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Revista sletrinicn TEmaAT ILA A Sociedade em Rede e a Cibercultura: dialogando com o pensamento de Manuel Castells ¢ de Pierre Lévy na era das novas tecnologias de comunicagao Isabella de Aratijo Garcia SIMOES* Resumo Este artigo propde realizar um diilogo/confronto entre dois analistas das novas tecnologia de comunicagio, Manuel Castells ¢ Pierre Lévy, a partir de um estudo exploratério das obras produzidas pelos pesquisadores. A Internet é a base estruturante de todos os conceitos e de novas relagdes que compéem a sociedade em rede ou a cibercultura. Procuramos apontar as principais ideias que esto relacionadas ao tema e como o processo de comunicagio recebe essas mudangas que interferem no pensamento humano, na sociedade, que culmina numa nova cultura, Palayras-chave: Sociedade em rede, Cibercultura, Comunicagio. Introdugio A Era da Informagio, de maneira geral, constitui o novo momento histérico em que a base de todas as relagdes se estabelece através da informago da sua capacidade de processamento e de geragaio de conhecimentos. A este fendmeno Castells (1999) denomina “sociedade em rede”, que tem como la ‘tro revolucionério a apropriacéio da Internet com seus usos e aspectos incorporados pelo sistema capitalista. A sociedade em rede também € analisada por Lévy (1999) sob o codinome de “cibercultura”, sendo, pois, este novo espago de interagdes propiciado pela realidade virtual (criada a partir de uma cultura inform ca). Ao explicar o virtual, a cultura cibernética, em que as pessoa experienciam uma nova relagio espago-tempo, Lévy (1998) utiliza a mesma analogia da “rede” para indicar a formago de uma “inteligéncia coletiv: Muito embora a linha de anilise dos autores abordados siga caminhos dispares, sendo Castells com uma abordagem marxista da sociedade capitalista e Lévy com um pensamento antropoldgico, hd um aspecto que nao pode ser recusado na intersecgio dos * Mestre em Sociologia pela UFPB (2007); graduada em Comunicagio Social, na habilitagio de Jomalismo, pela mesma instituigio, E-mail: isabellaag@ gmail.com Ano V, n. 05 — Maio/2009 Revista cletrénicn, Temata =o autores acerca dos estudos das tecnologias de comunicagio, que nos leva a uma conclusio primordial: nao é possivel mais ignorar o impacto dessas tecnologias & vida humana, muito ‘menos & vida em sociedade. A possibilidade de participagio e a exclustio do universo digital, integrando-se a0 processamento de dados e & geragiio de conhecimentos, ou mesmo estando &i margem dessa dinamica, afeta, sobretudo, a relago humana em que a comunicagio se faz atuante, perpassando os aspectos antropolégico, social e mesmo filos6fico. ‘io linguagens, usos, percepgdes sensoriais, novas identidades formadas ¢ trocas simbélicas que esto emaranhadas em rede, que no descarta nem mesmo aspecto econdmico dentro dessas novas relagdes. Do ponto de vista da economia, a rede trouxe mudangas profundas & sociedade, redefinindo as categorizagdes de Divisio Internacional do Trabalho (DIT) entre os pafses e as economias. Mas, afinal de contas, as tecnologias de comunicago esto a servigo de que, ou de quem? Que mudangas so trazidas por essas tecnologias & vida do homem e & sociedade? que desencadeou todo esse processo? E mais: o que pode ser apreendido dessa relagio humana mediada por maquinas? Para responder a estas perguntas, nos propomos a utilizar, neste artigo, as obras de dois grandes pensadores da Era da Informagdo: Manuel Castells e Pierre Lévy, trazendo & tona a contribuigdo e as elucidagdes sobre os assuntos tratados, quer seja do ponto de vista do homem, que seja do ponto de vista da sociedade. Este artigo esta dividido em trés partes, sendo o primeiro t6pico uma abordagem das tecnologias de comunicagio ¢ da rede, com uma alusio especifica ao surgimento computador e da cultura informatica No segundo item realizamos um levantamento sécio-econémico da rede, dentro da logica de reformulagio do sistema capitalista que se deu na década de 70 no século passado, interpondo a abordagem utilitarista exposta por Castells (1999) ¢ a dimensio subjetiva explorada por Lévy (1998) na formagio de uma inteligéncia coletiva. Por fim, indicamos as mudangas trazidas pelas tecnologias de comunicagio, dentro das concepgdes dos autores sobre 0 novo proceso comunicative que se desvela