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Contents

Gatilhos
Avisos importantes
Playlist
Copyright
Dedication
Epigraph
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Inferno celestial
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo final
Agradecimentos
Books By This Author
Gatilhos

Este livro contém cenas intensas de violência física e psicológica.


Abuso emocional e doméstico. Drogas e vício. A narrativa deste
livro envolve relacionamentos tóxicos e comportamentos
manipulativos. Ferimentos e tortura. Assassinato e violência
extrema. Violência gráfica, agressão física e emocional, abordagens
sexuais explícitas que podem incluir BDSM, fetiches diversos e
relações não convencionais. Palavras de baixo calão e linguagem
ofensiva. Os personagens podem se envolver em comportamentos
moralmente questionáveis ou que vão além dos limites éticos
convencionais.
Vinci não é um mocinho, ele é perverso, muito desumano e não tem
muito sentimento. Aqui, não tem mocinha que conserta vilão, aqui
temos um vilão que é capaz de tudo por ela.
" Ah, mais o relacionamento é tóxico!"
Sim, inimigos, é, já deixei bem claro que é um Dark misturado com
Monster, e estamos falando de um vilão, um diabo, e ele não é
mocinho!
" Ah, mais teve cenas..."
Sim, teve muitas cenas e o intuito do livro é entreter e não educar.
Avisos importantes

Aviso importante: Seja gentil em suas críticas! Valorize o


esforço da autora ao escrever seu livro!
Prezados leitores,
Eu sei que cada um tem seu gosto literário e que nem sempre nos
identificamos com todas as obras que cruzam nosso caminho. No
entanto, é fundamental lembrar que por trás de cada livro há um autor
ou autora que dedicou um tempo significativo e bastante esforço na
criação daquela obra.
Ao escrever um livro, são inúmeras horas de pesquisa, desenvolvimento
de personagens, construção de enredos e revisões para que o trabalho
final seja entregue ao leitor.
É essencial que lembremos que a autora deu um "duro danado" na
criação do livro.
O livro que você está prestes a ler é diferente de qualquer outro. Possui
temas complicados que podem despertar emoções difíceis de lidar e
desafiar suas crenças tradicionais.
É importante destacar que, assim como na vida real, os personagens
desta história não são perfeitos. Eles podem errar, escolher caminhos
questionáveis e tomar decisões difíceis. Aqui, você não encontrará
heróis infalíveis ou vilões simplórios, mas sim indivíduos complexos
que estão tentando encontrar seu caminho em um mundo imperfeito. Se
não gosta do tema, não precisa agredir e nem desrespeitar o meu
trabalho, apenas não leia.
Neste livro, abordamos tópicos que poderiam ser considerados tabus ou
delicados, como: amor não convencional, lutas interiores, perdas
devastadoras e dilemas morais. Este livro é uma duologia, contiunuará.
Favor notar que todas as palavras em latim, feitiços ou
qualquer outra coisa utilizada neste livro são fictícias e não devem
ser realizadas em casa!

Boa leitura.
Playlist

Chegou a hora de apimentar a leitura com uma playlist sensual que vai
fazer seu coração palpitar e suas páginas pegarem fogo!
Divirta-se e aproveite esse momento deliciosamente ardente.

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Copyright © 2023 Karoll Martinelly

Todos os direitos reservados

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou falecidas, é coincidência e não é intencional por parte do autor.

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, armazenada em sistema de recuperação, ou
transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação, ou
outros, sem permissão expressa por escrito do autor.

Designer de capa; Rayane Designers


Para você, que prefere o demônio que te arraste para o inferno, que é obsessivo, possessivo,
agressivo, mas que entrega o inferno aos seus pés e que te fode bem gostoso.
De manhã cedo, quando você bateu na minha porta...
E eu disse; Olá, Satã, creio que seja hora de ir.
Eu e o demônio, caminhando lado a lado.

Soap&Skin
Prólogo

Meu nome é Vênus, como o planeta, e essa a história de como eu fiz


um pacto com o diabo e acabei fodendo com ele depois.
Capítulo 1

Naquela madrugada, meus olhos já estavam despertos, pois ouvia


com atenção as vozes acaloradas vindas do andar debaixo da minha
sala.
Os xingamentos e as agressões ecoavam por todos os cantos e isso
era algo que ocorria diariamente. Felizmente, não tínhamos muitos
vizinhos por perto, então o escândalo poderia ficar entre nós.
A porta do meu quarto se abriu e, mesmo na penumbra, pude ver
uma figura pequena com cabelos loiros e cacheados.
— Darling? — chamou na porta, com sua voz doce, enquanto
abraçava seu dragão de pelúcia. — Posso dormir com você?
— Claro. — sentei na cama. — Vem, anjinho.
Ele correu para a cama e se aconchegou em meu abraço. Sentia o
cheiro do shampoo em seus cachos e abracei seu corpo magro, o
trazendo para perto de mim. Enquanto o abraçava, as vozes
continuavam lá embaixo.
— O que mais você quer que eu faça? Eu já te dei tudo o que tinha,
Lucca!
— Então me dê mais, sua inútil! Tudo o que eu faço é trazer coisas
para você, e o que você me dá em troca? — algo se quebrou. — Casar
com você foi um erro!
— Não ouse gritar comigo! Ter filhos com você foi a pior decisão da
minha vida! Seu inútil!
Todo dia, toda noite, era isso que presenciávamos. Gritos, agressões
e palavras que me causavam repulsa.
— Eles estão brigando por minha causa? — Marte perguntou,
fungando o nariz.
— Não! Quem te disse isso, anjinho?
— Um garoto da minha escola disse que os pais só brigam assim
quando são infelizes no casamento por causa dos filhos mais novos. —
explicou. — Os mais velhos conseguem se virar, mas nós, os caçulas,
somos o motivo do ódio entre eles.
Passei a mão em seus cabelos, sentindo os cachos deslizarem entre
meus dedos, e usei todas as forças que me restavam para parecer uma
adulta.
— Isso não é verdade. Os adultos brigam porque são infelizes em
suas vidas, e isso não quer dizer que odeiam seus filhos.
— É verdade?
— E eu já menti para você antes? — Ele negou. — Então, agora, por
que não tenta dormir? Você tem aula amanhã.
Ele consentiu, segurando com força a minha camisa cinza, em busca
de segurança.
— Eu te odeio, Darling.
Ele disse seu "eu te amo" da forma que acreditava ser a mais sincera.
— Também te odeio, anjinho.
Eu torcia todas as noites para que Marte pudesse dormir
tranquilamente, sem ouvir as discussões acaloradas. Muitas vezes, elas
chegavam a níveis extremos e eu tinha que intervir, o que resultava em
hematomas e xingamentos.
Sempre odiei essa vida, mas fazia tudo por ele, somente por causa do
meu irmãozinho.

Minhas manhãs sempre foram uma correria. Eu acordava, tomava


banho, arrumava meu irmão para a escola, tentava encontrar algo
comestível para o café da manhã e saía correndo.
Naquela manhã, arrumei sua mochila e descemos as escadas
apressados. Assim que chegamos embaixo, nos deparamos com uma
bagunça terrível. Garrafas de bebida, cinzeiro cheio de cigarro, drogas
na mesa e cacos de vidro espalhados pelo chão.
Nossa casa nunca foi muito grande e nós também não éramos muito
pobres, vivíamos uma vida mediana, mas nosso pai, Lucca, havia
perdido muitas coisas em apostas e bares. Suspeito que até em
prostíbulos. Odiava encarar aquela cena logo pela manhã. Enquanto eu
me desdobrava para cuidar de Marte e tentar ao menos dar a ele uma
vida digna, os dois adultos responsáveis por ele estavam dormindo
bêbados e drogados, depois de passarem a noite brigando como cães e
gatos.
— Não tem nada na geladeira — disse Marte, com a voz baixa. —
Estou com fome.
— Eu sei, meu anjinho — segurei sua mão, pegando sua mochila. —
Vamos comprar algo no caminho para a escola.
Ele consentiu.
Marte sempre foi muito bonzinho. Nunca me desrespeitou nem
causava confusão. Com apenas sete anos, já conseguia entender muito
bem o que estava acontecendo. E quando ele entendia demais, eu tinha
que mentir e dizer que ele estava errado.
Ele havia herdado os lindos olhos azuis e cabelos loiros cacheados
de nossa mãe, enquanto eu herdei tudo de nosso pai. Cabelos ondulados
e castanhos e olhos escuros.
Morávamos em uma pequena cidade chamada Stanfield, onde o
clima variava entre muito quente e muito frio. Era um bom lugar. Lucca
havia se mudado para começar o seu próprio negócio, aquilo que ele
realmente amava fazer, mas não sei quando ele se perdeu.
Cheguei à escola bem a tempo. Apesar de ser uma cidade pequena,
as coisas não eram tão próximas e eu precisava ser rápida se quisesse
evitar o atraso.
— Chegamos — abaixei-me para arrumar a blusa de Marte e encarei
seus olhos azuis. — Lembra do que combinamos?
— Sim. Não devo procurar briga na escola, nem responder quando
alguém mais velho falar. Nunca falar com estranhos e se você não
aparecer para me buscar, eu vou cuidadosamente para a casa da senhora
Charlie.
Sorri.
— Bom garoto! — beijei seu rosto. — Te vejo mais tarde.
Ele assentiu e saiu correndo, entrando pelo portão da escola como
um furacão. Ficava mais aliviada quando ele estava lá dentro, assim ele
não precisava presenciar todas as coisas absurdas que eu passava.
Olhei para o relógio de pulso e saí apressada, não querendo me
atrasar para aquela entrevista de emprego. Era uma loja de
conveniência em um bom lugar.
Assim que cheguei, fui direto para a sala, onde a proprietária me
observava atentamente.
Ela tinha uma postura rígida, segurando a caneta em suas delicadas
mãos, que estavam pintadas com um esmalte vermelho vibrante. Tinha
a pele bronzeada, olhos curiosos e não era tão velha quanto eu
imaginava.
— Vênus Mackenzie Lancaster — começou, olhando para mim. —
22 anos, nascida em 10 de dezembro de 1998. Está correto?
— Sim. — respondi, enquanto apertava as mãos debaixo da mesa.
Ela examinou meu currículo e levantou uma sobrancelha.
— Filha de Lucca Mackenzie?
Era óbvio que essa informação seria observada, não havia como ela
olhar para mim sem saber sobre o meu passado.
O problema era que, por mais que eu quisesse mentir naquele
momento sobre meus pais, era tarde demais. Todos na cidade
conheciam Lucca, seus feitos e sua reputação.
— Sim. — respondi.
— Mm… — mordeu os lábios e me olhou semicerrando os olhos. —
Você tem um irmão mais novo, não é mesmo?
— Tenho.
— E onde ele está agora?
— Na escola.
— E se precisasse de alguém para cuidar dele enquanto trabalha?
Ela perguntou com cuidado.
— Bem, eu tenho alguém que pode cuidar dele até eu terminar. —
observei. — Eu o levo à escola e venho trabalhar e depois…
— Já ouvi muito sobre o seu pai, senhorita Lancaster. — ela me
interrompeu e senti um nó na garganta. — Ele já foi preso várias vezes
por agressões, bebidas e roubos. — fez uma pausa. — Não seria bom
para os negócios ter a filha dele aqui. As pessoas comentam.
— Eu não sou o meu pai. — a encarei, sentindo meu rosto queimar.
— Sou diferente dele e preciso muito desse trabalho. — engoli em seco
e mantive o contato visual. — Meu irmão precisa de mim e eu preciso
de um emprego.
Ela me analisou pensativa e voltou sua atenção para o papel, antes de
me olhar novamente.
— E a faculdade? — questionou. — Aqui diz que estava estudando
história.
— Sim. — assenti. — Mas precisei parar.
— Entendo. — ela examinou o papel por mais um tempo e eu me
senti tensa, pois sabia o que viria a seguir. — Eu irei te ligar. — disse e
sorriu.
Eu estava tão desapontada que só queria gritar, mas não adiantaria.
— Você não vai me ligar, não é? — Olhei nos seus olhos castanhos.
— Você não vai me dar emprego.
— Senhorita Lancaster…
— Eu… — fechei os olhos para manter o controle e depois os abri.
— Eu realmente preciso desse emprego. A vida do meu irmão depende
disso, e a minha também.
Eu rezava para que ela pudesse ser benevolente e me ajudasse, por
mais que já soubesse como aquilo terminaria. Apesar de não ser muito
de orações, eu pedi para que ela me contratasse.
— Sinto muito. — disse.
Concordei, bastante chateada.
— Não, você não sente. — respondi e me levantei. — Obrigada pelo
tempo, Samantha.
Eu saí daquele lugar completamente perdida. Eu não tinha a menor
ideia do que fazer. O dinheiro que eu tinha da faculdade estava
acabando e eu não tinha mais nenhuma fonte de recursos, e eu
precisava de uma.
Caminhando pelas calçadas, eu via as pessoas em suas rotinas e me
perguntava se alguma delas passava pelo mesmo que eu.
Tantas lojas ali, tantos lugares.
Sorri sarcasticamente ao ler o papel que me entregaram, que dizia:
"Faça seus pedidos e será atendido, venha visitar Chloe, a vidente."
Foi um exagero pensar em ir, mas eu não tinha fé e não acreditava
que seria ouvida.
A vida era um inferno.
Cruzei a esquina e quando estava prestes a dar alguns passos,
testemunhei Lucca sendo espancado por três homens, conhecidos como
os homens de Vinci.
O beco era estreito e a polícia raramente passava por ali, então Lucca
seria agredido até quebrar algumas costelas.
Eu poderia ter deixado acontecer, ele merecia apanhar, mas ainda
não conseguia ser tão insensível dessa maneira.
Mesmo que me arrependesse depois, e que ele não fosse agradecer,
eu ainda tinha um senso de justiça maior do que eu.
— Ei! — gritei e os homens me olharam.
Eu os conhecia muito bem, todo mundo conhecia os irmãos Hunter.
Eles usavam camisas florais ridículas, eram altos e musculosos, tinham
pele avermelhada e olhos castanhos. O cabelo deles sempre estava
bagunçado, e eles sempre estavam batendo ou intimidando alguém.
— Olha só quem está aqui! — disse Philip. — Planetinha!
Os outros dois, um pouco mais baixos, apenas riram. Pareciam a
sombra do irmão, que, mesmo sendo gêmeos, sempre agiam como se
Philip fosse o mais velho.
— É Vênus. — respondi, dando alguns passos. — Meu nome é
Vênus.
— Eu não estou nem aí! — aproximou-se de mim, mostrando o
quanto era muito mais alto do que eu. Mesmo assim, não deixei de
erguer o queixo. — O que a princesinha do papai está fazendo aqui?
Olhei para o lado e vi Lucca todo machucado, com sangue no rosto e
muitos hematomas.
Odiava ser filha dele.
Voltei minha atenção para Philip.
— Você não deveria bater nas pessoas em plena luz do dia. A polícia
pode ver e você terá sérios problemas.
Ele gargalhou.
— Você não está falando sério, está? — fiquei calada e ele mordeu
os lábios. — Garota, essa cidade é nossa!
— Na verdade… Essa cidade é minha.
Fiz uma careta, e mesmo sem me virar, já sabia de quem era aquela
voz potente e cheia de ego.
— Chefe.
Os passos do homem foram se aproximando cada vez mais, e quando
olhei para Lucca, vi que ele estava mais pálido do que o normal.
Medo.
— Vênus.
Ele parou diante de mim e eu ergui meu olhar, sem me sentir
intimidada pela presença imponente do homem vestindo um terno caro,
com olhos verdes penetrantes e cabelo impecavelmente arrumado.
— Vinci.
Vinci aparentava ter cerca de 30 anos, sempre trajando roupas
elegantes e exalando uma aura perigosa. Seus olhos verdes transmitiam
uma imensa força, seus braços musculosos impunham intimidação e ele
parecia exalar um ar venenoso.
Ele sorriu de lado.
— Adoro como você me desafia e nem sequer treme na minha
presença. Na verdade… — ele tocou uma mecha do meu cabelo. —
Não sei se gosto disso ou se fico aborrecido com tanta audácia.
Eu empurrei sua mão, removendo meus cabelos dos dedos longos
que estavam cobertos por anéis grossos de ouro e prata, assim como as
iniciais gravadas em cada dedo. As letras A, M, D, U, S, cujo
significado eu desconhecia.
— Qual é o problema dessa vez? — perguntei, exasperada. — Seus
cães estão agredindo o Lucca.
— Cães? Interessante. — Os rapazes não reagiram com humor e eu
ignorei o olhar ameaçador deles. Vinci olhou para Lucca, que ficou
tenso quando o homem se aproximou. Com brutalidade, Vinci agarrou-
o pela camisa e virou-se para mim.
— Esse cara aqui me deve uma fortuna. — disse ele. — Ele pediu
dinheiro emprestado, eu dei, e agora se recusa a me pagar.
Revirei os olhos.
— Sério que você emprestou dinheiro para ele? — questionei. —
Pensei que você fosse mais esperto.
— Faço negócios, querida. Se o seu pai me pedir algo, eu cobro
juros. O problema é que ele não me paga e se recusa a cumprir as
tarefas que eu ordeno.
— Vinci… — Lucca tentou falar, mas recebeu um soco no
estômago.
— Silêncio! — gritou Vinci e o homem parou de falar.
— Quanto ele te deve? — perguntei.
— Muito.
— Quanto, exatamente? — retruquei impaciente.
Ele riu.
— Acha que ele pode me pagar?
— Quanto? — perguntei, com os dentes cerrados.
— 100 mil dólares.
Suspirei, sentindo uma dor de cabeça se formar.
— Vai fazer um cheque ou pagar em dinheiro vivo? — ironizou
Philip.
Ignorei seu sarcasmo e olhei fixamente para Vinci.
— Se ele fizer os serviços, isso quita a dívida? — perguntei e ele
refletiu por um momento.
— Sim, desde que ele esteja disponível para trabalhar sempre que eu
convocar, vou considerar a dívida paga. — me analisou. — No entanto,
ele não parece em condições de trabalhar e ainda por cima roubou de
mim.
— Eu não… — Lucca se encolheu. — Eu não roubei.
— Ah, você roubou sim. Roubar dos lugares onde eu tenho
influência é roubar de mim e adivinha só? — chegou perto do ouvido
dele. — Eu mando em toda a cidade!
Bateu sua cabeça contra a parede, fazendo-o cair quase desmaiado.
Logo em seguida, passou a mão pelos cabelos, alinhando os fios, e
respirou fundo.
Vinci tinha um grave problema em controlar a raiva. Era agressivo,
explosivo e perigoso.
Eu sabia disso.
— Então, pequeno planeta. — ele me olhou. — O que faremos? —
caminhou em minha direção. — Eu posso ir até a sua casa e ver o que
tem de valor, embora acredite que seu pai já tenha se desfeito de tudo
que valia alguma coisa. — cuspiu. — Esse viciado desgraçado! — seus
olhos pousaram sobre mim, sobre meu colo que estava coberto por uma
camisa e uma jaqueta. — Aceitaria algo que ninguém nunca tocou. —
mordeu os lábios.
— Nem tente! — lancei um olhar mortal e ele riu. Nojo, era apenas o
que eu sentia. Pensei muito em Marte, pois eu conhecia Vinci e sabia do
que ele era capaz, e ele não hesitaria em invadir nossa casa e causar o
terror. Marte era muito pequeno para testemunhar aquilo, e eu não
permitiria que ele visse aquele mundo. — Eu farei. — falei firmemente.
— Farei os trabalhos até pagar a dívida.
— Você fará isso? — questionou-me desconfiado.
— Sim. Mas em troca, você precisa deixá-los em paz e nunca mais
aparecer em minha casa para assustar meu irmão. — respondi
seriamente. — Temos um acordo?
Ele me examinou cuidadosamente e eu me perguntava o que se
passava em sua mente naquele momento. Embora eu fosse considerada
jovem demais para tal responsabilidade, ele sabia que eu era sua única
esperança, e o fato de eu ser mulher facilitava as coisas para ele.
— Está fechado!
— Chefe! — Philip ficou inquieto.
— Silêncio! — ordenou, fazendo o jovem se calar. Um sorriso
malicioso apareceu em seu rosto. — Esteja em minha casa amanhã de
manhã, bem cedo. — acariciou meu rosto com as costas da mão. — E
não se atrase, considerarei qualquer atraso como uma ofensa.
Ele virou as costas e saiu, seguido de seus capangas que me
lançavam olhares de desprezo, como se eu fosse lixo.
Dei uma respirada profunda e encarei Lucca no chão, que gemeu e
se levantou, me encarando enquanto soltava o sangue de seus lábios.
— Agradeço. — pronunciou.
— Não pense em dirigir uma palavra sequer para mim. — respondi
com fúria. — Mantenha-se longe de problemas e não atravesse mais o
meu caminho!
Virei as costas, desesperada para sair daquele pesadelo antes que
perdesse completamente a sanidade.
Eu tinha aberto uma brecha no inferno e o demônio que estava
emergindo era Vinci. Mas, eu estava fazendo tudo aquilo por Marte,
exclusivamente por ele.

Cheguei à escola e não via Marte, percebendo que todos estavam


saindo, menos ele.
Entrei na escola e andei rapidamente pelos corredores, sentindo meu
coração acelerar, pois temia o que poderia ter acontecido.
— Vênus? — uma mulher trajando uma saia e um terno me chamou
de dentro de uma sala.
— Sim?
— Deve estar procurando seu irmão, certo?
— Sim — fiquei paralisada. — Aconteceu algo com ele?
— Oh, não, nada aconteceu. — ela me tranquilizou. — Seu irmão
está na sala da diretoria, e eu estava te esperando para conversarmos. —
ela abriu a porta. — Podemos conversar?
Eu tremi, pensando que Marte poderia estar em perigo. Concordei
com o pedido dela e entramos na sala. No começo, tudo parecia normal,
até que a mulher começou a falar.
— Meu nome é Julia, sou a diretora da escola. — ela começou. —
Preciso conversar sobre seu irmão, o Marte.
— Há algo errado com Marte? — indaguei, embora soubesse que ele
era incapaz de se meter em problemas.
— Srta. Vênus… Seu irmão é um aluno exemplar, tem ótimas notas
e nunca tivemos que chamá-lo à diretoria. — senti um alívio. — No
entanto, essa não é a questão. — Fiquei atenta. — Apesar de Marte ser
muito inteligente e bem-sucedido academicamente, ele tem enfrentado
alguns problemas.
— Problemas?
— Sim. — assentiu. — Marte tem cochilado nas aulas e não tem
muitos amigos. Ele sempre come sozinho e se mantém isolado. Nunca
participa das atividades, como natação, por exemplo. — Ah, Marte…
— Além disso, temos notado hematomas em seu corpo.
— Hematomas? — perguntei chocada. — Que tipo de hematomas?
— Aparentemente, você não estava ciente disso, não é? — empurrou
algumas fotos em minha direção, e meu coração se apertou ao olhar
para elas. — Hoje, ele foi forçado a participar das aulas e nos
deparamos com essas feridas. São queimaduras de cigarro em suas
pernas e contusões em seu braço.
Fiquei em choque, me sentindo impotente demais para reagir. Marte
nunca havia me contado sobre isso, e ele sempre preferia se vestir e
tomar banho sozinho, sem minha companhia.
Meu corpo estremeceu.
— Eu não… — uma lágrima escapou. — Eu não sabia disso.
A mulher assentiu.
— Essa não é a primeira vez, e infelizmente, isso se enquadra
claramente em um caso de abuso infantil.
— O quê? Não! Eu nunca faria isso com meu irmão! Eu sequer… eu
sequer fumo!
— E quanto aos seus pais? — questionou, e eu não soube o que
responder. — Vênus, como diretora, tenho a responsabilidade de
garantir a segurança de meus alunos, e preciso relatar isso aos serviços
sociais. — disse.
— Não. — murmurei, temendo as consequências dequela decisão.
— Por favor, não. — implorei. — Escuta, prometo tomar todas as
precauções para que isso não se repita. Vou cuidar dele e ser cautelosa.
Por favor, não envolva uma assistente social.
Esperei que ela pudesse me compreender, ter empatia ou algo assim.
Mas, ela se manteve firme.
— Lamento muito. — disse. — Já fiz contato com eles e devem vir
este fim de semana para uma visita.
No caminho, só conseguia pensar no quanto isso seria perigoso. Se
tirassem Marte de mim, se ousassem sequer tentar, eu não suportaria.
Não podia permitir, precisava fazer alguma coisa.
— Fui irresponsável e nos coloquei em problemas? — perguntou
Marte.
Parei de andar e me ajoelhei na sua frente.
— Não, meu anjo.
Ele choramingou.
— Eu tentei, Darling. — disse. — Eu não queria que eles vissem,
para não causar complicações. Eu falhei.
Aquilo me machucou tanto que não conseguia explicar.
— Desde quando isso vem acontecendo? — perguntei, me sentindo
distraída.
— Eu não me lembro. — disse, seu olhar ficando triste. — Só queria
poder deitar com a mamãe algumas vezes. — refletiu. — Queria estar
com ela. Sinto falta do cheiro dela.
Meu coração partiu. Nada poderia doer tanto, nem mesmo ser
atropelada por um caminhão.
Sentia-me impotente. Por mais que amasse Marte, mais do que
minha própria vida, dormisse com ele, o abraçasse ou qualquer outra
coisa, jamais poderia substituir uma mãe.
E era isso que me despedaçava.
— Me desculpe, Darling. — pediu em lágrimas.
— Não… — abracei-o, derramando lágrimas junto com ele. — Está
tudo bem, não foi culpa sua.
— Eles vão me levar para longe de você?
Olhei profundamente em seus olhos vermelhos.
— Não. — afirmei. — Eu nunca vou permitir que te levem,
entendeu?
— Você promete?
— Juro pela minha vida. Ninguém nunca vai separar a gente. Tudo
bem?
Ele assentiu.
— Eu te odeio. — ele disse.
— Eu sei. — limpei suas lágrimas com carinho. — Prometa que vai
me contar tudo a partir de agora?
— Prometo.
— Ótimo. — Assoei o nariz. — Preciso que você fique na casa da
Charlie por um tempo, pode ser? — ele concordou.
— Vamos então.
Eu faria qualquer coisa pelo Marte e ninguém, absolutamente
ninguém, iria tirá-lo de mim.
Capítulo 2

Antes de adentrar pelo corredor escuro de um dos cassinos de Vinci,


respirei fundo.
Era impressionante a quantidade deles espalhados por toda parte.
Bares, jogos, dinheiro, carros e mulheres. Muitas mulheres nuas.
Fui conduzida por um dos homens até os fundos do bar
movimentado, onde a música alta fazia as paredes vibrarem.
— Espere aqui. — disse o homem robusto, adentrando a sala de
porta pesada e cinza.
Olhei ao redor e percebi que não havia nada ali, exceto um corredor
frio e denso e uma porta que, provavelmente, levava ao bar.
Alguns minutos se passaram e o homem saiu.
— Pode entrar.
Atravessei a porta e me vi em uma sala de pouca iluminação, porém
completamente diferente do ambiente externo. Lá dentro, tudo era
extremamente luxuoso. Havia uma mesa reluzente, uma televisão, um
bar e estofados elegantes.
— Planetinha. — Olhei em direção a uma porta, talvez o banheiro,
de onde Vinci estava saindo enquanto secava as mãos. — Pensei que só
te veria amanhã.
— Então é aqui onde você aproveita o dinheiro que tira dos outros?
— provoquei, observando com interesse o local. — Mm, bem
interessante.
Vinci riu e, batendo as mãos, fez com que a luz se intensificasse um
pouco, facilitando a visibilidade do ambiente. Uma imensa janela de
vidro permitia ver toda a cidade lá embaixo, iluminada.
— Bem melhor, não acha? — perguntou, indicando o sofá. — Sente-
se.
Assenti e me acomodei no sofá, enquanto Vinci fazia o mesmo,
esticando-se para mostrar o quanto ele era mais forte e alto do que eu
imaginava.
Fiquei observando-o por alguns minutos, ponderando se eu deveria
apenas ir embora.
— Gostaria de tomar algo?
— Não. — respondi rapidamente.
— Ok. — ele sondou. — Então o que você quer?
Apesar de ainda querer ir embora, eu precisava fazer isso, por Marte.
— Eu preciso de dinheiro. — falei de uma vez.
Vinci franziu a testa e em seguida riu.
— Você está falando sério? — questionou. — Você está em apuros
porque seu pai me deve, e está me pedindo dinheiro?
— Eu não sou o Lucca. — retorqui. — Ele te deve, eu não. — ele
me analisou profundamente. — Eu vou pagar a dívida dele, e depois
vou pagar a minha.
Vinci era o tipo de homem que se movia por dinheiro, e se alguém
aparecesse pedindo qualquer coisa, e se ele tivesse a chance de receber
duas vezes mais, ele não negaria.
— De quanto você precisa? — perguntou, e senti um alívio.
— O suficiente para encher a geladeira de uma casa com criança.
Desta vez, ele não fez perguntas, apenas me olhou por um longo
período de tempo antes de se levantar.
Ele caminhou até a mesa, abriu a gaveta e retirou um maço de
dinheiro.
Quando voltou, jogou a quantia na mesa e voltou a se sentar.
— Quero três vezes mais do que esse valor. — disse, e o encarei.
— Uma.
— Três.
— Uma.
— Duas.
— Uma. — insisti, e ele revirou os olhos.
— Se você não me pagar…
— Vou pagar. — Peguei o dinheiro e coloquei no bolso da calça, me
levantando. — Te vejo amanhã.
Virei às costas e saí.
— Ai, planeta? — fiz uma careta e me virei para ele.
— É Vênus! — bufei, e ele sorriu.
— Se quiser ver a vista, é só entrar.
Olhei para a bela vista e encarei Vinci, que tinha um olhar cheio de
luxúria.
Ele nem estava disfarçando, e era repugnante.
— Idiota. — murmurei e saí.
Sentia um grande alívio por ter conseguido o dinheiro, o que dava a
Marte e a mim alguma chance contra aqueles indivíduos. Tudo que eu
queria era ir para casa e dormir ao lado de Marte.
Ao entrar na rua onde ficava a casa de Charlie, pude ver um carro
escuro com o farol piscando e a porta se abrindo. Era Phillip saindo do
carro, acompanhado de seus irmãos.
— Isso só pode ser brincadeira. — resmunguei.
— Planetinha! — ele bloqueou minha passagem e encarei o
grandalhão.
— O que você quer? — perguntei impaciente.
Ele estava muito perto de mim, tão perto que poderíamos nos tocar
facilmente.
— Sabe, mais cedo você meio que… — ele passou a mão no nariz.
— Você meio que me envergonhou na frente do chefe. Eu e meus
irmãos não gostamos disso.
— Ah… — dei de ombros. — Era só isso? — ri. —Não vou pedir
desculpas.
Seu rosto ficou sério e o vi sorrir enquanto olhava para seus irmãos.
Eles sempre foram idiotas e eu sabia o quão perigoso era desafiá-los,
mas não podia demonstrar fraqueza.
Tudo aconteceu tão rápido. Phillip me deu um tapa com as costas da
mão, me derrubando no chão.
Sangue escorreu entre meus dentes e imediatamente fiquei cega com
a força do tapa.
Cuspi o sangue no chão e senti meu cabelo sendo arrancado com
violência, o que me fez soltar um gemido.
— Você não parece tão corajosa agora. — ele disse, tão próximo do
meu rosto que pude sentir o cheiro de bebida e drogas. — Você está me
ouvindo, sua vagabunda!
Olhei para ele, encarando seu rosto.
— Desculpe… — pedi, e ele riu sarcasticamente.
— Muito melhor assim. — ele ergueu o queixo.
— Desculpe… — continuei. — Desculpe, mas eu não entendo a
linguagem dos cães.
O olhar que ele me lançou foi mortal e pude ver outro tapa vindo em
minha direção, mas não me arrependi.
Foi então que um som de tiro ecoou pela rua, chamando a atenção
dos garotos. Charlie disparou sua espingarda para o alto.
— Se vocês encostarem nela, vou atirar em vocês! — gritou a
mulher.
Eles não eram tolos o suficiente para desafiá-la, mesmo que
aparentassem coragem, eles eram apenas covardes.
— Nos vemos em outra ocasião. — ameaçou antes de partir.
O carro arrancou e Charlie veio correndo me ajudar.
Charlie era uma mulher gentil. Tinha uma pele escura, cabelos
cacheados e sempre usava vestidos compridos e turbantes. Conheci-a
quando era muito jovem. Sempre que voltava da escola, ela me
convidava para entrar e comer biscoitos. Por anos, ela foi a pessoa mais
bondosa daquela cidade.
Deixei escapar um gemido quando ela apertou a ferida em meu rosto
ao limpá-la.
— Desculpe, querida. — ela pediu.
— Está tudo bem, Charlie. — respondi com um sorriso, e vi um
olhar de tristeza em seus olhos.
— Não, nem tudo está bem. — disse ela. — Tenho rezado todas as
noites por vocês e me pergunto se Deus tem ouvido minhas preces. —
suspirou. — Vocês são apenas crianças, pelo amor de Deus! Deveriam
estar se divertindo, não passando por isso.
Eu odiava ser vista daquela maneira, porque ela estava certa e isso
era perturbador. Mas, não queria me fazer de vítima. E não queria falar
sobre Deus, porque já não acreditava mais nele.
— As coisas acontecem como devem acontecer. — respondi. —
Agradeço por tudo, Charlie. Só quero pegar meu irmão e ir para casa.
Ela assentiu.
— Se precisar de algo, qualquer coisa, por favor, venha até mim. —
pediu, e eu assenti.
Cheguei em casa e coloquei Marte para dormir na minha cama. Ele
estava calmo, parecia ter se alimentado bem e o ambiente silencioso e
acolhedor o ajudava a descansar. Após cobri-lo, desci as escadas e
percebi imediatamente a quietude que pairava no ar. A sala estava
completamente bagunçada e me vi imersoana escuridão do meu próprio
mundo. Tudo parecia vazio e perturbador, e sempre mantive a
convicção de que isso não era justo, nem para mim, nem para Marte.
Por esse motivo, não acreditava que pudesse existir uma força superior
nesse universo e, caso existisse, certamente não seria benevolente o
suficiente com sua própria criação. Suspirei e comecei a arrumar a
bagunça da sala, me preparando para fazer a limpeza antes do final de
semana chegar de forma abrupta.
— Lucca? É você? — a voz da minha mãe ecoou na cozinha,
fazendo com que eu apertasse os olhos. Tentei manter a calma diante
daquilo.
Virei-me para a porta e avistei minha mãe parada, vestindo uma
camisa larga, calça de moletom, um casaco de plumas e pés descalços.
Lua costumava ser bonita. Seus olhos azuis eram encantadores e seus
cabelos radiantes. No entanto, as bebidas e drogas estavam acabando
com ela. Eu já não me lembrava há quanto tempo ela não tomava banho
ou escovava o cabelo. Ela tinha olheiras profundas e tremia
constantemente. Odiava vê-la naquele estado.
— Ah, é você, Vênus. — ela mordeu as unhas. — Você viu o seu pai
hoje? Ele disse que viria para casa mais cedo, mas não veio.
— Não, eu não vi. — voltei a lavar a louça, esperando que ela fosse
embora, mas não deu certo.
— E Marte? — perguntou, me irritando. Virei-me para encará-la. —
Ele estava com você?
— Sim, ele estava. Aliás, ele está sempre comigo.
Ela assentiu, sempre parecendo perturbada, o que me chateava. Ela
sempre se fazia de vítima, mas nunca tentava melhorar. Perdi a conta de
quantas vezes tentei ajudá-la, amá-la, e ela sempre se recusou.
— Não me olhe assim. — disse, passando a mão pelo cabelo sem
brilho.
— Assim como?
— Como se estivesse com vontade de vomitar. — ela mordeu os
lábios já machucados. — Eu sei o que está pensando.
— Ah, é mesmo? — ela me encarou e ri sem humor. — Duvido que
saiba de algo.
Limpei as mãos em um pano e fiz menção de sair, evitando começar
uma briga.
— Vênus? — a voz dela me fez parar. — Me desculpe.
Fiz uma careta, profundamente ferida, e me virei para encará-la.
— Desculpe? — questionei, com um nó na garganta. — Você sabe o
que Marte comeu ontem? Ou o que ele gosta de assistir ou como foi na
escola? Ou… Ou como ele tem hematomas pelo corpo? — ela ficou em
silêncio e aquilo me angustiou. — Você não sabe, não é? E sabe por que
não sabe de nada disso? Porque prefere passar seu tempo bêbada ou
gritando e dizendo o quanto amaldiçoada foi por ter filhos!
Ela fechou os olhos e uma lágrima escorreu, e eu desejei
fervorosamente que aquela lágrima fosse de arrependimento, ou de
mudança.
— Eu também não gosto disso. — abriu os olhos e vi a vermelhidão
no oceano azul. — Eu também não gosto de como as coisas são, mas é
o que é.
— Não… — ri. — Não.
— Você não sabe nem metade do que eu tive que passar todos esses
anos!
— Do que você teve que passar? — alterei minha voz também. —
Lua, você está falando dos seus filhos! — ela fechou os olhos, como se
quisesse tapar os ouvidos. — Por favor. — implorei, mesmo sabendo
que jamais faria diferença. — Por favor, seja pelo menos a droga de
uma mãe uma vez!
— Eu não posso! — gritou e senti um frio no estômago. Quando vi a
lágrima cair, desejei profundamente que fosse por nós. Ela me olhou,
com aquele olhar de sempre, como se eu fosse tudo, menos sua filha. —
Eu odeio ser mãe. — disse. — Tudo bem ter uma filha, e você cresceu
bem, mas um filho? Sabe o quão horrível foi para mim?
— Fique calada.
— Eu odiava ser mãe e ainda odeio.
— Silêncio!
— Eu perdi tudo por causa de vocês! — cuspiu. — Minha juventude,
a chance de dançar e viajar quantas vezes eu quisesse, e se hoje… Se
hoje eu faço todas essas coisas, acredite, grande parte é culpa de vocês.
Então, não me peça para ser mãe, porque eu não quero.
Mesmo que eu sempre esperasse por isso, nunca estava preparada
para o quão fria e monstruosa ela poderia ser.
Nada, absolutamente nada, iria doer mais do que ouvir aquelas
palavras saírem de sua boca.
— Eu te odeio. — rosnei e ela riu. — Eu te odeio muito. Vou embora
com Marte e você nunca mais, nunca mais vai nos ver.
Ela não ligava, na realidade, ela não se importava mesmo e isso era o
suficiente.
Eu sempre tinha esperança de que ela acordasse e nos amasse, mas
isso nunca iria acontecer.
Eu tinha consciência de que lá fora as coisas poderiam ser ainda
piores, mas eu iria embora e nunca mais voltaria para aquela casa.

Eu não consegui dormir naquela noite. Enquanto muitas lágrimas


caíam, fiz todas as malas em silêncio.
Quando Marte acordou, seus olhos confusos me deixaram com
medo.
E se eu não fosse capaz?
— Vênus? — ele esfregou os olhos.
— Oi, meu anjo. — sentei na cama e acariciei seu cabelo. — Você
dormiu bem?
— Sim. — ele olhou curiosamente para as malas. — O que é isso?
— Ah, isso… — segurei sua mão e respirei fundo. — Nós vamos
fazer uma viagem.
— Viagem?
— Sim. Você quer ir?
Ele ficou hesitante.
— A mamãe vai com a gente?
— Não, meu amor. A mamãe precisa… — juntei minhas forças. —
A mamãe precisa de um tempo para se recuperar e nós vamos dar esse
tempo a ela. Enquanto isso, nós vamos nos mudar. O que acha?
Ele pensou por um momento, e eu sabia que sua mente estava
confusa, mas Marte era compreensivo.
— Está bem. — eu sorri. — E para onde vamos?
Para onde íamos? Eu ainda não havia pensado nisso, mas sabia que
não poderíamos ficar ali.

Deixei Marte na escola e as malas em Charlie, e fui em direção à


casa de Vinci.
Mesmo que eu não quisesse, mesmo que eu tenha pensado mil vezes
em fugir, eu sabia que Vinci iria me procurar, e eu nunca colocaria a
segurança do meu irmão em risco, de forma alguma.
Respirei fundo enquanto observava o imenso portão preto da mansão
de Vinci. A mansão moderna em tons escuros era feita de vidro e se
destacava entre as demais construções da cidade. Com um design
arrojado e futurista, ela se erguia majestosamente entre os arranha-céus
e os edifícios comerciais.
A fachada da mansão era completamente revestida de painéis de
vidro escuro, o que a tornava imponente e misteriosa. Sua estrutura era
marcada por linhas retas e minimalistas, transmitindo uma sensação de
elegância e sofisticação.
Eu precisava fazer aquilo.
Não demorou muito para que um dos homens dele viesse me
acompanhar para dentro.
Eu já havia estado do lado de fora daquela casa, mas nunca dentro
dela.
Ao adentrar na mansão, fui recebida por um hall de entrada todo
feito de vidro, que refletia a luz natural e dava a sensação de estar
flutuando. O ambiente era decorado com obras de arte contemporânea,
como esculturas e pinturas, adicionando um toque de modernidade e
criatividade.
A sala de estar era espaçosa e possuía um enorme sofá em tons
escuros. O teto alto e as amplas janelas de vidro ofereciam uma vista
panorâmica da cidade, tornando-se a atração principal do ambiente.
Uma mesa de vidro, repleta de comida, estava posta, e isso fez meu
estômago roncar.
Fiquei paralisada ao contemplar a beleza e opulência do lugar,
incluindo aquela vista deslumbrante, eu sempre fui fascinada por vistas.
Era de tirar o fôlego.
— Chegou adiantada. — me virei e vi Vinci saindo de um cômodo
ao lado, com uma aparência bem diferente do que eu estava acostumada
a ver.
Ele estava usando calça moletom escuro e uma camisa preta, que
acentuava seus ombros largos e braços musculosos. Será que ele era
musculoso daquela forma? Eu nunca tinha percebido.
As tatuagens estavam bem visíveis em sua pele clara. Uma tatuagem
de chamas envolvendo os braços, pescoço e creio que as costas. A
tatuagem de uma caveira com uma coroa em seu antebraço, em uma cor
escura, bem vibrante. Um garfo de três pontas na costela, bem visível e
vermelho. E eu não sabia quantas mais ele poderia ter.
Após enxugar o rosto suado com a toalha, que brilhava sob a luz do
sol que entrava pela janela, ele se dirigiu até a mesa, pegou uma garrafa
de água e bebeu.
Quando ele olhou para mim, desviei o olhar para o vazio. Deus me
livre dele pensar que eu estava encantada com sua beleza. Não estava.
— Bom dia. — disse.
— Bom dia. — respondi, sem encará-lo.
Vinci gemeu e sentou-se à mesa, enquanto eu permanecia imóvel ali.
— Já tomou café? — perguntou.
— Sim. — olhei para ele naquela ocasião. Vinci parou de revirar a
mesa em busca de algo e ficou imóvel, me olhando fixamente, como se
estivesse vendo um fantasma. Olhei para trás, tentando descobrir o que
o tinha deixado paralisado, mas logo percebi que ele estava me
olhando. — O que foi? — perguntei, me sentindo desconfortável. —
Por que está me olhando assim?
— O que aconteceu com o seu rosto?
Ele perguntou sério e fiquei em silêncio por alguns segundos. Por
um momento, eu tinha me esquecido daquilo.
Passei a mão no rosto.
— Foi um acidente. — respondi.
— Acidente? — assenti. — Que tipo de acidente causa essas marcas
no rosto?
— Ah, eu… — franzindo a testa, percebi que eu estava dando
informações para um criminoso. Devia estar louca. — Não é da sua
conta. — respondi.
Vinci riu de leve, balançando a cabeça afirmativamente.
— É verdade, não é mesmo. — voltou a mexer na mesa. — Sente-se
e coma.
— Já disse que comi.
Ele me lançou um olhar frio.
— Consigo ouvir o seu estômago roncando daqui. — mencionou e
senti meu rosto corar. — Você tem trabalho a fazer e eu não quero que
estrague tudo desmaiando.
— Eu não vou desmaiar! — afirmei.
— Sente-se — disse ele, com autoridade, como se fosse uma ordem.
Eu o detestava! Ele era irritante e autoritário e pensava que, além de
ser o dono da cidade, também era o meu.
No entanto, eu havia prometido fazer tudo o que ele quisesse e ele
havia me emprestado dinheiro, então eu tinha que obedecer, pelo menos
temporariamente.
Sentei-me à mesa, e ele acenou.
— Coma.
Peguei um pedaço de bolo, e ele me entregou um copo de leite.
Era completamente estranho estar ali, sentada na casa de Vinci, o
maior chefão da cidade. Um homem que poderia me matar facilmente,
sem piedade, e também matar meu irmão.
Até onde eu estava disposta a me submeter?
Vinci riu, e eu olhei para ele com a testa franzida.
— Apenas coma — disse ele, sem me deixar saber qual era a graça.
Comi em silêncio e não tive coragem de olhar para Vinci.
Capítulo 3

Após o café, Vinci se vestiu com seus ternos e voltou a demonstrar


sua idiotice habitual.
Estávamos saindo de sua mansão e eu não fazia ideia do que
faríamos naquele dia. Será que ele ia me pedir para realizar algum
roubo ou mostrar uma arma por aí? Eu não sabia, mas já estava ansiosa
com aquela curiosidade.
Ao sairmos, um dos homens abriu a porta do carro de luxo, preto.
— Entra. — falou Vinci.
— O quê? — indaguei.
— Entra. — repetiu ele.
Permaneci parada por um momento.
— Eu pensei que você fosse me passar algum trabalho. — mencionei
e ele demonstrou impaciência.
— Vou fazer. — respondeu. — Você vai trabalhar comigo hoje e
fazer o que eu mandar, e agora estou mandando entrar no carro.
Insuportável!
Entrei e me acomodei bem perto da porta, logo em seguida Vinci
entrou. Durante o trajeto, fiquei apenas observando a cidade e pensando
onde passaria a noite com Marte. Precisava encontrar um lugar onde
pudéssemos nos instalar, já que havia muitas coisas que precisava fazer.
Nem percebi quando o carro parou em uma fábrica desativada.
Naquela cidade, fábricas desativadas eram tão comuns como gatos nas
ruas, em todo lugar havia uma.
Saí do carro e encarei o local, afastado da cidade e situado em uma
estrada pouco movimentada.
Senti um arrepio.
— O que estamos fazendo aqui? — perguntei ao ver Vinci
arrumando os botões de seu terno.
— Você já viu um homem morrer? — questionou e meu corpo gelou.
Ele riu. — Vamos entrar.
Segui-o em silêncio, sentindo meus nervos no limite e meu coração
batendo forte no peito.
O galpão abandonado, que um dia fora uma movimentada fábrica de
grãos, agora se encontrava em um estado de decadência e abandono.
Situado em meio a uma área industrial, seu exterior exibia as marcas do
tempo e da negligência.
A estrutura do galpão era composta por tijolos desgastados, com
manchas de umidade e rachaduras evidentes em suas paredes. O
telhado, outrora sólido e resistente, agora cedeu em algumas áreas,
permitindo que o sol e a chuva adentrem o espaço. Algumas telhas
estavam quebradas ou faltando, expondo o interior à ação dos
elementos.
No centro da sala, avistei dois homens corpulentos carregando armas
e um homem amarrado a uma cadeira de aço. Ele estava com a boca
amordaçada e seus olhos expressavam medo. Fiquei paralisada, incapaz
de desviar o olhar do homem, enquanto Vinci se acomodava em uma
cadeira, cruzando as pernas e observando-o.
Ele fez um leve aceno de cabeça e um dos homens removeu a
mordaça, fazendo com que o homem cuspisse imediatamente.
— Bom dia, George. — disse Vinci.
— Vá se danar, Vinci! — rosnou o homem.
Vinci sempre exibia um sorriso em todas as situações, e eu não sabia
se era para manter o controle ou por pura diversão.
— Você é muito mal educado. — falou. — Eu lhe dei o melhor, e é
assim que me agradece?
George gargalhou de forma zombeteira.
— Você é um idiota, Vinci! O que você acha? Que vou entregar tudo
o que você quer? Que vou implorar pela minha vida? — riu. —
Esqueça. Sou conhecido como Mudo. Jamais vou falar.
Vinci sustentava o sorriso nos lábios e cuidadosamente retirou um
lenço branco do bolso, colocando-o sobre as pernas com calma. Ao ver
o lenço, que tinha o desenho de um garfo de três pontas na cor preta, o
sorriso desapareceu do rosto de George.
Eu não entendia o significado daquilo, mas sentia uma energia
sombria pairando no local, o que me causava arrepios.
— Vamos começar de novo. — disse Vinci. — Onde está a minha
caixa? — apesar de tremer, o homem permaneceu em silêncio. — Tudo
bem.
Vinci levantou e tirou o terno, revelando uma camisa branca
enquanto arregaçava as mangas até os cotovelos. Com passos lentos, ele
se aproximou do homem que estremeceu ao vê-lo.
Vinci colocou as mãos em seus ombros e, no momento em que
George gritou, pude ouvir os ossos dele se quebrando. O grito era de
dor e eu levei a mão à boca, sentindo um tremor percorrer todo o meu
corpo.
Como Vinci era capaz de fazer aquilo? Como ele podia possuir tanta
força?
— Onde está a minha caixa? — ele perguntou novamente.
— Eu não sei! — George gritou entre a dor.
— Eu não estou ouvindo o que eu quero, George!
Vinci apertou ainda mais e o osso quebrou, rasgando a camisa azul
de George. Senti náuseas. Eu não podia ficar ali, eu não suportava
presenciar aquela cena.
Saí apressadamente para fora, minhas pernas tremendo e o estômago
revirando. Que diabos estava acontecendo? Como um ser humano
poderia ter tanta brutalidade?
Quem era Vinci afinal?
Apoiei-me no carro tentando controlar a respiração para não entrar
em pânico. Eu prometi fazer qualquer coisa que ele quisesse, então não
podia simplesmente ir embora.
— Merda… — murmurei, suando frio. — Respire, Vênus…
Respire.
Olhei para frente e vi Vinci saindo, com a camisa manchada de
sangue e limpando as mãos num lenço. Desviei o olhar, incapaz de
encará-lo.
Ele parou em minha frente e continuei olhando para o chão.
— Olhe para mim. — ele ordenou.
Com alguma resistência, ergui os olhos para encontrar alguns
respingos de sangue em seu rosto.
— Quando eu disser para você ficar, você fica. Entendeu?
— Você não me disse para ficar. — respondi, esquecendo
completamente quem ele era. Mas já era tarde demais. — O que diabos
foi aquilo? — questionei agitada. — Você disse que tinha trabalhos para
mim, não que me levaria para presenciar um ato tão desumano assim!
Vinci possuía a capacidade de eliminar-me naquele momento, sua
frieza era evidente, porém optou por não fazê-lo. Ele simplesmente riu
ao receber a camisa que o homem lhe entregou.
Desviei o olhar e suspirei indignada. Ele era verdadeiramente insano.
— Isso é o que acontece com aqueles que me devem — proferiu. —
Aqueles que roubam o que é meu ou que atravessam o meu caminho.
Virei-me de cenho franzido.
— Você está me ameaçando? — questionei.
— Ainda não. — finalizou ao vestir completamente a camisa,
fitando-me intensamente. — No entanto, se você me provocar, me
irritar ou ultrapassar os limites, eu acabarei com a sua vida. Se atreva a
desobedecer-me e eu arrancarei o seu coração.
Não proferi palavra alguma, apenas segui o caminho em silêncio
naquela ocasião.
Vinci me deixou no local combinado e, antes que eu descesse,
entregou-me um celular.
— Atenda quando eu ligar ou responda quando eu enviar uma
mensagem — alertou.
Recebi o celular em completo silêncio, fechei a porta do carro e o
observei se distanciar em seguida.
Soltei o ar que havia retido durante todo aquele tempo e encarei o
elegante celular cinza que ele me presenteou.
— Ótimo! — reclamei baixinho.
Coloquei o aparelho no bolso.

Estava parada, contemplando o apartamento que encontrei em um


site de aluguel.
O apartamento era confortável e aconchegante, perfeito para uma
vida simples e prática. Possuia dois quartos, ambos com espaço
suficiente para acomodar uma cama de casal, armário e talvez uma
pequena escrivaninha.
A sala de estar era aconchegante, com espaço para um sofá de dois
lugares e uma pequena mesa de centro. Havia uma TV de tela plana
pendurada na parede, proporcionando entretenimento básico. As janelas
eram grandes, permitindo a entrada de luz natural durante o dia, criando
uma atmosfera agradável.
A cozinha era compacta e possuia os elementos básicos para o
preparo das refeições diárias, como pia, fogão, geladeira e armários.
Não havia muito espaço para refeições, mas uma pequena mesa e
cadeiras poderiam ser adicionadas para criar uma área de jantar.
O banheiro era simples, com chuveiro, vaso sanitário e pia. Embora
não fosse espaçoso, possuia tudo o que era necessário para a higiene
pessoal.
— Em termos de decoração, o apartamento pode ser personalizado
de acordo com as preferências do morador. — afirmou o proprietário.
— Paredes brancas e neutras fornecem um ambiente acolhedor e a
oportunidade de adicionar cores através de móveis e objetos
decorativos. — observei atentamente. — Você gostou do lugar?
A localização era mais tranquila, afastada da agitação da minha
antiga casa e longe de olhos curiosos, o que me deixava mais tranquila.
Marte poderia gostar, já que havia um parque do outro lado da rua.
— Sim. — respondi. — E o valor do aluguel?
— Posso mantê-lo no mesmo preço que combinamos. Você me dá
uma entrada e está feito.
Não era exatamente barato, mas era o que eu tinha.
— Posso ficar com esses móveis? — perguntei, observando os
simples móveis ali.
Embora não fossem novos, uma boa reforma poderia deixá-los bons
novamente.
— Claro! Temos um acordo?
— Sim.
Ele sorriu e me entregou as chaves.
— Seja bem-vinda!
Segurar as chaves na mão foi como segurar a liberdade. Sem gritos,
sem bebidas e sem problemas.
Eu me sentia livre.
Peguei todas as minhas bagagens na residência de Charlie e segui
para o apartamento, com o intuito de realizar a limpeza completa.
Para chegar ao local, era necessário subir uma escadinha e a rua era
extremamente silenciosa.
Limpei o ambiente, organizando tudo da maneira mais prática
possível, e quando chegou o momento de buscar Marte na escola, eu já
estava ansiosa.
— Darling! — exclamou, abraçando-me.
— Oi, anjinho. — afaguei seus cabelos. — Como foi o seu dia?
— Foi tudo bem. — respondeu. — Para onde vamos agora?
— Mm, vamos para o nosso novo lar.
— Sério? — perguntou animado. — Onde fica?
— Ah, você vai adorar! Tem um parque bem legal lá e um quarto
especialmente para você.
Marte estava empolgado e, quando chegamos, sua animação só
aumentou.
Eu havia organizado seu quarto com todas as suas pelúcias. Havia
uma cama, um armário e uma escrivaninha. Da janela, ele tinha uma
visão privilegiada do parque e de um letreiro luminoso gigante.
Ele parou junto à janela, contemplando a paisagem.
— Eu sei que não é tão incrível quanto à vista do seu quarto
anterior… — comecei. — Mas, aos poucos, iremos arrumar tudo isso.
— Eu amei. — disse com um sorriso. — Estou gostando muito
daqui.
— Mesmo?
— Sim!
Eu estava animada e isso era um alívio. Estávamos recomeçando,
mas tínhamos um ao outro e isso era o suficiente.
Após Marte tomar banho, preparei um sanduíche para ele, que o
consumiu sem reclamar, e depois o coloquei para dormir.
O silêncio reinava no ambiente, e, exceto pelos latidos ocasionais de
cães, nada mais se ouvia.
Fechei a porta de seu quarto e me sentei no sofá da sala, observando
as paredes.
Eu me encontrava em uma situação financeira desfavorável, pois a
maior parte do dinheiro emprestado por Vinci já tinha sido gasto, e
minhas economias não seriam suficientes por muito tempo. Decidi
procurar por algum trabalho na internet, mas estava tão exausta que
nem percebi quando adormeci.

Acordei com o som do celular vibrando nos meus ouvidos e, ainda


sonolenta, ao olhar para a tela vi que eram seis da manhã. Arrastei o
dedo para baixo e vi uma mensagem de Vinci, com um endereço e a
seguinte instrução:
"Esteja lá e pegue a encomenda. Leve-a para minha casa. Não se
atrase!"
Resmunguei e me levantei, percebendo que havia dormido no sofá.
Acordei Marte, dei café da manhã para ele e o levei para a escola. Em
seguida, fui para o endereço que Vinci me enviou.
Era uma rua deserta, havia muitas ruas desertas naquela cidade, e
assim que cheguei avistei uma van branca, com a inscrição "Indústrias
Santori". Nunca tinha ouvido falar, mas um homem saiu do veículo
carregando uma pequena caixa nas mãos, e eu soube que era a
encomenda.
Sem muitas palavras, ele simplesmente me entregou a caixa, que não
pesava nada, e assentiu antes de partir.
Encarei o objeto e fiquei pensando no que poderia estar dentro, tão
pequeno. Sacudi a caixa e algo se movimentou, mas não consegui
identificar o que era. Decidi seguir em frente.
Ao chegar à casa de Vinci, fui levada para uma varanda média, onde
ele estava sentado à mesa, tomando seu café.
Esse homem só sabia comer? Deus…
— Aproxime-se. — ele disse com um sorriso. — Trouxe o que eu
pedi?
Coloquei a caixa na mesa e vi um brilho de animação surgir nos
olhos dele. Talvez fosse um pedaço de corpo humano. Um dedo, uma
orelha.
Vinci abriu a caixa.
— Oh, venha comigo! — disse ele.
Fiz uma careta quando o vi tirar uma rosca da caixa.
Hm?
— Isso é…
Vinci lambeu os lábios, animado, seus olhos brilhando.
— A melhor rosca do mundo! — exprimiu e mordeu um pedaço. —
Mm… Mm… Mm.
Só podia ser brincadeira.
Pisquei algumas vezes, sacudindo a cabeça.
— Pensei que fosse um pedaço humano. — resmunguei.
— Já tomou café? — questionou, limpando as mãos.
— Já. — respondi.
— Mm. — ele bebeu um pouco mais de café. — Você se mudou?
Franzi o cenho.
— Como… — fechei os olhos por um segundo. — Claro que você
sabe.
— Eu tenho que saber cada passo que você dá. — disse ele. — Já
que trabalha para mim. Deveria ter me informado sobre a mudança.
— Você saberia de qualquer forma. — retruquei.
— É, mas fica mais agradável quando você me conta.
— Você sempre faz isso? — inquiri e ele me olhou. — Sempre quer
tudo e todos aos seus pés?
— Eu já tenho tudo e todos. — me analisou. — Exceto você, ainda.
— revirei os olhos. — Mas, eu sou paciente. Você ainda vai ser minha,
completamente.
— Não vou. — afirmei. — Eu vou acabar com isso logo e depois,
sumir da sua vida. — o fitei. — Você não é o tipo de pessoa que eu
quero na minha vida.
Ele me observou.
— E que tipo de… pessoa você quer?
— Alguém que não seja tão cruel como você. — respondi. — Se
possível, apenas eu e meu irmão.
Ele concordou, sem parecer ofendido, e olhou para a mesa,
escolhendo o que comer.
— Bem, por enquanto, você é minha. — falou. — E eu sou a criatura
que você tem no momento. Aceite e seja obediente.
— Como se eu tivesse outra opção. — resmunguei e soltei um
suspiro. — Se não precisar mais de mim, já vou indo.
— Para onde? — me perguntou.
Eu detestava dar explicações para ele. Eu detestava!
— Preciso arrumar um emprego. — mencionei. — Caso não saiba,
não consigo te pagar se eu não trabalhar, e eu não vou dever você.
Além disso, eu tenho uma casa para cuidar agora, e um irmão pequeno
que necessita de cuidados.
Ele concordou.
— Então, por que não trabalha comigo?
— O quê?
— É, trabalhe comigo. — abri a boca, mas ele foi mais rápido. — Se
trabalhar para mim, pode fazer tudo de uma vez. Pagar a dívida do seu
pai e a sua.
— Que parte do, eu preciso de dinheiro, você não entendeu?
— Eu pago você. — disse e fiquei de cenho franzido. — Eu pago
uma boa quantia e você pode cuidar do seu ratinho e me pagar. O que
acha?
— Trabalhar para você?
— Trabalhar comigo. — enfatizou. — O que acha?
Pensei no quanto aquilo seria um inferno. Ter que olhar para ele
todos os dias. Bem, eu já estava fazendo aquilo, mas de certa forma era
assustador pensar.
Ele continuou me analisando.
— Vou ser obrigada a ver corpos sendo dilacerados?
Ele deu de ombros.
— Uma vez ou outra. — fiz careta. — Mas, eu vou pagar bem.
Pensei que seria muito difícil vasculhar a cidade e encontrar um
lugar que me aceitasse sendo quem eu era. Apesar de todos os contras,
Vinci era minha melhor opção e eu precisava pensar lá na frente.
Eu não ia conseguir nada melhor, e eu precisava manter meus
inimigos por perto.
— Tudo bem. — respondi. — Eu trabalho para você.
Ele sorriu.
— Comigo, planetinha, comigo.
Ia ser um inferno, mas que outra opção eu tinha?

Vinci disse que me ligaria mais tarde, então fui buscar Marte na
escola. Nossa intenção era ir às compras juntos, já que o final de
semana se aproximava.
Quando cheguei à escola, esperei do lado de fora por ele, mas fiquei
assustada quando todos os alunos saíram e ele não estava lá. Marte
nunca se atrasava, sempre vinha correndo na minha direção, mas dessa
vez isso não aconteceu.
Fui até o portão, onde uma mulher estava liberando as crianças.
— Olá. — me aproximei. — Estou procurando meu irmãozinho,
Marte. Ele costuma ser um dos primeiros a sair, mas não o vejo.
— Ah, sim, eu o conheço. — ela disse gentilmente. — Mas ele foi
embora mais cedo.
Fiquei congelada.
— O quê? Mais cedo com quem?
— Com o pai.
— Como assim? Como deixaram ele sair? Sou eu quem o busca
todos os dias!
— A escola não proíbe as crianças de irem embora com os pais,
querida.
— Droga!
Saí correndo pelas ruas, meu coração parecia querer saltar do peito.
Lucca não era do tipo que costumava levar o filho, e isso me deixou
preocupada com várias possibilidades. Empurrei a porta da nossa antiga
casa já gritando.
— Marte? Marte? — subi as escadas e vasculhei os quartos vazios.
— Marte!
Desci as escadas e Lua estava lá.
— Onde está o Marte?
— Não deveria estar com você? Você foi embora e se esqueceu dele?
Fiquei em choque.
— Onde está o Marte? — gritei.
— Eu não sei!
Minha visão começou a ficar turva e senti o chão desaparecer sob
meus pés.
— Marte… — saí correndo pela rua, olhando para todos os lados e
pensando em mil coisas. — Marte! — gritei.
Meu irmão não estava lá.

Fiz diversas tentativas em busca de Marte, batendo em várias portas,


mas ninguém o tinha visto. Em todos os lugares em que imaginei que
Lucca poderia tê-lo levado, eles não estavam lá. Comecei a ter
pensamentos absurdos, porque Lucca nunca seria gentil com ele. Senti
desespero, sentindo que tudo estava se fechando ao meu redor.
Peguei meu celular e disquei o número de Vinci, talvez ele tenha
ameaçado Lucca e levou Marte.
— Eu disse que te ligaria.
— Vinci… — Minha voz não saía mais, eu estava sem ar. —
Vinci…
— Vênus? O que aconteceu?
Minhas pernas começaram a tremer e tudo começou a girar.
— Vinci, meu irmão… Por favor, devolva meu irmão. — implorei.
— Eu disse que pagaria a dívida de Lucca, então, por favor, devolva-o!
— chorei. — Meu irmão…
— Vênus, onde você está?
Eu não conseguia respirar, e tudo começou a escurecer. Eu nunca me
perdoaria se algo acontecesse com Marte.
— Vênus! Fale comigo. Pegue o carro, agora!
— Sim, senhor.
Eu não podia respirar, nem mesmo segurar algo em minhas mãos. O
tempo parecia estar se arrastando, tudo estava escuro e só conseguia ver
o rosto de Marte em minha mente, chorando.
Deitei-me no chão e olhei para o céu, observando as nuvens
dançarem. Não era apenas o meu mundo que estava ruindo, era o
mundo inteiro.
Como permiti que isso acontecesse? Eu deveria ter sido mais
cuidadosa.
Ar… Eu precisava de ar.
Não sei como, mas alguém me levantou e encontrei-me nos braços
dessa pessoa.
Levou alguns segundos para perceber o rosto.
— Vênus? Vênus olhe para mim.
Era Vinci.
— Bom… — Eu não conseguia respirar. — Ar… Inalador, eu
preciso…
Vinci procurou pelo chão e, finalmente, tirou o inalador de ar do
bolso, colocando-o em minha boca.
Inspirei profundamente, sentindo meus pulmões se encherem mais
uma vez. Era como se eu estivesse voltando à vida.
Vinci suspirou e se sentou, percebi que seus joelhos estavam roçando
no chão e sua calça cara estava rasgando.
Por que tinha que ser logo ele?
— Meu irmão…
— Eu não estou com ele. — afirmou, atendendo rapidamente o
celular. — Estou ouvindo.
Ele se levantou e eu precisei de um pouco mais de tempo para me
recuperar.
— Estou indo. — disse, desligando o celular. — Encontrei seu
irmão. — falou, estendendo a mão. — Vamos buscá-lo.
Eu não tinha ideia de como ou por que Vinci estava fazendo aquilo,
mas, no momento, ele estava ali e, mesmo que eu não quisesse
depender dele, eu precisava, porque era Marte.
O carro estacionou após alguns minutos rodando. Paramos em frente
a uma lanchonete quase vazia em um estacionamento barato.
Desembarquei apressada e entrei no local, observando os rostos ali,
ainda meio atordoada.
— Darling!
A voz de Marte me fez virar para os fundos e vê-lo se levantar
apressado e vir em minha direção.
— Marte! — segurei-o em meus braços e respirei seu aroma,
sentindo sua pele e seu coração. — Marte. — olhei para ele,
examinando seu corpo. — Você está bem? Está ferido?
— Ele está bem. — Lucca interveio. — Eu sou o pai dele e nunca o
faria mal.
— Você… — levantei nervosa, sentindo todos os meus nervos à flor
da pele. — Com que direito você leva o Marte?
— Eu sou o pai dele, Vênus, eu tenho…
— Não, você não tem! — bradei. — Não ouse tocar nele, nem pense
em se aproximar dele novamente! Você me ouviu?
Peguei na mão de Marte e o arrastei comigo.
— Marte se divertiu com o pai hoje. — ele disse, me fazendo parar.
— Você não pode me proibir de vê-lo.
Olhei para a porta com vontade de sair, mas desviei o olhar e encarei
Lucca, que tinha uma expressão satisfeita.
Eu estava tão enfurecida.
— Se você tocar nele novamente, ou levá-lo sem o meu
consentimento…
— O que vai acontecer, Vênus? — me desafiou. — Hum? Vai bater
em seu pai ou chamar a polícia? — riu. — O que você vai fazer?
Lucca era dissimulado, frio e me envergonhava. Eu queria dizer
tantas coisas para ele, eu queria partir para cima.
— Como eu imaginava. — mencionou com um sorriso.
Segurei a mão de Marte e o tirei dali.
— Nos vemos outra hora, meu filho!
Ele disse para trás.
Vinci ainda estava do lado de fora, esperando no carro e coloquei
Marte dentro, sem entrar.
Eu estava tão nervosa que precisava de um pouco de ar, ou de um
pouco mais de coragem.
Lucca não poderia fazer aquilo, ele não tinha nenhum direito e eu o
odiava.
Capítulo 4

Vinci nos deixou em casa e Marte veio dormindo o caminho todo.


Coloquei-o para dormir, apaguei a luz e saí do quarto. Não tive
tempo de processar tudo o que tinha acontecido. Foram tantas coisas em
apenas um dia.
Lucca pegou Marte e eu não tinha ideia do motivo que o levou a
fazer aquilo. Boas intenções definitivamente não eram, Lucca não era
aquele tipo de homem. Eu me sentia abalada por ter o deixado falar
daquele jeito comigo, como se ele pudesse ser o adulto.
Suspirei e me sentei no sofá, olhando para o vazio e pensando em
Vinci. Nada fazia sentido depois de tudo. Como ele chegou tão rápido
onde eu estava? Como descobriu onde Marte estava em poucos
segundos? Nada se encaixava, mas uma coisa eu tinha que admitir: Se
não fosse aquele idiota criminoso, eu poderia estar morta e nem quero
pensar no que aconteceria com meu irmão. Não tive tempo de agradecer
a ele. Tudo o que eu precisava naquele dia era tomar um banho e
descansar.

Era sexta-feira, então acordei, tomei um banho e não me preocupei


com nada. Decidi acordar Marte e dizer a ele que não iríamos para a
escola naquele dia. É claro que ele ficou animado e juntos fomos às
compras.
Vinci me deu permissão para que eu pudesse fazer isso, e foi um
alívio, pois eu realmente precisava desse tempo.
Caminhamos com o carrinho pelo supermercado, e Marte estava
radiante por poder escolher tantas coisas para nossa casa.
— Eu posso levar um pacote inteiro de biscoitos? — ele perguntou.
— Claro que pode.
— Ótimo!
Ele saiu correndo pelo corredor do enorme mercado.
— Marte? Espere, não corra!
Eu apressei o passo e, ao entrar em um corredor, encontrei Marte ao
lado de Vinci.
— Vinci? — perguntei desconfiada.
— Oi, planetinha. — ele riu.
— Você não é o homem que nos trouxe para casa ontem? — Marte
perguntou.
— Sim, sou eu. — Vinci respondeu com gentileza, me assustando, já
que ele não era daquele tipo. — Que tal você pegar o que quiser no
mercado? — ele sugeriu.
— Eu posso? — Marte perguntou animado.
— Claro, eu vou pagar.
Marte nem perguntou nada e saiu correndo.
— Marte… — tentei impedi-lo, mas ele já tinha desaparecido. Olhei
para Vinci com desconfiança. — O que está fazendo aqui?
— A mesma coisa que você. Compras. — ele se aproximou de mim
com sua postura confiante. — Parece que não ficou muito feliz em me
ver.
— Eu… — estava prestes a ser rude, mas me lembrei do que tinha
acontecido e pensei que deveria algo a ele. Mais uma coisa. — Não
deveria ter dito para Marte pegar o que quiser. — empurrei o carrinho
enquanto procurava por ele. — Eu não posso pagar por tudo o que ele
vai pegar.
— Eu disse que vou pagar. — ele veio atrás de mim.
— Ah, claro! Assim, eu fico devendo mais uma coisa para você.
— Você não precisa me pagar, estou apenas tentando ser gentil. —
ele disse. — Não é isso que os humanos costumam fazer?
Olhei para o rosto dele, parando de andar.
— Gentil? Você?
Ele deu de ombros.
— Estou tentando. — ele rebateu. — Eu não sou bom nisso, nunca
precisei ser gentil e também não gosto, mas… Bem, para tudo há uma
primeira vez.
Marte chegou em disparada, com várias coisas nas mãos,
acompanhado pelo motorista de Vinci, que o seguia por toda parte.
Cheguei a cogitar chamar sua atenção, mas ele estava tão empolgado
que preferi ficar calada e apenas o vi sumir pelo corredor novamente.
Olhei para Vinci e pude ver seus olhos verdes brilhando.
— Sabe, gentileza não combina com você. Isso me assusta. —
comentei. — Você seria capaz de matar meu irmão e em seguida, sem
nenhum remorso, me matar.
— É verdade. — ele admitiu, sem desviar o olhar de mim. — Mas
hoje não estou disposto a matar ninguém. Estou de bom humor, então
aproveite e desfrute da minha riqueza.
Franzi o cenho.
— Sem jogos? — perguntei.
— Sem jogos. Compre o que quiser e eu os levo para casa.
Apesar de sentir meus temores e estar acuada, decidi não discutir e
fui fazer as compras. A nova casa necessitava de muitas coisas, para
que a assistente social percebesse que eu era capaz de cuidar do meu
irmão.
Portanto, naquele dia decidi apenas desfrutar de Vinci, sem mais
delongas.

Depois de chegar em casa, Vinci nos deixou com uma grande


quantidade de coisas que seu motorista teve que ajudar a descarregar.
Infelizmente, foi necessário permitir que Vinci subisse. Enquanto
Marte estava entusiasmado com suas compras, fui para a cozinha
guardar tudo. Percebi que Vinci estava parado lá, sem olhar para nada,
sem fazer suas piadas habituais sobre o lugar, o que despertou minha
curiosidade.
— Você não parece muito surpreso com o lugar. —mencionei.
— Claro que não. Eu já estive aqui antes. — respondeu.
Desviei meu olhar da pia cheia de temperos e o encarei.
— Você já esteve aqui? Como você… — meu coração acelerou.
— Bem, eu… sou o dono da cidade, esqueceu? Não há nenhum
lugar que eu não conheça.
— Ah. — suspirei aliviada. — Sim, eu sei.
Devolvi os objetos ao lugar, sentindo-me incomodada com a
presença do homem.
— Olha… — me virei para ele.
— Já estou de partida. — respondeu. — Se alguém perguntar, você
trabalha como minha secretária.
Eu havia me esquecido daquilo. Com a assistente social vindo me
visitar, duvidava que ela não conhecesse Vinci, o bagunceiro da cidade.
Como explicaria que trabalhava para um chefe do crime, cafetão e
tantas outras coisas?
Mas, fiquei quieta.
— Tudo bem. — concordei e ele fez o mesmo. — A propósito. —
ele me olhou atento. — Mm… Obrigada por… Por tudo.
Ele sorriu de lado.
— Jante comigo no final de semana e tudo ficará bem.
— Isso é sério? — questionei. — Era essa a sua intenção?
— Não, planetinha. Minhas intenções são perversas. — nem
respondi, apenas engoli em seco. — Te vejo depois.
Ele simplesmente saiu.
Vinci era um homem muito peculiar, daqueles com quem se deve ter
cuidado, pois boas intenções são sempre acompanhadas de atos
perversos.
— Darling? — Marte entrou correndo na cozinha.
— O que foi, anjinho?
— Hoje é sexta-feira, não é?
— Sim.
— E você não esqueceu o que fazemos nas sextas, né?
Fingi pensar.
— Eu não sei o que fazemos na sexta.
— Darling!
Dei risada, pegando-o e colocando-o na mesa, enquanto massageava
seu cabelo.
— Claro que sei o que fazemos na sexta. — admiti. — Por que você
não prepara as sacolas com tudo o que vamos precisar enquanto eu
termino isso aqui?
— Tá bom.
Desci-o da mesa e ele saiu correndo.
Era muito bom o que estávamos vivendo, só eu e ele, mas nada me
preparava para o que estava por vir.

Stanfield, como já mencionei antes, era uma cidade repleta de


lugares abandonados pelos donos arrogantes, que, mesmo não cuidando
desses locais, denunciavam qualquer atividade neles. No entanto, Marte
e eu invadiamos sempre um lugar em específico, que chamávamos de
nosso lar. As sextas, subíamos até o prédio abandonado, na cobertura, e
montávamos nossa cabana particular, levando comidas, bebidas e nos
divertindo muito.
Era nosso refúgio, o lugar onde Marte e eu podíamos simplesmente
olhar as estrelas, na vastidão do céu. Após montar a barraca, fiz os
sanduíches e observei Marte contemplando as estrelas do parapeito.
— Uau! — suspirou. — Elas são lindas daqui. — disse. — Não
acha? — perguntou-me, quando me aproximei e sentei ao seu lado.
— Sim, são mesmo. — respondi, entregando seu sanduíche e seu
copo de leite.
Mesmo assim, era impossível não se maravilhar com aquela visão de
um céu repleto de estrelas, pequenos pontos brilhantes. Dali, tínhamos a
sensação de poder tocá-las.
Eu amava aquele lugar.
— Darling?
— Mm?
— Será que, quando morremos, nos tornamos estrelas?
Marte me fez essa pergunta naquele dia e eu não soube o que
responder. Não era boa em lidar com questões sobre a morte, nem
gostava de pensar nisso.
Mas eu era a única adulta ali, e Marte precisava ouvir algo.
— Eu não sei. — respondi, com o olhar fixo no céu. — Talvez exista
um lugar assim, onde você se torna uma luz intensa e brilhante e pode
ser apreciado por todos.
— Ah… — ele me olhou com os olhos brilhando. — Quando eu
morrer e me tornar estrela, você poderá vir aqui e me ver todos os dias?
Senti uma pontada no coração, como se estivesse com falta de ar,
prestes a sufocar.
— Isso… Isso não vai acontecer, meu anjinho. — falei. — Você não
vai morrer.
— Ninguém vive para sempre. — retrucou.
— Eu sei, mas não diga isso. — senti um nó na garganta. — Eu devo
morrer antes de você, e você deve viver uma vida linda e saudável
depois de mim. — acariciei seu rosto. — Não suportaria viver sem
você. — uma lágrima escorreu involuntariamente.
— Eu também não suportaria viver sem você. — disse
inocentemente. — Que tal rezarmos para ficarmos juntos para sempre?
Mesmo não acreditando em Deus, Marte não precisava estar perdido
como eu.
— Está bem. — respondi.
Marte segurou minha mão e fechou os olhos.
— Querido Deus, que criou essa coisa linda chamada noite e
estrelas. — começou ele. — Eu sou Marte, e essa é a minha irmã
Vênus, como os planetas. Estamos aqui para pedir um favor. Será que o
senhor poderia, quando chegar a nossa hora de partir, nos manter
juntos? É que minha irmã é tudo o que eu tenho, e eu sou tudo o que ela
tem. Então, por favor, não nos separe. Obrigado e amém.
Fiquei em silêncio e Marte apertou meus braços.
— Ah… Amém. — respondi, e ele abriu os olhos, sorrindo.
— Agora estamos a salvo. — disse ele. — Podemos comer?
— Sim, vamos comer.
Mesmo não acreditando, eu desejei que Deus pudesse ouvir a oração
do meu irmão, pois era uma boa oração.
Marte adormeceu, e eu fiquei ali, olhando o imenso céu. Sempre
passávamos a noite, e íamos embora bem cedinho depois de ver o
nascer do sol.
Deus poderia não pensar nos humanos como eu, mas ele sabia fazer
obras de artes incríveis.
Meu celular vibrou e vi a ligação de Vinci.
— Fala sério. — murmurei. — Vinci? — atendi com pouca
empolgação.
— Eu também adoro ouvir a sua voz, planetinha. — ironizou.
— O que você quer?
— Sabia que invadir propriedades privadas é crime?
Fiz uma careta e olhei para os lados, pensando que ele estava por ali.
— Não me diga que me seguiu.
— Mm... Seguir é uma palavra muito forte, eu diria que estou de
olho em você.
— Fala sério! ​— irritei-me. — Escuta, eu não vou fugir devendo um
homem como você, então pode parar de me seguir!
— É mais forte que eu. — saltei ao escutar a voz atrás de mim e
presenciei Vinci ali. — Olá, planetinha.
— O que... — analisei o homem e desisti de fazer perguntas. — Isso
é loucura. — resmunguei me virando para frente e observando o céu. —
Vai me denunciar por estar aqui?
— Eu não faria isso. Mas, seria divertido te ver em apuros.
Encarei seu rosto.
— Mesmo? Nossa, isso é incrível. Nada que eu não saiba sobre o
tipo de homem que você é.
— Explique-me. — apoiou-se ao meu lado e fitei o rosto dele por
um tempo.
Às vezes, Vinci parecia não esboçar nenhum sentimento. O rosto
dele parecia uma parede, nada passava. Era desprovido de qualquer
sentimento. Mas, em pouquíssimas vezes, eu vi um brilho diferente
naquelas esmeraldas verdes. Algo que, eu nunca tinha visto em nenhum
ser humano, algo novo, totalmente inédito que, somente Vinci tinha.
Ele tinha aquele brilho naquela noite.
Suspirei.
— Quer dizer que é bem transparente o tipo de homem que você é.
— expliquei.
— Transparente?
— É. — afirmei e encarei seu rosto. — Frio. Um tipo de pessoa que
não se interessa pela vida do outro, e quando se interessa é para o
próprio benefício. — falei e ele ficou atento. — Mm... É como se você
fizesse a doação, mas a roubasse de volta caso não fosse glorificado de
joelhos.
Um meio sorriso se fez nos lábios dele.
— Você é boa. — disse. — Tem razão, eu sou assim. — afirmou e
nem liguei para aquilo. Era Vinci, e eu conhecia Vinci. — Mas, você
não precisa. — proferiu e o observei. — Eu não quero que se ajoelhe
diante de mim para implorar por algo, a menos que seja para...
— Ah, qual é! — interrompi e ele riu. Vinci estava sorrindo, e ele
ficava tão... — Você sorri? — questionei de sobrancelha arqueada.
— Eu aprendi. — disse. — Por quê? Gosta do meu sorriso?
— Nem a pau. — desviei o olhar. — Não sorria. Você me assusta
quando sorri.
— Ok. — disse e quando ele tentava ser gentil, tudo ficava mais
medonho ainda. — Por que esse lugar? — perguntou.
— Não me diga que não está vendo essa obra de arte na sua frente.
— mencionei e ele ficou calado. — Olha só essa maravilha. Eu amo
esse lugar por causa desse céu.
— Acredita em Deus? — ele perguntou abruptamente e senti certo
incômodo na voz.
— Não. — respondi encarando seu rosto.
— É, mas está olhando para a obra de arte dele e apreciando o que
ele fez. Isso faz com que, acredite nele e... Goste dele. — pareceu
irritado. — Isso me deixa enciumado. — Os olhos pousaram em mim
com um tom mais escuro. — gosta dele, que permite todo o seu
sofrimento, mas me odeia?
Eu não sabia se tinha entendido muito bem o que Vinci queria dizer,
mas quase não deu para ignorar as palavras dele. Vinci era apenas um
homem que queria ser idolatrado, e queria toda a atenção para ele, era
apenas aquilo.
— Gosta das pessoas da cidade, Vinci? — questionei e ele franziu o
cenho. — As ama ou deseja o bem delas? Deseja estar sempre perto?
— Não. — respondeu firme.
— Então porque em todos os seus lugares você tem uma vista
completa da cidade em luzes?
— Eu... — ele pensou bastante e ficou calado.
— Viu? É sobre isso. — respondi. — Não é amor por elas, é só pelo
que a cidade te proporciona. Igual a isso. — apontei com a cabeça. —
Não acredito em Deus, não acho que ele me ama ou coisa assim, mas
isso... Ele acertou nisso, e eu não preciso ser devota a ele para amar o
que ele fez.
Ele assentiu, talvez levasse um tempo para entender.
— E no diabo? — perguntou. — Acredita nele?
Apesar de ser estranho todas aquelas coisas e perguntas, eu estava
respondendo.
— Sim. — respondi e ele sorriu de lado, me causando um calafrio.
— Quando olho para você, consigo ver um tipo de diabo.
— É mesmo? — ergueu-se, me fazendo erguer também. — E... Isso
assusta você?
— Talvez. — fui sincera. — Deus pode não ser bom, mas o diabo
com certeza também não é.
— E você acha que eu sou o diabo?
— Sim. — senti meu corpo esquentar e não sabia explicar o motivo.
— Você é maldoso e insensível. Frio e desumano.
— E? — ele parecia estar mais perto de mim e eu não conseguia me
mover. — Tem medo de mim, planetinha?
A mão deslizou para uma mecha do meu cabelo e me arrepiei
quando a pele quente tocou de leve minha orelha.
— Não. — respondi. — Eu só... Só preciso tomar cuidado com você.
— Boa menina. — A voz saiu como um sussurro e eu já não
aguentava mais aquela aproximação. Vinci se afastou, e foi como tirar
um peso dos ombros. — Eu já vou indo.
Não respondi, eu nem queria que aquele assunto se estendesse, então
apenas o vi partir.
Eu não sabia o que havia acontecido, mas a sensação que eu senti foi
de estar sendo arrastada pelas trevas.
Vinci me dava arrepios e era melhor eu ficar o mais longe possível
dele.

Tudo estava pronto naquela manhã para receber a assistente social e


eu estava nervosa. Liguei para a escola e passei meu número e
endereço, assim eles não precisariam ir atrás de Lucca e Lua.
Sentia ansiedade, nervosismo e medo, temendo pelo pior. Marte
estava no quarto com o meu celular e, quando menos esperei, ouvi bater
na porta.
Respirei fundo, sabendo que eram eles. Ajeitei minha roupa e abri a
porta, deparando-me com uma mulher de pele parda, usando um terno
cinza e com cabelo curto. Ela aparentava ter uns 45 ou 50 anos.
— Vênus Mackenzie? — perguntou ela.
— Sim. — respondi, dando espaço e abrindo mais a porta.
Ela entrou, olhando ao redor sem desviar os olhos do lugar.
— Sente-se. — ofereci, observando-a agarrar a pasta branca em suas
mãos.
— Obrigada. — disse se sentando.
Sentei-me em seguida, completamente nervosa.
— Gostaria de beber algo? — ofereci.
— Oh, não, obrigada. — abriu os papéis sobre as pernas. — Quanto
mais rápido terminamos aqui, mais rápido você se livra de mim.
— Ah... — fiquei calada, apenas tentando respirar.
Ela então me olhou.
— Senhorita Vênus, meu nome é Calebe e eu sou a assistente social
encarregada do caso do seu irmão. — falou. — Recentemente,
recebemos uma denúncia com fotos de agressões à criança. Você sabe
disso?
— Sim. — assenti. — Mas, eu não sabia das agressões.
— Uhum. — anotou. — Aqui diz que vocês moravam com os pais,
mas você está aqui sozinha.
— É... É, eu e Marte nos mudamos recentemente da antiga casa.
— Trouxe seu irmão com você.
— Sim. Ele está...
— Seus pais deram esse consentimento, senhorita Mackenzie? —
questionou e senti um peso sobre os ombros.
— Não, eles...
— Você não é responsável legal pelo seu irmão. — interveio. —
Você sair da casa, carregando seu irmão sem o consentimento dos pais,
é crime.
Franzi o cenho.
— Mas, eu sempre... — comecei a tremer. — Eu sempre cuidei dele
e...
— Isso não faz diferença para a justiça.
O tom dela e a maneira que ela estava levando aquilo me fez abrir os
olhos um pouco mais. Era desafiador aquilo tudo, e eu não podia me
calar.
— Senhora Calebe. — ela me olhou. — Estou certa de que sabe que
vocês foram notificados por causa dos hematomas de Marte.
— Sim.
— Pois, também estou certa de que sabe que eu não estava sabendo
dos hematomas. — mencionei e ela ficou atenta. — Com certeza já
deve ter pesquisado, e sabe que os meus pais não são os melhores.
Ela olhou o papel.
— Drogas, bebidas, roubos, agressões e uma lista intensa de outras
coisas. — disse.
— É, então sabe. — me ajeitei no sofá. — Marte é só um garotinho
de 7 anos, que precisou presenciar muitas coisas que uma criança da
idade dele não deveria, então, tudo o que eu fiz foi tirá-lo daquele
inferno. Tenho 22 anos, trabalho em um bom lugar e apesar da casa ser
simples, não falta nada para meu irmão e com certeza, ele não vai ser
queimado por cigarros. — respirei. — E, mesmo assim, a senhora está
me dizendo que é crime o que eu fiz?
Ela ficou calada por um tempo, até fechar os papéis, respirar fundo e
olhar para mim.
— Não sou eu quem decide isso. — falou. — Segundo a lei,
enquanto não houver provas concretas de que os pais são uma ameaça
para os filhos, nenhuma lei pode tirá-los.
— Mas, os hematomas e todas as coisas...
— Eu sei. — apontou a mão, me pedindo calma. — Estou vendo
suas intenções e sei quem são os seus pais. Eu vim de longe, mas já
ouvi muito sobre eles. — respirei aflita. — O que eu estou dizendo é
que, é impossível que um juiz aceite que saiu de casa carregando seu
irmão sem o consentimento dos pais. Eu vim observar e levar as
informações, e eu te digo que, isso é um problema para você.
Senti tremores percorrendo a minha pele.
— Então... Está me dizendo que eu devo levar Marte de volta para
aquele lugar?
Ela respirou, encarando o chão por um tempo.
— Não. — respondeu. — Eu ainda não estive aqui, senhorita
Mackenzie. — falou e franzi o cenho. — Irei sair por aquela porta e vou
voltar aqui na semana que vem, e espero que você tenha um papel
assinado da sua mãe, passando a guarda para você, ou algo que prove
que eles não são capazes de cuidar do menino. Entendeu?
Consegui entender o que ela quis dizer e respirei aliviada.
— Entendi.
Ela se levantou e fiz o mesmo.
— Te vejo na semana que vem.
A acompanhei até a porta e quando fechei, pude pensar melhor.
Eu estava recebendo uma segunda chance, e segundas chances nunca
deveriam ser evitadas. Por isso, eu não ia desperdiçar.
Capítulo 5

Sentar naquela casa me causava arrepios e enjoo. Não era por causa
da sujeira e bagunça, mas sim por ter que encarar Lucca e Lua e sentir o
desprezo em seus olhares. A partir daquele momento, comecei a me
arrepender de estar ali e de ter pedido aquilo.
— Você saiu de casa. — começou Lua. — Pegou suas coisas, Marte,
e simplesmente foi embora, e agora está aqui pedindo que assinemos
um papel dizendo que não queremos o menino?
— É. — assenti. — Exatamente isso. — Lucca riu e precisei usar de
uma calma que eu não tinha. — Vocês não precisam dele. — adverti. —
Vocês nem ligam para ele, isso seria um favor que eu faria.
— E depois? — Lucca questionou. — Assinamos o papel e você vai
viver a sua vida, deixando a gente na miséria? — enruguei o rosto e ele
prosseguiu. — Depois de te darmos casa, um teto, e a vida, é assim que
agradece?
— O-o que? — questionei.
Lucca riu venenosamente.
— Ela está vivendo uma boa vida. — disse. — Tem uma casa
organizada, tem trabalhado para Vinci e ele tem feito compras enormes.
Até mesmo ganhou um celular novo.
Fiquei paralisada olhando a expressão doentia de Vinci.
— Isso é verdade? — Lua questionou.
Pisquei algumas vezes pensando naquilo tudo, e de como Lucca era
capaz de tudo por dinheiro.
— Já se esqueceu do fato de eu estar trabalhando para Vinci ser sua
culpa? — inquiri e ele pareceu não se importar. — Eu precisei encarar
aquele homem, ver coisas horríveis apenas para pagar a sua dívida.
— Eu nunca te pedi nada.
— Não. — estremeci. — Mas, Vinci mataria Marte e iria entrar
nessa casa e matar todos vocês! — sorri em meio aos tremores. —
Mesmo vocês não merecendo, mesmo vocês não reconhecendo os
filhos, eu fiz tudo para salvá-los.
— E agora quer nos deixar na miséria?
— Lucca... — Lua tentou dizer, mas foi silenciada.
— Cala a boca! — gritou, fazendo o meu corpo e o de Lua
estremecerem. Os olhos profundos de maldade e egoísmo pairaram em
meu rosto. — Vamos fazer um acordo, querida. — pendeu seu corpo
para frente no sofá, colocando os braços e o peso nas pernas. — Você
pode voltar para casa, trazer Marte e voltamos a ser uma família feliz,
enquanto você trabalha e cuida de nós. Bem, nada mais justo, não é? —
sacudiu os ombros. — Somos seus pais. — fechou o semblante. — Ou,
pode esquecer a ideia de ter um papel assinado. Você sai por aquela
porta e eu busco Marte, e desse jeito você vive a sua vida. O que acha,
querida?
Lucca sabia do fundo da alma dele que eu jamais iria deixar que
Marte ficasse naquela casa com ele. Ele sabia que eu daria tudo, faria
de tudo para estar com Marte. E se aquilo significasse voltar para
aquela casa e sustentá-los, para ao menos estar com meu irmão, então
eu faria.
Ele sabia jogar perfeitamente.
— Não. — respondi, para a surpresa dele. — Pode ficar com essa
ideia na cabeça, e se puder, tente tirar Marte de mim.
Ele riu de lado, um pouco nervoso.
— Acho que você não entendeu.
— Não. Eu acho que você não entendeu, Lucca. Da última vez, você
fez o quis e me deixou calada, mas isso não vai mais acontecer.
Em estado de fúria, Lucca se ergueu e esbofeteou o meu rosto.
— Sua maldita!
— Lucca, não... — Lua foi empurrada ao tentar afastá-lo.
— Você acha que pode comigo? — Encarei seu rosto enraivado. —
Não pode. Você não sabe do que eu sou capaz! — outro tapa. — Eu vou
buscar Marte, ele é meu!
Um estalo se fez e um vaso de vidro foi quebrado na cabeça de
Lucca, o fazendo cair no chão ainda tonto.
— Vai embora daqui, Vênus! — gritou Lua. — Vai, e não volte
mais! Vai!
Levantei-me apressada e sai pela rua, ainda desnorteada.
O que aconteceu lá dentro, foi muito arriscado e Lua..
Não, eu não podia pensar nela.

