Abraçada Pelo Fogo

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Copyright © 2024 Laís B.

Ferreira
Capa: L. A. Designer Editorial
Revisão: Deborah A. A. Ratton
Diagramação: J. V. Ratton
Ilustrações: Monique C. Crabi

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte desta obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na
lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
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Dedicatória

Às garotas que cresceram assistindo a filmes da Disney, preciso


atualizar: O príncipe encantado não está mais em cima de um
cavalo branco, está em uma moto preta bem grandona.
SUMÁRIO

Nota da Autora
Gatilhos
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo Extra
Agradecimentos
Nota da Autora
Olá, querido (a) leitor (a)! Estou aqui mais uma vez para
conversarmos. Gosto de ter esta conversa antes da leitura, para que você
entenda o propósito do livro que escrevi.
Sempre há um propósito.
Existe os que dizem que livros de romance são apenas histórias que
não acrescentam nada, mas certamente é uma mentira. Em todo romance há
um fundo de ensinamento, assim como este que está lendo agora.
Decidi escrever um enredo diferente desta vez, para mostrar que, no
mundo real, temos aflições, traumas, angústias relacionadas ao nosso
passado e dúvidas existenciais sobre o que é certo e errado. Mas, no final,
as coisas sempre dão certo se escolhermos o caminho da verdade para
seguir.
Quero te dizer que é humanamente impossível fazer tudo certo, ainda
que queiramos. Portanto, existe uma luta dentro de nós mesmos que, às
vezes, nos impede de viver o momento por medo de estarmos agindo
erroneamente.
Eu sei! O certo é… certo. Mas o errado tem aquele gostinho de certo,
não é?
É confuso e estressante.
Contudo, será mesmo que o errado é tão errado assim? E se, em
algum momento, ele se transformar em certo?
No livro de Eclesiastes 3:1 está escrito: “Há um tempo determinado
para tudo. Há tempo de chorar e tempo de rir; tempo de abraçar e tempo de
se afastar; tempo de amar e tempo de odiar; tempo de guerra e tempo de
paz.”, portanto, entenda que há um tempo de errar e acertar, também.
Não se cobre tanto, nem se pressione tanto!
Entenda, não é sobre o começo nem o meio do processo, é sobre o
final.
A personagem deste livro achou que estava errando, mas, por fim,
entendeu que era um acerto. Quem nunca passou por isso? Quem nunca
julgou alguém ou alguma coisa sem antes a conhecer realmente?
Quis trazer, nesta nova história, a personificação de nós mesmos, tão
falhos, preocupados, julgadores. Contudo, o que realmente espero é que o
final acalente seu coração e mostre que, não importa os caminhos que
tomou, o importante é ser feliz.
Você é feliz?
Tem tomado suas próprias escolhas, ou tem seguido o que outra
pessoa disse que é o certo?
Apenas se dê a chance de escolher o que vai te trazer felicidade.
Acredite, é libertador.

Laís B. Ferreira
Gatilhos
Este é um livro para maiores de dezoito anos!
Contém cenas explícitas de sexo, suicídio, agressão domiciliar,
assassinato, sequestro, abandono parental e infração de leis. Além de
assuntos relacionados a religião, com uso indevido da Palavra Sagrada e do
nome de Deus.
Se algum desses tópicos lhe causa gatilhos, não prossiga com a
leitura.
Lembrando que é apenas um livro e nenhum dos relatos é real, todas
as descrições são fictícias, partindo, assim, da imaginação da autora.
Caso você se sinta confortável em permanecer por aqui, desejo que
tenha a melhor experiência literária da sua vida!
Saio do velório da minha mãe com lágrimas nos olhos, sentindo-me
mais sozinha do que nunca. As pessoas que tenho ao meu lado agora são
corpos superficiais, que me amam da boca para fora. A certeza de que
amanhã não se lembrarão mais do meu sofrimento enche meu ser com
força.
Ela era tudo para mim, minha melhor amiga e companheira, a pessoa
que me ensinou tudo o que sei, e quem me apresentou o caminho de Jesus.
Moro no Texas, Estados Unidos, em um terreno grande e antigo, que
passou de geração em geração, até que Maya, minha falecida mãe, se
tornasse a proprietária da vez.
No mesmo espaço de terra, temos: nossa casa simples de cinco
cômodos, uma igreja enorme com lugar para aproximadamente quinhentos
membros e um cemitério onde a maioria dos meus antepassados estão
enterrados. Exatamente onde mamãe está agora, ao lado da minha avó.
Olho para a lápide de titânio e leio o que está escrito:
“Aqui descansa Maya Davis, uma mãe excepcional, filha exemplar e
pastora amada. Sua luz jamais se apagará e continuará nos guiando pela fé
em Cristo Jesus.”
Fungo, secando em vão mais lágrimas. Ela era mesmo tudo isso, além
de uma mulher guerreira, alegre e cheia de motivação para continuar
cuidando de todos que apareciam à sua frente precisando de ajuda.
Não posso mentir e dizer que sou uma adolescente cem por cento
devota ao que está escrito na Bíblia Sagrada, mas a bondade com a qual
mamãe tratava as pessoas acabou me contagiando e, em certo momento da
vida, pensei que queria ser como ela.
Maya era um exemplo de mulher para mim e espero que, um dia, eu
consiga ser pelo menos cinco por cento do que ela foi.
Dou as costas para as pessoas que choram diante de seu caixão
enterrado e caminho até a igreja que frequento desde a minha infância.
Respiro fundo ao me sentar no último banco e perceber que este ambiente
fica vazio demais sem ela. Não importa a quantidade de cadeiras cheias,
ainda parece oco.
Olhando em volta, eu me dou conta de que tive muitos dias felizes
aqui, neste lugar sempre tão lotado de pessoas diferentes, contudo, hoje,
estou completamente sozinha. E não digo isso pelo fato de estar com o
coração em frangalhos, é realmente literal.
Faço parte de uma família de sete gerações nascidas e crescidas na
igreja, todos foram pastores. Atualmente, nenhum vivo.
Sou a única que sobrou, aquela que deveria manter o legado e levar
adiante a palavra de Deus, mas, embora tenha muita fé, eu me sinto jovem e
inexperiente para ensinar um povo que procura por uma palavra de
conforto. Principalmente porque, neste momento, quem precisa de uma
palavra de conforto sou eu.
Olho em volta, observando a magnitude da igreja que minha família
construiu. O ambiente é amplo e aconchegante, com belos lustres e bancos
acolchoados; um altar com detalhes em ouro e caixas de som de última
geração. É mais bonito e arrumado do que minha própria casa, prova do
amor que a família sentia por este lugar.
Meus olhos ardem pelas lágrimas brotando e mordo o lábio inferior
em resposta. Sinto a falta dela, sinto tanto a falta dela!
Não faço ideia de como vou manter tudo isto, pois ainda tenho vinte
anos, o que quer dizer que, segundo a lei de maioridade do Texas, não sou
responsável por mim mesma. O regulamento diz que a idade mínima para
que um indivíduo tenha responsabilidade por seus próprios atos, obrigações
e direitos civis completos, é vinte e um anos. Ainda faltam cinco meses para
mim, portanto, enquanto isso, não posso nem ao menos morar sozinha.
Além de estar dilacerada com a perda da minha mãe, tenho a
preocupação de não saber o que vai acontecer comigo. Já terminei o ensino
médio, mas não ingressei em nenhuma faculdade ainda e, muito menos, em
um trabalho. Maya bancava toda a casa sozinha e me incentivava a estudar
os assuntos pertinentes à igreja, portanto não tenho dinheiro e nem parentes
que possam me ajudar.
— Oi, Ellie — Hugo sussurra ao sentar-se ao meu lado e afagar meu
ombro.
— Oi — minha voz soa parecida com um resmungo.
— Não é melhor ir para casa descansar um pouco?
Olho para minha casa através da janela lateral do templo e meneio a
cabeça negativamente. Ainda não tenho coragem de entrar lá, pois é tudo
muito recente. Foi ontem que encontrei mamãe morta em sua cama, e não
quero ter a sensação de reviver esse momento.
Somente de olhar a estrutura externa da simples residência, já me vem
à mente o que aconteceu, tão claro quanto se estivesse acontecendo agora:
Perdi o sono um pouco antes das seis horas da manhã. Levantei-me,
tomei um banho rápido e coloquei uma roupa simples para ficar em casa.
Em seguida, eu me ajoelhei à beira da cama e orei a Deus, assim como
tenho costume de fazer sempre que acordo. Agradeci o novo dia e me
mantive mais alguns minutos conversando com Ele.
Quando me levantei, fui à cozinha e coloquei a água do café para
ferver. Enquanto isso, dei uma espiada pela janela. Alguns dos irmãos da
igreja já estavam lá, limpando e deixando tudo preparado para o culto que
aconteceria à noite.
Decidi dar uma olhada na minha mãe. Ela sempre acordava cedo e
gostava de cumprimentar as pessoas que entravam no nosso terreno para
cuidar do templo.
Estranhei vê-la ainda dormindo no quarto escuro, então deitei-me em
silêncio ao seu lado e a abracei, com a intenção de despertá-la. Sua pele
estava gelada, mesmo que estivesse coberta até o pescoço.
— Mamãe? — chamei-a em um sussurro. — Já estou preparando o
café.
Não houve resposta.
Fiz um carinho em seu cabelo e a chamei novamente.
— Mamãe? Vamos acordar? Alguns irmãos já estão lá na igreja,
vamos cumprimentá-los?
Nada.
Insisti mais um pouco, porém não tive êxito. Levantei-me e caminhei
até o interruptor, onde acendi a luz e a fitei. Seu rosto estava pálido e seus
lábios, arroxeados.
Meu coração bateu descompensado com a cena e faltou ar em meus
pulmões. Alguma coisa estava errada, seu sono costumava ser leve.
Aproximei-me outra vez e puxei o cobertor descobrindo-a. Então,
segurei seu rosto e chamei mais alto.
Quando a soltei, sua cabeça caiu para o lado, sem força alguma.
Resistindo a entender o que estava acontecendo, corri até o templo,
ao lado da minha casa, e gritei a plenos pulmões pelos irmãos.
Depois desse momento, tudo virou flashes doloridos e cheios de
angústia.
Mamãe infartou enquanto dormia, porém, alguns comprimidos de
remédios que eu nunca tinha visto foram encontrados caídos embaixo da
cama.
Seu corpo passou por uma perícia antes do enterro e, agora, espero
pelo resultado para entender o que realmente houve com ela.
Quero pensar que Deus a levou porque era boa demais para
permanecer na Terra com tantas pessoas pecadoras, mas, ao mesmo tempo,
sinto que Ele jamais seria tão injusto a ponto de levá-la e me deixar à deriva
como estou agora.
— O que posso fazer para que se sinta melhor? — Hugo pergunta.
Ele é alguém especial para mim. Sua família sempre foi unida à
minha, e criamos uma bela amizade desde a infância. Hoje em dia, somos
algo mais do que amigos, como namorados em desenvolvimento.
Nunca nos beijamos ou nos tocamos de maneira sexual, mas todos à
nossa volta nomeiam nosso relacionamento como algo privado. Então,
ninguém mais pode me pedir em namoro, porque Hugo já me tem, e vice-
versa.
Há aproximadamente três anos, tivemos uma conversa sobre isso e ele
mencionou que me amava e queria ter uma vida ao meu lado. Na igreja,
porém, as coisas não são tão fáceis assim, precisamos da confirmação de
Deus para começarmos um envolvimento amoroso. Estamos orando desde
então, esperando pelo sinal divino.
— Nada vai me fazer ficar melhor agora.
— Sinto muito por isso, Ellie. Sinto mesmo! — Então me abraça.
Retribuo o gesto, respirando fundo e sentindo seu cheiro adocicado.
Hugo costuma ser bem amoroso e educado; na escola era o melhor
aluno e, na igreja, é um obreiro e tanto, está sempre ajudando com o que
pode. Tenho certeza de que será um grande homem, pois seu coração é
incrivelmente generoso.
— Não sei o que vai ser de mim, Hugo — sussurro sem forças.
— Podemos resolver isso. Talvez… Talvez você possa morar comigo.
O que acha? Meus pais, com toda certeza, te aceitariam conosco.
— Pela lei, eu teria que morar com alguém da minha família.
— Mas você não tem ninguém…
Fico em silêncio, pensativa, com a cabeça encostada no ombro dele.
Sei que, em algum lugar deste mundo, está o meu pai. Contudo, ele
me abandonou quando eu ainda era apenas um feto indefeso, certamente
que não poderei contar com sua paternidade agora.
Pelo que mamãe me contou, ele era um homem muito bonito e
galanteador. Tiveram um breve envolvimento amoroso e logo descobriram
sobre a gravidez. Minha avó, ainda viva na época, disse que deveriam se
casar, ou o escândalo entre os membros da igreja seria enorme, mas, antes
que acontecesse, houve uma traição da parte do meu pai.
Segundo a palavra de Deus, aprendemos que traição é um motivo
plausível para que o relacionamento não prossiga, então foi isso que
aconteceu. Mamãe disse que não aceitaria manter o envolvimento dos dois
e ele foi embora deixando nós duas para trás. Eu nem era nascida ainda,
portanto não tenho nem o registro paterno na certidão de nascimento. Meu
sobrenome é somente da parte da minha mãe: Ellie Davis.
Não a julgo pelo envolvimento amoroso sem a permissão de Deus,
ainda era nova e estava à flor da pele, depois se arrependeu e aprendeu com
seus erros. Contudo, tenho uma mágoa muito grande do meu pai pelo
desprezo.
Mesmo com a separação, ele não precisava ter me deixado. Que tipo
de pai abandona um bebê que nem nasceu?
Sempre fui isso para ele: um nada.
Maya só precisou me contar essa história uma única vez e nunca mais
perguntei sobre o homem. Nem mesmo sei como é sua aparência, ou seu
nome. O que alimento é a imaginação de alguém sem escrúpulos e
irresponsável.
Não posso reclamar da minha criação, pois nunca me faltou nada, e
mamãe sempre esteve presente em todos os momentos. Mesmo assim, vez
ou outra, imagino como teria sido minha vida se ele tivesse permanecido.
Fiquei sabendo que não gostava da igreja e que se recusava a aparecer nos
cultos, por isso nunca o viram na congregação. Esse é mais um dos motivos
para que eu não queira nem saber quem ele é. Aprendi que um homem que
se preze precisa, primeiro, amar a Deus e, em segundo lugar, sua esposa.
Obviamente que sou tão pecadora quanto os outros seres humanos
deste planeta, mas procuro, através dos ensinamentos bíblicos, seguir
sempre pelos caminhos corretos. E toda essa história do meu pai só me fez
ter certeza de que não se pode ter relacionamentos antes do casamento,
principalmente quando há vontade sexual envolvida. Isso é pecado, um
pecado muito grande.
— Você pode dormir esta noite lá em casa para não ter que ficar
sozinha — Hugo diz, despertando-me dos pensamentos longínquos.
— Está bem — concordo.
Nunca dormi na casa dele, mas vejo como minha única opção no
momento. Porém, de forma alguma, dormiremos na mesma cama. O culto
da noite é cancelado por conta do falecimento da pastora Maya. Todos estão
em luto, e ninguém tem forças suficientes para ficar sorrindo enquanto
prega a palavra de Deus. Por isso, Hugo me ajuda a separar algumas roupas
para levar à sua casa e partimos em seguida.
Passamos o restante da tarde em completo marasmo, eu fico com o
coração cada vez mais apertado e dolorido e ele tenta, em vão, me consolar.
A hora do jantar chega, o que parece ser dias depois, tamanha
demora, e toda a família se reúne à mesa. O clima fica péssimo, pesado, e é
difícil sustentar qualquer conversa.
Os pais de Hugo, Rose e Abner, eram muito amigos da minha mãe, e
a ajudavam muito na igreja, pois também são pastores. Sei que jamais me
deixariam à deriva, então aqui é um lugar onde posso me sentir em casa.
Dou a primeira garfada em minha comida e mastigo por longos
segundos, presa na imagem da minha mãe no caixão. Ela tinha apenas
quarenta e sete anos, eu não imaginaria perdê-la agora.
— Ellie, querida, percebi que nem tocou em sua comida ainda —
Rose diz. — Não gostou do frango?
— O frango está delicioso. Só não estou sentindo muita fome.
— Entendo… Você deve estar se sentindo inconsolável agora, não é?
Olho em seus olhos por um instante e concordo, os meus se enchendo
novamente.
— Estamos aqui por você — ela lembra, firme, o que aquece um
pouco o meu coração.
— Tudo irá se resolver, tenho certeza — Abner diz tentando acalmar
a situação. — Estaremos aqui para o que precisar. Você sempre fez parte da
nossa família.
— Obrigada — respondo, grata.
Pronta para enfiar mais uma garfada de comida na boca, paro ao ouvir
a campainha.
— Quem deve ser a esta hora? — Hugo estranha.
— Não faço ideia, meu filho. Deve ser alguém querendo dar os
pêsames à Ellie.
— Se for para mim, por favor, diga que não estou bem para receber
ninguém.
— Claro, querida.
Rose se levanta e caminha até a porta. Assim que a abre, escuto
alguém chamando pelo meu nome. Um silêncio ensurdecedor toma conta
do ambiente logo em seguida, até que ela volta ao nosso encontro e diz:
— Ellie, tem alguém querendo falar com você.
— Você disse que não quero falar com ninguém agora?
— Infelizmente não pude fazer isso, é do Conselho Tutelar.
Eu me dou conta, neste exato momento, de que minha vida está
prestes a mudar, contudo tenho certeza de que será para pior.
Estou dentro de um avião indo para Liechtenstein, um dos menores
países do continente Europeu, que fica entre a Suíça e a Áustria. Ele tem
somente 25 km de extensão, o que significa que é possível atravessar o país
inteiro andando em apenas duas horas, ou de carro, em meia hora.
No tempo que tive, apenas alguns dias, pesquisei brevemente sobre o
lugar, pois nunca tinha ouvido falar, e descobri que é um país rico, com
pouquíssimos moradores e sessenta mil vezes menor do que os Estados
Unidos.
É um principado, o que quer dizer que há um príncipe comandando
tudo. Acho isso bem arcaico, mas, pelo que assisti em vídeos, o povo está
adaptado e gosta da maneira como é.
Outro ponto estranho, a meu ver, é que vários castelos medievais
enfeitam o país, assim como paisagens alpinas e aldeias com muitas árvores
e animais, como se fosse uma grande fazenda dos anos mil e quatrocentos.
Não acho ruim, só é diferente do que estou acostumada a viver no
Texas. É incomum saber que vou me mudar para um lugar com cenário de
filmes da Disney. Em outro momento, se eu estivesse com minha mãe, por
exemplo, diria estar vivendo um grande sonho de princesa. Mas, como as
coisas estão acontecendo de uma maneira tão detestável, não me sinto nada
feliz por estar aqui, agora.
O Conselho Tutelar ficou sabendo sobre a morte de mamãe e que,
consequentemente, acabei ficando sozinha. Não faço ideia de como
tomaram conhecimento tão rápido do meu paradeiro, mas imagino que
alguém deva ter feito uma denúncia. Não tenho em mente quem poderia ter
feito uma crueldade tão grande dessas comigo.
Tive que arrumar minhas malas e partir dentro de poucos dias,
deixando tudo para trás. E o pior de toda essa situação é que conseguiram
encontrar meu pai, entrando em contato para avisá-lo sobre os últimos
acontecimentos.
Também não faço ideia de como conseguiram encontrá-lo.
Agora, estou indo para a casa do cretino que me abandonou e nunca
quis ter o mínimo contato comigo. Não faço ideia de como será minha
reação ao vê-lo, mas acho que vou querer xingá-lo de todas as palavras
torpes que existem neste mundo, mesmo que isso faça Deus ficar chateado
comigo.
Não sou de ferro.
Cada segundo que passo neste voo me faz ficar mais irada com tudo o
que está me acontecendo. Não quero morar com alguém que me rejeitou,
não quero me mudar para um país diferente, com pessoas que não conheço,
falando uma língua que nunca pensei em aprender. Não suporto a ideia de
ficar longe da igreja, de Hugo e dos meus amigos. Odeio ser menor de
idade, segundo a lei do Texas, e ainda ser dependente de outras pessoas.
Em Liechtenstein, já sou considerada maior de idade, mas de que isso
vale se nem ao menos quero morar aqui?
Tudo o que quero é fugir, me esconder por um tempo, até completar
meus vinte e um anos e voltar para casa, para minha vida. A vida que
roubaram de mim.
Eu já não tinha quase nada e fizeram questão de me tirar tudo o que
me sobrava.
Sinto meu peito se apertar e meus olhos se inundarem de lágrimas.
Deus, por favor, me ajude. Não quero ir para a casa desse homem
que dizem ser meu pai, não quero! Como o Senhor pôde ter levado minha
mãe e ter me deixado sozinha? Onde errei? Quando fui tão má a ponto de
merecer isso?
Lágrimas começam a escorrer por minhas bochechas e soluços tomam
conta de meus lábios. Estou tão infeliz que chega a doer.
Fui abandonada e castigada pelo único que achei que me amasse de
verdade: Deus.

Desço do avião com as vistas embaçadas de tanto chorar. Com a ajuda


de uma funcionária da linha aérea, sou direcionada ao saguão de
desembarque, após cumprir formalidades relativas ao controle de
imigração, onde identifico minhas malas em uma esteira rotativa.
Pego meus pertences e aceno positivamente para a moça que me
acompanha. Ela fala minha língua, inglês, mas com um sotaque bem
diferente, o que me deixa confusa.
Em silêncio, seguimos até um lugar amplo, parecido com um saguão.
É aqui que ela me pede para esperar até que meu responsável chegue.
Demora em média quinze minutos até que um homem apareça
segurando uma placa com meu nome escrito. Inicialmente, finjo que não é
comigo, só para ter mais tempo para analisar seu porte.
Ele é forte e alto, tem os cabelos castanhos, porém com alguns fios
grisalhos, e olhos verdes exatamente como os meus. Seu rosto é um pouco
esticado, como se tivesse feito algumas sessões de botox nas linhas de
expressão, o que o torna mais jovem do que provavelmente é, e se veste
como um milionário. Não é possível que seja meu pai, nunca o imaginei
desta forma.
Após analisar o perfil completo do homem, começo a andar em sua
direção. Ele me percebe e aguarda pela minha aproximação.
Quando estamos um de frente para o outro, nós nos olhamos
profundamente. Sou muito mais baixa e o encaro com uma expressão de
poucos amigos, enquanto, com olhos atentos, me analisa como se estivesse
prestes a dizer alguma coisa.
— Ellie? — a voz grossa e masculina soa.
— Infelizmente — respondo, com a cabeça erguida.
— Eu sou… — Ele solta um pigarro, indeciso, ainda me olhando
fixamente. — Eu sou o Kenneth, seu pai.
— Eu não tenho um pai.
— Eu…
— Como pode dizer que é algo meu? Você é apenas um estranho para
mim.
Eu e mamãe pouco falamos sobre meu pai durante os últimos vinte
anos, portanto nem mesmo seu nome eu sabia. Nos mínimos momentos em
que tocamos no assunto, ela o chamava de Cringe, mas sempre soube que
esse não era o nome verdadeiro do homem, mas sim um apelido. Cringe
significa desgosto.
Finalmente, ele desvia nossos olhares, desconfortável.
— Ok, não vou tirar sua razão de estar nervosa. Poderemos conversar
depois sobre tudo.
— Não quero conversar com você. Se eu não fosse obrigada a vir até
sua casa, com certeza continuaria sumido.
Ele apenas balança a cabeça positivamente.
— Sim, eu estaria… — sussurra consigo mesmo. — Vamos, Ellie.
Tenho vontade de batê-lo, mas, com toda certeza, eu quebraria meus
dedos em contato com seus músculos.
Então, pega uma das minhas malas e se vira, fazendo menção para
que eu o siga. Respiro fundo e faço exatamente isso, nervosa.
O clima aqui é abafado e quente. Assim que saio do aeroporto, olho
atentamente à minha volta e percebo o quanto o lugar é bonito, muito
diferente do que estou acostumada a presenciar no Texas. As ruas são
limpas, as pessoas se vestem como se estivessem indo ao shopping e os
carros são de modelos que nem sequer já vi, todos incrivelmente bonitos e
caros.
Sigo o homem que se intitulou meu pai até uma BMW azul-marinho.
Seu design parece o de uma nave espacial. Ele acomoda minhas bagagens
no porta-malas enquanto observo calada, depois dá a volta e abre a porta do
passageiro para que eu entre.
Caminho até a porta traseira do carro e entro, deixando-o para o lado
de fora. Com uma postura inabalável, vai até o lado do motorista e entra,
dando partida no automóvel.
— Você tem sardas — diz, após um momento de silêncio.
— Bem observado. — Cruzo os braços, debochada.
— São muito bonitas — comenta, olhando-me pelo retrovisor. Não
respondo nada, então continua: — Você gosta de ouvir músicas?
— Finja que não estou aqui, por favor.
— Não posso fazer isso.
— Você fingiu esse tempo todo, não vai ser difícil permanecer dessa
forma.
— Maya não te ensinou que se deve respeitar os pais?
Solto uma risada alta, que o assusta.
— Sim, por isso respeitei minha mãe até o último dia de vida dela.
Infelizmente não tenho mais pais, então isso não se aplica a mim.
— Pelo visto você tem o gênio da sua mãe.
— Já estamos chegando? — tento mudar de assunto.
— Sim, estamos próximos.
Percebo que continua me olhando pelo retrovisor e disfarço, virando-
me para a janela. A paisagem é a mais bonita que já vi em toda a minha
vida. Parece que estou dentro de um cenário de filmes.
Vários minutos depois, sinto que o veículo está diminuindo sua
velocidade e vejo que estamos nos aproximando de um portão gigante e
branco, com desenhos em ferro. Assim que se abre, nós atravessamos com o
BMW e passamos por um jardim enorme, maravilhosamente bem cuidado.
Há flores de diversas cores, uma mais charmosa do que a outra, e árvores
redondas com frutos, como se alguém as tivesse podado para ficarem todas
do mesmo jeito.
Seguimos pelo único caminho de asfalto até chegarmos a um chafariz
jorrando água para cima. Um outro homem vestido de terno nos encontra e
abre a porta para que eu desça. Boquiaberta, olho para cima e me deparo
com uma mansão branca, do tipo em que só imaginei príncipes e princesas
morando.
— Esta é a sua casa? — pergunto ao que nos trouxe até aqui.
— Nossa casa — me corrige.
Uma tristeza indescritível me toma. Eu e minha mãe nunca passamos
necessidade, contudo o local onde morávamos não chega nem aos pés deste
lugar. Sinto-me pequena demais ao perceber que meu suposto pai sempre
teve condições financeiras e nunca apareceu nem ao menos para perguntar
se estávamos precisando de algo. Como pôde ser tão ruim, tão insensível?
Jamais me sentirei em casa aqui, jamais vou gostar de todo este luxo,
porque só me lembra o quanto deixei de ser amada por alguém que deveria
ter me amado.
— Permita que Joseph leve suas malas ao seu quarto, quero te mostrar
a casa enquanto isso.
Ele começa a andar e eu o sigo, em silêncio, atenta a tudo que se
passa à minha volta.
Primeiro, conhecemos o lado externo da residência. O cheiro
adocicado das flores é notório e relaxante. Sempre gostei da natureza,
portanto me sinto bem aqui fora, em uma paisagem tão elegante e ampla.
Há arvores de diferentes tamanhos e cores, e o chão é completamente
coberto por uma grama bem verde e saudável.
Na parte de trás, há uma piscina enorme, com várias espreguiçadeiras
e mesas ao redor. Ao canto, identifico um ofurô vazio e um ambiente com
churrasqueira.
Mais um pouco adiante, vejo árvores ainda maiores, com dois
balanços de madeira pendurados por cordas.
— Esta é a área de lazer, você pode ficar à vontade para usar quando
quiser.
Finjo que não o ouço e permaneço observando os belos detalhes.
— Lá embaixo é um lugar onde os funcionários costumam ficar, mas
você também pode descer quando quiser.
Caminhamos por alguns longos minutos até que eu aviste uma cabana
bem charmosa, com vários troncos de árvores empilhados.
— Aqui, plantamos todas as frutas, legumes e saladas de que
precisamos — explica apontando para uma horta gigante, onde alguns
homens trabalham. — E ali, naquela cabana, guardamos utensílios para o
trabalho, como, por exemplo, ferramentas. É lá que colocamos os troncos
que cortamos, também.
Meneio a cabeça positivamente, ainda atenta.
Nunca vi um ambiente tão espaçoso na vida.
Andamos por mais alguns minutos, até atravessarmos a extensa área
de hortas, e chegarmos a um espaço rodeado por uma cerca de madeira e
fios de aço.
— Aqui é onde ficam nossos animais. Temos porcos, vacas, bois,
galinhas, patos, cavalos, entre outros. Você pode vir até aqui com mais
calma quando quiser. Por acaso gosta de animais?
— Gosto — respondo com a expressão fechada.
— Ótimo, tenho certeza de que vai curtir muito conhecer nossos
bichinhos. À direita, mais lá para baixo — aponta —, temos um lago bem
grande para pesca. Já pescou alguma vez?
— Não.
— Posso te ensinar qualquer dia desses, é bem tranquilo…
— Pare! — peço. — Pare de ficar puxando assunto comigo quando a
única coisa que quero é ficar longe de você. Não tente ser legal agora, teve
vinte anos de chance para isso!
Olhando-me, balança a cabeça positivamente. Acho estranho como
parece ser uma pessoa tão calma. Sempre o imaginei um homem bruto,
mulherengo e dependente de outras pessoas, financeiramente falando. Este
que está à minha frente não só tem uma mansão, como se veste de uma
maneira impecável e se comporta como se fosse um lorde.
— Bem… — Solta um pigarro. — Agora que já sabe mais ou menos
como é nossa área externa, vamos entrar em casa. Vou te mostrar seu
quarto.
Subindo o gramado mais uma vez, avisto a mesma cabana de antes.
Ouço um barulho vindo de sua direção, mas não consigo reconhecer o que
é.
Quanto mais nos aproximamos, maior fica o barulho. Parece-me que,
junto com batidas, ouço gemidos.
Atravessando a estrutura, vejo um homem vestido com um macacão
sem mangas e, nos pés, botas pretas. Seus braços descobertos são
inteiramente tatuados.
Não cruzamos olhares, mas identifico que o barulho vem dele, pois
está dando machadadas em um tronco de árvore e suas investidas são tão
fortes, que breves gemidos escapam por entre seus lábios.
Antes que o tronco da árvore caia, o homem de macacão arruma a
postura e lhe dá um chute, o que a faz despencar de uma só vez. Ele é forte
e parece estar despejando sua raiva na pobre natureza.
Eu me assusto com o barulho estrondoso e arregalo os olhos em sua
direção, espantada. Isso o faz me olhar, mas é um olhar de desdém, como se
minha presença fosse completamente insignificante.
Suas íris são claras, não identifico se verdes ou azuis, porém tão
profundamente intensas, que quase as sinto em minha pele arrepiada. O
rosto é anguloso, com nariz chamativo e queixo quadrado. Suas maçãs
marcadas lhe dão uma expressão pesada, como se estivesse com raiva.
As tatuagens sobem por seus braços torneados e tomam toda sua pele
até o pescoço, onde começam a desaparecer entre os cabelos curtos.
Só consigo respirar quando desvia o olhar com o mesmo desdém de
antes, continuando seu trabalho como se nem ao menos tivesse me visto.
Penso que deve ser um dos funcionários da casa, mas certamente está
descontente, pois é o que mostra em sua expressão de desgosto.
Dentro da mansão, fico perdida em pensamentos. Cada cômodo que
visito me surpreende mais. Todos os móveis, objetos e decorações são
incrivelmente belos. Nunca imaginei que chegaria perto de itens tão
deslumbrantes.
Logo no térreo, a única ordenança que Kenneth me dá é de que eu não
entre em seu escritório, pois é lá que guarda materiais importantes de seu
trabalho. Segundo ele, são documentos de clientes. Para não alimentar
minha curiosidade, abre a porta e me mostra o local. Há apenas paredes
cobertas por armários, livros e pastas, uma mesa larga e comprida, além de
uma poltrona em couro preto.
— Quero que se sinta à vontade em qualquer lugar da casa — diz —,
mas gostaria que não entrasse aqui, pois é meu local de trabalho e zelo
pelos documentos que preciso guardar.
Não me dou ao trabalho de responder, apenas dou de ombros. Eu nem
queria estar aqui, por que entraria em um escritório que não tem nada a me
oferecer?
Após conhecermos tudo no primeiro andar, subimos de um em um,
até o último, onde há somente um quarto, o do casal. Fico boquiaberta com
o tamanho e me pergunto por que alguém precisa de um lugar tão grande
para, somente, descansar à noite.
Depois descemos e retornamos ao terceiro andar, lugar no qual sou
guiada até uma porta que não havíamos aberto ainda.
— E aqui fica seu quarto.
Quando fiquei sabendo que moraria com meu pai, o que me veio à
mente foi que nem ao menos teria um quarto reservado para mim, portanto
me espanto quando conheço o cômodo que chamarei de meu pelos
próximos meses.
É grande, bonito e delicado. As paredes são pintadas de rosa-bebê, e
todos os móveis são brancos. O guarda-roupa ocupa uma parede inteira e
possui puxadores na cor rose-gold. A cama é de casal e fica de frente para
uma televisão enorme.
— Esta porta — ele aponta para o guarda-roupa — é uma entrada
disfarçada para seu banheiro. E estas duas dão acesso ao seu closet.
Tento não demonstrar, mas estou completamente maravilhada com o
que Kenneth acabou de me mostrar. O guarda-roupa, na verdade, são
passagens para um banheiro enorme com banheira e um closet com espaço
de sobra para guardar uma quantidade de roupas que jamais terei.
— Você pode não acreditar, mas estou feliz por você estar aqui, filha.
— Não me chame assim — corto-o, rude.
— Está bem… — Ele olha em volta e suspira. — Sinta-se à vontade,
tudo o que tem aqui, nesta casa, também é seu. Sei que talvez você não
queira se entrosar com a família agora, mas peço que, por favor, esteja
presente no jantar. Nós costumamos nos reunir e comer juntos todas as
noites. É uma regra que colocamos para que continuemos unidos,
independentemente do tamanho da casa.
Solto uma risada incontida.
— Você é uma piada.
O olhar que lança para mim é sério, mas nada sai de sua boca,
somente uma breve despedida quando decide sair do quarto.
— Já sabe onde meu quarto fica, pode me chamar a hora que quiser.
Sozinha, dou mais uma olhada em tudo, com os olhos quentes pelas
lágrimas.
Deus, cadê o Senhor agora? Por que fizeste isso comigo?
Ajoelho-me no chão e aproveito para derramar minhas lágrimas
diante de Deus, em uma oração sincera, em que digo o quanto estou infeliz
com tudo o que está me acontecendo.
Sinto falta da minha mãe.
Estar aqui parece ser uma traição com sua pessoa. Não posso me
afeiçoar a este lugar e a essas pessoas, isso a magoaria demais. Por isso,
prometo a mim mesma que, quando eu fizer vinte e um anos, voltarei para
minha casa e vida nos Estados Unidos.
Enquanto eu estiver aqui, irei me preparar para cuidar da igreja que
deixei para trás e amadurecer a ideia de firmar um relacionamento com
Hugo, que ficou péssimo com minha partida e prometeu que me esperaria
até que eu voltasse.
Deixei a chave da minha propriedade com seus pais, pois também são
pastores e confiáveis para cuidar de tudo enquanto não volto. Rose e Abner
eram muito amigos da minha mãe e sempre estiveram ao lado dela, por isso
ficaram felizes em seguir com a obra até meu retorno. Sou imensamente
grata a eles por isso.
Choro até que todas as minhas lágrimas sequem, depois ando mais
um pouco pelo quarto, observando alguns outros detalhes. Gosto de rosa-
bebê, acho que combina bastante com minha personalidade.
Abro a enorme porta de vidro que dá acesso a uma sacada e saio para
ver a bela vista. Meu quarto fica para os fundos da casa, por isso consigo
ver ao longe a cabana e a horta.
Avisto o funcionário tatuado subindo o gramado em direção à
mansão, passando a mão nos cabelos suados. Percebo que tem tatuagens até
mesmo nos dedos.
Batidas na porta me despertam da vista e me viro para receber a visita
indesejada.
— Quem é? — pergunto.
— É a Amelia — uma voz feminina soa. — Posso entrar?
Com o cenho franzido por não saber quem é Amelia, concordo que
entre.
Um segundo depois, uma mulher de beleza chamativa me olha com
um sorriso sem graça nos lábios rosados. Seus cabelos compridos são
castanho-claros e brilham nas ondas que descem até sua cintura. Os olhos,
envoltos por cílios longos, são verdes e delicados, assim como suas roupas
elegantes.
— Ellie, não é? — pergunta, cautelosa.
— Sim. E você, quem é?
— Sou esposa do seu pai. Estava fora resolvendo algumas questões e
acabei de voltar, por isso vim me apresentar agora. Gostou do seu quarto?
— Gostei, sim. — Engulo em seco.
— Que bom. — Ela abre um sorriso mais bonito desta vez. — Fiquei
sabendo sobre o que aconteceu com sua mãe e sinto muito mesmo, Ellie.
Saiba que estou à disposição se quiser conversar com alguém. Sempre quis
ter uma filha e acho que nos daremos muito bem.
— Desculpe, Amelia, mas acha mesmo que um dia poderei te ter
como mãe? Agradeço a disposição de vir se apresentar e dizer que está
disponível para conversar, mas não estou em condições para isso. Minha
mãe sempre será a única em minha vida, ninguém jamais tomará o lugar
dela.
— Eu não quis dizer que tomaria o lugar dela, apenas…
— Foi um prazer te conhecer — eu a corto. — Posso ficar sozinha
agora?
— Claro — responde cabisbaixa. — Te vejo no jantar.
Então ela passa pela porta e a fecha. Eu me viro novamente para a
grade da sacada, respirando fundo. Lá embaixo, o funcionário tatuado está
parado me olhando, com as sobrancelhas franzidas e a expressão raivosa.
Não sustento nosso olhar e entro para o quarto novamente, deitando-
me em minha cama e olhando para o teto.
Odeio tratar as pessoas mal. Na maioria das vezes, mesmo que eu
esteja certa, acabo pedindo desculpas para não permanecer em uma situação
desagradável. Mas estou tão machucada por ter perdido a única pessoa que
eu tinha, que acabei me enchendo de rancor.
A Bíblia diz que não devemos ser rancorosos, e pensar que estou
desobedecendo a Deus me faz querer correr atrás de Amelia e pedir perdão.
Desculpe-me, meu Deus, por ser tão pecadora.
Fico horas deitada e acabo pegando no sono. A viagem foi cansativa e
meu psicológico está completamente abalado, portanto, neste momento,
dormir é melhor do que permanecer acordada.
Talvez tenha sido a mudança de fuso horário, mas acho que acabo
passando tempo demais na cama. Quando acordo, percebo, pela porta de
vidro que esqueci aberta, que o céu está escuro e estrelado. A brisa fria toca
meu corpo, arrepiando-o por completo.
Levanto-me, sentindo dores que refletem meu cansaço, e caminho até
a porta.
A casa está silenciosa e há somente algumas luzes fracas e amareladas
acesas no corredor para inibir a completa escuridão.
Meu estômago ronca, passei o dia todo sem comer e acho que não
aguento voltar a dormir com esta fome.
Quieta, caminho até a cozinha, sentindo um medo esmagador de ser
pega. Não importa se me disseram que esta casa também é minha, ainda não
sinto que é verdade. Parece que estou invadindo a propriedade de alguém.
Demoro a achar o cômodo certo, pois a casa é gigante e, com a
escuridão, tudo fica mais difícil.
A única coisa que escuto são meus passos e meu coração batendo
forte no peito. Nunca pensei que ir a uma cozinha pegar algo para comer
fosse parecer tão errado quanto está parecendo agora.
Acho essas luzes bonitas, trazem um charme a mais à mansão e
diminuem, mesmo que pouco, o receio que tenho de que alguém me
encontre. No completo escuro, seria ainda pior.
Entro na cozinha e me dirijo à geladeira, abrindo-a. Ela é grande, com
duas portas laterais em inox, abastecida com coisas aparentemente gostosas
que nunca vi enquanto morava no Texas.
Os rótulos são escritos em alemão, portanto não entendo uma única
palavra sequer. Sinto-me perdida. Abro um pote achando que poderia ser
manteiga, mas, na verdade, é algo muito parecido com gordura. Guardo-o
novamente e mordo o lábio inferior. Não conheço nada do que há aqui.
Talvez haja um simples pão em algum dos armários, penso, fechando
a geladeira.
Meu coração quase sai pela boca quando, atrás da porta de inox, me
deparo com o funcionário tatuado encostado casualmente no balcão.
Seu semblante é assustador, principalmente à luz amarelada. Ele está
vestindo uma regata branca, deixando à mostra as tatuagens que sobem
desde os dedos até o pescoço. Seus braços são fortes e delineados, e as íris
azuis, completamente assombrosas.
Pouso a mão no peito, respirando mais rápido do que o normal.
— O que está fazendo aqui? — meu tom sai fino, cheio de medo.
— Está assustada, Sardenta? — sua voz é grossa e possessiva,
fazendo minhas entranhas atuarem de maneira estranha em meu interior.
— Acho que você não deveria estar aqui — gaguejo, paralisada.
Ele é muito maior do que eu e possui um rosto anguloso, marcado
pelas sombras que a luz produz.
— Que coincidência, penso o mesmo sobre você.
Meu Deus, me ajude, este homem deve ter invadido a casa enquanto
todos dormem. Me livre, Senhor, me livre das coisas ruins que ele está
pensando em fazer comigo.
De maneira atroz, o homem me olha por um instante, em silêncio,
enquanto peço misericórdia a Deus em pensamentos. Depois, me dando
mais um susto, ele se vira e anda até um dos armários, de onde tira um saco
de pães e um pote do que parece ser uma espécie de patê. Coloca os dois em
cima da ilha central e me olha mais uma vez.
Em meio a passos misteriosos, o tatuado se aproxima. Não me movo,
aterrorizada. Minhas pernas estão tão duras que, se eu tentar dar um único
passo agora, cairei no chão, certamente. Levanto o rosto, encarando-o perto
de mim.
Seus olhos brilham como chamas vivas e esquentam minha pele sem
nem haver um único toque.
— Você acredita em Deus, Sardenta?
— S-sim.
Ele abre um sorriso que não mostra nenhum de seus dentes e me
encara com o olhar ainda mais perto do meu.
— Você terá que ter muita fé em Deus se tratar minha mãe mais uma
vez da maneira como a tratou hoje, mais cedo, no seu quarto. Porque, se eu
vir, juro que vou te dar uma lição que jamais esquecerá.
Se antes eu estava paralisada, agora estou muito mais. Simplesmente
não consigo respirar.
O homem se vira e, de costas, diz:
— Tem leite na geladeira. Boa noite.
Sento-me na grade da sacada do meu quarto e acendo um cigarro para
clarear os pensamentos. Não fumo com frequência, somente quando estou
me sentindo ansioso ou incomodado com alguma coisa, assim como estou
agora.
Olho para a chama do fogo por tempo demais, perdido em
pensamentos. Amo o fogo, sua cor, sua textura e seu calor. Tudo nele me
atrai.
Temos esta ligação desde que eu era apenas um menino. Lembro-me
de quando Kenneth me levou pela primeira vez para acampar e me ensinou
a acender uma fogueira. Aquilo foi surreal de prazeroso e decidi, desde
cedo, que gostaria de viver em meio às chamas. Hoje, aos vinte e quatro
anos, sou bombeiro e amo a minha profissão. Amo ter que invadir uma
propriedade perdida em chamas e salvar alguém. É indescritível a sensação
de poder que sinto quando consigo atravessar o perigo e sair intacto.
Porém, como o país onde moro é pequeno e possui um índice quase
inexistente de mortes acidentais causadas por fogo, passo a maioria dos
meus dias em casa, esperando pelo chamado. Não importa quando ele virá,
sempre estou pronto para enfrentar as chamas.
Enquanto estou aqui, tento me ocupar com os afazeres do terreno, que
são muitos. Mesmo que tenhamos funcionários para isso, eu me voluntario
para ajudar, porque realmente gosto.
Ficar parado assistindo aos acontecimentos não é algo do meu feitio,
prefiro colocar a mão na massa e fazer as coisas acontecerem,
principalmente quando estou precisando extravasar. Às vezes acho que
tenho energia de sobra e, se eu não a coloco para fora, me sinto muito
carregado.
Cuidar dos animais e das plantas é algo que realmente aprecio, porém,
quando estou nervoso ou com muita raiva, uso minha força para cortar os
troncos das árvores ou fazer atividades de extremo desempenho, assim
como fiz à tarde. A academia também é uma opção, costumo ir com
frequência para praticar lutas e levantar pesos.
Eu sabia que a garota chegaria hoje e, mesmo sem ter a mínima noção
de sua aparência ou costumes, eu me senti incomodado. Por toda a vida,
sempre fui o único filho nesta mansão, o que fez meus pais me tratarem
com certa exclusividade. Hoje, não importa o que eu diga, eles sempre
acreditam em mim. Consegui criar um laço afetivo gigantesco com ambos e
sempre fomos uma família diferenciada por isso.
Os adolescentes de hoje em dia, e os que estão no início da fase
adulta, não sabem levar seus pais com sabedoria. São rebeldes,
irresponsáveis e instáveis.
Sou tudo isso, com a diferença de que sei lidar com meus pais e
jamais os desrespeitaria.
Meus amigos são confiáveis, então as atividades ilícitas que desfruto
no meio das madrugadas, quando todos acham que estou dormindo, ficam
em completo sigilo. Até porque, se alguém abrir o bico, também vai pagar
pelos atos ilegais.
Ter uma adolescente dentro da minha casa é extremamente perigoso,
pois corro um grande risco de ser pego e delatado aos meus pais. Não
confio na garota.
Outro ponto que me faz odiar tê-la por perto é o fato de que minha
mãe sonha em ter uma filha há anos e, por alguma questão que não tenho
conhecimento ainda, ela não conseguiu engravidar depois de mim. Ter a
pirralha dentro da minha casa fará este desejo, que há pouco foi deixado de
lado, aflorar.
Incontáveis vezes a peguei chorando às escondidas, dizendo que
gostaria de ter uma menina para lhe fazer companhia, por isso fiquei muito,
muito nervoso, quando ouvi Ellie sendo grossa com minha mãe. Não
importa o que a menina passou, Amelia não merecia ouvir o que ouviu.
Quem vê minha mãe hoje, não imagina o que passou quando eu era
pequeno. Ela é uma guerreira e a pessoa que mais merece ser feliz nesta
vida. Jamais vou admitir que alguém a trate mal na minha frente, não
importa quem seja.
Imaginei que Ellie chegaria aqui com, no mínimo, um pouco de
gratidão pelo acolhimento da minha família, mas, pelo que presenciei, deve
ser mais uma adolescente revoltada desta geração irresoluta. Estou muito
enfurecido com sua ousadia, e juro que não responderei por mim se
começar a me atrapalhar no que, antes, eu já estava seguro.
Solto a fumaça do cigarro no ar e observo-a sumir na brisa da noite.
São três horas da manhã e não tenho um pingo de sono no momento.
Acordei alguns minutos atrás com sede, disposto a descer até a cozinha para
buscar uma garrafa de água, mas acabei sendo pego de surpresa quando me
deparei com Ellie. Ela não apareceu no jantar, então provavelmente estava
com fome, procurando por algo para comer. Eu não havia reparado em sua
fisionomia quando a vi passar com Kenneth hoje, mais cedo. E, na cozinha,
a luz estava fraca demais para conseguir perceber detalhes de suas feições.
Contudo, posso admitir que não a imaginava com as características físicas
que possui. Seus enormes olhos verdes me surpreenderam, amedrontados, e
suas sardas, cobrindo a maior parte do rosto, me deram a impressão de que
é muito mais ingênua do que pensei.
Talvez, em outra oportunidade, eu tenha a chance de analisá-la
melhor.
Solto mais fumaça pelos lábios, sentindo-me um pouco mais calmo, e
percebo uma luz se acendendo. Vem do quarto ao lado, o quarto de Ellie.
Alguns segundos depois, ela sai para a sacada e se debruça na grade,
olhando para as estrelas. Com certeza não me percebe, porque, apesar de eu
estar sentado em cima da grade, correndo o risco de cair a qualquer instante,
está tudo escuro aqui, então jamais me notaria observando-a.
Em silêncio, eu a analiso enquanto olha para o céu. A garota é baixa,
deve ter no máximo 1,60 de altura. Magra, possui cabelos lisos e negros,
um tom acima do castanho-escuro, e a pele clara, cheia de sardas
alaranjadas. Mais bonita do que achei que seria, e diferente do que estou
acostumado a ver por aqui.
Poucos instantes se passam quando percebo que está chorando.
Permaneço assistindo-a até que se canse de sentir a brisa fria da noite
e entre novamente para seu aposento, apagando a luz.
A claridade me força a acordar e, ao longe, ouço o cantar das
galinhas. Levanto-me de uma só vez e entro no chuveiro. Tomo um banho
rápido para despertar e me olho no espelho enquanto coloco a roupa.
Tenho 1,87 de altura e grande parte do corpo coberto por músculos
definidos e tatuagens. Elas vão desde os meus pés até o couro cabeludo, um
pouco acima das orelhas. Meus olhos são azuis, porém, dependendo do dia
e do ângulo, ficam verdes, e meus cabelos curtos possuem um tom de
castanho-claro.
Visto-me com um moletom bege e coloco minha corrente de ouro no
pescoço, assim como tênis nos pés. Espirro um dos meus perfumes e desço
para tomar café da manhã.
Encontro minha mãe sentada à bancada.
— Bom dia, mãe. — Beijo sua testa e sorrio carinhosamente.
Ela retribui o gesto e me abraça, fungando meu cheiro.
— Bom dia, meu amor. Sirva-se com o café, já está pronto.
Enquanto faço o que ela me orientou, pergunto:
— Meu pai já saiu?
— Sim, disse que precisava organizar algumas papeladas antes de
atender seu primeiro cliente.
Chamo Kenneth de pai, embora não seja. Ele me criou desde
pequeno, e tem sido maravilhoso para mim e minha mãe.
Ambos são advogados e possuem um escritório de advocacia no
centro da cidade, onde muitas pessoas os procuram por serem renomados e
dificilmente perderem algum processo judicial.
Normalmente, vão ao trabalho pela manhã e voltam somente no final
da tarde, juntos.
— Entendi.
— Pretende sair hoje?
— Talvez eu vá encontrar com meus amigos mais tarde.
— Está bem.
— A garota ainda não acordou? — pergunto, enquanto me sento ao
seu lado.
— Não, ainda está muito cedo. Ela não deve estar acostumada a se
levantar a esta hora.
Observo-a tomar um pouco de seu café e percebo que parece ansiosa.
— Você está bem?
— Estou, querido.
— Não gostei da forma como te tratou ontem.
— Está tudo bem, ela acabou de perder a mãe. É completamente
compreensível que esteja sensível.
— Ela não tinha mais nenhum lugar para ficar?
— Não, e vamos tratá-la bem para que se sinta acolhida.
— Não gosto da ideia de tê-la aqui.
— Teremos que nos acostumar, filho. Aparentemente será por apenas
cinco meses, depois disso ela poderá escolher voltar para casa, nos Estados
Unidos, pois é quando atingirá a maioridade e poderá viver sozinha.
— Serão os piores cinco meses da nossa vida, posso prever isso.
Ouço passos se aproximando e me viro para a porta da cozinha, a fim
de identificar quem está entrando.
Ellie está vestida com um conjunto de moletom também, inclusive
com o capuz cobrindo os cabelos escuros e bagunçados. Os olhos estão
inchados e suas sardas, muito mais aparentes.
Ela parece sem graça, envergonhada por ter entrado no ambiente no
qual eu e minha mãe conversamos.
Percebo o quão miúda é. De perto, parece ainda menor e mais magra.
— Bom dia, Ellie — Amelia cumprimenta.
— Bom dia — sua voz sai como um sussurro e nem ao menos
consegue olhar-nos diretamente.
Minha mãe se levanta e a guia até a geladeira, explicando-lhe o que é
cada coisa. Mostra à menina, também, o que há dentro de cada um dos
armários, para que se sinta mais habituada a encontrar o que deseja.
Observo cada um de seus movimentos e percebo o quanto está acanhada
por estar aqui. Suas mãos estão se apertando e seus olhos, baixos e
reprimidos.
— Sinta-se à vontade, querida, pode pegar o que quiser para comer.
Mais tarde, se preferir, Reese pode te levar ao mercado para que escolha
alimentos de que gosta.
Como é que é?
— Tenho compromisso mais tarde — interrompo.
— Seus amigos podem esperar.
— Não precisa — Ellie diz com a voz baixa —, posso comer o que
tem aqui. Obrigada.
— Não se sinta incomodada, Reese vai te levar ao mercado. Vou
deixar o cartão separado em cima da mesa de jantar. Vocês poderão ir
quando estiverem prontos.
— Temos vários funcionários que podem fazer isso — lembro.
— Mas, como um bom irmão mais velho, você a levará.
Então, ela explica que precisa resolver algumas questões importantes
e se retira da cozinha, deixando-me sozinho com a garota.
Ela finalmente me olha, envergonhada.
— Você mal chegou e já está me dando trabalho — bufo, me
levantando. — Não se acostume com isso, não serei sua babá enquanto
estiver aqui.
Retiro-me, estressado.
Tento convencer minha mãe de que há outras pessoas melhores do
que eu para levar a garota ao supermercado, mas Amelia insiste que eu o
faça, já que sou da família.
Às duas horas da tarde, bato à porta do quarto de Ellie. Ela grita me
dando permissão para entrar, portanto só dou um único passo para dentro do
cômodo e a encontro sentada em sua cama, lendo um livro supergrosso.
— Vamos — digo apenas.
— Você não precisa…
— Não gosto de repetir, Sardenta. Então vou dizer só mais uma vez:
vamos!
Ela me olha com o mesmo olhar amedrontado de antes e fecha o livro
com cuidado, levantando-se em seguida.
Viro as costas e espero que a garota me siga.
Seus passos são tão silenciosos que, em certo momento, fico em
dúvida se está atrás de mim ou não.
Entro na garagem e decido qual dos carros quero usar desta vez,
escolho meu Porsche preto com bancos de couro caramelo. Não me dou ao
trabalho de abrir a porta para ela, simplesmente me sento e espero que faça
o mesmo.
Ellie se acomoda no banco de trás, tímida. Reviro os olhos e dou
partida. Assim que viro a esquina de casa, acelero como já estou
acostumado a fazer.
Chegamos ao supermercado em apenas cinco minutos, onde estaciono
e saio do veículo.
Andamos em silêncio e entramos no local. É bem grande aqui dentro
e estão à venda os melhores produtos do país.
Ellie observa tudo como se fosse uma criança e caminha atentamente
pelos corredores. Eu a sigo, quieto, empurrando um carrinho vazio que
encontrei no meio do caminho.
A garota para de frente para uma prateleira e pega um pacote de fubá.
Um pouco indecisa, o deposita no carrinho, mordendo o lábio inferior.
— O que acha que é isso que pegou? — pergunto, curioso.
— Cereal?
Solto uma risada ao ouvir sua resposta.
Ellie fala em inglês, sua língua-mãe, e não entende nada de alemão, o
idioma que falamos aqui em Liechtenstein.
Por sorte, todos os cidadãos deste país têm como obrigação aprender
o inglês como língua complementar. Desde pequenos estudamos nas escolas
o ensino do idioma, por isso sei falar. Ainda assim, não sou dos melhores.
Contudo, no dia a dia, o alemão continua sendo a língua mais usada.
— Isso é fubá, usamos para fazer um prato chamado Ribel. Come-se
normalmente pela manhã, com um copo de leite.
— Desculpe, eu não entendo nada do que está escrito e nem conheço
nenhum desses alimentos. É tudo diferente de onde eu morava.
Solto um suspiro alto para que perceba que não estou com a mínima
vontade de ajudá-la e digo, com desdém:
— Vamos lá, Sardenta, o que gosta de comer?
— Gosto de coisas normais.
— Não dificulte, precisa ser mais específica.
— Bem… — pensa —, gosto de queijo, chocolate, suco de manga,
pães e cereais integrais.
— Certo, vou te levar ao corredor correto para mostrar as coisas das
quais gosta. — Reviro os olhos e começo a andar, ela me segue. — Aqui —
aponto —, temos esses cereais.
— Não tem o que costumo comer.
— Claro que não, você está em outro país! — digo com grosseria. Ela
se abraça em defesa. — Olha — respiro fundo mais uma vez —, não sou o
cara certo para isso, não sei como te ajudar.
— Só me diga qual desses é o chocolate ao leite, e qual dos pães é o
mais gostoso. Prefiro misturar o cereal com iogurte de morango em vez de
leite. E o suco, como já disse, opto pelo de manga. Se pegarmos essas
coisas, já será o suficiente.
Faço como ela disse, pensando que tipo de pessoa mistura cereal com
iogurte. Pego, também, o melhor queijo que conheço para que coma com o
pão que separei, e me dirijo ao caixa.
O atendente, que conheço de algumas noitadas, nos cumprimenta,
deixando seu olhar recair sobre Ellie. Franzo o cenho e cruzo os braços.
— O que está olhando? — questiono em alemão.
— Eu nunca a tinha visto. É nova no país? — responde, curioso.
Ellie nos olha sem entender uma mísera palavra que falamos.
— É minha irmã, tire os olhos dela — ordeno, percebendo que algo
parecido com raiva está me tomando.
—Só fiquei curioso — ele se rende —, eu não sabia que tinha uma
irmã. Ela estará amanhã na corrida?
— Não é da sua conta — rosno.
— Está bem — sorri —, espero até amanhã para saber.
— Se quiser perder todos os seus dentes, tente chegar perto dela —
aviso. — Pode guardar as coisas, não vamos levar nada.
Então, viro as costas e peço a Ellie que venha comigo.
— As coisas… Por que deixou tudo para trás? — A garota parece
chateada.
— Vamos comprar em outro lugar.
— Por quê? O que houve?
— Você é sempre assim, tão curiosa?
— E você é sempre assim, tão arrogante?
— Sim, sou sempre arrogante, se acostume!
Dou partida novamente no carro e a ignoro, até que sua voz fina soe
novamente:
— Vou ficar sem meu chocolate?
— Não, Sardenta, vou comprar para você. Está satisfeita agora?
— Por que não compramos lá?
— Percebi que estavam fora da validade e o atendente insistiu que
levássemos mesmo assim — minto.
— Não acredito! — exclama, indignada.
— Pois é… Mas não se preocupe, vamos achar um lugar melhor para
comprar, onde o atendente não seja tão escroto.
— Está bem.
Enquanto penso em outro lugar a que eu possa levar a garota, meu
celular toca. Atendo no mesmo instante, pois identifico que vem do
trabalho.
— Sim? — pergunto, atento.
— Estamos com um chamado urgente. Consegue vir para cá agora?
Olho Ellie pelo retrovisor e respondo, convicto:
— Sim, com toda certeza. Me mande por mensagem o endereço e me
encontrarei com vocês lá.
Desligo a linha telefônica e piso no acelerador. Ouço um gritinho
assustado vindo do banco de trás e me ponho a explicar:
— Acabei de receber um chamado do serviço. Segure-se firme e fique
quieta, ok?
Ela balança a cabeça positivamente, com os grandes olhos verdes
focados em mim.
Acelero o máximo que posso e me dirijo ao endereço que recebo do
meu amigo. Chego em instantes, pois o país é tão pequeno que todos os
lugares são relativamente próximos.
Ainda a algumas quadras de distância, identifico a fumaça negra
subindo e tomando conta do céu. Há anos não temos uma ocorrência como
esta. Sinto uma satisfação enorme tomando conta do meu corpo e a
adrenalina começando a se acumular nas veias.
— Isso é fogo? — Ellie pergunta, com a voz amedrontada.
— Sim.
— Eu… Eu quero ir para casa. Pode me levar?
— Te levarei assim que conseguirmos apagar o fogo, ok?
— Não, eu… eu quero ir agora.
— Não posso te levar agora.
— Por favor! Não quero…
— Apenas fique quieta, merda! — exijo, com o tom de voz duro.
Estaciono o carro com agilidade e a olho pela última vez antes de descer. —
Não saia daqui, está me entendendo?
— Reese, eu… Eu não posso…
Disparo para fora do veículo e o tranco com a garota dentro. Corro
em direção à casa em chamas e mal dou atenção para Ellie gritando por
mim. Percebo que o caminhão de bombeiros, onde meus amigos estão, se
aproxima do incidente. Idris corre até mim segurando um uniforme e me
entrega.
Tiro minha blusa o mais rápido que posso e visto o uniforme, assim
como aprendi no curso de bombeiros.
Dois dos nossos já estão preparando a grande mangueira para
começarem a apagar as chamas e, enquanto isso, ajeito a máscara no rosto
para invadir a residência.
É um belo sobrado laranja, com várias árvores em volta. Percebo que
o fogo foi provocado no andar de cima, de onde a maior parte da fumaça se
esvai.
Um barulho ensurdecedor de vidro se quebrando enche o ambiente e,
em seguida, uma grande labareda escapa pela janela de onde imagino ser
um quarto.
Corro em direção à casa e chuto a porta trancada. Ela cede, caindo no
chão com força. Logo o calor me consome, e vejo o lume incendiar tudo a
minha volta.
Ainda não sei se há alguém aqui dentro, portanto grito, esperando
ouvir alguma resposta. Não escuto nada além das chamas se alimentando
dos móveis e paredes. Grito novamente, subindo pelos degraus da escada.
O piso do segundo andar é de madeira, por isso está praticamente
consumido. Tomo cuidado por onde ando, pois há lugares já cedendo e
posso cair a qualquer momento.
Grito outra vez, esperando por alguma resposta. Partes das paredes
despencam e quase caem em mim, mas não me amedronto. Preciso ter
certeza de que não há ninguém aqui e sair o mais breve possível, ou vou
acabar sendo esmagado. É surreal quão rápido as chamas estão crescendo.
Entro em um dos quartos e depois em outro. Nada. Não encontro
ninguém.
Em seguida, entro em um escritório, onde tudo já está consumido
pelas chamas. O monitor do computador explode, espirrando pedaços para
todos os lados e, o tapete, que antes estava no centro do cômodo, agora está
cedendo para o andar de baixo, formando um grande buraco no piso. As
cortinas soltam chumaços gigantescos de fogo.
Antes de ir embora, grito mais uma vez, chamando por alguém. O
barulho dos móveis caindo e sendo consumidos é muito alto, por isso tenho
receio de estar deixando algo passar. É então que ouço alguma coisa e todos
os pelos da minha nuca se arrepiam. Parece como um bebê chorando, e o
som vem de dentro do escritório.
Em meio à fumaça escura, acho ao longe uma porta fechada.
Penso em minhas únicas duas opções: Ou entro e corro o risco de
morrer com quem quer que esteja lá dentro, ou saio da casa e abandono a
pessoa para morrer sozinha.
Certamente que escolho a primeira das opções. Jamais deixaria
alguém para trás nesta situação. Com todo cuidado do mundo, entro no
cômodo, sentindo o chão ceder embaixo dos meus pés.
Merda!
Tento pelo outro lado, o mais distante da porta.
Cada centímetro do meu corpo pinga suor e suplica por ar puro, mas,
mesmo assim, mantenho os passos cuidadosos até chegar à porta fechada.
O choro do bebê fica cada vez mais alto e isso me enche de forças
para manter meu caminho.
— Aguente firme! — grito. — Estou chegando!
Eu me escoro em pouquíssimos lugares ainda firmes e passo pelas
chamas vivas, por pouco não me machucando.
Chego à porta e a forço para abrir. Assim que consigo, identifico o
corpo de uma mulher caída no chão, desacordada, e um bebê com uma
toalha molhada cobrindo seu rosto. Ele está quase sufocado com o tecido e
a mistura da fumaça.
Ouço mais janelas se quebrando e percebo que, se eu não sair da casa
agora mesmo, tudo cairá em cima de nós.
Pego a mulher e o bebê no colo, ofegando pela falta de ar, e saio do
banheiro no qual eles estavam.
Idris grita que devo sair logo, enquanto os outros dois caras jogam
água na estrutura deplorável da casa.
Não faço ideia de como atravessar o escritório com os dois nos
braços, mas prefiro tentar a desistir. Ando como se estivesse pisando em
ovos até chegar à janela sem vidro mais próxima, onde Idris me aguarda em
uma escada Magirus grande, pronto para pegar a mulher e o bebê.
Com a mente turva, entrego as duas vidas ao meu amigo, que, sem
dificuldade alguma, os abraça em segurança. Contudo, antes que eu pense
em uma estratégia para me retirar da casa, escuto um barulho similar ao de
um tronco se quebrando. Olho para fora da janela e meu coração para de
bater quando percebo uma árvore enorme prestes a despencar em cima do
meu carro.
Deus, por favor, me ajude!
O desespero me toma por completo na mesma intensidade que o calor
das chamas se aproxima do carro.
Quando chegamos aqui, Reese estacionou o veículo relativamente
longe da casa incendiada, contudo, conforme os minutos foram se passando,
algumas das árvores da redondeza começaram a pegar fogo também,
chegando cada vez mais perto de onde estou agora.
Os bombeiros tentam, a todo custo, apagar as labaredas, mas percebo
que, conforme amenizam a situação de um lado, o outro piora.
Uma aflição devastadora me toma quando tento abrir a porta do carro
e esta não cede. Esforço-me para alcançar as outras três para tentar abri-las,
mas não obtenho sucesso em nenhuma. Olho ao meu redor à procura de
algum objeto que possa me ajudar a escapar, mas nada chama minha
atenção.
Observo o fogo lambendo o espaço acima da casa e se apoderando de
mais árvores. A cena me abala e me faz fraquejar. Minhas mãos, suadas e
nervosas com a situação, começam a se apertar e, minha respiração
praticamente cessa. É como se minha traqueia estivesse se fechando aos
poucos, dificultando a invasão do ar a minhas vias aéreas.
Cerro os olhos e clamo a Deus que me ajude. Digo a Ele que salve
minha vida e que não deixe que nada de mal me aconteça.
Não sei precisar quanto tempo passo orando, mas um barulho
ensurdecedor me faz abrir os olhos e apurar os ouvidos. Está muito perto de
mim, como se algo gigantesco estivesse prestes a desabar na minha cabeça.
Começo a bater desesperadamente no vidro do carro, gritando a
plenos pulmões que alguém me tire daqui.
— Socorro! — berro, exasperada. — Socorro! Alguém me ajude!
Grito, soco o vidro e choro, mas nada é o suficiente para deter o
tronco da enorme árvore que está prestes a cair sobre o carro.
Tenho certeza de que vou morrer quando olho pela janela e assisto-o
prestes a despencar.
O tempo passa em câmera lenta nesta hora. Levanto os braços,
envolvendo a cabeça, como se isso fosse me proteger, e aperto os olhos
pronta para receber a pancada que me levará direto à morte.
Penso na minha mãe, em Hugo e na igreja, as três coisas que sempre
me confortaram e, de uma hora para a outra, ouço passos. Em seguida, a
porta do carro se abre.
Mãos grandes me puxam com força e bato de frente com os músculos
de alguém, que me pega no colo e corre. Quando para, me abraça com força
e escuto o barulho da árvore caindo em cima do carro, destruindo-o.
Permito-me abrir os olhos quando a pessoa segura meu rosto e chama
minha atenção, praticamente me chacoalhando.
— Ellie, Ellie! Você está bem? Se machucou? Fale comigo, fale
comigo! — Reese me encara com os orbes arregalados, aparentemente
preocupado.
Não respondo, só começo a chorar como se meus pulmões
dependessem disso.
Ainda segurando meu rosto, ele me assiste desmanchar e, em seguida,
como se soubesse que minhas pernas estão fracas, me pega no colo
novamente, mas desta vez em posição de ninar. Seguro-o com força e choro
desesperadamente em seu peito, com o corpo inteiro tremendo.
Reese me segura, sussurrando que agora está tudo bem e que posso
chorar o quanto quiser.
Acordo perdida quanto ao horário, com gritos soando ao longe.
Levanto-me vagarosamente e sigo até a porta do meu quarto, abrindo-
a para entender o que está acontecendo.
Ouço Kenneth e Amelia repreendendo Reese, dizendo que foi
totalmente irresponsável ao ter ido atender a um chamado do emprego
enquanto eu estava dentro do carro em sua companhia.
Eles explicam que a família vem em primeiro lugar e que é
inadmissível que eu tenha passado por um livramento de quase morte
quando já estou traumatizada pela perda da minha mãe.
— Somos as únicas pessoas que ela tem, Reese! — Kenneth braveja.
— Me desculpe, pai. Reconheço meu erro e me esforçarei para não o
repetir.
Fecho a porta sem fazer barulho e volto para minha cama, exaurida.
Até a hora do jantar, fico lendo, pois é algo que realmente amo fazer,
principalmente quando se trata da Bíblia Sagrada. Sinto-me confortável
após um tempo, mesmo que flashes de hoje mais cedo ainda estejam
perturbando minha mente.
Quando penso que quase morri, minha cabeça entra em pane. Foi por
pouco. Se Reese não tivesse chegado a tempo, agora essas pessoas que se
dizem minha família estariam diante do meu caixão.
Não sei dizer com certeza por quanto tempo ele ficou comigo nos
braços, pois estava tão atordoada pelos últimos acontecimentos, que a única
coisa que eu queria era chorar no ombro de alguém.
Talvez eu tenha errado em fazer isso justamente no ombro de quem
quase causara minha morte. Mas também penso que ele foi meu salvador.
É difícil discernir se Reese é o vilão ou o herói. Tenho raiva dele por
ter me deixado trancada no carro, mas também sou grata por ter me
segurado quando mais precisei. E acho que nunca fui abraçada daquela
forma, tão apertado, com um magnetismo tão grande.
Minha mãe sempre me disse que abraços fortes podem virar
facilmente desejo, então, nem mesmo com Hugo já fiz algo parecido com
isso. Nossos abraços sempre foram fracos e rápidos.
Quando eu estava nos braços de Reese, ele se sentou na guia de uma
calçada e me manteve ali, chorando, até que eu me sentisse melhor. Houve
um encaixe idôneo entre nossos corpos, e seus braços me seguravam com
tanta força que, em todo momento, me senti segura. Até quando um de seus
amigos se aproximou, mal deixou que chegasse perto ou encostasse em
mim.
Kenneth foi nos buscar e, preocupado, disse que me levaria ao
hospital para que me prescrevessem um calmante. Foi exatamente o que
aconteceu.
O pronto-socorro mais parecia um shopping, de tão chique, e estava
vazio, portanto fui atendida rapidamente. Após a medicação, fiquei com
tanto sono que nem ao menos tenho certeza de quem me colocou na cama.
Agora, apesar dos cuidados e preocupação, não quero descer para
fazer parte do jantar em família. Ainda não me sinto como parte desta.
Espero dar um horário seguro para descer as escadas sem acordar
ninguém, no início da madrugada, e sigo para a cozinha.
Não conheço os alimentos daqui, mas sei que posso me virar.
Até agora estou achando um absurdo o atendente do mercado ter dito
que deveríamos levar aqueles itens fora da validade. É uma pena que eu não
tenha nada, neste momento, do que realmente gosto de comer. Contudo, sei
que com o tempo irei me acostumar com o que este país oferta aos seus
habitantes.
Entro na cozinha, sendo guiada pelas luzes fracas e amarelas, mas,
antes que eu possa abrir qualquer um dos armários, identifico um pacote em
cima da ilha com o meu nome escrito.
Abro com cuidado e me deparo com várias barras de chocolate,
cereais, pães e outras guloseimas.
Há um pequeno bilhete escrito com uma letra garranchosa. Leio:
“Não se preocupe, Sardenta, não vou contar a ninguém que você veio
comer de madrugada. Espero que goste.”
Olho em volta, tentando ver se Reese ainda está por perto, mas o
silêncio reina. Com exceção do farfalhar da grama do lado de fora, que está
mais alto do que o normal.
Ando até a sala e, com muito cuidado, puxo um pouco da cortina da
janela principal, que dá acesso à rua. Tenho tempo de ver Reese escapar ao
entrar dentro de um carro e partir.
Onde ele vai a esta hora?
A curiosidade me consome, mas nada faço quanto a isso. Apenas
volto para a cozinha e faço um lanche.
A manhã está incrivelmente maravilhosa. O céu limpo, o sol
brilhante, as galinhas cantando e o gramado bem verdinho.
Decido dar uma volta, conhecer os animais da fazenda.
No Texas, não tive acesso a muitas espécies de animais, pois vivia em
casa ou na igreja, mas isso não anula uma verdade absoluta que mora em
mim: Eu os amo.
Antes de qualquer coisa, eu me ajoelho e faço uma oração. Depois,
visto-me com uma calça legging preta, uma camiseta simples e chinelos.
Prendo os cabelos castanho-escuros em duas tranças laterais, como as de
uma boxeadora, e passo um hidratante labial levemente avermelhado.
Mantenho as sardas expostas, somente passando um protetor solar no rosto.
Desço as escadas com cuidado para não acordar ninguém, mas minha
tentativa é vã, já que, quando chego ao andar de baixo, percebo que a casa
toda já está acordada. Pelo visto, aqui todo mundo acorda com as galinhas.
— Bom dia, Ellie — Amelia me cumprimenta, pegando as chaves de
seu carro. — Como você amanheceu? Melhor?
— Sim, obrigada pela preocupação.
— Tente arrumar algo para fazer que distraia sua mente.
— É o que pretendo fazer.
— Está bem, querida. Estou saindo com o seu pai para o trabalho.
Qualquer coisa, não hesite em me ligar, ok?
— Ok…
Kenneth desce as escadas logo em seguida. Está vestido com um
terno azul-marinho aparentemente feito sob medida. Ele é muito bonito e
elegante.
— Bom dia, filha. — Aproxima-se e deposita um beijo em minha
testa. Não digo nada. — Acho que vou chegar mais cedo do trabalho hoje,
acha possível conversarmos mais tarde?
— Não temos o que conversar — respondo, mas mal consigo olhá-lo
nos olhos.
— No seu tempo.
Então ele se despede, segura na mão de Amelia e ambos se dirigem à
porta principal da casa.
Só estou aqui há dois dias e sei que temos muito a conversar, mas não
me sinto pronta para isso agora.
Espero que sumam dentro do carro deles e saio pelas portas dos
fundos, caminhando pela grama mais saudável que já vi na vida. Sinto o
orvalho geladinho molhar meus pés e adoro a sensação.
Passo pela cabana inabitada e continuo meu caminho até chegar à
cerca de madeira. Dou uma espiada pela fresta e avisto um rapaz
ordenhando as vacas. Sorrio, sempre quis saber como tirar leite delas.
Talvez isso me ajude a esquecer o tormento da minha cabeça. Preciso
de uma boa distração.
— Ei! — grito, chamando a atenção do funcionário. Ele me olha,
curioso. — Você fala minha língua?
— Aqui, a maioria das pessoas fala a sua língua — ele explica,
achando graça da minha pergunta.
— Que bom — digo aliviada. — Posso entrar? Elas são mansas?
— Pode entrar, sim, tranquilamente.
Entro pelo portão de madeira e caminho até ele, que está sentado em
um pequeno banco, tirando leite de uma vaca malhada. Seu rosto é sereno e
parece feliz com o trabalho.
— Bom dia — cumprimento —, meu nome é Ellie.
— Olá, Ellie. É filha de Kenneth, certo?
Faço uma careta peculiar ao ouvir sua fala, que demonstra o quão
descontente estou com o fato de ser filha de quem sou. O rapaz dá uma
risada sincera, como se me entendesse.
— Sou o Rian, prazer em conhecê-la. Gosta de animais?
— Sim, mas nunca toquei em um deles.
— Gostaria que eu te ensinasse a tirar leite?
Abro um sorriso ainda maior do que o anterior e balanço a cabeça
positivamente. Sempre tive o sonho de ser veterinária e adoraria ter meu
primeiro contato com os animaizinhos assim, casualmente.
Rian está vestido com roupas iguais às de todos os funcionários, e
botas nos pés. Tem cabelos lisos e castanhos, que caem em seus olhos
conforme mexe a cabeça, e olhos da mesma cor. Suas calças estão um
pouco sujas, mas acho charmoso para o que está fazendo agora.
— Pegue aquele banco e sente-se aqui ao meu lado, vou te mostrar
como funciona.
Faço conforme me instrui e analiso a vaca parada diante dos meus
olhos. Ela parece ser mansa.
— Estou pronta — digo, completamente animada.
— Você vai pegar a teta dela desta forma, com os dedos assim, olha.
— Ele me mostra exatamente como deve ser e depois puxa vagarosamente
para que eu aprenda. — Tente uma vez.
Com cuidado, faço como ele me disse, mas, então, a vaca berra como
se eu a estivesse machucando.
— Não, você apertou muito! Greta, se acalme, ela está aprendendo —
dirige sua fala ao animal.
A vaca bufa, como se entendesse.
Acho fofo.
— Me desculpe. — Mordo o lábio inferior, preocupada com a dor que
causei a ela.
— Não se preocupe, essas coisas acontecem. Vamos tentar mais uma
vez, pegue bem aqui — aponta.
Quando faço o que ele diz, Rian coloca a mão por cima da minha e a
aperta de leve, puxando em seguida. O leite branquíssimo jorra no balde de
inox que está logo abaixo.
Lanço um olhar ao rapaz, feliz.
— Viu, não é tão difícil. Veja se consegue sozinha agora.
Tento e, de primeira, consigo. Festejo feliz.
— Está vendo, Greta? É só ter paciência.
Solto uma risada.
— Ela não deve entender o que você diz.
— Claro que entende! Trabalho aqui há tempo suficiente para ter
criado um vínculo com estes animais. Quer ver uma coisa?
— O quê?
— Venha aqui.
Rian se levanta e faz um gesto para que eu o siga. Vamos até o meio
do pasto e ele faz um barulho com a boca. Automaticamente, todos os bois,
vacas e bezerros olham para ele. O rapaz faz um movimento com as mãos,
como se estivesse chamando-os, e começa a andar. Os animais vão em sua
direção.
Solto um grito, com medo.
— Fique atrás de mim, eles não te causarão mal algum.
— Mas… eles não me conhecem! Podem vir até mim e…
— Isso não vai acontecer. Fique atrás de mim.
Rian faz o mesmo som e todo o gado se junta, seguindo-o até uma
área fechada.
Quando todos entram, ele me explica:
— Aqui é a área de repouso deles, onde dormem e descansam.
Fico maravilhada com o que acabei de ver.
— Temos ovelhas aqui? — pergunto, curiosa.
— Sim, lá embaixo.
— Você pode me levar para vê-las?
— Não! — uma voz grossa e possessiva soa, antes que Rian me
responda.
— O que está fazendo? — ela grita quando a puxo para longe de
Rian.
— O que você está fazendo? — pergunto enraivado.
— Como assim? — Arregala os olhos e puxa o braço com força. —
Me solte!
Facilito a situação, soltando-a.
Nem ao menos faço ideia do motivo de estar tão nervoso por tê-la
visto conversando com o rapaz, só sei que senti que era errado e tive o
impulso de mantê-la longe por simplesmente querer protegê-la.
Ontem meus pais brigaram comigo, naturalmente, por eu ter deixado
a situação chegar a ponto de quase perder a vida de Ellie. Concordo com
eles, eu errei, errei feio, e agora quero mantê-la protegida e salva.
Quando a peguei de dentro do carro e a abracei, ela me segurou com
tanta força e chorou com tanta intensidade, que meu coração de pedra se
partiu. Cada tremida que seu pequeno corpo dava em contato com o meu
me fazia sentir ainda mais culpado. Juro que o medo que exalava de Ellie
foi tão grande, que senti como se eu estivesse apanhando em retribuição.
Foi péssimo, foi pesado, foi triste.
Demorou horas para que se recompusesse e, mesmo dormindo, alguns
soluços continuaram escapando de seus lábios.
Nunca fui tomado por uma vontade tão grande de proteger alguém, e
agora, com o aval dos meus pais, eu me sinto mais do que na obrigação de
cuidar da garota.
— Sabe quantos anos ele tem? — questiono, impassível por fora, mas
afetado por dentro.
— Quem, o Rian?
— Pelo jeito estão bem íntimos! — solto, sem querer, quase
transparecendo por fora o quanto me sinto afetado por dentro.
— Não estou íntima de ninguém! E não, eu não sei a idade dele.
— Ele tem vinte e sete anos!
Como meu trabalho não requer minha presença diariamente, ajudo
Kenneth sempre que posso nos afazeres da casa, e isso me permite conhecer
a ficha de todos que trabalham aqui, incluindo Rian, por isso sei a idade
dele.
— E o que a idade dele tem a ver?
— Ele é muito velho para você, não vê?
Ela franze o cenho, como se não estivesse entendendo aonde quero
chegar.
Aonde quero chegar? Nem eu sei!
— Do que você está falando, Reese? — indaga.
— Acha certo ficar conversando com caras mais velhos que você nem
ao menos conhece ou confia?
— E no que isso te diz respeito?
Nada. Mas algo dentro de mim acha que é da minha conta.
— Minha mãe e seu pai me têm como seu irmão mais velho —
explico — e preciso ficar de olho em você para que não faça nada errado.
Ela não se contém e começa a rir. Rir de verdade. Isso faz minha raiva
aumentar ainda mais.
— Parece que, ontem mesmo, te ouvi dizer que não é minha babá. Por
que está querendo ser uma agora? E, convenhamos, Reese, você não é meu
irmão, não tem responsabilidade nenhuma sobre mim e não precisa da
minha satisfação para nada.
— Claro que preciso! — quase me excedo. — Sou o único adulto que
pertence à família aqui, logo sou responsável por você. Não quero ser
culpado novamente por algo que te acontecer.
— Devo lembrar que você, o grande adulto responsável desta casa,
quase me matou ontem? Acho que já sei de quem devo ficar longe, e não é
do Rian, que foi muito legal comigo o tempo todo.
— Você deve ficar longe dele e de qualquer outro homem mais velho!
— Meu peito treme.
— Isso inclui você?
— Não, menos eu.
Ellie ri novamente.
— Porque, claro, todos os homens deste mundo são perigosos, menos
você! — ironiza.
Abro um pequeno sorriso e me aproximo. Ela fica parada, olhando
para cima, diretamente para meus olhos.
— Você entendeu errado, Sardenta — minha voz sai em uma
entonação incrivelmente possessiva.
— Então me explique — pede, com a pitada de medo que me faz
regozijar.
— Eu sou o perigoso aqui — esclareço —, e não vou me
responsabilizar pelos meus próprios atos se algum deles fizer mal a você.
Então, pare de abrir esse sorriso inocente sempre que está perto de outro
homem!
— Eu estava apenas aprendendo a tirar leite da vaca, não sorrindo
para o Rian!
Lanço um olhar ao céu, irritado por ouvir o mesmo nome sair da boca
de Ellie. Depois, a encaro mais uma vez, perto demais.
— Quando quiser aprender alguma coisa, peça para mim. Estamos
entendidos?
— Quero aprender muitas coisas, Reese, mas, com toda certeza, eu
não as pediria a você.
— E posso saber por quê?
— Porque você não se importa com o que eu realmente quero! Sabia
que tenho medo de fogo? — ela questiona, cruzando os braços como se
fosse durona, mas posso ver o quanto esta conversa a abala.
Primeiro pela proximidade que tem de mim agora e, segundo, porque
aparentemente odeia tocar neste assunto.
— Não, eu não sabia — admito.
— Claro que não sabia! — esbraveja. — Exatamente por isso que
tentei te explicar ontem, antes que me trancasse no maldito carro e não me
desse ouvidos!
Atingido, passo uma mão pelos cabelos curtos. É verdade, ela tentou
mesmo me dizer, mas não dei ouvidos. Solto o ar com força, arrependido.
— Me desculpe, está bem? — eu me rendo.
— Você quase me matou, Reese!
— Me desculpe! — repito.
— Você… você… — ela gagueja.
Seus olhos transbordam de lágrimas e suas bochechas sardentas ficam
em um tom avermelhado.
Ela demonstra ser uma menina muito sensível e não parece ter
facilidade para lidar com discussões.
— Me desculpe — peço outra vez, a fim de amenizar a situação.
Ellie dá as costas para mim, mas continuamos próximos um do outro.
Analiso seus cabelos castanhos por um instante enquanto ela retoma a
compostura limpando as lágrimas.
Faz-se um momento de silêncio entre nós, em que só o vento se
pronuncia ao balançar as folhas das árvores.
— Sardenta? — chamo baixo.
— O que foi, Reese? — sua voz mal sai.
— Me desculpe, por favor.
Virando-se novamente, ela me analisa com calma. Como não diz
nada, eu me pronuncio novamente:
— Olha, eu não sou do tipo de cara muito atencioso, mas prometo que
te ouvirei se houver uma próxima vez.
Prometi à minha mãe que cuidaria da garota e não vou falhar com
minha promessa. Não depois que quase a vi morrer.
Como uma criancinha, Ellie seca novamente os olhos e morde o lábio
inferior, pensativa.
— Eu quero aprender alemão — diz, por fim.
— O quê?
— Você disse que era para eu te pedir quando quisesse aprender
alguma coisa.
Encaro-a com um olhar avaliador, como se quisesse ter certeza de que
não está brincando comigo. Em seguida, solto o ar devagar, com as narinas
dilatadas.
Onde me meti?
Nunca nem gostei da escola, fui expulso de duas na adolescência por
mau comportamento.
— Porra, Sardenta, você veio para cá com o intuito de me deixar
louco, só pode ser — ralho.
— Eu nem queria estar aqui, para ser bem clara. Mas, já que estou,
preciso, no mínimo, saber falar alemão para conseguir me virar sozinha.
— Está bem — concordo a contragosto. — Vamos começar amanhã.
— Ok. E não fale palavrões perto de mim, por favor.
Franzo o cenho.
— Por quê?
— Falar palavrão é pecado aos olhos de Deus e só faz o seu brilho se
esvair.
— O meu brilho se esvair? — Levanto as sobrancelhas, levemente
indignado.
— Exatamente.
Ela não dá maiores explicações, mas começo a entender que Ellie é
muito mais ligada à igreja do que imaginei.
— Bom, agora vou entrar para comer alguma coisa, ainda não tomei
meu café da manhã. Passe bem, Reese. — Abre um sorriso que,
sinceramente, não sei decifrar se é de sarcasmo ou desdém e depois grita:
— Tchau, Rian! Obrigada por ter tornado minha manhã superdivertida!
O que há de errado com essa garota?
Enquanto ela anda em direção à casa, observo-a, fazendo uma análise
rápida. Não é segredo para ninguém que me relaciono com várias mulheres.
Nas noitadas, por exemplo, costumo ficar com até mais de uma,
dependendo de como for. Nunca assumi nenhuma delas, apesar de saber que
esse é o grande sonho de algumas, mas gosto muito de extravasar meus
desejos sexuais dessa forma, sem ser dono ou pertencer a ninguém.
Aqui em Liechtenstein, há várias garotas bonitas, incontáveis, na
verdade, e gosto da ideia de experimentá-las e lhes mostrar a melhor transa
da vida delas. A questão é que nenhuma é tão doce, ou inocente, quanto
Ellie. No geral, elas se fazem de inocente para que eu possa devorá-las, mas
Ellie parece mesmo inocente, em todos os sentidos.
Até sua voz é suave, com uma entonação de pureza. E há um brilho
diferente na garota, uma luz que emana e diz que jamais se misturaria com
as trevas às quais estou acostumado. Isso me intriga.
Eu nunca pensaria em ter algo com Ellie, até porque ela é da família
e, apesar de não termos ligação nenhuma, nossos pais nos têm como irmãos.
Contudo, como o predador que sou, não consigo olhar para uma mulher
diferente e não imaginar como seria. Ao contrário dela, que demonstra não
ver maldade em nada.
Como pôde ter sorrido para o Rian mesmo depois da nossa
conversa?
Talvez, para protegê-la, eu tenha que ficar ainda mais próximo.

