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Patologia da tiroide e Gravidez

Ângela Machado, Paulo Azevedo


I n t e r n o s F o r m a ç ã o E s p e c í fi c a M e d i c i n a G e r a l e Fa m i l i a r 1 º A n o
O r i e n t a d o ra : D r. ª A n a L a n z i n h a Serviço Ginecologia e Obstetrícia
Centro Hospitalar Médio Ave
25 outubro 2017
Introdução
•A patologia tiroideia tem uma incidência quatro a cinco vezes superior no sexo feminino,
particularmente na idade fértil.

•As doenças da tiroide são a segunda patologia endócrina mais frequente durante a gravidez.

•A gestação está associada a alterações adaptativas e reversíveis da função tiroideia.

• O estado de eutiroidismo materno é importante para o desenvolvimento neurocognitivo fetal


normal, pelo que idealmente essa condição deve estar presente no período pré-concecional.

Abalovich M et al. Management of thyroid dysfunction during pregnancy and postpartum: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrin Metab 2007;
92(8): S1-47.
Alterações fisiológicas na gravidez
Hipertiroidismo transitório fisiológico
↑ β hCG
•Homologia estrutural parcial com TSH (no 1ºT reduz [TSH])
•Estimulação dos recetores da TSH na tiróide
•Bociogénico

TSH
• ↓ no 1º trimestre
• Normalização no 2º e 3º trimestre

↑ Proteína de ligação da Tiroxina ( TBG)


• ↑T4 / T3 Total
• ↓T4 / T3 Livre
 Korevaar T, et al. Thyroid disease in pregnancy: new insights in diagnosis and clinical management. Nature Reviews Endocrinology. 2017. 13:610–622
Alterações fisiológicas na gravidez
1º trimestre (1ª - 12ª sem.)

O desenvolvimento fetal depende essencialmente das Hormonas Tiroideias maternas.


FETO
2º trimestre ( 12ª - 24ª sem.)

Síntese de hormonas tiroideias pelo feto inicia-se às 18-20 semanas de gestação.

3º trimestre ( 24ª- 36ª sem.)

O feto torna-se praticamente autónomo na produção de hormonas tiroideias.


Alterações fisiológicas na gravidez
↑ Necessidades de Iodo
• Aumento da necessidade da tiroxina (T4) para manter o normal metabolismo da mulher
• Transferência de T4 e iodo para o feto durante a gravidez
• Aumento da depuração renal na grávida
Recomendações da DGS - suplementação
iodo
Alterações fisiológicas na gravidez
American Thyroid Association
2011

Os valores de referência da TSH na grávida devem ser ajustados em relação ao trimestre e à população.
Se não for possível, as guidelines da American Thyroid Association definem que o limite superior da
normalidade de ~4.0 mU/L deve ser utilizado, representando uma redução de ~0.5 mU/L em relação ao
TSH nas mulheres não-grávidas.
Ocorre uma mudança descendente do intervalo de referência do TSH durante a gravidez, com uma redução
no limite inferior (diminuiu cerca de 0,1-0,2mU/L) e no limite superior do TSH materno (diminuiu cerca de
0,5-1,0 mU/L), relativo para o intervalo de referência típico de TSH não grávido.
Hipotiroidismo na Gravidez
Prevalência
•“Clínico”: 0,2 a 0,6% das mulheres grávidas
•Sub-clínico: 3,5% a ~18% das gestações

Causas de Hipotiroidismo

•Défice de aporte de iodo


•Tiroidite crónica auto-imune ( Hashimoto)
•Pós tiroidectomia cirúrgica/ Iodo radioativo
•Patologia hipotálamo-hipofisária
 Korevaar T, et al. Thyroid disease in pregnancy: new insights in diagnosis and clinical management. Nature Reviews Endocrinology. 2017. 13:610–622
Hipotiroidismo na Gravidez
Quadro clínico
•Semelhante ao da não grávida
• Diagnóstico difícil por sinais e sintomas serem sobreponíveis aos da própria gravidez
•Muitas pacientes são assintomáticas

Manifestações clínicas
• Aumento ponderal
• Astenia
• Sonolência
• Intolerância ao frio
• Obstipação
Hipotiroidismo na Gravidez
“Clínico” = ↓T4 e T3 Livres
Diagnóstico ↑ TSH
Subclínico = T4 e T3 Livres normais

Anticorpos anti-
Grávidas com concentração de TSH >2.5mU/L
peroxidase (TPO)

Hipotiroxinemia isolada = T4 Livre diminuída mas TSH normal

TSH: principal determinante do estado tiroideu materno e deve ser usado para diagnóstico, decisão e
objetivo do tratamento.
Hipotiroidismo na Gravidez
Anticorpos anti-
peroxidase (TPO)

•Elevados em 30-60% das grávidas com TSH elevado.


