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A Civilização Greca e a Justiça

Introdução

Costuma-se dizer que da Grécia veio pouca coisa da tradição jurídica e que a
rigor o Ocidente deve mais a Roma nesta área. Trata-se de meia verdade e podem ser
alinhados alguns temas fundamentais que já eram conhecidos dos gregos.
Em primeiro lugar, a própria filosofia grega tem um papel relevante. A entrada
dos sofistas no debate filosófico assinala que a filosofia de certo ponto em diante vai
também debruçar-se sobre o mundo das coisas humanas, o universo da liberdade.
Assim, passa-se à reflexão metódica sobre a liberdade, a política, a ética. Embora
tenhamos dos sofistas uma imagem vulgarmente pejorativa, é a partir deles que a
filosofia vai refletir controladamente sobre a lei. Quem faz, por que faz, como faz as
leis? Se os sofistas foram malvistos por cobrarem para ensinar aquilo que qualquer um
deveria saber (conhecer as regras do bem viver em sociedade e participar das
assembléias expressando seu ponto de vista) isto se deve ao fato de que afinal não se
esperava que houvesse um conhecimento profissional específico sobre o que a rigor era
questão de bom-senso: ser um bom cidadão.
A virada sofista, seguida por Sócrates, Platão e Aristóteles, significou colocar
em crise e submeter à crítica este senso comum que facilmente poderia converter-se em
tradicionalismo (ou fundamentalismo) puro e simples. A positivação do direito e sua
disponibilidade exigem dos gregos uma primeira reflexão clássica sobre a natureza da
lei e da justiça. Também importa lembrar que, se o centro da vida se desloca da família
para a cidade, já não são suficientes às decisões levadas a cabo pelos juízes de aldeia, os
velhos, sábios e prudentes.
A solidariedade cívica exige regras universais, que valham para todos os casos e
que não sejam simples aplicação da prudência a cada caso concreto. A simples
solidariedade de sangue ou tradição é incapaz de gerar um amplo “espaço público”, uma
“polis” ou uma democracia, como dizemos hoje. Para os gregos, a cidade não pode
depender da justiça do cadi, da aldeia, do simples respeito pessoal que se tem para com
os mais velhos ou mais experientes, embora a experiência em assuntos de justiça e de
política continue a importar.
Ao mesmo tempo, a base material da vida grega exigirá outras reflexões
importantíssimas. Civilização voltada para o mar, com grande comércio no
Mediterrâneo, os estrangeiros serão percebidos ao mesmo tempo como iguais e como
diferentes. Além das leis particulares de cada cidade e cada nação haveria algo? Haveria
um direito comum a todos os povos, um direito das gentes ou natural? As diversas
escolas da filosofia grega não ignoram a questão e vai colocá-la sob várias perspectivas.
O enorme esforço para superar a solidariedade familiar e transformar a cidade
(ou o Estado, se quisermos) no centro da vida social e política é refletido na literatura e
na filosofia, além de ter sido o objeto de leis específicas impondo o fim das vinganças
familiares.
Aristóteles, falando da cidade e da justiça, dirá que seu objetivo é criar a
amizade entre os homens (os cidadãos): mostra que o fundamento da vida social não se
resume na família.. É preciso criar uma amizade cívica, um espírito aberto aos outros de
fora das famílias. E talvez seja este também um tema da Antígona, de Sófocles, em que
se chocam de um lado a solidariedade de Antígona com o irmão, e de outro a lei da
cidade, encarnada por Creonte.

Porque não foi Zeus quem a ditou, nem foi a que vive com os
deuses subterrâneos – a Justiça – quem aos homens deu tais
normas, nem nas tuas ordens reconheço força que a um
mortal permita violar aquelas não escritas e intangíveis leis
dos deuses. Estas não são de hoje, ou de ontem, são de
sempre; ninguém sabe quando foram promulgadas. A elas
não há quem, por temor, me fizesse transgredir, e então
prestar contas ao Numes. (Sófocles, Antígona)

