Você está na página 1de 142

“A salvação pertence ao Senhor” (Jonas 2:9).

Este é apenas um epítome do calvinismo, é a soma


e a substância dele. Se alguém perguntar-me o que
quero dizer por um calvinista, eu respondo: “Ele é
alguém que diz que a salvação pertence ao Senhor.”
C.H. Spurgeon

1ª Edição

São Paulo O Estandarte de Cristo


2019

Os 5 Pontos do Calvinismo: Uma Introdução Por C.H. Spurgeon


Este livro foi compilado e traduzido a partir da autobiografia de
Spurgeon (introdução) e de seus sermões nº 182, 41-42, 181, 73,
872 (capítulos, respectivamente) ■
Copyright © 2018 Editora O Estandarte de Cristo São Paulo, SP,
Brasil ■
2ª edição em português: 2019
(Publicado anteriormente sob o título: Uma Exposição da TULIP)
ISBN: 978-85-85200-11-4

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora O


Estandarte de Cristo. Proibida a reprodução por quaisquer meios,
salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Salvo indicação em contrário e leves modificações, as citações


bíblicas usadas nesta tradução são da versão Almeida Corrigida Fiel
| ACF • Copyright © 1994, 1995, 2007, 2011 Sociedade Bíblica
Trinitariana do Brasil.

Tradução: Camila Rebeca Teixeira


Revisão ortográfica: Anna Barros Revisão teológica: William Teixeira
Edição e Capa: William Teixeira ■
Visite: OEstandarteDeCristo.com
Sumário Introdução
Uma Defesa do Calvinismo

1 • Depravação Total
(T de TULIP — Total Depravity)
2 • Eleição Incondicional
(U de TULIP — Unconditional Election)
3 • Expiação Limitada
(L de TULIP — Limited Atonement)
4 • Graça Irresistível
(I de TULIP — Irresistible Grace)
5 • Perseverança dos Santos
(P de TULIP — Perseverance of the Saints)
Introdução

Uma Defesa do Calvinismo 0F[1]


É algo grandioso iniciar a vida cristã crendo na boa e sólida
doutrina. Algumas pessoas têm crido em vinte “evangelhos”
diferentes dentro de alguns anos; e seria difícil prever quantos mais
eles aceitarão antes de chegar ao final de sua jornada. Agradeço a
Deus por Ele ter me ensinado o Evangelho desde cedo, e tenho
estado tão perfeitamente satisfeito com ele, que eu não preciso de
qualquer outro. A mudança constante de credo resultará certamente
em perdas. Se uma árvore tiver que ser arrancada duas ou três
vezes por ano, você não precisará construir um grande depósito
para armazenar as maçãs. Quando as pessoas estão sempre
mudando seus princípios doutrinários, elas não são susceptíveis de
produzir muito fruto para a glória de Deus. É bom que os jovens
crentes comecem com um firme apego àquelas grandes doutrinas
fundamentais que o Senhor nos ensinou em Sua Palavra. Por que,
se eu cresse no que alguns pregam sobre uma salvação temporária
e que dura apenas por um momento, dificilmente eu seria grato por
isso; mas quando sei que aqueles a quem Deus salva, Ele salva
com uma salvação eterna, quando sei que Ele lhes dá uma justiça
eterna, quando sei que Ele os estabelece sobre um eterno
fundamento de amor sem fim e que Ele os trará para o Seu reino
eterno, oh! então maravilho e admiro-me que uma bênção como
esta pudesse ter sido alguma vez dada a mim!
“Silêncio, minh’alma! Adore e admire!
Pergunte: ‘Oh! por que tão grande amor para comigo?’
A graça colocou-me no número
Da família do Salvador: Aleluia!
Graças, graças eternamente, a Ti!”
Eu suponho que haja algumas pessoas cujas mentes
naturalmente se inclinam em direção à doutrina do livre-arbítrio. Eu
apenas posso dizer que a minha se inclina mui naturalmente para as
doutrinas da graça soberana. Às vezes, quando vejo na rua algumas
das piores pessoas, sinto como se meu coração devesse irromper
em lágrimas, de gratidão por Deus nunca ter me deixado agir como
elas! Eu penso que se Deus tivesse me deixado sozinho e não
tivesse me tocado por Sua graça, que grande pecador eu teria sido!
Eu teria ido o mais longe possível no pecado, mergulhado nas
profundezas do mal, não teria evitado qualquer vício ou loucura, se
Deus não me tivesse impedido. Sinto que eu teria sido o rei dos
pecadores, se Deus tivesse me deixado sozinho. Não consigo
entender a razão pela qual sou salvo, exceto sobre o fundamento de
que Deus quis que fosse assim. Não posso, mesmo se eu buscar
com toda sinceridade, descobrir qualquer tipo de razão em mim
mesmo pela qual eu deveria ser um participante da divina graça. Se
não estou neste momento sem Cristo, é somente porque Cristo
Jesus cumpriu a Sua vontade em mim, e esta vontade foi que eu
estivesse com Ele onde Ele está, e compartilhasse de Sua glória. Eu
não posso colocar a coroa em nenhum outro lugar, senão sobre a
cabeça dAquele cuja graça poderosa me salvou de ir para o inferno.
Olhando para o meu passado, posso ver que o alvorecer de
tudo foi a partir de Deus, e de Deus eficazmente. Eu não tomei
nenhuma tocha para acender o sol, foi o sol que me iluminou. Eu
não comecei a minha vida espiritual. Não, antes, eu preferia
recalcitrar e lutar contra as coisas do Espírito. Quando Ele me
chamou, por um tempo eu não O segui; havia um ódio natural em
minha alma em relação a tudo que é santo e bom. Advertências
eram ineficazes quanto a mim, alertas eram ignorados e ameaças,
desprezadas. E quanto aos sussurros de Seu amor, eles foram
rejeitados como sendo menos do que nada e vaidade. Mas estou
seguro que agora posso dizer a respeito de mim mesmo, “Somente
Ele é a minha salvação”. Foi Ele Quem transformou meu coração, e
me trouxe de joelhos diante dEle. Eu posso, verdadeiramente, dizer
com Doddridge e Toplady: “A graça ensinou minha alma a orar,
E fez meus olhos transbordarem,”
E, chegando a este ponto, posso acrescentar: “Esta graça tem me
preservado até hoje,
E não me abandonará.”
Bem posso lembrar-me da maneira pela qual eu aprendi as
doutrinas da graça em um único instante. Como todo homem, por
natureza, eu nasci arminiano, eu ainda acreditava nas velhas coisas
que eu ouvira continuamente a partir do púlpito, e não via a graça de
Deus. Quando vim a Cristo, pensei que estava fazendo tudo
sozinho, e embora buscasse ao Senhor sinceramente, não tinha
ideia de que o Senhor estava me buscando. Eu não acho que o
jovem convertido à princípio é consciente disso. Lembro-me do dia e
hora em que primeiramente recebi aquelas verdades em minha
própria alma, quando elas foram, como diz John Bunyan, impressas
em meu coração como com um ferro quente, e lembro-me como
senti que havia crescido, de repente, de um bebê a um homem; que
eu havia feito progressos no conhecimento das Escrituras, por ter
encontrado, de uma vez por todas, a chave para a verdade de Deus.
Em uma noite, durante a semana, quando eu estava sentado na
casa de Deus, não estava pensando muito sobre o sermão do
pregador, porque eu não cria naquilo. O pensamento me ocorreu:
“Como você veio a ser um cristão?”, “Busquei ao Senhor”, respondi
eu. “Mas como você veio a buscar o Senhor?”. A verdade passou
pela minha mente em um momento, eu não teria procurado por Ele,
a menos que tivesse havido alguma influência prévia em minha
mente para me fazer buscá-lO. “Eu orei”, pensei, mas então me
perguntei: “Como cheguei a orar?”, “Fui induzido a orar pela leitura
das Escrituras”, repliquei comigo mesmo. “Como vim a ler as
Escrituras? Eu li, mas o que me levou a fazer isso?”. Então, em um
momento, eu vi que Deus estava no princípio de tudo isso e que Ele
era o autor da minha fé, assim toda a doutrina da graça foi revelada
para mim e desta doutrina não me afastei até o presente, e desejo
fazer desta a minha confissão constante: “Eu atribuo a minha
conversão inteiramente a Deus”.
Uma vez fui a um culto onde o texto era: “Escolherá para nós
a nossa herança”; 1F[2] e o bom homem que ocupava o púlpito era
um arminiano. Assim, quando ele começou, disse: “Esta passagem
se refere totalmente à nossa herança temporal, ela não tem relação
com o nosso destino eterno, pois”, disse ele, “nós não carecemos
que Cristo escolha para nós na questão do céu ou inferno. É tão
simples e fácil, que todo homem que tem um pouco de senso
comum escolherá o céu, e qualquer pessoa compreenderia que não
deve escolher o inferno. Nós não temos nenhuma necessidade de
alguma inteligência superior ou de qualquer ser grandioso para
escolher o céu ou o inferno por nós. Isso é deixado ao nosso próprio
livre-arbítrio, bastante sabedoria e os meios corretos nos foram
dados para que pudéssemos julgar por nós mesmos”, e, portanto —
como ele muito logicamente inferiu — não havia necessidade de
que Jesus Cristo ou que qualquer outra pessoa fizesse uma escolha
por nós. Poderíamos escolher a herança por nós mesmos sem
qualquer auxílio. “Ah!”, eu pensei, “mas, meu bom irmão, pode ser
bem verdade que nós poderíamos, mas eu acho que nós
precisaríamos de algo mais do que o senso comum antes que
pudéssemos escolher corretamente”. Em primeiro lugar, deixe-me
perguntar: não devemos, todos nós, admitir uma soberana
providência, e a designação da mão de Yahwéh, como os meios
pelos quais nós viemos a este mundo? Aqueles homens que
pensam que, posteriormente, nós somos deixados e entregues ao
nosso livre-arbítrio para escolher isso ou aquilo para dirigir os
nossos passos, devem admitir que nossa entrada no mundo não
ocorreu devido a nossa própria vontade, mas que Deus teve, então,
que escolher por nós. Quais eram aquelas circunstâncias que
estavam em nosso poder e que nos levaram a eleger certas
pessoas para serem nossos pais? O próprio Deus não designou
nossos pais, lugar de nascimento e amigos?
Ele não poderia me fazer nascer com a pele de um africano,
ter nascido de uma mãe ímpia que cuidaria de mim em sua “tribo” e
me ensinaria a curvar-me diante de deuses pagãos, tão facilmente
como me concedeu a uma mãe piedosa, que a cada manhã e noite
dobraria seus joelhos em oração por mim? Ou, talvez Ele, se tivesse
sido do Seu agrado, não poderia dar-me algum libertino para ter
sido meu pai, de cujos lábios eu poderia ter desde cedo ouvido
obscenidades terríveis e imundas? Deus não poderia ter me
colocado onde eu poderia ter tido um pai bêbado, que me teria
enclausurado no próprio calabouço da ignorância e me conduzido
às cadeias do crime? Não foi a providência de Deus que fez com
que eu tivesse uma porção tão feliz, que os meus pais fossem filhos
dEle e que se esforçaram para me educar no temor do Senhor?
John Newton costumava contar e rir de uma história curiosa sobre
uma boa mulher que disse, a fim de provar a doutrina da eleição:
“Ah! senhor, Deus deve ter me amado antes de eu nascer, ou então
Ele não teria visto nada em mim para me amar depois”. Tenho
certeza de que isso é verdade no meu caso; eu creio na doutrina da
eleição, porque estou certo de que, se Deus não me tivesse
escolhido, eu nunca O teria escolhido; e tenho certeza que Ele me
escolheu antes de eu nascer, ou caso contrário Ele nunca teria me
escolhido depois; e Ele deve ter me eleito por razões desconhecidas
para mim, pois eu nunca poderia encontrar qualquer razão em mim
mesmo pela qual Ele deveria ter olhado para mim com amor
especial. Então, sou obrigado a aceitar essa grande doutrina bíblica.
Lembro-me de um irmão arminiano me dizendo que ele tinha
lido as Escrituras por muitas e muitas vezes, e nunca conseguiu
encontrar a doutrina da eleição nelas. Ele acrescentou que estava
certo de que a teria encontrado se ela estivesse ali, pois ele lia a
Palavra de joelhos. Eu disse a ele: “Eu acho que você lê a Bíblia em
uma postura muito desconfortável, e se você tivesse lido em sua
poltrona, teria sido mais provável que você a compreendesse. Ore
por todos os meios, e quanto mais, melhor, mas certamente é uma
superstição pensar que há alguma coisa na postura em que o
homem se coloca para a leitura! E quanto a ter lido toda a Bíblia
vinte vezes sem ter encontrado nada sobre a doutrina da eleição, a
maravilha é se você encontrou alguma coisa em absoluto. Você
deve ter galopado através dela a um ritmo tal que não era
susceptível de ter qualquer ideia inteligível sobre o sentido das
Escrituras”.
Se seria maravilhoso ver um rio saltar caudaloso da terra, o
que seria contemplar um vasto manancial do qual todos os rios da
terra imediatamente irrompessem borbulhando, um milhão deles
emergindo? Que visão isso seria! Quem pode concebê-lo? E ainda
assim, o amor de Deus é aquela fonte, a partir da qual todos os rios
da misericórdia têm alegrado a nossa raça, da qual todos os rios da
graça no tempo, e de glória no porvir têm a sua origem. Minha alma,
detém-te naquele manancial sagrado, adore e magnifique, para todo
o sempre a Deus, o nosso Pai, que nos amou!
No início, quando este grande universo estava na mente de
Deus, como florestas não nascidas; muito tempo antes dos ecos
acordarem as solidões; antes que os montes nascessem; e antes
que a luz brilhasse através do céu, Deus amou as Suas criaturas
escolhidas. Antes que houvesse algum ser criado, quando o éter
não era agitado pela asa de um anjo, quando o espaço em si não
tinha uma existência, quando havia nada, exceto Deus somente,
mesmo então, naquela solidão da Deidade, e naquela intensa calma
e profundidade, as Suas entranhas se comoviam com amor por
Seus eleitos. Seus nomes estavam escritos em Seu coração, e, eles
eram, então, queridos de Sua alma. Jesus amou Seu povo antes da
fundação do mundo, desde a eternidade! E quando Ele me chamou
pela Sua graça, me disse: “Porquanto com amor eterno te amei, por
isso com benignidade te atraí” (Jeremias 31:3).
Depois, na plenitude do tempo, Ele me comprou com o Seu
sangue; Ele deixou que o Seu coração sangrasse através de uma
profunda ferida aberta por mim, muito antes que eu O amasse. Sim,
quando Ele veio pela primeira vez até mim, eu não O desprezei?
Quando Ele bateu na porta e pediu para entrar, eu não O afastei e
desprezei, apesar de Sua graça? Ah, eu posso me lembrar que
muitas vezes o fiz, até que, finalmente, pelo poder de Sua graça
eficaz, Ele disse: “Eu devo, eu entrarei”, e então Ele converteu o
meu coração e me fez amá-lO. Mas, mesmo até agora eu teria
resistido a Ele, se não fosse por Sua graça. Bem, em seguida, uma
vez que Ele me comprou quando eu estava morto em pecados, não
se segue, como consequência necessária e lógica, que Ele deve ter
me amado primeiro? Será que meu Salvador morreu por mim,
porque eu cria em Deus? Não; eu nem existia, então; eu não tinha
nenhuma existência nessa ocasião. Poderia o Salvador, portanto, ter
morrido, porque eu tinha fé, quando eu ainda não havia nascido?
Isso seria possível? Isso poderia ter sido a origem do amor do
Salvador por mim? Oh! não; meu Salvador morreu por mim muito
antes que eu cresse. “Mas”, diz alguém, “Ele previu que você teria
fé, e, portanto, Ele te amou”. O que Ele previu sobre a minha fé? Ele
previu que eu deveria ter fé de mim mesmo, e que eu deveria crer
nEle a partir de mim mesmo? Não; Cristo não poderia prever isso,
porque nenhum cristão alguma vez dirá que sua fé se originou em si
mesmo sem o dom e sem a ação do Espírito Santo. Encontrei-me
com um grande número de crentes, e conversei com eles sobre este
assunto; mas eu nunca conheci alguém que poderia colocar a sua
mão sobre o seu coração, e dizer: “Eu cri em Jesus sem a
assistência do Espírito Santo”.
Apego-me à doutrina da depravação do coração humano,
porque eu me encontro depravado de coração, e tenho provas
diárias que na minha carne não habita bem algum. Se Deus entra
em aliança com o homem antes da queda, o homem é uma tão
insignificante criatura que isso deve ser um ato de graciosa
condescendência da parte do Senhor; mas se Deus entra em
aliança com o homem pecador, ele é, então, uma tão ofensiva
criatura que isso deve ser, da parte de Deus, um ato de pura,
abundante e soberana graça. Quando o Senhor entrou em aliança
comigo, tenho certeza de que foi tudo por graça, nada mais do que
graça. Quando me lembro que covil de feras e aves impuras era
meu coração, e quão teimosa era a minha vontade não regenerada,
quão obstinada e rebelde contra a soberania do governo divino,
sempre me sinto inclinado a tomar o menor lugar na casa de meu
Pai, e quando eu entrar no céu, isso será entre o menor dos
menores de todos os santos e com o principal dos pecadores.
O saudoso Sr. Denham colocou na legenda de seu retrato um
texto admirável: “A salvação pertence ao Senhor”. 2F[3] Este é
apenas um epítome do calvinismo, é a soma e a substância dele. Se
alguém perguntar-me o que quero dizer por um calvinista, eu
respondo: “Ele é alguém que diz que a salvação pertence ao
Senhor”. Não consigo encontrar nas Escrituras nenhuma outra
doutrina além desta. É a essência da Bíblia. “Só ele é a minha rocha
e a minha salvação”. 3F[4] Diga-me qualquer coisa contrária a esta
verdade, e será uma heresia; diga-me uma heresia, e encontrarei a
sua essência aqui, ou seja, que ela se afastou desta grande e
fundamental rocha da verdade: “Deus é a minha rocha e a minha
salvação”.
Qual é a heresia de Roma, senão a adição de algo aos
perfeitos méritos de Jesus Cristo, a proposta de que as obras da
carne auxiliam em nossa justificação? E qual é a heresia do
arminianismo, senão a adição de algo à obra do Redentor? Cada
heresia, se trazida à pedra de toque, se revelará aqui. Eu tenho
minha própria opinião particular de que não há tal coisa como pregar
Cristo e Ele crucificado, a menos que nós preguemos o que hoje é
chamado calvinismo. Calvinismo é um apelido; calvinismo é o
Evangelho, e nada mais. Eu não acredito que nós podemos pregar o
Evangelho, se não pregarmos a justificação pela fé, sem obras; nem
a menos que nós preguemos a soberania de Deus em Sua
dispensação da graça; nem a menos que exaltemos o eletivo,
imutável, eterno, inabalável, conquistador amor de Yahwéh; nem
penso que podemos pregar o Evangelho, a menos que nos
baseemos no resgate especial e particular do Seu povo eleito e
escolhido, o que Cristo operou na cruz; nem posso eu compreender
um Evangelho que permite que os santos venham a cair depois de
serem chamados, e consente que os filhos de Deus sejam
queimados no fogo da condenação após terem uma vez crido em
Jesus. Tal evangelho eu abomino.
“Se alguma vez pudesse ocorrer,
Que as ovelhas de Cristo se perdessem,
Minha inconstante e fraca alma, infelizmente!
Cairia mil vezes por dia.”
Se algum amado santo de Deus pudesse perecer, então,
todos poderiam; se um dos participantes do Pacto fosse perdido,
então todos poderiam se perder; e então não há nenhuma promessa
evangélica verdadeira, a Bíblia é apenas uma mentira e não há
nada nela que seja digno de minha aceitação. Eu serei um infiel no
momento em que crer que um santo de Deus alguma vez pode cair
finalmente. Se Deus me amou uma vez, então Ele me amará para
sempre. Deus tem uma mente controladora; Ele organizou tudo em
Seu gigantesco intelecto, muito antes de fazê-lo; e uma vez tendo
estabelecido, Ele nunca o alterará. “Isso será feito”, diz Ele, e a mão
de ferro do destino o determina, e é trazido à existência. “Este é o
meu propósito”, e isso permanece, nem a terra ou o inferno podem
alterá-lo. “Este é o meu decreto”, diz Ele, “promulguem isso, vocês,
santos anjos, arranquem da porta do céu, ó, demônios, se puderem;
mas vocês não podem alterar o decreto, ele será estabelecido para
sempre”. Deus não revoga os Seus planos; por que Ele deveria? Ele
é todo-poderoso, e, portanto, pode realizar a Sua vontade. Por que
deveria? Ele é o todo-sábio, e, portanto, não pode ter planejado de
forma errada. Por que deveria? Ele é o Deus eterno, e, portanto,
não pode morrer antes de Seu plano ser realizado. Por que Ele
mudaria? Vocês átomos inúteis da terra, coisas efêmeras de um dia,
vocês insetos rastejantes sobre este jardim da existência, vocês
podem mudar os seus planos, mas Ele nunca, nunca mudará os
Seus. Ele me disse que Seu plano é salvar-me? Se for assim, eu
estou seguro para sempre.
“Meu nome das palmas das Suas mãos
A eternidade não apagará;
Gravado em Seu coração permanece,
Em marcas de indelével graça.”
Eu não sei como algumas pessoas, que acreditam que um
cristão pode cair da graça, conseguem ser felizes. Deve ser algo
muito louvável que eles sejam capazes de passar um dia sem
desespero. Se eu não cresse na doutrina da perseverança final dos
santos, acho que seria de todos os homens o mais miserável,
porque careceria de qualquer fundamento do conforto. Eu não
poderia dizer, seja qual fosse a condição de meu coração, que seria
como um manancial de água, cujo fluxo não falha; antes, eu teria
que me comparar com uma nascente intermitente, que pode parar
de repente ou um reservatório, que não teria nenhuma razão para
esperar que estivesse sempre cheio. Acredito que os cristãos mais
felizes e mais verdadeiros são aqueles que nunca se atrevem a
duvidar de Deus, mas quem tomam a Sua Palavra simplesmente
como ela é, creem e não fazem perguntas, apenas sentem a certeza
de que se Deus disse algo, assim será. Presto de boa vontade o
meu testemunho, que eu não tenho nem mesmo uma mínima razão
para duvidar de meu Senhor, e eu desafio o céu, a terra e o inferno
a trazerem qualquer prova de que Deus não é verdadeiro. Das
profundezas do inferno eu chamo os demônios, e desta terra eu
convoco os crentes experimentados e aflitos, e ao céu apelo e
desafio a longa experiência da hoste lavada pelo sangue, e não há
de ser encontrado nos três domínios uma única pessoa que possa
testemunhar um fato que refute a fidelidade de Deus, ou enfraqueça
a Sua reivindicação pela confiança de Seus servos. Há muitas
coisas que podem ou não acontecer, mas isso eu sei que
acontecerá: “Ele deve apresentar a minha alma,
Sem mancha e perfeita,
Diante da glória de Sua face,
Com alegrias divinamente grandiosas.”
Todos os propósitos do homem têm sido derrotados, mas não
os propósitos de Deus. As promessas do homem podem ser
quebradas, muitas delas são feitas para serem quebradas, mas
todas as promessas de Deus serão cumpridas. Ele é um fazedor de
promessa, mas Ele nunca foi um quebrador de promessa; Ele é um
Deus que guarda a promessa, e cada um de Seu povo provará que
é assim. Esta é a minha grata confiança pessoal, “O Senhor
aperfeiçoará o que me toca”, 4F[5] eu sou indigno, um perdido
pecador e arruinado em mim mesmo, mas Ele, ainda assim, me
salvará, e “Eu, no meio da multidão lavada pelo sangue,
Agitarei a palma, e usarei a coroa,
E bradarei a vitória.”
Eu vou para a terra que o arado nunca arou, um lugar que é
mais verde do que os melhores pastos da terra, e mais rico do que
as suas colheitas mais abundantes já vistas. Irei para um edifício de
arquitetura mais lindo do que alguém alguma vez edificou; ele não é
projetado por um mortal, é “um edifício de Deus, uma casa não feita
por mãos, eterna, nos céus”. 5F[6] Tudo o que conhecerei e
desfrutarei no céu, será dado a mim pelo Senhor, e eu direi, quando
finalmente comparecer perante Ele: “A graça toda a obra deve
coroar
Ao longo de dias eternos;
Ela estabelece no céu a pedra do pináculo,
E apropriadamente merece o louvor.”
Eu sei que há alguns que pensam que é necessário para o
seu sistema de teologia limitar o mérito do sangue de Jesus, se o
meu sistema teológico necessitasse de tal limitação, gostaria de
lançá-lo aos ventos. Eu não posso, eu não me atrevo a permitir o
pensamento de encontrar uma acomodação em minha mente, isso
parece tão perto da semelhança de blasfêmia. Na obra consumada
de Cristo, eu vejo um oceano de mérito; meu prumo não encontra
fundo, meu olho não descobre nenhum litoral. Deve haver eficácia
suficiente no sangue de Cristo, se Deus assim o quisesse, para ter
salvado não somente a todos neste mundo, mas a totalidade de dez
mil mundos, se eles tivessem transgredido a lei de seu Criador. Uma
vez admitida a infinitude do assunto, e o limite está fora de questão.
Tendo uma pessoa divina por uma oferta, não é consistente
conceber um valor limitado; limitações e medida são termos
inaplicáveis ao sacrifício divino. A intenção do propósito divino fixa a
aplicação da oferta infinita, mas não a transforma em uma obra
finita. Pense a quantos Deus já concedeu a Sua graça. Pense nas
incontáveis hostes do céu; se você fosse introduzido hoje, acharia
tão fácil contar as estrelas ou os grãos de areia das praias do mar
quanto contar as multidões dos que estão diante do trono agora
mesmo. Eles vieram do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e
estão sentados à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino de
Deus.
E ao lado daqueles no céu, pense sobre os salvos na terra.
Bendito seja Deus, que os Seus escolhidos na terra devem ser
contados por milhões, eu creio, e os dias estão chegando, dias
melhores do que estes, quando haverá multidões sobre multidões
levadas a conhecer o Salvador e a alegrarem-se nEle. O amor do
Pai não é para alguns apenas, mas para uma companhia
grandíssima. “Uma multidão, a qual ninguém podia contar”, 6F[7] será
encontrada no céu. Um homem pode contar até valores muito
elevados; coloquem os Newtons para trabalhar, as calculadoras
mais poderosas, e eles podem contar grandes números, mas Deus
e só Deus pode contar a multidão de Seus remidos. Eu acredito que
haverá mais no céu do que no inferno. Se alguém me pergunta por
que eu acho que sim, eu respondo, porque Cristo, em tudo, deve
“ter a preeminência”, 7F[8] e eu não posso conceber como Ele
poderia ter a preeminência se deverá haver mais pessoas nos
domínios de Satanás do que no Paraíso. Além disso, eu nunca li
que haverá no inferno uma grande multidão, que ninguém podia
contar. Alegro-me em saber que as almas de todos os infantes,
assim que eles morrem, seguem imediatamente o seu caminho para
o Paraíso. Pense em que multidão deles há! Então, já existem no
céu miríades inumeráveis dos espíritos dos justos aperfeiçoados, os
remidos de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, até agora;
e melhores tempos estão próximos, quando a religião de Cristo será
universal, quando: “Ele reinará de um extremo ao outro,
Com influência ilimitada.”
Quando reinos inteiros se prostrarão diante dEle, e as nações
nascerão em um dia, e nos mil anos do grande estado milenar
haverá salvos suficientes para compensar todas as deficiências dos
milhares de anos que se passaram anteriormente. Cristo será
Mestre em todos os lugares e o Seu louvor ecoará em todas as
terras. Por fim, Cristo terá a preeminência; Seu cortejo será maior
do que aquele que assistirá a carruagem do sombrio monarca do
inferno.
Algumas pessoas amam a doutrina da expiação universal,
porque elas dizem: “É tão bonita. É uma bela ideia a que Cristo teria
morrido por todos os homens; ela recomenda a si mesma”, dizem
eles, “pois, em relação instintos da humanidade, há algo nela cheio
de alegria e beleza”. Admito que existe, mas a beleza pode estar
muitas vezes associada com a falsidade. Há muito que eu possa
admirar na teoria da redenção universal, mas apenas mostrarei o
que a suposição envolve necessariamente. Se Cristo, em Sua cruz,
intencionou salvar todos os homens, então Ele pretendia salvar os
que estavam perdidos antes dEle morrer. Se a doutrina for
verdadeira, que Ele morreu por todos os homens, então Ele morreu
por alguns que estavam no inferno antes que Ele viesse a este
mundo, pois, sem dúvida, havia até então miríades que foram
lançadas ali por causa de seus pecados. Mais uma vez, se fosse a
intenção de Cristo salvar todos os homens, quão deploravelmente
Ele tem sido decepcionado, pois temos Seu próprio testemunho de
que existe um lago que arde com fogo e enxofre, e nesse abismo de
aflição têm sido lançadas algumas das próprias pessoas que,
segundo a teoria da redenção universal, foram compradas com o
Seu sangue. Isso me parece uma concepção mil vezes mais
repugnante do que qualquer uma dessas consequências que dizem
ser associadas com a doutrina cristã e calvinista da redenção
particular e especial. E pensar que meu Salvador morreu pelos
homens que estavam ou estão no inferno, parece uma suposição
horrível demais para eu sustentar!
Imagine por um momento que Cristo fosse o substituto para
todos os filhos dos homens, e que Deus, após ter punido o
substituto, posteriormente venha a punir os próprios pecadores, isso
parece entrar em conflito com todas as minhas noções sobre a
justiça divina. Que Cristo tenha oferecido uma expiação e satisfação
pelos pecados de todos os homens, e que depois alguns desses
mesmos homens sejam punidos pelos pecados os quais Cristo já
havia expiado, parece-me ser a iniquidade mais monstruosa que
jamais poderia ter sido imputada a Saturno, a Juno, à deusa dos
tugues ou às divindades pagãs mais diabólicas. Que Deus não
permita que alguma vez pensemos assim sobre Yahwéh, que é
justo, sábio e Deus!
Não há nenhuma alma vivente que se apegue mais
firmemente às doutrinas da graça do que eu, e se algum homem me
pergunta se me envergonho de ser chamado calvinista, eu
respondo: Desejo não ser chamado de nada, senão de cristão; mas
se você me perguntar se compartilho das compressões doutrinárias
que foram sustentadas por João Calvino, eu respondo, que sustento
a maioria delas, e me regozijo em reconhecer isso. Mas longe esteja
de mim imaginar que Sião não contém nada, senão cristãos
calvinistas dentro de seus muros ou que não há nenhum salvo que
não sustente nossos pontos de vista. Coisas muito terríveis foram
ditas sobre o caráter e a condição espiritual de John Wesley, o
príncipe moderno dos arminianos. Apenas posso dizer a respeito
dele que, enquanto eu detesto muitas das doutrinas que ele pregou,
ainda assim, quanto ao homem em si, eu tenho uma reverência que
não fica atrás de qualquer wesleyano; e se houvesse necessidade
de dois apóstolos serem adicionado ao número dos doze, acredito
que não poderiam ser encontrados dois homens mais aptos para
isso, do que George Whitefield e John Wesley. O caráter de John
Wesley permanece além de qualquer mancha por causa de seu
autossacrifício, zelo, santidade e comunhão com Deus; ele viveu
muito acima do nível normal dos cristãos comuns, e foi um “dos
quais o mundo não era digno”. Creio que há multidões de homens
que não conseguem ver estas verdades, ou, pelo menos, não
podem vê-las da maneira em que as colocamos, os quais, apesar
disso, receberam a Cristo como seu Salvador e são tão queridos ao
coração do Deus da graça quanto calvinista convicto, dentro ou fora
do céu.
Eu acho que não sou diferente de qualquer um dos meus
irmãos hipercalvinistas quanto ao que eu creio, mas eu discordo
deles no que eles não acreditam. Eu não sustento nada menos do
que eles, mas eu sustento um pouco mais, e, eu acho, um pouco
mais da verdade revelada nas Escrituras. Não só existem algumas
doutrinas fundamentais, pelas quais podemos orientar o nosso navio
a norte, sul, leste ou oeste, mas à medida que estudamos a Palavra,
começaremos a aprender algo sobre o noroeste e o nordeste, e tudo
o mais que fica entre os quatro pontos cardeais. O sistema da
verdade revelada nas Escrituras não é simplesmente uma única
linha reta, mas duas; e nenhum homem jamais terá um
entendimento correto do Evangelho até que ele saiba como olhar
para as duas linhas ao mesmo tempo. Por exemplo, eu li em um
livro da Bíblia: “E o Espírito e a esposa dizem: Vem. E quem ouve,
diga: Vem. E quem tem sede, venha; e quem quiser, tome de graça
da água da vida”. 8F[9] No entanto, eu sou ensinado, em outra parte
da mesma Palavra inspirada, que “isto não depende do que quer,
nem do que corre, mas de Deus, que se compadece”. 9F[10] Eu vejo,
em uma passagem, Deus, em Sua providência, presidindo tudo, e
ainda assim vejo, e não posso deixar de ver, que o homem age
como lhe agrada, e que Deus deixou as suas ações, em grande
medida, à sua própria livre-agência.
Agora, se eu declarasse que o homem era tão livre para agir
que não havia controle de Deus sobre suas ações, isso seria ir
muito perto do ateísmo. E se, por outro lado, devo declarar que
Deus controla todas as coisas de tal maneira que o homem não é
livre o bastante para ser responsável, eu seria conduzido neste
exato momento ao antinomianismo ou ao fatalismo. Que Deus
predestina, e ainda assim o homem é responsável, são dois fatos
que poucos podem ver claramente. Acredita-se que estas duas
verdades são inconsistentes e contraditórias, uma em relação a
outra. Se, então, eu encontro ensinado em uma parte da Bíblia que
tudo é predestinado, isso é verdade; e se eu encontro, em outra
Escritura, que o homem é responsável por todas as suas ações,
isso é verdadeiro; e é apenas a minha tolice que me leva a imaginar
que essas duas verdades alguma vez podem se contradizer. Eu não
acredito que elas podem alguma vez ser fundidas transformando-se
em uma, em qualquer bigorna terrena, mas elas certamente serão
apenas uma na eternidade. Elas são duas linhas que são quase tão
paralelas, que a mente humana que as segue mais à distância
nunca descobrirá que elas convergem, mas elas convergem, e elas
se encontrarão em algum lugar na eternidade, perto do trono de
Deus, de onde procede toda a verdade.
Costuma-se dizer que as doutrinas que cremos têm uma
tendência a levar-nos a pecar. Eu ouvi afirmado muito
positivamente, que aquelas grandes doutrinas que amamos e que
encontramos nas Escrituras, são doutrinas licenciosas. Não sei
quem terá a audácia de fazer esta afirmação, quando eles
considerarem que os mais santos dos homens têm crido nelas.
Peço ao homem que se atreve a dizer que o calvinismo é uma
religião licenciosa que diga o que pensa sobre o caráter de
Agostinho, ou de Calvino, ou de Whitefield, os quais, em eras
sucessivas foram os grandes expoentes do sistema da graça; ou o
que ele dirá sobre os Puritanos, cujas obras estão cheias destas
doutrinas? Se um homem fosse um arminiano naqueles dias, ele
seria considerado como o mais vil dos hereges, mas agora nós
somos vistos como hereges, e eles como ortodoxos. Nós voltamos à
velha escola; podemos traçar nossa descendência desde os
apóstolos. É aquela veia de livre graça, correndo através da
pregação dos batistas, que nos preservou como uma denominação.
Se não fosse por isso, não permaneceríamos onde estamos hoje.
Nós podemos traçar uma linha dourada até o próprio Jesus Cristo,
através de uma santa sucessão de pais poderosos, os quais todos
sustentaram estas verdades gloriosas; e podemos perguntar a
respeito deles: “Onde você encontrará homens mais santos e
melhores no mundo?”.
Nenhuma doutrina é tão projetada para preservar o homem do
pecado quanto a doutrina da graça de Deus. Aqueles que a
chamaram de “uma doutrina licenciosa” não conheciam nada sobre
ela — pobres criaturas ignorantes, eles pouco sabiam que a sua
própria doutrina vil era a mais licenciosa debaixo do céu. Se eles
conhecessem a graça de Deus verdadeiramente, logo veriam que
não havia nada que conservasse da apostasia como um
conhecimento de que somos eleitos de Deus desde a fundação do
mundo. Não há nada como uma crença em minha perseverança
eterna e na imutabilidade da afeição de meu Pai, que possa manter-
me perto dEle por um simples motivo de gratidão. Nada faz um
homem tão virtuoso quanto a crença na verdade. A doutrina
apóstata em breve gerará uma prática apóstata. Um homem não
pode ter uma crença errônea sem, aos poucos, ter uma vida
errônea. Eu creio que uma coisa naturalmente gera a outra. De
todos os homens, os que têm a mais desprendida piedade, a mais
sublime reverência e a mais ardente devoção são aqueles que
creem que são salvos pela graça, sem as obras, por meio da fé, e
isto não vem deles mesmos, é dom de Deus. Os cristãos devem
tomar cuidado, e perceber que isso é sempre assim, a menos que
Cristo seja crucificado novamente e exposto ao vitupério.
1
Depravação Total
(T de TULIP — Total Depravity)