•1/3 das grávidas com hipotiroidismo subclínico

Mulheres com hipotiroidismo subclínico com anticorpos anti-TPO têm um risco mais elevado de
complicações na gravidez do que aquelas sem anticorpos anti-TPO.
Hipotiroidismo na Gravidez
Complicações
•Pré-eclâmpsia e hipertensão gestacional
•Abortamento espontâneo
•Descolamento de Placenta
•Parto pré-termo
•Aumento do nº de cesarianas
•Hemorragia pós parto
•Baixo peso ao nascimento
•Défices Neuro-psicológicos e cognitivos
•Cretinismo (comprometimento intelectual profundo, surdo-mutismo e rigidez motora)
•Hemorragia pós-parto
•Morbilidade e mortalidade perinatal
Hipotiroidismo na Gravidez
Complicações

O risco de complicações na grávida com hipotiroidismo subclínico é menor do que no hipotiroidismo


“clínico”. Contudo, em alguns estudos mostrou-se um risco aumentado de pré-eclâmpsia, parto pré-termo,
descolamento de placenta e/ou aborto espontâneo relativamente às gravidas eutiroideias.

Em alguns estudos, existe associação entre hipotiroxinemia e défices no desenvolvimento cognitivo,


contudo, não existem estudos a comprovar que a administração de tiroxina melhorem estes efeitos
adversos.

Hipotiroidismo subclínico ou as
Refletem melhor o estado tiroideu materno
concentrações maternas de TSH

Refletem a disponibilidade de hormonas tiroideias para o feto,


Concentrações maternas de T4 livre
independentemente das concentrações de TSH
Hipotiroidismo na Gravidez
Terapêutica Objetivo: valores Normais de TSH específicos para o trimestre.

Hipotiroidismo PRÉVIO à Aumento 30% da dose de Levotiroxina (duplicar a dose durante


gravidez 2 dias por semana) logo que TIG positivo

Hipotiroxinemia isolada Sem indicação para tratamento


Hipotiroidismo na Gravidez
Hipotiroidismo
Terapêutica subclínico

Tratamento com levotiroxina recomendado:


• Anticorpos anti-TPO positivos e TSH elevada em relação aos limites de referência específicos para a
gravidez;
• Anticorpos anti-TPO negativos e TSH superior a 10.0mU/L.

Considerar tratamento com levotiroxina:


• Anticorpos anti-TPO positivos e TSH >2.5mU/L mas inferior ao limite superior específico para a gravidez
• Anticorpos anti-TPO negativos e TSH superior ao limite superior especifico para a gravidez mas inferior a
10.0mU/L.

Segundo o UpToDate, no hipotiroidismo subclínico:


•Segundo o UpToDate, no hipotiroidismo subclínico:
Se TSH ≥ 4mU/L deve-se medicar independentemente dos anticorpos anti-TPO --»levotiroxina 1mcg/kg/dia
• Se TSH entre 2,6 e 4mU/L + anticorpos anti-TPO positivos + história de abortos recorrentes deve-se medicar
tiroxina 50mcg/dia.
Hipotiroidismo na Gravidez
Terapêutica
Hipotiroidismo “clínico”

TSH > 4 mU/L (ou acima do valor de referência específico para o trimestre): Levotiroxina
1.6mcg/Kg/dia

Se TSH mantiver acima dos valores normais específicos para o trimestre, a dose de
levotiroxina pode ser aumentada de 12 a 25 mcg/dia.
Hipotiroidismo na Gravidez
Absorção de Levotiroxina
Monitorização prejudicada pelo sulfato
ferroso, pelo que devem
• Mulheres com hipotiroidismo “clínico” ou subclínico Devem ser monitorizadas através ser tomados com 2 horas
de intervalo.
(tratado ou não tratado) da medição da TSH sérica a cada 4
• Mulheres em risco de hipotiroidismo (p.ex eutiroideias semanas até meio da gestação e
mas anti-TPO ou anti-Tg positivas, pós- pelo menos uma vez pelas 30
hemitiroidectomia ou tratadas com iodo radioativo) semanas de gestação