na sociedade em rede ou na cibercultura, Ano V, n. 05 — Maio/2009 Revista etetrinicn Temata =o As tecnologias de comunicagio ¢ a rede Desde que 0 computador foi criado em 1945, nos Estados Unidos da América e na Inglaterra, as inovagdes € reformulagdes desse suporte e sistema de processamento de dados nao param de ser ampliadas a partir das criagdes humanas. Lévy aborda essa cultura informatica em virias obras, entre as quais “A Maquina Universo” (1998), na qual aponta © computador como uma nova ferramenta de experiéncia e de pensamento: A mediago digital remodela certas atividades cognitivas fundamentais, que envolvem a linguagem, a sensibilidade, 0 conhecimento © a imaginagio inventiva. A escrita, a leitura, a escuta, 0 jogo e a composicao musical, a visio e a elaboracio das imagens, a concepgio, a pericia, 0 ensino e 0 aprendizado, reestruturados por dispositivos técnicos inéditos, estio ingressando em novas configuragdes. sociais. (LEVY, 1998, p.17). Essa engenharia informatica esta presente em praticamente todos os campos das atividades humanas, compondo o que Lévy denomina de tecnologia intelectual. Ao longo de todos os momentos histéricos, 0 homem foi desenvolvendo técnicas que o auxiliaram a construir seus mecanismos de atuagio sobre a realidade. Em outras palavras, as técnicas so também maneiras de produzir conhecimento. Na medida em que a informatica processa e difunde a informagio com uma gama de interfaces, projeta a ideia de que o real no possui mais precedentes, adquirindo, assim, um aspecto transcendental: Os sistemas de processamento da informagio efetuam a mediagio prética de nossas interagdes com o universo. Tanto éculos como espeticulo, nova pele que rege nossas relagdes com o ambiente, a vasta rede de processamento e circulagdo da informagio que brota e se ramifica a cada dia esboga pouco a pouco a figura de um real sem precedente. E essa a dimensio transcendental da informatica. (LEVY, 1998, p.16). Isto é possivel a partir de certas caracteristicas que 0 meio propala através da simulagio, abstragdo e interagZo. Os mecanismos de interligago de dados se estabelecem a partir da hipertextualidade, ow seja, através de uma leitura nio-linear. E embora saibamos que 0 universo digital é composto por qualquer sistema organizado por digitos binérios, é a partir da Internet, com os dispositivos de transferéncia de arquivos, correio eletrénico, Ano V, n. 05 — Maio/2009 Revista cletrénicn, Temata =o foruns de discussie, principalmente, com a World Wide Web, que todas essas experiéncias siio potencialmente vivenciadas “A galaxia da Internet” é analisada por Castells (2003) com as imbricagdes aos negécios e & sociedade. Todo esse processo de instaurago da Internet ocorre na década de 70 € culmina com a abertura comercial na década de 90, o que, na visio do autor, faz parte de uma necessidade de reformulagao do sistema capitalista, que se deu nesta época Mas, assim como Lévy, © autor Castells aponta o dilema do determinismo tecnolégico como um aspecto que deve ser refutado, uma vez que “a tecnologia é a sociedade, e a sociedade nio pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnolégicas.” (CASTELLS, 1999, p.43). Diante do cenério da rede, Castells (2003, p.34-55) aponta a existéncia de uma cultura propria da Internet, que foi fomentada a partir da conjungdo de outras quatro culturas: a teenomeritocratica, a hacker, a comunitaria virtual ¢ a empreendedora. De uma forma geral, a cultura tecnomeritocratica diz respeito a elite cientifica que foi responsivel pelo desenvolvimento da tecnologia informédtica. E o grande ideal da cultura tecnomeritocritica é a crenga no progresso humano através da incorporagio da tecnologia. Por sua vez, a cultura hacker foi outro grupo que deu impulso ao crescimento da Internet. Neste caso, o hacker tem uma concepgio diferenciada da que vulgarmente se associa ao “pirata da Internet”, correspondendo aos grupos de programadores que foram responsdveis pelas inovagées tecnolégicas do meio. A cultura comunitatia virtual é formada por todas as pessoas que utilizam a rede que conhecem em maior ou em menor grau seus recursos em termos de linguagem e de dominio de programagées. E nesse espago da cultura comunitéria que as pessoas experienciam as potencialidades do meio, em termos de percepgio e de interagao. Por fim, a cultura