O documento descreve uma pesquisa-ação realizada em uma escola pública no Rio de Janeiro com o objetivo de melhorar as práticas pedagógicas dos professores e promover a inclusão escolar de alunos com necessidades especiais. Os dados coletados anteriormente mostraram que as práticas ainda se baseavam no "aluno ideal". Discussões e dinâmicas foram desenvolvidas com os professores usando a pesquisa-ação como metodologia para fornecer conhecimento sobre educação inclusiva.
Descrição original:
Título original
Pesquisa-Ação Estratégia de Formaçao Continuada de Professores Para Favorecer a Inclusao Escolar
O documento descreve uma pesquisa-ação realizada em uma escola pública no Rio de Janeiro com o objetivo de melhorar as práticas pedagógicas dos professores e promover a inclusão escolar de alunos com necessidades especiais. Os dados coletados anteriormente mostraram que as práticas ainda se baseavam no "aluno ideal". Discussões e dinâmicas foram desenvolvidas com os professores usando a pesquisa-ação como metodologia para fornecer conhecimento sobre educação inclusiva.
O documento descreve uma pesquisa-ação realizada em uma escola pública no Rio de Janeiro com o objetivo de melhorar as práticas pedagógicas dos professores e promover a inclusão escolar de alunos com necessidades especiais. Os dados coletados anteriormente mostraram que as práticas ainda se baseavam no "aluno ideal". Discussões e dinâmicas foram desenvolvidas com os professores usando a pesquisa-ação como metodologia para fornecer conhecimento sobre educação inclusiva.
ACTION-RESEARCH: AN STRATEGIC OF CONTINUOUS EDUCATION TO IMPROVE SCHOOL INCLUSION
Mrcia Denise Pletsch - Doutorado em Educao pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora Adjunta do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). E-mail: mrcia_pletsch@yahoo.com.br Endereo: Rua Capito Chaves, 60, Centro - Nova Iguau/RJ, CEP:26221-010
Rosana Glat - Doutorado em Psicologia Social pela Fundao Getulio Vargas do Rio de Janeiro. Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Vice- Coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Educao (PROPEd-UERJ). Pesquisadora do CNPq e FAPERJ, consultora da Federao Nacional das APAEs e do Programa Integrando da Academia Brasileira de Cincias. E-mail: rglat@terra.com.br Endereo: Rua So Franscisco Xavier, 524 Grupo 12.037-F, Rio de Janeiro/RJ CEP: 20550-900
Agncia financiadora: FAPERJ
Resumo: O texto descreve os dados de uma pesquisa-ao realizada em uma escola pblica da Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro. A proposta foi elaborada a partir dos dados encontrados em uma pesquisa etnogrfica prvia, realizada na mesma escola, que objetivou analisar o processo de incluso de alunos com necessidades educacionais especiais. Os dados etnogrficos haviam mostrado que os professores, em sua maioria, continuavam desenvolvendo prticas pedaggicas baseadas na cultura do aluno ideal. Para dar o feedback escola foram desenvolvidas uma srie de discusses e outras dinmicas sobre as prticas pedaggicas usando como metodologia a pesquisa- ao. Desta forma foi possvel proporcionar aos professores conhecimentos sobre as diferentes dimenses da proposta de Educao Inclusiva, a partir da anlise crtica de sua prpria prtica. Palavras-chave: incluso escolar; alunos com necessidades especiais; formao de professores; pesquisa-ao.
Abstract: The text presents data from an action-research implemented in a public school of the City of Rio de Janeiro. The project was elaborated based on data encountered in a previous ethnographic research, in the same school, that had has as it objective to analyze the inclusion process of special needs students. The ethnographic data had shown that the majority of the teachers continued developing pedagogical practices based on the ideal student culture. In order to give the school feedback, it was developed a series of discussions and other dynamics about the pedagogical practices using as methodology the action-research. In this way, it was possible provide the teachers with knowledge about different dimensions of the proposition of Inclusive Education, based on the critical analysis of their own practice.
