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Debate:
escola
Retratos da escola
BOLETIM12
12
BOLETIM
JUNHO/JULHO
JUNHO/JULHO2005
2005
SUMÁRIO
PROPOSTA PEDAGÓGICA
RETRATOS DA ESCOLA .......................................................................................................................................... 03
Márcia Ângela Aguiar
PGM 1
A ESCOLA BÁSICA NO BRASIL: AO VIVO E A CORES .................................................................................... 10
PGM 2
DIVERSIDADE CULTURAL: RIQUEZA E DESAFIO DA ESCOLA .................................................................. 22
PGM 3
A GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA ............................................................................................................ 27
PGM 4
A CONSTRUÇÃO COLETIVA DOS PROJETOS PEDAGÓGICOS .................................................................... 31
PGM 5
ESCOLA CIDADÃ: DEMANDAS E PERSPECTIVAS ........................................................................................... 40
Retratos da escola
APRESENTAÇÃO
A série Retratos da escola , que será apresentada de 27 de junho a 1 de julho no programa Salto
para o Futuro/TV Escola, é composta por cinco programas que abordam a gestão da escola como
trabalho pedagógico coletivo na perspectiva da qualidade social e da democratização da educação e
da sociedade.
De fato, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), no que concerne à
educação básica, explicita, entre outros aspectos, as formas de organização e gestão, os padrões de
financiamento, a estrutura curricular, bem como a indicação de processos de participação e gestão
democrática nas escolas. A LDB estabelece o princípio da gestão democrática, nos seguintes
termos:
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na
educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
A série tem por objetivo contribuir para a reflexão e o debate sobre a gestão da escola como
compromisso coletivo construído por todos os que fazem o seu cotidiano – estudantes, professores,
equipe gestora, funcionários não-docentes, comunidade local. O compromisso de todos, no sentido
de construir uma escola de qualidade referenciada pelo social, constitui, sem dúvida, uma condição
indispensável à formação do estudante e ao exercício da cidadania. Nesse sentido, nos programas
desta série, são apresentadas as múltiplas faces da escola – o que está sendo denominado de
Retratos da escola .
No programa 1, vamos desenhar um dos retratos da escola brasileira consultando o Censo Escolar e
o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). O Censo Escolar coleta, anualmente,
dados sobre matrícula, docentes e infra-estrutura dos diversos níveis e modalidades de ensino da
educação básica. O Ministério da Educação utiliza esses dados para traçar diversas políticas
(Fundef, merenda escolar, livro didático, etc.) e para cálculo de indicadores como taxa de evasão,
repetência e promoção. Você sabia que, atualmente, mais de 215 mil escolas públicas e privadas da
educação básica do País participam desse levantamento?
O SAEB é realizado, desde 1990, a cada dois anos, por amostragem, na 4ª. e na 8ª. série do Ensino
Fundamental e na 3ª. série do Ensino Médio, verificando o desempenho dos alunos em Matemática
e Língua Portuguesa. Inclui um questionário socioeconômico que permite relacionar o desempenho
dos estudantes e diversos fatores, como renda, escolaridade dos pais e leitura de livros. Os
resultados permitem comparação entre os estados e com relação a outros anos. É meta do Ministério
ampliar o SAEB para todas as escolas da educação básica.
Apoiados nos dados do Censo e do SAEB e em outros levantamentos do MEC, vamos atualizar o
que sabemos a respeito das 215 mil escolas da educação básica no País, e refletir sobre o que está
sendo feito e o que poderá ser efetivado para assegurar o acesso e a permanência do estudante na
escola básica. O censo escolar referente ao ano de 2003 mostra que, no Brasil, somente 7% das
crianças do 0 a 3 anos freqüentam a escola e as matrículas em creche constituem 10%. De acordo
No caso do Ensino Fundamental, ainda temos 739.413 pessoas da faixa etária que não estavam
freqüentando a escola no final de 2003. Para a média nacional de 97,2%, temos 95,8% e 96% como
taxas do Norte e Nordeste (Alagoas – 93%). As taxas das regiões Sudeste e Sul são 98,1% e 98,0 %,
respectivamente.
Quando vamos examinar a situação do sistema escolar, utilizamos dois grupos de indicadores
básicos que nos informam a respeito do maior ou menor sucesso do sistema em garantir o
aproveitamento dos estudantes. A permanência e aprovação dos alunos durante um ano letivo são
acompanhadas mediante os indicadores de rendimento, expressos nas taxas de abandono,
reprovação e aprovação. A verificação do avanço dos estudantes para o ano subseqüente
(indicadores de transição ou fluxo) pode ser visualizada mediante as taxas de repetência, evasão e
promoção. De acordo com o INEP, no período de 2000 a 2002, observa-se tendência à estabilidade
nesses indicadores. No ano de 2002, as taxas de abandono e reprovação atingiram 20,4%, e, as taxas
de repetência e evasão, 25,9%. Isto significa que o fluxo ainda é ineficiente!
Em relação à distorção idade-série, ou seja, a distorção na idade de conclusão e a média dos anos de
escolaridade, observa-se uma tendência de melhora. Houve uma redução (18%) do número de
alunos maiores de 14 anos retidos no Ensino Fundamental, mas a diferença entre as regiões é
notável. Em 2003, a Região Nordeste detinha 3,3 milhões dos 6,8 milhões de alunos nesta
condição!
Em relação às condições de ensino, ainda temos muito que fazer. Analisando o perfil das redes
escolares em relação ao número e tamanho dos estabelecimentos, verificamos que houve uma
redução do número de escolas muito pequenas, isoladas, constituídas de um único docente, por
vezes regente de classe multisseriada, e ainda responsável pelo desempenho de todas as outras
funções. O número de escolas nessas condições foi reduzido em 12.429, passando de 181.504 em
2000 para 169.075 em 2003. Chama a atenção o fato de que não há sinais de que tenha havido
Contudo, são os resultados de aprendizagem que constituem o maior dos desafios da política
educacional no país. São sofríveis os resultados de aprendizagem apresentados pelos estudantes
brasileiros em avaliações nacionais e internacionais, a exemplo do SAEB e do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos – PISA. Os dados mostram que, na área rural, o desempenho
dos estudantes da 4ª. série do Ensino Fundamental em Leitura, no SAEB, é de 29,2 pontos a menos
que o das crianças que estudam na área urbana. E que, em todas as regiões, o desempenho na área
rural é inferior, mas a diferença é maior na Região Nordeste, de 23,21. A menor diferença de
desempenho acontece na Região Sudeste: 15,7 pontos. De acordo com o SAEB, na 4ª. série do
Ensino Fundamental é esperado que o estudante alcance 200 pontos em Leitura, patamar
considerado minimamente satisfatório Em relação à Matemática, a diferença de desempenho no
SAEB entre estudantes das áreas urbana e rural da 4ª. série do Ensino Fundamental é menor na
Região Norte, de 12,3 pontos. No Brasil, a diferença de pontuação chega a 27,8 pontos. Na Região
Nordeste, os estudantes da área rural têm o desempenho mais baixo no País. Em Matemática, o
esperado é que o estudante da 4ª. série atinja, no SAEB, 200 pontos.
