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Bronislaw Malinowski1
Faz parte parte da natureza do interesse científico, que não passa de uma
curiosidade refinada, voltar-se mais para o extraordinário e sensacional do que
para o normal e quotidiano. No início, em uma nova linha de pesquisa ou em um
recente campo de estudos, o que desperta a atenção e gradualmente leva à
descoberta de novas regularidades universais são as exceções, as quebras
aparentes das leis naturais. Pois o estudo sistemático – e aqui reside o
paradoxo da paixão científica – só se apodera do miraculoso para transformá-lo
no que é natural. A ciência, a longo prazo, constrói um universo bem regulado,
baseado em leis válidas com generalidade, movido por forças definidas e
onipresentes, e ordenado segundo alguns princípios fundamentais.
Não que a ciência deva banir da realidade o maravilhamento e o
romantismo do que é extraordinário e misterioso. É o desejo de novos mundos e
de novas experiências que mantém a a mente filosófica em seu curso, e a
metafísica nos atrai com a promessa de uma visão que ultrapassa as fímbrias
dos horizontes mais remotos.
...
A Antropologia, ciência ainda jovem, está hoje a caminho de libertar-se da
obsessão pelos interesses pré-científicos, embora algumas tentativas recentes
de oferecer soluções simples e sensacionalistas a todos os enigmas da Cultura
ainda estejam dominadas pela curiosidade grosseira. No estudo da legislação
primitiva 2, manifesta-se uma tendência salutar no reconhecimento gradual mas
1
Bronislaw Malinowski. Crime and Custom in Savage Society, Londres,
Routledge & Kegan Paul, 1926, Parte II: pp. 71-129. A fotografia de
Malinowski está em George W. Stocking, Jr. (org). Functionalism
Historicized: Essays on British Social Anthropology, Madison, The
University of Wisconsin Press, 1984, p. 159.
2
[N. do T.] Malinowski utilizará frequentemente o termo law. A denotação de law é aqui
um conjunto prescrições ou regras -- mas tem diferentes conotações que em português se
expressam por diferente palavras. Assim, em sentido plural, equivale a “direito”, “leis”
2
esposa, bem como a tutela sobre a mulher e dos filhos em certos assuntos
específicos, baseia-se em princípios legais independentes do Direito Materno,
embora em alguns pontos entrelaçado a ele e a ele ajustado. A constituição de
uma comunidade aldeã, a posição do chefe na sua aldeia e do chefe no seu
distrito, os privilégios e deveres do mago público constituem todos eles sistemas
legais independentes.
Ora, sabendo que o direito primitivo não é perfeito, surge o problema:
como é que esse corpo composto de [vários] sistemas se comporta sob a tensão
das circunstâncias? Cada sistema está bem harmonizado internamente? Cada
sistema mantém-se dentro de seus limites ou há algum que tenha a tendência a
invadir o terreno alheio? Os sistemas entram em conflito? E caso entrem, qual é
o caráter desse conflito? Aqui, mais uma vez, temos que recorrer aos aspectos
de criminalidade, desordem e deslealdade da comunidade para obter material
para respondermos a essas questões.
Nos relatos que passaremos a fazer -- e que serão dados concretamente
e com certo detalhamento – teremos em mente os principais problemas não
resolvidos: a natureza dos atos e procedimentos criminais e sua relação para
com o direito civil; os principais fatores ativos na restituição do equilíbrio
perturbado; as relações e possíveis conflitos entre os diversos sistemas do
direito nativo.
Quando me dediquei ao trabalho de campo nas Ilhas Trobriand, mantive
sempre o hábito de viver no meio dos nativos, armando minha tenda na aldeia, e
tornando-se assim forçosamente presente a tudo que se passava, fosse trivial
ou solene, sem graça ou dramático. O evento que passo a relatar aconteceu
durante minha primeira visita às Ilhas Trobriand, alguns meses depois que que
comecei meu trabalho de campo no arquipélago.
Um dia, uma irrupção de choro e uma grande comoção me alertaram de
que havia ocorrido uma morte em algum lugar da vizinhança. Informaram-se de
que Kima’i, um rapaz meu conhecido, de uns dezesseis anos, havia caído de um
coqueiro, encontrando a morte.
