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Debate: Retratos da

Debate:
escola
Retratos da escola

BOLETIM12
12
BOLETIM
JUNHO/JULHO
JUNHO/JULHO2005
2005
SUMÁRIO

PROPOSTA PEDAGÓGICA
RETRATOS DA ESCOLA .......................................................................................................................................... 03
Márcia Ângela Aguiar

PGM 1
A ESCOLA BÁSICA NO BRASIL: AO VIVO E A CORES .................................................................................... 10

Texto 1: Educação básica: um retrato


Carlos Roberto Jamil Cury

Texto 2: A democratização da educação básica no Brasil


Regina Vinhaes Gracindo

PGM 2
DIVERSIDADE CULTURAL: RIQUEZA E DESAFIO DA ESCOLA .................................................................. 22

Políticas de ensino e de formação: desafios para a gestão da educação


Naura Syria Carapeto Ferreira

PGM 3
A GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA ............................................................................................................ 27

Gestão democrática da educação e mecanismos de participação coletiva


Luiz Fernando Dourado

PGM 4
A CONSTRUÇÃO COLETIVA DOS PROJETOS PEDAGÓGICOS .................................................................... 31

Texto 1: A construção coletiva do projeto político-pedagógico (PPP) da escola


João Ferreira de Oliveira

Texto 2: O Projeto político-pedagógico no contexto da gestão escolar


Janete Maria Lins de Azevedo

PGM 5
ESCOLA CIDADÃ: DEMANDAS E PERSPECTIVAS ........................................................................................... 40

A participação na escola: contribuições para a melhoria da qualidade da educação


Elba Siqueira de Sá Barreto

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 2


PROPOSTA PEDAGÓGICA

Retratos da escola

Márcia Ângela Aguiar 1

APRESENTAÇÃO

A série Retratos da escola , que será apresentada de 27 de junho a 1 de julho no programa Salto
para o Futuro/TV Escola, é composta por cinco programas que abordam a gestão da escola como
trabalho pedagógico coletivo na perspectiva da qualidade social e da democratização da educação e
da sociedade.

A série parte da perspectiva de que a educação e a garantia da escolarização constituem um direito


social e que a escola é o espaço privilegiado de produção e socialização do saber, contribuindo
decisivamente para a formação de sujeitos éticos, participativos, críticos e criativos. Vista desse
modo, a organização escolar tem um papel importante: o de garantir o acesso ao conhecimento
historicamente acumulado. No Brasil, a legislação mais recente faz referência explícita à
organização da escola e aos atores sociais que nela interagem.

De fato, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), no que concerne à
educação básica, explicita, entre outros aspectos, as formas de organização e gestão, os padrões de
financiamento, a estrutura curricular, bem como a indicação de processos de participação e gestão
democrática nas escolas. A LDB estabelece o princípio da gestão democrática, nos seguintes
termos:

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na
educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

• participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político-pedagógico da


escola;

• participação das comunidades escolar e local em Conselhos escolares ou equivalentes.

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Assim, a LDB traz grandes responsabilidades para os sistemas de ensino e para as escolas.
Destacam-se, nesse âmbito, a elaboração do projeto pedagógico da escola, com a participação dos
profissionais da educação e a participação das comunidades escolar e local em Conselhos Escolares
ou equivalentes.

A série tem por objetivo contribuir para a reflexão e o debate sobre a gestão da escola como
compromisso coletivo construído por todos os que fazem o seu cotidiano – estudantes, professores,
equipe gestora, funcionários não-docentes, comunidade local. O compromisso de todos, no sentido
de construir uma escola de qualidade referenciada pelo social, constitui, sem dúvida, uma condição
indispensável à formação do estudante e ao exercício da cidadania. Nesse sentido, nos programas
desta série, são apresentadas as múltiplas faces da escola – o que está sendo denominado de
Retratos da escola .

No programa 1, vamos desenhar um dos retratos da escola brasileira consultando o Censo Escolar e
o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). O Censo Escolar coleta, anualmente,
dados sobre matrícula, docentes e infra-estrutura dos diversos níveis e modalidades de ensino da
educação básica. O Ministério da Educação utiliza esses dados para traçar diversas políticas
(Fundef, merenda escolar, livro didático, etc.) e para cálculo de indicadores como taxa de evasão,
repetência e promoção. Você sabia que, atualmente, mais de 215 mil escolas públicas e privadas da
educação básica do País participam desse levantamento?

O SAEB é realizado, desde 1990, a cada dois anos, por amostragem, na 4ª. e na 8ª. série do Ensino
Fundamental e na 3ª. série do Ensino Médio, verificando o desempenho dos alunos em Matemática
e Língua Portuguesa. Inclui um questionário socioeconômico que permite relacionar o desempenho
dos estudantes e diversos fatores, como renda, escolaridade dos pais e leitura de livros. Os
resultados permitem comparação entre os estados e com relação a outros anos. É meta do Ministério
ampliar o SAEB para todas as escolas da educação básica.

Apoiados nos dados do Censo e do SAEB e em outros levantamentos do MEC, vamos atualizar o
que sabemos a respeito das 215 mil escolas da educação básica no País, e refletir sobre o que está
sendo feito e o que poderá ser efetivado para assegurar o acesso e a permanência do estudante na
escola básica. O censo escolar referente ao ano de 2003 mostra que, no Brasil, somente 7% das
crianças do 0 a 3 anos freqüentam a escola e as matrículas em creche constituem 10%. De acordo

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com o estudo “Desafios do Plano Nacional de Educação”, do INEP, o País terá de elevar de 756 mil
para 4,3 milhões o número de crianças nas creches públicas para cumprir as metas do PNE. O
Censo 2000, do IBGE, revela que 65% das crianças de 4 a 6 anos de idade freqüentam a escola. Na
projeção do PNE, até o ano 2011, o País terá de quase duplicar o atendimento em pré-escolas
públicas, passando de 3,9 milhões para 7,2 milhões de estudantes. O desafio é imenso!

No caso do Ensino Fundamental, ainda temos 739.413 pessoas da faixa etária que não estavam
freqüentando a escola no final de 2003. Para a média nacional de 97,2%, temos 95,8% e 96% como
taxas do Norte e Nordeste (Alagoas – 93%). As taxas das regiões Sudeste e Sul são 98,1% e 98,0 %,
respectivamente.

Quando vamos examinar a situação do sistema escolar, utilizamos dois grupos de indicadores
básicos que nos informam a respeito do maior ou menor sucesso do sistema em garantir o
aproveitamento dos estudantes. A permanência e aprovação dos alunos durante um ano letivo são
acompanhadas mediante os indicadores de rendimento, expressos nas taxas de abandono,
reprovação e aprovação. A verificação do avanço dos estudantes para o ano subseqüente
(indicadores de transição ou fluxo) pode ser visualizada mediante as taxas de repetência, evasão e
promoção. De acordo com o INEP, no período de 2000 a 2002, observa-se tendência à estabilidade
nesses indicadores. No ano de 2002, as taxas de abandono e reprovação atingiram 20,4%, e, as taxas
de repetência e evasão, 25,9%. Isto significa que o fluxo ainda é ineficiente!

Em relação à distorção idade-série, ou seja, a distorção na idade de conclusão e a média dos anos de
escolaridade, observa-se uma tendência de melhora. Houve uma redução (18%) do número de
alunos maiores de 14 anos retidos no Ensino Fundamental, mas a diferença entre as regiões é
notável. Em 2003, a Região Nordeste detinha 3,3 milhões dos 6,8 milhões de alunos nesta
condição!

Em relação às condições de ensino, ainda temos muito que fazer. Analisando o perfil das redes
escolares em relação ao número e tamanho dos estabelecimentos, verificamos que houve uma
redução do número de escolas muito pequenas, isoladas, constituídas de um único docente, por
vezes regente de classe multisseriada, e ainda responsável pelo desempenho de todas as outras
funções. O número de escolas nessas condições foi reduzido em 12.429, passando de 181.504 em
2000 para 169.075 em 2003. Chama a atenção o fato de que não há sinais de que tenha havido

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incremento significativo na duração da jornada escolar. Ainda permanecem turnos intermediários,
embora se verifique uma redução de 17% sobre o número de escolas, ou seja, de 10.243 para 8.466.

Contudo, são os resultados de aprendizagem que constituem o maior dos desafios da política
educacional no país. São sofríveis os resultados de aprendizagem apresentados pelos estudantes
brasileiros em avaliações nacionais e internacionais, a exemplo do SAEB e do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos – PISA. Os dados mostram que, na área rural, o desempenho
dos estudantes da 4ª. série do Ensino Fundamental em Leitura, no SAEB, é de 29,2 pontos a menos
que o das crianças que estudam na área urbana. E que, em todas as regiões, o desempenho na área
rural é inferior, mas a diferença é maior na Região Nordeste, de 23,21. A menor diferença de
desempenho acontece na Região Sudeste: 15,7 pontos. De acordo com o SAEB, na 4ª. série do
Ensino Fundamental é esperado que o estudante alcance 200 pontos em Leitura, patamar
considerado minimamente satisfatório Em relação à Matemática, a diferença de desempenho no
SAEB entre estudantes das áreas urbana e rural da 4ª. série do Ensino Fundamental é menor na
Região Norte, de 12,3 pontos. No Brasil, a diferença de pontuação chega a 27,8 pontos. Na Região
Nordeste, os estudantes da área rural têm o desempenho mais baixo no País. Em Matemática, o
esperado é que o estudante da 4ª. série atinja, no SAEB, 200 pontos.

Essa situação vai repercutir na imagem que o Brasil apresenta no plano internacional. O relatório
dos resultados do PISA-2003, exame que avalia respostas dos alunos de 15 anos em Leitura,
Matemática e Ciências, coloca o Brasil, ao lado da Tunísia, Indonésia e México, entre os quatro
piores resultados de um grupo de 41 países. Diante disso, surgem algumas questões: O que está
sendo feito em cada escola para favorecer a aprendizagem dos estudantes? Mudanças na gestão da
escola podem contribuir para a melhoria do desempenho escolar? Como ampliar a participação
da comunidade local na escola?

A reflexão e o debate propiciados nesse primeiro programa vão favorecer o desenho de mais um dos
retratos da escola . Assim, no programa 2 ocupará o centro da cena o rico colorido da escola, que se
expressa em sua diversidade cultural. É plenamente reconhecido que, por diversas razões, se
consolidou, no País, nas últimas décadas, a idéia da escola pública como espaço de socialização e
de formação para a cidadania, que deve ser assegurada a todos. Nesse sentido, o acesso e a
permanência têm se constituído um objetivo do poder público, mediante o desenvolvimento de
programas e projetos. Atualmente, o Governo Federal tem investido na escola procurando

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concretizar o compromisso com a educação inclusiva, democrática e de qualidade, a exemplo do
Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, cujo foco de atuação está na sensibilização da
sociedade para a garantia do direito das pessoas com necessidades educacionais especiais e na
formação de uma rede de apoio à política de inclusão educacional e social. Nessa perspectiva, novas
questões são postas para a escola: De que modo a prática pedagógica desenvolvida tem favorecido
a participação de todos os segmentos na escola? A escola tem se organizado para valorizar a
diversidade social, cultural e étnico-racial? Na proposta político-pedagógica está sendo dada
atenção à escolarização de jovens e adultos, à educação indígena, à educação no campo e nas
áreas remanescentes dos quilombos, bem como ao combate às desigualdades educacionais?
Desenvolve projetos voltados para segmentos da população vítima de discriminação e violência?