Essa situação vai repercutir na imagem que o Brasil apresenta no plano internacional. O relatório
dos resultados do PISA-2003, exame que avalia respostas dos alunos de 15 anos em Leitura,
Matemática e Ciências, coloca o Brasil, ao lado da Tunísia, Indonésia e México, entre os quatro
piores resultados de um grupo de 41 países. Diante disso, surgem algumas questões: O que está
sendo feito em cada escola para favorecer a aprendizagem dos estudantes? Mudanças na gestão da
escola podem contribuir para a melhoria do desempenho escolar? Como ampliar a participação
da comunidade local na escola?
A reflexão e o debate propiciados nesse primeiro programa vão favorecer o desenho de mais um dos
retratos da escola . Assim, no programa 2 ocupará o centro da cena o rico colorido da escola, que se
expressa em sua diversidade cultural. É plenamente reconhecido que, por diversas razões, se
consolidou, no País, nas últimas décadas, a idéia da escola pública como espaço de socialização e
de formação para a cidadania, que deve ser assegurada a todos. Nesse sentido, o acesso e a
permanência têm se constituído um objetivo do poder público, mediante o desenvolvimento de
programas e projetos. Atualmente, o Governo Federal tem investido na escola procurando
No terceiro programa desta série, um dos retratos da escola é desenhado pela gestão democrática.
Discute-se, nesse programa, a contribuição da escola pública para a democratização da sociedade,
ao ser um lugar privilegiado para o exercício da democracia representativa. Por outro lado, a forma
de escolha dos dirigentes, a organização dos Conselhos Escolares e dos diversos segmentos da
comunidade escolar, visando à participação, constituem um importante exercício da democracia
participativa. Entende-se que a construção de uma escola pública, democrática, plural e com
qualidade social requer a consolidação e o inter-relacionamento dos diferentes órgãos colegiados.
Perguntamos, então: qual o papel do Conselho Escolar na democratização da escola? De que modo
o Conselho Escolar pode contribuir para a construção do Projeto Político-Pedagógico da escola?
Como os Conselhos Escolares podem funcionar? Em que medida os Conselhos Escolares podem
favorecer a melhoria do desempenho escolar?
No programa 4, continua o debate sobre a democratização da gestão da escola. Só que, dessa feita,
focaliza a autonomia escolar (do ponto de vista pedagógico, administrativo e financeiro), a escolha
de diretores e a participação da comunidade local. Participação e gestão democrática são processos
fundamentais para que a autonomia escolar resulte da construção coletiva e democrática de projetos
que correspondam aos anseios da comunidade escolar. A construção desses projetos implica a
garantia de processos participativos de escolha dos dirigentes escolares e de outros mecanismos de
participação como os Conselhos Escolares. Daí, a importância da vivência de dinâmicas coletivas
de participação nas esferas de poder e de decisão para a efetivação de uma participação cidadã.
Diante disso, algumas perguntas emergem: Como incentivar práticas colegiadas que fortaleçam a
direção da escola e o Conselho Escolar? Como ampliar os espaços de decisão compartilhada?
Temas que serão debatidos na série Retratos da escola , que será apresentada no programa Salto
para o Futuro/TV Escola, de 27 de junho a 1 de julho de 2005:
Com base nos dados do Censo Escolar e no SAEB, busca-se traçar um dos retratos da educação
básica no país, mediante a análise de alguns indicadores. Procura-se evidenciar a escola como
espaço de formação cidadã.
O programa focaliza a escola pública como espaço de socialização e de formação para a cidadania,
que deve ser assegurada a todos. Discute as medidas e os mecanismos que asseguram o acesso e a
permanência em uma escola de qualidade social.
Fonte dos dados: Avaliação Técnica do Plano Nacional de Educação – Comissão de Educação e
Cultura/Câmara dos Deputados – Brasília – 2004.
Nota
O conceito de educação básica é um conceito avançado, pelo qual o olhar sobre a educação
ganhou uma nova significação e estrutura.
A Educação Infantil 2 , primeira etapa da educação básica, se subdivide em creche (de zero a três
anos) e pré-escola (de quatro a cinco ou de quatro a seis anos). Já o Ensino Fundamental, atribuição
de municípios e estados, que é gratuito em escolas públicas, obrigatório para todos (na faixa de sete
a quatorze anos), pode iniciar-se aos seis anos 3 . O Ensino Médio, etapa conclusiva da educação
básica, competência dos estados, é gratuito nos estabelecimentos estatais e vai dos quinze aos
dezessete anos sendo progressivamente obrigatório. Segundo o Plano Nacional de Educação, em
2011, o Ensino Médio deverá ser universalizado e obrigatório para a faixa dos quinze aos dezessete
anos.
A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em
estudos posteriores.
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
A formação docente está diretamente voltada para essas etapas. Na Educação Infantil e nos 4
primeiros anos do Ensino Fundamental estão habilitados a exercer o magistério os formados no
curso normal médio, ou no curso normal superior ou em faculdades de Pedagogia, quando essas
explicitamente contenham essa habilitação. Já nos 4 últimos anos do Ensino Fundamental e nos
anos do Ensino Médio só podem exercer o magistério os formados em licenciaturas ou,
excepcionalmente, os que fizeram a formação pedagógica.
A mola insubstituível que põe em marcha este direito a uma educação básica é (ou deve ser) a ação
responsável do Estado e suas obrigações correspondentes. Sendo a educação escolar um serviço
eminentemente público da cidadania, a nossa Constituição a reconhece como o primeiro dos direitos
sociais e como dever do Estado, no seu artigo 6º.
