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Neoliberalismo e Transporte Público: A Relação Entre Precarização Dos Serviços Públicos e Sofrimento Psíquico Dos Estudantes Universitários Na Região Do Grande Abc
Neoliberalismo e Transporte Público: A Relação Entre Precarização Dos Serviços Públicos e Sofrimento Psíquico Dos Estudantes Universitários Na Região Do Grande Abc
EM HISTÓRIA
Resumo
Com o avanço do neoliberalismo, os serviços públicos sofrem uma crescente
precarização, resultando na deterioração da qualidade de vida da população e,
consequente adoecimento geral. Nesse cenário, o transporte público surge como mais
um elemento que fortalece o sofrimento psíquico, pois, para além de viagens
exaustivas com alta tarifa, lotação, longa distância, espera, falta de estrutura e
segurança gerarem picos de estresse na ida ao trabalho, ainda tais fatores ocasionam
em privação do direito de ir e vir; restrição de acesso à cidade e privação ao lazer,
esporte, cultura, saúde, elementos essenciais para a promoção do bem-estar. Assim,
esta Ação Curricular de Extensão (ACEX) teve como objetivo geral estudar a possível
relação entre precarização do transporte público e saúde mental. Como objetivos
específicos, analisar o impacto do neoliberalismo no transporte público e identificar a
ramificação desses impactos no acesso à cidade. Para execução deste trabalho, a
metodologia de cunho quantitativo e qualitativo, teve a formulação e aplicação de um
questionário com vinte (20) perguntas fechadas sobre os impactos do transporte
público na vida de estudantes universitários do Grande ABC, acerca das condições
de mobilidade em seu cotidiano. Participaram vinte e seis (26) entrevistados pelo
google forms link: https://forms.gle/y9i5eFDvZ9sgdEDw8 . Foi possível avaliar com
base nos resultados que a precarização do transporte público pode ser um gerador
de sofrimento psíquico, porque pudemos traçar certas condicionantes a partir do
recorte do questionário, mesmo sem uma relação causal direta. Em boa parte das
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Graduando em Licenciatura e Bacharelado em História pela Fundação Santo André.
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Graduando em Licenciatura e Bacharelado em História pela Fundação Santo André.
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Coordenadora e orientadora da disciplina de Ação Curricular de Extensão.
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Introdução
A partir dos anos 70, com o avanço do neoliberalismo, os serviços públicos têm
sofrido uma crescente precarização e, com isso, a qualidade de vida da população é
cada vez mais afetada. O resultado desse processo tem sido um forte adoecimento
geral. Nesse cenário, o transporte público surge como mais um serviço precarizado,
com alta tarifa, lotação, distância, espera, falta de estrutura, gerando picos de
estresse; e ainda, resulta na privação de acesso ao lazer, esporte, saúde e entre
outros elementos essenciais para o bem-estar da sociedade.
Assim, como objetivo geral deste projeto, pretendemos estudar a possível
relação entre precarização do transporte público e saúde mental. Como objetivos
específicos, vamos analisar o impacto do neoliberalismo no transporte público e
identificar a ramificação desses impactos no acesso à cidade. Faremos, em um
primeiro momento, um levantamento teórico sobre neoliberalismo, acesso à cidade e
a relação do transporte público e saúde; em um segundo momento, como
metodologia, iremos formular e aplicar um questionário sobre os impactos do
transporte público na vida das pessoas, com ênfase no meio universitário.
A ação de extensão se insere nas seguintes diretrizes temáticas da política de
extensão dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da União das Nações
Unidas (ODS/ONU): 06 - saúde e bem-estar4, no objetivo 3.4, que defende: “Até 2030,
reduzir em um terço a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis via
prevenção e tratamento, e promover a saúde mental e o bem-estar”; e 11 - Cidades
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ONU – Organização Nacional Das Nacionais Unidas. Os objetivos de desenvolvimento sustentável no Brasil.
Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/3
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e comunidades sustentáveis5, com ênfase nos objetivos 11.2 “Até 2030, proporcionar
o acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis, sustentáveis e a preço
acessível para todos, melhorando a segurança rodoviária por meio da expansão
dos transportes públicos, com especial atenção para as necessidades das pessoas
em situação de vulnerabilidade, mulheres, crianças, pessoas com deficiência e
idosos.” e 11.7 “Até 2030, proporcionar o acesso universal a espaços públicos
seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para as mulheres e
crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência.”
