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Osvaldo Sérgio José

Os Jovens e Essas
coisas de Alternância
em Angola
*********************************

Repertorio

Luanda 2022
Os Jovens e Essas
coisas de Alternancia
FICHA TÉCNICA em Angola
Copyright©2023 by Osvaldo Sérgio José
****************************
Título: Os Jovens e Essas coisas de Alternancia em Angola
Autor: Osvaldo Sérgio José Repertorio
Contacto do Autor:
Edição e Publicação: Edição do Autor
Revisão:
Capa: Nelson Júlio Pinto
Diagramação e Paginação: Edgar da Conceição
1ª Edição: Luanda, Julho de 2023
Tiragem: 500 exemplares
Depósito Legal nº 11995/2023
ISBN: 978-2-493336-18-7
Todos os direitos reservados
Em memória a
minha filha Giana.
E a minha querida colega
Isabel de Sousa Semedo
Agradecimentos
“A força das instituições democráticas está
assente na sua capacidade de transformar conflitos Sou profundamente grato aos meus exímios Profes-
sociais em regras institucionais” – Touraine
sores Paulo de Carvalho; Orlando Santos; José Octávio Ser-
raVan—dúnen; Narciso Benedito; Cláudio Tomás; Carlos
Lopes, Elizabeth Vera—Cruz; e outros pelas competências
transmitidas no âmbito do curso de Mestrado em Sociologia
da FCS—UAN, e por através dos debates em sala de aula me
inspirarem a escrever este livro.
Agradeço no âmbito da Licenciatura no ISCED de
Luanda aos meus mestres: Kezita Michingi, Manuel Fernan-
do, Adérito Manuel e Pedro de Castro Maria cujas vozes de
orientação continuaram a ecoar nos resultados deste trabalho.

Ao Nelson de Jesus, Severino Carlos, Rebeca Tulum-


ba, e outros colegas que comigo conviveram, aconselharam,
motivaram durante a formação no ano 2021. Não me posso
esquecer do Óscar Boaventura, por ter sido ao seu pedido que
resolvi integrar a única resenha neste livro: “O seu pedido, foi
atendido, portanto, fico aguardando pelas críticas!” Ao Gui-
lherme Moma, grato pelos subsídios mano.

Os Jovens e Essas coisas de 7


Alternancia em Angola
Aproveito ainda para agradecer a minha família, Índice
ao Adriél César e a sua mãe Amélia Pedro por aceitarem
partilhar o tempo e os recursos que a eles devia ser dedicado AGRADECIMENTOS .............................................................. 7
na publicação deste livro. SÍNTESE BIOGRÁFICA DO AUTOR .............................. 11

Por fim, serei com justiça objecto de um martírio de Prefacio ...................................................................................... 13

críticas se neste trabalho não reconhecer o apoio que sempre Introdução ................................................................................ 20

dado primeiro pela minha mãe, Adriana César, segundo pelos Capítulo I .................................................................................. 22
meus irmãos Giménia António, José César, Hélder Galvão, Podemos ainda falar em movimento social em sociedades
Caly, terceiro pelos meus primos Maria Helena, Emília que chamaríamos da informação ou da comunicação? ...25
António, Mauro, Zé, Thamer, Yuzi e José Lopes. Capítulo II ................................................................................. 34
Propina not!: uma análise sobre dossier do movimento
Agradeço por fim a todos meus familiares, colegas de
estudantil angolano ................................................................ 34
serviço, de faculdade, estudantes e associados do MESA pelos
Capitulo III ................................................................................ 41
subsídios e experiências que com eles adquiridas ao longo de
O papel dos jovens como parte essencial no processo de
todos estes anos.
mudança social em Angola .................................................... 41
Capitulo IV ................................................................................ 55
Sindicatos em Angola: o recrudescimento de um movimento
amorfo? ..................................................................................... 55

8 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 9


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
Síntese biográfica do autor

Osvaldo Sérgio José nasceu aos 13 de Maio de 1994 na


Mutamba província de Luanda. Cresceu desde os 11 meses no
bairro São Luís, na província do Huambo, onde foi naturali-
zado. Voltou a capital aos 15 anos estudar Ciências Económi-
cas e Jurídicas, no Colégio Odete Tavares em São Paulo.

Ingressou em 2013 no curso nocturno de Língua Portu-


guesa do Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED)
de Luanda, curso do qual se vai transferir para frequentar o
curso Sociologia. Concluiu a sua licenciatura em Ensino da
Sociologia, em Outubro de 2018.

Actualmente frequenta o curso de Mestrado em


Sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade
Agostinho Neto.

É docente Universitário, leccionou na Faculdade


de Direito da Universidade Agostinho Neto. Lecciona
actualmente no Departamento de Ciências Sociais e Humanas
do Instituto Superior Politécnico Tocoísta as cadeiras de
Introdução às Ciencias Sociais e Teorias Sociológicas.

Os Jovens e Essas coisas de 11


Alternancia em Angola
Foi prelector na 1a Edição do colóquio organizado pelo Prefácio

A
Centro de Estudos Africanos do CIS— Instituto Superior de
o convidar-me para prefaciar este livro, o
Ciências Sociais e Relações Internacionais sobre “Os partidos
Osvaldo José fê-lo na sequência de várias
políticos e movimentos sindicalistas na África Subsaariana:
conversas sobre temas da sociologia que,
Matrizes, Transformações e Desafios”. Das 4ªs Jornadas do De-
habitualmente, tínhamos nos corredores de Instituto Superior
partamento de Ciências Sociais do Instituto Superior Politéc-
Politécnico Tocoísta (ISPT). Sua eloquência, argúcia e
nico Tocoísta.
insistência nesses debates, beneficiaram da minha atenção,
É coautor da obra “Da Apatia ao Recrudescimento po- mesmo quando o tempo era escasso.
lítico dos Novos Actores Sociais em Angola” (No prelo).
Durante as conversas, apercebi-me que este jovem
sociólogo produzia diversos textos, fruto de suas reflexões
de base sociológica e de sua actividade como docente de
sociologia. Ademais, soube da sua intenção de reunir esses
textos e publicá-los em forma de livro.

A concretização da intenção de reunir num só livro as


suas reflexões acerca de diversos fenómenos sociais, deu lugar
a obra que agora temos em mãos, sob o título “Os Jovens e
Essas coisas de Alternância em Angola”. Ao dar-se à estam-
pa, torna-se um daqueles livros que deve ser lido, pois, traz
um tema actual e sugestivo, que incrusta fenómenos atinentes
às mobilizações sociais de diversa natureza, cuja frequência
hodierna nos debates académicos e científicos, e nas nossas
sociedades, espelham tanto sua pertinência teórica quanto
política.

