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WilliamsRR II
WilliamsRR II
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
WILLIAMS GONÇALVES
Professor dos PPGs. Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul e da Universidade Federal Fluminense
1 Introdução
como nos Estados Unidos, que despontaram como a grande potência no início do século
XX, vindo a se transformar em superpotência logo depois da Segunda Guerra Mundial.
Pelo contrário, o estudo moderno das Relações Internacionais afigurou-se, às elites norte-
americanas e inglesas, como tarefa indispensável ao entendimento do mundo em mudança
e, desse modo, à manutenção do poder que detinham. Essa conclusão de que o mundo havia
mudado, fazendo-se necessário conhecê- lo melhor para continuar a exercer o poder e
realizar seus respectivos interesses nacionais, levou as delegações diplomáticas dos Estados
Unidos e da Inglaterra, presentes na Conferência de Paz de Paris, a assumirem a
responsabilidade de criar centros de pesquisa neste campo. Tal compromisso foi honrado
logo no ano seguinte (1920): foram criados, na Inglaterra, o Royal Institute of International
Affairs, e, nos Estados Unidos, o Council of Foreign Relations.
Dessa primazia anglo-saxã, nas Relações Internacionais , decorrem alguns efeitos
acadêmicos e políticos extraordinariamente importantes, que podem ser sintetizados nas
idéias de acúmulo de poder e de luta pela conservação da posição hegemônica. Ao se
dedicar, com grande afinco, ao estudo das Relações Internacionais, os anglo-saxãos
elaboraram hipóteses, formularam teorias e definiram os conceitos que se universalizaram,
tais como aqueles que lhe são específicos, ou seja, criaram o léxico das Relações
Internacionais. Qualquer pessoa que se interesse por este campo de estudo, em qualquer
parte do mundo, deve, obrigatoriamente, exercer algum domínio sobre esse léxico ; caso
contrário, não conseguirá estabelecer diálogo com os que se dedicam à pesquisa nessa área.
Por assim dizer, o conhecimento tanto da língua inglesa, como da produção acadêmica
norte-americana e inglesa nas Relações Internacionais constitui condição indispensáve l
para iniciar toda espécie de debate acadêmico. Por outro lado, justamente por terem criado
o léxico das Relações Internacionais e por reunirem o maior número de centros de pesquisa,
os acadêmicos anglo -saxãos definem o nível de excelência da análise e impõem os termos
do debate. Isso significa, enfim, que não dispõem unicamente do poder político para
satisfazer seus respectivos interesses nacionais, como também, do poder sobre o próprio
discurso das Relações Internacionais.
Esse poder de determinar o que é relevante e, assim, impor a direção a ser dada à
pesquisa, torna-se muito mais visível nos momentos nos quais ocorrem grandes mudanças
no sistema internacional, tal como aconteceu no início da década de noventa, quando
4
2 Definição
1
BRAILLARD, Philippe; DJALILI , Mohammad-Reza. Relations Internationales : Que sais -je? Paris : PUF,
1988. p. 5.
6
Daniel Colard, por sua vez, afirma que “o estudo das relações internacionais
engloba as relações pacíficas ou belicosas entre Estados, o papel das organizações
internacionais, a influência das forças transnacionais e o conjunto das trocas ou das
atividades que cruzam as fronteiras dos Estados.”3
Joshua Goldstein, por fim, diz que,
Pode-se constatar que as definições diferem umas das outras; e, justamente por esse
motivo nem todas contêm os mesmos elementos. Alguns aspectos presentes em uma
definição já não aparecem em outras. Contudo, é possível perceber que todas têm o mesmo
sentido o qual é conferido pela idéia de relacionamentos múltiplos. Todos os autores
citados, de um modo ou de outro, transmitem a idéia de que as relações internacionais
envolvem numerosos e variados atores atuando em todo o mundo. Vistas dessa forma, as
Relações Internacionais supõe o estudo do conjunto de interações. É evidente que a melhor
maneira de decompor o conjunto para proceder à análise, é tarefa que depende do
instrumental teórico a serviço do analista. A cada dispositivo teórico corresponde uma
diferente maneira de perceber as relações internacionais. É aqui que reside a importância
da teoria, qual seja: distinguir o principal do acessório, revelando o que é significativo para,
assim, conduzir o analista a mais correta interpretação, mediante tal procedimento, produzir
o esperado conhecimento da realidade das relações internacionais.
No entanto, antes de seguir adiante, com a apresentação das definições oriundas
dessas disciplinas aparentadas, seria interessante desfazer, o quanto antes, uma certa
ambigüidade que, não raro, confunde quem se inicia no estudo das Relações Internacionais.
2
NICHOLSON, Michael. International Relations: A Concise Introduction. London: MacMillan Press, 1998.
p. 2.
3
COLARD, Daniel. Les Relations Internationales de 1945 à nos jours. Paris : Armand Colin, 1999. p. 5.
4
GOLDSTEIN, Joshua S. International Relations. New York: Longman, 1999. p. 3.
7
5
REYNOLDS, P. A. Introduccion al Estudio de las Relaciones Internacionales. Madrid : Tecnos, 1977. p.
46.
6
MERLE, Marcel. La Politique Étrangère. Paris: Presses Universitaire de France, 1984. p. 7.
7
FRANKEL, Joseph. National Interest. London: Pall Mall Press, 1970.
8
MORGENTHAU, Hans J. Politics Among Nations : The Struggle for Power and Peace. New York: Alfred
A. Knopf, 1985.
9
Como ocorre em todas as demais C iências Sociais, parte dos estudiosos das
Relações Internacionais está permanentemente envolvida na reflexão epistemológica sobre
a definição do seu objeto de estudo, num exercício absolutamente necessário , uma vez que
a realidade está em permanente mutação.
A dinâmica das relações internacionais, constantemente determinando o surgimento de
novos atores e a abertura da discussão de novas questões internacionais, representa
contínuo desafio à capacidade analítica das teorias estabelecidas. Daí a razão porque se
apresenta, como absolutamente necessária, a tarefa de rever os pressupostos e os
instrumentos conceituais da disciplina, pois, do êxito de la, depende o avanço da ciência e a
conseqüente elevação do nível de conhecimento sobre a realidade estudada. E o principal
desafio que se oferece àqueles que se dedicam a esse trabalho, é justamente responder, com
precisão, à seguinte pergunta: o que é a realidade das relações internacionais?