São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Quando autorizada pelo Estado a oferecer este serviço, a instituição privada pode prestar esse
serviço de caráter público inerente à educação escolar (finalidade), ainda que sendo pessoa jurídica
de direito privado (meio).
Mas a educação básica se articula com o caráter federativo do Estado Nacional Brasileiro. O
Brasil, Estado Democrático de Direito, é um país federativo 6 . E um país federativo supõe o
compartilhamento do poder e a autonomia relativa das circunscrições federadas em suas áreas de
competência próprias. Outra característica de uma organização federativa é a não centralização do
poder em um único locus, ou seja : um certo grau de unidade convive com o partilhamento relativo
O Brasil é, pois, uma República Federativa formada pela União indissolúvel dos estados,
municípios e Distrito Federal, todos entes federativos e autônomos em suas áreas de competências.
Para dar conta deste modelo federado e cooperativo, a Constituição compôs um ordenamento
jurídico complexo no qual coexistem as finalidades gerais e comuns com competências privativas
de cada ente federativo, competências concorrentes entre si, com a eventual possibilidade de
delegação de competências. Junto a essas, associam-se também as competências comuns a todos os
entes federativos 7 .
No caso da educação escolar, a Constituição não optou por criar um sistema nacional de educação
ou um sistema único. A escolha foi por uma pluralidade de sistemas de ensino (art. 211), cuja
articulação mútua exige uma engenharia consociativa por meio de finalidades gerais e respeito às
competências. Temos quatro sistemas de educação: o federal, os estaduais, os municipais e o
distrital 8 . As leis nacionais, com suas normas e diretrizes gerais, devem ser acatadas por todos os
sistemas.
A Educação Infantil, voltada para um universo de 22 milhões de crianças entre zero a seis anos,
hoje acolhe, nas creches – primeiro segmento destinado a crianças de zero a três anos –, apenas
1.236.814 crianças. A rede privada abrange 469.229 crianças. Por sua vez, a pré-escola – segundo
segmento da Educação Infantil, consagrado a crianças de 4 a 6 anos-, recebe 5.160.787 alunos, dos
quais 1.371.679 na rede privada.
Atuam, nessa etapa da educação, 345.341 docentes. Desses, 230.238 possuem o curso de formação
chamado ensino normal médio e 97.895 possuem o ensino superior. Ou seja, dos docentes em
exercício, 17.208 deles não possuem o mínimo legal exigido para essa etapa, isto é o curso normal
médio.
Já os 4 anos finais do segundo segmento dessa etapa contam com 823.485 docentes. Possuem
formação superior 635.110 docentes e 188.738 possuem o Ensino Médio. Esses últimos,
forçosamente, devem fazer o ensino superior.
O Ensino Médio, conceituado como etapa conclusiva da educação básica, voltado para jovens de 15
a 17 anos, absorve, em seus três anos de duração, 9.132.698 matrículas, sendo que mais da metade
no turno noturno e com pessoas de mais de 17 anos. Mas o número de concluintes fica próximo de
2.000.000.
Atuam, nessa etapa do ensino, 488.378 docentes dos quais 440.405 possuem o ensino superior. Se
tomarmos como referência a exigência de formação superior para os próximos 6 anos, posta em
metas do Plano Nacional de Educação : 2001-2011 , chegamos ao número de mais de 800.000
docentes que ainda devem fazer o ensino superior.
O salário médio dos professores da Educação Infantil fica próximo de R$ 430,00 (algo como 160
dólares), o dos professores que atuam no 1 o e no 2 o ciclo do Ensino Fundamental se aproxima de
R$ 470,00 (US$ 175). O docente do 3 o e 4 o ciclos ganha em torno de R$ 605,00 (US$ 225) e o
que trabalha no Ensino Médio, R$ 700,00 (US$ 260).
A pergunta mais ampla que se tira desse quadro é óbvia: quanto de igualdade social ainda é preciso
para que se atinja uma cidadania nacional digna dos direitos civis, políticos e sociais? Mais do que
isso: quais são as reais oportunidades de sustentação da democracia quando a desigualdade não dá
mostras de efetivo recuo 8 ? Será possível a exclusiva responsabilização dessa realidade por conta
da formação dos docentes?
Notas
6 Isso possibilita tanto a existência de uma rede pública de ensino superior nos
estados quanto uma margem de flexibilidade para eles e para suas instituições,
inclusive em planos de carreira, cargos e salários dos docentes, desde que
observadas as normas gerais nacionais.
A luta pela democratização da educação, de forma geral, e da educação básica, em particular, tem
sido uma bandeira dos movimentos sociais no Brasil, de longa data. Pode-se identificar em nossa
história inúmeros movimentos, gerados na sociedade civil, que exigiam (e exigem) a ampliação do
atendimento educacional a parcelas cada vez mais amplas da sociedade. O Estado, de sua parte,
vem atendendo a essas reivindicações de forma muito tímida, longe da universalização esperada.
Nas diversas instâncias do Poder Público – União, estados, Distrito Federal e municípios – pode-se
perceber um esforço no sentido do atendimento às demandas sociais por educação básica, porém de
forma focalizada e restritiva. A focalização se dá na ampliação significativa do acesso a apenas um
dos segmentos da educação básica: o Ensino Fundamental, com um atendimento de 34.012.434
estudantes (INEP, 2004). Mas mesmo nesse segmento há uma restrição evidente, pois somente as
crianças de sete a quatorze anos são privilegiadas na oferta obrigatória do Ensino Fundamental.
Com isso, tanto os jovens e adultos ficam à margem do atendimento no Ensino Fundamental, como
as crianças de zero a seis anos, clientela da Educação Infantil, e os jovens, clientela do Ensino
Médio, têm um atendimento ainda insuficiente, pelo Estado.
Importante destacar que a democratização da educação não se limita ao acesso à escola. O acesso é,
certamente, a porta inicial para o processo de democratização, mas torna-se necessário também
garantir que todos que ingressam na escola tenham condições para nela permanecerem, com
sucesso. Assim, a democratização da educação faz-se com acesso e permanência de todos no
processo educativo, dentro do qual o sucesso escolar é reflexo de sua qualidade. Mas somente essas
três características ainda não completam o sentido amplo da democratização da educação.
