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JOÃO CABRAL DE MELO NETO

3ª GERAÇÃO DO MODERNISMO ( 45)


• NASCIMENTO – 09 DE JANEIRO DE 1920 – RECIFE – PE
• FALECIMENTO – 09 DE OUTUBRO DE 1999 – RIO DE JANEIRO- RJ
• PRIMO DE MANUEL BANDEIRA E GILBERTO FREYRE
• FOI DIPLOMATA BRASILEIRO E POETA
• CRIOU UMA NOVA FORMA DE FAZER POESIA
⮚ SURREALISTAS
⮚ CRITICAS SOCIAS
• AINDA MUITO JOVEM ,18 ANOS, FREQUENTAVA A RODA LITERÁRIA DO CAFÉ LAFAYETTE
• FOI AMIGO DE MURILO MENDES, CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE E JORGE DE LIMA
• SERVIU À FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA (FEB)
• 1941 PARTICIPOU DO PRIMEIRO CONGRESSO DE POESIA DO RECIFE
• 1946 TRABALHOU NO DEPARTAMENTO CULTURAL DO ITAMARATY, DEPARTAMENTO
POLÍTICO E DEPOIS NA COMISSÃO DE ORGANISMOS INTERNACIONAIS.
• 1947 FOI INDICADO PARA O CONSULADO GERAL EM BARCELONA, COMO VICE-CÔNSUL
• COMEÇOU A PUBLICAR LIVROS , EM ESPANHOL, DE POETAS BRASILEIROS E , ENTRE ELES,
O SEU PSICOLOGIA DA COMPOSIÇÃO – POEMA DIVIDIDO EM 8 PARTES – FAZ PARTE DA
TRILOGIA DE 1947
⮚ FÁBULA DE ANFION
⮚ PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
⮚ ANTIODE
• FOI MEMBRO DA ACADEMIA PERNAMBUCANA DE LETRAS E
DA CADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
PRINCIPAIS OBRAS
• PEDRA DO SONO ( 1942)
• O ENGENHEIRO (1945)
• PSICOLOGIA DA COMPOSIÇÃO ( 1947)
• O CÃO SEM PLUMAS ( 1950)
• MORTE E VIDA SEVERINA ( 1956)
• A EDUCAÇÃO PELA PEDRA ( 1966)
• MUSEU DE TUDO ( 1975)
ESCRITO EM 1956
AUTO DE NATAL ( IDADE MÉDIA) RELIGIOSO
POESIA REGIONALISTA – CEARÁ /NORDESTE
DIVIDIDO EM 18 PARTES
SEVERINO É O PROTAGONISTA E NARRADOR
SEU JOSÉ ( MESTRE CARPINA) IMPEDE SEVERINO DE COMETER SUICÍDO AO CITAR
NASCIMENTO DO FILHO
RETIRANTE NORDESTINO E AS QUESTÕES SOCIAIS
MEDO, MISÉRIA, INSEGURANÇA E A CERTEZA DA MORTE
SERTÃO ( MISÉRIA E MORTE)
LITORAL ( ESPERANÇA E VIDA)
SEVERINO PERCEBE QUE SERTÃO E LITORAL TÊM SEMELHANÇAS
O RETIRANTE EXPLICA AO mesma morte severina:
LEITOR QUEM É E A QUE lá da serra da Costela, que é a morte de que se morre
VAI limites da Paraíba. de velhice antes dos trinta,
— O meu nome é Severino, Mas isso ainda diz pouco: de emboscada antes dos vinte,
não tenho outro de pia. se ao menos mais cinco havia de fome um pouco por dia
Como há muitos Severinos, com nome de Severino (de fraqueza e de doença
que é santo de romaria, filhos de tantas Marias é que a morte severina
deram então de me chamar mulheres de outros tantos, ataca em qualquer idade,
Severino de Maria; já finados, Zacarias, e até gente não nascida).
como há muitos Severinos vivendo na mesma serra Somos muitos Severinos
com mães chamadas Maria, magra e ossuda em que eu vivia. iguais em tudo e na sina:
fiquei sendo o da Maria Somos muitos Severinos a de abrandar estas pedras
do finado Zacarias. iguais em tudo na vida: suando-se muito em cima,
Mas isso ainda diz pouco: na mesma cabeça grande a de tentar despertar
há muitos na freguesia, que a custo é que se equilibra, terra sempre mais extinta,
por causa de um coronel no mesmo ventre crescido a de querer arrancar
que se chamou Zacarias sobre as mesmas pernas finas, algum roçado da cinza.
e que foi o mais antigo e iguais também porque o sangue Mas, para que me conheçam
senhor desta sesmaria. que usamos tem pouca tinta. melhor Vossas Senhorias
Como então dizer quem fala E se somos Severinos e melhor possam seguir
ora a Vossas Senhorias? iguais em tudo na vida, a história de minha vida,
Vejamos: é o Severino morremos de morte igual, passo a ser o Severino
da Maria do Zacarias, que em vossa presença emigra.
