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Construção de relações internacionais como ciência autônoma e breve análise sobre os conceitos de
Estado e poder, bem como de alguns princípios básicos de segurança internacional.
PROPÓSITO
Estudar a constituição e o desenvolvimento das relações internacionais como ciência, conceituando as
questões de política internacional e as relações entre os Estados.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
MÓDULO 3
MÓDULO 1
O CAMPO CIENTÍFICO
Para compreendermos a constituição da área de relações internacionais como ciência autônoma e
distinta das outras ciências sociais e humanas, consideramos oportuno fazer uso das contribuições do
sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002).
PIERRE BOURDIEU
Foi um sociólogo francês que desenvolveu relevantes contribuições para o pensamento sociológico no
século XX. Suas obras colaboraram para a consolidação da chamada teoria crítica, usada para
investigar as relações de poder e as práticas de dominação de um espaço social, que pode ser, por
exemplo, jornalístico, literário, econômico, cultural, educacional, científico, entre muitos outros, no qual é
demarcada a posição social dos agentes e onde eles também se revelam.
Ao refletir como se estabelece a atividade científica e por que algumas ideias predominam em
detrimento de outras, Bourdieu (1983) destacava que um campo científico é um espaço que envolve
uma luta concorrencial entre pesquisadores, pensadores e intelectuais em uma disputa sobre o
monopólio da autoridade científica. Esse status de autoridade científica pode ser traduzido em
capacidade técnica e poder social, garantindo ao pesquisador ou cientista a capacidade de falar e de
agir legitimamente sobre determinado tema, sendo denominado de capital científico.
Pierre Bourdieu | Fonte: Wikimedia.org
Para Bourdieu, o campo científico deve ser compreendido para além da leitura dos textos, que deve
considerar relação e conexão com a realidade social e econômica dos agentes e das instituições
que produzem e reproduzem o conhecimento científico.
Nessa linha desenvolvida por Bourdieu, os julgamentos sobre a capacidade científica de um estudante
ou de um pesquisador estão sempre contaminados pela posição que ele ocupa nas hierarquias
instituídas das grandes escolas, dos departamentos ou das universidades. As práticas científicas
nunca podem ser entendidas como práticas desinteressadas ou neutras, já que produzem e
supõem uma forma determinada de interesse.
(BOURDIEU,1983)
A estrutura das relações objetivas entres os agentes determina o que eles podem ou não fazer em um
campo científico. Como as práticas estão orientadas para a aquisição de autoridade científica de certo
campo, os agentes dominantes serão aqueles que conseguirem impor uma definição aceita pelos seus
pares ou por um grupo de cientistas. Assim, para Bourdieu: a autoridade científica é uma espécie
particular de capital que pode ser acumulado, transmitido e, em certas condições, reconvertido em
outras espécies de capital ou prestígio social.
Fonte: Jirsak/Shutterstock
SAIBA MAIS
De acordo com Robert Cox, uma teoria é feita por alguém para o benefício de alguém.
ROBERT COX
Robert W. Cox nasceu no Canadá, em 1926. Trabalhou na Organização Internacional do Trabalho (OIT)
por mais de 20 anos. Lecionou na Columbia University, em Nova York, antes de assumir um cargo de
professor na Universidade de York, em Toronto, entre 1977 e 1992. Ele foi feito membro da Ordem do
Canadá em 2014. Junto com Susan Strange, Cox é considerado uma das principais figuras da
Economia Política Internacional (IPE), com importante teoria crítica em Relações Internacionais (IR).
Seu trabalho é marcado por uma abordagem historicista única da ordem mundial e da economia política.
Seu modo histórico de pensamento sempre permaneceu heterodoxo e independente de qualquer escola
ou tradição específica.
RESPONDER
O ponto fundamental é entender que a ciência é fruto dos interesses sociais, ou seja, são as dinâmicas do
mundo que impulsionam a ciência. Então, em um quadro de formulação, precisamos perceber a necessidade
de uma investigação, de um entendimento que somente a experiência não resolve.
Foi um historiador e general ateniense que escreveu sobre a história da Guerra do Peloponeso, uma
sucessão de conflitos desencadeados na antiga Hélade, durante o período da hegemonia militar de
Atenas sobre as outras cidades-Estado gregas. Contratado pelo comandante ateniense, Tucídides
reforçou os conceitos de Estado, identidade e governo, com as negociações pertinentes, e ficou
associado às relações internacionais.
Inventor, historiador e músico, Maquiavel é considerado fundador da ciência política por causa de seus
escritos em O Príncipe, que teriam fortalecido a noção de Estado. Sem a consecução de Estado
Moderno, as relações internacionais seriam impossíveis.
Reconhecido como o filósofo iluminista da ciência política em suas teses sobre contrato social e
fundamentações das relações entre reinos, países e o papel do Estado. A noção de função, organização
e dinâmica do Estado estão na essência do futuro debate de relações internacionais.
Termos como Estado, Nação, Governo, que você conhece pelas ciências políticas e sociais, foram
tentativas de organização de um campo científico que analisava sistemas humanos. Os conceitos foram
criados ao mesmo tempo em que se materializavam os cotidianos sociais. República é uma ideia, mas
ao mesmo tempo um sistema político reconhecido nos séculos XIX e XX, bem como democracia,
eleições, governo e nação.
A ideia contemporânea de país gera uma identificação de fronteiras e identidade que associa as noções
de Estado e Nação como uma força intrínseca a cada região. Dessa forma, recuperamos um longo
histórico de trocas entre os Estados, para concluir que é o seu amadurecimento e o contexto do século
XX que inauguram a ideia de Nação.
A partir de conflitos, embaixadas e embaixadores, discussões sobre soberania, fronteira, direito foi
fundamentada a trilha da nova dinâmica mundial, que necessitava de uma estrutura fundamental, um
debate acadêmico e estruturado: surgem as ciências das relações internacionais.
Fonte: Oleksiy Mark/Shutterstock
A ACADEMIA E AS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
O primeiro departamento de relações internacionais foi criado na universidade escocesa de Aberystwyth,
em 1917. A disciplina surgiu no Reino Unido, imediatamente após a Primeira Guerra Mundial. O
desenvolvimento e o estabelecimento da ciência ocorreram nos Estados Unidos, após a Segunda
Guerra Mundial (NOGUEIRA; MESSARI, 2005).
Antes desse período, os assuntos internacionais eram exclusividade de uma elite profissional de
diplomatas e militares que, de algum modo, estavam envolvidos com as questões de política externa dos
Estados. Foi após os desdobramentos catastróficos da Primeira Guerra Mundial que um grupo de
pesquisadores passou a estudar de maneira sistemática os fenômenos da política internacional.
Segundo o historiador Eric Hobsbawm, antes de 1914 fazia um século que não havia uma grande guerra
envolvendo todas as grandes potências europeias. Os especialistas e historiadores nos assuntos
militares costumavam utilizar as guerras do século XIX como parâmetro para analisar e esboçar a
possibilidade de novos conflitos.
Fonte: Ensine.me
Nesse período, a duração de uma guerra era medida em meses, ou até mesmo em semanas, e as
principais vítimas das intervenções militares das grandes potências eram escolhidas no mundo fraco,
ou seja, nas colônias, nos países periféricos; raramente um país europeu era escolhido como alvo ou
adversário.
Entretanto, o que parecia improvável aconteceu: a Primeira Guerra Mundial impactou a vida de
praticamente todas as pessoas do mundo. Quem não estava lutando diretamente nas trincheiras,
produzia alguma coisa nos campos, nas plantações ou nos galpões de indústrias (materiais e
suprimentos) para abastecer a máquina de guerra dos países.
A humanidade estava diante de um novo paradigma. Para Hobsbawm, além dos efeitos traumáticos e
profundos na vida política dos Estados, a Primeira Guerra Mundial fez desmoronar o edifício de ideias,
princípios, valores e instituições que davam sustentação à civilização. Nessa linha, o psicanalista
Sigmund Freud (1856-1939) também registrou de maneira precisa o espírito de aflição e
desencantamento com o que acontecia:
(FREUD, 2009)
Batalha de Verdun: soldados franceses rastejando por suas próprias armadilhas de arame farpado
no início de um ataque às trincheiras inimigas.
Abril-Junho, 1916. | Fonte: Everett Collection/Shutterstock
A guerra deixou cicatrizes profundas tanto nos países derrotados quanto nos vencedores. Diante da
decepção, aqueles que alertavam para os efeitos nefastos da lógica belicista passaram a ter papel de
destaque nos debates e na disputa de ideias. À medida que o conflito se desenrolava e as notícias
chegavam do front de batalha pelo rádio, abalava-se cada vez mais o ânimo das populações, dos
políticos, dos pensadores, e os intelectuais críticos à guerra e engajados com a paz aproveitavam a
conjuntura para colocar as suas convicções para circular, tentando influenciar a opinião pública e,
consequentemente, os rumos da política internacional.
Segundo os pesquisadores, a ideia de que as divergências políticas pudessem ser resolvidas pela via
militar não cabia mais na nova realidade internacional. Norman Angell, por exemplo, entendia que uma
crença errônea fazia parte do imaginário dos governantes da época, e era uma grande ilusão acreditar
que uma guerra poderia proporcionar vantagens materiais a quem a empreendia:
NORMAN ANGELL
Ralph Norman Angell Lane (1872-1967) foi escritor e político britânico. Atuou no parlamento inglês entre
1929-1931 como membro do Partido Trabalhista Inglês, ao qual era filiado desde 1920. Também atuou
no conselho do Real Instituto de Assuntos Internacionais e foi membro executivo no Comitê Mundial
contra a Guerra e o Fascismo, membro do Comitê Executivo da Sociedade de Nações e sendo seu
presidente. Já em 1933 foi condecorado com o prêmio Nobel da Paz. Sua obra mais conhecida é The
Great Illusion escrita em 1910.
(ANGELL, 2002)
Ideias como as de Angell estavam em evidência no período após a Primeira Guerra Mundial. Iniciativas
como a tentativa de criar a Liga das Nações, o fim da diplomacia secreta, o desenvolvimento do
comércio internacional e do intercâmbio entre os Estados eram algumas medidas que se destacavam na
pauta de discussões políticas. A ideia era estimular a criação de vínculos que, se rompidos, trariam
consequências ruins para todas as partes.
Considerada o embrião da ONU, uma tentativa de mesa comum para as negociações políticas
internacionais.
Fonte: Lightspring/Shutterstock
O argumento usado era que a probabilidade de guerra entre os países cairia na medida em que
aumentassem as trocas e os laços entre eles. Um dos chavões da época era a máxima “mais
comércio, menos guerras”.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
As ciências humanas ou humanidades referem-se àquelas áreas do conhecimento que têm o ser
humano como seu objeto central de estudo. Elas contemplam todas as áreas que estudam o homem
como ser social e suas várias formas de organização social e política.
Antes do desenvolvimento da academia moderna (final do século XIX e início do século XX), os
pensadores e intelectuais concebiam as questões humanas, sociais, políticas e filosóficas dentro um
sistema total, ou seja, as coisas deveriam ser aprendidas e compreendidas dentro da sua totalidade.
Não havia uma separação do conhecimento por áreas ou disciplinas.
Fonte: Chinnapong/Shutterstock
SAIBA MAIS
Diversas disciplinas, como Sociologia, Economia, Antropologia, Ciência Política, entre outras, são
produtos desse momento histórico, sobretudo nas universidades europeias e norte-americanas.
Com a origem do primeiro departamento de relações internacionais, em 1917, o período entre o fim do
século XIX e o início do século XX foi marcado pelo estabelecimento de inúmeras associações
disciplinares profissionais na Europa e nos Estados Unidos.
As relações internacionais têm datas diversas de nascimento. Alguns autores situam seu início nos
acordos da chamada Paz de Vestefália, já que se passa a falar efetivamente em Estado/Nação e suas
características.
O conjunto dessas práticas, no entanto, não conceitua as relações internacionais como um campo de
saber que reflete sobre o seu ofício. Para existir uma ciência das relações internacionais, é necessário
que haja uma organização intelectual do campo científico. É um novo campo de ciência, com
especificidades em uma burocracia acadêmica estruturalista e com elementos singulares.
Antes do desenvolvimento da academia moderna (final do século XIX e início do século XX), os
pensadores e intelectuais concebiam as questões humanas, sociais, políticas e filosóficas dentro de um
sistema total, ou seja, as coisas deveriam ser aprendidas e compreendidas dentro da sua totalidade.
Não havia ainda uma separação do conhecimento por áreas ou disciplinas.
PAZ DE VESTEFÁLIA
A diplomacia, exercida por homens hábeis em negociação, era marcada por uma série de
recomendações e manuais de comportamento.
As tradições de guerras entre os reinos se mantinham desde o fim da Idade Média. Se a luta entre
senhores era uma tônica, a unificação monárquica vivida nos séculos XV e XVI criou grandes conflitos
entre os Estados/reinos, que permaneceram vivos e marcantes até a Revolução Francesa. Nesse
momento, ocorreu um processo um pouco diverso, com um conjunto de acordos finalizando os conflitos
– a Paz de Vestefália.
TOTALIDADE
O filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831) é considerado como o ápice do pensamento totalizante e
absoluto da filosofia moderna. Segundo Habermas, o sistema de pensamento hegeliano representa a
filosofia da modernidade por excelência.
VERIFICAR
Essa pergunta motivou e ainda motiva acalorados debates teóricos e pedagógicos em muitos centros de
pesquisa.
Esse processo consolidou as divisões de saberes dentro da incipiente academia moderna. No período
entre o fim do século XIX e o início do século XX, aspectos voltados para a especificidade, junto com o
alto grau de especialização, foram contemplados como modelos na busca pelo conhecimento. Com o
desenvolvimento da área de relações internacionais, novos desafios e temas demandaram a criação de
outras disciplinas no interior de seu próprio recorte metodológico e científico. O aumento da
complexidade da esfera internacional aumentou, em igual proporção, a necessidade de novas
disciplinas para compreender e explicar tais fenômenos.
A urgência foi um aspecto fundamental. Se no século XIX, a ciência se consolidou com seus termos
técnicos, com sua epistemologia, pegando elementos de investigação e filosofia, transformando seu
acesso em algo difícil a não iniciados e com os gabinetes lotados de grandes debates, as ciências das
relações internacionais não tinham esse tempo. No século XX, seus debates viram o mundo ser
consumido em guerras. Havia a ideia de que grupos intelectuais precisavam estudar os fenômenos e
achar as soluções.
Enquanto campos de saber desenvolvem suas pesquisas acerca de problemas em curso, com práticas,
tradições e buscam solucionar seus problemas intelectuais, as relações internacionais se manifestam no
campo coletivo e a pesquisa pode significar muito para realidade mundial.
Banquete da Guarda Civil de Amsterdã em celebração da Paz, de Münster Bartholomeus van der
Helst (1648)
A prática antiga das relações internacionais não estava dando certo e era necessário encontrar novas
soluções. Considerada irmã de história e sociologia que, no início do século XX, já tinham quadros
consolidados, os pesquisadores de relações internacionais enfrentavam uma corrida para evitar
equívocos, crises e processos que marcaram o mundo e resultaram em milhões de mortos.
MONODISCIPLINARIDADE VERSUS
INTERDISCIPLINARIDADE
O que está em jogo é o grau de influência de outras áreas do conhecimento nas relações internacionais.
Até que ponto as RI devem possuir apenas disciplinas próprias? Um curso de RI poderia ser estruturado
apenas com o uso de disciplinas correntes de outros cursos, como, por exemplo, Economia, Direito,
Administração, Sociologia, Antropologia e Filosofia?
Uma forma encontrada para tentar equacionar essas questões foi definir uma estrutura básica curricular
que contemplasse disciplinas específicas e disciplinas auxiliares:
Disciplinas específicas
Disciplinas auxiliares
Podem variar de acordo com o perfil da instituição de ensino que oferece o curso. Por exemplo, pode-se
privilegiar disciplinas voltadas para o direito, para a economia e negociações internacionais, comércio
exterior, entre outros.
Essa pluralidade vem se consolidando como um dos aspectos centrais das relações internacionais. O
elevado grau de flexibilidade e abrangência da área permite o desenvolvimento de um perfil crítico,
propositivo e analítico, que consegue ir do específico ao holístico, do particular para o geral.
Esse tipo de formação ampla permite ao aluno potencializar a capacidade de ações de liderança e de
pensamento estratégico, pensando como sujeito e cidadão tanto na esfera local quanto global, na sua
comunidade e no mundo.
Visa a coletar fatos e números, organizando-os estatisticamente para mensurar e tirar conclusões gerais
da amostra.
Pesquisa qualitativa
Descreve e aprofunda o estudo de um tema, obtendo informações, opiniões, motivações para oferecer
uma explicação mais detalhada do objeto de estudo
O estudo de relações internacionais no Brasil é tradicional e importante, mas sua ciência ainda é pouco
desenvolvida no país, apesar de existir uma disciplina dedicada a esse estudo há quase um século na
Inglaterra e há pouco menos do que isso nos Estados Unidos.
Isso, no entanto, não deve ser uma crise em que as questões internacionais necessitem ser isoladas de
problemas jurídicos e sociais, como se eles restringissem seu olhar ao ambiente doméstico e as
relações internacionais fossem as únicas a lidar com o mundo complexo dessas relações.
Fonte: Photocarioca/Shutterstock
ATENÇÃO
Relações internacionais não são um campo de estudo isolado; dialogam com direito, comércio,
problemas e autonomia nacional. É necessária uma teoria que dê conta dessa especificidade e uma
disciplina acadêmica que congregue os estudos e reúna os pesquisadores dedicados às relações
internacionais, sem romper com o aprendizado e as trocas de diversos campos e pesquisas.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
Dois pontos são considerados essenciais quando se estuda política internacional: o Estado e o poder.
Assim, faremos uso da estatologia e da cratologia, por entendermos que essas duas categorias trazem
elementos importantes e auxiliam os estudos das relações internacionais como ciência. Outros atores e
dinâmicas também são relevantes, porém analisar o Estado e o poder merece uma atenção especial
neste módulo.
Estátua de São Pedro, símbolo ideológico do poder do Papa e do Estado do Vaticano, portando a
chave do Reino dos Céus, Cidade do Vaticano. | Fonte: Pyty/Shutterstock
ESTADO
O Estado nacional é o ente principal e norteador em termos de estática e dinâmica das relações
internacionais e, por isso, é um elemento central do sistema internacional. Uma das definições mais
precisas e conhecidas nos estudos sobre o Estado é a do sociólogo alemão Max Weber, que afirma que
todos os Estados se fundam na força e têm, na capacidade de fazer uso da violência, o seu meio
específico.
(WEBER, 2006)
JURÍDICA
SOCIOLÓGICA
ECONÔMICA
HISTORIOGRÁFICA
Entretanto, para o nosso objetivo, consideramos oportuno pensar o Estado moderno como produto de
um demorado amadurecimento das instituições de controle social e dominação que se transformaram,
ao longo do tempo, em entidades capazes de estabelecer um tipo de ordem social.
Uma série de instituições surgiram para dar materialidade à capacidade de dominação do Estado
moderno, sendo que, através delas, é possível cumprir o seu papel fundamental na manutenção de um
sistema social e econômico de dominação.
Umas das marcas desse processo é a ampliação dos antagonismos/diferenças de classe, levando ao
aumento das lutas e das tensões sociais. Assim, o Estado é formado como resultado dessas lutas e
desenvolve mecanismos para mediar os conflitos e administrar a sociedade civil.
Esse processo de centralização do poder do Estado, do ponto de vista interno, é acompanhado pelo
reconhecimento externo de outros Estados soberanos. Um marco desse processo é a Paz de Vestefália
(1648), que estabeleceu os princípios básicos do Estado moderno e do direito internacional.
Conceitos como a igualdade jurídica entre os estados soberanos, territorialidade delimitada e
reconhecida, população permanente, poder soberano no âmbito interno e externo e a não intervenção
em assuntos domésticos ganharam uma definição mais precisa após esse tratado. Por isso, a Paz de
Vestefália pode ser considerada uma referência fundamental para o estudo das relações internacionais,
da diplomacia moderna e do sistema internacional de Estados.
O princípio de não interferência em assuntos internos foi fundamental, e uma pré-condição, para se criar
a estabilidade e a ordem internacional.
Assim, a entidade política estatal ganhou uma forma jurídica. A reflexão em torno da questão é ampla,
e não é o nosso objetivo esgotar todas as possibilidades de teorias, análises e interpretações.
Entretanto, um ponto relevante para termos em mente é pensar o Estado com a materialização
política da organização da sociedade.
ATENÇÃO
Percebe-se que não exploramos aqui algumas questões sobre as formas de governo, que são as mais
variadas, mas sim aquele elemento constitutivo do Estado, que é a capacidade de exercer a coerção e
fazer a mediação dos conflitos na sociedade.
PODER
Além do Estado, um dos conceitos mais mencionados e discutidos dentro das relações internacionais e
da ciência política é o conceito de poder. Como usamos a definição de Max Weber, de que o Estado é
uma entidade que reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física, tendo nas relações de
dominação o seu fundamento específico, neste tópico, pretendemos avançar um pouco mais no uso dos
termos poder, força e dominação.
Fonte: arindambanerjee/Shutterstock
O Estado consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, logo, tal entidade só
pode existir sob a condição de que os homens dominados se submetam à autoridade
continuamente reivindicada pelos dominadores.
COMENTÁRIO
Em outras palavras, poder, força e dominação são fenômenos típicos das relações sociais, estando
sempre presentes em qualquer sistema político, nacional ou internacional. Sendo assim, a cratologia
surge como a ciência que estuda o poder, suas formas, expressões e manifestações, como ação
consciente do ser humano.
Muitos autores já transitaram por essas vias de discutir as questões referentes ao poder. Hannah
Arendt (1994), por exemplo, entende que o poder é inerente a qualquer comunidade política e resulta
da capacidade humana para agir em conjunto, o que requer o consenso de muitos quanto a curso
comum de ação. Arendt faz questão de se distinguir dos pensadores que entendem a violência como
manifestação máxima do poder. Segundo ela, poder e violência são conceitos opostos, sendo que é a
desintegração do poder que enseja a violência.
No desenvolvimento do seu pensamento, Arendt nos oferece algumas conceituações que nos auxiliam
nos estudos:
Força
Autoridade
Reconhecimento inquestionado, que não requer coerção nem persuasão, e que não é destruído pela
violência, mas sim pelo desprezo.
Trazendo essa discussão sobre o poder e a sua manifestação nas relações internacionais, Rochman
(1999) oferece uma contribuição relevante ao analisar como o conceito de poder é tratado por autores
centrais da área.
Rochman (1999) inicia a discussão trazendo Thomas Hobbes para o debate, no qual identifica três
elementos básicos de poder: o militar, o econômico e o ideológico/psicossocial. A divisão de poder em
Hobbes poderia ser feita em duas partes:
Poder temporal
Ramifica-se em imperium (poder militar, ligado à segurança) e dominium (poder econômico, que provê
os recursos de sustentação às políticas).
Poder espiritual
É o poder ideológico, que estabelece e consolida a coesão e a disciplina sociais, fornecendo apoio às
ações governamentais internas e externas.
Conforme Rochman destaca, a limitação de poder em Hobbes coloca em risco a paz e a segurança do
Estado, já que o controle e as possibilidades de manipulação de recursos ficam restritas. Deve-se,
então, maximizar o poder, de forma a garantir maior autonomia ao soberano no exercício da política.
Rochman (1999) destaca que, assim como Hobbes, Edward Carr também entende o poder como sendo
um todo inseparável, mas pode ser segmentado em poder militar, poder econômico e poder sobre a
opinião.
RESUMINDO
Para as relações internacionais, o poder militar possui uma importância destacada em relação aos
demais. Para Rochman, o poder militar, no pensamento de Carr, é fundamental não só para atingir
objetivos bélicos ou de guerra, mas também para construir um status de potência mundialmente
relevante. Nessa linha, o poder econômico era visto como uma ferramenta do poder militar, ou seja, as
questões relacionadas a mercados, empréstimos, ajudas financeiras, entre outras, devem estar
subordinadas à lógica de uma estratégia de ampliação do poderio militar.
Morgenthau (2003) afirma que a política entre as nações gira em torno de três princípios básicos:
Isso significa que o poder de um Estado possui elementos concretos e que podem ser mensuráveis.
A geografia, a extensão territorial, o tamanho da população, os recursos naturais, a capacidade industrial
são alguns elementos de poder essenciais para a sustentação e segurança de uma nação.
Além desses elementos concretos, o poder também conta com elementos intangíveis, relacionados a
padrões culturais de uma população. O caráter nacional, a moral nacional, a qualidade do governo e
da diplomacia, são características que, se combinadas, podem oferecer instrumentos para a projeção de
poder internacional de um país.
Aron (2002) afirma que o soldado e o diplomata são personagens centrais dos Estados. Segundo ele, a
diferença das relações internacionais para as outras áreas das ciências sociais é que o objeto de estudo
de RI está sempre no limite entre a paz e a guerra.
Por não existir uma instância que detenha o monopólio da violência no plano internacional, o meio
internacional aproxima-se do modelo hobbesiano de estado de natureza, ou seja, a arena internacional
pode ser definida como um sistema anárquico, sem uma autoridade definida, em que o estado de
guerra deve ser considerado sempre como uma possibilidade real no cálculo político dos Estados.
RESUMINDO
Aron (2002) sintetiza poder: no campo das relações internacionais, poder é a capacidade que tem uma
unidade política de impor sua vontade aos demais. Em poucas palavras, poder político não é um valor
absoluto, mas uma relação entre os homens.
Na sua gênese, os estudos de segurança internacional surgiram dos debates sobre como proteger o
Estado contra ameaças externas e internas, logo após a Segunda Guerra Mundial. Antes desse
período, tais questões eram tratadas em áreas como estudos da guerra, geopolítica, história militar e
estudos estratégicos. Autores célebres como Carl von Clausewitz (imagem) trouxeram reflexões
relevantes para se pensar o fenômeno da guerra na política.
Carl von Clausewitz (1780-1831) foi um militar do Reino da Prússia que ocupou o posto de general e é
considerado um grande estrategista militar e teórico da guerra por sua obra Da Guerra.
SAIBA MAIS
É de Clausewitz a célebre expressão de que a guerra é a continuação da política por outros meios.
Para Buzan e Hansen (2012), depois da Segunda Guerra Mundial, a literatura de segurança
internacional passou a se estruturar em torno de quatro questões, que representam o cerne da
segurança internacional:
A principal característica de um sistema é a forma como está distribuído o poder. Muitos analistas de
relações internacionais pensam o sistema internacional em polos de poder.
Exemplo: Sistema bipolar, dois polos de poder; sistema unipolar, um único polo de poder; sistema
multipolar, vários polos de poder.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, duas grandes potências ideologicamente opostas passaram a
monopolizar o poder global, e praticamente todas as decisões relevantes sobre política internacional
tinham, necessariamente, que passar por esses dois países. Estados Unidos e União Soviética
rivalizavam para ver quem conseguia mais poder e influência sobre os demais países do mundo.
Com essa disputa, dois grandes blocos, o bloco ocidental capitalista e o bloco oriental socialista, foram
formados. Apesar de não ter ocorrido uma guerra direta entre as duas grandes potências, EUA e URSS
apoiavam seus respectivos aliados nos conflitos ao redor do mundo, as chamadas guerras patrocinadas
ou guerra por procuração.
ARMAS NUCLEARES
Diante do clima de hostilidade da Guerra Fria, muitos analistas advogavam que Estados Unidos e União
Soviética só não entraram em guerra diretamente devido ao medo da destruição mútua, possibilitada
pelos efeitos devastadores das bombas nucleares. O medo de que um conflito nuclear significasse
praticamente o suicídio de toda a civilização era real e estava presente no tabuleiro da política
internacional. Não por acaso, iniciativas voltadas para a redução do arsenal nuclear, como o Tratado de
Não Proliferação Nuclear (TNP), foram desenvolvidas para limitar o arsenal nuclear entre os países
signatários.
Fonte: totojang1977/Shutterstock
Para fecharmos este módulo, vamos refletir sobre o conceito de poder político, por Raymond Aron:
NO CAMPO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS, PODER É A
CAPACIDADE QUE TEM UMA UNIDADE POLÍTICA DE IMPOR
SUA VONTADE AOS DEMAIS. EM POUCAS PALAVRAS,
PODER POLÍTICO NÃO É UM VALOR ABSOLUTO, MAS UMA
RELAÇÃO ENTRE OS HOMENS.
(ARON, 2002)
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste tema, procuramos mostrar como a constituição das relações internacionais, como campo
científico autônomo, é um fenômeno datado das primeiras décadas do século XX.
O objetivo dessa primeira geração de estudiosos era declaradamente normativo. A tentativa era
demonstrar, por meio do estudo científico e sistemático da política internacional, que a guerra era um
erro, evitando que os eventos trágicos de um conflito generalizado voltassem a ocorrer entre as nações.
Ideias que buscavam a criação de vínculos entre os Estados eram vistas como uma forma de aumentar
a probabilidade da paz. Um dos chavões da época era a máxima: mais comércio, menos guerras.
Mostramos que o conceito de Estado e poder são fundamentais para o estudo das relações
internacionais. Apesar de ser estudado sob diversas perspectivas (jurídica, sociológica, econômica,
historiográfica), consideramos oportuno pensar o Estado moderno como produto de um lento
amadurecimento das instituições de controle social e dominação que se transformaram, ao longo do
tempo, em entidades capazes de estabelecer um tipo de ordem social.
O processo foi acompanhado pelo reconhecimento externo de outros Estados soberanos. Diante disso,
a Paz de Vestefália (1648) pode ser considerada como uma referência para o estudo das relações
internacionais, da diplomacia moderna e do sistema internacional de Estados.
Já sobre o poder, utilizamos as contribuições do sociólogo Max Weber para pensar os termos poder,
força e dominação. Segundo Weber, o Estado é uma entidade que reivindica o monopólio do uso
legítimo da violência física, tendo nas relações de dominação do homem sobre o homem o seu
fundamento específico; tal entidade só pode existir sob a condição de que os homens dominados se
submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores.
Na sua gênese, os estudos de segurança internacional surgiram dos debates sobre como proteger o
Estado contra ameaças externas e internas, logo após a Segunda Guerra Mundial. Para Buzan e
Hansen (2012), a literatura de segurança internacional passou a se estruturar em torno de quatro
questões: privilegiar o Estado como objeto de referência nas análises; incluir no rol das ameaças tanto
questões internas quanto externas; aspectos sociais, econômicos e ambientais foram incorporados nas
análises sobre segurança internacional; e a ideia de segurança necessariamente ligada à dinâmica de
ameaças, perigos e urgências
PODCAST
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
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Montero e Alícia Auzmendi. São Paulo: Ática, 1983.
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KOSELLECK, R. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos passados. Rio de Janeiro:
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MORGENTHAU, H. A Política entre as Nações: A luta pelo poder e pela paz. Brasília: Editora
Universidade de Brasília. Instituto de Pesquisa de Relações internacionais. 2003.
NOGUEIRA, J. P.; MESSARI, N. Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2005.
ROCHMAN, A. R. A Avaliação de poder nas relações internacionais. Lua Nova. Revista de Cultura e
Política, São Paulo, v. 46, 1999.
WEBER, M. A Política como Vocação. In: WEBER, M. Ciência e Política, Duas Vocações. São Paulo:
Editora Cultrix, 1996.
EXPLORE+
Leia o livro Escritos sobre a Guerra e a Morte, de Sigmund Freud. Você perceberá como discussões
sobre a angústia e capacidade de soluções estão em debate.
Crítica de Rousseau ao Jus ad bellum e ao Jus in bello de Hugo Grotius, de Evaldo Becker.
CONTEUDISTA
Diego Araujo Gois
CURRÍCULO LATTES