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O Conde

Devil's Duke 02 / O Clube Falcão 05

Katharine Ashe
Sinopse

Emily Vale é uma escritora em ascensão abrigada sob o


pseudônimo de Lady Justiça. E a sua escrita incendiária está
deixando Colin Gray furioso. Além de ser o Conde de Egremoor,
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Colin é também Peregrino , o secretário do secreto Falcon
Club, que se dedica, entre outras atividades, a encontrar
pessoas desaparecidas. As exigências constantes de Lady
Justiça pelos mais pobres e as suas intromissões na política do
reino, pondo em xeque tanto sua nobreza como do Clube,
fazem com que Colin a considere sua Nêmesis.
E ele está decidido a desmascará-la.
O que Colin não sabe é que por detrás de Lady Justiça
está uma amiga de infância, a quem salvou sua vida quando
eram crianças.
Emily, por sua vez, também desconhece o papel de Colin
como Peregrino.
Quando a sua irmã desaparece, Lady Justiça vê-se
obrigada a recorrer ao Falcon Club e a Peregrino. Quando se
encontram, Emily fica chocada ao descobrir a verdade, mas
consegue proteger sua identidade com um véu.
Conseguirá Emily proteger o seu segredo do homem que
tanto adorava?
Será ela capaz de aceitar a ajuda do homem que ele se
tornou, símbolo de tudo o que ela detesta? E, no meio de tanto
conflito, poderá o amor florescer?
Clube Falcão

A MISSÃO
Encontrar pessoas desaparecidas e trazê-las para casa.

O diretor
Anônimo
(Duque de Read — secreto)

Os agentes
Colin, Conde de Gray — Peregrino, Secretário do Clube
(recentemente afastado)
Lady Constance Read — Pardal (Afastada)
Leam, conde de Blackwood, herdeiro do duque de Read —
Águia (Afastado)
Capitão Jinan Seton — Falcão do Mar/ Faraó (Afastado)
Wyn Yale — Corvo (Afastado)

A sua Nêmesis:
Lady Justiça, panfletista (ativa como sempre)
Uma nota da autora

Há duzentos anos sobre os saltos do Iluminismo europeu,


Edimburgo, Escócia, brilharam com estilo, riqueza e
sofisticação para competir com o glamour de Londres e Paris.
Mas como a cidade se vangloriou do renascimento, a zona rural
escocesa permaneceu espetacularmente inalterada.
Florestas escuras subiam pelas encostas das montanhas,
lagos reluzentes refletiam os céus que não conheciam o
nevoeiro do carvão, e infinitas colinas e vales cor de esmeralda
ostentavam abundantes ovelhas e a torre ocasional de
imponentes fortalezas construídas em épocas anteriores eram
beligerantes. Era uma paisagem de contrastes sublimes, de
delicadas flores silvestres e penhascos imponentes, névoas
silenciosas e tempestades violentas, cabanas aconchegantes
escondidos em fendas seguras e quilômetros em cima de
quilômetros de selva indomada.
Sair da estrada principal nesta terra era entrar em outro
mundo, um mundo em que tudo poderia acontecer, até mesmo
a transformação de inimigos em amantes e quebrando a
abertura de dois corações completamente trancados...
Epígrafe

“O exercício dos direitos naturais da mulher não tem outros


limites do que aqueles que a tirania perpétua do homem que se
opõe a eles. Estes limites devem ser reformadas de acordo com
as leis da natureza e da razão.”
Olympe de Gouges, A Declaração dos Direitos da Mulher (1791)
“A relação matrimonial constituída por lei [Inglesa]... confere a
uma das partes do contrato, poder legal e controle sobre a
pessoa, propriedade e liberdade de ação da outra parte,
independente de seus próprios desejos e vontade.”
John STuart Mill, em protesto contra as leis que regem o casamento (século XIX)
PRÓLOGO

O Menino Silencioso

Outubro 1801
Maryport Court, Cumbria, Inglaterra

Com a coluna vertebral dura, ereta e ombros


enquadrados, o menino sentou-se na cadeira perto da janela
com as palmas das mãos nos joelhos e as solas dos pés
pressionadas contra o chão. Ele não se mexeu. Nem mesmo
sua leve respiração agitava-lhe o corpo que era ossudo como
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um asceta ou seu rosto que estava vazio, como se um artista
tivesse desenhado suas características sem expressão,
esquecendo-se de investir humanidade nelas.
— Você deve permitir-me vê-lo, — sua mãe disse do outro
lado da porta com uma voz que fez o interior do menino
revolver-se.
A maçaneta da porta sacudiu. Mas o painel era sólido,
feito séculos atrás de alguma árvore antiga que havia crescido
na Floresta de Gray. No passado, com seus punhos
inadequados de menino tinha golpeado a porta. Ele ainda tinha
as marcas como um soldado de brinquedo que tinha sido
convocado para abrir uma brecha em uma fortaleza, sem
sucesso. Ele era muito fraco aquela época.
Agora ele deveria ser forte. Seus soluços torcendo-se em
sua barriga, mas ele permaneceu imóvel, olhando pela janela
para o parque. Além dos nus ramos de carvalho que
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arranhavam às vidraças como unhas de ardósia , ao longo da
estrada para o mar duas pequenas mudas de árvores lutavam
contra o vento frio, dobrando-se em conjunto em um canto da
colina. O jardineiro tinha dito que elas foram plantadas
imprudentemente, que quando elas crescessem se
aconchegariam uma com a outra, ou ambas iriam morrer. Mas
sua mãe tinha insistido.
Ele mal se lembrava dela; tinha apenas cinco anos na
época. Ela gostava de contar a história e ele gostava de ouvi-la
contar.
Agora, folhas de vermelho vibrante agarravam-se aos
ramos finos de uma das mudas, as douradas folhas da outra
brincando por perto. No empolado mundo do início de inverno,
seus olhos fixos sobre elas avidamente.
— Vá embora, Amélia, — disse o conde do outro lado da
porta, não inoportunamente, mas o sotaque irlandês de sua
língua era especialmente pronunciada.
— Eu não vou. — O trinco foi puxado novamente. — Você
deve permitir-me falar com ele, Eirnin. Por um momento
apenas. Eu o imploro.
— Não terá benefício para nenhum dos dois.
— Terá! Eu sei o que ele quer dizer. Eu o entendo. Você
não. E...
Que uma mão firme pudesse estalar em uma bochecha tão
limpa e macia, tão nitidamente, era estranho e doloroso e fazia
o menino sentir que agora poderia se desgraçar.
O suspiro de sua mãe borbulhava em soluços mais fortes.
— Não me contrarie — disse o conde com firmeza. — E
não implore. Não é digno da minha esposa.
— Eirnin, — ela sussurrou. Agora suas palavras eram
abafadas. — Eu peço-lhe.
— O menino vai falar por si mesmo, ou não falará nada.
— Você deve dar-lhe tempo. Pelo amor de Deus, ele é
apenas um menino.
— Ele é meu herdeiro. Ele será um homem mais cedo do
que qualquer um de nós espera.
— Ele será um bom homem, — ela insistiu. — E ele será
um grande lorde, mesmo que ele fale uma palavra ou não.
O pulso do menino pulsava em sua garganta. Ele abriu a
boca largamente. Ele umedeceu seus lábios com uma língua
grossa. Mas nada apareceu. Nada nunca saiu.
— Eu já tive o suficiente. — A voz do conde era mais grave
agora. — Tornou-o dependente de você, Amélia. Eu não queria
que isso acontecesse novamente, mas...
— Não, Eirnin. Você não pode. — Medo e descrença se
entrelaçaram através de seu sussurro. — Você não deve.
— Colin. — O conde falou através da porta semifechada.
— Sua mãe está indo embora. Se você quiser falar, faça-o agora
e eu permitirei que ela permaneça.
Seu corpo estava rígido. Uma névoa difusa invadiu sua
cabeça, quente, escura e sufocante. Ele podia sentir suas
narinas dilatarem, seus olhos coçarem, seu peito romper-se de
seu porão congelado e o frenesi de como o ar arrastava-se para
dentro e fora de seus pulmões.
Nenhum som saiu de sua boca.
— Assim seja, — disse o conde.
— Colin! — Sua mãe chorou, sem som, como se seus
lábios estivessem pressionados contra o painel. — Eu voltarei.
Não fique ansioso. Prometo que nos veremos novamente em
breve. — Havia lágrimas em sua voz. — Seja um bom menino.
Faça o que seu pai lhe pedir e ouça sempre o Sr. Gunter. Não,
Einin! Não, por favor. — Ela estava falando de mais longe de
repente. — Colin, — ela chamou, — lembre-se do que eu te
disse. Você é perfeito como é. Perfeito, meu querido filho.
E, em seguida, eles foram embora, seus passos ecoando
para baixo da escada, seus soluços desaparecendo.
Ele sentou-se por um longo tempo no quarto apenas com
uma única cadeira, até que o luz do dia desapareceu e ele não
podia ver as mudas de árvores na colina. Sem vela, ele
finalmente estava nas trevas e o frio rastejava em torno dele.
Mas ele permaneceu imóvel, apesar do rangido em algum lugar
que o fez tremer e do vento do mar que batia nas vidraças e
soava como fantasmas. O conde admirava coragem e força.
De manhã, quando a governanta viesse e abrisse a porta,
ele iria fazer suas lições com o Sr. Gunter, que diria ao conde
como ele era disciplinado, e quão era inteligente, apesar de sua
incapacidade de falar. Então, satisfeito, o conde permitiria que
ela voltasse para casa, como fizera em tempos anteriores.
E talvez desta vez, quando ela voltasse, talvez se tentasse
muito, ele falaria com ela.
Ele poderia fazer isso. Ele faria. Desta vez ele diria:
— Bem-vinda ao lar, mamãe.
Então ela o envolveria em seus braços e juntos eles ririam
de alegria.
CAPÍTULO 1

A Lady

Londres, 1822
Da Londres Weekly:

A amada panfletista de Londres, Lady Justiça,


ataca novamente!
Até hoje, Lady Justiça influenciou com sucesso os membros do
Parlamento a investirem suas energias nas reformas destinadas a ajudar os
pobres, os mineiros de carvão, operários de fábricas de tecidos, veteranos
feridos de guerra, estrangeiros, vagabundos merecedores, limpadores de
chaminés, trabalhadores portuários e moços “recrutados” para a Marinha
Real. Agora, para o deleite das mulheres em toda a Grã-Bretanha, ela voltou
sua atenção para os direitos das esposas. Nesta semana, a Lei da Felicidade
Doméstica estava na mesa — literalmente. Em um evento chamado de “O
Chá das Esposas,” nada menos que trinta e seis esposas de políticos
colocaram mesas de chá diante do Palácio de Westminster, cada uma coberta
com toalhas bordados com a declaração do projeto de lei de Lady Justiça: As
mulheres no casamento devem gozar de direitos iguais aos dos homens.
Que qualquer membro do Parlamento reaja, introduzindo essa lei e
empenhando-se num debate sensato, é duvidoso; alguns afirmam que permitir
às esposas autonomia dentro do casamento destruiria a Dignidade Masculina
que torna este reino grandioso. O Visconde de Gray, herdeiro do Conde de
Egremoor, o mais ardente detrator da lei, falou por muitos lordes quando
declarou: — A proposta é um disparate completo. — Lorde Grey ainda é
solteiro. Sorte dele! Pois esta colunista não tem dúvida de que, esta manhã,
havia em Londres pelo menos três dúzias de mesas com café da manhã
gelando.
(Lady Fitzwarren, viúva do lorde Fitzwarren, cujo serviço heroico no
Almirantado é bem conhecido, passou pelo Chá das Esposas para prestar o
seu apoio, e ouviram-na declarar: — Se um homem não consegue levantar
sua espada para uma esposa que exige que a reconheçam como sua igual, ele
pode como bem cortar a maldita coisa fora. )

Lady Justiça
Brittle & Sons, Impressoras de Londres

Querida Madame,
Durante cinco anos você criticou-me publicamente e aos
outros membros do meu clube. Publicou as cartas que lhe
escrevi, pedindo que deixasse de nos perseguir e, ao lado as
suas respostas a essas cartas. Fez falsas acusações e
deliberadamente entendeu mal o nosso propósito. Por entre o
ressoar da revolução você as publicou para que qualquer tolo
com libras pudesse comprar seus panfletos, me insultando, e a
meus amigos e a todos os homens que nos governam. Você tem
sido uma pedra o meu sapato.
Agora, que o Falcon Club finalmente se desfez, me escreve
— em particular — implorando minha ajuda.
Como eu devo responder? A descarada Lady Justiça
ajoelhada implorando a um membro entediado e devasso da
classe mimada e privilegiada por ajuda? Eu mal posso tolerar
isso. Devo publicar seu desesperado apelo para que o mundo
leia e julgue, tal como você publicou cada uma de minhas cartas
para você?
Eu não o farei. Em vez disso, agora farei as minhas
exigências. Diga-me como você descobriu a verdadeira missão
do clube e a razão pela qual você não revelou isso ao seu
público. Depois demonstre-me que sua coragem é pelo menos tão
grande quanto sua bravura: encontre-me cara a cara. Só então
considerarei seu pedido de ajuda.
Em antecipação da sua aquiescência,
Peregrino, ex-secretário do Falcon Club

Peregrino
14½ Dover Street, Londres

Prezado Senhor,
Durante anos você tem me insultado, provocado,
atormentado e flertado comigo através de sua correspondência,
quando tudo que eu busco, tudo que eu procuro é a melhoria
deste reino para o benefício da maioria de seu povo, pessoas que
você chama — tolos, — para que todos possam desfrutar de
suas riquezas e prosperidade, e não apenas os poucos
privilegiados e ricos que acumulam poder. Que você continue
afirmando que é a parte prejudicada me surpreende. Você disse
que eu sou uma pedra no seu sapato? Fico feliz por ter-lhe
causado desconforto! Quando um homem sente a maior dor é
que seu verdadeiro caráter é revelado — covarde ou herói.
Não posso dizer-lhe como descobri o objetivo do Falcon
Club. Comecei a suspeitar disso nos meses que se seguiram à
minha descoberta da verdadeira identidade do membro de seu
clube, que atendia pelo nome de Corvo. Se você possuísse
alguma inteligência, teria notado a mudança na minha
correspondência naquele momento: eu parei de fazer acusações
contra o seu clube. Meus comentários depois foram dirigidos
exclusivamente a você, às injustiças e as desigualdades sofridas
por inúmeros assuntos da coroa, dos quais homens como você
são completamente ignorantes, dando de ombros e afastando-se
na pior das hipóteses.
Quanto à sua segunda demanda, nunca te encontrarei
pessoalmente. Fazer isso seria pôr em perigo aqueles com quem
trabalho. Não vou pôr em risco a segurança das pessoas que eu
amo com o fim de satisfazer a sua vaidade. O desespero, no
entanto, me obriga a renovar o pedido de minha carta anterior.
Permita-me apresentar meu caso diante de você, por escrito e me
ajude.
Sinceramente, Lady Justiça

PS — Tome cuidado com quem chama de tolos. O imposto


inadequado que o governo cobra em panfletos do tipo que eu
publico impede que chegue a todos, menos pessoas que tenha
alguns recursos para comprá-los. Refiro-me a você e seus
amigos, Sr. Peregrino.

Querida lady,
Estou impressionado com sua tenacidade. Na verdade,
estou emocionado. Sua lealdade a seus amigos e sua
determinação em manter sua segurança apesar de sua
necessidade é louvável. Isso altera minha opinião sobre você
dramaticamente. Não só isso. Me deixa mais esperançoso como
nunca antes.
Como pode ser que o terno coração feminino que bate tão
sinceramente por esses amigos e as pessoas da Inglaterra
poupe um espaço para mais uma alma?
Temos sido amigos íntimos nas nossas cartas pública há
anos que sinto que a conheço. Eu quero que você me conheça
também, sinceramente. Permita-me reivindicar sua amizade
pessoalmente para que possa ver em seus olhos sua admiração
por mim e, ao ouvir a estima em minha voz, saber que sou —
finalmente — um homem mudado por sua causa.
Encontre-me e eu juro respeitar o seu pedido de ajuda.
Com esperança,
Peregrino, ex- secretário do Falcon Clube

Caro Senhor,
Da condenação à sedução em tão poucas linhas! Você me
deu uma chicotada. Suas lisonjas, no entanto, não me seduzem.
Não permitirei que me seduza através de cartas para me fazer
cair ofegante na mais perfeita idiotice. O fato de você imaginar
que ganhará minha submissão tão facilmente através de uma
duplicidade de insultos tão transparente, me faz pensar se
realmente leu uma palavra do que escrevi nos últimos cinco
anos.
Repito: eu não irei encontrá-lo.
Mas, em um fato você forçou–me a ceder. Vou divulgar o
teor do meu pedido, na esperança de que sua humanidade
supere sua teimosia e venha em auxílio de alguém que está em
perigo.
Uma jovem das minhas relações desapareceu. Durante
vários anos escreveu-me das Índias Ocidentais com perfeita
regularidade, contudo, não recebo uma carta sua em meses.
Tenho razões para crer que tentava desvendar um mistério e
viajou para a Escócia em busca de respostas.
Eu não tenho recursos para investigar o seu
desaparecimento como eu gostaria. Desejará o senhor confirmar
a minha opinião original, de que não passa de um aristocrata
ocioso, apenas com divertimentos mesquinhos a inspirá-lo? Ou,
Sr. Peregrino — até recentemente um agente secreto, dedicado a
encontrar pessoas perdidas, — ajudar-me-á?
Impacientemente, Lady Justiça
CAPÍTULO 2

O Lorde

Setembro de 1822
Maryport Court - Cumbria, Inglaterra

O vento correu por toda a encosta, camadas de sal cobria


os lábios, bochechas e agitavam a cauda e crina dos cavalos
frísios que puxavam o ataúde no qual o nono conde de
Egremoor jazia envolto em uma mortalha. Os presentes
abotoaram seus casacos e capas mais apertados sobre eles,
caminhando em direção ao mausoléu lutando contra o
vendaval que se precipitava do oceano como um deus lascivo
com a intenção de arrebatar a terra.
Entretanto, todos, exceto um enlutado, parecia não
despender esforço na subida. Colin Gray, que já há uma
semana, era agora o décimo conde de Egremoor e Senhor desse
vasto trecho da costa Norte violada pelo vento, caminhava
como se fosse o dia mais ameno da primavera. A severidade
marcava seus traços, que eram regulares, fortes e bonitos, com
linhas finas e duras nos lados da boca, que sugeriam que ele
raramente encontrava motivo para risos, e olhos que eram ao
mesmo tempo um tom improvável de azul escuro e desprovido
de emoção.
O novo conde não estava triste sobre a perda de pai nem
se regozijava com a morte do velho conde. Sua dor era nova,
aguda e sombria. Ele não se recuperaria logo disso. Mas estava
abaixo dele para revelá-lo.
No momento ele estava, de fato, pensando em fumar.
Especificamente, sua mente estivera ocupada durante minutos,
evocando a lembrança do sabor de um tabaco em particular
que ele não tivera oportunidade de desfrutar por algum tempo,
não desde que voltara ao seu estado ancestral meses antes.
E ele estava pensando no sabor de uma mulher.
Anos atrás, o conde lhe ensinara que os dois formavam
um conjunto: um bom fumo e uma boa mulher eram
apreciados em sucessão, a fumaça sempre depois da mulher,
para limpar os sentidos do apetite carnal desordenado.
Concernente a este último, Colin não poderia concordar.
Ele gostava bastante do sabor da mulher.
Ele nunca havia mencionado isso ao conde, é claro. O
nono conde de Egremoor não havia aprovado a fraqueza que
alguns homens demonstravam em relação às mulheres. Ele
nunca aprovara fraqueza de nenhuma forma.
No mausoléu, Colin seguiu o padre e os jovens vestidos
com vestimentas de exuberância rendada descendo as escadas.
Um balançava um incensório, tilintando o globo de metal no
ritmo, contra a longa corrente, para que a fumaça da cor da
chuva subisse para preencher a cripta com o perfume sagrado.
Era um ritual papista, mas o conde era irlandês e um grande
homem. O seu único filho não lhe recusaria os complicados
rituais fúnebres.
Enquanto os carregadores pousaram o caixão sobre o
pedestal, Colin não deu sinais externos de que seus batimentos
cardíacos haviam se tornado fracos. Ele não havia entrado
neste mausoléu em duas décadas. A um metro e meio de
distância, estavam os ossos da sua mãe.
Quando a cerimônia terminou, ele desceu a colina diante
dos silenciosos acompanhantes, todos eles de Egremoor e das
aldeias vizinhas, exceto dois convidados: Leam Blackwood e
Jinan Seton. Dentro da casa ele aceitou as condolências dos
camponeses e fidalgos que eram agora seus arrendatários, e os
pêsames da nobreza local. O conde tinha sido um homem
indiferente, mas um vizinho justo, generoso e soberano.
Ninguém tinha razão para acreditar que seu herdeiro seria
diferente. Em vozes abafadas, desejaram-lhe felicidades.
Finalmente o fluxo dos pranteadores chegou ao fim e seus
convidados estavam desfrutando da abundante refeição que
seus serviçais tinham preparado, e bebendo liberalmente com
abundância. Leam e Jin haviam desaparecido. Retirando-se,
Colin foi ao seu escritório.
Leam Blackwood, lorde de um domínio considerável a
oitenta quilômetros de Edimburgo e, por vezes, poeta, segurava
um copo de conhaque na palma da sua enorme mão. Um
escocês cuja mecha de cabelo branco revelava a tragédia em
seu passado, Leam era seu amigo mais próximo, há anos. No
entanto, agora, a sobrancelha do escocês demonstrava seu mal
humor.
— Você ainda guarda rancor? — Colin perguntou,
caminhando para a frente.
Leam veio apertar sua mão.
— Agora não é hora de recriminações, é claro. Kitty teria
vindo se não fosse pelo pequenino.
Colin se virou para o outro homem.
— Jinan.
Os olhos cristalinos de Jin Seton avaliaram-no com a
sabedoria muda de um rei pintado sobre um sarcófago egípcio.
Colin e o ex-pirata nunca se deram bem. Mas o caráter de
Seton era mais nobre do que a maioria dos homens de
linhagem aristocrática e títulos augustos que Colin conhecia.
Ele nem sempre aprovara os métodos de Seton para realizar
suas missões no Falcon Club. Mas confiava nele.
De todos os homens do mundo, de fato, ele confiava mais
nesses dois. O outro homem no qual ele tinha depositado
confiança, o diretor do clube, tinha recentemente lançado sua
confiança para os cães. Por mais de uma década Colin tinha
agido ao comando da coroa e do diretor. Ele havia reunido um
pequeno grupo de amigos — três homens inteligentes,
corajosos e uma mulher extraordinária — e os enviava em
viagens, dando-lhes missões, confiando-lhes a segurança e o
bem-estar de inúmeros outros. Durante a guerra, seu trabalho
ajudou a proteger o reino e, após o tratado, os membros do
clube fizeram um grande bem pela Inglaterra. Mas a última
manobra do diretor com a única mulher do clube deixou um
gosto amargo na boca de Colin.
— Constance ainda não escreveu para você, escreveu? —
Disse Jin por meio de saudação.
— Ela não o perdoou. — Leam engoliu o restante do
conhaque.
— Não, ela não perdoou. — Ele não a culpava. Por anos
ele tinha mantido o segredo da identidade do diretor do Falcon
Club no anonimato de Constance, Leam, Jin, e do quinto
homem, Wyn Yale. Depois, na primavera o diretor tinha se
revelado a Constance, sem aviso ou mesmo tato, de forma
cruel, a fim de controlá-la de uma maneira que Colin nunca
tinha imaginado ser possível.
E para controlar a ele também.
Aproximou-se do aparador, retirou a tampa do frasco de
cristal e fez um gesto na direção do amigo.
— Outro?
— Ela está ferida, — disse Leam, oferecendo seu copo para
ser recarregado. — Sinceramente magoada ao descobrir que
você não confiava nela o suficiente para contar-lhe. Yale,
apesar de fingir que tudo é uma fantástica brincadeira,
também não gosta, suspeito que, principalmente, por causa de
Constance. Mas para ele isso basta. Droga, eu também não
gosto disso. — Ele gesticulou para o ex-pirata. — E Jin
arriscou sua vida naquele navio mais de uma vez pelo o clube.
Nós todos arriscamos nossas vidas para ele, quando ele estava
bem debaixo dos nossos narizes o tempo todo. Nós poderíamos
ter...
— Desistido? — Colin ofereceu um copo de conhaque para
Jin. — Lembre-se que você saiu. Todos vocês. E ele o liberou,
assim como você desejava.
— Você poderia ter-nos dito a verdade, — Jin disse
suavemente.
Leam zombou.
— Constance iria ficar com raiva independentemente do
momento em que soubesse. — Ele bebeu um gole. — A nobreza
de um homem revela-se pela sua honestidade, Gray.
Colin foi até o aparador, pegou um copo vazio e deixou a
luz das velas borrar sua visão.
— Quando ela criou aquele escândalo público com
Sterling, — disse ele, sentindo o padrão do cristal contra a sua
mão como se fosse a primeira vez que ele sentia uma coisa
assim: qualquer coisa. Textura, sensação, aroma, sabor. Tudo
lhe parecia tão estranho.
— Ele ordenou-lhe que casasse comigo.
Leam engasgou.
— Ao diabo que ele fez isso!
Colin verteu o conhaque no copo.
— Ele disse que ela tinha arruinado a si mesma e aos
planos dele, e que para salvar sua reputação e seu projeto ela
deveria ter um marido de riqueza e posição, coisas que, como
era evidente, Sterling não possuía. Ele disse que eu faria o que
ele desejasse. — Como ele sempre fizera. Até o diretor ter
quebrado a confiança dos amigos nele, e exigido que dedicasse
todo o seu futuro a uma cruzada que nem lhe fora permitido
compreender.
Os olhos de Leam mostraram indignação. A boca de Jinan
era uma linha dura.
— Mercenário demais para você, Jin? — Perguntou Colin.
— Maquiavélico, — o homem que tinha sido um dia
escravo respondeu. — Filho de uma cadela.
Colin levantou uma sobrancelha.
— Ele ou eu?
— Que resposta você deu a ele?
— Nunca cheguei a isso, — disse ele, lembrando-se da
fúria na carta de Constance com ele, antes de seu casamento.
— Ela se recusou a concordar com seus desejos.
— Estamos melhor livres dele — resmungou Leam, e
depois franziu a testa. — Você está livre dele, não é, Colin?
Livrou-se do clube finalmente?
— Sim. — Livre do jugo que aceitara de bom grado,
quando estava claramente ansioso por deixar esta casa. Livre
de cumprir as exigências do seu mentor. A licitação de
qualquer outro homem. Ele ergueu o copo para seus amigos e
eles retornaram a saudação. — O Falcon Club não existe mais.
Agora apenas uma missão final o aguardava: a missão que
ele atribuíra a si mesmo.
Ele colocou o copo vazio, querendo mais, querendo sabor.
Mas tinha outra visita para receber, e novidades para ouvir.
— Eu vi Grimm entrar — disse Leam, como se lesse seus
pensamentos.
— O escritório do clube, na cidade, está para ser
arrendado, — disse Colin. — Ele veio para finalizar isso. —
Mesmo agora, ele reteve toda a verdade deles.
— Então devemos permitir que você cuide de suas
responsabilidades, — Jin disse, finalmente se aproximando e
estendendo a mão. — Boa sorte, Colin.
— Dê os meus cumprimentos para Viola.
Agora o marinheiro sorria.
— Eu darei.
Leam agarrou seu cotovelo e segurou-o com força e
apertou.
— Sinto muito pela sua perda, rapaz. Seu pai era um frio
filho da puta. Mas ele era um bom homem. — Leam soltou e
deu-lhe um sorriso completamente escocês. — Bem-vindo a
nobreza, velho amigo.
— Obrigado por ter vindo, — ele disse, sua garganta dura
contra um aumento de vazio.
Eles partiram.
Colin abriu uma caixa de charutos em cima da mesa e o
aroma encheu suas narinas de uma forma picante. Era apenas
um paliativo, assim como o conhaque. Ele precisava de uma
mulher. Ele precisava da maciez sedosa de um corpo feminino
contra o dele, a doçura de uma boca e o gosto de uma mulher,
o exuberante aroma almiscarado de morango do perfume de
uma mulher em sua pele. Mas Egremoor era seu agora, e um
homem que tirava o prazer com mulheres de classe comum sob
sua proteção não era digno de sua posição ou sangue.
A porta se abriu e Grimm a encheu por completo.
— Milorde. — O gigante inclinou-se como uma montanha
curvada.
O Falcon Club tinha se dissolvido, mas seu homem de
todas as tarefas ainda vivia no apartamento acima do local de
encontro do membros do clube em Londres. Sua aparição aqui
significava apenas uma coisa.
Colin ofereceu-lhe um charuto.
— Fume comigo.
Grimm acendeu-o com uma acha do fogo da lareira e deu
a Colin, que voltou a colocar a caixa na mesa.
— Você tem uma carta para mim, Joseph?
Grimm enfiou a mão no casaco e tirou um envelope. Colin
sabia que a escrita à mão dentro do envelope era ousada e
firme e quase igual à de uma mulher.
— Chegou ontem, — disse Grimm, soprando uma nuvem
de fumaça. — Sabia que você estava esperando por isso.
— Obrigado por trazê-la para mim tão rapidamente.
— Você sabe que eu faria qualquer coisa por você,
milorde.
Ele sabia disso. O conde o havia treinado bem para
merecer o respeito e a lealdade de seus subordinados, assim
como seus iguais. E ele foi bem sucedido nisso com todos.
Todos, exceto seus quatro amigos mais próximos, que agora
não desejavam vê-lo e que fosse ao diabo, e o autor da carta em
sua mão também.
— Eu sou grato por sua lealdade, Joseph.
Grimm inclinou-se e saiu, soltando a perfumada fumaça
atrás dele como tentáculos de tentação.
Deixando a carta na mesa, Colin retirou outro envelope do
bolso do peito, este já estava aberto, e colocou-o diante dele.
Lorde Vale não esperara nem uma hora depois de ouvir sobre a
morte do conde de Egremoor para enviá-la. E ainda, cinco dias
depois, Colin não respondera.
Já há algum tempo ele acreditava estar livre dessa
responsabilidade. Vale tentou mais de uma vez casar sua filha
mais velha com outros homens. Nenhuma dessas tentativas se
concretizou; ela tinha rejeitado todos os pretendente. Agora,
Lorde Vale parecia acreditar que ele poderia forçar um
casamento através do pacto que dois companheiros de armas
tinham feito décadas atrás. Esta manhã, na leitura do
testamento, Colin finalmente compreendeu a razão do excesso
de confiança de lorde Vale, de que o filho de seu velho amigo
concordaria com o prometido.
Ele não iria, claro. Emily tampouco queria isso. Ele não
queria isso. Durante anos, os dois se evitavam. Não havia razão
para alterar isso agora.
Vê-la no casamento de Constance em abril fora um
choque. Distraído pela doença do conde, ele não previra isso.
Ficar cara a cara com ela o havia desprevenido.
Ele não se importava em ser pego de surpresa. E ele não
se importava com o que a visão dela fazia com ele,
inesperadamente ou não.
Agora ele deveria lidar com isso, é claro.
Largando carta de Vale sobre a mesa, ele tomou o
envelope que Grimm havia trazido de Londres, abriu o selo, e
começou a lê-la. Os arcos e as junções das palavras finais
pareciam escritas com urgência, e ele as estudou. Lady Justiça
estava desesperada.

Sr. Peregrino — que até recentemente era o líder de uma


agência secreta do governo dedicada a encontrar pessoas
perdidas, — você vai me ajudar?

Mais uma tarefa, não para o clube ou seu diretor. Para ele
mesmo.
Ele retirou uma folha de papel e uma pluma e escreveu
três palavras em resposta. Selando a carta, ele puxou a
campainha chamando seu criado. Enquanto esperava, ele foi
até a janela.
— Informe ao Sr. Grimm que ele retornará a Londres
imediatamente com isso, — disse ele quando Cooper entrou. —
E prepare-se para a minha partida amanhã.
Ele olhou para a colina, para as duas árvores ao longo da
estrada. Elas haviam crescido entrelaçadas, seus galhos
emaranhados, a casca cinzenta de um e o marrom da outra
quase indistinguíveis em seu abraço. Assim como o jardineiro
havia predito anos atrás. Assim como sua mãe, estupidamente,
havia planejado.
— E, Sr. Cooper, — disse ele. — Diga ao jardineiro que eu
gostaria de vê-lo.

****
Londres, Inglaterra

Zenóbia, nascida Emily Anne Vale, mas ultimamente


autodenominada com o nome da rainha do século III, do
Império de Palmira da Síria, que se rebelara contra o opressivo
regime do Império Romano e conhecida de forma mais ampla
para os londrinos como a panfletista anônima Lady Justiça,
defensora dos pobres e oprimidos, e que ridicularizava a
aristocracia por sua devassidão e desprezo pelo bem-estar dos
outros e que nunca fora de fazer fofoca. Ela não precisa fazer.
Sua criada e a sua acompanhante de longa data eram
atualizadas em tudo, e ela ouvia todos os detalhes sórdidos da
vida dos ricos e bem-nascidos através delas.
— Aquela esgueira-se para a despensa depois dos criados
irem dormir e bebe o xerez da cozinha — disse sua criada,
Shauna, acerca de uma mulher que caminhando ao longo do
estrada. — E aquela usa pepino para dormir todas as noites
porque acha que vai tirar as rugas, pobre moça. E aquela tem
encontros ilícitos com seu primeiro lacaio.
— Ooh. Isso não parece um hábito tão ruim — respondeu
Clarice, jogando um xale de franja preta sobre o ombro com um
efeito dramático. Uma francesa de cinquenta anos e com
grande estilo, Clarice Roche adorava o efeito dramático.
— Se você considerar realmente fazer de Franklin seu
quarto marido, Clarice, vou colocar você para fora de casa. —
Zenóbia não levantara seus olhos de seu livro. O sol estava
quente e o parque ainda pouco povoado a essa hora. E a
Monarquia de Dante era quase interessante o suficiente para
distrair sua mente para onde se desviava ultimamente. Sete
meses sem uma carta de sua irmã Amarantha eram demais.
4
— Como você é divertida, ma petite .
— Esse homem usa espartilho, — disse Shauna para um
cavalheiro que passava.
— Muitos homens usam espartilhos. — Zenóbia virou uma
página. — A gula impulsiona a necessidade e a vaidade torna o
desconforto suportável.
— Você vê, milady, — disse Shauna, sorrindo, — muitas
pessoas têm segredos que todos conhecem.
— A alta sociedade se desintegraria sem seus segredos
para dar-lhes estrutura, Shauna. Dissipação e excesso de fluxo
de um salão a outro, caiadas de branco e vestidas com trajes
elegantes e joias reluzentes para esconder o fedor de almas
vazias por baixo. A aristocracia britânica é um pântano
efervescente de segredos e mentiras.
— Você deveria contar a todos o seu segredo.
— Eu apreciaria a tranquilidade para ler.
5
— Sauf , o Lorde Grey, — disse Clarice. — Ele não.
Zenóbia recusou-se a se contorcer. Ela proibiu esse nome
de ser falado em sua casa. Mas elas não estavam agora na
casa. Clarice era inteligente.
— Ele não tem um segredo? — Shauna perguntou.
— Ele não usa espartilhos, — Clarice esclareceu.
— Ele não precisa, — disse Shauna com um pouco de
sutileza. — Ele é o homem mais bonito que já vi entre os mais
belos, em um mês de dias festivos.
6
— Tout à fait , — Clarice arrulhou. — Com os ombros
largos para fazer o coração palpitar, e os olhos sublime, de um
azul tão escuros como a meia-noite que parecem olhar para a
alma de uma mulher.
— E ele é meio irlandês. — Shauna suspirou.
— Passar os dedos no cabelo de um homem assim é
divino, — Clarice murmurou. — Tão escuro e acetinado.
— E aquela mandíbula! É para ser mordiscável.
— Mordiscável não é uma palavra. — Zenóbia empurrou
seus óculos mais longe dos olhos, até seu nariz e leu a frase no
topo da página pela quarta vez.
7
— Ah, oui! — Clarice disse. — Quadrado, nobre e
barbeado para ser tocado com as pontas dos dedos.
— Ele ainda tem uma covinha, — exclamou Shauna. —
Mas só em uma bochecha.
Clarice estalou a língua.
— É adequadamente simples para um homem de sua
8
posição e fortuna, non ?
— É verdade.
— Chega. — Zenóbia levantou-se e enfiou o livro debaixo
do braço. — Vocês efetivamente arruinaram o parque para mim
hoje. Traidoras, vocês duas. E parem de me encarar agora
como se eu fosse um cordeirinho perdido, está bem? É
totalmente inapropriado.
Sua criada inclinou a cabeça.
— Nós só queremos o que é melhor para você, milady.
— Eu ouço o suficiente disso nas cartas da minha mãe.
Eu não preciso suportar isso de vocês também.
— Você deveria se casar com ele.
— Vocês quase me fazem lamentar minha postura
igualitária sobre o relacionamento adequado entre
empregadores e empregados, — disse ela com bastante
sinceridade.
Os olhos de Shauna brilharam.
— Mas você deveria se casar com ele.
— Você não deve deixar se iludir com covinhas e ombros
largos, Shauna. Toda essa nobre virtude e sóbria
responsabilidade que ele e os homens como ele fingem
possuírem são meras cortinas de fumaça, para esconder a
inutilidade sem sentido de sua existência aristocrática
obsoleta.
— Milady é um membro da aristocracia.
— Outra coisa que é infeliz verdade, nós não temos nada
em comum. Ele é o pretexto e privilégio dentro do embrulho
caro. Eu sou uma amante do conhecimento. Eu passo meus
dias buscando a verdade e compartilhando com os outros que
também buscam a verdade. Por que diabos eu deveria casar
com um homem assim?
— Ma petite não deveria se casar com o Lorde Gray. —
Disse Clarice com os lábios vermelhos se curvando em um
arco. — Ela deve se casar com ele.
— Ele é a favor das Leis do Milho, e está entre aqueles que
se opõem violentamente à reforma da Câmara dos Comuns. —
Ela assinalou em seus dedos. — Ele não tem esposa nem
filhos, mas possui pelo menos três carruagens e nada menos
que quatro cavalos de selagem, o pior tipo de consumo
ostensivo da elite privilegiada. — E ele mal tinha falado com ela
em dezoito anos. — E ele parece que tem um pau no traseiro.
— Milady o admira.
— Na verdade eu não gosto dele. Detesto-o.
9
— Ma chère , o conde de Egremoor morreu.
Zenóbia piscou.
— Foi apenas — ela recitou em voz alta as palavras que
recitara silenciosamente para si mesma durante anos — um
acordo informal.
— É o que o velho conde mais queria, milady.
Ela olhou para Shauna.
— Como na terra que você sabe disso?
— Sua mãe
Zenóbia tirou os óculos e enfiou-os no bolso da capa.
— Estou indo para casa agora. Se vocês não se importam
de me acompanhar, eu irei apreciar a companhia. Mas se
qualquer uma falar disso de novo, eu cessarei de falar com
vocês. Permanentemente.
Nenhuma das duas respondeu. O silêncio fora totalmente
ao contrário de tanto anos.
— O que é? — Ela exigiu. — Digam-me.
— Não quer ter uma família, milady?
Um mar de sensações encheu sua barriga.
— Vocês querem me deixar? — Ela olhou de uma para a
outra. — É o que acontece? Vocês estão cansadas de viverem
com uma estranha pata excêntrica e desejam lançarem-me fora
em favor de companhias mais elegantes?
— Non!
— Não!
— Eu pensava que éramos felizes, as três, com o Franklin
e Jonah. E a Sra. Curly também. Eu pensei que nós éramos
uma família. Um pouco convencional, para ser exata, mas
felizes.
— Nós somos, milady! — O rosto sardento de Shauna
enrugou quando ela olhou para Clarice.
— Ma chère, este casamento, seria bom para você.
— O casamento não é bom para nenhuma mulher,
Clarice. Ele a liga a um dono como correntes, e silencia sua
voz, como certamente, uma mordaça de pelúcia faria entre os
lábios. Por que eu deveria querer isso? Eu tenho sido
abençoada com um pai carinhoso e negligente e, estou livre
para fazer a maioria das coisas que eu desejo, e com os
recursos para fazê-lo. Eu não tenho vontade de me submeter a
um lorde potencialmente mais duro. Eu ainda tenho trabalhos
a fazer, tanto trabalho que não tenho tempo de ficar aqui e
discutir isso com você.
— Mas, ma petite, há o romance.
— Flores e poesia e grandes gestos, — acrescentou
Shauna. — Você merece, assim como qualquer mulher.
— Romance é um pretexto para acalmar as mulheres a se
submeter a autoridade dos homens.
— Mas o que acontece sobre o amor? — Clarice disse.
— Veja o que aconteceu com a minha irmã quando ela se
apaixonou! Ela desistiu de sua família e da Inglaterra para
seguir um homem através do oceano e agora está desaparecida.
— Ma chère, — disse Clarice. — O casamento com um
homem bom não é assim.
— O marido de Amarantha era um bom homem, mas ela
ainda está desaparecida. — O mais importante, Colin Gray não
era um bom homem. O problema era que ninguém mais sabia
disso. Até mesmo suas queridas amigas Kitty Blackwood e
Constance Sterling se importavam com ele. Mas elas não o
conheciam como ela, uma vez há muito tempo, o conheceu. —
Clarice, eu não tenho uma mente fechada. Mostre-me algo
realmente bom em forçar uma mulher a abandonar sua vida,
sua autonomia legal, por um homem, e eu poderia começar a
repensar a minha posição sobre o casamento.
— Pfft! — Clarice fez uma careta bonita. — Você fala
sempre do pensamento! E o sentimento? Ma petite, você deve
permitir-se experimentar o tumulto do coração antes de se
fechar em uma torre para o resto da sua vida.
— E não faria mal tentar mordiscar um belo queixo
quadrado também, — Shauna sugeriu.
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— C'est ça ! As delícias da carne devem ser provadas
enquanto se é jovem. Ah, a paixão do amor em plena
juventude, é sublime. — Clarice suspirou. — Você não deve
negar isso a si mesmo isso, ma petite.
Não sabiam, é claro, que ela já experimentara as delícias
da carne. A curiosidade levou-a a isso. Mas a mera noção de tal
coisa, ao lado dos pensamentos de Colin Grey, fez com que ela
se sentisse mal, ao modo dos pulmões que sugaram
acidentalmente a água e depois tiveram de lutar para respirar.
— Parem com isso, — disse ela. — Por favor. Eu não tenho
nenhuma intenção de acorrentar-me a um homem.
— Mas o falecido conde...
— E eu garanto que, mesmo que meus sentimentos
mudem sobre a instituição, o novo conde de Egremoor é o
último homem na terra com quem me casaria.
CAPÍTULO 3

Um Encontro, Finalmente

Zenóbia estava em sua mesa de escritório, a pena entre os


dedos, mais acostumados a ela do que agulha de costura,
óculos empoleirados na ponta do nariz e cabeça inclinada para
o seu mais recente panfleto quando, em uma voz sinistra,
Franklin anunciou:
— O Conde de Egremoor.
Jogando uma folha em branco sobre seu trabalho, ela se
levantou.
Na porta da sala de estar, ele se postou, ofuscando a
altura do lacaio. A cor do dia frio se espalhava pelas suas
maçãs do rosto, mas fora isso, ele era exatamente como o vira
em Edimburgo meses atrás: elegante, discreto, e
absolutamente perfeito. Desde sua gravata em padrão italiano
até suas botas que brilhavam como a lâmina de uma espada,
não havia matiz que não combinasse ou ângulo que
desagradasse. Imóvel, severo e inteiramente focado nela, ele era
uma criatura forte e magnífica, de sangue nobre impecável, que
a observava como um falcão caçando do alto e julgando sua
presa insignificante.
Um irritante silêncio pairou por toda a sala. Que ele não
falasse, fez com que ela sentisse sua coragem elevar-se; ele
deveria estar no mínimo tão infeliz quanto ela com este
encontro.
— Você não precisava ter vindo, — ela finalmente disse. —
Ter-me-ia contentado com uma carta do seu secretário.
Não poderia ser um sorriso causando a pequena sombra
em sua boca. Este homem não sorria. Ele se curvou
maravilhosamente, no entanto, sem excesso ou floreio, mas
com um controle glorioso. O chapéu e o chicote de equitação,
ainda, a seu alcance eram adereços para revelar os tendões e
os longos dedos de suas mãos, e deixavam claro que ele não
pretendia uma longa visita.
— Boa dia, minha lady. — Sua voz era tão suave e
profunda como tinha sido na Escócia na primavera, quando ele
mal tinha falado com ela, apesar de sua presença no mesmo
casamento. — Eu confio que você está bem.
— Oh, por favor, — ela disse secamente. — Você não se
importa se eu estou bem ou não. E eu não ligo para convenções
sociais vazias, então vamos dispensar a conversa fiada. Eu ouvi
sobre a morte do seu pai e sinto muito. Você tem minha
sincera condolência.
— Eu tenho? — Ele entrou na sala e ela teve o impulso
mais perturbador de aproveitar o atiçador da lareira para
brandi-lo. Mas ele parou no meio do aposento.
— Sim, você a tem, — disse ela. — Então, agora, pode ir
embora.
Algo afiado brilhou em seus olhos e ela sentiu em seu
estômago como um pequeno choque.
— Acabo de chegar, — disse ele.
— E isso é realmente o tempo dessa vista que eu posso
suportar, — disse ela. — Bom dia, meu lorde.
— Emily.
Ele disse de uma forma não digna de nota. Mas o som do
nome dela em sua língua fez algo horrível em seu interior: isso
se transformou em um nó muito antigo de dor indesejada.
— Eu sou Zenóbia, — disse ela antes que ele pudesse
continuar. — Há vários meses.
— Eu entendo. — Ele avançou outro passo.
— Pare. — Ela estendeu a palma da mão. Seus olhos eram
o mais belo tom de azul, tão escuro e tão familiar. Houve uma
época em que ela pensava que o sorriso mais caloroso do
mundo repousava naqueles olhos. — Eu ofereci minhas
condolências e disse bom dia, e realmente eu quis dizer ambos.
— Ela não era, afinal de contas, uma mulher que caia
despedaçada sobre um par de olhos escuros. — Por favor, saia.
— Ainda não posso. — Sua mandíbula era exatamente
como Clarice e Shauna disseram: tensa e bonita e neste
momento envolvido em uma intrigante e pequena dança de
tensão muscular. — Eu devo dizer algo primeiro.
Ela franziu o cenho e tentou não olhar para o músculo
flexionado.
— Diga, e depois saia.
Seus ombros pareciam se fixar ainda mais firmemente no
lugar.
— Minha lady, — disse ele em uma voz bastante temível,
— você me dará a honra de se tornar minha noiva?

****

Apesar de toda a sua experiência em acovardar pessoas


que ele desejava, Colin nunca tinha visto, realmente, a cor
sumir do rosto de uma pessoa tão rápida e inteiramente como
agora de Emily. Se ele precisava de confirmação que ela temia
este momento, aqui estava no branco pergaminho de suas
bochechas e sobrancelhas. Até os lábios dela estavam pálidos
— lábios admiráveis, cor-de-rosa e bem torneados, formados
para o riso em vez do espanto que os separava agora. Seus
olhos se arregalaram, de uma esmeralda brilhante atrás das
lentes dos óculos de aro dourado. Seu queixo era de uma fada,
não macia e arredondada, mas ligeiramente afilado, e suas
feições belas. Seus cabelos não mudaram em vinte anos, exceto
que agora os fios claros estavam confinados em um penteado
simples, em vez de se enroscarem como agulhas de pinheiro e
fitas desencontradas. Vestida sobriamente em azul, ela era o
retrato de uma jovem reclusa e claramente surpreendida, e ele
desejou poderosamente que esse encontro acabasse
rapidamente.
— Você já fez sua brincadeira, — ela disse para o pesado
silêncio.
— Eu não brinco.
— Bem, então enlouqueceu.
— Pelo contrário.
— Oh. — Um “V” delicado arremessou a ponta de seu
nariz acima do aro de ouro. — Você foi obrigado a oferecer-me
matrimônio, não foi? Pelos os termos do testamento de seu pai.
Ela era inteligente, perspicaz e franca, de uma maneira
que envergonharia a maioria das outras mulheres. Ela não se
importava com o que os outros pensavam dela. Ela nunca se
importou.
— Foi, — disse ele, porque sempre fora honesto com ela.
Exceto uma vez.
— Você não precisava ter vindo aqui. Poderia ter escrito
para meu pai em Willows Hall.
— O testamento especificava o modo como eu deveria fazer
a oferta.
— Até isso? Que repugnante de seu pai.
— Eu devo... — Ele encontrou a necessidade sem
precedentes de limpar a garganta. — Eu também sou obrigado
a aguardar sua resposta.
— Isso não poderia ser mais idiota, poderia? Não vou
casar com você. Agora pode ir embora. — Ela se virou para a
mesa, depois olhou por cima do ombro, com os olhos bem
arregalados. — Você não é realmente obrigado a casar comigo
para herdar Maryport Court, é? Isso não poderia ser legal. A
propriedade está vinculada.
Na verdade, ele sentiu a coluna enrijecer, as vértebras se
alinhando perfeitamente.
— Por quê? — Ele deveria sair. Imediatamente. Antes de
dizer algo, que o fizesse se arrepender. — Se fosse, sua
resposta seria diferente?
— Claro que não. — Ela fez uma pausa e o alarme cintilou
nas esmeraldas dos seus olhos. — É esse o caso?
Não. Mas a exigência de que ele se casasse com ela, a fim
de manter o controle das extensas propriedades não vinculadas
a West Country, bem como as joias de sua mãe, era.
— Você está certa. A propriedade está vinculada ao título.
— Isso deve ser um alívio para você, — disse ela, virando
as costas para ele novamente e sentando-se diante de uma
pequena escrivaninha. — Eu não teria desejado que você fosse
separado de tudo o que ama. — Ela pegou uma pluma. — Eu
imagino que a estipulação, mesmo que seja feita, não possa ser
mantida pela lei. Você pode contestar isso.
— Eu escolhi não fazê-lo. — Para proteger a privacidade
do acordo feitos pelos pais de ambos. Para proteger sua
privacidade. E a dela.
— Bem, agora sua devoção ao dever está satisfeia. — Ela
mergulhou a pluma na tinta. — Bom dia.
Colin sentiu um desconforto forte e quente se instalando
entre as costelas. Ele não estava acostumado a ser
despachado. E, apesar de tudo que ele não esperava, não
queria que este encontro fosse assim.
— Adeus, Emily, — disse ele para os ombros retos e
cabelos brilhantes.
Ela não respondeu nem sequer levantou a cabeça. Ele
virou-se para a porta e, pela última vez afastou-se da moça que
uma vez tinha sido sua melhor — e sua única — amiga.

****

Da janela, ela o viu receber as rédeas do seu cavalo de


Jonah, montar com a facilidade de um homem adequado para
tudo o que fazia, e partir se distanciando. Ele tinha um traseiro
lindo, ombros retos e largos e o calor desconfortável em seu
ventre, agora, não deveria desconcertá-la. Qualquer mulher iria
considerar sedutores esses atributos masculinos, e ela tinha
percebido, de fato, que infelizmente ela não era exclusiva no
que dizia respeito a isso, não com ele.
— E é isso, — disse ela. Não era fora do comum ela falar
sozinha. Era, no entanto, sem precedentes para ela encarar um
homem. Mas este era Colin. Ele sempre foi sua exceção.
Não mais. Agora, finalmente, ele não era ninguém para
ela.
O tempo gasto meditando sobre o apelo peculiarmente
conflituoso e as crueldades dos homens — especialmente este
homem — no entanto, era um desperdício de tempo. Seu
último panfleto exigia atenção. No entanto, novamente iria
exortar o Parlamento a apresentar o debate a Lei da Felicidade
Doméstica, que exigia os direitos legais de uma esposa para
controlar sua própria propriedade e renda, para manter como
seu marido a mesma autoridade sobre seus filhos, e para ser
autorizada deixá-lo se ele abusar de qualquer um deles. O
projeto de lei era o seu empreendimento mais ambicioso e o
culminar de anos de pesquisa e redação. Através da Brittle &
Sons, Impressoras, ela enviou um rascunho para todos os
membros do Parlamento. Nenhum deles havia aceitado, o que
deixou sua pluma ainda mais furiosa. Esta exortação não iria
poupar a censura.
Mas quando o lacaio apareceu de novo à porta da sala,
com uma salva de prata na mão enluvada, descobriu que não
escrevera nenhuma palavra. Que um par de ombros largos e
uma mandíbula bonita distraíssem uma mulher de seu
propósito tão completamente a fez desesperar-se
momentaneamente de seu sexo.
— Minha lady, — Franklin disse, — uma carta chegou da
Brittle & Sons.
Ela se virou em sua cadeira.
— É dele?
A cabeça de Franklin fez pequenos e rápidos disparos. Ela
se levantou de um salto. O lacaio ficou na ponta dos pés, na
expectativa, enquanto abria o envelope que, como sempre, não
tinha endereço de retorno e fora entregue no escritório de sua
editora por um mensageiro anônimo. Na página, havia apenas
três palavras escritas na mão firme, limpa e aristocrática de
Peregrino:

Com uma condição.

O ar assobiou por entre seus dentes cerrados.


— Ele ainda está insistindo que eu o conheça.
O lacaio balançou a cabeça.
— Patife! Nós mesmo estaremos melhores equipados para
encontrar Lady Amarantha, — disse ele pela centésima vez em
um mês.
Seus serviçais estavam divididos: Clarice e seu cavalariço,
tinham-lhe pedido há semanas para procurar a ajuda do
homem que tinha sido secretário do Falcon Club, enquanto
Shauna e Franklin estavam firmemente contra. Sua
governanta, Sra. Curly, não tinha opinião, alegando que estava
muito ocupada com suas responsabilidades para pronunciar-se
sobre questões que sua senhoria deveria decidir sozinha. Mas
ela era de uma geração mais velha e não apreciava totalmente o
que ela chamava de — ideias radicais — de sua ama.
— Eu sou uma reformadora, não uma espiã, — ela disse a
Franklin. — Nós não temos as conexões ou as habilidades para
encontrar a minha irmã. — Ela amassou o papel e se moveu
para sua escrivaninha. — Lembre-se do que aconteceu quando
eu contratei o investigador de Bow Street para rastrear o Corvo
no campo. Ele ficou de cama por meses.
— Mas você conseguiu descobrir a participação do Sr. Yale
no clube. — O orgulho inchou na voz de Franklin.
— Eu descobri, — ela murmurou. Sua equipe ficou tão
satisfeita com aquela pequena vitória. Através dele, e das pistas
involuntariamente reveladas pela acompanhante de Wyn Yale
naquela jornada, Diantha Lucas, assim como rumores e
informações que os membros de sua criadagem ouviram ao
longo dos anos, ela descobriu, de fato, algo sobre o Falcon Club
que a deixou perplexa: os membros da elite se divertiam
encontrando pessoas desaparecidas e levando-as de volta a
suas casas, aparentemente independente se elas desejassem
ou não voltarem para casa. Diantha Lucas certamente não
queria voltar para casa, e ainda assim, Wyn Yale, cujo
codinome no clube era Corvo, tinha encontrado a fugitiva e
trouxe-a para sua família. Se os membros do clube fizeram isso
por tédio em seus divertimentos regulares, ou para a satisfação
de interferir nas vidas dos outros, isso dificilmente importava.
Ela precisava de suas habilidades agora.
— Se eu pudesse pedir ao Sr. Yale para me ajudar a
encontrar Amarantha sem revelar que sei que ele era um
membro do clube, o faria.
— Você não pode, — disse Franklin sombriamente. — Se
somente Lady Justiça sabe que ele é Corvo, isso a exporia.
— Eu devo fazer isso, Franklin.
— Deve fazer o quê? — Jonah, perguntou da porta. As
suas pernas compridas, cobertas por confortáveis calças de
couro, contrastavam com a figura baixa e agradável de
Franklin, que insistia em usar a libré da casa do seu pai.
— Ela pretende finalmente encontrar esse patife, —
Franklin resmungou.
— Já não era sem tempo — disse Jonah segurando uma
palha entre os dentes. — Eu estarei lá para protegê-la, é claro.
Franklin fungou maliciosamente.
— Muito bem, e o que vai fazer se ele for um homem maior
do que você, peludo?
— Ou poderia levar o pote de azeite aqui, milady, — Jonah
disse alegremente. — Ele poderia sentar no Sr. Peregrino e
subjugá-lo rapidamente.
— Peregrino? — Shauna disse quando entrou. — Ele
respondeu a sua última carta? — A missiva passou para as
mãos de sua criada.
— Oh, milady, — disse Shauna horrorizada. — Você não
pode estar pensando em fazer isso.
— Ela está, embora tenha obviamente implorado para não
fazê-lo, — disse Franklin.
— Se ele for como a maioria dos homens — disse Clarice,
entrando na sala de visitas, — no momento em que tiver
conseguido o que deseja, ele vai... pfft! Perder o interesse. Eu te
elogio pela coragem, ma petite.
— Jogar-se diante de um leão faminto não é coragem,
Madame Roche, — disse Franklin. — É um ato de desespero.
Clarice olhou para a escrivaninha de Zenóbia.
11
— Ce soir! Ah, ma petite tem a bravura além de qualquer
outra mulher! — exclamou ela para os outros. — Ela escreverá
para ele que vai encontrá-lo hoje à noite.
Shauna ofegou.
— Esta noite! Oh, milady, você...
— Pare. — Zenóbia girou em sua cadeira. — Para
encontrar minha irmã, devo fazer isso. Eu tomei minha
decisão.
— Mas esta noite? Tão cedo?
— Se eu for exposta ao mundo como Lady Justiça, então
melhor acontecer agora do que mais tarde. Mas espero que isso
não seja necessário. Por favor, agora, deixem-me fazer isso.
Em pesado silêncio, saíram da sala de visitas.
— Obrigada, — ela disse para as costas deles. — Obrigada
meus amigos. Se tudo terminar esta noite, eu quero que vocês
saibam que eu sou grata por tudo que fizeram por Lady
Justiça, mas principalmente para as pessoas da Grã-Bretanha.
O que quer que aconteça agora, eu não vou permitir que vocês
sofram por terem me apoiado.
— Você sabe que cada um de nós iria para a forca por
você, minha lady! — Franklin declarou. — Mas, se formos, eu
gostaria de escolher o traje que usará a caminho de lá, —
acrescentou com um olhar de desaprovação em seu vestido.
— Vamos confiar que não vamos chegar à forca.
Jonah, Franklin e Shauna partiram e Clarice sentou-se
em uma cadeira.
— Agora, ma petite, — a francesa disse com um suspiro
digno do palco, — é o momento de temos uma conversa.
Zenóbia levou a mão para a cera de selagem.
— Sobre o que?
— Sobre o desejo masculino.
— Clarice.
— Você não sabe nada, ma chère, do que realmente
inspira os homens. Este homem que escreveu para Lady
Justiça por anos, está apaixonado por ela. Não, não. Ele é
obcecado por ela.
— Não. Ele quer silenciá-la. Ele quer impedi-la de
defender os direitos das pessoas que acreditam serem tolas. Ele
é inteligente e manipulador e acha que, por ela ser uma
mulher, vai deixá-la boba com elogios e se comportará de
maneira imprudente.
12
— Oui , ele deseja silenciá-la. Mas ele também está
intrigado com ela. Estimulado. Ele quer controlá-la. Ele quer
tê-la. Para os homens, sabe, são todos os mesmos.
— Eu ouso dizer que sim. — Isso era, depois de tudo, o
que a Lei da Felicidade Doméstica iria inibir: homens desejosos
de controlar as mulheres.
— Uma mulher é uma tola se ela não usar o desejo de um
homem para sua vantagem. E você, Emilie, não é idiota. —
Clarice franziu os lábios. — Agora, ma chère, você deve decidir:
você está preparada para fazer o que deve para obter seu
objetivo?

****

A lua havia cedido à noite e às estrelas quando Zenóbia


chegou ao ponto de encontro que haviam combinado por meio
de uma carta: um pequeno e antigo cemitério gradeado por
uma cerca e sebes numa rua, ainda, cheia de carruagens e
tráfico de cavalos. Um longo manto preto e véu ajudaram-na a
disfarçar.
Jonah caminhava ao lado dela, com um capuz em torno
de seu rosto, mas ele não quis acompanhá-la ao encontro.
Apesar de toda a sua provocação, Peregrino não assustava-a.
Um homem que dedicou seu tempo de lazer para resgatar
pessoas desaparecidas provavelmente não prejudicaria uma
mulher sozinha.
Os paralelepípedos brilhavam com a chuva que caíra mais
cedo enquanto ela gesticulava para Jonah ficar do outro lado
da rua. Lamparinas iluminavam essa parte de Londres
irregularmente, e a abertura na parede estava nas sombras. Ao
lado do portão estava um homem enorme.
— Minha lady. — O mastodonte curvou-se. — Ele espera
por você lá dentro.
Ficou imediatamente claro por que ele havia sugerido este
lugar. A sebe espessa dentro das paredes criavam um pavilhão
de privacidade e as lápides espalhadas de maneira irregular
por toda parte tornavam impossível uma fuga rápida.
Ele havia encenado a situação também a seu favor. Ele
estava parado entre as pedras apenas a quatro jardas de
distância, uma lamparina sobre o terreno arenoso por trás dele
transformando-o em silhueta. Ele era alto, e a largura de seus
ombros e postura sólida sugeriam um homem de bom
condicionamento físico. A aragem da noite estava leve e ele não
usava chapéu ou sobretudo — nada para disfarçá-lo.
Ele estava totalmente disposto que ela conhecesse sua
verdadeira identidade.
O portão rangeu atrás dela.
— Boa noite, minha lady, — ele disse para a escuridão. —
É um prazer, finalmente, conhecê-la. Eu esperei este momento
há anos. Mas, claro, você já sabe disso. — Sua voz era suave e
baixa, longe de ser ameaçadora, bastante íntima e, chocante,
inacreditavelmente, terrivelmente familiar.
Apenas algumas horas antes, essa elegante voz havia-lhe
proposto casamento.
— Eu sou Gray, — disse ele. — Agora remova o véu e diga-
me o seu nome.
CAPÍTULO 4

A Promessa

A calçada estava caindo sob seus pés, uma laje de pedra


de cada vez. E ele estava se movendo em direção a ela.
— Não chegue mais perto, — disse ela em francês. Ela
tinha praticado a voz baixa na linguagem que falava todos os
dias com Clarice. Ela tinha dependido do tráfego da rua esta
noite para disfarçar sua voz ainda mais, mas agora apenas o
som de seus passos sobre as vielas perturbava silêncio do
cemitério. Enquanto ele avançava, ela não conseguia encontrar
mais palavras. Sua mente não parecia digerir a verdade.
Esse homem. Não poderia ser.
Ela recuou, mas em três passos ele estava no portão.
— Você é francesa, — ele respondeu no idioma que ela
tinha usado, e, em seguida, estava tão perto que através do véu
pode ver os ângulos esculpidos de seu rosto e o brilho opaco de
noite em seus olhos. — Eu não poderia ter esperado por isso,
— ele continuou em francês. — Eu tenho um presente para
você.
— Você está muito perto. — As palavras estrangeiras
saíram de sua língua. — Afaste-se.
— Este presente não é uma surpresa. Eu disse-lhe duas
vezes que traria quando finalmente nós conhecêssemos. — Sua
mão apertou a dela tão rapidamente que ela engasgou. Ela
puxou, mas ele envolveu seus dedos completamente, forçando-
a a mexer o punho. Pontos de dor atravessaram sua palma.
— Eu te prometi uma rosa vermelha. — Suas palavras
retumbaram. — E sou um homem que cumpre minhas
promessas.
— Liberte-me, — ela continuou em francês, — ou a adaga
que estou apontando agora para o seu quadril, rapidamente
fará o seu caminho para uma parte sensível da sua anatomia.
Seus dedos apertaram mais forte ao redor dos dela,
empurrando os espinhos mais fundo em sua carne. Era tudo o
que ela precisava para ter certeza de que ele tinha chegado tão
longe do menino que ela conhecera e já não precisava ter
escrúpulos em mentir para ele agora.
— Vou libertá-la, — ele disse, — quando você me disser o
nome do seu mestre e onde encontrá-lo.
— Meu mestre?
— O autor dos panfletos de Lady Justiça.
Isso ela não havia previsto.
— Eu sou a autora de meus panfletos. — Ela soltou sua
mão e cambaleou para o lado, colocando espaço entre eles.
— Não minta para mim. — Seu tom era duro agora. — Só
um homem poderia fazer este jogo com tanto sucesso por tanto
tempo sem ser detectado. Agora leve-me a ele, e eu farei com
que você não seja punida.
Ela só podia rir.
— Isso é um absurdo. Embora eu suponha que deveria ter
antecipado isso. — O pânico rastejava sobre o espanto dela. Ele
tinha sido sua última esperança. Agora ela deveria pegar o
pouco de habilidade que possuía e partir para encontrar sua
irmã sozinha. — Eu vim aqui por nada. Você não vai me
ajudar, não é?
Houve um longo silêncio.
— Você é realmente francesa?
— Sim, — ela mentiu.
— Você é amante dele?
— Porco.
— Sua filha?
— Eu sou Lady Justiça. E você é um desapontamento
ainda maior do que eu esperava. — Estava se abatendo sobre
ela, a tragédia disso. Em outra vida, ela poderia ser capaz de
simplesmente pedir-lhe ajuda para encontrar Amarantha, ou a
ela mesma.
Mas arrependimentos eram para pessoas sem propósito.
Ele ainda estava parado entre ela e o portão.
— Afaste-se, — disse ela.
— Eu vou encontrá-la, — disse ele. — Para mostrar minha
boa-fé ao seu mestre, vou encontrar essa garota que ele deseja
reaver. E então esperarei que ele me encontre pessoalmente.
Ar se amontoou em seus pulmões.
— Quais informações você precisa?
— O melhor palpite de seu mestre de sua localização na
Escócia, seus portos de embarque e desembarque, os nomes de
seus colaboradores mais próximos nas Índias Ocidentais e
aqui, e uma descrição física dela.
— Você os terá amanhã. Agora me permita passar.
Ele deu um passo para o lado, mas quando ela passou,
segurou o braço dela. Sua respiração ficou presa. Seu aperto
era forte e poderoso.
— Solte-me.
— Dê-me o seu preço, — ele disse, — e eu pagarei se você
me der o nome dele agora.
— Não há preço que possa fazer da verdade uma mentira.
— Fazia anos, uma outra vida, quando ele a tocara pela última
vez, e isso, esse toque brutal, era uma farsa. — Você não pode
acreditar que uma mulher te superou por todos esses anos.
Pode?
— Lady Justiça precisa da minha ajuda. — Ele inclinou a
cabeça perto dela e falou como uma lâmina se deslizando em
uma pedra de amolar. — Como você imagina que isso significa
que sou superado?
— Solte-me agora.
— Eu estou ameaçando-a, mas não sinto nenhum tremor
em você.
— Você não assusta-me.
— A coragem de uma mulher tão pequena? Parece que ele
escolhe seus associados muito bem. — Sua voz era uma suave,
profunda carícia. Como se acariciasse o âmago de seu desejo
com a ponta do dedo.
E limpou sua mente completamente.
— Você está tentando me seduzir.
— É isso que eu estou fazendo? — A diversão perfilada
através de seu murmúrio.
— Você não terá sucesso. Todas as cartas que você
escreveu para ela, o flerte, era para atraí-la em uma falsa
confiança. Para fazê-la acreditar que o tinha sob suas botas.
Não foi?
— Ele me imaginou ingênuo?
— Você é mais ingênuo do que imagina. — Ela se soltou.
— Ainda assim, preciso depender de você, o que certamente de
nós dois me torna a maior idiota.
Ela alcançou o portão.
— Diga isso de novo, — ele disse bruscamente. — Me
chame de idiota.
Correndo mais seu manto sobre ela, se deslizou através do
portão, em direção à rua.

****

Na primavera, a irmã de Zenóbia, Amarantha, havia


escrito para casa que estava preocupada com sua amiga Penny
Baker, que tinha desaparecido sem aviso em um navio com
destino a Escócia. Como o marido de Amarantha tinha morrido
com a febre, nada restava para ela na Jamaica, e pretendia ir
atrás de Penny. Foi a última notícia que alguém ouviu dela.
Zenóbia não podia revelar ao seu inimigo que Lady Justiça
conhecia Amarantha.
Mas se ele encontrasse Penny, ela esperava que
Amarantha não estivesse longe.
Tampouco podia revelar em sua casa que o homem que
atormentara lady Justiça por cinco anos era o mesmo homem
que fingira que Emily Vale não existia há dezoito anos. Ela
sabia como reagiriam e a perspectiva era muito humilhante.
Ela escreveu os detalhes que conhecia de Penny e os
enviou para sua editora, para serem repassados para a 14 ½
Dover Street da maneira usual. Ela estava colocando o
rascunho de seu mais recente comentário sobre a Lei da
Felicidade Doméstica em um portfólio quando Franklin entrou
na sala de visita.
— Isso chegou com o correio. — Ele se apressou para
frente. — Da Escócia! — A escrita à mão na frente do envelope
não era familiar. Ela abriu rapidamente.

Minha lady,
Sua irmã está na Escócia e precisa de sua ajuda. Ao
amanhecer da manhã do Dia de Todos os Santos, venha ao
portão sul do Castelo Kallin e você se encontrará com ela.
Um amigo

— Franklin. — Suas mãos tremiam. — Instrua Shauna a


arrumar as malas para uma longa viagem e peça a Jonah que
prepare a carruagem. A Sra. Curly deve preparar uma boa
refeição para viagem. Diga a todos que eu gostaria de partir o
mais rápido possível. Então volte aqui rapidamente. Eu devo
mandar uma mensagem para Peregrino imediatamente.
— Peregrino?
— Minha irmã está viva, — disse ela sobre uma onda de
alívio. — Eu sei onde encontrá-la. Eu não preciso mais
depender dele agora.
— Será que você leu a outra parte da carta? — Franklin
disse com horror.
Ela virou a folha. Ela estava em branco.
— Que outra parte?
— A parte que diz, “PS Isto é uma armadilha.”
— Uma armadilha? Para que?
— Para exigir de seus pais a mesma coisa que esse vilão
deseja exigir de você.
— Vilão? Franklin, por favor...
— Sua irmã nunca teria pretendido que você viajasse
para...
— Franklin. — Ela olhou para ele. — Se qualquer coisa
nesta carta é para ser acreditada, é que eu tenho um tempo
limitado agora para garantir que encontarei minha irmã. Por
favor, agora vá e instrua os outros como eu disse.
— Você deve pelo menos dizer ao seu pai.
— Ele só diria a mamãe, e ela se queixaria
interminavelmente de que estou viajando sem a escolta de um
cavalheiro.
Seu nariz estremeceu.
— O único ponto brilhante nisso é que você não ficará em
dívida com ele.
— Eu concordo. — Ela quase se arrependeu de ter pedido
a ajuda de Peregrino. Mas se ela não tivesse pedido, nunca
saberia quem ele era.
Franklin saiu e, ela rapidamente, escreveu uma nota final
para o ex-secretário do Falcon Club, retratando seu pedido de
ajuda. Duas horas depois, ela recebeu uma resposta, apenas
três palavras:

Como você quiser.


Ela colocou sua mensagem no fogo da lareira, ignorando o
calor do desejo, da fúria e dor que se inflamavam dentro dela
novamente enquanto as chamas ardiam por um instante,
consumindo, apagando o passado.
Agora era verdadeiramente o fim. Final. Nada mais ligava
ela e Colin Gray.

****

Por seis anos, Zenóbia adorava a companhia íntima de


Clarice Roche. Mas seis dias em uma carruagem com a
francesa — até mesmo por Amarantha — era o suficiente para
levar uma pessoa sã a matar. Na ausência de sua criada, que
gostava de viajar de carruagem ainda menos que Zenóbia e não
poderia ter suportado a pressa dessa viagem, Clarice duplicou
seus protestos a respeito da proposta do novo conde de
Egremoor, como se também defendesse Shauna. Ela tratou de
afastar da mente que sua proposta tinha sido firmemente
rejeitada.
13
— Os homens poderosos, não cedem a bataille tão
facilmente.
Zenóbia suspeitava que o homem poderoso em questão
estava agradecendo a sua estrela da sorte que esta batalha em
particular tinha terminado.
Quando, após uma semana elas pararam na estalagem
Laird’s Leed Inn na costa meridional de Loch Lomond para
comerem o almoço, com suas articulações rígidas e ouvidos
cheios das atrações inestimáveis do novo Conde de Egremoor,
Zenóbia saltou da carruagem para a liberdade do ar da Escócia
e o abençoado silêncio. Ela perguntou ao estalajadeiro que a
direcionasse para um passeio confortável.
Ele deu a ela um olhar pensativo, e, em seguida, estudou
Clarice, que estava debatendo com Jonah se descarregaria o
baú de viagem para essa breve pausa
— Há uma estrada que sai no lago. — O estalajadeiro fez
uma pausa. — Milady por ali. — Ele apontou para um portão
sombreado por um bosque de árvores.
— Estamos tão perto de Loch Lomond?
— Sim. — Lançando outro olhar estreito para Clarice e
Jonah, ele foi para a taverna.
Tão perto. O castelo Kallin estava escondido nas
montanhas além do extremo Norte do lago. Se o bom tempo
durasse, em poucos dias eles chegariam.
Arrastando o manto contra o vento frio, ela seguiu a
estrada para o lago. Refletindo o azul de um céu repleto de
nuvens carregadas, o Loch Lomond se estendia em quilômetros
de glória cintilante, colinas montanhosas subindo em ambas as
margens. Alguns barcos de pesca flutuavam sobre a brilhante
superfície, e as margens estavam cobertas de árvores. Era
exatamente o tipo de lugar que Amarantha adoraria, selvagem
e completamente indomável.
Enchendo seus pulmões com o ar cristalino, ela caminhou
rapidamente de volta para a estalagem, impulsionada pela
esperança.
Onde sua carruagem estava trinta minutos antes, um
cavalo estava amarrado, um negro musculoso, alto e grosso
com uma sela reluzente e um alforje de viagem amarrado na
parte de trás. Movendo-se, ela abriu a porta e tropeçou até
parar.
E se amaldiçoou por ser uma tola.
Ela deveria saber que não poderia confiava nele. Ela
deveria saber, como estivera dizendo a si mesma por dezoito
anos.
CAPÍTULO 5

Uma coincidência não muito


feliz

Colin estava tirando as luvas e dizendo ao estalajadeiro:


— Só esta noite, — quando a porta da estalagem se abriu
para admitir uma mulher envolta em um manto da cor de uma
floresta. Ela jogou para trás seu capuz, e suas próximas
palavras para o estalajadeiro simplesmente desapareceu.
O silêncio longo e desajeitado estava aparentemente se
tornando rotineiro para eles.
— O que você faz aqui, Milady? — Ele finalmente
conseguiu dizer e, tardiamente, curvou-se. Ela não disse nada,
unicamente olhou para ele como quando pedira sua mão.
— Eu preciso saber, — disse ele. — Você trata todos os
homens com essa aparência de choque horrorizada, ou apenas
a mim?
— Só você.
— Eu suponho que seja um “bom dia” como qualquer
outro. Eu devo, sem dúvida, educadamente, perguntar agora,
sobre o seu propósito de viajar por essa parte da Escócia.
— Eu estou visitando amigos. — Um tom rosas espalhou-
se em suas bochechas, depositadas lá pela caminhada que ela
tinha feito ao ar livre, o que era óbvio a partir da quantidade de
lama em suas botas e bainha. Seus belos lábios estavam
separados e seus olhos brilhantes, e seu cabelo tinha uma
mecha solta pelo passeio. Tinha que ser a surpresa desse
momento, ou a quinzena estafante que ele passara viajando
entre pubs e tavernas de Newcastle a Glasgow entrevistando
comerciantes e trabalhadores, ou a frequência com que seus
pensamentos tinham ido àquela conversa em sua sala de visita
semanas antes, seja qual fosse a razão para isso, de repente ele
não conseguia fazer sua língua funcionar.
O alarme agarrou seu peito como uma mão apertando.
A paralisia se espalhou pela sua garganta, a escuridão
cobrindo seus pensamentos, enredando-os.
Agora não.
Levando o ar lentamente para dentro de seus pulmões, ele
olhou diretamente nos olhos dela e forçou as palavras saírem
através de seus lábios.
— Lady Blackwood em Alvamoor ou Lady Sterling em
Edimburgo? — Ele perguntou.
— Nenhuma das duas. Eu estou viajando para o Norte.
Para o Castelo de Kallin. — acrescentou ela, um pouco
apressada.
Kallin?
— Ah. Parece que você está visitando o seu mestre, o
duque de Loch Irvine.
As palavras vieram menos hesitantes.
— Levemente. Você também está?
Não, da maneira que ela imaginaria.
— Ele e eu nunca fomos apresentados.
— Você vai ficar aqui? Esta noite?
O estalajadeiro os observava atentamente.
— Sim, — disse Colin, e para o homem: — Eu não tenho
nenhuma bagagem.
Ele lhe deu uma carranca de sobrancelhas pesadas.
— Viajando a cavalo, você é um Senhor?
— Eu sou.
— Sem um criado?
— Não no momento. — Ele estava acostumado a esse tipo
de questionamento quando viajava sozinho sem usar seus
títulos. Mas esse sujeito parecia estranhamente desconfiado.
— Você vai fazer as refeições aqui, senhor?
— Eu vou. — Ele olhou para ela. — A menos que você se
oponha?
Durante anos, tudo o que ela fizera foi falar,
incessantemente, sobre tudo e qualquer coisa que lhe
interessasse. Essa mulher taciturna era um mundo à parte
daquela garota.
— A chave do meu quarto? — Ele perguntou quando o
estalajadeiro permaneceu em silêncio olhando para Emily e
para ele.
— Sim, senhor. O jantar é no pôr do sol. — Ele caminhou
com os pés pesados pelo foyer.
Emily permaneceu, agarrada ao manto com as bochechas
e os olhos vibrantes pela manhã vigorosa. Como sempre, ela
era desconcertantemente bonita, e agora olhava para ele como
se fosse um monstro que se arrastou para fora do lago.
— Se a minha presença aqui te deixa desconfortável, — ele
disse, — irei para outra hospedaria.
— Ele te chamou senhor. Ele não sabe quem você é. — Ela
era absurda.
— Não.
— Por que você não disse a ele seu nome?
— Eu não vi necessidade.
— Mas você usou a sua voz de conde com ele.
— Minha o quê?
— A voz de conde. A voz que você usa para fazer valer a
sua autoridade.
— Eu tenho apenas uma voz, madame, — ele disse e era a
coisa mais estranha e desconfortável de dizer para essa
mulher. — E raramente encontro a necessidade de afirmar
minha autoridade, como é geralmente reconhecido, sem o uso
da força. Agora, suplico, desculpe-me. Passei metade da noite e
da manhã cavalgando, e do outro lado da porta está uma
caneca de cerveja. — Ele fez uma reverência e entrou na
taverna.

****

— Ele está aqui, — ela disse enquanto fechava a porta do


quarto que o estalajadeiro havia oferecido para refrescarem-se.
Ela recostou-se contra ela e fechou os olhos com força. —
Nesta estalagem.
Clarice ofegou.
14
— Le Duc Diable?
Zenóbia arregalou os olhos.
— Quem?
— O duque para cujo castelo viajamos, é claro! Aquele,
que eles dizem, que é o sequestrador de donzelas.
— Raptor de donzelas? O duque de Loch Irvine? Clarice,
não. Não seja boba.
Sua acompanhante acenou com a mão.
— Então quem está aqui que lhe dá aflição?
— Lorde Egremoor.
15
— Mon Dieu ! — Os lábios de Clarice se abriram em um
sorriso maravilhoso. — É o destino, ma chère. Você procura
jogá-lo fora, mas o destino, a joga junto dele nesta terra
remota.
— O destino não tem nada a ver com isso. — Em vez
disso, havia os apelos de Lady Justiça por ajuda. Uma
coincidência era impensável. Que ele houvesse rastreado Penny
para esta parte da Escócia a surpreendia. Mas encontrar
pessoas desaparecidas era, afinal de contas, seu passatempo
favorito.
— Ma petite, — disse sua acompanhante. — Você não deve
rejeitar este homem tão firmemente. E agora que ele está aqui,
você deve pedir-lhe para nos ajudar a encontrar sua irmã.
— Não.
— Mas...
— Não. Clarice, eu absolutamente não posso. — Ele a
reconheceria como Lady Justiça instantaneamente. Ele
parecera ter aceito nosso destino como normal. Talvez ainda
não estivesse seguindo Penny para Castelo de Kallin. — Ele
pretende permanecer aqui esta noite. Após o almoço,
continuaremos em frente. Lá tudo vai acabar. — Se ele não as
alcançasse.
— Emilie, — disse Clarice com firmeza. — Você deve parar
com esta corrida tola. Especialmente desse homem que a
machucou.
— Fugindo? Clarice, vou encontrar minha...
— Bah! — Ela acenou a mão com desdém. — Você sempre
conta as histórias para si mesma e para todos! Não me admira
que para você não seja tão simples ser alguém. — Atirando sua
echarpe em torno de seu pescoço, ela caminhou para a frente.
— Eu vou agora desfrutar do almoço com o jovem e belo lorde.
Talvez possa convencê-lo a tomar uma francesa idosa como
uma noiva, hein? — Suas sobrancelhas atingiu o pico, e então
ela se foi.
Zenóbia pressionou sua testa nas suas palmas.
Uma francesa.
Ela ainda podia senti-lo agarrando seu braço, e ouvi-lo
perguntando se ela era amante de seu arquirrival. Ele não
podia acreditar que uma mulher fosse capaz de fazer o que ela
havia realizado. Tudo do qual ela estava orgulhosa de ter feito,
ele creditava que fora realizado por um homem.
Ela o odiava por isso.
E ainda, por um breve momento no hall de entrada
abaixo, enquanto ela observava sua garganta mexer e seus
belos olhos brilharem de terror, e esperava que ele falasse, todo
o seu corpo se encheu com uma dor terrível. Ainda assim,
manteve-se como uma febre.
Isso era um pesadelo.
Durante anos ela o havia evitado. Agora, para serem
lançados juntos...
Endireitando os ombros, ela foi até a porta. Ela estava
faminta e gostaria de almoçar, mesmo que devesse se sentar na
mesma sala que ele para fazê-lo. Afinal, ela não era mais Emily
Vale, a garota peculiar que preferia livros e rãs do que fofocar e
vestidos bonitos; a quem ninguém nunca ouviu; a quem
ninguém acariciava, nem falava, perdida no chá da tarde, no
piquenique ou na ceia de Natal, que ninguém, exceto um
menino a procurava, até que ele não o fez mais. Ela não era
aquela garota há anos.
Ela era agora Lady Justiça, a voz dos oprimidos e
desprezados da Grã-Bretanha.
Este encontro na estrada não significava nada.