empreendedora também integra a cultura da Internet, composta pelos capitalistas de alto risco que incorporaram © meio como instrumento de geragio de riquezas. Mas o fato € que a Internet representa o sistema hipertextual pensado pelos primeiros cientistas da computag%o, como Vanevar Bush e Ted Nelson, que associaram a dinamica nao-linear & forma como o pensamento humano é executado, sendo o meio uma possibilidade de formagio de uma biblioteca universal de informagdes interligadas por essa hipertextualidade. Ano V, n. 05 — Maio/2009 Revista cletrénicn, Temata =o Assim como a computacio, a Internet é uma criag%o americana, que surgiu durante a Guerra Fria, por volta de 1969, sob o nome de Arpanet. Tratava-se de um sistema utilizado pelo Departamento de Defesa Americano, que depois se estendeu & universidades e centros de pesquisa, para posteriormente ter 0 uso irrestrito. A Internet no formato em que conhecemos, com os sistemas HTTP, WWW e linguagem HTML, emergiu em 1991, sendo uma criaciio do cientista Tim Berners-Lee. Portanto, sedimentacZo social da Internet é a base da sociedade em rede, conforme indica Castells. Mas a Intemet deve ser compreendida como uma rede que congrega diversos grupos de redes. E essas redes ndo so apenas de computadores, mas também de pessoas e de informagio. Dentro da mesma légica da rede, essa congregacio forma uma nova cultura que Lévy denomina de cultura do ciberespago, ou “cibercultura”: ciberespago (que também chamarei de “rede”) € 0 novo meio de comunicagao que surge da interconexio mundial dos computadores. O termo especifica nao apenas a infra-estrutura material da comunicagao digital, mas também o universo ocednico de informagdes que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam ¢ alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de priticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaco. (LEVY, 1999, p.17). Aspectos sécio-econdmicos da rede A partir deste t6pico nos propomos a abordar 0 contexto sécio-econdmico que fomentou todo esse proceso capaz de estabelecer novas dindmicas, desde ao pensamento humano até as relagdes institucionais. Afinal de contas, de que sociedade estamos tratando? Que sociedade € essa que estabelece um novo modo de ser e de agir em rede? Como isso esti sendo possibilitado? Essas questées so tratadas por Castells em seu minucioso estudo acerca das sociedades capitalistas, com enfoque a Europa, EUA, Asia e América Latina, em que 0 autor observa a capacidade que essas localidades possuem de se integrar & l6gica da sociedade em rede, ou nao: Ela originou-se e difundiu-se, nao por acaso, em um periodo histérico da reestruturagao global do capitalismo, para o qual foi uma ferramenta Ano V, n. 05 — Maio/2009 Revista cletrénicn, Temata =o basica. Portanto, a nova sociedade emergente desse proceso. de transformacao é capitalista e também informacional, embora apresente variagio histérica considerdvel nos diferentes paises, conforme sua histéria, cultura, instituigdes € relagio especifica com o capitalismo global e a tecnologia informacional. (CASTELLS, 1999, p.50). Muito embora haja uma certa especificidade da apropriagio dessa nova légica do processo capitalista, existem algumas caracteristicas gerais que acompanham as sociedades tratadas no que diz respeito as mudangas sociais da época da incorporagio da rede. Entre os principais pontos que demarcam 0 momento histérico das sociedades estio a firmagio das relagdes através do individuo, gerando mudangas nas relagdes de trabalho, com a perda da forga dos sindicatos, em que no trabalho a flexibilizagio das relagdes € negociada com o proprio individuo; crise do patriarcalismo, surgimento de movimentos feministas, imersio da mulher no mercado de trabalho; desintegrago da familia nuclear tradicional; novos modelos de urbanizagio; desconexio entre megacidades e microlugares; e crise da legitimidade politica. (CASTELLS, 1999, p.39-41). Em termos gerais, esse € 0 quadro que pode ser encontrado nas sociedades analisadas pelo autor. O fato é que a partir da década de 70, a informacio e o conhecimento adquirem uma nova projegio social e econdmica, na medida em que dentro de uma ldgica de geragio, processamento e transmissio da informagio, as inovagdes € 0 conhecimento so a marca da sociedade e da economi Castells faz uma diferenciago entre “informagio” ¢ “informacionalismo”, sendo para ele a questio da informagio um elemento inerente a todas as sociedades em qualquer modo-de-produgio vivenciado, ou seja, a informagio sempre exerceu um papel importante na composigo sécio-econémica. Entretanto, na sociedade em rede, a informagio passa a ser uma forga produtiva direta dentro do proceso capitalista, 0 que para o autor caracteriza 0 informacionalismo: termo sociedade da informago enfatiza 0 papel da informagao na sociedade. Mas afirmo que informagio, em seu sentido mais amplo, por exemplo, como comunicagao de conhecimentos, foi crucial a todas as sociedades, inclusive a Europa medieval que era culturalmente estruturada e, até certo ponto, unificada pelo escolasticismo, ou seja, no geral uma infra-estrutura intelectual (ver Southern, 1995). Ao contratio, © termo informacional indica 0 atributo de uma forma especifica de organizagao social em que a geracdio, 0 processamento e a transmissfio da informagao tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido as novas condicdes tecnolégicas surgidas nesse periodo historico. (CASTELLS, 1999, p.64-65). Ano V, n. 05 — Maio/2009 Revista cletrénicn, Temata =o Ha uma tendéncia de cada vez mais as sociedades informacionais estabelecerem relagdes com outras sociedades informacionais, gerando um processo de exclusiio daqueles que nao estiverem circunscritos nessa légica. Isso se deve a um conjunto de fatores, como a produtividade, a inovagio tecnolégica, a criagdo de redes e a globalizagio, 0 que influencia os indices s6cio-econdmicos de determinada localidade: A nova economia afeta a tudo e a todos, mas é inclusiva e exclusiva a0 mesmo tempo; os limites da inclusio variam em todas as sociedades, dependendo das instituigdes, das politicas e dos regulamentos. Por outro lado, a volatilidade financeira sistémica traz. consigo a possibilidade de repetidas crises financeiras com efeitos devastadores nas economias € nas sociedades. (CASTELLS, 1999, p. 203). Muito embora a cultura da Internet tenha sido apontada pela influéncia e formagio das culturas tecnomeritocrética, hacker, comunidades virtuais e empreendedoras, Castells vai indicar que o maior propagador da rede € o Estado, na medida em que atua enquanto forga incentivadora impulsionando a competitividade das empresas, demandando em produtividade e lucratividade. Esses trés elementos, competitividade, produtividade e lucratividade so distribuidos de maneira que ao Estado cabe garantir a competitividade dos mercados, ficando as empresas responsiveis pelos sistemas de produtividade ¢ lucratividade. A economia se toma interdependente, assimétrica e diversificada de acordo com as caracteristicas das localidades. Ha, pois, uma nova Divisio Internacional do Trabalho (DIT), que subdivide-se entre 0s produtores de alto valor que mantem seus negécios com base na légica informacional; produtores de grande volume e com trabalho de menor custo; produtores de matérias-primas que se baseiam nos recursos naturais; e os produtores cujo trabalho perde valor nesse sistema. ‘A nova DIT deve ser pensada a partir do papel que a informagio exerce, influenciando ou atuando diretamente dentro do processo produtivo. A possibilidade do consumo inovador algo que traz volatilidade a0 mercado; por sua vez, as decisdes tomadas no Ambito da rede adquirem uma dimensio ba ante palpiivel no que diz respeito as consequéncias das medidas tomadas, que geram uma imprevisibilidade do mercado, Na e-economia, 0 trabalhador passa a ser um e-learning, acumulando espitito de iniciativa, autonomia, responsabilidade e talento para os negécios eletronicos. O grande ponto que Castells vai colocar a respeito do e-learning e da sociedade em rede (e que Ano V, n. 05 — Maio/2009 Revista cletrénicn, Temata =o talvez seja 0 maior contraponto ao pensamento de Lévy) € 0 aspecto utilitarista que 0 individuo, no caso o trabalhador, adquire, que estaria acima dos aspectos cultural, social ou politico, algo que se reflete também sobre o sistema educacional. © aspecto econdmico da rede, embora nio seja 0 foco central da abordagem de Lévy, também é apresentado pelo autor na medida em que aponta o saber como infra- estrutura de atuagio das “redes de inovagio”, capitaneada pelas empresas e indtstrias. Também o capitalismo é apresentado como o sistema produtivo que absorveu a