A gestão democrática pode ser considerada como meio pela qual todos os segmentos que compõem
o processo educativo participem da definição dos rumos que a escola deve imprimir à educação e da
maneira de implementar essas decisões, num processo contínuo de avaliação de suas ações. Como
elementos constitutivos dessa forma de gestão podem ser apontados: participação, autonomia,
transparência e pluralidade (ARAÚJO, 2000). E como instrumentos de sua ação, surgem as
instâncias diretas e indiretas de deliberação, tais como conselhos e similares, que propiciam espaços
de participação e de criação da identidade do sistema de ensino e da escola. Assim, a gestão
democrática da educação “trabalha com atores sociais e suas relações com o ambiente, como
sujeitos da construção da história humana, gerando participação, co-responsabilidade e
compromisso” (BORDIGNON & GRACINDO, 2001, p. 12).
Democratização da educação, nesse sentido, vai além das ações voltadas para a ampliação do
atendimento escolar. Configura-se como uma postura que, assumida pelos dirigentes educacionais e
pelos diversos sujeitos que participam do processo educativo, inaugura o sentido democrático da
prática social da educação.
Dados do IBGE (2003) evidenciam a situação do Brasil quanto à alfabetização, freqüência à creche
e escola, anos de estudo e série ou nível educacional concluído pela população brasileira. Eles
indicam que em 2002:
• as taxas de analfabetismo da área rural eram, em média, quase três vezes maiores que as da área
• apenas 36,5% das crianças de zero a seis anos freqüentavam creches ou escolas;
• no Nordeste, apenas 72% das crianças de quatro a seis anos estavam na escola;
• quanto maior o nível de rendimento familiar per capita , maior a taxa de escolarização de crianças
de quatro a seis anos de idade, onde apenas 26,8% dos 20% mais pobres estudavam em contraste
com 52,4% dos 20% mais ricos;
• 78% das pessoas de quinze a dezessete anos estudavam e apenas 34% dos de dezoito a vinte e
quatro anos, sendo que, destes, 71% ainda estavam no Ensino Fundamental ou Médio;
• a defasagem idade-série continua sendo um dos grandes problemas da educação básica e, como
exemplo, verifica-se o índice alarmante: 65,7% dos estudantes de quatorze anos estão defasados,
sendo que no Nordeste esse índice chega a 85%;
• a população brasileira com mais de dez anos tinha, em média, apenas 6,2 anos de estudo;
• no grupo de vinte e cinco anos ou mais de idade cerca de 70% não tinham completado sequer um
ano de estudo;
• o nível de rendimento familiar influencia decisivamente nos anos de estudo da população adulta,
mostrando um diferencial de 7 anos de estudo entre o primeiro e o quinto grupo da distribuição de
renda (os mais pobres e os mais ricos).
Com esses dados, constata-se que o Estado brasileiro não vem cumprindo sua tarefa de oferecer
educação em quantidade e qualidade para a nação brasileira. Como conseqüência, uma parcela
significativa dos brasileiros não possui as condições básicas para serem cidadãos participantes de
uma sociedade letrada e democrática. Esta parece ser uma forma de exclusão social, cuja base é a
exclusão escolar.
Pode-se perceber a dura e difícil tarefa que o Estado brasileiro tem à sua frente, no sentido de
promover e implementar políticas educacionais que interfiram nesse quadro negativo e que efetivem
a educação de qualidade, como direito da cidadania.
São duas as principais frentes de políticas que precisam ser estabelecidas pelo poder público:
políticas de financiamento e políticas de gestão democrática. A primeira dará as condições concretas
sobre as quais se sustentarão as demais políticas. A segunda delimitará o caminho pelo qual o
processo de democratização da educação poderá ser alcançado.
Como exemplo da urgência de se estabelecer uma política de financiamento para a educação, basta
Uma das possibilidades de melhoria do financiamento da educação básica acaba de ser enviada ao
Congresso Nacional como uma Proposta de Emenda Constitucional, criando o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (Fundeb). O novo Fundo prevê mais recursos para melhorar o salário dos professores,
aumentar o número de vagas, equipar as escolas públicas, ampliar o acesso à escola e a qualidade da
educação, beneficiando cerca de 47,2 milhões de estudantes da Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Médio. Pelas regras do Fundeb, pelo menos, 60% do valor anual do Fundo serão
destinados à remuneração dos profissionais do magistério e o restante dos recursos será aplicado
exclusivamente na manutenção e desenvolvimento da educação básica.
Outra política que certamente concorrerá para a democratização da educação básica é a Gestão
Democrática nas escolas públicas, já estabelecida pela Constituição de 1988, mas ainda carente de
regulamentação. Com isso, espera-se que a experiência democrática a ser vivenciada pelos diversos
segmentos sociais seja o caminho tão esperado para a conscientização da sociedade a respeito da
importância da educação para o desenvolvimento econômico, cultural e político do Brasil. Sabe-se
que a educação sozinha não resolverá os problemas estruturais do Brasil, mas sabe-se, também, que
sem ela eles certamente não poderão ser resolvidos.
Uma política clara de gestão democrática deverá estabelecer, para as diversas instâncias do Poder
Público e para a escola, espaços para a participação da sociedade na tarefa de transformar a dura
realidade educacional. A implantação do Fórum Nacional de Educação, retirado da LDB, uma
revisão na composição e atribuições do CNE, o fortalecimento dos Conselhos Estaduais e
Além disso, a escolha democrática dos dirigentes escolares e a consolidação da autonomia das
escolas alinham-se aos colegiados com a finalidade de desvendar os espaços de contradições
gerados pelas novas formas de articulação dos interesses sociais. A partir do conhecimento destes
espaços, certamente presentes no cotidiano da vida escolar e das comunidades, é que será possível
ter os elementos para a proposição e construção de um projeto educacional inclusivo (AZEVEDO &
GRACINDO, 2004, p. 34).
Essas políticas públicas, entendidas como ações estabelecidas para a transformação da realidade,
certamente sinalizarão o caminho da construção de uma sociedade mais justa e igualitária, em que a
educação, para ser um dos alicerces da cidadania, precisa ser, necessariamente, democrática e de
qualidade para todos.
Referências Bibliográficas
ARAÚJO, Adilson César de. Gestão democrática da educação: a posição dos docentes.
PPGE/UnB. Brasília. Dissertação de Mestrado, mimeog., 2000.
AZEVEDO Janete & GRACINDO Regina Vinhaes. Educação, Sociedade e Mudança. Brasília:
CNTE, 2004.
