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BREVE HISTÓRIA DA FICÇÃO

CIENTÍFICA PORTUGUESA
Breve história da Ficção Científica Portuguesa (resumo)

Da proto ficção científica Portuguesa até hoje. Os momentos e obras mais importantes
da ficção científica nacional, com relevo para as obras que mais influenciaram o seu
desenvolvimento, o número de obras publicadas e as expectativas que se têm criado.

Short history of the Portuguese Science Fiction (résumé)

From the Portuguese proto science fiction to nowadays. Its most important moments as
well as its most important works on a national level. We will refer mainly the novels
which have contributed for the developement of science fiction. We will also talk about
the quantity of works published and the expectations created towards Portuguese
science fiction.

O Povo Português sempre foi um povo aventureiro e fantasioso, daí que já no


Nobiliário do Conde D. Pedro, um dos mais antigos manuscritos da Torre do Tombo,
surja uma história referente à criação da linhagem dos Marinhos em que aparece um ser
marinho (uma espécie de sereia) com o qual Dom Froião casa e de quem teve um filho.

Saltando no tempo até 1554, vamos encontrar na obra Urbis Olisiponis Descriptio, de
Damião de Goes, uma passagem que se refere a sereias e outros seres marinhos e
respectivo contrato de posse sobre esses seres.

Claro que para além destes trabalhos surgidos, da tradição oral popular, muitas eram as
histórias de seres fabulosos e de outros mundos que corriam, muitas das quais chegaram
até nós e foram recolhidas no livro 0 Povo Português, nos seus costumes, crenças e
tradições por Teófilo Braga; é assim estranho que a fantasia tenha quase completamente
desaparecido a partir do fim do século XIX em Portugal até cerca de 1980.

Com o quase desaparecimento dos cultores de fantasia seria de esperar que a ficção
científica não conseguisse lançar as suas sementes em Portugal, mas tal não aconteceu
derivado sobretudo à forte influência da cultura francesa e do início do aparecimento de
obras de autores francófonos e anglófonos no mercado nacional. Assim, autores como
Jules Verne e H. G. Wells viram as suas obras publicadas em português e as
consequências não se fizeram esperar.

Desde sempre pressionado pelas constantes campanhas da Igreja que desde tempos
remotos manteve uma apertada vigilância orweliana perante tudo o que surgisse, não
fossem essas descobertas ou obras literárias fazer perigar a estabilidade ou pior ainda
abalar a fé inquestionável no Divino, criando ela para o efeito uma espécie de polícia do
pensamento - a Inquisição - que pôs no Índex, entre outras, as obras de Cyrano de
Bergerac e prendeu Bartolomeu de Gusmão, conhecido como O Voador, inventor da
Barcarola; o povo Português desenvolveu um reflexo condicionado perante tudo o que é
novo.

Assim não foi sem dificuldades que os cultores deste novo género literário puderam
lançar as suas obras, surgindo-nos a primeira delas em 1895, O que ha-de ser o Mundo
no Anno Tres Mil, de Pedro Jose Suppico de Moraes na qual ele nos apresenta a sua
visão de uma sociedade futura.

Durante cerca de 45 anos nada mais foi publicado no género que entretanto tinha
adquirido o nome de ficção cientifica pela mão de Hugo Gernsback.

Apenas nos finais dos anos 30 nos surge uma obra já com as características necessárias
para ser considerada como uma obra de ficção científica, A.D. 2230 de Amílcar de
Mascarenhas que vem assim inaugurar o ciclo de romances de ficção científica.

Perfeitamente enquadrado na era das Space Operas e dos pulp magazine, este romance
completamente comprometido politicamente com o Estado Novo há pouco surgido em
Portugal, relata-nos a forma como o Império Português patriarcal, governado por um
duunvirato, derrota os dois grandes Impérios matriarcais, Inglês e Americano, fazendo
uso de uma fabulosa arma, o raio de destruição 7 a, que termina com a pacificação do
mundo sob a bandeira do Império Português, acabando ainda por os dois duunviros
casarem com as líderes americana e inglesa. Partindo de um pressuposto incongruente e
inverosímil, Amílcar de Mascarenhas surge como o "Doc" Smith português, exaltando
os valores do Império e do salazarismo no poder e quase nada mais.

Nas duas décadas subsequentes de 40 e 50 surgem mais alguns romances de ficção


científica como Mensageiro do Espaço e Ameaça Cósmica de Luís de Mesquita, O
Construtor de Planetas e outras histórias e A Morte da Terra de Alves Morgado, mais ou
menos na mesma linha da obra de Amílcar de Mascarenhas.

É de referir, sobretudo pelo facto de ser bizarra, a publicação de By the candle light.
Tales of Mystical Fancy de R. S. Fontes em Bombaim.

Só no final da década de cinquenta surgem alguns romances que de algum modo vem
apresentar uma nova forma de estar. O neo-realismo tornara-se já dominante, o que por
certo não deixou de influenciar a literatura de ficção científica nacional.

Vieram do Infinito de Eric Prince, saído em 1955, apresenta o primeiro contacto com
alienígenas da ficção científica portuguesa. Seres esses que vem ajudar a salvar a Terra
de um cataclismo nuclear.