1 Texto publicado na Revista Espao do INES N33, 2010. 2
Key-words: school inclusion; special needs students; teacher education; action-research
O presente texto apresenta uma proposta de formao continuada de professores com base em uma pesquisa-ao realizada em uma escola pblica da Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro. Esta constituiu a ltima etapa de uma investigao realizada na referida rede sobre o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais, a qual foi organizada em trs estudos distintos, porm interdependentes (Glat & Pletsch, 2009). O primeiro teve como objetivo analisar o panorama geral do processo de atendimento educacional oferecido aos alunos com necessidades especiais, bem como discutir o papel e as aes desenvolvidas pela Educao Especial no mbito da poltica de Educao Inclusiva em vigor nesta rede. O segundo estudo, etnogrfico 2 , focalizou a incluso escolar de alunos com necessidades educacionais especiais em duas escolas pblicas. Atravs de tcnicas como observao participante, entrevistas, e outras, o cotidiano das referidas escolas foi acompanhado durante um ano e meio, considerando as variveis: gesto escolar, acessibilidade, recursos e materiais pedaggicos especficos, flexibilidade curricular, prticas de ensino, e procedimentos de avaliao. Pretendeu-se analisar as condies efetivas sob as quais ocorria o processo de incluso no contexto dessas escolas, bem como identificar aspectos-chaves que pudessem fundamentar a elaborao de estratgias de interveno a serem desenvolvidas de forma colaborativa junto com a equipe escolar (professores e gestores) na fase final do projeto (Estudo III), objeto do presente texto (Glat & Pletsch, 2009). O estudo etnogrfico proporcionou uma compreenso mais refinada da realidade local (escola) em relao ao contexto social, poltica e econmico mais abrangente, apontando caminhos para as possveis intervenes (Pletsch, Fontes & Glat, 2007). O desenvolvimento da pesquisa-ao a partir das informaes coletadas no Estudo II no s permitiu dar um feedback aos membros da comunidade pesquisada -- obrigao tica de todo pesquisador -- mas tambm, possibilitou discusses sobre suas prticas pedaggicas, as quais, de modo geral, de acordo com os dados obtidos, ainda se pautavam na cultura do aluno ideal. consenso de diferentes pesquisadores, que a incluso de alunos com necessidades educacionais especiais na prtica cotidiana das escolas enfrenta inmeras barreiras tais como: nmero excessivo de alunos nas salas de aula, procedimentos inadequados de avaliao, falta de contedos e atividades adaptadas para atender os alunos com necessidades especiais, precria acessibilidade fsica da maioria das escolas. Some-se a isso a descontinuidade de programas (mesmo quando bem sucedidos) em funo de mudanas nas polticas governamentais (Bueno, 2001, 2008; Glat, Ferreira, Oliveira & Senna, 2003; Pletsch, 2005, 2009; Glat, 2008; Glat & Pletsch, 2009, entre outros). Todavia, a maior barreira apontada a falta e/ou inadequao da formao de professores Como lembram Jesus, Almeida e Sobrinho (2005), para que uma escola seja, de fato, inclusiva preciso:
(...) pensar com o outro; precisamos de um processo longo e constante de reflexo-ao-crtica com os profissionais que fazem o ato
2 A etnografia permite descrever as relaes e processos configuradores da experincia cotidiana dos agentes envolvidos no processo de pesquisa, por meio da observao participante e da relao estabelecida entre pesquisador e pesquisado. uma metodologia flexvel que comporta e combina diferentes tcnicas para a coleta de dados (Pletsch & Glat, 2007). 3 educativo acontecer. Se quisermos mudanas significativas nas prticas convencionais de ensino, precisamos pensar a formao continuada dos educadores (apud Jesus, 2008, p. 143).
