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RESUMO
O Ministério da Educação e do Desporto, através da Secretaria de Ensino Fundamental,
inspirado no modelo educacional espanhol, mobilizou um grupo de pesquisadores e professores no sentido de
elaborarem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Os PCNs têm como função primordial subsidiar a
elaboração ou a versão curricular dos estados e municípios. Neste estudo procurou-se analisar a proposta de
Educação Física para os 3o. e 4o. ciclos (5a. a 8a. séries do ensino fundamental) contida nos Parâmetros
Curriculares, área Educação Física, procurando desvelar os seus aspectos inovadores, bem como apresentar e
discutir as críticas formuladas aos documentos, desde os seus pressupostos teóricos, processo de elaboração e
realização dos PCNs. A metodologia consistiu em uma pesquisa qualitativa, através de análise bibliográfica.
Os PCNs - área Educação Física para o 3o. e 4o. ciclos, apresentam alguns avanços e possibilidades
importantes para o componente curricular, embora muitas destas idéias já estivessem presentes no trabalho de
alguns pesquisadores. Contudo, o texto publicado pelos PCNs auxiliou na organização destes conhecimentos,
articulando-os nas suas várias dimensões. Como principais contribuições podem ser considerados os seguintes
aspectos: o princípio da inclusão, as dimensões dos conteúdos e os temas transversais. Consideramos que os
PCNs constituem um avanço no sistema educacional brasileiro, ressaltando que uma proposta isolada não
pode pretender dar conta de todos os problemas educacionais, dada a complexidade nacional.
UNITERMOS: Educação física escolar; Proposta pedagógica.
INTRODUÇÃO
*
Universidade Estadual Paulista – Rio Claro – SP.
**
Universidade Federal de São Carlos – SP.
***
Universidade Castelo Branco - SP
****
Universidade Estadual Paulista – Bauru – SP.
*****
Rede Particular de Ensino – SP.
******
Rede Particular de Ensino – Jundiaí - SP.
documento específico para a área da Educação que sejam capazes de: a) participar de atividades
Física (Brasil, 1998a). Em 1999, foram publicados corporais adotando atitudes de respeito mútuo,
os PCNs do Ensino Médio por uma equipe dignidade e solidariedade; b) conhecer, valorizar,
diferente daquela que compôs a do Ensino respeitar e desfrutar da pluralidade de
Fundamental, e a supervisão ficou sob a manifestações da cultura corporal; c) reconhecer-se
responsabilidade da Secretaria de Ensino Médio, como elemento integrante do ambiente, adotando
do Ministério da Educação e do Desporto (Brasil, hábitos saudáveis relacionando-os com os efeitos
1999). sobre a própria saúde e de melhoria da saúde
De acordo com o grupo que coletiva; d) conhecer a diversidade de padrões de
organizou os Parâmetros Curriculares Nacionais, saúde, beleza e desempenho que existem nos
estes documentos têm como função primordial diferentes grupos sociais, compreendendo sua
subsidiar a elaboração ou a versão curricular dos inserção dentro da cultura em que são produzidos,
estados e municípios, dialogando com as propostas analisando criticamente os padrões divulgados pela
e experiências já existentes, incentivando a mídia; e) reivindicar, organizar e interferir no
discussão pedagógica interna às escolas e a espaço de forma autônoma, bem como reivindicar
elaboração de projetos educativos, assim como locais adequados para promover atividades
servir de material de reflexão para a prática de corporais de lazer (Brasil, 1998a).
professores. Quanto à conceituação de cidadania,
Os PCNs são compostos pelos Aristóteles considerava-a como a possibilidade
seguintes documentos: documento introdutório, concreta do exercício da atividade política, ou seja,
temas transversais (Saúde, Meio Ambiente, Ética, poder governar e ser governado. Esse enfoque é
Pluralidade Cultural, Orientação Sexual, e enriquecido por Arendt (citada por Palma Filho,
Trabalho e Consumo) e documentos que abordam 1998, p.108), ao conceber a cidadania como o
o tratamento a ser oferecido em cada um dos “...direito a ter direitos, identificando-o como
diferentes componentes curriculares. primeiro direito humano fundamental, do qual
As propostas elencadas, sobretudo todos os demais derivam-se”. Esse conceito parece
nos PCNs - área Educação Física para os 3o. e 4o. ter grande abrangência, não se restringindo a
ciclos - apresentam alguns avanços e possibilidades território ou nacionalidade. Além disso, representa
importantes para a disciplina; embora muitas destas uma qualidade social do ser humano, que deve ser
idéias já estivessem presentes no trabalho de conquistada durante sua vida (Palma Filho, 1998).