****

A partir dos dezessete anos, Colin serviu a homens


poderosos de uma forma ou de outra. Da mesma maneira que
os lordes medievais tinham enviado seus filhos para fora como
aprendizes de outros lordes, o Conde de Egremoor tinha
enviado seu herdeiro para Londres para aprender o ofício do
governo e da diplomacia de outros grandes senhores. No ano
seguinte, Colin seguiu para Oxford, onde continuou a a
aprender arte dos filósofos.
Depois da universidade, ele conheceu outro nobre — o
homem que logo se tornou seu mentor. Raramente se
aventurava sair de sua propriedade, aquele lorde tinha ouvido
coisas boas sobre Colin e ele tinha uma tarefa que precisava
ser feita, mas em segredo, com cuidado.
Um jovem da ciência, cujo trabalho em eletrônica estava
muito à frente de seu tempo, acabara de contrair dívidas e, em
pânico, fugira para Amsterdã. Tal talento não deveria ser
perdido para bordéis no exterior. Colin era inteligente,
extremamente bem criado e confiável o suficiente para resgatar
o rapaz?
Na época, Colin tivera um desejo urgente de se afastar
tanto de Maryport Court quanto de Londres, e ele aceitou.
Viajando através do tumulto da guerra, usando conexões
sociais e sua maneira tranquila de colocar os homens à
vontade, através de um cuidadoso jogo de instinto, autoridade
natural e companheirismo fácil, ele encontrou o cientista em
um antro de ópio. Com um pouco de ouro e muito diplomacia,
ele extraiu dele o que queria.
Retornando à Inglaterra, ele recebeu uma solicitação do
mesmo nobre pedindo outro favor. A esposa de um diplomata
desaparecera com documentos importantes escondidos em seu
estojo de joias. Seguindo pistas duramente conquistadas, Colin
a encontrou em uma caverna de contrabandistas na costa da
Cornualha, amarrada e quase morta. A fim de libertá-la, ele se
aliou brevemente com um marinheiro, Jinan Seton, que falava
como um cavalheiro, mas conhecia os segredos dos ladrões.
Pouco depois, o mesmo nobre o convidou a viajar para as
Índias Orientais em busca de um Highlander insatisfeito e
suspeito de vender segredos militares aos franceses. Colin
nunca quis ser espião e era o único herdeiro de Egremoor; ele
recusou o convite. Mas um amigo, Leam Blackwood, perdera
recentemente seu irmão e sua esposa para uma tragédia
indescritível e precisava de distração para sua dor, e Colin
sugeriu que essa era uma tarefa para um escocês de qualquer
maneira. Quando Leam concordou, Colin escreveu para Wyn
Yale, um jovem galês que fervilhava de inteligência e raiva que
pedia para ser bem utilizado. Ele convidou Wyn para se juntar
a Leam em Bengala.
E o Falcon Club nasceu.
Em seus anos como membro do clube, Colin viajou por
toda a Grã-Bretanha, de Dover à Ilha de Skye, de Caernarfon a
Ipswich e através de todas as salas de visitas e becos de
Londres. Em nenhum momento e em nenhum lugar durante
seus anos realizando tarefas estranhas para a coroa, ele
encontrou moradores locais que o encarassem como os
fazendeiros e operários na taberna de Laird's Leed Inn. Esta era
uma jornada incomum, com certeza. Ou os escoceses haviam
se tornado marcadamente mais desconfiados de estranhos
desde sua viagem a Edimburgo em abril, ou uma recente onda
16
de assaltos à mão armada nas estradas das Lowlanders
estava deixando os habitantes locais nervosos.
Mas essa atenção era extrema para qualquer medida. Sob
as abas dos chapéus, e alguns abertamente, os habitantes da
estalagem observavam-no com suspeita beirando a hostilidade.
Emily ignorou-o inteiramente.
Sua acompanhante assentiu graciosamente, mas não
disse nada para ele.
Terminando sua refeição, ele se dispôs a ver o seu cavalo.
No estábulo, o garanhão abaixou a cabeça, e sua pele estava
escorregadia onde o cobertor e sela tinha ficado por muitas
horas da longa noite. Ele havia pressionado o animal a cavalgar
duramente por muitos dias. Mas ele sentia uma urgência sobre
essa missão que nunca tivera antes. Quanto mais rápido ele
encontrasse Penny Baker, mais depressa poderia descobrir por
que Lady Justiça havia se retratado do pedido de ajuda.
Que seu inimigo enviasse uma mulher ao seu encontro em
Londres surpreendera Colin. Por dois anos ele tinha pensado
marginalmente melhor do agitador. A honra que ele
demonstrou quando descobriu a identidade de Yale — e não
revelando ao público a parte escandalosa de Diantha Lucas —
impressionara Colin.
Esconder-se atrás de uma mulher, no entanto, não era
honrável nem impressionante.
— Bom dia, milorde. — O cavalariço de Emily estava na
porta do estábulo, uma palha presa entre seus lábios.
— Como você está, Jonah?
— Feliz por estar servindo a vontade de milady. Minhas
condolências, milorde. Seu pai foi um grande homem.
— Obrigado. — Ele colocou a mão nas rédeas de seu
cavalo para desafivelá-la. — Este estabelecimento não tem um
cavalariço?
— O moço do estábulo desceu a estrada para Dumbarton.
Disse que ele tinha uma palavra para dar ao policial de lá. Já
esteve na taberna, milorde?
— Agora mesmo.
— Viu qualquer coisa... peculiar?
Ele conhecia Jonah Crowe desde que ele liderava as
batalhas de cordas, duas vezes por ano quando sua família
visitava Willows Hall.
— Peculiar?
Jonah mastigou devagar.
Emily Vale era estranha, mas ela não era uma mulher
para se cercar de tolos.
— Sim, — disse Colin. — O que você também viu?
Jonah tirou a palha de entre os dentes.
— Antes de sair, o sujeito daqui esteve fazendo algumas
perguntas poderosas sobre milady, e sobre você depois que
chegou aqui.
— Que tipo de perguntas?
— Era como se tivesse alguma coisa em sua mente.
Alguma coisa pesada.
— Jonah, o que exatamente o moço do estábulo perguntou
sobre Lady Emily?
— Bem, Milorde, ele perguntou se ela já tinha usado calça
alguma vez.

****

— É a coisa mais extraordinária, Clarice — disse Zenóbia,


abotoando o manto enquanto entrava na pequena câmara.
— Oh? — Clarice passou o perfume de uma garrafa de
cristal no interior de seus pulsos. Mesmo viajando sem uma
criada, ela permanecia elegantemente, inflexivelmente,
francesa.
— A esposa do estalajadeiro acabou de me perguntar se eu
já usei calças.
17
— Les Paysans são ignorantes, eles não sabem como
falar com uma dama.
— Clarice. Sou eu, a moça a quem você leu a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, enquanto minhas irmãs
liam revistas de moda. Você não acredita que os camponeses
são ignorantes mais do que eu.
— Ora, — ela balbuciou e acenou com a mão. — Estou
profundamente dentro do papel.
Pelo bem do nobre abaixo, seus servos fingiram um papel
que representariam, a fim de manter a identidade da Lady
Justiça a salvo.
— E acho que alguém vasculhou meu baú de viagem
enquanto estávamos na taverna. Os livros estão todos
desarrumados. Mas não falta nada, nem mesmo o meu
precioso camafeu, que vale pelo menos dez libras. Ele era um
estúpido ladrão ou alguém estava procurando por algo e não
encontrou. — Ela se recusava a imaginar que fosse Colin. Ele
não poderia saber que a mulher do cemitério era ela. Se fosse,
ela tinha certeza de que ele iria confrontá-la, e não procurar em
seus pertences. Sua grave retidão inglesa não iria permitir
nada disso.
Mas ele também não era o que parecia ser na superfície.
18
— Peut-être a criada arrumando. — Clarice tampou a
garrafa de perfume e levantou-se languidamente para tocar
com um único dedo o queixo de Zenóbia. — Agora, ma petite,
instruí Jonah a remover os cavalos da carruagem e pedi duas
câmaras para esta noite.
— Retire a ordem. Estamos partindo agora.
— Há muitos dias antes de Toussaint, — disse sua
acompanhante. — E eu devo descansar hoje. Para você ver —
ela colocou a mão flácida sobre a testa, — eu tenho uma
miserável enxaqueca.
— Você está cometendo um erro.
Sua acompanhante sorriu docemente.
— Você só deve permitir que o tempo passe para conhecê-
lo novamente. Um atraso petit neste hotel charmoso, irá forçá-
la a falar com ele.
— Clarice, permita-me ser clara: você poderia me trancar
em um quarto com ele por toda uma semana e eu não lhe
falaria uma única palavra.
19
— Mais, bien sûr ! Não há a necessidade de falar, ma
petite, quando se está trancada em um quarto com um homem
bonito.
— Clarice.
Ela ergueu as sobrancelhas imperiosas.
— Eu me recuso a deixar esta pequena estalagem até
amanhã. Você deve simplesmente se acostumar a permanecer
aqui esta noite, ma chère.
— Eu poderia ir embora sem você. Ah, não! Você
subornou Jonah? Não com dinheiro, é claro. Não. Você o
ameaçou, não foi? O que ele iria...
— Pfft! Eu não fiz nada além de lhe dar uma sugestão. Ele
gosta do jovem lorde Egremoor.
Se eles estivessem alinhados contra ela, seria inútil lutar.
O afeto e a familiaridade haviam transformado seus
empregados em uma família, e as famílias eram
exasperantemente boas em acreditar que sabiam o que era
certo para uma pessoa.
Enfiando as mãos nos bolsos da capa, ela foi para fora.
Vários homens estavam de pé diante da entrada do caminho
para o lago, com o tom ondulado em uma disputa.
Um deles girou para ela e fez um som em sua garganta
como um grunhido. Todos fizeram em silêncio e ficaram
olhando-a.
— Bom dia, — ela disse.
O rosnador se lançou sobre ela.
Com um suspiro, ela deu um passo para trás enquanto
outro homem o conteve.
— Não, Aillig! O policial está chegando.
— Policial? — disse ela. — Houve algum problema?
— Sim, há problemas, — disse Aillig com uma
sobrancelha escura. — Senhora.
— Eu imploro seu perdão? — Ela olhou por cima do
ombro, mas o pátio estava vazio, exceto por ela e esses
homens. — Você está falando comigo?
— Eu vou vê-la enforcada, você e o vilão, — ele rosnou. —
Se a lei não fizer isso, eu mesmo vou buscar uma corda.
— Senhores, — ela disse mais trêmula do que gostaria, —
eu sugiro que vocês encontrem um bule de café para seu
amigo. E quando ele estiver recuperado, recomendem-lhe que
beber bebidas alcoólicas excessivas não combina com ele.
— Você é tão gentil como uma idiota, como também
mentirosa ─ outro dos homens disse. — Você enganou a todos
nós.
— Até agora, — o homem bêbado cuspiu.
— Venha, Aillig. Vamos esperar por Gibbs lá dentro. — Ele
puxou Aillig para dentro da estalagem e os outros o seguiram,
lançando seus olhares sombrios.
Sozinha, ela ficou tremendo. Ela tinha tido mais sorte do
que a maioria das mulheres por nunca ser vítima da violência
de um homem, até três semanas atrás, quando um homem
tinha forçado sua palma contra os espinhos de uma rosa. Mas,
mesmo alarmada como tinha estado naquele momento, sabia
que Colin não iria machucá-la seriamente.
Ela queria voltar para Clarice. Mas o instinto lhe dizia que
ir para dentro, onde o bêbado escocês e seus amigos se
reuniram, não era a melhor ideia.
Ela iria fazer uma rápida caminhada e deixaria de lado a
frustração, que agora temia passar por seus membros. Um
campo cercado por bosques se afastava da estrada. O dia
estava excepcionalmente quente para outubro e o sol era
glorioso. Ela iria subir a colina e, talvez, ter um vislumbre de
acima do lago.
Além da visão da estrada, ela desatou as fitas do chapéu e
retirou-o. Se Clarice a visse expondo seu rosto assim ao sol, ela
empalideceria. Mas a aparição de Colin Gray em seu mundo
novamente despertou lembranças de uma infância em que
ninguém se importava se ela corria na luz do sol sem chapéu, e
que sua mãe estava muito ocupada cuidando de crianças para
prestar atenção às peculiaridades de sua filha mais velha —
uma filha que era peculiar porque gostava de livros, sapos,
árvores ocas e um menino que nunca dizia uma palavra.

****

Além da porta do estábulo, uma comoção estava soando.


Jonah estreitou os olhos. Deixando-o, Colin foi para o pátio.
— É o conde! — gritou um homem entre os cinco que
estavam no pátio perto de uma carroça puxada por um cavalo
de tração em que outros dois estavam sentados. Entre o grupo
estava o estalajadeiro e um homem com quem Colin falara
duas noites antes, em um pub em Glasgow. Ele não sabia nada
de Penny Baker, nem tinha ninguém lá que soubesse, e Colin
tinha continuado para o Norte, onde outras pistas tinha
sugerido que ela tinha viajado.
— É este mesmo, — disse o sujeito. — Comprou-me uma
cerveja.
— Com o meu apreço, — disse Colin.
— Não brinque conosco, lorde, — outro homem disse. —
Nós sabemos quem você é. — Ela dissera a eles, claramente,
quem ele era.
— Eu entendo. Bom dia, então, — ele disse, e deu um
passo para a frente. Todos os homens recuaram um passo.
Colin parou. Um mosquete estava sobre os joelhos de um
dos homens na carroça.
— Senhores, — disse ele, — seria sem dúvida para todos
uma vantagem se vocês me dissesse o que gostariam
imediatamente. Sr.... — Ele olhou para o estalajadeiro.
— Brady, — o estalajadeiro disse com cautela.
— Sr. Brady, explique.
— Esses homens — ele apontou para quatro dos homens
— são de Dumbarton. Eles estão dizendo que você é o conde de
Egremoor.
— Eu sou. — Ele não tinha parado em Dumbarton ontem
à noite em sua rota para Balloch. Nenhuma informação
indicava que Penny Baker estivesse naquela aldeia.
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— Ele está admitindo, o blaggard! — Um dos outros
homens disse.
— Tem certeza de que esse é o nome?
— Certo como a morte, Brady.
— Se você tem uma queixa contra mim, aconselho-o a
dirigir-se a mim como se realmente desejasse que eu o
considerasse, — disse Colin, e era o cúmulo da insanidade que
ele reconhecesse estar falando na voz de seu conde. O
problema deles, seja lá o que fosse, estava certamente sob a
tutela do seu próprio lorde — Mar ou Argyll ou mesmo Loch
Irvine — ou os lordes mais próximos de Loch Lomond. Essa
agressão contra ele, era estranho, era irracional.
Mas ele entendia a verdadeira raiz desse tipo de
beligerância ultrajante em relação aos homens titulares. Ele
tinha se encontrado com a fantoche do homem em um
cemitério de Londres três semanas atrás.
No pub de Glasgow, ele vira um dos panfletos do agitador
colocado na parede. E em uma taverna, uma semana antes,
um trio de trabalhadores estava falando sobre a absurda
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insurrecionista Lady Justiça sobre uma garrafa de whisky
para quem quisesse ouvir. Os escoceses estavam
desconfortáveis sob o domínio inglês; ainda viviam homens que
se lembravam do final sangrento daquela longa batalha de
séculos. E escoceses fizeram uma boa história. A mensagem de
desrespeito de Lady Justiça em relação à aristocracia
envenenara até mesmo aquela pequena aldeia.
Nenhum homem do grupo diante dele disse uma palavra.
Um machado no punho de um homem brilhou na luz do sol da
tarde.
— Talvez, lorde, — disse o estalajadeiro, — você possa nos
dizer uma palavra sobre sua acompanhante de viagem.
— Estou viajando sozinho. Agora, rapidamente me cansei
disso...
— Ou do ladrão que atirou e matou a esposa do pobre
Aillig Kendrick na estrada, — disse outro homem.
— Eu estou triste em ouvir isso. — Sua garganta se
encheu de chumbo. — Mas ainda não faço ideia do que isso
tem a ver comigo.
— Ela chegou pouco antes de você, — o estalajadeiro disse
e baixou as sobrancelhas.
— Quem?
— A lady sua amiga, — disse um dos homens de
Dumbarton. — Aquela que assassinou Betsy Kendrick.
O gelo escorregou pelas veias de Colin.
— Explique esta acusação de uma vez.
— Nós sabemos que você é ele, o salteador que chama a si
mesmo de Conde Egremoor.
Madame Roche saiu pela porta da frente da estalagem.
— Mon dieu! Não é cansativa a embriaguez de les
paysans? — Ela suspirou e, em seguida, pareceu notar a
multidão.
— Eu devo entender — disse Colin ao estalajadeiro — que
esses homens acreditam que sou um ladrão dizendo ser o
Conde de Egremoor?
— Mas é claro que ele é o Conde de Egremoor! — Madame
Roche exclamou. — Ele é a própria imagem de seu belo pai.
Mas, muito mais bonito.
O estalajadeiro disse aos homens de Dumbarton:
— Ninguém disse que uma francesa estava viajando com
os ladrões.
— Eles subornam as pessoas para ajudá-los, — disse um
deles. — Primeiro eles falam docemente, fingindo ser um
cavalheiro e uma dama, às vezes um cavalheiro e seu criado, e
tiveram problemas com a carruagem...
— Agora há três ladrões? — Disse Colin. — Dois homens e
uma mulher?
— Seu amigo, o pequeno, veste-se como tal, dependendo
do momento. Às vezes ele é uma grande dama, outras vezes um
jovem cavalheiro ou um cocheiro. Então ameaça as pessoas a
fingirem que são quem quer que você diga.
— Isso é um absurdo, — disse Colin. — Eu não preciso
ameaçar ninguém para fazer nada. — Exceto uma mulher em
um cemitério três semanas antes.
— Onde está o outro? — perguntou um dos homens de
Dumbarton a Madame Roche.
— O outro? — Perguntou ela com impertinência gaulesa.
— A pessoa que chegou aqui com você.
— Lady Emily foi dar um passeio no lago. — Ela
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gesticulou alegremente. — Une bonne idée, certainement . A
companhia aqui é menos que ideal. — Ela virou o xale sobre os
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ombros e sorriu para Colin. — Sauf vous , meu lorde. — Ela
se deslizou para dentro da estalagem.
— Eu já tive o suficiente dessa tolice. — Andando em
direção ao estábulo, Colin sentiu sua raiva como um fogo
lambendo suas costas. Dentro do estábulo, ele selou Golias e
retirou a pistola de sua mochila de viagem. Então ele localizou
Jonah e o instruiu.
Saindo do prédio montado, ele encontrou os homens de
Balloch e Dumbarton em pé em uma linha do outro lado do
pátio. Outros três homens se juntaram a eles.
— Sim, sei que é ele, — um dos recém-chegados rosnou,
seu rosto uma bagunça malhada de lágrimas e fúria. — É
aquele que atirou na minha Betsy.
Dois homens se moveram rapidamente para os lados,
circulando atrás de Colin.
— Senhor — disse Brady com firmeza, o policial de
Dumbarton está na estrada, agora, se dirigindo para cá. Se
você não é o ladrão que esses homens dizem que é, não tem
motivo para se preocupar.
Atrás dele, um homem passava um pedaço de corda de
uma mão a outra, os olhos brilhando pela bebida.
Whisky, raiva e tristeza: uma combinação perigosa. A
tensão da loucura encheu o pátio.
Ele poderia esperar o policial de Dumbarton e esperar que
ele não tivesse bebido a mesma quantidade que esses homens.
Ou ele poderia ir embora agora e poupar-se do trabalho de uma
longa entrevista com um oficial provincial e provavelmente uma
viagem até a casa do magistrado mais próximo.
E deixar Emily em perigo.
— Sr. Brady, eu aconselho você e esses homens a abrirem
passagem para o meu cavalo, ou garanto-lhe que ele não os
notará quando eu instruí-lo a derrubá-los.
— Você não vai escapar, vilão, — Kendrick arrastou. — Eu
vou ver você enforcado.
Golias contorceu seus ouvidos. Ele era uma fera
magnífica, poderosa, terna, inteligente. Em circunstâncias
normais, nenhum homem feriria tal criatura.
Atrás do estalajadeiro, um homem levantou uma
espingarda para o ombro. Alcançando sua pistola, Colin deu
rédea solta a Golias.
CAPÍTULO 6

O Voo

Zenobia subiu a encosta em direção ao bosque. Aqui


dentro do esplendor verdejante das colinas da Escócia, parecia
quase como se Amarantha pudesse aparecer a qualquer
momento, com seu ardente cabelo reluzente no sol e generoso
sorriso. De suas seis irmãs mais novas, Amarantha era sua
favorita. Quando cresceram, do qual o pai delas chamava de
uma época de conversa, pois ele gostava de levar suas duas
filhas mais velhas em passeios pelos jardins de Willows Hall,
sentarem-se em cadeiras colocadas por lacaios perto de uma
das esculturas nuas em tamanho natural de deuses antigos e
ninfas, e contar-lhes histórias de sua juventude. Às vezes ele
lia para elas. O conde de Vale era um homem amante do
prazer, um socialite da moda, mas uma pessoa de inteligência e
reflexões ponderadas quando não estava ocupado fazendo tudo
o que podia para agradar a sua esposa.
Do outro lado do campo, uma trilha de ovelhas passava
por uma colina através de um portão de uma cerca de pedra.
Examinando a encosta aberta buscando sinal de um touro ou
carneiros, ela viu apenas ovelhas ao longe. Entrou e fechou o
portão atrás de si.
Cascos batiam na terra à distância. Não era um touro. Um
cavalo. Galopando em seu grande cavalo preto pelo campo em
direção a ela estava o homem que ela havia deixado na
hospedaria para fugir da presença dele. Ele não atravessou o
portão, mas foi diretamente para o muro baixo que se estendia
entre eles. Tampouco diminuiu a velocidade rente a murada, e
ela observou o agrupamento dos enormes músculos do animal
e depois a gloriosa trajetória de poeira do solo para o ar e sobre
a barricada de pedra.
Colin parou sua montaria diante dela.
— Você está em perigo. — Ele se inclinou para baixo. —
Pegue minha mão.
— O que?
— Nós devemos partir. Rapidamente. Pegue minha mão.
— Partir? Do que você está falando?
— Vieram homens de Dumbarton, onde dois assaltantes
de estrada matou uma mulher. Eles acreditam que sejamos
aqueles salteadores de estrada e estão ignorando o conselho
daqueles que desejam esperar que o policial chegue. Eles estão
fora de si e loucos por sangue. Pegue minha mão.
— Salteadores de estrada? Nós? Você e eu?
— Aparentemente nos parecemos muito com a dupla. Um
deles está chamando a si mesmo — ele pareceu recuar um
pouco — pelo meu nome. Como chegamos à estalagem por um
tempo muito perto um do outro, os homens de Dumbarton
chegaram a conclusões precipitadas.
— Mas... você esteve bebendo muito e perdeu o espírito?
— Eu gostaria de poder dizer que sim.
— Mas isso é inacreditável.
— No entanto, deve ser acreditado.
— Você disse a eles que o outro homem está mentindo?
— Sim, é claro. Eles escolheram não acreditar em mim.
Emily, por favor. Não há tempo para isso. Preciso te levar a um
lugar seguro.
— Mas eu não posso simplesmente fugir. Clarice está na
estalagem! E Jonah.
— Eu não acredito que eles irão machucá-los. Eles estão
convencidos de que os enganamos para nos ajudar.
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Aparentemente, a dupla tem usado chicana e mentiras para
obter assistência a partir de cúmplices inconscientes.
— Como você sabe tudo isso? O que você fez, tomou
algum chá com eles antes de pular em seu cavalo?
— Não. Eles vieram até mim com espingardas e machados
e eu apontei uma pistola para eles, enquanto eles me
amaldiçoavam até que eu estive fora de vista. Agora pegue
minha mão.
Ela agarrou seus dedos e seu ombro arrancou
violentamente quando ele a puxou e colocou-a na garupa do
cavalo, suas mãos segurando-a enquanto ela lutava com suas
saias e manto e ouviu-os rasgarem-se. Mas ela tinha as pernas
escanchada para os lados.
— Você está pronta? — Ele perguntou.
Ela apertou as pernas para os lados do cavalo.
— Sim.
O animal se afastou. O chão que estava coberto de musgo
e macio sob os pés era irregular e áspero sob o casco do cavalo,
mas o animal era poderoso e Colin controlava-o com facilidade.
Quando, ela segurou firme, tentou ignorar o aperto de seus
seios contra suas costas e a sensação perturbadora de suas
coxas internas sobre seus quadris, e não pensar sobre onde ele
a segurou para colocá-la atrás de si. Onde seus dedos se
agarravam ao casaco, ele era gloriosamente firme, e ela teve a
impressão de se agarrar a uma das estátuas no jardim de seu
pai, só que ele era feito de carne real, masculina, em vez de
pedra.
— Confundidos por ladrões, — disse ela perto de seu
ombro. — É absolutamente incrível. — Não menos que a ironia
de duas pessoas com identidades ocultas sendo confundidas
com outras duas pessoas.
— Não parecia incrível quando eles estavam ameaçando
colocar um laço no meu pescoço. — O rugido de sua voz
retumbou sob as palmas das mãos, e uma emoção de algo
totalmente estranho passou por ela. Anos atrás, quando ela o
adorava, nunca tinha ouvido a sua voz. Agora, quando eles não
gostavam um do outro, ela podia sentir isso. Era estranho,
confuso e a silenciou por um tempo.
— Onde estamos indo?
— Longe o suficiente para que da floresta eles não possam
nos ver.
A meio caminho da encosta, a floresta começava
abruptamente, levantando-se escura, mesmo sob o comando
do vibrante céu azul encoberto parcialmente pelas nuvens. Ela
não tinha medo de florestas. Ela passara a infância buscando
tranquilidade na floresta — a primeira metade daquela infância
com esse mesmo homem.
— E então? — Ela perguntou.
— Então eu vou decidir o que fazer.
Quando eles entraram na floresta, ela correu os olhos
pelas encostas atrás deles.
— Ninguém está nos perseguindo. Não que eu possa ver.
— Sua visão não é prejudicada à distância?
— Apenas com pouca luz. Eu uso meus óculos só para ler.
— Isso é útil. — Ele soou mortalmente sombrio, como se
estivesse avaliando suas vantagens e desvantagens. E sua voz
mudara. Ele ficou quieto, pensativo. Era uma voz que ela
nunca ouvira antes.
Dentro das árvores, as sombras se espessavam e o ar era
frio em suas bochechas e nas pernas com meias expostas. Ela
tentou puxar o manto em volta dos joelhos e conseguiu cobrir
um.
— Você acha que eles estão realmente nos perseguindo?
— A mim. No momento, eles estão apenas me
perseguindo. — Ele cortou cada sílaba.
— O que?
— Quando eles estavam exigindo interrogá-la, sua
acompanhante apareceu e anunciou que você tinha ido dar um
passeio até o lago. O seu desprezo pela sua segurança foi
impressionante.
Seria como se Clarice insinuasse amplamente a ele que
deveria se juntar a ela em seu passeio.
— Se ela tivesse sentido uma ameaça real, não o teria dito.
— Espero que tenham escolhido procurá-la no lago, em
vez de virem atrás de mim.
— Como você sabia que eu não estava no lago?
Ele ficou em silêncio enquanto o cavalo avançava
rapidamente pelas árvores. Não havia caminho nem trilha,
apenas um leito de agulhas de pinheiros e samambaias, e o
som dos cascos eram abafados.
— Eu tinha visto você sair da estalagem, — ele finalmente
disse.
Os espaços entre as árvores abruptamente se alargaram e
ele incitou o cavalo a um galope, e eles fizeram o seu caminho
entre pinheiros, abetos e olmos altos. Depois de algum tempo,
as árvores diminuíram e emergiram da floresta numa encosta
que descia até uma fenda no vale abaixo, margeada por
árvores. Um riacho, provavelmente. Nenhuma casa ou celeiro
marcava a paisagem esmeralda, nem mesmo uma única
ovelha. Atrás das nuvens de lã, o sol estava perto de tocar o
ápice da colina oposta e as sombras cobriam o vale.
Ele fez o cavalo parar.
— Eu não estou familiarizado com este campo. Não tenho
a menor ideia de onde o magistrado local será encontrado.
— Devemos estar a quase duas milhas de Balloch. Talvez
os salteadores de estrada ainda não tenham estado nesta parte
do campo e possamos encontrar um fazendeiro racional que
não nos confunda com eles.
Passando a palma da mão sobre o rosto, ele disse:
— Isso é fantástico.
— É, — disse ela, sentindo muito agudamente a tensão no
corpo dele.
— Emily, eu afirmo que estamos sendo perseguidos por
homens assassinos e a coloco sobre o meu cavalo, e você está
simplesmente concordando com isso?
— Eu não tenho qualquer outra escolha, tenho? Se você
está dizendo-me a verdade, então é minha vantagem ir junto
com você, especialmente se isso vai garantir que Clarice e
Jonah estão em segurança. Por outro lado, se você não está
dizendo a verdade e simplesmente fugiu comigo por um
capricho ou por algum desígnio desonesto, então você é louco
ou um vilão e eu não tenho muito a dizer sobre o assunto. E o
que você espera que eu faça de qualquer maneira? Finja um
desmaio?
Ele virou a cabeça um pouco, revelando a covinha
marcada em sua bochecha. De repente, ela perdeu o fácil uso
do pensamento racional.
Dezoito anos. Há dezoito anos, ela não tinha visto aquela
covinha. Mas há dezoito anos atrás ele ainda não tinha a
mandíbula dura de um homem e não havia transformado o
cerne da parte intima dela em fogo líquido e quente.
— Um patife? — O amargor de sua voz se tornou um
estrondo baixo. — Mesmo?
— Não está tão longe. Se estamos em grave perigo, por que
diabos você está sorrindo? E meu nome é Zenóbia.
Ambas as mãos se fixaram nas rédeas novamente.
— Você vai se apresentar ao seu imaginário e racional
fazendeiro com esse nome?
— Eu acho que se você se apresentar como o verdadeiro
Conde de Egremoor, não importará para o fazendeiro racional
qual é o meu nome. Por que você carrega uma pistola?
— Em certas ocasiões, isso se mostra útil.
— Em que ocasiões?
— Em ocasiões em que uma mulher segura meu peito
como se fosse um bote salva-vidas e faz perguntas que não são
da sua conta.
Ele pegou as mãos dela.
— Pare o cavalo. Eu estou desmontando. — Ela jogou sua
perna por cima do traseiro do animal e escorregou para o chão.
Sacudindo as saias, ela se afastou vários passos, pisando com
cuidado em suas pernas bambas.
— Você planeja caminhar até a casa do fazendeiro
racional? — Ele perguntou quase em sussurro.
— Claro que não. Mas eu não estou acostumada com isso
e preciso de um momento.
— Você não está acostumada a cavalgar? — Ele estava
olhando-a; ela podia sentir sua atenção como sempre tinha
sido capaz anos atrás. — Será que a livreira Lady Emily só vai
25
à cidade em seu barouche-landau ?
— Você é um sapo. Não estou acostumada a cavalgar
montada atrás de um homem.
Um lento sorriso curvou seus lábios. Estava em desacordo
com tudo o que ela sabia sobre ele, era um sorriso devastador,
confiante, bonito e completamente sensual.
— Então, eu sou um sapo ou um homem? — Ele
perguntou. — Eu gostaria de saber se deveria coaxar ou falar
daqui em diante.
— Eu gostava mais de você quando não fazia nenhum
som.
A covinha se aprofundou.
— Você escolheu montar o cavalo assim.
— E sentar em seu colo teria feito o voo muito mais rápido
e eficaz, é claro. — Ela desejou que ele ficasse longe dela. —
Isso é loucura. O que estamos fazendo aqui? Você tem alguma
ideia, ou era o voo o seu único plano?
O sorriso desapareceu.
— Remover você do perigo foi minha primeira
preocupação. Agora precisamos encontrar abrigo antes que a
luz se vá e esperar que quem quer que encontremos não tire as
mesmas conclusões sobre nós como os homens de Dumbarton
e Balloch.
— É incomum, eu acredito, uma mulher ser salteadora.
— Parece que ambos são na verdade homens. Um
ocasionalmente se disfarça como uma dama. E o outro que se
chama pelo meu nome.
— Mas como as pessoas sabem que os ladrões não são
realmente um homem e uma mulher, e a mulher
ocasionalmente se disfarça de homem?
— Talvez eles não imaginem uma mulher capaz de ter
sucesso em tal artifício.
Claro que ele presumiria isso.
— No entanto, um ladrão é capaz de fazer as pessoas
acreditarem que ele é um conde? — Ela perguntou.
— Aparentemente ele se parece muito comigo. — Ele olhou
através do vale para o sol tocando o pico oposto. — Nós
devemos continuar. Como você gostaria de cavalgar?
— Como eu fiz antes. — Sentada dentro de seus braços
não era viável. — Dê-me sua bota de montar.
Ele fez isso, e esperou que ela desembaraçasse suas saias
e colocasse seu manto sobre suas coxas.
— Eu não tenho ideia de como alguém poderia te
confundir com um homem, — disse ele. — Um relance em suas
pernas e eles saberiam o contrário.
Suas mãos estendidas para sua cintura pararam.
— Você não pode estar flertando comigo.
— Claro que não. — Ele incitou o cavalo ao movimento e
ela agarrou seu casaco. — Mas talvez você deva se sentar
diante de mim, afinal. Se alguém nos visse, saberia que você é
uma mulher simplesmente pela tensão no seu rosto.
O calor correu em suas bochechas, coxas e mãos e em
todos os lugares. Mas ela sabia que esse homem nunca diria
isso a uma mulher — não a uma mulher de sua própria classe.
— Isso não foi como eu ouvi, — disse ela. — Foi?
— Certamente foi. Se você não está acostumada a cavalgar
montada atrás de um homem, não estou igualmente
acostumado a cavalgar com as coxas de uma mulher sobre
meus quadris.
— Pare com isso. — Cada centímetro de seu corpo que
estava pressionada a ele parecia horrivelmente quente e
desconfortável. — Eu sei porque você está dizendo isso e eu
não gosto disso.
— Por que estou dizendo isso?
— Porque você acha que estou insultada por alguém me
confundir com um homem, e deseja amenizar isso.
— De modo nenhum.
— Então você está tentando curar meus sentimentos
feridos sobre essa proposta terrível do casamento.
— Eu não estou.
— Eu não tenho nenhum sentimento ferido por isso, então
você não precisa disso.
— Emily, acho-a atraente, mesmo antes de ver suas
pernas. Esta situação não é mais fácil para mim do que é para
você.
Não era possível.
— Pare este cavalo. Eu vou andar.
— Nós não temos tempo. Há luz de lamparina.
Espreitando pelos chuviscos de coníferas em uma fenda
esculpida pelo riacho, abaixo havia um prédio. Quando o pico
oposto projetou sombras sobre ele, uma nuvem de fumaça de
chaminé iluminou a luz de lamparina acima das copas das
árvores.
— Uma casa, — disse ela.
— Uma taberna. Há uma marquise na porta.
— Uma taverna em um vale deserto?
— Pode haver casas que não podemos ver. Séculos de
guerra tornaram os escoceses inteligentes em esconder suas
casas. E veja, além daquela parede.
— Ovelhas. Então há pelo menos uma fazenda neste vale.
— Não estamos longe o suficiente de Balloch para ficar à
vontade aqui, — ele disse. — Mas Golias está cansado, e eu
suspeito que você gostaria de jantar.
— Você não está com fome também?
— Eu lhe disse: estou distraído.
Ela não era uma mulher bonita. Suas amigas Kitty e
Constance eram beldades, e ela entendia o que atraía os
homens para elas. Ela não entendia esse homem, e o
conhecimento de que ele era proficiente no fingimento, com o
tom de uma sinceridade simples em sua voz.
Ela gostava da voz dele. Era profunda e ressonante, como
se ele não tivesse a necessidade de se apressar ou exigir.
Mesmo quando ele ordenara que ela pegasse sua mão para
fugir, não gritara.
Mas como Peregrino ele a ameaçou. E ele fingiu sedução.
Quando o cavalo desceu cuidadosamente a colina, o
ângulo pressionou-a mais perto do corpo de seu
acompanhante.
— Golias é um nome horrível para um cavalo, — disse ela.
— Ele sugere como o desejo insaciável do homem pode dominar
os outros, mesmo grandes e nobres animais como este.
— O Golias bíblico não era nobre. Ele era um assassino. E
eu não dei o nome a este cavalo.
— Você pode renomeá-lo, — disse ela.
— Posso, Emily? — Ela podia ouvir o sorriso dele. — Que
problema você tem com o seu nome?
— Esse nome não significa nada.
— Seus pais deram para a filha mais velha. Deve ter
significado algo para eles.
— Meus pais costumavam tomar decisões ruins.
Ele não respondeu e ela só podia imaginar que ele estava
pensando o mesmo de seus pais, quando eles concordaram
com o noivado de seu filho de cinco anos com a filha de seus
queridos amigos.
Ele não precisava tê-la visitado em Londres. Poderia ter-
lhe escrito, informando da estipulação no testamento de seu
pai, e receberia em resposta o que deveria ter sabido que ela
iria dar: que estava feliz por acabar com essa loucura tanto
quanto ele, e poderiam fingir que tinham feito em pessoa, que
ninguém mais precisava saber que não fora assim. Mas ele
tinha atravessado com a farsa. Enquanto ela desafiava seus
pais sempre que isso lhe convinha, ele sempre fazia o que seu
pai esperava dele.
Perto da base do monte uma parede paralela
acompanhava o riacho e terminava em um portão. Do outro
lado, um estrada corria diretamente para a taverna, as
lamparinas em sua porta brilhavam calorosamente à luz fraca.
Colin desmontou e deu-lhe as rédeas.
— Você estará confortável montando neste animal
sozinha, chamado erroneamente Golias pelo restante da
distância?
— Sim. — Quando ele abriu o portão, ela saltou para a
frente na sela e enfiou os pés nos estribos que eram muito
baixos para ela, depois incitou o cavalo para a frente. Um
estábulo com um teto caindo de um lado e um único lampião
dava direto a uma parte da taverna.
— Colin?
Ele olhou para trás. Ela sentava-se em seu cavalo, com as
costas retas, e as mãos confiantes que tinham agarrado sua
cintura e, coxas fortes que ele, ainda, podia sentir como se
estivessem coladas aos seus quadris. Outra hora disso e ele
não teria se distraído. Ele teria sido insano.
— Emily?
— Ze-nó-bia, — ela enunciou. — E quanto ao seu valete?
— Meu valete?
— Seu valete. O homem que arruma sua roupa de cama e
te barbeia e escova as minúsculas partículas de fibra de seus
casacos.
— Sim, eu sei o que é um valete, Emily.
Seus lábios se franziram.
— Será que você o deixou em Laird Leed Inn também?
— Eu estou viajando sozinho. Eu estava viajando sozinho,
é isso.
Ele se moveu para o lado de Golias e ela o olhou de novo à
luz da tarde que mudava rapidamente para a noite, quando
seus olhos muitas vezes a confundia se convertendo quase em
cegueira e em outros momentos em certas visões que realmente
não estavam presente.
Seu olhar sobre ele estava concentrado, pensativo. Ela
tinha um olhar sobre ele como se estivesse sempre pensando.
Ele imaginou seu cabelo claro solto e despenteado em torno de
sua testa e ombros, o comprimento sedoso escorregando
através de seus dedos, e aquelas esmeraldas escuras, vivas de
prazer.
E inflexivelmente empurrou a imagem de sua mente.
— Nós não estamos viajando juntos, — disse ela. — Isso é
momentâneo.
Ele colocou a mão sobre o pescoço do cavalo.
— Eu ainda não sei o perigo que verdadeiramente
enfrentaremos. Mas lamento que a minha presença neste país,
neste momento, ao ponto de colocá-la em tal situação.
— Você não pode ser responsabilizado por isso. Mas por
que você está neste país, realmente?
— Eu estou fazendo um favor para uma amiga.
Abruptamente as esmeraldas pareciam brilhar. Ela passou
a perna pela parte de trás do cavalo e ele se aproximou para
ajudá-la.
— Não, não. — Ela se afastou dele.
— Espere aqui. — Ele pegou as rédeas e puxou o cavalo
para o estábulo em ruínas. Nenhum cavalariço ou menino o
cumprimentou. O lugar estava vazio, exceto por uma mula
cochilando. Colin passou a mão pelo manto do cavalo e fechou
a porta da baia. Ele cuidaria do animal depois de ter atendido
às necessidades da mulher.
Ela tinha tirado o capuz de seu cabelo brilhante e era uma
mera sombra esperando por ele. Ela havia se retirado da luz
brilhante do lampião. Ele não se surpreendeu. Ela era
inteligente. Ela sempre foi.
Mas seus olhos estavam cheios de cuidado.
— Você acredita que Clarice e Jonas estarão seguros? —
Ela perguntou.
— Eles são leais a você?
— Inquestionavelmente.
— Eu falei com Jonah mais cedo.
— Falou com ele? Sobre o que?
— Sobre a possibilidade de perigo. Ele havia notado algo
estranho nas boas-vindas que deram a você na estalagem. Eu
disse-lhe que, se surgissem problemas para você ou Madame
Roche depois que eu viajasse, ele deveria mandar uma
mensagem imediatamente para meu homem em Maryport
Court pois ele saberia o que fazer, então ele deveria procurar a
ajuda do policial local.
Suas feições, feitas com se um lápis de ponta fina tivesse
desenhado, demonstraram um espanto perfeito.
— Seus pensamentos são tão claros em seu rosto, — disse
ele. — Você não tem ideia de como dissimular, não é?
O pequeno dardo apareceu por cima do aro de seus
óculos.
— Jonah não me disse nada de suas preocupações.
— Eu suspeito que ele queria poupá-la de alarme
desnecessário.
— Desnecessário foi como aconteceu. Nós poderíamos ter
partido imediatamente e nos poupado de cavalgar
apressadamente.
— Possivelmente. Mas poderia ter sido tarde demais.
Agora, esperemos encontrar alguma comida aqui e instruções
para a casa do cavalheiro mais próximo.
Dentro da taverna, duas salas saíam do hall de entrada,
uma parcialmente obscurecida pela porta. Dois homens de pele
escura e trajes grosseiros sentavam em uma mesa distante com
um tabuleiro de gamão entre eles. Outros dois homens estavam
no bar, e um homem com barba até o peito roncava em uma
cadeira junto a uma lareira. O taberneiro levantou os olhos da
cerveja e assentiu.
— Boa noite para você, senhor. O que vai querer?
— Whisky. E jantar.
— Chá, por favor, — disse ela.
O sujeito assentiu e foi para a cozinha. Colin chamou a
atenção de um dos homens no bar, mas o escocês afastou-se
rapidamente.
O olhar de Emily estava fixo em todo salão. Ele tocou-lhe o
cotovelo, ela se sobressaltou e se afastou dele. Ele gesticulou
para uma mesa na sala dos fundos, da qual ele podia ver
através de uma janela o estábulo.
Quando o taberneiro veio com o whisky e um bule de chá,
ela aceitou com gratidão, mas seus olhos se desviaram
novamente.
— Viajando, senhor? — Perguntou o taberneiro.
— Sim. Eu coloquei meu cavalo no estábulo, mas a
montaria de minha companheira de viagem caiu a meia milha
daqui e fomos obrigados a deixá-lo lá. Não creio que haja uma
estalagem ou uma casa de fazendeiros por perto?
— Existe o Laird Leed Inn em Balloch. E tem a fazenda de
Landry do outro lado de Dumbarton. Essa é a única morada de
fzendeiros nessas regiões, exceto a de Sir Cheadle em Paisley.
— E eu que pensava que os escoceses eram todos
cavalheiros agricultores nos dias de hoje. — A bajulação era
uma ferramenta que ele costumava usar para deixar os
homens à vontade.
— Não precisamos de cavalheiros aqui, senhor, — disse
um dos trabalhadores, erguendo o queixo no ar. — Não, com a
senhora do nosso lado.
— Outra palavra Cletus, — o taverneiro fez uma careta, —
e eu não vou deixar você jogar dardos na minha parede. — Ele
gesticulou para uma folha larga presa à parede ao lado do bar.
— Corações jovens e ardentes, — ele disse a Colin com uma
sacudida de sua cabeça. — Sempre pensando que o mundo
pode mudar da noite para o dia.
— A senhora? — Emily perguntou.
— Lady Justiça, senhora — disse o taberneiro. — Escreve
uma carga de bom senso, apesar de jovens loucos como Cletus
aqui não acharem isso errado. Minha patroa trará o jantar em
um instante. — Ele caminhou para a cozinha.
Um dos homens do bar deu boa noite e saiu.
Os olhos de Emily estavam muito brilhantes e um rubor
rosa repousava sobre cada face clara.
— Você está bem? — Ele perguntou baixinho.
Ela assentiu com a cabeça. Não usava nenhum chapéu ou
gorro, e seu cabelo tinha escapado de seu arco e caído sobre
sua testa.
Um movimento pela janela chamou sua atenção.
Uma das mãos de Emily pousou na beira da mesa. Ele
estendeu a mão, segurou-a com força e sussurrou:
— Vamos. Agora. — Ele ficou de pé rapidamente e ela o
seguiu.
— Minha esposa está doente, — disse ele em voz alta,
guiando-a ao redor da mesa enquanto ela colocava o outro
pulso contra a boca e parecia engasgar-se. Envolvendo o braço
ao redor de sua cintura, ele a empurrou para a cozinha,
através do pequeno salão, passando por uma hoste de olhos
arregalados para uma porta na parte traseira. Abrindo a porta,
ele disse perto do ouvido dela: — Você pode correr?
— Sim. — Ela se soltou dele.
Na escuridão, ela correu na frente dele precisamente na
direção que ele teria dito a ela: em direção a uma cerca de
sebes que levava às árvores. As sombras eram mais profundas
lá. Suas saias escuras e manto ficaram confundidos com a
noite, mas ele seguiu-a pelo brilho de seus cabelos revelados
pelo luar. Eles invadiram a cobertura da árvore e ela fez uma
pausa.
Puxando o capuz em torno de sua cabeça, ele disse:
— O quanto você pode correr?
— Tanto quanto necessário, — ela ofegava.
— Até a colina oposta do cume Norte? — Seus olhos
brilhavam com uma faísca de prazer.
— Você tomou nota da paisagem?
— Quando nos aproximávamos.
— Claro. Mas o riacho deve ter três metros de largura.
— Há uma passarela do outro lado desse bosque. Venha
depressa.
— Mas Golias...
— Iremos a pé.
— Você vai deixar o seu cavalo?
— Eu tenho outros cavalos, Emily. Mas há apenas uma de
você.
Essa afirmação que ela nunca ouvira de outra pessoa em
sua vida, seguindo de seu próprio panfleto postado em uma
taberna no interior da Escócia, roubou-lhe todas as palavras.
Sem comentários, ela o seguiu de perto através das árvores. A
atividade de andar e andar regularmente em Londres manteve
sua mente fresca e frutífera. Mas a rigidez de montar, eram de
difícil controle. A passarela estava perto, no entanto. Eles
pararam ao lado da cerca antes de cruzar e escutaram. Os sons
da noite estavam em torno deles: o barulho rápido do riacho
pela chuva recente, o chilrear de alguns grilos que ainda não
haviam percebido que o verão tinha acabado, o balido de uma
ovelha ao longe, no alto da montanha e o murmúrio de
conversas se deslizando facilmente ao longo do colchão d'água
para eles, vindo da pequena taberna contra o vento.
Nenhum lampião ou tocha passava pelas árvores atrás
deles. Sem passos ou vozes também.
— Vá, — ele sussurrou.
Ela caminhou a luz da lua para as tábuas da ponte, seu
pulso batendo forte em sua garganta. Ele a encontrou perto
das árvores do outro lado. Mas ele não falou imediatamente.
Em vez disso, ele puxou seu capuz um pouco para trás e olhou
para baixo, para o seu rosto.
— Eles estavam armados? — Ela sussurrou.
— Dois homens de Laird Leed, ambos com espingardas.
— Isso não pode estar acontecendo. Pode?
— Você entende o que significa correr agora?
— Com isso não seremos baleados, mortos e enterrados
como ladrões em um remoto vale escocês? Sim.
Agora ele sorriu ligeiramente.
— Vamos.
Ela puxou o capuz apertado em torno de seu rosto
novamente e eles partiram.
A subida foi horrenda, o chão coberto de musgo e espesso
onde não era rochoso. Suas botas, que ela julgara adequadas
para viagens, eram decepcionantemente finas, e a escuridão
escondia buracos de coelho e tufos de grama duros que
cortavam seus tornozelos. Mas ela se recusava tropeçar. Ele
insistiu em segui-la e tinha uma pistola. No momento em que
chegaram ao cume ela arfava por ar.
— Tudo bem, — disse ele, olhando para ela brevemente
antes de se virar para olhar para o vale que haviam escalado.
As colinas eram quase montanhas.
— Sim. — Ela não podia reclamar. Trabalhadores do
campo, de fábricas e mineiros, limpadores de chaminés,
soldados comuns, trabalhadores das docas e prostitutas
sofriam muito mais a cada dia de suas vidas. — Um passeio no
parque.
O luar iluminou seu curioso sorriso quando se virou para
ela. Não era o sorriso sensual de antes, e não a aquecia em
certos lugares; afundava suavemente sob as costelas ao lado de
seu coração batendo.
— Eu não sabia que você sabia como sorrir, — ela ouviu-
se dizendo. — Ultimamente, quero dizer.
— Você está levando isso mais a sério do que eu esperava.
— Pelo contrário. Eu estou apavorada. Você acha que eles
virão atrás de nós?
— Eu acho que os homens deste campo foram preparados
para se ressentirem de sua condição inferior. É difícil saber o
que eles podem fazer com criminosos que eles acreditam
estarem se aproveitando da deferência de seus senhores.
Estava em sua língua replicar que os homens do campo
tinham sido submetidos à guerra por centenas de anos, porque
os chamados cavaleiros haviam roubado suas terras e
liberdade, e que eles estavam bem justificados em seu
ressentimento. Mas essas eram as palavras de Lady Justiça.
No silêncio da noite cada vez mais profunda, ela não
conseguia ouvir nada a não ser os sons da natureza, o crepitar
da terra úmida, o vento através dos galhos das árvores e, à
distância, o piar de uma coruja.
— Por que eles não estão nos perseguindo?
— Porque, eu suspeito, que eles acreditam que nós
tentaríamos matá-los.
— Nós devemos esperá-los e, em seguida, retornarmos a
taberna por seu cavalo.
— Não.
— Colin.
Ele agarrou seus ombros e puxou-a para encará-lo.
— Nós não vamos voltar a nenhum lugar que haja homens
com armas destinadas a apontar para você, — disse
duramente, o luar se refletia como gelo em seus olhos. — Sob
nenhuma circunstância eu vou desperdiçar essa chance.
Ela saiu do seu alcance.
— Então o que devemos fazer?
— Continuarmos para um lugar que tenha segurança. O
castelo de Kallin era pretendidamente o seu destino, não era?
— Isso era. Por carruagem. São quase cinquenta milhas.
— Então, vamos esperar até encontrar seu fazendeiro
imaginário e racional da estrada. — Sua voz mudou
completamente.
— A estrada de onde? Para onde você estava viajando
antes de ser confundido com um ladrão de estrada?
— Nessa mesma direção também. — Em busca de Penny.
Ele nem sequer pestanejou quando o taberneiro
mencionou Lady Justiça. Ele estava no controle de si mesmo,
totalmente autocontrolado, mesmo agora, com raiva e
desespero. Ele poderia estar pensando em uma coisa e dizendo
outra completamente diferente fez com que os pelos
minúsculos de todo o seu corpo se arrepiarem.
— Fale agora de questões práticas, — ela disse, — de
comida, sono e do potencial que homens justamente furiosos
decidiram nos seguir apesar de sua pistola.
— Minha esperança é que quando estivermos longe o
suficiente de Balloch, a perseguição cesse. E devemos confiar
que Madame Roche e Jonah convencerão uma pessoa com
autoridade sobre nossas verdadeiras identidades antes que
esses homens irados nos alcancem. Com esse objetivo em
mente, vamos continuar agora. — Ele começou a descer a
colina com sombras que pareciam listras pela luz do luar. Ela o
seguiu. Não tinha escolha. Ela não tinha experiência em fugir
de homens raivosos ou qualquer método de se defender se eles
aparecessem. Ela agora dependia desse homem. Estava sob o
seu controle.
Como as mulheres estavam presas no casamento.
Como sua esposa, que ele fingira ao estar na taverna, sem
sequer piscar um olho.
CAPÍTULO 7

A Revelação de uma Lady


Literária

— Como você sabe em que direção seguir? — Eles estavam


andando há horas. A lua tinha desaparecido, e a escuridão se
aprofundava por toda a colina que eles escalavam ao longo de
uma barreira de pedra.
— Estou usando as estrelas como guia. — Ele caminhava
dois metros adiante dela, mantendo um ritmo constante, como
se estivesse acostumado a caminhar por terras agrícolas no
meio da noite. Ela supôs que ele poderia seguir assim por
muito mais tempo. Sua mãe lhe dissera com frequência que ele
morava principalmente em sua casa em Grosvenor Square.
Mas sua propriedade estava em terra que ela amava por ser
acidentada e selvagem.
O severo ex-conde de Egremoor, talvez, tivesse sido para
sua propriedade no campo, um improvável guardião. Zenóbia
não podia imaginar o velho conde caminhando pelos penhascos
da costa ou pela escuridão da Floresta Cinzenta, onde seu filho
e a filha mais velha de seu melhor amigo haviam passado
muitos dias.
— Você, então, ultimamente foi um marinheiro? — Ela
perguntou.
— Não. — Sua voz não revelava nenhum sinal de cansaço.
Era forte, clara e perfeita. Ele era perfeito, até o lenço de
pescoço ainda tinha as dobras limpas, enquanto a bainha dela
estava encharcada de lama e o cabelo grudado na testa, como
seria o caso de qualquer um que caminhasse pela Escócia
numa bela noite de outono. Exceto ele, aparentemente. Nunca
ele. Nunca o sério, sóbrio, justo Colin Gray.
— Será que as estrelas produziriam uma estalagem
aconchegante logo acima daquela elevação, — disse ela. Ele
não respondeu, e quando chegaram ao cume não havia
nenhuma estalagem aconchegante, apenas amplos trechos de
colinas envoltas pela escuridão da meia-noite e inteiramente
desertas. Nenhuma parede de pedra serpenteava sobre a
paisagem para impedir que as ovelhas vagassem, nem mesmo
cercas de madeira ou cercas vivas. Era um lugar árido e
espetacularmente belo sob a luz das estrelas.
— Não há abrigos, — disse ele.
— Terá que ser cama de pinheiro e um dossel de abeto,
então. Pois não posso andar mais uma milha.
— Naquele lugar, — disse ele, apontando. — Essas folhas
vão servir.
— Como cenário para um conto de fadas medieval? Eu
diria que você está correto.
Pela primeira vez em horas, ele olhou por cima do ombro
direto para ela.
— Bem, — ela disse. — É escuro e vasto e, sem dúvida,
repleto de velhas malucas em casas de campo questionáveis,
atraindo crianças com doces coloridos para prepará-las para o
jantar. Tenho certeza de que encontraremos hospedagem e
alimentação lá. Se eles exigirem pagamento eu ofereço você
26
como escambo .
— Eu não sou uma criança.
— Dado meus limitados recursos no presente, eu suspeito
que as velhas malucas, no entanto, estarão satisfeitas. — Ela
passou por ele e começou a descer a colina. — Desde que elas
não o imaginem como um príncipe empenhado em sua
destruição, é claro. Então elas certamente não irão fazerem a
troca.
— Você é a donzela em perigo neste cenário? — Ele
perguntou por trás dela.
— Claro que não. Eu não estou em nenhum desses velhos
contos.
— E eu estou?
— Esses contos foram feitos com homens como você em
mente.
Depois de algum tempo ele disse:
— Homens como eu?
— Bonito, rico, sem hesitar, certo de sua finalidade,
corajoso, e com sorte o suficiente para enganar uma pobre
anciã tentando ganhar a vida isolada da sociedade que a
rejeitou porque é velha e não bonita. Você, meu lorde, é o
epítome de um herói de conto de fadas.
— Você diz isso como se fosse uma coisa ruim.
— Oh, — ela disse, — e é.
— Você prefere os fora da lei?
— Não quando estou sendo confundida com uma, é
verdade.
Eles chegaram ao topo da linha das árvores e ela
continuou em frente, mas ele ficou do lado dela.
— Eu vou primeiro, — disse ele.
— Você não precisa, — disse ela. — Passei a maior parte
da minha infância escondida nas florestas para escapar das
minhas irmãs.
Ele olhou para ela e a luz das estrelas fez seus olhos
brilharem.
— Sim, — disse ele. Então levantou a mão e acariciou sua
bochecha com três dedos, desalojando o cabelo aderido à sua
pele. — Eu sei.
O choque de sua carícia, a intimidade e ternura, passou
por ela como algo quente e selvagem. Ela recuou um passo.
Indo em direção às árvores, ela buscou alívio na frieza
escura da floresta. Ele a seguiu. Quando ela havia percorrido
alguma distância na floresta, seus passos iluminados apenas
pelo brilho de luz das estrelas aparecendo entre as árvores, ele
disse:
— Isso já está longe o suficiente.

****

Ela entrou em colapso. Folhas secas e musgo cobriam o


chão da floresta, o suficiente para amortecer seu ombro,
enquanto ela colocava o braço sob a cabeça, puxando o manto
mais perto dela, e deixou os olhos caírem, fechando-os.
A fenda na rocha não tinha nenhuma ponta saliente e o
granizo caía do céu negro, cada gota como uma pequena fúria
cortante sobre sua pele exposta. Ela se mexeu para se
pressionar mais perto do penhasco, lutando para se esconder
do dilúvio, mas este continuava chegando.
Ela acordou com um gemido pelas picadas e dores
cortantes em seu corpo, o sono se dissipando rapidamente.
Grogue, ela sabia que estava na floresta, deitada em agulhas de
pinheiro, e que estava sob ataque, mas não por granizo. Ao
longo de suas pernas, em sua barriga e formigando entre seus
seios, minúsculos choques de fúria percorriam através dela.
Ela se debateu contra a dor com as mãos frenéticas, as
pernas emaranhadas em seu manto, enquanto lutava para se
levantar, e a agonia se espalhava.
— O que é isso? — Sua voz veio até ela de perto, clara e
acordada. — Você está...
— Formigas, — ela se engasgou.
— Formigas?
27
— Dentro do meu... aii. Mordendo-me Eu devo ter
deitado em um formigueiro. Elas são uma legião. — Ela mexeu
no corpete, agradecida pela escuridão e por nada mais no
momento.
— Seria melhor remover as roupas e limpá-las.
— Eu estou tentando controlar... ohh!
— Deixe-me...
— Não! Fique longe de mim.
— Eu já removi formigas de você antes.
— Isso foi... — Ela engasgou-se e suas mãos não podiam
se mover rápido o suficiente. — Essa era uma circunstância
diferente.
— Não, realmente.
— Eu tinha cinco anos.
— Você pulava e gritava, em seguida, mergulhou naquele
lago como se a grama estivesse pegando fogo.
O lago onde ele tentara ensiná-la a pescar e ela fizera um
pouco disso. A floresta onde eles subiam ao topo das árvores
para verem o mundo inteiro. O penhasco do seu sonho...
Ela afastou as lembranças e sufocou seus gritos de dor.
— Isto é intolerável.
— Tire suas roupas.
— Fique quieto.
— Está escuro. Sua decência está segura.
— Eu posso vê-lo. — Apenas como uma silhueta.
— Eu vou me virar.
Ele era insuportável.
— Você promete?
— Por minha honra.
— Sua honra não poderia encher um dedal.
— Já estou de costas para você. Você gostaria que eu
cobrisse meus olhos com minhas mãos também? Ou talvez
usar uma venda nos olhos?
— Estou rindo incontrolavelmente. — Crash...
— O que foi isso?
— Os botões do meu vestido. — Um gemido de dor ecoou.
— Eu não posso desatar...
— Deixe-me ajudá-la. — Ela ouviu o seco “crunch crunch”
sobre a cama de folhas quando ele se moveu em direção a ela.
— Não.
— Eu não posso suportar seus choramingos. — Sua voz
estava mais perto.
— Eu não estou me lamentando, — ela gritou. — Eu estou
com uma dor real.
— Você deve me deixar ajudá-la.
— Não se aproxime.
Então suas mãos estavam sobre ela, forte e determinada,
virando-a de modo a ficar de costas para ele, em seguida estava
soltando os botões rapidamente e com grande facilidade no
escuro, o que sugeria que ele havia feito isso várias vezes. Ela
estava furiosa e ao mesmo tempo sem fôlego, consciente da dor
enlouquecedora, os aromas da delicada decadência outonal,
mas também de algo delicioso e inteiramente masculino,
colônia misturada com suor, e o ar fresco em sua pele
enquanto seu vestido e anágua saíam por seus ombros e ela
ficava nua.
Uma formiga mordeu a parte de baixo do seio.
— Oh, meu Deus, — ela gemeu, precisando passar as
mãos sobre cada centímetro de sua pele. — Vá agora.
Ele não se mexeu.
— Afaste-se, — ela disse.
Ela não ouviu nada além da brisa do vento nas copas das
árvores.
— Afaste-se. Já não tenho o suficiente para sofrer sem que
você desfrute da minha miséria?
Com um farfalhar súbito da vegetação rasteira, seus
passos se afastaram e desapareceram. Arrastando as mãos
sobre sua carne, ela escutou a noite ao seu redor, quase
silenciosa, exceto por uma pequena luta a alguns metros de
distância.
— Na próxima vou encontrar ratos no meu sapato, — ela
murmurou. De pé apenas com meias e botas ela sacudiu-os,
em seguida, correu as palmas das mãos sobre cada centímetro
do linho, removendo as formigas até não sentir mais nada. Ela
colocou o tecido sobre a cabeça, encontrou o espartilho e
repetiu a ação.
Ela estava fechando os únicos botões de seu vestido que
ela poderia alcançar quando o ouvisse retornar.
— Você compreende, — ela disse, com o queixo para
baixo, os dedos tremendo nos botões, — eu não acreditaria em
nenhum detalhe deste dia e da noite se alguém me contasse a
história. É insuportavelmente horrível. — E ele nem sabia a
metade disso.
— Permita-me ajudá-la, — disse ele, como se estivesse
sentado em uma mesa oferecendo-se para servir o chá.
— Obrigada. — Ela segurou seus sentidos contra o toque
de seus dedos em suas costas. Ele não disse nada e o silêncio
era íntimo e ainda mais cruciante do que as mordidas tinham
sido. — Não pode ser muito depois da meia-noite, pode?
— Ainda falta várias horas até o amanhecer.
— Eu não quero me deitar novamente. Pode haver mais
formigueiros.
— Você vai dormir onde eu estava dormindo. Sem
formigas.
— Oh? Você deseja tentar a sua sorte na invasão de
insetos hoje à noite?
— Você é notável, Emily.
Uma exalação escoou para fora entre seus lábios.
— Sou Zenóbia.
— Você não chorou ou desmoronou ou censurou
— Você me acusou de reclamar
— Você já fez isso antes?
— Parar em uma floresta à meia-noite enquanto um
homem abotoa meu vestido? E se eu dissesse que sim?
— Você já esteve em perigo real antes? — Sua voz era
mais baixa, mas firme.
— Só uma vez, — disse ela, e naturalmente ele saberia o
que ela queria dizer com aquilo. — Eu tenho uma vida
tranquila.
— Agora você é destemida.
— Por que eu não deveria ser? Você também é.
Suas mãos a deixaram e ela se virou para olhá-lo. A
escuridão estava quase completa agora, quase silenciosa e
suave. Ela sentiu o calor de seu corpo tão perto, e o calor
indesejado em seu próprio corpo, e se perguntou como seria
beijá-lo, inclinar-se para frente e impulsionar os dedos dos pés
e sentir os lábios dele contra os dela.
O que era prova suficiente de que essa desventura a
deixara completamente louca.
— Você já esteve em perigo assim antes? — Ela
perguntou.
— Não com uma mulher sob meus cuidados.
— Você já estava acordado quando as formigas me
despertaram, não estava?
— Eu estava.
— No entanto, você deve estar tão exausto quanto eu.
Você estava vigiando.
— Eu não posso permitir que você venha a se machucar,
Emily.
— Zenóbia. Você não será particularmente útil na defesa
de qualquer um de nós se não dormir. — Ela prendeu o fecho
de sua capa. — Se você se recusar a dormir, podemos
continuar. Talvez, pouco depois da próxima colina,
encontremos aquela pousada aconchegante com a qual estou
sonhando, ou pelo menos a cabana do fazendeiro racional.
— Você dormiu apenas quatro horas.
Mais quatro horas do que foram permitidos a garotas, que
trabalharam na costa durante toda a noite. Mais quatro que
servos de famílias abastadas, sempre atentos às exigências de
seus senhores em todos os momentos. Mais quatro que os
mineiros, que não viam a luz do dia durante semanas, às vezes
meses, mas cujos horários eram fixados pela ganância voraz
dos donos das minas.
— Eu não vou dormir se você se recusar, — disse ela.
Houve um silêncio em que a brisa sussurrando nas copas
das árvores era o único som.
— Você não mudou, — disse ele. — Não mesmo.
Abruptamente a cama de folhas parecia um espaço muito
próximo para conter os batimentos cardíacos.
— O que você quer dizer?
— Você era quase cinco anos mais jovem, mas sempre
teve que provar que poderia igualar-se a mim em qualquer
coisa.
— Eu não tenho que provar nada. Eu simplesmente fiz o
que desejava. — Isso doeu. Demais. Ela sabia que não deveria,
que era uma ferida muito velha e cheia de cicatrizes para lhe
causar tanta dor. — Agora eu quero continuar. — Ela se
afastou, mas ele agarrou seu braço e se aproximou.
— Emily.
— Zenóbia. — Ela se soltou dele. — E não me toque de
novo.
— De novo?
— Hoje você pegou na minha mão, tocou em meu rosto e
segurou meu braço, cintura e ombros, tudo sem meu
consentimento. Esta situação inacreditável em que nos
encontramos não lhe dá liberdade para fazer o que quiser.
— Eu peguei sua mão para levantá-la para o cavalo.
— Você pegou na minha mão na taverna. Não o faça de
novo. — Ela começou a se aproximar da borda da floresta.
— Você está com medo de ser tocada por um homem? —
Suas palavras eram como veludo através da floresta.
— Não tenho medo de ser tocada por um homem. — Só
por ele, que semanas antes em um cemitério escuro a havia
tocado para machucá-la, mas cujo toque agora a deixava em
confusão. Que seu corpo a traísse tão intensamente a enchia
de frustração.
— Você prefere o toque de uma mulher? — Ele perguntou.
Seus passos se atrapalharam. Ela se virou.
— Você acha que a escuridão torna esse questionamento
aceitável? Que por não poder ver o espanto no meu rosto acha
que não deve estar lá? É isso? Ou é sua arrogância? Você pode
fazer qualquer pergunta que queira, por mais íntima e
imprópria que seja, porque pensa que por causa de seu sangue
nobre e de sua posição está acima de qualquer reprovação?
— Não. Quero saber por que há anos você deixou claro
que não queria que eu me prometesse a você.
O ar disparou de seus pulmões. Por um momento, ela não
conseguiu respirar.
— Vá para o inferno, Colin.
Ela andou na frente dele durante horas, mantendo um
ritmo constante sobre o chão irregular. Quando a aurora
surgiu nas névoas sobre as montanhas que eram tão verdes
quanto seus olhos, ela parou no topo de uma colina e ficou ali
parada, oscilando, o vento capturando suas saias e inclinando-
as para o lado.

****
Colin chegou ao cume. Diante deles, na base da colina,
Loch Lomond se espalhava em magnificência clara e cintilante
até a margem oposta. Ao redor, as árvores estavam vestidas
para o outono em vermelho, âmbar e ocre. Em uma hora,
quando as névoas se dissipassem, o lago refletiria o céu azul e
a cena seria de tirar o fôlego.
Mas era tão fácil desviar o olhar da beleza natural da
Escócia para o perfil da mulher, como sempre fora fácil ignorar
o resto do mundo quando Emily Vale estava por perto.
— Eu imploro seu perdão, — disse ele.
— Para o quê? Por fazer a suposição que a maioria dos
homens fazem quando uma mulher os rejeita: que ela deve ter
se desviado de alguma maneira?
— Por perguntar a você o que não é meu direito saber. —
Seus ombros subiram para cima em uma inalação dura.
— É um lago lindo, — disse ela. — Mas eu gostaria que
fosse uma enorme tigela de mingau. Ou um pouco de bacon,
um prato de bolinhos e um bule de chá.
— Você é verdadeiramente extraordinária.
— E, no entanto, para todos os adjetivos superlativos que
você aplica a mim, não consigo fazer o café da manhã aparecer
magicamente diante de nós agora. Várias colinas atrás eu vi
ovelhas. Eu me pergunto que gosto tem o guisado de carneiro.
Eu suspeito que Clarice saiba. Os franceses são tão aventureiro
com a sua cozinha. — Ela mordeu sobre seus lábios. — Eu não
deveria tê-los deixado.
— Eles não estão sob suspeita. Eles estão bem.
— Eu gostaria que pudéssemos usar sua pistola para tirar
o café da manhã. Mas você deve guardar as balas para
ameaçar os homens furiosos, é claro. — Ela virou-se totalmente
para ele. — Por que não nos entregamos a eles? Quão difícil
poderia ser convencer uma multidão enfurecida pelo roubo e
assassinato de nossas identidades reais?
— Essa é a sua fome falando.
Seu rosto abruptamente corou de rosa.
— Então, claramente, não devo deixar minha fome me
dominar. — Ela recolheu suas saias e desceu a colina. — Loch
Lomond se estende quase ao Norte, — ela disse para ele. — Nós
certamente ultrapassamos Luss. A aldeia de qualquer tamanho
mais próxima ao longo da margem deve ser Tarbet.
— Como você sabe disso? Eu pensei que suas viagens
escocesas só a levaram a propriedade de Edimburgo e
Blackwood.
— Estudei os mapas dessa região antes de fazer essa
viagem. O terreno continuará montanhoso. Se seguirmos a
margem do lago, será preciso menos escalada e nos moveremos
mais rapidamente para o Norte, e é mais provável que nos
deparemos com casas. Esta não é a única estrada de Stirling
para as ilhas ocidentais, mas é menos montanhosa e mais
curta do que a viagem ao redor do extremo Norte de Loch
Lomond. Deve ter ocasionalmente habitações. De fato, eu
dependo disso. São dez milhas, pelo menos, para Tarbet, de
Luss, e outras cinco para o porto de Ardlui, e eu realmente não
acho que possa andar tão longe sem uma refeição ou uma
troca de roupa. Que intrépidos viajantes do mundo devemos
ser.
Tão intrépida quanto esta mulher, aparentemente. Mas o
plano dela combinava com o dele. Cada pedaço de informação
que ele tinha recolhido dos movimentos de Penny Baker desde
o Leste do Porto de Leith, a Oeste de todo o país, mostrou-a
viajando para o Oeste. Um vendedor ambulante com quem ele
28
compartilhara ales em Stirling acreditava ter visto a
senhorita Baker perto de Tarbet no inverno. Outro viajante a
colocou em Arrochar. Ele não ficou surpreso com a longa
memória desses homens: uma mulher de pele morena e um
sotaque das Índias Ocidentais era facilmente perceptível no
interior da Escócia.
Mas em Balloch a trilha esfriara. Eles estavam muito mais
interessados em estudar sua imagem e se alguém ali tivesse se
lembrado dela, não compartilhariam a notícia com um ladrão
de estrada.
Uma vez que Emily estivesse a salvo e ele tivesse
esclarecido esse perigoso caso de identidade equivocada, ele
buscaria a trilha de Penny Baker novamente e a encontraria.
A influência da agitadora espalhara-se, até mesmo para
uma minúscula e remota taverna em um vale rural da Escócia,
movimentando a ira de homens ignorantes contra seus
superiores. Lady Justiça devia ser parada. Os homens e as
mulheres da Grã-Bretanha sofreram bastante com a guerra no
exterior nas últimas décadas. Não precisava de guerra entre
compatriotas em seu próprio solo. Ele exporia publicamente
Lady Justiça como uma anarquista em busca de fama, e a
desmascararia antes que mais pessoas fossem seduzidas por
suas mentiras.
O dia tinha surgido completamente no esplendor outonal,
o sol iluminando a severa paisagem e o céu em rica
magnificência. A mulher em meio a tudo — francamente
vestida, espetacularmente fatigada, e reclusa — parecia tão à
vontade neste deserto acidentado quanto há anos atrás no
vasto parque de Willows Hall, nas florestas e nos penhascos de
Egremoor.
Cinquenta metros à frente dele, a luz do sol ficou presa em
seus cabelos quando ela se moveu para além de um conjunto
de árvores, e Colin parou para observá-la. Anos atrás, quando
a família do Conde de Vale veio para o Norte em busca de
férias, o simples som de sua voz, quando ela atravessou as
portas de Maryport Court e chamou seu nome, acalmou toda a
sua ansiedade.
Então, durante a noite, o oposto se tornou verdade.
Agora ele esperava semear a paz entre os britânicos
governantes e súditos, quando ele mal conseguia evitar brigas
com uma mulher que conhecera a vida inteira, não era um bom
presságio para sua chance de sucesso. Mas Emily era uma
exceção a todas as regras.
E ela tinha a pele mais macia e suave que qualquer
mulher que ele já havia tocado.
E sob o seu vestido escuro, ela usava uma anágua de
seda, com fitas de cetim amarrando seu espartilho.
E o deslocamento suave do linho fino se agarrava a suas
nádegas como se fosse a modesta roupa íntima de uma dama.
E suas pernas eram ágeis e fortes e seguravam os quadris
de um homem como se ela passasse todos os dias na sela
montada.
E ele não deveria saber nada disso. Mas ele sabia. E ele
não conseguia tirar isso da cabeça. Ou o cheiro do cabelo dela,
uma mistura inebriante de sálvia e mel. Ou o brilho de seus
olhos quando ela sorria. Ou sua coragem diante de uma
ameaça fantástica.
À frente, uma estrada estreita corria para as colinas nas
29
margens do lago abaixo. Uma dilapidada ribanceira de canto
caia contra a metade da estrada e quase inclinava-se para o
telhado frágil de uma cabana com teto de palha onde a estrada
apontava abruptamente para o ápice. Ela parou antes, virou-se
para ele com o dedo indicador sobre os lábios e levantou a mão,
a palma na direção dele. Ele balançou a cabeça. Seus olhos
brilharam com desagrado e ele quase riu. Mas ele permaneceu
imóvel e silencioso, sobre ele o gorjeio dos pássaros e o
farfalhar do lago abaixo.
Em seguida, ela partiu, além do canto da inclinação da
ribanceira, em direção a cabana e seus músculos agruparam-
se para saltar atrás dela.
Protegê-la-ia quer ela gostasse ou não? Ou confiar em sua
inteligência e coragem?
Ele enfiou a mão no bolso para pegar a pistola e ficou em
pé. Foi a coisa mais difícil que ele fez em anos.
CAPÍTULO 8

Um erro de julgamento infeliz

— Eu não me sinto culpada, Colin.


— Você está dizendo isso para me convencer ou a si
mesma?
— O universo. — Ela deu outra mordida na torta e encheu
sua boca com a massa amanteigada e a saborosa carne
roubada da carruagem estacionada à sombra da cabana. —
Geralmente, desaprovo o roubo.
— Geralmente? Exceto quando você está com fome e uma
cesta de piquenique é deixada desprotegida?
Ele estava sentado de costas contra uma cerca de pedra e
sua covinha estava flertando com sua bochecha. Um dia de
crescimento de barba sombreava sua mandíbula e ela estava
tendo problemas para não olhar novamente. Ela nunca o tinha
visto assim, — mas perfeitamente preparado, — desde que ele
tinha se tornado um homem. Agora ele estava afastado
perigosamente dessa época. O dia esquentou e ele tirou a
gravata e desabotoou o casaco. Suas botas estavam
compreensivelmente empoeiradas, e seu cabelo estava um
pouco despenteado, e seus olhos escuros e maravilhosos
repousando sobre ela como o calor de uma extraordinária
caridade.
— E o pobre fazendeiro, — ele disse, — que agora vai ficar
sem a sua refeição do meio-dia por causa de seu roubo
inteligente?
— Ou sua pobre esposa, a quem ele sem dúvida culpará
por esquecer de empacotar corretamente sua cesta com torta —
disse ela, enxugando os dedos num lenço.
— Será que ele vai culpá-la? — Ele perguntou.
— Sim. Os maridos geralmente culpam suas esposas pelos
erros que não cometeram. — Ele deveria entender disso. Mas
ela não podia dizer em voz alta. E algo em seus olhos mudou.
Ou talvez os músculos fascinantes em sua mandíbula
sombreada pela barba tivessem mudado. Ou talvez a rigidez de
seus ombros tivesse se soltado. O que quer que tenha causado
isso, de repente, ele parecia diferente.
— Até ontem, em dezoito anos, você não tinha me
chamado de Colin — ele disse. Um pedaço de massa colou em
sua garganta.
— Do que eu o chamava?
— Meu lorde. Ironicamente.
Ela não podia dizer nada sobre isso. Ele provavelmente
estava certo.
— De qualquer forma, — ela disse, — não me sinto
culpada quando a dona da cesta de piquenique não puder,
então, obviamente abastecer-se com vários dos seus conteúdos.
Ela era uma dama de conforto material. Você deveria ter visto
suas joias. Você pode me imaginar conduzindo sobre o campo
escocês usando diamantes?
— Diamantes? — Ele perguntou. — Você não roubou essa
comida de um fazendeiro?
— Não. Acho que ela foi enviada pelos homens de Balloch
como um chamariz para atrair os ladrões a campo aberto, mas
conheço-a e não acredito que ela seja inteligente o suficiente
para subterfúgios.
A caridade desapareceu de seus olhos.
— Emily, este é um detalhe que você deveria ter
mencionado para mim imediatamente.
— Eu queria que você aproveitasse sua torta. — Ela
sorriu. Ele não correspondeu. — Eu duvido que você a tenha
conhecido. Ela é uma mulher muito boba.
— Talvez você considere essa mulher tola por que conhece
seu nome verdadeiro e ela poderia ter atestado sua identidade
para os moradores antes que fosse embora?
— Claro que não. Por que eu deveria ter considerado tal
coisa? — Ela bateu os cílios.
Desta vez ela estava certa de que sua mandíbula se
apertou.
— Não se atreva a me dizer que você queria que eu
apreciasse minha torta primeiro. — Ele se levantou.
— Eu não direi. — Ela tirou o pó de sua saia — Embora
eu quisesse aproveitar a minha o mais rápido possível, com
certeza. Mas não foi por isso que decidi não falar com ela no
momento. E tenho certeza de que ela não foi embora ainda.
— Ainda? Você quer dizer que não a viu se afastar? — Seu
olhar passou através do terreno inclinado em direção à
encosta. — Como você tem certeza de que ela ainda está lá?
— Quando me deparei com a carruagem dela por trás
dessa colina, ela estava ocupada desrespeitando seus votos
matrimoniais. Com seu cocheiro, acredito. Não sei que tipo de
encontros sociais você está acostumado a ter, meu lorde, mas o
meu não inclui tipicamente interromper duas pessoas em
flagrante delito.
Seus lábios se separaram ligeiramente, ele olhou para ela.
Mas sua surpresa não foi nada como o choque que ela sentiu,
no momento em que percebeu o que estava acontecendo por
trás daquelas pilhas de palha.
— Eu estava tonta de fome, — acrescentou. — E eu pensei
que não machucaria esperar até que eles terminassem antes de
fazer a nossa presença conhecida.
Mais uma vez ele olhou para o outro lado da colina na
direção da inclinação, depois rapidamente para ela. Então, ele
saiu correndo.
Ela o seguiu, suspendendo as saias emaranhadas e com
os pulmões tensos, para encontrá-lo de pé no lado oposto
totalmente imóvel. Trilhas de rodas marcavam o lugar no macio
terreno onde a carruagem estivera estacionada.
— Eles já se foram! — ela exclamou, correndo para ele e
pela trilha estreita vinte metros antes de se virar. Ele havia
começado a andar de volta pela estrada que tinham vindo.
Ela correu para alcançá-lo.
— Sinto muito, — disse ela. — Eu nunca imaginei. Só
passou um quarto de hora.
— Sua ingenuidade seria encantadora se não fosse pela a
nossa desvantagem no momento.
— E você tem uma vasta experiência parando para sexo
veloz à beira da estrada, tem? Quão deliciosamente conveniente
você deve achar isso.
— Parece que me lembro que há doze horas atrás, alguém
exigiu a suspensão de questionamentos íntimos inadequados.
— Seus passos não vacilaram. — Sua alta moral, madame,
mergulhou em um vale. Bem, eu estou com raiva. E
desapontado. E me sinto como um idiota. — Ele parou e virou-
se para ela. — Perdoe-me, — disse ele sem deixar de mostrar os
vestígios de raiva, e seu olhar pareceu mover-se sobre o rosto
dela com cuidado. — Você não poderia saber.
Ela sabia muito melhor do que ele imaginava. Ela
simplesmente não tinha pensado claramente no momento. Ela
tinha visto o casal e todo o seu corpo ficara vermelho de calor.
Então ela não foi capaz de resistir em observá-los.
Não foi a primeira vez que ela vislumbrou uma mulher e
um homem no auge da paixão; estar longe das multidões nas
festas teve suas desvantagens acidentais. Mas as
particularidades da pose do casal haviam roubado inteiramente
sua discrição. Em vez disso, ela ficou olhando, observando: de
pé diante da mulher ajoelhada, o homem tinha colocado suas
mãos em torno de sua cabeça e a mulher tinha colocado sua
boca onde Zenóbia não sabia que a boca de uma mulher
poderia ir. Não só a boca dela, mas também as mãos. E então
sua boca e mãos ficaram ocupadas. Eventualmente, o homem
grunhiu, jogou sua cabeça para trás, e seus quadris
empurravam para frente enquanto gemia. Soltando seu
amante, a mulher tinha, então, se deitado de costas, os joelhos
arreganhados enquanto puxava suas saias, e ele se
esparramou em cima dela. Foi nesse momento que o rosto de
Sybil Charney tornou-se claro.
O fervor com que a Sra Charney e seu cocheiro, em
seguida, copularam na grama tinha paralisado o corpo de
Zenóbia, enquanto sua mente tinha ido diretamente para o
homem que ela tinha deixado no outro lado da encosta. E,
instantaneamente, ela não estava somente imaginando beijar
apenas seus lábios, mas sim ter mais dele.
— Não, — disse ela. — Foi tolice minha, então eu mereço
me sentir uma tola. Talvez se nos apressarmos a
encontraremos ao longo da estrada. Eles não podem estar
viajando por trilhas como essa durante toda a jornada. Apenas
para ter sexo despercebido por qualquer pessoa — exceto ela.
Ela deu a volta e começou a andar novamente na direção
oposta.
— Eu suspeito que a estrada circule para o outro lado do
pico antes de continuar para o Norte, se continuar para o
Norte, — disse ele. — Depois vai nos levar para longe do lago, e
a probabilidade de ultrapassar a carruagem a pé é escassa em
qualquer caso. Nós devemos continuar diretamente para o
Norte ao longo do lago. Talvez essa encosta pertença a um
fazendeiro nas proximidades. Além disso, possivelmente do
outro lado desse pico esteja sua propriedade. E não podemos
confiar em um fazendeiro. — Seus olhos estavam preocupados.
— Precisamos encontrar uma igreja.
— O que faz você imaginar que um clérigo acreditará em
nós mais do que qualquer outra pessoa?
— Sua educação.
A colina descia dramaticamente até o lago que era
margeado por árvores e arbustos, e suas pernas doíam com a
mesma intensidade que subiam. Seus pés doíam também.
Agora que sua fome fora satisfeita, ela sentia todas as dores de
horas de equitação ontem e muitas horas caminhando.
— A educação não torna automaticamente um homem
racional ou compassivo, — ela disse, — apenas poderoso.
Por uma longa série de momentos, ele ficou em silêncio
atrás dela. Finalmente ela olhou por cima do ombro. O céu
escocês emoldurava-o em azul e seu olhar sombrio sobre ela
era ilegível.
— Por que você olha para mim assim?
— Por isso, essas palavras, — disse ele. — Você soou como
alguém de meu conhecimento.
— Oh. Quem? — Ela perguntou, cuidadosamente
indiferente. Ele balançou sua cabeça.
— Ninguém importante.
Ela desceu a colina novamente.
— Emily.
— Zenóbia
— Obrigado por adquirir o almoço.
Ele parecia sincero. A vivacidade de sua vergonha
entorpeceu um pouco.
— Não havia ninguém dentro da carruagem. Eu me
pergunto onde sua criada estava? Talvez ela estivesse na
floresta com o lacaio, heim? Eu sei que estou escandalizando
você. As solteironas devem ter pelo menos sessenta e cinco
anos de idade antes que possam brincar dessa maneira sem
despertar desaprovação pública. É isso mesmo?
— Pode ter certeza.
A encosta era vasta. Finalmente, passando por árvores na
base íngreme da colina, eles saíram no meio delas para a
estrada. Seguindo o barranco, era uma pobre espécime de
estrada, cheia de poças e de rodas de carroça. Mas o lago era
espetacular, infinito para os lados Norte e Sul, sua beleza
tranquila refletia as colinas pontiagudas na margem oposta.
Ela se perguntou se ele ainda pescava no rio na Corte, no qual
uma vez mergulhara após um encontro com um formigueiro, e
no qual ele a havia seguido naquela ocasião, apesar da frio. Ela
queria perguntar a ele
— Deve haver uma igreja em algum lugar à frente, — disse
ela. E talvez segurança. E alívio desta estranha aventura que a
fez fantasiar, lembrar e sentir seu olhar sobre ela como tivera
uma vez em um tempo muito distante.

****
Seus passos haviam se abrandado e Colin diminuiu seu
ritmo, também para permanecer vários metros atrás dela.
Quando as batidas dos cascos soaram à distância, rítmicas
como as batidas duras de seu coração, eles caminhavam ao
longo de um trecho reto, totalmente expostos do Norte ao Sul.
Ele foi para o lado dela e ela olhou em volta. Um cavaleiro
solitário galopava ao longo da estrada em direção a eles.
— É tarde demais para correr para as árvores, — ela disse.
— E não acho que possa correr até essa inclinação de qualquer
maneira. É muito íngreme e minhas pernas estão muito
cansadas. Eu acredito que eu entraria em colapso.
— É apenas um homem.
— Um homem que poderia ir embora e dizer a muitos
homens que nos viu.
— Então, esperemos que ele não esteja procurando por
nós.
Quando o cavaleiro se aproximou, ele diminuiu a
velocidade e parou ao lado deles. Por seu roupa, ele parecia
mais cidadão do que agricultor. Colin não o reconheceu do
grupo de Laird's Leed. Ficando entre o cavalo e Emily, ele
assentiu.
— Bom dia, senhor, — o cavaleiro disse com um aceno de
cabeça.
— Bom dia, — disse Colin.
— Suponho que você tenha visto dois cavalheiros viajando
por ai, um quase de sua altura, senhor, e o outro um rapaz
mais baixo. — Ele olhou para Emily.
— Nós não vimos.
O cavaleiro olhou para ele por mais um longo momento.
Então enfiou a mão no casaco.
No instante seguinte, dois canos de pistola se
enfrentaram.
— Devolva isso para o seu bolso e eu não vou atirar em
você, — disse Colin.
A testa do escocês brilhava de suor.
— Quais são seus negócios neste condado, senhor?
— Meu negócio não é teu assunto. Mas garanto-lhe que
não sou nem ladrão nem assassino. — Ele deu um passo em
direção ao homem montado. — Ainda.
Emily começou a chorar.
O cavaleiro olhou para ela e Colin mergulhou para a frente
e descarregou o cabo da arma no joelho dele. O homem uivou.
Colin rebateu sua pistola para longe. O cavalo recuou. Colin
agarrou as rédeas. Chutando para fora, o escocês procurava
pelos couros das rédeas.
— Pare! — A voz de Emily soou clara através do lago. —
Ou eu vou atirar em você.
Ela estava do outro lado do cavalo, apontando a pistola do
escocês para sua cabeça com uma mão sublimemente firme.
O homem ficou imóvel.
— Como, talvez, você já esteja ciente, senhor, eu sou
certeira com um tiro, — disse ela. — Eu recomendo que você
faça exatamente como sua senhoria requeira agora. E nem
sequer considere estimular este cavalo para a frente ou vou
atirar na parte de trás da sua cabeça enquanto você foge.
As narinas do escocês se dilataram. Mas seus lábios se
fecharam.
— Incline-se para frente e envolva seus braços em volta do
pescoço, — disse Colin.
O sujeito o fez rapidamente. Colin removeu o freio da
cabeça do animal e usou as rédeas para amarrar os braços do
homem. Então, virando o cavalo para a direção de onde tinham
vindo, com um grito ele bateu em sua coxa, e o cavalo saiu em
um galope.
Emily ficou imóvel, a pistola apontada para o cavalo em
retirada e o cavaleiro. Quando eles desapareceram em uma
curva, seus braços finalmente caíram. A pistola pendurada em
seus dedos, ela vacilou.
— Bom Deus, — disse ela sem ar.
Ele pegou a arma de seus dedos flácidos, jogou-a para
longe e a pegou em seus braços quando ela desabou.

