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Revista eletrônica Graecia Antiqua ISSN 1679-5709

A CONTAGEM DO TEMPO

Wilson A. Ribeiro Jr.

http://greciantiga.org/re/1/v1n1002.pdf

A necessidade de contar o tempo surgiu durante o Neolítico, quando os primei-


ros agricultores notaram a importância do exato conhecimento das estações do ano
para o sucesso de suas plantações.
Os diversos sistemas de contagem do tempo, fundamentados em maior ou
menor grau em diferentes fenômenos astronômicos, são chamados de 'calendários'. O
calendário moderno é do tipo solar e baseia-se no movimento descrito pela Terra em
torno do Sol.

Unidades de tempo

O calendário atual, estabelecido em 1582, incorporou unidades de tempo de


diferentes origens históricas. A mais antiga divisão do tempo, o dia, definida pela al-
ternância cíclica da luz solar e da escuridão da noite é, provavelmente, anterior a 8000
a.C.
Mais tarde surgiram os meses, definidos originalmente pelas fases da lua, e
depois o ano, baseado no movimento aparente do sol e no ciclo das estações. O mais
antigo calendário solar foi desenvolvido no Egito por volta de 2773 a.C.
A divisão do mês em 4 semanas de 7 dias, invenção babilônica baseado em
conceitos astrológicos e desenvolvida no século VII a.C., foi adotada pelos romanos na
época do Império, provavelmente no século I d.C.

O calendário juliano

Os romanos utilizavam primitivamente um calendário lunar, com adição perió-


dica de um mês suplementar para compensar o atraso em relação às estações do ano,
dependentes do ano solar. O método, extremamente rudimentar, acumulou em 47
a.C. uma diferença de 80 dias, gerando enorme confusão na vida civil e religiosa.
No ano seguinte, 46 a.C., o ditador romano Júlio César (100-44 a.C.) instituiu
o calendário juliano, conforme as recomendações do astrônomo Sosígenes de Alexan-
dria (séc. I a.C.):

o ano de 46 a.C. teve a duração prolongada: 445 dias;


o ano passou a ser calculado em 365,25 dias;


os doze meses passaram a ter a duração diferente, quase igual à que têm

até hoje;
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o primeiro dia do ano, antes situado em 15 de março, foi fixado em 1º de



janeiro;

a cada quatro anos, para compensar a fração anual excedente (0,25 dias),

foi instituído o ano de 366 dias, chamado de ano bissexto até hoje.

Foi um trabalho soberbo para a época. No entanto, como outros calendários,


havia ainda pequena defasagem entre o real número de dias do ano astronômico e os
intervalos básicos de tempo (dias, meses, ano). A Terra completa uma revolução em
torno do Sol a cada 365,2422 dias; como o ano havia sido fixado em 365,25 dias, essa
pequena diferença foi se acumulando, e a cada 128 anos atingia 1 dia.
Em 1582, tornou-se necessário um pequeno ajuste, instituído pelo Papa Gre-
gório III (1502-1585 d.C.), conforme as recomendações do astrônomo bávaro Christo-
ph Clavius (1537-1612 d.C.):

10 dias do ano de 1582 foram suprimidos (o dia 4 de outubro foi seguido



do dia 15 de outubro);

os anos terminados em "00" e não divisíveis por 400 deixaram de ser con-

siderados bissextos (1700, 1800 e 1900 d.C., não foram; 2000 d.C., sim).

O calendário juliano "corrigido", chamado de gregoriano em homenagem ao


Papa, também não é perfeito, pois há um excesso de 0,0003 dias em relação ao ano
astronômico. A diferença, porém, é de apenas 1,13 dias a cada 4000 anos, e novo a-
juste será necessário somente em 5582 d.C., daqui a 3582 anos...

A Era Cristã

Para computar tempo superior a um ano, as antigas civilizaçõe utilizavam em


geral a duração de reinados (Egito), a sucessão de magistrados (Roma Republicana), a
enumeração das gerações (Grécia Arcaica), ou então um fato memorável, como por
exemplo a fundação de Roma.

Jesus Cristo viveu entre -7/-6 e 29/30. Detalhe


da pintura Os Discípulos de Emaús, de Rem-
brandt. Data: 1648. Paris, Musée du Louvre. ©
Christus Rex.
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Durante o Império Romano, contava-se o tempo conforme a sucessão dos


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Cônsules e também Ab Vrbe Condita (AVC), isto é, "desde a fundação da cidade de
Roma". Mais tarde, a referência passou a ser o ano 284 d.C., data da posse do Impe-
rador romano Diocleciano (240-313 d.C.).
Em 523 o monge católico Dionísio, o Pequeno, decidiu efetuar a contagem a
partir do nascimento de Jesus Cristo. Ele calculou que o nascimento de Cristo havia
ocorrido em 753 AVC, no dia 25 de dezembro, e fixou o início da "nova era" no dia 1º
de janeiro do ano seguinte, o 754º da fundação de Roma.
O novo sistema cronológico não foi aceito de imediato, nem mesmo pela Igreja
Católica. Finalmente admitido no século X d.C. pela Cúria Romana, foi gradualmente
adotado pelas nações cristãs, assim como o calendário gregoriano.
Devido à adoção do calendário gregoriano e da Era Cristã pela maioria das na-
ções não-cristãs a partir do século XIX d.C., muitos eruditos preferem empregar o ter-
mo "Era Comum" no lugar de "Era Cristã".

a.C. e d.C.