12 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 13


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
Trata-se de um livro que assume a forma de repertório Será que podemos ainda falar em “movimentos sociais”,
do exercício intelectual de um autor atento às mudanças do nos nossos dias?
seu tempo. Suas inquietações e curiosidades impeliram-no É com a preocupação de responder a esta questão, que
a adentrar, por meio da reflexão, aos arcanos das questões o nosso autor analisa o artigo “Na fronteira dos movimentos
sociais e suas metamorfoses, como corolários da actuação de sociais” de Touraine e, a partir daí, apresenta a sua leitura de
movimentos sociais – assuntos que interessam à sociologia acções colectivas, com recurso a protestos, fortemente media-
desde os seus primórdios. tizadas e com impacto global, como sejam “as recentes insur-
Não obstante a diversidade de subtemas que compõem reições populares observadas nos EUA com a morte do Afro
o conteúdo do livro, seu fio condutor confere unidade ao Americano George Floyd”; “as manifestações que levaram a
texto, já que tem por base as convulsões sociais ocorridas em destituição de Dilma Rousseff da presidência do Brasil, em
Angola, no período entre 2017 e 2019. Ao longo de quatro 2014”; “a primavera árabe, no Norte de África e Médio Orien-
capítulos, o autor partirá da noção de movimentos sociais te, em 2011”; e “as reivindicações dos jovens do movimento
para mostrar como as referidas convulsões se configuram revolucionário de Angola que em junho de 2015 deram ori-
nas áreas da juventude, do ensino superior e do sindicalismo, gem ao famoso processo ‘15 +2’”.
destacando as acções de diferentes atores sociais e seus No segundo capítulo, essencialmente constituído por
impactos para a ordem social vigente. uma entrevista concedida ao NOVO JORNAL, o leitor encon-
No primeiro capítulo, apresenta-se uma resenha do tex- trará as impressões do autor sobre as diversas mobilizações
to de um dos maiores nomes da literatura dos movimentos estudantis que se deram no âmbito da contestação do aumen-
sociais: o sociólogo francês Alain Touraine. Aqui, decantam- to de propinas, principalmente em universidades privadas de
-se suas principais ideias sobre questões que têm a ver com a Angola, de onde surgiu o prolóquio “propina not”. A necessi-
utilização do conceito de “movimentos sociais” em socieda- dade de se realizarem estudos prévios à tomada de medidas
des pós-industriais e a necessidade de sua substituição pela que visem o aumento de propinas no Ensino Superior, para
noção de “movimentos culturais”. avaliar os efeitos destes aumentos foi apontada como uma

14 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 15


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
saída para amainar as contestações da classe estudantil neste Além disso, o autor analisa a morfologia dos sindicatos
domínio. e faz um mapeamento das suas acções de protestos, num pe-
No terceiro capítulo, o autor apresenta uma versão da ríodo que vai de 2017 a 2019. Seu propósito será demonstrar
palestra por ele ministrada, sobre o “papel dos jovens como a hipótese implícita na pergunta que dá título ao capítulo e
parte essencial no processo de mudança social em Angola”, assim concluir que os factos “sugere[m] o recrudescimento
onde, numa perspetiva diacrónica, destaca os principais even- dos sindicatos como produto da materialização do programa
tos sócio-históricos que contaram com a participação juvenil do novo Executivo sobre a proposta de um diálogo entre o
e que impulsionaram mudanças sociais em Angola. Estado, as organizações patronais e as associações sindicais”.
No quarto e último capítulo, intitulado “Sindicatos em Destarte, a originalidade dos textos aqui reunidos e a
Angola: o recrudescimento de um movimento amorfo?”, o autor abertura que se dá ao leitor para levantar seus próprios ques-
perpassa sua análise acerca das mobilizações sociais no cam- tionamentos acerca dos subtemas abordados, fazem deste um
po do trabalho, centrando-se nas acções de protestos de sin- bom livro. É claro que, como todo bom livro, este não deve
dicatos (dos médicos, dos enfermeiros, dos professores, entre
ser tido como obra acabada, aliás esta não era a intenção do
outros) e de outras instâncias organizativas de trabalhadores.
autor, ao escrevê-lo.
Interessante será notar a distinção que se faz entre movimen-
tos sociais e sindicatos, ao considerar-se que a despeito da sua
semelhança, uma vez que ambos desenvolvem acções ten- De resto, desejo a todos e todas uma boa leitura!
dentes ao fortalecimento da democracia, os primeiros “têm
uma acção extrainstitucional, com uma estrutura flexível”, já
Vivaz Bandeira
os segundos “possuem uma estrutura mais rígida por perten-
Curitiba-PR, Brasil, 19 de Agosto de 2022.
cerem a uma determinada classe social (…), utilizam canais
consagrados institucionalmente. É uma organização vertical
diferente dos movimentos sociais que são movimentos hori-
zontais”.

16 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 17


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
Introdução

O
presente livro intitulado “Os jovens e essas
coisas de alternância em Angola” aborda
a questão da mudança social em Angola
no seu aspecto político. Inspirado na consulta a diversos
manuais de sociologia, artigos científicos, notícias televisivas
e radiofónicas, e observação nas redes sociais da realidade
Angolana.

O mesmo incorpora uma curta mas intensa experiên-


cia profissional do seu autor inspirada no conjunto de inter-
venções públicas feitas por si em Luanda, desde o fim da sua
formação no ISCED de Luanda, em Outubro de 2018 até os
dias actuais.

Participam deste opúsculo como contexto de reflexão,


diversas instituições constituintes da sociedade angolana no-
meadamente instituições educativas, políticas e sociais, onde
o autor contribuiu com o seu saber para a produção e promo-
ção da cultura. Resvela—se aqui um autor—produto e produ-
tor de cultura.

Produto da cultura, porque o lançamento deste livro


significa a aplicação prática dos recursos epistemológicos,
técnicos e teóricos adquiridos pelo seu autor durante a for-
mação em sociologia no ISCED de Luanda.

Os Jovens e Essas coisas de 19


Alternancia em Angola
Produtor de cultura, devido a originalidade e indivi- social Instragram para felicitar as Divas Ary, Yola Semedo e
dualidade que empresta nesta obra através de sua forma de Edmasia no programa da TPA, Live no Kubíco.
encarar as transformações que diariamente o observa na rea- No segundo capítulo, num contexto de aceitação do
lidade social Angolana. conceito de movimento social na época da pós-modernidade
Deste ponto de vista a obra materializa o papel das através de uma entrevista, o autor do livro demonstra como
Ciências Sociais como memória da sociedade, interpelando a gestão de um dossiér de negação da implementação de
as questões políticas mais fracturantes da fase mais recente propinas no ensino superior público pode inspirar em Angola
da nossa historia. É precisamente aqui onde reside a maior uma insatisfação generalizada dos estudantes universitários
importância deste livro, o seu objecto são as transformações angolanos, integrantes do MEA, Movimento dos Estudantes
mais estáveis da sociedade angolana nos últimos cinco anos Angolanos.
do governo chefiado pelo presidente João Lourenço e que o O terceiro capítulo, elege essa mesma categoria social—
autor esforça—se em registar ao seu jeito. os jovens como a base para se compreender a mudança social
Esta preocupação é a mais evidente em todo livro, que caracteriza a sociedade Angolana mais específicamente
registar e interpretar sociologicamente a história da Angola no seu aspecto social e político.
comtempôranea, os eventos, os actores e as mudanças que O livro finaliza com um estudo de base empírica
marcam a nossa sociedade. realizado em Luanda, em parceria do seu homólogo, o
A título de exemplo, no primeiro capítulo a obra sociólogo Geovani Dala, onde desenvolvem a tese segundo a
aborda os factos mais fracturantes da ordem política local e qual a nova conjuntura sociopolítica caracterizada pelo novo
global, espelhando-se na análise de um renomado sociologo governo chefiado pelo presidente João Lourenço, propiciou
francês, que caracteriza a política actual através do valor o recrudescimento da acção dos sindicatos em Angola, e
da adaptabilidade ao digital, expressando como exemplos assumem este facto como principal marco de referência para
os twitter do ex-presidente dos EUA, Donald Trump e do análise da mudança social em Angola neste período mais
presidente angolano João Lourenço, que em 2020 usou a rede recente.

20 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 21


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
Assim sendo das quadro peças constituintes da obra, Capítulo I
três aspectos servem para caracterizar o livro— a oralidade, Podemos ainda falar em movimento social em
a originalidade e actualidade. Sendo explícitos, o facto de ser sociedades que chamaríamos da informação ou
produto de comunicações, o livro expressa a visão pessoal da comunicação? (1)
do autor em relação aos assuntos da actualidade política em
Angola.