Sermão Nº 182. Pregado na manhã do sabbath, 7 de março de 1858. No


Music Hall, Royal Surrey Gardens.

“Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer.” (João
6:44) “Ir a Cristo” é uma frase muito comum na Sagrada Escritura. Ela é
usada para expressar aqueles atos da alma, onde, simultaneamente,
deixando a nossa justiça própria e os nossos pecados, nós fugimos para o
Senhor Jesus Cristo e recebemos a Sua justiça como a nossa veste e Seu
sangue, como a nossa expiação. Ir a Cristo, então, envolve arrependimento,
autonegação e fé no Senhor Jesus Cristo. Isso resume em si todas as coisas
que são os requisitos necessários destas grandes demandas do coração, tais
como a crença nas verdades de Deus, a sinceridade da oração a Deus, a
submissão da alma aos preceitos do Evangelho de Deus e todas aquelas
coisas que acompanham o alvorecer da salvação na alma. Ir a Cristo é
exatamente a única coisa essencial para a salvação do pecador. Aquele que
não vem a Cristo, faça o que fizer ou pense o que pensar, ainda está em “fel
da amargura e nos laços da iniquidade”. 10F[11] Ir a Cristo é o primeiro efeito
da regeneração. Logo que a alma é vivificada, descobre seu estado perdido,
fica aterrorizada com isso, busca por um refúgio e crê que Cristo é um refúgio
adequado, foge para Ele e repousa nEle. Onde não há este ir a Cristo, é certo
que ainda não existe nenhuma vivificação; onde não há vivificação, a alma
está morta em ofensas e pecados, e estando morta, não pode entrar no reino
dos céus. Temos diante de nós agora um anúncio muito surpreendente —
alguns chegam a dizer que é muito desagradável. Ir a Cristo, embora descrito
por algumas pessoas como sendo a coisa mais fácil em todo o mundo, é
declarado em nosso texto como uma coisa total e inteiramente impossível a
qualquer homem, visto que o Pai precisa trazê-lo a Cristo. Então, ser o nosso
trabalho discorrer sobre esta declaração. Não duvidamos que isso sempre
será ofensivo à natureza carnal; todavia, a ofensa da natureza humana é, por
vezes, o primeiro passo para fazê-la prostrar-se diante de Deus. E se este é o
efeito de um processo doloroso, podemos esquecer a dor e regozijar-nos com
as consequências gloriosas!
Eu me esforçarei nesta manhã, antes de tudo, para ressaltar a
incapacidade do homem, no que isso consiste. Em segundo lugar, o
trazer do Pai, o que é e como é exercido sobre a alma. E, então,
concluirei observando um doce consolo que pode ser extraído deste
texto aparentemente árido e terrível.

I. Primeiro, então, a incapacidade do homem. O texto diz: “Ninguém


pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer”. No que
consiste esta incapacidade?
Em primeiro lugar, não se encontra em qualquer defeito físico.
Se para ir a Cristo o mover do corpo ou andar com os pés fosse de
alguma ajuda, certamente o homem teria todo o poder físico para ir
a Cristo nesse sentido. Lembro-me de ter ouvido um antinomiano
muito tolo declarar que ele não cria que qualquer homem tinha o
poder de caminhar até a Casa de Deus, a menos que o Pai o
trouxesse. Agora, o homem era claramente tolo porque ele deveria
ter visto que enquanto um homem estivesse vivo e tivesse pernas,
era tão fácil para ele andar até a Casa de Deus como até a casa de
Satanás! Se ir a Cristo inclui a pronunciação de uma oração, o
homem não tem defeito físico a esse respeito. Se ele não for mudo,
ele pode proferir uma oração tão facilmente quanto pode proferir
blasfêmia. É tão fácil para um homem cantar uma das canções de
Sião, como cantar uma música profana e libidinosa. Não há falta de
força física para ir a Cristo que seja necessária no que diz respeito à
força física que o homem muito certamente possui. E nenhuma
parte da salvação consiste no que está total e inteiramente no poder
do homem sem qualquer assistência do Espírito de Deus. Nem,
novamente, esta incapacidade reside em qualquer deficiência
mental. Eu posso crer que esta Bíblia é verdadeira tão facilmente
quanto eu posso crer que qualquer outro livro é verdadeiro. Na
medida em que crer em Cristo é um ato da mente, eu sou tão capaz
de crer em Cristo quanto sou capaz de crer em qualquer outro.
Contanto que sua declaração seja apenas verdadeira, é inútil dizer-
me que eu não posso crer nela. Eu posso crer na declaração de
Cristo, tanto quanto posso crer na declaração de qualquer outra
pessoa. Não há deficiência nas faculdades da mente — ela é muito
capaz de avaliar um mero ato mental da culpa do pecado, pois é
capaz de avaliar a culpa do assassinato! É tão possível para mim
exercer a ideia mental de buscar a Deus, quanto é de exercer o
pensamento de ambição. Se em alguma medida e de algum modo o
poder mental é necessário para a salvação, eu tenho toda a força
mental e poder que seria, eventualmente, necessário. Não, não há
nenhum homem tão ignorante que seja capaz de alegar a falta de
intelecto como uma desculpa para rejeitar o Evangelho. O defeito,
então, não reside nem no corpo nem no que, teologicamente
falando, somos obrigados a chamar de mente. Não é qualquer falta
ou deficiência nisso, embora seja um vício da mente — a corrupção
ou a ruína dela — que, afinal, é a própria essência da incapacidade
do homem!
Permita-me mostrar-lhe no que realmente consiste essa
incapacidade do homem. A incapacidade encontra-se
profundamente em sua natureza. Pela queda e pelo nosso próprio
pecado, a natureza do homem tornou-se tão degradada, depravada
e corrupta, que é impossível para ele ir a Cristo sem a assistência
de Deus, o Espírito Santo! Agora, na tentativa de demonstrar como
a natureza do homem o incapacita a ir a Cristo, você deve permitir-
me usar uma figura. Você vê uma ovelha, quão voluntariamente ela
se alimenta da forragem! Você nunca soube que uma ovelha buscou
carniça, ela não conseguiria viver com a comida do leão. Agora me
traga um lobo e você me pergunta se um lobo comeria grama, se
ele seria tão dócil e tão domesticado quanto as ovelhas. Eu
respondo que não, porque sua natureza é contrária a isso. Você diz:
“Bem, ele tem orelhas e pernas. Ele não pode ouvir a voz do pastor
e segui-lo onde quer que o pastor o guiar?”. Eu respondo,
certamente. Não há uma causa física pela qual ele não possa fazê-
lo, mas a sua natureza o proíbe, e, portanto, eu digo que ele não
pode fazê-lo. O leão não pode ser domesticado? Não é possível que
a sua ferocidade seja removida? Provavelmente, ele pode até ser
subjugado para que se torne aparentemente inofensivo, mas
sempre haverá uma distinção notável entre ele e as ovelhas, porque
há uma diferença de natureza. Ora, a razão pela qual o homem não
pode ir a Cristo não é porque ele não consegue ir, tanto quanto o
seu corpo ou seu mero poder mental está em causa. O homem não
pode vir a Cristo porque sua natureza é tão corrupta que ele não
tem nem a vontade nem a capacidade para ir a Cristo, a menos que
seja atraído pelo Espírito.
Mas, permita-me dar uma ilustração melhor. Você vê uma mãe
com seu bebê em seus braços. Você coloca uma faca em sua mão
e diz-lhe para apunhalar o coração do bebê. Ela responde muito
sinceramente: “Eu não posso”. Agora, na medida em que o seu
poder corporal está em consideração, ela poderia, se quisesse.
Existe a faca e há a criança. A criança não resistiria e ela tem força
mais do que suficiente na mão para esfaqueá-la imediatamente.
Mas ela está muito certa quando ela diz que não pode fazê-lo!
Como um mero ato da mente, é bem possível que ela poderia
pensar em tal coisa como matar a criança e ainda assim ela diz que
não pode pensar em tal coisa. E ela não diz falsamente, pois a sua
natureza materna a proíbe de fazer uma coisa que a sua alma
abomina. Simplesmente porque ela é mãe dessa criança, ela sente
que não pode matá-la. É assim mesmo com um pecador. Ir a Cristo
é tão desagradável para a natureza humana que, embora, na
medida em que as forças físicas e mentais estão em consideração
— e estes têm apenas um pequeno alcance no que diz respeito à
salvação — os homens poderiam ir, se quisessem; é estritamente
correto dizer que eles não podem e não querem, a menos que o Pai
que enviou a Cristo os traga! Entremos um pouco mais
profundamente no assunto e tentaremos mostrar-lhe no que essa
incapacidade do homem consiste em suas várias particularidades.
I. Em primeiro lugar, a incapacidade consiste na obstinação da
vontade humana. “Oh”, diz o arminiano, “os homens podem ser
salvos se quiserem”. Nós respondemos: Meu caro senhor, todos nós
acreditamos nisso. Mas é exatamente se eles querem que é a
dificuldade. Nós afirmamos que nenhum homem vem a Cristo a
menos que seja atraído. Não somos nós que afirmamos isso, mas o
próprio Cristo: “‘Não quereis vir a mim para terdes vida’. 11F[12] E
enquanto ‘não quereis’ permanecer registrado nas Sagradas
Escrituras, Cristo não crerá em qualquer doutrina da liberdade da
vontade humana”. É estranho ver como as pessoas, quando se
põem a falar sobre o livre-arbítrio, falam sobre coisas das quais elas
não entendem nada. “Ora”, diz alguém, “eu creio que os homens
podem ser salvos se quiserem”. Meu caro senhor, de modo algum
esta não é a questão. A questão é: Alguma vez os homens já foram
naturalmente dispostos a submeter-se aos termos humilhantes do
Evangelho de Cristo? Nós declaramos, sob a autoridade das
Escrituras, que a vontade humana é tão desesperadamente má, tão
depravada e tão inclinada a tudo o que é vil, tão pouco disposta a
tudo o que é bom, que sem a influência poderosa, sobrenatural e
irresistível do Espírito Santo, nenhum ser humano alguma vez será
compelido em direção a Cristo! Você responde que os homens, por
vezes, são dispostos sem a ajuda do Espírito Santo. Eu respondo:
Alguma vez você já conheceu alguém com quem isso aconteceu?
Dezenas e centenas, não, milhares de cristãos, jovens e velhos, que
possuíam opiniões diferentes e com quem eu conversei jamais
puderam afirmar que vieram a Cristo por si mesmos sem que
houvessem sido atraídos. A confissão universal de todos os
verdadeiros crentes é esta: “Eu sei que a menos que Jesus Cristo
tivesse me buscado quando eu era um perdido e estranho ao
rebanho de Deus, estaria a esta mesma hora vagando longe dEle e
amando essa distância”. Em comum acordo, todos os crentes
afirmam a verdade de Deus de que os homens não virão a Cristo
até que o Pai que O enviou, os atraia.
2. Novamente, não somente a vontade é obstinada, mas o
entendimento é obscurecido. Disso nós temos abundante prova
bíblica. Não estou agora fazendo meras afirmações, mas
declarando doutrinas com a autoridade dos ensinos encontrados
nas Sagradas Escrituras e conhecidos na consciência de todos os
cristãos: que o entendimento do homem é tão obscuro que ele não
pode por qualquer meio entender as coisas de Deus, até que o seu
entendimento seja iluminado! O homem é, por natureza, cego. A
cruz de Cristo, tão cheia de glórias, resplendor e atrativos não o
atrai porque ele é cego e não pode ver as suas belezas. Fale com
ele sobre as maravilhas da criação, mostre-lhe o arco-íris colorido
que atravessa o céu, deixe-o contemplar as glórias de uma
paisagem, ele é muito capaz de ver todas estas coisas; mas fale
com ele das maravilhas do Pacto da Graça; fale com ele sobre a
segurança do crente em Cristo; conte-lhe sobre as belezas da
pessoa do Redentor e verá que ele é muito surdo para todas as
suas descrições! Você é como aquele que toca uma música
agradável, é verdade, mas ele não se importa, ele é surdo, não tem
o entendimento! Ou, para retornar ao versículo que tão
especialmente observamos em nossa leitura: “Ora, o homem natural
não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem
loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem
espiritualmente”, 12F[13] e enquanto ele é um homem natural, não
está em seu poder discernir as coisas de Deus. “Bem”, diz alguém,
“eu acho que cheguei a um julgamento muito razoável em matéria
de teologia. Penso que entendo quase todos os pontos”. Isso pode
ser verdade quanto à letra, mas quanto ao espírito dela — na
verdade, a aceitação disso na alma e sua compreensão real — é
impossível que você o tenha alcançado, a menos que tenha sido
atraído pelo Espírito! Pois, enquanto as Escrituras permanecerem
verdadeiras, quando dizem que os homens carnais não podem
entender as coisas espirituais, deve ser verdade que você não
chegou a uma compreensão espiritual das Escrituras a menos que
tenha sido regenerado e feito um homem espiritual em Cristo Jesus.
Assim, a vontade e a compreensão são duas grandes portas, ambas
trancadas impedindo o nosso ir a Cristo! E até que estas sejam
abertas pelas doces influências do Espírito Divino, elas estarão
sempre fechadas para qualquer coisa como ir a Cristo.
3. Outrossim, as afeições, que constituem uma grande parte
do homem, são depravadas. O homem, como ele é antes de
receber a graça de Deus, ama toda e qualquer coisa, exceto as
coisas espirituais! Se você precisar de uma prova disso, olhe ao seu
redor. Não precisa de nenhum monumento à depravação das
afeições humanas. Olhe para todos os lugares; não há uma rua,
nem uma casa, não, nem um coração que não ostente sobre si a
triste evidência desta verdade terrível! Por que os homens não são
encontrados no sabbath universalmente reunidos na casa de Deus?
Por que não somos mais constantemente encontrados lendo nossas
Bíblias? Por que a oração é um dever quase completamente
negligenciado? Por que Jesus Cristo é tão pouco amado? Por que
mesmo os Seus seguidores professos são tão frios em seus afetos
para com Ele? De onde surgem essas coisas? Certamente,
queridos irmãos e irmãs, não podemos rastreá-las até nenhuma
outra fonte além dessa: a corrupção e vício das afeições! Amamos o
que devemos odiar e odiamos o que devemos amar! É exatamente
por causa da natureza humana, da natureza humana caída, que o
homem ama a vida presente mais do que a vida vindoura. É apenas
devido ao efeito da queda que o homem ama o pecado mais do que
a justiça e os caminhos deste mundo mais do que os caminhos de
Deus. E mais uma vez o repetimos: até que estas afeições sejam
renovadas e transformadas pelas atrações graciosas do Pai, não é
possível que qualquer homem ame o Senhor Jesus Cristo!
4. Além disso, a consciência também foi corrompida pela
queda. Eu acredito que não há erro mais flagrante cometido por
teólogos do que quando eles dizem às pessoas que a consciência é
o vice-regente de Deus na alma e que é um daqueles poderes que
conserva a sua antiga dignidade e permanece em pé em meio à
queda de outras faculdades! Meus irmãos e irmãs, quando o homem
caiu no jardim, a humanidade caiu inteiramente! Não houve uma
única coluna no templo da humanidade que permaneceu de pé. É
verdade que a consciência não foi destruída. O pilar não foi
quebrado. Ela caiu, e caiu em uma única peça e aqui permanece
sozinha, a remanescente mais poderosa da obra outrora perfeita de
Deus no homem! Mas pode ter certeza de que a consciência está
caída. Olhe para os homens. Quem entre eles é o possuidor de uma
“boa consciência para com Deus”, 13F[14] senão o homem
regenerado? Você imagina que se as consciências dos homens
sempre falassem em voz alta e clara para eles, eles viveriam na
prática diária em atos que estão em oposição ao que é correto,
como a escuridão se opõe à luz? Não, amado; a consciência pode
me dizer que sou um pecador, mas a consciência não pode me
fazer sentir que eu sou um pecador! A consciência pode me dizer
que tal e tal coisa é errada, mas como é errada, a própria
consciência desconhece. Será que a consciência de qualquer
homem não iluminado pelo Espírito alguma vez lhe diz que seus
pecados mereciam a condenação? Ou se a consciência faz isso, ela
alguma vez leva qualquer homem a sentir uma aversão ao pecado
como pecado? Alguma vez a consciência verdadeiramente levou
algum homem a autorrenúncia a ponto dele abominar
completamente a si mesmo e todas as suas obras e o fez ir a
Cristo? Não, a consciência embora não esteja morta, está arruinada!
Seu poder está prejudicado; ela não tem aquela clareza no olhar,
aquela força da mão e aquela voz estrondosa que tinha antes da
queda. Ela deixou, em grande medida, de exercer sua supremacia
na cidade de alma humana. Então, amados, torna-se necessário,
por isso mesmo — porque a consciência é depravada — que o
Espírito Santo intervenha para nos mostrar a nossa necessidade de
um Salvador e atrair-nos ao Senhor Jesus Cristo.
“Ainda assim”, diz alguém, “pelo que você falou, parece-me
que você considera que a razão pela qual os homens não vão a
Cristo é porque eles não querem ir, em vez de eles não poderem ir”.
É verdade, verdadeiríssimo! Eu acredito que a maior razão da
incapacidade do homem é a obstinação de sua vontade. Uma vez
superado isso, eu acho que a grande pedra é revolvida do sepulcro
e a parte mais difícil da batalha já está ganha. Todavia, permita-me
ir um pouco além. Meu texto não diz: “Ninguém quer vir”, mas diz:
“Ninguém pode vir”. Agora, muitos intérpretes acreditam que o pode
aqui não é senão uma forte expressão que não possui nenhum
significando além da palavra quer. Tenho certeza de que isso não é
correto. Há, no homem, não só a falta de vontade de ser salvo, mas
há uma falta de poder espiritual para ir a Cristo. E isso eu provarei
todo e qualquer cristão. Amados, falo a vocês que já foram
iluminados pela graça divina. A sua experiência não lhe ensina que
há momentos em que vocês têm uma vontade de servir a Deus e
ainda assim não têm o poder? Vocês, às vezes, não foram
obrigados a dizer que quiseram crer, mas já tiveram que orar:
“Senhor, ajude a minha incredulidade”? Porque, embora dispostos o
suficiente para receber o testemunho de Deus, as suas próprias
naturezas carnais eram muito fortes para vocês, e sentiram que
precisavam de ajuda sobrenatural. Vocês são capazes de entrar em
seu quarto a qualquer hora que quiserem e caírem sobre seus
joelhos e dizerem: “Agora é minha vontade que eu seja muito sério
na oração e que me aproxime de Deus”? Eu pergunto, vocês
percebem que seu poder é igual à sua vontade? Vocês podem dizer,
mesmo no tribunal do próprio Deus, que têm certeza que não estão
enganados em suas vontades. Vocês estão dispostos a serem fortes
nas devoções. É da vontade de vocês que suas almas não se
desviem de uma pura contemplação do Senhor Jesus Cristo, mas
vocês encontram que não podem fazer isso, mesmo quando estão
dispostos, sem a ajuda do Espírito de Deus! Agora, se o filho de
Deus vivificado percebe em si alguma incapacidade espiritual,
quanto mais o pecador que está morto em ofensas e pecados? Se
até mesmo o cristão maduro, depois de 30 ou 40 anos, encontra-se,
por vezes, disposto e ainda assim impotente — se tal é a sua
experiência — não parece mais do que provável que o pobre
pecador que ainda não creu encontre-se necessitando de força,
bem como de vontade?
Porém, há um outro argumento. Se o pecador tem força para
ir a Cristo, gostaria de saber como devemos entender essas
descrições contínuas do estado do pecador que se encontra na
Santa Palavra de Deus? Ora, é dito que o pecador está morto em
ofensas e pecados. 14F[15] Você afirmará que a morte implica nada
mais do que a ausência de uma vontade? Certamente um cadáver é
tão incapaz quanto relutante. Ou, novamente, todos os homens não
veem que há uma distinção entre a vontade e o poder? O cadáver
não pode ser suficientemente vivificado a ponto de obter uma
vontade e ainda ser tão impotente que não possa levantar tanto
quanto a sua mão ou pé? Será que já vimos casos em que as
pessoas foram apenas suficientemente reanimadas para dar provas
de vida, e ainda estavam tão perto da morte que não poderiam
realizar a menor ação? Não há uma clara diferença entre o dom da
vontade e o dom do poder? É certo, no entanto, que, quando a
vontade é dada, o poder seguirá. Faça um homem disposto e ele
será feito poderoso; pois, quando Deus dá a vontade, Ele não aflige
o homem, fazendo-lhe desejar o que ele é incapaz de ter! No
entanto, Ele faz uma tal divisão entre a vontade e o poder que deve
ser visto que ambas as coisas são dons muito distintos do Senhor
Deus.
Então, eu devo fazer mais uma pergunta. Se isso fosse tudo o
que é necessário para fazer um homem disposto, você
imediatamente não rebaixaria o Espírito Santo? Não temos o
costume de dar toda a glória da salvação operada em nós a Deus, o
Espírito? Mas agora, se tudo o que Deus o Espírito faz por mim é
me dispor a fazer essas coisas por mim mesmo, não sou em grande
medida participante com o Espírito Santo na glória? Não deveria me
levantar e ousadamente dizer: “É verdade que o Espírito me deu a
vontade de fazê-lo, mas ainda assim eu o fiz e nisso me gloriarei,
pois se eu mesmo fiz essas coisas sem a assistência do alto, não
lançarei a minha coroa aos Seus pés! A coroa é minha, eu a obtive
e permanecerei com ela”? Na medida em que o Espírito Santo é
sempre representado na Escritura como a pessoa que opera em nós
tanto o querer quanto o efetuar, segundo a Sua boa vontade,
afirmamos ser uma inferência legítima que Ele deve fazer para nós
algo mais do que meramente fazer-nos dispostos. Portanto, deve
haver outra coisa além da necessidade da vontade em um pecador,
deve haver necessidade absoluta e real de poder.
Agora, antes de concluir esta declaração, permita que eu me
dirija a você por um momento. Sou muitas vezes acusado de pregar
doutrinas que podem provocar um grande dano. Bem, não negarei a
acusação, porque não tenho o cuidado de responder sobre esta
questão. Eu tenho minhas testemunhas aqui presentes para provar
que as coisas que tenho pregado têm produzido uma grande
quantidade de dano, mas não provocaram dano à moral ou à igreja
de Deus. O dano tem sido feito à causa de Satanás! Não há um ou
dois, mas muitas centenas de pessoas que se alegram nesta
manhã, que foram aproximadas de Deus. De profanadores do
sabbath, bêbados ou pessoas mundanas, eles foram levados a
conhecer e a amar o Senhor Jesus Cristo. E se isso representa
qualquer dano, que Deus, em Sua infinita misericórdia, envie-nos mil
vezes mais!
Mas, além disso, que verdade há no mundo que não causará
dano a um homem que escolhe distorcê-la e fazer dela um dano?
Vocês que pregam a redenção universal gostam muito de proclamar
a grande verdade da misericórdia de Deus ao máximo. Mas, como
vocês ousam pregar isso? Muitas pessoas convertem isso em dano,
adiando o dia da graça e pensando que a última hora será tão útil
como a primeira. Ora, se nós nunca devemos pregar qualquer coisa
que o homem possa perverter e abusar, manteremos as nossas
bocas fechadas para sempre! Entretanto, diz alguém: “Bem, se eu
não posso me salvar, e não posso ir a Cristo, devo ficar quieto e não
fazer nada”. Se os homens dizem assim, sobre as suas próprias
cabeças estará o castigo deles! Temos muito claramente dito que
existem muitas coisas que você pode fazer! Ser encontrado
continuamente na casa de Deus está em seu poder. Examinar a
Palavra de Deus com diligência está em seu poder. Renunciar o seu
pecado exterior, abandonar seus vícios, tornar a sua vida honesta,
sóbria e justa está em seu poder. Para estas coisas você não
precisa de nenhuma ajuda do Espírito Santo. Você pode fazer todos
esses sozinho. Contudo ir a Cristo verdadeiramente não está em
seu poder até que seja regenerado pelo Espírito Santo!
E observe, a sua falta de poder não é desculpa, visto que você
não tem vontade de ir e está vivendo em rebelião deliberada contra
Deus! Sua falta de poder reside principalmente na obstinação de
sua natureza. Suponha que um mentiroso diga que não está em seu
poder falar a verdade, que tem sido um mentiroso por tanto tempo
que não pode deixar de sê-lo. Isso é uma desculpa para ele?
Suponha que um homem que há muito tempo envolveu-se em
luxúria diga-lhe que encontra que seus desejos têm se apegado a
ele como uma grande corrente, de modo que não pode se livrar
deles. Você consideraria isso como uma desculpa? Na verdade, isso
de modo algum serve como desculpa! Se um alcoólatra se tornou
um bêbado tão vil que não ver como possa passar em frente a um
bar sem entrar ali, você, por isso, o desculparia? Não, porque sua
incapacidade de reformar suas atitudes reside na sua natureza, a
qual ele não tem nenhum desejo de restringir ou dominar. Tanto
aquilo que é feito como aquilo que faz com que algo seja feito —
ambos sendo originados a partir da raiz do pecado — são dois
males que não podem desculpar um ao outro. É porque você
aprendeu a fazer o mal que você não pode agora aprender a fazer o
bem, e ao invés, portanto, de deixá-lo sentar-se e desculpar-se,
permita-me dar-lhe um alerta em vez de um assento para a sua
preguiça; que você seja alertado por isso, e despertado! Lembre-se
que permanecer sentado é ser condenado por toda a eternidade!
Oh, que Deus, o Espírito Santo, faça uso desta Sua verdade de uma
maneira muito diferente! Antes que conclua, eu confio que será
proveitoso mostrar-lhe como esta verdade da depravação e
inabilidade humana que aparentemente condena homens e os
aprisiona, é, contudo, a grande verdade de Deus que tem sido
abençoada com a conversão dos homens!

