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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

Curso de Direito

LEONARDO MARCHETO TORTELLI

FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO

Bragança Paulista

2015
LEONARDO MARCHETO TORTELLI

FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO

Monografia apresentada ao curso de Direito


da Universidade São Francisco, Campus de
Bragança Paulista, como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em
Direito, sob orientação do Professor Dr.
Luiz Sérgio Leonardi Filho.

Bragança Paulista

2015

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LEONARDO MARCHETO TORTELLI

FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO

Monografia aprovada pelo Curso de Direito


da Universidade São Francisco, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Data de aprovação: ___/___/____

Banca Examinadora:

______________________________________________________

Prof.º Dr. Luiz Sérgio Leonardi Filho (Orientador)

Universidade São Francisco

______________________________________________________

Prof.º Dr. (Examinador)

Universidade São Francisco

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Dedico este trabalho a Deus, que tanto nos
deu força para prosseguirmos com nossos
objetivos e, além disso, conquistarmos os
outros que nos surpreenderam durante esta
longa jornada.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus, sem o qual nada disso seria possível, tampouco
nenhum sonho seria realizado.

Agradeço ao meu orientador Luiz Sérgio Leonardi Filho que dedicou seu precioso
tempo e seu imensurável saber para que esta pesquisa se tornasse viável, e a Universidade São
Francisco que fomentou e tornou esse projeto de vida algo real.

Agradeço, ainda, aos meus familiares que tanto me deram forças nas horas difíceis,
bem como proporcionaram a conclusão deste curso.

Por último, e não menos importantes, agradeço a todos os colegas que me


acompanharam nesta jornada, em especial as pessoas de: Amanda Ferreira, Claudia Cristina
Soares, Fernando Marigliani e Jessica Miranda Malfatti, sem os quais esta graduação teria
sido muito mais árdua e solitária.

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“ Tem poder quem age, e mais poder ainda,
quem age na direção certa e na melhor
velocidade possível.”

- Paulo Vieira

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RESUMO

Os tributos no Brasil possuem uma função social, conforme determina nossa legislação e os
princípios que regem o sistema jurídico. Entretanto, podemos notar que apesar destas
disposições legais e, ainda, a grande arrecadação tributária no Brasil, os cidadãos sofrem com
o baixo nível de qualidade de vida, tendo em vista que o bem-estar é privilegio apenas dos
contribuintes mais afortunados e não de todos de forma geral. Para reverter este quadro a
população e o próprio Estado devem desenvolver uma consciência fiscal, a qual tem caráter
educativo e visa subsidiar uma reforma tributária justa e desenvolvida não apenas pelos
governantes, mas, também, com a participação da sociedade.

Palavras chave: tributo – sociedade – função social – consciência fiscal – bem-estar social

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ABSTRACT

Taxes in Brazil have a social function, as determined by our legislation and the principles
governing the legal system. However, we note that despite these legal provisions and also the
large tax revenues in Brazil, citizens suffer from the low level of quality of life, given that
welfare is privilege only of the more fortunate taxpayers, not all generally. To change this
situation the population and the state should develop a tax consciousness, which has
educational feature and aims to support a just and developed tax reform not only by
governments, but also with the participation of society.

Key – words: tax – society – social role – tax awaraness – social welfare

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................09

CAPÍTULO I EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS TRIBUTOS E SEUS CONCEITOS...11


1.1 IDADE ANTIGA ...............................................................................................................11
1.2 IDADE MÉDIA .................................................................................................................12
1.3 IDADE MODERNA ..........................................................................................................14
1.4 IDADE CONTEMPORÂNEA ..........................................................................................16
1.5 HISTÓTICO DO TRIBUTO NO BRASIL ......................................................................17
1.6 ASPECTOS CONCEITUAIS ............................................................................................19
1.6.1 Relação do direito tributário com a sociedade ..........................................................20
1.6.2 Sujeitos da relação tributária e suas peculiaridades ................................................20
1.6.3 Tributação e direitos fundamentais ...........................................................................22
1.6.4 Definição de tributo .....................................................................................................23

CAPÍTULO II O TRIBUTO E SUA FUNÇÃO SOCIAL ................................................25


2.1 FISCALIDADE E EXTRAFISCALIDADE ....................................................................25
2.2 PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .........................................................26
2.3 DIREITO DE PROPRIEDADE, VEDAÇÃO AO CONFISCO E CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA ....................................................................................................................28
2.4 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ......................................................................30
2.5 FUNDAMENTOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO MANTIDO PELOS
TRIBUTOS ..............................................................................................................................33
2.6 FINANCIAMENTO DAS ATIVIDADES ESTATAIS ..................................................35