No terceiro programa desta série, um dos retratos da escola é desenhado pela gestão democrática.
Discute-se, nesse programa, a contribuição da escola pública para a democratização da sociedade,
ao ser um lugar privilegiado para o exercício da democracia representativa. Por outro lado, a forma
de escolha dos dirigentes, a organização dos Conselhos Escolares e dos diversos segmentos da
comunidade escolar, visando à participação, constituem um importante exercício da democracia
participativa. Entende-se que a construção de uma escola pública, democrática, plural e com
qualidade social requer a consolidação e o inter-relacionamento dos diferentes órgãos colegiados.
Perguntamos, então: qual o papel do Conselho Escolar na democratização da escola? De que modo
o Conselho Escolar pode contribuir para a construção do Projeto Político-Pedagógico da escola?
Como os Conselhos Escolares podem funcionar? Em que medida os Conselhos Escolares podem
favorecer a melhoria do desempenho escolar?

No programa 4, continua o debate sobre a democratização da gestão da escola. Só que, dessa feita,
focaliza a autonomia escolar (do ponto de vista pedagógico, administrativo e financeiro), a escolha
de diretores e a participação da comunidade local. Participação e gestão democrática são processos
fundamentais para que a autonomia escolar resulte da construção coletiva e democrática de projetos
que correspondam aos anseios da comunidade escolar. A construção desses projetos implica a
garantia de processos participativos de escolha dos dirigentes escolares e de outros mecanismos de
participação como os Conselhos Escolares. Daí, a importância da vivência de dinâmicas coletivas
de participação nas esferas de poder e de decisão para a efetivação de uma participação cidadã.
Diante disso, algumas perguntas emergem: Como incentivar práticas colegiadas que fortaleçam a
direção da escola e o Conselho Escolar? Como ampliar os espaços de decisão compartilhada?

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No programa 5, veremos que o desafio de ser uma escola cidadã e contemporânea vai traçar um dos
mais novos e promissores retratos da escola. Inserida numa sociedade de consumo, a escola se
depara com inúmeros problemas, tais como, violência, drogas, etc. A formação crítica dos
estudantes constitui um desafio. Para enfrentar esses problemas, a escola precisa se organizar de
forma criativa e inovadora, de modo a favorecer a aprendizagem dos estudantes e os processos
compartilhados de decisão. A consolidação efetiva da gestão democrática expressa os compromissos
assumidos por todos os atores conscientes da função emancipadora da escola. Em face do exposto,
indagamos: De que modo podem ser implementadas práticas colegiadas na escola que favoreçam a
ampliação dos espaços de decisão?Como pode ser incentivado o envolvimento dos diversos
segmentos na elaboração e no acompanhamento do projeto pedagógico?

Temas que serão debatidos na série Retratos da escola , que será apresentada no programa Salto
para o Futuro/TV Escola, de 27 de junho a 1 de julho de 2005:

PGM 1 - A escola básica no Brasil: ao vivo e a cores

Com base nos dados do Censo Escolar e no SAEB, busca-se traçar um dos retratos da educação
básica no país, mediante a análise de alguns indicadores. Procura-se evidenciar a escola como
espaço de formação cidadã.

PGM 2 - Diversidade cultural: riqueza e desafio da escola

O programa focaliza a escola pública como espaço de socialização e de formação para a cidadania,
que deve ser assegurada a todos. Discute as medidas e os mecanismos que asseguram o acesso e a
permanência em uma escola de qualidade social.

PGM 3 - A gestão democrática da escola

O programa focaliza a gestão democrática destacando a escola como espaço de exercício da


democracia representativa e da democracia participativa. Discute a forma de escolha dos dirigentes,
a organização dos Conselhos Escolares e a participação dos diversos segmentos da comunidade
escolar nos processos decisórios.

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PGM 4 - A construção coletiva dos projetos pedagógicos

O programa enfatiza a importância da vivência de dinâmicas coletivas de participação nas esferas


de poder e de decisão para a efetivação de uma participação cidadã. Discute a autonomia escolar, o
papel de gestores e professores na construção dos projetos pedagógicos.

PGM 5 – Escola cidadã: demandas e perspectivas

O programa focaliza as múltiplas demandas da sociedade em relação à escola. Para enfrentar os


problemas e os desafios do ambiente em que está inserida, a escola precisa se organizar de forma
criativa e inovadora, de modo a favorecer a formação qualificada dos estudantes.

Fonte dos dados: Avaliação Técnica do Plano Nacional de Educação – Comissão de Educação e
Cultura/Câmara dos Deputados – Brasília – 2004.

Nota

1 Professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco.


Consultora da série.

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PROGRAMA 1

A ESCOLA BÁSICA NO BRASIL: AO VIVO E A CORES

Educação básica: um retrato

Carlos Roberto Jamil Cury 1

O conceito de educação básica é um conceito avançado, pelo qual o olhar sobre a educação
ganhou uma nova significação e estrutura.

A Constituição Federal de 1988, cujo avanço em matéria de direitos é inequívoco, e a LDBEN


assumiram este conceito. O art. 21 da LDBEN define a educação nacional com três etapas
sucessivas: a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.

A Educação Infantil 2 , primeira etapa da educação básica, se subdivide em creche (de zero a três
anos) e pré-escola (de quatro a cinco ou de quatro a seis anos). Já o Ensino Fundamental, atribuição
de municípios e estados, que é gratuito em escolas públicas, obrigatório para todos (na faixa de sete
a quatorze anos), pode iniciar-se aos seis anos 3 . O Ensino Médio, etapa conclusiva da educação
básica, competência dos estados, é gratuito nos estabelecimentos estatais e vai dos quinze aos
dezessete anos sendo progressivamente obrigatório. Segundo o Plano Nacional de Educação, em
2011, o Ensino Médio deverá ser universalizado e obrigatório para a faixa dos quinze aos dezessete
anos.

A educação básica é direito do cidadão e dever do Estado, mas a obrigatoriedade inarredável do


Estado, da família e do indivíduo-cidadão é inerente apenas ao Ensino Fundamental – é direito
público subjetivo 4 .

A LDBEN, no art. 22, estabelece os fins da educação básica:

A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em
estudos posteriores.

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Esse conceito, original e amplo, em nossa legislação educacional, é fruto de muita luta e de esforço
histórico por parte de educadores 5 . Sua intencionalidade maior está posta no art. 205 da
Constituição Federal:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

A formação docente está diretamente voltada para essas etapas. Na Educação Infantil e nos 4
primeiros anos do Ensino Fundamental estão habilitados a exercer o magistério os formados no
curso normal médio, ou no curso normal superior ou em faculdades de Pedagogia, quando essas
explicitamente contenham essa habilitação. Já nos 4 últimos anos do Ensino Fundamental e nos
anos do Ensino Médio só podem exercer o magistério os formados em licenciaturas ou,
excepcionalmente, os que fizeram a formação pedagógica.

A mola insubstituível que põe em marcha este direito a uma educação básica é (ou deve ser) a ação
responsável do Estado e suas obrigações correspondentes. Sendo a educação escolar um serviço
eminentemente público da cidadania, a nossa Constituição a reconhece como o primeiro dos direitos
sociais e como dever do Estado, no seu artigo 6º.

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.

Quando autorizada pelo Estado a oferecer este serviço, a instituição privada pode prestar esse
serviço de caráter público inerente à educação escolar (finalidade), ainda que sendo pessoa jurídica
de direito privado (meio).

Mas a educação básica se articula com o caráter federativo do Estado Nacional Brasileiro. O
Brasil, Estado Democrático de Direito, é um país federativo 6 . E um país federativo supõe o
compartilhamento do poder e a autonomia relativa das circunscrições federadas em suas áreas de
competência próprias. Outra característica de uma organização federativa é a não centralização do
poder em um único locus, ou seja : um certo grau de unidade convive com o partilhamento relativo

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de poderes, sem amordaçar a diversidade. E, na forma federativa adotada pela CF/88, com 27
estados e mais de 5.500 municípios, a realização do sistema federativo deve(ria) se dar por um
regime de cooperação recíproca constitucionalmente prevista. Sem esse regime de cooperação
recíproca, que inclui a divisão de tributos, dificilmente o Brasil poderá encontrar os caminhos para
superar os problemas que o atingem. E sem a compreensão do federalismo, dificilmente se poderão
entender os modelos institucionais de formação docente.

O Brasil é, pois, uma República Federativa formada pela União indissolúvel dos estados,
municípios e Distrito Federal, todos entes federativos e autônomos em suas áreas de competências.

Para dar conta deste modelo federado e cooperativo, a Constituição compôs um ordenamento
jurídico complexo no qual coexistem as finalidades gerais e comuns com competências privativas
de cada ente federativo, competências concorrentes entre si, com a eventual possibilidade de
delegação de competências. Junto a essas, associam-se também as competências comuns a todos os
entes federativos 7 .

Percebe-se, pois, que, ao invés de um sistema hierárquico/dualista, comumente centralizado, a


Constituição Federal montou um sistema de repartição de competências e atribuições legislativas
entre os integrantes do sistema federativo, dentro de limites expressos, reconhecendo a dignidade e
a autonomia próprias dos mesmos, enquanto poderes públicos, e a necessidade da cooperação
recíproca e entendimento mútuo entre os entes federativos.

No caso da educação escolar, a Constituição não optou por criar um sistema nacional de educação
ou um sistema único. A escolha foi por uma pluralidade de sistemas de ensino (art. 211), cuja
articulação mútua exige uma engenharia consociativa por meio de finalidades gerais e respeito às
competências. Temos quatro sistemas de educação: o federal, os estaduais, os municipais e o
distrital 8 . As leis nacionais, com suas normas e diretrizes gerais, devem ser acatadas por todos os
sistemas.

Mas há um condicionante: é preciso não ignorar a situação do Brasil em matéria socioeconômica


e vê-lo como suscetível de superar, por meio de políticas sociais redistributivas e de
reconhecimento, suas desigualdades sociais, discriminações étnicas e disparidades regionais.
Afirmar a relação entre o contexto socioeconômico e a educação é não se abster de um realismo

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indispensável para uma política educacional emancipatória. Nesse sentido, não é novidade que nem
a educação escolar foi prioridade de governos nacionais e regionais durante séculos, nem as
heranças dessa situação foram eliminadas. Sabe-se o quanto a alta concentração da renda em
camadas privilegiadas é perversa para o desenvolvimento social. O impacto dessa situação sobre as
camadas populares e sobre o corpo docente é altamente negativo e interfere no acesso, na
permanência e na qualidade da escolaridade oferecida.

A situação educacional do país, em contraste com os benefícios que a educação propicia e em


contradição com os valores sustentados por uma legislação avançada, se revela excludente.

Alguns dados: aproximando-se do campo

A Educação Infantil, voltada para um universo de 22 milhões de crianças entre zero a seis anos,
hoje acolhe, nas creches – primeiro segmento destinado a crianças de zero a três anos –, apenas
1.236.814 crianças. A rede privada abrange 469.229 crianças. Por sua vez, a pré-escola – segundo
segmento da Educação Infantil, consagrado a crianças de 4 a 6 anos-, recebe 5.160.787 alunos, dos
quais 1.371.679 na rede privada.

Atuam, nessa etapa da educação, 345.341 docentes. Desses, 230.238 possuem o curso de formação
chamado ensino normal médio e 97.895 possuem o ensino superior. Ou seja, dos docentes em
exercício, 17.208 deles não possuem o mínimo legal exigido para essa etapa, isto é o curso normal
médio.