Passo o dia realizando algumas tarefas na fazenda, escutando músicas


no último volume com meus fones de ouvido e os pensamentos longe.
Daqui a duas noites, participarei de uma competição importante que
me renderá uma boa grana caso eu ganhe.
Estive treinando às madrugadas e estou contente com meu
desempenho, porém a cobrança está aqui, dentro de mim. Quero muito
ganhar.
Já perdi algumas poucas vezes, mas é um gosto que não tenho
vontade de provar novamente. Sou considerado o melhor no que faço, então
perder não é uma hipótese, principalmente porque dessa vez haverá muitas
pessoas apostando.
O problema é que a competição acontecerá justamente contra a
pessoa que me ganhou da última vez.
Guardo na cabana as ferramentas que utilizei e estico as costas, um
pouco tenso.
Caminho vagarosamente até minha casa, pensando que preciso
extravasar. Quando entro pela porta principal, ouço o barulho da televisão
vindo diretamente da sala.
Coloco a cabeça para dentro da porta e me deparo com uma Ellie
sentada de pernas cruzadas, dando risadinhas.
Involuntariamente, sinto vontade de sorrir.
Ela está assistindo ao filme A era do gelo, divertindo-se com as falas
do personagem Sid.
Decido deixá-la em paz e seguir para meu quarto, mas ouço mais um
barulho e percebo que são meus pais entrando em casa, conversando.
Aposto que Ellie também ouve, porque rapidamente desliga a
televisão e corre para o canto do cômodo, como se estivesse se escondendo.
Estranho sua atitude, mas, antes que eu possa fazer qualquer coisa,
viro-me e cumprimento o casal.
Kenneth pergunta sobre sua filha e Amelia quer saber como passamos
o dia.
Explico que a tarde foi tranquila e que, provavelmente, a garota está
no quarto, dormindo. Sei que ela não quer ver o pai, então procuro passar
confiança em minhas palavras quando digo que não está disponível.
— Está bem, querido. — Minha mãe me lança um sorriso gentil. —
Obrigada por estar nos ajudando com a Ellie, mesmo que não queira. É
importante que ela se sinta em casa.
— Por nada.
— Vou subir para tomar um banho agora — Kenneth diz. — Nos
vemos no jantar?
— Claro.
— Acha que ela virá? — ele pergunta indeciso.
— Acho que, por enquanto, não, pai.
— Espere o tempo dela, Ken — minha mãe o aconselha.
— Está certo, não podemos a obrigar.
— Exatamente.
— Também vou subir para tomar um banho — digo. — Só vou beber
um copo de água antes. Nos vemos em breve.
Viro as costas e caminho até a cozinha, dando uma checada rápida se
ambos estão subindo as escadas. Assim que me vejo sozinho, volto até a
sala e entro.
— Por que está se escondendo? — questiono ao me aproximar de
Ellie.
Ela se assusta e arregala os olhos para mim.
— O que está fazendo aqui?
— Não mude de assunto.
A garota bufa.
— É só que Kenneth me disse que chegaria mais cedo hoje e
perguntou se eu gostaria de ter uma conversa com ele, porém não quero.
Então, estou me escondendo para não ter que correr o risco de ouvi-lo
explicar situações que não possuem explicação.
— Foi o que imaginei. — Balanço a cabeça. — Disse a ele que você
está dormindo, então não se preocupe.
— Hã, obrigada?
— Por nada, agora suba para seu quarto.
— Vou fingir que você não está mandando em mim.
— Não estou. — Solto uma risada curta. — Só quero que não seja
pega.
— Bom mesmo! — então ela se vira e segue para a porta, prestes a se
retirar.
Sua postura de menina mandona é uma completa mentira. Tenho
certeza de que Ellie não teria coragem nem ao menos de pisar em uma
barata.
— Você ainda tem coisas para comer? — pergunto antes que suma.
— Claro, ainda tem bastante coisa.
— Como sei que vai esperar todo mundo dormir para comer, sinto-me
melhor em saber que tem suas coisas para beliscar enquanto isso.
Ela não diz nada, só abre um sorriso e confirma com um menear de
cabeça.
— Caso precise de mim para alguma coisa, é só me mandar uma
mensagem. Na geladeira há um ímã com o emblema do corpo de
bombeiros, lá tem o número do meu celular.
— Obrigada, mas acredito que não vou precisar de nada.
— Que bom.
Ellie sai da sala e segue seu caminho. Faço o mesmo, indo, em
seguida, para meu quarto.
Tomo um banho demorado e me seco, enrolando uma toalha na
cintura. Antes que eu possa escolher uma roupa limpa, meu celular toca. É
Sebastian, um grande amigo.
— Reese, fiquei sabendo de uma festa universitária que vai bombar
de garotas gostosas. Topa ir?
É disso que estou precisando. Não me dou nem ao trabalho de
perguntar onde é, só respondo:
— Claro. Onde te encontro?
— Na esquina da sua rua à meia-noite e meia. Pode ser?
— Combinado, até mais tarde.
Janto com meus pais, assim como sempre faço, e participo ativamente
da conversa em família.
Kenneth está chateado por, mais uma vez, Ellie não ter decido para
jantar conosco, mas não a culpo por isso. Não tenho conhecimento da
história completa, mas sei, por alto, que Kenneth a abandonou, o que me
parece estranho, já que cuidou de mim a vida toda. Se eu estivesse no lugar
da garota, odiaria estar aqui.
Após o jantar, permaneço com ambos por um breve tempo, até que
digam que estão cansados e vão para a cama. Aviso-os sobre a festa e que
não tenho hora para voltar, sem nenhuma objeção.
A rotina da noite, na maioria das vezes, é esta. Kenneth e minha mãe
prezam muito pelo momento em família, por isso jantamos juntos. É nesse
espaço de tempo que contamos as novidades do nosso dia.
De todas as coisas que Kenneth me ensinou, esta é a mais sensata: a
família vem em primeiro lugar.
Então, embora eu pratique alguns atos ilícitos sem o consentimento de
meus pais, os faço com a total certeza de que não prejudicaria nenhum dos
dois. Minhas práticas são inteiramente por diversão e prazer próprio. E, se
um dia ambos ficarem sabendo, sei que se chatearão, mas não sofrerei
consequências tão graves, assim acredito. Já que sou um bom filho em tudo
quanto eles precisam.
Aproveito que estou sozinho e subo ao meu quarto, onde escolho
minha melhor roupa, calço meu tênis mais estiloso e coloco as joias das
quais mais gosto. Amo como a corrente de ouro chama a atenção para o
meu pescoço tatuado e acho inadmissível sair de casa sem um dos meus
relógios no pulso. Para finalizar, coloco um anel de ouro em um dos dedos.
Espirro o perfume que julgo ser o mais propício para o momento e
sorrio para minha imagem diante do espelho. Estou pronto para abocanhar a
primeira presa da noite.
Decido ir de moto, em vez de carro, e encontro-me com meu amigo
na esquina de casa, assim como combinamos. Percebo que Sebastian optou
pelo mesmo veículo.
Ele tem cabelos curtos na cor de mel, olhos claros e feição sacana.
Está sempre com um sorriso malicioso nos lábios, assim como roupas que
mostram o quanto seu corpo é definido e trabalhado. Há poucas tatuagens
espalhadas pelo seu corpo, mas ficam em lugares chamativos e estratégicos.
Nos conhecemos há tantos anos que nem sei mais precisar quantos
exatamente. Eu, Sebastian, Idris e Kyan somos inseparáveis desde sempre,
mais como irmãos do que como amigos.
Segundo Sebastian, os outros já nos esperam lá, na festa.
Nos cumprimentamos e trocamos breves palavras sobre o que nos
espera.
A festa é em uma fraternidade na Suíça, país que fica ao lado de
Liechtenstein, e onde costumamos realizar a maioria das nossas corridas e
apostas.
Já estamos acostumados com o caminho, portanto pisamos no
acelerador e vamos pilotando nossa moto como se estivéssemos em meio a
uma competição.
Eu e Seb alcançamos cento e noventa quilômetros por hora, o que faz
crescer a adrenalina em meu sangue. O coração pulsa com agilidade e tudo
o que posso sentir é alívio.
Amo correr e sentir o vento me ricocheteando, fascinado pela
sensação de estar fazendo algo perigoso e, mesmo assim, ter tanto domínio
que saio completamente ileso.
Chegamos ao nosso destino em apenas quarenta minutos, onde
estacionamos e entramos na casa.
É possível sentir o som alto reverberando em meu interior, com a
batida pulsante e agitada. Os cômodos do estabelecimento estão escuros,
com exceção das luzes coloridas que piscam, e lotados de jovens dançando,
bebendo e se pegando.
Adoro lugares assim, onde todo mundo erra e ninguém aponta o dedo.
Abro um sorriso e cumprimento as pessoas que conheço, até me
encontrar com Kyan e Idris na cozinha, enchendo seus copos de bebida.
— Aproveite para encher o meu também — peço.
Ambos sorriem ao me ver e me cumprimentam com um abraço
rápido.
— O Seb veio? — Idris pergunta.
Olho em volta e aponto para meu amigo, que já está batendo papo
com uma garota. Ele nunca perde tempo. Para Sebastian, não há nada
melhor do que uma boceta. Trocaria qualquer coisa, eu disse qualquer
coisa, para estar fodendo.
Já Idris, bombeiro como eu, costuma ser o mais agitado e quem mais
curte se embriagar. Gosta de jogos, competições e de ser o centro das
atenções. É o mais fraco entre nós quando o assunto é músculos, pois seu
corpo é esguio, mas carrega um rosto carregado de sarcasmo. É tão sombrio
que até eu sinto receio, às vezes, do que está pensando. Seus olhos
castanho-claros carregam olheiras visíveis e seu sorriso é irônico.
Não o julgamos porque sabemos que seu passado e sua vida, em si,
são muito difíceis. Então costuma usar o cigarro e a bebida para escapar da
realidade em que vive.
Mesmo que consiga qualquer mulher por conta do perfil sinistro e
nefasto, não é o seu passatempo preferido. Prefere participar de qualquer
assunto ilegal que envolva dinheiro.
Kyan é dançarino e oriental, mas não tem os olhos tão puxados
quanto os de sua mãe. Os cabelos lisos são negros e brilhantes e possui o
sorriso mais fácil e encantador que conheço. Seu corpo é bem delineado,
com um tanquinho de invejar e bíceps bem musculosos. Muitas meninas
ficam aos seus pés pela façanha de ter um rosto inocente e, ao mesmo
tempo, atitudes incrivelmente selvagens, para dizer o mínimo.
Já eu, sou o mais sério e, como dizem por aí, misterioso. Costumo ser
conhecido como o cara que nunca deixou uma garota ir embora sem, pelo
menos, ter tido três orgasmos e precisar, depois, de tempo para recuperar o
movimento das pernas bambas. Sou, também, o número um nas corridas
ilegais de carros e motos, sendo assim um amante declarado de adrenalina.
Alguns se referem a mim como “o tatuado”, outros como “o bad boy do
grupo”, mas sou apenas o Reese, aquele que ama incendiar quem está
comigo.
Kyan está no meio da roda, dançando, enquanto a maioria das pessoas
que estão na festa soltam gritos e festejam. Ele possui um gingado incrível,
preciso admitir.
Sebastian sumiu há muito tempo, o que me leva a pensar que já deve
estar na terceira da noite. Duvido que esteja esse tempo todo com uma
garota só.
Idris organizou alguma brincadeira relacionada a bebidas do lado de
fora da casa, onde a maior porcentagem dos embriagados está.
E eu estou no segundo copo de uísque, fingindo que assisto ao Kyan
dançar no centro da multidão, quando, na verdade, estou no fundo da sala
analisando as garotas à minha volta. Sei que basta eu escolher, nunca levei
um fora na vida.
Uma morena, que antes estava rebolando ao meu lado, está na minha
frente agora, se esfregando vez ou outra em mim, propositalmente.
Tomo mais um gole, descontraído, e mexo o corpo de acordo com a
música, para não dar na cara que só estou no meio de uma caça.
Conto mentalmente quantas vezes a menina encosta a bunda em mim
e juro por tudo que é mais sagrado que, se fizer mais uma vez, não haverá
mais volta.
A música toca em um volume extremamente alto, então não escuto
nada quando minha possível presa cochicha algo no ouvido da amiga, que
se esfrega em outro garoto. Quando termina de falar, volta a dançar, com
um sorriso no rosto.
Dois segundos depois, sua bunda roça em meu pau e minha visão
nubla. Pego em seu pescoço com força e a puxo para mim, colando suas
costas em meu peito.
Ela suspira com dificuldade quando abaixo o rosto e rosno as palavras
em seu ouvido:
— Você tem cinco segundos para dizer que não me quer.
Aperto sua jugular e respiro seu cheiro, satisfeito.
Conto: um, dois, três, quatro e… cinco.
Viro meu corpo junto com o dela e a prenso na parede, estando por
trás, forçando a ereção para que entenda que a quero.
Ainda segurando seu pescoço, tomo o lóbulo da sua orelha na boca e
chupo, ouvindo o longo suspiro que solta entre os lábios.
Desço a mão livre por seu corpo e encontro a perna nua. Sinto a
textura de sua pele com a ponta dos dedos e os subo vagarosamente até a
barra da saia de tecido mole.
A garota está se desfazendo entre meu corpo e a parede, gemendo
antecipadamente só com o toque superficial que estou lhe dando.
Encontro sua calcinha e verifico que o forro está praticamente
encharcado.
Levanto a mão e olho meus dedos brilhantes. Isso que dá um tesão
inexplicável. Dirijo-os até a boca da garota e ela lambe. Meu pau pulsa.
— Vejo que está pronta para mim — sussurro em seu ouvido. Ela
apenas balança a cabeça concordando. — Eu poderia te comer aqui contra a
parede, no meio da sala, mas não vou fazer isso, porque costumo não ter
muito cuidado. Isso significa que vou te fazer gritar muito, e seria péssimo
acabar com a festa dessas pessoas. Não acha?
Ela segura a parede, desesperada, e concorda mais uma vez.
Dou algumas instruções, pensando o quanto minha palma grande
conseguiria fazer um estrago com este pescoço frágil:
— Você vai andar na minha frente até chegar ao banheiro. Lá, vai
tirar a calcinha, se sentar na pia e abrir as pernas para mim. Entendeu?
— Sim — ela gagueja com uma simples palavra.
Solto-a e a vejo partir, com as pernas já bambeando. Vou logo atrás, a
mente focada unicamente em fodê-la.
Quando entro no banheiro, encontro-a da forma que ordenei. Tranco a
porta e avanço sem dizer uma única palavra.
Arranco sua camiseta na mesma intensidade em que ela tira a minha.
Suas unhas arranham meu tanquinho e avanço para seus seios, onde chupo e
mordo, tirando um gemido alto de sua boca.
Puxo seus longos cabelos negros e os fios lisos se emaranham em
meus dedos. A cabeça da garota pende para trás, dando-me a oportunidade
de subir de seus seios até seu pescoço, lambendo.
Alcanço os lábios grossos e a beijo com tanta ferocidade, que nem me
percebe abrindo minha calça e libertando meu pau duro.
Tiro o celular do bolso, colocando-o na pia, e pego uma camisinha.
Tudo enquanto a beijo com vigor. Só me afasto para encaixar o preservativo
em mim, e este é o momento em que a garota olha, com os lábios inchados
e tórax subindo e descendo agilmente, para meu membro enrijecido.
Percebo o desespero em seu olhar chocado.
— Acho que não… não vai caber.
Antes que ela finalize a frase, já estou completamente dentro dela, até
o talo.
Os olhos da morena rolam e sua boca se abre, completamente sem ar.
Eu me movo com força e percebo que seu corpo inteiro se arrepia.
Seguro nas pernas abertas, para que não escorreguem com minhas
investidas, e mantenho as estocadas, deliciando-me nesta sensação tão
aprazível.
Ela choraminga e não entendo nada o que quer dizer, mas gosto de
vê-la se derretendo para mim.
Alguém bate à porta, mas nem nos importamos.
— Coloque os pés na pia — peço, seco.
Ela faz exatamente como quero, ficando ainda mais aberta para mim.
Seguro seu queixo e aperto suas bochechas, enquanto bato nosso corpo com
insistência, mordendo seu lábio até quase arrancar sangue.
Minha visão está escura quando ouço uma mensagem apitando em
meu celular. Não dou atenção, porque o som do grito que a morena solta é
ainda mais alto.
Outras duas mensagens chegam e olho brevemente para a tela do
aparelho. É um número desconhecido.
— Continue assim — a garota pede em súplica. — Por favor, não
pare.
Acho estranho quando percebo que o mesmo número me chama
novamente.
Odeio fazer isso, mas penso que talvez seja alguma urgência do
trabalho, então paro com as investidas e, ainda dentro da garota, pego o
celular.
— Não vou demorar — aviso —, preciso só ter certeza de que está
tudo bem.
Ela balbucia um gemido a contragosto.
Quando abro as mensagens, leio:
Número desconhecido: Oi, Reese.
Número desconhecido: Desculpe te incomodar. Sei que está
descansando agora em seu quarto.
Número desconhecido: É que desci para comer e não estou
conseguindo mexer neste micro-ondas, ele está quebrado? Tentei o fogão,
mas também não consegui. Estou quase comendo a comida gelada.
Número desconhecido: Eu sou uma negação, eu sei. Me desculpe,
novamente.
Número desconhecido: A propósito, é a Ellie.
Minha mente dispersa com as mensagens. Merda!
Lembro-me de que Ellie me contou que tem medo de fogo e,
automaticamente, começo a imaginar a menina ligando o fogão e se
queimando. Merda, merda, merda!
Prometi que a ouviria se houvesse uma próxima vez, mas, porra,
estou comendo uma garota!
Penso rápido. O que faço?
Ellie tem medo de fogo.
Ellie tem medo de fogo.
Ellie tem medo de fogo.
É só isso que penso agora.
Olho para a morena que estava quase tendo seu primeiro orgasmo e
digo:
— Tenho uma urgência para resolver. Podemos deixar para uma
próxima.
— O quê? — pergunta, indignada.
Arrumo-me dentro da calça e fecho o zíper.
— Exatamente o que você ouviu. Tchau.
Viro-me em direção à porta, enraivecido, e saio do banheiro.
Estou furioso comigo mesmo.
Esbarro em Sebastian quando estou no meio da multidão, dirigindo-
me à saída da casa.
— Ei, o que houve? — ele pergunta, franzindo o cenho.
— Depois te conto, preciso ir para casa.
— Está tudo bem? Precisa da minha ajuda?
— Não, fique aqui e aproveite a noite.
— Você volta?
— Provavelmente, não.
— Que merda, cara!
— Não me deixe mais nervoso do que estou, porra!
— Está bem, calma!
— Depois te ligo. Boa festa.
Saio da fraternidade sem me despedir de mais ninguém e subo em
minha moto. Antes de acelerar, respondo às mensagens de Ellie:
Eu: Espere um instante, já estou chegando.
Arranco com a moto e acelero o máximo que posso.
— Cacete! — grito, dando um soco no depósito de gasolina.
Estou tão nervoso que desconto na velocidade com a qual dirijo.
Chego em casa em vinte minutos, metade do tempo que levei para
chegar à festa.
Estaciono de qualquer jeito na entrada da minha casa e corro para
dentro.
Procuro por Ellie, primeiramente na cozinha, mas ela não está aqui.
Depois entro em todos os cômodos da parte inferior da casa, mas também
não a encontro.
Começo a me preocupar.
Onde ela se meteu?
Subo as escadas de dois em dois degraus e corro até seu quarto. Não
me dou ao trabalho de bater à porta, apenas a abro.
Ellie está deitada em sua cama, embaixo do cobertor.
Não é possível!
Aproximo-me e pergunto, sem pudor com o tom da minha voz:
— Que porra pensa que está fazendo?
Ela abre os olhos, sonolenta, e me encara como se não estivesse
entendendo nada.
— Dormindo — responde baixo, sentando-se. — E você, o que está
fazendo no meu quarto?
— Você me mandou mensagem para que eu te ajudasse, não mandou?
— Arregalo os olhos inconformado.
— Sim, mas você não apareceu. Achei que não desceria para me
ajudar.
Respiro fundo, olhando para o teto, tentando me acalmar.
Depois a olho novamente e pergunto:
— Você comeu alguma coisa?
— Só chocolate.
Se eu não estivesse tão nervoso, meu coração se partiria.
— Cacete, Ellie! Era só colocar o fio do micro-ondas na tomada!
— Se não queria me ajudar, não precisava ter levantado da cama
quase meia hora depois só para me acordar e gritar comigo!
— Eu não estava na porra da minha cama, Ellie! Estava em uma festa,
comendo uma garota, por sinal! Você atrapalhou a minha noite, então, antes
que eu perca completamente a cabeça, levante-se para comer!
Em silêncio, a garota se ergue e me olha. O quarto está escuro, com
exceção da luz amarela que brilha no corredor.
— Já disse para não falar palavrões quando está comigo! — Ela me
dá uma dedada no peito, mandona. Sua voz é baixa, porém dura. — Se quer
ser um completo idiota com as outras garotas, seja! Mas comigo, não! Não
sou como as meninas que você “come” — ela faz aspas com os dedinhos —
e não mereço sua grosseria por simplesmente ter obedecido ao que me
orientou fazer caso eu precisasse de você. Então, me faça o favor e saia do
meu quarto! Não precisava ter parado de fazer o que estava fazendo para vir
me ajudar. Da próxima vez, tentarei me virar sozinha para não atrapalhar
sua noite!
Então, ela fica me olhando, plena, esperando que eu realmente saia de
seu quarto.
Fico sem palavras porque, apesar de ser uma garota fofa, Ellie
conseguiu ser autoritária a ponto de me fazer entender que estou nervoso
com a pessoa errada. Ela não fez nada além do que pedi que fizesse caso
precisasse de mim. Estou nervoso comigo mesmo, porque, pela primeira
vez, deixei uma foda incompleta por causa de outra garota.
Não faço ideia do que está acontecendo comigo.
Por que não mandei uma mensagem simplesmente explicando como
ligar o micro-ondas? Por que não avisei que não poderia vir ajudá-la? Por
que me preocupei tanto?
Fico confuso e me sinto afetado por suas palavras. Então
simplesmente digo:
— Você está certa, me desculpe.
Acho que nunca me desculpei tantas vezes quanto tenho feito desde
os últimos dias.
— Saia do meu quarto, Reese — ela diz, simplesmente.
Faço o que Ellie pede e fecho a porta às minhas costas.
Estou perdido.
Estou perdido porque não faço ideia de como vim parar dentro deste
sentimento de erro tão grande acometendo meu peito. Não sei se tento
melhorar a situação ou se apenas vou para meu quarto.
Talvez, pelo momento tenso, eu tenha tomado a decisão errada.
Inacreditável!
Sinto-me uma completa idiota por ter pensado que Reese era uma boa
pessoa. Minha mãe costumava dizer para eu jamais confiar em pessoas que
não vão à igreja, principalmente as tatuadas. Nunca tinha entendido o
porquê, até agora.
Reese é explosivo, ignorante, autoritário, impuro, lascivo e profere
palavrões terríveis.
Juro que nunca vi um homem tão errado diante de Deus!
Lembro-me de que, certa vez, o pai de Hugo estava me ensinando
uma passagem bíblica e disse que o Diabo aparece como um anjo de luz,
fazendo-nos acreditar que ele é uma criatura bela e do bem.
Começo a acreditar que Reese é exatamente assim, porque,
sinceramente, nunca me deparei com um ser humano tão lindo e assustador
quanto ele em toda a minha vida.
Talvez esteja tentando me levar para o mau caminho sem que eu
perceba.
Meu Deus, me perdoe!
Ajoelho-me diante da cama e começo uma oração, mas sou
interrompida alguns minutos depois por batidas à porta.
Quem pode ser a esta hora?
Levanto-me, abrindo-a em seguida.
Reese está parado no corredor amarelado, segurando um prato.
— Não fui clara o suficiente quando te disse para sair do meu quarto?
— É que não vou conseguir dormir sabendo que ficou com fome por
minha causa. Fiz um prato de comida quente e decidi te trazer.
Limpo a garganta, sem graça.
Agora tenho certeza de que não consigo ser uma pessoa reta sem
minha mãe por perto, porque, só o simples fato de vê-lo parado diante de
mim com o semblante caído e segurando um prato de comida, já me faz
querer perdoá-lo.
Ele não pode ser tão ruim assim, pode?
Merda, estou confusa!
— Reese?
— Hum?
— Você me confunde.
— Por quê?
— Porque não sei se é uma boa pessoa ou não.
— Ninguém é tão bom a ponto de nunca errar, Sardenta. Nem tão
mau a ponto de não se arrepender.
Fico quieta, tão arrependida quanto ele parece estar agora.
Aceito o prato de suas mãos e digo, apenas:
— Obrigada, Reese.
— Por nada, Sardenta.

Percebo que os dias são sempre lindos aqui em Liechtenstein e estou


começando a me acostumar com isso. É bem romântico e calmo.
Acordar cedo é uma prática que todos têm aqui, então, mesmo que
tenha dormido pouco, eu me levanto e sigo até o banheiro para tomar um
banho.
Decido fazer uma hidratação nos cabelos e me depilar, demorando um
pouco mais embaixo do chuveiro. Coloco uma roupa simples: shorts jeans e
uma camiseta. Nos pés, chinelos. Desço para a cozinha em seguida, com os
fios ainda molhados.
Kenneth e Amelia estão tomando café da manhã e percebo um prato
feito em frente a uma cadeira vazia.
— Bom dia, Ellie! — Amelia deseja, sorrindo. Sorrio de volta,
levemente constrangida por estar perto do casal. — Sente-se, já fiz seu
prato.
— Obrigada.
— Bom dia, filha — Kenneth diz.
— Bom dia — respondo sem olhá-lo.
— Como anda se sentindo nesses dias que tem morado aqui? Não
conversamos muito…
— Sinto falta da minha mãe — digo, apenas.
— Há algo que posso fazer para te confortar?
Balanço a cabeça negativamente.
— Andei pensando, querida, o que acha de saímos para fazermos
algumas compras? Percebi que trouxe somente duas malas, não está
precisando de nada? — Amelia pergunta.
— Por enquanto, não. Obrigada.
— Me avisa se precisar de algo?
Concordo.
— Me fale, Ellie, qual é sua comida favorita? — Kenneth quer saber.
É exatamente disso que tenho fugido tanto. Esse homem que se diz
ser meu pai nem sabe qual é minha comida favorita.
— Odeio ser grossa — digo, sem jeito. — Então não me obrigue a
ser. Se você não tivesse me abandonado, saberia minha comida favorita.
— Sei disso. Mas agora não há nada que eu queira mais do que te
conhecer, Ellie.
— Você nunca vai recuperar o tempo perdido, Kenneth — digo com
naturalidade, procurando ao máximo não ser grosseira.
— Podemos começar nossa história agora, então — propõe.
Nego.
— Cedo demais.
— Está bem. Aguardarei pelo tempo que for necessário.
— Obrigada por isso — agradeço, realmente grata.
Comemos em silêncio pelos próximos minutos, até que Reese entra
no cômodo. Está terrivelmente bonito, de bermuda bege e regata branca, a
maioria das tatuagens e músculos à mostra.
Puno-me mentalmente por gostar tanto dos desenhos sobre sua pele.
Ele dá um beijo na testa de sua mãe, cumprimenta Kenneth e anda em
minha direção. Fico surpresa quando para e deposita um beijo no topo de
minha cabeça também.
Não tenho reação nenhuma.
Reese começa a conversar com seus pais e fico em silêncio o tempo
todo, saboreando minha comida. Vez ou outra alguém tenta falar comigo,
mas minhas respostas são curtas o bastante para não alimentar mais papo.
Quando termino, um dos funcionários vem retirar meu prato. Decido
sair um pouco para o lado de fora da casa e, vagarosamente, caminho pela
grama, sentindo o calor do sol em contato com meu corpo. Eu amo a
natureza.
Aproximo-me do balanço de madeira pendurado na árvore e me
sento, começando a me balançar.
Fecho os olhos e penso em Hugo, a pessoa que eu gostaria que
estivesse ao meu lado agora. Ele sempre foi tão bom para mim! Aposto que,
se estivesse aqui, estaria me fazendo companhia no balanço ao lado.
Temos conversado praticamente todos os dias por mensagens, mas
não com a intensidade que eu gostaria, porque o fuso horário é bem
diferente e nunca conseguimos um horário para ambos estarem disponíveis.
Ouço um barulho e abro os olhos. É Rian quem eu vejo sentado ao
meu lado.
Abro um sorriso em sua direção e ele faz o mesmo.
Começamos a nos balançar juntos, como se fosse algo natural entre
nós.
— Como você está? — pergunta docilmente.
— Estou indo.
— Fiquei sabendo sobre sua mãe. Sinto muito.
— Obrigada. Quem te contou?
— Sabe como é, né? Garota nova no pedaço… Os funcionários
comentam.
— Sei.
— Se precisar de alguma coisa, pode contar comigo.
— Isso é uma coisa legal de se ouvir.
— Estou falando sério.
— Agradeço.
Ficamos em um silêncio confortável por um tempo, nos balançando,
até Rian perguntar:
— Onde você gostaria de estar agora?
— Hum, onde eu pudesse dar risadas verdadeiras. Não lembro qual
foi a última vez que gargalhei para valer.
— Entendo — diz, pensativo. — O que acha de competirmos quem
balança mais alto?
Sorrio.
— Claro, seria legal.
Assim, começamos a balançar com cada vez mais impulso. Meus
cabelos voam para a frente e para trás, jogando ao ar o cheiro da hidratação.
— Vamos! É só isso que consegue fazer?
Solto uma risadinha com as cócegas que sinto na barriga, resultado da
altura a que meu balanço chega.
Rian libera um gritinho divertido e me olha.
— Tente mais alto!
Esforço minhas pernas para a frente e para trás, animada. Estou
muitíssimo alto, assim como ele.
De surpresa, meu acompanhante estica o braço e puxa uma das cordas
do balanço em que estou, fazendo-me ir de encontro a ele. Grito, achando
que vamos bater os joelhos, contudo não é isso que acontece.
Divertidamente, os balanços começam a se enrolar, rodando um no outro.
Rodamos cada vez mais rápido, até que as cordas estejam sem espaço
para mais voltas.
Gargalho com a ideia incrível que ele teve e com o friozinho que senti
na boca do estômago.
Quando paramos, estamos quase um em cima do outro. Rian me olha
de perto, segurando com força as cordas.
— Está pronta?
Solto mais uma risada e digo que sim.
Ele as solta e começamos a rodar no sentido oposto, até que as cordas
se separam completamente.
Gargalho tanto que minhas bochechas doem.
Quando os balanços se largam com brusquidão, meu corpo se
desequilibra. Caio de bunda no chão. A princípio, não me importo, continuo
rindo, mas depois ouço alguém correndo em minha direção.
É Reese, e seu rosto não parece nada amigável.
Quando dou por mim, ele já me ultrapassou e pegou Rian pelo
colarinho, levantando-o.
Os dois ficam com os narizes frente a frente e Reese rosna bem alto:
— Se encostar um dedo nela novamente, além de perder seu emprego,
sairá daqui com os dois olhos roxos e sem nenhum dente na boca. Estamos
entendidos? — Está tão nervoso, que seu rosto fica na cor de escarlate.
Rian permanece calmo e balança a cabeça concordando, sem contra-
atacar. Sei que não está com medo, só não quer discussão, e gosto ainda
mais dele por isso.
Então Reese se vira para mim e vem em minha direção, abaixando-se
para me ajudar a levantar.
— Você se machucou?
— Até mais, Ellie! — Rian se despede e se afasta.
— Por que fez isso, Reese? — pergunto, levemente chateada com o
que acabei de ver.
— O quê?
— Por que o tratou dessa forma? — Aguardo por uma resposta,
olhando em seus olhos.
— Ele te machucou, por isso!
— Você se enganou, Reese. Ele me fez dar risada depois de muito
tempo. Pare de arrumar briga por motivos tão fúteis, e pare de me tratar
como se eu fosse uma criancinha! — Gesticulo.
— A sua mão está sangrando, Sardenta — conclui, pegando minha
palma para ver mais de perto, parecendo genuinamente preocupado.
— Nem estou sentindo dor! — Puxo o braço.
— O que há com você, Ellie? Por que continua agindo como se o que
ele fez foi certo? Você se machucou, precisa de cuidados!
— Reese, pare! — ordeno, dura. — Eu caí, não foi ele quem me
machucou! E, antes que você chegasse, eu estava me divertindo! Agora
estou magoada de novo!
— Por quê?
— Porque é isso que você faz! Todas as vezes que chega perto de
mim, traz um furacão de sentimentos!
Sua expressão se desfaz e sua face relaxa, os olhos completamente
focados em mim.
— Quais sentimentos? — pergunta baixo.
— Você é um completo vendaval, Reese, e tudo o que preciso é de
paz! Não percebe que todas as vezes que chega perto de mim algo de ruim
acontece?
— É verdade, Ellie, eu sou mesmo um vendaval, sempre fui assim!
Mas, pense bem, se seguirmos nesta mesma linha de raciocínio, posso te
dizer com toda certeza que tudo fica escuro antes que o vendaval venha,
mas é só depois da sua chegada que o sol volta a brilhar. Em qual dessas
duas fases você está?
Penso por um breve tempo, sem dizer nada. Minha vida está um caos.
— Pois é — ele diz, olhando-me intensamente, sem nem ao menos ter
ouvido minha resposta. — Talvez o vendaval tenha chegado para fazer seus
dias brilharem novamente, mas você ainda não percebeu isso.
Engulo em seco, perdida por completo e ainda mais confusa do que
antes.
Não há nada de tão grave na palma de Ellie além de um ralado
ensanguentado, mas faço questão de ajudá-la a limpar a ferida,
principalmente porque nem faz ideia de onde fica a caixa de remédios desta
casa. Peço que se sente no sofá da sala e ela obedece meio a contragosto.
Sento-me ao seu lado e pego sua mão com cuidado. Limpo a ferida
vagarosamente, da mesma forma que minha mãe fazia quando eu era
pequeno e me machucava andando de bicicleta.
Após um tempo de silêncio, percebo Ellie me olhando, mas não diz
nada, só estuda cada movimento meu.
— Sturm — digo.
— O quê? — pergunta, sem entender.
— Sturm é vendaval em alemão — explico.
A garota abre a boca em entendimento.
— Como se diz: “Você é um vendaval”?
Sorrio e falo bem lentamente:
— Du bist ein Sturm.
Ela repete, olhando em meus olhos.
— Und du bist die Ruhe, die der Sturm braucht, um aufzuhören —
respondo, também olhando em suas enormes bolas verdes.
— Não entendi nada do que disse, sabe disso, não sabe?
— A tradução é: E você é a calmaria que o vendaval precisa para
cessar.
Ellie fica me olhando com uma expressão que não sei decifrar, e juro
que também não sei o que dizer.
— Poderíamos começar nossa aula agora — sugere, quebrando a
tensão.
— Ok, pode ser. Poderíamos começar por palavrinhas fáceis, tipo as
partes do corpo, o que acha?
— Legal! — Sorri.
— Hand — Aponto para sua mão, que ainda está sobre a minha, com
a palma machucada para cima. Ela repete a palavra, animada. Falo outra
vez, para que entenda como se pronuncia. Quando acerta, pulo para a
próxima palavra. — Fuß. — Pego seu pequeno pé, que estava depositado
no chão, e o trago para meu colo.
Olho-o brevemente e percebo que algumas sardas pintam o dorso
claro. Acho tão fofo que passo o dedo indicador por cima.
— Fuß — repete — é pé, não é?
— Isso mesmo. — Continuo olhando-o, fascinado com tanta
delicadeza. — Sommersprossen é o nome com que chamamos estas
sardinhas. — Faço desenhos sobre elas.
Ellie repete e, em algum momento, perco a noção de quem fica mais
atraído.
Subo os dedos vagarosamente até sua perna e digo:
— Bein. — Noto as pintinhas alaranjadas que sobem por sua pele e
sinto vontade de contar, absorto.
A garota repete, mas mal a escuto, tamanho meu foco em sua pele
macia. Subo o dedo até o joelho e ensino:
— Knie.
Não sei se minha aluna sente cócegas ou se está incomodada, mas
coloca a mão sobre sua coxa, impossibilitando que meus dedos curiosos
subam. Faço outro caminho, agora pelo braço, ainda hipnotizado.
— Arm — digo, devagar.
Aproximo-me para encostar em seu ombro.
— Schulter — sussurro, olhando seu rosto em seguida.
Ellie está em silêncio, olhando-me com atenção, mas acho que não
repete mais as palavras, apenas escuta. Percebo que sua respiração se
excede e a camiseta se move de acordo com seu peito nervoso.
Meus dedos tatuados fazem um caminho até sua orelha.
— Ohr.
Depois, acaricio sua bochecha. A garota vira uma estátua, com os
orbes incrivelmente focados em mim.
— Wange. — Chego mais perto e aproximo a mão de seus olhos. Ela
os fecha. — Augen — sussurro, concentrado.
Olho seus lábios. Eles são de uma cor rosa bem claro e uma sarda,
deslocada das demais, pousa no superior, perto do arco do cupido. Acho
lindo e encosto a ponta do dedo indicador na manchinha.
Ellie grita, mas é um grito tão alto que pulo de susto, saindo do transe
em menos de um segundo.
— O quê? — quase grito, levemente assustado. — O que foi?
Ela se levanta rápido, parecendo tão assustada quanto eu, e diz:
— A aula acabou.
Então, se vira e sobe as escadas, deixando-me sozinho na sala. Jogo a
cabeça para trás, no encosto do sofá, e a seguro, olhando para o teto.
O que foi isso?

Passo o restante do dia distante de Ellie, porque ainda não entendo o


que aconteceu comigo enquanto lhe ensinava algumas palavras em alemão.
A única coisa que sei é que senti vontade de contar cada uma de suas
sardas e experimentar a maciez de sua pele virgem com a língua.
Merda, há quantos dias esta garota está aqui? Cinco? Não entendo
como, em tão pouco tempo, ela conseguiu me deixar tão constrangido
comigo mesmo.
E o pior de tudo isso é que Ellie é considerada minha irmã, então não
posso ter este tipo de pensamento em relação a ela.
O que estou fazendo?
Por que estou pensando nela desta forma?
Ligo para Sebastian, um pouco atordoado.
— E aí, cara, preparado para amanhã?
— Sim, estou. E você?
— Com toda certeza! Está mais calmo agora? Quer conversar sobre o
que houve ontem?
— Estou precisando espairecer. Pensei em chamar você, Idris e Kyan
para virem aqui, o que acha?
— Res, não existe nada neste mundo que não façamos um pelo outro.
Estaremos aí em minutos.
— Está bem.
Uma tarde de homens é do que preciso para esquecer o incômodo que
Ellie está me causando.
Em menos de quinze minutos, os três chegam. Idris traz nas mãos
dois fardos de cerveja, com o semblante sombrio, como sempre. Suas
olheiras estão um pouco maiores hoje, o que indica que está de ressaca.
Kyan traz alguns jogos para o videogame e Seb entra somente com seu
sorriso sacana, os braços abertos e um cigarro pendurado entre os lábios.
Após cumprimentá-los, nos dirigimos ao salão de jogos, um dos meus
cômodos favoritos para passar a tarde com meus amigos. Abro as janelas e
aceito um cigarro de Sebastian.
Nos sentamos no amplo sofá e ligamos o videogame. Mas, antes que
comecemos o jogo, Idris se pronuncia:
— O que houve, cara? Por que foi embora tão cedo da festa ontem?
Trago o cigarro pela primeira vez e sinto a nicotina viajando em meu
corpo, tirando um pouco do meu nervosismo.
— Estou com um problema — digo. — A filha do meu pai veio
morar conosco. — Solto a fumaça.
Os três se viram para mim, atônitos.
— Você tem uma meia-irmã? — Kyan pergunta.
— Ela não é minha meia-irmã, é só a filha do Kenneth. Não temos o
mesmo sangue.
— Mas, por que ela é um problema? — Sebastian questiona, confuso.
— Porque sim, cara. Ela está me tirando do sério.
— A garota é mais nova ou mais velha? — Idris quer saber.
— Mais nova.
— Deve ser uma pirralha imatura, por isso está te deixando louco. Às
vezes é difícil lidar com meninas mais jovens mesmo. Minha irmã, por
exemplo, é um pé no saco — explica, bebendo mais um pouco da sua
cerveja.
Respiro fundo. Mal sei explicar o que está acontecendo comigo.
— Mas e ontem, o que houve? — Seb fica curioso.
— Eu estava comendo uma garota no banheiro da fraternidade e a
filha do Kenneth ficou me mandando mensagens.
— Puta merda, Res! Não vai me dizer que largou a morena gostosa
para ajudar sua irmãzinha com alguma coisa fútil?
— Sim, eu fiz isso.
— Porra! — Sebastian faz um drama gigantesco, enquanto os outros
caras apenas parecem desacreditados. — Sabe quantas garotas comi ontem?
Três! Acha mesmo que eu largaria aquelas bocetas por alguma merda?
Nunca nesta vida!
— Eu sei disso. É que… Cacete, não sei explicar o que está
acontecendo comigo! — Trago mais um pouco do cigarro, sentindo o
nervosismo voltar.
— Res, apenas fale, amigo — Kyan sugere.
— Ela é cristã, sabe? Dessas pessoas que vivem na igreja e, no fundo,
acha que eu sou uma má pessoa porque tudo o que faço a chateia.
Idris dá risada e chama minha atenção.
— Você está mesmo preocupado com o que ela pensa sobre você?
Deixe a garota pensar o que quiser! Ela não conhece nada da sua vida.
— É verdade! — Kyan concorda. — Ela acabou de chegar e não tem
direito nenhum de dizer o que você é ou deixa de ser. Nós, que estamos ao
seu lado há tanto tempo, sabemos que não é uma pessoa ruim, isso que
importa.
Eles são as únicas pessoas na Terra para quem contei sobre meu
passado e nunca me julgaram pelos erros que cometi, os mesmos que me
aborrecem sempre que retornam à minha mente.
Os três sabem que não gosto de tocar no assunto, portanto não dizem
mais nada, apenas me lançam olhares cúmplices e fiéis.
— Res, você acha que ela é um perigo para nossas apostas? — Seb
pergunta, mudando de tópico.
— Talvez — falo com sinceridade.
— Merda!
— De duas, uma: Ou a trazemos para nosso time e a fazemos ficar de
bico calado, ou teremos que distanciá-la — Idris aconselha. — Estamos em
um bom momento com as apostas, não podemos nos prejudicar agora.
Enquanto eu e Sebastian participamos das corridas ilegais de motos e
carros, Idris e Kyan são os responsáveis pelas apostas feitas dentro da
plateia. Eles cuidam e contam quanto exatamente faturamos, para, no final,
dividirmos os ganhos.
— Res, Idris tem razão — Kyan concorda.
— E o que você prefere? — Seb pergunta. — Distanciá-la, ou uni-la a
nós?
Uma batida à porta nos silencia.
— Reese? — com a voz baixa, Ellie chama.
— Droga! — ralho. — O que é? — grito.
Ela abre a porta em seguida, tímida. Sinto meus amigos mudarem de
posição, curiosos.
— Hã, desculpe atrapalhar — ela diz, sem jeito —, só queria que me
dissesse onde acho um remédio para dor muscular.
— Por quê? — Levanto-me rápido. — O que está doendo?
— São as minhas costas, provavelmente por conta da queda de hoje
mais cedo. Nada de mais.
— Vou pegar para você.
Viro as costas e sigo até o armário em que costumamos guardar os
itens de primeiros socorros. Pude jurar que ela estava atrás de mim, mas
não. Volto com o remédio em mãos até o salão de jogos e a avisto sentada
ao lado de Sebastian e dos outros dois.
Algo incomum cresce dentro de mim, uma mistura entre preocupação
e ciúmes. Sebastian não é confiável perto de qualquer mulher, mesmo que
eu tenha certeza de que, acima de qualquer coisa, ele me respeitaria se eu
dissesse para não encostar em Ellie.
— O remédio está aqui. — Estendo em sua direção. — Agora já pode
ir.
— Obrigada. — Ela se levanta e se despede dos meninos,
caminhando até a porta e partindo em seguida.
— Essa é a sua irmã? — Sebastian exclama, parecendo chocado.
— Sim — admito.
— Puta que pariu, Reese!
— Para que tanto escândalo? — Sinto meus nervos à flor da pele
porque sei, adiantadamente, o que ele vai dizer.
— Você não deveria ter me dito que a garota gosta de ir para a igreja,
agora só a imagino ajoelhada na frente do meu pau, me chamando de Deus.
— Vai se foder, Sebastian! — Dou um soco em seu peito. — Se eu só
imaginar que está falando sério, nunca mais te deixo entrar na minha casa!
De maneira nenhuma vou permitir que um cretino como você fique perto de
Ellie!
Ele dá risada, divertido.
— Eu não imaginava sua irmã mais nova assim — Kyan comenta.
De todos, ele é o mais respeitoso, mas não deixa de ser um
mulherengo.
— Assim, como?
— Ela é uma gracinha.
— Agora que estou lembrando — Idris diz —, era ela no seu carro no
dia do incêndio, não é?
— Exatamente.
— Conhecendo-a agora, acho que o ideal seria tê-la para nós.
— O que quer dizer com isso, Idris? — esbravejo.
— Você sabe que tenho facilidade em entender o perfil das pessoas,
não sabe? Ela não é o tipo de garota que aparentemente nos daria
problemas.
— Ela já está me causando problemas!
Kyan solta uma risada. Olho-o com as sobrancelhas erguidas.
— Estou contando alguma piada?
— Ellie vai causar muitos problemas, Res, mas nenhum em relação às
nossas apostas e corridas.
— De que tipo de problemas está falando?
Ele solta mais uma risada e dá duas batidinhas de leve em meu
ombro.
— Sie wird ein großes Problem in deinem Herzen verursachen,
Freund[1].
Ontem pela madrugada, desci para procurar algo para comer. Achei as
sobras da janta e coloquei no prato, um pouco descontente. As comidas
daqui, apesar de serem feitas por cozinheiros profissionais, não são tão
temperadas quanto as do Texas. Não consegui me acostumar
completamente ainda.
Reese apareceu logo depois e não agiu como se estivesse surpreso em
me ver, agiu como se tivesse descido de seu quarto propositalmente para se
encontrar comigo.
Ensinou-me como mexer no fogão e como ligar o micro-ondas;
depois, sentou-se em cima da ilha central da cozinha e ficou comigo até que
eu terminasse minha refeição.
Inicialmente, tivemos um papo legal sobre coisas aleatórias, nada
especial, mas, conforme os minutos se passavam, comecei a desconfiar que
ele queria conversar sobre algo específico.
Com cuidado, perguntou se eu já havia, alguma vez na vida,
participado de algo ilegal. Claro, eu disse que não.
— De qualquer coisa que seja ilícita aos olhos de Deus, não participo
— expliquei.
— Entendo.
— Por que está perguntando?
— Eu queria te chamar para ir a um lugar comigo na próxima
madrugada.
A princípio, não entendi direito o que ele quis dizer, então,
estranhamente, meu coração errou uma batida e me apressei em dizer:
— Reese, sei que não somos irmãos de sangue, mas acredito que
qualquer envolvimento que tenhamos, além do que já estamos acostumados,
será ilícito. Fora isso, eu tenho um namorado. Então, não vai rolar.
Reese me olhou por alguns segundos com o cenho franzido, como se
não tivesse entendido nada do que eu disse, e a única coisa que conseguiu
perguntar para quebrar o silêncio foi:
— Você tem namorado?
— Tenho, sim. O Hugo.
Tivemos mais alguns segundos de silêncio, em que Reese me analisou
minuciosamente como se estivesse tentando decifrar um enigma. Achei
estranho que seu maxilar se apertou e ele fez uma expressão nervosa, que só
se suavizou quando me pronunciei novamente:
— Estamos orando há algum tempo pelo nosso relacionamento e
aguardando um posicionamento de Deus.
— Deixe-me ver se entendi: vocês são namorados, mas estão
esperando a resposta de Deus para se pegarem?
— Eu não me pego com ninguém, Reese — expliquei, desgostosa
com o palavreado. — Estou me guardando para a pessoa certa, então,
quando Deus responder que posso seguir para uma etapa mais profunda
desse relacionamento, vou deixar que Hugo me toque da maneira que
quiser, respeitosamente, é claro.
Reese soltou uma risada.
— O que foi?
— Você é única, Ellie.
— Claro que sou.
— Só é muito ingênua.
— Acha que esperar pela vontade de Deus é ingenuidade?
— Você é ingênua por dois motivos: primeiro, porque não estou te
chamando para um encontro. Eu só gostaria que fosse me assistir em uma
competição de que vou participar na próxima madrugada. Segundo, porque
só está esperando pela resposta de Deus por um único motivo.
— E qual seria?
— Esse tal Hugo é mole demais. Se você fosse minha namorada, eu já
teria te dado o melhor orgasmo da sua vida e a única palavra que estaria
esperando seria a minha ordenando que tirasse sua roupa novamente.
Levei as mãos à boca, totalmente chocada com as palavras que ouvi.
Reese soltou mais uma gargalhada. Decidi me impor:
— Graças a Deus que não sou sua namorada, então. Isso que disse é
completamente errado.
— Sim, Sardenta, graças a Deus que não é minha namorada, porque,
com toda a sua fragilidade, eu te quebraria ao meio.
Senti minhas bochechas enrubescerem.
Como ele tem coragem de tratar uma mulher com palavras tão
torpes?
Pelo choque, tudo o que eu poderia dizer me escapou e o
constrangimento me tomou por completo.
— Então, você vai me ver competindo? — perguntou, divertido,
como se o que acabara de dizer não tivesse me desestabilizado.
— Por que perguntou se já participei de algo ilegal?
— Porque a competição à qual estou te chamando para ir não é aceita
perante a lei, mas é muito importante para mim. É algo que realmente amo
fazer e me dedico muito. Você não fará nada de errado, apenas torcerá por
mim.
— Você realmente quer que eu vá, Reese? Porque acho que não fará
diferença nenhuma se eu for.
— Fará diferença para mim. Quero muito que vá.
Respirei fundo e, sem pensar direito nas consequências, aceitei.
Agora o relógio aponta meia-noite e meia da madrugada seguinte à
conversa que tivemos, e estou procurando por uma roupa decente para usar
na ocasião para a qual fui chamada.
Nunca fui a uma competição ilegal, e isso está me deixando
apreensiva. Até fiz uma oração pedindo que Deus me proteja em todo
momento. E obviamente que não tenho roupas para isso. Na verdade, não
faço ideia do tipo de roupa que eu deveria usar.
Visto-me com uma calça jeans preta e uma camiseta de crochê
branca. Minha pele fica levemente exposta por ela, mas coloco um sutiã
branco por baixo, impedindo que imaginações férteis pensem algo sobre
meu corpo. Nos pés, calço sapatilhas pretas e delicadas.
Não faço ideia se isso é o suficiente, mas não tenho nada que fuja da
minha essência de menina ingênua.
E, falando nesta palavra, tenho orgulho de ser assim. Prefiro ser
inexperiente a ser pervertida como Reese.
Ouço batidas leves à porta do meu quarto e sei que é ele.
— Está pronta, Sardenta? — pergunta, assim que abro.
Confirmo, levemente envergonhada. O cheiro dele entra pelas minhas
narinas e reverbera dentro de mim, assim como sua beleza parece um tapa
na minha cara. Chega a ser difícil olhá-lo.
— Então, vamos!
Sigo-o até a garagem, onde há várias opções de carros e motos
turbinadas. A que Reese escolhe é tão grande que não faço ideia de como
subir para montá-la.
— Já andou de moto antes? — questiona, curioso.
— Não — sou sincera.
— Prefere ir na frente, ou atrás?
— Quem fica na frente não é a pessoa que dirige?
— Como você é pequena, consigo te levar na frente, se achar mais
seguro. Atrás, você me segura, na frente, eu te seguro. Deixarei que escolha
de qual forma se sentirá mais confortável.
— Talvez seja mais confiável você me segurar, não acha?
— Sim, acho.
Seus olhos esbanjam maldade, contudo imagino que realmente seja
mais seguro para mim se ele, alguém experiente na pilotagem de uma moto,
me segurar. Reese se acomoda no assento e me estende a mão tatuada. Eu a
aceito, ligeiramente desconfiada.
— Não se preocupe, Sardenta, não vou te deixar em uma posição
desconfortável. Ficaremos de frente um para o outro, ok?
— Você sabe mesmo o que está fazendo, não sabe?
— Com toda certeza.
Então me ajuda a subir. Ficamos cara a cara, minhas pernas abertas e
encaixadas por cima das dele.
— Tudo bem? — pergunta.
Meneio a cabeça positivamente.
O tatuado encaixa um capacete em si mesmo e outro em mim, depois
pede:
— Me abrace.
— O quê?
— Me abrace, Sardenta.
Mordo o lábio inferior, desconfortável com a ideia.
Sua mão grande levanta meu queixo e me obriga a olhá-lo de perto.
— É só um abraço — tenta me tranquilizar. — Isso não deve ser
errado aos olhos de Deus.
Rendida, chego ainda mais perto e passo os braços ao redor de sua
cintura, deitando, então, a cabeça no peito trabalhado em músculos.
Seus braços me envolvem também, mas as mãos ficam presas no
guidão.
— Não precisa ter medo, você está segura comigo.
Reese liga a moto e saímos da casa o mais vagarosamente possível,
acredito que seja para não fazer barulho. Porém, quando passamos da
esquina, ele me avisa que vai acelerar e, de fato, o faz. A moto corre tão
rápido, que fecho os olhos e o abraço com força. O motor ronca alto,
repercutindo o som direto em meu coração.
Acostumo-me com a velocidade após alguns minutos, mas o
responsável por isso é Reese, que me passa cada vez mais conforto. Nunca
estive tão próxima de um homem em toda a minha vida, sobretudo com as
pernas abertas desta forma, contudo de maneira nenhuma me sinto violada,
mas sim protegida.
Em segredo, gosto da sensação de estar protegida nos braços de
Reese, da mesma forma como estive no dia do incêndio. Se não fosse tão
errado, eu até poderia dizer que há um encaixe incrivelmente certo entre
nós.
Em determinado momento da viagem, até fico mais tranquila em
afrouxar os braços e prestar maior atenção na escura paisagem que corre
por nós como um borrão. Chegamos ao nosso destino em apenas meia hora
e juro que me sinto levemente descontente por ter de soltá-lo e ficar distante
de seu perfume outra vez.
Reese me ajuda a descer da moto e tira nosso capacete. Está com um
sorriso estampado nos lábios que ameniza os traços assustadores de seu
rosto e demostra o quanto gosta de estar aqui. Não sorrio da mesma forma,
pois estou com as pernas bambas e chocada com a quantidade de gente que
nos cerca. Percebo instantaneamente que minhas roupas não combinam
nem um pouco com as das outras mulheres. A maioria está vestida com
shorts ou saias curtíssimas, assim como croppeds e tops que tampam apenas
os bicos de seus seios. Nos pés, sapatos ou botas de saltos altos.
Engulo em seco, já percebendo que este não é o meu lugar.
Sebastian, Idris e Kyan se aproximam, tão felizes quanto o amigo, e
me cumprimentam com palavras calorosas, como se realmente estivessem
felizes por minha presença.
Sinto medo de Idris, seu semblante é sombrio e parece carregar
conflitos que jamais saberei. É muito mais amedrontador que Reese.
Mesmo que esteja sorrindo, o jeito como olha é atroz e horripilante.
Juro que sairia correndo se me deparasse com ele em uma rua deserta.
Já Kyan, é adorável, tem um sorriso encantador e um rosto gentil.
Seus olhos são simpáticos e demonstram que é alguém fiel.
Estamos em um local aberto e grande, tão grande que não faço ideia
de onde termina. No centro, há uma longa pista e, ao redor, uma parte
gramada que, provavelmente, é onde ficarão os torcedores assistindo a tudo.
Reese olha para seus três amigos e faz uma ordenança:
— Preciso me preparar. Fiquem com a Ellie e cuidem dela como se
fosse irmã de vocês. Não deixem que nada lhe aconteça. Certo?
Todos concordam e ele se despede, distanciando-se.
Percebo o quanto é conhecido conforme anda entre as pessoas, pois
todos param para cumprimentá-lo e prestar-lhe uma atenção especial.
Sebastian passa o braço pelo meu ombro e explica:
— Está vendo esta gente toda, pequena? Oitenta por cento está
apostando na vitória de Reese, porque ele é realmente muito bom. Os outros
vinte por cento estão esperando que Asher ganhe.
— Quem?
— Asher é um cara que não aparece muito por aqui, pois mora longe.
Mas, da última vez que veio, ganhou do seu irmão por um triz. A corrida é
acirrada, por isso está tão cheio por aqui.
— Entendi. E vocês três vêm só para assistir?
— Não. Eu corro também, mas só entrarei na pista na próxima
rodada. Kyan e Idris são os responsáveis pelas apostas e dinheiro. Portanto,
não poderão ficar aqui conosco. Você se importa de ficar sozinha comigo?
Olho-o brevemente e percebo que tem o semblante tão autoritário
quanto o de Reese, porém mais suave, e possui uma altura muito
proporcional à do amigo. Seu sorriso é bem charmoso e branco, os olhos,
bem claros, e os cabelos são curtos, da cor de mel fresco. Aposto que usa
isso para fazer a cabeça de qualquer mulher. Sua beleza é encantadora e
chamativa.
— Sem problemas.
Conversamos por mais um breve momento, até que os outros dois se
dispersam e me vejo somente com Sebastian.
— Você bebe alguma coisa, pequena?
— Hã, não com álcool.
— Vamos pegar uma Coca-Cola, então.
Sorrio e o sigo.
Ele parece ser uma pessoa legal, dá atenção para todos que passam
por nós e me mantém por perto como se eu fosse posse sua.
Pegamos nossas bebidas e nos direcionamos a um lugar perto da
pista, à espera da corrida.
Troco mais algumas palavras com Seb, mas me calo quando avisto
Reese entrar na pista vestido com uma roupa de couro preta e verde, luvas,
botas e capacete.
Seu concorrente está de azul e preto, igualmente preparado.
As duas motos param lado a lado e uma moça loira, também vestida
com peças de couro, se posiciona no meio de ambas, com uma espécie de
bandeira na palma direita. De repente, a multidão se cala e sinto a tensão
dos olhares sobre os competidores.
A mulher lança um olhar para o de verde e, depois, para o de azul,
como se estivesse esperando pela certeza dos dois para dar a partida. Como
não há objeções, ela levanta o braço com a bandeira.
A tensão se multiplica quando o motor das duas motos ruge como um
leão selvagem e nervoso, tomando conta do ambiente aberto.
Sem querer, meu coração salta. Sinto-me ansiosa e agitada. Em meio
ao breu, apenas a pista brilha, dando certa intensidade ao ambiente. Fumaça
branca começa a subir das motos, pintando o ar.
Seguro minhas próprias mãos, apertando-as.
Ao mesmo tempo que a loira abaixa o braço com brusquidão, uma
buzina soa e a partida começa.
Meu corpo inteiro se arrepia com o barulho que acomete o local. Todo
mundo grita e o ronco que vem da pista é tão alto que quase sinto vontade
de tapar os ouvidos e me encolher. O que me impede de fazer isso é
Sebastian, que torce tanto ao meu lado, a ponto de me incentivar a fazer o
mesmo.
Um pouco tímida, grito junto com ele, e fico maravilhada com a onda
de adrenalina que me toma só por estar assistindo ao Reese correr. Imagino
como ele deve estar agora, explodindo emoção.
A primeira curva se aproxima e a multidão começa a soltar
murmúrios sobre o quanto é perigoso, mas fico impressionada com a
facilidade que Reese tem de dominar sua moto. Na virada, seu corpo desce
até o chão. Solto um gritinho, assustada, mas Sebastian me explica que é
assim mesmo que acontece nas curvas. O joelho dele raspa no chão, mas
depois se levanta novamente e mantém o mesmo ritmo de antes, talvez até
mais rápido.
Bato palmas e grito, maravilhada. Sebastian começa a rir, mas não
tenho certeza se é de mim. Não me importo. Nunca senti isso antes, este
sentimento tão parecido com felicidade.
A corrida está acirrada, os dois competidores estão muito próximos
um do outro, mas acredito fielmente que Reese ganhará. Até faço uma
oração mentalmente para que isso aconteça, esquecendo-me completamente
de que se trata de uma corrida ilegal.
Mais uma curva chega e o de verde, o único para quem olho agora,
consegue passar novamente com maestria. Depois disso, ambos somem,
pois a pista é muito grande e passo a não enxergar mais, somente o barulho
é notório.
Em menos de um minuto, eles reaparecem com a velocidade
duplicada.
Reese está quase ultrapassando o outro, quando Asher se aproxima,
estica a perna e tenta dar um chute nele, que se desestabiliza
momentaneamente e fica para trás.
Merda!
Fico com tanta raiva, que tenho vontade de soltar o meu primeiro
palavrão, mas não faço isso, só grito, incontida.
— Que grande filho da puta! — Sebastian esbraveja ao meu lado.
Mantenho os olhos focados e percebo que Reese acelera mais,
tentando recuperar o que perdeu.
— Ele deve estar a uns trezentos quilômetros por hora agora — meu
acompanhante diz.
— O que isso quer dizer?
— É muito rápido.
— É perigoso?
— Sim, pequena.
Meu coração se aperta com a ideia de assistir ao Reese se
machucando e torço com todas as forças para que ele consiga passar do tal
Asher.
A chegada está se aproximando, e ambos correm loucamente,
disputando pela vitória.
Nos últimos segundos, minhas orações fazem efeito e vejo o de verde
ultrapassando o de azul. Reese passa pela linha de chegada poucos
centímetros na frente.
É inexplicável o que estou sentindo agora, meu coração nunca bateu
tão rápido.
O que é isso, felicidade?
Se for, chego à conclusão de que nunca fui tão feliz.
Reese desce de sua moto e tira o capacete, gritando tão alto que meus
olhos se enchem de lágrimas pela emoção e pelo orgulho que transbordam
de meu ser.
A gritaria que toma o ambiente é tanta, que me sinto sufocada, mas
não é uma sensação ruim.
Algumas pessoas começam a correr até a pista. Pegando-me
desprevenida, Sebastian segura em meu braço e me guia para o mesmo
lugar. Tentamos passar por todos, até chegar ao centro. Idris e Kyan nos
encontram, festejando como se este fosse o último dia da vida deles.
Reese se vira por um instante e seus olhos encontram os meus. O
músculo em meu peito bombeia rápido e a única coisa que penso em fazer é
correr em sua direção.
Ele percebe o que estou fazendo e se abaixa um pouco para me
receber. Nosso corpo colide e me sinto ser levantada.
Olhamo-nos por uma fração de segundos antes que eu segure sua
têmpora e o puxe para mim.
Não penso, só ajo.
E sinto.
Nossos lábios se encostam e permanecem por um instante, sem
moverem-se, como um selinho.
Acontece tudo tão rápido, que não tenho tempo de processar meus
erros. No momento, nada parece tão certo para mim.
Reese afasta seu rosto do meu e encosta meus pés no chão outra vez.
Eu o solto, levemente envergonhada, mas querendo, em segredo, voltar a ter
nossa boca entrelaçada. Sinto os olhares em nós, mas não vejo ninguém a
não ser ele.
Nossos olhos se mantêm fixos e umedeço os lábios com a ponta da
língua, o que ele entende como um convite silencioso para unir sua boca à
minha outra vez.
Meu corpo é puxado com tanta força que nossos lábios se trombam e
o que procede não é carinhoso, nem muito menos delicado. É faminto e
voraz.
Reese enrosca as mãos em meus cabelos e segura minha nuca como
se nunca quisesse me soltar, da mesma forma que me devora como se
estivesse anos esperando por isso.
O beijo se aprofunda e, ousadamente, ele me morde. Solto um gemido
que só nós conseguimos escutar, mas que intensifica a sede acumulada em
meu par, pelo que parece desejando beber cada um dos meus gemidos até se
saciar.
Minha língua sente a sua, tão quente, tão molhada, tão urgente, que
me permito ser guiada a aprender com esta sensação incrivelmente
prazerosa.
As cabeças mudam de ângulo e sou segurada com ainda mais ênfase e
desespero. A respiração de Reese oscila e ele arfa no meu rosto, fazendo
minha pele queimar e formigar.
Em um movimento erótico, chupa minha língua e a puxa, tomando
minha boca novamente em seguida, ávido.
É como uma dança em sincronia, cheia de desejo e luxúria, com
suspiros angustiados e cheios de questionamentos.
Será este o primeiro e último, ou o início de uma série de outros
beijos?
Seu aperto afobado se traduz em palavras que não foram ditas até
agora. É o silêncio mais barulhento que já pôde ser pronunciado e o
juramento de promessas que jamais conseguiríamos cumprir.
Inebriada, procuro por ar e ele me cede, porque também sente que o
ar está escasso.
É então quando olho em volta e me dou conta de que todos estão nos
olhando.
Algo quente sobe dos meus pés até o último fio de cabelo preso em
meu couro cabeludo e penso em fugir, em sair correndo. Reese percebe,
pois pega em minha mão e pede para que os amigos deem continuidade à
competição.
Ele sobe na moto e me encaixa exatamente como antes. Partimos em
alta velocidade, completamente silenciosos.
Estaciono na garagem de casa e retiro nossos capacetes com
agilidade. Não há nada que eu queira mais neste instante do que beijá-la
novamente.
Seguro seu rosto e a trago para perto de mim, tomando seus lábios
outra vez. O gosto dela permaneceu vivo em minha boca durante todo o
percurso, contudo acredito que agora, sozinhos, conseguiremos fazer isso
dar ainda mais certo.
Sua textura é lisa e macia, notoriamente virgem, nunca antes tocada e,
agora, toda minha.
Uma sensação de posse que jamais senti antes me toma. Sou o
primeiro homem a beijá-la e admito que não quero que exista um segundo.
Ellie cede, segurando meus braços, e, em seguida, passando a fazer
desenhos em minhas costas com suas unhas curtas. Minha pele se arrepia
com a imaginação de tê-la nua na minha frente, fazendo estes mesmos
movimentos em mim.
Não sei ser delicado, pois nunca fui. Mas quero dar a ela a chance de
ter um beijo mais tranquilo, para que entenda que existe prazer sem o
erotismo. Já ouvi dizer que a Bíblia condena a lascívia, por isso vou mostrar
que não existe nada de errado com o que vou fazer com ela agora.
Estou com tanta sede desta garota, que chega a ser algo insuportável.
Quase estacionei a moto no meio da avenida para devorá-la mais uma vez.
Quis beijá-la desde o primeiro dia em que a vi, mas neguei com todas
as forças. Privei-me, inclusive, de chegar a pensar nisso. Contudo, como eu
poderia parar agora que a tenho nos braços?
Ellie me intriga imensuravelmente, porque sempre gostei de mulheres
experientes e com o grau de safadeza compatível ao meu. Mas ela é
diferente, tão pequena, frágil, ingênua e recatada.
O estranho é que, em vez de não gostar da garota por conta desses
motivos, é exatamente por causa deles que a quero.
O proibido também me excita. Nossos pais jamais poderiam saber
disso, ou eu estaria morto. Kenneth me colocaria para fora de casa e Amelia
se decepcionaria em um nível surreal.
Segurei-me mais do que jamais consegui. Tenho a audaciosa mania de
escolher garotas e tê-las para mim no próximo segundo. Mas com Ellie
durou uma semana. Uma semana inteira tentando negar e me punindo
mentalmente por desejar desvirtuar uma garota virgem, considerada minha
irmã.
Contudo, quando ela tomou a atitude, fiquei espantado, pois não
passou pela minha cabeça que a garota também me queria. Mesmo agora,
com sua boca na minha, não consigo acreditar que está, de fato,
acontecendo.
A verdade é que no dia do incêndio houve algo entre nós. Nenhum
dos dois se pronunciou, mas o sentimento foi palpável, tamanha
intensidade. Lembro-me de que não queria soltá-la e ela, da mesma forma,
não quis se distanciar. Uma chave em mim virou naquele dia e passei a não
suportar a ideia de vê-la nas mãos de outro alguém. Nosso corpo se
encaixou de forma onírica, incrivelmente perfeita, e a cada lágrima que
soltou em meu peito, maior foi a minha vontade de tomar sua dor para mim.
Tento manter a calma e segurá-la com menos força, mas é difícil me
controlar. Eu a puxo para mais perto e ela praticamente se senta em cima de
mim, nublando por completo meus pensamentos. Aperto seus cabelos e
guio sua cabeça enquanto nos beijamos, mudando vez ou outra de ângulo.
Mordo-a com força e ouço uma reclamação. Para anemizar a dor,
passo a língua por cima do local machucado e aproveito para marcar todo o
perímetro de sua boca. Ellie mantém os olhos fechados e a respiração
dolorosa, intensa.
Nunca senti um gosto tão puro, e isso me deixa anestesiado,
desesperado por mais.
Seguro seu rosto de frente para o meu com autoridade e desço de sua
boca para o queixo, mordendo-o também, depois embaixo da orelha e, em
seguida, seu pescoço. Ela me aperta, mostrando que está doendo, mas não
pede para que eu pare. Assim como fiz com seu lábio, lambo seu pescoço e
subo até o queixo, para que sinta a dor se esvaindo.
Ela geme baixo, provavelmente tentando se conter, mas é o suficiente
para meu pau pulsar.
Envolvo suas costas e a trago para mais perto, encaixando, por fim,
nossa pélvis. Aperto-a contra minha ereção e procuro beijá-la novamente.
Contudo, a garota me para.
Fito seu rosto sardento e angelical. Os grandes olhos verdes parecem
preocupados e a boca, queixo e pescoço estão em uma coloração de
vermelho vivo.
Suas mãozinhas imaculadas tocam meu rosto e, vagarosamente,
começam a caminhar pela minha pele.
— O que está fazendo, Sardenta? — sussurro tão perto.
— Gravando seus contornos em meus dedos.
— Para quê?
— Para não esquecer jamais deste momento.
— Você não precisa esquecer.
— Reese — me olha com cuidado —, tive uma noite maravilhosa.
Senti emoções que jamais experimentei antes e, não posso mentir, gostei
mais do que deveria. Por isso não posso continuar. Espero que me entenda.
— Eu não entendo.
— Nada disso combina comigo, vai contra o que acredito, e estou me
sentindo culpada por ter gostado. Então, vamos aproveitar que não há nada
entre nós, e vamos fingir que não aconteceu.
Analiso-a com cuidado, tentando escolher as palavras certas.
— É isso mesmo que quer? Fingir que não aconteceu?
— Exato. Não deve ser tão difícil para você, já que provavelmente
nem sou alguém tão especial.
Não deveria ser algo difícil para mim, já que tenho feito isso durante
anos com todas as garotas com quem fiquei. Mas, como já mencionei, Ellie
é diferente.
Jamais pensei em ter algo sério com ela, não quero namorar e nem ser
fiel a ninguém, mas não posso mentir e dizer que não quero mais. Temos
uma conexão diferente, portanto seria incrível beijá-la escondido pelos
cantos da casa.
Sou desapegado, então não vejo problemas nisso, mas entendo que
seja complicado para uma pessoa como ela confrontar seus ideais, os que
acreditou fielmente a vida toda.
— Já estou acostumado a fazer isso, sim, Sardenta. Mas não queria
fazer o mesmo com você. Saiba que aceitarei porque está pedindo, não
porque quero.
— Está bem, posso lidar com isso.
— Não vamos nunca mais nos tocar? — pergunto, como se quisesse
que ela repensasse.
— Nunca mais, Reese. Prezo muito pelo meu relacionamento com
Deus e com Hugo, portanto tenho que arrumar o erro que cometi.
O erro que cometi.
— Não parece que você acha isso errado. — Examino seus olhos.
Ela fica realmente linda com as marcas que deixei.
— Mas acho.
— Porque ainda está sentada no meu colo, então?
Ellie se toca e limpa a garganta, sem graça.
— Pode me ajudar a descer, por favor?
— Claro — digo, tentando não rir. Eu a ajudo e também desço, me
posicionando de frente para ela. — Você vai contar ao seu namorado? —
pergunto, curioso.
Algo dentro de mim quer que o mundo inteiro saiba que a tive antes
de qualquer outro.
— Vou — ela diz, séria, e interiormente me sinto ainda mais vitorioso
do que estava antes. Porém, minha felicidade acaba quando continua a
frase: — E vou pedir para que Kenneth deixe-o vir para cá passar uns dias
comigo, a fim de que veja que ainda o amo e que isso jamais vai se repetir.
Sinto um tremor incontrolável tomar minhas veias, e tudo o que penso
agora é que não há chance nenhuma desse fodido vir para cá, correndo o
risco de tocá-la.
Ele vai ter que ser muito homem para passar por cima da minha
vontade.
Quinze dias depois