CAPÍTULO III EM BUSCA DA JUSTIÇA SOCIAL .......................................................38


3.1 CONSCIÊNCIA FISCAL .................................................................................................45

CONCLUSÃO ........................................................................................................................48

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................49

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INTRODUÇÃO

O tributo no Brasil impacta fortemente a vida dos cidadãos e é regido por um


complexo sistema de normas, entretanto possuí em sua essência um grande caráter social,
tendo em vista que seu sistema arrecadatório e os recursos advindos de tal arrecadação
deveriam ser utilizados de forma justa e benéfica à sociedade.

Eis que nos exsurge o tema central desta pesquisa, sendo este a função social do
tributo. Essa função social é preceituada em nosso sistema tributário e abrange aspectos muito
mais profundos do que a simples reversão dos capitais da arrecadação tributária diretamente
aos contribuintes, pois, como veremos adiante, a simples manutenção do Estado já é um
benefício à sociedade.

Para o desenvolvimento desta pesquisa foram utilizados conhecimentos doutrinários e


foram realizados estudos do sistema tributário, até que se alcançasse a base de tudo, a qual é
um conjunto principiológico definido, inclusive, em nossa Constituição Federal. E ao
analisarmos os aspectos mais profundos de nosso sistema de tributação, fica cristalino que o
tributo possuí função social e deve ser aplicado, tanto no aspecto arrecadatório quanto
retributivo, em beneficio da sociedade que o provem.

Apesar de tal função social estar intrínseca em nosso ordenamento, percebemos, com
facilidade, que a qualidade de vida dos brasileiros é de baixo nível e apesar do Estado
anualmente bater recordes de arrecadação, grande parte população sofre com o descaso do
governo e a falta de auxilio básico para a própria subsistência. Ainda, as outras classes sociais
que não compartilham do mesmo problema, enfrentam outros de semelhante gravidade, onde
todos acabam pagando com a própria vida.

É nítido constatar que há algo de errado. A lei determina que a sociedade deve ser
priorizada, a arrecadação de tributos é excessiva e mesmo assim os contribuintes aparentam
ser meros coadjuvantes quando o assunto é bem-estar social, sendo que, na verdade, estes
deveriam ter papel principal, já que o Estado foi criado e é mantido, simplesmente, para
subsidiar a vida em sociedade. Vale salientar ainda, que quando tratamos de contribuinte não
nos referimos apenas aos empresários ou ricos com inúmeras propriedades, mas estamos
fazendo referência à todos os cidadãos e de todas as classes sociais, pois, de fato, os tributos
afetam, direta ou indiretamente, toda a sociedade.

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Para que hajam mudanças neste atual cenário é necessário que a população se
conscientize da importância dos tributos, através da educação, com o desenvolvimento da
Consciência Fiscal a qual dará embasamento aos contribuintes e ao fisco, para que juntos
construam a tão citada reforma em nosso sistema tributário, com o objetivo de torna-lo mais
justo e simples.

Através da Consciência Fiscal não apenas o cidadão desenvolverá um julgamento mais


assertivo em relação a aplicabilidade dos recursos oriundos dos tributos, mas também o
Estado terá mais responsabilidade tanto na cobrança quanto no uso dos recursos, bem como
sobre este ente recairá uma pressão social mais contundente.

O tema ora tratado é de suma importância, tendo em vista o atual momento de nosso
país, onde jamais se viu tanto desvio de dinheiro público, a tal ponto de nos enfraquecer
economicamente gerando uma crise econômica. Ainda assim, em meio a tantos escândalos
políticos, nosso governo propõe a instituição de novos tributos, com a finalidade de retomar o
crescimento.

Destarte, notamos que o momento é de debate sobre o assunto. O aprofundamento dos


conhecimentos da função social do tributo se demonstra indispensável e, ainda, fundamental
para o desenvolvimento da já citada Consciência Fiscal.

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CAPÍTULO I

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS TRIBUTOS E SEUS CONCEITOS

Neste capítulo, faremos uma abordagem minuciosa da evolução do tributo ao longo do


tempo, não apenas ao redor do mundo, como também no Brasil.

