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Teologia

Dogmática Ortodoxa.
Protopresbítero Michael Pomazansky (1888—1988)

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.

Conteúdo:

Introdução.
A. As Fontes da Doutrina Cristã.
A preocupação da Igreja com a pureza do ensinamento Cristão. Dogmas. As fontes dos
dogmas. Sagrada Escritura Tradição Sagrada. A Consciência Católica da Igreja. Dogmas
e Canons. Os Trabalhos dos Santos Padres. As verdades da fé nos Ofícios Divinos.
B. Exposições do Ensinamento Cristão.
Os livros simbólicos. Sistemas dogmáticos.
C. Teologia Dogmática.
Dogmáticas e fé. Teologia, Ciência e Filosofia.

Parte I. Deus em Si Próprio.


1. Nosso conhecimento de Deus.
O dogma da fé. Crença ou fé como um atributo da alma. O poder da fé. A fonte da fé.
A natureza de nosso conhecimento de Deus
A essência de Deus. Os atributos de Deus. Sagrada Escritura concernente aos atributos de
Deus. Deus é Espírito. Eterno. Boníssimo. Onisciente. Justíssimo. Todo Poderoso
(Onipotente) Onipresente. Imutável. Auto-suficiente e todo bem-aventurado. A unidade
de Deus.
2. O dogma da Santíssima Trindade.
Introdução. Indicações da Trindade no Velho Testamento. O ensinamento da Santíssima
Trindade no Novo Testamento. O dogma da Santíssima Trindade na Igreja Antiga Os
atributos pessoais das Pessoas Divinas. O nome da Segunda Pessoa — O Verbo. Sobre a
Processão do Espírito Santo. A igualdade da Divindade das Pessoas da Santíssima
Trindade. A Unicidade da Essência; a Igualdade da Divindade; e a Igualdade de Honra de
Deus, o Filho, com Deus o Pai. A Igualdade de honra e a Divindade do Espírito Santo.
Transição para a Segunda Parte da Teologia Dogmática.

Parte II. Deus Manifestado no Mundo.


Deus e a Criação.
Introdução. O modo de criação do mundo. O motivo para a criação. A perfeição da
criação.
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O Mundo Angélico.
Anjos na Sagrada Escritura. A criação dos Anjos. A natureza dos Anjos. O grau de
perfeição angélica. O número e os graus dos Anjos. O ministério dos Anjos.
Homem — A Coroa da Criação.
A alma como uma substância independente. A origem das almas. A imortalidade da alma.
Alma e espírito. A imagem de Deus no homem. O propósito do homem.
Da criação à majestade do Criador.
3. A Providência de Deus.
A providência de Deus sobre o mundo. A Providência de Deus sobre o homem antes da
queda.
5. A Respeito da Malignidade e do Pecado. Malignidade e pecado no mundo. A queda
do mundo Angélico: os espíritos Malignos Queda do homem no pecado.
Porque a queda do homem no pecado foi possível? A história da queda no pecado. O que
foi o pecado ao comer o fruto. As conseqüências morais da queda. As conseqüências
físicas da queda. Infortúnios e morte como castigo pedagógico de Deus. A perda do
Reino de Deus. A misericórdia de Deus para com o homem decaído.
6. Deus e a Salvação do Homem.
A economia de nossa salvação.
A preparação para receber o Salvador. A encarnação do Filho de Deus.
O Senhor Jesus Cristo: Deus verdadeiro. A natureza humana do Senhor Jesus Cristo. Os
erros a respeito das duas naturezas de Jesus Cristo. As duas naturezas em Jesus Cristo. A
natureza humana sem pecado de Jesus Cristo. A adoração una de Cristo. Sobre o culto
latino do “Coração de Jesus.”
Dogmas à respeito da Santíssima Virgem Maria.
A. A Perene Virgindade da Theokotos. B. A Santíssima Virgem Maria é Theotokos. O
Dogma Católico Romano da Imaculada Conceição. O culto do “Imaculado Coração” da
Santíssima Virgem.
O dogma da Redenção.
O Cordeiro de Deus.
A economia geral da salvação.
A. A condição do mundo antes da vinda do Salvador. B. A salvação do mundo em Cristo.
O renascimento pessoal e a nova vida em Cristo. A palavra “redenção” no uso dos
Apóstolos. Uma nota sobre o ensinamento Católico Romano.
O triplo ministério do Senhor.
A. Cristo o Sumo Sacerdote. B. Cristo o Evangelizador (Seu ministério profético). C.
Cristo o Rei do mundo (Seu ministério real). A deificação da humanidade em Cristo.
A Ressurreição de Cristo. Os frutos salvíficos da Ressurreição de Cristo.
A. A vitória sobre o inferno e a morte. B. O Reino de Cristo e a Igreja triunfante. C. O
estabelecimento da Igreja.
7. A Igreja de Cristo.
O conceito da Igreja de Cristo na terra. O início e o propósito da Igreja. A Cabeça da
Igreja. A ligação íntima entre a Igreja na terra e a Igreja no céu.
Atributos da Igreja.
Sua unidade. Sua santidade. Sua catolicidade. A Igreja Apostólica.
A hierarquia da Igreja.

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Apóstolos. Bispos. Presbíteros (padres). Diáconos. Os três degraus da hierarquia. Os


Concílios da Igreja. A ininterruptibilidade do episcopado. O aspecto pastoral da Igreja.
8. Os Santos Mistérios ou Sacramentos. A vida da Igreja no Espírito Santo.
A nova vida. A graça Divina. A providência de Deus e a graça.
Os Mistérios ou Sacramentos.
Batismo.
O estabelecimento do Mistério do Batismo. O significado do Mistério. Os meios de
realização do Mistério. A indispensabilidade do Batismo. Batismo: a porta para a
recepção de outros dons.
Crima.
Os meios originais de execução desse Mistério. Crisma e santificação.
A Eucaristia.
As palavras do Salvador sobre esse Mistério. O estabelecimento do Mistério e sua
execução nos tempos apostólicos. A mudança do pão e vinho no Mistério da Eucaristia.
A maneira pela qual Jesus Cristo permanece nos Santos Dons. A Eucaristia e a Cruz. O
significado da Eucaristia como um sacrifício. Conclusões de um caráter litúrgico. A
necessidade da Comunhão.
Arrependimento.
A Instituição do mistério. Epitimia (Penitência). A visão Católica Romana.
Sacerdócio.
Cheirotonia (na Igreja Antiga). “Eleição” e “Ordenação” na Igreja Antiga. A Essência e
as Palavras da Efetuação do Mistério. O celibato dos Bispos.
Matrimônio.
O Propósito da Família Cristã. O Significado do Mistério. O Momento Central do
Mistério. Matrimônio como Instituição Divina. A Indissolubilidade do Matrimônio.
Santa Unção.
A Essência do Mistério. A Divina Instituição do Mistério. Unção Entre os Protestantes e
Católicos Romanos.
9. Oração Como Expressão da Vida na Igreja.
A Ligação Espiritual dos Membros da Igreja. Orações Para os Mortos. Comunhão com os
Santos. O lado exterior da Oração. A veneração dos ícones. A veneração das santas
relíquias.
O Caminho do Cristão.
A cruz de Cristo: O caminho e poder da Igreja.
10. Escatologia Cristã.
O futuro do mundo e do genro humano. O destino do homem após da morte. Sobre as
Questões dos “Pedágios.” Aqui nos aproximamos do assunto dos pedágios.
Os sinais da Segunda Vinda do Senhor.
A segunda vinda do Filho do Homem.
A ressurreição dos mortos.
O erro do quiliasmo. O final do mundo. O julgamento final. O Reino da Glória.

Apêndices.
Novas correntes no pensamento filosófico-teológico Russo.

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A questão do desenvolvimento dogmático. Filosofia e Teologia. Sobre o sistema


religioso-filosófico de Vladimir S. Soloviev. O ensinamento da Sabedoria de Deus na
Sagrada Escritura.
A glorificação dos Santos.
Introdução. Testemunhos do Início da Igreja. Mártires e Ascetas. Prática Russa.
Necessidade de Alta Autoridade. Conclusão.

Introdução.
As fontes da doutrina Cristã. A preocupação da Igreja com a pureza do ensinamento Cristão.
Dogmas. As fontes dos Dogmas. Sagrada Escritura. Tradição sagrada. A consciência católica da
Igreja. Dogmas e canons. Os trabalhos dos Santos Padres. As verdades da fé nos ofícios Divinos.
Exposições dos ensinamentos Cristãos. Os livros simbólicos. Sistemas dogmáticos. C. Teologia
dogmática. Dogmáticas e fé. Teologia, Ciência e Filosofia.

A. As Fontes da Doutrina Cristã.

A preocupação da Igreja com a pureza do ensinamento Cristão.


Desde os primeiros dias de sua existência, a Santa Igreja de Cristo tem se preocupado
sem cessar que seus filhos, seus membros, permaneçam firmes na pureza da fé.
“Não tenho maior gozo do que este: o de ouvir que os meus filhos andam na verdade”
escreve o santo Apóstolo João, o Teólogo (3 Jo 4). “...escrevi abreviadamente, exortando e testi-
ficando que está é a verdadeira graça de Deus, na qual estais firmes” (1 Pe 5:12) diz o santo A-
póstolo Pedro concluindo sua epístola católica. (“Católica” significado “universal,” é o nome a-
plicado para as Epístolas do Novo Testamento (as de Tiago, Pedro, Judas e João) que foram en-
dereçadas, não para indivíduos ou Igrejas locais (como são todas as Epístolas de São Paulo), mas
para toda a Igreja ou para fiéis em geral.)
O Santo Apóstolo Paulo relata a respeito de si próprio que, tendo pregado por quatorze
anos, ele foi para Jerusalém, por revelação, com Barnabé e Tito, e lá ele ofereceu — especial-
mente para os cidadãos mais renomados — o evangelho que ele pregava, “para ele que de manei-
ra alguma não corresse ou não tivesse corrido em vão.” “Conduz-nos pelos Teus caminhos, a fim
de que caminhemos em Tua Verdade,” — é a primeira petição nas orações dos padres (orações
que são lidas em silêncio pelo padre em frente às Portas Reais enquanto o Salmo 104 é cantado)
durante o Primeiro Ofício do ciclo diário, Vésperas.
O verdadeiro caminho da fé que foi sempre cuidadosamente preservado na história da
Igreja, é de há muito tempo chamado de direto, reto, em grego, orthos — isso é, “ortodoxia.” No
Saltério — do qual como nós sabemos da história nos divinos Ofícios Cristãos, a Igreja foi inse-
parável desde o primeiro o primeiro momento de sua existência — nós achamos frases como as
seguintes — “e tenho andado na Tua verdade” (Sl 26:3); “Saia a minha sentença diante do Teu
rosto” (Sl 17:2); “aos retos convém o louvor” (Sl 33:1); e existem outras. O Apóstolo Paulo ins-
trui Timóteo a apresentar-se perante Deus “como obreiro que não tem do que se envergonhar,
dividindo justamente a palavra da verdade (isto é, cortando justamente com um cinzel, do grego

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orthotomounta; 2 Ti 2:15). Na literatura Cristã dos primeiros tempos há uma constante menção a
se manter a “regra da fé,” a “regra da verdade.” O próprio termo “ortodoxia” foi largamente usa-
do mesmo na época anterior aos Concílios Ecumênicos, a seguir na terminologia dos próprios
Concílios Ecumênicos, e nos Padres da Igreja tanto no Oriente quando do Ocidente.
Lado a lado com o caminho direto, ou reto da fé sempre existiram aqueles que pensaram
diferentemente (heterodoxountes, ou “heterodoxos” na expressão de Santo Inácio, o Teóforo),
uma palavra usada para maiores ou menores erros entre os Cristãos, é as vezes mesmo para sis-
temas completamente incorretos que tentaram explorar no meio dos Cristãos Ortodoxos. Como
resultado da procura pela verdade ocorreram divisões entre os Cristãos.
Tornando-nos familiarizados com a história da Igreja, e da mesma forma observando o
mundo contemporâneo,vemos que os erros que guerrearam contra a Verdade Ortodoxa aparece-
ram e aparecem a) sob a influência de outras religiões, b) sob a influência da filosofia, e
c)através das fraquezas e inclinações da natureza humana decaída, que procura os direitos e justi-
ficativas dessas fraquezas e inclinações.
Os erros criam raízes e se tornam obstinados mais freqüentemente por conta do orgulho
daqueles que os defendem, por causa do orgulho intelectual.

Dogmas.
Assim para guardar o reto caminho da fé, a Igreja teve que forjar formas restritas para a
expressão das verdades da fé: ela teve que construir as fortalezas da verdade para o repúdio de
influências estranhas à Igreja. As definições da verdade declaradas pela Igreja tem sido chama-
das, desde os dias dos Apóstolos, dogmas. Nos Atos dos Apóstolos nós lemos sobre os Apósto-
los Paulo e Timóteo que “quando iam passando pelas cidades, lhes entregavam, para serem ob-
servados, os decretos (Dogmas) que haviam sido estabelecidos pelos apóstolos e anciãos em Je-
rusalém” (At. 16:4; aqui a referência é para os decretos do Concílio Apostólico que é descrito no
capítulo quinze dos Atos dos Apóstolos). Entre os antigos gregos e romanos a palavra dogmat
era usada para se referir a a) conceitos filosóficos, e b) diretivas que deveriam ser precisamente
atendidas. No entendimento Cristão, “Dogmas” são o oposto de “opiniões,” que são concepções
pessoais inconstantes.

As fontes dos dogmas.


Em que são baseados os dogmas? É claro que os dogmas não são baseados nas concep-
ções racionais de indivíduos separados, ainda que esses sejam Padres e Professores da Igreja,
mas sim nos ensinamento das Sagradas Escrituras e na Sagrada Tradição Apostólica. A verdades
da fé que estão contidas nas Sagradas Escrituras e na Sagrada Tradição Apostólica dão a totali-
dade do ensinamento que foi chamada pelos antigos Padres da Igreja de “fé católica,” de “ensi-
namento católico” da Igreja. (Em tais frases a palavra “católica” significa “universal,” referindo-
se à Igreja de todos os tempos, povo e lugares, “onde não há grego nem judeu, circuncisão nem
incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre, mas Cristo é tudo em todos” (Cl 3:11). Uma célebre
definição de “católica” na Igreja dos primeiros tempos foi dada por São Vicente de Lerins, o Pa-
dre monástico da Gália no século quinto, que em seu Communitorium disse: “Todo cuidado deve
ser tomado para mantermos firmes aquilo que foi creditado em todos os lugares, sempre e por
todos. Isso é verdadeiramente e propriamente “católico” como indicação pela força e etimologia
da palavra em si que compreende tudo que é verdadeiramente universal” (capítulo 2, Fathers of
the Church edition, p. 270). O nome de “católica” foi mantido desde os primeiros tempos na I-
greja “católica romana,” mas os ensinamentos da Igreja do início foram preservados na Igreja

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Ortodoxa, que mesmo até os dias de hoje pode ser e ainda é chamada de “católica” em muitos
lugares desse livro, Padre Michael estará contrastando os ensinamentos do Catolicismo Romano
com aqueles da verdadeira Igreja católica ou Ortodoxa). As verdades da Escritura e Tradição,
harmoniosamente fundidas em um único todo, definem a “consciência católica” da Igreja, uma
consciência que é guiada pelo Espírito Santo.

Sagrada Escritura
Por “Sagrada Escritura” entende-se os livros escritos pelos santos Profetas e Apóstolos
sob a ação do Espírito Santo; assim eles são chamados de “divinamente inspirados.” Eles são di-
vididos em livros do Velho Testamento e livros do Novo Testamento.
A Igreja reconhece 38 livros do Velho Testamento segundo o exemplo da Igreja do Velho
Testamento (Apesar da Igreja no estrito senso ter sido estabelecida somente com a vinda de Cris-
to (ver Mt. 16:18), existiu num certo sentido uma “Igreja” também no Velho Testamento, com-
posta por todos aqueles que olhavam com esperança para a vinda do Messias. Depois da mote de
Cristo na Cruz, quando ele desceu ao inferno e “. ..pregou as espíritos em prisão” (1 Pe 3:19),
Ele levou para cima os justos do Velho Testamento com Ele para o Paraíso, e nesse dia a Igreja
Ortodoxa celebra os dias de festa dos Santos Pais do Velho Testamento, dos Patriarcas e dos pro-
fetas igual celebra os dias de desta dos santos no Novo Testamento), muitos nesses livros são
reunidos para formar um só, fazendo o número cair para vinte e dois livros, de acordo com o
número de letras do alfabeto hebreu. (Os 22 livros “canônicos” do Velho Testamento são: 1. Gê-
nesis, 2. Êxodo, 3. Leviticos, 4. Números, 5. Deuteronômio, 6. Josué, 7. Juizes e Ruth, conside-
rado como um só, 8. Primeiro e Segundos Reis (chamados de primeiro e segundo Samuel na ver-
são de King James),9. Terceiro e Quarto Reis (Primeiro e Segundo Reis na versão de King Ja-
mes) 10. Primeiro e Segundo Paralipomena (Primeira e segunda Crônicas na versão de King Ja-
mes), 11. Primeiro Esdras e Neemias, 12. Éster, 13. Jô, 14. Salmos, 15.Provérbios, 16. Eclesias-
tes, 17. Cantares de Salomão, 18.Isaias, 19. Jeremias, 20. Ezequiel, 21. Daniel, 22. Os Doze Pro-
fetas (Oséias, Joel, Amos, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sefonias, Ageu, Zacari-
as, Malaquias). Esta é a lista dada por São João Damasceno na Exact Exposition of the Christian
faith, p 375). Esses livros, que entraram em algum tempo no cânon hebreu, são chamados de
“canônicos” (A palavra “canônico” aqui tem um significado específico com referencia aos livros
das Escrituras e assim deve ser distinguido do uso mais usual da palavra na Igreja Ortodoxa, on-
de ela não se refere ao “cânon” da Escritura, mas sim aos “canons” ou leis proclamadas nos Con-
cílios da Igreja. Nesse sentido, “canônico” significa somente “incluído no canon hebreu” e “não
canônico” significa somente “não incluído no cânon hebreu” (mas ainda aceito pela Igreja como
Escritura). No mundo Protestante os livros “não canônicos” do velho Testamento são normal-
mente chamados de “Apócrifos,” freqüentemente com uma conotação pejorativa, ainda que eles
tenham sido incluídos nas primeiras impressões da versão de King James, e uma lei de 1615 na
Inglaterra até mesmo proibiu que as Escrituras fossem impressas sem esses livros. Na Igreja Ca-
tólica Romana desde o século XVI os livros não-canônicos tem sido chamados de “Deuteroca-
nônico” — isto é — pertencendo a um “segundo” ou tardio cânon da Escritura. Na maioria das
traduções da Bíblia que incluem os livros “não-canônicos,” eles são colocados juntos dos livros
canônicos; mas em impressões antigas em países ortodoxos não há distinção entre livros canôni-
cos e não canônicos, veja-se por exemplo a Bíblia Eslavônica impressa em São Petesburgo em
1904, e aprovada pelo Santo Sínodo). A eles são juntados um grupo de livros “não-canônicos”
— isto é, aqueles que não foram incluídos no cânon hebreu porque eles foram escritos após o
fechamento do cânon dos Livros Sagrados do Velho Testamento. (Os livros “não-canônicos” do

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Velho Testamento aceitos pela Igreja Ortodoxa são aqueles do “septuaginto” — a tradução grega
do Velho Testamento feita pelos “setenta” eruditos que, de acordo com a tradição foram envia-
dos de Jerusalém para o Egito atendendo a pedido do rei egípcio Ptolomeu II no terceiro século
B.C. para traduzir o Velho Testamento grego. Os originais hebreus da maioria dos livros, e a
maioria dos livros foram compostos somente nos últimos séculos antes de Cristo. Os livros “não-
canônicos” do Velho Testamento: Tobias, Judith, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico ou a Sabe-
doria de Josué o filho de Sirach, Baruch, três livros dos Macabeus, a Epístola de Jeremias, Salmo
151, e as adições aos Livros de Éster, de duas Crônicas (a Oração de Manasses), e de Daniel (a
Canção dos Três Meninos, Suzana e Bel e o Dragão) A Igreja aceita esses livros mais tardios
como úteis e instrutivos e antigamente indicava-os para leitura instrutiva não só nos lares mas
também nas Igrejas, por isso é que eles foram chamados de “Eclesiásticos.” A Igreja inclui esses
livros num só volume junto com os livros canônicos. Como uma fonte de ensinamento na fé, a
Igreja os coloca em posição secundária e olha-os como um apêndice aos livros canônicos. Al-
guns deles estão tão perto em mérito dos livros devidamente inspirados que, por exemplo no 85º
cânon apostólico (os Canons Apostólicos, dos Santos Apóstolos são uma coleção de 85 canons
Eclesiásticos ou leis vindas dos Apóstolos e seus sucessores e aos quais foi dada a provação ofi-
cial pela Igreja no Concílio de Quinsexto, em Trullo em 692, e no primeiro cânon do Sétimo
Concílio (787). Alguns desses canons foram citados e aprovados em Concílios Ecumênicos a
começar pelo Primeiro Concílio em 325, mas a coleção completa de todos os canons juntos pro-
vavelmente não foi completada antes do 4º século. O nome apostólico não necessariamente sig-
nifica que todos os canons ou a coleção deles foram feitas pelos próprios Apóstolos, mas somen-
te que eles estão de acordo com a tradição legada pelos Apóstolos (assim como nem todos os
“Salmos de Davi” foram na verdade escrito pelo profeta Davi). Para o texto dos 85 cânon, ver
Eerdemans Seven Ecumenical Councils, p. 594-600. O cânon Apostólico nº 85 lista os livros ca-
nônicos do Velho e Novo Testamento). Os três livros de Macabeus e o livro de Josué o filho de
Sirach são listados juntos com os livros canônicos, e, a respeito de todos eles juntos, é dito que
são “veneráveis e santos.” No entanto, isso só significa que eles eram respeitados na Igreja anti-
ga; mas uma distinção entre os livros canônicos e os não-canônicos do Antigo Testamento foi
sempre mantida na Igreja.
A Igreja reconhece 27 livros canônicos do Novo Testamento. (Esses livros são: os 4 E-
vangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João; os Atos dos Apóstolos; as Sete Epístolas Católicas
(uma de Tiago, duas de Pedro, três de João e uma de Judas); catorze Epístolas do Apóstolo Paulo
(Romanos, Primeira e Segunda aos Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossensses, Primei-
ra e Segunda Tessalônica, Primeira e Segunda Timóteo, Tito, Filemon, Hebreus); e o Apocalipse
(Revelação) de São João Teólogo e Evangelista). Como os livros sagrados do Novo Testamento
foram escritos em vários anos da era apostólica e foram enviados pelos Apóstolos para vários
pontos da Europa e Ásia, e alguns deles não tiveram uma designação refinada para nenhum lugar
específico, o ajuntamento deles em uma única coleção ou código não poderia ser um assunto fá-
cil; foi necessário manter uma vigilância estrita entre os livros de origem apostólica pois poderi-
am haver entre eles alguns dos assim chamados livros “apócrifos,” que em sua maior parte foram
compostos em ciclos heréticos. Por isso, os padres e professores da Igreja, durante os primeiros
séculos do Cristianismo mantiveram uma precaução especial em distinguir esses livros ainda que
eles portassem o nome dos Apóstolos. Os padres da Igreja freqüentemente introduziram certos
livros em suas listas com reservas, com incertezas e dúvidas, ou ainda por essa razão deram uma
lista incompleta dos Livros Sagrados. Isso foi inevitável e serve como memorial para essa pre-
caução excepcional nesse assunto santo. Eles não confiaram em si próprios mas esperaram pela

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voz universal da Igreja. O Concílio de Cartago que foi local, em 318, em seu cânon 33, enumera
todos os livros do Novo Testamento sem exceção.
Santo Atanásio, o Grande nomeia todos os livros do Novo Testamento sem a mínima dú-
vida ou distinção, e em uma das suas obras ele concluiu sua lista com as seguintes palavras:”
Prestem atenção no número dos livros canônicos do Novo Testamento. Eles são, como foram, o
começo, as ancoras e pilares da nossa fé, porque eles foram escritos pelos próprios Apóstolos de
Cristo, o Salvador que estiveram com Ele e por Ele foram instruídos (da Synopsis de Santo Ata-
násio). Da mesma forma São Cirilo de Jerusalém também enumera os livros do Novo Testamen-
to sem o mais leve reparo ou qualquer tipo de distinção entre eles na Igreja. A mesma lista com-
pleta encontrada entre os escritores eclesiásticos ocidentais, por exemplo Santo Agostinho. As-
sim, o cânon completo dos livros do Novo Testamento da Sagrada Escritura foi confirmado pela
voz católica da Igreja toda. Essa Sagrada Escritura, na expressão de São João Damasceno, é o
“Paraíso Divino” (Exact Exposition of the Ortodox Faith, Livro 4, Cap 17, Eng. Tr. p. 374).

Tradição Sagrada.
No significado original preciso da palavra, Tradição Sagrada é a tradição que vem da an-
tiga Igreja dos tempos Apostólicos. Do segundo ao quarto século isso foi chamado de “A Tradi-
ção Apostólica.”
Deve-se ter em mente que a Igreja primitiva guardava cuidadosamente a vida interior da
Igreja daqueles que estavam fora delas; seus Santos Mistérios eram secretos, mantidos fora dos
conhecimentos dos não-cristãos. Quando esses Santos Mistérios eram realizados — Batismo ou a
Eucaristia — aqueles que não eram da Igreja não estavam presentes; a ordem dos ofícios não era
escrita mas só transmitida oralmente; e no que era preservada em segredo estava contido o lado
essencial da fé. São Cirilo de Jerusalém (4º século) nos apresenta isso de maneira especialmente
clara. A respeito de instruções Cristãs para aqueles que ainda não tinham expressado a decisão
final de se tornarem Cristãos, o hierarca precede ensinamentos com as seguintes palavras:
“Quando o ensinamento catequético é pronunciado, se um catecúmeno te perguntar, ‘O que o
instrutor disse?’ tu não deves repetir nada para aqueles que estão sem (Igreja). Pois nós estamos
te dando um mistério e esperança da era futura. Mantenha o Mistério Daquele que é o doador de
recompensa, que ninguém diga a ti ‘Qual é o mal se nós descobrimos também?’ Pessoas doentes
também pedem por vinho, mas se lhes for dado na hora errada ele produz desordem na mente, e
existem duas conseqüências malignas; o doente morre e o médico é difamado” (Prologue to the
Catechetical Lectures, cap. 12).
Em uma de suas homilias seguintes São Cirilo de novo observa: “Incluímos o ensinamen-
to completo da fé em poucas linhas, E eu desejaria que vocês lembrassem dele palavra por pala-
vra e deveriam repeti-lo entre vocês com todo fervor, sem escreve-lo em papel, mas anotando-o
por memória no coração. E vocês deveriam precaver-se pelo menos durante o tempo de vossa
ocupação com esses estudos para que nenhum dos catecúmenos venha a ouvir aquilo que foi pas-
sado para vocês” (Fifth Catechetical Lecture, ch. 12). Nas palavras introdutórias que ele escreveu
para aqueles que iriam ser “iluminados” — isto é, aqueles que já estavam para o batismo — e
também para aqueles prestes que eram batizados, ele dá o seguinte aviso: “Esta instrução para
aqueles que estão sendo iluminados é oferecida para ser lida por aqueles que estão vindo para o
Batismo, e também pelos fiéis que já receberam o batismo; mas de modo nenhum não a dêem
nem para catecúmenos nem para qualquer outro que ainda não se tornara Cristão, senão terão que
responder ao Senhor. E se vocês fizerem cópia dessa leitura catequética, então, como diante do
Senhor, copie isso também” (isso é, o aviso).(fim do Prologue para Catechetical Lectures). (Es-

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sas três citações são encontradas nas Catechetical Lectures, Eerdmans ed. pes. 4, 32, 5. Esse ri-
gor com respeito a revelação dos Mistérios Cristãos (Sacramentos) para estranhos a Igreja não é
mais preservada em tal nível na Igreja Ortodoxa. A exclamação “Retirai-vos catecúmenos!” an-
tes da Liturgia dos fiéis ainda é proclamada, é verdade, mas dificilmente em qualquer lugar do
mundo ortodoxo os catecúmenos ou não ortodoxos são instruídos a deixar a Igreja nesse instante.
(Em algumas Igrejas eles são somente solicitados a ficar no fim da Igreja, no nartex, mais ainda
porém observar o ofício). O ponto fulcral dessa ação perdeu-se no nosso tempo, quando todos os
“segredos” dos Mistérios Cristão estão prontamente disponíveis para quem consegue ler, e o tex-
to de São Cirilo Catechetical Lectures foi publicado em muitas línguas e edições. No entanto, a
grande reverência que a Igreja antiga mostrava pelos Mistérios Cristãos, preservando-os cuida-
dosamente do olhar daqueles que eram meramente curiosos, ou daqueles que, sendo de fora da
Igreja e, descompromissados com o Cristianismo, poderiam interpretar mal ou desconfiar deles
— é ainda mantida pelos Cristãos Ortodoxos de hoje em dia, que ainda são sérios acerca de sua
fé, mesmo hoje em dia não devemos “dá pérolas aos porcos” — falar muito dos Mistérios da Fé
Ortodoxa para aqueles que só curiosos sobre eles mas que não procuram juntar-se a Igreja).
Nas palavras que se seguem São Basílio, o Grande dá-nos um claro entendimento da Sa-
grada Tradição Apostólica: “Dos dogmas e sermões preservados na Igreja, alguns nós temos por
instrução escrita, e alguns nós recebemos da Tradição Apostólica, passados em segredo. Tanto
um quanto outro tem a mesma autoridade para a piedade e ninguém ainda que seja o menos in-
formado nos decretos da Igreja contradirá isso. Pois se nós ousarmos subverter os costumes não
escritos como se eles não tivessem grande importância, nós estaremos assim fazendo impercepti-
velmente mal aos Evangelhos em seus pontos mais importantes. E ainda mais, nós seremos dei-
xados como o nome vazio na pregação Apostólica sem conteúdo. Por exemplo, prestemos aten-
ção especialmente na primeira e mais comum das coisas que aqueles que esperam no nome de
Nosso Senhor Jesus Cristo devem se assinalar com o Sinal da Cruz. Quem ensinou isso nas Es-
crituras? Que Escrituras instrui-nos a rezar voltados para o leste? Qual dos santos nos deixou em
forma escrita as palavras da invocação durante a transformação do pão da Eucaristia e a benção
do Cálice? Pois não estando satisfeitos com as palavras que são mencionadas nas Epístolas e E-
vangelhos, mas antes e depois delas nos pronunciamos que também tem uma grande autoridade
para o Mistério, tendo-as recebido por ensinamento não escrito. Por qual Escritura, da mesma
forma, abençoamos a água do Batismo e o óleo da unção? Não é isso a silenciosa e secreta tradi-
ção? E o que mais? Que palavra escrita nos ensinou essa unção com óleo? (Isso é, a unção da-
queles que estão sendo batizados; a unção do Sacramento da Unção, de outro lado, é claramente
indicado nas Escrituras (Tes 5:14) Aonde é encontrada a tripla imersão e todo o resto que tem a
ver com o Batismo, a renúncia a Satanás e seus anjos? De que Escrituras são tomadas? Não é
desse ensinamento não publicado e não falado que nossos padres preservaram em silêncio ina-
cessível a curiosidade e escrutínio, porque eles foram inteiramente instruídos a preservar em si-
lêncio a santidade dos Mistérios? Que propriedade teria proclamar por escrito um ensinamento
referente aquilo que não é permitido para os não batizados sequer contemplar? (On The Holy
Espirit, cap. 27).
Dessas palavras de São Basílio, o Grande devemos concluir: primeiro, que a sagrada tra-
dição do ensinamento da fé é aquela que pode ser rasteada até o período mais antigo da Igreja, e
segundo, que tenha sido cuidadosamente preservada e unanimente reconhecida entre os padres e
professores durante a época dos grandes padres e o início dos Concílios Ecumênicos.
Apesar de São Basílio ter dado uma série de exemplos da “tradição oral,” ele próprio nes-
se mesmo texto deu passos na direção de “gravar” essas palavras orais. Durante a era de liberda-

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de e no triunfo da Igreja no quarto século, quase toda tradição em geral recebeu uma forma escri-
ta e está agora preservada na literatura da Igreja, e que resulta num suplemento da Sagrada Escri-
tura.
Nós encontramos essa antiga sagrada Tradição

no mais antigo texto da Igreja, os canons dos Santos Apóstolos; (Ver páginas
anteriores nota sobre Canons dos Santos Apóstolos);
nos símbolos da fé (Credo) das antigas Igrejas locais;
nos antigos Atos dos mártires Cristãos. Os Atos dos mártires não entravam em uso pe-
los fiéis até que eles tivessem sido examinados e aprovados pelos bispos locais; e eram
lidos em reuniões públicas de Cristãos sob a supervisão dos líderes das Igrejas. Neles
nós vemos a confissão da Santíssima Trindade, a Divindade do Senhor Jesus Cristo,
exemplos de invocação de santos, a crença na vida consciente daqueles que haviam
repousado em Cristo, e muito mais;
nos registros antigos da história da Igreja especialmente no livro de Eusébio Pamphilo,
Bispo de Cesareia (Tradução inglesa: Eusebius: The History of Church from Christ to Constantine,
tradução por G. A. William, Peguin Books, Baltimore, 1965) onde estão reunidas muitas tradi-
ções antigas de rito e dogma — em particular, ali é dado o cânon dos livros sagrados
do Antigo e Novo Testamento;
nos trabalhos dos antigos padres e professores da Igreja;
e finalmente, no verdadeiro espírito da vida da Igreja, na preservação da fidelidade a
todas as suas fundações que vem dos Santos Apóstolos.

A Tradição Apostólica que tem sido preservada e guardada pela Igreja pelo simples fato que ela
tem sido mantida pela Igreja, torna-se a própria Tradição da Igreja, “pertence” a ela, e testifica
sobre ela, e, em paralelo à Sagrada Escritura é chamada pela Igreja, “Sagrada Tradição.”
O testemunho da Sagrada Tradição é indispensável para nossa certeza que todos os livros
da Sagrada Escritura nos foram entregues vindos dos tempos Apostólicos e são de origem apos-
tólica. A Sagrada Tradição é necessária para o correto entendimento de passagens separadas das
Sagradas Escrituras, e para refutar interpretações heréticas, e, em geral, para evitar interpretações
superficiais, unilaterais, e às vezes até mesmo prejudiciais e falsas.
Finalmente, a Sagrada Tradição é também necessária porque algumas verdades da fé são
expressas numa forma completa e definitiva nas Escrituras, enquanto outras não estão claras e
precisas e por isso precisam confirmação pela Tradição Apostólica Romana.
O Apóstolo comanda: “Então, irmãos, estais firmes e retende as tradições que vos foram
ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa.”
Além de tudo isso, a Sagrada Escritura é valiosa porque dela nos vemos como a ordem
completa da organização da Igreja, os canons, os Ofícios Divinos e ritos são enraizados no modo
de vida da Igreja dos tempos antigos. Assim, a preservação da “Tradição” expressa a sucessão da
verdadeira essência da Igreja.

A Consciência Católica da Igreja.


A Igreja Ortodoxa de Cristo é o Corpo de Cristo, um organismo espiritual cuja cabeça é o
Cristo. Ela tem um único espírito, uma única fé comum, uma única e comum consciência católi-
ca, guiada pelo Espírito Santo; e seus raciocínios são baseados nas concretas e definidas funda-
ções da Sagrada Escritura e da Sagrada Tradição Apostólica. Essa consciência é expressada nos

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Concílios Ecumênicos da Igreja. Desde uma profunda antigüidade Cristã, concílios locais de I-
grejas separadas reuniam-se duas vezes por ano, de acordo com o 37º cânon dos Santos Apósto-
los. A mesma forma, freqüentemente na história da Igreja existiram concílios de bispos regionais
representando uma área mais ampla do que a de Igrejas individuais e, finalmente concílios de
bispos de toda a Igreja Ortodoxa tento do Oriente quanto do Ocidente. Tais Concílios Ecumêni-
cos a Igreja reconhece em número de sete. Os Concílios Ecumênicos também formularam nume-
rosas leis e regras governando a vida pública e privada da Igreja Cristã, que são os chamados ca-
nons da Igreja, e que requeriam sua observância universal e uniforme. Finalmente, os Concílios
Ecumênicos confirmaram decretos dogmáticos de numerosos concílios locais e também regras
dogmáticas compostas por certos padres da Igreja — por exemplo a confissão de fé de São Gre-
gório, o Taumaturgo, Bispo de Neo-Cesareia (Para o texto das “Epístolas Canônicas” de São
Gregório, ver Seven Ecumenical Councils, p. 602, Eedermans), o cânon de São Basílio, o Grande
(O texto dos canons de São Basílio é encontrado no mesmo livro de Eedermans nas p. 604-611),
e assim por diante.
Quando na história da Igreja, aconteceu que concílios de bispos permitiram pontos de vis-
tas heréticos serem expressos em seus decretos, a consciência católica da Igreja foi perturbada e
não foi pacificada até que a autêntica verdade Cristã fosse restaurada e confirmada por meio de
outro concílio (concílios verdadeiros — aqueles que a verdade Ortodoxa — são aceitos pela
consciência católica da Igreja; concílios falsos — aqueles que ensina heresia ou rejeitam algum
aspecto da Tradição da Igreja — são rejeitados pela mesma consciência católica . A Igreja Orto-
doxa é a Igreja não de concílios como tais, mas dos verdadeiros concílios, inspirados no Espírito
Santo, e que se conformam coma consciência católica da Igreja). Deve-se lembrar que os concí-
lios da Igreja fizeram seus decretos dogmáticos: a) depois de um cuidadoso, perfeito e completo
exame de todas as passagens da Sagrada Escritura que tocassem em um determinado assunto, b)
então verificando que a Igreja Ecumênica tivesse entendido as citadas passagens da Sagrada Es-
critura de modo preciso. Desse modo os decretos dos concílios concernentes à fé expressam a
harmonia da Sagrada Escritura e a Tradição católica da Igreja. Por essa razão esses decretos tor-
naram-se, por sua vez em uma autentica, inviolável, autorizada, Ecumênica e Sagrada Tradição
da Igreja, baseada em fatos da Sagrada Escritura e na Tradição Apostólica.
Certamente, muitas verdades da fé são tão imediatamente claras na Sagrada Escritura que
não foram sujeitas a interpretações heréticas; por isso a respeito delas não há decretos específicos
dos concílios. Outras verdades no entanto foram confirmadas por concílios.
Entre todos os decretos dogmáticos dos concílios, os próprios Concílios Ecumênicos re-
conhecem como primário e fundamental o Símbolo da Fé de Nicéia-Constantinopla (O “Credo”
(“creio em um só Deus...) que é cantado em toda Divina Liturgia da Igreja Ortodoxa e lido em
diversos outros lugares nos Divinos Ofícios diários) e eles proibiram qualquer modificação que
fosse, nele, por adição ou subtração (decreto do Terceiro Concílio Ecumênico, repetido pelo
Quarto, Quinto, Sexto e Sétimo Concílios).
Os decretos relativos a fé que foram feitos por inúmeros concílios locais e também certas
exposições de Fé pelos Santos Padres da Igreja, são reconhecidos como guias para toda a Igreja e
são enumerados no segundo cânon do Sexto Concílio Ecumênico (em Trullo; O “Quinsext”
Concílio em Trullo (642) foi de fato reunido onze anos depois do Sexto Concílio Ecumênico,
mas seus decretos são aceitos na Igreja Ortodoxa como a continuação dos Canons do Sexto Con-
cílio Ecumênico. O texto desses canons pode ser lido no Seven Ecumenical Council, p. 361, e os
canons dos concílios locais e exposições dos Santos Padres que foram aprovados nesse “cânon”
estão impressos no mesmo volume p. 409-519, 584-645).

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Dogmas e Canons.
Na terminologia eclesiástica dogmas são as verdades do ensinamento Cristão, as verdades
da fé, e canons são as prescrições: relacionadas com a Igreja, governo da Igreja, obrigações da
hierarquia e do clero da Igreja e de todo o Cristão, que fluem do embasamento moral do ensina-
mento evangélico e Apostólico. Cânon é uma palavra grega que significa literalmente “uma vara
reta, uma medida de direção precisa.”

Os Trabalhos dos Santos Padres.


Para orientação em questões de fé, para o correto entendimento da Sagrada Escritura, e de
maneira a distinguir a autêntica tradição da Igreja dos falsos ensinamentos, nós apelamos para os
trabalhos dos Santos Padres da Igreja, reconhecendo que a concordância unânime de todos os
padres e professores da Igreja ao ensinar a fé é um indubitável sinal de verdade. Os Santos Pa-
dres permaneceram na fé, não temendo nem ameaças, nem verdades da Fé: 1) dão precisão à ex-
pressão das verdades do ensinamento Cristão e criam a unidade da linguagem dogmática; 2) a-
crescentam testemunhos dessas verdades com a Sagrada Escritura e a Sagrada Tradição e tam-
bém trazem argumentos baseados na razão. Em teologia, atenção é dada também para certas opi-
niões particulares (em grego: theologoumenaI) dos Santos Padres ou professores da Igreja em
questões que não foram precisamente definitivas e aceitas por toda a Igreja. No entanto, essas
opiniões não devem ser confundidas com dogmas no sentido preciso da palavra. Existem algu-
mas opiniões particulares de certos padres e professores que não são reconhecidas como estando
de acordo com a fé católica geral na Igreja, e não são aceitas como guias da fé. (Com exemplo de
tais “opiniões particulares,” pode-se tomar a opinião errada de São Gregório de Nissa que o in-
ferno não eterno e que todos — inclusive os demônios — serão salvos no fim. Essa opinião foi
rejeitada decisivamente no Quinto Concílio Ecumênico por contradizer a “consciência católica
da Igreja,” mas o próprio São Gregório é ainda aceito como santo e Santo Padre na Igreja Orto-
doxa e seus outros ensinamentos não são questionados. Sobre a atitude Ortodoxa para com tais
“opiniões particulares” erradas dos padres, e especificadamente, a respeito dos ensinamentos de
Padres como São Photius, o Grande e São Marcos de Éfeso, ver o artigo “The Plave of Blessed
Augustine na Igreja Ortodoxa” em The Orthodox Word, 1978, nºs. 79 e 80, é impresso também
como um livrete separado, São Herman do Alasca Brotherhood, 1983).

As verdades da fé nos Ofícios Divinos.


A consciência Católica da Igreja, quando ela se preocupa com o ensinamento da fé, tam-
bém é expressa nos Divinos Ofícios Ortodoxos que nos foram passados pela Igreja Ecumênica.
Entrando-se profundamente no conteúdo dos livros dos Divinos Ofícios nós nos tornamos mais
firmes no ensinamento dogmáticos da Igreja Ortodoxa. (Deve-se notar que os compositores e
compiladores dos Ofícios Divinos foram freqüentemente grandes teólogos. Por exemplo, o Octo-
echos ou livro dos ofícios diários nos Oito Tons, é essencialmente obra de São João de Damas-
ceno, o Santo Padre do 8º século que reuniu a teologia Ortodoxa da grande era patrística).

B. Exposições do Ensinamento Cristão.

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Os livros simbólicos.
As interpretações do Símbolo da Fé, ou os “Guias Simbólicos” (do grego symballo, signi-
ficando “unir”; symbolom um sinal unitivo ou condicional) da Fé Ortodoxa, no significado co-
mum desse termo, são aquelas exposições de fé Cristã que são dadas no Livro de Canons dos
Santos Apóstolos, nos Santos Concílios Locais e Ecumênicos, e nos Santos Padres. A teologia da
Igreja Russa também faz uso, como livros simbólicos, daquelas duas exposições de fé que em
tempos mais recentes foram evocadas pela necessidade de apresentar o ensinamento Cristão Or-
todoxo contra ensinamentos de confissões não-ortodoxas no segundo milênio. Esses livros são:
A Confissão da Fé Ortodoxa compilada pelo Patriarca de Jerusalém, Dositeus, que foi lida e a-
provada no Concílio de Jerusalém em 1672 e, cinqüenta anos depois, em resposta a uma inquiri-
ção recebida da Igreja Anglicana, foi enviada para essa Igreja em nome do todos os Patriarcas
Orientais e por isso ficou mais conhecida pelo nome de “A Encíclica dos Patriarcas Orientais
Sobre a Fé Ortodoxa.” Também incluída nessa categoria está a Orthodox Confession de Peter
Mogica, metropolita de Kiev, que foi examinada e corrigida em dois concílios locais, o de Kiev
em 1640 e o de Jassy em 1643, e então aprovada por quatro Patriarcas Ecumênicos e pelos Patri-
arcas russos Joaquim e Adrian. O Catecismo Cristão Ortodoxo do Metropolitan Philaret de Mos-
cou goza de importância similar na Igreja Russa, particularmente a parte que contem a exposição
do símbolo da fé. Esse catecismo foi “examinado e aprovados pelo Santo Sínodo e publicado pa-
ra instrução nas escolas e para o uso de todos os Cristãos Ortodoxos.”

Sistemas dogmáticos.
À tentativa de se ter uma exposição compreensiva de todo ensinamento cristão nós cha-
mamos de “sistema de teologia dogmática.” Um sistema dogmático completo, muito valioso para
a teologia Ortodoxa, foi compilado no século oitavo por São João Damasceno sob o título de E-
xact Exposition of the Orthodox Faith. Nesse trabalho, pode-se dizer, São Damasceno reuniu to-
do o pensamento teológico dos Padres do Oriente e professores da Igreja até o século oitavo.
Entre os teólogos russos os trabalhos mais completos de teologia dogmática foram escri-
tos no século dezenove pelo Metropolita Macário de Moscou (Orthodox Dogmatic Theology,
dois volumes), por Philaret, Arcebispo de Chernigov (Orthodox Dogmatic Theology, em duas
partes), pelo Bispo Silvestre, reitor da Academia Teológica de Kiev (Essay in Orthodox Dogma-
tic Theology, with a Historical Exposition of the Dogmas, cinco volumes), pelo Arcipreste N.
Malinovsky (Orthodox Dogmatic Theology, quatro volumes e A Sketch of Orthodox Dogmatic
Theology, em duas partes), e pelo Arcipreste p. Svietlov (The Chistian Teaching of Faith, na
Apologetic Exposition). (Esses “sistemas” russos de teologia do século dezenove estiveram fora
de moda entre os teólogos acadêmicos Ortodoxos nos anos recentes, e alguns os criticaram por
supostas “influências orientais” que eles mostrariam. Essa crítica, enquanto de uma certa maneira
parte justificada, em sua maior parte é unilateral e injusta, e conduziu alguns a uma confiança
cega nos teólogos ortodoxos de hoje como não contaminados pela “influência ocidental.” A ver-
dade do assunto é que a divisão da teologia em “categorias,” sua “sistematização” (que o próprio
livro presente segue) é um dispositivo bem moderno emprestado do Ocidente, mas como somen-
te uma organização externa do sujeito-assunto da teologia. Padre Michael, ele próprio, defendeu
em outro texto esse sistema de teologia pela sua utilidade no ensino da teologia nas escolas con-
tra acusações de “escolaticismo” que são totalmente injustas. Em intenção, esses sistemas são só
uma tentativa no século dezenove de fazer o que São João Damasceno fez no século oitavo, e
ninguém pode negar que o conteúdo básico desses trabalhos é Ortodoxo).

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C. Teologia Dogmática.
O trabalho dogmático da Igreja sempre foi dirigido para a confirmação na consciência dos fiéis
das verdades da Fé, que foi confessada pela Igreja desde o começo. Esse trabalho consiste em
indicar que modo de pensamento tem aquele que segue a Tradição Ecumênica. O trabalho de ins-
trução da Igreja tem sido, batalhar contra as heresias: achar uma forma precisa de expressão das
verdades da fé como recebidas da antigüidade e confirmar a correção do ensinamento da Igreja,
fundamentando-o na Sagrada Escritura e na Sagrada Tradição. No ensinamento da fé, é o pensa-
mento dos Santos Apóstolos que foi e permanece sendo o padrão da totalidade e da completude
da visão Cristã do mundo. Um Cristão do século vinte não pode desenvolver mais completamen-
te ou ir mais fundo nas verdades da fé do que os Apóstolos. Por isso, qualquer tentativa que é
feita — seja por indivíduos ou em nome da própria teologia dogmática — em revelar novas ver-
dades Cristãs, ou novos aspectos dos dogmas que nos foram passados, ou um novo entendimento
sobre eles, é completamente fora de propósito. O objetivo da teologia dogmática como um ramo
do aprendizado é apresentar, com embasamento firme e provado, o ensinamento Cristão Ortodo-
xo que nos foi passado.
Certas obras completas de teologia dogmática apresentam o pensamento dos Padres da
Igreja em uma seqüência histórica. Assim, por exemplo, o acima mencionado Essay in the Or-
thodox Dogmatic Theology pelo Bispo Silvestre é arrumado desse modo. Deve-se compreender
que tal método de exposição em teologia Ortodoxa não tem o propósito de investigar o “desen-
volvimento gradual do ensinamento Cristão”; seu objetivo é inerente: é mostrar que a apresenta-
ção completa, em seqüência histórica das idéias dos Santos Padres da Igreja em todas as épocas
ensinaram o mesmo acerca das verdades da fé. Mas, porque alguns deles viram o assunto de um
lado, e outra do outro lado, e alguns deles trouxeram argumentos de um tipo, e outros de outro
tipo, por isso a seqüência histórica dos ensinamentos dos Padres dá uma vista completa dos
dogmas da fé e a completude das provas de suas verdades.
Isso não significa que a exposição teológica dos dogmas deva tomar uma forma inalterá-
vel. Cada época coloca seu modo de ver, modo de compreender, questões, heresias e protestos
contra a verdade Cristã, ou ainda repete coisas antigas que haviam sido esquecidas. A teologia
naturalmente leva em consideração as questões de cada época, e coloca as verdades dogmáticas
de acordo com isso. Nesse sentido, pode-se falar acerca do desenvolvimento da teologia dogmá-
tica como um ramo do aprendizado. Mas não há espaço suficiente para se falar sobre o desenvol-
vimento Cristão da própria fé.

Dogmáticas e fé.
Teologia dogmática é para o Cristão que crê. Nem mesmo ela não inspira fé. Mas pressu-
pões que a fé já exista no coração. “Cri, por isso falei” diz um homem justo no Velho Testamen-
to (Sl 116:10). E o Senhor Jesus revelou os mistérios do Reino de Deus a Seus discípulos depois
que eles acreditaram Nele: “Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna, E
nós temos crido e conhecido que Tu és o Cristo, o Filho de Deus (Jô 6: 68-69). Fé, e mais preci-
samente fé no Filho de Deus que veio ao mundo, é a pedra fundamenta da teologia.” “Estes po-
rém foram escritos para que creais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, te-
nhais vida em Seus Nome” (Jo. 20:31), escreve o Apóstolo João no fim do seu Evangelho e ele
repete o mesmo pensamento muitas vezes em suas Epístolas: e essas palavras dele expressa a

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idéia principal de todo os escritos dos Santos Apóstolos: Eu creio. Todo Cristão teologicamente
deve começar com essa confissão. Sob essa condição teologizar não é um exercício intelectual
abstrato, nem uma dialética intelectual, mas uma morda dos pensamentos nas verdades divinas,
um direcionamento da mente e coração para Deus, e um reconhecimento do amor de Deus. Para
um descrente teologizar é algo sem efeito, pois Cristo, para descrentes é “uma pedra de tropeço e
rocha de escândalo” (1 Pe 28; ver Mt 21:44).

Teologia, Ciência e Filosofia.


A diferença entre teologia e ciências naturais, que estão baseadas em observação e expe-
riências é tornada clara pelo fato que a teologia dogmática é baseada em viva e santa fé. Aqui o
ponto de início é fé, e lá, experiência. No entanto, as maneiras e métodos de estudo são um só e o
mesmo em ambas as esferas; o estudo dos fatos, e dedução deles tirada. Só que, nas ciências na-
turais as deduções são derivadas de fatos coletados através da observação da natureza, o estudo
da vida dos povos, e criatividade humana; enquanto em teologia as deduções do estudo da Sa-
grada Escritura e da Sagrada Tradição. As ciência naturais são empíricas e técnicas, enquanto
nosso estudo é teológico.
Isso esclarece também a diferença entre teologia e filosofia. Filosofia é erigida sobre ba-
ses puramente racionais e sobre ciências experimentais, na extensão que essas últimas seja capa-
zes de serem usadas para elevadas questões da vida; enquanto teologia é baseada na Revelação
Divina. Elas não devem ser confundidas; teologia não é filosofia mesmo quando mergulha nosso
pensamento em profundos ou elevados assuntos da fé Cristã que são difíceis de entender.
A teologia não nega nem as ciências experimentais nem a filosofia. São Gregório, o Teó-
logo considerou que o mérito de São Basílio, o Grande foi dominar a dialética à perfeição com a
cuja ajuda ele derrotou as construções filosóficas dos inimigos do Cristianismo. Em geral, São
Gregório não simpatizava com aqueles que mostravam falta de respeito por aprendizado exterior
aos assuntos de Igreja, no entanto, em suas renomadas homilias sobre a Santíssima Trindade, ele
assim se coloca: “Assim, tão brevemente quanto possível, eu vos apresentei nosso amor pela sa-
bedoria, que é dogmática e não dialética, na maneira dos pescadores e não de Aristóteles, espiri-
tual e não engenhosamente tramada, de acordo com as regras da Igreja e não do mercado” (Ho-
milia 22).
O curso de teologia dogmática é dividido em duas partes básicas: no ensinamento 1) So-
bre Deus em Si próprio e 2) sobre Suas manifestações de si mesmo como Criador, Providência,
Salvador do mundo e Aperfeiçoador do destino do mundo.

Parte I.
Deus em Si Próprio.
O dogma da fé. Crença ou fé como atributo da alma. O poder da fé. A fonte da fé. A natureza de
nosso conhecimento de Deus. A essência de Deus. Os atributos de Deus. Sagrada Escritura con-
cernente aos atributos de Deus. Deus é Espírito. Eterno. Todo Bondade. Onisciente. Todo Justo.
Poderoso (Onipotente). Onipresente. Imutável. Auto- Suficiente e Todo Bendito. A unidade de
Deus

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1. Nosso conhecimento de Deus.

O dogma da fé.
A primeira palavra do Símbolo da Fé Cristã é “creio.” Toda a nossa confissão Cristã é
baseada na fé. Deus é o primeiro objeto da crença Cristã. Assim, nosso reconhecimento Cristão
da existência de Deus é fundada não em bases racionais, nem em provas tomadas na razão ou
recebido de experiências de nossos sentidos exteriores, mas em uma interna e alta convicção que
tem uma fundação moral.
No entendimento Cristão, acreditar em Deus significa não só aceitar Deus com a mente,
mas também empenhar-se na direção Dele como coração.
Nós cremos naquilo que é inacessível à experiência exterior, à investigação cientifica,e
não pode ser recebido pelos órgãos de sentido. São Gregório, o Teólogo distingue entre crença
religiosa — “eu creio em alguém, em alguma coisa” — e uma simples crença pessoal — “Eu a-
credito em alguém, em alguma coisa.” Ele escreve: “Não é a mesma coisa crer e acreditar.” Nós
cremos na Divindade, mas simplesmente acreditamos em qualquer coisa ordinária (“On the Holy
Spirit,” parte III, pg 88 na edição russa de suas Complete Works; p. 319 no texto inglês do E-
erdmans).

Crença ou fé como um atributo da alma.


A fé Cristã é uma revelação mística da alma humana. Ela é maior, mais poderosa, mais
próxima da realidade que o pensamento. É mais complexa que sentidos separados. Ela contem
em si mesma os sentimentos de amor, medo, veneração, reverência e humildade. Também não
pode ser chamada de manifestação da vontade, pois apesar de mover montanhas, o Cristão re-
nuncia à sua própria vontade quando ele crê, e dá-se inteiramente à vontade de Deus: “Seja feita
a Sua vontade em mim, um pecador.” O caminho da fé está no coração; é inseparável do amor
puro, sacrificial, “operando por caridade” (Gl. 5:6)
Logicamente, o Cristianismo é ligado também ao conhecimento da mente, e dá uma visão
do mundo, mas se permanecer só uma visão do mundo, seu poder de mover se desvanece. Sem fé
não existiria o vínculo vivo entre o céu e a terra. A crença Cristã é algo muito maior que as “hi-
póteses persuasivas” que é o tipo de crença usualmente encontrado na vida.

O poder da fé.
A Igreja de Cristo é fundada sobre a fé como sobre uma rocha que não treme sob ela. Por
fé os santos conquistaram reinos, realizaram obras justas, fecharam as bocas de leões, extingui-
ram o poder do fogo, escaparam do fio da espada, foram reforçados na enfermidade (Hb 11:38).
Sendo inspirados pela fé, Cristãos foram torturados e morreram em júbilo. A fé é uma rocha, mas
uma rocha que impalpável, livre de peso, que nos dirige para cima e não para baixo .
“Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios d’água viva correrão do seu ventre,” disse
o Senhor (Jô. 7:38); e a pregação dos Apóstolos, uma pregação no poder da palavra, no poder do
Espírito, no poder dos sinais e milagres, foi um testemunho da verdade nas palavras do Senhor.
Esse é o mistério da fé Cristã viva.

A fonte da fé.
“... Se tiverdes fé e não duvidardes... se a este monte disserdes: Ergue-te e precipita-o no
mar, assim será feito” (Mt. 21:21). A história da Igreja de Cristo é cheia de milagres dos santos

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em todas as épocas. No entanto, milagres não são realizados por fé em geral, mas pela fé Cristã.
Fé é uma realidade não pelo poder da imaginação e não por auto-hipnose, mas pelo fato que ela
nos liga com a fonte de toda vida e poder — com Deus. Na expressão do hieromartir Irineu, Bis-
po de Lion, a fé é um vaso que pode ser preenchido com água; mas é necessário que se esteja
perto a água e que se ponha o vaso nela : esta água é a graça de Deus. “Fé é a chave para a casa
de tesouros de Deus,” escreve São João de Kronstadt (My Life in Christ, Vol. I, p. 242, edição
russa).
A fé é reforçada e sua verdade é confirmada pelos benefícios de seus frutos espirituais
que são conhecidos pela experiência. Por isso o Apóstolo nos instrui, dizendo: “Examinai-vos a
vós mesmos, se permaneceis na fé, provai-vos a vós mesmo. Ou não sabeis quanto a vós mes-
mos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados” (2 Co 13:5).
Ainda assim é difícil dar uma definição que é a de fé. Quando o Apóstolo diz “Ora, a fé é
o firme fundamento das coisas que se esperam, é a prova das coisas que se não vêem “ (Hb
11:1), sem tocar aqui na natureza da fé, ele indica somente no que o olhar da fé está dirigido para
o que é esperado, para o invisível; e assim ele indica precisamente que é a fé é a penetração da
alma no futuro (“a substância das coisas esperadas”) ou no invisível (“a evidencia das coisas não
vistas). Isso testemunha o caráter místico da fé Cristã.

A natureza de nosso conhecimento de Deus


Deus em Sua essência é incompreensível. Deus habita “...na luz inacessível; a quem nenhum
dos homens viu nem pode ver;...” instrui o Apóstolo Paulo (1 Tm 6:16).
Em suas leituras catequéticas São Cirilo de Jerusalém nos instrui: “Nós não explicamos o
que Deus é, mas candidamente confessamos que nós não temos um conhecimento exato a respei-
to Dele. Pois com respeito a Deus, confessar a nossa ignorância é o melhor conhecimento” (6ª
Catechetical Lecture, Eedrmans p. 33).
Eis aí porque não existe valor dogmático a ser encontrado nos vários tipos da vasta e a-
brangente lista de concepções e buscas racionais sobre o assunto da vida interior de Deus, e da
mesma forma nos conceitos fabricados por analogia com a vida da alma humana. A respeito dos
“companheiros — inquiridores” de seu tempo, São Gregório de Nissa, o Irmão de São Basílio, o
Grande escreve: “Homens, tenho deixado de “... deleitar-se no Senhor...” (Sl 37,4) e de rejubilar-
se na paz da Igreja, entram em refinadas buscas a respeito de alguns tipos de essências e medem
magnitudes, medindo Filho em comparação com o Pai, concedendo uma maior medida ao Pai.
Quem dirá à eles, que aquilo que não é sujeito a números não pode ser medido; o que é invisível
não pode ser avaliado; que o que é sem carne não pode ser comparado não pode ser entendido
como maior ou menos, porque nós sabemos que alguma coisa é “maior,” comparando-o com ou-
tras coisas, mas com alguma coisa que não tem fim, a idéia de “maior” é impensável. “Grande é
o Nosso Senhor, e de grande poder; o Seu entendimento é infinito” (Sl 147:5). O que isso signi-
fica? Numere como foi dito e tu compreenderas o mistério.
O mesmo hierarca escreve adiante: “Se alguém está fazendo uma viagem no meio do dia,
quando o sol com seus raios quentes queima a cabeça, e por seu valor seca toda coisa líquida do
corpo, o sob seus pés está a terra dura que torna difícil o caminhar e é ressecada; e então tal via-
jante encontra uma fonte com jatos saindo esplendidos, transparentes, agradáveis e refrescantes e
mais ainda abundantes, ele se sentará na água e começara a raciocinar sobre sua natureza, procu-
rando de onde ela vem, como, do que, e todas as outras coisas como tais, que oradores preguiço-
sos estão acostumados a julgar; por exemplo: é uma certa mistura que existe nas profundezas da

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terra que vem à superfície sob certa pressão e torna-se água, ou são canais indo através de longos
lugares desérticos e que descarregam água assim que ela acha uma abertura para si? O viajante
ao invés não dirá adeus a todas deliberações racionais, inclinará sua cabeça para o jato e pressio-
nará seus lábios contra ele, aplacará sua sede, refrescará sua língua, satisfará seu desejo, e dará
agradecimentos Aquele que deu esta água? Assim, imitai vós também esse sedento” (São Gregó-
rio de Nissa, “Homily ih His Ordination,” de suas obras em russo, vol IV).
No entanto, até certo ponto nós temos conhecimento de Deus, conhecimento até o ponto
que ele mesmo revelou, para os homens. Deve-se distinguir entre a compreensão de Deus, o que
em essência é impossível, e o conhecimento Dele, ainda que incompleto, como diz o Apóstolo
Paulo, “Porque agora vemos por espelho em enigma ...e agora conheço em parte” (I Co 13:12).
O grau desse conhecimento depende da habilidade do próprio comem em conhecer (Essa distin-
ção entre aquilo que se pode chamar de “absoluta” incognoscibilidade de Deus e a “relativa”
cognoscibilidade Dele é apresentada por São João Damasceno no Livro I, capítulo I da Exatc
Exposition oh the Orthodox Faith).

De onde nós derivamos o conhecimento de Deus?

a) É revelado ao homem do conhecimento da natureza, o conhecimento de si próprio, é o conhe-


cimento de toda criação de Deus em geral. “Porque as Suas coisas invisíveis, desde a criação do
mundo, tanto o seu eterno poder, como a Sua divindade se entendem, se entendem e claramente
se vêem pelas coisas que estão criadas ...” (Rm 1:20); isso é, o que é invisível Nele, Seu eterno
poder e Sua divindade, é tornado visível pela criação do mundo através da observação das coisas
criadas. Por isso, estão sem desculpa aqueles homens que tendo conhecido Deus, não O glorifi-
cam como Deus e não dão graças, mas se desvanecem em seus discursos (Rm 1:21). “O mundo é
o reino do pensamento divino” (São José de Kronstadt).

b) Deus manifestou-se ainda mais em revelações sobrenaturais e através da encarnação do Filho


de Deus, o Deus “havendo falado antigamente muitas vezes e de muitas maneiras, que aos pais,
pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho” (Hb 1:1). “Deus nunca foi visto
por alguém. O Filho unigênito, que esta no seio do Pai, Este o fez conhecer” (Jo 1:18).
Assim, o próprio Salvador ensina a respeito do conhecimento de Deus. Tendo dito “To-
das as coisas Me foram entregues por meu Pai: e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e nin-
guém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho O quiser revelar” (Mt 11:27). O A-
póstolo João escreve em sua Epístola: “E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu en-
tendimento... para que conheçamos o Deus verdadeiro ...” (1 Jo 5:20).
A Revelação Divina nos é dada em toda Sagrada Escritura e na Sagrada Tradição. E a
preservação, instrução e interpretação verdadeira dessa revelação divina é obrigação e preocupa-
ção da Santa Igreja de Cristo.
Mas mesmo dentro dos limites que nos são dados à luz da Divina revelação, devemos se-
guir a guia naqueles que purificam suas mentes por uma vida Cristã elevada e fizeram suas men-
tes capazes de contemplar verdades exaltadas, isto é a respeito disso, São Gregório, O Teólogo
nos instrui: “Se desejas ser um teólogo e digno do divino, mantenha as leis; por meio das leis di-
vinas vá para um objetivo elevado; pois atividade é a ascensão para a visão” (“atividade” aqui é
um termo técnico freqüentemente encontrado nos textos ascéticos Ortodoxos; ele se refere aos
meios (mantendo os mandamentos, disciplina ascética, etc) que conduz alguém ao fim da vida
espiritual (“visão ou “contemplação” de Deus).

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É isso, empenha-se e atinge a perfeição moral, pois só esse caminho dá a possibilidade de


ascender às alturas de onde as verdades divinas são contempladas (homilia de São Gregório, o
Teólogo).
O próprio Salvador proferiu: “Bem aventurados os puros de coração, porque eles verão a
Deus” (mt 5:8).
A impotência de nossa mente para compreender Deus é expressa na Igreja, nos Ofícios
Divinos: “Por não termos palavras para expressar o significado de Tua incompreensível Tri-
radiante divindade, como nossos corações nós Te glorificamos, ó Senhor” (do cânon do Ofício
de Meia-noite do Domingo, tom 7, cânon 4).
Na antigüidade certos heréticos introduziram a idéia de que Deus é totalmente incompre-
ensível, inacessível ao entendimento. Eles construíram suas afirmações sobre a idéia de que Deus
é uma Essência simples, que não tem conteúdo interior ou qualidades. Por isso foi suficiente, dar
Nomes a Deus — por exemplo Theos (Deus — “Aquele que vê”), ou Jeová (“aquele que é”), ou
indicar Sua característica singular, Sua “não-origem,” de maneira a dizer tudo que pode ser dito a
respeito de Deus. (alguns dos gnósticos raciocinavam dessa maneira, por exemplo, Valentino no
século segundo, e os Anomoenses no século quarto, pensaram nessa maneira). Os Santos Padres
responderam a essa heresia com um protesto fervoroso, vendo nisso uma destruição da essência
da religião. Respondendo aos heréticos, eles esclareceram e provaram, tanto pelas Escrituras
quanto pela razão: 1) que a simplicidade da essência de Deus é unida com a completude de Seus
atributos, a completude do conteúdo da vida divina, e 2) e que os próprios Nomes de deus na Di-
vina Escritura — Jeová, Eloim, Adonai e outros — expressão não a verdadeira essência de deus,
mas primeiramente mostras as relações de Deus com o mundo e com o homem.
Outros heréticos na antigüidade, por exemplo os Marcionitas,a firmaram que Deus é
completamente desconhecido e inacessível à nossa compreensão. Por essa razão, os Padres da
Igreja mostraram que existem graus do nosso conhecimento de Deus, o que é possível, útil e ne-
cessário para nós. São Cirilo de Jerusalém, em suas Leituras Catequéticas, ensina: “Se alguém
diz que a essência de Deus é incompreensível, então porque nos falamos a respeito Dele? No en-
tanto, é verdade que por que eu não posso tomar o rio inteiro eu não tomarei água dele com mo-
deração para meu benefício? É verdade que porque meus olhos não podem enxergar tudo que o
sol ilumina, eu sou então incapaz de contemplar aquilo que é possível e necessário para mim? E
se vou a um grande pomar, e não consigo comer todas as frutas dali, tu querer que eu vá embora
do pomar completamente faminto?” (Catechetical Lectures, VI, 5).
É bem conhecido como o abençoado Agostinho, quando andando em uma praia pensan-
do acerca de Deus, viu um menino sentado a beira d’água tirando água do mar com uma concha
e colocando-a num buraco na areia. Essa cena inspirou-o a pensar na desproporção entre nossa
mente rasa e a grandeza de Deus. É tão impossível ter-se uma concepção de Deus em toda Sua
grandeza, quanto esvaziar-se o mar com uma concha.

A essência de Deus.
“Se tu desejas falar ou ouvir a respeito de Deus,” teologiza São Basílio, o Grande, “re-
nuncia a teu próprio corpo, renuncia a teus sentidos corporais, abandona a terra, faz com que o ar
esteja abaixo de ti; passa sobre as estações do ano, seu arranho ordenado, os adornos da terra,
coloca-te acima do éter, atravessa as estrelas, seu esplendor, grandeza, e os benefícios que elas
provem para o mundo todo, sua boa ordem, brilho, arranjo, movimento e o vínculo ou distância
entre elas. Tendo passado através de tudo isso em tua mente, vá para o céu e postando-se acima
dele, só com teu pensamento, observa as belezas que lá estão, os chefes arcanjos, a glória dos

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Domínios, a presidência dos Tronos, os Poderes, Principados, Autoridades. Tendo passado por
tudo isso e deixado para trás toda criação em teus pensamentos, elevando tua mente acima dos
limites dela, apresenta tua mente a essência de Deus, imóvel, imutável, inalterável, desapaixona-
da, simples, complexa, indivisível, luz inaproximável, poder inexplicável, magnitude infinita,
glória resplandecente, infindável bondade, beleza incomensurável que golpeia poderosamente a
alma ferida, mas que não pode ser validamente descrita em palavras.”
Tal exaltação de espírito é demandada de alguém que quer falar com Deus! No entanto,
ainda que nessa condição os pensamentos humanos são capazes somente de permanecer nos atri-
butos da divindade e não na verdadeira essência da divindade.
Há na Sagrada Escritura palavras concernentes a Deus que “tocam” ou “chegam perto”
da idéia de Deus em Sua verdadeira essência. São expressões que são compostas de tal modo
que, na sua forma, elas respondem não só a questão “que tipo” — isto é, quais são os atributos de
Deus mas elas parecem também responder a questão “quem” — isto é, “quem é Deus?”
Tais expressões são:
“Eu sou Aquele que é” (em hebreu, Jeová; Ex 3:14)
“Eu sou o Alfa e o Omega, o principio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de
vir, o Todo-Poderoso” (Ap 1:8)
“Mas o Senhor Deus é a Verdade” (Jer 10:10)
“Deus é espírito” — As palavras do Senhor para a mulher samaritana (Jo 4:23)
“Ora o Senhor é Espírito” (2 Co 3:17)
“Deus é luz, e não há Nele trevas nenhuma” (1 Jo 1:5)
“Deus é amor” (1 Jo 4:8,16)
“Nosso Deus é um fogo consumidor” (Hb 12:29)

No entanto, tais expressões também não podem ser entendidas como indicações da verdadeira
essência do Deus único e com relação ao nome “aquele que é” os Padres da Igreja disseram que
ele “de alguma forma” (a expressão é de São Gregório, o Teólogo) ou, “como parece” (São João
Damasceno) é um nome da essência. Apesar de mais raramente, esse mesmo significado foi dado
aos nomes “bem” e “Deus,” na língua grega — Theos, significando “ele que vê.” Distinto que
todas as coisas “existentes” e criadas, os Padres da Igreja aplicaram para a existência de Deus o
termo “Ele que é acima de todos os seres,” como no kontakion, “a virgem agora dá a luz a Ele
que é acima de todos os seres.” A expressão do Velho Testamento “Jeová,” “aquele que é,” que
foi revelada por Deus ao Profeta Moisés, tem justo tal significado profundo. (Isso quer dizer:
quando dizemos que Deus é “aquele que é,” nós dizemos que Ele “é” num sentido superlativo e
não da maneira que toda sua criação” é “; isto é o mesmo que afirmar que Ele é o único” que está
acima de todos os seres” (Kondakion da Natividade de Cristo)).
Assim, pode-se falar somente nos atributos de Deus, mas não da verdadeira essência de
Deus. Os Padres se expressam só indiretamente a respeito da natureza da divindade, dizendo que
a essência de Deus é “uma, simples, não complexa.” No entanto, essa simplicidade na é algo sem
distinguir características ou contendo; ela contem em si própria a totalidade das qualidades da
existência; “Deus é um mar de ser, incomensurável e ilimitado” (São Gregório, o Teólogo);
“Deus é a completude de todas as qualidades e perfeições em sua mais alta e infinita forma” (São
Basílio, o Grande); “Deus é simples e não complexo; Ele é inteiramente sentimento, inteiramente
espírito, inteiramente pensamento, inteiramente mente, inteiramente fonte de todas as coisas bo-
as” (Santo Irineu de Lyon).

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Os atributos de Deus.
Falando dos atributos de Deus, os Santos Padres indicam que sua multiplicidade conside-
rando a simplicidade da essência, é o resultado de nossa própria inabilidade de encontrar um mís-
tico e único modo de ver a divindade. Em Deus, um atributo é um aspecto de outro. Deus é justo;
isso implica que Ele é também bendito e bom e Espírito. A múltipla simplicidade em Deus é co-
mo a luz do sol, que se revela em várias cores que são recebidas pelos corpos na terra, por exem-
plo as plantas.
Na enumeração dos atributos de Deus nos Santos Padres e nos textos dos Divinos Ofí-
cios, há uma preponderância de expressões que estão gramaticalmente na forma negativa. No
entanto deve-se observar que, esta forma negativa indica uma “negação de limites.” Assim, a
forma negativa é na verdade uma afirmação de atributos que são sem limite. Por exemplo, não
criado indica a inexistência do limite na criação. Encontramos um modelo de tais expressões na
Exact Exposition of the Ortodox Faith por São João Damasceno: “Deus é não originado, inter-
minável, eterno, constante, não criado, imutável, inalterável, simples, não complicado, incorpó-
reo, invisível, intangível, indescritível, ilimitado, inacessível a mente, incontestável, incompreen-
sível, bom, justo, o Criador de todas as criaturas, o Poderoso Pantocrator, o que olha todos de
cima, cuja Providência está sobre todas as coisas, que tem domínio sobre tudo, o juiz.”
Nossos pensamentos acerca de Deus em geral falam: 1) acerca de Sua distinção do mun-
do criado (por exemplo, Deus é não originado, enquanto que o mundo tem uma origem; Ele é
sem fim, enquanto o mundo tem um fim; Ele é eterno, enquanto o mudo existe no tempo; ou 2)
acerca das atividades de Deus no mundo e a relação do Criador para suas criações (Criador, Pro-
vidência, Misericordioso, Juiz Justo).
Indicando os atributos de Deus, nem por isso damos uma “definição do conceito de
Deus,” tal definição é essencialmente impossível, porque toda definição é uma indicação de “fi-
nitude” (Em russo Padre Michael está indicando aqui a derivação da palavra opredeleniye (“de-
finição”) de predel (“limite”)). No entanto, em Deus não há limites, e portanto não pode haver
uma definição do conceito da divindade: “Pois um conceito é em si uma forma de limitação”
(São Gregório, o Teólogo, homilia 28, de sua Segunda Oração Teológica).
Nossa razão demanda o reconhecimento em Deus de uma serie completa de atributos es-
senciais. A razão nos diz que Deus tem uma existência racional, livre e pessoal. Se no mundo
imperfeito nós vemos seres racionais, livres e pessoais, não podemos deixar de reconhecer uma
existência livre, racional e pessoal no próprio Deus, que é a Fonte, Causa e Criador de toda a vi-
da.
A razão nos diz que Deus é o Ser mais perfeito. Toda falta e imperfeição são incompatí-
veis com o conceito de “Deus.”
A razão nos diz que Deus é um Ser auto-suficiente, porque nada pode ser a causa ou con-
dição da existência de Deus.

Sagrada Escritura concernente aos atributos de Deus.


Os atributos de Deus, tomados diretamente do Verbo de Deus, são apresentados no Lon-
go Cristão Catechism of the Orthodox Church do Metropolita Philaret (Tradução inglesa (reim-
pressa de 1901) no The Catechism of the Orthodox Church, Eastern Orthodox Books, Willits,
Califórnia, 1971, p. 19). Ali se lê: “Pergunta: Que idéia da essência e dos atributos essenciais de
Deus devem ser derivadas da revelação Divina? Resposta: Que Deus é Espírito, eterno, boníssi-
mo, onisciente, justo, poderoso, onipresente, imutável, auto-suficiente.” Paremos para pensar a-
cerca desses atributos apresentados no catecismo.

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Deus é Espírito.
“Deus é Espírito” (Jo 4:24; as palavras do Salvador na conversa com a mulher Samarita-
na). “O Senhor é Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, ai há liberdade” (2 Co 3:17). Deus é
alheio a todo tipo de natureza corpórea ou materialidade. Ao mesmo tempo que a espiritualidade
que pertence ao seres espirituais criados e a alma do homem, que manifesta em si somente uma
“imagem” da natureza espiritual de Deus. Deus é um Espírito que é o mais elevado, mais puro,
mais perfeito. É verdade que na Sagrada Escritura nós encontramos muito, muitos lugares onde
alguma coisa corpórea é simbolicamente atribuída a Deus, no entanto, concernente à natureza
espiritual de Deus, a Escritura começa falando com as primeiras palavras do livro da Gênesis, e
ao Profeta Moisés, Deus se revela como Aquele que é, como a pura, espiritual e mais elevada
existência. Assim, por símbolos corpóreos a Escritura nos ensina a compreender os atributos es-
pirituais e as ações de Deus.
Tememos aqui as palavras de São Gregório, o Teólogo. Ele diz: “De acordo com as Es-
crituras Deus dorme, Ele desperta, torna-se irritado, Ele ativa, Ele tem os Querubins como seu
trono mas quando Ele teve uma enfermidade? Além disso, alguma vez ouviste que Deus é um
corpo? Alguma coisa é apresentada aqui, que não existe na realidade de acordo com o nosso pró-
prio entendimento, nós demos nomes para as características de Deus, que são derivadas de nós
próprios. Quando Deus, por razões que só Ele conhece, abandona seus cuidados, como estava
tendo, e não se preocupa mais conosco, isso significa que Ele está “dormindo” — porque nosso
dormir é uma falta similar de atividade e cuidado. Quando, ao contrário, Ele subitamente começa
a fazer o bem, isso significa que Ele “acordou.” Ele castiga e por isso, nós imaginamos que Ele
está “raivoso” pois castigo entre nós é com raiva. Ele age às vezes aqui, ás vezes Ele repousa e
como se Ele morasse em santos poderes nós chamamos isso de “sentar-se” e Ele “senta-se em
um trono,” que é uma coisa característica nossa. Também, pois a divindade não repousa em lugar
algum, nem entre os santos. Um movimento veloz nós chamamos “Vôo.” Se há uma contempla-
ção, nós falamos uma “face”; se há um dar e receber, nós falamos de uma “mão.” De outra for-
ma, e uma maneira tomada das coisas corpóreas “ (homilia 31, Fifht Teological Oration “On the
Holy Spirit,” ch 22; Eerdmann’s Nicene Fathers, Series Two, vol VII, pg 324-325).
Ligado com os relatos das ações de Deus, no segundo e terceiro capítulos do Livro da
Gênesis, São João Chrisóstomo nos instrui: “Não passemos sem atenção, amados, pelo que é sito
pela Divina Escritura, e não olhemos só para as palavras, mas pensemos que simples palavras
são usadas por conta de nossa enfermidade, e que tudo é feito do jeito mais adequado para a nos-
sa salvação. Depois de tudo, diga-me, se quisermos aceitar as palavras num sentido literal e não
entendermos o que é comunicado de modo adequado a Deus, tudo isso então não se tornaria mui-
to estranho? Olhemos no começo da leitura presente. Ela diz: “E ouviram a voz do Senhor Deus,
que passeava no jardim pela viração do ai... e estavam com medo” (Gn 3:8). O que tu dizes:
Deus anda? Tu atribuis pés a Ele? Não deveríamos entender isso num sentido mais elevado?
Não, Deus não anda — nem pense nisso! Como, de fato, poderia Ele que está em tudo e enche
tudo, cujo trono é o céu e a terra o escabelo de seus pés — como poderia Ele andar no Paraíso?
Que pessoa racional diria isso! No entanto o que significa: “Eles ouviram a voz de deus andando
no Paraíso na viração do dia?” “Ele quis criar neles um tal sentimento (de proximidade de deus)
que deveria fazer com que eles ficassem preocupados com o que de fato havia acontecido. Eles
sentiram isso e tentaram se esconder de Deus que estava se aproximando deles. O pecado havia
ocorrido, e transgressão e vergonha caíram sobre eles. O juiz não hipócrita que é a consciência,
tendo sido acordada, clamou com alta voz, recriminando-os, e exibindo diante de seus olhos o

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peso da transgressão. O Mestre criou o homem no começo e nele colocou um acusador que nun-
ca se cala e que não pode ser seduzido ou enganado.”
A respeito da imagem da criação da mulher, São João Crisóstomo ensina, “É dito,: ‘e to-
mou uma de suas costela’ (Gn 2:21). Não entendam essas palavras de maneira humana, mas en-
tenda que a crua expressão usada é adaptada à fraqueza humana. Pois, se a Escritura não tivesse
usado essas palavras, como poderíamos entender tais mistérios inexprimíveis? Não olhemos só
para as palavras mas recebamos tudo de maneira ajustada, ao que se refira a Deus. Essa expres-
são “tomou” e todas as expressões similares são usadas em função de nossa fraqueza.” De ma-
neira similar São João Crisostomo se expressa com respeito as palavras: “E formou o Senhor
Deus o homem do pós da terra, e soprou em seus narizes” (Gn 2:7; Works of St. John Chrisos-
tom, Vol IV, parte um). (Não se deve pensar que o Padre Michael está afirmando aqui que São
João Crisostomo era em geral opositor a “interpretações literais” da Escritura; quando o sentido
literal era necessário, São João Crisostomo era bastante literal na sua interpretação. Seu ponto e o
do Padre Michael era que toda interpretação da Escritura deve ser “ajustada a Deus” e isto as ve-
zes requer uma interpretação literal, às vezes uma interpretação metafórica. No mesmo Comentá-
rio do livro da Gênesis, por exemplo, São João Crisostomo escreve: “Quando vos ouvis que
“Deus colocou o Paraíso no Éden no leste, acrediteis precisamente que o próprio Paraíso foi cri-
ado no exato lugar que a Escritura assegurou que foi” (Homilies on Gênesis, XIII, 3). Ele tam-
bém, proibiu uma interpretação alegórica de “rios” e “águas” do Paraíso, insistindo que “os rios
são rios na realidade e as águas são precisamente águas” (XIII, 4). Assim, quando São João Cri-
sostomo afirma que a palavra “tomou” na Gênesis deve ser entendida numa maneira ajustada a
Deus (isto é, não deve ser entendida literalmente, porque Deus não tem “mãos”). Ele não nega
que Eva foi realmente criada de uma das costelas de Adão, ainda que precisamente como isso foi
jeito, permaneça um mistério para nós (Homilies on Gênesis, XV, 2-3).)
São João Damasceno decota um capítulo a esse tema em sua Exact Exposition of the Or-
thodox Faith. Esse capitulo é chamado “Sobre as coisas que se afirma de Deus como como se Ele
tivesse um corpo,” e ali ele escreve: “Como encontramos na Divina Escritura muitas coisas que
são ditas de Deus como se Ele tivesse um corpo, nós devemos saber que é impossível para nós
que somos homens que estamos vestidos com essa crua carne, pensar ou falar sobre as imponen-
tes e imateriais ações de divindade, a não ser que usemos similaridade, imagens e símbolos que
correspondam a nossa natureza.” Além disso, as expressões a respeito dos olhos, ouvidos, mãos e
similares de Deus, ele conclui: “Para dizer de modo simples, tudo que é afirmado de Deus como
se Ele tivesse um corpo contem um certo significado escondido” (Exact Exposition oh the Or-
thodox Faith, part one, Ch11; The Father of the Church Traslation, p 191-193).
Hoje em dia tornamo-nos bastante acostumados com a idéia de que Deus é puro Espírito.
No entanto, a filosófica do panteísmo (que significa “Deus é tudo”), que está bem espalhado no
nosso tempo, procura contradizer essa verdade. Por isso, ainda hoje no Rito da Ortodoxia canta-
do no Domingo da Ortodoxia o, primeiro domingo da Grande Quaresma, nós ouvimos “para a-
queles que dizem que Deus não é Espírito mas carne — Anathema! (o Rito da Ortodoxia é cele-
brado depois da Liturgia no primeiro Domingo da Grande Quaresma em Igrejas Catedrais aonde
um bispo presida. Nelas, anátemas são proclamados contra heréticos dos tempos antigos e mo-
dernos que tentaram destruir as bases dogmáticas da Ortodoxia. Em muitas jurisdições Ortodo-
xas nas missas hoje, no entanto, sob a influência de idéias “ecumênicas,” esse ofício tem sido
abolido e substituído por uma celebração “Pan-ortodoxa,” ou por uma celebração “ecumênica”).

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Eterno.
A existência de Deus é fora do tempo, pois tempo é somente uma forma de seres limita-
dos, seres mutáveis. Para Deus não há nem passado, nem futuro; só há o presente. “Desde a anti-
güidade fundaste a terra: e os céus são obra das Tuas mãos. Eles perecerão, mas Tu permanece-
rás: todos como um vestido envelhecerão: como roupa os mudaras e ficarão mudados. Mas Tu és
o mesmo, e os Teus anos nunca terão fim” (Sl 102:25-27).
Alguns Santos Padres indicam uma diferença entre o conceito de “eternidade” e “imorta-
lidade.” “Eternity é uma existência viva sempre e esse conceito de “eternidade” é aplicado usu-
almente para a uma natureza não originada, em que tudo é sempre uno e o mesmo. O conceito de
imortalidade de outro lado pode ser atribuído para alguém que foi trazido para ávida como ser e
não morre, como por exemplo um anjo ou uma alma. Eterno em seu significado preciso pertence
a Divina Essência por isso é que o termo é aplicado usualmente só para Adorável e Reinante
Trindade” (Santo Isidro de Pelusium). Sob esse aspecto ainda mais expressiva é a expressão “O
Deus pré-eterno” (como no Kontakion na Natividade de Cristo).

Boníssimo.
“Misericordioso e piedoso é o Senhor; longânime e grande em benignidade” (Sl 103;8).
“Deus é amor” (1 Jo 4:16). Bondade de Deus estende-se não a uma região limitada do mundo, o
que é característico no amor entre seres limitados, mas ao mundo todo e a todos os seres que nele
existem. Ele é amoroso em relação a vida e as necessidades de cama criatura, não importa quão
pequena e, que possa parecer insignificante para nós, São Gregório, o Teólogo escreve: “se al-
guém nos perguntasse o que é que nós reverenciamos, e o que nós veneramos, nós temos uma
rápida resposta: “o amor” (homilia 23).
Deus dá a suas criaturas tantas coisas boas quanto cada uma pode receber de acordo com
sua natureza e condição e tanto quanto corresponda com a harmonia geral do universo, mas é
para o homem que Deus revela uma bondade particular.” Deus é como uma mãe-passáro que viu
o seu filhote cair do ninho, e voa para baixo para traze-lo de volta, e então vê o filhote em perigo
de ser devorado por uma serpente, então ela grita ansiosamente e voa ao redor desse e dos outros
filhotes, não sendo capaz de ficar indiferente a perder um só deles (Clemente de Alexandria “E-
xhortations to the Pagans,” cap 10). “Deus nos ama mais do que um pai ou uma mãe ou um ami-
go, ou que qualquer outro que possa amar, e ainda mais do que nós podemos amar a nós mesmo,
porque Ele está preocupado com a nossa salvação do que com Sua própria glória. Um testemu-
nho disso é que Ele enviou para o mundo para sofrer e morrer (na carne humana) Seu Filho Úni-
co Gerado, somente para nos revelar o caminho da salvação e da vida eterna” (São João Crisos-
tomo, comentário sobre o Salmo 114). Se o homem freqüentemente não entende o poder comple-
to da bondade de Deus, isso ocorre porque o homem concentra seus pensamentos e desejos de-
masiadamente no seu bem-estar terreno. No entanto, a Providência de Deus une dar-nos coisas
terrenas e temporais junto com o chamado para adquirir para si, para sua alma, coisas boas eter-
nas.

Onisciente.
“...Todas as coisas estão unas e patentes aos olhos de Deus” (Hb 4:13). “Os Teus olhos
viram o meu corpo ainda informe...” (Sl 139:16). O conhecimento de Deus é visão e imediato
entendimento de tudo, tanto no que existe e do que é possível, o presente, o passado e o futuro.
Pré conhecimento do futuro é, estrito senso, visão espiritual, porque para Deus o futuro é como o
presente. O pré conhecimento de Deus não viola o livre arbítrio das criaturas, como a liberdade

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de nosso vizinho não é violada pelo fato de vermos o que ele faz. O pré conhecimento de Deus
com respeito ao mal no mundo e os atos dos seres livres é como se ele fosse coroado pelos pré
conhecimento da salvação do mundo, quando “Deus será tudo em todos” (1 Co 15:28).
Outro aspecto da onisciência de Deus é manifestado na sabedoria de Deus: “Grande é o
Nosso Senhor, e de grande poder; o seu entendimento é infinito” (Sl 147:5). Os Santos Padres e
professores da Igreja, seguindo a palavra de Deus, sempre indicaram com grande reverencia a
grandeza da sabedoria de Deus na ordenação do mundo visível, dedicando a esse assunto obras
completas, como por exemplo as Homilias sobre os seis dias (Hexaemeron), que é, a história da
criação do mundo escrita por padres, tais como São Basílio, o Grande, São João Crisostomo, São
Gregório de Nissa. “uma folha de grama ou um grão de poeira é suficiente para ocupar sua vossa
mente inteira, contemplando a arte com que foram feitos” (Basílio, o Grande). Ainda mais, refle-
tiram os padres sobre a sabedoria de Deus na economia de nossa salvação na encarnação do Fi-
lho de Deus. A Sagrada Escritura do Velho Testamento concentra sua atenção primariamente
sobre a sabedoria de Deus no arranho ordenado do mundo: “Todas as cousas Fizeste com sabe-
doria” (Sl 104:24). No Novo Testamento, de outro lado, a atenção está concentrada na economia
da salvação, em conexão com a qual o Apóstolo Paulo clama: “Ó profundidade das riquezas, tan-
to da sabedoria quanto da ciência de Deus” (Ro 11:33). Pois é pela sabedoria de Deus que toma
existência do mundo é dirigida para um único propósito — a perfeição e transfiguração para a
glória de Deus.

Justíssimo.
Justiça é entendida na palavra de Deus e no seu uso geral como tendo dois significados:
a) santidade e, b) justiça.
Santidade consiste não só na ausência da malignidade ou pecado: santidade é a presença
de valores espirituais mais elevados, juntos com a pureza em relação ao pecado. Santidade é co-
mo a luz, e santidade de Deus é como a mais pura das luzes. Deus é “um só santo” por natureza.
Ele é a fonte da santidade para anjos e homens. Os homens podem atingir a santidade somente
em Deus “ não por natureza, mas por participação, por luta e oração” (São Cirilo de Jerusalém).
A Escritura testifica que os anjos rodeiam o trono de Deus sem cessar declaram a santidade de
Deus clamando um para os outros: “Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos: toda a terra está
cheia de sua glória” (Is 6:3). Como mostrado na Escritura a luz da santidade enche tudo que vem
de deus ou serve a Deus: “Seu santo Nome” (Sl 33:21; 103:1; 105:3); “Sua santa palavra” (Sl.
104:42); “A lei é santa” (Ro 7:12); “...trono da sua santidade” (Sl 47:8); “escabelo de seus pés,
porque ele é santo” (Sl 99:5); “Justo é o Senhor em todos os Seus caminhos, e santo em todas as
Suas obras” (Sl 145:17); “...o Senhor nosso Deus é santo” (Sl 99:9).
A justiça de Deus é outro aspecto a ser considerado: “Ele julgará os povos com retidão”
(Sl 9:8); “...recompensará cada segundo suas obras; porque para com Deus, não acepção de pes-
soas” (Ro 2:6 e 11).
Como podemos harmonizar o amor divino com a justiça de Deus, que julga estritamente
por pecados e pune os culpados? Sobre esta questão muitos Padres falaram. Eles assemelha a
raiva de Deus à raiva de um pai que, com o objetivo de trazer um filho desobediente a seu senso,
recorre aos meios paternos de punição ao mesmo tempo se afligindo, simultaneamente ficando
triste com a atitude sem sentido de seu filho e simpatizando com ele pela dor que lhe está infli-
gindo. Eis ai porque a justiça de Deus é sempre misericordiosa, e sua misericórdia é justiça, de
acordo com as palavras: “A misericórdia e a verdade se encontraram: a justiça e a paz se beija-
ram” (Sl 85:10).