Sabe-se, hoje, que Dionísio, o Pequeno, cometeu um pequeno erro de cálculo:


Jesus Cristo, na verdade, nasceu pouco antes de 749 AVC, quatro a oito anos antes da
data "oficial". No entanto, por tradição, até hoje o ano 754 AVC continua sendo o "Ano
1" da Era Cristã.
Com a adoção quase universal do calendário gregoriano e da Era Cristã no O-
cidente, os anos posteriores à data tradicional do nascimento de Cristo (assinalado
com um "X" na linha do tempo abaixo) passaram a ser contados em ordem crescente,
e os anos anteriores em ordem decrescente.

a.C. d.C.

É costume, principalmente entre os historiadores, utilizar as abreviações a.C.,


"antes de Cristo", e d.C., "depois de Cristo", para especificar se a data se refere à Era
Cristã ou ao período anterior. Os países de língua inglesa também utilizam, para a Era
2
Cristã, a sigla AD antes do número: AD 1997. Eis mais alguns conceitos úteis:

não existiu o "ano zero"; o dia 31 de dezembro de 1 a.C. foi seguido pelo

dia 1º de janeiro de 1 d.C.

Alguém nascido em março de 10 a.C. e morto em abril de 20 d.C. terá vivido, por-

tanto, não 30 anos, e sim 29. Regra: 10 + 20 - 1 (subtrai-se, naturalmente, o ine-

xistente ano zero).

o século compreende um período de 100 anos e é habitualmente represen-



tado por um algarismo romano; como não houve ano zero, o último ano de
cada século d.C. termina sempre em "00", assim como o primeiro ano de
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cada século a.C.

a.C. d.C.
SÉC. ANO INICIAL ANO FINAL SÉC. ANO INICIAL ANO FINAL
(...)
III 300 a.C. 201 a.C. I 1 d.C. 100 d.C.
II 200 a.C. 101 a.C. II 101 d.C. 200 d.C.
I 100 a.C. 1 a.C. III 201 d.C. 300 d.C.
(...)
XX 1901 d.C. 2000 d.C.

o milênio compreende um período de 1000 anos (o primeiro e o último ano



são calculados como no caso do século).

Desse modo, o 2º milênio da Era Cristã termina em 31 de dezembro de 2000; o 3º

milênio começa, portanto, em 1º de janeiro de 2001.

Convenções utilizadas

Adoto, em minhas páginas, uma variação do sistema usado pelos astrônomos


para as datas anteriores à Era Cristã (ou Era Comum): números negativos. Você en-
contrará o ano 753 a.C., por exemplo, escrito deste modo: -753.
Os matemáticos acham desnecessário colocar o sinal "+" quando utilizam nú-
meros posivos; do mesmo modo, não utilizo a notação "d.C." ou "AD" para datas pos-
teriores à Era Cristã ou Comum. O ano 284 d.C., por exemplo, fica simplesmente as-
sim: 284.
Algumas datas situadas na Pré-História são eventualmente referidas segundo a
notação arqueológica "AP" (antes do presente, tradução do inglês "BP", before pre-
sent). O ponto de partida desse método é, convencionalmente, o ano 1950 de nossa
Era. Assim, -46 é o mesmo que 1996 AP.
Para assinalar nascimentos, mortes ou, simplesmente, um intervalo de tempo,
utilizo uma barra: "Júlio César (-100/-44)"; "Idade do Bronze, -3000/-1100"; etc.
Quando as datas são um tanto imprecisas, coloco apenas uma única referência tempo-
ral: "Sosígenes de Alexandria (séc. -I)".

NOTAS

1. O cônsul era um magistrado romano eleito pela Comitia Centuriata, assembléia


constituída por todos os cidadãos romanos, mas que na prática era dominada pe-
los patrícios. Eram eleitos anualmente dois cônsules e, durante a República
(-509/-31), tinham poder civil e militar (imperium) quase ilimitado. Assumiam su-
as funções no dia 1º de janeiro, e era costume dar seu nome ao ano: "próximo às
calendas de junho, pois, sendo cônsules Lucius Caesar e Caius Figulus..." (Salús-
tio, Catilina 17). Na época imperial (após -31), passaram a ser nomeados pelo Im-
perador e, embora o cargo ainda tivesse muito prestígio, o imperium eram exerci-
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do pelo próprio Imperador.


2. "AD" é a abreviatura habitual da expressão latina Anno Domini, "no ano do Se-
nhor". Usa-se, em geral, antes do número: AD 1500 = "no ano do senhor de
1500".

BIBLIOGRAFIA

A WALK THROUGH TIME. Página consultada em maio de 1997, disponível em


http://physics.nist.gov/GenInt/Time/time.html.

ASIMOV, I. Deixe-me contar os dias. In: ______, Contando as Eras. Trad. F. Py. São
Paulo: Francisco Alves, p. 74-87, 1986.

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http://webexhibits.org/calendars/timeline.html.

DOGGETT, L.E. Calendars. Página consultada em maio de 1997, disponível em


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ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL, s.v. "Calendário". São Paulo: Britannica do


Brasil, v. 5, p. 1922-1930, 1979.

HISTORY OF THE CALENDAR. Página consultada em maio de 1997, disponível em


http://www.infoplease.com/ipa/A0002061.html.

© Wilson A. Ribeiro Jr. Portal Graecia Antiqua (greciantiga.org), artigo 0002.

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