Todos aqueles que têm investido nessa reflexão sabem o quanto uma resposta
categórica e definitiva a essa pergunta é difícil. Difícil, antes de tudo, em virtude da
imaterialidade do objeto que se deseja conhecer. Ao contrário do que é comum no âmbito
das ciências naturais, as relações internacionais não tem existência física; elas são, por
assim dizer, uma abstração; uma vez que só existe como produto do pensamento. Desse
9
MERLE, o p. cit.
10
modo, por não constituírem uma realidade sensível, sua definição acaba por ser arbitrária,
tendo em vista que, cada qual se julga capaz de determinar, com maior correção, os
contornos das relações internacionais como objeto de conhecimento.
Convém, no entanto, ter cautela. Afirmar que a definição de relações internacionais,
como objeto de conhecimento, é arbitrária, não significa dizer que ela é aleatória. A
definição é arbitrária, porque o objeto não se auto-evidencia. Ele requer que se o destaque e
o separe de tudo o mais que o cerca e possa, com ele, se confundir. Nesse aspecto, a
situação do estudioso das relações internacionais não é confortável como a do biólogo
dedicado ao estudo dos seres marinhos: este não precisa dispender muito esforço para
apresentar o peixe como seu objeto de conhecimento. Porque, apesar dessa denominação
ter- lhe sido atribuída pelos homens e não por eles próprios, os peixes são imediatamente
reconhecidos, sem suscitar controvérsias. Por mais que o tamanho, a forma e a cor possam
variar, o fato é que as características básicas identificadoras do animal como peixe , estão
sempre evidentes.
Por outro lado, a definição das relações internacionais como objeto de estudo não é
aleatória porque, independentemente da orientação seguida, alguns elementos
característicos impõem-se como obrigatórios a qualquer uma das definições que venha a ser
elaborada. Por essa razão, elas guardam muitas semelhanças entre si e, no mais das vezes,
apresentam distinções sutis. Por exemplo, por mais ampla e inclusivamente que se queira
definir o objeto das relações internacionais, não há como deixar de considerar as relações
políticas entre os Estados como seu componente importante. Entretanto, a afirmação que o
cidadão comum, não investido de qualquer função oficial de seu Estado, possa ser ator das
relações internacionais, já não goza mais da mesma aceitação entre as linhas teóricas que
compõem o universo da disciplina.
Essas variadas definições da realidade das relações internacionais podem ser
sintetizadas em dois grandes grupos: o primeiro deles é aquele cujas definições
compreendem os fenômenos paz e guerra; armas nucleares e desarmamento; imperialismo e
nacionalismo; as relações assimétricas entre sociedades ricas e sociedades pobres;
preservação do meio ambiente; combate ao narcotráfico; combate ao terrorismo
internacional; defesa dos direitos humanos; influência das instituições religiosas;
organizações internacionais, processos de integração regional; formação e fragmentação
11
dos Estados; comércio e ação das corporações multinacionais; raça e gênero em todo o
mundo; desenvolvimento e transferência de tecnologia; globalização.
O segundo grupo apresenta as relações internacionais como o resultado das relações
entre os Estados. Enquanto, no primeiro grupo de definições, a realidade das relações
internacionais é apresentada como extremamente ampla, incluindo fenômenos que dizem
respeito a diversos domínios da vida em sociedade e relativos a situações tanto de conflito
como de cooperação, no segundo grupo, essa realidade é apresentada como,
fundamentalmente, constituída por conflitos entre os interesses respectivos a cada Estado.
No primeiro grupo, qualquer um dos fenômenos citados pode assumir a condição de objeto
de análise das Relações Internacionais; no segundo, por sua vez, tais fenômenos são
concebidos como produto das relações diplomáticas, militares e estratégicas que os Estados
(China, Bélgica, Venezuela, Alemanha, Japão, Estados Unidos, p. e.) estabelecem entre si.
As disparidades apresentadas por esses conjuntos das possíveis características das
definições possíveis de relações internacionais são, contudo, mais aparentes do que reais. E
o que faz com que as diferenças sejam apenas aparentes é a idéia de anarquia – a qual, de
fato, passa a ser o elemento unificador de todas as variadas concepções da realidade das
relações internacionais. Para esse efeito, anarquia significa a inexistência de uma
autoridade central, com legitimidade para criar leis e dispor de poder para fazer com que
essas leis sejam obedecidas. Em virtude dessa ausência de algo como um governo mundial,
que centralize as decisões, as relações e interações internacionais assumem uma
importância fundamental para o conhecimento da realidade internacional. Embora, como
será visto mais adiante, haja dive rgências entre as correntes teóricas, o aspecto mais
importante é que as principais delas encaram a figura jurídico-política do Estado como a
referência principal. A ausência de um poder que desempenhe, em escala internacional, o
papel que o Estado desempenha em escala nacional constitui, para as diversas orientações
teóricas, a pedra angular das Relações Internacionais. Essa característica específica permite
afirmar não só a existência do objeto de conhecimento denominado relações internacionais,
mas, também, que esse objeto não se confunde com outros objetos de conhecimento que
contêm algumas características iguais.
As possibilidades de uso de diversas definições da realidade das relações
internacionais, entretanto, não se apresentam, para o estudioso da matéria, como mera
12
questão de conveniência. Pelo contrário, a opção por qualquer uma das definições
determina um correspondente conjunto de conseqüências, as quais, vale dizer, são de ordem
teórica e metodológica, pois a maneira como definimos a realidade é a mesma maneira
como a entendemos, de tal modo que, entre a realidade e sua definição, encontra-se sempre
presente a teoria.
**
Essa data de nascimento é contestada por Brian C. Schmidt (The Political Discourse of Anarchy: A
Disciplinary History of International Relations. Albany: State University of New York Press, 1998), Esse
autor considera que a disciplina nasceu bem antes da Primeira Guerra, como derivação da discussão
acadêmica dos cientistas políticos norte-americanos sobre a Teoria do Estado.
10
LOWE, Norman.Guía Ilustrada de la Historia Moderna.Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1995. p.
44.
13
11
BROWN, Chris . Understanding International Relations. London: MacMillan Press, 1997. p. 24.
14
internacional, fazia-se, então, necessária a criação de nova disciplina, a qual deveria, por
assim dizer, exprimir, em sua abordagem, a amplitude que passara a caracterizar a nova
realidade das re lações internacionais.