De fato, a maioria dos professores do ensino regular no recebeu formao para desenvolver prticas que possibilitem aos alunos com necessidades educacionais especiais includos em turmas comuns participarem nas atividades cotidianas e desenvolverem conhecimentos sociais e acadmicos necessrios para viver de forma independente e autnoma. A formao (inicial e continuada) dos professores, portanto, uma das medidas mais urgentes para possibilitar a implementao das polticas de incluso escolar (Bueno, 1999, 2005, 2008; Rodrigues, 2006; Fontes, 2007; Pletsch & Glat, 2007, 2008; Glat, 2008; Senna, 2008; Pletsch, 2009). Para atender a esta demanda em nvel de formao inicial 3 , a legislao tem sugerido a incluso de disciplinas e contedos sobre as especificidades de alunos com necessidades educacionais especiais nos currculos dos cursos de Pedagogia e demais licenciaturas 4 . J em termos de formao continuada, apesar dos investimentos feitos pelas secretarias de Educao e outros rgos, de modo geral as mudanas das prticas escolares requeridas para a incluso de alunos com necessidades educacionais especiais no tem ocorrido. Como uma alternativa de formao continuada de professores, diferentes autores tm sugerido o uso da pesquisa-ao (Jesus, 2007, 2008; Almeida, 2008; Naujorks, 2008; Glat, 2008; Pletsch, 2009, entre outros).
A pesquisa-ao como possibilidade para formao continuada de professores
A pesquisa-ao um mtodo de investigao cientfica, concebido e realizado em estreita associao com uma ao voltada para a resoluo de um problema coletivo (Richardson, 2004). Tem como caracterstica principal a participao ativa dos indivduos pertencentes ao campo onde o projeto est sendo desenvolvido. Pressupe uma ampla interao entre sujeito e pesquisador, diferenciando-se, assim, de mtodos convencionais que (mesmo tendo um enfoque qualitativo) resultam em uma postura do investigador distanciada em relao realidade pesquisada. No cumprindo, assim, com sua responsabilidade social diante da comunidade que lhe serviu como espao de estudo. Outra caracterstica bsica da pesquisa-ao a sua flexibilidade, que possibilita condies para um dilogo permanente, agregando contribuies trazidas por cada um dos sujeitos, permitindo a elaborao coletiva de solues para os possveis problemas enfrentados. Tambm muito importante que essa metodologia permite dar dar voz aos participantes junto equipe de pesquisa. Nas palavras de Ferreira (2003):
O pesquisador parceiro da comunidade que estuda e aprendiz que busca se engajar na realidade estudada, a fim de compreender a
3 Uma anlise detalhada sobre a as diferentes iniciativas e a realidade da formao inicial dos professores para atuar com alunos com necessidades educacionais especiais pode ser encontrada em Pletsch (2009). 4 Dentre as diretrizes oficiais destaca-se o Decreto n 3298 (Brasil, 1999), bem como a Portaria n o 1793 (Brasil, 1994), que recomenda a incluso da disciplina Aspectos tico-poltico-educacionais da Normalizao e Integrao da Pessoa Portadora de Necessidades Especiais, prioritariamente, em todos os cursos de licenciatura. A incluso de conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades especiais no currculo dos cursos de formao docente foi reforada pela Resoluo n 1 de 2002, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formao de Professores da Educao Bsica (Brasil, 2002). 4 percepo que a prpria comunidade escolar tem acerca de sua realidade (...). O pesquisador em ao no o detentor do conhecimento e, portanto, no tem as respostas, o veio de julgamento (comum aos pesquisadores quando invadem o campo) e o poder das decises sobre o objeto de estudo. Somente atravs da parceria com os membros da comunidade em investigao e da ao investigativa conjunta que pesquisador e parceiros buscaro construir uma teoria aplicvel quela realidade particular (FERREIRA, 2003, p. 15, grifo no original).
