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LEITURA COMPLEMENTAR

POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS


FUNDAMENTAIS
Professor Felipe de Melo Fonte

Um importante detalhe a ser considerado envolve o fato de que os estudos sobre políticas públicas
coincidem, precisamente, com a expansão do Estado-Administração norte-americano. Como é sabido,
os anos compreendidos entre 1933 e 1961 foram marcados por um forte intervencionismo estatal nas
diversas áreas sociais, notadamente no campo econômico, tudo como resposta à crise vivida no ano de
1929. Esse pacote de medidas ficou conhecido, historicamente, como New Deal. A marcha estatizante
na sociedade norte-americana prosseguiu pelos anos seguintes, embora sem o mesmo frenesi, e
somente arrefeceu com o governo neoliberal do presidente Ronald Reagan. Sendo assim, a análise de
políticas públicas, ao menos nos Estados Unidos da América, somente ascendeu em importância quando
o Estado, finalmente, chamou para si a tarefa de ordenar a sociedade e prestar serviços públicos em
larga escala.

Essa correlação encontra sua razão de ser na ideia de legitimação da atividade estatal, já que toda ação
governamental faz com que alguns fiquem em situação melhor às expensas de outros. Um juízo positivo
sobre as políticas públicas desempenhadas por um Estado legitima a sua atividade de arrecadação de
recursos por meio da tributação e também a própria existência da burocracia, de custo cada vez maior.
Desse modo, de forma óbvia, a preocupação teórica com as políticas públicas de um Estado altamente
intervencionista é maior que com as de um Estado abstencionista, exatamente porque aquele exigirá
dos seus cidadãos mais recursos para implementar as suas ações, o que demanda justificação. Aliás, é
exatamente por isso que os estudos sobre políticas públicas avultam em importância no Brasil atual:
 pela imensidão de tarefas que foram cometidas ao Estado com o advento da Constituição
Federal de 1988 e
 pela enorme carga tributária impingida à cidadania com o intuito de subsidiar a realização
desses objetivos sociais.

Feito esse breve comentário sobre a relevância do estudo das políticas públicas, daremos
prosseguimento à análise da definição do termo.

No âmbito da produção legislativa, o termo “política pública” tem sido reservado para designar os
sistemas legais com pretensão de vasta amplitude, os quais definem competências administrativas,
estabelecem princípios, diretrizes e regras, e, em alguns casos, impõem metas e preveem resultados
específicos. São as chamadas normas-gerais ou leis-quadro, instituidoras das políticas nacionais,
normalmente inseridas no âmbito das competências administrativas comuns ou legislativas concorrentes
previstas, respectivamente, nos arts. 23 e 24 da Constituição Federal de 1988. É importante assinalar
que as leis produzidas com a tarefa de delinear competências que, inicialmente, estão difusas são

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extremamente importantes, na medida em que permitem correlacionar obrigações constitucionais e
entes federativos.

Nas ciências políticas, há diversas definições de políticas públicas, sendo que o único consenso existente
é o de que elas resultam de decisões governamentais e referem-se a ações de governo. Segundo
Michael Howlett e M. Ramesh, é possível destacar três definições utilizadas com maior abrangência
pelos estudiosos no assunto.

A primeira delas é de Thomas Dye, segundo o qual será política pública tudo aquilo que o governo
decida fazer ou não fazer. Tal definição peca pelo excesso, pois inclui no conceito todas as atividades
realizadas pelo governo, desde a decisão de comprar papel até a relacionada ao trânsito de um veículo
de representação para conduzir determinada autoridade pública e, até mesmo, as decisões judiciais.
Não há nenhuma preocupação em distinguir as atividades governamentais, as quais, contudo, possuem
notória especialização e diferenciação. Além disso, nos termos da critica empreendida pelos autores
citados, a definição dada por Thomas Dye reduz o fenômeno das políticas públicas ao aspecto decisório,
descurando de outras questões a elas relacionadas, tal como a implementação e avaliação das políticas
adotadas, ponto importante para a Ciência Política.

Um segundo conceito oriundo dos estudiosos da Policy Science é de William Jenkins. Segundo o autor,
politica pública é um conjunto de decisões inter-relacionadas tomadas por um indivíduo ou um grupo
de atores políticos a respeito da escolha de objetivos e dos meios para alcançá-los em uma situação
específica. Tais decisões devem, em princípio, estar inseridas no poder de alcance desses atores. Esse
conceito é mais completo que o apresentado por Thomas Dye e envolve diversas considerações. Em
primeiro lugar, para Jenkins, as políticas públicas não se circunscrevem a um ato isolado, mas se
apresentam como um processo que pode demandar uma série de atos, os quais envolverão a escolha
de objetivos e dos meios para atingi-los. Em segundo lugar, as decisões podem emanar de um ou vários
atores políticos, o que é uma constatação essencial para as sociedades modernas, cuja complexidade
exigirá quase sempre a atuação conjunta de diversos membros e instituições sociais, especialmente
quando houver demanda de recursos públicos. Além disso, Jenkins considera essencial ao conceito que
sejam consideradas as limitações ao poder de ação dos governantes. Muito embora não parecesse
adequado incluir a existência de restrições à definição de políticas públicas no seu próprio conceito (e.g.,
há restrições constitucionais e legais à prestação de serviços públicos e, nem por isso, elas servem para
definir o que eles são), isso pode ser importante pedagogicamente. No âmbito da Policy Science, por
sua vez, os fatores limitativos serão sempre importantes, na medida em que uma análise acurada da
politica pública sempre deverá considerá-los.

Uma última definição de políticas públicas utilizada no campo das Ciências Políticas é a de James
Anderson. Segundo o autor, as políticas públicas se caracterizam por um curso de ação intencional
construído por um ator ou um conjunto de atores para lidar com um problema ou um motivo de
preocupação. A novidade na definição de Anderson, em comparação com as anteriores, consiste na
percepção de que as políticas públicas são deflagradas em razão de problemas sociais.

Um breve apanhado das definições utilizadas no âmbito da Ciência Política demonstra que também
nesse campo não há consenso definitivo. No entanto, parece que a definição apresentada por William
Jenkins, aliada a outros elementos inerentes ao fenômeno jurídico, pode ser especialmente útil para a
construção de um conceito propriamente jurídico. Além disso, é oportuno dizer que os avanços da Policy

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Science nos Estados Unidos e na Europa não podem ser negligenciados (como ainda são) no campo
jurídico, mas devem ser importados, aplicando-se os devidos filtros. Em última análise, o sucesso dessa
investida do Direito sobre as políticas públicas depende do estudo interdisciplinar.

Entre aqueles que buscam definir as políticas públicas, é possível identificar um grupo de autores
oriundos da USP, representado por Maria Paula Dallari Bucci, Fábio Konder Comparato e Eros Roberto
Grau. Sem embargo de outros que, eventualmente, sigam tal posição, esse grupo trabalha com um
conceito amplo do termo, de forma alinhada com a definição empregada por Thomas Dye. Para Maria
Paula Dallari Bucci, por exemplo, as políticas públicas são “os programas de ação do governo, para a
realização de objetivos determinados, num espaço de tempo certo”. No entender da autora, embora as
políticas públicas sejam categorias abstratas, que espelham a escolha de prioridades pelo governo, elas
normalmente ganham forma por meio dos planos públicos, como o programa de material escolar, o
programa do álcool, etc., que, por sua vez, vão exigir a edição de atos infralegais e legais. Nessa linha,
a autora entende que “a política pública transcende os instrumentos normativos do plano ou do
programa.”

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