II. Nosso segundo ponto é: AS ATRAÇÕES DO PAI. “Ninguém pode


vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer”. Como, então, o
Pai atrai os homens? Os teólogos arminianos geralmente dizem que
Deus chama os homens pela pregação do Evangelho. Muito
verdadeiro. A pregação do Evangelho é o instrumento para atrair
homens, mas deve haver algo mais do que isso. Permita-me
perguntar para quem Cristo dirige estas palavras? Ora, para o povo
de Cafarnaum, onde muitas vezes Ele tinha pregado, onde pesarosa
e claramente proferiu as condenações da lei e os convites do
Evangelho! Naquela cidade Ele tinha feito muitas obras e operado
muitos milagres! Na verdade, tal ensino e tal testemunho milagroso
Ele concedeu àqueles que declarou que Tiro e Sidom teriam se
arrependido há muito tempo em saco e cinza se tivessem sido
abençoados com tais privilégios! Agora, se a pregação do próprio
Cristo não capacitou aqueles homens a irem a Ele, não pode ser
possível que tudo o que foi pretendido pela expressão “trazer do
Pai” era simplesmente “pregar”. Não, irmãos e irmãs, vocês devem
observar novamente que Ele não diz: ninguém pode vir a Mim, se o
ministro o trouxer, mas se o Pai não o trouxer! Agora, há algo como
ser atraído pelo Evangelho e atraído pelo ministro sem, contudo, ser
atraído por Deus. É claro que é o atrair da parte de Deus que é
intencionado, uma atração pelo Deus Altíssimo, a primeira pessoa
da gloriosíssima Trindade, enviando a terceira pessoa, o Espírito
Santo, para compelir os homens a irem a Cristo! Outra pessoa se
vira e diz com um sorriso: “Então, você acha que Cristo arrasta os
homens para Si mesmo, ao ver que eles não estão dispostos!”.
Lembro-me de estar reunido uma vez com um homem que me
disse: “Senhor, você prega que Cristo agarra as pessoas pelos
cabelos e arrasta-as para Si mesmo”. Perguntei-lhe se ele poderia
se referir à data do sermão em que preguei esta doutrina
extraordinária, pois se ele conseguisse, eu seria muito grato. No
entanto, ele não conseguiu. Mas, disse eu, embora eu não creia que
Cristo arrasta as pessoas para Si pelos cabelos de suas cabeças,
creio que as atrai pelo coração tão poderosamente quanto a sua
caricatura sugere! Observe que no trazer do Pai não há qualquer
compulsão. Cristo nunca obrigou qualquer homem a ir a Ele contra a
sua vontade. Se um homem não está disposto a ser salvo, Cristo
não lhe salva contra a sua vontade!
Como, então, o Espírito Santo o atrai? Ora, ao fazê-lo
disposto. É verdade que Ele não usa de “persuasão moral”. Ele
conhece um método melhor para alcançar o coração. Ele vai para a
fonte secreta do coração e sabe como, por alguma misteriosa
operação, virar a vontade para a direção oposta à que ela seguia,
de modo que, como Ralph Erskine paradoxalmente coloca, o
homem é salvo “com pleno consentimento contra a sua vontade”, ou
seja, ele é salvo contra a sua antiga vontade! Mas ele é salvo com
consentimento completo, pois é feito disposto no dia do poder de
Deus. Não imagine que alguém irá para o céu esperneando e
lutando por todo o caminho contra a mão que o atrai. Não pense
que qualquer homem será mergulhado no sangue do Salvador,
enquanto está se esforçando para fugir dEle. Ah não! É bem
verdade que em primeiro lugar o homem não está disposto a ser
salvo. Quando o Espírito Santo exerce Sua influência em relação ao
coração, o texto é cumprido: “Leva-me Tu; correremos após
Ti”. 15F[16] Seguimos enquanto Ele nos atrai, felizes em obedecer a
voz que uma vez havíamos desprezado.
Entretanto a essência da questão reside na conversão da
vontade. Nenhuma carne conhece como isso é feito. Este é um
daqueles mistérios que é claramente perceptível como um fato, mas
cuja causa nenhuma língua pode contar e nenhum coração pode
imaginar. Porém podemos lhe falar sobre a maneira aparente em
que o Espírito Santo opera. A primeira coisa que o Espírito Santo
faz quando Ele vem ao coração de um homem é isso: Ele encontra-
o com uma muito boa opinião sobre si mesmo. E não há nada que
impeça um homem de ir a Cristo como uma boa opinião de sobre si
mesmo. “Ora”, diz o homem, “eu não quero ir a Cristo. Eu tenho tão
boa justiça quanto qualquer um possa desejar. Sinto que posso
entrar no céu por meus próprios méritos!”. O Espírito Santo desvela
o seu coração, faz com que ele veja o câncer repugnante que está
ali corroendo a sua vida, revela a ele toda a escuridão e corrupção
daquele abismo do inferno, o coração humano. Em seguida, o
homem fica horrorizado: “Eu nunca pensei que eu fosse assim! Oh,
aqueles pecados que eu achava que eram pequenos, possuem, na
verdade, uma imensa estatura. O que pensei ser um montículo,
revelou-se uma montanha! Era apenas um hissopo, mas agora
tornou-se um cedro do Líbano”. “Oh”, diz o homem consigo mesmo,
“eu tentarei me reformar. Farei boas ações suficientes para lavar
estas ações malignas”. Em seguida, vem o Espírito Santo e mostra
que ele não pode fazer isso. Ele tira toda sua força e poder
imaginários, de modo que o homem cai de joelhos em agonia e
clama: “Oh, uma vez pensei que poderia me salvar por minhas boas
obras, mas agora eu acho que Se o meu pranto fluísse para
sempre,
Se o meu zelo não conhecesse trégua,
Tudo isso não poderia expiar o pecado,
Tu deves salvar, e Tu somente!”
Em seguida, o coração afunda e o homem está prestes a
desesperar-se. E ele diz: “Eu nunca serei salvo. Nada pode me
salvar”. Em seguida, vem o Espírito Santo e mostra ao pecador a
cruz de Cristo, dá-lhe olhos ungidos com colírio celestial e diz: “Olhe
para aquela cruz. Aquele homem morreu para salvar os pecadores.
Você sente que é um pecador. Ele morreu para salvá-lo”. E Ele
capacita o coração a crer e ir a Cristo, e quando vem a Cristo por
este doce atrair do Espírito, encontra “a paz de Deus, que excede
todo o entendimento, a qual guardará os seu coração e os seus
pensamentos em Cristo Jesus”. 16F[17] Agora, você claramente
perceberá que tudo isso pode ser feito sem qualquer compulsão. O
homem é atraído tão voluntariamente, como se não houvesse sido
atraído de modo algum. E ele vem a Cristo com pleno
consentimento, com um consentimento tão pleno como se nenhuma
influência secreta alguma vez houvesse sido exercida sobre seu
coração. Mas esta influência deve ser exercida, ou então nunca
houve e nunca haverá qualquer homem que possa ou queira ir ao
Senhor Jesus Cristo!
III. E agora nós reunimos as nossas conclusões e encerramos
tentando fazer uma aplicação prática da doutrina; e, nós confiamos,
uma aplicação consoladora. “Bem”, diz alguém, “se o que este
homem prega é verdade, o que será de minha religião? Pois, você
sabe que tenho me esforçado por um longo tempo e não gosto de
ouvi-lo dizer que um homem não pode salvar a si mesmo. Acredito
que o homem pode e quero perseverar. Mas se eu crer no que você
diz, devo desistir de tudo e começar de novo”. Meu querido amigo,
será algo muito feliz se você assim o fizer. Não pense que de modo
algum estarei perplexo se você fizer isso! Lembre-se, o que você
está fazendo é construir sua casa sobre a areia e é apenas um ato
de caridade se posso estremecê-la um pouco para você. Permita-
me assegurar-lhe, em nome de Deus, que se a sua religião não tem
base melhor do que a sua própria força, ela não subsistirá perante o
tribunal de Deus! Nada durará para a eternidade, exceto o que veio
desde a eternidade! A menos que o Deus eterno tenha operado uma
boa obra em seu coração, tudo o que você tenha feito será
arruinado no último dia do juízo. É completamente inútil para você
ser um frequentador de igreja ou de capela, um bom observador do
sabbath, fazer uma grande quantidade de orações. É absolutamente
vão que você seja honesto com seus próximos e respeitável em
seus relacionamentos. Tudo isso será em vão se você confiar
nessas coisas, se esperar ser salvo por elas! Vá em frente, seja tão
honesto quanto quiser. Guarde o sabbath perpetuamente. Seja tão
santo quanto você puder. Eu não irei dissuadi-lo destas coisas.
Deus me livre! Aperfeiçoe sua prática destas coisas, mas oh, não
confie nelas! Porque, se você confiar, descobrirá que elas falharão
quando você mais precisar delas. E se houver qualquer outra coisa
que você encontrou ser capaz de fazer sem ajuda da graça divina,
quanto mais cedo você puder se livrar da esperança que foi
presumida por causa disso, é melhor para você; pois confiar em
qualquer coisa que a carne possa fazer é uma abominável ilusão!
Um céu espiritual deve ser habitado por homens espirituais e
a preparação para o céu deve ser operada pelo Espírito de Deus.
“Bem”, exclama outro, “eu tenho estado sob um ministério em que
me foi dito que eu poderia, a partir de minha própria escolha,
arrepender-me e crer, e a consequência é que tenho feito isso dia
após dia. Eu pensei que poderia vir tão bem em um dia como em
outro; que eu apenas tinha que dizer: ‘Senhor, tem piedade de mim’,
e, crer, e então, eu seria salvo. Agora, você tirou de mim toda esta
esperança, senhor. Sinto o assombro e o horror tomando conta de
mim”. Novamente eu digo: “Meu caro amigo, estou muito feliz por
isso! Este era o efeito que eu esperava produzir pela graça de Deus.
Oro para que você sinta isso muito mais. Quando você não tiver
esperança de salvar a si mesmo, terei esperança de que Deus já
começou a salvá-lo! À medida que você diz: “Oh, eu não posso ir a
Cristo. Senhor, atraia-me, ajude-me”, eu me regozijo por você!
Aquele que tem a vontade, embora não tenha o poder, tem a graça
iniciada em seu coração e Deus não o deixará até que a obra esteja
terminada! Mas, pecador despreocupado, saiba que a sua salvação
pende agora nas mãos de Deus! Oh, lembre-se que você está
inteiramente nas mãos de Deus. Você pecou contra Ele e se Ele
quiser condená-lo, você é condenado! Você não pode resistir à Sua
vontade nem frustrar o Seu propósito. Você tem merecido a Sua ira
e se Ele quiser derramar a plenitude desta ira sobre sua cabeça,
você não pode fazer nada para impedir que isso aconteça. Se, por
outro lado, Ele escolhe salvar-lhe, Ele é capaz de salvá-lo
completamente! Mas você está em Suas mãos tanto quanto uma
traça pode estar debaixo de seus próprios dedos. Ele é o Deus que
você está irritando todos os dias. Você não treme ao pensar que o
seu destino eterno agora depende da vontade dAquele que você
tem irritado e indignado? Isso não faz seus joelhos baterem um no
outro e o seu sangue coagular? Se o faz, me alegro na medida em
que este pode ser o primeiro efeito da atração do Espírito em sua
alma. Oh, trema ao pensar que o Deus a Quem você tem irritado é o
Deus de Quem a sua salvação ou a sua condenação depende
inteiramente! Trema e “beije o Filho, para que se não ire, e pereça
no caminho, quando em breve se acender a sua ira”. 17F[18]
Agora, a reflexão consoladora é esta, alguns de vocês nesta
manhã estão conscientes de que vocês estão indo a Cristo. Vocês
não começaram a derramar lágrimas penitenciais? O seu quarto não
testemunha a sua preparação em oração para ouvir a Palavra de
Deus? E durante o culto, nesta manhã, o seu coração não disse
dentro de você: “Senhor, salva-me, ou eu pereço, pois não posso
salvar a mim mesmo”? E você não poderia agora levantar-se em
seu lugar e cantar: “Oh, graça soberana, subjugue o meu coração!
Eu também quero ser conduzido triunfalmente, e
Voluntariamente ser feito um cativo do meu Senhor,
A cantar a vitória da Sua Palavra”?
E, eu mesmo não ouço você dizer em seu coração: “Jesus,
Jesus, toda minha confiança está em Ti. Eu sei que nenhuma justiça
própria pode me salvar, mas só Tu. Ó Cristo, quer me afundar ou me
faça nadar, eu me lanço sobre Ti”? Oh, meus irmãos e irmãs, vocês
são atraídos pelo Pai, porque vocês não poderiam ter vindo a
menos que Ele vos tivesse atraído! Doce pensamento! E se Ele
chamou vocês, sabem qual é a inferência deleitosa? Permita-me
repetir apenas um texto, e que isso lhe console: “Há muito que o
Senhor me apareceu, dizendo: Porquanto com amor eterno te amei,
por isso com benignidade te atraí”. 18F[19] Sim, meus pobres irmãos
e irmãs pranteadores, vocês agora vão a Cristo porque Deus vos
chamou! E visto que Ele vos chamou, esta é uma prova de que Ele
vos amou desde antes da fundação do mundo! Deixem que o
coração salte dentro de vocês que são um dos Seus! O seu nome
estava escrito nas mãos do Salvador quando elas foram pregadas
no madeiro maldito. Seu nome brilha no peitoral do Sumo Sacerdote
hoje. E estava ali antes que a estrela da manhã conhecesse o seu
lugar ou os planetas percorressem o seu caminho.
Alegrai-vos no Senhor, vós que veem a Cristo, e bradem de
alegria todos os que foram atraídos pelo Pai! Porque essa é a sua
prova — seu testemunho solene — que dentre os homens vocês
foram escolhidos na eleição eterna e que devem ser preservados
pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação que está
prestes a se revelar!
2
Eleição Incondicional
(U de TULIP — Unconditional Election)

Sermão Nº 41 e 42. Pregado na manhã de sabbath, 2 de setembro de 1855.


Em New Park Street Chapel, Southwark.

“Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do
Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em
santificação do Espírito, e fé na verdade; para o que pelo nosso
evangelho vos chamou, para alcançardes a glória de nosso Senhor
Jesus Cristo.” (2 Tessalonicenses 2:13-14) Se não houvesse outro texto na
Palavra Sagrada, exceto este único, eu acho que todos nós deveríamos ser
obrigados a receber e reconhecer a veracidade da grande e gloriosa doutrina
da antiga escolha de Deus de Sua família. Mas parece haver um preconceito
inveterado na mente humana contra essa doutrina, e embora a maioria das
outras doutrinas venha a ser recebida por cristãos professos, algumas com
cautela, outras com prazer, esta parece ser mais frequentemente ignorada e
rejeitada. Em muitos dos nossos púlpitos seria considerado um pecado e alta
traição pregar um sermão sobre a eleição porque eles não poderiam fazer o
que chamam de um discurso “prático”. Eu acredito que eles se desviaram da
verdade. Tudo o que Deus revelou, Ele o fez para um propósito. Não há nada
na Bíblia que não possa, sob a influência do Espírito de Deus, ser
transformado em um discurso prático, pois “toda a Escritura é inspirada por
Deus e útil” 19F[20] para alguns fins de utilidade espiritual. É verdade, ela não
pode ser transformada em um discurso do livre-arbítrio — o qual bem
conhecemos — mas pode ser transformada em um discurso prático sobre a
livre graça. E a prática da livre graça é a melhor prática quando as
verdadeiras doutrinas do amor imutável de Deus são pregadas aos corações
dos santos e dos pecadores.
Agora, eu confio que nesta manhã alguns de vocês que estão
assustados com o próprio som dessa palavra dirão “eu vou dar-lhe
uma audiência justa. Deixarei de lado meus preconceitos, apenas
ouvirei o que este homem tem a dizer”. Não feche seus ouvidos e
diga imediatamente: “Isso é alta doutrina”. Quem o autorizou a
chamá-la de alta ou baixa? Por que você deve opor-se à doutrina de
Deus? Lembre-se do que aconteceu com as crianças que
encontraram falhas no profeta de Deus e exclamaram: “Sobe,
careca; sobe, careca!”. 20F[21] Não diga nada contra as doutrinas de
Deus, para que nunca ocorra que algum animal vil saia da floresta e
o devore também. Há outras desgraças ao lado deste claro
julgamento do céu — tome cuidado para que elas não caiam sobre
sua cabeça. Deixe de lado seus preconceitos, ouça com calma,
escute imparcialmente, ouça o que a Escritura diz.
E quando você receber a verdade, se aprouver a Deus revelar
e manifestar a verdade à sua alma, não tenha vergonha de
confessá-la. Confessar que você estava errado ontem é apenas
reconhecer que você é um pouco mais sábio hoje. Em vez de ser
uma reflexão sobre si mesmo, é uma honra para o seu julgamento e
mostra que você está crescendo no conhecimento da verdade de
Deus. Não tenha vergonha de aprender e de deixar de lado suas
antigas doutrinas e pontos de vista. Porém, apegue-se ao que você
pode ver mais claramente que está na Palavra de Deus. E se você
não vê que ela está aqui na Bíblia — seja o que for que eu diga, ou
quaisquer autoridades a que possa me referir — eu imploro a você
que, assim como ama a sua alma, o rejeite. E se deste púlpito você
já ouviu coisas contrárias a esta Santa Palavra, lembre-se que a
Bíblia deve ter a primazia e o ministro de Deus deve estar debaixo
dela.
Nós não ficaremos acima da Bíblia para pregar, devemos
pregar com a Bíblia acima de nossas cabeças. Depois de tudo o que
temos pregado, estamos bem conscientes de que a montanha da
verdade é maior do que os nossos olhos podem discernir, nuvens e
escuridão estão ao redor de seu cume e não podemos discernir seu
topo. No entanto, vamos tentar pregá-la tão bem quanto pudermos.
Mas desde que somos mortais e sujeitos a errar, exerça o seu
julgamento, “mas provai se os espíritos são de Deus”, 21F[22] e se em
meio à reflexão ponderada sobre seus joelhos dobrados você for
levado a ignorar a eleição — algo que eu considero ser totalmente
impossível — então a rejeite; não a ouça ser pregada, mas creia e
confesse o que você considera ser o ensino da Palavra de Deus. Eu
não posso dizer mais do que isso a título de introdução.
Agora, primeiramente, falarei um pouco sobre a veracidade
dessa doutrina: “Por vos ter Deus elegido desde o princípio para a
salvação”. Em segundo lugar, tentarei provar que esta eleição é
absoluta: “Deus elegeu desde o princípio para a salvação”, não
devido a santificação, mas “em santificação do Espírito, e fé na
verdade”. Em terceiro lugar, esta eleição é eterna, porque o texto
diz: “Deus elegeu desde o princípio”. Em quarto lugar, é pessoal:
“Por vos ter Deus elegido”. Depois, vamos olhar para os efeitos da
doutrina; vejamos o que ela produz. E, por último, se Deus nos
permitir, vamos buscar olhar para as suas tendências e ver se ela é
realmente uma doutrina terrível e licenciosa. Iremos até a flor e,
como verdadeiras abelhas, veremos se existe algum mel nela, se
qualquer bem pode vir dela, ou se o que nela há é puro mal.

I. Em primeiro lugar, devo tentar provar que a doutrina é


VERDADEIRA. E permita-me começar com um argumentum ad
hominen. Eu falarei com vocês de acordo com as suas diferentes
posições e circunstâncias. Há alguns de vocês que pertencem à
Igreja da Inglaterra e estou feliz em ver tantos de vocês aqui.
Embora agora e depois eu certamente direi algumas coisas muito
duras sobre a igreja e o Estado, contudo eu amo a antiga igreja,
pois ela tem em sua comunhão muitos ministros piedosos e santos
eminentes. Agora eu sei que vocês são grandes crentes no que os
Artigos 22F[23] declaram ser a sã doutrina. Vou dar-lhes uma amostra
do que eles afirmam sobre a eleição, de modo que se vocês
acreditam neles, não podem evitar aceitar a eleição. Lerei uma parte
do décimo sétimo artigo sobre a predestinação e eleição:
Predestinação para a vida é o propósito eterno de Deus, no qual
(antes da fundação do mundo) Ele continuamente decretou pelos
Seus conselhos, secretos para nós, libertar da maldição e
condenação aqueles a quem Ele escolheu em Cristo a partir da
humanidade e trazê-los por meio de Cristo à salvação eterna, como
vasos de honra. Portanto, os que são dotados de um tão excelente
benefício de Deus são chamados segundo o propósito de Deus pelo
Seu Espírito que opera no tempo devido; através da graça, eles
obedecem ao chamado; são justificados gratuitamente; são feitos
filhos de Deus por adoção; são feitos semelhantes à imagem de Seu
Filho unigênito Jesus Cristo; andam religiosamente em boas obras
e, finalmente, pela misericórdia de Deus, alcançam a bem-
aventurança eterna.
Agora, eu acho que qualquer membro da Igreja Anglicana, se
ele é um crente sincero e honesto na Igreja Mãe, deve ser um
profundo crente na doutrina da eleição. É verdade, se ele se voltar a
determinadas outras partes do Livro de Oração, ele encontrará
coisas contrárias às doutrinas da livre graça e totalmente
desvinculadas do ensino bíblico. Mas se ele olhar para os Artigos,
ele verá que Deus escolheu Seu povo para a vida eterna.
Entretanto, eu não sou tão desesperadamente apaixonado por este
livro como você pode ser; e usei apenas este Artigo para mostrar-
lhe que, se você pertence ao Estabelecimento da Inglaterra, pelo
menos, não deveria fazer nenhuma objeção a essa doutrina da
predestinação.
Outra autoridade humana pela qual gostaria de confirmar a
doutrina da eleição é o antigo Credo Valdense. Se você ler o Credo
dos antigos Valdenses, emanando deles em meio ao ardor da
perseguição, você verá que aqueles renomados mestres e
confessores da fé cristã muito firmemente receberam e abraçaram
essa doutrina como sendo uma parte da verdade de Deus. Eu copiei
de um livro antigo um dos artigos de sua fé: Deus salva da
corrupção e perdição aqueles a quem Ele escolheu desde a
fundação do mundo, não devido a qualquer disposição, fé ou
santidade que antes viu neles, mas a partir de Sua pura misericórdia
em Cristo Jesus, Seu Filho, passando por todo o restante de acordo
com a razão irrepreensível de Sua própria vontade e justiça.
Não é nenhuma novidade, então, que eu não esteja pregando
nenhuma doutrina nova. Eu amo proclamar essas fortes doutrinas
antigas que chamam pelo apelido de calvinismo, mas que são certa
e realmente a verdade revelada de Deus, como é em Cristo Jesus.
Através desta verdade eu faço uma peregrinação até o passado e
enquanto sigo, vejo pai após pai, confessor após confessor, mártir
após mártir levantando-se para apertar a minha mão. Se eu fosse
um pelagiano, ou um crente na doutrina do livre-arbítrio, eu deveria
ter que caminhar por séculos sozinho. Aqui e ali, um herege sem
nenhuma característica muito honrosa se levantaria e me chamaria
de irmão. Mas, considerando que este é o padrão de minha fé, eu
verei a terra dos povos antigos com os meus irmãos e irmãs; vejo
multidões que confessam o mesmo que eu confesso e reconhecem
que esta é a religião da própria igreja de Deus.
Eu também lhes concedo um trecho da antiga Confissão
Batista. Nós somos batistas nesta congregação, a maior parte de
nós pelo menos, e gostamos de considerar o que os nossos
próprios antepassados escreveram. Cerca de duzentos anos atrás
os batistas se reuniram e publicaram os seus artigos de fé para pôr
fim a certos boatos contra a sua ortodoxia, os quais haviam se
espalhado pelo mundo. Viro-me para este antigo livro, que acabei
de publicar, a Confissão de Fé Batista de Londres de 1689, e eu
encontro o seguinte no terceiro capítulo: 3. Por meio do decreto de
Deus e para manifestação da Sua glória, alguns homens e anjos
são predestinados ou preordenados para a vida eterna por meio de
Jesus Cristo, para o louvor de Sua gloriosa graça; outros são
deixados a agir em seus pecados para a sua justa condenação,
para o louvor da Sua gloriosa justiça.
4. Esses anjos e homens, assim predestinados e
preordenados, são particular e imutavelmente designados; e
o seu número é tão certo e definido, que não pode ser
aumentado ou diminuído.
5. Aqueles da humanidade que são predestinados para a
vida, Deus, antes da fundação do mundo, de acordo com o
Seu propósito eterno e imutável, e o secreto conselho e
beneplácito de Sua vontade, os escolheu em Cristo, para a
glória eterna, por Sua pura livre graça e amor, não por
qualquer outra coisa na criatura, como condições ou causas
que O movessem a isso.
Quanto a estas autoridades humanas, eu não me importo que
alguém ataque qualquer uma destas três. Não me importa o que
eles dizem a favor ou contra essa doutrina. Eu só os usei como uma
espécie de confirmação para a sua fé, para mostrar-lhes que
enquanto eu possa ser ofendido como um herege e como um
hipercalvinista, no final das contas eu sou apoiado pela antiguidade.
Todo o passado fica do meu lado. Eu não ligo para o presente. Dê-
me o passado e eu espero pelo futuro. Que o presente se mostre
hostil a mim, não me importo. Que uma série de igrejas de Londres
tenha deixado as grandes doutrinas fundamentais de Deus, não
importa. Se um punhado de nós ficarmos sozinhos sustentando
firmemente a soberania do nosso Deus, se nós formos cercados por
inimigos, sim, e até mesmo por nossos próprios irmãos e irmãs que
deveriam ser nossos amigos e ajudantes, não importa; se pudermos
apenas contar com o passado: o nobre exército de mártires, a
gloriosa hoste de confessores. Eles são nossos amigos. Eles são as
testemunhas da verdade e estão conosco. Com estes por nós, não
diremos que estamos sozinhos, mas podemos exclamar: “Eis que
Deus reservou para Si sete mil que não dobraram os joelhos a
Baal”. 23F[24] Mas o melhor de tudo é que Deus está conosco.
A grande verdade de Deus é sempre a Bíblia e somente a
Bíblia. Meus ouvintes, vocês não creem em qualquer outro livro
além da Bíblia, não é? Se eu pudesse provar isso a partir de todos
os livros da cristandade, se eu voltasse à Biblioteca de Alexandria e
o provasse a partir de lá, nem por isso vocês creriam mais. Porém,
vocês certamente crerão no que está na Palavra de Deus. Eu
escolhi alguns textos para ler para vocês. Gosto de dar-lhes uma
completa série de textos quando temo que desconfiarão de uma
verdade de modo que possam estar aptos a duvidar, se vocês em
verdade, não crerem. Apenas permitam-me citar uma lista de
passagens onde o povo de Deus é chamado de eleitos. É claro que
se as pessoas são chamadas eleitos, deve haver eleição. Se Jesus
Cristo e Seus apóstolos estavam acostumados a chamar os crentes
pelo título de eleitos, devemos certamente acreditar que eles de fato
assim o eram, caso contrário, o termo nada significaria. Jesus Cristo
diz: “E, se o Senhor não abreviasse aqueles dias, nenhuma carne
se salvaria; mas, por causa dos eleitos que escolheu, abreviou
aqueles dias... Porque se levantarão falsos cristos, e falsos profetas,
e farão sinais e prodígios, para enganarem, se for possível, até os
escolhidos... E ele enviará os seus anjos, e ajuntará os seus
escolhidos, desde os quatro ventos, da extremidade da terra até a
extremidade do céu” (Marcos 13:20, 22, 27). “E Deus não fará
justiça aos seus escolhidos, que clamam a ele de dia e de noite,
ainda que tardio para com eles?” (Lucas 18:7). Juntamente com
muitas outras passagens que podem ser citadas, nas quais tanto a
palavra “eleitos”, ou “escolhidos”, ou “predestinados”, ou
“ordenados”, é mencionada; ou a expressão “as minhas ovelhas”, ou
alguma designação semelhante, mostrando que o povo de Cristo se
distingue do restante da humanidade.
Mas, vocês têm concordâncias e não vou incomodá-los com
muitos textos. Ao longo das epístolas, os santos são
constantemente chamados de “os eleitos”. Em Colossenses
encontramos Paulo dizendo: “Revesti-vos, pois, como eleitos de
Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia...”
(Colossenses 3:12). Quando ele escreve a Tito, ele chama a si
mesmo “Paulo, servo de Deus, e apóstolo de Jesus Cristo, segundo
a fé dos eleitos de Deus...”. Pedro diz: “Eleitos segundo a
presciência de Deus Pai”. Então, se vocês forem a João,
descobrirão que ele aprecia muito a palavra. Ele diz: “O ancião à
senhora eleita”. 24F[25] E fala de “tua irmã, a eleita”. 25F[26] E
sabemos onde está escrito: “A vossa co—eleita em babilônia”. 26F[27]
Eles não tinham vergonha da palavra naqueles dias. Não
tinham medo de falar sobre isso. Hoje em dia a palavra foi revestida
com diversidades de significado e as pessoas têm mutilado e
estragado a doutrina, de modo que fizeram dela uma verdadeira
doutrina de demônios. Eu confesso que muitos que se dizem
crentes nela têm se desviado para o antinomianismo. Mas não
obstante, por que eu deveria ter vergonha dela, se os homens a
distorcem? Nós amamos a verdade de Deus quando ela está sendo
torturada, bem como quando ela está andando livremente. Se ali
estivesse um mártir a quem amamos antes dele chegar à máquina
de torturas, nós o amaríamos ainda mais depois que ele estivesse
sendo torturado ali.
Quando a verdade de Deus está presa à máquina de tortura,
nós não a chamamos de falsidade. Nós amamos não a ver ali, mas
a amamos mesmo quando ela está presa para ser torturada, porque
podemos discernir quais seriam suas proporções adequadas se não
fossem distorcidas e torturadas pela crueldade e invenções dos
homens. Se você ler muitas das epístolas dos pais antigos, os
encontrará sempre escrevendo para o povo de Deus como “eleitos”.
De fato, o termo de uso comum entre muitas das igrejas pelos
cristãos primitivos, para se referirem uns aos outros era “eleitos”.
Eles amiúde usariam o termo uns para com os outros mostrando
que era geralmente crido que o povo de Deus era manifestamente
“eleito”.
Mas agora vamos aos versículos que provarão positivamente
a doutrina. Abram as suas Bíblias e voltem-se para João 15:16 e lá
verão que Jesus Cristo escolheu o Seu povo, pois Ele diz: “Não me
escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei,
para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de
que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda”
(João 15:16). Então, no versículo 19: “Se vós fôsseis do mundo, o
mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes
eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia”. Então,
no capítulo 17, versículos 8 e 9: “Porque lhes dei as palavras que tu
me deste; e eles as receberam, e têm verdadeiramente conhecido
que saí de ti, e creram que me enviaste. Eu rogo por eles; não rogo
pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus”.
Vá para Atos 13:48: “E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se,
e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos
estavam ordenados para a vida eterna”. Eles podem tentar distorcer
esta passagem se quiserem, mas ela diz: “ordenados para a vida
eterna”, no original tão claramente quanto é possível. E não nos
preocupamos com todos os diferentes comentários sobre a mesma.
Vocês quase não precisam ser lembrados de Romanos 8, porque eu
confio que a essa altura todos estão bem familiarizados com esse
capítulo e o compreendem. Nos versículos 29 e seguintes, ele diz:
“Porque os que dantes conheceu também os predestinou para
serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o
primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes
também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e
aos que justificou a estes também glorificou. Que diremos, pois, a
estas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele
que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por
todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas?
Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus?”.
Além disso, seria necessário repetir a totalidade do capítulo 9
de Romanos. Enquanto este capítulo permanecer na Bíblia, nenhum
homem será capaz de provar o arminianismo. Enquanto estiver
escrito ali, nem as distorções mais grosseiras desta passagem
jamais serão capazes de eliminar a doutrina da eleição das
Escrituras. Leiamos versículos como estes: “Porque, não tendo eles
ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de
Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras,
mas por aquele que chama), foi-lhe dito a ela: O maior servirá ao
menor”. Depois, leia os versículos 22 e 23: “E que direis se Deus,
querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou
com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição.
Para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos
vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou”.
Agora, vá para Romanos 11:7: “Pois quê? O que Israel
buscava não o alcançou; mas os eleitos o alcançaram, e os outros
foram endurecidos”. No versículo 5 do mesmo capítulo nós lemos:
“Assim, pois, também agora neste tempo ficou um remanescente,
segundo a eleição da graça”. Vocês todos, sem dúvida lembram da
passagem em 1 Coríntios 1:26-29: “Porque, vede, irmãos, a vossa
vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem
muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados.
Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as
sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para
confundir as fortes; e Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e
as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; para
que nenhuma carne se glorie perante ele”. Outrossim, lembrem-se
de 1 Tessalonicenses 5:9: “Porque Deus não nos destinou para a
ira, mas para a aquisição da salvação, por nosso Senhor Jesus
Cristo”, e, então você tem o meu texto, que eu penso ser o
suficiente. Mas, se vocês precisarem de mais, podem encontrá-los
em seu tempo livre se nós não tivermos afastado muitas de suas
suspeitas quanto à doutrina não ser verdadeira.
Parece-me, meus amigos, que esta quantidade esmagadora
de testemunho das Escrituras deve fazer cambalear aqueles que se
atrevem a rir desta doutrina. Que diremos daqueles que tantas
vezes a desprezaram e engaram o seu caráter divino? Que diremos
a todos aqueles que criticaram a sua justiça e se atreveram a
desafiar a Deus e chamá-lO de um tirano todo-poderoso, quando
eles ouviram falar que Ele elegeu muitos para a vida eterna? Você
pode, ó rejeitador, eliminar esta doutrina da Bíblia? Você pode pegar
o canivete de Jeoiaquim 27F[28] e cortá-la, extirpando-a da Palavra
de Deus? Vocês querem ser como as mulheres aos pés de Salomão
e ter o seu filho partido ao meio para que tenham a sua metade?
Esta doutrina não está aqui nas Escrituras? E não é o seu dever
curvar-se diante dela e humildemente reconhecer o que você não
entende, recebê-la como a verdade, mesmo que não possa
compreender o seu significado? Eu não tentarei provar a justiça de
Deus em ter eleito, assim, alguns e deixado outros. Eu não buscarei
justificar o meu Mestre. Ele falará por Si mesmo, e é Ele quem diz:
“Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a
coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou
não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer
um vaso para honra e outro para desonra?”. “Ai daquele que diz ao
pai: Que é o que geras? E à mulher: Que dás tu à luz?”. 28F[29] “Eu
formo a luz, e crio as trevas... eu, o Senhor, faço todas estas
coisas”. 29F[30] Quem és tu que replicas contra Deus? Trema e beije
o Seu cajado; curve-se e submeta-se ao Seu cetro; não rejeites a
Sua justiça, e não conteste os Seus atos diante de seu julgamento,
ó homem!
Mas, há alguns que dizem: “É difícil para Deus escolher
alguns e deixar outros”. Agora, vou fazer-lhe uma pergunta. Existe
algum dentre vocês aqui nesta manhã que deseja ser santo, que
deseja ser regenerado, deixar o pecado e andar em santidade?
“Sim, existe”, diz alguém, “eu desejo”. Então, Deus elegeu você.
Mas outro diz: “Não. Eu não quero ser santo. Eu não quero deixar
os minhas concupiscências e meus vícios”. Porque você reclama,
então, que Deus não tenha elegido você? Pois, se você fosse eleito,
não gostaria disso, de acordo com sua própria confissão. Se Deus
tivesse escolhido você para a santidade, nesta manhã você não
diria que não se importa com ela. Você não reconhece que prefere a
embriaguez em vez da sobriedade, a desonestidade em vez da
honestidade? Você ama os prazeres deste mundo mais do que a
religião, então, por que você reclama que Deus não o escolheu para
a religião? Se você ama a religião, Ele escolheu você para isso. Se
você o deseja, Ele escolheu você para isso. Se não o deseja, que
direito tem de dizer que Deus deveria ter dado a você o que você
não deseja? Supondo que eu tivesse em minha mão algo que você
não valoriza e eu dissesse que o darei a uma determinada pessoa,
você não teria direito a reclamar pelo fato de eu não dar aquilo a
você. Você não poderia ser tão tolo para reclamar que o outro tem
aquilo com o que você não se importa. De acordo com sua própria
confissão, muitos de vocês não querem a religião, não querem um
novo coração e um espírito reto, não querem o perdão dos pecados.
Você não quer santificação. Você não quer ser eleito para essas
coisas, então por que você reclama? Você considera essas coisas
apenas como desprezíveis e por que deve queixar-se de Deus, que
as deu para aqueles a quem Ele escolheu? Se você crê que elas
sejam boas e as deseja, elas estão ali para você. Deus dá
liberalmente a todos aqueles que desejam, mas antes de tudo Ele
os faz desejar; caso contrário, eles nunca desejariam. Se você ama
essas coisas, Ele o elegeu para elas e você pode tê-las. Mas se não
as deseja, quem é você para que encontre falha em Deus quando é
a sua própria vontade desesperada que o impede de amar estas
coisas?
Suponha que um homem na rua diga: “Que vergonha é que
não posso ter um assento na capela para ouvir o que este homem
tem a dizer”. E suponha que ele diz: “Eu odeio o pregador, não
consigo suportar a sua doutrina, mas ainda assim é uma vergonha
que eu não tenha um assento”. Você esperaria que um homem
dissesse isso? Não, você imediatamente diria: “Aquele homem não
se importa com isso. Por que se perturba com o fato de outras
pessoas terem o que elas valorizam e ele despreza?”. Você não
gosta da santidade, você não gosta da justiça. Se Deus me elegeu
para estas coisas, no que Ele prejudica você por isso? “Ah, mas”,
dizem alguns, “eu pensei que isso significava que Deus elegeu
alguns para o céu e alguns para o inferno”. Essa é uma questão
muito diferente da doutrina evangélica. Ele elegeu homens à
santidade e à justiça e através disso, para o céu. Você não deve
dizer simplesmente que Ele elegeu estes para o céu e outros
somente para o inferno. Ele elegeu você para a santidade se você
ama a santidade. Se alguém dentre vocês quer ser salvo por Jesus
Cristo, Ele elegeu esse alguém para ser salvo. Se alguém dentre
vocês deseja ter a salvação, ele é eleito para tê-la, se a deseja
sincera e seriamente. Mas, se você não a deseja, porque você seria
tão absurdamente tolo a ponto de reclamar porque Deus dá a
salvação, a qual você não aprecia, para outras pessoas?