Notas
Destacamos que qualidade exige qualificação de quem a produz. Não existe qualidade sem
qualificação, como é impossível existir uma determinada qualificação sem uma determinada
qualidade. E a qualidade, assim como o ensino, não é neutra, pois estamos falando de seres
humanos, estamos falando de intencionalidade, de princípios, de finalidades, de formação, de
qualificação, de realizações. Políticas de ensino, portanto, pressupõem políticas de formação de
qualidade, de uma determinada qualidade que possua compromissos sociais e não compromissos
econômicos.
“(...) que significa o rico, complexo e imenso conjunto de culturas que se entrecruzam no planeta,
impondo suas peculiaridades e diferenças e exigindo respeito aos seus modus vivendi , formatos e
desenvolvimentos. São inúmeras e incontáveis culturas que, concomitantemente, se desenvolvem,
se expõem e defendem seus princípios, valores e costumes intercambiando diferenças e
antagonismos. Esta expressão é, aqui, utilizada com a intencionalidade de chamar a atenção para a
complexa ‘teia de relações' que se estabeleceu e se estabelece, a todo momento, numa rede de
Seus princípios são os princípios da educação que a gestão assegura serem cumpridos – uma
educação comprometida com a “sabedoria” de viver junto, respeitando as diferenças, comprometida
com a construção de um mundo mais humano e justo para todos os que nele habitam,
independentemente de raça, cor, credo ou opção de vida.
coisa de melhor, na demonstração concreta que se pode fazer de melhor e que é reunir um público à
volta de um fogo de cultura, contanto que este fogo seja vivo e aqueça de verdade”.
Urge ter esperança de um mundo mais humano, porque a história dos homens e de suas
instituições é feita pelos homens que fazem a vida e constroem o seu mundo. Esperança porque
esta construção – que é sua, que é nossa – está agora, novamente, apenas começando, repleta de
novos significados. E, desta forma, a esperança é possibilidade. Possibilidade de fazer, de
continuar, de fazer acontecer. Não existe esperança sem um horizonte, e este horizonte é o futuro
que necessita ser construído por todos nós sob a firme e sábia direção dos profissionais da
educação – dignos desse nome - que desenvolvem o ensino como um ato de libertação.
Referências bibliográficas
BRASIL. Lei n º 9.394, de 20.12.96. Estabelece as Diretrizes de Bases da Educação Nacional. In:
Diário Oficial da União . Ano CXXXIV, n º 248, de 23.12.96, pp. 27.833-27.841, 1996.
2 “Cultura globalizada” significa, pois, uma poderosa imagem cultural que exige um
novo nível de conceptualização de todas as inúmeras e incontáveis culturas locais,
regionais, estatais, ocidentais e orientais, do Norte e do Sul que estão “postas a nu”,
divulgadas ao mundo que assiste encantado e perplexo a este “multiculturalismo”
que necessita ser acatado e respeitado. “Cultura globalizada” é a expressão que
contém a diversidade de tudo e de todos na unidade dos limites do mundo. “Cultura
global” é o contraditório “conceito” que necessita ser investigado e compreendido
A efetivação de novos processos de organização e gestão, baseados em uma dinâmica que favoreça
os processos coletivos e participativos de decisão, é fundamental para que a escola cumpra com as
suas finalidades sociais. Nesse sentido, a participação constitui uma das bandeiras fundamentais a
serem implementadas pelos diferentes atores que constroem o cotidiano escolar e que buscam a
democratização da escola e da gestão.
Portanto, para que a tomada de decisão seja partilhada e coletiva, é necessário que haja a
implementação de vários mecanismos de participação, tais como: o aprimoramento dos processos
de escolha ao cargo de diretor, a criação e consolidação de órgãos colegiados na escola (Conselhos
Escolares, Conselho de Classe...), o fortalecimento da participação estudantil por meio da criação e
da consolidação de grêmios estudantis, a construção coletiva do projeto político-pedagógico da
escola, a progressiva autonomia da escola e, conse-qüentemente, a discussão e a implementação de
novas formas de organização e de gestão escolar e, ainda, a garantia de financiamento público da
educação e da escola nos diferentes níveis e modalidades de ensino. Toda essa dinâmica deve se
efetivar como um processo de aprendizado político fundamental para a construção de uma cultura
de participação e de gestão democrática na escola e, conseqüentemente, para a instituição de uma
nova cultura na escola.
Nesse sentido, a democratização da gestão escolar implica a superação dos processos centralizados
de decisão e a vivência da gestão colegiada, na qual as decisões nasçam das discussões coletivas,
envolvendo todos os segmentos da escola, e sejam orientadas pelo sentido político e pedagógico
presente nessas práticas.
As formas de escolha dos diretores podem contribuir ou não para a efetivação desse processo de
participação. No Brasil, variadas são as formas e as propostas historicamente utilizadas de acesso à
direção das escolas públicas. Entre elas, destacam-se: 1) diretor livremente indicado pelos poderes
públicos (estados e municípios); 2) diretor de carreira; 3) diretor aprovado em concurso público; 4)
diretor indicado por listas tríplices ou sêxtuplas ou processos mistos; e 5) eleição direta para diretor.
Cada uma dessas modalidades se fundamenta em argumentos importantes, mas nenhuma parece
Pensar a democratização na e da escola implica definir claramente qual a função social da escola.
Implica pensar: Para que serve a escola? Quais são as suas funções básicas? A reflexão sobre essas
questões deve ser parte da ação dos diferentes segmentos da escola no processo de escolha do
dirigente escolar, na participação ativa nos Conselhos Escolares, e assim por diante.
No contexto atual, a escola vem sendo questionada acerca de seu papel ante as transformações
econômicas, políticas, sociais e culturais. Essas alterações do capitalismo criam novas demandas e
exigências para a escola, dentre as quais: a) o estabelecimento de finalidades educativas mais
compatíveis com os interesses do mercado e do mundo do trabalho; b) a requisição de habilidades e
competências que tornem os trabalhadores mais flexíveis e polivalentes para a vida profissional; c)
a implementação de práticas docentes e escolares mais compatíveis com a chamada sociedade do
conhecimento e da informação; d) as mudanças nas atitudes, no comportamento e, sobretudo, no
trabalho docente, que tem por base expectativas, objetivos e ações externamente delineadas.