l6gica da rede, que 0 autor desenvolve com a concepgao de inteligéncia coletiva, algo que para Lévy € impossibilitado de suceder nas economias planificadas. E papel do sujeito trabalhador segue uma l6gica similar a apresentada em Castells: Doravante ndo basta. mais identificar-se passivamente com uma categoria, uma profissio, uma comunidade de trabalho; € necessério ainda engajar, a singularidade, a propria identidade pessoal na vida profissional. E precisamente essa dupla mobilizacio subjetiva, bastante individual, de um lado, mas ética e cooperativa, de outro, que 0 universo burocratico e totalitério era incapaz de suscitar. (LEVY, 1998, p.21). No caso, 0 que o Lévy vai afirmar € que € preciso observar esses engajamentos subjetivos para além dos imperativos econémicos: Uma vez que um verdadeiro engajamento subjetivo € requerido dos atores humanos, as finalidades econdmicas devem remeter ao politico, no sentido amplo, ou seja, a ética e a vida da cidade. Devem fazer eco, igualmente, a significagdes culturais. (...) A empresa nao € 36 constumidora e produtora de bens e de servigos, como quer 0 enfoque econémico clissico. Nao se contenta em aplicar, elaborar, distribuir savoir-faire e conhecimento, como mostra a nova abordagem cognitiva das organizagdes. Deve-se reconhecer, além disso, que a empresa, com outras instituigdes, acolhe e constréi subjetividades. (LEVY, 1998, pl), A inteligéncia coletiva, a partir dos pressupostos da cultura informatica ¢ do novo sistema cognitive humano, emerge dentro desse contexto de cibercultura, em que a inteligéncia nao € mais fixa ou automatizada, mas reformulada ¢ estabelecida em tempo real, constituindo um grande cérebro global: “E uma inteligéncia distribuida por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilizagZo efetiva das competéncias.” (LEVY, 1998, p.28). Os aspectos da inteligéncia coletiva, que levam em consideragio a anélise antropol6gica da formag: vida social de das redes, bem como os aspectos imbricados Ano V, n. 05 — Maio/2009 Revista cletrénicn, Temata =o que estamos tratando, serio desenvolvidos a seguir, a partir do viés da experiéncia firmada com as tecnologias de comunicagio. processo comunicativo ‘As abordagens de Castells e Lévy apontam como similaridades as inovagdes trazidas pela Internet, o que firmou a constituigao da rede, projetando novas experiéncias a0 homem e & sociedade. No entanto, se para Castells ha um aspecto utilitarista da apropriagao da dinamica da rede, em Lévy essa observaciio nio se faz presente, na medida em que © meio esti por constituir a inteligéncia coletiva, onde a subjetividade adquire um cardter especial no jogo das relagdes, sendo eliminado o aspecto do poder: O projeto da inteligéncia coletiva supde 0 abandono da perspectiva do poder. Ele quer abrir o vazio central, © poco de clareza que permite 0 jogo com a alteridade, a quimerizagio e a complexidade labirintica. (LEVY 1998, 211-212). aspecto principal que deve ser observado, no que diz respeito & comunicagio, é a mediagdo que ao mesmo tempo é interativa e massiva, ou na légica indicada por Lévy, avangando ao longo dos modelos UM-TODOS, UM-UM, para TODOS-TODOS. Castells (1999, p-413) aponta a existéncia de uma cultura da virtualidade real, que ocorre através da integrago das novas tecnologias com a comunicagao eletrénica, a ecliminagio de uma audiéncia de massa e © surgimento das redes interativas. O aspecto multimidia das novas tecnologias transforma as experiéncias humanas de percepgio ¢ criago simbélica: “Nossos meios de comunicagdo so nossas metéforas Nossas metéforas criam 0 contetido da nossa cultura”. Como a cultura € mediada determinada pela comunicagio, as préprias culturas, isto é nossos sistemas de crengas e cédigos historicamente produzidos so transformados de maneira fundamental pelo novo sistema tecnolégico € o serio ainda mais com o passar do tempo. (CASTELLS, 1999, p.414). O cardter da comunicagio € outro, pois a rede global se constitui enquanto sistema aberto. A comunicacio é um elemento que molda a cultura, porque é através da comunicagio que a vida em sociedade se faz possivel, nas suas diversas manifestagdes, constituindo o sistema de valores e de simbolos. E esse sistema de valores e simbolos recebe uma influéncia do sistema tecnol6gico: Ano V, n. 05 — Maio/2009 Revista cletrénicn, Temata =o E