alguns autores brasileiros (Betti, 1991, 1994, 1995; A Educação Física, influenciando,
Darido, 1999; Soares, Taffarel, Varjal, Castellani mas sendo principalmente influenciada pelo
Filho, Escobar & Bracht, 1992, só para citar contexto escolar (Betti, 1991; Crum, 1993), sofre
alguns), em discussões acadêmicas, bem como no da mesma limitação que acompanha o processo de
trabalho de alguns professores da rede escolar de educação formal, quando pretende contribuir para a
ensino. Contudo, o texto publicado pelos PCNs plenitude da cidadania. Isto implica na necessidade
auxiliou na organização desses conhecimentos, de outras instituições sociais contribuírem com a
articulando-os nas suas várias dimensões. Educação Básica, mas sem vinculá-la somente a
Este estudo procurou analisar a interesses particulares, como o “mercado de
proposta de Educação Física para os 3o. e 4o. trabalho”.
ciclos (5a. a 8a. séries do ensino fundamental) A partir dessas considerações, alguns
contida nos Parâmetros Curriculares, área pressupostos podem ser inferidos na tangência
Educação Física, buscando desvelar os seus estabelecida entre a cidadania e a Educação (Palma
aspectos inovadores, bem como apresentar e Filho, 1998). Inicialmente, tem-se que a Educação
discutir as críticas formuladas aos documentos, nunca é neutra, podendo direcionar-se ou até
desde os seus pressupostos teóricos, processo de mesmo gerar conformismo e subserviência ou
elaboração e realização dos PCNs. posicionamento crítico e reflexivo. Essa
característica deve-se a aspectos subjetivos
(ideologias) e objetivos (diretrizes curriculares),
A PROPOSTA PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA relacionados às tendências pedagógicas (Libâneo,
1985; Luckesi, 1994) que também são atuantes na
Eleger a cidadania como eixo Educação Física Escolar (Darido, 1999; Resende,
norteador significa entender que a Educação Física 1994).
na escola é responsável pela formação de alunos
menos habilidosos, dos “gordinhos”, dos jogando queimada por pontos – quando o segundo
portadores de necessidades especiais, dos que usam jogador da equipe for queimado, o primeiro retorna
óculos, das meninas em determinados esportes, ao campo. O mesmo pode ser feito com a batata
entre outros, são exemplos que mostram a extensão quente.
da complexidade do problema.
Exclusão dos menos habilidosos e portadores de
A história da Educação Física no
necessidades especiais – é difícil reconhecer se
Brasil sugere que, mesmo dentro do contexto
um aluno é menos habilidoso porque não se expõe
escolar, sempre houve a seleção dos mais aptos em
ou se não se expõe por ser menos habilidoso. O
detrimento dos inaptos, propiciando a exclusão de
fato é que algumas crianças não gostam de
muitos alunos do contexto da cultura corporal de
participar de certas atividades, principalmente as
movimento. Assim, entendemos que a intenção dos
que envolvem a competição, por serem alvo de
PCNs, ao propor o princípio da inclusão, foi a de
severas críticas pelos demais companheiros. Os
vislumbrar uma Educação Física na escola com
procedimentos dos professores estão ancorados,
capacidade para superar a exclusão, o que
freqüentemente, na super valorização da perfeição
infelizmente ainda não ocorre na maioria das aulas
do gesto técnico e pelo fato destes, em sua maioria,
de Educação Física nos diferentes segmentos
optarem exclusivamente pela prática esportiva nas
escolares.
aulas de Educação Física escolar (Betti, 1995).