As pressões para que as escolas se ajustem às mudanças em curso estão trazendo implicações
substantivas para a construção do projeto político-pedagógico (PPP) da escola, uma vez que este
nem sempre passa a representar o corpo e a alma da escola , ou melhor, o que ela realmente é, o
que a caracteriza e orienta a ação educativa. O PPP da escola deve, de fato, mostrar a escola, com
sua cultura organizacional, suas potencialidades e suas limitações. Nessa direção, o PPP, ao se
colocar como espaço de construção coletiva, direciona sua constituição para consolidar a vontade de
acertar, no sentido de educar bem e de cumprir o seu papel na socialização do conhecimento.
Assim, o PPP deve expressar qual é o cerne, o eixo e a finalidade da produção do trabalho escolar.
Há de se discutir, portanto, o sentido do que seja o PPP. Gadotti (1994) observa que fazer um
projeto significa lançar-se para frente, antever o futuro. O projeto é, pois, um planejamento em
longo prazo, atividade racional, consciente e sistematizada que as escolas realizam para traçarem a
sua identidade como organização educativa 3 . Nessa direção, Veiga (1996; 1998) nos faz perceber
que o PPP deve ser visto como um processo permanente de reflexão e de discussão dos problemas
da escola, tendo por base a construção de um processo democrático de decisões que visa superar as
relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina burocrática no interior da
escola.
De acordo com Veiga (1998), existem vários caminhos para construção do PPP, uma vez que ele
retrata o entendimento e o percurso possível trilhado em cada uma das escolas. Todavia, é possível
apontar três movimentos básicos desse processo de construção do PPP denominados pela autora de:
Ato Situacional, Ato Conceitual e Ato Operacional.
O objetivo do Ato Situacional é apreender o movimento interno da escola, conhecer seus conflitos e
contradições, fazer seu diagnóstico e definir onde é prioritário agir.
No Ato Conceitual , a escola discute a sua concepção de educação e sociedade, homem, educação,
escola, currículo, ensino e aprendizagem, visando a um esforço analítico da realidade constatada no
Ato Situacional , e vai definindo como as prioridades devem ser trabalhadas.
O como realizar as tarefas configura o Ato Operacional , o que se refere às atividades a serem
assumidas e realizadas para mudar a realidade das escolas. Implica a tomada de decisão para atingir
os objetivos e as metas definidas coletivamente. Os movimentos de acompanhamento e avaliação
devem seguir todos os atos, de forma a possibilitar a implementação de decisões coletivas, bem
Como se observa, ao mesmo tempo em que propõe passos do processo, movimentos a serem
construídos, as formulações propostas indicam que é necessário criar as condições para a construção
da autonomia da escola, por meio da definição do desenho do seu projeto e da delimitação do grau
de flexibilidade a ser dado a ele.
Nessa direção, Paro (1999) assinala que toda instituição social carece de processos administrativos e
a administração, em sua forma geral, refere-se à utilização racional dos recursos para obtenção de
fins determinados . A definição desses fins é o mais fundamental nos projetos e não apenas a
definição de algumas ações desvinculadas de um projeto maior da escola.
De modo geral, vale a pena insistir em um processo em que a escola seja a autora do seu Projeto. A
sensibilização à cultura do registro do pensado e vivido pela escola; o encontro de alternativas
criativas para problemas cristalizados no cotidiano; o aumento do interesse da escola em conhecer
melhor sua comunidade; a busca de processos mais democráticos e, em especial, o aguçamento da
crítica e da autocrítica, pautados no respeito às diferenças, em relação às práticas de gestão e à
atuação dos órgãos colegiados, dentro e fora da escola, são pontos fundamentais para o avanço
democrático e formativo no âmbito das escolas. Isso não é pouco ante as práticas autoritárias em
vigor na sociedade e em muitas escolas e pode ser muito mais duradouro e educativo do que
supõem os defensores da implantação do chamado planejamento estratégico modelar e da
qualidade total nas escolas brasileiras.
Referências bibliográficas
Comentário: O texto discute com propriedade pressupostos fundamentais que devem embasar a
discussão do PPP, destacadamente as questões éticas e políticas presentes no ato educativo, bem
como os parâmetros de uma gestão democrático-participativa da escola.
LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira; TOSCHI, Mirza Seabra. A educação escolar:
políticas, estrutura e organização . São Paulo: Cortez, 2003.
Comentário: O livro contribui para uma compreensão ampla das reformas educativas, das políticas,
PARO, Vitor Henrique. Administração escolar – introdução crítica. 8 a . ed., São Paulo: Cortez,
1999.
Comentário: Os dois livros em questão ajudam os professores a compreenderem o que vem a ser a
gestão da educação, bem como a especificidade do trabalho pedagógico. Os livros contribuem de
modo significativo para o entendimento da atual situação das escolas, dos sistemas de ensino e da
administração escolar do Brasil, fornecendo elementos que nos permitam pensar uma outra escola e
uma outra prática educativa, tendo em vista o atendimento aos interesses dos atuais usuários das
escolas públicas.
TOSCHI, Mirza S.; FONSECA, Marília; OLIVEIRA, João F. A relação entre o plano de
desenvolvimento da escola (PDE) e o projeto político-pedagógico da escola (PPP): concepção e
avaliação. Goiânia, 2004, mimeo 12p.
Comentário: O artigo investiga a relação entre o PPP e o Plano de Desenvolvimento das Escolas
(PDE) no âmbito das escolas públicas, tendo em vista que o PDE busca implementar um modelo de
gestão com ênfase no planejamento estratégico.
VEIGA, Ilma Passos A. Perspectivas para reflexão em torno do projeto político-pedagógico. In:
VEIGA, Ilma Passos A. e RESENDE, Lúcia G. de (orgs.). Escola: espaço do projeto político-
pedagógico . Campinas, SP: Papirus, 1998.
Comentário: Os textos em questão discutem o papel e o sentido do PPP, bem como fornecem
dimensões e processos essenciais necessários à sua construção coletiva, dadas as condições das
escolas públicas.
Notas
Falar sobre o projeto pedagógico (PP) da escola, considerando a realidade educacional do Brasil de
hoje, necessariamente nos leva a fazer a sua ligação com as práticas de gestão que nela têm tido
curso. Isto porque, dentre outros aspectos, uma das efetivas conquistas que as forças progressistas
conseguiram registrar na Constituição de 1988 e referendar na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de
1996 foi a gestão democrática do ensino público como um dos princípios em que deve se assentar a
Educação Nacional.