Ao adotar essa proposta, o pesquisador deve estar aberto para conhecer e participar da dinmica cotidiana da escola os problemas, as necessidades e as prioridades e no trazer pressupostos tericos prontos, sem levar em considerao a cultura local. Ou seja, o pesquisador procura elaborar colaborativamente com a comunidade escolar solues que superem obstculos ao desenvolvimento educacional (Senna, 2003). Em sntese, pode-se dizer que a pesquisa-ao: a) no conduz somente a avanos tericos, mas tambm a conseqncias prticas para os participantes do estudo; b) participativa e colaborativa, contribuindo para uma postura mais democrtica do pesquisador e dos participantes; c) democrtica, na medida em que possibilita aos participantes se envolverem com a pesquisa, influenciando-a e relacionando-a com as aes das suas vivncias dirias; d) interpretativa, uma vez que todas as perspectivas e opinies dos participantes tm legitimidade, em vez de serem as opinies do pesquisador as nicas consideradas; e) finalmente, crtica, pois envolve todos os participantes numa posio reflexiva diante das aes a serem tomadas, ou analisadas, para possveis mudanas que possam vir a desenvolver (Braun, 2004). Tais pressupostos justificam a utilizao do mtodo de pesquisa-ao como base para programas de formao continuada em escolas, pois o pesquisador, ao se tornar parte integrante daquele contexto, pode estimular e mediar a reflexo coletiva sobre a construo de solues para os desafios vivenciados cotidianamente no universo escolar.
Implementando a pesquisa-ao
Durante a devoluo dos dados do estudo etnogrfico, j mencionado, foi apresentada para as duas escolas uma proposta de um programa de formao continuada para os docentes no formato de uma pesquisa-ao, a qual foi posteriormente implementada em uma delas. Este programa tinha como objetivos estimular a reflexo coletiva sobre as prticas pedaggicas das professoras do ensino regular que tinham em suas classes alunos com necessidades educacionais especiais, e construir estratgias pedaggicas que pudessem facilitar o processo de ensino-aprendizagem. Um dos aspectos que mais chamou ateno no estudo etnogrfico foi que as prticas observadas mostraram ser pautadas no binmio normalidade/deficincia (Glat, Fernandes & Pletsch, 2008). Isto , apesar do discurso afinado com os princpios da Educao Inclusiva, as professoras participantes, de maneira geral, continuavam organizando a seleo de atividades/contedos curriculares baseados na cultura da incapacidade. Os alunos eram categorizados como menos capazes ou os que sabem nada os alunos considerados especiais entravam nessa categoria em detrimento dos outros mais capazes os que sabem algo. Esta classificao implicava no desenvolvimento de diferentes expectativas quanto s possibilidades de aprendizagem dos diferentes grupos de alunos, e consequentemente na apresentao das atividades e 5 prticas pedaggicas (Pletsch, Glat & Moreira, 2008). Com base nesses e em outros dados referentes s prticas pedaggicas observadas, foi estruturada a pesquisa-ao. Participaram do projeto 30 professoras, a Coordenadora Pedaggica, a Diretora e a Diretora Adjunta da escola. Em parceria com os sujeitos foram propostas atividades envolvendo trs dimenses: polticas, prticas pedaggicas e cultura escolar (Booth & Ainscow, 2002; Pletsch, 2005; Glat, Fontes & Pletsch, 2006). A dimenso poltico-institucional diz respeito maneira pela qual o conjunto de leis, diretrizes e normas que delimitam os contornos gerais da proposta de incluso educacional aplicado da escola, e de que forma condiciona ou no a prtica docente. A dimenso das prticas pedaggicas engloba as estratgias e aes desenvolvidas pelos professores no processo de ensino-aprendizagem com alunos com necessidades especiais includos em classes comuns. Aqui a reflexo focaliza a forma pela qual os professores orquestram o processo coletivo de ensino-aprendizagem, no bojo da proposta inclusiva. Por ltimo, a terceira dimenso se refere cultura escolar, isto , ao conjunto de crenas, valores e normas que orientam as prticas dos diversos agentes escolares professores, coordenadores pedaggicos, diretores e demais profissionais envolvidos no processo ensino-aprendizagem em relao incluso educacional de alunos com necessidades especiais (Pletsch, 2005; Glat, Fontes & Pletsch, 2006; Pletsch, 2009a). O programa de formao continuada foi organizado de acordo com a inter- relao das trs dimenses acima apresentadas, tendo sido implementado durante todo um semestre letivo (fevereiro a agosto de 2008). O quadro a seguir sintetiza as atividades desenvolvidas durante o trabalho de pesquisa-ao.