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A santidade e a justiça de Deus estão intimamente ligadas uma a outra. Deus chama cada
um para a vida eterna Nele, no Seu reino e isso significa em Sua santidade. No entanto, no Reino
de Deus nada impuro pode entrar. O Senhor nos limpa por seus castigos, assim como por seus
atos providenciais, que previnem e corrigem pelo seu amor para com sua criação; pois nós de-
vemos passar pelo julgamento de justiça, um julgamento que para nós é terrível: como podere-
mos entrar no reino da santidade e luz, e como nos sentiremos lá, estando impuros, escuros e não
tendo em nós nenhuma semente de santidade, não tendo em nós nenhum tipo de valor espiritual
ou moral?

Todo Poderoso (Onipotente)


“Porque falou, e tudo se fez; mandou, e logo tudo apareceu” — assim o salmista expres-
sou o poderio de Deus (Sl 33:9). Deus é o Criador do mundo. É Ele que cuida do mundo em Sua
providência. Ele é o Pantocrator. Ele é Aquele “Que só Ele faz maravilhas” (Sl 72:18). No entan-
to, se Deus tolera a maldade e pessoas maldosas no mundo, isso não é porque Ele não pode ani-
quilar a maldade, mas porque Ele nos deu liberdade aos seres espirituais e dirige-os para que eles
possam livremente, com seu livre arbítrio, rejeitar a maldade e voltar-se para o bem.
Com respeito a questões casuísticas a respeito de deus “não pode” fazer, deve se respon-
der que a onipotência de Deus é entendida que é agradável ao Seu pensamento, à Sua bondade.

Onipresente.
“Para onde me irei do Teu Espírito, ou para onde fugirei de Tua face? Se subir ao céu, Tu
ai estás, se fizer no sol a minha cama, eis que Tu ali estás também. Se tomar as asas da alva, se
habitar nas extremidades do mar. Até ali a Tua mão me guiará e a Tua destra me susterá” (Sl
139:7-10)
Deus não é sujeito a nenhuma limitação doe espaço, mas Ele preenche tudo. Preenchendo
tudo Deus, como um simples ser, está presente em todo lugar, não como se Ele estivesse com
alguma parte Sua, mas como todo o Seu ser; e Ele não é confundido com aquilo onde está pre-
sente. “A divindade penetra tudo sem se misturar com nada, mas nada pode penetra-lo” (São Jo-
ão Damasceno). “Esse Deus está presente em tudo que conhecemos, mas como nós não enten-
demos, porque nós só podemos compreender uma presença sensorial, e não é dado a nós com-
preender inteiramente a natureza de Deus” (São João Chrisostomo).

Imutável.
No “Pai das luzes, não há mudança. Nem sombra de variação” (Tg 1:17). Deus é perfei-
ção, e toda mudança é um sinal de imperfeição e portanto é impensável no mais perfeito ser, em
Deus concernente a Deus pode-se dizer que nenhum processo está acontecendo Nele que seja de
crescimento, mudança de aparência, evolução, processo ou qualquer coisa parecida.
No entanto, imutabilidade em Deus não é algum tipo de imobilidade; não é um ser fecha-
do dentro de Si mesmo, Mesmo enquanto sendo imutável, Seu ser é vida, preenchido com poder
e atividade. Deus em Si mesmo é vida, e vida é o Seu ser.
A imutabilidade de Deus, não é violada pela geração do Filho e pela processão do Espíri-
to, pois para o Deus o Pai, pertence a paternidade, e para seu Filho, a filiação, e para o Espírito
Santo, a processão que é “eterna, interminável e incessante” (São João Damasceno). As palavras,
cheias de mistério, “A geração do Filho” e a “processão do Espírito,” não expressam nenhum
tipo de mudança na vida divina ou nenhum tipo de processo; para nossas mentes limitadas, “ge-

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ração” e “processão” são simplesmente colocadas em oposição à idéia de “criação” e falam da


única Essência das pessoas ou de Deus. A criação é alguma coisa externa em relação Àquele que
cria enquanto que a “filiação” de Deus é uma unidade interna, a unidade da natureza do Pai e do
Filho; tal é também a “processão” da Essência de Deus, a processão do Espírito do Pai que a
causa.
A Encarnação e o torna-se homem, do Verbo, do Filho de Deus, não viola a imutabilida-
de de Deus. Só criaturas em suas limitações perdem o que elas tem, ou adquirem o que elas não
tem; mas a divindade do Filho de Deus permanece depois da Encarnação sendo a mesma que era
antes da Encarnação. Ela recebeu em sua Hipóstase, na unidade da Divina Hipóstase, natureza
humana da Virgem Maria mas ela não formou disso nada novo, natureza misturada, mas preser-
vou sua Natureza Divina sem mudança.
A imutabilidade de Deus não é contraditada, da mesma forma, pela criação do mundo. O
mundo é uma existência, que e externa em relação à natureza de Deus. Por isso Ele não muda
nem a essência nem os atributos de Deus, pois a origem do mundo é só uma manifestação do po-
der e pensamento de Deus. O poder e pensamento de Deus são eternos e são eternamente ativos,
mas nossa mente de criatura não consegue entender o conceito dessa atividade na eternidade de
Deus. O mundo não é co-eterno com Deus; ele é criado. No entanto, a criação do mundo é a rea-
lização do pensamento eterno de Deus (Bem Aventurado Agostinho). O mundo é como Deus em
sua essência e assim ele tem que ser mutável e não é sem um começo; mas esses atributos do
mundo não contradizem o fato que seu Criador é imutável e sem começo (São João Damasceno).

Auto-suficiente e todo bem-aventurado.


Essas duas expressões são próximas em significado.
Auto-suficiente não deve ser entendido no sentido de “satisfeito consigo próprio.” Mais
apropriadamente significa a completude da possessão, bem-aventurança completa, a completude
de todas as coisas boas, Assim, nas orações antes da comunhão lemos: “Senhor, não sou digno
que entre em minha moradas...” (Segunda Oração). De novo “Não sou digno de contemplar e ver
as alturas do céu...” (Oração de São Simeão, o Tradutor). “Suficiente” significa aqui “Espiritu-
almente adequado,” “espiritualmente rico.” Em Deus está a suficiência de todas as coisas boas.
“Ó, profundidade das riquezas tanto da sabedoria quanto da ciência de Deus!” Exclama o Após-
tolo Paulo, “porque Dele e por Ele, e para Ele são todas as coisas” (Ro 11:33 3 36). Deus não
tem necessidade de coisa alguma “pois é ele mesmo quem dá a todos a vida, e a respiração, e to-
das as coisas” (At 17:25). Assim Deus é Ele mesmo a fonte de toda vida e de toda coisa boa; dele
todas as criaturas derivam sus suficiência.
Todo Bendito. O Apóstolo Paulo chama duas vezes Deus em suas Epístolas de “Bem A-
venturado” conforme o Evangelho da glória de Deus bem aventurado... (1 Tm 1:11). “A qual a
seu tempo mostrará o bem-aventurado, e único poderoso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos se-
nhores” (1 Tm 6:15). A palavra “todo bem-aventurado” deve ser entendida não no sentido que
Deus, tendo tudo dentro Dele, seja indiferente aos sofrimentos do mundo criado por Ele; mas sim
no sentido de que Dele e Nele, suas criaturas derivam suas bem-aventuranças. Deus não “sofre”
mas Ele é “misericordioso.” Cristo “sofreu como mortal” (Cânon da Páscoa) não em Sua Divin-
dade, mas em Sua Humanidade. Deus é a fonte de bem-aventurança. Nele está a completude de
alegria, doçura, e júbilo para aqueles que o amam como é dito no Salmo “...na Tua presença há
abundância de alegrias: à Tua mão direita há delicias perpetuamente” (Sl 15:11).
A Bem—aventurança de Deus tem seu reflexo na incessante louvação, glorificação e a-
gradecimento, que enche o universo, e quem vem dos altos poderes — os Querubins e Serafins

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que rodeiam o Trono de Deus, flamejando-o com fragrante amor por Deus. Essas louvações são
oferecidas por todo mundo angélico e por todas as criaturas do mundo de Deus: “ O sol canta
Tuas louvações; a lua Te glorifica; as estrelas suplicam diante de Ti: a luz Te obedece; as pro-
fundezas estão temerosas na Tua presença; as fontes são Tuas servas” (Oração da Grande Benção
de Água, Jan.5, Festal Menaion, p. 356).

A unidade de Deus.
“Por conseguinte, nós acreditamos em um Deus: um princípio, sem começo, incriado, não
gerado, indestrutível e imortal, eterno, ilimitado, incircunscritível, irrestrito, infinito em poder,
simples não composto, incorporal, imutável, desapaixonado, constante, invisível, fonte de bon-
dade e justiça, luz intelectual e inacessível: poder que não está sujeito a qualquer medida, mas
que é medido somente por sua própria vontade, pois Ele pode fazer todas as coisas que O agra-
dem; uma essência, um domínio, um reino, conhecido em três hipóstases perfeitas, e conhecido e
adorado com uma adoração” (São João Damasceno. Exact Exposotion oh the Orthodox Faith,
1:8; tradução inglesa, p 177).
A verdade da unicidade de Deus é agora tão evidente para a consciência humana que ela
não necessita de provas da palavra de Deus ou simplesmente da razão. Foi um pouco diferente
no inicio da Igreja Cristã, quando essa idéia teve que ser colocada contra a idéia do dualismo —
o reconhecimento de dois deuses, o do bem e o do mal — e contra o politeísmo dos pagãos, que
era popular naquele tempo.
Creio em um só Deus. Essas são as primeiras palavras do símbolo da fé (o Credo). Deus
possui toda completude de ser prefeito, A idéia de completude, perfeição, infinito, onipotência de
Deus não nos permite pensar Nele como sendo outro que o Um, isto é, singular e tendo uma es-
sência em Si mesmo. Essa exigência da nossa consciência é expressada por um dos antigos escri-
tores nas palavras : “Se Deus não é um, então não existe Deus” (Tertuliano). Em outras palavras,
uma divindade limitada por outro ser perde sua divina dignidade.
A Sagrada Escritura do Novo Testamento toda, é cheia de ensinamentos sobre o Deus
único. “Pai nosso que está no céu,” oramos na palavra da Oração do Senhor (Mt 6:9). “Não há
outro Deus, senão um só” é como o Apóstolo Paulo expressa essa verdade fundamental da fé (1
Co 8:4).
A Sagrada Escritura do Velho Testamento é inteiramente penetrada com o monoteísmo.
A historia do Velho Testamento é a historia da batalha pela fé em um verdadeiro Deus contra o
politeísmo pagão. O desejo de alguns historiadores da religião de encontrar traços de um suposto
“politeísmo original” no povo hebreu em certas expressões, por exemplo, o numero plural de no
nome de Deus — “Elohim” — ou achar uma fé em um “Deus nacional” em frases como “O
Deus dos deuses,” “o Deus de Abrahão, Isaac e Jacó” — não corresponde ao significado autenti-
co dessas expressões.
1. Elohim. Para um judeu simples essa é uma forma de reverência e respeito (um exem-
plo disso pode ser visto na língua russa e outras línguas européias * onde a segunda pessoa no
plural, “vós” em oposição a “tu,” é usada para demonstrar respeito). Para o escritor divinamente
inspirado, o Profeta Moisés, o número plural da palavra contem sem dúvida, em acréscimo, o
profundo significado mínimo de uma antevisão das Três Pessoas de Deus. Ninguém pode duvi-
dar que Moisés fosse um puro monoteísta, conhecendo o espírito na linguagem hebréia. Ele não
usaria um nome que contradissesse sua fé no Deus único.

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2. O Deus dos Deuses é uma expressão que coloca fé no verdadeiro Deus contra adora-
ção de ídolos; aqueles que adoravam os ídolos os chamavam de “Deus” mas para os judeus, es-
ses eram falsos deuses. Essa expressão é usada livremente no Novo Testamento pelo Apóstolo
Paulo; depois de dizer “Não há outro Deus, senão um só,” ele acrescenta:” Porque ainda que haja
também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há muitos deuses e mui-
tos senhores). Todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos;
e que há Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por Ele” (1 Co 8:4-6)
3. O Deus de Abrahão, Isaac e Jacó é uma expressão que se refere só ao povo judeu
escolhido como o “herdeiro das promessas” feitas a Abrahão, Isaac e Jacó.”
A verdade Cristã da unicidade de Deus é aprofundada pela verdade da unidade trihipósta-
tica.

2. O dogma da Santíssima Trindade.

Introdução. Indicações da Trindade no Velho Testamento. O ensinamento da Santíssima Trinda-


de no Novo Testamento. O dogma da Trindade na Igreja Antiga. Os tributos das Pessoas Divi-
nas. O nome da Segunda Pessoa — o Verbo. Sobre a processão do Espírito Santo. A igualdade
da Divindade das Pessoas da Santíssima. Transição para a Segunda Parte da Teologia Dogmáti-
ca.
_______________________________________________________________

Introdução.
Deus é uno em Essência e triplo em Pessoas. Uma série completa de grandes dogmas da
Igreja estão baseados imediatamente sobre ele, começando primeiro com o dogma de nossa Re-
denção. Por causa de sua especial importância, a doutrina da Santíssima Trindade constitui o
conteúdo de todo os Símbolos da Fé foram usados e que são usados agora na Igreja Ortodoxa,
assim como de todas as confissões privadas de fé escritas em várias ocasiões pelos Padres da I-
greja.
Porque o dogma da Santíssima Trindade é o mais importa dos dogmas Cristãos, ele é o
mais difícil de ser compreendido pela mente humana limitada. Por essa razão é que nenhuma ba-
talha na história da Igreja Antiga foi tão intensa quanto a que existiu sobre esse dogma e as ver-
dades que são imediatamente ligadas a ele.
O dogma da Santíssima Trindade inclui em si duas verdades fundamentais:
A. Deus é uno em Essência, mas triplo em pessoa. Em outras palavras, Deus é Tri-único, é Tri-
Hipostático, é Trindade Una em Essência.
B. As hipóstases tem atributos pessoais ou hipostático: Deus é não gerado, o Filho é gerado pelo
Pai; o Espírito Santo procede do Pai.
N[os adoramos a Santíssima Trindade com única e inseparável adoração. Na Igreja, San-
tos padres e Ofícios Divinos, a Trindade é freqüentemente chamada de Unidade na Trindade, U-
nidade Tri-Hipostática. Em sua maioria, as orações dirigidas a uma pessoa da Trindade termina
com a glorificação ou doxologia de toda as Três Pessoas (por exemplo em uma oração para o
Senhor Jesus Cristo: “Pois glorificado és Tu, junto com Teu Pai não originado, e o Espírito San-
to, agora e sempre .... Amém.”

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A Igreja, dirigindo uma oração à Santíssima Trindade, invoca-a no singular e não no plu-
ral. Por exemplo “por Ti” (e não Vós) louvam todos os poderes celestes, e para Ti (não Vós) nós
damos glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, agora e sempre e pelos séculos dos séculos.
Amém.”
Reconhecendo a natureza mística desse dogma, a Igreja de Cristo nele vê uma grande re-
velação que exalta a fé Cristã incomparavelmente acima de qualquer confissão de simples mono-
teísmo, tais como podem ser encontradas em religiões não Cristãs.. O dogma das Três Pessoas
indica a completude da mística vida interior em Deus, pois Deus é amor e o amor de Deus não
pode ser meramente estendido para o mundo criado por Ele; na Santíssima Trindade esse amor é
dirigido também para o interior da vida divina. O dogma das Três Pessoas nos indica ainda mais
claramente a proximidade de Deus com o mundo: Deus acima de nós, Deus conosco, Deus em
nós e em toda criação.
Acima de nós está Deus o Pai, a eternamente e fluente Fonte, como é expressado na ora-
ção da Igreja, a Fundação de todos os seres, o Pai misericordioso que nos ama e cuida de nós,
Sua criação pois nós somos Seus filhos por graça.
Conosco está Deus o Filho, gerado pelo Pai, que pelo Seu divino amor se manifestou para
os homens como Homem para que pudéssemos saber e ver com nossos próprios olhos que Deus
está conosco muito intimamente, partilhando a carne e o sangue conosco (Hb 2:14) do modo
mais perfeito.
Em nós e em toda criação — por Seu poder e graça — está o Espírito Santo, que enche
tudo, é o Doador da vida, Confortador, tesouro e Fonte de coisas boas. Tendo uma existência e-
terna e pré-eterna, as Três Pessoas Divinas foram manifestadas ao mundo com a chegada e En-
carnação do Filho de Deus, “sendo um Poder, uma Essência, uma Divindade” (Estiqueria de
Pentencostes, Glória ao Pai dos salmos no Lucernário)
Porque Deus em sua verdadeira Essência é totalmente consciência e pensamento, cada
uma das três manifestações eternas de si mesmo pelo Deus uno tem auto consciência, e por isso
cada um é uma Pessoa. Além disso, essas Pessoas não são simplesmente estão contidas na pró-
pria unidade da Essência de deus. Assim, quando na Doutrina Cristã nós falamos da Tri-Unidade
de Deus, nós falamos da mística vinda interior escondida nas profundezas da Divindade, revelam
ao mundo em tempo, no Novo Testamento pela descida do Filho de Deus, do Pai, ao mundo e
pela atividade, do miraculoso, vivificante, e poder salvador do Confortador, o Espírito Santo.

Indicações da Trindade no Velho Testamento.


A verdade da Tri-Unidade de Deus só é expressada de maneira velada no Velho Testa-
mento, só meio revelada. Os testemunhos do Velho Testamento da Trindade são revelados e ex-
plicados na luz da Fé Cristã, como o Apóstolo Paulo escreveu a respeito dos judeus: “E até hoje,
quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Mas quando se converterem ao
Senhor, então o véu se retirará... será tirado em Cristo” (2 Co 3:15-16).
As principais passagens no Velho Testamento que testemunham a Trindade de Deus são
as seguintes:
Gênesis 1:1 e os seguintes versículos: o nome de Deus (“Elohim”) no texto hebraico tem
a forma gramatical de número plural.
Gênesis 1:26: “E disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.”
O número plural indica aqui que Deus não é uma só pessoa.

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Gênesis 3:22: “Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem (Adão) é como um de nós, sabendo
o bem e o mal” (essas são as palavras de deus antes do banimento de nossos ancestrais do Paraí-
so).
Gênesis 11:6-7: Antes da confusão de línguas no prédio da torre de Babilônia, o Senhor
disse: “Eis, desçamos e confundamos ali a sua língua.”
Gênesis 18: 1-3: A respeito de Abrahão: “Depois apareceu-lhe o Senhor nos carvalhos de
Manre ... e (Abrahão) levantou os olhos, e olhou e eis que três varões estavam em pé junto a ele
... e inclinou-se à terra e disse: Meu Senhor, se agora tenho achado graça nos teus olhos, rogo-te
que não passes de Teu servo.” O bendito Agostinho diz nessa passagem: “Vós vedes que Abra-
hão encontra Três mas prostrasse só para Um ... Tendo contemplado Três, ele compreendeu o
mistério da Trindade, e tendo se prostrado para Um, ele confessa Um Deus em Três Pessoas.
Além dessas passagens, os Padres da Igreja vêem uma referencia indireta à Trindade nas
seguintes:
Números 6:24-26: A benção sacerdotal indicada pôr Deus através de Moisés está em
forma tripla: “O Senhor te abençoe... o Senhor faça resplandecer o Seu rosto sobre ti... o Senhor
sobre ti levante o Seu rosto....”
Iscais 6:13: A doxologia dos Serafins que estavam acima do Trono de Deus é em forma
tripla: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos”
Salmo 33:6: “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exercito deles pelo
Espírito em Tua boca.”
Finalmente, pode-se indicar aquelas passagens no Velho Testamento onde o Filho de
Deus e o Espírito Santo são referidos separadamente. Pôr exemplo a respeito do Filho:
Salmo 2:7: “...Tu és meu Filho, eu hoje te gerei.”
Salmo 110: 1 e 3: “Disse o senhor ao meu Senhor... como vindo do seio da alva, será o
orvalho da Tua mocidade.”
A respeito do Espírito Santo:
Salmo 143:10: “...guie-me o Teu bom Espírito pôr terra plana.”
Isaias 48:16: “...e agora o Senhor Jeová me enviou o seu Espírito.”

O ensinamento da Santíssima Trindade no Novo Testamento.


A Trindade das Pessoas em deus foi revelada no Novo Testamento na vinda do Filho de
Deus e na descida do Espírito Santo. O envio para a terra pelo Pai do Deus Filho e do Espírito
Santo constitui o conteúdo de todos os escritos do Novo Testamento. Logicamente, esta manifes-
tação para o mundo de Deus Tri-único não é dada aqui em formula dogmática, mas como relatos
das manifestações e feitos das pessoas da Santíssima Trindade.
A manifestação de Deus na Trindade foi completada no Batismo do Senhor Jesus Cristo,
razão pela qual esse Batismo é chamado de “Teofania” ou “manifestação de Deus.” O Filho de
Deus, tendo se tornado homem, aceitou o batismo por água; o Pai testemunhou-o; e o Espírito
Santo confirmou a verdade falada pela voz de Deus, pela sua vez na manifestação de uma pom-
ba, como é expresso no tropário dessa festa: “Senhor, em teu batismo no Jordão foi revelada a
adoração devida à trindade pois a voz de Deus Pai deu testemunho em Ti, chamando-Te Filho
Bem- Amado; e o Espírito, sob a forma de uma pomba confirmou esse testemunho inabalável. O
Cristo nosso Deus, que apareceste entre os homens e iluminaste o mundo, glória a Ti!”
No Novo Testamento existem expressões a respeito de Deus Tri-único; em elas, a maioria
de modo condensado mas ao mesmo tempo de forma precisa expressam a verdade da Trindade:

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Mateus 28:19: “Portanto ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo”; desse trecho, Santo Ambrósio de Milão comenta: “O Senhor disse,
“em nome” e não “Nos nomes,” porque Deus é um. Não há muitos nomes; por isso não há dois
ou três deuses.”
2 Co 13:13: “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espíri-
to Santo, seja com vos todos. Amém.”
Jo 15:26: “Mas quando vier o Consolador, que eu da parte do pai vos hei de enviar, aque-
le Espírito de verdade que procede do Pai, ele testificará de mim.”
1 Jo 5:7: “Porque três são os que testificam no céu: o Pai, o Verbo, e o Espírito Santo; e
esses três são um” (Esse versículo não existe nos antigos manuscritos gregos que foram preser-
vados e está presente só nos manuscritos ocidentais latinos).
Além disso, Santo Atanásio, o Grande, interpreta como referencia À Trindade o seguinte
texto da Epístola aos Efésios (4:6): “Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos (Deus Pai)
e em todos (Deus o Espírito Santo).” Na verdade, toda a Epístola do Apóstolo Paulo aos Efésios
— especialmente os três primeiro capítulos dogmáticos — é uma revelação da verdade da “eco-
nomia trinitária” da nossa salvação.

O dogma da Santíssima Trindade na Igreja Antiga


A Igreja de Cristo em toda a sua completude confessou a verdade da Santíssima Trinda-
de desde o seu início. Por exemplo, Santo Irineu de Lyon, um discípulo de São Policarpo de Es-
mirna, que foi instruído pelo Apóstolo João, o Teólogo, fala claramente da universalidade na fé
na Santíssima Trindade: “Apesar da Igreja estar dispersa pelo mundo habitado inteiro, aos con-
fins da terra, ela recebeu fé em um Deus o Pai Todo Poderoso... e em um Senhor Jesus Cristo o
Filho de deus, que foi encarnado para nossa salvação e no Espírito Santo que proclamou a eco-
nomia de nossa salvação através dos Profetas... tendo recebido essa pregação e essa fé, a Igreja
apesar de estar espalhada pelo mundo inteiro, como já dissemos, preserva cuidadosamente essa
fé como se estivesse morando em uma só casa. Ela acredita nisso (em todo o lugar) identicamen-
te, como se tivesse uma só alma e um só coração, e prega isso com uma só voz, ensinando e
transmitindo como se fosse uma só boca. Apesar de existirem muitos dialetos no mundo, o poder
da Tradição é o mesmo. Nenhum dos líderes das Igrejas contradirá isso, nem ninguém, seja po-
deroso em palavras ou não instruído, enfraquece a Tradição.”
Defendendo a verdade católica da Santíssima Trindade contra os heréticos, os Santos Pa-
dres não só citaram como prova o testemunho da Sagrada Escritura mas eles também confiaram
no testemunho dos primeiros cristãos. Eles indicaram : 1) o exemplo dos mártires e confessores
que não tiveram medo de declarar sua fé no Pai, no Filho e no Espírito santo; e eles citaram 2) os
escritos dos Padres Apostólicos,e em geral, os escritores cristãos antigos, e 3) as expressões que
são usadas nos Ofícios Divinos. Assim São Basílio, o Grande cita a Pequena Doxologia. “Glória
ao Pai, ao Filho no Espírito Santo”; e outra: “A Ele (Cristo) com o Pai e o Espírito Santo seja
dada honra e glória pelos séculos dos séculos.” E São Basílio diz que essa doxologia era usada
nas Igrejas desde o tempo em que o Evangelho foi anunciado. Ele também aponta para a o Ora-
ção de Agradecimento no acender das luzes, ou o Hino de Véspera, chamando-o de hino “anti-
go” legado “pelos padres” e, ele cita as palavras “Nós cantamos o Pai e o Filho e o Espírito Santo
de Deus,” de modo que a mostrar a fé dos antigos Cristãos no louvor igual do Espírito santo com
o Pai e com o Filho.
Existem igualmente muitos testemunhos dos antigos padres e professores da Igreja a res-
peito do fato que a Igreja desde os primeiros dias de sua existência fez os batismos em nome do

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Pai e do Filho e do Espírito Santo., como três Pessoas Divinas, e acusou os heréticos que tenta-
ram batizar ou em nome somente do Pai, considerando o Filho e o Espírito santo serem poderes
inferiores ou em nome do Pai e do Filho, e mesmo do Filho sozinho, minimizando assim o Espí-
rito Santo (ver os testemunhos de Justin, o Mártir, Tertuliano, Irineu, Cipriano, Atanásio, Hilário,
Basílio, o Grande e outros).
A Igreja, no entanto, experimentou grandes perturbações e passou por uma grande bata-
lha na defesa do dogma da Santíssima Trindade. A batalha foi travada principalmente me dois
pontos: primeiro na afirmação da verdade da unicidade de louvor do Espírito Santo com Deus
Pai e Deus Filho.
No período antigo, o objetivo dogmático da Igreja foi achar palavras precisas para esse
dogma que pudessem melhor proteger o dogma da Santíssima Trindade contra as reinterpreta-
ções dos heréticos. Desejando trazer o mistério da Santíssima Trindade um pouco mais perto dos
nossos conceitos terrenos, trazer o que está alem da compreensão um pouco mais perto daquilo
que é compreensível, os Padres na Igreja usaram comparações na natureza. Entre elas estão: a) o
sol, seus raios e a luz; b) a raiz, o tronco e a fruta de uma arvore; c) a nascente d’água, a fonte e o
rio que dela sai; d) três velas que queimam simultaneamente e que dão uma luz única e insepará-
vel; e) o fogo, e a luz e o calor que vem dele; f) mente, vontade, memória; g) consciência, conhe-
cimento e desejo; e assim por diante. Mas eis que diz São Gregório, o Teólogo a respeito dessas
tentativas de comparação: “Eu examinei cuidadosamente essa questão em mima mente, e a olhei
sobre todos os pontos de vista, de modo a encontrar alguma semelhança com o mistério, mas fui
incapaz de encontrar qualquer coisa na terra que pudesse ser comparada à natureza da divindade.
Pois mesmo que eu percebesse alguma pequena parecença, esta me escapava em sua maior parte,
e me derrubava junto com eu exemplo. Eu pintei para mim uma nascente, uma fonte e um rio,
como outros haviam feito antes, para ver se a primeira poderia ser análoga ao Pai, a segunda ao
Filho e o terceiro ao Espírito Santo. Pois para as Três Pessoas não há distinção no tempo, nem
Elas são tiradas de suas conexões com a cada uma das outras, apesar Delas parecerem estar par-
tidas em três personalidade, No entanto, eu estava em primeiro lugar temeroso de ter que apre-
sentar um fluxo da divindade, incapaz de permanecer imóvel; e segundo lugar, que por essa figu-
ra fosse introduzida uma unidade numérica. Pois a nascente, a fonte e o rio são numericamente
um, apesar de formas diferentes.”
“Novamente, eu penso no sol, no raio e na luz. No entanto, aqui também houve um temos
que no mínimo as pessoas viessem a ter idéia de composição na incomposta natureza, tal como
se existe no sol e as coisas que estão no sol. E alem disso nós estaríamos dando Essência ao Pai e
negando personalidade aos Outros fazendo-os somente poderes de Deus, existindo Nele e não
pessoalmente. Pois nem o raio nem a luz é outro sol, mas eles são só emanações do sol, e quali-
dades de sua essência. E assim, finalmente, seguindo com a ilustração nós estaríamos atribuindo
a Deus tanto ser quanto não ser, o que é ainda mais monstruoso... Em uma palavra, não há nada
que apresente um ponto firme nessas ilustrações do qual eu possa considerar o Objeto que eu es-
tou tentando representar para mim, a menos que se possa indulgentemente aceitar um ponto na
imagem enquanto rejeitando o resto. Finalmente, parece melhor para mim que eu deixe que se vá
a imagem e também a sombra, por serem enganosas e muito distantes da verdade, e inclinando-
me para a concepção mais reverente, e apoiando-me em algumas palavras, usando a orientação
do Espírito Santo, mantendo até o fim como minha genuína camarada e companheira iluminação
que eu recebi Dele, e passando por esse mundo a persuadir outros com o melhor do meu poder a
adorar o Pai, Filho e o Espírito Santo, a Divindade e Poder Uno” (São Gregório, o Teólogo, Ho-

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Holy Trinity Orthodox Mission

milia 31, “On the Holy Spirit” seções 31-33; tradução inglesa em Nicene and Post-Nicene Fa-
thers, second series, Vol. VII, p. 328; Eederman).

Os atributos pessoais das Pessoas Divinas.


Os atributos pessoais, ou hipostáticos da Santíssima Trindade são designados assim: O
Pai é não-gerado; o Filho é gerado pré-eternamente; o Espírito Santo procede do Pai.
“Apesar de termos sido ensinados que existe uma distinção entre geração e progressão,
no que consiste essa distinção, e o que é a geração do Filho e a processão do Espírito Santo do
Pai — isso nós não sabemos” (São João Damasceno).
Nenhum tipo de cálculo lógico a respeito do geração e processão significam é capaz de revelar o
mistério interior da vida divina. Concepções arbitrarias podem até mesmo conduzir a distorções
do ensinamento Cristão. As expressões que o Filho é “gerado pelo Pai” e que o Espírito “procede
do Pai” são simples e precisas transmissões das palavras da Sagrada Escritura. Do Filho é dito
que ele é “O unigênito do Pai (único gerado)” (Jo 1:14, 3:16 e outros lugares); da mesma forma
“O Senhor me disse: Tu és meu Filho, hoje eu te gerei” (Sl 2:7; as palavras desse Salmo são
também citadas na Epistola aos Hebreus, 1:5; 5:5). O dogma da processão do Espírito Santo re-
pousa sobre a direta e precisa expressão do Salvador: “Mas quando vier o Consolador, que eu da
parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade que procede do Pai, ele testificará de
mim” (Jo 15:26). Na base das expressões citadas acima, as do Filho são usualmente ditas no ver-
bo passado, isto é que Ele é “gerado” e as do Espírito Santo no presente, isto é que Ele “proce-
de.” No entanto, essas validações de forma gramatical não indicam qualquer relação com o tem-
po de maneira alguma. Ambas “geração” e “processão” são “desde toda eternidade,” “fora do
tempo.”
O dogma da geração do Filho pelo Pai e a processão do Espírito Santo do Pai mostram as
místicas relações interiores das pessoas em Deus e a vida de Deus Nele mesmo. Deve-se clara-
mente distinguir essas relações que são pré-eternas de toda eternidade, e fora do tempo, nas ma-
nifestações da Santíssima Trindade no mundo criado, das atividades e manifestações da provi-
dencia de Deus no mundo como elas foram expressas em tais eventos como a criação do mundo,
a vinda do Filho de Deus para a terra, Sua Encarnação, e o envio do Espírito Santo. Essas mani-
festações e atividades providenciais foram realizadas no tempo. No tempo histórico o Filho de
deus nasceu da Virgem Maria pela descida sobre Ela do Espírito Santo: “Descerá sobre ti o Espí-
rito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra, pelo que também o Santo, que
de ti há de nascer, será chamado de Filho de Deus” (Lc 1:35). No tempo histórico, o Espírito
Santo desceu sobre Jesus Cristo no tempo do Seu batismo por João. No tempo histórico o Espíri-
to Santo foi enviado para cá pelo Filho, vindo do Pai, aparecendo na forma de línguas de fogo. O
Filho veio para a terra através do Espírito Santo. O Espírito é enviado para cá pelo Filho de acor-
do com a promessa “o Consolador... que da parte do Pai, vos hei de enviar” (Jo 15:26).
A respeito da pré-eterna “geração” do Filho de deus e da “Processão” do Espírito, pode-
se perguntar: “Quando foram essas geração e processão?” São Gregório, o teólogo responde: “E-
las foram antes delas mesmo. Vós ouvistes sobre a geração;não fiquem curiosos para conhecer
de que forma essa geração foi. Vós ouvistes que o Espírito Santo procede do Pai; Não fiquem
curiosos par saber como Ele procede.”
Apesar do significado das palavras “geração” e prestarem além de nós, isso não diminui a
importância dessa concepções do ensinamento Cristão a respeito de Deus. Elas indicam a totali-
dade de divindade da Segunda e Terceira Pessoa. A existência do Filho e do Espírito é colocada
em oposição a qualquer tipo de criatura, a qualquer coisa que foi criada e foi chamada pela von-

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tade de deus só pode ser divina e eterna; por isso a palavra de Deus diz do Filho que veio para a
terra: “O Filho unigênito, que está no seio do Pai” (Jo1:18); a respeito do Espírito Santo: “Que eu
vos hei de enviar ... que procede do Pai...” (Jo 15:26). (aqui o presente gramático significa eter-
nidade).
Aquele que é gerado é sempre da mesma essência que o que gera. Mas o que é criado e
feito é de outra e inferior essência, e é externo em relação ao Criador.

O nome da Segunda Pessoa — O Verbo.


Freqüentemente nos Santos padres e nos textos dos Ofícios Divinos o Filho de deus é
chamado de Verbo (ou Palavra) ou Logus. Isso tem sua base no primeiro capitulo do Evangelho
de João, Teólogo.
O conceito ou nome “Verbo” nós encontramos em se significado exaltado muitas vezes
nos livros do Velho Testamento. Eis algumas expressões dos Salmos: “Para sempre, ó Senhor,
Tua Palavra permanece no céu” (Sl 119:09); “Enviou a sua Palavra e os sarou” (Sl 107:20) —
um versículo que se refere ao Êxodo dos Hebreus do Egito; “Pela palavra do Senhor, foram fei-
tos os céus” (Sl 33:6). O autor da Sabedoria de Salomão escreve: “Tua poderosíssima Palavra
saltou do céu, do trono real, para o meio da terra que estava condenada, um severo guerreiro car-
regando a afiada espada do autentico comando e parou e encheu todas as coisas com morte, e
tocou o céu enquanto estava na terra” (Sabedoria 18:15-16).
Com o auxilio deste Divino nome, os Santos Padres tentaram explicar um pouco do mis-
tério do relacionamento do Filho com o Pai. São Dionísio de Alexandria (um discípulo de Origi-
nes) explica a relação do seguinte modo: “Nosso pensamento profere dele mesmo a palavra se-
gundo que o Profeta disse: “O meu coração ferve com palavras boas” (Sl 45:1). Pensamento e
palavra são separados, e cada um ocupa seu lugar especial e separado: enquanto o pensamento
permanece e move-se no coração, a palavra fica na língua e nos lábios. No entanto, eles são inse-
paráveis, nem por um momento um deles é privado do outro. O pensamento não existe sem a pa-
lavra, uma palavra escondida dentro, e palavra é o pensamento que veio para fora. Pensamento é
transformado em palavras, e palavra transmite o pensamento para os ouvintes. Desse modo, o
pensamento com o auxilio da palavra, é instilado nas almas dos ouvintes, entrando nelas junto
com a palavra. O pensamento, vindo de si próprio, é como se fosse o pai da palavra; e a palavra é
como se fosse o filho do pensamento. Antes do pensamento, a palavra era impossível, e a palavra
não vem de nenhum lugar fora, mas sim do próprio pensamento. Assim também, o Pai, o maior e
abrangente pensamento, tem um Filho, o verbo seu primeiro interprete e Heraldo” (citado em De
sentent Dionis, nº 15 de Santo Atanásio).
Essa mesma semelhança, a relação da palavra e pensamento, é muito usada por São João
de Kronstadt em suas reflexões sobre a Santíssima Trindade, em suas reflexões, em Minha Vida
em Cristo.
Na citação acima de São Dionísio de Alexandria, o Salmo mencionado mostra que as i-
déias dos Padres da Igreja estavam baseadas no uso do termo “palavra” (Verbo), na Sagrada Es-
critura não só no Novo Testamento mas no Velho Testamento também. Assim não há razão para
afirmar que o termo “Logos” ou “palavra (Verbo)” foi tomado emprestado pelo Cristianismo da
filosofia, como certos interpretes ocidentais afirmam.
Com certeza, os Padres da igreja, assim como o Apóstolo João, o Teólogo, não estavam
desinformados do conceito de “logos” como era interpretado na filosofia grega e também no filo-
sofo judeu, Philo de Alexandria (o conceito logos como um ser intermediário entre Deus e o
mundo, ou como um divino poder impessoal); mas eles constataram esse entendimento do logos

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com o entendimento Cristão do Verbo — o Filho Unigênito de Deus, um em Essência com o


Pau, e igual em Divindade ao Pai e ao Espírito Santo.

Sobre a Processão do Espírito Santo.


O antigo ensinamento Ortodoxo dos atributos do Pai, do Filho e do Espírito santo foi dis-
torcido na Igreja latina pela criação do ensinamento da processão, fora do tempo e por toda a e-
ternidade do Espírito Santo, do Pai e do Filho — o Filioque . A idéia que o Espírito santo proce-
de do Pai e do Filho originou-se em certas expressões do Bem-Aventurado Agostinho. Tornou-se
obrigatório no Ocidente no século nono, e quando missionários latinos chegaram na Bulgária em
meados do século nono, o Filioque estava sem seu símbolo da fé.
Tornando-se as diferenças entre o Papado e a Ortodoxia Oriental mais agudas, o dogma
latino tornou-se crescentemente reforçando no Ocidente; finalmente ele foi reconhecido no Oci-
dente como dogma universal obrigatório! O Protestantismo herdou esse ensinamento da Igreja
Romana.
O dogma latino do Filioque é um desvio substancial e importante da verdade Ortodoxa.
Esse dogma foi sujeito a um exame detalhado e acusado, especialmente pelos Patriarcas Photius
(século nove) e Michael Cerularius (século onze), e também por São Marcos de Éfeso, que to-
mou parte no Concílio de Florença (1439). Adam Zernikav (século dezoito), que se converteu do
Catolicismo para a Ortodoxia, cita cerca de mil testemunhos dos escritos dos Santos Padres da
Igreja em favor do ensinamento Ortodoxo sobre o Espírito Santo em seu trabalho, Concerning
the Procession of the Holy Spirit.
Em tempos recentes, a Igreja Romana, com objetivos “missionários” tem dissimulado a
importância da diferença entre ensinamento Ortodoxo e o ensinamento Romano sobre o Espírito
Santo. Com isso me mente, os Papas mantiveram o antigo texto Ortodoxo do símbolo da fé, sem
as palavras “e do Filho” para as Uniatas do “Rito Oriental.” No entanto, isso não pode ser olhado
como um tipo de meia rejeição por Roma de seu próprio dogma. No máximo, é só uma dissimu-
lação para a visão romana que o Oriente Ortodoxo voltou a estar em desenvolvimento dogmáti-
co, e que é preciso ser condescendente com essa volta, e que o dogma expresso no Ocidente nu-
ma forma desenvolvida (Explicita, de acordo com a teoria Romana do “desenvolvimento de
dogmas”) está oculto no dogma Ortodoxo numa forma ainda não desenvolvida (implícita). No
entanto, em trabalhos dogmáticos latinos, destinados a uso interno, encontrado um tratamento
bem definido do dogma Ortodoxo na processão do Espírito Santo como uma “heresia.” No traba-
lho dogmático latino do doutor em teologia, A. Sanda, nós lemos:”Oponentes (do atual ensina-
mento Romano) são os gregos cismáticos, que ensinam que o Espírito procede só do Pai. Já no
ano de 808, monges gregos protestaram contra a introdução pelos latinos da palavra Filioque no
Credo... quem foi o originador dessa heresia, não se sabe é desconhecido” (Sinopsis Theologiae
Dogmaticae Specialis, por Dr. A. Sanda ., vol I, pg 100; Herder Edition, 1916)
Porém o dogma latino não concorda nem com as Sagradas Escrituras nem com a Sagrada
Tradição universal da Igreja ; e ele não concorda sequer com as mais antigas tradições da Igreja
local de Roma.
Em sua defesa, os teólogos romanos, citam uma série de passagens na Sagrada Escritura
onde o Espírito santo é chamado de “de Cristo,” onde é dito que Ele é dado pelo Filho de Deus;
daí eles concluem que ele procede também do Filho. As passagens mais importantes citadas pe-
los teólogos romanos são: as palavras do Salvador para seus discípulos a respeito do Espírito
Santo, o Consolador: “Ele há de receber do que e meu, é vos anunciará...” (Jo 16:15); as palavras
do Apóstolo Paulo, “Deus enviou aos nossos corações o Espírito de Seu Filho...” (Ga 4:6); as

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palavras do mesmo Apóstolo: “Mas se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é Dele”
(Ro 8:9); e no Evangelho de João, “assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo”
(Jo 20:22)
Da mesma forma, os teólogos romanos acham nos trabalhos dos Santos Padres da Igreja
passagens onde freqüentemente é mencionado o envio do Espírito Santo “através do Filho” e às
vezes até um “processão através do Filho.”
No entanto nenhum arrazoado de qualquer tipo pode obscureceras perfeitamente precisas
palavras do Salvador: “O Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, ... e imediata-
mente depois, ...que procede do Pai” (Jo 15:26).. Os Santos Padres da Igreja não poderiam possi-
velmente colocar as palavras “através do Filho” se elas não estivessem contidas na Sagrada Es-
critura.
No caso presente, os teólogos católicos romanos estão ou confundindo dois dogmas —
isto é, o dogma da existência pessoal das hipóstases e o dogma da unicidade da essência que está
imediatamente ligado com ele, ainda que seja um dogma separado — ou então eles estão con-
fundindo as relações internas das hipóstases da Santíssima Trindade com as ações e manifesta-
ções providenciais do Pai, do Filho e do Espírito santo, que são dirigidas ao mundo e à raça hu-
mana. Que o Espírito Santo é Um em Essência com o Pai e o Filho, e que portanto Ele é o Espíri-
to do Pai e do Filho, é uma verdade inquestionável do Cristianismo, pois Deus é uma Trindade
Uma em Essência e Indivisível.
Essa idéia é claramente expressada pelo Bem Aventurado Teodoreto: “A respeito do Es-
pírito Santo, é dito não que Ele tenha existência do Filho ou através do Filho, mas sim que Ele
procede do Pai e tem a mesma natureza que o Filho, é de fato o Espírito do Filho sendo Um em
Essência com Ele” (B. A. Theodoret, “On the Third Ecumenical Council”).
Nos Divinos Ofícios também, com freqüência ouvimos essas palavras endereçadas ao
Senhor Jesus Cristo: “Pelo Teu Espírito Santo,iluminai-nos, instrui-nos e preserva-nos.” A ex-
pressão “o Espírito do Pai e do Filho,” é igualmente em si própria inteiramente Ortodoxa. Mas
essas expressões referem-se aos dogmas da Unicidade da Essência, e é absolutamente essencial
distinguir este de outro dogma, o dogma da geração e processão, no qual, como os Santos Padres
expressam, é mostrada a causa da existência do Filho e do Espírito Santo. Assim, quando certos
Padres da Igreja usam a expressão “através do Filho” eles estão, precisamente por meio dessa
expressão preservando o dogma da processão do Pai e a inviolabilidade da formula dogmática,
“procede do Pai.” Os padres falam em relação ao Filho “através” para defender a expressão “do
Pai,” onde só se refere só ao Pai.
A isso dever-se-ia juntar a expressão “através do Filho,” que é encontrada em certos Pa-
dres da Igreja, na maioria dos casos referem-se definitivamente às manifestações do Espírito
Santo no mundo, isto é, às ações providenciais da Santíssima Trindade, e não à vida de Deus em
Si próprio. Quando a Igreja Oriental notou uma distorção do dogma do Espírito Santo no Oci-
dente e começou a recriminar os teólogos ocidentais por suas inovações, São Máximo, o Confes-
sor (no século sete), desejando defender os ocidentais, justificou-os precisamente dizendo que
pelas palavras “do Filho” eles pretendiam indicar que o Espírito Santo é dado para as criaturas
através do Filho, que Ele é enviado — mas não que o Espírito Santo tem Sua existência do Filho.
São Máximo, o Confessor manteve estritamente o ensinamento da Igreja Oriental a respeito da
processão do Espírito Santo do Pai e escreveu um tratado especial sobre esse dogma.
O envio providencial do Espírito pelo Filho de Deus é referido nas palavras, “que Eu da
parte do pai vos hei de enviar.” Também nós rezamos: “Senhor, Tu que, à terceira hora, fizeste
nascer o Espírito Santo sobre teus Apóstolos, pela Tua misericórdia não O afastaste de nós, mas

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renova-nos a nós que humildemente te apresentamos as nossas súplicas” (Tropário da Terceira


Hora da Grande Quaresma também dito pelo padre antes da Consagração da sagrada Liturgia).
Confundindo os textos da Sagrada Escritura que falam de “processão” com outros que falam do
“envio” do Espírito Santo, os teólogos romanos transferiram o conceito das relações providenci-
ais para a própria existência da divindade, para as relações lá entre as pessoas da Santíssima
Trindade.
À parte do lado dogmático, ao introduzir um novo dogma a Igreja Romana violou o De-
creto do Terceiro e dos subseqüentes Concílios Ecumênicos (4º ao 7º), que proibiram a introdu-
ção de qualquer tipo de mudança no Símbolo da Fé de Nicéia, depois que deu o Segundo Concí-
lio Ecumênico deu sua forma final. Assim a Igreja Romana cometeu uma séria violação canôni-
ca.
Mas quando os teólogos romanos tentam dizer que a completa diferença entre o Catoli-
cismo Romano e a Ortodoxia no ensinamento do Espírito Santo é que eles ensinam a processão
“também do Filho” enquanto nós ensinamos a processão “através do Filho,” e que nessa afirma-
ção existe escondido lá no fundo um mal entendido (ainda que as vezes alguns escritores de nos-
sa Igreja seguem os Católicos e permitem-se repetir essa idéia), deve-se antepor que a expressão
“através do Filho” em hipótese alguma constitui-se num dogma da Igreja Ortodoxa, mas é só um
modo explanatório de certos Padres em seu ensinamento da Santíssima Trindade, e que portanto
o verdadeiro significado do ensinamento da Igreja Ortodoxa é em essência completamente dife-
rente do ensinamento do Catolicismo Romano.

A igualdade da Divindade das Pessoas da Santíssima Trindade.


As Três Pessoas da Santíssima Trindade tem a mesma Essência; cada uma das hipóstases
tem a totalidade da divindade intacta e incomensurável; as Três hipóstases são iguais em honra e
adoração.
A respeito da completude da divindade da Primeira Pessoa da Santíssima Trindade, não
houveram heresias na historia da Igreja de Cristo que a tivessem negado ou diminuído. No entan-
to, nós encontramos afastamentos do ensinamento Cristão autentico a respeito de Deus Pai. As-
sim, na antigüidade sob a influencia dos Gnósticos, e mais recentemente, sob a influencia da as-
sim chamada filosofia do idealismo na primeira metade do século 19 (principalmente Schelling),
surgiu um ensinamento que considera Deus como o Absoluto, Deus desligado de tudo que seja
limitado e finito (a própria palavra “absoluto” significa “desligado”) e em decorrência não tendo
contato com o mundo, requerendo um intermediário. Assim, o conceito do Absoluto foi ligado
com o nome de Deus Pai e o conceito de intermediário com o nome do Filho de Deus. Essa con-
ceituação esta em total desarmonia com o entendimento Cristão e como o ensinamento da pala-
vra de deus. A palavra de Deus nos ensina que Deus está perto do mundo, que Deus é amor,e que
deus — Deus o Pai — amou tanto o mundo que deu o Seu Filho Unigênito para que todos que
acreditem Nele tenham a vida eterna. Para Deus Pai, inseparavelmente do Filho e do Espírito,
pertence a criação do mundo e da providencia incessante sobre o mundo. Se na palavra de deus o
Filho é chamado de intermediário, isto é, algum principio de ligação entre Deus o Pai, que estaria
infinitamente remoto do mundo, e do finito mundo das criaturas.
Na historia da Igreja, o principal trabalho dogmático dos Santos Padres, foi dirigido à a-
firmação da verdade da Unicidade da Essência, da completude da Divindade, e da igualdade de
honra das Segundas e Terceiras Hipóstases da Santíssima Trindade.

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A Unicidade da Essência; a Igualdade da Divindade; e a Igualdade de Honra de


Deus, o Filho, com Deus o Pai.
Nos primeiros tempos Cristãos, até que a fé da Igreja na Unicidade da Essência e na I-
gualdade das Pessoas da Santíssima Trindade tivesse sido precisamente formulada em termino-
logia estritamente definida, aconteceu que mesmo aqueles escritores da Igreja que eram cuidados
em estar de acordo coma consciência universal da Igreja, e que não tinham nenhuma intenção de
viola-la com nenhuma visão pessoal, ás vezes, junto com pensamento claramente Ortodoxos, u-
saram expressões relativas à Divindades das Pessoas da Santíssima Trindade que não foram in-
teiramente precisas e que não afirmaram claramente a igualdade das Pessoas.
Isso pode ser explicado, na sua maior parte, pelo fato que para o mesmo termo alguns
pastores da Igreja colocavam um significado e outros, outro significado. O conceito “essência”
foi expresso na língua grega pela palavra ousia, e essa palavra foi em geral entendida por todo
mundo da mesma forma. No entanto, uma falta de clareza foi introduzida pelo uso de uma tercei-
ra palavra, “hipóstase.” Alguns entenderam por esse termo as “Pessoas” da Santíssima Trindade,
e outros a “Essência.” Essa circunstância impediu mutuo entendimento. Finalmente, seguindo o
exemplo autorizador de São Basílio, o Grande, tornou-se aceito entender-se pela palavra Hipós-
tase os atributos Pessoais na Divindade Triúnica.
No entanto, alem desses casos, existiram heréticos no período Cristão antigo que consci-
entemente negaram ou diminuíram a Divindade do Filho de Deus. Heresias nesse tipo foram
numerosas e de tempos em tempos causaram fortes perturbações na Igreja. Eis alguns exemplos
desses heréticos:
1. Na Época Apostólica — os Ebionistas (do nome do herético Ebion). Os Santos Padres
testemunham que o Santo Evangelista João Teólogo escreveu seu Evangelho contra eles.
2 . No terceiro século, Paulo de Samosata foi acusado por dois Concílios de Antioquia no
mesmo século.
3. O mais perigoso de todos os heréticos foi Ario, o presbítero de Alexandria, no quarto
século. Ario ensinou que o Verbo, ou o Filho de Deus, recebeu o começo de sua existência no
tempo, apesar de ter sido antes de qualquer outra coisa; que Ele foi criado por Deus, apesar de
subseqüentemente Deus ter criado tudo através Dele; que Ele é chamado de Filho de Deus só
porque Ele é o mais perfeito de todos os espíritos criados, e tem uma natureza que, sendo dife-
rente da do Pai, não é divina.

Esse ensinamento herético de Ario perturbou o mundo Cristão todo, porque ele puxou atrás de si
muita gente. Em 325 o Primeiro Concílio Ecumênico foi chamado contra esse ensinamento, e
nesse Concilio 318 dos hierarcas chefes da Igreja unanimemente expressaram o antigo ensina-
mento da Ortodoxia e condenaram o falso ensinamento de Ario. O Concílio triunfante pronun-
ciou Anátema contra aqueles que existiu um tempo em que o Filho de deus não existiu, contra
aqueles que afirmaram que Ele foi criado, ou que Ele era diferente essência que a do Deus Pai. O
Concílio compôs um Símbolo da Fé, que foi confirmado e completado mais tarde no Segundo
Concilio Ecumênico. A unidade e igualdade de honra do Filho de Deus com o Deus Pai foi ex-
pressa por esse Concílio no Símbolo da Fé com as palavras : “de Uma Essência com o Pai.”
Depois do Concilio, a heresia ariana dividiu-se em três ramos e continuou a existir por
algumas décadas. Ela foi sujeita a outras refutações em seus detalhes em vários concílios locais e
nas obras dos grandes Padres da Igreja do século 4º e parte do século 5º (Santos, Atanásio, o
Grande; Basílio, o Grande; Gregório, o Teólogo; João Crisostomo, Gregório de Nissa; Epifânio;
Ambrósio de Milão; Cirilo de Alexandria; e outros). No entanto, o espírito nessa heresia mesmo

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mais tarde encontrou lugar para si em vários ensinamentos falsos na idade média quanto nos
tempos modernos.
Ao responder às opiniões dos heréticos Arianos, os Padres da Igreja não encontraram
uma só passagem na Sagrada Escritura que tivesse sido citada pelos heréticos em justificativa de
sua Idea de desigualdade do Filho com o Pai. A respeito de expressões na Sagrada Escritura que
parecem falar da desigualdade do Filho com o Pai, deve-se ter em mente o seguinte: a) que o Se-
nhor Jesus Cristo não é só Deus, mas também tornou-se homem, e tais expressões podem se refe-
rir à Sua humanidade; b) que em adição, Ele, como nosso Redentor, durante os dias de Sua vida
terrena estava em voluntária diminuição “...humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até na
morte” (Fp 1:8). Mantendo essas palavras do Apóstolo, os Padres da Igreja expressam essa con-
dição pelas palavras ekkenosis, kenosis que significam esvaziamento, diminuição, rebaixamento
“antevendo teu divino auto-esvaziamento na cruz, Hababuque clamou maravilhando-se “ (Cânon
das Matinas do Grande Sábado). Mesmo quando o Senhor fala de Sua própria Divindade, Ele,
tendo sido enviado pelo Pai e tendo vindo para preencher na terra a vontade do Pai, colocando-se
em obediência ao pai, sendo Um em Essência e igual em honra com Ele como Filho, nos dá um
exemplo de obediência.
Esse é o significado preciso, por exemplo, das palavras do Salvador no Evangelho de Jo-
ão : “ Porque o Pai é maior que eu” (Jo 14:28). Deve-se notar que essas palavras são ditas a Seus
discípulos em sua conversa de despedida depois das palavras que expressem a completude de
Sua divindade e a Unidade do Filho com o Pai: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e
meu Pai o amará, e viremos para Ele, e faremos nele morada” (Jo 14:23). Nessas palavras o sal-
vador junta o Pai e Ele próprio na única palavra “nós,” e para igualmente em nome de Seu Pai e
em Seu próprio nome; mas, como Ele foi mandando pelo Pai para o mundo (Jo 14: 24), Ele se
coloca em uma relação de submissão ao Pai (Jo14:28).
Um exame detalhado de passagens similares na Sagrada Escritura (por exemplo, Marcos
13:32; Mat 26:39; Mt 27:43; João 20-17) é encontrado em Santo Atanásio, o Grande (em seus
sermões contra os Arianos), em São Basílio, o Grande (em seu quarto livro contra Eunomius),
em São Gregório, o Teólogo, e em outros que escreveram contra os Arianos.
No entanto, se existem tais expressões pouco claras na Sagrada Escritura sobre Jesus
Cristo, existem muitas, pode-se até dizer inumeráveis passagens que testemunham a Divindade
do Senhor Jesus Cristo. Primeiro, o Evangelho como um todo O testifica. Quanto as passagens
separadas, indicaremos só algumas das mais importantes. Algumas dessas passagens dizem que o
Filho de Deus é Deus verdadeiro; outras afirmam que Ele é igual ao Pai; outras ainda dizem que
Ele é Um em Essência com o Pai.
É essencial ter em mente que chamar o Senhor Jesus Cristo de Deus — theos — é em sim
falar da plenitude da Divindade Nele. Falando do Filho, o Apóstolo Paulo diz que “Nele habita
corporalmente toda a plenitude da divindade” (Col 2:9).
As passagens seguintes mostram que o Filho de Deus é Deus verdadeiro: a . Ele é direta-
mente chamado de Deus na Sagrada Escritura:
“No principio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o verbo era deus. Ele estava no
principio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez”
(Jo 1:13)
“Grande é o mistério da piedade; Deus se manifestou em carne” (Tim. 3:16)
“E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para conhecermos o
que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é em Seu Filho Jesus Cristo. Este é o ver-
dadeiro Deus e a vida eterna” (1 Jo 5:20)

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“...e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente.
Amem” (Ro 9:5).
“Meu Senhor e meu Deus” — a exclamação do Apóstolo Tomé (Jo 20:28)
“Olhai pois por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constitui bispos,
para apascentar a Igreja de Deus, que ele resgatou com o seu próprio sangue” (At. 20:28)
“vivamos.. sóbria, e justa, e piamente. Aguardando a bem aventurada esperança e o apa-
recimento da glória do grande Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo” (Tt 2: 12-13) — Que o título
de “grande Deus pertence aqui a Jesus Cristo é tornado claro para nós pela construção da senten-
ça em grego (um artigo comum para as palavras “Deus e Senhor.” Assim como pelo contexto
desse capitulo.

b. Ele é chamado de “Unigênito”


“E o verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Uni-
gênito do Pai” (Jo 1:14 e 18).
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho Unigênito, para que to-
do aquele que Nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3:16)
c. Ele é igual em honra ao Pai:
“Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5:17)
“Porque tudo quanto Ele faz, o Filho o faz igualmente” (Jo 5: 19)
“Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos, e os vivifica, assim também o Filho ter a
vida em Si mesmo” (Jo 5:21)” (Jo
“Para que todos honrem o Filho, como honrem o Pai” (Jo 5: 23)
d. Ele é Um em Essência com o Pai:
“Eu e o pai somos Um” (Jo 10:30) — em grego, em esmen, um em essência.
“Eu estou no Pai, e o Pai em Mim” (Jo 14:11; 10:38)
“E todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas” (Jo 17:10)
e. A palavra de deus da mesma forma fala da eternidade do Filho de Deus:
“Eu sou o Alfa e o Omega, o principio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de
vir” (Ap 1:8)
“E agora glorifica-me Tu, ó Pai, junto de Ti mesmo, com aquela Glória que tinha contigo
antes que o mundo existisse” (Jo 17:5)
f. Sobre sua Onipresença:
“Ora ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no
céu” (Jo 3:13)
“Porque onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, ai estou Eu no meio deles”
(Mt 18:20)
g. O Filho de Deus como o Criador do mundo:
“Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1:3).
“Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisí-
veis; sejam Tronos; sejam Dominações; sejam Principados; sejam Potestades; todas as coisas fo-
ram criadas por Ele e para Ele; e Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por
Ele” (Cl 1:16-17).
A palavra de Deus fala similarmente dos outros atributos Divinos do Senhor Jesus Cristo.
Como Sagrada Tradição, ela contem testemunhos inteiramente claros da fé universal dos
Cristãos dos primeiros séculos da verdadeira Divindade do Senhor Jesus Cristo. Nós vemos a
universalidade dessa fé:

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Nos Símbolos da Fé que foram usados antes do Concilio de Nicéia em toda Igreja local.
Os Símbolos da Fé que foram compostos em Concílios ou em nome de concílios pelos Pastores
da Igreja antes do 4º século.
Os escritos dos Padres Apostólicos e professores da Igreja durante os primeiros séculos.
O testemunho de homens que não pertenciam ao Cristianismo e relataram que os Cristãos adora-
vam “Cristo como Deus” (por exemplo, a carta de Plínio, o Jovem ao Imperador Trajano; o tes-
temunho do escritor Celsius, que era um inimigo dos Cristãos; e outros)

A Igualdade de honra e a Divindade do Espírito Santo.


Na historia da antiga Igreja, sempre que os heréticos tentaram diminuir a Divina dignida-
de do Filho de deus, isso era acompanhado por uma diminuição da dignidade do Espírito Santo.
No segundo século, o herético Valentinus ensinou falsamente que o Espírito Santo não
era distinto em Sua natureza dos anjos. Os Arianos ensinaram a mesma coisa. Porém, o chefe dos
heréticos que distorceu o ensinamento Apostólico a respeito do Espírito Santo foi Macedônio,
que ocupou a cátedra de Constantinopla como Arcebispo no 4º século e encontrou seguidores
entre prévios Arianos e semi-arianos. Ele chamava o Espírito Santo de uma criação do Filho, e
um servo do Pai e do Filho. Acusadores dessa heresia foram Padres da Igreja como São Basílio,
o Grande; Gregório, o Teólogo; Atanásio, o Grande; Gregório de Nissa; Ambrósio, Anfilocius;
Diódoro de Tarso; e outros, que escreveram trabalhos contra os heréticos. O falso ensinamento
de Macedônio foi refutado primeiramente numa série de concílios locais e finalmente no, Segun-
do Concilio Ecumênico, de Constantinopla, em 381. Preservando a Ortodoxia, o Segundo Conci-
lio Ecumênico completou o símbolo da fé de Nicéia com estas palavras: “E no Espírito Santo,
Senhor e fonte de vida, que procede do Pai, e com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e a
mesma glória. Foi Ele que falou pelos Profetas,” assim como os artigos do Credo que seguem a
esse no Símbolo da Fé de Nicéia —Constantinopla.
Dentre os numerosos testemunhos da Sagrada Escritura a respeito do Espírito Santo, é
especialmente importante ter-se em mente as passagens que a) confirmam o ensinamento da I-
greja de que o Espírito Santo não é um poder divino impessoal, mas sim uma Pessoa da Santís-
sima Trindade, e b) que afirmam a Sua Unicidade em Essência e igual dignidade divina com a
Primeira e com a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
a) Um testemunho do primeiro tipo — Que o Espírito Santo é uma Pessoa — nós temos
nas palavras do Senhor em Sua conversa de despedida com Seus discípulos, na qual Ele chama o
Espírito Santo de “Consolador” “que eu da parte do Pai vos hei de enviar aquele Espírito de ver-
dade, que procede do Pai, ele testificará de mim” (Jo 15:26). “E quando Ele vier, convencerá o
mundo do pecado, e da justiça e do juízo; do pecado porque não crêem em mim; da justiça, por-
que vou para meu Pai, e não me vereis mais; e do juízo porque já o príncipe desse mundo está
julgado” (Jo 16:18-11)
b) O Apóstolo Pedro fala do Espírito como Deus nas palavras dirigidas a Ananias, que
havia escondido o preço de sua propriedade: “porque encheu Satanás o teu coração para que
mentisses ao Espírito Santo ... Não mentiste aos homens, mas a Deus” (At 5:3-4)
A respeito da igualdade de honra e Unicidade da Essência do Espírito Santo como Pai e
o Filho existe o testemunho de passagens como “Batizando-os em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo” (Mt 28-19).
“A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai, e a comunhão do Espírito
Santo seja com vós todos” (2 Co 13:13). Aqui todas as três Pessoas da Santíssima Trindade são
mencionados como iguais. E nas seguintes palavras o próprio Salvador expressa a dignidade Di-

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vina do Espírito Santo: “E. se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á
perdoado, mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado nem neste século
nem no futuro” (Mt 12:32).

Transição para a Segunda Parte da Teologia Dogmática.


Quando a mente do homem é dirigida para a compreensão da vida de Deus em Si próprio,
Seu pensamento se perde em sua impotência e só pode se dar conta da incomensurável e inatin-
gível grandeza de Deus, e a interminável e insondável diferença entre a criatura e Deus — uma
diferença tão grande que é impossível compara-la.
Mas quando a mesma mente do homem volta-se para co conhecimento de Deus no mun-
do, para atividades de Deus no mundo, ela vê em todas as coisas e em todos os lugares o poder, a
mente, a bondade e a misericórdia de Deus: “ ... as suas coisas invisíveis, desde a criação do
mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem e claramente se vêem pelas
coisas que estão criadas” (Ro 1:20)
Mais além, voltando-se para sua própria alma, olhando fundo dentro de si mesmo, con-
centrando-se em oração, estando na Igreja de Cristo, no grau de seu próprio crescimento espiritu-
al — um homem torna-se capaz de entender o que é inexplicável em palavras: a proximidade de
Deus à sua criação, e especialmente sua proximidade ao homem.
Ainda mais adiante, diante dos olhos espirituais de um crente cristão lá está um abismo: o
ilimitado e brilhante, insuperável a tudo amor de Deus por cada um de nós, como revelado pelo
envio para o mundo, e a morte na cruz do Filho de Deus para nossa salvação.
O objetivo final da Teologia Dogmática em sua segunda parte é o reconhecimento da sa-
bedoria e bondade de Deus, a proximidade de Deus, o amor de Deus; e de nosso lado, o reconhe-
cimento do que é necessário para o homem para receber salvação e chegar perto de Deus.

Parte II
Deus Manifestado no Mundo.
Deus e a Criação.

Introdução. O modo de criação do mundo. O motivo para a criação. A perfeição da Criação. O


Mundo Angélico. Anjos da Sagrada Escritura. A criação dos Anjos. O ministério dos Anjos.
Homem — A coroa da criação. A alma como uma substância independente. A origem das almas.
A imortalidade da alma. Alma e espírito. A imagem de Deus no homem. O propósito do Homem.

Introdução.
No princípio criou Deus os céus e a terra (Ge 1:1). O relato divinamente inspirado da cri-
ação do mundo por Moisés, mostrado na primeira pagina da Bíblia, mostra-se em exaltada gran-
deza, bem independente das antigas lendas mitológicas sobre a origem do mundo, bem como vá-
rias hipóteses, constantemente substituindo uma as outras, a respeito do começo e desenvolvi-

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mento da ordem do mundo. Ela é apresentada como o auxilio da mais elementar linguagem; com
um vocabulário consistente e somente algumas centenas de palavras e inteiramente destituído das
idéias abstratas tão necessárias para a expressão de verdades religiosas. Mas apesar de sua ele-
mentar natureza ela tem um significado eterno.
O propósito direto do visionário de Deus Moisés foi — por meio de um relato da criação — ins-
tilar em seu povo, e através dele em toda humanidade, as verdades fundamentais de Deus, do
mundo e do homem.

A. De Deus. A principal verdade expressa na Gênesis é a de Deus como a Única Essência


Espiritual independente do mundo. As primeiras palavras do livro da Gênesis, “No principio cri-
ou Deus,” nos conta que Deus é o único extra-temporal, eterno, auto-existente ser, a fonte de to-
do ser, e o Espírito acima desse mundo, Porque Ele existia também antes da criação do mundo,
seu ser e fora do espaço, não limitado nem pelo céu, porque o céu foi criado junto com a terra.
Deus é Um, Deus é Pessoal, Essência Intelectual.
Depois de apresentar em ordem os estágios da criação do mundo, o escritor da Gênesis
conclui seu relato com as palavras, “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito
bom...” (Ge 1:31)
B. Do Mundo. Do magnífico esquema dado por Moisés para a origem do mundo, segue-
se uma série de conclusões diretas a respeito do mundo, nomeadamente:
(1) Como o mundo levantou-se
(a) O mundo não existe eternamente, mas apareceu no tempo.
(b) Ele não se formou, mas é dependente da vontade de Deus.
(c) Ele não apareceu em um único instante, mas foi criado em seqüência do mais
simples para o mais complexo.
(d) não foi criado por necessidade, mas pelo livre desejo de Deus.
(e) Ele foi criado pelo Verbo de Deus, com a participação do Vivificante Espírito.

(2) O que a natureza do mundo é:


(a) O mundo em sua essência é distinto de Deus. Ele não é
(1) Parte de Essência de Deus.
(2) Nem uma emanação Dele,
(3) Nem seu corpo
(b) Ele não foi criado de nenhum material existente eternamente mas foi trazido a ser vindo
do completo não-ser
(c) Tudo que está na terra foi criado dos elementos da terra, foi “trazido” pela água e pela
terra ao comando de Deus, exceto a alma do homem, que carrega em si mesma a imagem e a se-
melhança de Deus.

(3). Quais são as conseqüências da criação


(a) Deus permanece em Sua natureza distinta do mundo, e o mundo de Deus.
(b) Deus não sofreu nenhuma perda e não adquiriu nenhum ganho para si pela
criação do mundo.
(c) No mundo não há nada incriado, à parte o próprio Deus.
(d) Tudo foi criado muito bom — o que significa que a malignidade não apareceu
junto com a criação do mundo

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C. Do homem. O homem é a mais alta criação de Deus na terra. Reconhecendo respeito no seu
Criador, O glorificando, dando graças a Ele, e lutando para ser merecedor de Sua misericórdia!
Mas essas coisas — glória, graças, oração p são possíveis somente sobre as bases que fo-
ram dadas no relato de Moisés sobre a criação do mundo. Sem o conhecimento de um Deus Pes-
soal, nós não poderíamos nos voltar para Ele: nós seriamos órfãos, não conhecendo nem pai nem
mãe.
Se fosse para nós reconhecermos que o mundo é co-eterno com Deus, de alguma forma
independente de Deus, de algum modo igual a Deus, ou ainda nascido de uma emanação de
Deus, então isso seria o mesmo que dizer que o mundo é igual a Deus em dignidade, e que o ho-
mem, como a mais desenvolvida manifestação da natureza do mundo, deveria ser capaz de se
considerar como uma divindade que não teria obrigação diante de um princípio mais elevado.
Tal conceito conduziria às mesmas conseqüências negativas e penosas, para a queda moral dos
homens, como o faz o simples ateísmo.
Mas o mundo tem um inicio. O mundo foi criado no tempo. Existe um mais Elevado, E-
terno, Sapientíssimo, Poderoso e Bom poder acima de nós, por Quem o espírito de um homem
crente alegremente luta e para quem ele se inclina, clamando com amor: “Ó Senhor, quão har-
moniosos são as tuas obras! Feitas todas com sabedoria, a terra está repleta das Tuas riquezas...
A glória do Senhor seja para sempre” (Sl 104:24 e 31).

O modo de criação do mundo.


O mundo foi criado do nada. Na verdade, melhor dizer que ele foi trazido para o ser vin-
do do não-ser, como os Padres normalmente se expressam, porque se dizemos “do,” nós estamos
evidentemente já pensando em algo material. Mas “nada” não é material. No entanto, é condi-
cionalmente aceitável e inteiramente permissível usar essa expressão por sua simplicidade e
brevidade.
Essa criação é um trazer para o ser vindo do completo não-ser e é mostrada em muitas
passagens nas palavras de Deus: por exemplo “Deus as fez (as coisas) de coisas que não existem
(2 Macabeus 7:28); “aquilo que se vê não foi feito do que aparente (Hb 11:3); “e (Deus) chama
as coisas que não são como se já fossem” (Ro 4:17).
O próprio tempo recebeu seu começo na criação do mundo; até então existia somente e-
ternidade. A Sagrada Escritura diz também: “por Ele (Seu Filho) foram feitos os séculos.”
A respeito dos dias da criação, o Bem Aventurado Agostinho, em seu trabalho, A Cidade
de Deus, disse: “Que tipo de dias foram eles é extremamente difícil diz ou talvez impossível para
nós conceber, e quanto mais explicar!” (livro 11, cap. 6, Modern Library Editora, New
York,1950, pg 350).
“Nós vemos, de fato, que nossos dias comuns só tem anoitecer pelo se pôr-do-sol e só
tem amanhecer pelo levantar do sol. Mas nos três primeiros dias da criação não existiu sol, já que
é relatado que ele foi feito no quarto dia. E primeiro de tudo, a luz foi feita pela palavra de Deus,
e Deus, nós lemos, separou a luz das trevas, e chamou a luz de dia, e as trevas de noite; mas que
tipo de luz era, e por qual movimento periódico era feito o anoitecer e o amanhecer está além do
alcance dos nossos sensos; nem podemos entender como era, e no entanto devemos acreditar sem
hesitação nisso” (City of God, livro 11, cap 7, pg 351).
Deus criou o mundo por Seu pensamento, por Sua vontade, por Sua palavra, ou comando.
“..., pois mandou e logo foram criados” (Sc 148,5). Pela “palavra” de Deus, os padres da Igreja
notam que devemos entender aqui nenhum tipo de som articulado ou palavra como nossas. Não,

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essa palavra criadora significa somente o comando ou a expressão da toda poderosa vontade de
Deus, que trouxer o universo para a existência do nada.
São Damasceno escreve: “Agora, o bom e transcendental bom Deus não estava satisfeito
em contemplar a Si mesmo, mas por uma superabundância de bondade viu ser bom que deveriam
existir algumas coisas para se beneficiarem e participarem em Sua bondade, então ele trouxe to-
das as coisas do nada para o ser e as criou, tanto visíveis quanto invisíveis, e também o homem
que é feito de ambas. Por pensar Ele criou, e com o Verbo preenchendo e o espírito aperfeiçoan-
do, o pensamento tornou-se ação” (Exact Exposition, Livro 2, cap.2, Fathers of The Church, tr.
Pág 205).
Assim, apesar do mundo ter sido criado no tempo, Deus tinha o pensamento de Sua cria-
ção por toda a eternidade (Agostinho, Against Heresies). No entanto, nós evitamos a expressão
“Ele criou o mundo de seu pensamento” para não dar ocasião a que se pense que ele criou o
mundo de Sua Essência. Se a palavra de Deus não nos dá o direito de falar do “ser pré-eterno” do
mundo inteiro, assim também, na mesma base deve-se reconhecer como inaceitável a idéia da
“existência pré-eterna da humanidade,” uma idéia que tem tentado penetrar na nossa teologia a-
través das correntes filosóficas-teológicas contemporâneas.
A Santa Igreja, sendo guiadas pelas indicações da Sagrada Escritura, confessa a partici-
pação de todas as pessoas da Santíssima Trindade na criação. No símbolo da fé nós lemos:
“Creio em um só Deus, Pai Todo Poderoso, Criador do céu e da terra,e de todas as coisas visíveis
e invisíveis; creio em um só Senhor Jesus Cristo, Filho Único de Deus...por Quem todas as coi-
sas foram feitas ... creio no Espírito Santo, Senhor e Fonte de Vida.” Santo Irineu de Lyon escre-
ve: “O Filho e o Espírito Santo são, como se fossem as mãos do Pai” (Against Heresies, Livro 5,
cap. 6). A mesma idéia é encontrada em São João de Kronstadt (My Life in Christ).

O motivo para a criação.


A respeito do motivo para a criação na mente de Deus, a Confissão Ortodoxa e o Longo
Catecismo Ortodoxo expressam-se assim: O mundo foi criado por Deus “para que outros seres
glorificando-O, possam ser participantes em Sua bondade.” A idéia de misericórdia e bondade de
Deus, como expressar na criação do mundo, é encontrada em muitos salmos como nos Salmos
103 e 104 (“Bendize, ó minha alma, ao Senhor”) que chamam à glorificação do Senhor, e dão
graças à própria existência e por todas as providências de Deus. O mesmo pensamento é expres-
so pelos Padres na Igreja. O Bem Aventurado Teodoreto escreve: “O Senhor não tem necessida-
de de ninguém que O louve; mas só por Sua bondade Ele concedeu existência aos Anjos, Arcan-
jos, e para toda a criação.” Além disso, “Deus não tem necessidade de nada; mas Ele, sendo um
abismo de bondade dignou-se dar existência a coisas que não existiam.” São João Damasceno
diz (como vimos logo atrás): “O bom e transcendentemente bom Deus não estava satisfeito em
contemplar a Si mesmo, mas por uma superabundância de bondade viu ser bom que deveriam
existir algumas coisas para se beneficiarem e participarem em Sua bondade.”

A perfeição da criação.
A palavra de Deus e os Padres da Igreja ensinam que tudo que foi criado por Deus foi
bom, e eles indicam a boa ordem do mundo como criado pelo Bom. A criação irracional, não
tendo em sim nenhuma liberdade moral, é moralmente nem boa nem má. A criação racional e
livre torna-se maligna quando ela se inclina para longe de Deus; isso é seguindo sua atração pe-
caminosa e não porque ela foi criada assim. “E viu Deus que era bom” (Gen 1;4, 10, 12, 18, 21,
25). “E eis que era muito bom” (Ge 1:31).

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Deus criou o mundo perfeito. No entanto, o Apocalipse não diz que o mundo presente era
perfeito em tal extensão que não teria necessidade de, ou seria incapaz de, um aperfeiçoamento,
fosse nos dias de sua criação ou nas suas condições mais tardias e presentes. O mundo terreno
em seus mais altos representantes — o gênero humano — eram predestinados para uma forma de
vida nova e mais elevada. A Revelação Divina nos ensina que a presente condição do mundo se-
rá substituída em algum momento por uma melhor e mais perfeita, quando existirá “novos céus e
nova terra” (2 Pe 3:13), e a própria criação “será libertada da servidão da corrupção” (Ro 8:21).
A Questão: como a vida de Deus procedia antes da criação humana do mundo, o Bem
Aventurado Agostinho responde, “minha melhor resposta é: eu não sei.” São Gregório, o Teólo-
go reflete: “Ele contempla a amada radiancia de Sua própria bondade... visto que não se pode
atribuir a Deus inatividade ou imperfeição, então o que ocupava o pensamento divino antes que o
Todo Poderoso reinando na ausência do tempo, criasse o universo e o adornasse com formas?
Ele contemplava a amada radiosa divindade conhecida só pela divindade e para quem Deus A
revelasse. A Mente criadora do mundo igualmente contemplativa, em suas grandes concepções,
as formas do mundo divisadas por Ele, que, mesmo que fossem trazidas subseqüentemente, para
Deus já estavam presentes. Com Deus, tudo está diante de Seus olhos: o que será, o que foi, e o
que não é” (São Gregório, o Teólogo, Homilia 4, On the World).
Para a questão, como era expressa, a onipotência de Deus, antes que existissem o mundo,
São Metódio de Patara diz: “Deus Onipotente está fora de qualquer dependência das coisas cria-
das por Ele.”

O Mundo Angélico.
O primeiro e mais alto ligar na inteira escada dos seres criados é ocupado pelos espíritos puros
e imateriais. Eles são seres não só comparativamente mais elevados e mais perfeitos, mas eles
também tem uma influência muito importante na vida dos homens, apesar de serem invisíveis
para nós.
O que foi revelado para nós a respeito deles? Como e quando eles vieram para a condição
de ser? Que natureza lhes foi dada? São todos de igual estatura? Qual é o seu propósito e a forma
de sua existência?

Anjos na Sagrada Escritura.


O nome “anjo” significa “mensageiro.” Essa palavra caracteriza bem o seu serviço para a
raça humana. O gênero humano conheceu sobre sua existência desde os primeiros dias do Paraí-
so. Nós vemos um reflexo desse fato também em outras religiões antigas, não só no Judaísmo.
Depois que o gênero humano caiu no pecado e foi banido do Paraíso, um Querubim com
uma espada flamejante foi posto para guardar a entrada o Paraíso (Ge 3:24). Abrahão, quando
enviando seu servo para Naor, encorajou-o com a convicção de que o Senhor enviaria seu anjo
com ele e orientaria seu caminho (Ge 24:7). Jacó viu Anjos, tanto durante o sono (na visão da
escada mística, no caminho para a Mesopotâmia; Ge 28:12) quanto acordado (no caminho de
volta para o lar para Esaú, quando ele viu um “exército” dos Anjos de Deus; Ge 32:1 e 2). Nos
salmos, os anjos são falados freqüentemente: “Louvai-o, todos os seus anjos” (Sl 148:2).”...Aos
seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos” (SL 91:11).
Similarmente, nós lemos acerca dos anjos no livro de Jó e nos Profetas, o Profeta Isaias viu Sera-

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fins rodeando o trono de deus (cap 6). O Profeta Ezequiel viu Querubins na visão da Casa de
Deus (Cap. 10).
O Novo Testamento contem muita informação e muitas menções de anjos. Um anjo in-
formou Zacarias da concepção do Precursor. Um anjo informou a Santíssima Virgem Maria do
nascimento do Salvador e apareceu a José enquanto este dormia. Uma multidão numerosa de an-
jos cantou a glória da Natividade de Cristo. Um anjo anunciou a boa nova do nascimento do Sal-
vador aos pastores. Um anjo preveniu os Magos para não retornarem a Herodes. Anjos serviram
Jesus Cristo depois de Suas tentações no deserto. Um anjo apareceu para dar força a Ele no jar-
dim de Getsemani. Anjos informaram as mulheres Miróforas sobre a Sua Ressurreição. Os Após-
tolos foram informados por eles sobre a Sua segunda vinda, na hora de Sua Ascensão ao céu..
Anjos libertaram Pedro e outros Apóstolos (At 5:19), e Pedro sozinho (At 12:7-15). Um anjo a-
pareceu para Cornélio e deu instrução a ele para chamar o Apóstolo Pedro e instrui-lo na palavra
de Deus (At 10:3-7). Um anjo informou o Apóstolo Paulo que ele tinha que se apresentar diante
do César (At 27:23-24). Uma visão de anjo é a base das revelações dadas a São João Teólogo no
Apocalipse.

A criação dos Anjos.


No Símbolo da Fé nós leos, “Creio em um só Deus, . Criador do céu e da terra, e de todas
as coisas visíveis e invisíveis.” O invisível, mundo angélico foi criado por Deus, e criado antes
que o mundo visível. “Quando as estrelas foram feitas, todos meus anjos me louvaram com alta
voz, disse o Senhor a Jó” (Jo 38:7, Septuaginta). O Apóstolo Paulo escreve: “Porque nele foram
criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam do-
minações, sejam principados, sejam potestades...” (Col 1:16). Os Padres da Igreja entendem que
a palavra “céu” no começo do livro da Gênesis (“No começo criou Deus os céus e a terra”), não
como sendo o céu físico, que foi formando depois, mas o céu invisível, o ligar de morada dos
poderes do alto. Eles expressaram idéia de que Deus criou os anjos muito antes de ter criado o
mundo visível. (Santos Ambrósio, Jerônimo, Gregório o Grande, Anastácio do Sinai) e que na
criação do mundo visível os anjos já estavam diante da face do Criador e O serviam. São Gregó-
rio o Teólogo reflete sobre isso: “Desde que, para a bondade de Deus não era suficiente estar o-
cupada só com a própria contemplação, mas era necessário que o bem se estendesse mais e mais,
para que o número daqueles que viessem a receber graça fosse tão grande quanto possível (por-
que essa é a característica da mais elevada bondade) — então, Deus divisou primeiro de tudo os
poderes angélicos celestiais; e o pensamento tornou-se ação, que foi executada pelo Verbo, e a-
perfeiçoada pelo Espírito... e assim que as primeiras criaturas estavam agradando a Ele, Ele divi-
sou outro mundo, material e visível, a composição ordenada do céu e da terra, e daquilo que está
entre eles.” São João Damasceno segue também o pensamento de São Gregório Teólogo (Exact
Exposition, Livro 2, cap 3).

A natureza dos Anjos.


Por sua natureza, anjos são espíritos ativos que tem inteligência, vontade e conhecimento.
Eles servem Deus, preenchem Sua vontade providencial, e O glorificam. Eles são espíritos ima-
teriais e, porque eles pertencem ao mundo invisível, eles não podem ser vistos por nossos olhos
corporais. Anjos, instrui São João Damasceno, “não aparecem exatamente como eles são mas
sim como Deus quer que eles apareçam. Eles aparecem nas mais diferentes formas como pode
ser visto por aqueles que os contemplam” (Exact Exposition, livro 2, cap. 3, trad. Inglesa,pag
206). No relato do livro de Tobias, o anjo que o acompanha e ao seu filho conta a ele de si pró-

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prio: “Todos esses dias eu simplesmente apareci para vocês e não comi ou bebi, mas vocês esta-
vam vendo uma visão” (Tobias 12:19). Agora, como São João Damasceno expressa, “comparado
conosco, o anjo é dito ser incorpóreo e imaterial, apesar de em comparação com Deus, que só Ele
é incomparável, tudo prova ser grosseiro e material — pois só a divindade é verdadeiramente
imaterial e incorpórea “ (Ibid, pg 205).

O grau de perfeição angélica.


Os anjos são espíritos prefeitos. Eles ultrapassam o homem pelo seu poder espiritual. No
entanto, eles também, como seres criados, carregam em si o selo da limitação. Sendo imateriais,
eles são menos dependentes que os homens de espaço e lugar, e por assim dizer, passam através
de vastos espaços com extrema rapidez, aparecendo aonde quer que seja necessário que eles a-
jam. No entanto, não se pode dizer que eles sejam inteiramente independentes de espaço e lugar,
nem que eles estejam presentes em todo lugar. A Sagrada Escritura às vezes mostra anjos des-
cendo do céu para a terra, ás vezes subindo da terra para o céu, e assim deve-se supor que eles
estejam tanto no céu quanto na terra ao mesmo tempo. (Os Santos Padres ensinam isso bastante
explicitamente. Assim, São Basílio escreve: “Nós cremos que cada um (dos poderes celestes)
tem um lugar definido. Pois o anjo que estava frente a Cornélio não estava ao mesmo tempo com
Felipe (At 10:3; 8:26); e o anjo que falou Zacarias não estava ao mesmo tempo ocupando seu
próprio lugar no céu” (On the Holly Spirit, cap 23, edição russa de Soikin, São Petesburgo, 1911,
vol 1, pág. 622). Da mesma forma São João Damasceno ensina: “Os anjos são circunscritos, pois
quando eles estão no céu eles não estão na terra, e quando eles são mandados para a terra por
Deus, eles não permanecem no céu” (Exact Exposition, Livro 2, cap. 3, tradução inglesa, pág.
206).
Imortalidade é um atributo dos anjos, e é claramente testificada pelas Escrituras, que en-
sinam que eles não podem morrer (Lc 20:36). No entanto, sua imortalidade não é uma imortali-
dade divina; isso é algo auto-existente e incondicional. Ao contrário ela depende, assim como a
imortalidade da alma humana, inteiramente da vontade e misericórdia de Deus.
Como espíritos imateriais, os anjos são capazes de autodesenvolvimento interno até o
mais alto grau. Suas mentes são mais elevadas que a mente humana. De acordo com a explana-
ção do Apóstolo Pedro, em sua força e poder eles ultrapassam todos os governos e todas as auto-
ridades terrenas (2 Pe 2:11). A natureza de um anjo é mais elevada que a natureza de um homem,
como o Salmista diz quando, para exaltar o ser humano, ele mostra que o homem é pouco inferi-
or aos anjos (Sl 8:5). Porém, os exaltados atributos dos anjos tem seus limites. A Escritura indica
que eles não conhecem as profundezas da Essência de Deus, que é conhecida somente pelo Espí-
rito de Deus: “Assim ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus” (1 Co 2:11).
Eles não conhecem o futuro, o qual também é conhecido somente por Deus: “Mas daquele dia e
hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu” (Mc 13:22). Da mesma forma eles não en-
tende completamente o mistério da Redenção, apesar de quererem nele penetrar: “para as quais
coisas os anjos desejam bem atentar” (1 Pe 1:12). Eles nem mesmo conhecem todos os pensa-
mentos humanos (3 Reis 8:39). Finalmente, eles não podem por si próprios, sem a vontade de
Deus, fazer milagres: “Bendito seja o Senhor Deus, o Deus de Israel, que só ele faz maravilhas”
(Sl 72:18).

O número e os graus dos Anjos.


A Sagrada Escritura apresenta o mundo angélico como extraordinariamente grande.
Quando o Profeta Daniel viu o Ancião dos Dias em uma visão, foi revelado para seu espanto que

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“milhares de milhares O serviam e milhões de milhões estavam diante Dele” (Daniel 7:10). “U-
ma multidão dos anjos celestiais, louvou a vinda para a terra do Filho de deus” (Lc 2:13).
“Calculem,” diz São Cirilo de Jerusalém, “quantas são as nações romanas; calculem
quantas tribos bárbaras vivem agora, e quantos morreram nos últimos cem anos; calculem quan-
tas nações foram enterradas durante os últimos mil anos; calculem todos de Adão até hoje. Na
verdade é uma grande multidão; mas ainda é pouco, porque os anjos são muito mais. Eles são as
noventa e nove ovelhas, mas o ser humano é a uma” (Mt 18:12). Pois de acordo com a extensão
do espaço universal, nós devemos calcular o número de seus habitantes. A terra inteira não é se-
não um ponto no meio do céu, e mesmo assim contem tão grande multidão; que multidão deve
conter o céu que envolve a terra? E o céu dos céus não devem conter números inimagináveis? E
está escrito, milhares e milhares O serviam e milhões de milhões estavam diante Dele; não que a
multidão fosse só desse tamanho, mas o Profeta não conseguiu expressar mais do que isso” (São
Cirilo de Jerusalém, Catechetica Lectures, 15:24, tradução Eerdmans, pg 111-112).
Com tal multidão de anjos é natural supor-se que no mundo dos anjos assim como no
mundo material, existam vários degraus de perfeição, e portanto vários estágios, ou graus hierár-
quicos, dos poderes celestes. Assim, a palavra de Deus chama alguns deles de “anjos” e outros
de “arcanjos” (1 Ts 4:16; Judas 1:9).
A Igreja Ortodoxa, guiada pela visão de antigos escritores da Igreja e dos Santos Padres,
e em particular pelo trabalho, A Hierarquia Celeste, que leva o nome de São Dinis, o Aeropagita,
divide o mundo angélico em novos coros ou categorias, e esses nove em três hierarquias, com
três categorias em cada. Na primeira hierarquia estão aqueles que estão mais perto de Deus: os
Tronos, os Querubins e os Serafins. Na segunda, hierarquia média, estão os Poder, Potestade e
Domínio. Na terceira, mais próximas de nós, estão os Anjos, Arcanjos e Principados. (The Or-
thodox Confession).
Nós encontramos essa enumeração dos noves coros de anjos nas Constituições Apostóli-
cas (As “Constituições Apostólicas” são uma coleção de textos do 4º e 5º séculos sobre a doutri-
na, louvação e disciplina Cristã que dão muita informação sobre a vida da Igreja nos primeiros
tempos — apesar de não necessariamente no tempo dos Apóstolos. Tendo algum respeito por ser
um texto Cristão antigo, mais devido a algumas adições feitas a ele em diferentes épocas, não
tem autoridade da Igreja que é gozada por outros textos dos primeiros tempos. Ele tem que ser
distinguido dos “Canons Apostólicos” que foram aceitos pelo Quinisext Concílio (692) como
autorizado para a Igreja, e ressalte-se que esse mesmo Concílio rejeitou as Constituições Apostó-
licas como um todo por conta de “material adúltero” que foi acrescentado a elas (Canon 2, E-
erdmansSeven Ecumenical Concils, p. 361), em Santo Inácio, o Teóforo, Gregório Teólogo e
Crisostomo; mais tarde em São Gregório Dialoguista, João Damasceno e outros. Aqui estão as
palavras de São Gregório Dialoguista sobre esse assunto: “Nós aceitamos nove categorias de an-
jos, porque por testemunho da palavra de Deus nós conhecemos sobre Anjos, Arcanjos, Potesta-
des, Autoridades, Principados, Dominações, Tronos, Querubins e serafins. Assim, a respeito da
existência de Anjos e Arcanjos, quase todas as páginas da Sagrada Escritura testemunham; dos
Querubins e Serafins como é bem conhecidos, os livros proféticos falam freqüentemente; o A-
póstolo Paulo enumera outras quatro categorias em sua Epístola aos Efésios, dizendo que Deus
(o Pai) colocou seu Filho “acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio” (Ef
1:21). E em sua Epístola aos Colossenses ele escreve: “Nele foram criadas todas as coisas que há
no céu e na terra visíveis e invisíveis, sejam Tronos, Dominações, sejam Principados, sejam Po-
testades” (Cl 1:16). E assim, quando juntamos Tronos para esses quatro do qual fala aos Efésios,
isto é, Principado, Poder, Potestade e Domínio nós temos cinco categorias separadas, e quando

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juntamos a elas os Anjos, Arcanjos, Querubins e Serafins, está claro que existem nove categorias
de anjos.
Na verdade, voltando aos livros da Sagrada Escritura, nós encontramos os nomes das no-
ve categorias mencionadas acima; mais do que nove não são mencionadas. Assim, nós lemos o
nome “Querubim” no livro da Gênesis (3:24), nos Salmos 80 e 99 e em Ezequiel (cap 1 e 10).
“Serafim” nós encontramos em Isaias (cap. 6); “Poderes” nós encontramos na Epístola aos Efé-
sios (cap. 1) e em Romanos (cap. 8); “Trono,” “Principado,” Domínios,” Potestades” em Colos-
senses (cap. 1), e Efésios (cap 1 e 3)); “Arcanjos” em 1 Ts (cap 4) e Judas (vers. 9); e “anjos” em
1 Pe (cap 3), Romanos (cap 8) e outros livros. Sobre essa base o número de categorias dos anjos
é usualmente limitado no ensinamento da Igreja a nove.
Certos Padres da Igreja expressam sua pia opinião privada que a divisão dos anjos em
nove categorias inclui somente aqueles nomes e graus que não foram revelados na palavra de
Deus, mas não incluem muitos outros nomes e graus que não foram revelados a nós nesta vida
presente mas que serão conhecidos somente na vida futura. Essa idéia é desenvolvida por São
Crisostomo, Bem Aventurado Teodoreto e Bem Aventurado Teofilacto. “Existem,” diz Crisos-
tomo, “na verdade existem outros poderes cujos nomes nós não conhecemos ... Anjos, Arcanjos,
Tronos, Domínios, Principados, Potestades não são os únicos habitantes dos céus; existem tam-
bém inumeráveis outros tipos, e inimaginavelmente muitas classes que palavras não são capazes
de descrever. E como é evidente que existem poderes além daqueles mencionados acima e pode-
res cujos nomes nós não conhecemos? O Apóstolo Paulo tendo falado de uns, menciona os ou-
tros quando ele testemunha de Cristo “...pondo-o à Sua direita nos céus, acima de todo o Princi-
pado, e Poder e Potestade e Domínio, e de todo nome que se nomeia, não só nesse século mas
também no vindouro” (Ef 1:20-21). Vêem que existem certos nomes que só serão conhecidos
então, mas que são desconhecidos agora? Assim, ele também diz: “... de todo o nome que se no-
meia, não só nesse século mas também no vindouro” Essa opinião é tomada pela Igreja, como
opinião privada.
Em geral, os antigos pastores consideravam a doutrina da hierarquia celeste, mística.
“Quantas categorias de seres celestes existem” reflete São Dinis na Hierarquia Celeste, “de que
tipo elas são, e de que modo os mistérios de sua sacra ordem são executados só é conhecido pre-
cisamente por Deus, que é a Causa da hierarquia deles. Da mesma forma, eles mesmo conhecem
seus próprios poderes, luz e ordem além desse mundo. Mas nós podemos falar disso somente até
o grau que Deus revelou para nós através dos próprios poderes celestes, como os únicos que co-
nhecem a si próprios” (Hierarquia Celeste, cap. 6). Similarmente, o Bem Aventurado Agostinho
reflete, “que há Tronos, Domínios, Principados e Potestades nas mansões celestes, eu creio sem
hesitação e eles são distintos, uns dos outros, disso não tenho dúvidas; mas de que tipo são eles, e
em que precisamente eles são distinguidos entre si, eu não sei.”
Na Sagrada Escritura, para alguns dos anjos mais elevados são dados nomes próprios.
Existem dois de tais nomes nos livros canônicos: Michael (que significa “quem é igual a Deus”?
Daniel 10:13, 12:1; Judas 1:9; Apocalipse 12:7-8) e Gabriel (“Homem de Deus”; Daniel 8:16,
9:21; Lucas 1:19,26). Três anjos são mencionados por nome nos livros não canônicos: Rafael
(“Ajuda de Deus,” Tobias 3:17,12:12-15); Uriel (“Fogo de Deus”; III Esdras 4:1, 5-20) e Salatiel
(“Oração para Deus” III Esdras 5:16). A parte esses a pia tradição atribui nomes para dois outros
anjos: Jegudiel (“Louvação de Deus”) e Barachier (“Benção de Deus”); esses nomes não são en-
contrados nas Escrituras. Além disso, no segundo livro de Esdras há menção ainda a um outro:
Jeremiel (“a Altura de Deus” 2 Esdras 4:36); mas julgando o contexto dessa passagem, esse no-
me é o mesmo de Uriel.