O Ensino Fundamental, gratuito – direito público subjetivo –, cercado de programas de assistência


técnica, financeira e didática, inclusive merenda, apoiado por mecanismos jurídicos vinculantes de
proteção do direito, se destina a todos os cidadãos brasileiros e é obrigatório para adolescentes entre
sete e catorze anos. Ele atende a 34.719.506 alunos sendo 31.445.336 nas redes públicas dos
sistemas de ensino. Se no conjunto dos oito anos obrigatórios estão presentes na escola mais de
97% da população dessa faixa etária, ou seja, quase 20% da população brasileira, efetivando o
princípio do acesso, a trajetória escolar dos mesmos revela o grave déficit em matéria de
permanência e qualidade. O número de matrículas no primeiro ano do Ensino Fundamental se
aproxima de 5.600.000 e não chega a 2.900.000 no oitavo ano. Por outro lado, as avaliações de
desempenho escolar indicam que muitos alunos lêem mal e escrevem com erros e muita

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 13


dificuldade.

Os docentes atuantes no conjunto do ensino obrigatório perfazem um total de 1.603.851. Desses,


811.112 exercem a docência nos 4 primeiros anos do Ensino Fundamental. Possuem o ensino
normal médio 503.664 docentes e 293.083 possuem o ensino superior. Logo, para atingir o mínimo
legal, ainda carecem de formação no normal médio 14.365 docentes.

Já os 4 anos finais do segundo segmento dessa etapa contam com 823.485 docentes. Possuem
formação superior 635.110 docentes e 188.738 possuem o Ensino Médio. Esses últimos,
forçosamente, devem fazer o ensino superior.

O Ensino Médio, conceituado como etapa conclusiva da educação básica, voltado para jovens de 15
a 17 anos, absorve, em seus três anos de duração, 9.132.698 matrículas, sendo que mais da metade
no turno noturno e com pessoas de mais de 17 anos. Mas o número de concluintes fica próximo de
2.000.000.

Atuam, nessa etapa do ensino, 488.378 docentes dos quais 440.405 possuem o ensino superior. Se
tomarmos como referência a exigência de formação superior para os próximos 6 anos, posta em
metas do Plano Nacional de Educação : 2001-2011 , chegamos ao número de mais de 800.000
docentes que ainda devem fazer o ensino superior.

O salário médio dos professores da Educação Infantil fica próximo de R$ 430,00 (algo como 160
dólares), o dos professores que atuam no 1 o e no 2 o ciclo do Ensino Fundamental se aproxima de
R$ 470,00 (US$ 175). O docente do 3 o e 4 o ciclos ganha em torno de R$ 605,00 (US$ 225) e o
que trabalha no Ensino Médio, R$ 700,00 (US$ 260).

A pergunta mais ampla que se tira desse quadro é óbvia: quanto de igualdade social ainda é preciso
para que se atinja uma cidadania nacional digna dos direitos civis, políticos e sociais? Mais do que
isso: quais são as reais oportunidades de sustentação da democracia quando a desigualdade não dá
mostras de efetivo recuo 8 ? Será possível a exclusiva responsabilização dessa realidade por conta
da formação dos docentes?

Estamos diante de um desafio instaurador de um processo cuja efetivação amplia a democracia e

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 14


educa para a cidadania, rejuvenesce a sociedade e irriga a economia, no qual está o desafio da
formação de profissionais qualificados, famílias com melhor renda e uma administração mais
racional dos recursos.

Espera-se que, com a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica


e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb, o atual governo marque uma identidade
que não prive nenhum brasileiro de um direito fundamental da pessoa humana, como é o da
educação, para viver a cidadania com dignidade.

Notas

1 Doutor em Educação pela PUC-SP. Professor e pesquisador da PUC-MG.

2 A Educação Infantil é de responsabilidade executiva dos municípios que, nessa


função, devem ser apoiados técnica e financeiramente pelos estados e pela União.

3 Tal possibilidade depende da autonomia dos estados e dos municípios. Contudo,


atualmente, o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei n. 10.172/01, prevê o início
do Ensino Fundamental aos seis anos à medida que for sendo universalizado o
atendimento na faixa de 7 a 14 anos. A atual gestão do Ministério da Educação
envida esforços no sentido de antecipar esse atendimento e de apoiar estados e
municípios que tomam a decisão de ampliar o início do Ensino Fundamental para 9
anos. É o caso do Estado de Minas Gerais.

4 O financiamento da educação no Brasil está disposto na Constituição. A União


deve despender 18% em educação tomando-se como referência o conjunto de seus
impostos. Já os estados, municípios e Distrito Federal devem aplicar, pelo menos,
25% dos seus impostos. Entretanto, o Ensino Fundamental possui uma
subvinculação específica e própria que envolve todos os entes federativos por meio
do Fundo de Valorização do Magistério e de Desenvolvimento do Ensino
Fundamental (FUNDEF).

5 Desde 1932, a partir do famoso “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, os


educadores se empenham tanto pela ampliação do ensino obrigatório quanto pela
formação superior dos docentes.

Embora o regime federativo possa se dar de vários modos, na América do Sul, a


Argentina com suas províncias e a Venezuela com seus estados acompanham o
Brasil nessa forma de divisão político-administrativa.

6 Isso possibilita tanto a existência de uma rede pública de ensino superior nos
estados quanto uma margem de flexibilidade para eles e para suas instituições,
inclusive em planos de carreira, cargos e salários dos docentes, desde que
observadas as normas gerais nacionais.

7 O sistema distrital se refere ao Distrito Federal, em cujo território se situa Brasília,


a capital federal.

8 Segundo um estudo recente feito pela Universidade Estadual de Campinas


(UNICAMP), para reverter a situação social, seria preciso o aporte de 2,8 trilhões de
dólares em 15 anos. Dentro disso, a educação deveria contar com 650 bilhões de
dólares nos mesmos 15 anos. O PIB brasileiro está em torno de hum trilhão e 300
milhões de reais, ou seja, algo em torno de 500 bilhões de dólares ou 360 bilhões de
euros. Hoje, o gasto oficial com toda a educação pública (básica e superior) está
perto dos 54 bilhões de reais, ou seja, 15 bilhões de euros ou 21 bilhões de dólares.
Isso significa perto de 4% do PIB.

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 15


A democratização da educação básica no Brasil 1

Regina Vinhaes Gracindo 2

• Democratizar a educação básica: o que vem a ser isso?

A luta pela democratização da educação, de forma geral, e da educação básica, em particular, tem
sido uma bandeira dos movimentos sociais no Brasil, de longa data. Pode-se identificar em nossa
história inúmeros movimentos, gerados na sociedade civil, que exigiam (e exigem) a ampliação do
atendimento educacional a parcelas cada vez mais amplas da sociedade. O Estado, de sua parte,
vem atendendo a essas reivindicações de forma muito tímida, longe da universalização esperada.

Nas diversas instâncias do Poder Público – União, estados, Distrito Federal e municípios – pode-se
perceber um esforço no sentido do atendimento às demandas sociais por educação básica, porém de
forma focalizada e restritiva. A focalização se dá na ampliação significativa do acesso a apenas um
dos segmentos da educação básica: o Ensino Fundamental, com um atendimento de 34.012.434
estudantes (INEP, 2004). Mas mesmo nesse segmento há uma restrição evidente, pois somente as
crianças de sete a quatorze anos são privilegiadas na oferta obrigatória do Ensino Fundamental.
Com isso, tanto os jovens e adultos ficam à margem do atendimento no Ensino Fundamental, como
as crianças de zero a seis anos, clientela da Educação Infantil, e os jovens, clientela do Ensino
Médio, têm um atendimento ainda insuficiente, pelo Estado.

Importante destacar que a democratização da educação não se limita ao acesso à escola. O acesso é,
certamente, a porta inicial para o processo de democratização, mas torna-se necessário também
garantir que todos que ingressam na escola tenham condições para nela permanecerem, com
sucesso. Assim, a democratização da educação faz-se com acesso e permanência de todos no
processo educativo, dentro do qual o sucesso escolar é reflexo de sua qualidade. Mas somente essas
três características ainda não completam o sentido amplo da democratização da educação.

Se de um lado, acesso, permanência e sucesso caracterizam-se como aspectos fundamentais da


democratização da educação, de outro, o modo pelo qual essa prática social é internamente
desenvolvida pelos sistemas de ensino e escolas torna-se a chave mestra para o seu entendimento.

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 16


Essa última faceta da democratização da educação indica a necessidade de que o processo educativo
seja um espaço para o exercício democrático . E para que isso aconteça é forjada uma nova forma
de conceber a gestão da educação: uma gestão democrática.

A gestão democrática pode ser considerada como meio pela qual todos os segmentos que compõem
o processo educativo participem da definição dos rumos que a escola deve imprimir à educação e da
maneira de implementar essas decisões, num processo contínuo de avaliação de suas ações. Como
elementos constitutivos dessa forma de gestão podem ser apontados: participação, autonomia,
transparência e pluralidade (ARAÚJO, 2000). E como instrumentos de sua ação, surgem as
instâncias diretas e indiretas de deliberação, tais como conselhos e similares, que propiciam espaços
de participação e de criação da identidade do sistema de ensino e da escola. Assim, a gestão
democrática da educação “trabalha com atores sociais e suas relações com o ambiente, como
sujeitos da construção da história humana, gerando participação, co-responsabilidade e
compromisso” (BORDIGNON & GRACINDO, 2001, p. 12).

Democratização da educação, nesse sentido, vai além das ações voltadas para a ampliação do
atendimento escolar. Configura-se como uma postura que, assumida pelos dirigentes educacionais e
pelos diversos sujeitos que participam do processo educativo, inaugura o sentido democrático da
prática social da educação.

• A educação básica no Brasil: qual seu retrato?

Para analisar como vem se desenvolvendo a democratização da educação no Brasil, é importante


verificar alguns indicadores que dão a dimensão do acesso, permanência e sucesso dos estudantes
no processo educativo.

Dados do IBGE (2003) evidenciam a situação do Brasil quanto à alfabetização, freqüência à creche
e escola, anos de estudo e série ou nível educacional concluído pela população brasileira. Eles
indicam que em 2002:

• havia 14,6 milhões de pessoas analfabetas;

• as taxas de analfabetismo da área rural eram, em média, quase três vezes maiores que as da área

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 17


urbana;

• a taxa de escolarização das crianças de 7 a 14 anos atingia a quase universalização, com


atendimento de 97%;

• aproximadamente um terço da população brasileira estudava;

• apenas 36,5% das crianças de zero a seis anos freqüentavam creches ou escolas;

• no Nordeste, apenas 72% das crianças de quatro a seis anos estavam na escola;

• quanto maior o nível de rendimento familiar per capita , maior a taxa de escolarização de crianças
de quatro a seis anos de idade, onde apenas 26,8% dos 20% mais pobres estudavam em contraste
com 52,4% dos 20% mais ricos;

• 78% das pessoas de quinze a dezessete anos estudavam e apenas 34% dos de dezoito a vinte e
quatro anos, sendo que, destes, 71% ainda estavam no Ensino Fundamental ou Médio;

• a defasagem idade-série continua sendo um dos grandes problemas da educação básica e, como
exemplo, verifica-se o índice alarmante: 65,7% dos estudantes de quatorze anos estão defasados,
sendo que no Nordeste esse índice chega a 85%;

• a população brasileira com mais de dez anos tinha, em média, apenas 6,2 anos de estudo;

• no grupo de vinte e cinco anos ou mais de idade cerca de 70% não tinham completado sequer um
ano de estudo;

• o nível de rendimento familiar influencia decisivamente nos anos de estudo da população adulta,
mostrando um diferencial de 7 anos de estudo entre o primeiro e o quinto grupo da distribuição de
renda (os mais pobres e os mais ricos).

A esse quadro perverso, agregam-se significativas diferenças educacionais encontradas entre os

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 18


grupos étnicos; a importante diferença de desempenho entre as áreas rurais e urbanas; a alta
dispersão dos estudantes , que gera grande discrepância interna nos resultados de muitos grupos
etários, e, finalmente, o baixo rendimento nominal mensal per capita da grande maioria dos
estudantes brasileiros. Esses dados demonstram claramente como é flagrante a reprodução das
diferenças sociais na escolarização brasileira.