Como se pode ver a ficção científica portuguesa fez a sua transição de um modo
particularmente rápido não passando pela fase dos BEMS - bug-eyed monsters,
comedores de crianças e violadores de belas mulheres, aparecendo os alienígenas logo
como amigos e não como uma ameaça.

Talvez que esta rápida evolução seja a consequência de a ficção científica em Portugal
ser apenas cultivada por um reduzido número de iniciados que distanciados no tempo
dos anteriores cultores surgem logo com uma perspectiva completamente diferente.
Claro que daqui se pode, caso se queira e visto não existirem dados que o desmintam,
aventar a hipótese de que este salto qualitativo se deve exclusivamente à não existência
de obras durante o hiato de quase vinte anos que dista entre os romances atrás referidos.

Pensamos contudo que tal explicação pecaria por ser demasiado simplista, pois
implicaria que a ficção científica Portuguesa era algo completamente desprovido de
autonomia, sendo um mero decalque daquilo que no estrangeiro se fazia e nada mais. A
desmenti-lo é o cunho iminentemente nacional que muitas contém, sendo de referir as
três space operas de Karel Kulle, publicadas em 1959.

De realçar é também a publicação de dois contos de Lima da Costa, em 1957, na revista


suíça Ailleurs.

Editado no Porto, surge em 1959, AK. A tese e o Axioma de Romeu de Melo que nos
confronta com o ressurgir do romance filosófico do século XVIII, com o toque de um
antropólogo cultural do nosso século, leitor de Bradbury, Simak e Asimov.

Com esta obra de Romeu de Melo são descobertas as fórmulas ocultas que irão dar
origem ao alvorecer da ficção científica portuguesa nos anos 60.

Nesta década surgem em Portugal uma quantidade significativa de obras, mais


concretamente: 4 romances, 1 novela, 2 juvenilias, 2 livros de poesia, 4 colectâneas e
uma antologia. Sendo de destacar os romances Crónicas do Tempo do Cavaleiro
Charles e do seu fiel Escudeiro Pompidouze de Miguel Barbosa que nos apresenta um
romance feito por um autor-robô que escreve uma espécie de Novo Quixote, só que
desta feita bretão e 0 Grande Cidadão de Vergílio Martinho, um romance orwelliano.

Assistimos também ao aparecimento da ficção científica Portuguesa no estrangeiro, a


nível da novela, com a publicação em Inglaterra de Spoilers of the Moon de Seymour
Kopf.

Por cá tinham sido entretanto publicadas a bela colectânea Canopus 98 de Carlos


Moutinho e a antologia Terrestres e Estranhos organizada por Robert Silverberg e Lima
Rodrigues que entre nomes como Algis Budrys, Arthur C. Clarke, Poul Anderson, Isaac
Asimov, Damon Knight e Harlan Ellison, inclui autores portugueses como Natália
Correia, Dórdio Guimarães, Fernando Saldanha, Hélia, Lima Rodrigues, Luis Campos e
Manuela Montenegro, alguns deles nomes consagrados da mainstream portuguesa.

É também durante os anos 60 que é publicado o primeiro trabalho sobre ficção científica
de um autor português, em Moçambique, escrito por R.A.F. Castel-Branco com o titulo
A Ficção-Científica na literatura, no cinema, na rádio e na televisão e sua projecção em
Portugal e no Brasil.

Existiam então em Portugal três colecções de ficção científica: Argonauta, Ulisseia-3C e


Antecipação - Galeria Panorama.

Qual pequena bola de neve a descer a montanha a ficção científica Portuguesa continua
a crescer na década de 70.

Assim se publicam: 4 romances, 1 livro de poesia, 9 colectâneas, 3 antologias e 1 guião


cinematográfico. Sendo a Antologia do Conto Fantástico Português, organizada por E.
Melo e Castro, Contos do Gin-Tonic e Casos do Direito Galáctico. 0 Inquietante Mundo
de Josela (fragmentos) de Mário Henriques Leiria e Não lhes faremos a vontade de
Romeu de Melo, as obras mais importantes publicadas. Sendo o livro de Romeu de
Melo obra de estudo obrigatório no Curso de Literatura Portuguesa 73/74, ministrado
por Timothy Brown e Leo Barrow, na Universidade do Arizona em Tucson, para além
de um dos contos que compõem a obra citada, ter sido publicado na Bélgica na revista
Idées... et Autres.

Assim e para não nos alongarmos demasiado, nada mais acrescentaremos referente aos
anos 70, deixando para posterior trabalho a análise mais profunda das obras e seu
enquadramento e assim vamos passar a falar-vos dos anos 80.

Pensamos que no futuro a década de 80 será considerada, em termos da ficção


científica nacional, como a época mágica em que a ficção científica deixou de ser
considerada como algo maligno, e passou a surgir, mesmo no que diz respeito à
produção nacional, como um ser saudável, isto porque em matéria de edição existiam 7
colecções que lançavam no mercado livreiro cerca de 60 títulos por ano, sendo 96%
deles de autores anglófonos e dos restantes apenas 1,5% de autores portugueses,
percentagem que apesar de pequena demonstra um significativo aumento na publicação
de autores nacionais.