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Assim, nomes foram dados para sete dos anjos maiores, correspondendo às palavras do
Apóstolo João, o Teólogo no Apocalipse: “Graça e paz seja convosco de parte Daquele que é, e
que era, e que há de vir, e da dos sete espíritos que estão diante do Seu trono” (Apocal. 1:4).

O ministério dos Anjos.


Qual finalmente é o propósito dos seres do mundo espiritual? É evidente que eles foram
originados por Deus para serem o mais perfeito reflexo de Sua grandeza e glória, com insepará-
vel participação em Sua beatitude. Tem sido dito a respeito dos céus visíveis que “os céus decla-
ram a glória de Deus,” então muito mais é o objetivo dos céus espirituais. É por isso que São
Gregório, o Teólogo chama-os “reflexos da luz perfeita,” ou luzes secundárias.
Os anjos das classificações que estão próximos da raça humana são apresentados na Sa-
grada Escritura como arautos da vontade de Deus, guias dos homens, e servos de sua salvação. O
Apóstolo Paulo escreve: “Não são porventura todos eles espíritos ministradores, enviados para
servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?” (Hb 1:14).
Não só os anjos cantam hinos à glória de Deus, mas também O servem nos trabalhos de
Sua providência para o mundo material e sensível. Desse serviço os Santos Padres falam fre-
qüentemente: “Alguns deles ficam em frente o grande Deus; outros por sua cooperação, susten-
tam o mundo inteiro” (São Gregório, o Teólogo, “Mystical Hymns,” Homilia 6). Os anjos “são
indicados para a governança dos elementos e dos céus, do mundo e de tudo que está nele” (Ate-
nágoras). “Deles, diferentes indivíduos abraçam diferentes partes do mundo, ou são indicados
para diferentes distritos do universo, pois Ele sabe quem ordenou e distribuiu tudo; combinando
todas as coisas em uma, somente com o consentimento do Criador de todas as coisas” (São Gre-
gório, o Teólogo, Homilia 28, tradução Eerdmans, pg 300).
Em alguns escritores da Igreja é encontrada a opinião de que anjos especiais são coloca-
dos sobre aspectos separados do reino da natureza — o inorgânico, o orgânico, e o animal (Ori-
genes, Bem Aventurado Agostinho). Essa opinião tem sua fonte no Apocalipse, onde é feita
menção a anjos, que de acordo com a vontade de Deus, estão encarregados de certos elementos
da terra. O Visionário dos mistérios, São João, escreve no 16º capítulo, versículo 5, do Apocalip-
se, “E ouvi o anjo das águas que dizia:.” Em Apocalipse 7:1 ele diz”...vi quatro anjos que esta-
vam sobre os quatro cantos da terra, retendo os quatro ventos da terra, para que nenhum vento
soprasse sobre a terra, nem sobre o mar, nem contra árvore alguma” e em Apocalipse 14:18 “E
saiu do altar outro anjo, que tinha poder sobre o fogo e clamou.” Na visão do Profeta Daniel e-
xistem anjos a quem Deus confiou o cuidado com a sorte dos povos e reinos que existem sobre a
terra (Mt 18:10).
A Igreja Ortodoxa acredita que todo homem tem seu próprio anjo da guarda, se ele não o
afastou de si próprio por uma vida ímpia. O Senhor Jesus Cristo disse: “Vede, não desprezeis
alguns desses pequeninos, porque Eu vos digo que os seus anjos nos véus sempre vêem a face de
meu Pai que está nos céus” (Mt. 18:10).

Homem — A Coroa da Criação.


Na escada da criação terrena, o homem é colocado no degrau mais alto, e em relação a todos os
seres terrestres ele ocupa a posição reinante. Sendo terreno, de acordo com seus dons ele se a-
proxima os seres celestes, pois ele é “pouco menor que os anjos” (Sl 8:5). E o Profeta Moisés
descreve a origem do homem desse modo: “Depois que todas as criaturas da terra foram criadas,

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e Deus disse, Façamos o homem à Nossa imagem, conforme nossa semelhança, e que ele tenha
domínio sobre os peixes do mar sobre as aves dos céus... e sobre toda a terra ... E criou Deus o
homem à Sua imagem; à imagem de Deus o criou” (Ge 1:26-27).
1. O conselho de Deus, que não é indicado na criação das outras criaturas da terra, fala
por si próprio claramente do fato que o homem era para ser uma criação especial, distinta das
outras, a mais alta, a mais perfeita na terra, tendo também um propósito mais elevado no mundo.
2. O conceito do alto propósito do homem e seu especial significado é enfatizado ainda
mais pelo fato que o conselho de Deus ordenou que o homem fosse criado “à imagem e seme-
lhança de Deus” e que de fato ele foi criado á imagem de Deus. Toda imagem necessariamente
pressupõe uma similaridade com seu arquétipo; consequentemente, a presença da imagem de
Deus no homem testemunha sobre a reflexão dos atributos de Deus na natureza espiritual do ho-
mem.
3. Finalmente, certos detalhes da criação do homem que são dados no segundo capítulo
da Gênesis enfatizam mais uma vez a proeminência especial da natureza humana. Para ser preci-
so é dito ali: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o fôle-
go da vida. E o homem foi feito alma vivente” (Ge 2:7). Duas ações, ou dois aspectos das ações,
são distinguidos aqui, e elas devem ser entendidas como simultâneas: a formação do corpo, e a
doação de vida para ele. São João Damasceno nota: “O corpo e a alma foram formados ao mes-
mo tempo, não um antes e o outro depois, como os delírios de Orígenes consideravam” (Exact
Exposition, livro 2, cap. 12 “On man”). De acordo com a descrição do livro da Gênesis, Deus
criou o corpo do homem de já existentes elementos terrestres, e Ele o criou de um modo muito
especial: não por seu comando ou palavra somente, como foi feito na criação de outras criaturas,
mas por sua ação direta. Isso mostra que o homem, mesmo em sua organização corporal, é um
ser que ultrapassa todas as outras criaturas desde o começo de sua existência. Além disso, é dito
que Deus soprou em sua face o sopro da vida e que o homem tornou-se alma vivente. Como al-
guém que recebeu o sopro da vida, nessa expressão figurativa, da boa do próprio Deus, o homem
é então uma união viva e orgânica do terreno com o celeste, do material com o espiritual.
4. Daí recorre a visão exaltada do corpo humano como é mostrada geralmente na Sagrada
Escritura a visão exaltada do corpo humano como é mostrada geralmente na Sagrada Escritura.
O corpo deve servir como companheiro, órgão e mesmo companheiro trabalhador da alma. De-
pende da alma rebaixar-se tanto que se transforme numa escrava do corpo, ou, sendo guiada por
um espírito iluminado, tornar o corpo seu obediente executor e companheiro trabalhador. Depen-
dendo da alma, o corpo pode ser um vaso de impureza pecaminosa e loucura ou transformar-se
num templo de Deus, participando com a alma na glorificação de Deus. Isso é ensinado na Sa-
grada Escritura (Rom 13:14; Gl 3:3; 1 Co 9:27; Gl 5:24; Jo 7-9; 1 Co 3:16-17; 1 Co 6:20). Mes-
mo com a morte do corpo, a ligação da alma com o corpo não é cortada para sempre. Virá o tem-
po quando os corpos dos homens se levantarão numa forma renovada e serão unidos de novo
com suas almas, agora para sempre, para tomar parte em eterna benção ou tormento, correspon-
dendo às boas ou más obras realizadas pelos homens com a participação do corpo no curso da
vida terrena (2 Co 5:10).
Uma visão ainda mais exaltada é instilada em nós pela palavra de Deus com respeito à
natureza da alma. Na criação da alma Deus não tomou nada da terra, mas concedeu-a ao homem
somente pelo Seu próprio sopro criativo. Isso mostra claramente que, na concepção da palavra de
Deus, a alma humana é uma essência completamente separada do corpo e de todo material e
compostos de elementos, tendo uma natureza não terrena, mas acima do mundo, celeste. A ele-
vada proeminência da alma do homem, comparada com tudo que é terreno foi expressa pelo Se-

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nhor Jesus Cristo nas palavras: “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder
a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?” (Mt 16:26). O Senhor instrui
seus discípulos : “E não temais o que matam o corpo, e não podem matar a alma” (Mt 10:28).
A respeito da exaltada dignidade da alma, São Gregório, o Teólogo se expressa assim: “A
alma é o sopro de Deus, e sendo celeste, ele suporta ser misturada com aquilo que é do pó. É
uma luz fechada numa caverna, mas ainda é divina e inextinguível... O Verbo falou, e tendo to-
mado uma parte da terra recém-criada, com Suas mãos imortais firmou minha imagem e conce-
deu a ela a Sua vida; porque Ele mandou para ela o espírito, que é um raio da invisível divinda-
de” (Homilia 7, “On the Soul”)
Apesar disso, não se pode tornar tais exaltadas expressões figurativas dos Santos Padres
em base para ensinar que a alma é “divina” no sentido completo da palavra, e que consequente-
mente, ela teve uma existência eterna própria antes de sua encarnação num homem terreno em
Adão! (essa visão é encontrada nas correntes teológicas-filosóficas contemporâneas que seguem
V. S. Socoviev). O posicionamento correto de que a alma é de origem celeste não significa que
ela é divina em essência. “Ele soprou o fôlego da vida” (Ge 2:7) é uma expressão antropomórfi-
ca, e não há base para se entende-la como significando que Ele deu alguma coisa de Sua substân-
cia divina. Lembremo-nos que o respirar do homem não é um “expirar” elementos da própria
natureza humana, nem mesmo de sua essência física. Da mesma forma da expressão Bíblica não
se pode tirar a conclusão de que a alma procede da Essência de Deus nem que é um elemento da
Divindade. Crisostomo escreve: “Certos insensatos, sendo levados por suas próprias concepções,
sem pensar em nada de um modo que se ajuste à maneira de Deus, e sem prestar qualquer aten-
ção à adaptação das expressões (das Escrituras), ousam dizer que a alma procedeu da Essência de
Deus. Ó frenesi! Ó loucura! Quantos caminhos de perdição o demônio abriu para aqueles que
querem servi-lo! Para se entender isso, contemplem os caminhos opostos pelos quais vão essas
pessoas: algumas, centram na frase, “Ele soprou,” dizem que as almas procedem da Essência de
Deus; outros, ao contrário, afirmam que as almas são convertidas na Essência das mais baixas
criaturas irracionais. O que pode ser pior do que tal loucura?” (comentário sobre o livro da Gêne-
sis).
Que São Gregório, o Teólogo falou da divindade da alma não no estrito senso da palavra
é evidente em outra Homilia sua: “A natureza de Deus e a natureza do homem não são idênticas;
ou para falar mais genericamente, a natureza do divino e a natureza do terreno não são idênticas.
Na natureza divina, tanto a existência em si quanto tudo nela que tem existência são imutáveis e
imortais; pois naquilo que é constante; tudo é constante. Mas o que é verdade na nossa natureza?
Ela flui, é corrupta, e sofre mudança após mudança” (Homilia 19 “On Julian).
Nós já falamos no capítulo sobre os Atributos de Deus (sobre Deus como espírito) das
questões sobre como se deve entender expressões antropomórficas acerca de Deus. Citemos aqui
só o argumento do Bem Aventurado Teodoreto: “Quando ouvimos no relato de Moisés que Deus
tomou pó da terra e formou o homem, e quando nós procuramos o significado dessa frase, nós
nela descobrimos uma especial boa disposição de Deus para com a raça humana. O grande Profe-
ta nota, em sua descrição da criação, que Deus criou todas as outras criaturas por Sua palavra,
enquanto o homem foi criado por suas próprias mãos. Mas assim como nós entendemos pela “pa-
lavra” não um comando, mas só a vontade, assim também na formação do corpo, (nós devería-
mos entender) não a ação das mãos, mas a grande atenção para com esse trabalho. Pois do mes-
mo modo que agora, por Sua vontade, o fruto é gerado num ventre materno, e a natureza segue
as leis que Ele lhe deu desde o início — assim também então, por Sua vontade foi formado o
corpo humano da terra e pó virou carne.” Em outra passagem o Bem Aventurado Teodoreto ex-

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pressa de modo geral: “Nós não dizemos que a divindade tem mãos ... mas nós afirmamos que
cada uma nessas expressões indica um muito maior cuidado da parte de Deus para com o ho-
mem, do que para as outras criaturas” (citado em Dogmatic Theology do Metropolitan Macarius,
vol I, p. 430-431).

A alma como uma substância independente.


Os antigos Padres e professores da Igreja, seguindo estritamente a Sagrada Escritura no
ensinamento sobre a independência da alma e seu valor nela própria, explicaram e revelaram a
distinção da alma e do corpo para refutar a opinião materialista que a alma é só uma expressão da
harmonia dos membros do corpo, ou é o resultado da atividade física do corpo, e que ela não tem
sua própria substância ou natureza particular. Apelando para a simples observação, os Padres da
Igreja mostram:
a) que é característico da alma governar as lutas do corpo, e característica do corpo acei-
tar a essa governança. (Atenagoras e outros).
b) que o corpo é, como foi, uma ferramenta ou instrumento de um artista, enquanto a al-
ma é a artista (Sts Irineu, Gregório de Nissa, Cirilo de Jerusalém e outros).
c) que a alma não é incondicionalmente sujeita aos impulsos do corpo; ela é mesmo capas
de entrar em guerra com os esforços do corpo como com alguma coisa estranha e hostil a ela, e é
capaz de ganhar uma vitória sobre o corpo, mostrando assim que ela não é a mesma coisa que ele
mas é uma essência invisível, é de natureza diferente, superando toda natureza corpórea (Oríge-
nes).
d) que ela é intangível e intocável, e não é nem sangue, nem ar, nem fogo mas um princí-
pio auto-movente (Lactantius).
e) que a alma é um poder que pões todos os membros do organismo em completa harmo-
nia e total unidade (Sts Atanásio o Grande, e Basílio o Grande).
f) que a alma possui razão, auto-consciência, e livre arbítrio. (Orígenes e outros).
g) que o homem, enquanto está em seu corpo na terra, mentalmente pensa naquilo que é
celeste e o contempla; sendo mortal em seu corpo, ele raciocina sobre imortalidade e freqüente-
mente, sem amor pela virtude, ele traz para si mesmo sofrimento e morte; tendo um corpo que é
temporal, com sua mente ele contempla o eterno e luta por ele, desprezando aquilo que está sob
seus pés. O corpo nunca imaginaria tais coisas (Santo Atanásio, o Grande).
h) que falando na verdadeira natureza da alma, os Padres e professores da Igreja apontam
para a simplicidade e imaterialidade da alma, como opostas à complexidade e crueza material do
corpo; eles indicam a sua invisibilidade e completa ausência de forma, e em geral para o fato de
que ela não está sujeita a nenhuma medição (espaço, peso, etc) a que o corpo está sujeito (Oríge-
nes e outros).
Com relação ao fato que as condições do corpo são refletidas nas atividades da alma, e
que essas condições podem enfraquecer ou até corromper a alma — por exemplo durante doen-
ças, idade avançada, ou bebedeira — os Padres da Igreja freqüentemente comparam o corpo a
um instrumento usado em pilotagem. Os diferentes graus das manifestações da alma no corpo
testemunham só a instabilidade do instrumento — o corpo. Essas condições do corpo que são
desfavoráveis para a manifestação da alma podem ser comparadas a uma súbita tempestade no
mar que impede o piloto de manifestar sua arte mas não prova que ele está ausente. Um outro
exemplo, pode-se pegar uma harpa desafinada, da qual nem o melhor musicista pode tirar sons
harmônicos (Lactantius). Assim também, cavalos fracos não dão oportunidade para um cavaleiro
demonstrar suas habilidades (Bem Aventurado Teodoreto).

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Certos Padres antigos (Stos. Ambrósio, Papa Gregório o Grande, João Damasceno), en-
quanto reconhecendo a espiritualidade da alma como distinta da do corpo, ao mesmo tempo atri-
buem uma certa materialidade ou corporalidade comparativa, à alma. Por esse suposto atributo
da alma eles tem em mente distinguir a espiritualidade da alma humana, assim como dos anjos,
da mais puríssima espiritualidade de Deus, em comparação com a qual tudo parece ser material e
cru.

A origem das almas.


Como a alma de cada homem se origina não é completamente revelada na palavra de
Deus; é “um mistério conhecido só por Deus” (São Cirilo de Alexandria), e a Igreja não nos dá
um ensinamento estritamente definido sobre esse assunto. Ela decididamente rejeita a visão de
Orígenes, que foi herdada da filosofia de Platão, a respeito da pré-existência das almas e segundo
tal teoria as almas vêm para a terra de um mundo mais elevado. Esse ensinamento de Orígenes e
os Origenistas foram condenado pelo Quinto Concílio Ecumênico.
No entanto, esse decreto conciliar não estabelece se a alma é criada das almas dos pais de
um homem e só nesse sentido geral constitui uma nova criação de Deus, ou se cada alma é criada
imediatamente e separada por Deus, sendo juntada em um momento definido ao corpo que está
sendo ou já foi formado. Na visão de certos Padres da Igreja (Clemente de Alexandria, João Cri-
sostomo, Efrém o Sírio, Teodoreto), cada alma é criada separadamente por Deus, e algumas ve-
zes se referem à união delas com o corpo como ocorrendo no quadragésimo dia da formação des-
te (a teologia católico-romana é decididamente inclinada à visão de que cada alma é criada sepa-
radamente; essa visão tem sido apresentada dogmaticamente em várias bulas papais, e o Papa
Alexandre VII ligou com essa visão da Imaculada Concepção da Santíssima Virgem Maria).
Na visão de outros professores e Padres da Igreja (Tertuliano, Gregório o Teólogo, Gre-
gório de Nissa, Macarius o Grande, Anastácio o Presbítero), alma e corpo recebem seu início si-
multaneamente e amadurecem juntos; a alma procede das almas dos pais assim como o corpo
procede dos corpos dos pais. Dessa forma a “criação” é entendida aqui num sentido amplo como
a participação do poder criativo de deus que está presente e é essencial em todo lugar, para todo
tipo de vida. A base dessa visão é o fato que na pessoa do nosso antepassado Adão, Deus criou a
raça humana: “ E de um só fez toda a geração dos homens” (At 17:28). Disso segue que em A-
dão a alma e o corpo de cada homem foram dados potencialmente. Mas o decreto de Deus é tra-
zido à realidade de modo tal que Deus segura toda as coisas em Sua mão: “... pois Ele mesmo é
quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas” (At 17:25). Deus, tendo criado, “conti-
nua a criar.”
São Gregório, o Teólogo diz: “Assim como o corpo, que foi originalmente formado em
nós do pó, tornou-se subseqüentemente a corrente dos corpos humanos e não foi cortado da raiz
primeiro-formada, em um homem incluindo outros — assim também a alma tendo sido soprada
por Deus, desde aquele tempo vem junto na composição formada pelo homem, nascido há pou-
co, e o da semente original (São Gregório evidentemente se refere aqui a semente espiritual) sen-
do atribuída a muitos e sempre preservando uma forma constante em membros mortais... Assim
como o sopro em uma flauta musical produz sons dependendo da largura da flauta, assim a alma,
aparecendo sem força em um corpo enfermo, torna-se manifesta conforme o corpo ganha forças
e reveza então toda sua inteligência” (Homilia 7, “On the Soul”). São Gregório de Nissa tinha e
mesma visão.
Em seu diário, São João de Kronstadt tem essa observação: “O que são as almas huma-
nas? Ela são uma e a mesma alma, um e o mesmo sopro de Deus, que Deus soprou em Adão, que

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de Adão até agora está disseminado em toda raça humana. Por isso todos os homens são o mes-
mo como só um homem, ou uma árvore da humanidade. Disso decorre o mais natural manda-
mento baseado na unidade de nossa natureza: “Amarás o Senhor teu Deus (Teu protótipo, Teu
Pai)de todo coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento,
e ao teu próximo (pois quem é mais próximo a mim do que um homem que é como eu e do
mesmo sangue que eu?) como a ti mesmo” (Lc 10:27). Há uma necessidade natural de cumprir
esse mandamento (My Life in Christ).

A imortalidade da alma.
A fé na imortalidade da alma é inseparável da religião em geral, e ainda mais, compreen-
de um dos objetos fundamentais da Fé Cristã.
Essa idéia também não é estranha ao Velho Testamento. Ela é expressa nas palavras do
livro Eclesiastes: “E o pó volte à terra, como era e o espírito volte a Deus, que O deu” (Ec 12:7).
O relato completo nos segundos e terceiros capítulos da Gênesis — das palavras de alerta de
Deus: “Mas da árvore da ciência do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque
no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Ge 2:17) — e a resposta para a questão da
aparência de morte no mundo, e assim mesmo é em si uma expressão da idéia de imortalidade. A
idéia de que o homem foi pré ordenado à imortalidade, que imortalidade é possível, é contida nas
palavras de Eva: “Do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele,
nem nele tocareis, para que não morrais” (Ge 3:3). O mesmo pensamento é expresso pelo Sal-
mista nas palavras do Senhor: “Eu disse: Vós sois deuses, e vós outros sois todos filhos do Altís-
simo. Todavia, como homens morrereis e caireis como qualquer dos príncipes” (Sl 82:6-7).
Deve-se enfatizar o fato de que a idéia de imortalidade está presente sem nenhuma dúvida
no Velho Testamento, porque existe uma opinião de que os Judeus não tinham fé na imortalidade
da alma! Nos relatos de Moisés existem indicações de Fé na imortalidade da alma. A respeito de
Enoch, Moisés remarca que “não se viu mais; porquanto Deus para si o tomou” — isto é, ele foi
para Deus sem passar pela morte (Ge 5:24). Das expressões bíblicas referentes as mortes de A-
brahão (Ge 25:8), Aarão e Moisés (Dt 32:50), “e se recolheu a seus povos,” é ilógico entender-se
que isso significa que eles foram postos no mesmo túmulo ou lugar, ou ainda na mesma terra on-
de estava seu povo, porque cada um desses justos do Velho Testamento morreu não na terra dos
seus ancestrais mas em novos territórios de seus reassentamentos (Abrahão) ou de suas viagens
(Aarão e Moisés). O Patriarca Jacó, tendo recebido notícias que o seu filho tinha sido feito em
pedaços por bestas feras, diz: “... com choro hei de descer ao meu filho até a sepultura...” (Ge
37:35 Septuaginta). “Sepultura” aqui significa claramente não o túmulo mas o ligar onde as al-
mas moram. Essa condição da alma após a morte foi expressa no Velho Testamento como uma
descida ao mundo inferior; isto é, uma condição triste onde até a oração do senhor não é ouvida.
Isso é expresso em numerosas passagens no livro de Jó e nos Salmos.
Mas já no Velho Testamento, especialmente quando a chegada do Salvador se aproxima,
e ouvindo a esperança de que a alma dos homens justos venham a escapar dessa condição triste.
Por exemplo, na Sabedoria de Salomão nós encontramos: “As almas dos justos estão na mão de
Deus, e nenhum tormento neles tocará...Os justos vivem para sempre, e sua recompensa é com o
Senhor” (3:2 ; 5:15). A esperança da futura libertação do Hades, das almas dos justos é expressa
nas palavras do Salmista: “... a minha carne repousará segura. Pois não deixarás minha alma no
inferno, nem permitirás que Teu santo veja corrupção” (Sl 16:9 e 10; ver também Sl 49:15).
O Senhor Jesus Cristo com freqüência aponta para a imortalidade da alma como a base de
uma vida piedosa, e Ele acusa os Saduceus, que negavam a imortalidade. Em Sua conversa de

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despedida com Seus discípulos o Senhor conta a eles que Ele estava indo preparar um local para
eles para que eles pudessem estar onde Ele próprio estaria (Jo 14:2-3). E para o bom ladrão Ele
disse: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23:43).
No Novo Testamento, falando-se genericamente, a verdade da imortalidade da alma é o
objeto de uma completa revelação, constituindo-se numa das partes fundamentais da Fé Cristã.
Essa verdade inspira um Cristão, enchendo sua alma com a jubilosa esperança de vida eterna no
Reino do Filho de Deus. São Paulo escreve: “...para mim o morrer é ganho ... tendo o desejo de
partir, e estar com Cristo...” (Fp 1:21 e 23). Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste
tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos
céus. E por isso também gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu” (2
Co 5:1-2).
Nem é necessário dizer que os Santos Padres e professores da igreja pregaram unânimes a
imortalidade da alma somente com a seguinte distinção: alguns reconheciam ser a alma imortal
por natureza, enquanto outros — a maioria — diziam ser a alma imortal por graça de Deus.
“Deus quer que a alma viva” (São Justino, o Mártir); “a alma é imortal pela graça de Deus que a
fez imortal” (São Cirilo de Jerusalém e outros). Os Santos Padres enfatizam assim a diferença
entre a imortalidade do homem e a imortalidade de Deus, que é imortal pela Essência de sua na-
tureza sendo por isso “Aquele que tem Ele só a imortalidade” de acordo com as Escrituras (1 Tm
6:16).
A observação mostra que a fé na imortalidade da alma sempre foi intrinsecamente ligada
na fé em Deus, em tal extensão que o grau da primeira é determinado pelo grau da última. Mais
viva, a fé em Deus, mais firme e sem dúvidas é a fé na imortalidade da alma. E, ao contrário
mais fraca sem em vida a fé em Deus, maiores são as ondas de dúvidas que se levantam contra a
verdade da imortalidade da alma. Alguém que perdeu ou abafou completamente a fé em Deus
usualmente cessa de acreditar na imortalidade da alma ou na vida futura. Isso é facilmente com-
preendido. Um homem recebe o poder da fé da própria fonte de vida, e se ele conta sua ligação
com essa fonte, ele perde esse fluxo de poder vivo, Ai nenhuma prova racional ou persuasão será
capaz de enfiar o poder da fé nele.
Pode-se também concluir o oposto. Nas confissões e visões do mundo — ainda que sejam
Cristãs — onde o poder da fé na existência ativa da alma além do túmulo ficou ofuscada, onde
não há orações em lembrança dos mortos, a própria fé Cristã está em condição de declínio. Al-
guém que acredita em deus e reconhece o amor de Deus não pode se permitir o pensamento que
o seu Pai celestial queria cortar completamente sua vida e priva-lo da ligação com Ele, como
uma criança que ama sua mãe e é amada por ela, por sua vez, não acredita que a mãe não queira
que ela, a criança, tenha vida.
Pode-se certamente dizer que na Igreja Ortodoxa Oriental a aceitação da imortalidade da
alma ocupa um lugar central no sistema de ensinamento e na vida da igreja. O espírito do Typi-
con da Igreja, o livro que contem os Ofícios Divinos e as orações separadas suporta inteiramente
e anima nos fiéis essa consciência, essa crença na vida além-túmulo para as almas de nossos pró-
ximos que morreram, assim como na nossa imortalidade pessoal. Essa crença espalha um raio de
luz no trabalho na vida inteira de um Cristão Ortodoxo.

Alma e espírito.
O princípio espiritual no homem que é oposto ao corpo é designado na Sagrada Escritura
por dois termos que são quase iguais em significados: “espírito” e “alma.” O uso da palavra “es-
pírito” em lugar de “alma,” ou ambos os termos usados com exatamente o mesmo significado é

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encontrado especialmente no Apóstolo Paulo. Isso é tornado evidente, por exemplo, colocando-
se lado a lado os dois textos seguintes: “glorificai pois a Deus no vosso corpo e no vosso espírito,
os quais pertencem a Deus” (1 Co 6:20); e “...purifiquemo-nos de toda imundície da carne e do
espírito” (2 Co 7:1).
Além dessas, existem duas passagens nos escritos desse Apóstolo onde alma e espírito
são mencionados lado a lado, e isso cria a oportunidade de se perguntar: Não estaria o Apóstolo
indicando que, além da alma, existe também um “espírito” que é uma parte essencial da natureza
humana? Da mesma forma, nos escritos de certos Santos Padres particularmente nos escritos as-
céticos, é feita uma distinção entre alma e espírito. A primeira passagem no Apóstolo Paulo é na
Epístola aos Hebreus: “Porque a palavra de deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada
alguma de dois gumes, e penetra até a divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é
apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4:12). Outra passagem do mes-
mo Apóstolo está na Epístola aos Tessalonissensses: “e todo o vosso espírito, e alma e corpo,
sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts
5:23). Não é difícil, no entanto, ver que na primeira passagem o espírito é para ser entendido não
como uma substancia que é separada e independente da alma, mas só como um lado mais interno
e escondido da alma. Aqui a relação da alma e do espírito é feita paralela à relação entre os
membros do corpo e cérebro, e assim como o cérebro é a parte interna da natureza corporal, ou é
um conteúdo quando comparado com seu conteúdo, assim também o espírito é evidentemente
considerado pelo Apóstolo como a parte escondida da alma do homem.
Na segunda passagem por “espírito” é evidentemente significada aquela especial alta
harmonia da parte escondida da alma que é formada pela graça do Espírito Santo em um Cristão:
o “espírito” no qual o Apóstolo fala em outro lugar: “Não extingais o Espírito” (1 Ts 5:19); e
“...fervorosos no espírito” (Rom 12:11). Assim, o Apóstolo não está pensando aqui em todos os
homens em geral, mas só nos Cristãos. Nesse sentido o Apóstolo contrasta o homem “espiritual”
com o homem “natural” ou carnal (1 Co 2:14-15). O homem espiritual possui uma alma, mas
sendo renascido, ele cultiva em si as sementes da graça; ele cresce e gera frutos no espírito. No
entanto, por falta de cuidados com sua vida espiritual ele pode descer ao nível do homem natural
ou carnal: “Sois vos tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela car-
ne?” (Ga 3:3). Por isso, não há terreno para supor que o pensamento do Apóstolo Paulo não este-
ja de acordo com o ensinamento que a natureza do homem consiste em duas partes.
Essa mesma do espírito como a mais alta e dada por graça forma de vida da alma humana
é evidentemente o que é significado pelos Padres e professores da Igreja nos primeiros séculos
que distinguiram no homem um espírito assim como uma alma. Essa distinção é encontrada em
São Justino, o Mártir, Tatiano, Irineu, Tertuliano, Clemente de Alexandria, Gregório de Nissa,
Efrém o Sírio, e da mesma forma em escritores e ascetas posteriores. Porém, uma maioria signi-
ficativa dos Padres e professores da Igreja reconhecem diretamente que natureza do homem tem
duas partes: corpo e alma (Santos Cirilo de Jerusalém, Basílio o Grande, Gregório o Teólogo,
João Crisostomo, Bem Aventurado Agostinho, João Damasceno). Bem Aventurado Teodoreto
escreve: “De acordo com o ensinamento de Apolinário (o Herético) existem três partes no ho-
mem: o corpo, a alma animal, e a alma racional, que ele chama de mente. Mas a Escritura aceita
só uma alma, não duas, e isso é claramente indicado pela história da criação do primeiro homem.
Deus, tendo formado o corpo do pó e soprado uma alma nele, mostrou que há duas naturezas no
homem, e não três.”

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A imagem de Deus no homem.


O escritor sagrado do relato da criação do homem diz: “E disse Deus: Façamos o homem
à nossa imagem, conforme à vossa semelhança ... E criou Deus o homem à sua imagem; à ima-
gem de Deus o criou; macho e fêmea os criou” (Ge 1:26-27).
No que consiste a imagem de deus em nós? O ensinamento da Igreja nos conta somente
que no geral o homem foi criado “à imagem,” mas precisamente que parte de nossa natureza ma-
nifesta essa imagem não é indicada. Os Padres e professores da igreja responderam essa questão
de várias maneiras: alguns vêem a imagem na razão, outros no livre arbítrio, ainda outros na i-
mortalidade. Se juntarmos essas idéias, obtemos uma concepção completa do que a imagem de
Deus no homem é, de acordo com o ensinamento dos Santos Padres.
Antes de tudo, a imagem de Deus deve ser vista só na alma, não no corpo. De acordo
com Sua natureza, deus é o mais puro Espírito, não vestido com qualquer tipo de corpo e não
participante de qualquer tipo de materialidade. Assim a imagem de deus só pode-se referir à alma
imaterial — muitos Padres da Igreja consideraram necessário dar esse alerta.
O homem carrega a imagem de deus nas mais elevadas qualidades da alma, especialmen-
te na imortalidade dela, no seu livre arbítrio, sua razão e em sua capacidade de um amor puro
sem pensamento de ganho.
a. O Deus deu imortalidade à alma do homem, ainda que alma seja imortal não por natu-
reza, mas somente pela bondade de Deus.
b. Deus é completamente livre em Suas ações, e Ele deu aos homens livre arbítrio e a ha-
bilidade de agir livremente dentro de certos limites.
c. Deus é sapientíssimo, e Ele deu ao homem a razão que é capaz de não ser limitada às
coisas terrenas, necessidades animais e ao lado visível das coisas, mas também ser capaz de pe-
netrar nas profundezas das coisas, e reconhecer e explicar seu significado interior. A razão do
homem é capaz de subir ao nível daquilo que é invisível e de se esforçar em pensamento para a
verdadeira Fonte de tudo que existe — Deus. A razão do homem torna sua vontade consciente e
autenticamente livre, por que ela pode escolher aquilo que corresponde a mais alta dignidade do
homem ao invés daquilo para o quando sua natureza inferior o inclina.
d. Deus criou o homem em Sua bondade e Ele nunca deixou nem nunca o deixará sem
Seu amor. O homem, recebendo sua alma do sopro de Deus, esforça-se para a direção do seu
primeiro Princípio, Deus, como para a direção de algo similar a ele, procurando e sentindo sede
pela união com Ele. Isso é especificadamente mostrado na postura reta e em pé do seu corpo, e
seu olhar, que se volta para o céu. Assim, esse esforço para e o amor por Deus expressa a ima-
gem de Deus no homem.

Em resumo, pode-se dizer que todas as qualidades e capacidades boas e nobres da alma são uma
expressão da imagem de Deus no homem.
Existe uma distinção entre a “imagem” e a “semelhança” de Deus? A maioria dos Santos
Padres e professores da Igreja respondem que existe. Eles vêem a imagem de Deus na natureza
da alma, e a semelhança no aperfeiçoamento moral do homem em virtude e santidade, na aquisi-
ção dos dons do Espírito Santo. Consequentemente, os recebemos a imagem de Deus de Deus
junto com a existência, mas a semelhança nós devemos adquirir nós mesmos, tendo recebido a
possibilidade de fazer isso, de Deus.
Tornar-se “semelhante” depende de nossa vontade; e adquirida conforme nossa própria
atividade. Por isso, a respeito do “conselho de Deus” é dito: “Façamos o homem à Nossa ima-

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gem, conforme a Nossa semelhança” (Ge 1:26). Mas a respeito do ato da criação em si é dito:
“Por “conselho” de Deus, nos foi dado o potencial de ser “à sua semelhança.”“

O propósito do homem.
Tendo elevado o homem acima do mundo terreno, tendo dado a ele razão e liberdade,
tendo o adornado com sua própria imagem, o Criador assim indica ao homem o seu especialmen-
te alto propósito. Deus e o mundo espiritual estão diante do olhar espiritual do homem; diante do
seu olhar corporal está o mundo material.
a. O primeiro propósito do homem é a glória de Deus. O homem é chamado a permanecer
fiel a sua ligação com Deus, a esforçar-se para a direção dele, a reconhece-lo como seu Criador,
a glorifica-lo, a rejubilar-se em união com Ele, a viver Nele. “Ele os enchei de conhecimento e
compreensão,” diz o mais sábio filho de Sirac com respeito aos dons que Deus deu para o ho-
mem. “Ele pôs Seu olho em seus corações para mostrar a eles a majestade de Suas obras” (Sirach
17:6-10). Pois se a toda a criação é chamada, de acordo com suas habilidades, a glorificar o Cri-
ador (como é colocado por exemplo no Salmo 148), então logicamente o homem, como a coroa
da criação, é o mais capacitado a ser consciente, racional, constante e o mais perfeito instrumento
de Deus na terra.
b. Para esse propósito, o homem deveria ser digno de seu Protótipo. Em outras palavras,
ele é chamado a se aperfeiçoar, a aguardar sua semelhança com Deus, a restaura-la e reforça-la.
Ele é chamado a desenvolver e aperfeiçoar seus problemas morais por meio de boas obras. Isso
requer que o homem tome conta de sua própria bondade, e sua verdadeira bondade está na ben-
ção de Deus. Por essa razão deve-se dizer que a benção de Deus é o objetivo da existência de
Deus.
c. O Olhar físico imediato do homem é dirigido para o mundo. O homem foi colocado
como a coroa da criação terrena e o rei da natureza, como é mostrado no primeiro capítulo do
livro da Gênesis. De que maneira isso deveria ser manifestado? O Metropolita Macário fala isso
em sua Orthodox Dogmatic Theology: “Como a imagem de Deus, o filho e herdeiro na casa do
Pai Celestial, o homem foi colocado como uma espécie de intermediário entre o Criador e a cria-
ção terrena: em particular ele foi predeterminado a ser um profeta para essa criação proclamando
a vontade de Deus no mundo em palavras e obras; é para ser o sacerdote chefe, de maneira a ofe-
recer um sacrifício em louvor e agradecimento a Deus em nome de todos os nascidos na terra,
trazendo assim para a terra as bênçãos dos céus; ele é a cabeça e o rei de modo que concentrando
os objetivos de todas as criaturas visíveis existentes em si, ele possa através de si unir todas as
coisas com Deus, e assim manter a cadeia toda das criaturas terrenas em uma harmoniosa ligação
e ordem.”
Assim foi criado o primeiro homem, capaz de atingir seu propósito e fazer isso livremente,
voluntariamente, em júbilo, de acordo com a atração de sua alma, e não por compulsão. A idéia
da posição soberana do homem na terra faz o Salmista louvar o Criador, extasiado: “Ó, Senhor,
Senhor nosso, quão admirável é o Teu Nome em toda a terra, pois puseste a Tua glória sobre os
céus... Quando vejo os Teus céus, obras dos Teus dedos, a lua e as estrelas que preparaste: Que é
o homem mortal para que te lembres dele? E o filho do homem, para que O visites? Contudo,
pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra O coroaste. Fazes com que ele te-
nha domínio sobre as obras das Tuas mãos... Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o Teu
nome sobre toda a terra!” (Sl 8:15).

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Da criação à majestade do Criador.


O Apóstolo instrui, ..”as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo... claramente se
vêem... tanto o Seu divino poder quanto a Sua divindade” (Ro 1:20). Isto é, as coisas invisíveis
de Deus são vistas pela contemplação da criação. Em tosas as épocas da humanidade, as melho-
res mentes, refletindo profundamente sobre o mundo pararam atônitas diante da majestade, har-
monia e racionalidade da ordem do mundo, e foram elevadas disso para pensamentos reverentes
sobre a bondade, majestade e sabedoria do Criador. São Basílio, o Grande, em suas homilias so-
bre os seis dias (Hexaemeron), examina as primeiras palavras do livro da Gênesis. “No princípio
Deus criou os céus e a terra” — então chama seus ouvintes: “Glorifiquemos o soberbo artista que
criou o mundo com sapiência e habilmente; e da beleza daquilo que é visível, compreendamos
aquele que ultrapassa tudo em beleza; da majestade desses corpos sensíveis e limitados tiremos a
conclusão em relação a Ele que é sem fim que ultrapassa toda majestade, e na multiplicidade de
Seus poderes ultrapassa todo entendimento.” E então, indo para a segunda homilia, como se esti-
vesse em pausa e sem esperança de penetrar mais profundamente nas profundezas da criação, ele
profere essas palavras: “Se a entrada do sagrado é assim, e a entrada do templo é tão louvável e
majestosa... então o que dizer do Santo dos santos? E quem é digno de entrar no lugar sagrado?
Quem dirigirá seu olhar para o que está escondido?”

4. A Providência de Deus.

A providência de Deus sobre o mundo.


“Meu Pai trabalha ate agora, e eu trabalho também” (Jo 5:17). Nessas palavras do Senhor
Jesus Cristo está contida a verdade do constante cuidado e da constante providência para com o
mundo. Apesar de Deus ter descansado no sétimo dia de todos os seus trabalhos (Ge 2:2-3), Ele
não abandonou o mundo. Deus “é quem a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas ... Nele
vivemos, nos movemos e existimos” (At 17:25 e 28). O poder de Deus mantém o mundo em e-
xistência e participa de todos as atividades da vontade viva de Deus; por elas mesmas essas
“leis” seriam impotentes e não efetivas.
A Providência de Deus abarca tudo no mundo. Deus provê não só para o grande e imen-
so, mas também para o menos e aparentemente insignificante; não só sobre o céu e a terra anjos e
homens, mas também sobre as menores criaturas; pássaros, grama, flores, árvores. A Sagrada
Escritura toda é preenchida com a infatigável e providencial atividade de Deus.
Pela boa vontade de Deus o Universo se mantém e todo o imenso espaço do mundo Deus
enche os céus e a terra (Jer 23:24); “Escondes o teu rosto, e ficam perturbados” (Sl 104:29).
Pela Providência de Deus o mundo vegetal vive na terra: “Ele é que cobre o céu de nu-
vens, que prepara a chuva para a terra e que faz produzir erva sobre os montes: que dá aos ani-
mais o seu sustento” (Sl 147:8-9). Nem Ele deixa sem cuidados os lírios do campo, adornando-os
e a outras flores com uma beleza que nos deixa atônitos (Mt 6:29).
A Providência de Deus estende-se para todo reino animal: “os olhos de todos esperam em ti, e tu
lhes dás o seu mantimento a seu tempo, Abres a tua mão, e satisfaz os desejos de todos os viven-
tes” (Sl 14:15-16). Deus cuida até mesmo do menor passarinho: “... nem um deles cairá em terra
sem a vontade de nosso Pai” (Mt 10:29).
Porém e o homem que é esse objeto principal da Providência de Deus na terra. Deus co-
nhece os pensamentos de cada homem (Sc 139:2), seus sentimentos (Sl 7:9) e até os seus gemi-

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dos (Sl 38:9). Ele provê o que “é necessário mesmo antes que lhe percam” (Mt 6:32) e inclina
seus ouvidos à súplica daqueles que pedem (Sl 86:1), atendendo o que é pedido somente se a re-
quisição vem de uma fé sincera e viva (Mt 6:33). Deus dirige os passos do homem que não sabe
seu próprio caminho (Prov 20:24). Ele torna pobre e enriquece, Ele derruba e levanta, Ele causa
feridas e Ele mesmo as cura (Jó 5:18). Amando os justos. Ele poupa os pecadores também: “Não
repreenderá perpetuamente, vem para sempre conservará a Sua ira” (Sl 103:9). Ele é tolerante, de
modo que por meio de Sua benignidade ele conduz os pecadores ao arrependimento (Ro 2:4).
Essa abarcadora e incessante atividade de Deus no mundo é expressa no Símbolo da Fé quando
nós chamamos Deus de “Todo-Poderoso.”
Como para as aparentes injustiças da vida, quando nós vemos homens virtuosos sofrerem
enquanto os ímpios são prósperos, Crisóstomo nos exorta com as seguintes palavras: “Se o Reino
dos Céus está aberto para nós e uma recompensa nos é mostrada na vida futura, então não vale a
pena investigar porque os justos sofrem mágoas aqui enquanto os malignos vivem em conforto.
Se uma recompensa está esperando lá por todos de acordo com seus justos méritos, porque deve-
ríamos sermos perturbados pelos eventos presentes, se eles são afortunados ou desafortunados?
Por esses infortúnios Deus exercita aqueles que são submissos a Ele como resolutos guerreiros; e
os mais fracos, negligentes, e aqueles incapazes de suportar qualquer dificuldade, Ele exorta
mais à frente no tempo a realizar boas obras” (“To Stagirius the Ascetic,” homilia I, 8, em sua
Collected Works em russo, vol. I, Pt 1, p. 194). De fato nós mesmos com freqüência vemos que
as melhores experiências instrutivas e elevadoras são os infortúnios a que o homem é submetido.
Essencialmente, a Providência de Deus sobre o mundo é uma atividade incessante e inse-
parável, ainda que decido a nossas mentes limitadas recebamos essa atividade de Deus no mundo
variável e mutável sob diferentes formas e aparências. A atividade da Providência de Deus não é,
pode-se dizer, uma interferência no curso da vida dada ao mundo em sua criação; não é uma sé-
rie de intrusões privadas da vontade de Deus na vida do mundo. A vida do mundo está constan-
temente na mão direita de Deus; “O mundo não se manteria por um instante se Deus removesse
Sua Providência dele” (Bem Aventurado Agostinho). “O Todo—Poderoso e Santíssimo Verbo
do Pai, estando no meio de todas as coisas e manifestando Seus poderes por toda a parte, ilumi-
nando todas as coisas visíveis e invisíveis, abarca e contem tudo em si, de modo que nada é sem
a participação em Seus poderes; mas tudo em tudo, toda criatura separadamente e toda criatura
junta, Ele dá vida e preserva” (Santo Atanásio, o Grande, “Against Pagans,” cap. 42).
A esse respeito deve-se notar ainda que faz o homem para reverentemente atônito. É o
fato que, enquanto o Criador contem tudo em Sua mão direita, desde o primeiro dia da criação,
Ele deu a todos os seres orgânicos, até mesmo para o reino vegetal, uma liberdade de crescimen-
to e desenvolvimento, o uso de seus próprios poderes e do ambiente circundante, a cada um em
sua própria medida e de acordo com sua natureza e organização. Uma liberdade ainda maior o
Criador deu ao homem sua criação racional e moralmente responsável — a criação mais elevada
na terra. Com essa variedade de esforços — natural, instintivo, e no mundo racional também mo-
ralmente livre — a Providência de Deus vem junto de maneira que todos eles são mantidos em si
e dirigidos de acordo com o plano providencial. Todas as imperfeições, sofrimentos e doenças
que procedem dessa colisão de esforços separados do mundo, são corrigidas e curadas pela be-
nignidade de Deus. Essa benignidade acalma as hostilidade e dirige a vida do mundo todo para o
objetivo bom que foi para ele estabelecido lá me cima. Além disso, para as criaturas racionais de
Deus, essa benignidade abre caminho para a incessante glorificação de Deus.
Não importa quanto a humanidade viole seu propósito no mundo, não importa quanto ela
caia, não importa quanto a humanidade viole seu propósito no mundo, não importa quanto ela

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caia, não importa quanto a massa humana, conduzida por seus lideres malignos, esteja inclinada
a renunciar aos comandos de Deus, como vemos no tempo presente, a história do mundo ainda
assim culminará no objetivo estabelecido para ela pela Providência de Deus: o triunfo da justiça
de Deus em seguida ao qual haverá o Reino de Glória, quando “Deus será tudo em todos” (1 Co
15:28).
Contemplando a majestade, sabedoria e benignidade de Deus no mundo, o Apóstolo Pau-
lo clama: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! ... Porque
quem compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro ou quem compreendeu o
intento do Senhor/ Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a Ele, para que lhe
seja recompensado? Porque Dele e por Ele e para Ele, para que lhe seja recompensado? Porque
Dele e por Ele e para Ele, são todas as coisas, glória pois a Ele eternamente. Amém” (Rom
11:33-36).

A Providência de Deus sobre o homem antes da queda.


Tendo sido criado o homem, o Criador não deixou os primeiros criados sem Sua Provi-
dência. A graça de Deus habitou constantemente em nossos primeiros ancestrais e, na expressão
dos Santos Padres, serviu como uma espécie de roupa para eles. Eles tinham um prefeito senti-
mento de proximidade de Deus, o próprio Deus era seu primeiro Instrutor e Professor e concedeu
revelações imediatas a eles. Aparecendo para eles, Ele conversou com eles e revelou Sua vontade
para eles.
Os capítulos dois e três do livro da Gênesis pinta para nós a vida desse primeiro povo.
Deus colocou Adão e Eva no Paraíso, o Jardim do Éden, o “Paraíso de Delícias,” onde crescia
toda árvore que era agradável a vista e boa para comida, comandando que o mantivessem. O Jar-
dim do Éden era um lugar tão esplendido que as primeiras pessoas devem ter sido involuntaria-
mente elevadas para um sentimento de júbilo e suas mentes dirigidas para o mais perfeito artista
do mundo. O próprio trabalho deve ter facilitado o desenvolvimento tanto do poder físico quanto
do poder espiritual.
Como o escritor da Gênesis nos informa, Deus trouxe todas as características vivas para o
homem para que este lhes desse nome, É claro que de um lado isso deu ao homem a oportunida-
de de tomar conhecimento da saúde e variedade do reino animal, e do outro lado, facilitar o de-
senvolvimento de suas capacidades mentais dando-lhe um mais completo conhecimento próprio
por comparação com o mundo que pairava diante dos seus olhos, e uma consciência de sua real
superioridade sobre toda as outras criaturas da terra.
Compreensivelmente, a condição original das primeiras pessoas era de uma infantilidade
e simplicidade espiritual juntadas à pureza moral. Mas essa condição continha a oportunidade de
um desenvolvimento rápido e harmonioso e crescimento de todos os poderes do homem, dirigido
para uma semelhança com Deus e a mais íntima união com Ele!
A mente do homem era pura, brilhante e sadia. Mas ao mesmo tempo era uma mente li-
mitada e não testada pela experiência da vida, como foi revelado na hora da queda no pecado. A
mente do homem ainda tinha que ser desenvolvida e aperfeiçoada.
Moralmente, o primeiro homem era puro e inocente. As palavras :”E ambos estavam nus,
o homem e sua mulher; e não se envergonhavam” (Ge 2:25). Interpretadas por São João Damas-
ceno como “o pináculo da despaixão.” No entanto, pode-se compreender essa pureza nas primei-
ras pessoas como sendo que desde o inicio eles já possuíam todas as virtudes e não estavam ne-
cessitados de aperfeiçoamento. Não, Adão e Eva, apesar de terem vindo das mãos do Criador
puros e inocentes, ainda tinham que ser confirmados no bem, como expressa Santo Irineu, “tendo

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recebido existência, tinha que crescer e amadurecer tornando-se então forte, e, atingindo a matu-
ridade, tinha que crescer e amadurecer, tornando-se então forte, e, atingindo a maturidade plena
seria glorificado e, sendo glorificado, ser-lhe-ia concedido ver Deus.”
O homem veio das mãos do Criador sem faltas também no corpo, Seu corpo, tão notável
em sua organização, sem duvida recebeu nenhum erro ou defeito interno ou externo do Criador.
Ele possuía faculdades que elas eram frescas e não corrompidas. Ele não tinha em si a menor de-
sordem e estava apto a estar livre de doenças e sofrimentos. Na verdade, doenças e sofrimentos
são apresentados no livro da Gênesis como conseqüências da queda de nossos primeiros ances-
trais e como castigo para o pecado. Adicionalmente, o livro da Gênesis dá uma indicação mística
da Árvore da Vida cujo fruto estava acessível aos primeiros ancestrais antes da queda no pecado,
fruto esse que os preservaria na morte física. A morte não era uma necessidade para o homem:
“Deus criou o homem nem completamente mortal nem completamente imortal, mas capaz de ser
ou um ou outro” (Teófilo de Antioquia; ver em Bispo Sylvester, Na Essay in Orthodox Dogmatic
Tehology, vol 3, p. 379).
Mas não importa quão perfeito eram os poderes do homem, pois sendo uma criatura limi-
tada ele requeria mesmo assim um constante reforço na fonte de toda vida, de Deus, assim como
fazem todos os seres criados. Meios apropriados para o reforço do homem no caminho do bem
eram necessários. Assim um meio elementar foi o comanda para não comer do fruto da arvore do
conhecimento do bem e do mal. Esse foi um comando de obediência. Obediência livre é o cami-
nho para o avanço moral. Onde existe obediência voluntária existe (a) o corte do caminho para a
auto-estima, (b) respeito e confiança para aqueles que estão acima de nós, e (c) continência. A
obediência age beneficamente sobre a mente, humilhando o orgulho; sobre os sentimentos limi-
tando o amor-próprio; e sobre a vontade, dirigindo a liberdade do homem para o bem. A graça de
Deus coopera e reforça alguém nesse caminho. Esse era o caminho que estava diante das primei-
ras pessoas, nossos primeiros ancestrais.
“Deus fez o homem sem pecado e dotou-o de livre arbítrio. Por sem pecado eu não quero
dizer incapaz de pecar, pois só a divindade é incapaz de pecar, mas tendo a tendência tendo o
poder de perseverar e progredir no bem com a jura da graça divina, assim como tendo o poder de
afastar-se na virtude e cair no vício” (São João Damasceno, Exact Exposition, II, 12, tradução
inglesa, p. 235).
Em geral, é difícil, se não impossível para o homem contemporâneo imaginar a verdadei-
ra condição do homem no Paraíso, uma condição que punha junto pureza moral, claridade da
mente, a perfeição da primeira natureza criada, proximidade de Deus, com uma infantilidade es-
piritual geral.. Mas de qualquer maneira deve ser notado que as tradições de todos os povos fa-
lam precisamente de tal condição, que os poetas chama de “idade de ouro” da humanidade (a
tradição dos chineses, índios, persas, gregos e outros). As grandes mentes da antigüidade pagã
expressaram a certeza que os antigos eram mais puros que os homens que vieram depois (Sócra-
tes); que as mais antigas tradições religiosas e suas concepções eram mais perfeitas que as con-
cepções posteriores, porque os primeiros homens estavam mais perto de Deus e o conheciam
como seu Criador e Pai (Platão e Cícero).

5. A Respeito da Malignidade e do Pecado.


Malignidade e pecado no mundo, A queda do mundo angélico; Maus espíritos. A queda do ho-
mem no pecado. Porque a queda do homem no pecado foi possível? A história da queda no pe-
cado. O que foi o pecado ao comer o fruto? As conseqüências físicas da queda. Infortúnios e

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morte como castigo de Deus. A perda do Reino de Deus. Misericórdia de Deus para com os ho-
mens caídos.

Malignidade e pecado no mundo.

Malignidade e Infortúnio. “Mal,” em nosso uso ordinário de palavras, é o nome de dois tipos
de manifestação. Freqüentemente entendemos por essa palavra qualquer coisa em geral que evo-
ca infortúnio e causa sofrimento, Mas num sentido mais direto e preciso, o Mal é o nome para
manifestações negativas da ordem moral que procede da direção maligna da vontade e da viola-
ção das leis de Deus.
É claro que infortúnios no mundo físico — por exemplo, terremotos, tempestades, en-
chentes, avalanches e assim por diante — são em si nem bons nem maus. No sistema geral do
mundo eles são o que as sombras são para as cores brilhantes na arte dos pintores, o que sons
grosseiros são para sons suaves em musica, etc. Esse é o modo pelo qual Santos Padres como o
Bem Aventurado Agostinho e São Gregório tratam essas manifestações. Não se pode negar que
tais manifestações dos elementos são freqüentemente a causa de infortúnios e sofrimentos para
criaturas sensíveis e para o homem; mas só se pode inclinar em reverencia diante da sapiente or-
dem do mundo, onde o interminável, variado e mutuamente esforço de parte dos cegos poderes
elementares e as criaturas orgânicas, produzem colisões entre uns e as outras a todo momento,
mas estão em mutuo acordo e são postos em harmonia, tornando-se fonte de constante desenvol-
vimento e renovação do mundo.

Sofrimento e Pecado. Até um certo ponto, o lado desagradável, sombrio da vida humana paz
com que nós valorizamos e sintamos mais os lados jubilosos da vida. Mas a palavra de Deus nos
conta que sofrimentos físicos difíceis, angustias e aflições não podem ser reconhecidas como
manifestações que estão completamente de acordo com a lei e por isso, são normais; ao contrario
elas são um desvio normal. Os sofrimentos da raça humana começaram com o aparecimento da
moral maligno e são as conseqüências do pecado, que entraram na nossa vida naquele tempo.
Disto as primeiras paginas da Escritura testemunham “Multiplicarei grandemente a tua dor e a
tua conceição; com dor terá seus filhos” (palavras dirigidas a Eva depois da queda no pecado);
“Maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias de tua vida” (palavras ditas
a Adão; Ge 3:16-17). Sofrimentos são dados ao homem como meio de castigo, iluminação e cor-
rupção. De acordo com São Basílio, o Grande, sofrimentos e a própria morte “cortam o cresci-
mento do pecado.” Numerosos exemplos da consciência da ligação entre sofrimento e pecado
nos são dados pelas palavras de Deus: “Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus
estatutos” (Sl 149:71). A observação cuidadosa mostra que as causas de doenças e sofrimentos,
na grande maioria dos casos, são os próprios homens, que criaram condições artificiais e sub-
normais para sua existência, introduzindo uma cruel batalha mutua enquanto caçando seu próprio
e egoísta bem-estar físico; e as vezes essas coisas são o resultado de uma certa atitude demoníaca
— orgulho, vingança, malícia.
Como a palavra de Deus nos instrui, as conseqüências da moral malignas se espalham nas
pessoas para o mundo animal e para toda criação: “Pois sabemos que toda criação geme e está
juntamente com dores de parto até agora,” escreve o Apóstolo Paulo, e ainda explica: “Porque a
criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitar, na esperan-

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ça de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da
glória dos filhos de Deus” (Ro 8:22, 20-21).

A Essência da Moral Malígna. Os Santos Padres indicam que o mal não é algum tipo de essên-
cia que tem qualquer existência independente real, como os elementos e poderes do mundo que
foram criados por Deus. O mal é só um desvio dos seres vivos da condição original na qual Deus
os colocou, para uma condição que é oposta a ela. Por isso não é Deus que é a causa da moral
maligna; ao contrário, ela procede com a vontade de Deus. A essência do mal consiste na viola-
ção da vontade de Deus, dos comandos de Deus, e da lei moral que está escrita na consciência
humana. Essa violação é chamada pecado.

A Origem do Mal. Mas de onde então surgiu a moral maligna? Deus criou o mundo puro, per-
feito, livre do mal. O mal entrou no mundo como uma conseqüência da queda, que ocorreu, de
acordo com a palavra de deus, originalmente no mundo dos espíritos sem carne, e então na raça
humana, e que foi refletido em toda natureza viva.

A queda do mundo Angélico: os espíritos Malignos


De acordo com o testemunho da palavra de Deus, a origem do pecado vem do diabo: “Quem
comete pecado é do diabo — porque o diabo peca desde o princípio” (1 Jo 3:9). A palavra “dia-
bo” significa “caluniador”! Trazendo junto a evidencia da Sagrada Escritura, nós vemos que o
diabo é um dos espíritos racionais ou anjos que se desviaram para o caminho do mal. Possuindo,
como todas as criaturas racionais a liberdade que lhe foi dada para tornar-se perfeito no bem, ele
“não se firmou na verdade” e caiu para longe de Deus. O Salvador disse dele: “ele foi homicida
desde o principio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele; quando ele profere
mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira” (Jo 8:44). Ele carregou
outros anjos com ele na queda. Nas epistolas do Apóstolo Judas e do Apóstolo Pedro, nós lemos
sobre os anjos. “E os anjos que não guardavam o seu principado, mas deixaram a sua própria ha-
bitação” (Ju 1:6, comparar com 2 Pe 2:4).
Qual foi a causa da queda no mundo angélico? Da mesma Revelação Divina nós pode-
mos concluir que a razão foi orgulho: “o começo do pecado é o orgulho” diz o filho de Sirach (Si
10-13). O Apóstolo Paulo, prevenindo o Apóstolo Timóteo contra o fazer bispos entre aqueles
convertidos recentemente, acrescenta, “... para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação
do diabo” (1 Tm 3:6).
Os espíritos malignos são mencionados só em algumas passagens na revelação do Velho
Testamento. Nós lemos da “serpente,” a tentação da primeira pessoa no terceiro capítulo do Li-
vro da Gênesis. As atividades de “satan” na vida do justo Jó são relatadas no primeiro capítulo
do livro de Jó. No Primeiro Reis é dito a respeito de Saul que um espírito maligno o perturbou
depois que o Espírito do Senhor, partiu dele (1 Re 15:14 = 1 Sam. em KJ). No primeiro Parali-
pomenon (Crônicas), capítulo 21, nós lemos que quando veio um pensamento a Davi para fazer
um censo do povo, foi porque “Satanás se levantou contra Israel, e incitou Davi a numerar Isra-
el.” No livro do Profeta Zacarias é dito, a respeito do sumo sacerdote Joshua, que Joshua resistiu
“ao diabo” (“satan” em KJ; Zacha 3:1). No livro da Sabedoria de Salomão é dito que “pela inveja
do diabo a morte entrou no mundo” (Sab 2:24). Da mesma forma em Deuteronômio 32:17 é dito:
“Eles sacrificaram aos diabos, não a Deus”; e no Salmo 105:36 “E sacrificaram... aos demônios.”

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Uma incomparável e mais completa representação da atividade de satan e seus anjos está
contida na Revelação do Novo Testamento. Por ele sabemos que satan e os espíritos malignos
estão constantemente atraindo mais pessoas para o mal. Satã ousou tentar o próprio Senhor Jesus
Cristo no deserto. Os espíritos malignos investem contra a alma e mesmo contra o corpo dos
homens; disso há o testemunho de vários eventos nos Evangelhos e nos ensinamentos do Salva-
dor. A respeito da habitação dos espíritos malignos nos homens. Nós conhecemos os numerosos
casos de cura pelo Salvador de possuídos pelos demônios. Espíritos malignos olham para os des-
cuidos do homem para atrai-lo para o mal. “E, quando o espírito imundo tem saído do homem,
anda por lugares áridos, buscando repouso, e não o encontra. Então diz: Voltarei para a minha
casa de onde sai. E, voltando, acha-a desocupada, varrida e adornada. Então vai e leva consigo
outros sete espíritos piores do que ele, e, entrando habitam ali, e são os últimos atos desse ho-
mem piores do que os primeiros” (Mt 12:43-45). A respeito da cura da mulher curvada, o Salva-
dor disse para o príncipe da sinagoga, “E não convinha soltar desta prisão, no dia de sábado, esta
filha de Abrahão, a qual há dezoito anos Satanás tinha presa?” (Lc 13-16).
A Sagrada Escritura chama os espíritos malignos “espíritos imundos,” “espíritos do mal,
“diabos,” “demônios,” “anjos do diabo,” e “anjos de satã.” Seu chefe, o diabo, também é chama-
do de “tentador,” “satan,” “Belzebu,” “Belial,” “o príncipe dos demônios,” é outros nomes como
“Lúcifer” (a estrela da manhã).
Tomando a forma de serpente, do diabo foi o tentador e a causa da queda no pecado das
primeira pessoas, como é relatado no terceiro capitulo do livro da Gênesis. No Apocalipse ele é
chamado de “o grande dragão, a velha serpente” (Apoc 12:9).
O diabo e seus anjos são privados de permanecer nas celestes moradias de luz. “Eu via
Satanás, como raio, cair do céu (disse aos discípulos)” (Lc 10:18). Sendo jogados para baixo do
mundo acima, o diabo e seus servos agem no mundo abaixo do céu, entre os homens da terra, e
eles tomaram em sua possessão, como se fosse deles, o inferno e o mundo do inferior. O Apósto-
lo chamam a eles de “principados, potestades, príncipes das trevas desse século” (Ef 6:12).

Queda do homem no pecado.

Porque a queda do homem no pecado foi possível?


O Criador concedeu ao homem três grandes dons na sua criação: liberdade, razão e amor.
Esses dons são indispensáveis para o crescimento espiritual e a benção do homem. Mas onde há
liberdade há a possibilidade de hesitação na escolha; assim a tentação é possível. A tentação é
possível. A tentação para a razão e o orgulho crescer na mente; é ao invés de reconhecer a sabe-
doria e benignidade de Deus, procurar o conhecimento do bem e do mal fora de Deus; desejar ser
um “Deus.” A tentação para o sentimento do amor é que ao invés do amor por Deus e seu próxi-
mo, ter amor, por si próprio e por tudo que satisfaça os desejos baixos e dê alegria temporária.
Essa possibilidade de tentação e quem esteve diante do ser humano, e o primeiro homem não
permaneceu firme contra ela.
Chamemos a atenção aqui: sobre a reflexão de São João de Kronstadt sobre o assunto.
Ele escreve: “Porque Deus permitiu a queda do homem, sua amada criatura e a coroa de todas as
criaturas terrestres? Para essa questão deve-se responder assim: se não fosse permitido ao ho-
mem cair, ele não poderia então ser criado à imagem e semelhança de Deus; não poderia ser-lhe
concedido livre arbítrio, que é um aspecto inseparável da imagem de Deus, mas ele deveria estar
sujeito à lei da necessidade, como as criações sem alma — o céu, o sol, estrelas, o círculo da ter-

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ra e todos os elementos, ou como os animais irracionais. Mas então não teria havido rei sobre as
criaturas da terra, não cantor racional da benignidade de Deus. Sabedoria, nem poder criativo,
nem providência. Pois o homem não teria meios de mostrar sua fidelidade e devoção ao criador,
seu amor auto-sacrificante. Então não haveria bravura na batalha, nem méritos ou coroas incor-
ruptíveis pela vitória; não teria benção eterna que é a recompensa pela fidelidade e devoção a
Deus, nem repouso eterno depois dos trabalhos e lutas da nossa peregrinação na terra.”

A história da queda no pecado.


O escritor da Gênesis não nos conta se nossos primeiros ancestrais viveram por um longo
período na abençoada vida do Paraíso. Falando de sua queda, ele indica que eles não tiveram ten-
tação por si próprios, mas que foram a ela conduzidos pelo tentador.
“Ora a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o Senhor Deus tinha
feito, E esta disse à mulher: é assim que Deus disse: não comereis de toda árvore do jardim? E
disse a mulher à serpente: do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que
está no meio do jardim, disse Deus: não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais.
Então a serpente disse à mulher: certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que
dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E vendo a
mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para
dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com
ela” (Ge 3:1-6).
A Igreja Cristã entendeu sempre a serpente, o tentador, ser o diabo, que tomou a forma
de serpente que tem melhor correspondência com o seu caráter furtivo, astuto e venenoso. As
palavras claras de Nosso Senhor, acerca do diabo confirmam essa interpretação: “Ele foi homici-
da desde o princípio” (Jo 8:44). No Apocalipse de João, o Teólogo, ele é chamado de “o grande
dragão, a velha serpente” (Apo 12:9). Na Sabedoria de Salomão: “pela inveja do diabo, a morte
entrou no mundo” (Sab 2:24).

O que foi o pecado ao comer o fruto.


A transgressão de nossos primeiros ancestrais foi essa: tendo sido tentados pela serpente,
eles violaram o comando direto de Deus para não comer da árvore proibida. O atendimento nesse
comando teria mostrado obediência a Deus e confiança em Suas palavras, assim como humilda-
de, e continência — uma soma de virtudes simples e naturais. O comer o fruto proibido trouxe
após ele mesmo a soma completa de lamentáveis conseqüências morais e físicas.

As conseqüências morais da queda.


O comer o fruto foi só o começo do desvio moral, o primeiro empurrão; mas ele tão ve-
nenoso e ruinoso que já ficou impossível retornar à previa santidade e justiça. Ao contrário, foi
revelada uma tendência a andar mais adiante no caminho da apostasia de Deus. Isso é visto no
fato de que eles imediatamente notaram sua nudez e, ouvindo a voz de Deus no Paraíso, eles es-
conderam Dele, e justificaram-se só aumentando sua culpa. Na resposta de Adão a Deus, vemos
desde o começo o desejo de fugir da vista de Deus e uma tentativa de esconder sua culpa, a in-
verdade em suas palavras de que ele tinha se escondido de Deus só porque estava nu, e então a
tentativa de uma autojustificativa e o desejo de transferir sua culpa para outro, sua mulher. O
Bem Aventurado Agostinho diz, “aqui temos o orgulho, porque o homem desejou estar mais sob
sua própria autoridade do que sob a de Deus; e um escárnio do que é santo, ele não acreditou em
Deus; e assassinato, porque ele sujeitou-se à morte; é adultério espiritual, porque a imaculada

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alma humana foi corrompida pela persuasão da serpente; e porque eles fizeram uso da árvore
proibida; e amor pela aquisição, porque ele desejou mais do que era necessário para satisfazer-
se.”
Assim, com a primeira transgressão do comando, o princípio do pecado imediatamente
entrou no homem- “a lei do pecado” (monos tis amartios). Ele golpeou a verdadeira natureza do
homem e rapidamente começou a se enraizar nela e se desenvolver. Desse princípio pecaminoso
que entrou na natureza do homem, o Apóstolo Paulo escreveu: “Pois eu sei que em mim, isto é,
na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo rea-
lizar o bem. ... Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus. Mas vejo nos
meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende na lei do pe-
cado que está nos meus membros” (Ro 7:18, 22-23). As inclinações pecaminosas no homem to-
maram a posição reinante, o homem tornou-se “o servo do pecado” (Ro 6:7). Mente e sentimen-
tos tornaram-se escurecidas nele, e por isso sua liberdade moral freqüentemente não o inclina
para o bem, mas para o mal. Luxúria e orgulho apareceram na base dos impulsos do homem para
as atividades da vida. Disso nós lemos em 1 Jo 2:15-16, “Não ameis o mundo, nem o que no
mundo há... . Porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos
olhos, e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo.” A concupiscência da carne é o enfra-
quecimento da autoridade do espírito sobre o corpo, a sujeição dele aos baixos desejos carnais; a
concupiscência dos olhos significa o apego aos falsos ídolos, ganância e fome pelo mundo, inve-
ja; e orgulho é auto-estima, egoísmo, auto-exaltação, desprezo pelos outros que são mais fracos,
amor-próprio e vanglória.
As observações psicológicas contemporâneas também conduzem os investigadores à
conclusão que concupiscência e orgulho (a sede por ser melhor que os outros) são as principais
alavancas das lutas do homem decaído contemporâneo, mesmo quando estão profundamente es-
condidos na alma e não são completamente conscientes.

As conseqüências físicas da queda.


As conseqüências físicas da queda são doenças, trabalho duro, e morte. Esses foram o
resultado natural da queda moral, o afastamento da comunhão com Deus, a partida do homem de
Deus. O homem tornou-se sujeito aos elementos corruptos do mundo, no qual dissolução e morte
estão ativos. Nutrição da fonte da vida e da renovação constante de todos os poderes tornou-se
fraca no homem. Nosso Senhor Jesus Cristo indica a dependência entre doença e pecado quando
ele cura o paralítico, dizendo-lhe: “Eis que já estás são; não pequeis mais, para que não te suceda
alguma coisa pior” (Jo 5:14).
Com o pecado, a morte entrou na raça humana. O homem foi criado imortal em sua alma
e ele poderia ter permanecido imortal também no corpo se ele não tivesse se afastado de Deus. A
Sabedoria de Salomão diz: “Deus não fez a morte” (Sab 1:13). O corpo do homem, como bem
expressou o Bem Aventurado Agostinho, não possui a “impossibilidade de morrer” mas possui
“a possibilidade de não morrer” que agora está perdida. O escritor da Gênesis nos informa essa
“possibilidade de não morrer” era mantida no Paraíso pelo comer do fruto da Árvore da Vida, da
qual nossos primeiros ancestrais foram privados depois eu eles foram banidos do Paraíso. “Pelo
que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a
morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram” (Ro 5:12). O Apóstolo chama a
morte de “salário”; isto é, o pagamento da recompensa pelo pecado: “Porque o salário do pecado
é a morte” (Ro 6:23).

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Infortúnios e morte como castigo pedagógico de Deus.


Infortúnios físicos não são só uma conseqüência do pecado; ao mesmo tempo eles são
castigos pedagógicos de Deus, como foi revelado pelas palavras de Deus para nossos primeiros
pais quando eles foram banidos do Paraíso. É claro que esses castigos são dados como meios de
prevenir o homem de uma próxima e final queda.
A respeito dos trabalhos e doenças dos homens decaídos, São Cirilo de Alexandria diz
que o homem, “tendo recebido um exaustivo jejum e tristezas, foi dado a doenças, sofrimentos, a
outra coisas amargas da vida como a um tipo de freio. Porque ele não se restringiu sensivelmente
àquela vida que era livre de trabalhos e tristezas, ele foi dado a infortúnios de modo que pelos
sofrimentos ele possa curar em si mesmo a doença que veio sobre ele no meio das bênçãos (“On
the Incarnation of the Lord”).
Da morte, esse mesmo Santo Padre diz, “Pela morte o Doador da Lei para o espalhamen-
to do pecado, e no seu castigo purificador revela Seu amor pela humanidade, tanto que, ao dar o
comando e juntar a morte à transgressão dele, Ele também fez com que o criminoso que cria sob
esse castigo, tenha nele um meio de salvação. Pois a morte dissolve essa nossa natureza animal e
assim, de um lado para a atividade do mal, e do outro lado livra o homem de doenças, liberta-os
dos trabalhos, põe um fim a suas tristezas e cuidados e para seus sofrimentos corporais com tal
amor pela humanidade o Juiz preparou o castigo pedagógico” (mesma Homilia).

A perda do Reino de Deus.


No entanto, a conseqüência final e mais importante do pecado não foi a doença e a morte
física, mas a perda do Paraíso. Essa perda do Paraíso é a mesma coisa que a perda do Reino de
Deus. Em Adão toda humanidade foi privada da futura benção que estava diante dela, a benção
que Adão e Eva experimentaram particularmente no Paraíso. Em lugar da projetada vida eterna,
a humanidade contempla a morte, e após ela o inferno, trevas, e rejeição por Deus. Por isso, os
livros sagrados do Velho Testamento estão cheios de pensamentos pesados a respeito da existên-
cia alem do túmulo: “Porque na morte não há lembrança de Ti; no sepulcro quem te levará?” (Sl
6:5). Não há uma negação da imortalidade, mas uma reflexão sobre as desesperadoras trevas a-
lém do túmulo. Tal consciência e tristeza era aliviada somente pela esperança de futura liberta-
ção pela vinda do Salvador: “Porque eu sei que meu Redentor vier e que por fim se levantará so-
bre a terra. E depois de consumida a minha pele, ainda em minha carne, verei a Deus” (Jo 19:25 -
26). “Portanto está alegre meu coração e se regozija a minha glória: também a minha carne re-
pousará segura. Pois não deixarás a minha alma no inferno, nem permitirás que o Teu Santo veja
corrupção” (Sl 16: 9-10).

A misericórdia de Deus para com o homem decaído.


Depois da queda do homem no pecado, deus não rejeitou o homem pecador. Ele não to-
mou dele nem Sua imagem, que o distinguia do reino animal; nem seu livre-arbítrio; nem sua
razão pela qual o homem era capaz de entender os princípios espirituais; nem suas outra capaci-
dades. Deus agiu para com ele como um médico e educador: Ele cobriu sua nudez com roupas,
moderou sua auto-estima e orgulho, seus desejos carnais e paixões, por meio de medidas curati-
vas — trabalhos e doenças — dando a isso um significado educacional. Nós mesmos podemos
ver o efeito educacional no trabalho, e o efeito limpador da doença na alma. Deus sujeitou o ho-
mem a morte física não para conduzi-lo para a morte espiritual final mas para que o princípio
pecaminoso nele não se desenvolve-se ao extremo, para que ele não pudesse se tornar como sa-
tan.

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No entanto, esse freio natural de sofrimento e morte não elimina a verdadeira fonte do
mal. Ele só restringe o desenvolvimento do mal. Quase deveria ser necessário para a humanidade
ter um poder e auxílio sobrenaturais que conseguiriam desenvolver uma reversão interna no ho-
mem e dar a ele a possibilidade de mudar de uma gradual diminuição da vitória sob o pecado pa-
ra uma gradual ascensão para Deus. A Providência de Deus previu a futura queda da vontade li-
vre do homem que não tinha se tornado forte. Prevendo a queda, Ele preparou um levantar. A
queda de Adão no pecado não foi uma perdição absoluta para a humanidade. O poder que daria o
renascimento, de acordo com a determinação pré-eterna de Deus, seria a descida à terra do Filho
de Deus.
Por pecado original, entenda-se o pecado de Adão, que foi transmitido para seus descen-
dentes e pesa sobre eles. A doutrina do pecado original tem grande significado na visão do mun-
do Cristão, porque sobre ele repousa uma série de outros dogmas.
A palavra de Deus nos ensina que por Adão “todos pecaram”: “...por um homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por
isso que todos pecaram” (Ro 5:12). “Quem do imundo tirará o puro? Ninguém, se ele tiver vivi-
do ainda que um só dia na terra” (Jo 14:4-5, septuaginta). “Eis que em iniqüidade fui formado, e
em pecado me concebeu a minha mãe” (Sl 51:6); “a semente da corrupção está em mim” (Ora-
ções Vespertinas).
A fé comum da antiga Igreja Cristã na existência do pecado original pode ser vista no an-
tigo costume de batizar crianças. O Concílio Local de Cartago, em 252, composto de 66 bispos
sob a presidência de São Cipriano, decretou o seguinte contra heréticos: “não proibir (o batismo)
de uma criança, ainda que recém-nascida, pois ela não pecou em nada a parte dela proceder da
carne de Adão. Ela recebeu o contágio da antiga morte pelo seu nascimento, e ela é então mais
fácil de receber a remissão dos pecados porque não são os seus, mas os pecados de outros que
são remidos” (a mesma coisa é estabelecida no Cânon 110 do “Código Africano,” aprovado por
217 bispos em Cartago, em 419 e ratificado pelo Concílio de Trullo em 692 e pelo Sétimo Concí-
lio (787). O Canôn 110 termina: “por conta dessa regra de fé mesmo crianças, que não tenham
cometido pecados por elas próprias, são batizadas pela remissão dos pecados, de maneira que o
que há nelas é o resultado de geração seja limpo por regeneração,” The Seven Ecumenical Coun-
cils, Eerdmans, p. 497).
Este é o modo pelo qual a “Encíclica dos Patriarcas Orientais” define o resultado da no
pecado: “caído pela transgressão, o homem tornou-se como as criaturas irracionais. Isso é, ele
tornou-se escurecido e foi privado de perfeição e de paixão. Mas ele não foi privado da natureza
e do poder que ele recebeu do boníssimo Deus. Pois se ele fosse privado assim, ele teria se tor-
nado irracional, e não mais um homem. Mas ele preservou aquela natureza, de modo a, de acordo
com a natureza, poder escolher e fazer o bem e fugir e afastar-se do mal” (Encíclica dos Patriar-
cas Orientais, parágrafo, 14).
Na história da antiga Igreja Cristã, Pelágio e seus seguidores negaram a herança do peca-
do (a heresia do Pelagianismo). Pelágio afirmava que todo homem só repete o pecado de Adão,
executando de novo sua própria queda pessoal. No pecado, e seguindo o exemplo de Adão por
causa de sua própria fraca vontade. No entanto, sua natureza permanece a mesma de quando foi
criado, inocente e pura, a mesma do primeiro-criado Adão. Além disso, doença e morte são ca-
racterísticas de sua natureza desde sua criação, e não são as conseqüências do pecado original.
O Abençoado Agostinho colocou-se contra Pelágio com grande poder de prova. Ele citou
(a) testemunhos da Divina Revelação a respeito do pecado original, (b) o ensinamento dos anti-
gos pastores da Igreja, (c) o antigo costume de batizar crianças e (d) os sofrimentos e infortúnios

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dos homens, inclusive crianças, que são as conseqüências da universal e herdada pecaminosidade
do homem . No entanto, Agostinho, não escapou do extremo oposto, lançando idéia de que no
homem decaído qualquer liberdade independente para fazer o bem tinha sido completamente a-
niquilada, a menos que a graça viesse em seu auxilio.
Dessa disputa no ocidente foram formadas subseqüentemente e duas tendências, uma das
quais foi seguida pelo Catolicismo Romano, e a outra pelo Protestantismo . Teólogos Católicos-
Romanos consideram que a conseqüência da queda foi a remoção dos homens de um dom sobre-
natural da graça de Deus, após o que o homem ficou em condição “natural,” sua natureza não foi
prejudicada mas só levada para a desordem porque a carne, o lado corporal, veio a dominar o
lado espiritual. O pecado original, sob esse ponto de vista, consiste no fato que a culpa de Adão e
Eva perante a Deus passou para todos os homens.
A outra tendência no ocidente vê no pecado original a completa perversão da natureza
humana e sua corrupção a nível muito fundo, até suas próprias bases (a visão aceita por Lutero e
Calvino). Mas as novas seitas do Protestantismo, reagindo por sua vez contra os extremos de Lu-
tero, foram tão longe que chegaram à completa negação do herdado pecado original.
Entre os pastores da Igreja Oriental não há dúvida sobre o ensinamento seja do pecado
ancestral herdado em geral, ou sobre as conseqüências desse pecado para a natureza humana em
particular.
A teologia Ortodoxa não aceita os pontos extremos de ensinamento do Bem Aventurado
Agostinho; mas igualmente não aceita o ponto de vista Católico-Romano (posterior) que tem um
caráter muito legalista e formal. A base do ensinamento Católico-Romano está em a) um enten-
dimento do pecado de Adão como uma ofensa infinitamente grande contra Deus; b) depois dessa
ofensa segui-se a ira de Deus; c) a ira de Deus manifestou-se pela remoção dos dons sobrenatu-
rais da graça de Deus; e d) a remoção da graça trouxe após si a submissão do princípio espiritual
ao princípio carnal, e uma queda mais profunda no pecado e na morte. Disso vem a visão parti-
cular da redenção executada pelo Filho de Deus; para restaurar a ordem que havia sido violada,
seria necessário antes de tudo dar satisfação da ofensa feita a Deus, e com isso remover a culpa
da humanidade e a punição que pesava sobre ela.
As conseqüências do pecado ancestral são aceitas pela teologia Ortodoxa diferentemente.
Após a sua primeira queda, o próprio homem afastou-se em alma de Deus e tornou-se
não-receptivo à graça de Deus que estava aberta para ele. Ele cessou de prestar atenção à voz di-
vina a ele endereçada, e isso o conduziu ao posterior aprofundamento do pecado.
No entanto, Deus nunca privou a humanidade de Sua misericórdia, auxílio, graça, especi-
almente Seu povo escolhido; e desse povo vieram grandes homens justos como Moisés, Elias,
Eliseu, e os profetas posteriores. O Apóstolo Paulo, no capítulo onze da Epístola aos Hebreus,
lista uma ampla lista dos justos do Velho Testamento, dizendo que eles são: “dos quais o mundo
não era digno” (Hb 11:38). Todos eles eram aperfeiçoados não sem um dom do alto, não sem a
graça de Deus. O Livro dos Atos cita as palavras do primeiro mártir, Estevão, onde ele diz a res-
peito de Davi que ele “achou graça diante de Deus, e pediu que pudesse achar tabernáculo para
Deus de Jacó” (At 7:6); isto é, para construir um Templo para ele. O maio dos profetas, São Jo-
ão, o Precursor, esteve “cheio do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe” (Lc 1:15). Mais
os justos do Velho Testamento não poderiam escapar do grupo geral dos homens caídos após a
morte, permanecendo nas trevas do inferno, até a fundação da Igreja Celeste; isto é, até a Ressur-
reição e Ascensão de Cristo. O Senhor Jesus Cristo destruiu os portões do inferno e abriu o ca-
minho para o Reino do Céu.

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Não se deve ver a essência do pecado — incluindo o pecado original — só na dominância


da carne sobre o espírito como a teologia Católico-Romana ensina. Muitas inclinações pecami-
nosas, algumas muito sérias, tem a ver com qualidades de ordem espiritual, tais como orgulho,
que, de acordo com as palavras do Apóstolo, é a fonte, junto com a concupiscência do estado ge-
ral do pecado do mundo (1 Jo 2:15-16). O pecado está também presente em espíritos malignos
que não tem nenhuma carne. Na Sagrada Escritura a palavra “carne” significa uma condição de
não ter renascido, uma condição oposta a ser renascido em Cristo “O que é nascido da carne é
carne, e o que é nascido do Espírito é espírito” (Jo 3:6). É claro, que isso não é para negar uma
série completa de paixões e inclinações pecaminosas originadas na natureza corpórea, que a Sa-
grada Escritura também mostra (Ro. capítulo 7).
Assim, o pecado original é compreendido pela teologia Ortodoxa como uma inclinação
pecaminosa que entrou na humanidade e tornou-se uma doença espiritual.

___________

Nota: Talvez nenhuma doutrina da Igreja Ortodoxa tenha causado discussões e desentendimento tão acalorados em
nossos dias como a doutrina do pecado original ou ancestral. Os desenvolvimentos usualmente ocorrem ou elo dese-
jo de definir a doutrina muito precisamente, ou pela reação exagerada a essa excessiva precisão. As expressões dos
primeiros padres em geral (excetuando Bem Aventurado Agostinho no ocidente) não entram no “como” dessa maté-
ria mais simplesmente colocada: “Quando Adão transgrediu, seu pecado atingiu todos os homens” (Santo Atanásio,
o Grande, Four Discourses Against thr Arians, 1 51, Eerdmans tradução inglesa, p. 336).
Alguns Cristãos Ortodoxos erradamente defenderam a noção Agostiniana da “culpa original” — isto é, que
todos os homens herdaram a culpa do pecado de Adão — e outros, indo para o extremo oposto, negaram completa-
mente a herança do estado pecaminoso de Ad/ao. Padre Michael corretamente aponta em sua equilibrada apresenta-
ção que de Adão nós herdamos de fato nossa tendência ao pecado, junto com a morte e corrupção que são agora
parte da nossa natureza, mas nós não herdamos a culpa do pecado pessoal de Adão.
O termo “pecado original” vem do tratado do Bem-Aventurado Agostinho De Peccato Originale, e algumas
pessoas imaginam que meramente usar esse termo implica na aceitação dos exageros Agostinianos nessa doutrina.
Isso, lógico, não é um caso obrigatório.
Em grego (e russo) existem dois termos usados para expressar esse conceito, usualmente traduzidos por
“pecado original” e “pecado ancestral.” Um professor Ortodoxo da Igreja Grega Velho Calendarista descreve os
termos assim:

“Existem dois termos usados em grego para “pecado original.” O primeiro, progoniki amartia é usado fre-
qüentemente pelos padres (São Simão o Novo Teólogo, São Máximo o Confessor). Sempre vi esse termo traduzido
por “pecado original,” apesar dos teólogos gregos serem cautelosos quando usam termo para distingui-lo do termo
que é usado para traduzir o Bem Aventurado Agostinho.. A segunda expressão que se vê é to propatorikon amarti-
ma, que é literalmente “pecado ancestral.” John Karmiria, o Teólogo grego sugere em seus volumes dogmáticos que
o último termo, usado nas últimas confissões, não sugere algo tão forte quanto o “pecado original” Agostiniano, mas
certamente sugere que “todo mundo é concebido no pecado .”
Existem algumas reações extremadas contra e a favor do pecado original. Como teólogos gregos recentes
tem apontado, o pecado original na Ortodoxia é tão ligado a noção de divinização (theosis) e à parte não maculada
do homem (e assim à Cristologia) que a colocação Agostiniana exagerada (da natureza dec[ainda do homem) causa
algum desconforto. Na expressão “pecado original” o ocidente freqüentemente inclui culpa original, que assim obs-
curece o potencial divino no homem e torna o termo incomodo, Não há por certo, nenhuma noção de culpa original
na Ortodoxia. A noção ocidental compromete o objetivo espiritual do homem, sua theosis e fala dele homem de ma-
neira muito baixa. No entanto, rejeitar o conceito por conta desse desentendimento, pode tender a elevar demasia-
damente o homem — coisa perigosa em que tempo tão arrogantes quantos os nossos . A visão Ortodoxa equilibrada
é que o homem recebeu a morte e a corrupção através de Adão (pecado original); apesar de não participar da culpa
de Adão. Muitos Ortodoxos, no entanto, aceitaram uma tradução impossível de Romanos 5:12 que não diz que todos
nós pecamos em Adão mas que, como Adão, todos pecamos e encontramos a morte” (Arquimandrita Chrisostomos,
Mosteiro São Gregório Palamas, Hayesville, Ohio)

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A versão do King James traduz corretamente Ro 5:12 como: “assim passou a morte a todos os homens, por
isso que todos pecaram.” A tradução latina do último trecho, “em quem todos pecaram” exagera a doutrina e implica
em dizer que todos os homens são culpados do pecado de Adão.¹

6. Deus e a Salvação do Homem.

A economia de nossa salvação. A preparação para receber o Salvador.

A encarnação do Filho de Deus. O Senhor Jesus Cristo: verdadeiro Deus. A natureza humana
no Senhor Jesus Cristo. Os erros concernentes das duas naturezas de Jesus Cristo. As duas natu-
rezas em Jesus Cristo. A não pecabilidade da natureza humana de Jesus Cristo. A unidade da hi-
póstase de Cristo. A adoração una de Cristo. Sobre o culto latino do “Coração de Jesus.”