Acerca da metodologia de cunho qualitativo, produziremos o questionário
destinado à comunidade acadêmica, no que se refere à forma, optaremos por um
questionário com perguntas fechadas, quanto as tarifas, tempo de deslocamento,
variáveis de congestionamento urbano, utilização para trabalho, formação
educacional, lazer etc. Assim, busca-se conexões possíveis com a potencialização e
o agravamento do sofrimento psíquico. Abrem-se também novos caminhos para as
questões a partir de diálogos prévios com as organizações de atuação política na área
de transporte, estudantes e/ou profissionais de psicologia, urbanismo e outras áreas
relacionadas ao tema.
Fundamentação Teórica
Heribaldo Maia, (2022), estudioso da teoria crítica com ênfase na relação entre
sofrimento psíquico e capitalismo, em seu texto “Neoliberalismo e sofrimento psíquico:
o mal-estar nas universidades”6, define o neoliberalismo não só a partir de um prisma
econômico e político, mas como racionalidade geradora de um novo sujeito que será
moldado para atender às demandas dessa nova fase de expansão do capital.
Desse modo, se outrora, no capitalismo industrial, com a demanda de uma
sociedade altamente disciplinada vigoravam doenças psíquicas como histeria e surtos
psicóticos, nessa nova fase, em que o indivíduo sofre com sobrecargas de
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ONU – Organização Nacional Das Nacionais Unidas. Os objetivos de desenvolvimento sustentável no Brasil.
Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/11
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Maia, Heribaldo. Neoliberalismo e sofrimento psíquico: o mal-estar nas universidades. Recife: Ruptura, 2022.
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miséria, fazendo com que cada vez mais pessoas aceitem quaisquer
condições sociais [...] há um ambiente constante de ansiedade [...] depressão
[...] violentas cargas sobre a vida psíquica dos seres humanos [...]” (2022,
p.186)
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ARAÚJO, M. R. M., OLIVEIRA, J. M., JESUS, M. S., SÁ, N. R., SANTOS, P. A. C., e LIMA, T C. Transporte público
coletivo: discutindo acessibilidade, mobilidade e qualidade de vida. Psicologia & Sociedade, 23(3), 2011. 574-
582.
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como escola, saúde e lazer. Isso é feito através da prioridade que o poder
público confere ao transporte coletivo urbano em determinadas regiões e pela
distribuição da frequência dos ônibus principalmente nos horários de ida e
volta ao trabalho, enquanto as empresas subsidiam passagens para garantir
a presença do trabalhador nas indústrias e comércio. (ARAÚJO, M.R.M et al.,
2011, p.581).
Metodologia de Pesquisa
Acerca do problema guiado pela pesquisa, o eixo central foi as impressões dos
entrevistados sobre a qualidade das frotas do transporte público, o tempo de
deslocamento a partir de variáveis como o engarrafamento, quantidade de linhas
utilizadas até o destino, o preço das tarifas, a oferta de linhas e o tempo de espera
durante dias úteis e aos finais de semana, além da relação entre a utilização e o
sentimento de stress, nervosismo e outros sintomas que podem levar ou potencializar
o sofrimento psíquico.
8MANZATO, Antônio José; SANTOS, Adriana Barbosa. A elaboração de questionários na pesquisa quantitativa.
Departamento de Ciência de Computação e Estatística–IBILCE–UNESP, v. 17, 2012.
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Gráfico nº7 – Quais os meios de transporte público você utiliza em dias úteis?
