita que Jango não cumprirá sua
palavra, que ao me recuperar ele matará todos vocês. – ela pausou. – Ela disse,
para te dizer que não me machuque, e que ajude a convencer Jango de mantê-los
vivos, por seu amor. Por que ela te ama.

Eu não respirei, e então calmamente fui soltando aos poucos o ar. Melinda
não falava de Lian, na verdade ela parecia estar se referindo a Cler, mas como?
Como ela pôde falar com Cler? De alguma maneira ela conseguiu falar com
Melinda e deu instruções de como devia agir, por isso ela estava tão calma e

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complacente. Ela quer que todos nós saíamos vivos, por seu amor, porque ela me
ama. Ela havia dito para Melinda que me ama.

-Quem te disse isso Melinda? Quem falou isso tudo pra você? – eu
perguntei, tentando manter o controle.

- Foi uma menina. Ela é como eu, uma ancora. Não lembro seu nome. Mas
ela conhecia você, foi ela quem me disse seu nome e porque eu estou aqui. Ela
disse que você é bom, Peter. – ela disse. – Eu e ela somos iguais, ela estava com
medo e triste. E você Peter, você a ama?

Eu não sabia como dizer, eu não havia pensado nisso nesse ponto de vista.
Eu queria proteger Cler, estar perto dela me deixava alterado, apesar de ser um
poderoso anjo caído, perto de Cler me sinto nervoso e vulnerável. Mas amor?

-Eu acho que sim, acho que a amo, Melinda. Eu só quero seu bem, só
quero a levar a salvo para casa. É por isso que estou te usando, quero te entregar
para Jango e pegar Cler. Mas sei que ele vai querer lutar, ele não pode ter
testemunhas do amor de vocês por ai a solto. – eu pausei. – Será muito provável
que haja uma luta entre eu e ele. Então tenho um pedido para te fazer.

Eu me ajoelhei em frente à Melinda e peguei suas mãos nas minhas. –


Melinda, se Jango tentar nos matar, eu e Cler. Você pode pegar Cler e a levar
para um lugar seguro? Vou precisar que me prometa isso Melinda, eu não sei em
que estado ela se encontra. Por favor. – eu supliquei como uma criança pedindo
brinquedos no supermercado.

- essa é uma grande prova de amor, porque você sabe que em uma
batalha um Arcanjo é muito mais forte que um Anjo caído não sabe? – ela me
perguntou docemente.

- Estou ainda contando com que não haja uma batalha. – eu disse me
levantando.

Joguei para Melinda um vestido branco de renda que eu havia arrumado


nas roupas do apartamento de Cler. Eu conheci muito bem os Arcanjos, eu sabia
que ele não pretendia permitir que eu e Cler saíssemos sabendo de seu maior

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segredo, um segredo que poderia o fazer cair. Para a nossa morte ele bem
poderia arrumar uma desculpa, mas para um amor não.

- Se vista Melinda, suas roupas devem estar sujas. Vou te levar para meu
apartamento. – eu disse me virando para sair e esperar até que ela se vestisse.

-Ah Peter, a menina me disse que ela está na casa de Jango, no porão da
casa. Se você quiser posso te levar até lá. – Melinda me disse.

- Está bem, prepare-se então, porque é para lá que estamos indo então. –
Eu terminei saindo pela porta.

E se Melinda estivesse mentindo? Ela não parecia mentir, mas ela poderia
estar me levando diretamente para uma emboscada de Jango, na verdade,
poderia muito bem ter sido Jango a falar com ela e não Cler. Eu precisava apostar
tudo em Melinda, sozinho eu nunca poderia recuperar Cler a salvo. Eu precisava
salva-la, demônios em que fui meter Cler, em que fui me meter.

Estava ventando muito e as folhas se agitavam ao meu redor, subiam e


desciam, folhas secas. Se eu enfrentasse o Arcanjo não sairia vivo e não haveria
mais nada que o impedisse de ir atrás de Cler, nada a não ser que eu o fizesse
cair.

Esperei alguns minutos e então entrei novamente para pegar Melinda, eu


sabia que o momento em que saísse da cabana, Jango poderia a sentir e vir até
ela, então precisava agir rápido.