O cuzão chegou a minha casa hoje pela manhã e quero simplesmente


matá-lo. Ele tem uma cara de santo enrustido, daqueles que escondem
várias merdas por debaixo do tapete.
Joseph o ajudou com as malas enquanto cumprimentava a família.
Kenneth e Amelia o recepcionaram maravilhosamente bem e eu apenas o
fuzilei com os olhos como um aviso claro para que não chegasse perto de
mim outra vez. Ellie pulou em seus braços, sorrindo.
Merda, o que ela viu nele?
Hugo é tão sem graça que me dá vontade de vomitar.
Faz exatamente duas semanas que a Sardenta não olha em meus
olhos. Todas as nossas conversas foram breves e os encontros nas
madrugadas, corridos. Ela está me evitando e isso está me deixando doente.
Nenhuma outra mulher já me rejeitou desta forma e, em vez de partir
para outra, penso progressivamente nela.
Percebo que está cada vez mais solitária aqui em casa, porque não
conversa com quase ninguém. Admito que a pessoa com que mais a vejo
papeando é o insuportável do Rian, que sorri como um otário em sua
direção. Poucos dias após nosso beijo, fiquei sabendo que chamou minha
mãe. Não sei exatamente o que disseram uma à outra, mas Ellie conseguiu
convencê-la a trazer Hugo para cá por alguns dias, só para matarem a
saudade.
Amelia é uma mulher muito boa e, com toda certeza, insistiu que meu
pai concordasse em trazê-lo.
Quem sabe assim ela não se sentisse mais feliz aqui, não é? Aposto
que foi isso que meus pais pensaram.
Três noites atrás, eu a encontrei na cozinha, sentada com as pernas
cruzadas em cima da ilha central, comendo cereal com iogurte. Aproximei-
me e tentei puxar assunto. Ela nunca deixou de me responder, mas passou a
ser menos atenciosa, dizendo somente o necessário.
Fiquei exausto por não conseguir sua atenção, então me aproximei e
segurei seu rosto com mais força do que deveria.
— Por que não olha para mim, porra? — rosnei.
Olhamo-nos por instantes, e assisti seus orbes se encherem de água.
Soltei-a, atordoado.
— Merda! — murmurei. — Me desculpe.
Ela simplesmente voltou a comer seu cereal, uma lágrima caindo lá
dentro, e não proferiu uma única palavra.
— Vai mesmo trazer o seu namorado para dentro da minha casa,
Ellie? — quebrei o silêncio, por fim.
— Sim. É minha casa também agora, esqueceu? — Manteve os olhos
baixos, fungando.
— Ele já sabe?
— Não.
— Como pode trazer esse cara para cá? — Indignado, gesticulei.
— Não vou dizer que foi com você.
— Então vai dizer que beijou alguém, mas não vai revelar quem?
— Exatamente.
Segurei minha cabeça e olhei para o teto, nervoso.
— Por que não diz a verdade?
— Não consegue enxergar o quanto isso é errado, Reese? —
esbravejou, lançando-me um olhar duro, porém cheio de tristeza. — Não
quero que ninguém saiba!
— Porque fui um erro — sussurrei comigo mesmo, escarnecido,
percebendo que sou uma piada para ela.
Voltou a olhar seu cereal, encolhida.
— Quer saber? Faça o que quiser, Ellie! Arque você com as
consequências da sua mentira!
Subi para meu quarto com o corpo inteiro tremendo de ódio.
Desde então, não nos falamos mais. Até nossas aulas de alemão, que
estávamos fazendo uma vez ao dia, paramos. Por incrível que pareça,
mesmo não me olhando diretamente e não alimentando muita conversa, não
faltamos com nenhuma aula sequer, apenas nos últimos três dias.
Tenho frequentado a academia diariamente e despejado toda a minha
raiva nos pesos que levanto, ou nos socos que dou nos sacos de pancada.
Também passo bastante tempo na fazenda, cuidando dos animais e cortando
os troncos das árvores. Tudo isso me ajuda a espairecer, mas tenho estado
mais nervoso do que o normal. Treinei bastante para as corridas, mas,
infelizmente, perdi a última competição, a que Ellie se recusou a ir.
Não faço ideia de por que ando tão ansioso ultimamente, mas sei que
tem a ver com minha irmã de consideração, e odeio tê-la tão presa em meus
pensamentos.
Talvez minha mente esteja me sabotando.
Tenho, inclusive, fumado mais, como uma forma de escape.
À noite, me acostumei a sentar com o meu cigarro na grade da
varanda e ficar esperando que Ellie faça algo que eu possa ver, só pelo
anseio de me deparar com ela mais uma vez antes de dormir.
Peguei-a chorando enquanto olhava para o céu duas vezes, mas nada
fiz além de querer estar lá abraçando-a.
Tive apenas dois chamados do trabalho durante as últimas duas
semanas, o que me deu ainda mais tempo vago para fazer o que desse na
telha.
Fui a duas festas bombásticas nesse período e tive dezenas de
oportunidades de ficar com garotas maravilhosas. Mas, por alguma razão
filha da puta, nenhuma delas era sardenta como a Ellie, então não quis me
dar ao trabalho de tentar.
A sensação de que estou perdido me sufoca. É como se me tirassem o
ar quando estou perto dela e como se apertassem meu peito quando estou
longe. É horrível. Tão horrível que chego a me confundir se a garota me faz
bem ou mal.
Anseio por sua presença, mas me sinto péssimo quando estou
próximo, sem poder tocá-la.
Jamais experimentei isso, e me recuso a pensar que estou apaixonado.
Isso é para os fracos. O que penso é que, provavelmente, gostei tanto de
beijá-la, que agora desejo ardentemente repetir a dose. Contudo, como não
posso a ter, isso aflige meu corpo.
É isso.
Tem que ser isso.
Eu nunca me apaixonaria por uma menina tão simples, jovem, cristã e
quase minha irmã. Não é possível.
Respiro fundo, perdido em minha memória e pensamentos.
Estou deitado na minha cama, fitando o teto. Parece que meu peito
está sendo esmagado, por isso uma reclamação escapa da minha boca.
Odeio que esse cara esteja aqui na minha casa. Simplesmente odeio.
Já é final da tarde, fiz todas as minhas tarefas e, agora, tudo o que me
resta é pensar e pensar, até que minha cabeça exploda.
Levanto-me e caminho até minha sacada, imaginando que Ellie deve
estar contando ao Hugo o que fez neste exato momento. Tudo o que desejo
é que o infeliz diga que não a quer mais e vá embora. Porém, fico
paralisado quando vejo o casal na piscina, rindo e se divertindo como se…
como se fossem felizes juntos.
Você mal a beijou, seu virgem desgraçado! penso, puxando um
cigarro do bolso.
Passo longos minutos assistindo aos dois, até que a bituca entre meus
dedos não exista mais.
Fico mais calmo, mas não o suficiente. Minha raiva impulsiona o
corpo a querer descer as escadas e socar a cara dele até deixá-lo
desfigurado.
Mas não posso fazer isso. Como explicaria isso aos meus pais?
Ando de um lado para o outro, pensativo.
Meu pai me desafoga dos pensamentos ruins quando bate à porta e
me chama para jantar. Mal me dei conta de que já estava ficando tarde.
No jantar, pela primeira vez, Ellie aparece. Descobri ontem com
minha mãe que este foi um dos combinados para trazer o Hugo para cá.
Sento-me de frente para ela, que está ao lado do namorado, mal
notando minha presença.
Quem não sabe o que houve entre nós, com toda certeza, pode julgar
o jantar como harmonioso. Meu pai está feliz por ter a filha conosco pela
primeira vez e, empolgado, enche Hugo de perguntas, às quais o infeliz
responde com simpatia. Uma simpatia que está me dando dor de barriga,
inclusive. Minha mãe, como a maior apoiadora de Kenneth, está ajudando a
manter a conversa, até que entra em um assunto que me deixa
completamente desconfortável.
— Então, você e a Ellie se conheceram na igreja?
—Sim. — Ele solta um risinho estúpido. — Meus pais são pastores
da mesma igreja, então eu e ela crescemos juntos.
— Oh, que lindo! O amor cresceu junto com vocês!
— Exatamente.
— E quando a pediu em namoro? Gosto de ouvir histórias assim.
Forço o maxilar, cheio com essas informações que não tenho interesse
nenhum em saber.
— Foi alguns anos atrás, estávamos…
Interrompo-o com uma batida forte na mesa. Todos se silenciam e
olham em minha direção.
— Filho, o que houve?
Limpo a garganta, tentando disfarçar.
— Só estou com calor — digo. — Vou dar uma volta para respirar
melhor. Não se preocupe, volto logo.
Atordoado, eu me levanto e saio da sala de jantar.
Desfruto da minha ira escolhendo uma moto e dirigindo-a tão rápido,
que não consigo distinguir nada a minha volta, somente um grande borrão.
Paro na casa de Kyan, que me recebe rapidamente, como se já
estivesse prevendo que eu chegaria a qualquer momento.
Não fazemos nada de especial, somente conversamos e bebemos
algumas cervejas, ouvindo uma música de fundo.
Volto para casa pela madrugada, quando, certamente, todos já estão
dormindo. Estaciono a moto e, com a cabeça mais fria, subo as escadas
vagarosamente.
Está tudo escuro, com exceção da baixa claridade das luzes
amareladas que minha mãe teve ideia de colocar.
Antes de entrar no meu quarto, passo pelo de Ellie, que está fechado.
Aproveito para me aproximar. Levanto o punho, pronto para bater e chamá-
la para conversar, mas algo me detém.
Um grito.
Um grito insuportavelmente alto.
Meu coração se esmaga na mesma hora, preocupado.
É a voz de Ellie.
Abro a porta com brusquidão e invado o cômodo.
Fico cego de raiva com o que vejo: Ellie, muito assustada, sentada na
cama, e Hugo, em pé ao seu lado.
— O que você fez com ela? — ralho.
Atravesso o quarto com rapidez e pego o desgraçado pelo colarinho,
batendo sua cabeça com força na parede. Em seguida, fecho o punho e miro
em seu nariz.
— Reese! Pelo amor de Deus, não faça isso! — Ellie grita,
levantando-se e agarrando meu braço. — Eu tive um pesadelo! Foi só um
pesadelo! — ela se apressa em dizer.
Ainda segurando Hugo, olho para ela.
— Você está bem? — minha voz diminui para um tom preocupado.
— Sim, pode soltá-lo. Ele não fez nada.
Viro-me novamente para o infeliz que está preso entre minha mão e a
parede e me aproximo até encostar o meu nariz no seu. Rosno:
— O que está fazendo no quarto dela a esta hora da madrugada?
— Ficamos conversando até tarde e ela pediu que eu dormisse aqui.
— Isso é verdade, Ellie?
— Sim, mas ele não estava dormindo na cama comigo, estava no
sofá.
Lanço um olhar ao sofá, do outro lado do quarto, e vejo que realmente
há um travesseiro e um cobertor lá.
— Se ousar tocar nela — sussurro em um tom odioso de aviso —, eu
mato você.
— Eu jamais machucaria minha namorada!
Respiro fundo com suas palavras, tentando me conter, e o solto com
pouco cuidado.
— Está precisando de alguma coisa? — pergunto à Sardenta, disposto
a fazer qualquer coisa.
— Apenas que saia do meu quarto.
Pela manhã, acordo e permaneço na cama. Não me sinto bem.
Olho para Hugo, que ainda dorme no sofá em um sono profundo, e
repasso a conversa que tivemos ontem, após um dia tão divertido. Não quis
deixar para hoje.
Contei que Reese me chamou para assistir a uma de suas corridas e
que acabei beijando um de seus amigos. Na minha cabeça, veio Sebastian,
mas não entrei em detalhes. Ele também não perguntou.
Ficamos em um clima tenso e chato. Hugo se chateou bastante, mas
disse que me perdoaria se eu ainda quisesse manter um relacionamento com
ele.
Pensei em minha mãe, que sempre apoiou meu relacionamento,
dizendo que ele se enquadrava exatamente no padrão de homem que Deus
descrevia em sua palavra sagrada. Por amor a ela e por temor a Deus, disse
que permaneceria namorando-o.
Hugo não é uma pessoa ruim, é responsável, divertido e carinhoso. O
cara ideal para se casar com uma garota da igreja. O problema é que sempre
achei que o amava, mas, após o beijo, comecei a duvidar disso.
O que senti e continuo sentindo por Reese é veemente, impetuoso,
algo que nunca senti e nem mesmo imaginava que existia.
É constrangedor querer tanto uma pessoa.
Tenho tentado a todo custo evitá-lo, porque basta um olhar para que
as lembranças voltem e peçam que eu repita exatamente o que fiz na noite
da corrida.
Na Bíblia diz que devemos lutar contra o desejo carnal e é exatamente
o que estou fazendo. Ficarei o mais distante possível de Reese, até que eu
não o queira mais.
E, quem sabe, aceitando ficar com Hugo, esse sentimento suma mais
rápido.
Após nossa conversa, meu namorado me abraçou e disse que nosso
amor pode superar o que fiz. Concordei, completamente em dúvida.
Achei estranho que ele tenha lidado tão bem com a situação, mas
decidi não questionar. Contudo, acho que o remorso me atingiu e pedi para
que dormisse comigo. No mesmo quarto, quero dizer, não na mesma cama.
Tive uma madrugada péssima e um pesadelo terrível. Talvez, por
conta disso, eu não tenha conseguido dormir direito e tenha acordado mal.
Agora, não estou com a mínima vontade de me levantar.
Fico, pelo que me parece uma eternidade, deitada até que Hugo
acorda. Ele vem até mim e beija minha testa.
— Ellie, você está muito quente!
Solto um gemido.
Disposto a me ajudar, sai à procura de remédios e volta ao quarto com
meu pai ao seu encalço.
Kenneth me cumprimenta e encaixa um termômetro na minha axila
esquerda, aguardando até que apite. Quando vê minha temperatura, diz:
— Ela está com trinta e nove graus, precisa de um remédio urgente —
então, pede para que esperemos e vai pegar a medicação. Volta com um
comprimido e me entrega. — Quer que eu traga seu café na cama, filha?
— Não. Eu só quero ficar sozinha e tentar dormir mais.
— Está bem. Vou dar umas dicas de lugares que Hugo pode visitar
enquanto isso. Ele precisa aproveitar que está na Europa, não é?
Hugo não parece muito contente com a ideia de me deixar para
passear um pouco, mas acabo incentivando-o e insistindo que vá, pois só
tem uma semana para aproveitar o novo país, depois já voltará ao Texas.
Kenneth pede que eu ligue caso precise de algo e se despede,
visivelmente preocupado. Meu namorado o acompanha até a saída.
Fecho os olhos novamente, mas sinto medo de dormir e ter o mesmo
pesadelo de antes, então apenas descanso, coberta até as orelhas.
Sinto o corpo tremer e a mente vagar por lugares perigosos. Sem que
eu possa me conter, começo a chorar. Todos os meus músculos doem e meu
coração parece machucado, se é que isso é possível. Pensei que conversar
com Hugo fosse amenizar alguma coisa, mas me sinto cada vez mais
culpada.
Minutos depois, o suficiente para Kenneth e Amelia terem saído de
casa, ouço batidas à porta. Não me dou ao trabalho de responder, pois acho
que é meu namorado e não estou com energia para conversar com ele agora.
Sem minha autorização, entra. Mas não é quem eu estava pensando, é
Reese.
— Ei — ele fecha a porta e se aproxima —, fiquei sabendo que está
com febre.
Confirmo sutilmente com a cabeça.
— Sei que não quer falar comigo, mas aprendi algo no curso de
bombeiro e queria testar com você. É para ajudar. Posso?
Confirmo novamente.
Ele tira a camiseta, deixando os músculos de fora, todos cobertos por
tatuagens, e fica apenas com uma bermuda de tactel cinza.
Arregalo os olhos, espantada. Seu corpo é escultural,
maravilhosamente desenhado. Os braços são tão grandes, que torna possível
ver as veias saltadas fazendo caminhos por eles.
— O que vai fazer? — pergunto, fraca.
— Confie em mim.
Então se deita na cama ao meu lado e arranca os cobertores de cima
de mim. Não consigo controlar a arritmia, que começa a atacar meu peito
descompassadamente.
— Não me toque! — peço.
— Fique quieta, Sardenta.
Então me puxa para um abraço. Fico dura, sem mover os braços ou
pernas.
— Por que está me abraçando, Reese?
— É uma técnica que se baseia em colocar algo frio no corpo de
alguém que está com febre. Quando fiquei sabendo que você estava quente,
tomei um banho gelado para poder vir te abraçar e tentar diminuir sua
temperatura.
— Já tomei remédio, logo vou melhorar.
— Estou querendo só ajudar.
— Você não deveria estar aqui, Reese.
— Talvez te conforte saber que não vou tentar te beijar. Só quero
mesmo ajudar a febre a baixar. Pode vir sem medo.
Talvez eu queira que me beije.
Mas querer não é poder.
Aproximo-me mais e aceito ser abraçada.
— Vou levantar sua camiseta até abaixo dos seios, mas prometo que
não vou ver nada. A intenção é que sua barriga fique em contato com a
minha.
— Reese… — digo em tom de aviso.
Ele dá risada, mas não se pronuncia.
A pele de Reese está extremamente gelada em contato com a minha,
que está prestes a pegar fogo. Arrepio-me e reclamo.
Ele me puxa para mais perto e arruma nosso corpo. Descanso a testa
na curva de seu pescoço, os grandes braços tatuados me enrolam e nossas
pernas se entrelaçam.
Um instante de silêncio recai sobre nós, mas quebro-o com uma
pergunta:
— Está acostumado a fazer isso?
— Não, nunca fiz.
— E por que está testando pela primeira vez comigo?
— Nunca me importei tanto com alguém quanto me importo com
você.
Engulo em seco, levemente nervosa.
O cheiro dele é de sabonete, o que me faz perceber que amo essa
simplicidade. Amo o fato de ter tomado banho gelado somente para me ver
melhor. A fragrância é de cuidado com zelo.
Nossa barriga respira em concordância, e nossos calcanhares se
esfregam vagarosamente. Sinto através desse contato a temperatura de
Reese diminuir, aos poucos, a minha febre.
Aconchego-me mais, até estar completamente encaixada em cada
uma de suas curvas.
— Obrigada, Reese, por se importar comigo.
— Não tem por que agradecer.
— Eu nunca me deitei assim com um homem — comento, levemente
constrangida.
— Nem com Hugo?
— Eu disse nenhum homem.
— Não sabia que ele era um.
Solto uma breve risada.
— Não fale assim dele.
— Se eu fosse seu namorado, jamais te deixaria com febre e iria
passear.
— Insisti que fosse, eu queria ficar sozinha.
— Por que não insistiu que eu saísse também?
— Pare de me fazer perguntas difíceis, Reese.
Sinto seu sorriso crescer.
— Você acredita mesmo que Deus está nesse relacionamento,
Sardenta?
— Estamos aguardando por um sinal para ter certeza.
— Talvez a demora por uma resposta já seja um sinal.
Penso por um instante e decido perguntar:
— Você acredita em Deus, Reese?
— Minha sinceridade vai te machucar?
— Não. Prefiro a verdade sempre.
— Não acredito.
— Por quê?
— Porque, todas as vezes que ousei pedir algo a Ele, não tive
resposta. Então, recebi o silêncio como um sinal de sua inexistência. Com o
tempo, percebi que, se eu não fizer o que preciso com meu próprio esforço,
nunca vou alcançar minhas conquistas.
— Sinto muito, Reese. Sinto mesmo. — Abraço-o mais forte.
— Pelo quê?
— Viver sem fé deve ser péssimo.
— Não é, Sardenta. Assim posso acreditar mais em mim e parar de
esperar por alguém que nunca vi.
— Deus não precisa ser visto, basta senti-lo.
— Onde Deus estava quando eu e minha mãe estávamos… — Engole
em seco, ocultando a informação que diria. Percebo que muda de assunto
quando continua a falar. — Onde estava quando minha mãe não parava de
chorar por não conseguir engravidar? Não foi Ele quem a abraçou, fui eu.
Movo a cabeça e o olho de perto. Ele não consegue evitar e olha
minha boca, mas depois desvia e volta aos meus olhos.
— O que foi? — sussurra.
— Você é uma boa pessoa, Reese — digo, por fim.
Neste instante, tenho certeza de que há muito mais sobre Reese do
que imagino, talvez algo em seu passado que o machucou tanto, que ele
chegou ao ponto de não acreditar em nada mais além de suas próprias
forças. Em geral, isso acontece com pessoas profundamente machucadas.
Decido não insistir ou perguntar, apenas pensarei em uma forma de
mostrar que Deus existe e que está aqui para sarar seu coração.
Ele sorri, mas não mostra nenhum de seus dentes.
— Ellie, desculpe te acordar, mas… — Hugo abre a porta e entra
falando, causando em mim um susto surreal.
Sento-me na cama, culpada, e abaixo minha camiseta. Reese nem ao
menos se move, como se quisesse mostrar com todas as letras que não se
arrepende de nada.
— Hugo… — começo, mas sou interrompida por sua mão, que se
levanta no ar como se pedindo que eu parasse.
Ele anda até mim e para na minha frente, olhando entre mim e o
homem sem camiseta ao meu lado.
— O que está acontecendo aqui? — pergunta.
Reese solta uma risada, chamando nossa atenção.
— Ellie estava pegando fogo na cama, mas não no sentido bom da
palavra. Só tentei ajudar com uma técnica que aprendi no curso de
bombeiros para que a febre abaixasse. Fique tranquilo.
— Ele… ele… — gaguejo, tentando explicar como funciona a
técnica.
Hugo reveza seu olhar entre mim e meu irmão de consideração, com
uma expressão fechada.
Reese se levanta, coloca sua camiseta e se dirige ao meu namorado:
— Já te expliquei o que houve. Se não quiser acreditar, o problema é
seu, mas, se eu sair por aquela porta e ouvir você brigando com a Ellie por
algo que ela não fez, dois segundos depois suas malas estarão prontas, junto
com as passagens de volta para os Estados Unidos.
Hugo permanece quieto, olhando-o com a cabeça erguida, esperando
ficar sozinho comigo para conversar.
Reese vira as costas, já vestido, e segue até a porta. Contudo, antes de
passar por ela, diz:
— Caso a febre piore, basta fazer compressa com um pano molhado,
não precisa se deitar com ela na mesma cama. Acho que Deus não vai
gostar se isso acontecer — então lança uma piscadela e sai do quarto.
Merda!

Estou dentro de um lugar barulhento e escuro. Há tanta fumaça, que


não enxergo nada a minha volta.
Grito, grito por socorro, mas ninguém me ouve.
Corro sem direção, tropeçando em algo que não consigo definir o que
é. Bato a cabeça no chão, sentindo uma forte dor me tomar.
Encosto os dedos no lugar da batida e algo escorre por eles. É
sangue.
Desesperada, grito novamente.
Está todo mundo correndo. Ninguém me vê, ninguém me ouve.
Sinto alguém pisando em mim. Choro, chamando por socorro. Está
tão calor aqui, tão abafado, que não consigo respirar.
Tusso muitas vezes, buscando por oxigênio. Algo explode, parece
vidro.
Seguro a cabeça como proteção e fecho os olhos, sentindo o calor me
consumir.
O barulho do fogo, chegando cada vez mais perto, abala cada parte
do meu corpo.
Abro as pálpebras e olho para trás. Em meio à fumaça, o vejo.
Grande, brilhante, assustador.
Choro ainda mais alto.
Não sei como sair daqui.
Vou morrer. O fogo vai me engolir.
Tusso mais vezes, sentindo-me tonta.
Encosto o rosto no chão, fraca, e só espero pelo momento de ser
engolida.
Mas uma mão me encontra e me puxa.
Tudo fica preto.
Abro os olhos e grito, com muito medo. Ainda está tudo escuro.
Alguém corre e me segura. Começo a me debater.
Onde estou?
— Calma! Ellie, calma! — ouço a voz de Reese. — Olhe para mim!
A luz se acende e consigo distinguir o que está acontecendo.
Kenneth, Amelia, Hugo e Reese estão aqui.
Aos poucos, a consciência volta e me lembro.
Eu e Hugo conversamos ontem, ficamos bem. Jantamos em família e
depois subimos para o quarto, onde ficamos até tarde conversando.
Ele dormiu aqui novamente, no sofá. Peguei no sono olhando-o.
No meio da madrugada, tive o mesmo pesadelo da noite anterior.
Exatamente o mesmo.
Meu coração bate acelerado e reconheço o termômetro na mão de
Kenneth. Ele o encaixa em minha axila e aguarda.
— Ela está com quase quarenta graus, precisa ir ao hospital.
— Vou trocar de roupa — Amelia diz.
— Eu também — Reese se pronuncia.
— Não, fique aqui em casa com Hugo e descansem. A noite vai ser
longa.
— Nem fodendo! Eu vou junto!
— Olha a boca, rapaz! — Kenneth o adverte.
— Pai, por favor — Reese pede, olhando-o. — Quero ir e ajudar com
o que for necessário.
— Também quero ficar com a Ellie. Não vou conseguir dormir de
preocupação — Hugo fala.
Kenneth suspira.
— Ok, vamos nos arrumar.
Todos saem do quarto, menos Amelia, que, antes de ir, diz que
gostaria de me ajudar a trocar de roupa.
— Eu consigo sozinha — digo, incomodada.
— Acho que já conheço o jeito como gosta de se vestir. — Ela vai até
o closet quase vazio e volta com uma camiseta e uma calça de moletom.
Dou risada, sentindo a dor de cabeça me dar uma pontada.
— É exatamente o que eu escolheria. Obrigada.
— Por nada, querida. — A mulher sorri e acaricia meus cabelos. —
Agora vou tirar meu pijama. Te vejo daqui a pouco.
Observo-a sair do quarto e mordo o lábio inferior. Nunca dei
oportunidade para Amelia se aproximar o suficiente, mas tenho certeza de
que é uma boa pessoa. Talvez eu devesse dar uma chance a ela. Conversar
com outra mulher pode ser bom agora.
Quando todos estão prontos, entramos no carro e partimos.
Deito a cabeça no ombro de Hugo e ele me abraça, aparentemente
preocupado. Porém, não tanto quanto Reese, que mexe a perna sem parar.
Sou atendida com rapidez quando chegamos ao hospital, o mesmo a
que vim da última vez, e logo sou medicada e orientada a fazer alguns
exames.
Uma das coisas que admiro neste país de Primeiro Mundo, é o quanto
priorizam a saúde do cidadão. Assim que retorno com o doutor, sou
informada de que estou bem, mas que, provavelmente, o estresse deve estar
mexendo com minha imunidade. Orienta que eu tente descansar e pare de
pensar em coisas ruins. Explica, também, que a morte da minha mãe e o
acidente que enfrentei no dia do incêndio ainda devem estar me causando
problemas emocionais, exatamente por isso tenho tido pesadelos com o que
mais temo na vida: o fogo.
Quando voltamos para casa, minha febre já está mais baixa por conta
das medicações e aproveito para deitar-me mais um pouco, já que o dia nem
amanheceu ainda.
Kenneth me dá um beijo e pede que eu o chame para qualquer coisa,
depois sobe com sua esposa para descansarem mais um pouco também.
Hugo faz menção de entrar no quarto comigo, mas Reese o segura
pelo ombro.
— Seu quarto é aquele ali. — Aponta para o de hóspedes.
— Você não acha que, para um irmão, se intromete demais na vida da
minha namorada?
Olho rápido para Reese, porque sei que ele não lida bem com
respostas desse tipo. Já percebi que tem certa facilidade para brigas, e não
quero que se envolva em uma com meu namorado. Começa a rir como se
Hugo tivesse contado uma piada. Estremeço com o tanto que parece
maldoso e perigoso.
— O que eu acho é que você é corajoso demais para falar comigo
desse jeito, ou talvez não tenha amor suficiente pela sua vida.
— O que quer dizer com isso?
Maleficamente, seu sorriso se desfaz e a expressão endurece.
— Que se entrar de novo neste quarto, seu virgem de merda, vou te
jogar de cabeça pela janela.
— Reese! — exclamo, boquiaberta. Ele me olha como se tivesse
apenas falado palavras bonitas e ergue as sobrancelhas. — Saiam já do meu
quarto! Os dois!
Cinco dias se passaram desde que o imbecil do Hugo chegou aqui, e
estou na importante missão de convencer Ellie de que o namorado não é a
pessoa certa para ela.
Por que estou fazendo isso?
Não sei bem a resposta ainda e tento não perturbar minha mente
procurando por respostas.
Só sei que este garoto não me engana com toda essa santidade que
demonstra ter. Que tipo de namorado não fica bravo ao saber que a pessoa
que ama beijou outro?
Ele nem ao menos quis tirar satisfação! Nem perguntou detalhes!
Sei disso porque perguntei à Ellie e ela me contou exatamente como
foi a conversa deles, aliviada por não ter entrado em uma discussão com
Hugo.
Por não confiar nele, passei a fazer ronda na frente do quarto da
minha irmã de consideração durante as noites, desde que voltamos com ela
do hospital.
Fico sentado diante da porta ou andando de um lado para outro,
preparado para o caso de ela ter algum pesadelo ou alguém indesejado
tentar entrar em seu quarto.
Pela manhã, costumo ir dormir, cansado pela noite em claro, e os
deixo passar o dia juntos, recusando-me a ver. Quando acordo, faço alguma
tarefa ou vou treinar com meu carro ou moto. Sempre arrumo alguma coisa
para fazer, a fim de não ter que lidar com a melação dos dois pombinhos.
Hoje à tarde, assim que acordei, saí para a sacada do meu quarto e
observei a linda paisagem. Ellie estava deitada na grama, apontando para o
céu. Estaria linda se não fosse pela presença insuportável de Hugo com ela,
deitado com a cabeça em sua barriga.
Uma raiva descomunal me tomou, porque ele se moveu e a camiseta
dela se levantou um pouco, deixando à mostra parte da pele clara.
Pensei em descer as escadas e me intrometer, mas me contive porque
percebi que eu estava chamando muita atenção com essa mania de ficar o
tempo todo demonstrando o quanto me importo com ela.
Dois minutos depois, percebi Rian se aproximando. Ellie o adora e só
por isso o odeio também.
Assisti por um breve momento aos três conversando em completa
harmonia e senti vontade de vomitar.
Agora, estou sentado no corredor, de frente para a porta de Ellie,
ouvindo música com meus fones de ouvido e me lembrando de alguns
momentos do dia. Já é madrugada e todos estão dormindo.
De repente, no meio de mais uma lembrança sobre Ellie, avisto a
porta do quarto de hóspedes se abrir. Não me movo, só observo.
Se esse otário chegar perto daqui, vou espantá-lo a pontapés!
Contudo, para minha surpresa, fecha a porta e segue para a escada,
descendo os degraus sem fazer barulho. Provavelmente está tão focado no
que deseja fazer, que acabou não me vendo.
Fico me perguntando o que diabos está fazendo fora do quarto a esta
hora, mas depois me convenço de que desceu para comer ou beber alguma
coisa. Não vou atrás para me certificar, porque, se ele não está com Ellie,
para mim está tudo bem.
Que tropece e caia dentro de um buraco.
Cinco minutos depois, ouço a Sardenta gritando. Hugo ainda não
voltou e, com toda certeza, não ouviu os gritos, pois não veio para ajudar a
acalmá-la.
Ela tem feito isso na maioria das noites desde que ele veio para cá.
Não faço ideia se existe alguma ligação, mas isso me preocupa em uma
proporção gigantesca. Sua febre fica indo e voltando, assim como as dores
de cabeça. Entro no quarto e me sento na cama com as pernas cruzadas.
Puxo seu corpo para meu colo e repito que tudo vai ficar bem. Ela me
abraça e chora no meu peito, enquanto continuo tentando acalmá-la, nos
balançando vagarosamente. Quando se acalma, me olha. Seco suas lágrimas
com carinho.
— Está tudo bem — digo mais uma vez.
— Tive o mesmo sonho — explica, chorosa.
Abraço-a mais forte, aninhando-a. Seu corpo é tão pequeno em
comparação ao meu, que cabe perfeitamente sentada sobre minhas pernas
cruzadas.
— Por que tem tanto medo do fogo, Sardenta?
— Não faço ideia. Uma vez questionei minha mãe, mas ela disse que
eu nunca tive nenhum motivo para ter tanto medo.
— É estranho temer algo com que você nunca teve nenhum
envolvimento.
— Também acho.
Um momento de silêncio se estende, ambos afogados em
pensamentos.
— Reese?
— Sim?
— Você pode me esperar dormir para ir embora?
— Claro.
— Posso dormir aqui? — Aponta para meu colo.
— Pode.
Balanço-nos sutilmente até que ela adormece e ouço sua respiração
profunda.
Olho para seu rosto sereno e o mesmo sentimento de posse me toma.
Quero que seja minha, quero que durma assim nos meus braços sempre,
quero sentir seu cheiro em minhas roupas todos os dias pela manhã.
Aquela impressão costumeira me toma, apertando meu peito.
Merda!
O que ela está fazendo comigo?
Acordo pela manhã com um movimento ao meu lado. Abro os olhos e
vejo Ellie se espreguiçando, o rosto sardento amassado pelo sono e os
cabelos negros um pouco bagunçados.
Está linda, tão linda que me falta o ar.
— Reese — diz, a voz sonolenta —, você dormiu aqui?
— Pelo visto, sim.
— Precisa ir embora. Hugo pode aparecer a qualquer momento.
Reviro os olhos.
— Você não estava preocupada enquanto dormia nos meus braços.
— Ei, fale mais baixo! Alguém pode ouvir!
Como se o universo estivesse conspirando contra nós, batidas à porta
soam. Levanto-me rápido, tentando desamassar minha roupa.
— Fique aí na cama do mesmo jeito que está — peço, caminhando
até a porta e abrindo-a descontraidamente. — Bom dia, pai! — desejo,
assim que me deparo com ele.
Kenneth me mede de cima a baixo e pergunta com o cenho franzido:
— A Ellie está bem?
— Foi justamente o que vim ver. Ela parece ótima, com certeza teve
uma boa noite de sono. O café da manhã está posto?
— Sim, vim por isso mesmo.
— Ok, já vou descer, então. Obrigado por avisar. Simplesmente saio
pela porta e os deixo sozinhos.
Essa foi por pouco. Se ele tivesse chegado um pouquinho antes, teria
nos encontrado na cama.
Entro no meu quarto, sorrindo. Dormir com a Sardenta em meus
braços foi maravilhoso.
Nunca passei noites com nenhuma garota antes. Sempre as uso ao
máximo e depois me despeço. Jamais achei que ia querer tanto repetir o que
fiz a noite passada, somente dormir abraçado com alguém que tem
naturalmente o melhor perfume do mundo. Essa calma que Ellie me passa é
surreal. Ela é a primeira a ter um carinho meu, com exceção da minha mãe.
Nenhuma mulher experimentou esse lado meu. Um lado que, inclusive, até
eu desconhecia. Tomo um banho e desço para o café da manhã. A primeira
cena que vejo é: a garota sardenta conversando com Amelia, ambas
sorrindo.
Fico feliz que a interação delas esteja melhorando. Cumprimento a
todos e me sento, preparando meu prato com as diversas opções de
alimentos em cima da mesa.
— Recebemos um convite para comparecermos à festa do Príncipe
Hans no mês que vem — minha mãe fala, alegre.
— Nunca vi um príncipe de perto — Ellie acrescenta.
— Você vai adorar — Kenneth explica. — Ele faz duas festas por ano
e são maravilhosas. O país todo é convidado para comparecer.
— Nossa, o país todo? — pergunta, escandalizada.
— Sim, querida! A festa é no castelo dele, é bem grande.
Ellie parece animada.
— Vamos ao castelo dele?
— Sim, vamos.
— Isso é incrível!
Sorrio ao me deparar com sua felicidade.
— Já que está tão animada, poderíamos ir à costureira hoje, para que
faça um vestido para você. Como é sob medida e feito à mão, é importante
ir o quanto antes para que fique pronto a tempo. O que acha? Ken pode
atender meus clientes, não pode?
— Com toda certeza — Kenneth responde.
Ellie murcha um pouco.
— É que o Hugo vai embora amanhã. Não quero deixá-lo sozinho.
— Não se preocupe comigo, amor. Apoio que vá fazer compras, isso
vai te desestressar.
Olho com o cenho franzido para o frango virgem. Ou realmente é
muito santo, ou há algo de errado com ele. Eu jamais deixaria minha
namorada solta sabendo que viajaria para outro país no dia seguinte.
— Tem certeza? — pergunta.
— Claro! Aproveite para passear um pouco, você está precisando.
— Perto da minha costureira, há uma avenida só com lojas
maravilhosas de roupas e sapatos. Podemos ver se encontramos algo de que
goste lá.
Ellie analisa o namorado por um instante e sorri, concordando em ir.
— Quero que compre uma roupa bem bonita e me mostre quando
chegar em casa.
Tranco meu maxilar com a ideia de ter Ellie se trocando para Hugo.
— Então, tudo bem! Vamos sair, Amelia.
Não sei discernir quem ficou mais satisfeito: minha mãe, meu pai ou a
Sardenta.
Após o café da manhã, recebo um chamado do serviço para ajudar
com algum desastre urbano, então troco de roupa e me apresso até o
batalhão.
Volto para casa quatro horas depois e a encontro vazia, com exceção
dos funcionários.
Aproveito a energia e decido descer para ver se preciso ajudar com
alguma tarefa do terreno. São tantos afazeres que duvido não ter nada para
fazer.
Caminho descontraidamente pelo gramado, olhando para as árvores, e
me lembro de entrar na cabana para pegar a caixa de ferramentas. Sempre
há um pequeno reparo a fazer.
Aproximo-me devagar, pensando em Ellie, meu passatempo favorito
ultimamente, mas paro quando ouço um ruído estranho.
Apuro os ouvidos e percebo que vem de dentro da cabana. Talvez
algum animal tenha escapado e esteja preso lá dentro.
Com a intenção de entender o que está acontecendo, abro a porta.
Contudo, o que vejo é, sem dúvida, a cena mais caótica de toda a
minha vida. E olha que já fui muito surpreendido antes.
Juro que estava preparado para qualquer outra coisa, menos para isso.
Avisto Hugo em pé no canto da cabana, encostado à parede. Seus
olhos estão fechados e a expressão que carrega é de puro prazer, assim
como a respiração que lhe escapa entre os lábios.
Acompanho o corpo com os olhos, até chegar ao zíper da calça, que
está aberto. O membro duro de Hugo está para fora, completamente dentro
da boca de Rian, que lhe faz um boquete.
— Que porra é essa? — grito, sentindo a veia do meu pescoço
pulsar.
Os dois se assustam e se distanciam.
— Você é gay, caralho? — ralho para Hugo enquanto fecha sua calça.
Ele não diz nada, literalmente chocado com minha presença.
— Rian, vá para fora — ordeno, apontando para a porta, ainda com os
olhos em Hugo.
Rian obedece, saindo da cabana.
— Se você contar alguma coisa, falo para seus pais que você e a Ellie
têm algum envolvimento. — Ele treme.
Começo a rir, mas é uma risada carregada de ódio.
Se Deus existe, esta é a hora de me provar isso, porque juro que quero
matar esse filho da puta.
— Acha que sou moleque igual a você, seu pau no cu? Sou homem
para bater no peito e dizer a verdade, sem me importar com as
consequências.
— Então diga a verdade, você gosta dela, não gosta?
— Não, eu não gosto dela. O que sinto em relação à Ellie é bem mais
do que um simples “gostar”. E é exatamente por isso que ela precisa saber
quem você é!
— Já vou embora amanhã, não precisamos passar por isso.
Fico tão nervoso com o posicionamento dele, que dou um soco na
parede, bem ao lado de sua cabeça. Tremendo do couro cabeludo aos pés,
ele se assusta e arregala os olhos. Encaro-o o mais próximo que consigo e
digo:
— Vou te dar as únicas duas opções que tem: Ou conta, ou eu conto.
O que acha melhor?
— Não posso contar.
Abro um sorriso maldoso que o faz suar pela têmpora e finalizo:
— Grave esta data como seu dia de sorte, Hugo. Porque minha
vontade é de matar você por saber que vai chatear a Ellie. Só não vou fazer
isso porque faço questão de ser o ombro no qual ela vai chorar quando se
decepcionar com você.
E, sem dizer mais nada, me afasto e saio da cabana.
Subo o gramado com o coração batendo acelerado e a respiração
falhando.
Sinto que vou morrer de tanta raiva, preciso extravasar.
Entro na garagem, subo na minha melhor moto e acelero o máximo
que posso, até se tornar altamente perigoso.
Tento pensar em como resolver essa questão e me pego encurralado.
Não sei como contar sem chatear Ellie, sem ter que fazê-la chorar.
Por isso o Hugo não cobrou tanto dela sobre o beijo, estava fazendo o
mesmo e, acredito, com muitos caras diferentes. Minha sardenta sempre foi
a farsa de imagem que ele queria passar para as pessoas da igreja.
Não posso aceitar que seja reduzida a isso. Eu me recuso a deixar que
fique buscando por uma resposta inexistente, pois está lutando sozinha por
esse relacionamento mentiroso.
Quero gritar, socar alguém. Dou-me conta de que era com Rian que
estava quando acordou naquela noite, pela madrugada. E também em outros
momentos em que sumiu durante a semana.
Após algumas voltas sem rumo, estaciono na frente da academia,
onde direciono toda a minha raiva no saco de pancadas. Vou embora horas
depois, pingando suor.
Quando chego em casa, já é noite, então todos estão presentes.
Ainda pensando no que fazer, vou ao meu quarto e tomo um banho
relaxante. Desço para jantar logo depois, encontrando toda a família
reunida.
Ellie transparece estar feliz, e é uma felicidade que jamais vi nela.
Provavelmente gostou muito da tarde que passou com minha mãe e até
conseguiu esquecer todas as tribulações que tem enfrentado.
Como vou lhe apresentar outro problema?
O cretino está sentado ao seu lado, agindo como se eu não tivesse
pegado Rian com a boca no pau dele. Os olhares que lança para mim
durante o jantar são amedrontados, mas não abaixo a guarda. Quero que
tenha certeza de que vou delatá-lo ainda hoje, se possível.
Fico quieto a maior parte do tempo, perdido em pensamentos, mas
não consigo me manter assim quando escuto Ellie dizendo que não vê a
hora de mostrar ao namorado as roupas que comprou.
Imagino-a se despindo na frente dele e, por mais que eu tenha certeza
de que não vai fazer isso, não consigo lidar com meus próprios
pensamentos.
Ela é certinha demais, mas já vivi o suficiente para saber que não se
deve confiar em homem nenhum.
— Você não vai mostrar nada! — interfiro.
Todos se viram para mim.
— Oi? — minha mãe franze o cenho, confusa.
Ellie começa a dar risada, tentando disfarçar.
— É que Reese acha que devo fazer uma surpresa com minha melhor
roupa amanhã, antes de levar Hugo ao aeroporto, não é? — Arregala os
olhos em minha direção.
Limpo a garganta.
— Sim, eu disse a ela para não mostrar tudo de uma vez e deixar o
melhor para o final… — Balanço a cabeça, concordando.
— Entendi — minha mãe diz, ainda com o cenho franzido.
Contudo, é Kenneth quem me olha como se uma venda tivesse caído
de seus olhos.
Arrasto a cadeira e me levanto. Faço uma despedida breve e sigo para
meu quarto, atordoado.
Poucos minutos depois, Ellie pede para entrar.
— Você está louco? — cochicha. — Não acha que precisa esconder
mais o que sente por mim?
Juro que sou pego de surpresa com sua última pergunta.
— Como é?
— Está escrito na sua cara, Reese!
Encaro-a por um longo tempo, em silêncio, tentando assimilar tudo.
Sei que há um sentimento estranho crescendo em mim, mas não quero
admitir. Isso me confunde. Portanto, tento mudar de assunto e aproveitar a
oportunidade para contar o que anda me engasgando.
— Merda! — sussurro, segurando minha cabeça. — Você entendeu
tudo errado… — Faço uma cena de ator, para que realmente acredite que
não alimento sentimentos frustrantes em relação a ela.
— O que entendi errado?
— É que eu… Eu preciso te contar uma coisa.
— O quê?
— Hugo não te ama como acha que ama, Sardenta.
Pisca algumas vezes, levemente confusa.
— Por que está me dizendo isso?
— Escute, eu o vi hoje com o Rian. — A garota não se move,
esperando por mais, como se não tivesse ainda compreendido o que eu
disse. — Juntos! Eu os vi juntos! — concluo.
— Juntos, como?
Por Deus, como vou explicar isso?
— Estavam dentro da cabana. Eu entrei sem querer e acabei vendo o
Rian… O Rian estava chupando o Hugo, fazendo um boquete nele.
Ellie permanece me olhando, atônita.
— Reese, o que você está me dizendo?
— Exatamente o que entendeu. Seu namorado gosta de homens!
Ela leva as mãos à boca e assisto aos seus olhos se encherem de
lágrimas.
— Não pode ser… Não faz sentido, Reese.
— Eu sei que não, mas… é a verdade. Odeio te ver magoada, mas
achei que deveria saber.
— Você tem certeza? Será que não se confundiu?
— Ellie, nunca gostei do seu namorado desde o primeiro dia em que o
vi, mas eu jamais diria algo assim se não tivesse certeza. Pense em todas as
vezes que ele não agiu como um namorado, mas sim como um amigo.
Ela limpa algumas lágrimas, visivelmente abalada.
— Acho que preciso falar com ele e ouvir o que tem a dizer.
— Claro, acho importante que conversem.
Limpando mais lágrimas, vira-se para a porta, mas, antes de sair, eu a
chamo.
— Se precisar de alguma coisa, independente do que for, estarei aqui.
— Obrigada.
Fecho a porta do quarto de Reese e caminho, completamente
atordoada, até o meu, onde me ajoelho e começo a orar.
Será possível que isso aconteceu diante dos meus olhos e não
percebi?
Será que fui usada esse tempo todo e não desconfiei?
Choro não só pelo fato de ter sido traída, mas por estar me sentindo
traída, o que é ainda pior.
Sempre achei que Hugo fosse a minha pessoa, quem me completaria
até o último dia da minha vida, até pisar os pés neste lugar, nesta casa.
Quando olhei Reese pela primeira vez, meu coração pulou como
jamais havia pulado. Na corrida eu me senti feliz verdadeiramente.
Beijando-o, percebi que queria estar ali para sempre, na boca dele.
Abraçando-o na madrugada, estive mais protegida do que nos braços da
minha própria mãe.
Será este o sinal de Deus? O sinal que tanto esperei?
Talvez Deus tenha me dado muitos sinais, os quais simplesmente
deixei passar, e agora estou sendo obrigada a ver as coisas como elas
realmente são.
E como dói ver as coisas como elas realmente são:
Minha mãe morreu.
Meu namorado nunca me amou.
Estou na casa do pai que me abandonou.
O único amigo que eu tinha aqui é alguém que está se relacionando
com meu namorado.
Vejo-me apaixonada por uma pessoa que não posso amar, meu irmão
de consideração.
Choro porque estou sozinha, e porque não me sinto amada por
ninguém. Sou só uma garota completamente abandonada.
É neste momento que Hugo entra em meu quarto, batendo antes à
porta.
Ele se ajoelha ao meu lado e chama minha atenção. Olho-o com a
visão turva e espero que se pronuncie.
— Ele te contou, não contou?
Mordo o lábio inferior e balanço a cabeça.
— Me desculpe, Ellie. Me desculpe mesmo!
— Pelo quê? Por ter mentido para mim durante anos, por ter me
usado, ou por ter me traído?
— Por tudo.
— Desde quando anda fazendo isso, Hugo?
— A primeira vez foi há três anos.
Sinto meu coração se quebrar.
— Você me pediu em namoro há três anos.
— Eu sei.
Respiro fundo, destruída. Outras lágrimas quentes escorrendo pelas
minhas bochechas.
— Você disse que me amava.
— Eu amo você, Ellie. Isso nunca foi mentira.
— Quem ama não faz o que você fez.
— Eu sinto muito.
— Você não precisava ter escondido de mim. Sempre fomos parceiros
— lamento. — Tudo isso poderia ter sido diferente, muito diferente.
— Você não me entenderia.
— Você está tão errado, Hugo! Eu jamais te julgaria por gostar de
homens! Eu te apoiaria, porque não há nada mais lindo do que se assumir e
ser quem realmente somos! Mas agora só consigo te ver como alguém que
me usou até o último momento possível! Se Reese não tivesse visto, até
quando isso duraria? Você se casaria comigo?
Ele fica em silêncio e entendo como um sim.
Seco mais lágrimas teimosas.
— Você estaria me privando de ser amada, Hugo. — Choro, sem me
conter. — Essa é a pior maldade que um ser humano pode causar a outro.
— Você me traiu também.
— É verdade, mas eu me arrependi e te contei, prometi que não faria
mais. Eu tomei uma posição, não fiquei te enganando.
— Eu sei, eu sei disso. Me desculpe.
Tento normalizar a respiração, que está descompassada, e choro mais
um pouco antes de dizer:
— Agora eu só preciso de um tempo para refletir sobre tudo isso. Mas
acabou, você sabe, não sabe? Entre nós não existe mais nada.
— Imaginei que diria isso.
— Já tinha passado da hora de acabarmos com esse relacionamento.
— Você também já tinha percebido que seu lugar não é ao meu lado,
não tinha?
— Sim.
Ele meneia a cabeça, cabisbaixo, e se levanta devagar.
— Espero que fique bem, Ellie.
Então, sai do quarto e eu desabo ainda mais. Porque estou confusa,
perdida e dolorida.
Passo a madrugada acordada, incapacitada de dormir, e decido me
levantar para comer alguma coisa. Os doces que Reese comprou para mim
já acabaram há dias, porém estou mais acostumada com algumas coisas que
vejo nos armários da cozinha. Talvez eu encontre algo bem açucarado para
me acalmar. Abro a porta e tropeço, batendo em algo duro. Caio no chão
como uma gelatina ainda mole e gemo.
— Ellie! — Reese se aproxima para ver como estou e me ajuda a
levantar.
Passo a mão pelo braço dolorido e o olho.
— Eu tropecei em você?
— Sim, infelizmente. Me desculpe. Te machuquei?
— Só o meu braço… O que estava fazendo na porta do meu quarto?
— Acho estranho.
— Hã… — olha brevemente para os lados —–, eu estava te
protegendo.
— Protegendo do que, pelo amor de Deus?
— Eu nunca deixaria que Hugo entrasse no seu quarto. E também já
estava preparado para caso você tivesse algum pesadelo.
Paro um instante para pensar.
— Por isso era sempre você o primeiro a entrar no meu quarto quando
eu acordava assustada?
— Uhum.
— Você está há quantas noites sem dormir?
— Não se preocupe com isso…
Analiso-o em meio à luz amarelada do corredor.
— Quantas noites, Reese?
— Cinco, talvez — diz, finalmente, como se fosse a coisa mais
normal do mundo.
— Você só pode estar brincando! Por isso não te vi durante a tarde
nos últimos dias, não é? Estava dormindo?
— E você estava notando a minha ausência?
Sua pergunta me faz calar, constrangida.
Claro que notei que ele não estava presente nas últimas tardes, só não
quero ter que admitir isso.
Reese solta uma risada curta diante do meu silêncio e se aproxima.
Travo por perceber que está chegando mais perto. Ele pega meu rosto e me
analisa com atenção, como se estivesse contando cada uma das minhas
sardas no escuro do corredor.
— Me conte, Sardenta, o que está fazendo fora do quarto a esta hora?
— muda de assunto.
— Não consigo dormir, acho que preciso de um doce.
— Você e o Hugo conversaram?
— Sim.
— E como está se sentindo?
— Péssima.
Ele abre mais um sorriso cúmplice e explica:
— Comprei mais chocolates para você. Notei que, quando está
chateada, gosta de comer doces e imaginei que, depois do que houve hoje,
você precisaria de alguns.
Também sorrio, grata.
— Então busque e traga para comermos juntos aqui no meu quarto.
O tatuado concorda, dando-me um beijo na testa e se distanciando.
Entro em meus aposentos novamente e me sento na cama, com as pernas
cruzadas e as mãos nervosas se apertando. Acabei de convidar um homem
para vir ao meu quarto pela madrugada, penso.
Mas já fiz isso antes, não fiz?
Deus, perdoe a sua filha. Ando muito confusa e carente, o Senhor
sabe. Só preciso de uma companhia e Reese é a única pessoa nesta casa
com que converso e me identifico.
Talvez eu me identifique até demais, esse é o grande problema.
Mordo o lábio inferior e aguardo por seu retorno, ansiosa.
Sem bater, ele entra, poucos minutos depois.
Está vestindo uma bermuda preta de moletom, uma regata branca e
meias da mesma cor. Parece descontraído e calmo, apesar de que suas
tatuagens, juntamente com seu rosto anguloso, me dão a impressão de que
está sempre um pouco nervoso.
No quarto escuro, então, sua presença chega a sugar todo o ar dos
meus pulmões. Apenas a luz da lua entra no cômodo, clareando
minimamente.
Reese se senta à minha frente, depositando uma caixa cheia de doces
entre nós. Devagar, tira um por um, explicando cada sabor e me ensinando
as palavras em alemão. Sem que percebamos, começamos uma brincadeira
divertida, que me acalma e descontrai. Quando acerto a pronúncia das
palavras de primeira, posso morder o doce, porém, se erro, ele quem come.
Fazemos isso até que ficamos saciados.
— Você está cada vez melhor na pronúncia — elogia, guardando o
que ainda está espalhado em cima da cama.
— Obrigada, precisamos voltar com as aulas.
— Vamos fazer isso.
— Apesar de que preciso admitir que você comeu bem mais do que
eu.
— Foi completamente estratégico — dá uma risada —, eu também
estava precisando comer um doce.
— Estava se sentindo nervoso?
— Ando um pouco ansioso ultimamente. Sempre fumo quando estou
assim, mas estou tentando parar, não quero me tornar dependente da
nicotina.
— Odeio cigarro — digo, fazendo uma careta.
— Já experimentou?
— Não, mas aprendi na igreja que tudo o que traz vício é pecado.
— Você nunca me contou sobre sua relação com a igreja. Frequenta
desde pequena?
— Desde que me recordo. Cresci ouvindo a palavra e estudando a
Bíblia. Minha mãe era uma mulher de muita fé e enfatizava o quanto é
importante ter um relacionamento de oração com Cristo.
— Sua mãe era uma boa pessoa para você?
— Sim — sinto meu peito apertar, pois há um mês que não a tenho
mais comigo —, ela era uma excelente mãe para mim.
— Imagino que sinta falta dela.
— Muita.
— Acho que você não sabe sobre isso, mas meu pai morreu também.
— Sério? — Arregalo os olhos.
— Sim, eu era muito pequeno quando aconteceu. Mas nunca falo
sobre isso, meu pai foi uma decepção para mim e para minha mãe. Não
tenho nenhuma lembrança boa a seu respeito. Forço-me a nunca me lembrar
dele, pois, quando faço, apenas cenas angustiantes tomam minha memória.
Agradeço muito por Kenneth ter aparecido.
— Quer conversar sobre isso? — sugiro, pois percebo que há mágoas
envolvidas quando cita seu verdadeiro pai.
— Não, prefiro que nunca toque no assunto.
— Está bem. — Pigarreio, levemente curiosa.
— Tenho Kenneth como meu verdadeiro pai, sobre ele podemos falar.
Franzo o nariz.
— Ele sempre te criou, não foi? — pergunto.
— Sim, desde os meus quase sete anos. Por isso não consigo entender
o que houve com relação a você.
Olho para minhas mãos e digo o que realmente penso:
— Acho que fui uma gravidez indesejada. Ele nunca me quis.
— Essa história não combina com ele, Sardenta. Kenneth é um
homem muito bom.
— Só se for com você.
— Vocês ainda não conversaram desde que veio morar conosco, né?
— Não. Ele tentou, mas eu não quis. Ainda não estou preparada para
encarar a realidade e ouvir da boca dele que nunca fui amada.
— É assim que se sente?
Balanço a cabeça confirmando.
Sem pudor, Reese me puxa para seus braços, onde me aconchego
exatamente como da última vez: sentada sobre suas pernas cruzadas e com
a cabeça em seu peito.
— É estranho dizer isso, então não fique chateada se eu não conseguir
me expressar direito.
— O que quer dizer, Reese? — Olho-o, curiosa e amedrontada ao
mesmo tempo.
— Você pode sentir como se não fosse amada, mas é uma mentira,
porque aqui dentro — aponta para seu próprio peito — tem algo crescendo
por você.
— O quê? — sussurro, os olhos focados nos seus.
— Não sei dizer o que é, só que é a coisa mais terrível que já senti.
Dou risada.
— Você realmente não sabe se expressar — concluo.
— Desculpe. — Ri junto. — Eu nunca falei sobre sentimentos com
ninguém.
— Era para eu me sentir bem depois disso?
— Acho que sim. — Nós rimos mais.
— Por que é terrível?
— Porque, dentro das vinte e quatro horas do dia, é só em você que
penso.
— Então sou a responsável pela sua ansiedade?
— Aparentemente, sim.
— Não posso lidar com o fato de que está fumando por minha causa.
Precisa parar, Reese!
— Mas só penso em uma coisa que acabaria com minha ansiedade e
nervosismo.
— O quê?
— Te ter para mim, Sardenta.
Sinto meu coração ser atropelado.
— Reese, nós não podemos.
— Eu sei, mas… eu sempre fui péssimo em seguir regras.
— Sempre soube, mas nossos pais… — Ele pega meu rosto e me
encara de perto, com o nariz quase tocando o meu.
— Nossos pais estão felizes, Ellie. Eles não podem nos impedir de
sermos felizes também.
— Quando algo começa errado, Reese, sempre termina errado.
— E o que há de errado nisso? — pergunta, puxando-me para um
beijo.
Retribuo, instantaneamente, sentindo o mesmo alívio que me tomou
no dia da corrida e, mais uma vez, tenho certeza de que é aqui que quero
estar.
Sua língua tem gosto de chocolate ao leite, e a respiração, que bate
em meu rosto, está quente como a calmaria de uma tarde de verão.
O beijo não é longo, mas é como voltar para casa depois de dias. É
como, finalmente, pertencer a um lugar.
Nunca senti algo tão intenso tomar meu coração.
Reese junta nossa testa, ainda segurando meu rosto, e pergunta outra
vez:
— O que há de errado nisso, Sardenta?
Não respondo, completamente em êxtase.
— Só me diz, Ellie. Isso que estou sentindo, você também sente?
Meneio a cabeça sutilmente, concordando, e isso é o suficiente para
que ele me puxe mais uma vez e tome minha boca com ferocidade. Juro
que, após alguns segundos, o ouço soltar um som parecido com o de um
rosnado.
Quase grito quando o sinto me levantando em seu colo, mas não o
faço porque ouço-o fazendo um “Shiiiiiiii” bem na frente dos meus lábios.
Enlaço as pernas em sua cintura quando se põe de pé e se dirige até a
porta.
— O que está fazendo? — sussurro.
— Trancando a porta — diz.
Ouço o barulho da chave no trinco logo depois.
Em seguida, Reese me encosta na porta e me prensa contra ela,
tomando minha boca outra vez e gemendo ao sentir meu gosto.
Meu coração tamborila com esta sensação nova e, preciso admitir,
estou com medo por conta de toda esta emoção.
Reese segura minha nuca com força e morde meu lábio inferior,
causando-me dor. Reclamo, inclinando a cabeça para trás assim que meus
cabelos são puxados. Ele me lambe em cima do machucado ardido e depois
assopra, passando-me um pouco de refrescância.
— Estou perdido, Sardenta.
— Por quê? — quase gaguejo, com a respiração um pouco alterada.
— Porque, se eu parar de fumar para ficar com você, estarei saindo de
um vício para entrar em outro.
— Isso é pecado — cochicho, sentindo as bochechas quentes.
— Se for pecado te querer tanto, aceito ir ao Inferno como o maior
pecador da Terra. Não me importo com o preço que terei de pagar para te
ter como minha.
— Se você fosse para o Inferno, queimaria para sempre.
Ele morde meu pescoço da mesma forma que fez com meu lábio,
lambendo e assoprando depois, e diz:
— Eu amo o fogo.
— Você queimaria por mim?
— Já estou queimando por você, Ellie.
Então, Reese passa a mão da minha nuca para meu pescoço e
aproxima sua boca da minha, beijando-me com ainda mais vontade do que
antes. Perco a respiração quando suga minha língua e me enforca
levemente.
É constrangedor admitir, mas o centro entre minhas pernas está
doendo. Não sei exatamente o que significa, pois nunca senti algo parecido,
mas imagino que seja por conta dos apertos de Reese.
— Talvez… — digo, suplicando por ar. — Talvez eu já esteja
queimando com você. Gostar de pecar, sabendo que é pecado, também é
algo digno de ir para o Inferno.
— Gosta quando te beijo assim? — pergunta, beijando minha orelha.
Sinto-me ainda mais constrangida quando não consigo segurar um
gemido.
— S-sim, gosto.
Estranhamente, a dor entre minhas pernas começa a aumentar,
latejando.
— Ellie — sussurra, segurando meu pescoço um pouco mais forte —,
não fique gemendo assim. Não tenho estrutura para isso.
— O que quer dizer? — Olho em seus olhos.
Ele chupa meu lábio inferior e o puxa.
— Uma vez que começo, não consigo parar, portanto não me atente.
Seus gemidos me fazem querer incendiar seu corpo inteiro.
Meu coração bate tão forte que juro estar ouvindo-o como um tambor
ecoando pelo quarto.
— Reese?
Estamos tão próximos que sua respiração praticamente entra em
minha boca.
— Sardenta?
— Você precisa parar agora.
Seus lábios tocam os meus mais uma vez, mas não aprofundamos o
beijo.
— Por quê? — sussurra, encostado em mim.
— Porque estou sentindo uma dor esquisita.
Reese afasta o rosto no mesmo instante e me analisa com cuidado.
— Dor? Dor onde?
— É… — Mordo o lábio inferior e me movo em seu colo, um pouco
desconfortável. Reese me arruma, segurando minhas pernas e firmando
minhas costas na porta. — É bem no meio das pernas…
Vejo-o piscando algumas vezes, ainda me olhando. Então, diz:
— Caralho, Sardenta, você não deveria ter me dito isso.
Encolho-me ao ouvir o palavrão e, também, pela vergonha.
— Desculpe, é que nunca senti isso antes e achei que eu poderia me
abrir com você…
Reese respira profundamente e anda até sentar-se na cama outra vez,
comigo ainda em seu colo, com as pernas rodeando sua cintura.
— Você pode se abrir comigo. — Limpa a garganta, colocando uma
mecha atrás da minha orelha. — É que fui pego de surpresa quando te ouvi
dizer isso.
— Está doendo bastante, Reese.
— Ellie, você precisa parar de dizer isso para mim.
— Você… Você sabe por que isso está acontecendo?
— Sim, sei. Vou te mostrar uma coisa, para que entenda melhor, ok?
Balanço a cabeça positivamente.
Reese pega minha mão e a pousa em cima de seu membro enrijecido.
Arregalo os olhos.
— Eu também estou com dor, Ellie. Isso se chama tesão. Quer dizer
que seu corpo me quer tanto quanto eu te quero.
Sinto as bochechas queimarem.
Isso não pode ser verdade. Meu corpo não pode estar me traindo desta
forma, pode?
Meu Deus, vou mesmo para o inferno!
Preocupada, puxo a mão e o olho, atônita.
— Não precisa dizer nada — ele me acalma —, não vamos fazer o
que está pensando. Sei que, mesmo que seu corpo queira, você não está
pronta, e não quero fazer nada do que vá se arrepender depois.
Abalada, eu me levanto de seu colo e deito a cabeça no travesseiro,
cobrindo o corpo.
— Acho que devo dormir — digo, por fim.
— Certo. Você, hã, quer que eu fique, ou que vá para meu quarto?
— Você precisa ir — explico —, mas quero que fique.
Ele sorri sem mostrar os dentes e vem se deitar ao meu lado.
— Posso te abraçar? — pergunta, cauteloso.
— Sim, por favor.
Reese me vira de costas para ele e me abraça de conchinha,
respirando em meu cabelo. Sua pele está extremamente quente.
Sinto seu membro duro nas minhas costas, então digo:
— Você é bombeiro, Reese. Seu trabalho é apagar o fogo, não
incendiar ainda mais.
Agora, sim, ele ri.
— Neste caso, você é a única que conseguiria apagar meu fogo, mas,
como não está pronta para isso, vou ficar a noite inteira duro para que
entenda o quanto te quero.
Abro os olhos, fazendo uma careta. O raiar do sol está irritando
minhas vistas. Acabamos nos esquecendo de fechar a cortina e, por causa
do calor, deixamos a janela principal do quarto de Ellie completamente
aberta.
Já faz cinco noites que estou dormindo aqui com ela e têm sido as
melhores da minha vida. Tenho certeza de que seu corpo e o meu foram
feitos sob medida um para o outro, pois todas as posições nas quais ficamos
possuem o encaixe perfeito.
Essa noite, ela se deitou em cima de mim, cruzou os braços em meu
peito e posicionou seu queixo ali, olhando-me e conversando como se
minha companhia fosse a melhor do mundo.
O jeito como me olha é atípico. Lidei a vida toda com garotas me
olhando com desejo, mas minha sardenta me olha como se eu fosse um
presente enviado diretamente dos céus. Isso me faz sentir especial, de uma
forma que nunca tinha experimentado antes.
Quando Hugo foi embora na manhã seguinte à descoberta sobre sua
sexualidade, decidi ir junto ao aeroporto, para observar qual seria sua
reação ao se despedir, mas nada fez além de abraçar Ellie e cochichar algo
em seu ouvido.
No caminho de volta, perguntei-a sobre o que ouviu de Hugo, e ela
contou exatamente com as palavras que foram ditas:
“Espero que você consiga me perdoar algum dia e desejo que seja
feliz ao lado de Reese. Tenha coragem de sustentar o que sente, não cometa
o mesmo erro que eu.”
Fiquei feliz em saber que não o tenho mais como uma pedra no
caminho, assim como Rian, pessoa a qual Ellie não quer nem olhar na cara
por enquanto. Disse que está chateada demais para conseguir fazer isso
agora. Entendo que ela precise de um tempo.
Enquanto isso, tenho ficado cada vez mais presente. Nos últimos dias,
desci com ela até os animais da fazenda e a ensinei a alimentar os porcos,
assim como também lhe mostrei como pegar os ovos de debaixo das
galinhas.
Achei extremamente engraçado vê-la gritando de medo ao se deparar
com uma delas correndo às suas costas.
Levei-a ao lago também, onde nadamos por horas, ambos de roupas.
Não vejo a hora de ver Ellie despida, mas admito que sua ingenuidade
me ajuda a ser menos impulsivo.
Ela estava de shorts e camiseta, e enrolou as pernas na minha cintura
para me beijar. Foi difícil me manter firme, quase não consegui soltá-la,
mas acabei direcionando minha vontade aos chupões que dei em seus
braços e pescoço. Vê-la com minhas marcas me deixa mais calmo, apesar
de fazer crescer cada vez mais aquele sentimento de posse.
Na frente dos meus pais, tenta esconder com maquiagem ou com
roupas que cubram.
Ellie não tem mais faltado aos jantares e isso me deixa feliz. Percebi
que sua relação com minha mãe está cada vez melhor, ao contrário de com
Kenneth. Ela não suporta o pai, não deu uma só oportunidade de conversar
com ele desde que se mudou para cá.
Kenneth tem sido muito cauteloso e calmo em relação a isso, deixa
que tenha seu próprio espaço e espera pelo momento certo de conseguir
explicar toda sua verdade.
Enquanto isso, pede com gentileza que eu fique de olho nela e não a
deixe sozinha pela casa. Tenho obedecido com esplendor.
Eu e Ellie passamos o dia todo sozinhos, então conseguimos voltar
com nossas aulas de alemão e nos conhecermos melhor. Conversamos tanto
que às vezes me pergunto de onde vem tanto assunto. Ela é tímida e fala
baixo, enquanto gosto de falar alto e de fazer barulho. Nos damos muito
bem, apesar das diferenças.
Amo como tenho deixado a garota mais à vontade e como tenho
mudado alguns hábitos ruins de que ela não gosta. Por exemplo, procuro
não falar tantos palavrões em sua presença, e Ellie, mesmo com toda sua
timidez, está se acostumando com a ideia de me deixar beijá-la com
frequência. Às vezes, sou até pego de surpresa com suas novas atitudes.
Duas noites atrás, ela trancou a porta e me mostrou todas as roupas
novas que minha mãe comprou quando as duas saíram. Sempre que entrava
no closet e saía vestida com peças diferentes, meu pau endurecia mais. O
vestido da festa ainda não está pronto, contudo, mesmo que estivesse, Ellie
disse que não me mostraria, pois queria fazer uma surpresa.
— Já fiquei surpreso com essas que me mostrou — eu disse, me
aproximando e a abraçando. — Veja aqui. — Apontei para o zíper da minha
calça, onde o volume estava alto e inflexível.
Ellie começou a rir e suas bochechas ficaram rubras.
— Se controle! Eu nem ao menos tirei minhas roupas na sua frente,
como pode ficar assim?
— É porque imagino, a cada roupa que está me mostrando, como
deve ser tirá-las.
Às vezes faço para provocá-la, porque sei que frases assim a deixam
extremamente sem graça. É aí que a pego no colo e a beijo com intensidade,
para arrancar toda sua timidez.
Nunca me senti tão pertencente a alguém e estou feliz por estar
experimentando o melhor dessa pessoa. Estamos, ambos, nos esforçando
para sermos bons um para o outro, cada um com suas limitações.
Beijá-la pela casa, por exemplo, se tornou um hábito perigoso, mas
amo isso. Quase fomos pegos por alguns dos funcionários e, por pouco,
minha mãe não nos encontrou aos amassos na cozinha pela madrugada,
uma noite dessas.
Percebi Kenneth me olhando diferente algumas vezes, mas nunca
tocou no assunto. Ele é conservador e muito inteligente, nunca agiria sem
que tivesse plena certeza de algo.
Olho para Ellie deitada ao meu lado e juro que nunca vi nada tão
lindo na vida.
Acordo-a com cuidado e digo que já está na hora de descermos para
tomarmos café da manhã. Ela pisca algumas vezes, mostrando os olhos
verdes enormes, e sorri, abraçando-me com carinho. Beijo todo seu rosto e
suspiro seu cheiro, antes de me levantar e me despedir.
Nos encontramos pouco tempo depois, na sala onde costumamos nos
reunir para as alimentações.
Minha mãe parece animada, talvez porque hoje é sábado e está de
folga. Sorri e nos cumprimenta com olhos brilhantes.
— Pensei em irmos ao cinema. Todos nós, como uma família unida
— ela se pronuncia.
Kenneth olha diretamente para Ellie, mas, para minha surpresa, ela
diz que adoraria conhecer o cinema de Liechtenstein.
A garota já está conosco há mais de um mês e ainda não saiu para
conhecer muito do que há fora de casa, então fico satisfeito com sua
declaração. Meu pai também.
À tarde nos arrumamos e entramos no carro, onde vamos ao principal
shopping da redondeza.
Ellie não sabe, mas adoro a maneira como se veste. Hoje ela está com
uma calça cargo bege e uma camiseta mais justa no busto, o que me permite
ter vários pensamentos impróprios com seus seios.
Evito olhar para não correr o risco de agarrá-la na frente dos meus
pais.
O casal conversa com entusiasmo, enquanto observo minha sardenta
olhar o que se passa pela janela, com um sorriso no rosto.
Aposto que está pensando que nunca viu um lugar tão mágico quanto
este.
Chegamos ao shopping em pouquíssimo tempo, já que tudo aqui é
perto.
Não tenho muita paciência para compras, mas primeiro damos uma
volta, olhando as vitrines e fazendo comentários. Depois andamos em
direção ao cinema, onde a fila está pequena. Escolhemos um filme de
suspense e compramos pipocas com manteiga para acompanhar o
refrigerante.
O filme é em alemão, mas, por conta de Ellie, compramos com
legendas em inglês, para que possa entender.
Aqui a maioria dos filmes possuem a opção de legendas em inglês, a
primeira e principal língua mundial.
Já na sala do filme, eu me sento entre Kenneth e Ellie.
Todas as luzes se apagam e esperamos pelo momento em que o filme
começará.
Divido minha pipoca com ela e, de relance, vejo seus lábios brilhando
com a manteiga. Sinto uma vontade sufocante de beijá-la e percebo que,
quanto mais o tempo passa, maior fica meu desejo de tê-la somente para
mim.
Esconder um relacionamento é bom, mas imagino que seja ainda
melhor poder beijar a pessoa sem restrições.
O filme começa e não consigo tirar a atenção de cada movimento que
faz. Tudo nela me chama como um ímã.
Aproximadamente quarenta minutos depois, Ellie se assusta com a
música de suspense, soltando um gritinho e segurando minha coxa com
força, perto da virilha. O simples toque me deixa ereto.
Os olhos de Kenneth desgrudam da tela e se movem diretamente para
onde a mão da garota está. Ela, rapidamente, a tira, pedindo desculpas.
Torço para que meu pai não veja minha ereção, que só não está tão
evidente porque a sala está escura.
— Vou ao banheiro — ela diz sussurrando.
Imediatamente, entendo que a garota está dando uma desculpa para
ficar sozinha comigo.
— E eu vou buscar mais pipoca — complemento. — Vocês querem?
Meus pais dizem que não.
— Não demorem, ou vão acabar perdendo a melhor parte do filme.
— Pode deixar.
Eu e Ellie nos levantamos e seguimos em direção à porta. Assim que
a atravessamos, pego em sua mão e a guio com agilidade até o banheiro
feminino, onde entro em uma das cabines, tranco e me sento no vaso
sanitário, puxando-a para meu colo. Eu a posiciono em cima da minha
ereção e forço seu corpo contra mim, tomando sua boca sem nenhum
cuidado.
Invado sua camiseta e aperto a pele de suas costas, desesperado.
As bocas estão tão sedentas, que nos falta o ar. Beijo-a com todo
vigor que possuo dentro de mim, até que passemos a suspirar como
gemidos.
Sinto o gosto da manteiga em sua língua e a chupo como se fosse um
pirulito de morango.
Com as mãos ainda dentro da camiseta, acaricio a pele de sua barriga
e subo até quase encostar nos seios.
— Ellie? — pergunto. — Posso segurá-los?
Normalmente eu jamais pediria isso a uma garota, mas com Ellie é
diferente, pois nunca foi tocada por ninguém e não quero que pense que a
estou violando.
Seus lábios estão mais vermelhos do que deveriam, por conta do
beijo, e o peito sobe e desce rápido.
— Acho que devemos ir, Reese — sussurra, segurando meu pescoço
com carinho. — É perigoso demorarmos.
Ela me deixa tão louco, que notoriamente minhas veias braquiais
estão tremendo pela ansiedade de tocá-la.
Faço movimentos com os dedos em sua barriga, é a primeira vez que
a sinto aqui com as mãos. Desço um pouco e mexo no cós de sua calça.
— Vai ser difícil voltar assim — faço menção ao meu pau duro.
— Já disse que precisa se controlar. Isso que você quer fazer se
chama fornicação e é pecado. Não tenho a mínima intenção de fazer antes
do casamento.
O quê?
Minha cabeça dá um nó com a notícia. É informação demais para um
homem como eu, que adora sexo.
— Então, vamos nos casar agora, aqui mesmo, neste banheiro.
— Tudo isso é desespero?
— É, estou desesperado por você, Sardenta.
Ela sorri envergonhada.
— Você terá que pedir minha mão ao Kenneth — diz me sacaneando.
— Será que ele vai aceitar que eu me case com meu irmão de consideração?
Solto uma risada. Não esperava por isso.
— Você me odeia, por acaso?
Ellie puxa meu rosto e beija meus lábios como resposta.
— Sabe — sussurro entre o beijo —, levante as mãos para os céus e
agradeça enquanto ainda há tempo, porque, quando eu te foder, Ellie, vou
quebrar você no meio.
Ela arregala os olhos e, brincando, puxo seu lábio inferior.
— Vou sair de cima de você antes que decida fazer isso agora e me
parta em duas. — Ela realmente se levanta e faz menção de abrir a porta.
Solto uma risada e ponho-me de pé ao seu lado.
— Ser partida em dois é só o começo da história. Depois disso, ainda
vai ficar uma semana sem andar, me sentindo dentro de você vinte e quatro
horas por dia.
— Jesus Cristo, Reese! — exclama em um sussurro.
Abro a porta antes que a garota faça e dou espaço para que passe.
Lembro-me de pegar o pote de pipoca que deixei em cima da pia e
seguimos direto para a fila onde podemos reabastecer o petisco
amanteigado.
Kenneth aparece um minuto depois, com o cenho franzido.
— Fiquei preocupado, vocês estavam demorando muito!
— É que a fila estava cheia, pai — explico, já sendo o próximo a
passar com o atendente.
— Certo, vamos logo. Você está bem, Ellie?
Ela balança a cabeça concordando. Suas bochechas estão tão
vermelhas, que parece ter corrido uma maratona sozinha.
Juro que tudo o que penso é em como sua boceta vai ficar quando eu
a foder com força. Tão vermelha quanto?
Será que ela possui sardas lá?
Eu não deveria ter pensado nisso, agora estou completamente perdido.
Seguro o pote de pipoca na frente do zíper da calça e seguimos juntos
para a sala de cinema, onde terminamos de assistir ao filme.
Não prestei atenção em nada, mas, assim que acaba, o elogio, como
se tivesse amado a trama.
Em seguida, damos mais uma volta no shopping, para que Ellie
conheça algumas lojas e, já à noite, paramos em um restaurante para
jantarmos.
O dia em família foi muito legal, e deu a Kenneth a oportunidade de
tentar alguma aproximação com a filha, que lhe deu atenção, mas sem
muito entusiasmo.
Em casa, nos despedimos e entramos para os quartos. Fecho a porta
do meu somente para tomar um banho e me trocar, pois logo estou indo
para o quarto de Ellie, que já me espera, lendo o mesmo livro de sempre.
Não combinamos nada a respeito de dormirmos juntos, simplesmente
acontece. Mas, admito, sinto que terei um péssimo dia se eu não passar a
noite com ela. É como se eu precisasse desse aconchego.
Sento-me ao seu lado e aproximo o nariz de seu pescoço, onde beijo e
fungo. Está cheirosa pelo banho recém-tomado, e com a pele hidratada por
algum creme.
Continuo tirando sua atenção, até que pare de ler e feche o livro.
Identifico que é a Bíblia.
— Você ama ler a Bíblia, não é? — pergunto.
— Sim, me sinto compreendida lendo.
— Como assim, compreendida?
— Além de aprender mais sobre a vinda de Jesus, também entendo o
quanto todos nós somos pecadores, então, por mais que saibamos que é
errado, às vezes é inevitável, pecamos sem nem ao menos nos darmos
conta. Deus sabe que é assim que funciona com você.
— Por que sou um erro inevitável?
Ela sorri e finalmente me olha.
— Você é o erro mais lindo que cometi. E se tornou inevitável porque
não quero parar. Quando estou com você, parece realmente certo.
— Parece certo porque é.
— Não é, Reese. O que é certo, segue sendo algo fácil de manter. Nós
nem ao menos podemos nos olhar na frente das pessoas.
— Você quer dizer nossos pais. As outras pessoas não têm nada a ver
com isso.
— Mas podem contar. Qualquer um pode ver e delatar ao Kenneth,
seja um funcionário ou alguém na rua.
— Vamos tomar cuidado — digo, sem mais argumentos.
— O que não entendo é que você, com a possibilidade de ter tantas
outras garotas…
Seguro seu rosto de frente para o meu e digo, firme:
— Não quero nenhuma delas, quero você, independentemente do
tamanho da dificuldade que seja te ter.
— Eu vou entender se…
— Sardenta? — interrompo-a.
— Oi?
— Eu quero você, consegue entender isso? — Ela balança a cabeça
sutilmente. — Mesmo com toda essa sua esquisitice.
Recebo um tapa brincalhão em troca e a puxo para um beijo.
Não sei como chegamos a este ponto, certamente deixei algo passar
no decorrer dos dias, mas, dentro de mim, é como se eu conhecesse Ellie
por toda uma vida e estivesse somente reencontrando-a agora, matando a
saudade que nutri por anos.
Nunca tive uma experiência assim antes, nenhuma outra mulher com
que tivesse uma conexão tão grande.
Ainda não tenho certeza se é paixão, porém há algum tipo de afeto
crescente em mim pela garota.
Eu abriria mão de qualquer outra boca para ter a dela, isso é um fato.
— Um dia, vou passar de “um erro inevitável” para “o cara que te
fode como um deus”.
Ellie cai na gargalhada.
— Achei que você estava falando sério!
— Eu estou falando sério!
Beijo-a outra vez, puxando seu corpo para se deitar sobre o meu.
Ela cruza os braços no meu peito e descansa o queixo em cima deles,
olhando-me.
— Você jamais será um erro para mim, Ellie.
Termino de me arrumar, em silêncio, e sigo até o quarto de Ellie.
Entro sem bater e a chamo.
— Estou me trocando — diz, de dentro do closet.
Vejo que há uma brecha na entrada dele e me aproximo para vê-la.
Está vestida com uma saia de couro preta e uma camiseta branca,
abaixada enquanto amarra o cadarço da bota coturno.
Dou uma boa olhada em suas pernas descobertas e mordo o lábio,
morrendo de vontade da garota.
Na última semana, ela foi a minha maior companheira nas
madrugadas em que treinei para a corrida de hoje. Saímos praticamente
todas as noites, junto com Sebastian, Idris e Kyan, e, como presente, decidi
lhe dar uma roupa para usar na competição.
Arrumando-se, me olha e pergunta:
— Estou bonita?
— Dê uma voltinha, por favor — peço, encostando-me ao batente da
porta com a expressão avaliadora.
Ellie faz o que pedi, virando-se em trezentos e sessenta graus. Não
posso negar, nunca a vi tão gostosa quanto hoje, na roupa que comprei.
— Bonita é uma palavra simplória demais, Sardenta. Neste mundo,
jamais existiu, ou vai existir, uma garota tão maravilhosa quanto você.
Estou encantado.
Ela ri tentando disfarçar a vergonha. As bochechas começando a
corar.
Aproximo-me e me abaixo para beijar seu pescoço, respirando seu
cheiro inebriante.
— Falta alguma coisa? — pergunto.
— Estou pronta.
— Então, vamos.
Descemos até o estacionamento, onde escolho o carro com qual vou
competir e abro a porta para Ellie.
Dou partida e saio, vagarosamente, com a intenção de não acordar
ninguém.
Duas esquinas para a frente, acelero. Vejo minha passageira de
esguelha e fico completamente satisfeito, pois está sorrindo com a
velocidade.
Nos primeiros dias da última semana, ela ficou apenas assistindo ao
meu treinamento e comentando com os meninos, mas, depois, sugeri que
entrasse no carro comigo para sentir a adrenalina. Não imaginei que toparia,
contudo topou. Fui devagar no começo, mas minha sardenta gostou tanto,
que pediu que eu acelerasse mais. Corri em duzentos e cinquenta
quilômetros por hora e, em vez de assustada, gritou a plenos pulmões,
incrivelmente feliz.
Quando foi a vez de Sebastian, perguntou se poderia fazer algumas
manobras com Ellie em seu carro. Confio nele plenamente quando se trata
de volante, mas não quando se trata de mulheres. Então deixei bem claro
que, se simplesmente encostasse em um fio de cabelo dela, eu o quebraria
no murro.
Claro, fui obrigado a contar sobre nosso envolvimento, mas os três
disseram que já não era uma surpresa, até porque nos viram aos beijos na
outra corrida. Kyan, então, deu risada e tapinhas em meu ombro, como se
estivesse me consolando. Não compreendi sua atitude, mas deixei passar.
Agora, atravesso o país com a minha garota ao lado, e presto atenção
em todos os seus movimentos. Gosto de saber que a faço feliz, seu sorriso
ilumina tudo ao redor.
Pouso a mão em sua perna nua e a acaricio. Acho interessante que até
aqui tenha sardas.
Assim que chegamos ao local acordado para a realização da corrida,
percebo que há muitas pessoas e a maioria olha para mim, pois sou bastante
conhecido neste meio.
Meus amigos se aproximam e nos cumprimentam, ansiosos. Há uma
chance enorme de ganharmos muito dinheiro nesta noite.
Trocamos breves palavras antes que eu vá me ajeitar para a
competição. Deixo Ellie com Sebastian, que a mantém por perto para que
nada a aconteça.
Cumprimento uma multidão de pessoas, inclusive, incontáveis
mulheres que tentam me beijar. Era normal aceitar os lábios de várias em
situações como esta, mas hoje rejeito todas, sem exceção.
Posiciono meu carro no lugar certo, ao lado do meu adversário. O
nome dele é Sidney e o conheço de outras partidas nas quais não competi.
Sei que é bom, mas tenho certeza de que sou melhor.
Estudei suas manias por vários dias e estou preparado para o que virá.
Nós nos cumprimentamos, sem trocarmos simpatia, e aguardamos
pelo momento do início da partida.
Lanço um olhar para a plateia e vejo minha sardenta conversando
com Sebastian. Ela está bem, o que me tranquiliza.
Quero dedicar minha vitória a ela.
Pouco tempo depois, um apito soa e sei que é o sinal de que
começaremos em breve. Uma mulher ruiva se posiciona entre os carros e
me lança um olhar felino, com segundas intenções. Apenas meneio a cabeça
para mostrar-lhe que estou pronto para a corrida. Depois, olha para meu
opositor e espera o mesmo dele. Então se afasta mais um pouco e levanta a
mão que segura a bandeira. Fecho os vidros do carro e acelero, ainda
parado. Sinto a fumaça cobrir quase que completamente meu veículo
dourado.
O silêncio que vem da plateia é sepulcral, assim como a tensão quase
palpável.
Presto bastante atenção na mão da mulher à minha frente e, assim que
a abaixa, arranco com o carro em velocidade alta.
Os pneus cantam e a multidão vai à loucura.
Aumento o volume da música Natural do Imagine Dragons e me
concentro na pista. Meu corpo inteiro se arrepia com a adrenalina que está
me tomando e acelero o máximo que posso para o momento.
Sidney está logo ao meu lado, com os vidros também fechados.
Ao final da reta, diminuo um pouco a velocidade e me preparo para a
primeira curva. O carro derrapa e a traseira vem para a frente, mas logo
retomo a direção e piso no acelerador.
Estou em vantagem.
Chego a duzentos e noventa quilômetros por hora, com a música
estrondando em meus ouvidos.
Amo esta sensação, é completamente viciante.
Meu oponente se aproxima outra vez e quase me passa. Permaneço
firme, certo de que nada me fará perder esta corrida.
Sou bom em fazer curvas em alta velocidade, então, na próxima,
ganho vantagem mais uma vez.
Comemoro, cantando dentro do carro.
Meu veículo turbinado ronca alto quando percebo que existe a chance
de Sidney me alcançar. Piso no acelerador com força e chego a trezentos e
trinta quilômetros por hora.
Solto um grito, adorando a sensação de voar em alta velocidade. O
coração bate rápido e o sangue corre com vigor pelas veias saltadas.
A pista se inclina ligeiramente, mas é o suficiente para que um frio
sobrenatural tome conta do meu estômago.
Aperto as palmas no volante e mantenho o carro estável.
Outra curva está chegando quando Sidney se aproxima e abaixa seu
vidro. Inabalável, abaixo o meu também para saber o que quer.
— Quando eu ganhar — grita —, minha recompensa vai ser aquela
gostosa com a saia de couro. Tenho mais um amigo que adoraria dividi-la…
Paro de ouvir porque, quando percebo que está fazendo menção à
minha garota, minha mente nubla. Procuro por ela na plateia e,
rapidamente, avisto Sebastian a segurando, buscando mantê-la longe de um
cara que tenta assediar seu corpo.
Meus olhos se escurecem e perco o foco.
Se há uma coisa que não admito, não importa onde eu esteja ou a
circunstância, é um homem que agride uma mulher física ou mentalmente.
Tive problemas o bastante com isso no passado para entender que
jamais deve acontecer.
O parasita que toca em uma mulher sem permissão merece levar uma
lição das boas, para que nunca mais esqueça do seu erro.
A curva chega, mas derrapo mais uma vez e fico para trás, em
completa desvantagem.
Penso rápido. Tenho duas opções: ou paro a corrida agora mesmo e
mato o urubu filho da puta que ousou tocar na minha garota, ou tento
ganhar essa porra e mato o urubu filho da puta assim que eu descer do
carro.
Nervoso como jamais estive na vida, piso no acelerador sem medir as
consequências. Chego a quase quatrocentos quilômetros por hora e, quando
estou prestes a alcançar o outro carro, penso em bater em sua traseira,
porque quero ver meu oponente morto, jogado na pista.
Odeio admitir, mas tenho um grande problema com controle
emocional. Quando alcanço um ponto crítico, como este em que estou
agora, é praticamente impossível parar.
Meu verdadeiro pai era completamente descontrolado e fico ainda
mais nervoso quando penso que puxei isso dele.
Não suporto a ideia de saber que tenho resquícios daquele verme em
mim.
Continuo acelerando, sentindo gosto de sangue na boca. Sidney olha
pelo retrovisor e percebe que não vou parar, ou ele sai da minha frente, ou
vamos ambos para o caixão após esta corrida fodida.
A centímetros de distância, ele arregala os olhos e se dá conta de que
não vou recuar, então vira o volante com brusquidão, fazendo o carro sair
da minha frente e capotar.
Segundos depois, atravesso a linha de chegada. Diminuo a velocidade
até o carro parar por completo e desço, cego de ódio.
Não enxergo nada e nem ninguém que passa por mim, não me
importo se estão torcendo por minha vitória ou se estão chorando pelo carro
capotado, só quero chegar até o homem que teve a audácia de tocar no que
é meu.
Encontro-o distraído, espantado pelo amigo, tentando encontrar seu
celular no bolso para, provavelmente, ligar para a ambulância.
Pena que não vai conseguir chamar a tempo, porque você também
vai precisar de uma, penso, já fechando os punhos.
Ellie ainda está perto, mas completamente bem, ao lado de Sebastian.
— Rees… — ouço-a dizer, antes que eu acerte o primeiro murro.
Ele cai no chão, estatelado.
Murmúrios começam, ao mesmo tempo que sinto pessoas tentando
me segurar, mas estou cego a ponto de não conseguir nem ao menos saber
quem está tentando fazer isso.
Escuto, e sinto, o nariz do homem se quebrando no segundo murro.
No terceiro, sangue respinga em meu rosto.
Gritos ecoam, mas isso não me tira do transe.
Quando percebo que a face do indivíduo está desfigurada, eu me
levanto sozinho, espantando quem está em volta.
Procuro por Ellie e a encontro com os olhos arregalados, assustada.
— Vocês estão vendo essa garota? — grito, com toda força que há em
mim, olhando em volta para os que me cercam. — É minha! Se alguém
ousar encostar nela, será o próximo! — aviso.
Deixo tudo para trás e pego na palma da Sardenta, guiando-a até o
carro. Quando estamos dentro, dou partida e me distancio do local da
corrida, procurando por um canto silencioso para conversar. Percebo que
seus olhos estão marejados e suas mãos, nervosas, apertando-se.
Estaciono em uma praça e a fito.
— Como você está? — pergunto, genuinamente preocupado.
Ela me olha, mas seu olhar marejado está tão duro que sinto como se
fosse um soco bem no meu estômago.
Tento me aproximar para secar seu rosto, mas ela desvia e diz:
— Não toque em mim!
— O quê? Por quê?
— Você está brincando comigo? — sai mais como uma exclamação.
— Ellie, eu só quis te proteger.
— Não, Reese! Você não precisava ter feito o que fez!
— Ele tocou em você!
— Eu sei, e odiei isso, mas a maneira como você o agrediu, meu
Deus, foi horrível! Eu jamais imaginei que pudesse ser tão mau! — Uma
lágrima escorre por sua bochecha.
— Eu não sou mau, Ellie. É que não aguentei ver aquele cara
mexendo com o que é meu…
— De onde tirou isso, Reese? De onde tirou que sou sua? Eu não sou
sua, não pertenço a ninguém além de mim mesma! E o que vi você fazendo
só me certifica de que, de forma alguma, quero me envolver
romanticamente. Tudo isso foi um grande erro!
— O que está dizendo?
— Que tenho medo do monstro que você é!
Sua fala mexe comigo, pois me faz lembrar de assuntos indesejados.
Sou um homem traumatizado, que carrega uma carga emocional
gigantesca, e por isso extravaso em agressividade, mas jamais machucaria
uma mulher.
Uso vários meios para verter minha raiva, como, por exemplo, ir à
academia, desferir socos em sacos de pancadas, cortar árvores, me exercitar
pelo terreno de casa e, às vezes, fumar. Fazer mal à Ellie está fora de
cogitação.
— Você está exagerando, eu jamais te faria mal! — retruco.
— E se futuramente eu decidisse namorar outra pessoa, o que você
faria? Arrancaria o pescoço dele? Isso é loucura, Reese! Olhe para você
mesmo, está cheio de sangue!
Olho para minhas mãos e vejo que ela tem razão. Estou todo
respingado, inclusive a roupa.
— Minha intenção nunca foi te deixar com medo — explico. —
Fiquei com raiva e, na hora, achei que era a coisa certa a fazer. Fiquei cego,
Ellie.
— Você é muito agressivo. Lembro-me de que foi grosso com o Rian
algumas vezes e quase bateu em Hugo quando tive o pesadelo, naquela
noite. Não dá para confiar em alguém tão instável.
— Todas essas vezes eu só quis te proteger.
— Isso não é proteção, é agressão. E não quero estar ao lado de
alguém que pode, a qualquer momento, explodir comigo.
— Você não entende que eu jamais faria mal a você?
— Você já foi grosso comigo também, e já falou vários palavrões
horríveis!
— Porque no começo eu estava confuso com sua presença, mas
agora… agora estou até evitando falar palavrões.
— Isso não muda o fato de que você é agressivo.
— Estou tentando mudar por você, caramba! Não vê isso?
— Você bateu em alguém por mim… Isso é inadmissível, Reese.
— Se bati naquele cara, e disse aquelas coisas para que todos
ouvissem, foi justamente para te manter longe de pessoas más, Ellie.
Naquele meio, há gente perigosa, sabia? Eu jamais aguentaria ver você
passando por algum momento de desconforto e ficar sem fazer nada!
— O jeito como você escolheu fazer o que fez só te tornou mais
perigoso do que o homem que apanhou.
Respiro fundo, percebendo que ela não vai ceder agora.
— O que você quer, Ellie? Que eu peça desculpas? Me desculpe! Me
arrependo de ter te deixado chateada, nunca quis que isso acontecesse.
— O que quero agora é que me leve para casa e me deixe em paz.
— Não brinca comigo, Sardenta — falo baixo, rendido.
— Não estou brincando. Isso que nós temos nunca daria certo, você
sabe disso. Já chegamos ao nosso limite, não quero mais.
Meu peito se aperta e uma sensação de morte me toma.
— Ellie…
— Por favor, Reese, vamos para casa!
— Podemos conversar depois? Talvez você esteja com a cabeça
quente agora…
Mais uma lágrima escorre antes que diga:
— Sei exatamente o que estou fazendo. Não quero mais, entendeu?
Engulo em seco, sem saber o que fazer ou dizer.
Ela se vira para a frente, esperando que eu dê partida no carro, e
encerra nossa conversa.