Quadro n 1 Sntese das atividades realizadas durante a pesquisa-ao DIMENSO ENCONTRO DESCRIO SUCINTA DAS ATIVIDADES*
1 Apresentao dos dados obtidos nas primeira e da segunda fases da pesquisa, e organizao das atividades de pesquisa-ao.
POLTICA 2 Discusso sobre os princpios filosficos e legais (em nvel internacional, nacional, estadual e municipal) da poltica de Educao Inclusiva, diferentes conotaes presentes no termo necessidades educacionais especiais e o papel da Educao Especial no contexto da Educao Inclusiva.
CULTURA 3 Discusso sobre as concepes e representaes sobre a proposta de Educao Inclusiva, deficincia e desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem de crianas com necessidades educacionais especiais.
PRTICAS 4 Discusso sobre as especificidades do processo ensino- aprendizagem de crianas com necessidades educacionais especiais. 5 Discusso do conceito de adaptaes curriculares e as diferentes possibilidades para o trabalho pedaggico com alunos com necessidades educacionais especiais includos em classe comum do ensino regular. Fechamento das atividades e avaliao do trabalho junto aos participantes da pesquisa-ao, especialmente os professores. 6 Entrega do relatrio final da pesquisa-ao para a escola participante.
6 As atividades propostas eram desenvolvidas de acordo com o esquema descrito a seguir. A mediadora (pesquisadora) apresentava para o grupo, atravs de transparncias, vinhetas etnogrficas descries feitas no dirio de campo sobre as observaes do cotidiano escolar realizadas durante o estudo etnogrfico e a partir da leitura das mesmas trazia questes-problema para serem discutidas pelos participantes. O Quadro 2 exemplifica uma vinheta etnogrfica.
Quadro n 2 Vinheta etnogrfica A professora iniciou a tarde fazendo a chamada, mas no da forma tradicional chamando os nomes dos alunos um a um, e sim fazendo um acrstico composio potica na qual o conjunto das letras iniciais (e por vezes as mediais e ou finais) dos versos compe verticalmente uma palavra ou frase no quadro, tendo como tema o meio ambiente (que segundo ela tinha sido estudado no dia anterior). Fonte: Registro de dirio de campo em 12.06.2006.
Todas as atividades e interaes ocorridas entre os participantes e a pesquisadora ao longo a pesquisa-ao foram descritas em um dirio de campo. Este consiste em um recurso imprescindvel para relembrar acontecimentos e a seqncia dos fatos (Pletsch, 2008). Para Tura (2003, p. 189) a (re) leitura do dirio das observaes de campo, um mergulho profundo na vida de um grupo com o intuito de desvendar as redes de significados, produzidos e comunicados nas relaes interpessoais. H segredos do grupo, frmulas, padres de conduta, silncios e cdigos que podem ser desvelados. Durante a pesquisa foi tambm disponibilizado aos participantes uma caixinha de avaliao 5 , na qual poderiam colocar suas observaes, sugestes e interrogaes sem precisar se manifestar no grupo. Esta estratgia foi adotada, uma vez que ao longo dos trs anos de campo percebeu-se que a maioria das professoras no se sentiam vontade para falar na presena de colegas ou da equipe gestora da escola. Ao final das atividades de pesquisa-ao foi realizada uma avaliao semi-estruturada com cada um dos participantes. A triangulao entre os diferentes registros possibilitou dar validade aos dados qualitativos (Sarmento, 2003) que sero apresentados a seguir. Os encontros ocorreram na escola, em uma sala disponibilizada para tal. A dinmica se dava sempre seguindo os mesmos procedimentos. Inicialmente era colocado o tema do dia e, em seguida, as vinhetas etnogrficas por meio de material organizado em power point com auxlio de retroprojetor. A seguir se as discusses com o grupo sobre as descries apresentadas. O primeiro encontro foi destinado para a discusso sobre os princpios filosficos que