E
Neste contexto, usando a lógica de que não existem tra- ste capítulo integra uma resenha feita a um
balhos perfeitos, o autor lamenta as insuficiências metodo- texto publicado em 2006 pela revista brasileira
lógicas mais salientes da obra justificadas pela natureza dos Sociedade e Estado intitulado “Na fronteira dos
textos que lhe dão corpo. E neste sentido, declara que estão movimentos sociais” da autoria do sociólogo francês Alain
abertas as vias para recolha de todos tipos de contribuições Touraine.
para melhoria deste trabalho mediante o endereço dos seus Alain Touraine é um autor formado pela escola francesa
editores. de sociologia do trabalho. Atento às relações de classe e aos
É deste modo que, com muito carinho e respeito dese- conflitos na sociedade industrial, Touraine é um autor—pon-
ja—se a todos uma boa leitura. te entre aqueles que refletiram sobre os conflitos e o seu modo
de gestão no pós-guerra e aqueles que a contar da segunda
metade dos anos 1960 propõem novos modos de abordar a
acção colectiva (Lallement, sd).

Estruturado em torno de uma questão “Podemos ainda


falar em movimento social em sociedades que chamaríamos

1 Resenha crítica de TOURAINE, Alain (2006): “Na fronteira dos


movimentos sociais” In Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17—28.

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Alternancia em Angola Alternancia em Angola
pós-industriais, às quais muitos observadores chamam conscientes do que têm em comum, ou seja, dos mecanismos
sociedade da informação ou da comunicação?” O artigo de conflitos e dos interesses particulares que os definem uns
que aqui se analisa é uma proposta analítica do autor sobre contra os outros “ (Idem:20).
a empregabilidade sociológica do conceito de movimentos “O essencial, aqui, é reservar a ideia de movimento
sociais nas sociedades pós—industriais, ou sendo mais social a uma acção coletiva que coloca em causa um modo de
precisos nas sociedades pós—modernas para usar expressão dominação social generalizada” (Ibidem:18).
do filósofo francês Jean—François Lyotard (Lyotard, 1988)
E observa que em todas as sociedades o conflito social
O mesmo apresenta-se num importante instrumen- tem como eixo a utilização dos recursos criados pela socie-
to de contextualização do conceito de movimento social na dade – seja na ordem dos bens materiais, seja na ordem dos
realidade social angolana, tendo em conta o seu poder expli- bens simbólicos, de modo que o êxito ou o fracasso de um mo-
cativo face ao surgimento de novos actores políticos na so- vimento social – trata-se de um movimento de dominantes
ciedade angolana comtemporanea, nomeadamente os novos ou de dominados e consequentemente esse processo se traduz
movimentos sociais e alguns factos ou “coisas” marcantes na por transformação da organização social em particular, mas
acção de alguns políticos nacionais e internacionais. Pela sua não unicamente, da produção (Ibidem: 22-24).
abordagem pode inserido no campo da sociologia da acção
Na sociedade industrial sendo uma sociedade que se
histórica.
caracteriza pela sua utilização de uma forma de representação
Logo no início da sua argumentação, o autor propõe “política” da vida social, um conflito geral pode se formar em
um reexame do conceito de movimento social a partir de duas torno da apropriação do poder político (Touraine, 2006: 21).
principais objecções presentes na ciência sociológica, afirma Neste sentido, nos grandes países industriais, no início do
que “ é quase ilimitado o campo de aplicação dessa noção” século XX ocorreram greves que colocaram mais claramente
(Touraine, 2006: 20). do que em outros a natureza geral de um conflito formado
“Os movimentos sociais representam um conjunto no domínio do trabalho, mas se aplicando aos domínios mais
de actores sociais e políticos que são ao mesmo tempo, diversos da vida social.

24 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 25


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
E o que dizer das sociedades pós—industriais? A este política global como as recentes insurreições populares ob-
respeito a conclusão do autor é clara. Touraine responde que servadas nos EUA com a morte do Afro Americano George
não há qualquer razão para dispensar o conceito de movimen- Floyd, asfixiado por uma autoridade policial.
to social em tipos de sociedade cada vez mais claramente sepa-
As manifestacoes que levaram a destituição de Dilma
radas das sociedades industriais (Idem: 22).
Rousseff da presidencia do Brasil em 2014.
Entre outras razões destaca—se o facto de que o autor
A primavera árabe, no Norte de África e Médio Oriente
defende através de uma observação mais importante que se
em 2011.
pode fazer para compreender as transformações atuais dos
movimentos sociais o surgimento de uma ordem social ex- Ou as reivindicacoes dos jovens do movimento revolu-
cedida (Touraine, Ibidem). cionario de Angola que em junho de 2015 deram origem ao
famoso processo “15 +2”.
Quando nos situamos em sociedades da informação
e da comunicação não podemos mais nos referir a formas Nos respectivos países esses eventos foram caracteriza-
concretas de organização e de produção (Ibidem). Em outros dos pela sua intensa divulgação nas redes sociais e principais
termos, os movimentos e os adversários não podem mais ser canais televisivos. Criando-se assim, a imagem de um espaço
descritos e compreendidos em termos sociais: a face a face. virtual de manifestação política.

Razão pela qual defende que é preferível substituir a ex- Por outro lado, com esta análise Touraine não deixa de
pressão “movimentos sociais” por “movimentos culturais”, in- caracterizar um dos temas mais fracturantes da política con-
dicando o deslocamento dos conflitos para a ordem simbólica temporânea relacionada com a forma como o exercício da po-
e, ainda mais importante, definindo o que deve ser defendido lítica hoje é afectadas pelo digital. Refereꓽ
e o que deve ser combatido, em termos não mais propriamen- “As forças dominantes se definem não mais por seu con-
te sociais (Ibidem). teúdo ou formas de vida social, mas por uma capacidade
ilimitada de mudança ou de adaptação a um contexto em
Apontada desta maneira, a observação de Touraine constante modificação, e, muitas vezes, imprevisível” (Ibi-
pode ser aplicada a leitura de alguns dos principais eventos da dem: 22).

26 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 27


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
Aqui podia—se citar como exemplo, o actual modelo Capítulo II
de intervenção dos Chefes de Estados, o caso do Ex Presidente Propina not!: uma análise sobre dossier do
Donald Trump, nos EUA, ou ainda em Angola caso de João movimento estudantil angolano(2)
Lourenço, marcado pela flexibilidade em relação ao uso das re-
des sociais, Twitter, Instragram e Facebook.

E
Ou ainda citar os banhos de popularidade de Marcelo ste capítulo apresenta na íntegra a entrevis-
Rebelo de Sousa actual presidente de Portugal. ta concedida ao Jornalista Álvaro Victória do
Novo Jornal, um orgão angolano da comunicão
Como se pode observar, apesar da data de sua publi-
social de propriedade privada, publicada na sua edição 613,
cação este artigo propõem—nos uma viagem analítico—so-
aos 29 de Novembro de 2019.
ciológica para os principais temas da realidade política con-
temporânea. Por este motivo o propusemos como base teórica A mesma foi conduzida pelo referido profissional nas
para interpretação de algumas das principais acções relacio- instalações do Instituto Superior Politécnico Tocoísta.
nadas a mudança social na Angola comtemporanea. Atendendo versão original existente no Jornal, a versão
E para análise deste livro, elegemos as acções prota- aqui replicada exclui os elementos de descrição biográfica e
gonizadas pela juventude, sendo este o conteúdo do próximo frases destacadas pelo facto do livro estar orientado para um
capítulo. objetivo distinto do Jornal e também por o livro já possuir os
dados pessoais do autor.

Apesar deste facto, para uma leitura mais completa sugere—se a


consulta da versão original no jornal.

2Entrevista concedida ao Novo Jornal, edição n°613, de 29 de novembro


de 2019. P.26.