SISTEMA JUDICIÁRIO

A democracia em Atenas tinha um conceito diferente do atual

Após o período Micênico, a Grécia atravessou um período denominado “era das


trevas”, que se estendeu de 1200 a 900 a.C. e, no começo de 900 a.C., os gregos não
tinham leis oficiais ou sistemas formalizados de punição. Os assassinatos eram
resolvidos pelos membros das famílias das vítimas, que buscavam e matavam o
assassino, dando início a disputas sangrentas sem fim. Somente no meio do século VII
a.C. estabeleceram os gregos suas primeiras leis codificadas e oficiais.
De modo geral, a tradição vê em Zaleuco o primeiro legislador que escreveu leis
(cerca de 660 a.C.) em Locros, no sul da Itália. A primeira inscrição legal conhecida é a
de Dreros em Creta, datada tentativamente para o meio ou segunda metade do sétimo
século a.C. No meio do sexto século, muitas cidades gregas já tinham leis escritas,
sendo Esparta a exceção.
Os gregos não elaboraram tratados sobre o direito, limitando-se apenas à tarefa
de legislar e administrar a justiça pela resolução de conflitos (direito processual).
Adicionalmente, devido à precariedade dos materiais de escrita utilizados na época
(inscrições em pedra e madeira e textos em papiro), um texto literário, filosófico ou lei
escrita, somente chegaria aos nossos dias, não pela conservação do original, mas pelas
contínuas transcrições e reproduções e até mesmo citações por autores posteriores. Esse
tratamento não foi dispensado ao direito grego. Nada se fez com relação às leis gregas,
não havendo compilações, cópias, comentários, mas pouquíssimas citações. Ficaram
apenas algumas fontes epigráfas e as menções feitas por escritores, filósofos e oradores.

CARGOS E FUNÇÕES

As instituições gregas, particularmente, as de Atenas, classificavam-se em


instituições políticas de governo da cidade e as relativas à administração da justiça, os
tribunais. No primeiro grupo, têm-se a Assembléia do Povo (Eclésia), o Conselho
(Boulê), a Comissão Permanente do Conselho (Prítanes), os estrategos e os magistrados
(arcontes e secundários). O segundo grupo (administração da justiça) organizava-se em
justiça criminal (o Aréopago e os Efetas) e justiça civil (os árbitros, os heliastas e os
juízes dos tibunais marítimos).

A JUSTIÇA E OS TRIBUNAIS

A justiça criminal : O Aréopago constituía-se no mais antigo tribunal de Atenas. A


princípio era um tribunal aristocrático que delegava poderes tanto na condição de corte
de justiça como na de conselho político. Composto por ex-arcontes, julgavam os casos
de homicídios premeditados ou voluntários, de incêndios e de envenenamento. Após
sucessivas reformas, principalmente as de Clístenes, seu poder foi esvaziado.

A justiça civil : Composto por trinta, e mais tarde, quarenta juízes, denominados
-juízes dos demos - escolhidos por sorteio, encarregavam-se de percorrer os demos e
resolver de forma rápida os litígios que não ultrapassassem 10 dracmas (cerca de vinte
dias de salário). No caso de processos mais importantes, cabia a esses juízes a
investigação preliminar. O intuito desse procedimento era facilitar a vida dos habitantes
do campo, evitando assim seu deslocamento até a cidade.
A LEI GREGA ESCRITA : UM INSTRUMENTO DE PODER

democracia em Atenas tinha um conceito diferente do atual.