Se assim é, perguntarão que tem afinal de especial os anos 80? Os anos oitenta
revelaram-se realmente especiais, sobretudo porque:

lº. Surgem autores que dão continuação à sua obra;

2º. Publicaram-se mais trabalhos de autores nacionais que durante o resto do século;

3º. As editoras já aceitaram publicar autores nacionais e assim deixou de ser tão
necessário recorrer à edição de autor;

4º. Apareceu a primeira revista de ficção científica em Portugal, o fanzine Nebulosa e a


revista profissional Omnia publicou, em quase todos os seus 11 números de existência,
trabalhos de autores nacionais, acabando mesmo por ter um suplemento exclusivamente
dedicado à ficção científica e fantasia;

5º. Foi formada a Associação Portuguesa de Ficção Científica e Fantasia a qual se


encontra em longo letargo;

6º. Foi publicado o primeiro livro dedicado à ficção científica e fantasia Portuguesa:
Bibliografia da Ficção Científica e Fantasia Portuguesa, que recebeu o prémio
europeu da Sociedade Europeia de Ficção Científica, em Montpelier, em 1987;

7º. Foi apresentada na Universidade de Birmingham, por Julia Brooksbank, uma tese de
doutoramento sobre a ficção científica Portuguesa.

Pensamos que tal panorama vem assim confirmar que os anos 80 foram de facto
excepcionais, pois foram publicados: 10 romances, l livro de poesia, 5 colectâneas, 2
antologias, 3 suplementos especiais de jornais, 54 contos e l bibliografia, para além de 3
artigos no estrangeiro, Japão, Espanha e Holanda, 3 contos portugueses terem sido
publicados na França e Canadá e 1 poema na antologia norte-americana Showcase 7,
bem como foram apresentadas comunicações em congressos em Portugal e no
estrangeiro de autores portugueses sobre ficção científica.

Após este boom, todas as expectativas estavam viradas para os anos 90.

Esperava-se a confirmação da aceitação dos autores e da ficção científica portuguesa.


Infelizmente a realidade foi bem outra. O número de obras publicadas: 8 romances,
contando já com os dois apresentados nestes Encontros: Terrarium de Luís Filipe Silva
e João Manuel Barreiros e Sonata de Cristal de António de Macedo, 24 contos, 1
antologia, a reedição da Bibliografia da Ficção Científica e Fantasia Portuguesa, já não
em edição de autores e da primeira co-autoria entre um autor português e um autor
brasileira na realização do Catálogo de Ficção Científica em Língua Portuguesa, 1921-
1993, editado no Brasil, mostra-nos, apesar de tudo, uma realidade bastante aquém das
esperanças surgidas na década passada. Claro que o mais importante não é a questão
quantitativa mas a qualitativa, só que até este momento a obra prima ainda não foi
produzida, mantendo-se assim o bom nível da década passada, o que torna os números
atrás apontados relevantes para a análise do estado da ficção científica nacional.

Há contudo que destacar o esforço da publicação da primeira antologia Luso-Brasileira,


O Atlântico tem duas margens, e os romances da série Galxmente, de Luís Filipe Silva.

No campo editorial as coisas passaram-se do mesmo modo, apenas restando duas


colecções, ou seja menos que nos anos 60.

Apenas se nota um aumento nos eventos em torno da divulgação do género, sendo de


realçar O Encontro sobre Mundos Alternativos, organizado pela Fundação das Casas
de Fronteira e Alorna, em 1992, o Encontro de Ficção Científica, em Aveiro no ano
passado, e claro, estes Encontros que felizmente conseguiram juntar um número
significativo de fans e escritores de ficção científica nacionais e contar com a
participação de autores de onze países de todo o mundo.

Importante foi também a aproximação ao género, de publicações que normalmente não


incluíam a ficção científica no âmbito dos assuntos a tratar, sendo de destacar a revista
Vértice que publicou contos de autores portugueses e onde foi publicado um extenso
artigo sobre a ficção científica portuguesa.

Se a ficção científica Portuguesa enferma de alguma coisa é sem dúvida da falta de


publicação, porque quanto ao resto ela é tal como a ficção científica Europeia que
Gianfranco Viviani tão bem definiu na EUROCON de 1986, em Zagreb : eles (os
autores europeus) não produzem obras com os elementos necessários (como os autores
americanos) para agradar aos leitores apressados e desatentos.

Partindo do pressuposto que Gianfranco Viviani tem razão, e nós assim o cremos, ter-
se-à que concluir que a ficção científica portuguesa está na margem mais distante a que
a ficção científica europeia pode acostar, pela complexidade que encerra e por não ser
de facto acessível aos leitores que apenas pretendem divertir-se.
E para terminar convém não esquecer que ce que séduit dans la la science fiction, c'est
l'ampleur et la vocation d'irrèvèrence, como disse Romeu de Melo numa entrevista à
revista canadiana Imagine, em 1980.

©Álvaro de Sousa Holstein Na Periferia do Império Porto/Cascais - Encontros de Ficção Científica 1996

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