Fora utilizado para tanto, os conhecimentos extraídos de uma pesquisa histórica


realizada pela Escola de Administração Fazendária (ESAF), onde Silva (2013) discorre sobre
o surgimento dos tributos e sua evolução ao decorrer dos séculos, demonstrando as suas
diversas modificações e evoluções, inclusive, situações em que sua aplicabilidade de forma
espúria fomentou importantes mudanças sociais. E, ainda, passaremos por uma análise de
alguns conceitos tributários, vinculados à sociedade, que são necessários para a completa
abordagem do tema.

1.1 - IDADE ANTIGA

De acordo com Silva (2013) o tributo originou-se em um passado muito distante e tem
acompanhado o homem e sua evolução social até os dias atuais. Esse tipo de pagamento surge
juntamente com a ascensão dos líderes/chefes, os quais começavam a se encarregar de
gerenciar grupos sociais.

Alguns estudos informam que as primeiras formas de tributo eram espontâneas, em


forma de oferta ou presente aos líderes/chefes de um determinado grupo, quando estes
prestavam serviços ou atuavam em favor da comunidade.

Observa-se com isso que logo em seu surgimento, o tributo já possuía uma função
social e, apesar de ser espontâneo, era pago para recompensar um benefício instituído a favor
daquele grupo social, ou seja, se a comunidade obtivesse melhorias em razão de atitudes de
seu líder, este seria merecedor de recompensas.

Passado algum tempo esse tributo se torna compulsório, onde os derrotados na guerra
eram obrigados a entregar, parcial ou totalmente, seus bens a quem os vencera.

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Algum tempo depois essa prestação passou a ser uma obrigação, sendo exigida pelo
Estado, porém somente os súditos pagavam e já havia a denominação de tributo.

Em 146 a.C., com a conquista da Grécia por Roma, iniciou-se a construção do Império
Romano, que era formado por povos de diversas culturas e Roma, como já era muito forte, e
com o intuito de fortalecer-se ainda mais para conquistar novos territórios, começa a cobrar
tributos vinculados à importação de qualquer mercadoria e pelo consumo geral de bens de
qualquer natureza, vindo, com isso, a se tornar o maior Império do mundo antigo.

Denota-se que em seus primórdios o tributo possuía uma ligação estreita com a
melhoria social, entretanto, com o passar do tempo, o Estado ao compreender a importância
da arrecadação de capital, passa a exigi-lo mesmo não havendo qualquer contraprestação aos
cidadãos. Tal situação fez com que determinadas sociedades que praticavam a cobrança de
tributos viessem a crescer e se desenvolver de forma grandiosa.

1.2 - IDADE MÉDIA

Com a queda do Império Romano inicia-se a Idade Média, as terras que pertenciam a
esse antigo império foram agora dividas em vários pedaços, denominados feudos. (SILVA,
2013)

Em cada um desses feudos havia um membro da nobreza chamado senhor feudal, esse
era o dono daquela porção de terra, e tinha para ele trabalhando os camponeses, chamados
servos. Essa classe social que trabalhava no campo era quem, nesse momento, deveria pagar
os tributos e essa prestação era feita ao senhor feudal com a melhor parte de suas colheitas, já
que esses camponeses se utilizavam da terra dos senhores para o plantio, bem como esses
nobres lhes davam proteção.

O que sobrava aos camponeses e sua família era o suficiente para sua subsistência.
Trabalhar para os senhores feudais era difícil, os servos tinham a liberdade muito restrita e
estavam praticamente presos à terra do senhor, os quais possuíam direito de vida e morte
sobre os camponeses. Todos deveriam atender as necessidades dos senhores feudais e quem
viesse a não pagar seus tributos poderia ser preso ou ainda morto.

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A igreja católica tinha grande poder nesta época e passou a convencer os senhores
feudais a participarem das cruzadas, também chamada Guerra Santa, na qual a intenção era
reconquistar a Palestina, lugar sagrado para os que acreditam em cristo.

Para recuperar os lugares sagrados eram necessários cada vez mais recursos, portanto
os senhores começaram a cobrar mais tributos. Não obstante, no final do século XII o Rei da
Inglaterra Ricardo I, também liderou expedições à Terra Santa, usando recursos do tesouro de
seu país e instituindo a cobrança de novos tributos.