II. Assim eu tentei dizer algo sobre a verdade da doutrina da eleição.


E agora, brevemente, permita-me dizer que a eleição é ABSOLUTA,
ou seja, não depende do que somos. O texto diz: “por vos ter Deus
elegido desde o princípio para a salvação”. Porém, nossos
oponentes dizem que Deus escolhe as pessoas porque elas são
boas, que Ele as escolhe por causa das diversas obras que fizeram.
Agora, perguntamos em resposta a isto, que obras são estas pelas
quais elege o Seu povo? Elas são o que comumente chamamos de
“obras da lei”? Obras de obediência que a criatura pode realizar? Se
assim for, nós lhe respondemos: se os homens não podem ser
justificados pelas obras da lei, parece-nos bastante claro que eles
não podem ser eleitos pelas obras da lei. Se eles não podem ser
justificados por suas boas ações, eles não podem ser salvos por
elas.
Outrossim, o decreto de eleição não poderia ter sido formado
mediante boas obras. “Mas”, dizem outros, “Deus os elegeu por
prever que eles teriam fé”. Ora, é Deus quem dá a fé; Ele, portanto,
não poderia elegê-los devido à fé que Ele previu. Ali estão vinte
mendigos na rua e eu determinei dar a um deles um real. Será que
alguém diria que eu determinei dar àquele mendigo um real — que
eu o elegi para ter o dinheiro — porque eu previa que ele o teria?
Isso seria falar um absurdo. De modo semelhante, dizer que Deus
elegeu homens porque previu que teriam fé — que é a salvação em
semente — seria muito absurdo para que nós o ouçamos por um só
momento.
A fé é um dom de Deus. Toda virtude vem dEle. Portanto, a fé
não pode tê-lO feito eleger os homens, porque ela é dom dEle.
Temos certeza que a eleição e absoluta e completamente
independente das virtudes que os santos têm posteriormente. E se
um santo for tão santo e devoto quanto Paulo? E se ele for tão
corajoso quanto Pedro, ou ame como João? Ainda assim, ele não
poderia reivindicar nada, senão o que ele recebeu de seu Criador.
Eu nunca conheci um santo de qualquer denominação que pensou
que Deus o salvou porque previu que ele teria estas virtudes e
méritos. Agora, meus irmãos, as melhores joias que um santo,
alguma vez, venha a possuir, se elas são joias da nossa própria
feitura, não são puras. Há algo de terra misturado a elas. A maior
graça que já possuímos, à medida que tem sido originada em nós
mesmos, tem algo de terreno sobre si. Sentimos isso quando
estamos mais purificados, quando somos mais santificados e nossa
linguagem deve ser sempre: “Eu sou o principal dos pecadores,
Jesus morreu por mim.”
Nossa única esperança, o nosso único fundamento, ainda
paira sobre a graça como manifesta na pessoa de Jesus Cristo. E
estou certo de que devemos absolutamente rejeitar e ignorar todo o
pensamento de que nossas graças — que são dons de nosso
Senhor, são a plantação de Sua destra — alguma vez poderiam ter
motivado o Seu amor. E nós sempre cantaremos: “O que havia em
nós que poderia merecer estima
Ou dar deleite ao Criador?
Foi assim, ó Pai, nós sempre cantaremos,
Porque pareceu bem aos Teus olhos.”
“Ele terá misericórdia de quem quiser ter misericórdia”. 30F[31]
Ele salva porque quer salvar. E se você me perguntar por que Ele
me salva, só posso dizer: porque Ele quis. Existe algo em mim que
deve recomendar-me a Deus? Não, eu rejeito tudo. Eu não tinha
nada para me recomendar. Quando Deus me salvou, eu era o mais
repugnante, perdido e arruinado da raça. Eu estava diante dEle
como uma criança em meu sangue. 31F[32] Em verdade, eu não tinha
poder para me ajudar. O quão miserável eu me senti e reconheci
ser! Se você já teve algo para recomendar-se a Deus, eu nunca tive.
Eu estarei contente em ser salvos pela graça, pura e sem mistura.
Não posso me orgulhar de mérito algum. Se você pode fazê-lo,
ainda assim eu não posso. Devo cantar: “A livre graça somente,
desde o início até o fim,
Conquistou minha afeição, e firmemente preservou minh’alma.
III. Em seguida, em terceiro lugar, esta eleição é ETERNA. “Por vos
ter Deus elegido desde o princípio para a salvação”. Alguém pode
responder-me quando foi o princípio? Anos atrás pensávamos que o
princípio deste mundo foi quando Adão foi posto sobre ele. Mas
descobrimos que milhares de anos antes Deus estava preparando a
matéria desforme para torná-la uma morada apropriada para o
homem, colocando raças de criaturas sobre ela que poderiam
morrer e deixar para trás as marcas de Sua obra e habilidade
maravilhosa antes que Ele colocasse a Sua mão sobre o homem.
Mas isso não foi o princípio, pois Apocalipse nos aponta para um
período de tempo antes que este mundo fosse criado, para os dias
em que as estrelas da manhã foram geradas, quando como gotas
de orvalho escorrem dos dedos das estrelas da manhã, as
constelações escorreram da mão de Deus. Quando, por Seus
próprios lábios, Ele lançou densas órbitas, quando com a Sua
própria mão enviou cometas, como raios, vagando pelo céu para
encontrar um dia a sua própria órbita. Voltamos aos anos passados,
quando os mundos foram feitos e sistemas formados, mas ainda
não temos sequer nos aproximado do princípio. Até que possamos ir
ao momento em que todo o universo dormia na mente de Deus,
ainda por nascer, até que entremos na eternidade onde Deus, o
Criador, vivia sozinho, tudo repousando nEle, toda a criação
descansando em Seu gigantesco pensamento poderoso, não
teremos chegado ao princípio. Podemos retornar continuamente aos
séculos e séculos. Podemos voltar, se podemos usar tais palavras
estranhas, a eternidades inteiras e nunca chegaremos ao princípio.
Nossas asas se cansariam, nossa imaginação desfaleceria. Se ela
pudesse ultrapassar os relâmpagos reluzindo em majestade, poder
e rapidez, logo se cansariam antes que pudessem chegar ao
princípio.
Mas Deus desde o princípio escolheu o Seu povo. Quando o
éter não havia sido agitado pela asa de um anjo, quando o espaço
não tinha limites, ou não tinha uma existência, o silêncio universal
reinava e nenhuma voz ou sussurro quebrava a solenidade do
silêncio. Quando não existia ser algum e nenhum movimento, nem o
tempo e nada além do próprio Deus, sozinho em Sua eternidade,
quando sem a canção de um anjo, sem a presença até mesmo dos
querubins, muito antes dos seres vivos nascerem, ou que as rodas
da carruagem de Yahwéh fossem formadas, mesmo então, “no
princípio era o Verbo”, 32F[33] e no início o povo de Deus eram um
com a Palavra e, “no princípio vos escolheu para a vida eterna”.
Então, nossa eleição é eterna. Eu não pararei para provar isso,
apenas percorro estes pensamentos para o benefício de jovens
iniciantes, de modo que possam entender o que queremos dizer
com eleição eterna e absoluta.

IV. E, em seguida, a eleição é PESSOAL. Aqui, novamente, os


nossos adversários têm tentado derrubar a eleição, dizendo-nos que
é uma eleição de nações, e não de pessoas. Mas aqui o apóstolo
diz: “Deus vos escolheu desde o princípio”. É o mais miserável ardil
na terra afirmar que Deus não escolheu pessoas, mas nações,
porque a mesma objeção que há contra a escolha das pessoas
encontra-se contra a escolha de uma nação. Se não fosse justo
escolher uma pessoa, seria muito mais injusto escolher uma nação,
uma vez que as nações são apenas a união de multidões de
pessoas. Escolher uma nação parece ser um crime mais gigantesco
— se a eleição fosse um crime — do que escolher uma pessoa.
Certamente escolher dez mil seria considerado pior do que
escolher um, pois diferenciar uma nação inteira do restante da
humanidade parece ser uma maior extravagância nos atos da
soberania divina do que a eleição de um pobre mortal, e deixar de
fora outros. Mas o que são nações, senão homens? O que são
povos inteiros, senão combinações de diferentes indivíduos? Uma
nação é feita deste e daquele indivíduo. E se você me disser que
Deus escolheu os judeus, eu digo, então, Ele escolheu tais e tais
homens judeus. E se você disser que Ele escolhe a Grã-Bretanha,
então eu digo que Ele escolhe tais e tais britânicos. Assim, no final
das contas isso e aquilo é a mesma coisa. Então, a eleição é
pessoal; ela necessariamente é assim. Todo mundo que lê este
texto e outros como ele, verá que a Escritura continuamente fala do
povo de Deus, um por um, e fala deles como tendo sido os sujeitos
especiais da eleição: “Nós somos filhos, por meio da eleição de
Deus,
Nós que cremos em Jesus Cristo.
Por desígnio eterno,
Nós recebemos graça soberana.”
Sabemos que a eleição é pessoal.

V. O outro pensamento é — pois, o meu tempo voa rápido demais


para permitir que eu demore nesses pontos — que a eleição produz
BONS RESULTADOS. “Por vos ter Deus elegido desde o princípio
para a salvação, em santificação do Espírito, e fé na verdade”.
Como muitos homens confundem a doutrina da eleição
completamente! E como a minha alma queima e ferve com o
pensamento dos terríveis males que têm ocorrido pela perversão e
rejeição dessa gloriosa porção da gloriosa verdade de Deus!
Quantos há que disseram a si mesmos: “Eu sou eleito”, e se
assentaram na preguiça e em coisas piores do que isso! Eles
disseram: “Eu sou o eleito de Deus”, e com as duas mãos
praticaram a iniquidade. Eles rapidamente correram para cada coisa
impura, porque disseram: “Eu sou o filho escolhido de Deus,
independentemente das minhas obras, portanto, posso viver como
quiser e fazer o que quiser”. Oh, amados! Permitam-me
solenemente advertir cada um de vocês para não irem além da
verdade — ou, melhor, para não transformar a verdade em erro,
pois não podemos ir além dela. Podemos ultrapassar a verdade, nós
podemos transformar o que era para ser doçura e para o nosso
consolo, em uma mistura terrível para a nossa destruição.
Digo a você que já houve milhares de homens que foram
arruinados por uma má compreensão da eleição, os quais disseram:
“Deus me elegeu para o céu e para a vida eterna”, mas eles se
esqueceram do que está escrito, Deus vos elegeu “em santificação
do Espírito, e fé na verdade”. Esta é a eleição de Deus: eleição para
a santificação e fé. Deus escolhe o Seu povo, para sermos santos e
para sermos crentes. Quantos de vocês aqui, então, são crentes?
Quantos de minha congregação podem colocar as mãos sobre o
coração e dizer: “Eu confio em Deus que sou santificado”? Existe
alguém dentre vocês que diz: “sou eleito”?
Um de vocês diz: “Eu confio que sou eleito”, mas eu refresco a
sua memória sobre algum ato pecaminoso que você cometeu
durante os últimos seis dias. Outro de vocês diz: “Sou eleito”, mas
eu gostaria de olhar em seu rosto e dizer: “Eleito? Você é um
hipócrita muito maldito e isso é tudo que você é”. Outros diriam:
“Sou eleito”. Mas eu gostaria de lembrá-los que eles negligenciam o
propiciatório e não oram. Oh, amados! Nunca pensem que vocês
são eleitos, a menos que vocês sejam santos. Vocês podem vir a
Cristo como um pecador, mas vocês não podem vir a Cristo como
uma pessoa eleita até que possam ver a sua própria santidade. Não
interpretem mal o que eu digo; não digam: “Sou eleito”, e ainda
assim pensem que podem viver em pecado. Isso é impossível. Os
eleitos de Deus são santos. Eles não são puros, eles não são
perfeitos, eles não são impecáveis, mas considerando as suas vidas
como um todo, eles são pessoas santas. Eles são diferenciados e
distintos de outros, e ninguém tem o direito de concluir ser eleito,
exceto por viver em santidade. Ele pode ser eleito e ainda assim
estar nas trevas, contudo, ele ainda não tem o direito de crer ser
eleito. Isso não pode ser dito, a menos que haja evidência. O
homem pode vir a viver um dia, mas ele está morto no presente.
Mas se você está andando no temor de Deus, tentando agradá-lO e
obedecer aos Seus mandamentos, não duvide que o seu nome foi
escrito no livro da vida do Cordeiro desde antes da fundação do
mundo.
E, para que isso não seja muito elevado para você, observe a
outra marca de eleição, que é a fé na verdade de Deus. Quem crê
na verdade de Deus e crê em Jesus Cristo é eleito. Eu
frequentemente encontro-me com pobres almas que estão
temerosas e se preocupam com esse pensamento: “E se eu não for
eleito?”. “Oh, senhor”, eles dizem, “eu sei que coloco a minha
confiança em Jesus. Sei que creio no Seu nome e confio em Seu
sangue. Mas e se eu não for eleito?”. Pobre querida criatura! Você
não sabe muito sobre o Evangelho ou você nunca falaria assim, pois
aquele que crê é eleito. Aqueles que são eleitos, são eleitos para a
santificação e para a fé. Se você tiver fé, você é um dos eleitos de
Deus. Você pode conhecer isso e deve saber disso, pois é uma
certeza absoluta. Se você, como um pecador, olha para Jesus Cristo
nesta manhã e diz: “Nada em minhas mãos eu trago,
Simplesmente à Tua cruz me agarro,”
você é eleito. Eu não tenho medo da eleição, pobres santos ou
pecadores trementes. Há muitos teólogos que dizem o seguinte:
“Você não tem nada a ver com a eleição”. Isso é muito ruim, porque
a pobre alma não deve ser silenciada assim. Se você pudesse
silenciá-la assim, estaria bem, mas ela pensará sobre isso, e isso
não pode ajudá-la. Diga-lhe, então: Se você crer no Senhor Jesus
Cristo, você é eleito. Se você se lançar sobre Jesus, você é eleito.
Eu digo a você, principal dos pecadores, nesta manhã, em nome de
Deus, que se você for a Deus sem quaisquer obras próprias, lançar-
se no sangue e na justiça de Jesus Cristo, se vier agora e confiar
nEle, você é eleito, você foi amado por Deus desde antes da
fundação do mundo, pois você não poderia fazê-lo a menos que
Deus lhe tivesse dado o poder e tivesse escolhido você para fazer
isso.
Ora, você está salvo e seguro se apenas vier e lançar-se
sobre Jesus Cristo e desejar ser salvo e amado por Ele. Mas, não
pense que qualquer homem será salvo sem fé e santidade. Meus
ouvintes, não concebam que algum decreto ocorrido nas misteriosas
eras eternas salvará as vossas almas, a menos que creiam em
Cristo. Não se sentem e imaginem que vocês serão salvos sem fé e
santidade. Isso é uma heresia muito abominável e maldita, e tem
arruinado milhares. Não descanse na eleição como um travesseiro
para dormir, ou você pode ser arruinado. Deus não permita que eu
esteja costurando travesseiros para que você repouse
confortavelmente em seus pecados. Pecador! Não há nada na Bíblia
que alivie os seus pecados. Mas se você está condenado, ó
homem, se você está perdida, ó mulher, você não encontrará nesta
Bíblia uma gota para refrescar a sua língua, ou uma doutrina para
aliviar a sua culpa. Sua condenação será inteiramente por sua culpa
e seu pecado merece grandemente a condenação, pois se você não
crê, você está condenado. “Vós não credes porque não sois das
minhas ovelhas”. “E não quereis vir a mim para terdes vida”. 33F[34]
Não imagine que a eleição desculpe o pecado, não sonhe com
isso, não adormeça na doce complacência do pensamento de sua
irresponsabilidade. Você é responsável. Devemos pregar as duas
coisas. Devemos afirmar a soberania divina e a responsabilidade
humana. Devemos ter a eleição, mas temos que lidar com o seu
coração, temos que anunciar a verdade de Deus a você. Temos que
falar com você e lembrá-lo disso, que enquanto está escrito: “Eu sou
o teu ajudador”, também está escrito: “Ó Israel, destruíste a ti
mesmo”. 34F[35]

VI. Agora, finalmente, quais são as verdadeiras e legítimas


tendências de concepções corretas sobre a doutrina da eleição?
Primeiro, vou dizer-lhes que a doutrina da eleição, com a bênção de
Deus, verdadeiramente criará santos. E, em segundo lugar o que
ela fará pelos pecadores, se Deus os abençoar.
Primeiro, encontro que a eleição, aos olhos de um santo, é
uma das doutrinas que mais nos esvaziam em todo o mundo, de
modo a remover toda a confiança na carne ou toda dependência de
qualquer coisa, exceto de Jesus Cristo. Quantas vezes nos
revestimos de nossa justiça própria e nos vangloriamos com as
falsas pérolas e pedras preciosas de nossas próprias obras e feitos?
Começamos a dizer: “Agora serei salvo, porque tenho esta e aquela
evidência”. Em vez disso, é a fé simples que salva, aquela fé e
somente aquela que une ao Cordeiro, independentemente das
obras, embora seja uma fé que produz obras. Quantas vezes nós
nos apoiamos em alguma obra que não a do nosso próprio Jesus
amado, e confiamos em alguma força diferente da que vem do alto?
Agora, se nós queremos nos livrar disto, devemos considerar a
eleição. Pare, minha alma, e considere isso. Deus lhe amou antes
de você ter uma existência. Ele amou você quando morta em
ofensas e pecados e enviou Seu Filho para morrer por você. Ele a
comprou com o Seu sangue precioso antes que você pudesse dizer
o Seu nome. Então, como pode se orgulhar?
Eu não conheço nada que seja mais humilhante para nós do
que esta doutrina da eleição. Tenho, por vezes, caído prostrado
quando me esforço para entendê-la. Eu tenho estendido minhas
asas e, como águia subo em direção ao sol. Durante algum tempo o
meu olhar tem sido constante e meu voo tem sido verdadeiro. Mas,
quando chego perto disto e aquele pensamento me sobrevém:
“Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação”, eu fico
perdido em seu brilho. Fico maravilhado com o pensamento
poderoso, e das alturas estonteantes minha alma aterrissa,
prostrada e quebrantada, dizendo: “Senhor, eu não sou nada, sou
menos do que nada. Por que eu? Por que eu?”.
Amigo, se você quer ser humilhado, estude a eleição, pois
isso lhe fará humilde sob a influência do Espírito de Deus. Aquele
que se orgulha de sua eleição não é eleito; e aquele que é
humilhado sob um senso da eleição pode acreditar que ele é eleito.
Ele tem todas as razões para crer que o é, pois este é um dos
efeitos mais benditos da eleição, o qual nos ajuda a nos
humilharmos diante de Deus.
Outrossim, a eleição no cristão deve torná-lo muito destemido
e muito ousado. Nenhum homem será tão ousado quanto aquele
que crê que é eleito de Deus. Com que se preocupará um homem,
se ele é escolhido de seu Criador? Ele se preocupará com o triste
chilrear de alguns pequeninos pardais quando sabe que ele é uma
águia de uma raça real? Será que se preocupará quando o mendigo
o apontar, quando o sangue real do céu corre em suas veias? Será
que temerá se o mundo inteiro for contra ele? Se contra a terra
estiver completamente coberta de um exército armado contra ele,
permanece em perfeita paz, pois ele está no lugar secreto do
tabernáculo do Altíssimo, no grande pavilhão do todo-poderoso. “Eu
sou de Deus”, diz ele, “eu sou diferente dos outros homens. Eles
são de uma raça inferior. Eu não sou nobre? Eu não sou um dos
aristocratas do céu? O meu nome não está escrito no livro de
Deus?”. Ele se importa com o mundo? Não; como o leão que não se
preocupa com o latido do cão, ele sorri para todos os seus inimigos,
e quando eles chegam muito perto dele, ele move-se e despedaça-
os. Ele se importa com estes? Ele caminha sobre eles como um
colosso, enquanto homenzinhos caminham sob ele e não o
compreendem.
Sua fronte é de ferro, o seu coração é de seixo; ele se importa
com o homem? Não; se um assobio viesse de todas as partes do
mundo, ele poderia sorrir, pois ele diria: “Aquele que fez de Deus o
seu refúgio,
Encontrará mui segura habitação.”
Eu sou um dos seus eleitos. Sou escolhido de Deus e
precioso, que o mundo me rejeite, eu não temo. Ah, vocês professos
de longa data, alguns de vocês se encurvarão como os salgueiros.
Há poucos cristãos-carvalho hoje em dia que podem suportar a
tempestade, e vou dizer-lhes a razão: É porque vocês não creem
que são eleitos. O homem que sabe que é eleito sente-se muito
enobrecido para pecar, ele não vai rebaixar-se de modo a cometer
os atos das pessoas comuns. O crente na verdade de Deus dirá:
“Eu comprometerei os meus princípios? Eu mudarei as minhas
doutrinas? Eu deixarei de lado meus pontos de vista? Eu esconderei
o que eu creio ser verdade? Não! Desde que sei que sou um dos
eleitos de Deus, nas próprias faces de todos os homens falarei a
verdade de Deus, não importa o que diga o homem”. Nada faz um
homem tão verdadeiramente ousado quanto sentir que é eleito de
Deus. Aquele que sabe que Deus o escolheu, não tremerá, não se
moverá.
Além disso, a eleição nos fará santos. Nada sob a influência
graciosa do Espírito Santo pode fazer um cristão mais santo do que
o pensamento de que ele é eleito. “Pecarei”, diz ele, “depois de
Deus ter me escolhido? Transgredirei depois de tanto amor?
Desviar-me-ei depois de tanta bondade amorosa e terna
misericórdia? Não, meu Deus, desde que Tu me elegeste, eu Te
amarei, viverei para Ti: ‘Visto que Tu, o Deus eterno,
Meu Pai se fez.’
Entregar-me-ei para ser Teu para sempre, pela eleição e pela
redenção, lançando-me a Ti e solenemente consagrar-me-ei ao Teu
serviço”.
E agora, por fim, para os ímpios. O que a eleição diz para
vocês? Primeiro, desculparei vocês, ímpios, por um momento. Há
muitos de vocês que não gostam da eleição e não posso culpá-los
por isso, porque eu tenho ouvido pregarem a eleição, e concluírem
dizendo: “Eu não tenho uma palavra a dizer ao pecador”. Ora, eu
digo que vocês não devem gostar desse tipo de pregação e não os
culpo por isso. Mas, digo-lhes: coragem, tenha esperança, ó
pecador, pois, a eleição é uma realidade!
Portanto, longe de desesperar e desencorajar você, isso é
algo muito esperançoso e alegre, a saber, o fato de que há uma
eleição. E se eu lhe dissesse que talvez ninguém fosse salvo, pois
ninguém estava ordenado para a vida eterna? Você não tremeria e
dobraria as mãos em desespero e diria: “Então, como posso ser
salvo, uma vez que ninguém é eleito?”. Mas, eu digo que há uma
multidão de eleitos, além de toda a contagem, uma quantidade que
nenhum mortal pode contar. Portanto, anime-se, pobre pecador!
Lance fora o seu desânimo, você não pode ser eleito assim como
qualquer outro? Pois, não há uma quantidade inumerável eleita! Há
alegria e conforto para você!
Então, não somente tenha coragem, mas vá e experimente o
Mestre. Lembre-se, se você não for eleito, você não perde nada
com isso. O que fizeram os quatro leprosos dizer: “Vamos nós, pois,
agora, e passemos para o arraial dos sírios; se nos deixarem viver,
viveremos, e se nos matarem, tão-somente morreremos”? 35F[36] Oh,
pecador, venha até o trono de misericórdia eletiva! Você pode
morrer onde está. Vá a Deus, e mesmo supondo que Ele o rejeitará,
suponha que a Sua mão erguida o afaste — o que é algo impossível
— ainda assim, você não perderá nada. Você não será mais
condenado por isso. Além disso, supondo que está condenado,
você teria a satisfação de, pelo menos, ser capaz de levantar os
olhos no inferno e dizer: “Deus, eu pedi misericórdia a Ti e Tu não a
concedeste. Busquei por misericórdia, mas Tu recusaste”.
Você nunca dirá isso, ó pecador! Se você for até Ele e pedir,
você receberá; porque Ele nunca rejeitou ninguém! Isso não traz
esperança para você? Que embora haja um número determinado,
ainda assim, é verdade que todos os que buscam pertencem a esse
número. Vá e busque, e se você for o primeiro a ir para o inferno,
diga aos demônios que você pereceu assim, diga aos demônios que
você é alguém que foi lançado fora, depois de ter ido a Jesus como
um pecador culpado. Digo a você que isso desonraria o Eterno —
com reverência ao Seu nome — e Ele não permitiria tal coisa. Ele
tem zelo pela Sua honra e não permitiria que um pecador dissesse
tal coisa.
Mas ah, pobre alma! Não pense, portanto, que você perde
qualquer coisa por vir. Há ainda mais um pensamento: você ama o
pensamento sobre a eleição nesta manhã? Você está disposto a
admitir a sua justiça? Você diz: “Eu sinto que estou perdido, e que
mereço isso; e, se o meu irmão é salvo, eu não posso murmurar. Se
Deus me destruir, eu o mereço, mas se Ele salva a pessoa sentada
ao meu lado, Ele tem o direito de fazer o que quer com o que é Seu
próprio e eu não sofro nenhum agravo por isso”.
Você pode dizer isso honestamente e de coração? Se assim
for, então a doutrina da eleição teve seu correto efeito sobre o seu
espírito e você não está longe do reino dos céus. Você foi trazido
até onde deveria estar, onde o Espírito quer que você esteja, e
sendo assim, nesta manhã, vá em paz! Deus perdoou os seus
pecados. Você não se sentiria desta forma, se não fosse perdoado,
não sentiria isso se o Espírito de Deus não estivesse agindo em
você. Então, alegre-se nisso! Deixe a sua esperança descansar na
cruz de Cristo. Não pense sobre a eleição, mas sobre Cristo Jesus.
Descanse em Jesus — Jesus primeiro, por último, para sempre.
3