****

Abrindo os olhos e com um suspiro, ela acordou


abruptamente.
— Eu não posso acreditar que desmaiei, — disse ela
densamente.
— Como você está se sentindo?
— Eu tenho uma dor de cabeça vil. — Ela se encolheu
quando seus olhos viraram para o pequeno recinto aberto de
um lado da encosta da montanha. — Onde você me trouxe?
Provavelmente você me trouxe. Eu não creio em elfos escoceses
trazendo-me e me depositado aqui.
Ele não tinha vontade de sorrir.
— Estamos em um retiro de pastor, acredito.
— No topo da colina? Você me carregou toda a subida?
— Você é muito leve. — Ele se inclinou para frente e
colocou os cotovelos sobre os joelhos e cruzou as mãos. — Eu
imploro seu perdão por desobedecer o seu pedido.
— Sobre me tocar? — Ela se sentou. — Eu te perdoo desta
vez, é claro.
Ele esfregou as mãos sobre o rosto e respirou
profundamente para preencher o lugar onde a ansiedade
estava se dissipando. Ela tinha permanecido inconsciente por
muito tempo.
— Espero que não haja uma próxima vez, — disse ele.
— Você e eu. — Seus lábios perfeitamente formados, que
ele ficara olhando por um quarto de hora, torceu quando ela
colocou o cabelo atrás da orelha sem graça alguma e muito
obviamente evitando olhar diretamente em ele. Escalando a
montanha ele tinha tido tempo suficiente para se deixar
maravilhar pelo cheiro do cabelo dela antes de ter encontrado
esse esconderijo. Ela o desprezava, e tinha mais coragem do
que todos os homens que conhecia, exceto, talvez, Jin Seton, e
ela combinava perfeitamente com Wyn Yale, por pura destreza.
Mas ela era uma dama e moradora da cidade; suas habilidades
físicas não combinavam com sua bravura natural.
— Pare de olhar para mim, — disse ela. — Eu não vou
morrer, exceto talvez de mortificação.
— Eu não estou olhando para você porque estou
preocupado que pereça. — Ele estava se lembrando da primeira
vez que a abraçou. Sua mãe insistiu, dizendo que seria sua
responsabilidade cuidar dela um dia, e quanto mais cedo ele
aprendesse a fazê-lo, melhor. De pé diante de Deus e de suas
famílias, na capela de Willows Hall, ele havia aceitado em seus
braços um embrulho de tecido quente e surpreendentemente
pesado e, pela primeira vez, segurara a vida de outra pessoa
em suas mãos. Enquanto ele a segurava, o padre ungiu-a com
água benta do batismo e crisma. Ele tinha cinco anos. — Você
esqueceu de respirar.
Ela piscou.
— Eu acho que sim. Mas isso não explica por que eu
estava inconsciente por tempo suficiente para você subir uma
montanha.
— Choque, talvez. E exaustão. Fome, é claro.
— Parece que você tem um monte de experiência com
isso?
— Alguns. Você tem realmente uma boa pontaria?
— Eu sou competente. Mas aparentemente o ladrão que se
parece comigo tem uma pontaria extraordinariamente boa. Os
homens que falaram comigo no Laird's Leed sugeriram isso.
— Aqueles homens falaram com você? — Ele balançou a
cabeça. — Por que você não me disse isso antes?
— Não era necessário.
— Emily.
— Você imaginou que eu concordei em fugir com você com
base apenas em suas justificações? — Ela riu. — Você
realmente não sabe nada sobre mulheres, não é?
A dor se espalhou pelos músculos de sua mandíbula que
haviam se retesados por uma hora. Ele podia realmente sentir
sua raiva aumentando, quente e urgente. Diferente.
Mas, ainda, peculiarmente bom. Era bom reconhecer.
Ele inalou lentamente pelo nariz, e mesmo isso — até
mesmo o fluxo de ar frio e limpo — era bom. Cheirava bem. A
prova estava bem trás de suas costas.
— Eu devo entender, — ele disse não completamente
firmemente, — que eles a confrontaram?
— Eles me ameaçaram. — Ela inclinou a cabeça. — Agora
eu ameacei um deles, e não gostei. Você gostou?
— Não há prazer em ameaçar outra pessoa.
— Uma? — Ela sorriu. — Oh, Colin, você parece um idiota
pomposo. — De repente, ela mordeu os lábios.
— Seja como for... — Ele murmurou. Seus olhos se
arregalaram. — Você acabou de fazer um comentário
autodepreciativo?
— Eu não vou honrar essa pergunta com uma resposta. —
Ele levantou uma sobrancelha.
— Ok. Pomposo o suficiente para você? — Um sorriso
puxou seus lábios. — Você segurou a pistola corretamente e
com um objetivo firme, — disse ele. — Como é isso?
— Meu pai não teve filho. Eu desejava aprender. Ele era
um pai indulgente. E queria que eu estivesse em segurança. Eu
ficava sozinha na propriedade bastante tempo antes de me
mudar para Londres permanentemente.
— Você ficava?
— Bem, eu nunca cheguei a gostar de bonecas e moda
como minha mãe e minhas irmãs gostavam. — Ela esticou as
pernas e fez um som sufocante.
Ele começou a se levantar.
— Você está bem?
— É apenas meus pés. — Ela levantou as saias um pouco
e girou os tornozelos.
— Você agiu com coragem, — disse ele, olhando para seus
tornozelos, sabendo que não deveria, mas quem diabos iria
saber?
Ela.
Ela saberia. Ela podia olhar para ele a qualquer momento
e vê-lo olhando. No entanto, ele não conseguia desviar o olhar.
— E sabiamente, — ele acrescentou.
— Não houve nenhuma sabedoria sobre o assunto. Aquele
homem tinha pavor de nós. Meu instinto foi o de usar o medo
dele contra ele mesmo.
— Foi um bom instinto.
— Eu nunca compreendi isso antes, mas acho que
finalmente entendo como os homens usam avidamente o medo
de outros homens para controlá-los. Eu acho que é porque eles
temem por si mesmos. Eles atacam o medo dos outros para
garantir sua própria segurança. — Em seus olhos de esmeralda
havia um brilho frágil, como o desespero dos últimos suspiros
do outono antes do inverno. — É desprezível, — disse ela.
— Isso salvou nossas vidas hoje. Você sabe.
— Ainda me sinto ofendida.
— Não, — disse ele. — Você se sente ofendida porque agiu
falsamente. — Sua testa se enrugou.
— Isso é o que eu acabei de dizer.
— Nem porque você fingiu ser uma boa atiradora, — ele
disse. — Você se sente ofendida porque fingiu chorar.
Seus belos lábios se dividiram com prazer.
— Como é que você sabe que eu fingia chorar? — Ele
sorriu.
Ela deslizou o olhar para longe. Ela estudou o chão
coberto de palha e sentou-se novamente.
— Onde está sua pistola?
— Eu a deixei.
— Deixou?
Ele encolheu os ombros.
— Algo sobre levar você e uma arma de fogo carregada de
uma só vez não se sentou bem comigo.
— Oh? — Ambas as sobrancelhas inclinaram-se acima do
aro de ouro. — Você deu a ele muito o que pensar no
momento?
— A ocasião exigia uma decisão rápida.
— Colin, — disse ela, com voz embargada, — você acha
que seremos assassinados antes de chegarmos à segurança?
— Eu acho que é provável que você não permita que isso
aconteça, — ele disse com outro sorriso que não conseguiu
amortecer.
Toda a expressão deslizou para longe de seu rosto e ela
simplesmente olhou para ele.
Ele inclinou seus ombros e cabeça, encostou-se no aterro
e fechou os olhos. Eles estavam muito perto do local em que
haviam sido vistos e não estavam seguros neste local. Mas seus
olhos nadavam de exaustão e ela precisava dormir.
— Vamos viajar à noite, — disse ele.
Lutando contra o cansaço que se arrastava contra si, ele
resistiu ao sono. Mas ela cochilou rapidamente. Ele se moveu
para a beira do abrigo e se sentou de frente para o exterior
enquanto o dia recuava.

****

Na escuridão além da boca do recinto, ela podia ver


apenas o preto prateado da noite profunda sob um céu cheio de
estrelas. Uma sobre a outra, cada estrela parecia lutar contra
suas vizinhas pelo domínio. Um universo infinito, e ainda
assim a batalha se desenrolava. Assim como os homens.
Ela se arrastou para fora do abrigo e caminhou através da
molhada ervas para o homem sentado em uma pedra alta a
vários metros da colina.
— Você não dormiu, não foi? — Ela perguntou,
examinando o lago muito abaixo brilhando com a luz das
estrelas. — Você é muito tolo.
— Bom dia para você também. — Ele ficou de pé tão
graciosamente quanto poderia como se estivesse na sala de
visitas da Rainha. Quando a olhou, ela não se sentiu pequena.
Ele a levara por uma montanha, tinha quase uma cabeça mais
alta que ela, os ombros maravilhosamente largos, e ainda
assim, a luz das estrelas em seus olhos parecia estender a mão
e acariciar a força dentro dele. O poder.
— Este plano também é muito tolo, — disse ela antes que
pudesse dizer algo que a deletasse — algo imprudente.
— Se você tem outro, compartilhe, — ele disse.
— Lorde Egremoor, — ela disse, — pode ser uma grande
surpresa para você, mas estou completamente fora do meu
elemento aqui.
— Você dormiu seis horas no chão em um retiro de pastor.
Não acredito que tal talento seja típico de filhas de condes que
habitualmente residem em Londres.
— Eu estou fora do meu elemento na natureza. Mas, em
vez disso, em intriga.
— Venha. Precisamos de água. — Ele começou a descer a
colina. — Ao anoitecer, vi fumaça subindo além daquele
bosque.
— Uma aldeia? — Ela foi atrás dele.
— Uma fazenda, provavelmente. Vale a pena investigar.
— Você pretende que convoquemos o fazendeiro?
— Eu irei sozinho.’
— Mas...
Ele parou e olhou para ela.
— Emily, não é meu desejo ser obrigado a viajar para
Willows Hall com o propósito de informar a seus pais sobre sua
morte.
— Você poderia escrever uma carta em vez disso.
Ele olhou fixamente para ela, sua mandíbula
maravilhosamente cheia de uma barba rala, seus lindos olhos
refletindo a noite em que estavam, como almas solitárias na
encosta de uma montanha.
Ela ofereceu-lhe um sorriso.
Ele se afastou novamente.
— Colin, — disse ela de costas. — Você não tem humor
para convencer ninguém da nossa inocência. Eu não acho...
— Não importa o que você pensa.
Foi o último que ele disse para ela até que se aproximaram
da fazenda.

****

Névoas estavam levantando do chão, fazendo fantasmas


em todos os lugares no amanhecer. Ele ordenou que ela o
esperasse escondida em um bosque próximo.
Surpreendentemente, ela obedeceu. Seu pai era um homem de
vontade fraca, mais interessado em moda e divertimentos leves
do que governar sua família, e Colin suspeitava que ela não
estava acostumada a receber ordens, como não estava em
andar grandes distâncias. Que ela concordasse com sua ordem
era nada menos que um milagre. Mas ela estava tão ansiosa
quanto ele para acelerar a viagem.
Não pela a mesma razão, ele estava certo disso. Ele estava
tendo problemas em não olhar para os lábios dela.
Ela estava desgrenhada, insolente, perspicaz e ele estava
tendo fantasias de deitá-la em uma cama de suaves lençóis
brancos, e beijá-la, de convencer esses lábios tentadores a se
abrirem e provar seu calor, acariciando sua língua com a dele
até que ela colocasse os braços em volta do pescoço dele e
gemesse em sua boca.
Dadas as circunstâncias atuais e toda a falta de sono,
essa fantasia não o alarmou. Ele também queria um charuto
desesperadamente. E conhaque. O conforto de uma mulher —
mulher, charuto, brandy — nessa ordem.
Mas, de longe, o maior de seus desejos no presente era a
mulher.
Não qualquer mulher. Emily. O perfume dela em suas
narinas, a pele dela debaixo das suas mãos, o sabor dela na
língua dele. Seus sentidos ansiavam por ela.
Quão desapontado ficaria o conde se, do reino da vida
após a morte, pudesse discernir os apetites desajeitados do
filho agora. Mas o conde não estava aqui, e Colin descobriu que
gostava de fantasiar sobre beijar Emily.
Situado numa ampla planície entre a colina a Oeste da
encosta, a fazenda era composta de dois edifícios de pedra e
um celeiro de ripas de madeira, e dois pastos cercados
contendo cerca de cem cabeças de ovelhas. Nenhuma tocha ou
lampião diminuía a luz sobrenatural das estrelas iluminando
tudo. Enquanto ele caminhava ao longo de uma cerca de
madeira em direção ao celeiro, uma após outra as ovelhas
levantaram a cabeça do pasto e o olharam. Ninguém se mexeu
na clareira entre as residências, e nem uma lamparina ou vela
tremulou em uma janela.
Silenciosamente ele abriu a porta do celeiro. Suas paredes
absorviam o silêncio de fora, mas no sótão um pássaro
cantava. Cascos se arrastaram em uma baia. Passando uma
baia contendo uma cabra e três porcos, ele foi em direção ao
som dos cascos.
O animal era enorme, um cavalo de tração com
revestimento grosso, certamente usado para trabalho no
campo. Ele observava-o com plácidos olhos e permitiu-lhe
escorregar um cabresto por cima da cabeça e levá-lo para fora
da baia, seus cascos caindo pesadamente sobre a terra batida
do chão.
— Você é um ferreiro, senhor?
Do sótão acima, um pequeno rosto coberto de sardas e
cercado por cabelos negros emaranhados olhava através da
escuridão para ele com os olhos do tamanho dos cascos do
cavalo.
— Eu não sou ferreiro. Eu sou um conde. Quem é você?
— Pip. — A menina rastejou até a beira do sótão e sentou-
se, seus joelhos colando-se na barra de uma gasta saia
marrom. — Se você não é um ferreiro, o que está querendo com
Charlie?
— Quero levá-lo ao castelo do duque de Loch Irvine,
depois pretendo devolvê-lo para você, ileso.
— Vocês vão ver o diabo? — Os olhos se arregalaram
novamente. — Você é corajoso.
— Pelo contrário, estou desesperado. — Ele se curvou. —
Bom dia, senhorita Pip. — Ele levou o cavalo em direção à
porta.
Atrás dele, uma leve pancada indicava que ela descera do
sótão.
— Eu vou com você. — Antes que ele pudesse falar, ela
saltou de uma pilha de palha nas costas do animal enorme e
envolveu as mãos em sua crina.
Ele parou o cavalo.
— Você não pode vir comigo. Agora salte e volte para o
sótão e terminar a sua noite de sono.
Seus olhos queimaram no dele.
— Mas eu estive esperando por você.
— Você tem me esperado?
— Meu pai disse que um anjo viria me salvar, — disse ela.
— Salvar você de quê?
— Tom
— E quem é esse Tom?
— Meu primo. Antes de passar para o céu, mamãe disse
que você vinha torcer o pescoço de Tom e me resgatar.
Através da porta, que estava entreaberta, ele podia ver o
brilho pálido da aurora. Onde havia ovelhas, haveria cães. A
menos que ele incomodasse as ovelhas, os cães provavelmente
não o incomodariam. Mas eles podiam latir.
— Pip, eu não pretendo torcer o pescoço de ninguém. E
não posso levar você comigo. — Seu rosto minúsculo franziu
em uma carranca.
— Você tem que fazê-lo. É o que os anjos fazem.
Estava na sua língua dizer que ele não era um anjo. Longe
disso. Mas a luz em seus olhos lembrava-lhe uma garotinha de
anos atrás, brilhantes e desafiadores.
— Quando a porta se abriu, — ela disse, — achei que você
fosse Tom. Ele sempre vem antes do amanhecer para que
ninguém mais saiba.
Colin olhou seu rostinho por mais um momento.
— Qual é a idade do seu primo, Pip?
— Dezessete no ano passado.
Ele puxou o cavalo e sua pequena amazona porta a fora.
CAPÍTULO 9

A perspectiva de uma cama

Pip ficou em silêncio, se movendo enquanto ele puxava o


cavalo para a cerca, subiu e montou atrás dela. Ela se agarrava
naturalmente à crina do animal e ele não precisava lhe dizer
para permanecer em silêncio. Ela o fazia sem o seu comando,
inteiramente diferente de outra menininha que ele conhecera
anos atrás, que raramente se mantinha imóvel.
O que aquela garota que virou mulher diria quando
chegasse ao local do encontro com uma menina, ele não podia
antecipar. Talvez ela não quisesse casar porque não gostava de
crianças.
Ele gostava de crianças. Ele sempre gostou. Ele gostava
das seis irmãs mais novas dela, com as quais era obrigado a
passar todas as férias e muitas semanas além, em Maryport
Court ou em Willows Hall. E ele gostava dela, especialmente
dela, apesar da diferença de cinco anos de idade. Ele gostava
mais dela do que de qualquer outra pessoa no mundo.
— Pip, — disse ele quando entraram no bosque. — Você
viveu na fazenda de seus primos a vida toda?
— Não, senhor. Apenas desde o Natal passado, — ela
chiou, toda a tensão desaparecera de sua voz. — Mamãe e eu
viemos depois que a febre levou Mattie para o céu. Nós não
deveríamos ficar. Mas ela caiu doente e Deus levou-a até
Mattie.
— Entendo. Desde então, você, por acaso, conheceu uma
viajante chamada Penny? Ela tem o cabelo bem parecido com o
seu, muito preto, encaracolados e pele escura. Ela poderia ter
passado por sua fazenda antes que os cordeiros fossem
tosquiados. — O mascate em Stirling tinha visto Penny Baker
ao Sul de Tarbet.
— Não, senhor. — Ela balançou a cabeça. — Depois dos
tropeiros, apenas uma lady apareceu. Mas o cabelo dela era de
fogo como o da mamãe.
Não era a senhorita Baker.
Eles se afastaram da cobertura da árvore em uma
pequena clareira onde Emily deveria estar esperando, mas não
estava.
— Por que estamos parando? — Pip chutou seus
calcanhares para os lados do cavalo e deu um passo à frente.
— Os dias do diabo se acabam.
Ele puxou a rédea e o animal parou novamente, enquanto
examinava a madeira e seus batimentos cardíacos dispararam.
— Minha companheira de viagem devia esperar-me aqui.
— Ela é um anjo também?
— Você sabe que eu não sou um anjo, Pip. Quantos anos
você tem?
— Farei oito na Epifania que vem.
— Sete é velha o suficiente para estar usando sua
inteligência. Pense. Um anjo roubaria um cavalo?
Seu nariz sardento se enrugou.
— Eu não sei por que não poderia.
Nada se movia nas árvores ao redor da clareira e a
inquietação crescia na boca do estômago. Mas ela era capaz.
Ele a observara evitar cuidadosamente valas e atravessar
agitados córregos por um dia e meio. Ela poderia se manter
neste deserto. No entanto, seu pulso não diminuía.
— Pip.
Ela esticou o pescoço para olhar para ele.
— O que vai fazer seu primo quando ele descobrir que
você não está no celeiro? — Perguntou a menina.
Suas sardas ficaram franzidas.
— Eu não vou voltar para lá, — ela disse.
— Mas preciso saber quanto tempo tenho antes que eles
venha a sua procura.
Ela olhou para ele como se tivesse perdido a cabeça.
— É por Charlie que eles procurarão.
— Entendido.
Um momento de silêncio tornou-se dois, depois três,
depois muitos mais, quando os pássaros à sua volta se
acostumaram à presença deles e a floresta acordou para o
amanhecer.
— Quando você vai seguir em frente? — Pip finalmente
sussurrou.
— Não até que minha acompanhante retorne. — Suas
mãos apertaram as rédeas com força. Ela poderia ter ido em
qualquer direção ou sido levada em qualquer direção. Não
ouvira tiros, mas estivera dentro de um celeiro e as árvores
também poderiam ter abafado o som da descarga de uma
pequena pistola.
Ele examinou as árvores novamente.
Um farfalhar no mato chamou a atenção de ambos ao
mesmo tempo. Uma forma apareceu entre as árvores, sem fazer
nenhum som. Sua forma. O alívio tomou em sua garganta. Na
beira da clareira ela parou.
— Eles te deram um cavalo na fazenda? — Ela perguntou.
— Parece que eu estava completamente equivocada em minhas
preocupações.
— Eles não me deram o cavalo.
— Eu entendo. — Ela inclinou a cabeça. — Você roubou a
criança também?
Ele engoliu completamente o riso inadequado e
movimentou o cavalo em direção dela.
— Temos de ir, — disse ele. — Rapidamente.
— Como vai você? — Ela perguntou para a menina. —
Meu nome é Zenóbia. Que é o seu?
— Pip, — a criança disse com olhos tão grande que agora
eles pareciam consumir seu rosto. — Ela é um anjo, — ela
disse maravilhada.
Ele sorriu.
— Possivelmente.
Emily estudou os dois com cuidado, mas não disse nada.
— Minha lady, — ele estendeu a mão. — A pressa está na
ordem.
Sem reclamar, ela pegou a mão dele, colocou o pé na bota
dele que a puxou para cima das costas largas e nuas do
animal.
— Nessa direção, — disse ela em seu ombro e apontou.
Então ele sentiu as mãos dela em seu casaco e em sua cintura.
— Eu acredito que é a igreja em Tarbet.

****

Não era muito longe da árvore que ela tinha subido ao


topo, onde tinha vislumbrado a torre de pedra do sino,
atarracada, que se erguia à beira do lago à distância, como um
raio caindo em uma roda. A milhas de distância, ficava no topo
de uma pequena colina à beira da água, a uns quatrocentos
metros antes da cidade. Por mais que odiasse admitir, Colin
estava certo: era mais provável que um vigário lhes desse
abrigo do que qualquer outra pessoa. Ela queria uma xícara
quente de chá tão desesperadamente que mal sentiu uma
pontada de consciência com o valor óbvio do cavalo que ela
montava agora, roubado de pessoas trabalhadoras por um
lorde que podia pagar muitos desses animais.
A criança era outra questão.
— Você conhece aquela igreja, Pip? — Ele perguntou para
a menina.
— É de Santo André. O tio nos levou lá na Páscoa.
Ao contrário de sua cavalgada há dois dias, eles não
trotaram ou galoparam, mas estavam no passo de passeio. Ela
se perguntava qual a escolha dele de irem tão devagar, mas
suspeitava que tinha a ver com a criança agarrada ao animal
no círculo de seus braços. Pip parecia tão exausta quanto
Zenóbia se sentia. E quando ela tinha olhado para Colin e
pronunciado que ela era um anjo, os olhos redondos de Pip
tinha ficado saturado de alívio.
Embalada pela marcha constante do cavalo, Zenóbia
resistiu à vontade de se apoiar nele e deitar a bochecha nas
costas largas, envolver os braços ao redor de sua cintura e
apreciar a fricção rítmica de suas coxas contra as dele,
enquanto se perguntava se ele estava distraído. Por suas coxas
de novo. Por ela.
Ela havia cavalgado desde que era uma criança mais
jovem que Pip. Então, é claro, também havia cavalgado com
ele. Ela se perguntava se ele se lembrava e esperava que não.
Se lembrava de reclamar que ele não permitia que ela
segurasse as rédeas, ostentando aos cinco anos que seria uma
excelente amazonas, e pedindo-lhe para irem mais rápido.
Agora a lembrança não a enchia de desconforto. Agora era
peculiarmente reconfortante e ela se agarrava a ele, às suas
costas.
O grande cavalo seguia a um ritmo constante. Eles não
encontraram ninguém e, quando chegaram à vista da espessa
parede externa de pedra da igreja, o sol ainda não havia
atingido seu ápice.
— Para baixo Pip — ele disse, e a criança se deslizou do
cavalo. Antes que Zenóbia pudesse fazer o mesmo, ele
desmontou e estendeu a mão para ela.
Ela hesitou.
— Você tem duas mãos para cima, — disse ele. — Imagine
seus pés doloridos batendo no chão dessa altura.
Ela jogou a perna por cima das costas largas do cavalo e
colocou as palmas das mãos nos ombros dele. Ele a ergueu
facilmente e, por um instante, todos os traidores de uma
feminilidade faminta gritaram dentro dela. Ele segurou-a
apenas um momento, então a soltou e ela abaixou a cabeça,
fingindo que estava alisando as saias e ajustando o manto.
Suas bochechas estavam muito quentes.
— Nós temos um plano? — Ela perguntou e arriscou um
olhar para ele. Ele estava olhando divertido para o que aparecia
da igreja além do portão de ferro que ficava tranquilamente, por
cima da água, em meio a pinheiros e bétulas com bordas
escuras, sem folhas. Como se as palavras dela o
surpreendessem, olhou para ela. Sua mandíbula estava escura
com a barba e seus olhos nadavam com uma espécie de
devaneio.
— Colin, — ela sussurrou de modo a pequena menina que
esperava com seus dedos enrolados em torno do portão não
pudesse ouvir. — Você deve dormir.
Sua testa se enrugou e ele piscou. Então puxou o cavalo
até o portão e o amarrou ali. Abrindo, eles entraram.
****

O vigário da paróquia de Santo André da Cruz que servia a


antiga cidade de Tarbet há um ano ou dois era tímido, com a
fronte de um homem pensante e os olhos de um homem que
orava. Sua esposa, pelo menos duas décadas mais jovem e
claramente inglesa, tinha um rosto curioso e uma maneira
vivaz. Em uma pequena sala de estar, claramente mobilhado, o
vigário sentava-se com um livro aberto em seu colo, sob a luz
do sol. Quando ele se levantou, realmente seus ossos
rangeram.
— Bom dia, reverendo. Eu sou Colin Gray, o Conde de
Egremoor. Permita-me apresentá-lo a Lady Emily Vale, filha do
Conde de Vale. E esta é Pip.
— Bem, isso não é uma surpresa? — Exclamou a esposa
do vigário.
— Bem-vindo, — disse o marido com o sotaque mais
suave, e ofereceu uma reverência. — Milady. — Seus olhos se
enrugaram em seguida. — Senhorita Pip, a dona da casa fez
30
bolos esta manhã. Infelizmente, minha dispepsia não me
permite experimentá-los. Sra. Archer — disse ele para a
esposa, — acredito que encontrei alguém para comer o seu
bolo.
Ela estendeu a mão para Pip.
— Venha, criança. Você vai me ajudar a preparar a
bandeja de chá.
Pip virou-se em questionamento para o conde. Ele
assentiu. Ela colocou a mão na da Sra. Archer e a porta se
fechou atrás delas.
— Sentem-se, — disse o vigário.
Chamas dançavam na lareira. Zenóbia ocupara uma
cadeira antes, mas Colin permanecera de pé.
— Nosso cavalo exige cuidados, — disse ele.
— É claro, — disse o reverendo Archer, afastando-se da
cadeira novamente. — Meu servo, Griffin, foi para a cidade em
uma missão. Mas vou ver se...
— Não se preocupe, senhor, — disse Colin. — Eu voltarei
em um momento. — Ele deixou a sala.
— Agora, essa é uma visão que eu nunca teria pensado em
ver, — disse o vigário pensativamente, olhando-a com olhos
cuidadosos. — Um grande lorde cuidando de seu próprio
cavalo.
— Você não acredita em nós, não é? Um par de
maltrapilhos chega à sua varanda dizendo ser um conde e a
filha de um conde, e você não pode aceitar isso.
— É meu dever dar-lhe hospitalidade, — o reverendo
Archer disse amavelmente.
— Você ouviu notícias de um par de salteadores da
estrada, um dos quais se chama de Conde de Egremoor?
— Eu recebi uma cuidadosa descrição deles esta manhã.
O mensageiro da notícia passara por uma terrível provação.
Parece que o casal o amarrou a seu cavalo.
— Isso foi realmente nós. Mas ele estava prestes a atirar
em Lorde Egremoor, então eu fingi ser a ladra de estrada. A
mentira era necessária, mas sinto-me mal com isso.
— Eu posso ver que você é uma pessoa de forte
consciência. — Ele cruzou as mãos nodosas juntas. — Está
claro para mim, que você é quem diz ser, e estão precisando de
ajuda. Como posso ajudá-la e seus companheiros de viagem?
— Você poderia dar a conhecer às pessoas desta região
que não somos os salteadores que eles buscam apreenderem.
Ninguém acredita em nós. Eles nos procuram com maldições e
armas de fogo, e temos sido forçados a nos escondermos e
fugirmos.
— Surpreendente. Esses ladrões devem ter uma facilidade
notável para imitar seus superiores.
— Tenho simpatia por nossos perseguidores, reverendo
Archer. Eles estão sofrendo com roubos e assassinatos. Mas
isso está sendo inconveniente para mim e Lorde Egremoor.
Seus olhos sobre ela eram graves.
— E sobre a criança? Pip.
— Nós a conhecemos esta manhã. Ela mora em uma
fazenda não muito longe para o Sul, onde o senhor Egremoor
roubou o cavalo. Mas você não deve se preocupar com isso. Eu
estou certa de que quer devolvê-lo ou pelo menos compensar o
dono quando tudo isso acabar. Ele é rico e extremamente
moralista.
— Eu entendo, — disse ele pensativo. — E ela... a
criança... é do cavalheiro?
— Do cavalheiro? Oh, lorde Egremoor. — Seu estômago
deu uma cambalhota apertada. — Não. Isto é, eu não acredito.
Eu realmente não sei porque ele a trouxe junto quando pegou o
cavalo. Estou tão cansada que não estou pensando
particularmente em nada.
Colin entrou na sala.
— Você encontrou tudo para suas necessidades no
estábulo? — Perguntou o vigário.
— Eu achei. — Ele se sentou em frente ao vigário. —
Reverendo Archer, Lady Emily e eu estamos precisando de sua
ajuda.
— Ele já sabia sobre os ladrões, — disse ela.
— Quando Griffin voltar, vou mandá-lo buscar o policial,
— disse o vigário. — O que mais posso fazer por você?
— Eu gostaria de enviar uma mensagem para minha
propriedade, bem como para o castelo de Sua Graça de Argyll
em Inveraray e os meus conhecidos em Edimburgo. Existe um
homem que possa cavalgar rapidamente com essas cartas? Um
homem em quem você confia?
A testa do padre enrugou-se.
— Só Griffin.
— Meu segundo pedido é o empréstimo do sua carruagem.
Nós fomos obrigados a deixar para trás o nosso transporte
abruptamente. Nosso destino é o Castelo Kallin. Quanto mais
depressa pudermos viajar, melhor.
— Claro. Você é bem-vindo para usar a velha Maggie. Ela
é tão frágil quanto eu, quase, mas ela deve ser capaz de levá-lo
a Ardlui pelo menos, onde você pode encontrar um cavalo
melhor.
— Não podemos aceitá-los, — disse ela à Colin. — Isso
deixará o reverendo Archer sem meios de visitar seus
paroquianos em uma emergência.
O vigário sorriu.
— Eu não sou avesso a andar. Você pode deixar-me com o
cavalo que tomaram dos MacLeods e eu vou fazer com que ele
encontre seu dono.
— Lady Emily, você vai me permitir um momento a sós
com o reverendo Archer? — Colin disse.
— Por quê? O que você não pode falar comigo aqui?
— Os detalhes da presença de Pip conosco.
Que a criança pudesse ser dele não era impossível. Seus
olhos eram exatamente da cor dos dele, e ela compartilhava a
mesma cor de cabelo.
— Eu iria gostar de ouvir essas particularidades, — ela
disse. Finalmente, ele mudou sua atenção de volta para o
vigário.
— Quando encontrei a criança ela estava se escondendo
de seu primo, cujo tratamento dele é inaceitável. Ela estava
ansiosa para escapar dele e eu não podia deixá-la naquela
situação. Ela é uma órfã e tem vivido com seus tios unicamente
há um ano. Você pode encontrar um lar seguro para ela longe
dessa família?
— Isso é problemático, — Reverendo Archer disse,
colocando suas mãos em seus joelhos. — Eu me lembro agora
de uma garotinha na igreja, na Páscoa, com a família de Roger
MacLeod. Seus três filhos são muito mais velhos que a criança.
Colin assentiu.
— Então, eu entendo por que ela se escondia.
— Que tipo de tratamento? — Ela perguntou.
— O tipo que nenhum homem deve infligir a uma criança,
— disse Colin firmemente. — Nem em mais ninguém.
O vigário assentiu.
— Ela pode ficar comigo e com a sra. Archer, por
enquanto, é claro, até que uma situação para ela possa ser
arranjada. Mas Roger MacLeod vai procurar a criança. Toda
mão de reserva na casa de um criador de ovelhas é uma mão
ativa.
— Eu vou fazer com que isso não aconteça, — disse Colin.
Quando a Sra. Archer entrou com Pip, carregando a
bandeja cheia de chá e bolos, o estômago de Zenóbia soltou um
rosnado espetacular. A tensão sobre a boca de Colin relaxou, e
ele ofereceu a ela um pequeno sorriso.
Ela não conseguia desviar o olhar. Havia tanta ternura em
seus olhos, o tipo que ela não via há anos.
Pip provou ser hábil em servir chá, cuidadosa e
deliberada. Depois que eles comeram, o vigário perguntou se
ela gostaria de visitar a igreja. Ela saltou de sua cadeira com
seus maravilhosos olhos muito arregalados, exigindo para ver
os ossos do santo. O vigário respondeu que a relíquia não era
os ossos de Santo André, apenas um fragmento da cruz da qual
ele tinha sido martirizado, o que fez a boca de Pip se abrir tanto
quanto seus olhos.
Mas antes de tomar a mão estendida do vigário, ela olhou
novamente para Colin pedindo confirmação. Ele assentiu.
O vigário convidou todos a virem.
— Você não consegue ver que lady Emily está dormindo
onde está sentada, senhor Archer — disse a mulher — então é
hora de mandar buscar novos óculos. — Ela pegou a bandeja
de chá. — Vou limpar isso, milady, depois mostro-lhe um
quarto para dormir. — Ela saiu com eficiência firme, o vigário e
Pip seguindo-a.
Colin se sentou com suas mãos descansando sobre os
braços da cadeira e seus olhos fechados.
— Você é o seu herói. — Havia uma espessura na parte de
trás de sua garganta. Lentamente ele arregalou os olhos. —
Parece que você não parou de resgatar garotinhas, — disse ela.
— Apesar de ter se tornado um poderoso lorde.
— Você imaginou o contrário? — ele perguntou com uma
segurança cheia de calma, que apenas alguns dias atrás ela
teria pensado que era arrogância. Não era. Pelo contrário, era
desconforto.
— Bem, imaginei que você a tivesse feito refém para
garantir nossa segurança. Eu não acho que você tenha um
coração.
Uma sugestão de diversão agraciou seus lábios muito
finos.
— Obrigado.
— Mas, sim, — disse ela. — Estou surpresa.
Ele se inclinou para descansar os cotovelos nos joelhos e
cruzar as mãos.
— Na verdade, ela não é a mais sábia decisão que eu
tenha tomado ultimamente, — ele disse. — Eu fiz isso... — Ele
fez uma pausa. — Eu fiz isso por impulso.
— Impulso? — Ai estava o calculista, cuidadosamente
manipulador Peregrine, que brincara com ela e com todos na
Inglaterra há anos — Isso é incomum para você, suponho.
Ele ergueu os olhos para ela e havia uma luz estranha
neles.
— Parece que este país está tendo um efeito singular em
mim. E, talvez, por estar com você.
— Eu não ajo por impulso. — Exceto ao encontrar seu
inimigo em um cemitério escuro depois de insistir por anos que
ela nunca o encontraria em lugar nenhum. E viajando para o
Norte para encontrar sua irmã.
— O que, então, foi isso de subir em uma árvore em busca
de uma torre de igreja? — Ele perguntou.
— Isso não foi impulso. Estava desesperada por um chá
quente e uma cama. E eu não fui mais impulsiva do que as
crianças normalmente são. Crianças, exceto você, é claro. Você
sempre foi tão deliberado sobre tudo. Então cuidado.
Ele não respondeu. Ela se levantou e atravessou a
pequena sala até a janela.
— O reverendo e a Sra. Archer provavelmente terão um
barco, — disse ela.
— Um barco?
— Eles vivem em um lago. Ele é bem idoso, é verdade.
Então, talvez eles não precisem do barco. — Ela traçou o
parapeito da janela com a ponta do dedo. — O reverendo
Archer me perguntou se Pip era sua.
— Minha o quê?
— Sua filha.
— Minha filha?
— Por que está me olhando com desaprovação? Foi sua
suposição, não minha. E Pip tem a cor dos seus olhos, o que
não é a única semelhança. Seu cabelo é igual a cor do seu
também. Ele estava meramente tentando compreender essas
peculiares circunstâncias. E, claro, ele não acredita que somos
quem dizemos sermos. Eu não posso culpá-lo.
— Como é boa para defender curiosos, — ele disse
secamente.
— Você tem filhos?
Ele olhou para ela.
— Não.
— Tem certeza?
Sob o crescimento de dois dias de barba que o faziam
parecer feroz, sua mandíbula tornou-se abruptamente pedra
novamente.
— Certeza absoluta.
— Por que você não tem?
— Porque não tenho esposa.
— Uma coisa não exige a outra, é claro. Metade dos
homens titulares da Inglaterra tem filhos ilegítimos.
— Um homem da minha posição que é pai de bastardos é
um canalha, — disse ele. — Pior, ele é tolamente negligente,
irresponsável e sem se importar com o respeito devido a seus
antepassados.
— Mas por que você não tem uma esposa, Colin? Você tem
quase trinta e dois anos, passou da idade que deveria ter
casado. Todos os seus amigos estão casados. — Ela não
resistiu e acrescentou:— E, claro, se você tivesse se casado a
vontade de seu pai tornava-se relevante, e nunca teria sido
obrigado a propor matrimônio para mim. Isso deveria ter lhe
dado razão suficiente para correr para o altar, com uma linda e
jovem donzela, de nascimento impecável e um vasto dote atrás.
— Pelo amor de Deus, Emily. — Seu peito expandiu em
uma respiração dura. Então ele se levantou e saiu da sala.
CAPÍTULO 10

Um Abotoar

O estrado da cama era tão estreito quanto um canivete,


mas Zenóbia se inclinou em direção a ela, pronta para
desmoronar em mistura de gratidão e delírio.
— Milady, — disse a esposa do vigário. — Espero que você
não imagine que estou ultrapassando meus limites ao fazer
uma pergunta delicada.
— Eu não estou ligado para noções de delicadeza, Sra.
Archer, ou a esses tipos de limites. — Sua voz estava baixa. —
Pergunte-me o que você quiser.
Sra Archer apertou suas mãos juntas.
— Você está totalmente confortável?
— Na verdade, acho que não vi uma cama mais
confortável. — Seu corpo balançou em direção a ela
novamente.
— O que estou perguntando... A sua situação com o
cavalheiro é do seu agrado?
— De modo nenhum! É, sem dúvida, a situação mais
desesperada que já estive, salvo talvez, uma outra situação
desesperada, mas isso foi há muitos anos. No entanto, esta
situação não pode ser ajudada, exceto se colocarmos o máximo
possível de estrada entre nós e os homens que nos confundem
com criminosos.
— Mas, o cavalheiro?
— Ele se sente da mesma maneira que eu sobre evitar a
corda.
— Ele é um homem de boa aparência, — disse ela com os
lábios apertados. — Mas eu conheço uma coisa sobre homens
jovens, e estou ansiosa para saber se você sente motivo de
preocupação com ele. — Seu olhar era ao mesmo tempo
totalmente expressivo e intrigantemente evasivo.
— Ah! Eu entendo. Você também não acredita em nós. —
Ela piscou para manter os olhos abertos. — Bem, eu suponho
que você não acreditaria. Ambos estamos desarrumados.
Geralmente ele é um homem bem vestido, severo e elegante
como você jamais viu, e inteiramente senhorial. Eu também
não estou, na verdade, o que é habitual para a filha de um
nobre, nem mesmo nos meus piores dias. Mas lorde Egremoor
é, certamente, como um conde deveria ser, geralmente.
— Alguns homens dirão qualquer coisa, se eles gostam de
uma moça. E algumas garotas acreditarão em qualquer tipo de
absurdo se gostam dele também.
— Felizmente, não sou uma dessas garotas. Assim como,
evidentemente, Lorde Egremoor poderia querer ficar preso
nesta situação com qualquer mulher na terra, mas certamente,
não teria me escolhido. Eu ouso dizer que estaria no final da
lista dele. De milhares. Milhões. — Ela não podia tirar sua
atenção do colchão.
A Sra. Archer sacudiu a cabeça.
— A partir do momento em que vocês dois passaram pela
porta, imaginei o pior.
— Há algo pior do que ser confundido com ladrões,
assassinos e perseguido por homens furiosos?
— Um homem não olha para uma como ele olha para você
sem determinadas intenções.
— Não, verdadeiramente. Ele não tem tais intenções
comigo. Confie em mim. O mais importante, Sra Archer, temo
que se não me deitar no próximo instante, provavelmente
cairei.
— Pobre querida. Vou deixá-la descansar agora.
Deixando-se cair no colchão, ela recolheu o cobertor e
fechou os olhos. Contrariamente, o sono não veio rapidamente.
Ela o enfurecera ou talvez o tenha afastado. Desta vez, em vez
de escondê-lo, ela assumiu para si o cansaço. A exaustão
estava afetando-a. Ou talvez fosse como ele dissera: esse país,
selvagem, belo e perigoso ao mesmo tempo, estava afetando-o.
Como estava a ela.

****
— Emily.
Sua voz veio através dos sonhos.
— Emily, acorde.
Ela arregalou os olhos para a escuridão iluminada por
uma única vela. Um homem apareceu ao lado da cama. Colin.
Seus ombros largos. Seus braços fortes. Sua poderosa
presença. Ao lado da cama dela.
Ela certamente, ainda, estava sonhando.
Ela se virou de lado, longe da aparição.
— Emily.
Ela olhou por cima do ombro. A aparição estava muito
rígida para ser qualquer coisa, mas na verdade era ele.
— Você é real, — ela murmurou.
— Acorde.
— Estou acordada. Já é de manhã? — Não poderia ser.
Até a medula óssea dela latejava.
— É hora de partirmos.
O calor do sono arrastou-a para baixo novamente. Seu
sonho tinha sido muito mais agradável do que isso.
— Mm-humm.
— Sair da cama.
Lentamente ela forçou suas pálpebras a se abrir
novamente.
— Que hora são?
— Uma hora antes do amanhecer. — Ele virou as roupas
de cama para o lado. Ela se arrastou para fora do colchão e ele
encheu as mãos dela com suas próprias roupas.
Ela pegou seus óculos.
— Estou supondo que essa pressa é necessária, — ela
sussurrou.
— Sim, é.
— Deve abotoar-me de novo, a menos que tenha trazido a
Sra. Archer, que não ficaria satisfeita por você está aqui,
testemunhando, ao me ver vestindo apenas minha camisa e
meias.
— Rapidamente.
Na oscilante luz da vela, ele abotoou seu espartilho de
novo e depois seu vestido, e ela suportou, porque ainda estava
quase dormindo e não tinha outra escolha. Ela escreveria seu
próximo panfleto sobre os males da roupa que exigiam que
uma mulher tivesse assistência para se vestir, tornando-a
dependente de outra pessoa até mesmo para sair de casa. Mas
certamente essa era toda a ideia da alta costura: os tecidos
mais delicados e os abotoadores inacessíveis, os servos
necessários para preparar os vestidos e depois para vestir,
portanto a riqueza era óbvia e mostrada no simples ato de usar
roupas. Seus dedos roçaram a curva de suas nádegas e
instantaneamente ela estava compondo o panfleto em sua
cabeça — qualquer coisa para distrair da selvagem imagem do
seu sonho e de suas mãos circulando sua cintura e puxando-a
de encontro a ele.
Isso não aconteceu.
Vestida, ela rastejou atrás dele descendo as escadas. A
noite ainda estava excepcionalmente quente e, em um matagal
perto da parede, um grilo solitário cantava para as estrelas.
Mas Colin não andou em direção ao estábulo. Em vez disso, ele
gesticulou para a igreja. Na escuridão ela o seguiu, com os pés
afundando na terra coberta de musgo, quando passaram pela
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porta e contornaram a curva externa da abside . Com um
brilho negro e ampla sob a lua, o lago chegava a margem,
batendo ritmicamente em um modesto cais.
Amarrado no fim da doca estava um barco a remos.
— O que estamos fazendo? — Ela sussurrou.
— Escapando no escuro da noite, — ele respondeu,
soltando a corda que prendia o barco ao cais. — Eu pensei que
era óbvio. — Ele estendeu a mão.
— Mas por quê? Os barqueiros estarão dispostos a nos
ajudar.
— Eu não estou inteiramente certo disso. Mas, se
estiverem dispostos a ajudarem, devem ficar agradecidos em
vez de não serem arrastados para o perigo.
— Você quer preservá-los de problemas, não é? Ele é tão
velho e enfermo.
— Por que devo exigir continuamente que você entre no
transporte? — Ele perguntou. Impacientemente.
— Se você esperava uma mulher dócil com quem
compartilhar esta horrível aventura, esperou em vão. — Mas
ela tomou sua mão e entrou cautelosamente no barco.
Deslizando no banco, ela puxou as saias apertadas em
torno dela e olhou para a silhueta maciça da igreja na margem
acima.
— Eu não gosto de deixar Pip assim, no meio da noite, —
ela disse. — Nem mesmo com pessoas da igreja.
Ele apontou para uma pilha de cobertores no chão entre
eles, depois empurrou a embarcação para longe da doca e
pegou os remos. Ela levantou o cobertor no canto e observou
um pequeno pé. Baixando o cobertor, ela olhou para ele.
Ele balançou a cabeça e puxou os remos. Ela entendeu. O
som dos remos era rápido e claro sobre a superfície do lago. Até
mesmo o bater dos remos levemente no silêncio cortando a
água, perturbava o remanso que jorrava na margem e o
chilrear dos pássaros acordados nas árvores.
— Quando você se cansar, vou tomar seu lugar nos
remos, — ela sussurrou. Ele respondeu com um olhar
completamente expressivo.
Girando em torno do banco para olhar para frente, ela
puxou seu manto sobre ela. O céu estava surgindo em tons de
cinza sobre a margem oposta, e as colinas erguiam-se em picos
ondulantes, cobertos de nuvens escuras e névoa azulada.
— É impressionante, — ela suspirou, mas é claro que ele
não respondeu. Ele era extremamente disciplinado. Ele sempre
fora.
Mantendo-se perto da margem irregular, escondido pelos
troncos salpicados de bétulas, subiram velozmente o lago.
Movendo-se em torno de um conjunto de árvores projetando-se
para o lago, se depararam de repente com os barcos de pesca.
Colin conduziu os remos até a beira da água e o barco virou
abruptamente para a margem. Zenóbia agarrou as laterais e,
sob os cobertores, veio um gemido. Libertando uma mão, ela se
inclinou e tocou os cobertores. Eles se mexeram e o pequeno
nariz sardento de Pip, que lembrava tanto de sua irmã
Amarantha, apareceu.
— Milady?
Apertando a mão de Pip, ela levou um dedo aos lábios. Pip
se arrastou para fora dos cobertores e para o banco. Zenóbia
colocou o braço em volta da pequena menina, com os olhos nas
costas dos três pescadores. A proa bateu no banco de areia.
Colin colocou os remos silenciosamente no barco e ajudou as
duas antes de descerem a terra. Em um bosque perto, eles
vasculharam por entre as árvores vagamente espaçadas, os pés
se prendendo nas raízes e nos arbustos e subiram por uma
trilha.
Ela estava deserta. A verdadeira luz do dia ainda estava a
uma hora ou mais de distância. Colin acenou para que ela o
alcançasse, Pip em seus calcanhares.
— Também não devemos confiar nos pescadores, — ela
disse.
— Sr. Griffin retornou a casa paroquial na noite passada
depois que você foi dormir. Os impostores atiraram em um
homem em Inverberg.
— Não.
— O homem ainda está vivo. Mas a caçada se intensificou.
— Então por que estamos indo para o Norte?
— Eu estou esperando que eles não tenham alcançado
Ardlui.
— Esperando?
— Se você preferir orar, seja minha convidada. Fizemos
um bom tempo sobre a água. Eu acho que nós temos, apenas,
uma milha ou duas para caminhar. A estrada é a rota mais
direta, e pedi aos barqueiros e ao sr. Griffin para negarem que
haviam nos encontrado se alguém perguntasse.
— Você espera alugar cavalos ou um veículo em Ardlui. É
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uma aldeia de tropeiro .
— Sim, Griffin e Archer me disseram. — Ele não ofereceu
a ela um sorriso. — Claramente eu poderia ter simplesmente
consultado você.
— Eu te disse, estudei a estrada. — E todas as possíveis
colinas, aldeias e vilarejos que sua irmã pudesse ter viajado ao
mesmo tempo. — Eu sou livresca, lembre-se.
— Na verdade, eu estou tendo um momento difícil de
manter isso na mente. — Pip veio ficar entre eles.
— Estamos chegando ao castelo do diabo?
— Ainda não. — Zenóbia segurou a mão dela. Sufocando a
dor nos pés, ela acelerou o passo. — Venha agora. Precisamos
nos apressar.
— Sim, milady, — declarou Pip e, saindo de seu controle,
correu à frente.
Mas quando os pequenos passos de Pip começaram a se
arrastar, Zenóbia deu boas-vindas ao ritmo lento.
— Devemos nos mover mais rapidamente, — disse Colin.
— A estrada aqui é muito estreita para permanecermos.
Ela imaginou as noites apavoradas e sem sono de Pip até
ontem.
— Ela está dormindo enquanto caminha.
Então ela olhou, espantada, quando Colin se inclinou e
levantou a menina como se ela pesasse uma pena. Pip
pendurou os braços em volta do pescoço dele, deitou a cabeça
no seu ombro e adormeceu prontamente. Ele recomeçou a
andar.
Quando alguns minutos se passaram, ele disse baixinho:
— Nós não poderíamos deixá-la lá.
— Sim. — O reverendo e sua esposa tinham boas
intenções. Mas Pip pertencia à família de seu tio, e quatro
fazendeiros fortes contra um homem idoso não era uma
competição justa. — Por que deixamos Charlie na casa
paroquial?
Ele olhou para ela. O fantasma de um sorriso apareceu em
sua bochecha e uma onda nervosa como resposta atravessou
seu estômago.
— Por que você me olha assim? — Ela perguntou.
— Por que você esperou tanto tempo para me perguntar
sobre o cavalo?
— Eu ainda estava quase dormindo. — E qualquer
conversa que a lembrasse de estar quase sentada em seus
quadris a fazia ficar acalorada. Ela arrastou sua atenção para o
nevoeiro agora pairando sobre a cintilante massa cinza do lago.
— Conte-me.
— Eu o devolvi para a fazenda dos MacLeods.
— Para a... ontem à noite? Mas isso deve ter levado horas!
— E um perigo potencial na estrada. O pensamento fez uma
fraqueza abrupta e estranha passar por ela. — Você não
dormiu?
— Querida, um cavalo como aquele seria rastreado. Pip
teria sido culpada pelo roubo. Por que você estava viajando
com apenas Madame Roche e Jonah? Sem uma criada e num
país estrangeiro? Seu pai sabe como você viaja?
— Há quanto tempo você está esperando para me
perguntar isso? — Ele não respondeu. — Meu pai tem muito
pouca preocupação sobre a minha vida nos dias de hoje.
— Eu peço desculpa, mas não concordo. — Havia uma
certeza em sua voz.
— Por que você diz isso?
— Quando você recebeu a última oferta de casamento? —
Ele olhou para ela por cima do topo da cabeça de Pip. — De um
homem que não seja eu. — Ela só podia piscar de surpresa. —
Você não precisa me dizer, na verdade, — disse ele. — Eu sei
que Lorde Willis ofereceu-lhe uma proposta no último Natal.
Seus pés cheios de bolhas tropeçaram e pararam. As
sombras sob o dossel de troncos e galhos cinzentos incrustados
de liquens verdes os encobriram rapidamente.
— Papai disse a você? — Ela perguntou.
— Cada vez. Cada pretendente. Cada oferta — ele disse
sem interromper o passo ou levantar a voz. — Então, como
você vê, seu pai continua preocupado com sua vida. A
propósito, os meus cumprimentos pelo número de ofertas
impressionantes que recebeu, apesar de sua reputação de
recusar pretendentes admiráveis.
— Sarcasmo agora? — Ela perguntou com os lábios
subitamente entorpecidos. O lago margeava à sua direita, a dez
metros de distância. Se quisesse, poderia levantar uma suave
onda e engoli-los inteiros, desavisados, indefesos contra a
encosta íngreme da montanha à sua esquerda. Mas ela o via
caminhar adiante dela e duvidou que um mero lago, mesmo o
gigantesco Loch Lomond, ousasse engolir o conde de Egremoor.
Depois de uma noite dormindo em um bosque e outra sem
dormir, e apesar de um pouco da escura barba que o fazia
parecer realmente um verdadeiro ladrão de estrada a cada
hora, ele ainda era elegante, ainda severo, ainda em perfeito
controle.
— Os pretendentes não foi ideia minha, — disse ela. —
Meu dote é grotescamente enorme, é claro.
Ele se virou e veio até ela. Antes que soubesse o que ele
pretendia, sua mão envolveu seu queixo e ergueu-lhe o rosto.
— Pare com isso, — disse ele em um grunhido. — Pare de
fingir que não tem nada para atrair um homem.
A criança se agitou em seus abraços, então suspirou e
colocou o queixo mais confortavelmente em seu peito.
— Tire sua mão de mim.
Ele a soltou e ela deu um passo para trás. Seus olhos
ardiam peculiarmente brilhantes no resplendor pálido da
aurora.
— Eu não posso acreditar que você é ingênua como finge
ser, — disse ele.
— Estou longe de ser ingênua. Eu sei o que atrai homens
de riqueza e status: mais riqueza, e beleza se puderem ser
obtido também. Mas eu não tenho beleza, nem mesmo ares
femininos gentis. Eu não me importo com sorrisos ou flerte, e
não entendo metade dos gracejos que passam por conversas
sofisticadas entre cavalheiros e damas em Londres. Em vez
disso, posso até entender, mas os acho fúteis. Sou tímida como
companhia e, quando falo, muitos lordes olham para mim
como se eu fosse uma simplória ou como se tivesse crescido
uma segunda cabeça. Mas essa não é realmente a questão,
pois nem Lorde Willis, nem qualquer um dos outros homens
que me ofereceram casamento, falaram até cinquenta palavras
comigo antes de pedir permissão ao meu pai para fazer suas
petições.
— Eu falei, — disse ele friamente.
— Você não precisou perguntar a ele, não foi? Ele te
ofereceu. E seu pai exigiu até mesmo da sepultura. Então, acho
que podemos descontar com segurança esse pequeno exercício
do dever filial. Mas voltando para o problema, minhas decisões
para casar ou viajar com um bando de servos são minhas, não
do meu pai.
— Por que ele continua permitindo que você viva sozinha,
e dá-lhe um subsídio? Por que ele não a forçou a se casar
ameaçando com a remoção desses privilégios?
O peso de suas palavras esvaziou seus pulmões.
— Essa é a sua solução para as mulheres que não fazem o
que seus parentes do sexo masculino desejam? Retirar dinheiro
delas até capitularem?
— Eu só quis saber por quê, — disse ele — quando
obviamente ele deseja que você se case, que...
— Que ele me ameace com a pobreza se eu não fizer o que
manda? — Seu estômago era um buraco cheio de víboras
atingindo-a. — Eu suspeito que é porque ele se importa
comigo, Colin. Como pessoa. E ele me conhece bem o suficiente
para entender que o casamento com os homens que se
ofereceram me mataria.
Uma transformação completa apareceu em seu rosto, a
raiva se derretendo em um arranjo inteiramente diferente de
suas feições. Choque, mas havia algo mais. Havia tal emoção
em seus olhos, que ela sentiu como se suas entranhas
estivessem pressionando em suas costelas e torcendo em seu
interior. Durante anos ela pensou que ele era um estranho.
Agora, aqui, nesta estrada com a luz incerta viu novamente o
sentimento agudo nos belos olhos do menino que ela um
diatinha adorado. Ela olhou para os braços dele que estavam
com tanta firmeza sobre a garotinha, uma criança que ele mal
conhecia, mas que sentiu a responsabilidade de proteger, e
algo duro e incrustado dentro dela, se despedaçou.
Era demais para ela — demais, e ela não entendia. Ela
arrastou o olhar para longe dele e passou por ele, e suas bolhas
e músculos doloridos não eram nada agora que estava
desesperada para fugir.
Ela estava mentindo para ele novamente.
Seu pai não reteve os fundos para forçá-la a casar, porque
sabia que não importaria se o fizesse. Durante anos sempre
soube que ela tinha uma renda independente. Quando ela
tinha ganho suas primeiras libras com a venda de seus
panfletos, ela pediu que seu pai patrocinasse uma conta
bancária em seu nome. À medida que a popularidade de Lady
Justiça aumentava e sua renda crescia suprindo além das
necessidades de sua casa, ela começou a doar a ampla mesada
que seu pai lhe dava para instituições de caridade. No entanto,
ele nunca questionou isso. Em vez disso, ele elogiou suas
escolhas: a obra de caridade de Serena Savege para viúvas de
guerra e órfãos, o programa de Lady Ashford nas docas e a
modesta escola que Diantha Lucas estabelecera recentemente
para educar crianças que trabalhavam nas minas galesas.
Seu pai sabia sobre sua renda. Mas ele nunca perguntou
a sua fonte. Ela só sabia que ele queria sua felicidade, ao
contrário deste homem, que a estava colocando de dentro para
fora.
— Posso te perguntar sobre seus planos de viagem
também? — Ela perguntou. — Eu não sabia que os grandes
senhores costumam viajarem sozinho pelas as estradas e a
cavalo.
— Você diz grandes senhores como se as palavras
tivessem um sabor ruim.
Ela fechou os olhos e os pés dela a levou ao longo da
estrada rapidamente. Ele conhecia Lady Justiça muito bem
para ser descuidada.
Passou algum tempo antes de falar. Sua voz veio de vários
metros atrás dela.
— Antes de expressar sua preocupação sobre isso mais
cedo, — ele finalmente disse, — eu não tinha considerado o
inconveniente que poderia causar a falta de transporte para o
vigário e seus paroquianos.
— Eu suspeito que você raramente se encontra sem várias
carruagens e cavalos ao seu alcance imediato.
— Nunca, claro.
— Nem considerou errado pedir que três pessoas
inocentes mentissem por nós.
— Eu não exigi. Eu pedi.
— Quando um conde requer que um pobre vigário e sua
esposa mintam para ele, a diferença entre exigir e pedir é
pequena.
— Como você nota, nenhum deles acreditava que eu fosse
um conde. E só pensei em levá-la para a segurança o mais
rápido possível.
Ela parou e esperou enquanto ele caminhava na direção
dela. Havia uma cautela peculiar em seu passo agora, com os
ombros rígidos e o rosto severo e ilegível.
— Obrigada, — ela forçou passagem pelo nódulo em sua
garganta.
— Pelo que você está me agradecendo?
— Por me encontrar e me tirar do perigo em Laird's Leed.
Por me carregar naquela colina depois que desmaiei. — Ela
olhou para a criança em seus braços. — Por resgatar Pip do
mal. Por não dormir.
— Eu dormi três horas antes de sair esta noite. Você está
satisfeita?
— Você aceitará meus agradecimentos ou não?
— Se você insiste.
— E peço desculpas por perguntar sobre os filhos
ilegítimos e casamento. Clarice sempre me diz que falo sem
primeiro pensar. Como você, ela acredita que sou impulsiva.
Isso não é inteiramente verdade. Mas eu tenho dificuldade em
conter minha língua. Ela insiste que, se eu não consertar
minhas atitudes, algum dia serei como a duquesa de
Hammershire, dizendo o que quiser a quem quer que seja, sem
qualquer noção dos sentimentos de alguém.
— Você não quer ser confundida com uma duquesa?
— Eu não quero machucar as pessoas. E ainda assim às
vezes faço dano, e acho que o fiz quando te questionei sobre
crianças. Eu não deveria ter falado disso com você.
— No entanto, aqui está você falando sobre isso de novo.
— Milagrosamente, um toque de leveza brincava em sua voz,
como os primeiros movimentos do amanhecer no lago ao lado
deles.
— Eu não deveria ter falado da vontade do seu pai com
tanta alegria também. Deve ser difícil para você.
— Você sempre falou alegremente comigo, — disse ela. —
Você sempre disse qualquer coisa que lhe ocorresse. Quando
nós éramos crianças, — ela acrescentou, porque havia muitas
coisas, agora, que não estava dizendo-lhe. Ela começou a andar
novamente. — Não tomei lições de reticência feminina da
minha mãe. Eu acreditava que minhas opiniões eram tão
dignas quanto as de qualquer outra pessoa.
— Todos falavam comigo em um sussurro.
Atrás dela, suas palavras caíram em silêncio. Mas ela
ouviu o som de seus passos na estrada cheia de seixos.
— Eles fizeram isso, — disse ela. — Eu tinha esquecido
disso.
— Todos eles fizeram. Servos, arrendatários, aldeões,
convidados, todos falavam comigo como se o meu silêncio
exigisse o deles também. Meu tutor, o Sr. Gunter, sussurrava
todas as lições que ele me dava. Houve momentos em que eu
desejei ter uma panela de metal para bater em sua cabeça,
simplesmente para arrancar algum volume dele.
Ela sorriu.
— Ele era um rato. E ele se recusou a me emprestar seus
livros, o que o colocou na minha lista permanente de pessoas
menos favoritas do mundo.
— Ele era um estudioso brilhante, — disse ele com
bastante facilidade. — Aqueles que não sussurravam para mim
gritavam, como se eu não pudesse ouvir o discurso regular.
— Que irracional.
— Exceto você. Você não fazia isso. Você nem sussurrava
e nem gritava. E nunca segurou sua língua. Falava comigo
como se eu realmente pudesse respondê-la.
— Tenho certeza de que não fui a única pessoa. Deve ter
havido outros que...
— Não. Só você. — Um momento se passou. — Você não
ouvia o meu silêncio.
Na verdade, ela mal se lembrava do silêncio dele.
Lembrava-se apenas de que ele a ouvira como ninguém fazia,
não distraidamente ou impaciente, mas com toda a sua
atenção. Anos mais velho que ela, ele poderia tê-la ignorado ou
se afastado dela. Mas ele não tinha feito isso. Ele a tratou com
grande bondade — até o dia em que ele mudara.
— Seu pai falava racionalmente com você, — disse ela.
— Ele acreditava que, se fingisse que minha deficiência
não existia, não acontecia de fato.
Ela não tinha nada a dizer sobre isso. O velho conde
nunca escondera sua desaprovação por ela. Nunca culpando
seu pai, ele acreditava que seu caráter deficiente era devido ao
mau treinamento de sua mãe a filha primogênita.
— Sua morte não afetou-me como eu esperava. — Colin
olhou para ela com muita clareza, como se não houvesse nada
escondido por trás de suas palavras. — Eu estava, mas
acredito que era mais devido ao seu sofrimento, enquanto ele
estava doente do que com a minha perda. O sentimento mais
forte que tenho agora é... alívio. Eu estou aliviado que ele se foi.
Neste lugar... Eu admito para você essa verdade desagradável.
— Você nunca admitiu isso para mais ninguém?
— Não.
— Por que não?
Ele hesitou por um momento.
— Porque ninguém mais entenderia, eu acho, — ele
finalmente disse. Seu estômago era um emaranhado de
confusão.
— Eu sei, — disse ela. — Eu também estou surpreendida
por algum tipo de familiaridade com você que me encoraja a
dizer coisas que eu não deveria. — Ela se envolveu mais com o
manto. — É uma falsa familiaridade, claro. Mas suponho que
seja o efeito de conhecer uma pessoa quando se é jovem. Isso
me engana, imaginando que o conheço agora, e talvez tenha
tido o mesmo efeito em você. — Talvez fosse isso o que a Sra.
Archer tinha visto, aquela falsa familiaridade.
— Emily, considere nossas circunstâncias atuais. — Um
sorriso espreitava em seus lábios novamente. — A familiaridade
é inevitável.
Ao redor deles, a terra estalava de vida — pássaros nas
árvores que pairavam sobre eles acordavam, o vento agitava os
galhos, e o constante jorro de água contra os terrenos de
bancos de areia a distância.
— Você abotoou meu vestido duas vezes, afinal, — ela
admitiu.
— Só isso.
Ela segurou o sorriso.
— E você pode me chamar de Zenóbia.
Ele parecia estar estudando seu rosto agora,
particularmente seus lábios.
— Mas acho que você subestima o efeito do que fala, — ele
disse. — Não é um truque.
— Isto é. Duas décadas estão entre nós, o antes e o agora.
— E duas identidades secretas. — Nós não somos as mesmas
pessoas que éramos antes. Isso é muito claro para mim. Por
exemplo, você não gosta de mim agora, como gostava antes.
— Eu não antipatizo com você agora.
— Claro que você não gosta. A rigidez da sua coluna e o
frio em seus olhos declararam isso toda vez que nos
encontramos em todos esses anos.
Olhando para as árvores, ele levantou a mão e passou-a
pelo rosto. Em seu ombro, a cabeça confusa de Pip se virou.
— Já chegamos? — ela murmurou com o pequeno dedão
enfiado em sua boca.
— Ainda não, — disse ele, em seguida, olhou por cima da
cabeça novamente. — Em breve luz do dia chegará e a estrada
é muito estreita aqui para que escapemos se um cavaleiro
quiser nos ultrapassar. Você vê o fogo à frente, perto do
barranco?
Zenóbia olhou até que entrou em foco.
— O barranco se sobressai ali. É uma enseada, talvez
Ardlui.
— Esperemos que sim.
— Acho que agora entendo por que você ainda não se
casou, — disse ela, forçando os pés doloridos a ignorar as
pedras e depressões da estrada.
— Você sabe?
— Seu dever para com seu pai era oferecer uma proposta
para mim, mas você não podia suportar a ideia disso. Mas
nunca poderia negar seus desejos. Então você esperou para
cumprir o seu dever quando não pudesse escapar mais. Que
fardo terrível, foi neste caso, sua devoção a ele. Quão horrível
deve ter sido o fato de ter pairado isso sobre sua cabeça todos
esses anos. Agora, felizmente, você está livre para fazer o que
quiser. Case-se à vontade, meu lorde! Pois eu te deixo livre.
Depois de algum tempo, ele disse em voz baixa:
— Você é uma bagagem.
— Eu, ao que parece, devo ser tratada como uma — disse
ela, sentindo a lembrança da mão dele com tanta firmeza no
seu rosto. — Apesar dos meus desejos.
Ele não respondeu, não procurou justificar-se. Foi melhor
assim. Quando ele a tocava como se tivesse o direito de fazê-lo,
isso a enfurecia. Mas quando olhava para os lábios dela, queria
esquecer que ele era um arrogante, manipulador, um estranho,
um mentiroso que ela não conhecia mais. Ela queria se
lembrar de uma época em que eles se entendiam. Quando eles
tinham sido a exceção de um com o outro.
Melhor assim em vez de encorajar seus silêncios pétreos.
Melhor lembrar que ele tinha mudado.
— Qual é o nosso plano agora? — Seus olhos estavam
escuros e sua pele pálida, mas sua voz era clara, ao contrário
da manhã subindo em torno deles. Nuvens espessas e escuras
com a chuva rolavam pelo céu. O vento havia aumentado.
Varrendo a superfície da terra, se enrolava no lago em
explosões frias. Colin viu quando uma rajada a atingiu e ela
oscilou para o lado, em seguida, pressionou o ombro nela. Ela
levantou a mão e tirou os fios soltos de cabelo da bochecha.
— Encontrar cavalos ou uma carruagem o mais rápido
possível e dirigirmo-nos até o castelo de Loch Irvine ainda hoje,
— disse ele. — A menos que você tenha outro desejo.
— Estamos a vinte milhas, — disse ela.
— Se mantivermos esse ritmo, deveremos alcançar o
castelo do duque no próximo Natal.
— Não diga isso, — ela disse com um vinco em sua testa.
— Isso foi para fazer você sorrir, sabe.
— Eu não posso.
— Porque você ainda está com raiva de mim por lidar com
você rudemente?
— Nada mudou nos últimos minutos, não é? Mas na
verdade são as bolhas, não você, que estão atualmente
impedindo minha alegria.
— O duque espera por você? — Ele perguntou.
Ela estava mordendo o lábio inferior. Era uma visão
peculiar — essa mulher confusa em pensamentos.
— Emily? — Ele cutucou.
— Zenóbia.
— Você é esperada no Castelo Kallin?
— Eu também posso te perguntar sobre seus planos de
viagem? — ela respondeu brevemente, puxando seu manto
mais firmemente sobre ela. — Seus planos de viagem originais,
isso é.
— Se você quiser, — disse ele.
Seu olhar foi para o dele.
— E quais eram eles?
— Eu vim para a Escócia em busca de uma jovem que não
se tem notícias dela em vários meses. Suas amigas estão
preocupadas com sua segurança, mas incapazes de fazerem
essa viagem.
— Eu entendo, — ela disse calmamente. — Quando você
foi forçado a fugir de Balloch, a encontrara?
— Vestígios dela, somente. Alguns meses atrás, parece
que ela viajou nesta direção.
— Ela pode estar em qualquer lugar agora.’
— Sim, — disse ele.
— Quando estivermos seguros novamente, — se
estivermos seguros novamente — você continuará sua busca
por ela?
— Até que eu a encontre.
— Quem são essas amigas dela, para que você venha tão
longe para elas?
— Apenas uma delas pediu isso. E é claro que eu não
previ perder meu cavalo ou ser obrigado a fugir de escoceses
enfurecidos. Seria uma tarefa nada notável de realizar.
— Mas você deve ter muitas outras responsabilidades que
exigem sua atenção e muitos servos para fazerem isso. Você
mal conseguiu o título de seu pai e o Parlamento está em
sessão.
— O Parlamento pode esperar.
Os olhos esmeraldas estavam arregalados.
— Pelo o pedido de uma pessoa? Você deve ter essa pessoa
em alta estima.
— Em vez disso é o oposto. Mas fiz uma barganha com
ela. — Uma barganha que Lady Justiça tinha cancelado. Mas
isso importava pouco. A panfletária estava desesperada para
encontrar Penny Baker e Colin sabendo que, se o fizesse, Lady
Justiça o encontraria. — Eu pretendo mantê-la.

****

Manchas vermelhas brilhavam nas bochechas de Emily,


em contraste com o resto de seu rosto pálido, e o vento batia
em suas saias e chicoteava seu cabelo no rosto. Suas palmas
estavam pressionadas contra o estômago. Ela tinha mãos
adoráveis, flexíveis e ágeis. Vê-la agora, aqui, neste deserto,
despenteada pelo vento, com o olhar fixo nele, mudava algo em
seu peito — algo afiado e doloroso.
Ela o desprezou. Como Constance e os outros quando
souberam da verdadeira identidade do diretor, Colin suportara
a raiva de seus amigos mais íntimos. Algum dia eles viriam
entender por que ele manteve esse segredo deles. Eles o
perdoariam.
Mas Emily o odiava.
Ele não deveria se importar. Ele havia parado de se
importar anos atrás. No entanto, a cada hora que passava na
companhia dela, isso o enfurecia mais. Uma raiva aguda. Raiva
que sentia como uma queimadura dentro dele.
Uma gota de chuva caiu pesadamente entre eles. Então
outra. Mas ela não falou nem se mexeu.
— Precisamos encontrar um abrigo, — disse ele,
lembrando-se de outra chuva, uma outra noite maltratado pelo
vento. A escuridão se arrastou em sua garganta. — Venha, —
ele sibilou por entre os dentes, em seguida, reajustou a criança
em seu ombro e aumentou seu ritmo.
À frente do manto cinza que agora era o lago, as árvores e
o céu confundiam-se, uma nuvem de nevoa surgia da margem.
A direita, as Árvores se agitavam abruptamente, e eles agora
olhavam para uma pequena enseada com não mais do que
meia dúzia de barcos de pesca. Uma plataforma longa e larga
se estendia da margem para a água. Na margem, um amplo
celeiro estava com as portas abertas para o lago.
— O cais dos tropeiros, — disse ele. — Mais fumaça de
chaminé. Várias chaminés. Procure por comida. Eu vou
encontrar transporte. Encontre-me além do prédio mais
distante daqui a quinze minutos.
— Eu não tenho relógio.
— Emily.
— O que?
— Era uma estimativa.
— Você está claramente treinado para esse tipo de coisa,
enquanto eu não. — Sua voz soou com peculiar reticência. Ele
foi até ela. — Você está muito ansioso para prosseguir
separadamente?
— Não. Estou acostumado a enfrentar os perigos do
mundo sozinho, claro. Vá e leve Pip. — Ela estendeu a mão e
acariciou a bochecha da menina, e Pip despertou do sono.
Piscando seus olhos grandes, ela bocejou. Ele a colocou no
chão.
— Hora de ver o diabo, milady? — Ela perguntou.
— Ainda não. Devemos encontrar o desjejum, enquanto o
senhorio dele encontra cavalos. — Ela pegou a mão da menina,
lançou-lhe um rápido olhar e dirigiu-se aos edifícios.
No nevoeiro que percorria o lago gelado e que se espalhava
pela terra, quando as silhuetas cinzentas da mulher enlameada
que andava de mãos dadas com a menina sonolenta quase
desapareceram, a mesma dor furiosa que sentira na noite
anterior no vicariato atacou-o novamente. Arrastando seus
olhos delas, ele foi em busca de cavalos.

****

O cheiro de pão levou-as à padaria, o passo de Pip se


iluminando a cada passo.
— Agora, — Zenóbia disse para a pequena menina, —
nenhuma palavra, entendeu? — A cabeça emaranhada de Pip
subiu e desceu.
— Bom dia, — disse Zenóbia para a mulher atrás do
balcão, com o aroma que as atormentavam com toda a
gostosura, quente e deliciosa glória da pastelaria fresca. Com
os dedos trêmulos, ela colocou várias moedas sobre o balcão.
— Um de tudo, por favor.
— Sim, senhorita. — O padeiro embrulhou alguns bolos,
pães e duas tortas. — Onde você está indo? — Ela notou a
mudança.
— Norte. Por acaso você sabe de uma pousada nas
proximidades?
— A estalagem dos lidadores de gado, do outro lado da
enseada. Está viajando para longe?
— Sim. Mas meu companheiro de viagem e eu tivemos
problemas com nosso cavalo principal da carruagem. — Não
era totalmente falso. Atrás do padeiro, uma lâmina de folha de
panfleto estava pregada na parede, amarelada com a idade e a
umidade da planície. Fora um dos pedido de Lady Justiça para
que o Parlamento atribuísse fundos especiais para um
programa de reintegração dos veteranos feridos da guerra na
força do trabalho. Acima estava uma amostra de tartan, do tipo
que os soldados escoceses usavam na batalha.
— Você está com a senhora que acabou de passar pela
aldeia, então? — O padeiro disse.
— Uma senhora?
— Uma grande dama, viajando apenas com um cocheiro.
Passou aqui não mais que uma hora atrás. — A mulher fez um
gesto em direção à rua.
Se Sybil Charney estivesse, agora, na estrada à frente
deles, eles poderiam se apressar e pegá-la. Se a senhora e seu
cocheiro, porém, fossem os impostores, os ladrões, Colin
poderia estar em perigo.
— Que bom para ela que foi capaz de desfrutar de suas
delícias recém-assadas também, — disse ela rapidamente,
recolheu o pacote, e agarrou a mão de Pip. — Dia bom.
Pip correu ao lado dela até a estrada entre os edifícios.
Eles viraram uma esquina, e Colin vinha caminhando em
direção a elas, a desmedida massa dos celeiros escuros dos
tropeiros contra o lago relampejante atrás dele. O alívio a
inundou.
— Não há cavalos para se alugar aqui, — ele disse. — Mas
há uma estalagem do outro lado da enseada em que dois
agitadores estão sentados. — Seu olhar estava em cima dela,
em seu rosto e mãos segurando o pacote de padaria, e em
todos os lugares.
— O padeiro nos contou que uma dama e seu cocheiro
numa grande carruagem passaram por aqui há menos de uma
hora. Podem ser eles. Ou...
Então ela viu-os, conduzindo em uma curva na estrada
diretamente em direção a eles. Não era a carruagem de Sybil
Charney.
Era a dela.
Sua própria carruagem.
— Colin, estamos salvos.
— Droga, — disse ele.
— Não.
CAPÍTULO 11

O Preço

Jonah parou e Madame Roche abriu a porta.


— Ma petite! — Ela apertou as mãos de Emily e deu beijos
em suas bochechas. — Nós encontramos você!
— Oh, Clarice, Jonah! Estou muito feliz em vê-los bem e
em segurança.
Colin olhou para o cocheiro na boleia.
— Por que você não pediu ajuda, como eu o instruí?
— Respeitosamente, milorde, eu tentei, — Jonah
respondeu. —Madame Roche insistiu que viéssemos
procurando por sua senhoria.
— Se você tivesse feito o que eu desejava, meu povo
estaria aqui agora e sua senhoria não estaria mais em perigo.
— Não há mais perigo agora que estamos juntos, —
exclamou a francesa.
— Clarice, esta é Pip. Ela está viajando conosco. — Emily
levou a criança para frente. — Pip, esta é minha querida amiga
Madame Roche.
33
— Enchantée , — disse a francesa com um olhar curioso
para a criança, depois para Colin. As pequenas sobrancelhas
de Pip se levantaram e ela olhou para ele.
Emily se inclinou para ela e apertou o pacote da padaria
em suas mãos.
— Agora, entre na carruagem e coma seu café da manhã.
Pip entrou no carro.
— Ma chère, venha! — Madame Roche agarrou o braço de
Emily e puxou-a para a porta do transporte. — Você não deve
permanecer nessas roupas sujas! Jonah, o baú da ma petite,
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desamarre-o, tout de suite. Você vai mudar o vestido
immédiatement no Auberge. É um lugar miserável, mas é
preciso suportar as dificuldades quando se está sempre
viajando, não? E então você vai me contar de toda essa corrida
35
para longe. Quelle aventure romantique!
Emily lançou um olhar desconcertado para Colin e pegou
a mão do cocheiro para subir na carruagem.

****

36
Uma ale deslizou-se pela garganta de Colin como a bem-
vinda carícia da mão de uma amante. Ele teria preferido
brandy, mas esta estalagem, cujos patronos pareciam serem
todos trabalhadores, oferecia apenas cerveja e whisky. De pé no
bar, enquanto engolia as últimas gotas, ele entendia o sotaque
pesado dos homens o suficiente para saber que nenhum deles
suspeitava dos viajantes na vila. Mas eles não estariam seguros
aqui por muito tempo. A entrega de grãos era devido ao barco
que viaja para o Norte neste dia. Aquele barco certamente
traria notícias do conde impostor e seu cúmplice.
Em uma mesa próxima, as mulheres e a menina esperava
pelo barman voltar com a torta de carne que ele dizia ser o
melhor da Escócia. Pip consumia pedaços de pão enquanto
Madame Roche tagarelava sem parar misturando francês com
inglês e gesticulando com as mãos, e Emily ficara olhando a
comida dos outros fregueses. Havia uma qualidade de fome em
seus olhos que ele nunca tinha visto antes.
Então, de repente, seu olhar pousou sobre ele e a
intensidade de sua fome parecia somente para ele. Em sua
pele, sua mandíbula, seus ombros, seu peito — ela olhava para
ele como se com os olhos pudesse sentí-lo também.
Impossível.
Pousando o copo no balcão do bar, ele pegou o seu casaco
e saiu para fora da estalagem. Seu cocheiro cochilava em um
banco ao lado da carruagem.
— Jonah, de onde você viajou hoje? Os cavalos estão
descansados?
— Eles viajaram ontem o dia todo, milorde. Nós chegamos
aqui ontem à noite e foram apenas encilhados para sairmos em
busca de vocês. Desde que eu ouvi a notícia desses sujeitos, —
ele apontou para a estalagem — do preço que o duque impôs
sobre os salteadores, eu e Madame Roche não queríamos mais
nada que encontra-los.
— O preço?
A testa de Jonah enrugou-se.
— Você não ouviu?
— Loch Irvine colocou um preço pela cabeça dos ladrões?
— Loch Irvine e Argyll, milorde, embora digam que Sua
Graça de Argyll está em Londres neste momento.
— Bom Deus. Que preço?
— Dez libras.
Uma fortuna para qualquer homem neste país.
— Qual desses cavalos é mais rápido?
— Seria Mason. — Jonah afagou o cavalo cor de chumbo
na garupa.
— Como ele é para cavalgar?
— Irritado. Toby é uma alma gentil. Ele é mais forte, tem
mais resistência, e ele aceita melhor uma sela, mas eu não
tenho uma. Qual é o seu plano, milorde?
— Precisamos nos apressar. Desatrele Mason. — Bom
Deus, não havia outra solução. — Assim que formos, espere
pelo menos uma hora, depois dirija-se ao homem da autoridade
local e diga-lhe a verdade, de como o Conde de Egremoor levou
o cavalo e que acredita que estou indo para o Sul. Então
cavalgue como o vento para o Castelo de Kallin. É minha
esperança que um de nós dois cheguemos lá antes que Lady
Emily e eu tenhamos sido encontrados.
— Sim, senhor. — Ele já havia começado a retirar os
couros da carruagem.
— E maldição, Jonah, se Madame Roche reclamar deste
plano, ignore-a.
— Não há muita utilidade nisso. Ela me roubaria as
rédeas se eu a ignorasse.
— Você não terá um par de cavalos de tiro para conduzir
de qualquer maneira. Você tem dinheiro suficiente para
acomodá-la e a criança em um quarto nesta estalagem por uma
semana?
Jonah assentiu.
— Faça isso.
— O que eu devo dizer à lei sobre a sua dama?
— A verdade. Que eu levei uma dama comigo, mas não dê
o nome dela. Quanto menos conhecimento sobre ela, melhor.
Ao entrar novamente na casa pública, ele encontrou o
longo olhar de Emily, fixo na porta. Ela saltou da cadeira e
aproximou-se dele.
— Clarice acaba de me dizer que o duque de Loch Irvine
colocou um preço em nossas cabeças — ela disse baixinho. —
Ou seja, pela cabeça dos ladrões.
— Jonah falou-me disso agora.
— Por que não nos entregamos ao duque?
— Eu temo o que poderia nos acontecer entre entregarmo-
nos e sermos levados perante ele.
— Devemos sair agora. Aqueles homens do outro lado da
sala estão me encarando.
Colin olhou para os olhos esmeraldas brilhantes e pensou
que se ele fosse aqueles homens, também estaria olhando para
ela. Seus lábios estavam quase vermelho, suas bochechas
coradas, seu cabelo de um jeito ou de outro belo. Ela não se
parecia em nada com a solteirona que ele havia visitado um
mês antes em Londres. Em vez disso, ela estava... comestível.
Ele queria saboreá-la.
Ele queria provar seus lábios. Ele queria provar primeiro
seu lábio superior, aquela carne levemente curvada que
poderia mordiscar com suavidade, e depois sua acompanhante.
Depois ele queria provar sua língua. Então a pele sedosa do
pescoço dela. Depois queria soltar os laços de seu vestido que
ele tinha abotoado duas vezes e provar o vale salgado entre
seus seios. Em seguida seus mamilos que seriam apertados em
suas carícias. Em seguida, as pontas dos dedos e a carne
macia da barriga, seu ventre e a fenda quente de sua
feminilidade que teria gosto de sexo e mulher. Essa mulher.
Emily.
Bom Deus. Emily.
Ele tinha sido sábio por ter se afastado dela por anos.
Essas fantasias estavam fora de controle. Mesmo em meio a
um perigo e pressa de fuga, ele não conseguia estancá-la.
Algo tinha acontecido com ele. Como brasas acesas sob
suas costelas, o órgão há muito adormecido estava agitado e
em vigília. Ele pulsava rapidamente e com dificuldade. Não se
sentia como o homem que trabalhou assiduamente para se
tornar. Pela primeira vez em anos se sentia completamente
como uma outra pessoa.
Ele queria acreditar que era o perigo, ou a Escócia, ou
qualquer outra coisa que causasse isso. Mas não Emily.
Ela piscou aqueles olhos verdes maravilhosamente
sinceros, e ele soube então que era ela. Finalidade,
responsabilidade e controle rígido tinham sido seu mundo por
anos. Agora ele queria colocar tudo o que estava pensando — e
sentindo — diante dela. Ele queria deixar de pensar
inteiramente. Ele queria unicamente sentir, porque agora, com
ela, pela primeira vez em anos, se sentia bem.
Não só bem. Ele se sentia vivo.
Ele era uma ilusão, uma mentira enterrada na lembrança
e distorcida pela distância Não havia nada naquele passado
remoto exceto vergonha e dor. No entanto, seu coração não
cessava seu ritmo frenético.
— Colin? — Ela olhou para ele. — Você está bem?
— Bem. Sim. — Ele falou depressa demais. — Vá para
fora, por trás do edifício. — Virando-se, saiu do
estabelecimento, e quando ela agarrou seu manto, ouviu-a
falar com sua acompanhante. Então ela estava seguindo-o, sem
questionar.
Esse milagre terminou instantaneamente.
— Por que Mason está desatrelado? Jonah, por que você...
— Estou partindo, — disse Colin. — E você vem comigo. —
Ele deu um passou e levou suas mãos até ela.
— Novamente? Agora? Por quê?
— Eles estão bem atrás de nós e os homens daqui já
tiveram notícias dos assaltantes e da recompensa. Não há lugar
seguro para atrasarmo-nos nesta estrada.
— É como se os impostores estivessem nos seguindo
intencionalmente. — Havia um fio tecido de medo e descrença
em sua voz. — É uma coincidência terrível, não é?
— Parece mais do que coincidência para mim, — Jonah
comentou.
— Coincidência ou não, devemos sair daqui
imediatamente, Emily.
— Mas deve haver outra solução. Clarice e Jonah irão
atestar por nós. Todos nós vamos defender nosso caso.
— É isso que você deseja fazer?
Ela olhou-o como se tivesse falado em um idioma que ela
não entendia.
E então ela balançou sua cabeça.
— Eu quero fugir do perigo. Toda vez que fecho os olhos, o
homem com a pistola está apontando para nós e eu não desejo
desmaiar novamente.
Ele quase riu.
— Essa é a sua principal preocupação?
— Eu sou uma covarde miserável, eu sei.
— Não. Você é extraordinária.
Ela piscou uma vez, eloquentemente.
— Você está tentando lisonjear-me para que concorde com
isso.
— Não.
— E Pip? — Ela olhou para o cavalo da carruagem. —
Charlie pôde carregar os três, mas Mason não poderia, pelo
menos não muito longe.
— Pip irá permanecer nesta estalagem com Madame
Roche. Jonah contará uma história convincente e nos coletará
em breve, quando estiver mais seguro.
— Isso não vai ser possivel. Considere o vestido e a fala de
Pip. Ninguém vai acreditar que uma menina camponesa e
escocesa esteja viajando intimamente com uma mulher da
sofisticação de Clarice.
— Ela poderia ficar comigo no estábulo, — disse Jonah. —
Percebi que ela tem um jeito com os cavalos. Verdade seja dita
— acrescentou ele com uma palha nos dentes — eu sempre
quis uma filha. Posso fingir que tenho uma agora.
— Você é tão sem sentido como Lorde Egremoor, — disse
ela com uma sobrancelha franzida. — As pessoas vão saber
que você está mentindo. Pip não parece nada com você. Ora,
ela parece mais ser filha dele que sua.
— Então ela será minha, — disse Colin. — Jonah, se você
ou Madame Roche forem perguntados, diga que deixei a
menina aos seus cuidado para procurar sua mãe no Sul.
— Sua? — Ela ficou boquiaberta. — Mas ontem você
disse...
Ele segurou a mão dela, apenas a mão dela, e até isso era
demais; ele a sentiu em todos os lugares.
— Eu não posso permitir que você venha a ser
machucada.
— Eu não sou sua responsabilidade, — disse ela
entrecortada, fracamente.
— Claro que você é.
— Temos de nos separar, — disse ela, afastando a mão. —
Se estivermos separados, se não formos vistos juntos, ninguém
pensaria que somos os ladrões.
— Eu não vou deixá-la desprotegida. Agora, quantas vezes
tenho que dizer-lhe para montar no cavalo?
— Só se trouxermos Pip conosco. — Ele não tinha
nenhuma escolha. Ela sabia disso.
— Jonah, desatrele Toby em vez disso.
Jonah encontrou a menininha no canto do estábulo,
mastigando alegremente do pacote de pãezinhos. Colin colocou
as mulheres no lombo nu do animal, Pip na garupa do cavalo
com os braços em volta da cintura de Emily. Ele subiu antes da
dama.
— Jonah, — Emily chamou quando Colin conduziu o
cavalo para a frente. — Diga a Clarice que ficaremos bem e
lamento sair tão abruptamente. Cuidem um do outro, eu te
imploro. Eu os verei de novo, em breve.