Passamos a viagem toda em silêncio, mas percebi que ela estava


chorando baixinho, só não quis atrapalhar seu momento.
Não me arrependo de ter batido no desgraçado que tentou assediar
Ellie, mas me arrependo amargamente de tê-la assustado.
Espero, com tudo o que há em mim, que volte atrás e diga que vou
continuar tendo seus beijos. Sinto uma ardência quase insuportável no peito
só com a ideia de perdê-la.
Em casa, Ellie desce do carro e me olha.
— Quero deixar claro que não vou voltar atrás no que disse e espero
que respeite minha decisão. Não apareça no meu quarto hoje, por favor.
Seguro-me no carro enquanto a vejo partir, pois quase caio com o
baque.
Ouço os gritos de Ellie na madrugada. Está tendo pesadelos, contudo,
com muito custo, não vou ao seu quarto. Sento-me na grade da minha
varanda e acendo um cigarro, ouvindo a movimentação que acontece. Eu
não fumava há dias, porque ela era suficiente para mim. Agora, este é o
único escape que penso ser útil.
É Kenneth quem desce e a afaga, até que se acalme, depois volta aos
seus aposentos, deixando a garota sozinha.
Sinto uma necessidade enorme de abraçá-la e dizer que estarei para
sempre ao seu lado, mas não posso desrespeitar o espaço que me pediu.
Passo boa parte da madrugada acordado, agitado, procurando coisas
inúteis para fazer, mas tudo o que consigo é pensar nela, em como queria
estar lá.
Imaginei que dormir longe da minha sardenta seria ruim, mas não
tanto. Não importa quantos travesseiros ou cobertores minha cama tenha,
parece vazia e sem graça, fria e solitária.
Deito-me e me levanto diversas vezes. Meus olhos ardem, mas não
consigo pegar no sono.
Assim que amanhece, sou o primeiro a descer e encher uma caneca de
café. Estou acabado, cansado, com dores pelo corpo e com a mente abalada.
Penso que hoje será um dia do qual irei ficar apenas sobrevivendo, não
pretendo fazer nada além de ficar deitado, olhando para o teto do meu
quarto, pensando em uma maneira de reconquistar Ellie.
Mal consigo respirar, uma sensação horrível acomete meu peito.
Parece que ele está apertado, fundo.
Sem muita animação, cumprimento a cozinheira e os funcionários que
passam por mim e me sento para ingerir a cafeína, atordoado.
Pouco tempo depois, o interfone toca. Vagarosamente, caminho até a
porta e vejo a imagem de dois homens vestidos de preto. Aperto o botão do
áudio e pergunto:
— Pois não?
— Bom dia, aqui é da polícia, viemos falar com Reese Baumbach.
Oh, merda!
— Só um instante, por favor.
Olho em volta, como se estivesse procurando por um escape, porém,
óbvio, não tenho.
Agora é exatamente o momento em que tomo consciência do que
aconteceu ontem. Não faço ideia se Sidney morreu ou não, nem se o
homem que espanquei foi socorrido, mas, com toda certeza, alguém me
delatou.
As corridas de que participo são ilegais e dignas de prisão.
Por antecipação, percebo que estou completamente fodido, mas não
sou do tipo que corre do perigo, na maioria das vezes, vou em direção a ele.
Encosto na chave para destrancar a porta e seguir em direção aos
policiais parados na portaria do casarão, mas, antes que eu consiga
destrancá-la, escuto meu pai perguntando:
— Quem está na portaria?
Viro-me em sua direção. Ele está na escada me olhando.
— São policiais, pai — respondo com a cabeça erguida.
— O que você fez, Reese?
— Acho que matei alguém ontem à noite.
Outra vez, penso.
Tive, provavelmente, a pior noite da minha vida.
Achei que os pesadelos tinham parado de me perturbar, mas, bastou
Reese não aparecer para que eu tivesse outra vez.
É a pior sensação do mundo. Quando estou sonhando, sinto-me
completamente sufocada por uma fumaça negra e sou pisoteada por pessoas
desesperadas que tentam fugir na direção contrária ao fogo. Vejo-me sem
saída, com uma dificuldade gigante de me levantar. Não sei para onde ir ou
o que fazer, até o momento em que me dou conta de que vou morrer
engolida pelas chamas. Fecho os olhos, desistindo, mas uma mão me pega.
Sempre acordo nesta parte, sem saber quem me salva, ou se está me
salvando de verdade, porque tenho a leve impressão de que uma estranheza
me toma quando a mão me toca. Às vezes, quero continuar sonhando só
para descobrir quem é. Talvez, se eu olhasse para o rosto da pessoa, poderia
ter certeza se confio ou não nela.
Contudo, que diferença faria? É só um sonho, não é? Por mais real
que seja, é apenas minha mente tentando me amedrontar.
Não consigo dormir depois que Kenneth sai do quarto, pois fico com
medo. Quando Reese está comigo, não temo nada. Ele consegue ser
protetor até mesmo enquanto dorme ao meu lado, segurando-me entre seus
braços fortes. Sem ele, sinto-me vulnerável, novamente sozinha em um
ambiente estranho, sem minha mãe e sem meus amigos. Reese é meu lugar
seguro, meu salva-vidas, aquele que me mantém inteira.
Mas me deu medo vê-lo bater naquele rapaz. A cada soco que dava,
meu coração se partia mais. Vi em seu rosto a raiva estampada, a ira, a
revolta. Tenho certeza absoluta de que queria matar, não só agredir. E não
posso me colocar nesta posição de culpa, não quero saber que fui a
causadora disso tudo. Odeio esta sensação de solidão, mas acho melhor do
que ficar com alguém que faz loucuras e diz que foi por minha causa.
Sei que Reese só queria me proteger, mas as coisas não precisavam
ter acontecido como aconteceram. No ambiente onde cresci, junto apenas
com minha mãe, tive uma criação pacífica, sem gritaria ou agressões. Não
sei lidar com isso, tenho medo e vontade de me esconder.
O que complica é que minha razão diz que devo me distanciar, pois
ele é o tipo de homem completamente contrário ao que aprendi ser o
correto. Meu coração, porém, bate mais rápido todas as vezes que estou em
sua presença.
Ele me faz ultrapassar barreiras que jamais pensei passar, e todas são
erradas, no meu ponto de vista. Estou participando de corridas ilegais, tenho
beijado sua boca com muita frequência, dormido na mesma cama, falado
sobre intimidades que deveriam ser citadas somente após o casamento e
usei uma saia curta pela primeira vez na vida.
Certamente, se minha mãe estivesse viva, morreria ao saber de tudo
isso.
Sou uma vergonha. Estou com o coração pesado e angustiado,
sobretudo porque tenho amado viver da forma errada.
Deus, me perdoe, pois sou uma pecadora.
Quando amanhece, tomo um banho para ver se consigo relaxar um
pouco e desço as escadas, aflita por saber que verei Reese em breve. Porém,
quem encontro é Amelia chorando na cozinha, sozinha. Mesmo chorando,
se parece com uma lady.
— O que houve? — pergunto, preocupada.
Tenho me afeiçoado por ela ultimamente. Conversamos bem mais e
até tivemos aquele dia em que saímos juntas para comprarmos roupas.
— Meu filho… — começa a dizer, antes de soltar um soluço.
Somente a menção ao nome de Reese faz meu coração gelar. Se ela
está chorando, algo grave deve ter acontecido.
— Amelia, respire — peço, tentando manter a calma. — Me conte o
que houve.
— Ele foi preso, Ellie.
— O quê?
— Os policiais vieram buscá-lo porque, aparentemente, se meteu em
uma briga ontem. E… e… — desaba completamente. — Não sei o que
fazer!
— Mas… — tento pensar rápido, contudo um nó se forma em minha
mente com a ideia de ter Reese preso.
— Não posso acreditar que ele estava escondendo coisas de nós,
Ellie. Como ele pôde?
Engulo em seco.
— O que ele estava escondendo?
— Kenneth me contou que Reese estava se envolvendo com corridas
ilegais e… eu não sei…, mas parece que alguém morreu.
Arregalo os olhos, perdida.
Começo a passar mal.
Alguém morreu?
Reese está preso?
Alguém morreu.
Reese está preso.
É tudo culpa minha.
Cambaleio uma vez, tonta.
— Ellie? — Amelia chama, mas sua voz fica abafada.
Cambaleio outra vez e sinto a pancada em seguida. Caio,
completamente desacordada.

Acordo o que parece ser horas depois, deitada em minha cama.


Amelia está ao meu lado, com os olhos inchados.
Lembro-me instantaneamente de tudo e juro que preferiria ter
continuado desmaiada. A realidade se torna pesada demais para suportar.
— Como você está, Ellie? — ela sussurra, fazendo carinho em meus
cabelos negros.
— Preocupada — digo com sinceridade.
— Não achei que você gostasse tanto assim de Reese… Quero dizer,
sei que vocês passam o dia sozinhos aqui, mas pensei que não fossem tão
próximos. Irmãos, na maioria das vezes, não se dão tão bem, ainda mais na
situação de vocês, que se conheceram tão tarde.
Engulo em seco ao ouvir suas palavras e tento pensar em alguma
coisa que me safe deste assunto.
— É que tive uma péssima noite, não dormi muito bem. Então,
quando desci e ouvi a notícia, acho que isso mexeu um pouco com meu
emocional.
— Ouvi seus gritos pela madrugada e me levantei para vir te ajudar,
mas Kenneth fez questão de descer e pediu que eu esperasse. Ele quer ter
mais aproximação com você, querida.
Este assunto também não é confortável para mim, mas é melhor do
que acabar tendo que explicar por que gosto tanto de Reese.
— Sei que quer, mas ele teve vinte anos para se aproximar. Sempre
fui um erro para ele.
— Isso não é verdade, Ellie. — Ela permanece me acariciando. —
Seu pai te ama! Por que não dá uma chance de conversar e ouvir o lado
dele?
— Não existe lado dele, existe a verdade. E a verdade é que me
abandonou. Não há amor nisso.
— Está bem, estou vendo que ainda não está preparada. Mas Ken é
uma pessoa paciente e disse que vai esperar pelo seu momento.
— Agradeço por isso.
Passamos alguns segundos em silêncio, nos olhando.
Amelia é bonita, tem um rosto suave e cabelos compridos. Seus lábios
são grossos e penso que deve ter feito algum procedimento estético para tê-
los deixado tão perfeitos e curvilíneos.
— Você nunca me contou sobre seus pesadelos… — quebra o
silêncio. — Quer conversar sobre isso?
Também não gosto deste assunto, mas não vejo motivos para não
contar sobre.
Detalho tudo o que vivo em meus pesadelos e percebo que, a cada
palavra, Amelia fica mais chocada, mas tenta não transparecer.
Quando termino de contar, fica paralisada, me olhando de uma
maneira diferente.
— O que foi? — pergunto, estranhando sua reação.
Ela limpa a garganta e força um sorriso.
— Nada, querida. Eu só… fiquei chocada com o sonho. É realmente
assustador. Você sabe por que tem esses pesadelos?
— Não faço ideia. Talvez seja porque tenho medo de fogo e, após
aquele incidente do incêndio, minha cabeça deve ter desencadeado algum
gatilho.
— Entendo. Isso é… — sua fala é cortada ao meio quando ouvimos a
porta se abrindo.
É Kenneth, completamente arrasado.
— Amelia, pode vir comigo? Precisamos conversar.
Meu peito volta a se apertar e estou prestes a ter outro desmaio
quando ela pergunta ao marido sobre o filho.
— Ele está no quarto.
Assisto ao casal se retirando e aguardo até que nenhum barulho seja
detectado no andar onde meu quarto e o de Reese ficam. Demora
aproximadamente meia hora até que tudo passe, porque Amelia decide ver
o filho antes de conversar com Kenneth. Não compreendo nada da conversa
que eles têm, mesmo me esforçando muito para isso.
Assim que o silêncio impera, saio do quarto correndo e vou ao
encontro do aposento de Reese. Não bato à porta, abro de uma só vez,
desesperada por vê-lo. Contudo, deparo-me com o cômodo vazio. Somente
o cheiro costumeiro do seu perfume vaga pelo ar.
Chamo por ele, pensando que talvez possa estar no banheiro ou no
closet, mas não obtenho respostas.
Com o coração em completa angústia, procuro pelos outros andares
da casa, desde o primeiro até o último, porém me dou conta de que
realmente não está aqui.
Quando chego ao último andar, onde fica o quarto de Kenneth e
Amelia, abaixo-me um pouco, segurando os joelhos, e respiro. Estou
cansada, pois a parte interna da casa, onde procurei, é enorme e fiz toda a
busca correndo.
A porta está encostada e, sem querer, antes de pedir permissão para
entrar, ouço uma parte da conversa do casal.
— Preciso cuidar de algumas coisas agora, para manter Reese longe
das fofocas, então esta foi a minha decisão. Paguei a fiança a troco de tê-lo
longe por alguns dias.
— Eu preciso do meu filho por perto, Kenneth!
— Entendo que esteja aflita por ele, mas é necessário. Entenda, sou
advogado e pai dele, Amelia, preciso fazer todo o falatório que essa
competição causou sumir. Andei olhando nas redes sociais e há vídeos por
toda parte do momento em que está batendo no rapaz.
— Ele vai ficar quantos dias longe?
— Não sei, comprei somente uma passagem de ida. Sobre a volta,
iremos conversar ainda.
O quê?
Estou entendendo direito?
Reese foi embora?
Sem data de retorno?
Pouso a mão em meu peito e arfo, triste. Não tive tempo de me
despedir, não tive tempo de vê-lo, de dizer o que estou sentindo agora.
A última informação que teve de mim foi que eu não queria mais ter
envolvimento nenhum com ele. Consegui ver em seu rosto o quanto ficou
abalado com o que eu disse, mas estava nervosa, chateada, amedrontada.
Agora seria o momento certo para conversarmos, mas como, se não está
aqui?
Uma sensação enorme de impotência me toma. Preciso saber para
onde ele foi, como está se sentindo e o que será de nós daqui para a frente.
— O garoto, o tal Sidney, morreu mesmo?
— Sim, meu amor, infelizmente.
— Meu Deus — ela lamenta, aparentemente chocada.
— Mas Reese não foi responsabilizado pela morte dele, pois não há
nenhum indício ou prova de que foi culpado. Sidney perdeu o controle do
carro e capotou, foi isso. O problema maior se deve à agressão e à corrida
clandestina. Se eu não tivesse ido junto para resolver toda a situação, nosso
filho ficaria preso por uns bons anos.
Amelia murmura algo que não compreendo, mas sei que voltou a
chorar.
— O que gerou a briga, você sabe?
— Ellie — Kenneth responde.
Arregalo os olhos, apavorada.
Ele sabe. Ele sabe sobre meu envolvimento amoroso com Reese.
Agora sou a única nesta casa e terei que aturar todas as consequências
sozinha.
Meu Deus, me ajude!
— Ellie? O que ela tem a ver com tudo isso?
— Ela foi junto à corrida e estava na plateia enquanto a competição
acontecia. Nesse meio-tempo, um homem tentou assediá-la e Reese viu. Ele
só tentou protegê-la, justamente o que pedi que fizesse. Porém, a maneira
como fez isso acabou prejudicando muito sua situação.
— Mas… A Ellie… Eu não entendo.
— Reese não se contentou em fazer a merda sozinho, teve que
chamar minha filha para ir junto! Só não entendo por que ela aceitou, não
faz seu estilo.
Respiro fundo. Ele não sabe.
— Tive uma conversa com ela antes de você chegar, e acho que Reese
está se sentindo culpado pelo dia do incêndio, por conta dos pesadelos,
sabe? Talvez esteja tentando se aproximar para manter uma relação
saudável de irmãos.
Meu coração tamborila dentro do peito, nervoso.
— Não sei… — ele diz, dando a impressão de que talvez não
concorde com a ideia da esposa. — Será?
— Ela me contou, Ken, sobre os sonhos. Você precisa saber.
— O quê?
Entre sussurros, Amelia relata detalhadamente sobre meus pesadelos
constantes.
— Não é possível! — Kenneth se altera. — Você acha que… Ela
está… Meu Deus! Preciso conversar com a Ellie.
— Não! Ela não quer, me disse hoje mais cedo que não está pronta.
Pensa que você a abandonou.
Assusto-me com um baque alto. Parece que ele esmurrou alguma
coisa.
— Se acalme, ela pode ouvir!
— Ellie precisa saber da verdade, Amelia!
— Você precisa respeitar o momento da garota!
— Meu Deus — murmura, parecendo preocupado. É como se eu
pudesse visualizá-lo segurando a cabeça. — Ela não pode descobrir
sozinha.
— Não vai, não tem como.
— Minha filha… — lamenta com a voz embargada.
— Eu sei, meu amor. — Acho que eles se abraçam.
Amelia parece consolar Kenneth.
— Minha filha… — repete.
— Você está fazendo a coisa certa. O momento ideal de contar vai
chegar, e você, como o homem inteligente que é, vai saber quando deverá
agir.
Minha respiração fica pesada e o coração pulsa loucamente. Tenho
medo de ser ouvida, de ser pega.
Ajusto meu corpo e me preparo para partir. Esta conversa está me
deixando nervosa.
Em silêncio, desço as escadas, com os pensamentos fritando na
cabeça.
O que eu ainda não sei? O que estão escondendo de mim?
Entro no meu quarto e desabo na cama, olhando para o teto. Começo
a apertar as mãos, algo que sempre faço quando estou nervosa, e recapitulo
a conversa.
Sidney morreu.
Reese foi preso, mas Kenneth o ajudou.
Agora está viajando e não tem data para retornar.
Estou sozinha com duas pessoas que estão me escondendo algo.
Uma lágrima escapa e, logo, começo a soluçar.
Nunca estive tão perdida. Tão confusa.
Reese partiu sem falar comigo.
Kenneth parecia estar triste por mim, mas não faço ideia do porquê.
Amelia acredita que não há romance entre mim e seu filho, mas o
marido desconfia.
Ainda estou brava e com medo de Reese, mas tudo o que eu queria
agora era seu abraço, seu conforto.
Acho que ele é o único verdadeiro aqui, pois, apesar de ser explosivo,
não me esconde nada.
Abraço meu travesseiro e choro.
Já não sei mais quem sou.
Não entendo meu coração.
Nem minhas decisões.
Minha cabeça está confusa.
Sinto falta da minha mãe.
Sinto falta de Reese.
Não confio mais em Amelia.
Quero ficar longe de Kenneth.
Ainda falta muito para eu voltar para minha casa, minha igreja, meus
amigos.
O que vou fazer enquanto isso?
Faz dez dias que não vejo ou falo com Reese. Ele sumiu, e estou me
sentindo muito mal por isso. Seu celular não recebe ligações e nem
mensagens.
A cada noite que passa, eu me culpo mais pelo que houve naquela
corrida, por ter terminado o que tínhamos e por ter colocado toda a
responsabilidade em cima dele. Seu olhar, após nossa discussão, não sai da
minha cabeça, foi um olhar preocupado, quase suplicando para que eu
voltasse atrás no que disse. Eu nunca deveria ter duvidado dele, pensado
que faria mal a mim, deveria ter dito apenas que não gostei e que daria uma
chance para que melhorasse. Certamente, ele faria isso por mim, não faria?
Hoje, após refletir tanto, consigo entender a atitude que teve, embora
eu ainda ache desnecessário. Disse aquelas coisas no calor do momento,
porque estava apavorada, contudo, no dia seguinte, já estava louca para
abraçá-lo.
Odeio pensar que Reese passou todos esses dias fora e que me
esqueceu. Não foi o que aconteceu comigo. Se antes eu já estava
apaixonada por ele, agora, com toda esta saudade, estou completamente
afogada em meus sentimentos.
Conto os dias, as horas e os segundos para vê-lo. Durmo e acordo
pensando nele. Fecho os olhos e imagino seu toque. Na cama, procuro por
seu cheiro, por algum indício de que já esteve ali. No celular, leio e releio as
mensagens, escrevo novos textos e aguardo pelo seu retorno, mas nunca
vem.
Em minhas orações, mudei completamente a maneira de falar com
Deus. Estava acostumada a pedir que me libertasse desta paixão errada, mas
agora peço que traga Reese de volta e permita que fiquemos juntos.
Não quero perdê-lo.
O mínimo pensamento de que não voltará mais me faz passar mal e
perder completamente a respiração. Sinto que ainda estou em pé pela
esperança de que voltará em breve.
Os dias sem ele não foram fáceis, porque fiquei literalmente sozinha
em casa, junto com os funcionários. Kenneth trabalhou como doido para
arrancar todos os vestígios daquela corrida da Internet e das redes sociais,
enquanto Amelia o auxiliou em tudo que foi necessário.
Hoje, está tudo em oculto, como se nunca tivesse acontecido.
Aproveitei os dias solitários para aprender alguns afazeres do terreno,
pois sei o quanto Reese gosta de manter este lugar em ordem e sempre
ajudou com muito gosto. Por isso, tudo o que fiz foi para ter sua imagem
com mais clareza em minha mente. Aprendi a plantar e colher algumas
verduras e legumes; eu me sujei de terra por várias vezes e amei ter a
oportunidade de podar algumas plantas.
Foram alguns dos funcionários que me ajudaram e me mantiveram
atarefada.
Tirei leite das vacas, alimentei as galinhas e porcos, ajudei a lavar a
granja e brinquei com as ovelhas. Acho-as incrivelmente fofas.
Fui ao lago algumas vezes para sentar-me diante da calmaria dos
peixes e, em uma das oportunidades, Kenneth me encontrou. Era sábado e
ele não estava trabalhando. Sentou-se ao meu lado e tentou conversar.
Foi a primeira vez que tivemos uma conversa por mais de dez
minutos, sem que houvesse nenhuma outra pessoa por perto. Ele me
ensinou a pescar, como prometera quando cheguei aqui na casa. Foi
divertido. Não houve um assunto específico entre nós, apenas sobre pesca,
mas consegui ter uma imagem mais clara de quem ele é. Pena que não anula
o que fez comigo e com minha mãe. E também não apaga o fato de que está
escondendo algo de mim.
Todas as vezes que o olho, tento decifrar suas feições, entender o que
está acontecendo, mas nada descobri até agora. Não posso simplesmente
perguntar sobre o segredo, pois teria que explicar como sei, e não quero
dizer que fiquei escutando sua conversa atrás da porta.
Dar a oportunidade para ele falar, quer dizer que vou ter que ouvir
suas explicações sobre o meu abandono, contudo não estou a fim de me
sentir ainda mais rejeitada. Portanto, prefiro aguardar mais um pouco. Algo
me diz que esta conversa, quando chegar, vai me abalar profundamente.
Pergunto-me se algum dia vou conseguir esquecer o que fez, mas
acho que nada anularia a falta que me causou nos anos em que esteve
distante.
Rian tentou conversar comigo algumas vezes neste período, pediu
desculpas e disse que se apaixonou por Hugo. Apenas o escutei e expliquei
que estou em outra fase da minha vida, que não ligaria se ficassem juntos.
Acho que esses dias me fizeram refletir muito, e cheguei à conclusão
de que quero Reese, mais ninguém. Eu o quero com suas imperfeições, com
suas tatuagens e com sua descrença, do jeito que é.
Não vou julgar Rian por ter se apaixonado. A única questão que me
impede de voltar a ter uma amizade com ele é o fato de que ambos me
traíram. E, se não tivessem sido descobertos, eu estaria sendo enganada até
agora. Então, que sejam felizes, mas não tentem forçar uma proximidade
comigo.
Rian disse que não mentiria mais para mim e que, agora, ele e Hugo
estão namorando a distância. Desejei-lhe boa sorte, pois sei da realidade da
igreja no Texas, e não tenho certeza se Hugo vai conseguir sustentar esse
namoro por muito tempo.
Agora, após dez dias de solidão, estou na piscina, refletindo sobre
tudo o que passei sem Reese. Não é divertido estar aqui, mas é relaxante. O
dia está lindo e o sol, reluzente. Uso a água gelada para fugir do calor e
pensar melhor sobre tudo.
Kenneth e Amelia já saíram para trabalhar, contudo ainda é cedo, e
penso que vou ficar o dia todo aqui, até que meu corpo enrugue e não
aguente mais.
Não sou uma excelente nadadora, mas sei o básico para conseguir
ficar sozinha em uma piscina. Mergulho, submergindo a cabeça. É
incrivelmente silencioso embaixo da água, até o canto dos pássaros fica
abafado. Faço isso algumas vezes, até perder o fôlego. Depois, eu me
debruço sobre a borda quente, estudando a paisagem. É muito bonito aqui,
devo admitir, diferente do que eu costumava ver quando estava em casa, no
Texas. Lá, era o cemitério que eu via.
Enquanto olho as árvores, sinto uma vibração estranha passando por
meu corpo, como se eu estivesse sendo observada. Começo a procurar por
alguém e, quando me viro, vejo Reese me olhando, parado com as mãos nos
bolsos. Ele está encostado em uma das pilastras, em silêncio.
Pisco algumas vezes para ter certeza de que não estou tendo uma
miragem e arregalo os olhos assim que percebo que é ele mesmo. Meu
coração não aguenta a emoção e atropela o peito.
— Reese? — pergunto.
— Oi, Sardenta.
Saio da piscina, eufórica, e corro em sua direção. Não me importo se
estou de biquíni ou molhada, a única coisa que penso agora é em abraçá-lo
e dizer que estou morrendo de saudade.
Nosso corpo tromba com brutalidade e sou pega no colo. Enrolo as
pernas em sua cintura e o aperto, desesperada pela sensação de conforto que
ele sempre me trouxe.
— Reese… — quase choro. — Achei que não te veria tão cedo. Isso
me assustou tanto!
— Eu estou aqui — diz, a voz mansa.
— Você… Você… — Fungo.
Tenho tantas coisas para dizer que não faço ideia de por onde
começar.
— Estou aqui, Sardenta — repete.
— Me desculpe. Por favor, me desculpe! A culpa foi toda minha…
Sem me soltar, Reese se senta em uma das cadeiras acolchoadas de
descanso e pega meu rosto, deixando nossos olhos frente a frente.
— Ei? Culpa de quê?
— Você brigou por minha causa… Agora não poderá mais participar
das corridas de que tanto gosta — lamento.
Ele abre um sorriso fraco, olhando-me de perto.
— Não poder ter você é pior do que qualquer outra coisa que eu possa
perder, Sardenta.
Meu coração erra uma batida.
Acaricio seu rosto com zelo, observando com atenção todos os traços.
Seus orbes azulados estão focados em mim.
— Eu pensei que você tivesse me esquecido.
— Não consegui ficar sequer um segundo sem pensar em você
enquanto estive fora — sussurra.
— Você ainda me quer? — abaixo meu tom também, com a
respiração pesada.
— Mais do que tudo nesta vida, Ellie.
— Me desculpe pelas coisas que eu te disse naquela noite. Eu estava
apavorada, achei que…
— Tudo bem, você estava na sua razão.
— Odiei ter te visto fazendo aquilo, fiquei com medo.
— Eu sei. Por isso nunca mais farei o que fiz. Vou tentar ser mais
paciente e pensar antes de agir. Não suporto a ideia de que tenha medo de
mim.
Sorrio ao mesmo tempo que uma lágrima escorre. Reese a seca com o
dedo e permanece me olhando, segurando meu rosto.
— Me desculpe por ter te decepcionado tanto.
— Eu te desculpo.
— Não me afaste mais, por favor.
Eu o abraço outra vez, bem forte.
— Não vou.
— Prometo que vou ser melhor. Nunca mais vou te deixar com medo,
nunca mais.
— Está bem — sussurro.
— Faço o que quiser, até me ajoelhar e orar com você todas as noites
antes de dormir.
Solto uma risada curta em seu pescoço.
— Não precisa fazer o que não quer.
— Tentei muitas vezes enquanto estive fora.
— Falar com Deus? — Olho-o novamente.
— Sim. Pedi que você voltasse para mim.
— Por que fez isso se nem acredita em Deus?
— Eu disse a Ele que, se você voltasse, eu começaria a acreditar.
Sorrio, meu coração pulsando de paixão.
— Você pode me dar mais uma chance, Sardenta? Prometo que não
vou te decepcionar.
Decido lhe responder com um beijo. Aproximo-me até que as bocas
estejam coladas.
Reese me segura de uma maneira diferente desta vez, como se
estivesse com medo de que eu sumisse a qualquer momento. Há uma
delicadeza e um afago nunca antes feito.
Nos beijamos devagar, em movimentos cheios de saudade. É
molhado, intenso e íntimo.
Suspiro profundamente, reabastecendo meu ser com seu cheiro e seu
gosto. Nunca mais quero me distanciar disto.
Os movimentos perduram, porque nunca é tarde demais para parar.
Nos saboreamos com calma e harmonia, como se nossos lábios tivessem
sido feitos uns para os outros. O encaixe é perfeito. Até mesmo os
momentos em que mudamos a cabeça de ângulo, é como se fosse
combinado.
Sinto suas mãos passearem por minhas costas molhadas e me arrepio
em contato com o toque quente. Devagar, desce e desenha minhas pernas
nuas até chegar ao quadril, onde me segura com mais força.
Ele morde meu lábio inferior e depois o chupa, arfando no meio do
processo.
Amo suas mãos em mim, sua boca na minha, sua respiração em
contato com minha pele. Senti falta disso.
Quando nos separamos, ambos respirando pesadamente, Reese diz:
— Quero te beijar para sempre, Ellie, em todos os cantos desta casa.
Mas agora precisamos tomar mais cuidado, Kenneth não pode desconfiar de
nós.
— Eu sei.
— Ele vai ficar em cima, conheço meu pai. Mesmo que passe o dia
todo fora, vai colocar alguém para nos observar.
— Podemos ficar escondidos.
— Sim, podemos. — Ele abre um sorriso lindo.
— Está bem. — A cumplicidade entre nós é notória. — Reese?
— Sim?
— Onde você esteve?
Ele explica que viajou para um lugar recluso, onde não tinha nem
sinal de Internet, mas que seus três amigos o encontraram lá, para não o
deixar sozinho.
Segundo Reese, foi divertido passar dez dias com os meninos, mas
achou péssimo ficar longe de mim.
Admiro a amizade deles, é como se fossem irmãos e não soltassem
nunca a mão um do outro. Estão juntos em qualquer ocasião, mesmo que
seja ruim.
No Texas, tenho amizades ótimas, mas não chegam a ter a fidelidade
que eles quatro têm.
— Achei que você não voltaria a tempo de ir à festa do príncipe —
comento.
— Acha que eu perderia a oportunidade de te ver com um vestido?
Sorrio, feliz em saber que iremos juntos, no próximo final de semana,
à festa do Príncipe Hans.
— Seu vestido já chegou?
— Sim, mas não vou te mostrar. Quero que veja somente no dia da
festa, quando eu estiver pronta.
— Está bem. — Ele me beija com os lábios maliciosos.
Quando fiquei sabendo que iríamos à festa em um castelo, imaginei
que as vestes seriam parecidas com aquelas da Idade Média, mas estava
completamente enganada. Meu vestido é de gala, porém moderno, com
recortes finos e sensuais. Tenho certeza de que Reese vai ficar satisfeito
com o que verá.
— Claro que… — começo a elaborar uma frase sobre o evento, mas
uma voz grave me faz parar.
É Kenneth. Paraliso, sentindo o desespero me tomando da cabeça aos
pés.
Estou sentada de biquíni em cima de Reese. Com certeza não pegará
nada bem se formos vistos assim.
— Reese? — ele chama, ainda dentro da casa, como se estivesse
procurando pelo filho.
— Sardenta — Reese me olha com urgência —, corra até a outra
porta e entre em casa. Esconda-se no escritório, é o único lugar que tenho
certeza de que ele não vai entrar agora. — Te encontro lá daqui a pouco,
ok?
— Ok — respondo sem perguntar o motivo e corro antes que Kenneth
nos veja juntos.
Não faço ideia de por que devo me esconder, mas decido obedecer e
confiar em Reese.
Entro cuidadosamente, sem alarmar ou fazer barulhos, no único
cômodo que me foi ordenado que não entrasse, assim que me mudei para
cá.
Não tenho intenção de mexer em nada com relação aos documentos
de Kenneth, portanto ele jamais saberá que, um dia, estive aqui.
Encosto a porta e olho em volta. Está tudo organizado, cada coisa em
seu devido lugar.
Caminho até a estante envernizada e observo os livros dispostos, leio
título por título. São todos sobre advocacia, a grande maioria bem grossos.
Adoro calhamaços, mas não me interesso por livros desta profissão.
Penso em seguir na área da saúde, assim que eu tiver a oportunidade de
ingressar em uma faculdade. Como já terminei o ensino médio, basta que eu
seja maior de idade para fazer minha matrícula sozinha, quando eu voltar
para o Texas, dentro de quatro meses. Medicina Veterinária sempre foi um
desejo ardente em meu peito, mas se intensificou quando vim para cá e
comecei a me envolver mais com os animais da fazenda. Com toda certeza,
é o que eu estudarei após completar meus vinte e um anos.
Encontro uma Bíblia e sorrio. Já a li diversas vezes, tantas que perdi
as contas. Fico feliz que haja uma nesta casa. É importante ter
conhecimento da Palavra de Deus.
Pego o livro e dou uma breve folheada. Gosto do cheiro que as folhas
exalam.
Pergunto-me se Kenneth já a leu antes de guardá-la. Segundo minha
mãe, ele sempre foi um homem de pouca fé. Continuo caminhando,
observando as várias pastas pretas e a decoração clean. Sobre a mesa, há
somente uma, está fechada e possui uma etiqueta com um K escrito.
Sento-me na cadeira de couro e relaxo. É tão grande e acolchoada,
que meu corpo é praticamente sugado por ela.
Viro o assento de um lado para o outro, depois o impulsiono para
rodar em trezentos e sessenta graus, distraída.
Aguardo pelo menos cinco minutos, sem fazer nada, apenas me
balançando e olhando as estantes tediosas, até que reparo novamente na
pasta que está sobre a mesa, logo à minha frente.
Lembro-me da conversa que escutei há dez dias, sobre um segredo
que estão escondendo de mim, e me pergunto se ele está aqui, em algum
destes arquivos.
Talvez o K que está escrito na etiqueta da pasta seja de Kenneth, não
de um cliente. Assim, não estarei agindo tão errado se abrir para ver, não é?
Afinal de contas, mal conheço meu pai, seria interessante saber mais sobre
ele. Talvez, até descobrir o segredo que tanto quer guardar de mim.
Com medo de ser pega, abro a pasta em um movimento vagaroso. A
princípio, vejo algumas fotos. São de um bebê com pele clara e rosto sem
sardas. Os grandes olhos são verdes e o cabelo, de um tom de castanho.
Parece-se com Kenneth.
Minha mãe tinha apenas cinco fotografias de quando eu era um bebê
e, embora tenha muita semelhança, sei que não sou eu nestas imagens.
Olho uma por uma com certa urgência, tentando gravar o rosto na
memória. Há algumas em que o bebê está nos braços de Kenneth, e outras
em que uma mulher que jamais vi na vida aparece.
No meio da pasta, encontro um pequeno caderno com várias
anotações manuais. Abro na primeira folha e percebo que é uma espécie de
diário. A letra redonda diz:

“Janeiro de 2003.
Hoje tive a melhor notícia da minha vida! Estou grávida!
Eu e Ken desconfiamos porque compramos uma pizza de queijo e
fiquei enjoada assim que senti o cheiro. Logo depois de comer alguns
pedaços, vomitei três vezes.
Sempre achei que homens tivessem nojo de ver mulheres vomitando,
mas Ken segurou meu cabelo e ficou comigo até que eu estivesse bem outra
vez.
Fizemos o teste juntos.
Ele fez questão de ficar no banheiro comigo, ligar a torneira e me
esperar fazer xixi, cantarolando para que eu ficasse mais tranquila.
Quando vimos, juntos, que o resultado do teste deu positivo, comecei
a chorar, mas não tanto quanto Ken. Nunca o vi chorar tanto, na verdade.
Nós nos abraçamos e ele disse ao meu ouvido o quanto me ama, declarou
as palavras mais belas que já ouvi em toda a minha vida e prometeu que
seríamos uma família feliz e unida.
Estou tão feliz por isso!”

“Março de 2003.
Hoje eu e Ken fomos ao hospital para fazermos o ultrassom
morfológico. Finalmente ficamos sabendo se é menina ou menino!
Quando eu era pequena, dizia que, quando crescesse, eu teria uma
menina. Não posso mentir, o desejo nunca saiu do meu coração, mas, com
toda certeza, amaria independentemente do que fosse.
Quando a doutora colocou o aparelho na minha barriga e disse o
sexo, gritei como se tivesse acabado de gabaritar uma prova importante.
Ken chorou igual a uma criança, novamente.
É uma menina!
Teremos uma linda bonequinha!
Nem posso acreditar!”

“Maio de 2003.
A gravidez anda bem, graças a Deus! Tive meu primeiro desejo
ontem, por mangas pegas diretamente do pé. Ken disse que nunca viu um
desejo tão fácil de realizar, já que aqui no jardim temos várias. Ele subiu
nos galhos e colheu algumas delas, trazendo-me em uma cesta depois.
Somente o cheiro já fez minha bebê se mexer, uma das sensações mais
maravilhosas que já senti.
Sentei-me em um banco de madeira no próprio jardim e comi oito
mangas de uma só vez. Foram tantos chutes, que tenho certeza de que
minha filha vai amar manga quando crescer. O desejo foi dela, não meu.
Quero que saiba que sempre vou realizar seus desejos, não importa
quantos anos tenha.”

“Julho de 2003.
Seis meses de gestação e minha barriga está enorme!
Passei óleos vegetais e creme de amêndoas diariamente na minha
pele, mas, mesmo assim, estou com várias estrias. Fico péssima por isso,
me sentindo horrível e chorando sempre que me olho no espelho. O que me
acalma é Kenneth, que beija minha barriga e conversa com minha bebê um
milhão de vezes por dia, dizendo insistentemente o quanto estou linda. Ele
me prometeu que, quanto mais estrias aparecessem, mais me amaria, pois
significa que estou cuidando bem da nossa filha e que está ficando cada vez
mais saudável e grande.
Juro que não entendo! Como pode me amar dessa forma, tão feia?”

“Agosto de 2003.
É a segunda vez nesta semana que vamos ao hospital. Tenho coçado
muito as minhas estrias e elas acabaram virando feridas que não saram
nunca!
Algumas manchas também apareceram nas minhas pernas e braços, e
o estranho é que coçam tanto quanto minhas estrias, descamando.
Fiz alguns exames para saber o que está havendo. Não vou mentir,
estou assustada. Espero que minha filha esteja bem.”

“Setembro de 2003.
Estou com câncer de pele.
Jamais imaginei que, com vinte e nove anos, eu passaria por algo
assim. Estou tão triste, que não consigo encontrar palavras para descrever.
Vamos ter que tirar minha filha antes da hora para que eu comece a
quimioterapia.
Ela está bem, mas temo não conseguir criá-la.
Saber da sua existência foi a maior alegria da minha vida, mas agora
estou preocupada com o que será da minha bebê sem mim.
Confio no meu marido, mais do que em qualquer um neste mundo,
mas quero poder vê-la crescer.
Espero muito que Deus me ajude com isso.
Ken não chorou quando soube da doença, está tentando ser forte na
minha frente.”

“Novembro de 2003.
Ela é linda. Ela é tão linda que não posso acreditar que saiu de
dentro de mim.
As íris são como as de Kenneth, tão verdes quanto. Quando olho para
ela, vejo seu pai.
Estou apaixonada, pois finalmente conheci o amor da minha vida!
Nunca pensei que eu fosse capaz de amar tanto alguém quanto amo a
Anna. Ela chegou para trazer alegria ao nosso lar e iluminar nossos dias
nublados.
Já faz dois meses que estou fazendo a quimioterapia, todo o meu
cabelo se foi, assim como minha força e vigor. Se não fosse pela Anna, eu
já teria desistido.
Agradeço por tê-la.”