Expiação Limitada
(L de TULIP — Limited Atonement)

Sermão Nº 181. Pregado na manhã de sabbath, 28 de fevereiro de


1858. No Music Hall, Royal Surrey Gardens.

“Bem como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para
servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos.” (Mateus 20:28)
Quando pela primeira vez foi meu dever ocupar este púlpito e pregar neste
salão, minha congregação assumiu a aparência de uma massa irregular de
pessoas vindas de todas as ruas desta cidade para ouvir a Palavra. Eu era,
na ocasião, simplesmente um evangelista pregando a muitos que não tinham
ouvido o Evangelho antes. Pela graça de Deus, uma mudança muito
abençoada ocorreu e agora em vez de ter um grupo irregular reunido, minha
congregação é tão constante quanto a de qualquer ministro em toda a cidade
de Londres! Posso, a partir deste púlpito, observar os rostos dos meus amigos
que ocuparam os mesmos lugares, tanto quanto possível, nestes muitos
meses. E eu tenho o privilégio e o prazer de saber que uma proporção muito
grande, certamente, três quartos das pessoas que se reúnem aqui não são
pessoas que se encontram aqui devido à curiosidade, mas são meus ouvintes
regulares e constantes. E observo que as minhas características também
mudaram! Antes eu era um evangelista, mas o meu ofício agora é ser o seu
pastor. Vocês uma vez foram um grupo heterogêneo reunido para me ouvir,
mas agora somos unidos pelos laços do amor. Pela associação, temos
crescido em amor e respeito uns para com os outros e agora vocês se
tornaram as ovelhas do meu pasto e os membros do meu rebanho. E agora
tenho o privilégio de assumir a posição de um pastor neste lugar, bem como
na capela onde trabalho à noite. Eu penso que é razoável para o julgamento
de todas as pessoas que, assim como a congregação e o ministro passaram
por mudanças, o próprio ensino deve, em alguma medida, ter sofrido alguma
variação.
Tem sido o meu desejo falar-lhes das verdades simples do
Evangelho. Muito raramente, neste lugar, tenho tentado adentrar às
coisas profundas de Deus. Um texto que pensei ser adequado para
minha congregação para a noite, não faria disso assunto de
discussão neste lugar na parte da manhã. Há muitas doutrinas altas
e misteriosas, com que muitas vezes tenho tido a oportunidade de
lidar em particular, as quais não tomei a liberdade de falar com
vocês como uma reunião de pessoas que casualmente se reuniam
para ouvir a Palavra. Mas agora, uma vez que as circunstâncias
mudaram, o ensino também será mudado. Não vou agora
simplesmente limitar-me à doutrina da fé ou ao ensino do batismo
de crentes. Eu não me deterei sobre questões superficiais, mas
devo ousar, à medida que Deus me guiar, a introduzir aquilo que
está no fundamento da religião, que nós afirmamos com tanto amor.
Não me envergonharei de pregar diante de vocês a doutrina da
soberania divina. Não titubearei em pregar a doutrina da eleição da
maneira mais irrestrita e aberta. Não terei medo de anunciar a
grande verdade da perseverança final dos santos. Não reterei
aquela verdade inquestionável das Escrituras, a saber, o chamado
eficaz dos eleitos de Deus. Conforme Deus me ajudar, tentarei não
omitir nada de vocês que se tornaram o meu rebanho. Visto que
muitos de vocês agora “provaram que o Senhor é bom”, 36F[37]
vamos nos esforçar para expor todo o sistema das doutrinas da
graça, para que os santos sejam edificados e cresçam em sua
santíssima fé!
Começo esta manhã com a doutrina da redenção: “Veio... para
dar a sua vida em resgate de muitos”.
A doutrina da redenção é uma das doutrinas mais importantes
do sistema da fé. Um erro nesse ponto conduzirá inevitavelmente a
um erro por todo o sistema de nossa crença!
Agora, você está ciente de que existem diferentes teorias da
redenção. Todos os cristãos sustentam que Cristo morreu para
redimir, mas nem todos os cristãos ensinam a mesma redenção!
Somos diferentes quanto à natureza e entendimento da expiação.
Por exemplo, o arminiano afirma que Cristo, quando morreu, não
morreu com a intenção de salvar qualquer pessoa em particular. Os
arminianos ensinam também que a morte de Cristo não significa,
por si só, a garantia inquestionável da salvação de qualquer homem
vivo. Eles acreditam que Cristo morreu para tornar possível a
salvação de todos os homens, ou que, por fazer alguma coisa,
qualquer homem que quiser pode alcançar a vida eterna!
Consequentemente, eles são obrigados a afirmar que se a vontade
do homem não ceder e voluntariamente entregar-se à graça divina,
então a expiação de Cristo seria inútil! Eles afirmam que não havia
nenhuma particularidade e especialidade na morte de Cristo.
Segundo eles, Cristo morreu tanto por Judas que já estava no
inferno quanto para Pedro que subiu ao céu! Eles acreditam que
para aqueles que são lançados ao fogo eterno, houve tão
verdadeira e real redenção consumada, quanto para aqueles que
agora estão diante do trono do Altíssimo!
Ora, nós não cremos em tal coisa! Nós afirmamos que Cristo,
quando morreu, tinha um objetivo em vista e que esse objetivo será
cumprido muito seguramente e sem sombra de dúvida! Medimos o
desígnio da morte de Cristo pelo seu efeito. Se alguém nos
perguntar: “O que Cristo designou fazer por meio de Sua morte?”,
nós respondemos fazendo-lhe outra pergunta: “O que Cristo fez, ou
o que Cristo fará por meio de Sua morte?”. Nós declaramos que a
medida do efeito do amor de Cristo é a medida do Seu propósito!
Não podemos assim contrariar a nossa razão ao pensar que a
intenção do Deus todo-poderoso poderia ser frustrada ou que o
propósito de algo tão grande quanto a expiação poderia falhar, de
algum modo. Nós afirmamos — não temos medo de dizer no que
cremos — que Cristo veio a este mundo com a intenção de salvar
“uma multidão, a qual ninguém podia contar”. 37F[38] E acreditamos
que, como resultado disso, cada pessoa por quem Ele morreu deve,
sem sombra de dúvida, ser purificada do pecado e permanecer
lavado em Seu sangue diante do trono do Pai. Nós não cremos que
Cristo fez qualquer expiação eficaz por aqueles que estão
condenados para sempre! Não nos atrevemos a pensar que o
sangue de Cristo foi derramado com a intenção de salvar aqueles a
quem Deus previu que nunca seriam salvos, e alguns dos quais já
estavam no inferno quando Cristo, segundo o relato de alguns
homens, morreu para salvá-los!
Tenho, portanto, apenas declarado a nossa teoria da redenção
e pontuado as diferenças que existem entre duas grandes partes na
igreja professa. Agora, o meu esforço será mostrar a grandeza da
redenção de Cristo Jesus. E ao fazê-lo, espero ser habilitado pelo
Espírito de Deus para anunciar todo o grande sistema da redenção,
de modo que seja compreendido por todos nós, mesmo se todos
nós não pudermos aceitá-lo. Talvez alguns podem estar prontos
para disputar sobre as coisas que eu afirmo, mas vocês devem ter
em mente que isso não é nada para mim. Em todos os momentos
ensinarei as coisas que afirmo serem verdadeiras, sem considerar
quaisquer oposições das reações humanas! Vocês têm a liberdade
de fazer o mesmo em seus próprios lugares e pregar aquilo que
creem em suas próprias assembleias, como eu reivindico o direito
de pregar na minha, plenamente e sem hesitação!
Cristo Jesus “deu a sua vida em resgate de muitos”. E por
esse resgate Ele operou para nós uma grande redenção. Devo me
esforçar para mostrar a grandeza desta redenção, considerando-a
de cinco maneiras diferentes. Em primeiro lugar, observaremos a
sua grandeza a partir da hediondez da nossa própria culpa, da qual
Ele nos libertou. Em segundo lugar, medirei a Sua redenção pela
severidade da justiça divina. Em terceiro lugar, devo considerá-la
pelo preço que Ele pagou: as dores que sofreu. Depois, vamos
procurar ampliar isto, observando a libertação que Ele realmente
consumou. E vamos concluir observando o grande número daqueles
por quem esta redenção foi feita, que em nosso texto são descritos
como “muitos”.

I. Primeiro, então, veremos que a redenção de Cristo não foi


pouca coisa, se nós apenas a medirmos, em primeiro lugar, pelos
NOSSOS PRÓPRIOS PECADOS. Meus irmãos e irmãs, olhem por
um momento para a caverna do poço de onde foram cortados e
para a rocha de onde foram tirados. 38F[39] Vocês que foram lavados,
purificados e santificados, façam uma pausa por um momento e
olhem para trás, para o antigo estado da sua ignorância.
Pensem nos pecados que cometiam, nos crimes para os quais
vocês se apressavam, na rebelião contínua contra Deus, a qual era
o seu hábito de vida. Um pecado pode arruinar uma alma para
sempre. Não está no poder da mente humana compreender o
infinito mal que jaz no coração de um único pecado! Há uma
infinidade de culpa oculta na transgressão contra a majestade do
céu. Se, então, vocês e eu tivéssemos pecado apenas uma vez,
nada além de uma infinitamente valiosa expiação poderia ter lavado
o pecado e feito satisfação por ele! Mas, vocês e eu pecamos uma
vez? Não, meus irmãos e irmãs, as nossas iniquidades são mais
numerosas do que os cabelos da nossa cabeça! Elas têm
poderosamente prevalecido contra nós! Podemos tentar contar as
areias da praia ou as gotas que formam o oceano, tanto quanto
contar as transgressões que marcaram as nossas vidas! Voltemos à
nossa infância.
Quão cedo começamos a pecar! Como desobedecemos a
nossos pais e mesmo assim aprendemos a fazer da nossa boca a
casa das mentiras! Na nossa infância, quão cheios de lascívia e
desobediência estávamos! Obstinada e insensatamente preferíamos
o nosso próprio caminho e nos irritávamos contra todas as
restrições que os nossos pais piedosos nos impunham. Nem a
nossa juventude nos tornou sóbrios. Descontroladamente muitos de
nós mergulhamos na dança do pecado! Nós nos tornamos mestres
na iniquidade. Não só pecamos, mas ensinamos os outros a pecar.
E quanto à sua maturidade, vocês que entraram no auge da vida,
podem ser sóbrios exteriormente, podem estar um pouco livres da
dissipação de sua juventude, mas quão pouco os homens têm se
tornado melhores! A menos que a soberana graça de Deus tenha
nos regenerado, não estamos melhores agora do que estávamos
quando começamos. E mesmo que ela tenha operado, ainda assim
temos pecados dos quais nos arrepender, pois todos nós colocamos
nossas bocas no pó, lançamos cinzas sobre a nossa cabeça e
clamamos: “Imundo! Imundo!”. 39F[40]
E oh, vocês que estão cansados, que têm se inclinado sobre
os seus bordões e suportado a idade avançada; os pecados não
continuam apegados às suas vestes? As suas vidas estão tão alvas
quanto os cabelos brancos que coroam suas cabeças? Vocês não
sentem ainda que a transgressão suja as orlas de seus mantos e
estraga a sua pureza? Quantas vezes agora vocês se jogam na
lama, de modo que mesmo as suas roupas vos abominam! Voltem
os seus olhos para os sessenta, setenta, oitentas anos durante os
quais Deus tem poupado suas vidas, vocês por um momento podem
pensar que é possível que possam numerar as suas incontáveis
transgressões ou calcular o peso dos crimes que cometeram? Oh,
estrelas do céu! O astrônomo pode medir a sua distância e dizer sua
altura; mas oh, vocês, pecados da humanidade, superam todos os
pensamentos! Oh, vós, altas montanhas! A casa da tormenta, o
berço da tempestade! O homem pode subir os seus cumes e ficar
admirado com a sua neve; mas vós, montanhas do pecado, vossa
altura é mais alta do que os nossos pensamentos podem alcançar!
Vocês, abismos de transgressões, vocês mais profundos do que
nossa imaginação se atreve a adentrar. Acusam-me de difamar a
natureza humana? É porque vocês não a conhecem! Se Deus já
houvesse revelado a vocês seus próprios corações, seriam
testemunhas de que tão longe de exagerar, minhas pobres palavras
não conseguem descrever o desespero de nosso mal! Oh, se
pudéssemos, cada um de nós, olhar para os nossos próprios
corações hoje, se nossos olhos fossem transformados de modo a
ver a iniquidade, que está gravada como com ponta de diamante em
nossos corações de pedra; então, vocês diriam ao ministro que
embora ele possa representar a desesperança da culpa, ainda
assim não consegue por qualquer meio exagerar ao fazer isso!
Quão grande, então, amados, devia ser o resgate de Cristo
quando nos salvou de todos esses pecados? Os homens por quem
Jesus morreu, por maior que sejam seus pecados, quando eles
creem, são santificados de todas as suas transgressões! Embora
possam ter incorrido todos os vícios e em toda a concupiscência
que Satanás poderia sugerir e que a natureza humana poderia
realizar, ainda assim uma vez que creem, pela graça de Deus, toda
a sua culpa é lavada! Anos após anos podem tê-los revestido com
as trevas, até o seu pecado ter se tornado duplamente maligno, mas
no momento em que ele crê, um momento triunfante de confiança
em Cristo, a grande redenção tira a culpa de muitos anos! Não,
mais! Se fosse possível que todos os pecados que os homens
cometeram em pensamento, palavra ou ação desde que os mundos
foram criados, ou o tempo começou, estivessem sobre a cabeça de
um miserável, a grande redenção é toda-suficiente para remover
todos esses pecados e lavar o pecador de modo que se torne mais
alvo que a neve!
Oh! Quem medirá as alturas da toda-suficiência do Salvador?
Em primeiro lugar, diga quão grande é o pecado e, em seguida,
lembre-se que, como o dilúvio de Noé prevaleceu sobre os cumes
dos montes da terra, assim o fluxo da redenção de Cristo prevalece
sobre os topos das montanhas de nossos pecados! Nos tribunais do
céu há homens hoje que anteriormente foram assassinos, ladrões,
bêbados, adúlteros, blasfemos e perseguidores! Mas eles foram
lavados, foram santificados! Pergunte-lhes de onde o brilho de suas
vestes veio e de onde obtiveram a sua pureza e, em uma só voz,
dirão que lavaram as suas vestes e as branquearam no sangue do
Cordeiro! 40F[41] Oh, vocês, consciências pesadas! Ó queridos
cansados e sobrecarregados! Ó vocês que estão gemendo por
causa do pecado! A grande redenção agora proclamada a vocês é
toda-suficiente para as suas necessidades! E apesar de seus
numerosos pecados excederem as estrelas do céu, aqui há uma
expiação por todos eles, um rio que pode transbordar todos e levá-
los para longe de você para sempre!
Esta, então, é a primeira consideração sobre a expiação: a
grandeza de nossa culpa.
II. Agora, em segundo lugar, temos que medir a grande redenção
PELA SEVERIDADE DA JUSTIÇA DIVINA. “Deus é amor”, sempre
amoroso, mas a minha próxima proposição, afinal, não interfere
nesta afirmação: Deus é severamente justo, inflexivelmente severo
em Seus lidares com a humanidade! O Deus da Bíblia não é o Deus
da imaginação de alguns homens que dão tão pouco peso à
malignidade do pecado como se Deus lidasse com o pecado sem
exigir qualquer punição por ele. Deus não é o que os homens
imaginam, como se as nossas transgressões fossem coisas tão
pequenas, tais meros pecadinhos que o Deus do céu é leniente para
com eles e os deixa impunes! Não. Senhor, o Deus de Israel
declarou sobre isso: “O Senhor vosso Deus é um Deus zeloso”. É a
Sua própria declaração: “Eu não terei culpado por inocente”. 41F[42]
“A alma que pecar, essa morrerá”. 42F[43] Aprendam, meus amigos, a
olhar para Deus como sendo tão severo em Sua justiça, como se
Ele não fosse amoroso, e ainda assim tão amoroso como se Ele não
fosse severo! Seu amor não diminui Sua justiça, nem a Sua justiça,
mesmo em mínimo grau, contradiz o Seu amor. As duas coisas
estão docemente unidas na expiação de Cristo.
Entretanto, observem, nunca podemos compreender a
plenitude da expiação até que tenhamos primeiro nos apegado à
verdade bíblica da imensa justiça de Deus. Nunca houve uma
palavra mal falada, nem um pensamento mal concebido, nem uma
má ação realizada, pelo que Deus não punirá uma ou outra pessoa.
Ele obterá a satisfação de você ou então de Cristo! Se você não tem
nenhuma expiação para apresentar, por meio de Cristo, você deve
para sempre pagar a dívida que nunca poderá pagar, em miséria
eterna; pois, tão certo quanto Deus é Deus, Ele antes perderá a Sua
divindade do que permitirá que um pecado fique impune, ou uma
partícula de rebelião não seja vindicada! Você pode dizer que este
caráter de Deus é frio, rígido e severo. Eu não tenho o que fazer em
relação ao que você diz sobre isso. No entanto, é verdade. Tal é o
Deus da Bíblia! E nós repetimos a verdade de que Ele é amor, não é
mais verdade que Ele é amor do que Ele é cheio de justiça, pois,
cada coisa boa reúne-se em Deus e é levada à perfeição; enquanto
o amor chega a consumar sua beleza, a justiça chega à severidade
da inflexibilidade nEle. Ele não tem nenhuma tortuosidade, nada a
consertar em seu caráter. Nenhum atributo de algum modo
predomina de forma a lançar sombra sobre o outro. O amor tem o
seu pleno domínio e a justiça não tem limite mais estreito do que o
Seu amor. Oh, então, amados, quão grande deve ter sido a
substituição de Cristo quando Ele satisfez a Deus por todos os
pecados de Seu povo! Deus exige a punição eterna pelo pecado do
homem. E Deus preparou um inferno no qual Ele lança os que
morrem impenitentes.
Oh, meus irmãos e irmãs, vocês podem pensar qual deve ter
sido a grandeza da expiação que foi a substituição para toda essa
agonia que Deus teria lançado sobre nós se Ele não a tivesse
derramado sobre Cristo? Vejam! Vejam! Olhem com solenidade para
as sombras que nos separam do mundo dos espíritos e vejam
aquela casa de miséria que os homens chamam de inferno! Vocês
não podem suportar o espetáculo! Lembrem-se que naquele lugar
há espíritos pagando para sempre a sua dívida para com a justiça
divina, mas que alguns deles estão lá há seis mil anos sufocados
nas chamas, eles não estão mais perto de quitar a sua dívida do
que quando começaram! E quando dez mil vezes dez mil anos
tiverem passado, eles não terão feito mais satisfação a Deus por
sua culpa do que fizeram até agora! E agora, vocês podem
compreender o pensamento da grandeza da mediação do seu
Salvador quando Ele pagou a sua dívida e a pagou toda de uma
única vez, de modo que agora não há um centavo de dívida do povo
de Cristo para com o seu Deus, a não ser uma dívida de amor? O
crente não deve nada para a justiça! Embora ele devia originalmente
tanto que a eternidade não seria suficiente para quitar o pagamento
da mesma, ainda assim, em um momento Cristo pagou tudo! O
homem que crê é inteiramente santificado de toda culpa e liberto de
toda punição através do que Jesus fez! Pensem, então, em quão
grande é a Sua expiação, posto que Ele fez tudo isso!
Devo apenas fazer uma pausa aqui e falar mais um pouco. Há
momentos em que Deus o Espírito Santo mostra aos homens a
severidade da justiça em sua própria consciência. Há um homem
aqui hoje que acaba de ter seu coração partido com um senso de
pecado. Uma vez era um homem livre, um libertino, escravo de
ninguém. Mas agora a seta do Senhor penetra firmemente em seu
coração e ele veio sob uma escravidão pior do que a do Egito! Eu o
vejo hoje, ele me diz que a sua culpa o persegue em toda parte. O
escravo, guiado pela estrela polar, pode escapar das crueldades de
seu mestre e chegar a outra terra onde ele pode ser livre, mas este
homem sente que se vagasse pelo mundo inteiro, não conseguiria
escapar da culpa. Ele tem estado preso por muitas correntes e não
consegue encontrar uma chave que possa desprendê-lo e libertá-lo!
Este homem diz que tentou orações, lágrimas e boas obras, mas
não é possível tirar as algemas dos pulsos. Ele ainda se sente como
um pecador perdido, e a alforria parece-lhe impossível, não
importando o que ele venha a fazer! O preso na masmorra é, às
vezes, livre em pensamento, embora não no corpo. Através das
paredes da masmorra, seu espírito salta e voa para as estrelas, livre
como a águia que de ninguém é escrava. Mas esse homem é um
escravo em seus pensamentos, ele não consegue ter um
pensamento luminoso, feliz!
Sua alma está abatida dentro dele. Seu espírito está
acorrentado e ele está extremamente aflito. O preso, às vezes, se
esquece de sua prisão durante o sono, mas esse homem não
consegue dormir. À noite ele sonha com o inferno; durante o dia,
parece senti-lo. Ele carrega uma fornalha ardente dentro de seu
coração e faça o que quiser, não consegue apagá-la. Ele foi
confirmado, foi batizado, toma o sacramento, frequenta uma igreja
ou uma capela. Ele considera todas as leituras e obedece a toda
regra, mas o fogo ainda queima. Ele dá dinheiro aos pobres, e está
pronto para entregar o seu corpo para ser queimado. Ele alimenta o
faminto, visita os doentes, veste o despido, mas o fogo ainda
queima; faça o que quiser, ele não consegue apagá-lo!
Ó, você filho do cansaço e lamento! Isso que você sente é a
justiça de Deus severamente lhe perseguindo; e feliz será você que
sente isso; por agora é a você que eu prego este Evangelho da
glória do Deus bendito! Você é o homem por quem Jesus Cristo
morreu! Para você Ele satisfez a inflexível justiça. E agora tudo o
que você tem que fazer para obter a paz e a consciência é apenas
dizer ao seu adversário que lhe persegue: “Olhe aqui! Cristo morreu
por mim! Minhas boas obras não poderiam fazer você parar; nem
minhas lágrimas poderiam lhe apaziguar. Olhe aqui, lá está a cruz!
Ali esteve o Deus sangrando! Ouça a Seu brado ao morrer! Veja-O
expirar! Agora você não está satisfeita?”. E quando você fizer isso,
você terá a paz de Deus que excede todo o entendimento, a qual
guardará o seu coração e seu pensamento por meio de Jesus Cristo
seu Senhor, e então, você conhecerá a grandeza de Sua expiação!

III. Em terceiro lugar, podemos medir a grandeza da redenção de


Cristo, pelo preço que Ele pagou. É impossível para nós sabermos o
quão grande foram as dores do nosso Salvador, mas ainda algum
vislumbre destas dores nos renderá uma pequena ideia da grandeza
do preço que Ele pagou por nós. Ó Jesus, quem descreverá a Tua
agonia?
“Venham, todas as fontes
Habitem em minha cabeça e olhos, venham, nuvens e chuva!
Minha dor tem necessidade de todas as águas
Que a criação produziu. Que de cada veia se
Extraia um rio para abastecer meus olhos,
Meus cansados e lacrimejantes olhos, os quais sequei,
Assim permanecerão a menos que obtenham novos fluxos
Para jorrá-los de acordo com a minha condição.”
Ó Jesus! Tu foste um sofredor desde o Teu nascimento, um
homem de dores e que sabe o que é padecer! Os Teus sofrimentos
vieram sobre Ti como uma chuva perpétua até a última temível hora
de escuridão. Depois, não em uma chuva, mas em uma nuvem,
uma torrente, uma catarata de tristeza Tuas agonias caíram sobre
Ti. Veja-O além! É uma noite de geada e frio, mas Ele está ao
relento. Anoiteceu. Ele não dorme, está em oração. Ouça os Seus
gemidos! Ou se algum homem lutou como Ele luta? Vá e olhe o Seu
rosto! Já houve tal sofrimento em um semblante mortal, como o que
você contempla? Ouça as Suas próprias palavras? “A minha alma
está cheia de tristeza até a morte”. 43F[44] Ele se levanta. Ele é
tomado por traidores e é preso. Vamos ao lugar onde agora Ele
estava envolvido em agonia. Ó Deus! O que é isto que vemos? O
que é esta mancha no chão? É sangue! De onde veio? Ele tinha
alguma ferida que escorria por causa de Sua terrível luta? Ah, não.
“O seu suor tornou-se como grandes gotas de sangue, que corriam
até ao chão”. 44F[45] Oh, agonias, que ultrapassam a palavra pela
qual nós as nomeamos! Oh, sofrimentos, que não podem ser
pronunciados pela linguagem! O que é isso que assim conseguiu
atingir a estrutura bendita do Salvador e fez que todo o Seu corpo
suasse sangue?
Este é o início, o começo da tragédia. Você igreja entristecida,
siga-o com tristeza para testemunhar a consumação dela. Ele é
arrastado pelas ruas. Está primeiramente em um tribunal, depois em
outro. Ele é lançado perante o Sinédrio e condenado. É
ridicularizado por Herodes, é julgado por Pilatos. Sua sentença é
pronunciada: “Crucifica-o!”. E agora a tragédia vem ao seu clímax.
Suas costas são feridas. Ele é amarrado à pequena coluna romana.
O azorrague sangrento provoca sulcos em Suas costas. Suas
costas estão avermelhadas pelo escorrer do sangue, um manto
carmesim O proclama imperador da miséria! Ele é levado para a
sala da guarda. Seus olhos estão cobertos, em seguida, golpeiam
Sua face e dizem: “Profetiza, quem é que te feriu?”. 45F[46] Cospem
em Seu rosto. Fazem uma coroa de espinhos e colocam-na com
força sobre Sua testa. Colocam sobre Ele uma capa cor de púrpura.
Inclinam-se e zombam dEle. Ele permanece em silêncio. Não
responde uma palavra. “Quando o injuriavam, não injuriava”, 46F[47]
mas entregava-Se aos que veio servir. E agora O levam com muito
escárnio e zombaria, e O conduzem deste lugar e arrastam pelas
ruas. Emagrecido pelo jejum contínuo e deprimido com agonia de
espírito, Ele tropeça sob a Sua cruz. Filhas de Jerusalém! Ele
desmaia em suas ruas! Eles O levantam. Colocaram a Sua cruz
sobre outros ombros e O apressam, talvez, com varapaus, até que
finalmente, Ele chega ao monte da desgraça. Os rudes soldados O
prendem e ferem nas costas. O madeiro transversal é colocado
debaixo dEle, Seus braços são esticados para alcançar a distância
necessária. Os pregos são cravados. Quatro martelos em um
momento introduzem quatro pregos nas partes mais sensíveis de
Seu corpo! E ali jaz sobre o Seu próprio local de execução,
morrendo na Sua cruz. Ainda não acabou. A cruz é erguida pelos
rudes soldados. Há um encaixe preparado para isso. A cruz é fixada
no lugar, o qual eles enchem com terra. E ali ela permanece.
Entretanto, olhem para os membros do Salvador, como eles
tremem! Cada osso ficou fora da junta quando a cruz foi erguida!
Como Ele brada! Como Ele suspira! Como Ele soluça! Não só isso;
ouça como, finalmente, Ele grita em agonia: “Deus Meu, Deus Meu,
por que me desamparaste?”. 47F[48] Ó sol, não admira que você
tenha fechado os seus olhos para não mais contemplar um ato tão
cruel! Ó rochas! Não admira que vocês tenham se fendido e
rasgado os seus corações com compaixão quando seu Criador
morreu! Nenhum homem sofreu como este! Mesmo a própria morte
cedeu e muitos daqueles que estavam em seus túmulos se
levantaram e entraram na cidade. 48F[49] Este, contudo, é apenas o
exterior. Confiem em mim, irmãos e irmãs, o interior era muito pior.
O que o nosso Salvador sofreu em Seu corpo não foi nada
comparado com o que Ele suportou em Sua alma! Você não pode
imaginar e eu não posso ajudá-lo a cogitar o que Ele suportou
interiormente. Suponham por um momento — para repetir uma frase
que muitas vezes tenho usado — suponhamos que um homem foi
ao inferno, suponhamos que o seu tormento eterno fosse
condensado em uma hora. E, então, suponham que isso fosse
multiplicado pelo número dos salvos, que é um número que além de
toda contabilidade humana; agora vocês podem pensar que grande
condensação de miséria haveria nos sofrimentos de todo o povo de
Deus se fossem punidos por toda a eternidade? E lembrem-se que
Cristo teve que sofrer algo equivalente a todos os infernos de todos
os Seus redimidos! Eu nunca posso expressar esse pensamento
melhor do que usando essas palavras muitas vezes repetidas:
parecia que o inferno havia sido colocado em Seu cálice, Ele o
tomou: “Em um grandioso propósito de amor, Ele bebeu a
condenação até o fim”. De modo que não havia mais nada de todas
as dores e misérias do inferno eterno que o Seu povo deveria sofrer!
Eu não digo que Ele sofreu o mesmo, mas que suportou algo
equivalente a tudo isso e ofereceu a Deus a satisfação por todos os
pecados de todo o Seu povo, e consequentemente, pagou a Deus
um equivalente por todo o castigo deles! Agora, vocês podem
imaginar, podem supor o que é a grande redenção de nosso Senhor
Jesus Cristo?