****

A tarde já estava avançada, havia nuvens pesadas sobre o


lago e estava escurecendo na encosta arborizada à esquerda. O
cavalo estava descansado e, apesar de sua carga, sua marcha
era bastante firme na estrada, tão enlameada e cheia de
buracos que era evidente que o gado havia sido seu viajante
mais frequente. Ele não poderia levá-lo acima de um trote sem
o perigo de ferir as pernas do cavalo ou de Pip cair.
Eventualmente o marulhar da margem direita do lago se
tornou o murmúrio agitado de um rio, e eles deixaram para
trás a superfície cinza cintilante de Loch Lomond e as suaves
colinas verdes e azuis, e os aromas de musgo, líquen e água.
Finalmente ela falou.
— Nós deixamos o resto dos pães para trás, — disse ela
calmamente em seu ombro, o som quase engolido pela
correnteza do rio.
Ele sorriu.
— Essa é a sua primeira preocupação?
— Estou preocupada com a fome escancarada no meu
estômago. Ela ultrapassou minha cabeça. Este clima limpa a
mente de todos os pensamentos e os substitui inteiramente por
sentimentos. Faz um corpo voraz. Colin, outra noite sem
comida será o meu fim — sussurrou ela. — E outra noite ao ar
livre. Não poderíamos encontrar a casa de um colono ou algo
assim? Qualquer lugar onde possamos comer uma refeição
quente, beber chá e dormir em uma cama. Nem todas as
fazendas do Norte ouviram falar dos ladrões. E roupas limpas!
O que eu faria neste momento por um vestido novo e meias de
seda. Sabão e uma banheira de cobre cheia de água morna.
— Você já provou ser mais forte do que qualquer outro
habitante da minha cidade e de meus conhecimentos. — Ele
inclinou sua cabeça e falou de modo que suas palavras não
chegasse a menininha. — Mas se você pudesse abster-se de
mencionar suas roupas de baixo e banheiras, isso seria útil.
— Não seja ridículo. Eu não estou usando meias de seda
agora, é claro. Mas acho que você está apenas tentando me
distrair da minha fome.
— Pelo contrário, estou expressando a minha. Que eu não
deveria ter.
Depois disso ela ficou em silêncio por um bom tempo. A
paisagem se ampliara, o lago desaparecendo inteiramente atrás
deles. Colinas altas, cobertas de verde esmeralda, com trechos
de ferrugem e grama de ouro ladeavam a estrada, inclinando-se
abruptamente de seus ápices. Para o Oeste uma floresta de
abetos e bétulas curvava sua sombra na direção deles, verde-
escuro, preto e branco, com algumas folhas douradas
remanescentes agarradas aos galhos e espalhadas pelo vento.
O sol desaparecera atrás de uma montanha e o céu estava
iluminado por estrias de laranja vívida abaixo das nuvens
baixas.
— É espetacular, esta zona rural, — ela murmurou. —
Todos os dias, mesmo quando o sol está escondido. É
magnífico. Eu só viajei para Edimburgo para o casamento de
Constance, e para Alvamoor para visitar Kitty e Leam. Os
Lothians são bonitos, com certeza. Mas não tinha nenhuma
ideia de que esta parte da Escócia fosse tão dramática, tão
selvagem. Apesar de tudo, não posso deixar de notar.
— Apesar de seu estômago vazio e os pés cheios de bolhas
e exaustão. E eu.
— Talvez por causa deles e de você. — Suas palavras
foram arrastadas. Ele considerou que ela poderia estar falando
em meio do sono. Do contrário ela não diria uma coisa dessas.
— Isto... — Sua voz sumiu. Ele esperou.
— Eu acho que isso está me mudando, — ela finalmente
disse. — Isso me mudou.
Ele estava contente agora que suas mãos não estavam
sobre ele, de modo que ela não podia sentir o tambor acelerado
de seus batimentos cardíacos.
— Em que isso a mudou?
O tecido do casaco em sua cintura puxou onde seus dedos
se agarraram.
— Em uma mulher que gosta de andar montada na
garupa de um homem, — ela sussurrou.
— Você não deve admitir isso, — ele mal conseguiu dizer.
— Por quê? Porque uma mulher modesta não deve
desfrutar de tal coisa ou porque você é o único autorizado a
fazer comentários fantásticos?
Ele não tinha ideia de como responder.
— Sim, — ele finalmente disse. Então, quando ela não
respondeu: — Como você sabe cavalgar sem sela?
— Eu não sabia. Essa é minha primeira vez. Mas cavalgar
desta maneira não é nada comparado a cavalgar em sua
garupa.
— Emily.
— Colin, eu acho que você não deveria dizer mais nada
que vá se arrepender de ter dito quando tudo isso acabar.
— Eu ainda não disse nada que me arrependerei de ter
dito quando isso acabar. — O que era inteiramente verdade,
apesar de tudo o que ele já havia dito que não deveria e que
nunca teria dito meses atrás. — O que você acha que eu
pretendia dizer?
— Eu não sei. Meus pensamentos racionais estão indo e
vindo a esmo. Estou exausta além do bom senso e acho que
minha imaginação está brincando comigo, como minha língua
certamente está. Deixarei de falar agora, por segurança. Pip?
— Sim, milady? — Veio o murmúrio abafado.
— Você está dormindo?
— Sim.
Um quilômetro e meio adiante, o cavalo tropeçou em uma
pedra e Colin parou e desmontou. Pip seguiu-o para baixo,
esfregando seus olhos de sono.
— Estamos parando, milorde?
— Não, Pip. Estamos nos apressando o mais que podemos
antes do anoitecer. — Tomando o freio do animal, ele começou
a andar. Dedos pequenos e quentes seguraram sua outra mão
e ela caminhou ao lado dele, comentando sobre isso e aquilo,
cantarolando ou ocasionalmente assobiando.
— Nenhuma fazenda de um colono amigável à vista? —
Emily perguntou depois de algum tempo. — Eu suponho que
37
os Clearances destruíram todos eles.
— Mesmo se houvesse um, não seria seguro. Ainda não
estamos a três milhas de Ardlui. Eu apressaria mais o ritmo. O
cavalo é capaz disso. Mas você precisa dormir.
— É surpreendente que não tenhamos passado por
ninguém nesta estrada hoje. Mas, pelo estado de tudo, parece
inteiramente entregue para o gado da deslocação.
— Passamos por dois enquanto você dormia. Eu saí da
estrada e fiquei atrás das árvores e não fomos vistos. Um
cavaleiro solitário se movia às pressas. Só podemos esperar que
sua missão não tenha nada a ver com os ladrões. — Ele olhou
para ela. — Como você sabe de gado droving e Clearances?
— Eu li todas as revistas de notícias. — Seus óculos
estavam tortos, seu cabelo um ninho emaranhado, e seus olhos
turvos ainda brilhantes. — Sou uma solteirona reclusa com
barris de tempo de lazer. — Então ela prendeu seus belos
lábios juntos.
À frente, a estrada se inclinava ao redor da colina coberta
de árvores. Além dela, a paisagem se estendia em um
crepúsculo profundo, espalhando-se diante deles como um
retrato. Por meia milha, pelo menos, não havia nada além das
montanhas de ambos os lados, grama e árvores.
— Nenhuma fazenda amigável, infelizmente — repetiu ela.
— Outra noite na floresta que deve ser seguida, como as
crianças perdidas dos contos de fadas. Como você sabe, se
encontrarmos uma cabana de bruxa escondida entre as
árvores, neste momento ficarei feliz em me preparar para o
jantar, contanto que ela compartilhe algumas de suas maçãs e
ameixas secas antes de nos assar com elas.
— Talvez ela nos deixasse esperar por um outro viajante
— disse Pip. — Então poderíamos engordá-lo com todos esses
doces e fazermos uma festa poderosa.
— Monstrinha sanguinária, — ele disse.
Pip mostrou todos os dentes quando sorriu.
— Não, — disse Emily. — Isso não vai acontecer, Pip. Nós
vamos oferecer seu senhorio para a bruxa, em vez disso, e em
gratidão ela vai permitir que você e eu fiquemos livre para
partirmos.
— Por que ela faria isso? — Pip disse com as sobrancelhas
franzidas.
— Oh, porque ela vai se apaixonar perdidamente por ele.
Ele é muito rico. Poderia comprar seus desafortunados
viajantes para se banquetearem pelo resto de sua vida.
Pip riu e seus pequenos dedos apertaram os dele.
— Eu não deixarei que a senhorita o entregue à bruxa.
— Obrigado, Pip. Eu aprecio sua lealdade. — Foi
necessário um estranho esforço para levantar o olhar para a
mulher na sela. — É um alívio saber que você não deseja que a
bruxa me coma.
— Eu decidi que você é mais útil vivo. E estou delirando
de exaustão. Colin, depois disso, depois que estivermos
seguros, você não vai dizer a todos os detalhes do que
passamos, vai? Meu pai e minha mãe, a ninguém?
— Porque eu faria isso?
— Para me forçar a casar com você, para que possa
manter a posse da propriedade de Devonshire e das joias de
sua mãe. Minha criada Shauna descobriu, — disse ela. —
Servos falam, claro.
Não seus servos. Não se eles desejavam permanecerem em
seu emprego.
— Você deve se casar com ele, então, senhorita?
— Não, Pip, — disse ela, em seguida, olhou para ele com
tal compreensão em seus olhos, tal honestidade. — Você
contaria?
— E se eu fizesse?
— Eu iria recusá-lo de novo, é claro.
— No princípio que uma mulher não deveria ser forçada a
fazer o que ela não deseja?
— Sim. — Ela pareceu considerá-lo por um momento. — E
também porque não gosto de você. E você não gosta de mim.
— Eu entendo. — Ele sorriu. Havia uma mancha de
sujeira em sua bochecha e seus olhos cor de esmeralda eram
poças de delírio e ele não se sentia tão bem em anos. — Tudo
bem. Se sobrevivermos a isso, prometo não contar a alma viva.

****

Seu sorriso a confundiu. Parecia ridículo depois de tantos


anos. Certamente seu sorriso não a confundia quando ela era
uma menina.
Agora a curva de seus lábios e o brilho da covinha em sua
bochecha criavam um terrível e tentador calor dentro dela. Era
um calor que queria alguma coisa. Ele provavelmente.
Anos atrás, ela também o queria, como um amigo. Seu
único amigo. Seu melhor amigo.
De suas seis irmãs, ela estava mais próxima de
Amarantha. Durante a infância, compartilhavam grande
afeição por seu pai e ele por elaes. Mas a amizade de Colin
Gray fora especial, única. Ela o adorara.
Até que ele a abandonou.
O abandono veio de forma abrupta e completa, pouco
antes do seu nono aniversário.
Cada ano, quatro vezes por ano, suas famílias visitaram
uns aos outros e por toda a Inglaterra. Duas vezes por ano, o
conde e a condessa de Egremoor e seu único filho — após a
morte de Lady Egremoor, apenas o conde e seu filho —
viajavam de Cumbria a Willows Hall, em Shropshire para uma
visita de quase um mês, dependendo das responsabilidades do
conde no Parlamento. E duas vezes por ano a família do Vale
em constante expansão viajava para Maryport Court, a sua vez.
Os patriarcas, que haviam sido companheiros de guerra na
América há muito tempo, contavam histórias daqueles dias,
jogavam uma quantidade excessiva de xadrez e bebiam
aguardente até tarde da noite.
Consequentemente, a filha mais velha do conde e da
condessa do Vale nunca conhecera a vida sem o filho de lorde
Egremoor, que se destacava em tudo o que lhe era
apresentado, mas em completo silêncio. Ele nunca falava. Ele
nunca precisou, enquanto ela, desde o momento em que
começou a falar na idade precoce de doze meses, nunca deixou
de falar. Desde que ela nunca falasse de qualquer coisa que
sua mãe ou irmãs não se importassem — livros, sapos, mapas,
chaminé, trigo arrancados e triturados diretamente da haste e
minhocas, mais livros e o que quer que lhe ocorresse, em vez
de fitas, vestidos e bonecas — todos ficavam contentes em
deixá-la na companhia do garoto silencioso cinco anos mais
velho do que ela. Por causa de sua peculiaridade e do
isolamento em que ele morava em Maryport Court, quando seu
pai estava na cidade para a sessão, ele não tinha outros
companheiros. E ela, inteiramente indiferente a seu futuro
glorioso como a condessa de Egremoor, estava contente com a
companhia que lhe permitia explorar muito mais longe do que
a donzela normalmente permitia. Com sua mãe e a crescente
estabilidade de suas irmãs, ela estava quase constantemente
observando sua língua. Com ele, poderia ser ela mesma,
inteiramente. Ele era o companheiro ideal. Ele não criticava-a e
raramente discordavam de seus planos, e de vez em quando
era maravilhosamente conveniente ter uma pessoa de maior
altura e força para depender.
Em uma das férias de verão em Maryport Court, essa
dependência mudou seu mundo.

****

O tempo estava especialmente turbulento, com tremendas


tempestades correndo para os penhascos que davam para o
oceano e depois voltando rapidamente para a margem. Sua mãe,
a donzela e quatro irmãs pequenas estavam na cozinha com o
cozinheiro de lorde Egremoor. Quando ela se juntou a eles, a
repreenderam por esculpir a massa do pão em formas como as
estátuas de deuses gregos no jardim de seu pai, e
eventualmente ela desistiu e fora ler. Mas a casa estava cheia
de servos ocupados em um projeto de limpeza, e nenhum de
seus recantos silenciosos estavam, de fato, silenciosos.
Acostumada a ser esquecida na hora do jantar, na hora do
chá, na hora da igreja e em qualquer momento em que todos se
reunissem, ela sabia que não sentiriam sua falta agora. Antes
de sair de casa, enfiou um livro no bolso e disse a Colin, que
estava em aula com o seu tutor, que estava indo para os
escarpados ler.
Mas ela se sentiu profundamente perturbada. Por que as
filhas de um conde devem ser relegadas a assados, bordados e
arranjos de flores quando o filho de um conde tinha que
aprender matemática, latim e história que ela não conseguia
entender. Seu pai era um fiel admirador de grandes mulheres na
História e sempre disse que a inteligência natural de uma fêmea
era certamente maior que a de um homem comum. Ainda assim,
quando ela pediu-lhe para contratar um tutor para ela, ele
recusou e a encaminhou para sua esposa — como fizera em
todas as coisas — que achou a ideia repugnante. Ela também
implorou a Colin para deixá-la assistir às suas aulas. Ela podia
ler cada um dos seus sorrisos, e o sorriso que ele reservou para
esse pedido indicava que achava que estava maluca na cabeça.
Caminhando ao longo da borda dos penhascos com vista
para o mar, e ouvindo as ondas batendo contra as pedras
abaixo, ela observara as nuvens de trovão rolarem pelo céu a
quilômetros de distância, como inquietação em seu coração.
Obviamente, não havia nada a ser feito para isso, mas para
esquecer de suas irmãs, pais e a injustiça de tudo, descobrira
uma nova caverna no penhasco. Colin há muito tempo mostrara
a ela todos os cantos e recantos facilmente acessíveis. Mas ela
sabia de pelo menos mais três, situados em lugares precários,
aos quais ele se recusava a levá-la.
Ela escolheu a mais próximo e começou sua descida.
Fazendo seu caminho para baixo, pelas dura pedras do
penhasco rasgou seus dedos e joelhos horrivelmente, mas
quando seus pés encontraram a borda, ela cantou em triunfo.
Não era exatamente uma caverna, e sim uma depressão
modesta ao lado do penhasco, e não estava inteiramente
coberta. Mas o sol não se poria, ainda, por horas, e havia uma
pequena e aconchegante fresta para se ajeitar com as costas
contra a pedra. Ela encheu o nariz com o ar salgado, abriu o
livro e se perdeu na história.
Ela só notou as nuvens quando a luz ficou muito fraca para
ler. Escuras e zangadas, girando com o vento, as nuvens
encobriram o sol e fizeram o oceano da cor do ferro. Olhando
para baixo, ela viu as ondas e seu coração deu um pulo furioso.
A maré subira consideravelmente.
Então as nuvens se abriram.
A parede de rocha que teria sido um desafio para subir até
mesmo seco provou ser impossível subir estando molhada. Seus
dedos escorregaram e ela caiu de novo na beirada de novo e de
novo. O tempo todo a maré continuou a subir. E atrás da
tempestade, o sol estava se pondo.
Agarrando-se à rocha quando o horizonte se escureceu do
cinza para negro, ela soluçou e gritou e, gritou por socorro até
que sua garganta ficou seca.
Então ela o ouviu.
Ela nunca tinha ouvido a voz dele antes. Mas sabia que era
Colin. Ninguém mais viria procurá-la. Ninguém mais se
importaria o suficiente para fazer isso.
— Emily!
Veio como o uivo de um animal selvagem através do
penhasco. O vento chicoteava o som rouco e desesperado,
levando-o para as ondas que se aproximavam.
— Emily! Emily! Onde está você? Emily!
Ela gritou de volta, tremendo tanto que mal conseguia
segurar a rocha escorregadia.
Inteligente como Colin era, ele trouxera uma corda. Mas não
lançou-a para ela, do qual brigou com ele mais tarde, alegando
que era tão forte alpinista quanto ele, e que poderia ter elevado a
si mesma. Mas ele não permitira. Amarrou a corda em um
afloramento acima e desceu até ela.
— Venha, — disse ele, e a fez envolver os braços em volta
do seu pescoço e segurar-se enquanto ele subia. Ela não chorou
então, nem mesmo em alívio. Mas quando chegaram ao topo do
penhasco ela não queria soltá-lo.
— Sua pequena tola, — ele disse apenas.
Ela deixou-o pegar sua mão que estava entorpecida de frio
e eles voltaram para casa assim. Seus lábios estavam
congelados e ela tremia com tanta violência que não conseguia
dizer uma palavra, e ela não mencionou que ele havia falado, e
nem ele. Tinha uma boa voz. Rude, desajeitada e muito instável.
Mas ela gostara.
Quando eles voltaram para a casa, ele ficou em silêncio
novamente e ela teve que explicar a coisa toda para todos
através de dentes batendo. Então a donzela a enrolou e a levou
embora e ela não teve a oportunidade de agradecê-lo. Quando
ela adormeceu, quente e aconchegante sob quatro camadas de
cobertores, se perguntou se ele só falaria com ela.
Ele não falou com ela. Começando no dia seguinte, ele falou
com todos — hesitante, devagar, como um potro dando seus
primeiros passos vacilantes. Ainda falando. Isso não ocorreu a
ela até anos mais tarde, mas sua fala pareceu clara demais: ele
já deveria ter falado antes daquele dia, só que não para todos.
Não até ele chamar por ela. Ou talvez fosse por pura força de
vontade disciplinada que ele se fizesse entender tão
rapidamente. Ele sempre foi um filho obediente, e nisso, agora,
ele não provara ser diferente.
Ninguém comentou sobre isso — não em sua presença. Um
médico veio para Maryport Court, e depois de uma entrevista
privada com Colin e outra entrevista com o conde, partiu sem
qualquer comentário. Sua família e os servos ficaram todos
admirados. Mas o conde de Egremoor se comportava como se
seu herdeiro tivesse passado os primeiros treze anos de sua
vida falando, e isso não era nada fora do comum.
Para todos, incluindo Colin, que imitou a indiferença de
Lorde Egremoor. Mas cada vez que ele lutava para falar e
conseguia, seu coração parecia explodir. Secretamente ela
gostou que as primeiras palavras que ele tinha falado foram
para ela, e a primeira palavra tinha sido seu nome.
Alguns dias depois, quando a donzela finalmente permitiu
que ela ficasse completamente livre da creche, ela bateu em sua
porta do quarto. A Floresta Cinza estava cheia de cogumelos da
chuva e ele gostaria de ir procurar com ela? De pé na porta que
estava apenas parcialmente aberta, como se ele tivesse algo a
esconder lá dentro, ele franziu a testa.
— Homens, — ele disse devagar, deliberadamente, — não
brincam com garotas.
Ela riu. Mas havia algo em seus olhos naquele momento,
algo feroz e duro, que ela não reconheceu.
— Você é um sapo, — ela dissera animadamente. —
Quando você se arrepender de ser desagradável e não pegar
nenhum dos cogumelos, pode vir me encontrar e beijar meus pés
em desculpas. Então eu poderei perdoá-lo.
Mas ele nunca veio encontrá-la e nunca procurou seu
perdão. No dia seguinte, encontrou-o e ele a afastou; ele estava
caminhando com seu pai. No dia seguinte, ela não conseguiu
sequer olhar para o outro lado da sala, e ele não respondeu às
suas batidas na porta do quarto. Ele estava sempre ocupado
depois disso, saindo em aventuras com seu pai ou ambos os
pais, ou com o guarda de caça, ou seu tutor, ou o administrador
da propriedade.
Uma quinzena depois, sua família partiu de Maryport
Court. A conversa de seus pais na jornada para casa foi toda
sobre o grande momento que eles tiveram, a generosa
hospitalidade do conde, e Colin que estava falando, não era um
milagre fantástico? Mas ela não achou que fosse um milagre. Ela
pensava que estava apodrecendo, e sua garganta estava
entupida de lágrimas grossas que ela era continuamente
obrigada a engolir de volta. Ele era um vilão da pior espécie por
ignorá-la de maneira tão miserável. Seu melhor amigo, seu único
amigo, colocara uma fronteira horrível da noite para o dia, e seu
humor era tão negro quanto o alcatrão. Enquanto o pai, a mãe e
as bobas das irmãs se entusiasmaram, ela se afundou em um
canto da carruagem com um livro diante do rosto e se sentiu
como se estivesse naquela fenda no penhasco, enquanto a chuva
caía e a maré subia — um pouco dela parecia morrer.
Ela não entendia por que ele a abandonara. E, porque ela
o amava tanto, ela o odiava agora por isso.
CAPÍTULO 12

O Imprevisto

Na beira da floresta, eles percorreram uma curta distância


ao longo das árvores em direção a uma cerca de pedra que era
longa, sólida e cercada de arbustos e sebes naturais, suficiente
para impedir que um rebanho de ovelhas vagasse pela terra de
outro homem. A parede fez uma curva abrupta subindo a
colina para um lado, criando um canto parcialmente protegido
à sombra dos galhos. Ele foi em direção a ela.
— Agora vou parar aqui, procurar por um formigueiro e
dormir imediatamente, — ela disse, desabotoando o manto
úmido, cobrindo a grama grossa e caindo de joelhos. — Se você
preferir se precipitar em direção a um litro de cerveja e um leve
e seco repouso, deve se sentir livre para fazê-lo sem se
preocupar comigo, embora deva levar Pip junto com você.
Tendo dormido metade do dia, ela está tão descansada quanto
um riacho de primavera.
A menina estava conduzindo Toby a um pedaço de grama
verde, profundamente envolvida em uma conversa com o
cavalo.
— Da minha parte, — Zenóbia acrescentou, puxando seu
manto sobre ela, o dia estava esfriando mais enquanto o sol
descia, — eu estarei contente em permanecer aqui para sempre
se isso significar que não preciso caminhar ou andar
novamente pelo o resto da minha vida. — Fechando os olhos,
ela enrolou-se de lado e enfiou suas mãos sob sua cabeça.
Ela ouviu os passos dele por perto. Ela abriu os olhos para
vê-lo se acomodando de costas no tronco de uma árvore a
poucos metros de distância, os braços cruzados e olhos
fechados.
— Eu dormi? — Ela murmurou.
— Por meia hora ou mais, — respondeu ele.
— Onde está Pip? E Toby? — Ela tentou piscar, mas o
crepúsculo se aprofundou e seus olhos estavam tão cansados.
— Pip está enrolada como uma bola a menos de três
jardas de distância, dormindo. Toby está de pé como um
sentinela sobre ela. — Ele sorriu e ela olhou para a criança.
Enrolada no casaco de Colin, ela era um caroço no chão, a
cabeça do cavalo da carruagem estava baixa e o nariz o mais
próximo possível da menina.
— Ela ao que parece, se dá bem com cavalos, — Colin
disse. — É uma catadora. Ela encontrou cogumelos na floresta.
Cogumelos seguros — acrescentou ele, e o coração dela fez
uma pequena viagem. Há muito tempo, em que numa floresta
como aquela, ele a ensinara a discernir cogumelos comestíveis
de venenosos.
— O que vamos comer no jantar? — Ela perguntou.
Ele sorriu levemente.
— O que quer que sua imaginação vívida evoque.
— Os grilos sumiram, finalmente, — ela disse, — ou eu
iria capturá-los e comer alguns se tivesse energia para me
levantar. Eu gostaria de ter capturado alguns na noite passada.
Eles ainda estavam cantando então. O frio de hoje deve ter
levado todos eles a esconderem-se em buracos.
Ele deveria estar tão cansado quanto ela — ou talvez
muito mais cansado. E, no entanto o sorriso permanecia em
seus lábios, e apesar do peso de seus olhos, ela não conseguia
desviar o olhar. Que maravilha era os lábios de um homem, se
pudesse estudar a barba em torno desses lábios e no queixo
dele que faziam seus próprios lábios parecerem peculiarmente
sensíveis. E um pouco mais além dos lábios dela. Sob as
camadas de sua roupa, seus mamilos estavam arrepiados.
Afastando os sentimentos, ela se apoiou em seu cotovelo.
— Você se lembra quando eu coletei todos aqueles grilos
para alimentar o rato que eu descobri no galpão do jardineiro?
— Sim, — disse ele em uma voz meio adormecida. — Você
ainda faz isso?
— Eu faço.
— Eu fiz você armazená-los no bolso do casaco. Você não
gostou, mas eu insisti.
— Você fez, sim.
— De certo modo, — ela disse, — essa aventura ao ar livre
parece muito com aquela época. Exceto por uma diferença
óbvia.
Houve um momento de silêncio antes que ele dissesse:
— Porque agora eu falo?
— Porque somos adultos.
Ele arregalou os olhos e olhou diretamente para ela com
surpreendente intimidade, como se avaliando a verdade de
suas palavras no volume de seus seios e na curva de seus
quadris.
— Você realmente não está muito diferente agora, Emily.
— E você é um sapo. Ainda. Depois de todos esses anos.
Ele riu, o sorriso em seus olhos totalmente
desinteressado.
— Você sabe o que eu penso agora, — disse ele com
bastante facilidade. Ela sabia. Ele achava que sua maior
realização atual era o trabalho de um homem. Mas, então, seu
sorriso sumiu. — Como é que você parecia sempre saber?
Ela sabia o que essa pergunta significava, a pergunta que
ele nunca havia feito antes.
— Como eu sabia o que você não dizia em voz alta? — Ela
perguntou.
Ele assentiu.
— Eu não sei, — disse ela. — Eu certamente não tenho a
mesma habilidade agora. Como por exemplo, não tenho
nenhuma ideia de por que você fala comigo agora de forma tão
diferente do que fez esta manhã; porque está tentando me
provocar quando mais cedo estava com raiva. Do contrário,
antes eu saberia, mas agora, com a fala, você se tornou perito
em esconder seus pensamentos.
Seu olhar sobre ela não revelava nada. Talvez ele tenha
praticado esse tipo de característica, em mostrar ao mundo um
rosto que escondia a verdade. Ela era o oposto. Clarice e Kitty
tinham-lhe dito muitas vezes que todas as suas emoções
apareciam em suas feições. Apenas uma sempre era fácil para
ela, e que era de necessidade.
Mas talvez ele tenha praticado pela a mesma razão. Talvez
ele acreditasse que era necessária.
Com a clareza duradoura de uma pintura a óleo, uma
lembrança gritante de sua infância nunca a deixou. Depois da
morte da condessa, Colin não havia mudado nada; ele ainda
era o estudioso e disciplinado menino calado que percorria a
propriedade com uma garota cinco anos mais nova, jogando-se
em qualquer aventura que ela exigisse. Mas sempre que falava
de sua mãe, seus olhos brilhavam com um desejo feroz. Mesmo
assim, sendo tão jovem, ela sentiu sua dor.
Ela nunca ouvira o pai dele falar de sua falecida esposa.
Nunca. Para o conde de Egremoor, era como se ela não tivesse
existido.
— Nossos pais eram tipos tão diferentes de homens —
disse ela na noite escura. — Que rigores eles devem ter sofrido
juntos, na guerra, para uní-los tão completamente. — Como o
apego indesejável que ela estava sentindo por este homem
agora, uma pessoa tão diferente dela em todos os aspectos que
importavam. Ele via o mundo em termos de linhagens, deveres,
e responsabilidades. Ela via o mundo como um lugar para
melhorar para aqueles que tinham pouco ou nada. Eles eram
fundamentalmente incompatíveis, não importava o quão bem
se davam quando perseguidos por homens furiosos, e não
importava as sensações traidoras em seu corpo.
— Eu não entendo o seu significado, — disse ele.
— Uma vez meu pai me disse que a batalha de Yorktown
alterou sua perspectiva sobre a humanidade. Ele disse que
nunca mais foi o mesmo depois disso. Eu acho que deve ter
sido o mesmo caso de seu pai também. O vínculo forjado entre
eles era poderoso.
— Como irmãos, — disse ele. — Ele raramente falava do
passado. Mas ele disse que se tornaram irmãos naquele campo
de batalha.
— Assim, como todos aqueles feriados que nossas famílias
passaram juntos e o noivado tolo. Eles queriam que seus filhos
fossem como irmãos também.
— Não é bem assim como irmãos, obviamente, — ele
respondeu em uma profunda voz.
— Você se lembra de nossas árvores? Que caprichoso da
sua mãe tê-las plantado assim, tão perto, lado a lado.
— Ela não previu que algum dia você se recusaria a pegar
o manto, — ele disse, seus lábios curvando-se apenas um
pouco de um lado. Era um sorriso que ela reconhecia, e todo o
indesejável calor retornou e um terrível e agudo desejo.
— Eu suponho que ela não previu. Mas ela também não
previu que algum dia você ficaria emocionado por eu ter
recusado. — Seu estômago doeu. Era de fome, claro. E seu
esgotamento. Ela fechou os olhos.

****

Ela adormeceu rapidamente e com força. Colin a observou


enquanto as nuvens consumiam o que restava do crepúsculo.
A noite trazia consigo vento do Norte. Mas se a temperatura
não caísse ainda mais, ela resistiria até chegarem ao Castelo de
Kallin. Pip também. Ele tinha certeza disso.
Ninguém procuraria por eles nesta estrada percorrida
apenas por tropeiros e pastores de ovelhas. Buscando objetos
de valor, os ladrões atacavam as carruagens perto de cidades e
aldeias. Seus perseguidores nunca imaginariam que haviam
seguido nessa direção. Amanhã eles seguiriam em direção a
Glen Irvine. Uma vez a salvo no castelo do duque, Colin
enviaria uma mensagem para Maryport Court e para a
propriedade de Argyll, nas proximidades de Inveraray, e para o
distante Castelo de Read, em busca de segurança. Então ele
encontraria roupas novas para os dois, alugaria uma
carruagem e cavalos e a levaria para casa. Penny Baker e Lady
Justiça deviam esperar.
Por enquanto parecia seguro finalmente dormir.
Descansando a cabeça contra o tronco da árvore, ele cruzou os
braços.
Ele acordou com frio e o som de gemidos suaves. A
escuridão era completa e a temperatura descera
dramaticamente. Do estado confuso da sua cabeça, ele sabia
que tinha dormido por muito tempo. Geada estava se juntando
no ar, pousando em sua pele. A vários metros de distância,
Emily soltou um gemido sonhando com a miséria.
Ele ficou de pé. Suas juntas estavam rígidas e doloridas,
como nas manhãs depois das terríveis noites em seus dias de
escola, quando os outros meninos o trancava fora do
dormitório e ele passava as horas nos degraus de pedra geladas
do pátio escuro. A primeira vez que tinha acontecido e ele
escreveu para casa, o conde tinha respondido que os meninos
seriam rapazes no futuro e ele deveria aprender a se defender.
Ele tinha então, escurecido os olhos de alguns meninos e
quebrando os narizes de outros, uma costela ocasional, e
machucado suas mãos e era chamado diante do diretor por
isso. Mas ele era apenas um e seus torturadores eram muitos,
e as torturas continuaram.
O conde o havia deixado naquele inferno por três
mandatos, enquanto ele tirava notas perfeitas em todas as
aulas, exceto recitar, apesar de nunca dormir uma noite inteira
em sua própria cama, e apesar de não dizer uma única palavra
para ninguém, incluindo seus mestres. Apenas quando o
diretor escreveu para o conde pessoalmente, recomendando
que ele voltasse para casa para aulas particulares, tinha sido
autorizado seu retorno. Ele tinha nove anos. Foi assim que ele
passou o ano logo após a morte de sua mãe.
De onde a pequena menina dormia, protegida pelo cavalo,
vieram os sons suaves de que estava dormindo. Na escuridão,
ele pôde ver a silhueta sólida do animal e Pip, envolta em um
de seus melhores casacos, embaixo dela.
Emily gemeu novamente. Seguindo o som, ele foi até ela,
ajoelhou-se e sentiu a ponta de seu manto. Era uma roupa
fina, adequada para viajar numa carruagem fechada. Dentro de
suas dobras inadequadas, ela tremeu. Armando-se com a
ponta do manto, tirou o capuz que cobria seu rosto e acariciou
com seus dedos ao longo de sua bochecha. Sua pele estava
macia, seca e gelada. Em seu sono, ela soluçou.
Estava tendo sonhos inquietos.
Tirando o sobretudo, ele colocou sobre ela e enfiou-lhe os
braços e cobriu suas pernas. Ela era pequena, e a pesada lã a
cobria das botas para o ombro. Então ele se acomodou com as
costas contra a pedra e puxou-a para seus braços, contra seu
corpo. O tecido fino de seu colete e camisa era escassa proteção
contra a pedra em suas costas, mas pouco o importava.
Ela não acordou. Com um suspiro suave e um sopro
gelado na escuridão, ela enfiou a bochecha contra o ombro
dele. Então ficou quieta.
Seus óculos estavam tortos na ponta do nariz, o arame
dobrado quase comicamente. Com cuidado, ele os tirou do seu
rosto e endireitou as armações. Puxando o lenço do bolso, ele
limpou as lentes. Era incomum para uma jovem mulher usar
óculos — abertamente, sem hesitação. Mas ela nunca fora
típica. Enquanto suas irmãs seguiam a sua mãe em moda
feminina, desenhos, aquarelas e servindo chá sem derramar
uma gota, ela havia rejeitado tudo isso em favor da construção
de fortes, recolhendo animais na floresta, a leitura dos livros de
seu pai, nadar no lago, e rastejar-se para descer dos lados dos
penhascos.
Como seu tremor diminuiu ele estudou seu rosto em
repouso, tão diferente do que em vigília quando o pensamento e
espírito animava seus olhos e lábios. Ainda assim, como um
ser sobrenatural da floresta. Ainda sem uma ostentação bonita.
Ainda era Emily.
Nos anos que ele tinha deixado de passar férias com o
conde e sua família, não quisera saber em que tipo de mulher
ela se tornara. Ele havia se esforçado muito, agora percebia,
para não saber. Mas tinha falado a verdade um pouco antes:
ela não mudara no essencial. Ela ainda era honesta, direta e
alegremente despreocupada com os códigos de comportamento
e decoro. E ela ainda fazia seu coração doer.
Quando ele acordou com a visão de seus brilhantes olhos
apontados para ele a centímetros de distância, seus óculos
ainda estavam em concha na palma da sua mão e o ar estava
fresco com o cheiro de neve.
— Você dormiu, — ela disse, e soube imediatamente que o
fizera, porque o que mais ela poderia dizer ao acordar para se
ver envolta sobre ele como um cobertor? Tudo ao redor dele era
seu corpo, seus braços fortes a segurando, e sua coxa estava
pousada ao longo das dele. — Na minha cama.
Seu olhar nebuloso caiu para os lábios dela.
— Você diz as coisas mais estranhas, — ele murmurou
próximo e docemente.
Então ele inclinou a cabeça.
Roubou mais que calor de seus lábios congelados. Ela
inclinou o queixo para cima.
— É muito tarde para estar de pé!
Os dois se voltaram imediatamente.
Pip estava a dois metros de distância, o casaco de Colin a
cobrindo, sua bainha arrastando no chão.
— Vamos lá, então, — ela disse. — Há muitos sapos e
pernilongos em abundância! Um pouquinho enrugados de frio,
mas eles servirão! — Com uma sacudida da cabeça, ela se
afastou.
Desembaraçando-se de seus braços, Zenobia se ajoelhou e
pôs-se de pé, com os músculos protestando. Suas roupas
estavam rígidas com a geada e uma fraqueza horrível correu
por ela, chocando-se contra seu pulso acelerado. No chão
nodoso, ela perdeu o equilíbrio. Ele agarrou seu ombro assim
que ela soltou seu sobretudo.
— Tome cuidado, — disse ele, com firmeza. — Você está
fraca de fome.
Ela se afastou e viu seus óculos na mão dele. Ele ofereceu
a ela. Com dedos frios ela colocou a armação no rosto. Eles
estavam quentes de sua pele, mas através das lentes ele ainda
era o mesmo homem que quase a beijara.
— Colin, eu...
— Não faça nada disso, — ele disse.
— Mas...
— Só não faça. — Puxando o casaco sobre os ombros, ele
começou a andar em direção ao cavalo e à menina.
— Bom dia, Pip. — Guiando Toby, ele levou o cavalo para
a estrada. Caminhando ao lado, a pequena camponesa
levantou um punhado de cogumelos enlameados para o grande
senhor. Ele fez uma pausa, aceitou um cogumelo da palma da
mão, e disse: — Obrigado, — e eles continuaram em frente.
Com os pés enraizados no chão, Zenóbia não conseguia
encontrar ar suficiente em toda a Escócia para respirar.
Antes deles caminharem quatrocentos metros a chuva
começou a cair. Em gotas geladas e grossas que caíram sobre
seu nariz e nas mãos e ela puxou o manto firmemente sobre si.
Em poucos minutos, os dedos haviam se encharcado dentro
dos sapatos. Poças se juntaram na estrada e ela se entreolhou
desajeitadamente. Que ele agora não insistia que ela montasse
provava sua infelicidade com aquele quase beijo.
Logo sua capa estava encharcada e o pelo de Toby estava
escuro. Pip saltou, o cabelo emaranhado pingando, correndo a
cada momento para explorar troncos caídos e outros mistérios.
Colin tinha perdido o chapéu quando fugiram de Balloch com
pressa, mas ele continuou andando como se seus cabelos e
ombros não estivessem cobertos de neve.
— Eu não acho que o sol vai fazer uma aparição hoje, —
disse ela. — E não gostaria de caminhar o restante da estrada
para o Castelo Kallin em camadas de roupas encharcadas.
Colin tratou de engolir a recomendação que corria por sua
língua, que se eles encontrassem um abrigo se ela removeria
algumas das camadas de roupas. Ela acharia sua sugestão
prática. Não era; em vez disso, acharia-o um canalha. Ele não
achava que pudesse suportar olhar naqueles olhos que
refletiam o aspecto das colinas lavadas pela chuva ao redor
deles e vê-la tendo um mal-entendido sobre ele. Não depois que
ela o recusou tão abruptamente.
Ele era um homem titulado, de riqueza, com um nome e
reputação impecáveis. Ele manteve-se reservado e seu valete
manteve-o bem informado. Ele sabia do seus atrativos, mesmo
no presente. Ele não sabia, no entanto, o que fazer com uma
mulher que estava totalmente e, inconsciente, alheia a isso.
— Você é uma curiosidade, Emily.
— Porque eu não quero passar o dia encharcada? Que
mulheres interessantes você deve conhecer por me achar única
nisso. E é Zenóbia.
Não havia mulheres mais interessantes que ela, ou mais
inconscientemente sedutoras e enlouquecedoramente esquivas
ao mesmo tempo. Ou mais beijável. Odiosamente beijável. Ele
tinha acordado com a cabeça cheia de sonhos de tocá-la e seu
corpo preparado para tornar esses sonhos reais. Naquele
momento, todo o sentido e autocontrole tinham dissolvido na
poderosa necessidade de imediatamente fazer esses vermelhos
lábios se entreabrirem para ele.
Indisciplina sem precedentes.
Loucura.
Ele imaginou as mãos segurando seus quadris, o peito
pressionado contra a linha doce das costas nuas, as mãos
espalmadas na parede, os dentes em sua nuca...
Ele estremeceu. Tateou por ar. A estrada diante de seus
olhos cintilantes era uma bagunça inundada e ele precisava se
reajustar.
— Não era Pocahontas até pouco tempo? — Ele
perguntou.
— O que é Pocahontas? — Pip perguntou, retornando de
uma exploração pelo rio seguindo sua estrada ao longo do vale.
— Pocahontas era uma mulher americana do povo
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algonquiano . — Emily olhou para ele. — Você se lembra que
eu fui com o nome Pocahontas no casamento de Constance?
Ele conseguiu assentir.
— Isso não combina comigo, que ela deixou sua casa para
seguir um homem através de um oceano só para morrer
terrivelmente sozinha depois que ele a abandonou. — Ela
saltou sobre uma grande poça. Ele estendeu a mão para lhe
oferecer, então ela se retraiu. Não queria o toque dele. Ela
havia dito isso em termos inflexíveis, várias vezes. E ele
realmente não confiava em qualquer parte de seu corpo em
proximidade ao dela no momento.
— Não me lembro desse detalhe da história, — disse ele.
— O registro histórico não mente. E por que ele deveria ter
sido diferente de qualquer outro homem que é infiel a uma
mulher que nunca amou?
Ela não queria se casar, obviamente. Mas essa virulência
era muito marcada. O conde e a condessa do Vale eram
publicamente obcecados um no outro, mesmo depois de vinte e
sete anos. Onde o cinismo de sua filha mais velha se originou,
ele não tinha ideia.
Sua ânsia de chegar ao duque de Loch Irvine o atingiu de
novo. Ela poderia ter se familiarizado com Loch Irvine na época
do casamento de Constance na primavera, ou quando visitara
Leam e Kitty Blackwood em Alvamoor.
Alguns diziam que Loch Irvine era um vilão, outros um
contrabandista, outros apenas um homem que gostava de sua
privacidade. O diretor do clube havia encarregado Constance
de descobrir a verdade sobre ele, mas ela rapidamente
renunciara à missão. Colin não tinha levantado a questão. A
essa altura, o conde adoecera e suas próprias terras e
responsabilidades haviam roubado toda a sua atenção.
Agora, porém, os segredos de Loch Irvine o interessavam.
Talvez Emily acreditasse que o casamento com o chamado
Duque do Diabo não a mataria, como o casamento com ele o
faria.
Jardas a frente, Pip fora trotando ao longo do caminho
alegremente, mas agora estudava um longo galho que tinha
encontrado. Mas do outro lado do cavalo, Emily andava com
óbvio desconforto, mancando e ocasionalmente tropeçando,
mas sem reclamar.
— Você deve montar agora, — disse ele.
— Nas costas encharcadas de Toby, o coitadinho? — Ela
perguntou. — Minhas saias já estão molhadas o suficiente.
— Use meu sobretudo como cobertor de sela.
Ela lançou-lhe um olhar por cima do pescoço do cavalo e
depois fixou o olhar na estrada à frente.
— Obrigada pelo empréstimo da noite passada, — disse
ela com firmeza.
— Você é bem-vinda a usá-lo. — Ele tentou por
indiferença. — Por que você está com pressa de chegar ao
castelo?
39
— Isso foi um non sequitur .
Não para ele.
Ele olhou para o céu. As nuvens haviam passado a um
cinza perolado. Logo esta chuva congelada se transformaria em
neve. Ele não podia permitir que ela e Pip permanecessem do
lado de fora por muito mais tempo.
— Eu devo esperar uma resposta? — Ele perguntou.
— Sabe, lorde Egremoor, — ela disse com um toque de
seus lábios, — meu negócio privado não é automaticamente
seu, simplesmente porque estamos atravessando o campo
escocês junto com uma garotinha, agora encharcada, enquanto
fugimos de homens intencionados em busca de nossa morte.
Ela não tinha nenhum respeito por ele. Ele deveria ficar
desanimado com isso. Pelo menos ele deveria estar desgostoso
por sua rejeição desafiadora e pela falta de gentileza para a
qual ela havia sido criada e que o nome de seu pai exigia. Ele
não estava. Era como se estivessem em lados opostos de uma
porta bem trancada. Ela ficou firme e orgulhosamente do lado
de fora, um vento limpo e fresco chicoteando sobre ela,
enquanto ele estava dentro do quarto, sufocando-se. No
entanto, até agora ele sabia que não conseguiria respirar.
Seus desejos por bebida e fumaça haviam desaparecido.
Inteiramente. Apesar da chuva que o açoitava e o frio em toda a
superfície de sua pele, ele não desejava que o conhaque
esquentasse sua garganta ou o cheiro de tabaco em suas
narinas. E o outro desejo — a necessidade de uma mulher —
havia mudado.
Dramaticamente.
Em vez disso, simplesmente se lembrava do que ele, anos
atrás, conseguira esquecer.
— Por que diabos você está sorrindo? — Em seguida, seus
olhos se arregalaram. — Colin, olhe. — Ele seguiu sua atenção.
— Em que?
Ela se abaixou próximo do cavalo e correu em direção à
encosta, os seus passos tinham um propósito. Através da
queda da chuva gelada, ele não viu nada na encosta envolta em
cinza.
— Emily?
— Zenóbia, — ela disse de volta. Então desapareceu
completamente.
Soltando o comando do cavalo, ele pulou para a frente.
Mas onde ela estava parada não havia nada agora, apenas a
chuva se transformando em neve e o pânico se espalhando por
seu peito e agarrando sua garganta. E em um instante, ele
estava novamente em um penhasco como décadas atrás, com o
vento uivante rasgando sobre ele na escuridão iluminada
apenas pelas explosões de raios, sua garganta crua, gritando
seu nome.
CAPÍTULO 13

Uma casa acolhedora

— Você deixou Toby para trás? E por que está gritando


comigo? Você está assustando Pip.
Ela estava diante dele como se tivesse aparecido entre as
gotas de chuva, o capuz empurrado para trás, o cabelo grudado
na testa, a neve derretendo em seu nariz e tudo sobre ela
estava macilento e molhado, exceto os olhos que ardiam como
um fogo esmeralda.
Ele ordenou que seus pés permanecessem enraizados no
solo encharcado; ele queria avançar, agarrá-la e chupar esse
fogo para dentro de si. Ele queria abraçá-la até que ela o
envolvesse também. Até que ela se rendesse. Até que ela
entendesse.
— Onde você foi? — Sua voz soou dura até para seus
próprios ouvidos e ela enrugou o nariz.
— Próximo do barranco de terra. Nós estamos em terras
agrícolas cultivadas. Você não vê isso?
— Não, — ele só pode pronunciar.
— Claro que não. — Seus lábios franziram. — Colin Gray
não é proprietário de campos rurais para reconhecer o
funcionamento detalhado das fazendas de seus inquilinos. Ele
é um lorde exaltado. Ele tem lacaios para enlamear suas botas
por ele.
— Bem, pelo amor de Deus, é claro que sim! — Exclamou
ele, a frustração de suas mãos e boca vazias que queria,
finalmente, vencer seu temperamento.
Ela olhou para ele em óbvio choque. Então seu olhar caiu
para os pés dele. O desânimo lavou suas feições.
Ele olhou para baixo. Afundada na grama lamacenta e
salpicada com terra, sua melhor botas de montaria estava
muito além do reparo.
Ela caiu na gargalhada.
O som, como mel, whisky e café de uma só vez, lavou-o,
relaxando os ombros, a mandíbula e enchendo o peito de
prazer.
— O que é agora? — Ele perguntou e soou como o rosnado
de um cachorro ranzinza, mas não podia ser culpado por isso.
Seus olhos estavam cheios de lágrimas e ela colocou uma mão
sobre seus belos lábios enquanto sua risada caía na chuva.
— Suas botas, — ela praticamente gritou, em seguida,
caiu na gargalhada novamente.
— É uma vergonha terrível, — disse Pip com os lábios
franzidos exatamente como os de Emily, como se ela tivesse
aprendido com a dama.
Ele franziu o cenho.
— Você sempre se divertiu facilmente, — ele resmungou,
então, virando-se, foi buscar o cavalo que estava fuçando com o
nariz na grama gelada para pastar. — É, naturalmente, um
desafio permanecer perfeitamente arrumado quando não se
passa cinco minutos dentro de uma casa há vários dias, — ele
disse sem rodeios quando passou por ela.
Atrás dele, a risada diminuiu e cessou.
— Colin, eu imploro seu perdão. — Ela parecia totalmente
sóbria.
Ele olhou por cima do ombro. Seus olhos estavam cheios
com uma linda e transparente sinceridade. Olhando para eles,
perguntou-se se jamais poderia suportar a desonestidade nos
olhos de alguém. Como ele tinha aprendido a fazê-lo? Como ele
tinha aprendido a fingir com tanto sucesso que tinha enganado
até mesmo a si próprio? Era como se ele estivesse dormindo há
anos, em um sonho estranho e desconhecido, e agora estava
despertando para provar, o gosto, textura, aroma, a cada toque
de cada gota da chuva e, cada nota no arpejo de sua risada,
todos os tons, de todas as cores do verde ao prata e ao ouro
pálido.
— Por rir das minhas botas? — Ele perguntou.
— Não, — ela apenas disse, e ele não tinha ideia do que
queria dizer, apenas achava que se não o golpeasse,
caminharia até ela agora, a tomaria em seus braços e a
respiraria até que seus pulmões pulassem fora.
— Olhe, — ela disse e apontou passando por ele.
Do outro lado do penhasco, na borda das árvores, a
fumaça subia em uma coluna branca.
— Isso é certamente um fogo na lareira, — disse ela,
puxando o manto até os joelhos e partindo em direção a ele. —
Vamos lá, Pip. — Ela estendeu a mão e a garota agarrou-a. —
Vamos orar para que eles sejam os colonos amigáveis dos meus
sonhos.

****

E foram.
Pip sussurrou para ela que seu anjo havia enviado um
milagre. Zenóbia concordou sem reservas. A partir do momento
em que abriu a porta, Abigail e Graeme Boyd, um casal de
meia-idade com aparência jovem e sorrisos calorosos, os
recebeu em sua aconchegante casa escondida ao lado da
colina; apresentou-os as suas cinco filhas, dois filhos e o tio
idoso de Abigail, Murdo; ofereceu-lhes água quente e sabão,
roupa limpa, e um delicioso chá com biscoitos, linguiça e
queijo; e atendeu às necessidades de Toby em seu celeiro
resistente.
A casa de pedra sólida tinha dois andares, a segunda era
apenas como uma grande prateleira estreita sobre a qual as
camas de dormir das crianças estavam arrumadas. Mas mesmo
esse recurso modesto provou a prosperidade da família. Eram
criadores de ovelhas há três gerações, os Boyds tinham a
vantagem de uma localização privilegiada dentro das milhas de
ambas as encruzilhadas do Norte e o extremo Norte de Loch
Lomond, e ideal para o comércio. Suas saudáveis crianças
asseguravam que não precisavam contratarem homens para
ajudar em sua fazenda.
Pouco tempo depois Zenobia sentou-se ao lado da ampla
lareira na sala principal que servia também como cozinha e
uma fonte de calor para a casa a inteira. As duas garotas mais
jovens, que não tinham mais que seis e sete anos de idade,
estavam atrás dela, as mãozinhas puxando os pentes pelos
seus cabelos, exclamando que seu brilho era sedoso em
comparação com seus próprios cachos negros de primavera e
trançando-os de novo e de novo. Suas irmãs mais velhas, uma
delas era uma jovem, costuravam e cozinhavam enquanto a
neve caía, e Abigail e Graeme falavam alegremente da família e
da fazenda. Seus filhos e uma seca, limpa e penteada Pip tinha
acompanhado o velho tio para o celeiro para esfregar o cavalo
por baixo e ver como os outros animais na tempestade se
agrupavam para conseguirem calor.
— É provável que a neve caia o dia todo, — Abigail disse
com um grande sorriso que dividia as bochechas da cor de
maçãs, o qual seus filhos compartilhavam.
— Sim, é uma boa tempestade. — Graeme assentiu
pensativamente e socou o tabaco no seu cachimbo. — Teve um
pouco de sorte em ter encontrado Siccar Ha'en antes que os
ventos aumentassem. — Como para ilustrar, uma rajada bateu
contra a parede da casa, sacudindo as janelas e enviando uma
explosão de frio da chaminé para o quarto.
— Siccar Ha'en? — Perguntou Zenóbia.
— Porto seguro, — disse a filha do meio, mexendo uma
panela sobre o fogo.
Porto Seguro.
De pé ao lado da janela mais próxima da porta, que dava
para a colina inclinada e para baixo na estrada, Colin estava
olhando não para fora, mas para o copo de whisky na mão.
Como se sentisse o olhar dela, ele ergueu o dele.
Insistiu que ela usasse o único quarto da casa para se
limpar enquanto a esperava, e ele próprio acabara de chegar de
lá. A barba projetava uma sombra escura na mandíbula e nos
lábios, o cabelo molhado e enrolado no colarinho, e ele usava a
roupa de Graeme, que lhe servia bem — uma camisa de linho e
calças limpas — e seu próprio casaco escuro, agora limpo,
seco, escovado e livre de crina de cavalo e lama.
As roupas emprestadas deveriam ser as melhores de seus
anfitriões; o linho e a lã eram macios. Abigail havia lhe
emprestado um vestido de excelente qualidade, da cor dos
musgos e roupas íntimas quentinhas para usar, enquanto as
moças haviam levado a lavanderia seu próprio vestido e anágua
para serem lavadas. Abigail era larga no peito, cintura e
quadris, e o vestido ficou folgado mesmo sendo atado duas
vezes em torno da cintura de Zenóbia por uma longa faixa. Ela
estava seca, porém, com comida em seu estômago e uma xícara
de chá na palma da mão. O simples conforto desta família lhe
convinha.
Mas mesmo com roupas de fazendeiros e um alívio
gravado nas belas linhas de seu rosto, Colin ainda parecia um
lorde. Ele não parecia nada mais, pensou ela. A autoridade
natural tinha sido completamente criada para ele que mesmo
na sua postura de agora, relaxada, mas ainda vigilante, falava
de autoconfiança, do tipo que não precisava ser gritada ou
insistida desde as vigas. E ainda, quando Graeme tinha aberto
a porta para eles uma hora mais cedo, Colin tinha os
apresentado apenas por seus nomes cristãos. Ela queria
perguntar-lhe porquê. E queria acariciar com seus dedos ao
longo da linha dura de sua mandíbula e saber a textura dele
ali.
— Fuma? — O anfitrião perguntou a Colin, puxando um
segundo cachimbo de uma caixa de madeira.
Com um rápido olhar para ela, Colin disse:
— Obrigado, Sr. Boyd. Mas eu vou declinar.
— Apenas fumo após trazer o rebanho de volta ao vale, —
Graeme disse, em seguida, com uma rápida adição: — Nunca
no decorrer do percurso. Depois, sim, eu vou curtir um
cachimbo ou dois.
— Um homem merece um momento de prazer após o
trabalho duro, — respondeu Colin, sua voz um estrondo de
veludo escuro e rico. Ele estava exausto, mas tentando
esconder isso. Quanto tempo ele dormiu sem seu sobretudo, e
com ela em seus braços, ela não fazia ideia, mas não poderia
ter sido muitas horas de descanso. Ela esperava que a
tempestade não cessasse até a noite para que pudessem ficar
aqui uma noite inteira. Ninguém iria procurá-los nesse clima. E
com mais dois dias para o dia de Todos os Santos, ela poderia
pagar caro pelo breve atraso.
Abigail encheu sua xícara de chá fumegante.
— Ah, moça, — disse ela, apertando os dedos por um
longo momento. — Agora que aqueceu-se um pouco, deve nos
contar toda história, começando pelo início, se você quiser.
— História?
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— Mither não gosta de mais nada do que um belo conto
romântico, — sua segunda filha, Claire, informou.
— Você é uma fugitiva, não é? — Abigail disse após um
aceno satisfeito. — Eu ouvi histórias de ingleses e moças indo
até a fronteira para se casarem, mas nunca vi por mim mesmo,
nem por aqui. Mas no momento que Claire disse que um bonito
homem e uma bela moça estavam parados na porta com nada
mais que um único cavalo, eu sabia a verdade disso.
— Sra. Boyd — disse ela, rezando para que Colin não
tivesse escutado a anfitriã — posso assegurar-lhe que não
estamos fugindo.
A testa da escocesa franziu-se.
— Você não é casada com outra pessoa, é?
— Não. Não, eu não sou casada.
Abigail ofereceu ao conde uma leitura silenciosa.
— E Colin?
— Ele também não é casado.
Sua anfitriã assentiu e deu um tapinha no joelho de
Zenóbia.
— Então moça é melhor arrebatá-lo rapidamente, ou
41
alguma outra lass vai superá-la nisso. — Relaxando em sua
cadeira, ela pegou sua própria xícara de chá e colocou ambas
as mãos em torno dela. — Quando um bom homem é doce com
uma moça, ela é uma tola para fazê-lo esperar.
— Ele não é... — Ela baixou sua voz. — Ele não é doce
para mim. Estávamos apenas viajando na mesma direção e
apareceram para nós algumas dificuldades.
Os olhos de Abigail brilharam.
— Então você precisará fazer um trabalho rápido, moça.
Mas não lhe dê o leite até ele comprar a vaca inteira.
— O leite? Eu... oh. Ah, claro.
— Nenhum rapaz vai oferecer um anel quando ele já tem o
que mais quer, — acrescentou ela com uma piscadela.
A porta da frente se abriu e, após uma rajada de neve e
vento frio, entraram o tio, os filhos de Abigail e Pip. Abigail
largou a xícara e foi cuidar deles, poupando Zenóbia de tentar
explicar por que ela estava corando.
O jantar foi uma refeição saudável tomada à última hora
da tarde, quando a maior parte da alta sociedade londrina mal
saía dos seus colchões de penas. Abigail e suas filhas
trouxeram prato após prato de simples iguarias sobre a mesa:
salsichas grossas e pretas, bacon rosa salgado, biscoitos de
aveia que se desmoronaram em cima da língua, purê de nabos,
repolho suave e amanteigado, e um picante molho. Abigail
explicou que ela teria ensopado de carne para seus convidados,
mas que não tinha nada fresco até que os tropeiros voltassem.
O comentário fez sua filha mais velha ficar corada ferozmente e
escondesse o rosto atrás de seu avental.
— O namorado de Meghan é esperado com um rebanho de
Orchy a qualquer momento — Claire explicou em um sussurro
enquanto tio Murdo se queixava da última viagem dos tropeiros
pela fazenda, e de como parte do rebanho se desgarrara e
pisoteara um campo de aveia para o inverno.
— Sim, Murdo. Mas eles trouxeram mais ouro para as
montanhas do que problemas, — disse Graeme.
— Se o gado nunca tivesse chegado — disse Murdo, — os
fazendeiros teriam cinco vezes mais ouro do que agora, seu
idiota. — Ele bebia generosamente da garrafa de whisky.
— Cinco vezes mais magros, você quer dizer: — Abigail
disse com um olho na barriga do seu tio. — O rebanho dobrou
de preço este ano desde que o novo cais foi construído.
— Você quer dizer, — disse Zenóbia, — que o cais
construído para transportar o gado através do lago agora é
usado para transportar lã para outros lugares também?
— Sim, moça, — disse Graeme, sugando seu cachimbo. —
Toda a estrada até Loch Awe. É uma benção.
— Sim, pai, mas só para nós que temos o uso disso, —
disse Claire com um olhar sombrio. — Os Fletchers tiraram
apenas metade do que os nossos fizeram, já que não tinham
moedas para pagar os impostos.
— É um problema, — concordou Graeme balançando a
cabeça. — Mas não vamos pesar as mentes de nossos
convidados hoje. — Ele ergueu o jarro de whisky em direção a
Colin. — A cerveja de Loch Lomond é bom para você, senhor?
Ela queria perguntar mais, para entender exatamente por
que os Boyds poderiam se darem ao luxo de pagar os impostos,
mas seus vizinhos, os Fletchers, não podiam. Reformadores
escocês em Edimburgo alegaram que as faixas de terras para
pastoreio de gado e mesmo de ovelhas haviam empurrado
famílias de Highlanders que eram agricultores para a pobreza,
enquanto Parlamentares em Londres alegavam que a Coroa
política em todos os seus territórios foram para o benefício de
todo o império. Que alguns fazendeiros locais aqui pudessem
prosperar como esta família, enquanto outros sofreram as
provas de que a situação era muito mais complicada do que
qualquer um dos lados admitia. A mera ideia dessa
complexidade fez seu sangue se acelerar como sempre fazia
quando ela descobria algo novo. Ela ansiava por ouvir tudo o
que esta família sabia e quando voltasse a Londres, escreveria
sobre isso para seus leitores.
Ela não pode perguntar. O nobre sentado à mesa, bebendo
whisky com o anfitrião, tornava isso impossível.
E talvez ela nunca voltasse a Londres. Talvez eles nunca
chegassem em casa, apesar de sua determinação de levá-la em
segurança e que o fez caminhar na lama, dormir ao ar livre e
quase beijá-la.
O filho mais novo dos Boyds relatou um conto sobre seu
irmão e uma cabra que fez todos rirem, e impostos e rebanhos
de gado foram esquecidos. Roubando um olhar de Colin, ela viu
sua atenção não sobre seus filhos, mas em sua anfitriã. Havia
tanto carinho e orgulho nos sorrisos alegres de Abigail por seus
filhos. No entanto, o rosto de Colin estava pensativo enquanto
ele a estudava. Seus olhos mostravam uma luz estranha.
Dor.
Ele não deveria perceber isso. Ele nunca revelaria tal coisa
conscientemente.
Quando as crianças começaram a incomodar, Abigail
enviou todos para suas tarefas, incluindo Pip, que saiu
alegremente, enquanto as filhas mais velhas limpavam a mesa.
Zenóbia pediu para ajudar, e sua anfitriã enxotou-a.
— Não vou ter nenhum de vocês lavando panelas e
frigideiras, senhorita. É o meu melhor vestido de domingo que
você usa. E deve manter essas mãos finas e suaves para
agradar seu homem, — ela disse em uma voz baixa
perfeitamente audível.
As bochechas de Zenóbia arderam. Lançando um olhar
para Colin, ela encontrou seu olhar calmo sobre ela.
Movendo-se para a janela, ela puxou as cortinas de lado e
bateu na condensação no painel. Sem a nevasca parecia mais
claro.
Ela tirou a capa do lado da lareira. Ainda não estava bem
seco, mas o suficiente para usar.
— Estou saindo por um momento apenas, — disse ela a
Colin, e saiu rapidamente.
O tempo mudara completamente. Nuvens de marfim
espalhadas enviavam uma camada de flocos suaves para a
encosta da colina, que se transformara de esmeralda em
branca. Tudo cheirava a frio fresco e úmido, e o silêncio cobria
a terra, quebrado apenas pelo crepitar borbulhante de um
riacho correndo em uma rápida e esburacada trilha até a
estrada.
Mas é claro que não era a estrada que ela via abaixo,
percebeu porque se o fosse também estaria coberto de neve. A
linha escura era um rio que brilhava no sol da tarde,
serpenteando pelo comprimento do vale entre as montanhas.
Eles deviam ter andado ao lado do rio, mas ela nem sequer
ouvira. Um sintoma de sua exaustão, ela supôs, e a confusão
que Colin fazia na sua cabeça.
Sob a crista da montanha em frente, um pássaro solitário
com asas enormes voava, avançando em direção ao vale, mas
permanecendo alto no céu, distante da terra coberta de neve.
Uma águia, provavelmente, neste país montanhoso,
procurando um último alimento antes do anoitecer. Uma ave
de rapina inspecionando seu reino, a salvo da agitação da vida
abaixo — como o ex-secretário do Falcon Club, que não falaria
do fio de desejo que os unia agora — tanto quanto ela supunha
que não gostava de falar das malhas de afeto que os unira
quando eram crianças.
Ela baixou o olhar das longas espirais de voo da águia
para o reino do vale. Ao longe, junto ao rio, uma forma movia-
se contra a terra coberta de neve. Não havia lobos na Grã-
Bretanha. Ela pensou.
A figura afastou-se do rio em direção à estrada. Sua visão
costumava enganá-la a distâncias com pouca iluminação. Mas
quando a forma ficou subitamente mais alta, ela entendeu o
que estava vendo: um homem montando um cavalo. E ele
estava andando em direção à fazenda dos Boyds. Rapidamente.
Ela se virou na direção da casa e a porta se abriu. A filha
mais velha dos Boyds voou para fora dela.
— É Davie! — gritou Meghan e na neve que caía desceu
correndo a colina.
CAPÍTULO 14

A verdade

Davie Wallace era um jovem de dezenove anos com


cabelos ruivos, bochechas vermelhas e ombros que devia ser do
tamanho do gado que ele conduzia. Ele usava muitas camadas
de roupas, todas elas surradas. Ele havia deixado o rebanho a
vários quilômetros da estrada com os outros tropeiros, a fim de
passar a noite com os Boyds, como claramente havia feito
antes. A família acolheu-o calorosamente.
— Stuart não se importou que eu ficasse para noite, —
disse ele, apertando a mão de Graeme, mas seus olhos se
deslizaram para Meghan de novo e de novo. — Os rebanhos
estão juntos neste clima.
— As bestas gostam de se aquecer umas contra as outras,
— disse Graeme.
Davie lançou outro olhar para a filha mais velha dos
Boyds, e ambas as bochechas ficaram vermelhas como cerejas.
Graeme bateu com a mão no ombro do jovem.
─ Você deve estar com frio como o pequeno Jack Frost,
rapaz. Tome um drinque com a gente.
Ele apresentou Colin a Davie, e os homens sentaram-se
novamente em volta da mesa enquanto Abigail, Meghan e
Claire preparavam a janta para o jovem e Graeme servia
whisky. Zenóbia também gostaria de ocupar um lugar à mesa.
Em vez disso, ela recuou para uma cadeira onde estava Pip e
um dos pequenos Boyds, as meninas trouxeram suas fitas para
trançarem seu cabelo como elas tinham feito antes. Com seis
irmãs pequenas, quando era uma menina, sempre tentaram
escapar das tarefas. Mas suas irmãs diziam que ela era a
melhor, acrescentando que era uma curiosidade triste que ela
nunca poderia arrumar seu próprio cabelo lindamente como o
delas. Então ela prendia e amarrava as mechas douradas e
trançava os cabelos vermelhos de Amy, infinitamente,
insistindo apenas que alguém lesse em voz alta para ela
enquanto trabalhava.
Era uma lembrança confortável, mas agora com um desejo
amargo. Ela nunca teria filhas para ajeitar entre os joelhos,
nem cabelos finos para enrolar em tranças, e nenhum marido
para fazer seu peito doer quando ele pegasse a pequena mão de
sua filha com ternura e caminhasse por uma estrada cheia de
buracos e poças.
Loucura.
A nostalgia pintou os dolorosos fragmentos da história e
fez com que tudo fosse novinho em folha. Permanecer ali era se
aproximar demais do tipo de tolice sentimental preferida por
sua mãe. Ela tinha assuntos mais importantes para ocupar
seus pensamentos, tais como o descontentamento dos
escoceses como Tio Murdo. Com a cabeça cheia de whisky,
agora ele amaldiçoava abertamente os homens de Londres que
trouxeram suas leis gananciosas de um mundo a distância
sobre esta terra. Torcendo os cachos espessos e escuros de Pip
em tranças apertadas, ela escutou com metade do ouvido a
conversa das garotinhas e com a outra metade de sua atenção
as reclamações do velho Highlander, os comentários mais
comedidos de Graeme, e aos relatos do jovem Davie sobre os
membros dos clãs que haviam relutantemente vendido o último
rebanho de gado para seu patrão, para que suas famílias
pudessem comer quando viesse o inverno. E ela observou
Colin. Ele disse pouco, seus olhos eram sombrios.
Ótimo. Quanto mais ele soubesse dos efeitos desastrosos
das políticas arbitrárias da Inglaterra nos territórios
conquistados, melhor.
Mas algo pesava nela que não tinha nada a ver com o
jantar que a aquecia agora. Os membros do Parlamento, que
Murdo culpava pelos problemas de seus conterrâneos, eram
homens de riqueza e posição. Eles nunca iriam entender que
ele trabalhava incessantemente por meses para recolher um
punhado de aveia ou uma única ovelha saudável, e ir para a
cama com o estômago vazio e as mãos calejadas de trabalhar
de sol a sol ou muito além do pôr do sol, e vender tudo o que
tinham para garantir que ele e as crianças não morressem de
fome antes da primavera. Eles foram encarregados de proteger
e governar as pessoas que viviam assim. E ainda com poucas
exceções, nenhum deles queria ouvir essa história ─ Colin
estava entre eles. Ele provara isso muitas vezes e a cada vez
que Peregrino menosprezava outro dos panfletos de Lady
Justiça.
Ela virou o rosto para o outro lado e se viu desejando
nunca ter sido forçada a estar em sua companhia, que ele
ainda era o estranho, severo e arrogante que entrara em sua
sala de visita e não demonstrara nem uma pitada de
sentimento quando ela recusou sua oferta de casamento.
A última luz do dia desapareceu completamente. Graeme
acendeu uma lamparina no centro da longa mesa, deixando os
copos de bebida dos homens reluzentes.
— Para a cama, todos! — Abigail chamou, e conduziu as
crianças pequenas para o sótão.
Claire e uma irmã mais nova costuravam à luz de uma
única vela e conversavam em voz baixa. Meghan havia
desaparecido.
Pip apareceu do lado de Colin e colocou sua mão ao redor
de sua orelha para sussurrar. Seu olhar se deslocou através da
42
sala para ela, enviando um bando de estorninhos voando no
estômago de Zenóbia. Sorrindo, ele assentiu. Com um aceno de
cabeça, Pip saltou para a escada e desapareceu indo para cima.
Colocando as fitas e os laços de cabelo de lado, Zenóbia
tirou o manto da estaca perto da porta e saiu.
A lua minguante em seu esplendor prateado, pairava
baixo sobre a montanha, envolta nos tufos de nuvens pálidas
que eram tudo que permaneceu do dia. Pela luz da lua e de
infinitas estrelas iluminando a neve ela podia ver tudo: o rio na
base da colina, o pequeno bosque de árvores cobertas de neve
sobre a encosta oposta, o curral vazio de ovelhas, e o celeiro,
onde os animais foram mantidos quentes para a noite. Ela
soltou um suspiro de ar frio, afastando os tolos estorninhos.
Ela não atraiu a atenção do jovem Davie quando ele saiu
da casa e correu para o celeiro. Fechando a porta do celeiro
atrás dele, deixou a encosta em perfeita quietude novamente.
Então ela os ouviu: os risos de Meghan, o riso de Davie. E
então suspiros profundos e prazerosos que lhe enrolaram os
dedos frios nas botas.
Atrás dela, a porta da casa se abriu novamente,
iluminando momentaneamente a luz dourada sobre a neve. Ele
fechou a porta, seus passos triturado na neve, e em seguida,
Colin estava ao lado dela.
— Você acha que a nevasca acabou, ou vamos acordar
com neve novamente amanhã? — Ela perguntou.
— E ficar preso aqui outro dia? Você se importaria com
isso?
— Se nossos perseguidores também estiverem presos onde
quer que estejam, eu não me importaria com isso. — Ela enfiou
as mãos na capa para se aquecer e obrigou-se a olhá-lo. —
Jantar. Chá. Lareira, — ela explicou, achando que talvez fosse
afinal uma mulher caindo em pedaços por um par de olhos
escuros, pelo menos um pouquinho. Era o auge do ridículo,
mas a proximidade dele estava deixando seu estômago
apertado pelo nervosismo, e seu olhar sobre ela parecia tão
intenso. Tão interessado.
— Por que ficamos quando Davie chegou? — Ela
perguntou. — Eu esperava que você desse uma desculpa que
nos permitisse sairmos rapidamente.
— Precisamos dormir. — Sua atenção voltou-se para o
vale abaixo. — E eu confio nessas pessoas.
Como ele havia confiado em Pip quando ela lhe contou sua
história.
— Não o suficiente para dizer-lhes quem somos, — ela
disse.
— Eles não perguntaram. E eu não queria fazê-los...
ficarem desconfortáveis, — ele terminou com o que parecia um
desconforto extraordinário.
— Você gosta deles, — disse ela, lutando contra o sorriso
que estava puxando sua boca. — Esses criadores de ovelhas.
Não é?
— Murdo é um velho idiota. Mas Graeme é um homem
inteligente, um bom homem. Honesto. Por que você veio até
aqui e abandonou o conforto lá dentro?
— Para respirar, — ela disse.
— Você já ouviu conversa suficiente sobre o pastoreio e os
impostos? — Ele perguntou um pouco ironicamente.
Ela deveria pisar com cuidado.
— Eu não era parte na conversa.
— Você ouviu atentamente tudo.
— Não me admira que você mal disse uma palavra em
toda conversa, se sua atenção estava em me ver trançar o
cabelo das meninas.
— Eu teria gostado de ver você levar o velho Murdo para a
tarefa.
Os nervos em seu estômago fizeram uma reviravolta.
— Por que eu teria feito isso?
— Você claramente desejava dizer alguma coisa. Seu
calcanhar estava tamborilando um ritmo no chão.
— Meu salto?
— Revelado pelo seu joelho balançando.
— Se eu soubesse que estava sendo observada com tanto
cuidado, teria tomado mais cuidado com meu comportamento.
— Ela iria tomar a partir de agora.
— Você não teria. — Ele sorriu. — Você nunca permitiria
que o convencional governasse você. Por que você se absteve de
falar?
— Eu não queria ofender nossos anfitriões. — A mentira
parecia azeda.
— Você pode ter acertado isso, — disse ele, cruzando as
mãos atrás das costas. — Abigail não parece ser o tipo de
mulher para segurar sua língua se ela tem algo para dizer.
— Possivelmente. Mas os homens preferem discutir
política com homens.
— Honestidade é uma contribuição bem-vinda para
qualquer debate. E inteligência. — Seu olhar viajou
rapidamente sobre suas feições, mergulhando brevemente para
onde suas mãos apertavam seu manto sobre seus seios. —
Mesmo quando seus companheiros mais próximos são de
língua afiada e delírio, ocasionalmente, exaustivo. — A covinha
vincou a linha severa de sua bochecha.
Tudo dentro dela estava confuso e quente.
— Há momentos... — Disse ela.
— Momentos em que você deseja me estrangular? — Ela
assentiu. — Eu sei disso.
— Momentos como se parecesse que você me respeita, — ela
disse.
— Não há um 'se' sobre isso. Eu te respeito.
— Nesses momentos... — Ela engoliu em seco. — Eu sinto
algo por você. — Seus olhos a prenderam e seu sorriso
desapareceu.
— Emily? — Ele perguntou incerto.
— Meu nome é Zenóbia.
— Eu te chamarei de Zenóbia quando o inferno congelar.
— Por que você não me chama com o nome que eu
gostaria de ser chamada?
Ele virou-se para ela completamente e estava muito perto
agora, e ela estava tendo dificuldade em respirar.
— Porque para mim você é Emily, — disse ele. — Você vai
sempre ser Emily.
— Um pouco da menininha?
— Uma menina que não achava que palavras faladas eram
necessárias para se ter uma amizade. — O canto dos lábios
dele se inclinou para cima. — Uma menina que de qualquer
maneira falou o suficiente por duas pessoas.
— Eu só falava assim para você. Você era o único que me
ouvia.
— Uma garota que me fez rir.
— Então você insiste em me chamar por esse nome
porque ainda acha que tenho oito anos?
— Não exatamente. — Sua voz parecia muito baixa. — O
que é que você sentia por mim naqueles momentos? Aquela
velha amizade?
— Não. Eu coloquei esses sentimentos de lado anos atrás.
— Ela olhou diretamente em seus olhos lindos e sombrios. —
Eu acho que você está falando a respeito de um homem
provocante. Cavalgar atrás de você torna isso pior.
Ele tossiu ou talvez riu.
— Você realmente ainda é aquela garota. — Ela virou o
rosto.
Ele tocou seu queixo e chamou seus olhos de volta para os
seus.
— Você tem a coragem e inteligência de um homem e o
desejo de uma mulher, ainda que você fale com a honestidade
de uma criança que ainda não sabe como mentir.
Ela se afastou do toque dele.
— Coragem e inteligência não são traços exclusivamente
masculinos. E a honestidade não é uma característica natural
da infância. Ingenuidade é. E eu não sou ingênua. Mas se você
chamar-me de criança, uma vez mais, vou comportar-me como
uma e chutá-lo em um local que você vai sentir uma dor
enorme.
Desta vez ela tinha certeza de que ele riu.
— Você deveria refrear sua diversão, — disse ela. — Eu
vou cumprir essa ameaça.
— Você sempre me fez rir facilmente.
— Porque eu sou muito diferente.
— Porque você é você mesma.
Não. Ela estava morando atrás de uma fachada, usando
um grande nome, nomes, porque ela era obrigada, por
necessidade. Exceto que ele não sabia disso. Ele não sabia que
a Emily que ele conhecera tinha desaparecido.
— Por que eu deveria ser outra coisa senão eu mesmo? —
Somente seus nomes foram adotados. O resto — seu discurso,
suas causas, sua escrita, sua vida — era tudo real, toda ela.
— Não é um erro que eu lamente, — ele disse, dobrando
sua cabeça um pouco.
— Só um? — Ela não sabia por que seu coração deveria
bater tão depressa agora, exceto que sua voz se tornara mansa
e especialmente profunda. — Você viveu uma vida sem culpa,
parece.
— Eu sinto muito por não tê-la visitado quando seus pais
te levaram para Londres pela primeira vez.
Os olhos de Emily se arregalaram. O crepitar suave e
quebradiço do vento nas copas das árvores congeladas eram
música à quietude da noite, mas ela queria apenas ouvir a voz
dele.
— Minha temporada de estreia? — Ela perguntou,
piscando uma vez.