28 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 29


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
• Álvaro Victória Mas, olhando para a situação social concreta das
famílias, o que se pode adivinhar do impacto desta medida?
Que impactos sociais poderão advir da medida de pa-
gamento obrigatório de propinas nas universidades públi- À primeira vista, se olharmos para os valores avança-
cas do país? dos— pouco mais de mil Kwanzas— a impressão que dá é que
são valores um tanto ou quanto irrisórios. Porém, é preciso ter
Como sabemos, Angola está a atravessar um momento
em conta que grande parte dos nossos estudantes universitários
de crise económica, o que significa que a economia não está a
é desempregada. Dados do INE, a que tive acesso, apontam que
crescer. Antes pelo contrário, os indicadores do desemprego e do
20% da população activa em Angola é desempregada, isso sig-
crescimento económico são preocupantes. E uma medida destas
nifica que sobrevive de apoios familiares, sobrevive de negócios
traz sempre, obviamente, impactos sociais fortes na vida das
informais e biscates. A realidade que constatámos, porque tam-
famílias.
bém vivemos esta situação, é que o próprio estudante universi-
De que forma estes impactos poderão apresentar-se? tário já faz muita ginástica para poder custear aquilo que são
Era necessário fazerem—se estudos sociais antes de se os desafios do ensino superior, como a aquisição de material

avançar com a medida. O secretário de Estado para o Ensino didático, o acesso ao ensino a universidade e outras despesas.

Superior apresentou alguns dados, segundo os quais a propos- E acrescentar-se a isso mais a propina outra coisa não se pode
esperar que não mais dificuldades sociais.
ta de propina anual deve ser equivalente a meio salário mí-
nimo nacional obrigatório. A ministra do Ensino Superior fez Mas a questão de fundo— e isso olhando para tabela
referência a um estudo que não foi concluído, e espero que, nos dos valores avançados— é a incapacidade de as famílias
próximos dias, nos apresente as conclusões deste estudo. Porque mais vulneráveis poderem pagar as propinas ou o impacto
nós só vamos ter uma visão objectiva se houver estudos que de- resultante do facto de, durante anos, o estado subsidiar
monstrem as consequências concretas desta medida. vários serviços e, agora, estar a retirar as subvenções?

Sobre a questão que me coloca, há uma leitura perti-


nente que o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos

30 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 31


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
faz sobre o sistema universitário e as transformações que este uma organização que precisa de realizar os seus objetivos, tem
sistema vai observando nos últimos 30 anos. De acordo com de arranjar formas para sustentar as suas aspirações e objeti-
este autor, o sistema universitário vive, hoje, uma crise em três vos.
níveis, mas que a nos interessa apenas dois níveis: a crise da
Mas é estratégico, num país como nosso, com défice
legitimidade e a crise institucional. Quando falamos da crise
de quadros, o estado desinvestir no ensino universitário?
da legitimidade, o autor refere-se às dificuldades de credencia-
mento e da hierarquização de saberes dentro da própria uni- Para o nosso caso, o governo, não tendo recursos para
versidade, a questão do acesso ao ensino superior de indivíduos sustentar as universidades vai criando outros mecanismos, pa-
de famílias mais desfavorecidas. A questão aqui a colocar é: rece—me que é isso que explica a pretensão de redução da carga
Quem deve ter acesso ao ensino superior? O outro nível é o da financeira que o estado tem com o ensino superior público.
crise institucional, que eu penso que é que está mais ajustada
Obviamente que os estudantes são o elo mais vulnerável,
a crise económica que o país atravessa. A crise institucional,
porque muitos deles se encontram em situação desemprego, são
observa-se ao nível da reestruturação que as universidades hoje
de famílias vulneráveis. Mas em tudo isso penso que é necessá-
apresentam, da necessidade de que têm para garantir que sejam
rio comunicar mais com dados credíveis, frutos de estudos, para
organizações eficazes. E é aqui onde se observa que algumas
que do lado do estado haja razões suficientes para tomada de
universidades vão procurando gerir os custos, criar uma maior
posição como está e do lado dos estudantes e das famílias haja
abertura económica, através da rentabilização dos seus serviços
compreensão e colaboração.
para garantir que os objetivos das universidades sejam alcança-
dos. Muitas vezes, o poder financeiro compromete a materiali-
zação destes objetivos. O autor denuncia que nos últimos trinta
anos, o sistema universitário vai sofrendo a quilo a que chama
de secagem financeira, que quer dizer a redução da prioridade
da universidade nas políticas públicas, que é reflexo da redução
das prioridades das políticas sociais. E a universidade enquanto

32 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 33


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
Capítulo III
O papel dos jovens como parte essencial no
processo de mudança social em Angola (2)

E
sta palestra foi proferida na sede do Partido
de Renovação Social, em Viana (Luanda) no
dia 12 de agosto de 2020, perante um público
não especializado e muito heterogêneo. Embora o presente
texto tivesse sofrido alterações como a exclusão do seu debate
subsequente, por motivos metodológicos decidimos manter
a sua carga de oralidade original e a organização textual
do esboço que lhe deu origem, procurando neste processo
apenas acrescentar as referências bibliográficas contidas no
final do livro.

Como seria de esperar, começo por agradecer o convite


formulado pelo ilustre colega Nicolau, e o apoio prestado pelo
digníssimo Senhor Hilário, Secretário Municipal da JURS em
Viana. Confesso que é uma honra comunicar para este magnífi-
co público, pois é a primeira vez que me dirijo a um público tão
especial como o de uma associação político—Juvenil.

Antecipo as minhas desculpas pelos excessos que talvez


venha cometer durante a minha exposição, pois só pode ser

Os Jovens e Essas coisas de 35


Alternancia em Angola
entendido como produto da minha fraca socialização com Para o desenvolvimento dos dois argumentos que
eventos da mesma envergadura. acabamos de citar propomos a seguinte estrutura expositiva: em
primeiro lugar tratamos de apresentar de um modo didático o
Para desenvolver o assunto proposto trago uma comu-
conceito sociológico de mudança social com base nos principais
nicação baseada inspirada no próprio tema, dando conta que
manuais da formação em sociologia, isto tendo em conta o
aprioristicamente o mesmo já nos propoe a juventude como
público aqui presente.
parte essencial da mudança social em Angola, pelo que tendo
Em segundo lugar, tendo em conta o conceito de mudan-
em conta os dados que trouxemos o nosso posicionamento neste
ça social procuramos estabelecer a relação terminológica com o
sentido lhes será favorável na medida em que sustentamos nos
conceito de juventude.
seguintes argumentos:
Em terceiro lugar, partindo da noção da juventude em
a. De acordo com dados sociodemográficos do África, apresentamos uma caracterização política da atitude
Censo populacional, a juventude em Angola, dos jovens face a mudança social. E partir deste ponto, cria-se
corresponde a maior porção da população em uma ponte para análise histórica das acções da juventude em
Angola, sendo 65% da população total de An- relação a mudança social.
gola; E de acordo com algumas pesquisas os jo-
Por fim, empreende-se então uma análise da mudança
vens são especialmente o grupo mais vulnerável
social em Angola, nos últimos anos, baseando-se na sua
face as condições estruturais que geram pobre-
caracterização e identificação dos seus actores.
za e limitam a mobilidade sociodemográfica;
Para análise destes pontos, inspiramo-nos na revisao de
b. E porque nas sociedades modernas, a juventude
alguns manuais, artigos cientificos e jornalisticos, noticias te-
é uma complexa fase que do ponto de vista so-
levisivas e radiofonicas e a observacao de alguns factos apartir
cial, psicológico ou cultural se caracteriza pelo
das redes sociais.
estado de constante ebulição das suas ideias, o
que possibilita a reelaboração das suas crenças, Assim sendo, no primeiro ponto gostaríamos de destacar
dos seus valores tradicionais e das suas práticas a visão de um dos manuais de referência no estudo da mudança
que mudam a sua forma de ver o mundo. social para o curso de sociologia (Rocher,1971).