IV. Serei muito breve sobre o próximo ponto. A quarta forma


de medir as agonias do Salvador é esta: devemos considerá-las
pela LIBERTAÇÃO GLORIOSA QUE ELE CONSUMOU.
Levante-se, crente, levante-se em seu lugar e hoje
testemunhe a grandeza do que o Senhor tem feito por você! Deixe-
me dizer isso para você! Contarei a sua experiência e a minha de
uma só vez. Houve um tempo em que minha alma estava
sobrecarregada com o pecado. Eu havia me revoltado contra Deus
e transgredido gravemente. Os terrores da lei tinham domínio sobre
mim. As dores da convicção se apoderaram de mim. Vi-me culpado.
Olhei para o céu e vi um Deus irado jurando punir-me. Olhei para
baixo de mim e vi um inferno com a boca aberta, pronto para me
devorar! Busquei, pelas boas obras, satisfazer a minha consciência.
Mas tudo em vão! Esforcei-me, por participar das cerimônias da
religião, apaziguar as dores que eu sentia interiormente, mas tudo
se mostrou sem efeito. Minha alma estava cheia de tristeza quase
até a morte. Eu poderia ter dito com aquele antigo sofredor: “a
minha alma escolheria antes a estrangulação; e antes a morte do
que a vida”. 49F[50] Esta era a grande questão que sempre me afligia:
“Pequei. Deus deve me punir. Como Ele pode ser justo se Ele não
me punir? Então, uma vez que Ele é justo, o que será de mim?”.
Finalmente, meus olhos se voltaram para essa doce Palavra que
diz: “o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o
pecado”. 50F[51] Tomei esse texto, fui para o meu quarto. Ali sentei-
me e meditei. Eu vi alguém pendurado numa cruz. Era o meu
Senhor Jesus. Ali estavam a coroa de espinhos e os emblemas de
miséria inigualável e incomparável. Olhei para Ele e os meus
pensamentos recaíram sobre aquela Palavra que diz: “Esta é uma
palavra fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao
mundo, para salvar os pecadores”. 51F[52] Então, eu disse dentro de
mim: “Este homem morreu pelos pecadores? Eu sou um pecador.
Então, Ele morreu por mim! Aqueles por quem morreu, Ele salvará.
Ele morreu pelos pecadores. Eu sou um pecador. Ele morreu por
mim! Ele me salvará”. Minha alma invocou aquela verdade. Olhei
para Ele, e enquanto eu “via o fluxo de Seu sangue redentor de
almas”, o meu espírito se alegrou, pois eu pude dizer: “Nada em
minhas mãos eu trago,
Simplesmente à Tua cruz me agarro!
Nu eu olho para Ele por veste,
Desamparado, Eu venho a Ele por graça!
Sujo, eu corro para esta fonte,
Lava-me, Salvador, ou morro!”
E agora, crente, você dirá o restante. No momento em que
você creu, o seu fardo caiu de seus ombros e você tornou-se leve
como o ar. Em vez de trevas, houve luz! Em vez de vestes de
opressão, você teve vestes de louvor. Quem falará da sua alegria
desde então? Você tem cantado na terra os hinos do céu e na sua
alma reconciliada você tem antecipado o sabbath eterno dos
remidos. Porque você creu, entrou no descanso. Sim, conte isso
para todo o mundo: Os que creem, pela morte de Jesus, são
justificados de todas as coisas a partir das quais eles não poderiam
ser libertos pelas obras da lei! Diga isso nos céus: Ninguém pode
acusar os eleitos de Deus! Diga isso na terra: Os redimidos de Deus
estão livres do pecado aos olhos de Yahwéh! Diga isso mesmo ao
inferno: Os eleitos de Deus nunca irão para este lugar, Cristo morreu
pelos Seus eleitos e quem os condenará?

V. Apressei-me para o último ponto que é o mais doce de


todos! Jesus Cristo, somos informados em nosso texto, veio ao
mundo, “para dar a sua vida em resgate de muitos”. A grandeza da
redenção de Cristo pode ser medida pela EXTENSÃO DO SEU
DESÍGNIO. Ele deu a Sua vida “em resgate de muitos”. Devo agora
retornar a esse ponto controverso novamente. Aqueles de nós que
somos comumente apelidados pelo título de calvinistas (e não
estamos envergonhados disso. Nós pensamos que Calvino, afinal,
sabia mais sobre o Evangelho do que quase qualquer homem não
inspirado que já viveu!), somos muitas vezes acusados de limitar a
expiação de Cristo, porque dizemos que Cristo não fez uma
expiação por todos os homens, ou todos os homens seriam salvos.
Agora, a nossa resposta a isso é que, por outro lado, os nossos
adversários O limitam, não nós! Os arminianos dizem que Cristo
morreu por todos os homens. Pergunte a eles o que querem dizer
com isso. Cristo morreu, de modo a assegurar a salvação de todos
os homens? Eles dizem: “Não, certamente não”. Fazemos-lhes a
próxima pergunta: “Cristo morreu, de modo a assegurar a salvação
de qualquer homem em particular?”. Eles respondem: “Não”. Eles
são obrigados a admitir isso, se forem consistentes. Eles dizem:
“Não, Cristo morreu para que qualquer homem possa ser salvo
se…”; e então, seguem citando determinadas condições de
salvação. Então, dizemos somente que voltaremos para a
declaração anterior: “Cristo não morreu para que sem dúvida
assegurasse a salvação de qualquer um, não é?”. Você deve dizer:
“Não”. Você é obrigado a dizê-lo, por que acredita que mesmo
depois que um homem foi perdoado, ele ainda pode cair da graça e
perecer. Agora, quem é que limita a morte de Cristo? Ora, você!
Você diz que Cristo não morreu de modo a assegurar infalivelmente
a salvação de ninguém. Nós nos escusamos, quando você diz que
nós limitamos a morte de Cristo! Nós dizemos: “Não, meu caro
senhor, é você que o faz. Nós dizemos que Cristo morreu de modo
que Ele infalivelmente garantiu a salvação de uma multidão que
ninguém pode contar, que através da morte de Cristo não só podem
ser salvos, mas são salvos, serão salvos e de maneira alguma
correrão o risco de serem qualquer outra coisa, senão salvos! Você
acolhe bem a sua expiação. Você pode sustentá-la. Nós nunca
renunciaremos à nossa por causa disso”.
Agora, amados, quando vocês ouvirem alguém rindo ou
zombando da expiação limitada, poderão dizer-lhe isso. A expiação
geral é como uma ponte grande e larga que vai apenas até a
metade do caminho; ela não vai até a outra margem do rio; só
professa percorrer metade do caminho; não assegura a salvação de
ninguém. Ora, eu, antes, poria meu pé em cima de uma ponte tão
estreita quanto a Ponte Hungerford, que percorresse todo o
caminho, do que em uma ponte tão larga quanto o mundo, se esta
não percorresse todo o caminho até a outra margem do rio.
Disseram-me que é meu dever dizer que todos os homens foram
resgatados e me informaram que há um mandado bíblico para isso:
“O qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos, para
servir de testemunho a seu tempo”. 52F[53] Agora, este parece ser
um grande argumento, de fato, para o outro lado da questão! Por
exemplo, veja aqui: “Eis que toda a gente vai após ele”. 53F[54] Será
que todo o mundo seguia a Cristo? “Então ia ter com ele Jerusalém,
e toda a Judéia, e toda a província adjacente ao Jordão”. 54F[55]
Toda a Jerusalém ou toda a Judéia foi batizada no Jordão?
“Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no
maligno”. 55F[56] Será que “todo o mundo” aqui significa o mundo
todo? Se assim for, como podia ser então, que houvessem alguns
que eram “de Deus”? As palavras “mundo” e “todos” são usados em
cerca de sete ou oito sentidos diferentes nas Escrituras. E é muito
raro que, “todos” signifique todas as pessoas consideradas
individualmente! As palavras são geralmente usadas para significar
que Cristo redimiu alguns de todos os tipos — alguns judeus, alguns
gentios, alguns ricos, alguns pobres — e que Ele não restringiu a
Sua redenção a judeus ou a gentios.
Deixando a controvérsia, no entanto, agora responderei a uma
pergunta. Diga-me, então, senhor, por quem Cristo morreu?
Responda-me uma ou duas perguntas e vou lhe dizer se Ele morreu
por você. Você precisa de um Salvador? Você sente que precisa de
um Salvador? Você está, nesta manhã, consciente de pecado? O
Espírito Santo lhe ensinou que você está perdido? Então, Cristo
morreu por você e você será salvo! Nesta manhã, você está
consciente de que não tem esperança no mundo, mas somente em
Cristo? Você sente que por si mesmo não pode oferecer uma
expiação que satisfaça a justiça de Deus? Você desistiu de toda
confiança em si mesmo? E, de joelhos, pode dizer: “Senhor, salva-
me, ou pereço”? Cristo morreu por você!
Se você está dizendo nesta manhã: “Eu sou tão bom quanto
deveria ser. Eu posso chegar ao céu por minhas próprias boas
obras”, então, lembre-se da Escritura que diz o seguinte a respeito
de Jesus: “Eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores, ao
arrependimento”. 56F[57] Enquanto você estiver nesse estado eu não
tenho expiação a pregar para você! Mas se nesta manhã você se
sentir culpado, miserável, consciente de sua culpa e estiver disposto
a ter a Cristo como seu único Salvador, eu posso não somente
dizer-lhe que você pode ser salvo, mas o que é melhor ainda, que
você será salvo! Quando você estiver despojado de tudo, apenas
espere em Cristo. Quando você estiver preparado para vir de mãos
vazias e ter a Cristo como o seu tudo e você mesmo como nada,
então você pode olhar para Cristo e dizer: “Tu querido, Tu
ensanguentado Cordeiro de Deus! Tuas dores foram suportadas por
mim. Por Tuas pisaduras eu sou sarado e por Teus sofrimentos sou
perdoado”. E depois veja que paz de espírito você terá, pois, se
Cristo morreu por você, então você não será perdido! Deus não
punirá duas vezes por uma mesma coisa. Se Deus puniu a Cristo
pelo seu pecado, Ele nunca punirá você. “A justiça de Deus não
pode exigir duas vezes o pagamento; primeiro da mão do Fiador
ensanguentado, e depois novamente da minha”. Podemos, hoje, se
cremos em Cristo, ir até ao trono de Deus, ficar ali, e se for dito:
“Você é culpado?”. Podemos dizer: “Sim, culpado”. Mas, se outra
pergunta for feita: “O que você tem a dizer para que não seja punido
por sua culpa?”. Podemos responder: “Grande Deus, tanto a Tua
Justiça quanto o Teu amor são as minhas garantias que não me
punirás pelo pecado. Pois, Tu não puniste a Cristo pelo meu
pecado? Como Tu podes, então, ser justo, como Tu podes ser
Deus, se puniste a Cristo, o Substituto, e depois punisses os
próprios homens?”.
Sua única pergunta é: “Cristo morreu por mim?”. E a única
resposta que podemos dar é: “Esta é uma palavra fiel, e digna de
toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os
pecadores”. Você pode escrever seu nome entre os pecadores?
Não entre os pecadores impenitentes, mas entre aqueles que
sentem isso, que lamentam, se entristecem e buscam a misericórdia
por causa disso? Você é um pecador? Após haver sentido,
conhecido e professado isso, você agora é convocado a crer que
Jesus Cristo morreu por você, porque você é um pecador, você está
ordenado a lançar-se sobre essa grande rocha inamovível e
encontrar segurança eterna no Senhor Jesus Cristo!
4
Graça Irresistível
(I de TULIP — Irresistible Grace)

Sermão Nº 73. Pregado na Manhã de sabbath, 6 de abril de 1856. Em New


Park Street Chapel, Southwark.

“E quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, viu-o e disse-
lhe: Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua
casa.” (Lucas 19:5) Não obstante a nossa firme convicção de que a maioria
de vocês está bem instruída nas doutrinas do Evangelho eterno, somos
constantemente lembrados em nossa conversa com jovens convertidos do
quão absolutamente necessário é repetir nossas lições anteriores e
constantemente afirmar e provar mais e de novo as doutrinas que são o
fundamento da nossa santa religião. Portanto, os nossos amigos para quem
há muitos anos a grande doutrina do chamado eficaz 57F[58] foi ensinada,
crerão que enquanto eu prego de modo muito simples nesta manhã, o sermão
é destinado para aqueles que são jovens no temor do Senhor, para que
possam mais bem e de coração compreender este excelente ponto de partida,
o chamado eficaz de homens pelo Espírito Santo.
Usarei o caso de Zaqueu como uma grande ilustração da
doutrina do chamado eficaz. Vocês se lembram da história. Zaqueu
tinha curiosidade de ver o maravilhoso homem, Jesus Cristo, que
estava virando o mundo de cabeça para baixo e causando uma
imensa comoção na mente dos homens. Frequentemente
encontramos falha na curiosidade e dizemos que é pecaminoso vir à
casa de Deus por esse motivo. Eu não tenho certeza que devemos
nos arriscar a fazer tal afirmação. O motivo não é pecaminoso,
embora certamente não seja virtuoso; no entanto, muitas vezes tem
sido provado que a curiosidade é um dos melhores aliados de
graça. Zaqueu, motivado pela curiosidade, desejava ver Cristo, mas
havia dois obstáculos no caminho: Primeiro, havia uma multidão de
pessoas de modo que ele não conseguiria chegar perto do
Salvador; em segundo lugar, ele era tão baixo que não havia
esperança por olhar por cima das cabeças das pessoas de modo a
ter um vislumbre do Senhor Jesus.
O que ele fez? Fez o que os meninos estavam fazendo —
pois, os meninos dos tempos antigos eram, sem dúvida, assim
como os meninos contemporâneos — eles haviam subido em
galhos das árvores para ver Jesus enquanto passava. Embora
sendo velho, Zaqueu sobe e ali e se senta entre as crianças. Os
meninos ficam com muito medo do publicano velho e severo, que os
seus pais temiam, para empurrá-lo para baixo ou causar-lhe
qualquer inconveniente. Olhem para ele ali. Com que ansiedade ele
está olhando para baixo, para ver quem é o Cristo, pois o Salvador
não tinha nenhuma distinção pomposa. Ninguém está andando
adiante dEle com um cetro de prata. Ele não trazia um bastão
dourado na mão, não tinha vestes pontifícias. Na verdade, Ele
estava vestido como aqueles ao seu redor. Ele tinha uma capa
como a de um camponês comum, feita de uma só peça de alto a
baixo. Zaqueu mal conseguia distingui-lO. No entanto, antes que ele
tivesse uma visão de Cristo, Cristo fixou Seus olhos sobre ele e
estando de pé debaixo da árvore, olha para cima e diz: “Zaqueu,
desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa”.
Zaqueu desce. Cristo vai para sua casa. Zaqueu se torna seguidor
de Cristo e entra no reino dos céus.

I. Agora, em primeiro lugar, o chamado eficaz é uma verdade divina


muito graciosa. Você pode imaginar isso a partir do fato de que
Zaqueu era uma pessoa a quem suporíamos ser o último a ser
salvo. Ele pertencia a uma cidade má, Jericó, uma cidade que tinha
sido amaldiçoada e ninguém suspeitaria que alguém que viesse de
Jericó seria salvo. Foi perto de Jericó que o homem caiu nas mãos
dos salteadores 58F[59] — nós confiamos que Zaqueu não teve
participação nisso — mas há alguns que, enquanto eles são
publicanos, podem ser ladrões também. Nós também podemos
esperar convertidos de St. Giles ou dos piores locais de Londres,
dos piores e mais vis antros de infâmia, tanto quando a partir de
Jericó naqueles dias. Ah, meus irmãos, não importa de onde vocês
vêm, podem vir de uma das ruas mais sujas, uma das piores favelas
de Londres, se a graça eficaz vos chama, é um chamado eficaz, que
não faz distinção de lugar. Zaqueu tinha também um péssimo modo
de tratar com as pessoas e provavelmente as enganava a fim de
enriquecimento próprio. Na verdade, quando Cristo entrou em sua
casa, havia um murmúrio universal que Ele se hospedaria com um
homem que era um pecador. Mas, meus irmãos, a graça não
conhece distinção. A graça não faz acepção de pessoas. Deus
chama quem Ele quer e chamou aquele que era pior dentre os
publicanos, na pior das cidades, o pior dos homens de negócios.
Além disso, Zaqueu era um dos menos prováveis de serem salvos
porque ele era rico. É verdade, ricos e pobres são bem-vindos,
ninguém tem a menor desculpa para desespero por causa de sua
condição, mas é um fato que “não são muitos os sábios segundo a
carne, nem muitos os poderosos”, 59F[60] os que são chamados,
“porventura não escolheu Deus aos pobres deste mundo para
serem ricos na fé”. 60F[61]
Porém, mesmo aqui a graça não conhece distinção. O rico
Zaqueu é chamado desde a árvore. Ele desce e é salvo. Eu pensei
que seria um dos maiores exemplos da condescendência de Deus,
que Ele olhasse para baixo, para o homem. Mas, vou dizer-lhe que
houve uma condescendência maior do que esta, quando Cristo
olhou para cima, para ver Zaqueu. Deus olhar para baixo sobre as
Suas criaturas é misericórdia, mas Cristo se humilhar, de modo a
olhar para cima, para uma das Suas próprias criaturas, isso é
misericórdia, de fato! Ah, muitos de vocês que já subiram na árvore
de suas próprias boas obras e se penduraram nos ramos de suas
santas ações e estão confiando no livre-arbítrio da pobre criatura, ou
descansando em alguma ideia mundana. No entanto, Cristo olha
para cima até mesmo para os pecadores orgulhosos e chama-os
para baixo. “Desce”, diz Ele, “hoje me convém pousar em tua casa”.
Se Zaqueu fosse um homem humilde de espírito, sentado à beira do
caminho, ou aos pés de Cristo, então admiraríamos a misericórdia
de Cristo. Mas aqui ele está exaltado e Cristo olha para ele e
manda-o descer.

II. Esse também foi um chamado pessoal. Além de Zaqueu, haviam


meninos na árvore, mas não havia nenhum engano em relação à
pessoa que foi chamada. Foi, “Zaqueu, desce depressa”. Existem
outros chamados mencionados nas Escrituras. É dito
especialmente: “Muitos são os chamados, mas poucos os
escolhidos”. 61F[62] Ora, é o chamado eficaz que é intencionado pelo
Apóstolo quando disse: “aos que chamou, a estes também
justificou”. 62F[63] Há um chamado geral que muitos homens e até
mesmo todos os homens rejeitam, a menos que depois haja um
chamado pessoal e particular, que nos faz cristãos. Vocês serão
minhas testemunhas que foi um chamado pessoal que lhes trouxe
ao Salvador. Foi algum sermão que levou vocês a sentirem que
eram, sem dúvida, as pessoas intencionadas.
Talvez, o texto fosse: “Tu és Deus que me vê”. 63F[64] E, talvez,
o ministro insistiu particularmente sobre a palavra “me”, de modo
que pensaram que os olhos de Deus estavam fixados sobre vocês.
E antes da conclusão do sermão, vocês imaginaram Deus abrindo
os livros para condená-los e o coração de vocês sussurrou:
“Esconder-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o
veja? diz o Senhor”. 64F[65] Vocês poderiam estar pendurados na
janela ou no corredor lotado, mas tinham uma convicção solene de
que o sermão fora pregado para vocês e não para outras pessoas.
Deus não chama o Seu povo em multidão, mas em unidades.
“Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, voltando-se, disse-lhe: Raboni, que
quer dizer: Mestre”. 65F[66] Jesus vê Pedro e João pescando à beira
do lago e diz-lhes: “Sigam-me”. Ele vê Mateus, sentado à mesa na
recebedoria, e diz-lhe: “Levanta-te e segue-me”, 66F[67] e Mateus o
seguiu. Quando o Espírito Santo vem a um homem, a seta de Deus
entra em seu coração, ela não arranha o seu capacete, ou faz
algum pequeno dano na armadura, ela penetra entre os espaços da
armadura, entrando na medula da alma. Vocês já sentiram, queridos
amigos, este chamado pessoal? Vocês se lembram quando uma voz
disse: “Levanta-te, que Ele te chama”. 67F[68] Vocês podem olhar
para trás quando disseram: “Meu Senhor, e meu Deus!”, 68F[69]
quando sabiam que o Espírito estava lutando com vocês e
disseram: “Senhor, eu venho a Ti, pois eu sei que Tu me
chamaste”? Eu poderia chamar todos vocês por toda a eternidade,
mas se Deus chamar alguém, haverá mais efeito através de Seu
chamado pessoal do que de meu apelo geral às multidões.
III. Em terceiro lugar, é um chamado vivificante. “Zaqueu...
depressa”. Quando o pecador é chamado por um ministro comum,
responde: “Amanhã”. Ele ouve um sermão notável e diz: “Eu me
converterei a Deus aos poucos”. As lágrimas rolam pelo seu rosto,
mas elas são enxugadas. Alguma bondade aparece, mas como a
nuvem da manhã, é dissipada pelo sol da tentação. Ele diz: “Eu
solenemente prometo a partir deste momento reformar minha vida.
Depois que mais uma vez eu consentir com meu pecado favorito,
renunciarei os meus desejos e me decidirei por Deus”. Ah, isso é
apenas o chamado de um ministro e não serve para nada. Dizem
que o inferno está cheio de boas intenções. Estas boas intenções
são geradas por chamados gerais.
A estrada para a perdição é colocada sobre ramos de árvores
onde os homens estão sentados, pois muitas vezes eles abaixam os
ramos das árvores, mas eles mesmos não descem. A palha
colocada diante da porta de um homem doente faz com que as
rodas dos transportes que passam na rua façam menos barulho.
Assim, há alguns que espalham promessas no caminho do
arrependimento e assim, descem mais facilmente e sem fazer
barulho, rumo à perdição. Mas o chamado de Deus não é um
chamado para amanhã. “Hoje, se ouvirdes a sua voz, não
endureçais os vossos corações, como na provocação”. 69F[70] A
graça de Deus sempre vem com urgência, e se você for atraído por
Deus, correrá para Deus e não estará falando sobre adiamentos.
O amanhã não está escrito no almanaque de tempo. O
amanhã está no calendário de Satanás e em nenhum outro lugar.
Amanhã é uma pedra esbranquiçada pelo acúmulo dos ossos dos
marinheiros que foram destruídos sobre ela. Amanhã é a luz do
destruidor brilhando no litoral, atraindo pobres navios à destruição.
Amanhã é o copo de idiota que fica ao pé do arco-íris, mas que
ninguém jamais encontrou. Amanhã é a ilha flutuante de Loch
Lomond, que ninguém jamais viu. Amanhã é um sonho. Amanhã é
uma ilusão. Amanhã, sim, amanhã você pode levantar seus olhos
no inferno, estando em tormentos. O relógio acolá diz “hoje”. Seus
sussurros pulsam “hoje”. Eu ouço meu coração falar enquanto bate
e ele diz: “hoje”. Tudo grita “hoje”. E o Espírito Santo juntamente
com essas coisas diz: “Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais
os vossos corações”. Pecadores, vocês estão inclinados agora para
buscar o Salvador? Vocês estão suspirando uma oração agora?
Vocês estão dizendo: “Agora ou nunca! Eu devo ser salvo agora”?
Se estiver, então, espero que seja um chamado eficaz, pois Cristo,
quando faz um chamado eficaz, diz: “Zaqueu, depressa”.

IV. Outrossim, é um chamado humilhante. “Zaqueu, desce


depressa”. Muitas vezes um ministro chamou os homens ao
arrependimento com um chamado que os tornou orgulhosos,
exaltou-os em sua própria estima e levou-os a dizer: “Eu posso
voltar para Deus quando eu quiser. Eu posso fazê-lo sem a
influência do Espírito Santo”. Eles foram chamados a subir e não a
descer.
Deus sempre humilha um pecador. Será que não me lembro
quando Deus me disse para descer? Um dos primeiros passos que
eu tive que dar foi descer de minhas boas obras. E oh, que queda
foi aquela! Então fiquei em pé sobre a minha própria
autossuficiência e Cristo disse: “Desce! Eu lhe derrubei de suas
boas obras e agora terei que derrubar de sua autossuficiência”.
Bem, eu cai novamente e tinha certeza de que havia ido ao chão,
mas Cristo disse: “Desce!”. E Ele me fez descer até algum ponto em
que senti que não era salvável. “Desça, senhor! Desça, mais”. E eu
desci, até que tive que tornar cada ramo da árvore das minhas
esperanças em desespero. Então, eu disse: “Não posso fazer nada.
Estou perdido”. As águas estavam passando em volta da minha
cabeça, eu estava privado da luz do dia e percebi que era estranho
à comunidade de Israel. “Desça ainda mais baixo, senhor! Você é
muito orgulhoso para ser salvo”. Então, fui trazido para baixo para
ver minha corrupção, minha maldade, minha imundícia. “Desce”, diz
Deus, quando Ele quer salvar. Agora, pecadores orgulhosos, não é
de nenhuma utilidade que vocês se orgulhem, que subam em
árvores, pois Cristo trará vocês para baixo. Oh, vocês que habitam
com a águia na rocha escarpada, vocês descerão de sua exaltação
um dia, descerão pela graça ou descerão pela vingança. Ele “depôs
dos tronos os poderosos, e elevou os humildes”. 70F[71]

V. Em seguida, é um chamado afetuoso. “Hoje me convém pousar


em tua casa”. Vocês podem facilmente imaginar como os rostos na
multidão mudaram! Eles pensaram que Cristo era o mais santo e o
melhor dos homens e estavam prontos para fazê-lo rei. Mas Ele diz:
“Hoje me convém pousar em tua casa”. Houve um pobre judeu que
esteve na casa de Zaqueu, ele esteve “no tapete”, como dizem nas
aldeias do país quando alguém é lavado diante da justiça, e ele
recordou que tipo de casa era aquela. Ele se lembrou de como foi
levado para lá e suas concepções dela era algo como as que uma
mosca teria sobre a teia de aranha depois de já ter escapado de lá
uma vez. Houve outro que teve quase todos os seus bens levados;
a ideia que ele tinha de andar até lá era como entrar em uma cova
de leões. “O quê?”, eles disseram, “este homem santo entrará em
tal covil como este, onde nós, pobres coitados, fomos roubados e
maltratados? Já era ruim o suficiente Cristo falar com ele em cima
da árvore, mas a ideia de ir para a sua casa!”. Todos murmuravam
sobre Ele ser “convidado de um homem que era um pecador”. Bem,
eu sei que alguns de Seus discípulos pensaram que isso era muito
imprudente, que poderia manchar o Seu caráter e que Ele poderia
ofender as pessoas. Eles pensaram que Ele poderia ir ver este
homem durante a noite, como Nicodemos, e dar-lhe uma audiência
quando ninguém O visse! Reconhecer tal homem publicamente era
o ato mais imprudente Ele poderia cometer.
Por que Cristo agiu assim? Porque Ele daria a Zaqueu um
chamado afetuoso. “Eu não entrarei e ficarei na sua porta ou olharei
de sua janela, mas entrarei em sua casa, a mesma onde os gritos
das viúvas têm chegado aos seus ouvidos e você os têm ignorado.
Entrarei na sua sala, onde o choro dos órfãos nunca o levou a ter
compaixão. Irei lá, onde, como um leão voraz você tem devorado a
sua presa. Irei lá, onde você maculou a sua casa e a tornou infame.
Eu irei para o lugar onde clamores subiram aos céus, vindo dos
lábios daqueles a quem você oprimiu. “Entrarei em sua casa e lhe
darei uma bênção”. Oh, que afeição houve nisso! Pobre pecador,
meu mestre é muito afetuoso. Ele entrará em sua casa. Que tipo de
casa você tem? Uma casa que você tornou infeliz com a sua
embriaguez, uma casa que você contaminou com a sua impureza,
uma casa que você maculou com a sua maldição e blasfêmia, uma
casa onde você está realizando um comércio ilegal do qual você
ficaria feliz em se livrar? Cristo diz: “Eu entrarei em sua casa”. E eu
conheço algumas casas às quais agora Cristo vem todas as
manhãs, mas que antes eram antros de pecado. Marido e mulher
que antes só conseguiam brigar e contender, dobram seus joelhos
em oração. Cristo vai até lá na hora do jantar, quando o trabalhador
chega em casa para as suas refeições. Alguns dos meus ouvintes
mal podem ter uma hora para as suas refeições, mas eles têm
palavras de oração e a leitura das Escrituras. Cristo vem até eles.
Onde as paredes eram cobertas com canções lascivas e imagens
vãs, há um almanaque cristão no lugar. Há uma Bíblia sobre a
cômoda, e, embora seja apenas um quarto em que vivem, se um
anjo entrasse e Deus dissesse: “O que você viu naquela casa?”. Ele
diria: “Vi bons móveis, pois há uma Bíblia lá; aqui e ali um livro
religioso; as imagens sujas foram jogadas fora e queimadas. Não há
cartas no armário do homem agora. Cristo entrou em sua casa”. Oh,
que bênção termos o nosso Deus em casa, assim como alegavam
os romanos! Nosso Deus é um Deus do lar. Ele vem viver com o
Seu povo! Ele ama as tendas de Jacó.
Agora, pobres pecadores maltrapilhos, vocês que vivem nos
antros imundos de Londres, se tais pessoas estão aqui, Jesus diz a
vocês: “Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar
em tua casa”.