ENCONTRA DOIS HOMENS
— E de onde que o estais trazendo, Este foi morto de bala,
CARREGANDO UM
irmãos das almas, irmão das almas,
DEFUNTO NUMA REDE,
onde foi que começou mais garantido é de bala,
AOS GRITOS DE: “Ó
vossa jornada? mais longe vara.
IRMÃOS DAS ALMAS!
— Onde a Caatinga é mais seca, — E quem foi que o emboscou,
IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO
irmão das almas, irmãos das almas,
FUI EU QUE MATEI NÃO!”
onde uma terra que não dá quem contra ele soltou
— A quem estais carregando,
nem planta brava. essa ave-bala?
irmãos das almas,
— E foi morrida essa morte, — Ali é difícil dizer,
embrulhado nessa rede?
irmãos das almas, irmão das almas,
dizei que eu saiba.
essa foi morte morrida sempre há uma bala voando
— A um defunto de nada,
ou foi matada? desocupada.
irmão das almas,
— Até que não foi morrida, — E o que havia ele feito,
que há muitas horas viaja
irmão das almas, irmãos das almas,
à sua morada.
esta foi morte matada, e o que havia ele feito
— E sabeis quem era ele,
numa emboscada. contra a tal pássara?
irmãos das almas,
— E o que guardava a emboscada, — Ter uns hectares de terra,
sabeis como ele se chama
irmãos das almas, irmão das almas,
ou se chamava?
e com que foi que o mataram, de pedra e areia lavada
— Severino Lavrador,
com faca ou bala? que cultivava.
irmão das almas,
Severino Lavrador,
mas já não lavra.
— Bem que poderá ajudar,
— Mas que roças que ele tinha, queria voar mais livre irmão das almas,
irmãos das almas, essa ave-bala. é irmão das almas quem ouve
que podia ele plantar — E agora o que passará, nossa chamada.
na pedra avara? irmãos das almas, — E um de nós pode voltar,
— Nos magros lábios de areia, o que é que acontecerá irmão das almas,
irmão das almas, contra a espingarda? pode voltar daqui mesmo
dos intervalos das pedras, Mais campo tem para soltar, para sua casa.
plantava palha. irmão das almas, — Vou eu que a viagem é longa,
— E era grande sua lavoura, tem mais onde fazer voar irmãos das almas,
irmãos das almas, as filhas-bala. é muito longa a viagem
lavoura de muitas covas, — E onde o levais a enterrar, e a serra é alta.
tão cobiçada? irmãos das almas, — Mais sorte tem o defunto
— Tinha somente dez quadras, com a semente do chumbo irmãos das almas,
irmão das almas, que tem guardada? pois já não fará na volta
todas nos ombros da serra, — Ao cemitério de Torres, a caminhada.
nenhuma várzea. irmão das almas, — Toritama não cai longe,
— Mas então por que o mataram, que hoje se diz Toritama, irmãos das almas,
irmãos das almas, de madrugada. seremos no campo santo
mas então por que o mataram — E poderei ajudar, de madrugada.
com espingarda? irmãos das almas? — Partamos enquanto é noite
— Queria mais espalhar-se, Vou passar por Toritama, irmãos das almas,
irmão das almas, é minha estrada. que é o melhor lençol dos mortos
Devo rezar tal rosário
até o mar onde termina,
saltando de conta em conta, Vejo que o Capibaribe,
O RETIRANTE TEM MEDO passando de vila em vila. como os rios lá de cima,
DE SE Vejo agora: não é fácil é tão pobre que nem sempre
EXTRAVIAR POR SEU seguir essa ladainha; pode cumprir sua sina
GUIA, O RIO entre uma conta e outra conta, e no verão também corta,
APIBARIBE, entre uma e outra ave-maria, com pernas que não caminham.
— Antes de sair de casa há certas paragens brancas, Tenho que saber agora
aprendi a ladainha de planta e bicho vazias, qual a verdadeira via
das vilas que vou passar vazias até de donos, entre essas que escancaradas
na minha longa descida. e onde o pé se descaminha. frente a mim se multiplicam.
Sei que há muitas vilas grandes, Não desejo emaranhar Mas não vejo almas aqui,
cidades que elas são ditas; o fio de minha linha nem almas mortas nem vivas;
sei que há simples arruados, nem que se enrede no pêlo ouço somente à distância
sei que há vilas pequeninas, hirsuto desta caatinga. o que parece cantoria.
todas formando um rosário Pensei que seguindo o rio Será novena de santo,
cujas contas fossem vilas, eu jamais me perderia: será algum mês-de-Maria;
de que a estrada fosse a linha. ele é o caminho mais certo, quem sabe até se uma festa
de todos o melhor guia. ou uma dança não seria?
Mas como segui-lo agora
que interrompeu a descida?
NA CASA A QUE O RETIRANTE
CHEGA
ESTÃO CANTANDO EXCELÊNCIAS — Finado Severino, etc...