— Ai! — resmunguei enquanto Marte passava o pano no ferimento


do meu rosto.
— Deixe de ser chorona. — reclamou, pegando os curativos. —
Ralar um joelho andando de bicicleta dói muito mais.
Fiquei olhando o rostinho dele e a maneira como cuidava de mim.
Eu não queria que ele me visse daquele jeito, mas foi inevitável. Claro
que, eu não contei a ele o que havia acontecido de verdade, apenas
disse que caí da escada.
— Pronto bebê chorão. — falou.
— Obrigada, senhor adulto. — o puxei para mim e acariciei seu
rosto. — Você sabe que eu amo você, não sabe? Que você é tudo para
mim.
— Claro, eu sou tudo o que você tem, literalmente.
Ri.
— Isso mesmo. Você é tudo o que eu tenho, literalmente e eu... Eu
faria tudo por você. Para te proteger de todo mal.
Ele me abraçou e senti meu coração quentinho.
— Eu também te odeio, Darling. — olhou para mim. — Quando eu
crescer, você nunca mais vai cair de escada alguma.
Sorri, mas no fundo quase chorei com a inocência dele.
— Tudo bem. — suspirei e olhei o dia lá fora. — Temos um dia
lindo lá. O que quer fazer?
— Podemos brincar lá fora? — sugeriu.
— Claro. Pegue suas coisas, e eu vou guardar isso aqui.
— Ok.
Saiu correndo com sua cabeleira e sumiu no quarto.
Enfiei a mão no bolso e olhei para o celular, ainda na gravação de
mais cedo.
Valeu a pena aquilo tudo, pois eu tinha provas de que Lucca e Lua
não eram capazes de ter Marte em casa.
Eu também sabia ser esperta.

Marte brincava todo animado no parque e eu estava sentada em um


dos bancos. Apesar de ele estar sozinho ali, e nem ligar para aquele
fato, eu ainda pensava que ele deveria estar fazendo amigos. A minha
vida era complicada. Eu precisei deixar escola, faculdade, e amizades
para trás, porque eu precisava, mas ele não precisava.
Eu fazia tudo àquilo para que meu irmão não precisasse passar pelo
que passei, e ele jamais passaria. Eu jamais ia deixar com que ele
sofresse.
Era um passo de cada vez, e eu não ia desistir.
— Marte, filhão!
A voz de Lucca me fez saltar do banco e olhar para trás, para vê-lo
parado com um sorriso no rosto.
— Marte! — chamei e ele correu para mim, se escondendo atrás do
meu corpo.
— Ah, qual é! — riu. — Andou envenenando a cabeça do seu
irmão? O que disse a ele, hein?
— Eu não precisei dizer nada. — respondi, o vendo dar passos em
minha direção. — Acha que o seu filho é idiota?
— Pare de besteiras, Vênus. Me entrega ele.
— Não.
— Darling... — Marte apertou minha blusa.
— Tudo bem anjinho. — respirei. — Vai para dentro, está bom?
— E você?
— Não, filho, não vai não. — interferiu Lucca. — Você vem com o
papai.
Engoli o medo que eu tinha de Lucca.
— Você não vai tocar nele. — falei. — Terá que passar por mim.
Lucca riu.
— Como quiser.
Um soco, Lucca me lançou um soco que me jogou no chão e fui
capaz de ouvir Marte gritar.
— Darling!
— Corre Marte, corre!
Fui agarrada pelo cabelo, mas antes consegui ver Marte correr.
Lucca agarrou meu pescoço, com fúria.
— Sabe, eu tentei ser paciente. — me soltou apenas para me bater de
novo. — Eu tentei ser um pai, Vênus. — Um chute. — Mas, você não
colabora! — outro chute.
Estar no chão, sendo espancada daria alguma chance a Marte.
Apesar de eu não ter forças, de não conseguir atacar Lucca, eu ainda
podia salvar meu irmão.
Ele agarrou meu cabelo.
— Por que é que você tem que ser tão teimosa? Você é igualzinha a
sua mãe. — outro tapa, mas daquela vez, ele não esperou nada, apenas
me ergueu de volta. Eu já estava sem ar, e só conseguia pensar em
Marte sozinho. — Vamos acabar com isso de uma vez por todas.
— Hoje não. — respondi e com a pedra que peguei antes, acertei a
cabeça dele o fazendo me soltar.
Ele cambaleou e aproveitei aquilo para correr, mesmo que eu não
fosse muito longe, pois meu estômago doía como se fosse pegar fogo, e
meu rosto ardia.
— Ah! — gritou Lucca. — Vênus!
Começou a correr atrás de mim na rua deserta, e eu subi a mesma
tentando o melhor que eu podia.
Mas, eu estava fraca.
Quando pensei que tudo estava perdido, uma moto virou a esquina
cantando pneu e parou de lado.
Quem dirigia, desceu rapidamente usando roupas pretas e tirou o
capacete, revelando o rosto de Vinci.
Eu caí diretamente nos braços dele, como se fosse planejado e seus
olhos para mim foram como duas bolas ardentes de um cometa.
Ele desviou o olhar de mim, e o vi retirar a arma das costas e
apontar.
— Não... — apertei seu braço, já o vendo sumir.
Aquilo foi tudo o que eu consegui dizer.
— Vênus? Aqui meu amor, vem com a mamãe vem! Isso meu amor,
essa é minha menina. Eu te amo, meu pequeno planeta.
Abri os meus olhos e sentei na cama, retomando o ar que parecia
perdido. Meu peito apertava e tudo parecia estar sendo esmagado.
Foi um sonho, um sonho tão perturbador, e tão bom. Mas, foi um
sonho.
Passei a mão no cabelo, o jogando para trás e gemi ao sentir a dor
aguda no abdômen.
Sonhar com Lua pode ter sido fantasia, mas aquilo era bem real.
Rodei os olhos pelo quarto onde eu estava e me deparei com um
lugar chique. O quarto chique com tons cinza e escuros. A parede
principal era revestida por um papel de parede cinza chumbo com um
padrão sutil.
O chão em laminado de madeira escura contrasta perfeitamente com
as paredes. Uma ampla e vasta janela domina uma das paredes,
oferecendo uma vista deslumbrante da cidade iluminada à noite.
Em frente à janela, uma cama de casal luxuosa com uma cabeceira
estofada cinza escura e detalhes cromados. Dois criados-mudos de
design minimalista em metal prateados, perfeitamente alinhados ao lado
da cama. Um tapete macio e felpudo em tom cinza claro cobria parte do
chão, Uma poltrona estofada na mesma tonalidade, posicionada
estrategicamente ao lado da janela e grandes cortinas cinza com
detalhes texturizados e uma elegante persiana de controle remoto.
Definitivamente, aquela não era a minha casa. Então...
A porta do quarto se abre e Vinci entrou, me olhando de um jeito
estranho na cama.
— Acordou, afinal. — disse, fechando a porta e se aproximando. —
Como se sente? — perguntou colocando as mãos no bolso da calça
escura.
— Eu... Onde eu estou?
— Na minha casa, e está segura aqui.
Minha mente gritou por Marte e senti um arrepio.
— Marte... — tirei os olhos da coberta cinza e encarei Vinci. — Meu
irmão, ele...
— Está bem. — respondeu me deixando aliviada. — Ele está lá
embaixo, jogando. — Encarei o homem. — Patrick disse que, pequenas
coisinhas como seu irmão gostam daquilo.
Assenti talvez me dando a chance de respirar.
Tudo passou pela minha mente de novo, e pensei por um segundo se
Vinci havia matado Lucca.
— Eu não o matei. — respondeu me pegando de surpresa. — Não
porque eu não quis, acredite. Homens como o seu pai deveriam ser
esmagados. Mas ele está vivo.
— Ainda bem. — suspirei.
— Ainda bem? — questionou irritado. — Ele quase matou você e o
seu pequeno ratinho, e você se alivia ao dizer que ainda bem?
Fechei os olhos por um segundo.
— É Marte! — exprimi e o olhei. — E sim, estou aliviada que Lucca
esteja vivo.
— Por quê? — indagou com absurdez.
— Você não sabe o que é isso, não é? — inquiri e ele ficou calado.
Suspirei. — Apesar de tudo, Lucca é pai de Marte e é tudo o que ele
conhece sobre a família. Como eu ia explicar que o pai dele morreu
depois de me bater na frente dele?
— Explicando, ora.
Revirei os olhos, efetuando uma careta.
— Não é assim que funciona, Vinci. — Gemi a me movimentar na
cama, colocando os pés no chão.
— E como funciona?
Às vezes eu achava que Vinci se fazia de doido, não era possível
fazer tantas perguntas daquele jeito. Não era possível um homem de 30
anos não saber nada da vida. Mesmo que fosse desumano, ele deveria
saber.
Suspirei, explicando para ele.
— É mais complicado do que parece. — falei. — Laços familiares
são complicados. — abaixei os olhos, encarando o tapete. — Às vezes,
tudo o que você tem é uma vontade imensa de destruir tudo, mas não
funciona assim. — olhei para ele. — São família, e apesar de tudo você
continua preso a isso, mesmo que não queira.
— Você disse que não acreditava em Deus. — falou e franzi o cenho.
— E o que isso tem a ver?
— Um dos mandamentos. — falou. — Honrar o seu pai e a sua mãe,
ou coisa assim. — fiquei muda. — Mas, isso não tem nada a ver com
honrar quem machuca você, planetinha. — seus olhos me entregaram
uma pupila evidente. — Você quer fazer esse lance de amar alguém ou
sei lá, tudo bem, faça. Mas, não seja idiota. Acho que, amor não tem
nada a ver com aquilo. — sacudiu a cabeça. — Não assim. Não nesse
caso.
Foi à coisa mais estranha do mundo, ver Vinci dizer aquilo daquela
forma e por um segundo eu quase acreditei naquilo, mas era Vinci, e
sabemos que nada de bom viria.
— Eu preciso ver Marte. — falei mudando de assunto. — Ah... —
gemi ao ficar de pé e sentir tudo doer.
— Acho melhor você se deitar.
— Você não sabe o que é melhor para mim. — retruquei.
Vinci riu.
— Eu nunca vi um ser humano tão teimoso como você. — Encarei
seu rosto prestes a rebater. — Se olhe no espelho antes de qualquer
coisa.
Ele olhou para o lado e só então eu percebi o espelho ali, e quando
percebi, me assustei com o que vi.
Meu rosto estava todo marcado, ralado. Tinha hematomas por toda
parte e eu odiei Lucca por aquilo.
— Está vendo, o que a família fez com você? — fiquei paralisada e
as mãos de Vinci se repousaram nos meus ombros, e através do espelho,
vi seu rosto sem expressão alguma. — Devia matá-lo, planetinha. É só
se vingar. Vai ser delicioso derramar o sangue deles. Maravilhoso!
Por um segundo, um mísero segundo eu senti dentro de mim a
imensa vontade de fazer aquilo, me vingar. Foi como alimentar um cão
faminto, como ser agarrada pelas trevas e dançar uma melodia
deliciosa. Por um segundo, eu desejei e cheguei a ter medo de mim.
Vinci me soltou e se ajeitou, tirando seu corpo quente do meu.
— Quando descansar vá ver seu ratinho. — Olhei para ele em reluta.
— Eu não vou machucar ele.
Vinci só saiu do quarto e quando ele fechou a porta foi como se todo
o ar voltasse. Aquele homem tinha uma estranha mania de entrar na
cabeça das pessoas, mas não ia entrar na minha.

Acordei e logo desci a escada daquela imensa casa. Vinci gostava


muito de tons escuros, eles estavam por toda parte.
Quando cheguei em uma sala, vi Marte vidrado na televisão
enquanto assistia Hannibal, e claro, Vinci ao lado dele.
— Marte? — chamei seu nome e ele se virou rapidamente.
— Darling! — correu para mim e precisei segurar o meu corpo com
o baque, ignorando a dor.
— Você está bem? — questionei, abaixada em frente a ele.
— Sim. Vinci é muito legal. — disse animado. — Ele me deixa
comer doces e assistir filmes de adultos.
— Sei. — olhei para Vinci e ele deu de ombros. — Mas, você não
pode assistir coisas daquele tipo.
Ele ficou chateado.
— Está brava comigo?
— Claro que não. — sacudi seu cabelo. — Você é um bom menino.
— Sente-se para tomar café. — disse Vinci. — Depois eu te levo
para casa.
Eu estava relutante, não sabia se deveria aceitar tantas coisas daquele
homem. Mais uma vez ele havia me salvado, e a cada vez que aquilo
acontecia, eu devia algo para ele.
— Por favor, vamos comer. — implorou Marte e aquilo foi meu
ponto fraco.
— Tudo bem. Mas, vamos para casa depois.
Ele saiu correndo para a mesa e olhei para Vinci.
— Como se sente? — perguntou.
— Bem. — respondi. — Escuta, não pode deixar uma criança de 7
anos assistir aquele tipo de conteúdo. — adverti. — Ainda mais o meu
irmão.
— Ele parecia gostar.
— Marte é só uma criança, Vinci! Ele não sabe o que gostar e não
entende o que é certo ou errado.
Ele levantou a sobrancelha.
— Não foi isso que parecia antes.
Revirei os olhos e ouvi Marte chamar na mesa, acabei indo para lá.
— Veja quantas coisas, Darling! — disse animado.
— É, estou vendo. — sentei-me à mesa ao lado dele.
O ajudei com seu café, preparando leite e bolo, e Marte estava
amando aquilo tudo.
Era muito bom ver o rostinho dele brilhar, e aquilo acabava com que
eu cedesse a muitas coisas, principalmente a minha teimosia.
Tentei tomar o meu café, mas Vinci estava me encarando do outro
lado da mesa, me deixando desconfortável.
— O que foi? — questionei arredia.
— Por que não fica aqui em minha casa? — questionou e eu achei
aquilo um absurdo.
— Podemos? — Marte perguntou animado.
— Não, Marte, não podemos. — falei e olhei para Vinci. — Olha, eu
sou grata por ter salvado a minha vida, de novo... Mas, quando
acabarmos aqui, vamos voltar para casa.
— E se o papai voltar e te bater de novo? — olhei para meu irmão e
senti um frio na barriga ao ver os olhos cobertos por medo. — Eu ainda
sou pequeno, não posso te salvar e o tio Vinci, disse que pode nos
proteger.
— Tio Vinci? — franzi a testa e olhei para o homem. — Ele disse?
Vinci apenas manteve o silêncio, e eu queria gritar com ele por estar
fazendo a cabeça do meu irmão.
Mas, Marte continuou falando.
— Ele tem poder, tem homens com armas e a casa dele é cercada.
Darling, podemos ficar?
— Marte...
— Ele te salvou ontem. — disse. — Quando eu liguei para ele, ele
veio correndo.
— Você... — fiz uma careta. — Você ligou para ele?
— Sim. Era o único nome no celular. Quando você caiu, peguei seu
celular antes de correr e vi na lista o nome de demônio. — engoli um
seco e olhei para Vinci que me olhava de cenho arqueado.
Dei um sorriso sem jeito.
— Não era... — pigarreei. — Deve ter sido erro de digitação.
Ele assentiu, mas não pareceu ofendido, apenas riu e permaneceu
calado.
— Ele pode nos proteger, Darling. — disse assustado. — Eu estou
com medo de voltar. Por favor...
— Marte...
— Pelo menos até a situação com a assistente social se resolver. —
disse Vinci pela primeira vez. — Eu prometo que vou ser um bom
homem, e vocês podem ter privacidade aqui.
— Eu...
— Bem, pelo menos pense antes de ir. — disse, tomando seu café.
— Irei atender cada pedido seu, Darling... — riu.
Eu odiava que eu estava dividida daquela forma. Eu não queria estar
na mesma casa com aquele homem, Marte ainda era muito pequeno
para entender que tipo de homem ele era, e ele podia até ter tentado
enganar e fazer a mente do meu irmão, mas comigo era diferente.
Nada de bom viria dali. Com ele, as coisas poderiam ser bem piores.
— Tome seu café. — disse para Marte e ele obedeceu. Olhei para
Vinci. — Será que podemos conversar?
Ele atendeu e fomos para uma sala reservada, onde Marte não podia
nos ouvir.
Virei-me para ele como uma fera.
— O que pensa que está fazendo? — perguntei. — Pensa que pode
entrar na cabeça do Marte e fazê-lo pensar que você é herói?
Ele ficou parado no canto, de braços cruzados.
— Eu apenas disse a verdade para ele. — ri. — Que aqui, vocês
estão seguros.
— Seguros? — interroguei. — Caso não tenha notado, você não é
um santo, Vinci!
— Eu nunca disse que era.
— Exatamente. Estar aqui ou estar lá fora é o mesmo que pedir para
morrer duas vezes. — daquela vez ele fechou o semblante e eu ignorei.
— Você não é nosso herói, é igual a Lucca, pior até.
O rosto fechado permaneceu me olhando e senti um arrepio quando
o vi caminhar para meu rumo.
— Eu já feri você alguma vez? — questionou em minha frente, feito
uma parede.
— Não, mas você...
— Ameaças, planetinha. — interferiu. — Fiz muitas ameaças, mas
eu já toquei em você? Responda. Sim, ou não?
Engoli um seco.
— Não. — respondi trêmula.
— Não pense que não quero, e nem estou dizendo sobre machucar
você fisicamente, estou dizendo tocar em você sexualmente. — gelei.
— Eu quero, quero muito, mas não fiz. — chegou um pouco mais
perto. — Eu não sou um bom homem, não pretendo ser, e não nego
isso, mas não me compare com seu pai, porque sabemos que eu sou
muito melhor do que ele. — tocou o meu cabelo e me encolhi. — Não
quero que tenha medo de mim. Eu ainda, ainda, não vou tocar em você,
mas vai chegar a nossa hora.
Afastei a mão dele e dei alguns passos para trás.
— Nunca vai me tocar. — adverti e ele sorriu de lado.
— Eu vou sim, e está muito próximo. — não entendi o que ele quis
dizer, mas não tive tempo para questionar. — Se quiser ir embora, pode
ir, não vou impedir, por enquanto. — abotoou a manga da camisa preta.
— Amanhã você pode começar a trabalhar para mim, como minha
secretária.
— Como um cão, você quer dizer. — resmunguei e ele assentiu.
— Se você acha que isso se encaixa melhor, que seja. — não
respondi. — Vou pedir Patrick para levá-los para casa.
Ele saiu e eu fiquei presa naquela sala, igual como eu estava presa
em minha mente.
Eu queria muito que aquilo acabasse, assim, eu poderia apenas pegar
Marte e sumir da cidade.
Não ia demorar em aquilo acontecer.
Capítulo 6

Voltar para casa havia sido uma escolha sábia, a meu ver. Apesar de
Marte ter ficado chateado, eu sabia que mais tarde ele iria esquecer
daquilo.
Já era noite, e eu estava ansiosa dentro de casa. Toda hora eu
chegava à janela e observava a rua, temendo ver Lucca ali.
Mas, eu acreditava que ele não voltaria lá tão cedo, não depois de
ver Vinci apontar uma arma para ele.
Dei banho em Marte, e ele comeu alguma coisa antes de ir para a
cama.
— Está chateada comigo? — ele perguntou, já na sua cama, pronto
para dormir.
— Não, porque diz isso?
— Por que eu insisti que ficássemos na casa do tio Vinci.
— Ele não... — suspirei, tentando ser o mais sensível possível. —
Ele não é o seu tio, anjinho.
— Eu sei que não é. — se ajeitou na cama. — Ele disse que vai ser
um dia.
— Ele disse? — pesquisei atenta.
— Sim. Disse que você será dele.
Aquele miserável!
— Ele estava brincando. — passei a mão no cabelo dele. — Não
escute as coisas que ele diz, Marte.
— Por quê?
— Bem, por que... — pensei um pouco. — Bem, por que ele não é
um cara tão legal assim.
— Mas, ele salvou você.
— Para o benefício dele.
— O que é benefício?
— É... — parei de falar quando percebi que eu estava enchendo a
cabeça de uma criança. Marte deveria saber dos perigos lá fora, mas
não daquele jeito. — Escuta, quando você for mais velho, vai entender
tudo isso. Eu só quero o melhor para você. Entendeu? — ele assentiu.
— Perfeito. — dei um beijo em sua testa. — Agora durma, amanhã
você tem aula.
— Boa noite, Darling.
— Boa noite, anjinho.
Levantei da cama e apaguei a luz, fechando a porta e saindo.
Era mais complicado do que pensei.
Por um segundo, Vinci veio à minha mente para me assombrar. Em
alguns momentos, ele parecia tão bom e gentil e aqueles olhos me
sondando...
Sacudi a cabeça mandando embora aqueles pensamentos invasivos.
Nunca pensar em Vinci, jamais!
Entrei para o meu quarto e fui dormir.

Eu estava deitada na minha cama, cansada após mais um dia. O


silêncio da noite era interrompido apenas pelo som do vento soprando
lá fora. Meus olhos finalmente se fecharam e eu comecei a afundar em
um sono profundo e tranquilo.
De repente, um estrondo ensurdecedor me despertou. Meus olhos se
abriram assustados e meu coração disparou. Eu podia ouvir vozes,
vozes raivosas e ameaçadoras que me eram desconhecidas. Levantei-
me rapidamente, sentindo-me tonta devido ao sono, tentando me
recompor.
Desesperada, abri a porta do meu quarto, e percebi que os passos já
estavam chegando até a porta de entrada.
Corri para o quarto de Marte e fechei a porta devagar, indo até a
cama.
— Marte? — sussurrei seu nome e ele abriu os olhos, ainda confuso.
— Darling?
— Shhh... — tirei a coberta dele. — Não faça barulho.
— Por quê? O que está...
Batidas na porta me fizeram estremecer, pois eu sabia que eles iam
entrar, independente de quem fosse.
Peguei Marte pela mão e olhei para a janela do quarto dele. Era alta,
mas dava para pular e só havia aquela saída.
— Darling?
Segurei o rosto dele.
— Escuta, anjinho, eu preciso que você pule a janela, tá bom?
— Por quê? Quem são eles? — perguntou assustado. — Eu estou
com medo.
— Eu sei, mas eu estou aqui, nada vai acontecer, está bem? Agora,
temos que sair pela janela.
Ele foi obediente, e eu saí junto com ele.
Conseguimos sair de boa, mas mesmo assim eu ouvi um tiro lá
dentro e vozes alteradas.
Com o coração apertado, eu quis muito sair correndo com Marte, e
até tentamos, mas um carro escuro nos cercou no meio da rua.
De início, pensei que seria Lucca tentando algo, mas quando um
homem robusto, de semblante frio saiu do carro, eu percebi que não o
conhecia. Ele usava uma roupa preta, apenas com um cordão dourado
no pescoço que parecia ser uma cruz. Os olhos eram de uma escuridão
sem fim e ele mantinha a postura. Na mão, uma tatuagem semelhante a
um círculo de quatro pontas.
Ele tinha dois homens ao seu lado e enfiei Marte atrás de mim.
Estava frio, deveria ser uma da manhã e eu não estava com o celular.
Precisei usar toda a minha coragem.
— Quem... Quem é você? — perguntei.
— Você deve ser a Vênus, suponho. — disse. — E esse deve ser seu
irmão, Marte. — não respondi. — Eu sou JT, pode me chamar assim.
— O que quer? — pesquisei, sentindo Marte se agarrar a mim, com
medo.
— Bem, eu vou ser direto. Não sou daqui, mas conheço Lucca
Mackenzie, e ele é o seu pai.
— Eu não tenho contato com ele, se acha isso. — respondi sem
baixar a cabeça.
— Ah, eu sei... — deu alguns passos em minha direção e me afastei
um pouco. — Eu fui atrás dele, porque ele me deve. Mas, ele me disse
para procurar você. — me olhou com os olhos vazios. — Disse que
você tem muito dinheiro.
Aquele desgraçado...
— Não é verdade. — respondi. — Eu não tenho nada, e nem tenho
nada a ver com as dívidas dele.
— Oh... — ele riu. — Claro, ele disse isso, mas... Ele me disse que
você trabalha para um homem poderoso da cidade, e como eu disse, não
conheço esse lugar, mas ouvi falar dele. Como é mesmo o nome? —
pensou. — Ah, Vinci! Onde está Vinci agora, Vênus?
— Não... — sacudi a cabeça. — Vinci não tem nada a ver com isso
aqui. — enfrentei. — Se quer dinheiro, vá atrás de Lucca e arranque
dele, mas me deixe em paz!
O homem era frio, tinha um olhar vazio e parecia muito mais
desumano do que Vinci.
Eu estava com medo, mas tinha Marte ali e eu faria tudo por ele.
— Tudo bem. — falou ele. — Talvez, tenhamos que tentar de outra
forma. — Ele riu, um riso que gelou meu sangue e tirou uma arma, que
me fez estremecer. — Ou você chama o seu chefe agora, ou... — olhou
para trás de mim. — Seu irmão vai se machucar, e eu sei que ama muito
ele.
Meu coração se apertou em angústia. Eu não tinha dinheiro, eu não
tinha nada para lhes dar e envolver Vinci naquilo estava fora de
questão.
Meus olhos estavam fixos em Marte, que estava encolhido atrás de
mim, choramingando com os olhos cheios de medo.
— Deixe meu irmão em paz! — esbravejei.
— Claro. — disse. — Depois que pegar o celular e ligar para seu
chefe.
Eu não tinha opções, não tantas, e só existia uma.
Tirei os olhos do homem e encarei Marte, torcendo para que ele
pudesse entender meu olhar.
Foi um misto de loucura, coragem e medo, que me fez partir para
cima do homem e segurar a sua arma.
— Corre Marte! — gritei e ele saiu correndo.
Eu estava em uma dança corporal, tentando impedir que o homem
usasse a arma, e até segurei muito bem.
E então, tudo aconteceu em câmera lenta. Um disparo rasgou o ar e
eu senti meu corpo congelar.
A princípio, pensei que o tiro tivesse me acertado, mas eu não senti
nenhuma dor. Depois, pensei que ele tinha apenas cortado o ar, mas...
O homem soltou a arma sem querer lutar comigo e foi então que
ouvi o barulho.
Ainda de costas, tentei evitar que a minha mente me dissesse o que
eu sabia que havia acontecido, mas ignorei.
Devagar, tremendo, me virei para trás.
Eu me virei para ver seu rosto, para ver Marte correndo, mas tudo o
que vi foi o seu corpo pequeno desabando no chão. A dor veio
rapidamente, como uma onda de fogo queimando meu peito, uma
sensação agonizante que dominou todo o meu corpo. A dor e a agonia
tomaram conta de mim.
Soltei um grito, um grito que veio das profundezas da minha alma,
um grito que parecia rasgar o próprio canto escuro do universo.
Eu apenas corri em direção a ele, eu só queria segurá-lo, eu
precisava.
Eu segurei Marte, apertando-o contra mim.
— Não... — tremi. — Não, Marte? Marte, olha... Olha para mim. —
As lágrimas inundaram meu rosto quando percebi seu corpinho mole e
os olhos se fechando. — Não... — minhas mãos estavam
ensanguentadas, pelo tiro que acertou suas costas. — Marte!
Não! — Meu coração se desfez em mil pedaços quando toquei seu rosto
frio e inerte. Dor, lágrimas. Encarei o céu, no silêncio da noite. — Por
favor, por favor, não o leve de mim... Por favor.
Em meio a soluços sufocados, abracei o corpo de Marte,
desesperadamente desejando que a vida retornasse aos seus olhos
inocentes. Mas tudo o que eu senti foi o vazio. O vazio de um futuro
roubado.
A vida do meu irmão foi arrancada de mim naquela noite, e uma
parte de mim também morreu com ele.
Não havia nada ali, não tinha nada que fizesse sentido.
Paralisada, amortecida...
— Por favor... — murmurei abatida. — POR FAVOR!
Eu não sabia o que fazer, mas eu não queria ficar ali.
Peguei o corpo amolecido de Marte e carreguei pelas ruas da cidade,
vazia e fria.
Meus pés descalços pareciam não saberem o que fazer, mas
continuei andando para algum lugar, talvez eu apenas quisesse sumir e
levar comigo aquela realidade dolorosa.
Foi quando, parei de caminhar em frente a uma porta onde estava
escrito; vidente Chloe.
Eu sempre acreditei que aquilo fosse uma loucura, nada era real, mas
naquele segundo era tudo o que eu tinha.
A porta do lugar já estava aberta, e eu entrei sem pensar, subindo os
degraus da escada e me deparando com a cobertura do lugar.
Caí de joelhos ao chão, ainda com Marte em meus braços e olhei
para a mulher de costas, com um longo cabelo nas costas e um vestido
esvoaçante.
— Por favor... — gemi, quase sem ar. — Por favor, me ajude... —
chorei, olhando o rosto pálido de Marte.
Doía tanto.
Nem pisquei e a mulher já estava em minha frente, com seu rosto
fino e bonito, de uma beleza que eu jamais havia visto.
— Quer salvar o seu irmão? — perguntou serena.
— Sim. — não hesitei em responder. — Por favor, me ajude.
Ela me olhou profundamente.
— Existe um jeito. — disse. — Faria de tudo por ele?
— Sim, eu faço... Eu faço tudo. — afirmei.
— Depois, não terá mais volta.
Eu não ligava para o que teria que fazer, eu faria de tudo por Marte.

Eu estava sentada em uma sala escura e misteriosa, com velas acesas


ao meu redor. A médium estava do outro lado da mesa, aguardando o
momento certo de iniciar o ritual. Meu coração batia acelerado e minha
mente estava repleta de dúvidas e esperanças.
Naquela noite, decidi fazer o impensável. Fazer um pacto com uma
entidade poderosa para trazer meu irmão de volta à vida. As histórias
sobre a médium eram diversas e muitos diziam que ela possuía
habilidades sobrenaturais.
Decidi arriscar. Faria de tudo, sem arrependimentos.
O cheiro de incenso pairava no ar, criando uma atmosfera
enigmática. No centro da sala, uma mesa coberta por um manto negro
aguardava o ritual começar.
Segurando minha mão, a mulher olhou nos meus olhos.
— Depois que começarmos, não tem como parar. — avisou e
mantive meu queixo erguido. — Quer mesmo fazer isso?
Olhei para o corpo de Marte inerte na cama, frio e pálido e eu não
podia ter dúvidas.
— Sim. — afirmei.
Ela consentiu.
Então, ela acendeu algumas velas, formando um círculo no chão, e
posicionou itens simbólicos ao redor: uma pena de corvo, uma jarra de
prata, um punhado de ervas e me convidou a entrar no círculo.
Sem demora, fiquei ajoelhada no círculo, enquanto ela fazia mais um
círculo de pólvora preta ao redor.
— Aconteça o que acontecer não saia do círculo. — falou. —
Quando eu começar, apenas fique em silêncio, entendeu?
— Sim.
— Não olhe para trás, entendeu? Não importa o que ele diga, apenas
permaneça de cabeça baixa.
— Sim.
— Ótimo. Devemos começar antes que a alma do seu irmão
atravesse o rio. — assenti e ela respirou fundo, fechando os olhos e
começou a sacudir um sino. — Pherya, peredeus mantra stellae,
salutamus te! Viátona machába, iritãna belara, nexsolavantur potentis
fôrtitudinis soam! Si vis, da nobis tua potentia, vinculum contrahimus
pactum quod tuum! Asígnare pactum cum Pherya, et sint mox in
potentiam nostram tamquam vasum tuum! Si vis, da nobis tua potentia,
vinculum contrahimus príncipes infernalis!
Suas palavras em línguas cessaram e as velas começaram a piscar,
como se respondessem à sua invocação. Uma energia sombria envolveu
o ambiente, e minha respiração ficou presa na garganta.
Eu sabia que a entidade estava chegando. Uma névoa densa
começou a se formar na extremidade da sala, e meu corpo arrepiou.
A mulher começou a tremer, revirando os olhos e caiu ao chão de
joelhos, completamente paralisada.
Foi então que eu ouvi.
Parecia que paredes estavam sendo destruídas, o piso do chão em
agonia e aquela sensação de estar sendo queimada viva.
Tudo parou, quando algo pesado e potente se estagnou atrás de mim
e tive a sensação de estar sendo quase tocada pela morte.
Um rosnado animalesco se fez presente, sacudindo meu corpo e pela
sombra naquele círculo, eu vi.
Seu corpo era alto e esguio, com aproximadamente dois metros de
altura. As asas, que se estendiam em suas costas, eram imensas e
pareciam ser feitas de sombras densas e fumacentas. Seus chifres,
retorcidos e afiados, surgiam em cima de sua cabeça demoníaca,
simulando a forma de um vórtice demoníaco em constante movimento.
As mãos alongadas do demônio terminavam em garras afiadas e
malignas, prontas para perfurar qualquer ser que ousasse desafiá-lo.
Estremeci, e senti meu corpo denunciar a presença de algo tão
demoníaco.
Medo, eu estava com medo, tanto medo que eu poderia correr. Tive
um impulso de recuar, mas algo me segurou, alimentando minha
determinação. O corpo de Marte, diante de meus olhos.
Eu não podia. Precisava ficar.
— Finalmente me chamou. — a voz demoníaca me fez ficar
perturbada. — Vênus.
Continuei atenta, enquanto o demônio saía das sombras, e a figura
antes demoníaca foi se transformando em um humano.
Quando finalmente, ele saiu das sombras a figura humana diante dos
meus olhos me fez travar ao reconhecer muito bem aquele rosto, aquela
aparência.
— Vin... Vinci? — trepidei e ele riu de lado, com as mãos para trás
do corpo.
— Oi, planetinha.
Não podia ser. Não fazia sentido e não era real. Fiquei paralisada,
tentando cuspir as palavras que ficaram presas na minha garganta.
— Você é um...
— O meu nome é Vinci. Só Vinci. — disse. — Mas, não era assim
que eu costumava ser chamado lá embaixo. Ou, não era assim que eu
era chamado por quem me conhecia.
Maligno, Diabo, Satã, Satanás, Anjo caído, Ser das trevas, Entidade
maligna, Ente maléfico, Criatura infernal, Assassino, Monstro... —
suspirou. — Eu sempre tive uma porção de nomes, mas agora, eu sou
Asmodeus, o príncipe do inferno. A criatura por quem você chamou.
Foi como levar um choque e ficar deitada no chão, ainda estática. Eu
não conseguia raciocinar, eu não queria acreditar. Tudo bem que Vinci
era considerado um demônio, mas literalmente?
— Ah, vamos! — permaneceu no mesmo lugar. — Não é tão ruim
assim. Você me chamou, me invocou.
— Não. — neguei, tentando recobrar o estado normal. — Eu não
chamei você, eu... Eu invoquei uma entidade e...
— Sim, verdade. — começou a caminhar pelo lugar. — Mas,
nenhum demônio ou criatura faz um pacto sem passar por mim. Quando
eu soube que era você, vim o mais rápido que eu pude. — ele parou na
minha frente, fora do círculo e se abaixou diante de mim. — E aqui
estou eu, para realizar todos os seus pedidos. Claro, com um preço.
Aquilo era completamente assustador, mas ao mesmo tempo eu sabia
que era real. Eu havia começado aquilo e eu não ia parar independente
de que criatura pudesse me atender.
Já era tarde para eu desistir, e mesmo que eu tivesse a chance, eu não
iria.
Olhei para Vinci, ou Asmodeus, e vi os mesmos olhos de antes, mas
daquela vez eu sabia o que ele era.
— Eu quero fazer uma troca. — falei. — O meu irmão... — segurei
a dor. — Pode trazer o meu irmão de volta?
— Eu posso tudo. — disse. — Mas, um desejo tão comum e, ao
mesmo tempo, tão perigoso. Você tem consciência das consequências
de um pacto de alma?
Assenti firme em minha decisão.
— Eu estou disposta a enfrentar qualquer consequência, desde que
meu irmão possa voltar a viver.
Ele concordou.
— Se fizer isso, sua alma vai ser para sempre minha. — disse. —
Não só a sua alma, mas o seu corpo. Está preparada para isso?
Eu não pensei muito, eu não podia pensar naquilo demais, pois eu
não queria desistir de Marte. Eu precisava daquilo, precisava dar tudo o
que eu tinha por ele, independente se a minha alma fosse rasgada e
entregue ao diabo.
— Sim. — respondi firme.
Vinci continuou olhando, e persistia em me mostrar as
consequências da minha decisão.
— Eu darei a você a oportunidade de realizar essa troca, mas saiba
que você pagará um preço alto. Sua alma estará condenada à escuridão
por toda a eternidade, comigo e para mim. — afirmou. — É isso que
quer?
— Sim. — tornei a consentir.
Ele assentiu.
— Muito bem.
Mesmo sem eu perceber, algo começou a queimar em meu braço.
Uma intensa dor começou a se espalhar por todo o meu corpo, enquanto
minhas mãos se iluminavam em um brilho vermelho, como se aquele
fogo invadisse todo o meu ser.
— O pacto está feito. — disse com um meio sorriso. — Você é
minha agora, planetinha.
Minha visão ficou turva e Vinci foi desaparecendo, assim como tudo
ao meu redor.
Capítulo 7

Um lampejo.
Apenas um lampejo de luz na escuridão, e eu abri os meus olhos,
respirando finalmente após me afogar em uma escuridão quase sem
fim.
Vazio.
Eu tinha um vazio dentro de mim.
Encarei os lados e percebi estar no quarto da casa de Vinci, o mesmo
de antes.
Minha mente me fez lembrar o que aconteceu, e sentindo um nó no
estômago, me levantei apressada, tropeçando nos pés e descendo as
escadas em disparada.
Quando cheguei à sala, me deparei com o que eu mais queria ver.
Marte estava sentado no sofá, enquanto sorria assistindo um filme
infantil.
Foi como estar perdida, mas encontrar o caminho depois de muito
sofrer.
Os olhos dele pousaram em mim e naquele segundo, eu desejei que
não fosse um sonho.
— Darling! — exclamou, correndo até mim.
Com um salto, cravou-se em mim com tanta força que foi fácil saber
que ele era real.
Chorei abraçada com ele. O corpo que antes estava vazio, sem vida
alguma, agora estava em meus braços.
Meu Marte.
— Pensei que não fosse acordar mais. — disse ele, encarando meu
rosto. — O que foi? Por que está chorando?
Sacudi a cabeça.
— Nada. Eu só estava... Eu estava com tanta saudade de você. —
solucei. — Você está vivo...
— Claro que estou! — disse. — Você só dormiu por um dia, me viu
ontem, não se lembra? — fiquei muda. — Você está velha. — desceu
do meu colo e me abaixei diante dele.
— Tem razão, eu estou. — assenti. — O que houve ontem?
— Você desmaiou, não se lembra? — franzi o cenho. — Estávamos
brincando no parquinho, você passou mal e caiu, e ai eu liguei para o
tio Vinci e ele veio correndo. Se lembrou agora?
Marte não se lembrava de nada, nem mesmo de que Lucca havia
quase me matado naquele parque. Aquilo só podia significar que...
Vinci entrou na sala e olhar para ele foi à coisa mais estranha do
mundo. Mesmo que ele fosse o Vinci, ficava muito mais complicado
vê-lo daquela forma, quando eu sabia exatamente o que ele era.
— Acordou, afinal. — disse ele.
Ergui-me.
— Sim, eu...
— Vênus não se lembra do que houve. — disse Marte. — Acho que
ela precisa descansar.
— Concordo plenamente. — respondeu, sem tirar os olhos de mim.
Por favor, tire os olhos de mim e afaste os meus dos seus... — Que tal,
se você for pra cozinha? — sugeriu Vinci para Marte. — Eu soube que
tem umas delícias lá.
— Eba! — saiu correndo.
Eu estava com ele, com o demônio, sozinha.
Vinci deu alguns passos em minha direção, e instantaneamente, dei
três para trás, o fazendo parar e sorrir de lado.
— Medo de mim? — questionou e cruzou os braços.
— Desculpe, eu...
— Eu sei, parece confuso. — falou. — Mas, você vai se acostumar.
— eu duvidava. — Por agora, temos que falar sobre uma coisa. —
franzi o cenho. — Sobre o seu pai e aqueles homens. Marte não sabe de
nada, mas aquilo aconteceu.
Assenti.
Ele tinha razão, Marte estava fora daquilo, mas eu sabia o que havia
acontecido, e queria justiça.
— A polícia...
Vinci riu e o encarei.
— Desculpe, mas é sério? — questionou. — Você tem o diabo ao
seu lado, literalmente, e está pensando na polícia?
— Pensei que eu fosse ser a sua escrava, não ao contrário.
Ele torceu a cabeça para o lado.
— É, isso é verdade. — ficou pensativo por um segundo. — Mas, eu
te dou uma ajudinha. Deixo você me usar, por enquanto. — Fiquei
calada, já pensando no que viria. — Por agora, descanse. Pense no que
quer fazer e depois me avise.
Eu tinha um medo que não me deixava relaxar, e precisava saber que
aquilo era real.
— E o Marte? — questionei. — Ele está... Ele não vai morrer, não é
mesmo?
— Você me chateia quando subestima meu poder de trazer mortos de
volta à vida. — fingiu chateação. — Não se preocupe, o ratinho está
vivo, e vai continuar. Afinal, você me deu a sua alma, não é mesmo? —
engoli um seco. — É minha até os confins do mundo.
É, eu era de um demônio.
Se eu parasse para pensar eu ia enlouquecer, e eu não queria
enlouquecer.
— Não se preocupe, a minha alma é... — fiz uma careta. — É sua.
Ele sorriu.
— Você é minha, planetinha.
Era o que parecia. Eu era de um demônio.

Ter Marte diante dos meus olhos, respirando, e bem, era algo que me
dava um alívio. Apesar de todas as coisas, eu não me arrependia um
segundo sequer de ter feito o que eu havia feito.
— A gente vai morar aqui agora? — questionou Marte, coberto até o
pescoço já no quarto.
— Talvez precisemos ficar um pouco mais. — avisei. — isso
incomoda você?
Ele sacudiu a cabeça em negativo.
— Eu gosto daqui. — respondeu. — Tio Vinci é muito legal. Ele me
deixa ver filmes, jogar e tem muita comida aqui. A gente pode comer o
que quiser, e eu gosto desse quarto.
Olhei para o quarto de Marte e era muito lindo. Nem mesmo em
meus sonhos eu iria conseguir dar aquilo para ele sem vender minha
alma. Irônico.
— É, aqui é muito lindo mesmo. — mencionei, passando a mão no
rosto dele.
— Você também gosta dele, não é?
— O que? De quem?
— Do tio Vinci.
— Não, eu não... — pisquei algumas vezes. — Por que está falando
isso?
— É que quando liguei para ele, o contato dele estava salvo como
Amor.
Quase engasguei.
Como eu poderia explicar qualquer coisa para um garotinho? Eu
queria matar Vinci, mas acabava me lembrando de que ele tinha certo
poder sobre mim. Porém, aquilo já era demais.
— Por que não dorme? — ajeitei a coberta no corpo dele. — Eu vejo
você amanhã, anjinho.
— Tá bom.
Beijei sua testa, saí do quarto e apaguei a luz.
Respirei fundo e peguei meu celular no bolso, avaliando a lista de
contatos e me deparando com o número de Vinci salvo como Amor.
— Só pode ser brincadeira. — resmunguei.
Desci a escada e procurei por Vinci em alguns cômodos, mas a casa
estava silenciosa e com pouca luz. Era normal estar escuro, para o tipo
de ser que ele era, escuridão combinava bem com ele.
Entrei em uma sala, na qual entrei pela primeira vez e encontrei o
demônio de costas, parado enquanto olhava a vista pela parede enorme
de vidro.
— Amor? — questionei. — É sério isso?
Fiquei parada no meio da sala e Vinci se virou para mim, enquanto
segurava uma taça de vinho.
— Não é bem melhor assim? — inquiriu e fiz uma careta. — Aquele
nome poderia traumatizar o menino.
— E desde quando você pensa no bem estar dele?
Ele deu de ombros.
— Eu não penso. — respondeu. — Fiz apenas para te mostrar o
quanto eu posso ser legal e bom.
Dei um sorriso nasal.
— Isso chega a beirar a loucura. — falei. — Demônios não são bons,
e... — parei de falar quando notei que ele estava atento, de mão no
bolso e sem expressar nada no rosto. Era impossível tirar ele do sério.
— Esquece.
— Gostaria de se juntar a mim? — ofereceu e fiquei parada no
mesmo lugar. — Vamos, eu sei que você gosta de vistas como essa.
Pode se juntar a mim e prometo que não vou atacar você.
Vinci tinha razão, eu amava as vistas e estar naquela casa e não
presenciar nenhum pouco daquilo seria um desperdício.
Subi o pequeno degrau e caminhei até lá, ficando um pouco distante
de Vinci.
Quando meus olhos encontraram aquilo, foi de tirar o fôlego.
Era lindo, brilhante, e dali eu tinha a sensação de que nada poderia
me abalar, me atingir. Era apenas uma cidade acesa e as pessoas ali, não
podiam me machucar ou machucar Marte.
— Não é a sensação mais deliciosa de todas? — questionou e olhei
para ele, o vendo fixado na cidade. — Daqui, eles são apenas formigas,
e eu sou o rei. — Moveu os olhos para mim. — Não é assim que se
sente?
Encarei-o por um tempo, até desviar meus olhos e ficar pensativa.
Tinha tanta coisa que ainda não fazia sentido para mim. Tinham coisas
pairando em minha mente, perguntas, e eu não podia apenas me calar.
Ele disse que era Asmodeus, e aquilo explicava as inicias nos dedos.
— O que... — respirei e olhei para Vinci, que já estava de olhos em
mim. — O que vai acontecer comigo agora? — perguntei e não pude
esconder o medo. — Eu vou morrer, ou... Ou algum demônio vai buscar
a minha alma?
— Eu sou o demônio que possui a sua alma. — respondeu. — Você
morre quando eu disser que morre.
Consenti.
— Mas... O que eu... O que vai acontecer agora? — o aprofundei
com o olhar. — O que você vai fazer comigo?
Vinci deixou a taça na mesa e deu os três passos em minha direção.
Naquele momento, eu não conseguia me mover, e eu sabia que ele tinha
todo o poder sobre mim.
Os dedos longos tocaram meu cabelo, e arrepiei com o contato
mínimo dos dedos roçando em minha pele.
Paralisei, apenas sentindo meu coração saltar no peito.
— Eu quero muito... — fez uma pausa. — Não. Eu desejo muito que
você esteja em minha cama, e eu poderia levá-la para lá, sem muito
esforço. — estremeci com os olhos dele sobre mim. — Eu gosto da
sensação de possuir o seu belo corpo, saber o que você esconde debaixo
dessas roupas e poder te escutar gemendo em meu ouvido. — engoli
um seco. — Mas, não ia ter graça se você ficasse chorando. Eu a quero
de bom grado, e eu sei que você vai ceder.
— Por que você tem total poder sobre minha alma e o meu corpo?
— perguntei estremecida.
— Não. — respondeu. — Porque você vai desejar que eu seja o
único homem a tocá-la. — um sorriso alado se fez nos lábios. — E
nesse dia, eu não vou ter piedade. — ele analisou o meu rosto e colocou
meu cabelo atrás da orelha. — Você é minha, planetinha, e logo mais, o
seu corpo também vai ser meu.
Eu não sabia o que responder, não sabia o que fazer, mas eu soube
que Vinci tinha total controle da situação, pois eu havia feito um pacto
com ele. E, por mais que eu desejasse pegar Marte e fugir, eu tinha total
consciência de como os pactos funcionavam.
Não adiantava eu fugir, pois Vinci me acharia em qualquer lugar, e
independentemente de onde eu estivesse a minha alma ia ser para
sempre dele.

Todo mundo estava olhando o carro luxuoso e preto estacionado na


frente da escola.
Enquanto Marte estava animado e se gabando daquilo, eu me sentia
preocupada com a situação.
— Tem certeza de que quer estudar hoje? — questionei. — Podemos
apenas tirar umas férias.
— As minhas férias devem chegar em breve. — respondeu. — E eu
não quero faltar às aulas.
Olhei ao redor em busca de qualquer coisa ameaçadora, mas só havia
crianças ali. Mesmo assim, o medo daquele homem voltar... Eu não
sabia o que havia sido feito dele, mas se o tempo não mudou para mim,
então também não mudou para ele.
Ele saberia que Marte estaria vivo, e aquilo poderia causar muita
confusão.
— Eu irei ficar aqui, senhorita. — disse Patrick atrás de mim. — São
as ordens.
Consenti e olhei para Marte.
— Escuta...
— Eu já sei. — disse. — Não devo procurar briga na escola, nem
responder quando alguém mais velho falar. Nunca falar com estranhos,
e se você não aparecer para me buscar, eu vou cuidadosamente para a
casa da senhora Charlie.
Sorri, tentando não parecer tão louca perto dele.
— É, isso mesmo. Mas, não saia da escola com ninguém. Ok?
— Ok!
Ele nem esperou que eu o desse um beijo e saiu correndo, animado
para a escola como se ele gostasse muito daquilo.
Eu queria muito ficar ali, estagnada na frente da escola e vigiar, pois
eu estava com tanto medo, mas Vinci pediu que me levassem até uma
das boates dele.
Patrick ficou na escola, e um dos homens me conduziu até o local,
uma boate bar, muito chique e entrei pelos fundos e, fui levada para a
sala de Vinci.
Quando cheguei, ele estava sentado atrás da mesa e sorriu a me ver.
Philip e seus irmãos estavam ali, e a julgar pelas caras amarradas,
eles não estavam gostando da minha presença.
— Senta. — ofereceu Vinci e desviei o olhar dos rapazes para a
mesa. Sentei-me e me perguntei por onde os três haviam andado. —
Não se preocupe. — disse Vinci, arrancando meus pensamentos. — Seu
ratinho está seguro na escola, Patrick é meu melhor demônio.
Meus olhos quase saltaram.
— Ele é um... — fiquei sem jeito pelos meninos ali.
— Ah, eles sabem quem sou. — disse e olhei para os meninos, que
me olhavam do mesmo modo. — Mas, não te chamei aqui para isso. —
falou. — Eu pedi que meus demônios fossem atrás do homem que
atirou em Marte.
Atentei-me.
— E encontrou?
— Não. — torceu os lábios. — Seja quem for o desgraçado, é muito
esperto e sabe se esconder muito bem. — observou. — Mas, não por
muito tempo. Ninguém fica escondido de mim. — imaginava que não.
— E também, não encontrei seu pai ou a sua mãe.
Franzi o cenho.
— Não estão na casa? — ele negou e aquilo foi estranho. — Isso é
estranho. — mencionei. — Lucca e ela jamais iam sair assim, sumir
assim.
— A casa está vazia deles, mas tudo está no mesmo lugar. Sem
sinais de luta.
Fiquei pensativa, e eu não deveria me preocupar com aquilo.
— Então... — olhei para Vinci.
— Estou investigando. — afirmou. — Vou encontrar cada um deles.
— E depois? — questionei sentindo um frio na barriga.
— Depois? — a pupila dilatou. — Depois vou levá-los até o inferno
e fazê-los experimentar a dor eterna. — riu. — Vai ser divertido.
Aquilo me deixou de um modo inquieta. O homem que fez aquilo
com Marte deveria morrer, mas eu não tinha tanta certeza quanto Lucca
e Lua.
— Eles ainda são os pais de Marte. — falei e o rosto de Vinci foi
coberto por uma sombra negra que me arrepiou.
— É nisso que pensa? — questionou e fiquei muda. — Eles não
pareciam pais quando queimaram o menino, ou quando deixaram que
vocês passassem por todas essas coisas.
Apertei os olhos.
— Você não entende...
— Isso não é sobre o ratinho, é? — seus olhos possuíam um brilho
sobrenatural. — Não me diga que você espera ser amada.
Estremeci, tomada por uma raiva.
— E o que você entende sobre amor? — perguntei agitada. — Ou
sobre família, ou sobre humanidade? — cuspi as palavras nervosas. —
Nada! — não tirei os olhos dele. — Você é só um demônio sem
escrúpulos que usa a dor das pessoas para se beneficiar. Nada além
disso.
Vinci permaneceu com os olhos em meu rosto, e aquela expressão de
não sentir nada estava estampada nele. Porém, os olhos verdes tinham
uma sombra negra. Vazio. Aqueles olhos eram apenas vazios.
— Philip? — chamou o menino e continuou de olhos em mim.
— Sim senhor?
— Saia da sala. — ordenou e fiquei de olhos nele, imaginando do
que se tratava.
— Sim senhor.
A porta bateu e meu corpo estremeceu, denunciando que apesar de
estar de queixo erguido, eu estava morrendo de medo.
Quando Vinci levantou e saiu de trás da mesa, vindo para trás de
mim, eu percebi que eu estava muito mais apavorada do que deveria.
As mãos tocaram o meu ombro, e seus lábios encostaram-se em meu
ouvido, soltando um hálito tão quente que a sensação que tive foi de
entrar em uma sauna. A temperatura elevada e o vapor que preencheu o
ambiente fizeram com que o ar fosse quase insuportável de se respirar,
fazendo com que o meu corpo começasse a suar imediatamente.
— Eu vou te mostrar, o quanto eu posso ser diabólico. — disse ao
meu ouvido.
Tudo foi rápido.
Eu me encontrava em uma escuridão angustiante, o ar pesado e
carregado de um cheiro sufocante de enxofre. A minha pele queimava e
o calor insuportável penetrava até os ossos, consumindo minha energia
aos poucos. Aquela não era uma viagem qualquer, era uma excursão
indesejada ao próprio inferno, e quem me guiava era o próprio
demônio.
O demônio caminhava ao meu lado, com um sorriso sinistro no
rosto, seus olhos brilhando com uma malícia inquietante. A sua voz
grave e cavernosa sussurrava constantemente em meus ouvidos, como
um lembrete constante do destino sombrio que me aguardava caso eu
não fosse obediente.
Enquanto caminhávamos por corredores sinuosos e tortuosos, eu
podia sentir a presença de almas torturadas ao meu redor. Gritos agudos
ecoavam pelos corredores, dilacerando o silêncio e fazendo meu
coração tremer. Almas desesperadas pelos cantos clamavam por
piedade, em vão, suas vozes se misturando em uma cacofonia de dor e
sofrimento.
O fogo crepitava por toda parte, alimentado pelas chamas que
pareciam dançar com vingança. O calor intenso tornava a respiração
difícil, como se o ar pegasse fogo a cada inspiração. As paredes
pareciam pulsar de forma grotesca, como se estivessem vivas, e suas
superfícies ásperas espalharam calor infernal em meu toque.
Os arredores eram pintados em tons sombrios de vermelho e preto,
criando uma paisagem infernal de desolação e tormento. Pilhas de
corpos mutilados e distorcidos se estendiam pela paisagem, suas peles
queimadas e ossos expostos retratando a angústia eterna que ali
habitava.
Um vento quente e sufocante soprava ocasionalmente, trazendo
consigo cinzas incandescentes e murmúrios sussurrantes.
Enquanto eu olhava em volta, senti um frio percorrer minha espinha,
percebendo que o demônio se afastava lentamente de mim,
mergulhando no horizonte em chamas. Eu estava sozinha, abandonada
naquele lugar medonho e assustador.
Com um tremor nas pernas e o coração acelerado, eu me vi diante da
realidade aterradora de que, se não obedecesse ao demônio, era naquele
lugar que eu estaria destinada a viver para sempre: uma existência
dominada por dor, tormento e calor inflamado.
O medo instalou-se em minha pele, e meu coração gritou por
socorro. Eu queria sair dali.
Assim como entrei, saí.
Porém, para me lembrar de que aquilo havia sido real, ele me deixou
cair ao chão, ainda tendo aquela sensação horrível em minha pele.
Mesmo que eu estivesse de volta naquela sala, eu ainda não
conseguia respirar.
— Não se esqueça de nada do que viu hoje. — disse, enquanto eu
ficava no chão, angustiada. — Lembre-se do quanto eu posso ser cruel,
e eu vou.
Com a lembrança daquele destino aterrorizante em minha mente,
prometi a mim mesma que faria tudo o que o demônio ordenasse, com
medo do que poderia ser reservado para mim se eu não obedecesse.
Capítulo 8

Depois daquela demonstração terrível, eu percebi muitas coisas.


Uma delas era que, eu não estava a salvo, nem eu e nem o meu irmão.
Vinci não havia me salvado, ele havia me destruído, e eu cometi um
imenso erro.
Comecei a perceber a gravidade da minha escolha e as
consequências que aquilo tinha.
— Senhorita Lancaster. — Calebe entrou na sala e arrancou meus
pensamentos. Ela se sentou à mesa do escritório de onde me chamou e
sorriu. — Como tem passado?
— Eu estou bem.
— E Marte? Como ele está?
— Também está bem. Na escola.
— Isso é maravilhoso. — sorriu e folheou alguns arquivos, em
seguida olhou para mim. — Eu recebi a gravação que me mandou. —
disse. — E sim, aquilo é mais que o suficiente para o juiz já lhe
entregar a guarda de Marte provisoriamente, até a audiência.
Respirei aliviada.
— Que bom.
— É sim. — assentiu. — Você me disse aqui que se mudou. —
averiguou. — Eu vou precisar saber dos detalhes da mudança.
— Ah... — fiquei pensativa, temendo aquilo, mas eu precisava fazer.
— Ele é meu... É meu... — eu não encontrava palavras para aquilo.
— Namorado? — questionou e foi como um choque. Ela riu, pela
minha mudez. — Não precisa ter medo de responder. Para o Juiz, se
você for comprometida isso ajuda muito.
— Não, eu... — pensei se valeria a pena mentir sobre aquilo. Era
arriscado, mas se fosse necessário eu faria. Assenti. — Sim, eu e ele
estamos juntos.
— Ótimo. — sorriu. — Irei visitá-los em breve. — falou. — É uma
visita que toda assistente social deve fazer.
— Eu entendo.
— Perfeito. Então, eu vou entrar em contato.
— Obrigada.
Eu me sentia muito aliviada por tudo estar correndo bem, mas por
outro lado, ter que colocar Vinci naquilo foi uma burrice. Mas, eu não
tinha muitas opções no momento, e eu duvidava que ele não fosse
gostar de ser meu namorado de mentira.
Assim que saí do lugar, o motorista já estava me esperando do lado
de fora.
Ele abriu a porta do carro e eu tive vontade de correr, mas eu sabia
que não daria certo.
— Vou levá-la até o senhor Vinci. — disse o homem. — São ordens
dele.
Não teimei, apenas entrei no carro na calada.

O carro parou em frente ao Punho de Aço Fight Club, um clube de


luta que eu já havia ouvido falar muito. Desde as lutas clandestinas a
profissionais.
Desci, e o homem me levou para dentro, por um corredor escuro e
finalmente chegamos ao lugar.
O ambiente era intensificado pelo som pulsante de música animada,
que ressoava por todo o local, criando uma atmosfera emocionante.
As pessoas na arquibancada estavam agitadas e ansiosas pelo início
das lutas. Elas se encontravam envolvidas em conversas empolgadas e
aplausos constantes, demonstrando seu entusiasmo pelo espetáculo que
parecia prestes a acontecer.
Ao contrário do que pensei, não fui levada para a arquibancada, mas
sim para o espaço Vip.
A área Vip era um estabelecimento exclusivo e de alto padrão que
oferecia uma experiência única e emocionante para os seus membros, e
é ali que Vinci estava.
Sentado bem na beira, com pouca luz e observando atento a
movimentação lá em baixo. De onde ele estava, podia-se ver tudo.
Quando me nota, ele sorri de lado.
— Planetinha. Que bom que chegou, sente-se. — ofereceu a cadeira
ao seu lado. Sentei-me e observei os lutadores se aquecendo. — O de
vermelho é o meu. — disse, me fazendo notar o homem careca,
musculoso e com tatuagens até na cabeça. Ele usava um short vermelho
e o outro um azul.
— Por que estou aqui? — perguntei.
— Porque você é minha secretária, esqueceu-se? — me sondou.
— Não me esqueci. — respondi fazendo o possível para não ser
grossa. — E o que eu faço?
Ele me olhou.
— Apenas fique ao meu lado. Quando eu precisar de algo, direi. Ah,
e não se preocupe, Patrick pegará o ratinho na escola e o levará para
casa.
— Marte... — murmurei aborrecida. — O nome dele é...
— Vai começar. — interrompeu-me, animado olhando os homens
entrarem no ringue.
Suspirei e olhei a cena.
No centro do ringue, as luzes brilhavam intensamente, iluminando
uma cena de pura adrenalina e tensão. Os espectadores, ansiosos,
agitavam-se nas arquibancadas, prontos para assistir a batalha que
estava por vir.
O som do sino soou, anunciando o início da luta. Do canto azul do
ringue, emergiu um lutador alto e musculoso, com uma expressão
determinada no rosto. O juiz, erguendo o microfone, anunciou:
— No canto azul, temos o inigualável Alex 'O Destruidor' Johnson!
Após a breve apresentação, os olhares voltaram-se para o outro canto
do ringue.
O juiz continuou:
— E no canto vermelho, temos o formidável Jason 'O Furacão'
Ramirez!
O ringue estremeceu com a expectativa enquanto ambos os lutadores
se encararam. O gongo ressoou novamente, indicando o início da luta.
Instantaneamente, os dois competidores se lançaram em direção um
ao outro, trocando uma série de golpes poderosos.
Socos, chutes, joelhadas e cotoveladas voavam pelo ar, cada um
demonstrando sua habilidade e força.
O ringue ecoava com o som de golpes inflexíveis colidindo com o
corpo dos adversários. A multidão vibrava a cada acerto, imergindo-se
na intensidade da luta.
Vinci, estava imerso naquilo, completamente tranquilo, e eu pensei
que ele já sabia que seu lutador ia ganhar.
O juiz, com seu olhar atento, mantinha-se no centro do ringue,
pronto para intervir caso necessário. Ele gritava a contagem sempre que
um dos lutadores ia ao chão, garantindo que as regras fossem seguidas à
risca.
Enquanto a batalha se desenrolava, o juiz continuava anunciando os
nomes dos lutadores em momentos cruciais, aumentando a emoção no
recinto.
"Alex 'O Destruidor' Johnson lança um poderoso direto!", ele
exclamava. "Jason 'O Furacão' Ramirez responde com um chute
perfeito!"
A luta prosseguia, ambos lutadores demonstrando habilidades
impressionantes, resistência invejável e uma vontade inabalável de
vencer. Cada golpe mais forte que o anterior, emanando destemor e
determinação.
Enquanto o público delirava e aplaudia com entusiasmo, o juiz
sabiamente mantinha a ordem no ringue, assegurando um confronto
justo. A cada segundo, o ringue parecia menor, pois os lutadores se
encurralaram, colidindo violentamente, em uma batalha épica que
parecia nunca ter fim.
No final, exaustos e com ferimentos, os lutadores se separaram
quando o gongo soou novamente. O juiz, com uma voz firme, anunciou
o resultado:
— Após uma luta espetacular, temos um vencedor! Jason, Ramirez!
O rinque explodiu em aplausos e gritos de admiração, reconhecendo
a bravura e o talento mostrados pelos lutadores. Enquanto o juiz
declarava o final da luta, os lutadores se cumprimentaram com respeito.
Segui Vinci para dentro do lugar, e ele entrou em uma sala, local
onde um dos treinadores estava, e parecia que já o estava aguardando.
— Vinci! — disse o homem com um abraço apertado e Vinci
retribuiu, para minha estranheza.
— Foi uma ótima luta lá, Kernos.
— É claro que foi. — sorriu. — Sente-se. — Vinci se sentou,
ajeitando o terno.
Kernos olhou para mim.
— Oh... — caminhou em minha direção. — Quem é essa beleza? —
segurou a minha mão em uma proximidade estranha e beijou-a.
— Minha secretária. — respondeu Vinci. — Vênus.
— Muito prazer em conhecê-la, senhorita Vênus. — disse, fixado
em mim. — Confesso que não se vê muito de uma beleza selvagem
assim, por aqui.
— Selvagem? — questionei e ele riu.
— Quer dizer que, você é muito bonita para uma mortal.
— Demônio... — mencionei e ele riu.
— Quase isso. — caminhou para sua cadeira. — Sente-se, por favor.
— ofereceu gentil.
Endireitei-me.
— Estou bem assim, obrigada.
Ele assentiu.
— Como quiser. — suspirou e olhou para Vinci. — Como previsto,
ganhamos outra vez, e claro... — tirou uma mala preta do lado e
colocou sobre a mesa. — Isso lhe pertence.
O motorista abriu a mala, revelando tanto dinheiro que eu quase
desmaiei.
— Perfeito. — disse Vinci. — Nas próximas lutas... — ele tirou do
casaco um frasco pequeno e entregou para Kernos. — Duas doses.
O homem riu.
— Obrigado.
Saímos em seguida e eu havia prometido que ficaria calada, mas
estava curiosa demais para apenas me silenciar.
— O que era aquilo que deu a ele? — questionei.. — Era droga?
— Não. — respondeu. — Era um pouco do meu sangue.
— Sangue? — fiquei curiosa.
— Claro. Como acha que ganhamos todas as lutas? — riu.
— Mas, isso é trapaça! — mencionei abismada e Vinci riu.
— Eu sou o diabo, planetinha. Claro que eu sou trapaceiro.
Ele entrou no carro e precisei engolir tudo o que eu queria dizer, pois
se tratava de um não humano, e toda vez que Vinci confirmava que era
mesmo um demônio me fazendo lembrar daquilo, eu ficava mais
nervosa.
Entramos no carro e partimos.

Marte estava todo animado me dizendo que Patrick ficou o tempo


todo o observando na escola, e que todos da escola queriam falar com
ele por causa daquilo.
Para ele, aquilo era muito legal, mas eu não tinha muita certeza. Eu
estava assustada, com medo só de pensar em todo o poder que nos
rodeava.
Eu deveria dizer a ele que aquilo era errado, mas eu não podia tirar
aquele sorriso dele. Marte não era feliz há tanto tempo, e eu gostava
daquela felicidade.
Ele se afundou no jogo da televisão, e eu precisei unir forças para
falar com Vinci sobre o ocorrido de mais cedo.
Respirei fundo e bati na porta de sua sala.
— Entra. — disse do lado de dentro.
Ao empurrar a porta e adentrar o ambiente, deparei-me com Vinci,
que estava completamente suado. Ele vestia calças de moletom e exibia
uma tatuagem em suas costas retratando chamas. Seu corpo musculoso
estava coberto de suor.
Quando ele se virou em minha direção, notei que ele ostentava um
garfo de três pontas tatuado em suas costelas, com a palavra "Satã"
escrita abaixo. Além disso, havia ondulações rígidas em sua barriga, um
peitoral tão grande e braços fortes...
Desviei o olhar, engolindo um seco ao sentir que o ar havia ficado
mais quente.
— Precisa de algo? — interrogou, secando o rosto na toalha.
— Ah, eu... — pigarreei. — Eu... — se concentre Vênus. É só um
homem... — Eu preciso falar com você sobre algo que aconteceu mais
cedo.
Ele terminou de beber a água e assentiu.
— Fale. — moveu os ombros e paralisei olhando o corpo ainda todo
iluminado pelo suor.
Deus...
Pisquei me recompondo.
— Bem... — fitei o chão e quando levantei meus olhos, Vinci estava
em minha frente, me fazendo exalar o cheiro dele.
— Bem... — ele me olhou profundamente e encarei seu rosto, seus
olhos espertos. — O que quer me dizer, planetinha?
Ele levou as mãos para trás do corpo e ficou ali, imóvel e de olhos
em mim. Tentei focar nele, mas era impossível quando tinha um corpo
de 1,90 de altura na minha frente, suado e musculoso.
Se concentre, você não é assim!
Olhei para ele e me endireitei.
— Eu precisei dizer à assistente social que você era meu... Meu... —
ficava complicado a cada segundo.
— Homem?
— Sim. — fiz uma careta, sacudindo a cabeça. — Meu namorado.
Ele riu e levantou a mão, tocando de leve o meu rosto e nem ousei
me mover, para que né...
— Sem problemas, mas... Que tal se a gente elevar esse namoro
falso a um nível mais... Íntimo?
Meus olhos quase saltaram.
— O que? Um nível mais íntimo, como?
Ele tirou a mão de mim.
— Você me deve um jantar, lembra? — caminhou para a mesa ali,
cheia de frutas e escolheu uma maçã.
Eu havia me esquecido daquilo, mas ele me lembrou.
— É, eu acho que sim. Não por opção.
— Mas, deve. — mordeu a maçã e suei. Como ele podia ser bonito
até mordendo uma maçã? — Hoje, às 20hrs.
Assenti.
— Ok. — precisava sair daquela sala imediatamente.
— Vista um vestido. — falou.
— Como se eu tivesse algum. — resmunguei e abri a porta.
— Vai ter. — respondeu e depois de uma rápida olhada para ele, sai
da sala.
Quando entrei em meu quarto, soltei o ar preso.
Eu só podia estar louca em desejar aquele homem, que ousadia e
falta de escrúpulos a minha.
Aquele desejo não podia estar vindo de mim, Vinci era um demônio
poderoso e poderia estar usando seu poder em mim para me fazer ter
aquelas sensações.
Porém, eu jamais ia permitir que ele fizesse aquilo.
Uma busca na internet me fez descobrir um ritual que poderia me
ajudar a não ser persuadida pelo demônio.
Ritual do Escudo de Proteção contra a Persuasão Demoníaca:
Materiais necessários:
● Uma vela branca
● Incenso de sálvia ou mirra
● Um pedaço de papel branco
● Uma caneta de tinta vermelha
● Uma adaga ou faca de ponta afiada
● Um punhado de sal grosso
Passo a passo:

1. Encontre um local tranquilo onde possa realizar o ritual sem ser


interrompido.
2. Acenda a vela branca e o incenso de sálvia ou mirra, criando um
ambiente sagrado e purificador.
3. Com a caneta vermelha, escreva seu nome completo no papel
branco.
4. Usando a adaga ou faca, faça pequenos cortes em seus dedos
indicador e médio das duas mãos, permitindo que algumas gotas
de sangue caiam sobre o papel com seu nome.
5. Enquanto o sangue ainda está fresco, coloque o punhado de sal
grosso sobre ele, representando a força e a proteção.
6. Repita as seguintes palavras em voz alta: "Com este ato, eu
renuncio ao poder do demônio. Meu espírito é puro, minha mente
é forte. Eu me protejo contra as tentações e as persuasões
malignas. Nenhum demônio pode influenciar minha vontade. Eu
sou invulnerável à sua sedução."
7. Dobre o papel várias vezes, selando-o com o sal e o sangue,
tornando-o um talismã de proteção.
8. Coloque o papel dobrado sobre a chama da vela, deixando que
queime lentamente. Enquanto isso acontece, visualiza o demônio
tentando persuadi-lo, mas seu escudo de proteção o mantendo
afastado.
9. Quando o papel terminar de queimar, visualize-se envolvido por
uma aura brilhante de proteção, sentindo-se imune aos poderes do
demônio.
10. Assopre a vela e termine o ritual, agradecendo à divindade ou
força superior em que você acredita pela proteção concedida.

Terminei de fazer o ritual e respirei fundo. Eu nem sabia se ia dar


certo, mas eu precisava acreditar que sim.
Vinci jamais ia me pegar.

A noite veio e como Vinci disse antes, eu tinha um belo vestido preto
sobre a minha cama, e também uma sandália.
Na parte da frente do vestido, havia uma série de correntes finas e
brilhantes, estrategicamente colocadas, que servem tanto como
decoração quanto para adicionar um toque ousado e provocante ao
visual. Essas correntes pendiam delicadamente do decote até a cintura,
criando um efeito elegante e sedutor.
A parte de trás do vestido era praticamente aberta, revelando
sutilmente minha pele. Duas correntes maiores e mais elaboradas,
juntamente com um delicado fecho, adornavam as alças cruzadas nas
costas, trazendo um visual arrojado e sexy.
A sandália tinha tiras finas envolvendo delicadamente meus pés. O
salto alto adicionou um toque de sofisticação ao conjunto, enquanto a
cor preta criava uma harmonia perfeita com o vestido, deixando minhas
pernas deslumbrantes e alongadas.
Encarei meu reflexo no espelho e jamais havia me visto daquela
maneira. Eu nunca imaginei usar algo daquele tipo na minha vida, e eu
não poderia negar que eu estava linda. Absurdamente linda.
Prendi meu cabelo em um coque, e suspirei, pensando que eu não
deveria estar tão sensual daquela forma.
Mas, já era tarde demais para desistir.
Desci a escada com cuidado, e parei no último degrau ao ver Vinci
encarando o relógio de pulso. Naturalmente, ele olhou para mim,
notando-me na escada, e eu não sabia decifrar aquele olhar.
Ele ficou paralisado, sem desviar o olhar, e engoli um seco, descendo
o último degrau e evitando aquele contato visual.
— Bem... — passei a mão no vestido. — Aqui estamos. Parece que
você não estava brincando quando disse que eu teria um vestido. —
mencionei.
— Eu só não sabia que ia deixar o inferno tão inquieto. — franzi o
cenho sem entender, e ele se endireitou. — Devemos ir.
Eu não sabia o que ele quis dizer, mas fiquei calada e fui atrás dele.
Um jantar com um demônio.
Capítulo 9

O restaurante que Vinci me levou era um local requintado e elegante,


que combinava gastronomia gourmet com uma vista deslumbrante.
Localizado em um edifício luxuoso, no alto de uma colina, o
restaurante oferecia uma vista panorâmica da cidade, com janelas
amplas que permitiam que os clientes apreciassem a paisagem
deslumbrante.
Eu nunca vi tal lugar, me fazendo pensar o quão pobre eu era.
Ao entrar, fomos recebidos por um hall de entrada espaçoso e
sofisticado, com uma decoração contemporânea e atemporal. A
iluminação era suave.
As mesas estavam estrategicamente posicionadas próximas às
grandes janelas, de modo que se tenha uma visão privilegiada da vista.
Cada mesa era elegantemente decorada, com toalhas de linho branco
impecáveis, arranjos de flores frescas e louças finas. As cadeiras são
confortáveis e revestidas em tecidos luxuosos e confortáveis.
Sentamos e precisei organizar minha postura, pois nunca tinha
estado em um restaurante daquele nível. Ao contrário de mim, Vinci
estava à vontade.
— Bem vindo, senhor Vinci. — disse o garçom, entregando um
cardápio a ele. — Senhorita. — deu um para mim.
— Obrigado. Eu vou querer o bife mal passado e já pode nos trazer
um vinho de entrada.
— Sim senhor.
Vinci escolheu tão depressa, e eu estava presa naquele cardápio, sem
saber o que eram todas aquelas coisas e de certa forma, envergonhada
com a situação.
— E a senhorita? — questionou.
— Ah, eu vou querer...
— Traz um bife para ela, bem passado e salada. — respondeu Vinci
e o homem saiu.
Encarei-o.
— Bela escolha. — mencionei.
— Você parecia confusa, então, eu apenas te ofereci o melhor.
Assenti e olhei para os lados, notando que todos estavam me olhando
e aquilo me deixou desconfortável por um segundo.
Eu não sabia se era por minha causa, ou se era pelo fato de eu estar
com Vinci.
O garçom trouxe vinho Rose e encheu nossas taças.
Logo a comida chegou, e ao olhar para o prato de Vinci, notei o bife
dele tão mau passado que meu estômago revirou.
Ele mordeu um pedaço e se deliciou, e eu atentei-me apenas em meu
prato.
— O que acha? — perguntou ele.
Mastiguei bem e assenti.
— Muito bom.
Ele sorriu.
— Esse é um dos melhores lugares para mim. — mencionou. —
Além de ter essa vista, eu posso observar.
O olhei atenta.
— Observar? — inquiri. — Observar o que?
— Este é o meu lugar favorito, planetinha. — ele disse, com um
brilho perverso nos olhos. — Aqui posso ouvir os pensamentos mais
sombrios daqueles que desejam fazer um pacto. Eles parecem tão
felizes, não é mesmo? Desfrutando de seus prazeres e riquezas, mas no
fundo anseiam pelo lado mais negro da existência. E é aí que eu ganho.
Enquanto ele falava, eu pude ver como ele absorvia as energias ao
seu redor, alimentando-se da escuridão que envolvia os corações das
pessoas. Senti um leve arrepio percorrer minha espinha, mas continuei a
ouvir suas palavras. Vinci tinha um magnetismo sobrenatural, capaz de
cativar a sua presa com apenas um olhar.
Eu não conseguia ignorar a verdade em suas palavras. Nosso jantar
foi um verdadeiro teste para minha resistência. Vinci sabia exatamente
como seduzir a vulnerabilidade humana. Mas, eu tinha que lembrar que
meu papel ali não era ser puxada para as trevas.
Resolvi falar.
— Então... Todos aqui são alvos fáceis?
Ele pensou um pouco.
— Veja aquela mulher ali, com seu sorriso radiante. — Vinci
apontou em direção a uma mulher sentada em uma mesa próxima. —
Ela tem tudo o que sempre desejou em sua vida: sucesso, dinheiro e
beleza. Mas, por dentro, as trevas a consomem. Ela anseia pela
adrenalina e pela coragem que o pacto pode lhe proporcionar. E eu
estou pronto para fornecer tudo isso.
Eu tinha a clara visão de seu caráter sombrio, sua natureza egoísta.
Ele era uma criatura que se alimentava do desespero e da ganância dos
outros, uma força que sempre se recuperava quando seu adversário
parecia mais fraco.
Era assustador, e ver o que ele era me mostrou que eu precisava sair
daquele círculo antes que eu fosse contaminada.
Entrei no banheiro e lavei o meu rosto, encarando meu reflexo pelo
espelho e respirando fundo.
Tinha que ter um jeito de sair daquilo. Nada era para sempre, e um
pacto com certeza poderia ser desfeito, sem prejudicar Marte.
Eu ia encontrar uma saída.
Enxuguei as mãos e saí do banheiro, caminhando pelo corredor
disposta a voltar para a mesa. Quando finalmente notei, a escuridão dos
corredores me abraçou, e imediatamente meu coração começou a bater
mais rápido.
Eu sentia uma névoa escura pairar por ali, e um homem surgiu na
minha frente.
Meu coração acelerou, pois eu já havia o notado me olhando no
restaurante.
Dei espaço para que ele passasse, talvez ele apenas fosse passar, mas
não foi assim. Quando ele se aproximou, minha espinha congelou.
— Até que enfim a moça está sozinha. — disse ele. — Estava louco
para encontrá-la sozinho.
Mantive a calma.
— Estou acompanhada, senhor.
— Ah, eu vi. — chegou mais perto. — Mas, isso não me impede de
falar com você. Aliás, estou te olhando desde que chegou, e nossa... —
encarou meu corpo. — Eu estou completamente excitado. — lambeu os
lábios. — Esse vestido, você...
Ele deu mais um passo, mas recuei.
— Não se aproxime! — adverti. — Ou eu...
— Você o que, docinho? — segurou meu braço.
Em rapidez, movida por uma coragem gigante, arremessei meu
joelho nas partes dele, e saí correndo, enquanto ele ficou gemendo.
— Puta!
Ele gritou e eu corri, escorrendo ao piso e tentando alcançar o
restaurante.
Assim que dobrei o corredor, escorregando no piso, bati de frente
com Vinci, que parecia uma parede em minha frente, e não hesitei por
um segundo em me enfiar atrás das costas dele, como uma garotinha
assustada.
O homem fez o mesmo percurso, e quando viu Vinci parado ali, riu,
limpando os lábios de algo invisível.
— Ah... — gemeu em ironia. — Asmodeus.
Então ele o conhecia? Aquilo só podia significar que ele também era
um demônio.
— Hahab. — disse Vinci. — Eu não sei se você é muito burro, ou
muito burro para tentar ao menos tocar no que é meu.
A voz de Vinci permanecia calma, assustadoramente calma.
Hahab, assim como foi chamado, riu. Ele parecia não ter medo
nenhum de Vinci.
— Sabe como é, não é? A gente vai aprendendo a não temer tanto
um príncipe do inferno, quando se reside em um inferno que também
tem outro príncipe. — Vinci permaneceu calado. — Inclusive,
Mammon te mandou um oi.
Vinci sorriu de lado.
— Mammon quem te mandou aqui, não foi? — deu alguns passos.
— A minha irmã está zangada, pois eu tenho domínio na maior parte do
inferno, e também aqui, em Stanfield. — parou de caminhar. — E ela,
está perdendo domínio. — o demônio não respondeu, mas percebi o
incômodo em seu rosto. — Dê um recado a Mammom por mim.
Foi tão rápido, quando o demônio explodiu em cinzas pelo corredor
com apenas um estalar de dedos de Vinci.
Fiquei paralisada, olhando a cena perturbadora que foi saber que,
Vinci, com apenas um estalar de dedos podia matar alguém, o
transformar em pó.
Ele voltou para mim, limpando o casaco e veio caminhando para
meu lado.
O fio de seu cabelo estava solto em seu rosto e seus olhos pareciam
de um brilho igual às estrelas. Ele parecia mais alto, mais forte e
sensual. Como eu poderia achar aquele ser sensual?
Ele havia acabado de matar, e parecia tão bonito.
Aquele maldito feitiço não havia dado certo.
— Está ferida? — perguntou.
Apesar da fascinação que ele despertava em mim, eu sabia que não
poderia me deixar levar.
— Não. — respondi saindo do transe.
— Ótimo. Vamos embora. — passou por mim.
Eu ainda tinha coisas engasgadas em minha garganta.
— Existe mais igual a você? — pesquisei, e ele parou de andar, se
voltando para mim.
— Não existe nenhum demônio igual a mim. — respondeu. —
Aquela de quem ele falou, era minha irmã.
— Ah... Então, você tem família? — perguntei curiosa. — Quer
dizer, como isso funciona?
Ele me analisou de olhos semicerrados.
— Quer mesmo saber sobre isso?
Dei de ombros.
— Por que não? Eu preciso saber em que meio estou me
envolvendo, e acho que você me deve isso.
Ele riu.
— Eu não devo nada a você. — fiz uma careta e ele suspirou. — Tá
bem, se quer saber. Um príncipe do inferno é considerado um demônio
que tem autoridade sobre um determinado domínio infernal, ou sobre
um grupo específico de demônios.
— Então, é tipo uma classificação?
— Sim. O papel de um príncipe do inferno é liderar e comandar os
demônios em seu domínio específico. No meu caso, tenho grande parte
do inferno em minha liderança.
— Como?
— Eu trapaceei e ameacei matar os outros. — contou sem pesar e até
mesmo vi um sorriso em seus lábios. — Menos Mammon. Eu decidi
deixá-la em paz, mas parece que ela está me desafiando.
Foi estranho pensar que Vinci não tinha apenas negócios ali na
cidade, mas também no inferno.
Aquilo tudo era muito estranho.
— Podemos ir? — sugeriu e assenti.
Pelo caminho, minha mente dizia que eu precisava saber muito mais
de Vinci, em uma forma de ter algo nas mãos. Se eu soubesse algo dele
poderia usar para fugir e assim eu teria como lutar.
Quando cheguei em casa, corri para o quarto e fui buscar algumas
informações.
Então, descobri algo.
Vinci e sua irmã eram inimigos, pelo que eu soube. Ela queria o
inferno e ele o tinha, então, aquilo fazia dela a minha única esperança.
Se eu pudesse me unir a ela, talvez eu desse algumas informações
importantes e em troca ela poderia me libertar.
Tudo bem que era assustador pensar que eu me envolveria com outro
demônio, mas era tudo o que eu tinha.
Eu estava disposta a me livrar de Vinci.

No dia seguinte, fui informada que Vinci ficaria fora por uns dias,
mas claro que, ele deixou seus olhos e ouvidos por toda parte.
Imaginei que ele tivesse ido até o inferno para tratar de seus
negócios, então, aquilo me dava algum espaço para pesquisar.
Com Marte na escola, eu dei um jeito de sair da mansão sem ser
notada. Fui buscar ajuda de Chloe, a vidente de outro dia.
Naquele dia, mais claro, eu pude ver o quanto ela era bonita. Longos
cabelos castanhos até na cintura e os olhos mel.
— Fico contente que deu tudo certo para você naquele dia. — disse,
enquanto eu permaneci sentada e ela limpava alguns objetos da sala
repleta deles. — Se tudo deu certo, então o que a traz aqui?
— Eu preciso de algumas coisas. — mencionei e ela me analisou. —
Preciso saber sobre coisas que afastam os demônios.
Ela parou tudo o que estava fazendo e me olhou atentamente.
— Eles já estão perturbando você? — interrogou e franzi o cenho.
— Ah, eu tinha esquecido de mencionar. Quando se faz um pacto do
tamanho que você fez, os demônios e almas perdidas começam a
perturbar você. E a menos que você tenha uma proteção muito forte,
eles não param.
Fiquei paralisada.
— E veio me dizer isso só agora?
— Bem, quando eu acordei você já não estava mais aqui e eu não
sabia por onde começar. — defendeu-se. — Vendo que você está aqui,
suponho que já começou. — Nada havia começado e aquilo me deixou
intrigada. — É por isso que está aqui, certo?
Era melhor dizer que sim, pois eu não podia explicar nada a ela,
mesmo que ela conhecesse aquele lado obscuro, seria constrangedor
mencionar.
— Sim. — assenti. — Eu preciso de algo que afaste os demônios,
mais que isso... Algo que possa machucá-los.
— Bem, pode usar algumas coisas. — caminhou pelo lugar em
busca. — Água benta, óleo celestial, crucifixos. Solo sagrado também
os mantém afastados. Eles odeiam solo sagrado. Um círculo feito de pó
de Mirra pode te manter segura deles. Use onde quiser.
Entregou-me as coisas.
— Isso funciona para todos os tipos de demônios? — questionei.
— Deve servir.
Encarei o rosto dela, em preocupação.
— Os mais fortes e poderosos?
Ela me analisou de cenho franzido.
— De quais demônios estamos falando? — pesquisou.
Eu não podia mencionar.
— Bem, se funciona com um, deve funcionar com todos. Mas... —
olhei para ela. — Caso isso falhar, o que eu devo fazer?
— Bem, aí então você corre muito, e procure um solo sagrado para
se proteger.
Concordei.
— Obrigada. — levantei-me para ir embora.
— Ah, e mais uma coisa. — ela me fez parar e encará-la. — Jamais
deixe um demônio tocar em você.
Franzi a testa.
— Tocar em mim?
Ela consentiu.
— Sexo. — falou e aquilo suou como impossibilidade. — Eu sei que
parece absurdo, mas eles usam formas humanas para isso, e se você for
tocada sexualmente por um, você está perdida.
— Já não estou perdida por ter vendido a minha alma a uma
entidade?
— Acredite, morrer e queimar no inferno depois, não é nada
comparado a pertencer a um demônio para sempre. — disse e congelei.
— Se for tocada, nunca mais poderá entrar no reino do céu, e sua alma
estará condenada a pertencer a ele em todas as suas vidas. Se proteja.
Fiquei com tanto medo, mas eu sabia que jamais ia deixar Vinci me
tocar daquela maneira. Eu ia me livrar dele em pouco tempo e assim eu
poderia viver livre, junto de Marte.