- Está pronta Melinda? – eu perguntei. Ela estava arrumando os cabelos, o


vestido de Cler a deixou graciosa, ela era pequena igual a Cler a não ser pelos
cabelos dourados.

- Estou pronta. Estou feliz de ir para casa finalmente. – ela me disse, ela
soava cansada e triste.

- Não vou te fazer mal, nunca quis isso, você sabe. – eu senti vontade de
dizer isso a ela, contando que ela repassasse a mensagem a Jango.

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- Eu sei, você fez por amor, assim como meu Jango. Não se preocupe. –
Melinda me disse, ela era realmente muito doce. O que me fez sentir culpado por
ela estar no meio de uma batalha desse tipo.

- Então vamos. – terminei a pegando pela mão.

A puxei rapidamente até o carro e o pus em movimento assim que


entramos. Dirigi por uma estrada de terra e folhas, a lua já estava bem acima de
nós, iluminando o caminho. Estávamos em silencio, apreensivos talvez.

Estava quase saindo do bosque quando apareceu uma figura enorme bem
a minha frente, brilhava tanto que demorei a reconhecê-lo, apenas o fiz pelas
enormes asas que o envolviam cintilantes me obrigando a parar o carro. Desviei a
tempo para o lado, forçando uma parada brusca.

Jango estava parado a alguns metros, a feição furiosa transmitiu uma onda
de poder até mim. Saltei do carro puxando Melinda comigo. Quando seu olhar
caiu em Melinda, seus olhos letalmente se ampliaram, e então caíram sobre mim.

A uns cinco metros atrás de Jango estava Cler, observando-nos com um


olhar assustado.

- Juro pela minha linhagem Arcângela descendente dourado de luz Miril


que o mandarei diretamente para o inferno traidor. - Jango gritou para mim.
Coloquei Melinda atrás do meu corpo. Suas asas batiam freneticamente ao seu
redor, a sua força chegava até mim como faíscas de eletricidade, chamuscando
minha pele.

Eu não precisava de seu juramento para saber que Jango me destruiria, a


energia ao meu redor dizia. Eu não abriria mão de salvar Cler, teimosa Cler.

Eu precisava apenas de duas coisas antes. Dizer que eu também a amava


e garantir a sua retirada antes de lutar com Jango.

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Não precisei olhar duas vezes para reconhecer o carro de Peter. Jango se
elevou com tanta força que meu corpo inteiro estremeceu, um calafrio desceu pela
minha coluna. Algo realmente grande estava para acontecer. Quando conheci
Peter e ele contou-me toda historia de céu e Inferno pensei que meu maior inimigo
seria algum demônio tarado, nunca imaginei que o maior perigo seria um ser
vindo do Céu, um Arcanjo apaixonado. Agora vendo sua raiva ao ver Peter e
Melinda, eu sabia que estava certa. Jango não pretendia nos deixar sair, ele me
trouxe até aqui no momento em que sentiu a presença de Melinda, um lugar
afastado e sem testemunhas.

Peter saltou do carro com Melinda, ela estava usando meu vestido branco
de renda que eu havia ganhado da minha mãe no meu aniversário de quinze

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anos. E Peter estava lindo, vestia uma camiseta azul escuro calça preta e botas,
se olhar correu para todos os lados e então parou quando me encontrou. Nossos
olhares se encontraram e por mais louca que eu pareça pude sentir segurança,
ele me deu um olhar que queria me dizer muitas coisas. Tive que me controlar
para não sair correndo me atirar nos seus braços e soluçar como uma criança.

Já havia escurecido e todo o ambiente parecia ter saído diretamente de um


filme, as folhas voavam loucas de um lado para o outro, barulhentas por estarem
secas. As arvores que se fechavam ao nosso redor pareciam ter crescido e
escurecido o que fez com que os pelos dos meus braços se arrepiassem. Eu não
conseguia tirar os olhos de Peter, apesar de estar ameaçador ele parecia
cuidadoso.

