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Resumo
O presente artigo tem como tema a garantia de direitos de crianças e adolescentes, com
ênfase na educação pública de qualidade social. Nas últimas décadas, as políticas
públicas têm intensificado a preocupação com o direito ao acesso e à permanência na
educação básica. No entanto, a educação, entendida como direito por meio do qual
outros direitos podem ser conquistados e/ou garantidos, ainda não se efetivou. Mesmo
recebendo estudantes de realidades diversas, a instituição escolar continua organizada
da mesma forma que foi concebida, investindo nas mesmas práticas pedagógicas
utilizadas como se os alunos formassem um grupo homogêneo. A seguinte questão
orienta essa reflexão: Qual a relação entre a garantia do direito à educação de qualidade
social e as práticas pedagógicas em desenvolvimento nas escolas públicas de educação
básica? Para tanto, tem-se como objetivo analisar as percepções de professores e alunos
de 14 escolas públicas em relação à expectativa de direitos, problemas que a escola
apresenta e qualidade em educação. Tal análise se fundamenta nos estudos de Possolli e
Eyng (2007); Bourdieu e Passeron (1992); Silva (2009); Sander (2007) e em
documentos legais, como o ECA (1990), a LDB 9394/06 e a Resolução 4/2010. A
análise dos dados permite inferir que a qualidade social só será efetivada quando as
práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula estiverem fundamentadas na
valorização e respeito à diversidade e a dimensão cultural, critério da relevância,
prevalecer sobre os demais critérios, sobretudo o econômico.
1. Introdução
A mudança de uma escola hegemônica, elitista, para uma escola cujo acesso é
para todos é explicitada nas políticas nacionais a partir de 1992 – com a publicação do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – e em 1996 – com a aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96), ambas alicerçadas na Constituição
Federal (1988). Tais políticas podem ser consideradas como “políticas estruturais”, pois
“baseiam-se na ideia de proporcionar uma capacidade permanente de geração de renda”
(POSSOLLI; EYNG, 2007, p. 3).
Essas decisões políticas chegaram ao cotidiano das escolas ainda fundamentadas
nas metanarrativas da cosmovisão moderna. Tais pressupostos, expressos nos discursos
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e nas práticas escolares, não consideram e/ou dialogam com as diferentes culturas agora
incluídas na escola.
Assim, o choque entre a lógica escolar e os múltiplos traços dos sujeitos do
público que a instituição passa a receber é evidenciado pelas dificuldades encontradas
na efetivação de práticas didático-pedagógicas consolidadas e tradicionalmente
consideradas eficazes para o processo ensino-aprendizagem. Tais aspectos, somados aos
problemas historicamente enfrentados na educação brasileira, resultaram na ampliação
da crise da escola, sobretudo da escola pública.
Considerando a democratização do acesso à educação como um direito já
garantido no âmbito das políticas públicas – embora não efetivado totalmente na prática
– e a permanência como uma meta a ser alcançada, mas em um processo já em curso,
pode-se inferir que o próximo passo seja garantir o direito à qualidade da/na educação.
Mas não qualquer qualidade. O que se almeja é a qualidade social da educação, por se
entender que essa concepção abrange os diferentes aspectos determinantes da qualidade
da educação pública na sociedade contemporânea.
A qualidade social da educação tem relação e sofre influência de fatores internos
e externos à instituição escolar. Maria Abadia Silva (2009, p. 224) agrupa tais fatores
em quatro categorias:
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política e dimensão cultural”. Em cada uma dessas dimensões são definidos os aspectos
teleológicos a cujas intencionalidades educativas fundamentais “corresponde um critério
de desempenho [...], respectivamente: eficiência, eficácia, efetividade e relevância”
(SANDER, 2007, p. 92).
A qualidade social requer o atendimento desse conjunto de critérios, mas,
concordando com Sander (2007, p. 107), o critério norteador da concepção, ao qual os
demais critérios são subordinados, é o critério da relevância cultural, pois “à luz desse
critério substantivo define-se a contribuição relativa dos demais critérios de
desempenho administrativo das instituições e sistemas educacionais”.
Segundo Silva (2009, p. 223), “a qualidade social na educação não se restringe a
fórmulas matemáticas, tampouco a resultados estabelecidos a priori e a medidas
lineares descontextualizadas”. Ao garantir a qualidade social da educação, garante-se a
possibilidade do exercício de outros direitos, relacionados ao que se costuma chamar de
cidadania. Assim, alcançar a qualidade social da educação depende de um conjunto de
políticas públicas que, em última análise, emergem da intencionalidade do Estado e
ultrapassam o âmbito das políticas educacionais.
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Essa escola não se tornou mais justa porque reduziu a diferença quanto aos
resultados favoráveis entre as categorias sociais e sim porque permitiu que
todos os alunos entrassem na mesma competição. Do ponto de vista formal,
atualmente todos os alunos podem visar à excelência, na medida em que
todos podem, em princípio, entrar nas áreas de maior prestígio, desde que
autorizados por seus resultados escolares. A escola é gratuita, os exames são
objetivos e todos podem tentar a sorte.
Assim, a escola, mesmo democratizada no que diz respeito ao acesso, exclui por
meio do currículo e de sua própria lógica e estrutura, que se pautam nos pressupostos da
modernidade.
Em uma tentativa de superação da tendência liberal, discursos e práticas dos
profissionais da educação voltam-se para as teorias críticas da educação, categoria que
Libâneo (1991, p. 21) chama de Pedagogia Progressista. Segundo ele, a pedagogia
progressista é “a tendência que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais,
sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação” (1991, p. 32).