O Rei Ricardo, enquanto viajava em suas expedições acabou por ser preso e estava em
um cativeiro na Alemanha. Enquanto isso, seu irmão João I tornou-se o homem mais influente
do reino e era o responsável por angariar recursos para continuar bancando as cruzadas e
pagar o resgate de seu irmão, tarefa que foi realizada por meio da cobrança de mais tributos.

Porém, a real intenção de João I era não devolver o trono a Ricardo I, destarte os
valores obtidos com a alta das cobranças tributárias, foram destinados, também, a formação
de seu próprio exército.

No ano de 1199, João logrou êxito em assumir o trono da Inglaterra e seu plano havia
se concretizado, porém as contas do reino estavam debilitadas em razão dos enormes gastos
com as cruzadas e com o pagamento do resgate de seu irmão, dessa forma decidiu criar novos
impostos, só que agora estes seriam cobrados sobre os nobres.

Os nobres, justificando que a cobrança que lhes era imposta era abusiva, pressionaram
o Rei João I a assinar a Magna Carta, um tratado de direito, mas também de deveres da
monarquia para com os subordinados, tal documento teve suma importância pois foi a
primeira limitação legal ao poder de criar tributos.

Esse período histórico e modelo social se enfraqueceu, pois muitos senhores feudais
morreram batalhando na Guerra Santa e tantos outros já não tinham mais recursos, tamanho
foi o investimento na batalha. Cansados com a difícil e árdua vida no campo, os servos se
aproveitando da fraqueza do sistema, foram se libertando, gradativamente, do poder feudal e
passaram a migrar para as cidades novamente, momento em que ocorre a recriação das
cidades na Europa, surgindo assim uma nova classe social, os burgueses.

Como havia uma grande concentração de pessoas nas cidades, surge agora um
mercado consumidor e também algumas mercadorias para serem comercializadas, as
chamadas especiarias, que eram importadas do Oriente e tinham um alto valor pecuniário, e é

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com o comércio dessas especiarias que se floresceu a burguesia, formada por comerciantes,
banqueiros e industrias.

Este novo modelo social atraiu cada vez mais pessoas para as cidades as quais
visavam novas oportunidades, todavia comprar especiarias não era nada fácil, tendo em vista
que vinham do Oriente e a rota para lá era de domínio dos árabes, inimigos íntimos dos
europeus desde o início das cruzadas.

Por estarem em local geograficamente privilegiado as cidades italianas de Genova e


Veneza, foram, na Europa, as que mais se beneficiaram com o comércio de especiarias. Os
italianos, ainda, em razão de sua grande habilidade para o comércio conseguiram realizar
acordos de negócios com os árabes e praticamente monopolizaram o comércio com o Oriente.

“ Isso gerou grande progresso material para toda a região, criando condições para o
surgimento de uma nova era da história da humanidade: o Renascimento, que marca o fim da
Idade Média”. (SILVA, 2013)

Podemos concluir que nesse período histórico os tributos foram financiadores de


grandes expedições, fomentadores de inserção de novos direitos e também o estopim de
mudanças sociais, as quais geraram enorme impacto na evolução da humanidade,
demonstrando, assim, a importância social que o tributo tem em toda história da humanidade.

1.3 - IDADE MODERNA

Ainda em conformidade com Silva (2013), apura-se que a Idade Moderna teve início
em 1453 com a tomada de Constantinopla pelos otomanos até a Revolução Francesa em 1789.
Essa época foi marcada pela transformação dos feudos em reinos, que inicialmente eram de
pequeno porte, mas gradativamente foram se expandindo e acabaram se unindo, formando os
chamados Estados Nacionais.

Havia uma situação complicada naquele momento, pois existia uma monopolização
árabe-italiana em relação ao comércio de especiarias, o que fazia com que os preços dessas
mercadorias permanecessem em elevados valores. Dessarte, ao restante de Europa, havia
apenas uma solução, se arriscar pelo temido Oceano Atlântico tentando achar uma nova rota

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para o Oriente que não envolvesse os árabes, visando um barateamento dos custos destes
produtos.

A navegação em Oceano Atlântico era de alto risco, sendo assim foi necessária a
construção de verdadeiras esquadras de caravelas, as quais eram bem caras. No entanto, em
razão das limitações anteriormente impostas pela Magna Carta, apenas os reis já fortalecidos
pela instituição dos Estados Nacionais, detinham autorização para cobrar tributos de seus
súditos. Isso propiciava a estes reis a capitação de grandes montas em forma de moedas de
ouro e prata. Em razão disso se deu a uniformização da cobrança de tributo, que agora só
poderia ser pago em moeda de ouro e prata, forma usual de dinheiro na época, ou seja, os
tributos não poderiam mais serem pagos com mercadorias, tendo em vista a nova necessidade
exigida pela época.