Voltei para a mansão, e assim que entrei, dei de cara com William, o
motorista que ficava comigo, já que Patrick ficava com Marte na
escola.
Eu sabia que aquele grandalhão não estava ali apenas para ser meu
motorista, eu tinha certeza que Vinci o deixou de olho em mim.
— Senhorita, a procurei por toda parte. — disse. A sua voz era sem
sentimento algum, igualmente seus olhos. — Por onde andou?
— Ah... Eu saí por um segundo para comprar umas coisas pessoais.
— apertei a sacola em mãos.
— Poderia ter me avisado, eu a levaria.
— Eu posso andar por aí sozinha, afinal, todos os olhos estão em
mim, não é mesmo?
Ele não respondeu a minha pergunta.
— O senhor Vinci deixou alguns trabalhos para que você fizesse. —
avisou e retirou do casaco um papel, me entregando. — São nomes e
endereços, e a seguir, tudo o que precisa fazer.
Avaliei o papel, e tinha mesmo muitos nomes, endereços e anotações
sobre o que eu deveria fazer.
Suspirei, pois apesar de Vinci fazer parecer fácil, não era.
— Irei me trocar, e saímos em um minuto.
Ele assentiu e subi a escada, entrando no quarto e escolhendo um
lugar seguro para esconder todas aquelas coisas que Chloe me deu.
Afastei as minhas roupas do cabide e enfiei os itens atrás do armário,
um local onde Vinci jamais encontraria.
Coloquei uma blusa regata cinza, e uma jaqueta escura e prendi o
cabelo.
Saí do quarto e logo depois parti para fazer os trabalhos.
O primeiro nome da lista era James Johnson. Um homem de 54 anos
aproximadamente, dono de uma joalheria. Entrei, peguei o pacote sem
complicações e saí.
O segundo nome era Kevin Brown, um homem de 35 anos, dono da
fábrica de papel da cidade. Foi fácil, ele já nos aguardava com o
envelope. Peguei e saí.
O terceiro nome era de uma mulher, Olivia Roberts. Ela tinha uma
mansão extraordinária em um bairro chique. Era elegante, alta e loira,
muito loira. Atendeu-me com carisma, me entregou uma caixa de
madeira com um símbolo estranho parecido com um pentagrama, e eu
saí.
Os três nomes eram envelopes e tudo parecia correr bem.
Já estava anoitecendo, e o último nome da lista era Ava Young.
O carro parou em frente a uma mansão linda, já um pouco afastada
da cidade, com luzes amarelas, escultura e rodeada por um jardim bem
cuidado. Logo em seguida, avistam-se impressionantes pilares, que
sustentava a estrutura imponente da mansão feitos de mármore branco.
Desci do carro, e parei na porta branca com tons dourados e toquei a
campainha, que ecoou por toda parte.
A porta foi aberta por um homem magro, alto, de pele enrugada e
poucos fios de cabelo preto na cabeça.
Ele tinha um olhar forte e destemido, frio e desdenhoso. Usava um
terno preto e estava impecável.
— Olá, eu sou...
— Sei quem é. — me interrompeu de maneira ríspida. — Entre, a
senhora Young está lhe aguardando.
Entrei muda e segui o homem pelo corredor majestoso, com um piso
branco impecável e molduras douradas.
Tudo ali dentro exalava riqueza, bom gosto e não tinha nada fora do
lugar. Os móveis eram sofisticados, em couro e madeira viva.
— Senhora, o sicário chegou. — avisou e franzi o cenho.
Eu sabia o que era um sicário, não era idiota, e confesso que aquilo
me chateou.
— Obrigada, Burlok. — a voz potente e séria agradeceu, e movi os
meus olhos para a bela mulher de olhos puxados, usando um conjunto
branco, cabelo preso sem nenhum fio solto, em um coque perfeito e um
batom vermelho nos lábios que estava perfeito. Ela caminhou até mim,
com seu salto fino e se mostrou ser muito mais alta e esbelta. Os olhos,
duas esferas negras e sem brilho, me sondaram. — Então você é real.
— falou me analisando de um jeito estranho. — Confesso que pensei
que já estaria morta. — eu quis dizer algo, mas ela caminhou de volta
para a sala. — Venha, entre.
Eu me sentia muito estranha. Tinha algo naquele lugar, naquela
mulher, que me deixou intimidada.
Eu poderia apenas ir embora, mas ela era o último nome da lista, e
igual aos outros, eu deveria apenas pegar um pacote.
Segui para a sala, e a mulher se sentou em uma poltrona de couro
caramelo e cruzou as pernas, continuando a me analisar.
Talvez fosse a hora de eu falar e acabar com aquilo.
— Estou aqui, pois Vinci pediu para eu pegar o pacote. — avisei.
— Eu sei. — respondeu impassível. — Asmodeus não é do tipo que
brinca em serviço, não é mesmo? — ela sabia quem ele era, e aquilo a
tornava um demônio também? — Estou interessada em uma coisa. Na
verdade, curiosa. — me olhou friamente. — Por que alguém como
você, ainda está viva e fazendo os trabalhos sujos para ele?
Não que eu devesse, mas quis responder.
— Vinci está viajando. — falei. — E eu... Bom, eu devo alguma
coisa para ele, e esse é o meu modo de pagar. Quanto a eu estar viva. —
dei de ombros. — Não sei, talvez ele esteja entediado demais para me
matar.
— Não. — Um leve sorriso se fez nos lábios dela. — Asmodeus ama
matar pessoas. Existe outro motivo. — semicerrou os olhos e tentei
ignorar. — Ele é covarde, em mandar você para a casa de um anjo. —
meus olhos arregalaram e fui pega por uma avalanche. — Oh, ele não te
disse, não é? — se levantou e foi até a mesa dali. — Meu nome é
Zadkiel, e para ser mais exata, sou um arcanjo.
Tudo em mim estremeceu, e apesar de achar que um arcanjo poderia
ser melhor que um demônio, eu não tinha tanta certeza daquilo.
Por que Vinci me mandaria para um arcanjo?
Então, por que ele tinha negócios com um arcanjo?
O arcanjo, ou a mulher, eu não sabia como mencionar, voltou com
um pergaminho em mãos, de papel antigo e colocou-o sobre a mesa
dali.
— É isso que veio buscar. — avisou e voltou a se sentar. — Diga ao
seu chefe, ou seja lá como chama-o, que eu quero a minha liberdade. Eu
fiz o que ele mandou, escrevi o pergaminho e agora quero ser liberta.
— Liberta? — questionei confusa.
Eu poderia apenas ter ido embora, não era um problema meu, mas eu
estava ali.
— Não sabe que ele também escraviza anjos? — questionou um
pouco irritada. — Aquele demônio tem planos, e ele tem o poder
suficiente para tudo o que quiser.
— Por que ele te prende aqui? — inquiri.
— Não é óbvio? Ele precisa de mim. Mas, eu já fiz tudo o que ele
pediu, então, avise-o para me libertar. Tínhamos um acordo. — os olhos
fixaram em mim. — Eu daria a ele a chave da prisão do céu, e ele me
deixaria, e deixaria os outros voltarem.
Aquela informação me fez ficar paralisada e assustada.
Vinci não era apenas um homem, ele era perigoso. Tinha um arcanjo
preso e um pergaminho para abrir a porta da prisão do céu, e eu não
conseguia imaginar os motivos bons que aquilo teria, pois quando se
tratava de bondade, Vinci não chegava nem perto.
Aquilo só me provava que eu precisava sair daquele lugar. Eu
precisava me livrar daquele demônio.
Capítulo 10

Marte estava tão animado com tudo que vinha acontecendo. Todo dia
que ele chegava da escola, ele me contava algo novo, e vê-lo feliz,
animado, e bem, me fazia estar feliz também.
— Posso jogar um pouco? — questionou após o banho.
— Já são quase dez da noite, Marte. — avisei. — Amanhã você
precisa estudar.
Ele fez um beiço.
— Tudo bem. — pulou na cama e puxei sua coberta. — Darling?
— Sim?
— Onde está a mamãe e o papai? — examinou e notei que Marte
sentia saudade.
Apesar de todas as coisas e todos os sentimentos destrutivos, ele
ainda sim, sentia falta deles. Para uma criança, ter os pais é essencial.
— Eles precisavam de um tempo, anjinho.
— Ah... — baixou os olhos azuis. — É dia das mães na próxima
semana, vamos fazer algo, e as mães deviam estar lá. A minha deveria
estar.
— Eu sei. — senti uma pontada no peito. — Eu sinto muito por isso,
Marte. Mas, eu posso ir no lugar dela.
Ele assentiu.
— Eu sei que vai estar lá.
— Eu sempre vou. — dei-lhe um beijo. — Agora descansa. Eu te
amo.
— Eu te odeio.
Ele fechou os olhos em seguida, e tive vontade de arrancar todas as
preocupações da cabeça dele, mas eu não tinha aquele poder.
Eu desejava que tudo pudesse ser diferente.
Apaguei a luz e o deixei dormir.
Saí do quarto, e muitas coisas invadiram a minha mente, como por
exemplo, um arcanjo preso sob a mira de Vinci e aquele pergaminho.
A escrita do pergaminho era escrita em Hebraico e era muito
poderosa.
Eu não deveria me envolver naquilo, eu deveria apenas cuidar de sair
daquele lugar.
Entrei na biblioteca do lugar e peguei todos os livros antigos que
encontrei, em busca de qualquer coisa que pudesse matar um demônio.
Eu me afundei em estudos, pesquisas, e me atentei em tudo. Foram
longas horas ali, disposta a encontrar uma saída.
Foi então que descobri que, o meu pacto poderia ser quebrado se o
demônio a quem uma alma foi vendida, morresse.
Eu estaria liberta se Vinci morresse, mas eis a questão.
Como matar um príncipe do inferno?

Acordei no meio da madrugada e percebi que havia dormido na


biblioteca. Tive pesadelos enquanto dormi, senti tantas coisas ruins.
Removi as folhas do meu rosto enquanto soltava um gemido,
esticando os braços.
Já passava das 2 da manhã quando me levantei da cadeira, decidido a
tomar um banho antes de descansar. Subi as escadas em direção ao quarto e
me entreguei ao chuveiro, permitindo que a água quente aliviasse o cansaço.
Em seguida, vesti uma camiseta e me joguei na cama, pronta para
retornar ao sono.
Assim que fechei os olhos, a imagem de Vinci invadiu minha mente.
— Um dos mandamentos. Honrar o seu pai, e a sua mãe, ou coisa
assim. Mas, isso não tem a nada a ver com honrar quem machuca você,
planetinha. Você quer fazer esse lance de amar alguém ou sei lá, tudo
bem, faça. Mas, não seja idiota. Acho que, amor não tem nada a ver
com aquilo Não assim. Não nesse caso.
— Ameaças, planetinha. Fiz muitas ameaças, mas eu já toquei em
você? Responda. Sim, ou não?
— Não.
— Não pense que não quero, e nem estou dizendo sobre machucar
você fisicamente, estou dizendo tocar em você sexualmente.
Sentei na cama sentindo meu coração saltar e minhas mãos suarem.
Aquele demônio não saía da minha mente, e não era justo. Tinha
momentos em que uma força maior me puxava para ele, me dizia que
ele era minha salvação, mas eu sabia que não era.
Eu não podia permitir que Vinci entrasse na minha cabeça daquela
forma. Jamais.
O que Chloe disse sobre deixar ele me tocar, eu nunca ia permitir.
Deitei-me novamente e fechei os olhos.

Fui deixar Marte na escola com Patrick, e ele entrou todo animado.
Eu havia dormido muito mal, com pesadelos e sensações estranhas, e
aquilo foi perturbador.
— Posso levá-la de volta para casa. — ofereceu Patrick. — Depois
volto para cá.
Neguei.
— Prefiro que fique aqui de olho nele. Eu posso ir andando, e
também vou comprar algumas coisas.
— Então, ligarei para William e ele lhe buscará.
Fiz uma careta.
— Não precisa. Eu já vou indo.
Saí correndo, sem dar tempo para Patrick retrucar.
Caminhei para a casa de Lucca e Lua, e entrei com a chave reserva
escondida no vaso da porta.
Tudo estava uma bagunça, e nem sei por qual motivo eu estava ali,
ou o que eu estava buscando.
Talvez Vinci tivesse razão em duvidar dos meus sentimentos em
relação a eles. Eu sempre estava ingenuamente esperando algo deles.
Não que eu tivesse fé, mas eu tinha esperança em algo maior. Seria tão
mais fácil se eles apenas mudassem, se eles fossem pais ao menos um
pouco.
Eu sentia falta de todas aquelas coisas, de quando eles ainda eram
alguma coisa, antes de serem dois idiotas. Talvez não fosse apenas por
Marte, talvez fosse por mim também.
Uma parte minha, a parte menina, queria os pais.
Suspirei e encarei as paredes do lugar, as escadas e também as
lembranças.
Joguei-me ao sofá e fechei os olhos por um segundo.
Eu queria paz, eu precisava daquilo na minha vida e precisava
organizar a minha mente.
— Aqui está você. — Abri os olhos e saltei ao ver Vinci parado ali,
em minha frente.
— Você...
— Eu. — sorriu de lado. — Sentiu a minha falta?
Era mesmo ele, não tinha como ser apenas uma visão.
— Não. — respondi, passando por ele.
— O que veio fazer aqui? — perguntou atrás de mim.
Subi as escadas em direção ao quarto.
— Vim buscar algumas coisas que ficaram para trás.
Entrei no quarto e abri o armário, pegando algumas peças de roupa e
colocando em uma bolsa.
Vinci tinha que ter voltado tão depressa?
— Então aqui era seu antigo quarto. — mencionou analisando o
lugar. — Nada mal. — ele caminhou para uma parede ali, onde
existiam muitas coisas sobre história. — História? — questionou.
Voltei-me para o quadro e senti saudade daquilo.
— Por quê? Não pareço gostar de história?
— Na verdade, é bem a sua cara. — disse. — Não terminou a
faculdade, suponho.
— Você sabe que não. — respondi ríspida e voltei a pegar as coisas,
me deparando com uma caixa pequena que estava ali.
Eu havia escrito todas as coisas que eu queria ser quando crescesse,
foi uma boa lembrança.
— Pegou todos os envelopes que mandei? — perguntou o demônio.
— Sim. — respondi impaciente. — Está tudo na sua sala.
— Só isso? — interrogou e me voltei para ele. — Não aconteceu
mais nada?
Sorri, sabendo o quanto ele sabia de tudo.
— Eu vi o arcanjo. — mencionei. — Vi que você o mantém preso,
arrancando tudo dela.
Esperei que Vinci pudesse reagir de uma forma agressiva, mas ele
pareceu impassível. Estranhamente calmo.
— Você queria que eu... — encarei-o de cenho franzido. — Você
queria que eu o visse, não é? Queria que eu soubesse. — Ele arqueou a
sobrancelha. — Por quê?
Deu de ombros.
— Agora eu lhe revelo mais uma informação crucial sobre mim —
disse, e me vi imobilizada. — Eu tenho consciência do que você tem
feito pelas minhas costas, meu pequeno planeta. — Eu me petrifiquei.
— Não há nada que escape ao meu conhecimento. Cada passo seu, cada
ação, eu tenho total ciência. — Ele se aproximou, fazendo-me
estremecer. — Continue em frente, faça o que for necessário. — Ele
acariciou meu rosto. — No fim das contas, você sempre será minha, de
todas as formas. Arcanjos, demônios, videntes… Nada, absolutamente
nada tem o poder de te tirar de mim.
Como eu pude ser tão ingênua em pensar que Vinci não saberia dos
meus feitos? Como eu fui tola.
Meu coração acelerou.
— Você vai... — minha voz quase não saiu. — Você vai me castigar
por isso?
Ele riu.
— Não. — respondeu com pouco-caso. — No entanto, não abusa da
minha generosidade, não permitirei isso mais de uma vez. Seria bom
que da próxima vez, tivesse melhores planos, e fosse capaz de me
eliminar, pois se ousar desafiar-me novamente e conspirar contra mim,
arrancarei tudo de você. E quando digo tudo, refiro-me a tudo o que
mais ama.
Marte...
Fiquei paralisada, nunca imaginei que poderia experimentar um
medo tão intenso como naquela ocasião. Se houvesse um termo capaz
de descrever o que eu sentia naquele momento, certamente seria o
pavor.
Os próximos dias seguiram em total silêncio. Eu não ousei falar ou
enfrentar Vinci, eu apenas fiquei calada e fiz tudo o que ele queria que
eu fizesse.
Fui obediente, mas jamais deixei de pensar em uma maneira
definitiva de acabar com aquilo.
Só existia uma maneira de fazer Vinci ficar totalmente em minhas
mãos, e aquela maneira, seria dar a ele o que ele queria.
Se um homem rendido a uma mulher poderia matar por ela, então
um demônio rendido daria a uma mulher o inferno.
E eu não ia hesitar naquilo, mesmo que custasse a minha vida em
outras vidas. Vinci poderia saber meus passos, mas jamais meus
pensamentos.
Terminei de vestir o vestido vermelho e sedutor para aquela noite.
Vinci havia dito que íamos a um lugar importante, e eu deveria estar
bem vestida.
Ele deixou uma porção de vestidos e sapatos para meu uso, e usei
sem piedade.
Coloquei batom vermelho, salto, e fiz uma trança no cabelo.
Eu estava feita para chamar a atenção naquela noite, e eu faria
aquilo.
Pelo caminho, Vinci ficou calado no carro, e nem mesmo ousou falar
algo sobre o meu visual, mas eu duvidava que ele não tivesse sentido
nada.
Paramos em frente a uma boate chique da cidade, eu ouvi muito
sobre o lugar.
Desci do carro segurando o vestido longo e segui Vinci para dentro
do lugar.
A "Boate Élan" era um local refinado e exclusivo para pessoas de
classe alta, em busca de uma experiência noturna luxuosa. Situada no
coração da cidade, a boate ocupava um prédio de estilo art déco, com
uma arquitetura impressionante que remetia a uma era de glamour e
elegância.
O ambiente é impecavelmente iluminado, com uma iluminação
dourada, suave, que banha todo o espaço.
Já logo de cara, muitos olhares foram recebidos para Vinci, ou para
mim, eu não sabia.
A boate oferece camarotes VIP decorados com bom gosto, onde os
clientes podem desfrutar de serviço de garçom e uma vista privilegiada
da pista de dança. Os camarotes são espaçosos, com assentos luxuosos,
mesas de mármore polidas e uma iluminação personalizada.
Foi para lá que seguimos, e quando chegamos, uma mulher bem
vestida, muito bonita já aguardava, junto de mais cinco homens.
— Vinci! — ficou de pé com um sorriso majestoso.
— Yasmin. — ele beijou o rosto dela e senti uma proximidade bem
quente.
— Quem é ela? — questionou me analisando de cima a baixo.
— Essa é a..
— Vênus. — sai na frente, me apresentando. — Secretária.
Ela pareceu incomodada.
— Agora você tem uma sombra? — interrogou se sentando.
Vinci se sentou sem responder, e fiz o mesmo, sentando no assento
ao lado da mulher, ficando assim, de frente para o demônio.
— O que gostaria de beber, senhores? — perguntou um garçom.
— Maker 's Mark para mim. — disse Yasmin.
— Sim, senhora Delacroix.
— Whisky Bourbon. — disse Vinci, ajeitando o paletó.
— E a senhorita? — perguntou para mim.
— Talvez devesse trazer um cardápio. — pronunciou Yasmin. — Ela
não deve entender muito sobre bebidas.
Ela estava tentando me intimidar?
Sorri levemente e olhei para o garçom.
— Pappy Van Winkle 's Family Reserve, por favor. — ele deu um
leve sorriso.
— Sim senhora.
Olhei para Yasmin e ela parecia inquieta, já Vinci estava sorrindo de
lado.
— Pelo visto já andou em muitos lugares. — falou ela. — Lugares
chiques, onde só existe um jeito de mulheres como nós, sabermos as
mais caras bebidas.
Sorri.
— Eu não sei você, senhorita Delacroix. Mas, eu não precisei andar
em lugar algum. — ela fechou o semblante. — O meu pai era
sommelier.
Olhei para Vinci e o peguei me observando curioso, talvez ele não
soubesse daquilo.
— Oh, é mesmo? — interrogou a mulher. — E onde ele está agora?
Como mencionar aquilo? Era desconfortável.
— Não viemos aqui para falar do pai dela. — interrompeu Vinci e
fiquei aliviada. — Viemos falar de negócios.
— Claro. — Yasmin sorriu, cruzando as pernas. — Em outros dias
os negócios poderiam ser discutidos em uma suíte. O que mudou?
Notei que eles se conheciam intimamente, e de certo modo aquilo
me deixou incomodada.
O garçom chegou com as bebidas e quebrou aquele olhar de ambos.
Ele entregou minha bebida e encarou meus olhos com profundidade.
— Por conta da casa. — disse.
— Obrigada. — agradeci percebendo aquele olhar dele.
Eu nem precisei fazer nada.
Ele saiu ainda me olhando com um sorriso presunçoso.
Eu nunca havia flertado com ninguém, mas aquilo era um flerte.
Virei para frente com um sorriso, e me deparei com o olhar frio e
mortal de Vinci, que me fez quase engasgar com a bebida.
Levei um susto, credo.
— Vinci? — Yasmin chamou e ele a olhou. — Podemos falar de
negócios?
— Claro. — se ajeitou. — Recebeu a proposta que te mandei?
— Sim, e confesso que foi uma das melhores até agora. A ideia de
uma sociedade me fascina. Mas, confesso que fiquei curiosa sobre isso.
Por que abrir mais uma boate na cidade? Já não temos tantas?
— Não como essa. — os olhos dele faiscaram. — Não com seres
sobrenaturais. — fiquei estagnada ao ouvir aquilo. — Existem pessoas
que buscam algo mais sombrio, e eu tenho o que elas querem.
— Uma boate de sobrenaturais... — murmurou a mulher. — Parece
interessante. Que garantias eu tenho que vou ganhar com isso?
Vinci riu.
— E alguma vez já perdeu comigo?
— Nunca.
— Então. — bebeu um pouco da sua bebida. — Eu tenho muitos
planos para Stanfield. — disse. — Daqui, irei dominar o resto.
Foi assustador ouvir aquela conversa, e eu precisei usar de um
estômago que eu não tinha.
— Com licença. — pedi me levantando. — Vou ao banheiro.
Saí apressada rumo ao banheiro, sentindo meu peito sufocar. Eu
podia não saber todos os planos de Vinci, mas eu sabia que era sempre
algo diabólico, pois ele era diabólico.
— Ouviu falar da boate? — escutei a conversa de duas mulheres no
banheiro.
— Escutei algo. Então, o chefe do inferno quer tomar Stanfield para
si?
— É o que parece. Quando Mammon descobrir sobre isso, ela vai
enlouquecer.
— Por quê? Foi ela que não quis a cidade.
— É, mas ela não sabia que a porta do inferno ficava bem aqui,
literalmente.
Congelei ao escutar aquilo. Então, Vinci havia escolhido a cidade
por que a porta do inferno era ali? A intenção dele sempre foi abrir a
porta, trazer os seus e dominar o mundo?
Era loucura...
Ouvi a porta se fechar e notei que as meninas, ou demônios, haviam
saído.
Saí do banheiro e saltei de susto ao pegar Vinci ali dentro, encostado
na pia grande, e de braços cruzados em frente ao peito.
Era perturbador a forma que ele me deixava assustada toda vez que
estava perto de mim.
Tentei ao máximo agir naturalmente.
— O banheiro dos meninos é do outro lado. — falei, indo até a pia e
lavando as mãos.
— Eu não estava procurando o banheiro dos homens. — ele
caminhou para trás de mim, e através do espelho vi seu olhar. — Eu
estava procurando você.
Meu coração acelerou e minhas pernas bambearam quando ele jogou
meu cabelo para o outro lado e roçou seu corpo no meu, me fazendo
sentir sua ereção bem descarada.
Um arrepio me tomou quando os dedos tocaram minha nuca, e ele
passou o rosto por ali.
Tremores.
— Vinci...
— O que foi? — pesquisou beijando meu pescoço, me arrepiando,
enquanto suas mãos seguravam firme minha cintura. — Não era essa a
ideia? Chamar minha atenção? — ele gemeu em meu ouvido, um
gemido forte que me fez fechar os olhos e apenas sentir. — Estou aqui,
planetinha.
Com um rompante, ele me colocou sentada na pia e soltei um
gritinho, quase sem ar.
Os olhos dele estavam com um brilho diferente, que me fez tremer,
tendo meu peito subindo e descendo.
A porta se trancou sozinha, e não ousei desviar o olhar dele.
Vinci abriu minhas pernas com força, com suas mãos quentes, e se
enfiou no meio delas, levando suas mãos até minha coxa e apertando.
Devagar, ele foi se aproximando do meu rosto, e não ousei o afastar,
era aquele o plano. Aproximou-se devagar, tão suave e enigmático
como uma sombra se movendo pela noite. Seus dedos, quentes como
fogo, tocaram levemente minha pele, deixando um rastro de arrepios
por onde passavam. Eu podia sentir a eletricidade percorrendo meu
corpo, fazendo meu coração palpitar descontroladamente.
— Já beijou um demônio antes, planetinha?
Engoli um seco, suando.
— Não. — respondi, claro que não, e ele sorriu de lado.
— Bem vinda ao inferno.
Então, seus lábios se encontraram com os meus. Foi um instante de
puro êxtase e trevas. Seu beijo era tão intenso e profundo que me senti
envolta por uma escuridão sedutora. Cada movimento de sua boca
contra a minha era uma mistura perigosa de prazer e medo.
Seus lábios eram macios e inebriantes, mas havia uma sensação sutil
de ferro em sua pele. A doçura do beijo era contrastada pelo gosto
amargo dos segredos que ele trazia consigo. Era como se eu estivesse
sendo tocada pelas trevas, envolta em um abraço sinistro.
Enquanto nossas línguas se entrelaçavam, senti-me perdendo
qualquer controle que eu pudesse ter. Era como se minhas defesas
estivessem desmoronando, deixando-me vulnerável à sua presença
arrebatadora. Cada suspiro que eu soltava era um convite para que ele
explorasse mais profundamente o meu ser.
A cada segundo que passava, eu me entregava mais e mais àquele
beijo sombrio. O desejo e o perigo se misturavam em um turbilhão de
sensações inebriantes.
Aquele era o inferno?
Capítulo 11

Eu me encontrava imersa, seduzida e gostando daquilo.


Um beijo perigoso e tão bom.
No entanto, por mais tentador que fosse, eu sabia que não poderia
me deixar levar completamente por ele. Ainda que meus sentidos
anelassem por aquela loucura, minha alma se rebelava contra o domínio
do demônio. Era uma batalha constante entre o prazer e a redenção.
Quando finalmente nos separamos, fiquei com a sensação de que um
pedaço da minha alma havia sido levado por ele. Eu estava mergulhada
na escuridão, ainda sentindo o gosto daquela experiência proibida em
meus lábios. E, embora soubesse que o demônio deixava sua marca em
mim, também sabia que havia uma faísca de luz em meu coração que
resistia à sedução das trevas.
Eu ainda estava com os lábios ardentes, pegando fogo, e vi Vinci
sorrir.
— Se apresse e saia logo. — disse se afastando e me encontrei
perdida.
— Espera... O que... — olhei para ele. — O que foi isso?
— Um beijo? — eu odiava estar tão imersa e paralisada. Ele voltou a
sorrir. — Não demore.
Ele saiu pela porta e eu precisei de muito mais que um tempo para
me recompor. Olhei para minhas mãos trêmulas e tentei entender o que
havia acontecido.
Respirei fundo, fechando os olhos por um momento. Nesse instante,
todas as sensações do beijo começaram a voltar, reacendendo o fogo
dentro de mim. Era como se aqueles lábios macios ainda estivessem lá,
me provocando. Sacudi a cabeça, tentando afastar esses pensamentos.
Não podia me permitir ficar tão vulnerável.
Lavei o rosto e respirei fundo, decidindo que aquele demônio não
iria me prender.
Saí do banheiro e me dirigi para a mesa tentando agir naturalmente,
e evitar Vinci.
— Tudo bem, querida? — perguntou Yasmin. — Está com o rosto
vermelho.
Estava muito quente mesmo, pelos céus, como estava quente.
Olhei para Vinci e tinha um sorriso alado em seus lábios e um olhar
tão presunçoso que me esfriou. Seus lábios, que pareciam feitos para
seduzir, formavam um sorriso enigmático e ousado, como se ele
conhecesse todos os segredos e desejos mais profundos de quem o
observava.
Foco, Vênus, foco!
— Sim. — respondi. — Acho que é a bebida.
— Oh, entendo.
Ela não era idiota, eu imaginava que sabia de tudo, ela com certeza
já havia sido beijada pelo demônio.
Bebi mais um pouco da bebida, concentrando-me em tudo, menos
naquele ser em frente aos meus olhos.
— Podemos conversar na suíte agora, Yasmin. — A voz dele me fez
encará-lo e ficar paralisada.
— Seria um prazer. — ela ficou de pé.
Eu sabia o que ele estava fazendo. Tinha acabado de me beijar,
mostrar que tinha poder sobre mim, e que eu não tinha nada para usar
contra ele.
Ele era perverso, desde o começo aquele era o jogo dele, pois ele me
conhecia, talvez conhecesse meus pensamentos.
Estava me manipulando, me fazendo ver que ele podia tudo.
Mas, não comigo. Vinci podia beijar maravilhosamente bem, ter me
deixado por um segundo vulnerável e incapaz de agir, mas eu não ia
permitir.
Quando eles saíram, acompanhados, subindo os degraus para a suíte
do lugar, eu decidi não ficar quieta.
— Você tem controle de tudo, Vinci? — murmurei. — Vamos ver.
Levantei-me imediatamente e fui em direção ao garçom. Não hesitei
em dar um passo à frente e fazer o que tinha que ser feito. O homem me
olhava com surpresa, pois sabia o que estava prestes a acontecer.
Estava tão perto dele que já conseguia sentir o gosto do beijo em
meus lábios, mas fui impedida por uma parede imensa, representada por
Vinci, que estava parado na minha frente com um olhar sombrio.
— Eu mato ele. — ele disse, encarando-me com olhos cheios de
raiva.
— Não imaginava que você agiria tão rápido, Vinci. Já terminou? —
respondi, sorrindo, enquanto ele segurava meu braço com força.
— Não estou brincando. Se você for até lá, eu o matarei.
Ri.
— Vamos ser sinceros, Vinci. Você não o mataria na frente de todos.
— afirmei. — Você só quer me assustar e me impedir.
Em questão de segundos, vi os dedos dele estalando e ouvi gritos de
pavor ecoando pelo salão. Tive uma visão rápida da confusão e vi sangue
por todo lugar.
Fiquei arrepiada ao perceber que ele tinha explodido o homem.
Tremendo, olhei para o rosto frio de Vinci.
— Não me desafie. — ele disse, arrastando-me para longe.
Olhei para trás mais uma vez para testemunhar o caos.
Ele realmente tinha matado aquele homem.

No banco ao meu lado, Vinci estava sério e calado. A expressão em


seu rosto era impenetrável, como se nada daquilo tivesse afetado sua
consciência. O olhar frio e cortante do demônio fez com que eu me
encolhesse no banco, um arrepio percorrendo minha espinha.
Enquanto o carro avançava pelas ruas vazias da cidade, eu me sentia
cada vez mais sufocada pelos pensamentos atormentadores. Eu tentava
buscar uma resposta, uma justificativa, qualquer coisa que me fizesse
acreditar que aquilo não tinha sido culpa minha. Mas minhas tentativas
eram em vão.
— Pare o carro. — pedi, sentindo o gosto amargo na boca. — Pare o
carro!
O carro parou imediatamente.
Ao sair do veículo às pressas, me apoiei ao lado do automóvel,
dobrando-me sobre mim mesma enquanto o amargo sabor do vômito
invadia minha boca.
Cada vez que o líquido repugnante deixava meu estômago, eu vivia
novamente a cena do crime, me sentindo culpada pela escolha errada
que fiz.
Vinci saiu do carro em silêncio, observando-me debulhar em
lágrimas e náuseas.
Ele caminhou até mim e, ofereceu o lenço, que peguei bruscamente,
sentindo mais raiva.
— Toda vez que você ousar pensar em deixar outro homem tocar o
seu corpo, vou matar qualquer um que seja. Você é minha propriedade,
Vênus. Minha e de mais ninguém. — disse.
A raiva inchava dentro de mim, a dor e a incredulidade misturando-
se em meu peito.
Ergui os olhos para ele, encarando-o.
— Eu não sou sua propriedade, Vinci! Não sou objeto de ninguém.
Você não pode controlar minha vida, nem minhas escolhas!
— Não era esse o trato quando você vendeu sua alma para mim.
— Você é um desgraçado!
Vinci avançou em minha direção, sua face desfigurada pela raiva e
pela possessividade. Sua voz se tornou um sussurro ameaçador.
— Cuidado com suas palavras, Vênus. Se continuar a desafiar minha
autoridade, será ainda pior. Lembre-se, sou um demônio, e sua alma
está em minhas mãos. Não duvide do que posso fazer.
Fiquei calada diante das palavras dele, sentindo um arrepio de medo
percorrer meu corpo. Eu sabia que aquela noite havia se tornado um
pesadelo do qual talvez eu nunca mais pudesse me libertar.
A batalha entre minha raiva e meu desespero começava a consumir-
me, enquanto eu lutava para encontrar uma saída daquilo tudo, eu
apenas resolvi me manter calada.
Naquela noite, eu decidi dormir com Marte. A culpa que eu sentia
em ter o colocado naquela situação, me inundava. Eu pensei que havia
salvado a vida dele, mas eu o havia colocado em um perigo muito
maior que a morte.
Fui tão egoísta. Como eu pude fazer aquilo?
Abracei-me a ele e me aconcheguei ali, sentindo-o agarrar a minha
blusa.
E assim, peguei no sono em seguida.

Na manhã seguinte, de uma sexta, preparei Marte para a escola, e


Patrick o levou em seguida.
Eu não sabia o que fazer, mas a voz alterada de Vinci em sua sala me
fez perceber que ele não estava de bom humor, e que aquele dia ia ser
um inferno.
Assim que me sentei à mesa, William entrou.
— Senhorita? — olhei para ele. — O senhor Vinci a espera na sala.
Respirei fundo, tentando conter minha boca, e segui para a sala.
Quando entrei, Philip e seus irmãos estavam lá, de cabeça baixa, e
foi fácil perceber que eles estavam morrendo de medo.
Olhei para Vinci, de pé na janela.
— Mandou me chamar? — pesquisei, e ele se virou para mim.
Apesar de ele não ter os olhos vermelhos, tinha um brilho infernal
neles.
— Arrume suas coisas, vamos viajar essa tarde.
Franzi o cenho.
— Mas, e Marte?
— Alguém irá cuidar dele.
— Quem?
— Vênus... — apertou os olhos e me olhou friamente. — Hoje não é
um bom dia para você me irritar. — notei o tom nervoso. — Quando eu
digo para arrumar as suas coisas, você arruma a droga das coisas! —
bateu na mesa, fazendo meu corpo estremecer. — O seu ratinho vai
ficar seguro.
Eu tinha tanta raiva, tanta raiva, que desejei avançar sobre ele, mas
mantive a calma.
Quanto mais eu fosse obediente, mais seguro Marte ficaria.
— Ok. É só isso?
— É.
Assenti e saí da sala.

Ter que partir sem me despedir de Marte deixou um buraco negro


dentro de mim. Uma carta apenas foi o que deixei para trás, avisando
que ele poderia me ligar caso precisasse de algo.
Estávamos voando. Seria uma viagem de 10 horas aproximadamente
até o destino. Aquilo era tudo o que eu sabia. Vinci não mencionou
nada desde que deixamos aquela casa, e ele se mantinha atrás das
cortinas em seu estado nervoso.
Eu queria perguntar a ele sobre a viagem, qual nosso destino e o que
ele estava planejando, mas me faltava coragem depois da noite anterior,
e me faltava paciência, sobrando ousadia, e eu não queria irritar aquele
homem, e correr o risco dele estalar os dedos e matar o meu irmão.
Então, o melhor que eu pude fazer foi ficar calada.
— Gostaria de beber alguma coisa? — perguntou a moça.
— Não, obrigada. — ela assentiu e decidi investigar, talvez ela
soubesse de algo. — Pode me dizer para onde estamos indo?
— Ah, estamos...
— Por que não pergunta para mim? — Vinci foi se aproximando e a
mulher saiu de cabeça baixa. — Se quiser perguntar algo, pergunte para
mim. — ocupou o assento em minha frente.
— E você vai me responder se eu perguntar?
Ele deu de ombros.
— Quem sabe.
Os olhos afundaram em mim, e imediatamente movi os meus para os
lábios dele, vendo-os vermelhos e molhados, me causando uma
abstinência maluca. Eu sentia o toque, o gosto, e todas as inúmeras
sensações que aquele beijo havia me dado, e eu precisei usar uma força
sobrenatural para evitar cair em tentação.
Elevei meus olhos para seu rosto.
— Para onde estamos indo? — questionei.
— San Martin. — respondeu. — Uma cidade onde mora um amigo.
— Um amigo? — ele assentiu. — E por que você precisa viajar tanto
assim para ver um amigo?
— Negócios.
— Que tipo de negócios?
Ele me analisou profundamente.
— Você quer mesmo saber disso? — pesquisou.
— Sim.
— Ok. — pegou o copo de bebida, encheu em seguida , e me olhou.
— Eu preciso de aliados para os meus próximos planos. E, os meus
próximos planos são: Tomar todo o inferno e também a cidade.
Eu estava ciente de que não deveria me envolver e nem mesmo
retrucar aquilo, entretanto, possuía uma incrível habilidade de ser
atrevida e insolente. Mesmo que eu fizesse um esforço, era impossível
conter a minha língua.
— Pretende causar a morte de todas as pessoas inocentes? —
questionei. — Há crianças, idosos, e muitas outras pessoas que não
merecem sofrer no fogo do inferno.
Seus olhos me penetraram tão profundamente que quase me senti
exposta.
— Não me importo. — respondeu com frieza. — Tudo o que mais
desejo é ter o mundo aos meus pés. E irei conseguir. Vou começar pelo
inferno, e depois conquistar toda a terra.
— É muita audácia da sua parte acreditar que terá sucesso.
— Eu vou conseguir. — rebateu. — E é essencial que você se
lembre que estará comigo.
— Infelizmente.
— Felizmente ou infelizmente, não há nada que possa fazer. —
declarou. — Ninguém irá te salvar, pois foi você quem escolheu
entregar-me a sua alma, eu não a obriguei.
A afirmação dele estava correta. Eu não fui forçada a fazer aquilo,
fui eu mesma que determinou meu destino, e caberia a mim mesma
consertar, se houvesse solução.

San Martin, a cidade dos ricos e luxuosos, é um verdadeiro paraíso


de prosperidade e extravagância. Localizada em uma região
privilegiada, circundada por belas paisagens naturais e com clima
perfeito durante todo o ano, a cidade é conhecida como o refúgio dos
mais abastados.
Enquanto íamos no carro pela avenida, por toda parte os telões
anunciavam a cidade. Com uma voz robotizada e elegante.
As ruas de San Martin são perfeitamente pavimentadas, imaculadas
e sem nenhum sinal de sujeira. O planejamento urbano é impecável,
com amplas avenidas arborizadas, repletas de palmeiras majestosas e
cercadas por faixas de jardins impecáveis. Os edifícios são grandiosos,
destacando-se por sua arquitetura moderna e ostentação.
A cidade é repleta de mansões espetaculares, cada uma mais
luxuosa que a outra. Essas residências suntuosas são embelezadas por
exuberantes jardins, piscinas de tirar o fôlego e heliportos particulares.
A população de San Martin é composta exclusivamente por pessoas
abastadas e influentes. Os moradores da cidade são eminentemente
bem-sucedidos em suas vidas profissionais, dedicados a negócios
lucrativos ou famílias tradicionais de grandes fortunas. Eles desfrutam
de todas as vantagens que o dinheiro pode oferecer, desde lojas de grife
e restaurantes estrelados, passando por spas de luxo e resorts
exclusivos.
San Martin é também conhecida por sua segurança excepcional. Os
recursos financeiros abundantes permitem a contratação de forças de
segurança particulares altamente treinadas, garantindo que a cidade
seja um lugar seguro para se viver. A ausência de mendigos e pessoas
desfavorecidas é uma manifestação direta da prosperidade geral e do
alto padrão de vida que permeia a cidade.
Os moradores podem desfrutar de eventos sociais exclusivos, como
festas glamorosas, exposições de arte requintadas e espetáculos
teatrais de classe mundial.
San Martin é uma cidade onde luxo e opulência são a norma. É um
refúgio para os ricos e influentes, onde a beleza e os prazeres da vida
estão disponíveis em todos os cantos. Uma cidade onde a desigualdade
é invisível, deixando espaço apenas para uma vida de prestígio e
conforto inigualáveis.
Venham fazer parte dessa cidade onde todos os seus sonhos são
possíveis! San Martin, a minha, e a sua nova casa!
— Nossa. — murmurei ao descer do carro em frente a uma mansão
luxuosa. — O diabo é tão astuto.
— Vou levar isso como elogio. — disse um homem, surgindo pela
porta da frente.
Ele era bastante alto, vestindo casaco preto, olhos azuis e cabelo
loiro. Bonito, sua beleza se encaixava perfeitamente em todo aquele
luxo e riqueza.
E ele tinha me ouvido.
— Belial. — disse Vinci, com um abraço apertado.
— Bem vindo, meu irmão. Primeiro príncipe!
Belial?
Na tradição judaico-cristã, Belial é mencionado como um demônio e
uma figura maligna. É frequentemente associado a Satanás e
considerado como um dos príncipes do inferno. Acredita-se que Belial
seja um dos líderes dos anjos caídos, conhecidos como demônios.
Belial é retratado como um ser tentador e enganador, que busca levar
as pessoas ao pecado e à destruição.
— Você deve ser a alma luxuosa do meu irmão, Asmodeus. —
mencionou me analisando e fechou os olhos inspirando o ar sobre mim.
— Você cheira deliciosamente bem. — pegou a minha mão e beijou me
causando um arrepio. — Sou Belial, como ouviu.
— Sou Vênus. — respondi temerosa.
— Oh, eu sei. — sorriu. — Não tenha medo. Você já tem dono. —
franzi o cenho. — Vamos entrar!
Entrei temendo estar no meio de demônios. Eu era apenas uma
humana, e não podia imaginar o que aconteceria comigo por ali.
A mansão de Belial era tudo de luxo que podia existir.
Seu exterior impressionava com uma fachada majestosa, adornada
com detalhes em dourado, como pilares revestidos com folhas de ouro e
uma imponente porta de entrada feita de madeira maciça esculpida e
cravejada com detalhes em ouro.
Os cômodos são espaçosos e decorados com extremo bom gosto. No
hall de entrada, um magnífico lustre de cristal pendente do teto alto
ilumina os tapetes vermelhos.
A sala de estar contava com móveis estofados em tecidos suaves e
macios. Nas paredes, obras de arte valorizam ainda mais o espaço,
enquanto cortinas pesadas, em tons dourados, realçam as janelas e
deixam a luz entrar de forma delicada.
— Por favor, sentem-se. — convidou e me sentei. Vinci se sentou
logo em seguida. — Vamos beber alguma coisa. Corvos? — chamou o
homem calado e magro. — Traga-nos uma bebida. Aquela especial.
O homem se retirou e Belial olhou para Vinci.
— Eu soube de alguns demônios que, Mammom está inquieta no
inferno. — observou. — Já foi falar com ela?
— Com Mammom não existe tanta conversa. — disse ele. — E eu
não me encontro ansioso por isso.
Belial sorriu.
— Ela veio me ver a uns dias. — mencionou, pegando a bebida que
o homem trouxe.
Vinci pegou também, e o homem deixou um copo de água para mim.
Por que eu não podia beber também?
— Eu imaginei que ela viria. — respondeu.
— Não dei nada a ela, se quer saber.
— Claro que não deu. — riu. — Mas, isso não significa que está
com o pé atrás.
Ele assentiu.
— Eu tenho tudo o que preciso bem aqui. — se alegrou. — Todas as
almas desse lugar são minhas. Fazem qualquer coisa por mim.
— Todos eles venderam suas almas? — nem percebi quando
perguntei.
Vinci me olhou de um modo calmo, e Belial também.
— Sim. — respondeu disposto a me falar mais. — Tudo o que os
humanos querem é a riqueza. E eu lhes dei, até o seu último suspiro.
Depois disso, suas almas são condenadas à eternidade no meu inferno
pessoal.
Senti a estranha sensação me envolver, como se aquilo fosse
assustador demais e imprudente. Será que as pessoas sabiam o que era o
inferno? Valia a pena vender sua alma por riqueza?
— Me diga, querida Vênus. — Olhei para ele. — Por que vendeu a
sua alma para Asmodeus? — me analisou. — Riqueza?
— Não essa riqueza. — respondi, sem me sentir pressionada. — Não
foi por ouro ou uma vida abundante. — ele pareceu curioso e suspirei.
— Foi para salvar a vida do meu irmão.
— Oh... — ele pareceu confuso, me deixando confusa também sobre
o modo que lidou com aquilo. — Não se vê mais pessoas fazendo
pactos para salvar os outros.
— Acabou de conhecer uma. — respondi com um meio sorriso.
— Não está com medo? — perguntou e aquilo me fez ficar muda por
uns instantes. — Quer dizer, você anda por aí com o príncipe do
inferno, o dono da sua alma, e que pode te destroçar com um estalar de
dedos, além de não cumprir com a sua palavra.
— Belial? — Vinci interrompeu e notei o olhar dos dois.
O que eu não sabia?
— O que? — inquiriu o demônio. — Não contou a ela sobre o outro
lado?
— Não acho que seja necessário.
— Mas, eu acho. — retruquei e olhei para Vinci, que me olhou sem
expressar nada. — Que outro lado?
— Bem... — Belial estava prestes a dizer, mas o copo de sua mão
explodiu, voando bebida por toda parte. — Oh! — riu, sacudindo as
gotas da roupa. — Tudo bem, acho que já chegamos ao limite. — ficou
de pé. — Corvos vai mostrar os seus quartos, e eu vejo vocês a noite.
Ele saiu da sala e vi Vinci se levantar, saindo.
— Vinci?
— Agora não. — respondeu me olhando cruelmente. — Vá para o
quarto, e em breve alguém irá levar alguns vestidos para essa noite.
Seja obediente.
Ele saiu, me deixando sem respostas e com o coração apertado.
Tinha alguma coisa lá, uma coisa grande que Vinci não havia me
contado, mas eu ia descobrir.
Capítulo 12

Eu fiquei trancada naquele quarto sem sair, durante todo o resto


daquele dia.
Quando a noite estava chegando, umas pessoas, ou coisas, eu não
sabia, entraram no quarto e deixaram todas as coisas que eu precisaria
lá. Dentre aquilo, um total de seis vestidos para minha escolha.
Era uma festa de gala, pelos modelos, e eu me peguei pensando no
quanto àqueles demônios gostavam de festas, comidas e bebidas.
Escolhi um vestido salmão de cetim, com um corte na lateral
esquerda. O vestido tinha um decote ombro a ombro com mangas
bufantes. O corpete era decorado com pedrinhas brilhantes em forma de
coração. A saia franzida na cintura e caindo até o chão.
O salto era prateado.
Prendi o cabelo com uma trança lateral em coque, brincos pequenos,
e um batom claro.
Desci a escada da mansão e fui levada para fora, onde um homem
gentil me aguardava. Fui informada que Vinci e Belial já haviam saído,
e fui levada por uma calçada, até o final da mansão, onde existia um
salão aberto, chique e com muitas pessoas.
A luz estava bem clara, e quando subi o degrau da entrada, já fui
recebida com muitos olhares, e eu desconfiava que não eram olhares
por que eu estava bonita. Eu soube que demônios amavam sangue
humano, e eu devia ter um cheiro muito forte, pois todos os olhos
estavam em mim.
Senti os meus nervos já denunciarem minha vergonha e medo.
O som do piano tocava baixo e fui recebida por Vinci, que me
analisou cuidadosamente.
— Está sacudindo o inferno inteiro de tão bonita. — disse.
Aquilo foi um elogio? Uma maneira estranha de elogiar, e mais
estranha ainda quando eu ainda estava aborrecida por ele ser tão grosso
comigo em alguns momentos e cavalheiro em outros.
Decidi fingir que tudo bem, pelo menos ali.
Ele me ofereceu o braço, e segurei meio hesitante.
— São todos demônios? — perguntei andando com ele pelo lugar.
— Alguns sim. — respondeu.
— Vênus! — Belial segurou minha mão para um beijo. — Eu
poderia dizer que, bendito seja o pai por ter feito uma humana tão
bonita. Mas, acho que soaria zombaria. — beijou minha mão. — Está
belíssima.
— Ah, obrigada. — respondi desajeitada.
Era muito estranho estar ali, diante de tantos demônios, e mesmo que
eu não tivesse uma boa relação com Deus, ainda parecia que eu estava o
traindo.
Desviei meus pensamentos, sendo levada para uma mesa dali.
Nos sentamos, e só depois fui descobrir que o intuito da festa era
para comemorar mais almas ganhas, e também, Belial havia aceitado o
acordo com Vinci.
Enquanto Vinci saiu junto de Belial para falar com os outros, fiquei
sentada na mesa, me sentindo como uma margarida no meio de rosas.
Completamente deslocada.
Eu poderia sair de fininho, ninguém ia perceber.
— Com licença? — levantei meus olhos para um rapaz moreno, de
porte forte, e olhos tão castanhos e lindos que jamais tinha visto.
— Sim?
— Gostaria de dançar? — convidou-me e automaticamente olhei em
direção a Vinci.
Eu não sabia se aquele rapaz era humano, e se fosse? Vinci o mataria
se eu dançasse com ele?
Ele parecia gentil, ainda tinha as mãos estendidas e Vinci não estava
olhando. Mas, aquilo não significava que ele não estava vendo.
— Ah, eu acho melhor...
Os olhos dele brilharam como chamas amarelas e tive uma estranha
sensação. Foi como um medo.
— Só uma dança. Asmodeus não está olhando, e acho que você deve
aceitar.
Por um motivo desconhecido, me levantei, e quando toquei as mãos
do rapaz, foi como tocar fogo.
Foi estranho, pois ninguém ali parecia olhar para nós, era como se eu
não existisse por ali.
No meio do salão, ele me conduziu em uma dança leve e divertida,
mas de certa forma, amedrontadora.
Tinha algo errado, eu percebi olhando ao redor e notando que
ninguém, absolutamente ninguém ali estava nos olhando.
— Quem é você? — perguntei assustada.
— Pode me chamar de Mammom. — congelei e tentei forçar que ele
me deixasse, mas ele me apertou ainda mais. — Não precisa temer, eu
não vou machucar você.
— O que você quer? — inquiri em desespero, mesmo que tentasse
não demonstrar.
Ele me rodou pelo salão, e me puxou novamente para ele.
— Vai servir como intermediária. — falou. — Quero que dê um
recado para o meu irmão.
— E porque você mesma não dá?
Ela, ou ele, eu não sabia como mencionar, sorriu.
— Tem sigilos contra mim aqui. — disse. — Sabiam que eu daria as
caras e se precaveram. — fez uma careta. — Eu poderia dizer que são
uns covardes, mas são mais espertos do que pensei.
— E como você está aqui? — perguntei, sendo girada algumas
vezes.
— Você não é protegida contra mim. Digamos que eu estou em sua
mente. — me girou e me levou até seu corpo, encarando meu rosto e
estremeci. — Diga ao meu irmão e aos seus novos amigos, que eu sei
que eles possuem a espada que pode me matar, e que se ousarem usá-la,
irei começar destruindo o inferno. Diga para repensarem. — sorriu. —
Ah, e só mais uma coisinha.
Senti algo queimar em meu pulso e gritei de dor.
Quando percebi, eu já estava caída de joelhos ao chão do salão, com
todo mundo me olhando.
— Vênus? — Vinci se aproximou e encarei a marca em meu braço.
Era uma estrela com um infinito dentro, totalmente simples, mas que
parecia queimar a minha pele. — Mammom. — murmurou.

— Como você se sente? — perguntou Belial.


Já tínhamos voltado para a mansão, e havia uma senhora cuidando
daquela marca.
Vinci estava parado em um canto, de braços cruzados e com
expressão irritada.
— Estou bem. — respondi.
— Não consigo remover a marca. — disse a mulher.
— Tente novamente. — proferiu Vinci.
— Mesmo que eu tente, não será possível. — respondeu. — Esta é a
marca de Mammom, somente ela pode removê-la.
— Tente novamente! — exclamou irritado e Belial levantou-se.
— Vamos conversar. — sugeriu, e mesmo hesitante, ele concordou e
ambos saíram da sala.
A mulher suspirou e continuou procurando algo dentro da caixa,
qualquer coisa que pudesse ajudar.
— É tão ruim assim? — questionei e ela me olhou. — A marca.
Ela olhou cuidadosamente para os lados, procurando alguém, e
quando viu que não havia ninguém, voltou-se para mim.
— Você não sabe o que Mammom fez com você, não é? — neguei,
sentindo meu coração acelerar. Então ela começou. — Demônios
costumam marcar suas presas. Asmodeus marcou sua alma, então
nenhum outro demônio pode tê-la. Mas, seu corpo é apenas pó, e
ninguém era dono dele, até agora.
— O que isso significa? — perguntei, temendo a resposta.
— Significa que Mammom pode usá-la para o que quiser.
— Como uma intermediária?
— Sim. Ela pode possuir seu corpo, ou fazer com que você cometa
qualquer coisa que ela desejar.
Foi como estar paralisada diante de um abismo sem fim.
Aquilo foi assustador, e eu poderia enlouquecer se quisesse, ninguém
ia me julgar.
Porém, eu não enlouqueci, havia algo que me mantinha
excepcionalmente calma.
A mulher saiu e eu decidi virar um copo de bebida para conseguir
pensar com clareza. Mesmo estando calma, aquilo não significava que
eu não estava com medo. Eu me encontrava naquela situação por causa
de Vinci ou por minha própria culpa?
Vinci entrou na sala logo em seguida e não consegui evitar sentir
raiva.
— Como você se sente? — ele perguntou, me avaliando.
— Com o meu corpo correndo o risco de ser possuído por Mammom
a qualquer momento. — eu respondi e me sentei no sofá, massageando
as têmporas. — Eu não consigo acreditar nisso.
— Eu vou tirar isso de você.
— Tenho certeza de que vai. — ironizei com um suspiro.
— Eu não entendo. — ele balançou a cabeça. — Por que Mammom
fez isso? O que ela queria com isso?
Belial entrou na sala, juntando-se a nós.
— É Mammom. — ele expressou. — Ela não precisa de motivos.
Ela é mais malvada do que todos nós juntos. — ele se sentou na
poltrona. — Além disso, usamos os sigilos contra ela.
— A espada. — eu informei e eles me olharam. — Mammom disse
que sabe que vocês têm a espada que pode detê-la. Disse que se
ousarem usá-la, ela vai destruir tudo e todos. — esperei por uma
resposta deles, pois aquilo servia para mim.
— Desgraçada! — Vinci exclamou, sentando-se.
Eu percebi que aquilo era algo extremamente poderoso e importante.
— Como ela conseguiu descobrir sobre a espada? — Belial
questionou. — Como ela conseguiu?
— Eu não sei. — Vinci apertou os punhos. — Eu não sei.
— Que espada? — eu indaguei curiosa e eles se calaram. Fiz uma
careta. — A propósito, caso não se lembrem, eu sou intermediária, dela
e acredito que me devem uma explicação.
Vinci me olhou por um momento, hesitando em revelar a verdade
para mim. Porém, naquele ponto do jogo, eles sabiam que eu deveria
ser informada sobre tudo.
— A espada de Deus. — ele respondeu.
— A espada capaz de matar um príncipe do inferno. — explicou
Belial.
Atentei-me naquilo.
— Mas, já não são fortes o suficiente para isso? — questionei. —
Nas séries em que vi, podem matar uns aos outros facilmente.
— Não é assim que funciona para os príncipes. — disse Vinci. — O
único capaz de matar um príncipe do inferno é o rei do inferno, e como
pode ver, eu ainda não sou rei.
Então, foi isso. Havia uma espada capaz de matar um príncipe do
inferno, e Vinci a possuía. Quisesse eu, ou não, Mammom estava
conectada a mim, e se isso fosse verdade, então eu também estava
conectada a ela.
Se conseguisse me ligar a ela, então saberia onde a espada estava, e
se soubesse, isso seria uma coisa boa.
A espada de Deus precisaria chegar às minhas mãos, somente assim
eu poderia acabar com aquilo de uma vez por todas.

Eu não conseguia dormir naquela noite, e eu gostaria que fosse


apenas pela preocupação com aquela marca, mas não era.
Eu me mexia inquieta na cama, observando o teto escuro do meu
quarto. Não importava o quanto eu tentasse, não conseguia pegar no
sono. Meus pensamentos eram tudo menos calmos. Eu não conseguia
parar de repassar aquele momento em minha mente, o beijo que havia
trocado com Vinci.
Aquela noite, tudo parecia diferente. Seus lábios, macios e quentes,
tocaram os meus suavemente, como se estivessem dizendo algo que
palavras não poderiam expressar. Foi um beijo diferente, intenso, capaz
de me tirar a respiração. E apesar de todas as minhas resistências, eu
tinha que admitir que gostei, mais do que gostaria de admitir.
Mas, mesmo envolta em dúvidas e emoções contraditórias, eu não
podia me permitir esquecer o que ele realmente era. Vinci não era um
simples mortal, ele era um demônio. Eu sabia que minha missão era
matá-lo, libertar a mim e meu irmão.
A ideia de matar alguém nunca me pareceu tão pesada quanto agora.
Vinci despertava sentimentos desconhecidos em mim, uma mistura de
compaixão e atração. No entanto, aqueles sentimentos deveriam ser
reprimidos, eu não podia me permitir fraquezas. Meu objetivo era claro
e não podia ser esquecido.
O beijo havia despertado algo em mim que eu não queria admitir.
Alguma parte de mim desejou pela primeira vez que as circunstâncias
fossem diferentes, que nossa história pudesse ser outra.
Mas essa parte era pequena e frágil. Eu a silenciava, buscando forças
para seguir em frente. Fingir que aquele beijo não significou nada, era a
única forma de me manter firme e focada.
Enquanto as horas passavam, eu continuava deitada na escuridão do
quarto, consciente de que aquela noite de insônia seria apenas o começo
de uma longa e difícil jornada.
Meus sentimentos conflitantes brigavam dentro de mim, mas eu
sabia que no final, minha missão continuaria em primeiro lugar.

Na manhã seguinte, fui informada que não voltaríamos para


Stanfield. Decidi ligar para Marte, e ele ficou chateado por não termos
tido a nossa noite de Sexta.
Eu nunca magoei Marte, mas devido às circunstâncias, eu precisava
abrir mão de algumas coisas.
Enquanto os demônios buscavam soluções, eu me tranquei no quarto
e tentei respirar, focando em tentar descobrir algo que Mammom
pudesse revelar.
Após muitas pesquisas em um livro antigo, descobri que eu poderia
tentar me conectar com os sentimentos dela.
Estávamos conectadas, então eu era uma parte dela. Se eu pudesse
ver através dos olhos de Mammom, eu saberia onde a espada estaria.
Quando fechei os olhos, permiti que minha mente mergulhasse na
escuridão profunda. A cada respiração, senti as correntes do abismo se
entrelaçando em minha alma, enchendo-me de uma sensação
inquietante. Era como se meu próprio ser fosse consumido por uma
sede insaciável por poder e riquezas.
Enquanto atravessava as camadas infernais, minha mente fervilhava
com pensamentos e imagens perturbadoras. Em um instante, me vi em
meio às chamas ardentes do primeiro círculo do inferno, onde os
pecadores eram condenados a queimar eternamente sem qualquer
possibilidade de redenção. O calor intenso parecia corroer minha
própria existência, mas mantive meu foco, determinada a buscar o que
eu havia ido descobrir.
Em meio a essa voragem infernal, meus olhos encontraram um
vislumbre fugaz da espada divina, Não no inferno, não no meio do
caos, mas ali, sendo guardada por um encanto poderoso que nem
mesmo Mammom poderia desfazer.
Porém, não era tão claro, e eu não consegui encontrar a localização
correta, pois o ruído na porta me fez sair do transe.
A porta foi aberta e meu coração acelerou, ao presenciar Vinci
entrando.
Toda vez que ele se aproximava, era um misto de emoções tão forte,
tantos desejos gritantes, que eu temia não conseguir me segurar.
— Como está se sentindo? — pesquisou da porta.
Suspirei e me sentei na ponta da cama.
— Por que sempre fica perguntando se estou bem? — encarei-o. —
Faz parecer que realmente se preocupa. E nós dois sabemos que você
não consegue ter nenhum sentimento.
Ele cruzou os braços.
— Quem disse isso?
— Você mesmo me disse muitas vezes.
— Eu disse? — arqueou a sobrancelha.
Fiz uma careta me levantando e dobrando as roupas da cama,
percebendo o quanto eu conseguia ser desorganizada em algumas
ocasiões.
— Você é sempre tão...
— Tão o que? — ele já estava grudado em mim, me fazendo sentir
seu corpo em chamas.
Foco...
— Tão... Dissimulado.
— Mm.
— E mentiroso. — estremeci quando ele desceu a alça da minha
blusa e passou os dedos por ali. — Perigoso...
Devagar, Vinci beijou meu ombro. Eu quis muito afastar ele de mim,
mas me encontrei de olhos fechados diante de seu toque intenso.
Ele estava diante de mim, com seu olhar intenso e um sorriso
travesso brincando em seus lábios. A proximidade entre nós era quase
insuportável, nossos corpos a poucos centímetros um do outro. O cheiro
suave de seu perfume invadia minhas narinas, deixando-me ainda mais
inebriada por sua presença.
— Fale mais, planetinha. — sussurrou, daquela vez, mordendo de
leve a minha orelha. — Diga o quanto sou desprezível. Um ser cruel,
desalmado.
Gemi involuntariamente com seus lábios me tocando.
Num gesto lento e cauteloso, sua mão ergueu-se e tocou de forma
sutil o meu rosto. Seus dedos percorreram suavemente minha
mandíbula, trazendo uma sensação arrebatadora de calor à minha pele.
Cada toque era um convite para mergulhar em uma escuridão
assustadora.
Meu coração acelerou a cada carícia, ansioso por mais. Sua mão
deslizou para o meu pescoço, seus dedos acariciando minha nuca
delicadamente. Um estremecimento percorreu meu corpo, como se uma
corrente elétrica estivesse sendo transmitida por aquele simples toque.
— Diga, que eu sou a coisa mais abominável e me impeça de tocar
em você. — sua voz era rouca e sensual, e estremeci.
O calor de seus lábios se aproximou do meu ouvido, suas palavras
sussurradas em meio à respiração entrecortada. Os arrepios em minha
pele se multiplicaram, tornando-se quase insuportáveis de tão intensos.
Minha intimidade latejou, completamente excitada.
Suas mãos traçaram um caminho suave por minha cintura, fazendo-
me estremecer ainda mais. Cada carícia ascendia uma chama dentro de
mim, uma chama que clamava para ser consumida por ele.
— Diga não para mim, planetinha. — o vermelho invadiu seus
olhos.
— Não. — respondi trêmula.
E então, finalmente, seus lábios encontraram os meus, me fazendo
perceber o quanto eu ansiava por aquilo.
O toque suave e doce dos seus lábios transmitiu uma onda de prazer
instantâneo por todo o meu corpo. Cada movimento de sua boca contra
a minha era um convite para explorar o desejo que havia crescido em
mim.
Eu não quis parar, eu não podia. Eu não queria.
E naquele instante, eu soube que seria tocada por ele de forma que
jamais imaginei, entregando-me completamente àquele beijo que tinha
o poder de incendiar minha alma.
Sua língua dançava junto à minha, explorando cada canto da minha
boca, enquanto suas mãos percorriam meu corpo, tocando cada lugar
que havia sonhado em sentir.
Meu corpo caiu sobre a cama, e Vinci se posicionou em cima de
mim, sem desgrudar nossos lábios.
Ele acariciou minha mão, entrelaçando seus dedos nos meus, e eu
pude sentir as pulsações do meu próprio corpo ecoarem em nossas
conexões.
Eu gemi, sentindo meu corpo estremecer, e eu juro, Vinci não levou
as suas mãos em nenhum outro lugar, a não ser segurando firme as
minhas. Mas, algo aconteceu comigo.
Comecei a gemer desenfreada em seus lábios, quase enlouquecendo
e incendiando meu corpo. A sensação foi de estar sendo tocada pela
luxúria em pessoa.
Ele roçava seu pau em minha cintura, me fazendo senti-lo rígido, me
deixando molhada.
Suor, excitação e delírios.
Eu não conseguia organizar meus batimentos, nem mesmo o meu
corpo.
E então, em meio àquele beijo, algo desconhecido aconteceu. Um
orgasmo irrompeu do meu âmago, uma onda de prazer tão intensa que
me fez gemer contra seus lábios. Nunca antes havia imaginado que
apenas um beijo pudesse me levar a um estado de êxtase tão completo e
avassalador.
Os músculos da minha vagina se contraíram ritmicamente, criando
uma sensação de pulsação e ondas de prazer que foram se espalhando
por todo o corpo. Fui consumida por uma sensação de calor,
formigamento e tremor nas extremidades.
Em meio a um turbilhão de emoções, meu mundo se reduz a essa
explosão iminente. O prazer se intensifica, meu coração bate rápido,
ritmicamente, como uma trilha sonora pessoal para esse momento
íntimo.
Grito, gemendo em um misto de prazer e alívio. Minhas pernas
tremem, meu corpo se contrai. É uma sensação indescritível, um êxtase
delicioso que me domina por completo. Os músculos tensos relaxam,
enquanto uma sensação de calma e satisfação toma conta de mim.
Ainda estremecida, encaro o rosto de Vinci para ver pela primeira
vez, sem máscaras, um sorriso de satisfação em seu rosto.
Ele sabia que havia me tocado de um jeito que jamais fui tocada. De
um jeito impossível, e que somente um ser como ele poderia fazer
acontecer.
Enquanto eu escutava o ritmo acelerado do meu próprio coração, me
dei conta de que havia estragado tudo. Deixei meu desejo de vingança
ser ofuscado por sentimentos que não deveriam existir no meu mundo.
Eu estava desapontada comigo mesma, afinal, o plano era a única
maneira que eu tinha de me livrar do fardo chamado Vinci.
Naquele momento, enquanto minhas mãos tremiam e meu olhar se
perdia no infinito, eu sabia que minha eu tinha sérios problemas.
Capítulo 13

Eu me encontrava mergulhada em um cenário de caos e destruição.


A cidade estava irreconhecível, transformada em um verdadeiro inferno
na Terra. O som dos gritos entrecortados pela fúria dos demônios
,ecoava por todos os cantos, assolando minha mente.
Havia sangue por toda parte, manchando as ruas que antes conhecia
tão bem. Corpos mutilados e sem vida jaziam espalhados como
marionetes quebradas. Meu coração disparou ao avistar meu irmão, tão
jovem e cheio de vida, agora deitado inerte, sua pele pálida como a lua.
As lágrimas inundaram meus olhos, enquanto eu me ajoelhava em
desespero ao seu lado.
Os demônios, essas criaturas sinistras e perversas, pareciam se
deleitar com o horror que haviam semeado. Suas presenças demoníacas
dançavam à minha volta, rindo com uma crueldade desumana. E lá, no
meio deles, estava Vinci, o demônio que eu tanto ansiava pela morte.
Seu sorriso macabro estampado no rosto, ele me encarava com olhos
vermelhos sedentos de poder.
Tentei lutar, revidar, mas era como se minhas pernas estivessem
presas em areia movediça. Dei socos e pontapés no vazio, gritando com
todas as minhas forças. No entanto, os demônios pareciam se
multiplicar, cercando-me por todos os lados. Sentia o desespero se
enraizar em meu peito, uma sensação de impotência que perfurava
minha alma.
E então, com um grito lancinante de terror, acordei. Meu corpo
estava coberto de suor, minha respiração agitada, e o medo ainda
pulsava em minhas veias. Pude sentir o alívio diluir aos poucos o pavor
que me enlaçava. Olhei ao redor, certificando-me de que tudo era como
deveria ser.
Respirei fundo, tentando recuperar a calma, mas a imagem da
destruição continuava a assombrar minha mente. O terror do sonho
ainda reverberava em minhas lembranças, apertando meu coração com
uma sensação opressiva. Vinci, o demônio que tanto desejava ver
morto, ainda rondava meus pensamentos, uma ameaça constante.
Eu estremeci, abraçando-me como se buscasse conforto em meus
próprios braços.
— Pesadelos? — levei um susto ao ver a figura saindo das sombras.
Vinci estava no quarto, todo aquele tempo? Seria ele o culpado dos
meus pesadelos?
Não me lembrava de quando havia pegado no sono depois do que
houve, mas ainda sentia todas as sensações perigosas que ele me
causava.
Acendi o abajur e encarei-o.
— O que faz aqui? — perguntei, constatando se passar das duas da
manhã.
Vinci se aproximou da cama, e recuei um pouco, evitando me sentir
mexida.
— Não consegui sair depois do que houve. — falou me analisando
bem. — O que houve…
Eu sabia que precisava usar tudo o que eu tinha para conseguir a
confiança de Vinci e então, agir. Eu não poderia deixar aqueles
sentimentos interferirem no que eu realmente precisava fazer.
— O que houve foi… — encarei seu rosto. — Foi bom. Foi muito
bom.
Eu não entendia muito bem como Vinci se sentia ao expressar
contentamento, ele era um demônio, mas eu sabia como era uma
expressão humana, e talvez, ele estivesse expressando aquilo.
— Está me seduzindo? — questionou. — Tentando me usar para que
eu faça o que você quiser?
Engoli um seco.
— Não, eu…
— Está funcionando. — respondeu para minha surpresa. — Mas…
— ele se sentou na cama, perto de mim e me aprofundou com seu
olhar. — Não vai ser fácil sair se eu colocar as garras em você. — tocou
meu cabelo. — Eu vou ser seu, mas você… Você será para sempre
minha. E quando eu digo minha, eu digo minha mesmo. Nenhum outro
ser, humano, ou alma vai tocar em você. Sabe disso, não sabe?
Eu estava apavorada e só conseguia pensar em não deixar Vinci
notar aquilo. Eu deveria agir daquele jeito e conseguir o que eu queria.
— Sim. — afirmei. — Eu sei.
Em certo momento, senti meu corpo arrepiar ao pensar que Vinci me
beijaria, outra vez, pois ele estava prestes a fazer aquilo. Eu sentia
minhas mãos suando, meu coração acelerado e meus lábios secos. Era
como uma abstinência, da qual era quase incontrolável.
Mas, ao invés de me beijar, ele fez uma careta, revirando os olhos.
— Merda! — exclamou.
— O que foi? — questionei temendo que fosse algo que eu tivesse
feito e entregado meus planos.
— Temos visita. — disse e ficou de pé.
O segui para fora do quarto, sem ser interrompida por ele, e ao
terminarmos de descer a escada, nos deparamos com Belial.
— Você também sentiu? — perguntou ele.
— Sim. — respondeu Vinci.
Eles foram para fora e eu os segui até a porta, vendo um homem de
pele negra e muitos músculos parado lá.
Demônio.
— Morvik. — murmurou Vinci.
O demônio sorriu, mostrando os olhos pretos.
— Saudações, Asmodeus e Belial. — cumprimentou. — É bom vê-
los juntos. — Seus olhos se moveram para mim, que estava um pouco
mais atrás dos dois.
Encolhi-me um pouco.
— Como teve a coragem de pisar em minha terra? — perguntou
Belial. — Está pensando em cometer suicídio?
— Mammom me enviou. — ele respondeu, sem medo. — Ela disse
que era hora de vocês entregarem a espada de Deus para ela. Parece que
não estão dispostos a obedecer.
Vinci riu, na verdade, ele gargalhou, e precisei virar meu olhar para
ele, nunca o tinha ouvido rir tão alto.
O demônio fechou a expressão, parecendo incomodado.
— Obedecer? — perguntou. — Você se esqueceu de que EU sou o
príncipe do inferno e em breve, o rei? — Não vi como, mas o demônio
se curvou, caindo de joelhos e soltando gemidos.
Tortura. Vinci o estava machucando.
Ele desceu o degrau e caminhou em direção ao homem, que se
contorcia de dor e tinha sangue escorrendo dos olhos.
— Eu. Sou. O. Único! — ele torceu a mão no ar e um osso do corpo
do demônio se quebrou. — Pode dizer a Mammom que mandei dizer a
ela: ou ela remove a marca de minha garota, ou invadirei seu inferno e
transformarei tudo em pó.
Tudo aconteceu muito rápido quando o corpo do homem explodiu
em pedaços, causando um tremor em mim pelo sangue que respingou
sobre nós.
Para mim foi apavorante, mas Belial se divertia com a situação.
— Ah! — gemeu, limpando o sangue do rosto. — Mammom vai
ficar uma fera. — disse. — Você a enfrentou.
Vinci fixou os olhos em mim e tive que apertar os punhos para
esconder o quanto aquilo me assustava.
Entrei no quarto e fui lavar o rosto ensanguentado, tentando
controlar os tremores. Não era apenas o temor por Vinci e seus
impulsos, mas também o medo do que Mammom poderia fazer para se
vingar depois daquilo.
Não consegui deixar de pensar em Marte, e no fato de que ela iria
atingir meu ponto mais fraco.
— Ele era um demônio — saltei ao ver Vinci pelo espelho.
Concordei, respirando fundo e me virando para encará-lo.
Notei o sangue em sua camisa branca e rosto, mas tentei não pensar
muito naquilo.
— O que você acha que ela vai fazer com…
— Seu "ratinho" está seguro — ele interrompeu antes que eu
terminasse. — Já lhe disse isso.
— Eu sei o que disse, mas…
— Planetinha? — me calei, evitando desviar o olhar dele. — Eu não
vou permitir que aconteça nada com ele, muito menos com você.
Quase permiti que eu acreditasse. O demônio cruel que estava
tirando a minha paz, que poderia matar meu irmão, destruir a cidade, e
que pensava só em si, estava diante de mim, dizendo aquilo. Mas,
naquele momento, ele parecia diferente.
Eu precisei ignorar minha mente.
— Diga isso para essa coisa — apontei para o meu braço. — Eu
sinto, Vinci — falei. — Sinto-a cada vez mais próxima. Sinto sua raiva,
eu… — apertei os olhos. — Estou com medo.
Vinci levou a mão ao meu rosto, afastando meu cabelo.
— Não tenha medo. Vou cuidar disso — Ele deu um passo adiante,
movendo-se com uma leveza sobrenatural. A escuridão ao seu redor
parecia ganhar vida, envolvendo-o como uma aura maligna. — Não sei
como isso funciona. Não sei como consolar alguém, mas sei como
matar pessoas e coisas. Sei como proteger o que é meu e sou bom nisso
— seus olhos verdes me envolveram. — E você é minha.
E quando ele disse novamente "Você é minha", percebi que algo
mudou em mim. Uma parte de mim, talvez aquela que estava cheia de
raiva e vingança, parecia aceitar aquelas palavras.
Era assustador sentir a atração que emanava dele, como um imã me
puxando para perto. Aquele demônio perverso exalava poder e mistério.
Meu corpo clamava por ele, enquanto meu coração lutava contra a
tentação. Eu sabia que ceder significaria abandonar toda a razão e
permitir que o mal me dominasse.
Vinci era o meu maior obstáculo.

— Eu estou com saudade, Darling. — disse Marte do outro lado da


linha.
Senti meu coração ser despedaçado.
— Eu sei, anjinho. Eu também estou morrendo de saudade de você.
Prometo que vou voltar o mais rápido que eu puder, tá bom?
— Tá bom. Eu tenho que desligar, Patrick e eu vamos jogar futebol
agora. — Tentei dizer algo mais, porém, ele já havia sido mais rápido.
— Te odeio, Darling!
A chamada foi encerrada e eu queria ter entrado na ligação e
agarrado Marte, para nunca mais soltar. Porém, eu precisava ficar até
que encontrassem uma cura para aquela marca. Eu jamais poderia
colocar a vida do meu irmão em risco.
— Ah, olá Vênus. — disse Belial quando entrei na sala. —
Estávamos prestes a chamar você.
Movi meus olhos para Vinci que estava sentado no sofá, e ele sorriu
levemente.
— Aconteceu algo? — perguntei.
— Oh, venha. Sente-se aqui. — me guiou até o sofá.
Sentei-me achando aquela recepção estranha. Vinci estava calado,
apenas com seu copo de bebida e sua pose infernal que me dava
arrepios. Já Belial, estava um tanto estranho.
— O que houve? — inquiri desconfortável.
— Ah… — gemeu Belial e olhou para Vinci, que fingiu não estar
ali. — Então… — se voltou para mim. — É que eu talvez tenha
encontrado uma maneira de remover a marca de você.
A marca ainda latejava no meu braço, lembrando-me constantemente
da terrível conexão que Mammom agora tinha sobre mim. Eu estava
assustada, perdida e desesperada por uma solução.
— Uma maneira?
— Sim. — assentiu. — Mas, não será fácil e teremos que nos
arriscar.
Olhei para Vinci, de certa forma eu precisava saber o que ele achava
sobre aquilo, mas ele estava mudo.
Eu engoli em seco, ansiosa para ouvir mais.
— Como podemos remover a marca? — perguntei, minha voz um
pouco trêmula de apreensão.
— A única maneira de remover a marca de Mammom é nos
conectando, como se fôssemos um só. — disse Vinci, pela primeira vez.
Fiquei confusa, tentando entender o que ele queria dizer.
— Conectarmos? Mas como?
— Bem… — Belial começou. — O primeiro príncipe tem sua alma,
mas se também compartilhar seu corpo, então não poderá pertencer a
nenhum outro demônio. Sendo assim, a marca será expelida. — Senti
um arrepio percorrer minha espinha. — A conexão terá que ser feita
com sangue. O ritual exige que o sangue de vocês seja misturado, e
depois, devem bebê-lo.
Quase desmaiei com aquilo. A ideia de beber o sangue de Vinci era,
no mínimo, estranha e perturbadora. E o que aquilo ia fazer comigo? Se
desse certo, como seria? E se desse errado?
Incapaz de conter minha preocupação, perguntei:
— E o que garante que isso dará certo?
— A verdade é que não há garantias. — respondeu Vinci, ficando de
pé e indo encher o seu copo. — Também odeio a ideia, pois não sei
quais efeitos isso tem, mas é melhor tentar fazer algo do que ficar
sujeita ao controle implacável de Mammom.
Eu olhei para o chão por um momento, ponderando todas as opções.
Era uma escolha difícil, uma decisão que mudaria minha vida para
sempre. Seria capaz de viver com essa conexão com Vinci? Aquilo me
afetaria? Mexeria com meus sentimentos ou algo perturbador
semelhante aquilo?
— Essa conexão vai me afetar de alguma forma? — perguntei
ansiosa.
Belial deu de ombros, seu rosto tão indecifrável quanto o próprio
ritual.
— Não sabemos ao certo, apenas descobriremos quando a conexão
for feita.
Estávamos falando de união com um demônio, sangue a sangue, e
não era qualquer demônio, aquele era o príncipe do inferno.
Respirei fundo, sentindo o medo ainda presente dentro de mim.
Entretanto, sabia que aquele era o caminho que precisava tomar. Eu
precisava me livrar daquela marca, mesmo que a solução parecesse tão
drástica e assustadora.
— Você precisa de um tempo para pensar? — questionou Belial.
— Não. — respondi, minha voz mostrando minha incerteza. — Eu
aceito. — murmurei em voz baixa, sabendo que não havia como voltar
atrás.
— Perfeito. — disse ele, ficando de pé. — Vou preparar algumas
coisas.
Ele saiu da sala e fui tomada por um arrependimento imediato.
Será que fiz a escolha certa? E se as coisas piorassem? O que
aconteceriacomigo? As dúvidas me corroíam por dentro, mas é quando
a voz de Vinci ecoou pelo ambiente que eu percebi que não estava mais
sozinha.
— Ah, planetinha, você não sabe o quão sortuda é por ter me
escolhido como seu demônio pessoal. — diz ele, com seu sarcasmo
característico, surgindo lentamente das sombras.
O encaro sem achar graça, pensando em como ele poderia estar
brincando em uma hora daquelas.
— Não tem graça. — avisei e ele não se incomodou. — Parecia a
coisa certa, mas agora… Agora não tenho certeza se tomei a decisão
certa.
O demônio se aproximou de mim, trazendo consigo uma carga de
energia sombria. Ele colocou uma mão em meu rosto, seu toque frio
arrepiando minha pele.
Vinci olhou em meus olhos, suas expressões se alternando entre o
sarcasmo e algo que se assemelhava a ternura.
— Eu não ia te colocar em perigo. — disse. — Eu já disse. E relaxe!
O que demais pode dar errado? Eu não morro mesmo. — deu de
ombros.
Fiz uma careta e suspirei.
— Você tem que prometer antes de fazermos isso. — falei e ele me
olhou atento. — Prometa-me que tudo ficará bem, Vinci. Prometa que
eu não vou me perder ainda mais nesse caminho sombrio que escolhi
trilhar.
Ele sorriu, seu olhar brilhando com algo que parecia ser genuíno. Ele
colocou sua outra mão no meu rosto, acariciando-o levemente.
— Nunca me pediu algo tão difícil. — analisou-me bem. — Para
alguém como você, estar com um ser como eu, é sempre se perder em
um caminho sombrio. — Temi. — Mas, prometo que estarei ao seu
lado, lhe protegendo, até o fim.
Eu senti um solavanco em meu peito, uma mistura de alívio e
incerteza. Era difícil acreditar que um demônio, notório por sua
crueldade, poderia se importar comigo.
Talvez ele não fosse tão maldoso quanto aparentava. Talvez
houvesse mais por trás daquela fachada de demônio cruel. E, de alguma
forma, eu gostava de como me sentia quando ele não estava sendo um
idiota cruel.
— Muito bem. — Belial entrou na sala carregando um pano
vermelho, e quando o colocou sobre a mesa e abriu, havia uma faca
dourada que reluzia. — Aqui está ela.
Aproximei-me vendo o quanto brilhava.
— O que é isso? — perguntei um tanto admirada pela beleza.
Ela possuía um brilho reluzente, contrastando com o ouro dourado.
Sua extensão era curva e pontiaguda, semelhante a uma gota de orvalho
delicadamente suspensa em uma flor. Em sua guarda, entalhes
adornados com arabescos intrincados dançavam em torno da lâmina.
Esses arabescos, cuidadosamente gravados à mão, simbolizavam uma
linguagem antiga e venerada: o latim.
— A adaga dos sacrifícios. — respondeu Vinci. — Ela foi usada
uma vez, por um santo, quando ele quis se sacrificar por toda a sua
igreja. — explicou.
— Isso mesmo. — assentiu Belial. — As palavras em latim devem
ser faladas enquanto eu tiro o sangue de vocês. — olhou para nós. —
Estão prontos, crianças?
Eu até quis perguntar como um ser como ele tinha aquela adaga, mas
achei melhor fingir demência.
Era aquilo ou nada. Eu já estava na chuva, não adiantava ter medo de
me molhar.
— Sim. — respondi e Vinci apenas assentiu.
Belial nos colocou um na frente do outro e estendemos nosso braço,
enquanto ele segurava a tigela de barro, onde nosso sangue escorreria.
Ele então começou, enquanto cortava nosso braço.
— Sanguis nostrum uniatur. Corpus et sanguis, per aeternitatem.
Spiritus vinculum faciat, Nexum aeternum nobis maneat. — ele
misturou e dividiu, nos entregando. — Antes de beberem, digam essas
palavras.
Olhei para o papel, a palavra em latim e assenti.
Olhei para Vinci e ele consentiu.
— Sangvis meus, sanguinis mei. — falei e bebi o sangue.
— Sangvis meus, sanguinis mei.
Repetiu Vinci.
Eu estava esperando um tremor, dor, ou confusão, mas nada
aconteceu naquele momento, e não havia sido tão ruim.
— Está feito. — disse Belial.
— E agora? — sondei.
— Bem, agora a gente espera que você não exploda no ar. — riu,
mas eu fiquei paralisada. — Eu estou brincando! — pigarreou. — Foi
uma piada.
Vinci também sorriu, mesmo que disfarçadamente e eu não consegui
relaxar. E se eu realmente explodisse? Ou se eu ficasse louca?
Era tarde demais para me arrepender e eu deveria apenas esperar.
Já estava feito.
Capítulo 14