- Juro pela minha linhagem Arcângela descendente dourado de luz Miril


que o mandarei diretamente para o inferno traidor. – Derrepente Jango gritou sua
voz fez eco pela imensidão de arvores que nos cercavam.

- Eu não o trai Jango. Você me traiu primeiro. – Peter disse de longe, sua
voz tão letal quanto à de Jango. Percebi que Melinda estava atrás de Peter e
lágrimas escorriam pelo seu rosto pobre Melinda.

- Você se aliou aquela maldita demônio para usarem Melinda contra mim. E
agora vocês irão pagar por seu erro. – Jango falou se aproximado.

- Errado Arcanjo, eu irei pagar pelo meu erro. Cler vai sair daqui com
Melinda. Você e eu iremos discutir sobre isso a sós. – Peter falou tentando
parecer relaxado, mas sua postura mostrava sua apreensão.

- Elas não irão a lugar nenhum. - ele pausou – Se você a tocou, eu me


certificarei de que você sofra como nunca imaginou. Ter caído irá parecer o
paraíso para você. – Jango ameaçou, dando mais um passo em direção a Peter.
Eu estremeci com a memória de Peter tendo suas asas arrancadas no deserto,
como ele poderia sofrer mais?

- Cler, vire e vá embora. Você não pode ficar aqui. Você precisa se salvar.
– Peter disse para mim, não tirando os olhos de Jango.

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Derrepente Jango estava atrás de mim me segurando pelos ombros. Peter


deu dois passos em nossa direção, e medo atravessou se olhar.

- Que demonstração mais bela de amor, Anjo. Se você a amasse teria feito
o que mandei. Você pensa que deixarei uma humana estúpida sair por ai sabendo
de todos os segredos do céu e do Inferno, de todos os segredos sobre mim? Não
terei minha vida nas mãos dessa estúpida humana. – Jango falou friamente. Seu
aperto de ferro subiu e então suas mãos foram para meu pescoço.

Tudo foi realmente muito rápido, em um segundo Jango estava atrás de


mim apertando meu pescoço e em outro Peter estava atrás de Jango o
golpeando. Eu caí para frente de joelhos e pude ouvir golpes atrás de mim, como
socos e chutes. Tentei sair rastejando desajeitadamente e alcançar Melinda.
Quando estava a uma distancia favorável me levantei e corri para o outro lado
próximo ao carro. Lágrimas empossavam o rosto de Melinda que olhava para o
Céu, eu não fazia idéia do que ela estava fazendo. Como ela conseguia tirar os
olhos dos dois enquanto brigavam.

Peter deu uma série de socos na cara de Jango, que sangrava. E com uma
força sobrenatural Jango deu um chute no peito de Peter o jogando longe,
fazendo-o cair de cabeça contra uma arvore. Jango se movimentava muito rápido,
enquanto Peter precisava se esforçar e disparar dezenas de golpes em Jango, o
Arcanjo com apenas um conseguia deixar Peter caído e atordoado. Peter bateu a
cabeça diversas vezes contra as arvores, seu cabelo estava molhado de sangue
como seus braços. Quando se levantava, suas pernas enfraqueciam e ele
cambaleava para os lados, não agüentaria muito mais tempo.

Não pude evitar as lágrimas que escorriam pelos meus olhos, Peter iria
morrer. Morrer para me salvar, eu havia sido idiota todo o tempo com ele,
tentando evitar demonstrar meus sentimentos, evitando admitir meu amor. Nada
disso importaria mais, meu mundo mudou nada do que eu acreditava iria
continuar o mesmo. Peter me mostrou outra realidade. Não poderia acabar assim.

Peter voou outra vez, enquanto Peter parecia acabado e cheio de sangue
por todos os lados, Jango parecia firme e forte, o lançando como um boneco para

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todos os lados. Peter tentou dar um soco no rosto de Jango errando, o Arcanjo
aproveitou-se e saltou alguns metros para cima, suas asas o mantendo elevado.

-Pare! Você vai matá-lo! Pare! Por favor! – Eu gritei, mas minha voz saiu
rasgada entre os soluços, meus olhos brilhavam com lágrimas dificultando minha
visão.