“Dezembro de 2003.
Ken raspou seu cabelo para ficar igual a mim. Nós dois choramos.
Não estou tendo melhoras.”
Não sei por que, mas sinto uma conexão tão grande com estas cartas,
que meus olhos transbordam de lágrimas quando termino de ler a última.
Kenneth traiu minha mãe com essa mulher e engravidou as duas ao
mesmo tempo. Aparentemente, eu e Anna nascemos em datas muito
próximas, quase juntas.
As folhas seguintes da pasta são de rabiscos e anotações, como se
alguém tivesse escrito vários nomes e telefones e feito lembretes. Não
consigo compreender praticamente nada.
Depois, acho um atestado de óbito. O nome da mulher era Cecília
Fournier Lefebvre. Pelo que fiquei sabendo, Lefebvre é o sobrenome de
Kenneth, portanto eles eram casados.
Fico chateada por ambos, não deve ter sido fácil.
Agora me pergunto: Onde está Anna?
Tenho uma irmã de sangue e não sabia.
Provavelmente este é o segredo que estão escondendo de mim.
Mais para a frente, ainda olhando a pasta, encontro alguns artigos.
Parecem folhas de jornal. Pego a primeira e me deparo com o rosto de uma
criança e uma frase bem grande, escrito: DESAPARECIDA.
Meu coração erra uma batida, nervoso.
Ouço barulhos e sei que alguém está se aproximando. Guardo tudo da
maneira que estava e me levanto, ansiosa.
Arregalo os olhos para a porta, apertando as mãos, com medo de
Kenneth entrar e me pegar no flagra.
Para a minha felicidade, quem entra é Reese.
Abro um sorriso, porém não consigo esconder o nervosismo.
Ele vem em minha direção e me abraça.
— Desculpe a demora — diz, beijando meu rosto em várias partes —,
Kenneth deu uma saída do serviço para vir me ver, já que não nos vemos há
dez dias. Minha mãe estava junto, então, sabe como é, não é? Queria ficar
me abraçando e perguntando sobre tudo que passei.
— Hã, tudo bem. — Umedeço os lábios, ainda me sentindo ansiosa.
Pergunto-me mentalmente se ele sabe sobre Anna.
— Você está bem? — Franze o cenho, me analisando.
— Sim, é que… fiquei com medo de ser pega aqui.
— Eles já foram embora. Eu disse que perguntei sobre você ao Joseph
e ele me explicou que havia saído para dar uma volta.
— Certo. — Balanço a cabeça. — E por que eu precisava vir
especificamente para cá?
Ele olha em volta e depois me fita.
— Eu nunca tinha te visto assim, sem roupas. — Sinto minhas
bochechas corarem. — Fiquei te observando de longe e pensei que gostaria
de te beijar assim no único cômodo proibido da casa. Tenho recaídas por
atos ilegais, você já sabe.
Solto uma risada.
— Você pediu para eu vir para cá só porque queria me beijar em um
lugar proibido?
Reese me levanta em um movimento ágil e me senta em cima da
mesa. Depois, afasta minhas pernas e me dá uma boa olhada.
— Sim — diz, encarando exatamente minha vagina. — Aqui nunca
seremos pegos. Porra, Ellie, nunca vi um corpo tão lindo em toda a minha
vida!
Não digo nada, apenas mordo meu lábio inferior, levemente
envergonhada.
Ele toma minha boca e me beija como se fosse tudo o que precisasse
na vida. Parece estar extremamente sedento, necessitado. As mãos enormes
percorrem meu corpo nu pela primeira vez e sua respiração falha, tremendo
um pouco.
A parte de baixo do meu biquíni começa a me incomodar, pesada, e
aquela dor que vivo tendo quando estou beijando Reese volta.
Gemo quando me puxa com força e aperta seu corpo no meu.
— Se não quer me deixar louco — ele diz em contato com a pele do
meu pescoço —, não fique mais sem roupas na minha frente. — Me morde,
fazendo-me gemer outra vez. — Tudo o que penso é em te foder com força
e te fazer gozar pela primeira vez na mesa do escritório do nosso pai.
Algo incomum cresce em mim.
Estou com raiva de Kenneth por ter amado tanto minha irmã e por ter
me abandonado. Por ter amado tanto a Cecília e por ter traído minha mãe.
Sinto-me traída, mais uma vez, por saber que a vida toda tive uma
irmã e todos esconderam de mim.
Este sentimento de engano está tão forte em mim, que tenho vontade
de gritar ou de despejar em alguém.
Por não estar com a cabeça cem por cento boa, penso na possibilidade
de permitir que Reese me toque de uma maneira diferente hoje. Preciso
extravasar.
Minha vida sempre foi uma mentira. Meu ex-namorado é gay, meu
pai me enganou e o que achei que era diversão antes percebi que não era.
Dou-me conta de que também gosto de coisas ilícitas e, se Reese
insistir só mais um pouquinho, vou acabar cedendo. Porque, de todas as
pessoas que já conheci, ele é a mais autêntica e a mais verdadeira. Não
tenho dúvidas de que quero que seja com ele a minha primeira vez.
Isso causa uma guerra dentro de mim, com as regras que aprendi na
igreja, com as promessas que fiz a mim mesma sobre minha virgindade.
— Reese… — de olhos fechados e arfando, digo seu nome.
Porque, no momento, não há outro nome que eu queira clamar mais
do que o dele.
Ele está beijando meu colo, abaixo do meu pescoço, e somente um
“Hum?” lhe escapa.
— Eu não sei fazer isso.
É então que para e me olha. Seus olhos azuis estão em chamas,
completamente alucinados.
Uma das coisas que mais admiro em Reese é sua transparência com
tudo o que está sentindo. Consigo ver através da veia pulsante ao lado da
sua cabeça o quanto está se segurando para não passar dos limites.
— Ellie — diz, próximo, passando as mãos nas minhas coxas —, eu
jamais faria algo que não queira. Mas, se me disser que deseja dar mais um
passo, vamos fazer isso aos poucos, tudo no seu tempo.
Estou me sentindo rejeitada depois de tudo o que descobri e meu
corpo grita por atenção. Sei que o homem que está à minha frente é o
perfeito para fazer isso agora.
— Eu… Eu quero, Reese. Quero dar mais um passo.
— Puta que pariu. — Ele coloca as mãos na cabeça, completamente
atordoado com o que eu disse. — Quero dizer… — Um pigarro. — Me
desculpe pelo palavrão. É que… eu não imaginava que diria o que acabou
de dizer. Estou há dois meses sonhando com isso, então… me surpreendeu.
Solto uma risada ao me deparar com sua reação.
— Você não está se sentindo pressionada, não é? Porque, se estiver, te
peço desculpas. Esses dez dias que passei longe me fizeram sentir muito a
sua falta.
— Não, Reese. — Mordo o lábio inferior. — Eu realmente quero
saber como é dar mais um passo.
— Você toma anticoncepcional?
Confirmo com a cabeça.
— Nunca tive relações sexuais com ninguém, mas tomo
anticoncepcional há alguns anos, desde que comecei a menstruar.
— Entendi. Acho importante saber que eu nunca fiz sexo sem
preservativo e faço exames sempre para me certificar de que não tenho
nada.
— Está bem — digo, um pouco nervosa. — Você já fez muito isso,
não é?
— Sim, Sardenta. Mas nunca repeti com a mesma mulher, todas
significaram apenas uma noite para mim, nada mais.
— Vai ser assim comigo também?
Ele sorri como se estivesse achando graça.
— Não. Com você sempre foi diferente, desde o começo. E mesmo
agora, se não quiser fazer nada, irei esperar até que esteja pronta.
— Estou pronta.
Como se não estivesse acreditando, ele me olha por alguns segundos,
analisando o que disse. Depois, se aproxima e me beija, segurando meu
cabelo. As línguas se sentem por alguns instantes, até que puxa meu lábio
inferior entre seus dentes e diz:
— Fique aqui, vou pegar algo para nós.
— Está bem.
Assisto-o sair do escritório e aperto as mãos, ainda com as pernas
abertas em cima da mesa. Estou nervosa, não vou mentir, mas certa do que
quero.
Há um incômodo enorme vindo direto do meu centro latejante e,
mesmo que eu não faça ideia do que vai acontecer, tenho ciência de que
será exatamente lá onde Reese tocará. Isso me deixa ansiosa, porque jamais
a mostrei a ninguém e tenho medo de que haja algo de errado comigo. Ele
volta com um pirulito na boca e tranca a porta, andando em minha direção
como um predador que rodeia sua presa, vagarosamente. Seu olhar desde
meus pés até meu rosto, demorando um pouco entre minhas pernas, é quase
palpável. Arrepio-me inteira com a visão que estou tendo.
Reese se aproxima e se coloca entre minhas pernas, tirando o pirulito
da boca cheia de saliva. Segura meu pescoço para me manter imóvel e
passa o doce pelos meus lábios, lambuzando-os. Em seguida, me puxa
ferozmente para um beijo ardente e açucarado, com gosto de morango.
Chupa meus lábios até que fiquem formigando e com pouca
circulação. Amo a sensação de vulnerabilidade que vivencio nesses
momentos, em que Reese comanda tudo com tanta maestria.
Ainda segurando em meu pescoço, ele me estende o pirulito e ordena,
com a voz embargada:
— Chupa.
Obedeço, dopada com o tesão visceral que meu corpo experimenta.
Ele me assiste chupar o pirulito por um tempo, com um olhar desejoso.
— Olhe bem nos meus olhos enquanto te explico o que vou fazer —
diz em um sussurro grave que faz todos os meus pelos se levantarem. —
Vou te lamber, Ellie, porque quero sentir o gosto de cada parte do seu corpo,
e depois vou foder a sua boceta com a língua até que eu sinta o sabor do seu
gozo na minha boca.
Meu coração atropela a caixa torácica de tão forte que está batendo,
ao mesmo tempo que sinto algo escorrer de dentro de mim.
— Você vai lamber minha…?
Ele umedece os lábios como um animal faminto e balança a cabeça
positivamente.
— Não se sinta envergonhada, fazer sexo oral é a coisa mais comum
que existe. Apenas chupe o pirulito enquanto chupo você.
Minhas bochechas enrubescem.
Primeiro, ele toma o lóbulo da minha orelha em sua boca, chupando e
exalando forte no meu ouvido. Contorço-me, com a ansiedade de ter meu
desejo saciado.
Aos poucos, desce me lambendo pelo colo, beijando minhas pintinhas
alaranjadas com diligência. Sua respiração está quente, deixa um rastro de
fogo por todos os lugares.
As enormes mãos pousam em meus seios e sinto que minha mente
fica em alerta. Chupo o pirulito com mais intensidade, engolindo o gosto
doce. Isso me acalma.
Ainda lambendo meu colo, Reese coloca a parte de cima do meu
biquíni para os lados, deixando as auréolas de fora. Em seguida, massageia
meus seios aos poucos, até passar a apertá-los progressivamente.
— Eles cabem perfeitamente nas minhas mãos — sussurra ao meu
ouvido.
Depois para, a fim de analisá-los, e se aproxima para abocanhar o
primeiro mamilo.
Solto um gemido involuntário com a sensação prazerosa que é ter
Reese me chupando. Olho para baixo, em seus olhos, e percebo que está me
observando.
Assisto enquanto suga um e segura o outro, apertando na medida
certa. A cena faz minhas pernas tremerem e os dedos dos meus pés, se
apertarem.
Mordendo-me, Reese puxa meu bico entre os dentes. Grito em
resposta. Já percebi que gosta de me causar dores e, por incrível que pareça,
me dou conta de que também gosto.
Seguro sua nuca enquanto suga meu outro seio, fazendo exatamente o
mesmo processo. Arfo, com a mente completamente nublada por esta
sensação tão deliciosa.
Minha boceta pulsa de uma forma que jamais imaginei ser possível,
desesperada por um toque, por atenção.
Aos poucos, a língua desce até minha barriga e Reese deixa cinco
chupões marcados em mim, arroxeados.
Já perdi a noção dos gemidos, talvez eu esteja choramingando agora.
Mas, quanto mais eu me contorço de prazer e expresso o quanto estou
gostando, mais firme Reese segue.
Ajoelhando-se à minha frente, cheira minha intimidade de uma forma
animalesca, soltando um rosnado indecifrável. Com os dentes, puxa a parte
de baixo do biquíni, retirando-a completamente.
Sinto vergonha e chupo o pirulito novamente, engolindo o gosto
pegajoso de morango.
— Abra as pernas para mim, Sardenta — pede, sem tirar os olhos da
minha lubrificação. — Puta que pariu, esta é a boceta mais gostosa que já vi
em toda a minha vida — exclama, cheio de tesão acumulado. — Coloque os
pés na mesa.
— O quê?
— Coloque os pés na mesa e abra bem as pernas.
Faço o que pede, apreensiva, separando as pernas o máximo que
posso.
Seu dedo toca sutilmente minha parte lubrificada e solto um gemido
incontido com quão gostoso isso parece ser. Quero que faça com mais
força, com mais intensidade. Estou implorando mentalmente que aja logo,
arfando, ansiosa pela sensação de tê-lo com a boca em mim.
Reese me mostra seu dedo melado e diz:
— Olha quão pronta está para mim. — Enfia o indicador na boca e
chupa. — Você está tão molhada, que eu conseguiria enfiar meu pau
todinho em você, de uma só vez. — Aperto o interior do meu sexo com a
imagem que se passa por minha mente, sentindo-me tonta com tanta
lascívia. — Quero ouvir você me pedindo para que te foda com a língua.
— Por favor — choramingo.
— Por favor, o que, Ellie?
— Quero que me foda com a língua, Reese.
— E o que mais? — Sua respiração quente toca minha parte íntima
aberta e juro que a vontade que tenho é de implorar.
— Me faça gozar, por favor.
A risada maléfica que ele solta reverbera em meus órgãos.
— Cumprirei seu desejo com o maior prazer.
Então me abocanha, lambendo a lubrificação que escorre até a mesa
de Kenneth.
Reviro os olhos, extasiada, e jogo a cabeça para trás.
Gemendo, imploro por mais.
Reese lambe toda a minha extensão e suga meu clitóris até fazer
lágrimas escorrerem dos meus olhos.
Meu coração bate acelerado, ao mesmo tempo que me seguro com
força na mesa para não cair. Todas as partes do meu corpo tremem e não
faço ideia de como fazer isso parar.
A sucção me arranca a sanidade e, enlouquecida, seguro a cabeça de
Reese com força para que não pare. Ele continua, cada vez com mais
intensidade, experimentando todos os cantos do meu sexo latejante.
O pico do meu delírio acontece quando invade minha entrada com a
língua, indo e vindo. Gemo, rolando os olhos.
Logo volta a me lamber, revezando nos movimentos. Sinto minha
intimidade se contraindo e uma pressão inimaginável tomar conta da minha
pélvis. É quando Reese morde meu clitóris e o puxa. Grito pela dor e pelo
tesão que isso me dá.
— Olhe para mim quando for gozar — ordena. Balanço a cabeça
positivamente, sem ar. — Me dê o pirulito.
Sem conseguir raciocinar o que pretende fazer com o pirulito, eu o
entrego, mas logo entendo o que quer.
Segurando no palito, esfrega a bola adocicada em mim, desde o
clitóris até a entrada, diversas vezes.
Não suporto mais de tanto tesão, fica impossível sustentar por muito
mais tempo.
Assim que percebe isso, Reese se levanta e me beija. Sinto o gosto da
minha intimidade em sua língua. O beijo é voraz e desesperado, em meio
aos nossos gemidos incapazes de manterem-se presos.
Sinto o pirulito entrando em mim vagarosamente, depois saindo. O
ritmo é lento, mas se torna constante. Abro a boca à procura de oxigênio,
mas não encontro, pois meu companheiro me enforca com uma das mãos,
impedindo que todo o ar de que eu preciso entre.
Meu corpo inteiro se arrepia e a pressão que antes estava acumulada
em meu ventre se expande, deixando-me alucinada. A mente nubla, as
pernas tremem com força e um frio descomunal me toma, como se eu
estivesse prestes a cair de um penhasco.
Reese continua segurando meu pescoço e morde meu lábio inferior
com força, mantendo o ritmo do pirulito, entrando e saindo.
— Olhe para mim! — rosna.
É o que faço antes da queda livre: nossos olhos se encontram
enquanto gozo. Todos os meus gemidos são jogados para dentro da boca de
Reese, quando encosta os lábios nos meus, esperando até que meu corpo
pare de tremer.
Ajudo Ellie a colocar o biquíni em si mesma e arrumo a parte de
cima, tapando os lindos seios outra vez.
Minha mente ainda está focada no sexo que sei que não virá agora, e
sofro por isso, pois quero, a qualquer custo, me enfiar nela. Meu pau está
necessitado e duro igual a uma pedra. Mas entendo que não esteja pronta,
portanto preciso ir devagar, mesmo que tudo o que eu queira seja
exatamente o contrário.
Não sou uma pessoa confiável neste instante, porque estou com a
mente perversa demais para pensar ou agir com cuidado.
Eu poderia pedir para a Ellie retribuir o sexo oral, mas é muito
sacrificante para mim ser carinhoso nesses momentos. Eu me enfiaria sem
dó na garganta da garota e bateria em seu rosto, certamente isso a deixaria
chateada.
Um passo de cada vez, certo?
É o que vamos fazer.
Consigo me sacrificar por ela. Sei que, quando transarmos, vai ter
valido a pena a espera.
Eu jamais faria isso por outra mulher, mas Ellie sempre foi diferente,
sempre. Desde o primeiro momento em que coloquei os olhos nela, percebi
que era alguém em que valeria a pena investir minha vida.
Não sei nomear o que temos, mas sei que é exclusivo e gosto disso.
Nunca pensei que haveria exclusividade entre mim e outra pessoa, mas,
hoje, não tenho vontade de mais ninguém a não ser da minha sardenta.
Aconteceu naturalmente, sem precisarmos combinar algo.
Ela me enfeitiçou, me domou, me conquistou.
Olho-a encostada na mesa do meu pai, apertando as mãos, e me dou
conta de que está nervosa. Tento acalmá-la, me aproximando e cariciando
seus cabelos.
— Como está se sentindo? — pergunto.
— Muito bem — responde baixo, com os grandes olhos verdes
focados em mim —, e você?
Percebo que, na verdade, está agindo assim porque está envergonhada
após ter gozado enquanto eu a masturbava com um pirulito, então
tranquilizo-a.
— Como eu estou? — Sorrio. — Estou me sentindo o homem mais
sortudo do mundo todo.
— Para — suas bochechas enrubescem —, nem sou tudo isso.
Sim, ela é. Ellie tem a porra da boceta cheia de sardas, surreal de
linda.
Seguro seu rosto e me aproximo, fixando meus olhos nos seus.
— Eu estou viciado em você, Ellie. Nem a nicotina do cigarro, nem a
adrenalina das corridas, nada se compara ao seu gosto. Você é a coisa mais
gostosa que já experimentei em toda a minha vida.
Ela sorri, tentando esconder o quanto está encabulada, e eu a beijo.
— Eu me alimentaria da sua boceta para o resto dos meus dias —
brinco e ela me dá um tapa no braço.
— Não seja besta, Reese!
— Solto uma risada, abraçando-a.
— Você gostou? — Analiso seu rosto com atenção.
— Muito.
— Me desculpe pelos palavrões, não consegui me conter.
— Achei excitante te ouvir falar os palavrões enquanto me chupava.
Juro que não acredito que ela disse isso.
Abro um sorriso sacana, sentindo meu pau vibrar.
— Então não vou me conter quando estivermos em nossas
intimidades.
— Combinado. Somente nesses momentos.
Acho que amo esta garota.
Beijo-a outra vez e sussurro:
— Precisamos sair daqui antes que alguém nos pegue.
— Mas você não… — faz menção à minha ereção dentro da calça.
— Um passo de cada vez — lembro-a. — Vou ao meu quarto
descansar um pouco, pois a viagem foi longa. Quer subir comigo, ou
prefere voltar à piscina? Para seu próprio bem, indico que escolha a piscina.
Ela solta uma risadinha e concorda com a cabeça.
— Tenho algumas coisas para fazer agora. Te vejo mais tarde, ok?
— Está bem.
Nos beijamos pela última vez e saímos do escritório.
No meu quarto, a primeira coisa que faço é entrar embaixo do
chuveiro e bater uma pensando na boceta deliciosa de Ellie. Nunca vi nada
igual. O cheiro, o gosto, o desenho, tudo é inebriante.
Imagino como deve ser apertada e qual seria a sensação de me enfiar
todinho nela.
Porra, isso acaba comigo!
Não sei de onde estou encontrando forças para conseguir ir devagar
com isso. Estou pirando por dentro.
Após gozar, termino o banho e caio na cama. Estou cansado por conta
da viagem e preciso descansar nem que seja por alguns minutos.
Durmo feliz por ter feito um oral na minha sardenta e repasso tudo
outra vez em minha cabeça. Foram dois meses esperando por isso. Sinto-me
vitorioso.

Acordo com minha mãe me chamando. Ela se deita ao meu lado e


acaricia meu couro cabeludo.
— O jantar está pronto, querido.
Abro os olhos e sorrio.
— Está bem, mãe, vou me levantar.
— Senti tanto a sua falta — ela sussurra, carente.
— Também senti a sua — sou sincero.
— Como está se sentindo depois de tudo?
— Arrependido por ter te chateado.
— Está tudo bem, já não estou mais chateada. Só me preocupo que se
meta novamente nessas corridas, o que houve da última vez foi um caos.
— Vou dar um tempo, não se preocupe.
Ela fica satisfeita.
— Filho, tem algo que ainda esteja escondendo de mim? Não quero
ter mais surpresas.
— Não — minto.
Não posso correr o risco de contar a verdade sobre meu envolvimento
com minha irmã de consideração e acabar ficando sem ela.
— Fico feliz em ouvir isso.
Dou-lhe um abraço e, em seguida, nos levantamos para seguirmos
para a sala de jantar.
Percebo que Ellie está um pouco estranha, talvez silenciosa demais.
Não costuma falar muito enquanto come, mas hoje está mais quieta do que
o normal. Pergunto-me se, durante o dia, se arrependeu do que tivemos
mais cedo. Espero, por Deus, que não.
— Como foi seu dia, filho? — meu pai pergunta, puxando a atenção
para ele.
— Não fiz muita coisa, cheguei cansado da viagem e passei o dia
todo dormindo. E o seu?
— Foi corrido. Hoje, eu e Amelia pegamos um caso de família
bastante complicado. O pai luta para ver a filha de dois anos e a mãe não
deixa. Fico sentido com situações assim…
— Sentido? — Ellie o interrompe, franzindo o cenho.
— Sim, é muito difícil para um pai não poder ver seus filhos.
Minha sardenta solta uma sutil risada e diz:
— Entendi.
— Você se interessa pela advocacia? — Amelia pergunta, atenciosa.
— Não.
— O que tem vontade de estudar?
Olho-a, curioso, pois também tenho interesse em saber dessa
informação.
— Medicina Veterinária — responde.
— Que maravilha! É uma linda profissão. — Amelia sorri.
— Sim, é verdade. Por que a escolheu? — meu pai quer saber.
Tenho presenciado, dia após dia, Kenneth se esforçando para
conseguir melhorar o relacionamento dos dois. Nos jantares, é sempre ele
quem puxa os assuntos, a fim de criar algum vínculo com a filha, mas ela,
na maioria das vezes, não alimenta expectativas.
— Porque, quando eu era pequena, não tinha muitos amigos, então
minha mãe me deu um gato para cuidar. Desde aquela época, percebi que
animais são mais fáceis de lidar do que pessoas.
— Se sente confortável em dizer por que não tinha muitos amigos? —
ele pergunta, manso.
— Não me importo. Eu não tinha amigos porque todos os meus
colegas de classe tinham um pai, menos eu. Nas reuniões, era sempre minha
mãe que ia; nas festas de Dia dos Pais, eu não comparecia. Quando havia
atividades relacionadas a profissões, todos os pais apareciam e explicavam
com que trabalhavam, menos o meu. Nas festas de Natal ou Ação de
Graças, as famílias inteiras se reuniam, menos a minha. Se nem meu pai me
queria, que diriam as outras crianças, não é? — Levanta as sobrancelhas. —
Quando perceberam que esse assunto me machucava, ninguém mais me
deixou em paz, passei todos os dias da minha infância sendo lembrada de
que fui abandonada.
A tensão enche a sala.
Engulo em seco.
— Você quer conversar sobre isso agora? — meu pai pergunta,
calmo, porém completamente afetado.
Percebo seu pomo de adão se movendo e seus olhos marejarem um
pouco.
— E começaríamos por onde? Pelo momento em que você abandonou
minha mãe grávida? Ou por quando não teve interesse nenhum em me
conhecer?
— Filha, você não sabe o que está dizendo, e é por isso que eu quis
conversar desde o primeiro dia que veio para cá. Eu te procurei muito,
sempre quis ter sua aproximação.
— Eu sempre morei no mesmo lugar! — ela esbraveja, os olhos
cheios de lágrimas também. — Nunca mudei de número porque esperei que
entrasse em contato comigo! Vinte anos sonhando com o dia em que
entraria naquela igreja dizendo que se arrependeu! Como pode me dizer que
sempre quis ter minha aproximação? Não houve tentativa nenhuma de
contato seu!
Nunca vi Kenneth, um homem tão exemplar, quebrado da maneira
como está agora. É nítida a sua dor.
Ellie se levanta, lança um olhar demorado ao pai, como se estivesse
esperando que dissesse mais alguma coisa, mas, como nada é dito, finaliza a
conversa:
— Eu sabia. — Balança a cabeça positivamente enquanto uma
lágrima despenca. — Perdi a fome.
Então, sai da sala e sobe as escadas.
Meu corpo luta para ir atrás dela, mas não posso dar mais indícios de
que me preocupo mais do que o normal.
Olho para o casal, ambos chateados. Meu pai pigarreia e limpa as
lágrimas dos olhos, aparentemente constrangido.
— Me desculpe por isso, filho — diz, a voz trêmula.
Sei que está tentando não desabar na minha frente, mas eu jamais
ligaria se isso acontecesse.
Em todos os meus piores momentos, era ele quem estava ao meu
lado.
— Está tudo bem, pai.
— Quero muito conversar com ela — explica —, mas nunca consigo.
Ellie está o tempo todo na defensiva.
— A questão é que ela está aqui há dois meses, apenas. É pouco
tempo perto dos vinte anos de abandono. Vocês não se conhecem ainda,
portanto é normal que esteja agindo assim.
— Vivo dizendo ao seu pai para que dê tempo ao tempo — minha
mãe comenta.
— É que tenho pressa em acertar as coisas. — Kenneth limpa os
olhos outra vez. — Não quero que ela, ou até mesmo você, pense que sou
um péssimo pai.
— Eu jamais pensaria isso — digo, verdadeiro.
— Obrigado.
— As coisas vão se resolver — acrescento.
Minha mãe parece orgulhosa, está me olhando com os olhos
marejados e com um sorriso pequeno nos lábios.
— A verdade é bem pior do que ela pensa, Res — Kenneth explica.
— Talvez tenha ainda mais raiva de mim quando souber por que nunca
entrei em contato.
— Espero que consiga consertar isso — digo.
Não pergunto por maiores detalhes, pois é notório o quanto está mal
por tudo o que ouviu, e não quero piorar ainda mais as coisas.
Admito que é difícil entender como um homem como Kenneth se
dispôs a cuidar de mim, rebelde e bagunceiro, e se negou a cuidar da Ellie,
uma pessoa tão boa. Contudo, entendo que não é um assunto meu, por isso
não insistirei pela verdade. Apenas me colocarei no lugar de consolar minha
sardenta quantas vezes precisar.
Termino meu jantar e peço licença. Explico que ainda estou cansado e
que pretendo dormir mais cedo hoje. Tenho certeza de que meus pais não
entrarão no quarto de Ellie depois do que houve aqui, vão dar um tempo
para que se acalme.
Para reforçar, aconselho:
— Sei que tem pressa em consertar as coisas entre você e a Ellie, pai,
mas, se eu fosse você, não tentaria conversar com ela ainda hoje.
— Exatamente, Ken — Amelia diz. — Ela está muito nervosa, não
conseguirá dar ouvidos a nada do que tem a dizer.
— Está bem… Tentarei conversar depois da festa do Príncipe Hans.
Acho que será melhor.
Concordo, despeço-me e sigo para as escadas.
Em silêncio, abro a porta do quarto de Ellie e a encontro sentada na
cama, lendo o mesmo livro de sempre.
— Ei — sussurro me aproximando —, você está bem?
— Sim — responde.
Contudo, é notório que não está.
Sento-me ao seu lado e a puxo para um abraço.
— Quer conversar?
— Eu só estou confusa, Reese, muito confusa.
— Isso tem a ver com o que fizemos hoje mais cedo?
— Também, mas isso é a menor das coisas.
— A maior tem a ver com Kenneth?
— Sim. Eu não quero ouvi-lo dizer por que me abandonou, já passei a
infância inteira ouvindo sobre isso. Sei que, se eu parar para conversar com
ele, vou me magoar ainda mais. Estou só tentando me proteger, entende?
— Sim, entendo. Mas, ao mesmo tempo, acho bom saber a verdade,
entender o que houve realmente.
— Sei o que houve, eu estava lá. Ele nunca foi atrás de mim.
— Sinto muito por isso — digo, afagando seus cabelos. — Não quero
me intrometer nesse assunto, porque não diz respeito a mim, mas quero que
saiba que estarei ao seu lado independentemente do que escolher fazer.
— Promete?
— Prometo. — Sorrio.
— Obrigada.
— Agora… — Pego o livro de suas mãos e o fecho, deixando-o de
lado. Deito-me e puxo Ellie para cima de mim, assim como costumamos
fazer. Ela cruza os braços no meu peito e descansa o queixo, me olhando.
— Me diga o motivo de estar incomodada com o oral que fiz em você hoje
mais cedo.
Ela pensa por um instante antes de responder.
— Quando cheguei aqui, há dois meses, vim com a certeza de que
minha fé jamais seria abalada, mas ter te conhecido mudou isso. Não tem
nada a ver com você, sou eu. Fico preocupada com o que Deus está
pensando de mim.
— Deus está pensando que você é um ser humano normal e pecador
como qualquer outro, Sardenta. — Arrumo uma mecha de cabelo atrás de
sua orelha. — Não tem como ser perfeita em todo tempo.
— Eu sei disso, mas sinto como se gostar de você fosse o mesmo que
infringir uma lei sagrada.
Sorrio, admirando seu rosto perfeito.
— Você gosta de mim?
Tenho ciência de que sim, mas perguntei apenas para ouvi-la dizendo
mais uma vez.
— Gosto, Reese, eu gosto muito de você.
— Se quiser, viro um celibatário, ou um cristão. Posso passar o resto
da vida sem sexo e ler a Bíblia todos os dias, parar com minhas corridas e
passar a orar todas as noites. Se quiser, posso ser mais romântico, mais
carinhoso. Eu faria qualquer coisa para se sentir à vontade comigo e
perceber que não sou um erro, muito menos uma lei infringida.
— Gosto de você exatamente pelo que é, não mudaria nada.
— Só quero que entenda que gostar de mim não significa que está
fazendo algo errado. As pessoas se apaixonam, é normal acontecer. Não
comandamos o coração, nem escolhemos por quem vamos nos apaixonar.
Deus não está decepcionado com você por estar feliz, muito menos sua
mãe. E estou dizendo isso porque estou feliz pra cacete por estar com você,
e não existe nada neste mundo que possa mudar o que penso sobre isso.
— Deve ser bom não se sentir culpado nunca.
— Ellie, se Deus for esse cara que deixa as pessoas se sentindo
culpadas por estarem felizes, não vejo vantagem em servi-lo. Quando eu
estava viajando, prometi que, se você voltasse para mim, eu acreditaria
nele, e sabe por que acredito agora?
— Por quê?
— Te olhei nadando na piscina, sozinha, e juro que nunca vi algo tão
lindo em toda a minha vida. Se isso não for obra de Deus, não faço ideia de
quem seja. Ouvi dizer que só Ele faz coisas perfeitas, o que me leva a crer
que te desenhou, curva por curva, até que ficasse assim, exatamente como é
hoje. Você é perfeita, Ellie. Não vejo um defeito sequer em você.
Ela sorri e meu estômago se contrai.
— Minha mãe costumava dizer que, se eu me envolvesse com algum
homem, seria punida por isso. Talvez isso esteja me afligindo.
— Você está se envolvendo comigo e a única coisa que ganhou em
troca foi um orgasmo maravilhoso.
Ela solta uma risadinha, as bochechas avermelhadas pela vergonha.
— Se essa for a punição — diz —, quero ser punida mais vezes.
É a minha vez de dar risada. Ellie fica fofa tentando falar sobre nossas
intimidades, completamente tímida.
— Eu poderia fazer isso todos os dias — sussurro, olhando sua boca.
Assisto à garota morder o lábio inferior e meu pau começa a ganhar
vida.
— Realmente gostei do que fez hoje, Reese.
— Quando estiver pronta, eu te mostrarei muitas outras coisas de que
gostará ainda mais.
O dia da festa finalmente chega e o país inteiro está em completo
alvoroço, todos ansiosos.
As festanças do Príncipe Hans são sempre maravilhosas, com
comidas de alta qualidade, bebidas caras e músicas do momento. O país
todo é convidado, para mantermos a harmonia e a paz entre os habitantes.
O castelo é imensuravelmente grande, cheio de quartos, banheiros e
salões chiques. Tenho certeza de que Ellie vai amar conhecer a casa do
príncipe.
Hans-Adam III é um homem de cinquenta e dois anos, com a
aparência jovem e essência bondosa. Adora se envolver com as pessoas e
ser receptivo.
À tarde, começo a me arrumar. Vou ao cabeleireiro e aproveito para
passar em uma loja de que gosto bastante para comprar um terno e um
sapato social. Tenho vários em casa, apesar de não os usar com tanta
frequência, mas opto por um modelo novo, exclusivo para a festa.
Chego em casa no final do dia e logo me coloco embaixo do
chuveiro.
Vi Ellie somente pela manhã, depois saiu com a minha mãe para
arrumarem-se juntas. Mandei algumas mensagens e pedi que me enviasse
fotos de como está ficando, mas recusou, deixando-me curioso para vê-la.
Aposto que será a garota mais linda de todo o castelo.
Após o banho, coloco todas as peças do meu novo smoking azul-
marinho, calço os sapatos e arrumo o cabelo. O perfume e as joias vêm
depois, complementando meu look.
Encontro-me com meu pai no andar de baixo e ele me entrega um
copo com um pouco de uísque. Dou um gole, levemente nervoso.
— Elas estão demorando — comenta.
— Devem estar ficando lindas.
— Com toda certeza.
Tomo mais um gole da minha bebida e me sento em uma das
poltronas, cruzando as pernas.
— Pai? — chamo-lhe.
— Oi, filho.
— Quando se deu conta de que estava apaixonado?
— Bom — ele se senta na poltrona ao lado, olhando para mim —, foi
uma loucura.
Sorrimos juntos.
— Por quê? — questiono.
— Passei por um processo complicado com a mãe da Ellie e fiquei
receoso em me apegar a outro alguém, mas sua mãe chegou, dois anos
depois, fazendo um estrago no meu coração. Achei que nunca mais
conseguiria me apaixonar, mas Amelia me mostrou com pequenos gestos
que a vida continua. Ela pegou na minha mão e caminhou comigo, apesar
dos problemas. Me aceitou como sou e ainda me deu um filho, alguém que
sempre amei. Eu e ela já estávamos namorando há alguns meses quando
precisei viajar, e foi quando voltei que me dei conta de que estava
perdidamente apaixonado. Olhá-la de longe, sem que percebesse, me fez
entender que eu nunca mais gostaria de passar um único dia sem a presença
dela comigo. Nós nos curamos juntos, evoluímos e amadurecemos. Hoje,
acho que não sei mais viver sem minha esposa.
— Que bonito, pai.
— Por que está perguntando? Tem alguma garota fazendo um estrago
no seu coração também?
Antes que eu possa responder, ouço barulhos de saltos vindo das
escadas. Nós dois nos levantamos e esperamos que ambas as mulheres
desçam.
Minha mãe é a primeira a aparecer, com um vestido rosa-claro cheio
de bordados e pedras brilhantes. Ele é comprido e justo, abrindo como uma
cauda de sereia quando chega aos pés. Está magnífica, sem dúvidas.
Abro um sorriso ao ver a expressão do meu pai para ela. A paixão que
os dois sentem é visível.
Ela deposita um beijo na minha testa e, em seguida, o casal sela os
lábios.
— Você está linda, meu amor.
— Obrigada — ela diz ao meu pai, orgulhosa.
— A Ellie está descendo? — pergunto, tentando não demonstrar o
quanto estou ansioso para vê-la.
Minhas mãos estão suando e meu coração está batendo forte. Até
mesmo minha respiração fica mais profunda.
— Já está descendo — minha mãe explica. — Só voltou ao quarto
para pegar a bolsa, que estava esquecendo.
Ouço novos barulhos de saltos e estes reverberam desde a escada até
meu estômago.
Quando ela aparece, sinto minha pressão cair. Viro todo o copo de
uísque de uma só vez e pisco algumas vezes em sua direção.
Ellie está vestida com um vestido longo de cetim azul-marinho. Há
uma grande fenda do lado direito, subindo até quase três palmos acima de
seu joelho. Nos pés, sandálias de saltos altíssimos deixam ver o dorso dos
pés. A cada degrau que desce, sua perna fica mais à mostra, perfeitamente
delineada.
Sinto a boca se encher de saliva conforme a meço com os olhos.
Em cima, as alças são bem finas e, nos seios, o tecido mole tem um
caimento maravilhoso, mostrando o quanto são redondos e duros.
Suas joias são de prata pura, cintilando em seus dedos, pulso, pescoço
e orelhas.
O cabelo está solto, porém cheio de ondas, transparecendo um
volume maior do que realmente possui e, por fim, seu rosto tímido está
impecavelmente maquiado.
Definitivamente nunca vi uma mulher tão linda, majestosa e delicada
em toda a minha vida.
A quem estou querendo enganar?
Eu estou apaixonado.
Perdidamente apaixonado.
Profundamente apaixonado.
Tudo o que quero agora é abraçá-la, beijá-la e dizer o quanto está
maravilhosa.
Mas não posso.
Engulo em seco, o corpo agitado, as mãos suando, o coração
pulsando.
— Nossa — Kenneth diz. — Você está linda, filha!
Suas bochechas enrubescem e ela agradece, baixo. Depois, olha para
mim, talvez esperando para saber o que achei do seu visual.
Estou passando mal.
Quero tocá-la.
Preciso tocá-la.
Solto um pigarro nervoso.
— Você está magnífica, Ellie — digo, a voz saindo com dificuldade.
Seu cheiro chega ao meu nariz, deixando-me alucinado.
Ela rouba todo ar que há nos meus pulmões.
Talvez hoje seja o dia, o dia da minha morte.
O que ela fez comigo?
Merda! Preciso me controlar.
— Então, vamos? — minha mãe pergunta, feliz.
Vou à festa sozinho no meu carro, enquanto todos vão no de Kenneth.
Fico o caminho inteiro sentindo uma pressão gigantesca no peito. Só penso
nela.
Queria que estivesse aqui, queria poder beijá-la, sentir seu cheiro de
perto.
Isso é estar apaixonado? Este sentimento de compulsividade?
Minha mente só pensa em uma coisa: Ellie, Ellie, Ellie, Ellie, Ellie…
Não demora muito até chegarmos ao castelo do príncipe. Desço do
carro, ansioso, e me junto à minha família. O imenso jardim está a coisa
mais linda, com luzes românticas iluminando a noite. Olho para Ellie mais
uma vez e ela percebe que estou louco para ficar a sós, para tocá-la e dizer
coisas ao seu ouvido.
Como em um gesto protetor, guio-a até a porta do castelo, com a mão
em suas costas. O tecido do vestido é macio e liso, e a cor combina
exatamente com a do meu smoking. Parecemos um casal.
Somos recepcionados maravilhosamente bem e conduzidos ao grande
salão, onde várias pessoas já estão. Toda a decoração é em ouro e off-white,
há enormes lustres e quadros enfeitando o lugar. Duas escadas largas
laterais sobem até o segundo andar, uma arquibancada gigante destinada aos
bailes e danças. No piso em que estamos, as várias mesas são redondas,
cada uma com oito cadeiras, observo um espaço somente para o buffet, com
derivações de comidas. As bebidas são feitas na hora por bartenders
especializados.
Uma música toca ao fundo, evitando o silêncio, enquanto as pessoas,
com suas melhores roupas, se cumprimentam e conversam animadamente.
O salão é rodeado por seguranças que apenas ficam parados
observando tudo.
Escolhemos uma mesa, onde há dois casais de amigos de Kenneth e
Amelia. Eles, automaticamente, começam a papear, felizes. Perguntam
quem é Ellie e meus pais respondem que é minha irmã.
Os dois casais a recebem superbem, abraçando-a e desejando que seja
bem-vinda ao país. Acho estranha a intensidade que usam para fazer isso,
dizendo que finalmente a estão conhecendo, e que esperavam muito por
isso.
Como estão falando em alemão, percebo que minha sardenta não está
entendendo quase nada, apenas sorri para manter a postura.
Meus amigos nos salvam da conversa que provavelmente se
prolongaria e nos cumprimentam. Kyan, Sebastian e Idris estão elegantes e
chamativos com suas roupas de grife.
Ellie fica feliz ao vê-los e pede licença aos casais que estão à mesa,
para poder abraçar os meninos. Eles a elogiam tanto, que fico incomodado.
Não posso elogiá-la assim, principalmente na frente dos meus pais.
Eles podem.
Para conversarmos melhor, vamos até o lado externo do castelo. É
uma espécie de varanda, que rodeia todo o salão. Nos encostamos na
mureta e aqui ficamos por longos minutos, apenas papeando.
Não posso beijar Ellie aqui, pois a maioria das pessoas conhecem
Kenneth e não quero correr esse risco. Após o vídeo que vazou comigo
batendo naquele homem, ficamos ainda mais vulneráveis. Todo cuidado é
pouco, mesmo que o assunto tenha sido abafado.
— Não consigo parar de olhar para você — sussurro ao seu ouvido.
— Está mais linda do que imaginei que fosse possível ficar.
— Fico feliz que tenha gostado — ela retribui o sussurro, sorrindo.
— Inclusive, tive uma conexão muito forte com o seu vestido.
— Como assim?
— Ele me contou um segredo assim que te vi descendo as escadas lá
de casa.
Ela franze o cenho, confusa.
— Qual segredo?
— Que não vai ficar no seu corpo por muito tempo.
Assisto às suas bochechas corarem progressivamente, enquanto
morde o lábio inferior.
— Tenho um segredo para te revelar também.
Fico animado assim que percebo que vai entrar na mesma onda de
sacanagem que eu.
Ellie é muito tímida e é exatamente por isso que gosto de ouvi-la falar
coisas que a tiram da zona de conforto.
— Escolhi uma calcinha incrivelmente fácil de tirar, junto com o
vestido.
Puta que pariu.
Respiro fundo, as mãos formigando para pegá-la com força. Contudo,
antes que eu possa falar ou fazer qualquer coisa, outras pessoas se juntam a
nós. São homens e mulheres da nossa idade, que nos conhecem das corridas
e outras festas.
Taças de champagne são servidas e nós aceitamos, conversando sobre
os últimos acontecimentos.
Ellie começa a se entrosar com outra garota, olhando para mim vez ou
outra. Retribuo os olhares, porque é impossível parar de admirá-la.
— Está dando muito na cara, Res — Kyan diz.
— O quê?
— Que sente algo pela Ellie, você não para de olhar para ela.
Bufo.
— Estou perdido, Kyan.
— Du warst verloren. Jetzt findet er sich selbst.[2]
Mudei para a mesa dos meus amigos. Kenneth e Amelia não se
importaram de Ellie vir junto comigo.
Entre as conversas e risadas que demos, o Príncipe Hans se
aproximou. Ele é extremamente simpático e cordial, portanto dá atenção
para todos na mesa com total generosidade.
Sardenta fica encantada com ele, tira fotos e aproveita para fazer
algumas observações:
— Sempre quis estar em um castelo como este, parece que estou
realizando um sonho da infância.
— Isso é maravilhoso, Ellie. Fico lisonjeado por estar fazendo parte
da realização de um dos seus desejos mais antigos.
— Obrigada, Príncipe Hans. O senhor é realmente tudo o que dizem,
muito simpático.
Todos à mesa estão conversando como se nada de mais estivesse
acontecendo, porque, apesar de ser um príncipe, Hans é alguém muito
presente no nosso cotidiano, o que naturaliza sua presença.
— Gosto de conhecer pessoalmente os moradores de Liechtenstein,
portanto é uma grande honra te conhecer também. Espero que esteja se
adaptando aos novos costumes, desde que se mudou.
— Foi difícil no começo, mas agora estou começando a me afeiçoar
pelo país.
— Ótimo! E para que se sinta ainda mais à vontade por aqui, há algo
que eu possa fazer por você?
— Bem, acredito que não. Mas agradeço a preocupação.
— Como estou apreciado por sua pessoa, Ellie, o que acha de
conhecer o castelo além deste salão?
Todos os anos, é aberta uma excursão para que os habitantes de
Liechtenstein e turistas possam conhecer o interior do castelo, por esse
motivo a grande maioria que está aqui presente hoje já está familiarizada.
— Sério? — pergunta, animada.
— Claro! Escolha apenas uma pessoa para te acompanhar e pedirei
que um dos meus seguranças particulares os ajude e guie no passeio.
No mesmo instante, ela me olha e sei que me escolheu para fazer o
tour em sua companhia. Balanço a cabeça positivamente, confirmando que
estarei junto.
Enquanto Hans se organiza, eu tomo mais um pouco da bebida,
olhando para minha garota de esguelha. Está animada, ansiosa.
Sebastian me observa de uma maneira sugestiva, aparentemente
ouvindo tudo o que estávamos falando. Kyan e Idris conversam
tranquilamente, com os copos nas mãos. Como sei que Seb não pensa com a
cabeça de cima, apenas com a de baixo, suspeito de que esteja tramando
alguma, mas nem ouso perguntar o quê.
Pouco tempo depois, nos despedimos e seguimos um dos seguranças
até a porta principal do salão, onde passamos para o interior do castelo.
No começo, o passeio é tranquilo. O homem passa pelos corredores e
entra nos cômodos nos dando explicações e tirando as dúvidas de Ellie. Ela
está adorando, prestando atenção em tudo, enquanto ando um pouco atrás,
só para ver sua bunda se movendo no cetim enquanto caminha.
Analiso cada curva de seu corpo, vendo-me louco por tocá-la. Faz
horas que saímos de casa e não consegui fazer nada além de cochichar
algumas besteiras em seu ouvido.
Anseio pelo momento em que poderei colar seu corpo ao meu,
beijando-a com vigor.
Noto sua perna direita ficar nua através da fenda do vestido todas as
vezes que dá um passo e sinto que meu pau começa a incomodar. Sua
panturrilha está lindamente desenhada com estes saltos, o que a deixa ainda
mais sexy aos meus olhos.
Enquanto gesticula e fala com o segurança, só consigo pensar o
quanto quero fodê-la em qualquer canto deste castelo.
A construção é dividida em alas, portanto não somos autorizados a
entrar na ala do príncipe, onde fica seu quarto e seus pertences pessoais.
Porém, podemos conhecer a maior parte restante.
No meio do processo de visitação, um barulho ensurdecedor começa a
soar. É como um apito de segurança reverberando por todas as paredes que
nos cercam.
— O que houve? — Ellie pergunta, assustada.
Eu a puxo para mim, com a intenção de protegê-la do que for
necessário.
O segurança tira uma espécie de rádio de sua cintura e pergunta o que
está acontecendo.
— Estamos em alerta vermelho! — é o que respondem. —
Precisamos evacuar urgente!
— Estou no meio de uma visitação, eu demoraria pelo menos dez
minutos para voltar.
— Precisamos de você aqui, Steven! Deixe-os na sala de segurança e
venha!
Ele nos olha e diz com urgência:
— Estamos com algum problema grave — explica —, preciso voltar
para ajudar. É muito perigoso retornar com vocês, pois estão evacuando o
salão e estaremos vulneráveis com o local vazio. Portanto, os deixarei
dentro de uma das nossas salas de segurança. Lá vocês ficarão bem, sem
perigo.
Aperto a mão da minha sardenta, pois parece estar em alerta, com
medo, e caminho com ela ao meu lado, até que cheguemos à sala de
segurança antes citada.
— Meu pai e minha mãe estavam na festa — comento, preocupado.
— Temos várias dessas salas de segurança pelo castelo e a maior
delas fica próximo ao salão. Todos serão evacuados para lá e não
deixaremos que nada lhes aconteça. Só não levo vocês também porque
estamos longe e não posso permitir que corram perigo.
Concordamos e entramos pela porta de ferro reforçado.
— Não se preocupem, voltarei para pegá-los, ok? — o homem avisa,
antes de trancar a fechadura e partir.
Olho em volta, analisando o local.
Estamos em um cômodo fechado, sem janelas. Porém, é grande, se
parece com um quarto. Há uma cama, poltronas, um banheiro de tamanho
mediano e um frigobar com garrafas de água.
— Reese… — Ellie diz, a voz fraca.
Olho para ela e a abraço, para que se sinta confortável.
— Vai ficar tudo bem — garanto.
— Você não sabe disso…
— Enquanto estiver comigo, não permitirei que nada de mal lhe
aconteça.
— Promete? — Seus grandes olhos verdes me fitam, amedrontados.
Dou-lhe um beijo carinhoso no nariz e digo:
— Eu prometo.
Ela respira fundo e olha em volta, soltando-me por um breve
momento.
— Quanto tempo será que isso vai demorar?
— Não faço ideia.
— Estou me sentindo tensa. Espero que nada aconteça às pessoas que
estavam na festa.
Também estou preocupado, mas tento não transparecer isso, para que
minha sardenta se sinta mais tranquila.
— Você não ouviu o que o segurança disse? Todos ficarão bem. Basta
aguardar.
Mais um suspiro sai de sua boca, ela balança a cabeça em
concordância.
— Vamos aguardar, então.
— Por que não se senta? Vou fazer uma massagem nos seus pés
enquanto isso. Talvez diminua sua tensão — sugiro.
— Faria isso?
— Claro. — Dou de ombros, transparecendo ser a coisa mais simples
do mundo. — Não temos mais nada para fazer, não é?
— É. — Dá de ombros também, virando-se em direção à cama e se
sentando nela, com os pés no chão.
Tiro meu paletó e meu colete, ficando somente com a camisa. Em
seguida, eu me ajoelho à sua frente e tiro com cuidado as sandálias
elegantes que está calçando.
— Não tive a oportunidade de dizer o quanto está linda — me
pronuncio.
— Você já disse isso pelo menos umas três vezes.
— Três vezes não é o suficiente.
— Quantas são?
— Eu jamais me cansaria de dizer o quanto é linda, Ellie — explico,
massageando seus dedos pequenos. — Mas há um estudo bíblico que diz
que o número sete simboliza a perfeição de Deus, pois é quando descansou
de suas obras divinas.
— Onde aprendeu isso? — pergunta, com um sorriso orgulhoso nos
lábios.
— Eu disse que, por você, eu leria a Bíblia todos os dias, não disse?
— Não achei que estivesse fazendo isso.
— Mas estou. Não gosto muito de ler, mas tenho feito isso aos
poucos.
— Você não precisa…
— Você é incrivelmente linda, Ellie — interrompo-a, o coração
transbordando. — Maravilhosa, atraente, encantadora, formosa. Exatamente
como diz em Cânticos 4:7.
— O que diz em Cânticos 4:7? — pergunta, os olhos focados em
mim.
— “Tu és toda formosa, querida minha, e em ti não há defeitos.”
Beijo seu pé, ainda olhando-a.
Percebo que suas bochechas começam a esquentar, enquanto morde o
lábio inferior.
Amo quando ela faz isso, sinto vontade de avançar em seu corpo e
chupar seus lábios.
— Estou apaixonado por você, Ellie — assumo, sincero.
— O quê?
— Minha vida era completamente cinzenta antes de te conhecer. Você
colore cada canto escuro, ilumina meus caminhos e acende algo que antes
estava morto em meu coração. Acho que não quero mais saber como é viver
sem você.
— Reese…
— Estou falando sério.
— Eu…
— Não quero ser um erro para você, Ellie.
Finalmente, paro de falar, ainda segurando seu pé e olhando
diretamente em seus olhos.
— Se você fosse um erro, eu seria feliz em cometê-lo para sempre,
Reese.
De joelhos, eu me ergo. Ellie se aproxima também, permanecendo
sentada. Suas mãos acariciam meu rosto antes que pouse os lábios nos
meus.
Há uma vibração diferente entre nós neste momento, é algo profundo,
forte e poderoso.
Beijo-a com os olhos fechados, sentindo seu gosto na minha língua.
Esperei por isso desde a manhã, sedento.
Passo as mãos por seus cabelos negros e seguro sua nuca,
impossibilitando que se afaste.
Movemos a língua, entrelaçando-as vez ou outra, e lambendo os
lábios conforme mudam de posição.
Cada vez que beijo Ellie, sinto que é o melhor beijo da minha vida.
Mas, então, sempre acaba perdendo para o seguinte. Sou sempre
surpreendido por ela.
Desço a mão por suas costas e a puxo para meu colo, onde coloca
uma perna de cada lado do meu corpo. Contorno sua panturrilha com os
dedos e, depois, subo aos poucos até chegar às coxas, tirando o tecido do
vestido do caminho.
Ela nada diz, apenas permanece me beijando enquanto percorro sua
pele. Chego, vagarosamente, em sua bunda, onde acaricio com cuidado,
esperando que Ellie peça que eu pare. Quando percebo que empina
propositalmente sua traseira, aperto-a um pouco mais, fazendo seu corpo se
encaixar perfeitamente no meu. Agora, minha ereção está bem embaixo da
sua boceta, coberta somente por uma calcinha de renda.
Apalpo sua bunda, cada vez mais desesperado por senti-la, e depois
subo até sua cintura.
— Posso confirmar se essa calcinha é fácil mesmo de tirar? —
sussurro, apertando-a contra mim.
Ela concorda sutilmente, os lábios vermelhos de tanto que foram
chupados.
Nas laterais, arrebento a calcinha e a tiro do meio, mostrando-a para
minha companheira.
— Realmente foi fácil — digo.
— Você rasgou minha calcinha! — Ela levanta as sobrancelhas,
surpresa.
— Quando sairmos daqui, quero saber que suas pernas estão
escorrendo de tesão por mim e que não tem nada segurando isso.
Solta uma espécie de gemido baixo que faz meu pau pulsar e me vejo
com dificuldades de manter o controle.
Aperto sua bunda mais uma vez, agora completamente nua, e me
deleito em suas curvas tão majestosas.
Aos poucos, ergo seu vestido, até tirá-lo completamente. Ellie está
com um sutiã de renda preta, bem cavado para que não apareça pelo decote
da roupa. Abro-o também, jogando em algum canto da sala e abocanhando
os seios deliciosos à minha frente.
Ellie geme de tesão e a chupo cada vez mais forte, deliciando-me das
curvas de seu corpo nu. Minhas mãos ágeis apertam em todos os lugares,
conhecendo tudo.
— Você é gostosa pra caralho, Ellie.
Seus gemidos me enlouquecem, por isso a mordo, causando-lhe
gemidos ainda mais altos.
Sem que eu precise dizer alguma coisa, ela começa a roçar a boceta
necessitada na minha calça, apertando meu pau conforme se mexe.
Sugo o ar entre os dentes.
— Não faça isso — aviso.
— Por quê?
— Porque o que mais quero agora é me enfiar em você e, se continuar
fazendo isso, não vou conseguir me controlar.
Sem responder, me beija. Retribuo, soltando um rosnado.
Suas mãos descem até o cinto da minha calça e começam a desatá-lo.
— O que está fazendo? — pergunto.
— É injusto que só eu fique sem roupas.
Solto uma risada curta, quase incrédula.
— Você está brincando com o fogo — aviso.
— Que bom que você sabe lidar muito bem com ele, não é,
bombeiro?
— Ellie…
— Quero te ver também.
Rendo-me quando ela rebola mais uma vez, nublando minha mente.
Parece que achou meu ponto fraco.
Primeiro, desabotoo a camisa social. Ela observa meus movimentos,
com os olhos focados em meu peito. Assim que fico completamente
despido na parte de cima, passa os dedinhos delicados pelo meu tanquinho,
sentindo cada um dos quadrados definidos.
Arrepio-me, respirando fundo em contato com seu toque.
Depois, contorna meus braços, caminhando por entre as veias
saltadas.
— Você é muito bonito, Reese.
— Obrigado, Sardenta.
— Quero conhecer seu corpo todo — diz, tímida.
Arranco o cinto da minha cintura e o deixo de lado.
— Tem certeza? — pergunto.
— Sim, tenho certeza.
Levanto-me com ela em meu colo e jogo seu corpo na cama. A garota
solta um gritinho.
— Abra as pernas.
Ellie deita de barriga para cima, apoiada nos cotovelos para que possa
me ver e abre as pernas, com os joelhos flexionados.
Meu pau dói, pulsante.
Esta é a visão do céu, com toda certeza.
Não sei o que mereci para ter uma mulher tão deliciosa.
Desabotoo a calça social e abaixo o zíper. Sem rodeios, tiro tudo, até
ficar completamente nu, assim como ela.
Seus olhos se arregalam e sua boca se abre.
— Você… Meu deus, Reese!
— O quê? — Solto uma risada curta e animada.
— O seu…
— Pau?
— É… O seu pau é tatuado?
— Sim — digo, divertido.
— Uau! Eu não imaginava que isso era possível.
Fico quieto, observando seus olhos percorrerem todo meu corpo,
curiosos.
— Eu imaginava que fosse menor — diz, por fim.
Não aguento o quanto ela é ingênua, isso me faz ter ainda mais
vontade de me enterrar entre suas pernas virgens.
— Não tem nada em mim que seja pequeno — concluo.
— Realmente. — Engole em seco. — Acho que não vai caber, Reese.
Aproximo-me, cobrindo seu corpo com o meu.
— Você é meu encaixe perfeito, Sardenta. Com certeza vai caber —
sussurro em seus lábios.
Beijo-a em seguida, roçando a cabeça do meu pau em seu clitóris.
Juro que nunca senti nada tão surreal. Eu conseguiria gozar somente
sentindo sua lubrificação em contato com meu membro.
Audaciosamente, ergue as pernas e as cruza em torno das minhas
costas, abrindo-se ainda mais para mim.
— Por que está tremendo? — pergunta, passando a mão pelos meus
braços rígidos.
— Porque isso passa do meu limite. Estou me segurando muito para
não me enterrar na sua boceta.
— Não quero que se segure — diz, olhando em meus olhos.
— Ellie…
— Também estou apaixonada por você, Reese. Não importa o que
aprendi durante todos os anos que passei na igreja, isto aqui é muito mais
real. Meu corpo inteiro está implorando para que continue, não tem como
isso ser uma mentira. Estou me sentindo necessitada, então, por favor, não
se segure. Eu quero isso. Quero que seja com você.
Com o coração batendo a mil por hora, eu a beijo com uma vontade
indescritível, encaixando-me em sua entrada.
Vagarosamente, a penetro, perdendo a sanidade pouco a pouco.
Ouço-a gemer e fito seus olhos.
— Está sentindo dor?
— Um pouco.
— Quer que eu pare?
— Não.
Passo a mão em seus cabelos com cuidado, e a observo enquanto
entro ainda mais.
Abro caminho lentamente, até estar todo dentro. Permaneço assim por
alguns segundos, para que se acostume com o meu tamanho, e depois me
movo devagar para fora.
Ela está escorregando, muito molhada.
Uno nossa boca outra vez, enquanto saio e entro por completo.
Ellie geme um choramingo.
Seguro firme em seu queixo e a beijo com mais ferocidade, mantendo
o ritmo.
Sua boceta é surreal de apertada, quase me expulsando em seus picos
de tesão. Movo-me devagar, mas é o suficiente para que eu perceba que
Ellie está embarcando a um lugar apenas dela.
Alucinada com o tesão que estou lhe dando, arfa, rasgando minhas
costas com as unhas.
— Cacete! — exclamo, gostando da dor que me causou.
Suas bochechas estão avermelhadas, assim como seus lábios.
Graciosa ao extremo.
Alcanço seu ouvido e sussurro:
— Você disse que não caberia, mas estou todinho dentro de você.
Ela apenas geme, forçando os pés nas minhas costas para que eu entre
mais.
Aperto seu pescoço, delirante.
Meu peito se rasga com um rosnado. Ouvi-la gemer é a coisa mais
viciante do mundo.
Aproximo minha boca da sua e olho diretamente para suas bolas
verdes, sussurrando:
— Quero que se acostume com meu pau na sua boceta, porque, a
partir de hoje, ela é só minha. Entendeu?
— S-sim.
— Ninguém mais vai conseguir se encaixar tão bem em você assim,
nem te fazer gozar como faço.
— S-sim — sai mais com um choramingo.
— Vou gozar em cima de você e reivindicar seu corpo como meu.
Quero ver você coberta com minha porra.
Conforme falo, me movo para a frente e para trás, retirando meu
membro por completo e voltando até o fundo, devagar para não a machucar.
— Você é minha, não é, Sardenta? E eu sou seu, completamente seu,
cada parte do meu corpo te pertence. Desde a primeira vez que te vi, soube
que nada mais pertencia a mim, você roubou desde meu coração até minha
sanidade.
Ela murmura algo que não entendo, pois está perdida em prazer. É
alguma frase parecida com: “Sim, eu sou sua.”
Beijo todo seu rosto, até chegar em sua boca e tomar seus lábios.
Nos beijamos como se nada mais importasse, como se algo de ruim
não estivesse acontecendo do lado de fora da porta.
É possível escutar, bem ao fundo, uma espécie de sirene. Está baixo,
mas continua indicando que algo não está certo.
Porém, aqui dentro, não existe nada mais certo do que estar amando
minha sardenta.
O mundo poderia estar acabando, mas nada me tiraria da cabeça que
isto aqui é o paraíso.
Não sei precisar quanto tempo permanecemos assim, pois perco a
noção, mas sei que todo o tempo do mundo não seria o suficiente para mim.
Queria continuar aqui para sempre.
Nunca houve, em todo o universo, uma junção tão perfeita de corpos
como esta. Uma sardenta e um tatuado, um completando o outro.
Percebo que isso que estamos vivendo não é só uma transa, não é só
necessidade humana. A cada penetração, sentimentos novos me tomam. É
forte, pesado e novo. Jamais senti algo assim.
Enquanto a olho gemendo por mim e enfio o pau suavemente no lugar
que agora quero chamar de casa, meu coração pulsa, cheio de energia,
lançando sinais ao meu corpo todo de que estou apaixonado ao extremo por
esta garota. Todas as células que me contém gritam o quanto preciso dela.
Passo a mão por seu corpo levemente suado, até chegar à parte
inferior da sua coxa, onde aperto para segurá-la no lugar onde está. Dou
algumas arremetidas mais fortes para dentro dela, beijando-a outra vez.
Mordo seu lábio inferior como uma forma de me conter e sinto suas
unhas me marcarem outra vez.
Mantenho as estocadas, gemendo em seu ouvido e dizendo coisas que
sei que a levarão ao clímax.
Beijo seu pescoço e deixo um chupão perto de sua nuca. É neste
momento que a sinto se contorcendo e gemendo mais alto. Sua boceta me
aperta, dificultando minha entrada. Faço pequenos movimentos para me
manter dentro e isso a enlouquece.
Assisto enquanto Ellie goza em meu pau pela primeira vez e é
indescritível o que sinto. O tesão que me toma é tão grande, que tiro meu
membro e jorro minha porra por seus seios e barriga.
Olho-a por um instante. Está arfante, com as bochechas rubras. De
repente, ela abre um sorriso.
Nunca a vi tão linda.
Tão minha.
Não sei o que essa garota fez comigo, mas não pode ser normal gostar
tanto assim de alguém.
Nunca transei devagar, essa foi a primeira vez, e se tornou a minha
favorita, impossível de comparar. Tudo com Ellie é melhor. Surrealmente
bom.
Fazer sexo no castelo do príncipe, enquanto algo terrível acontece lá
fora, foi uma das coisas mais emocionantes que já vivi.
Entro no banheiro e procuro por algo que possa me ajudar a limpá-la.
Encontro, em um dos armários, um pacote de lenços umedecidos. Pego
alguns e volto ao quarto.
Limpo vagarosamente os seios e a barriga da minha garota, enquanto
me observa em silêncio.
Assim que termino, pego seu vestido e a ajudo a se vestir. Não quero
correr o risco de que alguém entre na sala e a veja nua. Visto-me também,
sentando-me na poltrona em seguida e chamando Ellie para se sentar em
meu colo. É o que ela faz, passando o braço pelo meu pescoço e me fitando
de perto. Selo seus lábios, carinhoso, e pergunto:
— Como está se sentindo?
— Minhas pernas estão fracas e estou sentindo um pouco de dor.
Nunca tirei a virgindade de nenhuma mulher, mas suponho que seja
normal sentir dores após a primeira vez.
Acaricio sua perna pelo recorte do vestido e digo:
— Se quiser, podemos comprar algum remédio para dor quando
sairmos daqui.
Ela sorri com um olhar extremamente amoroso.
— Te aviso se a dor piorar.
— Está bem — concordo. — E, tirando a dor, o que achou do resto?
Fico curioso porque, apesar de saber que ela gostou muito, também
quero entender se está se sentindo mal por conta da religião.
— Eu amei, Reese — diz —, e estou muito feliz que tenha sido com
você.
— Eu também.
— Sei que está pensando que talvez eu me arrependa disso mais para
a frente, mas não vai acontecer. Hoje acredito que estar com a pessoa certa
é melhor do que fazer o sexo após o casamento.
Sorrio, orgulhoso, e a beijo outra vez.
Olho para meu relógio de pulso. Aproximadamente dez minutos
depois, totalizando uma hora dentro da sala de segurança, ouvimos alguém
abrindo a porta de ferro. Nos ajeitamos rapidamente para que ninguém veja
Ellie no meu colo e aguardamos.
O mesmo segurança que nos trancou aqui aparece.
— Vocês estão bem? — pergunta.
— Sim, estamos. E o resto das pessoas? — questiono, preocupado
com meus pais.
— Estão todos retornando ao salão, ótimos. Foi só um susto.
— Só um susto? — Ellie quer saber. — O que isso significa?
— Que o sinal vermelho foi falso. Graças a Deus, não há nada de
errado no castelo. Demorei para chegar aqui porque fizemos ronda por
todos os cômodos, e são muitos.
— Entendi — digo, concordando. — E a festa vai continuar?
— Para os que quiserem permanecer aqui, sim.
Retornamos ao salão, onde muitas pessoas ainda estão. O príncipe
está declarando que nada de mau aconteceu e que a festa permanecerá para
os que quiserem continuar. Pede desculpas pelo ocorrido e diz que vai
reforçar ainda mais a segurança do castelo.
Encontro meus pais, que nos abraçam apreensivos.
— Que bom que estão bem! — minha mãe diz, quase chorando. —
Ficamos muito preocupados por não estarem conosco.
— É verdade — Kenneth confirma. — Onde estiveram esse tempo
todo?
Eu estive dentro da sua filha, penso.
Ellie explica como era a sala de segurança onde estávamos e diz que
ficamos conversando e jogando cartas para passar o tempo.
Pequena mentirosa.
Decidimos ir embora, pois, após todo o estresse, Amelia perdeu a
coragem de ficar para a festa.
Vou até meus amigos para me despedir e os abraço. Quando me
aproximo de Sebastian, ele sussurra ao meu ouvido:
— Valeu a pena eu ter quebrado dezenas de leis para te deixar uma
hora preso com a Ellie?
— Porra — digo —, você fez isso?
— Claro, nenhum outro aqui se preocupa tanto com a vida sexual
quanto eu.
Dou risada.
— Você é louco.
— Não precisa me agradecer.
— Nós moramos na mesma casa, idiota! Eu poderia transar com ela à
noite, no meu quarto.
— Mas eu sei que você gosta de um pouco de perigo. — Ele me dá
uma piscadela.
Passo a noite abraçada com Reese, deixando-o ir apenas no início da
manhã, antes de Kenneth e Amelia acordarem.
Aproveito para tomar outro banho e me arrumar para o café da
manhã.
Estou me sentindo melhor do que deveria estar. Reese foi perfeito
ontem, enquanto tirava minha virgindade. Teve cuidado e fez tudo com
carinho. Nunca imaginei que fosse ser tão bom quanto foi.
Minha mãe costumava dizer que eu seria castigada se fizesse isso
antes do casamento, mas percebi, sozinha, que era uma grande mentira que
contava apenas para me deixar com medo de errar.
Contudo, não me arrependo do que fiz e, admito, não vejo a hora de
tentar outra vez. Só pedi para que Reese esperasse algum tempo, até que
parasse de doer. Tenho sangrado um pouco, mas não é nada que me deixe
receosa.
Meu corpo foi submetido a uma situação que nunca tinha passado
antes, portanto acho normal que tenha essas reações.
Vejo as marcas que foram deixadas em mim enquanto me lavo, alguns
lugares mais sensíveis do que outros e, em todos, ainda sinto a presença de
Reese. Até mesmo seu cheiro parece não ter me abandonado.
Ainda estou indignada com seu porte físico. Ele é, com toda certeza, o
homem mais bonito que já vi em toda a minha vida, e suas tatuagens da
cabeça aos pés, incluindo em seu membro, o deixam com a aparência ainda
mais chamativa.
Só de pensar em seus músculos tatuados, sinto aquela dor incômoda
entre as pernas.
Se estivesse viva e soubesse o que estou pensando agora, mamãe
morreria.
Até o momento, não entendo como tudo aquilo coube em mim, jamais
imaginei que pudesse existir um espaço tão grande dentro de uma mulher
tão miúda quanto eu.
Talvez tenhamos mesmo sido feitos em moldes perfeitos.
Conforme ele se movia em cima de mim, nosso corpo se encaixava
em perfeita harmonia. Eu me senti preenchida na maneira literal e também
abstrata, como se nunca tivesse sido tão amada quanto fui.
Em minha opinião, quando se está em um envolvimento amoroso com
outra pessoa, acho certo renunciar a algumas coisas, desde que nos sintamos
bem com isso. Eu, por exemplo, abdiquei da minha castidade, enquanto
Reese, abriu mão da sua incredulidade e estamos conseguindo lidar bem
com essas mudanças.
Jamais deixarei de ir à igreja ou servir a Deus, mas agora entendo
que, apesar dos ensinamentos bíblicos, o livre-arbítrio existe, assim como
minhas vontades pessoais. Não posso mais me abster do que quero fazer por
conta do que minha mãe acharia.
Saio do banho e me seco, em seguida escolhendo uma roupa. Quando
já estou pronta, coloco-me na frente do espelho e começo a tapar, com base
de alta cobertura, os chupões que estão visíveis em minha pele clara.
No meio desse processo, ouço meu celular tocar. É a Rose, mãe do
Hugo.
— Alô? — atendo.
— Bom dia, querida. Como você está?
— Estou bem. E vocês, como estão?
— Estamos todos bem, graças ao bom Deus.
— Amém. E a igreja?
— As responsabilidades são muitas, mas estamos conseguindo
cumprir todas com muito amor, até que você volte.
Engulo em seco. Não sei mais se quero voltar, ando confusa sobre
isso. Voltar quer dizer abrir mão de Reese.
Pergunto-me o motivo da ligação, já que está tudo bem por lá.
Quando Hugo voltou ao Texas, disse aos seus pais que nós havíamos
terminado, mas não expôs o real motivo, sua sexualidade. Portanto, como
não sabem da verdade, acreditam que eu tenha terminado pela distância e
juram que vamos voltar assim que eu retornar para minha casa. Acho que
nunca aceitaram o término.
— Que bom que tudo está indo bem — digo, esperando que ela
acrescente o motivo da ligação.
Rose respira fundo do outro lado da ligação e diz, com a voz um
pouco mais baixa, talvez triste:
— Ellie, preciso te dar uma notícia.
Meu corpo fica tenso. Percebo, pela voz dela, que há algo errado.
— Diga, estou ouvindo.
— Recebi ontem à noite o resultado da autópsia da sua mãe.
Arrepio-me inteira.
Como Rose e Abner me ajudaram com tudo em relação à morte da
minha mãe, foram os dados deles que ficaram no sistema para qualquer
contato. Por isso ela recebeu a autópsia, e não eu.
— Ela teve um infarto, não foi?
— Foi detectado o equivalente a cinquenta e dois comprimidos de
Xanax dentro da rede sanguínea dela, querida.
Ponho a mão no peito, assustada.
— O que está me dizendo, Rose?
— Que ela tomou propositalmente os comprimidos e por isso o
coração não aguentou — sua voz está trêmula.
— Não pode ser… — sussurro, sentindo meu peito aflito. — Ela quis
morrer?
— Sim, querida, infelizmente. — Ficamos quietas por um breve
tempo, depois Rose diz, por fim. — Eu sinto muito.
Passando mal, digo que preciso desligar. Ela respeita a minha decisão
e diz que posso contar com sua ajuda para o que eu precisar.
Coloco meu celular de lado e tento respirar. Estou passando mal.
Por qual motivo minha mãe faria isso?
Estávamos felizes, não estávamos?
Ela costumava pregar sobre suicídio. Dizia que quem tira sua própria
vida não vai para o Céu. Por que iria contra ao que ensinava?
Quando a realidade começa a fazer efeito, as primeiras lágrimas
passam a cair.
Ela me deixou.
Me abandonou de propósito, assim como meu pai.
Sabia que eu ficaria sozinha, sabia que eu ainda não havia alcançado a
maioridade, sabia que eu não tinha um emprego.
Ela quis me abandonar.
O sentimento de abandono me consome como um tsunami.
Coloco o rosto no travesseiro e choro tudo o que preciso chorar.
Todo mundo me abandona.
O problema está em mim.
Eu sou o problema.
Talvez, se eu tivesse estudado mais a Bíblia, ela teria tido mais
orgulho de mim.
Talvez, se eu não tivesse exposto meus problemas na escola, ela não
tivesse ficado tão chateada.
Talvez…
Talvez…
Talvez…
A culpa é minha.
Sou detestável.
Sou um estorvo na vida das pessoas.
Choro tanto, que perco as forças.
É neste momento que Reese entra no meu quarto, para entender por
que ainda não desci para tomar café da manhã.
Quando percebe que estou chorando, seu rosto empalidece, perdendo
toda a cor.
— O que aconteceu? — pergunta, dando passos largos em minha
direção.
Sento-me na cama e ele se ajoelha à minha frente. A única coisa que
consigo fazer é abraçá-lo e chorar mais, até não sobrar mais lágrimas.
Reese tenta me tranquilizar, passando a mão pelas minhas costas.
Quando me acalmo, explico em palavras resumidas o que aconteceu.
— Todo mundo me abandona — digo, soluçando.
Ele segura meu rosto, passando os polegares nas minhas bochechas
molhadas.
— Ellie, olhe para mim — obedeço, triste. — Eu jamais te
abandonaria, está entendendo?
— Minha mãe disse a mesma coisa.
— Mas eu vou cumprir com a minha palavra.
— Promete? — soluço.
— Prometo. É claro que prometo! E, quanto a sua mãe, deve haver
alguma razão. Com toda certeza, o motivo não foi você. Pare de se culpar!
— Nunca vou saber o motivo que levou minha mãe ao suicídio.
— A verdade sempre vem à tona, Ellie, pode apostar. Às vezes
demora, mas vem.
— Será?
— Sim. Tenho certeza! Se precisar da minha ajuda, estarei aqui. Não
importa o que me peça, serei seu aliado.
— Obrigada, Reese.
— Eu sinto muito por tudo isso, Sardenta. Mas agora preciso que
aquela garota cheia de fé retorne para que possamos resolver o que for,
juntos.
Pergunto-me onde posso encontrar a verdade. Com Kenneth? Se
minha própria mãe me fez viver uma mentira, que dirá ele, que nem ao
menos me conhece. Tenho certeza de que não vai me contar o que
realmente aconteceu, vai dizer aquilo que convém para se livrar, pelo menos
um pouco, do peso do abandono.
Quero descobrir sozinha, pois sei que eu jamais enganaria a mim
mesma.
Algo me diz que “o segredo” que o casal guarda tem a ver com o
motivo do suicídio da minha mãe. Só não faço ideia da ligação que pode ter
com os sonhos que ando tendo vez ou outra.
Naquele dia em que escutei a conversa atrás da porta, entendi que
meus pesadelos possuem algum peso na vida real. Mas, qual, eu não faço
ideia.
Ainda não contei sobre Anna a ninguém, mas é um assunto que tem
tirado a minha paz.
Onde ela está?
O que tem feito?
Por que Kenneth nunca falou sobre ela?
No anúncio de jornal que li, dizia que estava desaparecida, mas, se
fizesse falta mesmo, eu teria ouvido falar sobre as buscas, certo?
Fico sobrecarregada com tantas mentiras e ilusões e digo a Reese que
quero me preparar psicologicamente antes de descobrir qualquer que seja a
verdade, pois sei que não será fácil e preciso digerir o que minha mãe fez
primeiro.