PARA — Dize que coisas de não,
UM DEFUNTO, ENQUANTO ocas, leves:
UM HOMEM, DO LADO DE FORA, como o caixão, que ainda deves.
VAI — Uma excelência
PARODIANDO A PALAVRAS DOS dizendo que a hora é hora.
CANTADORES — Ajunta os carregadores
— Finado Severino, que o corpo quer ir embora.
quando passares em Jordão — Duas excelências...
e o demônios te atalharem -...dizendo é a hora da plantação.
perguntando o que é que levas... — Ajunta os carreadores...
— Dize que levas cera, -...que a terra vai colher a mão.
capuz e cordão
mais a Virgem da Conceição.
— Finado Severino, etc...
— Dize que levas somente
coisas de não:
CANSADO DA VIAGEM O me levem direto ao mar
RETIRANTE ao refazer sua rotina?
ENSA INTERROMPÊ-LA POR UNS Na verdade, por uns tempos,
NSTANTES E PROCURAR parar aqui eu bem podia
RABALHO ALI ONDE SE e retomar a viagem
ENCONTRA. quando vencesse a fadiga.
— Desde que estou retirando Ou será que aqui cortando
só a morte vejo ativa, agora minha descida Vejo uma mulher na janela,
só a morte deparei já não poderei seguir ali, que se não é rica,
e às vezes até festiva; nunca mais em minha vida? parece remediada
só a morte tem encontrado (será que a água destes poços ou dona de sua vida:
quem pensava encontrar vida, é toda aqui consumida vou saber se de trabalho
e o pouco que não foi morte pelas roças, pelos bichos, poderá me dar notícia
foi de vida Severina pelo sol com suas línguas?
(aquela vida que é menos será que quando chegar
vivida que defendida, o rio da nova invernia
e é ainda mais Severina um resto de água no antigo
para o homem que retira). sobrará nos poços ainda?)
Penso agora: mas por que Mas isso depois verei:
parar aqui eu não podia tempo há para que decida;
e como Capibaribe primeiro é preciso achar
interromper minha linha? um trabalho de que viva.
— Tirei mandioca de chãs
DIRIGE-SE À MULHER NA JANELA que o vento vive a esfolar
sinto-me capaz de arar.
QUE e de outras escalavras
— Também de pouco adianta,
DEPOIS, DESCOBRE TRATAR-SE pela seca faca solar.
nem pedra há aqui que amassar;
DE — Isto aqui não é Vitória
diga-me ainda, compadre,
QUEM SE SABERÁ nem é Glória do Goitá;
que mais fazias por lá?
— Muito bom dia, senhora, e além da terra, me diga,
— Conheço todas as roças
que nessa janela está; que mais sabe trabalhar?
que nesta chã podem dar;
sabe dizer se é possível — Sei também tratar de gado,
o algodão, a mamona,
algum trabalho encontrar? entre urtigas pastorear;
a pita, o milho, o caroá.
— Trabalho aqui nunca falta gado de comer do chão
— Esses roçados o banco
a quem sabe trabalhar; ou de comer ramas no ar.
já não quer financiar;
o que fazia o compadre — Aqui não é Surubim
mas diga-me, retirante,
na sua terra de lá? nem Limoeiro, oxalá!
o que mais fazia lá?
— Pois fui sempre lavrador, mas diga-me, retirante,
— Melhor do que eu ninguém
lavrador de terra má; que mais fazia por lá?
sei combater, quiçá,
não há espécie de terra — Em qualquer das cinco tachas
tanta planta de rapina
que eu não possa cultivar. de um bangüê sei cozinhar;
que tenho visto por cá.
— Isso aqui de nada adianta, sei cuidar de uma moenda,
— Essas plantas de rapina
pouco existe o que lavrar; de uma casa de purgar.
são tudo o que a terra dá;
mas diga-me, retirante, — Com a vinda das usinas
diga-me ainda, compadre
o que mais fazia por lá? há poucos engenhos já;
que mais fazia por lá?
— Também lá na minha terra nada mais o retirante
aprendeu a fazer lá? — Já velei muitos defuntos, sou de toda a região
— Ali ninguém aprendeu na serra é coisa vulgar; rezadora titular.
outro ofício, ou aprenderá; mas nunca aprendi as rezas, — E ainda se me permite
mas o sol, de sol a sol, sei somente acompanhar. mais outra vez indagar:
bem se aprende a suportar. — Pois se o compadre soubesse é boa essa profissão
— Mas isso então será tudo rezar ou mesmo cantar, em que a comadre ora está?
em que sabe trabalhar? trabalhávamos a meias, — De um raio de muitas léguas
vamos, diga, retirante, que a freguesia bem dá. vem gente aqui me chamar;
outras coisas saberá. — Agora se me permite a verdade é que não pude
— Deseja mesmo saber minha vez de perguntar: queixar-me ainda de azar.
o que eu fazia por lá? como senhora, comadre, — E se pela última vez
comer quando havia o quê pode manter o seu lar? me permite perguntar:
e, havendo ou não, trabalhar. — Vou explicar rapidamente, não existe outro trabalho
— Essa vida por aqui logo compreenderá: para mim nesse lugar?