Desde que o projeto de construção da disciplina de Relações Internacionais foi
lançado, os estudiosos têm procurado definir, com o maior rigor possível, os limites de seu
objeto de estudo. Além disso, têm procurado elaborar os instrumentos teórico-conceituais
que tornem possível a análise desse mesmo objeto. Não há dúvida de que a grande
dificuldade enfrentada nessa tarefa de configuração da nova disciplina é assegurar- lhe o
indispensável caráter interdisciplinar. Ou seja, definir os contornos de uma disciplina capaz
de produzir uma visão integrada do meio internacional; uma disciplina cujo alcance vá
além das visões parciais da Economia Internacional, do Direito Internacional, da História
Internacional e da Política Internacional. Es se desafio, vale assinalar, tem se renovado à
medida que as relações internacionais têm evoluído, tornando-se a cada dia mais
complexas. Assim o foi, depois da Segunda Guerra Mundial, ocasião em que os estudiosos
tiveram que passar a levar em conta o advento das armas nucleares e a luta iniciada pelos
povos colonizados em favor de sua independência face às metrópoles européias. Assim tem
sido, a partir da última década do século XX, com os estudiosos tentando elucidar a nova
estrutura do sistema internacional e, ao mesmo tempo, decifrar o fenômeno da globalização
e de seus surpreendentes efeitos gerais.
Essa procura do perfil teórico-conceitual ideal das Relações Internacionais, com
vistas à obtenção das mais confiáveis análises da realidade, tem ocasionado grande disputa
intelectual que, por sua vez, tem levado o campo teórico da disciplina à situação de
fragmentação. Tantas são as propostas teóricas que vêm sendo apresentadas, que se torna
até difícil classificá-las. A maneira que aqueles dedicados ao est udo da evolução teórica da
disciplina, encontraram para mapear esse campo teórico, foi utilizar o conceito de
paradigma. Tomado de empréstimo do filósofo da ciência Thomas Kuhn 12 , esse conceito
tem servido para classificar as teorias segundo seu vínculo a determinados modos de
perceber a constituição e a dinâmica do meio internacional.***
12
KUHN, Thomas S. A Es trutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1982.
***
Barry Buzan, p. e., assim define paradigma: “Paradigmas são escolas de pensamento que têm sido
constituídas mediante abordagens no estudo das relações internacionais que exploram alguns níveis, setores e
normas em detrimento de outros. Cada paradigma é um tipo de lente compósita, que possibilita uma visão
15
seletiva das relações internacionais. Igual a qualquer outra lente, a leitura através dela permite que
determinadas características apareçam mais fortemente, enquanto outras características quase desapareçam”.
13
WAEVER, Ole . The rise and fall of the inter-paradigm debate. In: SMITH, Steve; BOOTH, Ken;
ZALEWSKI, Marysia (Eds.).Interntional theory: positivism & beyond. Cambridge: Cambridge University
Press, 1996. p. 149-185.
14
Ibidem.
15
EVANS, Graham ; NEWHAM, Jeffrey.The Penguin Dictionary of International Relations .London:
Penguin Books, 1998. p. 275.
16
KEGLEY, Charles W. ; WITTKOPF, Eugene R. World Politics: Trend and Transformation. New York:
St. Martin’s Press, 1997. p. 18.
16
17
JACKSON , Robert; SORENSEN, Georg. Introduction to International Relations.Oxford: Oxford
University Press, 1999. p. 34.
18
BULL, Hedley. The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. London: MacMillan Press,
1977. p. 24.
19
HOFFMANN, Stanley. An American Social Science: International Relations. In: DER DERIAN, James
(Eds.). International Theory: Critical Investigations. London: MacMillan Press, 1995. p. 212-241.
20
PLATIG, E. Raymond. International Relations as a Field of Inquiry. In: ROSENAU, James N. (Ed.).
International Politics and Foreign Policy: a reader in research and theory. New York: The Free Press, 1969.
p. 6-19. Neste artigo, o autor apresenta o volume de recursos investidos e discrimina as áreas de pesquisa
beneficiadas.
17
A evolução teórica das Relações Internacionais tem sido marcada por “Grandes
Debates”21 – os quais registram o confronto das teorias emergentes com as teorias
dominantes. Não por coincidência, o confronto entre novas e antigas teorias tem se seguido
a mudanças significativas na estrutura e no funcionamento do sistema internacional. Por
entender que a teoria dominante não é capaz de dar conta de elementos novos, que se
destacam no curso das relações internacionais, os pesquisadores buscam aprofundar suas
reflexões com a finalidade de obter formulações teóricas mais ricas, que abram o caminho
para o conhecimento mais verdadeiro da realidade das relações internacionais.
O primeiro desses “Grandes Debates” aconteceu ao longo da década de 1930,
opondo a corrente dominante Liberal- idealista à corrente emergente do Realismo. A
primeira corrente acredita na perfectibilidade humana, no Direito Internacional e nas
possibilidades de haver paz entre os Estados. Para os Idealistas, a realização desses ideais
depende do aperfeiçoamento das instituições internacionais, o qual, por sua vez, deve
resultar da cooperação entre os estadistas. Para a corrente Realista, por outro lado, as
21
GROOM, A. J. R.; LIGHT, Margot. Contemporary International Relations: A Guide of Theory. London:
Pinter Publishers, 1994.
DEL ARENAL, Celestino. Introducción a las Relaciones Internacionales . Madrid: Tecnos, 1990.
MERLE, Marcel. Sociologia das Relações Internacionais. Brasilia, UNB, 1981.
BRAILLARD, Philippe. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1990.
18
****
“The Great Illusion” foi o título dado por Norman Angell a seu livro, publicado em 1909 (London,
Weidenfeld & Nicolson) . Nele, o autor defendeu a tese segundo a qual não havia possibilidades de guerra no
mundo. No seu entendimento, o capitalismo internacionalizara -se de tal modo que a guerra seria uma
demonstração de desvairada irracionalidade. Acreditava Angell, que os grandes grupos econômicos não
permitiriam a destruição de seu capital físico, espalhado pelos diferentes países da Europa, nem tampouco das
redes de comercialização de mercadorias e investimentos. Contudo, a guerra aconteceu.