Os países que estavam de frente para o Oceano Atlântico obtinham vantagens


geográficas nessas explorações, dessa forma Portugal e Espanha pioneiramente descobriram
novas rotas para África e Ásia e também alcançaram ás Américas, e foi com a descoberta
desse último continente que a história da Europa começou a mudar, pois no continente
americano foram encontradas quantias significativas de metais preciosos.

A América passou a ser explorada, tinha suas riquezas extraídas em grande escala e
nenhum benefício era revertido aos nativos. Com isso os reis europeus e a própria Europa
foram se tornando cada vez mais fortes e poderosos, possibilitando o financiamento da
Revolução Industrial e criando um novo modelo de Estado, o absolutista.

Nessa nova estrutura de Estado (absolutista) a sociedade era organizada em grupos


fechados em um sistema rígido de estratificação social com caráter hereditário. As classes
dominantes nada pagavam, essas eram a nobreza e o clero, já os burgueses e os trabalhadores
eram obrigados a pagar pesados tributos.

Há como exemplo desse novo modelo econômico e social, o Estado Nacional na


França liderado pelo rei Luís XVI, onde a sociedade era dividida em três categorias: as duas
primeiras eram o clero e a nobreza aos quais não eram exigidos tributos, no entanto recebiam
pensões pagas pelo estado e podiam exercer funções públicas; e a terceira categoria era a do
povo ao qual cabia sustentar as demais classes sociais por meio do pagamento de tributos.
Essa situação é evidentemente clara quando estamos diante da frase dita por Luís XVI:
“Quero que o clero reze, que o nobre morra pela pátria e que o povo pague’’.

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O povo, constantemente onerado pelas majorações tributárias que objetivavam manter
o luxo da corte, passa a reagir de forma ostensiva, iniciando-se a Revolução Francesa (1789).

É nítido constatar que neste período foram praticados diversos abusos na seara
tributária, sem que as arrecadações oriundas de tais contribuições tivessem qualquer
reaproveitamento por parte da sociedade. Como consequência disso, e como já visto em
outras épocas o que ocorre é uma revolta por parte dos contribuintes, gerando grande
movimentação social em busca de mudanças. Evidenciando ainda mais a ligação do tributo
com a sociedade, pois quando esta realiza os pagamentos e não se vê beneficiada em nenhum
aspecto, torna-se inevitável a busca por mudanças.

1.4 - IDADE CONTEMPORÂREA

Segundo Silva (2013), com a Revolução Francesa registra-se o início da Idade


Contemporânea, os ideais dessa revolução visavam instaurar a República, com o seu famoso
lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Foi então que no mesmo ano da referida
revolução, foi desenvolvida, o que foi um marco na história da sociedade, a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão. Atribui-se a essa declaração tamanha importância, porque
ela definiu os direitos fundamentais e inalienáveis do cidadão.

Nessa mesma época, os norte americanos tornavam-se independentes da Inglaterra,


tendo com uma das principais causas da Guerra de Independência, os pesados impostos
cobrados pelo reino Britânico em desfavor das colônias americanas.

Esses movimentos mundo a fora começaram a influenciar e inspirar importantes


revoltas aqui no Brasil, as quais visavam como principal objetivo declarar nossa
independência de Portugal e criar nossa própria República.

Com tamanha exploração de Portugal o ouro já não era tão farto, mas á coroa
portuguesa não admitia receber menos do que o por eles estipulado, justificando que os donos
dos garimpos estavam sonegando. A cobrança era feita da seguinte maneira, toda a quinta
parte do ouro extraído deveria ser dado a Portugal em forma de tributo. Então a rainha
portuguesa D. Maria I determinou que se a meta estabelecida pela coroa não fosse atingida

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durante o ano, a cobrança seria feita de forma coercitiva para que essa meta fosse cumprida,
por meio da chamada derrama.

Essas decisões abusivas da família real fomentaram revoluções como a Inconfidência


Mineira e foram decisivas para que o Brasil se tornasse independente, pois a carga tributária
era tão pesada, que a única solução era uma ação separatista.

E após muito batalhar, hoje temos inserido em nossa constituição os direitos e os


deveres dos contribuintes, assim como os limites para tributar que foram impostos ao Estado.