substanciam as polticas de incluso escolar. Como os dados etnogrficos haviam mostrado a maioria das professoras no tinha clareza a respeito dos mesmos, considerando, por exemplo, que a incluso social do aluno no contexto de sala de aula comum j era o suficiente. Consequentemente, muitas vezes a aprendizagem dos contedos acadmicos no era priorizada. Este tipo de situao tambm foi verificada em outras pesquisas (Mafezini, 2002; Fontes, 2007; Pletsch, 2009a). Aps as falas e questionamentos feitos pelas professoras o tema era colocado em discusso no grande grupo a partir dos textos usados nas atividades. Nesse caso, usou- se como referncia o texto de Glat, Fernandes & Pletsch (2008), no qual as autoras defendem que incluir significa no s matricular o aluno em sala de aula, mas proporcionar a ele atividades que possibilitem o seu desenvolvimento social e acadmico. Por fim, aps muita discusso, em sua maioria focada nas
5 Caixa de papelo lacrada em forma de urna. 7 (im)possibilidades dos alunos as professoras concordaram que o processo de ensino- aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais est relacionado com as interaes oferecidas a eles no ambiente de sala de aula. Contudo, novas questes foram apresentadas pelas professoras, como, por exemplo: como fazer e proceder para alcanar tal meta na realidade escolar em que vivemos?. Para refletir sobre tal questionamento foram apresentados dados de pesquisas de diferentes redes educacionais do pas, os quais mostraram as condies das escolas brasileiras, mas tambm as possibilidades de criar projetos polticos levando em considerao a incluso dos alunos com necessidades educacionais especiais (Glat, Ferreira, Oliveira & Senna, 2003). Para ilustrar as possibilidades foi usado o prprio Projeto Poltico Pedaggico da escola, alm de vinhetas etnogrficas de prticas bem sucedidas verificadas ao longo da investigao. Outro aspecto observado ao longo das atividades e que foi amplamente discutido foi a concepo de currculo adotado na escola. Os dados obtidos no Estudo II mostraram que a maioria dos professores entende o currculo basicamente como uma lista de contedos. Por isso, trabalhou-se juntamente com o tema adaptaes curriculares, levando em considerao os conceitos e propostas de currculo adotado na Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro (Municpio do Rio de Janeiro, 1996). Nessa direo foram tambm apresentadas as recomendaes Conselho Municipal de Educao do Rio de Janeiro s escolas para a elaborao de sua proposta curricular:
O currculo no deve trabalhar s com o conhecimento acadmico propriamente dito, mas tambm com a cultura, a identidade e a subjetividade. O currculo deve ser desenhado tendo como objetivo geral a reduo de barreiras atitudinais e conceituais, e pautar-se em uma resignificao do processo de aprendizagem e na sua relao com o desenvolvimento humano. Para atender diversidade, garantindo a incluso e participao efetiva de todos os alunos, inclusive aqueles que apresentem necessidades educacionais especiais, em todas as atividades escolares, o currculo deve ser, antes de tudo, flexvel. Um currculo flexvel aquele que passvel de adaptaes tanto de objetivos quanto de metodologias de ensino, mantendo, porm, a base comum. Estas adaptaes pedaggicas, acima citadas, realizam-se no mbito do currculo escolar geral, podendo ser parte integrante do projeto poltico pedaggico; do currculo de cada classe, incluindo a programao das atividades e contedos a serem desenvolvidos; e tambm a nvel individual, elaboradas para atender s necessidades especficas de cada aluno. O currculo no pode ser estruturado de tal forma que no permita novas experincias que o oxigenaro, nem ser to fluido a ponto de deixar as prticas educativas acontecerem de maneira desarticulada (Municpio do Rio de Janeiro, 2004, p. 2-3).