Com esses dados, constata-se que o Estado brasileiro não vem cumprindo sua tarefa de oferecer
educação em quantidade e qualidade para a nação brasileira. Como conseqüência, uma parcela
significativa dos brasileiros não possui as condições básicas para serem cidadãos participantes de
uma sociedade letrada e democrática. Esta parece ser uma forma de exclusão social, cuja base é a
exclusão escolar.

• Possibilidades de mudança: por onde começar?

Pode-se perceber a dura e difícil tarefa que o Estado brasileiro tem à sua frente, no sentido de
promover e implementar políticas educacionais que interfiram nesse quadro negativo e que efetivem
a educação de qualidade, como direito da cidadania.

São duas as principais frentes de políticas que precisam ser estabelecidas pelo poder público:
políticas de financiamento e políticas de gestão democrática. A primeira dará as condições concretas
sobre as quais se sustentarão as demais políticas. A segunda delimitará o caminho pelo qual o
processo de democratização da educação poderá ser alcançado.

Sobre as políticas de financiamento da educação, diferentemente do que historicamente vem


acontecendo, cabe à área educacional a tarefa de delimitá-las, pois é ela quem pode identificar os
recursos para o desenvolvimento das ações no âmbito da educação básica. Isto porque as verbas
públicas a serem destinados à educação precisam ser conseqüência de um projeto político-
pedagógico a ser implementado pela União, estados, Distrito Federal, municípios e escolas. Com
essa equação estabelecida, é possível imaginar que a educação deixe de ser discurso e passe a ser
prioridade do Estado brasileiro e não apenas uma atividade de governo, subordinada à área
econômica.

Como exemplo da urgência de se estabelecer uma política de financiamento para a educação, basta

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 19


analisar o Plano Nacional de Educação (PNE) que está em vigência desde 2001. Ele estabelece uma
série de objetivos e metas para a melhoria da educação brasileira, que deverão ser cumpridas no
prazo de dez anos. Depois de muitas discussões, no Congresso Nacional e na sociedade civil,
chegou-se à conclusão de que os aproximadamente 4,5% do PIB 3 , que atualmente são gastos com
a educação, são absolutamente insuficientes para a abrangência e amplitude da ação educacional.
Com isso, os movimentos sociais indicaram que não menos que 10% do PIB deveriam ser o
investimento do Estado na área. O Congresso Nacional estabeleceu, no entanto, o índice de 7%
como o mínimo para o desenvolvimento do PNE. Ocorre que nem mesmo esse último percentual
aprovado pelo Congresso Nacional foi aceito pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo
sido vetado juntamente com outros importantes aspectos previstos no PNE.

Uma das possibilidades de melhoria do financiamento da educação básica acaba de ser enviada ao
Congresso Nacional como uma Proposta de Emenda Constitucional, criando o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (Fundeb). O novo Fundo prevê mais recursos para melhorar o salário dos professores,
aumentar o número de vagas, equipar as escolas públicas, ampliar o acesso à escola e a qualidade da
educação, beneficiando cerca de 47,2 milhões de estudantes da Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Médio. Pelas regras do Fundeb, pelo menos, 60% do valor anual do Fundo serão
destinados à remuneração dos profissionais do magistério e o restante dos recursos será aplicado
exclusivamente na manutenção e desenvolvimento da educação básica.

Outra política que certamente concorrerá para a democratização da educação básica é a Gestão
Democrática nas escolas públicas, já estabelecida pela Constituição de 1988, mas ainda carente de
regulamentação. Com isso, espera-se que a experiência democrática a ser vivenciada pelos diversos
segmentos sociais seja o caminho tão esperado para a conscientização da sociedade a respeito da
importância da educação para o desenvolvimento econômico, cultural e político do Brasil. Sabe-se
que a educação sozinha não resolverá os problemas estruturais do Brasil, mas sabe-se, também, que
sem ela eles certamente não poderão ser resolvidos.

Uma política clara de gestão democrática deverá estabelecer, para as diversas instâncias do Poder
Público e para a escola, espaços para a participação da sociedade na tarefa de transformar a dura
realidade educacional. A implantação do Fórum Nacional de Educação, retirado da LDB, uma
revisão na composição e atribuições do CNE, o fortalecimento dos Conselhos Estaduais e

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 20


Municipais de Educação e a implantação de Conselhos Escolares em todas as escolas são
instrumentos importantes para a desejada experiência democrática.

Além disso, a escolha democrática dos dirigentes escolares e a consolidação da autonomia das
escolas alinham-se aos colegiados com a finalidade de desvendar os espaços de contradições
gerados pelas novas formas de articulação dos interesses sociais. A partir do conhecimento destes
espaços, certamente presentes no cotidiano da vida escolar e das comunidades, é que será possível
ter os elementos para a proposição e construção de um projeto educacional inclusivo (AZEVEDO &
GRACINDO, 2004, p. 34).

Essas políticas públicas, entendidas como ações estabelecidas para a transformação da realidade,
certamente sinalizarão o caminho da construção de uma sociedade mais justa e igualitária, em que a
educação, para ser um dos alicerces da cidadania, precisa ser, necessariamente, democrática e de
qualidade para todos.

Referências Bibliográficas

ARAÚJO, Adilson César de. Gestão democrática da educação: a posição dos docentes.
PPGE/UnB. Brasília. Dissertação de Mestrado, mimeog., 2000.

AZEVEDO Janete & GRACINDO Regina Vinhaes. Educação, Sociedade e Mudança. Brasília:
CNTE, 2004.

BORDIGNON, Genuíno & GRACINDO, Regina Vinhaes. Gestão da Educação: o município e a


escola. In: FERREIRA, Naura & AGUIAR, Márcia (orgs.). Gestão da Educação: impasses,
perspectivas e compromissos . São Paulo: Cortez, 2000.

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1998/2003.

IBGE. Síntese dos Indicadores Sociais, 2003.

INEP/MEC - Censo Escolar de 2004.

Notas

1 Texto especialmente elaborado para a TV Escola, programa Salto Para o Futuro.

2 Professora e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da


UnB.

3 Produto Interno Bruto – indicador da riqueza do país

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 21


PROGRAMA 2

DIVERSIDADE CULTURAL: RIQUEZA E DESAFIO DA ESCOLA

Políticas de ensino e de formação: desafios para a gestão da educação

Naura Syria Carapeto Ferreira 1

Políticas de formação e políticas de ensino significam desafios para a gestão da educação. As


políticas educacionais são diretrizes ou linhas de ação que definem ou norteiam o trabalho
educacional e lhe dão sentido, e é a gestão da educação que coloca em prática os objetivos das
políticas educacionais, a fim de concretizar as direções traçadas, como processo de coordenação da
execução de uma linha de ação que vai gerar novas políticas na interação com a realidade. Dessa
forma, pensar em políticas de formação significa comprometer-se com as diretrizes e bases da
educação nacional expressas na Lei n. 9.394/96. A Carta Magna nacional “disciplina a educação
escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino , em instituições próprias”
(BRASIL, 1996, Art. 1º § 1º). Significa, pois, entender o imenso valor do ensino de qualidade que
deve ser desenvolvido na educação escolar como fundamental instrumento que habilita o aluno à
conquista da cidadania . Significa entender que a nossa Carta Magna da Educação Nacional
expressa uma política de ensino que não se reduz, nem se circunscreve ao tratamento do ensino de
forma restrita, específica e isolada, mas que prescreve todas as diretrizes e bases que possam
garantir um ensino de qualidade que prepare para o “exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho” (BRASIL, 1996, Art. 2º), tendo com base a ética.

Significa, portanto, comprometer-se, através do ensino, com as questões que afetam o


desenvolvimento da humanidade, que se expressa em cada ser humano que não tem a possibilidade
de se desenvolver. Significa, portanto, compromisso com os menos favorecidos, que têm
dificuldades históricas e teóricas de acesso ao conhecimento, com as crianças que não têm nem o
alimento, muito menos a escola para se desenvolverem e se tornarem, através da educação,
realmente cidadãs. Pensar em políticas de ensino significa pensar em como, através do ensino,
pode-se intervir na realidade em que vivemos e, efetivamente, buscar transformá-la, tornando-a
mais humana, através do acesso de todas as pessoas aos seus direitos de cidadania.

Esta compreensão já estabelece o vínculo indissociável entre políticas de ensino e políticas de

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 22


formação, pois só existe um ensino de qualidade se houver professores qualificados para ministrá-
lo, o que implica uma política de formação de professores e de profissionais da educação de
altíssima qualidade, que contenha o compromisso de fornecer a esses profissionais as condições de
compreender o mundo em que vivemos, guiado pela globalização econômica e dirigido pela
hegemonia do capital que “dita” as normas para os países periféricos numa “solidariedade” bancária
que humilha e serviliza.

Destacamos que qualidade exige qualificação de quem a produz. Não existe qualidade sem
qualificação, como é impossível existir uma determinada qualificação sem uma determinada
qualidade. E a qualidade, assim como o ensino, não é neutra, pois estamos falando de seres
humanos, estamos falando de intencionalidade, de princípios, de finalidades, de formação, de
qualificação, de realizações. Políticas de ensino, portanto, pressupõem políticas de formação de
qualidade, de uma determinada qualidade que possua compromissos sociais e não compromissos
econômicos.

A garantia do desenvolvimento da qualidade do ensino e da qualificação de professores, em


consonância com as políticas públicas que estabelecem o norte, vai ser possibilitada pela gestão da
educação, entendida como “coordenação e direção de uma prática que concretiza uma linha de ação,
um plano, uma política como orientação mais geral de um processo a ser realizado” (FERREIRA,
2003, p. 108). Portanto, pensar a gestão da educação no âmbito das políticas que a norteiam e
configuram a cidadania de seus atores conduz a pensar as políticas de ensino relacionadas às
políticas de formação. Torna-se evidente, portanto, que são compromissos da gestão da educação
garantir a qualidade do ensino, a partir dos princípios da educação brasileira expressos pela política
educacional no contexto mundial em que o Brasil se encontra com todas as contradições, fascínios,
disputas, conquistas, lutas, formas de vida e de viver. Em suma, nas diversas “culturas” que se
traduzem no que denominamos “cultura globalizada” 2 :

“(...) que significa o rico, complexo e imenso conjunto de culturas que se entrecruzam no planeta,
impondo suas peculiaridades e diferenças e exigindo respeito aos seus modus vivendi , formatos e
desenvolvimentos. São inúmeras e incontáveis culturas que, concomitantemente, se desenvolvem,
se expõem e defendem seus princípios, valores e costumes intercambiando diferenças e
antagonismos. Esta expressão é, aqui, utilizada com a intencionalidade de chamar a atenção para a
complexa ‘teia de relações' que se estabeleceu e se estabelece, a todo momento, numa rede de

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 23


informações e inter-relações que ‘bombardeiam' mentes e corações com novos/velhos valores,
idéias, costumes, descobertas, invenções, nomenclaturas diferenciadas, contraditórias e díspares
povoando conjuntamente todos os espaços” (FERREIRA, 2003, p. 31).

Pensar em políticas de ensino significa pensar em políticas de formação de profissionais e de


cidadãos para este mundo globalizado, repleto de contradições e violências, a partir dos princípios
da educação emanados da nossa Carta Magna. Estes são os compromissos da gestão da educação,
que se efetivam em todos os âmbitos da escola e, principalmente em sala de aula, onde se
concretizam através do ensino.