Dogmas relativos à Santíssima Virgem Maria. A. A Virgindade perene da Theotokos. B. A


Santíssima Virgem Maria é Theotokos. O dogma Católico-Romano da Imaculada Conceição. O
culto do “Imaculado Coração” da Virgem Maria.

O dogma da Redenção. O Cordeiro de Deus. A economia geral da Salvação. A. A condição do


mundo antes da vinda do Salvador. B. A salvação do mundo em Cristo. O renascimento pessoal
e a vida nova em Cristo. A palavra “redenção” no uso dos apóstolos. Uma nota sobre o ensina-
mento Católico —Romano.

O triplo ministério do Senhor. A Cristo o Sumo Sacerdote. B. Cristo o Evangelizador (Seu mi-
nistério profético). C. Cristo e o Rei do Mundo (seu ministério real). A deificação da humanidade
em Cristo.

A Ressurreição de Cristo. Os frutos salvíficos da Ressurreição de Cristo. A A vitória sobre o


inferno e sobre a morte. B. O Reino de Cristo e a Igreja triunfante. C. O estabelecimento da Igre-
ja.

A economia de nossa salvação.


“Bendito o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o que nos abençoou com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo. Como também nos elegeu Nele antes da
fundação do mundo, para que fossemos santos e irrepreensíveis diante dele em caridade. E pre-
destinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua
vontade, para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado, em quem
temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça, pela
qual nos fez agradáveis a si no Amado, em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão
das ofensas, segundo as riquezas da sua graça, que Ele fez abundar para conosco em toda a sabe-
doria e prudência, descobrindo-nos o mistério da sua vontade segundo o seu beneplácito que
propusera em si mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da ple-
nitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra (Ef 1:3-10).
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3:16).

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“Mas Deus, que riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou,
estando ainda nós mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo” (Ef. 2:4-5).
“Nisto está a caridade, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos a-
mou a nós, e enviou seu Filho para propiciação dos nossos pecados... Nós o amamos a Ele por-
que Ele nos amou primeiro” (1 Jo 4:10-19).
Deus, pré-conhecendo a queda dos homens, pré-ordenou a salvação dos homens, mesmo
“antes da fundação do mundo” (Ef 1:4). A palavra de Deus chama o Salvador o Cordeiro de
Deus “ainda antes da fundação do mundo” (1 Pe 1:20).

A preparação para receber o Salvador.

“Mas vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a
lei, para reunir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos” (Ga
4:45).
No que consiste essa “plenitude dos tempos” que foi ordenada, para o trabalho da reden-
ção? Nos versículos que precedem as citadas palavras do Apóstolo Paulo na Epístola aos Gála-
tas, o Apóstolo fala do tempo antes da vinda do Salvador como sendo “quando éramos meninos”
(Ga 4:3). Assim, ele chama o período do Velho Testamento de “infância,” o tempo do desenvol-
vimento, a condução das crianças sob a lei de Moisés, enquanto que a vinda do Salvador é o fim
da “infância.”
Nós podemos entender o significado desse período preparatório se nós formos guiados
pela parábola do Filho Pródigo. O pai entristecido pela partida de sua casa de seu amado filho.
No entanto, sem violar a dignidade e a liberdade de seu filho, ele esperou até que o filho, tendo
experimentado o amargor do mar e tendo lembrado da bondade da vida na casa do pai, ele pró-
prio ficou saudoso da casa do pai e abriu sua alma para o amor do pai. Assim foi com a raça hu-
mana também. “Minha alma tem sede de ti, como terra sedenta” (Sl 143:6), poderia ter sido dito
pela melhor parte da humanidade; ela tornou-se uma “terra sedenta,” tendo experimentado até os
restos, o amargor do afastamento de Deus.
O Senhor não abandonou os homens, não os mandou completamente embora, mas do
momento da queda no pecado conduziu-os para a futura salvação.

1. Tendo cortado a criminalidade da humanidade original pelo Dilúvio, o Senhor primeiro


escolheu dos descendentes de Noé, que foram salvos do Dilúvio, uma raça para a preservação da
piedade e da fé, e também da fé na vinda do Salvador. Essa foi a raça de Abrahão, Isaac e Jacó, e
então todo o povo hebreu. Em seu cuidado com seu poço escolhido, Deus os conduziu para fora
da escravidão, previniu-os, castigou-os pedagogicamente, e de novo teve misericórdia, condu-
zindo-os para fora do cativeiro babilônico, e finalmente, do meio deles preparou a escolhida, que
veio a ser a Mãe do Filho de Deus.
A escolha do povo hebreu foi confirmada pelo Senhor Jesus Cristo quando Ele disse: “...a
salvação vem dos judeus” (Jo 4-22). Os escritos dos Apóstolos testificam abundantemente a
mesma coisa: o discurso do primeiro mártir Estevão e o Apóstolo Pedro no livros dos Atos, as
Epístolas do Apóstolo Paulo aos Romanos e aos Gálatas, e outros lugares na Sagrada Escritura.
2. Além disso, a preparação para recepção do Salvador, consistia em q) as promessas
confortadoras de Deus e b) as profecias dos profetas a respeito de Sua vinda.

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a) As promessas de Deus começaram no Paraíso. As palavras do Senhor para a serpente


concernentes “a semente da mulher” possuem um significado místico: “E porei inimizade entre ti
e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calca-
nhar” (Ge 3:15). A promessa feita aqui a respeito da semente da mulher tornou-se ainda mais
clara para os escolhidos de fé com o crescimento das profecias acerca do Salvador que Ele pró-
prio suportaria sofrimentos da violência do diabo (Sl 21;11), e o derrubaria: “e foi precipitado o
grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás que enganava todo mundo. Ele foi
precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele” (Ap 12-9).
Além disso existia a promessa para Abrahão: “E em tua semente serão benditas toda as
nações da terra” (Ge 22:18) — Uma promessa repetida para Isaac e Jacó (Ge 26:4); 28:14). Seu
autêntico significado foi também gradualmente revelado aos judeus, durante o período de seu
cativeiro e outros infortúnios, como sendo a promessa do Salvador do mundo.
b) Profecias: a benção de Judá o Patriarca Jacó, abençoando um de seus filhos logo antes
de sua morte, proferiu uma profecia ainda mais definida sobre o Salvador: “O cetro não se arre-
dará de Judá, nem o legislador dentre seus pés, até que venha Siló, e a ele se congregarão os po-
vos” (Em hebreu Siló significa Reconciliador). Em outras palavras, a autoridade da tribo de Judá
não cessará até que o Reconciliador, a esperança das nações, venha, e consequentemente, a ter-
minação da autoridade da tribo de Judá será um claro sinal da vinda do Salvador. Os antigos pro-
fessores viam no Reconciliador o esperado Messias, a quem eles aplicaram o nome Siló.
Outra profecia consiste nas palavras de Moisés para seu povo: “O Senhor teu Deus des-
pertará um profeta do meio de ti, de teus irmãos como eu; a ele ouvireis” (Deut. 18:15). Depois
de Moisés existiram muitos grandes profetas entre os hebreus mas a nenhum deles as palavras de
Moisés se referiam: “E nunca mais se levantou em Israel profeta algum igual a Moisés” (Deut
34:10). O próprio Senhor Jesus Cristo referiu-se as palavras de Moisés sobre Si “Porque, se vós
crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim escreveu ele” (Jo 5:46).
Vieram então numerosas profecias na forma de prefiguração nos Salmos, dos quais o
mais expressivo é o Salmo 22 que os antigos rabinos reconheciam como um hino ao Messias. Ele
inclui uma descrição dos severos e atormentadores sofrimentos que o Salvador suportou na Cruz:
“Deus, Deus meu, porque me desamparaste?.Todos os que vêem zombam de mim, estendem os
beiços e meneiam a cabeça dizendo: confio no Senhor, que o livre...Como água me derramei, e
todos os meus ossos se desconjuntaram... Repartem entre si os meus vestidos, e lançam sorte so-
bre a minha túnica....” Próximo do fim do Salmo estão estas palavras que concernem ao triunfo
da Igreja: “O meu louvor virá de ti na grande Congregação (Igreja): pagarei os meus votos ... Os
mansos comerão e se fartarão... o vosso coração viverá eternamente.”
Numerosos outros Salmos contem tais profecias e prefigurações. Alguns deles procla-
mam os sofrimentos do Salvador (Sls 40, 69, 109, 41, 16, 8), enquanto outros proclamam sua
glória (Sls 2, 110, 45, 68, 118, 97, 95).
Finalmente, perto do fim do período do Velho Testamento, numerosas profecias aparece-
ram nos livros dos assim chamados maiores e menores profetas, e esses ainda mais claramente
revelaram a eminente vida do Filho de Deus. Eles falaram do precursor do Senhor, do tempo,
lugar e condições do nascimento do Salvador de Sua imagem espiritual-corporal (sua docilidade,
humildade e outras características), dos eventos que precederiam a traição do Senhor, de Seus
sofrimentos e Ressurreição, na descida no Espírito Santo, do caráter do Novo Testamento, e de
outros aspectos da vinda do Senhor.

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Entre essas profecias um lugar especial pertence ao capítulo cinqüenta e três do profeta
Isaias, que dá uma imagem do sofrimento do Salvador na Cruz. Eis como Isaias prefigura os so-
frimentos redentores do Messias, Cristo:

“Quem deu crédito a nossa pregação? E a quem se manifestou o braço do Senhor? Porque foi
subindo como renovo perante Ele, e como raiz de uma terra seca, não tinha parecer nem formo-
sura; e olhando nós para Ele, nenhuma beleza víamos, para que o desejássemos. Era desprezado,
e o mais indigno entre os homens, homem de dores, e experimentando nos trabalhos: e, como um
de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum. Verda-
deiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si e nós o
reputamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e
moído pelas nossas iniqüidades: o castigo que nos trás a paz estava sobre ele, e pelas suas pisa-
duras formos sarados. Todos nós andamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo
seu caminho; mas o Senhor fez criar sobre Ele a iniqüidade de nós todos. Ele foi oprimido, mas
não abriu a sua boca: como um cordeiro foi conduzido ao matadouro, e, como a ovelha muda
perante os tosquiadores, ele não abriu a sua boca. Da opressão e do juízo foi tirado; e quem con-
tará o tempo de sua vida? Porquanto foi cortado da terra dos viventes: pela transgressão do meu
povo ele foi atingido... e for contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de
muitos, e pelos transgressores intercede” (Isaias 53:1-8, 12).

No profeta Daniel nós lemos a revelação dada a ele pelo Arcanjo Gabriel a respeito das
setentas semanas — o período de tempo da restauração de Jerusalém antes de Cristo, até Sua
morte e a cessação do Velho Testamento, isso é, a cessação dos sacrifícios no Templo de Jerusa-
lém (Daniel 9:24-27).
Essas promessas e profecias, antes de tudo, deram suporte ao povo escolhido, especial-
mente durante os períodos difíceis de suas vidas; elas deram suporte para sua firmeza, fé e espe-
rança. Segundo, elas preparam o povo de modo que eles fossem capazes de reconhecer por essas
profecias que o tempo da promessa estava perto, e que eles viessem a reconhecer o Salvador na
forma dada a Ele pelos profetas.
Graças a essas profecias, quando o tempo da vinda do Salvador aproximava-se, a expec-
tativa sobre Ele esteve intensa e vigilante entre os pios judeus. Vemos isso nos Evangelhos. Isso
é revelado na expectativa de Simeão, o Receptor de Deus, para quem foi declarado que ele não
veria a morte até que ele tivesse contemplado Cristo, o Senhor (Lc 2:26). Também é revelado na
resposta da mulher samaritana ao Salvador: “Eu sei que o Messias vem; quando ele vier nos a-
nunciará tudo” (Jo 4:25). É revelado nas perguntas dos Judeus que vieram para João Batista : “És
Tu o Cristo?” (Jo 1:20-25); nas palavras endereçadas por André, o primeiro chamado Apóstolo,
depois de seus encontros com Cristo, a seu irmão Simão: “Achamos o Messias” (Jo 4:41), e i-
gualmente nas palavras similares de Filipe para Nathanael no relato do evangelista sobre seu
chamado ao apostolado (Jo 1:44-45). Outro testemunho foi a atitude do povo no tempo da entra-
da do Senhor em Jerusalém.
3. Ao que foi fito acima deve ser acrescentado o fato que não foram só os judeus que es-
tavam sendo preparados para a recepção do Salvador, mas também o mundo inteiro, apesar de
ser um grau menor.
Mesmo no mundo pagão estavam preservados — ainda que numa forma distorcida —
tradições relativas à origem e a originalmente abençoada condição da humanidade (a Era de Ou-
ro), concernentes à queda de nossos primeiros ancestrais no Paraíso, a respeito do Dilúvio como

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conseqüência da corrupção do homem e mais importante de tudo, — a tradição vinda de um Re-


dentor da raça humana e a expectativa de Sua vinda, como pode ser visto nas palavras de Platão,
Plutarco, Virgílio, Ovídio, Strabo e igualmente na história das religiões do mundo antigo (por
exemplo as predições das sibilas (As sibilas eram videntes pagãs cujos oráculos e predições eram
altamente consideradas na Roma pagã. Esses oráculos se referiam em sua maioria ao destino dos
povos, reinos e dirigentes, e alguns deles tocaram na vinda de Cristo) das quais nós lemos em
Cícero e Virgílio).
Os pagãos tiveram contato com o povo escolhido por meio de mútuas visitas, viagens
marítimas, guerras, cativeiro de judeus (especialmente os cativeiros assírio e babilônico), e co-
mércios, e graças a dispersão dos judeus nas várias nações das três partes do mundo antigo até o
fim do período do Velho Testamento. Sob essa condições, a luz da fé num Deus único e a espe-
rança em um Redentor pôde ser espalhada para outros povos também.
Mais de dois séculos antes da natividade de Cristo, uma tradução dos livros sagrados foi
feita para o grego, e muitos estudiosos pagãos, escritores e povo educado em geral fez uso dela;
há vários testemunhos disso, particularmente entre os antigos escritores Cristãos.
Sabemos da Sagrada Escritura que afora o povo escolhido existiram também outros po-
vos que preservaram a fé no Deus único e estavam no caminho de aceitar a piedade. Nós apren-
demos isso no relato de Melquisedec no livro da Gênesis (Ge 14:18). Na história de Jó, no relato
do sogro de Moisés, Jetro de Midian (Ex 18), no relato de Balaam, que profetizou a respeito do
Messias: “Vê-lo-ei mas não agora; contemplá-lo-ei mas não de perto” (Nu 24:17), e no arrepen-
dimento dos Ninivitas após a pregação de Jonas. O estar pronto de muitas das melhores pessoas
do mundo pagão para a recepção das boas novas do Salvador também é atestado pelo fato que
pela pregação dos Apóstolos, da Igreja de Cristo foi rapidamente implantada em todo povo do
mundo pagão, e que às vezes o próprio Cristo encontrou em pagãos uma fé que Ele não encon-
trou nos próprios judeus.
“Mas, vindo à plenitude dos tempos” (Ga 4:4), ou, em outras palavras:

Quando a raça humana, seguindo após Adão, experimentou completamente, espiritu-


almente falando, da árvore do conhecimento do bem e do mal, e chegou a conhecer em
experiência a doçura de fazer o bem e o amargor de fazer o mal;
Quando a maioria da humanidade atingiu um grau externo de impiedade e corrupção;
Quando a melhor, ainda que menor parte da humanidade estivesse com uma especial-
mente grande sede, esperando e desejando ver o prometido Redentor, Reconciliador,
Salvador, Messias;
Quando, finalmente pela vontade de Deus, as condições políticas já estavam prontas
porque o todo da parte civilizada tinha sido unida sob autoridade de Roma — algo que
favoreceu fortemente o espalhamento da fé e da Igreja de Cristo.,
Então o prometido e esperado Filho de Deus veio para a terra.

A encarnação do Filho de Deus.


“No princípio era o verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava
no princípio com Deus. Toda as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que feito
se fez... E o verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1:1-3,14).

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Assim o Evangelista João anuncia as boas novas e teologiza as primeiras linhas de seu Evange-
lho. A Igreja Ortodoxa coloca esse relato acima de todas as leituras do Evangelho, oferecendo-o
a nós da Divina Liturgia do dia da Santa Páscoa, e começando o ciclo anual de leituras do Evan-
gelho com esse relato.
“Grande é o mistério da piedade: Deus se manifestou em carne” (1 Tm 3:16). O inexpri-
mível, o incognoscível, invisível, inatingível Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade,
tornou-se homem na forma de Deus-Homem, o Senhor Jesus Cristo, e habitou entre os homens
da terra.
A pregação do Deus-Homem do encarnado Filho de Deus constitui o conteúdo das pala-
vras do Salvador, o conteúdo da totalidade da mensagem das boas novas anunciadas pelos Após-
tolos, a essência dos quatros Evangelhos e de todos os escritos Apostólicos, a base do Cristia-
nismo, e a base do ensinamento da Igreja.

O Senhor Jesus Cristo: Deus verdadeiro.


As boas novas do Evangelho são as boas novas do encarnado Filho de Deus que tornou-
se homem, tendo nascido do céu para a terra.
Fé em Jesus Cristo — que Ele é o Filho de Deus — é a base firme ou rocha da Igreja, se-
gundo as próprias palavras do Senhor: “Sobre essa pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16:18).
Com essas boas novas o Apóstolo Marcos começa seu relato: “Princípio do Evangelho de
Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1:1).
Com essa mesma verdade de fé o Evangelista João conclui o texto principal de seu Evan-
gelho: “estes porém foram escritos para que creais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para
que, crendo tenhais vida sem eu nome” (Jo 20:31); isto é a pregação da divindade Jesus Cristo é
o objetivo do Evangelho todo.
“...o Santo, que de Ti há de nascer, será chamado Filho de Deus” (Lc 1:35) — o Arcanjo
Gabriel dirigindo-se à Virgem Maria.
No batismo do Salvador essas palavras foram ouvidas “Este é meu Filho amado...” a
mesma coisa foi repetida na transfiguração do Senhor (Mt 3:17, 17:5).
Simão confessou: “Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo” (Mt 16:16), e essa confissão ser-
viu para a promessa que a Igreja de Cristo seria construída sob a pedra dessa confissão.
O próprio Senhor Jesus Cristo testificou que Ele é o Filho de Deus Pai: “Todas as coisas
me foram entregues por meu Pai: e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o
Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11:27). Aqui Cristo fala de si
próprio como o único Filho do único Deus Pai.
De maneira que as palavras, “O Filho de Deus” não venham a ser entendidas num sentido
metafórico ou condicional, a Sagrada Família junta a elas a expressão, “unigênito” — isto é o
Único gerado do Pai; “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós e vimos a sua glória, como a
glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1:14, 1:18).
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
aquele que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna” (Jo 3:16).
Da mesma forma a Sagrada Escritura usa a palavra “verdadeiro,” chamando Cristo o
Verdadeiro Filho do Verdadeiro Deus: “E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu en-
tendimento para conhecermos o que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu
Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (1 Jo 5:25).

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Similarmente, as palavras “próprio Filho” : “Ele que nem mesmo a seu próprio Filho (em
grego, idion) poupou, antes o entregou por todos nós, como não nos dará também com ele em
toda as coisas?” (Ro 8:32).
O Filho Unigênito de Deus é o Deus verdadeiro mesmo enquanto em carne humana:
“Dos quais (Isto é, os israelitas) são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre
todos, Deus bendito eternamente: Amem” (Ro 9:5).
Assim, a divindade completa permanece na forma humana de Cristo: “Porque Nele habita
corporalmente toda a plenitude da divindade” (Col 2:9).
O primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia foi convocado para a confirmação dessa ver-
dade na clara consciência de todos os Cristãos, como a base da Fé Cristã, e para esse propósito
ele compôs o Símbolo da Fé (o Credo) da Igreja Ecumênica.

A natureza humana do Senhor Jesus Cristo.


Sendo Deus perfeito, Cristo o Salvador é ao mesmo tempo também homem perfeito
Como homem, Cristo nasceu quando para Maria, Sua mãe; “se cumpriram os dias em que
ela havia de dar a luz” (Lc 2:6). Ele gradualmente “crescia e se fortalecia em espírito” (Lc 2:40).
Como Filho de Maria, Ele: “era sujeito a ela e a seu esposo” (Lc 2 :51). Como homem, Ele foi
batizado por João no Jordão: Ele foi pelas cidades e vilas com a pregação da salvação; nenhuma
vez antes de Sua Ressurreição Ele encontrou necessidade de provar Sua humanidade a ninguém.
Ele experimentou fome e sede, a necessidade de descanso e de sono, e Ele sofreu dolorosos sen-
timentos e sofrimentos físicos.
Vivendo a vida física natural de um homem, o Senhor também viveu a Cida da alma co-
mo homem. Ele fortificou Seus poderes espirituais com o jejum e oração. Ele expressou senti-
mentos humanos: alegria, raiva, tristeza; Ele os expressou exteriormente: “Ele turbou-se em espí-
rito” (Jo 13:21), mostrou insatisfação, derramou lágrimas por exemplo, na morte de Lázaro. Os
Evangelistas revelam-nos uma forte batalha no Jardim de Getsemani na noite antes de ser preso
pela guarda: “minha alma está cheia de tristeza até a morte” (Mt 26:38). — Assim Senhor des-
creve o estado de sua alma a Seus discípulos.
A racional e consciente vontade humana de Jesus Cristo, sem falha colocou todos os es-
forços humanos em submissão à vontade divina. Uma surpreendente e evidente imagem disso é
dada na Paixão do Senhor, que começou no Jardim de Getsemani: “Meu Pai, se é possível passe
de mim esse cálice; toda via, não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mt 26:39). “Não se
faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22:42).
A respeito da verdade da natureza humana completa do Salvador, os Santos Padres da
Igreja falam assim: “Se a natureza que Ele recebeu não tivesse uma mente humana, então quem
teria entrado em batalha com o diabo teria sido o próprio Deus; e então teria sido Deus quem te-
ria tido a vitória. Mas se Deus tivesse sido o vitorioso, então eu que de todo não participei dessa
vitória, não receberia nenhum, não receberia nenhum benefício me gabando de um troféu de al-
guém outro” (São Cirilo de Alexandria). “Se o homem vindo fosse uma visão então a salvação
seria um sonho” (São Cirilo de Jerusalém). Outros Santos Padres se expressam similarmente.

Os erros a respeito das duas naturezas de Jesus Cristo.


A Igreja sempre guardou estritamente o ensinamento correto das duas naturezas do Se-
nhor Jesus Cristo, vendo nisso uma condição indispensável da fé, sem a qual a salvação é impos-
sível.

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Os erros a respeito desse ensinamento tem sido vários, mas eles podem ser reduzidos a
dois grupos: num, nós vemos a negação ou diminuição da Divindade de Jesus Cristo, em outro
nós vemos a negação ou diminuição de Sua Humanidade.
A. Como já foi mencionado no capítulo da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o
espírito da descrença dos judeus na Divindade de Cristo, a negação da sua Divindade, refletiu-se
na era Apostólica na heresia de Ebion, de quem esses heréticos receberam o nome de Ebionistas.
Um ensinamento similar foi espalhado no século terceiro por Paulo de Samosata, que foi denun-
ciado por dois Concílios de Antioquia. Ligeiramente diferente foi o falso ensinamento de Arius e
das várias correntes Arianas no século quarto. Eles ensinaram que Cristo não era um simples
homem, mas o Filho de Deus, criado e não gerado, e o mais perfeito de todos os espíritos cria-
dos. A heresia de Arius foi condenada no Primeiro Concílio Ecumênico em 325, e o Arianismo
foi refutado em detalhe pelos mais renomados Padres da Igreja durante o curso dos quarto e
quinto séculos.
No século quinto levantou-se a heresia de Teodoro de Mopsuestia, que foi apoiada por
Nestório, Arcebispo de Constantinopla. Eles reconheciam ser o Senhor Jesus Cristo o único
“portador” do principio divino, e assim eles atribuíam a Santíssima Virgem Maria o título de C-
hristotokos (Paridora de Cristo), mas não de Theotokos (Paridora de Deus). De acordo com Nes-
tório, Jesus Cristo unia em si duas naturezas e duas pessoas diferentes, divina e humana, que to-
cavam uma na outra mas eram separadas; e após seu nascimento, Ele era homem, mas não Deus.
São Cirico de Alexandria apresentou-se como o principal acusador de Nestório. O Nestorianismo
foi acusado e condenado pelo Terceiro Concílio Ecumênico (431).
B. O outro grupo errou ao negar ou diminuir a humanidade de Jesus Cristo. Os primeiros
heréticos nesse tipo foram os Docetidas, que entendiam serem a carne e a matéria um princípio
maligno ao qual Deus não podia se juntar. Por isso eles consideravam que a carne de Cristo era
tão somente pretensa ou “parecida” (grego dokeo, “parecer”).
No tempo dos Concílios Ecumênicos. Apolinário, Bispo de Laodicéia, ensinava erronea-
mente a respeito da humanidade do Salvador. Apesar de reconhecer a realidade da Encarnação
do Filho de Deus em Jesus Cristo, ele afirmava que Sua humanidade era incompleta. Afirmando
a composição tripartite da natureza humana, ele ensinava que Cristo tinha uma alma e um corpo
humanos, mas que Seu espírito (ou “mente”) não era humano mas divino e que esse espírito fazia
parte da Divina natureza do Salvador, que O abandonou na hora de Seus sofrimentos na Cruz.
Refutando essas opiniões, os Santos Padres explicaram que é o livre espírito humano que
contem a essência básica do homem, É isso que possuindo liberdade, estava sujeito a queda e
sendo derrotado, estava necessitado de salvação. Assim, o Salvador para restaurar o homem de-
caído, ele próprio possuiu não só a parte mais baixa mas também a parte mais alta da alma hu-
mana.
No século quinto houve outra heresia que diminuiu a humanidade de Cristo: a dos Mono-
fisitas: ela surgiu entre os monges de Alexandria e foi o oposto e uma reação contra o Nestoria-
nismo, que havia diminuído a natureza divina do Salvador. Os Monofisitas consideravam que em
Jesus Cristo, o princípio da carne tinha sido engolido pelo princípio do espírito, o humano pelo
divino, e por isso eles reconheciam em Cristo uma só natureza. O Monofisismo também chama-
do de heresia de Eutiques, foi rejeitado pelo Quarto Concílio Ecumênico, o de Calcedônia (451).
Uma resultante da heresia rejeitada dos Monofisitas foi o ensinamento dos Monotelistas
(do grego thelima, “desejo” ou “vontade”), que apresentava a idéia de que em Cristo exista uma
só vontade. Partindo do receio de reconhecer uma vontade humana em Cristo, o que permitiria a
idéia de duas pessoas Nele, os Monotelistas reconheciam só a vontade divina em Cristo. Mas

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como os padres da Igreja explicaram esse ensinamento abolia todo o trabalho para a salvação da
humanidade feito por Cristo, já que esse trabalho teria consistido na livre sujeição da vontade
humana para a vontade divina: “Não se faça a minha vontade, mas a tua,” o Senhor orou. Esse
erro foi rejeitado pelo Sexto Concílio Ecumênico (681).
Esses dois tipos de erros, que morreram na história da Igreja antiga, continua a achar re-
fúgio para si parcialmente de forma escondida mas em parte abertamente no Protestantismo dos
últimos séculos. O protestantismo, então, em larga extensão recusa-se a reconhecer os decretos
dogmáticos dos Concílios Ecumênicos.

As duas naturezas em Jesus Cristo.


Em três Concílios Ecumênicos — o Terceiro (de Éfeso, contra Nestório), o Quarto (da
Calcedônia, contra Eutiques), e o Sexto (o terceiro de Constantinopla, contra os Monotelistas) —
a Igreja revelou o dogma da hipóstase do Senhor Jesus Cristo em duas naturezas, divina e huma-
na, e com duas vontades, a vontade Divina e a vontade humana, que estava inteiramente em su-
jeição à primeira.
O Terceiro Concílio Ecumênico, o de Éfeso em 431, aprovou a exposição de Fé de São
Cirilo de Alexandria, a respeito no fato que “a Divindade e Humanidade compuseram uma única
Hipóstase do Senhor Jesus Cristo, por meio de uma indizível e inexplicável união dessas duas
distintas naturezas em uma.”
O Quarto Concílio Ecumênico, o de Calcedônia em 451, pondo fim ao Monofisismo,
formulou precisamente a maneira da união das duas naturezas na única pessoa do Senhor Jesus
Cristo, reconhecendo ser a essência dessa união mística e inexplicável. A definição do Concílio
de Calcedônia, é lido assim:
“Seguindo os Santos Padres nós ensinamos em uma voz que o Filho e Nosso Senhor Je-
sus Cristo é para ser confessado com uma e a mesma Pessoa, que Ele é perfeito em divindade e
perfeito em humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, com razoável alma e corpo (hu-
manos), um em Essência com o Pai no tocante à Sua Divindade, e um em essência conosco no
tocante à sua humanidade; feito em todas as coisas como nós, exceção feita soa ao pecado, gera-
do de Seus Pai antes do mundo segundo Sua Divindade, mas nos últimos dias por nós homens e
para nossa salvação nascido da Virgem Maria a Theotokos, de acordo com Sua humanidade. Es-
se um e o mesmo Jesus Cristo, o Filho Unigênito, deve ser confessado ser em duas naturezas,
sem confusão, imutavelmente, indivisivelmente, inseparavelmente, ... não separado e dividido
em duas pessoas, mas um e o mesmo Filho e unigênito Deus o Verbo, Nosso Senhor Jesus Cris-
to, como os profetas dos tempos antigos falaram a respeito Dele, e como o Senhor Jesus Cristo
nos ensinou, e como o Credo dos Padres nos entregou” (Eerddmans, Seven Ecumenical Coun-
cils, p. 264-285).
A maneira dessa união das naturezas é expressa na definição de Calcedônia nas palavras:
“sem confusão e imutavelmente.” As pessoas divina e humana em Cristo não se misturam e não
são convertidas uma na outra.
“Indivisivelmente, inseparavelmente.” As duas naturezas estão unidas para sempre, não
formando duas pessoas que estão só moralmente unidas como Nestório pensou. Elas são insepa-
ráveis desde o momento da concepção (isto é, o homem não foi formado primeiro, e então Deus
foi unido a ele; mas Deus o Verbo, descendo no ventre da Virgem Maria formou uma carne hu-
mana viva para si próprio). Essas naturezas também eram inseparáveis na hora dos sofrimentos
do Salvador na cruz, no momento da morte, na Ressurreição e depois da Ascensão, e pelos sécu-

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los dos séculos. Em sua carne deificada o Senhor Jesus Cristo virá também na Sua Segunda Vin-
da.
Finalmente, o Sexto Concílio Ecumênico, no ano 681 (o terceiro em Constantinopla), de-
cretou que devem ser confessadas duas naturezas em Cristo e duas operações: “Duas vontades
naturais não contrária uma à outra... Mas Sua vontade humana seguirá sem que seja resistindo e
relutante mas ao invés sujeita à Sua Divina e onipotente vontade” (Da “Definition of Faith do
Sexto Concílio Ecumênico,” Eerdermans, Seven Ecumenical Councils, p 345).
A natureza humana — ou, na terminologia dos Santos Padres, a “carne do Senhor” —
unida com a divindade, foi enriquecida pelos poderes divinos sem perder nada dos seus atributos
próprios,e tornou-se participante da dignidade divina mas não da natureza divina. A carne, sendo
deificada, não foi destruída, “mas continuou em seu próprio estado e natureza,” como o Sexto
Concílio Ecumênico expressou (obra citada acima).
Correspondendo a isso, a vontade humana em Cristo não foi mudada para a vontade divi-
na e não foi destruída mas permaneceu completa e operativa. O Senhor sujeitou-a completamente
à vontade divina, que Nele é uma com a vontade do Pai: “Eu desci do céu, não para fazer a mi-
nha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 6:38).
Em sua Exact Exposition of the Ortodox Faith, São João Damasceno fala-nos da união
das duas naturezas na pessoa do Senhor Jesus Cristo: “Assim como nós confessamos que a en-
carnação foi feita sem transformação ou mudança, assim também nós mantemos que a deificação
da carne foi feita. Pois o Verbo nem ultrapassou os limites de Sua própria Divindade nem as di-
vinas prerrogativas a ela pertencentes porque Ele foi feito carne, e quando a carne foi feita Divi-
na ela certamente não mudou sua própria natureza ou suas propriedades naturais. Mesmo depois
da união das naturezas, permaneceram não misturadas e suas propriedades intactas. Mais ainda,
por razão de sua não misturada união com o Verbo, isto é, sua união hipostática, a carne do Se-
nhor foi enriquecida com operações divinas mas de modo algum sofreu qualquer enfraquecimen-
to de suas propriedades naturais. Porque não é por suas próprias operações que a carne faz obras
divinas, mas pelo Verbo unido a ela e através dela o Verbo mostra suas próprias operações. As-
sim, o aço que foi aquecido queima, não porque naturalmente adquiriu poder de queimar, mas
porque ele adquiriu esse poder de sua união com o fogo” (Extract Exposition, 3, 17; tradução in-
glesa, p. 316-317).
A respeito da maneira da união das duas naturezas em Cristo, deve-se sem dúvida ter em
mente que os Concílios e os Padres da Igreja tinham somente um objetivo: defender a fé dos er-
ros dos heréticos. Eles não tentaram revelar inteiramente a verdadeira essência dessa união, isto
é, a mística transformação da natureza humana em Cristo, a respeito da qual nós confessamos
que em Sua carne humana Cristo senta à direita de Deus Pai, que em carne Ele virá em glória
para julgar o mundo, e o Seu reino não terá fim, e que fiéis recebem comunhão de Seus vivifi-
cantes Carne e Sangue em todo tempo através do mundo todo.

A natureza humana sem pecado de Jesus Cristo.


O Quinto Concílio Ecumênico condenou o falso ensinamento de Teodoro de Mopsuestia,
que estabelecia que o Senhor Jesus não foi privado das tentações internas e da batalha com as
paixões. Se o Verbo de Deus diz que o Filho de Deus: “em semelhança da carne do pecado” (Ro
8:3), está então expressando a idéia que nessa carne era a verdadeira carne humana, mas não a
carne humana pecaminosa; ao invés, era completamente pura de todo pecado e corrupção, tanto
do pecado ancestral quanto do pecado voluntário. Em sua vida terrena o Senhor estava livre de

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qualquer desejo pecaminoso, de toda tentação interior; pois nele a natureza humana não existe
separadamente, mas é unida hipostaticamente à divindade.

A unidade da hipóstase de Cristo

Com a unidade em Cristo o Deus — homem de duas naturezas, permanece Nele em uma
pessoa, uma personalidade, uma hipóstase. É importante saber isso porque em geral unidade da
personalidade na confissão de fé do Concílio de Calcedônia lemos: “Não separamos ou dividi-
mos em duas pessoas, mas um e o mesmo Filho, e Unigênito Deus, o Verbo ....” A hipóstase di-
vina é inseparável em uma única hipóstase do Verbo. Essa verdade é expressa no primeiro capí-
tulo do Evangelho de São João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Ver-
bo era Deus;” e adiante: “e o verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1:1,14). Nessa parte, em
algumas passagens da Sagrada Escritura atributos humanos são indicados como pertencentes a
Cristo como Deus, e atributos divinos são indicados como pertencendo ao mesmo Cristo como
homem. Assim, por exemplo, em (1 Co 2:8) é dito: “porque se a conhecessem, nunca crucificari-
am ao Senhor da glória.” Aqui o Senhor da Glória — Deus — é chamado de crucificado, pois o
“Rei da Glória” é Deus, como lemos no (Sl 24:60: “Quem é este Rei da Glória? O Senhor dos
Exércitos, ele é o Rei da Glória?” A verdade unânime das hipóstases de Cristo como hipóstase
divina é explicada por São João Damasceno na Exact Exposition of the Orthodox faith (Livro 3,
cap 7 e 8).

A adoração una de Cristo.


Ao Senhor Jesus Cristo como a uma pessoa, ao Deus-homem é adequado dar-se uma úni-
ca e inseparável adoração, tanto de acordo com a divindade quanto de acordo com a humanidade,
precisamente porque ambas as naturezas são inseparavelmente unidos Nele. O decreto dos Pa-
dres no Quinto Concílio Ecumênico (o Nono Cânon Contra os Heréticos) diz: Se alguém usar a
expressão, Cristo deve ser adorado em Suas duas naturezas, elas, no sentido de introduzir então
duas adorações, uma em relação especial com Deus o Verbo e a outra como pertencente ao ho-
mem... e não venera, por uma adoração, Deus o Verbo feito homem, junto com sua carne, como
a Santa Igreja ensinou desde o início, que Ele seja anátema” Eedermans, Seven Ecumenical
Councils, p 314).

Sobre o culto latino do “Coração de Jesus.”


Em ligação com esse decreto do Concílio pode ser visto quão fora de harmonia uma prá-
tica da Igreja é o culto do “Sagrado Coração de Jesus” que foi introduzido na Igreja Católica
Romana. Apesar do acima citado decreto do Quinto Concílio Ecumênico tocar apenas na adora-
ção separada da divindade e humanidade do Salvador, ele ainda que indiretamente nos informa
que em geral a veneração e adoração de Cristo deve ser dirigida a Ele como um todo e não a par-
tes do Seu Ser; ela deve ser uma. Mesmo que por “coração” nós pudéssemos entender o próprio
amor do Salvador, nunca nem no Velho Testamento ou no Novo existiu o costume de adorar se-
paradamente o amor de Cristo, ou Sua sabedoria, seu poder criativo ou providencial, ou Sua San-
tidade. Mais ainda pode-se dizer isso à respeito às partes de Sua natureza corporal. Há algo de
não natural na separação do coração da natureza corpórea no geral do Senhor para o propósito de
oração, contrição e adoração diante Dele. Mesmo nas relações normais da vida, não importa

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quanto um ser humano possa ser ligado a outro — por exemplo, uma mãe a uma criança — ele
nunca vai se referir à tal pessoa como um todo.

Dogmas à respeito da Santíssima Virgem Maria.


Dois dogmas à respeito da Mãe de Deus estão ligados, de maneira próxima, com o dogma de
Deus o Verbo torna-se homem. Eles são: a) Sua perene virgindade, e B0 Seu nome de Theoto-
kos. Eles procedem imediatamente do dogma da unidade da hipóstase do Senhor do momento de
Sua Encarnação — a divina hipóstase.

A. A Perene Virgindade da Theokotos.


O nascimento do Senhor Jesus Cristo de uma Virgem é testificado direta e deliberada-
mente por dois Evangelistas, Mateus e Lucas. Esse dogma foi incluído no Símbolo da Fé do Pri-
meiro Concílio Ecumênico, onde se lê: “Que por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos
céus. E encarnou pelo Espírito Santo no seio de Maria Virgem e Se fez homem.” A Perene Vir-
gindade da Mãe de Deus é testificada por suas próprias palavras, levadas ao Evangelho onde ela
expressa a consciência da incomensurável majestade e elevação de Sua escolha: “Minha alma
engrandece o Senhor... pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada
... Porque me fez grandes coisas o Poderoso: e santo é o Seu nome” (Lc 1:46-49).
A Santíssima Virgem Maria preservou em sua memória e em seu coração tanto o anúncio
do Arcanjo Gabriel e as inspiradas palavras da Justa Isabel quando foi visitada por Maria: “E
donde me provem isto a mim, que venha visitar-me a Mãe do meu Senhor?” (Lc 1:43); tanto a
profecia do justo Simeão no encontro da criança Jesus no Templo, e a profecia da justa Ana no
mesmo dia (Lc 2:25-38). Em conexão com o relato dos pastores de Belém a respeito das palavras
dos anjos para eles,e do canto dos anjos, o Evangelista acrescenta: “Mas Maria guardava todas
estas coisas, conferindo-as em seu coração” (Lc 2:19). O mesmo Evangelista, tendo contado a
conversa da Divina Mãe com o Jesus de doze anos depois da visita deles na festa de Páscoa, ter-
mina seu relato com as palavras: “E sua mãe guardava no seu coração todas essas coisas” (Lc
2:51). Os Evangelistas mencionarem os “irmãos e irmãs de Jesus,” eles são refutados pelos se-
guintes fatos dos Evangelhos:
a) Nos Evangelhos são citados quatro “irmãos” (Tiago, José, Simão e Judas), e existem
também mencionadas as “irmãs” de Jesus — não menos que três, como é evidente nas palavras
“E não estão entre nós todas as suas irmãs” (Mt. 13:56).
b) De outro lado, no relato da viagem a Jerusalém do menino de doze anos Jesus, onde há
menção a “parentes e conhecidos” (Lc 2:44) no meio de quem estavam procurando Jesus, e é
também mencionado que Maria e José todo ano viajavam na longínqua Galiléa até Jerusalém,
não há razão para pensar que lá estavam presentes outras crianças mais jovens com Maria; e foi
assim que os primeiros doze anos da vida terrena do Senhor passaram.
c) Quando, cerca de vinte anos depois da viagem acima mencionada, Maria estava ao la-
do da cruz do Senhor, ela estava sozinha, e ela foi confiada por seu Divino Filho para seu discí-
pulo João; e “desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19:27). Evidentemente,
como também acreditamos os antigos cristãos, os Evangelistas falavam de “meios” irmãos e ir-
mãs ou de primos. (A tradição Ortodoxa geralmente aceita é que os “irmãos” e “irmãs” do Se-
nhor são as crianças de José de um casamento prévio, ver Arcebispo João Maximovitch, The Or-

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thodox Veneration of the mother of God, St. Herman Brotherhood, Platina, Califórnia, 1978, pg
24).

B. A Santíssima Virgem Maria é Theotokos.


O dogma do Filho de Deus tornar-se homem é intimamente ligado a denominação da
Santíssima Virgem Maria como Theotokos (Parideira de Deus). Por esse nome a Igreja confirma
sua fé que Deus o Verbo tornou-se homem verdadeiramente e não meramente em aparência; a fé
que, na pessoa do Senhor Jesus Cristo, Deus juntou-se ao homem desde o primeiro instante de
Sua concepção no ventre da Virgem Maria, e que ele sendo perfeitamente homem, é também
perfeitamente Deus.
Ao mesmo tempo o nome de Theotokos é o mais elevado nome que exalta ou glorifica a
Virgem Maria.
O nome “Theotokos” tem uma base direta na Sagrada Escritura. O Apóstolo Paulo escre-
ve: a) “Mas vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu filho, nascido de mulher” (Gás 4:4).
Aqui está expressa a verdade que uma mulher deu á luz o Filho de Deus, b) “Deus se manifestou
em carne” (1 Tm 3:16); a carne foi preparada par Deus o Verbo pela Santíssima Virgem Maria.
No encontro da Virgem Maria, após a Anunciação, com a justa Isabel, “Isabel foi cheia
do Espírito Santo, e exclamou com grande voz, e disse: Bendita tu entre as mulheres e bendito o
fruto de teu ventre. E donde me provem isso a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?
Bem Aventurada a que creu, pois hão de cumprir-se as coisas que da parte do Senhor lhe foram
ditas” (Lc 1:41:44). Assim Isabel, estando cheia de com o Espírito Santo, chama Maria, a Mãe
do Senhor, o Deus do Céu; é precisamente o Deus do Céu que ela está chamando de “Senhor,”
como está claro pelas suas palavras seguintes: “a que creu... as coisas que da parte do Senhor lhe
foram ditas” — o Senhor Deus.
A respeito do nascimento de Deus de uma virgem o Velho Testamento fala: O Profeta
Ezequiel escreve de sua visão: “E disse-me o Senhor: Esta porta estará fechada, não se abrirá;
ninguém entrará por ela, porque o Senhor Deus de Israel entrou por ela: por isso estará fechada”
(Ez 44:2).
O Profeta Isaias profetiza: “Eis que vossa viagem conceberá, e Dara a luz um filho, e será
o seu nome Emanuel (Deus está conosco)...Porque (** ** **) menino nos nasceu, um filho se
nos deu; e o principado estará sobre seus ombros. E o seu nome será: maravilhoso, Conselheiro,
Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Isaias 7:14 e 9:6).
Nos primeiro séculos da Igreja de Cristo a verdade de Deus o Verbo ter-se tornado ho-
mem e seu nascimento da Virgem Maria era a fé católica. Por isso, os Padres Apostólicos ex-
pressavam-se assim: “Nosso Senhor Jesus estava no ventre de Maria”; “Deus tomou carne da
Virgem Maria” (Santo Inácio o Portador de Deus, Santo Irineu). Exatamente as mesmas expres-
sões foram usadas por São Dionísio e Santo Alexandre de Alexandria (3º e 4º séculos). Os padres
do quarto século, Santo Atanásio, Efrém da Síria, Cirilo de Jerusalém e Gregório de Nissa, cha-
maram a Santíssima Virgem de Theotokos.
No quinto século, por conta da heresia de Nestório, a Igreja triunfante confessou ser a
Santíssima Virgem Maria a Mãe de Deus no Terceiro Concílio Ecumênico, aceitando e confir-
mando as seguintes palavras de São Cirilo de Alexandria: “Se alguém não confessar que o Ema-
nuel é verdadeiro Deus, e que daí a Santíssima Virgem é Theotokos, porquanto na carne ela car-
regou o Verbo de Deus que se fez carne: que esse alguém seja anátema” (Eerdmans Seven Ecu-
menical Councils, p. 206).

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O Bem Aventurado Teodoreto também que previamente esteve em bons termos com Nes-
tório, quando mais tarde condenou a teimosia na heresia deste escreveu: “O primeiro estágio nes-
se novo ensinamento de Nestório era de opinião que a Santíssima Virgem, de quem Deus o Ver-
bo tomou carne e nasceu na carne, não deveria ser reconhecida como Theodokos mas somente
como Cristotokos; considerando-se que no entanto, os antigos e mais antigos proclamadores da
verdadeira Fé, de acordo com a tradição apostólica ensinaram que a Mãe do Senhor deveria ser
chamada e confessada ser a Theodokos.”

O Dogma Católico Romano da Imaculada Conceição.


O dogma da Imaculada Conceição foi proclamado por uma Bula do Papa Pio IX em
1854. A definição desse dogma diz que a Santíssima Virgem Maria no momento de sua concep-
ção estava limpa de pecado ancestral. Em essênio é uma dedução direta do ensinamento romano
sobre o pecado original. De acordo com o ensinamento romano, o peso do pecado de nosso pri-
meiro ancestral consiste na remoção da humanidade de um dom sobrenatural de graça. Mas aí
surge uma questão teológica: se a humanidade foi privada do dom da graça, então como se pode
entender as palavras do Arcanjo Gabriel endereçadas a Maria; “Rejubila, tu que és cheia de gra-
ça, o Senhor está contigo. Bendita és tu entre as mulheres... Tu que achaste graça com Deus”? Só
se poderia concluir que a Santíssima Virgem Maria teria sido removida da lei geral de “privação
da graça” e da culpa do pecado de Adão. E desde que sua vida foi santa desde o nascimento,
consequentemente ela recebeu, na forma de exceção um dom sobrenatural, uma graça de santi-
dade, mesmo antes do nascimento, isto é, na sua concepção. Tal dedução foi feita pelos teólogos
latinos. Eles chamaram essa remoção de um “privilégio” da Mãe de Deus. Deve-se notar que a
aceitação desse dogma foi no ocidente por um longo período de disputa teológica, que durou do
século doze, quando esse ensinamento apareceu, até o século dezessete, quando ele foi espalhado
pelos jesuítas no mundo católico-romano (para mais informações sobre a Imaculada conceição,
ver Arcebispo João, The Orthodoz Veneration or the Mother of God, p 35-47).
Em 1950, o assim chamado Ano do Jubileu, o Papa romano Pio XII triunfante proclamou
um segundo dogma, o Dogma da Assunção da Mãe de Deus com seu corpo para o céu. Dogmati-
camente esse ensinamento foi deduzido na teologia romana do Dogma romano da Imaculada
Conceição e é um desenvolvimento lógico decorrente do ensinamento romano do pecado origi-
nal. Se a Mãe de Deus morresse, então, na visão dos teólogos romanos, ela teria aceitado a morte
voluntariamente, como para emular seu Filho: mas a morte não teria domínio sobre ela.
A declaração de ambos dogmas corresponde a teoria romana de “desenvolvimento de
dogmas.” A Igreja Ortodoxa não aceita o sistema latinos de argumentos a respeito do pecado ori-
ginal. Particularmente, a Igreja Ortodoxa, confessando a pessoal e perfeita imaculabilidade e a
perfeita santidade da Mãe de Deus, a quem o Senhor Jesus Cristo por Seu nascimento através
dela dez com ela fosse mais venerável que os Querubins e incomparavelmente mais gloriosa que
os Serafins — não viu e não vê nenhuma base para o estabelecimento do dogma da Imaculada
Conceição no sentido da interpretação Católica Romana, apesar de venerar a concepção da Mãe
de Deus, assim como venera também a concepção do Santo Profeta e Precursor João.
De um lado, vemos que Deus não privou a humanidade, mesmo depois da queda, de Sua
graça doadora de dons, como por exemplo as palavras do Salmo 51 indicam: “Não retires de
mim o teu Espírito Santo... sustém-me com um Espírito Voluntário...” ou nas palavras do Salmo
71: “Por ti tenho sido sustentado desde o ventre; das entranhas da minha mãe tu me tiraste.”
De outro lado, de acordo com o ensinamento na Sagrada Escritura, em Adão toda a hu-
manidade provou o fruto proibido. Só Deus-homem Cristo começa consigo a nova humanidade,

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libertada por Ele do pecado de Adão. Por isso, Ele é chamado de “o primogênito de muitos ir-
mãos” (Ro 8:29), isto é: o primeiro da nova raça humana; Ele é o “novo Adão.” A Santíssima
Virgem Maria nasceu sujeita ao pecado de Adão junto com toda a humanidade, e com ela parti-
lhou da necessidade de redenção (Epístola aos Patriarcas Orientais, parágrafo 6). A pura e imacu-
lada vida da Virgem Maria até a Anunciação pelo Arcanjo, sua liberdade de pecados pessoais,
foi o fruto da união de seu trabalho espiritual sobre si própria e a abundância de graça que foi
derramada sobre ela. “Tu achaste graça diante de Deus,” o Arcanjo disse a ela ao saúda-la: “tu
achaste,” isto é, obtiveste, adquiriste, mereceste, a Santíssima Virgem Maria foi preparada pela
melhor parte da humanidade como um vaso digno para a descida de Deus o Verbo para a terra. A
vinda do Espírito Santo (“Descerá sobre ti o Espírito Santo”) santificou totalmente o ventre da
Virgem Maria para a recepção de Deus o verbo.
Deve-se saber que o princípio de um “privilégio” preliminar é alguma coisa que não tem
harmonia com os conceitos cristãos, pois “para com Deus, não há acepção de pessoas” (Ro 2:11).
Para a tradição a respeito a assunção do corpo da Mãe de Deus: a crença na assunção de
seu corpo depois de seu sepultamento existe na Igreja Ortodoxa. Ela é expressa no conteúdo do
Ofício para a Festa da Dormição da Mãe de Deus, e também na Confissão do Concílio de Jerusa-
lém dos Patriarcas Ortodoxos em 1672. São João Damasceno em sua segunda homilia sobre a
Dormição relata que uma vez a Imperatriz Pulquéria (5º século), que tinha construído uma Igreja
em Constantinopla, pediu ao Patriarca de Jerusalém Juvenalius, um dos participantes do Concílio
de Calcedônia, relíquias da Santíssima Virgem Maria, para colocar na Igreja, Juvenalius respon-
deu que, de acordo com a antiga tradição, o corpo da Mãe de Deus tinha sido levado para o céu,
e ele juntou a essa resposta o bem conhecido relato de como os Apóstolos tinham sido reunidos
de modo milagroso para o sepultamento da Mãe de Deus, como depois da chegada dos Apóstolo
Tomás seu túmulo havia sido aberto e seu corpo não estava lá, e como foi revelado aos Apósto-
los que seu corpo havia subido ao céu . Testemunhos escritos da Igreja sobre esse assunto datam
em geral de um período relativamente tardio (não antes do século IV), e a Igreja Ortodoxa, com
todo o respeito por esses escritos, não atribui a eles o significado de uma fonte dogmática. A I-
greja, aceitando a tradição da Ascensão do corpo da Mãe de Deus, não encarou e não encara essa
pia tradição como uma das verdades fundamentais ou dogmas da Fé Cristã.

O culto do “Imaculado Coração” da Santíssima Virgem.


De modo similar à veneração do “Sagrado Coração” de Jesus, foi estabelecido pela Igreja
Romana do “Imaculado Coração da Santíssima Virgem,” que recebeu uma disseminação univer-
sal. Em essência pode-se dizer dele a mesma coisa que foi dita sobre a veneração do coração de
Jesus.

O dogma da Redenção.

O Cordeiro de Deus.
O dogma da salvação em Cristo é o dogma central do Cristianismo, o coração de nossa fé
Cristã. O Senhor Jesus Cristo é o Redentor e Salvador da raça humana. Toda a historia da huma-
nidade precedente à Encarnação do Filho de Deus, na clara imagem dada tanto no Velho quanto
no Novo Testamento, é uma preparação para a vinda do Salvador. Toda história seguinte da hu-
manidade, depois da Ressurreição e Ascensão do Senhor, e a atualização da salvação que foi
cumprida: a recepção e assimilação dela pelos fiéis. A culminação do grande trabalho de salva-

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ção é ligado com o fim do mundo. A cruz e a ressurreição de Cristo está no verdadeiro centro da
história humana.
Nem descrições, nem enumerações podem descrever em majestade, fôlego, poder e signi-
ficado o ministério terreno de Cristo; não há medida possível para a riqueza do amor de Cristo,
manifestado em sua misericórdia pelos caídos e pelos pecadores pelos milagres, pelas curas e
finalmente, sua inocente morte sacrificial, com orações pelos Seus crucificadores. Cristo tomou
sobre si os pecados do mundo inteiro; Ele recebeu em Si próprio a culpa de todos os homens. Ele
é o cordeiro sacrificado pelo mundo. Somos nós capazes de abarcar em nossos pensamentos e
expressar de maneira usual, e com as concepções e palavras do dia a dia toda economia da nossa
salvação? Nós não temos palavras para os mistérios celestes.
Nós fiéis, falando das coisas que pertencem a Deus, tocamos num mistério inefável, a
Crucificação, que a mente não pode compreender, e a Ressurreição que está além de descrição:
pois hoje a morte e o inferno são despojados, enquanto a humanidade é vestida com incorrupção
(Sedalion depois do segundo katisma, Matinas de Domingo, Tom 3).
No entanto, como vemos nos escritos dos Apóstolos, a verdade da Salvação, a verdade
desse mistério, era para os Apóstolos inteiramente clara e sem nenhuma dúvida e abarcadora.
Sobre ela eles baseavam todas as suas instruções por meia dela eles explicavam eventos na vida
da humanidade, eles a colocavam como base da vida da Igreja e o futuro do mundo todo. Eles
constantemente proclamavam a boa nova da Salvação nas mais variadas expressões, sem expli-
cações detalhadas, e como uma verdade auto-evidente eles escreviam: “Cristo nos salvou,” “ Vós
fostes redimidos da maldição da lei,” “Cristo nos justificou,” “Vós fostes comprados a um preço
alto”; Cristo “cobriu nossos pecados”; Ele é o “propiciador por nossos pecados”; por Ele nós fo-
mos “reconciliados com Deus”; Ele é “o único Sumo Sacerdote”; “Ele virou a sentença escrita
contra nós e pregou-a na Cruz.” “Ele assumiu a nossa maldição”; nós temos paz com Deus “pela
morte de Seu Filho,” nós fomos “santificados pelo Seu sangue,” nós fomos “ressurretos junto
com Cristo.” Em tais expressões, escolhidas ao acaso, os Apóstolos continham uma verdade que
em sua verdadeira essência ultrapassa a compreensão humana, mas que era clara para os Apósto-
los em seu significado e em sub conseqüência de um modo simples e acessível essa verdade pe-
netrou dos lábios dos Apóstolos no coração dos fiéis, de para que esses todos pudessem conhecer
o que é: “a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou
por Jesus Cristo” (Ef 3:9). Vamos, então, examinar o ensinamento dos Apóstolos.
Na pregação dos Apóstolos, especialmente digno de atenção é o fato que eles nos ensi-
nam a distinguir entre a verdade da salvação da humanidade como um todo, que já foi realizada,
e outra verdade — a necessidade de uma recepção pessoal e assimilação do dom de salvação da
parte de cada fiel, e o fato que essa salvação depende de cada um por si próprio. “Porque pela
graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, e dom de Deus,” escreve o Apóstolo
Paulo (Ef 2:8); mas ele também ensina, “operai a vossa salvação com temor e tremor” (Fi 2:12).
A salvação do homem consiste na aquisição da vida eterna em Deus, no Reino do Céu.
“Mas nenhum fornicador, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de
Cristo e de Deus” (Ef. 5:5; Ap 21:27). Deus é Luz, e não há trevas Nele, e aqueles que entram no
Reino de Deus, devem eles próprios serem filhos da Luz. Por isso, a entrada nesse reino necessa-
riamente requer pureza de alma, uma vestimenta de “santificação, sem a qual ninguém verá o
Senhor” (Hb 12:14).
O Filho de Deus veio ao mundo de modo a a) abrir o caminho para o gênero humano em
sua totalidade para a salvação pessoal de cada um de nós; o que significa b) dirigir os corações
do homem para a busca e para a sede pelo Reino de Deus, e “dar auxílio, dar poder nesse cami-

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nho da salvação para a aquisição da pureza e santidade espiritual pessoal.” O item a) foi cumpri-
do inteiramente por Cristo. O item b) depende de nós próprios, apesar de ser realizado pela ativi-
dade da graça de Cristo no Espírito Santo.

A economia geral da salvação.

A. A condição do mundo antes da vinda do Salvador.


Nos livros proféticos do Velho Testamento, e em particular nos Salmos de Davi, o povo
escolhido, Hebreu, como representativo de todo gênero humano, é apresentado como a “planta-
ção de Deus,” como a vinha de Deus (ver Isaias 5:7, 61:3). A imagem de um jardim, tendo o
mesmo significado é dado também no Evangelho. Uma vinha ou jardim deve produzir frutos.
Preservando e guardando sua plantação, o Senhor espera frutos dela. Mas o que deveria ser feito
com um pomar quando ele não dá frutos, e ainda mais, se está infestado com doença? Deveria
ele ser olhado e cuidado se ele não justifica seu propósito?
“E também agora e está posto o machado à raiz das árvores: toda árvore, por que não
produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo” (Mt 3:10). Assim São João, o precursor preveniu
e acusou o povo antes da vinda do Senhor.
O Senhor fala a mesma coisa, e conta a Seus discípulos a parábola da figueira:

“Um certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi procurar nela fruto, não o a-
chando. E disse ao vinhateiro: Eis que há três anos venho procurar fruto nessa figueira e não a-
cho; corta-a, porque ocupa ainda a terra inutilmente? E respondendo ele, disse-lhe: Senhor, dei-
xa-a este ano, até que eu a escave e a esterque; e, se der fruto, ficará, e se não, depois a mandará
cortar” (Lc 3: 6-9).

Assim como essa figueira, a raça humana era sem fruto. Uma vez já tinha sido exterminada pelo
dilúvio. Agora havia sido condenada — ela havia condenado a si própria — à perda da vida eter-
na, à perda geral do Reino de Deus porque ela tinha perdido todo valor por não ter cumprido seu
propósito e estar se afogando no mal.

“Não tem o oleiro poder sobre o barro? ... E que direis se Deus, querendo mostrar a sua
ira, e dar a conhecer o seu poder, suportar com muita paciência os vasos da ira, prepara-
dos para a perdição; para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos va-
sos de misericórdia, que para glória já dantes preparou?” (Rom 9: 21- 23).

A humanidade, na pessoas de seus melhores representantes, reconhecem o débito em aberto, o


pesado débito de numerosas gerações precedentes e da sua própria época. Era um débito impos-
sível de ser pago. Esse sentimento de culpa na sua forma mais pura foi apresentado pelo povo
judeu. O gênero humano tentou eliminar seus pecados por meio de sacrifício, que expressavam o
dar a Deus a melhor parte do que estava na posse do homem, na posse de sua família, como um
presente para Deus. Mas esses sacrifícios não eram capazes de degenerar moralmente os homens.
Citemos aqui as palavras do justo Santo Padre João de Kronstadt, em seu sermão na festa
da Exaltação da Cruz do Senhor: “Entremos no significado do mistério da Cruz. O mundo, isto é,
a raça humana, teria sido dado para a morte eterna, tormentos eternos, de acordo com a imutável,

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estrita justiça de Deus, se o Filho de Deus não tivesse se tornado dada à Sua bondade ilimitada
um voluntário Intermediário e Redentor da humanidade, que era criminosa, suja e corrupta pelo
pecado. Porque pela ilusão da serpente, o assassino de homens, ela foi jogada num aterrador a-
bismo sem lei e de perdição. Entretanto para que o homem fosse capaz dessa reconciliação e re-
denção do alto, foi necessário que o Filho de Deus descesse ao mundo, para tomar sobre si corpo
e alma humanos, e tornar-se Deus-homem de modo que em sua própria pessoa, em Sua natureza
humana, Ele fosse capaz de cumprir toda a justiça de Deus que tinha sido descaradamente viola-
da por todas as formas de injustiça de Deus que tinha sido descaradamente violada por todas as
formas de injustiça humana; para que ele pudesse cumprir a lei completa de Deus, até a última
virgula, e Se tornasse o maior de todos os homens justos pelo total das injustiças do gênero hu-
mano, e ensinasse a humanidade justiça com arrependimento por todas as suas injustiças e mos-
trasse frutos do arrependimento. Isso ele cumpriu, não sendo culpado de um único pecado, e foi
o único homem perfeito, em hipostática união com a divindade” (Sermon on the Feast of the E-
xaltation: “The Meaning of the Mistery of the Cross”).

B. A salvação do mundo em Cristo.


Como foi cumprida a justificação geral da existência humana, e no que ela consiste? Ela
foi cumprida pela Encarnação de Cristo, juntos com todos os demais eventos da vida de Nosso
Senhor Jesus Cristo. A luz da Santidade mostrou-se na terra na pessoa da Imaculada, Puríssima
Virgem Maria, a Mãe de Deus, todo o gênero humano foi santificado. Pelos passos do Salvador:
por Seu Batismo no Jordão, por sua vida na terra, a natureza da terra foi santificada! O ensina-
mento do Evangelho e os feitos da misericórdia de Jesus Cristo levou amor e fé aos corações dos
Seus discípulos, em tal extensão que eles “deixaram tudo” e seguiram-No. E, acima de tudo isso,
em Sua voluntária morte na Cruz, há uma manifestação “que ultrapassa o entendimento,” da altu-
ra e abrangência do amor em Cristo, a cujo respeito o Apóstolo raciocina assim:

“... O amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi
dado. Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios. Porque
apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer.
Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ain-
da pecadores” (Ro 5:5-8).

E o Apóstolo conclui seus pensamentos com isso: “Pois se nós sendo inimigos, fomos reconci-
liados com Deus pela morte de Seu Filho” (Ro 5:10); “assim também por um só ato de justiça
veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida” (Ro 5:18). Por isso é que o Após-
tolo Paulo em seus escritos divinamente inspirados tão freqüentemente coloca juntas, como se as
identificando, usando-as mesmo intercambialmente, as palavras “nós somos salvos pelo amor de
Cristo,” já que em todas essas expressões está mostrando o ativo, misericordioso, amor pelo ho-
mem, auto-sacrificial, amor de Deus.
1. Essa economia geral da salvação do mundo é apresentada na Sagrada Escritura do No-
vo Testamento em várias palavras similares em significado, como por exemplo: justificação, re-
conciliação, redenção, propiciação, perdão, libertação.
Aqui estão alguns textos relacionados a economia geral:
“Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1:24).
“E Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também de
todo o mundo” (Jo 1:24).

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“E Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele
que por eles morreu e ressuscitou” (2 Co 5:15).
“Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, ho-
mem; o qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos” (1 Tm 2:5-6).
“Pois esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fieis”
(1 Tm 4:10).
2. Em adição ao amplo significado da salvação do mundo aqui indicada, a morte de Cris-
to e sua subseqüente descida aos infernos (1 Pe 3:19-20, 4-6; Ef 4:8-10) significa também num
estrito senso a libertação do “hades” das almas dos passados primeiros ancestrais, profetas, e jus-
tos do mundo pré-cristão; e assim eles expressam o especial significado da Cruz do Senhor para
o mundo do Velho Testamento, um significado que veio na morte de Cristo cumprida sobre Ele:
“para a remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento” (Hb 9:15). De a-
cordo com isso, nossos hinos Ortodoxos para domingo também cantam a mística verdade da vi-
tória sobre o “hades” e a libertação das almas dele: “hoje Adão dança de alegria e Eva rejubila, e
com eles os profetas e patriarcas incessantemente cantam o divino triunfo em Teu poder” (Kon-
dakion de domingo, Tom 3).
3. Libertação do hades testemunha também o levantamento das maldições. Que foram
colocadas no Velho Testamento: a) as maldições do terceiro capitulo do livro da Gênesis que fo-
ram juntados à privação da vida no paraíso de Adão e Eva e seus descendentes; b) as maldições
colocadas por Moisés, no livro do Deuteronômio (cap 28), para o teimoso não cumprimento das
leias dadas através dele.

O renascimento pessoal e a nova vida em Cristo.


A transição da idéia da economia geral de Deus para o chamado para a salvação pessoal
dos homens está claramente expressa nas seguintes palavras do Apóstolo Paulo: “Deus estava em
Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a pa-
lavra de reconciliação... Rogamo-vos pois da parte de Cristo que vos reconcilieis com Deus” (2
Co 5:19-20).
A salvação pessoal do homem é expressa na Sagrada Escritura usualmente com a mesma
terminologia com as mesmas palavras, como são as da Salvação do mundo no sentido amplo das
palavras “justificação,” “renovação,” “reconciliação,” como nós vemos no texto que citamos a-
cima. Só que as palavras aqui são aplicadas num sentido mais estreito. Aqui os Apóstolos já tem
em mente os homens que vieram a acreditar em Cristo e que receberam o Santo Batismo. As fra-
ses comuns para expressar ambos os tipos de salvação podem ser vistas nos seguintes exemplos:
“Cristo segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração (Batismo) e da re-
novação do Espírito Santo... que sendo justificados pela Sua graça sejamos feitos herdeiros se-
gundo a esperança da vida eterna” (Tito 3: 5-7).
“E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da salva-
ção” (isto quer dizer, o dia do Batismo e do recebimento do selo do Espírito Santo; Ef 4:30).
Mas o lugar principal entre todas essas expressões com relação aos Cristãos é o da con-
cepção da “Ressurreição em Cristo.” O mistério no batismo é uma ressurreição pessoal em Cris-
to: “Nele também ressuscitastes” (Colossenses 2:12).
O Apóstolo Pedro escreve na Primeira Epístola Católica: “...agora vos salva, batismo...
pela Ressurreição de Jesus Cristo” (1 Pe 3:21). A verdadeira pregação dos Apóstolos é, em sua
essência, a pregação da Ressurreição de Cristo.

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O Batismo por água é chamado pelas Escrituras Apostólicas como um novo nascimento,
adoção, santificação: “... mas haveis sido santificado, mas haveis sito justificados em nome do
Senhor Jesus” (1 Co 6:11). “Porque todos quanto fostes batizados em Cristo já vos revestistes de
Cristo” (Ga 3:27).
Disso fica claro que no mistério da Redenção a Cruz e a Ressurreição do Senhor são in-
separáveis. Nas consciência da Igreja essa verdade é expressa de modo completo nos hinos Pas-
cais, que confessam o poder da Ressurreição de Cristo, não só para a salvação pessoal dos cris-
tãos, mas também no final, completa justificação do mundo: “Páscoa da incorruptibilidade, sal-
vação do mundo” (Exapostilário da Páscoa). Pela Cruz foi cumprida a limpeza dos pecados do
mundo, a reconciliação com Deus; pela Ressurreição vida nova foi trazida ao mundo.

A palavra “redenção” no uso dos Apóstolos.


A totalidade das conseqüências da Cruz e da Ressurreição são usualmente expressas pe-
los Apóstolos, e portanto em terminologia teológica também, pelo conceito único de “redenção,”
que literalmente significa um “resgate,” uma oferta de pagamento. Esse conceito é suficiente-
mente vívido para que fosse acessível ao entendimento do povo mesmo do mais baixo nível da
sociedade. Mas essa característica vívida e4m sim inspirou tentativas de se perguntar por outras
questões não relacionadas à essência da salvação, ainda mais que esse termo tem somente um
significado simbólico e alegórico. Por isso, São Gregório, o Teólogo elimina essas demais ques-
tões e estabelece a essência da presente expressão na seguinte reflexão:

“A quem foi oferecido aquele sangue que foi derramado por nós, e porque ele foi derra-
mado? Eu quero dizer o precioso e famoso Sangue de nosso Deus e Sumo Sacerdote e
Sacrifício. Nós estamos detidos na escravidão pelo maligno, vendidos pelo pecado, e re-
cebíamos prazeres em troca de maldade. Agora, já que um resgate pertence só a quem
mantêm alguém em escravidão, eu pergunto por quem foi oferecido isso e porque causa?
Se pelo maligno, livrai-me Deus do ultraje! O ladrão receberia resgate, não somente de
Deus, mas um resgate que consiste no próprio Deus, e recebe tão ilustre pagamento por
sua tirania, um pagamento por aqueles que teria sido bom para o ladrão deixar abandona-
dos todos juntos. Mas primeiro eu pergunto, como? Pois não foi por Deus que nós fomos
oprimidos; e segundo, baseado em que princípio o Sangue de Seu Filho Unigênito agra-
dou o Pai, quer não quis receber sequer Isaac, quando ele estava sendo oferecido por seu
pai, mas mudou o sacrifício, pondo um cordeiro no lugar da vítima humana? Não é evi-
dente que o Pai aceita o Filho, mas nem pediu por Ele nem demandou-O; mas por causa
da Encarnação, e porque a humanidade deve ser santificada pela humanidade de Deus,
que Ele deveria libertar-se a Si próprio, superando o tirano, e nos conduzir a Ele próprio
pela mediação de Seu Filho, que também arranjou isso dessa forma para honrar ao Pai, a
quem Ele manifesta obedecer em todas as coisas?” (São Gregório, o Teólogo, Second
Oration on Pasha, tradução inglesa em Eerdman’n Nicenene and Post-Nicene Fathers,
Second Séries, vol 7, pg 431).

Nessa reflexão teológica de São Gregório Teólogo, a idéia que aparece na Primeira Epístola Ca-
tólica do Apóstolo tem dada a sua completa expressão: “sabendo que fostes resgatados da vossa
vã maneira de viver que por tradição recebeste ele de vossos pais, não com coisas corruptíveis
como ouro e prata, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e con-

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taminado, o qual na verdade em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo”
(1 Pe 1:18-20).
Para a definição teológica do conceito de “redenção” um exame teológico das palavras
gregas que correspondem a esse conceito tem grande importância.
No texto grego das Escrituras do Novo Testamento esse conceito é expresso por duas pa-
lavras, e cada uma delas tem uma importante sombra do significado. A primeira delas lytro-o, o
significa “comprar,” “resgate.” Naqueles tempos o mundo conhecia três formas de resgatar pes-
soas sendo (de acordo com dicionários gregos), 1) resgatar de cativeiro, 2) resgatar da prisão, por
exemplo por débito, 3) resgatar de escravidão. No significado cristão os Apóstolos usam esse
termo para expressar o momento da realização de nossa salvação que é juntada à Cruz de Cristo,
isto é, a libertação dos justos das amarras do hades. Essas são as mesmas três formas de “resga-
te”: resgate do cativeiro do pecado, resgate do hades, resgate da escravidão ao demônio.
O segundo verbo, agorazo, significa “comprar pra si próprio,” “comprar no mercado” (a-
gora significa “mercado”). A imagem utilizada nesse termo refere´se só a fiéis, a cristãos. Aqui
ele tem um significado especialmente rico. Esse verbo é encontrado três vezes nos escritos dos
Apóstolos, quais sejam:
“Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, pro-
veniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço” (1
Co 6:19-20).
“Fostes comprados por bom preço; não vos façais servos dos homens” (1 Co 7:23).
O hino no céu ao Cordeiro: “porque foste morto e com teu sangue compraste para Deus
homens de toda a tribo, e língua, e povo e nação” (Ap 5:9).
Em todos os três trechos esse verbo significa que Cristo nos adquiriu para si próprio de
modo que agora nós devemos pertencer a Ele inteiramente, como escravos comprados pertencem
a seus mestres. Fica por nossa conta refletir sobre a profundidade dessa imagem, que foi coloca-
da em palavras pelos próprios Apóstolos.
De um lado a palavra “escravos” de Cristo significa um completo, e incondicional, dar-se
e obediência a Aquele Deus que redimiu todos nós. Assim, precisamente, os Apóstolos se senti-
am. É suficientemente ler os primeiro versículos de numerosas Epístolas dos Apóstolos. Nas
primeiras palavras eles se chamam de escravos (ou servos) de Cristo: “Simão Pedro, servo e A-
póstolo de Jesus Cristo” (2 Pedro); “Judas, servo de Jesus Cristo, e irmão de Tiago” (Judas);
“Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para Apóstolo” (Romanos); “Paulo e Timóteo, servos de
Jesus Cristo” (Filipenses). Tal auto-consciência deveria estar presente, segundo o ensinamento
dos Apóstolos, em todos os fiéis. A Santa Igreja precisamente da mesma forma em todos os tem-
pos chamou e chama os membros da Igreja na linguagem dos Divinos Ofícios, “escravos (ser-
vos) de Deus.”
Mas há outro lado. O Salvador endereça aos discípulos em Sua conversa de despedida:
“Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que vos mando” (Jo 15:14); e no mesmo lugar Ele os
chama de “Filhinhos” (Jo 13:33); “Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós” (Ro 8:16-
17). E o Santo Apóstolo João, ele que se apóia sobre o peito de Cristo, clama com inspiração:
“Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas
sabemos que, quando ele se manifestar seremos semelhantes a ele; pois assim como é o vere-
mos” (1 Jo 3:2).
Ele que santifica e eles que são santificados são todos do Um (Deus): por isso chama a-
queles que foram santificados de Seus irmãos. Mais importante, Ele é o “príncipe de nossa salva-
ção” (Hb 2:10); Ele é o Sumo Sacerdote do Novo Testamento. “Pelo que convinha que em tudo

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fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de
Deus, para expiar os pecados do povo. Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu,
pode socorrer aos que são tentados” (Hb 2:17-18). Para Ele nós pedimos perdão de nossos peca-
dos; pois o Pai Celeste não julga ninguém, mas entregou o julgamento inteiramente ao Filho, e
que todos devem adorar o Filho como adoram o Pai. O Filho mesmo proclamou antes de Sua as-
censão: “É-me dado todo o poder no céu e na terra” (Mt 28:18). É por isso que quase todas as
nossas orações — seja por nós próprios, por nossos pais e irmãos, pelos vivos e pelos mortos —
nós oferecemos ao Filho de Deus. Nós estamos na casa de Deus; nós somos a casa de Cristo.
Portanto para nós é fácil, alegre e salvífico ter comunhão com todos os membros celestes dessa
casa: com a Santíssima Trindade, com os Apóstolos, os Profetas, os Mártires, os Hierarcas, e os
Santos Monásticos — uma única Igreja no céu e na terra! É para isso que nós fomos comprados
por Cristo.
Tão grandes são as conseqüências do Sacrifício de Cristo que foi oferecido na Cruz e as-
sinando pela Ressurreição de Cristo! Esse é o significado do novo canto diante do Cordeiro no
Seu trono, que foi dado no Apocalipse ao Apóstolo São João, o Teólogo: “...tu foste morto e nos
compraste para Deus com Teu sangue” (Ap 5:9). Nós fomos comprados para Deus.
Portanto, não permitamos que a triste condição espiritual do mundo que nós observamos
nos confunda. Nós sabemos que a triste condição das crianças da Igreja, os escravos de Cristo,
está se cumprindo. E a salvação do mundo, no amplo, escatológico significado da palavra, já foi
realizada. Mas como o Apóstolo Paulo nos instrui: “Porque em esperança fomos salvos. Ora a
esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperava? Mas se espera-
mos com paciência o esperamos” (Ro 8: 24-25). As forças espirituais no mundo podem estar es-
condidas mas não estão extintas. O corpo celeste-terrestre da Igreja de Cristo cresce e puxa o
mundo para próximo do dia místico da triunfante e gloriosa manifestação aberta do Filho do
Homem, o Filho de Deus, quando após o grande e justo Juízo Geral, a renovação e transfigura-
ção do mundo será revelada, e Ele que senta no trono virá: “Eis que eu faço novas todas as coi-
sas” (Ap 21:5). E existirá um novo céu e uma nova terra. Amém.

Uma nota sobre o ensinamento Católico Romano.


A interpretação da verdade da Redenção ficou muito complicada quanto à direção que foi
dada a pela Teologia ocidental da Idade Média. As expressões figurativas dos Apóstolos foram
aceitas na teologia católico romana medieval no seu sentido literal e extremamente estreito, e o
trabalho da redenção foi interpretado como uma “satisfação” — mais precisamente, uma satisfa-
ção por ofensas feitas a Deus, e ainda mais precisamente “satisfação de Deus (Deus na Santíssi-
ma Trindade) pela ofensa causada a Ele pelo pecado de Adão.” É fácil ver que a base de tal visão
é o especial ensinamento latino sobre o pecado original: aquele homem na transgressão de Adão
“ofendeu infinitamente” Deus e evocou a ira de Deus; assim, foi requerido que fosse oferecida a
Deus uma satisfação completa de modo que a culpa fosse removida e Deus pudesse ser apazi-
guado; isso foi feito pelo Salvador quando Ele aceitou a morte na Cruz: o Salvador ofereceu uma
satisfação infinitamente completa.
Essa interpretação unilateral da Redenção tornou-se a reinante na teologia latina e perma-
neceu até o tempo presente. Ela evocou no Protestantismo a reação oposta, que conduziu as ulti-
mas seitas à mais completa negação do dogma da Redenção e a aceitação de não mais que um
significado moral ou instrutivo para a vida de Cristo e Sua morte na Cruz.
O termo “satisfação” tem sido usado na teologia Ortodoxa russa, mas numa forma muda-
da: “a satisfação de justiça de Deus.” A expressão “satisfazer a justiça de Deus,” deve-se reco-

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nhecer, não é inteiramente estranha ao Novo Testamento, como pode ser visto nas palavras do
próprio Salvador: “...porque assim nos convém cumprir toda justiça” (Mt 3:15). Uma expressão
que é próxima em significado ao presente termo mas que é mais completa, e autenticamente bí-
blica, e dá uma base para o entendimento Ortodoxo do trabalho na Redenção, é a palavra “propi-
ciação” que é lida na Primeira Epistola de João: “Nisto está o amor, não que nós tenhamos ama-
do a Deus, mas que Ele nos amou por nós, e enviou Seu Filho para propiciação elos nossos peca-
dos” (1 Jo 4:10); “propiciação” é uma tradução direta da palavra grega ilasmos. O mesmo uso da
palavra é encontrado em 1 Jo 2:2.

O triplo ministério do Senhor.


Os sistemas de teologia dogmática, seguindo o antigo costume, para ganhar uma mais completa
iluminação do trabalho de salvação realizado pelo Senhor Jesus Cristo, vê mais freqüentemente
esse trabalho sob três aspectos nomeadamente: a) o ministério de Sumo Sacerdote; b) seu minis-
tério profético; e c) seu ministério real. Esses três aspectos são chamados o triplo ministério do
Senhor.
O aspecto comum dos três ministérios, o Profético, o Sumo Sacerdotal, e o Real, é que no
Velho Testamento o chamado para esses três ministérios era acompanhado por unção com óleo,
e aqueles que meritoriamente passavam por esses ministérios eram reforçados pelo poder do Es-
pírito Santo.
O próprio nome “Cristo” significa “ungido” (o nome “Jesus” significa “Salvador”). O
Senhor refere-se a Si mesmo com as palavras do Profeta Isaías quando Ele as lê na Sinagoga de
Nazaré: “O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres, envi-
ou-me a curar os quebrantados do coração, a apregoar a liberdade aos cativos, e dar vista aos ce-
gos; a por em liberdade aos oprimidos; a aceitar o ano aceitável do Senhor” (Lc 4:18-19).

A. Cristo o Sumo Sacerdote.


O Senhor Jesus Cristo não é só o Cordeiro de Deus que é oferecido em sacrifício pela vi-
da do mundo; Ele é ao mesmo tempo Aquele que oferece o Executor do sacrifício, o Sumo Sa-
cerdote. Cristo é “Tu que ofereces e é oferecido, és Tu que recebes e distribui” (oração secreta no
Hino dos Querubins na Liturgia). Ele próprio é oferecido como sacrifício, e Ele próprio também
oferece o sacrifício. Ele tanto recebe como distribui o sacrifício para aqueles que vem.
O Senhor expressou seu ministério Sumo Sacerdotal na terra, no mais alto grau na oração
a Seu Pai que é chamada de “a oração do Sumo Sacerdote,” que foi pronunciada depois da con-
versa de despedida com Seus discípulos na noite em que em que Ele foi preso pelos soldados e
da mesma forma na oração em solidão no jardim de Gethsemane: “E por eles me santifico a mim
mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade. Eu não rogo somente por estes,
mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim” (Jo 17:19-20).
O Apóstolo Paulo interpreta o ministério Sumo Sacerdotal de Cristo em sua Epístola aos
Hebreus (capítulos cinco ao dez). Ele justapõe o ministério sumo sacerdotal de Cristo com os
ministérios dos Sumos Sacerdotes do Velho Testamento e mostra que o sacerdócio de Cristo os
ultrapassa incomparavelmente.
Existiram muitos sumos sacerdotes de acordo com a ordem de Aarão, já que a morte não
permitia que houvesse só um. Mas esse Um, de acordo com a ordem de Melquisedec, permane-
cendo eternamente, tem um sacerdócio que não passa (Hb 7:23-24).

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Aqueles sumos sacerdotes eram cobertos com enfermidade; mas esse sumo sacerdote é
perfeito para sempre (Hb 7:28).
Aqueles eram sacerdotes do tabernáculos terrestres feitos por mãos; mas esse Um é o E-
xecutor sagrado do tabernáculo eterno não feito por mãos (Hb 9:24).
Aqueles sumos sacerdotes entraram no local sagrado como sangue de bodes e bezerros;
mas esse Um com seu próprio sangue entrou uma vez no local sagrado e obteve uma redenção
eterna (Hb 9:12).
Eles foram sacerdotes do Velho Testamento; enquanto esse Um é o sacerdote do Novo
Testamento (Hb 8:6).

B. Cristo o Evangelizador (Seu ministério profético).


O evangelístico, ou instrutivo, ou profético ministério do Senhor Jesus Cristo foi expres-
sado no fato que Ele proclamou aos homens, em toda totalidade e clareza acessível a eles, a von-
tade do Pai celestial, para a salvação do mundo; e concedeu a Eles a nova, e mais perfeita lei de
fé e piedade que serve ao propósito de salvação de toda raça humana. Esse ministério foi execu-
tado pelo próprio Senhor e através de Seus discípulos, que de acordo com Seus mandamentos,
proclamaram as boas novas para todos os povos e entregaram-nas à Igreja em todos os tempos.
O Senhor proclamou as boas novas de 1) o ensinamento de fé, e 2) o ensinamento de vida
e piedade.

O ensinamento evangélico de fé é o ensinamento:

a) a respeito de Deus, nosso Boníssimo Deus, a Quem nós somos ensinados a apelar com
o grito de um filho: “Pai Nosso.” A respeito dessa revelação aos homens desse novo e mais per-
feito entendimento de Deus, o Salvador fala na oração antes de Seus sofrimentos: “Manifestei o
teu nome aos homens... e eu lhes fiz conhecer o teu nome” (Jo 17:6 e 26).
b) a respeito da vinda do Verbo ao mundo — ávida do Unigênito Filho de Deus — para a
salvação dos homens e para a reunião deles com Deus.
c) a respeito do Espírito Santo, nosso Confortador e Santificador;
d) a respeito da natureza e propósito do homem; a respeito do pecado, arrependimentos,
os meios de salvação, santificação e renascimento;
e) a respeito do Reino de deus e da Igreja do Novo Testamento; a respeito do Julgamento
Geral e o destino final do mundo e do homem.
O ensinamento evangélico e vida e piedade é o elevado comando de amor a Deus e ao próxi-
mo, que é apresentado muito mais completamente que no Velho Testamento, e que inspira para a
completa devoção a Deus por seus filhos. Muitos desses mandamentos dessa perfeitíssima lei
moral estão concentrados no Sermão da Montanha. Por exemplo, lá estão os mandamentos de
perdoar as ofensas e amar os inimigos, de autonegação e humildade, de verdadeira castidade, não
só corporal mas também espiritual, de serviço mútuo de acordo com o exaltado exemplo do pró-
prio Salvador, e de outras coisas que são demandadas moralmente de um Cristão.
Enquanto o Velho Testamento em suas leis inspira a cumprir os mandamentos principal-
mente para uma prosperidade terrena e temporal, o Novo Testamento inspira para as coisas mais
elevadas, eternas, espirituais.
A lei do Velho Testamento, no entanto, não foi ab-rogada pelo Salvador, ela só foi eleva-
da; foi-lhe dada uma interpretação mais perfeita; foi colocada sobre melhores bases. Com a vinda
do Novo Testamento, só foi a lei ritual Judaica que foi ab-rogada.

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A respeito da relação dos Cristãos com o Velho Testamento, o Bem Aventurado Teodore-
to raciocina assim: “Assim como mãe se recém-nascidos dão nutrição por meio do peito, e de-
pois comida leve, e finalmente, quando eles se tornam crianças ou jovens, dão a eles comida só-
lida, assim também o Deus de todas as coisas de tempos em tempos deu aos homens ensinamen-
tos mais perfeitos. Mas, apesar de tudo isso, nós reverenciamos o Velho Testamento como o pei-
to da mãe, só não tomamos leite dele; os perfeitos não tem necessidade de leite de uma mãe, ape-
sar de deverem reverenciá-la por que foi dela que eles receberam o desenvolvimento. Assim nós
também, apesar de não mais observar a circuncisão, o sábado, as ofertas de sacrifício, os borri-
famentos — não o mínimo, nós tiramos do Velho Testamento um benefício diferente: por ele, de
modo prefeito, nos introduz em piedade, em fé de Deus, em amor pelo próximo, em continência,
em justiça, em coragem e acima de tudo pela imitação dos exemplos dos antigos Santos” (Aben-
çoado Teodoreto, “Brief Exposition of the Divine Dogmas”).
A lei dos Evangelhos foi dada para todos os tempos, até o final dos tempos, e não está
sujeita a ser ab-rogada ou modificada.
A lei dos Evangelhos é dada para todos os homens, e não para um só povo, como foi a lei
do Velho Testamento.
Por essas razões, a fé e ensinamentos dos Evangelhos é chamada pelos Padres da Igreja
de “Católica,” sito é, englobando todos os homens em todos os tempos.

C. Cristo o Rei do mundo (Seu ministério real).


O Filho de Deus, o Criador e Mestre do céu e da terra, o Rei Eterno de acordo com a Di-
vindade, é Réu também de acordo com Seu Deus-Humano, do Seu ministério na terra, até Sua
morte na Cruz, e em Sua condição glorificada após a Ressurreição.
O Profeta O profetizou como um Rei, como lemos no Profeta Isaias: “Porque um menino
nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será:
Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da eternidade, Príncipe da Paz ... do incremento deste
principado e da paz, não haverá fim, sobre o trono de Davi, e no Seu Reino” (Isaias 9:6-7).
O ministério Real do Senhor antes de Sua Ressurreição foi expresso: a) em Seus mila-
gres, em Sua autoridade sobre a natureza; b) em Sua autoridade sobre os poderes do inferno, a
respeito da qual há testemunhos de Seus inúmeros exorcismos de demônios a palavra do Senhor:
“E disse-lhes: Eu via Satanás, como raio, cair do céu” (Lc 10:18); c) em Sua autoridade sobre a
morte, manifestada na Ressurreição do filho da viúva de Naim, a irmã de Jairo, e Lázaro dos
quatros dias.
O próprio Senhor Jesus Cristo fala de Si como um Rei antes de Sua Ressurreição quando
Ele estava sendo julgado por Pilatos: “O meu Reino é deste mundo” (Jo 18:36). Ele disse a eles:
“É-me dado todo o poder no céu e na terra” (Mt 28:18).
Depois de Sua Ascensão o Deus-Homem Cristo é Cabeça do céu, da terra e do submun-
do. Ao inferno e Sua vitória sobre eles, sua destruição das amarras dele; adiante, em Sua Ressur-
reição e vitória sobre a morte; e finalmente, na Ascensão de Jesus Cristo e a abertura do Reino
do Céu para todos aqueles que acreditam Nele.

A deificação da humanidade em Cristo.


A natureza humana do Senhor Jesus Cristo, através de sua união com a Divindade, parti-
cipou nas qualidades divinas e foi enriquecida por elas, em outras palavras, ela dói “deificada.” E
não só a natureza humana do Senhor, foi deificada: através Dele e Nele nossa humanidade tam-
bém é deificada, pois “também ele participou das mesmas coisas” isto é, de nossa carne e sangue

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(Hb 2,14), uniu a Si próprio do modo mais intimo com a raça humana, e consequentemente uniu-
a à divindade. Como o Senhor Jesus Cristo recebeu carne da sempre Virgem Maria, os livros da
Igreja, muito freqüentemente chamam-na de fonte da nossa deificação: “através dela nós fomos
deificados.” Nós somos deificados igualmente através da recepção do corpo e sangue de Cristo.
No entanto, deve-se compreender os limites do significado desse termo, porque na literatura filo-
sófico-religiosa de tempos recentes, começando com Vladimir Soloviev, existe uma tendência
para um incorreto alargamento do significado do dogma de calcedônia! O termo ‘deificação’ não
significa a mesma coisa que o termo “Deus-Humano,” e alguém que é “deificado” não é posto no
caminho do Deus-Humano pessoal. Se a Igreja de Cristo é chamada de organismo divino-
humano, isto é porque a cabeça da Igreja é Cristo Deus, e o corpo da Igreja é humanidade renas-
cida em Cristo. Nela própria a humanidade em geral, e da mesma forma o homem individual-
mente, permanecem com aquela natureza na qual e para a qual ela foi criada; pois, na pessoa de
Cristo também, o corpo e alma humanos não passaram para a natureza divina, mas foram só uni-
dos com ela, unidos “sem confusão ou mudança.” “Porque nunca existiu, existe, ou existirá outro
Cristo consistindo em Divindade e humanidade, que permanece e humanidade, o mesmo sendo
perfeito Deus e perfeito Homem” como ensina São João Damasceno (Exact Exposition of the
Orthodox Faith, Livro 3, capit. 3).

A Ressurreição de Cristo.

Os frutos salvíficos da Ressurreição de Cristo.


A Ressurreição de Cristo é a base e a coroação de nossa Fé Cristão Ortodoxa. A Ressurreição
de Cristo é a primeira, mais importante, grande verdade com a proclamação da qual os Apóstolos
começam sua pregação do Evangelho após a descida do Espírito Santo. Assim como pela morte
de Cristo na Cruz nossa redenção foi realizada, pela Sua Ressurreição a vida eterna nos foi dada.
Portanto, a Ressurreição de Cristo é objeto do constante triunfo da Igreja Cristã. “Hoje toda cria-
ção exulta de alegria, pois Cristo ressuscitou!” (Canon da Páscoa, Ode 9). Os frutos salvíficos da
Ressurreição de Cristo são:

a) a vitória sobre o inferno e a morte;


b) a benção dos Santos no céu e o começo da existência da Igreja Celestial;
c) o envio do Espírito Santo e a criação da Igreja de Cristo na terra.