Mesmo quando alertados para tal
fato, muitos professores, em virtude do Sugerimos algumas alternativas que,
enraizamento (tradição) de determinadas atividades embora não eliminem os problemas, podem ao
excludentes possuem dificuldades em refletir e menos amenizá-los. Uma delas é a escolha de
modificar tais atividades. outros conteúdos, que não os esportivos
Quando o professor pode tradicionais: futebol, basquetebol, voleibol e
efetivamente ter uma prática inclusiva? Quando handebol, mas também: grandes jogos, capoeira,
apoia, estimula, incentiva, valoriza, promove o atletismo, ginástica artística, dança, atividades
estudante, etc. Valorizar todos os alunos expressivas, ginástica rítmica desportiva, tênis e
independentemente da etnia, sexo, língua falada, judô que poderiam compor o universo de
classe social, religião, opinião política ou social, conteúdos a serem explorados. Alguns trabalhos
deve ser a primeira estratégia do professor. Além neste sentido já foram experimentados na escola e
desta atitude, o professor deve favorecer discussões não requerem, como muitos chegam a pensar,
entre os alunos sobre o significado do preconceito, grandes investimentos materiais.
da discriminação e da exclusão. O processo ensino- A divisão em mais de duas equipes
aprendizagem deve ser baseado na compreensão, jogando na mesma quadra também proporciona
esclarecimentos e entendimento das diferenças. As maior oportunidade para muitos alunos de
estratégias escolhidas devem não apenas favorecer participarem. Muitos jogos podem ser jogados por
a inclusão, como também discuti-la e torná-la clara mais de duas equipes, no entanto, tradicionalmente
para os alunos. jogam duas equipes por vez.
Em relação às atividades práticas, as Mesmo a criança portadora de
que devem ser modificadas são as que possuem um necessidades especiais pode realizar parte destas
caráter de exclusão temporária ou total, dos menos aulas, bastando para isto que as outras crianças
habilidosos, do portador de necessidades especiais, sejam incentivadas a auxiliá-las. De acordo com a
de gênero e outras. Revista Nova Escola (Inclusão, 1999), as crianças
Citamos alguns exemplos que podem portadoras de necessidades especiais tendem a
ocorrer nas aulas de Educação Física: obter as seguintes vantagens quando convivem
com outras crianças: a) aprendem a gostar da
Exclusão total ou temporária – jogo de queimada diversidade; b) adquirem experiência direta com a
(ou queimado) – onde quem é queimado vai para o variedade das capacidades humanas; c)
“cemitério” e, no caso de ser um aluno que não demonstram crescente responsabilidade e melhor
consegue pegar muito na bola, acaba deixando de aprendizagem através do trabalho em grupo, com
jogar até o final do jogo. Outro exemplo é a “batata outros deficientes ou não; d) ficam melhor
quente” – quem fica com a batata ao final da preparadas para a vida adulta em uma sociedade
música é excluído. Em ambos os casos o mais diversificada; e) entendem que são diferentes, mas
indicado é encontrar uma saída que favoreça o não inferiores.
retorno dos alunos ao campo de jogo, por exemplo,
contextualização das informações como também causas e efeitos de sua dimensão histórica e
aprendam a se relacionar com os colegas, política. A reflexão ética traz à luz a discussão
reconhecendo quais valores estão por trás de tais sobre a liberdade de escolha. A ética interroga
práticas. sobre a legitimidade de práticas e valores
Apesar dos PCNs lançarem essa rica consagrados pela tradição e pelo costume,
proposta - ainda bastante recente, com o abrangendo a crítica das relações entre os grupos,
documento inicial publicado em 1997 - grande dos grupos nas instituições e ante elas, como
parte dos docentes que atuam nas escolas não também a dimensão das ações pessoais. Trata-se,
tiveram, em suas formações universitárias, tais portanto, de discutir o sentido ético da convivência
dimensões dos conteúdos. Nos cursos como humana nas suas relações com várias dimensões da
História, Matemática, Geografia, por exemplo, vida social: o ambiente, a cultura, o trabalho, o
destacam-se os enfoques conceituais. Já nos cursos consumo, a sexualidade e a saúde.
de Artes e Educação Física o enfoque centraliza-se Na Educação Física, por exemplo,
nos aspectos procedimentais. Além dessa Soares et alii (1992, p.63) já havia mencionado a
dificuldade, há a questão da tradição que necessidade e importância de tratar os grandes
acompanha cada uma das áreas, o que dificulta a problemas sociais nas aulas de Educação Física,
incorporação de outras maneiras para se trabalhar tais como: ecologia, papéis sexuais, saúde pública,
com os conteúdos. relações sociais do trabalho, preconceitos sociais,
raciais, da deficiência, da velhice, distribuição de
Temas transversais solo urbano, distribuição da renda, dívida externa;
e outros, relacionados ao jogo, esporte, ginástica e
Em 1995 foi iniciada a elaboração dança.