36 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 37


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
Segundo a sua conceptualização, mudança social Ê particularmente neste aspecto onde vislumbramos
constitui toda transformacao observavel no tempo que afecta, a relacao deste processo com o conceito de juventude. Nas
de maneira que nao seja provisoria ou efemera, a estrutura sociedades modernas a juventude é compreendida como
ou o funcionamento da organizacao de dada colectividade e uma fase complexa que do ponto de vista psicológico, social e
modifica o curso da sua historia (Rocher cit. Lakatus e Marconi, cultural as ideias do indivíduo estão em constante ebulição o
2013:298) que possibilita a reelaboração das crenças, valores, tradições e
Assim, no conceito de mudança social distinguem-se práticas que mudam a sua forma de ver o mundo.
os seguintes aspectos: primeiro a mudanca é um fenómeno A antropóloga Alcina Honwana analisa a juventude
colectivo porque abrange um sector significativo de uma africana num contexto de luta desta geração para sua
colectividade. emancipação económica, social e política.
Segundo, implica a mudança de estrutura (alteração de Partindo da experiência dos jovens nos movimentos
certas componentes da organização social ou sua totalidade). sociais, a autora, sintetiza a relação entre a juventude e a
Terceiro, identificação no tempo (é preciso identificar mudança social:
um ponto de referência a partir do qual se possa localizar a c. Grande parte dos jovens africanos vive uma fase
transformação, a permanência das transformações sociais ob- que chama Waithood/idade da espera, ou de
servadas e analisadas). juventude em espera. Waithood representa um
Quarto, deve ter um certo carácter de durabilidade ou prolongamento no período de suspensão entre
não devem ser passageiras ou superficiais. a infância e a idade adulta. Ou seja, a transi-
Finalmente, interferência no curso da história da so- ção da juventude a idade adulta tornou-se tão
ciedade ou acção histórica, que quer dizer que as mudanças incerta que um número crescente de jovens ra-
sociais são produto das atividades dos membros da sociedade pazes e raparigas vê-se obrigado a improvisar
que operam no sentido de originar , diminuir ou impedir as formas de subsistência e relações interpessoais
mudanças. fora das estruturas formais e familiares domi-

38 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 39


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
nantes. A sua situação é tão difícil que inspira 1. A proclamação da independência nacional
muitos deles a engendrar soluções criativas com a 11 de Novembro de 1975 foi produto da
um espaço de acção e termos próprios que em luta dos principais movimentos de libertação
Moçambique “desenrascar” em Angola “Bisca- integrados naquela altura maioritariamente
te” “deboller” na Tunísia. por jovens aguerridos e destemidos a enfrentar
d. Os recentes movimentos liderados por jovens o colono português;
resultam das pressões socioeconómicas que es- 2. A adopção formal do estado democrático em
tes sofrem e também da sua marginalização po- 1991, em substituição do modelo de partido
lítica. Nos últimos anos jovens parecem aban- único ancorado na filosofia do marxista—le-
donar actos sociais e políticos individuais em ninista foi produto dos recém convertidos em
favor de protestos colectivos na esfera pública. partidos políticos em 1992 integrados maiori-
e. Apesar dos movimentos sociais terem levado a tariamente por jovens;
queda de regimes, as transformações sistémicas 3. Apôs um prolongado período de Guerra civil,
levam tempo, e para efetivar-se exigem mais do que no balanço feito por alguns especialistas le-
que mera mudança na liderança. Nestas cir- vou mais de 29 anos, culminou com a efetiva-
cunstancias os jovens activistas encontram sé- ção da Paz duradoira em 04 de abril de 2002.
rias dificuldades em traduzir as suas reivindi- E por fim.
cações socioeconómicas numa agenda política
4. fruto da garantida da nova constituição de
mais ampla.
2010, tem inspirado um grupo diversificado de
Tendo como substrato a análise desta autora, ao nos pro- jovens a se manifestarem publicamente pelo re-
por a analisar historicamente a mudança social em Angola cap- conhecimento dos seus direitos civis, políticos e
tando neste processo o papel desempenhado juventude angola- económicos dos cidadãos, contra alguns vícios
na, identificamos os seguintes eventos importantes: da governação em Angola, contra as condições

40 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 41


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
de vida das populações, traduzindo—se em exi- 8. Criaram-se mais espaços alternativos de
gências múltiplas de mudanças e reformas po- participação política e social dos cidadãos.
líticas em Angola. Uma dessas mudanças mais 9. Deslocou-se o espaço de acção dos cidadãos do
visíveis foi a transição política entre o antigo espaço público as redes sociais.
chefe de Estado e o actual o general João Ma-
Um aspecto a ter em conta nesta última mudança
nuel Gonçalves Lourenço, actual presidente da
é que os seus actores tem sido a juventude com filiação a
República.
diversas organizações políticas e cidadãos comuns integrantes
No campo político em Angola nos últimos anos há de manifestações e criadores de slogans com um forte pendor
a destacar outras mudanças que de acordo com as fontes crítico-social e uma forte circulação nas redes sociais como a
consultadas, do período de 2017 à 2020, podem ser apontadas famosa “Operação Sai da Casa da Velha” “Acaba de me matar”
do seguinte modo: “movimento propina Not” ou ainda uma das mais recentes “JLo
5. Houve uma maior abertura sociopolítica do em 2022 vais Gostar”.
país aos principais valores de um estado demo- A particularidade destes slogans criados pelos jovens an-
crático, como o direito de manifestação, liber- golanos é a expressão do seu desejo de mudança em relação aos
dade de imprensa, liberdade de opinião e pen- problemas como a pobreza, o desemprego, a falta de luz e água,
samento, expressos por algum grau relactivo ao o acesso ao ensino universitário dos jovens, a falta de liberdade
respeito do princípio do contraditório nos ór- de expressão, o fechamento do sistema político em Angola, etc.
gãos de comunicação social públicos.
Para finalizar destacar que apesar da abertura política
6. Criou—se um maior espaço da acção dos sindi- do país na nova conjunto sociopolítica, alguns actores da
catos e dos movimentos sociais. sociedade civil continuam a criticar o não reconhecimento do
7. Desenvolveu—se um ambiente mais crítico em Partido de Renascimento Angolano (PRAJA Servir Angola)
relação ao poder pelos cidadãos e pelos órgãos liderada pelo político Abel Chivukuvuko que é entendida como
de comunicação social. parte da dinâmica de fechamento do actual elenco governativo

42 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 43


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
em relação a este e até em alguns casos como sua perseguição Por outro lado, a formação dos jovens deve engajar toda
política, e um sinal da não autonomia do poder judicial ao sociedade, particularmente as diferentes organizações po-
poder executivo. líticas, associações juvenis, igrejas, escolas, e outros gru-
Destacar ainda que a precariedade das condições sociais pos, privilegiando sempre nesta formação da juventude uma
da população em Angola, o elevado índice do desemprego, a educação para cidadania, ao invés da vertente ideológica, uma
limitação na continuidade da formação superior dos jovens, formação visando os valores patrióticos, do respeito ao bem pú-
devido o anuncio da cobrança de propinas nas instituições de blico, das leis, das gerações mais velhas, do saber esperar, e do
ensino superior públicas, o elevado índice de criminalidade da respeito as diferenças políticas.
juventude na cidade de Luanda, a nova grelha de impostos vis- Por fim, propor também, aos gestores públicos da socieda-
lumbram—se como novos desafios e apontam a necessidade de de Angolana e as organizações políticas a necessidade de haver
mudança para uma nova direção.
um maior investimento na investigação científica, seja na base
A semelhança das quatro fases, da descolonização, insti- de assuntos internos ou externos as estas organizações de mo-
tucionalização democrática, da pacificação e desta última fase dos a proporcionar uma melhor base de compreensão dos vá-
em que estamos todos inseridos os jovens são chamados a contri- rios problemas que marcam a nossa sociedade hodiernamente.
buir com o seu saber, com a sua energia e vontade para os prin-
cipais processos do nosso país, a consolidação da democracia, o
desenvolvimento socioeconómico, o desenvolvimento humano e
a reconciliação nacional.

E a título de conclusão, quero referir que essas mudanças


só serão efectivadas através de uma aposta da juventude na sua
contínua formação socioprofissional e tecnológica, atendendo
aos valores da sociedade do conhecimento que exigem do jovem
um domínio destas ferramentas para sua integração sociopro-
fissional na sociedade.