A. A vitória sobre o inferno e a morte.


A existência humana depois da perda do paraíso tem duas formas: a) a terrena, vida cor-
poral; e b) a vida após a morte.
A vida terrena termina com a morte do corpo. A alma preserva sua existência depois da
mote corporal, mas sua condição depois da morte, de acordo com a palavra de Deus e o ensina-
mento dos Padres da Igreja, é diversa. Até a vinda para a terra do Filho de Deus, e até a Sua Res-
surreição dos mortos, as almas dos mortos estavam em uma condição de rejeição, estando afasta-
das de Deus, nas trevas, no inferno, no submundo (o “Sheol” hebreu). Estar no inferno era como
a morte espiritual, como é expresso nas palavras do Salmo do Velho Testamento: “Porque na
morte não há lembranças de ti: no sepulcro quem te louvará?” (Sl 6:5). No inferno estavam apri-

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sionadas também as almas dos justos do Velho Testamento. Esses justos viveram na terra com fé
na vida do Salvador, como o Apóstolo Paulo explica no capítulo onze de sua Epístola aos He-
breus, e após a morte eles consumiam-se na expectativa da sua redenção e libertação. Assim con-
tinuou até a Ressurreição de Cristo, até a vinda do Novo Testamento: “E todos estes, tendo tido
testemunho pela fé, não alcançaram a promessa, Provendo Deus alguma coisa melhor a nosso
respeito, para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados” (hb 11:39-40). Nossa libertação foi
também a libertação deles.
Cristo, depois de Sua morte na Cruz, desceu em Sua alma e em Sua Divindade para o in-
ferno, ao mesmo tempo que Seu corpo permanecia no sepulcro. Ele pregou salvação para os ca-
tivos do inferno e trouxe para cima de lá todos os justos do inferno nós lemos na Epístola de São
Pedro: “Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-
nos a Deus, mortificado, na verdade na carne, mas vivificado pelo Espírito no qual foi também e
pregou aos espíritos em prisão” (1 Pe 3:18-19). E no mesmo lugar nós lemos adiante: “Porque
por isto foi pregado o Evangelho também aos mortos para que na verdade fossem julgados se-
gundo os homens na carne, mas vivessem segundo Deus em espírito” (1 Pe 4:6). São Paulo fala a
mesma coisa: citando o verso do Salmo, “Subindo-lhe ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu
dons aos homens,” o Apóstolo continua: “ora, isto — ele subiu — que é, senão que também an-
tes tinha descido às partes mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que su-
biu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas” (Ef 4:8-10).
Para usar as palavras de São João Crisóstomo: “ o inferno foi tornado cativo pelo Senhor
que desceu nele. Ele foi deixado abandonado, foi posto à morte, foi derrubado, foi atado” (Homi-
lia da Páscoa).
Com a destruição dos ferrolhos do inferno, isto é, da impossibilidade de escapar do infer-
no, o poder da morte, também foi aniquilado. Primeiro de tudo, a morte para os justos tornou-se
só uma transição do mundo abaixo para o mundo acima, para uma vida melhor, a vida na luz do
Reino de Deus; segundo, a própria morte corporal tornou-se só um fenômeno temporário, por
pela Ressurreição de Cristo o caminho para a Ressurreição geral foi aberto para nós.
“Mas agora Cristo ressuscitou dos mortos, e foi feito as primícias dos que dormem” (1 Co
15:20). A Ressurreição de Cristo é a caução de nossa ressurreição: “Porque, assim como todos
morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo; mas cada um por sua ordem:
Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda” (1 Co 15:22-23). Depois disso, a
morte será completamente aniquilada. “Ora, o último inimigo que já de ser aniquilado é a morte”
(1 Co 15:26).
O tropário da Santa Páscoa proclama para nós com especial alegria a vitória sobre o in-
ferno e a morte: “Cristo ressuscitou dos mortos, e pela morte Ele venceu a morte, aos que esta-
vam no túmulo Cristo deu a vida.” “Cristo subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as
coisas” (Ef 4:10).

B. O Reino de Cristo e a Igreja triunfante.


Antes de Sua partida para o Pai, o Senhor Jesus Cristo disse aos Apóstolos: “Na casa de
meu Pai há muitas moradas, se não fosse assim eu no-lo teria dito: vou preparar-vos lugar. E, se
eu for, e vos preparar ligar, virei outra vez e vos levarei para Mim mesmo, para que onde Eu es-
tiver estejais vós também” (Jo 14:2-3). O Salvador orou para o Pai: “Pai, aqueles que me deste
quero que, onde Eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que Me
deste” (Jo 17:24). E os Apóstolos expressam o desejo de partir e estar com Cristo (Fi 1:23), sa-
bendo que eles têm “uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus” (2 Co 5:1).

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Uma descrição da vida dos Santos no céu é dada no Apocalipse. São João o Teólogo viu
em volta do trono de Deus nos céus “vinte e quatro tronos” e neles anciãos vestidos de vestido
brancos, com coroas de ouro sobre suas cabeças (Ap 4:4). Ele viu debaixo do altar celeste “as
almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho que deram”
(Ap 6:9); e ainda de novo ele viu “uma multidão ... de todas as nações, e tribos, e povos, e lín-
guas” que estavam diante do Trono e diante do Cordeiro e clamavam com grande voz: “Salvação
ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro” (Ap 7:9-10).
As mansões luminosas da Morada Celeste a Sagrada Escritura chama de “a cidade do
Deus vivo,” “Monte Sião,” “Jerusalém celeste,” a Igreja do primeiro nascido escrito no céu.”
Assim o grande Reino de Cristo foi aberto no céu. Nele entraram as almas de todas as
pessoas justas e pias do Velho Testamento, aqueles quem o Apóstolo disse: “E todos estes, tendo
tido testemunho pela fé, não alcançaram a promessa” (até a vinda para a terra do Filho de Deus e
a salvação geral), que eles sem nós não poderiam ser feitos, perfeitos, isto é, alcançar o júbilo e a
benção da Igreja Celeste de Cristo (Hb 11:39-40). Neste Reino no Novo Testamento entraram os
primeiros que acreditaram em Cristo, os Apóstolos, primeiros mártires, confessores; e assim ate
o fim do mundo a Morada Celeste será preenchida — a Jerusalém no alto, o Celeiro de Deus —
até que virá o seu perfeito completamento.
São Simeão, o Novo Teólogo ensina o seguinte: “Era adequado que lá nascessem todos
aqueles pré-conhecidos por Deus, e que o mundo que está acima desse mundo, a Igreja do pri-
meiro-nascido, a Jerusalém celeste, fosse preenchida; e então o Corpo de Cristo completo será
prefeito, recebendo Nele todos aqueles pré-ordenados por Deus para serem conformes a imagem
de Seu Filho — esses são os filhos da luz e do dia. Esses são todos aqueles pré-ordenados e pré-
escritos, e incluídos no numero dos salvos, e aqueles que são para serem juntados e unidos ao
Corpo de Cristo; e então não existirá mais a falta Nele de um único membro. Assim é em verda-
de, como o Apóstolo Paulo revela quando ele diz: “Até que todos cheguemos a unidade da fé ... a
varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4:13). Quando eles forem juntados e
vierem a formar com completo Corpo de Cristo, então também o mundo superior, a Jerusalém
celeste, que é a Igreja do primeiro nascido, estará preenchida, e o corpo da rainha de Deus, a I-
greja, que é o Corpo de Cristo Deus, será revelada como inteiramente preenchida e perfeita”
(homilia 45).
De acordo com o ensinamento da Sagrada Escritura, a benção das almas dos justos no céu
consiste de a) o repouso ou descanso dos trabalhos; b) não participação em tristezas e sofrimen-
tos (Ap 14:13; 7:16); c) estar juntos com e consequentemente estando na mais intima comunhão
com os antepassados e outros santos; d) comunhão mútua entre eles próprios e com milhares de
anjos; e) estar diante do Trono do Cordeiro, glorificando-O e servindo-O; f) comunhão e reinar
junto com Cristo; g) a jubilosa contemplação face a face de Deus Todo-Poderoso.

C. O estabelecimento da Igreja.
O Senhor Jesus Cristo, em Sua conversa com Seus discípulos antes de Seus sofrimentos,
prometeu a Eles enviar o Espírito Santo, o Consolador, que permaneceria com eles para sempre
— o Espírito da Verdade que os instruiria e os lembraria de tudo que Ele próprio tivesse falado
para eles, e os informaria sobre o futuro. Aparecendo depois da Ressurreição a Seus discípulos, o
Senhor concedeu a eles o poder dado por graças do Espírito Santo com as palavras: “Recebei o
Espírito Santo. Àqueles a quem perdoares os pecados lhes são perdoados: e aqueles a quem os
retiverdes lhes são retidos” (Jo 20:22-23). E dez dias depois de Sua Ascensão, o Senhor, de acor-

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do com Sua promessa, enviou o Espírito Santo sobre os discípulos no dia de Pentecostes na for-
ma de língua de fogo.
A descida no mundo do Espírito Santo foi expressa, antes de tudo, nos extraordinários
dons dos Apóstolos na forma de sinais, profecias curativas, o dom da língua; e segundo lugar, em
todos os poderes dados por graça que conduziram os fieis de Cristo à perfeição espiritual e à Sal-
vação.
No Espírito Santo, no Seu Divino poder, é dado a nós “tudo o que diz respeito à vida e
piedade” (2 Pe 1:3). “Esses dons dados por graça estão na Santa Igreja que o Senhor fundou na
terra.” Eles compreendem os meios de nossa santificação e salvação.
Um exame desses meios de salvação é o objeto de uma nova seção de Teologia Dogmáti-
ca — aquela relativa à Igreja de Cristo.

7. A Igreja de Cristo.

O conceito da Igreja de Cristo na terra. O início e o propósito da Igreja. A Cabeça da Igreja. A


ligação íntima entre a Igreja na terra e a Igreja no céu. Atributos da Igreja. Sua unidade. Sua san-
tidade. Sua catolicidade. A Igreja Apostólica. A hierarquia da Igreja. Apóstolos. Bispos. Presbí-
teros (padres). Diáconos. Os três degraus da hierarquia. Os concílios da Igreja. A ininterrupção
do episcopado. O aspecto pastoral da Igreja.

O conceito da Igreja de Cristo na terra.


No significado literal da palavra, a Igreja é a “assembléia,” em grego ekklesia, de ekkale-
o, significando “juntar.” Com esse significado ela foi usada no Velho Testamento também (o he-
breu kahal).
No Novo Testamento, esse nome tem um incomparavelmente mais profundo e mais mís-
tico significado que é difícil de abarcar em uma curta formula verbal. O caráter da Igreja de Cris-
to é melhor explicado pelas imagens bíblicas às quais a Igreja é assemelhada.
O Novo Testamento é a nova planta de Deus, o jardim de Deus, a vinha de Deus. O Se-
nhor Jesus Cristo por Sua vida terrena, Sua morte na Cruz e Sua Ressurreição, introduziu na hu-
manidade novos poderes dados por graça, uma nova vida que é capaz de grande frutificação. Es-
ses poderes nós temos na Santa Igreja que é Seu Corpo. A Sagrada Escritura é rica em expressi-
vas imagens da Igreja. Aqui estão as principais delas:

a) A imagem da vinha e seus ramos: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador.
Toda a vara em mim que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais
fruto... Estai em mim, e eu em vós: como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver
na videira, assim também vós se não estiverdes em mim. Eu sou a videira, vós as varas; quem
está em mim e eu nele, esse dá muito fruto, porque sem mim nada podeis fazer. Se alguém não
estiver em mim, será lançado fora como a vara, e secará; e os colhem e lançam no fogo, e ardem
... Nisto é meu Pai glorificado, que deis muito fruto e assim sereis meus discípulos” (Jo 15:1-8).
b) A imagem do pastor e do rebanho: “Na verdade, na verdade, vos digo que aquele que
não entra pela porta do curral das ovelhas, mas sobre por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele
porém que entra pela porta é o pastor das ovelhas ... em verdade vos digo que eu sou a porta das

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ovelhas ... Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará e sairá e achará pasta-
gens ... Eu sou o bom Pastor: o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas ... Eu sou o Bom Pastor, e
conheço as minhas ovelhas, e das minhas, sou conhecido ... e dou minha vida pelas ovelhas. A-
inda tenho outras ovelhas que não são desse aprisco; também me convém agregar estas, e elas
ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor” (Jo 10: 1-6).
c) Imagens da cabeça e do corpo: “O Pai sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas
as coisas o constituiu como a cabeça da Igreja, que é seu corpo, a plenitude daquele que cumpre
tudo em todos” (Ef 1:22-23, e outros lugares).
d) A imagem de um prédio em construção: “Assim que já não sois estrangeiros, nem fo-
rasteiros, mas concidadãos dos Santos, e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos
Apóstolos e dos Profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra de esquina; no qual todo edifí-
cio bem ajustado cresce para o templo santo no Senhor. No qual também vós juntamente sois
edificadores para morada de Deus em Espírito” (Ef 2:19-22).
e) A imagem de uma casa de família: “...para que saibas como convém andar na casa de
Deus, que é a Igreja do Deus Vivo, a coluna e a firmeza da verdade” (1 Tm 3:15). “... Cristo,
como Filho sobre Sua própria casa; a qual somos nós” (Hb 3:6).
A mesma coisa igualmente se referem outras imagens do Evangelho: a rede de pescar, o
campo que foi semeado, o vinhedo de Deus. Nos Padres da Igreja encontra-se com freqüência
uma comparação da Igreja no mundo com um barco no mar.
O Apóstolo Paulo, comparando a vida da Igreja de Cristo com um casamento, ou com o
relacionamento entre marido e mulher, conclui seus pensamentos com essas palavras: “Grande é
esse mistério: digo-o porém, a respeito de Cristo e da Igreja” (Ef 5:32). A vida da Igreja em sua
essência é mística; o curso de sua vida não pode ser incluído inteiramente em nenhuma “histori-
a.” A Igreja é completamente distinta de qualquer tipo que seja de sociedade organizada na terra.

O início e o propósito da Igreja.


A Igreja de Cristo recebeu sua existência com a vida para a terra do Filho de Deus,
“quando a plenitude do tempo veio” (Ga 4:4), e com seu trazer a salvação para o mundo.
O início de sua existência em sua forma e significados completos, com a plenitude dos
dons do Espírito Santo, foi no dia de Pentecostes, depois da ascensão do Senhor. Nesse dia, de-
pois da descida do Espírito Santo, sobre os Apóstolos, em Jerusalém foram batizados cerca de
três mil homens. E adiante, o Senhor adicionou cada dia aqueles a serem salvos, à Igreja. Desse
momento em diante, o território da cidade de Jerusalém, a seguir a Palestina, e então todo Impé-
rio Romano, e até mesmo terras além de suas fronteiras, começaram a ser cobertas com comuni-
dades cristãs ou Igrejas. O nome “Igreja” que pertence a toda comunidade cristã, mesmo a uma
única casa ou família, indica a unidade dessa parte com o todo, com o corpo da Igreja de Cristo
completa.
Sendo “o corpo de Cristo,” a Igreja “vai crescendo em aumento de Deus” (Cl 2:19).
Comparando a Igreja com um prédio não está completo, e continua: “...todo edifício bem ajusta-
do, cresce para o templo santo no Senhor” (Ef 2:21). Esse crescimento não é só no sentido do
visível, aumento quantitativo da Igreja na terra; em grau ainda maior, este é um crescimento es-
piritual, a perfeição dos santos, o preenchimento do mundo celeste-terrestre pela santidade. Atra-
vés da Igreja é realizada “a dispensação da plenitude dos tempos” pré-ordenada pelo Pai, para
que “torne a congregar em Cristo todas as coisas, ... tanto as que estão nos céus como as que es-
tão na terra” (Ef 1:10).

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No sentido de seu crescimento terrestre, a Igreja desenvolve nas esferas dos ofícios divi-
nos e dos canons; é tornada mais rica pela literatura patrística; ela cresce nas formas externas que
são necessárias para as condições terrestres de existência.
A Igreja é nosso lar espiritual. Como no seu próprio lar — e ainda mais que isso — os
pensamentos e ações de um Cristão estão intimamente ligados com a Igreja. Nela ele deve, en-
quanto viver na terra, trabalhar sua salvação, e fazer uso dos meios de santificação dados pela
graça para ele. Ela prepara suas crianças pra a morada celeste.
Como, pela graça de Deus, o renascimento e o crescimento espiritual ocorre em um ho-
mem, em que seqüência isso normalmente ocorre, que obstáculos devem ser ultrapassados por
ele no caminho da salvação, como ele deve combinar os trabalhos indispensáveis com a ajuda
dada por graça de Deus — ramos especiais da teologia e do aprendizado espiritual são devotados
a todos esses assuntos. Eles são chamados de Teologia Moral e Teologia Ascética.
A teologia Dogmática limita o assunto da Igreja a um exame das condições dadas por
graça na Igreja para a obtenção do objetivo da salvação em Cristo.

A Cabeça da Igreja.
O Salvador dando autoridade aos Apóstolos antes da Sua Ascensão, contou a eles
muito claramente que Ele próprio não cessaria de ser o invisível Pastor e Piloto da Igreja. “e eis
que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Todos os dias constantes e
inseparavelmente; Mt 28:20). O Salvador ensinou que Ele, como o Bom Pastor, tinha que trazer
para dentro também aquelas ovelhas que não eram desse aprisco de modo que tivesse que haver
um só rebanho e um só pastor (Jo 10:16). “É-me dado todo poder no céu e na terra. Portanto ide,
ensinai todas as nações...” (Mt 28:18-19). Em todas essas palavras está contida a idéia de que o
sumo Pastor da Igreja é o próprio Cristo. Nós temos que estar cientes disso para não esquecer a
intima ligação e união interior da Igreja na terra com a Igreja celeste.
O Senhor Jesus Cristo é também o Fundador da Igreja: “... edificarei minha Igreja, e as
portas do inferno não prevalecerão sobre ela” (Mt 16:18).
Cristo é também o Fundamento da Igreja, sua pedra de esquina: I”Porque ninguém pode
por outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Co 3:11).
Ele também é a Cabeça . Deus o Pai “sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as
coisas o constitui como Cabeça da Igreja, que é o Seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tu-
do em todos” (Ef 1:22-23). “...a cabeça é Cristo, Do qual todo o corpo bem ajustado, e ligado
pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz aumento do corpo,
para sua edificação em amor” (Ef 4:15-16). Como todos os membros de nosso corpo constituem
um completo e vivo organismo que depende de sua cabeça, assim também a Igreja é um orga-
nismo espiritual no qual não há lugar onde os poderes de Cristo não ajam. Ela é, a Igreja, “plena
de Cristo” (Bispo Teófano, o Recluso).
Cristo é o Bom Pastor, de Seu rebanho, a Igreja. Nós temos “o grande Pastor das ove-
lhas” de acordo com o Apóstolo Paulo (Hb 13:20). O Senhor Jesus Cristo é o Sumo Pastor. “ser-
vindo de exemplo ao rebanho,” o Apóstolo Pedro pede aqueles que foram colocados como Pasto-
res na Igreja, como co-pastor deles (em grego syn-presbiteros), “e quando aparecer o Sumo Pas-
tor, alcançareis a incorruptível coroa de glória” (1 Pe 5:1-4).
Cristo é o invisível Sumo Bispo da Igreja. O Hieromártir Inácio, portador de Deus, um
Padre Apostólico, chama o Senhor de “Bispo Invisível” (grego: episkopos aoratos).
Cristo é o eterno Sumo Sacerdote de Sua igreja, como o Apóstolo Paulo explica em sua
Epístola aos Hebreus. Os Sumos Sacerdotes do Velho Testamento “eram em grande número,

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porque pela morte foram impedidos de permanecer. Mas estes, porque permaneceu eternamente,
tem um sacerdócio perpétuo. Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por Ele se che-
gam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hb 7:23-25).
Ele é, de acordo com o Apocalipse de São João, o Teólogo: “...o que é verdadeiro, o que
tem a chave de Davi; o que abre, e ninguém fecha; e fecha e ninguém abre” (Ap 3:7).
A verdade é que o próprio Cristo é a Cabeça da Igreja tem sempre corrido de maneira vi-
va, e continua a correr através da autoconsciência da Igreja. Em nossas preces diárias também
lemos, “Ó Jesus, Bom Pastor das Tuas ovelhas...” (Oração de S. Antióquio nas Orações Antes de
Dormir do Livro Ortodoxo de Orações).
Crisóstomo ensina em suas homilias sobre a Epístola aos Efésios o seguinte: “Em Cristo,
na carne, Deus colocou uma única cabeça para todo mundo, para anjos e homens; isto é, Ele deu
um único princípio para os anjos e para os homens.: para um, Cristo de acordo com a carne; e
para outro, Deus o Verbo. Assim como se alguém dissesse a respeito de uma casa, que uma parte
dela estava estragada e a outra parte estava forte, e dever-se-ia restaurar a casa, isto é, torna-la
mais forte, colocando uma nova fundação sob ela; assim também aqui, Ele trouxe todos sob uma
única cabeça. Só então a união é possível; só então existirá aquela perfeita ligação, quando tudo,
tendo uma certa ligação indispensável com o que está acima, será trazido sob uma única cabeça”
(Works of St. Crysostom in Russian, V 11, p- 14).
A Igreja Ortodoxa de Cristo recusa-se a reconhecer ainda outra cabeça da Igreja na forma
de um “Vigário de Cristo na terra,” um título dado na Igreja Católico Romana ao Bispo de Ro-
ma. Tal título não corresponde nem a palavra de Deus nem à universal consciência e tradição da
Igreja; ele corta a Igreja na terra da imediata união com a Igreja-celeste. Um vigário é indicado
na ausência do representante; mas Cristo está invisivelmente presente em sua Igreja sempre.
A rejeição pela antiga Igreja na visão do Bispo de Roma como o Cabeça da Igreja e Vigá-
rio de Cristo na terra é expressa nos escritos daqueles que foram ativos nos Concílios Ecumêni-
cos.
O Segundo Concílio Ecumênico de Bispos, depois de completadas as atividades escreveu
uma epístola ao Papa Damasus e a outros Bispos da Igreja Romana, que termina assim: “Quando
desse modo o ensinamento da fé está em acordo, e o amor Cristão está estabelecido em nós, nós
cessaremos de falar as palavras que foram condenadas pelos Apóstolos: “Eu sou de Paulo, eu sou
de Apolo, eu sou de Cefas.” E quando nós todos nos manifestarmos como de Cristo, já que Cris-
to não é dividido em nós, então pela misericórdia de Deus nós preservaremos o corpo de Cristo
não dividido, e estaremos corajosamente diante do Trono do Senhor.”
A personalidade de liderança no Terceiro Concílio Ecumênico, São Cirilo de Alexandria,
em sua “Epístola sobre Símbolos Sagrados,” que está incluída nos Atos desse Concílio, escreve:
“Os mais santos Padres, ... que então se reuniram em Nicéia, compuseram o venerável Símbolo
Ecumênico (Credo). Com eles Cristo, Ele próprio presidiu, pois Ele disse: “Porque onde estive-
rem dois ou três reunidos em meu nome, aí, estou eu no meio deles” (Mt 18:20). Pois como pode
existir qualquer dúvida que Cristo presidiu esse Santo e Ecumênico Concílio? Porque lá, uma
certa base e uma firme e uma insuperável fundação foi lançada, e mesmo estendida para todo
universo, isto é, esta santa e irrevogável confissão. Se é assim, então Cristo que é a Fundação,
pode estar ausente se de acordo com as palavras do sapientíssimo Paulo: “Porque ninguém pode
por outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Co 3:11).
O Bem Aventurado Teodoreto, em uma homilia que também foi colocada nos Atos do
Terceiro Concílio Ecumênico, endereçada aos heréticos, os seguidores de Nestório, diz: “Cristo é
uma pedra de tropeço e escândalo para os descrentes, mas não põe os fiéis em vergonha; uma

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preciosa pedra e uma fundação, de acordo com as palavras de Isaías quando ele disse que Cristo
é a pedra que os construtores rejeitaram e que tornou-se a pedra de esquina. Cristo é a fundação
da Igreja. Cristo é a pedra que foi tirada não com mãos, e foi mudada para uma grande montanha
e cobriu o universo, de acordo com a profecia de Daniel; é para Ele, com Ele, e pelo Seu poder
que nós batalhamos, e por Quem nós somos removidos para longe das cidades reinantes, mas não
somos excluídos do Reino do Céu; pois nós temos uma cidade no alto, Jerusalém, “da qual o artí-
fice e construtor é Deus” (Hb 11:10), como diz o Apóstolo Paulo.
A respeito da pedra sobre a qual o Senhor prometeu ao Apóstolo Pedro fundar sua Igreja,
São Juvenal, Patriarca de Jerusalém, em sua Epístola ao clero da Palestina depois do Quarto
Concílio da Calcedônia escreve: “quando o chefe e primeiro dos Apóstolos Pedro disse: “Tu és o
Cristo, Filho de Deus vivo,” o Senhor respondeu: “Bem aventurado és tu Simão Barjonas, por-
que tu não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai que está nos céus. Por eu também te digo
que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalece-
rão contra ela” (Mt 16:16-18). Nessa confissão a Igreja de Deus é feita firme, e essa fé, dada a
nós pelos santos Apóstolos; a Igreja tem mantido e manterá até o fim do mundo.”

A ligação íntima entre a Igreja na terra e a Igreja no céu.


O Apóstolo instrui aqueles que vieram a acreditar em Cristo e foram juntados à Igreja
como segue: “Mas chegastes ao monte de Sião, e a cidade do Deus vivo, Jerusalém celestial, e
aos muitos milhares de anjos, à universal assembléia, e à Igreja dos primogênitos, que estão es-
critos nos céus, e à Deus, o juiz de todos e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e à Jesus o Me-
diador duma Nova Aliança...” (Hb 12:22-24). Nós não estamos separados de nossos irmãos mor-
tos na fé por um inultrapassável abismo de morte: eles estão perto de nós em Deus, “porque para
Ele vivem todos” (Lc 20:39).
A Igreja canta essa relação no Kondakion na festa da Ascensão do Senhor: “Tendo cum-
prido o plano providencial a nosso respeito e tendo unido a criatura terrestre aos habitantes dos
céus, Tu foste elevado em glória, ó Cristo nosso Deus, não Te afastando, mas permanecendo
com aqueles que Te amam e a quem Tu mesmo disseste: Eu estou convosco e ninguém pode al-
go contra vós.”
Por certo, existe uma distinção entre a Igreja de Cristo na terra e a Igreja dos santos nos
céus; os membros da Igreja terrena ainda não são membros da Igreja celeste.
Relacionado com isso a “Epístola dos Patriarcas Orientais” (século XVII), em resposta ao
ensinamento dos Calvinistas a respeito da uma e invisível Igreja, formula assim o ensinamento
Ortodoxo sobre a Igreja : “Nós cremos, como fomos instruídos a crer, naquela que é chamada, e
que de fato é, a Igreja santa, Católica Apostólica, que engloba todos aqueles, que quem quer que
sejam e estejam onde estiverem, acreditam em Cristo, e que estando agora em sua peregrinação
terrena, ainda não vieram morar na pátria celeste. Mas nós não confundimos nem minimamente a
Igreja em peregrinação com a Igreja que alcançou a pátria celeste, só porque, como alguns heré-
ticos pensam, uma e a outra, ambas existem, e ambas são como se fossem dois rebanhos do único
Sumo Sacerdote, Deus, e são santificadas pelo único Espírito Santo. Tal confusão deles é fora de
lugar e impossível, visto que uma está batalhando e ainda está a caminho enquanto a outra já está
celebrando a sua vitória e atingiu a terra do Pai e recebeu a recompensa, algo que se seguirá tam-
bém para a Igreja Ecumênica toda.”
E na realidade, o mundo terrestre e o celeste são duas formas separadas de existência: lá
no céu essa existência é sem corpo, aqui na terra é vida com corpo e morte física; lá, aqueles que

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atingiram, aqui, aqueles que procuram atingir; aqui, fé, lá, vendo o Senhor face a face; aqui espe-
rança lá plenitude.
No entanto, não se pode representar a existência dessas duas religiões, a celeste e a terres-
tre, como completamente separadas. Se nós não atingimos tão alto como os santos no céu; os
santos sim atingem tão alto como nós. Como alguém que se tendo estudado toda uma ciência tem
comando também sobre suas partes elementares, assim como um general que entrou em uma na-
ção tem comando também sobre suas fronteiras; assim também aqueles que alcançaram o céu em
seu comando aquilo que eles passaram através de, e eles não cessam de ser participantes na vida
da Igreja, militante na terra.
Os santos Apóstolos, partindo desse mundo, dispensaram o corpo terrestre, mas não dis-
pensaram o copo da Igreja. Não só eles foram, mas eles também permanecem sendo as bases da
Igreja. A Igreja é construída “sobre o fundamento dos Apóstolos e dos profetas, de que Jesus
Cristo é a principal pedra de esquina” (Ef 2:20) estando no céu, eles continuam a estar em comu-
nhão co os fieis aqui na terra.
Tal entendimento esteve presente no pensamento patrístico antigo, tanto no oriente quan-
to no ocidente. Aqui estão as palavras de Crisóstomo:
“De novo, o memorial dos mártires, e de novo um dia festivo e de solenidade espiritual.
Eles sofreram, e nós rejubilamos; eles lutaram, e nós saltamos de alegria; sua coroa é a glória de
todos, ou melhor, a glória de toda a Igreja. Como pode ser isso? Você diria. Os mártires são nos-
sas partes e membros. Mas, “De maneira que se um membro padece, todos os membros padecem
com ele, e se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele” (1 Co 12:26). A
cabeça é coroada e o resto do corpo se rejubila, e recebe o vitorioso nos jogos Olímpicos, e todo
o povo se rejubila, e recebe o vitorioso com grande glória. Se nos jogos Olímpicos, e todo povo
rejubila, e recebe o vitorioso com grande glória. Se nos jogos Olímpicos aqueles que não partici-
pam em nada dos esforços recebem tal satisfação, muito mais pode assim ser com respeito às ba-
talhas da piedade. Nós somos os pés, e os mártires são as cabeças: “mas a cabeça não pode dizer
aos pés: não tenho necessidade de vós” (1 Co 12:21). Os membros são glorificados mas a pree-
minência de glória não os separa da ligação com as outras partes; porque então eles estão especi-
almente gloriosos quando não estão separados da ligação com outras partes.” “Se o Mestre deles
não se envergonham de ser nossos membros; pois neles está expresso o amor, e amor usualmente
junta e liga coisas que estão separadas apesar da sua diferença em dignidade” (São João Crisós-
tomo, “Elogy for the Holy Martir Romanus”).

“Porque as almas dos mortos pios,” diz o Bem Aventurado Agostinho, “não partem da Igreja,
que é o Reino de Cristo. Isto é porque, no altar do Senhor, o memorial delas é realizado pelo ofe-
recimento do Corpo de Cristo... porque isso deveria ser feito senão porque os fiéis mesmo depois
da morte permanecem membros da Igreja?”
O para sempre memorável Pastor russo João de Kronstadt, em seu “Thoughs Concerning
The Church” escreve: “reconheçam que todos os santos são nossos irmãos mais velhos na Casa
Una do Pai Celestial; eles partiram da terra para o céu e eles estão sempre conosco em Deus, e
eles constantemente nos ensinam e nos guiam para a vida eterna por meios dos Ofícios da Igreja,
dos mistérios, dos ritos, instruções e decretos da Igreja, que eles compuseram — por exemplo,
aqueles relativos a jejuns e festas — eles vivem junto conosco, eles cantam, eles falam, eles ins-
truem, e nos ajudam em várias tentações e tristezas. E chamem a eles como se eles estivessem
vivendo com vocês sob o mesmo teto; glorifiquem a eles, agradeçam a eles, conversem com eles
como com pessoas vivas; e vocês acreditarão na Igreja” (São João de Kronstadt, “What Does it

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Means to Believe in the Church? Thoughts About the Church and the Orthodox Divines Servi-
ces”).
A Igreja em suas orações para os Apóstolos e Hierarcas chama-os de pilares, sobre os
quais ainda hoje a Igreja está estabelecida. “Tu és um pilar da Igreja”; “Vós sois pilares da igre-
ja”; “tu és um bom pastor e fervoroso professor, ó hierarca,” “Vós sois os olhos da Igreja de
Cristo”; “Vós sois as estrelas da Igreja” (de vários Ofícios da Igreja). Em harmonia com a cons-
ciência da Igreja, os santos, indo para o céu, compõe o firmamento da Igreja como estrelas mag-
níficas, e eles brilham sobre os fiéis, ó divinos Mestres, guerreiros de Cristo” (do Ofício Comum
do Mártires). “Como brilhantes e luminosas estrelas vós mentalmente se mostram no firmamento
da Igreja, e assim iluminam toda criação (do Ofício para os Hieromártires).
Existe uma base para tais apelos aos santos nas próprias palavras de Deus. No Apocalipse
de São João o Teólogo nós lemos: “A quem vencer, eu o farei coluna no templo de meu Deus ...”
(Ap 3:12). Assim os santos são colunas da Igreja não só no passado, mas também em todos os
tempos.
Nessa ligação da Igreja com os santos, e da mesma forma na liderança da Igreja pelo pró-
prio Senhor, pode ser visto um dos lados místicos da Igreja.” Por tua Cruz, ó Cristo, existe um só
rebanho de anjos e homens; e na assembléia uma céu e terra rejubilam, clamando, Senhor, glória
a Ti” (Octoecos, Tom 1, Apóstica de matinas de Quarta-feira).
O novo artigo do Símbolo da Fé indica os quatros atributos básicos da Igreja: “creio na
Igreja, Una, Santa, Católica e Apostólica.” Esses atributos são chamados essenciais, isso é, sem
os quais a Igreja não é a Igreja.

Atributos da Igreja.
Sua unidade.
No texto grego a palavra “em Una,” é expressa como um numeral (em mian). Assim o
Símbolo da Fé confessa que a Igreja é uma: a) é uma como vista de dentro de si própria, não di-
vidida; b) é uma como vista de fora, não tendo nenhuma outra a seu lado. Sua unidade consiste
não em por junto que é diferente por natureza, mas numa concordância interna e unanimidade.
“Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vos-
sa vocação. Um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre
todos e por todos em todos” (Ef 4:4-6).
Descrevendo a Igreja em parábolas, o Salvador fala de um só rebanho, um só aprisco,
uma videira, e uma pedra de fundação da Igreja. Ele deu um só ensinamento, um único batismo,
e uma única comunhão. A unidade dos fiéis em Cristo contem o sujeito de Sua Oração de Sumo
Sacerdote antes de Seus sofrimentos na Cruz; o Senhor orou: “Para que todos sejam um...” (Jo
17: 21).
A Igreja na terra tem um lado visível e um lado invisível. O lado invisível é: que sua Ca-
beça é Cristo; que ela é animada pelo Espírito Santo; que ela é realizada a mística da vida interior
em santidade dos mais prefeitos de seus membros. No entanto, a Igreja, pela natureza de seus
membros, é visível; desde que ela é composta de homens em seus corpos; ela tem uma hierarquia
visível; ela executa orações e ações sagradas visivelmente; ela confessa abertamente, por meio de
palavras, a fé de Cristo.
A Igreja não perde sua unidade porque lado a lado com ela existem sociedades cristãs que
não pertencem a ela. Essas sociedades não estão na Igreja, elas estão fora dela.

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A unidade da Igreja não é violada por conta de divisões temporárias de natureza não
dogmática. Diferença entre as Igrejas aparecem freqüentemente vidas de informações insuficien-
tes ou incorretas. Também, as vezes, uma quebra temporária de comunhão é causada por erros
pessoais de hierarcas individuais que estão na cabeça de uma ou outra Igreja local; ou é causada
pela violação por eles de canons da Igreja, ou pela violação da submissão de um grupo eclesiás-
tico territorial a outro de acordo com antigas tradições estabelecidas. Além disso, ávida mostra a
possibilidade de perturbações dentro de uma Igreja local até a manifestação exterior e trunfo dos
defensores da autentica verdade ortodoxa. Finalmente, a ligação entre Igrejas pode às vezes ser
violada por longos períodos por condições políticas, como freqüentemente tem acontecido na
história (Dois exemplos da recente história da Igreja podem servir para ilustrar o caráter dessas
divisões temporárias. No começo do século XIX, quando a Grécia proclamou a sua independên-
cia do Sultanato Turco, as partes da Igreja grega na própria Grécia e a Igreja grega na Turquia
tornaram-se divididas exteriormente. Quando o Patriarcado de Constantinopla, que ainda estava
sob autoridade turca, foi forçado a excomungar os “rebeldes” na Grécia, os Ortodoxos na Grécia
recusaram-se aceitar esse ato pó ter sido feito sob coerção política, mas eles não deixaram de o-
lhar o Patriarca como um membro da Igreja Ortodoxa que eles, nem tiveram dúvidas sobre se os
atos sacramentas não políticos eram doadores de graça. Essa divisão conduziu à formação hoje
de duas Igrejas locais separadas (em completa comunhão uma com a outra): a da Grécia e a de
Constantinopla.
Nó século XX, na Igreja Ortodoxa russa, foi formada em 1927 pelo Metropolita Sérgio
(patriarcado de Moscou) uma administração da Igreja baseada na submissão aos ditames dos go-
vernantes ateístas. Partes da Igreja na Rússia (a Igreja da Catacumba ou Verdadeira Igreja Orto-
doxa) e fora da Rússia (a Igreja Russa fora da Rússia) recusam-se até hoje a ter comunhão com
essa administração por sua dominação política pelos comunistas; mas os Bispos da Igreja fora da
Rússia (a respeito da Igreja da Catacumba é mais difícil fazer-se uma afirmação geral) não ne-
gam a graça dos Mistérios do Patriarcado de Moscou e ainda se sentem um com o clero e fies do
Patriarcado que tentam não colaborar com os objetivos comunistas. Quando o comunismo cair na
Rússia, esses corpos da Igreja poderão mais uma vez ter comunhão ou até mesmo se juntarem,
deixando para um futuro Concílio livre todo julgamento relativo ao período “Sergianista”) Em
tais casos, a divisão toca somente em relações exteriores, mas não toca ou viola a unidade espiri-
tual interior.
A verdade da Igreja Una é definida pela Ortodoxia de seus membros, e não pela sua
quantidade em um ou outro momento; São Gregório, o Teólogo escreveu a respeito à Igreja Or-
todoxa de Constantinopla antes do Segundo Concílio Ecumênico o seguinte:
“Esse campo foi uma vez pequeno e pobre ... Não foi nem mesmo um campo. Talvez ele
não fosse digno de celeiros, armazéns e foices. Nele não havia montes de feno nem ajuntamento
de nada, mas talvez só erva pequena e não amadurecida que cresce no telhado com a qual “o se-
gador não enche a sua mão,” e que não chamam para si a benção daqueles que passam (Sl 129:6
— 8). Tal era o nosso campo, a nossa colheita! No entanto ela é grande, gorda e abundante dian-
te daquele que vê o que está escondido... ainda, não é conhecida entre o povo, não esta reunida
num lugar, mas é juntada pouco a pouco “como as frutas de verão, como os rabiscos da vindima;
não há cachos de uva para comer” (Miquéias 7:1). Assim era nossa pobreza e tristeza” (Sermão
de despedida de São Gregório, o Teólogo aos padres do Segundo Concílio Ecumênico).
“E aonde estão aqueles,” diz São Gregório em outra homilia, “que nos recriminam por nossa
pobreza e estão orgulhosos de sua riqueza? Eles consideram um grande número de pessoas ser
um sinal da Igreja e desprezam o pequeno rebanho. Eles medem a divindade (o santo tem em

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mente aqui os arianos, que ensinavam que o Filho de Deus era menos que o Pai) pesando pesso-
as. Eles dão um grande valor a grãos de areias (isso é, as massas) e desvalorizam os luminares.
Eles guardam em seus tesouros pedras comunas, e desdenham perolas” (São Gregório, o Teólo-
go, Homilia 3, contra os Arianos). Nas orações da Igreja estão contidas petições pela cessação
de possíveis desentendimentos entre as Igrejas: “Faz com que acabem os cismas nas Igre-
jas...apressa-te a por termo às revoltas das heresias pelo poder do Teu Espírito Santo” (Oração
Eucarística na Liturgia de São Basílio, o Grande). “Nós Te glorificamos ... Tu Uno na Trindade,
e imploramos pelo perdão de pecados, paz no mundo, e concórdia na Igreja... concebe paz e uni-
dade à tua Igreja, é tu que amas a humanidade “ (Cânon das Noturnas de Domingo, To 8, cântico
9).

Sua santidade.
O Senhor Jesus Cristo cumpriu o trabalho de Seu ministério e morte na terra na Cruz;
Cristo “amou a Igreja ... para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga,
nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5:25-27). A Igreja e santa através de sua
Cabeça, o Senhor Jesus Cristo. É santa, também, através da presença nela do Espírito Santo e
Seus dons dados por graça, comunicados nos Mistérios e outros ritos sagrados da Igreja. Ela é
santa também através de sua ligação com a Igreja celeste.
O verdadeiro corpo da Igreja é santo: “E, se as primícias são santas, também a massa o é;
se a raiz é santa, também os ramos o são” (Ro 11:16). Na verdadeira Igreja sempre houve e sem-
pre há pessoas da mais elevada pureza espiritual e com dons especiais de graça — mártires, vir-
gens, ascetas, santos monges e monjas, hierarcas, justos, benditos. A Igreja tem um não contado
coro de pessoas partidas de todos os tempos. Ela tem manifestações dos extraordinários dons do
Espírito Santo, tanto visíveis quanto escondidos dos olhos do mundo.
A Igreja é santa pelo seu chamado, ou seu propósito. Ela é santa também por seus frutos:
“...tendes o vosso fruto para santificação, e por fim a vida eterna” (Ro 6:22), como o Apóstolo
Paulo nos instrui.
A Igreja é santa também através de seu puro e infalível ensinamento da fé: a Igreja do
Deus vivo e, de acordo com a palavra de Deus, “a coluna e firmeza da verdade” (1 Tm 3:15). Os
Patriarcas das Igrejas Orientais, considerando a infabilidade da Igreja em seu ensinamento, se
expressam assim: “dizendo que o ensinamento da Igreja é infalível, nós não afirmamos nada
mais que isso, que é imutável, que é o mesmo eu foi dado a ela no inicio como o ensinamento de
Deus” (Encíclica dos Patriarcas Orientais, 1848, parágrafo 12).
A santidade da Igreja não é obscurecida pela intrusão do mundo na Igreja, ou pela pecabi-
lidade dos homens, Tudo que é pecaminoso ou mundano que se introduz na esfera da Igreja per-
manece estranho a ela e é destinado a ser peneirado para fora e destruído, como erva daninha na
época de plantio. A opinião que a Igreja consiste só de pessoas justas e santas sem pecado não
coincide com o ensinamento direto de Cristo e seus Apóstolos. O Salvador compara a Sua Igreja
com um campo onde o trigo cresce juntamente com o joio, e outra vez, com uma rede que tira dá
água dons e maus peixes. Na Igreja há bons e maus sevos (Mt 18:23-35), virgens sábias e loucas
(Mt 25:1-13). “Nós acreditamos,” estabelece a Encíclica dos Patriarcas Orientais, “que os mem-
bros da Igreja Católica são todos os fieis, e somente os fieis, isto é, aqueles que sem duvida con-
fessam a fé pura no Salvador Cristo (a fé que nós recebemos do próprio Cristo, dos Apóstolos e
dos santos Concílios Ecumênicos), ainda que alguns fieis possam se submeter a vários pecados.
A Igreja os julga, chama-os ao arrependimento, e os conduz aos caminhos dos mandamentos sal-
víficos. É por isso apesar do fato que eles são sujeitos aos pecados, eles permanecem e são reco-

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nhecidos como membros da Igreja Católica enquanto não se tornarem apóstatas e enquanto man-
tiverem a fé Católica-Ortodoxa.”
Mas há uma fronteira, que se os pecadores ultrapassarem, eles, como membros mortos,
são cortados do corpo da Igreja, seja por um ato visível da autoridade da Igreja ou por ato invisí-
vel do julgamento de Deus. Assim, aqueles que não pertencem à Igreja que são ateístas ou após-
tatas da fé Cristã, aqueles que são pecadores caracterizados por uma teimosia consciente e falta
de arrependimento por seus pecados, como é dito no Catecismo (artigo nono). Também entre a-
queles que não pertencem a Igreja há heréticos que corromperam nossos dogmas fundamentais
da fé; cismáticos que por vontade própria se separaram da Igreja (o Cânon 33 do Concílio de La-
odicéia proíbe a oração com cismáticos). São Basílio, o Grande explica: “os antigos distinguiam
entre heresia, cisma e assembléias arbitrárias. Eles chamavam heréticos aqueles que tinham se
cortado completamente para fora e tinham se tornado estranhos na fé em si; chamavam-se cismá-
ticos aqueles que haviam se separado por iniciativa própria por opiniões a respeito de certos as-
suntos eclesiásticos e em questões que permitiam tratamento e cura; eles chamavam de assem-
bléias ordinárias aquelas reuniões compostas de padres ou bispos desobedientes e povo não ins-
truído.”
A tradição da Igreja é irreconciliável com falsos ensinamentos e heresias. Por isso a Igre-
ja guarda estritamente a pureza da verdade e ela mesma exclui os heréticos de seu meio.

Sua catolicidade.
No texto grego do Símbolo da Fé de Nicéia-Constantinopla (o Credo), a Igreja é chamada
de “católica” (na tradução eslavônica, sobornaya). Qual é o significado dessa palavra grega?
A palavra catholikos em grego antigo, na literatura pré-Cristã é encontrada muito rara-
mente. No entanto, a Igreja Cristã desde a antigüidade escolheu essa palavra para significar um
dos principais atributos da Igreja, nomeadamente, para expressar seu caráter universal. Ainda
que ela tivesse a disposição palavras como cosmos (o mundo), ou oikoumene (a terra habitada),
evidentemente essas palavras eram insuficientes para expressar um certo conceito novo que está
presente só na consciência Cristã. Nos antigos Símbolos de fé, aonde a palavra “Igreja” aparece,
é sem falha com a definição “católica.” Assim, no Símbolo da Fé de Jerusalém nós lemos: “e em
uma, santa, católica Igreja.” No símbolo de Roma: “Na santa, católica Igreja, a comunhão dos
santos”; etc. Na literatura cristã antiga, esse termo é encontrado muitas vezes em São Inácio, o
Portador de Deus, um padre apostólico, por exemplo quando ele diz : “Onde Jesus Cristo está, lá
está a Igreja Católica.” Esse termo é encontrado constantemente nos Atos de todos os Concílios
Ecumênicos. Na tradução direta da palavra, ela significa o mais alto grau de abrangência, totali-
dade, plenitude (sendo derivada de cath ola, significando “inteiramente o todo”).
Lado a lado com esse termo, também era usada com o significado de “universal,” a pala-
vra oikoumenicos. Esses dois termos não eram misturados. Os Concílios Ecumênicos receberam
o título de oikomenicos synodos de oikoumenicos significando toda terra habitada — na verdade,
a terra que pertencia a civilização greco-romana.
A Igreja é católica. Isso corresponde as palavras apostólicas, “... a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos” (Ef 1:23). Esse conceito indica que a raça humana é completa é chamada
para a salvação e portanto rodos os homens são comprometidos a serem membros da Igreja de
Cristo, apesar de nem todos pertencerem a ela de fato.
O grande Catecismo Ortodoxo, respondendo a pergunta, “porque a Igreja é chamada ca-
tólica, ou é a mesma coisa, universal?” responde : “porque ela não é limitada a qualquer ligar,

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nem tempo, nem povo, mas contem fieis verdadeiros de todos os ligares, tempos e povos” (Eas-
tern Orthodox Books Ed, p 50).
A Igreja não é limitada por lugar. Ela abrange em si todas as pessoas que acreditam na
maneira Ortodoxa, morem aonde quer que seja na terra. De outro lado é essencial ter-se em men-
te que a Igreja era católica mesmo quando ela era composta de um numero limitado de comuni-
dades, e também quando no dia de Pentecostes, seus limites não se estendiam além do salão su-
perior de Sião e Jerusalém.
A Igreja não é limitada pelo tempo: ela foi pré-ordenada a trazer pessoas para a fé “até o
final do mundo....” “...e eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (mt
28:20). O Espírito, o Consolador, “Ficará convosco para sempre” (Jo 14:16). O Mistério da Eu-
caristia será cumprido até que o Senhor venha outra vez para a terra (1 Co 11:26).
A Igreja não é limitada por nenhuma condição de ordem civil, nem por uma língua ou
povo definido.

A Igreja Apostólica.
A Igreja é chamada “Apostólica” porque os Apóstolos fizeram o inicio histórico dela. E-
les espalharam Cristianismo até os confins da terra e quase todos eles selaram sua pregação com
uma morte por martírio. As sementes do Cristianismo foram semeadas no mundo pelas palavras
deles e regadas com seu sangue. A chama inextinguível da fé no mundo eles acenderam pelo po-
der se sua fé pessoal.
Os Apóstolos preservaram e transmitiram para a Igreja o ensinamento da fé e da vida
Cristã na forma que eles haviam recebido de seu Mestre e Senhor. Dando em si próprios o exem-
plo de cumprimento dos comandos do Evangelho eles entregaram aos fieis o ensinamento de
Cristo pela palavra da boca baseada na Sagrada Escritura para que ele fosse preservado, confes-
sado e vivido.
Os Apóstolos estabeleceram na Igreja a graça da sucessão episcopal, e através dela a su-
cessão de graça para todo o ministério da hierarquia da Igreja. Eles colocaram o inicio da reali-
zação dos santos Mistérios do Corpo e Sangue de Cristo, no Batismo e Ordenação.
Os Apóstolos estabeleceram o inicio da estrutura canônica da vida da Igreja, estando pre-
ocupados que tudo deveria se feito decentemente e em ordem; um exemplo disso é dado no capi-
tulo catorze da Primeira Epistola aos Coríntios, que contem instruções para a as assembléias on-
de os Ofícios da Igreja são celebrados.
Tudo que dissemos refere-se ao aspecto histórico. Mas além disso existe outro aspecto, o
interior que dá a Igreja uma qualidade apostólica. Os Apóstolos não estiveram historicamente na
Igreja de Cristo; eles permaneceram nela e estão nela agora. Eles estiveram na Igreja terrestre, e
estão agora na Igreja celeste, continuando a estar em comunhão com os fiéis na terra. Sendo o
núcleo histórico da Igreja, continuam a ser, estando espiritualmente vivos, apesar de invisíveis, o
núcleo da Igreja, agora e sempre, na constante existência dela. O Apóstolo João, o Teólogo es-
creve: ..”e nós anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é
com o Pai, e com seu Filho Jesus Cristo” (1 Jo 1:3). Essas palavras tem para nos a mesma força
que elas tiveram para os contemporâneos dos Apóstolos; elas contem uma exortação para nós
estarmos em comunhão com a ordem dos Apóstolos, pois a proximidade dos Apóstolos com a
Santíssima Trindade é maior que a nossa.
Assim, tanto por razões de caráter histórico quanto por razoes de caráter interior, os A-
póstolos constituem a base, fundação da Igreja. Por essa razão é dito na Igreja: ela é “Edificada
sobre o fundamento dos Apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra de es-

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quina” (Ef 2:20). A nomeação da Igreja como “Apostólica” indica que ela é estabelecida não so-
bre só um Apóstolo (como a Igreja Romana mais tarde veio a pensar), mas sobre todos os doze;
de outra forma ela teria que ter o nome de Pedro, ou João, ou de algum outro. A Igreja como ela
estava adiante do tempo nos preveniu contra pensar de acordo com um principio “carnal” (1 Co
3:4): “Eu sou de Paulo, e outro, eu sou de Apolo.” No Apocalipse, a respeito da cidade que des-
cia do céu e dito: “É o muro da cidade tinha doze fundamentos, e neles os nomes dos doze Após-
tolos do Cordeiro” (Ap 21:14).
Os atributos da Igreja indicados no Símbolo da Fé: “una, santa, católica, apostólica,” re-
ferindo-se à Igreja militante. No entanto, eles recebem seu significado completo com a consciên-
cia da unicidade dessa Igreja com a Igreja celeste do único Corpo de Cristo: a Igreja é una, com
uma unidade que é tanto celeste, quanto terrestre; e é santa com uma santidade celeste-terrestre; e
é católica apostólica pela sua ligação inquebrantável com os Apóstolos e todos os santos.
O ensinamento Ortodoxo da Igreja, que é nele próprio muito claro e repousa sobre a Sa-
grada Escritura e a Sagrada Tradição, tem que ser contrastado com outro conceito que está lar-
gamente espalhado no mundo protestante contemporâneo e que tem penetrado até em círculos
Ortodoxos. De acordo com esse diferente conceito, todas as várias organizações Cristãs existen-
tes,as assim chamadas “confissões” e “seitas” ainda que estejam separadas uma das outras, ainda
assim compõe uma única “Igreja Invisível,” desde que cada uma delas confessa Cristo como Fi-
lho de Deus e aceita Seu Evangelho.
A disseminação de tal visão é ajurada pelo fato que lado a lado com a Igreja Ortodoxa
existe fora dela um número de Cristãos que excedem em muitas vezes o número de membros da
Igreja Ortodoxa . Com freqüência nós podemos observar nesse mundo Cristão fora da Igreja um
fervor religioso e uma fé, uma vida moral digna, uma convicção — na direção do fanatismo —
um comportamento correto, uma organização e uma ampla atividade caritativa. Qual é a relação
de todos eles com a Igreja de Cristo?
Com certeza, não existe razão para olharmos essas confissões e seitas como no mesmo
nível que as religiões não-Cristãs. Não se pode negar que a leitura da palavra de Deus tem uma
influência benéfica em qualquer um que nela procurar instrução e reforço da fé, e que reflexão
devota sobre Deus o Criador e sobre o Provedor e Salvador, tem um poder elevador também en-
tre os Protestantes. Nós não podemos dizer que as orações deles são totalmente infrutíferas se
elas vem de um coração puro, pois “em qualquer nação aquele que teme o Senhor, é agradável a
Ele” (At 10:35 paráfrase). O Onipresente e Bom Provedor Deus está sobre eles, e eles não estão
privados da misericórdia de Deus. Eles ajudam a restringir a aproximação moral, vícios e crimes;
e eles se opõem ao espalhamento do ateísmo.
Mas tudo isso não nos dá base para considera-los como pertencendo à Igreja. Já o fato
que uma parte desse amplo mundo Cristão fora da Igreja, particularmente o Protestantismo todo,
nega a ligação com a Igreja Celeste, isto é, a veneração em oração da Mãe de Deus e dos santos,
e da mesma forma orações feitas pelos mortos, indica que eles destruíram a ligação com o Uno
Corpo de Cristo que une em si o celeste e o terrestre. Além disso, é um fato que essas confissões
não-Ortodoxas “romperam” de uma ou outra forma, direta ou indiretamente, com a Igreja Orto-
doxa, com a Igreja em sua forma histórica; eles mesmos cortaram a ligação, eles “partiram” dela.
Nem nós nem eles temos o direito de fechar os olhos para esse fato. O ensinamento dos Não-
Ortodoxos contém heresias que foram decididamente rejeitadas e condenadas pela Igreja em seus
Concílios Ecumênicos. Nesses numerosos ramos do Cristianismo não há unidade, nem interior,
nem exterior — seja com a Igreja Ortodoxa ou entre eles mesmos. A unificação supra-
confessional (o “movimento ecumenista”) que está se observando agora não entra nas profunde-

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zas da vida dessas confissões mas tem um caráter exterior. O termo “invisível” pode se referir
somente à Igreja celeste. A Igreja na terra, ainda que tenha seu lado invisível, como um barco
que tem uma parte escondida na água e é invisível aos olhos, ainda permanece visível, porque ela
consiste de pessoas e tem formas visíveis de organização e de atividades sagradas.
Por conseguinte é muito natural afirmar que essas organizações religiosas são sociedades
que estão “perto,” ou “proximidade,” “encostada,” ou talvez até mesmo “contígua” a Igreja, mas
as vezes “contra” ela; mas elas estão todas “fora” da Una Igreja de Cristo. Algumas vezes corta-
ram-se da Igreja, outras foram para longe. Algumas ao ir embora, ao mesmo tempo mantiveram
ligações de sangue com a Igreja. Outras perderam todo parentesco, e nelas o verdadeiro espírito e
as bases do Cristianismo foram distorcidas. Nenhuma delas encontra-se sob a atividade da graça
que está presente na Igreja, e especialmente a graça que pe dada nos mistérios da Igreja. Elas não
são nutridas por aquela mesa mística que conduz ao longo dos passos da perfeição moral.
A tendência na sociedade cultural contemporânea de colocar todas as confissões no mes-
mo nível não é limitada ao Cristianismo; nesse mesmo nível igual para todos são colocadas tam-
bém as religiões não-Cristãs, baseado no fato que todas “conduzem a Deus,” e além tomadas to-
das juntas, elas superam largamente o mundo Cristão em numero de membros.
Todas essas visões “unitilizadoras” e “equalizadoras” indicam um esquecimento do prin-
cípio de que podem existir muitos ensinamentos e opiniões, mas existe uma só verdade. E a uni-
ão Cristã autentica — unidade na Igreja — só pode ser baseada na unidade de mente e não em
diferenças de mente. A Igreja é “a coluna e firmeza da verdade” (1 Tm 3:15).

A hierarquia da Igreja.
Todos os membros da Igreja de Cristo forma um único rebanho de Deus. Todos são iguais pe-
rante o julgamento de Deus. Porém, assim como as partes do corpo tem diferentes funções, na
vida do organismo, e assim como numa casa cada parte tem um uso próprio, assim também na
Igreja existem vários cargos. O cargo mais elevado na Igreja como uma organização é gerado
pela hierarquia, que é distinta dos membros comuns.
A hierarquia foi estabelecida pelo Senhor Jesus Cristo. Ele “... deu uns para Apóstolos, e
outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores. Querendo o
aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo. Até
que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à
medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4:11-13).
Ninguém na Igreja pode tomar sobre si próprio o ministério hierárquico, mas só aquele
que é chamado e legalmente colocado através do Ministério da Ordenação. “E ninguém toma
para si esta honra, senão o que é chamado por Deus, como Aarão” (Hb 5:4). Não importa quão
elevada seja a vida moral que um homem leve, ele não pode preencher o ministério hierárquico
sem uma consagração especial. Não é possível, portanto, traçar um paralelo entre o grau moral
de um homem e o grau de seu nível na hierarquia. Aqui uma perfeita correspondência é desejável
mas nem sempre é obtida.

Apóstolos.
O Senhor Jesus Cristo durante Seu ministério terrestre escolheu dentre Seus seguidores
doze discípulos — os Apóstolos (aqueles “enviados para longe”) — dando-lhes dons espirituais
especiais e uma autoridade especial. Aparecendo a eles depois de Sua Ressurreição, Ele disse a

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eles: “... assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós. E havendo dito isto, assoprou
sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, os pe-
cados lhe serão perdoados: e aqueles a quem os retiverdes lhes serão retidos” (Jo 20:21-23). Es-
sas palavras significam que é essencial ser enviado do alto de modo a preencher o ministério A-
postólico, assim como o ministério pastoral que se segue depois. O escopo desses ministérios é
expresso nas palavras finais do Senhor para Seus discípulos antes de Sua Ascensão: “Portanto
ide, ensinai todas as nações batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinan-
do-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado e eis que eu estou com vocês todos os
dias, até a consumação dos séculos. Amém” (Mt 28:19-20). Nessas palavras finais o Salvador
indica o triplo ministério dos Apóstolos em sua missão: 1) ensinar, 2) executar funções sagradas
(batizar), e 3) governar (“ensinando-os a guardar toda as coisas”). E nas palavras “eu estou con-
vosco, até a consumação dos séculos” Ele abençoa o trabalho pastoral dos sucessores por todos
os tempos até o final dos séculos, até que a existência da Igreja terrestre tenha chegado ao fim.
As palavras do Senhor citadas anteriormente “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20:21), testemu-
nham que essa autoridade de pastoreio é inseparavelmente unida com dons especiais na graça do
Espírito Santo. Os três ministérios hierárquicos estão unidos num único conceito de pastores, de
acordo com a expressão do Senhor: “Apascenta as minhas ovelhas... apascenta as minhas ove-
lhas” (Jo 21:16-17), e dos Apóstolos: “Apascentai o rebanho de Deus” (1 Pe 5:2).
Os Apóstolos estiveram sempre citando a idéia da instituição Divina da hierarquia. Foi
por um rito especial que o Apóstolo Matias foi juntado à ordem dos doze no lugar de Judas que
havia caído fora (At 1). Esse rito foi a escolha de pessoas dignas, seguida por orações e por lan-
çamentos de sortes. Os Apóstolos escolheram sucessores para si próprios através da ordenação.
Esses sucessores foram os bispos.

Bispos.
O Apóstolo Paulo escreve a Timóteo, “não desprezes o dom que há em ti, o qual te foi
dado por profecia, com a imposição das mãos do presbitério” (1 Tm 4:14). E em outro lugar o
Apóstolo escreve para ele: “Por cujo motivo te lembro que despertes o dom de Deus que existe
em ti pela imposição das minhas mãos” (2 Tm 1:6). A Timóteo e Tito, Bispos de Éfeso e Creta, é
dado o poder de fazer padres: “Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa or-
dem as coisas que ainda restam, e de cidade em cidade estabelecesses presbíteros, como já te
mandei” (Ti 1:5). Da mesma forma dói dado a eles do direito de dar méritos aos presbíteros: “Os
presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente
os que trabalham na palavra e na doutrina. Porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que
debulha. E: digno é o obreiro de seu salário” (1 Tm 5:17-18). Da mesma forma eles tem o direito
de examinar acusações contra os presbíteros : “Não aceites acusação contra o presbítero, senão
com duas ou três testemunhas” (1 Tm 5:19).
Assim os Apóstolos — aqueles que precisamente eram chamados para o mais alto minis-
tério na Igreja pelo próprio Senhor — colocaram Bispos como seus sucessores imediatos, e con-
tinuadores, e presbíteros como seus próprios auxiliares e como auxiliadores dos Bispos, como as
“mãos” dos Bispos, deixando a questão de ordenação dos presbíteros com os Bispos.

Presbíteros (padres).
Presbíteros (literalmente “anciões”) foram nos tempos apostólicos e em todo tempo sub-
seqüente — e são hoje em dia — o segundo grau da hierarquia. Os apóstolos Paulo e Barnabé,
como relato o livro dos Atos, passando por Listra, Antioquia e Icêniu, ordenaram presbíteros em

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cada Igreja (At 14:23). Para a solução da questão acerca da circuncisão, foi enviada uma embai-
xada a Jerusalém, para os Apóstolos e os presbíteros em Jerusalém (At 15:2). No Concílio dos
Apóstolos, os presbíteros ocuparam um lugar junto com os Apóstolos (At 15:6).
Depois, o Apóstolo Tiago instrui: “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros
da Igreja e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor” (Tg 5:14). Da instrução
do Apóstolo Tiago nós vemos que 1) presbíteros executavam ritos sagrados da Igreja, e 2) na I-
greja do início podia haver vários presbíteros em cada comunidade, enquanto só um Bispo era
indicado para uma cidade e a região em torno dela.
No capítulo vinte e um do livro dos Atos, é relatado que quando o Apóstolo Paulo voltou
a Jerusalém depois da terceira viagem Apostólica e visitou Tiago, todos os presbíteros vieram,
significando que eles fizeram uma reunião especial da Igreja. Eles repetiram aos ouvidos de Pau-
lo o decreto do Concílio Apostólico a respeito da não-circuncisão dos pagãos; mas eles pediram
a Paulo que executasse o rito de sua própria purificação, para evitar a recriminação de que ele
tinha renunciado ao nome de Judeu.
Nos escritos Apostólicos os dois nomes de “Bispo” e “presbítero” não estão sempre dis-
tinguidos. Assim, de acordo com o livro dos Atos o Apóstolo Paulo chamou em Mileto, os
“presbíteros da Igreja” de Éfeso (At 20:17) e instruindo-os ele disse : “Olhai pois por vós, e por
todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constitui Bispos, para apascentar a Igreja de Deus,
que ele resgatou com seu próprio sangue” (At 20:28). No entanto, dessas expressões e de outras
similares não se pode concluir que na época dos Apóstolos os dois graus — Bispo e presbítero
— estavam juntados em um. Isso só mostra que no primeiro século a terminologia da Igreja não
estava tão padronizada como tornou-se depois, e a palavra “Bispo” era usada em dois sentidos:
às vezes no significado especial de grau mais elevado da hierarquia, e às vezes no significado
usual e feral de “inspetor” ou “supervisor, de acordo com o uso grego daquele tempo. Na nossa
terminologia diária na Rússia também, por exemplo, a palavra “inspecionar” está longe de signi-
ficar que alguém tem necessariamente o grau de inspetor (Um “inspetor” é o oficial encarregado
de supervisionar a boa ordem geral em seminários Ortodoxos).

Diáconos.
O terceiro grau hierárquico na Igreja é o dos diáconos. Diácono, sete em número foram
escolhidos pela comunidade de Jerusalém e ordenados pelos Apóstolos, como lemos no sexto
capítulo do livro dos Atos. Sua primeira função era ajudar os Apóstolos numa atividade prática
secundária: eles eram encarregados de “servir as mesas” — dar comida, e estar preocupados com
as viúvas. Esses sete homens foram mais tarde chamados de diáconos, apesar de no sexto capítu-
lo do livro de Atos, esse nome não ser ainda usado.
De epístolas pastorais fica aparente que os diáconos eram apontados pelos Bispos (1 Tm
3:8-13). De acordo com o livro dos Atos, para o ministério de diácono eram escolhidas as pesso-
as “enchidas com o Espírito Santo e sabedoria.” Eles tomavam parte na pregação, como fé, Santo
Estevão, que selou sua pregação de Cristo com seu martírio de sangue; e como São Felipe que
realizou o batismo do eunuco (At 8:5 e 38). Na Epístola aos Felipenses, o Apóstolo Paulo manda
saudações aos “Bispos e diáconos” (1:1), como portadores da graça do ministério hierárquico,
auxiliares dos Bispos.
São Justino o Mártir escreve: “Os chamados diáconos entre nós dão a cada um dos que
estão presentes comunhão do pão sobre o qual foi realizado o agradecimento (Eucaristia) e do
vinho e da água, e eles levam o pão, vinho e água para aqueles que estão ausentes.” Isso significa
que eles distribuíam e levavam para fiéis não só comida, mas também os dos Eucarísticos. O seu

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ministério, portanto, era limitado na Igreja antiga, como é agora, aos Divinos ofícios e ao dar a
graça.
No Concílio de Neo-Cesaréia em 314, foi necessário que o numero de diáconos numa
comunidade, mesmo numa cidade grande, não devia exceder sete, citando a passagem do livro
dos Atos. Na literatura da Igreja antiga, às vezes Bispos e diáconos são citados sem menção de
presbíteros, aparentemente em vista do fato que os próprios Bispos eram os representantes das
comunidades nas cidades, enquanto aos presbíteros era dado o ministério das comunidades fora
das cidades.

Os três degraus da hierarquia.


Então a hierarquia da Igreja é composta de três degraus. Nenhum dos três graus pode ser
tomado somente pelo desejo pessoal de alguém; eles são dados pela Igreja, e a indicação para
eles é executada pela benção de Deus através da ordenação de um Bispo.
Todo os três graus de sacerdócio são indispensáveis para a Igreja. Mesmo que uma pe-
quena comunidade tenha como representantes da hierarquia somente um ou dois dos graus (um
padre, um padre e um diácono, dois padres, etc), ainda, na Igreja como um todo, e mesmo na I-
greja local, é essencial que exista a totalidade da hierarquia. O Padre Apostólico, Santo Inácio,
expressa em suas epístolas o testemunho da preocupação da Igreja antiga com isso. Ele escreve:
“É essencial, como de fato vós estais agindo, não se fazer nada sem o Bispo. Da mesma forma,
obedecei os presbíteros como Apóstolos de Jesus Cristo — nossa esperança, em quem Deus con-
ceda que vivamos. E todos deveriam cooperar de todas as maneiras com os diáconos que servem
os ministros dos Mistérios de Jesus Cristo, pois eles não são ministros de comida e bebida, mas
servos da Igreja de Deus.” “Todos vós deveríeis reverenciar os diáconos, como um mandamento
de Jesus Cristo, o Filho do Deus Pai, e os presbíteros como a assembléia de Deus, como o coro
dos Apóstolos. Sem eles não há Igreja” (Inácio, o Portador de Deus, Epistle to the Trallians, par.
2; To The Smyrneans, par. 8). Na expressão de Tertuliano, “sem Bispos não há Igreja” (Tertulia-
no, “Against Marcian,” part 4, chap 5).
Entre os Bispos há alguns que são líderes por sua posição, mas não por sua dignidade hie-
rárquica, dada por graça. Assim era também entre os Apóstolos. Apesar de entre os Apóstolos
existirem aqueles que eram especialmente venerados e renomados, reverenciados como colunas
(Ga 2:2,9), ainda assim todos eram essencialmente iguais, no seu grau apostólico. “Porque penso
que em nada fui inferior ao mais excelentes apóstolos” (2 Co 11:5, 12:11), o Apóstolo Paulo de-
clara duas vezes, adicionando: “ainda que nada sou.” As relações mútuas nos Apóstolos foram
construídas sobre bases de igualdade hierárquica. Tocando em sua viagem para Jerusalém para
encontrar os mais renomados Apóstolos, Tiago, Pedro e João, o Apóstolo Paulo explica que ele
foi “por revelação,” testando a si próprio pela consciência católica dos Apóstolos, mas não pela
visão pessoal de nenhum entre os mais renomados. “E quanto aqueles que pareciam ser alguma
coisa (quais tenham sido noutro tempo, não se me dá; Deus não aceita a aparência do homem)”
(Ga 2:6). E como para pessoas separadas, o Apóstolo Paulo escreve: “E chegando Pedro à Anti-
oquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível” (por sua atitude para com os Cristãos não cir-
cuncisados; Ga 2:11). As mesmas relações mútuas de acordo com o princípio da igualdade hie-
rárquica dada por graça permanecem na para sempre Igreja entre os sucessores dos Apóstolos —
os Bispos.

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Os Concílios da Igreja.
Quando entre os Apóstolos surgiu a necessidade de apelar para uma voz autoritária mais
alta ou para um julgamento — isso foi com relação aos importantes mal entendidos que surgiram
em Antioquia com respeito à aplicação do ritual da lei de Moisés — os Apóstolos reuniram-se
em um Concílio em Jerusalém (At 15), e os decretos desse Concílio foram reconhecidos como
obrigatórios para a Igreja toda (At 16:4). Por esta atitude os Apóstolos deram um exemplo de
resolução conciliar das mais importantes questões da Igreja para todos os tempos.
Assim o mais elevado órgão de autoridade na Igreja, e a mais alta autoridade em geral é
um Concílio de Bispos; para uma Igreja local é um Concílio de seus Bispos locais, e para a Igreja
Ecumênica, um Concílio de Bispos de toda a Igreja.

A ininterruptibilidade do episcopado.
A sucessão dos Apóstolos e a ininterruptibilidade do episcopado constituem um dos lados
essenciais da Igreja. E ao contrário: a ausência da sucessão episcopal em uma ou outra denomi-
nação Cristã deriva-se de um atributo da verdadeira Igreja, mesmo que nelas esteja presente um
ensinamento dogmático não distorcido. Tal entendimento esteve presente na Igreja desde seu iní-
cio. Da história da Igreja de Eusébio de Cesaréia nós sabemos que todas as Igrejas Cristãs locais
antigas preservaram listas de seus Bispos em sua sucessão não interrompida.
Santo Irineu de Lyon escreve: “Nós podemos enumerar aqueles que foram apontados
como Bispos das Igrejas pelos Apóstolos, e seus sucessores até o nosso tempo.” E, de fato, ele
enumera em ordem a sucessão dos Bispos da Igreja Romana quase até o fim do segundo século”
(Against Heresies, pt 3, ch3).
A mesma visão da importância da sucessão é expressa por Tertuliano. Ele escreveu a res-
peito dos heréticos de seu tempo: “que eles mostrem o começo de suas Igrejas, e revelem a série
de seus Bispos que devem continuar em sucessão de modo que seu primeiro Bispo tenha tido
como sua causa ou predecessor um dos Apóstolos ou um dos Padres Apostólicos que esteve mui-
to tempo com os Apóstolos. Pois as Igrejas Apostólicas guardam as listas de (de Bispos) preci-
samente dessa forma. A Igreja de Smirna, por exemplo, apresenta Policarpo, que foi apontado
por João; a Igreja de Roma aponta Clemente, que foi ordenado por Pedro; e da mesma forma as
outras Igrejas também apontam para aqueles homens como rebentos da semente Apostólica”
(Tertuliano, “Concerning the Prescriptions” contra os heréticos).

O aspecto pastoral da Igreja.


“Que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e dispenseiros dos ministérios
de Deus ... Todavia, a mim pouco se me dá ser julgado por nós, ou por algum juízo humano...;
pois quem me julga é o Senhor” (1 Co 4:1-4).
“Aos presbíteros que estão entre vós admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e
testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar. Apascenta o re-
banho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas tendo domínio sobre a
herança de Deus, mas servido de exemplo ao rebanho” (1 Pe 5:1-3).
“Lembrai-vos os vossos pastores, que vos falaram a palavra de Deus, a fé dos quais imi-
tais, atentando para sua maneira de viver” (Hb 13:7).
“Obedecei a vossos pastores, e sujeita-vos a eles; porque velam por vossas almas, como
aqueles que hão de dar contas delas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque isso
não vos seria útil” (Hb 13:17).

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8. Os Santos Mistérios ou Sacramentos.

A vida na Igreja no Espírito Santo. A nova vida. A graça Divina. A providência de Deus e a gra-
ça. Os Mistérios ou Sacramentos. Batismo. O significado do Mistério. Os meios de realização do
Mistério. A indispensabilidade do Batismo. Batismo: a porta para a recepção de outros dons.
Crisma. Os meios originais de execução desse Mistério. Crisma e Santificação. A Eucaristia. As
palavras do Salvador sobre esses Mistérios. O estabelecimento do Mistério e sua execução nos
tempos apostólicos. A mudança do pão e do vinho no Mistério da Eucaristia. A maneira em que
Jesus Cristo permanece nos Santos Dons. A Eucaristia e a Cruz. O significado da Eucaristia co-
mo um sacrifício. Conclusões de um caráter litúrgico. A necessidade da Comunhão. Arrependi-
mento. A instituição do Mistério. Penitência. A visão Católico Romana. Sacerdócio. A essência e
as palavras da efetuação do Mistério. O celibato dos Bispos. Casamento. O significado do Misté-
rio. O momento central do Mistério. Matrimônio como instituição divina. A indissolubilidade do
matrimônio. Santa Unção. A essência do Mistério. A divina instituição do Mistério. Unção entre
os Protestantes e os Católicos Romanos.

A vida da Igreja no Espírito Santo.

A nova vida.
A Igreja é cercada pelo mundo pecador e não-iluminado; no entanto, ela própria é uma
nova criação e ela cria uma nova vida. E todo membro dela é chamado a receber e criar em si
mesmo essa nova vida. Essa nova vida deveria ser precedida de um rompimento por parte do fu-
turo membro da Igreja com a vida “do mundo.” Porém, quando se fala do romper com “o mun-
do,” isso não significa ir embora totalmente da vida na terra, do meio do resto da humanidade,
que freqüentemente é descrente e corrupta; pois então, escreve o Apóstolo Paulo, “vos seria ne-
cessário sair do mundo” (1 Co 5:10). No entanto, para entrar na Igreja deve-se claramente e dire-
tamente renunciar ao diabo; pois não se pode servir a dois senhores. Deve-se limpar do fermento
velho para ser uma nova massa (1 Co 5:7).
Portanto, da mais profunda antigüidade Cristã o momento da entrada na Igreja tem sido
precedido por uma especial “renúncia ao diabo,” após o que segue-se o Batismo com a limpeza
da mácula do pecado. A respeito disso lê-se em detalhe nas Leituras Catequéticas de São Cirilo
de Jerusalém. Nessas homilias aos catecúmenos nós vemos que as “orações de exorcismo,” sig-
nificando o banimento do demônio, que estão presentes no Ofício Ortodoxo do Batismo, e a “re-
nuncia de satan” pela pessoa vinda para o batismo, estão muito próximas em conteúdo ao rito da
Igreja antiga. Após isso é a aberta a entrada no Reino da graça, o nascimento para uma nova vida
“pela água e pelo Espírito,” a respeito da qual o Salvador ensinou em conversa com Nicodemos
(Jo 3:5-6).
Como ocorre o crescimento nessa vida subseqüentemente, nós sabemos isso também das
palavras do Salvador: “O Reino de Deus é assim como se um homem lançasse semente à terra, e
dormisse, e se levantasse de noite e de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo ele

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como, porque a terra por si mesma frutifica, primeiro a erva, depois a espiga, por último o grão
cheio na espiga” (Mc 4:26-28). Assim toda essa nova vida — se só é recebida interiormente, se
deseja-se sinceramente permanecer nela, se de nossa parte são aplicados esforços para preserva-
la — age em nós com o poder místico do Espírito Santo, apesar desse processo invisível quase
não ser sentido por nós.
A vida toda da Igreja é penetrada pelas ações místicas do Espírito Santo. “A causa de to-
da preservação está no Espírito Santo. Se Ele julga adequado soprar em um homem, Ele eleva
esse homem acima de todas as coisas da terra, faz ele crescer, e assenta-o no alto” (Antífona de
matinas de Domingo, tom 6); por isso, toda oração da Igreja, seja pública ou privada, começa
com a oração do Espírito Santo: “Rei dos Céus, Consolador, Espírito de Verdade, Tu que estás
presente em tido e enches tudo, Tesouro de bens e Doador da vida, vem e habita em nós.....” As-
sim como chuva e orvalho, caindo na terra vivifica e nutre e faz crescer todo tipo de coisa cres-
cente, assim os poderes do Espírito Santo agem na Igreja.
Nas Epístolas Apostólicas, as ações do Espírito santo são chamadas “excelência do po-
der” (literalmente, “poder superabundante” 2 Co 4:7), “divino poder” (2 Pe 1:3), ou “pelo Espíri-
to Santo.” Mas mais freqüentemente que todos elas são significadas pela palavra “graça.” Aque-
les que entraram na Igreja entraram no Reino da graça, e eles são convidados a “chegar com con-
fiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos
ajudados em tempo oportuno” (Hb 4:16).

A graça Divina.
A palavra “graça” é usada na Sagrada Escritura com vários significados. As vezes ela si-
gnifica em geral a misericórdia de Deus: “Deus é o Deus de toda a graça” (1 Pe 3:10). Nesse, seu
mais amplo significado, graça é a boa vontade de Deus para com os homens de vida digna em
todas as eras da humanidade, e particularmente para com os justos do Velho Testamento como
Abel, Enoch, Noé, Abrahão, o Profeta Moisés, e os últimos profetas.
No significado mais preciso, o conceito de graça refere-se ao Novo Testamento. Aqui no
Novo Testamento nós distinguimos dois significados fundamentais desse conceito. Primeiro, pe-
la graça de Deus, a graça de Cristo, é para ser entendida a economia completa de nossa salvação,
realizada pela vinda do Filho de Deus para a terra, por Sua vida terrena, por Sua morte na Cruz,
Sua Ressurreição, e sua Ascensão ao céu: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso
não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras para que ninguém se glorie” (Ef 2:8-9). Em
segundo lugar, graça é o nome aplicado aos dons do Espírito Santo que foram e estão sendo
mandados para a Igreja de Cristo para a santificação de seus membros, para seu crescimento es-
piritual, e para a obtenção por eles o reino do Céu.
Nesse novo significado da palavra do Novo Testamento, a graça é um poder mandando
do alto, o poder de Deus que está na Igreja de Cristo, que dá nascimento, dá vida, aperfeiçoa e
conduz os fiéis carentes e virtuosos à apropriação da salvação que foi trazido pelo Senhor Jesus
Cristo.
Os Apóstolos, por isso, em seus escritos freqüentemente usam a palavra grega charis,
“graça,” como idêntica em significado com a palavra dynamis, “poder.” O termo “graça” no sen-
tido de “poder” dado do alto para a vida santa é encontrado em vários lugares das Epistolas A-
postólicas (2 Pe 1:3, Rom 5:2, Ro 16-20, 1 Pe 5:12, 2 Pe 3:18), 2 Tm 2:1, 1 Co 16:23, 2 Co
13:14, Ga 16:18, Ex 6:24 e em outros lugares). O Apóstolo Pedro escreve: “O Senhor disse-me:
a minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Co 12:9). A distinção
entre esses dois significados da palavra “graça,” e o entendimento predominantes na Sagrada Es-

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critura do Novo Testamento como sendo um Divino poder, são importantes de serem mantidos
na mente, porque no Protestantismo foi estabelecido sobre a graça, só o significado geral do
grande trabalho para a nossa redenção do pecado pelo feito do Salvador na Cruz, após o qual —
como os Protestantes pensam — um homem que veio acreditar e recebeu a remissão dos pecados
já está entre os salvos. No entanto, os Apóstolos nos ensinam que um Cristão, tendo a justifica-
ção como um dom de acordo com a graça geral da redenção, nessa vida como um indivíduo está
só “sendo salvo” (1 Co 1:18), (a tradução para o versículo da versão King James é imprecisa,
“para nós que somos salvos,” no texto grego temos o particípio presente: “que estamos sendo
salvos”) e precisamos do apoio dados por graça : “...temos entrada pela fé e a esta graça, na qual
estamos firmes” (Ro 5:2); “Porque em esperança somos salvos” (Ro 8:24).
Como, então, age a graça de Deus?
O nascimento espiritual e o posterior crescimento espiritual de um homem ocorrem atra-
vés da mútua ação de dois princípios. Um desses é a graça do Espírito Santo; o outro, a abertura
do coração do homem para a recepção dessa graça, uma sede por ela, o desejo de recebe-la, co-
mo a terra seca, sedenta recebe a chuva — em outras palavras, esforço pessoal para a recepção,
preservação, e atividade na alma dos dons Divinos.
A respeito da cooperação desses dois princípios, o Apóstolo Pedro diz: “Visto como o
seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade... e vós também, pondo nisto
mesmo toda diligência, acrescentar à vossa fé a virtude, e a virtude a ciência. E a ciência tempe-
rança, e à temperança paciência, e à paciência piedade, e a piedade amor fraternal, e ao amor fra-
ternal caridade. Porque, se eu vós houver e abundarem estas cosias, não vos deixarão ociosos e
nem estéreis no conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pois aquele em que não há estas
coisas é cego, nada vendo ao longe, havendo-se esquecido da purificação dos seus antigos peca-
dos” (Fi 2:12-13). Isso é, vós deveis cooperar, mas lembra-vos que tudo vos é dado pela graça de
Deus. “Se Deus não nos construir a casa de virtudes, nós trabalhamos em vão” (hino de Matinas,
tom 3).
De acordo com esse sagrado ensinamento, o Concílio de Cartago no terceiro século de-
cretou: “Aquele que disser que a graça de Deus, pela qual um só homem é justificado através de
Jesus Cristo Nosso Senhor, serve só para a remissão dos pecados passados, e não para a assistên-
cia contra cometer pecados no futuro, seja anátema. Pois a graça de Cristo nos dá não só o co-
nhecimento de nossa obrigação, mas também nos inspira com o desejo de que sejamos capazes
de cumprir com o que sabemos” (Canons 125 e também 126 e 127; para texto em inglês ver de
Eerdman Seven Ecumenical Councils, p 497 — Canons 11 e 112 do “Código Africano”).
A experiência dos ascetas Ortodoxos inspira-os a chamar Cristãos com toda força para o
humilde reconhecimento de suas próprias enfermidades, para que a graça salvadora de Deus pos-
sa agir. Muito expressiva nesse caso é a colocação de São Simeão o Novo Teólogo (século X):
“Se o pensamento vem a vós, instilado pelo demônio, que vossa salvação e realizada pelo pode
de vosso Deus, mas por vossa própria sabedoria e poder e se vossa alma concorda com tal pen-
samento, a graça se afasta de vossa alma. A luta contra tal poderosa e difícil batalha que surge na
alma deve ser levada até o último suspiro. A alma deve, junto com o abençoado Apóstolo Paulo,
clamar com alta voz, aos ouvidos dos anjos e homens : “Não eu, mas a graça de Deus que está
em mim.” Os Apóstolos, profetas, mártires e hierarcas, santos monásticos e justos — todos con-
fessaram essa graça do Espírito Santo, e por essa confissão e coma a ajuda dela elas lutaram uma
boa luta e terminaram seu percurso” (Homilias de São Simeão o Novo Teólogo, homilia 4)
Aquele que leva o nome de Cristão, nós lemos no mesmo Santo Padre, “se ele não leva
em seu coração a convicção que a graça de Deus, dada por fé, é a misericórdia de Deus... se ele

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não trabalha com o objetivo de receber a graça de Deus, primeiro de tudo através do Batismo, ou
se ele o teve e partiu por razão dos seus pecados, façamos com que ele retorne através do arre-
pendimento, confissão, e uma vida autodiminuída; e se, dando esmolas, jejuando, realizando vi-
gílias, orações e o resto, ele pensa que está realizando gloriosas virtudes e bons atos valiosos em
si — então ele trabalha e se exaure em vão” (homilia 2).
O que é então o significado da luta ascética? É uma arma contra “a concupiscência da
carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 Jo 2:15-16). É a limpeza do campo da
vida das pedras, das ervas daninhas crescidas, e de locais pantanosos, em preparação para uma
semeadura sagrada que será irrigada do alto pela graça de Deus.

A providência de Deus e a graça.


Do que foi mostrado, segue-se que existe uma diferença entre os conceitos de Providên-
cia de Deus e graça. Providência é o que chamamos de poder de Deus no mundo que suporta a
existência do mundo, sua vida, incluindo a existência e vida do gênero humano e de cada ho-
mem; enquanto graça é o poder do Espírito Santo que penetra o interior do homem, conduzindo-
o à sua perfeição espiritual e salvação.

Os Mistérios ou Sacramentos.

A vida interior da Igreja é mística (ou sacramental). (A palavra “mistérios” (grego mysteria) é o
termo usado no oriente Ortodoxo; “sacramentos” (do latim sacramenta), o termo usado no oci-
dente latino. Desde que o último termo foi usado no ocidente antes do cisma da Igreja Romana
não há nada errado com seu uso pelos Cristãos Ortodoxos do ocidente, especialmente porque
poucas pessoas no ocidente estão familiarizadas com a palavra “mistérios”; mas as pessoas Orto-
doxas freqüentemente preferem usar o termo grego. A forma adjetiva “mística,” usada no orien-
te, tem por certo uma conotação bem diferente e mais interior, que o adjetivo ocidental “sacra-
mental,” que se refere mais especificadamente aos ritos exteriores dos Mistérios). Ela não coin-
cide de todo com a história da Igreja, que mostra-nos só os fatos exteriores da existência da Igre-
ja, e especialmente a sua entrada em conflito com a vida do mundo e com as paixões do mundo.
A vida interior da Igreja é a cooperação mística de Cristo como a Cabeça, com a Igreja como seu
Corpo, no Espírito Santo, por meio de todas as ligações reforçadoras mútuas: “Grande é este
mistério: digo-o porém, a respeito de Cristo e da igreja” instrui o Apóstolo (Ef 5:32).
Por isso quando os Apóstolos chamavam-se “dispenseiros dos Mistérios de Deus,” dizen-
do : “que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e dispenseiros dos mistérios de
Deus” (1 Co 4:1, em grego oikonomos mysterion Theou), eles tinham em mente várias formas de
seu ministério e do cargo de dispenseiro: a) pregação, b) o Batismo daqueles que tinham chegado
a acreditar. c) a trazida do Espírito Santo através da ordenação, d) o reforço da união dos fiéis
com Cristo pelo Mistério da Eucaristia, e) o aprofundamento dos corações dos fiéis nos Mistérios
do Reino de Deus, e o aprofundamento dos mais perfeitos dentre eles na “sabedoria de Deus o-
culta em mistério” (1 Co 2:7).
Assim a atividade dos Apóstolos estava cheia de elementos místicos (mysterion). Entre
eles o lugar central e culminante estava ocupado pelos ritos sagrados. Daí ser inteiramente natu-
ral que na vida da Igreja a série de momentos especiais e mais importantes do ministério de doa-
ção de graça, para a série de ritos sagrados, gradualmente adquirisse preeminência o nome de

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“Mistérios”: Santo Inácio o Teóforo, um discípulo imediato dos Apóstolos, escreve a respeito de
diáconos que eles da mesma forma são “servos dos mistérios de Jesus Cristo” (Epístola aos Tral-
lians, par. 2). Essas palavras de Santo Inácio derrotam a assertiva dos historiadores protestantes
que na Igreja antiga o conceito de “mistérios” ou “sacramentos” supostamente nunca foi aplicado
para os ritos sagrados da Igreja.
Os ritos sagrados chamados Mistérios são, como eram, picos numa longa cadeia de mon-
tanhas composta dos ritos e orações remanescentes dos ofícios Divinos.
Nos Mistérios, orações são juntadas com bênçãos de uma ou outra foram, e com atos es-
peciais. As palavras de bênçãos acompanhadas por atos sagrados exteriores são, como foram,
vasos espirituais pelos quais a graça do Espírito Santo é vazada e dada aos membros da Igreja
que são fiéis sinceros.
Assim, “um mistério (sacramento) é um ato sagrado que sob um aspecto visível comunica
à alma de um fiel a invisível graça de Deus.”
O nome de “mistério” tornou-se estabelecido na Igreja como se referindo a sete ritos: Ba-
tismo, Crisma, Comunhão (a Eucaristia), Arrependimento, Sacerdócio, Matrimônio e Unção. (No
Oriente Ortodoxo pode-se dizer, sete é olhado como o número “absoluto” de Mistérios como
tende a ser encarado no Oriente Latino. Mais comumente, é verdade, só sete Mistérios são men-
cionados mas certos outros ritos sagrados, tal como censura monástica, podem ser considerados,
informalmente como “Mistérios”). O Longer Christian Catechism assim define a essência de ca-
da Mistério:
“No Batismo o homem nasce misticamente para a vida espiritual. No Crisma ele recebe
graça que dá crescimento e reforça. Na Comunhão ele é nutrido espiritualmente. No Arrependi-
mento ele é curado de doenças espirituais (pecado). No Sacerdócio ele recebe as graças espiritu-
almente reservadas para se regenerar e nutrir outros, por meio de ensinamento, oração e Misté-
rios. No Matrimônio ele recebe graça que santifica o casamento e o nascimento e criação de cri-
anças, na Unção ele é curado das doenças do corpo por meio da cura de doenças espirituais.”
Para a vida da Igreja como um todo, tanto como Corpo de Cristo e como “O pátio do re-
banho de Cristo,” o seguinte é extremamente importante e está no lugar principal: a) o Mistério
do Corpo e do Sangue de Cristo, ou a Eucaristia; b) o Mistério da Santificação das pessoas esco-
lhidas para o serviço na Igreja nos graus da hierarquia ou ordenação, que dá a indispensável es-
trutura da Igreja; e junto com esses, c) o Mistério do Batismo, que faz crescer os números da I-
greja. Mas outros Mistérios também, que são indicados para a doação de graça ara fiéis individu-
ais, são indispensáveis para plenitude da vida e santidade da Igreja.
Deve-se distinguir a “eficácia” do Mistério (isto é, que nele há um autêntico poder doador
de graça) da “efetividade” do Mistério (isto é, a extensão em que é concedido o poder doador de
graça para alguém que recebe o Mistério). Os Mistérios são “meios que agem infalivelmente por
graça sobre aqueles que vêem a eles” como é dito na Epístola dos Patriarcas Orientais. No entan-
to, o proveito da recepção deles pelos fiéis — seu poder renovador e salvador — depende do
homem se aproximar do Mistério dignamente. Uma recepção indigna de um Mistério pode trazer
não justificação, mas condenação. A graça não interfere com a liberdade do homem; não age so-
bre ele irresistivelmente. Com freqüência, fazendo uso dos Mistérios da fé, pessoas não recebem
deles aquilo que eles poderiam dar; pois seus corações não estão abertos para receber graça, ou
então elas não preservam os dons de Deus que receberam. É por isso que acontece que pessoas
batizadas não só não preenchem os votos dados por elas ou por seus padrinhos de batismo, e não
só são privadas da graça de Deus já dada a elas, mas com freqüência, para sua própria perdição
espiritual, elas tornam-se inimigas de Deus, negadores, descrentes, “apóstatas.”

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Por esses fatos da vida a dignidade dos Mistérios não é de modo algum diminuída. A
grande obtenção da santidade, justiça, as fileiras de mártires pela fé, confessores ascetas, e tau-
maturgos (os que realizam milagres), que ainda na terra tornam-se “anjos terrestres e homens
celestes” — obtenção não ouvida fora do verdadeiro Cristianismo — são ações da graça invisível
de Deus, recebida no batismo e crisma, mantida aquecida através do arrependimento e comunhão
dos Santos Mistérios, e preservada na consciência humilde e trêmula que em todo Cristão “Cristo
é o Uno que luta e conquista, e Ele é o Uno que chama Deus e ora e dá graças e é reverente, e
busca com súplica e humildade. Tudo isso Cristo faz, rejubilando e estando contente quando
Ele vê que em cada Cristão existe e permanece a convicção que Cristo é quem faz tudo isso”
(São Simeão, o Novo Teólogo, Homilia 4).

Batismo.

O estabelecimento do Mistério do Batismo.