Como observa Chris Brown ( Understanding International Relations), a racionalização do processo realizada
por N. Angell procedia. O problema, no entanto, é que N. Angell acreditava no comportamento humano
pautado exclusivamente pela razão.
19
22
Para se obter uma visão geral sobre a intervenção teórica dos Behavioristas, ver: Merle, Marcel. Sociologia
das Relações internacionais. Brasília: UNB, 1981.
23
RAPOPORT, Anatol. Lutas, Jogos e Debates. Brasília, UNB, 1980.
FRANKEL, Joseph. Contemporary International Theory and the Behaviour of States. Oxford: Oxford
University Press, 1973.
DEUTSCH, Karl. Análise das Relações Internacionais. Brasília: UNB, 1978.
HOFFMANN, Stanley. Teorias Contemporaneas sobre las Relaciones Internacionales. Madrid: Tecnos,
1963.
24
EASTON, David. Uma Teoria de Análise Política. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
25
KAPLAN, Morton. System and Process in International Politics. New York: J. Wiley, 1964.
Os sistemas internacionais possíveis, propostos pelo autor, são os seguintes: 1) Sistema de Equilíbrio; 2)
Sistema Bipolar Flexível; 3) Sistema Bipolar Rígido; 4) Sistema Internacional Universal; 5) Sistema
Internacional Hierárquico; 6) Sistema Unit Veto.
20
26
KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Transnational Relations and World Politics. Cambridge: Harvard
University Press, 1971.
______. Power and Interdependence: World Politics in Transition. Boston: Little Brown, 1977.
21
opções teóricas atuais. Isso porque, de um lado, o Realismo, ao promover alguns ajustes em
seu corpo teórico, se fez neo-realismo. De outro lado, o Pluralismo, para responder às
críticas dos teóricos da Dependência (os quais não podiam admitir a idéia de
interdependência complexa com assimetria ), assumiu seu caráter abertamente liberal,
convertendo-se, então, em Neoliberal.
A visão panorâmica das Relações Internacionais ficaria incompleta, no entanto, se
não fosse feita referência à “Escola Inglesa” e ao “Debate Pós-Positivista”.
Também conhecida como corrente teórica da “Sociedade Internacional”, a “Escola
Inglesa” é uma das poucas correntes de grande prestígio , que se desenvolveu fora do
ambiente acadêmico norte americano. A essa corrente, pertencem nomes expressivos como
Martin Wight, 27 Adam Watson, 28 Terry Nardin , 29 John Vincent,30 Michael Walzer 31 e
James Mayall. 32 Todavia, o nome mais conhecido é o do australiano Hedley Bull (1932 –
1985), que desenvolveu a carreira acadêmica na London School of Economics, e em
Oxford.
A particularidade da “Escola Inglesa” está no fato de ter proposto a análise das
Relações Internacionais a partir do marco filosófico fixado por Hugo Grotius 33 (1583 –
1645), nascido na Holanda e conhecido por muitos juristas como o “pai do Direito
Internacional”. Em Do Direito da Guerra e da Paz (1625), esse hola ndês defendia a
necessidade de se estabelecer normas de comportamento para os Estados da Europa,
27
WIGHT, Martin. Systems of States . London: Leicester University Press, 1977;
______. A Política do Poder. Brasilia: UNB, 1978.
______. International Theory: The Three Traditions. London: Leicester University Press, 1991.
28
BULL, Hedley; WATSON, Adam (Ed s.). The Expansion of International Society. Oxford: Clarendon
Press, 1984.
WATSON , Adam. The Evolution of International Society. London: Routledge, 1992.
29
NARDIM, Terry. Law, Morality and the Relations of States. New Jersey: Princeton University Press,
1983.
NARDIM, Terry; MAPEL, David R. (Eds.). Traditions of Internati onal Ethics. Cambridge: Cambridge
University Press, 1993.
30
VINCENT, John. Nonintervention and International Order. New Jersey: Princeton University Press,
1974.
______. Human Rights and International Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
31
WALZER, Michael. Just and Unjust Wars: A Moral Argument with Historical Illustrations. New York:
Basic Books, 1992 .
______.Thick and Thin: Moral Argument at Home and Abroad. Notre Dame : University of Notre Dame
Press, 1984.
32
MAYALL, James. Nationalism and International Society. Cambridge: Cambridge University press,
1989.
______. The New Interventionism: 1991 – 1994. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
33
GROCIO, Hugo. Del Derecho de la Guerra y de la Paz. Madrid : Editorial Reus, 1925.
22
mesmo sob condições de guerra. Para ele, o fato de os Estados europeus pertencerem à
mesma civilização cristã, estando todos submetidos ao mesmo direito natural, distinguia-os
como partes integrantes da sociedade internacional. Por isso, os príncipes europeus deviam,
quando em guerra, respeitar tanto os direitos dos neutros, quanto respeitar o direito ao livre
uso dos mares, e não se conduzir tal como estivessem em guerra contra não-cristãos, uma
circunstância na qual tudo era permitido. De certa forma, esses princípios defendidos por
Grotius acabaram por formar a substância dos Tratados de Westphalia (1648), os quais
foram assinados horas depois da sua morte e encerraram as Guerras de Religião. 34
Ao seguir o caminho apontado por Grotius, Hedley Bull argumentou em favor da
existência da “sociedade internacional”, um conceito que, pode-se dizer, forma o eixo
central da “Escola Inglesa”. O uso desse conceito preenche o espaço que separa, segundo
Martin Wight,35 a tradição Hobbesiana da tradição Kantiana. Para Bull, o fato de, no meio
internacional, não existir governo central com capacidade de fazer respeitar as leis, não
impede de se falar da existência da sociedade internacional. Apenas pondera que tal
sociedade é de tipo diferente das sociedades nacionais, sendo a sua principal diferença, o
caráter anárquico da sociedade internacional. Contra a posição dos Realistas, que não
admitem a idéia de sociedade internacional justamente devido à inexistência de governo
central, Bull chama a atenção para o fato de as relações internacionais não se resumirem às
decisões que dizem respeito à segurança do Estado, mas sim, por formarem uma densa teia
de relações que supõem alta dosagem de cooperação e, também, a partilha de valores
culturais comuns. Uma partilha que se tornou historicamente possível em virtude da
ocidentalização do mundo promovida pelos povos europeus, a partir da idade Moderna.
Por fim, chegamos ao derradeiro Grande Debate, que é, também, o mais difícil de
ser resumido, tendo em vista sua amplitude e a ambigüidade conceptual que o cerca. O alvo
da crítica é o Realismo, ou melhor, são o Positivismo e o Empirismo, que constituiriam a
base da formulação teórica Realista.
As posições críticas, por sua vez, têm por origem a “Teoria Crítica”, o “Pós-Modernismo” e
o “Feminismo”, este não deixando de ser, também, parte do “Pós-Modernismo.”36
34
BULL, Hedley; KINGSBURY, Benedict; ROBERTS, Adam (Eds.). Hugo Grotius and International
Relations. Oxford : Clarendon Press, 1992.
35
WIGHT, M. International Theory: The Three Tradiditions, Leicester: Leicester University Press, 1991.
36
HALLIDAY, Fred. Rethinking International Relations. London: MacMillan Press, 1994.
23
BOOTH, Ken; SMITH, Steve (Eds.). International Relations Theory Today. Pennsylvania: The
Pennsylvania State University Press, 1995.
GRIFFITHS, Martin. Realismo, Idealism & In ternational Politics: a reinterpretation. London: Routledge,
1992.
NICHOLSON, Michael. International Relations : A Concise Introduction. London : MacMillan Press,
1998.
SPEGELE Roger D. Political Realism in International Theory. Cambridge: Cambridge University Press,
1996.
37
HABERMAS, Jurgem. Knowledge and Human Interests. Boston: Beacon Press, 1972 .
______. Communication and the Evolution of Society. London: Heinemann, 1979.
______. Theory of Communicative Action. Boston: Veacon Press, 1984. v.1.
______. Theory of Communicative Action. Boston: Beacon Press, 1988. v.2.
______. La lógica de las ciencias sociales. Madrid, Tecnos, 1990.
24
las, todas, partes da mesma metanarrativa. Para os críticos pós- modernos, as teorias das
Relações Internacionais, assim como todas as demais teorias sociais e a literatura, são
prisioneiras das mesmas armadilhas filosóficas Iluministas, segundo as quais a ciência tem
um superior e inigualável lugar na ordem do saber, por proporcionar conhecimento
objetivo, e a modernização conduzir ao progresso e ao maior bem estar para todos.
Não há teoria das Relações Internacionais que escape de tão abrangente arco crítico;
todavia, por ser a teoria mais influente no campo das Relações Internacionais, a Teoria
Realista é a mais visada pelos críticos pós-modernos. 38 Para Jim George 39 e., mesmo em
sua forma mais sofisticada, o Realismo representa um anacrônico resíduo do Iluminismo
europeu, totalmente incompatível com a realidade do mundo pós-moderno. A idéia desse
autor, tanto quanto de outros críticos da mesma linha, é a de que não é possível existir
ciência das Relações Internacionais, mesmo porque não há realidade internacional objetiva.
O que se denomina ciência das Relações Internacionais é apenas uma narrativa, que se
impôs sobre todas as demais possíveis, em virtude do poder detido por aqueles que a
elaboraram. Nesse sentido, a ciência das Relações Internacionais é tão-somente a expressão
discursiva dos que exercem o poder.
A ação crítica dos pós- modernistas trabalha com vistas a promover a
“desconstrução” da narrativa Realista. Seu alvo central é o conceito de Estado como ator
fundamental das relações internaciona is, que age de modo racional para realizar seus
interesses e maximizar seu poder. Para os pós- modernistas, o Estado, como realidade
objetiva, simplesmente não existe ; trata-se de mera ficção construída por acadêmicos e
cidadãos, com a finalidade de dar significado as ações sociais que empreendem entre si.
Desse modo, a ação do Estado, no sistema internacional de Estados, não passa de uma
forma de construir uma narrativa sobre a relação entre indivíduos: uma história que, na
38
WENDT, Alexander. Anarchy is What States Make of it: The Social Construction of Power Politics. In:
DER DERIAN, James. (Ed.). International Theory: Critical Investigations. London: MacMillan Press, 1995.
p. 129 -177.
CAMPBELL, David. Politics Without Principle: Sovereignty, Ethics, and the Narratives of the Gulf War.
Boulder: Lynne Rienner, 1993.
ASHLEY, Richard K. The Poverty of Neorealism. In: KEOHANE, Robert (Ed.). Neorealism and its
Critics. New York: Columbia University Press, 1986. p. 255 -300.
______.The Pwers of Anarchy: Theory, Sovereignty, and the Domestication of Global Life . In: DER
DERIAN, James. (Ed.). International Theory: Critical Investigations. London: MacMillan Press, 1995. p.
94-128.
39
GEORGE, Jim. Discourses of Global Politics: A Critical (Re)Introduction to International Relations.
Colorado:Lynne Rienner Publishers, 1994. p. 12.
25
verdade, pode ser criada e contada de várias outras formas, as quais dependerão, sempre, da
posição e dos interesses do indivíduo ou dos grupos que se proponham a construí- la.
Para finalizar este mapeamento dos Debates na área das Relações Internacionais, é
necessário trazer algumas palavras a respeito da questão do Gênero.
Por incrível que pareça, o questionamento das Ciências Sociais, a partir do ângulo
do Gênero, é um processo que data dos últimos vinte anos. No âmbito das Relações
Internacionais, no entanto, o processo é muito mais recente. Tal desinteresse pelas Relações
Internacionais, por parte dessa linha crítica seria decorrente, segundo Margot Light e Fred
Halliday,40 em primeiro lugar, da idéia de que as Relações Internacionais não têm limites
precisos, configurando-se apenas em uma extensão das questões nacionais. Em segundo
lugar, de que as Relações Internacionais tratam de questões de “alta política”, tais como
problemas de segurança e de diplomacia; ao passo que as questões de Gênero estariam
diretamente relacionadas à “baixa política”, como o são as políticas públicas.
Nas Relações Internacionais, a questão do Gênero pode apresentar-se de duas
maneiras, denominadas, pelos acima citados autores, como “mulher como categoria” e
“gênero como epistemologia”: Michael Nicholson41 denomina “empírica” e “teórica”. A
primeira forma de apresentar a questão é a daqueles que elaboram a narrativa das Relações
Internacionais que reclama da omissão do relato dos papéis desempenhados pelas mulheres
no processo histórico. Assim, mesmo tendo cumprido papéis altamente relevantes em
processos de luta pela independência, em movimentos de libertação nacional, em guerras e
em outras conjunturas marcadas pela tensão e pela tomada de decisões nos planos social e
nacional, as mulheres são praticamente ignoradas pelos homens, quando chega o momento
de elabora r a história de tais processos. Na segunda forma de apresentar a questão do
Gênero, a crítica destaca o fato de as teorias das Relações Internacionais serem elaboradas a
partir de um ponto de vista exclusivamente masculino. Tomando o Realismo como a
principal teoria das Relações Internacionais, argumenta que a definição do Estado, como
ator central, bem como a luta pelo poder, representando a grande motivação e a guerra, a
40
LIGHT, Margot; HALLIDA Y, Fred. Gender and International Relations. In: GROOM, A . J. R.; LIGHT,
Margot (Eds.). Contemporary International Relations: A Guide of Theory. London: Pinter Publishers,
1994. p. 45-55.
41
NICHOLSON, Michael. International Relations: A Concise Introduction. London: MacMillan Press,
1998. p. 113.
26
6 O Liberal Internacionalismo
42
LOCKE, John. Dois Tratados Sobre o Governo (1690). São Paulo: Martins Fontes, 1998.
43
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis (1748). São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).
44
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações (1776). São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas).
45
KANT, Immanuel. A Paz Perpétua: u m pojeto filosófico (1795/1796). In: KANT, Immanuel. A Paz
Perpétua e Outros Opúsculos. Lisboa: Edições 70, 1988.
27
46
MOREIRA, Adriano; BUGALLO, Alejandro; ALBUQUERQUE, Celso (Coords.) Legado Político do
Ocidente : o homem e o Estado. Rio de Janeiro: DIFEL, 1978. p. 212-213.
28
47
CARR, Edward H. Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939. Brasília: UNB, 1981. p. 17.
48
Segue-se alguns importantes títulos como exemplos:
ZIMMERN, Alfred E. The League of Nations and the Rule of Law 1918-35. London: Macmillan, 1936.
SUTTNER, B. von. Lay Down Your Arms!. New YorK: Longmans, Green, 1914.
EAGLETON, C. International Government. New York: Ronald Press, 1932.
YORK, E. Leagues of Nations. New York:, Swarthmore University Press, 1919.
LAUTERPACHT, H. The Function of Law in International Community. New York : Oxford University
Press, 1933.
SCOTT J. B. The Proceedings of the Hague Peace Conference. New York:Oxford Universwity Press,
1920. L. F. L. Oppenheim. International Law. London: Longmans, Green, 1937.
BRIERLY, L. J. The Law of Nations. New York: Oxford University Press, 1928.
29
*****
Kegley Jr. e Wittkopf afirmam que as idéias e as ações diplomáticas liberal-idealistas da década de 1920
estavam baseadas nos seguintes pressupostos:
a) a natureza humana é essencialmente “boa” ou altruística e as pessoas são, portanto, capazes de se ajudar e
colaborar mutuamente;
b) a fundamental preocupação humana com o bem-estar dos outros torna o progresso possível (isto é, a fé
Iluminista na possibilidade de aperfeiçoamento da civilização foi reafirmado);
c) o mau comportamento do homem, tal como a violência, não é resultante de sua natureza defeituosa, mas,
sim, do mau funcionamento das instituições, que o leva a agir egoisticamente em detrimento dos demais;
d) a guerra não é inevitável e sua freqüência pode ser reduzida mediante a eliminação dos arranjos
institucionais que a estimulam;
e) a guerra é um problema internacional que requer esforços coletivos ou multilaterais, mais do que
nacionais, para controlá-la;
f) a sociedade internacional deve reorganizar-se a fim de eliminar as instituições que possibilitam as
guerras, e as nações devem reformar seus sistemas políticos de modo que a auto-determinação e o
governo democrático possam ajudar pacificar as relações entre os Estados.
(KEGLEY, Charles; W. WITTKOPF, Eugene R. World Politics : Trend and Transformation. New York: St.
Martin’s Press, 1997. p. 20).
30
A retomada das teses liberais, na esfera das Relações Internacionais, por outras
palavras, o Neoliberalismo nas Relações Internacionais, tem, como um de seus principais
aspectos, o redescobrimento da personalidade de Woodrow Wilson49 . Para muitos liberais,
Wilson foi um visionário. A rejeição de suas propostas e o colapso de algumas de suas
idéias levadas à prática não indicariam, para os liberais de hoje, falhas na concepção, mas
sim, inadequação do mundo ao seu projeto. De outra forma, pode-se dizer que o mundo não
estava preparado para as idéias de Wilson. As grandes mudanças, pelas quais ele passou
nos últimos anos, teriam, no entanto, feito com que as idéias propostas por Wilson (nos
anos vinte) voltassem a ter plena atualidade. Após as fracassadas experiências de vias
alternativas, o mundo se encontraria finalmente maduro para assimilar os postulados
liberais enunciados por Woodrow Wilson.
Algumas vezes denominado Realpolitik ou, então, Power Politics , o realismo nas
Relações Internacionais inscreve-se numa antiga tradição de pensamento. Costuma-se
lembrar a importância, para o desenvolvimento dessa escola de pensamento de
personalidades como o indiano Kautilya, 50 o chinês Sun Tzu, 51 o grego Tucídides,52 o
florentino Nicolau Maquiavel 53 e o prussiano Carl von Clausewitz. 54 Todos concordam,
contudo, que o filósofo inglês Thomas Hobbes 55 é quem estabelece u as diretrizes para a
análise Realista das relações internacionais contemporâneas. Hedley Bull, p. e., ao se referir
à corrente Realista, prefere a denominação Paradigma Hobbesiano, por considerá-la mais
ajustada aos princípios orientadores da análise realista.
Na concepção hobbesiana, os Estados vivem em estado de natureza, isto é, apesar
de conviverem e de se relacionarem, entre si, todo o tempo, nem por isso formam uma
sociedade de Estados. Vivem, na perspectiva de Hobbes, em estado de anarquia, pois, na
49
KEGLEY, Charles W., (Ed.). Controversies in International Relations Theory: Realism and the
Neoliberal Challenge. New York:, St. Martin’s Press, 1995.
50
BATH, Sergio. Arthashastra/Kautilya o Maquiavel da Índia. Brasília: UNB, 1994.
51
SUN TZU . A Arte da Guerra. Rio de Janeiro: Record, 2000.
52
TUCÍDIDES. História da Guerra do peloponeso. Brasília: UNB, 1982.
53
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.
54
CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
55
HOBBES, Thomas. Leaviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).
31
ausência de um poder soberano, com sua inerente capacidade de fazer com que todos
respeitem as leis por ele instituídas, cada Estado busca maximizar o poder de intimidar os
mais fracos e, simultaneamente, não ser intimidado pelos mais fortes. Conforme Hobbes,
essa é uma situação da qual os Estados não podem escapar, sendo usualmente definida,
pelos estudiosos, como o dilema da segurança. Isso porque, o homem, para livrar-se do
medo da morte violenta a que está sujeito, no estado de natureza, firma o pacto social e
entra em estado de sociedade, submetendo-se ao poder de Estado, ao Leviatã. Todavia, por
não ser factível um pacto que erga um poder soberano que submeta os Estados à sua lei, o
homem vive, permanentemente, sob a ameaça da guerra entre os Estados. Desse modo o
homem escapa da guerra de todos contra todos instituindo a sociedade. No entanto, não
consegue livrar-se da permanente possibilidade de haver guerra entre os Estados.
A partir desse núcleo de idéias de Thomas Hobbes, os Realistas contemporâneos
desenharam um mapa teórico, com os seguintes pontos determinantes da análise:
1) A leitura da história ensina que os homens são, por natureza, egoístas e
eticamente defeituosos, e não podem se libertar dessas deficiências;
2) De todas as maldades de que o homem é capaz, nenhuma é mais
inexorável ou perigosa do que sua instintiva luta pelo poder e seu desejo
de dominar os demais;
3) A possibilidade de erradicar a instintiva luta pelo poder é uma
aspiração utópica;
4) Sob tais condições, a política internacional é a luta pelo poder, ‘uma
guerra de todos contra todos’;
5) A obrigação básica de todo Estado – objetivo ao qual os outros
objetivos nacionais devem estar subordinados – é promover o ‘interesse
nacional’, definido como aquisição de poder;
6) A natureza do sistema internacional determina que os Estados persigam
a capacitação militar para deter o ataque dos inimigos potenciais;
7) A economia é menos relevante do que o poder militar para a segurança
nacional; a economia é importante como meio de obter poder e prestígio;
8) Os aliados devem aumentar a capacidade de defesa do Estado, mas sua
lealdade e confiabilidade não devem ser anunciadas;
9) Os Estados nunca devem confiar sua proteção a organizações
internacionais ou ao direito internacional e devem resistir aos esforços
para regular a conduta internacional;
32
56
KEGLEY, Charles W.; WITTKOPF, Eugene R. World Politics : Trend and Transformation. New York:
St. Martin’s Press, 1997. p. 23 -24.
57
THOMPSON, Kenneth W. Masters of International Thought: Major Twentieth-Century Theorists and
the World Crisis . Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1990. p. 31.
58
NIEBUHR,Reinhold. Moral Man and Immoral Society. New York: Charles Scribner’s Sons, 1960.
59
Profunda e erudita discussão sobre a atualidade do pensamento de Kant no âmbito das Relações
Internacionais encontra -se em: ROHDEN, Valério (Coord.). Kant e a instituição da paz. Porto Alegre:
UFRGS, Goethe-Institut/ICBA, 1997.
33
liberais terem fracassado nas Relações Internacionais justamente por não terem levado em
consideração a fundamental dimensão da luta pelo poder.
O desfecho da Segunda Guerra Mundial, evidentemente, corroborou a tese Realista
de Edward Carr. Encerradas as hostilidades no campo de batalha, verificou-se que o
sistema internacional havia sofrido profunda transformação. O sistema de estrutura
multipolar estabelecido pelo Congresso de Viena (que a Paz de Versalhes havia tentado
recuperar, após o impacto da Primeira Guerra Mundial), havia sido substituído por um
sistema bipolar, cujos pólos eram os Estados Unidos e a União Soviética. Devido à guerra
iniciada pelos próprios europeus, a Europa achava -se prostrada, dividida e ocupada, física e
economicamente, pelas duas grandes potências vencedoras. A luta pelo poder levara os
Estados europeus a uma situação de crise e à guerra, determinando radical transformação
no mundo.
No que diz respeito à percepção da evolução do sistema internacional, a situação,
nos Estados Unidos, também mudara significativamente. Até o início da Segunda Guerra,
prevaleceu o consenso isolacionista. Isto é, a política externa norte-americana fora
orientada pelos princípios legados pelos “Pais Fundadores da República”, segundo os quais,
os Estados Unidos não deviam se envolver com os assuntos políticos europeus, tampouco
fazer alianças com os países do velho continente. Esse foi o consenso que derrotou a
proposta universalista de Woodrow Wilson, recusando inclusive , a participação do país na
Sociedade das Nações.
A guerra comercial ocorrida no início dos anos trinta; a subseqüente radicalização
do quadro político internacional; e, enfim, a guerra propriamente dita produziram a
formação do novo consenso universalista. Por outras palavras, a perspectiva Liberal das
relações internacionais foi substituída pela perspectiva Realista. Conforme o novo
consenso, a política internacional dos Estados Unidos devia ser de molde a defender os
interesses norte-americanos onde quer que eles estivessem. Na prática, isso representou o
total envolvimento com os problemas do mundo, desde as questões internacionais mais
gerais até aos problemas nacionais dos demais Estados que compõem o sistema
internacional.
No mesmo contexto, foi reformulado o conceito de segurança nacional. Uma vez
eliminado o inimigo nazista, passava-se a combater o comunismo soviético. Por achar que
34
60
SPYKMAN, Nicholas J. America’s Strategy in World Politics. New York: Harcourt, Brace, 1942.
61
WOLFERS Arnold. Alliance Policy in the Cold War. Baltimore : John Hopkins University Press, 1959.
62
HERZ, John H. Political Realism and Political Idealism: A Study in Theories and Realities. Chicago:
University of Chicago Press, 1951.
______. The Nation -State and the Crisis of World Politics : Essays on International Politics in the 20th
Century. New York: David McKay, 1976.
63
DEUTSCH, Karl Wolfgang. Análise das Relações Internacionais. Brasília : UNB, 1978.
64
HOFFMANN, Stanley. Gulliver’s Troubles: Or, the Setting of American Foreign Policy. New York:
McGraw-Hill, 1968.
______. Janus and Minerva: Essays in the Theory and Practice of International Relations. Colorado:
Westview Press, 1987.
______. World Disorders. Oxford: Rowman Littlefield, 1998.
65
LISKA, George. Nações em Aliança. Rio de Janeiro:, Zahar Ed., 1965.
______. Alliances and the Third World. Baltimore : John Hopkisn University Press, 1968.
______. The Ways of Power: Patterns and Meanings in World Politics. Oxford: Basil Blackwell, 1990.
66
KISSINGER, Henry. Nuclear Weapons and Foreign Policy. New York: Harper, 1957.
______. A World Restored: Metternich, Castlereagh and the Problems of Peace 1812-1822. London:
Weidenfeld & Nicolson, 1957.
______. Diplomacia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1999.
67
MORGENTHAU, Hans. Politics Among Nations : The Sttrugle for Power and Peace. New York: Alfred
Knopf, 1948 .
______. Scientific Man vs. Power Politics. Chicago: University of Chicago Press, 1946.
______. Defense of the Nationsl Interest. New York: Alfred Knopf, 1951.
______. Principles and Problems of International Politics. New York: Alfred Knopf, 1951.
______ . Dilemmas of Politics. Chicago: University of Chicago Press, 1958.
______ . The Purpose of American Politics . New York: Alfred Knopf, 1960.
35
1) O Realismo acredita na objetividade das leis da política, que são determinadas pela
natureza humana, que, por sua vez, não sofre as variações de tempo e de lugar. Em
qualquer tempo e lugar, o comportamento político é sempre orientado pela busca da
realização dos interesses;
2) O “interesse definido em termos de poder” constitui o conceito fundamental da política
internacional. Esse conceito distingue a política da economia, da ética, da estética e da
religião, além de permitir a análise racional do comportamento político dos governantes;
3) Os interesses variam segundo o tempo e o lugar. Eles exprimem o contexto político e
cultural a partir do qual são formulados. A transformação do mundo resulta da manipulação
política dos interesses;
4) A política internacional possui suas próprias leis morais, que não se confundem com
aquelas que regem o comportamento do cidadão. A ética política do governante não deve
ser avaliada conforme as leis abstratas universais, mas sim, a partir das responsabilidades
que o governante tem para com o povo que representa;
5) O Realismo recusa a idéia de que uma determinada nação possa revestir suas próprias
aspirações e ações com fins morais e universais. A idéia messiânica que “Deus está
conosco” é perigosa por conduzir às guerras. A paz só pode existir como resultado da
negociação dos diferentes interesses dos Estados;
6) A grande virtude do Realismo está no reconhecimento de que a esfera política é
independente das demais esferas que compõem a vida do homem em sociedade. Ao abordar
a política, nos seus próprios termos, o Realismo cria as condições para o correto
entendimento da política.
Fora dos Estados Unidos, o Realismo, nas Relações Internacionais, foi enriquecido,
a partir de 1962, com a obra de Raymond Aron (1905 – 1983), Paz e Guerra entre as
Nações.68 No texto intitulado Que é uma Teoria das Relações Internacionais?,69 publicado,
70
Ibid., p. 321.
71
ARON, Raymond. Pensar a Guerra, Clausewitz.Brasília: UNB, 1986.
72
______. Les dernières années du siècle. Paris : Julliar, 1984. p. 25.
73
GILPIN, Robert War and Change in World Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.
______. The Political Economy of International Relations. Princeton: Princeton University Press, 1987.
37
Coube, porém, a Kenneth Waltz, que já se havia projetado com a publicação de Man, the
State and War 76 (1959), a condição de líder do Neorealismo, por ter publicado a obra que
serviu de manifesto dessa corrente teórica: Theory of International Politics. 77
O trabalho de revisão do Realismo ao qual se lançou Kenneth Waltz, tem, por
objetivo, conferir, à teoria, caráter mais positivo e menos normativo. Comparando sua
proposta Realista com a teoria desenvolvida por Morgenthau, sobressai sua preocupação
em garantir estatuto científico à análise do sistema político internacional, ao contrário de
Morgenthau, que tentou fundamentar sua teoria no caráter imutável da natureza humana. E
é nos modelos de análise econômica de comportamento dos atores no mercado que Waltz
buscou inspiração para dar lastro científico ao Realismo nas Relações Internacionais.
O núcleo central da teoria Realista de Waltz é a estrutura do sistema internacional.
Para esse autor, essa estrutura é formada por unidades autônomas (os Estados) e iguais, o
que implica
Em outras palavras, se todos os Estados são iguais, tendo em vista as abstrações realizadas,
o que conta, para a análise da política internacional, é a desigual distribuição de poder entre
essas unidades do sistema internacional.
A teoria de Waltz é, também, conhecida como Realismo Estrutural, porque em sua
concepção, o sistema possui uma dinâmica própria. Diferentemente de Morgenthau (para
quem o Estado age com vistas a, sempre, aumentar seu poder), Waltz sustenta que o
objetivo do Estado consiste tão-somente em sobreviver, razão pela qual procura maximizar
sua segurança. Numa estrutura descentralizada de comportamento anárquico da parte das
74
KRASNER, Stephen. Structural Conflict: The Third World Against Global Liberalism. Berkeley:
University of California Press, 1996.
75
STRANGE, Susan. Casino Capitalism. Oxford : Oxford University Press, 1986.
______.The Retreat of the State : the diffusion of power in the world economy . Cambridge: Cambridge
University Press, 1996.
76
WALTZ, Kenneth. Man, the State and War : A Theoretical Analysis. New York: Columbia University
Press, 1959.
77
WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. New York: McGraw-Hill, 1979.
78
Ibidem.
38
unidades, a dinâmica do sistema depende, portanto, do número e das ações levadas a efeito
pelas grandes potênc ias. São elas, pois, que determinam a maior ou menor estabilidade do
sistema. Waltz defende que o sistema bipolar, por reunir menor número de grandes
potências, é bem mais estável do que o sistema multipolar, no qual existe um maior número
de potências. Concluindo, pode-se afirmar que no enfoque proposto por Kenneth Waltz o
fio condutor da análise das relações internacionais é a gangorra da ascensão e queda das
grandes potências.
8 Conclusão