44 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 45


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
Capitulo IV
Sindicatos em Angola: o recrudescimento
de um movimento amorfo?

E
nquanto actores sociais, a relação entre os mo-
vimentos sociais e os sindicatos é íntima. É,
Pelo facto dos mesmos desempenharem um
papel preponderante na democratização das instituições e na
consciencialização do espírito de cidadania. Além disso, são
forças que procuram em uníssono resguardar o interesse dos
cidadãos. Elemento unificador entre os dois actores sociais
(Movimentos Sociais e Sindicatos). No entanto, a sua forma
de actuação na esfera social é a componente divergente entre
eles.

Nesse sentido, os novos movimentos sociais têm uma


natureza transversal e agregam interesses diferentes e normal-
mente têm uma acção extra institucional, com uma estrutura
flexível. Enquanto os sindicatos possuem uma estrutura mais
rígida por pertencerem a uma determinada classe social. Nor-
malmente, os sindicatos utilizam canais consagrados institu-
cionalmente. É uma organização vertical diferente dos movi-
mentos sociais que são movimentos horizontais.

Os Jovens e Essas coisas de 47


Alternancia em Angola
Como se pode ver, as acções colectivas dos novos mo- Nesta ordem de ideias, os factos ocorrentes do perío-
vimentos sociais e sindicais, são condicionadas pela estrutura do de 2017 a 2019, tendem a demonstrar maior autonomiza-
de governação. Em sociedades dominadas por uma estrutu- ção dos sindicatos em relação ao patronato e do Estado. Por
ra de governação autocrática, geralmente os sindicatos são exemplo: no dia 28 de Maio a 1 de Junho de 2018, o SOJA
amorfos. São apáticos porque a elite no poder tende a centra- (Sindicato dos Oficiais de Justiça de Angola) paralisou as acti-
lizar a acção política e minimizar a importância dos cidadãos vidades reivindicando aumento dos salários e melhores con-
no processo de tomada de decisão. dições laborais. No dia 20/11/2018, o Sindicato dos médicos
paralisou as suas actividades, reivindicando melhores condi-
No contexto angolano, o figurino de Estado socialista
ções de trabalho e a contratação de todos os profissionais que
de partido único que vigorou em Angola de 1977 à 1991 (Go-
estão no desemprego. Por último, no dia 28 de Abril de 2019,
mes, 2009) inviabilizou a emancipação dos sindicatos relativa-
os trabalhadores da Empresa Provincial de Água de Luanda
mente ao poder político. O alinhamento político da UNTA3ao
(EPAL) também paralisaram as suas actividades. Diante des-
programa do partido no poder ofuscou a essência ideológica
tes factos, podemos nos questionar: Será que estamos diante
e cultural dos sindicatos4 naquele contexto. Actualmente a
do recrudescimento de um movimento sindical amorfo em
Constituição da República de Angola no seu artigo 50º, re-
Angola?
conhece aos trabalhadores “A liberdade de criação de asso-
O presente capítulo visa analisar de uma forma genéri-
ciações sindicais para a defesa dos seus interesses individuais
ca, como a nova conjuntura sociopolítica influenciou o pro-
e colectivos… A lei regula a constituição, filiação, federação,
cesso da tomada de consciência das classes trabalhadoras na
organização e extinção das associações sindicais e garante a
prossecução do direito a greve em Angola.
sua autonomia e independência do patronato e do Estado”.
1. SÍNTESE TEÓRICA SOBRE A EVOLUÇÃO DOS
3 União dos Trabalhadores de Angola, a única central sindical naquele SINDICATOS NO CONTEXTO MUNDIAL
período.
4 A prossecução dos direitos sociais, no domínio das relações de trabalho, De um modo geral, a história dos movimentos sindicais
da segurança social, da saúde, da educação e da habitação por parte dos
trabalhadores. apresenta alguns marcos. O primeiro marco consiste na

48 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 49


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
associação da ideia do movimento sindical à dinâmica de A acção colectiva revolucionária tem sido historicamen-
classe social. A abordagem desenvolvida pelos marxistas te adoptada em contextos onde se verifica a recusa da inte-
sobre dinâmica de classe expressa a ideia, segundo a qual os gração das demandas sociais no contrato social. Um exemplo
conflitos sociais têm sempre uma expressão de classe. Por histórico de acção colectiva revolucionária é a protagonizada
de trás desta conceptualização, subjaz o entendimento da pelos Ludistas5.
sociedade em que o principal mecanismo de organização Este modelo de análise de carácter marxista tem vindo a
económica, social e política é a classe social. ser objecto de crítica. Segundo Sousa Santos (1991), do ponto
Uma classe social é definida como um grupo de indiví- de vista do que interessa na abordagem Marxista é o período
duos associados em função das mesmas características (cul- da caracterização que da passagem da cidadania cívica e po-
turais, políticas e económicas), diferenciando—se de outros lítica para o que foi designado por cidadania social. Ou seja,
grupos a partir do critério da sua posição no sistema econó- a conquista de significativos direitos sociais, no domínio das
mico (Campenhoudt, 2012). relações de trabalho, da segurança social, da saúde, da educa-

Dentro desta abordagem essencialmente marxista, o ção e da habitação por parte dos trabalhadores.

movimento sindical é um movimento de classe. Nos termos Afinal o que é um sindicato? Segundo Guimarães
desta abordagem, os movimentos sindicais tendem a apresen- (2009), um sindicato é definido como um agregado de indiví-
tar um padrão de acção colectiva de cariz institucional ou re- duos pertencente a uma classe de trabalhadores que exercem
volucionário. A acção colectiva é entendida como o conjunto um tipo de profissão partilhando um espaço comum e reú-
de actividades através das quais um grupo procura agir sobre
uma organização social e promover a reivindicação de que é 5 O nome do movimento deriva do seu criador NeddLudd, o primeiro
operário que teve iniciativa de destruir as máquinas do patrão. Movimen-
portador (Étienne, 2008). Acção colectiva institucional signi- to composto por trabalhadores qualificados de diversas profissões como
fica que o mesmo utiliza os canais de representação e partici- tecelões, operários agrícolas e fabris que reunidos em pequenas oficinas
criam e fornecem ideias aos outros movimentos operários. Em 1817, de-
pação política já instituído. sencadeiam agitações radicais nas ruas de Londres, provocaram diversos
protestos e motins nas vias públicas com objectivo de melhorar a sorte dos
trabalhadores (Campenhoudt 2012).

50 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 51


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
nem-se com fins solidários entre si. Nesta linha de pensamen- Apesar dos limites da forma de abordagem escolhida o
to, Marshall (1950) citado por Sousa Santos (1991) destaca estudo vai permitir alargar a base bibliográfica disponível so-
que a cidadania é o conteúdo da pertença igualitária a uma bre o sindicalismo em Angola. Não sendo possível em termos
dada comunidade e que se afere pelos direitos e deveres que o metodológicos dar conta da abrangência assinalada no tema,
constituem e pelas instituições a que dá azo para ser social e a opção dos autores foi pela observação tida enquanto princi-
politicamente eficaz. Pois, a cidadania é produto de histórias pal técnica de recolha de informação (Michel, 2009).
sociais diferenciadas protagonizadas por grupos sociais dife- A perspectiva de abordagem é qualitativa marcada por
rentes, dentre o qual o movimento sindical. É desta forma que um raciocínio dedutivo, que produz generalizações a partir
urge a necessidade de reflectir sobre o recrudescimento dos da observação das acções dos sindicalistas em Luanda. A re-
movimentos sindicais em Angola. colha dos dados foi possível através da técnica da observação
participante em torno da Marcha alusiva a 1 de Maio de 2019,
Em termos teóricos esta primeira parte ajudou-nos a
dia Internacional do Trabalhador e da entrevista (semi-estru-
esclarecer a questão sobre o que se pode entender por movi-
turada) aos membros de dois sindicatos de âmbito nacional
mento sindical, e avançou os elementos do nosso questiona-
(Sindicato dos Trabalhadores da EPAL e Sindicato Nacional
mento deste sector em Angola com os quais não deveríamos
dos Professores). Aplicou-se ainda a técnica de análise de
estar mais do que de acordo.
conteúdo da Declaração do Movimento do Movimento Sin-
Em certo sentido os autores sustentam a hipótese de dical e de alguns jornais, sites e blogues.
que a incapacidade dos profissionais das ciências sociais pro- É partindo deste nível preocupação, que a interrogação
duzirem conhecimentos sobre esta matéria é por si mesmo desta comunicação apresenta uma importância exclusiva
um sinal da apatia dos grupos sindicalistas criarem iniciativas na medida em que se tivermos em conta o período de cor-
capazes de interessar estes cientistas para estudos particula- te (2017 e 2019) facilmente se percebe que o estudo analisa
res. Ou ainda que esta apatia traduz o grau de desinvestimen- questões que constituem hoje parte do nosso quotidiano e
to público ao nível das ciências sociais. que acompanhamos por meio da televisão, dos jornais, rádio,
das redes sociais ou mesmo directamente nas manifestações e