No jantar, Kenneth e Amelia dizem que, de última hora, terão que


fazer uma viagem a trabalho que durará quinze dias.
Fico secretamente feliz, pois ficarei sozinha com Reese e poderei
descansar alguns dias sem ter que lidar com a pressão de conversar com
meu pai.
Talvez, dentro deste tempo, eu e Reese consigamos encontrar mais
informações sobre meu passado e sobre Anna.
Olhamo-nos com olhares cúmplices. Estamos pensando exatamente a
mesma coisa neste momento. Com exceção de que ele, com toda certeza,
deve estar pensando em sexo também.
Sei que está fingindo uma falsa preocupação quando pergunta sobre o
caso judicial aos pais, porém escuto tudo com atenção.
Após nossa alimentação, Kenneth pede que eu pense com carinho
sobre conversarmos assim que chegar. Diz que tudo o que mais deseja nesta
vida é estar bem comigo e me ver feliz. Concordo brevemente e lhe desejo
boa partida.
Quem sabe, até que volte, eu já esteja com o coração mais maleável
para ter uma conversa.
Já faz três dias que estamos sozinhos nesta mansão. Foi o tempo que
consegui para refletir sobre minha mãe e o que fez com sua própria vida.
Reese me respeitou em todos os momentos em que precisei chorar ou
ficar sozinha, contudo não ficou uma noite sequer longe de mim, me
abraçando como se fosse me perder a qualquer momento.
É difícil de entender como um cara tão durão quanto ele conseguiu se
transformar em alguém tão carinhoso. Às vezes acho que só estava
precisando de alguém para amar, e me sinto sortuda por estar ocupando esse
lugar em sua vida.
— O que acha de tomarmos café da manhã na rua hoje? — propõe.
— Seria ótimo — digo.
Passeamos até uma cafeteria, onde comemos e conversamos por um
tempo.
Não tenho saído muito de casa desde o dia em que vim para cá, então
eu e Reese damos uma volta pelo país, onde conheço os principais pontos
turísticos.
Liechtenstein é a coisa mais linda. Apesar do sol, há montanhas
enormes nos rodeando, e o mais curioso é que o cume é todo branco, cheio
de neve.
Olhamos Vaduz, a capital, e fico encantada. É aqui que o castelo do
Príncipe Hans fica, ao lado de um grande vilarejo. Há plantações de uva e
muitas árvores ao redor.
Também andamos pelo Centro, onde vemos várias lojas e até mesmo
uma livraria. Fico apaixonada pelo lugar e faço Reese esperar quase meia
hora enquanto leio sinopses.
Quando o olho, está de braços cruzados, olhando para o teto e
bufando. Solto uma risada com sua impaciência.
Passeamos mais um pouco até pararmos no mercado, onde Reese tem
a ideia de comprarmos doces e guloseimas para passarmos a tarde. É o
mesmo estabelecimento em que entramos tempos atrás e acabamos
deixando meus chocolates para trás por conta de estarem fora da validade.
Empurro o carrinho enquanto ele, que está mais familiarizado,
escolhe os itens que levaremos.
— Vou fazer o almoço hoje — diz, encantador.
— E você sabe cozinhar, por acaso? — pergunto, sorrindo.
— Tenho muitos dotes, Sardenta, e cozinhar é um deles.
Levanto as sobrancelhas, surpresa.
Ligando para casa, avisa aos funcionários da cozinha que podem
descansar, pois ficará encarregado do almoço.
Terminando a compra, nos dirigimos ao caixa, onde um homem cheio
de hematomas e pontos no rosto nos atende. Fico chocada com sua
condição, mas tento não olhar muito.
O funcionário começa a passar a mercadoria e, olhando-nos, diz:
— Irmãos, é? O caralho que são irmãos!
Reese o encara, agora com a expressão fechada.
— Está procurando apanhar mais, irmão? — pergunta, aparentemente
nervoso.
— Você me disse naquele dia que eram irmãos e, na corrida, agiu
como se ela fosse sua namorada.
— O que somos não é da sua conta. Avisei desde o começo que, se
mexesse com ela, eu te arrebentaria. Você pagou para ver.
Minha ficha cai e entendo que este é o homem que tentou me assediar
na corrida. O mesmo que insistiu que levássemos os itens vencidos.
— Seu pai conseguiu apagar as evidências daquela noite, mas eu não
esqueci. Vou fazer todos saberem que vocês praticam incesto.
Encolho-me com a risada que Reese dá.
— Se você não tiver amor pela sua vida, faça isso.
Dessa vez, nós levamos a compra.
Passamos alguns minutos sem dizer nada, até que me pronuncio:
— Você sabia que era ele quando o agrediu?
— Sinceramente, estava com tanta raiva que nem reparei quem estava
apanhando. Só agora que me dei conta de quem era.
— Você acha que…
— Não se preocupe, Sardenta. Ele não dirá nada.
— Como sabe?
— Confie em mim.
Assim que chegamos em casa, Reese me chama para ir à cozinha e
coloca um avental. Fico sentada na banqueta vendo-o cozinhar, assistindo a
cada um dos seus gestos.
Coloca uma música no celular e pica os legumes, enquanto dança,
fazendo-me rir com suas graças o tempo todo.
— Vem dançar — chama, fazendo um movimento divertido com as
mãos.
— Não sei dançar — digo, com as bochechas quentes.
— Como uma dama como você não sabe dançar? — brinca.
— Você também não sabe! — aponto. — Seus movimentos são
péssimos.
— Claro que sei, olhe isto aqui! — Remexe o corpo enquanto canta a
música.
Caio na risada.
Reese vem até mim por meio de movimentos sincronizados e me
puxa. Meu corpo encontra o seu ao mesmo tempo que me segura para
copiar seus passos.
Dou ainda mais risada, porque estamos cada vez mais fora do ritmo.
Ele me roda e me puxa, depois me solta e pede para eu dar uma
voltinha. Faço o que pediu e ouço seu assobio.
— Linda pra baralho — diz me olhando de cima a baixo e mexendo o
corpo junto com a música.
Dou risada do “baralho”. Sei que disse isso para não pronunciar o
palavrão que não gosto de ouvir.
Faço uns passos ridículos, soltando-me aos poucos, e Reese diz que
nunca viu algo tão magnífico, mas dá risada, o que evidencia o quanto sou
ruim. Contudo, ele também é, então não ligo para o vexame.
Dançamos juntos, fazendo graça, até que meu companheiro começa a
me incentivar a ajudá-lo na preparação dos alimentos.
Cozinhamos juntos ao som de canções agitadas, nos divertimos muito
no processo.
Quando finalmente enfiamos a lasanha no forno, abano o rosto e
reclamo de calor.
— Vamos subir e resolver isso — diz, com um olhar sedutor.
Dou uma leve risada e o sigo pelas escadas até chegar ao seu quarto.
Assim que chegamos, a porta é trancada e o ar-condicionado é ligado.
Reese tira sua camiseta, deixando à mostra todos os músculos, e vem
em minha direção.
Incrivelmente bonito.
Beija-me em seguida, com a mão nos meus cabelos. Percorro seu
abdome, sentindo suas curvas definidas.
— Assim vou ficar com ainda mais calor — sussurro entre seus
lábios.
— Então tire sua roupa, com certeza vai refrescar.
Abro um sorriso.
Sei o que ele quer. Também quero.
Levanto os braços, convidando-o para tirar minha camiseta, e é
exatamente o que faz, desabotoando meu sutiã em seguida. Permito que
faça o mesmo com os shorts, deixando-me completamente nua. Logo ele
me pega no colo.
Prendo as pernas em sua cintura e o beijo ferozmente. Suas mãos vêm
direto para minha bunda, onde me seguram.
Começo a arfar com a intensidade do beijo, entregando-me
completamente.
— Há tantas coisas que desejo fazer com você… — sussurra, ainda
de olhos fechados, tomando meus lábios outra vez.
— Já me mostrou que sabe cozinhar… — digo. Este é um fato novo
para mim.
— O próximo passo é mostrar que sei comer — sussurra, com a boca
encostada na minha.
Solto um riso rápido.
— E o que quer comer? — pergunto, esbaforida pelos beijos que
damos entre as falas.
— Você.
— Então me mostre — peço, perdendo as forças.
Nós nos beijamos outra vez, com desespero.
— Sabe que você entrou em um caminho sem saída, não é?
— Por quê? — Estremeço.
— Porque ouvir você chamando meu nome enquanto está gozando é
viciante pra caralho e jamais vou querer abrir mão disso.
— Não quero que abra. Nunca.
As línguas se entrelaçam novamente e nos envolvemos em um beijo
quente, que queima cada parte do meu corpo.
No quarto de Reese há uma espécie de adega, com vários tipos de
bebidas. Na frente do balcão, ficam algumas banquetas altas.
Comigo no colo, pega uma delas e a arrasta até a outra extremidade
do cômodo, onde um saco de pancadas está pendurado.
Reese me deixa sentada em cima da banqueta e pede que eu espere
enquanto tira o grande saco vermelho e preto, deixando somente a corrente
grossa de ferro pendurada no teto.
— O que vai fazer? — pergunto, tentando entender.
— Me certificar de que tenha o melhor orgasmo da sua vida —
esclarece, entrando, depois, em seu closet e saindo com uma corda.
— Para que uma corda? — Fico confusa.
Reese segura meu queixo e me beija forte, mordendo meu lábio
inferior e o puxando.
— Vai entender em breve o que pretendo fazer com esta corda. —
Balanço a cabeça sutilmente, prestando atenção em seus movimentos. —
Irei testar uma posição com você, mas, se sentir qualquer desconforto que
seja, me avise. Ok?
— Está bem.
— Vire-se de costas para mim — pede.
Viro meu corpo, ficando com as pernas abertas em direção ao encosto
do assento e de costas para Reese. Em seguida, passa a corda pela corrente
de ferro e prende minhas duas mãos, deixando meus braços erguidos.
— Desta forma, não conseguirei te tocar… — digo.
— A intenção é dar prazer a você, não a mim. Depois, se quiser, a
deixo fazer o que quiser comigo.
— Está bem — gaguejo.
Tento olhá-lo quando escuto passos, mas não consigo.
Em breve, Reese retorna e pinga algumas gotas de algo realmente
cheiroso nas minhas costas.
Depois espalha o produto por toda minha pele, abrangendo a bunda e
os seios.
Fecho os olhos, focando-me em sua massagem. As mãos passeiam
com diligência pelas costelas e ombros.
— Relaxe — pede com a voz rouca.
Imagino a imagem que ele está tendo de mim e o quanto deve estar
gostando.
Pelos próximos minutos, relaxo completamente, permitindo que
conheça cada parte do meu corpo com os dedos. Acaricia meus braços
erguidos, descendo até os seios e, depois, para as costas. Por último, a
bunda, onde redobra a atenção.
Quando a massagem termina, contorna meu pescoço com a enorme
mão e puxa minha cabeça para trás. Nós nos beijamos de maneira paciente,
porém profunda.
— Agora quero que chegue o máximo que conseguir para a ponta da
cadeira, empinando a bunda para mim.
Obedeço, fazendo exatamente como pediu.
Meu corpo fica ainda mais esticado, com as mãos presas na corda e a
traseira empinada para Reese.
Ouço-o tirando o restante da sua roupa e sinto quando se aproxima.
Sua boca toma a minha outra vez, deixando-me ansiosa por tê-lo
dentro de mim.
Aquela costumeira dor pulsa entre minhas pernas, fazendo com que
pensamentos perversos me alcancem.
Arfo entre nossa língua, todos os meus músculos tremendo pelo
anseio de seu encaixe em mim.
Reese esfrega a ereção nas minhas duas entradas, deixando-me ainda
mais necessitada. Solto um gemido e empino mais, dando a entender que o
quero logo.
Suas mãos seguram minha cintura fina conforme me penetra aos
poucos. Rolo os olhos, enlouquecida.
Vagarosamente, ele me invade até que toda a sua extensão esteja
dentro de mim.
Os movimentos, a princípio, são lentos, indo e voltando, até que eu
me acostume. Depois passam a ser mais rápidos.
Sinto vontade de gritar e puxo a corda com força, mas não consigo
me soltar. Os gemidos ficam mais altos, um pouco desesperados, e Reese
tapa minha boca, aproximando sua fala do meu ouvido:
— Eu adoraria que todos te escutassem gritando meu nome, Ellie,
mas aqui não é o lugar. Pode ser perigoso para nós.
Choramingo enquanto desfere arremetidas mais fortes, soltando
minha boca e segurando meu pescoço.
Quando me dou conta, nosso corpo está colidindo com brutalidade.
Perco completamente o ar e as forças, afogada em tesão.
Quase solto outro grito, extasiada, e Reese me pega no colo, de frente
para ele, deixando a cadeira de lado.
Minhas pernas estão em seus braços musculosos, enquanto as mãos
permanecem presas e erguidas.
Sou penetrada nesta posição, sendo beijada para evitar que eu faça
mais barulho com a boca.
Suas mãos seguram minha bunda, levantando meu corpo para cima e
para baixo com total facilidade, comandando nosso ritmo.
Reese geme, soltando palavras perversas ao ar. Fecho os olhos com o
prazer que a voz rouca dele me dá.
Sinto seu membro me penetrando até o fundo, depois saindo por
completo, repetidas vezes.
Os braços fortes me erguem como se eu não pesasse nada e depois me
abaixam. As pélvis se trombam cada vez com mais firmeza enquanto o
arranho, quase em desespero.
Os olhos azuis de Reese estão focados em mim. Seu rosto está um
pouco vermelho, evidenciando o calor que estamos sentindo, e há uma veia
grossa pulsando em seu pescoço.
— Reese… — choramingo.
— Amo quando chama meu nome assim — sussurra.
Estou sentindo um tesão surreal e o único nome que me vem à boca
para clamar é o dele.
Não sei por que estou chamando-o, mas é como se fosse necessário
mostrar em palavras que é o responsável por tanto prazer.
— Reese — solto mais um gemido incontido.
— Puta merda, você está me apertando muito.
— Eu vou…
Antes que eu possa terminar, ele segura minha bunda com mais força
e movimenta nosso corpo com mais agilidade. Perco o ar, abrindo a boca
em busca de oxigênio.
A pressão em meu ventre é tão grande, que não suporto. Seguro seus
cabelos curtos e aperto com força, puxando-os enquanto gozo.
— Cacete, Ellie! — ele solta, gozando junto comigo, os corpos
tremendo em sincronia.
Tive, sem dúvida alguma, os melhores quinze dias da minha vida.
Eu e Ellie passeamos, conversamos muito, dormimos juntos todas as
noites, cozinhamos, fizemos mais aulas de alemão, andamos de moto pelo
país, fizemos compras e muito sexo.
Tivemos sexo na cozinha, no quarto de hóspedes, em três diferentes
banheiros da casa, na cabana, encostados em uma árvore grande e distante
do jardim, dentro de alguns carros e na piscina. Todas as vezes, escondidos
para que ninguém nos visse.
Juro que, enquanto não volto para as minhas corridas, a adrenalina
que Ellie me faz sentir enquanto a fodo em algum canto da casa, prestes a
sermos pegos, é o suficiente para mim. Fico anestesiado, inteiramente
satisfeito e muito, muito mesmo, apaixonado por ela.
A cada dia que passa, eu me vejo mais envolvido com a garota. Meu
coração está prestes a ser arrancado do peito e ser entregue a ela, para que
faça o que quiser. Não tenho mais posse nenhuma aqui, ele é todinho de
Ellie.
Até mesmo meus três amigos disseram, quando vieram para minha
casa passar uma tarde conosco.
Faltando quatro dias para meus pais chegarem, nós conversamos
sobre os sentimentos dela em relação a Kenneth.
Sardenta me contou algo que eu jamais imaginaria, e nem cheguei a
pensar que poderia ser mentira, pois o que diz é sagrado para mim.
Comentou que, no dia em que me esperou no escritório de Kenneth,
acabou lendo, em uma pasta, folhas de um diário onde citavam uma história
sobre Anna, sua possível irmã.
Fiquei chocado com as revelações e me senti na obrigação de ajudá-la
a encontrar mais informações sobre o caso.
Voltamos ao escritório, mas a porta estava trancada. Passamos, pelo
menos, dois dias vasculhando cada canto da mansão, em cada armário,
gaveta ou buraco, com a intenção de acharmos qualquer documento que
fosse sobre Anna.
Encontramos apenas duas fotos de Kenneth segurando um bebê, na
cabeceira de sua cama, nada mais. Ellie jurou que a bebê não era ela, pois é
diferente das fotos que sua mãe lhe mostrava.
Na mesma gaveta, vimos uma cópia da chave do escritório,
provavelmente é uma reserva. Com ela, entramos no cômodo e trancamos
novamente, para que ninguém entrasse.
Vasculhamos pasta por pasta, até nos depararmos com a que tem um
K escrito na frente. Li todas as informações com Ellie outra vez e vimos
todos os anúncios de jornais e revistas em que apareceram o rosto de Anna
como desaparecida.
Ficamos cada vez mais confusos, sem respostas. Foi então que tive a
brilhante ideia de pesquisar pelo nome no site de crianças desaparecidas,
pelo meu notebook.
Apareceram algumas, portanto vimos uma por uma, até encontrar
quem queríamos.
É uma criança de dois anos, muito pequena ainda. Tem cabelos
castanhos e a pele clara. Os grandes olhos são verdes, assim como os de
Ellie. Contudo, a garota não tem sardas.
— Uma vez, usei um aplicativo para saber como eu ficaria quando
envelhecesse. Talvez, podemos colocar esta foto lá e ver como a Anna seria
hoje em dia — sugeri, querendo ajudar.
— Isso! Acho que assim vai ficar mais fácil para procurarmos por ela
pelas redes sociais — concordou.
Já havíamos procurado pelo nome completo, mas nenhuma rede
social a encontrou, de fato. Então, ter a foto dela seria nossa última opção.
Se conseguíssemos a foto atual de Anna, poderíamos começar novas
buscas, levar até a polícia. Como já se passaram muitos anos, uma foto de
criança não adiantaria mais para encontrá-la.
Fizemos o download da imagem e carregamos no aplicativo,
aguardando por aproximadamente dois minutos, até que a nova imagem
aparecesse na tela.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, tentando raciocinar sobre o
que estava acontecendo, mas não houve respostas, apenas mais dúvidas.
A imagem era de Ellie. Era ela, com toda certeza. Porém, sem sardas.
— O que é isso? — perguntou com a voz trêmula. — É alguma
brincadeira?
— Claro que não! — eu disse. — Apenas coloquei a foto, você viu!
— Mas… Ela se parece muito…
— Com você — acrescentei.
— Estou confusa, Reese.
— Eu também.
Olhamos, atônitos, por mais alguns minutos para a tela do notebook.
Era inacreditável o que estávamos vendo.
Era a Ellie, com todas as semelhanças, com todos os traços, com
todas as cores.
Era ela.
— Não sou eu — disse, abalada. — Não pode ser. Não faz sentido
nenhum.
— É, não faz.
— Tenho poucas fotos de quando eu era criança, e não são parecidas
com as de Anna.
— Seria possível serem irmãs gêmeas?
— Óbvio que não! Sou a única filha da minha mãe! Ela teria me
contado se tivesse tido outra menina. E sabemos que Anna é filha da
Cecília, há comprovações em todos esses documentos. — Ela apontou para
os papéis da pasta.
— Você tem razão — meneei a cabeça —, as coisas não se encaixam.
— O que fazemos agora?
— Conversamos com Kenneth.
— Reese…
— Ellie, não importa o que ele diga, mentira ou verdade, nós
precisamos saber o que houve com a Anna.
— Você tem razão. — Balançou a cabeça um pouco cabisbaixa.
— Sei que essa conversa te assusta — peguei em seu rosto para que
nossos olhos se encontrassem —, mas, não importa o que seja dito, eu
estarei ao seu lado. Sempre.
— Promete? — Ela fez um biquinho dengoso.
— Prometo — garanti, beijando seus lábios.

Após dias de buscas pela casa e conversas, a fim de tentarmos chegar


a algum lugar com todo esse mistério, decidimos aguardar pela chegada dos
nossos pais para perguntar a verdade. Se tudo sair como planejado, eles
chegarão amanhã à tarde.
Agora, eu e Ellie estamos deitados na cama. Ainda é cedo, mas
percebo que ela está se sentindo nervosa, pois se vê um pouco avoada e
suas mãos estão se apertando.
Sugiro que andemos um pouco de moto, pois a adrenalina costuma
ajudar. Ela aceita, levantando-se para trocar de roupa. Faço o mesmo.
Sardenta se veste com uma saia longa de tecido mole, tênis e uma
camiseta regata justa. Linda pra cacete.
Deixo que escolha uma moto e a ajudo a subir.
Acelero o máximo que posso até que minha garota se sinta melhor e a
ouço dando risada.
Procuro por um lugar distante e vazio, e estaciono.
— Que lugar é este? — pergunta, olhando em volta.
Estamos em uma espécie de praça aberta, com um campo gramado
gigante. É lindo e silencioso, o ambiente ideal para fugir dos problemas e
relaxar embaixo de uma árvore.
O cheiro de dama-da-noite impera, trazendo-nos acolhimento e
aconchego.
— Quer aprender a pilotar uma moto?
— O quê? — Seu rosto se ilumina.
— Posso te ensinar.
Sei que sou a melhor pessoa para lhe ensinar. Não conheço ninguém
que domine uma moto ou um carro como eu. Então, espero que concorde e
começo a explicar algumas coisas importantes antes de ligar o motor.
Ela me escuta com atenção, repetindo algumas orientações.
Estou gostando dessa coisa de dar aulas. Sardenta já está bem melhor
na língua alemã, entendendo e falando várias frases. No volante, então, vai
pegar ainda mais rápido.
Sento-me no automóvel com ela à minha frente e dou partida bem
devagar, explicando tudo detalhadamente.
Meu peito está em suas costas e nossas mãos estão unidas no guidão.
Repito este processo algumas vezes, até que esteja confiante o
bastante.
Insisto em dizer o quanto é inteligente e isso facilita para que perca o
medo.
Deixo que dê partida sozinha, mas, claro, ainda estou sentado atrás
dela, pronto para ter o controle da moto caso não consiga manter.
Ela erra algumas vezes, mas mantenho os elogios e a paciência. Na
sexta vez, consegue ligar a moto e andar por um período curto.
Festejo e ela cai na risada.
— Nem foi tão bom assim — diz, com as bochechas vermelhas.
— Foi incrível! — eu a abraço —, vamos tentar novamente.
Passamos horas assim, até que Ellie se canse e diga que quer ir para
casa descansar. Conseguiu dar uma volta inteira sozinha. Fiquei sentado em
sua traseira, mas foi ela quem comandou tudo.
Estou orgulhoso e de pau duro, porque, juro, vê-la dirigindo uma
moto é a coisa mais sexy que já vi em toda a minha vida.
Ela sente minha ereção e me olha de esguelha, com um meio sorriso
nos lábios.
Viro seu corpo de frente para o meu, encaixando suas pernas em cima
das minhas.
— Aqui? — sussurra.
— Aqui.
— Mas podemos ser vistos.
— Tem coisa mais legal que isso?
— Seremos presos se formos vistos fazendo sexo na rua à luz do dia.
— Solta uma risada. — Isso não é legal.
— Será uma história maravilhosa para contar aos nossos filhos —
tento convencê-la.
— Filhos?
— Sim. — Beijo-a brevemente. — Sardentos e rebeldes.
— Puxarão a rebeldia de você, não de mim.
— Admita, você está bem rebelde ultimamente — zombo.
Você está me levando para o mau caminho…
— Se sexo não fosse algo de Deus, Adão e Eva não teriam tido filhos.
Ela cai na risada. Estudamos juntos o livro de Gênesis há alguns dias,
por isso faço referência ao livro bíblico.
— Se formos presos… — tenta me avisar.
— Não vamos.
Tomo sua boca com avidez, segurando sua nuca, e nossa língua se
movimenta ao nosso ritmo, aquele que nos pertence, que apenas nós
sabemos.
O encaixe entre os lábios é perfeito, assim como nossas respirações
em completa sincronia.
Jurei não existir a pessoa certa, mas hoje digo com convicção que,
sim, Ellie sempre foi meu destino.
Inalo seu cheiro e me sinto viciado.
Como um dia vivi sem ela?
Como um dia quis outra mulher?
Ellie é a plena comprovação de que Deus existe. Perfeita, impecável,
sublime.
— Você está me matando, porra — sussurro entre nossa boca. — Te
querer tanto assim está me matando!
Acho que ela não tem noção do que faz comigo, do que causa em meu
corpo. Talvez não saiba o quanto é maravilhosa e a falta que me faria se um
dia não estivesse aqui.
Sei que completará vinte e um anos em poucos meses, mas a ideia de
tê-la longe é insuportável para mim. Eu jamais permitiria que se
distanciasse.
Seguro-a com mais força, puxando seu corpo para o meu. Arrumo sua
saia de tecido leve e afasto a calcinha para o lado.
Está pronta. Sempre pronta para mim.
Rapidamente, abro meu zíper e tiro meu pau para fora, trazendo seu
corpo para cima do meu.
Ellie desce, me encaixando em seu interior.
Deliro com esta sensação tão deliciosa.
Não posso acreditar que topou fazer sexo comigo ao ar livre, em cima
de uma moto, em plena luz do dia.
Estou dizendo, esta garota é perfeita!
Ela senta em mim até que eu esteja todo dentro. Minha visão nubla
quando começa a se mover para cima e para baixo com vontade e
determinação.
Seguro sua bunda e a ajudo com os movimentos, gemendo enquanto a
vejo fechar os olhos e jogar a cabeça para trás.
Fico completamente perdido de tesão, sem conseguir enxergar nada a
minha volta, a não ser ela.
Ellie.
Ellie.
Ellie.
Ellie.
Não sei precisar quanto tempo ficamos aqui, apenas nos beijando e
aproveitando o momento, mas acabo saindo do transe quando a escuto
sussurrar:
— Reese? Tem um carro de polícia se aproximando.
Olho de esguelha na direção em que me indica. O carro está distante,
provavelmente ainda não nos viram.
— Não pare — peço, em desespero.
— Mas…
— Vou dar partida e você continua sentando em mim.
— Como?
— Do mesmo jeito que estava fazendo. Quero gozar dentro de você
em alta velocidade.
Quem vê de fora não consegue saber que estamos transando. A saia
de Ellie nos tampa. Apenas seus movimentos serão visíveis, mas pretendo
passar por caminhos pouco movimentados.
Colocamos os capacetes e acelero a moto, dando partida.
Ela senta gostoso em mim enquanto dirijo, erguendo e abaixando o
corpo conforme consegue.
Nunca experimentei a adrenalina desta forma, sendo esta a primeira
vez, mas, com toda certeza, muito melhor do que imaginei que seria.
Acelero ainda mais e, para facilitar, começa a esfregar nossa pélvis.
Solto um gemido, enlouquecido.
— Continue assim — peço.
Ellie se esfrega em mim com mais agilidade e vontade, gemendo alto.
Meu pau pulsa.
— Caralho! — exclamo, apertando mais o acelerador.
Este não é o tipo de sexo para durar muito tempo, pois a tremedeira
da moto em contato com o asfalto e o vai e vem de Ellie são demais para
suportar.
Seguro o guidão com força quando percebo que a parte baixa da
minha barriga está fazendo pressão. Estou babando, louco para gozar.
Ela enfia as mãos por dentro da minha camiseta e arranha as costas,
apertando tanto meu pau que quase perco o equilíbrio da moto, inebriado.
Sinto minha porra escorrer por entre nossas pernas, junto com o gozo
da Sardenta, que treme em cima de mim.
Alguns segundos se passam, até que voltemos ao normal. Depois nos
olhamos e começamos a rir.
— Você é surreal — grito.
Ela continua rindo, olhando em volta.
— Você que é! — grita em resposta. — Eu jamais teria uma ideia
assim.
— Segure-se, vou acelerar mais — aviso.
A moto ronca, correndo em altíssima velocidade.
Ela solta um gritinho de alegria e, em vez de me obedecer, começa a
abrir os braços.
Deixo, pois jamais a deixaria cair ou se machucar.
Observo-a enquanto dá altas risadas e grita, olhando para o céu azul.
Os cabelos negros voam, batendo com força no capacete.
É uma das cenas mais lindas e empolgantes que já vi.
— Eu te amo — grito, a fim de ser ouvido.
— O quê? — Seus olhos encontram os meus.
— Eu te amo, Ellie!
Nunca conversei sobre sentimentos com ninguém, a não ser com
minha mãe, mas bastou eu ter dito uma vez para dizer outras tantas.
Estamos deitados, abraçados como se fôssemos um só embaixo do
cobertor.
Esta é a última noite que teremos sozinhos na mansão, pois amanhã
meus pais estarão de volta.
Durmo dizendo o quanto a amo e ela retribui todo o carinho, fazendo
meu coração aumentar de tamanho a cada palavra.
Na manhã seguinte, nos levantamos cedo e esperamos por Kenneth e
Amelia, prontos para termos uma conversa séria.
Eles chegam antes do almoço, abraçando-nos e dizendo o quanto
sentiram nossa falta.
Passamos uma tarde agradável e descontraída, até que a hora do jantar
chega. É neste momento que Ellie toma a iniciativa e diz que quer
conversar com o pai.
— Fico feliz em escutar isso, filha. Enquanto estive fora, torci muito
para que aceitasse ter uma conversa comigo quando eu voltasse.
— Acho que nunca estarei cem por cento pronta para ouvir toda a
verdade, mas em algum momento ela precisaria vir.
A feição de Kenneth murcha.
— Você precisa saber que não será algo fácil de ouvir.
— Ter vivido a verdade já não foi fácil, ouvi-la só confirmará
algumas coisas.
— Está bem. Após o jantar?
— Não, agora.
— Quer conversar na frente de todos?
— Sim, quero. Porque acho que a verdade também diz respeito às
outras pessoas que estão aqui.
— Como assim?
— Quero que comece a esclarecer onde minha irmã está.
— Irmã? — Ele franze o cenho, confuso. — Do que está falando,
Ellie?
— Estou falando sobre Anna. Por que finge que ela não existe?
Kenneth empalidece. Toda a cor do seu rosto desaparece.
Durante dez anos, Cecília foi o centro da minha vida. Eu a amei
como jamais amara ninguém.
Conhecemo-nos por acaso, fazendo compras no mercado. Ela era
carismática, alegre e tinha a risada mais contagiante de todas. Seria
impossível passar por sua presença sem se dar conta do magnetismo que
tinha.
Todos a amavam, todos a queriam por perto.
Lembro-me de que estava sozinho em casa e precisava preparar algo
para comer. Eu tinha acabado de me formar na faculdade de direito e ainda
não possuía toda fortaleza financeira que tenho hoje em dia.
Macarrão foi o que veio à minha cabeça. Fácil e rápido de fazer.
Caminhei pelo corredor do estabelecimento, empurrando o carrinho
de compras, analisando qual das massas e molhos compraria para
cozinhar.
— Eu diria que molho vermelho é o mais fácil de preparar — uma
voz feminina soou atrás de mim. Era doce, magnética, aveludada.
Virei-me para conhecer a dona.
Ela era encantadora, possuía olhos grandes e brilhantes, verdes
como a água do lago mais limpo do mundo e lábios lindamente rosados.
Algumas sardas pintavam seu rosto frágil, o que a deixava com uma
expressão ainda mais harmoniosa.
Meu primeiro pensamento ao vê-la foi que não havia nada fora do
lugar. Toda a beleza do mundo foi colocada exatamente na pessoa certa.
— Como? — perguntei, um pouco atônito.
— Percebi que não sabe cozinhar e que está um pouco perdido por
aqui, então sugeri que levasse molho vermelho. É mais fácil de preparar.
— Como sabe que não sei cozinhar? — perguntei, apenas para
ganhar tempo.
Eu não queria me distanciar da mulher.
— Tenho um sexto sentido bem apurado. Dificilmente erro.
— Você tem razão — pigarreei —, não sei cozinhar mesmo. Mudei-
me recentemente para minha nova casa e, sozinho, o que me resta é
aprender a cozinhar comidas simples.
— Também moro sozinha. — Sorriu. Seus dentes eram retos e
brancos. — Sei como é.
— Costuma fazer sua própria comida? Ou come fast-food mesmo?
Tenho feito bastante isso, é mais prático.
— De jeito nenhum! Fast-food é péssimo para a saúde! Você precisa
agora mesmo parar com essa mania de comer porcarias!
Olhei-a, segurando o riso.
Quem pensava que era para dizer o que devia comer ou não?
No segundo seguinte, ela começou a rir. Mas sua risada era tão
gostosa e contagiosa, que caí na risada também.
— Estou só brincando! — disse, limpando as lágrimas. — Você pode
comer o que quiser.
— Tudo o que eu quiser? — perguntei, o que a fez rir ainda mais,
segurando a barriga.
— Não sou uma comida, só para você saber — tentou se conter,
tossindo um pouco —, mas conheço uma receita de macarrão bem fácil, se
quiser, posso escrever para você.
— O quê? — Entendi certo?
— Você tem uma caneta aí?
Tateei os bolsos, mas nada carregava além da minha carteira.
— Não, mas… — pensei rápido —, coloque seu número aqui no meu
celular, vou te mandar uma mensagem e você me envia a receita.
— Fechado!
Depois desse momento, nunca mais deixei que escapasse.
Conversamos todos os dias, até que marcássemos outro encontro, e mais
outro, e mais outro.
Ela era apaixonante, uma pessoa fácil de lidar e extremamente
engraçada.
Casamos dois anos depois, quando ambos estávamos fixos em
empregos promissores. Seus pais já eram avançados em idade, mas muito
amáveis e acolhedores, portanto me aceitaram na família de primeira.
Compramos nossa primeira casa, onde fomos muito felizes em todos
os quase cinco anos seguintes.
Cecília engravidou em janeiro de dois mil e três, o que nos levou à
melhor notícia da nossa vida.
Já havíamos viajado bastante, conquistado diversas coisas e
guardado muito dinheiro, então ter um filho seria a cereja que faltava no
bolo.
Compramos a mansão que tenho até hoje, apenas com a intenção de
que nosso bebê crescesse em um lugar fantástico.
Chorei como um otário quando descobri que era uma menina.
Prometi que cuidaria dela como minha própria vida. Jamais a
decepcionaria.
Amar minha esposa foi a coisa mais fácil que já fiz na vida, portanto
amar Anna seria duas vezes mais fácil.
Sempre quis ter algo que pudesse chamar de meu e fui feliz enquanto
tive as duas comigo, completamente minhas.
Descobrimos, quando Cecília estava com a gravidez já avançada,
que ela estava com câncer de pele. A notícia nos devastou, porque pensar
em perder uma das duas era a dor mais horrível que eu poderia sentir.
Não haveria Kenneth sem Cecília, muito menos sem Anna. Éramos
como um corpo só. Sozinho, eu viraria apenas a carcaça, sem vida, sem
graça, sem cor.
Lutamos com todos os recursos que tínhamos contra a doença, mas
Cecília nunca melhorou. A cada dia, ela piorava.
O medo de perdê-la me consumiu, mas nunca demonstrei isso em sua
frente. Queria mostrar força e confiança para ela, para que acreditasse em
sua melhora também.
Tivemos que marcar o parto para antes da hora, pois minha esposa
estava cada vez mais debilitada e não estava passando os nutrientes
suficientes para a bebê. E era necessário começar um tratamento com
medicamentos mais fortes, impossível de fazer ainda grávida.
Quando vimos Anna pela primeira vez, tivemos esperança. Ela
brilhava como sua mãe, tão linda quanto.
Apaixonei-me à primeira vista, completamente rendido por esse amor
impossível de se medir.
Cecília manteve o tratamento, enquanto eu passava todas as horas
possíveis cuidando da nossa filha. Contudo, houve um momento em que ela
precisou se internar, incapacitada de se manter fora dos aparelhos.
Morei naquele hospital por dias, recusando-me a me distanciar, mas
foi ela quem partiu, quem me deixou. Quem nos deixou. Achei que não
suportaria viver sem as risadas dela, sem seu olhar brilhante, sem seus
macarrões tão bem-feitos. Achei que minha vida havia acabado ali, diante
daquela morte tão dolorosa.
Fui internado em seguida, ficando três meses, ao todo, no hospital
após seu falecimento. Os pais de Cecília que cuidaram de Anna enquanto
eu me recusava a viver.
Os sintomas eram de depressão, uma dor imensurável por todo o
corpo, o coração em pedaços e a saudade me nocauteando dia após dia.
Quando recebi alta do hospital, saí perdido pelas ruas até chegar à
casa dos meus sogros. Chorei tanto quando vi Anna, que perdi todo o
oxigênio dos pulmões. Estava muito parecida com a mãe.
Ela foi meu remédio, meu escape, minha cura. Sem Anna, acho que
teria morrido, com toda certeza.
Levei-a para casa e comecei uma vida de pai solo, dando-lhe tudo o
que sempre mereceu: as melhores roupas, brinquedos, educação, plano de
saúde… Eu jamais deixaria que um mísero cookie de café da manhã lhe
fizesse falta.
Os próximos dois anos foram assim, só nós dois, até que eu
conhecesse Amelia em um tribunal.
Como dois bons advogados, criamos um laço de amizade. Passamos
a conversar bastante sobre nossos casos e trabalhos. Encontramo-nos
outras vezes em audiências e, inclusive, fomos tomar um café juntos após
uma delas, em uma tarde chuvosa.
Amelia nunca me julgou ou questionou, nunca me deixou em uma
situação difícil ou me sentindo culpado por estar traindo uma mulher que
já havia morrido. Fizemos tudo aos poucos, vagarosamente, até o momento
em que comecei a me imaginar em outro relacionamento.
Doeu no início, preciso admitir, mas me dei essa chance de continuar
vivendo e sentindo.
Ela também era mãe solo e conseguia me entender em muitos
aspectos, acho que por isso nos demos tão bem.
Chamei-a para nosso primeiro encontro, junto com as crianças, em
um parquinho de diversões. Reese tinha seis anos e Anna tinha dois.
O local era fechado, não era ao ar livre, e estava bem cheio, com
muitas crianças gritando e se divertindo. Alguns funcionários tomavam
conta dos pequenos enquanto os pais conversavam e comiam, sentados às
mesas.
Nunca vou me esquecer do quanto Anna estava linda esse dia, com
um vestidinho rosa, meia-calça e sapatilhas delicadas. Os cabelos
castanhos, presos por marias-chiquinhas.
Reese gostou dela e prometeu pegar em sua mãozinha quando
estivessem no brinquedo.
Um dos funcionários que ficaria com nossos filhos nos passou muita
confiança, disse que já trabalhava havia anos na mesma profissão.
Ficamos tranquilos em deixá-los se divertindo enquanto pedíamos algo
para comer e beber. Sempre que olhávamos para eles, estavam bem,
sorrindo e pulando.
É difícil descrever em palavras o que sucedeu após esse momento, só
sei que começamos a sentir cheiro de fumaça. Segundos depois, algo
explodiu vindo da cozinha. Gritos soaram e pessoas começaram a correr.
Tudo aconteceu muito rápido. Levantamo-nos, assustados, e fomos
atrás das crianças, mas a fumaça estava dificultando nossa visão.
Foi um caos, todos correndo em desespero no ambiente
esbranquiçado e malcheiroso. Trombei em algumas coisas, chamando por
Anna.
Amelia conseguiu encontrar Reese, mas eu nunca consegui encontrar
minha filha.
Quando Kenneth termina de contar, todos ficam em silêncio. Meus
olhos estão marejados, pois consegui sentir a dor dele enquanto relatava os
acontecimentos.
Tenho certeza de que não houve mentira alguma enquanto contava a
história de Anna, pois todas as palavras proferidas carregavam o peso da
verdade.
Contudo, sinto-me ainda mais confusa agora. É como se as coisas
ficassem cada vez mais difíceis de se encaixar.
Conforme citava os detalhes do parquinho de diversões, meu coração
foi se apertando. Senti vontade de vomitar quando disse sobre o fogo, sobre
ter perdido sua filha. É exatamente o que acontece em meus pesadelos.
Muito fogo, fumaça, correria e gritaria. Até que alguém me pega. O sonho
sempre acaba assim.
Quando me lembro, é como se o cheiro do ambiente voltasse às
minhas narinas. É tão real que poderia ter certeza de que vivi esse momento
quando pequena. Contudo, sei que não fui eu, mas sim a Anna.
Como posso ter uma ligação tão forte assim com ela?
Alguém que nunca vi, cuja existência não conhecia até dias atrás.
— Você procurou por ela? — pergunto, mesmo sabendo da resposta.
— Muito, filha. Eu procurei muito por ela. Mobilizamos o país todo,
mas nunca a encontramos.
— Você não faz ideia de onde ela possa estar?
— Hoje, tenho — sua voz falha.
Percebo que Amelia pega a mão de Kenneth e a aperta, como se
estivesse lhe dando forças para continuar.
— Onde Anna está? Deveria estar aqui, conosco! — exclamo.
— Ela foi roubada por uma mulher e levada para outro país, por isso
foi tão difícil encontrá-la. Recentemente, alguém entrou em contato com a
polícia de Liechtenstein dizendo saber onde Anna estava. Ficamos
alvoroçados, muito animados. O fogo acabou com o parque de diversões em
que estávamos naquele dia e muitas pessoas ficaram presas nos escombros,
por isso achei que poderia ter morrido, mas, como seu corpo nunca foi
encontrado, existia a possibilidade de ainda encontrá-la com vida. Torcemos
muito para que acontecesse.
— Então, o que falta para trazê-la? Ela deve estar assustada, sozinha!
— Minha Anna já está para completar seus vinte e um anos e me acha
um estranho, não é tão fácil assim.
Engulo em seco, sem saber o que dizer.
Isso não muda o fato de que Kenneth me abandonou, mas admito que
sinto um pouco mais de empatia por ele agora que sei o quanto sofreu.
— Você precisa tomar uma atitude! — quase grito. — Vai deixar sua
filha com uma mulher que nem sabe se cuidou bem dela?
— A mulher cuidou bem dela, como se fosse filha. Obviamente,
escondeu a verdade, trocou seu nome e filiação, e mentiu sobre o pai
dizendo que ele a abandonou.
Juro que nunca, em toda a minha vida, ouvi algo assim de uma pessoa
tão próxima. É como as histórias trágicas que ouvimos nos jornais
televisivos.
— Não importa o quanto doa, Anna precisa ser resgatada de lá
imediatamente! É necessário que ela saiba o que aconteceu! Essa mulher
não é confiável, Kenneth!
Amelia limpa os olhos, pois começa a chorar.
Olho para todos que estão sentados à mesa. A tensão está
insuportável, oprimindo-nos.
Reese parece preocupado, um pouco agitado.
— O que foi? — Arregalo os olhos. — O que está faltando me
contar?
— A polícia entrou em contato com a mulher, revelando toda a
verdade, Ellie. Pelo que sei, ficou desesperada, mas não conseguiu fugir
mais uma vez. No dia seguinte, ficamos sabendo sobre seu falecimento.
Infelizmente, não teve forças para suportar ver Anna tomando
conhecimento de toda a verdade.
Levo as mãos à boca, estarrecida.
— Ela… Ela se matou? — pergunto, assustada.
— Sim, filha.
Sinto um buraco no estômago. Seria muita coincidência se...
Algo se passa pela minha cabeça, mas pensar nisso é tão insano, que
tenho medo de processar minhas ideias a fim de torná-las reais. Não quero
que sejam reais.
Prefiro ter entendido errado, prefiro continuar achando que Anna é
uma irmã perdida.
Respiro uma, duas vezes, recusando-me a crer que o que estou
pensando realmente possa ter acontecido.
— Agora Anna está sob os cuidados de quem? — pergunto com tanto
medo da resposta, que aperto meus dedos a ponto de quebrá-los a qualquer
instante.
— Mandamos ir buscá-la. Está aqui, agora, sentada na minha frente.
É você, Ellie. Você é a Anna.
Um silêncio sobrenatural recai sobre nós. Fico olhando Kenneth por
segundos intermináveis, esperando que comece a rir e diga que é tudo uma
pegadinha.
Meus olhos transbordam e, de repente, começam a expelir lágrimas,
que escorrem pelo meu rosto paralisado.
— É mentira, não é? — pergunto, segurando minhas mãos da mesma
maneira que faço todas as vezes que fico nervosa. O silêncio permanece. —
DIGA QUE É MENTIRA! — grito, sentindo meu corpo inteiro começar a
tremer.
Todos se assustam.
— É verdade. — Kenneth chora também, assim como Amelia. —
Eu… eu não contei antes porque quis te poupar da dor. Sabia que seria
difícil de digerir, mas… é a verdade. Você é minha filha perdida, minha
garotinha.
Tapo os ouvidos, inquieta, e me levanto.
Reese faz o mesmo, demonstrando que vai comigo para onde quer
que eu escolha ir.
— PARE DE MENTIR! — grito, segurando os ouvidos. — PARE DE
MENTIR, PARE DE MENTIR, PARE DE MENTIR, PARE DE MENTIR!
Meu estômago embrulha com a força que estou fazendo para gritar e
me afasto para vomitar. Faço isso no chão, sujando meus tênis e o tapete.
Reese corre em minha direção, pronto para me ajudar. Sussurra para
que eu me acalme e segura meus fios de cabelo.
Kenneth e Amelia se aproximam, mas grito para que me deixem em
paz. Ambos estão desesperados, preocupados, chorando.
Vomito mais ao imaginar que fui enganada a vida toda. Sequestrada
por uma pastora que me manteve dentro da igreja por anos acreditando que
minha vida era uma obra de Deus.
Grito a plenos pulmões, agachada.
Não estou aguentando esta dor. Não estou aguentando. Não estou
aguentando. Não estou aguentando.
Por que, Deus? Por que permitiu que isso acontecesse? Por que
comigo? Por quê? Por quê? Por quê?
Não consigo respirar, meus olhos estão embaçados, o peito dói, o
estômago está embrulhado, minha cabeça pesa.
— Ela está tendo uma crise de pânico! — ouço Reese gritando ao
fundo. — Precisamos levá-la ao hospital!
Abraço-me, chorando, soluçando, gritando.
Minha vida é uma mentira.
Eu sou uma mentira.
Estou caindo, entrando em um buraco. Tudo está ficando escuro,
pequeno.
Grito, grito tanto, mas ninguém me ouve.
Dois dias depois, estou deitada em minha cama, olhando para o teto.
Passei parte desse tempo no hospital, tentando retomar a vida. Mas ainda
estou afogada em pensamentos, tentando digerir tudo o que ouvi da boca de
Kenneth.
Ele quis conversar comigo desde o primeiro dia, mas me poupou da
dor. Um verdadeiro pai faz isso, não faz?
Sofreu por anos com a perda da esposa e depois da filha, achou que
ambas tinham morrido. Quando percebeu que ainda havia esperança,
apareci e fiquei três meses apontando o dedo na cara dele, acusando-o de ter
me abandonado.
Como conseguiu, depois de tanto tempo, olhar para sua filha perdida
e não poder abraçá-la? Como suportou ouvi-la dizer que não o aceitava
como pai?
Por isso seu amor por Reese cresceu tanto, foi quem permaneceu ao
seu lado quando tudo o que lhe restava era um buraco causado pelo sumiço
de sua filha.
Pensando dessa forma, chego à conclusão de que Reese realmente foi
criado como seu primogênito, por isso somos considerados como irmãos de
sangue aos olhos de Kenneth. O que torna nosso envolvimento muito
arriscado para dar continuidade.
Mas estamos tão envolvidos, que seria extremamente difícil nos
distanciarmos.
Não quero que acabe, não quero deixá-lo.
O que vou fazer?
Se Kenneth nos descobrisse, eu estaria decepcionando-o mais uma
vez. Contudo, se Reese me deixar, eu quem sentirei a dor da decepção. A
quem prefiro magoar? Meu pai, ou a mim mesma?
Não aguento mais carregar um coração dolorido no peito. Não quero
mais sofrer.
Deus, me ajude a ter sabedoria para fazer a coisa certa.
Depois de tudo, mesmo sabendo o quanto Maya mentiu para mim,
ainda tenho certeza sobre a existência de Deus. Pois, se há algo que
realmente senti enquanto morei no Texas, foi a presença Dele.
A existência de Deus não é comprovada pelo enxergar, é comprovada
pelo sentir. E sei que jamais me abandonou, mesmo com meus pecados,
mesmo com meus questionamentos.
Compreendo que mudei muito depois que vim para cá, mas Ele
conhece meu coração, sabe da carência que carrego, sabe dos meus traumas
e solidão. Nunca me julgaria por ter perdido minha virgindade e me
apaixonado, pois não deixei de servi-lo. Ainda oro todos os dias e peço
perdão pelos meus pecados. Ainda estudo a Bíblia e falo o quanto Ele é
bom.
Se não houve sinal dos céus para que eu ficasse com Hugo, é porque
Ele estava comigo, me livrando.
Se estou aqui hoje, é porque Ele me permitiu descobrir a verdade
sobre a minha vida, pois não deixa nada em oculto.
Se me deu Reese, é porque sabia o quanto seria bom para mim. E,
quando algo é de Deus, acontece assim, fácil e rápido.
Não é necessário que mande um sinal quando já está tudo certo para
acontecer.
Nunca tive dúvidas de que queria Reese, nunca. Por isso, não posso
deixá-lo agora.
Já sofri demais nesta vida, e me recuso a sofrer mais.
Ouço batidas à porta e meu tatuado entra, sorrateiro.
— Oi — diz, sentando-se ao meu lado.
— Oi — respondo, analisando suas feições.
— Como está se sentindo?
— Preciso do seu abraço, Reese — peço com poucas forças.
Sem dizer nada, deita-se e me puxa para seus braços. Nosso corpo se
encaixa da cabeça aos pés, perfeitamente.
Respiro fundo, sentindo seu cheiro.
— Não sei o que está pensando, mas quero que saiba que não importa
quem seja, ou Anna ou Ellie, continua sendo minha sardenta. Escolho você,
independentemente de quem decida ser, está entendendo?
— Promete? — sussurro.
Ele toma meus lábios, beijando-me carinhosamente.
— Prometo — responde depois, olhando-me nos olhos.
— Também quero você, Reese, mesmo que sejamos considerados
irmãos.
— Vamos passar por isso juntos, não se preocupe.
— No final, vai dar tudo certo, não vai?
— Com toda certeza.
— Não vou te deixar — digo, certa.
— Promete?
Retribuo seu beijo e respondo:
— Prometo.
— Eu te amo, Ellie. Eu te amo tanto que tatuaria isso na minha pele.
— É sério?
— Claro. — Acaricia meu rosto, quase encostando o nariz no meu.
— Então vamos fazer isso.
— O quê?
— Quero que minha primeira tatuagem seja em homenagem a você.
Seu sorriso se alarga.
— Meu corpo inteiro é fechado, só tenho um único lugarzinho na
costela disponível. Eu ficaria feliz em homenagear você em minha última
tatuagem.
Sorrio também.
— Vamos? — peço.
— Tem certeza?
Concordo.
Recebo outro beijo, desta vez mais íntimo, mais profundo.
Em seguida, nós nos levantamos e nos trocamos, prontos para partir.
Kenneth e Amelia estão trabalhando, então não temos resistência
nenhuma para ficar.
Subimos na moto, colocamos os capacetes e seguimos caminho.
Saímos do país, seguindo até a Suíça, onde estacionamos de frente
para um comércio de tatuagem. É bem chique e organizado. O ar cheira a
álcool e as paredes são todas coloridas e desenhadas.
Quem nos recebe é o James, amigo de Reese. Ele é o tatuador e a
pessoa que desenhou o corpo inteiro do meu acompanhante.
— Já sabem o que vão fazer? — pergunta.
Acenamos positivamente.
Reese vai primeiro, depois eu. Assisto todo o processo, chocada que
não faz nenhuma careta com as agulhas.
Sinto um frio na barriga quando chega a minha vez, mas não desisto.
Para me manter distraída, conversamos o tempo todo.
Minha pele arde e solto um gemido dolorido, contudo me mantenho
firme.
— Você vai quebrar meus dedos — Reese caçoa.
Murmuro algumas palavras que nem eu mesma entendo, apertando-o
ainda mais.
Fico incomodada com as picadas, mas tento não demonstrar que
quero gritar, claro, por vergonha da minha incapacidade de me manter
neutra como Reese ficou.
Respiro fundo algumas vezes e abro alguns sorrisos falsos.
Como a tatuagem é pequena, não demora para ser finalizada e dou
graças a Deus por isso.
Depois de pronta, levanto-me e sigo até o espelho.
Em minha costela está escrito: “Versprechen?”, que significa:
“Promete?”
A resposta está localizada na costela de Reese, escrito:
“Versprechen”, que significa: “Prometo”.
Ele sendo minha primeira promessa e eu sendo sua última.
Em meio à loucura que está sendo aceitar quem realmente sou, Reese
me tira da órbita. Primeiro, fazemos nossas tatuagens, depois, andamos de
moto até que a adrenalina agite nossas veias e, mais tarde, chegamos em
casa e transamos tanto, que perco as contas de quantas vezes chego ao
clímax.
Pelo que percebi, não aguenta me ver pilotando uma moto por um
segundo sem ficar com o membro ereto, portanto, com sua ajuda, consegui
dar breves voltas, mas tive que apartar a missão quando me dei conta de que
ele estava prestes a ter um ataque de cio atrás de mim.
Nossa tarde agitada foi uma ajuda e tanto, pois eu estava tão triste,
que mal queria sair da cama. Agora, após extravasar tudo o que precisava,
estou muito mais feliz e com a mente mais aberta para pensar como resolver
minha questão com Kenneth.
Estou deitada em cima de Reese agora, na posição que adoramos ficar
conversando, ambos sem roupas. Seu corpo é enorme em comparação ao
meu e me sinto protegida todas as vezes que estou entre seus braços. As
grandes mãos roçam minhas costas, sentindo cada canto da minha pele até
descer à bunda.
Sorrio.
— Você não se cansa? — pergunto.
— De você? Jamais!
— Estou assada, Reese — digo, um pouco envergonhada.
— Saber disso me deixa ainda mais excitado.
Fecho os olhos e finjo estar orando:
— Deus, me ajude a parar este homem…
Ele ri alto, levando-me à risada também.
— Meu pau está viciado na sua boceta sardenta.
Escondo o rosto em seu peito, sem saber o que responder. Como
consegue dizer coisas sacanas com tanta naturalidade?
Eu queria poder dizer que amo seu pau enorme e tatuado, e a maneira
como me fode com força, mas não consigo. Droga!
— Quanto mais tímida você é, mais duro eu fico.
— Você é louco — murmuro.
— Fico pensando em maneiras de te desvirtuar…
— Pare! — exclamo, as bochechas quentes.
Sua risada reverbera pelo quarto e um tapa ardido é depositado em
minha bunda.
— Juro que você é perfeita. Cada parte sua.
Dolorida, admiro seus olhos azuis, mordendo o lábio inferior.
— Você também é.
Antes que possamos nos beijar e dar início a mais uma transa,
ouvimos vozes vindas do andar de baixo. São Kenneth e Amelia chegando
do serviço.
Reese me dá um beijo rápido e se levanta da cama, colocando sua
roupa com agilidade e jogando a que eu estava vestindo em minha direção.
— Se vista logo! — diz, sorrindo.
O idiota gosta do proibido.
Faço conforme me orienta e prendo os cabelos desgrenhados em um
coque alto.
— Está se sentindo melhor? — sussurra, antes de sair do quarto.
— Sim. — Balanço a cabeça.
— Não precisa se pressionar tanto — diz, com a mão na maçaneta. —
Tudo bem não estar cem por cento bem.
— Ele vai querer conversar, tenho certeza.
— É você quem decide se quer isso ou não, entendeu?
Balanço a cabeça.
— Te amo — sussurra, me jogando um beijo. — Até daqui a pouco.
Vejo-o sair do meu quarto como se fosse um fugitivo e ando até
minha escrivaninha, pensativa. Sei que meu pai vai entrar aqui a qualquer
momento.
Abro mais as janelas e a porta da sacada, com medo de o cheiro
evidenciar o que eu e Reese estávamos fazendo.
Droga, odeio me sentir culpada por amar tanto alguém. Odeio ter que
esconder algo que desejo mostrar ao mundo todo.
Descontraidamente, debruço-me na grade da varanda e respiro o ar
puro, olhando a linda paisagem verde. Já está anoitecendo, o que torna tudo
ainda mais bonito. Ouço o barulho dos bichos ao fundo, um som bem
relaxante.
Viro o pescoço e avisto Reese também debruçado sobre a grade de
seu quarto, fitando-me.
Pergunto-me se já fez isso outras vezes sem que eu percebesse.
Abro um sorriso e ele retribui.
— Oi, filha — escuto Kenneth se aproximando de mim e levo um
susto.
— Hã, desculpe, não percebi que estava entrando.
— Estava sorrindo para o quê? — pergunta, tentando puxar assunto.
Engulo em seco, olhando para a sacada ao lado. Reese não está mais
lá.
— Só para a paisagem — explico.
— Você gosta?
— Sim. Lá onde eu morava, a paisagem não era assim.
Ele tira as mãos dos bolsos e se debruça ao meu lado, olhando em
direção à cabana lá embaixo.
— Quer me contar como era lá? — Está um pouco retraído, talvez em
dúvida se deve, ou não, tocar em certos assuntos comigo.
Mas compreendo que não existem motivos para adiar mais esta
conversa, portanto facilitarei.
Conto brevemente como era minha vida no Texas e acrescento que
sempre fui um pouco solitária.
— Sempre morei sozinha com minha mãe. — Solto um pigarro. Não
vou conseguir desvincular Maya da maternidade tão cedo. — Não conheci
meus avós e nem tive irmãos. Jamais a vi se relacionando com algum
homem. Sua vida era inteiramente doada a mim e à igreja. Sempre senti
falta de ter uma família grande.
— Você tem um avô, meu pai. Ele está bem avançado em idade e sua
memória está fraca, mas sempre se lembrou de você. Estivemos
conversando sobre você ontem.
— Eu… eu tenho um avô? — pergunto, atônita.
— Sim, uma avó também, a mãe da Cecília.
Meus olhos se enchem de lágrimas.
— Sempre quis ter avós.
Ele sorri carinhosamente.
— Posso te levar para vê-los.
Balanço a cabeça, secando as bochechas.
— Onde eles estão?
— Os dois estão morando na mesma casa de repouso. Fica a
aproximadamente uma hora e meia daqui, mas é uma viagem gostosa de se
fazer. Vou até lá pelo menos uma vez ao mês visitá-los, o que acha de ir
comigo da próxima vez?
— Eu adoraria.
Olhamo-nos por alguns segundos, ambos em silêncio. Temos muito a
dizer, mas, ao mesmo tempo, não sabemos por onde começar.
— Sei que tudo isso é novo para você, mas… quero te mostrar que
sempre foi muito amada.
Engulo o nó na minha garganta, com os olhos ardendo.
— Obrigada, é importante saber disso.
— E me desculpe se…
— Está tudo bem.
— Não está — diz, olhando-me com os olhos marejados. — Não está
tudo bem. Eu nunca deveria ter te deixado brincar sozinha naquele
parque… Eu…
— A culpa não foi sua, Kenneth.
— Sim, foi. Eu sou culpado por tudo o que te aconteceu.
— Não é. Sei a verdade agora e você não tem culpa de nada.
Algumas lágrimas lhe escapam enquanto olha para o horizonte.
— Não sei como recuperar o tempo perdido.
— Também não sei, mas faremos isso juntos — tento soar forte.
— Você não tem noção do quanto estou feliz em te ter aqui, filha. Eu
achei que tinha te perdido para sempre… — sua voz falha.
Assisto-o derrubar lágrimas da varanda, sentindo sua dor extravasar.
É tanta dor que se torna indescritível.
— Não houve um dia sequer em que eu não pensasse em você, que
não olhasse suas fotos e imaginasse como estava. E… e você é tão linda,
filha. É como a sua mãe, linda como ela. A Cecília… — ele chora mais,
sem conseguir se conter — era a mulher mais linda do mundo.
Viro-me em sua direção e me aproximo, hesitante. Mas é suficiente
para que me puxe para um abraço, o mais dolorido da minha vida. Começo
a chorar, pois nunca estive em um lugar tão seguro quanto os braços de
Kenneth. É diferente de tudo o que já senti. Existe uma conexão forte entre
nós, um aconchego paterno que sempre sonhei em experimentar. Apego-me
a esta sensação e, por um momento, não me sinto mais sozinha.
Volto anos em um abraço que dura minutos. O cheiro é acolhedor e
ativa lembranças antigas as quais achei que nunca havia vivido.
Tenho certeza de que já estive aqui, nestes braços. Agora sei que sou
pertencente a esta casa.
Algo tão forte me bombardeia e choro como uma criança, com
saudade do que não pude viver. Este perfume me traz a sensação de
aterrissagem. Viajei por anos, mas finalmente estou de volta ao lugar de que
jamais deveria ter saído.
Minhas pernas perdem as forças e os braços fortes me seguram firme,
demonstrando, sem nenhuma palavra verbalizada, que nunca mais vão me
soltar.
Kenneth está se debulhando em lágrimas e cada uma delas grita por
mim. São gritos silenciados por anos de restrição.
Ele me aperta, desesperado.
— Eu sinto falta dela — sua voz quase não sai. — Eu sinto tanta falta
dela! A sua mãe… Ela era linda, filha. A sua mãe…
Estou um caos, uma mistura entre lágrimas, tremedeiras e suspiros
angustiados.
Minha pele ferve, quente dos pés à cabeça.
— Me desculpe — peço em desespero. — Me desculpe!
Com um abraço, sou resgatada daquele lugar escuro no qual estava
me afundando, sinto o rancor saindo pelos meus poros. É como se meu pai
tirasse toda a minha dor com a palma da mão.
Estou em casa.
Eu tenho um pai.
Nunca fui abandonada.
Não desistiram de mim.
Sou amada.
Sou importante para alguém.
Tenho, sim, um valor.
Nunca senti um amor como este, tão grande, tão intenso e tão
devastador a ponto de me arrancar o oxigênio.
Kenneth chora e sussurra:
— Se você soubesse o quanto te amo, se pudesse contemplar com
seus olhos o tamanho deste amor, jamais se sentiria sozinha.
— Eu sei.
— Não tem por que se desculpar. Você não tem culpa de nada,
absolutamente nada.
Soluço ao ouvir essas palavras.
Nós não temos culpa de nada. Nem eu, nem ele. Fomos separados por
uma infelicidade, por uma calamidade.
— Papai… — digo, voltando à minha infância, voltando ao dia em
que me perdi.
— Eu sempre estive aqui, filha, sempre te esperei. Todos os segundos,
as horas e os dias.
Saber disso me atinge, me destrói.
Não sei precisar quanto tempo demoramos a nos recompor, mas
nunca será o suficiente. Quero morar neste abraço, neste amor tão
verdadeiro.
Após longos minutos, ambos acabados de tanto chorar, nos olhamos.
Kenneth limpa minhas lágrimas e analisa meu rosto.
— Suas sardas são lindas.
— Obrigada.
— Sua mãe também as tinha, mas eram em quantidade menor.
— Naquelas fotos… a criança não tinha sardas.
— Você não as tinha quando era pequena. Nenhuma criança nasce
com sardas, elas acabam aparecendo no decorrer dos anos.
Lembro-me das fotos que Maya me mostrou, as únicas cinco que
tinha. Eu era um bebê com várias manchinhas no rosto e corpo.
— Ninguém nasce com sardas? — pergunto.
— Ninguém.
As fotos eram falsas. Todas falsas. Por isso eram poucas.
Maya as mandou fazer, as montou.
Sinto vontade de gritar.
Como nunca percebi? Como nunca ninguém percebeu?
— Como ela era? A minha mãe verdadeira — pergunto, com um nó
no estômago.
Kenneth passa horas me contando sobre Cecília, fazendo-me rir com
suas artimanhas e, vez ou outra, me causando mais lágrimas ao relatar sobre
sua doença.
Os ponteiros do relógio avançam e continuamos aqui, conversando,
até que o sono e o cansaço nos alcance.
Despedimo-nos com mais um abraço, sob promessas que
cumpriremos daqui para a frente.
Meu coração está quente, acalentado, feliz. Finalmente.
Um mês depois

Hoje é um dia especial, vou conhecer meus avós. Estou tão


empolgada!
Estamos indo apenas eu e Kenneth, ouvindo músicas pela rádio do
carro e admirando a bela paisagem que nos rodeia.
Durante uma hora e meia de viagem, penso sobre como foi meu mês,
feliz com todas as minhas conquistas pessoais.
Outras pessoas provavelmente não veriam tanto significado em coisas
tão pequenas, contudo estou mais do que realizada.
Não tive mais aqueles pesadelos terríveis desde que soube a verdade.
É como se minha cabeça estivesse muito mais leve agora, com tudo
encaixado em seu devido lugar. Não tenho tido mais medo antes de dormir,
o que me proporciona noites muito mais tranquilas.
Outra coisa que tirou um peso gigantesco de cima de mim foi o fato
de Kenneth ter me mostrado meu verdadeiro documento e certidão de
nascimento, algumas semanas atrás. Lá estava escrito: Anna Fournier
Lefebvre. É reconfortante saber que sempre tive o sobrenome dos meus
pais.
O que Maya me mostrou a vida toda era falso. Obviamente. Com isso,
tivemos uma conversa e decidimos atualizar minha documentação. Agora
me chamo Ellie Fournier Lefebvre Davis. Sim, decidi manter o Davis
porque, apesar de tudo, ainda tenho Maya como minha mãe. Ela quem me
criou, me deu educação e me ensinou muitas coisas. Seria impossível me
desvincular por completo de alguém que foi minha mãe durante dezoito
anos.
Ainda não sei o motivo de ter feito o que fez, mas,
independentemente de qual seja, ainda a amo. Não consigo parar de amá-la.
Sei que um dia encontrarei a verdade completa e tentarei entender
seus motivos, mesmo que sejam ridículos.
Decidi mudar meu primeiro nome porque não me vejo como Anna,
mas sim como Ellie. Kenneth deixou que eu escolhesse e me sinto
confortável desta forma. Seria completamente estranho ser chamada de
Anna.
Há, naturalmente, uma Anna dentro de mim. Contudo, hoje, sou
muito mais a Ellie do que a Anna.
Outra coisa que acalenta meu coração é o fato de que eu e Kenneth
fizemos várias coisas juntos, entre elas: pescar, ir ao cinema e parques.
Estamos tentando correr atrás do tempo que perdemos, conversando
bastante e passeando, sempre que possível.
Um dia desses, conheci seu escritório, um lugar bem chique e
chamativo. Vi como trabalha em seu computador e como trata Amelia em
todos os momentos livres, incrivelmente apaixonado. Seu olhar rendido me
faz lembrar de Reese, quando também está me olhando.
Tenho estado feliz com tudo isso, com essa nova experiência de ter
um pai e uma madrasta. Ambos me tratam muito bem. Fui apresentada a
alguns dos conhecidos do casal e muito bem recebida. Acho que nunca fui
tão incluída em um lugar quanto estou sendo ultimamente, nem mesmo na
igreja, sendo a filha da pastora.
A cada dia que passa, eu me sinto mais parte da família.
Reflito, também, sobre Reese. Como passamos a maioria das tardes
juntos, estar longe dele agora aflige meu coração. Queria que estivesse aqui,
mesmo que fosse para me lançar olhares disfarçados de longe.
Às vezes não acredito como estamos tão firmes. Nosso envolvimento
está cada vez mais intenso e profundo.
Se não fosse pelo fato de estar em um relacionamento proibido,
julgaria estar vivendo a própria perfeição, com tudo em seu devido lugar.
Mas sei que, em algum momento, isso ainda vai nos causar problemas.
Não estamos mais tomando tanto cuidado, pois queremos estar juntos
a todo tempo. Essa vontade é maior do que a cautela que deveríamos ter.
Somente nesta semana, fomos quase pegos três vezes. A primeira,
estávamos na piscina. Eu, encostada na borda e Reese, me abraçando por
trás, entrando e saindo de mim. Estávamos delirando de prazer, ambos de
olhos fechados, perdidos, alucinados.
Quando os abri, avistei Rian nos olhando. Ele já sabe do nosso
envolvimento, mas não temos certeza de até que ponto podemos confiar que
não contará a ninguém. Além disso, poderia ter sido outra pessoa, alguém
mais próximo de Kenneth.
A segunda vez foi em uma das aulas de direção. Estávamos em cima
da moto, sem capacete. Qualquer um poderia ter nos visto. Não transamos,
mas nos beijamos, nos abraçamos e conversamos de uma maneira que dois
irmãos jamais fariam.
A terceira vez foi cozinhando. Reese estava todo empolgado fazendo
uma comida que eu nunca tinha experimentado antes e conversando comigo
ao mesmo tempo. Disse algo sobre experimentar um certo doce em meu
corpo e, na mesma hora, uma das cozinheiras entrou no cômodo. Até agora
não sabemos se ela ouviu ou não. Só sei que estarmos juntos está se
tornando algo tão cotidiano, que paramos de temer.
Outro dia, saímos na rua para dar uma volta e andamos de mãos
dadas. Quando nos demos conta, já estávamos a dois quarteirões de casa.
Tenho minhas dúvidas, mas acho que alguns dos funcionários já
devem saber, porém não contaram nada ainda por medo de serem mandados
embora.
E, infelizmente, algumas pessoas de fora já desconfiam, por conta do
show que Reese deu naquela corrida. O menino do mercado, por enquanto,
não parece ter se pronunciado, contudo é como se eu acordasse todos os
dias esperando por uma bomba prestes a explodir.
— Seus avós não se comunicam tão bem em inglês, então tentarei
ajudá-la a entender o alemão, tudo bem? — Kenneth pergunta.
Eu e Reese continuamos com nossas aulas de alemão e estou ficando
tão boa que consegui passar um dia inteiro falando coisas simples com ele.
Então, não fico tão preocupada com a comunicação que terei com meus
avós.
— Não se preocupe, acho que vou conseguir entendê-los — digo
orgulhosa.
— A convivência ajuda muito no aprendizado, não é? Como está há
quatro meses aqui, imagino que já esteja se habituando ao idioma.
— Sim, exatamente.
Seguimos caminho de um modo descontraído, papeando sobre
assuntos aleatórios, até chegarmos a uma casa de repouso enorme, com um
jardim e uma área bem ampla para passeios ao sol.
Os funcionários já conhecem Kenneth por conta de suas visitas
mensais, portanto todo o tratamento é muito amigável. Em seguida, somos
guiados a uma sala onde há dois sofás aparentemente confortáveis e
poltronas. No centro, uma mesa com água e café.
Uma senhora de olhos azuis e pele flácida nos aguarda, assim como
um senhor de sorriso fácil e olhar distante.
Kenneth os abraça e explica quem sou. Ambos me fitam de uma
maneira tão singular, que tenho vontade de começar a chorar antes mesmo
de dizer qualquer coisa.
Ainda que tenha uma memória fraca, Valentin, meu avô por parte de
pai, me reconhece no mesmo instante. E Johanna, minha avó por parte de
mãe, faz uma expressão de alívio, com os olhos marejados, como se seu
maior propósito na Terra fosse esperar por mim.
Eu os abraço e os beijo, animada para conhecê-los melhor.
Vovô tem a mente um pouco distante, então oscila em suas falas, às
vezes confundindo o passado com o presente. Já vovó, me conta muito
sobre minha mãe.
Todos que a conheceram falam de sua risada escandalosa e
contagiante. Pego cada detalhe e monto uma mulher perfeita na minha
cabeça, alguém que meu coração conseguiu começar a amar sem medida ou
moderação.
— Assim que entrou por aquela porta, soube que era minha neta.
Você é como ela, tem os mesmos traços — Johanna diz, limpando os olhos.
— Filho? — Valentin chama Kenneth. — É a Cecília? Ela finalmente
veio me visitar?
Engulo em seco, tentando não desabar, e pego em sua mão. Digo:
— Sim, vim te visitar. Estava com tanta saudade!
— Oh, minha filha! Me dê um abraço!
Faço como pediu, sentindo seu cheiro amadeirado.
— Como está nossa Anna? Indo bem?
— Muito bem!
Já é a segunda vez que me confunde com minha mãe, depois volta ao
normal e me reconhece, sempre pedindo um abraço.
Johanna diz que meu nome, Anna, foi em homenagem a ela e fico
feliz por isso, por ter sido uma avó e uma mãe tão maravilhosa e querida.
Conversamos por longos minutos, choramos, damos risada e até
almoçamos juntos. A comida da casa de repouso é um pouco sem sal, mas
muito nutritiva. Depois nos despedimos. Choro com a ideia de deixá-lo,
mas prometo que voltarei. Digo que os amo e sou retribuída com muita
intensidade. Sinto-me acolhida, amada, esperada.
Com toda certeza, foi um dos dias mais importantes da minha vida.

Eu e Kenneth voltamos para casa inconscientemente fazendo planos:


— Seu aniversário está chegando — diz, como quem não quer nada.
— O que quer de presente?
Solto uma risada e digo:
— Não quero nada, só de estar aqui, já me sinto presenteada.
Ele me olha de esguelha, com um sorriso nos lábios.
— Não tem nada de específico em mente?
— Não, pai.
Um segundo de silêncio se passa antes que ele diga, contente:
— Você me chamou de pai.
— Sim. — Balanço a cabeça, orgulhosa.
— Pode dizer novamente? Não tem nada específico em mente para
pedir de presente de aniversário?
— Não, pai.
Kenneth abre a janela e buzina algumas vezes, gritando ao vento:
— Ela me chamou de pai pela primeira vez!
Caio na risada.
Os carros que estão por perto buzinam junto, como se estivessem
festejando.
— Pare com isso — murmuro, envergonhada, as bochechas
queimando.
— Eu te amo, filha.
— Eu também te amo, pai.
Kenneth funga, buzinando mais vezes. Depois coloca a cabeça para
fora da janela e grita:
— Ela me ama!
Jesus!
Tímida, solto mais uma risada.
— Não precisa gritar — digo, sorrindo.
— O mundo precisa ouvir isso. Hoje é o dia mais feliz da minha vida!
Encosto a cabeça no banco e o observo de lado. Seu sorriso parece
não ter fim.
Realmente o amo. Pena que demorei tanto para perceber isso.
— Se quiser, podemos pesquisar algumas faculdades por aqui. O que
acha? Seria um bom presente? Posso pagar qualquer uma que escolher.
Meu coração dá um pulo.
Quero muito cursar Medicina Veterinária e sei que aqui,
independentemente da instituição que eu escolher, serei bem-sucedida. O
ensino e a educação da Europa são fantásticos e mundialmente
reconhecidos. Um grande sonho para mim.
Porém, se eu escolher fazer faculdade agora, significa que não
voltarei tão cedo para minha casa, no Texas.
Já não sinto mais tanta vontade de retornar à minha antiga vida,
contudo tenho minhas posses lá, a casa e a igreja, as quais não posso
abandonar.
Alcançarei a maioridade no mês que vem e poderei decidir o que
fazer da minha vida. Ou ficar, ou ir.
Ir significa abrir mão do meu futuro. Ficar, significa abrir mão do
meu passado.
Peço a Deus mentalmente que me dê sabedoria, pois não quero mais
voltar. Por mim, eu ficaria aqui para sempre.
— Por que não escolhe uma rosa?
— Rosa? Que coisa mais brega!
Estou com Sebastian escolhendo uma moto de presente de aniversário
para minha sardenta. Ele está sugerindo que eu compre uma na cor rosa,
mas não acho que Ellie vá gostar. Ela não curte chamar a atenção, sempre
tão tímida e recatada.
— E verde?
— Cara, você deve estar com algum problema.
— Porra, verde é lindo!
— Não estamos escolhendo para você, é para Ellie. O que combinaria
com ela?
— Qualquer coisa bonita combinaria com ela.
Olho-o por um instante, tentando entender se chamou minha garota de
bonita propositalmente e se devo levar isso em consideração.
— O quê? Não tem como negar que ela é bonita. Meus olhos se
recusam a não perceber isso.
— Willst du sterben?[3]
Sebastian dá risada.
— Você é engraçado todo apaixonado. Não consegue nem esconder.
— Realmente não consigo.
— Quando virou esse babaca? Puta merda!
— Ela é especial, Seb. Me ajude logo com esse presente.
Revirando os olhos, ele diz:
— Se minha garota fosse tímida e eu fosse comprar uma moto para
ela, escolheria uma preta. É a que menos chama a atenção. E, como Ellie é
bem feminina, acho que adoraria se tivesse pequenos brilhos.
Arregalo os olhos.
— Acho que ela ia adorar uma assim! — digo, por fim. — Vamos
escolher o modelo.
— O modelo tem que ser grande, espaçoso e alto, porque fica ótimo
para transar.
Caio na risada.
— Tem razão.
— Acha que Ellie aceitaria transar em cima de uma moto?
— Já fizemos isso antes, então, claro que sim.
— Você é um sortudo de merda, cara.
— Arrume logo uma namorada, assim poderá transar onde quiser.
— Posso transar onde eu quiser sem ter uma namorada.
— Mas é diferente quando tem sentimento envolvido.
— Que sentimento uma ova!
— Estou falando sério!
— Tenho sentimento por bocetas, não por garotas.
— Um dia você vai pagar com sua língua.
— Nem fodendo.
— Acredite, quando você encontrar a boceta certa, não vai querer
outras.
— Juro que acho que você adoeceu.
— Eu amo a Ellie, cara. Não tem chance nenhuma de eu querer outra
garota.
— Parte meu coração ouvir isso, Res, de verdade. Sinto muito por
você.
— Se você soubesse o quanto é bom, jamais diria essas coisas.
— Fique mesmo só com a Ellie, sobra mais para mim.
Caçoamos um com a cara do outro até encontrarmos o modelo
perfeito. Pago para que substituam a cor por um preto brilhoso e peço que
escrevam o nome dela no corpo da moto.
Vamos embora assim que termino de fazer a encomenda.
O aniversário da minha sardenta é daqui a alguns dias e decidimos
fazer uma festa-surpresa para ela. Meus pais vão ajudar também, para que
tudo saia perfeito.
Eu e Seb nos encontramos com Idris e Kyan em um bar próximo e
passamos a tarde juntos, discutindo sobre diversas besteiras e bebendo. É
ótimo estar com eles.
Kyan comenta sobre sua nova coreografia de dança e nos diz que está
com uma data marcada para se apresentar. Ficamos felizes por ele e
prometemos comparecer para assistir.
Sebastian nos conta sobre as últimas três garotas que pegou e diz que
gostaria de fazer uma viagem para Las Vegas, pois ficou sabendo que lá há
várias mulheres gostosas. É a cara dele fazer isso. Uma vez, viajou para a
Antártida apenas para servir de cobertor para uma moça que conheceu pela
Internet.
E Idris fala sobre as apostas e as corridas. Não temos recebido
chamados do corpo de bombeiros ultimamente, pois, graças a Deus,
estamos sem ocorrências urgentes. Isso nos leva a pensar em outras
maneiras de ganhar dinheiro.
Seu semblante parece melhor hoje, apesar de que seu sorriso continua
sendo aterrador.
— Precisamos que você volte, Res. Estamos ganhando menos
dinheiro sem as suas corridas.
— Eu sei.
Por enquanto, apenas Sebastian está competindo e nem tenho
comparecido às corridas para não alardear.
— Acho que está na hora — Kyan se pronuncia.
— Ainda acho cedo. Isso pode chamar a atenção para mim e Ellie.
— Vamos pensar em algo o quanto antes — Idris diz, olhando-me de
uma maneira ameaçadora. Sei que é apenas seu jeito, não está me
ameaçando de verdade.
Ele é o que mais gosta de dinheiro e o que mais esbanja, então
provavelmente está visando gastar com alguma coisa.
Quero muito voltar para as corridas, mas temo pelo meu
relacionamento. Não quero chamar a atenção e correr o risco de estragar
tudo mais uma vez. Além disso, sinto que precisamos ter mais cautela agora
que Ellie está criando um laço forte com Kenneth.
Não sei em que momento isso aconteceu, mas ela se tornou minha
prioridade. Só voltarei para as corridas quando sentir que não estaremos
expostos demais.
Concordamos em pensar sobre uma estratégia, mas sem nada
concreto por enquanto.
Aproveitamos para planejar melhor o aniversário da minha garota e
bebemos até a tarde se findar.
Quando chego em casa, já é tarde. Sei que Ellie está na cama me
esperando, porque conversamos por mensagem.
Ansioso, subo as escadas e entro em seus aposentos.
Meus pais já estão dormindo, pois avisei que não tinha hora para
voltar.
Estou levemente embriagado, mas nada que possa alterar meus
sentidos. Eu a beijo, cheio de saudade, e sussurro:
— Já tomou banho?
— Já.
— Tome outro comigo agora?
Ela solta um risinho envergonhado e concorda com a cabeça. Pego-a
no colo e me dirijo até o banheiro, trancando a porta às nossas costas.
— Chuveiro ou banheira?
— Chuveiro — escolhe.
— Está bem.
Escovo os dentes enquanto liga o aparelho, esperando que a água
esquente.
Tiro a roupa e faço questão de despi-la também, vagarosamente
observando cada curva bela de seu corpo.
Sou louco por esta garota, completamente enlouquecido.
Entramos no boxe de vidro e sussurramos brevemente algumas
novidades do dia enquanto me ensaboo.
Ellie coloca xampu nas mãos e fica na ponta dos pés para lavar meus
cabelos. Conta como foi sua tarde enquanto massageia meu couro cabeludo.
Deposito alguns beijos em seu rosto e lábios, atrapalhando enquanto fala.
Faço-a rir baixinho, erguendo seu corpo no colo outra vez. Coloco a
cabeça embaixo da água e sinto as mãozinhas ajudarem a tirar toda espuma.
Quando estou pronto, tomo sua boca embaixo do jato molhado,
sedento por senti-la.
Passar a tarde com meus amigos é maravilhoso, mas perde a graça
quando estou longe dela. A saudade bombardeia meu coração e penso
incessantemente em seus olhos verdes.
Ela aperta as pernas em volta da minha cintura e eu a abraço forte,
ainda com nossos lábios presos.
As línguas dançam a música mais melodiosa que conheço,
entrelaçando-se e se chupando vez ou outra.
Sabendo que Ellie está precisando de ar, eu me distancio apenas o
suficiente para alcançar seu pescoço. Chupo forte, causando-lhe um gemido
de dor. Depois desço lambendo seus seios.
— Deus… — sussurra desejosa.
— Sim, esses seios realmente são obra de Deus. Perfeitos.
Delicio-me em seus montes durinhos, chupando e lambendo. Ela
segura em meus cabelos e geme, incontida. Mordo um dos bicos e puxo
entre os dentes, sentindo o corpo estremecer entre meus braços.
Repito com o outro seio, saboreando sem pressa.
— Reese? — a voz fraca me alcança.
— Oi? — pergunto, beijando seu colo.
— Você… Você pode…
— Fala para mim, o que quer que eu faça?
— Eu quero você com força.
— Quer que eu te foda com força?
Ela balança a cabeça, os olhos brilhando de desejo.
— Então me diga. Farei qualquer coisa que pedir.
— Quero que me foda com força — parece implorar enquanto se
derrete em contato com meu corpo.
Prenso suas costas contra a parede e ergo seus braços, segurando as
mãos ao alto.
— Seu pedido é uma ordem — sussurro, encostando nossos lábios.
Encaixo-me em sua entrada e, com apenas uma arremetida, entro
completamente nela.
— Apertada pra cacete — gemo, saindo por inteiro e entrando outra
vez.
Ela fecha os olhos, suspirando.
Aumento a frequência, trombando nossa pelvis com determinação.
Chupo o lóbulo de sua orelha enquanto a fodo com força e escuto sua
respiração falhar, tremendo.
— Estou com fome pra caralho, Ellie. Quero comer cada pedaço seu.
— Eu… Eu… — gagueja.
— Minha, totalmente minha.
— S-sim.
— Fala o que quer, meu amor.
— Com força, Reese.
Aperto suas mãos em cima da nossa cabeça e soco meu pau com tanta
intensidade, que Ellie abre a boca em busca de ar. Seus olhos lacrimejam e
isso me dá um tesão surreal, impulsionando-me a ir com ainda mais
agilidade.
Ela choraminga, pedindo que eu continue.
— Gostosa! — exclamo, sentindo meu membro vibrar.
Arrependo-me de cada vez que pensei estar tendo um ótimo sexo com
outra garota. Arrependo-me de cada mísero segundo em que estive distante
de Ellie.
Ela é o meu lugar favorito na Terra, é a minha pessoa predileta, meu
alicerce, meu porto seguro.
Passaria o resto da vida assim, dentro dela, sentindo sua respiração
tocar meu rosto e suas pequenas mãos acariciando minha pele.
Não existe sensação melhor. Meu coração pulsa e grita seu nome a
cada batida. Isso é pertencimento, é conexão. Não imagino mais viver sem
momentos assim, tão viciantes e prazerosos.
Seu cheiro é a essência mais maravilhosa que já tive a honra de sentir
e a pele é tão macia quanto algodão.
Sou um filho da puta sortudo. Não sei o que fiz para merecer isso,
mas suspeito que Deus a tenha me dado apenas para provar sua existência,
em que antes eu não acreditava.
Beijo-a fervorosamente, mantendo as estocadas brutas.
Desço as mãos e aperto todo seu corpo, deixando marcas por todo o
perímetro, mordo seu lábio inferior, puxando-o em seguida.
O gemido que lhe escapa da boca faz meu pau pulsar, duro como uma
pedra. Aperto o pescoço dela, olhando diretamente para os olhos verdes.
Insaciável, continuo com as investidas, observando o rosto ficar
vermelho. Gosto da sensação de poder, e já percebi que ela gosta de ser
domada. Impedir que o ar entre em seus pulmões intensifica meu prazer, da
mesma forma que a faz quase alcançar o orgasmo.
Paro de garrotear seu pescoço por um momento e diminuo o ritmo da
penetração. Não quero que ela goze agora, nem desejo acabar com isso tão
cedo.
O bom de transar todos os dias com a pessoa que amo é que fico cada
vez mais ávido por ela e meu corpo vai se acostumando a suportar bastante
tempo antes da ejaculação.
Intercalo entre devagar e rápido durante aproximadamente meia hora.
É o momento em que Ellie não aguenta mais e começa a implorar pelo seu
primeiro orgasmo. Dou a ela o que pede, segurando seu corpo com firmeza
e investindo com brutalidade em sua boceta.
Seu segundo orgasmo é em pé, virada para a parede. Minhas mãos
estão ao lado da sua cabeça, segurando o azulejo, e estamos ambos
suspirando pesadamente enquanto enfio tudo nela de uma forma delirante.
Beijo suas costas e sua nuca, lambendo a região, e sussurro frases sacanas
em seu ouvido. Deixo que me aperte até quase me expulsar e que morda
meu braço com força, deixando sua marca.
Estamos embaixo deste chuveiro transando há quase uma hora e juro
que não quero acabar. Ela me olha, exausta, com as pernas moles.
— Ajoelhe-se — peço, assistindo-a fazer exatamente isso, lançando-
me um olhar ansioso vindo de baixo. Aproximo-me e seguro seu queixo,
beijando-a em seguida. — Agora abra bastante a boca, amor — sussurro
entre seus lábios.
Agarro sua nuca e enfio meu membro em sua garganta. Ela faz ânsia
de vômito.
Vou mais devagar, apesar de querer o contrário, até que se acostume
com meu tamanho.
Sussurro como deve fazer e, como uma boa garota, aprende rápido.
É a primeira vez que estamos fazendo isso. Recusei-me a fazer antes
porque às vezes não tenho controle sobre mim e não quis machucá-la. Mas
agora Ellie já está mais habituada à minha maneira de fazer sexo e eu
também estou conseguindo me controlar mais desde a primeira vez que
transamos.
Ela me chupa e lambe a cabeça do meu pau, deixando-me louco,
depois segura minhas bolas, acariciando-as.
— Porra! — Solto um gemido.
Junto seus cabelos em uma espécie de rabo de cavalo e me forço para
dentro repetidas vezes, até sentir que meu pré-gozo está saindo.
É, sem dúvidas, o melhor boquete da minha vida, com uma garota
inexperiente que dá tudo de si para me agradar.
Assisto-a enquanto me chupa e fico alucinado. Sua mãozinha delicada
me masturba ao mesmo tempo que a boca me recebe repetidas vezes.
Continua por mais alguns minutos, até que eu não aguente mais. Jorro
meu gozo em seus lindos seios e me sinto incrivelmente realizado com a
cena.
Linda pra caralho!
Ajudo-a a se levantar e limpar.
— Quero engolir seu gozo, Ellie — digo, com a visão nublada. —
Quero sentir seu gosto delicioso descendo pela minha garganta.
A garota estremece. Encosto o dedo em seu clitóris e me dou conta de
que está completamente pronta para mim, outra vez.
Masturbo-a enquanto a beijo lentamente.
O banheiro está inteiramente cheio de vapor e o único som que se
escuta é o do chuveiro e das nossas respirações rápidas.
Enfio dois dedos nela e continuo massageando seu músculo
necessitado com o polegar.
— Reese… — tenta dizer. — Se continuar assim, eu vou…
Rápido, me agacho, pedindo que coloque as pernas em meus ombros.
Ela se senta, com a boceta encharcada de frente para meu rosto, e me
levanto.
Chupo seu clitóris como se fosse um picolé e aperto sua bunda,
dando-lhe tapas ardidos em seguida.
Sinto-a sacudir em meus ombros, escorando-se na parede,
desesperada. Os dedos se emaranham em meus cabelos curtos e os puxam
com brutalidade.
Sugo seu mel até parar de tremer completamente, saciada.
Quando a pouso no chão, as bochechas sardentas estão avermelhadas,
assim como os lábios, e os grandes olhos verdes estão ainda mais intensos.
Ela me abraça, cansada.
Fecho o chuveiro e acaricio seus cabelos até que me olhe. Beijo todo
seu rosto, apaixonado.
— O que foi? — sussurro, percebendo que não para de me fitar.
— Eu te amo, Reese. Queria achar outras palavras para dizer isso,
mas não encontro. Eu apenas te amo, e o sentimento é tão forte que meu
peito dói.
Sorrio como um idiota.
Ela já havia falado sobre seus sentimentos comigo, mas cada vez que
ouço é como se abrisse uma ferida ainda maior em meu coração. Uma
ferida de fome e sede por ela.
— Eu também te amo, Sardenta. Te amo tanto que dói, e você é a
responsável por esta dor, mas a única que pode curá-la. Então, nunca me
deixe, eu preciso de você.
— Também preciso de você, Reese.
Seguro seu rosto com carinho e a beijo como se minha vida
dependesse disso.