Corri para a aldeia vizinha onde isso tinha se passado, mas deparei-me
com todo os procedimentos funerários já em andamento. Era o meu primeiro
caso de morte, luto e enterro, de modo que, preocupado com os aspectos
etnográficos da cerimônia, esqueci as circunstâncias da tragédia, apesar de um
ou dois fatos singulares que ocorreram na aldeia na mesma ocasião e que
deveriam ter despertado minhas suspeitas. Fiquei sabendo que outro rapaz fora
misteriosamente, por uma misteriosa coincidência. E no funeral havia
obviamente um sentimento geral de hostilidade entre a aldeia onde o rapaz
morrera e a aldeia para onde o corpo fora levado para as exéquias.
Só muito tempo depois consegui descobrir o verdadeiro significado dos
acontecimentos: o rapaz havia cometido suicídio. A verdade é que ele havia
violado as regras de exogamia com a sua prima, a filha da irmã de sua mãe. Era
fato era sabido, e objeto de desaprovação geral, mas nada se fizera até que o
outro rapaz apaixonado pela moça, que queria casar com ela e se sentira
pessoalmente ofendido, tomou a iniciativa. Esse rival primeiro ameaçou a usar
magia negra contra os dois culpados, mas isso não surtiu muito efeito. Então,
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[N. do T.] Deve-se guardar em mente que se trata aqui de um incesto clãnico, e não de incesto ao nível
do sub-clã, e muito menos ao nível da família. Malinowski deixa claro que a “prima” era uma “filha da
irmã da mãe” (uma “irmã”) por que pertencia ao mesmo “clã totêmico”. Mas não diz que essa “prima”
pertenceria ao mesmo subclã que o rapaz (se pertencesse, seria uma parente consanguínea relacionada
efetivamente por descendência com o rapaz em questão).
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Para dar um exemplo, invertendo o papel de selvagem e de civilizado, de etnógrafo e informante: muitos
de meus amigos melanésios, acreditando literalmente na doutrina do ‘amor fraterno’ pregada pelos
missionários cristãos e no tabu contra a guerra e contra o assassinato pregado e promulgado pelos
funcionários do governo, não conseguiam reconciliar essas idéias com as histórias sobre a Grande Guerra,
que atingia -- através das plantações comerciais, dos comerciantes, administradores e trabalhadores de
plantações – as aldeias mais remotas da Melanésia ou de Papua. Eles ficavam realmente intrigados ao ouvir
que em um único dia os homens brancos matavam mais pessoas de sua própria raça do que a população de
muitas tribos da Melanésia. Concluiam necessariamente que o Homem Branco era um tremendo mentiroso,
mas não sabiam ao certo se a mentira estava do lado das pretensões moralistas ou das patranhas guerreiras.
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[N.do T. Por razões de espaço, omitimos a etnografia sobre feitiçaria]
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fato, para o Ilhéu Trobriandês, é impensável qualquer ação que não seja a de
obedecer imediatamente a uma ordem ritual.
O ressentimento do chefe contra seus parentes foi profundo e duradouro.
No início ele não queria sequer falar com eles. Durante mais ou menos um ano,
ninguém teve coragem de pedir para sair com ele nas expedições marítimas,
embora tivessem pleno direito ao privilégio. Dois anos depois, quando voltei às
Ilhas Trobriand em 1917, Namwana Guya'u ainda morava na outra aldeia e
mantinha-se distanciado dos parentes do pai, embora frequentemente visitasse
Omarakana para estar com seu pai, especialmente quando To'uluwa estava
viajando. A mãe morreu um anos depois da expulsão. Nas palavras dos nativos:
" Ela chorou, chorou, não quis mais comer, e morreu". As relações entre os dois
inimigos principais foram completamente rompidas e Mitakata, o jovem chefe
que tinha sido mandado para a prisão, mandou embora sua esposa que
pertencia ao mesmo sub-clã que Namwana Guya'u. Houve uma cisão profunda
em toda a vida social de Kiriwina.