é coisa familiar; como aqui a morte é tanta, — Como aqui a morte é tanta,
mas diga-me retirante, vivo de a morte ajudar. só é possível trabalhar
sabe benditos rezar? — E ainda se me permite nessas profissões que fazem
sabe cantar excelências, que volte a perguntar: da morte ofício ou bazar.
defuntos encomendar? é aqui uma profissão Imagine que outra gente
sabe tirar ladainhas, trabalho tão singular? de profissão similar,
sabe mortos enterrar? — É, sim, uma profissão, farmacêuticos, coveiros,
e a melhor de quantas há: doutor de anel no anular,
O RETIRANTE CHEGA À ZONA DA
esta aqui, tão feminina.
MATA,
Mas não avisto ninguém,
QUE O FAZ PENSAR, OUTRA VEZ, EM
só folhas de cana fina;
remando contra a corrente INTERROMPER A VIAGEM.
somente ali à distância
da gente que baixa ao mar, — Bem me diziam que a terra
aquele bueiro de usina;
retirantes às avessas, se faz mais branda e macia
somente naquela várzea
sobem do mar para cá. quando mais do litoral
um bangüê velho em ruína.
Só os roçados da morte a viagem se aproxima.
Por onde andará a gente
compensam aqui cultivar, Agora afinal cheguei
que tantas canas cultiva?
e cultivá-los é fácil: nesta terra que diziam.
Feriando: que nesta terra
simples questão de plantar; Como ela é uma terra doce
tão fácil, tão doce e rica,
não se precisa de limpa, para os pés e para a vista.
não é preciso trabalhar
de adubar nem de regar; Os rios que correm aqui
todas as horas do dia,
as estiagens e as pragas têm água vitalícia.
os dias todos do mês,
fazemos mais prosperar; Cacimbas por todo lado;
os meses todos da vida.
e dão lucro imediato; cavando o chão, água mina.
Decerto a gente daqui
nem é preciso esperar Vejo agora que é verdade
jamais envelhece aos trinta
pela colheita: recebe-se o que pensei ser mentira
nem sabe da morte em vida,
na hora mesma de semear Quem sabe se nesta terra
vida em morte, Severina;
não plantarei minha sina?
e aquele cemitério ali,
Não tenho medo de terra
branco de verde colina,
(cavei pedra toda a vida),
decerto pouco funciona
e para quem lutou a braço
e poucas covas aninha.
ASSISTE AO ENTERRO DE UM tu sozinho tudo empreitas:
TRABALHADOR DE EITO E OUVE O serás semente, adubo, colheita.
QUE — Trabalharás numa terra
DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE que também te abriga e te veste:
te sentirás largo. embora com o brim do Nordeste.
O LEVARAM AO CEMITÉRIO
— É uma cova grande — Será de terra
— Essa cova em que estás,
para tua carne pouca, tua derradeira camisa:
com palmos medida,
mas a terra dada te veste, como nunca em vida.
é a cota menor
não se abre a boca. — Será de terra
que tiraste em vida.
— Viverás, e para sempre a tua melhor camisa:
— É de bom tamanho,
na terra que aqui aforas: te veste e ninguém cobiça.
nem largo nem fundo,
e terás enfim tua roça. — Terás de terra
é a parte que te cabe
— Aí ficarás para sempre, completo agora o teu fato:
neste latifúndio.
livre do sol e da chuva, e pela primeira vez, sapato.
— Não é cova grande.
criando tuas saúvas. — Como és homem,
é cova medida,
— Agora trabalharás a terra te dará chapéu:
é a terra que querias
só para ti, não a meias, fosses mulher, xale ou véu.
ver dividida.
como antes em terra alheia. — Tua roupa melhor
— É uma cova grande
— Trabalharás uma terra será de terra e não de fazenda:
para teu pouco defunto,
da qual, além de senhor, não se rasga nem se remenda.
mas estarás mais ancho
serás homem de eito e trator. — Tua roupa melhor
que estavas no mundo.
— Trabalhando nessa terra, e te ficará bem cingida:
— É uma cova grande
para teu defunto parco, como roupa feita à medida.
— Esse chão te é bem conhecido deixa-te semear no leirão.
(bebeu teu suor vendido). — Dentro da rede não vinha nada,
— Esse chão te é bem conhecido só tua espiga debulhada.
(bebeu o moço antigo) — Dentro da rede vinha tudo,
— Esse chão te é bem conhecido só tua espiga no sabugo.
(bebeu tua força de marido). — Dentro da rede coisa vasqueira,
— Desse chão és bem conhecido só a maçaroca banguela.
(através de parentes e amigos). — Dentro da rede coisa pouca, — E agora, se abre o chão e te
— Desse chão és bem conhecido tua vida que deu sem soca. abriga,
(vive com tua mulher, teus filhos) — Na mão direita um rosário, lençol que não tiveste em vida.