oficial do documento. Suas referências/escritores De acordo com os autores a
foram, em grande parte, os professores da Escola ...reflexão sobre estes problemas é
da Vila, do estado de São Paulo, e os parâmetros necessária se existe a pretensão de
curriculares da proposta espanhola, tendo como possibilitar ao aluno da escola pública
destaque o professor César Coll (professor da entender a realidade social,
Universidade de Barcelona) na consultoria do interpretando-a e explicando-a a partir
documento brasileiro. dos seus interesses de classe social
Com essas influências o discurso dos
Nos documentos dos PCNs esta
PCNs gira em torno da cidadania, entendendo a
necessidade é apresentada para todas disciplinas
escola como um dos espaços possíveis de
escolares, e os temas elegidos de acordo com a
contribuição para a formação do cidadão crítico,
proposta pedagógica de cada escola. A disciplina
autônomo, reflexivo, sensível e participativo. E, na
de Educação Física, por sua vez, deve participar,
perspectiva de consolidar tal objetivo, o documento
estando integrada à proposta pedagógica da escola,
apresenta como temática central os temas sociais
assim como preconiza a nova Lei de Diretrizes e
emergentes, indicando-os como questões geradoras
Bases da Educação (Brasil, 1996).
da realidade social e que, portanto, necessitam ser
Embora tenham realizado severas
problematizados, criticados, refletidos e,
críticas ao documento preliminar dos PCNs da área
possivelmente, encaminhados.
de Educação Física para os 1o. e 2o. ciclos (1a. a
Tais temas são chamados de Temas
4a. série do ensino fundamental), publicadas pelo
Transversais, pois podem/devem ser trabalhados
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE,
por todos os componentes curriculares, logo, sua
1997), Souza, Vago & Mendes (1997) avaliam
interpretação pode se dar entendendo-os como as
positivamente a articulação do ensino da Educação
ruas principais do currículo escolar que necessitam
Física com os temas do paradigma da vida cidadã,
ser atravessadas/cruzadas por todas as disciplinas.
que são explicitados nas Diretrizes Curriculares
Os temas desenvolvidos apresentam as seguintes
Nacionais: saúde, sexualidade, vida familiar e
problemáticas: Ética; Meio Ambiente; Trabalho e
social, meio ambiente, trabalho, ciência e
Consumo; Orientação Sexual; Pluralidade Cultural
tecnologia, cultura e diferentes linguagens. Os
e Saúde, ou outros temas que se mostrem
autores afirmam que “ampliar a problematização
relevantes.
sobre o tratamento pedagógico que o ensino da
Esta concepção apresenta uma
Educação Física pode oferecer-lhes parece-nos
reflexão ética como eixo norteador, por envolver
fundamental” (p.53).
posicionamentos e concepções a respeito das
para o entendimento da relevância da Educação entra no mercado para ser consumido” (p.91). E,
Física como parte integrante da escola, para como possibilidade, o autor ressalta que “uma
trabalhar com atitudes, com formação de valores, visão revolucionária do corpo precisa começar pela
com o ensino e aprendizagem de habilidades e tarefa de sua desmistificação, mas uma
procedimentos, no sentido da construção de desmistificação que não caia no seu oposto, a
comportamentos “ambientalmente corretos”. ponto de esquecê-lo. O corpo esquecido também é
As intervenções nas aulas de um corpo doente” (p.92).