Em primeiro lugar na série de Mistérios da Santa Igreja está o Batismo. Ele serve como
porta levando para o Reino da graça, ou a Igreja, e concede acesso à participação em outros Mis-
térios. Menos antes do estabelecimento do Mistério do Batismo, o Senhor Jesus Cristo em Sua
conversa com Nicodemos indica a absoluta necessidade dele, para a salvação: “Na verdade na
verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus.” Quando Ni-
codemos expressa a sua perplexidade: “Como pode um homem nascer sendo velho?” O Salvador
responde que o novo nascimento seria realizado pela água e pelo Espírito: “Na verdade, na ver-
dade te digo que aquele que não nascer da agia e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus.
O que é nascido de carne é carne e o que nascido do Espírito é o espírito” (Jo 3:3-6).
O estabelecimento desse Mistério, doador de graça ocorreu depois da Ressurreição de
Cristo. Tendo aparecido para Seus discípulos, o Senhor disse a eles que Ele tinha recebido do
Seu Pai toda autoridade no Céu e na terra, e continuou: “Portanto ide ensinai todas as nações,
batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coi-
sas que Eu vos tenho mandado; e eis que estou convosco até a consumação dos séculos” (Mt
28:19-20). E a isso acrescentou: “Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será
condenado” (Mc 16:16). No dia da descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos, quando depois
do discurso do Apóstolo Pedro seus ouvintes perguntaram o que deveriam fazer, o Apóstolo Pe-
dro disse a eles: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para
perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2:38). No mesmo livro dos Atos
estão registradas várias passagens de Batismo realizados pelos Apóstolos. Assim, o Apóstolo Pe-
dro batizou Cornélio (cap. 10), o Apóstolo Paulo batizou Lídia e aqueles da sua casa (cap. 16),
bem como o guarda da prisão com todos da sua casa.

O significado do Mistério.
O aspecto místico doados de graça do Batismo é indicado nas passagens acima citadas
nas Sagradas Escrituras; Batismo é um “novo nascimento” e é realizado para a salvação dos ho-
mens (Mc 16:16). Além disso, colocando a importância da doação de graça do Batismo, os A-
póstolos em suas Epístolas indicam que nele nós somos “santificados,” “limpos,” justificados”;
que no Batismo nós “morremos para o pecado” para andar em uma vida renovada; nós somos
“sepultados com Cristo,” e ressuscitamos com Ele. “...Cristo amou a Igreja, e a Si mesmo Se en-

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tregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra” (isto é, o
Batismo com a proclamação das palavras instituídas para acompanha-lo; Ef 5:25-26). “Haveis
sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados em nome do Senhor Je-
sus e pelo Espírito do nosso Deus” (1 Co 6:11). “...fomos sepultados com Ele pelo batismo da
morte, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós
também em novidade de vida” (Ro 6:4). O Batismo é chamado de “lavagem de regeneração” (Tt
3:5). Para o lado subjetivo — o estado da alma da pessoa sendo batizada — e indicado pelo A-
póstolo Pedro, que chama o Batismo de promessa de uma boa consciência para com Deus (1 Pe
3:21). Através do Batismo ao mesmo somos juntados à Igreja.

Os meios de realização do Mistério.


A comparação do Batismo com uma lavagem por água, com o túmulo, e outras coisas
que tais, indica que esse Mistério deve ser realizado por imersão. A palavra grega batizo signifi-
ca “imergir.” A respeito do Batismo do eunuco por Felipe nós lemos no livro dos Atos: “...e des-
ceram ambos à água, tanto Felipe quanto o eunuco, e o batizou. E quando saíram da água, o Es-
pírito do Senhor arrebatava Felipe” (At 8:38-39). Como uma exceção, a Igreja aceita o martírio
Cristão dos não batizados como “Batismo de sangue.” Batismo por aspersão a Igreja conhece
mas não aprova, por ser não canônico.
A imersão na água é feita três vezes com o pronunciamento das palavras: “O servo de
Deus (nome) é batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,” de acordo com o coman-
do dado pelo próprio Cristo (Mt 28:19). Assim era realizado na antiga Igreja. A Epístola do A-
póstolo Barnabé já menciona isso e Tertuliano indica diretamente que “a maneira do batismo é
prescrita,” indicando as palavras do Salvador concernentes ao Batismo; Tertuliano também testi-
fica a tripla imersão e também indica uma particularidade: que aquele que está sendo batizado é
solicitado a renunciar a satan e a seus anjos e então confessar a fé.
Em certas passagens da Sagrada Escritura é mencionado um batismo em nome do Senhor
Jesus (At 2:38; 3:16; 10:48). De acordo com a interpretação dos antigos Padres, a expressão “em
nome do Senhor Jesus” significa “de acordo com o comando e a tradição de Cristo,” ou como
testemunho da fé de alguém em Cristo. Por essa expressão não é negado o fato do batismo “em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,” como pareceu para certos historiadores do Cristia-
nismo que são da escola racionalista. É inteiramente natural que o escritor do livro dos Atos, o
Apóstolos Lucas, e o Apóstolo Paulo também (Ro 6:3; Ga 3:27; 1 Co 1:13), quando falando do
batismo “em Cristo” tinham em mente distinguir esse batismo do batismo de João ou qualquer
coisa similar, do “Batismo para o Cristianismo.” Assim até agora é cantado no batismo: “Vós
todos que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo” (Ga 3:27).

A indispensabilidade do Batismo.
Desde que no Batismo o homem recebe, no lugar da antiga existência que ele tinha, uma
nova existência e nova vida, e torna-se um filho de Deus, um membro do Corpo de Cristo ou na
Igreja, um herdeiro da vida eterna, é então evidente que o Batismo é indispensável para todos,
inclusive as crianças, de modo que crescendo no corpo e no espírito eles possam crescer em Cris-
to. Nas Escrituras Apostólicas muitas vezes há menção do Batismo da famílias inteiras (a casa de
Lídia, a cada do guarda da prisão, a casa de Estêfanas — 1 Co 1:16),e em nenhum lugar é men-
cionado que crianças eram excluída. Os Padres da Igreja em suas instruções aos fiéis insistem no
Batismo das crianças. São Gregório, o Teólogo, dirigindo-se a mães cristãs, diz: “Tens uma cri-
ança? Não dê tempo para que o mal aumente. Que ela seja santificada na infância, e desde jovem

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dedicada ao Espírito. Tens medo do selo por causa da fraqueza da natureza, como alguém de co-
ração fraco e fé pequena? Mas Ana mesmo antes de dar a luz Samuel prometido para Deus, ela
rapidamente depois do parto dedicou-o e levantou-o para a veste sagrada, sem temer a fraqueza
humana, mas acreditando em Deus.”
No entanto, é indispensável nessa questão que as pessoas que ofereçam as crianças para o
batismo reconheçam toda sua responsabilidade pela criação da criança batizada na fé e virtude
cristã. Nós lemos uma instrução a respeito disso, por exemplo, na obra On The Ecclesiastical Hi-
erarchy, conhecida sob o nome de São Dinis, o Aeropagita, que sempre foi muito respeitada na
Igreja: “Foi agradável a nossos divinos instrutores permitir que crianças fossem batizadas tam-
bém, sob a sagrada condição que os pais naturais da criança deveriam confia-la a alguém entre os
fiéis que a instruiria bem nos assuntos divinos e então tomaria conta da criança como um pai,
dado do alto, e como um guarda da salvação eterna da criança. Esse homem, quando ele promete
guiar a criança numa vida pia, é compelido pelo bispo a proclamar as renúncias e a confissão sa-
grada (durante o batismo).”
Como é importante para nós essa instrução que vem da antiga Igreja Cristã. Dela nós ve-
mos quão importante é a responsabilidade que o padrinho da pessoa batizada toma sobre si. Quão
cuidadosos os pais da criança devem ser na escolha do padrinho! Logicamente, numa família
Cristã normal os próprios pais usualmente ensinam as suas crianças as verdades da fé e suas o-
brigações morais. Mas a destruição das bases da vida social contemporânea compele que se este-
ja em guarda para que a criança não permaneça sem orientação Cristã. E mesmo em situação fa-
vorável um padrinho deve manter um contato espiritual estreito com seu afilhado e estar pronto a
em qualquer momento de necessidade ir a um ele com um sincero auxílio Cristão.
O décimo parágrafo do Símbolo da Fé diz: “Confesso um só batismo para a remissão dos
pecados.” Isso significa que o Batismo na Igreja Ortodoxa, como um nascimento espiritual, se
ele foi realizado como um rito sagrado corretamente por tripla imersão em nome do Pai, do Filho
e do Espírito Santo, não pode ser repetido.

Batismo: a porta para a recepção de outros dons.


Como nós vemos das acima citadas citações dos Santos Apóstolos, e da mesma forma, de
todo ensinamento da Igreja, o batismo não é só um símbolo de limpeza e lavagem das máculas
da alma, mas em si o início e a fonte de dons divinos que lavam e aniquilam todos os pecados e
comunicam uma nova vida. Todos os pecados são perdoados, o pecado original quanto os peca-
dos pessoais; o caminho está em aberto para uma nova vida, está aberta a possibilidade de rece-
ber os dons de Deus. Um crescimento espiritual maior depende do livre arbítrio do homem. Mas
como a tentação é capaz de encontrar simpatia na natureza do homem, que desde o dia de sua
primeira queda tem tido uma inclinação para o pecado, a perfeição moral não pode ser atingida
sem batalha. Um homem encontra ajuda para essa batalha interior na inteira vida doadora de gra-
ça da Igreja. A Santa Igreja abre mais auxílios doadores de graça para o recém-batizado, no Mis-
tério do Crisma.

Crima.
O mistério do Crisma é realizado usualmente imediatamente depois do Mistério do Batismo,
formando junto um rito único da Igreja. O realizador do Mistério, o bispo ou presbítero, “unge
aquele que foi batizado, com o Santo Miron, fazendo o sinal da Cruz na fronte, nas sobrancelhas

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e olhos, nas narina, nos lábios, em ambas as orelhas, no peito, e nas mãos e pés” (do Book of
Needs); enquanto ungindo cada parte do corpo ele pronuncia as palavras, “pelo selo do dom do
Espírito Santo.” Esse Mistério é também realizado para aqueles que se unem à Igreja vindos de
comunidades heréticas como um dos meios de serem unidos à Igreja. As palavras que são usadas
no Mistério, “o selo do dom do Espírito Santo,” indica sua importância e efeito. É a) o ato cul-
minante de ser unido à Igreja, a confirmação ou selo de união; b) o selo dos poderes doadores de
graça que são concedidos nele para o fortalecimento e crescimento na vida espiritual.
São Cipriano escreve: “Aqueles que batizam na Igreja são selados pelo selo do Senhor
segundo o exemplo das samaritanas batizadas que foram recebidas pelos Apóstolos Pedro e João
através da colocação das mãos sobre a cabeça e orações (At 8:14-17). O que estava faltando ne-
les, Pedro e João realizaram ... Assim é também conosco ... é feito perfeito pelo selo do Senhor.”
Em outros Padres da Igreja também, o Crisma e chamado de “selo” (Clemente de Alexandria,
Cirilo de Jerusalém), de “selo espiritual” (Ambrósio de Milão), de “selo da vida eterna” (Leão, o
Grande), “a confirmação” (As Constituições Apostólicas); a “perfeição” ou “culminação” (Cle-
mente de Alexandria, Ambrósio). São Efrém, o Sírio, escreve: “Pelo selo do Espírito Santo são
seladas todas as entradas para nossa alma; pelo selo da unção todos os membros são selados”;
São Basílio, o Grande: “Como teu anjo lutará por ti, como ele te tomará do inimigo se ele não
reconhecer o selo? ... Ou tu não sabes que o destruidor passou por coma das casas daqueles que
estavam selados, e matou os primogênitos nas casas dos que não estavam selados? Um tesouro
não selado é facilmente roubado pelos ladrões; uma ovelha não marcada pode ser levada embora
seguramente.”
Esse Mistério é também chamado de “dom do espírito” (Santo Isidoro de Pelusio), “mis-
tério do Espírito” (Tertuliano e Hilário), o “símbolo do Espírito” (São Cirilo de Jerusalém). São
Cipriano testifica que os antigos, falando das palavras do Senhor concernentes ao nascimento
pela água e pelo Espírito, entendiam do nascimento pela água ser o Batismo do Espírito Santo, e
o nascimento pelo Espírito ser o Crisma.

Os meios originais de execução desse Mistério.


Esses dons do Espírito Santo originalmente eram dados na Igreja primitiva pela imposi-
ção de mãos.
A respeito disso nós lemos no livro dos Atos (8:16-17), onde é relatado que os Apóstolos
que estavam em Jerusalém, tendo escutado que os Samaritanos haviam recebido a palavra de
Deus, enviaram para eles Pedro e João, que vieram e oraram por eles para que pudessem receber
o Espírito Santo: “Porque sobre nenhum deles tinha ainda descido; mas somente eram batizados
em nome do Senhor Jesus. Então lhes impuseram as mãos e receberam o Espírito Santo” . Por
esses relatos no livro dos Atos 19:2-6 a respeito do Apóstolo Paulo, que quando Paulo encontrou
discípulos em Éfeso que tinham sido batizados só com o batismo do João “e ouvindo isso foram
batizados em nome do Senhor Jesus; e impondo-lhe Paulo as mão, veio sobre eles o Espírito
Santo.” Por esses relatos no livro dos Atos nós vemos que em certos casos as ações doadoras de
graça dos Mistérios do Batismo e do seu selo, a imposição de mãos, eram expressas pelas mani-
festações visíveis e imediatas na iluminação do Espírito Santo, juntadas ao júbilo espiritual do
novo convertido, que tinha se juntado à santa comunidade, e que tinha começado para ele uma
nova vida doadora de graça.
De que maneira essa imposição de mãos doadora de graça tornou-se a unção com óleo
doadora de graça? A respeito disso nós podemos fazer duas suposições: Ou os Apóstolos, dando
o Espírito Santo para os que acreditavam através da imposição de mãos, inseparavelmente usa-

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ram também um sinal diferente, ungindo, a respeito do que no entanto, o livro dos Atos e silente;
ou, o que é mais provável, eles mesmos mudaram o sinal visível do Mistério (a imposição de
mãos), talvez no começo, em casos onde eles próprios estavam ausentes, substituindo-os por ou-
tro ato sagrado visível (a unção dos recém-batizados com Miron que havia sido recebido das mã-
os dos Apóstolos). Mas seja como tenha sido, a unção indubitavelmente vem dos Apóstolos, e
por eles tem sua base nas instruções do Divino Professor deles. O Apóstolo Paulo escreve: “Mas
o que nos confirma convosco em Cristo, e o que nos ungiu, é Deus, o Qual também nos selou, e
deu o penhor do Espírito em nossos corações” (1 Co 2:21-22). As próprias palavras que são ditas
durante o Mistério “o selo do dom do Espírito Santo,” são intimamente ligadas com essas ex-
pressões do Apóstolo. Ele escreve: “E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais
selados para o dia de redenção” (Ef 4:30). O “dia da Redenção” na Sagrada Escritura indica o
Batismo.
Da mesma forma, na Epístola do Apóstolo João nós lemos: “E vós tendes a unção do
Santo, e sabeis tudo... E a unção que vos recebestes Dele, fica em vós e não tendes necessidade
que alguém vos ensine; mas como a Sua unção vos ensina todas as coisas, e é verdadeira, e não e
mentira, como ela vos ensinou, assim Nele permanecereis” (1 Jo 2:20-27). Nas palavras citadas
dos Apóstolos Paulo e João o termo “unção” indica a comunicação aos fiéis de um dom espiritu-
al. Mas é evidente que o termo “unção” podia ser usado no seu significado espiritual precisamen-
te porque os Cristãos tinham diante dos seus olhos uma unção material.
Os Santos Padres da igreja colocam a própria palavra “Cristão” em uma forte ligação
com “Crisma.” Chrisma e Christos em grego significam “unção” e “O Ungido.” “Tendo se tor-
nado participantes de Cristo,” diz São Cirilo de Jerusalém, “nós sois merecidamente chamados
de “Cristãos,” isto é, “ungidos” e a respeito de nós Deus disse: “Não toqueis nos meus ungi-
dos...” (Sl 105:15).
No relato do oitavo capitulo do livro dos Atos dos Apóstolos nós aprendemos: a) que a-
pós a pregação do diácono, Apóstolo Felipe, na Samaria, muitas pessoas, homens e mulheres fo-
ram batizados; e b) que os Apóstolos que estavam em Jerusalém, tendo ouvido que os Samarita-
nos tinham recebido a palavra de Deus, enviaram aos Samaritanos Pedro e João especificada-
mente para impor suas mãos sobre os batizados para que eles pudessem receber o Espírito Santo
(At 8:12-17). Isso nos permite concluir que à parte do profundamente místico lado do baixar os
dons do Espírito Santo, essa imposição de mãos (e o Crisma que veio a ter lugar depois) era ao
mesmo tempo uma confirmação da correção do Batismo e o selo da união das pessoas batizadas
com a Igreja. Em vista dos fatos que 1) o Batismo com água era feito muito antes como um ba-
tismo de arrependimento, e 2) muito à parte disso, naquele tempo, assim como através de todo o
curso da história da Igreja, existiram batismo heréticos, esse segundo Mistério era realizado pe-
los próprios Apóstolos e seus sucessores os bispos, como supervisores dos membros da Igreja,
ainda que a realização da Eucaristia tenha sempre sido dada para os presbíteros também.
Com o extraordinário espalhamento da santa Fé, quando pessoas começaram a se voltar
para Cristo no mundo todo, os Apóstolos e seus sucessores imediatos, os bispos, não poderiam
estar pessoalmente em todos os lugares imediatamente após o Batismo, para trazer o Espírito
Santo sobre todos os batizados pela imposição das mãos. Pode ter sido que por isso que “agradou
ao Espírito Santo” que habitava nos Apóstolos substituir a imposição de mãos pelo ato de Cris-
ma, com a regra que a santificação do Crisma deveria ser realizada pelos Apóstolos e bispos so-
mente, enquanto a unção dos batizados com o Crisma santificado poderia ser deixado para os
presbíteros. O Crisma (Miron) e não outro tipo de material foi escolhido nesse caso porque no
Velho Testamento a unção com Miron era feita com Miron (azeite) para fazer baixar nas pessoas

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dons espirituais especiais (ver 1 Samuel 16:13; 1 Reis1:39). Tertuliano escreve, “depois de vir da
fonte nós somos ungidos com óleo santo, de acordo com o antigo rito, como desde há muito era o
costume os presbíteros ungirem com óleo de um chifre.” O sexto Cânon do Concílio de Cartago
só proíbe os presbíteros de santificar o Crisma.

Crisma e santificação.
Assim como foram os Apóstolos que foram enviados para os Samaritanos batizados de
modo a baixar sobre eles o Espírito Santo, assim também no Mistério do Crisma, o miron que é
usado, de acordo com decreto da Igreja, tem que ser santificado por um bispo, como o mais ele-
vado sucessor dos Apóstolos. A santificação do miron ocorre em um rito sagrado solene especial,
com a participação, quando possível, de outros bispos da Igreja (o Patriarca, ou o Metropolita
primaz consagra o crisma para toda a Igreja local sob sua jurisdição).
No ocidente, a separação do Crisma do Batismo ocorreu ao redor do século XIII. Mais
ainda, no presente na Igreja Romana a unção (que é chamada de “confirmação”) é realizada só
nas sobrancelhas, olhos, narinas, lábios, ouvidos, peito, mãos e pés. É feita na Igreja Romana pa-
ra aqueles que atingiram sete anos de idade, e é realizada por um bispo.
À parte de no Mistério do Crisma, o miron é usado também em circunstâncias excepcio-
nais. Assim, na santificação de uma Igreja é realizada o assinalamento com miron do santo Altar,
sobre o qual o Mistério do Santo Corpo e Sangue de Cristo será realizado, assim como nas pare-
des da Igreja. Como um rito especial, a unção com miron é realizada também no acesso ao trono
real de reis Ortodoxos.

A Eucaristia.
A Eucaristia (literalmente “agradecimento”) é o Mistério no qual pão e vinho da oferenda são
mudados pelo Espírito Santo no verdadeiro Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, e en-
tão os fiéis recebem comunhão deles para a mais intima união com Cristo e para a vida eterna.
Esse Mistério é então composto de dois momentos separados: 1) a mudança ou transformação do
pão e vinho em Corpo e Sangue do Senhor, e 2) a Comunhão desses Santos Dons. É chamado de
“Eucaristia,” “Ceia do Senhor,” “o Mistério do Corpo e Sangue de Cristo.” O Corpo e Sangue de
Cristo nesse Mistério são chamados de “Pão do céu e Cálice da vida” ou “Cálice da Salvação”;
eles são chamados de “Santos Mistérios,” de “Sacrifícios Não Sangrentos.” A Eucaristia é o
maior Mistério Cristão (Sacramento).

As palavras do Salvador sobre esse Mistério.


Antes da primeira realização desse Mistério na Mística Ceia (Última Ceia), Cristo prome-
teu em Sua conversa concernente ao Pão da Vida por ocasião da alimentação de cinco mil ho-
mens com cinco peixes. O Senhor ensinou: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu, se alguém
comer desse pão viverá para sempre; e o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer desse pão
viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo” (Jo
6:51). Os judeus evidentemente entenderam as palavras de Cristo literalmente. Eles começaram a
dizer uns aos outros: “Como nos pode dar Este a Sua carne a comer?” (Jo 6:51). E o Senhor não
contou aos judeus que eles O haviam entendido erradamente, mas só com maior força e clareza
Ele continuou a falar com o mesmo significado: “Na verdade, na verdade vos digo, se não co-
merdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o Seu sangue, não tereis vida em vós mes-

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mos. Quem come a Minha carne, e bebe o Meu sangue permanece em Mim e Eu nele” (Jo 6:53-
56).
Seus discípulos também entenderam as palavras de Cristo literalmente: “...Ouro é este
discurso; quem o pode ouvir?” (Jo 6:60), eles disseram, O Salvador, como para convence-los da
possibilidade de tal comer miraculoso, indica outro milagre de Sua futura Ascensão para o céu:
“... Isto escandaliza-vos? Que seria, pois, se vísseis subir o Filho do Homem, para onde primeiro
estava?” (Jo 6:61-62). A isso Cristo acrescenta: “É o Espírito que vivifica, a carne que nada a-
proveita: as palavras que Eu vos disse, são Espírito e vida” (Jo 6:63). Por essa observação Cristo
não pede que Suas palavras sobre o Pão da Vida sejam entendidas em qualquer sentido “metafó-
rico.” “Mas há alguns de vós que não crêem” Ele acrescenta imediatamente (Jo 6:64). Por essas
palavras o Salvador indica que Suas palavras são difíceis para a fé: Como é que os fieis irão co-
mer Seu Corpo e beber Seu Sangue? Mas Ele confirma que Ele fala de Seu Corpo real. Suas pa-
lavras relativas Seu Corpo e Sangue são “Espírito e vida.” Elas testemunham que: a) aquele que
participa dos dons terá vida eterna, e será ressuscitado para o Reino de Glória no último dia; e b)
aquele que participa neles entrará na mais íntima comunhão com Cristo. Suas palavras não falam
de vida na carne, mas de vida no Espírito. “O Pão da Vida e o Cálice da Vida; experimenta e vê
que o Senhor é bom” — essas são as palavras que ouvimos na Liturgia dos Dons Pré-
Santificados. Essa Comunhão de Seu Corpo e Sangue é importante não para o aplacamento da
fome física, como foi o alimentar-se com maná no deserto, ou a alimentação dos cinco mil —
mas é importante para a vida eterna.

O estabelecimento do Mistério e sua execução nos tempos apostólicos.


Visto que a pré-indicação do Salvador a respeito do futuro estabelecimento do Mistério
da Eucaristia foi dada no Evangelho de João, o real estabelecimento do Mistério é mostrado em
três Evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas, e então repetido pelo Apóstolo Paulo.
No Evangelho de São Mateus, no capítulo 26, é dito: “...e quando comiam, Jesus tomou o
pão e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos e disse: Tomai, comei isto é o Meu Corpo; e
tomando o cálice, e dando graças, deu-lhe dizendo: Bebei dele todos, porque este é o Meu San-
gue, o sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos, para a remissão dos pecados”
(Mt 26:26-28). A mesma coisa é dita no Evangelho de Marcos no capítulo catorze.
No Evangelho de Lucas, o capítulo 22, nós lemos: “E, tomando o pão, e havendo dado
graças, partiu-o, e deu-lhe, dizendo: Isto é o Meu Corpo, que por vós é dado; fazei isso em me-
mória de Mim. Semelhantemente tomou o cálice, depois da ceia dizendo: este cálice é o Novo
Testamento, no Meu Sangue que é derramado por vós” (Lc 22:19-20).
A mesma coisa que o Evangelista Lucas diz nós lemos na Primeira Epístola de São Paulo
aos Coríntios, capítulo 11, somente com as palavras prefacias: “Porque eu recebi do Senhor o
que também vos ensinei, que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão, e tendo
dado graças, o partiu e disse...” (1 Co 11:23-24).
As palavras do Salvador na Mística Ceia: “Esse é Meu Corpo, que é partido por vós; esse
é meu Sangue do Novo Testamento derramado por vós para a remissão dos pecados,” são com-
pletamente claras e definidas, e não permitem nenhuma outra interpretação que não seja a mais
direta, nomeadamente que foram dados aos discípulos o verdadeiro Corpo e o verdadeiro Sangue
de Cristo. E isso está em completa concordância com a promessa feita pelo Salvador no capítulo
sexto do Evangelho de São João a respeito dos Seus Corpo e Sangue.
Tendo dado comunhão aos discípulos, o Senhor comandou: “Fazei isso em memória de
Mim.” Esse sacrifício deve ser realizado “até que Ele venha” (1 Co 11:25-26), como o Apóstolo

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Paulo instrui, isto é, até a segunda vinda do Senhor. Isso recorre também das palavras do Senhor
Salvador: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e beberes o Seu Sangue, não tereis vida
em vós. E de fato, a Eucaristia foi recebida na Igreja desde os primeiros dias como o maior dos
Mistérios; a instituição dela é preservada com o maior cuidado e reverência; e é realizada e será
realizada até o final do mundo.
A respeito da execução da Eucaristia nos tempos Apostólicos na Igreja de Cristo, pode-
mos ler nos Atos dos Apóstolos (2:42-46; 20:6-7), e no Apóstolo Paulo no 10º e 11º capítulos da
Primeira Epístola aos Corintios. O Apóstolo Paulo escreve: “Porventura o cálice de benção que
abençoamos, não é a comunhão do Sangue de Cristo? O pão que partimos não é por ventura a
comunhão do Corpo de Cristo? Porque nós, sendo muitos, somos um ´so pão e um só corpo:
porque todos participamos do mesmo pão” (1 Co 10:16-17). E de novo: “Porque todas as vezes
que comerdes esse pão e beberdes esse cálice anunciais a morte do Senhor até que venha. Portan-
to, qualquer que comer esse pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, come e bebe para
sua própria condenação, não discernindo o Corpo do Senhor. Por causa disto, há entre vós muitos
fracos e doentes, e muitos que dormem” (1 Co 11:26-30). Nas palavras citadas o Apóstolo nos
instrui com que reverência e auto-análise preparatória um Cristão deve se aproximar da Eucaris-
tia, e ele deixa claro que isso não é simples comida e bebida, mas a recepção dos verdadeiros
Corpo e Sangue de Cristo.
Estando unidos com Cristo na Eucaristia, os fiéis que recebem a Comunhão estão unidos
também uns com os outros: “Porque nós, sendo muitos somos um só pão e um só corpo: porque
todos participamos do mesmo Pão.”

A mudança do pão e vinho no Mistério da Eucaristia.


No Mistério da Eucaristia, no momento em que o presbítero, invocando o Espírito Santo
sobre os dons oferecidos, abençoa-os com a oração para Deus o Pai: “Faz desse pão o Corpo pre-
cioso do Teu Cristo; e do que contem esse cálice o Sangue precioso do Teu Cristo; mudando-os
pelo poder do Teu Espírito Santo” — o pão e o vinho na verdade são Cristo; mudados em Corpo
e Sangue pela descida do Espírito Santo. Depois desse momento, apesar de nossos olhos verem
pão e vinho sobre o altar, na sua verdadeira essência, invisível para os olhos sensoriais, isto é o
verdadeiro Corpo e o verdadeiro Sangue de Jesus Cristo, somente sob as “formas” de pão e vi-
nho.
Assim os Dons santificados 1) não são só sinais ou símbolos, lembrando os fiéis da re-
denção; como o reformado Zwingli ensinou; e na mesma forma 2) não é só por sua “atividade e
poder” (“dinamicamente”) que Jesus Cristo está presente neles, como Calvino ensinou; e final-
mente, 3) Ele não está presente só no sentido de “penetração,” como os luteranos ensinam (que
reconhecem a co-presença de Cristo “com o pão, na forma de pão, no pão”). Mas os dons santifi-
cados no Mistério são mudados ou (um termo mais tardio) “transubstanciais” (o termo “transubs-
tanciação” vem da Escolástica medieval latina seguindo as categorias Aristotelianas. “Transubs-
tanciação” é uma mudança de da “substância” ou realidade intrínseca interior dos Santos Dons
sem mudanças dos “acidentes” ou aparência de pão e vinho. A Teologia Ortodoxa no entanto,
não tenta “definir” esse mistério em termos de categorias filosóficas e assim prefere a palavra
simples “mudança”) ao verdadeiro Corpo e verdadeiro Corpo e verdadeiro Sangue de Cristo,
como o Salvador disse: “Porque Minha carne verdadeiramente é comida, e o Meu sangue verda-
deiramente é bebida” (Jo 6:55).

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Essa verdade é expressa na Encíclica dos Patriarcados Orientais nas seguintes palavras:
“Nós acreditamos que nesse rito sagrado Nosso Senhor Jesus Cristo está presente não simboli-
camente (typicos), não figurativo (eikonikos), não por uma abundância de graça, como em outros
Mistérios, não por uma simples descida, como certos Padres falam a respeito do Batismo, e não
por uma “penetração” no pão, de modo que a Divindade do Verbo pudesse “entrar” no pão ofe-
recido para a Eucaristia, como os seguidores de Lutero explicam desastradamente e indignamen-
te — mas verdadeiramente e realmente, de maneira que após a santificação do pão e do vinho, o
pão é mudado, transubstanciado, convertido, transformado, no real, verdadeiro Corpo de Cristo,
que nasceu em Belém da Sempre Virgem Maria, foi batizado no Jordão, sofreu, foi sepultado,
ressuscitou, ascendeu, senta á direta do Deus Pai, e vai aparecer nas nuvens do céus; e o vinho é
mudado e transubstanciado no real e verdadeiro Sangue do Senhor, que na hora do Seu sofrimen-
to na Cruz foi derramado pela vida do mundo. Ainda de novo, nós acreditamos que depois da
santificação do pão e do vinho não mais permanecem pão e o vinho, mas o verdadeiro Corpo e
Sangue do Senhor, sob a aparência e forma de pão e vinho.”
Tal ensinamento sobre o santo Mistério da Comunhão pode ser encontrado em todos os
Santos Padres, começando com os mais antigos, tais como Inácio, o Teóforo, e outros antigos
escritores como São Justino, o Filósofo. No entanto, em muitos dos escritores antigos esses ensi-
namento não é expresso em termos completamente precisos, e em algumas expressões parece
existir uma interpretação quase simbólica (alguma coisa que os Protestantes apontam). No entan-
to, esses modos de expressão em parte devem ser explicados pelos objetivos polêmicos que esses
escritores tinham em mente: por exemplo, Orígenes estava escrevendo contra uma crua atitude
sensorial para com o Mistério; Tertuliano estava combatendo a heresia de Marciano; e os apolo-
gistas estavam defendendo as verdades Cristãs contra os pagãos, mas sem conduzi-los às profun-
dezas dos mistérios.
Os Padres que participaram no Primeiro Concilio Ecumênico confessaram: “Na Mesa
Divina (altar) nós não devemos ver simplesmente o pão e o cálice que foram oferecidos mas ele-
vando nossas mentes, nós devemos compreender que na Mesa sagrada jaz o Cordeiro de Deus
que tira os pecados do mundo, Que é oferecido em Sacrifício pelo presbítero; e verdadeiramente
recebendo Seu Precioso Corpo e Sangue, nós devemos acreditar que isso é um sinal de nossa
Ressurreição.”
De modo a mostrar e explicar a possibilidade de tal transformação do pão e do vinho pelo
poder de Deus no Corpo e Sangue de Cristo, os antigos pastores indicavam a Onipotência do
Criador e as obras especiais de Sua onipotência: a criação do mundo a partir do nada, o mistério
da Encarnação, os milagres registrados nos livros sagrados, e em particular a transformação de
água em vinho (São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, São Cirílico de Jerusalém, São Damas-
ceno e outros). Eles também indicavam como em nós o pão e o vinho ou água tomados por nós
são convertidos, de maneira desconhecida, em nosso corpo e sangue (São João Damasceno).

A maneira pela qual Jesus Cristo permanece nos Santos Dons.


1. Apesar do pão e vinho serem transformados no Mistério no Corpo e Sangue do Senhor,
Ele está presente nesse Mistério com todo Seu ser, isto é, com Sua alma e com Sua Divindade,
que é inseparavelmente unida à Sua humanidade.
2. Apesar, de depois, o Corpo e o Sangue do Senhor serem partidos no Mistério da Co-
munhão e distribuídos, ainda acreditamos que em cada parte — mesmo na menor partícula —
dos Santos Mistérios, aqueles que recebem Comunhão recebem o inteiro Cristo em Seu ser, isto

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é, em Sua Alma e Divindade, como perfeito Deus e perfeito homem. Essa fé a Igreja expressa
nas palavras do presbítero no partir do Santo Cordeiro: “O Cordeiro de Deus é partido e distribu-
ído; é partido mas não dividido, comido mas nunca consumido, santificando aqueles que O rece-
bem em comunhão.”
3. Apesar de ao mesmo tempo haverem muitas santas Liturgias no universo, no entanto
não existem muitos Corpos de Cristo, mas um e o mesmo Cristo está presente e é dado em Seu
corpo em todas as igrejas aos fiéis.
4. O pão do ofertório, que é preparado separadamente em cada Igreja, depois de sua santi-
ficação torna-se um e o mesmo com o Corpo que está nos céus.
5. Depois da transformação do pão e do vinho no Mistério da Eucaristia no Corpo e San-
gue, eles não mais voltam à sua natureza anterior, mas permanecem o Corpo e o Sangue do Se-
nhor para sempre, sejam ou não consumidos pelos fiéis. Por isso a Igreja desde a antigüidade tem
tido o costume de realizar em certos dias a Liturgia precedente, permanecem o verdadeiro Corpo
e Sangue de Cristo. Há também desde a antigüidade o costume de preservar os Dons santificados
em vasos sagrados de modo a se dar comunhão para os moribundos. É bem conhecido que na
Igreja antiga existia o costume de enviar os Dons santificados pelos diáconos para Cristãos que
não estavam em condição de receber a Comunhão dos Santos Dons na Igreja, por exemplo, aque-
les na prisão e os penitentes. Com freqüência na antigüidade os fiéis traziam os Santos Dons com
reverência das Igrejas para suas casas, e os ascetas pegavam os Dons e os levavam para o deserto
para receber a Comunhão.
6. Porque para o Deus homem Cristo é adequado oferecer uma única e inseparável divina
adoração, tanto para Sua divindade quanto para Sua humanidade, como conseqüência de Sua in-
separável união, dever-se-ia dar para os Santos Mistérios da Eucaristia a mesma honra e adora-
ção que nós somos obrigados a dar para o Senhor Jesus Cristo.

A Eucaristia e a Cruz.
O sacrifício Eucarístico não é uma repetição do Sacrifício do Salvador na Cruz, mas é
uma oferta do Corpo e Sangue sacrificado uma vez oferecido pelo nosso Redentor na Cruz, por
Ele Que “é sempre comido, mas nunca consumido.” O sacrifício do Gólgota e o sacrifício da Eu-
caristia são inseparáveis, compreendendo um único sacrifício; mas ao mesmo tempo devem ser
distinguidos um do outro. Eles são inseparáveis; eles são uma e a mesma árvore doadora de gra-
ça e vida plantada por Deus no Gólgota, mas preenchendo com seus ramos místicos toda Igreja
de Deus, e até o fim dos tempos nutrindo por seus frutos salvíficos todos aqueles que buscam a
vida eterna. Mas eles tem também que ser distinguidos: o sacrifício oferecido na Eucaristia é
chamado “sem sangue” e “sem paixão,” já que é realizado após a Ressurreição do Salvador, que
“... havendo Jesus Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre: a morte não mais terá domínio
sobre Ele” (Ro 6:9). É oferecido sem sofrimento, sem derramamento de sangue, sem morte, ape-
sar de ser realizado em lembrança do sofrimento e morte do Divino Cordeiro.

O significado da Eucaristia como um sacrifício.


É um sacrifício de louvação e agradecimento. O presbítero que celebra o sacrifício sem
sangue de acordo com o rito da Liturgia de São Basílio e de São João Crisóstomo, antes da santi-
ficação dos Dons lembra em suas orações secretas as grandes obras de Deus; ele glorifica e dá
graças a Deus na Santíssima Trindade por chamar o homem da não-existência, por Seu grande e
variado cuidado com o homem depois de sua queda, e pela economia de Sua Salvação através do
Senhor Jesus Cristo. Da mesma forma todos os Cristãos presentes na Igreja, nesses santos mo-

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mentos glorificando a Deus, clamam a Ele: “Nós Te louvamos, nós Te bendizemos, nós Te da-
mos graças, ó Senhor.”
A Eucaristia é da mesma forma um sacrifício propiciatório para todos os membros da I-
greja. Dando a Seus discípulos, Seu Corpo, o Senhor disse Dele: “Que é partido por vós”; e dan-
do seu sangue Ele acrescenta: “Que é derramado por Vós e por muitos para a remissão dos peca-
dos.” Portanto, desde o início do Cristianismo o Sacrifício Sem Sangue foi oferecido para a lem-
brança tanto dos vivos quanto dos mortos e para a remissão dos seus pecados. Isso é evidente dos
textos de todas as Liturgias, começando com a Liturgia do Santo Apóstolo Tiago, e esse sacrifí-
cio é freqüentemente chamado diretamente nesses textos de sacrifícios de propiciação.
A Eucaristia é um sacrifício que no modo mais intimo une todos os fiéis em um Corpo
em Cristo. Por isso, depois da transformação dos santos Dons assim como antes da proskomídia,
o presbítero relembra a Santíssima Theotokos e todos os santos, acrescentando: “por suas ora-
ções, salva-nos, ò Deus”; e aí ele vai para a comemoração dos vivos e dos mortos — a Igreja de
Cristo completa.
A Eucaristia é também o sacrifício de súplica: pela paz das Igrejas, pela boa condição do
mundo, pelas autoridades, por aquele com enfermidades e trabalhos, por todos que pedem ajuda
— “e por todos os homens e mulheres.”

Conclusões de um caráter litúrgico.


Dos relatos do Evangelho e dos escritos dos Apóstolos e da prática da Igreja antiga, deve-
se tirar as seguintes conclusões:
a) na Eucaristia, como aos Apóstolos foram dados na Mística Ceia, assim também deve
ser dado aos fiéis não só o Corpo de Cristo, mas também o Sangue de Cristo. “Bebei todos dele,”
o Salvador ordena (Mt 26:27). “Examine-se pois o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e
beba desse cálice” (1 Co 10:17). (Isso não é observado na Igreja Latina, onde os leigos são pri-
vados do cálice).
b) “Porque todos participamos do mesmo pão” (1 Co 10:17), escreve o Apóstolo. Na I-
greja antiga toda comunidade participava de um único pão, e na Liturgia Ortodoxa é abençoado e
partido um pão, assim como um cálice é abençoado. (A benção de “um” pão foi também violada
pela Igreja Latina no segundo milênio)
c) Em todas as passagens da Sagrada Escritura onde o pão da Eucaristia é mencionado, o
pão é chamado de artos em grego (Jo cap.6; Evangelho de Mateus, Marcos, Lucas, no Apóstolo
Paulo e nos Atos dos Apóstolos). Artos usualmente significa o pão de trigo que cresceu com o
uso de fermento (“não fermentado” é expresso em grego pelo adjetivo azymus): é sabido que nos
tempos apostólicos — isto é, do início mesmo, da sua instituição — a Eucaristia era celebrada
durante o ano todo, semanalmente, quando os judeus preparavam pão ázimo; isso significa que
era celebrada, mesmo nas comunidades judaico-cristãs, com pão fermentando. Mas ainda isso
pode ser dito das comunidades de Cristãos convertidos do paganismo, para quem a lei a respeito
de pão ázimo era inteiramente estranha. Na Igreja dos primeiros Cristãos o material para o Misté-
rio da Eucaristia, como é bem sabido, era igualmente pego nas oferendas do poço, que, sem ne-
nhuma dúvida, trazia para a Igreja de suas casas o pão usual, fermentado; eles era destinado para
ser usado, ao mesmo tempo, nas festas-de-amor (ágape) e para ajudar os pobres.

A necessidade da Comunhão.
Receber comunhão do Corpo e Sangue do Senhor é essencial, necessário, salvífico e con-
solador e é obrigação de todo Cristão. Isso é evidente nas palavras do Salvador que Ele procla-

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mou quando dando a promessa a respeito do Mistério da Eucaristia: “Na verdade, na verdade vos
digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis
vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna...” (Jo
6:53-54).
Os frutos salvíficos ou efeitos do Mistérios da Eucaristia, se nós pó comungamos digna-
mente, são os seguintes: ele nos une da maneira mais intima como o Senhor: “Quem come a Mi-
nha Carne e bebe o Meu Sangue, permanece em Mim, e Eu Nele” (Jo 6:56).
Ele nutre nossa alma e corpo e ajuda em nossa fortificação, melhora o crescimento na
vida espiritual: “Assim quem de Mim se alimenta, também viverá por Mim” (Jo 6:57).
Tendo recebido igualmente, ele serve para nós como fiança da futura ressurreição e da
vida abençoada eternamente: “que comer este pão viverá para sempre” (Jo 6:58).
No entanto, devesse lembrar que a Eucaristia oferece esse frutos salvificos somente para
aqueles que dela se aproximam com fé e arrependimento; mas uma participação indigna no Cor-
po e Sangue de Cristo traz é muito mais condenação: “Porque o que come e bebe indignamente
come e bebe para sua própria ordenação, não discernindo o Corpo do Senhor” (1 Co 11:29).

Arrependimento.
O Mistério do Arrependimento é um rito sagrado doador de graça no qual, depois que o fiel o-
ferece o arrependimento pelos seus pecados, a remissão dos pecados é concedida pela misericór-
dia de Deus através da intermediação de um pastor da Igreja, de acordo com a promessa do Sal-
vador.
No Mistério do Arrependimento as aflições espirituais do homem são tratados, impurezas
da alma são removidas e o Cristão, tendo recebido o perdão dos pecados, torna-se de novo ino-
cente e santificado, assim como ele saiu das águas do batismo. Por essa razão, o Mistério do Ar-
rependimento é chamado de “medicina espiritual.” Os pecados, que puxam o homem para baixo,
que embotam e embrutecem sua mente, coração e consciência, que cega sua contemplação espi-
ritual, que tornam impotente sua vontade Cristã — são aniquilados, e a ligação viva do homem
com a Igreja e com o Senhor Deus é restaurada. Sendo liberado do fardo dos pecados, o homem
de novo chega à vida espiritual e torna-se capaz de se reforçar e tornar-se perfeito no bom cami-
nho cristão.
O Mistério do Arrependimento consiste em duas ações básicas: 1) a confissão de seus
pecados diante de um pastor da Igreja pela pessoa vindo para o Mistério; e 2) a oração de perdão
e remissão dos pecados, pronunciada pelo pastor.
Esse Mistério é chamado também de Mistério da confissão (ainda que a confissão dos
pecados compreenda somente a primeira e preliminar parte do Mistério), e isso indica a impor-
tância da revelação sincera de uma alma e a manifestação dos pecados.
Confissão — isto é, pronunciamento algo — é a expressão de arrependimento interior,
seu resultado, seu indicador. E o que é arrependimento? Arrependimento não é só a consciência
do pecado ou o simples conhecimento de si próprio como indigno; não é nem mesmo contrição
ou pesar (apesar de todos esses aspectos deverem entrar no arrependimento). Antes, é um ato de
vontade de correção, um desejo, uma firme intenção, uma resolução, de batalhar contra as incli-
nações malignas; e essa condição da alma é unida com um pedido para ajuda de Deus na batalha
contra outras indignações malignas, tal arrependimento genuíno e sincero é necessário para que o

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efeito desse Mistério possa estender-se não só para remover os pecados, mas também para que
possa entrar na alma aberta uma doadora de graça cura que não permita que a alma de novo seja
imersa na imundície do pecado.
A simples proclamação anta das aflições da alma e das quedas diante de um pai espiritual
— a confissão dos pecados — tem importância pois por meio dela a superação a) do orgulho, a
fonte principal dos pecados, e b) do desânimo vindo da desesperança na correção e salvação. A
manifestação do pecado leva-nos próximo de afasta-lo de nós.
Os que se aproximam do Mistério do arrependimento se preparam para ele por um esfor-
ço de oração, jejum, e mergulho profundo em si próprio, com o objetivo de descobrir e reconhe-
cer seus pecados.
A misericórdia de Deus vai ao encontro do Cristo arrependido, através dos lábios do pai
espiritual, que o Pai Celestial não rejeita aquele que vem à Ele, assim como Ele não rejeitou o
filho pródigo e o publicano arrependido. Esse testemunho consiste nas palavras da oração espe-
cial e das palavras especiais de remissão que são pronunciadas pelo presbítero.

A Instituição do mistério.
O Senhor institui o Mistério do Arrependimento, depois de Sua Ressurreição, quando
tendo aparecido para Seus discípulos, que, à exceção de Tomé, estavam reunidos, solenemente
disse a eles: “Paz seja convosco E dizendo isso assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espí-
rito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados lhe serão perdoados: e àqueles a quem o reti-
verdes lhes serão retidos” (Jo 20:21-23). Alem disso, mesmo antes de Cristo por duas vezes fez
uma promessa sobre esse Mistério. A primeira Ele disse ao Apóstolo Pedro, quando este, e nome
de todos os Apóstolos, confessou ser Ele o Filho de Deus: “E eu te darei as chaves do reino do
céu; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desli-
gado nos céus” (Mt 16:19). A segunda vez Ele testemunhou para todos os Apóstolos: “...e, se ele
não escutar, considera-o como gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes
na terra será ligado no céu, e tudo que desligardes na terra será desligado no céu” (Mt 18:17-18).
Presbíteros são só os instrumentos visíveis da realização do Mistério, que é realizado a-
través do próprio Deus.
São João Crisóstomo tendo em mente a Divina instituição dos pastores na Igreja para li-
gar e desligar, diz: “Os presbíteros decretam em baixo, Deus confirma acima, e o Mestre concor-
da com a opinião de Seus escravos.” O presbítero é aqui um instrumento da misericórdia de
Deus, e redime os pecados não por sua autoridade, mas em nome da Santíssima Trindade.
Os efeitos invisíveis da graça no Mistério do Arrependimento, em sua extensão e poder,
abrange todos os atos ilegais do homem, e não há pecado que não possa ser perdoado no homem
se ele sinceramente se arrepender e confessar o pecado com viva fé no Senhor Jesus Cristo e es-
perança em Sua misericórdia. “Eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores ao arrependi-
mento” (Mt 9:13), disse o Salvador, e o pecado tão grande do Apóstolo Pedro, Ele perdoou
quando Pedro se arrependeu sinceramente. É sabido que o Apóstolo Pedro chamou para o arre-
pendimento até os judeus que crucificaram o verdadeiro Messias (At 2:38), e depois ele chamou
o Simão, o Feiticeiro, o ancestral de todos os heréticos (At 8:22); o Apóstolo Paulo deu remissão
para o homem incestuoso que se arrependeu, submetendo primeiro a uma excomungação tempo-
rária (2 Co 2:7).
De outro lado, é essencial lembrar que a remissão dos pecados do Mistério é um ato de
misericórdia, mas não uma piedade irracional. É dada para o proveito espiritual do Homem, para

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a edificação e não para a destruição” (2 Co 10:8). Isso deixa uma grande responsabilidade para
quem realiza o Mistério.
A Sagrada Escritura fala de casos ou condições em que pecados não são perdoados. Na
palavra de Deus há menção à blasfêmia contra o Espírito Santo, que “não será perdoada ao ho-
mem, nem nesse século, nem no futuro” (Mt 12:31-32). Da mesma forma é falado do pecado pa-
ra a morte, para o perdão do qual não digo que ore (1 Jo 5:16). Finalmente, o Apóstolo Paulo ins-
trui que “é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram a boa palavra de
Deus, e as virtudes do século futuro, e recaíram, sejam outra vez renovado para arrependimento,
pois assim quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõe ao vitupério” (Hb 6:4-
6).
Em todos esses casos, a razão pela qual o perdão dos pecados não é possível é para ser
encontrada nos próprios pecadores e não na vontade de Deus; mas precisamente, na falta de arre-
pendimento dos pecadores. Como pode um pecado ser perdoado pela graça do Espírito Santo,
quando blasfêmia [e lançada contra essa própria graça? Mas deve-se acreditar que, pelo mesmo
nesses pecados, os pecadores, se oferecerem arrependimento sincero e chamarem sobre seus pe-
cados, serão perdoados.” “pois,” diz São João Crisóstomo sobre a blasfêmia contra o Espírito
Santo, “mesmo essa culpa será redimida para aqueles que se arrependerem. Muitos daqueles que
lançaram blasfemai contra o Espírito subseqüentemente vieram a crer, e todo foi redimido neles”
(Homilias sobre o Evangelho de São Mateus). Além disso, os padres do Sétimo Concílio Ecumê-
nico falam da possibilidade do perdão de pecados para a morte: “O pecado para a morte é quan-
do, depois de pecar, o pecador não se corrige... Nesse pecador o Senhor Jesus não habita, a me-
nos que ele se humilhe e se recobre da queda no pecado. È adequado para o pecador aproximar-
se mais uma vez de Deus e com o coração contrito peça pela remissão dos pecados e perdão, e
não vanglorie-se sobre um ato injusto. ‘Perto está o Senhor dos que tem o coração quebrantado, e
salva os contritos de espírito’” (Ap 2:1-5).

Epitimia (Penitência).
Por “epitimia” deve ser entendido uma interdição ou punição (2 Co 2:6) onde de acordo
com os canons da Igreja, o presbítero como um medico espiritual decreta para determinado cris-
tão arrependido de modo a tratar de suas doenças mortais. Tais penitencias por exemplo, são:
jejum especial, acima do que é dado para todo mundo: orações de arrependimento junto com um
numero definido de prostrações e outras. A forma básica de epitimia que existiu na pratica da
Igreja antiga era suspensão da Comunhão dos Santos Mistérios por um período maior ou menor.
Na Igreja antiga existia um rito de arrependimento publico pelos “caídos” e em particular
por aqueles que não haviam se mantido firmes na fé durante as perseguições. De acordo com es-
se rito, os penitentes eram divididos em quatro classes: a) os “pranteadores,” que não tinham o
direito de estar presente nos serviços divinos públicos, e estendendo suas mãos para o pórtico da
Igreja, chorando deveriam implorar par os que estavam entrando na Igreja que orassem por eles;
b) os “ouvintes” a quem era permitido estar no nartex da Igreja o tempo todo até ao final da Li-
turgia dos catecúmenos; c) os “prostadores,” que entravam na Igreja, mas também não participa-
vam da Liturgia dos fiéis; depois da Liturgia, de joelhos dobrados, lhes era concedida a benção
pastoral; d) a classe dos que “permaneciam juntos” com os fiéis por toda a Liturgia, mas não po-
diam receber a comunhão dos Santos Mistérios (De acordo com os canons do Primeiro Concílio
Ecumênico (e seus comentários), ver Seven Ecumenical Concils, pg 24-27, Eerdmans).
As penitencias não são dadas para todo mundo mas só para alguns cristãos arrependidos:
para aqueles que, ou pela seriedade ou gravidade de seus pecados, ou pelo caráter de seu arre-

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pendimento, tinham necessidade desses tratamentos espirituais. Tal interdição foi estabelecida
pelo Apóstolo Paulo para o Cristão de Corinto que havia cometido incesto, quando para trata-lo,
o Apóstolo ordenou que ele fosse excomungado da Igreja e do contato com os fieis e que ele: “...
seja entregue a Satanás para a destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Se-
nhor Jesus Cristo” (1 Co 5:1-5). E então, após sua sincera contrição, o Apóstolo ordena que ele
seja recebido em comunhão na Igreja, de novo (2 Co 2:6-8).
As penitências têm o caráter de punição, mas não no estrito senso e não para uma “satis-
fação pelos pecados,” como a teologia romana ensina. São atos que são corretivos, curadores,
pedagógicos. Seu propósito é aumentar o pesar pelos pecados cometidos e apoiar a resolução da
vontade ser corrigida . O Apóstolo diz: “...a tristeza segundo Deus gera arrependimento para a
salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte” (2 Co 7:10).
Isso é, a tristeza por Deus produz um imutável arrependimento para a salvação.
Os canons dos santos Concílios e os Santos padres afirmam que as penitências na anti-
güidade eram consideradas meios de cura espiritual; que os antigos pastores, dando essas peni-
tências ara os pecadores, não estavam meramente preocupados em punir justamente uns mais e
outros menos, de acordo com os crimes de cada um, para a satisfação própria da justiça de Deus
para os pecados, mas que eles tinham em mente a boa influência dessas punições sobre os peca-
dores. Por isso, se eles vissem a necessidade de punição, eles a diminuiriam, encurtariam o tem-
po da interdição, ou removeriam a penitência por completo. Um cânon do Sexto Concílio Ecu-
mênico diz: “Convém àqueles que receberam de Deus o poder de ligar e desligar, considerar a
qualidade do pecado, e se o pecador está pronto para a conversão, e aplicar remédio adequado
para a doença, para que ele não seja injusto em cada um desses aspectos e não falhe em relação à
cura do homem doente. Pois a doença do pecado não é simples, mas variada e multiforme, e ela
germina muitos rebentos malignos dos quais muito mal é difuso, e continua até que é contra cada
pelo poder do médico” (Cânon 102 do Concílio Quinisext (considerado como parte do Sexto
Concílio Ecumênico); Seven Ecumenical Councils, p 408, Erdmans).

A visão Católica Romana.


Do que foi dito acima fica clara a inaceitabilidade da visão Católica Romana das penitên-
cias, que procede de conceitos legais de acordo com os quais: a) todo pecado ou soma de peca-
dos deve ter uma punição eclesiástica(à parte o fato que freqüentemente infortúnios por exemplo,
doenças são uma recompensa pelos pecados, assim com freqüência o pecador pode ver em seu
dado uma punição divina pelos pecados; b) essa punição pode ser removida por uma “indulgên-
cia,” que pode ser dada até mesmo antecipadamente aos pecados, por exemplo, por ocasião da
celebração de Jubileus, (Os teólogos católicos romanos dividem as boas obras em dois aspectos:
mérito pessoal (que e é pessoal e não transferível), e satisfação (expiação); esse último aspecto
pode ser transferido para outros que tem falta de “satisfação.” A “satisfação” de todos os santos
(e primeiros de todos, do próprio Cristo) formaram um “tesouro” que o Papa distribui para os
fiéis por meio de “indulgências” formalmente definida como “a remissão de punição temporal
devida ao pecado, a culpa do qual foi perdoada. “Obras suprarogatórias,” ou “obras de superro-
gação” são o “excesso” de satisfação dos santos, não requerido para sua salvação, que entram no
acima mencionado “tesouro” (ver Catholic Encyclopedia 1913 Ed., Artigo “Indulgences”). To-
das essas idéias foram desenvolvidas no século XIII pelo Escolásticismo e são totalmente estra-
nhas ao pensamento Ortodoxo).
Se entre certos professores da Igreja antiga, as penitências eram chamadas de “satisfa-
ção,” elas eram assim chamadas só no sentido moral, como um meio de aprofundar a consciência

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do pecado no pecador, isso sendo “satisfatório” para o fim de edificação, mas não como uma jus-
tificação legal.
Deve-se distinguir do Mistério da Confissão a orientação moral do pai espiritual, algo
muito generalizado na antigüidade e agora em uso especialmente entre monásticos. Freqüente-
mente a orientação era (ou é) dada por pessoas que não foram consagradas, isto é, que não tem
grau sacerdotal, quando sobre eles recai a obrigação de guiar seus filhos espirituais. A confissão
dos pensamentos e atos diante do guia espiritual tem um significado psicológico imenso no sen-
tido de crescimento moral, para correção das inclinações malignas, a superação das dúvidas e
flutuações e assim por diante. Mas essa orientação espiritual não tem a importância de um Misté-
rio de uma ação doadora de graça.

Sacerdócio.
A respeito do ministério pastoral na Igreja nós já falamos na seção sobre hierarquia da Igreja
(cap 7). Foi mostrado lá que a hierarquia foi estabelecida na Igreja pelo próprio Senhor Jesus
Cristo, que ela esteve na Igreja desde seu início e que no período Apostólico ela recebeu uma
organização em três graus (bispo — presbítero — diácono).
Mas o ministério hierárquico na Igreja, especialmente aqueles do bispo e do presbítero, é
um ministério especial, um ministério excepcional: é um ministério de graça. Aí nós encontra-
mos o pastoreio do rebanho de Deus, o maior exemplo do qual foi dado pelo Senhor em Seu mi-
nistério terrestre: “Eu sou o bom pastor e conheço as minhas ovelhas e das minhas sou conheci-
do. Dou a minha vida pelas ovelhas” (Jo 10:14-15). Aqui nós temos uma posição perante o Se-
nhor em oração não só por si mesmo, mas também pelo povo. Aqui nós encontramos a orienta-
ção das almas dos homens no caminho para eles atingirem o Reino do Céu. O clero, em nome de
todo o poço, oferece o Sacrifício Sem Sangue na Divina Liturgia. E se para toda boa obra nós
pedimos a benção de Deus e o auxílio de Deus, podemos nos imaginar entrar em um ministério
pastoral — tão exaltado e responsável — entrando nele para toda a vida — sem a invocação da
graça de Deus que abençoa esse trabalho, que coopera com ele e reforça o futuro pastor? Essa
benção de fato tem lugar. Ela é trazida sobre aquele que se aproxima com sagrado tremor para a
recepção do dom do sagrado Ministério do Sacerdócio, através da imposição de mãos de um bis-
po que carrega por sucessão a graça do sacerdócio, acompanhado pelas orações da inteira con-
gregação do clero e povo que estão presentes no Divino ofício. É chamado também de Mistério
da Cheirotonia.
A Sagrada escritura dá indicações claras e diretas que a colocação no grau do sacerdócio
é a comunicação de um dom místico especial de doação de graça, sem o qual esse ministério po-
de ser preenchido.

Cheirotonia (na Igreja Antiga).


De acordo com a expressão dos Atos dos Apóstolos, quando os Apóstolos que em tudo
agiam de acordo com a instrução de Cristo e inspiração do Espírito Santo, acharam necessário
colocar diáconos na Igreja para servir mesas — primeiro mesas comuns, e mais tarde também a
Mesa do Senhor — para aliviar os serviços dos Apóstolos, eles antes de tudo ofereceram para a
reunião dos seus discípulos escolher entre eles sete homens bem reputados cheios com o Espírito
Santo e sabedoria. E quando eles haviam sido escolhidos e colocados diante dos Apóstolos, “es-

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tes orando, lhes impuseram as mãos” (At 6:2-6). Aqui com absoluta clareza e separação, são co-
locados à parte um do outro, como dois atos distintos, a eleição de certas pessoas para o Ministé-
rio do Diaconado e a imposição de mãos sobre elas com orações. A eleição é algo meramente
humano, enquanto a imposição de mão é uma ação sagrada especialmente dirigida para esse fim,
e um ato de Divina graça.
No mesmo livro dos Atos dos Apóstolos nós temos indicação da imposição de mãos co-
mo um ato sagrado por meio do qual presbíteros também eram ordenados na Igreja dos primeiros
tempos, Falando de como os Apóstolos Paulo e Barnabé iam pregando através das cidade da Á-
sia Menor — Derbe, Listra, Icônio e Antioquia — aumentando nelas o número de Cristãos, o
escritor do livro, o santo Apóstolo Lucas, nos informa “e havendo-lhes... ordenado (cheirotonia;
na versão de João Ferreira de Almeida: eleito) anciãos em cada igreja, orando com jejuns, os en-
comendaram ao Senhor...” (At 14:23). Aqui a imposição de mãos, de um lado, e apresentada
como um ato sagrado conhecido por todos, por meio da qual os presbíteros eram ordenados para
uma ou outra Igreja, e de outro lado como um ato sagrado que tem uma importância especial
como fica claro pelo fato de ter sido realizado pelos próprios Apóstolos Paulo e Barnabé. Fica
claro daí que essa ordenação não foi meramente um rito ou um sinal, mas sim a comunicação de
um dom especial. E isso é confirmado mais tarde com toda ênfase pelo mesmo Apóstolo Paulo,
quando em sua conversa de despedida com os presbíteros na Igreja de Éfeso ele assim se expres-
sa a respeito deles: “Olhai por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constitui
bispos, para apascentardes a Igreja de Deus, que Ele resgatou com seu próprio sangue” (At
20:28). Que essa colocação pelo Espírito Santo foi através da colocação apostólica de mãos ou
ordenação é evidente no texto acima citado (At 14:23).
Finalmente nas Epístolas do Apóstolo Paulo a Timóteo nós temos uma indicação direta e
clara da ordenação como ação sagrada doadora de graça pela qual bispos eram apontados. Assim,
na Primeira Epístola a Timóteo, que foi bispo da Igreja de Éfeso, o Apóstolo escreve: “Não des-
prezes o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a imposição das mãos do presbi-
tério” (1 Tm 4:14). Em sua outra Epístola para Timóteo ele escreve: “Não desprezes o dom que
há em ti, o qual te dói dado por profecia, com a imposição das mãos do presbitério” (1 Tm 4:14).
Em sua outra Epístola para Timóteo ele escreve: “Por cujo motivo te lembro que despertes o dom
de Deus que existe em ti pela imposição das minhas mãos” (2 Tm 1:16). Juntando essas duas
passagens nós vemos que Timóteo foi ordenado para o sacerdócio pelo próprio Apóstolo Paulo,
ou o que é a mesma coisa, por uma assembléia dos anciãos mais velhos sobre a presidência do
Apóstolo Paulo; e da mesma forma, que nessa ação sagrada foi comunicada à Timóteo o dom de
Deus e esse dom é para permanecer com ele para sempre com sua herança. Dele é solicitada uma
só coisa: não negligenciar o dom, mas mantê-lo aquecido. Que a imposição de mãos aqui signifi-
ca nada mais que uma ordenação episcopal fica inteiramente confirmado pelas instruções seguin-
tes a Timóteo; delas é evidente que ele foi revestido com autoridade para ordenar outros (1 Tm
5:22), ter supervisão sobre aqueles presbíteros que estavam em sua jurisdição (1 Tm 5:17-19), e
em geral ser um construtor “na Igreja de Deus, que é a igreja de Deus vivo” (1 Tm 3:15).

“Eleição” e “Ordenação” na Igreja Antiga.


O que tem sido dito leva-nos à indubitável conclusão que os Apóstolos pela autoridade de
Cristo, estabeleceram três graus hierárquicos, e que para a elevação de pessoas selecionadas para
esses três degraus foi estabelecida ordenação, que comunica aos ordenados a graça ativa de deus
que é indispensável para seu ministério. Não é necessário dizer que os sucessores dos Apóstolos,
os bispos tinham que preencher precisamente o que tinha sido decretado pelos Apóstolos: isto é,

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ordenação através da imposição de mãos, juntando nela o mesmo significado exaltado e a mesma
importância que tinha sido dada pelos Apóstolos.
E assim tem sido de fato na Igreja nos últimos tempos.
Apesar de na Igreja dos primeiros tempos a ordenação para o grau do sacerdócio ocorrer
depois de uma eleição geral, com a concordância da comunidade da Igreja ou da Igreja local, es-
sa “ordenação” era um ato totalmente separado e distinto da concordância ou eleição, e era reali-
zada por pessoas iguais em autoridades aos Apóstolos, e que eram sucessores deles: os bispos.
Assim permaneceu até os nossos dias. Entre os primeiros testemunhos disso podemos indicar a
homilia de São Irineu de Lyon (segundo século), que diz: “Deve-se seguir esses presbíteros (no
sentido de “mais velhos” na Igreja, isto é, bispos), que estão na Igreja e que, como indicamos,
tem a sucessão dos Apóstolos, e que junto com a sucessão do episcopado, pela boa disposição do
Pai, receberam o confiável dom da “verdade.” A expressão, “com a sucessão do episcopado, re-
ceberam o dom da verdade,” para evidentemente do dom da graça recebido pela sua ordenação.
A mesma idéia pode ser encontrada também em Tertuliano. Em Clemente de Alexandria (tercei-
ro século) já há uma indicação definitiva de que a “eleição” não é tudo que é dado pela ordena-
ção da imposição das mãos, assim como a eleição por Cristo dos Apóstolos entre os quais estava
Judas, não foi a mesma coisa que a “ordenação” que os Apóstolos subseqüentemente receberam
através do sopro de Cristo (Jo 20:22). A eleição de certas pessoas para o sacerdócio é o trabalho
de homens, mas a ordenação delas não e trabalho de homens, mas de Deus (Clemente, Stromata).
Os Canons Apostólicos ordenam: “Que um bispo seja ordenado por dois ou três bispos.
Que presbíteros, diáconos, e o resto do clero sejam ordenados por um bispo” (Cânon 1 e 2); (Se-
ven Ecumenical Councils, p. 594, Eerdmans). Nesses casos é estabelecida a não repetitividade da
cheirotonia (ordenação): “Se qualquer bispo, presbítero ou diácono receber de alguém uma se-
gunda ordenação, que tanto o ordenado quanto o ordenador seja depostos; a menos que de fato
possa ser provado que a ordenação tinha vindo de heréticos” (cânon 68; pg 598, Eerdmans). As-
sim a graça dada na cheirotonia do sacerdócio é reconhecida como tão imutável e indelével
quanto a graça dada no batismo. No entanto, a graça da cheirotonia é especial e distinta da graça
que é dada no Batismo e no Mistério do Crisma.

A Essência e as Palavras da Efetuação do Mistério.


Assim o Mistério do Sacerdócio é uma ação sagrada que, através da imposição das mãos
com orações por um bispo sobre a cabeça da pessoa escolhida, traz para essa pessoa a divina gra-
ça que santifica e a ordena para determinado grau de hierarquia da Igreja e mais tarde coopera
com a pessoa para passar através das obrigações hierárquicas. A oração da cheirotonia é a se-
guinte: “A divina graça que sempre cura o que está enfermo e completa o que está faltando, eleva
(nome) o devotadíssimo subdiácono, para ser diácono (ou diácono, para ser presbítero). Por isso,
oremos por ele, para que a graça do Santíssimo Espírito venha sobre ele.”
O Mistério da Cheirotonia é sempre incluído no rito da Divina Liturgia. Distinta do Mis-
tério da Cheirotonia é a ordenação por oração para as ordens menores do clero (leitor, subdiáco-
no); essa ordenação é chamada de cheirotesia (de uma palavra grega que tem um significado pu-
ramente eclesiástico Cristão e veio a ser usado mais tardiamente).

O celibato dos Bispos.


Para um bispo existe a obrigação do celibato. Nos primeiros séculos do Cristianismo tal
demanda não era obrigatória, mas mesmo nos tempos apostólicos era permitido aos bispos evitar
o casamento com o objetivo da luta ascética de continência. Esse costume tornou-se reforçado e

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o Sexto Concílio Ecumênico fez dele um cânon. Com respeito a presbíteros e diáconos, a Igreja
considerou que tal carga não deveria ser posta sobre eles como obrigatória, e que o antigo cânon
que proíbe o clero, depois da ordenação, casar, mas que aceita ao Mistério do Sacerdócio pessoas
que já sejam casadas, olhando mesmo isso como natural e normal, fosse seguido. Um segundo
casamento assim como ter como mulher uma que já tivesse sido casada, são obstáculos para a
ordenação. Na Igreja Romana do quarto ao sexto século, o celibato começou a ser introduzido
igualmente para padres e diáconos. Essa inovação foi rejeitada pelo Sexto Concílio Ecumênico;
mas essa proibição não foi atendida pelos Papas romanos.
Os Protestantes rejeitados o sacerdócio como um “sacramento.” Seus pastores são só elei-
tos e apontados pelo povo, mas não recebem nenhum tipo especial de consagração, e nesse senti-
do eles não são distinguidos de nenhum membro comum de suas comunidades. Historicamente
isso é explicado pela oposição aos abusos de direitos deles pelo clero latino no final da Idade
Média. Os Protestantes fizeram como sua justificativa teórica a opinião que a ordenação ao sa-
cerdócio começou a ser chamado pelo nome fixo de “sacramento” somente em tempos mais re-
centes. Mas com certeza tal justificativa não tem nenhum valor. Nós vemos do ensinamento e da
prática dos Apóstolos, e da constante crença da Igreja, que cheirotonia desde o inicio era uma
ação sagrada doadora de graça sacramental, e portanto o fato de que em um período posterior ela
começou a ser chamada de “sacramento” não introduziu nada novo, mas só expressou sua essên-
cia mais precisamente em uma só palavra. De modo similar, por exemplo, o termo homoousios,
aceito no Primeiro Concílio Ecumênico, não introduziu nada novo no antigo ensinamento da I-
greja sobre a Divindade do Filho de Deus, mas só definiu mais precisamente e confirmou a di-
vindade. Desafortunadamente, eruditos protestantes, defendendo a falsa posição do Protestantis-
mo, continuam teimosamente, mas sem prova, a deduzir os reais conceitos dos Mistérios Cristãos
da prática dos mistérios pagãos.

Matrimônio.

O Propósito da Família Cristã.


A família, como é bem sabido, constitui a célula fundamental do organismo da sociedade,
sendo o núcleo e base da sociedade. Assim também na militante Igreja de Cristo é a família é a
família a unidade básica do corpo da Igreja. Por essa razão a família Cristã é chamada nos escri-
tos dos Apóstolos de uma “Igreja”: “Saudai a Priscila e a Áquila, meus cooperadores em Cristo
Jesus... e a igreja que está em sua casa” (Ro 16:3-5). “...saudai à Ninfa, e à igreja que está em sua
casa” (Cl 4:15). Daí é compreensível que grande atenção deveria ser dada à família do ponto de
vista da Igreja, para que a família possa preencher seu propósito de ser uma pequena “Igreja.”
Há ainda outro caminho para a vida pessoal que é abençoando no Cristianismo: virginda-
de ou celibato. Celibato por Cristo criou outro tipo de unidade social Cristã: monasticismo. A
Igreja o coloca acima da vida casada, e na verdade na história da Igreja o monasticismo tem sido
um elemento líder, orientador, um suporte da Igreja, pondo em realização no mais alto nível a lei
moral do Evangelho, e preservando os dogmas, os ofícios Divinos, e outras bases da Igreja.
No entanto, nem todos podem tomar para si os votos da virgindade em nome de Cristo e
da Igreja. Por isso, enquanto abençoa a virgindade como uma forma de vida escolhida e perfeita
a Igreja abençoa também a vida casada para aqueles que não conseguem tomar os votos da vir-
gindade, vida que é ao mesmo tempo difícil pelos objetivos que são colocados para uma família
cristã, e essa benção é conhecida como Mistério.

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O Significado do Mistério.
No Mistério do Matrimônio, a Igreja invoca a ajuda de Jesus sobre aqueles que estão se
casando, para que eles posam compreender, cumprir e atingir os objetivos postos diante deles,
nomeadamente: ser uma “igreja do lar,” estabelecer dentro da família reais relações Cristãs, criar
crianças na fé e vida coerentes com o Evangelho, ser um exemplo de piedade para aqueles à sua
volta, suportar com paciência e humildade as inevitáveis tristezas e, freqüentemente, sofrimentos
que visitam a vida familiar.

O Momento Central do Mistério.


O momento inicial da existência Cristã é a ação sagrada do Matrimônio. A parte mais
importante no rito do Mistério do Matrimônio é a colocação das coroas sobre as cabeças daque-
les que estão sendo casados com as palavras: “O servo de meus (nome) é coroado com a serva de
Deus (nome) em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,” e então a benção comum aos dois
com a curta oração repetida três vezes: “O Senhor nosso Deus, coroa-os com glória e honra.”

Matrimônio como Instituição Divina.


Que o matrimônio tem a benção de Deus é dito muitas vezes na Sagrada Escritura. Assim
em Gênesis 1:27-28 nós lemos: “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o cri-
ou; macho e fêmea os criou. E Deus o abençoou, e Deus lhe disse: Frutificai e multiplicai-vos e
enchei a terra” . Da mesma forma em Gênesis 2:18-24, o escritor da Gênesis, tendo falado da cri-
ação da mulher da costela de Adão e como ela foi conduzida ao homem (Adão), acrescenta:
“Portanto deixará o varão o seu par e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma
carne.”
O próprio Salvador, ordenando a fidelidade a ser preservada no matrimônio e proibindo o
divórcio, menciona as palavras do livro da Gênesis e instrui: “Portanto o que Deus ajuntou não o
separe o homem” (Mt 19: 4-6). Essas palavras do Senhor claramente testemunham a favor da
dignidade moral do matrimônio. O Senhor Jesus Cristo santificou o matrimonio pela Sua presen-
ça nas bodas de Canaã na Galiléa, e aí Ele realizou Seu primeiro milagre.
O Apóstolo Paulo compara o caráter místico da Igreja com o matrimônio nessas palavras:
“Vós, maridos amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entre-
gou por ela.” E adiante, “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher, e
serão dois em uma só carne. Grande é esse mistério: digo-o, porem, a respeito de Cristo e da i-
greja” (Ef 5:25 e 31-32). O Apóstolo Paulo fala mais em detalhe sobre matrimonio e virgindade
acima do matrimônio, ele não condena o matrimonio, ordenando que ele seja preservado e adver-
tindo que não se deve separar-se nem de descrente, na esperança de converter o (a) companheira
(o) para a fé. Tendo indicado os elevados impulsos para permanecer na virgindade, em conclusão
ele diz o seguinte: “Todavia os tais terão atribulações na carne, e eu quereria poupar-vos” (1 Co,
1:28).
Tendo em mente o propósito Cristão do matrimônio, a Igreja proíbe que um membro dela
se case com heréticos (Cânon do Quarto e Sexto Concílios), e igualmente com aqueles de outras
religiões (Ver cânon 14 do Concílio de Calcedônia e Cânon 12 do Quinisexto (Seven Ecumeni-
cals Councils, págs 278-9 e 397). A Igreja Ortodoxa em tempos modernos não tem sido tão estri-
ta. A regra atual na Igreja Russa fora da Rússia, por exemplo, permite que Ortodoxos casem-se
com não-ortodoxos que estão próximos na fé à Ortodoxia: Católicos Romanos, Armênios, Epis-
copais, Luteranos, Presbiterianos. Outras Igrejas Ortodoxas tem hoje em dia regras similares. O

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cânon 72 no Quinisexto também permite que Ortodoxos convertidos permaneçam com seus es-
posos depois da conversão, pois como diz o Apóstolo Paulo: “Porque o marido descrente é santi-
ficado pela mulher; e a mulher descrente é santificada pelo marido” (1 Co 7:14). Na prática real,
“matrimônios mistos” não são condutores à formação de “Igrejas domésticas” ou à preservação
da Ortodoxia fervorosa nas crianças de tal união, e a conversão para a Ortodoxa do esposo não-
Ortodoxa é muito mais desejável).

A Indissolubilidade do Matrimônio.
A Igreja só em circunstancias excepcionais concorda com a dissolução do matrimônio,
principalmente quando ele foi maculado pelo adultério, ou quando ele foi destruído pelas condi-
ções de vida (por exemplo, longa ausência de um dos esposos, sem noticia). A entrada num se-
gundo matrimônio depois da morte de um marido ou mulher, ou em feral a perda de um esposo
pelo outro, é permitida pela Igreja, apesar de nas orações por aqueles que estão se casando pela
segunda vez, é pedido perdão pelo pecado do segundo matrimônio. Um terceiro matrimônio é
tolerado e só como mal menor para evitar o mal maior — a vida imoral (como Basílio, o Grande
explica).

Santa Unção.

A Essência do Mistério.
O Mistério da Unção é um ato sagrado no qual, enquanto o corpo é ungido com óleo, a
graça de Deus que cura enfermidades da alma e do corpo é chamada sobre uma pessoa doente
(Orthodox Catechism, p 65). É realizada por um grupo de sacerdotes, idealmente sete, no entanto
pode ser realizada por um número menor, até mesmo por um único presbítero.

A Divina Instituição do Mistério.


Mesmo nos tempos do Velho Testamento óleo significava graça, alegria, um prazer para
a vida. Unção dos enfermos com óleo era feita pelos Apóstolos, como nós lemos no Evangelista
Marcos (6:13) “... e ungiam muitos enfermos com óleo, e os curavam.”
O testemunho mais claro do Mistério da Unção é encontrado no Apóstolo Tiago (5:14-
15): “Está entre vós alguém doente? Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o
com azeite em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se
houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.” O Apóstolo fala aqui não de um “dom” especi-
al de cura; ao invés ele prescreve a ação sagrada em uma forma definida que era para entrar nos
costume da Igreja: a realização dela pelos presbíteros da Igreja, orações, unção; e o Apóstolo
junta a isso, como sua conseqüência, a melhora da doença do corpo, e o perdão dos pecados.
Não se pode entender as palavras do Apóstolo Tiago a respeito de unção com óleo como
se referindo a um método usual de cura daqueles tempos, desde que óleo, com todos os seus atri-
butos benéficos, não é um meio de cura contra todas as doenças. Os Apóstolos não introduziram
nada de si próprios, mas eles ensinaram somente o que o Senhor Jesus Cristo havia ordenado a
eles, e o que o Espírito Santo havia inspirado neles; e eles não se chamaram a si próprios de “ins-
tituidores” dos Mistérios de Deus, mas só de “dispensadores” dos Mistérios e “servos de Cristo.”
Consequentemente a Unção também, que é ordenada aqui pelo Apóstolo Tiago, tem uma institu-
ição Divina.

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Na literatura Cristã antiga pode-se encontrar testemunhos indiretos do Mistério da Unção


em Santo Irineu de Lyon e Orígenes. Mais tarde há claros testemunhos dele em São Basílio o
Grande e São João Crisóstomo, que deixou orações para a cura de enfermos que entraram depois
no Rito da Unção; e da mesma forma em São Cirilo de Alexandria. No século quinto, o Papa I-
nocêncio respondeu a uma serie de questões a respeito do Mistério da Unção, indicando em suas
respostas que: a) deveria ser realizada “sobre fiéis que estivessem doentes”; b) deveria ser reali-
zada também por um bispo, para que ninguém visse nas palavras do Apóstolo “... chame os pres-
bíteros,” nenhuma proibição para um bispo participar na ação sagrada; c) essa unção não deve
ser realizada “sobre aqueles que estivessem sob penalidade eclesiástica,” porque unção não deve
ser realizada “sobre aqueles que estiverem sob penalidade eclesiástica,” porque é um “mistério,”
e se para alguém estão proibidos os outros mistérios, como permitir-se só um?
Esse Mistério é realizado sobre os doentes que estão capazes de recebe-lo conscientemen-
te e participando das orações por si próprios; no entanto que ele pode também ser realizado sobre
crianças. O local dessa ação sagrada pode ser ou a Igreja ou o local onde a pessoa esteja acama-
da. O Mistério da Unção é usualmente precedido por Confissão e usualmente concluído com o
Mistério da Comunhão.
O lado visível do Mistério compreende sete unções da pessoa doente com óleo pelos
presbíteros participantes em ordem. Isso é feito na forma de cruz na fronte, nas narinas, boche-
chas, lábios, peito, dois lados da mão, acompanhados por orações e pela leitura de passagens es-
pecificas de Epístolas e Evangelho. Durante a unção em si, sete vezes é pronunciada essa oração:
“Pai santo, médico das almas e dos corpos, que enviaste o Filho Unigênito, Nosso Senhor Jesus
Cristo, para curar de todo o mal e libertar da morte a todos os homens, cura também Teu servo
(nome)...e continua ...” .
O Rito da Unção começa com o canto do tropário e um cânon; a oração final do rito é
uma oração de remissão dos pecados. Uma completa assembléia de servos de Deus fica diante
Dele em nome da pessoa doente, e pelas orações de fé em nome de toda a Igreja, roga a Ele, o
Misericordiosíssimo, a conceder ao doente a remissão das transgressões e a purificação de sua
consciência de toda macula. E também mantido em mente o fato que a pessoa que cresceu em
fraqueza de corpo e alma, não é sempre capaz de oferecer a confissão apropriada de seus peca-
dos. Essa iluminação da consciência do que está recebendo o Mistério da Unção abre o caminho
também para uma cura doadora de graça da sua enfermidade corporal pelas orações de fé. É
permitido e algumas vezes praticado um rito especial de Unção, que é realizado na Igreja sobre
muitas pessoas ao mesmo tempo, num dia especialmente marcado para isso, para a cura geral de
enfermidades da alma e corpo. Mas esse rito não é precisamente idêntico ao Mistério da Unção
(Nesse rito, usualmente celebrado na noite da Quarta Feira Santa, como se fosse uma preparação
para a morte e sepultamento do Senhor, todos os presentes vem para a frente para serem ungidos
por cada um dos sete (ou menos) presbíteros; as unções podem ser feitas todas juntas no fim do
ofício, ao invés de depois e cada leitura do Evangelho, com o acompanhamento de um refrão re-
petido e cantado com uma melodia quaresmal especial: “Ouve-nos, ó Senhor, ouve-nos ó Mestre;
ouve-nos Ó Santo”).

Unção Entre os Protestantes e Católicos Romanos.


Os Protestantes rejeitaram o Mistério da Unção, apesar de Lutero, pelo menos no começo
não era contra permiti-la na prática da Igreja. A Igreja Romana até agora tem dado Unção só para
pessoas doentes que já estão perto da morte, como uma forma de preparação para a morte, razão
pela qual esse Mistério é chamado entre os Católicos Romanos de “Extrema Unção,” o Sacra-

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mento dos moribundos. Tal ensinamento apareceu na Igreja Romana inicialmente no século 12 e
está em clara contradição com as palavras do Apóstolo Tiago.
Desde os tempos antigos na Igreja, aos moribundos era dado, como preparação para a
morte, Santa Comunhão do Corpo e Sangue de Cristo. (Isso com certeza não significa que o Mis-
tério da unção não era realizado para moribundos; aqueles morrendo de uma longa doença po-
dem inclusive receber a unção várias vezes no curso de suas doenças. No entanto, Unção é um
Mistério separado, para a cura dos doentes, e não necessariamente é parte dos ritos administrados
para os moribundos, que usualmente incluem Confissão, Santa Comunhão, e as Orações para a
partida da alma (quando a morte parece próxima). Se a pessoa doente morre, o óleo consagrado
que sobrou da Unção, é, de acordo com a antiga tradição, derramado em forma de cruz sobre seu
corpo no caixão no fim do serviço funerário).

9. Oração Como Expressão da Vida na Igreja.

A ligação espiritual dos membros da Igreja. Orações pelos mortos. Comunhão com os Santos. O
lado exterior da oração. A veneração dos ícones. A veneração das relíquias. O caminho do Cris-
tão. A cruz de Cristo: O caminho e poder da Igreja.

A Ligação Espiritual dos Membros da Igreja.


Oração é a manifestação da vida da Igreja e a ligação espiritual de seus membros com
Deus na Santíssima Trindade, e de todos com cada um outro. Ela é tão inseparável da fé que ela
pode ser chamada de atmosfera da Igreja ou a respiração da Igreja. Orações são as linhas de uma
fábrica viva do corpo da Igreja, e elas vão em todas as direções. A ligação da oração penetra no
corpo todo da Igreja, conduzindo cada parte dela para a vida comum do corpo, animando cada
parte, e ajudando cada parte, pela nutrição, limpeza, e por outras formas de auxílio mútuo (Ef.
4:16). Ela une cada membro da Igreja com o Pai Celestial, os membros da Igreja terrestre com os
outros e os membros terrestres com os membros celestes. Ela não cessa, mas cresce mais ainda e
é exaltada no Reino Celeste.
Por toda a Sagrada Escritura do Novo Testamento segue o comando de oração sem ces-
sar: “orai sem cessar” (Tessal 5:17); “Orando em todo tempo com toda a oração e suplica no Es-
pírito” (Ef 6:18); “E contou-lhes uma parábola sobre o dever de orar sempre, e nunca desfalecer”
(Lc 18:1).
O exemplo perfeito de oração pessoal foi-nos dado pelo próprio Senhor Jesus Cristo. Ele
nos deixou um exemplo de oração, “Pai Nosso” — a Oração do Senhor. Oração é a) a forma da
vida da Igreja, b) um instrumento ou meio de suas atividades, c) o seu poder de vencer.
A oração é de dois tipos: pública e privada. Existe oração que é de palavras, e em particu-
lar cantada, e existe oração mental, isto é, oração interior, ou a oração da mente no coração. O
conteúdo da oração é: a) louvor ou glória; b) agradecimento; c) arrependimento; d) súplica pela
misericórdia de Deus, pelo perdão dos pecados, para a concessão de boas coisas para a alma e
para o corpo, tanto celestes quanto terrestres. Arrependimento perante Deus muitas vezes tem a
forma de conversa com a própria alma — como por exemplo, com freqüência ocorre nos canons
(não os canons ou regras dos concílios, mas os canons, usualmente compostos de nove cânticos

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ou odes, que são uma parte regular dos ofícios de matinas e Completas, e que podem ser lidos
privadamente).
A oração pode ser por si ou pelos outros. A oração por cada outro expressa o amor mutuo
entre membros da Igreja. Desde que, o amor nunca falha de acordo com a lei do amor Cristão,
eles também oram por aqueles que estão na terra, assim como pelo repouso de seus irmãos que
estão necessitados do auxilio da oração. Finalmente, nos próprios apelamos para aqueles no céu
com a súplica para que orem por nós e por nossos irmãos. Sobre essa ligação do celeste com o
terrestre está baseada também a preocupação dos anjos conosco e com nossas orações para eles.
O poder da oração pelos outros é constantemente afirmado pela palavra de Deus. O Sal-
vador disse ao Apóstolo Pedro: “Mas eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça” (Lc 22:32).
O santo Apóstolo Paulo freqüentemente toga aos Cristãos que orem por ele: “Porque espero que
pelas vossas orações vos hei de ser concedido” (Filemon 1:22). “Irmãos, rogai por nós, para que
a palavra do Senhor tenha livre curso e seja glorificada, como também o é entre vós” (2 Tessal
3:1). Estando longe, o Apóstolo se junta com seus irmãos espirituais em orações comuns: “E ro-
go-vos irmãos, por Nosso Senhor Jesus Cristo, e pelo amor do Espírito, que combatais comigo
nas vossas orações por mim a Deus” (Ro 15:30). O Apóstolo Tiago instrui: “... e orai uns pelos
outros, para que sareis; a oração feita por um justo pode muito em seus efeitos” (Tg 5:16). São
João o Teólogo viu na revelação como no céu vinte e quatro anciãos, estando no trono de Deus,
prostraram-se diante do Cordeiro, e todos tinham harpas e salvas de ouro cheias de incenso, “que
são as orações dos mortos” (Ap 5:8), isto é eles elevaram as orações dos santos na terra para o
Trono Celeste.

Orações Para os Mortos.

“Orai uns pelos outros” (Tg 5:16)


“Se vivemos ou morremos, somos do Senhor” (Ro 14:8)
“O amor nunca falha” (1 Co 13:8)
“E tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei, para
que o Pai seja glorificado no Filho” (Jo 14:13)

Em Deus todos estamos vivos. A vida da Igreja é penetrada por uma consciência e um senti-
mento vivos de que nossos mortos continuam a viver depois da morte, só de maneira diferente do
que na terra, e eles não são privados de uma proximidade espiritual com aqueles que permane-
cem na terra.
Por isso, a ligação da oração com eles de parte da Igreja peregrina (na terra) não cessa:
“... Nem a morte, nem a vida, ... nós poderá separar do amor de deus, que está em Cristo Jesus,
nosso Senhor” (Ro 3:38). Os que partiram precisam somente de um tipo de ajuda por parte de
seus irmãos: oração e petição pela remissão de seus pecados.
Na “Igreja” do Velho Testamento também existiu o costume de se orar pelos mortos. A
respeito disso existe testemunho na história sagrada. Assim, nos dias do pio líder dos judeus, Ju-
das Macabeu, quando depois de uma inspeção daqueles que tinham caído no campo de batalha
foram encontradas em suas vestes material de saque de presentes oferecidos aos ídolos, todos os
judeus “abençoaram os caminhos do Senhor, o justo Juiz, Que revela as coisas que estão ocultas;
e eles puseram a orar, suplicando que p pecado que havia sido cometido fosse totalmente apaga-
do” . E Judas Macabeu foi ele próprio para Jerusalém para “providenciar uma oferenda por peca-

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do. E fazendo isso ele agiu muito bem e honradamente, levando em conta a ressurreição” (1 Ma-
cabeu 12:39-46).
Que a remissão de pecados para aqueles que pecaram não para a morte pode ser dada tan-
to na vida presente quanto na vida depois da morte pode ser concluída naturalmente das palavras
do Senhor: “E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado,
mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no fu-
turo” (Mt 12:32). Similarmente da palavra de Deus nós sabemos que o Senhor Jesus tem “as
chaves da morte e do inferno” (At 1:18); consequentemente, Ele tem poder para abrir as portas
do Inferno pelas orações da Igreja e pelo poder do propiciatório Sacrifício Sem Sangue que é o-
ferecido pelos mortos.
Na Igreja Cristã todas as antigas liturgias, tanto do Oriente quanto do Ocidente, testemu-
nham a lembrança da Igreja em orações dos mortos. Tais liturgias são conhecidas sob os nomes
do Santo Apóstolo Tiago, o irmão do Senhor, São Basílio, o Grande, São João Crisóstomo e São
Gregório o Dialoguista. Referências similares são encontradas nas liturgias romana, espanhola e
galesa, e finalmente nas antigas liturgias dos grupos que se separaram da Ortodoxia: os Jacobitas,
Coptas, Armênios, Etíopes, Sírios e outros. Para todas essas liturgias não há uma única onde não
se encontre oração para os mortos. O testemunho dos Pais e Professores da Igreja fala a mesma
coisa.
A respeito do bom efeito da comunhão em nome do Senhor Jesus Cristo entre aqueles
vivendo na terra e os mortos, Efrem o Sírio, por exemplo, raciocina assim: “para os mortos, a
lembrança feita pelos santos durante sua vida é benéfica. Nós vemos um exemplo disso em nu-
merosas obras de Deus. Por exemplo, num vinhedo há o amadurecimento das uvas no campo, e o
vinho já amassado nos barris; quando as uvas amadurecem no vinhedo, então o vinho que estava
imóvel na casa começa a espumar e se agitar, como se desejasse escapar. A mesma coisa aconte-
ce, parece, com outra planta, a cebola; pois assim que a cebola foi semeada no campo começa a
amadurecer, a cebola que está na casa também começa a dar brotos. E assim, se até mesmo coi-
sas que crescem entre si tal sentimento de companheirismo, as petições em oração, não serão
muito mais sentidas pelos mortos? E quando sensivelmente concordar que isso ocorre de acordo
com a natureza das criaturas, imagine então que tu és a primeira das criaturas de Deus?”
Orando pelos mortos, a Igreja intercede por eles assim como pelos vivos, não em seu
próprio nome, mas no nome do Senhor Jesus Cristo (Jo 14:13-14),e pelo poder de Seu Sacrifício
na cruz, que foi oferecido pela libertação de todos, Essas orações ferventes ajudam as sementes
da nova vida que os nossos que partiram levaram com eles — se essas sementes não foram capa-
zes de germinar suficientemente aqui na terra — a gradualmente abrirem-se e se desenvolverem
sob a influencia as orações e com a misericórdia de Deus, assim como uma boa semente é desen-
volvida na terra sob os vivificantes raios de sol, com clima favorável. Mas nada pode reviver se-
mentes estéreis que perderam o real princípio da vida vegetal. Similarmente, impotentes serão as
orações pelos mortos que morreram em impiedade e sem arrependimento, que extinguiram em si
o Espírito de Cristo (1 Tessa 5:19). É precisamente a respeito de tais pecadores que deve-se lem-
brar das palavras do Salvador na parábola do homem rico e Lázaro; que não há libertação para
eles das partes mais profundas do inferno do inferno, e não há transferência para eles para dar o
seio de Abrahão (Lc 16:26). E de fato, tais pessoas usualmente não deixam atrás de si na terra
pessoas que possam orar sinceramente por elas a Deus; da mesma forma, elas não adquiriram
para si amigos no céu entre os santos, quando eles falham (isso é, morrem) possam recebe-los
nas moradas perenes — isso é, que possam orar por eles (Lc 16:9).