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Podemos notar que 65% das repostas (17 das 26) utilizavam diariamente o
transporte público, seja para se deslocar ao trabalho e/ou faculdade, além de utilizar
para lazer aos finais de semana. Apenas nos dias úteis 23,1% das repostas (6 das
26) utilizavam para se deslocar ao trabalho e/ou faculdade, apenas duas respostas só
empregavam quando muito necessário, e apenas uma fazia uso pelo menos uma vez
por semana. No gráfico seguinte, em que as três opções podiam ser assinaladas,
notamos que o ônibus é o meio de transporte mais utilizado por estudantes na região
do ABC, podendo ser municipais ou intermunicipais, o trem aparece como segundo
mais utilizado, já que na região do grande ABC passa a linha 10-Turquesa da CPTM,
e por último, apenas 7 pessoas utilizavam o metrô, em que esses utilizadores podiam
morar na região mas trabalhar na região metropolitana de São Paulo, ou não residiam
no ABC mas estudavam em uma universidade na região.
Gráfico nº8 – Qual a sua média diária em horas gasta em transporte público?
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Leia-se: Linha 3 – Conflitos entre passageiros ou entre funcionários; Linha 4 – Conflitos entre passageiros e
funcionários; Linha 7 – Paralisação dos transportes devido a enchentes
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tensão e uma situação de falta de estrutura. Desse modo, entre as situações de tensão
dentro do transporte, 88,5% dos entrevistados confirmaram ter presenciado conflitos
entre passageiros ou entre funcionários, 65,4% conflitos entre passageiros e
funcionários e paralisação devido a enchentes, seguido a isso, 61,5% afirmaram ter
vivenciado acidente de trânsito, 42,3% assédio moral, 34,6% assédio sexual, 30,8%
roubo ou furto. Quanto a situações de falta de estrutura, atraso, lotação e trânsito
estão entre as situações mais recorrentes, embora, outros problemas de precarização
listados pelos entrevistados tenham recebido confirmação superior a 40%, com
exceção de “deslocar-se a pé por falta de transporte público” com 38.5% e “ausência
de linha municipal no bairro onde mora” com 15.4%.
Além disso, entre os sintomas recorrentes, gráfico nº 13 no dia a dia dos
usuários após a utilização do transporte público, o cansaço se destaca como o mais
frequente, haja vista que todos os entrevistados marcaram a opção, em segundo lugar
por estresse com 92.3%, em terceiro lugar o desânimo, com 69.2%, sendo seguidos
por sintomas de ansiedade com 57.7% e tristeza com 38.5%. Concomitante a isso,
66.7% dos usuários de transporte que responderam à pesquisa, confirmaram ter tido
dificuldades de ir a algum lugar a fim de evitarem situações desgastantes que
envolvessem o deslocamento. Ademais, a redução de itinerário é também razão que
dificulta o deslocamento para 47.6% e o preço elevado das tarifas para 33.3%.
Gráfico nº 14 – Você consegue utilizar o transporte público para além das
obrigações (trabalho, estudos)?
transporte público para fins que não sejam destinados à esfera produtiva nos dias
úteis. No gráfico nº 15 notou-se que a maior parcela dos entrevistados considera que
os fatores operacionais do transporte público ao lado da questão financeira para as
passagens são empecilhos para o acesso à cidade nos dias não-úteis, podendo
significar uma exclusão de mobilidade para a classe trabalhadora acessar as áreas
centrais da cidade em que há uma estrutura mais desenvolvida nas áreas de lazer,
saúde, esporte etc. Por fim, no gráfico nº 16 a questão demonstrou que a maioria dos
entrevistados atestam a redução de linhas nos dias não-úteis, somando mais um fator
de dificuldade de mobilidade urbano e acesso à cidade.
Considerações finais
A precarização dos serviços públicos ocasionada pela nova configuração de
Estado em uma nova fase do sistema capitalista denominada como “neoliberalismo”
fez também surgir uma nova configuração de sujeito. Este, condicionado ao excesso
de responsabilização para problemas coletivos e à ausência de reconhecimento de
seus direitos, é submetido a uma alta carga de sofrimento psíquico.
Nesse sentido, esta pesquisa teve como propósito a identificação da
especificidade da precarização do transporte público enquanto serviço público e o que
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Referências bibliográficas
ARAÚJO, M. R. M., OLIVEIRA, J. M., JESUS, M. S., SÁ, N. R., SANTOS, P. A. C., e
LIMA, T C. Transporte público coletivo: discutindo acessibilidade, mobilidade e
qualidade de vida. Psicologia & Sociedade, 23(3), 2011. 574-582.