-Melinda você precisa impedir! Não Jango! Por favor! Você não pode! Pare!
– Eu gritava e gritava, mas parecia que eu não existia mais, que nada em volta da
batalha entre Anjo caído e Arcanjo existia, era como se eles estivessem em outro
lugar, sozinhos.

Derrepente no alto Jango criou em suas mãos como passe de mágica uma
espada feita de fogo, como a que ele havia matado Sam. Um frio me atravessou,
nesse momento o mundo parecia ter congelado na imagem de Peter deitado no
chão ensangüentado e Jango em cima dele com uma espada flamejante. Isso não
podia acontecer, não. Jango iria matar Peter, ele iria matar Peter agora, bem na
minha frente.

Um grito ecoou pela minha garganta tão forte que parecia rasgá-la. – Não!
Peter!

Peter virou o rosto na minha direção seus olhos estavam inflados de


sangue e seu rosto completamente cortado e mutilado. Não. Ele olhou
diretamente para mim, e sorriu. Seu sorriso arrogante que eu amava.

- Eu te amo Cler. – ele disse. E então. – Salve-a Melinda, Salve-a. – ele


terminou.

Como um raio Jango desceu do alto chocando sua arma flamejante contra
Peter. Uma luz tão forte apareceu impossibilitado minha visão, não pude fazer
nada a não ser tapar meus olhos que ardiam como fogo. Não. Jango havia
matado Peter. Peter me amava. E agora estava morto. Ele estava morto por
minha causa, desde o começo. A luz foi aos poucos diminuindo e meus joelhos já
não tinham força para me manter de pé.

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-Não! Não, não, não! Peter? Peter! – eu sai rastejando de joelhos, não
podia estar acontecendo.

Alguns minutos se passaram e um silêncio mortal estava estabelecido, só


havia o som das folhas secas aonde eu tocava. Meus olhos ardiam, mas já não
era necessário mantê-los tapado. Aos poucos minha visão foi se recuperando
ficando apenas pequenos pontos preto em frente, e onde estava Peter havia
apenas um homem com grandes asas batendo em sua volta.

-Não! Seu desgraçado, você o matou! Seu desgraçado! – um grito ecoou


pela minha garganta, as lagrimas brotavam sem param, me deixei cair no chão.
Eu precisava chorar, eu precisava sofrer, precisava desse tempo, talvez agora
fosse a minha vez de morrer.

Eu estava ajoelhada com a minha cabeça no chão soluçando, quando outro


clarão invadiu minha visão. Talvez Peter estivesse voltando?

-Nããããão! – um grito de Jango estourou a noite. Eu levantei minha cabeça


e havia dois homens enormes a sua volta.

Eles também tinham asas. Um deles se colocou a um lado de Jango e


outro no outro lado, Jango imediatamente caiu de joelhos. Por todos os deuses,
eu sabia o que estava acontecendo. Olhei para Melinda, ela estava séria olhando
para Jango, lágrimas rolavam por sua doce face sem parar.

-Melinda que você fez? – Jango perguntou para Melinda.

- Cler não é uma estúpida humana, ela é exatamente como eu Jango.


Apesar de Ser um ser de Luz, você matou o amor dessa mulher e logo a mataria
também por seus próprios objetivos. Isso não é ser bom, você não merece ser um
Arcanjo, amor. Eu nunca poderia deixar você machucá-la, eu fiz uma promessa. –
Melinda disse, sua voz triste doía de escutar.

- Você entregou o nosso amor. Você me traiu Melinda? Eu arrisquei tudo


por você e você me traiu. – Jango disse agora lágrimas rolavam por seu duro
rosto.

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O Anjo da direita ergueu as mãos no céu e começou a tecer símbolos no


ar, exatamente como eu havia visto no deserto com Peter. Eu não conseguia fazer
nada a não ser olhar. Eu estava estarrecida.

O outro anjo começou a arrancas as penas das asas de Jango. Um grito de


dor desesperado estremeceu a terra.

- Eu sinto muito, eu sinto muito meu amor! – Melinda sussurrava, soluços


saiam de sua garganta, Deus pobre Melinda.