Nesse contexto, determinou-se, dentre as incumbências dos sistemas públicos, que estes devem
definir as normas da gestão democrática do ensino básico com a garantia da participação dos
profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola, e da participação das
comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. Determinou-se, também, que
os referidos sistemas devem assegurar às suas unidades escolares progressivos graus de autonomia
pedagógica, administrativa e financeira, deliberações que expressaram modos concebidos para que
se viabilizasse o princípio da gestão democrática da educação básica (BRASIL, 1996).
Ainda que a democratização da gestão do ensino tenha integrado as bandeiras das forças que
lutaram pelo processo de redemocratização política do País (desde meados da década de 1970), e
apesar de ser inegável algumas conquistas, as prioridades estabelecidas para a política educacional
brasileira nas últimas décadas tenderam a imprimir outros significados à noção de democracia. De
fato, seguindo referenciais de inspiração neoliberal no quadro da reforma administrativa do Estado,
a má gestão foi tomada como, praticamente, a causa de todos os males que afetam os processos de
ensino e aprendizagem. Visando superá-los, realizou-se um tipo de interpretação da realidade que
conduziu às tentativas de adoção da gestão gerencial nas escolas e, através de processos de
desconcentração/municipalização, privilegiamento do local, dentre outras medidas, tentou-se
delegar às unidades escolares, aos professores e à comunidade a solução dos problemas que vêm
contribuindo para que não tenhamos uma educação pública de qualidade (AZEVEDO, 2002).
É, principalmente, no bojo dessas medidas que o poder central, durante os dois governos de
• Ainda que a realidade demonstre que há inúmeros problemas a superar para que a nossa
população usufrua uma educação de qualidade, mudanças começam a ser vislumbradas nos
processos políticos no sentido da participação. Num movimento dialético, as tentativas de impor um
tipo de gestão gerencial da educação propiciaram a institucionalização de canais de participação e
• Saímos de uma tradição histórica de centralização das decisões, para nos defrontarmos hoje com
uma outra realidade, manifesta na valorização do local como espaço de decisão 2 . Os canais acima
citados e a valorização do local podem ampliar a própria valorização da escola no sentido de sua
pertença a uma determinada comunidade, (espaço das suas crianças, adolescentes e jovens na
condição de alunos) e aos grupos dos demais atores que a compõem, podendo se forjar uma
configuração das decisões que nasça “de baixo para cima”;
• Mas é preciso considerar que, na condição de uma instituição social, cada escola desenvolve ritos
e práticas exercidos pelos atores que, no seu interior, ou mesmo no seu entorno, desempenham
papéis e funções distintos: grupo de gestores, professores, alunos, funcionários, pais, comunidade.
De um lado, esses ritos e práticas possuem uma direta vinculação com a história da escola, com as
características da comunidade em que se insere, com as formas de percepção da realidade dos que a
fazem e das relações que estabelecem entre si 3 . De outro lado, é a institucionalização daquelas
práticas que torna a escola uma instituição social, forjando as regras pelas quais ela exerce os seus
papéis fundamentais: criação e transmissão de saberes, socialização dos futuros cidadãos,
desenvolvimento de competências profissionais, tudo de acordo com seus limites e possibilidades.
• Como nos adverte BARBIER (1996), projetar significa procurar intervir na realidade futura, a
partir de determinadas representações sobre problemas do presente e sobre suas soluções. Por isto,
constitui um futuro a construir, algo a concretizar no amanhã, a possibilidade de tornar real uma
idéia, transformando-a em ato. Para tanto, considerando-se especificamente o PPP, em virtude da
pluralidade que caracteriza uma comunidade escolar, o envolvimento no processo requer que as
pessoas sejam devidamente motivadas e que adquiram uma visão da relação entre finalidade-
• Tudo isto significa dizer que os atores chamados a decidir não o fazem apenas racionalmente, mas
também através de suas visões de mundo e de suas motivações. Neste sentido, qualquer medida de
gestão, o que inclui as tentativas de construção coletiva do PPP, não pode apenas levar em conta,
ingenuamente, a existência de uma lógica institucional única e sim procurar detectar os processos
que subjazem às tramas do cotidiano escolar. Os conflitos e lutas pelo poder, os meios de
resistência, as alianças, os valores, as normas, os modelos de aprendizagem, as atitudes do
professor, as relações entre as pessoas, a participação dos pais e dos alunos e o modo como esses
atores escolares se comunicam são aspectos que vão influenciar, com vigor, o tipo de PPP que será
elaborado e os rumos que irá seguir no processo de sua implementação.
Referências Bibliográficas
AZEVEDO, Janete M.L. de. Implicações da nova lógica de ação do Estado para a educação
municipal, Revista Educação & Sociedade n. 80 Campinas: CEDES, 2002.
BARBIER, Jean. M. Elaboração de projectos de ação e planificação . Porto: Porto Editora, 1996.
BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo . Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1986.
Notas
Os quadros do magistério, geralmente, viam com restrições esse contato próximo com a população
que freqüentava a escola. Os professores das escolas públicas, sobretudo daquelas situadas nos
grandes centros urbanos, para afirmar a sua autoridade pedagógica, procuravam manter uma
distância deliberada da família dos alunos. Entendiam que a escola pública era de todos, portanto,
dentro dela não existiam clientelismos, ou favoritismos. Entendiam que o currículo era competência
sua, e que ninguém tinha que dar palpite no que ensinavam, pois que haviam sido preparados para
isso e, ainda, achavam que eram soberanos para aprovar ou reprovar os alunos. Muitas vezes, pela
falta de décimos em uma disciplina, um aluno era obrigado a repetir o ano e os professores não
gostavam de atender aos pais que reclamavam, uma vez que acreditavam que a sua decisão era
justa, não deviam fazer concessão a ninguém. Recusavam-se até a falar com os pais, em certos
casos.
Assim sendo, a escola pública que se estendeu amplamente pelas áreas urbanas acabou por impor
uma distância forçada em relação à população que a utilizava.
Nos anos 80, período de transição democrática, essa situação tendeu a mudar bastante. Havia um
Como é agora
Um costume que se expandiu pelas redes de ensino tem sido o de chamar a população para auxiliar
a suprir as necessidades de manutenção das escolas, que não são poucas em vista dos recursos
escassos de que elas dispõem. Mas esse é um jeito muito restrito e questionável de entender a
participação da população.