A escritura das leis na Grécia, resulta de processos revolucionários. Um grupo


de legisladores foi responsável por um gradual processo de transformação política. Em
621 a.C., Drácon resolveu estabelecer um conjunto de leis escritas que dariam lugar às
leis orais anteriormente conhecidas pelos eupátridas. Mesmo não transformada a
composição dos grupos de poder, fazem-se as leis fundamentais, as “constituições”.
Assim é que as Leis e Constituições de Drácon (621 a.C.), em Atenas, põem fim à
solidariedade familiar e obrigam ao recurso aos tribunais nas disputas entre clãs. A lei
de homicídio de Drácon, corresponde ao nosso Direito Penal, inclui o homicídio que os
gregos, já diferenciavam entre voluntário, involuntário e em legítima defesa. Suas leis
ficaram conhecidas por leis draconianas, por serem muito severas. Enfraquecendo o
poder da aristocracia, essa primeira medida possibilitou uma nova tradição jurídica que
retirava o total controle das leis invocadas pelos eupátridas.
As Leis de Sólon (594-3 a.C.) suprimem a propriedade dos clãs, a servidão por
dívida. Seguem a grande revolta contra a concentração de renda, que permitia as poucas
famílias de posse ampliar seu patrimônio em tempos de crise, transformando seus
devedores em seus escravos. As terras hipotecadas seriam restituídas. Na estrutura
familiar, as reformas limitam o poder paterno: o filho maior torna-se autônomo, as
mulheres continuam sob a tutela de seus pais e maridos, mas, com enorme liberdade de
ir e vir, inclusive, até de freqüentar escolas; extingue a diferença de classe (por renda),
permitindo assim, o acesso a magistratura aos mais pobres dos homens livres. Para
limitar o poder do Aerópago, onde predominava a oligarquia mais tradicional, Sólon
cria o tribunal dos Heliastas e respectivos dicastérios e o Conselho dos 500 (que
também decidia em grupos menores).
Ao final do século, as reformas de Clístenes (cerca de 508 a.C.) ampliam o
princípio representativo, fazem a divisão territorial em distritos (demoi) dividem Atenas
entre a cidade propriamente dita
CLASSIFICAÇÃO DAS LEIS GREGAS

As leis gregas eram classificadas em crimes (incluindo tort), família, pública e


processual. As categorizadas por crimes e tort, corresponde ao nosso direito penal, cujas
descrições, inclui os homicídios que os gregos, já com Drácon (620 a.C.), distinguia-se
entre voluntário, involuntário e em legítima defesa; as leis de família versavam sobre
casamento, sucessão, herança, adoção, legitimidade de filhos, escravos, cidadania,
comportamento das mulheres, etc. As leis públicas regulavam as atividades e deveres
políticos dos cidadãos, as atividades religiosas, a economia (regulamentando as práticas
de comércio), finanças, vendas, aluguéis, o processo legislativo, relação entre as
cidades, dívidas, etc.
Havia uma notável distinção no direito grego entre lei substantiva e lei
processual. A primeira é o próprio fim que a administração da justiça busca, enquanto a
lei processual trata dos meios e dos instrumentos pelos quais o fim deve ser atingido.

O PODER DE PERSUASÃO DA RETÓRICA GREGA

Em Atenas , o teatro tinha uma importância cívica na vida dos gregos,


pois era uma forma de aperfeiçoar-se na retórica. Nas peças encenadas, as comédias, assim como as
tragédias, retratavam os problemas vivenciados na cidade.

INSTAURAÇÃO DO PROCESSO

Ao contrário de nossa Justiça, o povo grego , especialmente o de Atenas, era


detentor da soberania no sistema judiciário. Cabia à pessoa lesada ou a seu representante
legal, intentar o processo, fazer a citação, tomar a palavra na audiência, sem auxílio de
advogado. A audiência se dava através do discurso contínuo de cada um dos litigantes,
interrompido somente para a apresentação de evidências de suporte, dirigido aos
dikastas, cujo número poderia variar em algumas centenas, 201 ou 501, por julgamento;
cujo número era sempre ímpar para evitar empate.
PROMULGAÇÃO DA SENTENÇA

A heliaia, tribunal popular, julgava todas as causas, tanto públicas como


privadas, à exceção dos crimes de sangue que ficavam sob a alçada do aerópago.
Formado por seis mil heliastas, ao julgar diferentes causas, sorteava-se novos
componentes para evitar as fraudes. O heliasta era remunerado por dia de sessão de
trabalho, evitando-se assim prejuízo de sua atividade. Estas sessões para julgar
denominavam-se dikasterias, e seus componentes dikastas em vez de heliastas. Sua
função se aproximava mais de um jurado moderno. A decisão final do julgamento se
dava através de votação secreta, refletindo a vontade da maioria. O julgamento resumia-
se a um exercício de retórica e persuasão. Cabia ao litigante convencer a maior parte de
jurados e para isso, valia-se de todos os truques possíveis, sendo o mais comum, e que
passou a ser uma das grandes características do direito grego, o uso dos logógrafos,
escritores profissionais de discursos forenses. Os logógrafos escreviam para seus
clientes um discurso que este último deveria recitar como se fosse sua a autoria.
A retórica dos logógrafos tornou-se um dos mais eficazes meios de persuasão e
tem sido discutida e analisada como uma das grandes fontes do direito grego antigo.

