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Endechas a Bárbara escrava

Aquela cativa Pretos os cabelos,


Que me tem cativo, Onde o povo vão
Porque nela vivo Perde opinião
Já não quer que viva. Que os louros são belos.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos, Pretidão de Amor,
Que para meus olhos Tão doce a figura,
Fosse mais formosa. Que a neve lhe jura
Que tro cara a cor.
Nem no campo flores, Leda mansidão,
Nem no céu estrelas Que o siso acompanha;
Me parecem belas Bem parece estranha,
Como os meus amores. Mas bárbara não.
Rosto singular,
Olhos sossegados, Presença serena
Pretos e cansados, Que a tormenta amansa;
Mas não de matar. Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Uma graça viva, Esta é a cativa
Que neles lhe mora, Que me tem cativo;
Para ser senhora E, pois nela vivo,
De quem é cativa. É força que viva.

Luís de Camões

Um fidalgo letrado seu amigo mandou inscrever-lhe na


campa rasa um epitáfio significativo: "Aqui jaz Luís de
Camões, príncipe dos poetas do seu tempo. Viveu pobre e
miseravelmente, e assim morreu."

Análise Formal (métrica de estrofe e de verso e rima, com


esquema e tipos de rima)

O poema é formado por cinco estrofes oitavas, em verso de


redondilha menor (5 sílabas métricas). O esquema de rima é o
mesmo em todas as estrofes (ABBACDDC), com o primeiro
verso a rimar com o quarto, o segundo com o terceiro, o
quinto com o oitavo e o sexto com o sétimo, formando dois
conjuntos de rimas interpoladas. A rima dos quatro primeiros
versos é igual à dos quatro últimos. A rima A (iva) repete-se
ainda na terceira estrofe que é a estrofe central.

Análise de Conteúdo (Tema, assunto, explicação do poema –


em geral ou estrofe-a-estrofe – figuras de estilo e o porquê do
seu uso ou a sua interpretação)

Tema: Amor

Assunto: retrato da amada

Comentário:

Trata-se de um retrato que foge às convenções da época. No


século XVI o modelo da beleza feminina era a mulher loura,
de pele e olhos claros – sinal de que pertencia às classes altas
e não necessitava de se expor ao sol. A mulher descrita por
Camões neste poema tem os olhos e os cabelos pretos e a pele
escura, pois trata-se de uma escrava e, na época de Camões,
só as mulheres de origem africana eram escravas. O poeta
tem a noção de que está a desafiar o senso comum e refere-o
no seu poema: «pretos os cabelos/ onde o povo vão/ perde
opinião/ que os louros são belos» ou «pretidão de amor/ tão
doce a figura/ que a neve lhe jura/ que trocara a cor».
A beleza física de Bárbara é expressa através de hipérboles
«Eu nunca vi rosa/ em suaves molhos/que para meus olhos/
fosse mais formosa.» ou «Nem no campo flores,/ nem no céu
estrelas / me parecem belas / como os meus amores.» embora
o poeta especifique que esta é a sua visão («para meus
olhos»), dando razão ao provérbio que diz que a beleza está
nos olhos de quem vê.
Além da beleza física, o poeta elogia o temperamento e os
modos da mulher amada «Leda mansidão / que o siso
acompanha» ou «Presença serena / que a tormenta amansa».
O poder de Bárbara é tal que dá origem a um paradoxo «Esta
é a cativa/ que me tem cativo».
Na quarta estrofe encontramos um interessante jogo de
palavras nos versos «bem parece estranha/ mas bárbara não»,
entre o nome da escrava, Bárbara, e o adjectivo «bárbara» que
significa cruel ou rude e grosseira. Com efeito, Bárbara parece
estranha aos olhos europeus que apenas vêem a beleza loira
e pálida, mas não parece cruel nem rude.
Este poema apresenta várias originalidades: a primeira é o
facto de ser dedicado a uma escrava, uma mulher de baixa
condição social; outra, é o facto de elogiar como belos traços
físicos que não correspondem (até são opostos) ao ideal de
beleza da época; outra ainda é a de atribuir à escrava não
apenas beleza física, mas uma grande beleza moral
(mansidão, siso, serenidade, calma) capaz de escravizar
metaforicamente o homem que a ama.
O tempo verbal predominante é o presente do indicativo, o
que não é muito vulgar em poesia. O uso do presente do
indicativo dá ao poema um tom intemporal, pois de cada vez
que é lido, é lido no presente, como se estivesse a acontecer
neste momento. Isso faz com que o poema possa ser de novo
apreciado por cada geração e aplicado por cada apaixonado,
em particular e todos, em geral.

Análise básica em esquema:

Pormenor da análise de conteúdo

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