Dos anos 90 para cá entraram na moda as parcerias. Os planos de desenvolvimento da escola, que
passam a condicionar o recebimento de recursos vindos dos órgãos centrais, começaram a insistir
muito no caráter compartilhado que devem ter as ações desencadeadas na unidade escolar, condição
para a liberação dessas verbas. Entretanto, a cultura de escola resiste, na maioria das vezes. Embora
Mas por que insistir na participação de professores, alunos, pais, mães, representantes de serviços
públicos, comerciantes, associações locais, ONGs, instituições de ensino superior e outras
entidades, nas atividades da escola? Não será querer complicar demais uma tarefa de que nós,
educadores, já tão sobrecarregados, mal estamos conseguindo dar conta?
Pelo contrário, é exatamente por esse motivo que a defendemos, porque por mais que nos
esforcemos, se não abrirmos os portões da escola para o mundo que a cerca, não vamos conseguir
levar plenamente a bom termo a nossa complexa tarefa educativa. A escola em que trabalhamos tem
problemas e desafios de toda a natureza, desde os mais corriqueiros, como a falta de suprimento de
material e de pessoal para o funcionamento das rotinas diárias, até a violência, que passou a integrar
o seu cotidiano. Mas acredito que seu problema maior e seu maior desafio têm a ver com a função
social que ela exerce, que é a de assegurar a todos a permanência na escola com a aquisição de
aprendizagens significativas, oportunidades de exercício da cidadania, desenvolvimento das
potencialidades de cada um e com um preparo básico para o mundo do trabalho. Nesse sentido
temos muito que caminhar. Nossa escola ainda exclui um bom número de alunos, sobretudo pela
repetência que conduz à evasão e, muito freqüentemente, os que nela permanecem não conseguem
aprender coisas relevantes.
É aí que entra a participação da comunidade, e não mais tão somente para suprir as necessidades
materiais da escola ou de seus estudantes. É porque é preciso pensar junto os problemas de acesso e
permanência, com sucesso, dos alunos na escola e ajudar a encontrar
soluções que venham a favorecer o conjunto deles, que sejam mais adequadas às suas necessidades
tão diversas. Não é que se espera que a comunidade ofereça soluções pedagógicas, mas há um nível
de decisão mais amplo em que certamente a sua contribuição é de todo imprescindível.
Vejamos o que acontece com o currículo. Será que pais com pouca escolaridade, que são a maioria
dos pais e mães dos nossos alunos, têm algo a dizer sobre o currículo? Lembro-me de quando as
É preciso, pois, criar na escola um ambiente acolhedor para ouvir o que a população tem a dizer
sobre o que espera do ensino, como encara os deveres de casa e as condições que os alunos têm para
fazê-los, como entende a avaliação e os processos de recuperação, assim como tudo o mais que a
preocupa em relação à educação dos filhos. Na verdade, pais e alunos têm também tudo para ajudar
a fazer do currículo um conhecimento vivo, que se despega das verdades esclerosadas de alguns
livros didáticos e pode tornar-se uma via de enriquecimento recíproco: dos alunos, dos professores e
das próprias famílias.
Houve um tempo em que se dizia que os alunos pobres eram alunos carentes, que lhes faltavam,
além dos bens materiais, uma série de competências e qualidades que as crianças de classe média
possuíam. Eles eram caracterizados pela falta, pela negação, e não pelo que efetivamente eram.
Hoje se reconhece a importância de tirar partido da diversidade. Por que não aproveitar, por
exemplo, a riqueza das histórias de vida dos meninos da periferia, convidando mães ou avós para
relatar o modo como viviam antes de vir para a cidade grande, os trabalhos na roça, os brinquedos
com que brincavam, os afazeres de que se ocupavam os homens e as mulheres? Por que não se valer
do conhecimento das pessoas da comunidade local para mergulhar fundo na História, na Geografia,
na Ciência – que nada mais são do que formas mais sistematizadas de conhecimento do mundo –
aproveitando a oportunidade para entrar em contato mais direto com as diferentes paisagens
brasileiras; com os usos da terra em diferentes tempos, regiões e condições; para entender melhor as
dificuldades enfrentadas pelas famílias; as questões de trabalho e de desemprego; descobrir
habilidades e competências que adquiriram, as formas culturais tão variadas com que se expressam,
os problemas que mais as afligem no momento?
Muitas vezes a escola constitui o único espaço de vivência cultural a que a comunidade local tem
acesso. É lá que estão a única quadra de esportes do bairro, o auditório onde facilmente se pode
montar um palco para uma festa, a biblioteca, por pequena que seja. Esses espaços, abertos para uso
da população local, levam-na a sentir-se parte integrante da escola e não alijada dela; tornam-na
muito mais propensa a partilhar competências e responsabilidades, mais interessada em tomar parte
do conselho de escola, das APMs, que deixam de ser apenas unidades gerenciadoras de recursos.
Por falar em ONGs, para concluir queremos relatar o projeto Indicadores Qualitativos da Educação,
desenvolvido pela Ação Educativa, com apoio do Unicef, Inep e Pnud, por sugestivo que é 2 . Seu
objetivo é o de construir e disseminar um conjunto de indicadores que propiciem o envolvimento da
comunidade escolar em um projeto participativo de avaliação da qualidade da educação, com vistas
Várias referências serviram de base para a construção dessa proposta, entre as quais a LDB,
considerada um documento que expressa um consenso sobre o que se espera da educação no país,
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
realizada em 2001. Dos resultados da consulta da Campanha à comunidade escolar sobre o que esta
entendia por qualidade da educação, vieram pistas como a grande importância atribuída pela
população à aprendizagem, ao trabalho e ao exercício da cidadania, o destaque às condições básicas
de funcionamento da escola e, sobretudo, a ênfase nas boas relações cultivadas entre professores e
alunos, funcionários, direção, corpo docente e usuários dos serviços educacionais.
Esse trabalho fornece condições para que a escola se conheça melhor e formule propostas de
melhoria, além do que lhe oferece também um instrumento de controle democrático das políticas
públicas. Essa prática de avaliação participativa da qualidade da educação poderá induzir demandas
às redes escolares e pressionar os diferentes órgãos dos sistemas de ensino para que estejam abertos
ao diálogo e mais dispostos a superar o seu papel controlador em benefício do apoio que devem
prestar às solicitações que recebem.
Referências bibliográficas
RIBEIRO, Vera M.; RIBEIRO, Vanda M.; GUSMÃO, Joana B. de. Indicadores de qualidade para a
mobilização da escola. Cadernos de Pesquisa : São Paulo, v. 35, n. 125, jan./abr., 2005 ( no prelo).
Notas