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Poema Boca Fechada

No direi: Que o silncio me sufoca e amordaa. Calado estou, calado ficarei Pois que a lngua que falo doutra raa.

Palavras consumidas se acumulam Se represam, cisterna de guas mortas, cidas mgoas em limos transformadas, Vasa de fundo em que h razes tortas.

No direi: Que nem sequer o esforo de as dizer merecem, Palavras que no digam quanto sei Neste retiro em me no conhecem.

Nem s lodos a se arrastam, nem s lamas, Nem s animais biam, mortos, medos, Trgidos frutos em cachos se entrelaam No negro poo de onde sobem dedos.

S direi, Crispadamente recolhido e mudo, Que quem se cala quanto me calei, No poder morrer sem dizer tudo.

Os Poemas Possveis, 2 edio, Editorial Caminho, Lisboa, 1982

Disponvel: http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/saramago/poe_pop4.html Acessado em 20/02/2012

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