VI. Novamente, este não era apenas um chamado afetuoso, mas foi
um chamado permanente. “Hoje me convém pousar em tua casa”.
Um chamado comum é assim: “Hoje eu entrarei em sua casa por
uma porta e sairei pela outra”. O chamado comum que é dado pelo
Evangelho a todos os homens é um chamado que opera sobre eles
por um tempo e depois está tudo acabado, mas o chamado salvífico
é um chamado permanente. Quando Cristo fala, Ele não diz:
“Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém ver a tua casa”.
Não. Ele diz: “me convém pousar em tua casa. Estou indo sentar-
me para comer e beber contigo. Estou indo ter uma refeição contigo.
Hoje me convém pousar em tua casa”.
“Ah”, diz alguém, “você não pode dizer quantas vezes eu
fiquei impressionado, senhor. Muitas vezes tive uma série de
convicções solenes e eu pensei que realmente era salvo, mas tudo
desvaneceu, como um sonho. Quando alguém acorda, tudo com o
que sonhou, desapareceu. Assim foi comigo”. Mas, ah, pobre alma,
não se desespere. Você sente as operações da graça toda-
poderosa dentro do seu coração ordenando que você se arrependa
hoje? Se for assim, será um chamado permanente. Se Jesus está
operando em sua alma, Ele virá e ficará no seu coração e o
consagrará para a Si mesmo para sempre. Ele diz: “Eu irei, e
habitarei com você e o farei para sempre. Eu chegarei e direi: ‘Aqui
Eu farei o meu descanso permanente,
Não mais sairei,
Não mais serei um estranho ou um convidado,
Mas o Mestre desta casa.’”
“Oh”, você diz, “é isso o que eu quero. Eu quero um chamado
permanente, algo que durará. Eu não quero uma religião
passageira, mas uma religião permanente”. Bem, esse é o tipo de
chamado que Cristo faz. Seus ministros não podem fazê-lo, mas
quando Cristo fala, Ele fala com poder e diz: “Zaqueu, desce
depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa”.

VII. Há uma coisa, porém, que não posso esquecer, a saber, que
esse era um chamado necessário. Basta lê-lo outra vez: “Zaqueu,
desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa”. Não
era uma coisa que Ele poderia fazer ou não, este era um chamado
necessário. A salvação de um pecador é tanto uma questão de
necessidade em relação a Deus, quanto o cumprimento de Seu
pacto de que a chuva não mais inundaria o mundo. A salvação de
cada filho comprado pelo sangue de Deus é uma coisa necessária
por três razões: É necessária porque é o propósito de Deus, é
necessária porque é a compra de Cristo e é necessária porque é a
promessa de Deus. É necessário que o filho de Deus seja recolhido.
Alguns teólogos acham que é muito errado colocar uma ênfase na
palavra “necessário”, especialmente na passagem onde se diz: “E
era-lhe necessário passar por Samaria”. “Ora”, eles dizem, “Ele
precisou passar por Samaria, porque não havia outra maneira que
Ele pudesse ir e, portanto, foi forçado a seguir por esse caminho”.
Nós respondemos, sim, senhores, sem dúvida. Mas, então não
poderia ter havido outra maneira. A providência fez com que Ele
fosse necessário passar por Samaria e que Samaria devesse estar
na rota que Ele escolhera. “Era-Lhe necessário passar por
Samaria”. A providência fez com que o homem construísse Samaria
à beira da estrada e a graça compeliu o Salvador a dirigir-Se
naquela direção. Não foi dito: “Zaqueu, desce depressa, porque hoje
posso pousar em tua casa”, mas “me convém”. O Salvador sentiu
uma necessidade forte. Isso era tão verdadeiramente necessário
quanto o fato de que o sol deve dar-nos luz durante o dia e a lua de
noite; há exatamente tanta necessidade que cada filho comprado
pelo sangue de Deus seja salvo. “Hoje me convém pousar em tua
casa”.
E oh, quando o Senhor diz isso — que Lhe convém — então,
Ele irá. O que disse, então, o pobre pecador, em outras vezes que
foi chamado: “Devo deixá-lO entrar, afinal? Há um estranho na
porta. Ele está batendo agora, Ele já havia batido antes, eu devo
deixá-lO entrar?”. Mas desta vez é: “Me convém pousar em tua
casa?”. Não houve batidas na porta, mas a porta foi desintegrada
em átomos! E para dentro Ele andou — Eu devo, vou, quero ir — Eu
não Me preocupo em proteger a sua vileza, a sua incredulidade. Eu
devo, Eu vou, Me convém pousar em tua casa”. “Ah”, diz alguém,
“eu não acredito que Deus alguma vez me fará crer no que você
acredita, ou de algum modo me tornará um cristão”. Ah, mas se Ele
apenas disser: “Hoje me convém pousar em tua casa”, não haverá
resistência em você. Há alguns metodistas entres vocês que
desprezam a própria ideia de ser um hipócrita; “O que, senhor?
Você acha que eu alguma vez me transformaria em um de seus
religiosos”. Não, meu amigo, eu não acho isso; eu tenho certeza. Se
Deus diz “me convém”, não há nenhuma oposição contra isso. Que
Ele diga “necessito”, e isso será feito Vou apenas contar-lhes uma
anedota para provar isso. “Um pai estava prestes a enviar seu filho
para a faculdade, mas como ele conhecia a influência a qual estaria
exposto, ele estava com uma profunda solicitude e preocupado com
o bem-estar espiritual e eterno de seu filho querido. Temendo que os
princípios da fé cristã que ele tinha se esforçado para incutir em sua
mente fossem rudemente removidos, mas confiando na eficácia da
Palavra, que é viva e eficaz, ele comprou, sem que o seu filho
soubesse, uma bela cópia da Bíblia e a depositou no fundo da mala.
O jovem começou a sua carreira universitária. As restrições de uma
educação piedosa logo foram quebradas e ele passou da
especulação para as dúvidas e das dúvidas a uma negação da
veracidade da religião. Depois de ter ficado, em sua própria estima,
mais sábio do que seu pai, descobriu um dia, enquanto vasculhava
a sua mala, com grande surpresa e indignação o depósito sagrado.
Tirou-o e enquanto deliberava sobre o que faria com a Bíblia,
determinou que a usaria como papel para limpar a máquina de
barbear durante o barbear-se. Assim, cada vez que ele fazia barba,
ele arrancava uma folha ou duas do livro santo e, assim, usou-o até
que quase a metade do volume foi destruído. Mas enquanto ele
estava cometendo este ultraje com o livro sagrado, um texto num
momento e depois, alcançou o seu olho e foi como uma flecha
aguda ao seu coração. Por fim, ele ouviu um sermão, que lhe
revelou a sua própria condição e sua exposição à ira de Deus. Ele
voltou o seu pensamento para a impressão que havia recebido da
última folha rasgada do volume bendito, ainda que insultado. Se
mundos estivessem à sua disposição, ele livremente abriria mão
deles, se isso o ajudasse a desfazer o que tinha feito. Finalmente,
encontrou perdão aos pés da cruz. As folhas rasgadas daquele
santo volume trouxeram cura para sua alma, pois o fizeram
repousar na misericórdia de Deus, que é suficiente para o principal
dos pecadores.
Digo-vos que não há um réprobo andando pelas ruas e
contaminando o ar com suas blasfêmias; não há uma criatura
perdida, de modo a ser quase tão maligna quanto o próprio Satanás,
a qual não está ao alcance da misericórdia — se ele é um filho da
vida — se Deus lhe diz: “Hoje me convém pousar em tua casa”,
então Ele certamente o fará.
Agora você sente, meu caro ouvinte, algo em sua mente que
parece dizer que você se posicionou contra o Evangelho por um
longo tempo, mas hoje você não consegue mais manter-se
afastado? Sente que uma mão forte o tem segurado e você ouve
uma voz dizendo: “Pecador, Me convém pousar em tua casa. Você
muitas vezes Me desprezou, muitas vezes riu de Mim, muitas vezes
cuspiu no rosto da misericórdia, muitas vezes Me blasfemou, mas
pecador, Me convém pousar em tua casa. Ontem, você bateu a
porta na cara do missionário. Você queimou o folheto, riu do
ministro, amaldiçoou a casa de Deus, profanou o sabbath, mas
pecador, Me convém pousar em tua casa, e Eu pousarei”? “O quê?
Senhor”, você diz, “pousar em minha casa! Ora, ela está cheia de
iniquidade. Pousar em minha casa! Ora, não há uma cadeira ou
uma mesa que não clamará contra mim. Pousar em minha casa!?
Ora, todas as vigas e pisos se levantariam e diriam que eu não sou
digno de beijar a orla de Tua veste. O que? O Senhor, pousar, em
minha casa!?”, “Sim”, diz Ele, “Me convém. Há uma necessidade
forte, Meu amor poderoso Me constrange e se você quer ou não,
estou determinado a fazer com que esteja disposto e você deve Me
deixar entrar”.
Isso não lhe surpreende, pobre temeroso, você que pensava
que o dia da graça havia desaparecido e que o sino de sua
destruição havia anunciado o seu enterro? Oh, não surpreende você
que Cristo não só lhe pede para vir a Ele, mas convida a Si Mesmo
para a sua mesa, e ainda mais, quando você gostaria de afastá-lO,
Ele gentilmente diz: “Me convém entrar”? Apenas imagine Cristo
indo atrás de um pecador, pleiteando, chamando-o para que Ele o
salve; e isso é exatamente o que Jesus faz com os Seus escolhidos.
O pecador foge dEle, mas a livre graça o persegue e diz:
“Pecador, venha a Cristo”. E se nossos corações estão fechados,
Cristo põe a mão pela porta e se não o abrirmos, mas apenas o
repelirmos friamente, Ele diz: “Me convém entrar”. Ele chora por nós
até que as Suas lágrimas nos conquistam. Ele clama por nós até
que os Seus gritos prevaleçam, e finalmente, em Sua própria hora
bem determinada, Ele entra em nosso coração e ali habita. “Me
convém pousar em tua casa”, disse Jesus.

VIII. E agora, por fim, este chamado foi eficaz, pois vemos os seus
frutos. A porta de Zaqueu foi aberta, a sua mesa colocada, o seu
coração foi generoso, a sua consciência foi aliviada, a sua alma
ficou alegre. “Senhor”, ele diz, “eis que eu dou aos pobres metade
dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, o
restituo quadruplicado”. 71F[72] Assim se foi uma parte de seus bens.
Ah, Zaqueu, você irá para a cama hoje à noite bem mais pobre do
que quando se levantou nesta manhã, porém infinitamente mais rico
também! Pobre, muito pobre, em bens deste mundo, em
comparação com o que era quando subiu aquela figueira. Porém,
mais rico, infinitamente mais rico em tesouro celeste. Pecador,
saberemos se Deus o chamou por isso: Se Ele chamou, este será
um chamado eficaz, não um chamado que você ouve e depois
esquece, mas um chamado que produz boas obras. Se Deus o
chamou nesta manhã, esse copo de embriaguez será abaixado, e
orações serão erguidas. Se Deus o chamou nesta manhã, não
haverá uma porta aberta sua loja, e você terá posto um aviso: “Esta
loja está fechada no sabbath, o dia do Senhor, e não será mais
aberta neste dia”.
Amanhã haverá tais e tais divertimentos mundanos, mas se
Deus o chamou, você não irá. E se você tiver roubado alguém (e
quem sabe pode haver um ladrão aqui), se Deus o chamar, haverá
uma restituição do que você roubou, você desistirá de tudo o que
tem, de modo que seguirá a Deus com todo seu coração. Não
acreditamos que um homem seja convertido a menos que renuncie
ao erro de seus caminhos e, na prática, seja levado a conhecer que
o próprio Cristo é o Mestre de sua consciência e que a dEle lei é o
seu prazer.
“Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em
tua casa”. E, ele apressou-se, desceu e recebeu Jesus com alegria.
“E, levantando-se Zaqueu, disse ao Senhor: Senhor, eis que eu dou
aos pobres metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho
defraudado alguém, o restituo quadruplicado. E disse-lhe Jesus:
Hoje veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de
Abraão. Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se
havia perdido”. 72F[73]
Agora, uma ou duas lições. A lição para os soberbos. Desce,
coração orgulhoso, desce! A misericórdia corre nos vales, mas não
vai ao topo da montanha. Desce, desce, espírito exaltado! A cidade
elevada, Ele a rebaixa até ao chão e depois a edifica. Há também
uma lição para a pobre alma desesperada: eu estou contente de vê-
la na casa de Deus, nesta manhã; é um bom sinal. Não me importa
o motivo pelo qual você veio. Talvez, você soube que havia um
estranho tipo de homem que pregava aqui. Não se preocupe com
isso. Você é tão estranho quanto ele é. É necessário que haja
homens estranhos para se reunirem com outros homens estranhos.
Ora, eu tenho muitas pessoas aqui. E se eu pudesse usar
uma figura, deveria compará-los a um grande montão de cinzas,
misturado com um pouco de pó de ferro. Agora, meu sermão, se for
ajudado com graça divina, será uma espécie de ímã, não atrairá
qualquer partícula de pó das cinzas, elas permanecerão exatamente
onde estão; mas atrairá o pó de ferro. Tenho um Zaqueu ali. Há uma
Maria lá em cima. Um João lá em baixo, uma Sara, ou um William,
ou um Tomé ali — os escolhidos de Deus — eles são pó de ferro na
congregação de cinzas e meu Evangelho, o Evangelho do Deus
bendito, como um grande ímã, os atrai para fora do montão. Ali vêm
eles. Por quê? Porque houve uma força magnética entre o
Evangelho e os seus corações.
Ah, pobre pecador, venha a Jesus, creia em Seu amor, confie
em Sua misericórdia. Se você tem o desejo de vir, se você está
forçando o seu caminho em meio às cinzas para chegar a Cristo,
então é porque Cristo está chamando você. Oh, todos vocês que se
reconhecem como pecadores — cada homem, mulher e criança
dentre vocês — sim, vocês crianças pequenas (pois, Deus me deu
alguns de vocês para que sejam o meu galardão), vocês se sentem
pecadores? Então, creiam em Jesus e sejam salvos. Muitos de
vocês vieram aqui por curiosidade. Oh, que vocês possam ser
encontrados e salvos. Estou angustiado por vocês, para que não
afundem no inferno. Oh, ouçam a Cristo, enquanto fala com vocês.
Cristo diz: “Desce”. Nesta manhã, vão para casa e humilhem-se
diante de Deus. Vão e confessem as suas iniquidades, confessem
que pecaram contra Ele. Vão para casa e digam a Ele que vocês
estão destraçados, arruinados sem a Sua graça soberana. Depois,
olhem para Ele, com a certeza de que Ele olhou primeiro para
vocês.
Vocês dizem: “Senhor, oh, eu estou disposto suficiente a ser
salvo, mas estou com medo que Ele não esteja disposto”. Parem!
Parem! Não falem mais disso! Vocês sabem que isso é, em parte,
uma blasfêmia? Não como um todo. Se vocês não fossem
ignorantes, eu lhes diria que era uma blasfêmia completa. Vocês
não podem olhar para Cristo antes que Ele tenha olhado para
vocês. Se estão dispostos a serem salvos, Ele vos concedeu essa
vontade. Creia no Senhor Jesus Cristo e seja batizado e você será
salvo. Espero que o Espírito Santo esteja chamando você.
Jovem lá em cima, jovem na janela, desça depressa! Homem
velho, sentado nestes bancos, desça! Comerciante no corredor, se
apresse. A idosa e a jovem, que não conhecem a Cristo, oh, que Ele
olhe para vocês! Velha avó, ouça o chamado gracioso. E você,
jovem rapaz, Cristo pode estar olhando para você; eu confio que Ele
está, e diz-lhe: “Desce depressa, porque hoje me convém pousar
em tua casa”.
5
Perseverança dos Santos
(P de TULIP — Perseverance of the Saints)

Sermão Nº 872. Pregado na manhã de sabbath, 23 de maio de 1869. No


Tabernáculo Metropolitano, Newington.

“Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa
obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo.” (Filipenses 1:6) Os
perigos que acompanham a vida espiritual são do tipo mais terrível; a vida de
um cristão é uma sequência de milagres. Veja uma faísca permanecer no
meio do oceano, veja uma pedra suspensa no ar, veja a saúde florescer em
uma colônia de leprosos e o cisne branco em rios sujos, e você vê um retrato
da vida cristã. A nova natureza é mantida viva entre as garras da morte,
conservada pelo poder divino contra a destruição instantânea, pois não
poderia continuar por meio de nenhum poder menor do que o divino. Quando
o cristão instruído olha em seu redor, ele se vê como uma pomba indefesa
voando para o seu ninho, enquanto contra ela dezenas de milhares de flechas
são atiradas. A vida cristã é como o voo frenético daquela pomba, enquanto
segue em seu caminho entre as flechas mortais do inimigo e, por um milagre
permanente, escapa ilesa.
O cristão iluminado vê a si mesmo como sendo um viajante de
pé no caminho estreito de um cume elevado, à direita e à esquerda
há abismos insondáveis que podem destruí-lo; se não fosse pela
graça divina — que faz seus pés como os pés da corça, de modo
que ele é capaz de saltar sobre os montes — há muito tempo ele
teria caído para a sua perdição eterna.
Infelizmente, meus irmãos e irmãs, temos visto muitos que
professavam crer em Cristo caírem assim! É o grande e permanente
sofrimento da igreja cristã que muitos no meio dela se tornam
apóstatas; é verdade que eles não pertencem verdadeiramente a
ela, embora antes que isso acontecessem não fosse possível saber
disso. Não poucas de suas estrelas mais brilhantes foram engolidas
pela noite. Aqueles que pareciam mui prováveis de serem árvores
frutíferas na vinha de Cristo acabaram por ser obstáculos no solo ou
como árvores venenosas, pingando veneno em torno de si mesmas.
O jovem cristão, portanto, se é observador, teme após afivelar
o seu cinto em meio às felicitações de amigos, pois ele pode
retornar da batalha vergonhosamente derrotado. Ele não se orgulha
porque, como um cavaleiro galante, ele coloca seu cinto reluzente,
mas enquanto afivela seu capacete e toma a sua espada, teme
voltar para o acampamento com seu escudo danificado e seu elmo
arrastado no pó. Para tal pessoa consciente dos perigos espirituais
e com receio de que não seja derrotado por eles, a doutrina do texto
produzirá um grande e valioso encorajamento.
Se formos ajudados a expor a doutrina da perseverança final
dos santos, de modo a recomendar esta verdade de Deus aos seus
entendimentos e confirmá-la em suas almas, teremos o maior prazer
no coração, porque a verdade fará vocês felizes, fortes e gratos!
Sem mais prefácio, vamos expor as palavras do apóstolo, a fim de
mostrar detalhadamente a razão de sua confiança; depois, em
segundo lugar, apoiaremos essa confiança por novos argumentos;
e, em terceiro lugar, procuraremos extrair determinadas aplicações
excelentes a partir da doutrina que o texto indubitavelmente ensina.

I. Primeiro, vamos EXPOR AS PRÓPRIAS PALAVRAS DO


APÓSTOLO. Ele fala sobre uma boa obra iniciada em “todos os
santos em Cristo Jesus que estão em Filipos”. Com isso, ele
intenciona a obra da graça divina na alma, que é a operação do
Espírito Santo. Esta é eminentemente uma boa obra, uma vez que
nada opera senão o bem no coração. Trazer um homem da
escuridão para a luz é bom; livrá-lo da escravidão da sua corrupção
natural e torná-lo livre para ser um homem do Senhor é bom; é bom
para ele; é bom para a sociedade; é bom para a igreja de Deus; é
bom para a glória do próprio Deus.
É tão bom que aquele que a recebe torna-se o herdeiro de
todo o bem, e além disso, o favorecedor e autor de mais bem! Este
bem é o melhor que um homem pode receber. Fazer com que um
homem seja saudável no corpo e rico em propriedades, educar sua
mente e treinar suas faculdades, todas estas coisas são boas, mas
em comparação com a salvação da alma, eles afundam na
insignificância! A obra da santificação é uma boa obra no sentido
mais elevado possível, uma vez que influencia um homem por meio
de bons motivos, o leva às boas obras, o introduz entre os homens
de bem, dá-lhe a comunhão com os bons anjos, e por fim, o faz
semelhante ao próprio bom Deus.
Além disso, a vida interior é uma boa obra, porque ela flui e
origina-se da pura bondade de Deus. Como é sempre bom mostrar
misericórdia, assim é preeminentemente bom da parte de Deus agir
sobre homens pecadores e caídos, a fim de renová-los, segundo a
imagem dAquele que os criou. A obra da graça tem sua raiz na
bondade divina do Pai. É semeada pela bondade abnegada do Filho
e é diariamente regada pela bondade do Espírito Santo. Origina-se
bem e se desenvolve bem, e por isso é totalmente boa.
O apóstolo chama de “obra” e no sentido mais profundo é, de
fato, converter uma alma é um trabalho. Se o Niágara de repente
fosse feito subir em vez de continuamente cair da sua altura
rochosa, não seria um milagre como mudar a vontade vil e as
paixões desenfreadas dos homens; tornar branco o etíope ou
remover as manchas do leopardo é, proverbialmente uma
dificuldade, mas estas são apenas obras superficiais, pois renovar a
própria essência da humanidade e remover o pecado e sua
influência do coração do homem, não é apenas o agir do dedo de
Deus, mas o erguer de Seu braço.
A conversão é uma obra comparável à criação de um mundo.
Somente Aquele que formou os céus e a terra poderia criar uma
nova natureza. É uma obra incomparável, é única e inigualável,
vendo que o Pai, o Filho e o Espírito todos devem cooperar nisso:
para a implantação da nova natureza no cristão são necessários o
decreto do Pai eterno, a morte do eternamente bendito Filho e a
plenitude da operação do adorável Espírito. É um trabalho de fato!
Os trabalhos de Hércules eram apenas ninharias em comparação
com este; pois, matar leões e hidras, e limpar estábulos de Aúgias,
tudo isso é brincadeira de criança em comparação com renovar um
espírito reto na natureza caída do homem!
Observe que o apóstolo afirma que essa boa obra foi iniciada
por Deus. O apóstolo não acreditava, evidentemente, naqueles
poderes notáveis que alguns teólogos atribuem ao “livre-arbítrio”.
Ele não era um adorador desta moderna Diana dos Efésios, pois ele
declara que a boa obra foi iniciada por Deus, de onde deduzo que o
menor desejo gracioso que finalmente floresce na flor perfumada da
oração fervorosa e da fé humilde é a obra de Deus. Não, pecador,
você nunca estará na frente de Deus! O primeiro passo para acabar
com a separação entre o filho pródigo e seu pai é tomado pelo pai,
não pelo filho!
A meia-noite nunca busca o sol; poderia antes a escuridão
encontrar dentro de si os raios da luz ou o hades desenvolver as
sementes do céu ou o geena descobrir em seu fogo os elementos
da luz eterna, assim também poderia acontecer que a natureza
corrupta extraísse de si mesma as sementes da vida nova e
espiritual ou o anelo pela santidade e por Deus! Ultimamente tenho
ouvido, para minha profunda tristeza, certos pregadores falando de
conversões como se elas consistissem em uma etapa de
desenvolvimento. Então, a conversão não é senão o
desenvolvimento de graças escondidas dentro da alma humana?
Não é! Tal teoria é uma mentira completa!
Não há dentro do coração do homem nenhum grão ou vestígio
de bem espiritual. Quanto a todo bem, ele está alienado, insensível,
morto e não pode ser restaurado a Deus, senão por uma ação do
alto que é totalmente alheia a ele mesmo! Se você pudesse
desenvolver o que está no coração do homem, produziria um diabo,
pois esse é o espírito que opera nos filhos da desobediência!
Desenvolva essa mente carnal que é inimizade contra Deus e você
não pode por qualquer possibilidade ser reconciliado com Deus, o
disso resultado é o inferno. O fato é que a vida divina se apartou do
homem natural; o homem está morto em pecado e a vida deve vir
até ele a partir do doador da vida ou ele permanecerá morto para
sempre.
A obra que há na alma de um verdadeiro cristão não é de sua
própria iniciativa, é iniciada pelo Senhor! É ainda implícito no texto
que Aquele que começou a obra deve desenvolvê-la. “Aquele que
em vós começou a boa obra a aperfeiçoará”. O apóstolo não diz
muito, contudo ele se faz entender, ou seja, que Deus deve realizar
esta obra ou então ela nunca será realizada. Ao longo da estrada do
pecado para o céu, desde a primeira taça de vinho até a entrada
alegre para o banquete, a música e a dança dos espíritos
glorificados, cada passo que damos deve ser através da
capacitação que provém da graça divina.
Cada bem que há em um cristão, não apenas começa, mas é
aperfeiçoado e consumado pela força da graça de Deus por meio de
Jesus Cristo. Se meu dedo estiver no ferrolho de ouro do paraíso e
meu pé estiver em sua soleira de jaspe, eu não daria o último passo,
de modo a entrar no céu a menos que a graça divina que me
impulsionasse e concedesse plena e justamente completar a minha
peregrinação! A salvação é uma obra de Deus e não do homem!
Esta é a teologia que Jonas aprendeu na grande universidade do
grande peixe, na universidade do grande abismo; seria muito bom
que muitos de nossos teólogos atuais fossem enviados para esta
universidade!
A erudição humana, muitas vezes, incha-se com a ideia da
suficiência humana, mas aquele que é educado e disciplinado na
faculdade de uma experiência profunda e levado a conhecer a vileza
de seu próprio coração, enquanto olha ele de perto para os seus
próprios ídolos, confessará que do início ao fim a salvação não é do
que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de
misericórdia! 73F[74] Mas o que o apóstolo principalmente intenciona
dizer no versículo é que essa boa obra que é iniciada nos crentes
por Deus, e que só pode ser feita por Deus, certamente será assim
continuada.
Observe que ele se declara confiante nesta verdade de Deus.
Por que Paulo precisa escrever de forma tão positiva: “tendo por
certo isto mesmo”? Certamente, como um homem inspirado, ele
poderia simplesmente ter escrito: “Aquele que em vós começou a
boa obra”; mas ele nos dá, além da inspira-ção do Espírito Santo, a
confiança que tinha sido operada nele como o resultado de sua fé.
Ele mesmo havia sido mui graciosamente preservado e tinha sido
favorecido pessoalmente com revelações tão claras do caráter de
Deus e do Senhor Jesus Cristo, que se sentia bastante confiante de
que Deus não deixaria Sua obra inacabada.
Ele sentiu em seu próprio espírito que, não obstante, o que
qualquer um pudesse afirmar, ele estava totalmente assegurado e
permaneceria com essa verdade e a defenderia com toda a força, a
saber, que Aquele que começou a boa obra em Seu povo
certamente a completará no devido tempo. Na verdade, queridos
amigos, há um bom argumento nas palavras do apóstolo, pois se o
Senhor começou a boa obra, por que Ele não a aperfeiçoaria e
completaria? Qual seria o motivo para que Ele detivesse a Sua
mão? Quando um homem começa uma obra e a deixa inacabada é
frequentemente por falta de poder; os homens dizem da torre
inacabada: “Este homem começou a edificar e não pôde
acabar”. 74F[75]
A falta de planejamento ou de capacidade deve ter parado a
obra, mas você pode supor que o Senhor, o onipotente, pararia uma
obra por causa de uma dificuldade imprevista que Ele não seria
capaz de superar? Ele vê o fim desde o início; Ele é todo-poderoso;
Seu braço não está encolhido; nada é demasiado difícil para Ele;
seria uma imaginação vil sobre a sabedoria e o poder de Deus crer
que Ele começou uma obra que não a levará, no devido tempo, a
uma conclusão feliz! Deus não começou a obra na alma de qualquer
homem sem a devida deliberação e conselho; desde toda a
eternidade Ele conhecia as circunstâncias em que esse homem
seria colocado, e previu a dureza do coração do homem e a
inconstância do amor humano.
Se, então, Ele considerou sábio começar, como podemos
supor que Ele mude e altere a Sua determinação? Não pode haver
nenhuma razão concebível para Deus deixar inacabada tal obra; o
mesmo motivo que ditou o início ainda deve estar em operação, e
Ele é o mesmo Deus, portanto, deve haver o mesmo resultado, ou
seja, Ele continuará a fazer o que começou. Onde há um caso de
Deus iniciar qualquer obra e deixá-la incompleta? Mostre-me por
uma vez um mundo abandonado e lançado fora incompleto! Mostre-
me um universo fora da roda do grande oleiro, com a forma ainda
em esboço, o barro meio moldado e a forma deformada por
incompletude!
Aponte-me, peço, a uma estrela, um sol, um satélite — não,
eu vou desafiá-lo na terra — aponte-me uma planta, uma formiga,
um grão de pó que tenha sobre si qualquer aparência de
incompletude! Tudo que o homem completa, mesmo que capriche
tanto quanto quiser, quando é colocado sob o microscópio, está
apenas mais ou menos acabado, porque o homem só chegou a um
certo estágio e não pode ir além disso. Está perfeito aos seus olhos
fracos, mas não é a perfeição absoluta; porém, todas as obras de
Deus são concluídas com cuidado maravilhoso; Ele, com precisão
molda o pó da asa de uma borboleta, como aqueles corpos celestes
que alegram a noite silenciosa.
No entanto, meus irmãos e irmãs, alguns gostariam de nos
convencer que essa grande obra da salvação das almas é iniciada
por Deus, e, em seguida, abandonada e deixada incompleta; e que
haverá espíritos perdidos para sempre, embora sobre os quais o
Espírito Santo uma vez exerceu Seu poder santificador, por quem o
Redentor derramou Seu sangue precioso e a quem o Pai eterno
uma vez olhou com olhos de amor complacente! Eu não acredito em
tal coisa! A repetição de tais crenças faz meu sangue coagular com
horror! Tais crenças soam como uma blasfêmia!
O que o Senhor começa, Ele completará. E se coloca Sua
destra em qualquer obra, não parará até que a obra esteja
consumada, se for atacar Faraó com pragas, Ele, finalmente,
afogará seus cavaleiros no Mar Vermelho ou se for conduzir o Seu
povo pelo deserto como ovelhas, Ele finalmente os trará à terra que
mana leite e mel. Nada faz Yahwéh Se desviar de Sua intenção.
“Porventura diria ele, e não o faria? Ou falaria, e não o
confirmaria?”. 75F[76] “Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vós,
ó filhos de Jacó, não sois consumidos”. 76F[77]
Há muita argumentação nas simples palavras que o apóstolo
usa. Ele está confiante no que conhece do caráter de Deus, que
Aquele que começou a boa obra em Seus santos a aperfeiçoará até
o dia de Cristo. Observe o tempo mencionado no texto, a boa obra
deve ser aperfeiçoada no dia de Cristo, que supomos ser a segunda
vinda de nosso Senhor. O cristão não será aperfeiçoado até que o
Senhor Jesus Cristo desça do céu com alarido, com a trombeta de
arcanjo e voz de Deus. 77F[78]
Mas, você diz, e sobre aqueles que morreram antes de Sua
vinda? O que ocorre com eles? Eu respondo que sua alma é, sem
dúvida, aperfeiçoada e eles são feitos idôneos para participar da
herança dos santos na luz. Mas a Sagrada Escritura não considera
um homem assim perfeito quando a alma é aperfeiçoada, ela
considera o corpo como sendo uma parte dele mesmo e assim o
corpo não subirá novamente da sepultura até a vinda do Senhor
Jesus; nesta ocasião nós seremos manifestados semelhantes a
Cristo quando Ele for revelado em Sua segunda vinda.
Aquele dia da segunda vinda é definido como o dia da
conclusão da obra que Deus começou, quando estaremos sem
mancha nem ruga ou coisa semelhante; corpo, alma e espírito verão
a face de Deus de forma irrepreensível e para sempre nos
alegraremos com os prazeres que estão à destra de Deus. É por
isso que nós olhamos para a frente: Deus, que fez com que nos
arrependêssemos, também nos santificará completamente; Aquele
que fez as lágrimas fluírem, também enxugará todas as lágrimas
dos mesmos olhos; Aquele que fez com que fôssemos ao pó e à
cinza da penitência, ainda nos vestirá com o belo linho branco que é
a justiça dos santos!
Aquele que nos trouxe à cruz, também nos levará até a coroa!
Deus que nos fez olhar para Aquele que nós traspassamos e nos
lamentar sobre Ele, também nos levará a ver o Rei em Sua beleza e
a terra que está mui distante. A mesma querida mão que nos feriu e
depois sarou, nos acariciará nos últimos dias! Aquele que olhou
para nós quando estávamos mortos em pecado e nos chamou para
a vida espiritual, também continuará a nos considerar com favor até
que nossa vida seja consumada na terra onde não há morte, nem
tristeza e nem gemidos! Essa é a verdade de Deus que o texto
evidentemente nos ensina.
Sinto-me obrigado a fazer uma colocação aqui, embora saia
um pouco do tema. É a seguinte: Admira-me muito aqueles de
nossos irmãos e irmãs cristãos que sustentam a doutrina da
perseverança final dos cristãos e ainda assim permanecem na Igreja
Anglicana, pois sua permanência nela é totalmente inconsistente
com tal crença! Você dirá: “Como? A doutrina da perseverança final
não é ensinada nos 39 Artigos da Igreja Anglicana?”. Sem dúvida, é;
mas é uma contradição com o que é ensinado no Catecismo do
Livro de Oração Comum. No Catecismo, e em partes da liturgia,
somos claramente ensinados que as crianças são nascidas de novo
e feitas membros de Cristo no batismo.
Agora, ser regenerado ou nascido de novo é certamente o
início de uma boa obra divina na alma; e, em seguida, de acordo
com este texto e de acordo com a doutrina da perseverança final,
uma obra tão divina que foi iniciada, certamente será aperfeiçoada
até o dia de Cristo. Ora, ninguém será tão imprudente em afirmar
que a boa obra que, de acordo com o Livro de Oração Comum, é
iniciada em uma criança em seu assim chamado “batismo”, é sem
sombra de dúvida aperfeiçoada no dia de Cristo; pois, infelizmente,
vemos essas pessoas regeneradas bebendo, mentindo,
praguejando; as vemos na prisão, condenadas por todos os tipos de
crimes; temos conhecido até os que são enforcados!
Se eu fosse um clérigo evangélico e cresse na doutrina da
perseverança final, deveria ao mesmo tempo renunciar a uma igreja
que ensina uma mentira tão intolerável quanto essa: que há uma
obra da graça iniciada em uma criança inconsciente em todos os
casos em que a água é aspergida pelas mãos sacerdotais!
Nenhuma tal obra é iniciada e, consequentemente, nenhuma tal
obra é aperfeiçoada; tudo que envolve a questão do batismo infantil,
tal como é praticado na Igreja Episcopal Anglicana, é uma perversão
da Escritura, um insulto a Deus, uma paródia da verdade divina e
um engano para as almas dos homens! Que todos os que amam o
Senhor e odeiam o mal, saiam desta igreja que cada vez mais
apostata, para que não sejam participantes das pragas que virão
sobre ela no dia de sua visitação!