— Desse chão és bem conhecido milho negro e ressecado. — Se abre o chão e te fecha,
(te espera de recém-nascido). — Na mão direita somente dando-te agora cama e coberta.
— Não tens mais força contigo: o rosário, seca semente. — Se abre o chão e te envolve,
deixa-te semear ao comprido. — Na mão direita, de cinza, como mulher com que se dorme.
— Já não levas semente viva: o rosário, semente maninha,
teu corpo é a própria maniva. — Na mão direita o rosário,
— Não levas rebolo de cana: semente inerte e sem salto.
és o rebolo, e não de caiana. — Despido vieste no caixão,
— Não levas semente na mão: despido também se enterra o grão.
és agora o próprio grão. — De tanto te despiu a privação
— Já não tens força na perna: que escapou de teu peito à viração.
deixa-te semear na corveta. — Tanta coisa despiste em vida
— Já não tens força na mão: que fugiu de teu peito a brisa.
O RETIRANTE RESOLVE
APRESSAR OS
PASSOS PARA CHEGAR LOGO AO
RECIFE
— Nunca esperei muita coisa, está apenas no pavio,
digo a Vossas Senhorias. ou melhor, na lamparina:
O que me fez retirar pois é igual o querosene
não foi a grande cobiça; que em toda parte ilumina, Sim, o melhor é apressar
o que apenas busquei e quer nesta terra gorda o fim desta ladainha,
foi defender minha vida quer na serra, de caliça, o fim do rosário de nomes
de tal velhice que chega a vida arde sempre com que a linha do rio enfia;
antes de se inteirar trinta; a mesma chama mortiça. é chegar logo ao Recife,
se na serra vivi vinte, Agora é que compreendo derradeira ave-maria
se alcancei lá tal medida, por que em paragens tão ricas do rosário, derradeira
o que pensei, retirando, o rio não corta em poços invocação da ladainha,
foi estendê-la um pouco ainda. como ele faz na Caatinga: Recife, onde o rio some
Mas não senti diferença vive a fugir dos remansos e esta minha viagem se fina.
entre o Agreste e a Caatinga, a que a paisagem o convida,
e entre a Caatinga e aqui a Mata com medo de se deter,
a diferença é a mais mínima. grande que seja a fadiga.
Está apenas em que a terra
é por aqui mais macia;
CHEGANDO AO RECIFE O RETIRANTE o que dizer de Casa Amarela
SENTA-SE PARA DESCANSAR AO PÉ DE está decidida a mudar-se onde não para o vaivém?
UM MURO ALTO E CAIADO E toda para debaixo da terra. Pode ser uma estação
OUVE, SEM SER NOTADO, A CONVERSA — É que o colega ainda não viu mas não estação de trem:
DE DOIS COVEIROS o movimento: não é o que se vê. será parada de ônibus,
— O dia hoje está difícil; Fique-se por aí um momento com filas de mais de cem.
não sei onde vamos parar. e não tardarão a aparecer — Então por que não pedes,
Deviam dar um aumento, os defuntos que ainda hoje já que és de carreira, e antigo,
ao menos aos deste setor de cá. vão chegar (ou partir, não sei). que te mandem para Santo Amaro
As avenidas do centro são melhores, As avenidas do centro, se achas mais leve o serviço?
mas são para os protegidos: onde se enterram os ricos, Não creio que te mandassem
há sempre menos trabalho são como o porto do mar; para as belas avenidas
e gorjetas pelo serviço; não é muito ali o serviço: onde estão os endereços
e é mais numeroso o pessoal no máximo um transatlântico e o bairro da gente fina:
(toma mais tempo enterrar os ricos). chega ali cada dia, isto é, para o bairro dos usineiros,
— pois eu me daria por contente com muita pompa, protocolo, dos políticos, dos banqueiros,
se me mandassem para cá. e ainda mais cenografia. e no tempo antigo, dos bangüezeiros
Se trabalhasses no de Casa Amarela Mas este setor de cá (hoje estes se enterram em carneiros);
não estarias a reclamar. é como a estação dos trens: bairro também dos industriais,
De trabalhar no de Santo Amaro diversas vezes por dia dos membros das associações
deve alegrar-se o colega chega o comboio de alguém. patronais
porque parece que a gente — Mas se teu setor é comparado e dos que foram mais horizontais
que se enterra no de Casa Amarela à estação central dos trens, nas profissões liberais.
Difícil é que consigas
aquele bairro, logo de saída. Raras as letras douradas, — No de Casa Amarela me deixou
— Só pedi que me mandasse raras também as gorjetas. mas me mudou de arrabalde.
para as urbanizações discretas, — Gorjetas aqui, também, — E onde vais trabalhar agora,
com seus quarteirões apertados, só dá mesmo a gente rica, qual o subúrbio que te cabe?
com suas cômodas de pedra. em cujo bairro não se pode — Passo para o dos industriários,
— Esse é o bairro dos funcionários, trabalhar em mangas de camisa; que também é o dos ferroviários,
inclusive extranumerários, onde se exige quepe de todos os rodoviários
contratados e mensalistas e farda engomada e limpa. e praças-de-pré dos comerciários.