Nessa pedagogia, a relação professor e aluno é horizontal, sendo o diálogo a
fonte empreendedora na/para a produção do conhecimento. Não há imposição, por parte
do professor, de suas ideias e concepções, negando as formas de repressão e
possibilitando a vivência grupal. O ensino caracteriza-se, na abordagem crítica, como
uma ação libertadora e democrática, que tem o diálogo como base. O aluno participa da
ação educativa por meio de discussões coletivas, visando à produção do conhecimento.
No entanto, as teorias críticas da educação dão ênfase às questões de classe
(ideologia e poder) em seus pressupostos, dando a impressão de que somente as
condições socioeconômicas sejam determinantes para/na trajetória dos estudantes. Além
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disso, embora supere grande parte das deficiências da tendência conservadora, segundo
Tomaz Tadeu da Silva (2007, p. 115), a teorização crítica da educação e do currículo
segue, de modo geral, “[...] os princípios da grande narrativa da modernidade. A
teorização crítica é ainda dependente do universalismo, do essencialismo e do
fundacionalismo do pensamento moderno”.
Nesse contexto, discute-se a abordagem pós-crítica em educação, perspectiva
que busca superar os pressupostos da modernidade, e que está em construção. Algumas
discussões que circundam essa abordagem ganham espaço na formação dos professores,
no entanto, o maior avanço da concepção, no Brasil, está expresso nas Diretrizes
Curriculares Gerais para a Educação Básica (2010, p. 4), em seu artigo 11, segundo o
qual: “A escola de Educação Básica é o espaço em que se ressignifica e se recria a
cultura herdada, reconstruindo-se as identidades culturais, em que se aprende a valorizar
as raízes próprias das diferentes regiões do País”.
A cultura chamada de universal ou culta perdeu seu status de superior, a
diversidade de culturas está se tornando tema central da teoria social contemporânea.
Silva (2007, p. 17) destaca que as teorias pós-críticas enfatizam os seguintes conceitos:
“identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação, discurso, saber-poder,
representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo”.
A abordagem pós-crítica valoriza a diversidade cultural, promove o diálogo
intercultural e se consubstancia nele, considera o conhecimento mutável, em processo,
em construção. Nesse sentido, não trabalha a partir de uma perspectiva hegemônica, de
um conhecimento ou de uma verdade única, ou mais válida. Dessa forma, tem o
potencial de contribuir com a garantia do direito à educação de qualidade social, bem
como de contribuir para que a educação seja o direito por meio do qual os demais
direitos sejam conhecidos, conquistados e garantidos.
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são o maior problema da escola, sendo que 26,7% dos professores indicam o mesmo. Já
o problema mais citado pelos professores foi em relação à infraestrutura (48,3%),
enquanto 21,5% dos alunos fizeram essa indicação. Pais e familiares foram indicados
como principal problema da escola por 10% dos professores e por 2,6% dos alunos. Os
professores foram citados como o principal problema da escola para 7,5% dos alunos e
para 5% dos professores. A equipe técnico-administrativa é percebida como principal
problema por 3,2% dos alunos e por 1,7% dos professores. A equipe pedagógica foi
indicada como principal problema da escola por 2,1% dos alunos e por 1,7% dos
professores. Um grande percentual de não respostas por parte dos alunos (25%) pode
indicar que esses consideram que a escola não tem problemas, ou que não se sentiram
confortáveis em apontar em qual(is) setor(es) percebem problemas. Entre os
professores, 5% não responderam à questão.
A indicação dos alunos de que eles próprios são o principal problema da escola
pode estar relacionado a não garantia do direito ao respeito, que por sua vez pode estar
relacionado à lógica escolar excludente. Já a indicação dos professores de que a
infraestrutura é o principal problema da escola indica a necessidade de maior
efetividade política no atendimento às demandas da escola pública.
Aos professores foi questionado, por meio de questão aberta, sobre o que
entendem por qualidade em educação. As respostas foram categorizadas tendo como
referência os critérios de desempenho indicados por Sander (2007).
A maior incidência, 51,7%, foi de posicionamentos relacionados ao critério da
eficácia, que correspondem à dimensão pedagógica. Assim, qualidade da educação: “É
quando todos os alunos aprendem” (p. 5); “Dar oportunidade aos alunos e acesso aos
conteúdos necessários para aquela faixa etária” (p. 38).
Os posicionamentos relacionando qualidade da educação ao critério da
eficiência, 19%, que correspondem à dimensão econômica, são ilustrados com respostas
que mais se aproximam a essa dimensão: “Quando há recurso, estrutura física e acesso a
materiais diversificados” (p. 4); “Governo repassar mais recursos” (p. 44).
Poucas respostas relacionam qualidade em educação ao critério da efetividade
(6,9%), que correspondem à dimensão política. Nesse entendimento, ilustram, ainda que
de forma embrionária, essa categoria: “Envolvimento do professor, escola, poder
público” (p. 11); “Está difícil, porque os professores não têm autonomia” (p. 12).
As respostas que foram relacionadas ao critério da relevância, 5,2%, que
correspondem à dimensão cultural, foram as de menor incidência e bem superficiais: “É
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uma educação onde no final todos se preparam para a vida” (p. 24); “[...] Educar para a
vida” (p. 30).
A dificuldade em conceituar qualidade em educação ficou evidente no conjunto
de respostas dos professores. Foram categorizados como outros posicionamentos 15,5%
das respostas por não conceituarem ou citarem nenhuma característica de qualidade,
como, por exemplo: “Não é quantidade, é qualidade de ensino”(p. 6).
5. Considerações finais
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Referências
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