II. Em segundo lugar, MOSTRAREMOS O FUNDAMENTO ADICIONAL


PARA NOSSA CRENÇA NA DOUTRINA DA PERSEVERANÇA FINAL DOS
SANTOS.

Nosso primeiro fundamento deve ser o ensino expresso das


Sagradas Escrituras. Porém, meus queridos amigos, citar todas as
passagens bíblicas que ensinam que os santos perseverarão em
seu caminho, seria citar uma grande parte da Bíblia, pois, ao meu
ver, a Escritura está repleta desta verdade de Deus.
E eu já disse muitas vezes que se alguém conseguisse me
convencer de que a Escritura não ensina a perseverança dos
crentes, eu rejeitaria a Escritura completamente, como se Ele nada
ensinasse, como sendo um livro incompreensível para um homem
simples, pois, de todas as doutrinas, esta parece ser a mais
evidente. Leia o nono versículo do capítulo 17 do livro de Jó e ouça
o testemunho do patriarca: “E o justo seguirá o seu caminho
firmemente, e o puro de mãos irá crescendo em força”.
Não é: “O justo será salvo, faça o que quiser”; isso nós nunca
cremos e nunca creremos, mas sim: “O justo seguirá o seu
caminho”, seu caminho de santidade, seu caminho de devoção, seu
caminho de fé, ele seguirá neste caminho e crescerá nele, pois
aquele que tem as mãos puras “irá crescendo em força”, como o
hebraico o coloca, ou como se dissesse: “Será cada vez mais forte”.
No Salmo 125, leia o primeiro e segundo versículos: “Os que
confiam no SENHOR”, essa é a descrição especial de um crente,
“serão como o monte de Sião, que não se abala, mas permanece
para sempre. Assim como estão os montes à roda de Jerusalém,
assim o Senhor está em volta do seu povo desde agora e para
sempre”. Aqui há dois exemplos de espigas retirados daqueles ricos
feixes que podem ser encontrados no Antigo Testamento. Quanto ao
Novo Testamento, quão peremptórias são as palavras de Cristo, no
capítulo 10 de João, versículo 28: “E dou-lhes a vida eterna”, não a
vida temporal que pode morrer, “e nunca hão de perecer, e ninguém
as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que
todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai”.
O apóstolo nos diz, no capítulo 11 de Romanos, versículo 29,
que “os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento”. Ou
seja, sejam quais forem os dons que o Senhor dá, Ele nunca muda
de ideia quanto a tê-los concedido, de modo a tomá-los de volta; e
qualquer que Ele chama, não importa quem seja, Ele nunca Se
arrepende; não há inconstância na misericórdia divina; Seus dons e
vocação são sem arrependimento. Seguindo aquela temível
passagem no sexto capítulo de Hebreus, que tem suscitado tantos
questionamentos, você encontra o apóstolo, que parece à primeira
vista ter ensinado que os crentes possam apostatar, nos versículos
9 e 10 negando qualquer ideia como essa! “Mas de vós, ó amados”,
ele diz, “esperamos coisas melhores, e coisas que acompanham a
salvação, ainda que assim falamos. Porque Deus não é injusto para
se esquecer da vossa obra e do trabalho do amor que para com o
seu nome mostrastes, enquanto servistes aos santos; e ainda
servis”.
O apóstolo Pedro, que não costuma administrar muito conforto
aos santos, mas lida muito severamente com a hipocrisia, declarou
isso muito fortemente no capítulo de abertura de sua primeira
epístola, no quinto versículo, onde diz sobre todos os eleitos
segundo a presciência de Deus, que “mediante a fé estais
guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se
revelar no último tempo”. Irmãos e irmãs, no capítulo 54 de Isaías,
que eu li para vocês nesta manhã, com muitos outros para o mesmo
efeito, dificilmente podem conceber ser verdade que os filhos de
Deus podem ser lançados fora e que Deus possa abandonar
aqueles a quem que de antemão conheceu!
A Bíblia parece ser lançada fora e despojada de sua vida, se o
amor imutável de Deus for negado! A palavra de Deus é colocada
na eira, e somente o joio é recolhido e o trigo é lançado fora, se
você tirar dela o seu constante e incessante ensino de que o
“caminho dos justos é como a luz da aurora, que brilha mais e mais
até ser dia perfeito”. 78F[79] Mas, além dos testemunhos expressos
da Escritura, temos todos os atributos de Deus para apoiar esta
doutrina, pois se os que creem em Cristo não são salvos, então
certamente todos os atributos de Deus estão em perigo.
Se Ele começa e não finaliza a Sua obra, todo o Seu caráter é
desonrado. Onde está Sua sabedoria? Por que Ele começará o que
Ele não tinha a intenção de concluir? Onde está o Seu poder? Os
espíritos malignos não dirão para sempre “que ele não conseguiu
fazer o que Ele não fez”? Não será uma constante zombaria ao
longo dos corredores do inferno que Deus começou a obra e, em
seguida, a parou? Eles não dirão que a obstinação do pecado do
homem era maior do que a graça de Deus, que era muito difícil para
Deus vencer a dureza do coração humano?
Não haveria um insulto sobre a onipotência da graça divina? E
que diremos da imutabilidade de Deus, se Ele lançar fora aqueles a
quem ama? Como pensaremos que Ele não muda? Como o
coração humano alguma vez será capaz de olhar para Ele como
imutável, se depois de amar, Ele odiar? E, meus irmãos e irmãs,
onde estará a fidelidade de Deus às promessas que Ele fez uma e
outra vez, e assinou e selou com juramentos por duas coisas
imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta? 79F[80] Onde
estará a Sua graça se Ele lançar fora aqueles que confiam nEle, se
depois de ter nos extasiado com goles de amor, não nos leve a
beber do manancial?
Portanto, é completamente em vão confiarmos, se Sua
promessa pode ser esquecida e Sua mente pode ser mudada.
Portanto, não precisamos falar dos ebenézeres no passado como
algo que nos consola para o futuro, caso o Senhor já tenha rejeitado
os Seus filhos, pois o passado não é garantia do que Ele pode fazer
nos próximos dias! Mas a veracidade de Deus em relação à Sua
promessa, a fidelidade de Deus para com o Seu propósito, a
imutabilidade de Deus em Seu caráter e o amor de Deus em Sua
essência, todos estes provarão que Ele não abandona e nem
abandonará a alma para a qual Ele olhou com misericórdia, até que
a grande obra seja consumada.
Além disso, como pode ser que o justo, afinal, caia da graça e
pereça, se você recordar a doutrina da expiação? A doutrina da
expiação, como nós a sustentamos e cremos que esteja na
Escritura, é esta: Jesus Cristo prestou à justiça divina uma
satisfação pelos pecados de Seu povo; Ele foi punido no lugar
deles. Agora, se Ele assim o fez e eu não creio que quaisquer
outras expiações tenham algum valor, se Ele realmente foi o nosso
sacrifício vicário satisfatório, então, como o filho de Deus poderia ser
lançado no inferno? Por que ele seria lançado lá? Seus pecados
foram colocados sobre Cristo, o que o condenaria? Cristo foi
condenado em seu lugar! Em nome da justiça eterna, a qual
permanecerá, mesmo que o céu e a terra estremeçam e se abalem,
como pode um homem por quem Cristo derramou Seu sangue ser
tido como culpado diante de Deus quando Cristo levou a sua culpa e
foi punido em seu lugar?
Aquele que crê deve certa e finalmente ser levado à glória, a
expiação exige isso e uma vez que ele não pode ir à glória sem a
perseverança na santidade, ele deve perseverar ou então a
expiação é algo que não tem eficácia e nem poder. A doutrina da
justificação também prova isso. Todo homem que crê em Jesus é
justificado de todas as coisas das quais ele não poderia ser
justificado pela lei de Moisés. O apóstolo Paulo fala em relação a
um homem que é justificado como sendo completamente livre da
possibilidade de acusação. O som do trovão da santa jactância do
apóstolo não permanece em seus ouvidos: “Quem intentará
acusação contra os eleitos de Deus”? 80F[81] Se nada pode ser dito
em acusação a eles; se não há acusador, quem os condena? Se
Deus considera os crentes justos e retos por meio da justiça de Seu
Filho amado; se eles revestiram o Seu manto maravilhoso, o belo
linho branco da justiça do Salvador, onde há espaço para que algo
seja feito contra eles, até o ponto de que sejam condenados? E se
não são acusados e nem condenados, eles devem perseverar em
seu caminho e ser salvos!
Ademais, meus irmãos e irmãs, a intercessão de Cristo no céu
é uma garantia da salvação de todos os que confiam nEle.
Lembrem-se do caso de Pedro: “Simão, Simão, eis que Satanás vos
pediu para vos cirandar como trigo; mas eu roguei por ti, para que a
tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus
irmãos”. 81F[82] E esta oração de Cristo preservou Pedro e o fez
chorar amargamente depois de ter caído em pecado. Semelhante
oração do nosso Pastor sempre vigilante é feita por todos os Seus
eleitos; dia e noite, Ele roga, vestindo o peitoral como nosso grande
Sumo Sacerdote diante do trono de Deus e se Ele intercede pelo
Seu povo, como perecerão, a menos que, de fato, a Sua intercessão
perdesse a autoridade?
Além disso, não se lembram de que cada crente é dito ser “um
com Cristo”? “Porque somos membros do seu corpo”, diz o
apóstolo, “da sua carne e dos seus ossos”, 82F[83] e a imaginação de
vocês é tão depravada que podem imaginar Cristo, o cabeça, unido
a um corpo no qual os membros frequentemente são decepados; no
qual mãos, pés e os olhos cheguem, talvez, a apodrecer de modo
que haja a necessidade de que membros novos sejam criados em
seu lugar? A metáfora é demasiada atroz para que eu ouse
continuar a falar sobre ela! “Porque eu vivo, e vós vivereis”, 83F[84]
esta é a imortalidade que se estende a todos os membros do corpo
de Cristo; não há temor de que o justo volte para o pecado e se
entregue às suas antigas corrupções, pois a santidade que está em
Cristo, pelo poder vital do Espírito Santo, penetra todo o sistema do
corpo espiritual e o menor membro é preservado por meio da vida
de Cristo!
Novamente, a vida interior do cristão é uma garantia de que
ele não voltará ao pecado. Leia passagens como estas: “Sendo de
novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível,
pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre” (1 Pedro
1:23). Agora, se essa semente é incorruptível, vive e permanece
para sempre, como dizem alguns entre vocês que os justos se
corrompem e caem da graça? Ouçam o Mestre: “Mas aquele que
beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que
eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida
eterna”. 84F[85] Como vocês dizem, então, que essa água que Jesus
dá seca e deixa de fluir? Ouçam-nO mais uma vez: “Assim como o
Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se
alimenta, também viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu;
não é o caso de vossos pais, que comeram o maná e morreram;
quem comer este pão viverá para sempre” (João 6:57-58).
A vida que Jesus implanta no coração de Seu povo está
vinculada à Sua própria vida, “porque já estais mortos, e a vossa
vida está escondida com Cristo em Deus”. 85F[86] “Quando Cristo,
que é a nossa vida, se manifestar, então também vós vos
manifestareis com ele em glória”. 86F[87] O Espírito Santo habita em
nós! “Não sabeis que os vossos corpos são templos do Espírito
Santo?”. 87F[88] Ó amado, o próprio Deus morreria se o cristão
perecesse, uma vez que a vida de Deus é eterna e é essa vida que
Cristo nos deu! “E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e
ninguém as arrebatará da minha mão”. 88F[89]
Deixo a doutrina com os seus entendimentos, a Palavra de
Deus está em suas mãos e que o Espírito de Deus coloque para
além da dúvida em sua alma que realmente é assim. Lembrem-se, a
doutrina não diz que todo aquele que crê em Cristo será salvo, faça
o que fizer, mas a doutrina é esta: que todo homem que crê em
Jesus receberá o espírito de santidade e será conduzido no
caminho da santidade, de força em força, até que chegue à
perfeição que Deus operará em nós na vinda de Seu Filho querido.

III. Por último, precisamos EXTRAIR CERTAS INFERÊNCIAS ÚTEIS


desta doutrina.
Uma das primeiras é esta: há muito nesta verdade divina que
traz conforto a um filho de Deus que caminha hoje em trevas e não
vê a luz. Você sabe que há algum tempo atrás o Senhor Se revelou
a você; lembre-se dos tempos quando as promessas eram
peculiarmente doces, quando a pessoa de Cristo era revelada à sua
visão espiritual em toda a Sua glória; então, amado, se alguma
depressão de espírito temporária o oprime, se alguma tribulação
pessoal está ocorrendo com você, ouça as palavras: “Eu, o Senhor,
não mudo”. 89F[90]
Acredite que mesmo quando esconde a Sua face, Ele ainda
ama você! Não O julgue por providências exteriores, julgue-O pelos
ensinamentos de Sua Palavra. Faça como os navegantes quando
eles remam para trás para conduzirem o barco para frente; obtenha
conforto do passado, tome tições de consolo dos altares de ontem
para inflamar os sacrifícios de hoje: “Determinado a salvar,
Ele viu ao longo do Seu caminho,
Quando como escravo cego de Satanás,
você brincava com a morte;
E Ele ensinou você a confiar em Seu nome,
E, até agora, lhe guardou,
e isso para envergonhá-lo?”
Essa doutrina deve sugerir a todos os cristãos a necessidade
de diligência constante, de modo que perseverem até o fim. “O
quê?”, diz alguém, “esta é uma inferência a partir da doutrina? Eu
tinha pensado o inverso, pois, se o crente perseverará em seu
caminho, qual a necessidade de diligência?”. Eu respondo que o
mal-entendido se encontra na própria pessoa que se opõe à
doutrina. Se o homem perseverará em santidade até o fim da vida,
certamente há a necessidade de que seja mantido em santidade e a
doutrina que diz que ele será preservado é um dos seus melhores
meios para produzir o resultado desejado. Se algum de vocês
estiver convicto de que em um determinado ramo de negócios você
ganharia uma grande quantia em dinheiro, faria com que a sua
confiança o fizesse negligenciar o negócio? Isso o levaria a ficar na
cama o dia todo ou de algum modo o faria abandonar a sua
posição? Não, a garantia de que você seria diligente e prosperaria,
faria você ser diligente!
Tomarei emprestada uma metáfora dos esportes da época,
como Paulo fez em relação aos jogos da Grécia: Se qualquer piloto
de corridas estivesse confiante de que estava destinado a vencer,
isso o faria diminuir a velocidade? Napoleão acreditava ser ele
mesmo o filho do destino, isso paralisou as suas forças? Para
mostrar que a certeza de algo não impede um homem de correr
atrás disso, mas sim anima-o, vou contar-lhes algo que aconteceu
comigo quando era apenas uma criança de cerca de 10 anos ou
menos. O sr. Richard Knill, de feliz e gloriosa memória, um zeloso
trabalhador para Cristo, sentiu-se movido, não sei porque, a me
colocar em seu colo na casa do meu avô e proferir palavras como
estas, que foram estimadas pela família e por mim, especialmente:
“Esta criança”, disse ele, “pregará o Evangelho, e pregará para as
maiores congregações do nosso tempo”. Eu cri em sua palavra e,
em parte, minha posição aqui hoje é motivada por tal crença. Isso
não impediu a minha diligência para estudar, porque eu cria que
estava destinado a pregar o Evangelho a grandes congregações, de
modo algum, estas palavras contribuíram para que isso se tornasse
realidade!
Eu orei, busquei e me esforcei tendo sempre presente a
Estrela de Belém diante de mim que viria o dia em que pregaria o
Evangelho. Semelhantemente, a crença de que um dia seremos
perfeitos nunca impede qualquer verdadeiro crente de ser diligente,
antes é o maior incentivo possível para fazer o homem lutar contra
as corrupções da carne e buscar perseverar de acordo com a
promessa de Deus.
“Bem, mas”, diz alguém, “se Deus garante a perseverança
final a um homem, por que ele precisa orar por isso?”. Senhor, ele
ousaria orar por isso se Deus não tivesse lhe garantido? Não me
atrevo a orar por aquilo que não é prometido, mas assim que está
prometido, então, peço por isso! E quando vejo algo prometido na
Palavra de Deus, eu me esforço por isso. “Diga o que quiser”, diz
alguém, “você é inconsistente”. Ah, bem, meu caro amigo, somos
obrigados a explicar da melhor forma possível, mas não somos
obrigados a dar entendimento para aqueles que não têm nenhum!
É difícil tentar fazer as coisas parecem claras para os olhos
míopes; às vezes, acontecerá que as pessoas não conseguem ver
as verdades de Deus que particularmente não querem ver; mas a
prática é o mais principal e espero que por nosso argumento prático
provemos que, enquanto aqueles que pensam que podem cair da
graça correm riscos terríveis e caem, por outro lado, aqueles que
sabem que não cairão, se realmente creram, ainda assim buscam
andar com todo cuidado e vigilância! Eu busco viver como se a
minha salvação dependesse de mim mesmo, e então, me volto para
o meu Senhor, sabendo que a salvação absolutamente não
depende de mim, em qualquer sentido.
Gostaríamos de viver como a doutrina oposta é suposta fazer
os homens viverem, que é exatamente como a doutrina calvinista
realmente faz os homens viverem, ou seja, com seriedade de
propósito e com graciosa gratidão a Deus — que é, afinal, a
influência mais poderosa — por ter assegurado a nossa salvação
por meio de Jesus Cristo nosso Senhor.
Outra questão extraída é esta: aprendamos a partir do texto a
como perseverar. Irmãos e irmãs, vocês observarão que a razão
para o apóstolo crer que os filipenses perseverariam não era porque
eram pessoas muito boas e sinceras, mas porque Deus havia
começado a obra! Assim, o nosso fundamento para a perseverança
deve ser o nosso descanso em Deus. Há um querido irmão sentado
aqui nesta manhã, um membro desta igreja, que outrora era um
membro de outra denominação de cristãos; uma noite, quando ele
era muito jovem, e, recentemente convertido, se ajoelhou para orar
e sentiu-se frio e morto, e não orou muitos minutos, porém foi para a
cama.
Mal deitou, um horror da escuridão veio sobre ele, e disse
para si mesmo: “Eu caí da graça”. Tão boa alma ele era e é que se
levantou da cama e começou a orar, mas não obteve melhora, e às
cinco horas da manhã foi até o seu líder de classe! Ele começou a
bater na porta e gritou para despertá-lo. “O que você quer?”, disse o
líder de classe, quando ele abriu a janela. A resposta foi: “Oh, eu caí
da graça!”, “Bem”, disse o líder da classe, “se tiver caído da graça,
vá para casa e confie no Senhor”. “Mas”, disse meu amigo, “eu
tenho confiado”.
Sim, e se conhecesse a grande verdade antes, ele não teria
sido afetado com tal absurdo como o de ter caído da graça! “Caiu da
graça? Então vá e simplesmente confie no Senhor”. Sim, e é isso
que todos nós devemos fazer, caídos ou não! Não devemos confiar
de modo superficial, mas sempre descansar sobre o querido Cristo
que morreu na cruz. “Senhor, se eu não sou um santo, e muitas
vezes temo que não tenho nada a ver com a santidade, ainda
assim, Senhor, eu sou um pecador e Tu morreste para salvar os
pecadores e me agarrarei a isso! Ó precioso sangue, se eu nunca
experimentei o teu poder purificador; se até agora tenho estado em
fel da amargura e nos laços da iniquidade, ainda ali está o velho e
grande Evangelho da cruz: ‘Quem crer e for batizado será salvo’.
Senhor, eu creio hoje, se nunca cri antes! Ajude a minha
incredulidade”. Esta é a verdadeira teoria da perseverança: é
perseverar em ser nada e deixar que Cristo seja tudo! É perseverar
em descansar total e simplesmente no poder da graça que há em
Cristo Jesus.
Por último, esta doutrina tem uma palavra para os não
convertidos. Eu sei que teve para mim. Se alguma coisa neste
mundo me levou ao desejo de ser um cristão, em primeiro lugar, foi
a doutrina da perseverança final dos santos. Eu já tinha visto
companheiros de minha infância, um pouco mais avançados do que
eu, que para mim eram como padrões de tudo o que é excelente, já
os havia visto estudando em grandes cidades ou dedicarem-se a
negócios pessoais, e logo sua excelência moral se foi; em vez de
serem exemplos, se tornaram pessoas contra as quais os jovens
foram alertados devido à preeminência no vício. Este pensamento
me ocorreu: “Essa também pode ser minha situação nos próximos
anos! Existe alguma maneira pela qual um caráter santo pode ser
assegurado para o futuro? Existe alguma maneira pela qual um
jovem, tomando cuidado, seja impedido de cair em impureza e
maldade?”.
E descobri que se colocasse a minha confiança em Cristo, eu
tinha a promessa de que perseveraria em meu caminho e cresceria
em força! E embora temia que eu nunca pudesse ser um verdadeiro
crente, e assim ter a promessa cumprida a meu respeito, porque eu
era muito indigno, contudo a sonoridade disso sempre me encantou.
“Oh, se eu pudesse apenas ir a Cristo e esconder-me como uma
pomba em Suas feridas, então eu estaria seguro! Se eu pudesse
apenas tê-lO para me lavar dos meus pecados passados, então o
Seu Espírito me guardaria do pecado futuro e eu seria preservado
até o fim”. Isso não atrai você? Oh, espero que haja alguns que
serão atraídos por tal salvação como esta!
Nós não pregamos nenhum Evangelho frágil que não
suportará o seu peso! Não é nenhuma carruagem cujos eixos se
quebrarão ou cujas rodas saltarão para fora. Este não é um alicerce
de areia que pode afundar no dia do dilúvio! Aqui é o Deus eterno
comprometendo a Si mesmo por aliança e juramento que Ele
escreverá a Sua lei em seu coração; que você não se desviará dEle;
Ele irá guardar você para que não vagueie em pecado; mas se por
um tempo você se desviar, Ele vai restaurá-lo novamente para os
caminhos da justiça!
Ó rapazes e moças, venham para cá! Lancem-se em sua
porção com Cristo e Seu povo. Confiem nEle! Confiem nEle!
Confiem nEle e, então, esta preciosa verdade será sua e esta
experiência será ilustrada em sua vida: “Meu nome das palmas das
Suas mãos
A eternidade não apagará!
Gravado em Seu coração permanece
Em marcas de indelével graça!
Sim, eu até o fim perseverarei,
Tão certo quanto o penhor é dado;
Mais felizes, porém não mais seguros,
Estão no céu os espíritos glorificados.”

Passagem da Escritura lida antes de sermão: Isaías 54.


A editora O Estandarte de Cristo é fruto de um
trabalho que começou a ser idealizado por volta do iní-
cio de 2013, por William e Camila Rebeca, com o
propósito principal de publicar traduções de autores
bíblicos fiéis. Fizemos as primeiras publicações no dia
2 de dezembro de 2013 (publicação de 4 eBooks). De
lá para cá já são quase 5 anos e centenas de
traduções de autores bíblicos fiéis, sobre diversos
temas da Fé Cristã.

Somos uma editora de fé cristã batista reformada e


confessional. Estamos firmemente comprometidos
com as verdades bíblicas fielmente expostas na
Confissão de Fé Batista de 1689.
OEstandarteDeCristo.com

[1] Extraído da autobiografia de C.H. Spurgeon, vol 1.


[2] Salmos 47:4.
[3] Jonas 2:9.
[4] Salmos 62:6.
[5] Salmos 138:8.
[6] 2 Coríntios 5:1.
[7] Cf. Apocalipse 7:9.
[8] Cf. Colossenses 1:18.
[9] Apocalipse 22:17.
[10] Romanos 9:16.
[11] Cf. Atos 8:23.
[12] João 5:40.
[13] 1 Coríntios 2:14.
[14] Cf. 1 Pedro 3:21.
[15] Cf. Efésios 2:1.
[16] Cânticos 1:4.
[17] Filipenses 4:7.
[18] Salmos 2:12.
[19] Jeremias 31:3.
[20] 2 Timóteo 3:16.
[21] Cf. 2 Reis 2:23.
[22] Cf. 1 João 4:1.
[23] Os 39 Artigos da Religião, que são o padrão doutrinário e confessional da
Igreja Anglicana.
[24] Cf. 1 Reis 19:18.
[25] 2 João 1:1.
[26] 2 João 1:13.
[27] 1 Pedro 5:1:13.
[28] Cf. Jeremias 36:9-23.
[29] Romanos 9:20.
[30] Isaías 45:10, 7.
[31] Cf. Romanos 9:15.
[32] Cf. Ezequiel 16:6.
[33] João 1:1.
[34] João 10:26, 5:40.
[35] Oséias 13:9 – tradução literal.
[36] 2 Reis 7:4.
[37] Cf. Salmos 34:8.
[38] Cf. Apocalipse 7:9.
[39] Cf. Isaías 51:1.
[40] Cf. Levítico 13:45-46.
[41] Cf. Apocalipse 7:14.
[42] Êxodo 34:14, 7.
[43] Ezequiel 18:4.
[44] Mateus 26:38.
[45] Lucas 22:44.
[46] Lucas 22:64.
[47] Cf. 1 Pedro 2:23.
[48] Cf. Salmos 22:1; Mateus 27:46; Marcos 15:34.
[49] Cf. Mateus 27:52-53.
[50] Jó 7:15.
[51] 1 João 1:7.
[52] 1 Timóteo 1:15.
[53] 1 Timóteo 2:6.
[54] João 12:19.
[55] Mateus 3:5.
[56] 1 João 5:19.
[57] Lucas 5:32.
[58] Aqui e ao longo do texto, chamado eficaz é sinônimo de graça irresistível,
pois Deus chama de modo eficaz porque, quando Lhe apraz, o pecador não
pode resistir à Sua graça envolvida no chamado. Optamos por nomear este
capítulo com termo graça irresistível em vez de chamado eficaz para
preservar o acróstico TULIP.
[59] Cf. Lucas 10:30-37 (Parábola do bom samaritano).
[60] 1 Coríntios 1:26.
[61] Tiago 2:5.
[62] Mateus 20:16, 22:14.
[63] Romanos 8:30.
[64] Gênesis 16:13.
[65] Jeremias 23:24.
[66] João 20:16.
[67] Lucas 5:27.
[68] Marcos 10:49.
[69] Cf. João 20:28.
[70] Hebreus 3:15.
[71] Lucas1:52.
[72] Lucas 19:8.
[73] Lucas 19:8-10.
[74] Cf. Romanos 9:16.
[75] Lucas 14:30.
[76] Malaquias 3:6.
[77] Números 23:19.
[78] Cf. 1 Tessalonicenses 4:16.
[79] Provérbios 4:18.
[80] Cf. Hebreus 6:18.
[81] Romanos 8:33.
[82] Lucas 22:31-32.
[83] Efésios 5:30.
[84] João 14:19.
[85] João 4:14.
[86] Colossenses 3:3.
[87] Colossenses 3:4.
[88] 1 Coríntios 3:16.
[89] João 10:28.
[90] Malaquias 3:6.

Você também pode gostar