Seus princípios são os princípios da educação que a gestão assegura serem cumpridos – uma
educação comprometida com a “sabedoria” de viver junto, respeitando as diferenças, comprometida
com a construção de um mundo mais humano e justo para todos os que nele habitam,
independentemente de raça, cor, credo ou opção de vida.

É responsabilidade das políticas educacionais, dos profissionais da educação, da organização


escolar, de gestão na tomada de decisões que se garanta uma outra qualidade do ensino
comprometida com uma cultura de verdade, uma cultura humana que tenha significado para os
homens que a vivem. Como bem afirmou GRAMSCI (1976, p. 103), quando questionado a respeito
do significado de um ensino de qualidade, já que ao seu ver o ensino se reduzia ao que denominava
uma “mísera coisa em si”: “A melhor resposta consiste em fazer alguma

coisa de melhor, na demonstração concreta que se pode fazer de melhor e que é reunir um público à
volta de um fogo de cultura, contanto que este fogo seja vivo e aqueça de verdade”.

Pensar em políticas de ensino significa pensar em políticas de formação de professores, de


profissionais da educação e, conseqüentemente, nos compromissos da gestão da educação. Significa
conceber o ensino como um ato de libertação porque ministrado por professores dignos desse
nome.

Urge compreender, praticar e disseminar a fraternidade, a solidariedade, a justiça social, a


emancipação humana e a bondade que, mais do que nunca, precisam ser assimiladas e incorporadas
como compromisso do “ensino que é educação e, como tal, participa da natureza do fenômeno

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 24


educativo” (SAVIANI, 2003, p.12).

Urge ter esperança de um mundo mais humano, porque a história dos homens e de suas
instituições é feita pelos homens que fazem a vida e constroem o seu mundo. Esperança porque
esta construção – que é sua, que é nossa – está agora, novamente, apenas começando, repleta de
novos significados. E, desta forma, a esperança é possibilidade. Possibilidade de fazer, de
continuar, de fazer acontecer. Não existe esperança sem um horizonte, e este horizonte é o futuro
que necessita ser construído por todos nós sob a firme e sábia direção dos profissionais da
educação – dignos desse nome - que desenvolvem o ensino como um ato de libertação.

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei n º 9.394, de 20.12.96. Estabelece as Diretrizes de Bases da Educação Nacional. In:
Diário Oficial da União . Ano CXXXIV, n º 248, de 23.12.96, pp. 27.833-27.841, 1996.

__________. Gestão democrática da educação: ressignificando conceitos e possibilidades. In:


FERREIRA, N. S. C. & AGUIAR, M. A. Gestão da educação: impasses, perspectivas e
compromissos . 4ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 2004.

_________. Formação continuada e gestão da educação no contexto da “cultura globalizada”. In:


FERREIRA, N. S. C. Formação continuada e gestão da educação. São Paulo: Cortez Editora,
2003.

________. FERREIRA, N. S. C. Políticas de ensino e políticas de formação; compromissos da


gestão da educação . In: ROMANOWSKI, J. P.; MARTINS, P. L. & JUNQUEIRA, S. R. XII
ENDIPE - Conhecimento local e conhecimento universal: práticas sociais - aulas, saberes,
políticas . Vol. IV. Curitiba: Editora Champagnat, 2004. p. 257-269.

GRAMSCI, A. Escritos políticos. Vol. 1. Lisboa: Seara Nova, 1976.

SAVIANI, D. “Sobre a natureza e especificidade da educação”. In: SAVIANI, D. Pedagogia


histórico-crítica: primeiras aproximações. 8ª ed. revista e ampliada. Campinas/SP: Autores
Associados, 2003.
Notas

1 Professora Titular da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da


Universidade Tuiuti do Paraná/Brasil. Professora (aposentada) da Universidade
Federal do Paraná. Coordenadora do Programa de PPG-ED da UTP. Curitiba. Pr.
Brasil.

2 “Cultura globalizada” significa, pois, uma poderosa imagem cultural que exige um
novo nível de conceptualização de todas as inúmeras e incontáveis culturas locais,
regionais, estatais, ocidentais e orientais, do Norte e do Sul que estão “postas a nu”,
divulgadas ao mundo que assiste encantado e perplexo a este “multiculturalismo”
que necessita ser acatado e respeitado. “Cultura globalizada” é a expressão que
contém a diversidade de tudo e de todos na unidade dos limites do mundo. “Cultura
global” é o contraditório “conceito” que necessita ser investigado e compreendido

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 25


para se falar de uma nova cidadania, a “cidadania global” (FERREIRA, 2003, p. 31).

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 26


PROGRAMA 3

A GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA

Gestão democrática da educação e mecanismos de participação coletiva

Luiz Fernando Dourado 1

A educação compreende todas as manifestações humanas que buscam a apropriação da cultura


produzida pelo homem. A escola, nesse cenário, é o espaço privilegiado de produção e socialização
do saber e deve se organizar por meio de ações educativas que visem à formação de sujeitos
concretos: éticos, participativos, críticos e criativos. Ou seja, à organização escolar compete o papel
de contribuir para a disseminação do saber historicamente acumulado, bem como para a produção
de novos saberes.

A efetivação de novos processos de organização e gestão, baseados em uma dinâmica que favoreça
os processos coletivos e participativos de decisão, é fundamental para que a escola cumpra com as
suas finalidades sociais. Nesse sentido, a participação constitui uma das bandeiras fundamentais a
serem implementadas pelos diferentes atores que constroem o cotidiano escolar e que buscam a
democratização da escola e da gestão.

A democratização dos sistemas de ensino e da escola implica, portanto, o aprendizado e a vivência


do exercício de participação e tomadas de decisões. Trata-se de processo, a ser construído
coletivamente, que deve considerar a especificidade e a possibilidade histórica de cada sistema de
ensino (municipal, estadual ou federal), de cada escola. O importante é compreender que esse
processo não se efetiva por decreto, portaria ou resolução, mas deve ser resultante, sobretudo, da
concepção de gestão e de participação que temos e dos processos de mobilização articulados a esta.

Nesse percurso, a definição da concepção e, portanto, do alcance e da natureza política e social da


gestão democrática que se quer implementar é fundamental para a efetivação dos processos de
participação e decisão. A construção coletiva do projeto pedagógico, envolvendo os diversos
segmentos (professores, alunos, funcionários, pais de alunos) se caracteriza como um importante
aprendizado da gestão democrática e participativa. Pois, pensarmos a democratização implica,
portanto, compreendermos a cultura da escola e dos seus processos, bem como articulá-los com as

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 27


relações sociais mais amplas. A compreensão dos processos culturais na escola deve envolver
diretamente os diferentes segmentos das comunidades local e escolar, seus valores, atitudes e
comportamentos.

Portanto, para que a tomada de decisão seja partilhada e coletiva, é necessário que haja a
implementação de vários mecanismos de participação, tais como: o aprimoramento dos processos
de escolha ao cargo de diretor, a criação e consolidação de órgãos colegiados na escola (Conselhos
Escolares, Conselho de Classe...), o fortalecimento da participação estudantil por meio da criação e
da consolidação de grêmios estudantis, a construção coletiva do projeto político-pedagógico da
escola, a progressiva autonomia da escola e, conse-qüentemente, a discussão e a implementação de
novas formas de organização e de gestão escolar e, ainda, a garantia de financiamento público da
educação e da escola nos diferentes níveis e modalidades de ensino. Toda essa dinâmica deve se
efetivar como um processo de aprendizado político fundamental para a construção de uma cultura
de participação e de gestão democrática na escola e, conseqüentemente, para a instituição de uma
nova cultura na escola.

Portanto, a efetivação e a consolidação de mecanismos de participação da comunidade educacional


devem ser incentivadas, mediante a criação e/ou consolidação de: Conselho Escolar, grêmio
estudantil, associação de pais, conselhos de classes etc., na perspectiva de construção de novas
maneiras de se partilhar o poder e a decisão nas instituições.

Nesse sentido, a democratização da gestão escolar implica a superação dos processos centralizados
de decisão e a vivência da gestão colegiada, na qual as decisões nasçam das discussões coletivas,
envolvendo todos os segmentos da escola, e sejam orientadas pelo sentido político e pedagógico
presente nessas práticas.

As formas de escolha dos diretores podem contribuir ou não para a efetivação desse processo de
participação. No Brasil, variadas são as formas e as propostas historicamente utilizadas de acesso à
direção das escolas públicas. Entre elas, destacam-se: 1) diretor livremente indicado pelos poderes
públicos (estados e municípios); 2) diretor de carreira; 3) diretor aprovado em concurso público; 4)
diretor indicado por listas tríplices ou sêxtuplas ou processos mistos; e 5) eleição direta para diretor.

Cada uma dessas modalidades se fundamenta em argumentos importantes, mas nenhuma parece

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 28


garantir plena e isoladamente as exigências para o cumprimento das funções do diretor na gestão
democrática da escola. Entendemos que a complexidade do processo de gestão implica considerar
algumas exigências para a escolha do diretor: a efetiva participação das comunidades local e
escolar, a proposta pedagógica para a gestão e a liderança dos postulantes ao cargo. As experiências
desenvolvidas nacionalmente ratificam a importância da eleição de diretores como modalidade que
permite um amplo processo de participação da comunidade escolar e local.

Pensar a democratização na e da escola implica definir claramente qual a função social da escola.
Implica pensar: Para que serve a escola? Quais são as suas funções básicas? A reflexão sobre essas
questões deve ser parte da ação dos diferentes segmentos da escola no processo de escolha do
dirigente escolar, na participação ativa nos Conselhos Escolares, e assim por diante.

O Conselho Escolar constitui um dos mais importantes mecanismos de democratização da gestão de


uma escola. Nessa direção, quanto mais ativa e ampla for a participação dos membros do Conselho
Escolar na vida da escola, maiores serão as possibilidades de fortalecimento dos mecanismos de
participação e decisão coletivos.

A garantia de efetiva participação cidadã sugere, portanto, a vivência de dinâmicas coletivas de


participação nas esferas de poder e de decisão, pois os processos de participação, cuja natureza,
caráter e finalidades se direcionam para a implementação de dinâmicas coletivas, implicam o
compromisso com o partilhamento do poder por meio de mecanismos de participação envolvendo
os atores e definindo o seu papel nesse processo.

Neste contexto, o processo de democratização da escolha de diretores tem contribuído para se


repensar a gestão escolar e o papel do diretor. Há uma tendência crescente de entender o diretor
como líder da comunidade e como gestor público da educação e não como mero representante ou
preposto de um determinado governo.

A democratização da gestão por meio do fortalecimento dos mecanismos de participação na escola,


em especial do Conselho Escolar e da escolha de diretor, pode-se apresentar como uma alternativa
criativa para envolver os diferentes segmentos das comunidades local e escolar nas questões e
problemas vivenciados pela escola. Esse processo, certamente, possibilitaria um aprendizado
coletivo, cujo resultado poderia ser o fortalecimento da gestão democrática na escola.

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 29


Nota

1 Doutor em Educação, Professor Titular da Faculdade de Educação da


Universidade Federal de Goiás e coordenador do Núcleo de Estudos e
Documentação Educação, Sociedade e Cultura (NEDESC).

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 30


PROGRAMA 4

A CONSTRUÇÃO COLETIVA DOS PROJETOS PEDAGÓGICOS

Texto 1: A construção coletiva do projeto político-pedagógico (PPP) da escola

João Ferreira de Oliveira 1

O objetivo do presente texto é discutir o processo de construção coletiva do PPP da escola,


assentada em bases democrático-participativas, como parte constitutiva da afirmação da autonomia
das escolas e, sobretudo, da atuação articulada entre a ação dos professores e os processos
formativos dos alunos, tendo em vista a consecução dos fins da educação escolar no que tange à
efetivação da educação como um bem público e direito universal 2 . A construção do PPP se dá num
cenário de intensas transformações na sociedade contemporânea, em que é necessário retomar o
sentido do trabalho escolar, bem como o papel das escolas e dos professores na construção de uma
educação de qualidade social, considerando as necessidades dos atuais usuários da escola pública.