****

Ele assentiu, sem saber o que diria a seguir, pela primeira


vez em suas lembranças, sem ter planejado sequer uma das
palavras que saíram de sua boca.
— Seu pai ficou furioso comigo por isso, — disse ele.
— Meu pai nunca ficou furioso um só dia em sua vida.
— Ele ficara naquela época então. Ele acreditava que
minha ausência na cidade te envergonhava.
— Você não poderia ter me envergonhado. Ninguém sabia
do acordo de nossos pais, exceto nossas famílias.
— Ele sentiu seu constrangimento com suas irmãs
agudamente quando diziam meu nome. — Lorde Vale tinha
escrito em termos inflexíveis, repreendendo-o longamente. Mas
Colin estava acostumado a uma variedade de críticas muito
mais eficientes e mordazes. Os castigos fluidos de Vale nem
sequer tinham ferido sua consciência.
Não, até então.
— Não tive intenção de insultá-la, Emily. Eu estava fora
do país na época. Não era possível retornar.
— O sofrimento do meu pai foi desnecessário, — disse ela.
— Não senti insulto nem constrangimento. De qualquer forma,
meus pais jogaram tantos pretendentes na minha cabeça que
minhas irmãs tinham muito material para zombar de mim. Eu
não me importei com nada disso. — Mas a cor subiu para suas
bochechas e ele pôde ver sua rápida e curta respiração pelas
camadas de ar gelado em seus lábios tentadores.
— Então o que você sentiu quando eu não vim para
reivindicá-la como todos eles tinham planejado?
— Nada. — A palavra caiu limpa para o frio da noite.
— Nada?
— Eu já sabia há muito tempo que você não iria propor
nada para mim. — Ela falou sem qualquer traço de emoção. —
Eu nunca esperei que você me procurasse naquela temporada.
Ou nunca.
Impossível. Anos de culpa enterrada estavam surgindo.
— Você não esperava?
— Colin, você mal tinha falado comigo em uma década. —
Sua testa enrugou. — Você acha que sou inteiramente estúpida
para não saber?
Isso era incrível. Inesperado. Não era nenhuma tomada de
sentidos.
— Alianças matrimoniais são feitas com muito menos que
isso.
— Não na minha família. Lembre-se de que meus pais
fizeram um casamento por amor.
— Mas... — Ele mal podia falar. — Você não estava com
raiva de mim?
— Eu não estava.
— Porque então, sua rudeza comigo quando nos
encontramos acidentalmente na sociedade, sua incivilidade...
Eu não entendo.
— Você acreditou nestes últimos anos que você me
desapontou? Que eu fiquei arrasada com sua indiferença em
relação ao acordo de nossos pais, que minhas esperanças
conjugais foram frustradas quando você não me propôs
matrimônio quando eu tinha dezessete anos?
— Eu... -— O que ele poderia dizer agora, senão a
verdade? — Sim.
— Então você está errado. Pois garanto-lhe que não fiquei
desapontada e nem devastada naquele tempo.
Ela não podia estar dizendo a verdade. O insulto que ele
lhe dera — depois e a cada momento até que finalmente se
ofereceu em matrimonio para ela — era grande demais.
— Eu acho que, na verdade, você sabe exatamente como e
quando me machucou, — ela disse, — e não tem nada a ver
com as temporadas de Londres e as ofertas de casamento.
Ele franziu a testa.
— Como mais eu poderia ter ofendido você? Quando? Nós
mal vimos um ao outro em duas décadas.
Só então, quando seus cílios tremeram e ela deu um passo
atrás, ele viu a dor profunda em seus olhos. Como veneno em
um poço, que brilhava sombriamente, e seu o estômago torceu
com alarme.
— Emily, — disse ele, — diga-me o que eu fiz que te
machucou tanto.
— Você não sabe?
Ele balançou sua cabeça.
— Você salvou minha vida, — ela disse, — e então
desapareceu dela.
— Eu... — Foi necessário um único momento para a
lembrança voltar. — Depois do penhasco? A tempestade? —
Seus pulmões estavam apertando, apertando em busca do ar.
Era uma lembrança que nunca se permitiu a si mesmo.
Ela assentiu.
— Mas, bom Deus, — ele proferiu, — isso foi há dezoito
anos. — Ela não disse nada. — Eu acho que você deve se
lembrar mal, — disse ele. — Você era criança. Muito jovem
para...
— Eu era velha o suficiente para sentir meu coração se
quebrar.
— Seu o que?
— Você era meu mundo inteiro, Colin. Meu mundo inteiro,
— ela disse sem rodeios. — Você sabia que era, e no momento
em que você não precisava mais de mim, me abandonou.
As palavras não saíam.
— Bem, — ela disse. — Você não tenta se defender. Pelo
menos nisso não posso culpá-lo.
— Me culpar! — ele exclamou. — Claro que vou me
defender. Eu tinha treze anos. Pouco mais que um menino.
— O caráter de um homem é formado quando ele é um
menino, — disse ela com uma certeza calma. — Com o passar
dos anos, ele só se torna mais firme do que era.
— Eu não fiz nada, então, que qualquer outro garoto da
minha idade não teria feito.
Agora seus olhos brilharam.
— Mas você não era como os outros meninos da sua
idade. Você não era nada como os outros meninos. Você era
você, único e gentil, generoso e bom. Quando você mudou, não
havia nada que eu reconhecesse na pessoa que se tornou.
Ele respirou fundo e fez sua voz forte.
— Meninos crescem, Emily. Eles se tornam homens, com
os cuidados e responsabilidades dos outros sobre seus ombros.
Acreditar que eles não devem mudar é o desejo equivocado de
uma menina ingênua.
— Culpe meu sentimentalismo feminino, se você quiser.
Você não seria o primeiro homem a atribuir uma falta a uma
mulher por seus próprios erros. Mas eu sei quem você é, Colin
Gray, e eu suspeito que muito melhor do que qualquer um. E
apesar das vibrações de excitação luxuriosa, suas lisonjas
inspiraram minha vaidade que se produziram ultimamente, eu
sei que essa familiaridade entre nós, nascida desta estranha
aventura, é falsa. Não significa nada. — Cruzando as dobras de
sua capa confortavelmente sobre ela, entrou na casa.
O frio se acomodou ao redor dele rapidamente, mas ele
não a seguiu.
Ela mudara afinal de contas: de uma garota sensata ela se
tornara numa mulher irracional. Durante dezoito anos, ela
guardou rancor contra ele por se comportar como qualquer
menino teria agido em tais circunstâncias. Dezoito anos.
Você não era nada como os outros meninos.
— Droga. — Ele forçou seus punhos a se soltarem e puxou
uma longa lufada de ar noturno.
A porta do celeiro se abriu. Davie Wallace saiu para o
pátio.
— Davie, — ele chamou. — Uma palavra?
O jovem avançou, um sorriso iluminando seu rosto largo e
honesto.
— O frio é suficiente para você esta noite, senhor? É
apenas um congelamento rápido. Venha de manhã, quando
tudo se aquecer.
A porta do celeiro se abriu novamente e a filha mais velha
dos Boyds disparou para fora, lançou-lhe um sorriso
brincalhão, e correu para dentro da casa. Evidentemente, nem
todos os homens nesta fazenda estava servindo de açoite, como
ele para a mulher a quem queria esta noite.
Emily se arrependeria. Seu caráter era firme, mas seus
humores eram tão mutável como o tempo gelado da Escócia em
um momento, quente na próxima, e tudo ao mesmo tempo.
Eles sempre tinham sido assim. Ela estava irritada com a falha
dele em pedir desculpas por um pecado antigo que ele não
sabia que cometera. Mas ela era muito inteligente e franca para
tentar fazê-lo sofrer por isso. De manhã ela iria jogar fora seu
descontentamento com ele, e o restante da jornada para o
castelo de Loch Irvine seria gasto no estado de amizade que
ocorrera entre eles até agora.
E ele não acreditava em suas próprias reflexões nem um
pouco.
O que o deixou furioso com ela ou com ele mesmo, não
tinha nenhuma ideia. Mas o caminho que sua mente agora
queria se apressar a levá-lo estava além da raiva, era outro
completamente diferente, e ele não tinha outra direção para se
guiar.
Ele se moveu em direção ao escocês.
— Davie, eu tenho uma proposta para você.

****

Com as mãos capazes de Abigail, o cobertor flutuou


graciosamente para o colchão.
— Agora não, moça, — ela disse, correndo a palma sobre a
superfície da cama. — Mas será tão confortável quanto duas
almas podem ser.
— Obrigada, Abigail. Você é tremendamente generosa para
abrir mão de seu próprio quarto de dormir para nós. Mas eu
lhe disse que não somos casados.
— Já vai ser depois de hoje à noite. — Sua anfitriã sorriu
conspiratória. — Graeme e eu fizemos cinco saudáveis filhas e
dois bons filhos na presente cama, e todos os sete ainda estão
conosco, Deus seja louvado. Você dá a esse belo rapaz um
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afago pequenino, e promete-lhe um bom bairn uma vez que
ele o faça, por direito ele a levará ao altar o suficiente rápido.
Dificilmente. Em todas as contas.
— Em vez disso, dê-me um cobertor e eu estarei mais do
que confortável no sótão com as crianças hoje à noite. Colin
pode dormir no celeiro. — Com os animais e os burros, onde
ele pertencia. Ela pegou um canto do cobertor.
Abigail arrebatou-o afastado com uma amigável carranca.
— Och, gente inglesa, jogando fora a hospitalidade! — Ela
saiu do quarto de dormir.
O tio Murdo estava servindo whisky, Colin e o jovem Davie
estavam na porta removendo seu sobretudo.
— Venha agora, moça, — disse Abigail com uma mão
gentil em suas costas impulsionando-a para a frente. — Sente-
se e tome um gole. Isso vai acalmar suas preocupações.
Era o auge da idiotice que suas bochechas estivessem em
chamas e até mesmo as palmas das mãos estavam úmidas. Ela
podia sentir o olhar de Colin sobre si e desprezava o fato de que
ele pudesse pensar que ela estava agitada por sua conta.
Ela se sentou ao lado de Abigail e aceitou um copo de
whisky. Se ele quisesse imaginá-la sobrecarregada pela
conversa, que assim seja. Sua relação com a verdade era
profundamente falha de forma em geral.
— A melhor bebida para nossos hóspedes, — disse
Graeme, derramando de uma jarra no copo pequeno de Colin.
— Eu aposto que você não vai encontrar whisky melhor que
este na Inglaterra.
— Você aposta corretamente. — Colin levantou o copo. —
Por nossos anfitriões. Por sua hospitalidade, somos gratos.
Graeme sorriu. Abigail sorriu. Davie virou o seu copo.
Murdo franziu o cenho.
— Ninguém vai fazer a pergunta que todos nós estamos
pensando?
— Que pergunta, tio? — Perguntou Abigail.
— Quantos de nossas gargantas os dois estarão cortando
enquanto dormimos?
CAPÍTULO 15

Prova, de um só tipo

O único som na sala era o crepitar do fogo na lareira.


— Eu imploro o seu perdão? — Colin disse.
— É nós que vamos implorar por nossas vidas, mais a
verdade é essa, — Murdo disse sobre outra carranca.
— Por que você não disse algo sobre isso antes, senhor? —
Perguntou Zenóbia.
— Não é meu lugar dizer a tola da minha sobrinha e seu
marido simplório como acolher estranhos, agora ele é o senhor.
— Tio, — disse Abigail, colocando a mão em seu braço. —
Você bebeu...
Ela pegou o braço dele.
— Eu não estou bêbado o suficiente, sua vaca estúpida,
para esquecer a notícia que Blaisie MacDowell nos contou
ontem. — Ele colocou a mão na mesa e olhou para Colin. —
Contou-nos de um par de bandidos assaltantes de estradas,
44
que pretendiam se passar por um cavalheiro Sassenach e
uma Lady. E agora, aqui, nós temos a dupla sentados em
nossa própria mesa, comendo nossa comida e bebendo nossos
whisky.
— Não se nega comida e whisky, Murdo, — disse Graeme.
— E eu vou agradecê-lo por pedir desculpas aos meus
convidados.
— Eu vou pedir desculpas aos vilões quando eu vê-los
enforcados.
— Tio, — exclamou Abigail, então disse a Zenóbia: — Os
seus negócio por aqui moça, Graeme e eu não temos motivos
para perguntar.
— Você pode perguntar, se quiser. Nós não conhecemos os
ladrões. Mas fomos confundidos com eles mais ao Sul. De fato,
tivemos que deixar nossos companheiros de viagem e a
carruagem para fugir dos perseguidores. Nosso destino é o
Castelo Kallin. Colin está familiarizado com o lorde de lá.
— Sim, — disse Murdo com um aceno de cabeça. — É de
se esperar que o Duque do Diabo deseja um pedaço dessa
vilania.
— Chega disso, tio, — disse Abigail, em seguida, colocou a
mão sobre Zenóbia. — Eu não tenho nenhuma dúvida, moça,
que seu fino cavalheiro conhece um duque. Ora, qualquer um
pode ver que você é tão gentil como é uma dama.
— Lady? — Murdo soprou. — Se o vilão é um homem sob
essas saias — ele apontou com desprezo para ela — faça-o
provar o contrário.
— Você ficou louco velho, — disse Graeme com olhos
redondos.
Davie franziu a testa.
— Eu vi uma foto do casal, Graeme, em Tyndrum há dois
dias atrás — ele disse sobriamente. — Alguém que os tinha
visto desenhou-os, e é passado de mão em mão. A verdade é
que Colin aqui parece ser um gêmeo dele. Mas o outro não é
nada como a senhorita Emily — continuou Davie. — Sim, eles
dizem que ele é um sujeito pequenino, com cabelos prateados e
uma figura doce como qualquer moça, e que canta como uma
andorinha. Mas a senhorita Emily aqui é um mundo
totalmente diferente em comparação com a imagem. — Ele
ofereceu-lhe um sorriso corado.
— É tão simples quanto um cântaro que Emily e Colin não
são conhecidos por esses negócios, e não nos dizem toda a
história deles —— disse Abigail. — Mas ninguém diria que não
é uma dama. Só veja a costura em seu vestido, Murdo. — Ela
gesticulou para o vestido de viagem pendurado próximo a
lareira. — É tão bom quanto eu já vi. Nenhum ladrão comum
estaria usando uma coisa assim.
— Um vestido não faz uma dama, — o velho resmungou.
— Ou um cavalheiro.
— Você está certo, Murdo, — disse Zenóbia. — Ares finos e
riqueza confortável são os indicadores mais típicos de pessoas
de pequena nobreza. Mas qualquer ladrão pode adquirir isso, é
claro.
As sobrancelhas de Murdo se levantaram.
— Sim, — ele disse cautelosamente.
— Mas se o que você precisa para ser capaz de descansar
esta noite conosco nesta casa é a prova de que eu não sou um
homem, eu posso produzir essa prova imediatamente se sua
sobrinha for comigo a sala ao lado.
— Não, — disse Colin no mesmo momento em que sua
anfitriã exclamou:
— Moça!
— Por que não? — Disse Zenóbia. — Se expondo meus
seios vai convencer a todos que eu não sou um homem vestido
como uma mulher, então irei ansiosamente fazê-lo. Eu deveria
ter pensado nisso antes.
— Eu entendo, — disse Colin com calma sublime. — Mas
o que começaria com sua submissão voluntária à inspeção da
Sra. Boyd poderia rapidamente tornar-se uma exposição
pública forçada a todos os homens deste país que exigirem a
mesma prova.
— Colin.
— Você é uma dama. Você merece respeito.
— Todas as mulheres merecem respeito.
— Tio, você deve parar de importunar, — disse Abigail. —
O pobre cavalheiro já teve um tempo difícil.
Os olhos de Murdo se estreitaram.
— Sim, — ele disse, olhando para Colin, — Vou deixar
tudo isso de fora se fizer um ato pequenino para me mostrar
sua boa-fé.
Colin nunca tinha parecido tão severamente austero do
que agora. Seus olhos índigo estavam proibindo.
— Que ato você gostaria que eu fizesse? — Ele perguntou
com a sobriedade de aço.
— Se ela é uma dama, como você afirma, — disse Murdo
com uma boca sorridente, — me prove beijando-a.
— Eu ficaria mais do que feliz.
Uma onda de energia passou direto pelo estômago de
Zenóbia. E abruptamente a gravidade sumiu dos olhos de
Colin. Com um leve sorriso, ele pegou o copo e recostou-se na
cadeira.
— Lamentavelmente, porém, não posso obrigá-la.
— Sim, — Murdo assentiu. — Você não está muito
interessado em beijar um rapaz, eu aposto.
— Tio. — As bochechas de Abigail estavam lívidas. —
Moça, ele está bêbado como uma porca. Você não deve se
ofender.
— O pedido de seu tio é razoável, senhora Boyd, — disse
Colin. — Mas, a senhora e eu recentemente brigamos, e ela me
proibiu de tocá-la. — Lentamente, indecentemente, seu olhar
passeando por ela. Zenóbia sentiu sua intimidade na boca de
sua barriga.
— Proibido? — Murdo bateu na mesa. — Você gostaria
que acreditássemos nisso? Que tipo de homem permite que
uma moça diga a ele o que não pode fazer com ela?
— Um homem que prefere a felicidade doméstica à guerra,
eu diria, — respondeu Colin, e engoliu um bocado de whisky.
Então, olhando para ela, acrescentou: — E um homem que
respeita uma mulher.
O coração de Zenóbia estava batendo como raios, um tum
tum tum rápido e violento após o outro. Respeito, como ela
dissera lá fora. E felicidade doméstica, era a petição da reforma
legislativa de Lady Justiça. Ela sabia que ele não tinha
aprovado a legislação. Peregrino escrevera para lady Justiça
sobre o assunto, afirmando zombeteiramente que as esposas já
controlavam inteiramente seus maridos; não havia necessidade
de leis para garantir isso. E como Lorde Grey ele a denunciou
publicamente.
Mas talvez ela estivesse errada sobre ele. Talvez ela
estivesse influenciando-o. Depois de todos esses anos, talvez
ele estivesse finalmente ouvindo Lady Justiça.
— O mais importante, — disse ele, — que homem sensato
quer lutar com uma gata por um mero abraço?
O velho escocês soltou uma gargalhada e bateu de novo
na mesa.
— Sim, rapaz! Você está certo sobre isso.
— Homens, — sua sobrinha murmurou. — Inferno, ele
virá moça. É bonita demais para ele ficar feliz fora de seus
braços por muito tempo.
— Obrigada, Sra. Boyd. — Ela olhou para seu
companheiro de viagem. — Mas se for para convencer o seu tio
que eu não sou um homem, vou permitir que Colin me beije
agora, diante de todos vocês.
Isso o surpreendeu. Ela sabia disso apenas pela contração
do músculo em sua mandíbula que a fascinara em Londres.
Mas foi o suficiente, e enviou uma onda de crueldade através
dela apertado seu estômago, do tipo que ela sentia cada vez
que o superou em qualquer coisa, escaladas e blefes, jogando
boliche, recolhendo cogumelos na floresta, fazendo-o sorrir
quando ele estava determinado a ser solene.
— Tudo bem, — ele disse, e lentamente caminhava até ela,
seu olhar firme no dela. E a onda de felicidade tornou-se um
turbilhão de pânico.
— Agora há um bom rapaz. — Abigail cruzou os braços
sobre o peito. — Mostre ao meu velho e tolo tio que não tem
medo de suas provocações.
— Não são seus insultos o que me preocupa, Sra. Boyd, —
disse Colin, ainda caminhando para ela. — Minha lady. — Ele
estendeu a mão.
Ela não pegou, mas se levantou e puxou as saias ao redor
do banco. Ele faria uma demonstração rápida, ela sabia. Ainda
assim, suas mãos não eram inteiramente firmes e ela não tinha
intenção de revelar isso a ele.
Mas ele não fez disso uma rápida demonstração. Em vez
disso, ele deu um passo bem próximo a ela e segurou seu
queixo nas palmas das mãos e sentiu o calor de suas mãos
afundarem debaixo de sua pele. Essas mãos tão grande que a
seguraram antes, mas que agora seu toque era terno. Ele
inclinou o rosto dela para cima. Seus olhos pareciam estudar
os dela; eles perguntavam se ela tinha certeza. Felizmente, ele
não perguntou, salvando-a de forçar uma garantia com sua
língua seca. Mas ocorreu-lhe que agora ela podia ler as
palavras em seus olhos, quando mais ele desejava.
Ela assentiu.
Finalmente, depois de muito mais que um momento
silencioso, seu olhar mergulhou em seus lábios. Ele inclinou a
cabeça. Lá ele parou, e sua respiração que estava tremendo se
misturou com as dele.
Ele a beijou.
Seus lábios eram suaves, sua pele quente, o cheiro dele
inteiramente em suas narinas e era maravilhoso. Era whisky,
almíscar e calor, e ela queria engoli-lo. Ela queria que ele fosse
preenchê-la inteiramente. Ela correspondeu a pressão gentil de
seus lábios e uma onda de nervos quentes e deliciosos correu
para o seu centro como um raio.
Então acabou. Durou apenas um momento muito breve,
mas tempo suficiente para que Abigail, Meghan e Claire
cogitassem com apreciação e o velho Murdo declarasse:
— Och! Chega disso.
As mãos de Colin se afastaram do rosto dela. Ele se virou
para o anfitrião.
— É você senhor, satisfeito? — Ele perguntou em um tom
normal de voz, tornando claro que seu mundo não tinha
acabado de cair em uma tempestade. Ela deslizou para o banco
e pegou o copo.
— Qualquer homem pode beijar uma bela moça, — Murdo
exclamou. — E uma moça pode vestir calças e fingir que é um
homem para roubar pessoas honestas.
— Eu não sou uma ladra, — disse ela, colocando o whisky
que estava balançando na mão na mesa. — E nunca usei
roupas masculinas.
— Se você usou, moça, seria tão bonita quanto é agora, —
disse Graeme com um sorriso gentil.
Davie acenou com a cabeça.
— De fato, — disse Colin, sentando-se novamente no
outro extremo da mesa. — Nenhum homem jamais iria
confundi-la com um de seus semelhantes...
— Nenhum homem sóbrio, — Abigail inseriu.
— ...e até vestida com calções. — Ele olhou para ela. —
Embora, para ser honesto, eu gostaria de ver isso.
Ele estava brincando com ela. Ela não tinha dúvida de
que, na pessoa de Peregrino ou Lorde Egremoor, ele condenaria
qualquer mulher corajosa o suficiente para descartar camadas
de saias incômodas em favor de roupas confortáveis. O
pensamento firmou suas mãos.
— Falando em roubo, esse whisky roubou minha
capacidade de permanecer acordado por mais um minuto. Sr. e
Sra. Boyd, agradeço-lhe por sua gentileza, de coração. Ela não
podia evitar compartilhar agora o quarto de dormir com Colin;
fazer isso seria provar para Murdo e talvez até para os outros
que eles tinham algo a esconder. Ela pegou o punho de ferro de
um castiçal. — Boa noite.
Sem uma lareira própria, o pequeno quarto era
terrivelmente frio. Ela olhou fixamente para os cobertores e
disse a si mesma que ser forçada a compartilhar um colchão
com ele não era pior do que cavalgar atrás dele ou acordar
embrulhada em seus braços.
— Quando todos adormecerem, — disse ele acima do
ombro dela, e ela virou o rosto, — eu vou para o celeiro.
Ela tinha sido enganada. Isso era pior. Simplesmente de
pé tão perto dele agora, com o seu olhar sobre ela e o
conhecimento de como seus lábios o sentiu, foi horrível.
— É isso que você prefere, não é? — Ele perguntou,
levantando uma sobrancelha. — Que eu encontre um lugar em
algumas palhas da pecuária e permaneça ali indefinidamente.
Até a morte, se possível?
— Sim. — Ele sorriu. — Mas você deve dormir, Colin. Se
formos perseguidos amanhã, devemos estar bem descansados.
— Eu disse ao jovem Davie a verdade sobre a nossa
situação, — disse ele. — Ele sabe quem somos e eu o instruí a
dizer a Graeme e Abigail, assim que partíssemos. Ele cavalgará
até a fronteira onde um homem a meu serviço trará ajuda.
— Mas e Jonah e Clarice?
— É provável que estejam detidos em Ardlui, de acordo o
que Davie me contou sobre a determinação dos homens de
Loch Lomond de levarem os ladrões à justiça. Esse desenho
dos ladrões que parece estar circulando é mais uma prova de
que nossos perseguidores tem um objetivo. Não podemos
depender de seus amigos para ter sucesso em pedir ajuda. Não
tenho nenhuma dúvida de que vão ser questionados, mas é
pouco provável de serão prejudicados, — acrescentou. —
Descanse sua mente nisso.
— Mas... Davie. Como você sabe que ele não vai entregar-
nos pela a recompensa?
— Ele vai não.
— Como você pode ter certeza? Você pediu a ele na voz do
seu conde?
— Você fica sem sentido quando está exausta. — Ele
gesticulou para o colchão. — Venha, vamos dormir.
— Diga-me. Acha que ele vai fazer como você deseja
simplesmente porque pediu?
— Eu sei que ele vai fazer o que eu quiser, porque eu lhe
ofereci uma fazenda. — Ela se afastou. — Agora eu sou...
Ela agarrou a manga dele.
— Uma fazenda? — Ele olhou para baixo nos dedos dela
apertando seu braço e ela o soltou. — Que fazenda?
— Um inquilino meu recentemente morreu sem herdeiros.
A fazenda continua vaga. Ela é uma fazenda de ovelha, como
esta, embora maior. Deve atendê-lo e a Meghan.
Ela olhou para ele.
— Você deu a ele uma fazenda. Uma fazenda inteira?
— Ele é um homem pobre, Emily, — disse ele em voz
baixa. — A garota que ele ama tem vivido em uma modesta
prosperidade na casa de seu pai, mas ele não tem nada para
lhe oferecer além de si mesmo. Eu simplesmente ofereci a ele
aquilo que qualquer homem em sua situação venderia até sua
alma. Mas eu não pedi-lhe para vender sua alma. Eu só pedi
que viajasse para a Inglaterra o mais rápido possível com uma
mensagem, e depois ter uma chance de ganhar a vida em uma
excelente propriedade. Ele teria sido um tolo em recusar a
oferta.
— Mas, ele pode realmente acreditar que você é quem diz
ser?
— Parece que ele acreditou. — Ele se virou, então por cima
do ombro ofereceu-lhe um leve sorriso. — Eu usei a voz do meu
conde com ele.
Quando ele foi embora e ela fechou a porta atrás de si,
estava com frio demais para tirar a roupa. Colocando a vela na
mesa de cabeceira, ela desamarrou as botas, tirou-as e deslizou
por baixo das cobertas. A cama era um milagre com um
colchão sobre tábuas de madeira, e ela ficou pensando em
como Colin falara da modesta prosperidade de Graeme e Abby
Boyd, e não conseguia dormir. O que ele pensava desta casa de
dois cômodos pouco mais que um casebre e do pequeno
rebanho a espantava. Que ele tivesse considerado as
perspectivas e esperanças de Davie, e oferecesse a um jovem
que não sabia nada sobre a propriedade, a sua própria
propriedade, a fim de arrancá-la do perigo, era demais para
aceitar facilmente. Ela não tinha nenhuma dúvida de que se
fosse só ele teria tomado o cavalo mais rápido que ele pudesse
encontrar e cavalgaria rapidamente para Glasgow — onde
procuraria para Lady Justiça uma garota desaparecida e o
resto que se danasse. Ele estava fazendo tudo isso por causa
dela, e agora por Pip também, uma criança camponesa e órfã
que ele havia conhecido há apenas dois dias atrás.
Ela olhou para a chama da vela e não conseguiu parar de
ver o sorriso dele, e sentindo, ainda, sua boca contra a dela, e
pensando que talvez ela não tivesse falado a verdade para ele
antes, quando disse que o conhecia. Talvez, afinal, ela não o
conhecesse.
A cintilação da vela a fez dormir.
Ela acordou com a luz de uma lamparina e sem ar — o
pânico era sufocante — uma palma enorme e insensível
prendia sua boca e o nariz. Agitando-se, seus braços e pernas
ficaram presos nos lençóis. Ela se soltou e ofegou por ar,
quando um trapo encheu sua boca, e então a amordaçaram
esmagando sua língua, e sua cabeça foi empurrada para trás.
Mil picos de dor irromperam em seu couro cabeludo e ela se
engasgou quando o tecido empurrou mais fundo em sua
garganta enquanto ele amarrava uma faixa em volta de sua
cabeça. Então seu joelho pressionaram suas coxas, prendendo-
a no colchão, suas mãos agarrando seus pulsos, amarrando-os
com mais um pano.
— Ah é uma moça. — A voz de Murdo era rouca e suas
narinas estavam entupidas com o cheiro de whisky. A pressão
deixou as pernas dela. Ela tentou se debater, mas seus pés
estavam para trás amarrados quase por cima de suas nádegas.
— Ah não, — ele soprou, ela grunhiu e gritou no pano metido
na sua boca e lutou enquanto ele a arrastava pelo colchão.
―Você é uma garota mal-humorada, com certeza. Silêncio
agora, ou vou ser forçado a acalmá-la. Eu só quero as dez
libras. O que eles vão fazer com você em Inveraray, é melhor
estar fazendo promessas, claro.
Levando-a da cama nos braços musculosos com a força de
um homem que havia trabalhado todos os dias em seus
sessenta anos, ele se lançou para o limiar do quarto,
tropeçando na sala principal, sabia que ele estava instável por
beber demais.
Mas novamente ela estava errada . Quando ela puxou
o ombro para fora de Murdo esperava bater e derrubar uma
pequena cadeira de madeira, mas ela viu que o velho não tinha
tropeçado em seus próprios pés. Ele tinha tropeçou em Colin.
Iluminado pelo brilho das brasas que morriam na lareira, o
conde de Egremoor estava esparramado no limiar da sala,
mortalmente imóvel.
CAPÍTULO 16

Coragem

O estômago revolto e a bílis chegando a sua garganta não


era nada para a dor que estilhaçava seu crânio. Engolindo de
volta a náusea, Colin agarrou-se ao batente da porta, se
ajoelhou, e então se levantou. Sinos dissonantes soavam entre
suas orelhas, e tudo ao redor dele era negro. Estendeu a mão,
bateu a coxa contra uma mesa e engoliu uma maldição.
Mas sabia onde estava, e os sinos em sua cabeça estavam
desaparecendo, deixando uma dor latejante na base de seu
crânio e o medo súbito e repentino girando em um grito em sua
boca. Agarrando o batente da porta do quarto, ele caiu no
pequeno ambiente. A luz da vela pela qual ele estivera
observando em seu sono desaparecera, o quarto estava escuro,
exceto pelo brilho pálido do luar que vazava através das
cortinas. A cama estava vazia.
De repente, a sala ficou mais escura ainda. Uma nuvem
negra encheu o ar
Ele precisava de ar.
Forçou-se a respirar, afastando seus pensamentos de
terror. Cambaleando, entrou tropeçando na sala principal e
colidiu com Abigail Boyd.
— Colin? O que...
Ele agarrou seus ombros.
— Onde ele a levou?
— Levou? — Sua voz estava cheia de sono. — O que
você... oh, não. O que aquele homem velho fez?
Ele a soltou.
— Onde ele teria ido com ela?
— Para baixo, para Inveraray, eu espero. É a lei mais
próxima deste lado de Kallin.
Ele olhou para a escuridão da sala principal.
— Onde está seu marido?
Ela apontou para um catre do outro lado da lareira, onde
os roncos de Graeme subiam em grossos ruídos do chão, onde
ele desmaiara sem sentidos depois de tanto whisky e de terem
arrastado o jovem Davie até o celeiro para dormir lá antes de
tomar a estrada ao amanhecer. O jovem escocês tinha
celebrando sua boa sorte, e seu futuro sogro junto com ele.
Eles não seriam de ajuda agora. Ele arrastou as mãos pelos
cabelos.
— Ele não vai machucá-la, querido Colin, — disse Abigail
gentilmente. — Ele é um velho idiota ganancioso, mas não tem
um osso perverso nele.
— Eu não estou tão preocupado com ele quanto estou
sobre as pessoas a quem ele pretende levá-la. — O caroço na
base de seu crânio latejava. — Eu devo deixar Pip com você por
enquanto. — Ele enfiou os braços em seu casaco. — Você vai
cuidar dela até que eu seja capaz de recuperá-la, cuidará?
— Como um dos meus!
— Diga-lhe que voltarei por ela. Abigail, espero não ter que
machucar seu tio.
Ela colocou um chapéu de lã nas mãos dele.
— Você tem minha permissão para curtir a pele dos velhos
ossos dele.
Ele foi até a porta.
— Para ela! — E jogou um par de botas femininas para
ele. — E pegue a sela, rapaz. Eu sei que você é bom nisso. —
Ela sorriu corajosamente.
A lua estava pairando em cima do pico da montanha
quando ele conduziu o cavalo colina a baixo em direção à
estrada. Ele não ficara inconsciente por mais de uma hora.
Mas isso era tempo suficiente para um homem que passou a
vida neste campo colocar uma boa distância entre a casa e a
cidade mais próxima.
Mas Murdo não tinha na verdade ido muito longe. Colin
encontrou a pequena carreta à aproximadamente uma milha a
Oeste da fazenda. Arrastando ao longo da estrada, no escuro,
puxada pelo cavalo musculoso dos Boyds, tinha pendurada na
lateral um lampião brilhante o suficiente para iluminar
somente o velho homem caído sobre as rédeas no banco do
cocheiro, o queixo apoiado no peito.
Colin desacelerou Toby e estudou Murdo. Em seu pavor,
ele não pensou em perguntar a Abigail se o tio dela
provavelmente estaria armado. A supervisão foi superficial.
Supervisão sem precedentes.
Através da quietude da neve, Toby deu uma saudação
amigável ao outro animal. O cavalo de tração ergueu a cabeça e
relinchou em resposta. Murdo não se mexeu.
Colin desmontou. Na cama da carroça, um volume de
cobertores se mexeu.
Viva.
Pulando em cima da carroça, ele recolheu o pacote em
seus braços e levantando-a saltou para fora. A carroça e o
velho continuaram sem quebrar o ritmo.
Os cobertores caíram quando seus pés tocaram o chão.
Uma mordaça estava amarrada em torno de sua boca, os
cabelos presos nela e saindo por todos os ângulos, e seus olhos
estavam tão grandes e brilhantes quanto o céu estrelado. Ela
resmungou, fez barulho que deviam ser intencionalmente
falados, e puxou as amarras que seguravam seus braços atrás
dela, e lançando-se para fora dos abraços dele, franziu a testa.
A mordaça estava apertada demais para se soltar.
Trabalhando com o nó na base da cabeça, ele abriu e tirou o
pano.
— Isso foi emocionante! — Explodiu dela.
Ele começou a trabalhar nos nós que seguravam seus
pulsos juntos. Suas mãos tremiam e ele puxou ar frio dos
pulmões, um após o outro.
— Emocionante? — Ele conseguiu apertar os dentes.
— Bem, certamente não foi relaxante. Ele amarrou meus
tornozelos também. Eu tinha acabado de soltar as amarras e
deslizar os pés para frente quando ouvi os cascos do cavalo. —
As cordas soltaram-se e ela o encarou, esfregando os pulsos.
Ele colocou as botas nas mãos dela e ela as calçou. —
Obrigada. Quando ouvi as batidas dos cascos se aproximando
rapidamente, tive certeza de que todo o meu trabalho fora em
vão. Mas era você, felizmente. — Ela deu um sorriso vibrante
nos lábios vermelhos e dentes brancos. — Oh! Espere aqui. —
Ela correu em direção à carroça.
Com frenéticos batimentos cardíacos, ele foi atrás dela.
Ela subiu na braçadeira e, curvando-se, deu-lhe uma visão do
traseiro dela iluminado pela lua. Então ela endireitou-se
novamente, o jarro de whisky do fazendeiro e um saco de lona
irregular pendurado em suas mãos. Saltando da carroça, ela
veio em direção a ele andando. Ele a encontrou quando a
carroça deu uma guinada na estrada e desapareceu atrás das
árvores que margeavam a colina.
Em seguida, eram apenas os dois, parados e sozinhos na
estrada de neve. Ele olhou para seu rosto que estava virado
para cima e estava salpicado com a cor descontroladamente
brilhante sob a luz das estrelas, como se cada facho de luz
disponível, inevitavelmente, encontrasse seu caminho para ela.
Ela ergueu o jarro e o saco.
— Café da manhã.
— Emily, você acabou de ser sequestrada, — disse ele tão
firmemente quanto podia, sem qualquer ar para impulsionar as
palavras. Seus batimentos cardíacos não diminuiriam.
— Não é fantástico? — Seus braços caíram. — Foi horrível
e excessivamente desconfortável. Mas depois que percebi que
ele não pretendia me fazer um mal duradouro, foi um pouco
emocionante. Eu esperava, é claro, que seria capaz de me
libertar antes de chegarmos a civilização. Eu não tinha um
plano, é verdade, especialmente porque não tinha sapatos. Que
inteligente você foi em trazer-me isso.
—Ideia da Sra. Boyd. — Ele queria agarrá-la, sentir seu
bem-estar, sua integridade, sua ultrajante vitalidade.
— É claro que não teria sido fantástico se você não tivesse
aparecido, ou se Murdo tivesse pretendido algo desagradável
além de coletar uma recompensa por mim.

****

— Você está... bem? — Seus olhos estavam sombrios e


maravilhosamente cheios de emoção quanto ela já tinha visto.
Completamente cheio dela. Ela viu isso claramente. E de
repente, a salvo agora, com ele, seu corpo e seus lábios
começaram a tremer; com dedos úmidos e congelados, enfiou-
os nas estranhas botas.
— Ele foi assustador, — ela disse. — Mas eu estou bem
agora. E você? — Ela levou a mão em direção ao seu rosto, mas
retirou de volta. — Eu o vi no chão. Eu... você está bem?
— Sim. Agora — ele disse com uma voz estranha e dura
que ela não reconheceu.
— Você não está. Parece confuso. E de olhos brilhantes e
completamente despenteado, — era completamente ao
contrário dele mesmo, mas completamente perfeito. — Ele deve
ter te atingido com algo surpreendentemente forte. Diga-me a
verdade. — Para o inferno com não tocá-lo. Ela estendeu a mão
para explorar a cabeça dele. — Você está ferido?
— Emily. — Ele segurou o rosto dela entre as palmas das
mãos. E então sua boca estava sobre a dela, suas mãos
envolvendo-a, mantendo-a imóvel. Por um longo suspiro que
nenhum deles tomou, ele segurou sua boca contra a dele.
Ele a soltou, suas mãos se afastaram do rosto dela, e os
dois estavam se olhando há poucos centímetros.
Ela o viu engolir em seco. Seus lábios se separaram, como
se a surpresa de tocá-lo novamente, inesperadamente, tivesse
sido demais para ele e agora não funcionasse adequadamente.
Girando na estrada, ela caminhou rapidamente até o
centro lamacento. Seus óculos ainda estavam na mesa de
cabeceira dos Boyds e ela não via nada em foco, e suas mãos
agarraram a alça do saco de lona e o jarro com uma força
inexplicável, seus pés arranhando e escorregando a cada passo
apressado. Quinze jardas distantes, a trilha levava para fora da
estrada ao longo de uma cerca de pedra em ruínas entrando
para as montanhas, a grama crescendo para os lado da estrada
onde o vento tinha levado a neve distante. Uma rota de ovelhas.
Ela correu para ele.
Ela imaginou beijá-lo muitas vezes. Mas até então ela não
imaginara a suavidade de seus lábios ou a força de suas mãos
em seu rosto ou a violenta onda de desejo, quente, que a
percorria. Horas atrás, ela estava dizendo a si mesma, ele a
beijara tão lindamente para o benefício dos outros e que
naquele momento ele não sentira o que ela tinha sentido.
Mas, talvez, ele tivesse sentido.
Deixando cair o jarro e o saco de maçãs que ela tinha visto
Murdo jogar na carroça atrás dela, girou e caminhou de volta
para o nobre. Colin parou quando ela se aproximou, seu olhar
ilegível à luz da lua minguante que fez tudo prata e azul. Sem
diminuir o ritmo, ela foi direto para ele. Ela levantou seu
queixo e suas mãos vieram ao redor do rosto dela, ele inclinou
a cabeça e cobriu sua boca com a dele. Ela separou os lábios,
sentiu-o e provou-o. Ele era força e ternura de uma só vez,
calor e suavidade, o arranhão da barba, a profunda e doce
urgência foi enfraquecendo seus joelhos, o prazer inundando-a,
e ela bebeu de seus beijos e do ar que vinha dele, e de como
sua mão se deslizou de seu cabelo para sua nuca, e ela
arqueou o pescoço para fazer suas bocas se encaixam mais
perfeitamente.
Suas mãos subiram para os ombros dele. Cavando as
pontas dos dedos em seu casaco, ela segurou-o com força.
Então ela achatou as palmas das mãos no seu peito, arrancou
os lábios dos dele e se afastou.
Com tudo girando ao redor, ela partiu para a trilha
novamente, pegando o jarro e o saco, seus passos esmagando a
neve, passos rápidos e desesperados para colocar distância
entre ela e essa insanidade. Seu sangue circulando rápido, sua
cabeça estava confusa e seus lábios estavam úmidos e agora
frios pelo o ar do inverno. O que ela estava fazendo?
Não ele.
Não ele.
De todos os homens no mundo, ela deveria dizer NÃO a
ele.
Não ele.
Se ele soubesse quem tinha acabado de beijar. Se ele
soubesse...
Ela parou e observou-o caminhar lentamente até ela na
escuridão iluminado pela neve.
— Ele pegou no sono, — disse ela após um silêncio
ressoante. — Ele tem uma mão surpreendentemente grande.
Ele cobriu minha boca e nariz completamente com a mão. Não
fui capaz de chamá-lo, mas depois te vi no chão e pensei que
estivesse morto e eu... eu... não sei explicar como me senti.
Nunca me senti assim em minha vida.
— Eu acho que ele me bateu com esse jarro. — Ele passou
a mão sobre a parte de trás do seu pescoço e seus olhos
estavam negros como a meia-noite, cautelosos e brilhantes. —
Eu sinto muito por não tê-la protegido. Desculpe-me, eu
permiti que ele me surpreendesse. Eu estava distraído.
Distraído.
— Eu pensei que você pretendia dormir no celeiro, — ela
disse não muito firme. — O que você estava fazendo lá? No
quarto de dormir.
— Observando você.
— Observando-me? — Ele assentiu. — Me vendo dormir?
— Sim, — disse ele. — Eu estava olhando para você.
Apreciando sua visão. Quando está acordada eu mal posso
olhá-la sem saber se você sabe exatamente o que estou
pensando e acha tudo besteira. Eu estava tendo um simples
prazer, em um momento de liberdade, para estudar o brilho de
seus cílios, a inclinação de seu nariz, a ponta beligerante de
seu queixo e a exuberância de seus lábios que de algum modo,
miraculosamente, me permitiu beijá-la, e não percebi o homem
esconder-se atrás de mim com um jarro de whisky. Foi um
passo em falso que agora me arrependo completamente porque
nunca, jamais, quero vê-la em perigo novamente. Eu tive o
suficiente agora e para o resto que durar minha vida. — Seus
olhos pareciam febril, angustiado e os músculos de sua
mandíbula tenso, desencadeando uma chuva de calor dentro
dela.
Isso não poderia estar acontecendo.
— Você está exausto. Como eu estou — disse ela,
tentando fingir que ele havia falado com sanidade. — Nenhum
de nós pode ser culpado.
Sua maçã de Adão estremeceu.
— Por tudo?
— Por... — Sua garganta colou. — Aquele beijo.
— Qual deles? — Ele perguntou com voz rouca.
— Foi uma anomalia, é claro, — ela disse. — Foi isso? Não
foi?
— Eu não sei, — disse ele. Ela podia ver sua respiração no
ar gelado. Ela estava certa de que seus olhos estavam muito
arregalados, fixos em seu rosto quando ele se aproximou dela e
cada detalhe de sua masculinidade gloriosamente intransigente
entrou em foco completo.
Passando as pontas dos dedos no seu queixo, ele olhou
para seus lábios e inclinou a cabeça enquanto ela permanecia
totalmente imóvel.
Ele beijou-a muito suavemente, a sensação dele, sua
proximidade, e a carícia de suas respirações compartilhados de
novo e, ainda, perfeitamente conhecidas, como se isso fosse a
coisa mais natural do mundo, beijá-lo. Ele ergueu os lábios dos
dela apenas um centímetro, mas ela não recuou. Ela olhou em
seus olhos que estavam tão perto, e viu nas manchas cinza
escondidas no azul de seus olhos a mesma necessidade
indefesa que estava dentro dela.
O próximo beijo durou mais tempo. Tão suave quanto o
primeiro, igualmente cuidadoso e deliberado, enviando calor de
seus lábios para baixo, em seu ventre e se espalhando por seu
abdômen em finos e quentes tentáculos de prazer.
Ele se afastou novamente, mas apenas por um instante,
apenas o tempo suficiente para que seus lábios se
arrependessem da falta dele. Afundando os dedos em seu
cabelo e inclinando sua cabeça para trás em sua mão, ele
capturou seu lábio inferior com o dele e, em seguida, com os
dentes, e um rápido suspiro de prazer escapou dela.
Cobrindo seus lábios, ele deslizou a ponta da língua pela
abertura da boca dela e a abriu para ele. Ela deixou ele levá-la
no beijo. Sem hesitar, ele a provou — a curva de seus lábios, a
varredura com sua língua, a cadência de sua respiração — toda
ela, e ela queria tudo: sua boca lhe dando prazer, suas mãos
em seu cabelo e seus dedos acariciando debaixo do casaco para
encontrar seu seio. Ela abriu as palmas das mãos sobre as
costelas dele, encontrou a carícia inebriante da língua dele com
a sua própria e sentiu uma forte contração no peito dele. Com
as mãos se apertando sobre sua cintura, ela suspirou contra os
lábios dele.
Ele tomou sua boca inteiramente, completamente, como
se ele fosse um homem faminto procurando satisfação que ele
deveria encontrar em seus lábios. Parecia haver apenas fome,
tomando e dando e querendo mais com cada toque. Sua boca
era um milagre. Ela sentiu a curva de mão por seu pescoço até
o ombro, forte e determinada quando ele correu junto a sua
espinha, e ela acolheu-o. Ele espalhou a mão sobre a pequena
cintura. E, em seguida, ele puxou-a contra ele. Um gemido saiu
de sua garganta. Peito a peito, coxa com coxa, o braço envolto
em torno de sua cintura, ele segurou-a contra ele, beijou-a
apaixonadamente, profundamente. Ele era duro em todos os
lugares de seu corpo poderoso. Ela entrelaçou os dedos no
cabelo dele e não pôde ter o suficiente de sua boca, do prazer
dolorido de seu beijo, e de sua excitação contra ela.
— Emily, me perdoe por te machucar, — ele sussurrou. —
Emily. — O nome dela em seus lábios era duro, baixo, lindo.
Muito bonito.
— Não, — conseguiu dizer. — Não. — Arrastando-se para
fora daquela loucura, afastou-se dele e recuou um passo. Seus
olhos se abriram. — Não, — ela pronunciou. — Não. O que você
está fazendo? — Ela passou as costas da mão sobre os lábios.
Eles eram macios e suaves, adorados. — O que eu estou
fazendo? — Seus pés deram outro passo para trás. — Eu não
posso estar beijando você.
— Você pode, — disse ele, sua respiração tão irregular
quanto o dela.
— Eu não posso. Isso é um erro.
— Não é um erro. — Ele estendeu a mão e agarrou a mão
dela. — Emily...
— É claro que isso é um erro. — Ela arrancou a mão
deixando-a livre. — Então, pare agora. Devemos parar. — Ela
foi para longe dele e caminhou rapidamente até a estrada, as
botas enormes se deslizam na neve.
— Emily, — ele disse atrás dela. — Eu sinto muito se eu te
machuquei e estou pedindo seu perdão. — Sua voz era
soberbamente instável. — Por que você não o dá? Deseja
guardar rancor contra mim para sempre?
— Não. Claro que não. — Ela se virou para encará- lo. —
Eu vou dar-lhe o meu perdão. Eu dou-te. Você agora o tem. Ah,
agora acabou. Fica em um passado distante. História
encerrada. A conversa termina. — Ela partiu novamente ao
longo da parede.
— Eu não entendo, — ele falou atrás dela. — Um
momento você estava me beijando como se estivesse feliz por
estar fazendo isso, alias mais do que feliz, — acrescentou tão
baixo que fez todo o calor dentro dela se contrair. — E no
momento seguinte você está fugindo. É como se isso fosse
algum tipo de sonho desarticulado. Eu...
— Você está correto. — Ela girou ao redor. — Era um
sonho. Você não estava me beijando. Estava beijando um
fantasma de sua imaginação.
O silêncio caiu como a luz do luar entre eles.
— O que?
— Você não me conhece, Colin, — disse ela com notável
estabilidade, dado o ritmo de sua pulsação.
— Eu te conheço desde seu nascimento, Emily. Eu fiquei
ao lado da fonte de água benta em seu batizado e ouvi-os dá-la
a mim.
A respiração saiu dela.
— Você não me possui. E não sabe nada sobre mim agora.
Suas lembranças estão confundindo seu afeto, e sua noção do
que uma mulher deveria ser está colorindo sua percepção. Você
acredita que porque eu recusei ofertas de casamento de
homens ricos e de status impressionante sou uma excêntrica
reclusa com uma preferência por livros sobre pessoas.
— Eu não acredito em nada desse tipo.
— Claro que você acredita. Você não tem nenhum motivo
para acreditar no contrário. Não tem qualquer ideia do que eu
sou. Pelo amor de Deus, você não pode até mesmo chamar-me
pelo meu nome.
— Emily é o seu nome. E o que mais importa é como eu a
chamo? Você é a mesma mulher com qualquer nome que você
use. E está fazendo isso novamente, imaginando que pode ler
meus pensamentos.
— Eu não sou a mesma mulher. E não posso estar errada.
— Um estrondo de emoção estava em seus ouvidos. — Eu não
posso ter errado por todos estes anos, que a satisfação de seus
desejos é tudo o que importa para você. Eu não posso permitir
que isso, agora, seja outra coisa senão o mais básico e
primitivo desejo carnal, inspirado pelos elevados sentimentos
do momento.
— Sentimentos aguçados? O que isso significa?
— Você não vê? — Ela choramingou. — Eu não posso
estar errada e que você tem um coração.
Ele veio em sua direção rapidamente, agarrou seu pulso e
achatou-lhe a mão contra o seu peito. Através de suas costelas,
e sob suas palmas seus batimentos cardíacos eram rápidos e
duros.
— Você está me negando isso? — Ele perguntou perto de
sua testa, a profundidade de sua voz revestindo sua crueza. —
Porque ele tem sido assim desde que você entrou pela porta
daquela pousada há quatro dias. Estava assim quando você do
outro lado de sua sala de estar em Londres me recusou. E em
Edimburgo em abril. E cada vez que eu a vi por mais tempo do
que eu possa dizer.
— Pare. Não diga isso.
— Eu não preciso beijá-la para sentir isso, — disse ele. —
Você tem me virado do avesso por anos.
Então ela ouviu as batidas de forma bem clara — não em
sua cabeça ou no peito dele, mas na estrada a menos de cem
metros de distância. Cavalos. Movendo-se rapidamente.
Crescendo mais alto.
Colin estava completamente imóvel, os dedos ao redor de
seu pulso. As batidas dos cascos virando-se para a trilha de
ovelhas.
Ele a puxou para o cavalo. Saltando para a sela, ele se
abaixou e a arrastou para cima.
— Espere, — ele disse e ela mal teve um instante para
envolver os braços ao redor de sua cintura e apertar as pernas
contra Colin antes que Toby saltasse para frente.
A colina subia gradualmente, a borda de pedra subindo a
encosta e oferecendo uma estrada natural para o cavalo seguir.
Na metade da estrada, a cerca desmoronava em pedras
espalhadas e a trilha abruptamente se transformou em um
riacho atravessando a neve.
— Saltaremos agora, — Colin disse e então ela ficou quase
pendurada enquanto o cavalo se preparava embaixo deles e
saltava por sobre os restos da cerca e aterrissou com uma
precisão estridente na neve do outro lado. Ela apertou os
braços ao redor de sua cintura, espantada por ainda estar na
sela, e tentou ignorar o vento frio contra suas pernas nuas
enquanto ele instigava o cavalo a galopar.
Ele sempre fora um cavaleiro maravilhoso, destacando-se
na caça e em todos os outros obstáculos que seu pai havia
erguido para ele pular. Agora ela se agarrava a ele, sentiu o
poder em seu corpo comandando Toby tão completamente que
seu cavalo de tração estava correndo através de uma montanha
como um puro-sangue, e ela treinou seus ouvidos para o som
da perseguição. Por algum tempo ela não ouviu nada —
ninguém os seguindo, mas ela não sabia por que Colin não se
abrandava ou parava. O amanhecer foi se arrastando num halo
claro sobre o cume para o Leste, espalhando-se rapidamente e
a estratificação de neve na encosta era cintilante e cinzenta.
Não havia árvores em qualquer lugar, apenas encostas cobertas
de neve pura. Brevemente eles seriam inteiramente visíveis
para qualquer um, a cavalo ao longo da estrada, desta colina,
ou pelo lado oposto da montanha.
Eles galoparam até não restar mais colina.
O declive inclinado para baixo permitia uma velocidade
que a fez apertar os olhos e rezar para que as pernas e os
cascos resistentes de Toby pudessem aguentar, eles se
dirigiram para a estrada que subia mais acima do vale. A neve
estava fresca no chão, sem marcas de cascos ou passos. Seus
perseguidores deveriam ser do Sul ou do Leste. Talvez eles
tivessem encontrado Murdo. Talvez eles já tivessem visitado a
fazenda dos Boyds e ameaçado Abigail e Graeme a desistirem
deles. E talvez ela estivesse completamente envolvida em beijar
45
o homem que tinha sido em segredo seu nêmesis por cinco
anos e que se uma multidão de escoceses irritados tivesse
caído sobre eles três minutos antes ela sequer teria ouvido falar
deles.
A colina ficou para trás, mergulhando na estrada e dando
lugar à próxima encosta que se elevava íngreme para a
esquerda. A neve já estava derretendo e os cascos de Toby
batiam na estrada lamacenta, tornando fáceis às escuras
trilhas que os perseguidores seguiam. Ao redor deles, a
madrugada se elevava, riachos desciam da montanha à sua
direita e o sol projetando raios prateados e dourados no céu,
pontilhados de novas nuvens brancas. Cheio de sons ao redor,
mas eram da natureza reverberando pelas encostas.
Colin desacelerou o cavalo para um trote, mas ela não
conseguiu soltá-lo. Com as mãos estendidas sobre sua cintura,
as pontas dos dedos afundadas no casaco e o resto do corpo
pressionado contra suas costas, ela tremia demais. Forçando-
se a inalar lentamente, ela desejou que suas mãos se
afrouxassem.
De distante veio por cima do vento molhado as batidas de
cascos de cavalos.
— Droga, — ele rosnou.
Eles voltaram a galopar.
Com apenas meia noite de descanso e carregando duas
pessoas, o cavalo da carruagem se esforçava, enquanto corria
pela estrada encharcada, com os lados apertado sob os joelhos,
mas os passos certos e fortes. Ela abençoou Jonah por manter
o cavalo em boas condições, então abençoou o próprio Toby e
se segurou em Colin com força.
Mas o animal não podia correr indefinidamente
sobrecarregado por duas pessoas. Ele tropeçou uma vez,
sacudindo-a para o lado, e Colin a agarrou e o cavalo
recuperou o equilíbrio. Mas seu andar ficou menos firme,
menos confiante, mesmo quando seu ritmo diminuiu.
Abrindo os olhos, ela olhou sobre seu ombro para o cinza
pálido de manhã, e formou-se um aperto em sua garganta e
seu estômago se rebelou.
Quatro homens a cavalo estavam a galope a menos de cem
metros de distância.
— Colin.
Ele se inclinou para frente, puxando-a com ele, e ela
apertou suas coxas sobre seus quadris, suas panturrilhas
sobre os lados de Toby, e segurou-se fortemente nele.
Como se entendesse, o castrado deu um poderoso impulso
para a frente e voou. Ainda faltava milhas para o Castelo
Kallin. Eles iriam ser pego. E seu voo provaria a seus
perseguidores que eles eram culpados.
À esquerda, um riacho que descia a encosta coberta de
neve tornara-se um rio. À frente, cortava para o Norte, forçando
a estrada a se curvar em torno dela.
O vento chicoteava o cabelo dela em seu rosto, ela olhou
para trás. Os escoceses estavam a cinquenta metros.
Eles foram encurralados.
Começou como um zumbido, tão fraco que, acima da
batida dos cascos de Toby e dos cavalos de seus perseguidores,
ela mal ouviu. Crescendo rapidamente mais alto, tornou-se um
resmungo firme e borbulhante, como se o chão tivesse ouvido o
grito de um relâmpago e quisesse tentar aquele som também.
Então, na encosta oriental, ela viu. Descendo a colina eles
chegaram, uma escura e enferrujada horda de bodes
desgrenhados, chifrudos e de formas maciças cobrindo a
encosta da montanha como um rio poderoso. Agitando e
balindo, eles desceram, dezenas e mais dezenas deles.
Correndo montanha abaixo em direção a eles.
CAPÍTULO 17

O Anjo de Pip

— Vai! — Ela chorou. — Anda!


Toby se lançou para a frente, os cascos escorregando no
chão enquanto o rebanho fluía como uma única criatura até a
base da montanha e corria em direção à estrada. No extremo
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Norte do fato , um pecuarista apareceu, correndo à frente e
gritando, centenas de cascos abafando o som. O pescoço
esticado pelo esforço, as ancas trabalhando, seu dócil e plácido
cavalo de carruagem disparou para a frente no exato momento
que o rebanho atingiu a estrada.
Correndo e balindo, o rebanho se espalhou pelo chão liso,
o pastor correndo a menos de seis metros de distância,
arrancando o chapéu e acenando para eles com um sorriso
alegre antes de esmagá-lo de volta na cabeça e continuar.
Zenóbia esticou o pescoço ao lado. O rebanho cobria a
estrada da montanha ao rio, fluindo para o Leste em direção ao
sol nascente. No outro lado do rio, na encosta Sul, seus
perseguidores giravam seus cavalos, seus gritos perdidos no
meio do poderoso rebanho de bodes.
Outro pecuarista veio na direção deles descendo a colina,
mudando de rumo para encontrá-los na estrada vazia.
— Bom dia! — Ele exclamou, inclinando o chapéu. Seu
rosto estava profundamente barbudo, e ele usava calções de
couro, botas grossas e um belo tartan azul preso ao ombro.
— Como vai você? — Colin disse, fazendo Toby desacelerar
para se aproximar do homem. — Eu sou Gray. Somos amigos
de um homem que, acredito, deve ser seu companheiro, Davie
Wallace.
— Você é? — O rosto do pecuarista abriu um largo sorriso.
— Eu sou Shane MacDougal. Qualquer amigo de Davie de um
irmão meu. — Ele trouxe sua montaria perto com confiante
desconsideração pela segurança, estendeu a mão e apertou a
de Colin. — Pareceu-lhe estranho que eles aparecessem. — Ele
fez um gesto com a cabeça para o rebanho fluindo ao longo do
leito da estrada.
— Embora fortuito, — respondeu Colin. — Nós
gostaríamos de evitar aqueles homens na encosta.
A atenção do pecuarista mudou para ela. Ele sorriu.
— Esteve roubando uma esposa no lago, foi? Os homens
não ficaram muito felizes com isso, verdade?
Colin olhou para ela por cima do ombro, e seu sorriso
transformou tudo dentro de seu corpo que estava tremendo
como geleia.
— Isso foi precisamente o que eu fiz, — disse ele para
Shane.
O escocês jogou a cabeça para trás e soltou uma
gargalhada.
— Gosta um pouco de aventura, lass? — Ele perguntou a
ela. Ela conseguiu um sorriso vacilante.
— Um pouquinho.
— Estamos na estrada do Castelo de Kallin, — disse Colin.
— Qual é a distância pela estrada até lá?
— Não mais que três milhas para Glen Village sobre o
atalho. Mais dois para o castelo.
Segurança. E apenas um dia para Todos os Santos.
— Você pode nos ajudar a escapar desses homens, Sr.
MacDougal? — Ela perguntou.
— Sim. Fico feliz por isso lass. O rebanho precisa de água.
Poderei também banhá-los aqui. — Ele sorriu. — Aqueles
rapazes ficaram furiosos, mas vão chegar a Kallin antes deles
pegarem vocês — Ele puxou o chapéu e virou a cabeça do
cavalo dele. — Meus cumprimentos, Gray! Você agarrou uma
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lass bonnie . — Os cascos de sua montaria sacudiram a neve
quando ele partiu.
O sol empurrava as nuvens para o lado e lançava-se sobre
elas. Os espumantes planaltos verdes e brancos cheirava a
grama aquecida e rebanho agitado na neve, e suas saias, suas
pernas e braços foram salpicado com lama e voltava a sentir a
exaustão e tremor, por que eles mal tinham escapado da morte
e tudo tinha mudado. Tudo. Ela o beijou. Realmente o beijou.
E então ele disse o inimaginável.
— Eu agora acredito no anjo de Pip, — ela disse quando
Colin empurrou Toby para frente novamente e ela esticou o
pescoço para ver Shane entrar na beirada do rebanho e
cavalgar em direção ao outro pecuarista mais distante.
Colocando as mãos em sua cintura, ela deixou seu corpo se
mover com o passeio exausto do cavalo.
— Ela vai ficar bem até que eu possa voltar para a
fazenda, — disse ele. — Eu falei com Abigail.
— Eu sabia que você não teria saído sem primeiro garantir
sua segurança. Ela vai sentir sua falta — ela disse perto do
ombro dele. — Você é seu herói, sabe.
Em resposta, ele ficou em silêncio.
— E agora você é o meu também, — disse ela. —
Novamente.
— Tão vilão quanto herói, — ele disse. — Interessante.
— Mais ultimamente é muito mais herói. Você me
resgatou.
— Não tenho dúvidas de que, se não tivesse feito, você
teria conseguido se libertar e fugir de Murdo. E de qualquer
outra pessoa que aparecesse.
— Eu não poderia ter montado Toby como você acabou de
fazer.
— Bem. — Ele deu de ombros. — Você é uma mulher.
Seu estômago se arrepiou.
Ele olhou para baixo, para onde as mãos dela desciam em
sua cintura, e o rubor apareceu em sua bochecha, enfatizando
a covinha.
— Você disse isso só para me estimular, não é? — Ela
perguntou.
— Claro que não. — Mas ele sorriu. — Eu nunca brinco.
Incitando Toby para frente, ele os dirigiu para o Norte e
deixaram o rebanho de corte para trás.
Eles foram firme, o passo de Toby cansado, mas forte,
como um cavalo de carruagem. Ela não sabia que tinha
cochilado até que uma súbita imobilidade cutucou-a,
acordando-a. Seus braços estavam sobre a cintura de seu
companheiro novamente, e ela os retirou rapidamente, o que
era o epítome do absurdo neste momento.
— Por que nós...
No lado da estrada, cinco homens saíram de debaixo da
cobertura da árvore, observando sua abordagem. Esperando
por eles.
Mal vestidos, com casacos esfarrapados e calças rasgadas,
cada um tinha uma barba mais larga do que a outra. Um
faltava um antebraço, outro usava um tapa-olho debaixo de um
chapéu esfarrapado, e ainda um outro inclinou-se com uma
muleta debaixo do braço. Foram soldados uma vez, talvez, por
seus ferimentos. Agora vagabundos. Homens usados no campo
de batalha para ganhar as guerras dos homens que possuíam
riqueza e poder, depois enviados para casa, com os corações
nublados pela morte, para sofrerem as consequências infernais
de suas próprias mentes desordenadas. Lady Justiça havia
escrito sobre esses homens. Ela tinha suplicado a coroa e ao
Parlamento para ajudar essas pobres almas em encontrar
trabalho e recuperar sua honra.
Mas esses homens diante deles não haviam encontrado
ajuda. O anjo de Pip não estava à vista.
Seus dedos subiram para o braço de Colin. Por baixo do
casaco, os músculos estavam duros.
— Eu não tenho uma arma, — disse ele. — Nós deve dar a
volta.
— Não. Estamos muito perto do castelo.
— Eu não posso protegê-la. — Um tipo de desespero tenso
coloriu sua voz.
O homem no meio da estrada segurava na mão uma
xícara desgastada. Ao redor da asa da taça estava amarrada
uma fita amarela limpa, em um arco. Na lapela esfarrapada do
casaco de outro estava uma única rosa fresca.
— Você não precisa. Eu não acredito que estamos em
perigo aqui. — Jogando a perna sobre o traseiro do cavalo, ela
deslizou para o chão.
Colin saltou da sela e puxou o cavalo atrás dela. Mas seu
passo era rápido e confiante, e o animal foi aliviado; ele a
alcançou no momento em que ela parou diante dos
vagabundos.
— Bom dia, senhores, — disse ela brilhantemente,
puxando para trás o capuz para revelar um emaranhado
completo de cabelos claros. — Como vão?
— Bom dia, senhorita, — disse o mais soturno com um
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aceno de cabeça. Ele olhou para Colin. — Um penny para
homens que viram Waterloo, senhor?
— Waterloo? — Ela proferiu.
— Sim, estivemos antes disso em Quatre Bras. Éramos a
base 42º, perdemos.
— A Quadragésima Segunda... — ela começou. O Hotel
Royal Highlander tinha visto centenas de vítimas na batalha de
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Quatre Bras . Com uma sutil mudança de volta a seus
ombros, ela deu um passo para mais perto dele. — Você é um
herói. Obrigada pelo seu serviço.
O escocês enrugou a testa, mas assentiu.
— Claro que temos um penny para você.
— Nós não temos — disse Colin.
— Colin.
— Minha carteira sumiu. Murdo deve tê-la tomado. — E
ele não tinha pensado em recuperá-lo do velho bêbado porque
estava tremendo de alívio na hora. E beijando-a.
— Oh. Isso é lamentável. — Ela olhou para o líder. —
Nosso dinheiro foi roubado ontem à noite. Eu sinto muito, não
podemos ajudá-lo. Você —- ela olhou para as árvores — mora
aqui?
— Não, moça. Apenas descansando aqui um pouco antes
de prosseguirmos. Bryce não pode ir mais do que uma ou duas
milhas por dia. — Ele gesticulou para o homem com a muleta
que não tinha a metade inferior de sua perna. — Para onde
você está viajando?
— Neste momento, estamos fugindo de perseguidores que
pretendem nos machucar. Então, é melhor se continuarmos.
Eu não gostaria de chamar a atenção hostil deles para vocês.
— É gentil de sua parte moça. — Ele acenou para um dos
homens. — A bolsa, Cal.
Um deles puxou um pequeno saco de dentro do casaco. O
chefe balançou duas moedas em sua palma, tomou a mão de
Emily entre as suas próprias mãos, e colocou o dinheiro nela.
— Oh, meu Deus, — ela disse, seus olhos se arregalando.
— Eu não posso aceitar. Vocês...
— Nós temos algum, moça. Você não tem nenhum, — ele
disse. — Deus esteja com você. — Ele se afastou do centro da
estrada.
— Obrigada. Você é muito gentil. — Ela enrolou os dedos
ao redor das moedas, mas sua testa estava preocupada. — Por
que você está... aqui? Por que não está em casa?
— Não temos casa. Waterloo levou todo o clã Grady menos
nós e nosso laird também. Ele voltou para descobrir que a febre
levou nossas mulheres e crianças. Teríamos ido embora
também, exceto pela graça de Deus e do Solstício.
— O solstício?
Ele gesticulou.
— É a estalagem da estrada, moça.
— Uma estalagem? Por perto? — Ela lançou os olhos
animados para Colin. — Devemos estar perto do Castelo Kallin.
— O castelo é pouco abaixo do vale, — o escocês disse.
— Você sabe se o duque está na residência?
— Sim, ele está lá.
Ela bateu palmas.
— Esta é a melhor notícia que tivemos em dias.
Ele percorreu-a com ceticismo, seus olhos astutos girou
sobre suas roupas sujas de camponesa e os desordenados
cabelos, em seguida, retornou para seus olhos que eram muito
cheio de vida para ser uma dama.
— Oh, eu não sou... — disse ela. — Isso é… quero dizer
que não conheço bem o duque. Mas estou ansiosa para visitar
o seu castelo.

****

Muito obviamente, ela estava escondendo algo sobre sua


visita a casa do Duque de Loch Irvine. O que deixou Colin
doente por ter suas suspeitas, portanto, confirmadas, o que só
provava que ele também estava, obviamente, escondendo
alguma coisa.
E esse nome — o nome da estalagem — perturbou-o.
Solstício. Meses atrás, quando a sociedade de Edimburgo
acusou Loch Irvine de sequestrar donzelas para fins malévolos,
as meninas desapareciam nas noites de solstício e equinócio.
Colin conhecia apenas fragmentos da parte do raptor, e os
rituais peculiares que Constance e seu marido haviam
esmagado.
Furioso com ele na época, Constance não lhe contou mais
nada. Mas então o conde adoecera; Colin não tinha tido
nenhuma atenção para estes mistérios, apenas para suas
responsabilidades com suas terras, seu povo e o Parlamento, e
uma tenaz panfletária para finalmente rastreá-la. E ele não
tinha nenhum interesse em servir ao homem que por anos o
obrigou a mentir para seus amigos.
Não. Não fora forçado. Ele fez isso de bom grado. Ele
acreditava na importância desse segredo — por um tempo. Mas
ele acreditara em muitas coisas que agora lhe pareciam
erradas.
Até se desculpou com Emily, ele raramente pedira
desculpas a alguém em sua vida. O conde ensinou-lhe que se
desculpar era admitir que estava errado e tinha fraqueza.
Pedindo desculpas a ela não se sentia errado ou fraco. Era
honesto. Com ela, ele queria ser honesto. Ele queria se lembrar
de uma época em que nunca havia escondido quaisquer
segredos, nunca fingiu nada, nunca esqueceu o som de sua
risada ou o brilho rápido em seus olhos.
Eles deram dia bom aos soldados e ela foi para o lado do
cavalo.
— Você vai me ajudar a montar? — Ela perguntou, mas
seus olhos encontrando os dele eram nitidamente desafiadores.
Que assim seja. Se ela desejasse permanecer desafiadora,
ele não tinha nenhum desejo em particular de se tornar um
alvo para mais insultos irracionais. Não no presente.
Ela usou o apoio que ele fez com as mãos e se acomodou
na sela, as saias subindo sob os joelhos. O animal estava
exausto, e Colin não conseguiria senti-la tão perto por mais um
momento, não com o seu sabor ainda em sua língua e a força
suave de seu corpo ainda em suas mãos. Tomando a liderança
do animal, ele seguiu em frente e eles deixaram os veteranos de
guerra para trás. Ela não falou — sem precedentes — e ele
ignorou a cabeça dolorida e o temperamento
descontroladamente flutuante — também sem precedentes — e
caminhou tão rapidamente quanto a besta.
Como Shane MacDougal havia prometido, a estrada
chegou ao fim quando começava outra. O novo atalho corria
aos pés de uma longa crista de picos, as encostas subindo para
elas manchadas de cinza e verde com a neve derretendo. A cem
jardas para o Leste na estrada, um conjunto de edifícios foram
aparecendo na beira de um bosque de coníferas escuras.
Ele levou o cavalo para o edifício maior. Pintado com arte
na marquise colorida, bem no centro, do longo edifício branco
lia-se: SOLSTICE INN. E em letras menores, — Todos são bem-
vindos.
Amarrando o cavalo no poste diante da porta, ele entrou
pelo seu lado.
— Eu não vou permitir que você sofra nenhum dano, —
ele disse.
— Nem eu a você, — ela respondeu com sinceridade, como
se acreditasse que poderia realmente protegê-lo se chegassem a
isso. E talvez ela pudesse.
Com a coragem presa em sua garganta, ele estendeu a
mão. Ela permitiu que ele segurasse sua cintura, e ele deslizou
a mão mais para baixo.
— Tudo bem, — disse ele, nunca querendo tirar as mãos
dela.
— Sim. — Ela afastou-se para fora de seu alcance, mas ela
fez uma pausa diante da porta. — Não deveríamos continuar
para o castelo agora que estamos tão perto, em vez de nos
arriscarmos com aldeões mais hostis?
— É isso que você deseja fazer?
— Você já perguntou-me isso, muitas vezes, o que eu
desejo com esta viagem.
— Eu perguntei?
Sua garganta se moveu em um rolo singular, como uma
ondulação na superfície de um riacho criado pelo lançamento
de uma pedra nela. Mas ela não era um riacho tranquilo
serpenteando a estrada. Ela era um rio no auge do degelo da
primavera, volátil e imprevisível, seu humor tão inconstante
quanto o clima escocês e seu temperamento entre um momento
doce e a próxima torta.
— Eu não teria esperado isso de você, — disse ela.
— Parece que estou cheio de surpresas, — disse ele, e
abriu a porta para o tilintar de um sino que estava dentro. —
Agora, para roupas limpas, comida e sono, — disse ele. —
Nessa ordem. Venha, senhora aventureira, e esperemos por
simpáticos estalajadeiros e colchões macios.
— Se eu fosse outra mulher, — ela disse, olhando para
ele, — você sabe que ficaria ofendida com a menção de
colchões. Você sabe disso. — Não era uma pergunta. Era um
desafio.
— Se você fosse qualquer outra mulher, — ele respondeu,
cada centímetro de sua pele viva pela proximidade dela, — eu
nem estaria pensando em colchões.
Ela piscou como um pássaro curioso. Então ela entrou na
estalagem.
Tanto para a honestidade.
No foyer iluminado pela luz do sol de uma janela acima da
porta, quando ela tirou o manto, ele divisou o rosto dela. Suas
bochechas estavam rosadas. Violentamente rosa. Ele queria
envolvê-las em suas palmas e sentir o fogo de sua indignação
afundar em seu sangue.
O estrado da entrada era de madeira clara e estuque
pintado, mas limpo e cheirando a seiva de sempre-vivas recém-
cortadas. Uma mulher apareceu com um avental amarrado na
cintura. Olhos sábios e enrugados os avaliaram rapidamente.
— Bem-vindos, — disse ela. — Almoço e uma cerveja para
você, senhor, e chá, senhora?
— Sim, — disse Colin, — mas primeiro quartos, água
quente e sabão.
Ela assentiu com a cabeça e disse por cima do ombro:
— Ameixa, leve a bagagem de nossos convidados até
Sappho e Fanny Burney, depois leve os banhos.
A criada entrou no vestíbulo, jovem e morena, com os
olhos sombrios, mas bonitos.
Ela foi até a porta.
— Não temos bagagem, — disse Emily. — E, na verdade,
também não temos dinheiro. Não podemos nos dar ao luxo de
banhos ou mesmo de quartos.
— Se você tem dinheiro para banhos ou não, senhorita, —
disse a estalajadeira, plantando os punhos largos em seus
quadris, — você vai estar tendo-os. Mary Tarry não vai sentar
uma só alma em sua sala de jantar coberta de lama da cabeça
aos pés. A caridade terá que ser para você.
— Você é muito gentil. Nós pagaremos as despesas, uma
vez que tenhamos contatados nossos amigos.
— Temos um cavalo que tem sido mal usado e requer
atendimento, — Colin disse. — E eu desejo enviar uma
mensagem ao duque imediatamente.
— Sem dinheiro e ainda fazendo exigências? — Mary Tarry
disse com uma sobrancelha levantada. — Sim, você é de
qualidade, com certeza. Ameixa, mande Zion dar no animal
uma boa esfregada e aveia. Depois ela vai até ao castelo para
você, — ela disse com uma sobrancelha erguida para ele. — Eu
suponho que você quer escrever uma mensagem para Sua
Graça agora?
Zenóbia praticamente podia ver a batalha entre ele e a
diversão.
— Em seu melhor papel, é claro. — Seus belos olhos
sugeria um sorriso.
— Colin, acho que devemos contar a Sra. Tarry a verdade.
— Como quiser.
— Sra. Tarry, eu sou a filha do Conde do Vale, e meu
companheiro é Lorde Egremoor. Os moradores de Balloch e ao
longo de Loch Lomond tem nos confundido com um par de
ladrões que usando o nome de Sua Senhoria roubavam as
pessoas e cometeram crimes de indizível natureza.
Aparentemente nos assemelhamos aos ladrões, e fomos
forçados a deixar nossos companheiros de viagem e fugir para
o local de segurança mais próximo.
— É uma história, com certeza! Mas não encontrará boas-
vindas no castelo, milady. Sua Graça não aceita visitantes.
— Ele vai me aceitar, — disse Colin.
Ela deu-lhe uma avaliação cuidadosa.
— Sim, talvez ele queira.
— Você acredita em nós? — Ele perguntou.
— Se esta moça é uma ladra, eu vou comer a minha
aldrava. — Ela colocou os olhos quentes sobre ela. — Você tem
uma alma bonnie brilhando através desses olhos. Venha agora.
— Ela acenou para a escada. — Eu mesma vou cuidar do seu
conforto.
— Oh, você não precisa. Eu peguei emprestado este
vestido de uma mulher de bom senso, para que possa removê-
lo sozinha. — Ela não pôde impedir que seus olhos se
lançassem para seu acompanhante. Por todas as aparências,
ele estava estudando a sujeira em suas botas.

****

Mas a Sra. Tarry não ouviria nenhuma recusa, e ela a


arrastou pelos degraus. A sala de Fanny Burney era
luxuosamente confortável, com um espesso tapete que suas
bolhas dos pés afundaram com gratidão, limpas cortinas sobre
o dossel da cama, lençóis brancos e macios de suavidade
excepcional, travesseiros de penas de ganso, uma cadeira
confortável estofada de cetim azul colocada diante da lareira
que crepitava com chamas alegres, e uma banheira de cobre do
qual a serva, Ameixa, já estava derramando água fumegante de
um balde.
— Livros! — Deixando seu manto imundo de lado, Zenóbia
foi em direção à estante e caiu de joelhos. — Eu nunca tinha
visto uma estante de livros em uma estalagem antes. Que lugar
maravilhoso é este, Sra. Tarry. — As pontas dos dedos dela
deslizaram sobre os tomos, alguns novos e sedosos, outros
velhos e macios. Ela se inclinou para ler os títulos. — Deus do
céu! Cada um dos romances da senhorita Burney! E aqui está
Eliza Heywood também. Que coleção maravilhosa.
— Bem, você não é um estranha em livros, — disse a Sra.
Tarry, obviamente satisfeita.
— Quando fugimos de Balloch, fui obrigada a deixar
minha bagagem para trás, e não vejo nenhum livro desde... ah,
exceto os salmos na mesa de cama no vicariato perto de Tarbet.
Mas eu estava tão exausta que me lembro pouco daquela noite.
— Exceto Colin abotoando seu vestido na escuridão. — Sra.
Tarry, você acredita em nós, não acredita?
— Sim.
— Mas nossa história é absolutamente fantástica.
A estalajadeira assentiu.
— Eu já ouvi pior. Visto pior também. Agora, para dentro
do banho.
Banhada e embrulhada em um roupão de tecido mais
macio do que qualquer coisa que sua mãe possuísse, ela se
sentou diante da lareira apreciando a comida que a Sra. Tarry
tinha trazido e folheando um livro que não podia ler sem
óculos, simplesmente pelo prazer de tocar as páginas, até que
seus olhos se fecharam. Ela acordou encolhida na cadeira
junto à lareira, com os músculos doloridos, a luz do sol do fim
da tarde e uma batida suave na porta.
Que não seja Colin. Claro. A batida era muito hesitante
para o Conde de Egremoor. Que ela queria que não fosse ele,
mas que não conseguia parar de pensar em seus lábios, seu
beijo, e suas mãos no seu rosto, seus braços ao redor dela,
puxando-a para perto, fazendo-a senti-lo além de qualquer
coisa apropriada, senhorial e reservada — senti-lo
intensamente — provando sua insanidade temporária.
A criada que entrou não era do tipo pálida, mas ainda
jovem e sorrindo timidamente. Ela carregava uma pilha de
lençóis que, quando ela espalhou-os em cima da cama,
revelaram ser caras roupas feminina, pela qualidade do tecido
e bordado de quantidade delicadas, com rendas e fitas de cetim
enfeitando as roupas de baixo. Até as ligas e as pequenas
sapatilhas de cetim eram decoradas.
— Eu sou Rebecca, minha senhora. — Sua voz tinha os
tons lisos de uma americana. — Sua Senhoria me pediu para
trazer para você antes do chá.
A mão de Zenóbia se afastou de acariciar o belo vestido.
— Sua Senhoria? Mas onde ele os encontrou? Existe uma
loja nesta aldeia?
— Sim, milady. Senhorita Sophie costura lindos vestidos,
não é?
— Sim, de fato! Mais bonito do que qualquer coisa que eu
tenha visto. — Incluindo o único vestido de baile que sua mãe e
Clarice insistiam que ela guardasse. — Sua Senhoria, no
entanto, não pode pagar este vestido no momento, Rebecca,
nem qualquer das roupas de baixo. — Ele tinha desabotoado e
a abotoado por três vezes, e ainda tinha a noção de escolher
para ela estas roupas delicadas e o espartilho decorado com
uma minúscula fita de cetim rosa no topo do corpete a deixava
cheia de calor. Ela preferia roupas simples a roupas de baixo
com babados. Estas não eram precisamente com babados,
eram bastante elegante e bonita. Mais fitas e cadarços
equivaliam a uma coisa: o trabalho meticuloso dos dedos das
mulheres pagas com salários baixos por horas de trabalho,
para que as senhoras ricas e tolas da sociedade se sentissem
seguras de que usavam suas fortunas toda vez que saíam de
casa.
Era desprezível.
Mas seus dedos voltaram novamente para o vestido macio
de um tom verde tão sutil que era quase branco.
— Sra. Tarry lhe deu crédito. — Os olhos de Rebecca eram
profundamente castanhos e positivamente estrelados.
— Eu entendo. — Ela mordeu o lábio.
— Você não gosta deles?
— Eles são excelentes. — Requintadamente feminino. Ele
a imaginou com estas roupas? — Espero que você dê à
senhorita Sophie meus mais sinceros elogios.
— Com prazer, senhorita. Ela é como uma irmã para mim.
Viemos juntos.
— Com você? Da América?
A garota sorriu novamente.
— Sra. Tarry vai querer que eu ajude com o chá. — Ela
recuou em direção à porta. — A menos que você queira que eu
fique e a abotoe?
Ela aceitou a oferta. A roupa que ela tinha emprestado da
Sra. Boyds fora para lavanderia, e ela não tinha qualquer
desejo de ficar presa nesse quarto de dormir até que secasse.
Declinando o penteado elaborado, amarrou o cabelo com uma
fita e seguiu Rebecca escada abaixo.
— Bem! — A estalajadeira disse enquanto colocava um
vaso de folhas de pinheiro decorado com cones na mesa da
sala. — Você está muito bem, milady.
— É muito gentil de sua parte nos permitir crédito, Sra.
Tarry. Lorde Egremoor ainda está dormindo?
— Oh não, moça. Ele não dormiu. Depois de lavar-se, ele
selou o cavalo e partiu.
— Partiu? — Sem ela. Sem dizer a ela. Sem sequer dormir
primeiro. — Para onde?
— Para o castelo, moça. Agora, se você estiver querendo
chá, há uma casa de chá bem pequena ao longo da rua.
Ameixa correu a palavra para que você tivesse o que quiser.
Era como se ela tivesse saído de um pesadelo, de um
sonho ruim. O alpendre da estalagem estava limpo, a rua
pavimentada junto a sua borda de modo que seus novos
sapatos não sofreram com as poças antes que ela chegasse a
casa de chá. A casa de chá em si era um retrato do estilo
pitoresco, com um poste exibindo com uma placa branca
pintada em letras garrafais. Um sino tilintou quando ela
entrou. Olhando em volta do pequeno espaço disposto com
mesas arrumadas com porcelanas florais, toalhas de mesas
estampadas e pratos de marmelada, o olhar dela seguiu a linha
de um encantador balcão de latão sobre o qual havia um prato
de bolinhos e acima encontrou com o olhar atônito de sua
irmã.
CAPÍTULO 18

Diversas descobertas
significativas

As duas filhas mais velhas do conde e a condessa de Vale


não passaram a infância escondendo suas aventuras menos
admiráveis de seus pais, sem aprender os sinais rápidos e sutis
do rosto de uma e da outra. Agora eram instantaneamente,
inteiramente claro para Zenóbia que Amarantha não desejaria
que ela fizesse qualquer uma das coisas que desejava fazer:
gritar o nome dela, jogar os braços ao redor dela, e explodiu em
lágrimas de alívio.
Em vez disso, ela afastou a atenção de sua irmã e permitiu
que a dona da pequena casa de chá a colocasse em uma
cadeira estofada, colocasse chá em uma xícara decorada com
um padrão de prímulas e colocasse um prato de bolos diante
dela.
Por toda a sua bondade amanteigada, os doces eram pó
sobre a sua língua. Amarantha desapareceu atrás de uma
porta nos fundos da loja, mas quando reapareceu,
ocasionalmente para servir aos clientes, Zenóbia lutou para
não olhá-la, enquanto engolia os doces com goles de chá.
Esperando até que a proprietária desaparecesse na cozinha, ela
foi até o balcão.
— Você gostou do bolo, minha lady? A Sra. Tarry tem mais
na estalagem que foi assado esta manhã. — A voz de
Amarantha era todo o calor do verão e a cor de cada flor de
uma só vez, e seus olhos transbordavam de afeição e
entusiasmo.
— Eles estavam deliciosos. — Sua própria voz não era
mais do que um grasnido, a emoção engrossando sua garganta.
— Você está passando pela vila?
— Permanecerei durante a noite, na verdade. Eu tenho
viajado há algum tempo e saí para me refrescar e esticar
minhas pernas. Você poderia me recomendar um bom passeio?
Não muito longo, claro, dada a hora.
— Oh, sim! — Amarantha a conduziu em direção à porta.
— É a estrada mais bonita que você já viu. Um fio do rio Irvine
serpenteia aqui. Eu vou te mostrar.
A proprietária saiu da cozinha.
— Eu voltarei em um instante, — Amarantha disse à
mulher, seu belo sorriso enchendo seu rosto, e Zenóbia queria
enrolar seus braços em torno dela e abraçá-la e abraçá-la e
abraçá-la.
Quando saíram da loja, Amarantha sussurrou:
— Sorria. Finja que estamos conversando sobre o bolo, ou
o tempo, ou...
— Qualquer coisa, exceto como estou feliz em vê-la? — Ela
piscou as lágrimas. — Amy, estou tão aliviada.
— Emmie. Emmie! — E então ela abriu um portão para
uma estrada cercada por enormes arbustos, e elas estavam se
apertando uma a outra com força.
Amarantha quebrou o abraço, tomando os dedos de
Zenóbia com mãos firmes.
— Minha querida irmã, por que você está aqui?
— Estou procurando por você, claro. Onde você esteve?
Por que não escreveu?
— Oh, Emmie, o quanto eu quero te contar! Mas não há
tempo. Preciso voltar para a casa de chá ou essa mulher boba
perguntará para onde eu fui e ela contará a todos. Ela não
confia em mim. Não sei se algum deles sabe, exceto, talvez
Sophie. Ela é a costureira daqui. Eu sei com certeza que a Sra.
Tarry suspeita de mim. Ela é inteligente demais...
— Suspeita de você? Sobre o que? Você está com algum
tipo de problema?
— Não. — Amarantha soou sensata. Mas o aperto dela era
excessivamente forte. — Eu estou bem. Não fiz nada de errado
e não acredito que alguém aqui me deseje mal.
— Mas por que você não escreveu para mim? Para mamãe
e papai? A última notícia que tivemos era que você embarcou
em um navio e nada mais durante meses e meses. E então eu
recebi uma carta de alguém se dizendo amigo e me convidando
a encontrá-lo no Castelo Kallin.
— Uma carta sobre mim? De um amigo? Alguém daqui
sabe quem eu sou?
— Eu vim tão rápido quanto eu poderia, é claro. Todos nós
estávamos doentes de preocupação.
— Eu não fui capaz de escrever. Ficamos presos no mar
por tempestades, e, em seguida, quando desembarcamos em
Edimburgo eu fui obrigada a me esconder por várias semanas.
— Esconde-se? Por quê? Penny estava com problemas
depois de tudo?
— É complicado. Emmie, Penny é... — Sua garganta se
contraiu. — Ela se foi.
— Se foi? Oh. Amy, eu sinto muito. Isso é muito triste. Foi
durante a travessia?
— Não. Seu navio chegou em Edimburgo dois meses antes
do meu. Eu a encontrei, eventualmente. Mas... Eu estava lá
quando ela morreu.
— Ela estava doente?
Amarantha apertou as mãos com mais força.
— Vou contar a todos vocês. Eu prometo. Mas preciso
voltar à loja agora. — Seus olhos se arregalaram de repente. —
Emily, acabei de perceber algo, era Colin que eu vi perto do
estábulo do Solstício hoje cedo, não era?
— Eu suspeito que sim. Sim. — A menos que o conde
impostor tivesse chegado na aldeia.
— Colin, — disse Amarantha categoricamente. — Colin
Gray?
— Sim.
O espanto empalideceu as bochechas da irmã, fazendo as
sardas saltarem do nariz dela.
— Você viajou para aqui com ele?
— Em uma maneira de falar. Mas, Amy, isso realmente
não é importante agora...
— Não é importante? — Ela piscou os longos cílios de
canela. — Emmie, você não está planejando se casar com ele
depois de tudo, não é? Bom Deus, você quer?
— Não. Amarantha, isso está o suficiente fora de
cogitação. Cesse estas perguntas e me diga por que não posso
reconhecê-la como minha irmã para todos naquela casa de
chá.
— Não só na loja de chá. Em toda a aldeia, Emmie. Não
conte a ninguém, eu te imploro! E por bondade não deixe Colin
ver-me. Ele é muito sério para mentir, mesmo que seja por uma
excelente razão. Já é desastroso o suficiente que a pessoa que
escreveu essa carta para você conheça meu nome verdadeiro.
Eu desejo saber por que enviou-lhe, e porque não me delatou
aos outros. Mas se todos por aqui descobrirem quem eu sou,
não vou descobrir nada. E eu estou tão perto, depois de tantos
meses. — Sua voz implorou. — Eu imploro a você, irmã. Tenha
a certeza de que estou segura, e não revele minha identidade.
— Mas, Amy, o que é isso tudo? Do que você está perto de
descobrir?
Seus olhos brilharam.
— Emmie, acho que descobri o mistério do Duque do
Diabo!

