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conglobante de Zaffaroni
(a) a formal-objetiva (ou fática/legal ou lingüística), que envolve a conduta (mais o sujeito
ativo dela, o sujeito passivo, o objeto material, seus pressupostos), o resultado
naturalístico (nos crimes materiais), o nexo de causalidade (entre a conduta e o resultado
naturalístico), as exigências temporais, espaciais, modo de execução da conduta etc.,
assim como a adequação do fato à letra da lei;
(b) a material (ou normativa), que exige três juízos valorativos distintos: 1º) juízo de
desaprovação da conduta (criação ou incremento de riscos proibidos relevantes); 2º) juízo
de desaprovação do resultado jurídico (ofensa desvaliosa ao bem jurídico ou desvalor do
resultado, que significa lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico) e 3º) juízo de
imputação objetiva do resultado (o resultado deve ter conexão direta com o risco criado ou
incrementado – "nexo de imputação");
Zaffaroni sublinha que o tipo penal (que é uma construção dogmática) tem a missão de
limitar o exercício do poder punitivo, que não pode se transformar numa irracionalidade. A
tipicidade objetiva tem a função de retratar um fato criminoso, isto é, um conflito penal (a
conflitividade), que é uma das barreiras insuperáveis da racionalidade do poder punitivo.
Do tipo objetivo, então, fazem parte o tipo sistemático (conduta, resultado, etc.) assim
como o tipo conglobante. A tipicidade conglobante é a sede da conflitividade. Logo, cuida
ela da lesividade assim como da imputação objetiva.
O resultado jurídico será desvalioso quando a ofensa for (a) concreta ou real (perigo
abstrato ou presunção de perigo não encontra espaço no Direito penal da ofensividade),
(b) transcendental, ou seja, dirigida a bens jurídicos de terceiros (nunca o sacrifício de
bens jurídicos próprios pode justificar a imposição de um castigo penal), (c) grave ou
significativa (relevante) e (d) intolerável.
Da obra de Zaffaroni podemos inferir mas não resultam claros os três juízos distintos que
compõem o lado material da tipicidade (desvalor da conduta + desvalor do resultado
jurídico + imputação objetiva do resultado).
De outro lado, tudo que Zaffaroni insere na chamada tipicidade conglobante (o que está
permitido ou fomentado ou determinado por uma norma não pode estar proibido por outra)
faz parte do primeiro juízo valorativo da tipicidade material, ou seja, do juízo de
desaprovação da conduta (criadora ou incrementadora de riscos proibidos). Se existe uma
norma que permite, fomenta ou determina a conduta, não se pode dizer que essa conduta
tenha criado risco proibido. O que está permitido, fomentado ou determinado por uma
norma gera risco permitido, logo, não há que se falar em desaprovação da conduta (ou em
tipicidade penal).
Análise crítica sobre a tipicidade conglobante à luz da teoria de Eugenio Raul Zafaroni e
José Henrique Pierangeli
1. Tipicidade conglobante.
Zafaroni e Pierangeli, em seu livro manual de direito penal, trabalharam uma nova
forma de tipicidade. É a chamada tipicidade conglobante. Essa tipicidade, em verdade
ao invés de conglobante deveria ser chamada de englobante, pois engloba outros
conceitos que não apenas os típicos.
A teoria da tipicidade conglobante considera que para que o fato seja típico, deve-se
analisar outros elementos, portanto a tipicidade passará a analisar outros aspectos além
daqueles previstos no tipo penal.
O fato ser típico para o direito penal resulta na clássica tipicidade formal, mas precisa de
algo mais, chamado de tipicidade conglobante.
A tipicidade legal e tipicidade penal são a mesma coisa: a tipicidade pressupõe a legal,
mas não a esgota; a tipicidade penal requer, além da tipicidade legal, a
antinormatividade.
Zafaroni também traz algumas hipóteses de exercício regular de direito como causas de
exclusão da tipicidade como o exercício do poder familiar, pois se colocar alguém de
castigo é cárcere privado, mas a conduta não é antinormativa, pois permitida pelo
ordenamento jurídico.