No contexto atual, a escola vem sendo questionada acerca de seu papel ante as transformações
econômicas, políticas, sociais e culturais. Essas alterações do capitalismo criam novas demandas e
exigências para a escola, dentre as quais: a) o estabelecimento de finalidades educativas mais
compatíveis com os interesses do mercado e do mundo do trabalho; b) a requisição de habilidades e
competências que tornem os trabalhadores mais flexíveis e polivalentes para a vida profissional; c)
a implementação de práticas docentes e escolares mais compatíveis com a chamada sociedade do
conhecimento e da informação; d) as mudanças nas atitudes, no comportamento e, sobretudo, no
trabalho docente, que tem por base expectativas, objetivos e ações externamente delineadas.

As pressões para que as escolas se ajustem às mudanças em curso estão trazendo implicações
substantivas para a construção do projeto político-pedagógico (PPP) da escola, uma vez que este
nem sempre passa a representar o corpo e a alma da escola , ou melhor, o que ela realmente é, o
que a caracteriza e orienta a ação educativa. O PPP da escola deve, de fato, mostrar a escola, com
sua cultura organizacional, suas potencialidades e suas limitações. Nessa direção, o PPP, ao se
colocar como espaço de construção coletiva, direciona sua constituição para consolidar a vontade de
acertar, no sentido de educar bem e de cumprir o seu papel na socialização do conhecimento.
Assim, o PPP deve expressar qual é o cerne, o eixo e a finalidade da produção do trabalho escolar.

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 31


De modo geral, estudos na área de políticas e gestão escolar mostram que os professores e os
gestores apresentam uma compreensão muito positiva do PPP, pois reconhecem sua importância no
entendimento de qual seja a função social da escola e no estabelecimento de um trabalho
pedagógico que promova a socialização da cultura, levando a comunidade local e escolar,
especialmente os alunos, a se apropriarem do saber como um direito universal, já que a educação
pode nos tornar mais humanos, mais atualizados historicamente e mais sintonizados com os
problemas sociais do nosso tempo-espaço.

Há de se discutir, portanto, o sentido do que seja o PPP. Gadotti (1994) observa que fazer um
projeto significa lançar-se para frente, antever o futuro. O projeto é, pois, um planejamento em
longo prazo, atividade racional, consciente e sistematizada que as escolas realizam para traçarem a
sua identidade como organização educativa 3 . Nessa direção, Veiga (1996; 1998) nos faz perceber
que o PPP deve ser visto como um processo permanente de reflexão e de discussão dos problemas
da escola, tendo por base a construção de um processo democrático de decisões que visa superar as
relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina burocrática no interior da
escola.

De acordo com Veiga (1998), existem vários caminhos para construção do PPP, uma vez que ele
retrata o entendimento e o percurso possível trilhado em cada uma das escolas. Todavia, é possível
apontar três movimentos básicos desse processo de construção do PPP denominados pela autora de:
Ato Situacional, Ato Conceitual e Ato Operacional.

O objetivo do Ato Situacional é apreender o movimento interno da escola, conhecer seus conflitos e
contradições, fazer seu diagnóstico e definir onde é prioritário agir.

No Ato Conceitual , a escola discute a sua concepção de educação e sociedade, homem, educação,
escola, currículo, ensino e aprendizagem, visando a um esforço analítico da realidade constatada no
Ato Situacional , e vai definindo como as prioridades devem ser trabalhadas.

O como realizar as tarefas configura o Ato Operacional , o que se refere às atividades a serem
assumidas e realizadas para mudar a realidade das escolas. Implica a tomada de decisão para atingir
os objetivos e as metas definidas coletivamente. Os movimentos de acompanhamento e avaliação
devem seguir todos os atos, de forma a possibilitar a implementação de decisões coletivas, bem

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 32


como introduzir novas questões e propostas de ações. A avaliação é também responsabilidade
coletiva e parte integrante do processo de construção do PPP.

Como se observa, ao mesmo tempo em que propõe passos do processo, movimentos a serem
construídos, as formulações propostas indicam que é necessário criar as condições para a construção
da autonomia da escola, por meio da definição do desenho do seu projeto e da delimitação do grau
de flexibilidade a ser dado a ele.

Nessa direção, Paro (1999) assinala que toda instituição social carece de processos administrativos e
a administração, em sua forma geral, refere-se à utilização racional dos recursos para obtenção de
fins determinados . A definição desses fins é o mais fundamental nos projetos e não apenas a
definição de algumas ações desvinculadas de um projeto maior da escola.

De modo geral, vale a pena insistir em um processo em que a escola seja a autora do seu Projeto. A
sensibilização à cultura do registro do pensado e vivido pela escola; o encontro de alternativas
criativas para problemas cristalizados no cotidiano; o aumento do interesse da escola em conhecer
melhor sua comunidade; a busca de processos mais democráticos e, em especial, o aguçamento da
crítica e da autocrítica, pautados no respeito às diferenças, em relação às práticas de gestão e à
atuação dos órgãos colegiados, dentro e fora da escola, são pontos fundamentais para o avanço
democrático e formativo no âmbito das escolas. Isso não é pouco ante as práticas autoritárias em
vigor na sociedade e em muitas escolas e pode ser muito mais duradouro e educativo do que
supõem os defensores da implantação do chamado planejamento estratégico modelar e da
qualidade total nas escolas brasileiras.

Referências bibliográficas

GADOTTI, Moacir. Pressupostos do projeto pedagógico. Cadernos Educação Básica - O projeto


pedagógico da escola. Atualidades pedagógicas. MEC/FNUAP, 1994.

Comentário: O texto discute com propriedade pressupostos fundamentais que devem embasar a
discussão do PPP, destacadamente as questões éticas e políticas presentes no ato educativo, bem
como os parâmetros de uma gestão democrático-participativa da escola.

LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira; TOSCHI, Mirza Seabra. A educação escolar:
políticas, estrutura e organização . São Paulo: Cortez, 2003.

Comentário: O livro contribui para uma compreensão ampla das reformas educativas, das políticas,

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 33


da estruturação e da organização escolar no Brasil a partir da aprovação da LDB, em 1996. Fornece,
também, elementos teórico-conceituais e práticos que orientam os professores e as escolas na
organização do trabalho pedagógico.

PARO, Vitor Henrique. Administração escolar – introdução crítica. 8 a . ed., São Paulo: Cortez,
1999.

_____. Gestão democrática da escola pública . São Paulo: Ática, 2001.

Comentário: Os dois livros em questão ajudam os professores a compreenderem o que vem a ser a
gestão da educação, bem como a especificidade do trabalho pedagógico. Os livros contribuem de
modo significativo para o entendimento da atual situação das escolas, dos sistemas de ensino e da
administração escolar do Brasil, fornecendo elementos que nos permitam pensar uma outra escola e
uma outra prática educativa, tendo em vista o atendimento aos interesses dos atuais usuários das
escolas públicas.

TOSCHI, Mirza S.; FONSECA, Marília; OLIVEIRA, João F. A relação entre o plano de
desenvolvimento da escola (PDE) e o projeto político-pedagógico da escola (PPP): concepção e
avaliação. Goiânia, 2004, mimeo 12p.

Comentário: O artigo investiga a relação entre o PPP e o Plano de Desenvolvimento das Escolas
(PDE) no âmbito das escolas públicas, tendo em vista que o PDE busca implementar um modelo de
gestão com ênfase no planejamento estratégico.

VEIGA, Ilma Passos A. Perspectivas para reflexão em torno do projeto político-pedagógico. In:
VEIGA, Ilma Passos A. e RESENDE, Lúcia G. de (orgs.). Escola: espaço do projeto político-
pedagógico . Campinas, SP: Papirus, 1998.

_____. (org.). Projeto político-pedagógico da escola – uma construção possível. 2 a . ed.,


Campinas, SP: Papirus, 1996.

_____; FONSECA, Marília (orgs.). As dimensões do projeto político-pedagógico. Campinas, SP:


Papirus, 2001.

Comentário: Os textos em questão discutem o papel e o sentido do PPP, bem como fornecem
dimensões e processos essenciais necessários à sua construção coletiva, dadas as condições das
escolas públicas.

Notas

1 Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo e professor na Faculdade


de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Goiás (UFG).

2 Após a promulgação da LDB (Lei nº 9.394/96), que regulamenta a Constituição


Federal nesse âmbito da gestão democrática, iniciou-se oficialmente na escola a
prática concreta de construção de um projeto escolar que delineasse a proposta
pedagógica da escola.

3 Um plano seria uma previsão de caráter mais restrito, onde se enumeram as


ações, tarefas, objetivos e metas, definidas pelo projeto da escola.

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 34


Texto 2: O projeto político-pedagógico no contexto da gestão escolar

Janete Maria Lins de Azevedo 1

Falar sobre o projeto pedagógico (PP) da escola, considerando a realidade educacional do Brasil de
hoje, necessariamente nos leva a fazer a sua ligação com as práticas de gestão que nela têm tido
curso. Isto porque, dentre outros aspectos, uma das efetivas conquistas que as forças progressistas
conseguiram registrar na Constituição de 1988 e referendar na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de
1996 foi a gestão democrática do ensino público como um dos princípios em que deve se assentar a
Educação Nacional.

Nesse contexto, determinou-se, dentre as incumbências dos sistemas públicos, que estes devem
definir as normas da gestão democrática do ensino básico com a garantia da participação dos
profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola, e da participação das
comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. Determinou-se, também, que
os referidos sistemas devem assegurar às suas unidades escolares progressivos graus de autonomia
pedagógica, administrativa e financeira, deliberações que expressaram modos concebidos para que
se viabilizasse o princípio da gestão democrática da educação básica (BRASIL, 1996).

Ainda que a democratização da gestão do ensino tenha integrado as bandeiras das forças que
lutaram pelo processo de redemocratização política do País (desde meados da década de 1970), e
apesar de ser inegável algumas conquistas, as prioridades estabelecidas para a política educacional
brasileira nas últimas décadas tenderam a imprimir outros significados à noção de democracia. De
fato, seguindo referenciais de inspiração neoliberal no quadro da reforma administrativa do Estado,
a má gestão foi tomada como, praticamente, a causa de todos os males que afetam os processos de
ensino e aprendizagem. Visando superá-los, realizou-se um tipo de interpretação da realidade que
conduziu às tentativas de adoção da gestão gerencial nas escolas e, através de processos de
desconcentração/municipalização, privilegiamento do local, dentre outras medidas, tentou-se
delegar às unidades escolares, aos professores e à comunidade a solução dos problemas que vêm
contribuindo para que não tenhamos uma educação pública de qualidade (AZEVEDO, 2002).

É, principalmente, no bojo dessas medidas que o poder central, durante os dois governos de

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 35


Fernando Henrique Cardoso, procurou estimular a escola para a criação do seu Projeto Pedagógico.
Entretanto, tais estímulos deixaram de considerar um conjunto de aspectos peculiares à cultura e às
relações sociais brasileiras, numa perspectiva linear e unívoca de leitura da realidade e, por
conseguinte, sem levar em conta suas múltiplas determinações. Não é de estranhar, portanto, que a
pesquisa “Retrato da Escola no Brasil” ao tratar do projeto político-pedagógico, identificou que em
cinco estados da Federação mais de 30% das escolas não o possuíam, e que em mais de 20% elas o
possuíam, mas havia sido construído por agentes externos à unidade escolar. Mesmo com um
percentual bem menor, em dez estados os dados indicaram que o projeto foi fruto apenas da
experiência do diretor. Além do que, em mais de 40% dos municípios pertencentes a três estados da
Região Nordeste, o projeto também foi elaborado por pessoas estranhas à unidade escolar, o mesmo
ocorrendo com mais de 50% de escolas do Ensino Médio de nove estados do País (GRACINDO,
2004).