(menos os tarefeiros e diaristas). — Mas não foi pelas gorjetas, não, — Passas para o dos operários,
Para lá vão os jornalistas, que vim pedir remoção: deixas o dos pobres vários;
os escritores, os artistas; é porque tem menos trabalho melhor: não são tão contagiosos
ali vão também os bancários, que quero vir para Santo Amaro; e são muito menos numerosos.
as altas patentes dos comerciários, aqui ao menos há mais gente — É, deixo o subúrbio dos indigentes
os lojistas, os boticários, para atender a freguesia, onde se enterra toda essa gente
os localizados aeroviários para botar a caixa cheia que o rio afoga na preamar
e os de profissões liberais dentro da caixa vazia. e sufoca na baixa-mar.
que não se libertaram jamais. — E que disse o Administrador, — É a gente sem instituto,
— Também um bairro dessa gente se é que te deu ouvido? gente de braços devolutos;
temos no de Casa Amarela: — Que quando apareça a ocasião são os que jamais usam luto
cada um em seu escaninho, atenderá meu pedido. e se enterram sem salvo-conduto.
cada um em sua gaveta, — E do senhor Administrador — É a gente dos enterros gratuitos
com o nome aberto na lousa isso foi tudo que arrancaste? e dos defuntos ininterruptos.
— É a gente retirante
que vem do Sertão de longe.
— Desenrolam todo o barbante
— Na verdade, seria mais rápido — Mas o que se vê não é isso:
e chegam aqui na jante.
e também muito mais barato é sempre nosso serviço
— E que então, ao chegar,
que os sacudissem de qualquer ponte crescendo mais cada dia;
não tem mais o que esperar.
dentro do rio e da morte. morre gente que nem vivia.
— Não podem continuar
— O rio daria a mortalha e até um — E esse povo de lá de riba
pois têm pela frente o mar.
macio de Pernambuco, da Paraíba,
— Não têm onde trabalhar
caixão de água; que vem buscar no Recife
e muito menos onde morar.
e também o acompanhamento poder morrer de velhice,
— E da maneira em que está
que levaria com passo lento encontra só, aqui chegando,
não vão ter onde se enterrar.
o defunto ao enterro final cemitério esperando.
— Eu também, antigamente,
a ser feito no mar de sal. — Não é viagem o que fazem
fui do subúrbio dos indigentes,
— E não precisava dinheiro, vindo por essas caatingas, vargens;
e uma coisa notei
e não precisava coveiro, aí está o seu erro:
que jamais entenderei:
e não precisava oração vêm é seguindo seu próprio enterro
essa gente do Sertão
e não precisava inscrição.
que desce para o litoral, sem razão,
fica vivendo no meio da lama,
comendo os siris que apanha;
pois bem: quando sua morte chega,
temos que enterrá-los em terra seca.
O RETIRANTE APROXIMA-SE DE UM DOS E chegando, aprendo que,
CAIS DO CAPIBARIBE nessa viagem que eu fazia,
— Nunca esperei muita coisa, sem saber desde o Sertão,
é preciso que eu repita. meu próprio enterro eu seguia.
Sabia que no rosário Só que devo ter chegado
de cidade e de vilas, adiantado de uns dias;
e mesmo aqui no Recife o enterro espera na porta:
ao acabar minha descida, o morto ainda está com vida.
não seria diferente A solução é apressar
a vida de cada dia: a morte a que se decida
que sempre pás e enxadas e pedir a este rio,
foices de corte e capina, que vem também lá de cima,
ferros de cova, estrovengas que me faça aquele enterro
o meu braço esperariam. que o coveiro descrevia:
Mas que se este não mudasse caixão macio de lama,
seu uso de toda vida, mortalha macia e líquida,
esperei, devo dizer, coroas de baronesa
que ao menos aumentaria junto com flores de anhinga,
na quartinha, a água pouca, e aquele acompanhamento
dentro da cuia, a farinha, de água que sempre desfila
o algodãozinho da camisa, (que o rio, aqui no Recife,
ao meu aluguel com a vida. não seca, vai toda a vida).
APROXIMA-SE DO RETIRANTE O — Severino, retirante por que ao puxão das águas
MORADOR DE UM DOS MOCAMBOS pois não sei o que lhe conte; não é melhor se entregar?