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Com certeza, na terra não é sabido para que lote cada um foi sujeito depois de sua morte.
Mas a oração de amor nunca pode ser inútil. Se nossos mortos que são caros para nós foram para
o Reino dos Céus, eles respondem às orações com uma oração de resposta para nós. E se nossas
orações forem impotentes para ajuda-los, de qualquer maneira elas não serão nocivas para nós,
de acordo com a palavra do Salmista: “Minha oração retornará ao meu seio,” e de acordo com as
palavras do Salvador: “Retorne para vós a vossa paz” (Mt 10:13). Mas elas são de fato proveito-
sas para nós. São João Damasceno ressalta: “Se alguém desejar ungir um doente com mirra ou
outro óleo sagrado, primeiro ele se torna um participante da unção ele próprio e então ele próprio
recebe benefício, e então oferece ao vizinho; pois Deus não é injusto, para esquecer as obras de
acordo com a palavra do Divino Apóstolo.”

Comunhão com os Santos.


A Igreja ora por todos que morreram na fé, e pede perdão pelos seus pecados, pois não há
homem sem pecado: “se ele vier um único dia sobre a terra” (Jo 14:5, Septuaginta). “Se disser-
mos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós” (1 Jo 1:8).
Por isso, não importa quão justo seja um homem, quando ele parte desse mundo, a Igreja acom-
panha a sua partida com orações por ele ao Senhor. “Irmãos, orai por nós” o Santo Apóstolo Pau-
lo pede para seus filhos espirituais (1 Tes 5:25).
Ao mesmo tempo, quando a voz comum da Igreja testemunha a justiça da pessoa que re-
pousou, Cristãos, à parte orar por ele, são ensinados pelo bom exemplo de sua vida e colocando
como um exemplo a ser imitado.
E quando, depois, a convicção geral da santidade da pessoa que repousou é confirmada
por testemunhos especiais, martírio, confissão sem medo, auto-sacrifício ao serviço da Igreja,
dom de cura, e especialmente quando o Senhor confirma a santidade da pessoa que repousou por
milagres após sua morte quando ela é lembrada em orações então a Igreja glorifica-a de modo
especial. Como a Igreja pode não glorificar aqueles que o próprio Senhor chama de Seus “ami-
gos”? “Vós sereis meus amigos, ... tenho-vos chamado amigos” (Jo 15:14-15), a quem Ele rece-
beu em Suas mansões celestiais em cumprimento das palavras: “... para onde eu estiver estejais
vós também” (Jo 14:3). Quando isso acontece; cessar as orações pelo perdão dos pecados da pes-
soa que partiu, e pelo seu repouso; elas dão lugar a outras formas de comunhão com a pessoa,
nomeadamente: a) louvação de suas lutas em Cristo, “pois não se acende a candeia e se coloca
debaixo do alqueire, mas no selador, e da luz em todos que estão na casa” (Mt 5:15); b) petições
à pessoa para que ela ore por nós, pela remissão dos nossos pecados, e pelo nosso avanço moral,
e que ela possa nos ajudar em nossas necessidades espirituais e em nossas aflições.
É dito: “Bem aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor” (Ap 14:13) e na
verdade nós os bendizemos.
É dito: “E Eu dei-lhes a glória que a Mim me deste (o Pai)” (Jo 17:22), e nós na verdade
damos essa glória a pessoa, de acordo com o comando do Salvador.
Da mesma forma o Salvador disse: “Quem recebe um profeta em qualidade de profeta,
receberá galardão de justo” (Mt 10:41). “Porque, qualquer que fizer a vontade de meu Pai, que
está nos céus, este Meu irmão, e irmã e mãe” (Mt 12:50). Portanto, nós devemos receber um jus-
to como um justo. Se ele é irmão do Senhor, então ele deve ser o mesmo para nós também. Os
santos são nossos irmãos espirituais, irmãs, mães e pais, e nosso amor por eles é expresso pela
comunhão em oração com eles.
O Apóstolo João escreveu para seus companheiros Cristãos: “O que vimos e ouvimos
isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o

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Pai, e com Seu Filho Jesus Cristo” (1 Jo 1:3). E na igreja essa comunhão com os Apóstolos não é
interrompida ; ela continua com eles no outro reino da existência deles, o reino celeste.
A proximidade dos santos aos Trono do Cordeiro e a elevação por eles de orações pela
Igreja na terra é descrito no livro da Revelação (Apocalipse) de São João Teólogo: “E olhei, e
ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos animais e dos anciãos; e era o número deles
milhões de milhões e milhares de milhares,” que louvavam o Senhor (Ap 5:11).
Comunhão em oração com os santos é a realização em fatos reais da ligação entre os
Cristãos na terra e a Igreja Celeste na qual o Apóstolo fala: “Mas chegastes ao monte de Sião, e à
cidade do Deus vivo, à Jerusalém Celestial e aos muitos milhares de anjos; à universal assem-
bléia e igreja dos primogênitos que estão inscritos nos céus, e à Deus o juiz de todos, e aos espí-
ritos dos justos aperfeiçoados” (Hb 12:22-23).
A Sagrada Escritura apresenta numerosos exemplos do fato que, enquanto ainda vivendo
na terra, o justo pode ver e ouvir e conhecer muito do que é inacessível ao entendimento comum.
Muito mais esses dons estão presentes com eles quando eles dispensaram a carne e estão no céu.
O Santo Apóstolo Pedro viu no coração de Ananias, de acordo com o livro dos Atos (at 5:3). A
Eliseu foi revelado o ato sem lei do servo Geazi (2 reis, cap 4), e o que é ainda mais notável, para
ele foi revelada as intenções secretas da corte Síria, que ele então comunicou ao Rei de Israel (2
Reis 6:12). Quando ainda na terra, os santos penetram em espírito mundo acima; e alguns deles
vêem coros de anjos, a outros é concedido contemplar a imagem de Deus (Isaias e Ezequiel), e
ainda outros são exaltados para o terceiro céu e lá ouvem palavras místicas e impronunciáveis.
Ainda mais quando eles estão no céu e são capazes de saber o que está a acontecendo na terra e
de ouvir aqueles que apelam a eles porque os santos no céu são iguais aos anjos (Lc 20:36).
Da parábola do Senhor sobre o homem rico e Lázaro (Lc 16:19-31) ficamos sabendo que
Abrahão, estando no eu, podia ouvir o grito do homem rico que estava sofrendo no inferno, ape-
sar do “grande abismo” que os separava. As palavras de Abrahão sobre os irmãos do homem ri-
co: “Tem Moisés e os profetas; ouçam-nos” (Lc 16:29) claramente indicam que Abrahão conhe-
ce a vida do povo hebreu que ocorreu depois de sua morte; ele sabe de Moisés e da lei, dos pro-
fetas e seus escritos. A visão espiritual das almas dos justos no céu, sem nenhuma dúvida, é mai-
or do que a visão era na terra. O Apóstolo escreve: “porque agora temos por espelho em enigma,
mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou
conhecido” (1 Co 13:12).
A Santa Igreja sempre manteve o ensinamento da invocação dos santos estando totalmen-
te convencida que eles intercederam por nós perante Deus no céu. Isso nós vemos nas antigas
Liturgias. Na Liturgia do santo Apóstolo Tiago é dito: “Especialmente nós fazemos memória da
Santa, Gloriosa e Sempre Virgem, a abençoada Theotokos. Lembra-te Dela, Ó Senhor, e pelas
santas orações delas, preserva-nos e tem piedade de nós.” São Cirilo de Jerusalém, explicando a
Liturgia na Igreja de Jerusalém, destaca: “Então nós também comemoramos (oferecendo o Sacri-
fício Sem Sangue) aqueles que partiram previamente: antes de todos, patriarcas, profetas, apósto-
los, mártires para que por suas orações e intercessão de Deus venha a receber nossas petições.”
Numerosos os testemunhos dos padres e professores da Igreja, especialmente do quanto
século em diante, a respeito da veneração pela Igreja dos Santos. Mas já no começo do segundo
século existe indicações diretas na antiga literatura Cristã a respeito da fé, da oração dos santos
no céu por seus irmãos na terra. Os testemunhos da morte por martírio de São Inácio o Teóforo
(no começo do século segundo) dizem : “Tenho retornado à casa com lágrimas, nós tivemos a
vigília de toda a noite... então, depois de dormir um pouco alguns de nós de repente vimos o a-
bençoado Inácio em frente a nós e nos abraçando, e outros igualmente o viram orando por nós.”

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Relatos similares, mencionando as orações e intercessão por nós dos mártires, são encontrados
em outros relatos da época da perseguição contra os Cristãos.

O lado exterior da Oração.


Oração é o oferecimento da mente e do coração para Deus. No entanto, enquanto vive-
mos no corpo sobre a terra, nossa oração naturalmente é expressa em várias formas exteriores:
inclinações e prostrações, o sinal da Cruz, a elevação das mãos, o uso de vários objetos nos ofí-
cios Divinos, e todas as ações exteriores dos Divinos serviços dos Cristãos Ortodoxos.
A adoração Cristã de Deus, em seu estado mais elevado, é adoração “em espírito e em
verdade” (Jo 4:23-24). Os serviços Divinos Cristãos são incomparavelmente mais exaltados que
os do Velho Testamento. Apesar dos ofícios do Velho Testamento terem sido instituídos de a-
cordo com o comando do próprio Deus (Ex 25:40), ainda assim eles serviriam só como “exemplo
e sombra das coisas celestiais” (Hb 8:5). Eles foram terminados porque estavam “decaídos e en-
velhecidos” e “perto de se acabarem” (Hb 8:13) com a instituição do Novo Testamento, que foi
santificado pelo santo Sangue do Senhor Jesus cristo. Os ofícios Divinos do Novo Testamento
consistem não em constantes sacrifícios de bezerros e carneiros, mas em oração de louvor, agra-
decimento e petição, no oferecimento do Sacrifício Sem Sangue do Corpo e Sangue de Cristo, e
na concessão de graça dos Santos Mistérios.
No entanto, a oração Cristã tem também várias ações exteriores. O próprio Senhor Jesus
Cristo não evitou as manifestações exteriores de oração e das ações de sacrifício: Ele dobrou os
joelhos, caiu sobre Sua face e orou; Ele levantou Suas mãos e abençoou: Ele soprou e disse a
Seus discípulos: “Paz esteja convosco.” Ele usou ações exteriores quando curado; Ele visitou o
Templo em Jerusalém e chamou-o “a casa do Meu Pai.” “A Minha casa será chamada de casa de
oração” (Mt 21:13). Os Apóstolos também fizeram todas essas coisas.
Adoração espiritual deve ser acompanhada por adoração corporal, como resultado da ín-
tima ligação e mútua influência do corpo e da alma. “Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo
do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Por-
que fostes comprados por bom preço, glorificai pois a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito,
os quais pertencem a Deus” (1 Co 6:19-20).
Um Cristão é chamado a glorificar Deus não só com sua alma e seu corpo, mas tudo que
o cerca ele deve também dirigir para a glorificação do Senhor: “Portanto, quer comais quer be-
bais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10:31). Deve-se san-
tificar por oração não só a si próprio mas também tudo aquilo que se faz uso: “Porque toda cria-
tura de Deus é boa e não há nada que rejeitar sendo recebido com ações de graça. Pois pela pala-
vra de Deus e pela oração é santificada” (1 Tm 4:45). O Cristão é chamado conscientemente a
ajudar até o fim tudo que o cerca, para que em suas mãos e em sua consciência possa ser realiza-
do o chamado do salmo: “Que tudo que respira e toda criatura louve o Senhor” Isso é feito pelos
Divinos ofícios Cristãos Ortodoxos, tomados em sua totalidade.

A veneração dos ícones.


Uma das formas exteriores de adoração de Deus e veneração dos santos é o uso de ima-
gens sagradas e o respeito demonstrado por elas.
Entre os vários dons do homem que o distingue de outras criaturas é o dom da arte ou das
pinturas em linhas e cores. Esse é um dom nobre e elevado, e é digno de ser usado para glorificar
Deus. Com todos os meios puros e elevados disponíveis para nós nos devemos glorificar Deus de
acordo com o chamado do Salmista: “Bendize, ó minha alma ao Senhor e tudo o que há me mim

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bendiga o Seu santo nome” (Sl 103:1). “Tudo que há em mim” refere-se a todas as capacidades
da alma. E verdadeiramente, a capacidade de arte é um dom de Deus. De antigamente, antes de
Moisés “...Eis que o Senhor tem chamado por nome a Bezaleel, o filho de Uri, filho de Hur, da
tribo de Judá. E o Espírito de Deus o encheu de sabedoria, entendimento e ciência em todo o arti-
fício. E para inventar invenções, para trabalhar em ouro e prata, e em cobre, e em artifício de pe-
dras para engastar, e em artifício de madeira, para trabalhar em toda a obra esmerada também lhe
tem disposto o coração para ensinar a outros... Encheu-os de sabedoria de coração, para fazer
toda a obra de mestre... e a do bordador... e a do tecelão...” (Ex 35:30-35).
Os objetos materiais feitos pelos habilidoso trabalho dos artistas para o tabernáculo de
Moisés, assim como subseqüentemente para o Templo de Salomão, eram todos sagrados. No en-
tanto, enquanto alguns deles serviam mais como adornos sagrados, outros eram especialmente
reverenciados e tornaram-se lugares excepcionais da glória de Deus. Por exemplo, existia a “Ar-
ca de Deus,” e o simples toque nela sem reverencia especial podia causar a morte (2 Sam 6-7 —
o incidente com Uza no tempo da transparência da Arca por Davi, quando Uza foi ferido de mor-
te porque tocou na Arca com sua mão). Existiam também os “Querubins de Glória” sobre a Arca,
no meio dos quais Deus dignou-Se revelar-Se e dar Seus comandos a Moisés. “ E ali virei a ti, e
falarei contigo de cima do propiciatório, do meio de dois querubins (que estão sobre a arca do
testemunho), tudo que Eu te ordenar para os filhos de Israel” (Ex 25:22). Essas foram “a imagem
visível do Deus Invisível” (na exposição do Metropolita Macarius em sua Orthodox Dogmatic
Theology).
Entre as numerosas pinturas nas paredes e cortinas do Templo do Velho Testamento, não
haviam pinturas dos justos que haviam partido, como existem nas Igrejas Cristãs. Não existiam
porque os justos estavam esperando a sua libertação, esperando serem tirados do inferno; isso foi
feito pela descida ao inferno; isso foi feito pela descida e a Ressurreição de Cristo. De acordo
com o Apóstolo, “... para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados” (Hb 11:40); eles foram
glorificados como santos só no Novo Testamento.
Se na Sagrada Escritura há proibições contra a ereção de ídolos e a adoração deles, não se
pode transferir essas proibições para os ícones. Ídolos são as imagens de falsos deuses, e a adora-
ção deles era a adoração de demônios; ou ainda de seres imaginários que não tem existência; e
assim, em essência, é a adoração do material dos objetos sem vida — madeira, ouro ou pedra.
Mas a Sagrada Escritura instrui estritamente a pormos diferença entre santo e o profano, entre o
limpo e o imundo (Levitico 10:10). Aquele que é incapaz de ver a diferença entre imagens sa-
gradas e ídolos blasfemos e profana os ícones, comete sacrilégio e está sujeito á condenação da
Sagrada Escritura, que previne: “Tu, que abominais os ídolos, cometes sacrilégios” (Ro 2:22).
As descobertas da arqueologia eclesiástica mostram que na antiga Igreja Cristã existiram
imagens nas catacumbas e em outros lugares de assembléia para oração, e subseqüentemente em
Igrejas Cristãs.Se em certos casos escritores Cristãos expressaram-se contra a existência de esta-
tuas e imagens similares, eles tinham em mente a adoração pagã (o Concílio de Elvira na Espa-
nha, 305). As vezes, no entanto, tais expressões e proibições eram evocadas pelas condições es-
peciais do tempo — por exemplo, a necessidade de esconder coisas santas dos perseguidores pa-
gãos e das massas não- Cristãs que tinham uma atitude hostil para com o Cristianismo.
É natural supor que nos primeiros tempos da história do Cristianismo, a primeira necessi-
dade era que o povo fosse afastado da adoração pagã dos ídolos, e só depois poderia ser trazido
para a realidade a idéia da plenitude das formas de glorificar Deus e Seus santos; e entre essas
formas há lugar para a glorificação em cores, nas imagens sagradas.

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O Sétimo Concílio Ecumênico expressa o dogma da veneração dos ícones sagrados com
as seguintes palavras: “Por conseqüência nós definimos toda certeza e acurácia que assim como a
figura da preciosa e vivificante Cruz, também as veneráveis e santas imagens... deveriam ser co-
locadas nas igrejas de deus (para veneração) ... pois quanto mais freqüentemente elas são vistas
em representação artística (isto é, o Senhor Jesus Cristo, a Theotokos, os anjos e santos que são
pintados nos ícones), tanto mais prontamente os homens são elevados a memória dos protótipos,
e por um desejo por eles. E para essas imagens deve ser dado saudação e honorável reverência
(em grego: timitiki proskynisis), mas não aquela verdadeira adoração de fé (grego latreia) que
pertence somente à natureza divina; mas para as imagens... incenso e luzes devem ser ofereci-
dos... Pois a honra que é dada às imagens passa para o que a imagem representa” (Seven Ecume-
nical Councils, p. 550, Eerdmans). (Essa distinção entre a “adoração de Deus” e a “reverência”
ou “veneração” pelos ícones foi colocada primeiro por São João Damasceno em seus tratados
sobre os ícones. Ver seu On the Divine Images, tradução por David Andersen, St Vladimir Se-
minary Press, Crestwood, N.Y., 1980. p. 82-88 e introdução p. 10-11).
Nada é dito nos canons ortodoxos a respeito de veneração de estátuas, como as que vie-
ram a ser usadas na arte religiosa do ocidente na Idade Média e séculos posteriores. No entanto, a
tradição virtualmente universal da Igreja Ortodoxa tanto do Oriente quanto do ocidente nos pri-
meiros séculos, e da Igreja oriental nos últimos séculos, tem sido permitir como arte religiosa
pinturas bidimensionais e baixo-relevo, mas não estátuas ao redor. A razão para isto parece estar
no realismo que é inevitável nas obras tridimensionais, tornando-as adequadas para representar
as coisas desse mundo terrestre (por exemplo, as estátuas do imperador), mas não aquelas do
mundo celeste nas quase nosso pensamento e realismo terrestre não pode penetrar. Ícones bidi-
mensionais, de outro lado, são como “janelas para o céu” que são muito mais capazes de elevar a
mente e o coração para realidades celestes).

A veneração das santas relíquias.


Dando veneração aos santos de Deus que partiram com suas almas para o céu, a Santa
Igreja ao mesmo tempo honra as relíquias ou corpos dos santos de Deus que permanecem na ter-
ra.
No Velho Testamento não havia a veneração dos corpos dos justos, pois os justos esta-
vam ainda esperando a sua libertação. Então também a carne (dos mortos) era considerada impu-
ra.
No Novo Testamento após a Encarnação do Salvador, houve uma elevação não só do
conceito do homem em Cristo, mas também do conceito do corpo como morada do Espírito San-
to. O próprio Senhor, o Verbo de Deus, encarnou e tomou sobre si um corpo humano. Os Cris-
tãos são chamados para isso: que não só suas almas mas também seus corpos, santificados pelo
santo Batismo, santificados pela recepção do Puríssimo Corpo e Sangue de Cristo, possam tor-
nar-se verdadeiros templos do Espírito Santo. “Não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espí-
rito Santo, que habita em vós?” (1 Co 6:19). E por isso os corpos dos Cristãos que viveram uma
vida justa ou tornaram-se santos pelo recebimento de uma morte em martírio, são dignos de es-
pecial veneração e honra.
A santa igreja em todos os tempos, seguindo a Sagrada Tradição, mostrou honra às santas
relíquias. Essa honra tem sido expressa: a) pela reverente coleta e preservação dos remanescentes
dos santos de Deus, como é sabido pelos relatos desde o segundo século, e a seguir pelos teste-
munhos dos tempos posteriores; b) na solene descoberta e translação de santas relíquias; c) nas

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construção sobre elas de igreja e altares; d) no estabelecimento de festas em memória de suas


descobertas e translações; e) na peregrinação para santos túmulos, e na decoração deles; f) na
regra constante da Igreja de colocar relíquias de santos mártires na dedicação de altares, ou de
colocar relíquias no santo antimension sobre o qual é realizada a Divina Liturgia.
Essa honra inteiramente natural dada ás santas relíquias e a outros remanescentes dos
santos de Deus tem uma firme fundamentação no fato que Deus dignou-se a honrá-las e glorifi-
ca-las por inumeráveis sinais e milagres — algo para o que existe testemunho através do com-
plexo da historia da Igreja. Mesmo no Velho Testamento, quando santos não eram venerados
com uma glorificação especial depois da morte, houveram sinais produzidos pelos corpos dos
justos. Assim, o corpo de um certo homem morto, depois de ter tocado ossos do Profeta Eliseu
em seu túmulo, imediatamente voltou à vida, e o homem morto se pôs sobre seus pés (II Reis
13:21). O corpo do Profeta Elias foi elevado vivo para o céu, e seu manto, que foi deixado por
ele para Eliseu, dividiu por seu toque (do manto) as águas do Jordão para o cruzamento do Rio,
por Eliseu.
Olhando-se no Velho Testamento, nós lemos nos Atos dos Apóstolos que lenços e aven-
tais do corpo do Apóstolo Paulo eram colocados sobre os doentes, e as doenças eram curadas, e
espíritos malignos saiam deles (At 19:12). Os Santos Padres e professores da Igreja tem testemu-
nhado diante de seus ouvintes e leitores os milagres ocorridos pelos remanescentes dos santos, e
com freqüência eles tem chamado seus contemporâneos a serem testemunhas da verdade de suas
palavras. Por exemplo, Santo Ambrósio diz em sua homilia na descoberta das relíquias de Santos
Gervário e Protásio: “Vós conhecestes e até mesmo vistes muitos que foram libertados dos de-
mônios e mais ainda aqueles que não logo tocaram as vestes dos santos que com suas mãos e fo-
ram imediatamente curados de suas doenças. Os milagres da antiguidade foram renovados desde
o tempo quando através da vinda do Senhor Jesus, foi derramada sobre a abundante graça! Vós
vistes muitos que forma curados como se fosse pela sombra dos santos. Quantas roupas foram
passadas de mão em mão! Quantas vestes, deixadas sobre os remanescentes sagrados, e que pelo
mero toque tornaram-se fonte de cura, que os que crêem pedem de cada outro! Todos tentam no
mínimo um pouco tocar (as vestes), e o que toca fica curado.” Testemunhos similares podem ser
lidos em São Gregório o Teólogo, São Efrem, o Sírio, São João Crisóstomo, Bem Aventurado
Agostinho e outros.
Já no início de segundo século já informações sobre a honra dada pelos Cristãos aos re-
manescestes dos santos. Assim, depois de descrever a morte por martírio de Santo Inácio Teófo-
ro, Bispo de Alexandria, uma pessoa que testemunhou essa morte afirmou que “O que restou de
ser corpo (que foi feito em pedaços pelas bestas no circo), só as partes mais firmes foram pegas e
levadas para Antioquia e colocadas em linho como um inestimável tesouro da graça que habita
no mártir, um tesouro deixado para a Santa Igreja.” Os residentes das cidades, começando por
Roma, receberam esses remanescentes em sucessão naquele; e carregaram-nos nos ombros, co-
mo São Crisóstomo mais tarde testemunhou. “para a cidade de Antioquia, louvando o vitorioso
coroado e glorificando o lutador.” Da mesma forma, depois na morte por martírio de São Poli-
carpo como um tesouro mais precioso que pedras preciosas e mais puro que ouro, e os colocaram
“... para a celebração do dia de seu nascimento por martírio, e para a instrução e confirmação dos
futuros cristãos.”
Os remanescentes dos santos (em gregos ta leipsana, em latim reliquiae, ambos signifi-
cando o que foi “deixado”) são reverenciados estejam ou não incorruptos pelo respeito pela vida
santa ou pela morte por martírio do santo, mais ainda quando há evidentes e confirmados sinais
de cura pelas orações aos santos pela intercessão deles diante de Deus. Os concílios da Igreja

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muitas vezes (por exemplo, o Concílio de Moscou de 1667) proibiram o reconhecimento dos que
passaram como santos, pela simples incorruptibilidade de seus corpos. Mas com certeza a incor-
ruptibilidade dos corpos dos justos é aceita como um dos sinais Divinos de sua santidade. (Pode-
se dizer que a incorruptibilidade de corpo de um morto não é garantia de santidade: podem ser
dados exemplos de swamis orientais cujos corpos estavam incorruptos muitos tempos depois da
morte (seja por meios naturais relacionados às suas vidas ascéticas, ou por uma imitação demo-
níaca) e do corpo de alguns grande santos Ortodoxos (por exemplo, São Serafim de Darov, São
Herman do Alasca) restaram só ossos. As relíquias São Nectário de Pentápolis (morto 1920) fi-
caram incorruptos por muitos anos, e então rapidamente decaíram (no solo) deixando só ossos
perfumados).
Notemos aqui que a palavra eslavônica moschi;: “relíquias” refere-se não só aos corpos
dos santos: no eslavônico da Igreja essa palavra significa em geral os corpos que repousam assim
no Rito de Sepultamento no Book of Needs nós lemos : “e pegando as relíquias do que repousou,
nós saímos da Igreja” etc. A antiga palavra eslavônica moschi (da raiz mog) é aparentemente da
família da palavra mogila, “túmulo.” Reverenciando as santas relíquias, nós não acreditaríamos
na força ou poder dos remanescentes nos santos, mas sim ma intercessão por oração dos santos
cujas relíquias diante de nós levantam em nossos corações um sentimento de proximidade dos
próprios santos de Deus, que uma vez usaram esses corpos.

O Caminho do Cristão.

A cruz de Cristo: O caminho e poder da Igreja.


O ensinamento dogmático da Igreja tem a mais intima conexão com a completa ordem
moral da vida Cristã; ele dá a ela uma verdadeira direção. Qualquer tipo de afastamento das ver-
dades dogmáticas conduz a um entendimento incorreto da obrigação moral do Cristão. A fé de-
manda uma vida que corresponda à fé.
O Salvador definiu a obrigação moral do homem simplesmente em dois mandamentos da
lei: o mandamento de amar a Deus de todo o coração, alma e mente e entendimento; e o manda-
mento de amar ao próximo como a si mesmo. Mas ao mesmo tempo o Salvador ensinou que o
autêntico atendimento desses dois mandamentos é impossível sem algum grau de auto-renúncia,
auto-sacrifício, ele exige luta (A palavra russa podvig mais comumente significa “luta”; mas as
vezes deve ser traduzida como ascetismo ou “feito ascético”).
E onde o fiel encontra força para lutar? Ele recebe força pela comunhão com Cristo, pelo
amor por Cristo que o inspira a seguir atrás Dele. Essa luta de seguir Cristo, Ele próprio chamou
de Seu “jugo” . Tomai sobre vós o meu jugo...Porque meu jugo é leve e o meu fardo suave” (Mt
11: 29-30). Ele chamou também de cruz. Bem antes do dia de Sua crucificação, o Senhor ensi-
nou: “Se alguém quiser vir após mim renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-
me” (mt 16:24). “E quem de não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim”
(Mt 10:38).
O caminho Ortodoxo do Cristão foi tomado por Seu Apóstolo: “Já estou crucificado com
Cristo” escreve o Apóstolo Paulo (Ga 2:20). “Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz
de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual o mundo está crucificado para mime em para o mundo”
(Ga 6:14). Seguindo o caminho de Cristo, os Apóstolos terminaram a luta de suas vidas com uma
morte por martírio.

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Todos os fiéis são chamados a lutar de acordo com suas forças: “E os que são de Cristo
crucificaram a carne com suas paixões e concupiscência” (Ga 5:24). A vida moral não pode exis-
tir sem batalha interior, sem auto-restrição. O Apóstolo escreve: “Porque muitos há dos quais
muitas vezes vos disse, e agora também digo chorando, que são inimigos da cruz de Cristo, cujo
fim é a perdição; cujo deus é ventre e cuja glória é para a confusão deles, que só pensam nas coi-
sas terrenas” (Fi 3:18-19).
A história toda da Igreja tem sido de lutas: primeiro os sofrimentos dos mártires na pri-
meira época do Cristianismo; depois os trabalhos auto-sacrificiais dos pilares da igreja, os hierar-
cas; e então as lutas ascética pessoais, conquistas espirituais na batalha com a carne, de parte dos
moradores nos desertos e outros lutadores — “anjos terrenos e homens celestes,” os justos que
viveram no mundo sem serem maculados pelo mundo. E assim até agora o Cristianismo é ador-
nado com confessores e mártires pela fé em Cristo. E a Santa igreja sustem nos fiéis essa obriga-
ção de auto-restrição e limpeza espiritual por meios de instruções e exemplos do Evangelho e de
toda Sagrada Escritura, pelos exemplos dos santos pelas regras do tipicon da Igreja, jejuns e ape-
los do arrependimento.
Tal é a porção que cabe não só a cada Cristão separado mas da própria Igreja como um
todo: ser perseguido pela Cruz de Cristo, como foram mostradas nas visões do santo Apóstolo
João o Teólogo no Apocalipse. A Igreja em muitos períodos de sua história suportou tristezas e
perseguições totalmente abertas e a morte por martírio de seus melhores servos — que um padre
contemporâneo e escritor da Igreja chamou de “colheita de Deus” — enquanto em outros perío-
dos, mesmo em períodos de prosperidade exterior, ela enfrentou tristezas por inimigos internos;
pela maneira indigna da vida de seus membros em particular das pessoas que estavam designadas
para servi-la.
Assim é definido o dogma na Cruz. A cruz é o caminho do Cristão e da Igreja.
Ao mesmo tempo é também o poder da Igreja. Olhando com olhos mentais “para Jesus,
Autor e Consumador de nossa Fé” (Hb 12:2), o Cristão encontra força espiritual na consciência
que depois da morte do Senhor na Cruz seguiu-se a Ressurreição; que pela Cruz o mundo foi
conquistado; que se nós morrermos com o Senhor nós reinaremos com Ele, e rejubilaremos e tri-
unfaremos na manifestação de Sua glória (1 Pe 4:13).
A cruz finalmente é o estandarte da Igreja. Do dia quanto o Salvador carregou a Cruz em
seus ombros para o Gólgota e foi crucificado na Cruz material a Cruz tornou-se o sinal visível e
estandarte do Cristianismo, da Igreja, e de todos que acreditam em Cristo.
Nem todo mundo que pertence ao Cristianismo “em geral” tem tal entendimentos do E-
vangelho. Certas grandes sociedades Cristãs negam a Cruz como estandarte visível, consideran-
do que ela permaneceu o que ela era, um instrumento de “censura.” O Apóstolo Paulo já preve-
niu contra tal “ofensa à Cruz” (Ga 5:11): “... para que a Cruz de Cristo não se faça vã. Porque a
palavra da Cruz é loucura para os que perecem; mas para nós que somos salvos, é o poder de
Deus” (1 Co 1: 17-18). Ele exortou os homens a não se envergonharem da Cruz como se ela fos-
se um sinal de censura: “Saiamos pois ele fora do arraial levando Seu vitupério (insulto)” (Hb
13:13-14). Pois a ofensa da Cruz conduziu à Ressurreição em glória, e a Cruz tornou-se o im-
plemento da salvação e o caminho da glória.
Tendo sempre diante de si a imagem da Cruz, fazendo o sinal da Cruz, o Cristão antes de
tudo traz para sua mente que ele é chamado para seguir os passos de Cristo, carregando em nome
de Cristo tristezas e privações por sua fé. Depois, Ele é reforçado pelo poder da Cruz de Cristo
para batalhar contra o mal em si próprio e no mundo. E então ele confessa que espera a manifes-
tação da glória de Cristo, a segunda vinda do Senhor, que será precedida pela manifestação no

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céu do sinal do Filho do Homem, de acordo com as palavras divinas do próprio Senhor (Mt
24:30). Esse sinal de acordo com o entendimento unânime dos Padres da Igreja, será uma magní-
fica manifestação da Cruz no céu.
O sinal que colocamos em nós ou desejamos em nós pelo movimento da mão em silêncio
ao mesmo tempo é como se falasse alto, porque que é uma confissão aberta da nossa fé.
Assim, com a Cruz é firmada toda grandeza de nossa redenção, que nos lembra da neces-
sidade de luta pessoal para o Cristão. Na representação da Cruz, mesmo em seu nome, está re-
sumida a história completa do Evangelho, e também a história do martírio e a confissão do Cris-
tianismo em todos os tempos.
Refletindo profundamente sobre a riqueza de pensamentos ligados com a Cruz, os hinos
da Igreja louvavam o poder da Cruz : “Ó invencível, incompreensível e divino poder da preciosa
e vivificante Cruz, não esqueça de nós pecadores.”

10. Escatologia Cristã.

O futuro do mundo e do gênero humano. O destino do homem depois da morte. Sobre a questão
dos “pedágios.” Os sinais na Segunda Vinda do Senhor. A Segunda Vinda do Filho do Homem.
A ressurreição dos mortos. O erro do Quialismo. O final do mundo. O julgamento universal. O
Reino de Glória.

O futuro do mundo e do genro humano.


O Símbolo da Fé (Credo) de Nicéia-Constantinopla, nos sétimo, décimo-primeiro e dé-
cimo segundo parágrafo, contém a confissão de fé Ortodoxa sobre a futura vinda do Filho de
Deus para a terra, o Juízo Geral (Final) e a futura vida eterna.
Parágrafo 7: De novo há de vir cheio de glória, para julgar os vivos e os
Mortos: e o Seu Reino não terá fim.
Parágrafo11: Espero a Ressurreição dos mortos.
Parágrafo 12: E a vida do mundo que há de vir.
Na economia Divina há um plano para o futuro até o final do tempo. E uma parte inseparável
do ensinamento Cristão é composta do que a palavra de Deus nos conta sobre os eventos do final
dos tempos; a Segunda Vinda do Senhor, a ressurreição dos mortos, e o fim do mundo — e então
sobre o começo do Reino de Glória e a vida eterna. A última parte da teologia dogmática fala
então da culminação do grande processo cujo início é apresentado na primeira página do livro da
Gênesis.

O destino do homem após da morte.


Morte é o destino comum dos homens. Mas para o homem não é um aniquilamento, mas
só a separação da alma e do corpo. A verdade da imortalidade da alma humana é uma das verda-
des fundamentais do Cristianismo. “Ora Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos” (Mt 22:32;
Lc 20:38). Na Sagrada Escritura, no Novo Testamento a morte é chamada de libertação da alma
da prisão (2 Co 5:1-4); dispensa do corpo (“sabendo que brevemente hei de deixar este meu ta-
bernáculo” 2 Pe 1:14); uma dissolução (“tendo desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é

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ainda muito melhor” Fi 1:23); uma partida (“e o tempo de minha partida está próximo” 2 Tn
4;6); um sono (Davi “dormiu” At 13:36).
O estado da alma depois da morte, de acordo com o claro testemunho da palavra de Deus
não é inconsciente mas consciente (por exemplo, de acordo com a parábola do homem rico e Lá-
zaro, (Lc 16:19-31). Depois da morte o homem também é submetido a um julgamento que é
chamado de “particular” para distingui-lo do juízo final geral. É fácil na visão do Senhor recom-
pensar um homem “no dia da morte de acordo com sua conduta” diz o sábio filho de Sirach
(11:26). O mesmo pensamento é expresso pelo Apóstolo Paulo : “E como aos homens está orde-
nado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo” (Hb 9:27). O Apóstolo apresenta o julga-
mento como algo que se segue imediatamente após a morte do homem, e evidentemente ele en-
tende isso não como o julgamento geral mas como um julgamento particular, como os Santos
Padres da Igreja interpretaram essa passagem “... hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23:43), o
Senhor proclamou para o ladrão arrependido.
Na Sagrada Escritura não nos é dado conhecer como o julgamento particular ocorre de-
pois da morte de um homem. Nós podemos julgar isso só em parte por expressões separadas que
são encontradas na palavra de Deus. Assim, é natural pensar que no julgamento particular tam-
bém uma grande parte no destino de um homem depois da morte é tomada tanto por bens quanto
por maus anjos: os primeiro são implemento da misericórdia de Deus, e os últimos — por per-
missão de Deus — são implementos da justiça de Deus. Na parábola do homem rico e Lázaro, é
dito que “Lázaro foi levado pelos anjos para o seio de Abrahão” (Lc 16 16:22). Na parábola do
rico homem louco é dito a ele: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma” (Literal: “eles tomarão”
Lc 12:20); evidentemente são poderes malignos que “tomarão a alma” (São João Crisóstomo)!
Pois, de um lado, os anjos desses “pequeninos,” nas palavras do Senhor, contemplam sempre a
face do Pai Celeste (Mt 18:10), e no final do mundo o Senhor enviará os Seus anjos, que “separa-
rão os justos, e lança-los-ão na fornalha de fogo” (Mt 13:49-50).; e de outro lado, “porque o dia-
bo vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar” (1
Pe 5:8);e o ar, assim como era, é preenchido com os espíritos malignos sob os céus, e seu prínci-
pe é chamado de “príncipe das potestades do ar” (Ef 6:12: 2:2).
Baseados nessas indicações da sagrada Escritura, desde a antigüidade os Santos Padres da
igreja, desenharam o caminho da alma após sua separação do corpo como um caminho da alma
após sua separação do corpo como um caminho através de tais espaços espirituais, onde os pode-
res das trevas procuram devorar aqueles que são fracos espiritualmente e onde por isso tem-se
uma necessidade especial de ser defendido por anjos celestes e apoiado pelas orações de parte
dos membros vivos da Igreja. Entre os antigos padres os seguintes falam sobre isso — São E-
frem, o Sírio, Atanásio, o Grande, Macário o Grande, Basílio o Grande, João Crisóstomo e ou-
tros.
O desenvolvimento mais detalhado dessas idéias é feito por São Cirilo de Alexandria em
sua “Homilia sobre a Partida da Alma,” que usualmente é impressa no Saltério Seqüencial (o
Saltério com adições dos ofícios Divinos). Um desenho desse caminho é apresentado na vida de
São Basílio o Novo (28 março), onde a Bem Aventurada Teodora falecida, comunica a um discí-
pulo de Basílio durante o sono deste, o que ela viu e experimentou depois da separação de sua
alma de seu corpo e durante a ascensão da alma para as moradas celestes.
O caminho da alma após sua partida do corpo é costumeiramente chamado de “pedágios.” A res-
peito das imagens nos relatos dos pedágios, o Metropolita Macário em seu Orthodox Dogmatic
Tehology destacava: “Deve-se firmemente recordar a instrução que o anjo deu a São Macário de
Alexandria assim que ele começou a contar sobre os pedágios: ‘Aceita as coisas terrenas daqui

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Holy Trinity Orthodox Mission

como o mais fraco tipo de descrição das coisas celestes’. Deve-se pintar o pedágio o mais distan-
te possível num sentido espiritual, que está oculto sob traços maiores ou menores, sensoriais e
antropomórficos” (Para um relato detalhado sobre o entendimento Ortodoxo dos pedágios, ver
The Soul After Death, Saint Herman Brotherhood, Platina, CA, 1980, p. 73-96).
A respeito do estado da alma depois do Julgamento Particular, a Igreja Ortodoxa ensina
assim: “Nós acreditando que a alma dos mortos estão num estado de benção ou tormento de júbi-
lo ou para aflição e pesar, no entanto, elas não sentem nem completa benção nem ressurreição
geral, quando a alma é reunida ao corpo no qual viveu em virtude ou vício” (Epístola dos Patri-
arcas Orientais Sobre a Fé Ortodoxa, parágrafo 18). Assim a Igreja Ortodoxa distingue em outras
palavras, paraíso ou inferno. A Igreja não desconhece o ensinamento Católico Romano de três
condições: 1) benção; 2) Purgatório e 3) Gehena (Inferno). O nome “gehena” os Padres da Igreja
usualmente empregam referindo-se a condição depois do Juízo Final, quando ambos, mortos e
inferno serão jogados no “lago de fogo” (Ap 20:15). Os Padres da Igreja, baseando-se na palavra
de Deus, supõe que o tormento dos pecadores antes do Juízo Final tem um caráter preparatório.
Esses tormentos podem ser diminuídos ou mesmo eliminados pelas orações da Igreja (Epístola
dos Patriarcas Orientais, parágrafo 19). Da mesma forma, os espíritos decaídos são “reservados
em cadeias de escuridão, para o juízo” (2 Pe 2:4; Judas 1:6).

Sobre as Questões dos “Pedágios.”

Nossa Guerra não é contra a carne e o sangue.


Nossa vida e entre uma população que, apesar de ser nominalmente Cristã, tem em mui-
tos aspectos concepções e visões diferentes das nossas no Reino da fé. As vezes isso nos inspira
a responder questões da nossa fé quando elas são levantadas e discutidas de um ponto de vista
não Ortodoxo por pessoas de outras confissões, e as vezes por Cristãos Ortodoxos que não tem
mais (ou nunca tiveram) uma base Ortodoxa firme sob seus pés.
Nas condições limitadas de nossas vidas desafortunadamente nós somos incapazes de re-
agir totalmente a afirmações ou a responder as questões que surgem, no entanto, às vezes senti-
mos essa necessidade. Em particular, nós temos ocasião agora de definir a visão Ortodoxa dos
“pedágios,” que é um dos tópicos de um livro que apareceu em inglês sob o título, Christian Mi-
tology por Canon GeorgeEvery. Os pedágios são a experiência da alma Cristã imediatamente
depois da morte, como essas experiências são descritas pelos Padres da Igreja e por ascetas Cris-
tãos. Em anos recentes tem sido observada uma aproximação crítica a uma completa série de
crenças de nosso Igreja; essa crenças são vistas como “primitiva,” o resultado de uma “ingênua”
visão do mundo, e elas são caracterizadas por palavras como “mitos,” “mágico,” e semelhantes.
É nossa obrigação responder.
O assunto dos pedágios não é especificadamente um tópico da teologia Cristã Ortodoxa;
não é um dogma da Igreja em sentido preciso, mas engloba material de caráter moral e edifican-
te, pode-se dizer pedagógico. Para se aproximar do assunto corretamente, é essencial compreen-
der as bases da visão do mundo Ortodoxa. “Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem,
senão o espírito do homem, que nele está? Assim também, ninguém sabe as coisas de Deus, se-
não o espírito de Deus” (1 Co 2:11-12). Nós mesmo devemos chegar mais perda da Igreja, “para
que possamos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus” (1 Co 2:12). Na questão
presente a base é: nós acreditamos na Igreja. A Igreja é o corpo celeste e terrestre de Cristo, pré-
designado para a perfeição moral dos membros de sua parte terrestre e para a abençoada, jubilosa

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e sempre ativa vida de suas fileiras em seu reino celeste. A Igreja na terra glorifica a Deus, une
os fiéis e os seus próprios filhos quanto a vida do gênero humano. Seu objetivo principal é ajudar
os fiéis a atingir a vida eterna em Deus, o alcançar da santidade, sem a qual “ninguém terá o Se-
nhor” (Hb 12:14).
Assim, é essencial que haja constante comunhão entre aqueles que estão na Igreja e na
terra e a Igreja celeste. No Corpo de Cristo todos os seus membros são interativos. No Senhor o
Pastor da Igreja, existe, como existiu, dois rebanhos: o celeste e o terrestre (Epístola dos Patriar-
cas Orientais, século 17). “... se um membro padece, todos os membros padecem; e se um mem-
bro é honrado, todos os membros se regozijam com ele” (1 Co 12:26). A Igreja celeste regozija,
mas ao mesmo tempo simpatiza com seus companheiros membros na terra. São Gregório o Teó-
logo deu a Igreja terrestre de seu tempo o nome de “Ortodoxia sofredora”; e assim permaneceu
até hoje. Essa interação é valiosa e indispensável para o objetivo comum que “cresçamos em tu-
do naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o corpo bem ajustado, e ligado pelo auxílio de
todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para a sua edifi-
cação em amor” (Ef 4:15-16).
O fim disso tudo é a deificação no Senhor, que “Deus seja tudo em todos” (1 Co 15;28).
A vida terrestre do Cristão deveria ser um lugar de crescimento espiritual, progresso, ascensão da
alma para o céu. Nos temos um profundo pesar que, com a exceção de uns poucos de nós, apesar
de conhecer nosso caminho, nós nos mantemos bem afastados dele por conta de nosso apego à-
quilo que é exclusivamente terrestre. E, apesar de estarmos prontos para oferecer arrependimen-
to, ainda continuando a viver descuidados. No entanto, não existe em nossas almas aquela assim
chamada “paz da alma” que está presente na psicologia cristã ocidental, que é baseada em algum
tipo de “moral mínima,” isto é, tendo cumprido minha obrigação que provê uma disposição con-
veniente da alma posso ocupar-me com interesses mundanos.
No entanto, é precisamente ai, onde a “paz da alma” termina, que abre-se um campo de
perfeição para o trabalho interior dos Cristãos, “Porque se pecarmos voluntariamente depois de
termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma
certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários... horrenda
coisa é cair nas mãos de Deus vivo” (Hb 10:26-27 e 31). Passividade e descuido não são naturais
para a alma; sendo passivos e descuidados nós nos rebaixamos. No entanto, para nos levantarmos
precisamos de constante vigilância da alma, e mais do que isso, luta.
Com quem é essa luta? Só consigo mesmo? “Porque não temos que lutar contra a carne e
o sangue, mas sim contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as
hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (Ef 6:12).

Aqui nos aproximamos do assunto dos pedágios.


Não é por acaso que a Oração do Senhor terminava com as palavras: “Não nos deixe cair
em tentação mas livra-nos do Maligno.” A respeito do Maligno, em outro de Seus discursos o
Senhor disse aos Seus discípulos: “Eu via Satanás, como raio, cair do céu” (Lc 10:18). Jogado
para baixo do céu, ele tornou-se então um residente das esferas inferiores, o príncipe das potesta-
des do ar, o príncipe da legião de espíritos imundos. “E quando o espírito imundo tem saído do
homem” mas não encontra repouso para si, ele retorna a casa de onde havia saído e achando de-
socupada, varrida e adornada “então vai e leva consigo outros espíritos piores do que ele e en-
trando habita ali,, e são os últimos atos desse homem piores do que os primeiros. Assim aconte-
cerá também a essa geração má” (Mt 12:43-45).

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Foi só uma geração? A respeito da mulher curada que foi curada no Sábado, o Senhor
não respondeu: “E não convinha soltar desta prisão. No dia de sábado esta filha de Abrahão, a
qual há dezoito anos Satanás tinha presa?” (Lc 13:16).
Os Apóstolos em suas instruções não esquecem de nossos inimigos espirituais: São Paulo
escreve aos Efésios: “Em que noutro tempo andastes segundo o curso desse mundo, segundo o
príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência” (Ef 2:2).
Desse muro, agora, “revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que posais estar firmes contra
as astutas ciladas do diabo” (Ef 6:11). “porque o diabo ... bramando como leão, busca a quem
possa devorar” (1 Pe 5:8). Sendo Cristão, podemos chamar essas citações da Escritura de “mito-
logia”?
Esses avisos dados a gerações previas encontrados na palavra escrita de Deus também se
referem a nós. Por isso os obstáculos à salvação são os mesmos. Alguns deles são devidos à nos-
sa própria falta de cuidado, nossa auto-confiança, nossa falta de preocupação, nosso egoísmo, ás
nossas paixões do corpo; outros estão nas tentações e os tentadores que nos circundam; em pes-
soas, e nos poderes invisíveis das trevas que nos circundam. Eis ai porque, em nossas orações
pessoais diárias nós pedimos a Deus. Não permitir nenhum “sucesso do maligno” (das Orações
Matutinas), isto é, que não nos seja permitido nenhum sucesso em nossos feitos que possa ocor-
rer com a ajuda dos poderes das trevas. Em geral, em nossas orações privadas e também nas lou-
vações divinas públicas, nós nunca perdemos de vista a idéias de sermos transladados para uma
vida diferente após a morte.
Nos tempos dos Apóstolos e dos primeiros Cristãos, quando os Cristãos eram mais inspi-
rados, quando a diferença entre o mundo pagão e o mundo dos cristãos era muito mais clara,
quando o sofrimento dos mártires era a luz do Cristianismo, existia menos preocupação em apoi-
ar o espírito dos Cristãos orando sozinho. Mas o Evangelho é abrangente! As demandas do Ser-
mão da Montanha não tiveram significado só para os Apóstolos! E por isso, nos escritos dos A-
póstolos nós já lemos não simples instruções, mas também avisos a respeito do futuro, quando
nós tivermos que prestar contas.
“Revesti-vos de toda armadura de Deus, para que possais estar firmes contra o contra os
astutas ciladas do diabo... para que possais resistir no dia mau e havendo feito tudo, fiar firmes”
(Ef 6:11-13). “Porque, se pecarmos involuntariamente, depois de termos recebido o conhecimen-
to da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de
juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários... horrenda coisa é cair nas mãos do Deus
vivo” (Ju 22-23). “Porque é impossível que os que já foram iluminados; e provaram o dom celes-
tial, e se fizeram participantes do Espírito Santo e provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes
do século futuro, e recaíram sejam outra vez renovados, para arrependimento, pois assim quanto
a eles, de novo crucificaram o Filho de Deus, e o expõe ao vitupério” (Ef 6:4-6).
Assim era na era Apostólica. Mas quando a Igreja, tendo recebido liberdade, começou a
ser enchida com massas de povo, quando a inspiração geral da fé começou a enfraquecer, existiu
uma necessidade mais crítica de palavras mais poderosas, para denuncias, para chamar à vigilân-
cia espiritual, para temor de Deus e temer pela própria fé. Na coleção de instruções pastorais do
mais zelosos arquipastores lemos homilias severas dando descrições do futuro julgamento que
nos espera depois da morte. Essas homilias tinham a intenção de trazer pecadores a seus senti-
dos, e evidentemente elas eram dadas durante períodos de arrependimento cristão geral antes da
Grande Quaresma. Nelas estava a verdade da justiça de Deus, a verdade que nada imundo entrará
no reino do da santidade e esta verdade era vestida de vívidas, parcialmente figurativas imagens,
próximas a imagens do julgamento que se segue imediatamente após a morte de “pedágios.” As

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mesas dos publicanos, os coletores de taxas e obrigações, eram evidentemente pontos ara deixar
que alguém fosse além na estrada para a parte central da cidade. Lógico que a palavra “pedágio”
não indica para nós nenhum significado religioso particular. Na linguagem patrística ela significa
aquele curto período depois da morte quando a alma Cristã tem que prestar contas por seu estado
moral.
São Basílio escreve: “Que ninguém se engane com palavras vazias, “pois então lhe so-
brevirá repentina destruição” (1 Ts 5:3) e causa uma reviravolta como uma tempestade. Um anjo
estrito virá, ele forçosamente conduzirá a tua alma, ligada a pecado. Ocupe-se portanto com re-
flexões no último dia... Imagine para si próprio a confusão, o curto respirar, e a hora da morte, a
sentença de Deus chegando perto, os anjos se apressando para ti, a terrível confusão da alma a-
tormentada por sua consciência, com teu lastimável semblante olhando o que está acontecendo e
finalmente a inevitável translação para um lugar distante (São Basílio o Grande, citado em “Es-
say in na Historical Exposition of Orthodoxy Theology,” por Bishop Sylvester, vol. 5, p. 89).
São Gregório o Teólogo, que guiou um grande rebanho só por curtos períodos, limita-se a
palavras gerais dizendo que “cada um é um juiz de si próprio, por causa da cadeira de julgamento
esperando por ele.”
Há uma descrição mais chocante encontrada em São João Crisóstomo: “Se, dirigindo-nos
para lugares estrangeiros ou cidades nós necessitamos de guias, então de quantos ajudantes e
guias nós precisaremos para passar não retardados e embaraçados pelos anciãos, pelas potesta-
des, pelos governadores do ar. Os perseguidores, os coletores chefes! Por essa razão a alma, vo-
ando para fora do corpo, freqüentemente sobe e desce, teme e treme. A consciência dos pecados
sempre nos atormenta, ainda mais na hora quando formos conduzidos para aqueles julgamento e
para aquele assustador local de julgamento!! Continuando Crisóstomo dá instruções morais para
um modo de vida cristão. Como para crianças que morreram, ele coloca em suas bocas as seguin-
tes palavras: “Os santos anjos pacificadamente nos separam de nossos corpos, e tendo bons gui-
as, nós passamos sem dano pelos poderes do ar. Os espíritos malignos não encontraram em nós o
que eles estavam buscando; eles não notaram o que eles queriam envergonhar; vendo uma alma
imaculada; eles ficaram envergonhados; vendo uma língua impoluta, eles ficaram mudos. Nós
passamos por eles e pusemo-los em vergonha. A rede estava rasgada e fomos libertados. Bendito
seja Deus que não nos deu como presa para eles” (São João Crisóstomo, Homilia 2, “On Re-
membering the Dead”).
A Igreja ortodoxa descreve os mártires cristãos, homens e mulheres, como atingindo a
câmara nupcial tão livremente como crianças e sem dano. No quinto século a descrição do jul-
gamento da alma após sua partida do corpo, chamado de Julgamento Particular, era ainda mais
justo da descrição dos pedágios, como nós vemos em São Cirilo de Alexandria em sua “Homily
on the Departure of the Soul,” que resume as imagens desse tipo nos Padres da Igreja que o pre-
cederam.
É perfeitamente claro para qualquer um que imagens puramente horrendas são aplicadas
a assuntos espirituais para que a imagem sendo impressa na memória possa acordar a alma do
homem: “Vê o noivo vem à meia-noite, e bendito é o servo que ele encontrar atento” ao mesmo
tempo, nessas descrições o pecado que está presente no homem decaído é revelado em seus vá-
rios tipos e formas, e isso inspira o homem a analisar seu próprio estado de alma. Nas instruções
dos ascetas cristãos os tipos de formas de pecado tem uma estampa especial própria; nas vidas
dos santos há também uma estampa característica.
Dada a disponibilidade das vidas dos santos, o relato dos pedágios pela justa Teodora,
descrito por ela em detalhe por São Basílio o Novo em seu sonho, tornou-se especialmente bem

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conhecido. Autenticas visões das almas dos que partilham sem sua forma terrena. O relato de
Teodora tem as características de um e de outro. A idéia de que bons espíritos, ou anjos da guar-
da, assim como também os espíritos malignos abaixo do céu participam no destino do homem
(após a morte), encontram confirmação na parábola do homem rico e Lázaro. Lázaro imediata-
mente após a morte foi levado por anjos para o seio de Abrahão. E outra parábola, o homem in-
justo ouve essas palavras: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma” (Lc 12:10); evidentemente
quem “pede” são os mesmos espíritos malignos abaixo do céu.”
De acordo com a lógica simples e também com a confirmação pelo Verbo de Deus a alma
imediatamente após sua separação do corpo entra numa espera onde seu destino futuro é defini-
do. “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo,” nós le-
mos no Apóstolo Paulo (Hb 9:27). Esse é o Julgamento Particular, que é independente do Juízo
Final Universal.
O ensinamento a respeito do Julgamento Particular de Deus entra na esfera da teologia
dogmática. Para os pedágios, escritores russos de sistemas gerais de teologia se limitam a uma
nota bem estereotipada: “A respeito de todas as imagens terrenas sensoriais pela quais o Julga-
mento Particular verdadeiros, ainda assim eles deveriam ser aceitos do modo que o anjo instruiu
São Macário de Alexandria, sendo somente os mais fracos meios de descrever as coisas celestes”
(Ver Macário, Metropolita de Moscou em Orthodox Dogmatic Theology, São Petesburgo, 1883,
vol 2, p 538; também o Livro do Bispo Silvestre, reitor da Academia Teológica de Kiev. Arce-
bispo Filaret de Cherwingov, em seus dois volumes sobre teologia dogmática, não comenta sobre
esse assunto).
Se alguém se queixar do caráter assustado das descrições dos pedágios — não há muitas
descrições deste tipo nas escrituras do Novo testamento e nas palavras do Senhor? Não ficamos
assustados pela pergunta simples: “...como entraste aqui, não tendo vestido nupcial?” (Mt 22:12).
Nós atendemos à discussão sobre pedágios, um tópico que é secundário no reino do nosso
pensamentos Ortodoxo, porque ele nos dá oportunidade de iluminar a essência da nossa vida em
Igreja. Nossa vida na Igreja Cristã, é de oração não interrompida em comunhão com o mundo
celeste. Não é uma simples “invocação dos santos,” como é freqüentemente chamada; é uma in-
teração em amor. Por ela o Corpo todo da Igreja, estando unido e reforçado em seus membros e
ligações “vai crescendo em aumento de Deus” (Cl 2:19). Pela Igreja “chegamos à Jerusalém Ce-
lestial, e aos muitos milhares de anjos, à universal assembléia e igreja dos aperfeiçoados” (Hb
12;22 — 23). Nossa interação em oração estende-se em todas as direções. Foi-nos ordenado: “O-
rai uns pelos outros.” Nós vivemos de acordo com o principio da fé: “vivamos ou morramos,
somos do Senhor” (Ro 14:8). “O amor nunca falha” (1 Co 13:8). “porque o amor cobrirá a mul-
tidão de pecador” (1 Pe 4:8).
Para a alma não há morte. Vida em Cristo é um mundo de oração. Ela penetra o corpo
toda da Igreja, une todos os membros da Igreja como o Pai celestial, os membros da Igreja terre-
na entre si e os membros da igreja terrena com a Igreja celeste. Orações são o fio da fábrica viva
do corpo da Igreja, pois “a oração feita por um justo pode muito” (Tiago 5:16). Os vinte e quatro
anciãos no céu no trono de Deus se prostram diante do Cordeiro, cada um tendo harpas e salvas
de ouro cheias de incenso “que são a oração dos Santos” (Ap 5:8); isto é, eles oferecem oração
na terra para o trono celeste.
Fios são necessários: eles podem e deveriam nos prevenir, para nos refrearmos em come-
ter ações malignas. A Igreja nos instila que o Senhor é compassivo e misericordioso, tolerante e
paciente com ofensas e pródigo em misericórdia, e está pesaroso sobre os feitos malignos dos
homens, tomando sobre si nossas enfermidades. Na Igreja celeste estão também nossos interces-

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Holy Trinity Orthodox Mission

sores, nossos ajudantes, aqueles que oram por nós. A Puríssima Mãe de Deus é nossa proteção.
As nossas orações são as orações dos santos, escritas por eles, que vieram de seus corações con-
tritos durante os dias de suas vidas terrenas. Aqueles que oram podem sentir isso, e assim os pró-
prios santos chegam mais perto de nós. Tais são as nossas orações diárias; tal também é o ciclo
completo dos ofícios Divinos de todo dia, de toda semana, e das festas.
Toda essa literatura litúrgica não foi concebida como um exercício acadêmico. Os inimi-
gos do ar são impotentes contra tal ajuda. Mas nós devemos ter fé e nossas orações devem ser
fervorosas e sinceras. Há mais alegria no céu por um que se arrepende, que por outro que não
tem necessidade de arrependimento. Com que insistência a Igreja nos ensina (nas litanias) a pas-
sar o “resto de nossas vidas na paz e no arrependimento,” e morrer assim! Ela nos ensina a cha-
mar a nossa memória a Santíssima, Puríssima e Abençoadíssima Senhora Theotokos e todos os
santos, entregando-nos e cada um de nós em cada instante de nossa vida a Cristo nosso Deus.
Ao mesmo tempo, com toda essa nuvem de protetores celestes, não ficamos contentes
pela especial proximidade de nós de nossos anjos da guarda. Eles são mansos, eles se regozijam
conosco, e também ficam pesarosos com nossas quedas. Nós ficamos preenchidos com esperança
neles, no estado que nós estaremos quando nossa alma for separada do corpo, quando tivermos
que entrar na nova vida: será na luz ou nas trevas, em alegria ou tristeza? Por isso, todos os dias
oramos para nossos anjos pelo dia presente: “Livra-nos de toda astúcia do inimigo oponente.”
Em canons especiais de arrependimento nos imploramos aos anjos que não se afastem de nós
para após a nossa morte: “Eu te vejo com meu olhar espiritual, tu que permanece comigo meu
companheiro, santo anjo, observando, acompanhando e sempre permanecendo comigo e sempre
oferecendo a mim o que é para salvação.” “Quando minha humilde alma for liberada do meu
corpo, possa tu cobri-la, ó meu instrutor, com teu brilho e sagradas asas.” “Quando o assustador
som da trombeta me ressuscitar para o julgamentos, fica perto de mim então; quieto e alegre, e
que tua esperança na minha salvação retire o meu medo.” “Pois tu és beato em virtude e doce e
alegre, uma mente brilhante como o sol.; intercede brilhantemente por mim com a face alegre e o
semblante radiante quando, eu estiver para ser tirado da terra.” “Possa eu então te ver forme à
mão direita de minha miserável alma, brilhante e quieto, e interceda e ore por mim, quando meu
espírito for tomado à força; possa eu te ver banindo aqueles que me buscam, meus amargos ini-
migos” (do Cânon para o Anjo da Guarda de João o Monge, no Livro de Orações para Padres).
Assim, a Santa Igreja pelas fileiras de seus construtores, os Apóstolos, os grandes hierar-
cas, os santos ascetas, tendo como seu pastor chefe Nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo, criou
e nos dá todos os meios para a perfeição espiritual e o atendimento da eternamente abençoada
vida em Deus, instilando em nós um espírito de vigilância e luminosa esperança, cercando-nos
com santos guias e ajudantes celestes. No tipikon dos ofícios Divinos da Igreja, nos é dada um
caminho direto para o alcance do Reino de Glória.
Entre as imagens do Evangelho a Igreja com freqüência nos lembra da parábola do filho
pródigo, e uma semana no ciclo anual dos ofícios da Igreja é inteiramente dedicada a essa lem-
brança para que possamos conhecer o ilimitado amor de Deus, e o fato de que um sincero, contri-
to, cheio de lágrimas arrependimento de um homem que crê supera todos os obstáculos e todos
os pedágios no caminho do Pai celeste.

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Os sinais da Segunda Vinda do Senhor.


Não era agradável ao Senhor — para nosso próprio benefício moral — nos revelar o tempo do
“último dia” do céu e terra presentes, o dia da vinda do Filho do Homem, “O Dia do Senhor.”
“...daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas unicamente meu
Pai” (Mt 24:36). “Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pelo
seu próprio poder” (At 1:7). O fato de que o tempo é desconhecido deveria levar os Cristãos a
uma constante vigilância espiritual: “Olhai, vigiai e orai, porque não sabeis quando chegará o
tempo ... e as coisas que vos digo-as a todos: Vigiai” (Mt 13:33-37)
No entanto, o desconhecimento do tempo do Senhor não deveria evitar que os Cristãos
refletissem profundamente sobre o curso dos eventos históricos discernindo neles os sinais de
aproximação do tempo do “último dia.” O Senhor ensinou: “Aprendei pois esta parábola da fi-
gueira: quando já os seus ramos se tornam tenros e brotam folhas sabeis que o verão está próxi-
mo o verão. Igualmente, quando virdes todas essas coisas, sabe que ele está próximo às portas”
(Mt 24:32-33).
Aqui estão alguns dos sinais indicados na palavra de Deus:

a) O espalhamento do Evangelho para o mundo todo: “E este evangelho do reino será


pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim” (Mt 24:14).
b) De outro lado, haverá uma extraordinária manifestação dos poderes do demônio: “E
por se multiplicar a iniqüidade de muitos esfriará” (Mt 24:12). O Apóstolo Paulo diz: “... nos úl-
timos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens amantes de si mesmo, avaren-
tos, presunçosos, soberbos, blasfemos... mis amigos dos deleites do que amigo de Deus, tendo
aparência de piedade, mas negando a eficácia dela” (2 Tm 3:1-5). A fé em geral crescerá fraca:
“...Quando vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?” (Lc 18.8).
c) O demônio levantará guerra contra o Reino de Cristo através do seu instrumento, o An-
ticristo. O nome Anticristo é usado na Sagrada Escritura com dois sentidos: no sentido amplo e
feral ele indica todo inimigo de Cristo; esse é o sentido quando “Anticristo” são falados na pri-
meira e segunda epístolas de São João Teólogo. Mas num sentido particular, “Anticristo” signifi-
ca uma pessoa definida — o adversário de Cristo que aparece antes do fim do mundo. A respeito
das qualidades e ações desse Anticristo nós lemos no Apóstolo Paulo:
“Ninguém de maneira alguma vos engane; porque não será assim sem que antes venha a
apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição, o qual se opõe, e se levanta
contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo
de Deus, querendo parecer Deus... Porque já o mistério da injustiça opera: somente há um que
agora resiste até que do meio seja tirado. E então será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfa-
rá pelo assopro da sua boca, e aniquilará pelo esplendor da Sua vinda; a esse cuja vinda é segun-
do a eficácia de satanás, como todo o poder e sinais e prodígios de mentira, e com todo o engano
da justiça para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem. E por
isso Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a mentira” (2 Ts 2:3-11).
A imagem desse adversário de Deus é apresentado também no Profeta Daniel (capít. 7 e
11); e no Novo Testamento no Apocalipse de São João Teólogo (capit 11-13). A atividade do
Anticristo continuará até o dia do Juízo (2 Ts 2:8). O caráter da pessoa do Anticristo e as suas
atividades estão descritas hipoteticamente, mas em detalhes, por São Cirilo de Jerusalém em sua
Catechetical Lectures (a décima quinta); e por São Efram o Sírio em sua “Homily on the Corning
of the Lord and Antchrist” (ver, a tradução para o inglês de Eerdmans das Catechetical Lectures,

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p. 106-110. A homilia de São Efram, “Concerining the Coming of the End of the Wold and the
Coming of Antichrist,” foi traduzida para o inglês na Orthodox Life 1970, nº 3).
d) No Apocalipse de São João Teólogo é indicada a aparição de “duas testemunhas” du-
rante o período de atividade do Anticristo; eles profetizarão a verdade e realizarão milagres, e
quando terminarem seu testemunho serão mortos, e então depois de “três dias e meio serão res-
suscitados e ascenderão ao céu” (Apoc 11:3-12). (De acordo com a interpretação universal dos
Santos Padres, essas “duas testemunhas” (também mencionadas em Zacharias cap 3) são os jus-
tos do Velho Testamento Enoc e Elias, que nunca morreram mas foram carregados vivos para o
céu, e enfrentarão sua morte terrena somente durante o reino do Anticristo).

A segunda vinda do Filho do Homem.


O olhar espiritual do homem que acredita em Cristo, começando com a Ascensão da terra
para o céu do Filho de Deus, tem sido dirigido para o maior evento futuro da historia do mundo:
Sua Segunda Vinda para a terra.
Testemunhos para a realidade dessa esperada Vinda foram dados bastante definidamente
muitas vezes pelo próprio Senhor Jesus Cristo, com uma serie de detalhes a respeito (Mt 16:27 e
capit. 24; Lc 12:40 e 17:24; Jo 14:3). Os anjos declararam a Segunda Vinda na Ascensão do Se-
nhor (At 1:11). Os Apóstolos com freqüência a mencionam: Apóstolo Judas (versículos 14:15);
Apóstolo João (1 Jo 2:28); Apostolo Pedro (1 Pe 4:13); e Apóstolo Paulo muitas vezes (1 Co 3:5;
1 Ts 5:2-6 e em outros lugares).
O Senhor descreveu para Seus discípulos a maneira de Sua vinda com as seguintes carac-
terísticas: ela será súbita e obvia para o todo o mundo: “Porque, assim como o relâmpago sai do
Oriente e se mostra até o ocidente, assim será vida do Filho do Homem” (Mt 24:27)
Antes de tudo, “aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem, e todas as tribos da terra se lamen-
tarão” (Mt 24:30). Esse, de acordo com a interpretação universal dos Santos Padres da Igreja,
será o sinal da vivificante Cruz do Senhor.
O Senhor virá cercado por inumeráveis coros de anjos, em toda a Sua glória: “Eles verão o Filho
do Homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória” (Mt 24:30), “com os san-
tos anjos” (Mc 8:38). “Ele se assentará no trono da Sua glória” (Mt 25:31). Assim a Segunda
Vinda será diferente da primeira quando o Senhor: humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até
a morte, e morte na cruz” (Fi 2:8).

A ressurreição dos mortos.


No grande dia da Vinda do Filho do Homem será cumprida a ressurreição universal dos mortos
em uma aparência transfigurada. A respeito da ressurreição dos mortos o Senhor diz: “porque
vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a Sua voz; e os que fizeram o bem
sairão para a ressurreição da vida; e os que fizerem o mal para a ressurreição da condenação” (Jo
5:28-29). Quando os saduceus expressaram descrença na possibilidade da ressurreição, o Senhor
os censurou: “Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus” (Mt 22:29).
A certeza na verdade da ressurreição e da importância da crença na ressurreição foram
expressas pelo Apóstolo Paulo nas seguintes palavras: “E se não há ressurreição dos mortos,
também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou logo é vã a nossa pregação, e também

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é vã a vossa fé. E assim somos também considerados como falsos testemunhos de Deus, pois tes-
tificamos de Deus que ressuscitou a Cristo, ao qual, porém, não ressuscitou, se, na verdade, os
mortos não ressuscitam... Mas agora Cristo ressuscitou dos mortos, e foi feito as primícias dos
que dormem... Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos será vivifica-
dos em Cristo” (1 Co 15:13-15, 20-22).
A ressurreição dos mortos será universal e simultânea tanto dos justos quanto dos peca-
dores. Todos os mortos: “ouvirão Sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da
vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição da condenação” (Jo 5:29). “Há de haver ressur-
reição de mortos, assim dos justos como dos injustos” (At 24:15 essas são as palavras do Apósto-
lo Paulo diante do governador Félix). Se o mesmo Apóstolo em outro lugar (1 Co capítulo 15 e
também 1 Ts cap 4), falando da ressurreição dos mortos em Cristo, não menciona a ressurreição
dos pecadores, isto é evidentemente por causa do seu propósito direto que é de forçar a fé dos
Cristãos em sua futura ressurreição em Cristo. No entanto, não há duvida que a aparência ou
forma dos ressuscitados justos será diferente da dos ressuscitados pecadores: “Então os justos
resplandecerão como o sol, no reino de Deus Pai” — são palavras faladas pelo Senhor só sobre
os justos (Mt 14:43) “alguns parecerão luz e os outros trevas,” reflete São Efrem o Sírio nessa
passagem (Homilia “on tje Fear of God and tje Last Judgemene”).
Da palavra de Deus deve-se concluir que os corpos ressuscitados serão essencialmente os
mesmos que pertenceram a suas almas na vida terrena. “Convém que isto que é corruptível se
revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade” (1 Co 15:53).
Mas ao mesmo tempo, eles serão transfigurados, e primeiro de tudo, os corpos dos justos serão
incorruptos e imortais, como é evidente das mesmas palavras do Apóstolo. Eles serão completa-
mente livres das fraquezas e enfermidades da vida presente. Eles serão espirituais, celestes, não
tendo necessidades corporais terrenas. A vida depois da ressurreição será como a vida dos espíri-
tos sem carne, os anjos, de acordo com a palavra do Senhor (Lc 20:36). Para os pecadores, seus
corpos também sem nenhuma dúvida se levantarão numa nova forma, mas recebendo uma natu-
reza incorrupta e espiritual., ao mesmo tempo eles expressão em si mesmo a condição de duas
almas.
Com o objetivo de fazer a fé na futura transformação dos corpos mais fácil, o Apóstolo
compara a futura ressurreição com semeadura, um símbolo da ressurreição dado por natureza:
“mas alguém dirá: como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão? Insensato! O que te
semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E quando semeias, não semeias o corpo que há
de nascer, mas o simples grão de trigo, ou outra qualquer semente. Mas Deus dá-lhe o corpo co-
mo quer, e a cada semente o seu próprio corpo” (1 Co 15:35-38).
Com o mesmo objetivo os Padres da Igreja indicaram que no mundo em geral nada é ani-
quilado e desaparece, e que Deus é poderoso para restaurar aquilo que Ele mesmo criou. Voltan-
do à natureza, eles encontram nela similaridade com a ressurreição, tais como: o brotar de plan-
tas de uma semente que é jogada na terra e apodrece ali; a renovação anual da natureza na pri-
mavera; a renovação do dia, o acordar do sono; a formação original do homem do pó da terra; e
outras manifestações.
A ressurreição universal e os acontecimentos que a ela se seguem são realidades que nós
somos incapazes de representar totalmente em nossa imaginação, já que nunca as experimenta-
mos em sua autêntica forma futura; nem podemos compreende-las completamente com nosso
pensamento racional, nem resolver as numerosas questões que são postas pelas mentes curiosas a
respeito desse assunto. Por isso, essas questões e as concepções pessoais que foram expressas em
resposta a ela — freqüentemente em várias formas — nos escritos dos Padres e Professores da

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Igreja não entram imediatamente no assunto da teologia dogmática, cuja obrigação é desenhar as
verdades precisas da fé baseada na Sagrada Escritura.

O erro do quiliasmo.
Bastante espalhado nos dias de hoje está o ensinamento a respeito do reino de Cristo na
terra por mil anos antes do universal ou Juízo Final; esse ensinamento é conhecido pelo nome de
“quiliasmo” (do grego chiliasmos, mil anor). A essência desse ensinamento é o seguinte: muito
antes do final do mundo, Cristo virá novamente para a terra para derrotar o Anticristo e ressusci-
tar somente os justos, para estabelecer um novo reino na terra no qual os justos, como recompen-
sa por suas lutas e sacrifícios, reinarão junto com Ele pelo período de mil anos, regozijando-se
com todas as coisas boas da vida temporal. Depois disso se seguirá uma segunda universal res-
surreição dos mortos, o julgamento universal, e a universal e eterna doação de recompensas. Es-
sas são as idéias dos quiliastas. Os defensores desse ensinamento baseiam-se nas visões do visor
de mistérios (João o Teólogo) no 2º capitulo do Apocalipse. Ali é dito que um anjo desceu do
céu e amarrou satan por mil anos que as almas daqueles que foram degolados por testemunho de
Jesus e pela palavra de Deus vieram a vida e reinaram com Cristo por mil anos. “Esta é a primei-
ra ressurreição” (Ap 20:5). “E acabando-se os mil anos, satanás será solto da sua prisão e sairá a
enganar as nações” (Ap 20:7-8). Logo então segue o julgamento do diabo e daqueles que foram
enganados por ele. Os mortos serão levantados e julgados de acordo com seus feitos. “E aquele
que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo ... esta é a segunda mor-
te” (Ap 20:15). Sobre os que foram ressuscitados na primeira ressurreição, no entanto, na segun-
da morte não terá poder.
As visões quiliásticas estiveram espalhadas na antigüidade principalmente entre os heré-
ticos. No entanto, elas também podem ser encontradas em certos escritores antigos, Cristãos da
Igreja universal, (por exemplo Papias de Hierápolis, Justino o Mártir, Irineu de Lyon). Em tempo
mais recentes essas visões foram ressuscitadas nas seitas protestantes; e finalmente, nós vemos
tentativas de certos teólogos modernistas de nosso tempo de introduzir idéias quiliásticas tam-
bém no pensamento teológico Ortodoxo.
Como foi indicado, nesse ensinamento são supostos dois julgamentos futuros, um para os
justos ressuscitados, e então um segundo, universal; há duas ressurreições futuras, primeiro uma
dos justos, e então outra dos pecadores; há duas futuras vindas do Salvador em glória; há um fu-
turo puramente terreno — ainda que bendito — reino de Cristo com os justos com uma definida
época histórica. Formalmente, esse ensinamento é baseado num incorreto entendimento da ex-
pressão “a primeira ressurreição”; enquanto interiormente, sua causa está enraizada na perda, en-
tre as massas do sectarismo contemporâneo, da fé na vida depois da morte, na beatitude dos jus-
tos no céu (com quem as massas não tem comunhão em oração); e outra causa em certas seitas, é
para ser encontrada nos sonhos utópicos para sociedades escondidas atrás de idéias religiosas e
inseridas nas misteriosas imagens do apocalipse.
Não é difícil ver o erro na interpretação quiliástica do 2º capitulo do Apocalipse. Passa-
gens paralelas claramente indicam que a “primeira ressurreição” significa renascimento espiritual
na vida eterna em Cristo através do batismo, uma ressurreição através da fé em Cristo, de acordo
com as palavras: “Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos e Cristo te esclarecerá”
(Ef 5:14). “Vós ressuscitastes com Cristo,” lemos muitas vezes nos Apóstolos (Cl 3:1 e 2:12; Ef
2:5-6). Procedendo disso, por reino de mil anos deve-se entender o período de tempo desde o iní-
cio do reino da graça da Igreja de Cristo, e em particular da triunfante Igreja do céu, até o final

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do mundo. A Igreja que é militante na terra em essência também é triunfante na vitória executada
pelo Salvador, mas ainda enfrente batalha com o “príncipe desse mundo,” uma batalha que ter-
minará com a derrota de satan e com o final de joga-lo no lago de fogo.
A “segunda morte” é o julgamento dos pecadores no Juízo Final. Ela não tocará aqueles
que “tem parte na primeira ressurreição” (Cap 20:6); isso significa que aqueles que são espiritu-
almente renascidos em Cristo e purificados pela graça de Deus na Igreja não serão submetidos a
julgamento mas entrarão na vida abençoada do Reino em Cristo.
A “segunda morte” é o julgamento dos pecadores do Juízo Final. Ela não tocara aqueles
que “tem parte na primeira ressurreição” (Ap 20:6); isso significa que aqueles que são espiritu-
almente renascidos em Cristo e purificados pela graça de Deus na Igreja não serão submetidos a
julgamento mas entrarão na vida abençoada do Reino de Cristo.
Se em algum tempo foi possível expressar idéias quiliásticas como opiniões particulares, foi só
até o Concílio Ecumênico expressar seu julgamento sobre isso. Mas quando o Segundo Concilio
Ecumênico (381), condenando todos os erros do herético Apolinário, condenou também seu en-
sinamento sobre os mil anos do Reino de Cristo e introduziu no próprio símbolo da fé as palavras
a respeito de Cristo: “E seu Reino não terá fim” — tornou-se não mais possível de todo um Cris-
tão Ortodoxo manter essas opiniões. (Um dos padres lideres da Igreja no inicio que combateu a
heresia do quiliasmo foi o Bem Aventurado Agostinho: ver suas discussões sobre isso no The
City of God 20, 7-9, p. 718-728.. Ele liga a “prisão” do diabo por mil anos (Ap 20:2) com a “pri-
são” do “homem valente” em Mc 3:27 (ver também Jo 12:31; as palavras de Cristo logo antes de
Sua Paixão: “agora será expulso o príncipe desse mundo”), e afirma que “a prisão do demônio
´ele ser impelido e exercer todo o seu poder para seduzir o homem.” Cristão Ortodoxo que expe-
rimentaram a vida da graça na Igreja podem entender bem o que os protestantes não podem: que
os “mil anos” (o período todo) do Reino de Cristo com Seus santos e o poder limitado do diabo é
agora.
Um erro relacionado largamente espalhado entre protestantes contemporâneos, é o “rap-
to.” Não ouvido antes do século XIX, essa crença diz que durante a “grande tribulação” próximo
ao fim do mundo (ou antes ou depois do “milênio” de acordo com várias versões), os verdadeiros
Cristãos serão “raptados” para o ar, para escapar dos sofrimentos que existirão para os que per-
manecerem na terra. Isso é baseado numa interpretação errada de 1 Ts 4:17, que ensina que no
final do mundo propriamente dito os fieis serão “arrebatados nas nuvens,” junto com os mortos
ressuscitados, “a encontrar o Senhor” Que está vindo para o julgamento e a abertura do eterno
Reino dos Céus. A Escritura é bem clara que mesmo os eleitos sofrerão na terra no período de
“tributação,” e que por eles esse período será abreviado (Mt 24:21-22).

O final do mundo.
Como resultado da queda do homem, a criação inteira foi involuntariamente submetida á
“servidão da corrupção “e” geme... tem as dores do parto... juntamente conosco” (Ro 8:21-23). O
tempo virá quando todo o mundo material e humano será purificado do pecado no mundo angéli-
co. Essa renovação do mundo material será cumprida no “ultimo dia,” o dia quando o julgamento
final do mundo será cumprido; e ele ocorrerá por meio de fogo o gênero humano antes do dilúvio
pereceu sendo afogado na água. Mas o Apóstolo Pedro nos instrui que: “Os céus e a terra que
agora existem pela mesma palavra se reservam como tesouro, e se guardam para o fogo, até o dia
do juízo, e da perdição dos homens ímpios” (2 Pe 3:7). “O dia do Senhor virá como o ladrão da
noite no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos ardendo se desfarão, e a ter-

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ra e as obras que nela há, se queimarão...Mas nós segundo a Sua promessa, aguardamos novos
céus e nova terra, em que habita a justiça” (2 Pe 3:10-13).
Que o mundo presente não é eterno foi profetizado até pelo Salmista quando ele clama a
Deus: “Desde a antigüidade fundaste a terra: e os céus são obra das tuas mãos. Eles perecerão,
mas tu permanecerás: todos eles, como um vestido, envelhecerão; como roupas os mudarás, e
ficarão mudados” (Sl 102:25-26). E o Senhor Jesus Cristo disse: “O céu e a terra passarão” (Mt
24:35).
O final do mundo consistirá não na sua total destruição e aniquilação, mas numa comple-
ta mudança e renovação. O Quinto Concilio Ecumênico, refutando vários ensinamentos falsos
dos origenistas, solenemente condenou também seu falso ensinamento que o mundo material não
seria meramente transformado, mas seria totalmente aniquilado.
Os homens a quem a vinda do Senhor encontrar vivos na terra, de acordo com a palavra
do Apóstolo serão instantaneamente mudados, na mesma maneira que os mortos ressuscitados
serão mudados: “... nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento,
num abrir e fechar de olhos, ante a ultima trombeta, porque a trombeta soará, e os mortos ressus-
citarão incorruptíveis e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se
revista de incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade” (1 Co 15:51-53).

O julgamento final.
Há numerosos testemunhos na Sagrada Escritura sobre a realidade e indisputabilidade do
Julgamento universal futuro: Jo 5:22, 27-29; ; Mt 16:27; 7:21-23; 11:22-29; 12:36, 41-42; 13:37-
43; 19:28-30; 24:30; 25:31-46; At 17:31; Judas 14-15; 2 Co 5:10; Ro 2:5, 7:14:10, 1 Co 4:5; Ef
6:8; Cl 3:24-2; 2 Ts 1:6-10; 2 Tm 4:1: Ap 20:11-15. Desses testemunhos a mais completa descri-
ção é dada em Mateus 25:31-46 (“E quando o Filho do Homem vier em Sua glória...”) de acordo
com essa descrição podemos tirar conclusões a respeito das características do julgamento. Ele
será:

Universal, isto é, extensivo a todos os homens vivos e mortos, bons e maus, e de acordo
com outras indicações dadas na palavra de Deus, até os próprios anjos decaídos (2 Pe 2:4; Judas
6);
solene e aberto, pois o Juiz aparecerá em toda a Sua glória com todos os Seus anjos dian-
te da face do mundo todo; estrito e terrível, executando em toda Justiça de Deus — ele será “o
dia de ira e da manifestação da justiça de Deus” (Ro 2:5).
final e definitivo, determinando por toda a eternidade o destino de cada um que for jul-
gado. O resultado do julgamento será a recompensa eterna — benção para os justos e tormento
para os malignos que forem condenados.

Descrevendo da maneira mais brilhante e jubilosa as características da vida eterna dos justos de-
pois do Julgamento universal, a palavra de Deus fala da mesma maneira positiva, e certeza a res-
peito dos tormentos eternos dos homens malignos. “Apartai-vos de mim, malditos para o fogo
eterno,” o Filho do Homem dirá no dia do Julgamento: “E irão estes para o tormento eterno, mas
os justos para a vida eterna” (Mt 25: 41-46). Esta condição de tormento é apresentada na Sagrada
Escritura pintada como um lugar de tormento e é chamada de Gehenna. (a imagem da ígnea
(com fogo) Gehenna é tomada do vale de Hinnon nos arredores de Jerusalém, onde eram feitas
as execuções, e também era jogada todo tipo de coisa suja, e como resultando havia um fogo
queimando constantemente como defesa contra infecções). O Senhor disse: “E se tua mão te es-

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candalizar, corta-a: melhor é para ti entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ireis para
o inferno (gehenna) para o fogo que nunca se apaga, onde seu bicho não morre e o fogo nunca se
apaga” (Mc 9:43-44 e também 45-48). “Haverá choro e ranger de dentes,” o Salvador repete
muitas vezes a respeito de Gehenna (Mt 8:12 e outros lugares). No Apocalipse de São João Teó-
logo esse lugar ou condição é chamado de “lago de fogo” (Ap 19:20). E no Apóstolo Paulo nós
lemos: “Como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não
obedecem ao evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo” (2 Ts 1:9) . As imagens do “bicho que
não morre” e do “fogo que nunca se apaga” são evidentemente simbólicas e indicam a severida-
de dos tormentos. (Por “simbólica” nossa linguagem contemporânea racionalista, usualmente
entende “não real não mais do que uma imagem” — uma definição que daria uma idéia muito
confusa da vida na era futura. Com respeito as imagens nas quais futuras bênçãos e futuros tor-
mentos são descritos, deve-se repetir as palavras do anjo a São Macário de Alexandria sobre os
“pedágios” (citadas no texto acima): “Aceita as coisas terrenas aqui como a mais fraca descrição
das coisas celestes”; certamente tais imagens como “o bicho” e o “fogo” correspondem a reali-
dades que são assustadoramente além de nossa imaginação — e uma realidade que, enquanto não
“material” de acordo com nossa experiência em coisas terrenas, é no entanto de alguma forma
“corporal,” correspondendo ao corpo espiritual ressuscitado que os sentirão! Deve-se ler a assus-
tadora experiência “real” do “bicho que não morre” por um filho espiritual de São Serafim de
Sorov (“Are There Tortures in Hell?” no Orthodox Life, 1970, nº5) de modo a se ganhar uma
certa indicação da natureza dos futuros na Gehenna). São João Damasceno diz: “Os pecadores
serão entregues ao fogo eterno, que não será um fogo material como o que estamos acostumados,
mas um fogo que Deus conhece” (Exact Expositiion of the Ortodhodox Faith, Livro 4; 27. tradu-
ção inglesa, p 406).
“Eu sei,” escreve São João Crisóstomo, “que muitos são aterrorizados só pela gehenna,
mas eu acho que aprovação daquela glória (do Reino de Deus) é um tormento maior que a ge-
henna” (homilia 23, sobre São Mateus). “Essa privação das coisas boas,” ele reflete em outro lu-
gar, “causará tal tormento, tal tristeza e opressão, que mesmo que nenhuma punição espere aque-
les que pecam aqui, em si mesma (essa privação) pode atormentar e perturbar nossas almas mais
poderosamente que o tormento da gehenna muitas pessoas tolas desejam só serem libertadas da
gehena; mas eu considero muito mais atormentador do que a gehenna a punição de não estar na-
quela glória. E eu acho que aquele que é privado dessa glória deveria não chorar tanto pelos tor-
mentos na gehenna quanto por ser privado das coisas boas do céu, pois só isso é o mais cruel de
todas as punições” (homilia 1, Papa Teodoro). Pode-se ler uma explicação similar em Santo Iri-
neu de Lyon (Agains Heresies, Livro 5, capit. 27).
São Gregório Teólogo ensina: “Reconhece a ressurreição, o julgamento, e a recompensa
dos justos pelo julgamento de Deus. E essa recompensa para esses que foram purificados no co-
ração será luz, isto é, Deus visível e conhecido de acordo com o grau de pureza de cada um, que
nos chamamos também de Reino do Céu. Mas para aqueles que são cegos na mente, isto é, para
aqueles que se tornaram estranhos para Deus, de acordo com o grau de sua presente cegueira,
serão trevas” (homilia 40, On Holy Baptism).
A Igreja, baseando-se na palavra de Deus, reconhece os tormentos na gehenna como sen-
do eterno e sem fim, e por essa razão condenou no Quinto Concílio Ecumênico o falso ensina-
mento dos origenistas que diziam que os demônios e pessoas ímpias sofreriam no inferno somen-
te por um certo tempo definido, e então seriam devolvidos a sua condição original de inocência
(apokatastasis em grego). A condenação do Juízo Final é chamada no Apocalipse de São João o
Teólogo de “segunda morte” (Ap 20:14).

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Uma tentativa de entender os tormentos da gehena num sentido relativo, entender a eter-
nidade como algum tipo de era ou período — talvez longo, mas mesmo assim tendo um fim —
foi feita na antigüidade, assim como é feita hoje; essa visão em geral nega a realidade desses
tormentos. Nessa tentativa são trazidas à tona concepções de um tipo lógico: a desarmonia entre
tais tormentos e a bondade de Deus é apontada, assim como a aparente desproporção entre cri-
mes que são temporais e a eternidade das punições por pecado, assim como também a desarmo-
nia entre essas punições eternas e o fim ultimo da criação do homem, que é benção de Deus.
Mas não cabe a nós definir os limites entre a inexprimível misericórdia de Deus e Sua
justiça. Nós sabemos que o Senhor: “Quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhe-
cimento da verdade” (1 Tm 2:4); mas o homem é capaz, através de sua própria vontade maligna,
de rejeitar a misericórdia de Deus e os meios de salvação. Crisóstomo, interpretando a descrição
do Juízo Final, demarca: “Quando Ele (o Senhor) falou acerca do Reino, depois de dizer: “Vinde,
benditos de meu Pai, possui por herança o reino,” Ele acrescenta, que está “preparado para nós
desde a fundação do mundo” (Mt 25:34), mas quando falando sobre o fogo, Ele não fala assim,
mas Ele acrescenta: que está “preparado para o diabo e seus anjos” (Mt 25:41). Pois eu prepara-
rei para vós o Reino, mas o fogo Eu prepararei não para vós mas para o diabo e seus anjos. Mas
desde que vós vos jogastes no fogo, então acuseis a vós mesmos por isso” (homilia 70 sobre Ma-
teus).
Não temos o direito de entender as palavras do Senhor só condicionalmente, como amea-
ça ou como um certo meio pedagógico aplicado pelo Salvador. Se nós entendermos nessa manei-
ra nós erramos, já que o Senhor não instila em nós nenhum desses entendimentos e nós nos sujei-
tamos à ira de Deus de acordo com a palavra do Salvador: “porque o ímpio provocou Deus? Pois
ele disse em seu coração. Ele não inquirirá.”
Além disso, o próprio conceito de “raiva” em relação a Deus é condicional e antropomór-
fico, como aprendemos do ensinamento de Santo Antonio o Grande (conhecido entre nós como
Santo Antão), que diz: “Deus é bom, desapaixonado e imutável. Agora se alguém pensa que é
razoável e verdadeiro afirmar que Deus não muda, pode-se perguntar como nesse caso, é possí-
vel se falar de Deus rejubilando sobre aqueles são bons e mostrando misericórdia para aqueles
que o honram, enquanto afastando-se dos maldosos e ficando raivoso com os pecadores. Para
essa pergunta deve ser respondido que Deus não rejubila nem fica com raiva, por rejubilar e ficar
ofendido são paixões; nem Ele se comove pelos dons daqueles que o honram, por isso significa-
ria que Ele é movido por prazer... Ele é bom, e Ele só concede bênçãos e nunca provoca dano,
permanecendo sempre o mesmo. Nós homens, de outro lado, se permanecemos bons asseme-
lhando-nos a Deus, somos unidos a Ele; mas se nós nos tornarmos malignos não assemelhando-
nos a Deus; mas tornando-nos malignos nós fazemos Dele nosso inimigo. Não é que Ele fica rai-
voso conosco de maneira arbitrária, mas são os nossos pecados que impedem que Deus brilhe
dentro de nós, e nos expõe aos demônios que nos punem. E se por orações e atos de compaixão
nós recebemos alívio de nossos pecados, isso não significa que nós tenhamos ganho de Deus e
façamo-lo muda, mas sim que através dos nossos atos e nosso virar-se para Deus nós curamos
nossa malignidade e assim mais uma vez nós nos regozijamos com a bondade de Deus. Assim
dizer que Deus afasta dos malignos é como dizer que o sol se esconde dos cegos” (Philokalia, vol
1, texto 150; tradução inglesa por Palmer—Sherrara—Ware, p. 352).
Digno de atenção também é o comentário simples a esse respeito do Bispo Teofano o Re-
cluso: “Os justos irão para a vida eterna, mas os pecadores satanizados para os tormentos eter-
nos, em comunhão com os demônios. Esses tormentos terminarão? Se satanismo é tornar-se co-
mo satan terminou, então esses tormentos também poderiam acabar. Mas até então nós devemos

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acreditar que assim como a vida eterna não terá fim, assim também os tormentos eternos que
ameaçam os pecadores não terão fim. Nenhuma conjectura pode mostrar a possibilidade do fim
do satanismo. O que satan viu depois da sua queda! Quanto poder de Deus foi revelado! Como
ele mesmo foi batido pelo poder da Cruz do Senhor! Como até agora toda a sua astúcia e malícia
são derrotadas por esse poder! Mas ele ainda é incorrigível, ele constantemente se opõe; e quanto
mais longe ele vai, mais teimoso ele se torna. Não há esperança nenhuma de dele ser corrigido! E
se não há esperança para ele, não há esperança também para os homens que tornam-se sataniza-
dos por sua influencia. Isso significa que deve haver inferno com tormentos eternos.”
Os escritos dos santos ascetas cristãos indica que quanto mais alta a consciência moral,
mais agudo se torna o sentimento de responsabilidade moral, o medo de ofender Deus, e consci-
ência da inevitável punição por se desviar dos mandamentos de Deus. Mas exatamente o mesmo
grau é o que aumenta a esperança na misericórdia de Deus. A esperança nela e o pedir por ela ao
Senhor é para cada um de nós uma obrigação e uma consolação.