Steven Johnstone inicia seu livro – (Disputas e democracia: as conseqüências da


litigação na Atenas antiga), declarando:

Em Atenas, contudo a administração da justiça foi mantida, tanto


quanto possível, nas mãos de amadores, com o efeito (e talvez
também o objetivo) de permanecer barata e rápida. Todos os
julgamentos eram aparentemente completados em um dia, e os
casos privados muito mais rápidos do que isto. Não era permitido
advogado profissional; e embora a arte dos logógrafos tendesse,
na prática, a burlar essa regra, nenhum litigante corria o risco de
admitir que seu discurso era na realidade um discurso ‘fantasma’
feito por um orador profissional. O presidente da corte não era
um profissional altamente remunerado, mas um oficial designado
por sorteio.

CONCLUSÃO

Os gregos antigos não só tiveram um direito evoluído como influenciaram o


direito romano e alguns de nossos modernos conceitos e práticas jurídicas: o júri
popular, a figura do advogado na forma embrionária do logógrafo, a diferenciação de
homicídio voluntário, involuntário e legítima defesa, a mediação e a arbitragem, a
gradação das penas de acordo com a gravidade dos delitos e, finalmente, a retórica e
eloqüência forense.
Diferenças e semelhanças observadas entre a justiça na civilização grega e nosso
sistema judiciário exibido no documentário – Justiça –.

A primeira diferença constata-se na administração da justiça grega que não era


profissional nem sistematizado, era mantido por pessoas amadoras sem formação
profissional, não havendo portanto, a presença de um magistrado para iniciar um
processo, um ministério público que sustentasse a causa da sociedade nem a presença do
advogado para defender o litigante, ao contrário de nossa justiça em que a
administração é exercida por profissionais, muito bem qualificados, como pode-se
constatar no documentário – JUSTIÇA –. A segunda diferença é que no sistema grego,
qualquer cidadão que se considerasse prejudicado pelo Estado, por ações inlícitas de
funcionários públicos, por exemplo, podia incitar uma ação pública contra o Estado, em
nossa jurisdição, essa ação só é impetrada pelo ministério público, cuja função é
defender a sociedade e nos representar diante do Estado, quando preciso; A terceira
divergência é que enquanto os gregos faziam uso da retórica como única forma de
resolver seus litígios, nossa sistema utiliza-se de fatos e provas concretas, ouve
testemunha, como bem mostrou o filme, cuja audiência é deliberada pelo magistrado –
Geraldo - na qual o réu é assistido pela defensoria pública. Além disso,podemos
verificar que as leis gregas não atendiam a todos, mas sim somente aqueles
considerados cidadãos, preterindo-se, portanto, mulheres, escravos e estrangeiros, o que
não acontece em nosso sistema judicial, também verificado no filme, já que temos uma
Constituição Federal, na qual todos são considerados cidadãos sem distinção de raça,
cor ou credo, usufruindo portanto, de uma lei igualitária.
Apesar dessas diferenças havia semelhanças, como a presença do mediador nas
audiências. Na Grécia, representado na figura dos dikastas, e em nosso tribunal pelo
magistrado; a gradação das penas de acordo com a gravidade dos delitos (no filme isso é
mostrado quando o detento é réu primário, e a sentença proferida o isenta da
carceragem); a utilização de recursos aos gregos, quando a arbitragem era pública,
nosso sistema isso independe da ação ser pública ou privada. Por fim uma semelhança
presente nas duas instituições, a corrupção, comentada pela defensora pública, e até
implícita no telefonema da juíza - Maria de Fátima - quando pergunta sobre a
publicação de sua promoção a desembargadora.
LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE
FACULDADE NATALENSE PARA O DESENVOLVIMENTO DO RIO
GRANDE DO NORTE

HISTÓRIA DO DIREITO

A JUSTIÇA NA CIVILIZAÇÃO GREGA

Natal, 26 de março de 2010.

Docente: Ana Paula Cacho


Discente: Regineide Maria de Azevedo

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