Já a tipicidade material serve para materializar o tipo penal, ou seja, só ocorre quando
lesionar o bem jurídico, o famoso princípio da lesividade, mas para que ocorra deve
violar bem jurídico alheio. Essa lesão deve ser significante, conduzindo o princípio da
insignificância ou bagatela, princípio decorrente da lesividade, que precisa ser relevante,
significante.
Para materializar o tipo precisa-se de uma lesão, mas se ela for muito pequena, não é
suficiente para lesionar o bem jurídico, não materializa, sendo a conseqüência do
principio da insignificância é retirar a tipicidade material, que retira a tipicidade
conglobante, que por sua vez retira a tipicidade penal, o fato é atípico para o direito
penal.
Porque a lesão insignificante não materializa o tipo? A resposta a essa questão passa
pelo princípio da intervenção mínima. Vejamos.
Uma lesão materializa o tipo, mas não permite que o direito penal puna, pois ele serve
apenas para os bem jurídicos mais importantes.
Sendo assim, para se considerar que uma lesão insignificante não materializa o tipo
penal, a teoria da tipicidade conglobante traz o princípio da intervenção mínima para o
plano concreto, para as mãos do aplicador da lei (promotor e juiz), possibilitando que se
considere a conduta atípica para o direito penal.
2. Antinormatividade e antijuridicidade
No que se refere a tipicidade penal ela implica a contrariedade com a ordem normativa,
mas não implica a antijuridicidade (a contrariedade com a ordem jurídica), porque pode
haver uma causa de justificação (um preceito permissivo) que ampare a conduta.
A legítima defesa é uma causa de justificação, isto é, uma permissão outorgada pela
ordem jurídica para a realização da conduta antinormativa. O direito nos outorga uma
permissão para repelir a agressão, sem dar relevância à nossa possibilidade de fuga. Dá-
nos permissão até mesmo para matar o agressor, se isto é racionalmente possível. Não
nos obriga a fugir, dá-nos permissão para repelir.
Mas, esta permissão para repelir a agressão, ilegítima e não provocada, não implica que
fomente e muito menos que nos ordene semelhante conduta. Simplesmente, nestas
hipóteses conflitivas, a ordem jurídica limita-se a permitir a conduta, porque não se
pode afirmar que incentive que um homem que pode fugir prefira matar.
4 – Conclusões
A tipicidade conglobante, diante de todo o exposto, veio a corrigir as distorções
ocasionadas na análise do tipo.
Diante desse quadro, Zaffaroni conclui que “o juízo de tipicidade não é mero juízo de
tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade
conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance
proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem
normativa. A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode
excluir no âmbito do típico aquelas condutas que aparentemente estão proibidas.”.
Tipicidade penal haverá quando presentes a tipicidade legal e a tipicidade conglobante.
Assim, a conduta do oficial de justiça que seqüestrar uma obra não pode ser considerada
típica, mas coberta por excludente de antijuridicidade, como afirma grande parte dos
doutrinadores. Nesse caso, considerando-se que há norma determinando o cumprimento
de um dever, sequer haverá tipicidade.
Por fim, a teoria da tipicidade conglobante, embora tenha boa aceitação doutrinária,
mistura os conceitos de tipicidade e antijuridicidade, indo de encontro à estrutura do
nosso Código Penal, claro em estabelecer dois momentos distintos: o do tipicidade e o
das causas de justificação.
Ula Senra
Tipicidade Conglobante
31/05/2004
O direito é um universo harmônico de normas que guardam, entre si, uma certa ordem e
coerência. Caso contrário, haveria a guerra civil - uma guerra de todos contra todos -, e
é exatamente isso que a ordem jurídica pretende e deve impedir.
É com base nesse entendimento que Eugenio Raúl Zaffaroni constrói a teoria da
tipicidade conglobante.