52 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 53


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
greves que vão ocorrendo um pouco por toda Angola, desde Na história política e sindical do país, as actividades
o final de 2011 até a actualidade. sindicais de defesa dos direitos dos trabalhadores propendem

Contudo duas questões adicionais se impõem a princi- se apresentar amorfas. No período colonial apatia das forças

pal, a primeira, como é possível demonstrar sociologicamente sindicais pode ser associada ao próprio carácter do sistema

a apatia dos sindicatos em Angola? E a segunda, que elemen- Colonial português. A caracterização feita por Davidson (Cit.

tos servem para sustentação empírica da tese do recrudesci- Pain & Reis, 2006:50) do regime português mostra o quão sis-

mento do movimento sindical? Como é evidente o esclareci- témico foi a sua repressão, concedendo poucos direitos cívicos

mento destas questões requer um recurso a história. aos seus próprios cidadãos. Fica difícil falar em participação
da sociedade civil no contexto da época colonial. Manifesta-
3.2 — OS RASTOS SOCIOLÓGICOS DA APATIA
ções ou greves dos trabalhadores fizeram-se presentes, mas só
DOS SINDICATOS
através dos movimentos de libertação nacional.
Como referimos a análise do reavivamento do sindi-
Segundo Venâncio (2000) diferente das colónias
calismo em Angola só é possível com base na compreensão
anglófonas e francófonas, o movimento sindical na África
do processo sociopolítico nos diferentes contextos da história
lusófona se não foi totalmente inexistente não teve qualquer
angolana. De acordo com Maria (s/d) a história de Angola
modo de expressividade. Tal facto, deveu-se a vigência
pode ser distinguida em dois períodos: O período colonial e o
de uma ditadura que impedia a formação de sindicatos
período pós-colonial6.
independentes não só nas colónias, como também em
Portugal. A única estrutura sindical criada pelos movimentos
⁶ O primeiro período tem sido considerado por historiadores como sendo
equivalente a cinco séculos de exploração portuguesa. O segundo período de libertação no exílio como a Liga Geral dos Trabalhadores
que é o pós—colonial pode ser dividido em três etapas: a primeira que vai
de Angola criada em 1961 em Leopoldville (Kinshasa) filiada
de da proclamação da independência em 1975 até 1991. Esta é a etapa em
que vigorou o sistema político de partido único. A segunda etapa vai de na Conferederation Internacional dês SyndicatesChrétiens e
1991 com o inicio da implantação de um sistema multipartidário até 04
de Abril de 2002 com a assinatura do memorando do Lwena, marco que da responsabilidade da União dos Povos de Angola e outras
viria a instaurar uma paz duradoira no país, apôs 27 anos de guerra civil iniciativas que pouco ou nenhum impacto tiveram junto das
isto é desde a instauração da independência. A terceira etapa estende—se
de 2002 aos nossos dias (Maria, s/d: 4). massas trabalhadoras.

54 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 55


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
Em relação às análises sobre a “sociedade civil” ango- rio da Justiça que reafirmava o seu carácter reivindicativo mo-
lana no período de vigência do regime de Partido Único em bilizando os seus associados com base nos constantes atrasos
Angola (pós—independência, 1975—1991) encontramos re- salariais e a consequente perda do poder de compra.
flexões compelidas em negar qualquer existência de uma au-
Miguel Filho no texto “A génese do anti—sindicalismo
tonomia dos trabalhadores.
angolano” publicado pelo Jornal “O País” (2018) analisa o
Pestana (2008) descreve que a acção da maioria dos seguinte sobre a acção dos sindicatos no período apôs 1991,
órgãos não-estatais deste período é marcada pelo princípio data da aprovação da lei sindical em Angola:
da política de exclusão, proclamada pelo regime de partido “O período entre 1993 e o primeiro lustro de 2000, o
único. Os direitos dos trabalhadores nesta altura estavam re- sindicalismo independente foi marcado por constantes
reivindicações protagonizadas pelos sindicatos de
presentados pelo único órgão sindical (UNTA). Percebe-se
professores, da saúde e dos jornalistas, mas, no geral,
que de facto, em uma sociedade que vive dominada por es- o poder sindical viu-se paulatinamente fragilizado por
trutura de governação autocrática, geralmente os sindicatos falta de planos estratégicos e subvalorização dos meios de
são amorfos. dissuasão do patronato (…)”

O “primeiro sinal de regeneração dos sindicatos” vai Fica evidente que nem o sistema multipartidário e
aparecer com a consagração formal, em 1991, do sistema com ele a lei sindical resolveram o problema da apatia destes
multipartidário, que da liberdade de imprensa e de associa- organismos no período em referência. Entre os factores desta
ção, vai alargar o espaço de intervenção destes novos actores situação podemos deduzir a inexistência de uma cultura
sociais e estimular o seu crescimento (Pestana, Idem). reivindicativa e o carácter autocrático do próprio sistema.

O surgimento do multipartidarismo, em 1991, e com ele Acompanhando este raciocínio, podemos constatar
a Lei nº 21—D/92 de 28 de Agosto, tornou-se possível a cria- que apatia das forças sindicais é uma característica presen-
ção de sindicatos independentes. Tendo entre outros surgido te em todo período da colonização, comandada pelo Estado
o sindicato dos jornalistas (SJA), em 28 de Março de 1992, e colonial português, e posteriormente será continuada pelo
mais tarde o SIMPROF o 1º sindicato legalizado pelo Ministé- governo de Partido Único de orientação marxista—leninista.

56 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 57


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
E se alarga até um período mais recente, em que o pluralismo trabalhadores filiados, sendo 110.806 mulheres de um
sindical é um facto em todas as áreas de actividade sindica- universo de 465.462 trabalhadores controlados até 1992 era
lizadas, mas a falta de planificação estratégica, capacidade de a única central sindical no país, mas com a nova conjuntura
negociação com patronato são os sinais claros de um sindica- política e social operada no cenário da governação, que
lismo amorfo. determinaram o multipartidarismo no sistema de organização

3.4 – CARACTERIZAÇÃO DAS FORÇAS SINDICAIS política e a economia de mercado no sistema de organização