— Como se sente? — Belial entrou na sala onde eu estava sentada,


arrancando meus pensamentos.
— Normal. — respondi. — Já faz algumas horas e deveria ter algum
efeito. Eu li o livro.
Ele deu um sorrisinho.
— Achei melhor não contar que você poderia morrer pela dor. —
mantive a expressão neutra e ele coçou a cabeça. — O que seria
eticamente correto nesse momento?
— Pedir desculpas por ter mentido.
— Mas, eu gosto de mentir, é divertido! — ele analisou meu rosto
sem humor e revirou os olhos. — Foi mal… — disse tão baixo que nem
ouvi. — Des… Desculpe. — pediu.
— Muito bom. — percebi que ele ficou de cenho fechado e suspirei.
— Olha, não estou pedindo que seja bom. — falei e ele me olhou. —
Pedir desculpas não quer dizer que você seja bom ou que precise, mas
significa que você sente muito pelo que houve.
— Mas, eu não sinto. — disse neutro.
— Eu sei que não. — ansiei e apoiei as costas no sofá, pensativa. —
Tem vezes, em que penso que vocês são sinceros demais, e outras, em
que são mentirosos. Fica difícil decifrar.
— Somos sinceros demais, tem razão. — falou. — Mas, também
somos mentirosos demais, e isso você nunca vai saber, a menos que
falemos.
Dei um sorriso nasal.
— Sei. — Fiquei um tempo parada e então uma dúvida invadiu a
minha mente, me fazendo encarar Belial. — Se a dor quase mortal era
para ter acontecido comigo, então porque não sinto nada?
— Ah, é porque Asmodeus pegou para ele toda a sua dor. — ele
arregalou os olhos notando que havia falado o que foi fácil de perceber
que não era para ser falado. — Droga! — murmurou.
— Vinci fez o quê? — questionei congelada.
Belial suspirou.
— Eu não devia contar, pois os sintomas são cruéis, mas… Quando
Asmodeus soube dos efeitos colaterais, ele sabia que você não ia
aguentar, e pegou tudo para ele.
Foi exatamente como levar um tapa na cara.
— E onde ele está agora?
Belial me disse tudo o que eu precisava saber, e eu sabia que mesmo
que eu não precisasse ir atrás de Vinci, eu estava indo.
Eu sentia um misto de choque e surpresa, confusão e ansiedade, e
não conseguia ignorar aquela situação. Vinci fez por mim ou que eu
provavelmente jamais faria por ele. Aquilo significava humanidade ou
um jogo doentio?
Empurrei a porta da sala de jogos, que ficava no andar debaixo da
mansão. Vinci escolheu um lugar silencioso, onde eu não pudesse ouvir
os gemidos de dor dele.
— Vinci? — Chamei adentrando o local, que estava silencioso.
Tinha mesas de taco, bar e sofás por ali.
— Vinci?
— O que faz aqui? — dei um pulinho ao notá-lo surgir de um
cômodo vizinho.
Vinci estava com a camisa entreaberta e o cabelo bagunçado. Sua
pele parecia suada e seus olhos um pouco avermelhados. Havia três
garrafas vazias ali, e ele tinha uma em mãos.
Eu poderia ir embora, mas não fui.
— Belial me disse onde você estava e… — ele parou na minha
frente e quase desmaiei com o calor infernal que emanava do corpo
dele. — E me disse o que tinha feito.
— E daí? — saiu da minha frente e se jogou no sofá, parecendo
cansado.
— Bem, eu pensei que poderia te fazer…
— Sai fora. — retrucou rude. — Eu não preciso de você.
Eu poderia sair, mas não fiz aquilo. Vinci estava claramente no ápice
de uma dor que eu nem sabia que ele podia sentir, e querendo ou não,
havia tirado de mim, e o mínimo que eu podia fazer era aquilo.
— Tá legal. — caminhei para a pia ali.
Abri o armário e peguei um pano limpo, também umedeci, e enchi
uma vasilha com água e álcool.
— Funciona com humanos. — falei me aproximando e o vi me olhar
sem humor.
— O que está fazendo?
— Você está com febre, ao que parece.
— Eu disse para sair.
— Eu ouvi. — sentei no sofá. — Mas, vou ignorar.
Umedeci um pano na vasilha com água fresca e delicadamente levei-
o até o rosto dele. Senti o calor emanando dele, a pele quente ao meu
toque. Seus olhos verdes penetrantes, envoltos em um brilho malicioso,
me encaravam de uma maneira profunda.
— Você está tão quente. — murmurei, quase sem perceber que
minhas palavras escaparam dos meus lábios.
Ele sorriu, revelando seus dentes afiados, e apoiou a cabeça contra o
pano úmido, buscando pelo alívio.
— É um calor diferente, você sabe. — sussurrou, seus olhos ainda
fixos nos meus. — É a maneira como você me faz sentir quando está
perto. Seu sorriso, suas curvas… Eu tenho vontade de te beijar cada vez
que te vejo.
Apesar de suas cantadas, eu tentava resistir à tentação, manter a
compostura. Era difícil, pois meu corpo ansiava por ele. Lutei para não
me deixar levar por suas palavras sedutoras, por sua presença
irresistível.
— Como você se sente? — interroguei, mudando o rumo da
conversa.
— Bem melhor do que você pensa, planetinha. — ele afastou o pano
do rosto e travei ao presenciar seu olhar no meu rosto. — Não finja que
não está sentindo o mesmo que eu. — Ele se aproximou lentamente,
inclinando seu corpo em minha direção, e com um olhar cheio de
desejo, posicionou sua mão levemente em meu rosto. Seu toque era
suave, mas carregado de anseio, percorrendo a pele de minha bochecha
e acariciando minha mandíbula, como se fosse uma obra de arte a ser
apreciada. Precisei fechar o olho. — Você quer.
Eu queria, queria muito. Queria tanto que chegava a doer.
— Vinci…
Em meio a esse jogo de sedução, suas pontas dos dedos começaram
a deslizar suavemente pela minha nuca, provocando arrepios
eletrizantes que percorriam pela minha espinha. Um arrepio
subsequente que me fazia ansiar por mais.
— Diga que me deseja… Diga sim, para mim. — sussurrou com a
voz sensual e não fui capaz de evitar.
Eu poderia me arrepender daquilo seriamente. Eu sabia que era um
caminho sem volta, mas o que mais eu podia fazer para fugir do que eu
não queria fugir?
Abri os meus olhos e encarei os seus sombrios.
— Sim.
O corpo de Vinci se chocou contra o meu, que foi jogado no sofá e
arfei, com seus toques quentes.
À medida que nosso beijo se tornava mais profundo, Vinci começou
a deslizar suas mãos pelas minhas costas, desvendando cada centímetro
da minha pele. O toque dele era enlouquecedor, provocando arrepios
que percorriam todo o meu corpo.
Com mãos habilidosas, ele começou a retirar cada peça de roupa
minha, revelando meu corpo nu à sua admiração. Eu me sentia
vulnerável, mas também incrivelmente poderosa diante do olhar
fascinado de Vinci.
— Tão… Perfeita. — sussurrou.
Nossos corpos se moviam em uma dança frenética, parecendo
conhecerem-se profundamente, como se estivessem em sintonia
perfeita. Cada toque, cada carícia era uma explosão de prazer
indescritível, que nos transportava para um lugar além do tempo e do
espaço.
Vinci gemeu entre meus lábios, mordendo-os e me arrancando
choramingos.
Arfante, não querendo soltar daqueles toques, murmurei;
— Vinci, eu sou…
— Eu sei o que você é. — disse, ofegante. — Não se preocupe, eu
sei o que fazer.
Confiei em suas palavras e não estava arrependida daquilo, nem
mesmo me lembrava da advertência de Chloe.
Vinci ofegava. Rosnava, e quanto mais fazia aquilo, mas eu o
desejava.
— Não tire os olhos de mim, planetinha. — ordenou e vi o vermelho
se espalhar nos dele.
Ele levantou as minhas pernas e as colocou ao redor da sua cintura.
Em seguida, começou a me beijar lentamente pelo corpo. Eu me
movimentei no sofá, inclinando minha cabeça para trás, completamente
absorvida, e tentando acompanhar cada movimento de Vinci. Eu já
estava extremamente excitada, e a sensação entre as minhas pernas
estava intensamente pulsante. Eu sentia um desejo obscuro e doentio
consumindo-me. Meu corpo estava em chamas e eu gemia
incontrolavelmente.
Eu segurei o sofá com muita força, tanto que deixei marcas
profundas das minhas unhas. Enquanto isso, sentia a boca de Vinci
explorando entre as minhas coxas, o que me provocava uma mistura
intensa de cócegas e arrepios.
Inicialmente, pensei que Vinci fosse me estimular oralmente, mas
fiquei completamente surpresa quando, ao invés disso, ele emitiu um
gemido e uma enorme cauda preta surgiu. Essa cauda sinuosa e escura
estava coberta de escamas afiadas, e era completamente preta.
Na sua extremidade, havia um ferrão venenoso brilhante,
perfeitamente preparado para ser usado como uma arma mortal. Além
disso, a cauda era longa o suficiente para alcançar seus alvos a uma
distância considerável.
Em um piscar de olhos, meu fôlego sumiu quando Vinci deu um
sorriso de lado, e eu pude testemunhá-lo se transformando diante dos
meus olhos.
As feições expressivas foram tomadas por uma escuridão sinistra
que se espalhava a partir do centro do rosto.
As veias, antes invisíveis, começaram a se tornar mais proeminentes
e escuras, percorrendo os contornos do rosto e se ramificando como
uma teia sombria. Os olhos, outrora vivos e vibrantes, se tornaram duas
órbitas vermelhas e vazias, com uma energia sinistra pulsando em seu
interior.
A boca, que costumava abrigar um sorriso ou uma expressão neutra,
se distorceu em um ar de predatória malícia, mostrando presas afiadas
em vez de dentes. A pele foi se tornando mais pálida e translúcida,
deixando as veias negras visíveis através do tecido.
A testa, outrora lisa, ganhou protuberâncias irregulares enquanto os
chifres começaram a emergir, rompendo a pele e brotando com uma
textura sombria e afiada. O cabelo se transformou em uma massa
emaranhada e negra, caótica e indomável.
Quase não respirei, mas não podia dizer que queria desistir.
Eu observei atentamente a cauda se movendo no ar, e experimentei
uma combinação intensa de excitação e medo. Subitamente, a cauda
adentrou meu corpo sem aviso prévio. Saltei e soltei um gemido de dor
e prazer. Vinci segurou meus joelhos firmemente com as mãos e pude
sentir o calor intenso que emanava dele.
Ele analisava minha feminilidade e lambia os lábios, enquanto a
cauda sacudia lá dentro.
À medida que a cauda adentrava cada vez mais, meus gemidos se
intensificaram. Vinci rugia de maneira assustadora. Eu tinha
consciência de que estava sendo possuída pelo diabo, mas aquela
sensação era tão prazerosa.
Movimentei meu quadril, experimentando uma dor intensa no
interior. Era tão profundo e intenso que parecia que eu seria dilacerada
por dentro, e a cauda emergiria pela minha boca.
Com dois dedos, ele começou a estimular meu clitóris, e eu não
sabia mais que sensações sentia. Seus dedos eram ágeis, profundos e
me estimulavam sem parar, enquanto ele sacudia a cauda na minha
boceta, que se encontrava molhada com aquela invasão.
Vinci apertava meus joelhos como se fosse adentrar a minha pele, e
então abri os olhos para ver o volume anormal na sua calça. Aquilo não
era humano, com certeza, mas eu percebi estar perdida quando desejei
ver o que tinha lá, e não temer.
De repente, num piscar de olhos, nos vimos em um lugar totalmente
diferente. Era como se tivéssemos sido teletransportados para uma
dimensão assustadora, que só poderia ser o inferno. Levou um tempo
para eu compreender a seriedade do que havia acontecido: estávamos
literalmente no próprio inferno.
Vinci não era mais o mesmo. Ele estava completamente
transformado, assim como eu. O calor intenso do inferno emanava de
todos os cantos, envolvendo-nos como uma cobertura incandescente. O
cheiro de enxofre impregnava o ar, enquanto os gritos e gemidos
ecoavam pelos corredores sombrios.
Apesar do medo que crescia no meu peito, uma estranha sensação de
êxtase começou a me dominar. Talvez fosse a adrenalina correndo em
minhas veias, misturada com a emoção avassaladora que
compartilhávamos. Eu já havia me entregado a um demônio, então qual
seria o problema de estar em seu próprio domínio?
— Eu vou te possuir intensamente até você se consumir em chamas
— disse ele, com uma voz que parecia vir diretamente do mundo
infernal.
Eu ainda estava presa no corpo dele, com minhas pernas envoltas de
seu quadril e com a cauda dentro de mim, quando Vinci se livrou da sua
camisa, deixando seu belo abdômen suado e bem definido diante de dos
meus olhos.
Com rapidez, ele tirou o seu pau para fora e o membro saltou, já
endurecido, pingando e coberto por veias. Era tão grande, tão grosso e
tão forte que eu salivei.
Ele riu, massageando o membro descomunal, que estava
escorregadio e, diferente dos pênis humanos que pingavam o líquido
transparente, o de Vinci soltava algo semelhante a lavas.
Eu não estava preparada para aquela situação, em que ele chegou
perto do meu corpo no meio de um momento caótico de calor, e meteu
em mim. Tudo aconteceu muito rápido. Meu corpo não estava pronto
para aquela invasão, para aquele encontro tão íntimo. As sensações
percorriam cada pedaço da minha pele, me fazendo tremer de prazer e
incerteza ao mesmo tempo.
O pau dele parecia maior do que eu imaginava, porque entrou em
mim quase me rasgando. Soltei um grito abafado, misturando dor e
surpresa, enquanto ele continuava a mexer dentro de mim com uma
força avassaladora, sem se preocupar em ir devagar.
Fiquei tonta por um segundo, agarrando firmemente as rochas ao
meu redor para o alívio daquela tensão, mas Vinci puxou as minhas
mãos para seu corpo.
— Aperte meu corpo. — pediu. — Me machuque.
Ele meteu mais fundo, entrando com seu pênis dentro de mim, e
estocou fundo, me fazendo sentir seus testículos endurecidos na minha
bunda.
Gemi e apertei sua cintura, cravando as unhas na sua pele quente e
escorregadia.
Ele não parou. Vinci parecia ser um maestro especializado naquilo,
pois enquanto ele estocava minha feminilidade, sua cauda sacudia no ar.
Ele mantinha as mãos envoltas do meu pescoço, me enforcando de um
jeito sensual, e mantendo os olhos vermelhos nos meus.
Cada socada era poderosa, enchendo todo o meu ser com uma
mistura de prazer e desconforto.
Enquanto ele se mexia, seus gemidos roucos ressoavam pelo inferno,
tornando o clima de desejo ainda mais intenso. Eu me sentia
completamente envolvida por uma onda de sensações, sem conseguir
resistir ao controle absoluto que ele tinha sobre o meu corpo.
Eu podia sentir cada músculo no meu corpo se contrair a cada
estocada, a cada momento em que ele ia mais fundo.
Apesar da intensidade da situação, um fio de prazer começou a se
entrelaçar com a dor inicial. Eu entreguei-me completamente a ele,
abandonando-me a cada investida impetuosa. Cada pensamento
racional foi substituído pelo puro prazer que ele me proporcionava.
Os movimentos dele eram fortes, intensos, como se quisesse me
consumir por completo com todo aquele fogo ao redor. Cada estocada
era uma tentação que eu não conseguia resistir, me levando ao extremo
do prazer e quase à loucura.
— Você é tão gostosa, planetinha! — gemeu de prazer, e senti seu
pau latejar dentro de mim. — Que boceta quente e apertada.
Chorei, e gostaria que fosse de dor, mas não era.
— Não pare, Vinci!
E então, lentamente, ele abriu suas asas. E eu pude ver toda a sua
magnitude obscura se desdobrar diante de mim. As penas eram escuras
como a noite mais profunda, brilhando com uma luminescência
maligna. Algumas penas eram afiadas, como estiletes prontos para ferir,
enquanto outras eram longas e sinuosas, como tentáculos prontos para
se contorcerem ao meu redor.
— Asmodeus! — rosnou. — Diga o meu verdadeiro nome. — foi
mais fundo, girando o quadril de um jeito que me deixou louca. —
Asmodeus!
— Asmodeus! — gritei. — Asmodeus! — mencionei com a
respiração entrecortada.
O suor escorreu da minha testa, e o demônio gargalhou, sem parar de
meter em mim, invadindo cada parede do meu íntimo, me possuindo de
forma devassa e pecaminosa.
Não havia mais razão, moralidade ou remorso em mim. Estava
mergulhada em um mundo de devassidão e luxúria, forjado pelas
chamas do abismo.
O prazer e a dor se entrelaçavam em uma dança infernal, enquanto
tudo ao meu redor se desintegrava em uma explosão de desejo
desenfreado. Eu era uma alma perdida, caindo no abismo do pecado
sem qualquer chance de retorno.
Ele segurou meus pulsos e eu chorei de tanta emoção. O calor, a dor
e a empolgação que eu senti naquele momento foram incríveis. Ele não
parava de fazer aquilo, sem piedade alguma, e eu já estava toda
molhadinha e escorregadia. De repente, o corpo dele começou a soltar
fumaça, mas eu sabia que era normal, afinal, ele era um demônio.
Aquela fumaça só deixava a experiência ainda mais intensa e
sobrenatural. Eu podia sentir o calor lá dentro de mim, misturado com
aquela sensação escorregadia que me fazia sentir completamente
preenchida. Cada vez que nossos corpos se encontravam era como se
um raio de prazer percorresse todo o meu corpo.
Enquanto ele se movia em mim, eu me perdia em um transe de
luxúria e desejo. Meus pensamentos ficaram turvos, minha mente
completamente entregue ao prazer que ele me proporcionava. Eu não
conseguia distinguir a dor do prazer, tudo se misturava em uma dança
devassa e intensa.
— Você é minha, para sempre! — afirmou.
Fechei os olhos e o clímax que chegou foi diferente de tudo que eu
havia experimentado antes. Era uma explosão de sensações
incontroláveis, um furacão de prazer que consumia cada parte do meu
ser. O tempo parecia ter parado, enquanto eu era levada por uma
tempestade de êxtase e desejo.
Eu não sei o que houve, mas fui consumida por uma sombra negra e
não me lembro de como tudo terminou.
Meus olhos foram se abrindo devagar, e mesmo que tudo estivesse
parecendo normal, eu sentia um vazio, algo que parecia ter sido tomado
de mim.
Tristeza, angústia e fraqueza.
Encarei o teto e vi que estava na sala de jogos, deitada sobre um
tapete, nua.
As lembranças vieram avassaladoras à minha mente, intensas e
vívidas. Lembro-me dos toques quentes e possessivos de Vinci, do jeito
como ele explorou cada parte do meu corpo com uma paixão
desenfreada. Sinto novamente o gosto do seu beijo ardente na minha
boca, a sensação do seu corpo colado ao meu.
No entanto, um choque de realidade me persegue implacavelmente.
Lembro-me das palavras de advertência que me foram ditas, de que a
minha alma estaria ligada à de Vinci para sempre, condenada a jamais
entrar no reino dos céus. Uma onda de nervosismo e angústia me
invadiu, enquanto eu processava as consequências do que havia
acontecido.
O que eu fiz?
Não que tenha sido ruim, mas eu poderia ter evitado. Eu poderia ter
sido mais forte, resistido ao desejo que me consumiu até o último
momento. Mas já era tarde demais.
Pensei que estava sozinha, mas Vinci saiu do cômodo seguinte e eu
não sabia como reagir.
— Acordou, afinal. — disse, e analisei sua barriga sarada, focando
em seu rosto.
Sentei-me ali, e cobri meu corpo com um lençol.
— Há quanto tempo eu estou…
— Algumas horas. — contou me oferecendo uma xícara quente.
— O que é isso? — analisei a xícara.
— Precisa repor sua energia vital. — explicou. — Eu tomei tudo.
Pelo menos hoje, deve beber.
Meu rosto ficou ruborizado e eu desviei o olhar, me sentindo
envergonhada com a situação.
Bebi o chá e não era tão ruim assim.
Vinci se aproximou devagar, sentando-se ao meu lado no tapete.
Seus olhos escuros encontraram os meus, e eu me senti hipnotizada por
seu olhar penetrante.
— Como se sente? — perguntou e eu sabia que aquilo era mais
íntimo do que eu esperava.
Passei a língua nos lábios, tomada por uma onda de calor, e tentando
ignorar meu corpo, que parecia sedento por mais.
— Bem, eu… — franzi o cenho. — Minha primeira vez foi com um
demônio, no território dele… — quando eu disse, pareceu mais
assustador do que quando eu estava pensando. — Deus!
— Deus? — Questionou de sobrancelha arqueada. — Não, ele não
tem nada a ver com isso, planetinha.
— É, eu sei, é só que… — minha voz parecia falhar a cada tentativa
de dizer algo. — Isso foi tão…
— Gostoso. — completou e encarei seus olhos, cobertos de prazer.
Eu me sentia dividida entre o medo e a excitação, uma mistura de
sensações que só reforçava o fascínio que ele exercia sobre mim. Eu
nunca poderia ter imaginado que minha vida tomaria um rumo tão
inesperado, que eu seria introduzida naquele submundo secreto e cheio
de perigos.
Porém, a sensação de estar com Vinci, mesmo que assustadora e
desconhecida, me atraía de maneira avassaladora. Minhas mãos
tremiam de nervosismo, mas também de ansiedade para explorar o
desconhecido.
Eu estava mesmo perdida.
Capítulo 15

Estou há milênios neste reino sombrio, vagando pelas profundezas


do inferno como um demônio condenado ao eterno tormento. Fui feito
para espalhar o caos, semear a desesperança e instigar a maldade nos
corações dos mortais. Sou Asmodeus, o demônio cujo nome é
sussurrado com temor pelos corredores do inferno. Sou o primeiro
príncipe, o primeiro antes de qualquer vida.
Ao longo dos séculos, perpetrei inúmeras atrocidades, causando dor
e sofrimento por onde quer que passasse. Sou impiedoso e implacável,
divertindo-me com a destruição e a miséria alheia. Minha existência é
regida por um único propósito: semear o terror no mundo humano.
No entanto, nunca antes havia experimentado qualquer
emocionalidade além do prazer sádico que me dominava. Até que, um
dia, encontrei Vênus. Uma jovem humana que desafiava todas as
minhas noções pré-estabelecidas sobre a fragilidade da raça humana.
Desde o início, quando bati meus olhos nela, quando ela ainda era
apenas uma menininha, eu sabia que ela seria minha.
Vênus não temia a minha presença. Seu olhar destemido penetrava
minha alma sombria, como se ela enxergasse além da minha aparência
demoníaca. E, oh, como ela era linda! Tão radiante e única, nunca antes
testemunhei tamanha beleza em um ser humano.
Sentia uma estranha inquietação, uma presença perturbadora dentro
de mim. Era como se algo adormecido há séculos despertasse para a
vida. Mas que sentimento era esse? Um arrepio de medo e excitação
percorria minha essência demoníaca toda vez que ela estava por perto.
Vênus era o desafio que eu jamais esperei encontrar. Ela não se
curvava diante do meu poder, não tremia diante de minha presença. E
isso me desconcertava. Como poderia algo tão frágil, tão efêmero
quanto à raça humana, desafiar alguém como eu?
Percebi então que Vênus não era apenas uma ameaça à minha
soberania e poder, mas sim uma ameaça à minha própria essência
demoníaca.
Talvez eu seja o dono de sua alma, mas ela possui uma influência
sobre a minha que não consigo compreender.
Nunca antes havia sentido tal fascinação, uma excitação primitiva e
intensa que me deixava ansioso para estar perto dela. Eu, poderoso e
impávido príncipe do inferno, estava agora completamente imerso em
desejos que antes eu nem imaginava existirem.
É curioso como me sinto atraído pelo cheiro do medo, do
desconforto e, principalmente, do desejo emanando dela. Cada emoção
que emana de sua alma parece uma sinfonia aos meus ouvidos
infernais. Seus olhos trêmulos, suas mãos em suor, são como doces
notas musicais que ecoam em minha mente tortuosa.
Antes de conhecê-la, eu jamais teria imaginado que tal ser humano
pudesse afetar-me dessa maneira. Sua presença desperta uma fome
incontrolável dentro de mim, levando-me a patamares de prazer e
tortura que eu nem sabia existirem. Mesmo agora, tendo tomado a
inocência de seu corpo, ainda anseio por mais.
— Você se arrepende de ter sido minha? — pergunto e vejo seus
olhos castanhos me sondarem.
— Eu… — ela pisca algumas vezes e a sede que tenho dos lábios
dela quase me faz avançar contra eles. — Eu não sei o que pensar sobre
o que aconteceu. — responde e fico atento. Eu sempre gostei de ouvi-la
falar. — Eu condenei a minha alma para sempre. — falou, com a voz
embargada. — Eu sei o que aconteceria comigo se eu me deitasse com
você.
Não era de se esperar que ela soubesse, e aquilo me fez perceber que
ela era muito mais esperta do que eu imaginei.
A pergunta era; O que ela ia fazer com aquilo?
— E então? — interroguei e ganhei de novo a atenção dela. — O
que isso significa pra você?
Ela franziu o cenho.
— É sério que está me perguntando isso? — pareceu irritada. — Eu
já tinha perdido minha alma aqui, e agora, neste momento, perdi a
oportunidade de renascer como uma pessoa comum! Minha vida ser
nascer e existir ao seu lado em todas as minhas existencias!
— Não posso dizer que sinto muito. — respondi e ela ficou irritada.
— É claro que não! — levantou-se e se enrolou no lençol. — Será
que ao menos uma vez você poderia agir com mais humanidade?
Levantei do chão, e ela precisou erguer os olhos para mim, e era
notável o meu tamanho, mas aquilo não a intimidava.
— Eu fico com muita raiva quando você faz isso. — mencionei e
ela franziu o cenho. — Quando você adora os meus toques e os meus
beijos, mas depois fica toda na defensiva, fazendo pirraça e agindo
como uma garotinha. — ela pareceu se assustar com o meu tom. —
Nem mesmo o seu ratinho age assim.
— Você… — ela fez uma careta. — Você me chamou de pirracenta?
— Sim. — confirmei. — Além de ser dramática e ficar se fazendo
de difícil, quando na verdade, nós dois sabemos que você ama o que eu
sou. Você adora o jeito que eu te toco, e fica pensando o tempo todo
nisso.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, processando minhas
palavras. A expressão de raiva em seu rosto se transformou em desafio.
— Você acha que me conhece tão bem, não é? — ela disse, cruzando
os braços. — Acha que sabe exatamente o que eu sinto e o que eu
quero.
— Eu posso não saber tudo, mas conheço os efeitos que tenho em
você — respondi, aproximando-me lentamente. — Posso sentir sua
atração por mim, sua necessidade de estar perto de mim.
Ela recuou um passo, mas não conseguiu me evitar por muito tempo.
Segurei seu rosto com delicadeza entre minhas mãos, olhando
profundamente em seus olhos.
— Eu sei que essa conexão entre nós é intensa, e entendo que talvez
algumas coisas te assustem, mas por quanto tempo você vai lutar contra
isso? Por quanto tempo vai negar o que sente?
Ela suspirou e olhou para baixo, desviando o olhar de mim. Eu sabia
que tinha mexido com seus sentimentos e a deixado desconfortável.
Mas também sabia que era a verdade.
— Não é tão simples, você sabe. — Ela finalmente falou, sua voz
um pouco mais suave do que antes. — Há mais em jogo aqui do que
apenas a atração física entre nós.
— Tipo o que?
— Tipo o fato de você ser a criatura mais sombria de todas, e de
sempre ser desumano. — suas palavras muitas vezes me deixavam
inquieto, e aquela era uma delas. — Você sempre fala como se a
solução para tudo fosse me entregar, mas se esquece que mente para
mim o tempo todo! Você é o demônio, Vinci, e eu sou a humana.
— Isso é porque eu sou o diabo? — questionei.
— É muito mais que isso.
Eu soltei seu rosto e dei um passo para trás. Eu já sabia disso tudo,
mas a minha frustração estava tomando conta de mim. Eu queria que
ela entendesse como eu me sentia.
— Eu deveria forçá-la a ser minha. — falei e ela arregalou os olhos
um pouco. — Eu deveria prendê-la em uma masmorra e te proibir de
ver quem ama. Eu posso fazer isso.
— Esse é o seu jeito de resolver as coisas? — perguntou agitada.
— É o único jeito que eu conheço. — afirmei e senti as ondas de
calor em minha pele. — E acredite, eu não vou hesitar até você ser
minha por completo.
Ela riu, um sorriso sem humor e assentiu.
— Percebeu? — Ela me provocou. — Eu não espero nada além de
crueldade de você. — Sua voz estava carregada de repugnância. —
Você sempre será o monstro, não importa em que narrativa esteja
envolvido, sempre será aquele que precisa ser excluído ou esquecido,
porque você é o monstro.
Eu queria muito matar ela.
Eu juro por Lúcifer, que eu queria agarrar o pescoço dela e tirar todo
o ar, depois devorar a sua alma.
Mordi os lábios e foi a minha vez de sorrir em sarcasmo, usando de
uma calmaria que eu não tinha para evitar a morte dela.
— Desgraçada. — murmurei e ela levantou as sobrancelhas,
expressando surpresa e descrença.
— O que disse?
— Que você é uma mulher desgraçada. — caminhei de volta para
ela, e ela não se moveu. — Eu só poderia te matar, mas… — analisei o
corpo com curvas e fiquei sedento. — Eu continuo querendo te foder só
pra ouvir você gemendo deliciosamente de dor em meus ouvidos. —
agarrei a nuca dela e a puxei para perto dos meus lábios, tendo que me
abaixar um pouco, e ela gemeu. — Você com certeza é a desgraça em
pessoa, mas para sua falta de sorte, eu adoro uma desventura.
Ao ouvir minhas palavras, ela recuou um pouco, claramente
assustada com minha intensidade e agressividade. Seus olhos
demonstravam uma mistura de medo e desafio, o que apenas aumentava
minha excitação.
— Você é um doente! — ela sussurrou, tentando se desvencilhar do
meu aperto na nuca.
Eu soltei uma risada perversa, saboreando a sensação de poder que
emanava de mim. Eu estava completamente ciente de que minhas
palavras e atitudes eram perturbadoras, mas naquele momento, elas
eram uma extensão da minha raiva e do meu desejo incontrolável por
ela.
— Acha mesmo que vai me afastar com algumas palavras? —
provoquei, aproximando minha boca do ouvido dela. — Você não faz
ideia do que sou capaz.
Ela soltou um gemido baixo, uma mistura de medo e excitação, o
que só aumentou a minha luxúria por ela. Minhas mãos percorreram seu
corpo, explorando a curva de seus seios com avidez. Eu queria dominá-
la, possuí-la de todas as formas imagináveis, mesmo que isso
significasse feri-la.
Eu podia ver a luta interna em seus olhos, enquanto tentava resistir à
atração insana que nos envolvia. E, por mais que ela tentasse, eu sabia
que não seria capaz de resistir por muito tempo.
— Me solte! — ela exigiu, com a voz trêmula.
Eu ignorei suas palavras, mergulhando meus lábios em seu pescoço,
mordendo e chupando com força. Ela arfou de dor e prazer, suas mãos
agarrando meus cabelos, implorando por mais.
— Eu avisei que ia te machucar — sussurrei, minha voz carregada
de um desejo voraz. — E eu vou cumprir com minha palavra.
A puxei para mim com força, e o corpo pequeno dela bateu no meu,
enquanto avancei seus lábios e a beijei com fervor e excitação.
O corpo dela em minhas mãos era como um pedaço do inferno. Eu
amava aqueles gemidos, aquelas mãos deliciosas e aquela expressão de
excitação em seu rosto.
Com um impulso, a joguei ao chão, contemplando a perfeição de seu
corpo nu.
— Pelo inferno! — Gemi, excitado. — Você é deliciosa. —
Acariciei seus seios enquanto ela arqueava as costas. — De jeito
nenhum irei compartilhar tudo isso com o mundo ou o céu. Que se
dane!
Avancei contra seus lábios, deixando minhas mãos descontroladas
percorrerem cada milímetro daquele corpo.
Eu gostava dos gemidos dela, eu amava aquele sorriso alado que ela
dava quando estava sendo possuída por mim.
Deslizei meus dedos delicadamente sobre sua intimidade, sentindo
sua umidade e desejando mergulhar ainda mais fundo em seu prazer.
Ela arqueou as costas e soltou um gemido mais intenso, seus olhos
fechados transmitindo todo o prazer que eu estava proporcionando.
Movimentei os dedos no seu interior e a boceta dela estava tão
molhada que eu poderia surfar entre aqueles nervos. Ela gemeu como se
estivesse cantando uma música, e afundei um pouco mais, abocanhando
seu peito e mordendo o bico endurecido.
A pele dela se arrepiou e lambi seu peito, enquanto apertei entre os
meus dedos o outro bico, em um vai e vem.
Aumentei a intensidade dos meus movimentos, explorando cada
dobra e sulco do seu ser, levando-a cada vez mais perto do precipício
do prazer.
Seus gemidos se tornaram mais altos, mais descontrolados. Ela
segurou meu cabelo com força, puxando-me para mais perto dela.
Eu sentia cada contração, cada tremor do seu corpo enquanto ela se
aproximava constantemente do ápice do prazer.
Não resisti, e expulsei minhas asas para fora, junto da minha cauda,
que dançou no ar, agitada para explorar a bunda dela, que era a coisa
mais linda que vi.
Enquanto ela gemia, afastei ainda mais suas pernas e tive uma visão
perfeita de sua feminilidade, brilhante e rosada diante dos meus olhos.
Era difícil manter a sanidade daquela maneira.
Sem aviso, inseri minha cauda em seu ânus e ela estremeceu, quase
chorando, proporcionando-me ainda mais prazer. Inseri a cauda mais
profundamente e foi minha vez de gemer e parar por um momento.
— Nem mesmo o inferno é tão quente quanto esse rabo. — gemi.
Continuei explorando sua bunda com minha cauda, acariciando cada
curva e sulco com precisão. Ela arqueou as costas, empurrando seu
traseiro para trás, buscando mais contato e intensidade.
Meus dedos também se juntaram à dança, acariciando suas coxas e
deslizando pelo seu corpo enquanto nossas respirações entrelaçavam-se
em um ritmo frenético.
— Ah! — foi à primeira palavra dela. — Isso dói…
— Dói? — perguntei sem parar de enfiar. — É assim que eu gosto!
Não parei de estocar, ouvindo os gemidos dela pela sala e o seu
corpo escorregadio.
Eu queria mais, muito mais.
Tirei meu pau para fora e nem umedeci, o enfiando logo nela e
soltando um gemido de prazer, pela espessura quente e escorregadia.
— Eu sou o diabo, não é? — perguntava enquanto estocava. — Eu
sou o monstro? — mais forte e ela gemeu. — responde!
— Si… Sim. — respondeu com a voz entrecortada pelo ritmo
agressivo.
— Mas, eu sou… — arfei. — Eu serei o único homem a te foder
assim, não é?
— Sim! — respondeu chorosa, enquanto agarrava meus braços,
cravando suas unhas em minha pele. — Sim, assim!
Sorri, ao vê-la entregue a aquele desejo.
Enfiei sem parar no cuzinho dela, e continuei penetrando sua boceta
quente e molhada, movendo meus quadris com precisão, enquanto
observava o rosto contorcido de prazer e os olhos em lágrimas.
— Essa boceta é minha! — excitei, metendo mais fundo, sem dó.
— Então me fode sem parar! — implorou.
Não parei, enfiando mais e mais e permitindo que a ponta das
minhas asas passeasse nos bicos do peito dela, fazendo carícias ali.
O gemido que ela soltou foi de um som enlouquecedor. O corpo dela
estremeceu por completo, sua boceta apertou meu pau e eu senti
latejando lá dentro. O ânus dela piscava, e aquilo me fez soltar um
gemido animalesco.
Não parei, já sentindo algo estranho acontecer, algo que eu nunca
tinha sentido.
— Por Lúcifer! — rosnei.
Os sinais malucos de prazer começaram a aparecer, junto com
sensações estranhas. Minha respiração ficou toda descompensada, meu
coração acelerou pra caramba, e meu corpo inteiro ficou arrepiado.
Cada toque, cada movimento, pareciam se multiplicar em sensações
deliciosas, trazendo uma mistura de dor e prazer.
Meus músculos ficaram todos enrijecidos, fazendo espasmos
descontrolados, enquanto uma onda de calor invadiu meu corpo inteiro.
A sensação era tão forte que parecia que eu ia explodir a qualquer hora.
Eu me joguei de cabeça naquele momento, deixando o prazer me
engolir de uma maneira intensa.
No auge da minha empolgação, senti meu corpo tremendo, e uma
onda de alegria me dominou. Eu gelei da cabeça aos pés e meu corpo
foi preenchido por uma sensação indescritível de liberdade. Cada célula
parecia vibrar, como se estivessem dançando ao som da minha própria
felicidade.
Caí para trás, colocando as minhas costas no sofá e paralisei.
Depois daquilo, uma sensação de tranquilidade e paz me tomou
conta. Meu corpo estava em estado de êxtase, enquanto minha mente
flutuava em um mar de felicidade. Era como se aquele breve momento
de prazer tivesse o poder de me levar para um mundo paralelo, onde
tudo era perfeito.
Aos poucos, fui voltando à realidade, sentindo meu coração diminuir
as batidas aceleradas e minha respiração voltar ao normal.
Que merda foi…
Olhei para Vênus e ela estava me olhando de cenho franzido. Não
era me julgando, era curiosidade.
— O que? — perguntei ainda ofegante.
— Você nunca… — me analisou. — Você nunca tinha gozado, não
é?
O que era aquele sentimento estranho que fazia meu rosto queimar?
Tudo era novo para mim.
— Nem você. — respondi. Ela riu, e aquilo me deixou inquieto. —
O que é?
— Desculpe. — pediu, cessando o riso. — O grande Asmodeus,
príncipe do inferno, o todo poderoso, nunca gozou na vida? — riu. —
Você sempre se gaba de tudo, e olha para…
Avancei contra a boca dela, com a minha mão fazendo-a calar.
— Se você disser mais alguma coisa, eu juro que arranco a sua
língua. — ameacei.
Quando tirei a mão de sua boca, ela pigarreou e virou as costas para
mim.
— Desculpe. — pediu.
Eu estava sendo motivo de piada, justo para ela, e aquilo era um céu
de tão ruim.
Merda, Vinci!
Capítulo 16

Meus irmãos… O que dizer sobre eles? Éramos apenas quatro.


Belphegor, Belial, Mammom e eu.
Bem, Belial sempre foi o mais astuto. Ele sempre encontrava uma
maneira de desaparecer e nunca quis assumir a sua parte do inferno, o
que significava que eu ficaria com essa responsabilidade. E assim foi.
Ele realmente tinha uma mente brilhante, isso era inegável. Tinha
uma cidade inteira à sua disposição, e mesmo que não quisesse o
inferno, ele tinha alguns demônios que o seguiam fielmente. Uma
legião que adorava satisfazer seus desejos e cumprir suas ordens. Por
isso, mesmo sabendo que ele era perigoso e não sabia guardar segredos,
eu nunca o vi como um inimigo. Mas sempre mantive meus olhos
abertos, pois sabia que era preciso vigiar.
Belphegor, aquele maldito que amava Mammom com todas as suas
forças, estava sempre ao lado dela, mas também sempre ao meu lado.
Era um mentiroso, especialista em sedução e preguiça. Nunca tinha um
lado definido, mas se estivesse diante de mim, sempre se ajoelharia.
Ele fazia qualquer coisa para obter benefícios e escapar das
situações. Tinha sua parte do inferno, mas não estava tão interessado
em liderança, pois preferia desfrutar dos prazeres humanos, e estava
sempre pulando de um lado para o outro, sem rumo. Contar com ele era
como contar com um pássaro. Não valia a pena, pois ele sempre trairia
qualquer um que estivesse ao seu lado.
Como eu disse, tudo era sempre em benefício próprio.
E assim, surge Mammom, a ardilosa e ambiciosa diaba. Ela nunca se
contentou em ter apenas sua parte no inferno; como eu, ela almejava
muito mais. Sonhava em ocupar o trono do rei, mas havia apenas um
rei, e é claro que, seria eu. Mammom era astuta, não por acaso era
príncipe da ganância e da riqueza material. Desde que me recordo,
vivíamos brigando pelo poder, e ela nunca baixava a guarda. Sempre
guardava um trunfo na manga.
Não éramos verdadeiros irmãos, sempre nos atacávamos e nos
odiávamos. Era uma guerra entre eu e minha irmã mais nova.
No entanto, Mammom poderia ter suas estratégias ocultas, mas havia
uma coisa que eu tinha e ela não; a chave para a prisão do céu, onde
meu poder supremo estava guardado: Lúcifer.
Lúcifer era o único que poderia me conceder total poder para
governar o inferno, pois ele tinha a maior parte dele sob seu domínio.
Porém, ele havia sido capturado e aprisionado nas profundezas do céu.
Sim, o céu também possuía seu próprio inferno peculiar, e era lá que
Lúcifer permanecia.
Foi uma tarefa árdua esconder o arcanjo de Mammom, mas fui mais
esperto. Obtive o pergaminho que revelaria a localização da chave, e
também me permitiria adentrar o céu para tomar à força o poder de
Lúcifer, pois ele jamais me entregaria voluntariamente.
Entre todos os irmãos, eu era o que ele mais odiava.
Uma pena para ele, pois justamente eu, estava preparado para
libertá-lo da prisão. Eu ia tomar o meu lugar por direito, pois eu era o
primeiro príncipe.
Havia uma guerra ocorrendo no inferno e uma guerra lutada dentro
de mim, e aquela guerra interior parecia muito mais confusa.
Era uma guerra chamada Vênus e eu não sabia como combater isso.
— Você está realmente indo embora? — questionou Belial, e desviei
meu olhar da janela para encarar seu rosto.
— Sim, ainda hoje. — confirmei. — Mammon anda muito quieta,
não acha?
Ele concordou, servindo uma bebida para nós.
— Pedi para alguns dos meus demônios darem uma olhada, mas não
encontraram nada. — isso me preocupou. — Parece que ela está
invisível. Nem mesmo os seus tenho visto, desde Morvik.
Sentei-me na poltrona, pensativo. Mammon nunca ficava em
silêncio, então quando ela finalmente se manifestasse, seria com algo
impactante, e eu precisava me preparar.
— Fez o que eu te pedi? — questionei, olhando para Belial e ele
assentiu.
— Sim. Coloquei todos os meus melhores demônios em busca de JT.
— ele franziu a testa. — Estranhamente, ele também parece nunca ter
existido, não encontrei nada sobre ele.
— Ele é um humano. — mencionei. — Mesmo que seja um humano
com privilégios, ele ainda é humano e não pode se esconder por muito
tempo.
— Não se preocupe, primeiro príncipe, vamos encontrá-lo. — ele me
analisou. — Foi ele quem matou o irmão de Vênus, não é?
— Sim.
— E ele também pode estar com os pais dela. — confirmei. — É
estranho, não acha? — ele ponderou. — Por que um humano, que atira
em uma criança e provavelmente sequestrou os devedores, não entrou
em contato para pedir resgate ou algo do tipo?
Ele estava certo, e eu já havia percebido que isso não aconteceu.
Havia algo que não se encaixava, algo fora do lugar que não deveria
estar.
Mas, eu descobriria. Nada passava despercebido por mim. Nunca
aconteceu antes, e não seria a primeira vez.
— De qualquer forma, mantenha um olho aberto e me avise. — pedi.
— Farei isso. — ele tomou seu drink de uma vez só.
De longe, pude sentir os batimentos descompassados do coração de
Vênus. Mesmo estando no andar de cima, eu sabia que algo estava
errado.
Ao chegar à porta do quarto e abri-la abruptamente, deparei-me com
ela sentada no chão, utilizando sua bombinha de asma, parecendo
aliviada com aquilo.
— Você está bem? — perguntei, fazendo-a notar minha presença no
quarto.
— Sim, estou. — respondeu, levantando-se e arrumando sua
camiseta. — Que horas são?
— Ainda é cedo. — afirmei, percebendo meu cheiro em sua pele. —
Partiremos nesta tarde, então esteja pronta.
Um sorriso alado e animado escapou de seus lábios, suavizando sua
expressão.
Felicidade.
— Você está falando sério? — questionou, e eu assenti. — Graças
a… — ela parou de mencionar quando percebeu meu olhar, e disfarçou,
alongando-se. — Ah! Acho que vou tomar um banho.
Ela caminhou em direção à porta do banheiro.
— Como está se sentindo? — indaguei, e ela parou na entrada.
— Bem, por quê? — franziu o cenho.
— Nada. — respondi. — Não está tendo pesadelos, vertigens? Dor
ou crises de pânico? — analisei-a, enquanto ela me observava com
desconfiança. — Deixa pra lá.
Virei às costas, deixando o quarto, pois Vênus não precisava saber
das inúmeras questões que a aguardavam por ter se envolvido comigo.
Não eram apenas as suas vidas que seriam perdidas por minha causa,
tudo era muito mais complicado, e eu não queria que ela soubesse
disso. Ela provavelmente ficaria horrorizada e eu não teria paciência
para lidar com sua reação.
— Ei? — Parei no corredor ao ouvir sua voz vinda de trás de mim.
— O que? — Olhei para ela analiticamente.
— Mm… Será que posso fazer uma pergunta?
Lá vamos nós de novo. Como ela tinha tantas perguntas? Odiava
quando ela as fazia, porque mentir para ela era extremamente difícil,
mesmo sendo um mentiroso perfeito.
— Fala. — Coloquei as mãos atrás das costas, observando seus
lábios deliciosos se contorcerem.
— Por que Belial falou sobre o pacto daquele jeito, dando a entender
que não era real?
— O rato está vivo, não é?
— Marte… — Murmurou. — Sim, mas sinto que você está
escondendo algo de mim.
Que inferno.
— Tome seu banho e se arrume. — Avisei, torcendo para que ela
encerrasse aquela conversa, mas era Vênus, e ela nunca deixava um
assunto sem resposta.
— Se você não me contar, vou arrancar a verdade de Belial. —
Falou desafiadoramente. — E nós dois sabemos que, mesmo se
ameaçado, ele não consegue se calar.
Droga!
— Olha só, planetinha. — Me aproximei dela e ela permaneceu
imóvel, me encarando com olhos atentos. — Tem coisas que é melhor
serem mantidas em segredo. Tudo o que eu vou revelar aqui,
certamente fará com que você me odeie.
— Isso não muda nada então. — Fiz uma careta, detestando aquela
situação.
— Eu sempre tenho controle sobre tudo. Por que não com você? —
Questionei e ela não deu importância, aguardando sua resposta. —
Tudo bem. — Suspirei. — Eu estava mentindo para você. Prolongaria a
vida do seu irmão por mais um ano, e eu o levaria para o inferno junto
com você.
Os olhos que me fitaram eram inundados de medo e incredulidade,
acompanhados por uma intensa angústia.
— Você… Você mentiu para mim? — ela questionou, com sua voz
trêmula.
— Sou o diabo, é isso que faço. — respondi, vendo seu semblante se
endurecer, e sentindo que a raiva a consumia.
— Não consigo compreender como pude ser tão ingênua. — ela
desferiu um forte golpe ao fechar a porta do quarto em minha face,
fazendo-me suspirar.
Os humanos são tão sensíveis assim?
Tentei abrir a porta, mas estava trancada.
— Sério? — sussurrei, atravessando-a e parando no meio do quarto,
observando-a despir-se no banheiro.
As curvas de seu corpo eram como belas passarelas florais. Possuía
uma pele delicada e sedosa, um verdadeiro deleite ao toque, e sua
pronunciada e generosa bunda me deixava inquieto em minhas calças.
Seus seios eram empinados, com bicos eretos e rosados que sempre
pareciam implorar para serem chupados.
Ela era a mulher humana mais irresistível que já havia tocado, além
de ter sido a única a me proporcionar meu primeiro orgasmo. Não
poderia permitir que tudo isso fosse levado embora, que outro homem a
tocasse, por isso precisava me tornar mais humano.
Quando ela percebeu minha presença no quarto, antes de entrar na
banheira, quase sofreu um ataque de pânico.
— Mas… Que diabos você está fazendo? — Passou a mão na toalha
e a envolveu em volta do corpo.
— Não terminamos nossa conversa.
— Terminamos sim! — alertou. — E como você entrou aqui?
— Atravessei a porta, já que você a trancou.
Ela fez uma careta.
— Poderia ter batido! É assim que pessoas normais fazem! — disse
agitada.
— Eu não sou uma pessoa. — respondi me aproximando. — E
também não sou normal.
Ela suspirou, parecendo cansada e triste, enquanto segurava
firmemente a toalha, como se eu não tivesse visto aquele corpo pelado
um milhão de vezes.
— O que você quer, Vinci? — perguntou sem humor.
— Não que eu deva, ou que eu precise, mas… Eu quero me explicar.
— ela ficou calada, esperando. — Bem, tudo o que eu disse era
verdade, mas eu não vou fazer aquilo com você e o seu ratinho.
— E por que eu deveria acreditar? — inquiriu. — Você é mentiroso,
ardiloso, e faz tudo para o seu benefício. Eu e meu irmão, somos apenas
marionetes em suas mãos, não é?
Eu não sabia como falar sem parecer grosseiro, e eu não podia
confirmar aquilo. Mas Vênus precisava ouvir algo mais reconfortante,
algo que a fizesse ficar tranquila e esquecer aquela conversa.
— Eu… Te amo? — falei sem compreender, confuso com aquela
palavra, mas já havia percebido que os humanos reagiam de forma
emocional diante dessa frase. As discussões cessavam, sorrisos eram
trocados e até perdão era concedido. Então, será que teria o mesmo
efeito em Vênus?
Não sei quando, mas rapidamente ela desferiu um tapa no meu rosto,
que, mesmo não tendo efeito algum, foi uma surpresa.
Eu disse algo errado? Talvez devesse tentar em outra língua ou…
— Imbecil, desgraçado! — ela gritou. — Acha mesmo que pode me
enganar com isso? — ela estava furiosa. — Saia do meu quarto, agora!
Fiquei completamente perdido, sem entender o que de errado eu
havia feito. Talvez eu tenha pronunciado errado? Eu disse sem muita
paixão? Deveria ter colocado mais ênfase?
Eu não sabia, só sabia que Vênus estava furiosa comigo, bem mais
do que ela costumava ficar.
Pelo caminho todo de volta para Stanfield, Planetinha não deu um
pio, ela nem mesmo olhou para mim, evitando encarar meu rosto.
Eu não sentia nada nela, nada além daquela raiva contida.
Fiquei atrás das cortinas calado, e nem ousei tentar uma
aproximação. Será que eu deveria?
Pousamos e fomos direto para casa. Assim que entramos, Vênus
deixou as malas no chão quando o ratinho veio correndo em sua
direção.
— Darling! — saltou para o abraço dela.
— Anjinho! — o abraçou de volta.
As emoções são um enigma para mim, uma teia intricada que vai
além da minha compreensão.
— Eu senti tanto a sua falta. — disse o ratinho, com os olhos azuis
em lágrimas.
— Desculpe, meu amor. Eu prometo que não vou mais me afastar de
você.
Aquela proximidade… Aquilo era amor?
Ela o amava incondicionalmente, algo que eu mal conseguia
entender. Eu não compreendia como alguém poderia sentir tanto
carinho por outro ser, principalmente quando esse ser também havia
causado dor e sofrimento.
Se aquilo se aplicava ao pequeno esquilo, então por que não se
aplicava comigo? Eu também havia tocado nela, e de um jeito que o
irmão não poderia. Eu havia feito ela gemer, sorrir e suar o meu nome
enquanto pedia por mais de mim.
Eu havia feito muitas coisas boas para ela, então? Por que ela me
bateu quando eu disse que a amava?
— Tio Vinci! — o ratinho agarrou minha cintura sem aviso prévio e
eu não tive outra reação a não ser paralisar. — Também fiquei com
saudade sua.
Eu não disse nada, pois não havia sentido a falta dele. Na verdade,
aquilo foi um alívio. Ter ele longe, e ter Vênus só para mim.
Aquela foi a primeira vez que ela olhou para mim após muitas horas,
e eu preferi que não tivesse olhado, pois me lançou um olhar mortal.
— Vem, anjinho. — agarrou o irmão o levando para longe de mim.
— Me conte tudo o que fez enquanto estive fora.
Eles sumiram no corredor e eu ainda fiquei pensativo.
— Senhor? — Patrick surgiu, arrancando meus pensamentos. —
Bem vindo de volta, senhor.
— O que tem para mim? — Fui caminhando enquanto ele foi me
atualizando.
Não tinha nada de novo, nada do que eu já não sabia. Alguns
problemas aqui e ali, que deveriam ser resolvidos por mim.
Troquei o terno e deixei a mansão para ir a uma das minhas boates,
onde estava ocorrendo um problema.
Fui informado de que uma das mulheres que trabalhavam lá, estava
roubando dinheiro dos clientes, e não eram clientes comuns, mas sim os
meus clientes.
Eu detestava ladrões, exceto por mim mesmo. Sentia repulsa por
aqueles que me roubavam, pois parecia que não tinha controle sobre
eles e ninguém me levava a sério.
Havia apenas uma forma de fazer os humanos entenderem que eu
reinava no inferno e também na terra.
Ao entrar na sala escura, deparei-me com a mulher amordaçada e
nua, com as mãos suspensas no ar por cordas que prendiam seus
punhos.
A mulher estava desesperada, com os olhos vazios de esperança e o
medo evidente em suas veias.
Observando-a, comecei a sentir prazer mórbido. Aproximei-me e vi
seu corpo nu tremer de pavor, mostrando que ela se arrependia de ter se
apropriado do que não era seu.
— Justine — mencionei, enquanto circulava ao redor dela. — Você
estava roubando dos meus clientes? — Ela balançou a cabeça
negativamente várias vezes. — Ah, não? Mas foi isso que chegou até
mim. — Parei diante de seus olhos e vi suas lágrimas, o que me deu
grande satisfação. — Detesto quem ousa roubar de mim. — Minha voz
saía como um sussurro cruel, cheio de raiva e arrogância. — Sou o
único governante deste lugar, você entende? Aqui, o que eu desejo é a
regra suprema.
Ela assentiu, implorando por mais uma chance, mas eu não
costumava oferecer segunda oportunidade. Aproveitando-me de sua
vulnerabilidade, decidi puni-la de uma maneira que ela jamais
esqueceria.
Peguei uma faca afiada e meticulosamente tracei cortes profundos
em sua pele, um por um, como se fosse uma obra de arte grotesca.
Observava com prazer cada expressão de dor em seu rosto
atormentado. Enquanto o sangue escorria das feridas, eu me deliciava
com o poder que exercia sobre ela.
Eu era o mestre supremo neste lugar sombrio, e ela era apenas um
brinquedo quebrado que precisava ser consertado ou descartado.
E enquanto ela estava em lágrimas, sofrendo meu cruel domínio, eu
sorria com uma insanidade que só podia ser compreendida por aqueles
que tinham caído nessa escuridão junto comigo.
Depois da tortura, tudo o que eu fiz foi engolir a alma dela.
— Não se esqueça, senhor Vinci, que amanhã você tem uma reunião
muito importante com Donovan. — avisou Patrick.
— Ele finalmente cedeu. — mencionei, arrumando a gravata, que
ainda estava manchada de sangue.
— Sim, mas ele disse que só terá disponibilidade amanhã. Foi muito
difícil convencê-lo. — falou.
Eu sabia o quão importante Donovan era para os meus planos de
conquistar o inferno, mesmo ele sendo um idiota convencido de que era
melhor do que eu. Eu precisava tolerá-lo.
— Estarei lá amanhã. — Avisei e entrei no carro.
Quando retornei à mansão, um silêncio pairava no ar. Troquei de
roupa e explorei os cômodos, constatando que estavam todos vazios.
Ao chegar à porta do quarto de Vênus, deparei-me com ela
dormindo. Seu semblante apresentava cansaço e estava visivelmente
fechado.
Sem pensar, entrei no quarto e me sentei na cama, permitindo que
meus dedos acariciassem sua pele aveludada. Vênus era uma beleza
deslumbrante.
Em minha opinião e na forma como eu apreciava as coisas bonitas,
poderia chamá-la de desgraça. Ao olhar para ela, senti um desejo de me
perder em seu corpo e saborear seus lábios, sem jamais deixá-la partir.
Ajeitei o cobertor sobre seu corpo e saí do quarto.
Segui para o quarto do ratinho, onde ele estava completamente
imerso em um documentário sobre a vida dos animais na natureza.
Seus olhos azuis estavam fixos na tela, mas eu tinha planos de
interrompê-lo.
— Não deveria estar dormindo? — perguntei ao adentrar o quarto, e
ele saltou da cama, surpreso.
— Tio Vinci! — ele desligou rapidamente a televisão e me encarou.
— Por favor, não conte isso para a Darling.— pediu. — Se ela
descobrir que eu ainda não dormi, ela vai ficar furiosa.
— Mm… — Aproximei-me da cama e me sentei. —Talvez
possamos discutir negócios.
— Negócios? — Perguntou confuso.
— Sim. Eu não conto a ela sobre sua apresentação tardia, e em troca,
você me ajuda com algo. O que acha?
Ele pareceu assustado no começo, mas era um bom ouvinte.
— Está bem. O que você quer?
Dei um sorriso meio desconcertado, procurando a melhor forma de
começar.
— Mm… Tudo bem. Quero que me explique o que você faz para
que sua irmã goste tanto de você. — Ele franziu a testa.
— Como assim?
Revirei os olhos.
— Você sabe do que estou falando. Ela olha para você de uma
maneira que nunca olhou para mim. Ela te abraça, sorri para você e
sempre, sempre faz tudo o que você deseja. — Observei o menino. —
Que tipo de magia você usa?
— Eu não uso magia. — Fiquei atento, franzindo a testa. — Darling
faz tudo isso porque gosta de mim.
— Eu sei. E é exatamente isso que quero descobrir. Como você faz
isso?
O garoto pensou por um momento, e a expressão em seu rosto era
estranha, mas decidi ignorar.
— Está bem. — Ele se ajeitou na cama. — Acho que Darling faz
tudo por mim porque eu sou obediente. — Disse com um sorriso
animado.
— Obediente?
— Sim. — Ele assentiu. — As garotas não gostam quando os
garotos gritam com elas ou lhes dizem o que fazer. Elas gostam de
garotos gentis, carinhosos e… — Ele refletiu um pouco. — Que
compartilham tudo com elas. Como, por exemplo, seu lanche.
— Compartilhar o lanche… — Murmurei.
— Sim. Ah, e elas também gostam de presentes.
Olhei para ele.
— Que tipo de presente?
— Mm… Não sei exatamente, mas tem que ser algo realmente bom,
porque se for ruim, ela vai te jogar na cara.
— Entendi… — fiquei analisando aquilo tudo.
— Tio Vinci? — Olhei para o menino. — O que vai fazer amanhã?
— Por quê?
— Queria te pedir uma coisa.
Eu sempre tive repulsa pelos seres humanos e aquele olhar que eles
expressavam quando desejavam algo. Fechei a porta do quarto e me
retirei, permitindo que o garoto descansasse.
Aquela conversa foi bastante útil, embora tenha me deixado um
pouco desconfortável com a ideia de coisas sendo jogadas na minha
cara.
Eu ainda não tinha me recuperado do tapa que ela me deu, sem
avisar, e como mencionei anteriormente, não senti nada. No entanto, foi
bastante peculiar ser agredido por uma garota de 1,60 de altura.
O que importava era que eu sabia como fazer Vênus não me odiar
mais, e gostar de mim da mesma forma que gostava do garoto.
Capítulo 17

Ele realmente disse que me amava? Por mais que eu tentasse


raciocinar, nada fazia sentido. Fiquei furiosa com a audácia dele de me
dizer aquilo, pois sabia que era mentira. Vinci era o demônio, e ele
aproveitaria tudo o que pudesse para me distrair, mas não funcionaria
comigo. Eu o odiava, do fundo da minha alma e de verdade, aquilo
tinha que acabar.
— Vai estar na escola amanhã, não é? — questionou Marte,
interrompendo meus pensamentos.
— Amanhã?
— Sim, Darling! Não me diga que esqueceu… — fez um biquinho.
— É a apresentação para o dia das mães.
Onde estava com a cabeça pensando em Vinci em vez do meu
irmão?
— Claro, anjinho. — acariciei seu cabelo. — Eu nunca faltaria.
Ele sorriu.
— Tudo bem. — ele se acomodou na cama. — Podemos levar o tio
Vinci também?
— Claro que não! — respondi com raiva. — Quer dizer… O tio
Vinci tem muitas coisas para fazer e aposto que não pode ir. Então… —
puxei o cobertor para cobrir seu corpo. — Não vamos incomodá-lo.
Ok?
— Tudo bem. — beijei sua testa. — Eu te amo, demais.
Ele assentiu e, sonolento, abriu a boca.
Apaguei a luz do quarto e fui para o meu, afundando-me em
pensamentos.
Claro, eu tinha muitas opções de pensamentos, mas Vinci ocupava
uma grande parte deles, e aquilo me irritava. Ele tinha razão em
algumas coisas, como eu gostar dos toques dele e de tudo o que ele me
fazia sentir, mas aquilo era tão errado. Vinci era um demônio. Era um
ser perverso que só pensava em si mesmo e que tinha poder sobre a
vida do meu irmão. Eu fazia de tudo para que Marte tivesse uma vida
longa e feliz, mas Vinci tinha as chaves para os meus sonhos e para a
vida do meu irmão. Aquilo era tão frustrante!
Eu não podia deixar que meus desejos interferissem nas minhas
escolhas ou nos meus planos. Vinci tinha que ser detido, só assim eu
poderia ganhar minha liberdade e recuperar a vida do meu irmão.
Suspirei, sentindo minha cabeça latejar.
Como pude me deixar levar? Como pude me deitar com aquele
demônio e condenar minha alma para sempre?
Precisava arrumar um jeito de sair dessa situação antes que fosse
tarde demais.

Na manhã seguinte, Marte estava animado e, por isso, precisou de


um pouco mais de tempo para se arrumar. Eu havia acordado tarde, o
que piorava tudo.
— Marte? Anda, a gente vai se atrasar! — gritei do pé da escada.
— Já vou!
Ele desceu a escada usando a roupa que mais gostava: uma camiseta
branca e calça preta.
— Você está lindo. — falei e ele riu.
— Obrigado, Darling. Vamos.
Segurei na mão dele e saímos em direção ao portão, para que Patrick
pudesse nos levar. Porém, o que encontrei não era bem o que eu
esperava.
Vinci estava esperando no carro, usando uma cacharréu branca, calça
social, sobretudo preto e óculos escuros. A maneira como ele se vestiu
era bem diferente do habitual, e eu não podia negar que estava bonito.
— Bom dia! — disse, com um sorriso alado.
— Tio Vinci! — Marte agarrou na cintura dele e Vinci nem se
moveu.
Puxei Marte para trás, pegando sua bolsa, e encarei Vinci.
— Onde está Patrick? — perguntei.
— Eu dei a ele o dia de folga. — respondeu.
— E o outro?
— Também. — disse calmamente. — Eu irei acompanhá-los até a
escola de Marte.
— Não, você não precisa. — falei.
— Preciso sim. — afirmou. — Ele me convidou. — apontou para
Marte.
— Ele… — olhei para Marte um pouco aborrecida e ele se encolheu.
— Desculpe. — pediu.
Fechei os olhos por um momento, tentando não ser tão dura com
aquilo tudo.
— Tudo bem. — respondi e olhei para o diabo, que parecia muito
animado naquela manhã.
— Isso! — Marte correu para o banco de trás.
O que eu não fazia por ele.
Vinci abriu a porta do passageiro para mim e precisei pensar muito
na felicidade de Marte naquela manhã. Já era difícil para ele não ter a
mãe ali, então tudo o que eu faria era apenas para agradá-lo.
Saímos em seguida e não ousei olhar para Vinci, apenas mantendo
meus olhos na estrada ao redor. Eu não queria nem olhar para ele, não
depois de tudo.
Eu poderia dizer que Vinci tinha um controle absurdo sobre mim,
mas soaria como fraqueza, então apenas deixei para lá.
Mas, eu não consegui segurar os meus olhos quando se moveram
para a mão enorme de Vinci, enquanto ela agarrava firme o volante. E,
nossa… Ele tinha longos dedos, uma mão enorme que possuía veias em
alerta, e a maneira como segurava o volante, me fez pensar na maneira
como ele me segurou.
Sem que eu pudesse evitar, meus olhos desceram para suas coxas, e
o modo que ele estava segurando a perna grossa. O jeito que ele estava
sentado tornava suas pernas ainda mais imponentes. Seu corpo era de
um homem forte, mas não excessivamente musculoso. Ele tinha uma
aura de poder e dominância que sempre me deixava inquieta.
Enquanto eu observava o perfil sério de Vinci, me peguei
questionando o que havia entre nós. Éramos apenas parceiros de
negócios, se podia chamar assim, ou havia algo a mais? Senti meu
coração acelerar e uma onda de calor percorrer meu corpo só de pensar
nessa possibilidade.
Tentei desviar meus pensamentos para assuntos mais triviais, mas a
atração que Vinci exercia sobre mim era irresistível. Era como se ele
soubesse exatamente o efeito que tinha sobre as mulheres e usasse isso
a seu favor.
Enquanto o silêncio entre nós se prolongava, a tensão no carro era
palpável. Mesmo sem trocarmos uma palavra, nossos corpos pareciam
se comunicar em uma linguagem própria. Era como se estivéssemos
dançando em uma corda bamba entre a atração e o perigo.
Finalmente, Vinci quebrou o silêncio com uma voz rouca e baixa.
— Você está bem? Parece distante. — Sua pergunta me pegou de
surpresa, fazendo-me perceber que minha mente havia se perdido em
pensamentos intensos.
Tentei esconder meu desconcerto, mas não pude deixar de notar um
leve sorriso divertido nos lábios de Vinci. Ele sabia. Sabia o efeito que
exercia sobre mim e, de alguma forma, parecia aproveitar-se disso.
— Estou bem. — respondi com a voz um pouco trêmula.
Vinci assentiu com um aceno de cabeça, voltando sua atenção para a
estrada à nossa frente.
O silêncio se instalou novamente, mas agora havia uma energia
diferente no ar. Uma energia carregada de mistério, sedução e um toque
de perigo que me deixava ao mesmo tempo atraída e apreensiva.
Eu sabia que teria que manter minha guarda alta e me proteger dos
encantos de Vinci. Mas, ao mesmo tempo, não podia ignorar a faísca
que havia entre nós. E, no fundo do meu coração, eu sabia que não
resistiria por muito tempo aos encantos dele.
Marte estava muito animado com a apresentação. Enquanto cantava
junto dos outros alunos, eu me via de pé diante de uma sala cheia de
mães, mas eu era a única que tinha aquela barreira do lado. Um homem
grande, bem vestido e bonito, que estava chamando a atenção das
mulheres.
Eu nem sabia o porquê ele estava ali, fazendo o papel de bom
homem e adorando a situação que estava, sendo o centro das atenções.
Elas nem disfarçavam os seus olhos, que percorriam Vinci sem parar.
— Ciúmes? — ele murmurou ao meu lado, mantendo os olhos na
frente.
— Nem nos seus sonhos. — respondi, sem olhar para ele.
Às vezes a sensação de que ele podia ler a minha mente era
assustadora.
Eu continuava olhando Marte cantando, mas era difícil me
concentrar com a presença de Vinci ao meu lado.
Sabia que muitas mães estavam encantadas por ele, e isso me
incomodava. Por mais que eu negasse, havia sim uma pontada de
ciúmes dentro de mim.
Enquanto a música continuava, as mães não tiravam os olhos de
Vinci. Era como se ele tivesse um magnetismo natural que atraía todas
as mulheres ao seu redor. Ele parecia gostar da atenção, mas eu não
conseguia entender porque ele estava ali.
Olhei de relance para Vinci e vi um sorriso de canto de boca em seu
rosto. Ele parecia se divertir com toda aquela situação.
Respirei fundo e decidi confrontá-lo.
— Por que você está aqui, Vinci? — perguntei, mantendo a minha
voz baixa para não chamar a atenção das outras pessoas.
Ele virou o rosto lentamente para mim, mantendo os olhos na frente,
mas agora com um olhar divertido.
— Eu só queria aproveitar um pouco a festa, não tem problema, não
é? — ele respondeu, com um tom de despreocupação.
— Você nem mesmo gosta de Marte.
— Mas, prometi que viria. E olhe só, estou amando isso!
Eu me controlei para não revirar os olhos. Vinci sempre agia dessa
forma, como se tudo fosse apenas uma brincadeira para ele. E eu estava
cansada de ser levada na brincadeira.
— Você não acha que está roubando a atenção demais? É uma
apresentação dos alunos, não do Vinci show — retruquei, tentando
manter a calma.
Ele deu uma risadinha e, finalmente, olhou para mim. Seus olhos
brilhavam com uma intensidade que eu nunca havia visto antes.
— Talvez eu esteja apenas roubando a atenção da pessoa errada —
ele disse, com um olhar sugestivo.
Fiquei sem palavras por um momento. Era como se Vinci estivesse
se referindo a mim de forma indireta. Mas o que isso queria dizer?
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, a música chegou ao fim e
todos aplaudiram. O momento de pensar sobre as palavras de Vinci foi
interrompido pela empolgação dos alunos.
Tentei focar no restante da apresentação, mas minha mente estava
ocupada com o que Vinci havia dito. Será que eu estava interpretando
tudo errado? Ou realmente existia algo entre nós que eu não estava
vendo?
Decidi, então, deixar esses pensamentos de lado por enquanto e
aproveitar o momento. Talvez, mais tarde, teria coragem de confrontar
Vinci de verdade, de tirar todas as dúvidas que estavam martelando em
minha mente.
— Muito bem, mães. — disse a professora no microfone. — Agora,
os alunos vão ler o que escreveram para vocês, então… Preparem seus
lencinhos e vamos lá.
Ela deu passagem para os alunos e fiquei atenta, olhando para Marte,
que sorriu para mim.
Os alunos começaram a ler as cartinhas feitas para suas mães, e eu
estava ansiosa que chegasse logo a vez de Marte, e ele também.
Um a um, os alunos foram se levantando e lendo suas palavras para
suas mães. Alguns falaram sobre o amor e o apoio incondicional que
recebiam delas. Outros agradeceram por todos os sacrifícios feitos para
proporcionar uma vida melhor. E, em meio a cada declaração
emocionante, Marte me encarava com expectativa.
Finalmente, chegou o momento dele.
Marte se levantou e caminhou até o microfone. Sua expressão estava
nervosa, mas determinada. Meu coração acelerou e eu segurei firme o
lencinho que havia preparado.
— Querida mãe. — começou Marte, sua voz embargada pelo
nervosismo. — Não tenho palavras suficientes para expressar meu amor
por você. Você sempre esteve ao meu lado, mesmo quando eu fui
desobediente. — Eu não conseguia conter as lágrimas que escorriam
pelo meu rosto enquanto ouvia as palavras sinceras de Marte. — Você é
a pessoa que eu mais amo nesse mundo. Sempre esteve disposta a dar
tudo de si por mim. Sei que nem sempre é fácil, mas você enfrenta cada
desafio de cabeça erguida. Espero poder retribuir tudo o que você fez
por mim quando eu crescer. E mesmo que eu saiba que você é minha
irmã, sei também que tem um coração de mãe. — Os olhos pousaram
em mim. — Eu te amo, mãe.
A sala irrompeu em aplausos e lágrimas. Eu me levantei, trêmula, e
abracei Marte com toda a força que eu tinha.
Mesmo que eu descrevesse por anos, em mil e uma línguas, nunca
ninguém ia entender o tamanho do meu amor por Marte.

Enquanto eu observava Marte correr pelo parque com seus colegas,


tive tempo suficiente para observar também Vinci, que estava rodeado
de mães, que pareciam encantadas por ele. Dava pra ouvir as perguntas
delas, e as palavras, de como achavam lindo o pai do menino estar junto
naquela festa.
O pior era saber que ele estava gostando daquilo tudo, e vez ou outra
ele olhava em minha direção e sorria, provocando, pois eu tinha certeza
que ele sabia de como eu me sentia.
Vinci era aquele tipo de homem mesmo, sempre usando tudo o que
tinha para me desestabilizar.
Cretino!
E para ser ainda pior, eu estava em chamas de raiva.
Como ele ousava deixar que elas tocassem nele daquela forma?
Tudo bem que a gente não tinha nada, havia rolado um sexo e eu não
pretendia ter mais nada com ele, mas aquilo já era demais.
Mais cedo ele deu a entender que eu e ele tínhamos algo, naquela
frase que ele disse sobre talvez estar roubando a atenção da pessoa
errada. O que ele quis dizer?
Por que eu me importava com ele, ou de como ele chamava a
atenção de outras mulheres?
— Rum! — caminhei indo pegar um refresco. — É bom mesmo que
arrume outra obsessão. Eu não ligo!
— Falando de mim? — Saltei de susto ao notar Vinci ali.
— Não seja ridículo, Vinci. Não estou falando de você. Você não é
tão importante assim para ser objeto de minha obsessão. — Respondi
com um tom de desprezo, tentando disfarçar o nervosismo que sua
repentina aparição causou em mim.
Ele sorriu de maneira provocativa, como se soubesse exatamente o
que estava se passando em minha mente. Era irritante o quanto ele sabia
como me incomodar.
— Ah, não? Parecia muito interessada nas mães que estavam me
cercando ali. Fiquei até surpreso que não tenha se juntado a elas para
elogiar meu desempenho como pai exemplar. — Seu sorriso se alargou
ainda mais, deixando claro que ele estava se divertindo com a situação.
Revirei os olhos, frustrada por não conseguir esconder minha
irritação.
Ele sempre conseguia me deixar desconcertada, mesmo quando
minha intenção era demonstrar indiferença.
— Não seja idiota, Vinci. Não me importo com suas conquistas
temporárias. Você sempre será um cretino egocêntrico aos meus olhos.
Ele se aproximou, seus olhos encontrando os meus de forma intensa.
Era impossível ignorar a atração que eu sentia por ele.
— Por que você continua se importando então? — Sua voz era baixa
e carregada de provocação.
Engoli em seco, tentando recuperar minha compostura. Odiava
admitir, mas ele tinha um ponto. Por que eu ainda me importava com
ele? Por que a maneira como ele me tratava ainda mexia tanto comigo?
Busquei por uma resposta, qualquer resposta que pudesse justificar
meus sentimentos confusos. Mas antes que pudesse encontrar uma,
Marte apareceu correndo em nossa direção, interrompendo o momento.
— Darling, tio Vinci, venham brincar com a gente! — Ele disse, seu
rosto cheio de alegria.
Olhei para ele, observando a forma como ele olhava para Vinci, com
carinho e inocência, mesmo sem saber que aquele homem o mataria se
pudesse, e nem mesmo se importava com ele.
Suspirei, deixando para trás a raiva e o ressentimento por um
momento. Não importava o que Vinci provocasse em mim, o
importante era o bem-estar de Marte.
— Vamos Marte. Vamos brincar com seus amigos. —Sorri, me
aproximando dele.
Vinci me observou por um instante, seu sorriso desaparecendo
lentamente. Talvez ele entendesse que, mesmo que seu objetivo fosse
me provocar, havia coisas mais importantes do que nossas disputas
pessoais.

Marte simplesmente desmaiou depois de brincar tanto, e foi tão bom


vê-lo animado.
Assim que voltamos para a mansão, nem quis acordá-lo para um
banho. Apenas o deixei em seu quarto e apaguei a luz.
Desci a escada para pegar todas as coisas dele que tive que deixar na
sala, e acabei dando de cara com Vinci.
Apesar de ter muitas coisas entaladas em minha garganta, eu sabia
que precisava agradecer.
— Obrigada. — falei e ele apenas me observou. — Hoje, com
Marte… Bem, você foi muito legal e ele adorou tudo.
Ele assentiu, mantendo as mãos atrás do corpo grande.
— Eu gostaria de te levar a um lugar. — disse. — Pode me
acompanhar?
Eu não queria ficar com ele sozinha, pois eu sei como aquilo
terminaria. Terminaria com nós dois pelados, e eu
ficaria confusa depois.
— Eu acho melhor não, Marte está dormindo e pode acordar a
qualquer momento.
— Prometo que ele vai ficar bem. — disse. — E prometo que não
vai demorar. — insistiu.
Eu odiava como ele me fazia mudar de ideia.
— Tudo bem.
Ele se aproximou de mim e recuei para trás instantaneamente.
— Se quisermos sermos rápidos, preciso te tocar para teletransportar.
— fiquei arredia. — Não machuca e vai ser rápido.
Mesmo com medo, acabei cedendo e quando ele segurou a minha
mão, senti uma carga de energia enorme ,e bastou apenas um piscar de
olhos para eu estar no alto da construção em que eu e Marte
costumávamos estar.
O meu lugar favorito, pois eu podia ver toda a cidade de lá.
Fiquei confusa, mesmo com a incrível vista dali, onde as estrelas do
céu brilhavam mais que todas as luzes amarelas da cidade.
O vento sacudiu meu cabelo, e a brisa gelada percorreu minha pele.
— Por que estamos aqui? — perguntei, analisando o olhar dele.
Vinci olhou para mim, seu rosto sério e misterioso como sempre.
— Estamos aqui porque eu comprei este prédio para você. — Ele
disse, com um leve sorriso nos lábios. — Eu sabia que você amava essa
vista, então pensei que seria um bom presente.
Meus olhos se arregalaram de surpresa. Eu não podia acreditar no
que estava ouvindo. Ele realmente comprou um prédio inteiro para
mim?
— Você… comprou um prédio para mim? — Minha voz soou quase
como um sussurro, enquanto eu processava essa informação.
Ele assentiu, com um brilho divertido nos olhos.
— Sim, eu comprei. Não só pela vista, mas também porque queria te
dar algo especial. Algo que fosse só seu. — Ele explicou. — E aqui,
neste prédio, você pode ter todas as vistas que quiser.
Eu o encarei, sentindo uma mistura de emoções.
— É um gesto muito generoso da sua parte, Vinci. Mas eu não posso
simplesmente aceitar isso sem entender suas intenções. O que você
espera em troca? — perguntei cautelosamente.
Ele se aproximou de mim, olhando profundamente nos meus olhos.
— Você viveu tanto tempo nos bastidores, nas sombras, observando
e admirando o brilho do mundo ao seu redor. Sempre foi uma
espectadora, uma pensadora silenciosa, mas agora é hora de se permitir
brilhar também. — fiquei muda. — Deixa alguém fazer algo por você ,
uma vez.
Ele tinha razão, mas aquilo era um prédio.
— Com um prédio? — pesquisei arredia.
Ele deu de ombros.
— Era o único presente que eu sabia que você ia amar, e que não ia
jogar na minha cara. — franzi o cenho e ele suspirou. — Eu não estou
fazendo jogo, isso é sério. O prédio é seu.
— Vinci, eu… Eu não sei o que dizer. — murmurei.
— Tudo bem. Se não quiser o lugar, posso vender.
— Não! — nem vi quando demonstrei mais interesse do que eu
deveria. Ajeitei a postura. — Não precisa vender. — olhei para a vista
e senti uma alegria incontrolável. — Eu vou ficar com ele.
Vinci sorriu, parecendo aliviado com a minha reação.
Ficamos em silêncio por alguns momentos, absorvendo a
grandiosidade da situação.
Eu ainda não tinha certeza do que sentir ou do que fazer, mas algo
dentro de mim dizia que essa era uma oportunidade valiosa e que eu
não deveria simplesmente descartá-la.
Vinci tinha razão, pela primeira vez ele tinha razão.
Eu deveria me permitir ser vista ao menos uma vez. Eu amava
Marte, e tudo era sobre ele, então tudo bem ser algo sobre mim, para
mim, uma única vez.
Capítulo 18

Eu continuei admirando a vista daquele lugar, sentindo uma


empolgação tão grande que eu não sabia como expressá-la. Vinci havia
me dado um prédio inteiro, um dos meus lugares favoritos, o que me
fez questionar ainda mais suas intenções. Será que ele estava sendo
realmente bom comigo ou apenas me usando? Era difícil acreditar que
alguém como ele, um demônio sem sentimentos, pudesse ser gentil.
Olhei para Vinci ao meu lado e ele estava ali, calado, observando a
vista que um dia ele havia confessado sentir ciúmes. O que ele
realmente pensava? O que passava pela sua mente em relação a mim?
— Mais cedo… — comecei, ganhando sua atenção. — Mais cedo
na escola, o que você quis dizer com aquilo? Sobre estar ganhando a
atenção da pessoa errada?
— Ainda pensando nisso? — ele inquiriu, e eu apenas o observei. —
Tudo bem. — Ele virou seu corpo na minha direção, e eu fiquei atenta.
— Depois que te conheci, tudo mudou para mim. Sinto uma enorme
necessidade de ser alguém diferente por sua causa.
— O que isso significa?
— Eu não sei. — Ele deu de ombros. — Também é novo para mim.
— Fez uma pausa cautelosa e continuou. — Eu continuo querendo,
incansavelmente um pouco mais da sua atenção.
Fiquei em silêncio por um momento, tentando processar tudo aquilo.
A verdade era que eu também estava confusa. Vinci despertava em mim
uma mistura de medo e fascinação, e eu não sabia como lidar com esses
sentimentos contraditórios. Não era tão simples quanto parecia, havia
muito mais envolvido do que apenas força e desejo.
Estava prestes a dizer algo quando vi o semblante de Vinci se fechar,
e seus olhos ficarem vermelhos. Antes que eu pudesse questionar o que
estava acontecendo, ele se virou para trás, e eu fiz o mesmo, vendo uma
bela mulher negra, com um corpo curvilíneo e vestindo roupas pretas
que realçavam suas formas. Seus olhos eram escuros como a noite, seus
lábios carnudos, e seus cabelos cacheados e volumosos.
— Mammom. — Vinci disse, e aquilo me deixou petrificada.
Aquela mulher ali era Mammom?
— Meu irmão, Asmodeus. — Ela falou tranquilamente, desviando o
olhar para mim. — É bom te ver novamente, Vênus.
Eu não respondi, até porque Vinci se colocou um pouco à minha
frente.
— Que audácia a sua aparecer aqui, no meu território. —Ele falou.
— A que devo a honra?
— Bem… Você recusou falar comigo quando sugeri um acordo. —
falou, parada no mesmo lugar. — Fiquei um pouco chateada, devo
admitir. — Disse com um falso desapontamento.
— Ah, Mammom, sempre tão dramática. — Vinci sorriu.
Mammom parecia bastante tranquila, mas se olhasse bem no fundo
daqueles olhos, dava para perceber o quanto ela estava completamente
irritada.
— Tudo bem, vamos tentar de novo. — falou ela. — Você me
entrega a espada e eu deixo de destruir a sua parte no inferno. —
sugeriu.
Vinci deu um sorriso nasal.
— Mammom… — deu alguns passos na direção dela. — Você sabe
que grande parte do inferno é minha, e que você não teria poder para
destruir. Não brinque com fogo.
Ela assentiu, dando um sorriso alado.
— Você acha que só você tem contatos? — o sondou. — Eu posso
destruir aquilo tudo, e pegar todos os seus demônios para mim, e os
obrigarem a me servir…
Não deu tempo dela continuar, pois Vinci já estava agarrado ao
pescoço dela e tremi, vendo a fumaça sair de seu corpo, junto de suas
asas negras.
O ar ao redor ficou completamente quente, tão quente que eu suei.
— Eu vou dizer somente uma vez, Mammom, e espero que entenda.
Eu. Serei. O. Rei. Do. Inferno. — ditou. — Nem você, nem suas nuvens
vermelhas de demônios, e muito menos seus poderes, podem mudar
isso. — A voz demoníaca dele me assustou. — Se você voltar aqui, se
ousar pisar nesta terra, no meu inferno ou tocar naquelas pessoas, eu
não vou te deixar livre. — um barulho de osso se quebrando se fez e ela
gemeu, nas mãos do demônio. — Fui claro?
Mammom, embora estivesse sendo esmagada e ameaçada, não
parecia ter medo.
Ela olhou nos olhos ferozes de Vinci e respondeu com um sorriso
desafiador.
— Você pode se considerar o rei do inferno agora, Vinci, mas saiba
que minha determinação é tão forte quanto a sua. Eu não vou desistir do
que é meu por direito. E se for necessário, eu farei o que for preciso
para recuperar o que me pertence.
Antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, Mammom
desapareceu em uma nuvem de fumaça, e o ambiente voltou ao normal.
Vinci fechou suas asas e ajeitou os ombros antes de retornar para
mim. Seu rosto ainda mostrava vestígios das veias escuras, e seus olhos
estavam voltando ao normal enquanto ele se aproximava.
— Ela vai retornar? — perguntei ainda abalada.
— Provavelmente. Mammom não desiste facilmente, mas quando
disse que iria derrotá-la, falei sério.
Assenti, refletindo sobre tudo o que vinha ocorrendo. Já não bastava
ter que lidar com tantas coisas em minha vida, agora eu também estava
envolvida em uma batalha entre os príncipes do inferno.
— Você não precisa ter medo, planetinha. — falou ele, enquanto
deslizava os dedos pelo meu rosto, me causando calafrios. — Eu tenho
todo o inferno diante de mim, e jamais vou deixar com que se
machuque. O único que pode te ferir sou eu.
— Ah, muito acolhedor. — mencionei, me afastando dele. —
Devemos voltar.
— Ok.
Quando retornamos, não conseguia simplesmente me deitar e dormir.
Por mais que desejasse descansar e acreditar nas palavras de Vinci,
ainda havia uma parte desconfiada em mim, afinal, estava naquela
situação por causa dele. Bem, não poderia culpá-lo inteiramente, já que
fui eu quem iniciou tudo. No entanto, não tinha ideia de quão
desafiador seria manter aquilo, ou até mesmo sair daquela situação.
Eu não tinha planejado me envolver com ele e deixar que meus
sentimentos se misturassem naquela confusão. Afinal, o que eu estava
esperando?
Talvez, eu devesse pedir a minha liberdade a ele, mas com quais
custos aquilo viria? Eu já estava atolada até o pescoço de tantos
problemas, e não deveria me afundar mais naquele buraco.
Quanto mais eu refletia, mais eu percebia que havia apenas uma
solução: Vinci precisava morrer. Somente assim eu conquistaria minha
liberdade, e me livraria das dívidas e problemas de uma vez por todas.
E havia somente uma saída para aquilo.

Quando o dia amanheceu, eu estava determinada a seguir por um


caminho sem volta. Tinha feito uma escolha arriscada, e sabia que Vinci
não hesitaria em me matar se descobrisse meus planos. Por isso, passei
a noite toda elaborando um plano perfeito, com o objetivo de não
despertar nenhuma suspeita dele.
Estava ajeitando Marte, enquanto pensava em tudo o que estava por
vir.
— Por que não vem comigo? — ele perguntou.
— Bem, eu tenho outras coisas para fazer. Mas, não se preocupe, eu
te encontro mais tarde. — ele assentiu e segurei em seus ombros,
tirando do bolso um colar com um pingente branco. — Quero que use
isso.
— O que é isso? — pesquisou curioso.
— É um colar que vai te proteger. — Coloquei no pescoço dele e
cobri com a camiseta. — Faz de conta que isso é o seu super poder. E
super poderes devem ser mantidos em segredo, ok?
— Tá bom. — sorriu.
— Eu te amo, tá bom?
— Eu também te odeio, muito!
Abracei-o e não pude evitar sentir meu coração apertado. Tinha
muita coisa em jogo ali, e se eu desse um passo em falso tudo estaria
acabado.
Mas, eu não ia hesitar.
Vinci não apareceu, e foi bom descobrir que ele havia saído cedo
para tratar de seus negócios, uma rápida olhada em sua agenda na noite
anterior me fez descobrir aquilo. Então, ele passaria o resto do dia fora.
Naquela mansão, havia um portão nos fundos, e foi ele que eu usei
para sair com Marte, sem que Patrick ou qualquer outro pudesse ver.
Saí com ele, e o mais rápido que eu pude, o levei para casa de
Charlie, que já nos aguardava. Como ele ia estar de férias da escola por
algumas semanas, eu me sentia mais tranquila.
— Oh! Como é bom ver vocês! — me abraçou e em seguida fez o
mesmo com Marte. — Como vocês estão? — Me olhou profundamente.
— Estamos bem. Charlie, obrigada por ficar com ele.
— Imagina! — Marte já tinha entrado e se jogado na frente do
aquário enorme da casa da Charlie. — Você está mesmo bem? Parece
preocupada.
— Eu estou bem. — tirei a bolsa das costas e entreguei para ela. —
Sei que vai parecer estranho o que eu vou pedir, mas… Aqui dentro tem
algumas ervas, sal e água benta. — ela franziu o cenho. — Eu sei que
parece loucura, mas gostaria que não fizesse perguntas, apenas… Pegue
as ervas e também o sal, e coloque em cada entrada da sua casa.
Qualquer uma que possa servir de passagem para demônios ou qualquer
outra coisa.
Charlie olhou para mim com uma expressão mista de confusão e
preocupação. Ela era uma pessoa religiosa, sempre crendo em Deus e
no fundo, sabia que eu não era religiosa. No entanto, sabia que algo
grave devia ter acontecido para eu estar pedindo para proteger sua casa
daquela forma.
Ela não questionou, apenas pegou a bolsa e assentiu.
— Tome cuidado, por favor. — pediu.
Assenti, olhando para o fundo e dando mais uma última olhada em
Marte.
— Cuide dele, por favor.
— Com a minha vida. — disse.
Eu não olhei para trás quando parti, pois sabia que iria mudar de
ideia se pensasse demais, e eu não podia mudar.
Eu pensava em minha liberdade, e sem querer acabei pensando em
Lua e Lucca. Onde será que eles estavam? Como alguém poderia
desaparecer assim, sem deixar rastros?
Respirei fundo e entrei na casa de Chloe, que já estava me
aguardando.
— Você quer que eu faça o que? — perguntou de olhos arregalados.
— Você não consegue? — perguntei de volta.
— Não é que eu não consiga, eu só estou buscando analisar se eu
entendi direito. — parecia assustada, e quando me olhou e não obteve
objeções, ela pareceu mais assustada. — Pelos portões do mundo
espiritual! — gemeu. — Você quer mesmo invocar um príncipe do
inferno.
— Eu não quero, mas eu preciso. — mencionei aflita. — E não
posso fazer isso sozinha. — respirei. — Eu vou te pagar muito bem, e
só preciso que faça isso. Você pode?
Chloe me olhou com preocupação, o que me fez pensar muito
naquilo. Sim, era uma loucura, mas eu já havia estado com dois
príncipes antes, e mais um não ia fazer diferença. Porém, era de
Mammom que eu estava falando. Eu sabia que ela não ia recusar o meu
chamado, pois esteve conectada comigo por um tempo e com certeza
saberia dos meus sentimentos.
Poderia ser arriscado, mas eu precisava daquilo, e ela era a minha
única esperança.
— Tudo bem, eu faço. — disse ela. — Só preciso de um tempo para
organizar a invocação.
Assenti, a vendo sumir pela porta.
Enquanto eu esperava, meu celular não parava de tocar, e ver Vinci
ligando insistentemente me deixava inquieta.
Se eu atendesse, será que ia ser convincente o bastante? Eu mudaria
de ideia ao ouvir a voz dele do outro lado?
Após muitas ligações eu resolvi atender.
— Sim? — atendi tentando agir naturalmente.
— Por que não me atendeu antes? Sabe quantas vezes liguei? —
pareceu irritado do outro lado.
— É, eu… — olhei para Chloe saindo do cômodo e caminhei para
outra sala. — Desculpe, eu estava ocupada.
— Percebi. Cheguei em casa e não encontrei você, nem o ratinho.
Por onde anda?
— Eu… Marte queria ver uma amiga antiga, e então eu o trouxe.
— Poderia ter avisado, pois Patrick disse que não te viu sair.
Merda… Merda, merda!
— Eu saí sim, ele que não me viu.
Ele fez silêncio e eu rezei para que não desconfiasse.
— Tudo bem. Eu preciso de você a noite. — disse. — Temos um
lugar para ir.
— Ah, claro eu… Eu volto em breve para a mansão.
— Ok. Quando chegar me procure.
Ele desligou e soltei o ar preso. Precisei usar a bombinha, pois já me
sentia cansada e sem ar.
Ele não desconfiou de nada, e aquilo era muito bom.
Respirei fundo e voltei para sala, deparando-me com tudo pronto
para o ritual de invocação. Ali, havia um altar decorado com velas
negras e incenso de aroma forte.
Um pentagrama desenhado no chão com giz branco e rodeado por
símbolos sinistros.
Uma adaga ritualística, um pergaminho escrito com o nome do
Príncipe, uma taça de cristal contendo água benta e um livro antigo de
invocações demoníacas.
— Estamos prontas. — disse Chloe. — Entre no círculo de sal e não
saía dele em hipótese alguma.
— Ok. — Olhei para uma espécie de pentagrama desenhado no
chão. — O que é isso?
— Círculo de prisão, feito com sangue de inocente. — arqueei a
sobrancelha e ela revirou os olhos. — Vai ajudar o príncipe do inferno a
ficar preso nele, não por muito tempo, mas vai ajudar. — me conduziu
até o centro. — Entre. Vamos começar.
Entrei e fiquei parada lá, esperando esperançosamente que aquilo
desse certo, e que Vinci não pudesse ouvir o chamado. Chloe usou um
feitiço para que somente Mammom pudesse ouvir o ritual, e eu
confiava naquilo.
E por fim, ela começou, recitando as palavras que eu já conhecia.
— Pherya, peredeus mantra stellae, salutamus te! Viátona machába,
iritãna belara, nexsolavantur potentis fôrtitudinis soam! Si vis, da nobis
tua potentia, vinculum contrahimus pactum quod tuum! Asígnare
pactum cum Pherya, et sint mox in potentiam nostram tamquam vasum
tuum! Si vis, da nobis tua potentia, vinculum contrahimus príncipes
infernalis!
Foi em um instante quando as velas se apagaram e um vento
passageiro e gelado passou por ali. Diferente da energia de Vinci,
Mammom tinha algo mais pesado e sombrio, mas nenhuma delas
deixava de ser energia negativa.
— Vênus! — a voz sedutora dela preencheu meus ouvidos, me
causando um arrepio.
Ela estava parada no centro do pentagrama, e quando encarei seus
olhos, vi a vermelhidão deles.
— Mammom.
Ela manteve um meio sorriso nos lábios.
— Eu estava ansiosa por esse encontro. — disse, enquanto mantinha
as mãos em frente à cintura. — Confesso que pensei que não me
chamaria mais.
— Sabia que eu a chamaria?
— Claro. Eu estive em sua mente, esqueceu? Eu sei tudo o que você
pensa e sente. — ela caminhou para a beira do círculo, e quando a
ponta de sua bota encostou-se nele, foi como se pudesse pegar fogo. Ela
ignorou aquilo e manteve os olhos em mim. — Suponho que o meu
irmão não sabe que está aqui. Barganhando com a inimiga dele.
— É claro que não. — respondi. — Se esteve na minha mente e
sabe meus sentimentos, sabe que ele não faz ideia disso aqui.
Ela assentiu.
— Humanos são tão perigosos quanto nós, demônios. — Os olhos
tinham um brilho intenso. — Asmodeus demonstrou ter muita empatia
quando se fala de você. Mas, olha só para a menina dele, o traindo
assim, pelas costas.
Eu tinha que tomar cuidado com minhas palavras. Não podia
demonstrar fraqueza ou dúvidas, mesmo que por dentro eu estivesse
lutando contra a ideia de trair Vinci. Mas eu sabia que não havia
alternativa. Estava presa nessa situação e a única saída era garantir
minha sobrevivência e a de meu irmão.
— Eu sei que você quer a espada de Deus. — mencionei. — Eu
estive na sua cabeça também, Mammom, e pude ver claramente como
isso tudo funciona. — demônios quase não esboçavam surpresa, mas
com certeza Mammom estava esboçando. — Eu não tive a chance de
ver onde ela está, mas você sabe.
Ela cruzou os braços e me analisou.
— E então? Não me diga que quer a localização da espada para
depois tentar matar Asmodeus.
— Não. — respondi firme. — Mas, eu posso pegá-la para você. —
ela franziu o cenho. — Eu sei que você não pode pegar porque ela está
protegida por sigilos contra demônios, mas não contra mim.
Ela me sondou.
— Está se oferecendo para pegar a espada e me entregar?
— Uma troca. — falei. — Eu pego a espada para você, você mata
Asmodeus, e me deixa livre para fugir com o meu irmão, sem se
apossar da nossa alma.
Ela riu.
— Não estou interessada em possuir sua alma. Meu objetivo é obter
poder, e a espada de Deus é uma das chaves para alcançá-lo. Se você
realmente pode obtê-la para mim, estou disposta a considerar sua
proposta.
Consenti.
— É um acordo. — respondi com confiança. — Mas antes de
darmos continuidade a essa negociação, eu preciso de algumas
garantias. Quero um contrato escrito que garanta minha liberdade e a
segurança de meu irmão. Também quero que me prove que realmente
possui o conhecimento para me ajudar a obter a espada.
Mammom deu um sorriso de satisfação. Ela parecia gostar de
negociar, de brincar com as vidas das pessoas como se fossem peças em
um jogo.
— Você é esperta, pequena Vênus. Vou lhe fornecer todas as
garantias que você pediu. Faremos o acordo sob as condições
estabelecidas. Mas, saiba que qualquer traição de sua parte terá
consequências devastadoras. — Ela se aproximou lentamente do
círculo, seus olhos vermelhos brilhando com um ardor demoníaco. —
Eu estou pronta para entregar minha alma por poder. E você, está pronta
para sacrificar tudo por sua liberdade?
Eu engoli em seco, sentindo os nervos à flor da pele. Eu sabia que
estava fazendo mais um acordo com o diabo, mas, no final das contas,
isso era apenas uma questão de sobrevivência. A única esperança que
eu tinha era que, de alguma forma, eu pudesse voltar atrás e recuperar
minha vida, mesmo que isso significasse enfrentar as consequências de
minhas ações.
Respirei fundo e me preparei para fazer o acordo que mudaria minha
vida para sempre.
— Estou pronta.
Capítulo 19

Caminhava pelas ruas, ainda refletindo sobre minhas ações.