A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, uma vez que pretende
excluir do âmbito da tipicidade certas condutas que, pela doutrina tradicional, são
tratadas como excludentes da ilicitude.
No caso de condutas em que a ordem normativa ordena ou fomenta, segundo Zaffaroni,
não se fala em exclusão da ilicitude, mas de ausência de tipicidade conglobante. Por
uma questão lógica, o tipo não pode proibir o que o direito ordena ou fomenta.
Dessa forma, nos casos de estrito cumprimento do dever legal que, tradicionalmente,
excluem a ilicitude da conduta, estar-se-ia diante de atipicidade conglobante. Caso
contrário, teríamos que considerar que o oficial de justiça que seqüestra uma coisa
móvel comete furto justificado, que o médico que cumpre com o dever de denunciar
uma doença contagiosa comete uma violação de segredo profissional justificada ou o
policial que detém um sujeito por prisão em flagrante comete uma privação ilegal de
liberdade justificada.
Nos casos de intervenção cirúrgica com fins terapêuticos, a conduta do médico é atípíca,
por serem fomentadas pelo direito. Por intervenções com fim terapêutico devem ser
entendidas aquelas que perseguem a conservação ou o restabelecimento da saúde, a
prevenção de um dano maior ou a atenuação da dor. Certas intervenções cirúrgicas,
como no caso mutilação, o médico é obrigado a pedir a autorização do paciente.
Entretanto, sua falta acarreta apenas a responsabilidade administrativa, podendo-se
atribuir a responsabilidade penal se configurar algum delito contra a liberdade
individual. Porém, nunca pode ser responsabilizado por lesões corporais, porque o fim
terapêutico exclui essas intervenções do âmbito de proibição do tipo de lesões.
Já nas intervenções cirúrgicas sem fins terapêuticos o tratamento é diverso. Essas
ocorrem nos casos de cirurgia plástica ou extração de órgãos ou tecidos para serem
transplantados em outra pessoa (o fim terapêutico diz respeito ao outro, mas não ao
doador). Nesse caso, a conduta do médico é típica, mas justificada diante do
consentimento e da adequação às normas regulamentares. Caso não haja consentimento
do paciente, configura-se a conduta típica de lesões corporais dolosas.
Em relação às lesões desportivas, Zaffaroni considera que são conglobalmente atípicas,
sempre que a conduta tenha ocorrido dentro da prática regulamentar do esporte,
perdendo a atipicidade conglobante e adquirindo tipicidade penal no caso de violação
dos regulamentos.
Data venia, "ouso" discordar do tratamento dado às lesões desportivas por Zaffaroni.
Não me parece, ao contrário do que ele afirma, que a ordem jurídica ordene ou fomente
esportes como o boxe, por exemplo. Entendo que tais esportes são tolerados pela ordem
jurídica e devem, portanto, ser tratados como usualmente o fazem a doutrina e
jurisprudência.
Em suma, as atividades em que a ordem jurídica ordena ou fomenta são resolvidas no
âmbito da atipicidade conglobante. Já as condutas permitidas ou simplesmente toleradas
são causas de exclusão da ilicitude. Nos casos de atividades perigosas, por exemplo,
devem ser distinguidas as atividades fomentadas e as permitidas. A circulação de
veículos automotores, que é fomentada pela ordem normativa e regulamentada, não
pode ser considerada da mesma forma que outras atividades, como a instalação de uma
fábrica de explosivos, que o direito apenas permite.
Por fim, a tipicidade penal é a conjugação da tipicidade legal e da tipicidade
conglobante.
A tipicidade legal é a subsunção (adequação) da conduta ao tipo penal previsto em lei.
A tipicidade conglobante é a antinormatividade aliada à tipicidade material.
A tipicidade material significa que não basta que a conduta do agente se amolde ao tipo
legal. É preciso que lesione ou coloque em risco bens jurídicos penalmente relevantes.
Aliás, é sempre importante lembrar que uma das funções precípuas do direito penal é a
proteção de bens jurídicos tutelados pela norma criminal.