NO CONTEXTO ACTUAL económico, abriu-se espaço para o surgimento de outras


centrais sindicais. A CGSILA emerge neste espaço.
A lei i nº 21 D/92 de 28 de Agosto regula a constituição,
organização e extinção das associações sindicais nos níveis as- Nas palavras do seu precursor o sindicalista Manuel
sociativos de base; b) intermédio; c) superior. Nesse sentido Maria Difuila (2018), a CGSILA foi criada em 1996 por
no quadro das associações superiores em Angola, podemos dois motivos: Primeiro por contradições internas. Segundo
encontrar: a UNTA, SGSILA e a Força Sindical. As associações porque defendia um sindicalismo independente de todos,
sindicais superiores são aquelas que integram as associações que objectivava a consciência social dos trabalhadores como
representativas, ao nível regional, de associações sindicais in- alternativa sindical em prol da defesa dos verdadeiros anseios
termédias. As associações intermédias são as representativas, dos assalariados.
ao nível regional ou nacional, enquanto associações de base A CGSILA tem sobre a sua chancela 9 sindicatos,
são as associações representativas de pelo menos trinta por nomeadamente o Sindicato dos jornalistas de Angola (SJA);
cento dos trabalhadores dos ramos e sectores de actividade Sindicato Nacional da Industria dos Matérias de Construção
económica ou profissional provincial. Madeira e afins (SNIMCMA); o Sindicato Nacional
Enquanto central sindical de nível superior, estão Independente dos Trabalhadores da Saúde (SNTS); Sindicato
associados na UNTA—CS, 8 Federações Ramais; 5 das indústrias petroquímicas e metalúrgicas de Angola
Sindicatos Nacionais, 17 Uniões provinciais e 98 Sindicatos (SIPEQMA); Sindicatos Geológico e Mineiro (SIGEOMA);
Províncias. No total, estas associações agregam 264.779 Sindicato Independente dos Trabalhadores da Função Pública

58 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 59


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
(SINTFPA); Sindicato dos Serviços Turísticos, Hoteleiros e Conforme o manifesto supracitado, podemos deduzir
Comerciais de Angola (SISTHCA); Sindicato Independente como primeiro factor de sustentação da nossa hipótese a nova
da EPAL (SIEPAL) e Núcleo Sindical do Futuro do Caminho conjuntura sociopolítica que o país atravessa desde finais de
de Ferro de Luanda (NSFCFML). 2017. Em detrimento disto, observou—se do período de 2017

A Força Sindical é a terceira no panorama dos sindi- a 2019 uma sequência de acções reivindicativas dos sindicatos

catos em Angola. Foi criada em 2004. Segundo Trigueiros apôs um longo período de hibernação. Para além da regula-

(2011), a mesma surge praticamente pelos mesmos motivos ridade que é um dos aspectos marcante, o conteúdo destas

que a CGSILA. Houve uma cisão na CGSILA, e um grupo de assumiu um tom mais activo em relação a reivindicação dos

antigos sindicalistas optou por edificar uma outra central. problemas sociais e políticos.

3.5 — O RECRUDESCIMENTO DO MOVIMENTO De acordo com a nossa pesquisa, foi possível registar

SINDICAL no período de 2017 a 2019 um total de 14 greves efectivadas,


conforme espelha o quadro:
O manifesto do movimento sindical angolano (elabora-
do pelas três centrais sindicais) proferido aquando do dia 1 de
Maio dia internacional dos trabalhadores realça: Ano Greve Total

“Nova conjuntura política do país auguram a melhoria do 1. Greve do SIMPROF (05, 06 e 07 de


diálogo e concertação social, entre parceiros, na resolução abril);
dos problemas económicos e sócio-laborais das trabalha- 2. Greve dos trabalhadores da unidade 3
doras e trabalhadores e promoção dos direitos de cidadania central da Empresa Nacional de Meca-
2017
de todos. Entretanto, no âmbito da ofensiva neoliberal em nização Agrícola— Mecanagro (24 de
Outubro de 2017)
vigor em todo mundo, o governo angolano também apro-
vou uma nova lei geral do trabalho a contento do capital em 3. Greve dos Trabalhadores do centro de
Hemodiálise em Benguela (13 à 15 de
detrimento dos trabalhadores. Nesta lei geral do trabalhado
Novembro de 2017).
o governo neutralizou a acção dos sindicatos, deixando es-
tes quase sem poder de reacção em defesa das trabalhadoras
e trabalhadores (…)”

60 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 61


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
1. Greve do SINTEJA (29 de Janeiro a 9 No que se refere ao conteúdo das greves dos sindicatos
de Fevereiro); os principais motivos das greves são a melhoria salarial, das
2. Greve do SIMPROF (9 à 13 de Abril) condições de trabalho e o desemprego. Com base em Sousa
2018 3. Greve dos Sindicatos dos Oficiais de 8 Santos (1991) estes constituem importantes direitos sociais,
Justiça de Angola (de 28 de Maio a 01
de Junho); seja no domínio das relações de trabalho, como da segurança
4. Greve dos Sindicatos dos Trabalhadores social, da saúde, da educação e da habitação por parte dos tra-
da Saúde, Administração pública e
Serviços do Huambo (de 31 de Maio a balhadores. Percebemos que com o agravamento da situação
05 de Junho); social da maioria dos cidadãosdevido a crise económica que
5. Greve dos Professores do Ensino Geral o país atravessa os trabalhadores tendem a desenvolver uma
do Huambo (de 30 de Maio a 1 de
Junho); postura de conformismo ao trabalho precário.
6. Greve dos Sindicatos dos Enfermeiros
de Luanda (11 a 13 Junho);
Que o efeito das greves e manifestações dos sindi-

7. Greve do Sindicato dos Trabalhadores calistas está associado a nova conjuntura sociopolítica an-
Marítimos, Portuários, Ferroviários e golana e é baseado em três dispositivos legais importantes
Afins de Luanda (1 de Outubro) e
na Constituição da República de Angola, Lei da greve e o
8. Greve do Sindicato dos Médicos de
Angola (20 de Novembro). manifesto eleitoral do partido governante apresentado nas
1. Greve da Sociedade Mineira das Lumi- últimas elDDDDD eições. O último dispositivo sugere o
22019 nas –Cuango (16 de Fevereiro);
recrudescimento dos sindicatos como produto da materiali-
2. Greve dos trabalhadores dos Caminhos 3
de Ferro de Luanda (14 de Abril); zação do programa do novo executivo sobre a proposta de um
3. Greve dos trabalhadores da EPAL diálogo entre o Estado, as organizações patronais e as associa-
filiados na central sindical SGSILA (28 ções sindicais (Manifesto Eleitoral do MPLA de 2017—2022,
de Março deste ano).
TOTAL 14 política nº4). Enquanto o conteúdo da constituição e da lei
Quadro de distribuição das greves registadas do sindical é usado pelos sindicatos e pelos responsáveis das em-
período de 2017 à 2019 presas lesadas para justificação de suas acções.

62 Os Jovens e Essas coisas de Os Jovens e Essas coisas de 63


Alternancia em Angola Alternancia em Angola
Em termos gerais nas greves analisadas as leis se apre- Referências Bibliográficas
sentam em dois níveis, como suporte e motivo das reivindi-
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do Trabalho para que seja “ajustada aos princípios constitu- de um movimento amorfo? ” Comunicação apresentada no
cionais” .
7
colóquio sobre “Os partidos politicos e movimentos sindica-
Concluindo, o texto procurou potenciar a reflexão sobre listas na África Sub—Sahariana: Matrizes, Transformações
o estado recente do movimento sindical em Angola. Dentre e Desafios” organizado pelo Centro de Estudos Africanos
os motivos constaram dar resposta a uma questão importante do CIS— Instituto Superior de Ciências Sociais e Relações
para da vida social angolana— o sector laboral, numa fase em Internacionais em Luanda no dia 29 de Maio.
que se assistem a várias mudanças no país. ÉTIENNE, J. et al
Tendo como objecto os “Sindicatos em Angola”procu- [2008]. Dicionário crítico de Sociologia: As noções, os
ramos neste texto responder a esta importante questão através mecanismos, os autores. Lisboa: Porto editor, 2ª ed.
da compreensão dos dois períodos da história política angola- FILHO, M. [2018]. “A génese do anti-sindicalismo an-
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desta época encontramos o vigor de Estado autocrático ante e anti—sindicalismo—angolano/» acessado no dia 15 de Março
posterior a independência. de 2019 às 15h12min.
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