Apesar de tais constatações, é inegável a importância do projeto pedagógico, particularmente


quando se assume o seu significado como projeto político-pedagógico (PPP), o que ocorre quando o
seu processo de elaboração e implementação se pauta pelo princípio democrático da participação e,
portanto, como um dos elementos do exercício da gestão escolar democrática. Desta perspectiva, o
PPP é, também, um instrumento fundamental para a efetiva construção e instalação da democracia
social entre nós. Isto significa dizer que a democracia não se limita à sua dimensão política, pois
envolve a articulação direta desta com as práticas de participação social. Ou seja, é necessário que a
maioria das instituições sociais, incluindo os serviços públicos e a escola, seja democraticamente
governada. Assim, o índice de desenvolvimento democrático é apontado não apenas pelo número de
pessoas que votam, mas, sobretudo, pelo número de instâncias nas quais se exerce o direito de voto.
Não importa, pois, só quem vota, mas também onde e sobre o que se vota, como um dos exercícios
primários de participação, criação e ampliação do espaço público das decisões (BOBBIO, 1986).
Em face das considerações acima, e tendo em vista a efetiva necessidade de participação nas
decisões escolares dos agentes que concretizam a escola como instituição social, à guisa de
contribuição para o debate, gostaríamos de destacar as questões que se seguem:

• Ainda que a realidade demonstre que há inúmeros problemas a superar para que a nossa
população usufrua uma educação de qualidade, mudanças começam a ser vislumbradas nos
processos políticos no sentido da participação. Num movimento dialético, as tentativas de impor um
tipo de gestão gerencial da educação propiciaram a institucionalização de canais de participação e

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 36


decisão na escola (a exemplo de Conselhos, Grêmios Estudantis, fortalecimento de Associação de
Pais), que necessitam ser apropriados de acordo com uma significação diferente da lógica
“democrática” neoliberal.

• Saímos de uma tradição histórica de centralização das decisões, para nos defrontarmos hoje com
uma outra realidade, manifesta na valorização do local como espaço de decisão 2 . Os canais acima
citados e a valorização do local podem ampliar a própria valorização da escola no sentido de sua
pertença a uma determinada comunidade, (espaço das suas crianças, adolescentes e jovens na
condição de alunos) e aos grupos dos demais atores que a compõem, podendo se forjar uma
configuração das decisões que nasça “de baixo para cima”;

• Mas é preciso considerar que, na condição de uma instituição social, cada escola desenvolve ritos
e práticas exercidos pelos atores que, no seu interior, ou mesmo no seu entorno, desempenham
papéis e funções distintos: grupo de gestores, professores, alunos, funcionários, pais, comunidade.
De um lado, esses ritos e práticas possuem uma direta vinculação com a história da escola, com as
características da comunidade em que se insere, com as formas de percepção da realidade dos que a
fazem e das relações que estabelecem entre si 3 . De outro lado, é a institucionalização daquelas
práticas que torna a escola uma instituição social, forjando as regras pelas quais ela exerce os seus
papéis fundamentais: criação e transmissão de saberes, socialização dos futuros cidadãos,
desenvolvimento de competências profissionais, tudo de acordo com seus limites e possibilidades.

• Portanto, o processo de construção e implementação do projeto político-pedagógico, como um


instrumento de gestão democrática, para não cair num vazio, não pode prescindir da participação
ativa dos atores locais: a comunidade escolar, através de práticas que considerem e se adaptem às
especificidades de cada escola, à sua cultura, manifestas nos ritos e práticas dantes mencionados e
na consideração da origem dos mesmos.

• Como nos adverte BARBIER (1996), projetar significa procurar intervir na realidade futura, a
partir de determinadas representações sobre problemas do presente e sobre suas soluções. Por isto,
constitui um futuro a construir, algo a concretizar no amanhã, a possibilidade de tornar real uma
idéia, transformando-a em ato. Para tanto, considerando-se especificamente o PPP, em virtude da
pluralidade que caracteriza uma comunidade escolar, o envolvimento no processo requer que as
pessoas sejam devidamente motivadas e que adquiram uma visão da relação entre finalidade-

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 37


objetivo-meio, baseada, por sua vez, na relação desejo-limites-valor, mediatizada pela relação entre
recursos-limitações-gestão. A motivação, entretanto, constitui um trabalho próprio do imaginário.
Daí porque sem imagens fortes que estimulem as ações, um projeto corre o risco de não se
viabilizar, tendo em vista que as nossas imagens constituem uma força, e é impossível mudar sem
que nossas representações sejam trabalhadas.

• Tudo isto significa dizer que os atores chamados a decidir não o fazem apenas racionalmente, mas
também através de suas visões de mundo e de suas motivações. Neste sentido, qualquer medida de
gestão, o que inclui as tentativas de construção coletiva do PPP, não pode apenas levar em conta,
ingenuamente, a existência de uma lógica institucional única e sim procurar detectar os processos
que subjazem às tramas do cotidiano escolar. Os conflitos e lutas pelo poder, os meios de
resistência, as alianças, os valores, as normas, os modelos de aprendizagem, as atitudes do
professor, as relações entre as pessoas, a participação dos pais e dos alunos e o modo como esses
atores escolares se comunicam são aspectos que vão influenciar, com vigor, o tipo de PPP que será
elaborado e os rumos que irá seguir no processo de sua implementação.

• Por fim, no processo de convencimento, motivação e apelo à participação é também importante


considerar que o cotidiano da escola é produto da ação de atores que têm a possibilidade de fazer a
ligação entre o geral e o particular, quando necessitam de produzir significados e contar com a
adesão dos seus pares. Por conseqüência, a dimensão social e a dimensão política constituem
dimensões inseparáveis das ações educativas. Longe de querer determinar receitas, ou de fazer
prescrições para que a comunidade escolar, sozinha, consiga resolver os graves problemas
encontrados nos processos da escolarização básica desenvolvidos por nossas escolas públicas,
procuramos trazer neste texto algumas questões para a reflexão. Sem desconhecer que os resultados
das políticas sociais e econômicas atuam fortemente sobre os resultados da política educacional,
cuja concretização se dá na sala de aula, quis chamar a atenção para o fato de que existe um espaço
de atuação nos estabelecimentos escolares que pode ser utilizado como um dos meios (não o único),
de se procurar melhorar a educação pública, em face das possíveis condições de alternativa que o
atual governo brasileiro e a importância dos espaços locais parecem esboçar. Para tanto, se faz
necessário contar com a presença de mediadores na escola comprometidos com um projeto de
educação e sociedade emancipatórias, bem como o acionamento de mecanismos que considerem
que a gestão democrática e a construção e a implementação do projeto político-pedagógico (faces
de uma mesma moeda) não podem ter por parâmetro uma lógica institucional apenas baseada na

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 38


racionalidade, desconhecendo que as dimensões subjetivas, a cultura, e o desejo de mudar
constituem, também, forças impulsionadoras no sentido de que a escola pública brasileira realize as
funções dela esperadas.

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Janete M.L. de. Implicações da nova lógica de ação do Estado para a educação
municipal, Revista Educação & Sociedade n. 80 Campinas: CEDES, 2002.

BARBIER, Jean. M. Elaboração de projectos de ação e planificação . Porto: Porto Editora, 1996.

BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo . Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1986.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil , Brasília, 1988.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional .

Brasília: Diário Oficial da União, 23, dez., 1996.

GRACINDO, Regina V. “Projeto político-pedagógico: retrato da escola em movimento”, In: A. M.


SILVA & M. A. AGUIAR (orgs.) Retrato da escola no Brasil . Brasília: CNTE, 2004.

Notas

1 Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP; Professora do Centro de Educação


da Universidade Federal de Pernambuco, onde leciona as disciplinas Política
Educacional e Sociologia da Educação nos cursos de graduação, mestrado e
doutorado; Pesquisadora do CNPq com realização de investigações na área de
Política Educacional, Planejamento e Gestão da Educação; Autora, dentre outras
publicações, do livro A Educação como Política Pública (Autores Associados, 3ª.
Edição 2004).

2 Estamos nos referindo à valorização do poder e dos espaços locais no bojo do


movimento internacional de construção de uma contra-hegemonia aos ditames do
modelo da globalização imperante.

3 Isto, sem deixarmos de reconhecer as influências mais gerais advindas dos


padrões das políticas públicas e, portanto, de problemas estruturais, bem como das
normas comuns que regulam os sistemas de ensino no seu conjunto.

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 39


PROGRAMA 5

ESCOLA CIDADÃ: DEMANDAS E PERSPECTIVAS

A participação na escola: contribuições para a melhoria da qualidade da


educação

Elba Siqueira de Sá Barreto 1

Como era antes

Só ao final do século XX conseguimos colocar praticamente todas as crianças de 7 a 14 anos na


escola obrigatória. Nas décadas anteriores, havia muita demanda pela criação de escolas e essas
reivindicações da população eram encaminhadas, costumeiramente, mediante contatos políticos,
muitas vezes de caráter clientelista. Para atender aos seus eleitores, os políticos pressionavam pela
abertura de escolas e essa intervenção era geralmente interpretada como um favor feito aos que
neles votavam.

Os quadros do magistério, geralmente, viam com restrições esse contato próximo com a população
que freqüentava a escola. Os professores das escolas públicas, sobretudo daquelas situadas nos
grandes centros urbanos, para afirmar a sua autoridade pedagógica, procuravam manter uma
distância deliberada da família dos alunos. Entendiam que a escola pública era de todos, portanto,
dentro dela não existiam clientelismos, ou favoritismos. Entendiam que o currículo era competência
sua, e que ninguém tinha que dar palpite no que ensinavam, pois que haviam sido preparados para
isso e, ainda, achavam que eram soberanos para aprovar ou reprovar os alunos. Muitas vezes, pela
falta de décimos em uma disciplina, um aluno era obrigado a repetir o ano e os professores não
gostavam de atender aos pais que reclamavam, uma vez que acreditavam que a sua decisão era
justa, não deviam fazer concessão a ninguém. Recusavam-se até a falar com os pais, em certos
casos.

Assim sendo, a escola pública que se estendeu amplamente pelas áreas urbanas acabou por impor
uma distância forçada em relação à população que a utilizava.

Nos anos 80, período de transição democrática, essa situação tendeu a mudar bastante. Havia um

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 40


grande anseio de participação da população nas decisões que afetavam a vida da maioria, bem como
muitas reivindicações para tomar parte em decisões nas mais variadas instâncias da vida social. Por
conta dessas pressões e expectativas, muitos sistemas de ensino começaram a criar ou a revitalizar
os conselhos de escola, assim como foi incentivada a dinamização de outros canais
institucionalizados de participação da comunidade escolar, tais como os grêmios estudantis e as
associações de pais e mestres (APMs).

Como é agora

A própria legislação acabou reconhecendo mais amplamente essa necessidade de construir e


desenvolver os princípios de convivência e de gestão democrática na escola, de modo que se
estendeu por todo o Brasil a exigência de manutenção desses canais de participação, tanto da
comunidade escolar (pais, alunos, educadores, funcionários), como da população que vive no
entorno dela (comunidade local). A aposta é que essa é a chave para a melhoria da qualidade do
ensino. Uma escola distante da realidade dos alunos e alheia às aspirações da população não pode
fazer pleno sentido para os que a freqüentam.