Mammom havia me informado que entraria em contato, pois Vinci
havia ocultado a espada em outro local. Talvez ele tivesse
conhecimento de que Mammom faria de tudo para possuí-la. Não
conseguia afirmar com certeza o que faria, pois uma parte de mim
insistia em dizer que estava cometendo um erro. No entanto, outra parte
de mim afirmava que não tinha alternativa senão prosseguir com aquilo.
Suspirei e ao sentir uma pontada de dor na cabeça, decidi olhar para
trás, com a sensação de estar sendo seguida. Ao entrar na casa de
Chloe, avistei um carro preto estacionado, de vidros escuros e
extremamente suspeito. Ao sair, o mesmo veículo ainda estava lá, e já o
havia avistado em outras ruas próximas à casa de Charlie. Isso não
poderia ser mera coincidência.
Naquele momento, tive a certeza de que estava sendo seguida, e
percebi um homem estranho, vestindo terno preto e óculos escuros, na
calçada, me seguindo. Sabia que não eram os homens de Vinci, pois
eles não agiam dessa forma, mas tinha certeza de que estava sendo
perseguida. Aumentei o ritmo da caminhada e o homem também
acelerou o passo, se aproximando de mim. Comecei a sentir medo e, ao
olhar por cima dos ombros, percebi que ele estava cada vez mais
próximo.
Decidi tomar uma atitude. Virei rapidamente em uma rua um pouco
mais movimentada, na esperança de despistá-lo. Eu sentia meu coração
bater descontroladamente. Observando ao redor, percebi que havia um
café próximo. Corri na direção dele, sabendo que talvez em um lugar
mais movimentado, ele não se atreveria a entrar.
Rapidamente entrei no café, e o som da porta chamou a atenção de
algumas pessoas. Ainda recuperando o fôlego da corrida, não olhei ao
redor e fiquei observando a porta, receosa de que o homem pudesse
entrar.
— Planetinha?
Fiquei paralisado ao ouvir a voz de Vinci atrás de mim, sem saber se
deveria encarar o perseguidor do lado de fora ou o demônio presente ali
dentro.
Relutantemente, virei-me lentamente para encarar Vinci.
— Vinci? O que você está fazendo aqui? — perguntei, ainda sem
fôlego e confusa com a situação.
— Eu que pergunto isso. — ele me analisou e encarou a porta por
um segundo, desconfiado. — Está fugindo de alguém?
Encarei a porta e analisei a calçada, percebendo que não conseguia
mais ver o homem de antes, e que ele não havia me seguido até ali.
Talvez não fosse nada, talvez eu apenas tivesse tido aquela impressão, e
eu não queria contar a Vinci sobre o ocorrido.
— Não, não é nada. Apenas precisava de um lugar para me acalmar
um pouco. — respondi, tentando parecer convincente.
Vinci franziu o cenho, parecendo não acreditar completamente na
minha resposta. Ele era bom em pegar sutilezas, então não seria fácil
enganá-lo.
— Tem certeza? Você parece um pouco abalada. E esse olhar de
medo nos seus olhos… o que aconteceu? — sua voz estava cheia de
preocupação genuína.
Como mencionei antes, não queria que Vinci soubesse que suspeitei
estar sendo seguida, pois isso apenas tornaria as coisas mais difíceis
para mim. Eu tinha plena certeza de que ele faria tudo ao seu alcance
para me proteger. Sim, ele faria absolutamente tudo por mim.
— Tenho. — respondi e olhei para trás dele, onde avistei uma mesa
com algumas xícaras e três pessoas sentadas. Dois homens e uma
mulher. — Vejo que está ocupado. — mencionei. — Vou para casa e te
espero lá.
— Na verdade… Eu gostaria que participasse disso aqui. — disse.
— Ao telefone, essa era uma das coisas que eu precisava da sua ajuda.
— Aqui? — ele assentiu. — Por quê?
— Junte-se a mim e vai entender.
Fiquei intrigada com a proposta de participar daquela conversa. A
curiosidade falou mais alto e eu concordei em juntar-me a ele na mesa
com as outras pessoas.
Enquanto caminhava em direção à mesa, comecei a pensar em todas
as possíveis razões pelas quais Vinci queria minha presença ali. Seria
algum tipo de reunião importante? Talvez uma investigação conjunta
com essas pessoas? Ou talvez fosse apenas um encontro casual entre
amigos? Minha mente estava repleta de especulações, mas eu preferi
esperar e descobrir a verdade.
Vinci ofereceu a cadeira para eu me sentar ao lado dele, enquanto os
outros me olhavam curiosos. A expressão séria em seus rostos indicava
que o assunto era sério.
Eu me senti um pouco desconfortável por ser a única pessoa ali que
não sabia o motivo daquilo.
— Quem é ela? — perguntou um dos homens, olhando em minha
direção com um rosto nem um pouco amigável.
— Ela é…
— Uma humana. — interferiu a mulher, me analisando de um modo
estranho. — Aquela humana.
Aquela humana?
Eles já me conheciam, pelo modo que me olhavam e pelo mesmo
modo que me olhavam, não gostavam muito de mim.
— O nome dela é Vênus. — afirmou Vinci, com um olhar predador
para eles. — E enquanto ela estiver ao meu lado, vocês devem
respeitá-la.
A tensão naquele lugar parecia aumentar a cada palavra pronunciada
por Vinci. Eu senti um calafrio percorrer minha espinha enquanto
encarava os olhares hostis dos três à minha volta. Era evidente que eles
não estavam satisfeitos com minha presença ali, mas, baixaram a
cabeça quando Vinci decretou aquilo.
— Eu sou Calisto. — disse o que parecia mais amigável ali. Embora
tenha me dado um sorriso, o olhar que os outros deram a ele o fizeram
murchar.
Apenas acenei brevemente.
— Vênus, essas são algumas das pessoas mais importantes que
trabalham para mim. Eles são membros do Conselho das Sombras, uma
organização que eu mesmo criei. — explicou Vinci. — Calisto, você já
conhece. Aquele é Nick e essa é Adélia.
Os membros do Conselho apenas acenaram com a cabeça em
resposta, sem demonstrar nenhuma reação amigável. Era óbvio que eles
não estavam convencidos da minha presença ali, mas resolvi encarar a
situação de cabeça erguida.
— Você disse que eles fazem parte de uma organização. —
mencionei e ele assentiu. — E no que trabalham?
Vinci ajeitou o paletó.
— Estão encarregados da investigação sobre o homem que atirou no
seu ratinho naquele dia.
Eu não sabia como reagir diante daquilo.
— Você… — encarei seus olhos verdes. — Você está investigando
aquilo ainda?
— Claro. — afirmou. — Era isso que você queria, não era?
Foi uma enorme surpresa descobrir que Vinci estava trabalhando
naquilo. Eu pensei que ele não dava a mínima para o que tinha
acontecido, e eu não tinha certeza se ele estava fazendo aquilo de bom
grado.
Eu não tive tempo para dizer nada, pois a mulher decidiu falar.
— Bem, descobrimos umas coisas. — começou. — O nosso homem
é um chefe em Damberdoly. Embora a cidade seja pequena, ele exerce
um bom comando por lá. — olhou para Vinci. — Mesmo sendo
humano. Seguimos ele por algumas cidades vizinhas, mas acredite, o
homem parece andar em sombras. — analisou. — Ele simplesmente
deixa os rastros para trás, mas ninguém sabe onde e quando está.
— É como se fosse invisível. — mencionou Nick.
— Mas, não é. — disse a mulher. — Calisto conseguiu tirar uma foto
dele, em um restaurante chique em Sodoma. — ela empurrou as fotos
na mesa. — Mas, depois ele sumiu, sem que tivéssemos chances de
pegá-lo. E as supostas vítimas… — ela acenou para Vinci. — Veja você
mesmo.
Quando encarei as fotos, senti vontade de sair correndo daquele
lugar e nunca mais olhar para trás.
Lua e seu marido estavam sorrindo na foto, bebendo um bom vinho
em um restaurante caro e degustando de uma refeição quente.
Eles não pareciam estar com problemas, nem com medo e nem
mesmo aflitos por estarem com o homem que atirou no filho caçula
deles.
Enquanto eu mantinha a mente preocupada, pensando em como eu
explicaria para o meu irmão de sete anos sobre a morte dos pais, eles
estavam apenas ali, com o homem que quase destruiu a nossa vida.
A tristeza e a raiva se misturaram dentro de mim enquanto eu olhava
para aquelas fotos, tentando processar a cruel realidade que estava
diante dos meus olhos. Como Lua e seu marido, pessoas que deveriam
proteger o meu irmão, podiam estar tão calmos e confortáveis ao lado
de um criminoso? Era difícil de acreditar.
— Por que eles estão agindo assim? — perguntei, minha voz
trêmula.
Calisto olhou para mim com uma expressão pesarosa.
— Infelizmente, essa é uma pergunta para a qual ainda não temos
resposta. Ainda estamos investigando a fundo o envolvimento deles
com o criminoso e tentando entender suas motivações. Mas,
considerando as evidências que temos até agora, eles parecem estar
plenamente cientes do que aconteceu e, de alguma forma, ainda
protegem o homem que feriu seu irmão.
A revolta cresceu dentro de mim, e eu não tinha palavras.
De volta para a mansão, eu não consegui dizer nada enquanto o carro
rodava pela rua.
A sensação de desgaste foi imensa. Eu sentia como se minha força
estivesse escapando por cada poro do meu corpo. O peso de ter sido
enganada e a traição que senti em relação aos meus pais, colocaram um
fardo insuportável sobre mim. A tristeza se misturou com a raiva e a
confusão, e eu me senti perdida em meio a esse turbilhão de emoções.
A dor que senti naquele momento foi indescritível. Era como se meu
mundo tivesse sido virado de cabeça para baixo, todas as minhas
certezas desmoronando em um instante.
Eu me senti traída, enganada, e consumida pela raiva. Como
puderam fazer isso com nossa família? Por que escolheram se juntar a
um homem que só trouxe dor e sofrimento em minha vida? As emoções
dentro de mim se misturavam, entre a tristeza profunda e a raiva
incontrolável.
Quando deixei o carro e me adentrei na mansão, tudo o que eu queria
era entrar, me jogar na cama e chorar. Não que eles merecessem, mas
eu estava esgotada.
— Planetinha? — A voz de Vinci ressoou pela sala, fazendo-me
parar e apertar as mãos em desespero.
Voltei para ele, quase derramando lágrimas.
— Agora não, Vinci.
Ele deu alguns passos em minha direção e eu não me movi até que
ele estivesse completamente perto de mim.
— Me xingue. — falou em um tom baixo, de um jeito que jamais
pensei em ouvi-lo. — Me bata, grite comigo e diga que tudo isso é
minha culpa. Me odeie, me excomungue, atire coisas em mim, mas por
favor… — apertou os olhos. — Por favor, diga algo.
Eu estava segurando as lágrimas até aquele momento, pois não
queria parecer fraca na frente dele, mas não consegui mais segurá-las.
As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto enquanto eu me
rendia à minha dor e frustração. Eu estava exausta de tentar entender
tudo o que havia acontecido e de guardar todos aqueles sentimentos
dentro de mim.
Num impulso, me joguei nos braços de Vinci e deixei minha raiva e
tristeza se manifestarem. Eu o abracei com força, enquanto soluçava
descontroladamente. Ele segurou meu corpo com delicadeza, deixando-
me desabafar sem dizer uma palavra.
Eu chorei como uma garotinha assustada, sem remorso algum.
Aquela era a minha primeira vez me sentindo acolhida nos braços do
demônio.
Porém, a tristeza que se iniciava querendo consumir meu ser, foi
tomada por um desejo sombrio quando senti minha feminilidade latejar,
ao ter meus ouvidos no peito tão quente de Vinci.
De repente, os braços envoltos do meu corpo começaram a ter gosto
de prazer, e senti o volume em suas calças, mesmo que eu soubesse que
ele não estava pensando naquilo.
— Me fode. — pedi em soluços e ele me expulsou de seu peito com
o cenho franzido.
— O que disse?
— Me fode, caralho! — afastei rapidamente o terno dele e ele não
se moveu. — Eu preciso que me foda, com força!
Joguei seu terno no chão, e avancei contra os lábios dele, afundando
a minha língua em sua boca. Não demorou para que ele me pegasse, e
envolveu seus braços fortes pela minha cintura, descendo as mãos para
minha bunda e me agarrando, até me tirar do chão.
Eu gemi em seus lábios, envolvendo minhas pernas em sua cintura
que parecia encaixar perfeitamente e ouvi o barulho dos móveis da sala
sendo quebrados, um a um, até que Vinci conseguisse me jogar no sofá
com força, enquanto eu arfava.
Nossos corpos estavam famintos um pelo outro, cedendo ao desejo
que nos consumia. Os beijos eram intensos e desesperados, as mãos
inquietas explorando cada parte do corpo do outro. Eu queria ser
tomada com vigor, sentir-me completamente preenchida por Vinci.
Ele arrancou minha roupa com uma pressa quase violenta, revelando
minha pele ansiosa por suas carícias. Meu corpo tremia de antecipação
enquanto ele rasgava suas próprias roupas, liberando seu membro rígido
e ávido por mim, me fazendo analisar claramente o quanto ele era
grande, grosso e delicioso.
Eu não esperei nada, apenas joguei Vinci no sofá, que me olhava
atento, enquanto desci para o meio de suas pernas e segurei seu pau
com a mão, colocando a língua para fora e lambendo a cabeça, enfiando
a ponta da língua no canal.
— Ah! Porra, planetinha! — gemeu excitado, enquanto tremia.
Sua reação foi um combustível para o fogo que ardia dentro de mim.
O desejo de dar prazer a Vinci tomou conta do meu ser. Continuei a
provocá-lo com minha língua, deslizando-a lentamente ao longo de seu
pau, sentindo a rigidez pulsar entre meus lábios.
Não cabia tudo, mas mesmo que eu me engasgasse naquele pau, eu
ainda iria engolir.
Era tão limpo, cheiroso e liso.
Ele agarrou meus cabelos, controlando o ritmo dos movimentos, me
fazendo engolir cada centímetro de sua extensão e me afogando em seu
sabor único. Meus gemidos se misturaram aos seus, criando uma
sinfonia erótica que ecoava por todo o cômodo.
Sem hesitar, voltei minha atenção para suas bolas, acariciando-as
com a ponta dos dedos e envolvendo-as delicadamente com minha
boca. Os grunhidos que escapavam de Vinci me instigavam ainda mais,
alimentando meu desejo de satisfazê-lo completamente.
Coloquei tudo na boca e chupei com prazer, enquanto apertava as
pernas dele e gemia junto, ouvindo os rugidos deliciosos que ele dava,
quase sem ar.
— Ah! Caralho… — arfou.
Então, com um movimento brusco, ele me afastou de seu membro,
pegando-me pela cintura e me jogando contra o sofá. A sensação das
minhas costas roçando no tecido áspero intensificou ainda mais minha
luxúria, enquanto ele me encarava como um predador pronto para se
saciar.
Sem perder tempo, Vinci se posicionou entre minhas pernas, seu
membro pulsante roçando minha entrada úmida, me deixando
enlouquecida.
— Coloca… — implorei.
— Implore mais. — ele disse, roçando seu pau de baixo para cima e
me fazendo empurrar a cintura para ele. — Implore pra eu te foder!
— Por favor! — chorei, enlouquecida, como uma cadela no cio. —
Me fode Vinci!
— Boa garota. — riu malicioso.
Com um único impulso, ele se afundou em mim, preenchendo-me
por completo. O prazer e a dor se misturavam, fazendo meu corpo
tremer de tesão incontrolável.
Um gemido de prazer escapou de meus lábios enquanto ele me
penetrava com força, fazendo-me arquear as costas e agarrar o sofá.
Cada investida de Vinci me levava a um estado de êxtase absoluto.
As sensações se tornaram quase insuportáveis, enquanto nossos corpos
se conectavam em um ritmo frenético e selvagem.
O barulho do sexo podia ser ouvido por toda mansão, e eu não me
importava de ser ouvida.
— Isso, não para! — pedi, sendo preenchida pelo pau grosso e duro.
— Eu não vou parar. — disse ele, indo mais rápido.
Ele me fodia como se eu fosse uma puta, e eu gostei daquilo, pois
parei de pensar em tudo ao redor, me entregando somente naquele
momento.
A determinado ponto, Vinci fez um movimento rápido que eu não
pude acompanhar, mas ele me virou de costas, colocando meio corpo
meu para fora do encosto do sofá, e empinando a minha bunda para ele.
Ele apenas segurou meu cabelo, enrolando em uma das mãos, enquanto
a outra segurava com força a minha cintura, e então ele voltou a estocar
com força.
Seu aperto firme em meu cabelo adicionava uma sensação de
dominação que apenas intensificava a experiência.
A cada investida, meu corpo clamava por mais.
Enquanto seus movimentos se tornavam mais rápidos e intensos,
minha respiração ficava irregular e gemidos escapavam dos meus lábios
involuntariamente. Cada vez que me permitia soltar um gemido mais
audível, Vinci parecia ficar ainda mais motivado a me satisfazer, e mais
ele penetrava.
A cada estocada, sentia-me ficando mais próxima do clímax, o
prazer me envolvendo por completo. Vinci parecia entender exatamente
o que me levava ao limite e estava determinado a me levar até lá. Sua
mão em minha cintura segurava-me com tanta força que eu podia sentir
suas unhas pressionando minha pele, marcando-me como sua.
O ritmo frenético continuava, nossos corpos movendo-se em total
rapidez, e eu sentia minha feminilidade arder. Nossos gemidos e
suspiros preenchendo o espaço ao redor, testemunhas silenciosas do
tesão ardente que nos consumia.
Então, senti a cauda adentrar sem aviso prévio em minha bunda e
soltei um gemido, tremendo o meu corpo. Vinci não parou. Ele
penetrava violentamente minha boceta e estocava ferozmente minha
parte de trás.
O prazer misturava-se com uma leve dor, uma sensação intensa que
me consumia por completo. Cada investida era como uma descarga
elétrica percorrendo todo o meu corpo, levando-me cada vez mais perto
do êxtase.
O suor escorria pelo meu corpo, e eu podia sentir o calor que
emanava do nosso entrelace. Vinci não poupava esforços, seus
movimentos eram firmes e precisos, levando-me ao limite do prazer
sem piedade.
O prazer crescia dentro de mim como um vulcão em erupção, prestes
a liberar toda sua intensidade. Cada estocada, cada movimento, me
empurrava ainda mais para o abismo do prazer, e eu ansiava por
mergulhar nele.
— Vinci, eu vou… — arfei, chorando de prazer. — Eu vou gozar!
— Goza no seu pau, planetinha! Goza para o único demônio que te
fode!
E então, finalmente, a explosão aconteceu. O clímax tomou conta do
meu corpo, fazendo-me tremer e gemer em êxtase. O prazer se espalhou
por cada fibra do meu ser, envolvendo-me em uma onda de satisfação e
plenitude.
Meu corpo estremeceu em um ápice de prazer incontrolável, meu
corpo convulsionando sob a intensidade de Vinci. Ele continuou a me
estocar sem piedade, prolongando meu ápice enquanto sua cauda
enroscou em meu pescoço, de uma forma sensual que me fez desejar
mais.
Mesmo exausta, continue rebolando para ele, afundando minha
boceta naquele pau delicioso, e gemendo para ele.
— Grrrr! — ele rosnou, indo mais fundo, e percebi que acabava de
chegar ao ápice, pois senti algo diabolicamente quente sendo despejado
dentro de mim, como larvas de um vulcão. — Porra! — ele estremeceu
e as investidas ficaram mais lentas.
Meu coração batia na costela e eu estava pregando suor. Vinci se
jogou no sofá, e sem que eu estivesse esperando, me puxou para seu
peito, onde eu pude ouvir seu coração batendo forte.
Um beijo.
Vinci depositou um beijo no alto da minha cabeça e acariciou meu
braço, me fazendo rir.
— Por que está rindo? — perguntou ofegante.
— Bem… Depois de me foder desse jeito você ainda consegue
tentar ser gentil?
Ele soltou um sorriso nasal e continuou a me acariciar.
— Vai parecer estranho isso que vou dizer, mas eu nunca fui um bom
mentiroso quando se trata de você. — aquilo me fez ficar alerta. — Eu
quero te respeitar na vida como uma mulher de verdade, porque você
merece isso. Mas, na cama… Ah, planetinha, na cama eu quero te fuder
que nem uma puta.
Fiquei muda, sem conseguir fazer o que eu fui programada para
fazer todo aquele tempo, reagir a algo. Eu só tinha silêncio e nada mais.
Capítulo 20

Era uma cena aterrorizante. Eu caminhava no meio das chamas de


um local infernal e opressivo, sabendo perfeitamente que era o inferno.
Almas clamavam de dor e desespero, enquanto o sangue se misturava
ao solo incandescente do lugar.
Eu sentia o calor intenso consumindo minha pele, queimando minha
alma com cada passo que eu dava. Ao olhar ao redor, podia ver figuras
de formas distorcidas, contorcendo-se em agonia. O cheiro de enxofre e
carne queimada impregnava o ar, tornando-o quase insuportável.
A angústia que emanava daquele lugar era palpável. As vozes
desesperadas e angustiadas penetravam meus ouvidos, ecoando
incessantemente em minha mente. Eram lamentos de almas
condenadas, que pareciam ecoar por toda a eternidade.
Ao continuar caminhando, sentia o chão se mover como se tivesse
vida própria. O solo quente e áspero parecia grudar em meus pés, como
se tentasse me puxar para baixo, para uma eternidade de tormento.
Cada passo era uma batalha contra a força perversa que tentava me
arrastar para a escuridão.
As chamas dançavam em labaredas altas e vorazes, alimentando-se
da desesperança e da dor. Elas pareciam ter vida própria, lambendo e
consumindo tudo o que estava ao alcance. A cada lampejo, revelavam
os rostos deformados dos pecadores, seus olhares vazios e culpados.
Eles eram prisioneiros de suas próprias escolhas, presos em um ciclo
interminável de sofrimento.
Um clarão iluminou o céu escuro e desolado, e grandes esferas
resplandecentes caíram do céu com imenso poder, fazendo as almas se
estremecerem diante daquela luz. Eram anjos. Grandes anjos portando
armaduras reluzentes desciam e usavam chicotes pontiagudos para
infligir cruéis castigos às almas sem piedade alguma, intensificando
ainda mais o seu tormento.
O ciclo de punição se repetia incessantemente, sem chance de
redenção. Os anjos eram implacáveis, incapazes de sentir compaixão ou
misericórdia. Cada açoitada era uma prova da justiça divina, um
lembrete constante do peso das escolhas erradas.
Enquanto isso, no meio das chamas e do tormento, uma alma se
destacou. Era uma figura frágil, com aspecto cansado e olhos de muita
raiva. Diferente dos pecadores ao seu redor, ela carregava consigo uma
aura de vingança.
Eu conhecia aqueles olhos. Eu conhecia aquela alma.
Vinci estava bem diante dos meus olhos, e ele também era uma alma
daquelas, porém, seu olhar frio se destacava.
Foi uma tortura ver os anjos açoitando seu corpo, enquanto os
vermes o devoravam de fora para dentro. Mas, ele não morria, não.
Ficava vivo para presenciar toda a dor, uma eternidade de dor.
Enquanto era açoitado, os olhos dele encontraram os meus por um
breve momento, e senti como se uma onda de água fria me atingisse,
trazendo-me de volta à realidade.
Inspirei profundamente e percebi que Vinci não estava no sofá,
enquanto me encontrava envolta em um cobertor. Levantei-me e, ao ver
a camisa dele no chão, decidi vesti-la. Não deveria estar tão apreensiva
em relação a esse sonho, e nem desejar encontrar o demônio, mas meus
pés me conduziram até ele, sem que eu pudesse evitar.
Encontrei Vinci do lado de fora da sacada de sua mansão, já usando
uma camisa preta e um moletom. À distância, parecia pensativo, e
quando me aproximei, notei uma garrafa de vinho e uma taça. Cheguei
mais perto e segui o seu olhar para a vista da cidade iluminada. Vista de
cima, parecia bem maior do que de costume. Era encantadora.
— Então é aqui que você se esconde? — perguntei, olhando para ele,
que já estava me encarando.
— Quer beber um pouco de vinho? — sugeriu ele, e eu concordei.
Ele se afastou para entrar e eu fiquei lá, admirando a bela visão que
ele tinha daquele lugar. Não demorou muito para que ele voltasse,
trazendo a minha taça e me servindo o vinho.
— Obrigada. — agradeci, tomando um gole. — Qual é a ocasião
para você estar bebendo Romanée-Conti Grand Cru?
Ele sorriu de lado.
— Eu esqueci por um momento que você é boa nisso. — disse ele.
— Me contou que seu pai era um sommelier.
Concordei com a cabeça.
— Sim, ele costumava ser. — senti uma pontada no peito ao lembrar
de Lucca. Era como se uma parte de mim sentisse falta daquilo que ele
já foi, enquanto a outra parte ficava irritada só de pensar no homem que
ele se tornou. Não que Lucca tenha sido um bom pai, mas apesar do
jeito bruto dele, ele ainda conseguia sorrir para mim algumas vezes.
— Quer falar sobre eles? — perguntou ele, me encarando. — Você
não disse nada desde cedo.
— Talvez eu não queira falar sobre isso. — dei de ombros. — Não
faria diferença. — suspirei. — Eles são dois idiotas que merecem pagar
pelos seus atos.
— Então… Agora está considerando matá-los? — questionou ele, e
não pude evitar fixar meus olhos nos seus brilhantes.
Vinci adoraria me corromper, muito mais do que eu já estava. Ele
também adorava pensar que eu poderia me unir ao seu lado sombrio, o
lado que ele tanto desejava.
Eu me perguntei o que estava passando pela mente dele naquele
momento. Eu me sentia atraída por toda essa escuridão, por todo o
poder que ele parecia ter. Mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim
lutava contra essa tentação. Eu não queria me tornar uma pessoa ruim,
uma pessoa como eles.
Suspirei e desviei meu olhar, incapaz de encarar Vinci por mais
tempo.
— Não, não estou pensando em matá-los. — respondi, minha voz
um pouco mais fraca do que eu gostaria. — Não quero me tornar como
eles. Não quero satisfazer meus desejos mais sombrios.
Vinci riu, um som que parecia carregado de cinismo.
— Ah, planetinha, você ainda não entendeu, não é? — disse ele, se
aproximando de mim. — Não se trata de matá-los por vingança ou por
prazer. Trata-se de justiça. Trata-se de equilíbrio. Eles cometeram atos
horríveis, causaram dor e sofrimento. E alguém precisa fazer algo a
respeito.
Eu o encarei, tentando entender suas palavras. Talvez Vinci não
fosse apenas um demônio sedutor, talvez ele tivesse razão.
Todas essas questões rodopiavam em minha mente, mas no
momento, diante de Vinci, eu não tinha as respostas. Eu me sentia
perdida, confusa, mas também intrigada.
Olhei para o vinho em minha taça, vendo meu reflexo distorcido nas
ondulações do líquido. Eu tinha uma escolha a fazer e poderia escolher
me unir às trevas e acabar com aquilo de uma vez por todas.
Eles não eram inocentes, e se tentaram contra a vida do filho de 7
anos, então mereciam morrer.
Porém… Em que caminho aquilo me levaria? Eu teria sangue frio o
suficiente para matá-los?
— Eu faço por você. — Vinci arrancou meus pensamentos e encarei
seu rosto frio. — Eu mato eles por você, aliás… Eu faço qualquer coisa
por você, planetinha. Destruo impérios, roubo cidades e almas, mato
pessoas e coisas… — ele tocou meu rosto delicadamente e senti um
arrepio. — Eu faço qualquer coisa. Basta me pedir.
As palavras de Vinci ecoaram em minha mente, deixando-me sem
fala por um momento. Sua oferta era tentadora, e ao mesmo tempo
assustadora. A intensidade em seus olhos me deixava em dúvida sobre
suas verdadeiras intenções.
Eu sabia que Vinci era capaz de coisas extraordinárias e perigosas.
Seu poder e habilidades eram indiscutíveis, mas até que ponto eu
poderia confiar nele? Seria seguro aceitar sua oferta?
Eu me peguei pensando em todas as vezes que Vinci esteve ao meu
lado, protegendo-me de ameaças e perigos. Ele era a minha segurança,
o meu porto seguro em um mundo obscuro. Mas ao mesmo tempo, eu
também sabia que ele era capaz de causar destruição e caos com a
mesma facilidade, que ele me destruiria se pudesse, e que metade de
tudo, era culpa dele.
Talvez fosse aquela dualidade que me atraía. A linha tênue entre o
bem e o mal, entre a segurança e o perigo. Vinci era um homem de
extremos, e eu sabia que se o aceitasse completamente em minha vida,
não haveria como voltar atrás. Eu já havia feito uma escolha, um acordo
com Mammom, e já era tarde demais para permitir que sentimentos me
tomassem.
— Eu acho melhor eu entrar e dormir. — deixei a taça ali. — Vou
buscar Marte amanhã e ficar com ele um pouco.
Vinci não me impediu, e eu pensei que ele fosse fazer aquilo, mas
não fez. Senti-me aliviada, pois eu não teria mais o que dizer a ele. Eu
já tinha tomado uma decisão, e não tinha como voltar atrás.

Tomei um banho pela manhã e desci as escadas correndo, ansiosa


para encontrar Marte. Pensei que poderia encontrar Vinci na saída, mas
ele não estava ali, em lugar algum. Foi estranho. Não que eu esperasse
algo dele, mas seria bom se estivesse presente.
Deixei isso de lado e saí, com Patrick já me esperando do lado de
fora. Assim que cheguei na casa de Charlie, ela já estava me esperando
com café na mesa.
— Entre, querida. — ela convidou. — Sente-se. Vamos tomar café
juntas.
Concordei e olhei para as escadas, procurando pelo meu irmão.
— Onde está Marte? — perguntei.
— Dormindo como um anjo — ela riu. — Ele brincou tanto ontem
que precisa descansar hoje.
Sorri, feliz que Marte estivesse bem.
— Que bom. — respondi.
Bebi um pouco de café e notei que Charlie me olhava intensamente.
— Como você está, querida? — ela perguntou com preocupação.
— Bem… — assenti. — Estou bem.
Ela não parecia convencida, mas rapidamente mudou de assunto, e
colocou um papel sobre a mesa.
Meus olhos foram atraídos para a nota, que continha informações
sobre uma escola para meninos, um convento para eles durante as
férias.
— Já ouviu falar desse lugar? — Questionou e fiquei muda. — É um
bom lugar para os meninos aprenderem valores morais e
desenvolverem habilidades sociais.
Eu sabia que Charlie estava preocupada comigo e meu irmão, e essa
era uma forma de ela tentar garantir que estaríamos em um ambiente
seguro e benéfico durante as férias, depois de eu ter demonstrado a ela
que possivelmente estava metida com coisas sobrenaturais.
Como Charlie era religiosa, ela pensava que tudo se resolvia em
solos sagrados, e ao me mostrar aquele papel sobre a escola para
meninos, em uma igreja segura, eu soube que ela estava apavorada.
Eu observei o papel mais de perto e comecei a ler as informações
sobre a escola. Parecia um lugar bastante respeitável, com uma
reputação sólida. Charlie parecia convencida de que seria uma boa
opção para Marte, e eu também podia ver os benefícios que isso poderia
trazer.
No entanto, uma onda de tristeza e ansiedade me atingiu. Marte era
meu irmão, e a ideia de passar as férias sem ele me deixava com um
vazio no coração. Eu sabia que aquele lugar poderia manter ele seguro
diante de tudo o que estava por vir, mas isso não tornava mais fácil
deixá-lo partir.
Porém, por algum motivo eu sabia que precisava manter Marte
seguro, pois eu estava entrando em um caminho sem volta, que poderia
não somente me colocar em risco, mas a ele também.
— Acho que é o melhor para ele.
Charlie sorriu, aliviada, mas também percebi uma pitada de tristeza
em seus olhos.
— Eu sei que vai ser difícil para você, querida, mas é importante
pensar no bem-estar do Marte. E temos que confiar em Deus de que
tudo ficará bem.
Concordei, tentando absorver suas palavras de conforto. Eu sabia
que Charlie estava certa, mas isso não tornava a decisão mais fácil.
Marte era tudo o que eu tinha, e deixá-lo ir seria como perder uma parte
de mim.
Ter que falar com ele sobre aquilo, foi muito mais fácil do que
pensei. Por incrível que parecesse, Marte estava tranquilo e animado
com a ideia de fazer novos amigos.
— Não vem comigo e com a Charlie? — perguntou ele.
— Não posso, anjinho. — passei a mão em seu rosto, segurando as
lágrimas. — Mas, eu aposto que vocês dois vão se divertir.
Apesar de Marte parecer animado, eu o conhecia bem para saber que
ele faria de tudo para me agradar, e mesmo que sorrisse, eu sabia que
estava triste.
— Desculpe, anjinho. — minha voz saiu embargada. — Eu prometo
que isso tudo vai acabar e a gente não vai precisar se afastar mais.
— Tudo bem, Darling. — sorriu com meiguice. — Eu vou ser um
bom menino.
Abracei meu irmão com um quê de preocupação e saudade. Era a
nossa primeira vez ficando separados e não ia ser fácil.
— Eu te amo. — sussurrei.
Se fosse para ser, que fosse de uma vez.

Enquanto voltava para a mansão, minha mente estava repleta de


preocupações. Marte tinha partido, deixando-me sozinha. A noite caía,
trazendo consigo um vento gelado que me fazia encolher nas ruas quase
desertas da cidade.
Conforme adentrava uma rua mais escura, onde a luz dos postes mal
alcançava, percebi uma neblina densa e arrepiante se aproximando,
envolvendo-me.
Eu sabia que não estava sozinha.
Repentinamente, um felino emergiu das sombras, me assustando.
Ao desviar meu olhar para o beco, deparei-me com uma figura
sombria emergindo da escuridão, transformando-se numa mulher
deslumbrante. Uma mulher que eu conhecia muito bem.
— Mammom. — Murmurei seu nome, sentindo um arrepio percorrer
cada pelo do meu braço.
Um sorriso surgiu em seus lábios, revelando seus malditos dentes
brancos, enquanto seus passos ecoavam no chão ao se aproximar.
— Olá, Vênus. Achou que não me veria novamente?
Jamais pensei que não a veria.
— Você voltou, enfim. — murmurei e ela parou em minha frente.
— Eu cumpro com as minhas palavras, querida. E você? Parece
meio confusa desde a última vez. — sugou o ar ao meu redor. —
Parece que algo novo aconteceu.
Toda vez que ela se aproximava de mim eu sentia o quão perigosa
ela era.
Era como se sua presença emanasse uma aura de escuridão e
malevolência. Gravemente consciente de que não devia abaixar minha
guarda, mantive uma postura firme, encarando-a com olhos
desafiadores.
— Eu não tenho tempo para jogos. Se você tem algo a dizer, então
vá direto ao ponto.
Ela sorriu de lado, assentindo.
— Eu sempre sou objetiva. Acontece que eu encontrei a localização
da espada de Deus.
Um fio. Apenas um fio de medo e arrependimento passou
rapidamente por minha espinha.
Ela havia encontrado a espada, e aquilo só podia significar uma
coisa; Eu estava prestes a matar Vinci. Não, eu estava prestes a trair
Vinci.
— Oh! O que foi, criança? — me analisou. — Não me diga que está
começando a se arrepender do pacto que fez comigo antes, quando me
disse estar disposta a matar Asmodeus, o seu Vinci.
Ela sabia. Mammom sabia de todas as coisas e de certa forma
saberia que eu estava balançando com aquilo. Por um segundo, eu quis
não fazer.
— Eu… — tentei ser o mais firme possível. — Não é isso… Eu só
achei que…
— Achou que poderia se safar do acordo? — seus olhos tomaram
um brilho demoníaco. — Eu te disse, não disse? Qualquer traição da
sua parte terá consequências devastadoras.
Engoli em seco, sentindo o peso de suas palavras. Ela estava certa,
eu sabia disso desde o momento em que aceitei o pacto. Trair
Mammom não era uma opção viável, não quando estava tão
profundamente envolvida em sua influência.
No entanto, a ideia de trair Vinci, era quase insuportável. Mesmo que
ele fosse o ser responsável por uma série de atrocidades, eu ainda nutria
algum tipo de sentimento por ele. E agora, este sentimento estava me
corroendo por dentro.
— E se eu me recusar? — perguntei, minha voz trêmula, mas com
uma pitada de desafio. — Se tudo isso trouxer mais dor e sofrimento?
Mammon soltou uma risada cruel, seus olhos brilhando com um
misto de prazer e malícia.
— Você acha que já viu sofrimento, Vênus? Acredite, você nem
arranhou a superfície. — Me aprofundou com o olhar. — Asmodeus
merece o fim que virá para ele. E você será a responsável por garantir
que isso aconteça. — tocou uma mecha do meu cabelo e me encolhi. —
Agora, irei dizer onde está a espada. Vai lá, pegue-a e traga para mim,
sem hesitar.
Assenti, sabendo que era tarde demais para voltar atrás.

Quando entrei na mansão, meu coração já batia fora do peito. Estava


tudo escuro e como Mammom previu, não havia sinal de Vinci.
Eu me sentia uma fera agitada tentando fugir do cativeiro.
Por um segundo eu precisei parar e respirar fundo, para tentar ganhar
aquela batalha entre meu coração e minha mente. Eu estava fazendo o
certo, não estava? Era tudo pela minha liberdade e pela liberdade do
meu irmão.
Agora, Marte poderia estar seguro, mas até quando? Aquilo nunca ia
acabar, não enquanto eu não fizesse parar.
Vinci havia sido uma parte da minha vida que precisava ser apagada,
e eu ia fazer aquilo.
Respirei com dificuldade e tirei a bombinha do bolso, ingerindo uma
boa quantidade para retornar aos meus sentidos.
Tinha que ser.
Peguei umas coisas em meu quarto e desci a escada, indo para a sala
de Vinci, pois era ali que ele havia escondido a espada. Entrei, e me
deparei com tudo escuro. Evitei acender alguma luz, para evitar chamar
a atenção de alguém.
Eu lentamente comecei a vasculhar a sala, guiando-me apenas pelo
tato e pela memória do lugar. Meus dedos sentiam o frio do mármore do
chão, e do metal das estátuas que adornavam o ambiente. Cada passo
era cuidadoso e silencioso, como se estivesse caminhando sobre vidro
que ameaçava quebrar a qualquer momento.
Finalmente, meus dedos tocaram em algo familiar, uma alavanca
escondida atrás de uma das estátuas. Com um movimento rápido e
preciso, a alavanca foi puxada e, como num passe de mágica, o chão se
abriu revelando um compartimento secreto. Lá, repousava a caixa de
madeira com símbolos em latim, onde a espada estava guardada.
Eu segurei a caixa com ansiedade e, ao abri-la, fui surpreendida
apenas pelo vazio. Uma onda de frio percorreu meu coração quando a
luz do lugar se acendeu repentinamente.
— Procurando por isso?
A voz atrás de mim me fez virar rapidamente e enfrentar Vinci de
frente.
Ele estava parado ali, com um olhar vazio no rosto, e a espada que
eu tanto procurava em suas mãos.
Meu coração acelerou.
— Vinci…
Capítulo 21

Ela sempre se distanciava. Eu não conseguia compreender esse


comportamento nos humanos. Como podiam se afastar depois de
alguém dizer que faria qualquer coisa por eles? Não foi isso que aquele
ratinho disse? Que elas se interessavam por cavaleiros e homens gentis?
Comecei a questionar se o fato de eu ser um demônio e ela ter
testemunhado um pouco da minha forma monstruosa a assustou.
Odiava me sentir assim. Tão impotente e frágil, pois quando se tratava
dela, me tornava incapaz.
— Bem-vindo ao inferno, Asmodeus! — disse Arcon, um dos
demônios que me bajulava muito.
Olhei ao redor da sala. O inferno poderia ser um dos piores lugares,
mas o trono de um rei sempre era o mais confortável.
Dentro do palácio, um longo e escuro corredor conduzia ao grande
salão do trono. Este corredor era mal iluminado, com apenas algumas
tochas fracas que projetavam sombras dançantes nas paredes.
O trono era construído com madeira maciça e revestido de veludo
negro. Estava posicionado em um pedestal elevado, cercado por
correntes suspensas.
Tudo ali era feito de pedras escuras, e enormes torres.
Sentia-me como um rei quando me sentava no trono. O inferno para
mim era como uma casa para os humanos.
— Como andam as coisas por aqui, Arcon?
— Tudo está sob controle, grande príncipe. — ele aproximou-se
mais e notei seu olhar preocupado.
— Diga. — falei. — O que deseja me contar?
— Recentemente, presenciamos algo incomum nos portões do
inferno — comentou, mantendo minha atenção focada.
— O que exatamente foi incomum? — perguntei curioso.
— Parece que um humano invocou Mammom, o que causou uma
agitação estranha entre os demônios.
Não era incomum que Mammom fizesse pactos, afinal, era parte
fundamental do nosso funcionamento. Porém, era raro que uma
invocação perturbasse os demônios dessa maneira. O que ocorria do
lado de Mammom não era de minha responsabilidade, mas quando
afetava a ordem, tornava-se um problema também para mim.
— Sabe o que aconteceu? — indaguei, e ele negou com a cabeça.
— Não, mas Hecate estava presente no portal nesse dia e ela deve ter
informações sobre o ocorrido.
Hecate era um demônio poderoso, encarregado de guardar o portal
do inferno. Conhecida por sua capacidade de detectar qualquer energia
ou atividade anormal. Nada passava para dentro e saía, sem que ela não
soubesse.
— Traga Hecate imediatamente. Preciso discutir esse assunto com
ela. — ordenei a Arcon, que assentiu e deixou a sala.
Pouco tempo depois, Hecate entrou na sala, exibindo sua presença
imponente. Seus olhos roxos brilhavam intensamente, revelando sua
natureza protetora.
Ela curvou-se em sinal de respeito antes de falar:
— Primeiro príncipe, Asmodeus, como posso ajudá-lo? —
perguntou, forçando o respeito que ela não tinha por mim.
— Arcon me informou sobre uma invocação recente envolvendo
Mammom nos portões do inferno. Estou ciente de que você estava
presente nesse momento, certo? — questionei, observando atentamente
sua expressão.
Ela olhou para Arcon, que parecia um animal encurralado.
— Demônios são mesmo fofoqueiros. — mencionou, voltando-se
para mim. — Sim, eu estava. — avaliou-me. — Mas por que isso
importa para você? Pensei que os pactos de Mammom não fossem do
seu interesse.
— E não são. — levantei-me do trono e desci os degraus,
caminhando em sua direção. — Mas, quando essas invocações abalam
os portais e ameaçam o inferno, eu, como príncipe soberano e dono de
metade do inferno, preciso ser informado.
— Claro. — respondeu sem perder a audácia. — A invocação foi
feita por uma humana, mas não qualquer humana. Foi feita pela sua
humana. — fixou os olhos em mim. — Aquela com quem você está se
envolvendo romanticamente.
— E como você sabe disso? — perguntei, mostrando meu
descontentamento.
— Como guardiã do portal, é meu dever saber de todas as atividades
incomuns que ocorrem aqui. E, pelo que pude perceber, esse pacto
causou uma grande perturbação entre os demônios. — respondeu
Hecate, mantendo-se firme.
Aquela informação me deixou perplexo. Como ela poderia saber
sobre meus assuntos pessoais? Até onde eu sabia, esse aspecto da
minha vida era privado.
— E como você tem tanta certeza de que a invocação em questão foi
feita pela minha humana? — indaguei, tentando esconder minha raiva e
dúvida.
Hecate soltou um sorriso de canto, como se soubesse algo que eu
ignorava.
— Alguns demônios conseguiram vislumbrar a aparência da
invocadora, e suas características físicas são muito semelhantes às da
sua humana. — explicou, mantendo seu olhar fixo em mim. — Essa
conexão entre Mammom e a sua humana é intrigante, não acha?
Minhas mãos se fecharam em punho, mostrando meu
descontentamento. Vênus não poderia ter feito aquilo, ela simplesmente
não o faria. Ela sabia do que Mammom era capaz, então seria
impossível que fosse tola o suficiente para me trair e fazer um pacto
com ela.
— Preciso saber mais detalhes sobre essa invocação. — declarei,
controlando minha raiva. — Chame os demônios que testemunharam o
incidente e traga-os até mim. Hecate, você será responsável por isso. E
Arcon, você a acompanhará.
Os dois se curvaram em concordância e saíram da sala para cumprir
suas tarefas. Enquanto eles se ocupavam com seus afazeres, eu me
encontrava dividido entre a confiança que tinha em Vênus, e as
informações perturbadoras que havia acabado de receber. Será que ela
realmente havia invocado Mammom e feito um pacto com ela? Será
que havia mesmo ousado me trair daquela forma tão suja?
Essa era uma possibilidade que eu não queria acreditar, mas também
não podia ignorar completamente. Eu me sentia vulnerável, exposto aos
jogos e traições não só de demônios. Será que Vênus havia feito aquilo
por si mesma?
Se ela tivesse ousado, eu a mataria. Eu juro que por mais que eu
nutrisse sentimentos por ela, se ela tivesse ousado me trair, eu a
mataria.
Quando Hecate retornou trazendo os demônios que disseram ter
visto as características de Vênus na invocação, eu fui consumido por
uma ira quase incontrolável. O meu desejo era apenas matar Vênus.
O meu primeiro instinto foi ir atrás da única pessoa que poderia ter
aberto o portal para aquela invocação.
Chloe.
Eu marchei em direção à casa de Chloe, com a ira fervendo dentro
de mim. Minha mente estava tomada por pensamentos de vingança, e
eu estava disposto a fazer qualquer coisa para descobrir a verdade e
punir aqueles que me traíram.
Sem ser convidado, e sem temer a poderosa vidente e bruxa que ela
era, entrei em seu santuário e a flagrei cantarolando enquanto preparava
uma mistura de ervas. No momento em que ela notou minha presença,
interrompeu tudo o que estava fazendo e olhou surpresa para mim.
Seus olhos castanhos se abriram ainda mais, refletindo uma mistura
de medo e descontentamento. Enquanto eu me aproximava, pude sentir
as batidas aceleradas do seu coração.
— Asmodeus… — ela tremeu no lugar.
— Bruxa — dei alguns passos à frente — Parece bastante surpresa
em me ver.
— O que você está fazendo aqui? Como você entrou? — Chloe
tentou se recompor, mas sua voz revelava seu nervosismo.
Dei um meio sorriso, ignorando suas perguntas.
— Sou quase um rei, você não sabia? Posso estar onde quiser,
quando quiser.
Ela permaneceu imóvel, com o corpo encostado na mesa, enquanto
seus olhos transbordavam medo, porém ela manteve a compostura.
— O que você deseja? — perguntou.
Interrompi minha caminhada quando a ponta do meu sapato tocou o
círculo protetor contra entidades malignas, presente no chão, e vi
chamas começarem a me consumir.
Soltei um sorriso sádico e olhei para ela.
— Se você tem poder suficiente para criar um feitiço poderoso
contra seres como eu, então também deve ter poder para lidar com mais
de um príncipe do inferno. — ela ficou calada. — Recentemente, você
invocou Mammom aqui, não foi?
Ela ergueu o queixo.
— Não falo sobre meus trabalhos — respondeu. — E mesmo que
pudesse, não saberia responder o que você quer. — engoliu em seco. —
Eu apago totalmente quando há presenças fortes.
Sorri de lado, sabendo que ela estava mentindo.
— Ah, então, nesse caso — meus olhos ficaram vermelhos — Terei
que arrancar as respostas de você.
Ela não teve tempo de reagir, pois já estava em cima dela, mesmo
com o símbolo protetor queimando minha pele.
Empurrei-a contra a parede e segurei seu pescoço, enquanto a ponta
da minha cauda invadia sua mente, fazendo seus olhos se revolverem
até que apenas o branco era visível.
E lá estavam elas, as memórias que ela tentava esconder. Uma a
uma, elas me mostraram o que estava escondido para mim. Uma
verdade que eu não queria encontrar, um lado meu que não queria
admitir.
Vênus levou tudo de mim quando decidiu me trair, e eu não iria
perdoá-la.
Sentia apenas raiva, uma raiva avassaladora.
A intensidade da minha raiva faz o ar ao nosso redor vibrar,
enquanto uso meu poder para causar dor na mulher. Sinto um prazer
mórbido vendo-a tremer diante de mim, percebendo que sua audácia em
tentar mentir não ficaria impune.
Do interior para o exterior, ela arde cada vez mais intensamente, e eu
posso perceber seus órgãos se liquefazendo, enquanto seus olhos,
ouvidos, nariz e boca expelem sangue.
Não há espaço para perdão.
Não há vestígio de misericórdia.
Silenciosamente, observo nas sombras enquanto Vênus adentra
minha casa, com seu olhar traiçoeiro. Meu coração está à beira da
ruptura diante da verdade de sua traição que se desenrola diante de
mim. Raiva e dor se misturam em mim, criando uma torrente de
emoções incontroláveis.
Minha mente, normalmente clara e estratégica, agora está
obscurecida pela fúria. Como ela pôde me trair dessa forma? Aquela
mulher à qual eu dedicaria tanto céu como inferno havia se juntado à
minha pior inimiga. Mammom, a rival que inflamava meu desejo de
vingança, não poderia ser subestimada, e agora Vênus se alinhava a ela.
A cada passo que Vênus dá em direção à minha espada sagrada, meu
sangue ferve.
Ainda existia uma parte em mim que teimava em acreditar que
aquilo tudo era uma mentira, que ela não iria levar adiante aquela
situação, mas lá estava ela.
Ao abrir a caixa e se deparar com o vazio, não consegui mais conter
minha vontade de agir.
A luz se acendeu e minha voz precisou se fazer presente.
— Procurando por isso? — Apontei a espada em mãos.
Ao se virar para mim, seu rosto refletia o choque, deixando claro que
ela sabia exatamente em que se meteu.
— Vinci…
Ela deu alguns passos para trás, enquanto eu fiz a espada sumir de
minhas mãos.
— Espero não ter atrapalhado seus planos. — Meus olhos fitavam os
seus, buscando uma explicação que ela parecia incapaz de fornecer. —
O que foi, Vênus? De repente o diabo cortou a sua língua?
Eu a vi engolir um seco, enquanto conseguia ouvir seu coração
agitado.
— Vinci, por favor, me escute. Eu não queria… eu nunca quis…
Com rapidez, avancei em direção a ela e envolvi minhas mãos em
seu pescoço, apertando firmemente para sufocá-la.
O olhar que ela me lançou revelava um misto de dor e medo,
enquanto ela tentava desesperadamente escapar do meu toque.
— Eu vou fazer você se arrepender amargamente do dia em que
decidiu ser minha inimiga, em vez de minha amiga.
De repente, quando estava prestes a cometer o primeiro ato, senti
algo quente tocando meu rosto, causando uma sensação de queimação
na pele e fazendo a fumaça subir.
A dor foi intensa, além do que eu poderia imaginar, e quando soltei
Vênus, percebi que era água benta o que havia sido jogado em mim.
Olhei para ela, tossindo e lutando para recuperar o fôlego.
— Você… — disse, com dificuldade. — Jogou água benta em mim?
Novamente, ela jogou o líquido, causando uma dor intensa que me
fez gritar e tapar os olhos, o que lhe deu a oportunidade de fugir.
Eu sentia uma queimação intensa, como se um anjo tivesse mijado
na minha cara.
Surpreendentemente, no meio desse sofrimento, minha raiva só
aumentava.
Eu me forcei a seguir em frente, ignorando a dor e a queimação
provocadas pela água benta. Passo pela porta, irrompendo na noite
escura em busca dela. A adrenalina corre em minhas veias, aumentando
minha velocidade enquanto corro atrás de Vênus.
A rua encontra-se escura e avisto a garota em desespero, correndo
para buscar refúgio. Tenho plena certeza de que ela não conseguirá se
distanciar muito, pois, independentemente de sua velocidade, não
haverá escapatória, mesmo que ela se esconda no meio das pernas de
sua mãe.
Permaneço imóvel, observando suas pernas trêmulas na penumbra, e
escutando o acelerado bater de seu coração, assemelhando-se a um
animal fugindo de seu predador.
Ergo meu dedo indicador e o focalizo em suas costas, fechando um
olho como se estivesse mirando no meio de uma arma de verdade. E
então, disparo.
— BOOM! — murmuro, e ela desaba.
Em questão de segundos, encontro-me diante do seu corpo
ensanguentado no solo, enquanto ela sofre com a bala alojada no peito.
Sangue escapa por sua boca e seus olhos cruzam com os meus, porém,
desta vez, não é um olhar em busca de ajuda ou piedade, mas sim um
olhar suplicante de desejo de morte.
Parece que ela está me dizendo: "Não me salve." E bem, eu não tinha
intenção de salvá-la mesmo.
Tudo o que me interessava era observar a sua luta final e sofrimento,
como um cisne em seus últimos suspiros. E assim, continuei encarando
seus olhos, até que a última imagem que ela pudesse vislumbrar fosse
eu.
Capítulo 22

Eu me sentia entorpecido, não era apenas uma questão de estar em


estado de inércia. Era como se estivesse parado, travando uma batalha
interna que jamais imaginaria enfrentar. Sentia uma raiva intensa,
desejava incendiar o mundo, e tinha plena consciência de que era capaz
disso.
Eu me via como um catalisador, capaz de causar um verdadeiro caos
se deixasse essa raiva dominar-me completamente. Sabia que se
perdesse o controle, seria como acender um fósforo em um barril de
pólvora, e as consequências seriam avassaladoras.
Eu tinha um desafio intimidante pela frente: ocupar o meu lugar
como rei, e uma vontade irresistível de resolver isso de uma vez por
todas. Não poderia me distrair com uma garota que me traiu.
— Senhor? — Patrick interrompeu meus pensamentos ao entrar na
sala. Nem precisei me virar para trás e desviar meu olhar da vista, pois
ele sabia que eu estava prestando atenção. — Podemos ir quando
quiser.
Concordei, retirando as mãos dos bolsos da calça e vestindo um
terno, dirigindo-me à porta.
Entrei no carro e passei todo o caminho em silêncio, apesar de estar
com o olhar fixo na janela, percebia que Patrick me observava várias
vezes pelo retrovisor, ansioso para fazer perguntas.
Eu sabia que ele tinha essas perguntas, pois me conhecia há séculos,
mas isso não significava que ele poderia interferir na minha vida sem
que eu contasse algo a ele. E eu não queria contar. Mesmo que Patrick
fosse um bom soldado, um dos poucos demônios que conheci quando
testemunhei o verdadeiro inferno, o único que esteve ao meu lado por
tantos anos, eu nunca abriria a boca, pois quando eu falava, a dor era
ainda maior do que quando eu apenas pensava.
Chegamos ao prédio quase pronto, localizado em uma região
afastada, e quando desci do carro já vi Yasmin, em seu salto e batom
vermelho, pronta para os negócios.
— Bem vindo, Vinci. — me deu um beijo no rosto e senti o cheiro
do seu perfume doce.
— Obrigado. Você está incrível como sempre — respondi.
Ela sorriu.
Yasmin era uma mulher de personalidade forte e poderosa, sempre
exalando confiança em tudo o que fazia. Era impossível não se sentir
atraído por sua presença marcante.
Entramos no prédio. O local estava cheio de engenheiros, arquitetos
e outros profissionais discutindo e debatendo ideias.
A mulher foi me levando para todos os lugares e me mostrando,
enquanto falava.
— Você me disse que eu poderia escolher como seria a boate. —
mencionou e observei. — E estou cheia de ideias.
— Prossiga. — incentivei.
— A boate dos sobrenaturais precisa transmitir mistério e encanto
desde o momento em que os clientes entram. Vamos ter um grande hall
de entrada, com portas imponentes e símbolos místicos esculpidos nas
paredes. — ia gesticulando. — Pensei em um bar temático. Podemos
criar drinks exclusivos inspirados nas diferentes criaturas místicas, com
nomes enigmáticos e ingredientes secretos, áreas reservadas para que os
sobrenaturais possam descansar e se divertir sem se preocupar em
esconder quem realmente são.
— E quanto aos convidados? — questionei. — O que de diferente
podemos apresentar?
— Além das várias criaturas místicas? — apenas observei, enquanto
ela empurrou uma porta pesada revelando um cômodo vazio. — Bem
vindo ao jardim do Éden.
— Jardim do Éden?
Ela sorriu.
— Eu sei, o nome parece estranho, mas vai por mim, vai funcionar.
— disse e fiquei atento. — Poderíamos oferecer workshops ou palestras
sobre assuntos relacionados ao mundo sobrenatural, para que os
convidados possam aprender mais sobre nós, e depois, quando se
encantarem com o que ouviram, vamos trazê-los aqui, no único lugar
onde eles podem se tornar a criatura que quiser, por um período de
tempo.
Franzi o cenho, um pouco confuso, mas curioso.
— Você está dizendo que os convidados teriam a oportunidade de se
transformar em seres sobrenaturais? Como isso seria possível? —
perguntei intrigado.
Ela riu, animada com a ideia.
— Sim! Eu soube que existem algumas poções e feitiços que podem
alterar temporariamente a aparência e as habilidades das pessoas. Claro,
precisaríamos encontrar algum especialista nessas artes místicas para
nos ajudar, mas acredito que seria uma experiência única e emocionante
para os nossos clientes — explicou ela.
A ideia era realmente inovadora e interessante, mas eu ainda tinha
minhas dúvidas.
— E quanto à segurança? Como podemos garantir que não haja
problemas, ou que os convidados abusem dessa transformação? —
questionei.
Embora eu desejasse um inferno na terra, eu não queria lidar com
criaturas incontroláveis, pois isso poderia me afetar. Os demônios
poderiam me considerar igual a qualquer outro demônio se eu perdesse
o controle da situação.
— Poderíamos ter uma equipe de seguranças treinados para lidar
com situações como essa. Além disso, acredito que todos os
participantes teriam que assinar um termo de responsabilidade,
concordando em seguir as regras e garantindo que não iriam causar
danos a si mesmos ou aos outros — sugeriu. — Um termo de morte,
caso quebrem as regras.
Eu gostava da ideia, e comecei a ver viabilidade naquilo.
— Você venceu. — assenti. — Dê início nesse projeto.
A mulher sorriu, claramente satisfeita com a minha decisão. Ela
parecia realmente empolgada com a ideia da boate sobrenatural e eu
confiava em seu entusiasmo para tornar o projeto um sucesso.
Depois daquilo, fui para os ringues, ver como os meus lutadores
estavam, e fiquei, mais uma vez, entusiasmado em saber que eles
sempre estavam ganhando.
Eu nunca jogava para perder.
Kernos fez questão de me mostrar, em uma luta inédita, como a dose
do meu sangue, misturada com PCP, agia. As arquibancadas estavam
vazias, e eu pude apreciar o show em silêncio.
— O seu cara é o de short preto. — apontou para o baixinho. — O
nome dele é Boice e os três lutadores que estão com ele no ringue, não
importa o nome.
Observei atento, vendo que Boice ia lutar com os três que eram
maiores que ele, e que poderiam matá-lo ali mesmo.
Mas, eu sabia que o tal Boice, não ia levar um soco sequer.
Boice se movimentava com uma agilidade impressionante,
desviando habilmente dos golpes desajeitados dos seus oponentes. Ele
era como uma tempestade, rápido e letal. Sua técnica era impecável,
cada movimento calculado e preciso.
Os três lutadores tentavam atingi-lo com toda a força, mas Boice se
esquivava com uma facilidade surpreendente. Ele parecia estar em
outro nível, um nível acima dos seus adversários. Seus reflexos eram
quase sobrenaturais, como se ele pudesse prever cada movimento antes
mesmo de acontecer.
Em questão de segundos, Boice contra-atacava. Seus golpes eram
precisos e poderosos, desferindo socos e chutes devastadores nos
adversários. Os oponentes mal conseguiam reagir antes de serem
derrubados no chão, sem nenhuma chance de defesa.
Eu observei maravilhado o domínio completo que Boice tinha sobre
a luta. Ele parecia estar em total controle, uma força imparável que não
podia ser derrotada. Era fascinante e eu sabia que aquilo tudo ia lucrar.
— Vamos para Evergreen amanhã. — avisou Kernos, empolgado. —
Consegui uma luta que vai render muito mais dinheiro do que você
imagina.
Continuei andando pelo local com ele.
— Estou ansioso por isso. Talvez eu dê uma passada lá, para assistir
de perto.
— Você precisa ir. — disse ele. — Aliás, alguns caras estão ansiosos
para te conhecer.
— É por isso que tenho você. — respondi. — Para que eu não
precise forçar o tempo todo.
Ele riu.
— Tente ir. Ouvi dizer que há garotas bonitas e virgens por lá. — riu.
— Eu sei como você gosta de sentir o cheiro delas, e posso encontrar as
melhores para você.
— Certifique-se de realizar seu trabalho com excelência — ordenei,
empurrando a porta de saída.
— Sempre faço isso — ele me observou entrar no carro e franziu o
cenho. — Onde está a garota humana?
Eu fechei meu semblante enquanto subia o vidro do carro.
— Morta.

— Uma boate de sobrenaturais? — questionou Belial, enquanto eu


enchia o meu copo no bar.
— Sim. Grande ideia, não acha?
Voltei a sentar na poltrona de sua sala. Havia ido visitá-lo naquela
tarde.
— Sim, parece uma boa ideia, mas não se você olhar por outro
ângulo. — observei-o atento. — Tá legal, me deixa explicar. Já pensou
na confusão que isso não vai ser?
— Confusão?
— Sim, irmão. Afinal, lidar com clientes sobrenaturais não será
fácil. Haverá diferentes raças, cada uma com suas próprias regras e
tradições. Seria capaz de atender a todas as suas necessidades e garantir
que se sentissem confortáveis e seguros?
Eu sabia que Belial tinha razão ao levantar essas preocupações.
Afinal, não poderíamos ignorar a natureza complexa e volátil dos seres
sobrenaturais. No entanto, eu estava determinado a levar aquilo adiante.
— Podemos investir em segurança reforçada, Belial. Além disso,
podemos criar áreas separadas para as diferentes raças, se necessário,
para evitar conflitos diretos.
Belial ficou em silêncio por um momento, considerando as
possibilidades.
— Acho que precisamos fazer uma pesquisa aprofundada, analisar
os prós e contras em detalhes antes de tomar uma decisão final. Estou
cauteloso, mas se você acredita que é possível tornar essa boate uma
realidade, vá em frente.
Assenti, tomando o gole de bebida e percebendo Belial me olhando
inquieto.
— O que foi dessa vez? — questionei e ele mordeu os lábios.
— Eu sei que não deveria perguntar…
— Então não pergunte.
— Mas, Vinci, ela parecia diferente. Eu quero entender o porquê
você a…
Antes que Belial pudesse terminar a frase, soltei um suspiro
exasperado e levantei da cadeira bruscamente, pegando-o pelo
colarinho da camisa e o arrastando para a parede.
— Eu estou farto de todo mundo interferindo em minha vida, e se
alguém me perguntar mais uma vez sobre aquela cadela, eu vou
arrancar o coração! — gritei, sentindo a raiva pulsar dentro de mim.
Belial franziu o cenho, seu rosto mostrando surpresa e confusão.
— Desculpe Vinci. Eu só achei estranho…
— Estranho? Estranho é você se intrometer na minha vida! —
interrompi minha voz ecoando nas paredes da sala.
O demônio bufou claramente frustrado com a minha resposta
evasiva.
— Você sempre age assim, Vinci. Esconde as coisas, mantém
segredos… Não é justo!
Revirei os olhos e o observei, me perguntando se valia a pena
continuar com essa discussão.
— Eu não te devo explicações, Belial. Lembre-se disso. Eu sou seu
irmão, mas lembre-se que em breve serei o seu rei. Então, não me faça
agir como um. — respondi com firmeza, encarando-o com desafio.
Ele me observou por um momento, seus olhos vermelhos faiscando
de raiva. A tensão entre nós aumentou no ar, enquanto ele esmagava o
copo em sua mão como se fosse uma simples folha de papel.
Ele lutou contra algo, e até pensei que íamos começar uma luta
corporal, mas ele apenas assentiu.
— Ok.
Belial se livrou de minhas mãos e sumiu em sombras deixando a sala
em completo silêncio. Senti um aperto no peito ao vê-lo partir daquela
forma, e me questionei se tinha sido muito duro com ele. Ser o futuro
rei dos demônios não era algo fácil de lidar, especialmente quando tinha
que esconder o que eu sentia.
Esconder o fato de que eu estava ficando fraco e sentimental, e que
em alguns momentos eu gostaria de nunca ter permitido sentimentos
entrarem. A cada vez que eu permitia que aquela desgraçada, mesmo
depois de morta, me fizesse agir como um idiota, a minha raiva por ela
aumentava.
Eu desejava esmagá-la repetidamente, pois todo o sofrimento que eu
estava causando a ela nunca seria o suficiente.
Eu detestava, com uma intensidade inimaginável, Vênus Mackenzie
Lancaster!
Capítulo 23

Mulheres, música, bebidas e sexo.


Diamond Club era um dos meus lugares favoritos da cidade de
Havenbrook, que ficava a quase cinco horas de distância de Stanfield.
A bebida era de primeira qualidade, servidas com sangue de
diferentes demônios. Os humanos costumam usar drogas para ficarem
chapados, mas para seres como eu, bastava uma pitada do próprio
sangue misturado na bebida, para as coisas ficarem loucas.
Vemos Deus nos perseguindo, líderes religiosos com suas orações,
exorcismos e anjos. Há muito tempo eu não sentia aquilo, e tinha me
esquecido de como era bom.
As mulheres que frequentavam o Diamond Club eram
deslumbrantes. Vestidos curtos, saltos altos e sorrisos sedutores era a
norma entre as frequentadoras do local. Elas sabiam como chamar a
atenção.
Não é segredo que o Diamond Club era conhecido por suas noites de
prazer. Homens e mulheres se entregavam às paixões e aos desejos mais
profundos, aproveitando cada momento de desconexão e prazer que o
local oferecia. Era um ambiente liberado, onde as pessoas, ou coisas,
podiam se expressar sem medo de julgamentos.
Após ter bebido… Perdi a conta de quantos copos de bebida com
sangue misturado, já conseguia vislumbrar o criador rindo de mim,
enquanto as luzes dançantes do ambiente intensificavam ainda mais a
minha embriaguez. Era uma sensação prazerosa estar imerso em
experiências únicas, com a mente completamente dominada por
pensamentos desconexos.
Eu estava imerso na loucura, no meio da multidão embriagada
quando de repente, meus olhos se encontraram com os dela. Meu
coração deu um salto dentro do peito, e eu senti como se o mundo
inteiro tivesse desaparecido em um instante. Sua presença era tão
poderosa que minha embriaguez começou a se dissipar lentamente.
Ela estava lá, no meio daquela multidão caótica, como um farol
perdido em meio à tempestade. Seus cabelos negros caíam em
ondulações perfeitas sobre os ombros, e seus olhos castanhos tinham
um brilho cativante. Seus lábios estavam entreabertos, como se
estivesse prestes a dizer algo, mas o ruído da música impediu que eu
escutasse.
E então, assim, como ela chegou, desapareceu.
Fiquei tomado por uma fúria gigante, e agarrei a mão de uma loira
que estava ali dançando, a arrastando para o quarto no andar de cima,
fazendo a minha mente entender de uma vez por todas que aquela
garota não tinha controle sobre mim.
Entrei no quarto e joguei a mulher na cama, que não se importou
com a violência e sorriu excitada. Sem rodeios, rasguei o vestido que
ela usava, fazendo seus seios saltarem para fora. Pequenos gemidos de
prazer escaparam dos lábios dela quando minha boca encontrou os seus
seios, acariciando-os com minha língua. Suas mãos percorreram meu
corpo, arranhando levemente minha pele, mas as movi, evitando que ela
me tocasse. Deslizei minhas mãos pelas suas pernas, e as ergui,
arrancando meu pau para fora e afastando sua calcinha para o lado. A
mulher suspirou ao sentir minha ereção roçando em sua intimidade
molhada, ansiosa por mais contato. Com um movimento firme, penetrei
fundo dentro dela, fazendo-a arquear as costas e soltar um gemido alto.
Eu não senti nada.
Quando entrei dentro dela, foi vazio e seco. Não tinha nada ali, nem
mesmo uma vontade minúscula que me fizesse gemer ou desejar a
nudez dela.
Meu corpo pulsava com a necessidade de prazer, mas a conexão
emocional estava totalmente ausente. Enquanto me movia dentro dela,
eu procurava desesperadamente algo que me despertasse, que me
fizesse sentir algo além da concretude física.
No entanto, tudo o que eu encontrava era um vazio profundo. Não
havia paixão, não havia intimidade, apenas um sentido de repetição
mecânica que não podia preencher o vazio dentro de mim. A mulher
debaixo de mim continuava a gemer, buscando seu próprio prazer, mas
eu me sentia deslocado e desligado.
Toda vez que eu tentava, era como se eu me arruinasse, como se
estivesse traindo a mim mesmo, ou aquela garota maldita.
Uma fúria incontrolável emanou de dentro de mim e, segurando
firmemente nas pernas da mulher, comecei a incendiá-la, até que seu
grito pudesse ser ouvido em meus ouvidos, e sua pele se desfizesse,
transformando-se em cinzas.
Eu odiava sentir-me perdido e vulnerável. Como alguém como eu,
que em breve se tornaria rei, poderia permitir que uma garota tão
insignificante me afetasse dessa maneira?
De repente me encontrei parado naquele prédio, onde as memórias
dela ainda estavam vivas. Mais uma vez, agi de forma inconsciente.
Visitava lugares onde costumávamos estar juntos, rodeava-me de
pessoas com quem compartilhávamos momentos, sem nem perceber
que, o tempo todo, estava à procura de algo… estava à procura dela.
— Ahhhhhhhhhhh! — gritei, enquanto observava o prédio se
desmoronar diante dos meus olhos.
O prédio em ruínas era um reflexo perfeito do caos interno que eu
carregava dentro de mim. As paredes desabaram em um estrondo
ensurdecedor, os destroços voaram para todos os lados e eu percebi,
tarde demais, que a minha dor não sumiria junto com o prédio.
As memórias dela continuavam intactas na minha mente, como
cicatrizes que eu me recusava a sarar. Não importava quantos prédios
eu destruísse, quantas pessoas matasse, ou quantos gritos de raiva
soltasse, aquelas lembranças sempre estariam comigo. O poder que eu
possuía era nada.
— As memórias são como tatuagens, permanentemente marcadas
em nossas almas.
A voz que ouvi atrás de mim era instantaneamente reconhecível e
franzi os olhos.
— Belphegor. — Eu me virei para encarar o rosto do meu irmão.
— Olá, irmão. — Ele sorriu ao se aproximar de mim.
Belphegor tinha uma aparência impecável. Seus olhos escuros,
cabelo castanho bem arrumado e barba bem aparada no rosto. Sua
estatura era impressionante e seu semblante transmitia um olhar
desafiador.
— O que você está fazendo aqui?
— Pensei que fosse óbvio irmãozinho. Estou aqui para me divertir
um pouco. — Belphegor respondeu com um sorriso sarcástico.
Eu me senti instantaneamente desconfortável com a presença do meu
irmão. Belphegor sempre foi o rebelde da família, buscando
constantemente emoções e prazeres passageiros. Ele tinha um jeito
sedutor e manipulador que atraía as pessoas ao seu redor, mas eu sabia
que por trás daquela fachada havia um lado obscuro.
— Então diga logo qual é o motivo da sua presença aqui em
Stanfield — disse, sem demonstrar nenhum humor.
O demônio revirou os olhos e se apoiou em uma caçamba de lixo.
— Tudo está muito… — ele pensou por um momento. —
Silencioso. — Ele me analisou. — Você e eu sabemos que o inferno
nunca foi um lugar silencioso e que os demônios nunca foram
benevolentes. Então estou me perguntando… O que está acontecendo
aqui?
— Mammom mandou você aqui? — perguntei desconfiado e ele fez
uma careta.
— Acredite, eu não vejo Mammom desde que Caim matou Abel. —
Não respondi e ele continuou. — Você sabe que eu não me importo
com o inferno ou o trono do rei, essa é uma luta entre você e nossa
irmã, mas… Alguns dias tenho percebido a escuridão silenciosa
pairando sobre nós. — Ele me analisou com cautela. — Senti a
presença da espada de Deus, mas agora não sinto mais.
— E o que isso tem a ver com você?
Ele deu de ombros.
— Como disse, não me interesso pelo inferno ou pelo trono, mas
quando algo desse nível acontece e ameaça minha existência, sou
obrigado a sair da toca e investigar. — Ele fez uma pausa, sem desviar
os olhos de mim. — A espada de Deus é a única que pode matar um
príncipe do inferno, e adivinhe só? Eu sou um príncipe.
Dei um sorriso irônico.
— Não tenho interesse em tirar sua vida, Belphegor, muito menos
em pedir sua ajuda. Minha guerra não é com você e… — Me aproximei
dele. — Você acha que sou idiota? Acha que não sei que você está
louco para colocar as mãos na espada?
Belphegor riu, revelando uma boca cheia de dentes afiados.
— Asmodeus, meu irmão… Você sempre foi o mais esperto. Como
sempre, está um passo à frente de todos. Mas, saiba que mesmo que eu
quisesse a espada, não conseguiria usá-la.
Franzi o cenho em confusão.
— Como assim?
— Oh! Você não sabe da profecia, não é mesmo? — interrogou e
fiquei mudo. — Claro que não sabe!
Avancei contra seu pescoço, segurando sua camisa e o erguendo do
chão.
— Diga logo o que sabe, ou eu te faço em mil pedaços. — ameacei.
— Tudo bem, pode me soltar?
Belphegor pediu com um sorriso irônico, e eu o soltei com
relutância. Ele ajeitou sua roupa e me encarou com divertimento nos
olhos.
— A profecia… é sobre o herdeiro. Aquele que nascerá com o poder
de decidir o destino do inferno. — Belphegor disse, fazendo uma pausa
dramática. — E acredito que você já tenha ouvido falar sobre isso, não
é mesmo?
Eu franzi o cenho, tentando processar as informações. Era verdade,
eu já tinha ouvido rumores sobre essa profecia. Mas nunca pensei que
estivesse relacionada a mim.
— Mas o que isso tem a ver com a espada de Deus? — perguntei,
tentando entender a ligação.
Belphegor deu de ombros, parecendo despreocupado.
— Dizem que a espada só pode ser empunhada pelo herdeiro.
Aquele que tem o poder de usá-la para trazer o fim ou a redenção ao
inferno, e pelo que sei, você não é o herdeiro, é?
Ele sabia que não. Ele sabia que Lúcifer era o único herdeiro do
inferno, e se ele não passasse todo o poder para mim, eu continuaria
sendo apenas um príncipe fracassado.
— Por que você está me contando isso agora? — perguntei,
desconfiado.
— Por que você me ameaçou. — sacudiu os ombros. — De nada,
por arrancar essa informação importante de mim. Diga Asmodeus, eu
fui útil, não fui? Eu poderia até estar ao seu lado, se precisasse.
— Mas saiba que não estamos do mesmo lado. Nossa rivalidade
continua. — avisei.
Ele assentiu, um sorriso travesso nos lábios.
— Eu não esperava menos de você, irmãozinho. Mas esteja
preparado, porque a batalha que está por vir será épica.
Com essas palavras, Belphegor se afastou, desaparecendo entre as
sombras da noite.
Eu sabia que precisava parar de adiar, invadir a prisão do céu, e
forçar Lúcifer a me passar o poder de uma vez por todas.

Zadkiel continuava a me encarar enquanto permanecia sentado na


poltrona de sua sala.
— Você disse que só precisava de mim para desenhar o pergaminho,
não para me usar como cobaia em uma invasão dos céus — disse ela.
— Eu sei, mas as circunstâncias mudaram, arcanjo, e agora eu
preciso de você.
Apesar de Zadkiel estar relutante e odiar a ideia, eu sabia que ela
faria qualquer coisa para se libertar daquela prisão.
— E o que acontecerá com os outros? — questionou ela. — Meus
irmãos, que você aprisionou em algum lugar. Serão eles libertados?
Analisei minuciosamente o arcanjo, percebendo que ela precisava de
palavras positivas para se sentir melhor.
— Sim. — Assenti. — Os liberto e você me auxilia.
Ela concordou, demonstrando um pouco mais de alívio, e se dirigiu à
poltrona seguinte.
— Vou precisar me conectar aos céus. — disse. — Para tentar
enxergar onde Lúcifer está. Há muitas prisões lá.
— E depois?
— Bem, após isso, vou passar a localização e ajudar minimamente
na invasão, e em troca você me liberta, está claro?
— Sim.
Ela fechou os olhos, capturando minha atenção com cada
movimento. Após um momento de relaxamento, suas enormes asas
brancas se abriram, exalando uma luz tão intensa que quase me cegou.
Então, os olhos do arcanjo se abriram, brancos como a neve, enquanto
pequenas rachaduras azuis e intensas, semelhantes a veias, se formavam
em sua pele.
Ela estava estabelecendo contato, e eu estava ansioso para saber o
que ela via, e como via.
Sendo um demônio, era fácil para mim enxergar o inferno, mas o céu
era algo inalcançável para nós. Não sei quantos de nós sentiam
curiosidade de conhecer os céus e descobrir se o que diziam era
verdade. Essa paz que todos encontravam nos momentos de angústia.
Mas, eu não. Eu odiava o céu, pois fui jogado no inferno como um saco
de lixo, e para seres benevolentes como anjos, arcanjos ou Deus, eles
pareciam não se importar com os lamentos vindos do inferno, nem com
os pedidos de ajuda ou misericórdia.
Eu só conhecia a escuridão, um abismo profundo de dor e raiva que
era alimentado todos os dias pelas memórias de um tempo que eu
carregaria para sempre em minha pele. Essa era a ordem natural das
coisas: anjos no céu e demônios no inferno. Eu fui programado para
trazer discórdia, enquanto os anjos eram destinados a trazer a paz. Para
sempre haveria uma batalha entre o bem e o mal, já que o Todo-
Poderoso precisava manter o equilíbrio. Enquanto esse equilíbrio
existir, eu serei o rei do mal.
Meus pensamentos foram interrompidos quando o arcanjo saiu do
transe e soltou um gemido angustiado, mantendo os olhos arregalados.
— E então? O que achou? — perguntei ansioso, enquanto me
levantava.
Zadkiel me lançou um olhar atônito, quase vazio.
— Nada. — respondeu. — Não encontrei nada.
— Como assim?
Ela encarou meu rosto.
— Lúcifer desapareceu.
Inferno celestial
Tudo era tão quieto naquele lugar.
Para uma prisão celestial, tudo o que se pensa é; Tortura. Bom, não
funciona assim. Demônios adoram ouvir as almas gritando, o caos se
instalando e tudo desmoronando, mas quando são jogados em uma
espécie de manicômio, com paredes brancas e um silêncio
ensurdecedor, eles enlouquecem.
O desespero consome sua essência. Os demônios não estão
acostumados a esse tipo de ambiente, onde não há nenhuma vítima
aterrorizada para alimentar suas perversões. Sem almas para torturar,
eles se encontram presos em seus próprios pensamentos distorcidos.
Os corredores do manicômio celestial são perfeitamente limpos, sem
nenhuma mancha de sangue ou resquício de violência. As celas são
brancas como a pureza, mas isso só aumenta a sensação de opressão e
claustrofobia que assola esses seres infernais.
Alguns demônios ficam encolhidos em um canto de suas celas,
balançando para frente e para trás, murmurando palavras ininteligíveis.
Outros batem as cabeças repetidamente nas paredes, numa tentativa
desesperada de encontrar algum escape nesse lugar de eterno silêncio.
O silêncio é ensurdecedor e o vazio que preenche seus corações é
insuportável.
Esses demônios, que outrora eram mestres da manipulação, agora se
tornam vítimas de sua própria natureza malévola. A prisão celestial os
aprisiona em um tormento mental que não pode ser escapado. Cada
segundo que passam dentro dessas paredes brancas é um lembrete
constante de sua derrota.
Mesmo que consigam encontrar uma forma de escapar de suas celas,
o mundo ao redor é estéril e sem vida. Não há almas para se corromper,
nem seres humanos para atormentar. Eles estão verdadeiramente
sozinhos em sua própria loucura.
Enquanto o silêncio impregnado no manicômio continua a consumir
suas mentes, os demônios caem em um abismo de desespero e
isolamento. A prisão celestial revela um castigo cruel, pior do que
qualquer tormento físico que poderiam imaginar.
E é lá que Lúcifer se encontra. Apesar de toda a tortura, ele parece
estar mais calmo do que qualquer outro demônio presente. Seus olhos
estão fixos em uma revista que ele já leu e releu várias vezes, chegando
até a memorizar. Aquela porta de prata nunca tinha sido aberta, até
aquele dia.
Apesar de não ranger, a porta se abriu, trazendo consigo uma
sensação opressiva que permeou todo o ambiente.
No canto, Lúcifer desviou os olhos da revista e encarou, com uma
mistura de surpresa e confusão, quem havia aberto a porta. Aquele rosto
ali, abrindo a porta de sua prisão, era estranho.
— Quem é você…
Capítulo 24

Eu estava deitada na minha cama, cansada após mais um dia. O


silêncio da noite era interrompido apenas pelo som do vento soprando
lá fora. Meus olhos finalmente se fecharam, e eu comecei a afundar em
um sono profundo e tranquilo.
De repente, um estrondo ensurdecedor me despertou. Meus olhos se
abriram assustados e meu coração disparou. Eu podia ouvir vozes,
vozes raivosas e ameaçadoras que me eram desconhecidas. Levantei-
me rapidamente, sentindo-me tonta devido ao sono, tentando me
recompor.
Desesperada, abri a porta do meu quarto e percebi que os passos já
estavam chegando até a porta de entrada.
Corri para o quarto de Marte e fechei a porta devagar, indo até a
cama.
— Marte? — sussurrei seu nome e ele abriu os olhos, ainda confuso.
— Darling?
— Shhh... — tirei a coberta dele. — Não faça barulho.
— Por quê? O que está...
Batidas na porta me fizeram estremecer, pois eu sabia que eles iam
entrar, independente de quem fosse.
Peguei Marte pela mão e olhei para a janela do quarto dele. Era alta,
mas dava para pular e só havia aquela saída.
— Darling?
Segurei o rosto dele.
— Escuta, anjinho, eu preciso que você pule a janela, tá bom?
— Por quê? Quem são eles? — perguntou assustado. — Eu estou
com medo.
— Eu sei, mas eu estou aqui, nada vai acontecer, está bem? Agora,
temos que sair pela janela.
Ele foi obediente, e eu saí junto com ele pela janela.
Conseguimos sair de boa, mas mesmo assim eu ouvi um tiro lá
dentro e vozes alteradas.
Com o coração apertado, eu quis muito sair correndo com Marte, e
até tentamos, mas um carro escuro nos cercou no meio da rua.
De início, pensei que seria Luca tentando algo, mas quando um
homem robusto, de semblante frio saiu do carro, eu percebi que não o
conhecia.
Ele tinha dois homens ao seu lado e enfiei Marte atrás de mim.
Estava frio, deveria ser uma da manhã e eu não estava com o celular.
Precisei usar toda a minha coragem.
— Quem... Quem é você? — perguntei.
— Você deve ser a Vênus, suponho. — disse. — E esse deve ser seu
irmão, Marte. — não respondi. — Eu sou JT, pode me chamar assim.
— O que quer? — pesquisei, sentindo Marte se agarrar a mim, com
medo.
— Bem, eu vou ser direto. Não sou daqui, mas conheço Luca
Mackenzie, e ele é o seu pai.
— Eu não tenho contato com ele, se acha isso. — respondi sem
baixar a cabeça.
— Ah, eu sei... — deu alguns passos em minha direção e me afastei
um pouco. — Eu fui atrás dele, porque ele me deve uma boa grana.
Mas, ele me disse para procurar você. — me olhou com os olhos
vazios. — Disse que você tem muito dinheiro.
Aquele desgraçado...
— Não é verdade. — respondi. — Eu não tenho nada, e nem tenho
nada a ver com as dívidas dele.
— Oh... — ele riu. — Claro, ele disse isso, mas... Ele me disse que
você trabalha para um homem poderoso da cidade, e como eu disse, não
conheço esse lugar, mas ouvi falar dele. Como é mesmo o nome? —
pensou. — Ah, Vinci!
— Não... — sacudi a cabeça. — Vinci não tem nada a ver com isso
aqui. — enfrentei. — Se quer dinheiro, vá atrás de Luca e arranque
dele, mas me deixe em paz.
O homem era frio, tinha um olhar vazio e parecia muito mais
desumano do que Vinci.
Eu estava com medo, mas tinha Marte ali e eu faria tudo por ele.
— Tudo bem. — falou ele. — Talvez, tenhamos que tentar de outra
forma. Ele riu, um riso que gelou meu sangue e tirou uma arma, que me
fez estremecer. — Ou você paga agora, ou... — olhou para trás de mim.
— Seu irmão vai se machucar, e eu sei que ama muito ele.
Meu coração se apertou em angústia. Eu não tinha dinheiro, eu não
tinha nada para lhes dar e envolver Vinci naquilo estava fora de
questão.
Meus olhos estavam fixos em Marte, que estava encolhido atrás de
mim, choramingando com os olhos cheios de medo.
— Deixe meu irmão em paz! — esbravejei.
— Claro. — disse. — Depois que pegar o celular e ligar para seu
chefe.
Eu não tinha opções, não tantas e só existia uma.
Tirei os olhos do homem e encarei Marte, torcendo para que ele
pudesse entender meu olhar.
Foi um misto de loucura, coragem e medo, que me fez partir para
cima do homem e segurar a sua arma.
— Corre Marte! — gritei e ele saiu correndo.
Eu estava em uma dança corporal, tentando impedir que o homem
usasse a arma, e até segurei muito bem.
E então, tudo aconteceu em câmera lenta. Um disparo rasgou o ar e
eu senti meu corpo congelar.
A princípio, pensei que o tiro tivesse me acertado, mas eu não senti
nenhuma dor. Depois, pensei que ele tinha apenas cortado o ar, mas...
O homem soltou a arma sem querer lutar comigo e foi então que
ouvi o barulho.
Ainda de costas, tentei evitar que a minha mente me dissesse o que
eu sabia que havia acontecido, mas ignorei.
Devagar, tremendo, me virei para trás.
Eu me virei para ver seu rosto, para ver Marte correndo, mas tudo o
que vi foi o seu corpo pequeno desabando no chão. A dor veio
rapidamente, como uma onda de fogo queimando meu peito, uma
sensação agonizante que dominou todo o meu corpo. A dor e a agonia
tomaram conta de mim.
Soltei um grito, um grito que veio das profundezas da minha alma,
um grito que parecia rasgar o próprio canto escuro do universo.
Eu apenas corri em direção a ele, eu só queria segurá-lo, eu
precisava.
Eu segurei Marte, apertando-o contra mim.
— Não... — tremi. — Não, Marte? Marte olha... olha para mim. —
As lágrimas inundaram meu rosto quando percebi seu corpinho mole e
os olhos se fechando. — Não... — minhas mãos estavam
ensanguentadas, pelo tiro que acertou suas costas. — Marte! Não! —
Meu coração se desfez em mil pedaços quando toquei seu rosto frio e
inerte. Dor, lágrimas. Encarei o céu, no silêncio da noite. — Por favor,
por favor, não o leve de mim... Por favor.
Em meio a soluços sufocados, abracei o corpo de Marte,
desesperadamente desejando que a vida retornasse aos seus olhos
inocentes. Mas tudo o que eu senti foi o vazio. O vazio de um futuro
roubado.
A vida do meu irmão foi arrancada de mim naquela noite, e uma
parte de mim também morreu com ele.

A escuridão dominava o ambiente quando fui abruptamente


despertada no meio da noite. Senti os batimentos do meu coração
acelerar, enquanto meus olhos tentavam se ajustar à falta de luz no
quarto. Aquele pressentimento inquietante logo se materializou em
ruídos sussurrantes vindos do andar de baixo. Meus músculos
congelaram, mas minha mente gritava para agir.
Com cautela, esgueirei-me pelos corredores, desesperada para
chegar ao seu quarto antes que aqueles bandidos o encontrassem. Meu
coração pesava como uma pedra, pois sabia que minhas ações poderiam
determinar a vida dele. Abri a porta do seu quarto e, com voz baixa e
firme, ordenei que ele pulasse pela janela e corresse o mais rápido que
conseguisse pela rua.
A confusão ecoava em meus pensamentos, a agonia era palpável.
Lágrimas inundaram meus olhos enquanto eu via, impotente, meu
irmãozinho obedecendo minha ordem, correndo em direção à escuridão
fria da noite. Queria desesperadamente levá-lo comigo, mantê-lo em
segurança, mas sabia que não teríamos chance se ficássemos juntos.
Eu gritei para ele correr, meu coração se partiu ao ver sua figura
diminuir na escuridão. Minhas pernas tremiam, mas eu precisava ficar
para trás, protegendo-o da guarda implacável daqueles criminosos.
Lágrimas se misturaram com a raiva em meus olhos, enquanto eu os
encarava com toda a minha coragem.
Os bandidos avançaram em minha direção, ameaçadores, suas
expressões perversas e cruéis. Meus punhos se cerraram em uma última
tentativa de defesa, a coragem parecia surgir de uma parte de mim que
eu nem sabia existir. Gritei, desafiadora, recusando-me a desistir sem
lutar. Mas um grito cortou o ar, estridente e cortante.
O som de um tiro fez meu coração congelar, um arrepio percorreu
todo o meu corpo. O garotinho que meu coração tanto amava, que eu
tanto queria proteger, caiu inerte no chão. A vida dele foi brutalmente
arrancada daquele corpo frágil, e eu apenas pude assistir impotente.
Uma onda de desespero e dor me invadiu, fazendo minha mente
tremer e meu corpo se desequilibrar. Tudo em mim clamava por
vingança, enquanto eu caía de joelhos ao lado do meu irmãozinho.
Agarrado às roupas ensanguentadas dele.

Os meus olhos se abriram de repente ao ouvir um estrondo vindo do


lado de fora. Sem pensar duas vezes, saltei da cama e corri em direção
ao quarto de Marte. Ao entrar, puxei rapidamente as cobertas e sacudi
seu corpo sonolento.
— Darling? — ele me olhou sonolento.
— Shh… Anjinho, por favor, faça silêncio, está bem?
As batidas na porta se tornaram mais intensas.
— Darling? Quem é? — perguntou assustado.
Agarrei Marte e saltamos pela janela, correndo desesperadamente
pela rua. Já era noite e o vento bagunçava meu cabelo. Foi nesse
momento que um tiro atingiu o peito do meu irmão.
— Não… — tremi de medo. — Não, Marte? Olhe para mim… —
As lágrimas começaram a inundar meu rosto ao perceber que seu corpo
estava flácido e seus olhos se fechando lentamente. — Não… —
minhas mãos estavam ensanguentadas, resultado do tiro que acertou
suas costas. — Marte! Não! — Meu coração se partiu em pedaços
quando toquei seu rosto frio e sem vida. Dor, lágrimas. Encarei o céu,
em meio ao silêncio da noite. — Por favor, por favor, não o leve de
mim… Por favor.

— Anjinho? Acorde!
— Darling? Quem é?
— Rápido Marte! Rápido!
Um disparo ressoou pela rua escura e havia uma grande quantidade
de sangue ali, enquanto eu me encontrava abraçada ao corpo frio do
meu irmão.
— Não! Marte, não!

Meus olhos se abriram, e tive a sensação de estar sendo engolida por


uma névoa densa. Minha cabeça doía como se eu tivesse levado uma
surra e meu corpo estava cansado.
Sons invadiram minha mente e percebi que a casa estava sendo
invadida.
Rapidamente, agarrei a mão de Marte e, em total silêncio, corremos
em direção ao quarto dele. Sem pensar duas vezes, abri a janela e,
juntos, pulamos para o jardim. Fitei seus olhos assustados e lhe disse
com firmeza:
— Corre Marte! Corra pela rua até a casa da Sra. Charlie e não olhe
para trás!
Marte, apavorado, partiu em disparada pela rua escura. Eu permaneci
parada, observando-o com lágrimas nos olhos, temendo por sua
segurança.
Meus pensamentos foram interrompidos pelo som estrondoso de um
tiro. Meu coração se partiu ao perceber que os bandidos haviam atirado
em Marte.
Corri até onde ele estava caído e ajoelhei-me ao seu lado,
acariciando seu rosto frio e inerte. As lágrimas escorriam sem controle
pelos meus olhos. A dor era intensa, como uma faca afiada perfurando
minha alma.
— Darling? — sua voz fraca me chamou e olhei em seu rosto. —
Você precisa acordar…
— O… o que? — solucei com ele nos braços.
— ACORDA!