Seguimento

• Após o parto, nas mulheres com hipotiroidismo prévio à gravidez, a dose de levotiroxina deve ser reduzida para a dose
pré-concepção. Reavaliação analítica 6 semanas após o parto.
• Algumas mulheres são candidatas a descontinuar a levotiroxina após o parto, especialmente quando a dose é ≤50µg/d.
Se for descontinuada, deve-se reavaliar o TSH sérico em aproximadamente 6 semanas.
Ac anti-tiroideus e Gravidez
•Auto-anticorpos anti-TPO ou anti- tiroglobulina estão presentes em 2% a 17% das mulheres grávidas (ATA
2017)
•Mais frequentes nas mulheres caucasianas e asiáticas e menos frequentes nas que têm descendência
africana.
• A suplementação de iodo em baixa dose pode desencadear auto-imunidade tiroideia numa pequena
proporção de mulheres (ATA 2017).

A titulação dos anticorpos anti-tiroideus atinge o pico no


Evolução ao longo da gravidez 1ºtrimestre e diminuem em 60% no decurso da gestação.

Os anticorpos anti-TPO são capazes de atravessar a placenta. Contudo, a passagem maternal quer de anti-
TPO quer de anti-Tg não está associada a disfunção tiroideia fetal.
Ac anti-tiroideus e Gravidez
•Mulheres que são anti-TPO positivas têm maior risco de desenvolver hipotiroidismo subclínico no
1ºtrimestre e tiroidite pós-parto.
•A positividade para o anti-TPO por si só está associado a um risco aumentado de aborto e parto
prematuro.
Mulheres grávidas
eutiroideias com anti-TPO Avaliação da concentraçao sérica de TSH na altura da
ou anti-Tg positivos confirmação da gravidez e a cada 4 semanas de gestação.

• Evidência insuficiente para recomendar a favor ou contra o tratamento com levotiroxina de mulheres
eutiroideias com anti-TPO positivos.
• O benefício do tratamento com levotiroxina ocorre quando as concentrações de TSH > 4.0 mU/L.
TSH deve ser reavaliado 3 e
6 meses após o parto Risco de Tiroidite pós-parto
Hipertiroidismo na Gravidez
Baixo TSH + Aumento T4 livre e/ou T3

• Ocorre em 0,1-0,4% das gestações


- taquicardia
- ansiedade
Manifestações clínicas - tremor
- intolerância ao calor
- perda de peso e apetite normal ou aumentado
- bócio
- exoftalmia
- mixedema prétibial
Implicações na gravidez
Abortamento espontâneo, parto pré-termo, baixo peso ao nascer, morte fetal intrauterina, pré-eclâmpsia,
insuficiência cardíaca hipertiroidismo fetal ou neonatal
Causas de Hipertiroidismo primário na Gravidez

- Doença
Igual de Graves em geral
à população
- Bócio multinodular tóxico
- Adenoma tóxico
- Tirotoxicose fictícia
- Tiroidite subaguda
- Struma ovarii

Próprias da Gestação:
•Hipertiroxinémia transitória da gravidez (mediado pela hCG)
- Mola Hidatidiforme /Coricarcinoma
Hipertiroxinémia transitória da gravidez
(HTG)
•Hipertiroidismo não auto-imune
•Transitório
•Ocorre em mulheres com uma gestação normal (2 a 3 %)
•Grau de sintomas é variável
•Associado na maioria das vezes hiperémese gravídica
•Directamente relacionada com a amplitude e a duração do pico de βhCG no 1º trimestre
•Sem relação com outras complicações maternas e fetais
Hipertiroxinémia transitória da gravidez
(HTG)
Diagnóstico

TSH suprimido + T3 e T4 Livre elevados


TRAB negativo

Terapêutica

Normalmente transitório e sem necessidade de tratamento


D. Graves
Causa frequente de hipertiroidismo na gestação (~95% dos casos)
-Doença auto-imune
-Caracterizada pela presença de TRAB
- Quadro clínico semelhante ao da não grávida

Evolução da doença ao longo da gestação:

1ª metade da
2ª metade da Pós-parto –
gestação -
gestação - Melhoria Exacerbação
Agravamento
D. Graves
Diagnóstico

