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Poesia indianista – Gonçalves Dias Eu sou aquela flor que espero ainda

Doce raio do sol que me dê vida.


Leito de folhas verdes
Por que tardas, Jatir, que tanto a custo Sejam vales ou montes, lago ou terra,
À voz do meu amor moves teus passos? Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Da noite a viração, movendo as folhas, Vai seguindo após ti meu pensamento;
Já nos cimos do bosque rumoreja. Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!

Eu, sob a copa da mangueira altiva Meus olhos outros olhos nunca viram,
Nosso leito gentil cobri zelosa Não sentiram meus lábios outros lábios,
Com mimoso tapiz de folhas brandas, Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
Onde o frouxo luar brinca entre flores. A arazóia na cinta me apertaram

Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco, Do tamarindo a flor jaz entreaberta,


Já solta o bogari mais doce aroma! Já solta o bogari mais doce aroma;
Como prece de amor, como estas preces, Também meu coração, como estas flores,
No silêncio da noite o bosque exala. Melhor perfume ao pé da noite exala!

Brilha a lua no céu, brilham estrelas, Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
Correm perfumes no correr da brisa, À voz do meu amor, que em vão te chama!
A cujo influxo mágico respira-se Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
Um quebranto de amor, melhor que a vida! A brisa da manhã sacuda as folhas!
– Gonçalves Dias, no livro “Últimos cantos”.
A flor que desabrocha ao romper d`alva Série ‘Poesias americanas’. 1851.
Um só giro do sol, não mais, vegeta:

Marabá “Quero antes um rosto de jambo corado,


Eu vivo sozinha; ninguém me procura! “Um rosto crestado
Acaso feitura “Do sol do deserto, não flor de cajá.”
Não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens de mim não se — Meu colo de leve se encurva engraçado,
esconde, — Como hástea pendente do cáctus em flor;
— Tu és, me responde, — Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Tu és Marabá! — Como um soluçado suspiro de amor! —

— Meus olhos são garços, são cor das safiras, “Eu amo a estatura flexível, ligeira,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar; “Qual duma palmeira,
— Imitam as nuvens de um céu anilado, Então me responde; “tu és Marabá:
— As cores imitam das vagas do mar! “Quero antes o colo da ema orgulhosa,
“Que pisa vaidosa,
Se algum dos guerreiros não foge a meus “Que as flóreas campinas governa, onde está.”
passos:
“Teus olhos são garços, — Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
Responde anojado; “mas és Marabá: — O oiro mais puro não tem seu fulgor;
“Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes, — As brisas nos bosques de os ver se
“Uns olhos fulgentes, enamoram,
“Bem pretos, retintos, não cor d’anajá!” — De os ver tão formosos como um beija-flor!

— É alvo meu rosto da alvura dos lírios, Mas eles respondem: “Teus longos cabelos,
— Da cor das areias batidas do mar; “São loiros, são belos,
— As aves mais brancas, as conchas mais puras “Mas são anelados; tu és Marabá:
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar. “Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
— “Cabelos compridos,
“Não cor d’oiro fino, nem cor d’anajá.”
Se ainda me escuta meus agros delírios:
“És alva de lírios”, E as doces palavras que eu tinha cá dentro
Sorrindo responde; “mas és Marabá: A quem nas direi?
O ramo d’acácia na fronte de um homem Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Jamais cingirei: Que sou Marabá!
– Gonçalves Dias, no livro “Últimos cantos”.
Jamais um guerreiro da minha arazóia Série ‘Poesias americanas’. 1851
Me desprenderá:

O canto do Piaga Ouve o anúncio do horrendo fantasma,


I Ouve os sons do fiel Maracá;
O’ Guerreiros da Taba sagrada, Manitôs já fugiram da Taba!
O’ Guerreiros da Tribo Tupi, O’ desgraça! ó ruína! ó Tupá!
Falam Deuses nos cantos do Piaga, III
O’ Guerreiros, meus cantos ouvi. Pelas ondas do mar sem limites
Basta selva, sem folhas, i vem;
Esta noite — era a lua já morta — Hartos troncos, robustos, gigantes;
Anhangá me vedava sonhar; Vossas matas tais monstros contêm.
Eis na horrível caverna, que habito,
Rouca voz começou-me a chamar. Traz embira dos cimos pendente
– Brenha espessa de vário cipó –
Abro os olhos, inquieto, medroso, Dessas brenhas contêm vossas matas,
Manitôs! que prodígios que vi! Tais e quais, mas com folhas; e só!
Arde o pau de resina fumosa,
Não fui eu, não fui eu, que o acendi! Negro monstro os sustenta por baixo,
Brancas asas abrindo ao tufão,
Eis rebenta a meus pés um fantasma, Como um bando de cândidas garças,
Um fantasma d’imensa extensão; Que nos ares pairando – lá vão.
Liso crânio repousa a meu lado,
Feia cobra se enrosca no chão. Oh! quem foi das entranhas das águas,
O marinho arcabouço arrancar?
O meu sangue gelou-se nas veias, Nossas terras demanda, fareja…
Todo inteiro — ossos, carnes — tremi, Esse monstro… – o que vem cá buscar?
Frio horror me coou pelos membros,
Frio vento no rosto senti. Não sabeis o que o monstro procura?
Não sabeis a que vem, o que quer?
Era feio, medonho, tremendo, Vem matar vossos bravos guerreiros,
O’ Guerreiros, o espectro que eu vi. Vem roubar-vos a filha, a mulher!
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
O’ Guerreiros, meus cantos ouvi! Vem trazer-vos crueza, impiedade —
II Dons cruéis do cruel Anhangá;
Porque dormes, ó Piaga divino? Vem quebrar-vos a maça valente,
Começou-me a Visão a falar, Profanar Manitôs, Maracás.
Porque dormes? O sacro instrumento
De per si já começa a vibrar. Vem trazer-vos algemas pesadas,
Com que a tribo Tupi vai gemer;
Tu não viste nos céus um negrume Hão de os velhos servirem de escravos,
Toda a face do sol ofuscar; Mesmo o Piaga inda escravo há de ser!
Não ouviste a coruja, de dia,
Seus estrídulos torva soltar? Fugireis procurando um asilo,
Triste asilo por ínvio sertão;
Tu não viste dos bosques a coma Anhangá de prazer há de rir-se,
Sem aragem – vergar-se a gemer, Vendo os vossos quão poucos serão.
Nem a lua de fogo entre nuvens,
Qual em vestes de sangue, nascer? Vossos Deuses, ó Piaga, conjura,
Susta as iras do fero Anhangá.
E tu dormes, ó Piaga divino! Manitôs já fugiram da Taba,
E Anhangá te proíbe sonhar! O’ desgraça! ó ruína! ó Tupá!
E tu dormes, ó Piaga, e não sabes, – Gonçalves Dias, no livro “Primeiros cantos”.
E não podes augúrios cantar?! Série ‘Poesias americanas’. 1846.
E a ave medrosa
Se esconde no céu.
O Canto do Guerreiro - Quem há mais
I valente,
Aqui na floresta - Mais destro do que
Dos ventos batida, eu?
Façanhas de bravos
Não geram escravos, VI
Que estimem a vida Se as matas estrujo
Sem guerra e lidar. Co os sons do Boré,
- Ouvi-me, Guerreiros. Mil arcos se encurvam,
- Ouvi meu cantar. Mil setas lá voam,
Mil gritos reboam,
II Mil homens de pé
Valente na guerra Eis surgem, respondem
Quem há, como eu Aos sons do Boré!
sou? - Quem é mais valente,
Quem vibra o tacape - Mais forte quem é?
Com mais valentia?
Quem golpes daria VII
Fatais, como eu dou? Lá vão pelas matas;
- Guerreiros, ouvi-me; Não fazem ruído:
- Quem há, como eu O vento gemendo
sou? E as malas tremendo
E o triste carpido
III Duma ave a cantar,
Quem guia nos ares São eles - guerreiros,
A frecha imprumada, Que faço avançar.
Ferindo uma presa,
Com tanta certeza, VIII
Na altura arrojada E o Piaga se ruge
Onde eu a mandar? No seu Maracá,
- Guerreiros, ouvi-me, A morte lá paira
- Ouvi meu cantar. Nos ares frechados,
Os campos juncados
IV De mortos são já:
Quem tantos imigos Mil homens viveram,
Em guerras preou? Mil homens são lá.
Quem canta seus feitos
Com mais energia? IX
Quem golpes daria E então se de novo
Fatais, como eu dou? Eu toco o Boré;
- Guerreiros, ouvi-me: Qual fonte que salta
- Quem há, como eu De rocha empinada,
sou? Que vai marulhosa,
Fremente e queixosa,
V Que a raiva apagada
Na caça ou na lide, De todo não é,
Quem há que me Tal eles se escoam
afronte?! Aos sons do Boré.
A onça raivosa - Guerreiros, dizei-me,
Meus passos conhece, - Tão forte quem é?
O imigo estremece,

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