precisamente devido a sua diversificagio, multimodalidade versatilidade que 0 novo sistema de comunicag3o é capaz de abarcar e integrar todas as formas de expresso, bem como a diversidade de interesses, valores e imaginagdes, inclusive a expresso de conilitos sociais. (CASTELLS, 1999, p.461).. io novas sociabilidades e relagdes com espago e tempo que demarcam a vida contemporfnea. Nesse interim, o individuo tem adiante novos mecanismos de interagio e de composigio de uma identidade propria e miiltipla, formagio de grupos ou tribos, um novo espaco-tempo a ser experienciado, em que o espago fisico é praticamente eliminado e © tempo acelerado, a fusiio homem-maquina, constituindo o “cyborg”. A idéia de centralidade do processo de emissio-recepgio também sofre profundas mudangas na cultura do ciberespago, conforme apresenta Lévy: © computador nio € mais um centro, e sim um n6, um terminal, um componente da rede universal calculante. Suas fungdes pulverizadas infiltram cada elemento do tecno-cosmos. No limite, ha apenas um tinico ‘computador, mas & impossfvel tragar seus limites, definir seu contorno. E um computador cujo centro esté em toda parte e a circunferéncia em lugar algum, um computador hipertextual, disperso, vivo, fervilhante, inacabado: 0 ciberespago em si. (LEVY, 1999, p.44) Para Lévy, 0 exercicio democritico passa pela apropriagio social do fendmeno técnico. A inteligéncia coletiva é uma proposta da cibercultura que dispde ao usuario, ou ao individuo, a participagao, a socializagio, a descompartimentalizagio e a emancipacio, sendo um indicativo ao modelo desestabilizante e excludente da mutagio técnica: Novo pharmakon, a inteligéncia coletiva que favorece a cibercultura é 20 mesmo tempo um veneno para aqueles que dela no participam (e ninguém pode participar completamente dela, de tao vasta e multiforme que 6) eum remédio para aqueles que mergulham em seus turbilhdes € conseguem controlar a prépria deriva no meio de suas correntes. (LEVY, 1999, p.30). Ao apontar trés momentos de experiéncias com tecnologias de comunicagio (as galaxias de Gutemberg, de Macluhan e da Internet), Castells classifica a galxia da Internet enquanto constituigo de um espago democritico em termos de comunicago, na medida em que © meio é aberto a pluralidade e ao amplo acesso, ainda que as questdes da desigualdade estejam refletidas na rede. Ano V, n. 05 — Maio/2009 Revista cletrénicn, TenstitaA =o A galéxia de Gutemberg caracteriza 0 homem tipogrifico, com percepgio mais analitica e objetiva; a gakixia de Macluhan, representa a consolidagio da televi io enquanto veiculo de comunicagio de massa que quebra com a estrutura do homem tipogréfico. Na galaxia da Intemet, 0 grande diferencial ocorre com a possibilidade de interatividade e comunicagao personalizada, mesmo que seja um meio de comunicagio de massa, Toda a proposta de anilise indicada neste artigo teve como objetivos situar o momento hist6rico no qual a informagio ocupa uma posi¢ao de destaque no sentido de processamento e geragio de conhecimentos. Buscamos apontar alguns dos principais pontos das relagdes e dos conceitos que envolvem todo proceso de composigio da sociedade em rede ou da cibercultura, A Internet, este espago propiciador da rede, permite a pluralidade e a participagio, ainda que de certa forma neste meio também exista a reprodugio de padroes sociais ja existentes. As sociabilidades sio firmadas especialmente em lagos fracos, as identidades mudam, as fronteiras so quebradas, as incertezas navegam junto com os individuos neste ‘oceano, que ao mesmo tempo permite novas experiéncias com o pensamento e a cognigio, em tempo real e em constante processo de ressignificagao. Referéncias CASTELLS, Manvel. A sociedade em rede. Sao Paulo: Paz e Terra, 1999; A galaxia da Internet, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003; LEVY, Pierre, O que € 0 virtual. Sio Paulo: Ed. 34, 1996; . As tecnologias da inteligéncia, Sao Paulo: Ed. 34, 1997; . A inteligéncia coletiva. Sao Paulo: Edigdes Loyola, 1998; . A maquina universo, Porto Alegre: ArtMed, 1998; . Cibercultura. Sio Paulo: Ed. 34, 1999; PELLANDA, Nize Maria Campos; PELLANDA, Eduardo Campos (org,). Ciberespago: um hipertexto com Pierre Lévy. Porto Alegre: Artes e Oficios, 2000. Ano V, n. 05 — Maio/2009

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