Hoje é sábado e está um dia lindo, muito calor.


O aniversário de Ellie é amanhã, portanto eu e meu pai estamos
saindo para comprar algumas coisas no mercado, com a desculpa de que
está faltando algo para nosso almoço em família.
Nós a deixamos com Amelia na piscina, conversando sobre assuntos
de mulher.
Entramos no carro e vamos fazendo planos para a festa surpresa. Não
será algo grande, pois não temos mais do que dez pessoas para chamar, mas
queremos tornar seu dia inesquecível, para saber o quanto é amada.
Faremos em casa mesmo, no jardim, a fim de aproveitarmos o clima
maravilhoso.
A decoração já está comprada e encomendada, chegará amanhã pela
manhã. Agora, faltam somente poucas coisas de mercado, como as bebidas.
Os alimentos estão na despensa, prontos para serem preparados por nossas
cozinheiras.
Estacionamos o carro e entramos no comércio, com a lista pronta de
produtos necessários para compra. Caminhamos pelo corredor, pegando
tudo de que precisamos.
Kenneth sempre gostou de abundância, então não me surpreendo
quando o vejo pegar vários dos mesmos itens.
Ele pede que eu vá até outro corredor para pegar outras coisas
enquanto pega os refrigerantes, para que não demoremos tanto tempo aqui.
Faço o que mandou, olhando para as melhores marcas e qualidade.
Quando volto ao seu encontro, avisto-o de longe conversando com o
imbecil que apanhou de mim na corrida.
Pergunto-me mentalmente sobre o que falam e juro por Deus que
mato o filho da puta se disser algo sobre Ellie e nosso envolvimento.
Posso ser um completo banana quando estou com a Sardenta, mas não
perdi a essência de garoto explosivo, portanto espero que não esteja
tentando estragar minha vida, ou acabarei com ele.
Vejo-os gesticulando, mas não consigo escutar nada. Aproximo-me
como se não tivesse nada a esconder e olho feio para o infeliz, deixando
bem claro que não estou de brincadeira.
Quando percebe minha presença, abre um sorriso e me cumprimenta
como se fôssemos amigos. Não desfaço meu semblante bravo.
— Falta mais alguma coisa, pai? Já peguei tudo.
— Faltam só mais algumas coisas. — Olha para a lista de papel.
— Então vamos pegá-las.
— Vamos — diz concordando.
Depois, olha para o funcionário e se despede com simpatia.
Tento puxar assunto assim que nos distanciamos:
— O que ele queria?
— Nada de mais.
— Alguma coisa específica?
— Não.
Acho estranho, mas não pergunto mais, apenas analiso meu pai em
silêncio, tentando decifrar se sabe de alguma coisa que não deveria saber.
Ele é um homem reservado e, por ser advogado, sempre age na
quietude.
Preocupo-me um pouco, mas não o suficiente para tirar meu foco do
que importa agora: o aniversário da minha garota.
No carro, voltando para casa, Kenneth diz: — Ele pediu uma
proibição de aproximação sua. Está com o juiz, aguardando decisão, mas
acredito que será deferida, após a briga que tiveram. Excluí todas as provas
possíveis daquela corrida, mas a polícia sabe o que aconteceu. Só é
importante que mantenha a distância.
Agora tenho certeza de que o desgraçado está planejando fazer algo
contra mim e, abrindo um pedido de proibição de aproximação, não poderei
tocar nele, ou serei preso.
Filho da puta!
Fico tão nervoso, que sou capaz de voltar ao supermercado para socar
a cara dele outra vez. Só não faço isso porque estou com meu pai e não
quero que desconfie dos meus motivos.
Respiro fundo, sem paciência alguma, e me perco em pensamentos
conflituosos.
Eu e Ellie precisamos tomar mais cuidado agora.
No dia seguinte pela manhã, minha mãe cumpre o acordo, saindo para
passear com a Sardenta. Assim, ganhamos tempo para decorar o jardim e
deixar tudo preparado para a festa-surpresa.
Há várias pessoas aqui arrumando, mas faço questão de ajudar,
mesmo que seja com algo mínimo e insignificante. Quero estar presente em
tudo o que diz respeito à minha garota.
Estou animado para presenteá-la e espero muito que goste da moto
que comprei. Tive que mostrar ao meu pai, mas ele nada disse, além de
elogios.
A correria do lado de fora da casa é grande, mas conseguimos deixar
tudo pronto em apenas três horas. A decoração fica impecável, nas cores
dourado e branco.
Há bexigas nessas cores cobrindo toda a piscina, uma mesa bem
grande com vários tipos de comidas e outras mesas redondas espalhadas
pelo jardim, para acomodar os poucos convidados. Em cima de cada uma,
um buquê de flores está posicionado.
Kenneth alugou um cenário lindo para fotos também, onde podemos
nos posicionar e registrar como recordação.
Mesmo que Ellie não conheça muitas pessoas por aqui, sei que vai
amar a surpresa, pois está tudo feito com muito carinho.
Quando tudo fica pronto, subo e me arrumo para a festa. Meus
amigos chegam logo depois, cada um segurando um presente diferente.
Convidei, também, duas meninas com que Ellie conversou bastante quando
estava no castelo do príncipe. Depois, perguntei sobre as garotas e ela disse
que havia gostado muito de conhecê-las.
Kenneth e Amelia convidam três casais de amigos e pedem liberação
de Johanna e Valentin para virem festejar.
Todos estão a postos quando minha mãe manda mensagem avisando
que estão chegando. Disse que foram ao cabeleireiro e à manicure.
Fico ansioso e aviso para que todos fiquem em silêncio. É unânime,
os convidados aguardam por sua entrada.
É possível ouvi-las conversando quando entram em casa e Amelia
diz:
— Querida, antes de subir ao seu quarto, será que poderia pegar meus
chinelos? Acho que deixei na área da piscina.
— Claro — escuto a voz de veludo.
Dois segundos depois, Ellie abre a porta de vidro que divide a sala
com a área externa. Juro que me preocupo comigo mesmo, porque sinto
uma sensação de morte quando a vejo, tão linda, sorridente, radiante. Seus
cabelos brilham, hidratados, e sua boca carnuda está com um batom
levemente avermelhado, assim como suas unhas curtas.
Posso ver a garota todos os dias e dormir ao seu lado todas as noites,
mas acho que nunca vou me acostumar com sua beleza.
Minha vontade é de correr em sua direção e pegá-la no colo,
beijando-a para que todos vejam que tem um dono, mas não posso fazer
isso. Infelizmente.
Todos gritam e festejam quando aparece, o que a assusta um pouco.
Coloca a mão no peito e observa a decoração e os convidados, extasiada.
— Surpresa! — é o que gritamos, juntos.
Seus olhos marejam, visivelmente surpresos.
Estouro confetes em sua direção e as pessoas batem palmas.
— Isso é para mim? — pergunta, perplexa.
— Sim, filha! Feliz aniversário! — Kenneth a abraça forte.
Depois dele, um por um, os convidados se achegam para abraçá-la
também, entregando os presentes.
Aguardo ser o último para me aproximar. Também a abraço, sentindo
seu cheiro:
— Você está linda, amor — sussurro.
— Obrigada — agradece.
— Tenho mais uma surpresa para você depois.
Ela solta uma risadinha e me distancio, relutante.
A festa segue como planejado, maravilhosamente bem. Há uma
música tocando e funcionários servindo bebidas diversas.
Nós dançamos, conversamos, comemos e tiramos fotos. Várias, aliás.
Na hora dos parabéns, duas pessoas uniformizadas trazem o bolo. É
de leite Ninho com morangos e possui o formato de uma flor, extremamente
delicado.
Cantamos as felicitações em coral, batendo palmas. Ellie fica tão
sorridente, que irradia felicidade, fazendo-me sorrir também.
Comemos o bolo e os diversos tipos de docinhos, depois Kyan puxa
minha garota para dançar. É um pouco dura, mas tenta acompanhar.
Quando a tarde começa a escurecer, mostro o presente que comprei,
deixando-a boquiaberta. Ela me abraça sem hesitação, gritando e pulando
de alegria.
Sinto-me orgulhoso por ter feito a escolha certa, junto com Sebastian,
e não vejo a hora de poder sair com ela pelas ruas para testar a moto.
Tenho certeza de que não conseguirei vê-la por meio minuto sem ficar
de pau duro, mas tudo bem.
Os mais velhos começam a ir embora em seguida e nós, mais jovens,
nos aventuramos a entrar na piscina, com as roupas no corpo.
Idris já está um pouco bêbado e nos faz dar muitas risadas com seus
pulos desengonçados na água.
Fico o mais longe possível da aniversariante, para que não haja
desconfianças alheias. Meus pais permanecem conosco até o final, mesmo
que não haja mais ninguém além de mim, meus amigos e Ellie aqui.
Por volta das oito da noite, o casal entra conosco na piscina,
participando das brincadeiras que Idris criou. Ele sempre consegue nos
influenciar a fazer parte de suas insanidades.
É divertido, damos muita risada.
Tarde da noite, os meninos se despedem e nós saímos da água,
secando-nos. Antes de subirmos as escadas, Ellie se pronuncia:
— Muito obrigada, pai — agradece, abraçando-o mais uma vez. —
Não sei nem o que dizer, foi perfeito!
— Fico feliz que tenha gostado, meu amor.
— Nunca tive uma festa assim. Adorei ter tido o vovô e a vovó aqui,
ainda bem que os liberaram.
— Eu faria coisas mais difíceis para te ver contente, filha. Isso foi
pouco perto do que merece.
— Obrigada, de verdade. Eu amei.
— Tive ajuda de todos desta casa. Reese, por exemplo, se esforçou
muito para conseguir deixar tudo da maneira que planejamos.
Ela me olha orgulhosa.
— Obrigada, Reese.
— Por nada — digo, segurando-me para não a beijar.
— Bom, agora vamos dormir — Amelia diz com um sorriso no rosto
—, o dia foi maravilhoso, mas cansativo.
— É verdade, vamos dormir.
Desejamos boa-noite e subimos.
Após alguns minutos em meu quarto, caminho vagarosamente para o
de Ellie, que me espera ainda de biquíni.
Agarro-a, finalmente tirando seus pés do chão.
— Esperei o dia todo para te abraçar — sussurro.
— Eu também — diz, segurando meu rosto e me beijando.
— Feliz aniversário, meu amor.
— Obrigada.
— Precisamos comemorar seus vinte e um anos — digo, insinuante.
— Fiquei o dia todo lá fora olhando aquele ofurô e pensando como
seria entrar nele com você.
Sorrio.
— É lá que quer comemorar?
— Sim.
Nós nunca transamos fora do quarto à noite, com nossos pais em casa.
Todas as vezes que nos aventuramos pelos outros cômodos, foi porque
estávamos sozinhos. Contudo, mesmo sabendo o quanto isso pode ser
perigoso, aceito, porque juro que faria qualquer coisa que ela sugerisse
agora e, se fazer sexo no ofurô é um de seus desejos, irei realizar.
O quarto de Kenneth e Amelia fica no último andar, virado para a
frente da casa, não para os fundos como o meu e o de Ellie, então tenho
certeza de que não conseguirão ouvir nada, nem nos ver se olharem pela
janela.
Descemos as escadas evitando fazer qualquer tipo de barulho e
passamos pela grande porta de vidro, trancando-a em seguida.
Colocamos o ofurô para encher e, enquanto isso, conversamos entre
sussurros sobre nosso dia. Ela diz que adorou a moto, fazendo planos para
amanhã, e eu apenas concordo com tudo o que fala, vidrado.
Acendo a luz azulada e ligo a hidromassagem, fazendo a água quente
do recipiente se agitar soltando fumaça.
Quando alcança o nível que desejamos, fechamos a torneira e
entramos.
Sardenta geme, maravilhada com o momento relaxante.
Conversamos mais um pouco, até esquentar o clima, então,
começamos a nos beijar.
Passo a mão pelo seu corpo e a trago para cima de mim. Ela abre as
pernas e rebola em meu colo, sentindo a nítida ereção do meu membro.
Quero transar devagar hoje, aproveitando cada segundo de seu corpo
no meu. Sem pressa, sem euforia.
Suas carícias são gentis, fazendo-me querer dizer o tempo todo o
quanto a amo.
Beijamo-nos demoradamente, apenas curtindo o momento.
Subo a mão por suas pernas lisas até chegar à sua bunda, onde aperto.
Depois vou para sua cintura e costas. Desamarro o biquíni e liberto seus
seios, abocanhando logo o primeiro.
Rebolando em cima de mim, Ellie arranha minhas costas e suspira em
meu ouvido, causando arrepios por todo meu corpo.
Ainda sugando seus seios, coloco meu pau duro para fora e puxo o
forro da calcinha para o lado, abrindo espaço para entrar.
Minha garota ergue o corpo e se encaixa em mim, descendo devagar.
Joga a cabeça para trás e cavalga com diligência. Aperto sua cintura,
ajudando-a a se mover.
— Isso, isso, continua assim, está uma delícia.
Tomo sua boca, gemendo de prazer.
Batidas à porta de vidro da sala soam tão forte, que meu coração
paralisa.
Ellie para de se mover e grita, assustada. Quando olho, vejo meu pai
nos olhando, em pé entre as cortinas.
Ele bate novamente, estrondando o ambiente.
— Reese…
— Calma — digo. — Fique calma.
Mas sei que acabou para nós, sei que chegamos ao ponto onde não há
mais saída.
— Abra a porra da porta, Reese, ou vou quebrá-la!
Ajeito-me dentro da bermuda e me levanto, saindo do ofurô. Estou
em choque, completamente perdido.
Não sei o que fazer, nem o que falar.
É o meu pai, cacete! O que vou dizer a ele?
Merda, merda, merda.
Viro a chave no trinco e, um segundo depois, sinto o primeiro soco.
Tudo fica em câmera lenta.
Ellie começa a gritar, implorar para que meu pai pare, mas ele não
para.
Recebo os socos sem revidar, deixo que descarregue toda sua raiva
em mim.
Sinto tudo doer, mas nada dói mais do que meu peito, que se aperta
em angústia.
Escuto minha sardenta chorar, pedindo pelo amor de Deus. Logo, é
minha mãe quem escuto gritar, sem entender nada do que está acontecendo.
Meus ouvidos sibilam enquanto olho o rosto furioso de Kenneth.
Amelia o tira de cima de mim e Ellie se agacha para me segurar,
desesperada.
— Reese, fale comigo! Fale comigo! Você está bem?
— O que está acontecendo aqui? — Amelia pergunta, aflita.
— Este filho da puta estava fodendo minha filha, é isso que está
acontecendo!
— O quê?
— Mãe… — digo, triste com a decepção que lhe causo.
— Reese, isso é verdade? — ela questiona, querendo me dar uma
chance de explicar tudo.
Ellie chora.
— É verdade, mãe — admito.
Kenneth avança mais uma vez, nervoso como jamais o vi antes.
— Eu vou matar você!
Ellie e Amelia gritam, tentando me proteger.
— Pai! Olhe para mim, por favor — ela chora. — Não o machuque
mais, não o machuque mais.
— Você — Kenneth aponta para mim. — Arrume já suas coisas e saia
da minha casa.
— Pai… — Ellie tenta.
— Não! — grita. — Não vou admitir isso na minha casa!
— Me escute! — Sardenta implora. — Antes de te amar, pai, eu o
amei! Não pode fazer isso! Quando eu estava sozinha, era ele quem estava
comigo!
— Você o ama? — pergunta indignado. — Desde quando isso está
acontecendo embaixo do meu nariz?
Seus olhos estão arregalados, os lábios rígidos.
Minha mãe chora com tudo o que está ouvindo.
Sento-me, dolorido.
— Me deixe explicar — digo, o tom de voz baixo.
— Não vai dizer nada! Quero você longe da minha casa e da minha
filha! Se encostar um dedo sequer nela novamente, acabo com sua vida,
está entendendo? Ellie está carente, afetada por tudo o que aconteceu
ultimamente e você a usou, usou a fraqueza dela para se aproveitar. Seu
filho da puta!
— O quê? Eu não fiz isso!
— Meu Deus! — minha mãe geme, chorando.
— Mãe, eu jamais faria isso! Nós nos apaixonamos, tentamos evitar,
mas…
— Ellie, não escute o que ele está dizendo. Suba já para seu quarto!
— Kenneth me interrompe.
— Não posso, pai…
— Suba agora mesmo para o seu quarto! — grita tão alto que sinto
vontade de quebrar seus dentes.
Não porque me bateu ou me mandou fazer as malas, mas porque
gritou com minha garota, e ninguém tem direito de fazer isso.
Levanto-me do chão e olho para ela.
— Ellie, por favor, vá para seu quarto. Vai ficar tudo bem, eu
prometo. — Ela chora tanto, que parte meu coração. — Por favor…
Olhamo-nos por um momento singular, cheio de dor e desespero.
— Eu não posso…
— Por favor — peço mais uma vez.
— Não ouse encostar na minha filha!
— Não vou. — Levanto as mãos, tentando acalmar a situação.
Com lágrimas caindo, ela me obedece, entrando em casa.
Viro-me para meus pais e digo:
— Eu a amo, pai.
— É a sua irmã, Reese!
— Não, ela não é minha irmã, e você sabe disso! Fico feliz que me
tenha como seu filho, porque também te tenho como pai, mas Ellie nunca
foi minha irmã, nunca! Eu a vejo como uma mulher, alguém que posso
namorar sem problema algum! Não estamos infringindo nenhuma lei ao
estarmos apaixonados um pelo outro!
Kenneth se aproxima, tremendo de raiva. Minha mãe segura seu
braço, como se isso fosse evitar que avançasse em meu rosto outra vez.
— Nunca vou te perdoar pelo que fez, entendeu? Ela acabou de
voltar, acabei de ter minha filha de volta, porra! Não vou deixar que
estrague tudo, então arrume suas coisas e dê o fora.
Fico em silêncio por um instante, sentindo o sangue pingar do meu
nariz. Nos olhamos de uma maneira dolorida. É uma despedida.
— Esconda-se, filho — mamãe sussurra em meu ouvido.
Já é tarde, mas não conseguimos dormir.
A casa é pequena, então não tenho muitos esconderijos em mente.
Enfio-me embaixo da cama e sinto todos os músculos do meu corpo
tremerem de medo.
Tenho medo do meu pai. Seus gritos me apavoram.
Ele machuca minha mãe e isso dói de verdade em mim, como se os
murros estivessem quebrando meus ossos em vez de os dela.
Após os episódios de ira, papai sempre vai embora e passa dias fora
de casa. Quando volta, na maioria das vezes está bêbado e procurando por
um saco de pancadas.
Ela se permite passar por isso para me proteger, porque senão eu que
apanho e mamãe chora ainda mais quando acontece comigo, e não com
ela.
Não sei como protegê-la, mas é tudo o que quero fazer.
— Por favor, Steve, se acalme… — mas sua voz finda com a primeira
pancada.
Protejo a cabeça, respirando rápido. O coração bombardeando o
peito oprimido.
Engulo em seco, evitando chorar. Sei que, se eu fizer barulho, vai se
lembrar da minha existência e virá atrás de mim.
Escuto xingamentos pesados, seguidos da surra.
Mamãe me prometeu que sairíamos daqui algum dia, mas nunca
acontece. Ela não trabalha, não tem dinheiro para fugir.
“Um dia serei uma advogada bem-sucedida, filho, e poderei te dar
tudo o que quiser.”
É o que diz sempre que está se limpando de seus machucados.
Não entende que não quero brinquedos, nem me importo em vestir a
mesma roupa todos os dias, apenas quero que fique bem, pois é minha
melhor amiga e a amo mais do que minha própria vida.
Fico preocupado porque não ouço mais sua voz, está quieta
recebendo os murros, aceitando-os.
“Jamais aceite apanhar de ninguém quando crescer, está
entendendo?”
É o que me ensina, mas ela é crescida e aceita sempre.
“Você é forte e corajoso.”
Mas não me sinto assim. Estou angustiado e amedrontado. O suor
corre por minhas têmporas e raspo a unha no carpete para me acalmar.
— Onde está o garoto? — grita exigindo saber.
— Não! — finalmente a escuto. — Não vá atrás dele, por favor. É só
uma criança, não tem culpa de nada!
— Por que engravidou, então? Por que colocou o garoto no mundo?
Eu disse que não queria filhos! Eu disse que ele estragaria nossa vida, mas
você insistiu! Isso tudo é culpa sua e ele também vai pagar por isso.
— Ele… Ele foi dormir na casa do amiguinho da escola hoje —
mente desesperada.
— Que amigo?
Meu corpo dá um tranco de susto com seu grito.
Papai sempre diz que bate em mamãe para que se lembre de quem
manda aqui. Ele a mandou me tirar e ela não obedeceu.
Não sei o que isso significa, mas me sinto culpado.
“Você não tem culpa de nada, não escute o que seu pai diz.”
Quero defendê-la pelo menos uma vez, mostrar que sirvo para algo.
“Você é tudo para mim, é a melhor coisa que já me aconteceu.”
— Se não me disser onde o garoto está, matarei você!
“Você é forte e corajoso…”
Quero mostrar que sou.
Saio de debaixo da minha cama e caminho lentamente até a porta do
quarto, as pernas chacoalhando pelo terror. Ando com dificuldade, um pé
após o outro, escorando-me na parede.
Pela brecha, vejo-a caída no chão da cozinha, sangrando e
segurando um dos braços. Steve está de costas para mim, gritando e
gesticulando.
Ele é tão barulhento, que não percebe minha presença.
Mamãe arregala os olhos quando me vê e começa a dizer coisas sem
sentido, para chamar atenção. Sei que está fazendo isso para evitar que eu
seja notado.
“Você é forte e corajoso…”
Um pé após o outro, um pé após o outro, um pé após o outro…
Avisto uma faca em cima do balcão limpo. Há várias delas aqui,
espetadas em um enfeite de madeira. Estendo a mão, mas tenho dificuldade
para segurar o cabo de qualquer uma delas, pois meus dedos sacolejam.
Engulo em seco, apavorado.
Papai a chama de louca e volta a agredi-la.
Preciso fazer alguma coisa, preciso…
Puxo a faca com cuidado e me viro para o casal.
Mamãe está apavorada, os olhos focados em mim enquanto apanha.
Um pé após o outro, um pé após o outro, um pé após o outro…
Estou atrás dele, que está agachado enforcando a única pessoa que
amo nesta vida. Assisto a sua vida se dissipar aos poucos.
Não sei o que estou fazendo, só quero que pare.
Aperto o cabo com as duas mãos e ergo os braços.
O medo me cega, o desespero paralisa meu coração.
Ela está morrendo, preciso fazer alguma coisa.
Com força, enfio a faca na nuca dele e caio no chão, arrastando-me
até trombar com a bancada.
Não consigo respirar.
Assisto ao sangue jorrar. Steve me olha pela última vez antes de
cambalear.
Entro na casa de Kyan, atordoado.
Pensei muito em Steve no caminho que percorri para chegar aqui.
Meu peito dói e minhas mãos tremem como naquela noite. O medo
corrói meus ossos e agita meus orgãos.
Kyan me socorre assim que chego cambaleante.
Estou fraco, sangrando e com pensamentos longínquos, sendo, aos
poucos, engolido pelo passado.
A última vez que apanhei foi do meu verdadeiro pai, provavelmente
por isso as lembranças voltaram com tanta força. Elas são como um soco na
boca do meu estômago.
Não revidei porque Kenneth é importante para mim, e porque prometi
para Ellie que não a deixaria mais com medo. A agressividade está em meu
sangue por conta do verme que me teve, mas estou tentando mudar, estou
tentando ser melhor. Recuso-me a ser como ele.
A sensação de afogamento me inunda e tenho dificuldade para
respirar. Estou submergido no passado, da mesma forma que fiquei quando
vi meu pai morto e minha mãe caída ao seu lado.
Kyan me abraça apertado e diz que vai ficar tudo bem. Estou
inquieto, caindo em um buraco sem fim. Se ninguém me tirar daqui, vou
permanecer em meus traumas para sempre.
— Kyan… — murmuro. — Socorro…
Estou suando, sentindo-me pressionado.
— Olhe para mim! — diz, várias vezes, tentando captar minha
atenção. — Olhe para os meus olhos, Reese!
Passei toda a minha infância e adolescência dentro de um escritório
psicológico, fazendo terapia. Foi difícil crescer com a certeza de que matei
meu próprio pai, mesmo que tivesse somente cinco anos na época e não
carregasse certeza alguma do que estava fazendo. Eu só queria defender
minha mãe, não queria assassiná-lo intencionalmente, por mais que
merecesse.
Consegui melhorar o estado caótico da minha mente quando alcancei
meus dezesseis anos, momento em que comecei a fumar e participar de
atividades envolvendo adrenalina. Isso me ajudou indescritivelmente, assim
como a presença de meus amigos, que estiveram ao meu lado em todo o
tempo.
Parei a terapia aos dezoito anos, certo de que estava bem o suficiente
para nunca mais tocar no assunto Steve. Contudo, foi Ellie quem me curou.
Por causa dela, consegui parar de fumar, diminuir meu vício
relacionado à adrenalina e passar meses sem me lembrar dos problemas
antigos que costumavam me atormentar.
A presença da minha sardenta sempre foi tão alucinante quanto
qualquer droga em contato com o organismo. É estimulante, reduz minha
tensão emocional e altera a frequência cardíaca. Não necessito de mais nada
além dela.
Fui arrancado dos meus vícios aos poucos, sem nem ao menos me dar
conta, apenas ouvindo sua voz impressionantemente fofa pedindo que eu
me juntasse às suas orações noturnas.
Conseguiu tal proeza da maneira mais delicada e amorosa que já
experimentei, segurando minha mão enquanto ajoelhada e me ensinando a
desabafar com o único que pode verdadeiramente nos salvar.
Hoje acredito em Deus e conservo um bom relacionamento com Ele,
apesar de não ser perfeito. Sinto-me bem estudando a Bíblia e tendo uma
discussão saudável sobre os versículos.
Consegui me abrir com aquele que achei não existir e entreguei meu
coração à garota por quem jurei nunca me apaixonar.
Agora, não sei viver sem ela e seu jeitinho fofo de dizer o quanto
Deus é bom. Não consigo ficar longe dos seus olhos vibrantes e da sua boca
macia.
Minha mente está uma bagunça, acusando-me e dizendo que perdi as
pessoas que mais amo na vida.
Tento respirar, mas fica cada vez mais difícil.
— Olhe para mim, Res! — Kyan grita, chacoalhando meu rosto. Faço
o que pede, um pouco fora de órbita. — Você não tem culpa do que
aconteceu, está me ouvindo?
Tive apenas duas crises de ansiedade depois dos dezesseis anos e
meus amigos estavam presentes, por isso Kyan sabe exatamente o que fazer
e dizer.
— Você era só uma criança indefesa, sem maldade alguma.
— Kyan… — Tento puxar o ar, desesperado.
— Não tire os olhos dos meus — ordena. — Faça como estou
fazendo agora, ok?
Ele respira fundo, calmamente, e me incentiva a copiá-lo.
— Isso, você está indo bem, continue assim.
Nós praticamos o ato de inspirar e expirar, juntos.
— Tudo isso já passou — diz. — Lembre-se do que houve após
aquele dia, você não foi culpado, foi legítima defesa. Sua mãe está bem,
você está bem.
Respiramos por mais algum tempo, até que eu me acalme e saia do
buraco escuro em que antes estava entrando.
Meu amigo diz coisas que preciso ouvir, tranquilizando-me
progressivamente.
Depois, ajuda a limpar as feridas e me entrega um copo com água.
Sebastian e Idris chegam em seguida, provavelmente por terem
recebido algum contato de Kyan. Os três me dão toda a assistência e
suporte necessários.
A noite é longa, pois não consigo dormir. Tento mandar mensagem e
ligar para Ellie, mas ela não me responde, nem atende. Fico tão preocupado,
que passo grande parte da madrugada com a cabeça longe.
Amelia ficou destruída quando soube da verdade e chorou muito com
a minha partida. Prometeu que tentaria resolver com Kenneth sobre minha
volta para casa. Sei que apenas ela conseguiria esta proeza.
Já imaginava que ele me expulsaria quando soubesse da verdade, mas
o que me mata é não saber como reagiu com Ellie depois que fui embora.
Sinto minhas veias tremerem só em pensar nela chorando, triste,
naquela casa gigantesca.
Próximo das onze da manhã, meu celular toca. Atendo-o com tanta
agilidade, que não identifico quem está ligando.
— Sardenta? — pergunto, a cabeça latejando e os olhos ardendo,
como se tivessem areia dentro, por conta da preocupação.
— Reese… — é a voz de Kenneth.
Minha espinha gela. Por que estaria me ligando, depois de tudo o que
aconteceu?
— O que foi? Ela está bem?
— Ellie sumiu, Reese.
— Como assim? — Fico em alerta, a mente processando diversos
lugares em que minha garota poderia estar.
— Eu… eu pedi a ela que fosse para o quarto e… quando você foi
embora, subi para conversar.
— O que você disse para ela? — com o coração pulsando, quase
grito, bruto.
Meus amigos se juntam a mim, ouvindo a conversa.
— Só que não deixaria mais que vocês se aproximassem.
Suspiro violentamente, nervoso.
— Tentei ligar, mas ela não atende.
— Peguei o celular dela.
— Você, o quê? Ela tem vinte e um anos, porra! Acha que está
lidando com a mesma criança que viu pela última vez naquele parque?
— Estou desesperado, Reese… Você sabe onde ela poderia estar? Faz
horas que estou rodando o país e não a encontro.
— A moto que comprei de presente está aí?
— Não.
— Merda — murmuro. Ellie não sabe andar de moto direito ainda,
não é confiável deixá-la na direção sozinha, principalmente estando nervosa
ou chateada. — Vou atrás dela, mas quero deixar bem claro que espero
muito que nada de grave tenha acontecido. Se mexer comigo, aguento o
tranco, mas, se mexer com minha garota, o buraco é mais embaixo.
Desligo o telefone sem ouvir sua resposta e calço meus tênis o mais
rápido que consigo. Peço aos meus amigos que esperem por mim e monto
na mesma moto em que estive ontem quando vim até a casa de Kyan.
Acelero tanto, que tudo à minha volta vira um borrão indecifrável.
Estou com o coração apertado só por imaginá-la ferida, caída em
algum canto. Quanto mais penso nisso, mais forço o acelerador.
Há diversos lugares se passando pela minha cabeça agora, mas o
primeiro em que decido ir é onde costumamos fazer as aulas de direção,
pois é pouco movimentado, silencioso e carrega memórias maravilhosas de
nós dois juntos. Fica um pouco longe, mas nada seria um empecilho para
mim.
Chego mais rápido do que imaginei, dando a volta pela extensa praça
gramada.
O mesmo cheiro conhecido de dama-da-noite alcança meu nariz,
acalentando a alma aflita que carrego.
Olho por todas as partes, em todo o perímetro, até avistar a moto preta
que comprei há dias. Estaciono ao lado desta e grito, chamando pela única
que conseguiria me trazer um pouco de paz.
Atravesso algumas árvores, procurando por todos os cantos.
De longe, distingo mãozinhas se apertando e chamo mais uma vez por
ela. Seus olhos se arregalam quando se deparam comigo e um sorriso triste
se estende nos lábios delineados.
— Reese? — pergunta, como se não acreditasse no que está vendo.
Depois se levanta e corre em minha direção. — Reese!
Pego-a em meus braços e aperto, louco de saudade, preocupação e
amor.
— Você está bem? — pergunto.
Mas ela não responde, pega meu rosto e me beija desesperadamente.
Retribuo cada movimento, querendo exatamente o mesmo.
— Achei que… — Ela me abraça forte mais uma vez. — Achei que
demoraríamos a nos ver novamente.
Olho-a nos olhos, arrumando os fios de cabelo bagunçados.
— Não consigo ficar nem um segundo sem você, Sardenta, ficar
longe está fora de cogitação.
Seu sorriso me encanta.
— Kenneth pegou meu celular, por isso não consegui falar com você.
— Eu sei. Ele me ligou dizendo que você havia sumido e pedindo que
eu a procurasse.
— Por isso está aqui.
— Exatamente.
Seu semblante fica mais sério agora, mais aflito.
— Seu rosto está machucado.
— Está tudo bem, vai sarar logo.
Ela passa os dedinhos por cima dos meus curativos e suspira.
— Eu não devia ter sugerido que fôssemos para o ofurô.
— A culpa não é sua. Só… aconteceu.
— Onde passou a noite?
— No Kyan. Os meninos estavam comigo, não se preocupe. O que
preciso saber é como você está. Deve ter sido péssimo passar a noite lá,
sozinha.
— Kenneth não gritou comigo, nem brigou. Só avisou que não vai
aceitar nossa reaproximação e que vai fazer de tudo para que não aconteça.
Isso que foi péssimo, nem consegui dormir a noite.
Abraço-a mais uma vez, beijando sua bochecha.
— Vamos pensar em uma estratégia — prometo.
— Eu pensei em algo — diz, hesitante.
— Então me conte, vamos fazer isso juntos.
Ela solta um suspiro e me convida a sentar ao seu lado. Nos
encostamos a uma árvore, embaixo de uma sombra, e nos olhamos. Há
preocupação demais aqui, então sinto que o que virá não será bom.
— Tive tempo suficiente para pensar e cheguei a uma única
conclusão, mas acho que você não vai gostar do que vou dizer.
— O quê? — pergunto, o peito já oprimido.
— Vou voltar para casa, para o Texas.
— O quê? — pergunto novamente, confuso.
— Eu sei que parece não fazer muito sentido, mas tenho muitas coisas
para resolver lá, tenho a igreja, minha casa, o terreno. Não posso abandonar
tudo e fingir que nunca existiu.
— Mas como isso poderia nos ajudar?
— O tempo que ficarei fora será uma estratégia para Kenneth
repensar em tudo. Vou conversar com ele antes de ir e dizer que só voltarei
quando permitir que você volte também.
— Ellie, essa não é uma boa ideia.
— É o único jeito. Tenho que voltar de qualquer maneira, não tenho?
Agora sou maior de idade, preciso resolver tudo o que deixei para trás.
Enquanto estiver lá, Kenneth vai ficar desesperado pelo meu retorno e
aceitará qualquer coisa para me ter de volta.
— E quanto tempo pretende ficar longe?
— O tempo que for necessário.
Seguro minha cabeça, prestes a ter um ataque súbito de pânico.
— Não — digo, apenas.
— Não, o quê?
— Você não pode ir, não pode.
— Por quê?
— Porque não vou aguentar ficar sem você, principalmente sem saber
quando vai voltar. E se…
Respiro fundo, tentando manter a compostura. Contudo, por dentro,
sinto que estou desmoronando.
— E se?
— E se você perceber que lá é o seu lugar? E se não quiser mais
voltar?
— Isso não vai acontecer.
— E se acontecer?
— Reese — ela se aproxima e olha diretamente em meus olhos —,
meu lugar é onde você está. Se não estiver lá comigo, não vou querer ficar.
— Não, você não vai.
— Preciso ir!
— Então vou junto.
— Não dá! Se você for junto, Kenneth vai ficar mais nervoso e não
vai repensar em nada!
— Ellie…
— O que não podemos fazer é continuar desta forma, separados,
impedidos de ficarmos juntos.
— Esse plano não nos dá certeza de nada. Pode não dar certo.
— Eu sei, mas não tem outra opção. Ou tem?
— Tem que ter, Sardenta! Não posso te ver indo para outro país e
ficar parado, sem fazer nada!
— Reese, pense bem. Eu já precisaria ir de qualquer maneira e vamos
usar isso como estratégia para Kenneth pedir que eu volte. Eu apenas saí
para pensar e ele já ficou desesperado, imagine se for para outro país?
Paro para pensar por um instante. Odeio essa ideia, mas preciso
admitir que ela tem razão. Se fosse para outro país, nosso pai jamais
aceitaria que ficasse longe, já passou anos o suficiente distante para
suportar mais alguns dias. Ele jamais aceitaria.
Solto o ar, atordoado.
— Vai dar certo — diz, tentando me acalmar.
— Com qual dinheiro você vai?
— Conversei com a Rose, mãe do Hugo, e ela disse que compraria as
passagens para mim.
— Posso comprar, não precisa pedir dinheiro para ninguém.
— Reese, agora você não pode me ajudar com nada. Kenneth não
pode saber que tudo isso é um plano e que está me ajudando a sair do país.
— Ellie, estou odiando tudo isso.
— É só por um curto período, depois estaremos juntos outra vez.
Odeio me sentir contrariado, de mãos atadas, sem ter o que fazer.
Não consigo pensar em nada mais que possa nos ajudar, mas deixar
Ellie ir vai ser a coisa mais difícil que vou fazer em toda a minha vida, pois
morro de medo de perdê-la, de não a ter de volta. Contudo, sei que, se
permanecermos aqui, da maneira como estamos, nada vai melhorar. Não
poderemos nos ver, nem nos falar. Kenneth dificultará tudo, com toda
certeza, pois é um homem influente e sempre consegue o que quer, agindo
com cautela.
Nos abraçamos mais uma vez, em silêncio. Nossos suspiros são
súplicas não ouvidas, mas completamente entendidas.
— Eu te amo, Ellie. Carrego em minha costela uma promessa de que
jamais te deixarei, então, não importa para onde vá, estarei com você,
esperando que volte para meus braços.
— Essa promessa está marcada em minha pele também. Não vou
descumpri-la nunca. Isso não deveria ser uma preocupação, Reese. Também
te amo e farei isso por nós.
Passamos alguns momentos juntos, nos beijando e nos abraçando,
prometendo um futuro juntos. Não há nada que eu queira mais do que
passar o resto da minha vida com ela.
Com o coração apertado, ligo para meu pai dizendo que a encontrei.
Ele vem ao nosso encontro e a abraça. Agradece a ajuda e diz que não
mudou de ideia, quer que eu fique longe. Despeço-me, completamente
quebrantado, e volto para a casa de Kyan.
Não sei quando a verei outra vez e isso dói tanto, que nenhuma
morfina deste mundo amenizaria.
Pisar no Texas é como um tapa na cara, como alguém gritando diante
da minha face o quanto fui enganada.
Enquanto saio do aeroporto, sinto-me saindo de uma máquina do
tempo, que me traz diretamente ao meu passado.
Estive aqui há cinco meses, porém parecem anos incrivelmente
distantes, nos quais vivi uma felicidade mentirosa e cheia de fantasias.
Pergunto-me se alguém sabe da verdade, aquela de que não sou filha
de Maya Davis, a pastora mais querida do pedaço.
O que aconteceria se soubessem? Se descobrissem que a pessoa que
tanto idolatraram e ouviram, era uma sequestradora de criança? Alguém que
impediu um pai de ser feliz visando a sua própria felicidade?
A tarde está chuvosa, porém quente. Abro meu guarda-chuva e saio
para a área externa, onde sou sufocada com o mormaço. Olho para os lados
à procura de Rose e Abner e logo os acho correndo em minha direção.
Abraço-os, engolindo em seco o choro entalado em minha garganta.
Vê-los me faz retornar sentimentos que, há pouco, estavam
desaparecendo.
Antes de ir para Liechtenstein, eu era tão diferente, tão inocente. A
imagem que vem à minha mente é de uma garota sardenta cantando as
músicas da igreja com os olhos fechados, as mãos erguidas e o coração
completamente ligado a Deus.
Hoje sou visivelmente mais madura. A verdade e a quantidade de
vezes que fui machucada me fizeram amadurecer. Uma venda caiu de meus
olhos e já não consigo ser tão inocente, confiar tanto nas pessoas.
Estar na igreja não significa ser santo como achava antes. Aprendi
que igreja é lugar de pessoas doentes, que procuram por um médico
espiritual para curá-las.
E é por isso que nunca vou deixar de frequentar, porque sou pecadora,
tenho minhas falhas, meus desejos carnais e, acima de tudo, preciso me
curar dos machucados que minha alma carrega, assim como todo ser
humano da Terra.
Nunca mais entrarei em um templo acreditando que um homem, de
carne e osso, é alguém superior em santidade. O único digno de adoração e
exaltação é Deus.
Esse foi meu erro, colocar minha mãe em uma posição de imaculada.
Ninguém é puro o suficiente, ninguém.
Abraço Rose e Abner, entrando posteriormente em seu carro. No
caminho, ouço o quanto estão felizes em me ter de volta. Meu estômago se
revira apenas com a ideia de ficar aqui para sempre.
Achei que Kenneth enfartaria quando eu disse que voltaria para
minha antiga casa. Nunca me senti tão má, pois sei que o machuquei
profundamente.
Ele chorou e me abraçou, disse que faria qualquer coisa para me ter
ao seu lado.
— Deixe-me ficar com Reese — foi a minha condição.
— Filha…, não posso permitir. Vocês são irmãos!
— Pai, eu te amo — disse, certa sobre meus sentimentos —, mas
precisa, de uma vez por todas, admitir que não somos irmãos de sangue!
Não posso continuar aqui sem ele. Para todos os lugares em que olho, eu
me lembro do quanto o amo, e isso me faz sofrer. Preciso passar um tempo
longe, sozinha. Entende?
— Você o ama tanto assim? — perguntou, dolorido.
— Sim, eu o amo tanto assim.
— Ellie, não posso ficar distante de você mais uma vez.
— Também não quero me distanciar, mas é necessário.
— Isso não é justo.
— Enquanto eu estiver longe, pense no quanto seria injusto te
separarem de Amelia. Quem está de fora não entende o sentimento que está
dentro. Estariam te impedindo de ser feliz e é exatamente o que você está
fazendo. Não aceitarei mais abrir mão da minha felicidade por conta do que
me dizem que é o certo.
— E se for apenas uma paixonite temporária?
— Mesmo se fosse, pai, eu saberia que você respeitou meus
sentimentos e me apoiou. Depois, quando acabasse, restaria a certeza de
que me ajudou.
Foi uma conversa péssima. Odiei fazer meu pai se sentir mal, mas foi
estratégico para tê-los todos de volta, unidos.
Recebi meu celular de volta, junto com um pedido de desculpas.
Kenneth é um homem muito respeitador e, em momento nenhum, me
impediu de fazer as malas ou sair de casa. Nós nos despedimos e prometi
que manteria contato. Ficou arrasado e isso acabou comigo.
Não tive mais tempo de ver Reese, talvez por isso meu coração esteja
tão dolorido, mas conversamos por mensagens todo o tempo.
Tiro algumas fotos e mando para ele. O fuso horário é de sete horas
de diferença, mas me responde de imediato.
Rose e Abner falam o caminho todo sobre a igreja, novos membros e
como Deus tem feito uma bela obra. Fico feliz em escutar, porque desejo
que as coisas se mantenham assim. Inclusive, sem mim.
Quando chegamos a sua residência, sinto-me triste, ainda mais do que
já estava.
Hugo, que estava sentado no sofá da sala, vem em minha direção com
os braços abertos. Seu semblante demonstra vergonha, como se estivesse
extremamente sem graça em me pedir um abraço, mas precisasse fazer isso
por conta de seus pais.
Abraçamo-nos rapidamente. Seu cheiro é o mesmo, doce e gentil. Sou
levada para meu passado outra vez.
Minha mente está uma bagunça.
Estar aqui me machuca mais do que deveria.
Nós nos olhamos por um breve instante e sinto falta de Reese. Eles
são tão diferentes! Hugo é gentil de cima a baixo, mas me fez muito mal ao
mentir sobre quem realmente era. Não o aponto por sua sexualidade, mas
fico triste pelo caminho que tomou ao escolher me enganar para poder se
esconder atrás de um relacionamento falso.
Reese possui um olhar duro, rosto anguloso e tatuagens que o deixam
com a aparencia pesada. Amedronta qualquer um apenas com sua quietude,
mas tem o melhor coração que já conheci.
Realmente, não se deve julgar alguém pelo que se vê por fora.
— Agora vocês terão tempo o suficiente para se acertarem — Rose
diz, alegre.
— É — Hugo complementa, colocando as mãos nos bolsos, retraído.
— Não. — Balanço a cabeça imediatamente, sendo o mais clara
possível, apesar da voz doce. — Eu já havia dito a vocês que nós não vamos
voltar.
— Mas agora que estão mais próximos, será mais fácil de…
— Nós não vamos voltar, Rose. É a minha decisão.
Meu ex-namorado está uma mistura entre aflição e decepção.
— Ocorreu algo entre vocês que não sabemos ainda? Porque é
estranho que tenham terminado sem que houvesse motivos, depois de tantos
anos juntos.
— Ellie se apaixonou por outro — ele corre em dizer, antes que eu
tenha a chance de contar qualquer outra coisa.
Acredito que esteja com medo de que eu diga a verdade, mas jamais
me meteria em um assunto que não diz respeito a mim.
— É verdade — acrescento —, eu me apaixonei por outra pessoa.
Hugo me olha, estranhando que eu tenha admitido.
— Ah, querida… — Rose lamenta. — Falou com Deus sobre isso?
— Sim. Antes de qualquer atitude, Deus me mostrou que Hugo não
era a pessoa certa para mim.
Ela fica confusa, pois possivelmente pensa que fomos feitos um para
o outro.
— Mas, talvez…
— Querida — Abner se intromete —, deixe que as coisas aconteçam
em seu devido tempo. Não fique forçando Ellie e Hugo.
Balançando a cabeça, ela concorda.
— Você mal chegou, não é, Ellie? — Ele sorri em minha direção. —
Suba até o quarto de hóspedes e arrume suas coisas. Vamos preparar um
café enquanto isso.
A chuva tamborila no telhado, fazendo o barulho ecoar pela casa.
Subo as escadas e entro no quarto, respirando fundo, tentando dizer a
mim mesma que tudo isso é necessário. Tenho muitas coisas a resolver aqui
e não tinha como fazer isso a distância.
Meu celular apita. Pego o aparelho e olho na tela.
Reese: Vergiss nicht, dass ich dich liebe[4].
Eu: Niemals[5].
A certeza de que sou amada conforta meu coração e me faz lembrar
de que estou aqui por uma razão.