****

Colin nunca havia falado com o duque de Loch Irvine, só o


vira em uma sala em Londres algumas vezes. O duque
mantivera seu título desde a guerra quando seu irmão mais
velho pereceu e seu pai pouco depois. Naquela época, Gabriel
Hume havia retornado prematuramente de sua permanência
no mar a serviço da Marinha Real para assumir o ducado. Pela
aparência externa ele conseguiu bem. Dono de extensas
planícies semeadas com trigo, cevada e aveia, com sua
propriedade nas Terras Altas com renda vindo principalmente
das ovelhas e dono de dois castelos e um navio impressionante,
envolvido em empreendimentos mercantes de sucesso modesto,
ele parecia um laird escocês bastante típico — exceto pela
acusação de sequestros e assassinatos que as fofoqueiras de
Londres a Edimburgo, lançavam contra ele há mais de um ano.
Enquanto Loch Irvine cortejava Constance meses antes,
ela descobrira que ele viajava pela Grã-Bretanha com
frequência, raramente permanecendo em qualquer residência
por muito tempo, e que ele era ao mesmo tempo mais reservado
e mais perspicaz do que a sociedade imaginava. Colin sempre
pensou que ele deveria ser um capitão naval ou era muito
experiente, de outra forma estaria no fundo do oceano com seu
navio e a tripulação. E Loch Irvine cortejara Constance mesmo
depois de saber que sua inteligência era afiada e acompanhava
sua beleza extraordinária.
As famílias das moças que desapareceram de Edimburgo,
com idade de casar tinham acusado Loch Irvine por uma
causa: um emblema desenhado na capa ensanguentada de
uma das moças desaparecidas. O símbolo existia em apenas
um lugar na Grã-Bretanha, esculpida em pedra sobre o portal
do Castelo de Haiknayes, e Haiknayes pertencia a Loch Irvine.
Agora, enquanto Colin cruzava a sala de visitas do duque
para cumprimentar o lorde, rumores de sequestros e
assassinatos violentos pareciam estar a um mundo de
distância. A sala estava montada com bom gosto, com mobília
suave de construção elegante, tapeçarias de desenho antigo e
uma lareira maciça cuja chaminé funcionava bem para uma
velha pilha de pedras; nenhuma fumaça manchava o ar frio.
Em vez disso Colin podia praticamente sentir o cheiro de sua
pele e do sabão que tinha usado para raspar a barba na
pousada, e a frescura da camisa de linho fina e a gravata que a
Sra Tarry tinha fornecido.
Todos os aromas vinham com particular acuidade para ele
agora, e soavam mais nítidos, como as chamas no fogo da
lareira e os passos do duque nas tábuas do assoalho de
madeira. Texturas como: o roce da roupa contra sua
mandíbula, a carícia de uma mecha de seu próprio cabelo
caído sobre a testa. As cores pareciam mais brilhantes
também: os brilhantes fios carmesins e dourados das
tapeçarias, o azul vibrante da faixa do tartan sobre o punho da
claymore fixada sobre a lareira, e o marrom cauteloso dos olhos
de Loch Irvine sob uma cascata de cabelos negros. Era como se
o mundo tivesse se tornado um festival, e ele no meio disso,
experimentando tudo como se tivesse vivido em uma caverna
até agora.
— Meu lorde, — Loch Irvine disse secamente. — O que o
traz a Kallin?
— Sua Graça, — respondeu Colin e, sem pensar, estendeu
a mão. Pelo amor de Deus, ele estava se comportando como o
plebeu que ele estava fingindo ser há uma semana. Mas Loch
Irvine pegou sua mão apertando com força — por um
momento, com muita força — antes de soltá-la. — Obrigado por
me permitir entrar no castelo.
— Eu não tenho briga com você, — disse o duque com a
sobrancelha desenhada. — Você tem minha simpatia pela
perda de seu pai.
— Obrigado. — Peculiar que um duque recluso soubesse
desta notícia tão rápida. — Aconteceu muito recentemente, é
claro.
Os olhos de Loch Irvine se estreitaram.
— Eu li no Times.
— Naturalmente.
Loch Irvine não lhe ofereceu chá, vinho ou whisky. Nem
mesmo uma cadeira.
— Eu não tenho nenhuma briga com você, lorde Egremoor
— repetiu o duque em um profundo e ondulado sotaque — a
menos que você tenha me trazido uma agora.
— Eu não trouxe. Pelo contrário, vim pedir-lhe um favor.
Estou na Escócia em uma missão, procurando uma mulher
que desapareceu.
Os cílios do duque se contraíram levemente.
— Uma mulher?
— Uma amiga de uma conhecida minha a quem devo uma
dívida. Nada terrivelmente interessante. — Colin acenou com
uma mão negligente. — Em busca da mulher aqui, no entanto,
tenho, infelizmente, passado por uma série de infortúnio em
minha jornada. Parece que um ladrão está usando meu nome
para se familiarizar com estalajadeiros e viajantes de Stirling a
Loch Lomond e, em seguida, roubá-los. Ele e um cúmplice
mataram pelo menos uma pessoa. Parece que, desde que você e
Argyll colocam um preço pela cabeça desses ladrões, os
moradores estão ansiosos para pegá-los. Eles, no entanto,
infelizmente, decidiram direcionar suas atenções para mim ao
invés do ladrão real.
A testa de Loch Irvine tinha se franzido de novo.
— Eu não sabia que o vilão tinha tomado seu nome.
— Aparentemente, ele se assemelha a mim, e eu estou
receoso que isso tenha me causado algumas dificuldades. Fui
obrigado a abandonar meu cavalo, de repente, perto de Luss.
— Que má sorte. — O duque fez uma careta. — Vou fazer-
lhe o empréstimo de um dos meus cavalos, claro. E eu vou
cancelar a recompensa.
— Eu sou muito grato. Também agradeceria pelo
empréstimo de uma carruagem e escolta, apenas para ir a
Ardlui.
— Encontrou a menina desaparecida, não foi?
— Mulher, — corrigiu Colin, e os olhos do duque se
aguçaram. — Não. Ainda não. Mas o cúmplice do impostor
parece ser um homem pequeno que, ocasionalmente, se veste
como uma lady, como uma distração para as suas vítimas, eu
suspeito. Eles tem colocado uma verdadeira dama de meu
conhecimento em perigo desde Balloch, e ela tem viajado
comigo, fugindo do perigo, por vários dias. A carruagem é para
devolvê-la ao seu próprio veículo.
O duque estudou-o.
— É um conto estranho e improvável o que você está
contando.
— Não mais estranho ou improvável do que um duque que
geralmente é considerado um sequestrador e assassino de
donzelas e, que nunca falou para se defender, — ele respondeu
suavemente. Os pelos da nuca estavam arrepiados, todos os
músculos conscientes da violência latente do homem diante
dele.
— Você está me ameaçando? — Loch Irvine rosnou.
Colin levantou uma sobrancelha.
— Existe alguma razão pela qual eu deveria?
Pensamentos, então, pareciam passar por trás dos olhos
profundos do duque em rápida sucessão. Abruptamente seus
ombros maciços caíram. O ar sobre ele mudou.
— Uma dama de seu conhecido? — Ele perguntou.
— Uma dama de verdade. — Colin ofereceu um sorriso de
homem para homem. — Na verdade, tive um diabo de
contratempos sobre isso. — Um eufemismo. — Você vai me
oferecer uma bebida, finalmente?
Um sorriso surgiu antes que o duque se movesse para o
aparador.
— Vou mandar a carruagem para a estalagem pela
manhã. — Ele serviu dois copos e deu um para Colin. — Isso
vai servir para você?
— Muito bem. E você vai cancelar os cães caçadores?
— Sim. Vou mandar uma mensagem por um cavaleiro
veloz. — Loch Irvine engoliu metade do copo em um só gole.
— Eu o agradeço. — Colin girou o whisky, o seu cheiro
forte nas suas narinas, mas, de repente, o cheiro da pele dela
tomou parte em sua lembrança. Sua boca tinha gosto de
whisky quando ele a beijou na cozinha daquele fazendeiro de
ovelhas, como um jovem provando seu primeiro beijo com uma
menina, hesitante, cuidadosamente, com tanto medo que ela
fosse embora. No entanto, ela não tinha recuado.
Então, na estrada, ela o beijou de volta.
— Qual é a real dama? — Loch de Irvine resmungou
perguntando, através de sua estupefação.
— Lady Emily Vale — o nome caiu sobre sua língua antes
que pudesse deter, e ele foi abruptamente olhado pela
profundidade marrom de seus olhos cheios com surpresa. —
Eu confio na sua discrição, Loch Irvine — disse ele, observando
o olhar do duque se fechar rapidamente.
Inteligente. Foi o que Constance disse sobre Loch Irvine.
Experiente.
Secreto.
Ele acrescentou:
— Lady Emily sofreu o pior tipo de inconveniência ao ser
aprisionada neste infortúnio que não é de forma alguma culpa
dela e sim dos ladrões, e do seu cúmplice, — e muito
provavelmente dele também.
— Sim, — o som de Loch Irvine retumbou. — Um homem
não rouba o nome de outro homem sem motivo.
— Isso tem sido o meu pensamento também. Mas eu
confio em você para não compartilhar a parte dela nisso com
ninguém.
— A quem você imagina que eu contaria? — Loch Irvine
esvaziou seu copo e colocou-o no aparador. — Seu segredo está
seguro. — Ele olhou por cima do ombro. — E dela. Eles
também não vão compartilhar o nome dela na aldeia — disse
ele seriamente, um homem seguro da lealdade de seu povo.
— Estou em débito com você.
O duque foi até a porta.
— Pike levar-lhe-á para fora. — Então ele foi embora e o
pequeno lacaio que tinha deixado Colin na entrada estava de
pé na porta. Ele o seguiu até o portal principal.
Loch Irvine era um homem peculiar. No entanto, Colin
confiava nele.
Em tenra idade, ele aprendeu a ler a alma das pessoas.
Em sua infância, nos meses entre as férias com os Vale e sua
família — infinitos meses durante o qual não via ninguém,
somente servos, ele tinha encontrado meios para preencher o
silêncio com cuidadosas observações de cada som que ele
ouviu, cada mudança de tom de voz, a cada lufada de perfume,
todas as tonalidades e cores, todas as sensações que vieram à
pontas dos seus dedos, pele e língua. De seu lugar de silêncio,
ele se tornara perito em notar a menor marca da testa de um
homem, a contração dos lábios de uma mulher, a inclinação da
cabeça de uma criança, a batidinha de um dedo do pé ou o olor
do rapé que um nariz olfateava ou a coçada de uma cabeça. O
movimento humano e o som humano tornaram-se seus
companheiros de brincadeira. E, eventualmente, ele tinha
aprendido como interpretá-las.
Após a morte de sua mãe, a corte fora um lugar silencioso
e cheio de sombras em que ele havia desaparecido. Na maioria
das vezes, quando o conde estava em Londres para a sessão do
Parlamento, Colin passava na casa e propriedade despercebido.
Às vezes os servos o via observando-os enquanto falavam ou
fofocavam enquanto trabalhavam. Eles baixavam suas vozes,
mas nunca pararam suas conversas. Era como se soubessem
que o herdeiro sem palavras de Egremoor não compartilharia o
que ouvia com ninguém.
Ele não falaria. Ele poderia ter escrito para o pai sobre
algo ou todo o que ouvia. Mas ele não havia escutado com esse
propósito. Ele tinha escutado porque suas preocupações,
raivas, alegrias, mágoas e tudo o que eles sentiam o fizeram se
sentir menos sozinho. Eles fizeram ele se sentir bem.
Juntando a linguagem silenciosa de seus corpos com suas
palavras, que ele invejava, e a profunda solidão, ele aprendera
por si mesmo a habilidade de discernir na menor ação de um
homem ou no menor som de uma mulher tudo o que ele
precisava saber para entendê-los.
Na época, ele não sabia que essa habilidade era valiosa.
Anos mais tarde, o homem que se tornou seu mentor, vira
essa capacidade, que ele tinha cultivado para servir suas
necessidades. Enquanto outros jovens de nobre nascimento
passavam os dias na cidade em casas de prostituição e jogos
gastando sua renda, Colin acolhia as tarefas estabelecidas para
dele, e aprimorando sua habilidade. Um homem deve primeiro
ser capaz de entender os outros para controlá-los, o conde
sempre dizia. Que melhor maneira de controlar as pessoas
inferiores que um dia seriam sua responsabilidade do que
praticando em seus colegas inconscientes?
Ele nunca acreditou nisso, embora — não durante sua
infância — os arrendatários agricultores e a pequena nobreza
de Egremoor fossem seus inferiores em outra coisa, senão na
hierarquia. Como eles poderiam ser quando podiam falar e ele
não? Nem tinha acreditado que os motivos do diretor do Falcon
Club fossem motivados totalmente pela honra. Mas ele
concordara com isso. Na sucessão cinzenta de aço dos deveres
com o condado e de como sua vida se tornou na Inglaterra, as
alternativas de dissipação moderada, fofoca inesgotável e tédio
elegante que eram o sangue de sua vida social. O cenário não
tinha apontado para ele.
Então ele podia ler pessoas como livros. E agora estava
inteiramente claro para ele que o duque de Loch Irvine estava,
de fato, escondendo um segredo. Era igualmente claro que o
próprio duque não era vilão. Como tal, ele não era a
preocupação de Colin.
Emily era. Mais uma vez, depois de tantos anos, ela era
sua responsabilidade — Emily, cuja cada emoção mostrava em
seus olhos brilhantes, em sua boca móvel e através de sua pele
macia, e ainda assim cujos pensamentos eram, no entanto,
inteiramente um mistério para ele.
De todas as almas que ele já conheceu, apenas ela
destruiu sua capacidade única de ver a mente e o coração de
outra pessoa e extrair o que ele precisava deles.
Ela somente.
Onde ela estava preocupada, ele era cego. Surdo. Mudo.
Totalmente desfeito. Ela era um festival, uma folia de cores,
sons, texturas e aromas que enchiam seus sentidos até que ele
não conseguisse respirar, não conseguisse pensar, não pudesse
falar por estar tão afundado em sensações. Com ela, ele estava
de joelhos no meio de uma cacofonia decadente de
sentimentos, inteiramente à sua mercê.
E ela não tinha ideia.

****

Ela andava de um lado para o outro na sala de visitas,


seus olhos não vendo a mobília confortável, nem o fogo
aconchegante ou o tapete embaixo de suas sapatilhas, nem a
bainha de um vestido muito fino para seu gosto ou mesmo a
porta em que seu olhar estava fixo. Ele não voltara do castelo
Kallin e ela não conseguia ficar sentada.
Nenhum boato sugeria que o duque de Loch Irvine tenha
sequestrado ou assassinado homens, é claro. E se chegasse a
isso, suspeitava que Colin poderia se dar bem em socos; deve
ser para este motivo que ele manteve todos os músculos duros
sob o casaco, depois de tudo.
Mas ele estava exausto e ela não podia deixar de imaginar
os piores cenários possíveis. Seu cavalo poderia tropeçar no
escuro e ele cairia em uma ravina. Ele poderia ser pisoteado
por gado, ou cair em algum conflito com o conde impostor e
seu cúmplice, ou cavalgar rapidamente para longe suspirando
de alívio em finalmente se livrar dela.
Sua irmã estava segura, saudável, cheia de energia e
decidida a provar a inocência do duque para o mundo assim
que conseguisse entrar em seu castelo. Zenóbia não conseguiu
dissuadi-la dessa missão como ficou claro pelo fervor dos olhos
de Amarantha e pelo conjunto firme de seus lábios. Tinham
decidido que ela iria manter o compromisso no castelo no dia
seguinte. Por sua vez, ela tinha feito Amy prometer que
escreveria para Constance em Edimburgo, se ela se visse em
necessidade, e escrever para ela em Londres assim que
pudesse enviar uma carta sem detecção. Então elas se
abraçaram, despediram-se e ela voltou à estalagem para
descobrir que Colin ainda estava ausente.
Agora, com o peso de meses de preocupação levantados e
a certeza de que Peregrino nunca encontraria a pobre Penny
Baker e não exigiria a verdadeira identidade da Lady Justiça
como recompensa, ela só tinha um desejo: pegar Clarice e
Jonah e voltar para casa o mais rápido possível. Poucos na
aldeia pareciam preocupados com os ladrões; seus crimes eram
meros boatos, longe de Loch Lomond. Com a ajuda do duque
de Loch Irvine, eles finalmente descartariam o perigo que os
perseguia. Então ela estaria livre para partir para Ardlui onde
ela se reuniria com suas amigas.
E, ainda mais, ela imaginava se dirigindo para longe de
Colin, o mais velozmente que o ritmo de seus pés, que estavam
de um lado a outro da sala, pudessem levar.
O espanto de Amarantha por encontrá-la com ele não
poderia ter sido maior. Sempre que seus pais mencionavam o
esperado casamento, sua imediata desconsideração da ideia
levara muito tempo para as irmãs acreditarem que ela o
desprezava e nunca concordaria com tal coisa.
Ela não aceitaria — ainda — e não importava o quão
fantasticamente bom era beijá-lo.
Nada havia mudado nisso.
Mas ela realmente nunca o desprezara. Ela de repente,
agora, pensava que talvez nunca tivesse sentido desprezo, e foi
um despertar rude, duro e doloroso para seu obstinado
preconceito ficar no meio da adorável sala de visitas da Sra.
Tarry e finalmente entender a si mesma.
Por anos ela tinha girando seus pensamentos sobre
resmas de papel, compartilhando seus sentimentos livremente
com milhares de pessoas, incluindo um homem exasperante.
No entanto, ela não fazia a menor ideia do que fazer ou dizer
quando ele lhe disse, que o fazia pensar em colchões. Ela era
um desastre no flerte e em qualquer caso, não conseguia
acreditar que ele estava flertando com ela. O que significava
apenas que realmente não quisera dizer o que ele disse. Que
ele não tinha nada a ver com o homem que ela acreditava ser
durante anos.
Se ao menos eles pudessem retornar à fria indiferença e
insultos cruéis por escrito. Isso ela sabia fazer. Isso — apenas
olhando para ele e sentindo o corpo inteiro cheio de excitação
— era estranho e aterrorizante e ela queria envolvê-lo em uma
bola de barro e lançá-lo em um lago, como haviam feito quando
eram crianças e escreveu feitiços mágicos e secretos que ela
não queria que suas irmãs encontrassem.
A porta se abriu e Colin passou por ela. Suas bochechas
ardiam como carvões.
Ele, no entanto, estava perfeito — perfeito como sempre,
um pouco despenteado de andar no frio, com um rosado nas
maçãs do rosto, mas ainda assim severo, bonito, forte e
absolutamente confiante na maneira como simplesmente
entrava em uma sala e parecia comandá-la.
Parado próximo a entrada, ele a olhou, e ela resistiu à
vontade violenta de se virar. Ela ansiava por ele. Ela queria
aquela força que a segurava, tocando-a e sua boca lhe dando
prazer. Certamente era seu corpo de fêmea madura sinalizando
sua prontidão para procriar com um macho viril. Era uma
reação perfeitamente natural.
Isso não daria certo. Ele era o seu detrator público mais
virulento, que ria do sofrimento dos outros simplesmente para
divertir seus pares parlamentares que desprezavam Lady
Justiça também. Seu intelecto estava gritando para ela correr,
mas havia uma desesperada dor em seu peito, e ela sabia que
não era a madureza corporal ou qualquer outro tipo de
desculpa que anexava seus pés ao chão. Ele, era ele. Este
homem. Apenas esse homem.
Porque ele a carregou numa montanha, montou em um
cavalo de carruagem, comeu cogumelos crus e mal dormiu em
dias, a fim de garantir sua segurança. Porque ele tinha sido
atencioso com os fazendeiros, mesmo quando duvidavam de
sua palavra. Porque ele havia oferecido a Davie Wallace uma
fazenda inteira, embora ele pudesse ter lhe oferecido muito
menos. Porque ele arrancara uma minúscula camponesa de
circunstâncias indescritíveis, apesar da inconveniência e pura
insanidade de sequestrar uma criança de sua própria família,
enquanto era perseguido por pessoas que pensavam que ele era
um ladrão e um assassino. Porque mesmo agora ele estava
olhando para ela do outro lado da sala como se pretendesse
salvá-la desses perseguidores.
E porque ele era um arrogante, privilegiado, aristocrata
orgulhoso que pensou muito pouco nas consequência, mas
também ainda era Colin, seu Colin, e ela sempre tinha o
adorado, mesmo quando o tinha odiado.
— O que é isso? — Ele fechou a porta sem tirar o olhar
dela. — Aconteceu alguma coisa?
— Por que você foi sem mim?
— Você estava dormindo. A pressa era essencial.
— O duque nos ajudará?
— Sim, — disse ele, não vindo para a frente. — Você está
obviamente angustiada. Me diga o que está errado.
— Eu… — ela disse, então seus lábios se fecharam por
vontade própria. Com a mesma torrente de necessidade que
sempre dirigia sua pluma para escrever discursos apaixonados,
ela forçou seus lábios a se abrirem. — Eu estava pensando em
você. Eu estava pensando em você me beijando. De como eu
queria que continuasse e continuasse. E de como eu quero que
você me beije novamente.
Ele não se mexeu.
— Você disse que foi um erro. Você me disse para parar.
— Eu quero que seja um erro.
— Emily. — Sua voz foi despojada. — Isso está me
matando.
Matando-o?
— O que é? — Ela perguntou.
— Você. Você está completamente inconsciente, tão
ingênua, que não consegue vê-lo?
— Eu não sou ingênua. — Não como ele pensava. — Estou
confusa. Eu não sabia que poderia matar alguém. Mas, não
especialmente você. Até dois dias atrás, pensei que você me
odiasse.
— Eu odeio, — disse ele com rapidez. — Eu odiei. Não.
Isso é... não. Não. Nunca você. Pelo contrário, a mim mesmo.
— Você se odiava por querer me beijar?
— Não. — Ele olhou para cima, longe, e sua garganta
secou. — Meu Deus, Emily.
— Colin.
— Nada é como deveria ser. — Ele correu uma mão
através de seu cabelo, bagunçando as mechas escuras e
segurando sua cabeça. — Eu não sei o que está acontecendo
comigo. Eu passei uma hora com Loch Irvine e não faço ideia
do que falamos. Nenhuma. Eu não posso pensar, e minhas
mãos estão tremendo tão forte que mal pude manter as rédeas
cavalgando até aqui. É um milagre que eu tenha retornado
vivo.
— Você não dormiu em dias. Você está exausto.
— Eu quero você. — O ar entupiu sua traqueia. — Eu
quero você, Emily. — Seus olhos estavam tão escuros, febris e
inundados de vulnerabilidade.
— É apenas uma distração, como você disse, — ela
sussurrou. — Não é?
— Não mais. Oh, Deus, nunca foi. — Sua respiração era
dura, rápida. — Eu pensei que poderia controlar isso. Eu
pensei que eu... — Os músculos de sua mandíbula se
flexionaram. — Eu estava errado. Apesar de seus sentimentos
claramente definidos, não posso. Não posso controlá-lo. E
agora... — Suas mãos se fecharam ao seu lado, as juntas
brancas. — Isso é insuportável. Eu não deveria tê-la beijado.
Eu imploro seu perdão por isso.
— Mas agora sabemos algo por causa disso. E o con…
conhecimento é sempre uma coisa boa.
— Isso depende do conhecimento em particular. — Ele
parecia totalmente incerto. — O que sabemos agora?
— Que eu quero que você faça de novo! Você não ouviu o
que eu disse há minuto atrás? Por que ninguém nunca escuta
m...
Ele levou menos de um instante para atravessar a sala e
ainda menos tempo para colar suas bocas e para persuadir os
lábios dela com os seus. Ela os separou de bom grado,
avidamente, recebendo seu calor e suas mãos, e a intimidade
chocante e perfeita de sua língua acariciando a dela. Então sua
boca estava em seu pescoço, e seu pescoço arqueando-se, seu
corpo pressionando o dela contra a parede. Ela gemeu e suas
mãos correram para baixo, por seus braços, por seus lados,
subindo novamente para rodear os lados dos seios dela.
— Eu escuto, — ele pronunciou contra sua garganta, seus
dentes contra a pele dela fazendo-a selvagem. — Diga-me que
também me quer e eu vou ouvir tudo o que você quiser.
— Só? Ohh! — Ele a acariciou-a e ela buscou por ar,
achou, muito pouco. — Só se eu disser o que você deseja?
Ele pressionou os lábios no ouvido dela, segurou-a com
força e abruptamente ficou muito quieto.
— Sempre, — disse ele com veemência crua. — Tudo o que
você disser. No entanto você nunca diz. Mas quando você fala,
sempre escuto.
Um soluço saiu de seu peito com uma sacudida repentina
e brusca. Um grito subiu pela garganta dela, borbulhando para
explodir, um gêiser de culpa e arrependimento inútil que ele
pegou de seus lábios e a silenciou. Ela se engasgou com o som
sufocado e lutou para respirar. Ele beijou sua bochecha, sua
mandíbula, e sua boca novamente.
Ela se agarrou aos ombros dele.
— Eu quero você. Eu quero.
— Emily, — disse ele com força gutural, capturando sua
boca por baixo da dele. As mãos enroscando sobre sua cintura,
ele segurou-a firmemente e eles se beijaram sem restrições,
sem pausa, suas bocas com fome, vorazes, como se eles
tivessem anos de beijos guardado e agora lutavam para serem
dados e recebidos. Ela afundou os dedos em seu cabelo e abriu
a boca para ele e o puxou para mais perto, depois ainda mais
perto. Ela queria isso. Ela queria tudo dele, cada toque e
carícia de suas mãos, boca e corpo — seus dentes e lábios,
respiração e sabor — cada pedaço desse homem que ela
acreditara por anos que era tão frio e desinteressado quanto a
fachada que mostrava ao mundo. A fome de tê-lo por toda parte
nela, dentro dela, era espetacular, insuportável, uma coisa
pulsante e insistente que a fez pressionar seu corpo contra o
dele. Quanto mais eles se tocavam, mais ela queria que ele
tocasse. A pressão de sua excitação contra ela era ao mesmo
tempo satisfação sublime e necessidade urgente.
De uma grande distância surgiram vozes, vozes femininas
e o ar frio rodopiou em torno de seus braços e lavou suas
bochechas.
Então ele a estava liberando-a, separando-a, afastando-se
dela, e a porta da sala de estar estava se abrindo.
Ao lado da estalajadeira, a Sra. Sybil Charney estava na
abertura.
Sem dúvida, era um testemunho dos anos da rígida
autodisciplina de Colin que fez com que ele conseguisse um
muito razoável, embora profundo: como vai você? Em resposta
ao adocicado — Meu lorde! — Da Sra. Charney, proferido
durante uma reverência.
Então foi a vez dela, e ele foi certamente uma testemunha
de sua absoluta falta de experiência de beijar homens em salas
— beijá-lo — e a única coisa que correu em sua mente foi o
último lugar que ela tinha visto Sybil Charney, e a última coisa
que ela tinha visto Sybil Charney fazendo. Tudo o que veio à
sua língua foi:
— Oh.
— Lady Emily, — a Sra. Charney disse com outra delicada
reverência. — Que deliciosa surpresa encontrar você aqui. —
Seus olhos dançando entre eles, seus lábios deslizando em um
sorriso. — Vocês estão viajando — suas sobrancelhas
arqueadas delicadamente -— juntos?
— Sim, — ele disse no mesmo momento em que ela falou:
— Não. — Ele olhou para ela e, em seguida, rapidamente
para longe.
— Senhora, — a Sra. Tarry disse para sua nova
convidada, — deseja se refrescar depois de sua jornada. Eu vou
mostrar-lhe Olympe de Gouges.
— Isso vai ficar bom, — disse a Sra. Charney, seu olhar se
deslizando sobre Colin e depois se demorando no cabelo de
Zenóbia que certamente estava desordenado; ela podia sentir
exatamente onde as mãos dele tinham de fato desordenado. —
Eu te verei no jantar, — disse ela com um sorriso doce. — Fui
tristemente destituída de companhia nesta jornada. Que visita
agradável. Estou ansiosa por esta noite.
O fato dela estar longe e sem companhia quando Zenóbia
a vira naquele prado não fez nada para acalmar o calor violento
em suas bochechas quando a Sra. Tarry fechou a porta. Colin
caminhou para ela e ficou quase na sua frente, seus ombros
rígidos. Finalmente ele levantou a mão e correu sobre o seu
rosto, e, em seguida, virou-se para ela.
— Interrupção oportuna, — disse ele. — Perdoe- me.
— Por não trancar a porta quando você entrou na sala?
— Por expor você a isso, — disse ele em voz baixa. — E
pela violência de minha parte por tocá-la como eu fiz.
— Eu queria que você me tocasse daquele jeito. Você não
fez qualquer coisa que eu não tenha feito também. — Faíscas
estavam jogando novamente em seu olhar que tinha caído para
seus lábios.
— Emily, eu...
— Eu já fiz isso antes, Colin. — Seus olhos se voltaram
para os dela. — Eu estava curiosa.
Uma surpresa hesitante mudou suas feições.
— O que você está dizendo?
Ela dobrou as mãos úmidas.
— Eu não me importava com a ideia de um dia morrer
virgem sem saber tudo o que pudesse sobre a experiência de
ser mulher. Parto e maternidade não eram para mim. Mas eu
queria pelo menos experimentar o prazer sexual com um
homem. Eu queria entender esse ingrediente do guisado para
que as mulheres renunciassem à sua independência tão
ansiosamente. — Ela colocou seus ombros para trás um pouco.
— E, na verdade, eu simplesmente queria. Eu sentia desejo e
queria sentir sua profundidade. É difícil estar perto das minhas
amigas com seus maridos e ocasionalmente não sentir a
sensualidade no quarto. Eu queria entender isso. Então eu o
fiz.
Ele estava piscando, de novo e de novo, os cílios negros
exuberantes sobre seus olhos sombreando batendo com
choque nos olhos azuis de meia-noite.
— Eu... Eu entendo, — ele disse tão baixo que ela viu as
palavras moverem seus lábios ao invés de ouvir o som delas.
— Eu frustrei suas noções de decoro e deixei a modéstia
feminina em pedaços, — ela disse, uma enjoativa acidez
enchendo seu estômago. — Mas você tem vergonha de mim,
não é? Você acha que eu deveria ter vergonha.
Ele não estava olhando para ela agora, em vez disso tinha
o olhar em algum lugar no chão na frente dela. Ele não
respondeu.
— Colin.
— Eu… eu preciso de ar. — Ele se virou, abriu a porta
com um movimento rápido, certeiro e saiu.
Ela permaneceu de pé no meio do aposento, seu rosto
quente e as mãos frias, com raiva, mágoa e decepção tão
aguda, tão dolorosa, que durante vários minutos, ela não podia
se mover. Mas não precisava disso para provar que ele e ela
eram fundamentalmente diferentes. Em seu mundo, seus
padrões reinavam. Fora a razão pela qual ela reuniu
conhecimentos como ela fez e escreveu sobre o que descobriu.
Era a razão pela qual ela era quem era. E, apesar de todos os
seus votos de que ele iria ouvi-la, ela era uma mulher cujas
palavras ele nunca iria realmente escutar.
Fechando os olhos, ela respirou fundo e soltou
lentamente. Então ela foi até a campainha e tocou para pedir
seu jantar.
CAPÍTULO 19

Algumas outras verdades

Ele nunca tinha sentido tanta fúria, tanta violência e


dureza, uma raiva tão intensa que se um homem entrasse em
sua linha de visão, na estrada e neste momento ele iria destruí-
lo antes de perguntar o que ele queria. Ele estava a meia milha
ao longo da estrada, engolido seco pela escuridão iluminada
pela lua crescente e pelas estrelas, antes de confiar em si
mesmo o suficiente para diminuir seu ritmo.
Decoro. Modéstia feminina. Vergonha.
Cada palavra era como um ponto morto em brasa no
peito.
Vergonha: uma emoção que ele entendia bem, muito bem,
a emoção que o fizera estudar através de intermináveis horas
quando ele era uma criança, que o levara a se destacar em
cada tarefa que seu tutor colocara diante dele e durante os
meses infernais na escola. Vergonha: a emoção que havia feito
dele um forte cavaleiro, especialista em manobrismo, com
precisão em tiro, excelente esgrimista, bom boxeador, e ter
sucesso na caça e em todos os outros esportes que um menino
poderia dominar. Vergonha: a emoção que o prendera ao lado
do conde quando ele atravessou Egremoor, ouvindo,
aprendendo e fazendo perguntas sobre o ofício da agricultura e
da habilidade de liderar outros homens quando ele queria ser
qualquer outra coisa, quando o que ele mais queria era estar
com a única pessoa no mundo que nunca o tinha feito sentir
vergonha de como ele era.
A única pessoa viva.
E, agora, ele queria sentir vergonha dela. Ele queria falar
com o pai dela pela rédea frouxa que ele manteve com a filha e
porque tinha permitido a ela fazer o que uma mulher de
nobreza e status não deveria. Ele queria acusá-la de ser
mimada e de ter duas caras, principalmente a de solteirona
donzela que era uma farsa completa.
Mas ele não sentia nada disso. Sua natureza luxuriosa era
um sonho que ele nunca tivera coragem de conjurar. Era um
milagre. Pelo amor de Deus, ele celebraria se não estivesse tão
doente do estômago.
Com as botas derrapando, ele se dobrou, pressionando as
palmas das mãos nos joelhos e arrastando ar para os pulmões.
Aqui estava a prova — a prova de que só agora ele
percebia que tinha sido reservado para o final — a última prova
que ela tinha destinado para não se casar com ele. Nunca. Ela
havia dito isso a ele. Mas ele não acreditou. Não realmente. Não
inteiramente. E, ainda, anos atrás, ela decidira, sem dúvida,
que não se casaria com ele.
Enquanto ele não tinha certeza disso. Não
conscientemente.
Foi a coisa mais irresponsável que ele já fez, a única coisa
irresponsável: não honrar a promessa que dois companheiros
de armas e amigos de uma vida inteira fizeram entre si em um
continente, ligando seus filhos no nascimento a um acordo
típico da época medieval, do que de lordes e homens modernos.
Ele sempre se recusou a abordar a questão; ele nunca deixara
claro para Vale ou para o conde que ele não se casaria com ela.
E ele não deixara por que não sabia. Porque ele era muito
covarde para recusar de imediato as exigências do conde?
Porque não queria machucá-la e embora evitando-a tão
desonrosamente teria feito exatamente isso se ela estivesse
realmente esperando por ele? Porque fingir que ela
simplesmente não existia era mais fácil que... do que isso?
Conhecendo-a novamente. Cuidando dela. Precisando dela.
Enquanto ela tinha mudado há muito tempo, indiferente,
ignorando as mentiras que ele vinha dizendo a si mesma por
anos, desinteressado em saber se ela o veria novamente ou
não.
A noite escocesa estava fria e clara. Ele ouviu as vozes dos
homens antes mesmo de ver suas silhuetas negras. Dois
homens subindo a estrada em direção a ele.
Era tarde demais para fugir. Tarde demais para se
esconder. Ele ficou no meio da estrada e esperou, e os observou
virem.

****

A Sra. Charney lançava seus olhares brincalhões durante


o jantar. Mas a presença de dois outros convidados derrotou as
tentativas intrometidas de roubar informações dela. Zenóbia
concentrou sua atenção sobre as idosas damas, incentivando-
as a compartilhar detalhes sobre sua viagem. No momento em
que elas disseram boa-noite, ela estava certa de que sabia tudo
o que havia para saber sobre cada estalagem ao longo da
estrada de Oeste a Leste da Escócia. Elas não ouviram nada
sobre o conde impostor, o que era reconfortante. Quando a Sra
Charney mencionou que seu cocheiro tinha chegado com
notícias dos ladrões dias atrás em Luss, Zenóbia sentiu suas
brânquias ficarem verdes.
Não podia deixar de se perguntar que, se ela e a Sra.
Charney fossem homens em vez de mulheres, perguntaria
agora a ela sobre o cocheiro? Talvez ela fosse cumprimentá-la,
rindo e erguendo uma sobrancelha lasciva, assentindo como se
soubesse exatamente o que havia acontecido por trás daquele
prado.
Os homens eram criaturas curiosas.
Se ela fosse um homem, iria perguntar francamente. Ela
iria querer saber o que tinha agradado-lhe tanto assim,
extraordinariamente, que eles tinham sido totalmente alheios
aos arranhões da grama, do úmido chão e da mulher de pé
uma dúzia de jardas afastada olhando-os com fascinação. Mas
se ela fosse um homem, é claro, ela provavelmente não iria
quer lhe falar dos detalhes de modo que ela pudesse fazê-lo
com o conde de Egremoor.
Em sua imaginação apenas. O potencial para transformar
esse sonho em realidade rapidamente se tornou discutível.
Ela largou a xícara de chá.
— Eu vou deitar.
— Oh, não. Você não vai, — a Sra. Charney disse com um
sorriso brilhante, e bloqueou a porta. — Você não vai me
escapar. Eu prometo nunca contar a outra alma viva, é claro.
Mas você deve me dar pelo menos uma pequena coisa para
mastigar.
— Sra. Charney, tive um dia inacreditavelmente longo e
estou caído. Eu não posso lhe oferecer nada mastigável neste
momento.
— Nada? — Ela fez beicinho. — Querida, Lady Emily, eu a
imaginei mais interessante do que isso. Especialmente depois
do que vi antes. — O sorriso dela era puro deleite.
— Eu não sou convencional, é verdade. Mas não
convencional o suficiente para compartilhar com uma estranha
algo pessoal. Se você me der licença...
— Então, foi pessoal? — Disse ela, empurrando uma mão
que estava enrolada em renda. — Positivamente delicioso!
Zenóbia franziu a sobrancelha e naquele momento a porta
atrás da Sra. Charney se abriu e lá estava Colin.
A Sra. Charney girou, suas saias espumosas girando
sobre os tornozelos do conde. Deixou-se cair em uma
reverência que colocou seu rosto perigosamente perto do nível
onde pairara com seu cocheiro na cabana.
— Meu lorde, — ela arrulhou. — Nós estávamos falando
de você.
— Não, nós não estávamos, — disse Zenóbia quando seu
olhar veio rapidamente para ela. — Ela estava fazendo
perguntas e eu não estava respondendo. Agora, se ambos
saírem da porta, eu gostaria de ir para meu quarto.
— Sra. Charney, — ele disse em um barítono
maravilhosamente suave, — seria amável para permitir que
Lady Emily e eu tenhamos um momento de privacidade antes
dela ir para o quarto?’ — Ele sorriu galantemente, quase
intimamente, como se tivesse certeza de que ela iria obedecer,
imediatamente, e tomando a mulher pelo cotovelo com
confiança, expulsou-a completamente para longe dela.
Os cílios da Sra. Charney bateram várias vezes como se
visse estrelas.
— É claro, meu lorde. — E então, com um giro dos
babados de suas saias ela se foi, e Colin estava fechando a
porta. Ele não bloqueou. Ele a fechou. Embora ela soubesse
que era o melhor, ela o odiava um pouco por isso.
— Onde você esteve? — Ela perguntou.
— Bebendo whisky com os veteranos de Waterloo com
quem você fez amizade hoje cedo. Eles estavam cheios de seus
louvores.
— Isso foi hoje? Parece que já passou uma vida inteira. —
Uma vida em que ela encontrou sua irmã e o perdeu
novamente.
— Será? — Ele perguntou suavemente.
— E você estava bebendo whisky? — Com vagabundos?
Ele assentiu.
— Excelente whisky. Há aparentemente uma destilaria na
propriedade de Loch Irvine.
— Oh.
— Essa resposta foi extraordinariamente eloquente para
você, — disse ele.
— Acabei de dizer que tive um longo dia.
— Quem era ele?
— Ele?
— O homem a quem você se entregou. Ou homens —
acrescentou ele com um puxão de seu pomo de adão.
Náuseas encheram-se em seu peito.
— Você está bêbado?
— Nem um pouco.
— Eu não me entreguei a ele. Eu compartilhei relações
sexuais com ele, brevemente, temporariamente. Durante todo o
tempo e depois, retive a posse total de mim mesma. — Ela
sabia que estava falando demais, falando na voz de Lady
Justiça, o que não deveria. Mas ele parecia confuso, como se
não compreendesse suas palavras. Era doloroso e ela queria
que ele parasse. — Minha virgindade não sou eu, Colin. Nunca
foi. Minha mente, meu coração e todo o meu corpo sim, são
meus.
— Tudo bem, — disse ele lentamente. — Eu entendo.
— Você entende?
— Eu estou tentando. — Ele respirou fundo. — Quem era
ele?
— Você honestamente não espera que eu lhe diga, não é?
— Sim, — ele rosnou. — Sim, eu quero.
— Lorde Abernathy.
Uma surpresa e um espanto tomou conta de seu rosto.
— Abernathy?
— Ele é atraente e solteiro. E eu sabia através de fofocas
que ele estaria disposto. Ele tem uma reputação por seduzir
moças que caem de amores com ele, o que levou-me a supor
que todas essas donzelas deveriam ser muito tolas ou que ele
era muito bom nisso. Eu decidi que a última explicação era o
mais provável, então eu perguntei a ele. Ele prometeu sigilo, e,
para minha surpresa, ele a manteve. Eu não contei a ninguém,
nem mesmo a Clarice. Exceto a você agora.
Ele parecia estar doente. Então uma intensidade
assassina entrou em seus olhos.
Isso reacendeu sua raiva.
— Oh, que aflição, Colin. Você precisa ser tão
profundamente tedioso? Eu não sou casada ou uma freira. Eu
não quebrei nenhum voto. Até parece como se você fosse a
virgem, afinal de contas. — Suas sobrancelhas se aninharam.
— Você é?
— Pelo amor de Deus, como você poderia ter sido tão
descuidada?
— Da minha reputação? Na verdade, não importaria se ele
contasse a alguém. Ninguém iria acreditar. Há algumas
pequenas vantagens que todos pensem que eu sou uma
reclusa.
— Descuidado de sua segurança, — ele disse. — Ele
poderia ter te machucado. — Suas palavras foram chuva fria
em sua indignação. E inesperado.
— Eu sei, — disse ela. — Mas ele não fez.
Ele veio para a frente até que estava muito perto e seu
olhar estava todo sobre ela.
— Ele foi… ele te tratou bem?
Sua garganta entupiu. Por isso ela também não esperava.
— Sim. Muito bem. Eu gostei. Quando ele se ofereceu para
se encontrar novamente...
— Novamente?
— Não seja um touro tão bravo. Ele só perguntou uma vez
e eu recusei. Sem arrependimento. Teria sido difícil esconder
tanto de sua família como da minha. Ele disse que ficaria feliz
em contratar um quarto em uma estalagem, mas eu não gosto
da possibilidade de ser acidentalmente vista por alguém que
poderia me conhecer.
Suas narinas se dilataram.
— Você não foi?
— E tempo é sempre complicado, é claro.
— O tempo?
— Assim como você, não estou interessada em ter um
filho fora do casamento. Minha família sofreria por isso.
Minhas irmãs mais novas ainda não se casaram e poderia
prejudicar suas perspectivas. Mas a razão pela qual eu lhe
contei a verdade sobre isso foi deixar claro que você não precisa
se desculpar comigo. Não sou inocente para ser despojada de
um beijo apaixonado. — Ela ergueu os olhos. — Embora,
admita, que esse tempo com ele não tenha me sentido assim.
— Assim?
— Quente quando estou beijando você. Tocando em você.
Sendo tocada por você. Diante de você quando você me olha
assim.
Seu peito subiu em uma dura inalação.
— Não?
— Não havia prazer, mas não era nenhuma...
— Não era o quê?
— Febre. Necessidade. Desesperada por mais que me faz
sentir como eu fosse outra pessoa completamente.
— Você quer ser outra pessoa, a pessoa que sente essas
coisas? — Ela olhou em seus belos olhos da meia-noite e ela
balançou sua cabeça.
— Não.
Ela não tinha levantado uma mão e ainda assim parecia
como se o tivesse atingido. Ela recuou para longe dele. Em
seguida, passou em torno dele e para fora do salão.

****

Sybil Charney era persistente e estava no corredor diante


de uma porta marcada — Olympe de Gouges— em letra
cursiva.
— Sra. Charney, você esteve esperando aqui para
descobrir se eu deixei Lorde Egremoor sozinho ou fugi com ele
para o meu quarto de dormir?
— Absolutamente não! Bem, talvez eu estivesse. Lady
Emily, você é uma provocadora fantástica!
— Não realmente. Às vezes eu queria ser. Mas não é assim
que eu acho que as pessoas deve se comportar uma com a
outra. Provocar é desonesto. — Ela foi até a porta. A Sra.
Charney ficou olhando para ela.
Zenóbia voltou-se para ela.
— Você continua a viagem amanhã? Ou seja, você está
partindo cedo amanhã para ir aonde quer que deseja nesta
viagem?
— Eu não tenho planos fixos, — disse ela com um lindo
brilho em seus olhos. — Estou de férias, querida Lady Emily,
do meu miserável marido. Eu sei! Eu sei que não devo falar mal
dele. Mas ele é uma pessoa tão miserável, e estou
positivamente me divertindo com seu pequeno romance e eu
com um que por acaso tropecei, como vê, sinto que posso
confiar em você. Além disso, você não vai conta a ninguém.
— Porque eu não tenho qualquer conhecido que
compartilhe o mesmo círculo com você em Londres?
— Não, querida. Porque você tem moral.
— Você me viu beijando um homem com quem não sou
casada ou nem prometida. Como você conclui que eu tenho
moral?
— Há muito mais na moralidade do que beijos ilícitos,
querida, — disse a Sra. Charney, com um movimento da ponta
do dedo na direção do nariz de Zenobia — De qualquer forma,
no momento posso fazer o que quiser. Quais são seus planos
para amanhã? Mais encontros com esse homem lindo?
— Eu tenho um compromisso no castelo ao amanhecer.
Mas eu não tenho transporte. Posso pegar sua carruagem
emprestada? E, seu cocheiro?
— Lady Emily. Você tem um encontro com o duque?
Positivamente você é brincalhona! Dois amantes de uma vez.
Quem teria pensado isso de você?
— Brincalhona? Não! Eu apenas...
— E você deseja manter isso em segredo de Seu Senhorio.
Ele é tão espetacularmente honrado, é claro, nunca iria
entender um flerte lateral. Que pena. — Ela balançou a cabeça.
Então seus olhos se iluminaram. — Embora, sabe, os homens
são criaturas ciumentas. Se Lorde Egremoor ouvir falar do seu
pecadinho através de algum canal indireto, ele pode se inspirar
para oferecer matrimônio para você. Eu ficaria feliz em deixar
cair a palavra em seu ouvido, inocentemente, é claro, como se
tivesse, absolutamente, nenhuma ideia do que estou
divulgando. Eu sou muito boa nesse tipo de coisa.
— Não, verdadeiramente, Sra. Charney. A última coisa que
eu desejo é inspirá-lo me propor casamento. — Mais uma vez.
— Eu…
— Me chame de Sybil. — Ela fez uma careta e mordeu
seus lábios. — Embora eu não ache que podem ser muito bons
amigos, se você realmente não gostaria que um conde bonito
propusesse um compromisso a você. Que criatura estranha
você é, com certeza! Mas querida Lady Emily, seja qual for o
seu negócio com Loch Irvine, terei prazer em levá-la em minha
carruagem para o castelo amanhã de madrugada. Eu insisto
que me apresente a ele antes de sair e você faça o que pretende
com ele. Eu estava morrendo de vontade de conhecê-lo, o que
quer que estejam dizendo sobre o duque diabos e tal. Ouvi
dizer que ele é um grande e bonito homem-urso. E eu gosto
muito dos meus homens. — Ela sorriu como uma gata.
— Meu encontro não é com o duque, mas com alguém,
creio eu, que está empregado no castelo. Mas se eu me
familiarizar com ele, prometo fazer a apresentação.
— Esplêndido!
— Obrigado, Sybil. Você é muito gentil em me ajudar. —
As sobrancelhas dela voaram para cima.
— Ajudar?
— Sim. Você não precisa me ajudar. Eu não lhe dei
nenhuma atenção em Londres e você não fez nenhum esforço
para me conhecer além de nossa apresentação, porque não
estou na moda. Mas agora se ofereceu para ajudar-me, e que é
uma gentileza de sua parte. Eu sou grata por isso.
— Oh. — Suas bochechas ficaram manchadas de rosado.
— Claro.
Zenóbia disse boa-noite e entrou em seu quarto. Roupas
de dormir de seda branca e bordada com lírios exóticos e
enfeitada com rendas delicadas haviam sido colocadas na
cama. Torcendo os braços para soltar o vestido e a roupa de
baixo da Srta. Sophie, ela os tirou e os colocou cuidadosamente
na cesta de roupas. Não via razão para sujar várias roupas
simplesmente para dormir. Então ela deixou seu vestido em
uma cadeira e puxou a seda do roupão sobre seus ombros e
apertou-o na cintura.
Mas, de pé ao lado da luxuosa cama, ela não conseguia se
imaginar dormindo. Apesar de seu cansaço, ela não poderia
mesmo sentar-se para se deitar.
Jogando sua capa sobre o roupão, ela puxou-o apertando-
o sobre os seios e saiu para solicitar que o chá fosse trazido a
seu quarto uma hora antes do amanhecer — silenciosamente.
Colin não deveria ouvi-la partir. Ela supôs que Sybil teria
cuidado para não ser ouvida também. Estava claro o suficiente
que ela era proficiente em executar tarefas secretas.
O silêncio caiu na estalagem para a noite e ela caminhou a
pés nus para o térreo. Na grande cozinha, ela encontrou
Rebecca e fez seu pedido. Ao subir as escadas, chegou ao
patamar. Com os dedos envolvidos em torno da maçaneta da
porta, Colin estava diante de uma porta sobre a qual a palavra
SAFO fora pintado em letras maiúsculas romanas.
— Sabe, — ele disse, virando o rosto para ela, — em meus
quase trinta e dois anos eu raramente me desculpei com uma
pessoa, o que era uma questão de honra. E, ainda hoje, eu pedi
desculpas a você pelo menos três vezes. Talvez quatro. — Uma
mecha de cabelo havia caído sobre a testa dele, e a vela na
mesa do corredor tremulou lançando luz em suas bochechas
duras. Ela queria tirar o cabelo dos olhos dele, envolver os
braços ao redor dele e abraçá-lo.
— Eu não pedi a você para se desculpar, — disse ela. —
Eu não pedi nada a você.
— Eu acho que, na verdade, você me pediu para beijar
você. Mas talvez essa fosse minha esperançosa imaginação me
pregando peças. Como você disse, não dormi muito
recentemente.
— Não pode ser. — Ela agarrou o corrimão da escada. —
Nada pode acontecer entre nós. Simplesmente não é... possível.
****

Ele viu os dedos dela se moverem sobre o corrimão, como


se estivesse sentindo a madeira macia e polida, como se suas
veias estivessem distendidas em sua própria mão enquanto ele
a segurava. Mas era a mão dela, suas veias, sua intensidade,
sua beleza. E ela estava dizendo a ele que não poderia ser dele.
— Eu te adorei, — ela sussurrou através do espaço entre
eles. — Com toda a confiança que uma menina poderia ter em
seu coração, tão facilmente quanto ela segurava uma flor na
palma da mão e eu te adoro. Mas eu não sou mais uma
garotinha e você mudou.
Por baixo das costelas, ele sentia tanta dor que mal
conseguia suportá-lo, como se um grande machado tivesse
esmagado a massa de granito do peito e o tivesse partido.
Liberando o corrimão, ela veio na direção dele, a bainha de
seu manto deslizando pelo chão como algo ultra-secreto,
trazendo com ela os aromas de alecrim e pão que tinha sido
cozidos para amanhã. Ela tinha saído da cozinha, talvez,
vestindo um manto e, abaixo dela, uma roupa de um tecido de
marfim brilhante que sussurrava contra as pernas dela. Ela
parou diante dele e seus olhos eram como uma floresta na
noite. Se ela lhe desse tempo, ele poderia contar cada um dos
cabelos dourados prateados que tinham escapado da fita
apressadamente amarrada.
— E se eu não fosse esse homem, — ele disse, — o homem
que você acredita que eu seja agora? E se ao invés disso eu
fosse o homem que você imagina que eu poderia ter me
tornado?
— Eu acho que se fosse assim, — ela disse, — eu ficaria
com medo.
— Assustada?
O verde esmeralda estava cheio de sentimento.
— O homem que você é agora me faz querê-lo e é mais do
que eu entendo. Temo que, se sentisse algo mais por você, eu
iria...
Ele agarrou o braço dela, virou-a contra o peito e beijou-a.
CAPÍTULO 20

Uma perda completa de


controle

Ele beijou-a profundamente. Ela abriu os lábios


exuberantes e o deixou entrar em sua boca e ele a provou,
provou e provou novamente até que estava bêbado, finalmente.
Eles se agarraram um ao outro, suas mãos cobrindo sua
cintura e quadris, sentindo-a, seus dedos puxando-o pelos
ombros, puxando-o mais perto que podia.
— Deixe-me ser esse homem, — ele disse contra sua pele,
— o homem que a assusta porque ele lhe faz sentir o que você
nunca sentiu antes. Deixe-me ser ele.
Ela o beijou. Bebendo de seus lábios, ela segurou seu
rosto em suas mãos e pressionou seu corpo flexível ao dele.
Ele chutou a porta do seu quarto e a puxou para dentro.
Ele levantou-a tão facilmente como se ela fosse uma pena, sua
roupa se juntando em seus quadris, enquanto ele pressionava
suas costas contra a porta fechada e a fazia montá-lo. Seu
corpo era duro e poderoso, suas mãos em sua pele nua
agarrando suas coxas e forçando-a contra ele, fazendo-a sentir
sua excitação.
— Você me deixa louco, — disse ele contra sua garganta,
sua voz rouca e maravilhosamente urgente.
Emoções de descrença rolavam nela. E agora que ela
estava aqui, agora que ela finalmente estava se permitindo a
ele, queria todas as partes dele de uma vez. Com as mãos
trêmulas ela tirou o casaco dos ombros dele e sentiu os ossos e
músculos que a inspiraram tão profundamente. Ela suportou
sua excitação, com fome, doendo de fome, e beijou-o de boca
aberta, enquanto suas mãos seguravam suas nádegas e a
apertavam contra ele. Ela sentiu a tensão doce e urgente, a
maravilha do prazer se elevando e latejando. Sua boca
precisava dele, sua língua queria prová-lo, tocá-lo e senti-lo.
Ela inclinou a cabeça e abriu os lábios sobre o pescoço dele, e o
corpo dele estremeceu. Cheirava a uísque e sabão, e ela lambeu
sua pele, faminta por seu sabor, faminta por conhecê-lo. Ela
estava molhada contra o tecido de suas calças, fazendo amor
com ele através de suas roupas, quente, aberta, tremendo e
pronta para ele estar se despindo e dentro dela — tão pronta.
Empurrando-se contra ele, ela gemeu.
Sob suas mãos, seus músculos estavam endurecendo,
seus ombros e pescoço como rocha. Mas, de repente, ela não
podia esperar mais. Ela se levantou contra ele.
— Emily, — ele gemeu, agarrando seus quadris com força.
— Pare. Você deve parar. Agora. — Ele a levantou mais e ela
choramingou.
— Por favor, Colin. — Ela mordeu o lábio inferior e girou
os quadris, estendendo a mão para abrir as calças dele. —
Agora. Eu o quero.
— Emily.
Ele apertou-a contra ele e seu corpo convulsionou, um
choque duro e profundo que estremeceu em sua garganta com
um grito que se misturou com seu gemido. Ela se esfregou,
encontrando seu prazer mais profundo e ofegante quando ele a
colocou sob sua excitação.
Quando ela cobriu seus lábios, sua respiração estava
tremendo, como seus braços se fecharam para se segurar
firmemente a ele. Ele a beijou. Ela rodeado seu rosto com suas
mãos e provou cada lugar de sua boca, sua língua, dentes e
lábios.
— Isso não — ele disse entre seus beijos — foi exatamente
o que eu esperava. — Sua voz era deliciosamente profunda e
completamente instável.
Ela estava lânguida e irradiava calor em todos os lugares,
por dentro e por fora, como se ela fosse um bolo saindo
diretamente do forno. Debruçando os braços sobre os ombros
parcialmente despidos, ela enterrou o nariz contra o pescoço
dele e soltou um suspiro enorme.
— Foi divino, — ela suspirou e descobriu que tinha que
explorar o lugar quente e perfeito atrás de sua orelha com os
lábios. Sua ingestão rápida de ar e as mãos apertando em
torno de seus quadris eram preciosos pedaços de milagre. —
Perfeito, — ela sussurrou, afundando os dedos em seu cabelo e
respirando-o.
— Você entende o que acabou de acontecer? — Ele
perguntou.
— Eu entendo que a cama fica a dois metros de distância,
mas nenhum de nós poderia esperar para chegar lá? Sim. —
Sua pele estava quente sob seus lábios. — Eu acho que tudo
isso foi rápido.
— Eu me sinto como se tivesse dezesseis anos de novo, —
disse ele, em seguida, com uma voz estranha, mais silencioso:
— Em vez disso, vinte e um.
— Dada a natureza precipitada dos meninos em todas as
coisas, dezesseis eu acho que entendo, — ela murmurou contra
o pescoço dele. — Por que vinte e um?
Suas mãos apertaram seus quadris.
— Por que vinte e um? — Ela repetiu.
Ele não disse nada e ela puxou-o de volta um pouco para
que pudesse olhar em seus olhos.
— Colin?
— Eu visitei Willows Hall pela última vez quando tinha
vinte e um anos.
— Para a festa de Natal dos meus pais, a festa para a qual
eles convidaram todos. A casa foi invadida pela sociedade.
— Você se lembra, — ele disse baixinho, surpreso.
— Lembro-me porque fiquei infeliz por quinze dias
inteiros. Eu não conseguia encontrar nenhum recanto vazio
para me esconder. Mas eu me perguntava se você se lembrava
disso. Você não esteve lá mais do que um dia.
— Tempo suficiente para... — Ele inclinou a cabeça.
Ela passou os dedos levemente sobre a bochecha dele. A
palma da mão segurou o queixo dele e empurrou o rosto dele
para cima.
— Para quê?
— Emily, — disse ele em um grunhido de aviso.
— Colin, você deve me dizer agora. Eu sou toda
curiosidade.
— Para a festa, — ele disse devagar, — sua mãe a vestiu
com um vestido novo, adequado para uma dama em vez de
uma menina. Você odiava isso.
— Eu o usei. Foi meu primeiro vestido de festa adulto. O
espartilho que eu fui obrigada a usar era a última moda
francesa, ridícula e miseravelmente apertada. Mas como você
sabe que eu odiei isso?
— Eu podia ver isso em sua carranca na festa. Seus olhos
sempre foi o espelho de todas as suas emoções.
A ternura em sua voz fez seu coração ficar um pouco
idiota. Loucura. Ele não conhecia todas as suas emoções. Ele
nunca conheceria.
— Você não falou comigo naquela festa, — ela disse. —
Você não falou comigo por todas as vinte e quatro horas que
esteve na propriedade naquela ocasião. — Ele mal tinha
aparecido durante anos antes disso, não diretamente.
— Você parecia exatamente como sua mãe queria nesse
vestido: como uma mulher.
— No entanto, eu me senti mais confortável que uma dos
manequins de vestido de modistas.
— Foi a primeira vez que vi seus seios.
Ela franziu a testa.
— Você esteve em Willows Hall seis meses antes para…
— Sua pele. Sua carne. Com tão pouca cobertura, com
quase nada cobrindo seus seios, — disse ele com voz rouca. —
Foi a primeira vez.
— Provavelmente a única vez. Eu não acho que usei um
vestido tão bobo desde então. O corpete era quase inexistente.
— Ouça-me, Emily — ele disse baixinho.
Recostando-se em seus braços, ela fechou os lábios.
— Foi uma revelação, — disse ele.
— Que eu tinha seios? Eu suponho que entendo como isso
poderia ser, os homens sendo geralmente preocupados com os
seios das mulheres, afinal. Por que você está comparando isso
a este momento?
— Direto ao ponto, como sempre.
— Isso torna tudo mais fácil, — disse ela, desatando o
lenço do pescoço dele.
— Um homem na minha posição, aliás um homem nunca
deve perder o controle de si mesmo.
— Perder o controle? Mas... oh. Compreendo. Como
fizemos agora mesmo. — Ela inclinou a cabeça para colocar os
lábios levemente sobre os dele. — Você não precisa se
envergonhar de ter perdido o controle. — Ela roçou os lábios
sobre os dele até que ele respondeu a carícia. Isso. Beijá-lo era
tão fácil, tão bom, tão real. — Eu te ajudei, — disse ela. — Eu o
encorajei a isso.
— Você não ajudou na noite daquela festa.
O ar escorregou pelos lábios dela.
— Alguém mais?
— Se por outra pessoa você quer dizer minha própria mão,
sim. — Ele estava novamente respirando com dificuldade e ela
piscou como se estivesse apenas acordando. — Bom Deus, esta
é a coisa mais difícil que já disse a alguém em toda a minha
vida.
— Isso não pode ser verdade.
— No entanto, é. Emily, naquela noite eu mal cheguei à
privacidade a tempo de me salvar da desgraça pública.
— Eu estava alheia! Na verdade, eu nem sabia que os
homens faziam esse tipo de coisa. Não, então.
— Você não deveria saber. E isso não foi intencional. Eu
era um homem adulto, mas eu perdi o controle de mim mesmo.
— Por minha causa. — Ela não podia acreditar. — Porque
do outro lado da sala você viu meus seios naquele vestido. —
Ele assentiu. — Meus seios? Tem certeza?
— Emily, — ele disse, desviando o olhar.
— Isso aconteceu antes? Em que maneira, sem… sem...
— Estimulação? Não.
— O que houve depois? Por causa de... — ela engoliu seco
— qualquer outra mulher?
— Não. — Um sorriso hesitante ergueu o canto de seus
belos lábios. — Você sempre fez-me fazer o que nenhuma outra
pessoa poderia. — Em seguida, o sorriso desapareceu. — Você
é... você sempre foi a exceção.
— Colin, — disse ela, e sua voz tremeu um pouco. — Faça
amor comigo agora. Eu quero que você perca o controle
novamente, e desta vez eu quero sentir isso acontecer com você
dentro de mim.
— Como é que você fala sobre isso como todo o resto, com
tanta facilidade e sem vergonha?
— Por que eu deveria ter vergonha de sentir o desejo que é
natural para o meu corpo? E por que eu não deveria falar sobre
isso? Porque sou mulher?
— Porque eu não quero que você fale sobre isso com
qualquer homem, exceto eu. — A honestidade nua brilhou em
seus olhos escuros.
Ela beijou-o em seus lábios, em seguida, em sua garganta,
ao longo da linha intransigente de sua mandíbula. Ele a levou
para a cama e a colocou de pé ao lado dele e soltou a faixa de
seu roupão. Ele caiu aberto sobre seus ombros, mas seu olhar
estava em seu rosto quando ele acariciou uma mecha de cabelo
sob seus olhos.
— Você é linda, — ele sussurrou.
— Eu não sou. Especialmente entre as mulheres que você
conhece. Constance é linda, espetacularmente. E Kitty é linda e
elegante. E minhas irmãs todas elas, cada uma mais bonita
que a outra. Eu sempre fui um pombo entre as pombas.
Seu sorriso foi gentilmente tolerante.
— Você não tem ideia do que está falando.
— Eu particularmente não gosto quando os homens dizem
isso às mulheres.
— Sua percepção de si mesmo é imprecisa.
— Você não deve pensar que eu me importo com minha
falta de beleza. Eu nunca me importei com babados e franjas
de qualquer maneira. — Ela espalhou suas mãos em seu peito.
— Isto é, eu me importei, quando eu era jovem e sabia pouco
mais do que era a beleza para meus pais e a preocupação de
minha mãe em vestir suas filhas como bonecas. Mas acabei
conhecendo pessoas que não privilegiavam a beleza, como
meus pais faziam, e parei de me sentir inadequada. O mais
importante — acrescentou ela, alisando as palmas das mãos
sobre o peito dele, — minha falta de beleza não me impediu de
atrair um homem que deseja me dar prazer.
— Teoria interessante.
— Não ria. É realmente a única razão pela qual posso
pensar que uma mulher seja bonita. — Todos os dez dedos dela
pressionaram o peito dele. — Isso atrai os homens.
Sua garganta estava seca.
— Homens?
— Homem. — Com um dedo, ela traçou uma espiral sobre
suas costelas. — Você está prestes a dizer algo tolo?
— Agora vou tentar não fazer isso.
— Então eu vou. — Ela ergueu para ele os olhos escuros
de desejo. — Eu gosto que você me achou atraente todos esses
anos. Mas estou muito mais feliz que você ache-me atraente
agora, quando nós podemos realmente fazer algo sobre isso.
Agora, sobre esse prazer... — Ela encolheu os ombros e o
roupão deslizou para o chão em uma poça brilhante. Ela estava
diante dele nua e sem vergonha de estar assim, olhando
diretamente em seus olhos, e era a coisa mais erótica que ele
tinha visto.
— Você não precisa dizer nada, — ela disse suavemente.
— Provavelmente vou falar incessantemente por tudo isso, que
estamos prestes a fazer. Mas você não precisa falar, se não
quiser.
Os nervos em seu estômago se agruparam.
— Eu quero saboreá-la em toda parte, — disse ele, com
fome como as badaladas de sinos sobre a língua. — Eu quero
tocar cada parte do seu corpo, acariciar cada pedaço e fenda da
sua pele. Eu quero ouvir sua respiração colando-se contra o
meu pescoço e sentir seu coração batendo muito rápido contra
o meu peito. Quero seu perfume em mim e quero que você me
use exatamente como deseja. O que você quiser de mim esta
noite, eu sou seu.
Um rubor rosa se espalhou por seus seios, garganta e
bochechas, e seus mamilos se enrijeceram. Seus doces lábios
se separaram, mas, surpreendentemente, ela não disse nada.
— Será que o plano está bem para você? — Ele perguntou.
Ela assentiu com a cabeça.
— Então eu tenho unicamente mais uma condição.
— Outra? — Sua voz era rouca.
— Eu devo ter permissão para lhe dizer como você é
bonita sem você me silenciar.
Concentrou-se em seus olhos, e depois na aflição.
— Eu nunca iria tentar silenciá-lo. Eu sou... oh, Colin…

****
Ele a beijou, tomando-a em seus braços e moldando seu
corpo ao dele. Ela puxou a roupa dele, tirou-lhe o casaco dos
ombros e livrou as longas bainhas de sua camisa de seus
calções. Tirando-o, ele jogou a roupa de lado. Em seguida, as
mãos dela vieram sobre sua pele, arrastando-se por seus
braços, peito e na cintura, e era uma tortura, tortura perfeita
para jogá-la imediatamente de costas e afundar-se nela.
Com uma mão na parte de trás de seu pescoço, puxando-o
e ela roubando beijos, e deixando em sua garganta, e sua outra
mão deslizou sobre seu abdômen para cobrir seu pênis.
— Você está pronto? — Sua voz pareceu pegar. — Quando
você estará pronto de novo?
Ele curvou suas mãos pelas costas. Sua pele era fina, fina
sobre seus ossos, como o leite. Obrigou-se a segurá-la
levemente, vagamente. Seu nariz, boca e cabeça estavam cheios
dela, ainda assim ele poderia pegá-la e consumi-la de um só
gole. Ele nunca tinha entendido a peculiar e intensa
sensibilidade de seus sentidos, nunca soube por que a ele
tinha sido dada esta maldição.
Não era mais uma maldição.
— Sempre que você precisar de mim, — disse ele.
— Sempre que...? — Seus olhos dispararam para
encontrar os dele. — Agora?
Ele sorriu, todos os outros músculos em seu corpo em
total contenção.
— Bom Deus, Colin! — Ela riu. — O que você está
esperando? — Ela agarrou o braço dele e puxou-o. Ela era uma
coisinha pequena, mas ele permitiu que o atraísse para a
cama. Ele não podia lhe dizer a verdade: que estava esperando
por isso desde aquela noite da festa de seus pais anos atrás,
que ele havia negado isso a si mesma de novo e sempre até que
finalmente acreditou que não queria, e que agora ele estava
apavorado. Se ele permitisse que essas palavras começassem a
fluir, ele nunca seria capaz de estancá-las.
Então ele tomou sua boca. Deitando-a no colchão, seus
olhos consumindo o rosa leitoso de sua beleza prateada e
dourada iluminada pela luz do fogo, finalmente ele a provou.
Ela engasgou quando a boca dele se fechou sobre um mamilo
rosado. Ele provou como uma groselha preta. Ela tinha gosto
de groselha por toda parte, doce, azeda e fresca, assim como
seu discurso — groselhas entre os dentes e a língua. E a sentiu
como seda em suas mãos e contra sua bochecha. Seda e
groselha. Ele ficou tonto inalando-a.
Movendo-se debaixo dele, ela levantou as costas do
colchão e choramingou.
Seus seios eram macios e confortavelmente pontiagudos e
perfeitos para sua boca e mãos.
— Oh, Colin, isto é... isso… -— Seus olhos estavam
apertados, os lábios entreabertos, engolindo o ar, suas mãos
arrancando a colcha de linho da cama. Ela soltou a colcha e
agarrou a cintura dele. — Por favor, consuma isso. Agora. Eu
temo que eu estou na beira de derreter-me — gemeu! Ela
gemeu e se esfregou contra a mão dele. — Re… — Ela
engasgou, ondulando seus quadris com suas carícias, mesmo
quando empurrava o cós de sua calça. — Re… remova-o e entre
dentro de mim. — E então ela estava rindo. — Quantas vezes
eu devo dizer-lhe que deve montar no cavalo? — Ela exclamou e
convulsionou em riso.
Ele afastou-lhe os joelhos e empurrou seu pênis dentro
dela. Sua risada cessou abruptamente. Seus olhos se
arregalaram. Então seus lábios se abriram levemente. Um
gemido de puro prazer feminino se derramou dela.
Pressionando para frente, ele sentiu sua carne abrir-se para
ele, acolhendo-o. Profundamente. E, em seguida, ele estava
dentro, rodeado por ela, bloqueado dentro dela que estava
quente, molhando seu membro, sua barriga plana contra a dele
e, suas coxas rodeando seus quadris. Ela estava apertada,
muito apertada, e ele estava dentro dela e o mundo estava
girando em torno dele, cambaleando-o.
— Oh, — ela sussurrou. Uma lágrima caiu do canto do
seu olho, cintilando uma pequena estrada prateada de seu
cabelo. Seus dedos fizeram crateras em seus ombros.
— Estou te machucando? — Ele perguntou e pensou ter
dito, do fundo de sua garganta. Ela não podia estar chorando.
Ela não devia estar chorando.
— Não, — ela quase sussurrou. — Não. Não. — Agora seus
seios se levantaram contra seu peito, respirações duras e
rápidas, uma após a outra. Seus corpos estavam totalmente
imóveis, mas dentro dela, ela estava trabalhando nele,
ordenhando-o.
— Emily, — ele proferiu, lutando contra o aperto de seus
testículos.
— Se eu me mexer, — ela murmurou, seus músculos
delicados, fortes e internos massageando-o. — Se você se
mover...
— Isso vai acabar rapidamente.
— Podemos ficar assim? Bem assim? Até que a... a
urgência passe?
Ele quase riu. Ele não se atreveu. Ele mal conseguia
respirar.
— Você deve parar o que está fazendo, — ele sussurrou.
Seus lábios se curvaram em um sorriso diabólico. Ele
queria mordê-la.
— Eu não desejo deixar de fazer isto, — ela cantarolou,
apertando seus músculos em torno de seu pênis novamente,
enviando o mundo em espiral novamente, em um lugar, um
nexo, o próprio centro dele. — Eu gosto de fazer com que todos
os tendões do seu pescoço e do tórax estejam completamente
angustiados, — ela disse.
Ele se dirigiu para ela. Capturando sua boca na dele, ele a
beijou e a tomou, duro, mais rápido com cada impulso, até que
ambos estavam ofegantes, esforçando-se. Ele era um selvagem,
entrelaçados pele, músculo e calor que obrigou-o ir mais fundo
e, em seguida, mais profundo ainda, juntos. Então,
rapidamente, eles estavam chegando ao êxtase. Ela gritou seu
nome muitas vezes. Sua voz era música, doce, pura, inebriante,
corajosa e soando a sexo, que ele estava fazendo com ela, que
ela estava fazendo com ele, tudo dentro dele afunilando,
rasgando, canalizando e derramando dentro dela. Ela o pegou,
arrastando-o cada vez mais para dentro, envolvendo-se mais
em torno dele, cada parte dele dentro dela, e ela esvaziou-o
com as carícias de mãos em seu corpo e o puxão glorioso de
sua vagina em gozo.
Havia estrelas diante de seus olhos, estrelas reais.
Engolindo ar, ele a tocou, acariciou-a, aliviou-a, acalmou-
a, através de seus gemidos finais, mais suaves e depois seus
suspiros.
Um de seus braços caiu no colchão e seus olhos estavam
fechados, mas seus lábios estavam sorrindo e seus dedos
estavam em seus cabelos e suas coxas estavam em torno de
seus quadris.
— Decidi — disse ela languidamente — que prefiro
cavalgar com você dessa maneira.
Ele riu e enterrou seu nariz na sedosa curva de seu
pescoço. Inalando o ar que acariciava sua pele, intoxicando-se
no doce almíscar de seu suor e alguns cheiros de ervas ou
flores que se agarrava a ela. Distraidamente, parecia que as
pontas de seus dedos acariciavam a nuca dele.
Eles não disseram nada por algum tempo, sua respiração
desacelerou e a umidade de seu corpo ficou fria.
Quando ele levantou a cabeça, seus olhos estavam
abertos, sonolentos, mas limpos. Ela sorriu simplesmente.
— Se eu sair de dentro de você, — ele disse, — vai levantar
e sair?
— Eu não vou sair nem mesmo levantar. — As pontas dos
dedos dela caminharam ao longo de seu ombro e depois
desceram pelo peito dele. — Em vez disso, vou me envolver em
torno de você e descobrir o que é gostar de ficar imóvel contra
corpo de um homem.
Sua garganta estava muito grossa.
— O corpo de um homem? — Seu olhar se afastou dele.
— Seu corpo, — ela sussurrou. — Você. — E, então: — Só
você.
Ele entendeu. Ela estava fazendo uma concessão para o
ciúme dele, mas ela não gostava de fazer isto.
Ele afastou-se, beijando seu ombro, e então o seu seio, e
rolou de costas, levando-a consigo. Puxando as cobertas sobre
eles, ela virou-se para seu lado, colocando suas mãos em torno
de seu braço e sua bochecha contra seu ombro, e curvando-se
para que seus joelhos tocasse seu quadril. Possivelmente ela
disse algo, sussurrou contra sua pele. Mas ele já estava
adormecendo, ou parcialmente adormecido, e ela nunca teria
dito o que ele achava que ouvira de qualquer maneira.