Educação Física, bem como nos eventos temáticos Assim, cumpre à Educação Física na
orientados para as questões relacionadas ao meio escola, oferecer elementos que auxiliem os alunos
ambiente, se mostram como um caminho possível a refletir como os signos são impregnados no
para a condução do trabalho. Coloca-se aqui a corpo, no que diz respeito ao tema trabalho e
necessidade de se expandir o conceito de espaço consumo. Como sugestão e exemplos, estamos
durante as aulas; espaço este que passa a ser propondo as seguintes temáticas para as aulas de
enxergado sob as dimensões dos elementos Educação Física escolar:
naturais constitutivos e sociais. a) quais mudanças ocorreram nas últimas
A identificação das características do décadas referentes às vestimentas (roupas,
espaço físico onde ocorrem as aulas (quadra, pátio, tênis...) destinadas à prática do esporte e da
sala, campo, ginásio...) no que se refere às atividade física? Quais são, realmente,
condições do piso, da qualidade do ar, do necessárias para as aulas regulares de
tratamento sonoro, da incidência/ausência de luz e Educação Física e quais são para o esporte de
calor, entre outros fatores, seguido da busca de rendimento? Quais as diferenças (por exemplo,
alternativas, que se realizam através de pesquisas e tênis com amortecimento, roupas justas, maiôs
a implementação de mudanças, na busca de que facilitam o deslizamento na natação...)? O
melhores condições, são fatores que podem trazer que é necessário? E o que é meramente
uma reflexão ampliada acerca da temática comercial? Qual a durabilidade, preço e
abordada. Outro ponto que merece destaque neste qualidade dos produtos esportivos? Quem os
tema é a necessidade de se vivenciar situações produz? E de que forma?
práticas em ambientes diferenciados (parque, b) além das roupas e calçados também seria
praça, praia, clube...) a fim de se estabelecer interessante incluir discussões a respeito do
comparações com a realidade vivida no dia-a-dia. consumo de aparelhos para ginástica, seus
reais benefícios ou não, ou mesmo o que
Trabalho e consumo esperar e procurar nas academias de ginástica.
c) na temática relativa ao trabalho, a
O tema transversal trabalho e empregabilidade dos jogadores de futebol
consumo pretende problematizar com os alunos a profissional pode ser uma fonte interessante de
quantidade e diversidade de “trabalho” presente em debates. Existe no imaginário dos alunos uma
cada produto ou serviço e suas relações, que são crença de que todos os jogadores são bem
muitas e bastante complexas. A globalização, o sucedidos. Discussões, palestras com ex-
trabalho escravo, infantil, a maximização do lucro jogadores a respeito da realidade do trabalho
a qualquer custo, o incremento da tecnologia, a do atleta podem contribuir para a ampliação
diminuição dos postos de trabalho, o desemprego, dessa visão, mostrando, inclusive, como atletas
as estratégias de vendas agressivas, a manipulação altamente remunerados convivem com outros,
de desejos criando-se necessidades e novos padrões muito mal pagos, sem segurança e sem
de consumo, o consumo de marcas, de qualidade, respeito às legislações trabalhistas, ou com o
durabilidade, adequação ao uso, preço e os direitos desemprego.
do consumidor são alguns dos temas que devem ser
discutidos dentro da escola, por todos os
Orientação sexual
componentes curriculares.
Especificamente quanto à Educação
Esse tema engloba os conceitos de
Física, Medina (1991) denuncia as inter-relações
sexualidade ligada naturalmente à vida e à saúde;
entre a sociedade, a Educação Física e o corpo
às questões de gênero dando ênfase ao papel social
consumo, quando afirma que “... o corpo virou
de homens e mulheres e os estereótipos e
fetiche e, no modelo de sociedade em que vivemos,
preconceitos da relação entre ambos; além das
o fetiche sempre vira mercadoria e é por aí que ele
uma atitude de comodismo, de acordo com Moreira matérias curriculares uma finalidade em si mesmas
(1996), que opta pela primeira alternativa. e as reintegra à luz dos temas transversais. É
Certamente, não se pretende que nas necessário compreender que tais temas não devem
aulas de Educação Física os professores tenham substituir as matérias, mas sim se atrelar a elas
atitudes passivas, como “dar a bola e sentar -se”, (Souza, 1998).
como poderia acontecer em uma situação de
rebeldia contra um sistema entendido como Quanto ao enfoque psicologizante
coercitivo. Entretanto, não se entende nesse texto
que o governo brasileiro vigente seja, pelo menos, “Enfoque psicologizante”,
tão coercitivo como o das ditaduras militares. Por apresentando viés por redução e por omissão de
outro lado, entende-se que a formação continuada é outros elementos relevantes, parece ser a
uma carência que pode resultar nesse tipo de denominação mais usual e aceita para as críticas à
comodismo, pois os professores devem ser fundamentação psicológica dos documentos. Nesse
qualificados para trabalhar com quaisquer âmbito, algumas críticas se fazem superficialmente
propostas que pretendam um objetivo não à própria escolha do consultor dos PCNs, o
fragmentado. Esta carência é o mote do projeto espanhol César Coll (Coll, Pozo, Sarabia & Walls,
“PCNs em Ação”, cujo objetivo é subsidiar o 1998), referindo-se a uma “transferência
trabalho com os componentes curriculares em cada educacional” (Moreira, 1990 citado por Moreira,
localidade brasileira, respeitando as idiossincrasias 1996). Outras, mais criteriosas, dizem respeito a
locais e globais. um tipo de reducionismo comum à quase totalidade
das investigações científicas e praticamente
A possibilidade de o documento servir preceitos inegável na área psicológica.