O anjo que tecia símbolos no ar começou a falar palavras estranhas e


Jango gritava desesperado, caído de joelhos. Melinda chorava e a cena toda
parecia um pesadelo. Jango estava caindo.

Eu me levantei devagar e caminhei até o carro de Peter, precisava sair


daqui. Precisava ir embora, já não havia mais nada o que fazer aqui, Peter está
morto, Jango caiu e ficara mortalmente ferido, provavelmente Melinda ficará e
cuidará dele. E eu, só precisava ir para casa.

Quando passei por Melinda parei e ela me olhou olhos vermelhos cheios de
lágrimas, ela acenou dizendo para que eu fosse. Entrei no carro e deixei para trás
os gritos agonizantes de Jango.

Tudo girava em minha cabeça enquanto eu dirigia na faixa, deveria ser bem
tarde, havia poucos carros circulando. Tudo isso só podia ser um grande
pesadelo. Peter, era atraente e um babaca arrogante, fiquei curiosa sobre ele logo
na primeira vez que o vi. E agora ele estava morto. O que se faz quando morre
alguém por quem você é apaixonada? Manda rezar uma missa? Acende uma
vela? Compra uma garrafa de vodka? Eu não sabia, nunca havia me apaixonado
antes. A única coisa que passava em minha mente era chegar correndo em casa
me atirar na minha cama e nunca mais sair. Sou uma garota de vinte e dois anos
que nunca se apaixonou antes, até encontrar um anjo caído louco e então ele
morre. Fim da história. Não pode ser assim.

Reconheci a entrada da cidade, circulei com o carro. Como tudo seria?


Amanhã eu acordaria bem cedo e iria para o campus? Entraria na Caverna do

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Café e pediria um mocca grande para Sam que me cumprimentaria com aquele
sorriso enorme de sempre, depois iria para a aula e passaria todo o tempo
pensando sobre como minha vida é chata e sem movimento, e com me sinto
nervosa quando vejo Peter, ou como Peter é bonito? Não, não seria assim. Sam
estava morto, era um demônio mau. Peter estava morto. E pelo visto eu também
estava morta por dentro. Precisei piscar para afastar as lágrimas e enxergar a
entrada do meu prédio.

Dei ré ao me lembrar que meu carro estava em minha vaga e que eu


estava com o carro de Peter, deuses, fui até a esquina e estacionei. Não podia
deixar esse carro aqui, e bem Peter estava morto. Dei uma boa olhada em tudo
não podendo evitar um soluço crescente em minha garganta. Sai deixando a porta
aberta e a chave na inguinição. Alguém acharia o carro e o roubaria, não iria fazer
falta para ninguém mesmo, e eu não queria ter que ver o carro todos os dias na
esquina de casa. Sai e andei a pé até em casa.

Joguei-me na cama exatamente como planejado, nada me tiraria daqui,


amanhã eu lidaria com tudo. Trancaria a Enfermagem, ligaria para a Nanda e
Stefany, ligaria para meus pais e depois voltaria para a cama por pelo menos um
ano inteiro. Hoje eu só queria ficar aqui deitada e chorar meu luto, pelas mortes
sobrenaturais que eu presenciei, pela minha vida, pela minha sorte.

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EPÍLOGO
OITO MESES DEPOIS

Eu estava aqui deitava em minha cama tentando me lembrando de tudo


que havia mudado minha vida, refletindo sobre o sentindo de tudo, as garotas
haviam me buscado e me levado para tomar um café da manhã fora. Planejavam
e falavam da minha vida como se eu fosse apenas uma poeira no ar, com se eu
não decidisse por mim mesma e não as estivesse escutando.

Minha vida havia virado um turbilhão há oito meses atrás e eu nunca mais
seria a mesma, de saúde eu estava maravilhosamente bem. Ancoras são fortes e
raramente ficam doentes. Mas minha alma estava marcada com uma cicatriz que
se recusava a fechar. Meu apartamento havia virado uma montanha de roupas e

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coisas atiradas por todos os lados. Meus cabelos estavam compridos, não me
lembro a ultima vez que fui a um cabeleireiro cortar, mas permaneciam sempre
amarrados em um rabo de cavalo alto. Maquiagem eu nem cogitava. ÀS vezes eu
saia e ia ao supermercado, eu ainda sentia fome afinal de contas. A Nanda e a
Stefany eram boas amigas, já que ainda não haviam desistido de mim. Eu nunca
ligava para elas, e na maioria das vezes ignorava suas mensagens.