◦ TSH suprimido + T4 Livre elevado

◦ TRAB positivo

Vigilância

TSH; T4Livre e TRAb até as 12 semanas


 Repetir TRAb entre as 18-22 e 30-34 semanas e controle apertado da T4Livre
Hipertiroidismo
Objetivo
◦ T4 livre no limite superior do normal para a mulher não grávida
◦ T4 e T3 Totais 1,5x superior aos valores de referência para a mulher não grávida
◦ TSH no limite inferior do normal para o trimestre

Hipertiroidismo materno persistente ligeiro

Evitar hipotiroidismo fetal


Hipertiroidismo
Tratamento

Primeira Linha:
Tionamidas
◦ Preconceção e 1º Trimestre: Preferir propiltiouracilo (300mg/dia)
◦ 2ºTrimestre (>16semanas): Alterar para metimazol (10-30mg/dia)
◦ 3ºTrimestre: Pode ser possível diminuir gradualmente a dose
Hipertiroidismo
Tratamento

Se sintomas adrenérgicos
◦ β-bloqueantes (suspender após 2-6 sem)

◦ Complicações se tratamento prolongado: Atraso crescimento, BC fetal, hipoglicémia neonatal


Hipertiroidismo
Tratamento cirúrgico

• Raramente necessário
- Descontrolo mesmo com as doses maximas de Tionamidas
- Alergia ou intolerância às Tionamidas
- Incumprimento medicação
- Sintomas compressivos

• Feita preferencialmente no 2º trimestre


Nódulos tiroideus na gravidez
•Em áreas de deficiência moderada de iodo, a prevalência de nódulos da tiróide na gravidez varia
entre 3-21% e aumentou com a paridade crescente (9,4% sem gravidez prévia, 20,7% com uma
gravidez anterior, 20,7% com duas gravidezes anteriores e 33,9% com três ou mais gravidezes
anteriores).
•Pode ocorrer um aumento no volume nodular durante a gravidez, com retorno aos volumes do
primeiro trimestre no terceiro mês pós-parto.
•A grávida em que se encontra um nódulo tiroideu deve ser avaliada da mesma forma que a não
grávida
• TSH, T4 livre e ecografia tiróide
• Está contra-indicada a cintigrafia

•Taxa de malignidade entre 15 e 43% nos nódulos descobertos na gravidez.


Nódulos tiroideus na gravidez
•Em mulheres com níveis séricos suprimidos de TSH que persistem além das 16 semanas de
gestação, a biópsia aspirativa de agulha fina (BAAF) de um nódulo de tiróide clinicamente
relevante pode ser adiada até ao parto.
• Nesse momento, se se mantiver a supressão da TSH, deve-se realizar cintigrafia para avaliar a função do
nódulo se não estiver a amamentar.

•BAAF está recomendada em nódulos recém-detetados em grávidas com TSH não suprimido.
• Decisão de quais nódulos biopsar depende dos critérios ecográficos.
Tiroidite pós-parto
•Disfunção tiroideia, com a exceção da Doença de Graves, que ocorre no primeiro ano pós-parto
em mulher eutiroideia previamente à gravidez.
•Etiologia auto-imune inflamatória
•Evolução variável ao longo do 1ºano pós-parto

Fase de tireotoxicose Fase de hipotiroidismo Fase de eutiroidismo

Mulheres com história prévia de


2-6 meses pós-parto 3-12 meses pós parto tiroidite pós-parto devem avaliar
TSH anualmente pelo risco de
hipotiroidismo permanente.
Se sintomática, Resolvem
beta-bloqueantes espontaneamente
10-20% Se sintomática, Se não iniciar terapêutica,
hipotiroidismo levotiroxina avaliar TSH a cada 4-8 semanas
permanente até função tiróide normalizar
A descontinuação da levotiroxina deve
ser tentada após 12 meses.
Rastreio na Gravidez
Rastreio Universal Controverso

Rastreio em casos selecionados

• História pessoal ou familiar de disfunção tiroideia • Abortos espontâneos recorrentes ou parto


prematuro
•Área com carência moderada a severa em Iodo
•Infertilidade
•Sintomas de disfunção da tiroide ou bócio
•Obesidade mórbida (IMC >40 Kg/m2)
•Idade > 30 anos
•História de irradiação da cabeça e pescoço
•Ac anti TPO +
•Tratamento com amiodorona, lítio ou administração
•DM1 ou outras doenças auto-imunes de contraste iodado recente
•Múltiplas gravidezes anteriores (≥ 2) •Cirurgia prévia à tiroide
Obrigada!

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