QUE sempre que cruzo este rio — Severino, retirante,
EXISTEM ENTRE O CAIS E A costumo tomar a ponte; o mar de nossa conversa
ÁGUA DO RIO quanto ao vazio do estômago, precisa ser combatido,
— Seu José, mestre carpina, se cruza quando se come. sempre, de qualquer maneira,
que habita este lamaçal, — Seu José, mestre carpina, porque senão ele alarga
sabes me dizer se o rio e quando ponte não há? e devasta a terra inteira.
a esta altura dá vau? quando os vazios da fome — Seu José, mestre carpina,
sabes me dizer se é funda não se tem com que cruzar? e em que nos faz diferença
esta água grossa e carnal? quando esses rios sem água que como frieira se alastre,
— Severino, retirante, são grandes braços de mar? ou como rio na cheia,
jamais o cruzei a nado; — Severino, retirante, se acabamos naufragados
quando a maré está cheia o meu amigo é bem moço; num braço do mar miséria?
vejo passar muitos barcos, sei que a miséria é mar largo, — Severino, retirante,
barcaças, alvarengas, não é como qualquer poço: muita diferença faz
muitas de grande calado. mas sei que para cruzá-la entre lutar com as mãos
— Seu José, mestre carpina, vale bem qualquer esforço. e abandoná-las para trás,
para cobrir corpo de homem — Seu José, mestre carpina, porque ao menos esse mar
não é preciso muito água: e quando é fundo o perau? não pode adiantar-se mais.
basta que chega o abdome, quando a força que morreu — Seu José, mestre carpina,
basta que tenha fundura nem tem onde se enterrar, e que diferença faz
que esse oceano vazio
cresça ou não seus cabedais
se nenhuma ponte mesmo
é de vencê-lo capaz?
— Seu José, mestre carpina, — Seu José, mestre carpina,
que lhe pergunte permita: e que interesse, me diga,
há muito no lamaçal há nessa vida a retalho
apodrece a sua vida? que é cada dia adquirida?
e a vida que tem vivido espera poder um dia
foi sempre comprada à vista? comprá-la em grandes partidas?
— Severino, retirante, — Severino, retirante,
sou de Nazaré da Mata, não sei bem o que lhe diga:
mas tanto lá como aqui não é que espere comprar
jamais me fiaram nada: em grosso tais partidas,
a vida de cada dia mas o que compro a retalho
cada dia hei de comprá-la. é, de qualquer forma, vida.
— Seu José, mestre carpina,
que diferença faria
se em vez de continuar
tomasse a melhor saída:
a de saltar, numa noite,
fora da ponte e da vida?
APARECEM E SE APROXIMAM DA
CASA
UMA MULHER, DA PORTA DE ONDE DO HOMEM VIZINHOS, AMIGOS,
SAIU DUAS
O HOMEM, ANUNCIA-LHE O QUE SE CIGANAS, ETC e cada casa se torna
VERÁ — Todo o céu e a terra num mocambo sedutor.
— Compadre José, compadre, lhe cantam louvor. — Cada casebre se torna
que na relva estais deitado: Foi por ele que a maré no mocambo modelar
conversais e não sabeis esta noite não baixou. que tanto celebram os
que vosso filho é chegado? — Foi por ele que a maré sociólogos do lugar.
Estais aí conversando fez parar o seu motor: — E a banda de maruins
em vossa prosa entretida: a lama ficou coberta que toda noite se ouvia
não sabeis que vosso filho e o mau-cheiro não voou. por causa dele, esta noite,
saltou para dentro da vida? — E a alfazema do sargaço, creio que não irradia.
Saltou para dento da vida ácida, desinfetante, — E este rio de água, cega,
ao dar o primeiro grito; veio varrer nossas ruas ou baça, de comer terra,
e estais aí conversando; enviada do mar distante. que jamais espelha o céu,
pois sabeis que ele é nascido. — E a língua seca de esponja hoje enfeitou-se de estrelas.
que tem o vento terral
veio enxugar a umidade
do encharcado lamaçal.
COMEÇAM A CHEGAR PESSOAS
TRAZENDO PRESENTES PARA O RECÉM NASCIDO
— Minha pobreza tal é
que não trago presente grande: um olho d'água de Lagoa do Cerro, — Trago abacaxi de Goiana
trago para a mãe caranguejos trago aqui água de Olinda, e de todo o Estado rolete de cana.
pescados por esses mangues; água da bica do Rosário. — Eis ostras chegadas agora,
mamando leite de lama — Minha pobreza tal é apanhadas no cais da Aurora.
conservará nosso sangue. que grande coisa não trago: — Eis tamarindos da Jaqueira
— Minha pobreza tal é trago este canário da terra e jaca da Tamarineira.
que coisa alguma posso ofertar: que canta sorrindo e de estalo. — Mangabas do Cajueiro
somente o leite que tenho — Minha pobreza tal é e cajus da Mangabeira.
para meu filho amamentar; que minha oferta não é rica: — Peixe pescado no Passarinho,
aqui todos são irmãos, trago daquela bolacha d'água carne de boi dos Peixinhos.
de leite, de lama, de ar. que só em Paudalho se fabrica. — Siris apanhados no lamaçal
— Minha pobreza tal é — Minha pobreza tal é que já no avesso da rua Imperial.
que não tenho presente melhor: que melhor presente não tem: — Mangas compradas nos
trago este papel de jornal dou este boneco de barro quintais ricos
para lhe servir de cobertor; de Severino de Tracunhaém. do Espinheiro e dos Aflitos.
cobrindo-se assim de letras — Minha pobreza tal é — Goiamuns dados pela gente
vai um dia ser doutor. que pouco tenho o que dar: pobre
— Minha pobreza tal é dou da pitu que o pintor Monteiro da Avenida Sul e da Avenida
que não tenho presente caro: fabricava em Gravatá. Norte.