Eu passava a maior parte do tempo lendo, olhando TV, fumando e tomando


café passado, que eu odiava. Mas hoje elas haviam vindo me dado banho me
vestido e me arrastado para tomar café em um shopping. Eu já estava a cerca de
umas duas horas deitada pensando. Estiquei meus braços e levantei. Talvez
estivesse na hora de guardar algumas roupas para que eu conseguisse pelo
menos caminhar até a cama a invés de ir saltando.

Comecei a juntar as peças em volta da cama, guardando-as no guarda


roupa. Nunca imaginei que eu tivesse tantas peças, afinal. Abri a janela e um sol
forte bateu em meu rosto, já fazia muito tempo que eu ao pegava um sol na pele.

Quando terminei de juntar as roupas do quarto fui até o banheiro. Tinha um


cheiro horrível, algo parecido com aterros sanitários, ainda que eu nunca tivesse
ido a um, imaginava que esse seria o cheiro, insuportável. Algumas toalhas
molhadas no canto da parede e o lixo, meus sagrados deuses, estava
transbordando papel. Peguei na gaveta um par de luvas de procedimento e
coloquei, seria muito possível estar em desenvolvimento uma espécie de T-Virus
nesse lixo todo. O puxei da lixeira e atei um nó, isso tinha que sair agora daqui.

Sai do banheiro segurando lixo em uma mão e a outra uma montanha de


toalhas molhadas. Deuses no que me tornei. Quando cheguei à sala bem no meio
estava uma mulher.

O lixo e as toalhas caíram das minhas mãos, não era qualquer mulher.
Essa em especial havia saído diretamente dos meus pesadelos. Tinha os cabelos
raspados, grandes argolas nas duas orelhas e um batom obscenamente vermelho
na boca, apesar de pequena era musculosa, e seus olhos eram duas bolotas
verdes com grandes cílios negros.

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- Quem é você? – Minha voz praticamente saiu um sussurro.

- Como se você não soubesse quem eu sou. – Ela disse com uma voz
arrogante, queixo empinado.

- O que você está fazendo na minha casa? – eu perguntei, minhas mãos


tremiam. Tanto tempo se passou, se não fosse pela dor que ainda sinto poderia
bem pensar que tudo não havia passado de um grande sonho ruim.

- Bem querida, acho que não fomos devidamente apresentadas. Sou Lian.
– ela estendeu a mão para mim. Depois de alguns segundos ela abaixou sem
uma resposta minha.

- O que você quer Lian? – eu perguntei.

- Sou um demônio saída diretamente do inferno, mas agora estou presa na


terra para sempre Graças a Deus, ou melhor, graças ao Peter. – ela disse. Ouvir o
nome de Peter foi como levar um soco no estomago, eu imediatamente recuei.

- Estou sabendo tudo que aconteceu há oito meses e blá, blá, blá. – ela
parou. – Tenho que ser sincera, que se estivesse lá teria chutado completamente
a bunda daquele Arcanjo de merda. Mas isso sou eu, você é apenas uma
humana, não poderia ter feito nada. – ela continuou, caminhando em círculos em
frente ao sofá.

- Também, gostaria que soubesse que tenho uma queda incrivelmente


grande por aquele Anjo caído, e darei tudo de mim para ganhar aquele corpo
maravilhoso e também aquele coração selvagem. – ela disse. Meu coração deu
um salto. Eu estava ficando louca de vez.

-O que? – Eu perguntei incrédula. Lian se referia a Peter como se ele


estivesse logo ali na casa ao lado.

Lian derrepente parou no meio da sala e me olhou.

- Bem querida, o que estou querendo te dizer, é prepare-se. – ela pausou


me dando um grande sorriso diabólico. – Porque que vim te pegar para
buscarmos o nosso Anjo.

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FIM

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