Já faz uma semana que estou aqui. Fui até minha antiga casa e chorei
por horas, sentindo falta da minha mãe e olhando os objetos que pertenciam
a ela. Arrumei algumas coisas e limpei tudo, deixando todos os cômodos
organizados e cheirosos.
Também participei de alguns cultos na igreja, o de quarta e o de
sexta-feira. Fui muito bem recebida e abraçada. Senti falta de como a
presença de Deus é notória naquele lugar. Cantei, orei e ouvi palavras
tranquilizadoras.
Todos pensam que voltei para ficar, mas estão enganados. Estou
tentando arrumar uma maneira estratégica de deixar tudo em ordem antes
de retornar à minha verdadeira casa e família.
Hoje é domingo, o dia em que a igreja mais se enche de pessoas.
Sento-me em uma cadeira qualquer e aguardo pelo início, olhando
sorrateiramente em volta.
Percebo que um homem me olha de esguelha, com um semblante
curioso. Ele não me é estranho, já o vi outras vezes por aqui, mas não é
alguém que frequenta fielmente, como as outras pessoas.
Durante todos os louvores, sinto minhas costas esquentarem por conta
de seus olhares insistentes.
Quando me viro, identifico que ainda me fita, como se eu fosse o foco
aqui.
Fico incomodada. Sei que sou a filha da pastora que morreu, a pessoa
que todos pensam que liderará a congregação, mas não é um motivo
plausível para alguém ficar observando todos meus movimentos enquanto
deveria estar adorando a Deus.
Tenho vontade de sair do meu lugar e perguntar o que está havendo,
mas odeio chamar a atenção.
Mantenho a compostura durante as horas seguintes, ouvindo tudo o
que é dito de cima do altar. Contudo, minha atenção, vez ou outra, é atraída
pelo mesmo homem.
Ao final da Palavra, todos começam a ir embora. Rose e Abner, que
estavam ao meu lado, se levantam e vão conversar com outras pessoas. Fico
sozinha, inquieta.
Viro o pescoço e identifico-o em pé, ainda observando.
Engulo em seco, levemente amedrontada.
Minha pele inteira se arrepia quando começa a andar em minha
direção e para logo à minha frente.
O homem é alto, dono de um maxilar quadrado e olhos chamativos,
castanhos. O nariz é adunco, com a projeção curvada, e o cabelo, escuro e
comprido, amarrado em um coque.
— Ellie Davis? — pergunta.
Sua voz é grossa, estrondosa.
Meu corpo se contrai. Olho ao redor, certificando-me de que há mais
pessoas aqui para me ajudar caso necessário.
— Sim, sou eu. No que posso te ajudar?
— Eu gostaria de conversar a sós com você.
— Desculpe, mas seria sobre o quê? Não podemos conversar aqui?
— É sobre a sua mãe, Maya Davis.
Meu coração tamborila inconscientemente. Há uma vibração diferente
entre nós que não sei explicar.
— Ela te conhecia? — pergunto, engolindo em seco.
— Sim.
— É muito importante? — tento fugir.
Não sei se está dando uma desculpa para ficar a sós comigo, então
não facilito.
— É sobre o porquê de eu tê-la denunciado ao conselho tutelar.
Paro, analisando-o com outros olhos.
— Foi você? — sussurro. Preocupo-me se estão nos ouvindo e me
levanto, apertando as mãos nervosamente. — Por que fez isso?
— Sou o único aqui que sabe a verdade sobre você, por isso quero
conversar em um lugar em que estejamos sozinhos.
Após ouvir o que disse, aceito conversar em algum lugar privado, mas
que, ainda assim, seja perto de todos que estão na congregação.
Chamo Rose e aviso que estarei na parte de trás do templo. Ela
apenas confirma com a cabeça, ciente da minha companhia.
Já na traseira do prédio, encosto-me à parede e fito o homem.
— Conte tudo o que sabe sobre minha mãe, por favor — peço,
apreensiva, mas curiosa.
— Conheci a Maya em uma situação um pouco inusitada. Meu pai
havia falecido e eu estava no velório. Vê-lo naquela situação foi como o fim
para mim, o dia mais triste da minha vida, então me retirei para respirar e
chorar sozinho. Sentei-me em um banco ao ar livre e derramei lágrimas por
vários minutos, até que ela se sentou ao meu lado, me distraindo
brevemente. Seus olhos estavam vermelhos, evidenciando o choro. Maya
me contou que sua avó havia falecido também e, a partir deste momento,
passamos a conversar sobre situações que passamos com nossos entes
queridos. Contou-me sobre a igreja e sobre sua vida pacata, tão diferente da
minha, que era uma verdadeira bagunça.
— Vocês eram tão diferentes assim?
— Sim. — Seus lábios abrem um sorriso aéreo, como se estivesse se
lembrando de algo que o trouxe muita felicidade. — Ela era tão ingênua,
recatada, quieta, enquanto eu era irresponsável e problemático. Mas, por
incrível que pareça, eu sentia como se ela me completasse. Vivia falando de
Deus para mim e no quanto acreditava no meu crescimento, quando nem eu
acreditava mais. Isso me trazia paz.
Sorrio. Minha mãe sempre foi boa em fazer as pessoas se sentirem
bem.
— Então vocês mantiveram contato após o velório? — questionei.
— Claro. Naquele mesmo dia, após a conversa que tivemos, trocamos
telefone e nunca mais paramos de nos comunicar. Passei a ter Maya como
alguém necessária, alguém que me colocava para cima. Mesmo que
estivéssemos em luto, nos ajudávamos mutualmente. Foi assim que me
apaixonei.
Arregalo os olhos.
— Vocês tiveram um caso?
Ele sorri mais uma vez. Mas é um sorriso um pouco desengonçado,
como se não fosse alguém acostumado a fazer isso.
— Sim. Nós nos apaixonamos, mas namoramos às escondidas, pois
Charlotte, a mãe dela, nunca aceitou nosso envolvimento. Mesmo que, às
vezes, eu viesse para a igreja, nunca pareci ser o homem ideal. Eu era
sozinho, trabalhava em uma funilaria, por isso estava sempre com as mãos
sujas, e já tinha muitas tatuagens pelo corpo. Sua avó queria que Maya
tivesse um namorado com um status financeiro melhor, claro, e que fosse
um homem fiel a Deus. Claramente, preferiria ver o próprio Diabo a me ver
como namorado da filha.
— Vocês continuaram mesmo assim?
— Eu não conseguiria largar Maya de forma alguma. Meu amor por
ela só multiplicava. Cheguei a um momento de achar insuportável o que eu
sentia, de tão forte que era. Passamos a nos encontrar quase todos os dias,
sempre às escondidas, até o momento em que aprofundamos mais o
relacionamento. Éramos adolescentes e gostamos muito da adrenalina que
era nos encontrarmos no meio da noite para fazermos coisas erradas aos
olhos da mãe dela. Isso durou mais de um ano, até que descobríssemos a
gravidez.
Reteso-me, apertando os dedos, completamente confusa.
— Minha... Minha mãe ficou grávida?
— Sim. Escondemos por alguns meses, até que não desse mais. Maya
vomitava muito e a barriga já estava começando a aparecer. Decidimos,
juntos, que era o momento de contar para Charlotte. Contudo, a reação que
recebemos foi muito pior do que pensamos que seria.
— O que minha avó fez? Expulsou a filha de casa?
O homem troca o peso de perna e respira fundo. Claramente, estamos
entrando em um assunto que o perturba. Seus olhos ficam tristes e, com
isso, o rosto deixa aparentes as marcas que o tempo deixou.
— Ela pediu que Maya abortasse o bebê.
— O quê? — quase grito, surpresa.
Seguro meu peito, como se isso fosse ajudar meu coração a não pular
para fora.
— Disse que Maya traria muita vergonha para a igreja se
permanecesse com a gravidez, principalmente porque não éramos casados.
Explicou que seria difícil apenas no começo, mas que depois Maya
conseguiria recomeçar e se apaixonar por outra pessoa. Tentou, a todo
custo, mostrar que eu não era a pessoa certa para ter um futuro ao lado da
filha.
Não digo nada, apenas sinto meus olhos se encherem de lágrimas.
Algo se parte dentro de mim, só não tenho certeza do que é.
— Minha mãe... Ela... Ela...
— Não, Maya não aceitou abortar. O sonho dela sempre foi ter um
filho, sempre. Por isso, fugiu. Fez as malas e comprou a passagem para ir
para bem longe.
— Liechtenstein?
— Suíça. Ela foi para a Suíça, bem pertinho de Liechtenstein. Não
pude ir junto porque não tinha passaporte ainda, mas corri para
providenciar. Combinamos que ela me esperaria até que eu conseguisse a
documentação completa. Assim poderíamos ser felizes e criar nosso bebê
juntos. Alimentamos essa esperança pelo próximo mês, confiantes de que
tudo daria certo. Mas a Charlotte ficou desesperada por não saber onde a
filha estava e ficou furiosa comigo, me culpando por ter colocado ideias
erradas na cabeça da filha.
— Mas, no final deu tudo certo para você encontrar minha mãe? O
que aconteceu?
— Certo dia, a polícia bateu à minha porta dizendo que eu estava
sendo acusado de ter roubado algo de Charlotte. Até provar que eu era
inocente, não pude viajar para me encontrar com Maya. Ela, por sua vez,
ficou cada vez mais desesperada com a situação, sozinha em um país do
qual não conhecia nada nem ninguém. Acho que isso acabou afetando a
gravidez e, quase nos últimos meses de gestação, ela passou mal, teve que
ser levada ao hospital. — Ele olha para cima e funga, tentando manter a
compostura.
Minhas lágrimas escorrem, quentes e pesadas.
— O bebê não resistiu — disse, por fim, esfregando as mãos nos
olhos entristecidos. — Eu perdi tudo, Ellie. Sua mãe sumiu, desapareceu
completamente. Mudou de número, de endereço e apagou as redes sociais.
Entrou em uma depressão tão profunda, que dificilmente conseguiria sair.
Tudo o que ela mais queria na vida era aquele filho.
— Ela não se despediu?
— Apenas mandou uma mensagem dizendo que me amava e, por
conta disso, me deixaria livre para viver minha vida. Mas não entendeu que
eu jamais seria feliz se não a tivesse comigo. Isso me matou em uma
proporção imensurável.
— Você esperou até que ela voltasse?
— Esperei por dois anos, sem ter nenhuma notícia dela. Depois disso,
acabei conhecendo outra pessoa. Nosso envolvimento foi muito rápido e
acabei a engravidando também, portanto decidi criar uma família, certo de
que nunca mais veria Maya outra vez.
— Mas ela voltou...
— Quando minha filha estava prestes a nascer, Charlotte morreu. Foi
aí que Maya retornou, quase três anos após seu sumiço.
— E ela estava comigo?
— Sim, ela estava com você. Fiquei assustado, achando que pudesse
ser minha filha.
— Ela te contou a verdade?
— Quando sua mãe voltou, foi como um soco no meu estômago, pois
nunca deixei de amá-la, nunca deixei de esperá-la. Ela estava mais linda do
que nunca e acendeu uma paixão intensa dentro de mim. Mas não podíamos
ficar juntos porque eu já estava casado e estava prestes a ter uma filha. Nós,
eu e minha esposa, tínhamos acabado de descobrir que nossa menina
nasceria com uma doença grave e que precisaríamos de muito dinheiro para
fazer o tratamento. Jamais a deixaria nessa situação sozinha. Então, eu e
Maya conversamos, mas não voltamos. Perguntei sobre você e ela me
contou a verdade. Disse que passou os piores anos de sua vida, presa em
uma terrível depressão, pensando diariamente no quanto gostaria de ser
mãe. Virou rotina ir até parques e praças para ver as crianças e seus pais, até
que, certo dia, foi a um parque infantil e te viu. Pelo que me explicou,
houve uma paixão imediata, portanto, sem pensar direito nas
consequências, te roubou enquanto um incêndio acontecia. Ninguém
percebeu.
— Você não fez nada? Mesmo sabendo da verdade? — pergunto,
indignada. Meu peito está doendo tanto, que me sinto sufocada.
— Eu disse que a denunciaria, que ligaria para a polícia, mas...
— Mas?
— Por isso decidi vir atrás de você, preciso te pedir desculpas por
tudo. Eu era o único que sabia e, mesmo assim, não fiz nada.
— Por que guardou isso para você? — Arregalo os olhos, dura.
— Maya me prometeu dar o dinheiro para o tratamento da minha
filha em troca do meu silêncio e...
Seguro o peito mais uma vez, meu corpo inteiro formigando. Escoro-
me na parede, impedindo a queda prestes a vir. Meu coração bate depressa e
sinto minha têmpora suar.
— Me perdoe — pede, os olhos perdidos em mágoa —, foi o único
jeito que encontrei para salvar o futuro da minha filha. Fiquei anos me
sentindo mal, mas, por amor a Maya, e por saber tudo o que havia passado,
decidi não contar.
Não respiro bem. Minha mente começa a nublar.
Fui trocada.
Fui negociada.
Fui vendida.
— Maya explicou aos conhecidos que havia se relacionado com
alguém de fora do país, mas que acabara se separando em decorrência de
uma traição. Todos acreditaram na sua história e a receberam bem na igreja.
Sua vida fluiu bem, como se nada tivesse acontecido, enquanto eu ficava
cada vez mais arrependido por ter aceitado me silenciar. Os anos se
passaram e ninguém desconfiou, até que, alguns meses atrás, a chamei para
conversar e disse que havia tomado coragem para denunciar. Ela não
acreditou, achou que era apenas uma ameaça, mas, então, o Conselho
Tutelar a procurou. Ficou desesperada com a ideia de te perder, de você
saber da verdade, então...
— Ela se matou — completei a frase.
As lágrimas caindo insessantemente dos meus olhos.
— Me perdoe, me perdoe por... — sua voz está ficando cada vez mais
longe. Sinto meu corpo amolecendo. — Ellie?
Cambaleio, a dor me corroendo por dentro.
O homem tenta me pegar, mas me esquivo. Não quero que me toque,
não preciso da ajuda dele agora.
Ninguém pensou em mim, nos meus sentimentos, na minha opinião.
Fui obrigada a viver uma realidade que não me pertencia.
Eu nunca importei de verdade. Fui apenas um boneco nas mãos de
outras pessoas.
Esse pensamento me machuca tanto que, momentaneamente, acredito
que a morte seria uma anestesia eficaz para minha dor.
Tento andar de volta para a entrada da igreja, mas não consigo
concretizar nem dois passos.
Caio com força no chão, batendo a cabeça com brunsquidão.
Não escuto mais nada, não vejo mais nada, não sinto mais nada.
É uma delícia.
Nem mesmo os dez dias em que estive fora viajando foram tão
difíceis quanto esses, distante da minha sardenta. Não saber quando voltará
é o pior castigo que a vida poderia me dar.
Oito dias se passaram e acordo todas as manhãs esperando que
Kenneth entre em contato comigo, que volte atrás em seus planos de me
deixar distante de Ellie.
Não tenho dúvidas de que está sofrendo também, mas ainda não deu o
braço a torcer, talvez esperando que ela tome a iniciativa de voltar.
Isso me preocupa, pois sei que Ellie não retornará a Liechtenstein sem
a certeza de que ficaremos juntos outra vez. Pelo menos é o que sempre
deixa claro enquanto estamos conversando pelo telefone.
Contudo, saber que ela está sofrendo acaba comigo. É muito pior do
que sentir a dor em minha pele. Se eu pudesse, para poupá-la, enfiaria em
meu próprio peito toda sua angústia e tristeza.
Os dias por aqui têm sido frios, com a temperatura de, em média,
quatro graus celsius, o que torna minhas noites mais geladas, sem a
companheira que eu tinha todas as madrugadas.
Como Kyan mora sozinho, sei que não atrapalho se continuar por
aqui. Ele já disse que posso ficar pelo tempo que precisar e sou grato por
isso. Contudo, estar com meus amigos não é a mesma coisa que estar com
Ellie. Sinto falta dela, muito mesmo.
Sebastian, que é muito presente em minha vida, está sempre por aqui,
passando as tardes fofocando e tentando tornar o dia mais alegre e agitado.
Já Idris, tem passado por problemas em casa com seu padrasto, então
está dormindo há quatro noites na casa de Seb.
Graças a Deus que temos uns aos outros, porque não imagino onde
estaria agora sem eles.
Possuo bastante dinheiro na conta para me virar sozinho, mas não
tenho planos de me mudar agora.
De nós quatro, Kyan é o único que mora sozinho. É responsável pra
caralho, ganha a vida com suas danças e apresentações.
Sebastian tem pais milionários, cirurgiões plásticos, e acho que não
deixará de morar com eles tão cedo. É cômodo viver com pessoas que
liberam cartões de crédito ilimitado e ainda o deixam fazer o que quiser. O
filho da puta nem trabalha, apenas participa das corridas ilegais por
diversão. O dinheiro que recebe de lá é mínimo perto do que ganha dos
pais.
Idris e eu trabalhamos no corpo de bombeiros juntos, com um salário
fixo razoável, mas conseguimos complementar com as apostas, o que nos
ajuda bastante. A única diferença entre nós é que tenho pais extremamente
ricos e ele tem pais perturbados que não o ajudam com nada.
Assim, seguimos nos apoiando.
Agora, estamos conversando na sala, bebendo o chocolate quente que
fiz para esquentar nosso corpo. É cedo, oito horas da manhã, para ser mais
exato, e estamos meio grogues de sono ainda. Passamos a madrugada
juntos, conversando e jogando videogame, portanto dormimos pouco.
Idris, com seu semblante assustador e reprimido, pergunta se Kyan
tem algum conhaque para misturar ao leite e segue até a cozinha para pegar.
Quando volta, senta-se de frente conosco, satisfeito pela bebida alcóolica.
Ele não parece bem. Quero dizer, ele nunca parece bem, com seu
semblante sério e maléfico.
Juro que sua mente é tão impenetrável que até mesmo eu, que sou seu
amigo há anos, às vezes demoro a entender o que está acontecendo.
Idris, na maioria das vezes, só parece ser feliz quando está
bebericando algo com alto teor de álcool, só então ri com mais frequência e
começa a ter ideias insanas sobre como ganhar mais dinheiro.
Olho-o com atenção. Seu corpo alto e esguio está um pouco torto,
acomodado na poltrona, assim como os cabelos castanho-claros, uma
completa bagunça. Os olhos grandes e assustadores nadam em olheiras que
denunciam o quanto está exausto. O nariz meio quadrado está avermelhado
por conta do frio.
É um excelente profissional e um amigo fiel, sempre à disposição
para ajudar. Contudo, não consegue esconder no rosto a carga emocional
que carrega.
Jogo uma manta em sua direção e ele abre um sorriso parecido com o
do palhaço de It, a coisa.
— Aconteceu alguma coisa? — Kyan pergunta, amoroso.
Seus fios de cabelo negros, caídos sobre as sobrancelhas e os olhos,
levemente claros e puxados, atentos ao nosso amigo.
— Indo — é a resposta que ganha, seguida por uma longa golada da
bebida.
— Cara, você precisa relaxar! — Seb interfere. — Sabiam que ele
não dormiu a noite toda? Fiquei escutando os passos para lá e para cá.
— Fico preocupado com a minha mãe e não consigo dormir —
explica.
— Conseguiu falar com ela? — pergunto.
— Sim, liguei às seis horas da manhã. Ela diz que está tudo bem, mas
sei que não está. Percebi que estava chorando.
— Que merda! — Seb exclama.
— Há algo que possamos fazer para ajudar? — Kyan, calmo,
questiona.
— Tudo o que podem fazer já estão fazendo. Estou precisando fazer
algo que tire meu foco, talvez alguma atividade com bastante adrenalina.
Sebastian se levanta.
— Porra, por que não disse logo? Vamos pilotar.
— Ele bebeu, é melhor não — Kyan diz, cauteloso.
— Vai tomar no seu cu, Kyan! — Idris xinga. — Nem bebi muito!
— Mesmo assim, é perigoso.
— Posso te levar na garupa — sugiro —, prometo correr bastante.
— Sei que está carente, Res, mas não vou na sua garupa, estou
completamente são para dirigir minha própria moto.
Na verdade, Idris pilota muito bem, apesar de não competir como eu e
Seb, e, na maioria das vezes, está um pouco embriagado, então dou de
ombros.
Assim que terminamos nossa bebida, nos ajeitamos para curtir um
pouco de adrenalina. Também estou precisando, meu coração chega a estar
murcho sem a Sardenta por perto.
Montamos nas motos e aceleramos tanto, que fica difícil discernir o
que há a nossa volta.
Empino algumas vezes, raspando a placa no asfalto até soltar faíscas
de fogo, e começo a sentir meu sangue voltando a correr pelas veias.
Acelero como se minha vida dependesse disso, junto com meus três
amigos, cada um com suas razões pessoais.
Ouço Idris gritar e o vejo levantar as pernas. Ele é louco. Às vezes,
tenho certeza de que há um parafuso a menos em sua cabeça.
Sebastian e eu começamos, naturalmente, a apostar uma corrida,
desviando-nos de alguns carros. Amamos isso.
Começo a rir, adorando a sensação de liberdade.
Faço algumas manobras, correndo um grande risco de cair e me
machucar. Meu coração se acelera, nervoso, ansioso. Claro que consigo
fazer tudo e continuar com a velocidade intocada. É disso que tanto gosto,
correr risco de vida e sair completamente ileso. Meu músculo cardíaco
reage de uma maneira incrivelmente viciante, bombeando vida para todo o
corpo.
O frio congela as partes da minha pele que estão em contato com o
vento matutino, arrepiando-me.
Olho para o céu, que está bem azulado, repleto de nuvens brancas, e
isso estranhamente me traz um pouco de paz.
Continuamos por longos minutos, nos desafiando a enfrentar o
trânsito em posições perigosas.
Eu e Seb nos levantamos e ficamos em pé nas motos, competindo
velocidade. Depois, ficamos de joelhos, desviando dos carros à frente.
O som que as quatro motos causam é ensurdecedor, mas não inibe a
vibração que começo a sentir vinda do meu celular, preso na cintura.
Pode ser Ellie, por isso faço menção de parar com a corrida. Os
meninos também diminuem a velocidade, olhando para mim.
— Amor? — atendo, meloso como jamais fui.
Não tenho culpa, ela está me matando de saudade.
— Reese? — a voz de Kenneth soa.
Merda! Novamente atendi sem ler quem estava ligando.
— Oi, pai — digo, apenas.
Conversamos poucas vezes nos últimos dias, mas ele nunca sumiu
completamente. Kenneth é amoroso demais para fazer isso. Nossa relação
não tem sido a mesma de antes, depois que me bateu, mas minha mãe disse,
em outra ligação, que ele tem sofrido muito com o que fez.
Não o culpo, acho que faria a mesma coisa se soubesse que meu filho
de consideração esteve trepando com minha filha de sangue bem embaixo
do meu nariz.
— Está ocupado?
— Não. — Solto um pigarro.
— Será que podemos conversar?
Aceito de imediato, torcendo para que a conversa seja sobre Ellie.
— Onde te encontro?
— Consegue vir até meu escritório?
— Chego em dez minutos.
Encerro a ligação e olho para meus amigos.
— Ele quer conversar — explico.
Sebastian tira o capacete e sorri, os olhos azuis cintilando.
— É isso aí, você vai ter sua garota de volta.
— Será?
— Esperamos que sim — Kyan zomba, o rosto delicado e belo
suando por conta do esforço que estávamos fazendo —, não aguento mais te
ouvir chorar pelas madrugadas.
— Vai à merda!
— Res? — Idris chama.
— Oi?
Com seus olhos castanhos perfurantes, me olha.
— Vá atrás da sua garota e só volte quando ela estiver com você.
Entendeu?
Abro um sorriso ansioso.
— Entendi.
Despeço-me, colocando o capacete de volta e acelerando. Chego ao
escritório de Kenneth em exatos dez minutos e o encontro do lado de fora
me aguardando.
— Oi, pai. — Desço da moto e o cumprimento com um aperto de
mão.
Ele me olha demoradamente e diz:
— Obrigado por vir.
Meneio a cabeça, abrindo um pequeno sorriso.
Entramos no escritório e nos sentamos. Minha mãe se junta a nós,
dentro de uma sala de estilo minimalista.
— Acho que demorei tempo demais a te chamar para esta conversa
— ele diz, aparentemente nervoso.
— Do que precisa?
— Te pedir perdão. — Olhamo-nos por um instante singular e, então,
ele explica. — Está sendo difícil para mim lidar com o que você e Ellie
fizeram, mas compreendo que não deveria ter te batido. Errei em ter feito
isso, então quero te pedir desculpas.
— Imaginei que fosse fazer isso quando descobrisse, não te julgo.
— Você é meu filho, assim como ela. Amo os dois de igual modo e,
agora, me vejo sem ambos, o que tem tornado meus dias muito difíceis.
— Eu sei. — Meneio a cabeça.
Conhecendo Kenneth como conheço, deve ter passado todos esses
dias chorando pelos cantos da casa.
— Não sei se vai conseguir me perdoar, mas...
— Pai, eu já te perdoei. Está tudo bem, não se preocupe.
— É que foi um grande baque. Ainda não consigo entender como…
— Você deve estar pensando que não sou a pessoa certa para ela, por
ser alguém irrefutavelmente diferente. Rebelde, sem crenças, alguém que
gosta de festas, mulheres e corridas ilegais. Não é?
— Também.
— Mudei muito, pai, e foi por ela. Não falo mais palavrões — a não
ser que estejamos no meio de um ato sexual, mas isso não vem ao caso —,
nem arrumo mais brigas por aí. Passei a acreditar em Deus, orar e ler a
Bíblia diariamente, também. Não me interesso mais por mulher alguma, a
não ser que seja ela, e não frequento mais festas sozinho, apenas vou se
Ellie aceitar ir comigo. Não voltei às corridas, por medo de sermos
descobertos, porque tudo o que faço ultimamente é para que ela se sinta
bem, pensando no que a deixaria feliz.
Meus pais me olhando em silêncio por um momento, perdidos em
pensamentos.
— Talvez vocês não acreditem, mas eu a amo. Nunca senti nada tão
forte na minha vida.
— Reese...
— Estou falando sério. É estranho e, às vezes, constrangedor agir
assim, mas a verdade é que estou desesperado para tê-la de volta. Peço
desculpas por ter magoado vocês, mas não escolhi me apaixonar,
simplesmente aconteceu. Agora, não consigo me desvincular disso.
— Quero que ela volte, Res, mas Ellie disse que só voltaria se eu
permitisse que você voltasse também.
Engulo em seco.
— E o que pretende fazer?
— Estou dividido, vocês são irmãos.
— Não somos, você sabe que não.
— Mas...
— Pai, sei que já te decepcionei muito com meus atos impensados,
mas Ellie nunca foi uma brincadeira para mim. Se me der a chance,
mostrarei que a quero para a vida toda. Só preciso que a traga de volta, ou
me deixe ir buscá-la.
— Recebi uma ligação de um hospital do Texas hoje, mais cedo. Ellie
não está bem.
Levanto-me, atordoado.
— O que houve?
— Ainda não sabemos ao certo, mas parece que desmaiou após um
culto.
— E o que estamos fazendo aqui ainda? — Preocupo-me, o coração
batendo descompassadamente.
— Nós compramos passagens para buscá-la, por isso te chamamos
aqui. Sabemos que ela não vai querer voltar se não tiver certeza de que
deixamos o relacionamento de vocês continuar.
— É sério que esperaram que ela passasse mal para pensar sobre
nosso relacionamento? — Arregalo os olhos, nervoso.
— Reese...
— Não! Não, caramba! Não era nem para tê-la deixado ir! Ela está há
mais de uma semana fora, oito miseráveis dias, merda!
— Nós queríamos ver se…
— Se eu ia desistir de Ellie? — Minha respiração está alterada, assim
como a veia que pulsa na têmpora direita, causando-me uma leve dor de
cabeça. — Eu nunca vou desistir dela, entendeu? Não importa onde more,
em que casa, em qual país, eu sempre estarei ao lado dela. Não adianta
tentar nos separar!
Ele abre um sorriso triste e balança a cabeça.
— É o que eu precisava ouvir. Preciso ter certeza de que Ellie estará
em boas mãos.
— Eu faria qualquer coisa por ela. Faria loucuras, insanidades,
banalidades. Qualquer coisa! Eu pularia de uma ponte por ela, merda! —
Juro que o palavrão está na ponta da minha língua, mas me forço a não o
dizer, a fim de sustentar minha fala de que mudei por Ellie.
— Está bem, vamos buscá-la. Comprei sua passagem também,
sairemos às duas horas da tarde.
Olho para meu relógio de pulso, são onze e meia.
— Não tinha para um horário mais próximo?
— Não.
Kenneth e Amelia se levantam.
— Vamos nos preparar para a viagem. Pegue o que precisar — diz.
Minha mãe vem até mim e deposita um beijo em minha bochecha.
Olho-a por um instante e percebo que está orgulhosa das coisas que eu
disse. Abraço-a para que perceba o quanto a amo também e agradeço
baixinho em seu ouvido. Em seguida, ela se retira da sala e me deixa
sozinho com meu pai.
Ele é prepotente, fisicamente poderoso. Sua imagem toma conta da
sala toda.
Chega perto de mim devagar, com as mãos nos bolsos, até que os
rostos estejam de frente um para o outro.
— Darei a chance que me pediu — diz baixo. Contudo, sua voz sai
tão grave que parece estrondar o ambiente. — Mas não ouse quebrar minha
confiança, Reese. Quando o assunto é minha filha, a coisa é mais embaixo.
— Sabe por que nunca repeti o sexo com a mesma garota? —
pergunto na mesma intensidade, mostrando o quanto estou firme no que
digo. — Nenhuma delas valia a pena o estresse, a dor de cabeça, a
insistência. Com a Ellie é diferente. Por ela, vale a pena apanhar do meu
próprio pai, ser expulso de casa e passar por todo este esgotamento mental.
Não vou desistir da minha garota.
Kenneth dá alguns tapinhas na minha bochecha, balançando a cabeça.
— Senti sua falta, garoto.
— Eu também senti, pai.
— Estou orgulhoso de você.
— Obrigado, é bom ouvir isso.
— Vamos trazer sua garota de volta.
— Vamos.
Minha garota.
Quando chegamos ao Texas, ficamos sabendo que Ellie já havia sido
liberada do hospital. Graças a Deus, foi apenas um susto, agora está bem
novamente, na casa do frango virgem, vulgo Hugo. Achei que nunca mais
teria que ver o fodido e isso me dá nos nervos. Começo a me lembrar do
quanto fez Ellie de idiota, o que me faz querer amassar sua cara como uma
massinha de modelar e me arrepender de não ter feito isso antes.
Meu pai toca a campainha e aguardamos alguém atender. Quem vem
é o tal do Abner, pai do frango. Ele tem um rosto simpático, nos
cumprimenta e pede que entremos. Não dou muita atenção, apenas entro
com agilidade, louco para ver Ellie.
Ela está parada logo na entrada, tão ansiosa quanto eu. Corro em sua
direção e a pego no colo, completamente sedento. Nos abraçamos forte e,
logo, suas mãozinhas seguram meu rosto e nossos lábios estão grudados em
um selinho demorado.
Não quero soltá-la nunca, mas sinto os olhares em nós, então a coloco
no chão outra vez. Kenneth e Amelia a abraçam e, em seguida, passo meu
braço por seus ombros, puxando-a para mim, para deixar bem claro que não
deixarei mais minha garota solta.
A mulher que julgo ser Rose me olha com o semblante confuso. Ellie
já me deixou ciente de que ela torce pelo retorno do filho ao
relacionamento, então retribuo seu olhar, levemente possessivo.
— Você não é o irmão? — pergunta, com as sobrancelhas franzidas.
— Sim — respondo, direto.
— Mas... são irmãos de sangue? — Ela parece chocada.
— Não, mas daria todo meu sangue a ela se precisasse.
Rose engole em seco, olhando entre mim e Ellie.
— Então é ele o responsável por ter largado meu filho?
A tensão nos comprime. Mal chegamos e a confusão já parece
armada. Contudo, não vou abaixar a cabeça para nenhum deles.
Somente agora percebo que Hugo está encostado ao batente da sala,
observando de longe tudo o que está acontecendo.
Ellie disse, enquanto estávamos longe, que ele pediu desculpas
diversas vezes, mas que não tentou proximidade alguma, apenas o
suficiente para tentarem uma amizade, a fim de que a relação de ambos não
ficasse tão estranha após o que aconteceu. A condição que ela deu foi que
dissesse a verdade, contudo sem pressão. A intenção era tentar ajudá-lo a se
assumir e mostrar que ficaria ao seu lado quando tomasse a atitude.
— Sim, senhora — sorrio, um pouco alterado —, sou o responsável.
Muito prazer, Reese. — Estendo minha mão em sua direção, sarcástico, mas
ela não se dá ao trabalho de apertá-la.
— Ellie, como pôde…
— Mãe? — Hugo interrompe, chamando a atenção de todos. — A
culpa não é dela, é minha.
— Como a culpa poderia ser sua? O que fez de tão errado? Já
conversamos sobre isso e você disse que…
— Eu sou gay, mãe.
A tensão, que já estava enorme, se torna sufocante. O silêncio fica
ensurdecedor, como um grito extremamente alto.
— O quê? — é Abner quem pergunta, pois Rose está praticamente se
desfazendo diante de nós, com a mão no peito.
Kenneth e Amelia estão tão chocados quanto, ambos quietos.
— Podemos conversar sobre isso depois? — Hugo pede com
gentileza. — Agora não é o momento, por favor.
— Você… Você… — Rose tenta dizer algo.
— Nós viemos buscar minha filha. Quando formos embora, vocês
podem conversar sobre isso — Kenneth se pronuncia.
— Eu só não queria que ficasse culpando Ellie por tudo, mãe. Ela até
tentou manter o relacionamento, mas fui eu quem estragou tudo.
— Filho…
— Me desculpe, mãe.
— Rose — Ellie interrompe, com a voz doce —, eu e Hugo nos
amamos, mas apenas como amigos. Agora ele precisa de pessoas que o
compreendam e não o julguem.
— Mas a igreja...
— Se tem uma coisa que aprendi nos últimos tempos — Ellie
interrompe —, é que Deus vem em primeiro lugar, depois vem a família e,
por último, a igreja. A igreja é só um lugar onde várias pessoas
desconhecidas vão, todos com seus problemas pessoais. Contudo, a família
é aquela que está conosco nos momentos de alegria e tristeza, são as
pessoas com que podemos contar de verdade. E Deus é o centro de tudo.
Ele está em todos os lugares, não apenas dentro de quatro paredes, e
certamente nos ama por quem nós somos.
Lanço-a um olhar orgulhoso. Essa é a minha garota!
— Está tudo bem, filho — Abner diz. — Vamos conversar sobre isso
com mais calma depois.
— Está bem. — Hugo não parece bem, mas balança a cabeça
positivamente.
Rose está chorando em silêncio, limpando suas lágrimas.
— Talvez seja melhor voltarmos depois — Amelia sugere. —
Podemos dar uma volta…
— Acho que será difícil conversarmos sobre outro assunto agora —
Abner concorda. — O que acham de marcarmos para amanhã?
Kenneth pigarreia.
— Claro. Nós vamos sair um pouco com a Ellie para conversarmos
também. Alugamos quartos em um hotel próximo daqui, portanto podemos
voltar amanhã para tratarmos de outras formalidades.
Acredito que meus pais, enquanto advogados, tentarão sugerir uma
maneira de desprender Ellie das coisas que ainda possui aqui, no Texas, por
isso marcaram para voltarmos amanhã.
Despedimo-nos e entramos no carro que meu pai alugou para
passarmos alguns dias no país, até que todas as questões estejam resolvidas.
Primeiro, vamos a um restaurante, onde conversamos sobre a saúde
de Ellie. Ela nos conta o que causou o desmaio e expressa sua vontade de
voltar para casa conosco. Quer se desprender de seu passado e tentar
recomeçar de uma vez por todas. Amelia relata a conversa que tiveram
comigo e termina dizendo que darão a chance que precisávamos para
continuarmos juntos.
Minha garota aperta nossas mãos e abre um lindo sorriso, causando
uma ereção entre minhas pernas. Não vejo a hora de irmos embora para
beijá-la como merece.
Houve pedidos de desculpas entre nós e só fomos embora do
restaurante, quando todos estávamos sentindo segurança sobre nossas
respectivas relações.
Chegando ao hotel, já tarde da noite, Kenneth nos explica que pagou
por dois quartos e pede que tenhamos juízo durante a noite.
Sozinhos no quarto, avanço sobre a Sardenta, beijando-a loucamente.
Ela retribui, tão faminta quanto eu.
Arranco sua roupa, perdendo o fôlego no meio do percurso, o coração
bombardeando todo meu peito.
Tropeçamos no meio do caminho e começamos a rir, sem desgrudar
as bocas desesperadas. Suas mãozinhas tentam, com muita insistência, tirar
minha camiseta. Ajudo-a, em seguida, abrindo o zíper da calça que estou
usando.
— Espere — quase sufoco entre as palavras.
— O que foi? — Olho-a por um instante, ambos os corações
causando ruídos repetitivos pelo quarto.
Sua boca está vermelha pela intensidade do beijo e a respiração que
lhe escapa está tão áspera quanto a minha.
Enfio a mão no bolso da calça jeans aberta e retiro de lá uma caixa
aveludada.
Comprei nossas alianças no segundo dia em que estive longe dela,
prometendo a mim mesmo que a pediria em namoro assim que a visse
novamente. Agora, está logo aqui, na minha frente, e preciso concretizar
nosso relacionamento para que o mundo saiba que ela é minha. Não basta
apenas nós sabermos, quero que todos saibam que tem um dono e que o
sortudo sou eu. Também pensei em fazer isso para mostrar aos meus pais o
quanto estou envolvido, sei que fazer coisas desse tipo fará com que
percebam meu comprometimento.
Ellie suspira, olhando para o que estou segurando com uma grande
expectativa. Está pelada, apenas com uma calcinha simples e rendada, na
cor branca. O corpo é noventa por cento sardas alaranjadas, a coisa mais
linda que já vi. Os seios redondos sobem e descem, ágeis.
Abro a caixa, deixando as duas alianças grossas à vista, e digo:
— Ellie, me pergunto por que tentamos esconder algo que sempre foi
tão óbvio? Quando te vi pela primeira vez, meu corpo inteiro reagiu a você.
Quando te toquei, foi como um terremoto entre meus órgãos. Não quero
nunca mais deixar de sentir o que sinto quando estamos juntos. Você me
conserta, me endireita, me anima, me excita, me suga e me faz amar além
do que imaginei ser possível. Desejo ser seu por inteiro e ter cada parte sua,
incluindo suas imperfeições. Aceita ser minha todos os dias, horas e
minutos? Aceita namorar comigo?
Ela sorri de uma maneira graciosa, com os olhos cheios de lágrimas
prestes a despencar. As bochechas rosadas fazem seu rosto resplandecer em
amor e felicidade.
— Reese, fui sua desde o primeiro olhar. Não há uma única célula do
meu corpo que não pertença a você. Dizer sim é o mínimo, o óbvio, o certo.
Eu te amo e te quero até a eternidade, todos os dias, horas e minutos. Com
toda certeza, aceito oficializar nosso namoro.
Fungo, porque cada vez que a escuto dizer que me ama é como um
atropelamento, uma enxurrada de sentimentos me toma e acabo com as
pernas bambas.
Com toda a pele exposta, levemente descabelada e lucilante, Sardenta
ergue a mão esquerda, para que eu encaixe a aliança.
Um pouco trêmulo, deslizo o grosso anel pelo seu anelar, tomado pelo
mesmo sentimento de posse que sempre me preenche quando estou com
ela.
Minha, tão minha!
Coube certinho e ficou ainda mais bonita em sua delicada mão.
Pequenas sardas pintam sua pele clara e, nas pontas dos dedos, unhas curtas
e bem-feitas preenchem a perfeição que é a consumação deste momento.
Ellie pula em meus braços, puxando-me para um beijo caloroso.
— Eu amei — sussurra entre meus lábios.
— Que bom que gostou.
Soltando-me brevemente, pega a outra aliança e enfia em meu anelar,
admirada.
— Ficou linda em você.
— Em você também.
— Só há um incômodo que não sei explicar, parece um pouquinho
apertada — diz, olhando para seu dedo.
Sorrio. Sei exatamente do que está falando, pois sinto o mesmo.
— Mandei escreverem meu nome em alto relevo na parte de dentro
da aliança, assim, quando você tirar, ficará marcado na sua pele.
Seus olhos brilhantes e verdes se arregalam.
— É sério? — então, retira o anel e olha por dentro. No seu, está
escrito meu nome e, no meu, está escrito o nome dela. — Isso é incrível!
Nunca vi nada assim.
— Quero meu nome permanente em você. — Seguro-a outra vez,
assim que coloca a aliança de volta.
— Já está.
Solto uma risadinha brincalhona.
Quem dera.
Ela se aproxima do meu ouvido e sussurra:
— Tire minha calcinha.
Levanto-a com brusquidão e a jogo na cama, a ereção doendo dentro
da calça jeans. Tiro toda a roupa que ainda estava em mim e, nu, a olho
mordendo o lábio inferior, ansiosa para que eu tire a única peça que lhe
cobre.
Sedento, seguro o elástico da calcinha rendada e retiro vagarosamente
por suas pernas finas, porém torneadas.
Ela as abre, deixando à mostra a lubrificação e... paraliso. Em sua
virilha, do lado direito, há uma nova tatuagem. É a letra R.
— Você...
— Sou sua.
Meu Deus, juro que sou o cara mais sortudo do mundo.
Puxo seu pé direito para mim e o beijo, subindo aos poucos para sua
perna, colando os lábios por todo o perímetro, até chegar à tatuagem.
Cheiro sua boceta como um animal faminto e, sem pedir permissão
alguma, caio de boca em sua lubrificação, sugando tudo com avidez.
Ellie arqueia as costas, soltando um gemido que me consome de
prazer.
Chupo-a, lambendo de cima para baixo, depois de baixo para cima,
pegando toda a sua extensão. Dou leves mordiscadas, puxando o clitóris
entre os dentes, da maneira que sei que gosta.
Ela geme mais e segura minha cabeça no meio de suas pernas,
impedindo-me de escapar. Contudo, nem que o fim do mundo chegasse
agora mesmo, eu escaparia.
Afundo os dedos em suas coxas, louco para deixar minhas marcas.
Porém, sei que, se eu começar a bater em Ellie como desejo, meus pais, no
quarto ao lado, nos ouvirão. Se fosse o papa, eu não ligaria tanto, mas estou
tentando conquistar a confiança de Kenneth e não posso deixá-lo perceber
que amo dar uns tapas ardidos na filha dele.
Afundo meus dentes em um de seus grandes lábios, o que a faz abafar
um grito. Depois, chupo com carinho, deixando bem molhado, e assopro.
— Estou me segurando para não te bater — digo, lambendo meus
próprios lábios.
— Quando estivermos em casa, poderá fazer o que quiser comigo.
Abro um sorriso mediante as ideias que encheram minha mente e
volto a boca à boceta aberta diante de mim.
Delicio-me do sabor que Ellie carrega entre as pernas, incrivelmente
doce e marcante, fazendo-a implorar por mais.
Meu pau está pulsando, mal aguentando a pressão que é ouvir os
gemidos deleitosos vindos da garota.
Ocasionalmente, meus olhos se voltam à tatuagem que pinta sua pele
bem na virilha e, excitado como nunca, me esfrego contra sua entrada,
permitindo que até mesmo meu nariz fique molhado.
Esta é a tatuagem que diz que este lugar é apenas meu, nenhum
homem jamais poderá possuí-la. Enquanto a tatuagem da costela promete
um amor e fidelidade eternos. Nunca mais poderemos nos desfazer disso. É
para sempre.
Conforme aumento a intensidade, a garota começa a se contorcer
embaixo de mim, completamente perdida em prazer.
Aproveitando sua satisfação, enfio-lhe dois dedos, movendo-os para a
frente e para trás em um ritmo constante, enquanto ainda a chupo.
Os gemidos ficam mais audíveis, evidenciando seu desespero em
gozar. Percebo que meus dedos estão sendo esmagados.
Antes que chegue ao clímax, eu me afasto o suficiente para me deitar
sobre seu corpo, alcançando seus olhos e enfiando, de uma só vez, meu
membro até o final.
Sua respiração fica entrecortada e a boca, aberta, como se estivesse
buscando por mais oxigênio.
Movo-me, trombando nosso corpo bruscamente, e volto o dedo para
seu clitóris, circulando-o com a mesma agilidade em que arremeto para
dentro de sua entrada apertada.
— Reese! — sai mais como um aviso. — Reese!
Penetro-a com tanta força, que gotas de suor começam a escorrer por
minhas costas tatuadas.
Instantes depois, um jato me atinge, molhando meu abdome.
Continuo com as investidas rudes e com os dedos roçando em seu músculo
necessitado, enquanto esguicha demasiadamente pela minha mão.
Vê-la se desfazendo diante de mim só faz com que eu a queira mais.
O prazer aumenta drasticamente, então levanto suas duas pernas e encaixo
em meu pescoço. Seguro as coxas e volto com o ritmo alucinante.
Ellie está choramingando, o corpo inteiro tremendo, os dedos
apertados contra o lençol da cama e os cabelos lisos, alvoroçados.
— Quando chegarmos em casa — sussurro em meio aos ofegos —,
vou bater tanto nesta sua bunda, que não vai aguentar se sentar por dias.
Em retribuição, ela geme.
Percebo que gosta da minha narração, portanto digo em detalhes tudo
o que farei com ela. Explico que a amarrarei e enfiarei todo o meu pau
grosso pela sua garganta fechada, depois…
Ela treme outra vez, fechando os olhos.
Abaixo suas pernas e dou um tapa em seu rosto, fazendo-a olhar para
mim enquanto goza outra vez.
Seus orbes nublam durante a ejaculação.
Aproximo-me e seguro seu maxilar com rigidez.
— Quando estiver gozando, quero que olhe para mim para que eu
veja o quanto fica perdida com meu pau dentro de você.
Soltando o lençol, ela segura meu rosto e me puxa para um beijo. É
desordenado, bagunçado e ofegante. Delicioso.
Permaneço indo e vindo até que seus músculos parem com os
espasmos.
Pauso nosso beijo e digo, as palavras entrando por sua boca:
— Fique de quatro para mim.
Ellie obedece como a boa garota que é e eu pouso a mão em sua
coluna até que se abaixe o máximo que pode, abrindo as pernas. Sua bunda
empinada me deixa louco, então permito-me estralar um tapa bem ardido,
que causa marca na mesma hora.
Foda-se, perdi o controle.
Ela se contrai, mas geme de contentamento.
Enfio meu pau mais uma vez em sua entrada e volto a me
movimentar, puxando sua bunda para mim com impetuosidade.
— Deus! — solta.
Sem me conter, espalmo a mão mais uma vez por sua bunda dura.
— Deus está bem longe agora, amor. É o meu nome que precisa
chamar.
— Reese...
— Diga e eu farei. Qualquer coisa.
— Acho que minhas pernas não funcionam mais.
Sorrio, batendo outra vez em cima da pele rubra, causando-lhe dor.
— Posso fazer o trabalho sozinho, amor. Apenas relaxe.
Invisto mais algumas vezes até decidir deitá-la de lado. Acomodo-me
em suas costas e levanto sua perna, encaixando nosso corpo.
Cochicho, encostado em seu ouvido, frases que possuem grande
efeito, depois beijo sua orelha, chupando o lóbulo repetidas vezes. A pele se
arrepia e os gemidos se intensificam.
Entro e saio com uma frequência absurda, sentindo o suor escorrer.
— Sua boceta é a porra do alimento mais delicioso deste mundo —
digo, beijando e lambendo sua nuca. — Vou te fazer gozar por todos os dias
em que esteve longe e te deixar tão exausta que nunca mais vai querer se
distanciar.
— Eu… eu não… não vou.
Estico a mão e bato em cima de seu clitóris duas vezes com a força
exata para fazer soltar mais um jato quente em mim.
— Caralho! — exclamo.
O pequeno corpo chacoalha em meus braços. Seguro-a enquanto
continuo com as arremetidas sincronizadas.
— Não… Não aguento mais…
Sorrio, maldoso.
— Ainda está longe de terminar, amor.
Levanto-me, puxando-a para mim. As pernas se prendem à minha
cintura conforme caminho até a parede mais próxima, onde prenso suas
costas.
— Você vai aguentar, como a boa garota que é, não vai? — sussurro
próximo de seus lábios.
Ellie apenas balança a cabeça, piscando algumas vezes.
Encaixo-me novamente, forçando o corpo contra o dela.
Nossos lábios se encontram e o beijo se prolonga por vários minutos,
entre gemidos e sussurros. Seguro em sua nuca suada e afasto o cabelo,
acariciando o local.
Seus lábios estão tão macios, que sinto vontade de arrancá-los no
dente.
Mordo algumas vezes, chupando em seguida.
Faço isso até que esteja tão envolvida quanto eu, mais uma vez.
É o beijo mais longo que demos desde que nos encontramos, após
oito dias, e me perco em seu gosto, em seus movimentos.
Os dedos se enroscam em meus fios de cabelo e os puxam vez ou
outra, descendo com as unhas até o pescoço.
As respirações se fundem, assim como nossa língua.
Meu pau está babando, posso sentir que já solta o pré-gozo,
deslizando em uma facilidade absurda para dentro da garota. Nossos fluidos
se misturam, acarretando sons deliciosos.
Passo a mão por todo seu corpo enquanto a fodo com voracidade,
sentindo seus pelos invisíveis se eriçarem. Aperto os seios maduros e brinco
um pouco com eles no decorrer do beijo que ainda acontece.
Após alguns minutos, me segurando para não soltar minha porra
dentro dela, seguro seu pescoço, os dedos compridos quase conseguindo dar
a volta.
Nossos olhos se encontram, o verde dos seus e os azuis dos meus, e
assisto ao seu rosto ficar avermelhado pelo garroteamento.
Arremeto com mais força, socando meu pau até o fundo, ao passo que
aperto seu pescoço na mesma intensidade.
Sem que eu pudesse prever, suas pernas fraquejam, a boceta gozando
pela quarta vez em mim, esquentando meu comprimento e me levando à
completa loucura.
Ellie gozou quatro vezes, entre elas, teve dois squirts.
Sou um sortudo de merda.
Tenho a mulher mais gostosa do mundo.
— Ajoelhe-se! — ordeno, colocando-a no chão.
Obediente, faz o que mandei, acariciando minhas bolas.
Seguro a grande extensão e movo a mão para a frente e para trás,
masturbando-me diante de seus olhos.
Um prazer líquido e quente se forma em minha pélvis, fazendo-me
delirar.
Solto um gemido gutural ao mesmo tempo que gozo no rosto de Ellie,
melando-a por completo.
— Pode usar mais força — peço, com os lábios rígidos.
— Mas, não vai te machucar?
Acho incrível como, no ato sexual, Reese usa sua força máscula para me
bater e deixar marcas por todo meu corpo, mas, quando está me ajudando com o
skin care, fica com medo de me machucar.
— Claro que não! — Sorrio. — Passe o algodão com mais força.
Por volta das seis horas da manhã, Reese saiu vagarosamente do meu
quarto como se não tivesse passado a noite comigo. Depois, às oito horas,
quando todos já estavam acordados, fingiu entrar aqui pela primeira vez para me
desejar um bom-dia e me chamar para o café da manhã.
Eu havia acabado de sair do banho, já vestida, porém, com os cabelos
molhados, presos na toalha, e preparando os produtos para meu skin care
matinal.
— Posso aprender como faz? — ele perguntou, interessado.
Concordei, contente com sua vontade de se envolver nas questões
femininas mais simplórias do meu cotidiano.
Separei o algodão e apontei para a água micelar, explicando o primeiro
passo da limpeza facial.
Com cuidado, umedeceu a bolinha branca e começou a passar pelo meu
rosto, segurando, com a outra mão, minha cabeça.
Voltamos para Liechtenstein há um mês, após quase uma semana
dormindo em quartos de hotéis do Texas.
É bom estar em casa, principalmente quando as coisas parecem estar tão
bem resolvidas.
Com a ajuda de Amelia e Kenneth, consegui colocar o terreno onde antes
morava com minha mãe à venda. Enquanto isso, a igreja permanecerá em
funcionamento, com Rose e Abner no controle. Passei a autoridade a eles, que
receberam a tarefa de continuar cuidando dos membros com o mesmo amor e
carinho de sempre.
Despedi-me de todos os colegas e amigos, inclusive de Hugo. Fiquei
orgulhosa pela atitude de ter contado a verdade sobre sua sexualidade. Ele e os
pais tiveram uma longa conversa, em que relatou corajosamente quando
descobriu que gostava de homens. Também contou sobre Rian, mas, mesmo que
o relacionamento a distância ainda esteja rolando, acredito que terão uma longa
caminhada pela frente até que seus pais aceitem o novo envolvimento amoroso.
Pelo menos, Rose e Abner não me culpam mais, e nem esperam que eu
termine com Reese para voltar com o filho deles.
Somos amigos agora, eu e Hugo, e trocamos mensagens de texto quase
todos os dias.
O mesmo não aconteceu com Rian.
Em uma de nossas conversas com Kenneth, ele nos explicou que
desconfiava sobre meu envolvimento com Reese, contudo só teve certeza
quando o funcionário do mercado, Gerhard, o chamou para conversar e pediu
que colocasse câmeras do lado externo da casa.
Kenneth perguntou o motivo, mas o garoto não quis dizer, apenas insistiu
que o fizesse.
Porém, a mansão já tinha câmeras em todos os cantos externos, então meu
pai aproveitou para ficar de olho na noite em que fomos pegos transando no
ofurô.
Rian, que por algumas vezes nos viu juntos, foi o responsável por levar a
informação a Gerhard. Ele, consequentemente, viu uma maneira de se vingar de
Reese.
Sempre soubemos sobre as câmeras, mas meu namorado dizia que
Kenneth não as olhava. Somente olharia se houvesse algum roubo ou invasão, o
que jamais aconteceu.
Rian foi mandado embora pela fofoca e tentativa de retaliar Reese,
também. Agora, não tenho contato algum com ele. O pouco que sei ao seu
respeito vem das informações que Hugo me conta.
Nunca achei que Rian fosse uma pessoa ruim, até porque, quando o
conheci, me tratou muito bem. Acredito que tenha agido dessa forma contra
Reese por raiva de ter delatado Hugo. Acho que só quis proteger ou vingar o
namorado. Mesmo assim, depois de tudo o que aconteceu, ainda prefiro manter
a distância, para não correr risco algum.
Desejo que ele e Hugo sejam felizes.
No entanto, Gerhard sumiu. Quando soubemos que havia agido contra
Reese, meu namorado foi atrás dele, não pude evitar. Contudo, ao chegar ao
supermercado, ficou sabendo que o funcionário não trabalhava mais lá. Não o
vimos mais em nenhum lugar, nem mesmo nas duas últimas corridas ilegais a
que fomos para assistir ao Sebastian competindo.
Ultimamente, conversamos com bastante frequência sobre o retorno de
Reese às competições. Ele quer muito anunciar sua volta, já para a próxima
corrida. Não me oponho, pois sei o quanto é bom no volante e o quanto ama
fazer isso. Contudo, tenho apresentado em minhas orações o desejo de que faça
de uma maneira legalizada. Não tenho ideia se é possível, mas é a forma em que
tenho me comunicado com Deus nos últimos tempos. Queria muito que fizesse o
que ama sem precisar infringir leis.
Agora, está passando o algodão em meu rosto, olhando-me atentamente.
— Estou fazendo certo? — pergunta.
Sorrio carinhosamente, balançando a cabeça.
— O próximo passo é passar este creme aqui — indico.
Com todo cuidado, pega o creme branco e deposita um pouco em minhas
bochechas, na ponta do nariz e na testa. Depois, começa a espalhar.
— Por que está me olhando desta forma? — questiono baixo.
Seus dedos grossos delimitam minhas linhas faciais.
— Você é a mulher mais linda que já vi em toda a minha vida — sussurra
afável. — Eu me perco em seus olhos.
— Obrigada — agradeço, completamente apaixonada.
Quando termina de espalhar, começa a assoprar meu rosto, para que o
creme seque. Aproveito o bico para dar-lhe um beijo rápido.
— Agora você vai passar o protetor solar — ensino, apontando para a
bisnaga.
— Não poderia faltar, não é? Com todas estas sardas, é importante se
proteger do sol.
— Sim. — Sorrio mais uma vez com seu jeito cortês.
Por mais que estejamos ingressando em um inverno brusco, ainda é
importante proteger a pele, principalmente quando se trata de uma cheia de
manchinhas.
— Cada uma das setecentas e cinquenta e seis sardas em seu rosto é
importante — comenta, passando o produto diligentemente.
— O quê?
— O que, o quê? — se finge de desentendido.
— Você não sabe quantas sardas tenho no rosto, não é? Foi só um chute?
— Eu sei quantas tem — diz, calmo.
— Como? — Arregalo meus olhos. Nem eu mesma, que sou dona das
sardas, sei quantas tenho. São infinitas, a meu ver.
— Às vezes, te espero dormir e fico contando. Beijo cada uma delas e
você nem percebe.
— Você me beija setecentas e cinquenta e seis vezes enquanto estou
dormindo? — bestificada, tento entender.
— Beijo mais, claro.
Abro a boca, chocada.
— Está falando sério?
— Sim — então, deposita um breve beijo na ponta de meu nariz. — Noite
passada, por exemplo, te beijei incontáveis vezes. Aí, quando eu estava prestes a
pegar no sono, você acordou um pouco sonâmbula e perguntou: “Já acabou?
Queria mais…”
Caio na risada.
— Não me lembro disso.
— Mas pode acreditar, você fala enquanto dorme.
— Minha mãe costumava dizer isso. Cheguei a dizer alguma coisa que
não deveria?
É a vez dele de rir.
— Nada que não deveria. Mas, na noite em que tirei sua virgindade, te
ouvi resmungando algo sobre “Não sei como um pau tão grande coube dentro de
mim, talvez eu seja como um…” — usa aspas na última parte.
— Um, o quê?
— Até hoje não sei — continua rindo —, acho que estava se igualando a
um túnel.
Bato em seu braço.
— Não seja idiota!
— Me diga, qual o próximo passo agora? — está se referindo ao skin care.
— Agora preciso só passar o hidratante na boca e secar o cabelo.
— Está bem, vou fazer isso.
— Mesmo?
— Claro, quero cuidar da minha garota.
Indico qual quero passar e ele abre a tampa, pintando meus lábios com o
hidratante de morango. Em seguida, morde e chupa meu lábio inferior.
— Vai ter que passar outra vez, deve ter tirado tudo — brinco.
Faz o que pedi, acariciando meu queixo.
É inacreditável como um homem tão grande, corpulento, musculoso e
todo tatuado, consegue ser tão gentil às vezes. Apesar de que, até mesmo nesses
momentos, seu rosto permanece anguloso e transparecendo o quanto pode ser
bravo, também.
Reese pega o secador e tira a toalha que está em minha cabeça. Penteia os
fios e liga o aparelho, passando os dedos para não causar nós.
Fecho os olhos, amando a sensação.
Quando termina, olho-me no espelho e sorrio, orgulhosa.
— É a primeira vez que faz isso?
— Sim, mas ficou bom, não ficou?
— Muito. Agora pegue o reparador de pontas e passe para diminuir o
frizz.
Obedece, elogiando o cheiro gostoso que sobe ao ar assim que passa o
produto.
Em seguida, escolhe um dos perfumes e borrifa algumas vezes em mim,
beijando meu pescoço quando termina.
— Linda e cheirosa — sussurra. — Falta alguma coisa?
Nego.
— Agora vamos descer para o café da manhã, Kenneth e Amelia já devem
estar nos esperando.
— Está bem. — Em um abraço, ergue meu corpo e me carrega escada
abaixo.
Enquanto isso, deposito beijinhos em seu rosto.
O Natal está chegando, portanto comemos todos em comunhão,
conversando fluidamente sobre a decoração que começaremos a fazer juntos
na casa, ainda hoje.
Sinceramente, não me lembro de ter começado um dia com tanta paz.
Sinto-me inteiramente feliz e adequada com a vida daqui, junto ao meu pai.
Mastigo um pedaço de torta doce enquanto assisto-os papear e um
sentimento enorme de gratidão me toma.
Às vezes, julgamos o processo difícil, desejando que ele nunca tivesse
vindo, contudo, quando chega ao fim, entendemos que, sem ele, a paz e a
alegria que procede jamais teriam nos alcançado.
Se eu soubesse sobre o fim, teria vivido o começo com mais
intensidade. Se eu soubesse que tanta dor me traria ainda mais alegria e
contentamento, teria sentido tudo com mais veemência.
Assim que todos terminam de comer, meu pai pergunta para mim:
— Está pronta, querida?
Abro um sorriso animado e digo que sim, levantando-me.
— Então, vamos!
Despedimo-nos de Reese e Amelia, que combinaram de passar o dia
juntos, e seguimos à garagem, onde entramos em um dos carros.
Kenneth dirige enquanto cantamos algumas canções que tocam na
rádio e é tão agradável que mal percebo quando estacionamos de frente para
um dos prédios mais belos que já me deparei em toda a vida.
Descemos do automóvel e caminhamos para a entrada. Tento captar
todos os detalhes, boquiaberta com tanta formosura.
Dentro, esperamos até sermos atendidos. No momento em que nos
chamam, meu coração começa a tamborilar no peito, sinal do entusiasmo.
Mostro meu documento à atendente e ela digita algo no computador,
abrindo um pequeno sorriso.
— Meus parabéns, sua nota foi muito boa.
— Obrigada. — Aperto minhas mãos, levemente nervosa.
Esta é a chave para o meu futuro.
— Gostaria de finalizar a matrícula para a graduação de Medicina
Veterinária?
— Sim, por favor.
— Vou imprimir os contratos e explicar todas as cláusulas para que não
haja questionamentos posteriores, ok?
Antes de assinar, lemos e tiramos todas as dúvidas que temos. Depois,
voltamos ao carro com os contratos em uma pasta transparente.
Assim que retornamos a Liechtenstein, meu pai me deu a ideia de fazer
inscrições para as melhores faculdades da região. Passei em todos os
vestibulares dos quais participei e escolhi a instituição que mais me agrada.
Começarei a graduação no começo do próximo ano, após as festas de
Natal e Ano-Novo e eu não poderia estar mais realizada com isso.
Se ainda estivesse morando no Texas, com toda certeza, não começaria
a estudar tão cedo. Minhas responsabilidades em relação à igreja eram
maiores do que a preocupação em obter uma certificação universitária.
Não posso mentir, amo muito mais esta Ellie que é livre para fazer suas
escolhas.
— Estou orgulhoso de você, filha. Veterinária… Quem diria!
Abraço-o apertado.
— Obrigada por ter me acompanhado, pai.
Kenneth começa a dirigir, seguindo caminho até o centro da cidade,
onde passamos horas comprando as decorações para o Natal.
Ainda faltam quarenta e cinco dias para a data, mas os moradores já
estão começando a pendurar seus pisca-piscas nas janelas e nas árvores.
À noite, as ruas ficam cada dia mais bonitas e chamativas, com várias
cores, trenós e bonecos de neve.
O frio, admito, é congelante, contudo deixa a paisagem ainda mais
característica.
Após uma tarde gelada e divertida, eu e meu pai voltamos para casa.
Amelia e Reese já estão aqui nos esperando.
Pedimos algumas pizzas e colocamos músicas de fundo, para nos
incentivar a prosseguir com o trabalho.
O pinheiro de dois metros e meio é colocado na sala de estar e
começamos a decorá-lo com as bolas vermelhas e douradas.
Reese me encaixa em seus ombros, assim consigo alcançar e pendurar
alguns laços que compramos.
Amelia enrola um dos festões no pescoço e dança no ritmo da música,
enquanto Kenneth a observa com um sorriso apaixonado nos lábios.
Aproximadamente uma hora depois, a árvore está pronta. Ligamos o
pisca-pisca na tomada e ficamos maravilhados com sua magnitude. Está tão
linda, que meus olhos se enchem de lágrimas.
Reese me abraça por trás, depositando um beijo em minha têmpora.
— Fizemos um bom trabalho — diz.
— Sim, fizemos — concordo.
— Agora só falta decorar o resto da mansão.
— Meu Deus… — Canso-me só de pensar.
Acho que vamos demorar, em média, uma semana para terminar.
Mas está tão divertido, que perdemos a noção do tempo. Ficamos até
de madrugada decorando o lado externo da casa. Reese e Kenneth até
subiram no telhado para deixar tudo encantador.
Normalmente, segundo Reese, quem faz essas coisas são os
funcionários, contudo, como eu disse que nunca havia participado de um
Natal como este, meu pai decidiu fazê-lo junto com toda família.
Às duas e meia da manhã, aproximadamente, começa a nevar e, todo o
sono que já estava tentando me consumir vai embora.
No Texas neva bastante, portanto estou acostumada, mas este fato não
torna o momento menos divertido.
Olho para o céu e abro a boca, colocando a língua para fora. Pequenos
pingos gelados derretem em contato com minha saliva.
Ouço passos e sei que são de Reese. Simplesmente sei. Sinto uma
conexão e energia diferentes quando está se aproximando de mim.
— O que está fazendo? — Abre um sorriso misterioso.
Seus olhos estão incrivelmente azuis, em um tom que perfura meu
cérebro e me deixa ainda mais apaixonada. As luzes que passam a brilhar ao
fundo refletem em seu rosto anguloso, deixando-o um pouco mais cristalino.
— Estou… Hã, experimentando a neve — digo, um pouco
envergonhada.
Talvez isso seja coisa de criança.
— Você gosta de sentir a neve batendo no rosto?
— Sim. — Sinto as bochechas enrubescerem.
Ainda sorrindo, diz:
— Tive uma ideia e acho que você vai curtir.
— Qual?
— Venha comigo.
Ele segura minha mão e me puxa em direção à casa, gritando aos pais
que vamos sair e que não demoraremos a voltar.
— Não se preocupem, podem ir dormir, voltaremos em breve!
Seguimos até a garagem, onde diversos carros e motos nos esperam.
— Escolha uma moto.
— Vamos andar de moto agora?
— Sim. A esta hora da madrugada, não há ninguém nas ruas, então
podemos acelerar bastante contra a neve. Você vai poder senti-la com muito
mais intensidade.
— Está bem. — Quase dou pulinhos de alegria.
Escolho a moto que ganhei de aniversário e Reese não faz objeção
alguma. Sento-me às suas costas, abraçando sua cintura, enquanto ele se
acomoda para dirigir.
Estou cada vez melhor na direção da moto, mas ainda não chego nem
aos pés do meu namorado. Prefiro não correr riscos, principalmente porque
ainda nem tirei a carteira de motorista. Esta vai ser minha próxima conquista,
agora que já consegui a vitória que mais desejava: me matricular na
faculdade.
— Coloque o capacete, mas abra o visor para sentir a neve — orienta.
Reese se acomoda e acelera. Trata a moto com brusquidão, como se
não tivesse medo de nada que pudesse vir dela. É ele quem comanda aqui e
aparentemente gosta dessa sensação de poder. Brinca com o acelerador como
se se tratasse de um simples videogame.
Aos poucos, nos distanciamos de casa. As ruas estão completamente
desertas e silenciosas.
De repente, ouço-o dizendo:
— Segure-se firme, está bem, amor?
— Uhum — balbucio, ciente de que vai começar com suas manobras
loucas.
No próximo segundo, ouço o acelerador rugindo repetidas vezes, ao
passo que o veículo começa a correr ainda mais. O painel mostra que
estamos a cento e noventa quilômetros por hora. Meu coração bate mais
rápido, enquanto abro um sorriso que reflete as cócegas em meu estômago.
— Vou abrir as pernas — grita em aviso. — Assim que eu fizer isso,
você passa para a frente.
— Está bem. — Não faço ideia do que está planejando fazer, mas
confio que jamais me deixaria arriscar um machucado sequer.
Reese apoia a perna esquerda na moto, ficando, assim, em pé, e abre a
perna direita, passando-a para trás. Aproveito o espaço para sentar-me na
frente, segurando o guidão junto com ele, que se acomoda e fica de joelhos
às minhas costas, ainda guiando a moto.
Faz algumas manobras em alta velocidade, indo para lá e para cá, de
joelhos. Seguro o guidão, embaixo de suas enormes mãos, com toda força
que consigo, e aguardo pelo que virá.
De supetão, força a moto para trás e dá um grau. Solto um gritinho
divertido, o peito em completo colapso.
Permanece com um joelho na moto enquanto estica a outra perna e
raspa o pé no chão.
— Segure-se, bebê! — então força a moto ainda mais para trás, até
raspar a placa no chão e ela soltar faíscas.
Depois, levanta-se e dirige o veículo estando em pé atrás de mim, com
o corpo praticamente sobre o meu para permanecer segurando o guidão.
Faz uma espécie de vai e vem com as mãos, fazendo-nos ir para lá e
para cá em uma velocidade aproximada de duzentos quilômetros por hora.
— Pode abrir o visor para sentir a neve! — grita.
Faço conforme me disse: abro o visor e sinto os primeiros flocos de
neve derretendo contra o rosto. Coloco, secretamente, a língua para fora
outra vez.
Meu rosto congela com o vento apavorantemente gelado, mas a
sensação é libertadora.
— Vamos, amor, se solte! Sinta a adrenalina entrando, é viciante! —
então, coloca um dos pés na frente da moto, abrindo as pernas e me deixando
entre elas.
Solto mais um gritinho enquanto ouço o motor rugir extremamente
alto.
Reese vai mudando de posições, ousando em cada uma delas, enquanto
permaneço sentada, segurando o guidão e sentindo a neve molhar meu rosto.
Estamos tão rápidos, que mal identifico onde estamos.
Alguns minutos depois, diminui a velocidade bruscamente e empina
para a frente. Grito, olhando diretamente para o chão, prevendo uma queda.
Contudo, não é o que acontece. O pneu dianteiro vira a moto no sentido
contrário em que estávamos e depois derruba o pneu traseiro para a pista
outra vez.
Acelerando, voltamos na direção de casa, seguindo pelo mesmo
caminho.
Ele se senta atrás de mim, apertando as pernas ao lado das minhas,
dando-me o conforto que faltava.
É agora que me solto, abrindo as mãos e jogando a cabeça para trás,
sendo chicoteada pelo vento gélido.
Meu namorado solta um grito de pura adrenalina e faço o mesmo,
imitando-o.
Contra o mundo, gritamos juntos, livres, insanos, apaixonados.
— Eu sou completamente louco por você, Sardenta! — grita,
claramente sorrindo.
— E eu por você, Res!

Quando chegamos em casa, ambos gelados e úmidos por conta da neve,


entramos no banho quente juntos, para evitar um resfriado.
Abraçamo-nos embaixo do jato quente e unimos nossa boca em uma
harmonia indescritível.
Na cama, deito-me em cima de seu corpo firme e grande. Conversamos
por breves minutos até que tudo fique completamente preto e consumido
pelo sono.
Natal

Na manhã de Natal, abro vagarosamente os olhos e me deparo com


um Reese deitado ao meu lado, fitando-me com atenção. Seus dedos estão
entre meus fios de cabelo, acariciando-os.
Lembro-me do que passamos na madrugada. Foi a noite de Natal
mais linda da minha vida, com muitos fogos de artifício, muita luz, comida,
bebidas e amor. Prestes a amanhecer, viemos para meu quarto, onde
transamos tanto, que perdemos completamente a força dos músculos e
pegamos em um sono profundo.
— Bom dia — deseja, a voz rouca.
— Bom dia — retribuo, aconchegando-me em seus braços. Ainda
estamos sem roupa e, provavelmente, dormimos por pouquíssimas horas. —
Há quanto tempo está me olhando? — quase ronrono.
Ele me aperta contra si, carinhoso.
— Acho que já faz uns quarenta minutos.
— Por que não me acordou?
— Porque te acho linda dormindo. Eu ficaria te admirando por horas
e horas.
Enfio o nariz em seu peito largo e respiro o maravilhoso cheiro,
abastecendo aquela parte minha que necessita de Reese o tempo todo.
Temos passado os melhores dias de nossa vida, sem medo de
mostrarmos o quanto nos amamos. Kenneth e Amelia passaram a respeitar
nossos sentimentos e até começaram a dizer o quanto combinamos juntos.
Parece um pouco estranho explicar aos amigos do casal que seus
filhos namoram, contudo, mesmo assim, Kenneth tem se mostrado muito
apoiador e justo com nosso envolvimento.
Apenas em um momento específico, desejei me afundar em qualquer
buraco a estar diante de meu pai: ele me chamou para ter aquela conversa.
Aquela conversa!
Sei que está preocupado, mas sou grandinha para saber que preciso
tomar anticoncepcionais e fazer exames pelo menos uma vez ao ano.
Verbalizar que eu e Reese não usamos camisinha foi como o fim do
mundo, nunca senti minhas bochechas tão quentes. Mas já estamos
transando há meses e nossa relação é estritamente exclusiva, portanto
combinamos de não usarmos preservativos.
Quando a conversa acabou, fiquei olhando para o teto por longos
minutos, muito envergonhada, porém grata por ter alguém que se importa
com minha saúde e com meu futuro. Aos poucos, Kenneth se mostra um pai
ainda melhor do que eu achava que era.
Agora que as pessoas mais importantes da nossa vida já sabem sobre
nós, eu e Reese já conseguimos sair de mãos dadas, nos beijar em público,
passear juntos como um casal e passar por cima de qualquer um que tente
usar isso contra nós.
Contudo, acho difícil alguém tentar nos prejudicar. Meu namorado é
tão protetor, que nem uma pequena formiga tem coragem de me picar, com
medo do que ele poderia fazer em retribuição. Somente seu olhar dá medo,
imagine se decidir agir?
Com isso, eu me sinto a mulher mais sortuda do mundo. Amada,
segura e abrigada.
— Que horas são? — pergunto, descontraída.
— Oito e vinte da manhã.
— Precisamos nos arrumar, o culto começará daqui a
aproximadamente uma hora.
Reese acaricia meus cabelos e abre um breve sorriso.
Kenneth e Amelia, sabendo o quanto amo ir à igreja, sugeriram que
fôssemos juntos cultuar nesta manhã de Natal. Será como um evento, com
cantatas, apresentações de peças teatrais e uma breve palavra sobre o
nascimento de Jesus Cristo.
Fiquei incrivelmente feliz com a ideia, uma vez que ainda não
conhecia igrejas por aqui, em Liechtenstein.
Reese concordou em ir, já que sempre faz o que me agrada.
— Eu congregaria em uma igreja se isso te fizesse feliz — disse, após
o convite, quando estávamos a sós. — Até moraria em uma, se fosse o caso.
Sei que jamais conseguirei mudar o jeito de Reese, todo durão e
marrudo, mas me sinto uma vitoriosa quando o vejo falando de Deus e
lendo a Bíblia comigo. É a maior prova de amor que já demonstrou por
mim, apesar de não saber disso. Às vezes, à noite, quando estamos orando,
ajoelhados e de mãos dadas, olho-o discretamente sem que perceba.
Consigo enxergá-lo como realmente é, ver suas dores, seus cortes internos
mal cicatrizados, os traumas causados por seu passado e o sangue pulsante
de suas veias, necessitado de adrenalina para continuar circulando.
Ele é a melhor pessoa que já conheci na vida. Não são suas tatuagens,
a voz grossa, os músculos gigantes ou seu rosto embravecido que mudarão
isso.
Quem o vê apenas por fora não enxerga o que há por dentro.
E Reese é maravilhoso por dentro. Talentoso, atencioso, carinhoso e
amoroso.
Quando me contou o que verdadeiramente houve entre ele e o pai
biológico, só pude chorar e sentir ainda mais amor em relação a sua pessoa.
Antes de julgar os maus atos de alguém, é importante saber o motivo
que os causou. Às vezes, a ferida que habita na pessoa é muito mais feia do
que seus atos.
É por isso que Amelia sugeriu que fizéssemos terapia.
Individualmente, claro.
Eu aceitei de prontidão, pois todas as verdades que soube nos últimos
tempos mexeram muito com meu psicológico, e incentivei Reese a voltar
também, já que já estava acostumado com as consultas na adolescência.
Ele foi um pouco mais resistente, mas, por fim, acabou aceitando.
Começamos na semana passada e tenho grandes expectativas quanto a isso,
espero muito que nós dois melhoremos e que algumas feridas antigas se
fechem.
— Está bem — sussurra —, vou me arrumar e te encontro lá embaixo
daqui a alguns minutos.
Beijamo-nos demoradamente antes que se levante e suma pela porta.
Espreguiço-me e sigo até o banheiro, onde tomo banho e me arrumo
para sair.
Quando desço, meu pai, Amelia e Reese já estão esperando por mim.
Entramos no carro e partimos em direção à igreja evangélica central de
Liechtenstein. Ela é enorme e revestida de pedras acinzentadas, em um
estilo medieval.
Por dentro, é bem ampla e bem-cuidada, com detalhes em dourado.
Sento-me entre Reese e meu pai, os dedos de meu namorado
entrelaçados aos meus.
A tempo do início do culto, Kyan, Idris e Seb chegam para nos
acompanhar, surpreendendo-me completamente.
Aproveitamos todas as canções e sermões, com muita atenção. Em
certo momento, sinto-me tocada com as palavras e choro, algum buraco em
mim sendo preenchido.
É muito bom estar aqui, ouvindo a palavra de Deus na companhia da
minha família e amigos.
Percebo Idris inquieto, talvez se segurando para não chorar também, e
Kyan sussurrando algo em seu ouvido para acalmá-lo. Sebastian permanece
atento, apenas digitando algo casualmente no celular, vez ou outra.
— Se eu soubesse que dentro da igreja tem tantas garotas bonitas,
teria vindo antes — sussurra ao ouvido de Reese e meu namorado revira os
olhos.
Amelia limpa algumas lágrimas, com o rosto resplandecendo
felicidade, e Kenneth sorri para ela, como se estivesse compartilhando do
mesmo sentimento.
Ao final, batemos palmas e nos abraçamos, algo que todos no templo
fazem. Vamos embora pouco tempo depois, satisfeitos com a manhã.
Assim que chegamos em casa, sentimos o cheiro do almoço de Natal
tomando conta de todo o ambiente. Está uma delícia! Alguns dos
funcionários da cozinha já trabalham para deixar tudo pronto para nós.
Enquanto isso, passamos um tempo conversando na sala de estar,
junto com os três meninos, que vieram para cá também.
O cômodo está inteiramente decorado, com as cores verde, vermelha
e dourada. A árvore pisca, tornando tudo mais aconchegante.
Kenneth pigarreia, chamando a atenção de todos, e diz que a esposa
quer falar algumas palavras. Amelia se levanta e nos olha de uma maneira
que eu nunca havia visto antes. Há um brilho diferente em seu rosto.
— Eu queria dar uma notícia — diz, respirando um pouco mais
pesado. Contudo, antes que possa continuar, seus olhos lacrimejam.
— Mãe? — Reese fica em alerta ao meu lado.
Sinto a preocupação crescer dentro dele.
— Não se preocupe, filho — Kenneth o acalma. — Sua mãe está
chorando porque está feliz, não triste.
— É que... — Amelia seca as lágrimas como uma verdadeira lady,
dando batidinhas nas bochechas com um lenço branco. — Por muitos anos,
sonhei em ser mãe de uma menina e…, quando Ellie chegou, vi essa
oportunidade. Estou muito feliz por te ter aqui, querida. — Ela me olha, os
orbes iluminados. — Obrigada por, inconscientemente, ter me ajudado a
acabar com a ansiedade que eu alimentava em ter outro filho. Isso me fez
dispersar um pouco os pensamentos, parar de focar tanto em algo que nunca
vinha.
Sorrio, grata por suas palavras.
— Sei que você não veio da minha barriga, mas sinto como se fosse
minha para cuidar, amar e ensinar.
Levanto-me e caminho em sua direção para abraçá-la. Não entendo o
porquê de declarar isso na frente de todos, mas fico feliz mesmo assim.
Ela retribui o abraço e beija minha bochecha.
— Agora que eu achava estar tão completa… — Amelia limpa mais
lágrimas que descem por suas bochechas — descobri que estou grávida
outra vez.
— O quê? — Reese também se levanta, com os olhos arregalados. —
É verdade?
— É, sim, querido.
— Meu Deus, mãe, parabéns! — então a abraça apertado. — Você
merece tanto isso!
Sem que eu possa me dar conta, começo a chorar também.
Silenciosamente.
Fico feliz por vê-la realizando o grande desejo de sua vida.
Reese falou muito sobre isso, sobre o quanto queria ver sua mãe
grávida outra vez.
Quando olho para Kenneth, vejo que está fungando e me lembro
automaticamente das cartas em que Cecília descreveu o quanto foi
maravilhoso e chorão durante sua gravidez.
Abraço-o em seguida.
— Parabéns, pai — digo, apertando-o.
— Obrigado, filha. — Ele segura meu rosto e deposita um beijo em
minha testa. — Eu te amo — diz, olhando dentro de meus olhos. — É uma
menina, querida, mas você sempre será minha primogênita, minha
garotinha perfeita.
Mordo o lábio inferior.
— Eu também te amo, pai.

À noite, nos reunimos para o jantar, como de costume. Os meninos


foram embora ao final da tarde, deixando, assim, apenas nossa família à
mesa.
Os assuntos abordados são provenientes do nosso dia, relembrando o
quanto foi bom termos passado um Natal com todos juntos.
Papai diz que nunca esteve tão feliz, pois é o primeiro final de ano
que passa ao meu lado, após ter me encontrado. Explica que, agora sim, está
sentindo que sua vida está completa. Falamos, também, sobre planos para o
ano que vem. Sinto-me confiante em dizer sobre meus estudos e o que
espero em relação à graduação. Estou realmente feliz em estar realizando
um dos meus grandes sonhos.
Amelia fala sobre sua bebê e o que planeja para ela. É lindo ouvi-la falar
com o constante sorriso nos lábios.
— Eu e seu pai conversamos e decidimos que ela se chamará Anna —
diz, acariciando sua própria barriga.
Arregalo os olhos, um pouco atordoada.
— Sério? — pergunto.
—Sim, filha — é a vez de Kenneth dizer. — Daremos este nome a ela
em homenagem a você. Seu nome, Ellie, significa luz, portanto você veio
para nos iluminar, entrou nesta casa como um verdadeiro raio de sol.
Enquanto o nome Anna, significa graça. É a graça de Deus sobre nós, a
lembrança de que Ele estará nesta casa também.
Respiro fundo, sentindo-me contemplada.
— Obrigada — digo, tão grata que meus olhos transparecem através
das lágrimas prestes a despencar. — O nome Anna é perfeito para ela.
É confuso pensar que Anna será minha irmã de sangue, assim como
também será de Reese, contudo eu e ele não somos.
E graças a Deus que não somos, uma vez que nosso amor jamais seria
fraternal.
— Reese, meu filho — Kenneth o olha —, antes que conte seus
planos para o ano que vem, quero dizer que não espero ouvir algo simples.
Você nunca foi simples, nunca se contentou com pouco. Seu nome já traz
um significado forte: fogo ardente. O que me faz entender que jamais
deixará de queimar por aquilo que ama, como já vem demonstrando dia
após dia. Nada detém o fogo, nem mesmo a água, em muitas das ocasiões.
Assim é contigo, poucas coisas te detêm. E é por isso que sei que não vai
desistir das corridas…
— Pai… — Reese tenta interrompê-lo.
— Não vamos mais tolerar mentiras nesta casa — Kenneth volta a
dizer —, portanto eu e sua mãe pensamos sobre isso, juntos, e chegamos à
conclusão de que não podemos te impedir de fazer aquilo de que gosta. Por
esse motivo, te matriculamos no curso de pilotos, onde aprenderá tudo
sobre corridas legalizadas — ênfase na última palavra.
— Sei que não parece tão legal quanto suas corridas clandestinas —
Amelia diz, carinhosa —, mas, com seu talento, meu filho, você poderá ser
escolhido para competir na Fórmula 1 e receberá muito dinheiro fazendo o
que ama, de forma completamente legalizada.
Reese sorri. Não faço ideia do que está pensando, mas seu olhar
misterioso diz silenciosamente que não importa se é legal ou ilegal, desde
que seja perigoso e envolva muita adrenalina.
— Obrigado — diz, a voz grossa causando um arrepio em minha pele
— , fico feliz que tenham pensado no quanto amo estar diante do volante.
Não vou decepcionar vocês, farei o curso e me esforçarei para ser a
diferença.
Sei bem como fará isso, apenas será ele mesmo. Não importa onde
esteja, sempre é a diferença. Chegará com seu jeito caótico e misterioso e
mostrará que, independentemente de onde estiver, a essência de perigo o
acompanhará.
Penso sobre o significado de seu nome e, rápido, me lembro do
primeiro contato físico que tivemos. Foi no dia do incêndio, quando aquela
árvore quase despencou sobre o carro em que eu estava presa.
Seus braços fortes me capturaram a tempo, segurando meu corpo
frágil como se dependesse disso para respirar. Ele me envolveu, me abraçou
com força e correu. Não o soltei pelas próximas horas, porque seus braços
viraram sinônimo de segurança para mim.
Jamais imaginei que eu tivesse sido abraçada por aquilo que mais
temo na vida: pelo fogo ardente.
Agora tudo faz sentido. O fogo precisa da luz para brilhar.
Fui abraçada pelo fogo e ele, por sua vez, brilhou.
Somos a junção de duas coisas tão diferentes, mas que, ao mesmo
tempo, se completam.
Sorrio em sua direção, sabendo em secreto que pedi para Deus que
Reese continuasse em suas corridas, porém de forma legal.
Ele puxa a cadeira em que estou sentada para mais perto e me abraça,
beijando minha têmpora.
Neste momento, só há uma coisa em que penso repetidamente: quero
viver o resto dos meus dias sendo abraçada pelo fogo.
Quatro anos depois

O barulho é ensurdecedor e reverbera por entre meus ossos. Minha


pele se arrepia drasticamente, enquanto o coração bate de forma acelerada.
Estou dentro do Circuito de Red Bull Ring, localizado na vila de
Spielberg, na Áustria, no meio de uma plateia enlouquecida e barulhenta.
Não ligo, sou uma das que mais está fazendo barulho aqui, gritando e
torcendo pelo meu namorado, que compete pela primeira vez na Fórmula 1.
A cada curva a que o carro vermelho dele se submete, é como se o
mundo todo parasse. Passo a me lembrar de tudo pelo que passamos nos
últimos quatro anos, até chegarmos aqui.
Continuamos morando na casa de Kenneth, eu estudando e Reese,
batalhando o máximo que pôde para entrar na Fórmula 1. Foram anos de
muita perseverança e obstinação.
Eu me formei em Medicina Veterinária no mês passado, enquanto
meu namorado sonhava e corria atrás do que está vivendo neste exato
momento.
O carro em que está dirigindo passa por mim mais uma vez, tão
rápido que quase não o vejo. O ronco do motor me faz tremer. Há tanta
adrenalina envolvida, que até mesmo fica difícil respirar.
Para chegar até aqui, ele estudou na melhor escola de pilotagem da
F1, credenciada pela Federação Internacional de Automobilismo, a FIA,
onde aprendeu técnicas supremas para permanecer pilotando e se tornou um
dos mais notados.
Kenneth investiu horrores, acreditando que o filho poderia, um dia, se
tornar um dos melhores corredores da F1, e arrumou patrocínios fortíssimos
para ajudar.
Reese recebeu uma licença para disputar em competições menores.
Passou, aproximadamente, duas temporadas em categorias de base, onde se
destacou e chamou a atenção de patrocinadores grandes e importantes do
ramo.
Foi contratado pela Ferrari, pela qual compete hoje. É, atualmente, a
empresa com mais títulos na Fórmula 1.
O orgulho que sinto dele é surreal. Provou sua competência em cada
passo que deu, até alcançar este momento tão importante para nossa vida.
O carro vermelho-vivo, que carrega consigo vários adesivos de
custeios consideráveis, está em segundo lugar, acelerando o máximo que
pode para alcançar o pódio.
Grito tanto, que minha garganta dói. Kenneth e Amelia estão ao meu
lado, torcendo na mesma intensidade que eu. Kyan pula com Anna em seu
colo, ensinando à menina como se deve fazer quando o irmão está
competindo, ao passo que Seb e Idris quase se batem, tamanha emoção que
carregam.
Falta pouco para o final, apenas uma volta.
Há câmeras por todos os lados, repórteres falando e transmitindo ao
vivo tudo o que está acontecendo, e uma plateia gigantesca vibrando pelo
ganhador.
Se Reese chegar em primeiro lugar, sua vida vai, definitivamente,
decolar.
Passamos os próximos minutos na expectativa, até que a linha de
chegada começa a se aproximar. O carro em que meu namorado pilota está
praticamente ao lado do outro. A medalha de ouro vai para um dos dois.
Faltando pouquíssimos metros, Reese dá um cavalinho de pau,
levando o público à loucura. Depois, acelera o carro de ré.
— Ele não fez isso... — Sebastian surta, levando as mãos à cabeça.
— Ele fez — Kyan para de pular com Anna em seu colo, olhando
atentamente para a pista.
— Puta que pariu... — Idris sussurra, chocado.
O tempo parece ficar em câmera lenta. De ré, o carro vermelho da
Ferrari corre até ultrapassar o outro.
Passa pela linha de chegada com, pelo menos, meio metro de
vantagem.
Freia com brusquidão, fazendo uma quantidade considerável de
fumaça subir.
Todos gritam, enlouquecidos, frenéticos, extasiados.
Nunca senti meu coração batendo tão rápido.
Não acredito que ele ganhou sua primeira corrida da Fórmula 1 de ré.
De ré.
Assisto-o saindo do carro e tirando o capacete. Em um movimento
rápido, sobe no capô do carro e vibra com os braços, levando a plateia à
insanidade.
— Titio Kyan, o que é filho da puta? — escuto minha irmãzinha
perguntar, segurando seu rosto ansiosamente.
Percebo o asiático engasgando-se, mas não presto atenção em sua
resposta. Há algo na mão de Reese, parece um cartaz branco enrolado. Ele o
abre e estende em minha direção. Está escrito: Sardenta, aceita se casar
comigo?
Paro de pular, sendo pega de surpresa. Cubro a boca, um pouco
chocada.
Em meio a tanto barulho, escuto meu coração tamborilando. Parece
estar dentro dos meus ouvidos, causando uma espécie de estímulo para me
manter paralisada.
Tu-dum, Tu-dum, Tu-dum, Tu-dum.
— Vá até lá, pequena! — Sebastian me incentiva, acordando-me do
torpor.
Começo a correr. Passo por centenas de pessoas, pulando os degraus à
minha frente. Chego à pista e continuo correndo, atravessando-a,
completamente alvoroçada. Corro, corro, corro, até quase perder o fôlego.
Paro à sua frente e recebo sua mão, que me ajuda a subir no automóvel.
A multidão fica em silêncio, provavelmente esperando pela minha
resposta. Então, digo:
— Sim, é claro que aceito me casar com você!
Os gritos que se seguem são tão altos, que fazem meu corpo inteiro
vibrar. Posso jurar que o chão está tremendo.
Reese me pega em seus braços e ergue meu corpo, tomando minha
boca na sua. Beijo-o com vigor, sem me preocupar com todos que estão nos
assistindo.
Um filme passa pela minha cabeça.
Sou a mulher mais feliz e realizada da Terra.
Meu bombeiro se tornou um corredor da Fórmula 1. Tenho tanto
orgulho dele por isso!
Graças a Deus não temos muitas ocorrências de acidentes causados
por incêndios em Liechtenstein. Dentro de um ano, há, em média, cinco
chamados do corpo de bombeiros, o que deixava Reese muito tempo em
casa. Agora, está sempre se dedicando ao que ama, trabalhando todos os
dias com o que sempre desejou fazer.
O fogo sempre será sua paixão, sem dúvida. Contudo, a adrenalina
ganhou, conquistando completamente seu coração.
Era o que faltava para nosso futuro. Agora que estou formada e ele
está contratado pela Ferrari, teremos o que sempre sonhamos. Nossa casa,
nossa família, nossa vida.
— Parabéns, meu amor! — digo entre os beijos. — Estou tão
orgulhosa! Um dia, conquistará o mundo todinho!
Seus olhos se fixam nos meus por um instante. Mesmo que o barulho
esteja ensurdecedor, faz-se silêncio entre nós pelos próximos segundos. O
mundo para, há apenas nós dois aqui, nos fitando, completamente
apaixonados.
— Você é meu mundo todinho, Ellie — diz, verdadeiro. — Não
preciso de mais nada se tenho você.
Agradecimentos
Não tem como iniciar os agradecimentos sem colocar em primeiro
lugar: Deus. Ele é meu melhor amigo, aquele que me escuta
incansavelmente e conhece os planos de onde quero chegar. Portanto, se
estou lançando meu quarto livro, é porque me deu esta oportunidade e
confiou o trabalho às minhas mãos. Acho que nunca vou entender o porquê.
Em segundo lugar, agradeço ao meu esposo, Wendel, que apoia meus
sonhos como se fossem os dele. Comecei escrevendo em um notebook
velho e pesado, sem um lugar definido para me sentar enquanto trabalhava.
Hoje, tenho um cantinho lindo, cheio de livros e cores, e é graças a ele, que
me ajudou a escolher tudo nos mínimos detalhes. Até mesmo o vaso de
flores artificiais que uso como enfeite, ganhei de surpresa em uma tarde
após ele ter chegado cansado do serviço.
Obrigada, amor. Seu apoio é muito importante para mim, e me
incentiva a continuar.
Em terceiro lugar, gostaria de agradecer aos meus queridos leitores.
Como eu os amo! Vocês são a chave para a porta dos meus sonhos, o que
quer dizer que nada conseguiria se eu não os tivesse. Obrigada por cada
surto, abraço, mensagem e por tanto carinho!
O próximo agradecimento vai à Deborah, minha revisora, que
trabalha arduamente ao meu lado e nunca me abandonou,
independentemente da minha ansiedade, das mensagens incessantes que
mando e do meu perfeccionismo, que deixa qualquer um louco. Obrigada,
Deh! Você é tão importante para mim! Uma pessoa adorável, inteligente,
encantadora e insubstituível.
Claro que não poderia deixar de fora as outras pessoas que nunca
largaram minha mão: assessora, ilustradora, capista, designer, divulgadoras
e parceiras. Meu muito obrigada a todas vocês! Se o trabalho ficou
impecável, é porque trabalharam com muito entusiasmo e amor.
Quero agradecer, também, a duas amigas em especial: Daiana
Machado e Adriele Ribeiro. Nunca vi nenhuma das duas pessoalmente, mas
são amigas tão verdadeiras, que sinto como se fossem irmãs.
Dai, obrigada por tantos conselhos. Obrigada por ter me dado a mão e
não ter soltado e por estar crescendo junto comigo! Espero, um dia, estar no
topo ao seu lado.
Adri, de leitora, você passou a ser uma grande amiga. Agradeço ao
mundo literário por ter me presenteado desta forma. Meus dias ficam
melhores com o tanto que dou risada dos seus surtos e piadas. Sem dúvida,
seu incentivo foi imprescindível para que este livro ficasse pronto.
Agradeço por tudo o que fez e continua fazendo por mim.
Com certeza, foi Deus quem escolheu cada um para estar ao meu
lado. Considero-me completa e muito abençoada!
Muito, muito obrigada!

Lais B. Ferreira
Outras Obras da Autora

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Adam é um sargento militar da ROTA, sério e detalhista que vive pelo trabalho. Afirma com
todas as letras que não acredita no amor e tem como companhia o seu melhor amigo Angus, um
Golden Retriever que traz um pouco de alegria para toda essa amargura do dono. Clarice vive em
situação de rua e usa sua voz maravilhosa para ganhar uns trocados nos metrôs de São Paulo. Mesmo
sendo uma mulher batalhadora e forte, não deixa de ser briguenta e durona. Ambos possuem um
passado traumático, cheio de feridas não cicatrizadas que interferem constantemente no presente. No
momento em que esses caminhos opostos se cruzam, a briga de cão e gato começa sem parecer ter
fim. Até que a vida abre os olhos de cada um e eles encontram um motivo pelo qual precisam se
ajudar. O plano seria perfeito, se no meio do caminho o coração não resolvesse dar as caras e os
presenteasse com uma paixão avassaladora.
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Marília:
É uma garota perdida.
Afogada em traumas e mágoas.
Está caindo em um poço escuro e vazio, sem perspectiva de retorno.
Aprendeu que não pode confiar em ninguém e que as pessoas machucam, até mesmo as mais
próximas.
Ele é o único que consegue lhe transmitir algum conforto. Porém, através das músicas, porque
pessoalmente isso nunca seria possível. Afinal, ela é só uma menina normalzinha da Zona Sul de São
Paulo, enquanto ele é o Canadense mais famoso do mundo.
Matthew:
É um astro mundial do Pop, conhecido e adorado por todos.
Pode conseguir tudo o que quer, ir aonde desejar e comprar todos os objetos que seu coração
ambiciona.
Só há uma coisa que não pode ter: Ela, a garota com a qual ele sonha há nove anos e nem sabe se
existe de verdade.
Mas não vai desistir tão rápido, fará shows em todos os cantos do mundo até encontrá-la e ter a
oportunidade de dizer o quanto a ama.
Eles:
"Quando te vi pela primeira vez, eu te amei.
Quando ouvi sua voz pela primeira vez, eu te amei.
Quando te beijei pela primeira vez, eu te amei.
Quando fizemos amor pela primeira vez, eu te amei.
Tenho certeza que te amei em todas as nossas primeiras vezes e, porra, eu te amo. Eu te amo tanto!"
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Esta é uma história que envolve muitos sentimentos, bons e ruins. Entre eles: Tristeza, angústia, raiva
e depressão, mas, muita paixão, amor, perdão e cura.
Sophia Guliver passou por momentos difíceis que a fizeram questionar se a vida é, de fato, boa para
se viver. Um grave acidente causou traumas que a fez se tornar uma mulher rancorosa e sem amigos.
Até que uma luz surge em sua vida, uma luz ruiva e translúcida, que muda o rumo da sua história.
Como explicar o inexplicável?
Nicholas é alguém que mostra que a vida faz sentido, alguém que apresenta o verdadeiro amor
incondicional que o mundo anseia em viver.
Este amor prova que nada é por acaso e traz fortes reflexões sobre os altos e baixos da vida.
Mas uma descoberta terrível os separa e a única coisa que pode fazê-los retornar é uma solução que,
em suas cabeças, não existe.
A jornada é intrigante e curiosa, requer cura e perdão, requer coragem e força. É de esquentar o
coração e amolecer os ossos.
Mas, afinal, sempre há uma solução.
Ou não?

[1]
Ela causará um grande problema em seu coração, amigo.
[2]
Você estava perdido. Agora está se encontrando.
[3]
Você quer morrer?
[4]
Não se esqueça que eu te amo.
[5]
Nunca.

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