O acontecimento foi um dos eventos mais dramáticos de que fui
testemunha nas Ilhas Trobriand. Descrevi-o com detalhes porque ele contém
uma clara ilustração do Direito Materno, do poder das leis tribais e das paixões
que atuam a despeito delas.
Embora excepcionalmente dramático e eloquente, o caso não é de modo
algum exepcional. Em toda aldeia em que há um chefe de alta posição, um
notável ou um feiticeiro poderoso, ele favore os filhos e lhes concede privilégios
que a rigor não lhes pertencem. Muitas vezes isso não gera antagonismos na
comunidade, quando o filho e o sobrinho são moderados e prudentes. Kayla’i,
filho de M’tabalu, o chefe da categoria máxima de Kasanai, recentemente
falecido, continua a morar na aldeia do seu pai, participa da maioria dos ritos
mágicos comunitários e mantém excelentes relações com o sucessor de seu pai.
No conjunto de aldeias de Sinaketa, onde residem vários chefes de alta posição,
alguns dos filhos favoritos são bons amigos dos herdeiros legítimos, enquanto
outros são abertamente hostis a eles.
...
Assim, mais uma vez nos deparamos com a discrepância entre o ideal da
lei e a realização da lei, entre a versão ortodoxa e a prática da vida real. Já
encontramos essa situação na exogamia, no sistema da contra-magia, na
relação entre feitiçaria e direito, e na elasticidade de todas as regras do direito
civil. Aqui, contudo, vemos os próprios fundamentos da constituição tribal sendo
abalados e sistematicamente ameaçados por uma tendência inteiramente
incompatível com eles. Como sabemos, o direito materno é o princípio mais
importante e mais abrangente das leis, e está na base de todos os costumes e
instituições. Esse princípio dita que o parentesco seja contado somente através
das mulheres, e que todos os privilégios sociais sigam a linha materna,
excluindo portanto toda e qualquer validade legal de vínculos corporais diretos
entre pai e filho, assim como qualquer filiação que exista em virtude de tais
vínculos.16 Contudo, o pai invariavelmente ama seus filhos, e esse sentimento
16
Os nativos são ignorantes do fato da paternidade fisiológica, e como mostrei em The Father in Primitive
Psychology, 1926, possuem uma teoria sobrenatural para as causas do nascimento. Não há nenhuma
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continuidade fisiológica entre o homem e os filhos de sua esposa. Contudo, o pai estima seu filho desde o
nascimento -- no mínimo, tanto quanto o pai europeu normal. Como isso não pode dever-se à idéia de que
o filho é sua progênie, o fato deve resultar de alguma tendência inata à espécie humana de que o macho
sinta-se ligado aos filhos tidos por uma mulher com quem se acasalou, com quem vive permanentemente e
que protegeu durante a gravidez. Essa me parece ser a única explicação plausível para a ‘voz do sangue’ em
sociedades que são ignorantes da paternidade, e também naquelas que são enfaticamente patriarcais, mas
onde o pai ama tanto sua criança fisiológica como a que nasceu -- pelo menos desde que ele não saiba
disso. A tendência é altamente benéfica para a espécie. [N. do T. Cf. A Vida Sexual dos Selvagens
Trobriandeses, do autor. Cf. a Nota 9 acima]
17
[N. do T.] O ‘homem’ do exemplo de Malinowski é representado no diagrama abaixo como Ego (isto é, a
pessoa em relação à qual as demais posições são designadas).
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Irmão da esposa
Ego Esposa
Filho
Cla de Ego
Grupo
localo
Netos
18
[N.do T.] O diagrama não faz parte do texto. Malinowski apresenta um diagrama explicativo no Capítulo
IV (seção 4) da Vida Sexual dos Selvagens na Melanésia do Noroeste (Malinowski, B., The Sexual Life of
Savagens in North Western Melanesia, Londres, Routledge & Kegan Paul, p. 83.). O aluno que detesta
esses diagramas está em boa companhia: Malinowski quase nunca usa esses diagramas, detestava
diagramas de parentesco e desprezava as “análises de parentesco” formais de modo geral. No diagrama
acima, a prima cruzada é uma prima cruzada patrilateral.