econômicos Trata-se da redução de problemas
complexos a apenas uma de suas variáveis. Aliás,
Parece concreta a possibilidade de o como é o caso do construtivismo pedagógico, que
documento constituir-se em um instrumento a considera a Educação enquanto eminente relação
serviço de preceitos econômicos na educação ensino e aprendizagem, desconsiderando os demais
(conceito neoliberal e tecnocrático de “qualid ade elementos existentes no processo, e.g., a política
total”). É o ponto de vista de que os princípios educacional vigente. Outras teorias psicológicas
neoliberais que pretensamente subsidiaram a parecem trilhar o mesmo caminho, como a da
proposta dos PCNs não constituem nem a melhor modificabilidade cognitiva proposta por Reuven
nem a única perspectiva de construção de uma Feuerstein, mas minimizando o problema das
Educação com qualidade no Brasil (Moreira, demandas de outros elementos relevantes, como a
1996). Sem pretender exaurí-la, convém relacionar situação econômica, social e política do educando
algumas características da proposta política (Ben-Hur, 2000). De qualquer modo, os PCNs não
neoliberal brasileira, como: ajuste fiscal; redução optam por uma tendência pedagógica
do “tamanho do Estado”, com mínima intervenção explicitamente e, portanto, não assumem tais
na sociedade; fim das restrições ao capital externo limitações, contribuindo para a elaboração de tais
(eliminação de empecilhos à entrada do capital críticas. O documento da área específica de
especulativo ou vindo do exterior); abertura do Educação Física cita uma preocupação com a
sistema financeiro (fim das restrições para que as formação de cidadãos críticos, atendo-se ao
instituições financeiras internacionais possam atuar tratamento de problemas sociais integrados aos
em igualdade de condições com as do país); conteúdos escolares. Tal prerrogativa é
desregulamentação econômica (redução das regras corroborada pelos documentos que abordam os
governamentais para o funcionamento da temas emergentes da sociedade global e brasileira.
economia); reestruturação do sistema
previdenciário (Sanches Neto & Oyama, 1999). A atribuição supervalorizada de solucionar os
Tais medidas, de cunho problemas educacionais
predominantemente econômico, relacionam-se
intimamente aos interesses do capital financeiro Atribuir ao documento
globalizado, inclusive no meio educacional. Por possibilidades de solução dos impasses
vezes, podem mascarar-se em asserções educacionais do país parece uma característica
utilitaristas, como a temática transversal que aceitável, pois todas as propostas educacionais
acompanha os PCNs, que pretensamente retira das devem voltar-se à solução de problemas
ABSTRACT
The Ministry of Education and Sport, by means of the Secretary of Elementary School, inspired
on the Spanish educational model, mobilized a group of researchers and professors in order to elaborate the
National Curriculum Parameters (PCNs). The PCNs have as main function to support the States and Counties’
curricula elaboration or version. The authors of this study aimed to analyze the Physical Education
Proposition for Third and Fourth Cycles (fifth to eighth grade within the Elementary School), which is in the
Physical Education area PCNs, trying to elucidate its innovating aspects, and to present and discuss early
critiques to the documents – such as theoretical assumptions, elaboration and realization process. The
methodology consisted on qualitative research – through bibliographical analysis. Although Third and Fourth
Cycles’ Physical Education area PCNs feature some important advances and possibilities to the curricular
subject, many of the presented ideas were already in some researchers’ work. The text published as PCNs
assisted this knowledge organizing, articulating it on its various dimensions. As main advances one could list
the following items: inclusion principle, contents dimensions, and transversal themes. We consider PCNs as
an advance in Brazilian educational system, remarking that one single proposition cannot solve all educational
problems, due to the complexity of this country.
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