Um suspiro sôfrego escapou de mim, e meus olhos encararam o


lugar completamente escuro à minha frente. Não havia nem mesmo um
fio de luz penetrando naquele local sombrio, e somente as sombras
dançantes das minhas próprias mãos se movia ao meu redor. Era um
lugar opressivo e amedrontador.
Cada passo que eu dava parecia ecoar como um trovão naquela
escuridão densa. O ar úmido e frio penetrava meus pulmões, tornando a
respiração difícil e pesada. Era como se tudo ao meu redor estivesse
comprimindo minha alma, sussurrando segredos obscuros em meus
ouvidos.
A minha cabeça doía, me deixando quase cega e vez ou outra eu
parecia não enxergar nada, como se estivesse ficando cega.
Uma onda de medo, calor e frio invadiu a minha pele, trazendo
arrepios e a sensação de estar sendo puxada cada vez mais para um
abismo.
Não havia saída, e eu não me lembrava de como havia ido parar ali.
Parece que as memórias estavam lá, em algum lugar, mas em lugar
algum. Eu sabia quem eu era, mas era como se por um momento eu
tivesse esquecido de tudo. Minha mente estava nublada e confusa, e
aquela sensação de pânico começou a se intensificar.
Olhei ao redor, tentando encontrar algum indício que pudesse me
guiar, mas tudo o que via era escuridão e silêncio. Minha respiração
tornou-se acelerada e descompassada, enquanto meus pensamentos se
embaralhavam em uma tentativa desesperada de entender o que estava
acontecendo.
Eu tentava me lembrar das últimas horas, dos acontecimentos que
me levaram até ali, mas nada fazia sentido. Fragmentos de imagens
surgiam em minha mente, mas eram apenas flashes confusos e
desconexos. Parecia que algo havia sido apagado da minha memória,
deixando apenas vazio e lacunas perturbadoras.
A sensação de estar sendo puxada para o abismo também aumentava
a cada segundo. Meus pés não pareciam tocar o chão sólido, como se eu
estivesse flutuando em uma dimensão desconhecida. O medo tomava
conta de mim, deixando-me paralisada diante do desconhecido.
De repente, um lampejo de lucidez atravessou minha mente, e eu vi
um rosto, um rosto familiar.
Aqueles olhos…
"Quero que você reviva esse dia, o dia da sua maior dor, por muitos
e muitos anos."
As memórias começaram a se encaixar em minha mente, como peças
de um quebra-cabeça que finalmente encontraram seu lugar. Aquele
dia, aquela dor insuportável que eu havia enterrado bem fundo dentro
de mim.
O som de um tiro, meu corpo caindo ao chão. Traição…
Apertei meu peito com força, sentindo a queimadura do local onde
fui atingida, e tudo voltou à memória.
Eu me dei conta de que aquilo não era apenas a minha memória
brincando comigo. Eu estava sendo forçada a enfrentar meus piores
medos, e a lidar com a perda de uma forma que eu jamais havia
imaginado, por causa dele. Por causa do que eu fiz com ele. Pela traição
que eu cometi com o príncipe do inferno.
Vinci…
Capítulo 25

Eu corro desesperadamente, com o coração batendo tão forte que


quase posso ouvi-lo nos meus ouvidos. O suor escorre pelo meu rosto
enquanto minha respiração ofegante tenta acompanhar o ritmo
desenfreado das minhas pernas. Eu estou fugindo de criaturas sinistras,
demônios do inferno que parecem sedentos por minha alma.
A escuridão que me cerca é sufocante, as sombras dançam ao meu
redor, me fazendo questionar cada passo que dou. Meus pés estão
machucados, feridos pelo chão áspero e íngreme por onde percorro.
Cada pisada é uma tortura, mas a dor não é nada comparada ao pavor
que me consome.
Eu nunca imaginei que minha presença fosse tão indesejada. A cada
esquina que viro, a cada corredor escuro que atravesso, pareço me
deparar com olhos brilhantes e sorrisos maliciosos. Eles estão sempre
lá, me perseguindo implacavelmente.
Os demônios se aproximam cada vez mais, suas garras afiadas quase
alcançando minha pele. Eu sinto o vento frio de sua presença, como se
pudesse tocá-los a qualquer momento. O pânico cresce dentro de mim,
ameaçando me paralisar.
Mas eu não posso desistir. Minha determinação é minha única arma
contra essas trevas. Eu continuo correndo, ignorando as feridas que
ardem a cada passo. Cada vez que tropeço, minha força é testada, mas
eu me recuso a sucumbir ao desespero.
Olho para trás, apenas por um instante, e vejo os olhos vermelhos
brilhantes e dentes afiados das criaturas. Eles estão mais próximos do
que nunca, suas risadas ecoam em meus ouvidos como o som de minha
derrota iminente. Mas eu não vou permitir que eles me alcancem.
Eu me empurro adiante, ignorando a dor, ciente de que cada
hesitação pode ser fatal. Eu sei que estou ferida, que cada parte do meu
corpo dói, mas não posso me deixar fraquejar. Minha vida está em jogo,
minha alma pendurada por um fio.
Encontro uma pequena abertura entre as sombras, um raio de
esperança brilhando no final. E eu me agarro a isso, à crença de que
ainda há uma chance de escapar. Com um último suspiro de força, eu
me jogo através da abertura, sentindo-me momentaneamente livre
daqueles seres terríveis.
Eu caio de joelhos, exausta e machucada. Meu corpo inteiro treme,
um misto de medo e alívio inundando minha mente. A escuridão se
transforma em silêncio, e eu me permito fechar os olhos, sabendo que
sobrevivi por mais um dia.
Tem sido assim por… Eu não me lembro bem. O que eu sei, é que
me encontro encolhida em uma masmorra toda vez.
Eu tenho sede, eu tenho fome e eu tenho medo.
Tenho tempo bastante para pensar de quem era aquela culpa, e
mesmo que eu busque por culpados, eu sei que sempre vou encontrar o
meu reflexo por onde quer que eu olhe.
Eu penso em Marte, e toda vez que penso que ele pode estar ferido,
perdido e pensando que eu o abandonei, eu choro.
Eu não tenho para quem rezar, desconfio que me esqueci
completamente de como é pensar em ser salva.
Eu estou tão cansada.
Eu quero muito me deitar e parar. Eu não quero lutar, pois não tem
por quem lutar.
Eu só quero descansar neste lugar, fechar os olhos e não abrir nunca
mais.
Encolhi-me em um canto e permiti que meus olhos se fechassem,
dando o braço a torcer.
— Pronto, garota… — meu corpo foi suspenso e não consegui
decifrar a voz, que me acolheu em braços fortes. —Você está a salvo
agora.
Eu apenas dormi.
Eu continuava sendo perseguida implacavelmente. As sombras e os
ruídos sombrios não cessavam, e minha mente parecia estar em outro
lugar. O medo se apoderava de mim, meu coração batia descompassado
e eu mal conseguia respirar.
Finalmente, abri os olhos e me debati freneticamente contra as garras
agressivas e desesperadas que me tocavam.
— Não! Não me toque! — Gritava, lutando com todas as minhas
forças.
— Calma! Vênus, calma! Sou eu. Olhe para mim! — Senti meus
ombros sendo sacudidos com força.
Quando abri os olhos completamente, deparei-me com um rosto
familiar, com olhos azuis e cabelos loiros.
— Belial? — Minha voz saiu trêmula, quase inaudível.
— Sim, sou eu… — Suspirou. — Sou…
Avancei imediatamente contra ele, abraçando-o como se sua
presença fosse a minha salvação.
Ele correspondeu ao abraço com carinho, envolvendo seus braços ao
redor de mim, transmitindo a sensação de segurança pela qual eu
ansiava desesperadamente.
Sentir seu toque reconfortante fez com que minha respiração se
acalmasse e meu coração retomasse um ritmo normal.
— Você é real? — perguntei, observando atentamente seu rosto.
— Sou real, e você está segura aqui. — respondeu.
Olhei ao redor e percebi que estávamos em um quarto elegante, mas
não parecia ser a mansão de Belial, parecia ser diferente.
— Onde estamos? — questionei.
— Um lugar seguro, por enquanto. — avisou, indo até a janela e
abrindo as cortinas.
Olhei para meus pés, que estavam machucados, mas pareciam bem
melhores do que antes.
Então me lembrei de que Belial me salvou lá. Aquela voz era dele.
— Você me salvou lá. — mencionei e ele se virou para olhar para
mim. — Como chegou até mim?
— É fácil descobrir para onde as almas que são torturadas vão. —
disse. — Confesso que fiquei surpreso ao te ver lá. — pensou um
pouco. — Pensei que te encontraria presa em alguma praga temporal.
— Praga temporal?
— Sim. — assentiu. — Como uma repetição infinita do tempo.
Lembro-me de como me sentia quando estava lá.
— Eu estava. — respondi aflita. — Estava presa em um dos piores
dias da minha vida, mas… Eu saí, e acabei indo parar naquele lugar.
— Chama-se abismo do medo. — sentou-se na cama. — O lugar
para onde uma alma é levada quando é torturada.
Senti curiosidade sobre aquilo e fiquei confusa.
— Então… é a minha alma que está aqui? — perguntei. — Estou
morta?
— Não. — riu. — Bem, estava, mas eu peguei seu corpo e te trouxe
de volta.
— Como fez isso? — inquiri confusa. — Meu corpo… Onde ele
estava?
— No inferno. Em uma sala segura. Foi lá que ele deixou você.
Sentia-me tão machucada, tão ferida. Lidar com o descaso de Vinci
me fazia lembrar que eu havia plantado aquilo, mas eu nunca pensei
que chegaria àquele nível.
E se ele me encontrasse? E se ele pegasse meu irmão? Meu irmão…
— Belial…
— Seu irmão está bem. — respondeu como se soubesse o que eu
estava pensando.
— E onde ele está?
— No mesmo lugar em que o deixou. É um lugar seguro, sagrado,
muito protegido, e foi muito difícil para eu descobrir sobre ele, então
não se preocupe.
Respirei aliviada, talvez me dando algum tempo para pensar em toda
aquela confusão.
Mas ainda tinha tantas perguntas.
— Há quanto tempo estou…
— Algumas semanas, talvez duas. — só isso? Parecia uma
eternidade de tortura. — O tempo no abismo é diferente do tempo aqui.
— explicou.
— Ah. — refleti. — E quanto a Vinci? — Encarei seu rosto. — Eu
sei que ele não permitiria que me tirasse de lá, então você me pegou
sem a permissão dele, e isso significa que ele vai nos caçar.
— Sim, ele vai nos caçar. — admitiu. — Mas, por enquanto, estamos
seguros aqui. Depois veremos o que fazer.
Concordei, mas tudo aquilo ainda era muito estranho.
— Por que me salvou? — questionei desconfiada.
— Não é nada do que está pensando. — disse. — Não quero te usar.
— Então?
— Bem… Talvez tenha sido para te usar, mas… — suspirou. — Eu
gostei muito de você, e não achei certo o que Asmodeus fez. — pensou
um pouco. — Fiquei chateado com o modo como ele me tratou, ele
sempre age como se não precisasse de ninguém! Então, eu te resgatei,
para provar a ele que ele não é o único com poder.
— Uma briga de irmãos. — murmurei e ele deu de ombros.
— Ele ainda não é o rei, e age como se fosse. — pareceu chateado,
mas logo mudou a expressão. — Bem, você deve estar com fome.
Lembrei-me de como precisava comer e nem sabia como havia
sobrevivido àquilo.
— Faminta!
— Ótimo. Tome um banho. Tem algumas roupas no armário, e
depois venha comer.
Concordei e ele saiu, fechando a porta do quarto e me permitindo
refletir um pouco mais sobre tudo isso.
Eu ainda sentia medo, pois Vinci estava lá fora e ainda me odiando.
Quando ele descobrir que eu saí, ele vai me caçar e vai me torturar, e eu
não vou saber o que fazer.
Levantei-me da cama e com dificuldade, por causa da dor em meus
pés, caminhei até a janela e afastei a cortina, me deparando com uma
floresta com árvores altas e exuberantes, e a mansão parece estar no
alto duma colina.
Eu não conheço o lugar, mas sinto uma energia estranha rondar o
espaço, como uma parede de proteção.
Rezei para que aquele lugar fosse realmente seguro.

Após tomar um banho, vesti as roupas deixadas por Belial, que me


serviram perfeitamente. Ao abrir a porta, me deparei com um corredor
esplêndido, com paredes de vidro que permitiam a entrada da natureza
para dentro da mansão. Tudo era em tons claros, com muito luxo e
verde ao redor. Desci as escadas e cheguei na sala de estar, que possuía
um amplo terraço com vista para a floresta. A decoração contava com
móveis confortáveis, tapetes macios e obras de arte cuidadosamente
selecionadas.
— Seja bem-vinda, Vênus. — disse Belial da mesa posta com uma
grande variedade de comida.
— Obrigada. — me aproximei, apreciando o delicioso aroma dos
pratos.
— Por favor, sinta-se à vontade.
— Com certeza. — avancei em direção à comida e me saciei.
Enquanto comia, puxei assunto. — Por falar nisso, que lugar é esse?
Sinto uma energia sombria, mas ao mesmo tempo protetora aqui.
— Você percebeu corretamente. — respondeu ele, degustando seu
vinho. — Uma poderosa bruxa me fez um favor, e garantiu que
Asmodeus não se aproximasse desta mansão. — Eu assenti, ocupada
demais para responder, e ele continuou. — Há uma antiga igreja perto
da estrada, um local muito poderoso que contribuiu para o feitiço. O
solo é tão sagrado que nem a própria bruxa consegue entrar.
— Interessante. — Tomei um gole de vinho. — Por que é tão
sagrado?
Ele cortou um pedaço de carne, mastigou cuidadosamente antes de
responder.
— Dizem que foi construída sobre a terra onde o filho da divindade
lá de cima nasceu.
— Terra sagrada. — murmurei e ele assentiu.
— Sim, e parece que é verdade. Eu mesmo não consigo entrar. — Eu
assenti. — Quando se sentir melhor pode explorar o local. Estará segura
enquanto permanecer dentro da proteção.
— E como vou saber onde está a proteção?
— Você vai descobrir. — concordei e ele levantou-se. — Vou me
ausentar por algumas horas, mas não se preocupe, há proteção
suficiente aqui.
— Está bem.
Ele acenou e desapareceu pela porta.
Terminei de comer e decidi dar uma volta pelo local, matando a
minha curiosidade. Realmente, tudo era muito limpo e luxuoso, e a
floresta ali parecia bem maior do que aparentava ser.
Apesar de o sol estar se pondo, não diminui a beleza do local, e as
árvores ficavam cada vez mais amareladas e lindas.
Ao avistar a entrada tão próxima, optei por caminhar do lado de fora
e explorar os arredores. Cada passo em direção à estrada da mansão
parecia normal, sem qualquer sensação peculiar que me desencorajasse.
Entretanto, ao me aproximar ainda mais da estrada de terra, senti um
arrepio profundo percorrer minha pele, observando até os pelos do meu
braço se eriçarem. Ali, naquele ponto, a proteção mostrava seu limite e,
se eu ultrapassasse, a barreira simplesmente desapareceria.
Descobri a sensação de estar sob sua segurança.
Contudo, tomada pelo cansaço, resolvi voltar para dentro. Deitei-me
na cama e Marte veio à mente.
Talvez ele estivesse acreditando que o deixei para trás naquele lugar,
algo que partia meu coração. Desejava vê-lo, abraçá-lo, e dizer o quanto
eu o amava, mas não podia arriscar sua vida.
Quase imediatamente, acabei adormecendo.

O céu está escuro e coberto por densas nuvens de fumaça, e o cheiro


acre do fogo ardente toma conta do ar. Sinto meu coração disparar,
enquanto observo uma cidade em chamas diante de mim, destruição e
caos se espalhando pelo beco.
A presença dos demônios dança na escuridão, suas formas
distorcidas e grotescas pairando sobre os destroços. Seus olhos
brilhantes lançam uma aura maligna, enquanto eles gargalham
sadicamente e espalham o terror por onde passam. Tento me afastar,
mas meus pés estão enraizados no chão, incapaz de escapar dessa visão
infernal.
E então, no meio do caos, meus olhos se fixam em uma figura
familiar. Mammom está lutando contra Vinci. Os dois estão imersos em
uma batalha frenética.
Aquilo é tão real, que sinto a pressão no ar.
Enquanto observo, meu coração parece parar por um momento
quando a espada de Mammom encontra seu alvo, acertando Vinci em
um golpe fatal.
Uma mistura de horror e dor inunda minha alma enquanto Vinci cai
no chão, com um baque violento, me fazendo cair de joelhos com uma
dor aguda no peito, como se eu tivesse ali.
Ele ainda está vivo, e Mammom se aproxima com seus olhos de fogo
para terminar o seu serviço.
Os olhos de Vinci me encontram, e sinto a dor inundar cada parte do
meu corpo, incapaz de respirar.
Tento gritar seu nome, implorando para que ele saia daquele lugar,
mas minha voz é abafada pelas chamas e pelo barulho ensurdecedor ao
meu redor. Lágrimas escorrem pelo meu rosto quando percebo que é
inútil, que não posso fazer nada para impedir a lâmina prateada adentrar
o peito de Vinci, e tirar a sua vida.
E então, o sonho se quebra, e eu acordo num suspiro de dor, o suor
frio em minha testa me recordando da intensidade do sonho. Minha
mente ainda está turva, mas o único pensamento que permanece é a
imagem de Vinci.
Um pressentimento me invade, de uma forma que parece que aquilo
vai acontecer, e desesperadamente eu sinto a necessidade de chamar por
Vinci. Mas, sou parada pelas lembranças.
Ele me odeia.
Capítulo 26

— Continuo tendo aqueles pesadelos — murmurei, enquanto


limpava no pano o sangramento nasal. — Todos os dias, e mesmo
quando estou acordada, sinto a mesma sensação desde que cheguei aqui
há cinco dias.
Dores de cabeça, cansaço, pesadelos e sangramento nasal eram o
mínimo que eu passava.
— São os efeitos de não ter mais proteção — disse Belial da
poltrona em frente à minha. — Quando você estava com Asmodeus, ele
te protegia de todos os demônios e almas que o pacto poderia invocar.
Agora que ele te deixou, tudo está vindo à tona.
— Não há nada que você possa fazer? — perguntei exausta. — Não
consigo dormir a dias. Parece que essa sensação de ser puxada para o
abismo, e a angústia pela morte dele nunca vão desaparecer.
— Lamento — ele lastimou. — Mas eu não sou o dono da sua alma.
Mesmo que Asmodeus tenha te abandonado para sofrer, ele ainda
continua sendo o demônio a quem você pertence.
Uma onda de desespero percorreu meu corpo. Eu não aguentava
mais viver nesse estado constante de medo e agonia. Necessitava de
uma solução, qualquer coisa que aliviasse meu tormento.
— Estou tão cansada. — Sibilei, sentindo minhas forças saindo de
mim.
Ele suspirou, a expressão de cansaço estampada em seu rosto.
— Eu posso tentar ajudar, mas não tenho controle total sobre o que
acontece com sua alma. O poder de Asmodeus ainda é forte, mesmo
que ele tenha te deixado. — suspirei. — Eu conheço um ritual antigo,
um pacto que poderia fazer com outro demônio. Talvez, se você estiver
disposta, poderíamos tentar transferir a proteção para um novo mestre.
Encarei o rosto dele, hesitante.
Uma nova aliança com outro demônio? Seria eu capaz de confiar
novamente, sabendo o que Vinci me fizera passar? Contudo, a promessa
de acabar com meus pesadelos e afastar aquele sentimento de perda era
tentadora demais para ignorar.
— Vamos estar seguros se tentarmos? — questionei, disposta a me
agarrar naquilo como uma última tentativa.
— Devemos estar. — falou. — A mansão é cercada por magia, e se
estivermos aqui dentro, nada pode passar. Você gostaria de tentar?
Olhei diretamente nos olhos de Belial e assenti.
— Vamos fazer.
Ele concordou, colocando-se ao meu lado.
— Mas saiba que, mesmo se conseguirmos, este novo pacto pode ter
consequências. Você nunca estará completamente livre das garras de
um demônio. — explicou. — Eu não posso te prender a mim, não
quando o meu irmão já te tocou, mas eu conheço um demônio que
adoraria participar disso.
— Quem?

Quando me falaram de Belphegor, o irmão mais novo, confesso que


imaginei algo totalmente diferente. De acordo com o que eu sabia, ele
era o rebelde da família, sempre em busca de emoções e prazeres
passageiros. Seu jeito sedutor e manipulador atraía as pessoas ao seu
redor. Mesmo diante de um homem bonito, de cabelos escuros e olhos
hipnotizantes, eu sabia o quão obscuro ele poderia ser.
— É um prazer, finalmente, conhecer a garota que fez meu irmão se
perder em sentimentos — disse Belphegor, me analisando com olhos
cheios de malícia.
Aquelas palavras me deixaram confusa, mas não tive tempo de fazer
perguntas, pois Belial interrompeu.
— Não se esqueça do motivo pelo qual está aqui, Belphegor — ele o
encarou. — Ainda tenho controle sobre você, caso tente alguma
gracinha.
— Ah, não se preocupe. — Belphegor sentou-se. — Mas acho que
deveria me tratar melhor, afinal, foi você quem pediu minha ajuda.
— Você sabe muito bem que não tive muita escolha, Belphegor. —
Belial soltou um suspiro frustrado. — Precisávamos de sua experiência
para lidar com essa situação, e garantir que os planos sejam bem
executados.
Belphegor deu um sorriso de superioridade e cruzou os braços, como
se estivesse se deliciando com a situação.
Pelo que eu soube, ele era o único demônio que conseguia atravessar
qualquer pacto de alma.
Seu olhar fixou-se em mim novamente, e eu senti um arrepio
percorrer minha espinha.
— Então, quer vender sua alma para mim? — pesquisou.
— Não vender. — Belial interrompeu. — Ela vai te emprestar a alma
por um tempo, e você vai devolvê-la, bem como planejado. Entendeu?
Belphegor manteve os olhos fixos em mim, e eu senti-me muito mal
com aquilo.
— Ah, entendi muito bem, Belial. Não se preocupe, eu não tenho
interesse em roubar a alma dela permanentemente. Não vou causar
nenhum dano irreparável, eu prometo.
Voltou a olhar para Belial e eu já não tinha tanta certeza se queria
levar aquilo adiante. Eu sabia o quão manipulador e sombrio ele
poderia ser. Ainda assim, eu não tinha escolha a não ser concordar.
— Ótimo. — Belial se levantou. — Agora que tudo está acertado,
podemos focar no nosso objetivo principal. Temos pouco tempo e
muito trabalho pela frente. Preciso pegar os ingredientes para o ritual.
— me olhou. — Quer me ajudar?
— Sim. — Fiquei de pé e Belphegor fez o mesmo.
— Mal posso esperar para começar, pequena humana. Vai ser uma
experiência interessante, tenho certeza. — disse.
Senti um arrepio percorrer novamente minha espinha, mas decidi
não mostrar meu receio.
Saí com Belial para a sala, onde íamos encontrar tudo o que
precisaríamos para ritual.
Enquanto buscava pelas coisas no cômodo, não pude deixar de
pensar naquilo. Belphegor era esperto, e poderia colocar tudo a perder,
mas Belial parecia ter certeza daquilo. Mesmo assim, eu ainda me
sentia estranha com aquilo. Desconfiada.
— Confia mesmo em Belphegor? — perguntei.
Belial olhou para mim, com um olhar penetrante antes de responder.
— Não. Belphegor é um demônio astuto e manipulador, mas ele
também é extremamente experiente nesse tipo de situação. — disse. —
Mas, não se preocupe, eu tomei precauções. — falou, me mostrando um
frasco pequeno com uma luz vermelha dentro.
— O que é isso? — perguntei me aproximando.
— Um pedaço da alma dele que falta.
Fiquei surpresa com a resposta de Belial. Uma parte da alma de
Belphegor? Aquilo era algo que eu nunca tinha ouvido falar antes.
— Como assim? Como uma parte da alma de alguém pode faltar? —
questionei curiosa e confusa ao mesmo tempo.
Belial suspirou e me olhou com uma expressão séria.
— Belphegor é um demônio que já passou por muitas provações e
experiência ao longo dos séculos. Em uma de suas últimas batalhas, ele
perdeu uma parte de sua alma, o que o deixou vulnerável em alguns
aspectos. — explicou. — Quando um demônio perde um pedaço sequer
da alma, ele fica frágil.
Eu não sabia o que pensar sobre aquilo. Parecia algo muito surreal,
mas estava diante de mim. Eu já tinha visto muitas coisas loucas.
— E o que você planeja fazer com isso? — indaguei curiosamente.
Belial sorriu, mas o sorriso não atingiu seus olhos.
— Eu planejo usar isso contra ele. Uma alma fragmentada é mais
fraca, e mais fácil de manipular. É a minha maneira de garantir que
Belphegor não se volte contra nós. — respondeu, guardando o frasco de
volta em seu bolso.
Eu ainda não estava convencida de que aquilo era a melhor decisão,
mas confiava em Belial. Eu precisava confiar.
Pegamos todas as coisas necessárias, e montamos o ritual na varanda
da mansão. Eu conhecia bem os rituais, mas aquele era um pouco
diferente do que eu estava acostumada.
Sangue de virgem, pena de um pedaço da asa de Belphegor, nosso
sangue e velas negras.
Belial estava com o livro em mãos, e Belphegor se colocou ao meu
lado, segurando a minha mão, me lançando um meio sorriso, que
ignorei.
— Está tudo pronto, Belial. O ritual pode começar — Belphegor
anunciou.
Eu sentia meu coração acelerando, uma mistura de medo e ansiedade
consumindo-me. Olhei para Belial e assenti, o vendo abrir o livro e
começar o ritual.
— Hic animus pactum fit, Cum umbrae luce coniungitur. Sanguine et
anima, devinctum sunt, Arbeat infernum nos sumus. Cum umbrae luce
coniungitur. — um vento assobiou no quintal, sacudindo a folha não só
das árvores, mas também do meu cabelo. Belial pegou meu sangue e
jogou no sangue de Belphegor. — Sanguis meus, anima mea, In unum
convenimus. Dum sanguis fluat, pactum firmatur, Infernum pacta
nostra suscipit. — Senti um arrepio me tomar quando vi os chifres de
Belphegor saindo, e sua feição mudando. Em voz alta, Belial declarou;
— Renuncio meam vitam et mentem, In perpetuum in infernum dabo.
Cum anima mea pactum facio, In aeternum tibi famulus ero!
Um rugido demoníaco se mesclou com o vento forte, enquanto o
chão sob meus pés esquentava e começava a tremer, causando
rachaduras por toda parte. O céu, antes escuro, tomava uma forma ainda
mais escura, com corvos voando freneticamente. O chão estremecia
diante da presença de passos pesados.
— Por favor, me diga que isso está incluído no pacto! — gritei,
lutando para ser ouvido acima do vento ensurdecedor.
Olhei para Belial e vi uma expressão de pavor em seu rosto.
— Pessoal, parece que essa é a nossa despedida. — disse Belphegor.
— Foi um prazer conhecê-los! — ele alertou antes de desaparecer nas
sombras.
— O… — minha mente estava confusa ao ver Belial tremendo. — O
que está acontecendo?
— Ele está chegando… — ele disse, jogando o livro no chão.
— Ele? Quem é ele?
Belial segurou meu ombro, desesperado.
— Mantenha a calma, Vênus! — falou. — Tudo vai ficar bem!
Asmodeus não conseguirá entrar.
Congelei, sentindo meu corpo sendo sacudido pelo vento.
— Você disse que isso funcionaria! — exaltei, observando as árvores
quebrando e ouvindo o rugido demoníaco, como se fosse de uma fera
enfurecida.
— Vamos morrer! — ele gritou. — Todos nós vamos morrer! Nossas
almas serão destroçadas por toda a eternidade! — levou as mãos à
cabeça, em desespero. — Seremos aniquilados!
— Belial! — dei um tapa em seu rosto, conseguindo chamar sua
atenção. — Fique calmo e nos tire daqui!
Ele piscou desnorteado, e encarou meu rosto.
— Vênus, eu te amo. — disse, deixando-me confusa. — Sou seu
amigo e sempre estarei aqui por você, mas não hoje.
— O quê? — fiquei chocada.
— Asmodeus te quer, então… é cada um por si. Boa sorte, garota!
Ele desapareceu nas sombras, me abandonando ali.
— Belial! — gritei, mas já era tarde. — Maldito demônio!
Virei-me em direção à escuridão da floresta e fiquei imóvel, sentindo
a presença se aproximar cada vez mais. Com um rugido, rachaduras
começaram a surgir no chão, como se o próprio inferno estivesse se
abrindo debaixo dos meus pés. Arrepios percorreram meu corpo
enquanto uma sombra gigante de aproximadamente três metros se
aproximava lentamente, com chifres enormes e espinhos envoltos dos
ombros. A cada passo que dava, a terra tremia, aumentando ainda mais
meu medo.
Aguardava que o monstro emergisse das sombras e rompesse aquela
barreira, mas à medida que a sombra se aproximava, Vinci também
surgia. Diante dos meus olhos, a criatura se transformou em um
homem.
Lá estava ele, usando seu terno caro e com seus olhos vermelhos
quase cegantes. Vinci tinha um meio sorriso nos lábios, porém, não
parecia contente, mas sim zangado.
Pensamentos passaram pela minha mente, entre eles, o fato de que
talvez as coisas pudessem ter sido diferentes se eu não o tivesse
desafiado.
— Olá, Vênus. — Sua voz potente ecoou em meus ouvidos. Ele me
chamou de Vênus. Ele nunca me chamava assim. Isso apenas
confirmava o que eu pensava; que ele me odiava. — Então, é aqui que
você pensou em se esconder de mim?
Tentei dizer algo, queria dizer, mas estava engasgada.
Ele deu um passo em direção à barreira e eu dei quatro passos para
trás, até sentir minhas costas baterem na parede gelada. Estava com
tanto medo, tanto medo que estava começando a ficar sem ar.
Vinci parou quando uma faísca surgiu com o contato do seu corpo na
barreira, e riu de lado, um sorriso que distorceu a pele do seu rosto. Em
seguida, olhou para mim, com uma expressão fechada.
— Saia. — ordenou. Apertei as mãos e neguei, sem conseguir emitir
uma palavra. — Vênus, saia. — repetiu.
— Não. — neguei novamente. — Você vai me matar se eu sair.
Ele riu, e isso só aumentou meu medo.
— Eu vou te matar de qualquer forma, Vênus. — advertiu. —
Agora, saia daí!
Neguei.
— Não!
Ele fez uma careta, torcendo o pescoço, e pude ver seus punhos
cerrados e sua pele avermelhada. Veias escuras começaram a surgir em
seu rosto, e suas asas se estenderam para fora.
— Corra! — avisou e deu um soco na barreira, fazendo tudo tremer.
Não esperei por mais nada, apenas corri dali sem olhar para trás.
Entrei na mansão e subi as escadas rumo à porta de vidro que dava
para os fundos, onde a floresta se estendia ainda mais. Perdi meu sapato
pelo caminho e rasguei o vestido azul que estava usando, mas não
desisti de correr.
Adentrei a floresta e impulsionava meu corpo a cada passo que dava.
A escuridão e os galhos das árvores batendo em meu rosto não
conseguiam me deter. Eu estava determinada a não ser capturada por
Vinci, mesmo que isso significasse me embrenhar ainda mais na
floresta desconhecida.
Enquanto corria, rezava para que meu pulmão não me abandonasse,
mas eu estava por um fio. O ar estava faltando pelo caminho, e me
forcei a continuar, com medo de ser agarrada.
Então, me lembrei de Belial dizer sobre a igreja abandonada, que
ficava no final da estrada, e mudei meus passos, indo naquela direção.
Eu olhava para trás em desespero, sentindo que estava sendo
perseguida, mas não conseguia ver nada. Eu corria e olhava para trás,
sendo perseguida igual um animal.
Após alguns minutos correndo desesperadamente, finalmente avistei
a igreja, em meio à floresta e corri um pouco mais rápido.
Sem ter controle dos meus pés, desesperada para entrar em solo
sagrado, e me salvar, eu caí, tropeçando em um galho seco e batendo
meu rosto no chão.
Gemi pela dor, ficando zonza na mesma hora, perdendo um pouco
mais de força.
— Vênus! — a voz fazia eco na floresta toda. — Onde está minha
deliciosa garota? — Ele sabia onde eu estava, ele apenas queria se
divertir. — Vamos, Darling! Apareça, anima mea. — mencionou em
latim a expressão minha alma.
Eu estava tão perto, e não podia desistir, mesmo que eu não tivesse
meu ar.
Com dificuldade, me arrastei até o degrau de pedra ali e impulsionei
meu corpo a ficar de pé.
As paredes de pedra estavam cobertas de musgo e a estrutura parecia
ter se deteriorado com o tempo, mas isso não importava. Aquele lugar
seria meu abrigo temporário, meu refúgio daquele tormento.
Sem hesitar, empurrei a pesada porta de madeira e adentrei o templo.
O cheiro de mofo e a escuridão completa tomaram conta do ambiente,
mas isso não me intimidou. Avancei cautelosamente, tateando as
paredes em busca de uma fonte de luz.
Após algum tempo, encontrei um candelabro. Ao acendê-lo, com um
isqueiro que eu tinha no seio, a luz iluminou o salão principal,
revelando pilares altos e afrescos quase apagados nas paredes.
O espaço era amplo e silencioso, o que me fez sentir certo alívio.
Ainda assim, permaneci em alerta, consciente de que Vinci poderia
aparecer a qualquer momento.
Não demorou em que, o forte bater de asas me fez saltar e encarar a
porta, para ver Vinci, em sua forma demoníaca, do lado de fora. Eu
nunca o tinha visto daquela forma, de verdade, como era sem pelagem
humana. A aparência era grotesca.
Ele era um monstro, e seu cheiro invadiu a igreja.
Enxofre.
Quando subiu os degraus, ficando mais perto da luz da lua lá fora, eu
pude ver melhor.
A pele era negra como a mais densa escuridão, parecendo estar
sempre envolvida em um manto sinistro. Ela era coberta por espinhos
afiados e ásperos, que se projetavam de maneira irregular por toda a
figura distorcida. Cada espinho era uma ponta afiada.
Os olhos eram fendas vermelhas e ardentes, cheias de malícia e
crueldade. Sua testa era enrugada, marcada por sulcos profundos que
pareciam ter sido esculpidos pela dor e sofrimento. As veias pulsavam
embaixo da pele escura e escamosa, dando a impressão de que a
criatura estava sempre em um estado de fúria.
Sob as sobrancelhas curvas, dois chifres demoníacos se erguem,
torcendo-se e enrolando-se.
Suas unhas eram longas e afiadas, prontas para rasgar qualquer coisa
que viesse em seu caminho.
E, por fim, movendo-se atrás de suas costas com fúria, estão suas
caudas. Não uma, mas três, cada uma terminando em uma lança afiada.
Elas serpenteiam de forma sinistra.
Dei passos para trás, esbarrando no altar em ruínas, sem condições
de correr.
Ele não ia entrar, não tinha como ele entrar.
Se ele entrasse, eu estaria morta.
Capítulo 27

Meu coração disparava descontroladamente, e eu lutava para


recuperar o fôlego enquanto sofria uma crise de asma que me
imobilizava. Foi nesse momento que o demônio avançou em direção à
porta, e a cada passo que dava, rachaduras se formavam no chão. Seus
passos eram pesados e pareciam ecoar pelo piso, gerando faíscas que
queimavam sua pele. Embora visivelmente sentindo dor, ele não hesitou
em prosseguir.
— Não há céu algum — proferiu a voz demoníaca, passos firmes
rachando o chão da igreja e quebrando suas paredes. — Nenhum Deus,
nenhum ser e nem mesmo uma velha igreja. Nem mesmo pacto ou
ritual poderá te separar de mim. — Aproximando-se mais, cada vez
mais perto. — Sou o dono da sua alma. — Mais perto… — Sou
Asmodeus, e você… — um último passo, trazendo o demônio diante
dos meus olhos. — Você é meu, pequeno planeta.
Com um sorriso sinistro, ele expôs seus dentes afiados e amarelados.
Assustada, gritei quando suas mãos com unhas compridas se
aproximaram de mim, tremendo e me encolhendo de olhos fechados,
esperando por um ataque brutal que nunca ocorreu.
Senti a ponta de sua unha deslizar suavemente em meu pescoço e,
instantaneamente, minha respiração voltou ao normal, minha asma
desapareceu. A unha continuou seu caminho pelo meu pescoço,
deslizando até o meio dos meus seios.
— Olhe para mim! — sua voz ecoou como uma ordem, mas eu me
recusei a obedecer, permanecendo trêmula e de olhos fechados. —
Estou ordenando que você me olhe!
Hesitei por um momento e, apesar do medo e do tremor que me
consumiam, comecei a virar lentamente meu pescoço e abri meus olhos,
deparando-me com o demônio diante de mim. Seus olhos, sua
aparência… Nada disso era belo, nada disso era Vinci. Era Asmodeus, e
me questionei se ele sempre foi assim.
Ele me olhava com satisfação, com prazer, pois sentia o meu medo e
sabia que se ele rugisse, eu me ajoelhava. Aqueles olhos profundos e
profanos. Aquelas garras afiadas, aquele corpo quente que me fazia
suar.
Um grito escapou da minha boca quando ele me pegou pelo pescoço,
sem me dar tempo para perder o ar e me jogou em cima do altar,
fazendo a poeira subir e meu peito também. Minhas costas se chocaram
contra a pedra do altar e gemi.
Ele se enfiou entre as minhas pernas, e mantive meus olhos nele.
Com a ponta das unhas, ele deslizou o tecido do meu vestido, fazendo-
me arrepiar pelo contato da unha em minha pele.
Ele soltou um rugido animal cheio de força e, num movimento
rápido, rasgou todo o meu vestido.
Naquele momento, eu me vi apenas de calcinha e sutiã. Meus
batimentos cardíacos aceleraram e percebi que estava excitada. Apesar
do medo ainda pairar, a forma como meu corpo reagia aos toques
mostrava que a excitação estava presente.
Ele continuou a analisar meu corpo enquanto sua pele tocava a
minha, e eu arfava, desejando aquilo.
Será que estava errado desejar que aquele monstro imenso e coberto
de espinhos me possuísse ali, em frente a um altar e a estátua de um
santo?
— Está olhando para mim? — perguntou, elevando os olhos para
meu rosto.
— Sim, eu estou… — respondi com a voz trêmula.
Ele gargalhou e senti um frio na espinha.
— Sinto o cheiro da sua excitação. Sinto o cheiro da sua boceta
implorando para ser fodida por mim. — com a unha ele simplesmente
rasgou meu sutiã, ao meio, fazendo meus seios saltarem para fora. — É
isso que você quer?
Eu estava tão perdida!
— Sim. — respondi firme. — Por favor, me faça sua. — implorei,
pois sabia que ele gostava. — Me faça sua, Asmodeus!
Minha voz foi silenciada por uma das caudas, que bruscamente
cobriu minha boca, fazendo-me gemer.
— Eu te odeio, Vênus. — disse ele, agarrando-se à calcinha e
afastando-a para o lado com uma das caudas. — Você me traiu, virou as
costas para mim, e isso doeu. — Involuntariamente, uma lágrima
escapou dos meus olhos. — E agora tudo o que eu quero é te machucar.
— Meus olhos se arregalaram e um grito abafado escapou de mim,
quando senti a última cauda penetrar meu ânus com violência.
Pequenos espasmos de desconforto percorreram meu corpo e fechei
os olhos, soltando lágrimas. Não era uma sensação dolorosa, era uma
sensação de excitação intensa. Eu estava completamente estimulada.
Com agilidade, ele ergueu minhas pernas e as colocou em seu
ombro, fazendo meus pés se machucarem pelos espinhos, e soltei um
grito.
Minha calcinha foi arrancada bruscamente, e respirei ofegante,
abrindo os olhos e vendo uma língua bifurcada saindo de sua boca, e se
movendo em direção ao meu clitóris. O calor e a textura rugosa
invadiram minha feminilidade, acariciando minha pele molhada e
fazendo um som agradável.
Enquanto a cauda se adentrava em meu ânus, a língua continuava
estimulando meu clitóris, e ele retirou a cauda de minha boca.
— Geme para mim. — ordenou. — Demonstre que está gostando,
suplique por mais.
Ele não precisava pedir, os gemidos escapavam involuntariamente e
eu os deixei sair, em êxtase.
— Mais! — implorei ofegante, gemendo incessantemente e fazendo
meus gemidos ecoarem por todo o ambiente. — Mais!
Ele parecia entender meu desejo mais íntimo.
As mãos quentes apertavam minhas coxas com tanta intensidade que
senti minha pele queimar. Ele rosnou, e quando ergui meus olhos para
sua cintura, observei seu membro surgir lentamente. Meus olhos se
arregalaram, aquilo não parecia real, não podia ser. Ele continuou
crescendo, assumindo a forma de um membro normal, porém de
tamanho cada vez maior… Maior e maior. Possuía pequenas
ondulações e se estendia cerca de cinco dedos além de seu umbigo.
— Eu… Eu vou morrer. — gaguejei, e ele soltou uma risada.
— Se você morrer, eu te trago de volta.
Ele segurou aquele monstro e começou a massageá-lo, sorrindo
enquanto me olhava com prazer. A cauda se agitou dentro de mim,
movendo-se de um lado para o outro, e arquiei as costas, sem tempo de
reagir quando ele enfiou o pau em mim com força.
Soltei um grito ao ser penetrada pelo membro grosso e profundo, que
chegou a tocar minha barriga. Chorei e tentei afastar minha cintura, mas
ele me puxou mais para baixo, encaixando-se por completo. Eu senti
tudo e soltei um grito.
— Shh, não resista. — ele disse. — Sinta. Sinta o pau do seu dono
dentro de você.
Pequenos gemidos escaparam dos meus lábios enquanto ele
começava a mover os quadris lentamente, tirando e colocando aquele
enorme pau dentro de mim.
A sensação de ser preenchida de forma tão intensa e invasiva era
avassaladora.
Enquanto ele continuava a me penetrar com força, seu sorriso
malicioso mostrava o prazer que ele sentia em me dominar daquela
forma.
Suas mãos firmes apertavam minhas coxas, deixando marcas do seu
toque quente em minha pele sensível.
Ele continuava a me possuir com sua cauda. Cada movimento era
mais intenso que o anterior, fazendo-me perder completamente a noção
de tempo e espaço. Eu não era nada além de uma marionete em suas
mãos, dançando conforme sua música.
E eu amava.
O pau não saía de dentro de mim, ele apenas se mexia pela metade e
enfiava, fazendo com que a cintura dele e minhas coxas formassem um
encaixe perfeito.
— Rebola no meu pau. — pediu. Comecei a rebolar, enquanto
apertava as beiras do altar, sentindo tudo o que um ser humano podia
sentir, menos culpa, menos vergonha. — Isso! — rosnou e me apertou
um pouco mais. — Você é só minha, entendeu?
Estocou com mais força e eu já não sabia se era o meu ânus ou
minha intimidade que suava.
— Sim, eu sou!
Ele rosnava e me penetrava sem pausas, e eu me vi perdida,
enquanto gemia e arfava.
As investidas eram brutais, sem descanso, e eu me sentia
completamente subjugada pela força e desejo primitivo presente
naquele momento.
A cada rosnado, minhas defesas se desvaneciam, eu estava
completamente entregue àquele encontro carnal. Nossos corpos se
contorciam em uma dança desenfreada, como se estivéssemos
possuídos por uma energia selvagem e imprevisível.
Enquanto ele me penetrava, senti um desconforto agudo na costela,
como se milhares de agulhas tivessem me atingido. Ao olhar para
baixo, percebi que as pontas afiadas de suas asas haviam rasgado minha
pele, deixando rastros de sangue por onde passavam. E mesmo com a
dor pulsante, tudo o que eu conseguia fazer era abraçar aquela sensação
de entrega absoluta, de ser desbravada por aquele ser desconhecido.
Cada novo impulso fazia com que suas garras se cravassem em
minhas coxas, deixando marcas visíveis de sua possessividade. As
unhas aprofundavam-se em minha carne, causando uma mistura
peculiar de dor e prazer, que me deixava cada vez mais envolta em um
êxtase sem precedentes.
Era uma dança perigosa entre o sadismo e o masoquismo, onde o
meu prazer dependia diretamente do seu desejo de me machucar. Eu me
encontrava nas profundezas desse desejo doentio, no abismo onde não
havia limites ou remorsos.
Minha mente vagou para o vazio enquanto encarava a cruz
pendurada na parede, e pude vê-la se distorcendo e virando de cabeça
para baixo. Corvos começaram a aparecer nas vidraças quebradas,
observando aquele espetáculo no interior, enquanto eu era consumida
pelo pecado, afundando na luxúria e nas sombras.
Ele era o senhor da minha alma, do meu corpo, e eu era a humana
favorita dele.

Abri meus olhos e reparei na claridade do lugar. Reconheci aquele


teto, e quando me sentei, percebi estar ainda na velha igreja, sobre o
chão sujo e coberto por folhas.
Segurei com a ponta dos dedos o tecido velho que parecia ser uma
cortina antiga, que cobria o meu corpo, completamente nu.
O dia brilhava lá fora, e eu me encontrava sozinha ali. Pensei que
tivesse sido deixada para trás e que Vinci havia ido embora, mas
quando me levantei, enrolando o tecido em meu corpo e caminhando
para perto do degrau do altar, o vi entrar na igreja.
Vinci havia voltado, dando lugar ao seu rosto humano, e senti um
frio na barriga ao vê-lo se aproximar, me lembrando de tudo o que
havia ocorrido na noite anterior. Eu não sabia como ele se sentia, o que
estava preparando para mim, afinal, eu era uma traidora e fugitiva.
— Acordou. — disse, se aproximando enquanto abotoava a camisa.
— Sim, eu… — levei o cabelo atrás da orelha. — Pensei que tinha
ido embora.
— Eu poderia. — me analisou cuidadosamente. — Mas, eu não
consegui. — ele levantou as mãos e tocou meu cabelo, retirando uma
folha dele. — Descobri que não passo de um idiota fraco quando se
trata de você.
Senti a necessidade de me desculpar, talvez tentar consertar aquilo.
— Vinci, eu…
— Não. — sacudiu a cabeça. — Isso não quer dizer que eu esteja te
perdoando, ou que eu esteja te aceitando de volta.
— Compreendo. — respondi, não imaginando que eu iria ficar tão
chateada com aquilo. — Então? Vai me trancar naquele lugar de volta?
Me dar um tiro, ou…
— Por agora, tenho outros planos para você. — engoli um seco,
temendo as próximas palavras dele. — Vamos voltar para Stanfield e
conversamos lá.
Concordei, sendo guiada por ele.
Eu não fazia ideia do que me esperava, mas torcia para que nenhuma
tortura estivesse no meio, pois eu temia aquilo.
Chegamos na mansão e tomei um banho, analisando todas as marcas
em meu corpo. Ele poderia tirá-las de mim, mas não o fez, deixando-as
ali para que eu me lembrasse a quem eu pertencia.
As memórias do que eu fiz com ele, da forma que eu me entreguei e
gostei daquilo, deixava claro que eu havia perdido completamente a
minha sanidade. Vinci atirou em mim, me torturou e me trancou em um
abismo quase mortal, e mesmo assim eu estava ali, me entregando e
tentando me desculpar pelos meus atos.
Era loucura, e eu estava completamente louca. Eu não queria ir
embora, eu não queria resistir, eu queria estar exatamente ali. Eu não
podia dizer que eu havia sido manipulada, que Vinci me drogou ou
usou seus poderes em mim, por que não foi assim. Eu desejei aquilo, e
continuava desejando.
Eu me sentia atraída pelo caos, pela dor e pelos perigos que ele me
proporcionava, e aquilo dizia muito sobre mim.
Depois de me vestir, desci a escada e peguei Vinci na sala ao celular,
me notando e vindo em minha direção.
— Ok, me mantenha informado, Patrick.
Ele desligou e se aproximou de mim.
— Como se sente? — perguntou me analisando.
— Bem, eu acho.
Ele assentiu.
— Pedi comida. — disse. — Venha.
O segui para a sala de jantar e encontrei uma mesa com comida
japonesa, e eu amava comida japonesa. Estava faminta, e me sentei em
seguida, vendo Vinci se sentar à minha frente.
Ele foi se servindo, e embora eu estivesse com fome eu não consegui
fazer o mesmo que ele, pois estava preocupada com a conversa que ele
teria comigo.
— O que vai acontecer comigo? — questionei e ele me olhou. —
Você disse que tinha planos para mim, e eu quero saber o quão terríveis
eles são.
Ele colocou os cotovelos sobre a mesa, e uniu as mãos embaixo do
queixo, me olhando de olhos semicerrados.
— Acha que eu tenho planos terríveis para você?
— Bonitos é que não são. — retruquei.
Ele riu de lado.
— Você sabe o que fez, Vênus.
Revirei os olhos.
— Pare de me chamar assim! — Minha voz saiu baixa.
— Assim como?
— De Vênus.
— E não é esse o seu nome?
— Não para você. — franzi o cenho. — Eu sou planetinha, ou
pequeno planeta… Ou…
— Minha mulher humana. — pisquei e não tirei os olhos dele. —
Sabe, eu precisei pensar muito em como eu sou um tolo por estar aqui,
com você. Você me traiu, mentiu para mim, tentou me matar e se livrar
de mim. Eu até quis te abandonar, te exilar da minha maldita vida, mas
todas as vezes que eu tentava, algo me puxava de volta para você. Eu
não consigo resistir a você, Vênus. Por mais que doa, por mais que eu
saiba que você é um perigo, eu não consigo ficar longe de você.
Um nó se instalou em minha garganta e senti meus olhos arderem.
Levantei-me do meu lugar e Vinci me acompanhou com seus olhos
verdes, até que eu estivesse em sua frente em seu campo de visão.
— Eu sempre fui um completo fracasso quando se trata de ser
protegida, cuidada ou amada por alguém. — falei, mantendo os olhos
nele. — E eu não estou dizendo que você me ama, não acredito nisso.
Mas, eu sei que algo em você me atrai, algo que me faz querer estar
perto de você, mesmo sabendo dos seus defeitos e das coisas terríveis
que você já fez. Talvez seja minha própria falha, minha fraqueza, mas é
a verdade. — suspirei e fui me curvando, até quase tocar o chão, prestes
a me ajoelhar, mas Vinci segurou meu braço, me impedindo de fazer
aquilo.
— Eu realmente espero que esteja se ajoelhando para chupar o meu
pau.
Fiz uma careta.
— Vinci!
Ele me levantou e se ergueu junto de mim, me olhando.
— Eu não quero que se ajoelhe para mim, a menos que seja para fins
sexuais. — acariciou meu rosto e fechei os olhos com seu toque
delicado. — Você é o único ser humano que eu não quero que se
ajoelhe diante de mim. — sorriu. — Eu sinto muito, por... — fez uma
careta. — Por todas as coisas. Isso não quer dizer que eu esteja dizendo
que vou mudar ou qualquer coisa do tipo.
— Eu sei. — assenti.
— Mas, se quiser continuar transando comigo até o fim dos tempos,
eu serei seu demônio sexual, seu escravo.
Sorri de lado.
— Ok... — levei a mão até a sua gravata e ajustei. — amantes
sexuais?
Ele assentiu.
— Eu vou ser seu e você será apenas minha.
Ele não sabia, mas eu fui dele, mesmo que resistindo, mesmo que
lutando, e tentando matá-lo desde a primeira vez.
Capítulo 28

Desci toda a escada, movendo-me furtivamente pela escuridão da


mansão, segurando minhas botas nos braços. Andei cautelosamente e
abri a porta de saída lentamente, torcendo para não encontrar nenhum
segurança por perto. Para minha sorte, não havia ninguém, e consegui
sair despercebida. Segui pela rua em direção ao prédio que Vinci me
deu, pois precisava daquela atmosfera, para observar as estrelas de
perto e recuperar o fôlego. Vinci não estava na mansão e eu não fazia
ideia de onde ele poderia estar, preferindo não incomodá-lo com aquilo.
Precisava de um tempo sozinha.
Quando entrei na rua afastada e me dirigi ao prédio abandonado,
fiquei paralisada ao ver tudo no chão. Destroços estavam espalhados
por todos os lados e as paredes que antes sustentavam meu lugar
favorito, onde eu e meu irmão costumávamos ficar, não existiam mais.
— O que aconteceu aqui? — sussurrei, desviando de algumas pedras
maiores enquanto observava a cena de destruição.
— Eu aconteci aqui. — Dei um salto de susto ao ver Vinci parado no
beco. Ele se aproximou e eu fiquei imóvel.
— O que aconteceu? — perguntei, chateada, e ele coçou a nuca.
— Um demônio com o coração falsamente partido pode se tornar um
monstro, acredite. — Franzi a testa e ele revirou os olhos. — Eu destruí
tudo aqui.
— E por quê?
— Porque era seu. — Ele colocou as mãos atrás das costas. — E eu
queria acabar com tudo que te pertencia. Com as lembranças.
Olhei aquela devastação e senti um aperto no peito.
— Não deveria ter destruído este lugar. — olhei para ele. — Eu
costumava amá-lo, assim como Marte…
— Eu vou consertar, planetinha. — ele afirmou.
Assenti, deixando os destroços para trás e batendo minha bota no
chão para me livrar da poeira.
— O que mais você destruiu por causa de sua ligação comigo? —
perguntei e ele ponderou.
— Bem… Talvez eu tenha tirado a vida de alguém.
Meus olhos se arregalaram e senti um arrepio na espinha.
— Quem… Quem você matou?
— Aquela sua amiga bruxa que sempre estava te ajudando a fazer
rituais contra mim.
— Você matou Chloe?
— Ah, ela merecia! Aquela mulher era insuportável, e vocês nem
eram tão amigas assim. — ele franziu a testa. — Eu teria matado seu
rato de estimação ou sua amiga Charlie, mas não os encontrei.
Fiquei chocada e senti uma dor na cabeça.
— Está bem, Vinci, vamos fazer um acordo, certo? — ele me
analisou com a testa franzida. — Eu me comporto e faço tudo direito
desta vez, e em troca, você não mata mais ninguém. O que acha?
— Por quê? — ele perguntou chateado. — É divertido!
— É errado tirar a vida de pessoas inocentes, Vinci! São pessoas que
estão tentando viver suas vidas, trabalhar ou crescer em paz. Você não
pode tirar isso delas.
Ele rosnou.
— Eu sou um demônio, você está pedindo redenção a um demônio?
— Eu… — suspirei. — Só não quero ter medo das suas ações
enquanto estiver com você.
Vinci me avaliou por um momento, e pensei que fosse explodir de
raiva. Afinal, pedir redenção a um demônio era como pedir a um cão
para não latir. Era sua natureza.
— Não vou matar seus amigos. — suspirei aliviada. — Mas vou
punir aqueles que merecem. — encarei-o. — Como Belial e Belphegor.
Eles me traíram, e são seus amigos, não são?
Só de lembrar dessa situação, eu já me sentia chateada. Eu esperava
que Belphegor fosse covarde e fugisse, mas Belial não. Ele me deixou
lá, e mesmo estando com muita raiva, não podia desejar que Vinci se
vingasse.
— Belial me salvou, Vinci. — falei e ele franziu a testa. — Você
sabe que ele me tirou do abismo, e se não fosse por ele…
— Você não teria morrido. — ele me interrompeu com um tom
agressivo.
— Não, mas teria sofrido ainda mais naquela praga temporal que
você me colocou. — ele ficou em silêncio. — Eu entendo que esteja
bravo com ele, e eu também estou, mas pense bem.
— Pense bem?
— Sim. Ele é seu irmão, o único que sempre vai ficar ao seu lado.
Ele riu.
— Parece que você gosta de todo mundo, menos de mim. —
reclamou.
— Não é verdade. — me aproximei dele. — Eu simplesmente não te
conheço muito bem, e você sempre me ameaça. — ele continuou me
olhando. — Mas eu disse que isso vai mudar, e para isso dar certo,
precisamos ambos estarmos dispostos a mudar. — ele franziu a testa. —
Ao menos um pouco.
Vinci torceu os lábios e abandonou a expressão de demônio cruel.
— Vou pensar.
Dei um sorriso leve.
— Obrigada.
Estava prestes a me aproximar de Vinci para beijá-lo, quando senti
uma rajada gelada balançar meus cabelos e meu corpo, e quando olhei
para Vinci, seus olhos estavam vermelhos.
Não consegui agir por iniciativa própria, pois ele me empurrou para
trás do seu corpo. Quando finalmente pude ver o que estava
acontecendo, Mammom apareceu no beco escuro.
— Asmodeus. Vênus. — seu tom de voz saiu sorridente e eu senti
um arrepio.
— O que você está fazendo aqui, Mammom? — Vinci perguntou
com os punhos cerrados.
— Oh, eu estava esperando que você viesse me enfrentar depois de
eu tentar corromper a sua garota, mas você não veio. — ela permaneceu
calma. — Então eu comecei a pensar: meu irmão perdeu o seu poder?
Mas, vendo agora, vejo que perdeu a postura, já que está com quem te
traiu. — ela fez uma pausa e eu pude sentir sua hostilidade voltada para
Vinci. — Mas, não estou nem aí para quem você come. — me ofendi.
— Fui informada que alguém havia roubado algo muito valioso para
mim, e adivinha só? Era você.
Eu não entendia o que estava acontecendo, mas sabia que Vinci tinha
feito algo às escondidas, algo que motivou Mammom a vir até ali
pessoalmente.
Vinci riu animado.
— Sabe, Mammom, eu realmente queria invadir o inferno e arrastar
você pelo chão até rasgar sua alma ao meio, mas então tive uma ideia.
— ele deu alguns passos em direção à mulher e eu me encolhi. — Por
que não deixar você vir até mim?
Mammom ficou visivelmente nervosa.
— Eu não sei como você fez isso, mas… Devolva o que é meu! —
ela bradou, e um felino surgiu das sombras, agitado.
— Venha buscar. — ele provocou.
Foi então que vi Mammom estremecer de raiva e, com um
movimento das mãos, ela trouxe o gato para o seu lado, transformando-
o em uma pantera raivosa e sedenta, com olhos vermelhos.
A pantera, agora transformada, começou a se movimentar
rapidamente em direção a Vinci. Seus músculos tensos e dentes afiados
eram visíveis mesmo na escuridão do beco. Vinci, por sua vez, não
demonstrava nem um pouco de medo. Parecia estar se divertindo com
aquela situação.
Eu dei alguns passos para trás, sabendo que nada passaria por ele
para me atingir, mesmo assim me escondi atrás de uma parede ainda em
pé.
Enquanto a pantera avançava, Vinci estalou os dedos e do chão
surgiram vinhas espinhosas que serpenteava em direção ao animal. As
vinhas se enrolaram em torno das patas da pantera, tentando imobilizá-
la. Mas a fera era forte e conseguia se libertar facilmente.
Não demorou muito para que eu ouvisse cantos vindos do céu. Ao
mover meus olhos, percebi que o que era escuro se tornou ainda mais
sombrio quando um bando de corvos avançou na direção da pantera,
devorando-a impiedosamente. O animal rugia, tentando se livrar das
garras e dos bicos afiados, mas eles eram implacáveis. A pantera
conseguiu escapar e, em um piscar de olhos, Mammom já estava em
cima de Vinci.
Com toda sua força, ela o arremessou entre os escombros, fazendo a
poeira subir e, o som do impacto contra as paredes me fez perceber que,
se fosse humano, ele já estaria morto. Ali, naquele lugar, vi as chamas
se erguerem e tomarem conta dos becos.
— Você deveria ter me matado quando teve a chance, Asmodeus. —
disse ela, se aproximando dele.
Reconhecia aquele cenário, já o tinha visto em meus sonhos, e sabia
exatamente o que aconteceria a seguir. Vinci desapareceu do lugar onde
estava, deixando Mammom em busca dele, mas ela não teve tempo,
pois ele surgiu por trás e agarrou seu pescoço.
— Parece que você não entendeu, Mammom. Eu sou o futuro rei do
inferno, e ninguém irá me derrotar tão facilmente — disse Vinci com
um sorriso confiante no rosto.
Mammom ignorou suas palavras e investiu contra ele novamente. A
batalha se tornou ainda mais intensa, com golpes sendo desferidos com
uma violência assustadora. Ambos eram habilidosos e determinados,
mas o desejo de vingança de Mammom continuava a arder em seus
olhos.
Enquanto eles lutavam, o ambiente ao redor começou a se
transformar. O ar se encheu de chamas infernais e relâmpagos cortaram
o céu com estrondos ensurdecedores. Era como se o próprio inferno
estivesse presenciando a batalha entre esses seres monstruosos.
Asmodeus lançava feitiços sombrios e esquivava-se dos golpes de
Mammom com uma agilidade impressionante. Porém, Mammom não
desistia. A cada golpe recebido, ela se levantava ainda mais
determinada, disposta a provar que era mais poderosa do que qualquer
destino.
A luta prosseguia e, em meio ao caos, Mammom conseguiu lançar
um ataque avassalador contra Vinci. Uma energia negra envolveu seu
punho e ela o arremessou com toda a sua força contra o demônio. Vinci
foi lançado para longe, deixando um rastro de destruição por onde
passava.
Mammom não hesitou em avançar, seus olhos brilhando com uma
fúria sobrenatural. Ela estava determinada a encerrar essa batalha e
assumir de uma vez por todas o seu lugar como a verdadeira líder do
inferno.
Encarou Vinci caído no chão e riu, sua risada ecoando no ambiente
carregado de tensão.
— Eu vou tomar tudo o que é seu — disse, olhando brevemente para
mim por cima do ombro. Vi os olhos de Vinci me fixarem como um
sonho e senti um arrepio percorrer meu corpo, sem saber como reagir.
Ele desviou o olhar de mim e direcionou sua atenção para sua irmã.
— Nem mesmo se eu estiver morto.
Ele se recuperou do golpe e, com um sorriso malicioso, levantou sua
mão, evocando chamas negras que envolveram seu corpo, tornando-o
ainda mais ameaçador.
Mammom sentiu sua coragem vacilar por um momento, mas logo se
recompôs. Não desistiria agora.
Com um último esforço, Mammom canalizou todo o seu poder
interior e lançou um ataque final contra Vinci.
— Vinci, não! — gritei, estremecendo.
Foi então que uma luz brilhante e intensa envolveu os dois e, por um
breve momento, o tempo pareceu parar.
Meu corpo tremia, meu coração parou por alguns segundos e tudo
parecia silenciosamente assustador.
Conforme a fumaça se dissipava, vi uma silhueta emergindo das
sombras, e por um instante pensei que fosse Vinci, mas era algo
diferente.
Um homem incrivelmente bonito, de olhos azuis, cabelos pretos, e
vestindo um elegante terno azul-marinho. Ele não era alto, e alisou um
fio de cabelo solto, exibindo um meio sorriso.
— Ah, irmãos mais novos. — disse, passando o fio de cabelo para
trás, com um sorriso de desprezo. — Você sabe como é, eles nunca
escutam.
Recuei um passo, sentindo a energia obscura que emanava dele.
— Quem… Quem é você? — perguntei trêmula e ele sorriu de
canto.
— Eu? — levou as mãos para trás das costas. — Sou Lúcifer,
querida Vênus, e você e eu vamos dar um passeio.
Não tive tempo para reagir, pois tudo se transformou em escuridão.
A sala exibia uma organização impecável, remetendo a um ambiente
que poderia ser facilmente confundido com uma cabana de extremo
luxo. A presença marcante da madeira, portas de vidro e tábuas
contribuíam para essa aparência. No centro, uma imensa lareira emitia
calor, aquecendo toda a sala. O som crepitante das chamas era o único
ruído presente. Através das vidraças cristalinas, era possível vislumbrar
o exterior, uma cabana localizada em meio à natureza. Sem ter a menor
noção do tempo transcorrido, despertei encontrando-me deitada no sofá
de couro.
Encontrei o caminho até a parede de vidro e a toquei, em busca de
qualquer saída.
— Por precaução, optei por remover as maçanetas. — Saltei ao ouvir
a voz atrás de mim e deparei-me novamente com o homem que havia
me recebido. Lúcifer. — Venha se sentar, está frio para uma humana, eu
fiz chá.
Ele sentou-se, colocando a xícara na mesa, e com um gesto da mão
me convidou a fazer o mesmo.
— Por que você me trouxe aqui? — Perguntei, esticada na parede de
vidro. — Estou presa?
— Oh, você não está presa. Digamos que é uma convidada muito
importante. — Seus olhos azuis permaneceram fixos em mim.
— Convidados não ficam presos, mas eu me sinto aprisionada. —
Retruquei. — Por que estou aqui?
Lúcifer suspirou, ajeitando-se na poltrona.
— Você me conhece, senhorita Vênus? — Indagou.
— Não, mas já ouvi falar de você. — Ele se mostrou atento. — Você
estava aprisionado no céu, não estava?
— Sim, eu estive preso no céu. — Confirmou. — Não posso dizer
que tenha sido uma experiência desagradável. — Eu franzi a testa e ele
continuou. — Fui entregue aos céus por Mammom, mas é claro que ela
não sabia que eu tinha o poder que tanto almejava. — Ficou pensativo.
— Nossa família deveria ser livre da ganância pelo poder, mas parece
que meus irmãos optaram por lutar até a morte por um trono que é meu.
— Ele ergueu os olhos em minha direção. — Mas você já sabe disso,
não é? Sabe como é ser traído pela família.
Era impossível responder àquilo, mas era evidente que ele estava a
par de tudo sobre mim. A pergunta que pairava era: por que eu estava
ali?
— O que eu tenho a ver com isso? — Indaguei.
Ele me olhou com determinação.
— Tudo, minha querida Vênus. Você é a peça principal deste jogo.
— Franzi a testa e ele se levantou, caminhando em minha direção, o
que me fez encolher em sua presença. — Eu preciso da espada para
recuperar meu poder e meu lugar de direito, e somente Asmodeus sabe
onde ela está. Portanto, eu farei uma proposta de troca. — seus olhos
brilharam. — Se ele me entregar à espada, eu te deixarei viver.
— O quê?
Ele aproximou-se do meu ouvido.
— Você está morrendo, Vênus. — disse, e eu estremeci. — Eu te dei
meu sangue, e mesmo Asmodeus não pode te salvar. — olhou-me nos
olhos. — Porque eu sou o rei. — um arrepio percorreu meu corpo. —
Então, vamos torcer para que ele goste mais de você do que do trono.
Fiquei paralisada, imobilizada junto à parede. Eu estava fadada à
morte, pois não importava o quanto Vinci gostasse de mim, ele sempre
escolheria o trono.
Capítulo 29

Acordei no meio de uma plantação sombria e gelada. Não precisei


pensar no que havia acontecido, pois Mammom não tinha poder
suficiente para me enviar para longe daquela maneira. Só havia um
demônio capaz disso. Lúcifer.
Minha raiva era intensa, pois eu já sabia que ele havia sido libertado
da prisão, e minhas tentativas de encontrá-lo haviam falhado, afinal, ele
era Lúcifer, o rei do inferno.

Alguns dias atrás.


— Como assim ele não está na prisão? — questionei agitado,
encarando Zadkiel.
— Não sei como, mas ele conseguiu escapar.
— Os céus estão cientes disso?
— Não, ninguém parece se importar com um dos maiores
prisioneiros. — falou. — Parece que ninguém sabe que ele fugiu.
— Ele não fugiu. — respondi. — Ele foi libertado por alguém
poderoso o suficiente para abrir os portões do céu.
Ela me olhou incrédula.
— Não está insinuando que alguém de minha equipe o soltou, certo?
Encarei o arcanjo.
— Não sei. Diga-me você, Zadkiel.
Deixei sua sala e me encontrei no inferno, vasculhando tudo em
busca de respostas.
Coloquei meus melhores demônios nisso, espalhando olhos e
ouvidos por toda parte.
Enquanto observava o trono que um dia seria meu,
independentemente de Lúcifer estar solto ou não, Hecate entrou na sala.
— Me chamou, senhor.
Hecate me dava nos nervos quando me olhava daquele jeito. Ficava
claro que ela apenas fazia, por favor, não era paixão ou devoção por
mim, e aquilo me deixava furioso.
— Sim. — encarei-a. — Você já sabe que Lúcifer foi libertado, não
é?
Ela ergueu o queixo, destemida.
— Eu deveria saber o que acontece nos portões do céu também? —
retrucou. — Pensava que apenas vigiava os portões do inferno.
Dei uma risada discreta, me aproximando dela, que manteve o
queixo erguido.
— Você é a cadela do meu irmão. — mencionei. — Lambia o chão
por onde ele passava e daria a vida por ele, então sim, você sabe que ele
foi libertado. — parei diante de seus olhos. — E algo me diz que você
sabe onde ele está.
— Não sei. — respondeu sem desviar o olhar. — E mesmo que
soubesse, eu não…
Não permiti que ela terminasse e a empurrei contra a parede,
apertando seu pescoço e fazendo-a engasgar.
— É melhor medir suas palavras quando falar comigo, para o seu
próprio bem, pois vou ser rei. Tenho tudo planejado, então tenha
cuidado, cadela.
Ela riu, sangue escorrendo de sua boca.
— Deveria se preocupar com o que está acontecendo nas suas costas,
príncipe. Sua humana está sendo resgatada por um dos seus irmãos, que
lambe o chão por onde você pisa.
A soltei e fiquei furioso. Por mais que tentasse encontrar Belial e sua
localização, era incapaz de fazê-lo.
Ele havia tirado minha garota do pesadelo, e isso eu não iria perdoar.
De qualquer forma, eles não escapariam de mim por muito tempo.
Eu buscaria o que era meu.
Mas, naquele momento, eu tinha outros planos.

Dias atuais.
Patrick entrou na sala e levantei os olhos para ele.
— Encontrou alguma informação sobre Mammom? — perguntei.
— Sim senhor. Ela voltou para o inferno e parece não estar ciente de
Lúcifer. — respondeu. — Ela está cercada de demônios e aparenta estar
assustada.
— É claro que ela está com medo. Lúcifer foi preso por causa dela.
— suspirei. — Aquele maldito!
— Posso fazer algo, senhor?
— Não é necessário. — refleti. — Lúcifer vai entrar em contato e
mostrar onde está. Ele não quer que Vênus morra, ele me quer.
— Senhor, com todo respeito, é melhor nos precavermos. Devemos
ter algum plano B. — falou preocupado. — Lúcifer não é apenas um
demônio, ele é o rei, e ele pode te matar.
Ele estava certo, mas isso não me assustava.
— Não se preocupe, Patrick. Eu sei exatamente como jogar.
Eu não sentia medo, mas seria negligente se não admitisse que
estivesse sendo constantemente tomado por um cansaço emocional.
Preocupação.
Eu sabia que Lúcifer não iria matar Vênus, mas ele poderia torturá-
la, ou revelar coisas que nunca teria dito. Toda vez que pensava nisso,
um medo me dominava, pois eu queria ser o melhor para ela, queria ao
menos tentar, e mesmo que por um momento tenha esquecido o quão
importante ela era para mim, nunca mais esqueceria.

Dias atrás.
— O que diabos estou fazendo? — murmurou Sade, um dos
demônios mais leais a Mammom.
— Garantindo que continue vivo quando eu for rei. — respondi,
observando-o ajoelhado diante de mim com uma expressão de
arrependimento. — Vamos lá, não é tão terrível assim.
— Estou prestes a trair minha rainha.
Deslizei um sorriso de desprezo.
— Ela não é a sua rainha. Nunca foi e nunca será.
— Talvez para o senhor, ela precise de um trono para ser rainha, mas
não para mim.
Revirei os olhos.
— Já entendi que você chupa ela todas as noites. — ele me olhou
surpreso enquanto eu ignorava seu espanto. — Mas só o fato de estar
aqui prova que, ela não te chupa como você gostaria.
Ele limpou o suor da testa com as mãos.
— Saiba que o que estou prestes a fazer vai contra tudo. precisa
garantir minha segurança quando ela descobrir. — falou. — Porque,
embora eu a considere uma rainha, ainda acredito que você será o
verdadeiro rei. — dei um sorriso de meio lado. — Mammom é
poderosa, mas não está apta para governar o inferno, e eu amo o inferno
tanto quanto amo os humanos e tudo o que eles possuem lá. —
suspirou. — Portanto, faça a sua parte que eu farei a minha.
— Não se preocupe, Sade. Mantenho seu pescoço intacto, desde que
me traga um pedaço da alma de Mammom.
Ele assentiu, levantando seu corpo esquelético e aparência sombria.
— Voltarei.

Dias atuais.
Continuei examinando as paredes de vidro do local onde Lúcifer
mantinha Vênus. Assim que ele me permitiu entrar, observei meu irmão
e percebi que ele continuava o mesmo, sempre escolhendo corpos
atraentes que tornam fácil atrair mulheres.
Manipulador.
— É bom te ver, irmão — disse com um sorriso forçado, tentando
parecer que era agradável me ver.
— Onde está ela? — perguntei em tom baixo.
Ele me deu espaço e me convidou a entrar.
— Por favor, entre.
Analisei o ambiente e, além do forte poder emanando de lá, que eu
sabia ser dele, não sentia mais nada. Não havia feitiços, magias negras
ou bruxaria.
Houve tempos em que era fácil para Lúcifer me atacar, mesmo que
eu respirasse, ainda mais por ser quem eu sou, mas não naquele
momento, já que ele precisa de mim.
— Vamos, preparei um jantar para nós.
Sigo-o até a sala e senti raiva percorrer meu corpo. Eu poderia matá-
lo, se tivesse a oportunidade. Odiava ser o príncipe, odiava que ele
tivesse poder sobre tudo. Odiava que ele fosse o sangue real.
Assim que entrei na sala de jantar, vi Vênus sentada, usando um
vestido branco de alças que realçava seus seios. Se não fosse pela
situação desagradável para ela, eu poderia comentar como aquilo me
deixa excitado. Mas Lúcifer sabia disso.
Vênus me lança um olhar que nunca esquecerei, e isso me deixa um
pouco mais nervoso do que eu gostaria.
Medo.
Vênus está apavorada.
— Vamos, irmão, sente-se e não se acanhe. — sugeriu Lúcifer.
Sentei-me na cadeira de frente para ele, e Vênus permanecia no meio
de nós dois.
Voltei meu olhar para ela, e a vi me observando com os olhos
trêmulos, mas ainda assim, permanecia calada.
Isso era estranho, já que ela costumava estar sempre gritando.
— O que você fez com ela? — perguntei, olhando para meu irmão.
— Apenas a fiz ficar quieta. — disse, concentrado em seu prato. —
Queria que pudéssemos ter uma noite de irmãos, um jantar especial. —
olhou para mim. — Senti sua falta, sabia?
— Eu sou mentiroso, mas você… — fiz uma careta. — Mm, você é
nato. — ele riu, levando a carne à boca. — Se você realmente queria
um jantar entre irmãos, poderia tê-la deixado de fora disso.
— Ah, e isso seria correto? — limpou os lábios. — Você não
aceitaria, e tentaria me matar, mas com algo que você venera em mãos,
as coisas ficam mais fáceis. — riu. — Vamos lá, admita, ela não está
linda assim?
Olhei para Vênus e, apesar do rosto em pânico, o vestido escolhido
havia destacado sua pele, que não era uma pele branca qualquer, era
aveludada e parecia ter sido filtrada. Seus seios estavam empinados, e
eu podia ver os mamilos endurecidos, talvez ela estivesse com frio, ou
talvez não. Seu cabelo estava solto, em cascatas negras.
Que mulher deliciosa!
Eu daria tudo para fodê-la ali, bem naquela mesa.
Mas aquele olhar me partia a essencia. Ela não estava olhando com
medo de mim, ela estava com medo dele.
— Apenas eu tenho o poder para fazer isso. — mencionei, fixando
meus olhos nele. — Apenas eu posso fazê-la ter esses olhos assustados,
implorando por misericórdia. Os pesadelos dela são meus… — fui me
levantando. — Os medos dela são meus. Tudo nela é meu. O medo que
ela carrega deve ser dirigido a mim, e a mais ninguém. Porque, irmão,
ela é minha. Ela é minha humana.
Lúcifer sorriu de lado, me analisando atentamente.
— Será mesmo? — seus olhos mostravam superioridade. — Até
onde você está disposto a ir por ela? — uniu as mãos sobre a mesa. —
Porque eu a envenenei, Asmodeus, e você sabe como funciona o meu
sangue. Nem mesmo você pode impedir o que está prestes a acontecer,
a menos que me entregue a espada. Ela irá definhar, de dentro para fora.
Sorri com malícia. Coitado. Eu odiava decepcionar.
— Deve ser muito frustrante para você, como o rei e o irmão mais
velho, saber que todo esse poder não te tornou mais inteligente. —
caminhei até Vênus e me coloquei atrás dela, colocando minhas mãos
em seus ombros, percebendo que ela estava fria. — Não a matará,
irmão.
— Ah, não?
— Não. — afirmei, sem qualquer humor. — Porque o que você
deseja está bem aqui, dentro dela.
Ver a expressão de superioridade desaparecer de seu rosto me deu
tanto prazer que quase ri.
— O que você fez? — ele perguntou, ficando de pé, agitado.
Massageei o ombro de Vênus.
— Você realmente acha que eu deixaria um bem tão valioso exposto
para que você o usasse contra mim? Para me enfraquecer?
— A espada…
— Eu não estou falando da espada. — ele ficou pálido, se é que um
demônio pode ficar pálido. — Agora, remova esse maldito feitiço da
minha mulher, e talvez, apenas talvez, eu te deixe vivo para que
possamos, eventualmente, chegar a um acordo. — ele engoliu em seco.
— O que acha?
Rapidamente, sem desviar os olhos vermelhos de mim, ele estalou os
dedos, fazendo Vênus soltar o ar preso e voltar ao normal.
— Está tudo bem. — murmurei em seu ouvido. — Tudo ficará bem.
Saí do lugar e me sentei calmamente na cadeira, enchendo minha
taça de vinho. Dei um gole e olhei para Lúcifer, vendo-o expressar ódio
em seu rosto.
— Eu vou te matar, Asmodeus. — rugiu entre dentes. — Eu deveria
ter te matado naquele dia, quando tive a chance.
— Sim, realmente deveria. — concordei. — Mas você foi tão gentil
que acolheu o seu lado humano e me aceitou.
Ele sorriu de forma vazia, sem qualquer humor.
— O que você quer? — perguntou.
— O óbvio.
Ele riu.
— O trono? — não respondi e ele gargalhou. — Você realmente
acha que eu entregaria o trono para um mestiço? — olhei para Vênus,
vendo sua expressão franzida. — Ah, ela não sabe, não é?
Voltei a olhar para ele impacientemente.
— Se quiser falar, vá em frente, mas saiba que morrerá antes de
pronunciar uma palavra. E você sabe, irmão, eu posso fazer isso.
Ele tentou manter sua postura, fingindo que não estava preocupado,
e talvez não estivesse. Lúcifer era o mais forte de nós, era sangue puro,
metade demônio e metade arcanjo. Se lutássemos ali, ele facilmente me
derrotaria, me esmagando, mas ele não era tolo.
Lúcifer entendia o que eu queria dizer sobre a espada.
— Se eu matar ela, a espada desaparece, e se eu matar você… A
espada também desaparece. — disse. — Muito inteligente, admito.
Então, você quer me forçar a assinar um contrato dizendo que o trono é
seu?
— Não, seria muito fácil. — passei a ponta dos dedos pela mesa. —
E se… Mammom morresse?
Ele riu.
— Quer que eu mate por você? — questionou em zombaria. — O
que foi? Você não é tão poderoso assim? Você tem a espada, pode matá-
la.
— É, eu posso. — estiquei minhas pernas colocando os cotovelos
sobre o braço da cadeira. — Mas, ultimamente tenho sido preguiçoso
demais, tenho preferido me cansar com outras coisas. — olhei para
Vênus. — Coisas carnais.
Ela quase riu, vi seu lábio se contorcer, mas ela se conteve.
Lúcifer assentiu.
— E depois? Vai tentar lutar comigo?
Dei de ombros.
— Talvez, quem sabe. Mate Mammom, e lutaremos pelo trono como
deve ser. Sem espadas.
Ele me analisou.
— Como vou saber se está falando a verdade?
Soltei uma risada nasal.
— Não pode, nós dois sabemos como mentimos bem. Mas você não
tem opções, não é?
Ele me fuzilou com o olhar.
— Seu cretino, filho da puta. — xingou.
Sacudi o ombro.
— Não conheci minha mãe, sorte sua.
Foi num piscar de olhos que Lúcifer desapareceu nas sombras. Tinha
dado certo a maneira de afastá-lo, mas sabia que não seria por muito
tempo.
Olhei para Vênus e vi seus lábios se abrirem.
— Não faça perguntas. — falei e ela fez uma careta.
— Você sabe que eu preciso saber o que diabos aconteceu aqui, não
é? — a encarei. — O que era aquilo da espada? E por que ele te
chamou de mestiço?
Levantei-me e ela me seguiu com os olhos enquanto eu me
aproximava. Puxei a cadeira dela e a coloquei de frente para mim,
enquanto ela continuava me observando. Inclinei-me para acariciar seu
rosto, afastando uma mecha de cabelo para trás de sua orelha, sentindo
arrepios com o contato de nossa pele.
— Não sei se é o vestido, mas você fica muito atraente quando está
no comando. — sussurrei, levando meus lábios até sua orelha e dando
uma mordida leve.
— Vinci… — ela gemeu meu nome, segurando a cadeira com força.
— Porra, planetinha. — excitei. — O som do seu gemido me deixa
extasiado.
A peguei rapidamente e a coloquei em cima da mesa, fazendo tudo
balançar, e a pus ali, diante dos meus olhos. Ela pausou, soltando um
gemido suave, e quando levantei o tecido de seu vestido com minhas
mãos, vendo sua pele se arrepiar, fui eu quem gemeu.
Ela abriu as pernas de forma que eu pudesse contemplar sua boceta
através do tecido, e quando rasguei sua calcinha e ela gemeu, meu pau
latejou dentro das calças.
— Esse é um bom momento para transarmos? — ela perguntou
ofegante.
— Sempre é um bom momento para transar com você, planetinha.
Ela mordeu os lábios e senti minha boca salivar ao olhar para sua
vulva vermelha, sem nenhum pelo. Seu cheiro e seu pulso aumentaram
meu desejo.
— Vou te chupar como se eu fosse um cachorro lambendo um osso,
e é proibido fechar as pernas, entendeu?
Ela assentiu, e me enfiei no meio das pernas dela, começando a
lamber sua intimidade com vontade. Senti seus gemidos ficarem mais
intensos a cada movimento da minha língua, e seu corpo se contorcer
de prazer sob o meu toque. Enquanto a chupava vorazmente, minhas
mãos apertavam suas coxas com força, deixando marcas avermelhadas
em sua pele macia.
Ela segurava a borda da mesa com força, seu corpo se entregando
totalmente ao prazer que lhe proporcionava. Cada vez mais molhada,
sua excitação escorria sobre minha língua, com um gosto delicado e
suado, me deixando ainda mais faminto por ela. Eu a devorava com
desejo e paixão, querendo levá-la ao ápice.
Enquanto a estimulava com minha boca, comecei a acariciar seu
clitóris com os dedos, em movimentos firmes e rápidos. Ela se
contorcia ainda mais, seus gemidos cada vez mais altos e
descontrolados.
Ela não ousou fechar as pernas, estremecendo o corpo e eu duvidava
que alguém já havia a chupado daquele jeito.
As mãos dela se prenderam em meu cabelo, e ela afundou a minha
cabeça para baixo, aprofundando ainda mais a sensação de prazer que
ela estava experimentando. Eu me entreguei completamente, usando
minha língua para explorar cada centímetro dela, provocando-a.
Ela gemia e se contorcia, incapaz de controlar as sensações
avassaladoras que percorriam seu corpo.
Eu estava muito mais excitado do que podia, sentindo meu pau
latejar, louco para entrar naquela buceta quente e gostosa, mas ela não
me soltava, afundando mais a minha cabeça.
— Isso, assim! Me chupa sem parar! — implorava.
Eu sentia sua excitação pulsando contra minha língua, e gemi
involuntariamente.
— Eu vou gozar! — exprimiu, quase chorando e eu amava.
Toda vez que Vênus estava transando, ela chorava e aquilo mostrava
o quanto gostava, se entregava.
Eu queria dizer para que ela gozasse na minha boca, mas estava
ocupado no momento, com a boceta ardente em minha boca, louco de
tesão.
Sem aviso, ela foi consumida por uma convulsão intensa de prazer,
suas pernas tremendo e seu corpo arqueando para cima. Eu continuei a
estimulá-la delicadamente, prolongando seu êxtase até sentir o seu gozo
quente em minha boca, um gosto tão delicioso que eu não sabia como
decifrar.
Suguei tudo, sem receio e fui me afastando.
Ela permaneceu ofegante, os olhos brilhantes e o corpo ainda
tremendo. A expressão em seu rosto era de pura satisfação, enquanto eu
observava encantado com a visão, sabendo que eu amava aquela
expressão safada no rosto dela.
Ainda tomada pelo prazer, ela estendeu a mão em minha direção, e a
ajudei a sentar-se à mesa. Meus lábios encontraram os seus, e pude
sentir o gosto do seu próprio prazer em seu beijo.
Ela segurou firmemente minha nuca, soltando gemidos em meus
lábios enquanto suas pernas se entrelaçavam em torno de mim. Eu
agarrei sua cintura delicada, puxando-a mais para perto de mim,
enlouquecido com o sabor dela.
— Diga… — ela murmurou, deslizando as mãos até meu pau por
cima da calça, o simples toque fez com que eu me encolhesse e soltasse
um rosnado. — Diga que me deseja loucamente.
Soltei um gemido, semelhante à de um animal.
— Eu te desejo intensamente! — eu falei, estreitando os olhos com
as massagens habilidosas dela em meu membro.
— Diga mais.
— Mm… Eu adoro sua buceta, adoro ouvir seus gemidos! —
observei o rosto dela, já vermelho e com um sorriso malicioso. —
Caramba!
Desabotoei minha calça para liberar meu pau, que já estava pulsando
e duro, ansiando por ela, ávido para encontrar o caminho quente e
apertado.
Ela rapidamente se livrou do vestido, expondo os seus seios que
balançaram diante dos meus olhos, me deixando excitado como um
gatinho pronto para brincar. Ela sabia o efeito que tinha sobre mim e
provocativamente os massageou enquanto mordia os lábios, claramente
desejando que eu a penetrasse.
Eu tirei minha camisa e a puxei para mais perto, segurando meu pau
e o inserindo na sua bocetinha quente, resultando em um gemido de
prazer e quase me fazendo gozar ali mesmo, devido à apertada entrada.
Ela agarrou minha nuca enquanto seu peito roçava em meu rosto, me
fazendo chupar um deles. Eu empurrei meu membro um pouco mais
fundo e ela estremeceu, soltando um gemido alto e me apertando com
mais força enquanto mordia minha pele.
Uma sensação avassaladora de desejo desconhecido me consumiu,
então movi minha cintura para sentir a intimidade dela pulsando em
torno do meu membro.
— Você é gostosa! — gemi, segurando um dos seios com uma mão e
mantendo o outro em minha boca enquanto salivava nele.
Eu penetrei mais fundo e logo meu pau estava completamente
envolvido naquele paraíso apertado, inundado pelo prazer que ela me
proporcionava, como um rato que mergulha em um oceano delicioso,
sem a possibilidade de escapar.
Ela gemia e mordia meu ombro, suas unhas cravadas na minha pele,
marcando um caminho que jamais seria esquecido.
— Eu sou sua. — sussurrou, sem que eu precisasse implorar para
que dissesse isso, o que só me deixou ainda mais animado para possuí-
la.
Eu a penetrei com mais força e ela choramingou, sacudindo-se em
torno do meu pau.
— Tudo em mim é seu, e você é meu! — sua voz trêmula pelo
movimento do seu pequeno corpo me incentivou a não parar.
Eu olhei fixamente para ela, segurando seu queixo e notando a
expressão de prazer em seus olhos.
— Eu sempre fui seu. — falei, enfaticamente.
Coloquei minhas mãos em sua bunda e as apertei firmemente para
erguê-la um pouco e garantir o encaixe perfeito.
Ela gemeu de excitação, tão excitada ao ponto de querer gritar.
— Não pare! Me faça gozar!
Continuei a penetrá-la mais profundamente, sentindo cada contração
da sua boceta ao redor do meu pênis, que já estava pulsando dentro
dela.
— Ah… — grunhi como uma besta quando ela apertou minha
ereção com sua vagina, algo que me enfraqueceu de alguma maneira
inexplicável. — Oh, caralho!
Eu estava prestes a gozar, não conseguia mais segurar, mesmo que
não quisesse, era impossível resistir com ela apertando meu pau
daquela forma.
Grunhi alto e apertei a mesa, quebrando a madeira e fazendo um
pedaço dela se espatifar em pequenos pedaços, e senti novamente
aquela sensação prazerosa me consumir, onde eu não precisava me
drogar para enlouquecer.
Vênus me abraçou com força, sabendo que eu havia alcançado o
orgasmo, e minha testa suada se encontrou com a pele molhada dela.
O som da nossa respiração só foi interrompido pelo ranger do resto
da mesa se quebrando, o que me fez puxar Vênus para o chão antes que
ela se machucasse.
Quando aterrissamos no chão, ela soltou uma risada enquanto olhava
para o teto e ver seu sorriso foi uma das coisas mais maravilhosas que
eu, alguém como eu, merecia presenciar.
Aquele milagre, somente eu pude testemunhar em primeira mão. Eu
poderia me gabar para os demônios ou para os anjos?
Ainda sorrindo, ela se virou para mim.
— O que foi? — perguntou, com a testa franzida a me ver
imobilizado.
— Eu nunca estive no paraíso. — mencionei. — Mas, com certeza, o
seu sorriso é a definição dele. — ela ficou em silêncio e o sorriso
desapareceu. — Por favor, sorria para mim mais vezes, somente para
mim, não ouse sorrir para mais ninguém.
— Por que? — indagou.
— Porque eu incendiaria o mundo se alguém sentisse o que estou
sentindo agora quando você sorri.
Vênus não respondeu, apenas continuou me olhando fixamente, e
naquele momento, sentindo uma palpitação diferente no meu peito, eu
soube.
Droga, eu estava muito fodido!
Capítulo 30

Um demônio poderia entrar em estado de choque? Poderia


demonstrar compaixão ou paixão?
Um demônio poderia dormir? Um demônio poderia sonhar? Pois,
Vinci parecia gemer e fazer caretas. Parecia sonhar, o que chegava a ser
engraçado.
Se sonhava, com o que sonhava?
Eu me pegava pensando naquilo tudo, enquanto observava Vinci
dormir pacificamente no tapete daquela sala, e percebi que estava
fazendo bem mais perguntas internas sobre ele do que eu gostaria.
Ele é monstruoso, pensava a minha mente. Ele havia deixado bem
claro os desejos sombrios que carregava em seu coração, se é que ele
tinha um, e aquilo deveria ser o suficiente para me fazer dizer não.
Mas, toda vez que ele se aproximava e eu experimentava o prazer
que ele proporcionava, e via as inúmeras possibilidades de ser vista,
desejada e venerada, eu enfraquecia qualquer relutância.
Eu gosto muito dele.
Eu gosto do caos, da possessividade e de como ele me enxerga como
o seu bem mais precioso.
"Você realmente acha que eu deixaria um bem tão valioso exposto
para que você o usasse contra mim? Para me enfraquecer?", as
palavras dele pareciam gritos na minha mente. E se naquela ocasião eu
pudesse falar, eu iria rir na cara de Lúcifer e gritar; "Isso mesmo, meu
príncipe do inferno! Mostre a ele o quanto você é mais esperto, mais
cruel.”.
Era loucura.
Mas, quanto mais eu olhava para ele e presenciava algo, mais eu
sentia que ele me escondia alguma coisa.
Ele também era bom em me afastar. Éramos iguais.
Ousei levantar as minhas mãos para tocar no rosto dele, um gesto
carinhoso, pois eu nunca o tinha tocado daquela forma.
Vinci tinha lindas sobrancelhas grossas e negras, cílios compridos e
algumas ruguinhas em sua testa quando ele parecia pensar muito.
O cabelo era macio, tão macio que ao deslizar meus dedos pelos fios
eu quase gemi, e aquilo me dava um pouco de inveja.
Parei de me mover quando ele colocou o seu braço em volta de mim,
me puxando para mais perto dele. Não respirei, como poderia? Um
demônio dormir deveria ser algo raro, e se Vinci estava dormindo, ele
estava cansado.
Fechei os olhos ao inalar o cheiro delicioso que ele tinha. Vinci
usava perfumes masculinos deliciosos, como Coffe, mas o seu cheiro
era sobrenatural.
Demônios deveriam cheirar enxofre, mas Vinci tinha um aroma que
diferia de tudo o que eu já tinha sentido. Era quase como o cheiro de
terra seca molhada, que dá vontade de rolar nela; assim era o cheiro
dele.
Ele estava tão quente que eu me encolhi ali e apenas fechei os olhos,
determinada a dormir.
Porém, eu fui levada a um lugar completamente diferente, naquele
em que o caos se instalava.
O inferno.
— Vamos, trabalhem!
Gritava um homem, vestindo capa preta e portando uma espécie de
cajado em mãos.
— Pecadores! Estupradores, assassinos... — olhou para ele, para
Vinci, que o lançou um olhar de raiva. — Abominações!
O cajado foi desferido nas costas de Vinci, que só então notei que era
coberto por navalhas quando tocou as costas dele e ao ser retirado,
levou um pedaço de sua pele junto.
Gemi, me encolhendo e tendo a sensação de estar sendo agredida
também.
Vinci deixou aquele peso no chão e sem receios, avançou contra o
homem e o jogou no chão, enquanto o enforcava.
— Eu vou te matar!
Abri os meus olhos sentindo algo pesado em cima de mim, e busquei
pelo ar, não o achando. Quando percebi, Vinci estava em cima de mim,
de olhos vidrados e cobertos por uma raiva anormal, enquanto me
enforcava.
— Eu vou te matar! — dizia.
Vinci pareceu lutar contra sua fúria por um breve momento, seus
olhos começaram a se desfocar e sua expressão endureceu. Seus dedos
apertaram ainda mais meu pescoço, cortando minha respiração. Eu
sentia meu corpo fraquejar e o pânico começar a tomar conta de mim.
— Vin... Vinci... Sou eu. — bati em seu braço, já de olhos miúdos.
— Vinci... Por favor, olhe para... Olhe para mim.
Vinci pareceu ser atingido por um súbito lapso de lucidez. Seus
olhos arregalaram e, em meio à confusão, sua expressão foi mudando
de raiva para horror, quando percebeu o que estava fazendo.
Ele se afastou, as mãos trêmulas soltando meu pescoço, e caiu de
joelhos ao meu lado.
Tossi, massageando meu pescoço e buscando o ar novamente.
— O que eu fiz? — sussurrou ele, sua voz trêmula de
arrependimento. Eu lutei para recuperar minha respiração, observando
Vinci me olhar com pesar. — Eu sinto muito, eu sinto tanto… — ele
levantou a mão para tocar em mim, mas desistiu, recuando. — Não sei
o que aconteceu comigo…
Eu sabia que ele não tinha feito aquilo de propósito, e conseguia
sentir sua angústia pulsando em mim.
Aproximei-me e segurei sua mão, chamando sua atenção. Mesmo
tremendo devido ao susto que levei, optei por tentar acalmá-lo.
— Não foi culpa sua. — disse, e ele olhou para o meu pescoço
fazendo uma careta, afastando minhas mãos enquanto se levantava.
Eu também me ergui.
— É muito mais divertido quando eu quero te machucar. —
pronunciou claramente aborrecido. — Mas, isso?
Ele parecia desnorteado.
— Vinci…
— Eles mexeram com a minha cabeça! — exclamou, andando de um
lado para o outro com a mão na cabeça. — Eles me ferraram!
Nunca o tinha visto daquela maneira.
O som de algo quebrando me fez saltar e quase não consegui
acompanhar quando Vinci arremessou suas mãos no espelho, fazendo-o
estilhaçar. Ele se apoiou na moldura do espelho e abaixou a cabeça,
revelando seus ombros rígidos.
— Eles quem? — perguntei, desejando saber.
Fiz alguns passos em sua direção.
— Me deixe sozinho, Vênus. — disse sua voz não soando
autoritária, mas sim suplicante.
— Vinci? — levantei minha mão para tocá-lo, mas fui impedida.
— Me deixa sozinho! — ele gritou desta vez.
Afastei-me, preferindo deixá-lo sozinho. Não sabia que demônios
internos ele carregava, nem o que o afetava daquela maneira, mas não
queria prejudicá-lo.
Entrei em uma das salas e vi um telefone. Verifiquei se funcionava, e
sim, estava funcionando.
Por um momento naquele dia, pensei em ligar para Charlie, ou para a
escola de Marte, pois sentia muita saudade dele. No entanto, com tudo
o que estava acontecendo, achei melhor mantê-lo longe disso. Só
esperava que um dia ele pudesse me perdoar por ter sido tão
descuidada.
Olhei ao redor e me senti mais perdida do que o normal, sem saber o
que fazer. Suspirei e me sentei no chão, encarando o teto em silêncio,
com minha mente repleta de pensamentos. Foi tão estranho ver Vinci
naquela situação, e eu tinha minhas suspeitas. Os sonhos que eu tinha
pareciam estar conectados a ele, e tudo parecia fazer sentido na
realidade.
Lúcifer o chamou de mestiço, e no fundo eu pensei que talvez ele
pudesse ter sido humano um dia. Aquele sonho era tão vívido.
Suspirei profundamente e a porta se abriu, revelando Vinci entrando
na sala.
Continuei sentada e ele se aproximou, sentando-se em minha frente e
erguendo os olhos para me encarar, olhos humanos como eu nunca
havia visto antes.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele segurou minhas mãos
e ficou em silêncio por alguns segundos antes de voltar seu olhar para o
meu rosto.
— Me desculpe. — pediu com um tom baixo. — Eu não quis te
machucar. Não daquela forma.
— Quer conversar sobre isso? — perguntei, tentando não ser tão
intrometida.
Ele negou.
— Acho melhor não tocar nesse assunto, mas há muitas coisas que
prefiro que você não saiba. Coisas do meu passado que quero esquecer.
Não seria apropriado da minha parte contar a ele sobre os sonhos que
estava tendo, talvez os mesmos sonhos que ele tinha, sobre o passado
que ele tanto queria esquecer. Parecia invasivo, e pelo estado dele, eu
sabia que ele se sentiria preso a mim ao saber que eu podia ver seus
sonhos. Para um ser como ele, isso seria assustador demais.
— Tudo bem. Estarei aqui se você quiser conversar sobre isso.
Ele assentiu e beijou minha mão com delicadeza.
— Vamos embora. Tenho uma surpresa para você.
Franzi a testa.
— Uma surpresa? — ele assentiu. — Que tipo de surpresa?
— Você vai ver quando chegarmos.
Fiquei nitidamente ansiosa e curiosa, pensando no que Vinci teria
preparado para mim. Ele pediu para Patrick trazer algumas roupas para
nós, e nos arrumamos ali mesmo. Logo em seguida, saímos de carro
com Vinci dirigindo.
O caminho que seguimos não tinha nada a ver com Stanfield, era
completamente diferente, o que só aumentava minha agitação. Eu não
estava vestida para um almoço chique, usava jaqueta e calça jeans,
enquanto Vinci estava com suas roupas habituais. Não parecia que
estaríamos indo a um restaurante, então para onde ele estaria me
levando?
A vegetação foi ficando mais verde em determinado ponto e, ao
atravessarmos uma ponte para uma estrada de terra cercada por muitas
árvores, percebi que poderíamos estar indo em direção a uma casa.
Quando o carro saiu da estrada e visualizei um enorme casarão, que
mais parecia uma escola, soube exatamente onde estava.
Meu coração batia forte no peito ao avistar Charlie e Marte ao longe.
No início, não sabia o que fazer, a emoção era demasiada.
Quando o carro parou, ainda tremendo, olhei para Vinci sem saber o
que dizer.
— Vai. — ele disse.
Sorri e antes de sair do carro, dei-lhe um beijo rápido e desci,
sentindo as minhas pernas fracas.
Ao me aproximar, pensei que Marte estivesse muito chateado para
correr em minha direção, mas não foi assim.
— Darling! — exclamou, correndo em minha direção. Eu também
fui em sua direção aos prantos, como uma garotinha mimada, e, quando
cheguei perto, ajoelhei-me e senti-o me abraçar com força.
— Darling… — ele choramingou sem me soltar.
— Anjinho. — solucei. — Deus! Como senti saudades de você!
Eu não sabia como explicar o tamanho da minha saudade por ele, e
se eu pudesse, não o soltaria jamais.