FALAM AS DUAS CIGANAS QUE HAVIAM
com os porcos nos monturos,
APARECIDO COM OS VIZINHOS
com os cachorros no lixo. Enxergo daqui a planura
— Atenção peço, senhores,
Vejo-o, uns anos mais tarde, que é a vida do homem de ofício,
para esta breve leitura:
na ilha do Maruim, bem mais sadia que os mangues,
somos ciganas do Egito, lemos a sorte futura.
vestido negro de lama, tenha embora precipícios.
Vou dizer todas as coisas
voltar de pescar siris; Não o vejo dentro dos mangues,
que desde já posso ver
e vejo-o, ainda maior, vejo-o dentro de uma fábrica:
na vida desse menino
pelo imenso lamarão se está negro não é lama,
acabado de nascer:
fazendo dos dedos iscas é graxa de sua máquina,
aprenderá a engatinhar
para pescar camarão. coisa mais limpa que a lama
por aí, com aratus,
— Atenção peço, senhores, do pescador de maré
aprenderá a caminhar
também para minha leitura: que vemos aqui vestido
na lama, como goiamuns,
também venho dos Egitos, de lama da cara ao pé.
e a correr o ensinarão
vou completar a figura. E mais: para que não pensem
os anfíbios caranguejos,
Outras coisas que estou vendo que em sua vida tudo é triste,
pelo que será anfíbio
é necessário que eu diga: vejo coisa que o trabalho
como a gente daqui mesmo.
não ficará a pescar talvez até lhe conquiste:
Cedo aprenderá a caçar:
de jereré toda a vida. que é mudar-se destes mangues
primeiro, com as galinhas,
Minha amiga se esqueceu daqui do Capibaribe
que é catando pelo chão
de dizer todas as linhas; para um mocambo melhor
tudo o que cheira a comida;
não pensem que a vida dele nos mangues do Beberibe.
depois, aprenderá com
há de ser sempre daninha.
outras espécies de bichos:
FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS
QUE VIERAM COM PRESENTES, ETC — Belo porque é uma porta
— De sua formosura encrenque e setemesinha, abrindo-se em mais saídas.
já venho dizer: mas as mãos que criam coisas — Belo como a última onda
é um menino magro, nas suas já se adivinha. que o fim do mar sempre adia.
de muito peso não é, — De sua formosura — É tão belo como as ondas
mas tem o peso de homem, deixai-me que diga: em sua adição infinita.
de obra de ventre de mulher. é belo como o coqueiro — Belo porque tem do novo
— De sua formosura que vence a areia marinha. a surpresa e a alegria.
deixai-me que diga: — De sua formosura — Belo como a coisa nova
é uma criança pálida, deixai-me que diga: na prateleira até então vazia.
é uma criança franzina, belo como o avelós — Como qualquer coisa nova
mas tem a marca de homem, contra o Agreste de cinza. inaugurando o seu dia.
marca de humana oficina. — De sua formosura — Ou como o caderno novo
— Sua formosura deixai-me que diga: quando a gente o principia.
deixai-me que cante: belo como a palmatória — E belo porque o novo
é um menino guenzo na caatinga sem saliva. todo o velho contagia.
como todos os desses mangues, — De sua formosura — Belo porque corrompe
mas a máquina de homem deixai-me que diga: com sangue novo a anemia.
já bate nele, incessante. é tão belo como um sim — Infecciona a miséria
— Sua formosura numa sala negativa. com vida nova e sadia.
eis aqui descrita: — É tão belo como a soca — Com oásis, o deserto,
que o canavial multiplica. com ventos, a calmaria.
O CARPINA FALA COM O RETIRANTE
QUE ESTEVE DE FORA, SEM TOMAR E não há melhor resposta
PARTE DE NADA que o espetáculo da vida:
— Severino, retirante, vê-la desfiar seu fio,
deixe agora que lhe diga: que também se chama vida,
eu não sei bem a resposta ver a fábrica que ela mesma,
da pergunta que fazia, teimosamente, se fabrica,
se não vale mais saltar vê-la brotar como há pouco
fora da ponte e da vida; em nova vida explodida;
nem conheço essa resposta, mesmo quando é assim pequena
se quer mesmo que lhe diga a explosão, como a ocorrida;
é difícil defender, como a de há pouco, franzina;
só com palavras, a vida, mesmo quando é a explosão
ainda mais quando ela é de uma vida Severina.
esta que vê, Severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia, FIM
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
*Recomendação prof. Magha:
VIDA MARIA
https://www.youtube.com/watch?v=yFpoG_htum4
*Recomendação da prof. Magha:
MORTE E VIDA SEVERINA
https://www.youtube.com/watch?v=clKnAG2Ygyw

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