****

— A noite é uma criança, — ela sussurrou em seu ouvido,


deslizando as pontas dos dedos sobre o seu músculos peitorais
extraordinariamente duros para os seus igualmente
extraordinários músculos abdominais. — Acorde.
As pálpebras de Colin cintilaram, mas a cadência regular
de sua respiração não se alterou. Ela colocou a língua no
ouvido dele.
Ele acordou.
Ela traçou a ponta da orelha dele com a ponta da língua,
depois mordiscou o lóbulo.
— Mordiscarei, de fato, — ela murmurou, e deslizou os
dentes para sua mandíbula.
— Humm, — ele murmurou. Seu peito subiu, atraindo
uma inspiração acordado. — O que você disse?
Ele era lindo, como uma magnífica estátua grega, todos os
ossos nobres e músculos viris, pele tensa e pelos escuros
distribuídos em lugares ideais. E em especial a parte dele que
estava dura agora, que tinha estado duro dentro dela e a levou
à loucura quando ele se moveu nela... Ela acariciou com a mão
e obteve uma resposta imediata.
— Na verdade, — ele murmurou, mudando um pouco, —
Eu não ligo para o que você disse, contanto que continue
fazendo isso.
Ela parou de fazer.
Depois de um momento de silêncio, ele disse:
— Não posso dizer o que quero sem soar como um idiota.
Seus olhos se arregalaram e por um momento ela se
perdeu, afundando, impotente. Ela desprezava o sentimento.
Desprezava isso.
Ele se moveu para seu lado. Então pegou a mão dela,
levou-a aos lábios e deu um beijo suave nos nós dos dedos.
— Não é difícil — disse baixinho — quando um homem da
minha fortuna e posição precisa encontrar... — Ele apertou a
mão dela.
— Oh, diga, — ela disse. — é não difícil para um homem
de sua riqueza e posição encontrar mulheres ansiosas para
preencher sua cama.
Seus lábios flertaram com um sorriso.
— Eu não teria usado a palavra preencher. — Ele ousou
dizer. — Eu amo o que você diz, Emily, — disse ele com muita
seriedade, transformando seu coração. — Eu prefiro ouvir sua
voz do que de qualquer outra pessoa. Você não precisa me
tocar para me agradar. — O canto da boca dele ficou tenso. —
Não me entenda mal: eu também gosto muito do seu toque.
Muito, muito mesmo. — Seu sorriso cresceu. — Na verdade, só
vem depois do seu s...
Ela o beijou na boca. Sua mão subiu atrás de seu pescoço
e ele a puxou para si. Ela entendeu o que era, então, segurar
um homem pele a pele, seios contra peito, sentir o tenso,
quente, roçar de seu corpo, e desfrutar de sua boca sem pressa
ou outras finalidades que beijos. Ela poderia beijá-lo para
sempre.
Mas ela queria outra finalidade. Um outro propósito. Sua
curiosidade se tornou uma preocupação.
— Eu quero compartilhar com você... algumas coisas. —
Seu rosto estava quente, o que era ridículo. Mas o rubor não
tinha nada a ver com o pedido específico que ela estava prestes
a fazer, pelo contrário, com o motivo dela pedir.
— Algo? — Um sorriso levantou um lado de sua boca.
Ela empurrou seus ombros de volta para o colchão e se
arrastou sobre ele, alojando suas coxas para os lados dele.
Seus olhos estavam sonolentos, contentes, negros na luz
bruxuleante da lareira. Sua mão se deslocou para a perna dela
e para acariciar sua pele.
— O que você está fazendo? — Ele murmurou.
— Algo que uma vez vi. — Ela colocou suas mãos sobre o
músculo duro de sua barriga e puxou a roupa de cama para
baixo.
— Emily?
— Algo que eu nunca fiz antes. — Inclinando-se para
frente, ela roçou seus lábios sobre os dele. — Eu quero fazer
isso com você. — Ela beijou-o de novo, levemente, mal
pousando seus lábios. — Unicamente com você. — Ela
escorregou sua mão para baixo para pegar sua excitação e
olhou em seus olhos. — Eu quero te levar para dentro da
minha boca.
Seu pênis se contraiu em sua mão.
— Onde exatamente você viu isso alguma vez? — Ele
perguntou com voz rouca. — Não me diga que você foi a um
bordel. — Sua palma veio tomar seu rosto. — Meu Deus, você
foi a um bordel, não foi? — Ele engasgou e se encolheu, seu
corpo respondendo ao seu toque. Agarrando seu pulso, ele
tirou os dedos dela. — Se aquele libertino levou-a a um bordel,
eu vou matá-lo...
— Não. — Ela puxou o pulso. — Eu nunca fui a um
bordel, embora não entendo por que você pode
confortavelmente revelar que já visitou um, mas eu não posso
ir.
— Você não entende? O que nas chamas eternas há de
errado com você que...
Ela se afastou dele.
— Nada há errado comigo, claro. Eu apenas...
Ele agarrou os ombros dela e puxou-a até ele e tomou sua
boca com a dele até que ela respondeu, afundando as mãos em
seu cabelo e pressionando-se contra ele. Ele estava totalmente
excitado e ela se moveu contra ele e gemeu.
— Colin.
— Eu quero estar dentro de sua boca, — ele sussurrou
duramente contra seus lábios. — Eu quero estar dentro de
cada parte de você. Dói-me novamente para estar dentro de seu
corpo e eu farei qualquer coisa que você queira fazer, e me
odeio por isso. É uma dama, não uma prostituta. Eu não
deveria usá-la assim, mas se deseja isso, fá-lo-ei, porque eu
sou fraco, fraco, com necessidade de você.
Ela colocou a mão no peito dele e sentiu o ritmo duro e
irregular de seus batimentos cardíacos. Ela beijou-o
suavemente, arrastando a ponta da sua língua sobre seu lábio
inferior.
— Eu sou feita das mesmas partes, a mesma carne, do
mesmo desejo de qualquer mulher, — ela disse suavemente,
tocando seus lábios em seu queixo, em seguida, sua garganta.
— A única diferença entre essas mulheres e eu é moeda na
mesa, por que quero fazer isso, porque eu desejo. —
Arrastando seus dedos para baixo de sua cintura, ela desceu
seus lábios para o músculo de seu palpitante coração e
encontrou seu mamilo com sua língua. Seu gemido e o latejar
de seu pênis contra seu quadril disparou um calor
impressionante através dela.
— Então, a menos que você pretenda pagar-me por isso,
— ela disse, provando o sal na sua pele, — não deve fazer
julgamento sobre qualquer uma de nós por isso. E Colin... —
Deslizando a mão sobre sua ereção, ela lambeu os lábios e
esperou até que ele encontrasse seu olhar. — Você é a pessoa
mais vigorosa que eu já conheci.
— Você não pode saber o que isso está fazendo comigo, —
ele sussurrou.
— Agora, — ela disse, — deixe-me fazer você perder o
controle novamente. — Suavemente deslizando a mão por seu
pênis, ela puxou o prepúcio para trás e o levou a sua boca.
Ela provou e era quente, doce, salgado e almiscarado ao
mesmo tempo, e sedoso, e ela ficou chocada com a resposta em
seu próprio corpo às descobertas de sua língua, a aceleração e
a dor.
Mas ela realmente não sabia como fazê-lo. Então
perguntou a ele.
Com a mandíbula trancada, olhos fechados, ele respondeu
que ela estava fazendo esplendidamente sem instrução.
— Eu quero que seja perfeito para você, — disse ela.
Com o rosto virado, ele estava respirando com dificuldade,
os músculos em seu peito e braços gloriosamente tensos.
— Você... precisa... — ele engasgou — você só precisa...
me tocar — um gemido rompeu de seu peito — para que seja
perfeito. Emily...
— Zenóbia, — ela murmurou, e lambeu o comprimento
quente de seu membro.
Arqueando as costas, ele entrou na boca dela. Então ele a
agarrou, arrastando-a pelo seu corpo com as mãos fortes e
espalhando suas coxas em seus quadris. Ele afundou nela e ela
se encheu com ele e sentiu seu prazer se ejetar em duros e
dolorosos jatos dentro dela. Com as mãos presas nos seus
quadris, ele a abraçou com força, até que ele jogou a cabeça
para trás e seu gemido encheu o quarto. Curvando-se para ele,
o beijou e seu cabelo caiu sobre suas bochechas. Ela se moveu
sobre ele, suas mãos a guiando, fazendo-a querer mais do
prazer com ele até que estivesse choramingando e desesperada
por mais. Então seus dedos estavam dentro dela, empurrando
para cima, mais forte, fazendo-a se contorcer e implorar para
que ele nunca parasse.
Beijou-a depois disso, em todos os lugares, assim como ele
tinha prometido, nos lábios, nos ternos lóbulos de suas
orelhas, seu queixo, garganta e do delgado osso que corria o
comprimento de seu ombro para os braços que eram ao mesmo
tempo suave e determinado como ela, e puxou-o para o seio
dela. Ele permaneceu em seus seios, soltando profundos
suspiros e ela passou os dedos em seu cabelo e desejou pôr
suas mãos para nunca mais soltar em sua cintura, em seguida,
para nunca mais deixar seus seios, e depois os mamilos que
estavam doloridos por suas carícias.
Ele a empurrou de bruços e beijou seus ombros, o
afundamento de sua cintura, a longa e graciosa linha de sua
coluna e a plenitude arredondada de suas nádegas.
Acariciando-a entre as pernas, mexendo na carne inchada
novamente, ele levantou seus quadris do colchão e deslizou os
dedos dentro dela e acariciou-a até que ela gemeu. Então ele a
colocou de costas, separou suas coxas, e beijou-a na virilha.
Ela veio contra sua língua em ondas frenéticas de prazer.
Quando acabou, ela não conseguia encontrar ar suficiente,
ainda assim ele a beijou no comprimento de suas coxas, seu
pescoço, sua barriga trêmula e as pontas dos dedos, e
novamente seu sexo. Enquanto a beijava, ele a tocou, com
ternura, como se estivesse memorizando sua pele e os ângulos
de seus tendões e as curvas de seu corpo com as pontas dos
dedos. Desgastada e delirante de cansaço, ela permitia, mas
mesmo assim, estava completamente acordada e alerta. Ela
pensou, que talvez, nunca mais, verdadeiramente queria
qualquer outra coisa no mundo, exceto seu toque, seu beijo, e
em qualquer lugar que ele desejava.
Estavam de frente um para o outro, perto, mas sem se
tocar, os lençóis cobrindo-os ao acaso, alternadamente
cochilando e olhando nos olhos um do outro com um olhar de
uma euforia completa e que os preenchia, incapazes de dizer
palavras dignas da perfeição deste momento. Havia tal prazer
no que eles tinham feito, no que sentiam agora, e no que
sabiam que aconteceria se eles se tocassem novamente. Era
êxtase e ambos sabiam disso e não podiam proferir uma sílaba.
Agora ela entendia que o que lhe dissera antes, que uma
mulher que não se entregava ao ato sexual, era um absurdo.
Era assustador, surpreendente e alarmante. Ela se entregou a
ele. Ele nunca a possuiria, não da maneira que importava para
o mundo. Mas ela, no entanto, tinha dado a ele a melhor parte
dela.
Ela dormiu. Quando despertou, encontrou seu olhar
sombrio sobre ela, sóbrio e cheio de pensamentos.
Como se ele estivesse esperando para fazer isso, curvou a
palma da mão ao redor do rosto dela, e seu corpo respondeu
com uma pontada de prazer. Ele se colocou sobre ela, colocou
seus lábios nos dela e beijou-a com uma ternura que a
surpreendeu. Então ele a puxou contra ele, ela entrelaçou seus
braços ao redor dele, e eles fizeram amor novamente.
Era lento e terno, sem pressa, diferente do que acontecera
antes, já que ele era diferente do homem que ela acreditava ser.
Eles se tocaram, sem parar, e sua gentileza não a surpreendeu.
Ele sempre tivera uma beleza gentil, apenas encerrado em uma
armadura de aço, assim como dentro dela, sempre tivera um
fogo desafiador, mesmo quando envolta em renda e espartilhos
franceses. Que ele tivesse visto isso, indicava que, mesmo
quando ela achava que lhe era indiferente, mesmo quando ele
agia indiferentemente com ela, criava uma dor ecoante dentro
si.
Depois, ela acordou para vê-lo colocando uma tora de
madeira sobre o fogo. Vestindo apenas os calções, ele se
agachou diante da lareira, as chamas douradas bruxuleantes
iluminando sua pele e lançando sombras ao longo dos
contornos de seus músculos.
Como se ele sentisse a atenção dela, virou a cabeça. Um
sorriso de conspiração satisfeito deslizou por seus lábios e a
covinha apareceu.
— Venha aqui, — disse ele.
Ela não pode. Ela estava sentada na cama, segurando o
lençol sobre os seios, olhando-o, e tudo dentro dela era
necessidade novamente, que se emaranhava com o coração e a
cabeça.
Sua testa se enrugou.
— O que foi?
— Se unicamente pudéssemos permanecer assim para
sempre.
— Como assim?
— Despidos.
Ele riu.
— Eu também gosto de você despida.
— Eu quis dizer despidos como... sem regras, — disse ela.
— Sem restrições. Não há expectativas. — Não há diferenças
intransponíveis. Sem segredos. — Sem decepções.
— Decepções?
— Oh... — Ela engoliu seco. — Por exemplo, camisas. Sem
dúvida você vai vestir uma camisa de novo, mas que será uma
decepção para mim. Porque agora estou descobrindo que eu
gosto bastante de vê-lo reativando a lareira sem camisa.
Ele sorriu.
— Você gosta?
— Eu gosto de estar perto de você e mais ainda quando
está sem camisa, — disse ela.
— Então venha aqui, — ele repetiu.
Ela saiu da cama e foi até ele. Ele beijou sua testa e a
ponta de seu nariz e ela passou as mãos pelos ombros dele. Ele
cheirava a fumaça de madeira, a pele aquecida pelo fogo e a
seu amor. Inclinando a bochecha contra o músculo em seu
braço, ela arrastou as pontas dos dedos sobre o peito dele,
fazendo redemoinhos no pelo escuro e macio e, sentindo a
chama aquecer sua pele como as mãos dele faziam.
— Eu preciso lhe dizer uma coisa, — ele disse.
— Oh?
— Alguns meses atrás eu estudei as atividades de Loch
Irvine. — Ela olhou em seus olhos.
— Que atividades?
— Atividades de exportação. E outros assuntos.
— Para que? Você acredita que ele é o Duque do Diabo? —
Ela estava prendendo a respiração. Ele diria a ela agora.
— Não. Isto é, não mais. Mas comecei a estudá-lo por
causa das moças que desapareceram de Edimburgo no ano
passado. Então outros detalhes vieram à luz. Nós
acreditamos...
— Nós?
Ele parou por um momento.
— Às vezes fui encarregado de projetos que exigem
discrição e liberdade de movimento que eu gostava até
recentemente. São assuntos que devem ser mantidos fora dos
olhos do público.
— Que tipo de assuntos?
Ele estava acariciando o cabelo dela e acariciando sua
têmpora.
— Neste momento não me lembro de um.
— Colin.
— Homens poderosos pediram-me ajuda e aos meus
amigos, e nós lhes demos essa ajuda com a garantia de que
seus segredos não seriam revelados.
— Que homens poderosos? Que tipo de segredos?
— Duques. Príncipes, Reis. Um bispo italiano com laços
com a realeza espanhola uma vez perdeu a noção de onde
estava sua sobrinha de quem ele era o guardião. Ela fugira
para a Inglaterra. Encontrando-se em situação desesperada,
ela havia trabalhado em uma casa.
— Por que ela não foi para casa?
— Ela não tinha dinheiro e temia arruinar sua família. Ela
era jovem, sozinha, em uma terra estrangeira. Quando a
reunimos com seu tio, ele disse-lhe que seu maior medo tinha
sido que ela estivesse ferida. Mas ele viera a nós, porque
também temia por sua reputação, e a sua própria. O rei lhe
dissera sobre nossa discrição. Ele sabia que não revelaríamos a
história para ninguém.
— Quem é 'nós'?
— Meus amigos e eu. Um clube. Você conhece o tipo, um
clube suspeito: quantidades de conhaque consumido e outras
coisas realizadas. — Seu sorriso era humilde, quase
autodepreciativo. Não havia nada do homem que conhecera no
cemitério de Londres, nada da arrogância ou agressão. E ainda
assim ele estava dizendo a ela apenas uma verdade parcial.
— Parece que você fez mais do que beber conhaque.
— Sim, — ele admitiu. — Frequentemente durante a
guerra. Mas desde o final, com menos frequência.
— Se você fez tudo isso em segredo, por que está me
dizendo?
Ele olhou para o rosto dela.
— Eu acho que preciso que você saiba.
— Para que eu possa ter certeza de sua discrição? Que
você manterá esse nosso encontro em segredo?
Uma luz de fogo brilhou nas sombras de seus olhos.
— Assim, talvez, você venha a confiar em mim novamente.
E porque eu não posso mentir para você.
Ela não conseguia mais encontrar o olhar dele. Em vez
disso, ela seguiu os padrões que suas pontas dos dedos
desenhavam em sua carne. Ele não era o homem que ela
conhecera naquele cemitério. Tudo o que ele fez para mantê-la
segura, Pip, os fazendeiros, Davie, tudo isso foi para o bem de
todos. Esta não poderia ser a alteração de uma semana, nem
as Terras Altas tendo o seu jeito descarado com ele. Este era
simplesmente o homem que ele era.
Ela o puxou para si e tocou seus lábios em seu pescoço.
Então ela beijou sua garganta, sua clavícula, sentindo sua
força ousada sob suas mãos, acariciando-o e tomando um
último sabor de sua pele.
Este milagre terminaria aqui em breve. Até então, ela iria
fingir por alguns momentos preciosos a mais, que não
acabaria.

****

Seu coração batia contra seu peito, seus lábios


pressionados contra o seu pescoço, e ele pensava que isso
poderia ter acontecido antes, ela poderia ter sido sua, há anos.
No entanto, ela chamou isso de encontro. Ela não tinha noção
de suas intenções.
— Emily.
— Zenóbia. — Suas mãos percorriam sua cintura, seu
toque confiante e ainda assim estranhamente reverente.
Ele agarrou seus braços e olhou para o rosto dela.
— Sinto muito por deixar você naquela primeira
temporada em Londres.
Um dardo formou na ponta do nariz dela.
— Deixou-me?
— Quando seu pai escreveu para mim, dizendo-me de
seus planos para trazê-la a cidade, eu deixei a Inglaterra.
Seus cílios fizeram uma única batida.
— Você não estava no exterior? Você saiu da cidade por
minha causa?
— Sim. Eu não entendia isso na época. Mas sim.
— Você encontrou a perspectiva de se casar comigo tão
repugnante que você deixou o país?
— Eu achei a perspectiva terrível.
— Apesar dos meus seios que você admirava? — Sua voz
sorriu, mas não afrouxou a tensão em sua garganta.
— Naqueles anos, parei de visitar Willows Hall porque... —
Sua língua estava falhando. — Quando nossas famílias se
encontravam, eu dificilmente suportaria estar no mesmo
ambiente com você.
Suas mãos escorregaram dele e ela se afastou.
— Por sua própria admissão, você me desejou, — disse
ela. — Mas você não falou comigo. Então eu só posso pensar
que você estava com vergonha de mim, do meu não
convencionalismo, da minha falta de vontade de ser guiada
pela minha mãe.
— Não. Nunca. — O ar não chegava aos pulmões. — Eu
acreditava que era fraqueza.
— Desejar-me? Falar comigo?
— Cuidar de você. Depender de você.
— Você achava que era uma fraqueza cuidar de mim? —
Ela balançou a cabeça. E então, abruptamente, a compreensão
entrou em seus olhos. — Antes, você quer dizer. Anos antes.
Cuidar de mim então.
Ele assentiu.
— Nós eram crianças, — ela disse. — Nós éramos amigos.
— Você era minha muleta.
— Seu pai te convenceu disso.
— Ele estava certo.
— Ele era um autoritário de coração frio, Colin, com um
senso inflado de justiça.
— Para governar as pessoas, um homem deve aprender a
controlar suas emoções. — Ele falou as palavras como uma
criança recitando um verso, como ele nunca tinha sido
realmente capaz de recitar qualquer coisa quando era criança.
— A paixão não tem lugar para liderar os outros.
Por um momento, ela olhou para ele sem expressão. Então
ela virou-se para longe e pegou sua roupa.
— Emily, — disse ele, movendo-se para ela, mas incapaz
de não tocá-la. — Eu estava errado sobre você. Sobre mim.
Com você em meus braços, sou forte.
A dor em seu peito estava se espalhando, engolindo o
prazer e a afeição, até se arrependendo.
— Colin, eu não posso.
Suas mãos cercaram seus ombros e ele a virou para ele. A
palma da mão disparou contra o peito dele, mas ele a segurou
com força.
— Você não pode o quê? — Ele perguntou. — Cuidar de
mim?
Ela se importava tanto com ele que não podia suportar
isso. Mas ele estava errado, terrivelmente errado. A paixão em
sua escrita inspirava as pessoas.
— Não me afaste, — disse ele, segurando a mão dela. —
Deixemos o passado onde ele pertence. Vamos começar de
novo.
Nenhuma palavra chegaria dela, nada estava seguro.
— Permita-me começar. — Ele inclinou a cabeça e beijou
sua bochecha. — Como vai? Eu sou Colin. — Outro beijo caiu
suavemente em seu pescoço. — Colin Percival Gray, Visconde
de Gray, e Conde de Egremoor. — Suavemente, seus lábios
metralharam a depressão sob sua orelha, instigando calor
através dela. — Não há mais nada digno de nota sobre mim,
exceto que até os primeiros treze anos da minha vida eu não
podia falar até que um deslizamento de uma menina ousada,
forçou as palavras saírem de mim. — Ele beijou seus lábios
ternamente. — Agora, — ele murmurou. — Qual é o seu nome?
Ela enroscou os braços em volta do pescoço dele e beijou-
o, permitiu que ele a beijasse, que a envolvesse em seus braços
e pegasse o que ele desejava, — parte do que ele desejava e a
parte que ela não precisava esconder dele — a única parte de si
mesma que ela poderia dar.
CAPÍTULO 21

Uma descoberta inesperada

De olhos brilhantes e alegre, Sybil aceitou a mão de seu


atraente cocheiro no cinza enevoada pouco antes do amanhecer
e ele a ajudou a entrar na carruagem. Então foi a vez de
Zenóbia. Ele piscou para ela e apertou-lhe os dedos com muita
força. Ela queria castigá-lo, mas precisava de sua discrição e
uniu os lábios.
Lábios machucados. Pele amaciada. Corpo dolorido. Em
todos os lugares ela se sentia em carne viva, esfarrapada e
deliciosamente exercitada e usada. Ela esperava que, quando
Colin acordasse, ele se sentisse assim também. Ela tentou o
seu melhor para garantir isso.
Fiel à promessa sussurrada de Sybil, sua carruagem
estava suspensa em nuvens silenciosas. O marido de Sybil
adorava andar de cavalo, conduzir e manteve as melhores
carruagens, cavalos e tratadores. Ele gostava especialmente de
montar sua esposa, ela disse com uma bela carranca e então
as pontas dos dedos subiram para cobrir sua boca.
— Oh, querida, querida Emily, eu positivamente não
deveria ter dito isso para você. Mas, suponho que se uma
mulher tenha ouvido outra fazendo um amor devasso com um
homem, realmente não há nada que elas não possam
compartilhar uma com a outra. Há? — Sybil sorriu
alegremente. — Você não deve se importar. Se um conde lindo
quisesse fazer amor comigo em vez de você, eu diria que teria
passado a noite gritando e gemendo também.
— Espero que não tenhamos... mantido você acordada.
— Não mesmo! Eu já estava acordada. — Seu olhar se
desviou para o teto da carruagem.
— Seu marido sabe? Sobre você e... — Ela apontou com o
queixo para cima. O lindo sorriso de Sybil vacilou um pouco. —
Não. Se ele soubesse, eu estaria morta agora. Charney disse
várias vezes que, se ele me descobrisse, colocaria as mãos no
meu pescoço e me estrangularia, e então me enterraria
secretamente na floresta.
— Sybil! Isso é horrível!
Ela encolheu os ombros.
— É. Mas eu não posso fazer nada sobre isso, querida.
— Você poderia deixar esse seu envolvimento.
Ela soltou um suspiro.
— Eu não posso. Sammy está me chantageando.
— Seu cocheiro?
Um brilho apareceu nos olhos castanhos.
— Principalmente por dinheiro, é claro, mas
ocasionalmente outros favores. Ele disse que, se eu recusar, ele
vai dizer a Charney. Como eu não desejo ser estrangulada,
devo simplesmente viver com a situação.
— Mas você está... ele... — O chá às pressas estava
chacoalhando em seu estômago. O que Colin dissera sobre
prostitutas... — Ele força você a realizar atos sexuais?
— Oh, não, querida! Essa é a graça salvadora da coisa
toda. E ele é tão deliciosamente rústico, eu diria que ele nunca
vai ser suave como Charney desde o momento em que o
contrato de casamento foi assinado. E ele gosta de fazê-lo em
lugares onde possamos ficar retidos. É deliciosamente
impertinente. — Ela deu um sorriso atrevido.
Zenóbia caiu contra o banco. Havia tanta coisa que ela
não entendia sobre homens e mulheres.
Sybil afastou a cortina de lado e o amanhecer encheu o
interior.
— Atrevo-me a dizer que vamos chegar ao castelo a
qualquer...
A carruagem parou de repente, lançando-as para a frente.
Zenóbia quebrou o impacto com o braço enquanto segurava
Sybil com a outra mão e a puxou de volta para o assento.
Dois tiros soaram claros e nítidos nas névoas. A
carruagem sacudiu uma vez e depois houve silêncio.
A boca de Sybil se abriu. Zenóbia segurou sua mão.
— Não, — ela sussurrou, em seguida, empurrou a outra
mulher para o chão e jogou o tapete da carruagem sobre ela. —
Não fale. Não se mexa. Não faça nada até ter certeza de que
tudo está seguro.
— Mas o que você vai...?
— Calma. — Ela arrumou o cobertor sobre os cachos de
Sybil e agarrou a maçaneta da porta.
Nas névoas crescentes, nada se mexeu. O vale era
espetacularmente lindo. Um rio corria ao longo do vale ladeado
por coníferas escuras de um lado e bétulas brancas e cinzentas
cintilantes do outro, e as colinas erguiam-se em íngreme glória
vermelho-ferrugem e verde acima das árvores.
— Suas joias, madame, — uma voz bem parecida com a
que ouvira nos salões de Londres, ressoou a cinco metros de
distância. — E se apresse. Meu amigo já recarregou sua
pistola, como você vê, e ele tem uma surpreendentemente
rapidez no dedo sobre o gatilho.
Ela girou a cabeça e lá estavam eles: dois homens
montados, um bem pequeno, com mechas longas e claras
aparecendo debaixo do chapéu, e o outro mais alto na sela,
com cabelos escuros, uma mandíbula quadrada e olhos tão
parecido com os de Colin que ela ficou boquiaberta.
— É você, — disse ela. — Os impostores.
Os olhos do homem alto se estreitaram.
— Eu prefiro ser tratado por Vossa Senhoria, — ele
demorou. — Agora, senhora, forneça-me suas joias e dinheiro.
— Eu não tenho nenhuma joia. Por sua causa e porque
me confundiram com ele, creio, tenho fugido de perseguidores
por uma semana inteira. Eu tive que deixar tudo para trás em
Balloch.
— Seu companheiro, é claro, deve ter uma carteira, —
disse ele com uma indiferença impressionante. — Coloque sua
cabeça de volta para dentro do veículo e informe-o que tanto o
Sr. Swift quanto eu temos pistolas apontadas para a porta e
vamos matá-lo se ele demonstrar qualquer coragem
imprudente.
— Eu acredito em você. Eu sei que você atirou e matou
uma mulher em Dumbarton. Mas não há mais ninguém na
carruagem.
Ele ergueu uma sobrancelha céptica, como Colin
costumava fazer e seu estômago se sentia revolto.
— Senhora, eu vou agradecer-lhe que...
— Abaixem suas armas. — A voz de Colin soou através
das névoas. No topo de um cavalo cinza, ele estava envolto nas
sombras.
Mas os ladrões não deram ouvidos a seu comando.
O primeiro tiro bateu contra a parede da carruagem. Ela
se abaixou. Sybil gritou.
Colin gritou:
— Entre!
Zenóbia mergulhou para o chão, e o segundo tiro
ricocheteou fora no telhado da carruagem. Sua cabeça voou
para cima, e ela estava olhando o cano de uma pistola a um pé
de distância.
— Tome! — Sybil choramingou. — Sammy insiste em
trazê-lo, mas eu não sei como a atirar!
Zenóbia agarrou a pistola quando outro tiro soou fora e
um baque retumbou.
Com a mão tremendo, ela levantou a delicada arma e
espiou através da janela.
— Você ao acaso não tem um óculos também, tem? — Ela
sussurrou.
— Você não consegue ver?
— Não muito bem a esta distância e nesta luz. — Mas em
algum lugar lá fora, dois homens estavam apontando pistolas
para Colin. Se necessário, ela poderia voar.
Deixando-se cair no chão no espaço apertado entre Sybil e
o banco, ela enfiou o cano da pistola pela porta e viu o
homenzinho cavalgando perto da margem do bosque.
Apertando os olhos, ela segurou a pistola na outra mão e
puxou o gatilho.
Suas mãos saltaram e uma rajada de fumaça encheu a
carruagem. Ela tossiu e acenou para longe. O homenzinho
segurava o ombro e apontava a mira da pistola para a porta
escancarada.
Uma explosão soou de dentro das árvores, o ombro do
homenzinho estremeceu, e ele caiu para trás de seu cavalo.
Colin apareceu por entre as árvores e entrou em um rasgo de
névoa da clareira. O conde impostor estava no chão a menos de
seis metros de distância, lutando de joelhos, sem nenhuma
pistola à vista. Desmontando, Colin foi até ele.
— Bem, bem, — o ladrão murmurou, cuspindo sangue, e
ele se pôs de pé. — Isso foi um truque legal, fazendo meu
cavalo...
Colin bateu nele.
Em seguida, bateu-lhe novamente com grande força e
vontade, como se ele todos os dias exercitasse seus punho na
cara de outros homens. O impostor vacilou. Colin bateu nele
novamente. Finalmente o ladrão desabou no chão.
Com as pernas trêmulas, Zenóbia saiu da carruagem. Em
cima da carruagem, o cocheiro de Sybil estava caido sobre o
banco.
Ela foi em direção ao homenzinho deitado imóvel na
grama. Quase branco na luz nascente, seu rosto estava
relaxado. Ele era jovem, não mais do que um moço, com feições
finamente esculpidas, cílios pálidos e pele lisa.
— Nós o matamos, — ela sussurrou.
— Eu o matei, — disse Colin, puxando o lenço de pescoço.
— Seu tiro mal o feriu. Ele empurrou o conde impostor de lado
e enrolou o lençol nos seus pulsos, depois olhou para ela. —
Onde você achou uma pistola?
Um gemido pontuou a quietude da manhã, na qual
apenas o ruído do rio, os gorjeios dos pássaros e o som dos
cavalos soavam. No topo da carruagem, o cocheiro se mexeu.
— Sammy! — Sybil saiu da carruagem. Recolhendo a saia
de todas as maneiras, ela subiu na boleia. — Meu querido!
— Eu vou precisar de sua ajuda para colocá-lo na
carruagem, — Colin disse. Zenóbia foi até ele.
— Como você soube?
— Você foi embora. Eu procurei na estalagem e depois nas
dependências. — Sua voz era plana. — Este cocheiro
desaparecera e você me disse que seu destino era Kallin.
Ela levantou os pés do homem inconsciente, mas Colin fez
a maior parte do trabalho de transportá-lo para dentro. Depois
amarrou o cavalo cinza na barra traseira da carruagem.
— Você pode cavalgar? — Ele gesticulou para a pequena
montaria do ladrão agora pastando junto ao rio.
— Claro.
— O castelo ainda está distante. A aldeia está mais perto
— ele disse e conduziu o cavalo do conde impostor para a
carruagem para amarrá-lo ao lado do cinzento. — Você está
bem?
— Abalada, apenas. — Ela compartilhou as intimidades
mais poderosas com ele horas antes, e ainda assim ela não
reconhecia esse homem. Este era o verdadeiro Peregrino, ela
suspeitava, o homem de poucas palavras e intenção sóbria.
O cavalo do pequeno ladrão estava longe de ser indócil e
era fácil de conduzir. Colin pegou as rédeas ao lado de Sybil e
seu cocheiro ferido, eles deixaram o homem morto e
atravessaram as sombras projetadas pela manhã crescente.
Entraram no pátio de uma estalagem repleta de cavalos e
carroças. A dona do estábulo, Zion, conduzia um cavalo
fortemente selado para dentro do prédio. Colin parou a
carruagem e desceu, oferecendo a mão a Sybil para segui-lo.
— Quem é a lei nesta aldeia? — Ele perguntou para a
dona do estábulo.
— Sua Graça.
— Envie-lhe imediatamente a notícia de que o ladrão que
se chama o Conde de Egremoor foi apreendido. Ele está nessa
carruagem, inconsciente. Preciso de ajuda para movê-lo para
uma câmara que possa ser trancada.
Ela assentiu com a cabeça, muito calmamente como se os
homens entregassem ladrões inconscientes o tempo todo.
— Uma das salas de armazenamento serve.
— Senhora, o cocheiro de Charney foi baleado. Se alguém
aqui puder cuidar dele, faça-o antes que ele perca mais sangue
— disse ele, segurando o cavalo que ela estava levando. — De
quem são esses animais e veículos?
— Eles acabaram de chegar do Sul. Eles cavalgaram
através da noite e estão todos comendo o desjejum.
— Rapidamente agora, — disse ele a Zion. — Vai ser mais
fácil prendê-lo, enquanto ele ainda está inconsciente.
Ela correu para a estalagem.
Zenóbia levou o cavalo do pequeno ladrão ao estábulo.
Quando ela saiu, uma jovem mulher estava em cima da
carruagem, cuidando do cocheiro ferido. Sybil estava sentada
do outro lado dele, com um lenço de renda pressionado contra
o nariz. Colin estava desamarrando o outro cavalo da
carruagem.
— Acha que nossos perseguidores nos alcançaram? —
disse ela, observando as mãos dele enquanto ele puxava as
rédeas pelas orelhas do animal.
— Pode ser, — disse ele, levando-o para o estábulo, e ela
foi com ele. — Você vai me dizer por que pretendia ir ao castelo
do duque esta manhã, — disse ele com absoluta calma.
— Não é a voz do seu conde, exatamente, — ela disse. —
Mas bem perto.
— Eu não acho isso divertido. Não no presente. — Ele
parou. Seus olhos pareciam estarem em toda parte, menos no
rosto dela, e excessivamente brilhantes. — Qual era a sua
intenção?
— Eu tinha um compromisso no castelo no amanhecer.
— Com Loch Irvine?
— Eu não sei com quem.
Seu olhar foi para os olhos dela, incrédulo.
Ela tocou o braço dele.
— Acredite em mim. Eu não sabia. Pode ter sido ele, mas
poderia ter sido qualquer um.
— Qual era o propósito disso?
Ela retirou a mão.
— Eu não posso te contar.
Ele olhou nos olhos dela pelo que pareceram eras.
— Tudo bem.
— O que?
— Eu não posso forçá-la a dar-me a informação. Se você
não quiser me dizer, eu devo aceitar. — Sua voz ficou mais fria
com cada palavra. Afastando-se dela, ele partiu.
— Colin, o conde impostor, ele parecia acreditar que eu
estava na carruagem com um homem.
— Ele parecia?
— Não acho que tenha sido acidental, esse roubo. Eu acho
que eles pretendiam que fossemos suas vítimas. Você e eu.
— Entendo.
— Por quê mais eles estariam ali, no vale tão perto do
castelo do duque, que é tão fechado e difícil de escapar
rapidamente, àquela hora? Acho que eles me viram sair da
estalagem hoje de manhã e seguiram a carruagem.
— Possivelmente.
— Por piedade, não se pergunta por quê? Qual poderia ser
o benefício para eles de prejudicar-nos? Enquanto todos tem
nos perseguido, não poderiam estar perseguindo a eles
também. Os verdadeiros ladrões não tinham absolutamente
nenhum motivo para nos atacar. Nós temos sido o álibi perfeito
deles.
— Se esse é o caso, eles cometeram um erro. — Suas
feições eram totalmente inexpressivas. — Mas agora eles estão
acabados. Você não precisa analisar seus motivos e ações por
mais tempo.
— O que há de errado com você? — Ela exclamou. — Onde
está o homem que eu deixei naquele quarto esta manhã, sim?
Seus olhos fizeram uma retirada peculiar.
— Eu diria que ele ainda está na margem do rio Irvine,
observando um homem que ele deixou sangrando até a morte
na grama.
— Oh. — Ela agarrou-o e ficou na ponta dos dedos dos
pés para pressionar o rosto contra o dele.
— Eu sinto muito. Eu estou tão arrependida. — Ela virou
seus lábios contra sua pele e segurou-o perto. Depois de um
momento, seus braços envolveram sua cintura. — Você fez o
que tinha que ser feito, — ela sussurrou. — Você não deve se
arrepender sobre isso.
— Ele não é o primeiro, — disse ele, e recuou para olhar
em seus olhos. — Isso te incomoda?
— Eu não me aflijo facilmente.
Um sorriso hesitante brincou com o canto dos lábios, mas
desapareceu rapidamente.
— Não é fácil, — disse ele. — Alguns homens dizem que
sim. Mas eu não acho que esse fosse o caso.
— Talvez porque você é um tipo muito excepcional de
homem.
— Fico feliz em ouví-la dizer isso. — Mas mesmo quando
sua voz sorria, seus olhos continuaram preocupados.
— Está no fim agora.
As pontas dos dedos dele deslizaram ao longo do lado do
rosto dela.
— Poderia ter sido você, — ele disse rudemente. — Eu não
podia permitir isso.
Ela pressionou seus lábios nos dele. Em seguida, ele
estava recolhendo-a contra ele, inclinando a cabeça, e
beijando-a em sério.
Passos pesados soaram dentro do estábulo. Colin a
libertou. Quando os três homens apareceram, ocorreu a
Zenóbia que até agora ela não havia visto outro homem além de
Colin e o cocheiro de Sybil em Glen Village.
— Bom dia, senhor, senhora, — disse o homem da frente.
De cabelos grisalhos e magro, ele tinha pele bem desgastada e
bolsas caídas sob os olhos.
— Como posso ajudá-lo? — Colin disse, movendo-se entre
ela e os homens. Os outros dois eram mais jovens, ambos
atarracados, e seus rostos não eram amigáveis.
— Eu sou Callum Gibbs, policial de Dumbarton.
— Você está bastante distante de casa, Sr. Gibbs.
— Sim. Perseguindo um assassino. Eu esperava que você
fosse capaz de me dar algumas respostas.
— Quando o Duque de Loch Irvine chegar, eu ficarei feliz
em lhe contar em detalhes a tentativa de assalto desta manhã.
— Há um problema, senhor. Eles me disseram que Sua
Graça viajou ontem à noite.
— Isso é lamentável. Eu recomendo que você mande um
desses homens ao magistrado mais próximo para alertá-lo de
que os ladrões foram presos.
— Ouvi dizer que você deixou um deles no vale, — disse
Gibbs com uma inclinação de sua cabeça grisalha.
— Eu deixei. Sr. Gibbs, eu sou o verdadeiro conde de
Egremoor. O homem trancado no depósito desta estalagem é
um impostor que usa meu nome para convencer pessoas
ingênuas a relaxar sua vigilância pelo tempo suficiente de
roubá-las. Eu, agora lhe entrego este criminoso amarrado.
Seus problemas e os meus estão no fim.
— Sim, senhor. Mas o homem que você amarrou está
dizendo que ele é o conde e você é o impostor. E alguns dos
homens que cavalgam comigo nestes últimos dias, eles dizem
que a senhora ali, — ele gesticulou -— estava com você quando
se desviaram de um rebanho que bloqueava a estrada. E há um
barco em falta a ser contabilizado em Tarbet, e um cavalo de
carruagem aqui neste estábulo que pertence a uma bela dama
francesa do lago.
— Aquela francesa é minha acompanhante de viagem
antes de sermos obrigados a fugir para salvar nossas vidas, —
ela disse, — e esse é o meu cavalo.
O Sr. Gibbs assentiu pensativo.
— Acho que é melhor contar isso para os rapazes.
— Não, — disse Colin. — Ela já sofreu desconforto
suficiente por causa desses vilões. Eu...
— Colin, — disse ela. — Eu falarei com eles. Em alguns
minutos — disse ela ao oficial — tudo isso será resolvido e Sua
Senhoria e eu poderemos seguir nossa estrada.
Os homens seguiram-os para a estalagem, onde outra
dúzia de homens estavam reunidos em torno de mesas, copos
de cerveja e whisky espalhados liberalmente. Pelo menos
metade deles olhou com indisfarçável hostilidade quando eles
entraram no salão.
— Tragam o ladrão, — disse Colin. Apesar de sua falta de
gravata, a gola da camisa aberta e a sombra de barba no
queixo, ele parecia o conde. Ela não tinha ideia de como todos
não viam isso claramente.
Mas quando o impostor entrou na sala, com as mãos
amarradas atrás das costas, conduzido pelos dois
companheiros do policial, ela entendeu como os homens de
Dumbarton podiam duvidar. Quase a mesma altura de Colin,
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com cabelos escuros cortados elegantemente à la Brutus , um
casaco perfeitamente costurado, reluzentes botas Hessianas, e
uma gravata amarrada em um padrão intrincado, embora
agora manchado com sangue de seu próprio nariz, ele parecia
ainda mais um nobre Inglês do que o real nobre na sala. Mas
sua característica mais perturbadora eram seus olhos: azul-
escuro e, exceto pelo brilho zombeteiro neles, exatamente como
o de Colin.
— Ah, — ele demorou a dizê-lo como um dândi fazendo
seu teatro no Almack. — Aí está ele: meu imitador. Que
absolutamente lisonjeiro.
— Quem é você? — Perguntou Colin.
— Mais veio direto ao ponto, velho camarada, que é você?
— Ele olhou para os homens de Dumbarton na sala, todos eles
estavam sujos de dias na estrada, e para as mulheres de Glen
Village. — Alguém pode me dizer por que esse vilão está livre
como um falcão enquanto eu estou amarrado como um capão?
Vários homens começaram a falar ao mesmo tempo. O
policial de Dumbarton observou, divertido, olhando seu rosto
pálido.
Zenóbia encontrou Rebecca no aglomerado de mulheres
na porta da cozinha.
— Você conhece a jovem mulher com cabelo vermelho
brilhante que trabalha na casa de chá? — Ela sussurrou. — A
inglesa?
— Sim, milady.
— Busque-a agora. Rapidamente.
A criada disparou em torno de um recém-chegado que
estava de pé na porta e foi embora.
— Trouxemos o corpo, Sr. Gibbs, — disse o recém-
chegado.
— Ninguém vai trazer um cadáver para minha casa, — a
Sra Tarry exclamou. — Todos vocês, fora!
Os homens se amontoaram no pátio. O dia brilhava forte,
o sol já secava a terra, apenas pedaços de neve se apegavam
tenazmente aqui e ali a pontos sombreados. O ladrão tinha sido
colocado fora no centro do pátio, um pano envolto em seu
rosto. Colin estava estudando o conde impostor.
O policial subiu no degrau da carruagem de Sybil, de onde
os cavalos haviam sido desatrelados, e seus assistentes
levaram o impostor para o lado dele.
— Como eu prefiro estar escoltando apenas um homem
pelo lago hoje, — disse o policial, — é tempo de fazermos
sentido a esse assunto. Agora, senhor, — ele disse para o
impostor, — pode dizer-nos o nome do seu companheiro aqui?
— Ele fez um gesto para o corpo.
— Meu bom companheiro, — disse o impostor com um
chiar arrogante, olhando para o nariz do policial. — Aquele
homem não é meu companheiro. Ele é meu valete. É uma pena
que eu o tenha perdido. Ele tinha matematicamente,
diabolicamente, uma inteligência, e seu lado oriental era o
assunto de Londres.
— O que você deseja realizar com essa farsa? — Colin
falou com ele como se não houvesse outras vinte pessoas ao
seu redor, em uma voz que não era elevada em volume, mas
claramente carregada pelo pátio. — Mesmo que de alguma
forma consiga convencer essas pessoas de que você sou eu,
para onde irá daqui? Meus servos, inquilinos e vizinhos me
conhecem de toda a minha vida, assim como todos os membros
da nobreza. Você não pode esperar obter qualquer benefício por
continuar tomando emprestado meu título além de manipular
os viajantes. Mas isso não pode te servir por muito tempo.
Alguém seria obrigado a capturá-lo novamente. O que você
espera ganhar vendo-me condenado por seus crimes?
— E a senhora também será condenada, — disse o
impostor em uma voz totalmente alterada, deslocando o olhar
para ela. — Você não deve esquecer-se da querida Emily, sua
antiga cúmplice de crime.
O rosto de Colin ficou lívido. Zenóbia ficou boquiaberta.
— Afaste seus olhos dela, — Colin disse em uma calma
mortal, — ou amarrado ou não vou derrubá-lo no chão
novamente.
O olhar do ladrão se deslizou para longe dela.
— Ele sabe de alguma coisa, — disse ela.
O impostor franziu os lábios.
— Eu sei mais do que você poderia imaginar, meu doce.
Rebecca correu pela multidão.
— Ela se foi, milady! Ela pegou seu cavalo e partiu na
noite passada. Depois do duque de Loch Irvine.
— Quem? — Perguntou Colin. Zenóbia balançou a cabeça.
— Você não pode me dizer também? — Ele perguntou,
seus olhos duros.
— Ah, — o ladrão soltou. — Seu pai iria ficar satisfeito ao
ver quão bem você domina e tem sua mulher na mão.
— O que você sabe sobre o pai dele, senhor? — Perguntou
o policial.
Seus olhos sobre Colin estavam em chamas.
— Eu diria que sei muito sobre o querido e velho conde
que já morreu. — Ele fez uma pausa. — Irmão.
CAPÍTULO 22

O impostor

Um murmúrio surgiu da multidão.


— Diga-me o seu nome, — disse Colin, sua mandíbula
como pedra.
— Eamon Wells ao seu serviço, meu lorde, — o outro
homem disse com os dentes apertados, em seguida, executou
uma florida reverência. — Eu poderia ter sido Gray também,
mas o velho e querido papai não gostava de manchar a árvore
genealógica oficial com sangue comum, por mais que ele
gostasse de brincar com minha mãe.
O rosto de Colin empalideceu.
— Você… — ele disse e pareceu se esforçar para respirar.
— Você é...
— Seu bastardo irmão mais novo? Por que foi assim, como
isso aconteceu. E, deixe-me dizer-lhe, estou positivamente feliz
em finalmente conhecê-lo. O pai disse que, se algum dia me
aproximasse pelo menos cinquenta quilômetros de você, ele me
veria açoitado e preso em uma ilha pelo resto da minha vida.
Que boas recordações que tenho dele. Basta dizer, que fiquei
emocionado em ouvir de sua morte. Tenho desejado,
finalmente, conhecer o filho que tem tudo. Que sorte.
Sybil saiu da porta da estalagem com uma nuvem de
saias.
— Querida Lady Emily! Por que você não me disse que
isso estava acontecendo? Eu apenas ouvi da serva. Quem são
todas essas pessoas? — Ela parou diante da multidão de
escoceses e olhou para Eamon. — Meu Deus, ele se parece com
você, meu lorde. Ora, vocês dois poderiam ser irmãos.
— Como eu estava dizendo ao policial, — Eamon disse.
— Sybil...
Sybil se virou.
— Policial, oh, qual de vocês é o policial?
— Eu sou, senhora.
— Policial, eu sou a Sra. Robert Charney da Charneys
Equitação Crescente, e, sendo uma matrona regular dos
mesmos locais e casas em moda que são frequentadas pelo
conde de Egremoor, posso dizer-lhe que este homem —
apontou para Eamon — é um impostor. E como é uma ofensa
capital fingir ser um senhor do reino, sugiro que você leve-o
diretamente a quem quer que deva, ao duque ou algo assim e
faça com que ele seja enforcado.
— É uma ótima ideia, — veio da multidão um rosnado de
um animal.
— Agora, Aillig, sei que você está sofrendo, — disse Gibbs
de seu lugar na carruagem ao lado de Eamon. — Mas agora
está resolvido. Enquanto Sua Graça de Loch Irvine estiver em
Edimburgo, levarei o Sr. Wells para Inveraray para Sua Graça
de Argyll.
— Ele é um homem inteligente, — outro homem disse. —
Roubar o nome de seu próprio irmão. Ele estará solto antes de
você colocá-lo nas mãos de Argyll.
— Poderíamos julgá-lo aqui e agora, — disse Aillig, — e
enforcá-lo rapidamente. Então ele não machucaria outra
pessoa.
— Aillig, não haverá nenhuma conversa até que ele tenha
um julgamento correto.
— Você é muito gentil, Sr. Gibbs, — disse Eamon. — Mas
arrastar-me por essas montanhas esquecidas por Deus só para
me colocar nas mãos de um juiz que, certamente, derrubará o
martelo em mim é notavelmente míope. Esses homens estão
todos ansiosos para voltarem para casa. Por que não cuidamos
desse assunto agora e nos poupamos tempo e esforço?
— Agora, senhor, está de brincadeira, — disse o policial.
— Você terá uma chance justa de se defender no tribunal.
— Sr. Wells, — disse Zenóbia. — Há pouco você estava
tentando condenar lorde Egremoor por seus crimes e agora
está encorajando esses homens a enforcá-lo? Eu não entendo.
— Você não entenderia, não é? — Disse ele com os olhos
velados, e seu olhar passou rapidamente sobre o rosto de seu
meio irmão, em seguida, afastado para as árvores do pátio. —
Por que esperar, se tem um bom ramo aqui, senhores. Quem
trouxe uma corda?
Batidas de cascos repercutiam na estrada e um único
cavaleiro entrou no pátio.
Desacelerando rapidamente, ele subiu diretamente para a
carruagem.
— Broderick? — Exclamou Gibbs. — Mandei-te a
Edimburgo atrás do duque, homem.
— Eu tenho notícias de Tyndrum, — ele ofegou e olhou
para Eamon. — Ontem, às vésperas, os salteadores atacaram
uma carruagem em direção ao Leste. Duas senhoras e um
rapaz a bordo. O cocheiro saiu rápido como uma lebre. Mas
uma das senhoras e o batedor foram baleados. Mortos.
Os homens que beberam whisky rugiram. Outros homens
começaram a conversar.
O policial levantou a sua voz, mas não estavam
escutando-o.
— Colin? — Disse Zenóbia.
Ele estava olhando para Eamon, com as feições imóveis.
— Sr. Gibbs — ela disse — você precisa parar isso.
— Não haverá enforcamento! — Gritou Gibbs, mas
fracamente, como se não tivesse esperança de ser ouvido.
— Vamos ouvir o que aquele Lorde do reino tem a dizer
sobre isso? — Eamon zombou, mas havia uma fragilidade em
sua despreocupação agora, e seus olhos brilhavam.
Estavam peculiarmente brilhantes.
— Ele matou a minha esposa, — Aillig gritou acima do
barulho, caminhando para a frente com um rolo de corda. —
Agora ele assassinou mais duas pessoas inocentes. É hora dele
conhecer a justiça. E eu tenho sua justiça aqui, Wells. — Ele
empurrou a corda para cima. — Com o nome da minha Betsy
escrito nela.
— É mesmo? — Ele perguntou, como se perguntasse a
hora no Hyde Park. — Sabe, eu realmente não puxei o gatilho.
Aquele menino Swift o fez. Mas eu fiz outros deploráveis atos
em minha vida, por isso, e se isso vai dar-lhe conforto. Eu não
me importo de tomar a culpa pela morte de sua esposa.
— Ninguém vai ser enforcado hoje, — Sr. Gibbs falou mas
mesmo seus capangas ignorou-o agora. Puxando Eamon da
carruagem, arrastaram-no em direção a uma árvore. As
mulheres de Glen Village estavam gritando para os homens
pararem. O Conde de Egremoor ficou em silêncio assistindo,
seus olhos completamente remoto.
Zenóbia correu atrás da multidão, empurrando através
deles, seu coração uma bagunça de pânico. Quando o choque
inicial da mentira de seu pai desapareceu, Colin lamentou
permitir que isso acontecesse. Isso iria matá-lo.
Alguém trouxe um cavalo do estábulo e o conduziu para
baixo de um galho espesso de carvalho à margem do pátio.
Eamon não estava mais sorrindo. Seu rosto estava lívido e tão
gritante quanto o de seu irmão. Ele estava aterrorizado,
finalmente, mas seus lábios estavam apertados e ele não lutava
contra os homens que estavam puxando-o para o lombo do
cavalo. O velho conde orgulhoso mostrou-se em suas duras
características, e ela suspeitava que ele realmente deve ter
conhecido seu pai. Ele era muito parecido com ele e muito
parecido com Colin.
— Isso está errado. — Ela gritou contra a maré da
multidão. — Colin, você deve impedi-los de fazer isso.
Ele olhou para os homens que jogavam a corda ao redor
do galho.
— Colin, eu te imploro, — disse ela. — Com uma palavra
você pode acabar com isso. Você precisa falar com eles agora,
antes que seja tarde demais.
Então ela viu o brilho quente e duro de desamparo em
seus olhos e percebeu de repente que ele não podia falar.
Ela correu para a multidão.
— Escutem-me! Lorde Egremoor não quer isso.
Ninguém a ouviu. Os homens estavam cantando,
cantando uma horrível canção de guerra enquanto atavam os
pulsos de Eamon com a corda. Jogando o pé no galho mais
baixo da árvore, ela se ergueu, subindo rapidamente para o
galho onde haviam pendurado o laço, as saias enroladas e as
mãos escorregadias na casca.
— Parem! — Ela chorou. — Cessem isso! Sua senhoria
não quer isso.
Os gritos diminuíram. Poucos homens olharam para o
conde para confirmação, mas ele não disse nada, não fez nada,
não fez nenhuma indicação de que eles deviam parar. O Policial
estava balançando a cabeça.
— Desça daí, moça — disse ele — ou vai se machucar.
— Não! Você deve acreditar em mim. Lorde Egremoor
deseja que este homem tenha um julgamento justo, com um
juiz adequado e um júri e o devido processo legal. É a lei que
ele considera melhor do que qualquer coisa.
Empurrando a cabeça de Eamon para baixo, eles estavam
colocando o laço sobre ele.
— Lass, — outro homem disse: — está claro que sua
senhoria tem uma mente diferente.
— Por favor! Esperem uma hora para fazerem isso. Trinta
minutos, pelo amor de Deus.
— Afaste-a, — exclamou um homem claramente bêbado.
— Não é lugar para uma mulher.
— Sim, há apenas uma mulher com a coragem de enforcar
um bastardo pelo que fez de errado com gente simples como
Betsy Kendrick, — disse outro. — A melhor mulher: Lady
Justiça!
Seu estômago saltou, depois torceu.
— Por Lady Justiça! — Outro gritou.
— Se ela estivesse aqui, ela dar-lhe-ia uma bronca e com
justiça, rapaz, — alguém disse para o prisioneiro. —
Infelizmente, você terá que se contentar com um laço no
pescoço.
Eles riram.
— Isso não é justiça! — Ela gritou.
— Com todo o respeito, senhorita, como vai uma senhora
que vive no castelo de um conde conhecer algo sobre justiça
para homens pobres como nós?
— Porque... porque eu sou Lady Justiça.
Apenas os homens diretamente abaixo do galho a
ouviram.
— Isso não é uma coisa para se fingir, senhorita, — um
deles disse gravemente.
— Eu não estou fingindo. Eu sou Lady Justiça!
Uma quietude desceu. Nas árvores do outro lado do pátio,
os pássaros cantavam e a brisa soprava fria e fresca sob o céu
aberto. Nenhum homem ou mulher fez um som.
— Bem, — disse Eamon de seu assento no lombo do
cavalo. — Revelação conveniente, você não diria irmão? Eu,
pelo menos, não acredito nela. — Sua voz arrastou-se
estranhamente agora. — Senhores, golpeiem este pobre animal
debaixo de mim e terminem com isso.
— Enviem alguém para Ardlui por meu cocheiro e minha
amiga. Eles vão atestar por mim. — Ela falou rapidamente,
segurando o olhar de cada homem, um após o outro. — Lorde
Egremoor pode dizer-lhes o mês em que me mudei para
Londres para morar na casa da minha família lá. Desde aquele
mês, eu tenho escrito sobre as causas que me inspiram, e
aquelas causas que outros trazem a minha atenção através de
cartas, suas cartas — Ressaltou. — Recebi centenas de cartas
da Escócia, de agricultores, comerciantes, vendedores
ambulantes e marinheiros. Eu aprendi com o que vocês
escreveram para mim, e eu falei ao mundo sobre seus
problemas, esperando por mudanças. Para passar por isso. Eu
escrevi cada um daqueles panfletos com minhas próprias
mãos, e as palavras vieram do meu coração. Eu sou ela. Eu
sou Lady Justiça.
Finalmente ela olhou para Colin. Ele estava
completamente parado, seus olhos brilhando. No momento em
que seus pensamentos o levaram à conclusão de que ela sabia
o seu segredo, que conhecia desde o cemitério, ela viu a
mudança em seus olhos: o choque súbito e agudo.
E então a raiva.
Ela arrastou sua atenção para os homens abaixo dela.
— Senhorita...
— Não sou senhorita, — ela retrucou. — Minha lady. Eu
sou a filha de um conde. Eu sou a mulher viva mais lida na
Grã-Bretanha hoje. E estou horrorizada com o que vocês estão
fazendo aqui, ignorando o direito de ambos países, Inglaterra e
Escócia, uma antiga lei que exige que seja dado um julgamento
justo a um homem, em vez de fúria e tristeza, — ela olhou para
Aillig. — E beberem para superar a dor como vocês fizeram e
depois agirem como bestas. Se estão com tanta fome para
enforcar um impostor hoje, me enforquem. Para que eu não
possa estar envergonhada do que minhas palavras têm feito
aqui, do uso que vocês estão colocando nelas. Mostrem ao
mundo que vocês não aprenderam nada do que tenho escrito
sobre compaixão e generosidade para com os outros, e me
executem sem julgamento por ter enganado a todos e na crença
de que eu jamais toleraria esse tipo de horror.
Ela olhou para os homens e mulheres boquiabertos.
— Vão em frente, — disse ela. — Quem entre vocês tem a
coragem de colocar o laço no meu pescoço?
Colin quebrou a paralisia da multidão. Atravessando o
pátio, ele veio em direção à árvore.
Os homens se separaram para que ele pudesse alcançar
seu irmão.
— Retirem a corda. — Ele pegou no freio do cavalo. — Não
haverá enforcamento hoje. Nem de ladrões de estradas nem da
panfletária favorita da Grã-Bretanha.
Um homem puxou o laço do pescoço de Eamon e passou
para o policial.
— Sr. Gibbs, onde é a cela de prisão, segura, mais
próxima que não seja o Castelo Kallin?
— Inveraray, meu lorde.
— Pegue o Sr. Wells e leve-o para Inveraray e prenda-o, —
disse Colin. — Eu vou acompanhá-lo em breve e escrever para
o Duque de Argyll sobre a situação. — Ele passou as rédeas do
cavalo para outro homem. Então ele se moveu para ficar
debaixo dela. Ela abaixou-se para sentar-se no galho e pegou
nos ombros dele. Ele levantou-a e soltou-a.
— Senhores, — disse ele, voltando-se para os homens
restantes em pé desconfortavelmente. — Sr. Wells vai ser
punido por seus crimes. Vocês podem voltar para casa na
certeza de que a justiça será feita. Sr. Kendrick, o assassino de
sua esposa está morto. Eu estou profundamente pesaroso por
sua perda. Mas você não pode fazer nada, além de entristecer-
se agora.
Sem outra palavra, ele a deixou entre os escoceses e as
mulheres de Glen Village de pé, sob o enorme carvalho, e foi
para a estalagem
CAPÍTULO 23

As origens de uma dama

Mais à esquerda, a maneira gaulesa, Clarice filosofou


rudemente sobre o momento de sua chegada em Glen Village
neste preciso momento, com Jonah, a carruagem e um par de
cavalos emprestado. O destino forçou sua pequena Emily a
divulgar seu grande segredo dessa maneira, antes que eles
pudessem aparecer e acabar com a fúria violenta les
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paysans. Era melhor comme ça, ela insistiu, que o mundo
— e o conde — conhecessem a verdade sobre a sua chère, para
que todos pudessem celebrar sua grandeza...
No início, as pessoas reunidas na Hospedaria do Solstício
não comemoraram, apesar do testemunho de Clarice e Jonah.
Alguns estavam em temor, outros abertamente céticos. Eles a
bombardearam com perguntas, exigindo que ela provasse sua
autoria dos panfletos de Lady Justiça, incluindo um panfleto
sobre os Clearances que a Sra. Tarry tinha, que Zenóbia foi
obrigada a recitar de memória.
Cerveja e whisky fluíam livremente com conversa e algum
debate, no entanto, e em uma hora todos pareciam ter aceitado
sua revelação. O anúncio havia conseguido abalar os homens
de sua missão vingativa, pois durante os dias na estrada
haviam se tornado tão exaustos e desesperados quanto ela.
Todos estavam contentes de ter um final satisfatório para isso.
Isso confirmou o que ela havia conhecido por uma semana: os
escoceses eram pessoas maravilhosas, cheias de paixão e
compaixão, facilmente incitadas a ofender, mas facilmente
perdoáveis.
Colin não reapareceu.
Depois de olhar para Sybil para garantir que Sammy
estava se recuperando, e tendo certeza de que ele era o mais
querido dos pacientes, ela foi em busca do Conde de Egremoor.
Encontrou-o no estábulo, selando o cavalo cinza da
estalagem. Ela permaneceu do outro lado da meia porta da
baia e ele não percebeu sua presença.
— Você vai embora? — Ela perguntou.
— Momentaneamente.
— Porque você está fazendo isso? Onde está o homem dos
estábulos?
— Eu o enviei para Edimburgo para informar Loch Irvine
sobre os assuntos daqui. — Sua voz era curta. Ele colocou uma
rédea sobre o focinho do cavalo e encaixou a parte do freio
entre os dentes.
— Sinto muito pelo seu pai. Lamento que ele tenha
mantido o segredo de você.
— Sim, — ele disse sem se afastar de sua tarefa. — Parece
que você está justificada afinal, ao pensar nele como um
bastardo premiado. Em vez disso, meu pai era um filho da
puta. — Ele pegou uma sela, manta e colocou-os no lombo do
cavalo cinza. — Agora vou fazer um pedido, e gostaria que
concordasse sem discutir e sem mentir.
— O que é?
— Ontem o Loch Irvine mandou um cavaleiro, rápido, para
Egremoor. Dois homens a meu serviço, Grimm e Cooper,
chegarão aqui nos próximos dias. Preciso ir a Inveraray agora
e... e cuidar de tudo. Quero que você espere aqui por Grimm e
Cooper e viaje com eles para Londres.
— Mas...
— Eu não estou oferecendo isso como uma opção. Estou
lhe dizendo que isso é o que você fará.
— Você disse que era um pedido.
De perfil, seu rosto parecia pedra. Ele levantou a sela e
colocou-a sobre o cobertor, depois afivelou a cintura.
— Você vai voltar para casa? — Ela perguntou. — Depois
de Inveraray?
— Agora que eu não preciso procurar por Penny Baker? —
Ele a cortou. — Sim.
Com um movimento brusco da mão, ele apertou a fivela e
o cavalo se desviou. Ele colocou a palma da mão no pescoço do
animal e inclinou a cabeça.
— Você a inventou?
— Não. Ela era real.
Ele levantou o queixo e olhou para a parede oposta.
— Era?
— Eu descobri, ontem, aqui, que ela faleceu.
— Entendo, — ele disse, sua voz nunca se pareceu tanto
com a do pai.
Ela cruzou as mãos diante dela.
— Você vai ver Pip e zelar pelo seu bem-estar, acredito.
— Eu vou, sim.
— Você faz bem a ela, Colin.
— Por mais notável que possa parecer para você, não me
importo de ouvir elogios da panfletista favorita do reino, neste
momento em particular, — ele disse.
— Colin.
— Você mentiu para mim. — Finalmente ele se virou para
ela. — Por semanas.
— E você mentiu para todos. Por anos.
— Um fato que a faz infeliz, agora, só porque você estava
errada sobre o homem que alegremente eviscerou em público.
Quanto à acusação de mentir, madame, só posso responder
que sua hipocrisia claramente não tem limites.
— Você deveria saber, — ela exclamou.
— Eu deveria saber?
— Por que nunca descobriu a identidade de Lady Justiça,
Colin, você que é tão experiente em descobrir os segredos das
pessoas, que tem feito exatamente isso na sua missão?
— Por quê? — Ele retrucou. — Porque eu pensei que
estava procurando por um homem.
— Seu preconceito se tornou seu fracasso. Mas eu
realmente não acho que foi isso. A identidade de Lady Justiça
estava bem diante de você o tempo todo. Descobri a parte de
Wyn Yale, afinal de contas, e não tenho nem mesmo as
habilidades de encontrar pessoas que você tem. Eu acho que
você não queria enfrentar o seu inimigo. Acho que você sabia
que ela estava certa e que, se soubesse quem ela era, teria que
deixar de fingir que era um jogo.
— Como você descobriu Yale?
— Um dos meus servos estava na Dover Street e o viu
saindo do seu clube. Depois disso, contratei um detetive da
Bow Street. Ele seguiu Wyn quando saiu de Londres. Mais
tarde, Diantha me contou detalhes de sua jornada que
revelaram muito mais do que ela percebeu. Foi simples assim.
— A partir daí você extrapolou a missão do clube?
— Claro que não. Havia outras pistas. Quando Viola
Carlyle retornou à Inglaterra depois de anos desaparecida, por
acaso visitei Savege Park. Wyn a levou lá. E muito antes disso,
quando Kitty e eu estávamos presas na neve em uma viagem
para a casa dos meus pais, Wyn e Leam estavam obviamente
escondendo alguma intriga que não divulgariam. Clarice tinha
certeza de que eles eram espiões. Leam também fez parte
disso?
Ele acenou com a cabeça, mas devagar, como se até agora
não quisesse divulgar a verdade.
— E outros pequenos detalhes, — ela disse, —
comentários que Kitty fez ao longo dos anos, outras coisas que
Diantha me disse sem rodeios. Os acúmulos de pedaços de
informações aconteceram gradualmente. Mas quando pedi a
ajuda de Peregrine e você não me rejeitou instantaneamente eu
suspeitei do verdadeiro propósito do seu clube. Quando eu
cancelei o pedido e você decidiu encontrar Penny, pensei que
seu orgulho fez com que a procurasse. Mas eu entendi que esse
não era o caso. Quando você levou Pip, acho que finalmente
entendi completamente.
— Isto é impossível. Como você poderia saber quando eu
não sabia?
— Você poderia ter, a qualquer momento, colocado um
observador na Brittle & Sons e seguido pessoas que vieram e
saíram de lá. Mas não o fez, durante cinco anos. Ou você
simplesmente achava Lady Justiça uma distração levemente
divertida de suas preocupações regulares, ou você realmente
não queria saber sua identidade. Eu suspeito do último.
Seus olhos eram como gelo preto na superfície de um lago.
— Quem era Penny Baker?
— Um chamariz. Eu não estava realmente procurando por
ela, pelo contrário, por Amarantha. Amy estava desaparecida
há meses, sem novidades de notícias. Ela tinha navegado das
Índias Ocidentais em busca de Penny. Eu lhe dei o nome de
Penny para que você não ligasse minha família ao pedido de
ajuda da Lady Justiça. Eu esperava que, ao encontrar Penny,
você me aproximasse de Amy.
— Amarantha estava desaparecida? É ela...
— Ela está bem. Eu me encontrei com ela ontem. Ela saiu
aqui ontem à noite.
— Pelo amor de Deus, por que você não me contou suas
preocupações sobre Amarantha? Como você mesma. Para mim.
Você devia ter me dito.
— Porque você tem sido tão dedicado à minha família
ultimamente? Não, claro que não. — Ela colocou os ombros
para trás e aquele pequeno gesto de desafio penetrou no
estômago de Colin. — Eu não queria pedir nada a você.
— Isso é sem sentido. Você procurou por si mesma depois
que me conheceu.
— Você não sabia quem eu era de verdade. E eu estava
desesperada. Meus pais, amigos de Amy, ninguém sabia onde
ela estava, mas ninguém estava procurando por ela. Eu
precisava de ajuda.
Ele arrastou a mão sobre o rosto, tentando limpar tudo,
mas estava pegajoso como se fosse lama, pesado e sufocante.
— Eu me preocupo com suas irmãs. — Durante anos eles
tinham sido os mais próximos que ele tinha conhecido do que
seria ter irmãos. Agora ele sabia melhor, e o sufocamento o
deixou tonto.
— Não, Colin. — Seus olhos de esmeralda brilharam,
colorindo suas bochechas. — Você se preocupa com a honra e
faz tudo para o qual foi criado para fazer. Mas não tenho
certeza se você realmente se importa com as pessoas.

****

Sua cabeça era um pântano de confusão. Ele se importava


com ela, mais do que ele sabia o que fazer com isso. Ele se
importava com seus amigos: Leam, Jinan, Constance, Wyn. No
entanto, quando o diretor e o rei pediram, ele os manipulou.
A raiva estava correndo através dele em ondas, a pressão
quente se formando novamente atrás de sua garganta e
batendo em seu sangue, pressionando-o, urgente e
horrivelmente desesperado. E ele estava confuso porque
parecia desejo, luxúria e dor de uma só vez — desejo que ele
não tinha conhecido em anos. Décadas. Como uma única
palavra zombeteira — irmão — os remanescentes do edifício do
controle do conde haviam desmoronado. E a ferida que abrira
seu peito na noite anterior, dividindo suas costelas, estava
sangrando. Nada do que ele dissesse agora para ela estancaria
isso.
— E você, — ele disse, — escondida em uma casa sozinha,
se escondendo atrás de portas trancadas e nomes falsos?
— Você está correto. Eu estou sozinha. — Sua voz se
tornou quase serena. — Tenho amigos queridos que aprecio,
mas nenhum com quem posso compartilhar essa cruzada. Eu
sou uma pessoa quieta por natureza, e eu gosto de solidão e,
reconhecidamente, anonimato. Mas para um propósito.
Ninguém escutaria minha mensagem como Emily Vale, um
membro da classe privilegiada. Como Lady Justiça, posso falar
com sinceridade. Eu tenho muito a dizer, Colin. Eu quero
mudar o mundo. Para as pessoas. Para indivíduos reais, como
os soldados com quem você bebeu whisky, homens pobres que
não recorrem à justiça sob a lei. Eu quero fazer da Grã-
Bretanha um lugar melhor para todos, não apenas para os
ricos e bem-nascidos que você secretamente resgata.
— Depois que você suspeitou do verdadeiro propósito do
clube, — ele conseguiu dizer apertando os lábios, — você não
interrompeu sua correspondência pública comigo. Você
continuou respondendo. Por dois anos. Por quê?
— Isso serviu ao meu propósito, — disse ela.
— Que propósito foi esse? Para me humilhar? Você
pretende agora me revelar também?
— Não. Eu...
— Compreendo. Você usou Peregrino como um
espantalho.
— E você usou Lady Justiça para denegrir as causas que
você desaprova, — ela disparou de volta.
— Você é real, Emily? — Enrolou a língua. — Você é
honesta em suas convicções? Ou, agora que você já provou a
fama, simplesmente escreve o que seus leitores querem ouvir?
— Eu acredito em tudo que escrevo. O povo da Grã-
Bretanha ouve Lady Justiça não porque exerço poder sobre
eles, mas porque eles sentem a honestidade em minhas
convicções. A paixão. E eles gostam disso. A impressão do meu
primeiro panfleto foi cinquenta cópias. Agora são cinquenta e
cinco mil. As pessoas anseiam por alguém para falar contra as
injustiças. Eles querem que suas queixas sejam ouvidas.
— A Lei da Felicidade Doméstica, — disse ele. — Você
realmente despreza o casamento?
Ela não podia mentir para ele, não outra mentira. Mas
abruptamente os nervos giraram em sua boca.
— N-não como tal.
— Então por que sua virulência sobre isso? — Ele
perguntou, severo novamente. — Seus próprios pais se
casaram e são felizes há anos. Seus amigos também. Todas
essas mulheres se afundaram tão profundamente, tão
involuntariamente no... como você chama mesmo? O guisado
dos que são cegos para seus perigos?
— Não. Claro que não. Apoiar essa reforma não tem nada
a ver com meus amigos ou minha mãe. É... é...
Seus olhos estavam duros.
— É o que?
— Eu estou fazendo isso por ela, — ela deixou escapar e
sentiu como se cada pedaço de seu coração estivesse deitado
no chão diante dele. — E para mulheres como ela.
Ele franziu a testa.
— Ela?
— Por causa do que ele fez com ela, mandando-a embora.
— Lágrimas subiram em sua garganta. Ela engoliu de volta. —
Nenhum homem deve ser capaz de separar uma mãe de seu
filho. Nenhum homem. Nem mesmo um grande Senhor.
A compreensão rolou em seus olhos como trovão, e então,
rapidamente, descrença.
— Você não pode se lembrar da minha mãe, — disse ele
em um tom totalmente alterado. — Você era muito jovem.
— Jovem demais para conhecê-la.
— Eu não entendo.
— Colin, você é a razão de tudo isso. — Sua voz estava
tremendo. — Eu me tornei Lady Justiça por sua causa.
Seus lábios se separaram, seus olhos confusos como se
ele não a tivesse ouvido.
— A partir do momento em que pude falar, — ela disse, —
eu era a voz de outra pessoa. Sua voz. A partir do momento em
que aprendi a formar palavras na minha língua, também
aprendi a formar palavras para você. Você me ensinou como
falar pelos outros. Quando você não precisava mais que eu
falasse por você, encontrei pessoas que precisavam. — Uma
lágrima deslizou por sua bochecha.
— Emily. — Seu peito estava se movendo em inalações
brutais que ela podia ouvir no silêncio.
— Tantas pessoas neste reino não têm voz, Colin. Tantas
pessoas estão sofrendo sem ninguém para falar por elas a
homens como você. A lei dá a você e a seus amigos o benefício
da dúvida, os privilégios, a riqueza, o poder. Eu amo a
Inglaterra. Mas quero ajudar a torná-la um lugar no quais
pessoas que não nasceram com títulos e riquezas possam viver
com a mesma dignidade que nós.
— Você teria uma multidão para ditar o Parlamento? —
Disse ele, incrédulo. — Você teria uma revolução, como os
franceses, com batalhas nas ruas e pessoas inocentes
morrendo enquanto suas casas queimam, e cada homem com
uma gota de sangue nobre executado como traidores?
— Claro que não. Eu gostaria que os homens que
governam realmente ouvisse as vozes das mulheres, dos
trabalhadores simples e dos desesperadamente pobres, e
levasse isso em consideração quando eles determinassem o que
é melhor para a Grã-Bretanha. Eu gostaria que eles
privilegiassem a humanidade sobre suas bolsas e sua
compaixão pelo ganho financeiro e prestígio social.
— O que você está dizendo é impossível. Homens de
riqueza e poder devem guiar aqueles que não têm a sabedoria
ou experiência para governar a si mesmo.
— Você soa como seu pai.
— Se eu digo, é porque ele estava certo.
— Como você não pode ver que um homem, que não ouve
verdadeiramente aqueles que são mais fracos do que ele, que
não confia neles, está usando seu poder não pelo bem de todos,
mas por si só?
— Emily. — A palavra veio como um sussurro. — Se
minha mãe tivesse obedecido meu pai, ela não teria morrido
naquela estrada.
— Oh, Colin. É isso que você tem dito a si mesmo todos
esses anos? Que isso foi culpa dela que estivesse naquela
estrada, naquele dia em que ele a mandou embora, que ela era
culpada por ladrões tirarem sua vida?
Ele não disse nada.
— Não, — disse ela com uma certeza repentina e horrível.
— Você se culpou. Todos esses anos acreditou que você era
culpado por sua morte. Não foi?
— Outro dia você disse que eu não era um rapaz qualquer.
E você estava correta. — Seus olhos perderam toda a luz. — Eu
era o menino cujo silêncio matou sua mãe. Eu sou culpado
pela morte dela.
— Você não é. Ele era. Mandá-la embora para punir você
não o fez falar.
— Não, — disse ele. — Isso não aconteceu.
A verdade, então, a atingiu com toda a força dos anos
silenciosos entre eles.
— Ele me culpou, — ela proferiu. — Depois que você falou,
cada vez que ele me viu lembrou-o de que ele tinha feito para
ela, e ele odiava-me. Não foi? Foi por isso que ele disse que
cuidar de mim era uma fraqueza. Ele não sabia como curá-lo,
mas ele tentou de novo e de novo punindo vocês dois. Mas ele
estava errado. Quando você a perdeu e por todas as vezes que
ele a mandou embora, você não falou, exceto comigo.
— Quando eu temia perdê-la, eu consegui.
Por um momento não houve som entre eles.
— Você era uma criança, — ela disse. — Ele não deveria
tê-lo sobrecarregado com isso.
— Ele não me sobrecarregou. Você era minha
responsabilidade.
— Eu era uma descuidada e não deveria ter ido para os
penhascos naquele dia.
— Você se importou. Você era a única pessoa viva que se
importava comigo Emily, com afeição e alegria. Você era apenas
uma menininha, — disse ele após uma exalação de risos, —
mas você era a minha salvação... para a vida. Mais tarde,
depois que falei, eu trabalhei duro para esquecer, para fingir
que não era verdade. Eu estava com medo de fracaçar. Eu era
finalmente o que deveria ser, o que queria ser, e queria
esquecer tudo o que havia acontecido antes, toda a fraqueza,
dependência e vergonha. Mas toda vez que eu a via, isso era
impossível. Eu me lembrava de tudo como se estivesse
revivendo. Em todos aqueles feriados que não falei com você,
não foi porque não quisesse falar com você. Foi porque eu não
podia.
— Eu estava tão brava com você por abandonar-me por
tanto tempo. — Seus olhos brilhavam com lágrimas, mas havia
uma força desafiadora nas esmeraldas, uma bravura honesta
que ele nunca conhecera. — Mas ainda assim eu te adorei
durante anos, — ela disse. — Eu o via com os outros, via-o
conversar, até mesmo provocar, e eu pensava que não poderia
haver maior herói, um guerreiro que lutou contra seus
demônios e venceu.
— Eu não era guerreiro. Eu era um homem desesperado
agarrado ao lado de um penhasco pelas pontas dos meus
dedos.
Enquanto ele observava, algo novo entrou em seus olhos.
Desespero.
— Nós somos tão diferentes, você e eu, — ela disse no
silêncio. — Oceanos separados. — Ele balançou a cabeça,
entendendo. — Onde vejo coragem diante do sofrimento, — ela
disse, engolindo as lágrimas, — ele te ensinou a ver fraqueza.
Onde eu entendo a vulnerabilidade clamando por compaixão,
ele te ensinou a ver fracasso.
— Ele me ensinou a ser forte.
— Não. Ele ensinou-lhe como não sentir nada. E você
estava tão faminto por sua aprovação que acreditou nas
mentiras dele.
Uma ponta de ferro duro cutucou no seu peito.
— Você não pode entender, — ele disse, a vergonha
chegando novamente, e o medo.
— Eu entendo que queria que ele ficasse orgulhoso de
você. Que você se esforçou para ser como ele.
— Ele foi um grande homem.
— Um grande homem não é medido pela força de seu
pedigree, mas pela profundidade de seu coração. Talvez seu pai
tenha sido um grande homem nos modos de poder e
autoridade que o mundo valoriza. Mas ele não teve seu
coração. E ele te ensinou as lições erradas.
Era demais, e a mentira de seu pai tornava tudo uma real
mentira agora.
— E que lição você aprendeu com seus pais? — Ele se
ouviu dizer. — Temer falar, exceto na segurança do anonimato?
Eis uma verdade caseira, Emily Vale: você se esconde atrás dos
nomes dos heróis inventados porque não tem coragem de
mostrar ao mundo quem você realmente é. Você. Peculiar,
socialmente desajeitada, não tão bonita quanto suas irmãs,
com crenças radicais que seus amigos podem condenar e uma
propensão para insultar, com a língua mais afiada da terra
para todos os homens que cruzam com você.
Seu rosto empalideceu com espanto.
— Sim, — disse ele. — Isso é você. Essa é a mulher que
você se tornou, sem verniz. Dói ser obrigada a encarar suas
imperfeições e reconhecê-las, não é? Mas você, morando
sozinha, raramente vendo alguém além de um punhado de
servos, e rejeitando todos que não percebem o mundo
exatamente como você. Você que conseguiu habilmente existir
sem precisar confrontar suas falhas. Nesta batalha você luta
contra os males da humanidade, e se enclausura em uma
armadura tão completa que não precisa sentir o aguilhão da
desaprovação.
— Aquilo não é...
— Você quer que o mundo se ajoelhe aos seus pés em
admiração, sem sofrer nenhum desconforto por ter falado além
da sua mente. Não tenho dúvidas de que é exatamente por isso
que você se relacionou com um estranho durante todos esses
anos, por que não ignorou simplesmente seus insultos. Você
não pôde suportar ser criticada por suas imperfeições. Você
queria e era necessário, provar que eu estava errado. Bem,
deixe-me dizer-lhe, Lady da Justiça, essa é uma lição valiosa
que meu pai me ensinou. Todas as falhas do meu caráter foram
mantidas na luz, dolorosamente, até que eu pudesse superá-
las. Se ele me recusou permitir qualquer fraqueza, foi porque
sabia que o mundo aproveitaria essas fraquezas e a usarias
para ferir as pessoas sob meus cuidados. Eu sou um Lorde
deste reino, com responsabilidades não só pelas minhas terras,
mas por toda a Inglaterra. Eu não tenho o luxo de me esconder
em isolamento seguro, sentando-me em julgamento auto
satisfatório sobre todos os outros.
Seus olhos eram como fogo.
— Você não sabe nada sobre mim, — disse ela. — Nada.
— Eu sei que você gostaria que isso fosse verdade.
O silêncio ecoou entre eles.
Ele pegou as rédeas do cavalo e caminhou até a porta da
cabine, e ela se afastou quando ele a abriu. Ela estava
piscando repetidamente, olhando para o nada, não para ele, e
ele sentiu o sabor azedo e metálico em sua boca, o sabor de
sangue e vergonha, e conduziu sua montaria em direção à
entrada do estábulo.
— Vou postar uma carta para seu pai hoje, — disse ele.
— Para dizer a ele sobre Lady Justiça? — Ela perguntou
atrás dele. — Não, por favor. Eu gostaria de dizer a eles
pessoalmente.
Os cascos do cavalo se arrastaram no chão quando ele
parou.
— Instruindo-o a publicar os banhos.
— Banhos? — Surpresa encheu seus olhos. — O que
banhos?
O pânico frio varreu de sua barriga sob suas costelas.
Abruptamente sentiu a cabeça pesada de novo, enevoada, como
no pátio da estalagem.
— Para o nosso casamento, — ele forçou sobre sua grossa
língua.
— Nosso casamento?
Sua garganta estava quase fechada.
— Não levei minha antiga amiga para a cama sem a
intenção de fazê-la minha esposa. Quem quer que ela tenha se
mostrado nesse meio tempo não faz diferença para isso.
— Deveria. — Seu rosto tinha empalidecido; seus olhos e
lábios entreabertos eram três ricos pontos branco contra a
escuridão.
— Você não entendeu nada do que eu disse, não foi?
Ainda assim, depois de tudo isso, você não pode ver a verdade.
Ele não conseguia respirar.
— Colin...
Ele esperou.
Então, com a menor negativa de sua cabeça e o lampejo
dolorido de seus cílios, ela dirigiu o espeto efervescente.
Ele puxou o ar para seus pulmões, o mundo vermelho e
preto e um clamor de sílabas, do qual ele não conseguia
arrastar palavras inteiras. Ele se afastou dela, arfando por ar,
forçando-o sobre a garganta, concentrando sua visão na mão
segurando a rédea do cavalo. Seus lábios se moveram e o
discurso caiu como cuspindo sujeira.
— Assim seja. — Ele se afastou.
— Colin, — ela chamou. — Eu te imploro, não faça isso.
Eu não suportaria se você me odiasse novamente.
Ele encontrou seu olhar uma última vez.
— Eu não te odeio. Eu estou dando sua autonomia, como
você deseja. Era meu desejo também, claro. No dia em que
enterrei meu pai, ordenei que as árvores fossem cortadas.