Dentro da enorme escola de meninos, eu via as crianças correndo em


todas as direções, subindo as escadas e descendo, sem serem impedidas.
Elas eram livres.
Marte fez questão de me mostrar o lugar, e percebi o quanto ele
estava animado, e de como gostava dali.
Os meninos têm a oportunidade de participar de inúmeras atividades
ao ar livre. Há trilhas para caminhadas em meio à floresta, onde eles
podem aprender sobre a flora e fauna local. Também há um amplo
espaço para a prática de esportes, como futebol, basquete e atividades
aquáticas.
— Eu já aprendi a plantar, sabia Darling? — perguntou animado.
— Sério? E como é?
— É muito legal! A gente planta árvores, alimentos e depois
colhemos. Aqui é incrível! — disse animado, balançando os pés para
fora do banco. — Fiz muitos amigos, estou estudando bastante, e sabia
que eu posso ficar aqui para sempre?
Aquilo me deixou um pouco apreensiva.
Olhei para Charlie e ela sorriu sem jeito.
— Marte, querido, que tal se você subir lá em cima e pegar os
brinquedos que ganhou para mostrar para sua irmã? — sugeriu.
Ele assentiu, animado.
— Já volto! — saiu correndo, me deixando sozinha com Charlie.
Eu sabia que ela estava me escondendo algo.
— O que ele quis dizer com ficar aqui para sempre?
Ela fez uma expressão incerta.
— Eu posso te apresentar o diretor da escola? — perguntou. — Acho
que vocês têm muito que conversar.
Charlie me guiou por corredores e escadas, até chegarmos a uma sala
ampla e bem iluminada. O diretor estava sentado em uma mesa de
madeira maciça, organizando alguns documentos.
— Senhor Thompson? — Charlie disse da porta e o homem levantou
os olhos, nos vendo e se levantando com um sorriso.
— Oh! Senhora Charlie, seja bem-vinda!
Ele se aproximou e não era nada do que eu esperava. Era muito alto,
tinha olhos castanhos claros que pareciam quase amarelos, era jovem
demais para ser diretor de uma escola e muito bonito.
— Obrigada. Essa é Vênus, a…
— Irmã de Marte. — disse ele, sorrindo. — É um prazer finalmente
conhecê-la. — estendeu a mão.
— O prazer é meu. — apertei a mão rapidamente e percebi o quão
enigmático ele era.
— Entrem, por favor. — convidou. — Marte falou tanto de você,
para a escola inteira, que parece que já nos conhecemos.
— Imagino que sim. — Eu disse, e ele nos ofereceu as cadeiras ali.
Sentei-me e Charlie fez o mesmo.
Tudo era organizado, mas não excessivamente, o que mostrava que o
homem tinha muitos afazeres. Eu imaginava que fosse o caso, já que
havia muitos garotos ali.
— Estou feliz que tenha vindo, finalmente. — Ele disse. —
Gostariam de beber algo?
— Não, eu estou bem. — Respondi.
Charlie também negou, e então ela começou;
— Gostaria que dissesse a Vênus sobre os planos que tem aqui na
escola. — Ela falou. — Marte soltou que poderia ficar aqui para
sempre.
Ele riu.
— Então? Isso te assustou? — Ele pesquisou e eu mordi os lábios.
— Bem, não é comum que uma criança diga que quer ficar em um
lugar para sempre, ainda mais o conhecendo há apenas algumas
semanas. — Eu mencionei. — As aulas dele devem voltar daqui duas
semanas.
— Eu entendo. — Ele assentiu cauteloso. — Senhorita Vênus…
— Vênus. — Eu falei. — Apenas Vênus.
Ele consentiu.
— Vênus, gostaria de te contar um pouco sobre a nossa escola. Se
me permite, claro. — Eu assenti e ele começou. — Bem, nossa escola
não é um internato, não é um lugar para onde as famílias mandam seus
filhos e eles são obrigados a ficar. A Boys Academy é um lugar
acolhedor, onde as crianças podem estudar, aprender coisas novas e até
ficar para fazer faculdade. Eu chamo esse lugar de lar. — Vi seus olhos
brilharem. — Os familiares podem visitar, e os meninos podem ir para
casa quando quiserem. Esse lugar é a casa deles.
Charlie sorriu para mim.
— Marte gosta muito daqui, querida. — Ela falou. — E eu sei que
você está passando por muitas coisas e precisa de um tempo. Você tem
a faculdade que quer terminar, tem tantos problemas, e eu acho que esse
lugar é o melhor para o seu irmão no momento.
— Está pedindo que eu abandone meu irmão?
— Claro que não. — Foi o diretor que falou. — Como eu disse, isso
aqui não é uma prisão, Vênus.
Aquilo me deixava inquieta, sem saber o que fazer. Eu queria o
melhor para o meu irmão e sabia que lá fora as coisas estavam muito
perigosas. E pelo que observei do lugar, pela felicidade de Marte, ele
chamava aquele lugar de casa.
Mas eu era tão apegada a ele que só queria agarrá-lo e levá-lo
comigo agora mesmo, mas seria egoísmo.
Será que Marte queria ficar?
Encarei o homem.
— Senhor…
— Daniel. — Ele disse. — Apenas Daniel.
Assenti.
— Eu posso falar com o meu irmão?
— Claro! Leve o tempo que quiser, e se quiser ficar aqui por um
tempo, temos quartos especiais.
— Obrigada.
Eu tinha tanto medo da resposta de Marte. Era tão egoísta querer
arrastá-lo para o mundo sombrio lá fora. Mas, ao mesmo tempo, ele era
meu anjo, o motivo pelo qual eu lutava todos os dias. E sem ele, como
seria?
Eu ainda o observava com alegria, enquanto ele mostrava todos os
seus novos brinquedos e roupas que ganhou. Seus olhos azuis
brilhavam de uma maneira que eu nunca tinha visto antes. Por um
momento, pensei que ele não tinha escolha e, se ele se recusasse, eu
poderia levá-lo embora dali, e eu faria isso.
— Marte? — chamei, e ele me olhou.
— Sim, Darling?
Segurei suas pequenas mãos e percebi que ele havia ganhado peso, o
que mostrava que ele estava se alimentando bem.
— Escuta, meu anjinho… — hesitei por um momento. — Então…
Você gostaria de ir embora comigo? — foi o que perguntei.
Esperei ansiosamente por um sorriso radiante, e que ele saltasse da
cama arrumando suas coisas, mas isso não aconteceu.
— Você ficaria triste se eu não fosse? — questionou.
— Você não quer ir? — perguntei de volta e senti meu coração
congelar ao ver a expressão em seu rosto. — Eu te faço tão infeliz?
— Não é isso, Darling. — ele me olhou profundamente. — Eu te
amo, e gosto de ficar com você, mas aqui… Eu não tenho mais
pesadelos e não sinto tanta falta da mamãe. Eu tenho amigos e posso
fazer o que eu quiser, sem medo.
— Pesadelos? — perguntei com a voz embargada.
— Sim. — torceu os lábios. — Eu sempre sonhava que estava
morto, em um lugar frio e solitário. — uma tristeza me invadiu. Culpa.
— Eu me sentia sozinho, mesmo que você estivesse comigo.
Uma lágrima escorreu apertada dos meus olhos.
— Por que… Por que nunca me contou?
Ele deu de ombros.
— Você também estava triste. — olhou nos meus olhos. — Você está
triste.
Meu nariz ardeu e não consegui segurar as lágrimas, que desceram
descontroladamente. Meu peito apertou de tal forma que parecia que eu
ia sufocar.
— Eu… Eu sinto muito, meu anjinho. — pedi, incapaz de encará-lo.
— Eu deveria ter feito mais. Eu poderia ter…
Minha voz se calou com o abraço que ele me deu, envolvendo seus
bracinhos em volta do meu pescoço, de joelhos na cama.
Chorei como nunca antes, sentindo uma parte de mim, uma grande
parte, se desfazer em mil pedaços.
Marte enxugou minhas lágrimas e quando ele me olhou, parecia um
adulto e eu, uma criança.
— Eu te disse que quando eu crescesse você nunca mais cairia da
escada. — solucei. — Então, me deixe crescer, Darling, e você nunca
mais ficará triste.
O que dizer? Como…
— Eu te amo demais… — forcei as palavras. — Eu te amo muito,
muito!
— Eu sei. E eu também te odeio, muito!
Voltei a abraçá-lo, sentindo cada pedacinho dele, o cheiro de seu
cabelo, seu corpo quente e pequeno, seu coração.
Mesmo que eu quisesse levá-lo dali, eu não o fiz.
Marte merecia ser feliz, ter uma vida, e eu não podia tornar mais
uma pessoa triste.
Ele merecia viver.
Capítulo 31

O carro começou a se afastar e eu não pude olhar para trás. Eu sabia


que se olhasse, minha parte egoísta não permitiria que ele ficasse lá.
Somos incrivelmente egoístas quando se trata de amor. Eu me sentia
vazia. Uma parte de mim sabia que tinha feito à coisa certa, mas a outra
parte estava me comparando à Lua e seu marido.
De repente, o carro freou bruscamente na estrada escura, e quando
olhei para Vinci, ele estava me encarando.
— Você não é como eles — ele disse, e eu congelei. — Você não é
como sua mãe e seu pai.
Franzi a testa.
— Como você sabe…
Ele suspirou.
— Às vezes, apenas às vezes, consigo ouvir seus pensamentos.
— O quê? — fiquei tomada por uma onda de frio. — Desde quando?
— Desde que te conheci — fiquei paralisada. — Mas não é sempre,
você não é como os outros humanos. — ele explicou. — Seus
pensamentos, apenas alguns deles, parecem escolher quando querem ser
ouvidos. — eu não sabia o que dizer, aquilo era muito íntimo. — O que
eu quero dizer… — ele me olhou intensamente. — É que eu odeio
quando você se compara àquelas pessoas horríveis. Você não é assim.
Você é gentil, você é… Boa. — ele franziu a testa. — Tão boa que
chega a me irritar, talvez seja isso que me faz ser tão obcecado por
você, porque você completa minha parte sombria. — ele respirou. —
Você não me faz querer ser bom, você apenas completa o quebra-
cabeça. Porque eu sei que se eu quebrar, você vai consertar, e isso me
apaixona pelo que você é. E eu não estou dizendo que eu te uso para
preencher um vazio, o que eu quero dizer é que… — ele procurou as
palavras. — É que nós dois juntos, somos perfeitos. Não… — ele fez
uma careta e me encarou profundamente. — Você é perfeita para mim.
Eu poderia ter dito que o amava naquele momento, mas as palavras
não saíam. Talvez aquele sentimento fosse além do amor convencional.
O que tínhamos era muito mais intenso do que qualquer amor.
Tudo que consegui fazer foi me jogar em cima dele, abrir minhas
pernas e beijá-lo. Talvez, para nós, a palavra "amor" fosse substituída
por "sexo", porque era lá que nos entendíamos, nos completávamos,
éramos apenas nós dois.

Voltamos para a mansão de Vinci e, assim que cheguei, fui direto


para o quarto e tomei um banho relaxante na banheira. Eu precisava
daquele momento para refletir e avaliar tudo o que vinha acontecendo.
Enquanto brincava com a água e deslizava a espuma pela minha
pele, um insight surgiu em minha mente, clareando minhas ideias e me
fazendo lembrar o que Vinci havia dito a Lúcifer sobre a espada.
Por um momento, havia esquecido isso.
Decidi sair da banheira e me enrolei em uma toalha, caminhando
pelo quarto até chegar onde Vinci estava.
Ao entrar na cozinha, vi que ele estava concentrado cozinhando no
fogão. Fiquei surpresa.
Parei no batente da porta, por um instante me esqueci do motivo de
estar ali, ao ver os braços fortes e veias aparentes de Vinci, com as
mangas arregaçadas e um avental vermelho “escrito “ o demônio está
na cozinha”. Quase ri, mas me contive, o observando enquanto
preparava um prato desconhecido, mas que parecia ser à base de
legumes, dada a quantidade deles espalhados pelo balcão.
Que lindo
Ele ainda cantarolava baixinho quando virou-se em minha direção e
me notou na porta.
— Oi… — disse com um ar presunçoso, avaliando meu corpo. — É
difícil me concentrar se você aparecer assim. — cruzou os braços em
frente ao peito, apoiando-se no balcão.
Franzi o cenho.
— Estive pensando em algo que havia esquecido por um tempo, mas
agora lembrei. — comecei e ele me encarou atentamente. — Você disse
a Lúcifer que a espada que ele queria estava comigo, e que se ele me
matasse ou te matasse, a espada desapareceria.
— Droga… — fez uma careta, virando-se de costas para mim.
— Vinci? — me aproximei dele e segurei seu braço, obrigando-o a
olhar para mim. Ele me olhou como se quisesse fugir, e eu abri a boca,
surpresa. — Você…
— Eu não queria que você fizesse perguntas. — disse. — Usei
apenas um pouco dos meus poderes, garanto que não vai te prejudicar.
Dei um sorriso sem alegria.
— Não é só isso! Vinci, você me colocou uma espada! — exclamei.
— Não. — levantou o dedo. — Eu não a coloquei, eu a transformei
em você. É diferente.
— Meu Deus! — fiquei inquieta, andando pela cozinha.
— Pode parar de dizer o nome dele em nossa casa? — o encarei. —
Diga por Asmodeus, ou droga, ou…
— Onde está? — perguntei e ele ficou em silêncio. — Vinci?
— Está segura, planetinha.
— Onde? — exigi, sem alegria, e ele suspirou.
— Não posso dizer. — fiz uma careta. — É pelo seu bem. —
justificou.
— Pelo meu bem?
— Sim.
— Vinci, eu tenho uma espada dentro de mim, não sei onde, e você
me diz que está tudo bem?
Ele se aproximou de mim e não consegui recuar quando suas mãos
seguraram meu rosto.
— Eu prometo que vou tirá-la de você quando tudo isso acabar. —
disse ele. — Essa foi à única maneira que encontrei para manter você e
a espada seguras.
— Como você sabe que é seguro?
— Porque fui eu quem fez. — afirmou. — Tudo o que eu faço é
perfeito, não é? — deu um meio sorriso.
Eu poderia sorrir e concordar, mas estava muito brava e preocupada.
— Você vai me contar o que está planejando? — perguntei. —
Lúcifer, Mammon e todas as coisas?
— Você descobriria de qualquer maneira. — acariciou meu rosto. —
Está tudo resolvido?
Torci os lábios, sentindo o rosto corar, e o encarei com um meio
sorriso.
— Nossa casa? — questionei e ele riu.
— Pensei que você não tivesse prestado atenção.
— Eu prestei. — mordi os lábios. — O que isso significa?
— Mm… — beijou minha testa. — Significa que tudo o que é meu é
seu. — me olhou e vi seus olhos mudarem de cor por um segundo. —
Se é meu, é seu, para sempre.
Senti-me como uma idiota, uma adolescente, e percebi que estava
agindo assim demais.
Vinci me fazia sentir vontade de deixar as borboletas no meu
estômago voarem, mas não sabia se isso era bom, considerando a
grande diferença de raças.
Eu não sabia o que fazer.
— Vou me vestir e descer para jantar. — avisei.
— Para mim, assim está perfeito!
Ri e saí da cozinha, voltando para o quarto, toda animada.
Era estranho como me senti depois daquilo. Era aquilo que eu
queria. Eu nunca tive nada para chamar de meu, e quando Vinci disse
que tudo o que era dele também era meu, fez a criança dentro de mim
sorrir.
Assim que terminei de colocar o vestido e me observei no espelho,
dei um sobressalto e soltei um grito ao avistar a figura atrás de mim,
refletida no espelho.
— Céus! — exclamei, virando-me para encarar Belial. — Belial?
Ele sorriu envergonhado.
— Olá, Vênus.

Vinci encarava Belial naquela sala com olhos enfurecidos, sem nem
tentar esconder a vontade de matá-lo ali mesmo, enquanto Belial
permanecia com a cabeça baixa, ocasionalmente sorrindo constrangido.
O clima estava carregado e eu podia sentir o calor intenso no ar,
sabendo que precisava intervir.
No entanto, quando tentei falar, as palavras não saíam.
— Você parece estar bem. — disse Belial, olhando para mim. —
Considerando que você está viva. — acrescentou ele, rindo sem graça.
— Como ousa? — questionou Vinci, fazendo Belial engolir em seco.
— Você entra no inferno e resgata minha garota, leva-a com você e
desaparece, deixando-a para morrer sozinha?
— Eu posso explicar. — tentou Belial.

Em um instante, tão rápido que eu mal pude acompanhar, Belial foi


arremessado com violência do sofá em direção à parede de vidro da sala
adjacente.
Levantei-me imediatamente e encontrei Vinci em pé diante dele,
desferindo golpes violentos em seu rosto, com tanta força, que eu podia
ouvir os ossos se quebrando.
— Vinci, pare! — exclamei, aproximando-me rapidamente sem
saber o que fazer.
Mas Vinci parecia estar em um estado de fúria extrema, incapaz de
ouvir qualquer palavra de razão. Ele continuava a atacar Belial
impiedosamente, ignorando meus apelos desesperados para parar.
Com cada golpe, o sangue jorrava do rosto de Belial, manchando o
chão e as paredes ao redor. Eu podia sentir o desespero queimando
dentro de mim, sabendo que precisava intervir antes que Vinci causasse
danos irreparáveis.
Reunindo todas as minhas forças, agarrei o braço de Vinci e tentei
puxá-lo para longe de Belial. Mas sua fúria era implacável, e ele
facilmente se soltou do meu aperto, continuando a desferir golpes cada
vez mais violentos.
— Vinci! — gritei irritada, enquanto ele usava ainda mais força e
arremessava Belial contra a parede, fazendo-o cair no chão.
Antes que Vinci pudesse continuar com as agressões, coloquei-me
em sua frente, protegendo Belial. Ele olhou para mim com seus olhos
vermelhos, dos quais eu já não tinha tanto medo.
— Chega. — pedi, exausta. — Já é o suficiente.
Seus olhos voltaram ao normal, e ele cerrou os punhos, olhando para
as mãos machucadas.
— Maldição! — saiu da sala, exasperado.
Soltei o ar que estava preso nos pulmões e me virei para Belial, que
estava seriamente machucado pela surra.
— Me dá uma mãozinha? — ele perguntou.
Ajudei-o a se levantar e ele cambaleou algumas vezes, passando a
mão em seu rosto ensanguentado.
— Poderia ter sido pior. — disse ele. — Você não faz ideia de como
Asmodeus pode ser implacável. — riu.
— Acha graça nisso? — perguntei, vendo o sorriso desaparecer do
seu rosto. — Você me deixou sozinha lá, e sim, estou chateada.
— Desculpe-me. — ele disse, e no meio do sangue em seu rosto,
foquei apenas na imensidão azul dos seus olhos. — Desta vez, sinto
muito mesmo. — gemeu.
Suspirei, não sabendo de que lado ficar.
— Vou buscar panos limpos para… — não consegui terminar a
frase, pois Belial passou a mão na frente do rosto e estava curado. —
Claro! Devo me acostumar com isso.
Caminhei em direção à porta e me deparei com Vinci parado lá, que
nem sequer se deu ao trabalho de tirar a camisa branca ensanguentada.
Eu sabia que eles precisavam conversar, e não era da minha conta
interferir.
— Vou deixar vocês sozinhos. — falei. — Por favor, não se matem.
Passei por Vinci na porta, dando-lhe um olhar suplicante, esperando
que ele me ouvisse.
Não sei por que estava preocupada, afinal, eles não poderiam se
matar sem a espada.
Joguei-me na cama e suspirei, pensando que eu jamais teria paz.
Tudo era uma loucura, e eu sabia que nunca me acostumaria.
Por um momento, fechei os olhos e pensei em Marte. Será que ele
estava bem? Claro que estava, ele mesmo me garantiu isso.
Mesmo assim, não pude evitar sentir saudade. Muita saudade.
Tentei fechar os olhos novamente, mas um vento gelado entrou pela
janela, e me levantei para fechá-la. Ao puxar o vidro, prestes a fechar a
janela, meus olhos foram para o carro parado na rua, um lugar onde eu
tinha visão livre, e lá estava ele.
Revirei minha mente e me lembrei do carro que me seguiu quando
estive com Chloe, e era o mesmo carro, tenho certeza. Só não sabia
quem estava dentro dele e queria descobrir.
Sem pensar muito, desci as escadas apressadamente e saí pela porta
dos fundos, para não correr o risco de Vinci me ver saindo.
Assim que cheguei à rua, dando de cara com o carro, eu não tive a
intenção de desistir, alguém andava me seguindo, fazendo jogos, e eu
queria saber quem era.
Quando dei os primeiros passos, disposta a enfrentar quem fosse, o
vidro do carro se abriu, e um envelope marrom foi deixado no chão,
enquanto o carro saía em disparada.
— Ei! — tentei correr na direção, talvez tentar ver quem era, mas ele
entrou na rua seguinte e desapareceu.
Sentindo meu coração latejante no peito, avancei em direção ao
envelope e o peguei em mãos, vendo que existia apenas um grampo o
prendendo, um grampo em circulo com quatro pontas em seta.
Eu já havia visto aquilo em algum lugar, mas onde?
Abri o envelope, e assim que puxei os papeis de dentro, fui tomada
por um gélido frio, que percorreu meus pés até a minha cabeça.
Fotos. Muitas fotos minha e de Vinci em momentos íntimos,
momentos tão íntimos que me fez congelar.
No meio das fotos, uma mensagem breve, um bilhete que me fez
gelar.
Todo aquele que anda com o mal, se torna mal. Todo aquele que
comete atos profanos, está fadado a queimar. Todo aquele que se deita
com o mal, morrerá.
Bruxa
Senti meu coração parar por um segundo, e naquele momento eu
soube que, não importava quem aquela pessoa era, aquilo era uma
ameaça.
Capítulo 32

Belial ainda olhava com atenção para o objeto estranho, que, sob a
luz, parecia ser feito de um cobre antigo, um dourado já desgastado.
— Você sabe o que é isso? — questionou Vinci, com os braços
cruzados e expressão carregada.
— Já vi algo parecido antes. — murmurei, tentando recuperar
minhas memórias.
— Onde? — perguntou Belial, mostrando sua curiosidade no olhar.
— Eu… — fechei os olhos e minha voz invadiu minha mente
enquanto eu gritava por Marte e lutava com o homem. — É isso! —
abri os olhos. — Essa coisa estava tatuada na mão do homem que atirou
em Marte.
— Tem certeza? — indagou Vinci.
Assenti.
— Tenho.
Ele se sentou e analisou o objeto.
— Talvez seja algo relacionado à gangue dele, uma espécie de
símbolo da máfia. — ponderou Vinci.
— Não é a marca de uma máfia. — disse Belial. — Isso aqui é um
símbolo da antiga igreja dos santos. — mencionou. — Já vi isso antes,
há um tempo. — notei o desconforto em sua voz.
— Símbolo de uma antiga igreja? — questionou Vinci.
— Sim, você não conhece por… — ele fez uma pausa e me encarou
antes de responder. — Por razões pessoais.
Olhei para Vinci e ele assentiu, percebendo que ainda estava
escondendo coisas de mim.
— Então? — encarei Belial. — O que isso significa?
Belial suspirou, parecendo preocupado.
— Antes, quando tudo ainda era escuridão na terra, um grupo de
homens criou uma seita religiosa para combater as forças do mal,
alegando possuir poderes divinos para isso. — explicou. — Eram seis
homens que percorriam o que restava da terra em busca de demônios.
— Exorcismo? — perguntei com desconfiança, e ele confirmou com
a cabeça.
— Exorcistas. — disse. — O grupo estabeleceu uma igreja e acabou
levando todos, homens, mulheres ou crianças que pareciam estar
possuídas. Mulheres foram queimadas como bruxas, e homens… — Ele
olhou para Vinci. — Exorcizados. — Fiquei paralisada. — Eles
acreditavam que poderiam purificar a alma dos possuídos, mesmo que
isso os levasse à morte, para levá-los ao reino dos céus.
— Malditos fanáticos religiosos! — murmurou Vinci.
— Então, esse pessoal faz parte dessa antiga seita? — perguntei.
— Sim, se eles têm isso. — Ele apontou para o símbolo.
— Mas, por que iriam querer me intimidar? — pensei em voz alta.
— O homem atirou em Marte e agora me chama de Bruxa? Por quê?
— Não é por sua causa. — ele respondeu, olhando para Vinci. — Se
você não contar, eu conto.
Olhei para Vinci e o vi aflito e calado.
— Contar o quê? — perguntei, e ele suspirou, mordendo os lábios.
— Vinci?
— Vou deixar vocês a sós. — disse Belial, levantando-se. — Vou ver
o que mais encontro.
Ele saiu da mesa e olhei para Vinci, que se levantou, foi até o bar e
pegou uma bebida.
Ele estava evitando o assunto, mas não poderia mais escapar. Eu
percebi que era algo que o afetava profundamente, algo que o fazia
hesitar, e Vinci raramente hesitava.
Após encher o copo com bebida e gelo, ele se sentou de frente para
mim na cadeira, e me encarou, seus olhos vazios de profundidade.
— Eu não sou um demônio completo — ele disse, franzindo a testa.
— Não como meus irmãos — ele começou e fiquei em silêncio. —
Belial, Mammom e Belphegor nasceram como demônios. — explicou.
— Lúcifer se tornou um demônio, mas também é um arcanjo, e eu… —
fez uma pausa dramática…
— Você era humano — eu mencionei e ele assentiu.
— Sim, eu era humano — suspirou. — As coisas não são como os
humanos pensam. A possessão existe, mas em alguns casos, a pessoa
permite, tornando-se o hospedeiro perfeito.
— Então… Você está me dizendo que você permitiu que um
demônio entrasse em você?
— Não era apenas um demônio — pronunciou. — Era um ser
completamente obscuro — eu não sabia o que dizer. — Asmodeus não
se originou comigo, ele já estava lá, muito, muito antes de tudo. Muito
antes de qualquer terra ou céu. Ele só precisava do hospedeiro perfeito,
não para existir, para se tornar…
— O primeiro príncipe — eu terminei a frase, lembrando-me de
como Belial o chamava.
Ele assentiu.
— É por isso que eles estão aqui — disse. — Nunca foi sobre
dinheiro ou sobre o seu pai. Era sobre mim.
Um nó se formou em minha garganta.
— Então, o que Lucca e Lua têm a ver com isso?
Belial entrou na sala antes que pudéssemos continuar.
— Desculpe interromper, mas recebi uma ligação de um dos meus
contatos — falou com preocupação.
— E? — Vinci questionou.
— Mammom acabou de ser morta.
— Lúcifer a matou? — perguntei, era o acordo.
— Não… — Vinci respondeu. — Não foi Lúcifer.
Belial se curvou na mesa, completamente abatido.
— Estão nos caçando. Todos nós — murmurou apreensivo. —
Devemos nos esconder — afirmou. — Pelo menos até vermos o que
podemos fazer, como lutar.
— Como covardes? — interrogou Vinci.
— Belial tem razão — falei e ele me olhou. — Vinci, não sabemos o
quão poderosos eles são, não sabemos nada, e o pouco que pensamos
que sabemos não é relevante. Não é covardia, é estratégia.
Ele pareceu odiar aquilo, mas sabia que Belial e eu estávamos certos.
— Eu conheço um lugar seguro, onde eles não podem nos encontrar
— disse Belial.
— Onde? — perguntou Vinci.
— No inferno.
Aquilo me deixou apreensiva, eu conhecia muito bem o inferno e
suas terras sombrias, mas qual outra opção tinha? Vinci concordou, e eu
subi as escadas para fazer minhas malas. Confesso que estava com
medo de tudo aquilo.
Se aquela seita era tão poderosa, poderia nos encontrar em qualquer
lugar. E quanto a Lucca e Lua? O que eles estavam fazendo com aquela
gente? Será que aquele homem lhes prometeu algo? E Marte? Ele
estava seguro naquele lugar?
Minha cabeça doía, com tantas questões rondando.
O fato de Vinci ser o alvo principal me deixava nervosa,
especialmente quando sabia que ele já havia sido humano, que ainda era
humano. Eu não sabia o que fazer, estava sendo sufocada por uma onda
de terror.
— Seu ratinho vai ficar bem. — disse Vinci, parado na porta e o
notei, suspirando.
— Não sabe disso. — mencionei preocupada. — Se eles são tão
poderosos dessa forma, podem facilmente encontrar o meu irmão e... —
meu coração gelou.
Vinci me analisou.
— Você não sabe mesmo, não é? — questionou e franzi o cenho.
— Do que?
— Sabe o motivo de aquele lugar ser tão protegido, que nem mesmo
eu consigo entrar? — perguntou e fiquei calada. — Hera, a deusa
protetora das crianças.
Meu rosto se contorceu.
— O quê? — pesquisei paralisada. — Uma deusa? — ele assentiu.
— Espera, está me dizendo que deuses existem e que uma deusa está
naquela escola?
— Seu amigo, o diretor. — disse e fiquei espantada. — Por que acha
que nenhum demônio ou anjo consegue entrar lá?
Fiquei petrificada, era por aquilo então que eu sentia que Daniel era
tão diferente. Não era para eu estar paralisada, já havia visto o bastante,
mas aquilo?
— Fique tranquila. — disse. — Hera é guerreira, e jamais vai deixar
que demônios, anjos ou homens machuquem suas crianças. — ele se
aproximou de mim e segurou a minha mão, com um olhar abatido. —
Planetinha... — olhei em seu rosto. — Você me acha um pecador por
ter cedido meu corpo para Asmodeus?
— Claro que não! — respondi sem hesitar, pois era verdade. — Você
fez o que achava certo, para se salvar daquele tormento. — ele me
olhou de cenho franzido e dei de ombros. — Eu sei um pouco sobre
aquilo. Eu vi.
— A conexão... — murmurou.
— É. — apertei sua mão e encarei seus olhos. — Então, não se
preocupe. Não te vejo diferente, e não vou te julgar.
Ele me chegou mais perto e beijou o alto da minha cabeça.
— Não vou deixar ninguém te machucar, eu prometo. — segurou
meu rosto. — Asmodeus gosta de você, e eu também.
— Eu sei. — assenti, mesmo que estivesse morrendo de medo por
todos nós.
— Estão prontos? — perguntou Belial da porta.
Suspirei e assenti, olhando para Vinci.
— Estamos. — respondeu.

Eu estava completamente abismada em saber que, ali, em Stanfield


era a passagem perfeita para o inferno. Na mansão de Vinci, na sua
garagem, havia uma porta que só podia ser aberta por ele.
— Como Mammom passava para cá? — pesquisei, os seguindo por
um corredor escuro que cheirava a mofo.
Belial ia à frente, guiando a luz e Vinci ao meu lado.
— Ela tinha a porta dela, mas precisava fazer feitiços para isso. —
explicou.
— Ah.
Continuamos caminhando pelo corredor escuro, que parecia uma
passagem normal até então.
Finalmente, chegamos a uma porta de madeira antiga, coberta por
um pó grosso e teias de aranha. Belial pegou uma chave do bolso e a
inseriu na fechadura com cuidado. Com um clique suave, a porta se
abriu, revelando um ambiente completamente diferente do que eu
esperava.
Do outro lado da porta estava um vasto salão, iluminado por tochas,
com as paredes revestidas por tapeçarias antigas e misteriosas. No
centro, havia um enorme círculo desenhado no chão, onde símbolos e
runas estavam gravados cuidadosamente. Era ali que a passagem para o
inferno se encontrava.
Vinci se aproximou do círculo e começou a murmurar palavras em
uma língua desconhecida para mim. A sala começou a vibrar e tremer,
enquanto uma névoa escura surgia do chão, preenchendo todo o
ambiente. O ar ficou pesado, e uma sensação de opressão começou a
tomar conta de mim.
A névoa se dissipou e no lugar, vi uma escadaria íngreme descendo
para as profundezas. O brilho sinistro dos degraus de pedra me fazia
arrepiar, mas, ao mesmo tempo, minha curiosidade era insaciável.
Vinci segurou a minha mão.
— Não tenha medo, não é nada disso que você pensa. — avisou e
assenti.
Belial foi o primeiro a descer os primeiros degraus, enquanto eu ia
junto de Vinci.
— Mm, cheirinho de casa! — disse Belial. — Faz tanto tempo que
não desço aqui.
O ar ficava cada vez mais úmido e cheirava a enxofre. À medida que
descíamos, o som de murmúrios e sussurros preenchia meus ouvidos,
parecendo ecoar de todas as direções.
Enfim, chegamos ao fim das escadas e nos deparamos com um
imenso salão subterrâneo. O lugar era repleto de estátuas e criaturas
grotescas em suas paredes, como se fossem guardiões escuros das
profundezas. As chamas das tochas lançavam sombras dançantes,
criando uma atmosfera misteriosa e assustadora.
Vinci me conduziu pelo salão, passando por corredores estreitos e
sinuosos. O som de nossos passos ecoava pelo local vazio, aumentando
ainda mais o ar de mistério ao nosso redor. Eu sentia como se estivesse
atravessando os limites do mundo conhecido, adentrando um reino
totalmente desconhecido. Porem, não era nada do que eu pensava.
Ali, parecia um castelo sombrio e esquecido. Tinha alguns tapetes,
tochas e pouca luz.
Finalmente, chegamos a uma porta pesada e ornamentada. Vinci a
abriu com um gesto e revelou uma sala circular, iluminada por uma
fonte de chamas infernais no centro. Um trono, sombrio e que parecia
possuir espinhos na cadeira era o centro das atenções, e por toda a sala,
estofamentos antigos e cortinas.
O lugar me lembrava das salas de trono dos grandes faraós, era
aquilo.
Assim que entramos, um homem de pele escura e olhos amarelos se
curvou diante de Vinci.
— Bem vindo ao inferno, príncipe.
A voz dele era repleta de prazer, e dava para ver como era leal, ou
pelo menos parecia.
— Obrigado, Arcon. — se virou para mim. — Essa é Vênus, e ela
vai ficar aqui por um tempo. — ele fez um breve aceno, mas notei um
olhar indiferente da parte dele. — Prepare os quartos.
— Sim senhor. — ele olhou Belial. — Bem vindo, senhor Belial.
Belial apenas assentiu.
Encarei todo o lugar, admirada com tudo ali, pois pensei que eu
ficaria naquele inferno outra vez, mas não era aquilo. Apesar de nada se
comparar a mansão de Vinci, era um lugar aconchegante, apenas
precisava de uma limpeza.
— O que achou do lugar? — pesquisou Vinci, de mãos atrás do
corpo e me analisando.
— Não é ruim como pensei. — mencionei. — Os infernos que
conheci não eram assim.
Ele sorriu de lado, e por um segundo eu senti que ele não se
arrependia de ter me trancado naquele lugar. No abismo.
— Vai ser por pouco tempo.
— Eu sei.
— Uhhh! — olhei em direção ao berro excitado de Belial, e o vi se
jogar no sofá dali, degustando de uvas e bebida. — Eu senti falta desse
lugar. Essa é a vida de um rei!
Ele falava como se não vivesse uma vida de rei em sua cidade de
conto de fadas, onde tudo era perfeito.
— Senhor? — Arcon retornou, me ignorando completamente. — Os
aposentos estão prontos.
Vinci assentiu.
— Leve ela para descansar e forneça tudo o que ela precisar. —
ordenou.
— E você? — pesquisei.
— Irei cuidar de tudo por aqui. Pedir maior segurança. Te vejo mais
tarde.
Concordei e Arcon me olhou.
— Por aqui.
O segui pelo corredor notando que ele não parecia contente em me
ver ali, talvez não gostasse de mim, mas ele nem me conhecia.
Havia muitas portas por ali, e após passar por muitas, no final do
corredor, perto de uma escada enorme, ele abriu a porta.
— Aqui. — avisou e entrei.
O quarto era escuro, com pouca iluminação filtrada através de
pesadas cortinas de veludo. O chão era coberto por um longo tapete
persa, já desbotado pelo tempo, onde intricados desenhos e cores suaves
contam histórias de tempos passados. A madeira escura do assoalho
rangia de maneira suave sob os passos.
No centro do quarto, ergue-se uma majestosa cama de dossel, com
colunas imponentes esculpidas em detalhes exuberantes. Suas cortinas
de veludo pesado estão quase fechadas, deixando apenas pequenas
frestas de luz penetrarem no espaço, criando um contraste entre
sombras e reflexos dourados.
Em um canto do quarto, uma pequena mesa de mogno está coberta
por objetos que remetem a tempos passados: uma pena de escriba,
tinteiro de porcelana, um abajur ornamentado com franjas de renda e
um relógio antigo, cujos ponteiros permanecem imóveis há muito
tempo.
Ao redor do quarto, encontram-se poltronas estofadas em tecidos
finos, surrados pelo uso prolongado. A pátina do tempo desgastou suas
cores e bordados uma vez preciosos. Mesas laterais exibem candelabros
de prata, cuja luz fraca e vacilante lança sombras dançantes nas
paredes.
O ar é permeado por um leve aroma de mofo, misturando-se com o
perfume amadeirado dos móveis antigos.
— Irei trazer sua mala. — disse Arcon. — E também tem água
quente na banheira, caso deseje tomar banho.
— Obrigada.
Pensei que ele fosse sair de imediato, mas ele se voltou para mim
com um olhar apático.
— Saiba que, você não é bem vinda aqui. — falou e notei que
minhas suspeitas estavam certas. — Tente não causar nenhum problema
ao meu senhor. — abri a boca para dizer algo, mas ele foi mais rápido.
— Vou trazer suas coisas.
Ele saiu batendo a porta com força, deixando-me sozinha, pensando
no motivo de ele não ter gostado de mim. Estava evidente aquilo, mas
como eu disse, ele nem me conhecia.
Bem, eu tinha outras coisas para pensar, e um mordomo demônio
rebelde não era o maior dos meus problemas.
Capítulo 33

Eu pensei que havia superado tudo aquilo. O passado que eu guardei


a sete chaves, a minha humanidade, os traumas. Mas, não. Asmodeus
havia me salvado de um inferno verdadeiro, onde eu lutava todos os
dias para sair. E me tornar nele, deixar com que ele tomasse conta do
meu corpo, era o mínimo que eu podia fazer, depois de tudo o que ele
me propôs, depois de tudo o que ele fez para me salvar.
Era para as memórias terem me deixado em paz, para minha
humanidade ter morrido no dia em que desisti de viver, mas não
funcionava.
Eu me via ali, entre a maldita cruz e a espada, e não sabia o que
viria.
Você é o hospedeiro perfeito para mim. Seremos um. Eu e você,
contra tudo.
As palavras dele ainda estavam na minha cabeça. E sim, éramos
apenas nós.
Então, Vênus chegou. Ela bagunçou algumas coisas, mas consertou
outras e agora ela sabia sobre mim. Claro, ela jamais iria saber o que eu
fui, o que eu fiz no passado, e implorei para que não descobrisse.
Maldita conexão!
Tinha um inferno lá fora, louco para me destruir, e diferente do meu,
aquele não queria me receber de braços abertos.
— Mammom está morta. — murmurou Belial e senti que ele sentia
muito por aquilo. — Quem será o próximo? Eu? Belphegor? Você? —
não respondi. — Você sabe quê não sabemos o que fazer, não é? São
como Deus na terra, vão dar um jeito de nos matar.
— Vamos dar um jeito. — falei por fim. — Tudo que respira, pode
morrer um dia.
— E Lúcifer? — questionou. — Você não acha estranho tudo isso?
Ele sumiu. Você o deu a missão de matar Mammom, mas ele não o fez.
— Não, ele não fez. — respondi.
— Por que deixou ele ir naquele dia? — inquiriu. — Você tinha o
controle, ainda tem. Então, porque está hesitando?
— Não estou hesitando, estou jogando. — falei. — Alguém com
muito poder tirou Lúcifer do céu, e Lúcifer estava confiante demais
quando saiu daquele jantar sem nem lutar pela espada. — Belial
enrugou a testa. — Não acha que para um rei, ele andou muito quieto?
— Espera... Você está querendo dizer que... Deixou com que ele
fosse para seguir os passos dele? — fiquei calado e ele se ajeitou no
sofá. — Mas, então? Sabe algo sobre ele?
— Não. Mas, eu sei quem sabe.

A sala da tortura era um dos meus lugares favoritos naquele lugar.


Era a prova de som, sem luz alguma, com todos os objetos de tortura
possíveis para serem usados em demônios.
Príncipes não podem matar uns aos outros, mas demônios comuns
podem se ferir e serem mortos facilmente, e era por isso que eu tinha
aquela sala, onde eu adorava os jogos de tortura que eu fazia lá dentro.
Hecate estava nua, com os punhos suspensos no ar e já mantinha um
rosto abatido, embora seu olhar ainda permanecesse intacto.
— Boa noite, Hecate. — falei, arregaçando as mangas da camisa.
— Vai se ferrar, príncipe de merda! — cuspiu.
— Mm... Isso são modos? — analisei seu rosto. — Muito feios para
uma dama. Oh! Me esqueci... Você não é uma dama. Au, au.
Ela riu, me olhando como se me desejasse o pior que um demônio
podia ter.
— O que foi? — questionou. — Não consegue resolver as coisas
sozinho e precisa aprisionar uma guardiã?
Soltei um sorriso nasal e me sentei na cadeira em frente a ela,
cruzando as pernas e retirando o lenço do bolso, o depositando em
minhas pernas.
— Você sabe que Lúcifer está solto, não é?
— Já me perguntou isso.
— É, tem razão. — assenti. — Pensei que como um bom cão que
você é, deve saber quem o libertou, não é?
Ela soltou um sorriso alado.
— Pensei que a minha profissão fosse guardar os portões apenas do
inferno, não do céu.
Torci os lábios.
— É, mas você sabe quem o soltou. — analisei. — Lúcifer precisa
alimentar o seu ego, e nesse inferno o único demônio capaz de fazer
favores a ele sem questionar, é você. Então, você sabe quem o soltou, e
aposto que sabe onde ele está.
Ela riu.
— Se quiser me matar para alimentar a sua mente psicopata e
demoníaca, vá em frente! Eu não tenho medo de você. — rosnou
entredentes. — Você não é nada, nunca vai ser. Aquele trono? —
gargalhou. — Esqueça! Aquele lugar é de puros sangues, não de
humanos fracos como você!
A observei por um segundo, sem desviar os olhos dela e mantendo a
minha postura. Em seguida, me levantei da cadeira, colocando o lenço
sobre ela e sentindo meu sangue ferver, quase rasgando a minha pele.
Caminhei até a mesa seguinte, e abri uma maleta prateada
cuidadosamente.
— Sabe de onde vem à alma de todos os demônios, Hecate? —
avaliei a maleta achando uma agulha bem fina e brilhante, de um
cumprimento necessário e olhando para Hecate, vendo seus olhos
espantados. — Do umbigo. — caminhei para o rumo dela, sem pressa.
— E sabe por quê? — ela estremeceu por um segundo, mas manteve o
queixo erguido. — Porque foi do umbigo que tudo começou.
— Eu estou pronta para morrer! — disse.
— Oh, não, não querida. Eu não vou te matar, seria fácil demais. —
deixei com que minha cauda surgisse bem afiada. — Eu quero me
divertir.
— Ah! — ela gritou quando fiz um corte na sua costela, fundo o
bastante para ser a passagem perfeita.
O sangue jorrou e passei a ponta do dedo ali, lambendo e me
deliciando com o sabor. Claro, sangue de demônio jamais seria
comparado ao de humanos, mas era delicioso.
— Seu maníaco! — rugiu e sorri.
— Sabe o que vai acontecer, não é? — com a ponta da agulha enfiei-
a em seu umbigo, a fazendo soltar um grito de dor tão intenso que as
paredes do meu ouvido sacudiram. — Um furo apenas é o suficiente
para... — foi questão de segundos para que a alma negra começasse a
sair dela. — Aí está ela. — observei a fumaça escura sair devagar e
procurar um novo caminho, entrando na costela de Hecate e a fazendo
se contorcer de dor, aos berros. — Prazeroso! — sorri. — A sua alma
vai tentar achar um caminho de volta, seja qual for ele, e o mais perto é
a sua costela. E sabe o que acontece não é, cadela?
— Vai se ferrar... — disse com os olhos fracos.
— Você tem algumas horas antes da sua alma te destruir, de dentro
para fora. — avisei voltando a mesa. — Aí você já sabe, vai desejar
morrer, ou... Pode começar a falar. Se você desejar falar, acabo com o
seu sofrimento.
Tirei a camisa ensanguentada e joguei ali, vestindo outra em seguida.
— Lúcifer vai esmagar você. — falou com dificuldade. — Você não
sabe o que ele está planejando... Não sabe com quem ele anda. Só
existe um rei.
Olhei para ela antes de sair pela porta.
— Tem razão, Hecate. Só existe um rei.
Bati a porta antes de sair e assim que ela se fechou, me apoiei ali na
parede, sentindo meus nervos estremecerem. Eu detestava ser tratado
daquele jeito, como se eu não fosse nada, e eu era o primeiro.
Eu pisei em terra bem antes de todos eles, eu fui, e eu sou.
Eu sou Asmodeus e todos devem se curvar diante de mim. Todos vão
se curvar diante de mim.
Respirei fundo e caminhei de volta para a sala do trono, e quando
entrei pela porta, vi Belial junto de Vênus, sentados em uma mesa, com
cartas.
— Ei! Não vale trapacear, seu ladrão. — disse Vênus irritada.
— Eu não estou trapaceando.
— Está sim! Me entrega essa carta bem aí, seu príncipe safado!
Belial bufou, entregando a carta.
Vênus era tão inocente às vezes. Estava ali, jogando na mesa com
um demônio que a deixou sozinha, com outro demônio que a queria
morta, e ela estava justo com o demônio que queria matá-la.
Eu não sabia se ela era boa demais, ou tola demais.
Belial se levantou zangado, passando por mim como um furacão.
— É melhor não jogar com ela. — resmungou. — Aquela garota tem
olhos de águia.
Passou pela porta como um garotinho emburrado e eu ri, me
aproximando de Vênus na mesa.
— Oi! — ela sorriu para mim, juntando as cartas na mesa.
Era impossível não pensar em tocá-la quando ela era tão linda, tinha
aqueles lábios vermelhos pedindo por um beijo.
Aproximei-me dela, já sentindo minha ereção na calça.
Sem aviso prévio, tomei seus lábios em um beijo ardente,
enroscando a minha mão no cabelo de sua nuca, e a trazendo para mim.
— Mm... — ela gemeu em meus lábios, retribuindo o beijo e não
hesitei em jogá-la na mesa. — Vinci... O que está fazendo? —
perguntou, sem conseguir respirar.
Minhas mãos acariciavam o corpo dela, e desejei que ela estivesse de
vestido, para facilitar as coisas.
— Vou foder com você. — respondi, rasgando a blusa dela e ela riu.
— Agora? E se alguém... — calei a boca dela com mais um beijo, e
fiz com que a porta da sala se fechasse em um estrondo.
Vênus enroscou as mãos em meu cabelo e gemeu quando lambi seu
pescoço, passando a língua até o meio de seus seios. Com força, rasguei
seu sutiã, e vi seu peito subir e descer.
Ela já estava excitada, e era aquilo que eu gostava nela, quando eu
apenas a beijava ela já se excitava e estava pronta para mim.
Ela soltou mais um gemido quando lambi o bico do seu seio, que já
se encontrava endurecido e arrepiado.
Eu continuava a explorar cada centímetro do corpo dela, saboreando
cada gemido e suspiro que escapava de seus lábios. Minhas mãos
percorriam seu abdômen definido, descendo lentamente até chegar em
sua boceta.
Sem hesitar, deslizei minhas mãos para dentro da calça e comecei a
acariciá-la, sentindo sua umidade se intensificar a cada toque. Ela
arqueou as costas, apertando meus braços, e vi o prazer em seus olhos.
Eu amava.
Estimulei seu clitóris e ela dançou na mesa, estremecendo o corpo e
gemendo desenfreada. Eu não conseguia tirar os olhos dela, vendo os
lábios se morderem e os olhos cobertos por luxúria.
Meu pau latejou dentro da calça, e arfei, arrancando a calça dela e
presenciando sua calcinha de renda em um tom azul marinho, que
combinava perfeitamente com sua pele.
Meu corpo estava pegando fogo, clamando por ela. Eu precisava
sentir o calor da sua pele contra a minha.
Puxei minha camisa só para vê-la sorrir de lado ao analisar o meu
corpo, já quente por ela.
Com delicadeza puxei sua calcinha, observando sua buceta que me
deixava excitado.
Vênus acariciou os seios e mordeu os lábios, enlouquecida e
desejando que eu entrasse nela.
Fiquei de pé, e puxei suas pernas para baixo, fazendo com que ela
soltasse um gritinho ao ter sua pele deslizando sobre a mesa e risse.
— Isso é engraçado? — pesquisei, tirando meu pau para fora e
massageando.
— Não. — respondeu nem um pouco séria.
Enfiei meus dois dedos umedecidos nela, mas nem precisava, pois
ela já estava molhada, e que delicía!
Ela arqueou as costas e mordeu os lábios, abrindo mais as pernas.
Sem mais delongas, guiei meu membro até sua entrada, penetrando-a
de uma vez só. Um gemido alto escapou de sua boca ao sentir o
impacto, e eu a segurei com firmeza para que ela não escapasse.
Comecei a me mover dentro dela, em um ritmo cada vez mais
cadenciado, penetrando bem fundo naquela buceta apertada e
molhadinha, que latejava em cada estocada.
Vênus ainda tinha as marcas pelo corpo, de quando meu lado
demônio a tocou, e aquilo me excitava, pois ela não reclamava.
Penetrei mais firme e ela gritou, arranhando a mesa.
Uma cauda escapou de mim, e sem aviso adentrei em seu ânus, que
estava bem aberto para mim e quando entrei, quase enlouqueci de
excitação.
Era tão quente.
— Uh! Porra! — movi a cauda e também meu quadril, vendo meu
pau escorregar e o liquído ecoar o som pelo lugar.
— Me fode! — pediu, e vi as lágrimas escorrendo.
Ela estava fazendo de novo. Chorando de prazer.
Continuei sem parar, movendo-me dentro dela sem piedade e
soltando rugidos. As paredes dela, tanto do ânus quanto da buceta eram
molhadas, e aquilo só estimulava meu prazer.
— Gostoso! — gemeu e levou as mãos até seu clitóris.
Quando a vi abrir os olhos enquanto se masturbava com meu pau
entrando e saindo dela, eu enlouqueci. Ela me olhava nos olhos, se
masturbava, e eu sentia sua buceta apertar o meu pau, outra vez, me
fazendo tremer as pernas.
— Gostosa! — quase não consegui dizer, apertando suas coxas com
mais força e perdendo as minhas.
Meu pau crescia e pingava dentro dela, latejava e enfraquecia, e a
minha cauda estava agitada, pois a bunda dela ficava cada vez mais
apertada, parecendo que ia engolir a cauda.
— O que é... — gemi. — O que é você?
Sem aviso prévio, ela se livrou de mim, ficando de pé e me
empurrando para a mesa.
— Eu sou a mulher da sua vida. — disse, pegando meu pau e pondo
na boca.
— Ah! — gemi feito uma menina com o contato quente de sua boca.
Eu achava que não podia ficar mais quente, mais gostoso.
Vênus segurava meu pau com cuidado e o deslizava até a garganta,
me fazendo quase ter um ataque.
Ela passava a língua na cabeça em movimentos rápidos, e quando
engolia todo o pau, voltava e chupava a cabeça sem parar.
Ela deslizou para as bolas, chupando-as com prazer e aquilo me
deixava muito, muito excitado, a níveis extremos.
A boca dela fazendo aquilo ficava mais gostosa ainda e eu não podia
esperar.
A peguei pelo cabelo, a fazendo gemer, e a joguei no chão, me
colocando em cima dela e enfiando meu pau, penetrando rapidamente.
Ela ergueu as pernas e se enroscou em mim, eu a puxava mais para
perto, aprofundando cada investida, enquanto ela arranhava minha pele
com uma intensidade que só aumentava a excitação.
Minhas mãos estavam presas ao chão, e Vênus ergueu os quadris,
encaixando mais nossa pele, e naquele segundo eu rugi.
Ela rebolou intensamente com o quadril levantado, e se segurou em
mim para melhor segurança.
Penetrei mais rápido e senti sua buceta latejar no meu pau, que já
dava sinais de desistência.
Quando eu pensei que conseguiria, ela fez de novo, apertou meu pau
sensualmente e eu perdi as forças, gozando dentro dela e gemendo,
quase morto.
Ela também gozou em seguida, derramando seu liquído quente no
meu pau e me fazendo perder um pouco mais de força.
Apoiei minha cabeça em seu peito e tentei tomar folego, enquanto
ela acariciava minhas costas. Em momentos como aquele, eu tinha
certeza de que somente Vênus podia me proporcionar tamanho prazer.
Eu conhecia o prazer por causa dela. Nunca havia gozado antes,
nunca havia recebido uma chupada e muito menos feito sexo com tanta
frequência como fazíamos.
Nunca era cansativo, e eu sempre desejava mais, pois ela me
surpreendia cada vez que fazíamos aquilo.
Levantei meu rosto e apoiei meu braço no chão, e o outro usei para
tirar o cabelo grudado de sua testa molhada.
— Se um dia você ousar me deixar, eu prefiro te matar a te deixar
solta para que outro homem toque no seu corpo. — falei e ela riu.
— Não seja idiota, nunca vai existir outro ser ou homem depois de
você. — acariciou o meu rosto. — Eu vou ser sua, Vinci. Sua para
sempre, não foi assim o pacto? Não foi assim que Chloe disse que seria
se eu me deitasse com você?
— Você se arrepende? — perguntei, percebendo que cada resposta
dela me deixava nervoso.
— Mm... — pensou um pouco. — Na primeira vez eu me arrependi,
mas não foi do sexo, foi por ter feito o que fiz. A ideia de perder a
minha alma por todas as encarnações era assustadora.
— E agora?
Ela olhou em meus olhos e vi sua pupila dilatar.
— Agora não. — disse. — Agora, a ideia de nunca mais ter você me
apavora. Eu posso não demonstrar, posso não falar, mas... Só de me
imaginar sem você, já é uma tortura.
— Mesmo eu sendo um demônio?
Ela deu de ombros.
— Minha alma já estava condenada bem antes de você, Vinci. Só
que agora, eu posso queimar acompanhada, e porque não com o rei do
lugar?
Eu não sabia explicar mais nada, só que eu queria engolir aquela
mulher para que ninguém mais tivesse o privilégio de respirar o mesmo
ar que ela.
— Vai ser um prazer dividir o inferno com você, planetinha.
Beijei-a novamente e senti meu coração um pouco mais humano. Por
segundos, eu me lembrava de como era ser humano e de como era ter
sentimentos.
Capítulo 34

Remexi na cama e espreguicei-me, abrindo os olhos e me deparando


com a escuridão. Naquele lugar, nunca dava para saber se era dia ou
noite, estava sempre escuro.
O relógio ali não funcionava, então me levantei e vesti com um robe,
saindo do quarto e caminhando pelo corredor.
Eu ia seguir adiante, mas a escadaria ali me deixou curiosa.
Algo me dizia para não subir, mas eu era muito curiosa para ouvir
minha mente.
Ignorei o pressentimento e subi as escadas devagar, tomando cuidado
para não fazer barulho. Cada degrau parecia mais escuro que o anterior.
Cheguei ao topo da escada e me deparei com uma porta entreaberta.
Uma luz fraca emanava através da fresta, convidando-me a entrar.
Ignorando todas as vozes em minha mente que me alertavam a voltar
atrás, empurrei a porta e entrei no que parecia ser um quarto antigo e
empoeirado.
Não consegui dar mais nenhum passo, pois presenciei uma mulher
amarrada, sangrando e nua. Uma fumaça escura parecia sair do umbigo
dela e entrar em sua costela, e ao espremer os olhos, me deparei com
veias escuras em seu corpo que já parecia puro osso.
— Estamos ficando sem tempo, Hecate. — a voz de Vinci me fez
recuar, temendo ser vista. — Quem libertou Lúcifer da prisão?
Pela fresta pude ver a roupa ensanguentada dele, e o modo como ele
agia friamente me fez perceber que ele não se importava com a dor
dela.
— Vai se ferrar! — cuspiu a mulher.
A cauda entrou no pescoço dela com violência e aquilo me fez virar
para trás e correr em disparada, descendo as escadas, quase tropeçando
nos pés.
Eu não devia me sentir assustada, já tinha visto o bastante de Vinci,
mas aquilo me apavorou.
Quando estava no meio do corredor, bati em algo forte e levantei os
olhos para ver Belial, feito uma parede.
— Vênus? Por que está correndo?

Belial me serviu um chá e me encolhi, tentando me esquentar na


lareira que ele ascendeu na sala.
Eu não sabia se queria contar a ele sobre o que vi, pareceria que eu
estava assustada, e eu não queria sair como uma tola. Como eu disse, eu
já havia visto o bastante de Vinci para temê-lo naquele momento.
Seria muito frescura.
— Tá bom? — perguntou referente ao chá.
— Mm... — lambi os lábios. — Está sim. Mas, não sei se quero
saber do que é feito.
Ele riu.
— Não se preocupe, trouxe da cidade.
— Ah... — deixei a caneca ali e esfreguei as mãos, tentando tirar o
rosto da mulher da cabeça.
Será que era humana? Ela parecia humana.
— Então... — olhei para ele, que me olhava atento. — Vai me dizer
de onde vinha apavorada daquele jeito?
— Eu não estava apavorada.
— Ah, por favor, Vênus. — revirou os olhos. — Eu senti o cheiro do
seu medo a quilômetros. Tenho bom faro. — claro. — Então, vai me
dizer ou...
— Ela era humana? — perguntei de uma vez e ele franziu o cenho.
— A garota no quarto lá em cima. — falei. — A que Vinci está
torturando. Ela é humana?
— Ah... Você bisbilhotou. — falou e fiquei calada. — Não, Hecate
não é humana. — eu não sabia se ficava aliviada, eu devia, mas porque
eu não estava? — Ela guarda os portões do inferno.
— E porque Vinci está torturando ela?
— Hecate é a demônio que se arrasta aos pés de Lúcifer, e
Asmodeus está tentando descobrir onde ele está e quem o tirou do céu.
Franzi o cenho.
— O que isso significa?
— Bem, ao que parece, Lúcifer pode ter sido libertado por um dos
homens da seita, e se for isso, ele está junto com eles. — fiquei imóvel.
— E se for isso, temos um enorme problema. — suspirou. — Não
podemos fazer nada enquanto não descobrirmos.
— E não seria mais fácil invadir a mente dela?
Belial ficou pensativo.
— Eu não tinha pensado nisso. — disse. — Mas, eu não posso entrar
na mente dela e muito menos Vinci pode.
Avaliei a situação e tive uma ideia.
— E se eu entrar? — sugeri.
— Você? — assenti. — Mas, você não tem poder.
— Não, mas você pode fazer o feitiço com sangue.
— Para criar uma conexão. — disse com os olhos brilhando.
— Sim. — afirmei. — Se funciona com Vinci, funciona com ela.
— Podemos tentar. — alegrou-se por um segundo. — Mas, eu
duvido que Asmodeus vá querer arriscar. — tinha aquilo.
— E se...
— Nem vem! — interferiu. — Eu não vou fazer nada escondido dele
outra vez, eu não quero morrer. — sacudiu as mãos. — E caso não
tenha percebido, no inferno, ele fica muito mais diabólico.
Era verdade, eu notei que Vinci ficava mais estranho, mais
impassível e impaciente.
— Só tem um jeito de fazer isso.

— Não! — disse Vinci. — Absolutamente, não!


— Vinci...
— Você ficou maluca? — me lançou um olhar desaprovador. — E
você? — encarou Belial. — Como tem coragem de colocar isso na
cabeça dela. Quer morrer?
— Eu não fiz...
— Não foi ele que teve a ideia. — interferi. — Fui eu. — ele sacudiu
a cabeça em negativo. — Vinci, me escuta... — ajeitei-me ao sofá. —
Precisamos fazer alguma coisa antes que o controle, que já não temos,
saia de nós. Se Lúcifer estiver ao lado daquela gente como você acha
que está, é só questão de tempo até ele vir atrás de nós, já que ele, sem
ofensas, ainda é o rei.
Vinci fez uma careta, inquieto.
— Sabe por que sobreviveu a isso? — questionou de olhos em mim.
— Por que eu tomei a sua dor. Foi fácil passar, mas Hecate não vai
pegar a sua dor, e não tem como a fazermos tomar essa decisão.
— Eu dou conta.
— Não, você não dá. — disse sem humor. — Eu sou um demônio,
planetinha, e eu quase não aguentei. — negou. — Não, não vamos fazer
isso. — ficou de pé. — Não posso arriscar te perder.
— Eu vou fazer. — afirmei e ele me olhou de cenho franzido. —
Com ou sem você, e Belial vai me ajudar.
Belial acenou, tremendo de medo e fazendo uma careta.
— Vênus...
Levantei-me.
— Eu vou fazer, Vinci. — repeti. — Não temos outra escolha.
Ele fez uma careta, nervoso.
— Vênus, eu não vou arriscar sua vida nisso! Se acontecer algo com
você...
— Então você me traz de volta. — falei confiante. — Não foi você
que disse que não existia céu ou inferno que pudesse me tirar de você?
Então, se algo acontecer, me traga de volta. — ele relutou. Medo. Vinci
estava com medo. — Não temos outra escolha.
— Eu ajudo. — meus olhos foram para a entrada, onde Belphegor
estava entrando, arrancando nossos olhares. — Olá, irmãos.

— Eu devia apenas matá-lo. — disse Vinci, olhando seu irmão.


— Deixa isso, Asmodeus. Estou aqui para ajudar. — falou, pegando
a bebida e voltando a se sentar.
— Por quê? — questionou Belial.
— Ora, não é obvio? Tem um pessoal da pesada lá fora caçando
todos nós.
— Ah... — Vinci riu. — Então é isso? Está buscando estadia,
segurança.
Ele deu de ombros.
— Também. Mas, eu posso ajudar. Eu sou o único aqui que consegue
tirar a dor das pessoas. — me olhou dando uma piscadinha.
— Nem pensar! — rebateu Vinci. — Você não vai tocar nela.
Ele revirou os olhos.
— Ah, qual é Asmodeus! Você sabe que eu não vou arrancar a
calcinha dela, bem... Eu poderia, ela faz o meu tipo.
Vinci se levantou prestes a atacar, mas Belial foi mais rápido, se
colocando na frente dele.
— Podemos conversar um segundo? — sugeriu e Vinci ficou fitando
Belphegor mortalmente, com sede. — Por favor.
Apesar de não querer, ele acabou cedendo.
— Eu estou bem aqui. — disse. — Se ousar tocar nela, eu vou
arrancar o seu coração. — ameaçou.
Belphegor apenas levantou o copo em direção a ele e manteve
aquele olhar sádico.
Ele era tão canalha!
Os olhos castanhos se voltaram para mim, em uma olhada
minuciosa.
— Então...
— Nem olha para mim! — retruquei.
— Calma! Eu só ia perguntar o porquê está disposta a ajudar meus
irmãos. — defendeu-se. — Quer dizer, parece estranho uma humana
estar ao lado de demônios.
Olhei para Vinci e Belial em um canto afastado e suspirei. Eu tinha
tantos motivos para não ajudar, Belphegor tinha razão. Era loucura
pensar que eu estava no inferno ajudando demônios contra uma seita
religiosa.
Há um tempo, se alguém me perguntasse o que eu desejava, na certa
eu diria que matar Vinci e acabar com os outros seria a coisa certa, mas
não funcionava mais assim. Eu estava envolvida demais.
Não era nada racional o que eu estava fazendo. Pessoas normais
escolheriam uma vida tranquila, depreferência com outros humanos.
Paz. Terra. Família.
Bem, eu não.
Talvez eu não fosse normal, talvez eu tenha nascido para estar bem
onde eu estava.
— Eu gosto deles. — respondi firme.
Ele riu.
— Alguns humanos se encantam por feridas e dores. — disse. —
Esse é o seu caso?
— Alguns humanos já estão feridos o bastante, Belphegor, e só
encontram paz em alguns infernos. — retruquei e ele se calou. — Eu já
sentia dor, já estava ferida quando Vinci chegou, e apesar de ter sido
machucada por ele algumas vezes, eu sei que nunca vai existir ser
nenhum que vai me fazer sentir completa, como ele me faz.
Ele assentiu, com um meio sorriso.
— Gosta mesmo dele.
É, eu gostava.
Belial e Vinci voltaram minutos depois, e Vinci encarou Belphegor.
— Você tá dentro. — disse. — Mas, se tentar algo...
— Eu não vou. — levantou as mãos em defesa. — Só quero ajudar, e
quando isso acabar, quando vocês destruírem aquela gente, nunca mais
vão ouvir falar de mim.
Todos estavam de acordo, e aquilo iria ser feito o mais rápido
possível.
Claro, eu estava nervosa, mas não tinha como resolver as coisas de
outro jeito.
Preparei-me então, enquanto Belial terminava os preparativos. Eu já
estava ao lado da mulher e evitei olhá-la por muito tempo.
— Estão todos prontos? — perguntou Belial.
— Estou. — disse Belphegor ao meu lado. — E você?
Olhei para Vinci que apesar de não estar nenhum pouco tranquilo
com aquilo, mantinha-se firme em seu canto.
— Sim. — respondi destemida.
Belial assentiu e se aproximou de nós, já preparado para o ritual de
conexão.
Segurei a mão de Hecate, e naquele momento ela me olhou nos
olhos e não pude evitar encará-los. Ela sorriu de lado.
— Todos vocês vão morrer. — disse.
— Sanguis nostrum uniatur. Corpus et sanguis, per aeternitatem. —
começou Belial. — Spiritus vinculum faciat, Nexum aeternum nobis
maneat.
Aconteceu como antes, só que eu tive que dizer as palavras repetidas
daquela vez. Bebi o sangue misturado, e Vinci teve que despejar boca
abaixo da mulher.
— Sangvis meus, sanguinis mei.
Completei.
Daquela vez, algo foi diferente. Eu estava pronta para sair do lugar
quando uma dor terrível invadiu meu estômago, como ácido me
queimando de dentro para fora.
— Ah! — gemi caindo de joelhos ao chão, em imensa dor.
— Vênus! — gritou Vinci. — O que está acontecendo?
— A conexão foi mais rápida, já que Hecate é um demônio comum e
puro sangue. — disse Belphegor.
— Ah! — tudo girava, tudo doía como se fosse me consumir.
— O que fazemos? — escutei Vinci ao meu lado, desesperado.
— Esperamos. — disse Belial.
Fui solta e meu corpo se chocou contra o chão com violência. A dor
continuava a me consumir enquanto eu tentava recuperar o controle
sobre meu corpo.
Eu gemia em loucura, até meus olhos se abrirem e eu presenciar as
mudanças na sala. O ambiente ao nosso redor estava mudando. As
paredes de pedra que compunham a sala começaram a tremer, e uma
energia poderosa pulsava no ar.
Tudo começou a desmoronar, e então eu me vi em um lugar
completamente diferente.
Era escuro e acinzentado, com rochas escuras e estava muito gelado.
Meus olhos se moveram para o imenso portão de grades
pontiagudas, escuro e pesado e vi uma figura assombrosa nele. Era
magra e cumprida, com um total de cinco chifres na cabeça que
brilhavam de forma ameaçadora. Seus olhos eram negros, e sua boca
apresentavam dentes afiados e pontiagudos.
Diante dela, Lúcifer.
— Hecate! — disse, segurando a mão esquelética da coisa, que foi se
transformando em mulher, até se ajoelhar diante do rei.
— Meu soberano, grande deus e rei do inferno! Bem vindo ao lar.
A imagem era chuviscada, mas eu consegui ver perfeitamente. Eu
sentia todas as emoções de Hecate.
Eu vi a maneira como ela se sentia, tudo o que fez e como fez. Eu a
segui por dias, presenciando tudo de uma forma tão intima, que nem
mesmo eu sabia explicar.
Foi então que vi o que eu precisava ver e talvez, eu não devesse ter
visto.

Meus olhos foram se abrindo com dificuldade, e eu ainda sentia meu


corpo pulsar de dor.
Gemi, sentindo algo pesado segurar a minha mão e quando me virei,
vi Belphegor.
— Acordou, afinal. — disse e encarei as mãos segurando a minha.
— Ah, funciona assim. — explicou.
Ele tirou a mão e senti uma pontada me invadir, era como estar
sendo espetada por espinhos.
— Onde... O que houve? — pesquisei. — Quanto tempo estou aqui?
— Mm... Acho que um dia inteiro. — disse e se espreguiçou. — Vou
avisar Vinci que você...
Ele não terminou de falar, pois a porta se abriu em um rompante e
Vinci entrou.
— Oi. — disse se aproximando da cama e tocando o meu rosto com
caricia. — Como está a dor?
Gemi.
— Parece que fui atropelada por um caminhão. — forcei um sorriso.
— Vou beber alguma coisa. — disse Belphegor. — Volto em uma
hora, quando a dor aumentar.
Ele saiu e me ajeitei na cama com a ajuda de Vinci, que colocou uma
almofada confortável atrás de mim.
— Deve estar com sede. — se moveu até a mesa e pegou água. —
Aqui.
Bebi devagar, pois até mesmo o líquido era difícil de engolir.
— Obrigada. — ele pegou o copo e deixou ali, voltando a me
encarar com os olhos preocupados. — Ah, não me olhe assim. — pedi.
— Assim como?
— Como se pudesse morrer a me ver desta forma. — mordi os
lábios.
— Eu sinto que posso. — falou, e encarei seus movimentos. Ele
pegou a minha mão e beijou. — Não sabe o quanto fiquei apavorado só
de te ver naquele estado. Não tinha poder algum que eu tivesse que
pudesse te ajudar.
— Eu estou bem. — tranquilizei-o, mas fechei os olhos em tristeza.
— Eu vi. — encarei o rosto dele. — Eu vi quem tirou Lúcifer da prisão,
e quem está ajudando JT.
Vinci ficou calado, não parecia estar preocupado, pelo contrário, ele
parecia saber.
— Eu sei. — disse para minha surpresa.
— Como?
— Você murmurou os nomes enquanto estava em transe.
— Ah... — abaixei os olhos e sorri tristemente. — Eu pensei que
Lucca não pudesse me decepcionar mais. — exprimi. — Eu pensei que
já tinha visto o bastante dele. Mas, não. — sacudi a cabeça. — Foi ele
quem encontrou JT e a seita. Ele já sabia do seu poder, sabia quem era.
Mas, como?
Vinci suspirou.
— Me mostrei para ele uma vez. — contou. — Foi apenas uma vez.
Ele deve ter lembrado muito bem.
Suspirei.
— O que ele ganha com isso? — pesquisei.
— Poder. — respondeu. — A seita é muito rica, e deviam estar
procurando os príncipes há muito tempo. Bastou falar em dinheiro para
que Lucca fosse movido. Estando ao lado deles, Lucca tem tanto poder
que nenhum homem pode testemunhar.
Eu me sentia tão traída, tão vazia. Como Lucca teve coragem? Tudo
pelo dinheiro? Éramos os filhos dele, éramos parte dele.
Marte nunca testemunhou o amor de pai e nunca ia. Lucca merecia
ter o fim mais terrível de todos, e daquela vez eu não queria hesitar. Eu
não queria pensar que por ser família, eu merecia respeitar, mesmo que
aquilo me machucasse. Não. Estava me ferindo, me destruindo e
matando quem eu era, e família não era aquilo.
Vinci tocou meu rosto, parecendo ler meus pensamentos naquela
hora.
— Tudo o que respira pode morrer, planetinha. Não se preocupe, eu
vou pará-los. — disse.
— Como?
— Darei um jeito, afinal, eu sou Asmodeus, o primeiro príncipe. Já
se esqueceu?
Não, não tinha como esquecer. Eu só tinha Vinci naquele momento,
eu não tinha mais ninguém e mais nada.
Capítulo 35

Belphegor ainda segurava a minha mão naquele quarto, enquanto eu


sofria pela dor. Mesmo com os poderes dele, ainda era insuportável.
— Belial e Asmodeus estão trabalhando em um feitiço que pode
acabar com isso. — disse.
Olhei para ele, encarando os olhos castanhos que pareciam cheios de
misericórdia. Por um minuto, imaginei que ele pudesse sentir algo, mas
será mesmo?
— Qual a sua história. — perguntei.
— Eu não tenho uma.
— Todo mundo tem uma. — minha voz saiu baixa. — Até mesmo
alguém como você.
Ele me sondou por um instante, analisando meu rosto e suspirou.
— Talvez eu seja algo indesejado para eles. — falou pensativo. —
Como uma comida que você não gosta, e rejeita. Ou uma camisa velha,
ou... — pareceu incomodado com o tipo de sentimento que estava
expondo, mas não desistiu. — Ou só um irmão que não merece estar no
meio deles.
— Você é o irmão deles, Belphegor. — murmurei. — Mesmo que
eles pareçam não gostar de você, lá no fundo você sabe que não é
verdade.
Ele negou.
— Você não os conhece, garota. Não como eu. — franziu o cenho.
— Eles apenas preferem viver suas vidas sem mim.
— E o que você faz para mudar isso? — questionei e ele me
analisou. — Olha... Talvez eu não seja a melhor pessoa para dizer isso,
mas... Quando você ama alguém é essencial que deixe que esse alguém
saiba disso. — engoli a saliva. — Seja em um abraço, em um sorriso
amigável ou... Ou prestando um serviço. Mesmo que esteja aqui para se
safar, eu prefiro acreditar que é para estar ao lado dos seus irmãos.
Ele não respondeu, apenas manteve o silêncio me olhando por um
tempo. Eu não sabia o que ele estava pensando, mas preferi acreditar
que ele havia sido tocado por aquilo.
A porta se abriu, quebrando o clima de silêncio e Vinci entrou,
fazendo uma careta ao ver nossas mãos juntas.
— Encontramos um chá que pode ajudar. — disse ao meu lado na
cama. — Belial vai trazer.
Belphegor se levantou, ajeitando a roupa.
— Bem, acho que a minha ajuda não é mais necessária. — deu um
sorriso sem mostrar os dentes. — Melhoras.
— Belphegor? — chamei e ele me olhou. — Obrigada. — falei. —
Por segurar a minha dor.
Por um segundo eu vi o brilho em seus olhos, e ele assentiu, saindo
do quarto sem mais nada dizer.
Vinci se sentou ao meu lado e passou a mão na minha testa.
— Vai ficar tudo bem. — disse.
— Eu sei. — sorri cansada. — Alguma noticia?
— Não. Pedi que alguns dos meus demônios buscassem por
qualquer coisa, mas não voltaram.
Segurei a sua mão e movi os lábios.
— Vai dar tudo certo.
Ele assentiu, e logo Belial entrou no quarto, portando uma caneca
quente.
— Beba isso. — disse ele me entregando o líquido claro. — É
melhor não perguntar o que tem ai. — riu sem jeito e assenti. — Ao
beber, pode se sentir cansada e deve dormir, mas vai funcionar.
Bebi sem hesitar e não era tão ruim, apesar do gosto meio amargo.
— Obrigada. — falei e ele acenou a cabeça.
— Agora, tente descansar. — Vinci me cobriu. — Estarei de olho,
não se preocupe.
Foi tranquilizador, então eu apenas adormeci.
Não sei quanto tempo dormi, mas quando abri os meus olhos eu não
sentia mais dor. Tinha dado certo, e era um alivio.
Vinci não estava no quarto, então me deslizei da cama e saí corredor
a fora em busca de alguém.
Estava perto da sala do trono quando Arcon me cercou.
— Ah, oi Arcon. — falei, enrolando meu robe. — Onde estão todos?
— Estão ocupados no momento. — disse na sua postura fria. —
Fiquei encarregado de cuidar de você, caso despertasse.
— Entendi.
— Precisa de algo?
Tive vontade de fazer algo em relação aos irmãos, no fundo eu sabia
que eles precisavam se unir, de um momento de irmãos e eu tinha que
tentar.
Belphegor pareceu bem chateado com aquilo, e eu quis muito fazer
algo.
Encarei o homem que parecia saber um pouco de todos eles.
— Sim, eu preciso. — ele se atentou. — Quero preparar um jantar
para os príncipes. — falei e ele pareceu surpreso.
— Um jantar?
— Sim. Pelo que sei você é um bom mordomo e conhece todos eles.
Ele ergueu o queixo.
— Como a palma de minha mão. — gabou-se.
— Perfeito! Que tal me contar um sobre eles? Antes de tudo, eles
deveriam ser unidos, certo?
— Certo.
— Ótimo. Vamos lá?
Ele pareceu deixar seu lado durão para trás, quando me levou pelos
corredores do lugar e foi me contando um pouco sobre cada um deles.
Quando Vinci chegou, eles ainda tinham uma essência humana.
Apesar de acharem estranho um homem humano carregar um príncipe,
eles aceitaram bem. Eram unidos, os três. Belial, Belphegor e
Asmodeus. Lúcifer era como um pai para eles, os ensinando tudo que
podia, e eles os seguia com ordem.
Apesar de saberem de seus papéis ali, de que eram príncipes e de que
deveriam ocupar aquele cargo, os três não tinham aquela ganância.
Eram apenas homens, com desejos de meninos.
A responsabilidade de governar o inferno parecia distante e
entediante para eles.
Enquanto Lúcifer passava horas ensinando-lhes as leis e os deveres
como príncipes infernais, eles se entretinham com jogos e travessuras.
Belial era o mais desobediente, sempre inventando novas brincadeiras e
testando os limites impostos por Lúcifer. Belphegor, por sua vez, era o
mais preguiçoso, preferindo cochilar em algum canto do inferno a ter
que se envolver em assuntos governamentais. Asmodeus, o mais sério e
responsável, tentava manter a ordem entre os irmãos, mas também
sentia o peso da responsabilidade e desejava ter mais liberdade.
Enquanto Arcon ia me contando, parecia que eu conseguia visualizar
os três bem na minha frente.
Os anos passaram e suas mentes ficaram mais maduras, mas ainda
havia uma parte deles que se recusava a assumir completamente o papel
de governantes.
Sentaram-se em uma rocha quente e trocaram olhares pensativos.
— Eu nunca desejei ser um príncipe infernal. — confessou Belial,
mexendo com as chamas que dançavam ao seu redor. — Eu queria
apenas viver livre, sem tantas responsabilidades.
Belphegor bocejou preguiçosamente.
— Eu nunca entendi esse negócio de governar o inferno. Por que não
podemos apenas brincar e nos divertir como antes? Soube que lá no
mundo humano, tem muita diversão e é para lá que eu quero ir!
Meus olhos foram para Vinci, que encarava seus irmãos com
seriedade e ali eu já pude ver a mudança em seus olhos. Diferente dos
outros, ele parecia desejar mais.
— Eu entendo o que vocês estão dizendo. Mas também precisamos
considerar o fato de que somos príncipes infernais, e isso é um
privilégio, uma obrigação. Talvez seja hora de amadurecermos e
aceitarmos nosso destino.
O silêncio se prolongou por alguns segundos antes que Belial desse
um suspiro.
— O destino sempre ganha. — resmungou.
— Bom... — Belphegor espreguiçou-se. — Eu deixo isso para
vocês, tenho outros planos e não estou interessado em inferno.
— Então vai apenas sair? — questionou Vinci. — Mas, e Lúcifer?
Ele deu de ombros.
— Quero que Lúcifer se dane! E você também. Eu vou para terra,
me satisfazer.
Ele sumiu e Vinci e Belial se olharam.
— Devemos ver como a terra é? — questionou o loiro.
Vinci torceu os lábios, movido pelo dever, mas estava louco para
saber o que tinha lá.
— Vamos!
Eles sumiram dos meus olhos e foi tão bom presenciar aquilo.
— E Mammom? — pesquisei para Arcon.
— Oh, ela entrou depois e entrou para valer. — suspirou. — Mas,
ela não é importante. Onde paramos mesmo?
— Você ia me contar sobre os prazeres deles.
— Oh, sim! Venha, vou te levar para conhecer o resto da história.