Ao longo dos encontros foram surgindo novos temas de debate como, por exemplo, a diferena entre dificuldades, distrbios e transtornos de aprendizagem, entre tantos outros. As participantes mostraram grande ansiedade se aprofundar sobre esses temas, pois sabendo diferenciar poderiam ajudar mais os alunos(Fala de uma professora, 20.08.2008). Com base nessa premissa, props-se uma discusso sobre as dimenses presentes no conceito de necessidades educacionais especiais, enfatizando seu carter interativo e relativo os quais foram apresentados por Gonals (2002) e Glat & Blanco (2007). 8 Ao final das atividades foram entregues s participantes questionrios semi- estruturados com o propsito de avaliar os encontros e as atividades realizadas. Tambm foi verificado por meio desse questionrio o entendimento e as possveis mudanas encontradas nas representaes e concepes dos professores em relao s prticas pedaggicas realizadas com os alunos com necessidades educacionais especiais includos em suas turmas. Foram entregues trinta e trs questionrios, dos quais vinte foram devolvidos (aproximadamente 70%). Desses, 88% apontaram que as atividades foram importantes e satisfatrias, 8% no responderam e 4% assinalaram que as atividades no atingiram totalmente as expectativas, alegando o pouco tempo disponvel para realizar as atividades. Foi importante constatar que 100% dos participantes que entregaram os questionrios reconheceram a clareza e a importncia da discusso dos temas abordados para seu trabalho no cotidiano escolar. As palavras de algumas professoras so ilustrativas:
Os encontros possibilitaram reflexo sobre o cotidiano da escola, sobre os problemas da educao, a valorizao e conscientizao dos professores, principalmente aqueles que no trabalham com Educao Especial, sobre os alunos especiais possibilitou um outro olhar para este aluno. Digo valorizao deste aluno e conscientizao dos profissionais para um olhar diferente, um olhar que acredita nesses alunos.
Os encontros ajudaram a refletir sobre a minha prtica pedaggica.
Os encontros foram uma oportunidade de dilogo e reflexo da ao pedaggica.
Os encontros ajudaram na busca de referncias sobre as quais podemos fazer adaptaes ao nosso alunado.
A organizao terica dos encontros e a sua articulao com a ao prtica cotidiana conquistaram os profissionais participantes.
Consideraes finais
Conforme discutido, a falta de habilidades especficas dos professores do ensino regular para lidar com alunos com necessidades educacionais especiais uma das principais barreiras para a implementao da poltica de Educao Inclusiva. Entretanto, a dificuldade no est apenas nessa modalidade de ensino. Tambm precria a formao dos professores de Educao Especial, os quais, na sua maioria, no esto preparados para o trabalho pedaggico com os alunos da classe comum, nem tampouco para atuar de forma colaborativa com o professor do ensino regular (Bueno, 1999; Fontes, 2007). Para superar essa situao, a formao de professores para a incluso escolar deveria englobar: primeiro, conhecimentos tericos slidos ou uma formao adequada no que se refere aos diferentes processos e procedimentos pedaggicos que envolvem tanto o saber como o saber fazer pedaggico; segundo, formao especfica sobre caractersticas, necessidades e procedimentos didtico-pedaggicos para as diferentes reas de necessidades educacionais especiais (Bueno, 2008; Pletsch, 2009a). Sob esta perspectiva, parece-nos que a etnografia como base para a realizao de atividades de 9 formao continuada por meio da pesquisa-ao parece ser uma alternativa bastante vivel, pois leva em considerao a realidade e as prticas de cada instituio escolar. Entretanto, para que ocorram mudanas no processo de incluso de alunos com necessidades educacionais especiais, revises na proposta de formao inicial e continuada de professores so medidas necessrias, porm insuficiente. Tambm preciso combater os problemas educacionais mais amplos, como o fracasso escolar e a deteriorao da qualidade do ensino pblico. Sem isso, incluir alunos com necessidades especiais no atual contexto de precarizao pode significar to-somente a manuteno da excluso sob novas bases.
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