O Reino da Glória.
Com o final dessa era e a transformação do mundo, num mundo novo e melhor é então
revelado o eterno Reino de Deus, o Reino da Glória.
Então chegará ao fim o Reino de Graça, a existência da Igreja na terra, a Igreja militante;
ela entrará nesse Reino de glória e se fundirá com a Igreja celeste “Depois virá o fim, quando
tiver entregado o reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo o império, e toda a po-
testade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de Seus
pés. Ora, o último inimigo a ser aniquilado é a morte... E, quando todas lhe estiverem sujeiras,
então também o mesmo Filho Se sujeitará Àquele Que todas as coisas lhe sujeitou para que Deus
seja tudo em todos” (1 Co 15:24-26, 28). Essas palavras a respeito do fim do reino de Cristo de-
vem ser entendidas como o preenchimento da missão do Filho, que Ele aceitou do Pai, e que
consiste na condução dos homens a Deus através da Igreja. Então o Filho do Pai deixará no Rei-
no de glória junto com o Pai e o Espírito Santo, e “o Seu Reino não terá fim,” como o Arcanjo
anunciou para a Virgem Maria (Lc 1:33), e como lemos no Símbolo da Fé. São Cirilo de Jerusa-
lém diz disso: “Pois foi Ele Que reinou antes de derrotar Seus inimigos, não reinará mais ainda
depois eu os tiver conquistado?” (Catechetical Lectures).
A morte não terá poder no Reino da Glória: “Ora, o último inimigo que há de ser aniqui-
lado é a morte... então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória” (1
Co 16:54). “Não haverá mais demora” (Ap 10:6).
A eterna vida abençoada é apresentada vividamente no capitulo 24 do Apocalipse: “E vi
um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já
não existe” (Ap 21:1). No reino futuro tudo será espiritualizado, imortal e santo.
Mas a coisa mais importante é que aqueles que atingem a futura vida abençoada e tor-
nam-se “participantes na natureza divina” (2 Pe 1:4), serão participantes na mais perfeita vida,
cuja fonte é só Deus. Em particular, aos futuros membros do Reino de Deus será concedido, co-
mo o é aos anjos, “ver Deus” (Mt 5:9), contemplar Sua glória não através de um vidro turvo, não
por meio de conjecturas, mas face a face. E eles não só contemplarão essa glória, mas eles pró-
prios serão participantes dela, brilhando como o sol, no Reino do Pai deles (Mt 13:43), sendo
“co-herdeiros” de Cristo, sentando com Cristo num trono e partilhando com Ele a real grandeza
(Ap 3:21; Ro 8:17; 2 Tm 2:11-12).
Como é simbolicamente descrito no Apocalipse, “nunca mais terão fome, nunca mais te-
rão sede; nem calor algum cairá sobre eles. Porque o Cordeiro que está no meio do trono os a-

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pascentará e lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida; e Deus limpará de seus olho
toda a lágrima” (Ap 7:16-17). Como o profeta Isaias diz: “ ... nem com ouvidos se percebeu, nem
com os olhos se viu um Deus além de Ti, que trabalhe para aquele que Nele espera” (Isaias 64:4,
1 Co 2;9).
Benção em Deus será o mais desejável já que ela será eterna, sem fim: “os justos irão pa-
ra a vida eterna” (Mt 25:46).
No entanto, essa glória em deus, no pensamento dos Santos Padres da Igreja, terá seus
grupos correspondentes a dignidade moral de cada um. Deve-se concluir isso das palavras da Sa-
grada Escritura: “na casa de Meu Pai há muitas moradas” (Jo 14:2); “e então dará a cada um se-
gundo as suas obras” (Mt 16:27); “cada um receberá o seu galardão segundo o seu trabalho” (1
Co 3:8); “uma estrela difere em glória de outra estrela” (1 Co 15:41).
São Efrem o Sírio diz: “Assim como todo mundo se regozija com os raios do sol de acor-
do com a dureza de seu poder de ver e das impressões que são dadas, e assim como em uma úni-
ca lâmpada que ilumina a casa cada raio tem seu lugar, enquanto a luz não é dividida em muitas
lâmpadas, também assim no tempo futuro todos os justos morarão inseparavelmente em um úni-
co jubilo, mas cada um em seu grau próprio será iluminado pelo único sol mental, e até o grau de
seu valor ele estará em júbilo e regozijo como se em uma única atmosfera e lugar, e ninguém ve-
rá os graus que são mais altos ou mais baixos, porque olhando para a graça superior de outro e
para sua própria privação, ele terá por ai alguma causa interior para tristeza e perturbação. Que
isso não seja lá, onde não há tristeza nem gemido; mas enquanto externamente todos terão uma
única contemplação e uma única alegria” (São Efrem o Sírio, Oh the Heavenly Mansions).
Concluamos essa exposição das verdades da Fé Cristã Ortodoxa com as palavras do Me-
tropolitano Macário de Moscou no final de seu longo curso de teologia dogmática: “Concede-
nos, ó Senhor, a todos nós sempre, a viva e não moribunda memória da Tua gloriosa futura Vin-
da, Teu terrível Juízo Final, sobre nós, Tua justíssima e eterna doação de recompensa para os jus-
tos e os pecadores — que na luz de Tua Vinda e com o auxílio de Tua graça: “vivamos neste sé-
culo sóbria, e justa e piamente” (Tito 2:12), e assim possamos atingir finalmente a eterna vida
abençoada no céu, e que com todo nosso ser nós possamos glorificar-Te, junto com o Teu Pai
não-originado, e com o Teu Santíssimo, bom e vivificante espírito, pelos séculos dos séculos”
(Orthodox Dogmatic Theology, vol 2, p. 674).

______________________________________________________________________

Apêndices.

Novas correntes no pensamento


filosófico-teológico Russo.

A questão do desenvolvimento dogmático.


A questão do desenvolvimento dogmático de há muito tem sido objeto de discussão na
literatura teológica: pode-se aceitar, do ponto de vista da Igreja, a idéia de desenvolvimento de
dogmas? Na maioria dos casos isso é essencialmente uma disputa sobre palavras; uma diferença

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ocorre porque a palavra “desenvolvimento” é entendida de diferentes modos: entende-se desen-


volvimento como o descobrimento de algo já dado ou com uma nova revelação?
Em geral, a visão do pensamento teológico é esse: a consciência da Igreja desde os Após-
tolos até o fim da vida da Igreja, sendo guiada pelo Espírito Santo, é em sua essência única e a
mesma. O ensinamento Cristão e o escopo da revelação divina são imutáveis. O ensinamento da
fé, pela Igreja não se desenvolve, e a consciência da Igreja sobre si própria, com o passar dos sé-
culos, não se torna maior, mais profundo e mais amplo do que era entre os Apóstolos. Não há a
acrescentar ao ensinamento da fé passado pelos Apóstolos. Apesar da Igreja ser guiada sempre
pelo Espírito Santo, não vemos na história da Igreja, e não esperamos ver, novas revelações teo-
lógicas.
Tal visão sobre a questão do desenvolvimento e teológico esteve presente, em particular,
no pensamento teológico russo do século 19. A aparente diferença de opiniões das várias pessoas
sobre essa questão foi resultado das circunstâncias sob as quais ela foi discutida. Em discussões
com os protestantes foi natural depender o direito da Igreja de “desenvolver” dogmas significan-
do isso o direito dos Concílios de estabelecer e sancionar proposições dogmáticas. Nas discus-
sões com os católicos romanos, de outro lado, foi necessário opor-se às inovações dogmáticas
arbitrárias feitas pelos católicos romanos nos tempos modernos, e assim se opor ao principio da
criação de novos dogmas que não tenham sido passados pela Igreja antiga. Em particular os Ve-
lhos Católicos mais próximos da Ortodoxia, ambos rejeitando o dogma da infalibilidade papal —
reforçaram no pensamento teológico russo o ponto de vista conservador sobre a questão do de-
senvolvimento dogmático, visão que não aprova o estabelecimento de novas definições dogmáti-
cas.
Em 1880 e anos seguintes nós vemos uma aproximação diferente a essa questão. V. S
Soloviev, que apoiava a união da Ortodoxia com a Igreja Romana desejando justificar o desen-
volvimento dogmático da Igreja Romana defendeu a idéia do desenvolvimento da consciência
dogmática da Igreja. Ele argumentou assim: “O Corpo de Cristo muda e é aperfeiçoado” como
todo organismo; a original “base” da fé é descoberta e esclarecida na historia do Cristianismo;
“A Ortodoxia permanece não só meramente pela antigüidade, mas pelo eternamente vivo Espíri-
to de Deus.”
Soloviev esteve inspirado para defender o ponto de vista do “desenvolvimento” não só
por sua simpática pela Igreja Romana, mas também por seu modo próprio de ver s questão reli-
giosa filosófica — suas idéias sobre Sofia, a sabedoria de Deus, sobre Deus-homem como um
processo histórico, etc. Levado por seu próprio sistema metafísico, Soloviev nos anos seguintes a
1890 começou o ensinamento do “eterno feminino” que ele dizia, “não é meramente uma ima-
gem inativa da mente de Deus, mas um ser espiritual vivo que possui a totalidade de poder e a-
ção. O processo completo do mundo e da história é o processo de sua realização e encarnação
numa grande multiplicidade de formas e graus. ... o objeto celeste de nosso amor é só um, e é
sempre para todo mundo e o mesmo, a eterna feminilidade de Deus” (As idéias de Soloviev po-
dem ser superficialmente comparadas ao movimento de “liberação das mulheres” de hoje, cuja
última tentativa nos círculos religiosos tem sido “de sexualizar” a Escritura removendo dela to-
das as referências à natureza “masculina” de Deus. Os movimentos de hoje, no entanto, não to-
cam realmente na filosofia ou teologia, permanecendo movimentos primitivamente de “libera-
ção” social; ao passo que o pensamento de Soloviev é mais sério, sendo um tipo de ressurreição
da antiga filosofia gnóstica: ambos, são igualmente estranhos na forma que suas idéias tomam, e
ambos são concordantes em ver a necessidade de mudar os dogmas e expressões Cristãs tradi-
cionais).

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Assim uma série completa de novos conceitos começou a entrar no pensamento religioso
russo, esses conceitos não evocam nenhuma resistência especial nos círculos teológicos russos, já
que eles eram expressões mais como filosofia do que como teologia.
Soloviev por seus trabalhos literários e palestras foi capaz de inspirar interesse por pro-
blemas religiosos num vasto circulo da sociedade russa educada. No entanto, o interesse juntou-
se a um desvio do autentico modo de pensar Ortodoxo. Isso foi expresso por exemplo, nos “en-
contros religiosos filosóficos” de Petesburgo em 1901-0903. Nesses encontros, questões como as
seguintes foram levantadas: “Pode-se considerar o ensinamento dogmático da Igreja já comple-
to? Não podemos esperar novas revelações? De que maneira uma nova criatividade religiosa po-
de ser expressa no Cristianismo, e como pode ela ser harmonizada com a Sagrada Escritura e a
Tradição da igreja, com os decretos dos Concílios Ecumênicos, e os ensinamentos dos Santos
Padres?” Especialmente sintomáticos foram as disputas a respeito do “desenvolvimento dogmá-
tico.”
No pensamento religioso e social russo, no início do século vinte apareceu uma expecta-
tiva do despertar de uma “nova consciência religiosa” no solo Ortodoxo. Começava a ser expres-
sa a idéia de que a teologia não deveria temer novas revelações, que a dogmática deveria usar
uma base racional mais larga, que ela não poderia ignorar inteiramente as inspirações proféticas
pessoais dos dias presentes, que deveria haver um alargamento do círculo dos problemas dogmá-
ticos fundamentais, para que a dogmática pudesse apresentar uma completa visão do mundo filo-
sófica teológica. As idéias excêntricas expressas por Soloviev receberam novos desenvolvimen-
tos e mudanças, e os primeiro lugar entre elas foi dado ao problema da Sophiologia. Os mais des-
tacados representantes dessa nova corrente foram o padre Paul Florensky (The Pillar and Foun-
dation of the Church e outras obras) e Sergei N. Bulgakov, que mais tarde foi Arcipreste (seus
últimos escritos sophiológicos incluem The Unsetting Light, The unbuert Bush, Person ans Per-
sonality, The Friend of the Briegroom, The Lamb of God, The Comforter, e The Revelation of
John).
Em conexão com essas questões é natural que perguntemos: a teologia dogmática, em sua
forma usual, satisfaz a necessidade do Cristão de ter uma completa visão do mundo? Se a dog-
mática recusa-se a reconhecer o princípio do desenvolvimento, ela não torna-se uma coleção sem
vida de dogmas separados?
Com toda segurança deve-se dizer que a espera das verdades reveladas que entram nos
sistemas aceitos da teologia dogmática dá toda oportunidade para a formação de uma exaltada e
ao mesmo tempo clara e simples visão do mundo. Teologia dogmática, construída na base de
firmes verdades dogmáticas fala de um Deus pessoal. Que está inexplicavelmente perto de nós,
que não precisa de intermediários entre Si e a criação: ela fala do Deus na Santíssima Trindade
“Que é sobre todos, e por todos e em todos” (Ef 4:6), do Deus Que ama Sua criação, Que ama a
humanidade e é condescendente com nossas enfermidades, mas não priva Suas criaturas de li-
berdade; ela fala do homem e do gênero humano, do seu alto propósito e de suas exaltadas possi-
bilidades espirituais e ao mesmo tempo do seu triste nível moral no tempo presente, de sua que-
da; ela apresenta caminhos e meios para o retorno para o paraíso perdido, revelados pela Encar-
nação e morte na Cruz do Filho de Deus, e o caminho para adquirir a eternamente abençoada vi-
da. Todas essas são verdades vitalmente necessárias. Aqui fé e amor, conhecimento e suas apli-
cações em ação, são inseparáveis.
Teologia dogmática não pretende satisfazer todos os pontos de curiosidade da mente hu-
mana. Não há dúvida para nosso olhar espiritual a Divina revelação revelou só uma pequena par-
te do conhecimento de Deus e do mundo espiritual. Nós vemos nas palavras do Apóstolo, “por-

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que agora vemos por espelho em enigma” (1 Co 13:12). Um inumerável numero de mistérios de
Deus permanece fechado para nós.
Mas deve-se afirmar que as tentativas de alargar os limites da teologia, seja numa base
mística ou racional, que apareceram tanto nos antigos quanto nos modernos tempos, não condu-
zem a um mais completo conhecimento de Deus e do mundo. Esses sistemas conduzem especu-
lações mentais definidas e colocam a mente diante de novas dificuldades. A coisa principal no
entanto, é a seguinte: opiniões nebulosas a respeito da vida interior em deus, tais como são vistas
em certos teólogos que entraram no caminho de filosofar na teologia, não se harmonizam com o
imediato sentimento de reverência, com a consciência e sentimento da proximidade e santidade
de Deus, e na verdade, elas sufocam esse sentimento.
No entanto, por essas considerações nós não negamos absolutamente todo tipo de desen-
volvimento na esfera do dogma. O que, então é sujeito a desenvolvimento na dogmática?
A história da Igreja mostra que a quantidade de dogmas, no sentido estreito da palavra foi
crescendo gradualmente. Não é que dogmas foram desenvolvidos, mas sim que a esfera de dog-
mas na história da Igreja foi se alargando até que ela chegou a seu próprio limite, dado pela Sa-
grada Escritura. Em outras palavras, o aumento foi na quantidade de verdades da fé que recebe-
ram uma formulação precisa nos Concílios Ecumênicos, ou em geral foram confirmados pelos
Concílios Ecumênicos. O trabalho da Igreja nessa direção consistiu na definição precisa das a-
firmações dogmáticas em seus esclarecimentos, em mostrar suas bases na palavra de Deus, em
encontrar suas confirmações na tradição da Igreja, e declara-los obrigatórios para todos os fiéis.
Nesse trabalho da igreja o escopo das verdades dogmáticas sempre permaneceu um e o mesmo;
mas em vista do surgimento de opiniões e ensinamentos não ortodoxos, a Igreja sanciona algu-
mas afirmações dogmáticas que são Ortodoxos e rejeita outras que são heréticas. Não se pode
negar que graças a tais definições dogmáticas o conteúdo da fé tornou-se mais claro na consciên-
cia das pessoas da Igreja e na própria hierarquia da Igreja.
Além do mais, o próprio aprendizado teológico é sujeito a desenvolvimento. A teologia
dogmática pode usar vários métodos; ela pode ser suplementada por material para mais estudo;
ela pode fazer um maior ou menos uso dos fatos da exegese (a interpretação dos fatos da Sagrada
Escritura), de filologia bíblica, de história da Igreja, de escritos patrísticos, a assim também de
conceitos racionais; ela pode responder mais completamente ou timidamente as heresias, falsos
ensinamentos e a várias correntes de pensamentos religiosos contemporâneos. Mas o aprendiza-
do teológico (como oposto á própria teologia) é um assunto exterior em relação à vida espiritual
da igreja. Ele só estuda o trabalho da Igreja e seus decretos dogmáticos e outros. A teologia
dogmática como um ramo do aprendizado pode se desenvolver, mas não pode desenvolver e a-
perfeiçoar um ensinamento da Igreja. (Pode-se ser uma analogia aproximada disso no estudo de
qualquer escrita: Pushkinologia, por exemplo pelo poeta crescer, mas disso a soma de pensamen-
tos e imagens colocados em seus trabalhos pelo poeta não cresce). O florescimento ou declínio
do aprendizado teológico pode coincidir ou falhar em coincidir com o nível geral, com a eleva-
ção ou declínio de vida espiritual na Igreja, em um ou outro período histórico: o desenvolvimen-
to do aprendizado teológico pode ser impedido sem perda para a essência da vida espiritual. O
aprendizado teológico não é chamado a guiar a Igreja na sua totalidade; é o próprio para ele bus-
car e se manter estritamente de acordo com o encaminhamento dado pela consciência da Igreja.
É dado a nós o que é necessário para o bem de nossas almas. O conhecimento de Deus,
na vida Divina e da Divina Providência, é dado aos homens no grau em que ele tem uma imedia-
ta explicação moral na vida. O Apóstolo ensina isso quando ele escreve: “Visto como o seu divi-
no poder nos eu tudo o que diz respeito à vida e piedade... pondo nisto mesmo toda a diligência,

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acrescentai à vossa fé a virtude, e à virtude a ciência, e a ciência temperança, e á temperança pa-


ciência, e à paciência piedade, e à piedade amor fraternal, e ao amor fraternal caridade” (2 Pe
1:3-7). Para o Cristão a coisa mais essencial é a perfeição moral tudo o mais que foi dado pela
palavra de Deus e pela Igreja são meios para atingir esse objetivo fundamental.

Filosofia e Teologia.
No pensamento teológico contemporâneo penetrou a visão que a teologia dogmática Cris-
tã deveria ser suplementada, tornada “frutífera” e iluminada por uma base filosófica e que ela
deveria aceitar conceito filosófico nela própria.”
“Para justificar a fé de nossos pais, para elevá-la a um novo grupo e consciência racional”
— esse é o modo pelo qual V. S. Soloviev define seu objetivo assim formulado não haveria nada
essencialmente digno de repreensão. No entanto, deve-se ser cuidadoso para não misturar duas
esferas — aprendizado teológico e filosofia: tal mistura é capaz de conduzir alguém à confusão e
eclipsar seu propósito, seu conteúdo e seus métodos.
Nos primeiros séculos do Cristianismo os escritores Cristãos e Padres da Igreja responde-
ram largamente ás idéias filosóficas de seu tempo, e eles próprios usaram os conceitos que ti-
nham sido trabalhados pela filosofia. Porque? Assim eles lançaram uma fonte entre a filosofia e
grega e a filosofia Cristã . O Cristianismo apresentou-se como uma visão do mundo que era para
substituir as visões filosóficas do mundo antigo, ficando acima delas. Então, tendo se tornado no
quarto século a religião oficial do estado, ela foi chamada pelo próprio estado para tomar o lugar
de todos os sistemas de visões do mundo que existiram até aquela época. Essa é a razão porque,
no Primeiro Concílio Ecumênico na presença do Imperador, ocorreu um debate dos professores
da fé Cristã com um “filósofo.”
Mas não poderia ser uma simples substituição (da filosofia pagã pela Cristã). A apologé-
tica Cristã tomou sobre si o objetivo de tomar posse do pensamento filosófico pagão dirigindo
seus conceitos para o canal do Cristianismo. As idéias de Platão mostraram-se para os escritores
Cristãos como um estágio preparatório no paganismo para a Revelação Divina. À parte isso, no
curso das coisas, a Ortodoxia teve que combater o Arianismo, não tanto na base da Sagrada Es-
critura quanto por meio da filosofia, porque o arianismo havia tomado da filosofia grega seu erro
fundamental — nomeadamente, o ensinamento do logos como um princípio intermediário entre
Deus e o mundo; estando abaixo da divindade. Mas mesmo com tudo isso, a direção geral do
pensamentos patrístico todo foi a base de todas as verdades da fé Cristã baseadas na Revelação
Divina e não em deduções racionais e abstratas. São Basílio o Grande, em seu tratado, “What
Benefictcan Be Drawn from Pagan Works,” dá exemplo de como usar o material instrutivo con-
tido nesses escritos. Com o espalhamento universal dos conceitos Cristãos, o interesse na filoso-
fia grega gradualmente morreu nos escritos Patrísticos.
E, isso era natural. Teologia e filosofia são distintas antes de tudo por seu conteúdo, a
pregação do Salvador na terra declarou para os homens não idéias abstratas, mas uma vida nova
para o Reino De Deus; a pregação dos Apóstolos foi a pregação da salvação em Cristo. Por essa
razão, a teologia dogmática Cristã tem como seu principal assunto o completo exame do ensina-
mento da salvação, sua necessidade, e o caminho para ela. Em seu conteúdo básico, a teologia é
soteriológica (do grego soteria, “salvação”). Questões de ontologia (a natureza da existência), de
Deus em si, da essência do mundo e da natureza do homem, são tratadas na teologia dogmática
de maneira muito limitada. Isso não é somente porque elas (essas questões) nos são dadas na Sa-
grada Escritura de forma limitada (e, em relação a Deus, em forma escondida), mas também por
razoes psicológicas. Silêncio referente ao interior em Deus é uma expressão do vivo sentimento

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da onipresença de Deus, uma reverência diante de Deus, temor de Deus. No Velho Testamento
esse sentimento levou ao temor de até mesmo mencionar o nome de Deus. A área mais importan-
te da contemplação deles era a da verdade da Santíssima Trindade revelada no Novo Testamento,
e a teologia Cristã Ortodoxa como um todo seguiu esse caminho.
A filosofia segue um caminho diferente. Está principalmente interessada precisamente
em questões de ontologia: a essência da existência, a relação entre o princípio absoluto e o mun-
do e suas manifestações concretas, assim por diante. A filosofia por sua natureza vem de skepsis,
de dúvida sobre o que nossas concepções nos contam; e mesmo quando chega a fé em Deus (na
filosofia idealista) ela raciocina sobre Deus “objetivamente,” como sobre um assunto de conhe-
cimento frio, um assunto que é sujeito a exame e definição racionais, a uma explanação de sua
essência e de sua relação como existência absoluta com o mundo de manifestações.
Essas duas esferas — teologia dogmática e filosofia — também devem ser distinguidas
por seus métodos e fontes.
A fonte da teologia é a revelação divina, contida na Sagrada Escritura e Sagrada Tradi-
ção. O caráter fundamental da Sagrada Escritura e Tradição depende de nossa fé na verdade de-
las A teologia reúne e estuda o material que é encontrado nessas fontes, sistematiza esse material
e o divide em categorias apropriadas, usando nesse trabalho os mesmos meios que as ciências
experimentais usam.
A filosofia é racional e abstrata. Ela procede não da fé, como a teologia, mas busca se
basear nos indisputáveis axiomas fundamentais da razão deduzindo deles outras conclusões, ou
então sobre fatos da ciência ou do conhecimento geral humano.
Assim sendo pode-se simplesmente dizer que a filosofia não é capaz de elevar a religião
dos pais ao grau do conhecimento.
No entanto, pelas distinções mencionadas acima, não se deve negar inteiramente a coope-
ração dessas duas esferas. A própria filosofia chega à conclusão que há limites que o pensamento
humano por sua própria natureza não é capaz de ultrapassar. O próprio fato que a historia da filo-
sofia durante quase toda sua duração tem sido duas correntes — idealística e materialista —
mostra que seus sistemas dependem de uma predisposição pessoal de mente e coração; em outras
palavras que elas estão baseadas sobre algo que está alem dos limites da prova. O que está além
dos limites na prova é a esfera da fé, a fé que pode ser negativa e não religiosa, ou positiva e re-
ligiosa. Para o pensamento religioso, o que está “acima” é a esfera da Revelação Divina.
Nesse ponto aparece a possibilidade de uma união das duas esferas do conhecimento, teo-
logia e filosofia. Assim a filosofia religiosa é criada; e no Cristianismo isso significa filosofia
Cristã.
Mas a filosofia religiosa Cristã tem um caminho difícil: juntar liberdade de pensamento,
como um principio da filosofia, com fidelidade aos dogmas e todo o ensinamento da Igreja. “Vai
pelo caminho livre, qualquer que a mente livre te leve” diz a obrigação do pensador; “Sê fiel a
Verdade Divina,” sussurra para ele a obrigação do Cristão. Desse modo, pode-se sempre esperar
que na realização prática os compiladores dos sistemas de filosofia estarão forçados a sacrificar,
desejando ou não, os princípios de uma espera em favor da outra. A consciência da Igreja, recebe
bem tentativas sinceras de criar uma visão do mundo filosófica Cristã harmônica; mas a Igreja as
vê como criações privadas, pessoais, e não sanciona, a elas com sua autoridade. Em todo caso é
essência que haja uma precisa distinção entre a teologia dogmática e a filosofia Crista, e toda
tentativa de tornar dogmática em filosofia Cristã deve ser decisivamente rejeitada. (Provavel-
mente a tentativa mais bem escolhida do ponto de vista Ortodoxo, na criação de uma verdadeira
filosofia Cristã no século XIX na Rússia, é encontrada nos ensaios filosóficos de I. M. Kire-

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yevsky (+ 1856), um filho espiritual do Staretz Macarius do Optina que também ajudou ao Sta-
retz nas traduções de Optina dos trabalhos dos Santos Padres. Infelizmente, os pensamentos reli-
giosos russos, na segunda metade do século XIX não seguiram a liderança de Kireyevsky; se tal
tivesse acontecido, a Ortodoxia russa teria sido poupada das especulações neo-gnósticas de So-
loviev e seguidores tais como Bulgarov e Berdyaev, cuja influencia continua nos círculos Orto-
doxos “liberais” até os dias de hoje. A filosofia de Kyreyevsky pode muito bem ser considerada
a resposta Ortodoxa a essas especulações. Ver padre Alexey Young, A Man is his Faith, London,
1980).

Sobre o sistema religioso-filosófico de Vladimir S. Soloviev.


O impulso para as novas correntes do pensamento filosófico russo, foi dado, como foi
dito, por Vladimir S. Soloviev, que colocou como seu objetivo “justificar a fé nos Padres” diante
da razão de seus contemporâneos. Infelizmente, ele fez uma série completa de desvios diretos do
modo de pensamento Cristão Ortodoxo, muitos desvios dos quase foram aceitos e até mesmo
desenvolvidos por seus sucessores
Aqui está uma série de pontos da filosofia de Soloviev que são completamente diferentes
e que até mesmo se afastam do ensinamento da fé confessada pela Igreja.

1. O Cristianismo é apresentado por ele como o mais alto grau de desenvolvimento das religi-
ões. De acordo com Soloviev, todas as religiões são verdadeiras, mas unilaterais; o Cristianismo
sintetiza os aspectos positivos das religiões precedentes. Ele escreve: “Assim como a natureza
exterior só é revelada gradualmente para a mente do homem e para a mente do homem e para o
gênero humano, como resultado disso nós devemos falar também de desenvolvimento experi-
mental ou ciência natural, assim também o princípio divino é revelado gradualmente para a
consciência do homem,e nós devemos falar da experiência religiosa e do pensamento religioso.
Desenvolvimento religioso é um processo positivo e objetivo, uma real e mútua relação entre
Deus e o homem — o processo religioso, pode em si mesmo ser uma mentira ou um erro. “Falsa
religião é em termos uma contradição.”

2. O ensinamento da salvação do mundo, na forma que é dado pelos Apóstolos, é posto de lado.
De acordo com Soloviev, Cristo veio á terra não para “salvar a raça humana.” Ao invés, Ele veio
para elevar a raça humana a um grau mais alto na manifestação gradual do principio divino do
mundo — o processo de ascensão e deificação do homem e do mundo. Cristo é a mais elevada
ligação numa série de teofanias, e Ele coroa todas as teofanias prévias.

3. A atenção da teologia de acordo com Soloviev é dirigida para o lado ontológico da existência,
isto é, para a vida de Deus em Si próprio, e por conta da falta de evidência para isso na Sagrada
Escritura, seus pensamentos dirigem-se para construções arbitrárias que são racionais ou basea-
dos na imaginação.

4. Na vida Divina é introduzida uma essência que fica na fronteira entre o Divino e o mundo cri-
ado: isso é chamado Sophia.

5. Na vida divina é introduzida uma diferença entre os princípios masculino e feminino. Em So-
loviev esse ponto ainda é fraco. Padre Paul Florensky, seguindo Soloviev, apresenta Sofia assim:
“Esse é um grande Ser Real e Feminino que, não sendo nem Deus nem o eterno Filho de Deus,

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nem um anjo, nem um homem santo, recebeu veneração tanto do Culminador do Velho Testa-
mento e do Fundador do Novo” (The Pillar anda Fundation of Truthi).

6. Na vida Divina é introduzido um princípio elementar de luta, que compele Deus o próprio Lo-
gos a participar em um progresso definido e subordina Deus a esse processo, que é conduzir o
mundo para Dora da condição de materialismo puro e inércia para uma forma mais elevada e
mais perfeita de existência.

7. Deus, como o Absoluto, como Deus o Pai, é apresentado como distante e inacessível para o
mundo e para o homem. Ele vai embora do mundo, em contradição com a palavra de Deus, para
uma esfera de existência inatingível que, como existência relativa, como o mundo dos fenôme-
nos. Por isso, de acordo com Soloviev, é necessário um Intermediário entre o Absoluto e o mun-
do. É chamado “logos” que foi encarnado em Cristo.

8. De acordo com Soloviev, o primeiro Adão uniu em si a natureza humana, em um modo similar
á relação mutua do Deus — homem no Verbo encarnado; no entanto, ele violou essa relação mú-
tua. Se isso é assim, então deificação do Nele de Deus-Homem, uma restauração das duas natu-
rezas. Mas isso não está de acordo com o ensinamento da Igreja — um ensinamento que entende
a deificação só como um recebimento de graça. São João Damasceno escreve: “Não houve e
nunca haverá outro homem composto de Divindade e humanidade,” afora Jesus Cristo.

9. Soloviev escreve: “Deus é o Criador Todo Poderoso e o Pantocrator, mas não o condutor da
terra e da criação que dela procede: “A Divindade ... é incomensurável com as criaturas terrestres
e pode ter uma relação prática e moral (autoridade, domínio, governança) somente através da
mediação do homem, que como um ser tanto divino quanto terrestre é comensurável tanto coma
Divindade quanto com a natureza material. Assim, o homem é o sujeito indispensável no verda-
deiro domínio de Deus” (The Hystory and Future of Theocracy). Essa afirmação é inaceitável do
ponto de vista da glória e poder de deus e, como tem sido dito, ela contradiz a palavra de Deus.
De fato, ela não corresponde se quer a simples observação. O homem sujeita a natureza a si não
em nome de Deus, como um intermediário entre Deus e o mundo, mas para seus próprios propó-
sitos e necessidades egoístas.
Os poucos pontos mencionados aqui de divergência entre as visões de Soloviev e o ensi-
namento da Igreja indica a inaceitabilidade do sistema religioso de Soloviev como um todo para
a consciência Ortodoxa.

O ensinamento da Sabedoria de Deus na Sagrada Escritura.


A palavra Sophia, “sabedoria,” é encontrada nos livros sagrados do Velho Testamento
(na tradução grega) e do Novo Testamento.
No Novo Testamento é usada em três significados:

1. No sentido amplo de sabedoria, entendimento: “E Jesus se fortaleceria em espírito, cheio de


sabedoria” (Lc 2:40), “Mas a sabedoria é justificada por todos os seus filhos” (Lc 7:35).
2. No significado da sábia economia de Deus expressa na criação do mundo, em Sua providên-
cia sobre o mundo, e na salvação do mundo do pecado: “Ó profundidade das riquezas tanto da
sabedoria, como da ciência de Deus! Porque quem compreendeu o intento do Senhor? Ou quem

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foi Seu conselheiro?” (Ro 11:33-34). “Mas falamos a sabedoria de Deus oculta em mistério, a
qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória” (1 Co 2:7).
3. Em relação ao Filho de deus como a Sabedoria Hipostática de Deus: “Mas lhes pregamos a
Cristo crucificado ... Cristo poder de Deus e sabedoria de Deus” (1 Co 1:23-24); “Que para nós
foi feito por Deus sabedoria” (1 Co 1:30).

No Velho Testamento nós encontramos em muitos lugares afirmações acerca da sabedoria.


Aqui também há três significados para este termo. Em particular, sabedoria é falada no livro dos
Provérbios e nos livros Apócrifos: A Sabedoria de Joshua, Filho de Sirach.
Na maioria dos casos, a sabedoria humana é apresentada aqui como um dom de Deus que
se deve manter excepcionalmente cuidada. Os próprios títulos dos livros, a “Sabedoria” de Sa-
lomão e a Sabedoria de Joshua, Filho de Sirach, indica em que sentido — normalmente, no sen-
tido de sabedoria humana — deve-se entender essa palavra aqui. Em outro livros do Velho Tes-
tamento episódios são separados são citados que descrevem especialmente a sabedoria humana
— por exemplo, o famoso julgamento de Salomão.
Os livros acima mencionados introduzem-nos na direção do pensamento dos professores
inspirados por Deus no povo judeu; Esses professores inspiraram o povo a ser guiado pela razão,
não se entregar a cegas inclinações e paixões, e manter firmemente suas ações ligadas aos co-
mandos da prudência, julgamento correto, lei moral, e as bases firmes na vida pessoal, familiar e
pública.
Uma grande parte do livro dos Provérbios é dedicada a esses assuntos. O título desse li-
vro, “provérbios,” previne o leitor que ele encontrará nele meios de exposição figurativos, meta-
fóricos e alegóricos. Na introdução do livro, depois de indicar que ele é para “conhecimento, sa-
bedoria, instrução,” o autor expressa a certeza que “um homem sábio ....entenderá uma parábo-
la,e um discurso obscuro, as palavras dos sábios, e suas adivinhações” (prov 1:6, Septuaginta) —
Isso é, ele entenderá seu sentido figurativo, alegórico, sem tomar todas as imagens no sentido
literal.
E de fato, adiante no livro, é revelada uma abundância de imagens e personificações na
aplicação da “sabedoria que o homem pode possuir. Adquire sabedoria, adquire entendimento...
dize à sabedoria, tu és minha irmã; e ao entendimento chama teu parente” (Prov 7:4). “Não a de-
sampares, e ela te guardará; ama-a e ela te conservará... exalta-a e ela te exaltará, e abraçando-a
tu, ela te honrará; dará a tua cabeça um diadema de graça, e uma coroa de glória te entregará”
(Prov. 4:6, 8, 9 Septuaginta). O mesmo tipo de pensamento sobre a sabedoria humana está conti-
do na Sabedoria de Salomão.
Está claro que todos esses dizeres sobre sabedoria de modo algum podem ser entendidos
como o ensinamento de uma sabedoria pessoal, a alma do mundo, no sentido sophiológico. Um
homem a possui, a obtém, a perde; ela serve a ele; seu início é chamado “temor de Deus”; e lado
a lado com a sabedoria é também nomeado de “entendimento” e “instrução” e “conhecimento.”
E de onde vem a sabedoria? Como tudo mais no mundo, tem uma fonte única: Deus é “o
guia até da sabedoria e o corretor do sábio” (Sabedoria de Salomão 7:15).
Um segundo grupo de proclamações na Sagrada Escritura refere-se à sabedoria de Deus,
que é a sabedoria de Deus em si. Idéias da sabedoria em Deus estão intercaladas com idéias da
sabedoria no homem.
Se a dignidade do entendimento e sabedoria no homem é tão exaltada, quão majestosa ela
é então em Deus! O escritor usa as mais majestosas expressões possíveis de modo a apresentar o
poder e grandeza da sabedoria Divina. Aqui ele faz um largo uso de modo a apresentar o poder e

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grandeza da sabedoria Divina. Aqui ele faz um largo uso de personificação. Ele fala da grandio-
sidade dos planos Divinos que, de acordo com nossas concepções humanas, parecem ter precedi-
do a criação, porque a sabedoria de Deus está na base de tudo o que existe, por essa razão ela es-
tá antes de tudo, antes de qualquer coisa que existe. “O Senhor me possui no principio dos Seus
caminhos, e antes de Suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui ungida, desde o principio,
antes do começo da terra, antes de fazer abismos... antes dos montes...eu fui gerada. Quando Ele
preparava os céus, ai estava eu” (Prov 8:22-25, 27 Septuaginta). O autor da Gênesis (“era bom”).
Ele diz em nome da sabedoria: “Então eu estava com Ele e era Seu aluno: e era cada dia as suas
delicias, folgando perante ele um todo o tempo” (Prov 8:30).
Em todas as imagens da sabedoria citadas acima, e outras similares, não há base para se
ver num sentido direto nenhum ser espiritual pessoal, distinto de Deus, uma alma do mundo, ou
idéia do mundo. Isso não corresponde às imagens dadas aqui: uma “essência do mundo” ideal
não poderia ser dita “presente” na criação do mundo (ver a Sabedoria de Salomão 9:9); somente
alguma coisa exterior tanto ao Criador quanto à criação poderia estar “presente.” Da mesma for-
ma, ela não poderia ser um “implemento” da criação se ela em si é a alma do mundo criado. Por
essa razão, nas expressões citadas acima é natural ver-se personificações (um dispositivo literá-
rio), ainda que elas sejam tão expressivas a ponto de chegarem perto de hypostases ou pessoas
reais.
Finalmente, o escritor do livro de Provérbios é profeticamente exaltado em pensamento
até a prefiguração da Economia de Deus no Novo Testamento que é revelada na pregação do sal-
vador do mundo, na salvação do mundo e do gênero humano, e na criação da Igreja do Novo
Testamento. Essa prefiguração é encontrada no nono capitulo de Provérbios : “A Sabedoria já
edificou a sua casa, já lavrou as suas sete colunas. Já sacrificou as suas vítimas, já misturou o seu
vinho...” (Prov 9:1-2, Septuaginta). Essa magnífica imagem é igual em poder ás profecias refe-
rentes ao Salvador nos profetas do Velho Testamento.
Desde que a economia na salvação foi realizada pelo Filho de Deus, os Santos Padres da
igreja, e seguindo eles os interpretadores Ortodoxos do livro dos Provérbios em geral, referem-se
ao nome “sabedoria de Deus” que essencialmente pertence à Santíssima Trindade como um todo,
à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Filho de Deus, como o Realizador do Conselho da
Santíssima Trindade.
Por analogia com essa passagem profética, as imagens do livro de Provérbios, que são
indicados acima referentes à sabedoria de Deus (no capitulo 8) são também interpretadas como
se aplicando ao Filho de deus. Quando os escritores do Velho Testamento, para quem o mistério
da Santíssima Trindade não estava inteiramente revelado, dizem “Em sabedoria Ele os fez a to-
dos “ — para quem acredita no Novo Testamento, um Cristão, no nome “Verbo” e no nome “Sa-
bedoria” é revelada a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Filho de Deus.
O Filho de deus, como uma hipóstase da Santíssima Trindade, contem em Si todos os
atributos divinos na mesma plenitude do Pai e do Espírito Santo No entanto, tendo manifestado
esses atributos para o mundo me sua criação e sua salvação, Ele é chamado de Sabedoria Hipos-
tática de Deus. Na mesma base, o Filho de Deus, pode também ser chamado de Amor Hipostáti-
co (ver São Simeão, o Novo Teólogo, Homilia 53); Luz Hipostática (“andai [na luz] enquanto
tendes a luz” (J0 12:35), Vida Hipostática (“Tu deste à luz a Vida Hipostática” — Cânon da A-
nunciação, ode 8); e Poder Hipostático de Deus (“lhes pregamos a Cristo, poder de Deus,” 1 Co
1:24).

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A glorificação dos Santos.

Introdução. Testemunhos do Início da Igreja. Mártires e Ascetas. Prática Russa. Necessidade de


Alta Autoridade. Conclusões.

Introdução.
O que é, em essência a glorificação pela Igreja dos Santos? Na Igreja Santa Católica Or-
todoxa a memória em oração de cada um de seus membros que partiu na fé, esperança e arrepen-
dimento é cuidada. Essa comemoração da maioria dos que partiram é limitada, comparativamen-
te ao estreito circulo da “Igreja domestica” ou, em geral, a pessoas de relação sangüínea próxima
ou adquirida com os que partiram. Ela é expressa pela oração pelos que partiram, oração pela
remissão dos pecados, que” sua alma seja cantada entre os justos,” que “seu repouso seja entre os
santos.” Esse é um fio espiritual que os liga os que estão na terra aos que partiram; é uma expres-
são de amor que é benéfica tanto para os que partiram quanto para os que oram por eles. Se, de-
pois da morte, ele não é privado da visão da glória de Deus, pó seus pecados pessoais, ele res-
ponde com suas orações próprias para aqueles próximos a ele na terra.
Pessoas que são grandes em seu espírito Cristão, gloriosos em seu serviço à Igreja, faróis
iluminando estreito de pessoas, mas uma memória que abrange toda a Igreja local ou universal.
Confiança em eles terem atingido a glória do Senhor e no poder se suas orações, mesmo depois
de mortos, e tão grande e não questionada que o pensamento de seus irmãos na terra não é cana-
lizado para o perdão de seus pecados (já que eles são santos diante do Senhor sem isso), mas pa-
ra a louvação de suas lutas, para aceitar suas vidas como modelo para si próprio, e para pedir as
orações deles por nós.
Em testemunho da profunda certeza da Igreja que um homem justo que repousou está
com o Senhor, no coro dos santos na Igreja celeste, ela Igreja compõe um ato de “numera-los
entre os santos” ou de “glorificação.” Por esse ato a Igreja dá a sua benção para a mudança de
oração para os que repousam para oração de pedido para nós assistência diante do trono de Deus.
A voz unânime da Igreja, expressa através dos lábios de seus hierarcas, a voz conciliatória, con-
firma a convicção de seus membros comuns a respeito da santidade do homem justo. Tal é a es-
sência do ato de glorificação. Nada na Igreja deve ser arbitrário, mas “próprio e ordenado.” A
preocupação da Igreja com relação a isso é expressa pelo oferecimento de uma súplica orante
uniforme para o justo.
As vezes a comemoração de um justo que partiu não se estende além de uma região par-
ticular. Outros santos de deus tornaram-se famosos e renomados em toda a Igreja mesmo durante
sua atividade terrestre; eles são a glória da Igreja e mostram ser os pilares da Igreja. Uma resolu-
ção eclesiástica sobre a glorificação deles confirma essa comemoração para sempre no domínio
próprio, isto é, na Igreja local que ele fez essa resolução, ou em toda Igreja universal.
A assembléia dos santos na Igreja celeste de todos os tempos é grande e além de enume-
ração. O nome de alguns santos são conhecidos na terra; outros permanecem desconhecidos. Os
santos são como estrelas — aqueles mais perto de os são vistos mais claramente; no entanto, in-
contáveis outros pontos de luz existem pelo espaço, além do alcance da visão humana. Assim, na
comemoração da Igreja, santos são glorificados em grandes grupos e assembléias completas, as-
sim como individualmente. Tais são as comemorações de mártires que foram mortos em cente-
nas e milhares, os Padres dos Concílios Ecumênicos, e, finalmente a celebração geral de “todos

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os santos,” a anual (o primeiro domingo após o Pentecostes; o segundo domingo após o Pente-
costes para todos os santos da Rússia), e a semanal (todos os sábados).
Como ocorreu e ocorre a glorificação dos grandes hierarcas, ascetas, e outros reconheci-
dos como santos da Igreja? Na base de que principio, porque critérios, porque rito — no geral, e
em casos individuais? Pesquisa pelo professor E. Golubinsky, The Historyof The Canonization
of Saints in the Russian Church(2ª edição, Moscou: University Press, 1903) é dedicada a essa
questão. Na exposição que se segue iremos, em sua maior parte, fazer do trabalho do Professor
Golubinsky.
Quanto ao uso do termo canonização dos santos, o Prof. Golubinsky admite nas primeiras
linhas de seu livro que, apesar desse termo ser etimológico, derivado da palavra grega canon, ele
forma uma parte da terminologia da Igreja latina e não e empregue pelos Ortodoxos gregos. Essa
é uma indicação que nós não precisamos usar esse termo; e de fato, mesmo no seu próprio tempo
o Prof. Golubinsky foi recriminado por usar o termo assiduamente, especialmente porque o espí-
rito e caráter da glorificação Ortodoxa é alguma coisa diferente da canonização da confissão ro-
mana. A canonização da Igreja Romana, em sua forma contemporânea, consiste em uma solene
proclamação pelo Papa: “Nós, resolvemos e determinamos que o Bem Aventurado N. é um santo
e o colocamos no catálogo dos santos, ordenando que toda a Igreja honre sua memória com reve-
rência....” A expressão Ortodoxa “enumerando-o entre o coro dos santos” não tem fórmula espe-
cial, fixa, mas seu sentido deve ser expressado assim: “Nós confessamos que N. está (é enumera-
do com) o coro dos santos de Deus.”

Testemunhos do Início da Igreja.


Nos primeiros séculos da Igreja Cristã, três tipos básicos de santos eram reconhecidos.
Eram: a) do velho Testamento patriarcas, profetas (entre os quais São João o Precursor é preemi-
nente) e do Novo Testamento os Apóstolos (b) os mártires, que ganharam coroas de glória pelo
derramamento de seu sangue; c) hierarcas destacados que serviram a Igreja, assim como pessoas
aclamadas por suas lutas pessoais (os justos e os ascetas). Com relação a patriarcas, profetas, a-
póstolos e mártires ser membro em qualquer dessas categorias carregava consigo o reconheci-
mento como santo.
É sabido pela história que reuniões de oração eram feitas em honra dos mártires tão cedo
quanto o primeiro quarto do século II (conforme São Inácio de Antioquia). Com toda probabili-
dade, elas começaram no período imediatamente posterior á primeira perseguição dos Cristãos ...
a de Nero. Parece que nenhum decreto eclesiástico especial era requerido para autorizar a vene-
ração em oração desse ou daquele mártir em particular. A própria morte do mártir testemunhava
a recepção da coroa celeste. Mas a enumeração dos hierarcas e ascetas que haviam partido entre
o coro dos santos era feita individualmente, e era naturalmente levada avante baseada no valor
pessoal de cada um.
É impossível dar uma resposta geral a respeito de que critério a Igreja usa para reconhe-
cer os santos dessa terceira classificação. Com respeito aos ascetas em particular, sem dúvida a
base geral e fundamental de sua glorificação é a realização de milagres. Isso porque a evidência
sobrenatural é livre de caprichos e influencias humanas. O Prof. Golubinsky considera essa indi-
cação a única base para glorificação dos ascetas na historia da canonização eclesiástica . Apesar
dessa opinião do Prof. Golubinsky, no entanto, pode-se concluir que a comemoração dos grandes
Cristãos moradores do deserto de antigamente, os lideres e guias do monasticismo, foi mantida
pela Igreja pelos dons didáticos e por elevados alcances espirituais deles à parte da estrita depen-
dência se eles foram glorificados pelo dom de realizar milagres. Eles foram enumerados entre o

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coro dos santos estritamente por suas vidas ascéticas, sem nenhuma referencia particular a tal
critério (realização de milagres).
A antiga glorificação pela Igreja de santos hierarcas deve ser vista algo diferentemente. O
elevado serviço deles foi a base para sua glorificação; como o santo martírio final foi para os
mártires. No calendário cartaginense, que data do século VII, existe uma inscrição: “Aqui estão
registrados os aniversários (isto é, datas do martírio) dos mártires e os dias de repouso dos bispos
cuja comemoração a Igreja de Cartago celebra.” Assim, julgando por antigos calendários litúrgi-
cos gregos, deve-se supor que na Igreja grega todos os Bispos Ortodoxos que não tivessem se
maculado de modo algum eram enumerados entre o coro dos santos locais da diocese deles, com
base na crença que sendo intercessores mesmo na vida além túmulo. Nos calendários eclesiásti-
cos do Patriarcado de Constantinopla, todos os Patriarcados, todos os Patriarcas que ocuparam a
Sé entre AD 315 (Santo Metrophanes) e AD 1025 (Santo Eustátios), com exceção daqueles que
foram heréticos ou que por uma razão canônica foram depostos, são registrados na lista dos san-
tos. Essa compilação, no entanto, foi pouco feita na seqüência em que os Patriarcas ocuparam a
sé. Com toda probabilidade, os bispos mais renomados foram reconhecidos como santos imedia-
tamente depois do seu repouso; em outros casos essa inclusão ocorreu em algum outro tempo.
Os nomes de todos os bispos que partiram entravam no díptico local — as listas dos que
partiram que eram lidas alto nos ofícios divinos, e todo ano, na data do repouso de cada um deles
sua comemoração era feita com especial solenidade. Sozomem, o historiador da Igreja, afirma
que nas Igrejas individuais ou dioceses, a celebração de seus mártires locais e a comemoração de
seus padres anteriores (isto é, os hierarcas) eram observadas. Aqui ele usa o termo “celebração”
em referencias à memória dos mártires, mas “comemoração” em referencia aos hierarcas, levan-
do a ser entendido que na Igreja antiga os eventos dos hierarcas, levando a ser entendido que na
Igreja antiga os eventos dos hierarcas eram de menor estatura que os dos mártires (se se pode
falar de um plano geral e não de casos individuais). O Prof. Golubinsky conjectura que, com re-
lação a hierarcas, depois de um certo numero de anos de orações fervorosas por eles, a celebra-
ção anula de suas memórias eram transformada num dia de oração para eles. De acordo com o
testemunho de Simeão da Tessalonica, desde os primeiros tempos em Constantinopla os hierar-
cas enterrados, dentro do santuário, na maior Igreja, a dos Apóstolos, como as relíquias dos san-
tos, por causa da graça do divino sacerdócio.
Na Igreja grega, até o século XI, muitos poucos do coro dos hierarcas foram santos vene-
rados universalmente pela Igreja, toda. A maior parte dos hierarcas permaneceu santo local das
Igrejas individuais (isto é, dioceses), e cada diocese/Igreja individual celebrava só seus próprios
hierarcas locais, com um numero muito pequeno de hierarcas venerados universalmente por toda
a Igreja. Com o século XI a transformação do coro de hierarcas de local para universal, ocorreu,
e como resultado existe um grande número de nomes. Essa foi provavelmente a razão pela qual,
desse século em diante, a enumeração de hierarcas entre o coro dos santos foi levada mais estri-
tamente, e como um critério para a enumeração de qualquer Patriarca de Constantinopla, entre os
santos foi declarado necessário ter-se irrefutáveis evidências de seus milagres, e isso foi requeri-
do também para a glorificação dos ascetas.
Nas Igrejas locais (dioceses) o direito de reconhecer indivíduos como santos pertencia
aos seus bispos e seu clero ou a oficiais sujeitos a autoridade deles (bispos e clero). É também
bem possível que os bispos não realizassem tais atos sem o conhecimento e consentimento do
Metropolita e do sínodo de bispos da província metropolitana. As vezes os leigos determinavam
antecipadamente de sua determinação erigiam Igrejas dedicadas a tais ascetas aparentemente na
certeza, que a benção da hierarquia, ocorreria num futuro próximo.

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Quando Simeão, o Pio, staretz e guia de São Simeão o Novo teólogo, repousou no Senhor depois de qua-
renta e cinco anos de trabalhos ascéticos. S. Simeão conhecendo a intensidade de suas lutas, sua pureza de coração,
sua proximidade de Deus e a Graça do Espírito Santo que o recobria, compôs em sua honra eu Eulogio, assim como
hinos e canos, e celebrava a sua memória anualmente com grande solenidade, tendo pintado um ícone dele como
santos. Outros, talvez, dentro e fora do mosteiro, seguiram seu exemplo, pois Simeão o Pio tinha muitos discípulos e
admiradores entre monges e leigos. São Sergio II, então Patriarca de Constantinopla (reinou 999-1019), ouviu sobre
isso, e convocou São Simeão a se apresentar diante dele e o questionou a respeito da festa e do Santo que estava
sendo tão honrado. Mas percebendo que Simeão o Pio tinha levado uma vida tão exaltada, ele não proibiu a venera-
ção de sua memória, e ainda enviou lamparinas e incenso em memória de Simeão, o Pio. Dezesseis anos se passa-
ram sem incidentes. Mas mais tarde, um certo influente metropolita aposentado que residia em Constantinopla obje-
tou a qualquer veneração conduzida por iniciativa privada. Tal coisa parecia a ele blasfema e contrária à ordem da
Igreja. Algumas poucas paróquias através de seus padres e alguns leigos concordaram com o Metropolita, e nesse
ponto começaram as perturbações que duraram cerca de dois anos. Para atingir sua meta, os oponentes de São Sime-
ão não pararam com difamações dirigidas ao Santo e seu staretz. São Simeão recebeu a ordem de comparecer peran-
te o Patriarca e seu sínodo para dar uma explicação. Sua resposta foi que, seguindo os preceitos dos Apóstolos e dos
Santos Padres, ele não poderia se refrear em honrar seu guia, mas que ele não compelia outros a faze-lo, que ele es-
tava agindo de acordo com sua consciência, e que os outros poderiam fazer o que achassem melhor. Satisfeito com
essa apologia, eles no entanto ordenaram a São Simeão que daí por diante celebrasse a memória de seu staretx tão
modestamente quanto possível sem qualquer solenidade. A controvérsia continuou por cerca de seis anos, no entan-
to, uma vingança completa foi lançada contra o ícone de Simeão o Pio, no qual ele estava pintado na companhia de
outros santos, com uma inscrição que se referia a ele como “santo” e obscurecido por Cristo, o Senhor em posição
de benção. O resultado disso foi que, para a paz da mente e o estabelecimento da paz, São Simeão decidiu deixar
Constantinopla e assentou-se num lugar remoto perto da antiga Igreja de Santa Marina, onde mais tarde ele constru-
iu um mosteiro, Com relação à questão da veneração em si, o decreto prévio permaneceu em vigor, isto é, a celebra-
ção era permitida desde que não fosse conduzida com solenidade (conforme “Life of S. Symeon the New Theolo-
gism” em seus Discourses, edição Bispo Teofano, 2 volumes [Moscou: Ephimon Press, 1892], vol 1, p. 3-20).

O incidente citado acima demonstra de um ponto de vista, que conhecimento de uma vida justa
e ascética conduz a firme convicção a respeito de sua permanência na companhia dos santos de-
pois de sua morte e a sua veneração; de outro lado, o incidente testemunha o fato que naquele
tempo (século XI), os costumes e procedimentos da Igreja requeriam uma definida confirmação
pela mais altas autoridades da Igreja e um decreto sinodal sancionando a veneração publica.
No futuro a Igreja grega conheceria duas classificações dos novos santos glorificados:
mártires e ascetas.

Mártires e Ascetas.
Sob o domínio turco, a Igreja grega teve um número não pequeno de mártires que foram
mortos por seu excepcional zelo pela fé cristã e por denunciar o Islam publicamente. A igreja
grega mais recente e a Igreja universal com ela tem olhado e continua a aceitar o martírio deles
assim como a Igreja antiga olhava os mártires do inicio da era cristã, desconhecendo o martírio
como base suficiente para a glorificação, independente do dom de realizar milagres, terem tido
lugar em muitos casos. Um grande número de mártires apesar de milagres terem tido lugar em
muitos caros. Um grande número de mártires gregos não foram proclamados como santos de ne-
nhuma maneira oficial e eram freqüentemente honrados como “zelotes,” sem nenhum deliberado
interrogatório ou proclamação por parte da grande Igreja de Constantinopla, pois isso teria sido
muito difícil de se fazer sob as condições do domínio turco. São Nicéforo de Chios, que compôs
um “Ofício Geral para Qualquer Novo Mártir,” explicando a necessidade de tal ofício afirma:
“Porquanto a maioria dos novos mártires não tem um ofício para celebrar, e desde que muitas
pessoas estão desejosas de tal ofício — um, para honrar seu companheiro de cidade, outro para
honrar alguém conhecido dele pessoalmente; outro ainda que o havia ajudado em alguma neces-

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sidade, por essa razão eu compus um ofício geral para qualquer novo mártir. Que ele então eu
deseja assim cante tal ofício para aquele mártir para quem ele tem veneração.” O autor de A His-
tory of the Canonization of the Saints in the Russian Church acredita que mártires em geral que
eram honrados sem glorificação oficial eram incluídos no caso acima. Se essa suposição é acura-
da é difícil de ser determinada.
Como antes, na Igreja oriental o critério que tinha que ser atendido para a glorificação de
ascetas, fossem eles hierarcas ou monásticos, era o dom de realizar milagres. O Patriarca Nectá-
rio de Jerusalém (reinou de 1661-1669), dá um lúcido testemunho a respeito disso. Ele escreve:
“Três coisas certificam a verdadeira santidade em pessoas: 1) Ortodoxia irrepreensível, 2) perfei-
ção em todas as virtudes, que são coroadas por manter a fé, mesmo com o derramamento de seu
sangue, e finalmente, 3) a manifestação por Deus de sinais e maravilhas sobrenaturais.” Em a-
créscimo a isso, o Patriarca Nectário indica que naquele tempo, quando abusos no relato de mi-
lagres e virtudes eram ocorrências comuns, freqüentemente ainda outros sinais eram requeridos,
por exemplo, não corrupção dos corpos ou uma fragrância emanando dos ossos.
No oriente, o direito de glorificar um santo para veneração local pertence aos metropoli-
tanos de seis metropolitanas: para a veneração geral por toda a Igreja de Constantinopla, o Patri-
arca de Constantinopla com seu sínodo de bispo na a benção. Atos, aparentemente, constitui uma
exceção a esse respeito, glorificando seus próprios ascetas para veneração local na Montanha
Santa pela autoridade pessoal das irmandades, ou por mosteiros individuais, ou pela sinodia de
Protaton para a inteira comunidade Atonista. Também, o dom de realizar milagres dificilmente
pode ser considerado obrigatório como base para a glorificação, ainda mais que alguém pode le-
var uma vida ascética, confirmada posteriormente pelo sinal de fragrância emanando dos ossos,
como tal base.
Da compilação de documento do patriarcado de Constantinopla relativos à glorificação
de santos, que é um apêndice da segunda edição da History of the Canonization of the Saints in
the Russian Church, pode-se formar uma idéia de como a glorificação foi levada.
No século XIV veio para a Rússia um decreto do Patriarca João XIV (reinou 1333-1347)
endereçado a Theognostos, Metropolita de Kiev e toda a Rússia (reinou 1328-1353, residente em
Moscou), datado de julho de 1339, a respeito da enumeração de seu predecessor, São Pedro, Me-
tropolita de Moscou (reinou 1308-1326), entre os santos: “... Nós recebemos a carta de Tua San-
tidade, junto com a notificação e atestado a respeito do hierarca da santa Igreja que foi antes de
ti, e que após a morte foi glorificado por Deus e mostrou ser um de Seus verdadeiros favoritos, e
que grandes milagres são realizados por ele e que toda doença é curada. E nós nos rejubilamos
com isso, e estamos muitíssimo alegres em espírito, e rendemos a Deus adequada glorificação. E
como Tua Santidade procurou orientação conosco em como agir com tais santas relíquias, nos
respondemos: Tua Santidade própria sabe, pois tu não és ignorante sobre a maneira do ritual e
costume da Igreja de Deus proceder em tais casos. Tenho recebido um firme e incontestável ates-
tado a respeito do Santo, que Tua Santidade no presente evento aja de acordo com o Rito da Igre-
ja. Honrem e benzam o favorecido de Deus com hinos e sagradas doxologias, e deixem em tes-
tamento isso para os tempos futuros, para a louvação e glória de Deus, Que glorifica aqueles que
O glorificam...”
No eulógio do Patriarca Philoteus de Constantinopla (reinou 1354-1355, 1364-1376) para
São Gregório Palamas, Arcebispo de Tessalônica, com relação a enumeração do Arcebispo entre
o coro dos santos, depois de um relato de dez milagres realizados no túmulo do santos, nós le-
mos: “Por conseqüência (isto é, devido ao fato que muitos milagres ocorreram ao tumulo do Ar-
cebispo), os maiores amantes de Deus e preeminentes deles presentes (os cidadãos de Tessalôni-

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ca) e especialmente deles os padres, tomaram conselhos juntos, colocaram um ícone sagrado de
Gregório e estão celebrando um radioso festival para todo o povo no dia de seu repouso, e se a-
pressam e erigir uma Igreja para ele, pois ele é um glorioso discípulo de Cristo. Eles não estão
esperando pelas assembléias dos grandes homens, ou por qualquer Concílio geral para proclamá-
lo (um santo), pois tais coisas às vezes são um embaraço, um peso, um obstáculo e um cuidado, e
são todas muito humanas, mas eles estão satisfeitos, como é louvável, com uma proclamação do
alto, com a irrefutável e luminosa contemplação de suas obras, e com fé.” Do discurso do Patri-
arca Philoteus fica claro que: 1) São Gregório Palamas foi enumerado entre os santos pelos mila-
gres ocorridos em seu túmulo, e 2) sua glorificação foi realizada pelo Metropolita de Tessalôni-
ca.
Decretos de origem muito posterior à época citada falam claramente de averiguações es-
peciais pelos sínodos relativos à glorificação. Assim, num decreto do Patriarca Cirilo I (reinou
1621-1623; 1632-33; 1633-34, 1637-38) a respeito da glorificação de São Gerasino de Cefalonia,
seguindo uma explanação dogmática do ensinamento Ortodoxo relativo ao Santo, nós encontra-
mos: “E nós, de um lado, prontos diante de Deus para render, aos divinos homens a honra que
lhes convém em recompensa, e de outro lado, cuidando para o bem comum dos fiéis, de acordo
com os divinos padres que foram antes de nós, e seguindo a prática universal, da Igreja, resolve-
mos por sínodo, apontados e comandados pelo Espírito Santo, com a aprovação também dos a-
bençoados Patriarcas de Antioquia e Jerusalém que vive em Constantinopla, dos sacratíssimos
metropolitas, em nossos amados irmãos, os arcebispos e bispos, muito honrado no Espírito San-
to, do digníssimo e culto clero, que o acima mencionado São Gerasimo seja venerado anualmen-
te com ofício e salmodia sagrados, e seja contado no numero dos veneráveis e santos homens,
daqui para a frente e por todo o sempre, não só na ilha de Cefalonia, mas por toda a Igreja dos
pios, de um fim do mundo até o outro. Mas aquele da primeira e segunda admoestação que ele
seja cortado da comunidade dos pios e que ele fique com os gentios e publicanos, de acordo com
a palavra do Evangelho.” Seguem-se as assinaturas dos três Patriarcas e outros sete hierarcas. Na
cópia que leva o selo, a requisição endereçada ao Patriarca pelos habitantes na Ilha de Cefalônia
está colocada antes do decreto. Na requisição, o povo requer, pela mediação de um certo bispo,
que um decreto seja emitido pelo Patriarca, autorizando a veneração de Gerásimo, e que ele seja
incluído na lista dos veneráveis e santos homens.
Outro decreto do mesmo Patriarca, datado de 1633, relativo a enumeração de São João de
Creta e seus noventa e oito companheiros ascetas entre o coro dos santos, contem uma explana-
ção dogmática seguida pela assertiva: “Em um tempo muito antes do nosso, na cidade divina-
mente construída de Creta, o venerável João morador do deserto e seus companheiros ascetas,
noventa e oito em numero brilharam... cujas vidas o Senhor glorificou com milagres ... tenho re-
unido no Espírito Santo todos os hierarcas que se encontrou em Constantinopla, e tendo chamado
o prometido para estar conosco todos os dias, nós ordenamos que esses santos sejam glorificados
com festivais anuais e salmodia sagrada, e sejam enumerados com o resto dos santos, tanto na
Ilha de Creta e em todas as Igreja do mundo inteiro. Estranha e gigantesca tolice seria Deus estar
maravilhado em glorifica-los como santos e nós não tivéssemos deleite em honrá-los, ou fosse-
mos mesmo ainda privados dos benefícios daí derivados, especialmente porque nós estamos ne-
cessitados de tais intercessores....” Esse decreto termina com a assinatura de vinte e um hierar-
cas.
O ato de enumerar entre os santos, na sua maior parte, é combinado com a abertura das
relíquias dos justos que estão sendo glorificados. Nesses caso deve-se distinguir três atos especí-
ficos. O exame das relíquias pode ser contado com uma das ações que precede o ato de glorifica-

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ção, junto com a verificação dos relatos de seus milagres. Segue-se então a decisão sinodal à res-
peito da glorificação. Em nossos dias, a solene remoção das relíquias e usualmente uma das pri-
meiras ações sagradas na realização do ato de glorificação que terá lugar. Com a remoção das
relíquias e coma colocação delas num relicário posto num lugar especialmente preparado na I-
greja, a comemoração orante em honra do novo glorificação que terá lugar. Com a remoção das
relíquias e com a colocação delas num relicário posto num lugar especialmente preparado na I-
greja, a comemoração orante em honra do novo glorificado favorito de Deus começa. No entan-
to, a presença das relíquias e sua abertura não são absolutamente essenciais para a glorificação.
As relíquias de muitos santos não foram preservadas. Com respeito às relíquias de um considerá-
vel número de santos antigos, algumas delas se constituem de corpos inteiros — ossos com car-
ne; outros — ossos destituído de carne.

Prática Russa.
A remoção dos corpos do solo começou nos primeiros tempos da Igreja. Como é sabido
por documentos do segundo século, os Cristãos reuniam cedo nos túmulos dos mártires nos dias
de seus repousos para celebrar esses dias com solenidade. São Basílio o Grande e São Gregório o
Teólogo mencionam a exumação de relíquias dos santos. Em sua Vida de Santo Antão, Santo
Antonio relata a extraordinária reverencia dos Cristãos do Egito pelos remanescentes dos márti-
res. É bem conhecido que o Imperador Constâncio (reinou de 337-61), filho de São Constantino
o Grande, pôs em relicários as relíquias dos Apóstolos André, Lucas e Timóteo na Igreja dos
Santos Apóstolos, nos anos 356 e 357.
Na questão da glorificação dos santos, a Igreja russa seguiu a crença e prática das Igrejas
do oriente. As regras gerais a respeito forma e continuam sendo as seguintes: base para a enume-
ração de um favorito de Deus que partiu, entre o coro dos anjos era o dom de realizar milagres;
seja durante a sua vida, como na maioria dos casos, ou depois da morte. Na Igreja antiga, como
foi afirmado, serviços exaltados para a Igreja ou o fim por martírio eram em si a tal base. Na I-
greja russa ocasiões similares e de glorificação eclesiástica, a parte de realização de milagres e-
xistiram mas eram exceções.
O que se segue difere de acordo com o grau da extensão territorial da veneração: 1) san-
tos locais num sentido mais estreito, cuja celebração começou no próprio local de seu sepulta-
mento, fosse num mosteiro ou numa Igreja paroquial (dos quais há inúmeros exemplos); 2) san-
tos locais em um sentido mais amplo, isto é, aqueles cuja veneração fosse virtualmente limitada
aos contornos da diocese e finalmente 3) santos gerais ou universais da Igreja, cuja primeira e
segunda categoria pertence ao bispo diocesano, aparentemente com o assentimento do Metropo-
lita ou Patriarca; o direito da glorificação geral pertence à cabeça da Igreja Russa. A execução da
glorificação dos Santos consistia em receber relatos dos milagres e a correspondente verificação
desses testemunhos. A essência na glorificação dos santos está em se iniciar uma celebração a-
nual da memória de um santo, no dia de seu repouso ou no dia da abertura de suas relíquias, ou
ambos. Para a celebração da memória de um santo é requerido um ofício para ele, assim como
uma “vida” escrita. As autoridades eclesiásticas viam se os ofícios e leitura do Prólogo (Sinaxa-
rion) do santo foram compostas “de acordo com o padrão,” isto é, se estavam conformes com
uma forma e eram satisfatórias do ponto de vista estilístico literário.
A veneração de um santo glorificado novo começa com um oficio especial, solene, divino
na Igreja na qual os restos corporais do santo de Deus estavam localizados.
Desde tempos antigos até o presente, a glorificação dos santos tem sido conduzida da
mesma maneira na Igreja Russa; por essa razão não houve período em sua historia que possa ter

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dependido de uma mudança de condição ou do método pelo qual a glorificação foi feita. Inde-
pendente de uma glorificação oficial, e em outros casos antes da glorificação, existiu ainda uma
“veneração” de ascetas virtuosos que partiram. Em muitos casos foi erigida uma capela sobre o
túmulo do que partiu, e dentro dela era colocada uma prancha de túmulo ou um relicário (se o
que partiu era enterrado dentro da Igreja, o relicário era colocado sobre o local do sepultamento;
usualmente isso era um sarcófago vazio que não continha corpo, já que o corpo estava abaixo do
solo). Paniquidas eram cantadas no túmulo e, às vezes até “molebens” para o que partiu. Essa
caprichosa declaração de tal pessoa como um “santo” pelo canto de “molebens” foi proibida pe-
las autoridades eclesiásticas como ilícitas. Existiram casos de na vida da Igreja Russa que ofícios
foram compostos para santos ainda não glorificados por uma decisão sinodal especial; esses ca-
sos passaram para uso privado. Assim no século XVI, Photius um monge do Mosteiro de Volo-
komansk, compôs um ofício para o que partiu José de Volotsk e submeteu-o ao Metropolita Ma-
cário de Moscou (reinou 1543-64). “O grande luminar e professor do mundo todo, Sua Eminên-
cia Metropolitana Macário,” a supra inscrição do ofício afirma, “tendo recebido esse ofício, a-
bençoou o monge Photius para usá-lo em suas orações em sua cela até a celebração de uma ex-
posição sinodal.” Ocasiões similares de bênçãos pelas altas autoridades eclesiásticas de iniciati-
vas pessoais na composição de ofícios para ascetas ainda não glorificados por um decreto sinodal
não eram muitos freqüentes. Em uma das sborniki (antologias) de São Cirilo do Mosteiro de
White Lake é encontrada um artigo “Sobre a Vanglória de Jovens Monges Compõe Novos Ca-
nons e Vidas de Santos.” O autor anônimo desse artigo se opõe a monges que, “buscando glória
terrena e querendo atrair a atenção daqueles em autoridade, compõe novos canons escrevem vi-
das dos que repousaram e que Deus ainda não glorificou!” Em sua conclusão, o autor admoesta
compiladores de canons e vidas dizendo: “Ó infantis, não componham novos canons e vidas para
serem cantados por indivíduos em casa ou em celas monásticas, sem a benção da Igreja.”
Em essência não há distinção entre santos celebrados pela Igreja toda e santos locais.
Santos das duas classes são glorificados por uma resolução de autoridade hierárquica. Os fiéis
viram-se para ambos com seu rogo em oração por assistência. A Igreja chama ambos de “san-
tos.” Na Igreja Russa, como entre as Igrejas Ortodoxas do oriente, santos locais em muitos casos
passam para a categoria de santos na Igreja Universal. Uma das marcas distinguindo santos uni-
versalmente venerados de santos locais é que é verdade que, até a metade do século XVI, não
existiam em feral nome de santos russos nas listagens oficiais, mas depois do século XVI eles
começaram a aparecer. No Book of Epistles (apostol) impresso em Moscou no final do século
XVI, há sete santos russos encontrados: São Sergio de Radonezh, São Pedro Metropolita de
Moscou, Santo Aléxis, Metropolita de Moscou, São Leôncio bispo de Rostov, São Cirilo de Bye-
lozersk, o Grande Príncipe Vladimir, e os Santos Portadores da Paixão Boris e Gleb. Mas come-
çando com o primeiro Liturgicon (Sluzhebinik), impresso em 1602, uma lista dos santos geral-
mente celebrados foi introduzida nas listas mensais no Typiconi e nas listas dos santos em outros
livros litúrgicos. Durante o período sinodal, nas resoluções do santo sínodo relativa a glorifica-
ções eclesiásticas gerais, a seguinte indicação é encontrada me muitas ocasiões “... nos livros im-
pressos na Igreja é requerida permissão para inserir nomes nas listas com o resto.”
Na Igreja Russa, os primeiros a serem enumerados entre o coro dos santos foram os prín-
cipes Boris e Gleb (nomeados de Roman e David nos seus batismos); daí então seguiu São Teo-
dósio do Lavra das Grutas de Kiev; então, talvez São Nicetas, Bispo de Novgorod, e a grande
Princesa Olga. Ao todo, até o século XVIII, haviam cerca de setenta nomes de santos glorifica-
dos russos, dos quais vinte e dois eram celebrados por toda a Igreja Russa. Os concílios de 1547
e 1549, convocados sob a presidência do Metropolita Macário institui a celebração de vários san-

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tos novos, e elevou o grau de outros acrescentando trinta e nove nomes aos vinte e dois que já
estavam recebendo veneração geral, elevando o numero para sessenta e nove. Entre esses dois
Concílios e o estabelecimento do Santo Sínodo, tanto quanto cento e cinqüenta novas glorifica-
ções tiveram lugar na Rússia Moscovita, dos quais as datas exatas de cerca de um terço deles são
conhecidas; dos demais referências indiretas, tais como a construção de Igrejas e altares laterais
dedicados a eles, e alguma menção de passagem na literatura do período, nos proveram com al-
guma evidencia de alguma sanção oficial da veneração deles.
Os nomes dos santos do sudeste da Rússia deveriam ser colocados numa categoria pró-
pria, encabeçados da lavra das Grutas de Kiev. Circunstâncias históricas, particularmente a sub-
jugação dos poderes estrangeiros (Lituânia e Polônia), resultando em muito poucas glorificações
naquela região. Um oficio geral para os santos das Grutas de Kiev foi comissionado pelo Metro-
polita Pedro Moghila (1633-46), a quem foi apresentado em 1643. Antes disso, mas ainda sob
Pedro Moghila, o Pantericon of the Caves foi compilado, assim como um relatos ocorridos do
lavra de em suas grutas durante os quarenta e quatro anos precedentes à compilação do livro.
Da vida de São Job de Pochaev, escrita por seu discípulo e assistente no governo do Mos-
teiro de Pochaev, nós sabemos como a glorificação do venerável, ocorreu cuja memória é especi-
almente reverenciada na diáspora russa. A abertura de suas relíquias foi realizada sete anos de-
pois do repouso do santo, pelo metropolita Dionísio (Balaban) de Kiev (reinou 1657-63). A cau-
sa imediata disso foi uma aparição ocorrida três vezes do venerável Job para o Metropolita en-
quanto ele estava dormindo, informando a ele que estava agradando a Deus que suas relíquias
fossem abertas. Após a terceira aparição, o Metropolita (que aparentemente conheceu São Job e
o Mosteiro de Pochaeu durante seu período de Bispo de Lutsk) “assim entendeu que esse assunto
estava de acordo com a providência de Deus e, não demorando, apressou-se para o Mosteiro de
Pochaeu, levando consigo Kyr Theopano (krekhovestsy), Arquimandrita do Mosteiro de Obru-
chsky, que acontecia de estar com o Metropolita naquela hora. Chegando no Mosteiro, com todo
o seu clero, ele inquiriu seriamente a respeito da vida pura e honorável de São Job em detalhe.
Convencendo-se que isso era um bom trabalho e agradava a Deus, ele sem perda de tempo, ele
ordenou, com o consentimento dos irmãos, que o túmulo do santo fosse aberto. Lá dentro, em
estado de incorruptibilidade, como se tivesse acabado de ser sepultado, eles descobriram as relí-
quias do venerável, que estavam cheias de inconcebível fragrância doce. Na companhia de uma
multidão de pessoas, eles carregaram a relíquia com adequada honra para a grande Igreja da
Trindade Vivificante, e lá, no nartex, posicionaram o relicário no ano do Senhor de 1659, no dia
vinte e nove de agosto. Então uma vasta multidão de pessoas aflitas com diversas dores recebe-
ram cura, pois São Job foi nessa vida adornado com toda virtude, e então, depois da morte, não
cessou de fazer o bem para aqueles que se aproximassem dele com fé” (conforme o Oficio do
Venerável Job e sua Vida, Jordanville, NY).
Depois da unificação das Rússias Moscovita e Kievana, os santos da Rússia deveriam
então serem referidos como “santos de toda a Rússia” — os do norte e do leste da Rússia. Essa
era de fato a pratica, apesar de não antes de 1762, um decreto ter sido publicado pelo Santo Sí-
nodo permitindo a inserção dos nomes dos santos Kievanos nas listas mensais gerais de Moscou,
e permitindo que seus ofícios fossem impressos em Menaion. Esses decreto foi repetido duas ve-
zes depois.
No Período Sinodal, os seguintes santos foram glorificados para veneração de toda a Igre-
ja (eles estão apresentados em ordem cronológica, de acordo com as datas de suas glorificações):
São Demetrio, Metropolita de Rostov; Santo Inocêncio, primeiro Bispo de Irkutsk, São Metrofa-
no, Primeiro Bispo de Voronzh; São Rhikon de Zadonsk, Bispo de Voronezh;, São Teodósio,

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Arcebispo de Chernigv; São Serafim de Sarov; São Joasaf Bispo de Belgorod; São Hermogeno,
Patriarca de Moscou; São Pitirim, Bispo de Tampov; São João, Metropolita de Tobolsk; São Jo-
sé, Bispo de Astrakahm.
Existiram também glorificações locais de santos durante o período sinodal. Mas mesmo
para essa era não existem lista acuradas ou os fatos confiáveis a respeito de circunstancias e datas
da glorificação deles, já que as decisões para glorificações locais foram feitas sem proclamação
formal, nos registros dos decretos dos Santos Sínodos, pois até o aparecimento das publicações
oficiais do Sínodo — The Church Register e o Diocesan Register — esses não eram de todo pu-
blicado.

Necessidade de Alta Autoridade.


Na Igreja Russa, como no Oriente Ortodoxo, quanto maior a área proposta para a venera-
ção, maior a autoridade eclesiástica necessária para confirma-la.
Quando em 1715, o padre e paroquianos da Igreja da Ressurreição em Totma (Província
de Vologda) procuravam o arcebispo de Veliky Ustiug com o pedido de, em vista dos muitos
milagres que tinham ocorrido no túmulo de Maximus, um padre e “louco em Cristo” da cidade,
que havia repousado em 1650, o arcebispo abençoou a construção de uma Igreja dedicada a San-
ta Parasceva sobre o seu túmulo “como era costume para os santos de deus, e também construir
sobre suas relíquias um sarcófago e um santo ícone para cobri-lo.” Em resposta a esse pedido, o
arcebispo decretou “que um monumento fosse construído naquela Igreja e que molebens fossem
cantados para São Máximo de maneira santa, como para os outros favoritos de Deus.” Assim,
pode-se concluir que o arcebispo abençoou a veneração local baseado em sua autoridade pessoal.
Como exemplos de como a execução sinodal de assunto pertinentes aos justos que parti-
ram aconteciam, citaremos vários extratos de atos relacionados à glorificação de santos “de toda
a Rússia.”
Observando a instituição da celebração geral eclesiástica da memória de São José de Vo-
lotsk, o seguinte relatório é encontrado em uma das antologias de Volokolansk: “ Por ordem do
justo-fiel e amante de Cristo o Soberano Autocrata, Tsar e Grande Príncipe Feodor Ivanovich de
Toda a Rússia, e com a benção de seu pai, Sua Santidade Job, primeiro Patriarca de Moscou e
toda Rússia, o tropário, kondakion, estiquérios e canon, e todo o ofício para a Liturgia para nosso
venerável pai e abade José de Volotsk, foram corrigidos pelo abade Joasaf em 1º de Junho, 7099
(isto é, 1591). E o Soberano Autocrata, Tsar e Grande Príncipe Feodor Ivanovich de Toda Rús-
sia, e Sua Santidade Job, Patriarca de Moscou e Toda Rússia e o Concílio todo, em assembléia
geral testemunharam o canto do tropário, kondanion, os estiquerios, o cânon, e o ofícios da Li-
turgia para o venerável José. Baseados na opinião de todo o Concilio, o Tsar e o Patriarca orde-
naram que o oficio fosse cantado e celebrado em todos os lugares no dia 04 de setembro, o dia
dos repouso do nosso venerável Pai José o Taumaturgo, que é o dia da comemoração dos santos
e justos ancestrais de Deus, Joaquim e Ana. O Soberano, Tsar e Grande Príncipe Feodor Ivano-
vich ordenou que menaion impresso e em todos menaia no mesmo dia o kondakion, estiquério,
cânon e todo o oficio para o venerável José fosse impresso, junto com a festa da Natividade da
Santíssima Theotokos e aquela dos Ancestrais de Deus, assim instituindo e confirmando que essa
festa fosse celebrada dessa maneira, Imutável, em todos os lugares, para sempre. Amém.” A ve-
neração de São José foi instituída três vezes — duas localmente e uma generalizada. Suas relí-
quias não foram abertas e permanecem até o dia presente embaixo de uma lápide.
Por um decreto do Patriarca Job (reinou 1586-1605) datado de 1600 e localizado no Mos-
teiuro Korniliev na Província de Vologna, fica-se sabendo como o estabelecimento da veneração

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geral de São Cornélio de Koeml aconteceu. O abade José do Mosteiro de Korniliev relatou ao
Patriarca que uma capela lateral havia sido construída no Mosteiro em honra de São Cornélio,
que ele não havia sido consagrado ainda, e que “por muitos anos eles haviam pedido cura para
São Cornélio e tinha recebido, e os cegos, os coxos e aqueles que estavam aflitos com muitas
dores foram curados.” Com isso, o Abade José submeteu ao Patriarca em Concílio os estiquéros,
canons, e vida de São Cornélio. O Patriarca, bispos, e todos os outros que atendiam o concílio
questionaram o Arcebispo Jonah de Vologda a respeito dos milagres de São Cornélio e recebe-
ram dele a resposta que de fato “no relicário de São Cornélio o Taumaturgo muito s milagres ine-
fáveis tiveram lugar, e é bem sabido que os milagres realizados por ele não são falsos.” Mais tar-
de, eles todos prestaram atenção no estiquério, cânon e vida de São Cornélio e acharam que a
vida escrita estava “de acordo com a imagem e semelhança.” Depois disso, o Patriarca e o concí-
lio relataram o assunto ao Tsar Boris Feodorovich Godunov (reinou 1548-1605), e o soberano,
tendo conferido com o Patriarca e com o concílio, ordenou que “Vésperas fossem celebradas e
Vigília de Toda Noite e a Liturgia de Deus fossem servidas na Igreja católica Apostólica da Pu-
ríssima Mãe de Deus, dedicada à sua Dormição na cidade capital de Moscou, no dia da comemo-
ração do Santo Mártir Patrício, Bispo de Prusa, 19 de maio, e nas catedrais das províncias metro-
politanas, nas sés arcepiscopais e episcopais de toda a Grande Rússia, como era feito para o resto
dos santos; e nos mosteiros de São Cornélio, e na Igreja Catedral de Sofia a Sabedoria de deus
em Vologda, e nos subúrbios, e nas santas Igrejas de deus e nos distritos distantes e nas cidades
circundantes e todo o território submetido ao Arcebispo de Vologda, é ordenado celebrar a me-
mória de Cornélio o Taumaturgo em 19 de maio.”
Vemos nesses extratos que a instituição da glorificação de santos era tratada com grande
atenção e zelo. Mais de uma vez as autoridades eclesiásticas negaram pedidos para glorificação
dos reverenciados que partiram se elas não viam provas incontestáveis e firmes nas quais pudes-
sem basear tal glorificação.
As palavras dos decretos sinodais a respeito de glorificação dos santos mostra-nos clara-
mente o entendimento Ortodoxo dessas ações como uma confissão conciliar universal de parte
da Igreja de uma firme crença ou certeza que Deus glorificou Seu favorito nos céus, e que por
isso nós devemos glorifica-Lo também, com júbilo, na terra. Esse pensamento é expresso nos
atos do período sinodal, e foi notado exata e completamente.
No relato oficial da glorificação do Santo Hierarca Metrofanes de Voronnezh, nós lemos:
“Quando pela investigação que foi conduzida, um verdadeiro ato de Deus, maravilhoso em Seus
Santos, torna-se suficientemente aparente para o Santo Sínodo. Sobre a incorruptibilidade do
corpo do Santo Hierarca Metrofanes e as curas que tiveram lugar por suas relíquias, o Santo Sino
não mais atrasou em solenemente revelar para Igreja esse dom de Deus, isto é, com a benção hie-
rárquica ele permitiu o que até aquele tempo tinha sido um ato de zelo pessoal, o chamado pela
intercessão de Nosso Pai entre os santos Metrofanes em suas orações para Deus, e a colocação de
suas relíquias realizadas de maravilhas e curativas como uma vela, não em baixo de um arbusto,
mas num candelabro, para que todos fossem iluminados. A celebração eclesiástica anual desse
Santo Hierarca foi fixada na data de seu repouso — 23 de novembro.”
O decreto de glorificação de São Thikon de Zadonsk diz: “A memória de Sua Graça Thi-
kon, Bispo de Voronezh... tem sido honrada com reverencia entre o povo Ortodoxo russo que se
dirigiu ao Mosteiro de Zaronsk para o túmulo do Hierarca de grandes distancias em uma grande
multidão, orando pelo repouso da alma desse hierarca e esperando por sua orante intercessão di-
ante de deus. Memória das elevadas virtudes Cristãs com que ele brilhou na sua vida terrestre,
novas da evangélica sabedoria que ficaram em seus escritos, divinamente iluminados, e as mira-

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culosas curas de diversos males realizados no seu túmulo trouxeram muitos fiéis para a venera-
ção do Santo Hierarca. Em tudo isso uma pia esperança que esse Hierarca que tem sido glorifi-
cado por Deus seja enumerado entre o coro dos santos. Mesmo no fim do ultimo século (18º) tal
esperança foi expressa em petições submetidas para Sua Alteza Imperial e para o Santíssimo Sí-
nodo.” Arcebispo Antonio de Voronezh, no próprio dia de seu (Tikhon) repouso, escreveu uma
carta ai Imperador Nicolas a respeito do universal fervoroso desejo de inúmeros peregrinos “que
esse grande luminar da fé e boas obras que agora jaz embaixo de um arbusto, seja colocado dian-
te dos olhos de todos.” O Sínodo, em seu relato ao soberano, anunciou sua decisão, começando
com as seguintes palavras: “Reconhecendo o Bispo Thikon de Voronezh como entre o coro dos
santos que foram glorificados pela graça de Deus pela fragrância da santidade e seu incorrupto
corpo como santas relíquias.”
A resolução a respeito da glorificação de São Serafim de Sarov é expressa de maneira
similar: “Reconhecendo o pio Staretz Serafim que repousou na Hermitage de Sarov, como estan-
do no coro dos santos glorificados pela graça de Deus.”
Como e bem sabido, e ainda lembrado por algumas pessoas, nas últimas décadas antes da
queda da Rússia, a glorificação dos santos da Igreja Russa, tais como São Teodósio de Cherni-
gov, São Serafim de Sarov e outros casos posteriores, foram grandes festividades religiosas na-
cionais, no centro das quais estavam as aberturas das relíquias desses santos de Deus. Geralmen-
te, as glorificações de Santos Russos no século dezoito ao século vinte foram marcadas pela a-
bertura de suas santas relíquias. Isso mostra que esses atos estavam intimamente ligados, apesar
de que, como já foi dito, a abertura das relíquias não era uma condição absolutamente essencial e
nem sempre seguiu-se imediatamente depois do ato de glorificação.

Conclusão.
De tudo que foi dito, podemos tirar muitas conclusões. Essencialmente, de acordo com o
entendimento da Igreja e de acordo com os princípios de glorificação dos santos, esta foi sempre
a mesma na Igreja Ortodoxa. Nessas questões, as Igrejas Ortodoxas Orientais do segundo milê-
nio seguiram a tradição da Igreja do primeiro milênio e do período mais antigo. A Igreja Russa
depois da era de Pedro o Grande permaneceu fiel aos costumes da era pré petrina . A glorificação
dos santos consistia e consiste em uma generalizada afirmação de fé pela Igreja que Deus uniu os
que partiram à assembléia de Seus santos. Essa fé é baseada nos fatos que uma morte por martí-
rio, ou depois de uma vida justa que foi aparente para toda a Igreja, ou pela glorificação do santo
de Deus pelas realizações miraculosas em sua vida ou no Seu túmulo. A glorificação é usualmen-
te uma expressão da voz do povo da Igreja, para quem as mais altas autoridades eclesiástica, de-
pois da devida verificação, da palavra final dada pelo sínodo, estabelecendo, reconhecendo, con-
firmando e dando a sanção da Igreja. A glorificação dos santos está entre as atividades mais im-
portantes da Igreja. Em sua base, em seu aspecto elementar, a glorificação consiste no virar as
orações de “para o morto” para pedidos pela intercessão do santo diante de Deus, e em sua glori-
ficação por ofícios para o menaion geral ou com ofícios especialmente compostos. A glorificação
de um santo e abertura de suas relíquias não constitui um único, inseparável ato, apesar de muitas
vezes serem realizados justos. A Igreja Ortodoxa não mantém que seja essenciais que um perío-
do fixo de tempo passe entre o repouso de um homem justo e sua enumeração entre o coro de
santos, como é aceito na confissão romana, que institui um período de várias décadas (usualmen-
te cinqüenta anos da toda da morte para a “beatificação,” um processo que grosseiramente cor-
responde a veneração local, e oitenta para a canonização).

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Nos milagres realizados através de orações ou nos túmulos dos justos de Deus, a Igreja
Ortodoxa vê a vontade de Deus na glorificação desses lutadores. Quando esses sinais não exis-
tem, a Igreja não vê a vontade de Deus em sua solene glorificação, como uma das resoluções do
Patriarca Adriano de Moscou (reinou 1690-1700) expressa com relação a um certa requisição
para a glorificação: “Se o Senhor Nosso Deus, o Criador de tudo, glorifica qualquer um nessa
vida, e depois de sua morte, declara isso para Seu povo através de muitos milagres, então os mi-
lagres dessa pessoa tornam-se claramente conhecidos, pois muitos santos taumaturgos foram,
encontrados na Santa Igreja, cujas memórias a Igreja sempre canta e mantém as suas relíquias.
Eles não são conhecidos, quando Deus Todo Poderoso não Se agradou em glorificar com sinais e
milagres, ainda que a pessoa tenha vivido como justo, de uma santa maneira, e não são como a-
queles que a Igreja glorifica. O nome de muitos não é lembrado, e o mundo todo não pode conter
os livros com os nomes que poderiam ser escritos.”

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.


Digitação: Maria de Fátima Fernandes.
Rio de Janeiro,Março 2003.
Nota do tradutor: inclusive o português.
Nota do Tradutor: o texto de João Ferreira de Almeida, edição revista e corrigida coincide com o
de King James.
Em grego: xepi que soa heri em português traduz-se por mão.

Folheto Missionário número P


Copyright © 2003 Holy Trinity Orthodox Mission
466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011
Redator: Bispo Alexandre Mileant

(teologia_dogmatica_p.doc, 04-02-2003)

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