Era uma mesa imensa, em uma sala que deu muito trabalho para
arrumar. Tinha uma variedade de comida, carne, pois os príncipes
gostavam. Arcon me ajudou com as luzes, música e as caixinhas
surpresas, que precisamos revirar por horas um cômodo cheio de tralhas
para encontrar.
Era um objeto singelo, mas que para eles faziam uma grande
diferença, e eu esperava que pudesse fazer com que eles revivem aquela
união. Aquele tempo com Arcon me mostrou que os príncipes já
haviam sido unidos um dia, e que a ganância havia corrompido seus
corações, bem pelo mesmo o coração de Vinci havia sido corrompido.
Eu não sabia em que parte da história ele havia se tornado aquele ser
ganancioso, mas ele tinha. Talvez, Mammom o tenha dito muitas
palavras ruins, ou Lúcifer tenha o infernizado até que ele se cansasse e
desejasse ser mais que um simples príncipe.
Eu não poderia julgá-lo, não sabia de toda a história, e somente ele
um dia poderia decidir se me contaria ou não.
Vesti um vestido branco longo, de alças finas, bem como Vinci
gostava. Prendi meu cabelo e esperei ansiosa que Arcon entrasse com
eles.
Quando a porta se abriu, Vinci foi o primeiro a entrar e analisar tudo
curiosamente, em seguida os outros dois entraram.
— Oh! — exprimiu Belial. — O que é tudo isso?
— Sentem-se rapazes. — ofereci, e Arcon foi os ajudando a sentar
em seus lugares.
Vinci me olhou dos pés a cabeça e sorriu de lado, e não precisava eu
querer ler a mente dele, pois eu sabia exatamente o que estava
pensando.
Eles se sentaram e me uni a Arcon.
— Eu e Arcon... — olhei par ele, que parecia flutuar de alegria.
Voltei para os rapazes. — Decidimos preparar esse jantar para vocês.
— Por quê? — questionou Belphegor.
— Por que vocês são irmãos. — falei de olhos nele. — Por que antes
de serem príncipes, tinham desejos. E eu gostaria muito que hoje, só
hoje, pudessem ser normais.
Vinci me olhou com um olhar grato e sorri.
— Na frente de vocês tem uma caixinha, e dentro dessa caixinha, te
algo para vocês. — eles olharam. — Abram antes do jantar.
Eu fiquei ansiosa quando eles começaram a abrir a caixinha dourada,
e eu queria poder acompanhar cada expressão deles.
— Não... — murmurou Belial e olhou para os irmãos que sorriram.
Vinci pegou a pequena pulseira feita de tampinhas de garrafa de
bebidas e riu, sendo acompanhado pelos irmãos.
— Lembram-se disso? — inquiriu Belphegor.
— Como se esquecer do nosso primeiro porre? — disse Belial e
Vinci riu.
— Eu não fiquei bêbado!
— Ah, qual é... — Belphegor riu. — Eu precisei te carregar até aqui.
Belial gargalhou.
— Eu me lembro disso.
— Eu não era tão pesado.
— Pesava mais que pedra.
Eles riram e olhei para Arcon, que fez um joia para mim.
Tinha dado tudo certo e eu queria muito que eles se divertissem.
Todo mundo precisava de um momento de paz, mesmo os demônios.
Todo mundo precisava relaxar, ainda mais com tudo o que vinha
acontecendo, eu sabia que havia feito à coisa certa quando vi os sorrisos
nos rostos.
Arcon ficou para servi-los como desejassem e eu saí, não queria
estar no meio, era um momento só deles e eu já me sentia muito feliz
por aquilo.
Um dia de sossego era tudo o que eles precisavam.
— Hey? — me voltei para trás para ver Vinci no corredor atrás de
mim.
— Hey. — dei um sorriso e ele se aproximou, enroscando as mãos
na minha cintura.
— Obrigado por aquilo. — me deu um beijo e fechei os olhos, quase
o convidando para cama comigo.
— Se divirta. — falei. — Aproveite, tem passe livre hoje. Mas, nada
de convidar demônias.
Ele riu.
— A única demônia da minha vida é você, não se preocupe. — ele
mordeu os lábios e gemeu. — Você está deliciosa nesse vestido, e eu
vou arrancá-lo mais tarde, então nem pense em dormir.
Deslizei a mão dele para o meio de minhas pernas e ele tocou lá,
fechando os olhos em um rosnado.
— Sem calcinha?
Sorri de lado.
— Minha intenção nunca foi dormir. — pisquei e me afastei. —
Agora vai.
Ele sorriu perverso e seus olhos verdes brilharam antes de sumir pelo
corredor.
— Céus! — abanei a mão em frente ao rosto. — Preciso de ar.
Caminhei para longe dali, pois até mesmo a presença de Vinci me
deixava excitada. Aquele ser era mesmo infernal.
Capítulo 36

Eu não me lembrava de quando havia pegado no sono, mas pela


careta que fiz eu me martirizava por ter dormido quando prometi que
ficaria acordada.
Sentei-me no sofá da sala do trono, ainda meio sonolenta, e quando
meus olhos se moveram para a escuridão ao lado, saltei de susto ao ver
olhos vermelhos.
Por um segundo havia me esquecido de Vinci, e quando ele veio
saindo das sombras, eu sorri aliviada.
— Te assustei? — mencionou com os olhos verdes voltando a
ocupar seu rosto.
— Você quase me matou de susto. — mencionei, me ajeitando no
sofá. — Faz tempo que está ai, espreitando feito um predador?
Ele se aproximou e segurou meu queixo, me dando um beijo intenso
que me fez suar e estremecer.
— Não muito. — murmurou me colocando deitada no sofá e se
colocando em cima de mim, enquanto usava um dos braços para
segurar a sua força, no braço do sofá. — Eu gosto de te ver dormir. —
deu um beijo em meu rosto. — Gosto de ver sua respiração calma. —
outro beijo na testa. — Gosto de como dorme tranquila algumas vezes.
Sorri, excitada por sentir a ereção esfregar em minha barriga.
— Como foi com seus irmãos? — pesquisei, com ele esfregando o
rosto em meu pescoço como um gatinho manhoso.
— Quer mesmo falar disso? — mordeu a ponta da minha orelha
sensualmente e um gemido escapou de meus lábios.
— Acho que posso esperar... — ofeguei, com ele esfregando o pau
em mim.
Movi as minhas mãos para sua nuca e deslizei os dedos no cabelo,
trazendo seu rosto para meus lábios sedentos por um beijo dele. Mordi
de leve um dos lábios e afundei minha boca na sua, beijando com
vontade, enquanto ele deslizava uma das mãos em minhas coxas e a
outra prendia meu cabelo entre os dedos.
O toque da sua mão em minhas coxas enviava arrepios por todo o
meu corpo, intensificando ainda mais o desejo que estava consumindo
cada pedaço de mim.
Sem esperar, ele deslizou a mão para minha intimidade, e a tocou,
me fazendo arquear as costas. Ele enfiou um dedo, em seguida dois e
entrou e saiu, com sensualidade.
— Mm, molhadinha! — moveu os dedos para meu clitóris, e me
arrepiei com a invasão.
— Assim, não... Não para... — apertei seus braços e mordi os
ombros, sentindo minha boceta latejar com os toques.
Ele deslizou os lábios para meus seios, e os afastou do vestido,
lambendo com movimentos circulares, sem deixar de me masturbar.
Eu já me sentia enlouquecida, tremendo meu corpo e gemendo
desenfreada.
— Eu vou... — não terminei de falar, pois explodi em um gozo que o
fez gemer, e retirar os dedos de mim apenas para enfiá-los na boca e
sugar.
Outra vez, ele beijou meus lábios, me fazendo sentir o meu gosto e
desejei ser preenchida.
Com um movimento rápido, ele me virou de costas e me puxou para
si. Eu gemi alto com a intensidade do momento, sentindo seu membro
duro pressionando contra minha bunda.
Ele deslizou o vestido até minha cintura e em um rompante, me deu
um tapa que fez tudo em mim estremecer.
Soltei um sorriso, enquanto ele passava a ponta do dedo de baixo
para cima, me causando arrepios.
— Eu vou comer essa bundinha deliciosa. Empina pra mim,
planetinha. — rosnou e empinei para ele, de modo que a minha bunda
pudesse ficar bem perto dele para melhor encaixe.
Tentei ver alguma coisa, mas ele enroscou meu cabelo nas mãos,
movendo minha cabeça para trás e com a outra mão, segurou a minha
cintura.
Senti a cabeça do membro adentrar meu ânus e meu corpo deu um
solavanco, fazendo Vinci me segurar um pouco mais firme para que eu
não escapasse.
Ele fez uma pausa e sua mão quase rasgou a minha cintura quando
ele entrou mais um pouco e soltou um gemido apertado, junto comigo.
Apertei o braço do sofá, sentindo minhas unhas cravarem no tecido
espesso e meu peito subiu e desceu.
Ele entrou mais um pouco e choraminguei, sentindo a lágrima cair,
enquanto escutava ele gemer atrás de mim.
Ele parecia buscar o autocontrole, e eu fazia ideia de como devia
estar sendo. Doía, e eu prendia meu corpo.
— Relaxa. — disse arfante. — Eu vou entrar em você agora.
— Não entrou ainda? — exclamei em lágrimas e ele riu.
— Shh, quietinha meu planeta.
Foi então que ele afundou o membro em mim e um grito manhoso
escapou, me fazendo abaixar a cintura, mas ele soltou meu cabelo e me
pegou, puxando para trás e gritei, com o encaixe.
— Uh! Chore no meu pau. Chore no seu pau!
Ele então penetrou, sem rodeios e começou a mover os quadris
freneticamente. As lágrimas ainda escorriam pelo meu rosto,
misturando-se com os gemidos de prazer e dor que escapavam da
minha boca.
Cada investida era mais intensa que a anterior, fazendo a minha pele
arder e o meu corpo tremer. O prazer misturava-se com a agonia,
tornando aquela experiência quase insuportável.
Ele segurou firme nos meus quadris, controlando os meus
movimentos enquanto continuava a me penetrar com força. Eu estava
completamente à mercê dele, entregue ao seu prazer e às suas vontades.
As estocadas se tornaram mais rápidas e desesperadas, suas mãos
encontraram o caminho para os meus seios e os apertou com uma força
possessiva. Eu estava perdendo a razão, completamente dominada.
Os gritos ecoavam pela sala, misturando-se com os sons de pele
contra pele e o ranger do sofá. O prazer se intensificava a cada segundo,
e eu me sentia cada vez mais perto do limite.
Até que, finalmente, uma onda de prazer avassaladora tomou conta
do meu corpo. Meu coração disparou, minhas pernas tremeram e eu
perdi completamente o controle, gozando pela segunda vez, quase sem
forças.
Mas, ele não parou quando percebeu que eu havia explodido em
mais um orgasmo, ele tirou o membro da minha bunda, e o escorreu
para minha boceta, completamente molhada e estocou sem parar,
agarrando novamente a minha cintura com força. Senti seu pau
escorregar algumas vezes e estremeci, completamente sem fôlego.
Ele rosnou diabolicamente e uma excitação me pegou de imediato,
quando encarei a sombra e vi os chifres apontando. Aquilo me fez
desejar mais, mesmo que cansada, foi como um estímulo para que eu
rebolasse no pau dele.
As mãos quentes aprofundaram minha cintura, queimando minha
pele e gemi desenfreada. Percebi que o demônio me deixava muito mais
excitada, louca par ser afundada novamente no prazer sombrio.
O som da nossa pele se misturou com os gemidos dele e com os
meus, e ele enterrava o pau dentro de mim como se não houvesse
amanhã. Me sentia preenchida por ele, que crescia e crescia, sempre
dentro de mim enquanto eu sentia sua cintura tocar minha bunda.
— Quero que goze na minha boca! — pedi em gemidos.
— Você quer meu pau na sua boca? — não parava de penetrar.
— Sim... Por favor! — implorei com a voz misturada aos tremores.
Ele arrancou o membro de mim me causando um calafrio, e me
pegou pelo cabelo, me erguendo e ficando de pé.
— Ajoelha para o seu dono. — ordenou. Ajoelhei-me com prazer,
olhando seu rosto já com veias escuras e olhos vermelhos. — Chupa
seu pau.
Deslizei o pau na minha língua, enquanto ele mantinha as mãos em
meu cabelo, como se eu fosse uma égua e ele gemeu.
Enfiei o membro grosso e pingando na boca, o levando até onde
conseguir e chupei, em movimentos de vai e vem, com sede, desejo.
— Isso... Chupa seu pau, planetinha, assim. — mantinha os olhos em
mim e um sorriso safado saiu de mim.
Lambi a cabeça do pau e deslizei para as bolas, as colocando na boca
e chupando. Ele tinha um gosto tão bom!
Minha boceta já experimentava mais um orgasmo, só de estar o
chupando daquele jeito e vendo seu desejo transparecer em seus olhos e
rosto.
Quando levei a boca mais uma vez em seu pau e chupei somente a
cabeça, ele rosnou e estremeceu, enfiando minha cabeça no pau
completamente, e senti quando ele cresceu e explodiu em um gozo que
escorria por minha boca.
Ele gemeu com o corpo dando espasmos e apertou mais meu cabelo,
me estimulando um pouco mais.
Pensei que não ia parar de sair, tinha um gosto doce, quase proibido
e engoli tudinho, deslizando a boca para cima e dando mais uma
chupada para conferir.
— Ah... — ele se livrou de mim, quase perdido no momento e se
jogou no sofá, ainda ofegante, com o corpo tremendo.
Apoiou a cabeça no sofá e respirava descompassado.
Olhou para mim e estendeu a mão, me convidando a se juntar a ele, e
eu o fiz.
Ele envolveu um dos braços em mim e me puxou para o seu peito
suado. Completamente em silêncio. Por um minuto.
— Se um dia eu fui triste, não me lembro. — falou e sorri. Ele
segurou meu queixo e encarou meus olhos. — Eu sou completamente
obcecado por você, planetinha. — confidenciou. — Ainda tem duvidas
disso?
— É fácil dizer isso quando eu acabei de te chupar dessa forma.
— Isso significa o que? — franziu a testa e me ajeitei, para olhá-lo
melhor.
— Mm, quer dizer que se tirar o sexo, não vamos ser nada. Se eu
parar de transar com você, você não vai me olhar do mesmo jeito.
— Eu tenho a sua alma. — respondeu sem esforço. — Eu sou um
demônio, planetinha, se eu não tenho o seu corpo, tenho sua alma e uma
alma bonitinha como a sua, é tão excitante para um demônio quanto o
corpo de uma mulher.
Fui pega de surpresa.
— É sério?
— Sim.
— Então, quer dizer que o meu corpo te excita, mas a minha alma te
excita bem mais?
— Isso mesmo. — beijou minha boca. — Então, não pense besteiras.
Você será minha para toda eternidade, e pensar nisso me deixa excitado.
Foi muito surpreso ouvir aquilo, eu tinha que admitir.
Vinci se levantou sem vergonha alguma da sua nudez, talvez ele
soubesse o quanto corpo tatuado dele era sexy e musculo.
Deslizei meus olhos pelo bumbum definido com dois buraquinhos
ali, e fui subindo pelas costas, até meus olhos pararem em algo que eu
ainda não tinha notado, e que não estava ali há um dia. Era uma
tatuagem, um pouco abaixo do ombro e parecia nova, como pequenas
garras na pele.
— Gostou? — Vinci perguntou e pisquei, notando que ele estava
voltando após pegar uma garrafa de bebida.
— O que é isso? — perguntei me levantando e virando as costas dele
para mim. — Isso é...
— A marca das suas unhas. — disse olhando por cima dos ombros.
Fui pega de surpresa.
— Tatuou a marca das minhas unhas na sua pele? — ele assentiu e
passei as mãos pela tatuagem que tinha traços finos, e pareciam traçar
um caminho meio sinuoso, mas preciso. — Isso é...
— Não gostou? — se virou para mim me analisando.
— Claro que eu gostei. — estava paralisada. — É só que ninguém
nunca... Eu...
Ele beijou minha boca, e salivei em seus lábios com seu toque
possessivo em seu pescoço. Sua mão apertou de leve e sensualmente
ali, e arrepiei.
— E ninguém nunca vai. — falou me olhando nos olhos. — Porque
você é minha. Tudo seu é meu, e eu sou seu.
Senti um frio tão gostoso subir pela minha barriga e quase que um eu
te amo escapuliu da minha boca, mas eu ainda não tinha certeza
daquilo, não sabia se era amor ou um desejo incontrolável que me
perseguia.
De uma coisa eu tinha absoluta certeza. Eu era de Vinci, e jamais ia
sair do lado dele. Eu fui feita para ele, fosse na terra ou no inferno.
Ele se separou de mim apenas para vestir sua roupa, e também me
ajeitei caso alguém resolvesse entrar ali.
Quando me abaixei para arrumar o sapato do chão, uma vertigem me
tomou e a sala ao meu redor começou a girar, enquanto eu parecia estar
sendo arrastada por uma maré gelada e densa.
Levantei a minha cabeça e Vinci estava ajeitando o sofá, me
provando que ele não estava sentindo nada.
Levei a mão na minha cabeça pensando no que eu tinha bebido para
me causar aquilo, mas nada vinha.
Vênus?
A voz familiar invadiu a minha cabeça e senti meu estômago revirar,
cambaleando pela sala.
Vênus?
Outra vez, e daquela vez eu parecia estar sendo arrastada para outro
cenário, onde vi o dono da voz, em uma espécie de cruz em um degrau
elevado. Lúcifer estava suspenso, de cabeça para baixo e ferido, muito
ferido. Enormes pregos prendiam seus punhos e tornozelos e de sua
boca uma imensa quantidade de sangue preto escorria.
Ajuda... Ajuda!
Respirei e quando voltei a mim, estava caída de joelhos na sala, com
Vinci segurando o meu rosto e me olhando em preocupação.
— Planetinha? O que aconteceu?
Parecia que eu ia ter uma crise de asma bem ali ou que meu coração
estivesse sendo arrancado do peito.
— Eu... Eu o vi...
— Quem? Quem você viu?
Olhei para os três homens me encarando preocupados.
— Lúcifer.

Eu ainda mantinha minhas pernas sacudindo enquanto encarava o


piso encardido e escuro da sala. Escutava a conversa dos três ali.
— Como isso pode ter acontecido? — questionou Vinci. — Como
ele entrou em contato com ela? Será que foi por Hecate?
— Não. — respondeu Belial. — Não teria tanto poder assim.
— Ele deu o sangue dele para ela? — questionou Belphegor e ouve
um silêncio penoso.
— Ele a envenenou. — disse Vinci.
— Então foi assim que ele conseguiu se conectar com ela. —
explicou. — Sabemos que quando um humano bebe o sangue de um
demônio, ele consegue se conectar com o humano que o experimentou.
Lúcifer deve ter feito a ligação sem ela perceber.
— Aquele...
— O que vamos fazer? — perguntou Belial.
Suspirei e me virei para eles.
— Eu sei onde ele está. — falei e eles me olharam. — Eu vi o lugar,
vi o símbolo da seita. Ele estava sendo torturado, e pedindo ajuda.
— Pode ter sido uma jogada. — disse Vinci. — Para nos arrastar até
lá.
Os dois concordaram, mas eu não tinha certeza.
— Ele não parecia estar brincando. — falei. — A conexão funciona,
e ele estava com dor, eu senti.
Vinci franziu a testa.
— Está pensando em ajudá-lo? — fiquei muda e ele veio se
aproximando. — Já se esqueceu do que ele fez com você, ou com todos
nós. — me sondou. — Ou das visões que teve dele se compactuando
com a seita? — pareceu incrédulo ao me aprofundar com o olhar. —
Você é tola por algum acaso?
— Asmodeus... — Belphegor se aproximou, mas ele desviou de seu
toque.
— Não me toque! — explodiu. — Você não esteve aqui o tempo
todo e não precisou presenciar o quanto ele torturou a mim e a Belial.
— Belphegor se calou. — Aquele desgraçado merece morrer, e não me
venha com sermões familiares só porque tivemos um jantar. Aquilo não
significou nada!
O demônio riu.
— É claro que para você não foi anda, não é Asmodeus? — Vinci
franziu o cenho.
— O que quer dizer?
— Gente, por favor... — Belial tentou, mas foi afastado.
— Não me toque! — Vinci o encarou com raiva e ele fez uma careta
se afastando e me olhando. — O que você quer dizer?
Belphegor não se moveu quando Vinci o encarou e bateu em seu
peito.
Levantei-me, já em alerta.
— Quer saber o que eu quis dizer? — enfrentou. — Que você é um
puto desgraçado que só pensa em si mesmo! — ele não respondeu. —
Sempre foi sobre você, sobre o maldito trono, e nunca sobre seus
irmãos! — esbravejou. — Você nos colocou como inimigos, e olha só...
— riu. — Eu nem quero o trono! Você é um egoísta, metido a rei e quer
saber? — os olhos cintilaram. — Você nunca vai ser rei, porque não se
trata apenas de você não ser puro sangue, se trata de ser um idiota!
Foi um baque, um único movimento que passou diante dos meus
olhos e eu nem consegui acompanhar quando a ponta das asas se
cravaram no peito de Belphegor, o sacudindo antes de jogá-lo na parede
ali, e atravessá-la.
— Já basta! — gritou Belial, mas vi Belphegor sair dos destroços e
avançar, já em sua forma monstruosa.
Os dois se atacaram como animais, destruindo a sala com seus
golpes poderosos. O som de estilhaços de vidro e estalos de móveis
quebrados ecoava pelo ambiente, enquanto os seres escuros se
enfrentavam com fúria e violência.
Belphegor rugia como um demônio enlouquecido, suas garras
afiadas rasgavam o ar e deixavam profundos cortes no corpo de Vinci,
que revidava.
— Belial, faça alguma coisa! — gritei, correndo em direção
contraria a eles para me esconder dos estilhaços que voavam por toda
parte.
— Que inferno! — resmungou expulsando asas vermelhas. — Tudo
tem que ser eu!
Quando eu estava prestes a me esconder atrás do trono, que era o
único lugar seguro ali, uma lasca passou com tudo em meu rosto, e a
ponta cortou a minha maçã do rosto, me fazendo soltar um gemido e
pressionar o corte.
— Ai! — gemi e o sangue quente escorreu por minha bochecha. —
Eu estou ferida! — gritei fazendo minha voz ecoar pela sala.
Foi como dar pausa em uma televisão. Silêncio total.
Encontrei Belial com as duas mãos na asa de Vinci, Vinci com as
mãos no pescoço de Belphegor e Belphegor parecendo um cão com os
dentes cerrados na mão de Vinci.
Os três piscaram e cada um se soltou.
— Planetinha... — Vinci se aproximou tão rápido que nem consegui
acompanhar.
— Não me toque! — me afastei e bufei. — O que vocês são?
Crianças? — esbravejei. — Temos um banho de sangue prestes a
acontecer lá fora. As paredes do inferno estão prestes a desmoronar e
vocês se atacam como animais em uma briga?
— Mas, foi ele que começou! — disse Belphegor apontando para
Vinci que rosnou.
— Não interessa quem começou, arrumem isso, AGORA!
Sai batendo os pés da sala completamente aborrecida e fui rumo ao
quarto, encontrando Arcon paralisado que nem uma parede, sem nem
respirar.
— Bando de crianças! — resmunguei.
Entrei no quarto e bati a porta, aborrecida o suficiente para chorar.
Capítulo 37

Lavei o rosto na pia e soltei um gemido ao sentir o corte arder.


— Tsk... Merda. — peguei um pano limpo e passei pelo ferimento,
que pegava do canto do meu olho até quase no nariz.
Dei um salto quando vi Vinci através do espelho com um semblante
chateado e me virei para ele, aborrecida.
— Desculpa. — pediu com os olhos baixos. — Eu não queria que
você se machucasse. Acho que nenhum de nós queria.
Suspirei soltando os ombros, sabendo que ele estava falando a
verdade.
— Precisam parar de se atacarem como inimigos. — ele me olhou.
— Por que vocês não são. O inimigo está lá fora e pode estar contente
em saber que vocês lutam entre si. — repreendi e ele murchou. — Olha,
eu entendo que cada um tem suas diferenças, e que nem sempre vão
concordar em tudo, mas as coisas não podem ser resolvidas com
agressões.
Vinci assentiu lentamente, parecendo refletir sobre minhas palavras.
— Eu sei que você está certa, mas às vezes é difícil controlar nossos
instintos, ainda mais quando estamos sob pressão. — murmurou,
parecendo frustrado consigo mesmo.
Concordei com um aceno.
— Precisam ficar unidos agora, pois todos vocês tem um inimigo em
comum. — olhei em direção a porta do quarto. — Todos vocês!
A porta se abriu em um rompante e os dois corpos quase caíram,
revelando Belial e Belphegor como dois cãezinhos.
— Como sabia que estávamos aqui? — perguntou Belial.
— O cheiro de vocês. — mencionei e Vinci me olhou de sobrancelha
arqueada. — Desde que chegamos aqui, o cheiro de enxofre de vocês
está mais forte.
— Desculpa. — disse Vinci.
— Não tem como evitar. — passei por ele indo para o quarto atrás de
algo para cobrir o ferimento. — É a natureza de vocês, e eu até me
acostumei com o cheiro. — vasculhei a mesinha. — Não tem um band
aid aqui?
— Eu cuido disso. — disse Vinci se aproximando e tocando de leve
com a ponta do dedo o ferimento, fazendo a ardência desaparecer. —
Pronto.
Voltei a encarar o espelho e fiquei surpresa ao ver que o corte havia
desaparecido.
Os benefícios de ter um demônio com poder era delicioso.
Voltei a encarar os rapazes.
— E então, o que vamos fazer agora? — inquiri. — Vamos apenas
deixar Lúcifer lá, ou vamos usar isso ao nosso favor?
Eles se olharam e por mais que ainda quisessem se atacar, eu sabia
que não fariam aquilo.
— Vamos bolar um plano. — disse Belial. — Podemos?
Vinci e Belphegor assentiram.
Suspirei aliviada.

Eu quase me matei por ter ferido Vênus, não era o que eu queria.
Mas, era difícil manter a calma quando nossos instintos eram
agressivos.
Houve um tempo em que eu amava a ideia de ter irmãos, pensei que
seria algo especial e que pelo menos um pouco eu poderia me dar
aquele luxo, mas agora percebo o peso das responsabilidades que vêm
junto com eles.
Belphegor tinha razão, e a minha raiva era que eu não conseguia
esquecer as palavras dele.
Era tudo sobre mim, sempre foi sobre mim e sobre como eu sempre
quis o trono, passando por cima de quem precisasse para obter o que eu
queria, sem me importar com as consequências. Mas, as coisas haviam
mudado. Não se tratava apenas de mim e as agressões entre meus
irmãos, tínhamos Vênus agora.
Eu estava tão cego pela raiva e pela frustração que não percebi o
impacto que minhas palavras e ações estavam causando nela. Acho que
nunca entendi completamente as consequências de minhas ações até
esse momento. Eu cometia erros constantemente, sem me importar com
o quanto isso afetava aqueles ao meu redor, até chegar nela.
Eu não queria me gabar de que, se ela se ferisse, eu poderia trazê-la
de volta, pois eu não queria que ela se machucasse. Os ferimentos
físicos poderiam ser revertidos, mas os ferimentos em sua alma nunca
poderiam, e era isso que me deixava em pânico.
Em um momento, eu desejava corromper sua inocência e fazê-la se
unir a mim nas trevas, mas em outros momentos, como agora, eu só
quero que ela fique longe e não se machuque.
A droga da consciência era um carma maldito!
Eu estava começando a me sentir mais como um idiota humano do
que como um rei perverso das trevas.
— Como assim eu não vou? — questionou em absurdez, enquanto
eu vestia minha roupa.
— Você não vai, planetinha e ponto.
— Eu posso ser útil! Você não pode me prender aqui.
— Eu posso e eu vou. — afirmei e ela me olhou com a boca
entreaberta. — É perigoso, e aqui no inferno você vai estar segura.
— Não. — negou algumas vezes. — É perigoso para você lá fora,
pois estão atrás de você para exorcizar e não de mim!
— Já se esqueceu de que ele te chamou de bruxa e disse que você ia
queimar?
Ela revirou os olhos, impaciente.
— Não podem queimar uma pessoa inocente. Sem ofensas. — dei de
ombros. — Não quero que você vá sozinho. E se... E se algo acontecer
com você? E se...
Segurei o rosto dela ouvindo o bater desesperado do seu coração.
— Eu não estou sozinho. — falei. — Tenho dois príncipes poderosos
ao meu lado, e eu sou quase um rei, já se esqueceu?
Ela não parecia tranquila, conseguia notar no olhar dela, mas eu
sabia que ia aceitar aquilo, mesmo que não fosse verdade aquela
aceitação.
Tudo bem. Era o que ela diria.
— Tudo bem. — disse com um suspiro. — Mas, me promete que vai
voltar pra mim? — os olhos me aprofundaram. — Independente do que
aconteça, vai voltar para mim?
A intensidade do seu olhar me cortou a alma, mas eu não podia
prometer o que não sabia se seria capaz de cumprir.
— Eu darei o meu melhor para voltar para você, eu prometo.
Ela negou, com os olhos marejando.
— Não, Vinci... — segurou meu rosto. — Tem que prometer que vai
voltar. — piscou. — Eu não sei fazer mais nada da minha vida se eu
não tiver você. — um demônio podia desmaiar? — Você é tudo o que
eu tenho, e você não pode me deixar. Entendeu?
Apesar de temer tanto quanto ela, e de não conseguir mentir tanto
para ela, eu sabia que não poderia deixá-la desamparada e com medo.
— Tudo bem, meu pequeno planeta. — beijei sua testa e ela agarrou
minha camisa com tanta força que quase rasgou o tecido. — Eu vou
voltar para você.
Foi como um golpe ser obrigado a deixá-la ali, sem poder
acompanhá-la de perto, mas eu sabia que ela estaria segura naquele
lugar e que eu precisava lutar lá fora.
— Está assustado? — pesquisou Belial ao meu lado enquanto
andávamos na rua escura, indo rumo a um galpão abandonado.
— Mentiria se dissesse que não.
— Um demônio que não mente? — Belphegor zombou. — Essa é
nova.
Soltei um sorriso nasal.
— Muitas coisas mudaram no meu lado demônio.
— É por causa da nossa garota, não é? — Belial encostou-se em meu
ombro e fiz uma careta.
— Nossa garota?
— Ah, qual é... — murmurou Belphegor. — Ela é nossa, pois tocou
cada um de nós de um jeito único. — eu podia matá-lo, seria uma boa
ideia.
— O preguiçoso tem razão. Vênus nos tocou de um jeito único.
— Eu nunca pensei que pudesse me afeiçoar a uma humana como
me afeiçoei a ela.
Parei de caminhar e encarei os dois.
— Vamos esclarecer as coisas, irmãos. Ela não é de vocês, ela é
minha. — afirmei. — Não tem essa de nossa garota, ela é minha garota,
e eu acho bom vocês guardarem essa excitação dentro da calça de vocês
para que eu não tenha que arrancá-las. Fui claro?
Ele se olharam e riram, me deixando confuso.
Belial tocou meu ombro.
— É, eu acho que você está apaixonado por ela.
— Você ainda acha? Eu tenho certeza. Posso ser preguiçoso, mas sou
um bom observador.
Fiquei paralisado de cenho franzido, tentando processar as palavras
de Belial. Eu estava apaixonado por Vênus? Essa ideia parecia absurda
para mim. Eu não tinha tempo para sentimentos, especialmente por uma
humana. No entanto, ao me lembrar dos momentos que passamos
juntos, algo dentro de mim despertava.
Eu não podia negar que a presença de Vênus mexia comigo de
maneiras inexplicáveis. Sua voz suave e seu sorriso encantador eram
capazes de iluminar meu espírito sombrio. Mas, aquilo não significava
que eu estava apaixonado. Não é? Eu nem sabia o que era aquele
sentimento.
— Vocês estão enganados, irmãos. Não posso estar apaixonado por
ela. Eu sou um demônio, não posso sentir esse tipo de coisa. — minha
voz soou incerta, revelando minhas próprias inseguranças.
Belial colocou a mão no meu ombro, olhando-me com compreensão.
— Asmodeus, não importa o que somos. O amor não escolhe lados,
não se importa com nossa origem. Você tem o direito de sentir e ser
amado. Não deixe que sua natureza esconda o que você realmente é.
Senti um misto de emoções dentro de mim, uma confusão de
sentimentos que eu nunca havia experimentado antes. Era aterrorizante
e fascinante ao mesmo tempo.
— Sem querer atrapalhar o momento romântico, mas temos
campainha. — disse Belphegor e arranquei meus pensamentos para ver
homens armados adiante.
— Tem cinco para cada um. — falei, analisando que usavam espadas
e de certo estavam banhadas em água santa. — Eu faço as honras.
Abri minhas asas e comecei a voar em direção aos homens armados.
Enquanto me aproximava, pude sentir a intensa presença do sagrado
nas espadas que empunhavam. Sabia que a única forma de vencê-los
seria utilizando meus poderes infernais.
Com um movimento rápido, invoquei chamas infernais e as lancei
em direção aos homens. As chamas envolveram suas espadas, fazendo
com que a água santa fosse rapidamente consumida pelo fogo infernal.
Os homens gritaram de dor e surpresa, enquanto eu aproveitava a
distração para me aproximar ainda mais.
Com uma velocidade sobre-humana, desferi golpes precisos com
minhas garras demoníacas, neutralizando cada um deles com um único
movimento. A batalha foi rápida, mas intensa. Após derrotar os cinco
homens, voltei minha atenção para Belphegor, que observava a cena
com um sorriso malicioso.
— Impressionante, como sempre, irmão. — disse ele, enquanto
caminhava em minha direção. — Você é realmente digno do título de
Príncipe dos Infernos. — os olhos ficaram vermelhos e vi chifres
saírem. — Minha vez.
Belphegor avançou na direção dos outros homens com uma
velocidade igualmente sobrenatural. Seus movimentos eram ágeis e
suas garras demoníacas reluziam com um brilho maligno.
A lâmina das espadas era ágil, e cortavam o ar em velocidade antes
de descerem, mas nenhuma vez acertou Belphegor.
Ele se abaixou ali não e com a ponta dos dedos, fez com que uma
fenda se abrisse e espíritos saíssem, levando todos os homens para a
terra seca.
— Aquele de coração negro descerá até os confins do submundo e
presenciará a escuridão eterna. — murmurou e assenti.
— Livros dos demônios. — mencionei e ele riu.
— Impressionante os dois. — disse Belial. — Mas, é a minha vez
rapazes. — os olhos ficaram laranja feito chama. — Vejam e aprendam.
Belial avançou em direção aos homens restantes com uma rapidez
vertiginosa, deixando um rastro de fogo por onde passava. Suas mãos
emitiam chamas ardentes, que envolviam suas vítimas em um abraço
infernal. Cada golpe certeiro dos punhos de Belial deixava marcas
incandescentes nas peles dos adversários, que se contorciam em agonia.
Seu poderoso rugido ecoava pelo lugar, demonstrando sua supremacia
sobre os demais.
Alguns corpos começaram a se contorcer, e foi questão de segundos
para que um a um dos cincos, não sobrasse nenhum de pé, explodidos
ao ar e causando uma bagunça.
— Adoro cheiro de carnificina. — riu.
Foi bom, mas tínhamos que entrar e libertar Lúcifer e o galpão não
estava tão longe.
Nos movemos para o lugar escuro, esperando encontrar armadilhas
antes que conseguimos chegar até onde Lucífer estava.
Cada passo que dávamos era feito com cautela, nossos sentidos
aguçados, prontos para qualquer emboscada. Os corredores sombrios
pareciam intermináveis, e a tensão no ar era quase palpável.
Enquanto caminhávamos, nada se ouvia e para um lugar onde uma
seita deveria estar àquilo era muito quieto.
— Não está quieto demais? — Belphegor observou, os olhos
brilhando no escuro.
Não respondi, até finalmente sentir a energia enfraquecida de
Lúcifer, do outro lado de uma porta enferrujada.
— Ele está aqui. — falei e Belial arremessou-se contra a porta,
abrindo-a.
O cheiro de mofo e podridão invadiu nossas narinas enquanto nossos
olhos se ajustavam à escuridão manchada de sombras.
Logo avistamos a silhueta de Lúcifer, acorrentado e enfraquecido.
Ele levantou os olhos em nossa direção em um misto de alívio e
pavor.
— Não... — gemeu sem forças. — O que estão fazendo aqui, seus
idiotas!
Enquanto eu ia tirando a corrente dos pés, Belial ia se livrando da
corrente dos punhos e Belphegor o segurava.
— Um obrigado já era o bastante. — resmungou Belial.
Quando soltamos as correntes, ele caiu feito pedra nos braços de
Belphegor e riu, um sorriso ensanguentado.
— Vocês vieram por mim.
— Não por querer. — olhei ao redor notando que algo não estava
certo. — Tem algo errado. — murmurei.
— Vamos tirar ele daqui antes que alguém entre. — sugeriu
Belphegor e se levantaram, firmando Lúcifer.
— Onde está sua alma? — perguntei me aproximando.
— Levaram. — respondeu. — Vocês não deviam ter vindo, seus
idiotas! Não aprenderam nada do que ensinei?
— O que...
— Armaram para vocês. — disse. — Estão invadindo o inferno
agora. — Paralisei, sem conseguir respirar direito. — Com minha alma,
eles podem tudo agora.
— Vênus...
Capítulo 38

Eu não conseguia parar de pensar nas possibilidades terríveis que


poderiam acontecer com Vinci e os príncipes. A angústia me consumia
e a sensação de impotência me sufocava. Eu sabia que era apenas uma
humana comum, sem habilidades sobrenaturais, e isso me deixava
ainda mais vulnerável.
Minha mente era invadida por imagens terríveis de lutas sangrentas e
traições. Sentia meu coração acelerar a cada pensamento sombrio que
surgia. Tentava me distrair com qualquer coisa, mas a preocupação em
relação ao destino dos meus amigos me consumia completamente.
O tempo parecia passar de forma agonizante. Cada minuto se
arrastava, enquanto eu esperava ansiosamente por qualquer notícia.
Tudo o que eu queria era saber se Vinci e os príncipes estavam a salvo,
vivos e bem. Mas a incerteza me torturava intensamente.
— Uma bebida, senhorita Vênus? — questionou Arcon, arrancando
meus pensamentos.
— Obrigada, Arcon, mas estou bem. — ele assentiu e ficou parado
ali, feito parede. — Posso perguntar uma coisa?
Ele desceu os olhos até mim.
— Se vai me perguntar sobre Hecate, tenho prazer em dizer que
morreu. — disse sem sentimento algum.
— Oh... — fui tomada por surpresa. — Eu não ia... Bem, eu não ia
perguntar dela. — pigarrei. — Era esperado que ela morreria.
Ele acenou brevemente e permaneceu me olhando.
— Se não é sobre ela, então o que gostaria de me perguntar?
Soaria infantil se eu fizesse aquela pergunta, sobre o porquê ele não
gostar de mim? Estava nítido que não gostava desde que disse que eu
havia causado muitos problemas a Vinci. Mas, eu precisava saber o que
ele quis dizer com aquilo.
— Arcon, por que você não gosta de mim? — falei com sinceridade,
fixando meus olhos nos dele.
Arcon pareceu surpreso com minha pergunta direta, mas não desviou
o olhar. Sua expressão impassível não deixava transparecer seus
verdadeiros sentimentos, tornando difícil para mim decifrar o que se
passava em sua mente.
Após um breve momento de silêncio, ele suspirou e finalmente
respondeu:
— Você trouxe sofrimento ao meu senhor.
— Sofrimento? — questionei sem entender.
— Sim. — respondeu sério. — Sabe o quanto sentimentos mexem
com seres demoníacos como o meu senhor? — fiquei muda, sentindo o
olhar dele pesar sobre mim. — Eu nunca tinha visto um demônio em
tamanha tristeza por causa de uma humana.
— Mas… Eu não entendo. O que exatamente eu fiz para causar esse
sofrimento em Vinci? — perguntei, buscando compreender a situação.
— Você o traiu, ora! — foi rude, mas bem explicito.
Eu havia traído Vinci, o deixado saber que eu havia feito um pacto
com Mammom, por suas costas. Mas, eu não sabia que ele havia ficado
chateado ao ponto de seu servo me odiar.
— Eu... Não sabia disso. Para mim, ele estava vivendo enquanto eu
era torturada no abismo.
Lembrar daquilo me fazia sentir uma pontada de traição, mas a
traidora era eu, e eu não queria ver aquele lado de Vinci novamente.
A dor do tiro que ele me deu pelas costas ainda ardia.
— Quando meu senhor se viu envolvido nesses sentimentos
desconhecidos, ele entrou em um conflito interno. — falou. — Tornou-
se distante e começou a agir de forma estranha. Sua atenção e foco
foram desviados para você, negligenciando suas responsabilidades e
trazendo consequências para o reino das trevas.
— Como ele agiu de forma estranha? — perguntei, e em um segundo
me vi muito mais interessada em saber o quanto eu conseguia
influenciar o demônio do que com os sentimentos dele.
Era covardia.
— Bem... Ele buscou por mulheres. — que raiva. — Bebidas e ficou
diante, bem mais nervoso do que o costume.
— E ele transou com essas mulheres?
O que é que eu estava fazendo?
— Senhorita...
— Desculpe. — endireitei-me. — É que, já que você começou, eu
tenho que saber do resto. Não acha? — ele ficou imóvel. — Ele se
deitou com as mulheres?
— Bem... — esperei ansiosa por sua resposta, mas tudo o que vi foi
o rosto dele se contorcer em raiva e seus olhos ficarem negros como a
noite.
— Arcon? — levantei. — O que aconteceu?
— Alguém está entrando aqui. — disse em rosnados e tremi.
— Demônios? — pesquisei ao lado dele.
— Humanos. Humanos com tanto poder que... AHHHHH.
Saltei ao ver o corpo de Arcon se transformar em fogo diante dos
meus olhos e gritei, assustada, pois eu sabia que a seita estava entrando
no inferno.
Corri em busca de uma saída, mas o calor intenso e o fogo que se
espalhava rapidamente me cercaram. Meus pensamentos se tornaram
confusos e minha respiração acelerada, enquanto eu tentava
desesperadamente encontrar uma solução.
De repente, um estrondoso barulho ecoou pelo espaço,
interrompendo o meu pânico momentaneamente. Olhei em direção ao
som e vi a porta sendo estilhaçada.
Quando a nevoa baixou, quase fiquei sem ar ao ver o rosto que me
provocava tanto pânico.
— Você…
Ele sorriu, e nem mesmo um ser das trevas poderia ser mais
assustador do que ele. JT.
— Olá, bruxa.
Ele jogou algo em minha direção, parecendo um pó invisível, e tudo
o que consegui fazer foi apagar.
Meus olhos foram se abrindo devagar e eu ainda os sentia arder,
sendo quase impossível mantê-los abertos. Eu me sentia tonta, cansada
e era como se algo estivesse me imobilizando.
Eu enxergava algumas imagens turvas, mas não sabia do que se
tratava.
O instinto me legou a tentar limpar os meus olhos, e bastou uma
tentativa para eu perceber que eu não podia. Com um pouco mais de
força, abri os meus olhos e percebi que eu estava com os punhos
amarrados acima da minha cabeça, em uma espécie de tronco bem
firme que continha um degrau de pedra.
Levou apenas um segundo para o meu desespero aumentar um pouco
mais, quando movi os meus olhos para frente e presenciei a cena mais
dolorosa da minha vida.
Belial estava amarrado de um lado, Belphegor de outro, em troncos
como o meu, mas eles estavam desacordos e feridos, muito feridos.
Meus olhos se moveram para Vinci, que diferente de nós, estava de
joelhos ao chão, tendo correntes o prendendo, muito sangue em seu
rosto e corpo, e estava sem camisa, mostrando para mim cortes
profundos ali.
Meu coração se quebrou.
— Vinci! — chamei, me debatendo e tentando me soltar. — Vinci!
Mas Vinci não respondia, seus olhos estavam fixos em algum ponto
distante, sua expressão vazia e sem vida. Eu gritava seu nome
desesperadamente, implorando que ele me olhasse, que voltasse a si.
Mas ele permanecia imóvel, preso em um estado de dor e sofrimento
que era difícil de imaginar.
As lágrimas escorriam sem controle pelo meu rosto, minha garganta
doía tanto de tanto gritar. Eu me sentia impotente, incapaz de fazer
qualquer coisa para salvar Vinci e os outros. A raiva pulsava dentro de
mim, misturada com a dor e o desespero.
— Não adianta gritar! — meus olhos se moveram para monstro
entrando na sala, junto de Lucca e Lua, para meu maior desespero. Ele
chegou perto de Vinci e sacudiu o seu corpo. — Ele não pode te ouvir.
— O que fez com ele? — tentei ignorar os meus pais, se ainda podia
os chamar assim. — O que fez com eles! — esbravejei, a raiva em cada
parte do meu corpo se estendendo.
— Nada, ainda. — analisou-me. — Então é verdade, vocês se amam.
— não respondi e ele olhou para os dois ali. — Não preciso apresentá-
los, não é mesmo? — um sorriso sínico escapou dos lábios dele.
Quando olhei para Lucca, ele portava também um meio sorriso que
me fez esfriar.
Eu queria saber por quê. Eu queria entender por que.
— Por quê? — questionei encarando seu rosto.
— Por quê? — ele retrucou e ficou em minha frente. — Pelo poder.
Pela grana. Pela liberdade.
Eu não imaginava que ele pudesse ser mais frio, mais canalha que
aquilo.
Encarei Lua, e diferente de seu marido, ela não parecia tão contente
com a ideia de dinheiro ou poder. Os olhos dela se desviaram dos meus,
evitando o contato e quase morri.
Olhei para os príncipes novamente, tentando entender como eles
haviam chegado a esse estado. Suas peles estavam cobertas de
hematomas, seus corpos frágeis e quebrados. Eles haviam passado por
um tormento indescritível, e minha mente não conseguia nem imaginar
o tipo de crueldade que haviam sofrido.
Solucei, me sentindo incapaz e sabendo que eu poderia morrer de
tristeza.
— Por que está fazendo isso? — perguntei a JT. — O que eles
fizeram a você?
— O que eles fizeram a mim? — ele se aproximou e vi seus olhos
em um brilho desumano. — São demônios, cara Vênus, monstros. E
monstros merecem morrer. — neguei. — Eu estou nesse mundo a muito
mais tempo do que você possa imaginar. Eu vi coisas, coisas horríveis
que eles fizeram. Eu perdi pessoas que amava por causa deles. Não
posso simplesmente ficar parado e deixá-los continuar espalhando
sofrimento e caos. Eu decidi que se existe algum sentido nessa minha
existência prolongada, é o de acabar com essas abominações. — ele
tocou o meu rosto e encolhi. — Eu quero que assista a morte de seus
amigos, e depois a morte do seu demônio. E quando eu terminar com
eles, eu vou acabar com você.
Lua levantou os olhos e encarou JT.
— Você disse que não ia fazer mal a ela. — a voz saiu baixa e ela foi
ignorada.
— Cale a boca! — Lucca bateu em seu rosto, a jogando no chão e a
calando.
O meu desespero só aumentava, a sensação de estar perdendo o
controle era quase esmagadora.
— Hora de acordar! — disse o homem, jogando água benta em
Vinci, que soltou um grito de dor.
— Para! — implorei, vendo a pele dele se derreter. — Vinci!
Ele me ouviu, ele havia ouvido a minha voz e quando ergueu os
olhos em minha direção, eu chorei. Ele parecia me pedir perdão com o
olhar.
— Se tocar nela... — a voz era baixa. — Se tocar nela, eu te mato!
— jurou e JT gargalhou.
— É mesmo? Oh, não sou eu que estou amarrado. — chegou na
frente dele. — Sabe que não vai sair daqui, não é? Eu vou matar todos
vocês, como matei Lúcifer e como matei Mammom.
— Ah! — outra vez ele jogou água benta nele e gritei em meu lugar.
— Para! — senti meu corpo ferver de dor. — Por favor, por favor,
para...
— Ah, a conexão! — riu. — Não é linda? — caminhava pelo lugar.
— Você vende sua alma para o diabo, se deita com ele, perde o direito
de entrar no céu, bebe o sangue dele e... Conecta-se com as trevas.
Como ele sabia de tanto? Aquele homem tinha tudo em suas mãos.
Ele tinha poder, ela tinha o que eu não tinha. Liberdade.
— Sabia que príncipes não podem sair de seus corpos? —
questionou. —Príncipes não são como demônios comuns, que pulam de
corpo para corpo. Eles têm que escolher sabiamente o hospedeiro, pois
será uma conexão eterna. — me olhou. — Sabia? Então, eu devo
queimar os seus corpos junto com eles.
— Nossa. — murmurei. — Eu não... Eu não tenho palavras para
expressar o quanto eu... O quanto eu não estou nem aí para você! —
cuspi e ele riu. — Eu desejo que você queime no quinto dos infernos!
Ele assentiu, parecendo não se ofender.
— Ok. Bem, com quem eu devo começar primeiro? — Lucca se
aproximou dele e abriu uma maleta. Ele tirou dela uma estaca dourada
que brilhava. — Banhada com o sangue de cristo. — riu e congelei. —
Vamos começar com aquele ali.
Apontou para Belphegor.
— Não! Por favor, não! — implorei e Belphegor abriu os olhos me
dando um sorriso cansado. — Eu sinto muito... — chorei e ele riu
cansado.
— Obrigado. — sibilou e fechei os olhos.
Eu não podia ver, eu não conseguia.
— AAAAH.
O grito dele invadiu meus ouvidos e solucei, vendo o corpo se
desfazer em cinzas.
— Uh! — JT gargalhou.
Estava feliz, muito feliz.
— Desgraçado! — gritei e ele riu.
Olhei para Vinci e ele sacudiu a cabeça negativamente, fraco demais
para dizer qualquer coisa, mas eu sabia o que ele olhar estava me
dizendo.
— Vamos acordar bonitão! — JT bateu em Belial e ele abriu os
olhos atordoado, mirando em mim e depois em Vinci.
— Não... Não! Vênus, Vinci! Eu sinto muito, eu sinto...
Ele foi atingido no peito e eu gritei em desespero.
— Belial, não! — meu ar faltou. — Ahhhh. — angústia, dor... Perda.
Ele se foi. Ele também se foi e eu não aguentava mais. Eu não podia,
eu não conseguia.
Encarei Vinci e uma lágrima, uma lágrima silenciosa escorreu de
mim e meu choro foi cessado.
Eu ia morrer com ele.
— Eu vou matar você. — disse ele, encarando JT e seus olhos
ficaram vermelhos.
— Ah, é mesmo? — fez uma careta. — Eu acho que não. Só sobrou
você aqui. O que eu faço. Mato você para ela ver, ou mato ela para que
você veja?
— Se tocar nela...
— Silêncio, cão! — passou a estaca no rosto dele e presenciei sua
dor, misturada com a raiva.
— Uh! — rosnou Vinci. — Eu vou beber a sua alma!
— Não... Eu acho que eu vou beber a sua.
Vinci riu.
— Você é um idiota. — disse. — Não sabe nada sobre mim. — a voz
saiu firme. — Eu sou o primeiro príncipe. — os olhos cintilaram. — Eu
estava aqui muito, muito antes de você e do seu deus estar. Eu. Sou. O.
Primeiro!
O primeiro...
— Não era apenas um demônio — a voz de Vinci entrou em minha
mente. — Era um ser completamente obscuro. Asmodeus não se
originou comigo, ele já estava lá, muito, muito antes de tudo. Muito
antes de qualquer terra ou céu. Ele só precisava do hospedeiro
perfeito, não para existir, mas para se tornar…
— O primeiro príncipe.
Era isso. Asmodeus não era apenas um demônio; ele era uma
entidade poderosa que existia há muito antes de tudo. Vinci era apenas
o hospedeiro perfeito no momento certo. Isso significava que ele era o
único capaz de sair de seu hospedeiro e se infiltrar em outro, com um
convite. Tudo o que ele precisava era de um convite.
Cardinal Mermillod escreveu que; "Uma mãe é aquela que pode
ocupar o lugar de todos os outros, mas cujo lugar ninguém mais pode
ocupar.”.
Olhei para Lua e vi que ela estava olhando nos meus olhos. Rezei
para que, pelo menos dessa vez, ela pudesse ser mãe. Rezei para que
nossa conexão fosse mais forte do que qualquer coisa. Ela deu um
sorriso quase imperceptível, mas que eu consegui ver, e assentiu
lentamente, deixando uma lágrima escapar.
Os olhos se voltaram para Vinci e ela sorriu para ele. Há coisas que
somente a conexão entre mãe e filhos pode realizar. Não importa se
houve feridas, dores ou falta temporária de sentimentos, há coisas que
somente uma mãe pode entender e fazer por seus filhos.
Capítulo 39

Eu fechei os olhos por um segundo, talvez eu desejasse bem mais


que as coisas pudessem mudar. Talvez eu tivesse até mesmo rogando
para algo, até para Deus, e sei que seria hipocrisia, mas eu rezava para
que um milagre pudesse acontecer.
— Sabe de onde vem JT? — abri os meus olhos para olhar para o
homem. — Jonathan Thornton IIII — disse. — Venho de uma enorme
linhagem de homens com sangue real. Meu bisavô fazia da corte real.
— se exibia. — Foi então que os demônios começaram a invadir a
terra, e então meus antepassados criaram a Seita dos Santos. Armas,
livro de exorcismos, livros sobre demônios e tantas outras coisas. Para
mim, é um prazer limpar a terra de seres como eles. — apontou para
Vinci e ele estava de cabeça baixa. — Ah, vamos lá! Não é hora de
dormir.
Levantou a cabeça dele, mas o corpo estava mole.
— Mas... O que...
Meus olhos foram para Lua, que levantou a cabeça segundos depois
e os olhos estavam vermelhos.
Era ele, Asmodeus.
— Ele está morto? — inquiriu Lucca.
— Não, ele...
Um apagão.
Todas as luzes, tochas ou velas acesas naquele lugar se apagaram,
deixando a escuridão total, sem nenhuma fresta de luz.
— Ascendam as luzes! — gritou JT.
O silêncio pairou no ar enquanto todos tentavam acender as luzes
novamente. Mas, mesmo com os esforços de Jonathan e de todos os
membros da Seita dos Santos, nenhuma chama ou lâmpada respondia
ao comando. A escuridão era densa e opressora, como se tivesse uma
presença maligna pairando sobre eles.
— O que está acontecendo? — perguntou o homem.
Nenhum dos presentes tinha uma resposta. A confusão e o medo
começaram a se espalhar pelo grupo. Ouviam-se sussurros e passos
rápidos de pessoas se movendo desesperadamente no escuro. O que
quer que estivesse acontecendo, era algo além do conhecimento e
controle de todos.
Sorri de lado, pois eu sabia exatamente o que estava ocorrendo.
— Todos vocês vão morrer. — falei.
— Calada, bruxa. — ele ascendeu uma lanterna, bem na hora em que
um grito entrecortado, cortou o ar. — O que está havendo?
Outro grito entrecortado, seguido de outro e mais um e mais outro.
JT se aproximou de mim com a pouca claridade e moveu as mãos
para o meu pescoço, me enforcando.
— Como você fez isso? Hum?
— Não... Não fiz nada. — respondi sem ar e sorri. — Você vai
morrer. Ele vai matar todos vocês!
Ele rosnou de raiva.
— Você acha que vai? Eu sou o filho de meu pai, sou da Seita dos
Santos, ninguém pode me deter! E você, quem é...
— Eu sou a humana dele.
A luz se ascendeu e quando nossos olhos se moveram para o lugar,
só existia o caos.
Corpos dilacerados, sangue por toda parte e somente Lucca
permanecia de pé.
JT me soltou e encarou os lados, para ver seus homens mortos e seu
rosto se transformou em incredulidade.
— Mas, o que...
— Eu sou o primeiro, testemunhei o nascimento do universo. Antes
do céu se iluminar, antes da terra se formar, eu já existia. Sou à força da
dor e a fúria da destruição. Sou o pioneiro, o precursor, mas certamente
não serei o último. — a voz era dela, mas mudada, demoníaca. Quando
os olhos se moveram para frente, Asmodeus estava ali. — Eu sou o
primeiro príncipe.
Com uma cauda, ele arrastou Lucca para perto e o olhou como se
fosse vomitar. Inspirou o cheiro dele e riu.
— Eu esperei tanto por isso. — disse a voz demoníaca. — Não sabe
o quanto elas abominam você. Estou nos pensamentos dela, e vejo tudo
o que você fez a ela, e ela grita... Grita para que eu te mate. — JT
tentou correr, mas uma força invisível o fez travar no lugar, como se o
tirasse o ar. — Ainda não terminei com você. — disse e desviou os
olhos para mim, fazendo as minhas amarras se soltarem.
Caí no chão e sacudi a roupa, me afastando um pouco.
Eu queria ter pena de Lucca daquela vez, me sentir mais filha do que
eu podia, mas eu não conseguia. Ele traiu os filhos, ele nos trocou por
dinheiro e merecia aquilo.
— Vinci... — Lucca tremeu, quase sem ar. — Vamos conversar, eu
posso te ajudar.
O pescoço se torceu para um lado e ele riu.
— Vinci não está aqui. — disse. — Eu vou adorar devorar a sua
alma e o inferno ferve de ansiedade por você. Até breve, Lucca.
Fechei os olhos quando ouvi o grito de dor e o barulho dos ossos se
quebrando. Eu não conseguia ver. Mesmo sem conseguir ver, eu sabia
que Lucca estava sendo torturado.
Quando voltei a abri-los, presenciei uma sombra negra engolindo a
alma de Lucca, que se contorcia em dor. Ele se foi, e eu não sentia
nada.
Quando olhei para Lua o nariz dela escorria sangue e JT riu.
— Está matando ela. — disse. — O corpo dela não aguenta, não é o
hospedeiro. — gargalhou.
Ignorei aquilo, eu não queria pensar muito para que meu coração não
me traísse.
Dei alguns passos em direção ao homem e parei diante dele, movida
por uma raiva infernal.
Meus olhos se moveram para o colar em círculo e o arranquei dele.
— Você matou meus amigos. — minha voz saiu tremula. — E eu
desejo que você queime no fogo do inferno.
Ele riu.
— Tem mais de mim por ai. — disse. — Me mate, e mais virão!
Nunca vão parar, pois nós somos...
Estremeci quando o corpo dele explodiu diante dos meus olhos em
chamas que o devoravam sem pena, o transformando em apenas cinzas.
Meu corpo deu sinal de cansaço e respirei antes de me virar para
Vinci.
— Ela quer te ver. — disse ele.
Não tive tempo para pensar muito, pois o corpo de Lua se amoleceu
e eu a segurei, caindo com ela no chão em meus braços.
Fria e morrendo.
Os olhos cansados e quase se fechando, o rosto coberto por sangue,
mas mesmo assim, ela sorriu, levando a mão em meu rosto e chorei.
— Meu bebê... — murmurou. — Meu lindo planeta. — solucei,
segurando a mão dela em meu rosto. — Eu... Eu sinto muito. — eu não
conseguia segurar as lágrimas. — Sinto muito por nunca estar lá, nem
para você, nem para seu irmão. — uma lágrima escorreu do rosto dela e
solucei mais. — Eu prometo que, da próxima vez eu vou ser uma mãe.
Me perdoa.
— Eu te perdoo. — murmurei quase sem voz.
— Me chama de mãe. — pediu. — Só uma vez.
Apertei os olhos sentindo uma dor que jamais pensei em sentir, a dor
de uma filha.
— M... — tremi. — Mãe.
Ela sorriu como se aquilo fosse à coisa mais perfeita para o
momento.
E assim, o sorriso murchou e junto dele, os olhos se fecharam e as
mãos deixaram meu rosto.
Ela se foi.
Agarrei seu corpo com força e chorei, soluçando tanto que senti meu
peito ser esmagado pela dor incansável de ter tido um pouco dela no
final.
Naquele dia, ela se tornou minha mãe, me fazendo sentir como se
tivesse estado comigo por toda a eternidade. Era como se ela tivesse a
chave para o amor que eu havia guardado durante todo esse tempo.
Talvez todo o amor que eu guardei fosse dela, para ela.
Ela era minha mãe, como poderia não ser? No entanto, o que mais
me doía era o fato de ela ter se revelado mãe quando tudo já estava
fadado a acabar.
Ela escolheu dizer que me amava quando a morte estava batendo à
porta, e isso nunca mais sairia da minha mente.
Eu odiava a Lua com a mesma intensidade com que a amava.

Era um silêncio ensurdecedor naquele lugar.


O silêncio era o aspecto mais perturbador. Era um silêncio absoluto,
sem mesmo os ruídos típicos de um inferno ou qualquer som
agonizante. Não se ouvia murmúrios, sussurros ou gemidos. A falta de
vida parecia consumir tudo ao redor, como se o próprio lugar sugasse a
vitalidade de quem ousasse adentrá-lo.
Tinha uma aura pairando pelo lugar, bem mais negra que as
presenças malignas dali.
O ambiente estava impregnado com uma energia sombria e
opressiva. O ar era pesado e parecia sufocante, como se estivesse
carregado com a maldade que permeava aquele local. Era como se as
paredes e o chão estivessem impregnados com a dor e o sofrimento que
ali ocorreu.
Nada.
Vinci não disse uma única palavra. Ele não me olhou, ele não
chorou, ele não esboçou nada, nada a não ser aquele olhar diabólico,
nutrindo uma raiva profunda que eu não sabia descrever. Era vazio,
profundamente vazio.
Eu não sei quanto tempo se passou, quando foi que os dias correram
ou como correram. Eu não sabia como tudo havia terminado, ou
começado.
Nenhum de nós ousou dizer uma única palavra.
A dor que nos consumia era inescapável, mas ambos nos perdemos
em nossos próprios métodos de fuga. Vinci afogava suas mágoas no
álcool, buscando encontrar algum tipo de alívio temporário nas
bebedeiras selvagens. Enquanto isso, eu me refugiava em atividades
insignificantes, como dormir excessivamente ou me deixar levar pela
apatia, tentando anestesiar a dor que consumia minha alma.
Nós dois havíamos perdido coisas naquele dia. Qual dia? Eu não me
lembrava de como o tempo passava ali. Se antes eu não sabia se era dia
ou noite, depois daquilo, eu não sabia nem mesmo as horas.
Perdas.
Tinha tanta amargura ali, tanto desespero e vazio que chegava a doer.
A vida ao nosso redor continuava, mas nós estávamos paralisados em
nossa dor, incapazes de sentir qualquer emoção além do vazio e da
angústia. O tempo perdeu todo seu significado, nossos dias se
mesclavam em uma névoa turva de tristeza.
Nenhum de nós ousou falar.
O silêncio tornou-se nossa única forma de comunicação, um
lembrete constante de que as palavras não poderiam curar nossas
feridas. Nossos sentimentos eram complexos demais, inexprimíveis em
uma simples conversa. Era como se carregássemos um segredo sombrio
dentro de nós, algo que apenas nós dois entendíamos, algo que nenhum
de nós estava preparado para compartilhar.
Às vezes, nos permitíamos olhar um para o outro, mas
encontrávamos apenas resquícios daquilo que um dia nos uniu. O
desejo que um dia habitou em nós agora estava obscurecido pela
sombra do sofrimento e da perda. Tentávamos evitar qualquer contato,
pois sabíamos que qualquer palavra se tornaria um rompimento ainda
mais profundo.
Talvez ninguém culpasse ninguém, mas o silêncio fazia com que
ambos soubessem que, falar não adiantaria.
E assim os dias se passavam, arrastando-se lentamente. O silêncio
daquele lugar era ensurdecedor, ecoando os gritos abafados de dor que
permaneciam enterrados em nosso interior.
A solidão se misturava ao álcool que Vinci consumia,
transformando-o em um espectro sombrio, de uma forma que eu não
ousava enfrentar. Sua raiva e desespero eram como uma barreira
impenetrável, e eu me sentia impotente diante de sua dor. Diante da
minha dor.
Nada parecia amenizar a dor que persistia em nossos corações. Eu
sabia que ele sofria a sua maneira, engolindo os sentimentos e
morrendo por dentro.
A ausência de palavras tornava cada dia uma batalha silenciosa, uma
espera angustiante pelo momento em que finalmente tomaríamos
coragem para enfrentar nossos demônios internos e procurar uma saída
daquela eterna escuridão.
Mas, será que queríamos? Será que queríamos dizer, gritar ou tentar?
Enquanto o tempo continuava a passar, percebíamos que a distância
entre nós só aumentava. O sentimento que um dia nos uniu parecia ter
sido engolido por uma tempestade sem fim.
As palavras não eram necessárias, pois o que havíamos perdido era
muito maior do que qualquer diálogo poderia reparar.
Arrastei-me pelo corredor e não me lembrava de qual havia sido o
ultimo banho que eu havia tomado, mas ao me levantar percebi que
precisava comer, pelo menos tentar.
— Senhorita? — parei de arrastar os pés no chão e me virei para
trás.
Havia um homem, magro, pálido e triste parado ali. Ele devia ter uns
40 anos, eu não sabia. Mas, sabia que era um demônio.
— Sim? — minha voz me assustou, há muito tempo eu não falava e
a maneira como ela saiu arrastada me fez perceber que eu quase
desaprendi a falar. Pigarrei, tentando parecer um pouco sã. — Sim?
— Será que podemos conversar um instante?
Olhei para trás e depois para frente. Só havia eu ali, nada mais.
— Sim.
Acompanhei o homem até uma sala empoeirada e de pouca luz, e me
sentei no sofá dali, observando atentamente o homem, que parecia
carregar bem mais que um peso nos ombros.
— Meu nome é Atticus, e eu sou o novo guardião dos portões do
inferno. — disse. — Quando Hecate morreu, fui designado. Eu era o
seguinte da fila.
Então era daquele modo que funcionava? Eles eram substituídos.
Assenti.
— Eu sinto muito por Hecate. — falei, sem saber se era o certo a
dizer. Eu não sabia se havia conexão entre eles, se quando perdiam
alguém, havia um rito de passagem. Mas, aquilo foi o que consegui
dizer.
— Obrigado. — assentiu educadamente, estranhamente educado
para um ser tenebroso. — Mas, não é por Hecate que estou aqui. —
atentei-me. — Como guardião do portão, eu tenho acesso a todos os
clãs de demônios e casas. Sendo assim, vejo e ouço tudo.
Franzi a testa.
— O que está querendo me dizer? — pesquisei.
Ele suspirou.
— O inferno está um caos, senhorita. — falou. — Os demônios
estão descontrolados, as almas estão saindo e não temos gerência, desde
que Lúcifer e os príncipes... — ele não terminou e mais uma vez senti
uma pontada no peito. — Asmodeus foi o único que sobrou, e como
príncipe ele tem direito a coroa, para ser o rei, mas...
— Ele não fala. — falei e ele assentiu.
— Ele se recusa a falar comigo ou com qualquer outro demônio. —
os olhos me aprofundaram. — Eu preciso de ajuda. A senhorita é o ser
mais próximo dele nesse momento, e talvez não tenha obrigação de
ajudar o inferno, nem mesmo interesse, mas eu rogo por ajuda. —
falou. — O inferno é tudo o que temos, é nossa casa, é tudo o que
conhecemos sobre lar. — respirou. — E Asmodeus deve ouvir você,
pelo que vocês têm. Por favor, nos ajude.
Fiquei em silêncio por um momento, absorvendo todas as
informações que Atticus havia me dito. O pensamento de um inferno
em caos deixou um frio na minha espinha, e eu não pude evitar sentir
uma mistura de tristeza e pena.
No entanto, a ideia de ajudar o inferno, mesmo que indiretamente,
era algo que eu nunca tinha imaginado que faria.
Mas então me lembrei de como eu e Vinci tínhamos uma conexão,
de como éramos um do outro.
Será que eu realmente tinha o poder de influenciá-lo? Será que
poderia falar com ele, mesmo quando outros demônios não podiam?
Olhei para Atticus, vendo a esperança em seus olhos escuros. Ele
realmente parecia acreditar que eu poderia fazer a diferença. E, de certa
forma, isso me deu coragem.
— Eu… eu farei o que puder para ajudar. — respondi finalmente.
Atticus soltou um suspiro de alívio e gratidão.
— Muito obrigado, senhorita. Se precisar de mim, para qualquer
coisa, estarei à disposição. — fez um breve aceno e saiu.
Respirei fundo e apoiei a cabeça no sofá, pensando que estava na
hora de um de nos sair daquela bolha. Alguém tinha que voltar, e seria
eu.
Capítulo 40

Era algo perturbador.


Eu me sentia como se pudesse morrer de agonia em alguns
momentos, e em outros que eu podia matar pela mesma. Era sufocante,
me fazendo questionar os meus poderes e quem eu era.
Eu não amava meus irmãos, não sentia nada, a não ser o sentimento
de que eles eram um fardo. Então porque eu estava afundando naquele
mar de emoções em que parecia que eu estava de luto?
Eu estava tentando entender o que estava acontecendo comigo, como
se estivesse preso em um turbilhão de pensamentos e sentimentos
contraditórios. A confusão se misturava com a solidão, e essa sensação
de isolamento me consumia por completo.
Minha mente era um labirinto sombrio, repleto de medos e
inseguranças. Eu não conseguia encontrar uma saída ou uma resposta
para todas as perguntas que surgiam em minha cabeça.
Nas poucas vezes em que eu me permitia sentir um breve momento
de compaixão, logo era substituído por um desejo de afastar qualquer
forma de conexão emocional. Era como se eu estivesse preso em um
jogo de guerra interno, lutando contra minha própria identidade.
Perdido em meio à dor e ao vazio, eu me entregava aos excessos em
busca de um breve alívio. Cada gole que descia queimava minha
garganta, mas era preferível do que encarar a imensidão de sentimentos
que habitavam meu peito.
A cada garrafa vazia, eu me sentia mais entorpecido, mais distante
da realidade que me atormentava. O álcool se tornou meu refúgio, a
armadura frágil que me protegia das feridas emocionais que carregava.
Que merda de sentimentalismo da porra era aquele? Por que parecia
que eu ia ser esmagado a qualquer momento?
Eu não falei por dias, eu não sabia quanto tempo havia sido. Eu me
recusava a encarar a única pessoa que ainda estava ali comigo, mesmo
que distante.
Vênus também havia perdido muito, a nossa dor era compartilhada,
mas em silêncio. Em momentos, quando sem querer eu me esbarrava
com ela, eu até tentava dizer algo, mas eu me sentia culpado por toda
dor.
Era culpa minha?
Eu matei o pai dela, mesmo que ele merecesse, eu matei a mãe dela e
fiz com que os únicos amigos que ela tivesse fossem mortos, mas em
nenhum momento ela me olhou como se eu fosse o culpado de toda
desgraça, ou me julgou.
Não. Ela apenas ficava quietinha, tentando lidar com a sua dor, e eu
não conseguia nem ao menos abraça-la ou dizer qualquer palavra doce.
Afinal, eu era um demônio e um demônio que não conseguia lidar com
as próprias emoções.
Eu me sentia perdido, preso em uma espiral de emoções conflitantes.
Por um lado, eu ansiava pelo conforto de um abraço, palavras de
consolo, mas por outro, me sentia indigno de receber qualquer tipo de
afeto. E eu sabia que Vênus estava ali para me consolar, e que mesmo
se eu não merecesse, ela me abraçaria, mas eu não podia.
Eu era o caos da vida dela e fui o caos para meus irmãos.
Eu sempre fui um fracasso quando se tratava de reascender meu lado
humano, pois eu não queria.
A cada dia que passava, o vazio dentro de mim crescia, e a dor se
tornava mais e mais insuportável. Eu sabia que precisava enfrentar
minhas emoções, que precisava encarar a culpa de frente e tentar de
alguma forma me redimir pelos meus atos. Mas como? Como lidar com
essa escuridão que me consumia?
Eu estava um caco, completamente vazio, se fosse possível um ser
como eu ser mais vazio ainda.
Eu me via preso em um ciclo interminável de autodestruição,
incapaz de encontrar qualquer escape.
O demônio dentro de mim gritava que tínhamos vencido, mas o
maldito humano berrava que eu não merecia me gabar de nada.
— Inferno! — esbravejei, jogando a garrafa vazia no chão que se
estilhaçou, bem no momento em que a porta se abriu.
E lá estava ela. Meu planeta. Meu sussurro na escuridão.
Vênus encarou o chão e tentei sentir um pouco do que ela sentia, e
nossa, era uma emoção de sentimentos, bem mais conflitantes que os
meus.
Senti o coração dela saltar, e apesar de não estar descompassado, eu
conseguia ser o medo que ela experimentava por estar ali.
Ela parecia ter perdido peso, e seus olhos tinham olheiras profundas.
Me senti um merda.
Era para eu estar cuidando dela, e não a deixando sozinha em um
lugar confuso e escuro.
Definitivamente, ela não merecia aquilo. Eu não a merecia.
Ela mordeu os lábios e após algum tempo em silêncio, ela
simplesmente saiu da sala.
Não.
Eu precisava dela comigo, mesmo que não quisesse admitir e
precisava cuidar dela. Ela só tinha a mim e mais ninguém. Eu tinha que
agir como um homem.
Levantei e me movi para o corredor, pegando-a com passos
apressados.
— Espera. — falei e ela parou, ainda de costas.
Demorou um pouco para que se virasse para mim e me analisasse.
Eu queria tanto saber o que ela estava pensando, mas não consegui.
— Talvez... Talvez não tenha sido um bom momento. — disse e
fechei os olhos por um segundo.
Como eu havia sentido falta da voz dela.
Abri os olhos e encarei-a.
— É um bom momento. — falei, dando espaço ao sentimento. —
Fica, por favor.
Implorei mesmo, foda-se.
Eu não esperava aquilo, não esperava que ela fosse caminhar
desesperadamente em minha direção e que fosse me abraçar, com força.
As mãos dela se envolveram em minha cintura e quase esmoreci.
Toquei as costas dela, retribuindo o abraço e ela soluçou.
— Eu sinto muito. — murmurei, sem saber ao certo se aquilo era o
melhor.
— Eu senti sua falta. — falou aos prantos.
Como eu fui tão impiedoso? Como eu pude seguir o mandamento
de; Amaras a ti mesmo acima de tudo?
Aquilo não cabia a ela. Não com ela. Era Vênus, a minha Vênus.
— Desculpa, meu planeta. — apertei-a em meu abraço. — Sinto
muito.

Tomei um banho, vesti algo mais apresentável e quando entrei na


sala, Vênus já havia juntado a bagunça do lugar e estava sentadinha ali,
de olhos baixos.
Tão linda.
Quando me viu, tentou um sorriso que falhou, mas foi válido.
Encostei-me na mesa e analisei o rosto dela cuidadosamente. Pensei
que eu fosse dizer a primeira palavra, mas ela foi mais rápida.
— Você está bem? — fez uma careta e riu sem humor. — Não sei se
devia perguntar isso. — mordeu os lábios e esfregou as mãos.
— Me sinto bem melhor agora. — conclui e ela me olhou. — Com
você todo furação se acalma. — suspirei. — Eu devia ter ido até você
quando as coisas ficaram sombrias, mas eu não sabia o que fazer. —
torci os lábios, apertando as mãos na mesa. — Eu estava com medo de
que...
— Eu te julgasse por Lua? — ela era tão esperta. — Não foi sua
culpa. — disse. — Lua escolheu aquilo, ela queria fazer. E quanto a
Lucca... — negou. — Eu não sinto mais do que deveria sentir. Não é
sua culpa, então, tire esse peso dos ombros.
Assenti.
— Olha... Quando eu disse que sentia muito, eu estava falando a
verdade. Eu não devia ter te deixado sozinha. Eu fui um idiota.
— Precisávamos desse tempo, Vinci. — suspirou. — Talvez, tenha
sido melhor para podermos entenderemos nossos sentimentos. Lidar
com as perdas. — ela me calou. — Eles eram meus amigos também. —
dei um meio sorriso. — Eu também sinto falta deles e talvez eu vá
sentir por um tempo, assim como você. Mas, está na hora de fazer
alguma coisa. — me sondou. — O inferno precisa de um rei, e você
precisa ocupar o posto que sempre quis.
Rei.
Eu era o rei, o rei que tanto desejei ser e por um tempo eu havia me
cansado daquilo, esquecido de que eu era o único que podia tomar
aquele trono.
Deixei com que a minha dor abafasse os gritos lá fora, eu fugi como
um covarde.
Mas, Vênus tinha razão.
Era hora de assumir meu lugar como o líder que sempre aspirei ser.
— Você está certa. — assenti e vi um suspiro de alívio sair dela. —
Mas, o inferno pode esperar um pouco. — caminhei para ela e estendi a
mão, que ela segurou e ficou de pé. — Eu quero ficar com você por um
tempo. — colei meu lábio no dela e quase gemi pelo simples toque. —
Eu senti sua falta, meu planeta.
Ela sorriu, daquela vez, deu certo.
— Eu senti a sua falta, meu rei.
Fechei os olhos em êxtase.
— Diz de novo. — pedi.
— Meu rei?
— Não. — segurei sua cintura. — Diz que sentiu minha falta de
novo.
Ela ficou na ponta do pé e selou meus lábios com um beijo quente.
— Eu senti sua falta. — murmurou. — Eu senti sua falta. Eu senti
muito a sua falta.
Segurei firme a nuca dela e beijei sua boca com vontade, sendo
incapaz de segurar a louca saudade que eu havia sentido daqueles
lábios.
Ela gemeu em meus lábios, entregue e mostrando o quanto também
havia sentido falta de nós.
Conduzi o corpo dela até o chão, sobre o carpete e ela mordeu os
lábios, me deixando excitado imediatamente com aquele simples gesto.
Eu a puxei para mais perto, posicionando-me entre suas pernas,
ansioso por tê-la completamente minha. Ela arqueou as costas,
oferecendo-se completamente para mim, e eu não pude resistir. Deslizei
minhas mãos por sua pele macia, deixando um rastro por ali.
Subi o tecido do vestido até a cintura e passeei as mãos por suas
coxas quentes, enquanto a beijava sem pressa. Ela segurava meus
braços com força, e remexia o quadril em meu pau, que já estava duro
por ela, sedento para adentrar naquela buceta quente.
Eu sentia o cheiro levemente doce e metálico da excitação dela, e
àquilo me enlouquecia.
Sem esperar, me afastei dos lábios dela para rasgar seu vestido,
perdendo as contas de quantos tecidos eu havia rasgado.
Os seios arrepiados saltaram para fora e meu lado criança gritou,
doido para chupar aquele mamilo durinho.
Com uma mão segurei o mamilo, esfregando-o entre os meus dedos
e com a boca eu chupei o outro, efetuando movimentos circulares com
a língua.
Ela choramingou, um gemido delicioso e manhoso que escapou dos
lábios dela, enquanto ela se mexia sem parar, arqueando as costas e
esfregando seu quadril em mim.
Ela agarrou meu cabelo e soltou mais gemidos, me deixando
prontamente aceso.
— Vinci... — arfou. — Eu preciso de você. — pediu com a voz
carregada de excitação. — Me fode!
Ela deslizou as mãos para minha calça e desesperadamente soltou os
botões, puxando meu membro para fora.
Ajudei, me livrando de tudo e abri as pernas dela, visualizando sua
intimidade molhada de anseio.
Meu pau estava tão duro que doía, e ansioso para enfiar-se naquela
boceta quente e apertada. Nossa boceta.
Sem demorar, passei a ponta do membro por ali, e ela teve um
espasmo, estremecendo, me deixando louco.
Ansiosamente penetrei sua intimidade e rosnei ao encontrá-la tão
quente e molhada.
— Mm, que saudade dessa boceta. — empurrei mais fundo e ela deu
um gemido estremecido.
Segurei os joelhos dela de um modo que ela ficava bem aberta para
me receber e estoquei fundo, enfiando e tirando o pau algumas vezes
pra vê-la enlouquecida.
Meu pau entrava e saía molhado daquele mar de excitação e eu
encontrava as paredes deslizantes dela, implorando por mais um pouco.
Girei meu quadril por várias vezes e senti sua boceta latejar no meu
pau. Um rosnado saiu de mim e afundei meus dedos nos joelhos dela.
Vênus tombou a cabeça e gemeu deliciosamente, agarrando tapete
com força, cravando suas unhas nele e soluçou.
Encarei o rosto dela sem deixar de penetrar e a vi chorar.
— Vinci... — ela soluçou. — Não pare, eu vou...
— Não goze ainda! — falei me movendo mais rápido. — Se você
gozar eu vou te castigar.
Ela chorou, soltando gemidos desenfreados e empurrei mais fundo,
impedindo meu membro de sair da boceta dela.
— Eu não... Oh, céus!
— Céus? — empurrei mais fundo e ela tremeu. — Você está no
inferno, planetinha! — mais fundo, mais forte. — Sendo fodida pelo
diabo. Seu diabo.
— Eu vou gozar! — estremeceu, arqueando as costas. — Deus!
A virei com brutalidade e tirei meu pau de sua boceta, dando um
tapa em sua bunda deliciosa e empurrei meu pau molhado em sua ânus.
— Não cometa blasfêmias! — rosnei, sentindo meu pau latejar
dentro da bunda apertada dela. — Porra, que bunda gostosa! — apertei
suas nádegas e dei mais um tapa deixando a marca da minha mão.
Ela empinou o rabo para mim e quando entrei um pouco mais dentro
dela, vi estrelas de tão gostoso.
— Me machuca. — pediu enquanto agarrava o tapete.
Eu estava enlouquecido com aquilo, querendo morrer dentro daquela
bunda perfeita e mais enlouquecido ainda pelo pedido.
Soltei minhas asas e sem aviso prévio, as enfiei nas costas dela, que
soltou um grito. Foi um misto de dor e prazer tão grande, que seu ânus
apertou meu pau, quase me fazendo gozar.
— Assim! — ela chorava e ria e movimentou a bunda no meu pau,
que já pulsava, crescendo e crescendo.
Eu sentia minhas asas na carne dela e o sangue escorria nas costas,
mas aquilo não a assustava e ela nem pedia para parar, pelo contrario,
ela deseja mais.
Duas caudas saíram de mim, uma enfiou em sua boceta, que foi bem
recebida, sendo lambuzada pela intimidade molhada, e a outra levei até
seu pescoço, se enroscando ali, a fazendo gemer mais.
Empurrei tudo o que eu tinha, meu pau, minha cauda e minhas asas e
não parei de penetrar, sendo o monstro que ela queria que eu fosse.
Minhas mãos estavam presas em sua bunda, desferindo tapas que
fazia a pele tremer. Vênus gritava, gemia, chorava e desejava mais. Os
gemidos, o barulho dos nossos corpos se chocando podiam ser ouvidos
por todo o inferno, e aquilo me deixou com ciúme.
— Geme só para mim! — movi a cauda para sua boca e o som
abafado não parou.
Meu pau já estava pegando fogo e a segurei com um pouco mais de
força quase gozando. Ela não gozou, mas sentia sua boceta latejar na
minha cauda, igualmente seu ânus.
— Eu não aguento... — a voz saiu abafada. — Eu vou...
Ela não terminou de dizer, e seu gemido foi abafado pelo meu
rosnado, pois gozei junto com ela, sendo incapaz de segurar.
Ela estremecia e eu ia junto, tonto e suado em um nível que nenhuma
bebida poderia me deixar.
O corpo dela se deslizou para o chão, ainda de costas e caí ao lado
dela, tentando recuperar o meu fôlego.
— Você vai me matar um dia. — falei ofegante.
Ela riu, mordendo a unha.
— Demônios não podem morrer assim.
— Nunca estava escrito que não poderiam morrer pelo sexo. — ela
gargalhou e me virei para ela, pegando o resto do sorriso em seu rosto
suado e puta que pariu, que mulher linda. — Como você consegue
permanecer linda mesmo após ser fodida dessa forma?
Ela se moveu para o meu peito e apoiou a cabeça na mão, me
olhando.
— Como você consegue me arrastar para o abismo e despertar um
lado meu que eu não sabia que existia? — franzi o cenho e ela sorriu.
— Quando estou com você, eu quero ser ferida. Quero sentir dor,
porque a dor que você me causa me traz excitação. Me faz sentir viva.
Movi a minha mão para o rosto dela e levei o cabelo para trás da
orelha, acariciando seu rosto, sem tirar os olhos dela.
— Eu já disse que sou obcecado por você?
— Um milhão de vezes. — revirou os olhos.
— Um milhão e um agora. — ela me olhou de um jeito que jamais
tinha olhado, positivo e cheio de sentimento.
— Obrigada. — disse e franzi o cenho.
— Pelo que?
— Por ter ficado. — suavizou. — Tudo isso aconteceu por causa da
minha família. Se você for pensar, todas as coisas ruins que te
aconteceram, vieram por minha causa.
— Não diga isso. — fiquei ligeiramente irritado. — Você nunca foi o
problema, planetinha.
— Eu fui, e você sabe. — apertou os lábios. — Então, obrigada por
ter ficado quando todo mundo foi embora. Obrigada por me acolher,
por me escutar e principalmente por não desistir de mim.
Eu só queria por um segundo colocá-la em um lugar seguro e nunca
mais deixar com que ela fosse machucada. Ela estava me agradecendo,
mas eu e quem deveria agradecer. Mas, eu não sabia como.
Por isso, a única forma de demonstrar que eu me importava, era
beijando-a.
Capítulo final

Nos dias que se passaram, Vinci tomou a decisão de retornar ao


seu posto, entretanto, como rei. Eu não tinha conhecimento prévio
disso, mas percebi que sua intenção de ser rei encontrou uma forte
oposição. A dinâmica no inferno era semelhante à da Terra, com
política, oposição, conflitos de poder e lutas pelo trono sendo comuns.
Vinci teve que enfrentar várias facções que se opunham à sua ascensão
ao trono infernal. E acreditem, essas facções realmente existiam. Ele
começou a formar alianças com alguns dos demônios mais influentes e
persuasivos do inferno. Vinci também sabia que precisava garantir o
apoio das legiões infernais, pois o sucesso de seu reinado dependia do
controle sobre essas forças poderosas. Para isso, ele convocou uma
grande assembleia, na qual apresentou suas ideias de governo e propôs
reformas para melhorar a vida no inferno. Como eu disse, política.
Os últimos dias no castelo foram agitados e precisei dedicar um
bom tempo para decidir o que fazer em seguida. Ter me envolvido com
Vinci era uma coisa, mas permanecer no inferno era outra
completamente diferente. Eu sabia que ele tinha que ficar ali por mais
tempo do que em qualquer outro lugar, então decidi que era melhor ir
embora. Vinci permanecia sentado no trono ao me ouvir dizer isso, e
mesmo diante da situação séria, não pude deixar de notar como ele
parecia charmoso naquela posição.
— Voltar para casa? — ele perguntou.
— Sim. — confirmei. — Não tenho muito que fazer aqui, e você
está ocupado demais. Agora que a ameaça está neutralizada, pensei em
voltar e seguir a minha vida.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— É porque estar ao lado de um rei do inferno te assusta?
— Não! — respondi mais rápido do que esperava. Soltei um
suspiro e continuei: — Vinci, eu ouço as coisas por aqui. Sei que os
demônios estão comentando sobre uma humana caminhando pelos
corredores do inferno.
— Quem está dizendo isso? — perguntou, e vi seu semblante se
tornar ainda mais sério. — Diga-me quem e eu acabarei com eles.
— Não pode destruir todos que não gostam de mim.
— Posso sim! — afirmou, levantando-se e vindo em minha
direção. — Eu sou o rei, posso fazer o que quiser.
Eu sabia que ele tinha esse poder, e era isso que me assustava. Não
queria que ele percebesse o quanto aquilo me assustava, contradizendo
minha resposta anterior. Mas, Vinci era o rei e tinha muitas obrigações,
enquanto eu era apenas uma humana.
— Preciso resolver minha vida. — concluí. — Quero cursar
uma faculdade, arrumar um emprego e visitar meu irmão. Quero ter
uma vida normal agora que tenho essa oportunidade.
Ele franziu a testa e demonstrou desconforto. — Então, isso é mais
sobre mim do que sobre você. Demorei em entender onde tinha errado,
mas finalmente entendi.
— Não, Vinci…
— Quer saber. — ele me olhou com frieza. — Você está certa. O
inferno não é lugar para você, nunca foi. Ficar comigo seria perigoso.
E, claro, você tem sua vida humana lá fora. — voltou para o trono. —
Vou pedir para que Patrick te ajude lá, garantindo que não falte nada
para você. Tenho responsabilidades aqui, e já sabíamos desde o começo
que não daria certo. — frieza. — Foi bom até aqui.
— Está… — minha voz quase não saiu. Fui pega de surpresa. —
Está terminando comigo?
— Terminando? — ele soou cada vez mais frio. — Nunca
começamos nada, Vênus.
Fiquei atordoada com suas palavras. Parecia que todo o afeto e
proximidade que tínhamos compartilhado até então não tinham valor.
Eu sabia que Vinci era o rei do inferno e que suas prioridades eram
diferentes das minhas, mas isso não significava que ele não importava
para mim. De repente, uma conversa que parecia normal, minutos atrás,
terminou me deixando angustiada e chateada.
— Pensei que tínhamos algo especial. — odiei como minha voz saiu
enfraquecida.
— E tínhamos. — afirmou. — Mas, você decidiu me deixar, não eu.
— Eu não estou te deixando! — exprimi. — Eu só disse que queria
fazer o que eu não pude todo esse tempo!
— Ser normal. Foi o que disse, e eu, como um bom rei, estou te
deixando ser normal. — fez um aceno com a cabeça em direção a porta.
— Vai.
Como ele podia? Como ele conseguia ser tão frio daquela forma?
Um nó se instalou em minha garganta e não me permiti chorar.
— Se eu sair daqui assim, você nunca mais vai me tocar. — afirmei
e ele não se moveu. Ele não respondeu e assenti, mais nervosa do que
chateada. — Adeus, Asmodeus.
Virei às costas, saindo de sua sala e não ousei olhar para trás,
sabendo que aquele seria o nosso fim.
Tem coisas que não são para ser.
Durante todo o tempo que estive ao lado de Vinci, ele me protegeu
de ameaças e me apresentou a um mundo cheio de seres sobrenaturais.
Mas, no fundo, havia uma parte de mim que ansiava por uma vida
normal, longe dos perigos e das responsabilidades que vinham com a
posição de ser a companheira de um rei demoníaco.
Mas, mesmo que eu soubesse de todas aquelas coisas, eu ainda
imaginei que ele não fosse me deixar ir tão fácil quanto foi.
E de pensar que eu quase disse que o amava.
Foi um tempo curto naquele lugar, mas que eu jamais ia esquecer. Eu
sabia que estar longe de Vinci me deixava vulnerável, mas antes dele eu
já me virava e eu não ia morrer.
Eu tentava me convencer disso, repetindo para mim mesma que eu
era forte e capaz de lidar com qualquer situação. Mas por mais que eu
tentasse me convencer, uma parte de mim ainda sentia medo do
desconhecido.
Era estranho, como eu estava com muito mais medo do mundo lá
fora sem Vinci, do que qualquer coisa.
Eu estava acostumada a ser independente, a cuidar de mim mesma,
mas Vinci despertou em mim um sentimento diferente. Ele me mostrou
um lado meu que eu desconhecia. Era como se eu tivesse encontrado
uma parte de mim que estava adormecida, e eu precisava viver sem ele.
Ele te deixou!
Gritava minha mente. Sim, ele havia me deixado e eu não ia
implorar, mesmo que ele fosse um rei.
— Bem vinda novamente, senhorita. — disse Patrick, e apesar da
postura eu percebi um sorriso alado nele.
— Obrigada, Patrick. — encarei a mansão de Vinci e suspirei. —
Pode me esperar enquanto pego minhas coisas?
— Mas, o rei disse que ficaria na mansão.
— O seu rei não é o meu rei, Patrick. — fui rude, mas sem querer. —
Eu já volto.
Ele assentiu sem questionar e entrei na mansão, evitando que a
minha mente me traísse.
Entrei no quarto e comecei a juntar todas as minhas coisas em uma
pressa desnecessária, mas eu queria sair dali o mais rápido que eu
pudesse, pois as malditas lembranças de Vinci estavam por toda parte.
Eu queria me convencer de que eu não estava chateada pelo fato dele
ter me deixado, de que eu poderia viver muito bem, pois era o plano
desde o inicio. Porém, era quase impossível tirar aquele demônio da
minha cabeça.
Não vou voltar atrás, ele fez a escolha dele e eu fiz a minha. Se ele
gostasse mesmo de mim, ele respeitaria a minha decisão.
Peguei tudo o que tinha, coloquei na mala e desci as escadas
apressada, louca para ir embora dali.
Quando levei a mão na maçaneta, senti algo atrás de mim, como se
estivesse sendo observada por uma energia pesada.
Nada, não tinha nada ali.
Passei a mão em meu pescoço para cessar o arrepio e saí da mansão,
determinando que fosse a última vez que pisava naquele lugar.

Quando entrei na minha antiga casa, tudo o que eu pensei que


sentiria eu não senti. Pensei que ia ter lembranças, ou traumas ou
qualquer coisa que pudesse me faz desistir daquela ideia estupida de
ficar naquele lugar, mas não.
Eu pensei em Lua por uns dias, era verdade e talvez eu até tenha
pensado por mais tempo, mas eu não me sentia culpada por estar
naquela casa, e nem pensei em como seria se ela estivesse viva. Se eles
estivessem vivos.
Eu parei de pensar no “se” há muito tempo, pois eu não me sentia
mais a garotinha que precisava desesperadamente de pai e mãe. Aquela
criança que um dia fui, cheia de sonhos e expectativas, não existia mais.
Naquela casa vazia, eu percebia que as memórias do passado já não
me afetavam como antes.
A única coisa que eu pensava com ansiedade, era em Marte. Agora
que tudo estava bem, será que ele voltaria comigo ou ainda iria me
achar uma pessoa triste?
Eu não sabia.
Joguei-me no sofá e respirei fundo, vendo a poeira subir e acalmei a
minha mente.
Você está sozinha agora. Dizia.
Mas, eu já não era sozinha?
Não, eu não era. Apesar de todas as dores, eu tinha Marte, eu tinha
Charlie e eu tinha... Ele.
Olhando de onde eu estava, pensava que eu tinha muito naquela
época, e agora eu estava mesmo sozinha.
Eu tinha duas opções; Ou eu deixava com que a minha solitude
permanecesse bem do jeito que estava, ou eu preenchia aquele vazio
com novas pessoas.
Decidi que ia seguir adiante, sem mais.
Eu e Vinci havíamos sido alguma coisa. Alguma coisa muito boa e
intensa, mas nada dura para sempre.
— É isso, Vênus. — fiquei de pé, enchendo o peito de ar.
— Vamos nessa!
Alguns fins, também são começos.
Eu não era mais a humana dele.
Agradecimentos
Parabéns por ter chegado até aqui! Fico feliz que tenha decidido
continuar lendo. Antes de seguir em frente, gostaria de agradecer por
ter ficado até agora. Tenho certeza de que enfrentamos muitos
momentos emocionantes juntas.
Além disso, quero lembrá-lo de que esta é apenas a primeira parte do
livro. Se você tiver alguma dúvida ou curiosidade, não se preocupe,
pois algumas respostas estarão na segunda parte. E, por favor, não se
esqueça de deixar uma avaliação sincera sobre a obra. Caso não tenha
gostado, seria melhor não comentar, pois sou bastante sensível e esse
livro é como meu filho. Me esforcei muito para escrevê-lo, então peço
que seja gentil. Espero encontrá-lo em breve na leitura do segundo
livro.
Desejo a você um até breve!
Books By This Author
Deus Negro
Existe um lugar conhecido como o pior dos lugares que uma alma possa ser
levada, e esse lugar é o submundo. Eu sou uma sacerdotisa, e sei muito bem
que os deuses do submundo são criaturas perversas e que eu deveria me
manter longe deles. Mas, eu acabei sendo levada para o submundo, para
servir a um deus negro conhecido como Besta. Eu jamais imaginei que
pudesse me deitar nos lençóis dele e saborear a luxúria prazerosa que ele
tinha para dar. Estava fora dos meus limites e ensinamentos ser fiel aqueles
deuses, mas as coisas não saíram como planejei e conhecer aquele deus me
fez cair na lascívia e pecar, descobrindo que, pecados são mais prazerosos do
que eu imaginava.

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