****

Sybil e Clarice encontrou-a lá, de pé no estábulo, dez


minutos mais tarde.
— Mas onde está seu lorde, ma chère? Eu pensei que ele
estivesse aqui com você, celebrando o verdadeiro encontro de
corações, finalmente.
Ela se sentia entorpecida. Tudo acabado. Em seu
estômago e lábios e em todos os lugares.
— Ele foi embora. — Os olhos de Sybil e Clarice se
arregalam como um par de pássaros acordados.
— Você o deixou partir? — Sybil exclamou.
— O que você quer dizer com o deixou partir? Ele não é
um cão amarrado a uma coleira para ser solto apenas quando
seu mestre quer agradar.
— Claro que ele não é, querida Emily — Sybil balbuciou,
passando a mão sobre a sua entorpecida. — Ou serei a
primeira a te chamar de lady Egremoor?
Ela pegou a mão dela.
— Você não deve chamar-me de nada desse tipo.
Sybil piscou.
Clarice piscou.
— Mas, ma chère... Você não explicou...
— Claro que eu expliquei. Até que não houvesse mais
palavras para usar.
— Oh! Naturalmente, você preferiria aceitar sua oferta em
circunstâncias mais flexível, — Sybil disse, olhando sobre o
feno e baldes. — Uma mulher não gostaria de ter isso como
lembrança ao receber uma proposta de casamento.
— Eu deveria pensar que, se uma mulher admira um
homem, não importaria o mínimo o lugar que ele propusesse a
ela.
— Você está completamente enganada, querida. Quando
meu pai me disse que Charney pretendia me propor, eu o
instruí precisamente sobre como eu queria que fosse feito.
— Mas você não admira seu marido, não é? E isso é uma
tragédia, e eu sinto muito por você, Sybil. Ou gostaria de poder
voltar no tempo até o momento em que o aceitou e torná-lo
direito para você? — Lágrimas estavam reunindo às costas de
seus olhos com horrível e espinhosa pressão.
A boca de Sybil se abriu em um pequeno O.
— Querida, depois de tudo isso, você realmente não
conseguiu capturá-lo?
— Ma petite, — Clarice disse com os lábios apertados, —
ele não é um homem honrado, tê-la deixado agora. Você é
melhor sem ele, como sempre disse.
— Isso não é verdade. — Ela se afastou delas. — Isto é,
não sei se é verdade. Não posso casar com ele, mas não sei se
isso é melhor. Mas posso garantir, por mais incompatíveis que
seja ele é honrado. Maravilhosamente honrado.
— Mas ele tem… -— Clarice olhou para Sybil e suas
próximas palavras foram proferidas rapidamente. — Ele não
tem sido um cavalheiro com você.
— Querida Madame Roche, — Sybil disse. — Eu sei muito
bem o que se passou entre eles nesta estalagem. — Ela lançou
um suspiro digno de Clarice. — A verdade disso, querida Emily,
é que os homens são animais.
Com as bochechas quentes, ela olhou para seus rostos
simpáticos e o fio final de seu temperamento desgastado
estalou.
— Os homens são não bestas, — ela disse, sua voz vindo
de algum lugar profundo dentro dela. — Toda mulher que eu
encontrei desde que parti de Balloch me contou sobre as
preocupações e as intenções dele, a esposa do sacerdote,
Abigail Boyd, você — disse ela para Sybil. — Ninguém nunca
considerou que eu era a única com as intenções desonrosas.
Todos assumem que ele é a “captura”, o único a ser capturado
se eu pudesse segurá-lo por tempo suficiente para coagir uma
oferta dele.
— Mas ele é uma presa, querida, — disse Sybil. — Ele é
rico, bonito e titulado. Há dezenas de mulheres em Londres
sozinhas que pulam através dos arcos em chamas pela chance
de enlaçar aquele homem.
— Como no mundo chegamos a este entendimento, onde o
casamento é construído de modo para encontrar a pessoa com
quem passaremos a vida inteira, intimamente ligados, se
tornando um jogo? — Ela perguntou. — Então, é considerado
um triunfo quando, ao tentá-lo, a um homem e, depois forçá-lo
a refrear sua natureza apaixonada, uma mulher de alguma
forma consegue vencer esse jogo, como se tivesse agarrado uma
fera perigosa e levá-lo arrastado pelo calcanhar? É
positivamente grotesco.
— Ma chère.
— Não, Clarice. Essa linguagem me deixa doente. Um
homem não é uma criatura selvagem para ser pego e domado.
Se um homem é perigoso, não é porque ele é uma fera; ao
contrário. — Sua voz vacilou agora, mas ela não se importava.
— Pip tinha razão, Deus abençoe seu coração! Um homem é
toda a beleza, majestade e essência complicada de um anjo,
poderoso, protetor, furioso, compassivo e sábio. Ele é
igualmente tolo, confuso, falível e um escravo dos desejos
carnais mais básicos, como Adão quando estava no Paraíso.
Ele é magnífico. Ele é real. Para falar que um homem como ele
é o prêmio no fim de uma caçada é fazer dele um objeto para se
adquirir, enchê-lo de serragens, e pendurar na parede como a
cabeça de um veado. Eu passei anos — anos — lutando contra
essa noção das mulheres. Como na terra poderia considerar
um homem nessa mesma luz de noção ser aceitável?
A palavra final, gritada da profundidade de seu coração,
afundou na palha enquanto Clarice e Sybil ficaram
boquiabertas.
— Bem, — Sybil disse, voltando-se para Clarice, — ela
certamente está apaixonada por ele. — Clarice assentiu.
53
— Bien sûr.
Zenóbia engoliu a dor coagulada na garganta. Então
passou por elas e saiu do estábulo.
CAPÍTULO 24

Um grande homem

Colin fez a viagem para Inveraray e o castelo do duque de


Argyll rapidamente, permanecendo lá apenas uma noite. O
próprio duque não estava em casa, e Colin tinha pouco a dizer
a seu meio-irmão, exceto que, se Swift tivesse realmente
cometido os assassinatos, faria o que pudesse para suavizar a
punição pelos roubos.
Ele não exigiria justiça pelo mau uso de seu nome. Se seu
pai estivesse vivo, ele teria seu filho ilegítimo espancado por
esse crime. Colin não faria isso.
Colin havia assegurado que a cela ficaria vazia de outros
prisioneiros — um luxo em uma cadeia lotada — Eamon
resmungou seu agradecimento e disse-lhe adeus. Em vez de ir
embora, Colin pediu ao guarda que abrisse a cela, sentou-se no
minúsculo quarto do filho de seu pai e fez perguntas.
Eamon respondeu prontamente; ele não se envergonhava
de sua criação, apenas tinha um ciúme agudo, ao que parecia,
do reconhecimento público de seu sangue que lhe fora negado.
O conde tinha dado seu conforto e o de sua mãe. Ela fora
criada em Maryport Court. Pouco depois da morte da condessa
ela teve um filho, o conde a levou para uma casa em Yorkshire,
onde ele ocasionalmente os visitava. Eamon recebera
professores que o prepararam para uma carreira como caixeiro
e ele vivera modestamente. Mas ele teve uma perda infeliz nas
pistas de corridas de cavalos, o que o colocou profundamente
em dívidas. Quando conheceu Swift em Newmarket, era
natural aliar-se ao jovem ladrão e transformar sua educação e
inteligência, para roubar dos ricos e ociosos, um dos quais ele
sempre desejou ser.
Ele disse essa última informação com um olhar
desafiante, como se quisesse que Colin o condenasse, como se
ele esperasse por isso. Colin não o condenou. Em vez disso,
perguntou por que ele havia pedido seu nome emprestado.
— Eu pensei que você poderia vir um dia para a Escócia,
sim, — disse Eamon bastante sombrio. — Tudo parecia um
canto da cotovia, peculiarmente. Até que Swift atirou naquela
mulher.
— Você queria que eu te pegasse, não era? Quando ele
matou a esposa de Aillig Kendrick, você percebeu que tinha ido
longe demais e contou com isso, a minha...
— Compaixão? Eu sei o que é ser um filho único também,
irmão. — Então seu rosto relaxou. — Quando soube que sua
companheira de viagem se parecia com Swift, eu...
— Nenhuma palavra sobre ela. Nem uma única palavra ou
eu vou mandá-lo para Argyll e instruí-lo a colocar o laço de
volta a seu pescoço.
O estranho que se assemelhava aos retratos do ex-conde
de trinta anos atrás, olhou-o com cuidado. Então ele assentiu.
Colin partiu e seguiu para o Norte, até a fazenda dos
Boyds. Davie fora embora, cumprindo suas obrigações. Na
ausência do rapaz, Colin fez arranjos com a jovem Meghan.
Então ele chamou Pip de lado e explicou o assunto para ela.
Ela implorou para poder acompanhar os recém-casados até
Egremoor e morar em sua fazenda. Quando ele olhou para
cima em seus olhos suplicantes, toda a família Boyd estava
observando-o com rostos esperançosos.
Ele não podia negar. Pip parecia tanto com ele que Gray
suspeitava que o sangue que corria em suas veias era como
Eamon, provavelmente era uma coincidência, a menos que a
devassidão de seu pai não tivesse parado com a mãe de
Eamon. Mas não poderia ser ajudado. Se em Egremoor ela
fosse confundida como sua própria filha, que assim seja. Ele
poderia protegê-la.
Recolhendo a carteira de Murdo, cujas desculpas foram
engolidas pela carranca e pela vergonha, ele deixou a família
Boyd com a promessa de transmitir seus cumprimentos a Lady
Emily. Foi a única mentira que ele contou a alguém em meses.
Ele não veria Emily. Ele não estaria se correspondendo
com ela. Ele tinha toda a confiança de que sua vida iria seguir
como planejado, que ele iria cumprir suas responsabilidades
para com seu povo e seus pares, e que ele iria se destacar
nisso. Mas ele não tinha a menor confiança de que jamais
poderia vê-la e não cair de joelhos implorando-lhe que
reconsiderasse, mesmo sabendo que ela certamente o recusaria
muitas vezes, tantas quantas ele a pedisse em matrimônio.
Na aldeia de Luss, num chuvisco encharcado, afastou-se
do lago e guiou seu cavalo emprestado para as colinas
chuvosas, e depois desceu a ladeira em direção à taverna onde
ele e Emily haviam se abrigado abruptamente por algum
tempo.
Amarrando o cavalo cinza na porta, ele sacudiu o casaco
da chuva e entrou. Três homens sentavam-se à mesa,
trabalhadores com ombros grossos, mãos carnudas e roupas
rústicas. Dois outros estavam no bar, um homem de avental
atrás dele usava luvas. Era a mesma taberna que os tinha
recebido eles antes, e a cozinha estava tranquila.
Na parede perto do bar estava o panfleto que ele havia
notado na semana anterior, quando ele rapidamente tirou
proveito do lugar. Um panfleto dela. Naquela época, ele tinha
apertado os lábios. Agora, ele tinha o mais tolo desejo de
arrancá-lo da parede e memorizar cada palavra, cada letra,
depois comprá-lo da taverna. Pagar qualquer preço que ele
exigisse, e carregá-lo em algum lugar ridiculamente
sentimental, em seu colete apertando os ossos do seu peito, ou
algo assim.
Aparentemente, o tempo todo ela estava correta: a idiotice
dos homens e dele em particular, não conhecia limites.
Falando em voz baixa, ele levantou a cerveja, bebeu,
colocou moedas no bar e só então perguntou por seu cavalo.
— É uma honra milorde — disse o taberneiro. — Eu tenho
um primo fazendo um pouco de alvenaria na casa grande, a
casa Court, como ele chamava. Disse que nunca conheceu um
homem melhor que o Conde de Egremoor. Ele disse que você
54
deu a cada um deles uma galinha no dia de Boxing, embora
eles fossem escoceses.
— Seu primo falou do meu pai. Ele faleceu no mês
passado.
— Tem minha simpatia, Milorde. Meu primo disse que ele
era um grande homem. Distante. Exigente. Falível.
— Sim, — disse Colin. — Ele era.
No estábulo, Golias cumprimentou-o com uma patada.
Colin passou a mão pelo elegante couro preto do animal e
depois o preparou para cavalgar. O telhado vazava e onde
metade tinha caído completamente, a chuva simplesmente caia
no chão do estábulo.
— Dois dias, — disse ele ao seu cavalo quando ele o tirou
da baia de palha mofada, — e você estará confortável, onde um
animal como você pertence.
— Conde de Egremoor, hein? — Veio uma voz da porta. Os
três trabalhadores da taverna estavam na chuva que caía pelo
telhado, os ombros encorpados, as mãos cerradas, os olhos
cheios de fúria. O homem da frente cuspiu sobre o molhado
chão. — Um homem que usa o nome de um grande homem
para tirar vantagem daqueles que não têm nada, ele não é um
homem. Ele é um vilão.
Colin não se incomodou em discutir o assunto. Ele não
podia. Sua garganta tinha fechado, todo o acesso às palavras
negadas.
Soltando as rédeas de Golias, ele passou para a frente
para enfrentar o seu castigo. Pecados do pai, e tudo isso.
Em algum lugar no meio da luta, a revelação o atingiu.
Mais tarde — ele não sabia o quanto tarde era, exceto que
seu cavalo de excelente reprodução ainda não tinha fugido, e o
taberneiro do Keep ainda não tinha se perguntado por que o
cavalo cinzento do Solstício ainda estava preso ao poste da
porta — sobre suas mãos e joelhos, com a chuva batendo em
suas costas que eles haviam despojado da camisa e fora
flagelado, com sangue e água correndo de seu queixo e da
ponta de seu nariz e uma dúzia de outros lugares em seu
corpo, ele lembrou-se de suas palavras — palavras que suas
cordas vocais entupidas tinham invejado.
Um homem que usa o nome de um grande homem.
Doía como o inferno, todos os ossos espancado, todos os
músculos esmurrados, a fúria batendo nele. Mas não com os
homens que o deixaram assim. Nem com ela.
Em direção ao pai, que o tornara forte e fraco. Com o
diretor do clube, que ele confiara nele, dependia dele e a quem
ele se esforçara para agradar. Os dois homens que ele mais
admirara em sua vida. Ambos se foram em poucos meses, um
pela doença e outro pela traição.
A clareza, ele pensou, veio tão inesperadamente.
Ele não havia ido ao cemitério em Londres naquela noite
para silenciar o homem por trás dos panfletos, o homem que
comandava a atenção e a admiração da Grã-Bretanha. Ele
tinha ido em busca de algo para preencher o vazio. Alguém.
Sem os homens que o mantiveram em padrões impossíveis,
pela primeira vez em dezoito anos ele não sabia quem era.
Agora. Finalmente. Ele sabia o que fazia um grande
homem.
A chuva caía sobre suas costas esfoladas, escorrendo de
sua mandíbula machucada, deslizando entre os lábios e
fazendo poças vermelhas cintilantes diante de seus olhos, e ele
se sentia real. Completamente real. Em agonia, lutando por ar
sob as costelas quebradas, machucado, ensanguentado,
agudamente acordado para todas as sensações, todas as cores,
todas as texturas, sabores e sons. Era como ele se sentia com
ela. Vivo.
Pela primeira vez em décadas, ele se sentia... como ele
mesmo.
CAPÍTULO 25

Um panfleto

Ela estava infeliz. Ela fingia não estar. Shauna, Clarice e


Franklin lançavam olhares simpáticos cada vez que a
encontravam pela casa. Ela se recusava a satisfazer suas
preocupações enjoativas. Se uma mulher não pudesse lutar
contra o desgosto de novo até o contentamento novamente,
então a mulher merecia todo tipo de desacato que a
humanidade acumulou sobre ela por milênios.
Estava tudo bem em teoria. Na realidade, ela não queria
sair da cama pela manhã.
Mas ela fazia. Ela olhava para o mundo da janela de sua
sala e não conseguia ver nada em seu coração e cabeça. Não
claramente. Ambos eram uma confusão.
Caminhando pela porta dos fundos de sua casa e para as
cavalariças, instruiu Jonah a aproveitar o dia, pegou sua capa
e seu guarda-chuva e, sem dizer a ninguém, dirigiu-se para as
docas de Londres. Muitas vezes, ela doara fundos para o
projeto de Valerie de Ashford para ajudar marinheiros que
haviam sido “convocados” pela marinha e agora estavam livres
dela, o que os colocavam em situações de trabalho mais
desejáveis. Nunca ela visitara o lugar.
Quando chegou ao movimentado escritório, disseram-lhe
que Lady Ashford não estava. Mas o funcionário pareceu
emocionado ao vê-la. Gesticulando para um marinheiro
sentado diante de uma escrivaninha, ele lhe disse que tudo o
que ela precisava poderia ser encontrado na pasta e se afastou
apressadamente.
Zenóbia olhou para a pasta em cima da mesa, em seguida,
para o rosto bronzeado do marinheiro e não sabia o que dizer.
— Você está bem, senhorita?
— Eu estou... — Não tão bem. Não com a dor sob as
costelas e a confusão completa sobre o que ela estava fazendo
neste lugar entre corpulentos, resistentes marujos marcados
por cicatrizes, e totalmente incerta de que isso não era o auge
da arrogância imaginar que ela poderia fazer qualquer coisa
aqui simplesmente porque queria. Ela era necessária para que?
— Tudo bem, — disse ela, usando a frase de Colin.
Um pequeno fio de paz escorregou em seu peito.
Ela olhou o marinheiro nos olhos.
— Qual é o seu nome?
— Vince, madame.
Ele a lembrou de Davie Wallace, jovem, grande e forte,
olhos azuis claros em um rosto que estava escuro do sol. Rugas
marcavam sua pele, vincos, ela supôs, de olhar para mares
sem fim. Muitas rugas para um homem da idade dele.
— O que você gosta de fazer, Vince?
— Eu gosto da ideia de sair daqui, isso é, senhorita, — ele
segurou seu boné entre os dedos manchados de alcatrão — Eu
gostaria de deixar Lunnon para trás. E navios. Eu ficaria feliz
em nunca mais ver águas abertas pelo resto de meus dias. —
Ele riu sem vontade. — Eu, vovô, mamãe morávamos em uma
fazenda perto de Welling. Então, um dia, eu me levantei e fui ao
mercado e a tripulação me prenderam.
— Quando isso aconteceu?
— Faz tempo. Dez anos passados. Ou doze.
Ele não poderia ter mais do que vinte anos de idade agora.
— O que você pode fazer? — Ela perguntou.
— Não entendi, senhorita?
— Quais são suas habilidades?
Suas sobrancelhas se inclinaram.
— Eu posso remar.
Ela olhou em seus olhos e pensou na fazenda de ovelhas
que Colin havia oferecido a Davie. Com Meghan, o jovem
escocês poderia aprender um novo ofício. Colin nunca
duvidaria disso. Naquele momento, ele estava desesperado por
ajuda, mas nunca teria oferecido a Davie uma fazenda em sua
propriedade se não acreditasse que a juventude poderia ter
sucesso.
— Há uma lista aqui. — Seus dedos se atrapalharam no
papel enquanto ela o puxava sob os olhos e uma lágrima
atingiu a lente de seus novos óculos. Ela fungou. — Sabe algo
sobre fabricação de armários? Lorde Dare se ofereceu para
financiar todas as despesas de um aprendiz para um excelente
fabricante de móveis em Somerset.
O nariz de Vince enrugou de tudo.
— Mais madeira, senhorita?
Havia uma incrível leveza crescendo dentro dela agora,
uma leveza estranha e arejada.
— Eu suponho que não. — Ela passou a ponta do dedo
pela página. — Aqui está um pedido promissor. Lorde Chance
está expandindo sua fazenda e precisa de várias mãos estáveis.
Eu sei que Dashbourne está a mais de meio dia de viagem de
Londres e — ela sorriu — é totalmente sem acesso ao mar.
— O que você acha, senhorita? — Ele espalhou as palmas
das mãos para cima. — Poderia estas mãos lidarem com
cavalos?
— Eu não sei se você estará lidando com cavalos reais. Eu
suspeito que você estará lidando com bastante feno e limpando
baias. Pelo menos no começo
Ele sorriu.
— É melhor que alcatrão.
Com meia dúzia de encontros depois, e os dedos apertados
ao redor as rédeas, enquanto ela dirigia para casa, não ouvia os
sons do tráfego, apenas uma pergunta.
O que você acha, senhorita?
Ela entendeu, finalmente, por que abandonara seu nome.
Ninguém jamais se importou com o que Emily Vale pensava ou
dissesse. Todos acreditavam que ela era peculiar e
excessivamente apaixonada pela solidão. Então a única pessoa
no mundo que a achava especial, extraordinária, a deixou. Fora
a coisa mais fácil depois disso, adotar outros nomes, nomes
conhecidos, para deixar Emily no passado. Ninguém a queria
de qualquer maneira.
Colin a havia acusado de apreciar a fama da Lady Justiça,
e ele não estava errado.
O mundo se importava com o que a Senhora da Justiça
dizia. O mundo a escutava.
Mas o mundo não escutava a ela.
Ele dissera que ela estava se escondendo. Ele lhe falara
com honestidade — dolorosa e feia honestidade. Mas ele não
havia escondido a verdade dela, nem qualquer verdade que
importasse. Em troca, recusara-se a ouvi-lo. Ela se recusou a
ouvi-lo. E ela não lhe dera nada que não tivesse sido fácil dar.
Entrando em sua casa, ela tirou o manto e foi até a sala
de estar. Tirando uma folha de papel da gaveta da
escrivaninha, onde estava sentada, mergulhando uma pena no
tinteiro, e escreveu.

****

O Parlamento estava em sessão e o estômago de Colin


estava em nós. Ele suspeitava que todos os Lordes recém-
convocados se sentiam assim. Se não estivessem, eram
canalhas.
Contusões ainda visíveis em volta de seus olhos e o lábio
partido em um só lugar, ele ignorou os olhares curiosos de
seus pares quando saíam de carruagens diante do Palácio de
Westminster e entregou Golias a um menino que esperava. De
pé diante das portas do governo, ele inspirou o ar frio de
Londres.
— Você vai ficar bem. — A voz de Leam Blackwood veio
por cima de seu ombro, então sua mão lhe deu um tapinha nas
costas. — Você foi criado para este lugar, Colin. Cada gota de
sangue em você está destinada a estar aqui. Mas vou lhe
contar um segredo, rapaz. — Ele se inclinou para ficar mais
perto. — Se você tiver sorte o suficiente para se sentar atrás de
um dos velhos Lordes usando uma peruca, pode tirar uma
soneca. — Batendo no ombro dele, ele subiu as escadas e
entrou no edifício.
No canto, um vendedor ambulante estava vendendo
panfletos.
— O mais recente panfleto de Lady Justiça, Milordes! —
Ele gritou.
Colin tirou uma moeda do bolso. Dobrando o panfleto e
colocando-o debaixo do braço, ele voltou para a entrada do
salão mais poderoso da Terra e entrou.
Dentro da Câmara dos Lordes, os homens circulavam,
conversavam e sentavam-se ao longo das filas que ladeavam os
dois lados. Colin foi até seu assento, cumprimentando amigos e
aceitando condolências pela morte de seu pai e parabéns pela
sua ascensão ao Parlamento. Ele era o mais novo membro do
Parlamento.
Sentando-se no lugar que seu pai tinha deixado após
trinta e sete anos, ele permitiu chegar a si o som das conversas
murmuradas, os pés arrastando-se em tábuas polidas e o
rangido de bancos que tinham centenas de anos.
Afundado debaixo de sua pele estava o panfleto. Então
retirou-o desdobrou-o e leu as palavras dela.

Meus queridos companheiros de matéria,


Aprendi recentemente uma verdade que desejo compartilhar com
vocês: um homem pode ser poderoso, rico, privilegiado, até mesmo
arrogante, mas, ainda, assim, se dobrar ao nível da criança mais humilde
para agir com bondade, compaixão e heroísmo. Eu testemunhei isso.
Eu estava errada, meus amigos. No passado, o cinismo e a antiga
mágoa atrapalharam minhas depreciações sobre grandes homens. Alguns
homens de posição e riqueza servem a Inglaterra para seu próprio benefício.
Mas alguns o fazem porque desejam ajudar os outros e tornarem o mundo
um lugar melhor. Isso será sempre evidente para os observadores, o fato é
que eles servem tanto de um lugar de Honra como de Amor — amor a suas
famílias, suas terras e a Inglaterra.
O povo desta grande nação e seus governantes têm muito a ensinar uns
aos outros. Ambos os lados devem ouvir.
Da mesma maneira, uma esposa e seu marido devem coexistir. Ao
compartilhar e celebrar sua parceria, eles devem confiar um no outro,
depender um do outro, apoiarem-se mutuamente e elevarem-se mutuamente
— em igual medida. Onde houver amor, sempre deverá haver respeito.
Para o respeito florescer, no entanto, a igualdade deve existir
primeiro. Eu lhes pergunto: Como pode um homem com uma única fatia de
pão olhar para o banquete de um homem rico dia após dia, mas não se
ressentir com ele pela sua miséria? E como pode um Senhor com um lauto
banquete olhar para a crosta de pão e sujeira de um mendigo e não sentir
desprezo, mesmo julgar aquele pobre indigente de alguma maneira? Um
homem bem alimentado não seria um homem mais feliz e um contribuinte
melhor para a sociedade? Um compartilhamento igual de recursos não seria
um caminho para um respeito igual?
Da mesma forma, negar às esposas os mesmos direitos e privilégios no
casamento que tem seus maridos é semear a raiva, o ressentimento, o medo e
a fraqueza no solo fértil dessa união tão abençoada. Em vez disso, permitir
às esposas direitos e privilégios iguais aos dos seus maridos é capacitar as
mulheres para amar e servir com força, vigor e honestidade.
Caros concidadãos, testemunhei o íntimo vínculo entre o amor e o
respeito: tenho visto isso no casamento de meus pais e nos casamentos de
meus queridos amigos. Agora, eu também, senti isso no meu coração. E
aprendi que sem um, o outro não pode sobreviver. Entrelaçados, no entanto,
eles podem vencer os piores desafios da vida.
Ao aprender esta lição, entendi que não posso mais me esconder no
anonimato. Ao fazê-lo, contribuo apenas para a desconfiança entre o povo
deste reino e seus governantes, que, em vez disso, devem ser unidos, ligados,
como cônjuges são ligados, em amor e respeito. Ao permanecer anônima,
também sou hipócrita. Pois como posso afirmar que as vozes das mulheres
são dignas de serem ouvidas quando eu escondo as minhas tão efetivamente
por trás dessa cruzada, que até mesmo aquele que eu mais amo não me
conhece?
Portanto, hoje eu assino, sinceramente,
Emily Vale,
Lady Justiça.

Ele mal sabia onde estava. Os resmungos e conversas


sobre ele zumbiam em seus ouvidos, mas ele não ouvia nada
claramente.
Mesmo aquele que eu mais amo, não me conhece.
Ela havia escrito isso para todos na Inglaterra. Imaginar
que ela se referia a ele, que o amava, certamente era tão
arrogante quanto ela o acusava. Entretanto, o idiota órgão em
seu peito não prestaria atenção à cautela que deveria sentir. E
lhe disse que, se por milagre ela o amava, ele não merecia isso.
Olhando para cima da página, ele forçou os olhos a se
concentrar na realidade ao seu redor. Por toda a câmara,
Lordes estavam relaxados em seus lugares habituais que
marcavam os séculos de privilégio e autoridade de suas
famílias, e então o Lorde Chanceler estava se dirigindo à
assembleia. A garganta de Colin estava apertada, uma dura
desordem de desejo e desespero. Ele pertencia a este lugar. Ele
merecia estar aqui. Ele estudou, trabalhou e pagou suas
dívidas para ocupar seu lugar entre esses homens. Para se
tornar digno dessa câmara, ele sofrera. Ele pretendia
totalmente viver de acordo com essa preparação.
Ele poderia muito bem começar agora.
— ...seguinte debate em comissão, — o Lorde Chanceler
estava entoando. O coração de Colin bateu furiosamente
rápido. Mas para todos os outros homens presentes, este era
apenas um dia típico. Agarrado em sua mão, o panfleto parecia
como fogo.
O Lorde Chanceler fez uma pausa, depois abriu a boca
novamente. Colin se levantou.
— Meu lorde.
— Lorde Egremoor, — disse o lorde chanceler.
Colin molhou os lábios, puxou o ar para seus pulmões, e
as palavras deslizaram sobre sua língua com clareza limpa e
forte.
— Meus Lordes, eu proponho apresentar para debate a Lei
da Felicidade Doméstica. — A câmara estava em um pesado
silêncio.
Então irrompeu o caos.
Passaram-se alguns minutos antes que as manifestações
do Lorde Chanceler fossem audíveis mesmo acima da comoção.
Homens saltaram de suas cadeiras. Outros gritavam com os
homens ao lado deles. Outros estavam murmurando para seus
companheiros e assentindo. Nenhum homem no lugar
imaginara que o sucessor do Conde de Egremoor faria algo
assim.
Isso lhe convinha. Agora ele sabia um pouco do que ela
deveria sentir toda vez que um de seus panfletos provocava
furor na Inglaterra.
Finalmente, o lorde chanceler conseguiu acalmar a
câmara. Os homens voltaram para os seus lugares. Colin
permaneceu de pé.
— Lorde Egremoor, — disse o lorde chanceler. — Prossiga.
— Obrigado, meu lorde. — Ele deu outra respiração
profunda. — Meus Lordes, tenho poucas dúvidas de que
metade de vocês agora me acham louco. Outro quarto de vocês
imaginam que, como um jovem nesta augusta assembleia, eu
ainda não entendo completamente como as coisas funcionam
aqui. E o último terço de vocês suspeitam e se perguntam
simplesmente como e quem me feriu. — Ele brandiu o panfleto.
Risadas soaram por toda a câmara e uma série de gargalhadas
ultrajadas. — Os três primeiros terço de vocês estão errados.
Estou perfeitamente são, e aqueles de vocês que foram bem
familiarizado com o meu pai, acreditarão em minha garantia de
que ele ensinou-me, a partir do dia que nasci, precisamente, o
que seria esperado de mim um dia aqui. O último terço de
vocês, no entanto, — ele disse, — está correto. Estou de fato
ferido e apaixonado por uma mulher que me ensinou que o
meu dever para com a Inglaterra, o meu dever para com este
reino que eu amo, é em primeiro lugar e acima de tudo para
com o menor dos meus concidadãos e, em seguida, só depois
disso, para os Lordes daqui. Se este reino fosse governado
pelas pessoas que mais fervorosamente amam cada pessoa,
elas estariam aqui em vez de muitos de nós.
Murmúrios de aprovação e algum descontentamento
circularam pela câmara. Do outro lado da câmara, o Conde de
Blackwood chamou sua atenção.
Um homem é tão nobre quanto sua honestidade.
Colin pigarreou.
— Muitos de vocês me conheceram quando éramos
crianças, durante minha breve permanência na escola. — Ele
olhou ao redor, vendo os homens com quem ele havia lutado
com punhos, unhas e pés, vendo-os como se fosse outra vida,
outro menino que ele estava lembrando. — Nem mesmo vocês
sabem a verdade que mantive de perto. — Ele mapeou cada
palavra, cada frase, enquanto a frágil antecipação estalava em
toda a câmara. — Nos primeiros treze anos da minha vida, não
pude falar. Eu não falava. Nenhuma palavra. Nenhum som.
Ninguém nunca entendeu o porquê, nem mesmo eu. Nenhum
médico conseguiu diagnosticar, a não ser para concluir que eu
era um idiota, um simplório, e exortar meu pai a produzir
rapidamente mais herdeiros.
Um farfalhar murmurou nas fileiras de homens.
— Quando finalmente falei, — continuou ele, — foi por
uma necessidade terrível. Não por mim mesmo. Uma amiga,
uma pessoa menor e mais fraca do que eu, mas só no corpo.
Uma amiga que precisava de ajuda e, naquele momento,
finalmente, palavras vieram à minha língua. Meus Lordes, lhes
conto isso agora, o que eu nunca contei a ninguém, o segredo
que meu pai guardou de nossa família porque ele não
suportava a vergonha disso, eu lhes digo porque quero que
vocês entendam que eu sei o que é a falta da capacidade de se
fazer ouvir. E sei que há por todo esse reino, pessoas menores
que nós, pessoas sem sangue nobre, vastos patrimônios e boa
educação, que precisam que falemos por elas. Seus corações
estão igualmente cheios de coragem e tão bons como os nossos,
e eles precisam de nós para defendermos suas causas. Eles
precisam de nossas vozes levantadas em seus nomes.
— Portanto, hoje, na tentativa de trazer a este reino pelo
menos um pequeno passo para o momento em que a justiça se
torne realidade, proponho apresentar para debate nesta
câmara um ato de governo que busca libertar as vozes de
metade de nossa população. Para o bem da Grã-Bretanha
proponho: a Lei da Felicidade Doméstica.
Uma nova onda de reclamações e insultos ecoou por toda
a câmara. Desta vez, o Lorde Chanceler os silenciou
rapidamente.
— Para aqueles de vocês que acreditam que é um erro
permitir que suas esposas tenham autoridade legal sobre suas
próprias vidas e pessoas, — continuou Colin, — peço que hoje
façam isso: voltem para casa, em vez de irem para seus clubes
e perguntem a suas esposas se há qualquer privilégio que elas
gostariam e não desfrutam ainda. Então ouça-as listar os
privilégios que vocês desfrutam a cada dia, os dons naturais
que elas são de fato capazes de desempenhar, como elas fazem,
e como finalizam esses dons nos deixarão envergonhados. Não
será uma fraqueza da parte de qualquer um fazer isso. Pelo
contrário, isso provará sua coragem e que você é digno da
confiança que as pessoas deste reino colocaram em todos nós.
Mais gritos soaram dos homens à sua volta e resoaram
ainda aplausos ávidos. Muitos lordes sentaram-se com rostos
de pedra, furiosos, desaprovando. Mas nem todos.
— Alguém disse-me recentemente que um grande homem
não é medido pela força de seu privilégio, mas pela
profundidade de seu coração. — Colin sorriu. — Ela estava
certa. — Ele se curvou. — Obrigado, meus lordes.

****

Sua família estava na cidade.


Todos tinham vindo — seu pai, mãe e três irmãs solteiras
— cheios de reclamações sobre o horrendo dia de viagem que
haviam suportado em suas luxuosas carruagens e empolgação
com a perspectiva de entretenimento na cidade, mesmo nessa
estação de inverno insípida. Mas ela deveria contar a seus pais
sobre Amarantha e, desta vez, ela não se importava com a
companhia deles, não como costumava ser. Foi um dia
significativo, afinal. Nenhum de seus familiares lia nada além
de revistas de moda, mas ela estava feliz em tê-los na cidade
naquele dia em particular, de qualquer maneira.
Anunciando no café da manhã suas intenções de fazerem
compras o dia todo, as ladies do Vale partiram cedo para Bond
Street. O pai dela já tinha ido para o clube. No almoço, ela
sentou-se em silêncio com Clarice, cujos olhos negros estavam
muito ansiosos e mal conseguiam mordiscar um creme. No
momento em que Clarice finalmente abriu a boca para falar, ela
fugiu para o salão.
Uma hora depois, o pai dela entrou na sala. Vestindo um
casaco de lã azul extraordinariamente sóbrio com nada menos
que cinco grandes botões dourados no peito, ostentava um
colete por baixo, borlas douradas em filigrana de ouro nas
botas e uma caixa esmaltada do tamanho de Dover que ele
espalmou, sacudindo. E quando abriu revelou um espelho
dentro, na capa.
— Papai, — disse ela, levantando-se de sua escrivaninha e
movendo-se para ele. — Eu senti sua falta no café da manhã.
Mamãe e as meninas ainda estão nas lojas.
Ele permitiu que ela o aliviasse de sua bengala, uma
afetação que ele não precisava, e se dirigiu ao sofá.
— Você está especialmente elegante hoje. Você já esteve
no seu clube?
— Não, não, minha querida, — ele suspirou. — O clube
está todo interditado das seis as setes, com renovações, você
não sabia? O conselho de regentes querem instalar canos de
água quente, ou algo assim. Digamos que eles carreguem água
aqui e ali e em todo o lugar. Planejamento inconveniente se os
canos explodirem dentro das paredes, eu digo!
— Acho que essa mudança deve ser bem-vinda aos
funcionários encarregados de transportar água quente entre as
câmaras. Obrigada, Franklin — ela disse enquanto colocava a
bandeja de chá na mesa e o servo retirou-se da sala.
— Ah, minha menina, — disse seu pai, aceitando uma
xícara dela e soltando açúcar nele. — Sempre pensando no
conforto de todos os outros.
Hoje não. Hoje ela pensara apenas em si mesma. O
embaraço que sua família sofreria com o que ela tinha feito, o
que as pessoas em toda Londres estavam descobrindo neste
exato momento, iria mergulhá-la na infelicidade. Ela deveria
contar ao pai imediatamente. Agora. Mas a língua dela estava
grudada e de repente ela sabia um pouco do que deveria
acontecer a Colin, o que fez seu peito doer tão ferozmente que
ela só conseguiu assentir. Ela engoliu um gole de chá.
— Se você não estava no seu clube, — ela finalmente
conseguiu dizer, — onde você estava esta manhã, papai?
Compras também?
— Eu estive na Câmara de Lordes, na verdade, — disse ele
e tomou um gole de chá. — As horas mais agradáveis que
passei em algum tempo, se é que eu possa dizer isso.
— Câmara de Lordes? Papai, você esteve em Westminster
esta manhã? Mas você nunca vai à sessão. — Ela não tinha
ideia se Colin havia voltado para a cidade ainda. Ele deveria ter
muito para ver em sua propriedade. Mas o Parlamento estava
em sessão, afinal de contas, e ela suspeitava que ele se sentaria
logo em seu novo lugar. Ansiava por perguntar ao pai se Colin
estivera lá, mas a última coisa que queria era que ele
imaginasse que tinha motivos para escrever para Colin
incentivando a propor-lhe matrimônio outra vez.
— Houve uma boa sessão, minha querida. — Seu pai riu e
se recostou no sofá almofadado. — Tudo bem, ótimo show.
Excelente debate hoje, a propósito. Foi o meu favorito, embora
eu tenha me apaixonado pelo que você fez com esses moços por
todos esses anos, depois que você veio para Cidade. Pobres
rapazes. Sabem uma coisa ou duas sobre esse tipo de batalha,
é claro. Eu ficava orgulhoso como um pavão se pavoneando
quando um daqueles panfletos aparecia em todos os salões. Até
mesmo o vi no clube, por Deus! Mas este aqui, Emmie! Você
acertou no bolo hoje, minha garota. Ora, porque já li três vezes
e posso lê-lo mais três antes do final do dia. E, me isolaria se
eu não estivesse tão contente da vida com todos os olhares
desse ou daquele jeito, os lordes esticavam seus velhos e
enrugados pescoços para terem um vislumbre de mim. Sabia
que havia uma boa razão para que eu dissesse a Price para
escovar esse casaco hoje. A melhor gabardine de Westin, você
não sabe? E precisamente meu tom de azul. Sua mãe ficará
encantada por ter conseguido tantas coisas.
— Papai. — Ela não conseguia fechar a boca. — O que
você quer dizer com orgulhoso? Papai, você sabia o tempo todo
que sou Lady Justiça?
Inclinando sobre a mesa de chá, ele alcançou seu queixo.
— É claro que sim. — Ela jogou-se por sobre a mesa e
contra o seu peito.
— Oh, papai!
— Bem, bem, eu não recebi um abraço desses desde que
você era uma coisinha. — Ele deu um tapinha nas costas dela.
— Pensei que minha Emmie havia esquecido como abraçar seu
velho pai. Esplêndido, eu digo. Agora observe o acabamento,
minha querida. Não deve amassar o veludo.
Ela alisou seu casaco, as mãos tremendo.
— Obrigada, papai. Obrigada por acreditar em mim.
— Ah! Minha garota. — Ele deu-lhe um aperto no ombro.
— Nunca fui um pai mais feliz, eu diria.
— Mas, se você sabia, por que continuava jogando
pretendentes sob minha cabeça?
Suas sobrancelhas voaram para cima.
— Eles não eram para você! Eu sabia que você não
aceitaria nenhum deles. — Ele riu. — Sua mãe tinha
esperanças por um ou dois. Por que, se aquele jovem Yale se
apaixonasse por você em vez daquela moça, eu diria que ela
poderia tê-la deixado fugir com ele. — Ele deu uma gargalhada.
— Mas eu nunca duvidei que minha garota inteligente nunca
daria uma segunda olhada para qualquer um deles.
— Você fez isso para acalmar a ansiedade de mamãe que
eu não fosse casada?
— Não, não. — Ele riu novamente. — Ela está ocupada o
suficiente em preparar todas as suas irmãs para os
casamentos. Eu fiz isso para trazer esse moço para o jogo, é
claro. Pareceu-me que ele precisava de encorajamento.
— Aquele moço? — Ela perguntou fracamente.
— Eu deveria ter sabido que você realizaria a coisa
sozinha. Minha filha mais inteligente. — Ele a tocou no queixo
mais uma vez e foi até a porta.
Realizaria a coisa ela mesma?
— Papai, por que... — Ele fez uma pausa e sua língua
parou. Ela forçou encontrar as palavras através dela. — Por
que o velho conde deseja tão fervorosamente esse casamento?
Ele não gostava de mim.
— Bem, isso eu não sei se é verdade. Como alguém
poderia não gostar da minha garota? — Ele disse com um
sorriso bonito. — Mas suponho que ele quisesse isso por amor
a Amélia. Ela gostava tanto de você quanto podia. Ela
costumava dizer que iria mantê-la em Maryport Court durante
todo o ano, se nós deixássemos. — Ele deu uma sacudida triste
de cabeça. — Terrível tragédia. Eirnin sempre se culpou, é
claro. — Ele se iluminou. — Mas não há necessidade de perder
tempo em história antiga, minha querida! Participei de uma
boa sessão hoje, eu diria. Eu deveria tomar o meu lugar com
mais frequência. — E então ele se foi e ela ficou olhando para a
porta fechada.
Mal teve tempo de corrigir seus pensamentos antes que a
porta se abrisse novamente e Franklin entrasse com o prato de
prata e uma única carta.
— Minha lady. — Ele segurou-a.
— Mas a nota ainda não foi entregue, não é?
— Isso chegou por um mensageiro especial. — Ele
apontou com o queixo. Ela pegou e ele a deixou sozinha.
Ela olhou para a carta com um misto de medo e
ansiedade. Este era o começo. Muitas vezes recebia
correspondência de estranhos. A Brittle & Sons enviava
correspondência endereçada à Lady Justiça em pacotes
semanais. Agora que a Grã-Bretanha conheceria seu nome
real, os leitores inevitavelmente mandariam correspondência
para a casa dela. Pareceria uma invasão.
Mas isso deveria ser suportado. Se ela fosse viver de
acordo com a coragem que os outros esperavam dela — que ele
exigia dela — ela deveria aprender rapidamente a ser corajosa.
Esta carta não era, no entanto, de um estranho. O
endereço do remetente era da residência londrina do Sr. Wyn
Yale.

Minha dama,
Eu sou todo admiração — desta vez com total sinceridade.
Se eu estivesse diante de você agora, veria um homem cheio de
grata humildade. Se eu não soubesse que você tenha pago o que
acreditava ser sua dívida comigo, não só uma vez, que eu sabia,
mas duas vezes e tão generosamente, e não tenha lhe
agradecido por isso. Eu o faço agora com profunda gratidão.
Meus cumprimentos mais dignos para você.
Meus elogios adicionais por puxar a venda dos olhos de
Gray por tantos anos. Eu gostaria de ter visto seu rosto no
momento em que ele descobriu a verdade. Eu, simplesmente,
terei que imaginá-lo e sentir a alegria de saber que você perfurou
aquela fachada controlada, quando nada do que eu fizesse pôde
conseguí-lo.
W. Yale
Ela não podia sorrir. Não havia nenhuma satisfação nisso,
quando ela, ainda, via diante dela os olhos zangados de Colin
pela sua traição, enquanto ele olhava-a do outro lado do pátio
da estalagem do Solstício.
Da porta, Franklin pigarreou.
— Minha lady, outra carta acaba de chegar, também via
mensageiro privado. — A nota está assinada pela mão de Kitty
Blackwood.

Lady Justiça!!!! Claro que ela é você, mulher brilhante!!


Estou em total reverência — de fato, toda Londres está. Toda a
Grã-Bretanha! E se isso não fosse suficiente para tornar este dia
extraordinário, Leam e Alex acabaram de voltar de Westminster
com a mais surpreendente das histórias. Estou presa com uma
criança no meu peito, mas no momento em que ele termine de
mamar, Serena e eu estaremos à sua porta exigindo entrada e
TODOS OS DETALHES. Isso foi o que aconteceu na Escócia?
Leam disse que Colin viajou para lá ultimamente também. Você
deve me contar tudo!
Eu envio esta nota com antecedência porque não posso
esperar mais um minuto para expressar minha alegria e
admiração.
Kitty

Quando ela olhou para cima, Franklin estava novamente


na porta.
— Você esteve aí o tempo todo? — Disse ela com agonia
inanimada.
A história mais surpreendente?
— Não, minha lady. O pajem de Lady Fitzwarren trouxe
isso. — Ele lhe entregou outra carta. — As ladies Rowdon,
March e Macintyre chegaram. Separadamente, parece.
— Chegaram onde?
— Aqui, minha lady.
— Para quê? — Ela abriu o papel.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Elas estão pedindo-lhe uma audiência, minha lady.
— Audiência? Mas eu não as conheço. Lady March, talvez
um pouco. Mas não as outras. Não tão bem, pelo menos.
— Todas, no entanto, agora a conhecem.
— Oh. — Ela não estava preparada para isso.
— Monsieur Franklin, leve-as para a sala de visitas! Irei
recebê-las, — Clarice exclamou com uma onda de um lenço
perfumado que ela deslizou pela testa. — Ma petite, vou
entretê-las e todos os que gostam de estarem perto das
celebridades e você pode descansar aqui na sua solidão, si cela
55
te plaît.
— Eu não sou uma celebridade, — disse ela, com o
coração acelerado e os dedos escorregadios no papel. — Eu
nunca quis essa atenção. — Ela desejou estar de volta às
Highlanders em uma encosta de montanha de neve, com o
silêncio do pôr do sol, e Colin. Apesar de todo o perigo,
esgotamento e estômago vazio, ela sentia falta da aventura
deles. Ela sentia falta dele. E isso era pura tolice, mas ela
desejava poder compartilhar tudo isso com ele novamente.
— Claro que você não é, ma chère. Você só queria ajudar
as pessoas. — Clarice sorriu amorosamente e depois foi para a
sala de estar.
Ela desdobrou a nota de Lady Fitzwarren.

Todas tentaram: Eleanor da Aquitânia, Elizabeth I e


inúmeras outras mulheres da História. No entanto, através de
suas argumentações cuidadosas e pura força de vontade: você
conseguiu! E que magnífico sucesso! Você poderia ter convencido
56
Fitzhugh ou outro Whig reformista a propor a Lei da Felicidade
Doméstica para debate. Mas tê-lo trazido na sessão por
Egremoor — e tão apaixonadamente — foi um golpe completo,
57
minha querida. Bem feito! Os Tories estão em tumulto, metade
deles furiosos, ele se afastou das alianças de seu pai de forma
tão dramática, e a outra metade, está intrigada. É um grande
momento para o Parlamento e um grande momento para as
mulheres da Inglaterra. Um grande momento, de fato! Você,
Lady Justiça, é um tesouro nacional.
Afortunadamente,
Mellicent Fitzwarren

A página tremeu nas mãos dela. Ela mal podia acreditar.


Colin havia apresentado seu projeto de lei no Parlamento? Era
inédito — um lorde agindo de forma contrária às lealdades
políticas de sua família.
E tão apaixonadamente.
Ela levantou os olhos da carta e espiou pela sala. Tudo
parecia familiar, exatamente como sempre. Ali estava ela, como
de costume numa terça-feira à tarde, na sala de visitas, com
uma folha de papel em branco na escrivaninha, a pena favorita
ao lado, afiada, com um pote de tinta fresca. Abençoou
Franklin por preparar seus materiais de escrita como se fosse
um dia normal. E Shauna, por esta manhã, ter colocando para
fora seu vestido azul escuro favorito que ela gostava de usar
quando escrevia. E Jonah por liderar, durante o café da
manhã, naquela manhã, perguntando se ela precisaria de seu
cavalo ou carruagem preparados hoje, como ele sempre fazia.
Abençoando todos eles por se comportarem como se fosse um
dia perfeitamente normal.
Na verdade, tudo havia mudado. Tudo.
Seu coração doía tão ferozmente e batia tão rapidamente
que ela não podia ficar quieta. Deixando a sala, ela foi para seu
quarto e andou de um lado para o outro. Finalmente ela parou
diante do espelho. Ela parecia a si mesma. Ela era tanto Emily
Vale quanto Lady Justiça, como ela tinha sido durante anos.
Ela deveria visitá-lo. Era absurdo se curvar à convenção
que ditava que uma dama não deveria visitar a residência de
um homem solteiro. Ele fizera uma coisa magnífica. Uma coisa
surpreendente. Ela deveria ir até a casa dele e parabenizá-lo. E
então talvez colar seus lábios nos dele e arrancar suas roupas e
exigir que ele a levasse para a cama. Era tudo muito mais fácil
quando eles não estavam usando roupas.
Sim. Excelente plano Ela faria isso. Tão logo ela pudesse
fazer seus joelhos cessarem de tremer.
— Ahrãn, minha lady? — Na porta, Franklin segurava em
seus braços um grande pacote embrulhado em papel pardo. —
Isso acabou de chegar para você. É muito pesado.
— Coloque-o aqui, por favor. — Ela apertou as mãos
firmemente para controlar seus tremores. Ele colocou o pacote
na penteadeira e partiu.
Ela tocou a superfície. Era grande, uma caixa com cerca
de cinquenta centímetros quadrados. Um fio amarrava o
embrulho. Ela puxou os nós e rasgou o papel.
Formada por madeira intrincadamente incrustada de dois
tons, dourado e marrom, a tampa polida mostrava duas
árvores, os lindos ramos esculpidos completamente
entrelaçados, como um par de amantes se abraçando.
Correndo as pontas dos dedos sobre a superfície sedosa,
encontrou o trinco. Dentro do compartimento havia seções
elegantes forradas de cetim verde contendo folhas de papel
finamente prensado, uma pluma de ouro, uma pena perfeita,
um pote de tinta de vidro contornado em ouro e sobre ela uma
nota com uma linha escrita com uma letra tão familiar:

Na esperança de que você vai usá-lo para escrever


discursos para serem lidos em voz alta na Câmara dos Lordes.
CPG

Seus joelhos foram inúteis. Ela caiu no chão, segurando o


cartão com as duas mãos trêmulas.
Ele estava pedindo a ela para ser sua voz novamente.
Forçando as pernas a funcionarem, ela se arrastou até a
mesa. Agarrando uma pluma e papel enquanto subia na
cadeira, ela abriu o tinteiro, e alguém a interrompeu de seus
tremores.
— O que é isso? — Da entrada, Shauna olhava para a
caixa.
— Um presente de Lorde Egremoor.
A testa de Shauna franziu.
— O que você está fazendo?
— Estou escrevendo para ele. — Ela colocou a ponta da
pluma no papel. — Para agradecer-lhe. — E derramar seu
coração? Ela mal sabia. Ela nunca havia escrito esse tipo de
carta antes. A pena tremia violentamente.
— Escrevendo para ele? — Shauna disse. — Quando ele
está lá embaixo esperando na sala de estar? — Ela girou para
Shauna.
Shauna assentiu.
Deixando cair a pluma, ela voou escada abaixo.
Na porta da sala de estar, ela parou. Colin estava no meio
da sala. Ele pareceu soltar um suspiro pesado e não era
perfeito. Um hematoma manchava a pele em torno de seu olho
esquerdo, seu cabelo estava despenteado e seus olhos estavam
tão maravilhosamente cheios de meia-noite quanto ela jamais
vira.
Ele se curvou com elegância sublime.
— Minha lady, — disse ele, e o som de sua voz cobriu tudo
dentro dela com felicidade.
Baixando a cabeça, ela fez uma reverência.
— Meu lorde.
Seu olhar passou por seu ombro e o prazer se esvaiu de
suas feições.
— O… o que houve? — Ela proferiu.
Ele apontou para a porta. Todos os cinco membros de sua
equipe estavam parados na abertura.
— Claramente eles não me querem aqui, — disse ele
sombriamente. — Talvez porque eles sabem que você também
não queira.
— Não é nada disso, Milorde! — Shauna exclamou.
— Por que vocês estão todos olhando assim? — Ela
perguntou.
— Ora, minha lady, — respondeu Franklin, — nenhum de
nós jamais viu você fazer uma reverência antes. Nós não
sabíamos se você sabia como fazê-lo.
Ela caiu na gargalhada. Colin sorriu e seu coração se
derreteu, ali mesmo, como uma poça no peito.
— Vão embora, — disse ela. — Todos vocês.
— Você vai nos dizer o que acontecer? — Shauna disse.
Ela fez um movimento zangado e eles se foram, Franklin
fechando a porta atrás deles. Ela girou para Colin. Ele havia se
ajoelhado. Em sua mão, ele estendia uma única rosa vermelha.
Seu caule estava inteiramente livre de espinhos.
— Perdoe-me, — disse ele.
O sol do final da tarde atravessava-o claramente agora,
iluminando as feridas nos nós dos seus dedos, a testa e o lábio
inferior.
— Colin! O que aconteceu?
— Alguns homens de Balloch, ao que parece, não tinham
ouvido a notícia de que o conde fora apreendido. O outro conde
— esclareceu ele.
— Eles fizeram isso com você? Mas como?
— É sem importância. Nada é importante, exceto que você
é boa e sábia, incrivelmente tenaz, doce e forte, corajosa e
bonita, não importa no que você acredite, e eu senti sua falta a
cada momento desde que me afastei de você.
— Eu não sou doce. Foi-me dito que minha língua é
afiada.
— Uma lâmina para cortar a verdade. Zenóbia...
— Não.
Seu peito parecia se contrair.
— Não... não quer que eu fale?
— Não, não me chame de Zenóbia.
Um alívio provisório brilhou em seus olhos.
— Pocahontas.
— Não sou Pocahontas.
Ele sorriu
— Lady Justiça...
— Emily, — disse ela, a palavra engatando-se em sua
garganta. — Por favor, me chame de Emily.
— Emily, você quer se casar comigo?
O ar era abruptamente uma lembrança.
— Eu amo você, Emily, — ele disse firmemente agora, com
tanta certeza. — Eu estou — sua garganta estremeceu —
orgulhoso da mulher que você se tornou. Isso soa idiota, eu
percebo. Mas como eu não poderia estar orgulhoso? Suas
convicções são nobres e você não tem medo de sofrer as
consequências de viver por elas. Você é minha heroína, Emily
Vale. Você sempre foi. Eu a quero na minha vida, todos os dias,
todas as noites, todos os momentos. Eu entendo que você não
pode suportar a instituição do casamento. Se você não quiser
aceitar casar, então eu também vou aceitá-lo. Eu não vou
gostar, mas vou aceitar se você estiver comigo. Se eu for
obrigado a desistir de falar para estar com você, eu farei isso.
— Seu coração estava em seus olhos, completamente aberto. —
Me dê outra chance, eu te imploro.
— Você não pode desistir de falar. — Sua voz tremeu. —
Eu ouvi sobre o seu discurso na Câmara dos Lordes hoje.
— Você me deu as palavras. Você não precisa lutar
sozinha por mais tempo. Deixe-me lutar com você.
— A caixa de escrita, as duas árvores no bosques, elas são
de nossas árvores, não são?
— Um pouco verde ainda. O artista quase se recusou a
fazê-lo. Mas eu prometi a ele que, se esta apresentar
rachaduras ele pode fazer outra vez com as madeiras mais
amadurecidas. — Ele sorriu torto. — Isso parecia
simbolicamente apropriado.
O peito dela estava cheio demais para conter todos os
sentimentos.
— Você não está me pedindo para casar com você, porque
fez amor comigo, extraordinariamente indecente e sente-se
obrigado pela honra?
— Não. — Um brilho perverso iluminou o azul da meia-
noite. — Embora, certamente, a perspectiva de fazer amor
extraordinariamente indecente com você pelo resto de nossas
vidas seja um fator decisivo.
— Seja sério. Oh! Não posso acreditar que acabei de dizer
essas palavras para você.
— Eu estou sério. Inteiramente. Eu quero você na minha
cama. E ao meu lado. E onde quer que você deseje estar
contanto que eu esteja por perto. Case-se comigo.
— E isso não é sobre a propriedade e as joias de sua mãe?
— Sua testa se uniu.
— Elas já pertencem a você.
— Já?
— Pensei que você soubesse.
— Isso não sabia. Eu... eu... bem, eu estive fora da cidade.
— Ela quase riu, mas de repente ele parecia tão sóbrio de novo.
— Após a morte de meu pai, elas foram suas, — disse ele.
— Minha mãe pensava em você como a filha que ela nunca
teve. E acho que meu pai também, do jeito dele.
— No entanto, eu o odiei todos estes anos.
— Enquanto você deveria ter me odiado.
— Colin.
— Eu tentei me convencer de que era melhor deixar o
passado para trás. Por anos. Mas não posso me afastar da sua
amizade. Nunca mais.
— E as nossas diferenças? Você decidiu que elas são
transponíveis quando não estamos usando roupas?
— Eu tenho sido um tolo cego.
— Sim, eu sei.
— Estou apaixonado por você.
A euforia, ao que parecia, poderia se expandir além dos
limites da carne. Ela estava explodindo, e seu rosto estava
úmido de lágrimas.
— Você é um tolo porque está apaixonado por mim ou está
apaixonado por mim porque é um tolo?
— Eu preciso de você, Emily. Eu preciso de você. Depois
que nos separamos na Escócia, não conseguia respirar. Através
da minha cegueira teimosa, eu te perdera e não conseguia
respirar. O último panfleto de Lady Justiça me deu esperança.
Posso ter violado esse coração tão cheio de bondade para com
os outros? Eu estou dentro dele?
— Você sempre esteve, — ela sussurrou, totalmente
superada. Ela foi até ele, ajoelhou-se junto a ele, na sua frente
e segurou as mãos dele. Elas eram fortes e ela apertou-as com
força, e seu rosto machucado era a coisa mais linda do mundo.
— Eu não quero você se ajoelhando diante de mim. Eu quero
olhar diretamente nos seus olhos. E eu não quero ser uma
deusa, uma rainha ou mesmo uma dama. Não mais. Eu quero
ser apenas uma mulher com você, uma pessoa, uma igual,
como fomos uma vez, como quando nenhum de nós sabia que
não deveríamos ser. Por favor, Colin, deixe-nos sermos iguais
agora.
— Se sua equipe de servos não estivesse do outro lado da
porta, ouvindo, eu mostraria a você neste exato momento quão
igual eu quero estar com você.
Ela riu e beijou seus dedos machucados, depois colocou
as mãos para cima e beijou as palmas das mãos dele.
— Eu entendo agora, — disse ela. — Eu entendo quem
você é. Perdoe-me pelo mal-entendido. Perdoe-me pelo meu
medo.
— Não há nada para perdoar.
— Então aceite meus agradecimentos por ter a coragem de
me dizer o que eu não queria ouvir, o que eu precisava ouvir.
Seu sorriso se torceu.
— Não foi coragem. Eu acreditava que poderia dizer
qualquer coisa que desejasse, por mais doloroso que fosse.
Naquele momento, sinceramente, não imaginei que você
pudesse me recusar. Mas você o fez. Você realmente vive de
acordo com seus princípios, mesmo quando...
— Mesmo quando meu coração está quebrando. — Ela
entrelaçou as mãos em suas lapelas. — Agora você consertou
isso. — Ela sorriu. — É meu herói, novamente.
Ele inclinou a testa para a dela.
— Eu te amo, Emily, — ele disse suavemente,
carinhosamente, para ela. — Eu tenho a minha melhor amiga
de volta. — Ela curvou a mão em volta de seu rosto e beijou
sua bochecha, depois sua mandíbula, depois no lado de sua
boca. Ele virou a boca para a dela e beijou-a com uma doçura
que a fez suspirar contra seus lábios.
— Sabe, — ela disse, seus dedos brincando no cabelo dele
e em sua nuca, — eu nunca pensei em me casar. Seria um
choque significativo para mim.
— Não para mim, — disse ele com um sorriso. — Eu
sempre soube que você era minha, um presente, que tive o
privilégio de cuidar de você. Eu sinto muito que demorei tanto
para realmente fazer isso.
— Com esses cortes e contusões, parece que eu vou cuidar
de você agora.
— A agitadora transformou-se em babá. Você consegue
suportar a ideia disso?
— Eu posso ser as duas ao mesmo tempo, claro. E, talvez,
se você ficar sem camisa, enquanto eu devagar examine suas
feridas, isso não seja muito cansativo.
Ele envolveu-a em seus braços e o beijo que lhe deu era a
eloquente prova de seus sentimentos sobre o assunto.
Ela colocou a palma da mão na bochecha dele, as pontas
dos dedos traçando o contorno da contusão em seu olho.
— Colin, — ela murmurou contra seus lábios, — eu não
pretendo aposentar Lady Justiça.
— Eu não gostaria que você fizesse isso. — Ele beijou sua
garganta e, em seguida, o lugar sensível sob sua orelha.
— Mesmo agora que todos sabe quem eu sou?
— Especialmente agora que todos sabem. Meus dias de
segredos e subterfúgios acabaram. Agora é hora de usar uma
década de trabalho em nome de outras pessoas.
Ela se inclinou para trás e olhou para ele surpresa.
— Acho que acabei de entender por que você se tornou
Peregrino.
Um vislumbre iluminou seus olhos.
— Eu passei uma dúzia de anos fazendo favores para
homens de poder e influência e mantendo seus segredos.
— Colin. Você quer chantagear seus pares para aceitarem
as reformas?
— Chantagem é uma palavra ignóbil. Prefiro pensar nisso
como cobrança de dívidas. — Ela acariciou sua covinha com a
ponta do dedo.
— Como você tem sido inteligente.
— Este não é, a propósito, o apoio da carte blanche de
todas as reformas loucas que você já defendeu.
— Hummm. — Ela beijou sua covinha. — Eu vou
convencê-lo.
— Algumas delas são tão desequilibradas quanto o velho
Murdo. — Suas mãos subiram por sua cintura. — Eu tenho o
bem-estar do povo deste reino a considerar.
— Você é um elitista pomposo que ainda precisa se
educar.
— E como você propõe fazer isso?
— Com argumentação racional, claro. E talvez outros tipos
de encorajamento.
— Outros... — Sua voz engasgou quando sua mão o
encorajou. — Emily!
— Como eu quero subir em você agora mesmo. — Ela
beijou seu pescoço e acariciou novamente seu membro. — Eu
nunca percebi que o desacordo poderia ser excitante.
Ele riu.
— Você positivamente se vangloria com desacordo. Você
adorava brigar com Peregrino.
— Eu desprezava Peregrino. — Ela apertou seu corpo
contra o dele e ele puxou-a confortavelmente para ele. Ela
voltou a mordiscar sua mandíbula. — Você leu em minhas
respostas às suas cartas.
— As respostas em que você escreveu sobre sua cama, seu
seio feminino e aproveitar os benefícios do casamento fora do
estado do matrimônio? Sim, eu li aquilo.
— Escolhi os detalhes que ele mais gostava e arrancando-
os fora do contexto para que ele não pudesse ignorar todo o
resto, — ela disse sem fôlego. — Como totalmente todo homem
gosta.
— Eu sou um homem.
— Pelo que sou grata. — Suas mãos cruzaram suas
costelas e ele se encolheu. — Ah não! Você não deveria ficar de
joelhos assim, não ferido como você está.
— E ainda assim não sinto dor. Nenhuma que seja...
— Colin. Eu te amo.
Mãos ao redor do seu rosto, os dedos afundando em seus
cabelos, ele capturou a boca dela embaixo da sua e a beijou
com espantosa perfeição.
— Você parece atordoada, — disse ele, recuando, com os
olhos encobertos e o sorriso completamente confiante.
— Eu acho que estou atordoada, — ela disse um pouco
bêbada. — Parece que você me arruinou, afinal. Lady Justiça
reduzida ao estado de uma donzela suspirando não vai cair
bem a meus leitores.
— Eu tenho certeza de que, seja o que for que você revelar
ao público a respeito de si mesmo, eles ainda vão adorar você
tanto quanto eu, — ele murmurou, pressionando beijos no
canto da sua boca, e em sua garganta.
— Você se oporia de me levar a meu quarto para que eu
possa violentá-lo? — Ela perguntou.
— Você ainda não disse se vai casar comigo, — ele
sussurrou em seu ouvido.
— Eu não disse?
Seu beijo agitou a pele macia em seu pescoço. Ela era toda
necessidade, todo amor e toda sua.
— Ainda não, — ele murmurou. — Emily, se a Lei de
Felicidade Doméstica não passar...
— Vai passar.
—- Você deseja manter sua independência? Você vai me
recusar?
— Vamos lá para cima comigo agora — seus dedos a
acariciaram e ela ofegou contra seus lábios — e eu prometo dar
uma resposta sincera.
O resto de sua resposta foi resumido em gemidos que,
mais tarde, os membros de sua casa juraram, absolutamente,
que não ouviram, apesar de seus ouvidos pressionados na
porta da sala.
Mas Colin, que parecia saber exatamente como
argumentar com mais eficiência seu ponto de vista, teve sua
resposta. Pela beleza de seu sorriso, ela suspeitava que isso lhe
servisse bem.
EPÍLOGO

Muito Feliz

— Pallas.
O som da carruagem retumbou sobre as pedras, quase
abafando a sugestão de Diantha Yale.
— Mas ela já foi Athenas, — respondeu Kitty. — Pallas é
outro nome para Athenas. Seria redundante.
— Então Safo, — ofereceu Diantha. — Como seria Safo?
Apesar de sua experiência não negligenciável nas artes
sensuais, em seu canto da carruagem, Emily, apesar de tudo,
corou. O nome Safo inevitavelmente lembrava do quarto de
dormir no Solstício Inn no qual ela havia experimentado das
artes sensuais com seu amante e nêmesis com total abandono.
Não foram, é claro, os detalhes daquele abandono que a fez
corar, mas o resultado final disso. O fato de suas amigas já
estarem acostumadas a seu acordo com o conde de Egremoor
não tornava nenhum aspecto mais fácil para ela negociar.
No assento oposto, Viola Seton chamou sua atenção e
sorriu, como se soubesse o que Emily estava pensando.
Emily afastou o olhar e espiou pela janela, lamentando ter
concordado que Colin fosse para o clube com Leam, Wyn,
Jinan e Constance. Hoje à noite, em uma cerimônia privada em
uma antecâmara durante a festa, Sua Majestade agradeceria
pessoalmente aos ex-agentes do Falcon Club. Antes disso, os
cinco queriam fechar o escritório na 14½ Dover Street,
juntamente com um último brinde.
Ela não podia invejá-lo. Ela não poderia negar-lhe nada.
Seu ânimo era só de nervosismo.
— Eu tenho uma ideia, — disse Kitty. — Molly Brown. Ela
era uma pirata famosa.
Viola fez uma careta bonita.
— Famosa, sim. Boa nisso, não. Eu sugiro Nefertiti. Ela
era uma rainha.
— Você gosta de egípcios, é claro, — disse Diantha com
olhos sinceros.
A carruagem rastejou pelo tráfego em direção à magnífica
massa de Carlton House. Diantha, Kitty e Viola continuaram a
debater, mas Emily só tinha atenção para o homem que estava
em pé com seus amigos diante do prédio, observando-a.
— Vamos pensar em algo, tenho certeza, — disse Kitty
enquanto um lacaio descia o degrau.
Colin estendeu a mão e Emily colocou a sua, enluvada em
pelica fina, na palma da mão dele. Ele levou-a aos lábios e deu
um beijo tão suave que não deixou nenhuma marca em sua
luva e, ainda assim, ela sentiu até nos dedos dos pés. Havia,
descobriu ela, muitas vantagens em ter um amante que fosse
ao mesmo tempo um cavalheiro consumado e um especialista
em esconder de olhares indiscretos aquilo que ele não desejava
que vissem.
— Minha lady, — disse ele com um sorriso. — Eu senti
sua falta.
Eles ficaram separados por apenas duas horas. Mas ele
tinha dito as mesmas palavras tantas vezes nas últimas
semanas que ela suspeitava que dissesse isso para lembrar a si
mesmo que podia — que o passado que o governou não tinha
mais nenhum poder.
Enfiando os dedos na dobra do braço dele, ela entrou na
festa. A casa estava iluminada com candelabros cintilantes,
música e risos. O rei não economizara nos gastos e festejava
profusamente. Toda Londres estava de bom humor.
Para o horror de Emily, eles também estavam todos aqui.
Era a primeira vez que lady Justiça se aventurava na sociedade
desde que revelara sua identidade, e Kitty e Constance lhe
disseram que ninguém se atreveria a perder a ocasião.
Nas últimas semanas, de toda a Grã-Bretanha, as pessoas
escreveram para ela. Alguns a assustaram, alegando que ela
era uma aberração da feminilidade e uma mancha na
sociedade, na Inglaterra, na Grã-Bretanha e, por falar nisso,
em todas as mulheres. Mas a maioria a aplaudia, agradecendo-
lhe, implorando favores, sugerindo novas reformas, até
propondo casamento, e muitos aconselhando-a a prosseguir
com Peregrine, por um lado, e Lord Egremoor, por outro.
Alguns deles insistiram para que ela continuasse
insistindo que o ex-secretário do Falcon Club se revelasse
publicamente e que, quando ele fizesse, ela o transformasse em
uma espécie de criado exaltado — possivelmente seu
secretário, por ironia. Quando ela sugeriu isso a Colin, ele
revirou os olhos e, sem comentar, voltou a ler o jornal.
Outros, no entanto, recomendaram que ela aceitasse o
pedido do Conde de Egremoor, que Sybil Charney fizera fofocas
comuns em todas as salas de estar e casas públicas de
Glasgow a Londres. Para ajudá-la querida, Sybil escrevera para
ela em roteiro efusivamente enrolado, pois eu sabia que você
nunca faria o certo se fosse por si mesma!
Quando informado sobre a natureza pública e maciça de
sua proposta, Colin levantou uma sobrancelha, colorindo
apenas ligeiramente as bochechas, e então tentou influenciar
sua decisão beijando-a, enquanto oferecia motivos racionais
sobre os benefícios de se tornar uma condessa: o ouvido
perfeito de um estadista influente, a abundância de fundos
para prosseguir programas de reforma, uma propriedade
extensa sobre a qual colocar suas ideias revolucionárias em
prática real e, claro, ele.
Ele não era, em suma, de nenhuma ajuda.
Dado tudo isso, ela agora estava compreensivelmente
apreensiva. E o vestido que sua mãe insistiu que ela usasse
estava incrustado de lantejoulas, e o espartilho era muito
apertado em suas costelas.
— Se eu desmaiar de sufocamento, — ela murmurou para
seu belo acompanhante, — você vai me levar até uma
montanha de novo?
Ele apertou os dedos dela.
— Sempre, — ele murmurou tranquilizadoramente. — Mas
você não vai desmaiar.
— Meu temperamento é mais adequado para reuniões
modestas. — Ela se esforçou para ver os rostos das pessoas
através de seus óculos, que tinham ficado embaçado. — O
encontro de duas pessoas pelo menos.
— Eu prometo realizar um encontro com você assim que
chegarmos em casa hoje à noite, — disse ele com um olhar
benigno para a multidão. Mas a covinha amassou sua
bochecha.
— Você está tentando me distrair.
— É eficaz?
— Um pouco. — Eles estavam avançando para linha a ser
formalmente apresentada. Dezenas de olhos seguiram seu
progresso, monóculos erguidos para estudar a mulher de carne
e osso por trás dos panfletos.
— Eu nunca quis isso, — ela sussurrou. — Esta
notoriedade.
— Você não é notória. Você é famosa. Há uma diferença.
À frente deles na porta da grande sala de estar, o
mordomo anunciou:
— Sr. Frederick Saint-André Sterling e Lady Constance
Sterling! — A luz das velas cintilou no punho da espada de
Saint e cintilou nos diamantes de Constance, cegando Emily
momentaneamente. Então, abruptamente, não havia ninguém
na frente dela. Ela estava inteiramente exposta, de pé diante de
centenas de pessoas lotadas no lugar mais exaltado de
Londres, com a mão tremendo ferozmente no aperto firme de
seu melhor amigo.
Ele inclinou a cabeça para ela e sussurrou em tom de
conversa:
— O que era que as outras estavam falando quando você
chegou?
— Oh. — Sua voz vacilou. — Agora que Zenóbia não está
mais na moda, elas estão tentando decidir um novo nome para
mim.
— Ahh, — ele disse com desenvoltura. Então, com um
sorriso torto que lhe deu nervosismo, acrescentou com voz
rouca: — E eu aqui pensando que você já tinha um.
O mordomo limpou a garganta.

****

Lady Justiça
Querida lady, estou no salão do andar de baixo.
Eu preparei as festividades que prometi mais cedo. Se você
conseguir se afastar do trabalho, aguardo apenas a convidada
de honra — a Lady do meu coração.
Em ansiosa expectativa, seu consorte,
Peregrino
Conde de Egremoor
Mestre do dormitório
****

Caro Colin
Essa é a melhor carta que já recebi. Em aproximadamente
dez segundos, quando eu lhe entregar esta resposta
pessoalmente, mostrarei exatamente o quanto eu adoro — amo
você — adoro a gente!
Com todo meu amor
Sua Emily
Uma nota sobre os direitos das mulheres

Inspiração Histórica

Os direitos humanos são difíceis de definir porque sua definição,


na verdade, sua própria existência, depende tanto das emoções
quanto da razão.
Lynn Hunt, Inventando os Direitos Humanos (2007)

O século XVIII foi uma época de extraordinária mudança e


reviravolta. Em ambos os lados do Oceano Atlântico,
revolucionários de todos os tipos — políticos, dramaturgos,
poetas, panfletários, romancistas, soldados, marinheiros,
trabalhadores, escravos e pessoas de todas as avenidas
clamavam por liberdade das leis que os feriam, lutavam pela
liberdade de governantes que governavam arbitrariamente para
o grande benefício dos ricos, e deixaram uma marca indelével
no mundo. A linguagem dos “direitos humanos” universais que
Thomas Jefferson incluiu na Declaração da Independência e
que foi repetida na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão da Revolução Francesa continua a ser a base de todas
as democracias de hoje. Isso significa que todo ser humano tem
um direito fundamental e natural a uma voz na esfera pública
— isto é, o direito de poder contribuir para tornar as leis que
regem todos os indivíduos da sociedade em igualdade de
condições.
Mas houve um problema. A historiadora Lynn Hunt
resume: “Aqueles que com tanta confiança declararam os
direitos de serem universais no final do século XVIII acabaram
tendo algo muito menos abrangente em mente... eles
consideravam crianças, os loucos, os presos ou estrangeiros
serem incapazes ou indignos de plena participação no processo
político... Mas eles também excluíram aqueles sem propriedade,
escravos, negros livres, em alguns casos minorias religiosas, e
sempre e em toda parte, mulheres.”
No início de 1800, sob a lei comum inglesa, um marido
tinha, virtualmente, completo controle sobre a propriedade de
sua esposa, qualquer renda dela, era sua renda, seus filhos e
suas ações. Ele poderia abusar de sua propriedade comum, da
propriedade dela, de seus filhos, de seu corpo e mente, sem
sofrer penalidade por isso, de acordo com a lei.
Pode-se argumentar que uma mulher poderia
simplesmente optar por não se casar, mas esse argumento
seria anacrônico. A realidade era que havia poucas opções de
vida viáveis para as mulheres buscarem além do casamento, o
que tornava o casamento inevitável para a maioria das
inglesas.
Muitas mulheres e homens não gostavam da injustiça
embutida nas leis que governavam o casamento em ambos os
lados do Atlântico. Embora minha Lei de Felicidade Doméstica
seja fictícia, ao pressionar o Parlamento para garantir direitos
iguais para as mulheres no casamento, Lady Justiça está
apenas alguns anos à frente de seu tempo. Ativistas já vinham
exigindo igualdade dos sexos há décadas. Do outro lado do
canal, a Declaração dos Direitos da Mulher de Olympe de
Gouges (citada na epígrafe deste romance) foi uma resposta
direta ao documento de seus conterrâneos, A Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Para mulheres como
esta popular dramaturga francesa, a definição limitada de
“direitos humanos” estabelecida nessa declaração oficial do
governo revolucionário não era aceitável. Mas para muitos,
suas afirmações eram extremistas demais; entre os milhares
que se emaranharam nas violentas disputas partidárias de
facções rivais do governo revolucionário francês, sua vida
terminou abruptamente na guilhotina.
Temendo uma revolta popular em seu lado do canal, e
algumas das autoridades naturais carregadas em linhagens e
nomes de família nobres, a maioria dos homens que
governavam a Inglaterra rejeitou as ideias de reforma dos
revolucionários franceses. No entanto, houve reformadores de
todos os tipos na Grã-Bretanha, incluindo aqueles que lutaram
pelos direitos das mulheres. Mas foi só em meados do século
58
que as protofeministas começaram a lutar pela igualdade
dentro do casamento com um fervor especial. Foi uma luta
dura e dura. O costume, fundamentado na lei religiosa, bem
como as noções de trabalho e a família na era vitoriana
industrial, ditava que o marido deveria ser o principal provedor
e soberano de sua casa. A maioria das pessoas também
acreditavam que os homens eram os mais adequados para
governar a nação. As raízes desse modelo patriarcal da família
e do Estado não eram apenas séculos, mas milênios até 1800,
baseadas em crenças que incluíam a inferioridade intelectual,
mental, espiritual e física das mulheres, de que, o argumento
foi, o pensamento racional era impossível para as mulheres.
Isso não foi tudo. Um dos maiores obstáculos que os
ativistas pela igualdade de direitos enfrentaram no século XIX
foi a noção prevalente de que o governo não deveria
desempenhar nenhum papel na legislação da relação privada
entre um homem e uma mulher casados. A teoria política
exigia a separação dos domínios público (política e lei) e privado
(família). Isso tornou incrivelmente difícil para os ativistas
argumentarem que o governo deveria de fato intervir no âmbito
doméstico quando se tratava de garantir os direitos e a
segurança de uma mulher. Ao fazer o seu caso, então, essas
protofeministas precisavam não apenas superar os costumes
sociais históricos, mas também mudar crenças poderosas
sobre o próprio propósito do governo.
Apesar da árdua batalha, ao longo do século XIX, ativistas
contestaram leis sobre divórcio, decoro de mulheres casadas,
custódia de crianças, abuso de esposas e “direitos conjugais”
de um marido. Segundo a lei comum inglesa, no casamento
uma mulher legalmente se tornava propriedade de seu marido;
ela não tinha direitos legais próprios, e nenhum recurso à
justiça se seu marido desperdiçasse o dinheiro ou a
propriedade da família, abusasse de seus filhos ou abusasse
dela. O divórcio era quase impossível até que o Parlamento
aprovasse o ato de divórcio em 1857, e só então se o marido
fosse "fisicamente cruel, incestuoso ou bestial além de
adúltero" (Mary Lyndon Shanley, Feminism, Marriage and the
Law in Victorian England, 1850). –1895, itálico meu). Em
suma, ao longo do século, a desigualdade no casamento na
Inglaterra persistiu, apesar dos esforços dos reformadores.
Eu modelei as críticas de Lady Justiça sobre as
circunstâncias injustas do casamento para as mulheres (que
também aparecem em sua correspondência com Peregrino em
meu romance O Espadachim ) sobre os escritos de
protofeministas da época. Uma das peças mais fascinantes de
um panfletário do século XIX, intitulado Observações sobre a
lei do Casamento e do Divórcio; sugerida pelo Hon. Carta da
Sra. Norton à Rainha, retrata o casamento como uma prisão
em algum conto de fadas horrível de outrora.
Estes enormes e poderosos Gigantes da Lei há muito
mantiveram e sustentaram... um costume antigo mas mais
nefasto, pelo qual todas as donzelas viajando por uma certa
estrada bem frequentada [isto é, casamento], (que poucas, exceto
conventos, possivelmente, poderia evitar), são despojadas de
seu dinheiro, bens e bens móveis, de suas joias e ornamentos,
até mesmo de suas vestes, e condenadas à prisão perpétua.
Uma parte curiosa desse costume é que cada uma dessas
criaturas infelizes tem permissão para escolher seu próprio
Guardião, que então se torna o mestre absoluto de sua pessoa,
bem como das propriedades das quais ela será saqueada, e de
todos os outros bens que ela possa vir ter durante sua prisão, e
até mesmo de seus ganhos na prisão. Os Gigantes da Lei vai
obrigá-la, pela força se necessário, a obedecer ao Carcereiro, e
eles afirmam que ela também é obrigada a amar e honrá-lo,
embora ele possa ser o mais odioso e o mais vil da humanidade.
Por mais infame que possa ser o tratamento que ele faz dela, por
mais horríveis que sejam as crueldades contra ela ou seus
filhos, ele pode se tornar um jogador, um arrogante, um libertino
brutalmente licencioso, um ladrão, um salteador de estrada ou
um assassino que dificilmente permitirá que ela se livre de seu
tirano.
Na edição de 1856, a nota de rodapé de um editor indica
como as leis eram tão rígidas que se uma esposa conseguisse
escapar de um marido cruel, era ilegal que outro homem a
convidasse para entrar em sua casa, a menos que corresse o
risco de morrer. Durante séculos, observa o editor,
pouquíssimas exceções foram feitas a essa lei: “apenas três
casos em que um estranho podia levá-la atrás dele a cavalo”
sem depois ser condenado como criminoso por seu ato
humanitário. Aquela imagem, de uma mulher fugindo do
perigo, buscando a ajuda de um estranho, e mais tarde
perdoada por isso no tribunal apenas porque ela estava
sentada atrás dele no cavalo, ficou comigo. E assim, na nota de
rodapé indignado deste editor, caros leitores, você tem um
exemplo de como a pesquisa histórica pode inspirar a
imaginação de um autor.
As esposas acabaram ganhando muitos direitos legais,
mas em partes e fragmentos (em vez de em uma parte da
legislação), com grande esforço e a um custo enorme em termos
sociais e financeiros para os ativistas. A legislação de referência
incluía permitir às mulheres casadas direitos sobre suas
próprias propriedades, o direito das mulheres de pedir o
divórcio pelos mesmos motivos que o marido, o direito de
reivindicar a custódia de seus filhos em casos de divórcio ou
separação e outros atos abordando aspectos específicos das leis
que regiam o casamento.
Devo incluir aqui uma breve palavra sobre o procedimento
parlamentar. O processo pelo qual um projeto de lei era
introduzido no Parlamento do Reino Unido, e ser debatido, era
determinado por regras e costumes específicos. Um membro do
Parlamento não poderia tipicamente apresentar um projeto de
lei no impulso do momento. Para propor um projeto de lei a ser
considerado pelos Lordes, um membro era obrigado a se
inscrever com semanas de antecipação, em uma espécie de
sistema de quem primeiro chegar, que exigia que os
descendentes da sociedade realmente esperassem na fila até
que a repartição governamental relevante abrisse, às vezes por
horas antes do amanhecer. Eu agilizei esse procedimento
parlamentar em prol da história. Espero que, como
espectadores de dramas de tribunais hoje, o gentil leitor me
perdoe por descumprir o protocolo legal em favor do efeito
dramático... ((Shakespeare e Dumas intencionalmente e
frequentemente usavam a precisão histórica para contar uma
história, então eu estou humildemente aceitando os grandes
exemplos disso.) A realidade disso foi o debate sobre projetos
controversos na Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns
poderia ser fabulosamente dramática, com MPs gritando e
verbalmente abusando uns dos outros e até mesmo chorando
no chão do Parlamento de vez em quando.
Em relação à Escócia - oh, Escócia! Caminhei várias vezes
pelo caminho que Emily e Colin fizeram para aprender com a
paisagem, os aromas, os sons, as texturas e os sabores - para
aprendê-los tão bem quanto possível a uma distância de
duzentos anos. E eu me apaixonei por isso. A beleza de Loch
Lomond e das Terras Altas Centrais é extraordinária, suave em
curvas e selvagem em outras. Para o livro, de vez em quando,
eu movia um prédio ou uma colina daqui para lá, conforme a
necessidade fosse adequada (por exemplo, a igreja de Santo
André está, na verdade, em outro lugar ao longo do lago e
recebeu o nome de outro santo). Mas, na maior parte, a
paisagem e a arquitetura são exatamente como eu as vi e
vivenciei, e como me ensinaram livros de história e imagens do
início do século XIX.
A inspiração para a caixa de escrita feita com madeira das
árvores de Colin e Emily veio de uma deliciosa visita ao
Metropolitan Museum of Art, em Nova York. Durante o tempo
em que escrevi O Espadachim, passei várias horas nos salões
de exposição do Arms and Armor olhando ansiosamente para
as espadas (que, infelizmente, não consegui tocar). Com o meu
tempo restante naquele dia, decidi visitar as salas de Artes
Decorativas da Europa, onde tive a grande sorte de encontrar
uma caixa de escrita maravilhosamente trabalhada. Fiquei de
pé, extasiada, olhando para ela e escrevendo em minha
imaginação a cena final de O Conde.

****

Mas se eu fosse destemida, poderia ser sua amiga imprudente?


E se eu estivesse desamparada, você poderia ser o único que
viria correndo?
Cyndi Lauper, — Sem Medo
Eu não sou nem um antiquário, que estuda a história por
si mesmo, nem uma pessoa do presente, que interpreta o
passado principalmente através das lentes das preocupações
da nossa época. No fundo, eu sou uma historiadora, o que
significa apenas que eu amo pessoas e histórias e quero
entender o que as pessoas faziam, sentiam e acreditavam no
que faziam, sentiam e acreditavam no passado tanto quanto eu
no presente. Isso também significa que eu não me importo de
tomar um pouco de inspiração de uma fonte moderna para me
ajudar a escrever um romance histórico. Depois de seis anos
planejando esse romance, quando finalmente comecei a
escrevê-lo, eu sabia muito como seriam os personagens Lady
Justiça - Emily Vale, Peregrine - Colin Gray; eles já haviam
aparecido em quatro dos meus romances. Mas não aconteceu
até que eu ouvi Cyndi Lauper tocar “Fearless”(Sem Medo) em
um show ao vivo, e meu coração ficou do avesso, e eu
realmente conheci Emily - inteiramente, desde a hora de seu
nascimento até o momento em que ela diz a Colin que ela não
pode estar com ele. Para a coragem de Cyndi de cantar
mensagens de força feminina e vulnerabilidade feminina,
agradeço-lhe.
E finalmente cheguei ao final da minha série do Falcon
Club. Com Emily e Colin ao longo de sua rota pela Escócia.
A porta com a aldrava em forma de falcão em 14½ Dover
Street fechou pela a última vez (provavelmente, mas o que o
autor sabe quando uma série termina?).
Um duque diabólico, no entanto, ainda está à solta na
Escócia, e ele está determinado a não ser desfeito por uma
certa dama empenhada em descobrir cada um de seus
segredos.
A história de amor de Gabriel e Amarantha: O Duque, está
chegando.
59
Obrigada,
Katherine Ashe
Notas

[←1]
O falcão-peregrino é uma ave de rapina diurna de médio porte que pode ser
encontrada em todos os continentes exceto na Antártida.
[←2]
Asceta - Pessoa que busca se afastar dos prazeres, dedicando-se a orações,
privações e flagelações.
[←3]
Ardósia - Lousa, de ardósia ou não, onde se escreve ou desenha com ponteiro
da mesma pedra.
[←4]
M apetite – minha pequena.
[←5]
Sauf – exceto em francês.
[←6]
Tout à fait - totalmente
[←7]
Oui - sim
[←8]
Non - não
[←9]
Ma chère – minha querida.
[←10]
C'est ça – é isso!
[←11]
Ce soir – esta noite.
[←12]
Oui - sim
[←13]
Bataille - batalha
[←14]
O duque do diabo?
[←15]
Meu Deus!
[←16]
As Terras Baixas da Escócia (gaélico escocês A' Ghalldachd', significado
aproximado 'região não-gaélica', em inglês Scottish Lowlands) são a região
plana no sul da Escócia. É também a zona mais desenvolvida da Escócia, ali se
situando as cidades de Glasgow e Edimburgo.
[←17]
Les Paysans - Os camponeses
[←18]
Peut-être - talvez
[←19]
bien sûr – é claro.
[←20]
Blaggard - Um canalha ; uma pessoa desprezível desprovida de princípios; uma
pessoa não confiável. Normalmente, usado apenas para se referir a um homem.
[←21]
Isnurrecionista - Os Insurrecionistas, também chamados de insurgentes ou
rebeldes, são grupos de humanos dedicados a libertarem-se da esfera de
influência do Governo Unificado.
[←22]
Une bonne idée, certainement - Uma boa ideia, certamente
[←23]
Sauf vous – exceto você
[←24]
Chicana - Ardil, sofisma.
[←25]
barouche-landau - é uma carruagem grande, aberta, de quatro rodas, pesada e
luxuosa, puxada por dois cavalos. Foi moda ao longo do século XIX. Seu corpo
fornece assentos para quatro passageiros, dois passageiros no banco traseiro
em relação a dois atrás do banco alto do cocheiro. Um teto de couro pode ser
erguido para dar aos passageiros dos bancos traseiros alguma proteção contra
as intempéries
[←26]
Escambo - Troca de mercadorias sem que haja uso de dinheiro.
[←27]
Curiosidade animal. Insetos que mordem: Pulga, pernilongos, mosquitos e
formigas.
[←28]
Ales – forma de expressão para cerveja. Ale é um tipo de cerveja produzida a
partir de cevada maltada usando uma levedura que trabalha melhor em
temperaturas mais elevada
[←29]
Ribanceira - barranco
[←30]
Dispepsia - Dificuldade ou embaraço na digestão.
[←31]
Abside - Extremidade, em semicírculo, de uma basílica romana, e, por
analogia, do coro de uma igreja.
[←32]
Tropeiro - Condutor de tropas de animais; condutor de bestas de carga.
[←33]
Enchantée – encantada.
[←34]
tout de suíte – imediatamente ou agora.
[←35]
Quelle aventure romantique – que aventura romantica
[←36]
Ale- cerveja
[←37]
Highland Clearances ( gaélico escocês : Fuadaichean nan Gàidheal [ˈfuə̯t̪içən
nəŋ gɛː.əl̪ˠ] , o "despejo dos Gaels ") foram os despejos de um número
significativo de inquilinos nas Terras Altas da Escócia, principalmente durante
os séculos XVIII e XIX. Eles resultaram de cercados de terras comuns e uma
mudança de agricultura para criação de ovelhas e gado, em grande parte
realizada por proprietários de terras aristocráticos hereditários que
anteriormente tinham status como chefes de clãs gaélicos escoceses . Os
Clearances foram uma série complexa de eventos que ocorreram ao longo de
mais de cem anos. [1] A Highland Clearance foi definida como "um despejo
simultâneo forçado de todas as famílias que vivem em uma determinada área,
como um vale inteiro. Wikipédia
[←38]
Algonquian é um dos grupos de idiomas nativos mais populosos e difundidos
da América do Norte . Hoje, milhares de pessoas se identificam com vários
povos algonquinos. Historicamente, os povos eram proeminentes ao longo da
costa atlântica e no interior ao longo do rio St. Lawrence e em torno dos
Grandes Lagos .
[←39]
non sequitur – não me siga
[←40]
Mither – mãe em gaélico. Uma variação.
[←41]
Lass – moça em gaélico.
[←42]
O estorninho-comum, também chamado de estorninho-malhado, é um pássaro
da família dos esturnídeos, nativo da Eurásia e introduzido na América do
Norte, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia
[←43]
Bain - menino
[←44]
Sassenach - estranjeiro
[←45]
Nêmesis Segundo a Mitologia Grega, deusa da vingança e da justiça equitativa.
Inimigo.
[←46]
Fato - coletivo de cabras e bodes.
[←47]
Bonnie - bonita, bela. – Lass- moça.
[←48]
Penny - centavo.
[←49]
Quatre Bras - A Batalha de Quatre Bras (16 de junho de 1815) pôs frente a
frente aos contingentes anglo-aliados com a ala esquerda do exército francês
próximo do cruzamento de Quatre Bras, na atual Bélgica, poucos dias antes da
decisiva Batalha de Waterloo
[←50]
Corte a la Brutus - é um corte com cachos na parte da frente, caindo sob os
olhos, e atrás rebaixado.
[←51]
les paysans- dos camponeses
[←52]
Comme ça - assim
[←53]
Bien sûr - claro.
[←54]
Boxing Day é um feriado celebrado no dia seguinte ao dia de Natal. Originou-se no Reino Unido, e é
celebrado em vários países que anteriormente faziam parte do Império Britânico. Boxing Day é em
26 de dezembro, embora o feriado bancário ou o feriado público em anexo possam ocorrer no
mesmo dia ou dois dias depois. Boxing Day é um feriado bancário (na Inglaterra, País de Gales e
Irlanda do Norte desde 1871.
[←55]
si cela te plaît - se você gostar.
[←56]
Whig - Membro do partido reformador e constitucional britânico que buscou a supremacia do
Parlamento e foi finalmente sucedido no século XIX pelo Partido Liberal
[←57]
Tories - Membro do ou partidário do Partido Conservador
[←58]
O termo protofeminismo é, às vezes, aplicado a uma pessoa que defendia valores semelhantes aos
atuais valores feministas em uma época em que o termo "feminista" ainda era desconhecido, ou
seja, antes do século XX. No entanto, a utilidade do termo protofeminista é rejeitado por alguns
estudiosos modernos.
[←59]

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