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vezes ele negligencie o clã em benefício da mulher, dos filhos e dos amigos, nas
situaçoes ordinárias da vida. Linguísticamente, o termo veyogu (meu parente)
tem a conotação emocional de um dever frio, de orgulho, enquanto que o termo
lubaygu (meu amigo e minha querida), por outro lado, possui um tom mais
íntimo e nitidamente mais caloroso. Também em suas suas crenças post-
mortem os laços de amor, afeição conjugal e amizade perduram no mundo dos
espíritos -- isso nas crenças menos ortodoxas e mais pessoais -- da mesma
maneira que a identidade totêmica perdura.
...20
Todos os fatos citados acima mostram que a unidade do clã não é nem
um conto de fadas inventado pela Antropologia, nem é o único e principal
princípio real do direito selvagem, a chave de todos os seus enigmas e
dificuldades. A situação real, quando é vista em sua plenitude e quando é
completamente compreendida, é muito complexa, e cheia de contradições e de
conflitos aparentes e também reais, devidos ao jogo que opera entre o Ideal e
sua atualização, e ao imperfeito ajuste entre as tendências humanas
espontâneas e a rigidez da lei. A unidade do clã é uma ficção legal no sentido de
que ela exige -- em toda a doutrina nativa, isto é, em todas as afirmações,
provérbios e regras abertas e padrões de conduta -- uma subordinação
absoluta de todos os demais interesses e laços às exigências da solidadiredade
do clã, ao passo que, de fato, essa solidariedade é quase que constantemente
infringida e praticamente inexistente no curso diário da vida ordinária. Por outro
lado, em certas ocasiões, nas fases cerimoniais da vida nativa sobretudo, a
unidade do clã domina tudo, e nos casos de conflito aberto e de desafio explícito
ela predominará sobre as considerações pessoais e sobre as propensões que
em condições ordinárias certamente determinariam a conduta do indivíduo. Há
portanto dois lados na questão, e a maioria dos eventos importantes da vida
nativa, assim como de suas instituições, costumes e tendências, não podem ser
compreendidas adequadamente sem a percepção de ambos os lados e de sua
interação.
Não é difícil perceber então porque a Antropologia fixou-se em um lado da
questão, e porque apresentou a doutrina rígida mas fictícia do direito nativo
como sendo toda a verdade. É porque essa doutrina representa o aspecto
intelectual, explícito e inteiramente convencionalizado da atitude nativa, aquele
que é colocado em forma de afirmações claras e em fórmulas legais definidas.
Quando se pergunta ao nativo o que ele faria em tal e tal situação, ele responde
o que ele deveria fazer; ele apresenta o padrão da melhor conduta possível.
Quando ele age como informante para um antropólogo de campo, não lhe custa
nada vender a varejo o Ideal da lei. Seus sentimentos, suas propensões, seus
preconceitos, suas auto-concessões e a sua tolerância para com os lapsos
alheios, tudo isso ele reserva para seu comportamento na vida real. E mesmo aí,
embora aja assim, relutaria a admitir, até para si mesmo, que ele algum dia se
comportou abaixo dos ditames da lei. O outro lado, o código da conduta natural
e impulsiva, as evasões, os arranjos e usos não-legais, revelam-se sómente
para o pesquisador de campo que observa a vida nativa diretamente, registra os
20
[N. do T.] Omitidas as páginas de 115 a 119.
17
fatos, e vive em contato tão próximo com o seu ‘material’ que é capaz de
entender não apenas sua linguagem e suas frases, mas também os motivos
ocultos do comportamento, e a linha de conduta que dificilmente será jamais
formlada. A “Antropologia do Ouvi Dizer” constantemente expõe-se ao perigo de
ignorar o lado enevoado das leis selvagens. Esse lado, pode-se dizer sem
exagero, existe e é tolerado desde que não seja encarado de frente, colocado
em palavras, afirmado abertamente e contestado. Isso talvez explique a velha
teoria do “selvagem sem freios”, cujos costumes não existem e cujas maneiras
são bestiais.21 Pois os administradores que nos forneciam essa versão
conheciam muito bem as complicações e as irregularidades do comportamento
nativo que não se encaixam absolutamente em uma legalidade estrita, mas
ignoravam a estrutura da doutrina legal nativa. Já o moderno pesquisador de
campo constrói essa doutrina sem muito esforço a partir das afirmações do seu
informante nativo, mas permanece na ignorância dos desvios introduzidos pela
natureza humana nesse plano teórico. Portanto, molda o nativo em um modelo
de legalidade. A verdade está numa combinação dessas duas versões, e nosso
conhecimento dela revela que tanto a velha ficção como a nova invenção são
simplificações fúteis de um estado de coisas bem complexo.
