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(do livro: Deus onde estás? Uma Introdução Prática à Bíblia – Carlos Mesters.)
Algumas dificuldades que se levantam em torno de Abraão
De Abraão se fala em Genesis 12-25. A sua vida não era fácil. Mas ele
gozava da vantagem de ter a Deus perto de si. Deus intervém, fala com
ele e orienta a sua vida.
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Se a história de Abraão serve apenas como exemplo sobre o qual eu reflita para tirar
algumas conclusões sobre minha vida, hoje, prefiro lembrar-me de João XXIII, de
Luther King ou de Gandhi.
Afinal, Cristo já veio. Abraão preparou a sua vinda. Para que ficar
analisando o velho quando o novo já está aí? O andaime é tirado quando
a casa está pronta. 3
Esses e outros problemas são sérios e colocam em questão a utilidade da
figura de Abraão para nós, hoje.
Livros de história tiram fotografias dos fatos. A Bíblia tira raio X dos
mesmos. Nos dois casos, os resultados, embora diferentes, são
verdadeiros.
Quando Abraão entrou na “curva” que modificou a sua vida, ele mesmo,
provavelmente, pouco percebia. Mas vendo o fato a longa distância, o povo diz: “A
nossa vida com Deus começou lá, com Abraão”.
A Bíblia descreve o fato, não como Abraão o viveu, mas como o povo o
via à distância de anos, através do prisma dos problemas das diversas
épocas de sua história. 8
Como foi a vida de Abraão
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Conclusão que se tira:
Ora, a Bíblia, narrando como Deus entrou na vida de Abraão, coloca um raio X bem
forte sobre a nossa existência e nos revela qual a brecha por onde Deus entra na vida
dos homens.
Faz saber que Deus entra na vida e se deixa encontrar pelo homem exatamente onde e
quando o homem procura ser HOMEM, isto é, realizar o ideal que se propôs. Por essa
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brecha Deus entrou na vida de Abraão.
É uma entrada quase imperceptível no início. Incógnito, Deus entra no
ônibus da humanidade, paga passagem, passa pela borboleta, entra na
conversa do homem, senta-se ao lado de Abraão e quando este dá pela
presença de Deus, Deus já está na direção.
Deus não entra, apresentando um cartão: “Eu sou o Criador, o dono de tudo! Quero que
me obedeçam!” Mas entra disfarçado, como amigo, pela porta dos fundos, que sempre
está aberta, conquistando pela sua bondade um lugar na vida do homem e deixando ao
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homem a tarefa de descobrir quem Ele é de fato.
Concretamente, aquelas divindades eram projeções do homem, expressão do
seu mais profundo anseio. E, nessas formas concretas de viver a vida humana,
se vai delineando, lentamente, o rosto de ALGUÉM.
Abraão e os seus percebem uma presença ativa que fica além das
formas, sem se identificar com elas, e que acabou por impor-se com a
sua própria evidência. 15
Já não é mais uma divindade que fundamentalmente dependia do
homem, mas é alguém do qual o homem depende e que vai corrigindo,
pouco a pouco, as formas de viver.
Começa a curva larga e definitiva, cujo alcance o povo vai
perceber plenamente muito tempo depois.
Uma vez que a pessoa aceita a presença de Deus na sua vida e nele crê,
estabelece-se um diálogo que tem as suas leis próprias, estranhas talvez a
quem vive de fora, mas perfeitamente compreensíveis para quem vive tal
presença. 20
Lendo a história de Abraão, vemos um homem como nós, que procura
acertar na vida e que nesse seu esforço chegou a encontrar Deus
verdadeiro.
Deus não estava nem mais perto nem mais longe de Abraão do que de
nós, hoje. Por que então hoje não encontramos a Deus? Talvez porque o
nosso olhar não seja bom.
Estamos tão preocupados com uma determinada imagem de Deus, que
somos de opinião que “aquilo” não é Deus. Nosso aparelho receptor não
está em sintonia com a frequência em que Deus nos lança os seus apelos.
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O Deus que se revelou a Abraão e que é o nosso Deus, é um Deus dos
homens, que não tem medo de esconder-se. Não vê a borboleta quem
anda caçando águias. Não vê a flor quem procura árvores.
Quando o homem dá pela sua presença, Deus já está aí há muito tempo. Mas
então como a Bíblia apresenta a entrada de Deus na vida de Abraão de uma
maneira brusca e quase violenta? (Gn 12,1-4).
É que a longa distância se percebe melhor o início da curva, da reviravolta.
Mesmo entrando imperceptivelmente, Deus quer uma conversão total, uma
verdadeira ruptura e transformação da vida. 23
Deus se apresenta como sendo o futuro de Abraão: “Eu serei Deus
para você!” (Gn 17,7). Com outras palavras: “Aquilo que você
procura, indo atrás dessas divindades ou deuses, deixe lá comigo.
Se Abraão aceitar seguir este Deus, então ele deve caminhar como este Deus quer
(Aspecto ético da religião revelada), e terá o futuro garantido pela fidelidade e pelo
poder deste Deus (Esperança do futuro – Messianismo). 25
O difícil é aceitar as condições de Deus e caminhar na fé: Abraão é
apresentado como o homem que caminha na fé, isto é, que aceita as
exigências de Deus na vida.
Deve sair da terra, para obter uma terra, mas, quando morre, tem apenas
um lote para enterrar os seus ossos. Deve abandonar a família e o povo
para ser pai de um povo, mas, quando morre, tem apenas um filho.
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No momento em que Deus lhe falou e lhe
prometeu posteridade numerosa, Abraão não
tinha filhos nem podia tê-los. Era duro crer na
palavra, pois não tinha comprovante.
No entanto, pela sua fé, isto é, pela sua atitude de confiança absoluta em
Deus, Abraão se tornou tão amigo de Deus ao ponto de tornar-se o seu
confidente (Gn 18,17-19).
Essa maneira de descrever a figura de Abraão não corresponde ao modo
de vida concreta de Abraão, mas ao ideal de fé do tempo do autor que
escreve.
Assim deveriam viver os seus contemporâneos para serem dignos
membros do povo que começou com Abraão. 28
Respostas às dificuldades colocadas no início
A história não serve apenas para tirar daí algumas conclusões para a nossa vida hoje
(isto também). Sua finalidade é convidar o leitor a ser ele mesmo um Abraão na sua
vida:
alguém que procura acertar na vida, que seja sincero consigo, com os outros, a fim de
assim poder descobrir a presença ativa de Deus na sua vida. 29
Cristo já veio. É verdade. Mas para muitos ele ainda não veio. Nem
mesmo para nós. Ninguém vive perfeitamente integrado em Cristo. O
importante é que também hoje o homem descubra como se deve
caminhar para encontrar em Cristo a sua plena realização.