Embora atualmente os conselhos de escola e as APMs estejam presentes em todas as redes de


ensino, observa-se, contudo, que a participação na escola costuma ser ainda bastante limitada. São
poucos os pais que comparecem às reuniões convocadas e as decisões aprovadas servem, muitas
vezes, tão somente para dar mais força às medidas que o corpo docente já adotou, ou quer adotar, ou
que a direção quer tomar. Essas reuniões não refletem, de fato, um processo de discussão e
envolvimento mais amplo.

Um costume que se expandiu pelas redes de ensino tem sido o de chamar a população para auxiliar
a suprir as necessidades de manutenção das escolas, que não são poucas em vista dos recursos
escassos de que elas dispõem. Mas esse é um jeito muito restrito e questionável de entender a
participação da população.

Dos anos 90 para cá entraram na moda as parcerias. Os planos de desenvolvimento da escola, que
passam a condicionar o recebimento de recursos vindos dos órgãos centrais, começaram a insistir
muito no caráter compartilhado que devem ter as ações desencadeadas na unidade escolar, condição
para a liberação dessas verbas. Entretanto, a cultura de escola resiste, na maioria das vezes. Embora

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 41


tenham se multiplicado as parcerias, parece que o projeto político-pedagógico da escola e a
qualidade do ensino nem sempre são afetados por elas.

Por que insistir na participação da comunidade?

Mas por que insistir na participação de professores, alunos, pais, mães, representantes de serviços
públicos, comerciantes, associações locais, ONGs, instituições de ensino superior e outras
entidades, nas atividades da escola? Não será querer complicar demais uma tarefa de que nós,
educadores, já tão sobrecarregados, mal estamos conseguindo dar conta?

Pelo contrário, é exatamente por esse motivo que a defendemos, porque por mais que nos
esforcemos, se não abrirmos os portões da escola para o mundo que a cerca, não vamos conseguir
levar plenamente a bom termo a nossa complexa tarefa educativa. A escola em que trabalhamos tem
problemas e desafios de toda a natureza, desde os mais corriqueiros, como a falta de suprimento de
material e de pessoal para o funcionamento das rotinas diárias, até a violência, que passou a integrar
o seu cotidiano. Mas acredito que seu problema maior e seu maior desafio têm a ver com a função
social que ela exerce, que é a de assegurar a todos a permanência na escola com a aquisição de
aprendizagens significativas, oportunidades de exercício da cidadania, desenvolvimento das
potencialidades de cada um e com um preparo básico para o mundo do trabalho. Nesse sentido
temos muito que caminhar. Nossa escola ainda exclui um bom número de alunos, sobretudo pela
repetência que conduz à evasão e, muito freqüentemente, os que nela permanecem não conseguem
aprender coisas relevantes.

É aí que entra a participação da comunidade, e não mais tão somente para suprir as necessidades
materiais da escola ou de seus estudantes. É porque é preciso pensar junto os problemas de acesso e
permanência, com sucesso, dos alunos na escola e ajudar a encontrar

soluções que venham a favorecer o conjunto deles, que sejam mais adequadas às suas necessidades
tão diversas. Não é que se espera que a comunidade ofereça soluções pedagógicas, mas há um nível
de decisão mais amplo em que certamente a sua contribuição é de todo imprescindível.

Vejamos o que acontece com o currículo. Será que pais com pouca escolaridade, que são a maioria
dos pais e mães dos nossos alunos, têm algo a dizer sobre o currículo? Lembro-me de quando as

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 42


mães das pré-escolas municipais pediam às professoras que seus filhos deixassem de fazer só
bolinhas e traços e iniciassem o processo de alfabetização. Nós, professoras, do alto de nossa
sabedoria, lhes dizíamos então que se o aluno não desenvolvesse a coordenação motora iria ter
muita dificuldade de ser alfabetizado na primeira série. Como estávamos erradas e como estavam
certas as mães! Lembro-me também de que, na gestão de Paulo Freire na Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo, perguntou-se aos alunos de Educação de Jovens e Adultos - EJA para que
queriam ser alfabetizados, e as respostas que eles deram foram decisivas para mudar o trabalho dos
educadores, porque até então estes não estavam considerando devidamente a leitura e a escrita
como práticas sociais relevantes para essa clientela.

É preciso, pois, criar na escola um ambiente acolhedor para ouvir o que a população tem a dizer
sobre o que espera do ensino, como encara os deveres de casa e as condições que os alunos têm para
fazê-los, como entende a avaliação e os processos de recuperação, assim como tudo o mais que a
preocupa em relação à educação dos filhos. Na verdade, pais e alunos têm também tudo para ajudar
a fazer do currículo um conhecimento vivo, que se despega das verdades esclerosadas de alguns
livros didáticos e pode tornar-se uma via de enriquecimento recíproco: dos alunos, dos professores e
das próprias famílias.

Houve um tempo em que se dizia que os alunos pobres eram alunos carentes, que lhes faltavam,
além dos bens materiais, uma série de competências e qualidades que as crianças de classe média
possuíam. Eles eram caracterizados pela falta, pela negação, e não pelo que efetivamente eram.

Hoje se reconhece a importância de tirar partido da diversidade. Por que não aproveitar, por
exemplo, a riqueza das histórias de vida dos meninos da periferia, convidando mães ou avós para
relatar o modo como viviam antes de vir para a cidade grande, os trabalhos na roça, os brinquedos
com que brincavam, os afazeres de que se ocupavam os homens e as mulheres? Por que não se valer
do conhecimento das pessoas da comunidade local para mergulhar fundo na História, na Geografia,
na Ciência – que nada mais são do que formas mais sistematizadas de conhecimento do mundo –
aproveitando a oportunidade para entrar em contato mais direto com as diferentes paisagens
brasileiras; com os usos da terra em diferentes tempos, regiões e condições; para entender melhor as
dificuldades enfrentadas pelas famílias; as questões de trabalho e de desemprego; descobrir
habilidades e competências que adquiriram, as formas culturais tão variadas com que se expressam,
os problemas que mais as afligem no momento?

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 43


Por que não abrir na escola espaços para que essas pessoas venham a mostrar e a compartilhar as
coisas que sabem e aprender outras que não sabem? E por que não incluir também, nesse caso, os
alunos e os nossos próprios colegas, a respeito de quem somos tão ignorantes quanto ao que sabem
e gostam de fazer quando fora da escola? Será que tocam um instrumento, gostam de cozinhar, são
bons de bola? É porque a escola costuma ser surda e cega em relação à cultura juvenil nas grandes
cidades, que ela amanhece pichada e depredada. Os jovens e as crianças querem se fazer notar a
despeito da nossa presunçosa indiferença ao modo como vivem de fato, às marcas que lhes deixou a
sociedade tão profundamente desigual que é a nossa. Por isso, a escola não pode continuar tocando
um samba de uma nota só , como se o único saber legítimo fosse aquele que ela recita
monotonamente para os alunos copiarem e... se esquecerem em seguida.

Muitas vezes a escola constitui o único espaço de vivência cultural a que a comunidade local tem
acesso. É lá que estão a única quadra de esportes do bairro, o auditório onde facilmente se pode
montar um palco para uma festa, a biblioteca, por pequena que seja. Esses espaços, abertos para uso
da população local, levam-na a sentir-se parte integrante da escola e não alijada dela; tornam-na
muito mais propensa a partilhar competências e responsabilidades, mais interessada em tomar parte
do conselho de escola, das APMs, que deixam de ser apenas unidades gerenciadoras de recursos.

A colaboração de diferentes entidades, como os órgãos públicos, com as atividades da escola,


também pode enriquecer sobremaneira o conhecimento que ali circula. Quantas informações da
maior relevância podem advir para os alunos de contatos com a Casa da Lavoura, posto de saúde,
unidade de tratamento de água da cidade, Secretaria da Cultura, corpo de bombeiros e outras tantas,
sem falar da possibilidade de desenvolver projetos em conjunto. O mesmo se diria em relação às
parcerias com algumas ONGs e faculdades, que podem engendrar mudanças positivas e inovações
nos padrões de ensino e nas práticas escolares, como tem demonstrado a experiência, em inúmeros
casos.

A construção de indicadores de qualidade da educação pela comunidade escolar

Por falar em ONGs, para concluir queremos relatar o projeto Indicadores Qualitativos da Educação,
desenvolvido pela Ação Educativa, com apoio do Unicef, Inep e Pnud, por sugestivo que é 2 . Seu
objetivo é o de construir e disseminar um conjunto de indicadores que propiciem o envolvimento da
comunidade escolar em um projeto participativo de avaliação da qualidade da educação, com vistas

DEBATE: RETRATOS DA ESCOLA . 44


a incentivar as ações voltadas à melhoria da escola.

Várias referências serviram de base para a construção dessa proposta, entre as quais a LDB,
considerada um documento que expressa um consenso sobre o que se espera da educação no país,
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
realizada em 2001. Dos resultados da consulta da Campanha à comunidade escolar sobre o que esta
entendia por qualidade da educação, vieram pistas como a grande importância atribuída pela
população à aprendizagem, ao trabalho e ao exercício da cidadania, o destaque às condições básicas
de funcionamento da escola e, sobretudo, a ênfase nas boas relações cultivadas entre professores e
alunos, funcionários, direção, corpo docente e usuários dos serviços educacionais.

Os indicadores de qualidade identificados pelo projeto referem-se a determinadas funções atribuídas


à escola, a saber: o acesso, a permanência e o sucesso do aluno; o ambiente

educacional; a prática pedagógica; a gestão democrática; as condições de trabalho e a formação dos


profissionais e o ambiente físico da escola. Partindo do princípio de que o conceito de qualidade da
educação deve também ser construído pelos que estão diretamente envolvidos com a escola e seu
entorno, a metodologia que orienta a discussão dos indicadores faz emergir a necessidade de
convívio com posições divergentes, de negociação quando há conflito de interesses, chama a
atenção para questões que costumam passar despercebidas e provoca a disposição de resolver os
problemas detectados por meio de ações coletivas.

Esse trabalho fornece condições para que a escola se conheça melhor e formule propostas de
melhoria, além do que lhe oferece também um instrumento de controle democrático das políticas
públicas. Essa prática de avaliação participativa da qualidade da educação poderá induzir demandas
às redes escolares e pressionar os diferentes órgãos dos sistemas de ensino para que estejam abertos
ao diálogo e mais dispostos a superar o seu papel controlador em benefício do apoio que devem
prestar às solicitações que recebem.

O importante, como advertem as pessoas envolvidas no projeto, é que a intensificação do processo


participativo não sirva de pretexto para reforçar a idéia de que cabe às escolas resolver todos os seus
problemas com os próprios recursos ou com os da comunidade. Sem eximir de responsabilidade as
políticas mais amplas e minimizar a importância do investimento público, estamos seguras de que a

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escola que exerce plenamente o seu papel como ator político, comprometido com a democratização
do ensino e do saber, está prestando uma contribuição da maior relevância à melhoria da educação.

Referências bibliográficas

FERREIRA, Naura S. C.; AGUIAR, Marcia. A. da S. Gestão da educação : impasses, perspectivas


e compromissos. São Paulo: Cortez, 2000.

RIBEIRO, Vera M.; RIBEIRO, Vanda M.; GUSMÃO, Joana B. de. Indicadores de qualidade para a
mobilização da escola. Cadernos de Pesquisa : São Paulo, v. 35, n. 125, jan./abr., 2005 ( no prelo).

Notas

1 Professora da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora da Fundação


Carlos Chagas.

2 Consulte-se, a propósito, o trabalho coordenado por Vera Masagão Ribeiro, que


gerou um artigo, citado na bibliografia, do qual foram retiradas as informações e
reflexões com constam deste texto.

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