Este, como tudo na realidade cultural humana, não é um esquema lógico
coerente, e sim uma mistura um tanto fervilhante de princípios conflitantes. Entre
estes, o conflito entre os interesses matrilineares e paternos é provavelmente o
mais importante.
...
O fato mais importante de nosso ponto de vista nessa luta de princípios
sociais é que ele nos força a reformular completamente a concepção tradicional
da lei e da ordem nas comunidades selvagens. Temos que abandonar
definitivamente a idéia de uma ‘crosta’ ou ‘cobertura’ inerte e sólida dos
costumes imprimindo-se rigidamente de fora para dentro sobre toda a superfície
da vida tribal. A lei e a ordem surgem do próprio processo que elas governam.
Mas elas não são rígidas, nem são devidas a alguma inércia ou a alguma fôrma
permanente. Resultam, ao contrário, de uma constante luta não apenas das
paixões humanas contra a lei, mas dos princípios legais uns contra os outros. A
luta, contudo, não é uma luta livre: é sujeita a condições definidas, pode ocorrer
apenas dentro de certos limites e apenas sob a condição de permanecer longe
da publicidade. Uma vez que um desafio aberto tenha sido feito, estabelece-se a
precedência da lei estrita sobre o costume legalizado, ou sobre um princípio
legal intrusivo, e a hierarquia ortodoxa dos sistemas legais toma conta do
assunto.
... .
Com isso estamos reivindicando uma nova linha de trabalho de campo
antropológico: o estudo por observação direta das regras do costume tal como
elas funcionam na vida real. Este tipo de estudo mostra que os mandamentos da
lei e do costume são sempre organicamente conectados e não isolados; que sua
natureza constitui-se nos vários tentáculos que lançam no contexto da vida
social; que só existem na cadeia de transações sociais da qual são um elo.
21
[N. do T.] Em português o equivalente seria: selvagens sem sem fé, nem lei, nem rei.
18
Afirmo que o modo fragmentado em que a maioria dos relatos da vida tribal são
formulados é incompatível com o caráter geral da vida humana e com as
exigências da organização social. Uma tribo nativa que fosse governada por um
código de costumes desconexos e inorgânicos se desfaria em pedaços ante
nossos olhos.
Não podemos deixar de desejar o rápido e completo desaparecimento da
pesquisa de campo registrada em itens fragmentados de informação, em forma
de costumes, crenças e regras de conduta soltos no ar, ou melhor, com uma
existência achatada no papel e completamente desprovida de terceira dimensão,
isto é, de vida. Com isso, os argumentos teóricos da Antropologia poderão
abandonar as longas litanias de afirmações que fazem com que nós
antropólogos pareçamos tolos e os selvagens, ridículos. O que tenho em mente
são as longas enumerações de afirmações taxativas tais como, por exemplo,
“Entre os Brobdignacianos, quando um homem encontra sua sobra, os
dois se insultam e cada um se retira para seu lado com um olho roxo”; “Quando
um Brodiague encontra um Urso polar, ele sai correndo e às vezes o urso vai
atrás”; “na velha Caledônia, quando um nativo acha acidentalmente uma garrafa
de uísque na beira da estrada, ele a bebe de um gole só, e em seguida começa
imediatamente a procurar outra”; e assim por diante. (Estou citando de memória,
de modo que essas sentenças são aproximadas, mas elas soam plausíveis.)...22.
22
[N.do T.] Foram omitidas as páginas de 126 a 129, encerrando essa seleção com esse exemplo do senso
de humor um tanto infame de Malinowski, e da sua técnica polêmica de fazer graça com adversários
imaginários.