Em termos jurisprudenciais, ainda é tímido o reconhecimento da tipicidade conglobante.
Como se pode observar nos acórdãos citados, somente se reconhece a atipicidade
conglobante nos casos de falta de tipicidade material, mais precisamente em face do
Princípio da Insignificância.
REsp 457679 / RS; 2002/0091098-7
Relator : Min. Felix Fischer
Penal. Recurso Especial. Apropriação Indébita de Contribuição Previdenciária.
Princípio da Insignificância. Prescrição Retroativa.
I- O princípio da insignificância como causa de atipicidade
conglobante, afetando a tipicidade penal, diz com o ínfimo, o
manifestamente irrelevante em sede de ofensa ao bem jurídico
protegido. O referencial deve ser calcado em norma que não seja
meramente administrativa - ou ainda, interna corporis - e
provisória.
II - Julgada procedente a ação penal, é de se reconhecer a extinção
da punibilidade quando decorrido o prazo prescricional entre a data
do julgamento do recurso e o recebimento da exordial, visto que, na
instância comum, as decisões foram absolutórias.
Recurso provido e julgada extinta a punibilidade pela ocorrência da
prescrição retroativa.
REsp 470978 / MG; 2002/0127163-8
Relator : Min. Felix Fischer
Penal e Processual Penal. Recurso Especial. Furto. Princípio da
Insignificância. Dissídio.
I - No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da
insignificância, é imprescindível a distinção entre ínfimo
(ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica
eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante
(dada a mínima gravidade).
II - A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o
tipo de injusto.
III - O dissídio pretoriano tem que observar o disposto nos arts.
255 do RISTJ e 541 do CPC (c/c o art. 3º do CPP).
Recurso não conhecido.
HC 11542 / DF; 1999/0116943-7
Relator : Min. Felix Fischer
Penal e Processual Penal. Habeas Corpus. Homicídio Qualificado.
Desclassificação do Latrocínio. Pronúncia. Roubo Descaracterizado.
I - Se, em razão de recurso, é afastada a figura de latrocínio,
determinando-se a pronúncia por homicídio qualificado, a residual
figura da subtração patrimonial, já agora sem violência ou grave
ameaça e sem vínculo causal com o primeiro delito, não pode ser
admitida, dada a insignificância da res furtiva (R$ 1,00). Princípio
da bagatela que, pela atipicidade conglobante, afasta a tipicidade
penal.
II - A quaestio acerca do excesso de prazo está, agora, superada
conforme o teor da Súmula n. 21-STJ.
Habeas corpus parcialmente concedido.
Tipicidade Conglobante
Perceba, portanto, que: tal como leciona o Profº. Fernando Capez, o nome
“conglobante” decorre da necessidade de que a conduta seja contrária ao
ordenamento jurídico em geral (conglobado) e não apenas ao ordenamento
penal.
Isto porque: tal como lecionam os Mestres Eugenio Raul Zaffaroni e José
Henrique Pierangelli, o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade
legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade
conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do
alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada
na ordem normativa. A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade
legal, posto que pode excluir do âmbito típico aquelas condutas que apenas
aparentemente estão proibidas[1].
[
oportuno, mais uma vez, nos socorrermos das elucidativas lições dos Mestres
Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangelli, que assim podem ser
transcritas:
“A função deste segundo passo do juízo de tipicidade penal será, pois, reduzi-
la à verdadeira dimensão daquilo que a norma proíbe, deixando fora da
tipicidade penal aquelas condutas que somente são alcançadas pela tipicidade
legal, mas que a ordem normativa não quer proibir, precisamente porque as
ordena ou as fomenta.”
Pois bem: esperamos que esta sucinta exposição sobre a tal da “tipicidade
conglobante” tenha possibilitado uma compreensão eficaz do tema, sendo
que, por fim, temos por oportuno trazer à tona o posicionamento do Profº.
Fernando Capez, questionando a utilidade da teoria da tipicidade
conglobante: