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EDUCAR PARA A CIDADANIA

INTRODUÇÃO

"Educação para a cidadania".


De entre as diversas possibilidades de opção para uma formação
permanente, chamou-me á atenção este tema. Parece-me urgente que os agentes
educativos reflictam seriamente esta temática que diz respeito a todos os que
habitam esta 'cidade' (o mundo é uma 'pequena cidade'-aldeia global) mas
particularmente a Escola e a Família.
Se a definição de pessoa é 'um ser em relação', então parece-me
importante que cada um saiba estar na sociedade de uma maneira socialmente
humanizante. Daí ter-me interessado escolher esta tema para uma acção de
formação. Valeu!
Mas poderemos fazer uma simples pergunta: porque é que toda a
gente se lembrou agora de que é preciso educar as nossas crianças e os nossos
jovens para a cidadania? Ele são os apelos da UNESCO, são os relatórios do
Parlamento Europeu, é o nosso Governo que, em 99, contemplava
especificamente a educação para a cidadania como uma área curricular não
disciplinar, coordenada pelo director de turma...
Tentarei abordar esta temática recorrendo a vários autores, mas
sobretudo a duas obras: Educar para a cidadania, de Maria de Lourdes
Ludovice Paixão e Educar para a cidadania - motivações, princípios e
metodologias, de António Manuel Fonseca, cujo pensamento sintetizo e
comento alguns aspectos.

SERÁ QUE A CIDADANIA ESTÁ EM CRISE?

O facto é que todos vemos alguns sinais de crise patentes no


funcionamento das sociedades ocidentais. Estes mesmos sinais de crise fizeram
com que estas questões, relativas ao exercício da cidadania, estejam hoje na
linha da frente das preocupações de educadores e políticos portugueses e
europeus em geral.
Entre esses sinais de crise, sublinhamos as violências quotidianas que
marcam este virar de século; o "eclipse progressivo" da família que abriu um
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vazio neste domínio da educação; a intolerância; a pobreza de linguagem e de


estética (basta ver os casos Big Brother I e II , o Bar da TV,!...); o indiferentismo
em relação aos valores, mesmo até à democracia; enfim, um certo défice cívico
que parece grassar entre as gerações mais novas.
E as gerações mais adultas, serão elas capazes de construir verdadeiras
comunidades de cidadãos? Fica a questão e o comentário: os mais novos
aprendem com os mais velhos...
Mas afinal, que motivações estão realmente por detrás da necessidade
e da vontade de promover uma educação para a cidadania, nomeadamente no
meio escolar?
Os sinais de crise - alguns falam já em crise civilizacional (Cfr. a
recente Nota da Conferência Episcopal Portuguesa de 26 de Abril último,
intitulada 'Crise de sociedade - crise de civilização') - que levemente refiro e que
testemunham bem o fracasso da aprendizagem da cidadania na sua forma actual,
impondo um balanço sério sobre as formas adoptadas para essa aprendizagem,
nomeadamente na escola.
Não é, por isso, de estranhar que a escola se mostre entre os mais
preocupados com esta temática. Isto por dois motivos essenciais.
Primeiro, a escola parece esforçar-se por colmatar o vazio aberto pelo
já referido "eclipse progressivo" da família nesta matéria. De facto a família / os
pais têm vindo a desistir das suas responsabilidades para com os mais novos,
renunciam à transmissão do muito ou pouco que sabem em favor de um ensino
supostamente científico, deixam de se encontrar com os mais novos na esfera da
partilha de tarefas e responsabilidades sociais e cívicas, desistem da tarefa de
formar a consciência cívica das crianças, abandonando-as aos professores...
Segundo, a escola deve estabelecer os parâmetros da relação entre o
sujeito e os outros, suscitando a aprendizagem de valores, normas e regras de
conduta com vista à inserção dos alunos na vida comunitária. Suscitando a
aprendizagem e, também e sobretudo, a vivência... De facto, a escola deveria,
toda ela, constituir uma comunidade capaz de reproduzir as condições da vida
social e onde o aluno aprenderia a viver em sociedade...vivendo. Assim, a escola
estaria a desempenhar uma parte importante do seu papel educador, ou seja,
estaria a contribuir para a inserção plena dos indivíduos na sociedade. Por
fim lembramos uma motivação também importante.

Como que receando uma "crise civilizacional", os estados


democráticos defendem a necessidade urgente de promover uma educação para a
vida pública, único meio ao seu alcance para combater alguns sinais menos
positivos, notórios entre as gerações mais novas.
Na realidade também os jovens portugueses, segundo Isabel Menezes,
se mostram pouco interessados em assumir um papel activo como cidadãos,
pouco ou nada interessados na comunidade e, apesar de apoiarem o regime
democrático, pautam-se pela indiferença e pela desconfiança em relação às suas
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instituições políticas. Ou seja, está em causa a democracia, eduquemos pois


cidadãos!
Educar cidadãos ou educar para a cidadania será, então, o quê?
É descobrir e estreitar os laços que nos ligam à comunidade, formada
pelo conjunto das comunidades a que pertencemos e que, entre si se
complementam. E esses laços, essas pertenças, identificam-se com o
reconhecimento de uma lei, o ideal da liberdade, o direito à diferença, a
necessidade de racionalizar as opções, os fundamentos da aprovação e da
condenação...
Cada momento da experiência que nos confronta com qualquer destes
constituintes é um momento que moraliza a experiência; e cada momento ético é
um momento que cria a comunidade.
Suscitar estas experiências é educar para a cidadania.

EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CIDADANIA

Quando falamos de cidadão, de cidadania de que falamos? É


importante clarificar conceitos.
Na Grécia antiga, a noção de cidadania estava ligada à comunidade de
cidadãos e ao corpo de leis que os regiam. Os cidadãos eram cerca de 10% da
população da cidade e diferenciavam-se dos não-cidadãos: as mulheres, os
escravos, os metecos e os estrangeiros.
Em Roma, a qualidade de cidadão foi sendo outorgada a um crescente
número de pessoas, mas, na realidade, era uma aristocracia política que
dominava.
No final da Idade Média, no seio das cidades, das comunas, das
corporações e das universidades, reanimaram-se os princípios de associação, de
representação e das liberdades e franquias cívicas e pessoais.
Porém, a noção de cidadania só ressurge vigorosamente com a
Revolução Inglesa de 1688, a Revolução Americana (1774-76) e, sobretudo,
com a Revolução Francesa (1789), desencadeando o conceito moderno de
cidadania. A afirmação da vontade popular, a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1789), a identificação da soberania popular com a
universalidade dos cidadãos franceses, a formação do Estado-nação, constituem
os fundamentos do conceito moderno de cidadania.
Todo este contributo humano e universal foi retomado e reformulado
em 1948, pela ONU, na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foi ainda
depurado na encíclica Pacem in Terris, de João XXIII, e na Constituição
Pastoral Gaudium et Spes, do Concí1io Vaticano II.
O conceito de cidadania foi evoluindo conforme evoluiu o conceito da
dignidade da pessoa humana.
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O sistema democrático, que progressivamente se afirmou como a


forma de governação universalmente desejável, funda-se nos princípios da
cidadania nela consignados, ou seja, a soberania da Nação e da Lei, a igualdade
de todos os cidadãos: "os homens nascem e permanecem livres e iguais em
direitos".
Até aos finais do século XX, o património reclamado dos direitos
humanos foi sendo enriquecido: aos direitos individuais, cívicos e políticos,
vieram juntar-se os direitos de natureza social, económica e cultural. E, por
último, os chamados direitos das geracões futuras ao ambiente, à paz, ao
desenvolvimento sustentável, exprimem uma crescente consciência da unidade
da terra e do género humano, do nosso destino comum, nas palavras de Edgar
Morin.
Na actualidade, o conceito de cidadania tem de ser considerado no
contexto mundial em que "da nova ordem internacional, sabemos apenas que
acabou a antiga", como diz Adriano Moreira.
Tradicionalmente,o vínculo da cidadania reportava-se exclusivamente
à identidade nacional. Porém, a cidadania apresenta hoje novos contornos,
desenhados tanto no interior do próprio espaço nacional, como alargados a
novos espaços que lhe são exteriores.

Destacamos a intervenção em torno dos problemas locais concretos, a


União Europeia, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a
cidadania da aldeia global.
É no contexto destas múltiplas pertenças que se define o novo
paradigma de cidadania: uma cidadania inclusiva que parte da referência
nacional e se amplia, em círculos alargados à dimensão da Terra e da
Humanidade.
Este contexto mundial caracteriza-se por um ritmo crescente das
democracias e, ao mesmo tempo, por uma crescente crítica das instituições
democráticas; pela mundialização das economias e da informação, que
determina as nossas sociedades; por ser o tempo da especialização cognitiva; por
ser um tempo de globalização e, ironicamente, de desigualdades crescentes.
O contexto mundial actual caracteriza-se também, sem dúvida alguma,
por uma crise da cidadania. De facto, há factores que contribuem para o declínio
do espírito de responsabilidade colectiva, com reflexos nos vínculos da
cidadania: o individualismo, o enfraquecimento dos valores de referência
tradicionais, a prática da corrupção, as elevadas taxas de absentismo nos
processos eleitorais, a fraude fiscal, o desinteresse pela vida política, as
manifestações cada vez mais frequentes de falta de civismo (entendido como
respeito pelas regras da vida comunitária).
Ameaçam igualmente a coesão social e a ordem pública, os comporta
mentos ditados pela intolerância, como o racismo e a xenofobia. Outro factor
influente é a acção dos meios de comunicação que, sob a pressão dos índices de
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audiência, não estimulam a autonomia crítica dos públicos e são levados a


manipular informações e valores, estabelecendo, em tempo imediato, opiniões
feitas. Veja-se o caso recente da intervenção da Alta Autoridade para a
Comunicação Social a propósito do escandaloso programa Bar da TV da SIC,
onde foi lamentavelmente colocada em questão direitos fundamentais como
sejam o direito à privacidade, numa tentativa de clarificar regras de conduta
social e alertar para limites que a condição de cidadania impõe.
Cabe, então, reencontrar um sentido reforçado e uma prática renovada
de cidadania.
Hoje, é universalmente reconhecido que, se este desafio interpela as
sociedades, no seu conjunto, grande parte desta missão cabe à Educação, como
instância promotora de uma consciência ética e cívica nas novas gerações.
Concluindo, o que é, então, a cidadania?
Apresento uma definição que m parece bastante completa e até
interessante: "a cidadania é responsabilidade perante nós e perante os outros,
consciência de deveres e de direitos, impulso para a solidariedade e para a
participação, é sentido de comunidade e de partilha, é insatisfação perante o que
é injusto ou o que está mal, é vontade de aperfeiçoar, de servir, é espírito de
inovação, de audácia, de risco, é pensamento que age e acção que se
pensa".(Jorge Sampaio)

EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA

A educação para a cidadania constitui uma garantia da democracia e


só se exerce em contextos experienciais democráticos. Têm, por isso, graves
responsabilidades os sistemas educativos, os quais devem desenvolver nas novas
gerações os saberes e as práticas duma cidadania activa.
É assim urgente que as sociedades, sentindo a consciência desta
responsabilidade, se empenhem e se preocupem com a educação para a
cidadania. E convém sublinhar que são as grandes organizações internacionais
(UNESCO, Conselho Europeu, ...) que alertam para esta necessidade. Todas são
convergentes nas razões dos objectivos e nas orientações para que apelam: o
desenvolvimento humano; a participação democrática e a coesão social.
É partilhada por todos a convicção de que o exercício da cidadania é
sustentado por um corpo de valores e de virtudes aceitáveis universalmente: a
justiça, a verdade, a coragem e a liberdade,... isto é, aquilo que antes se dizia ser
a procura do Bem, constituindo assim o perfil para a formação do cidadão
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democrático: o respeito de si mesmo, do outro, do diferente; do bem comum; o


sentido da responsabilidade pessoal e colectiva, cujo fundamento se encontra
bem expresso no código de direitos e deveres dos cidadãos na Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
Nesta área não são apenas importantes os aspectos cognitivos, mas
também o aspecto afectivo, que se reconhecem fundamentais na formação
pessoal para a autonomia moral e a autoridade, o conhecimento e o juízo crítico,
a empatia e a comunicação, assim como a formação social para a escolha e a
decisão, a cooperação, a intervenção e o compromisso, que em
complementaridade constituem os quatro pilares da Educação, referidos no
relatório Delors: aprender a conhecer, a fazer, a ser e a viver juntos.
Significa que no seu conjunto devem questionar a consciência do
aluno no que respeita a adesão a valores, a aquisição de conhecimentos e a
aprendizagem de práticas de vida pública, numa sinergia permanente entre a
educação e a prática duma democracia participativa, tarefa que deve realizar-se e
concretizar-se durante a vida toda, pois que a educação para a cidadania é um
trabalho nunca terminado.

A ESCOLA E CIDADANIA EM PORTUGAL

Surgiram no sistema educativo português a Área-Escola, a disciplina


de Desenvolvimento Pessoal e Social e o programa de Educação Cívica,
pretendendo colmatar uma falha sentida desde o 25 de Abril de 1974 e que se
arrastou sem resposta até 1989, no que respeita á cidadania. A lacuna surgiu por
factores políticos em reconhecerem a importância desta realidade não
encontrando modelos teóricos de educação para os valores.
Foi decisiva a reunião curricular anunciada em 1999, concretizada no
documento que o Ministério da Educação apresentou no dia 16 de Abril, o dia
da cidadania, intitulado "Para uma Escola de cidadãos", onde se define o
conceito de educação para a cidadania: "A educação para a cidadania nas nossas
escolas deve entender-se, em primeiro lugar, como a capacitação de cada criança
e de cada jovem para estruturar a sua relação com a sociedade, de acordo com
regras básicas de convivência que valorizem a autonomia , a responsabilidade
individual e a participação informada".
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Como certamente todos estarão de acordo, este é um caminho a fazer


onde professores, pais alunos, funcionários e toda a comunidade escolar, devem
dar-se as mãos para poder concretizar uma 'participação activa tendo em vista a
construção de um mundo melhor, no qual todos tenham lugar como pessoas
iguais e diferentes', no dizer do ex-ministro da Educação Guilherme de Oliveira
Martins.
É, por isso, importante o modo como a Escola se organiza, como
funciona, como garante a comunicação e como facilita a formação cívica do
aluno: formação do carácter, formação para os valores, formação para a
autonomia e a participação activa na sociedade.
É, assim, necessário que os regulamentos e as leis palas quais a Escola
se orienta tenha em conta esta importância como factor decisivo na construção
do cidadão adulto, favorecendo as relações interpessoais entre professores-
alunos e os restantes elementos da comunidade escolar.
Os órgãos de gestão e orientação escolares devem estar muito atentos
aos factores de desequilíbrio do normal funcionamento da vida interna da
Escola, o qual deve ser exercício e 'treino' para a vida social futura.

É, assim, importante que os agentes educativos procurem eliminar os


factores negativos prejudiciais ao franco progresso de uma cidadania equilibrada
e correctamente exercida: discriminação da diferença, a humilhação, a ironia, a
monopolização da palavra,... e encontrem factores que promovam o respeito por
si mesmo, pelos outros, pelo bem comum, a afectividade,... manifestada no
exercício de escuta e libertação da palavra do aluno, capacidade de escutar os
outros, de falar de si mesmo.
A disponibilidade para escutar o aluno é importante para o ajudar a
construir a sua identidade nos domínios afectivo, cognitivo e social.
Esta tarefa pretende ser comum a todos as disciplinas e com o recurso
de todos os professores.
Não será importante que a Escola e a sociedade se repense
seriamente? Não haverá necessidade de 'arregaçar mangas' para um
empreendimento tão necessário e urgente como é este da formação para a
cidadania, onde todos se sintam cooperadores na construção de uma sociedade
nova, mais justa, mais fraterna e mais humana?
Uma exigência séria para que a Escola possa ser veículo de educação
para a cidadania é que ela se assuma como instituição de formação e de
educação pelo reconhecimento de valores e das regras que os promovam e
defendam. Assumir que a Escola está integrada no meio e que é factor de
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socialização é indispensável. Porém, ela está ao serviço da formação e educação


de pessoas que são chamadas a renovar e a transformar o meio e o ambiente em
que vivem, procurando sempre transmitir-lhe qualidade, dignidade e futuro.

OBJECTIVOS NA EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA

Será possível encontrar objectivos para a educação para a cidadania?


Parecem ser claros estes objectivos.
Em primeiro lugar, visam a realização total e integral da pessoa.
Visam a felicidade da pessoa que, para o ser, dá cumprimento à sua essência
ontológica, valorizando os elementos constitutivos, concretamente a
inteligência, a vontade, a consciência e a liberdade. A pessoa tem dons,
capacidades naturais, valores e o estímulo ao seu rendimento é um dos papéis, o
principal, da educação.
Em segundo lugar, pretendem a inserção da pessoa na convivência e
no diálogo, onde a igualdade seja valor teórico e prático fundamental, vivido e
assumido sem complexos de nenhuma espécie. Educar para uma relação sadia,
madura e positiva é um contributo essencial da educação. Importante, neste
campo, a preparação para o acolhimento das diferenças, sejam naturais,
ideológicas, raciais ou religiosas, vendo-as como enriquecimento pessoal e
colectivo.
Em terceiro lugar, exigem, como caminho para a relação na
convivência, o respeito, a tolerância e, mais ainda, a amizade. Aceitar o outro
como ele é, compreendê-lo nos seus defeitos, valorizar e aplaudir as suas
qualidades são caminhos para a aproximação de todos, criando as bases de uma
civilização do amor, de uma sociedade fraterna e pacifica, condições necessárias
para o desenvolvimento na harmonia e na justiça.
Em quarto lugar, reclamam a participação da pessoa na construção
social como exigência, como possibilidade e como responsabilidade. Ser
membro da "cidade" a tempo inteiro exige uma participação responsável em
tudo o que diz respeito à mesma cidade, tornando-se esta participação um direito
e um dever. O bem estar colectivo, a felicidade das pessoas e a paz social
(começando a experimentar tudo isto na escola) dizem respeito a todos e exige a
colaboração e empenhamento de todos.
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Em quinto lugar, são objectivos da educação para a cidadania a


solidariedade, a partilha, a atenção a todos e, especialmente, aos que têm mais
dificuldades, seja em que campo for.

UMA EXPERIÊNCIA DE SOLIDARIEDADE ...

Contributo para uma cidadania aberta... na disciplina de E.M.R.C.


Campanha: "Ajuda a curar uma criança leprosa"(Janeiro-Março'2001)

Citação:
"A prática da solidariedade no interior de cada sociedade é válida
quando os seus membros se reconhecem uns aos outros como pessoas. Aqueles
que contam mais, dispondo de uma parte maior de bens e de serviços comuns,
hão-de sentir-se responsáveis pelos mais fracos e estar dispostos a compartilhar
com eles o que possuem. Por seu lado, os mais fracos, na mesma linha de
solidariedade, não devem adoptar uma atitude meramente passiva ou destrutiva
do tecido social; mas, embora defendendo os seus direitos legítimos, fazer o que
lhes compete para o bem de todos. Os grupos intermédios, por sua vez, não
deveriam insistir egoisticamente nos seus próprios interesses, mas respeitar os
interesses dos outros.
O mesmo critério aplica-se, por analogia, nas relações internacionais.
A interdependência deve transformar-se em solidariedade, fundada sobre o
princípio de que os bens da criação são destinados a todos: aquilo que a
indústria humana produz, com a transformação das matérias primas e com a
contribuição do trabalho, deve servir igualmente para o bem de todos. A
solidariedade ajuda-nos a ver o outro - pessoa, povo ou nação - não como um
instrumento qualquer, de que se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalho
e a resistência física, para o abandonar quando já não serve; mas sim, como um
nosso semelhante, um auxílio que se há-de tornar participante, como nós, no
banquete da vida, para a qual todos os homens são igualmente convidados por
Deus". (Sollicitudo Rei Socialis (SRS),39 - Carta encíclica de João Paulo II
sobre o desenvolvimento mundial).
"À luz da fé, a solidariedade tende a superar-se a si própria, a revestir
as dimensões especificamente cristãs da gratuidade total, do perdão e da
reconciliação. O próximo, então, não é só um ser humano com os seus direitos e
a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais, mas torna-se a
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imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada
objecto permanente da acção do Espírito Santo. Por isso, deve ser amado, ainda
que seja inimigo, com o mesmo amor com que o ama o Senhor; e é preciso
estarmos dispostos ao sacrifício por ele". (SRS,40).

A experiência

A disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, que lecciono na


Escola Secundária de Mangualde, tem como objectivo contribuir para a
formação integral da pessoa humana, educando para os valores à luz dos
critérios evangélicos. Sempre a disciplina esteve na Escola para dar o seu
contributo modesto na área da formação para a cidadania e durante décadas não
existiu outra área de formação que tivesse contribuído de modo significativo
para a cidadania efectiva dos discentes que corajosamente optaram pela
disciplina.
Pareceu-me interessante relatar esta pequena experiência uma das
diversas maneiras de sensibilizar os alunos para a solidariedade.
O dia 28 de Janeiro último foi o 'Dia Mundial dos Leprosos'. Como
sensibilizar os discentes para uma das maiores doenças que ainda hoje continua
a matar milhões de pessoas em todo o mundo, particularmente nos países do
terceiro mundo ou em vias de desenvolvimento?
Talvez não seja fácil, estando nós longe dos problemas.
Quando se tem tudo numa sociedade consumista, marcada pela
indiferença e pelo individualismo os problemas dos outros passam-nos ao lado.
E nem as imagens televisivas mexem connosco. Só os testemunhos.
Aproveitei a oportunidade de um sacerdote que trabalha em
Moçambique estar naqueles dias a passar férias e a recuperar forças entre nós.
Convidei-o a vir às aulas do 7º ano contar a sua experiência com os mais pobres
e os últimos, rejeitados da sociedade de hoje.
Foram muitos os casos que impressionaram os alunos, mas sobretudo
a ajuda que a missão católica fazia aos doentes, aos leprosos, curando,
acompanhando e reabilitando os doentes da lepra de algumas comunidades
africanas. Algumas fotos e a palavra-testemunho foi o suficiente para o fervilhar
de perguntas sobre este assunto. Foi, então, ocasião de falar dos cerca de doze
milhões de leprosos em todo o mundo, de que a doença tem cura, que bastam
cerca de 5.000$oo em medicamentos para curar um leproso, de que a doença
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surge nos países com baixo nível de vida onde reina a miséria e a falta de
higiene, a vida de Raoul Follereau, etc., etc.. Ficaram impressionados com o este
relato de misérias e de esperanças. Um aluno depois de ter feito algumas
perguntas disse: 'Nós também podemos ajudar a curar uma criança leprosa!'
Toda a Turma aderiu a esta ideia com vontade de ajudar, motivados pela onda de
solidariedade que esta ideia configurava. Chamámos-lhe: "Campanha:'Ajuda a
curar uma criança leprosa'".

Como se poderiam organizar?


Surgiram várias opiniões para concretizar esta ideia: uma maneira era
cada aluno poupar um bolo ou um sumo por dia durante vários dias para ajudar,
outra era oferecer lápis, cadernos e outros artigos escolares que se venderiam
para os leprosos, e outra diferente era alertar para a ajuda dos familiares e, até,
para um peditório de rua. Mobilizaram-se em grupo ou individualmente de
modo que todos queriam participar e dar o seu melhor contributo e
empenhamento.
As aulas seguintes foram extraordinárias. Os alunos contaram as suas
experiências relatavam o modo como foram conseguindo encontrar a ajuda
monetária e económica para a campanha. Ficavam tristes quando encontravam
pessoas que recusavam ou eram insensíveis a esta causa....
Era interessante verificar a alegria com que eles entregavam ao
professor o fruto das suas parcas economias, das suas renúncias, e da sua
experiência ousada em solicitar a ajuda dos outros mais velhos.
Com a participação de todos os elementos da turma consegui-se
encontrar algumas dezenas de contos que foram enviadas para a Associação
Amigos de Raoul Follereau em Lisboa.
Esta modesta experiência pretende apenas demonstrar que os alunos
estão receptivos e sensíveis a causas nobres e que mexem com o sofrimento
alheio. A participação de todos é muito importante para que todos se sintam
responsáveis. Não são insensíveis quando se apercebem que a solidariedade
pode mudar o mundo.
Não será este um modo de exercitar a cidadania, mobilizando
consciências 'sentindo-se responsáveis pelos mais fracos e estar dispostos a
compartilhar com eles o que possuem'?
A educação para a cidadania não passa por um exercício permanente
de um altruísmo activo e operante? De uma consciência de direitos e deveres?
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Como seria bom que a cidadania fosse mais sentida nas relações
interpessoais na Escola, na Família, na sociedade de hoje!

BIBLIOGRFIA USADA:

. Fonseca, António Manuel, Educar para a cidadania - motivações,


princípios e metodologias, Porto editora l.da colecção educação, Porto,2000

. Paixão, Maria de Lourdes Ludovice, Educar para a cidadania,


Lisboa editora,s.a., Lisboa, 2000

. João Paulo II, Sollicitudo Rei Socialis - Carta encíclica de


João Paulo II sobre o desenvolvimento mundial
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EDUCAR PARA A CIDADANIA


. PERSPECTIVAS

. COMENTÁRIOS

Trabalho realizado pelo formando:

JOSÉ PEDRO DA COSTA MATOS

Curso de formação.
"Educação para a cidadania - sua transversalidade no acto educativo

Formador:
Cor. Fernando Morais d'Almeida
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Maio'2001

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