Nesse período, foram deflagradas grandes e importantes revoluções, inclusive no


Brasil, não obstante, por tanto batalhar, os contribuintes passaram a ser um pouco mais
respeitados, já que foram impostas novas regras e limites aos governantes.

1.5 - HISTÓRICO DO TRIBUTO NO BRASIL

Seguindo as pesquisas de Silva (2013) detêm-se que a indústria extrativa de pau-brasil


foi a primeira a ser onerada tributariamente no Brasil. O pau-brasil era considerado pela coroa
portuguesa como monopólio real, entretanto autorizava que alguns extraíssem tal produto
mediante a construção de fortificações ao longo da costa, iniciação da colonização e
pagamento de uma quantia pré-estipulada.

Passados alguns anos nesta situação tributária, Portugal com a intenção de proteger a
posse das terras brasileiras inicia o projeto de povoamento do Brasil, através das capitanias
hereditárias as quais se trataram da divisão do litoral brasileiro em quinze partes que foram
doadas à influentes portugueses, com direito de sucessão. Nesse período, os moradores dessas
localidades eram obrigados a pagar tributos tanto ao Estado português quanto ao próprio dono
da respectiva capitania em que o contribuinte vivia, sendo que tal tributo era pago in natura
ou em espécie, por não haver qualquer organização fiscal.

Alguns anos depois, já na época do governo geral, existiam os rendeiros, que nada
mais eram do que os cobradores de renda, os quais possuíam amplos poderes, sendo que
podiam até prender os contribuintes remissos ou em atraso com suas obrigações fiscais, as
quais deveriam ser pagas por produtos in natura, tendo em vista que ainda não havia qualquer
organização fiscal.
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Quando Portugal foi invadido por Napoleão Bonaparte, imperador da França, a corte
portuguesa aqui se refugiou, iniciando um novo período histórico, onde o Brasil era a sede da
monarquia portuguesa, fato este que ensejou um grande aumento nas despesas públicas.
Foram tomadas diversas medidas de cunho político e econômico, inclusive a criação de
algumas instituições com vistas da administração real. Não obstante, com a presença da
família real em solo brasileiro, aumentaram-se as despesas da colônia, bem como foram
instituídos novos serviços, o que exigiu o aumento de alíquotas e a criação de novos tributos,
modalidade esta conhecida atualmente como taxa.

Nesta época, os portos brasileiros foram abertos às nações amigas, liberando a


atividade comercial e permitindo o ingresso de produtos estrangeiros no Brasil, criando-se a
aduana brasileira.

Passados alguns anos, agora com o Brasil independente, foram traçados os limites e os
fundamentos do Direito Tributário Nacional, através da decretação do Ato Adicional de 12 de
agosto de 1834, sendo que então foram criados, alterados, suprimidos tributos e modificadas
as competências tributárias. Neste momento os tributos começam a ser definidos levando-se
em consideração o bem-estar social, sendo criadas leis para definir a aplicação destas receitas
em benefício da sociedade.

Depreende-se que é neste contexto histórico que o tributo passa a ter função social no
Brasil, já que antes, com o país ainda colonizado pelos portugueses, os valores arrecadados
serviam simplesmente para manter a realeza e os nobres.

Por fim, durante o período do Brasil República, a estrutura tributária do Brasil Império
foi mantida, e a principal fonte de arrecadação continuava sendo o imposto de importação e
apenas anos mais tarde foram criados os impostos sobre o consumo e sobre a renda. Durante
esse novo período a estrutura tributária evoluiu e os impostos internos passaram a predominar
e serem a principal fonte de arrecadação, de tal modo que o imposto de importação passou ser
utilizado como instrumento de política econômica, assumindo assim uma função extrafiscal.

Esforçando-se para evoluir com a industrialização, o Brasil aumentou suas despesas e


as receitas não cresceram na mesma proporção, dessa forma, inevitavelmente, o país entrou
em uma grave crise que culminou no golpe militar em 1964.

O Regime Militar impôs uma nova política tributária e aumentou a arrecadação


visando o crescimento nacional mais acelerado, e para tanto reformulou legislação tributária

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federal objetivando torna-la mais simples e racional, através da Emenda Constitucional nº
18/65 a qual deu embasamento para a edição do Código Tributário Nacional em 1966. “A
legislação foi estruturada como um sistema moderno o suficiente para tornar-se um
instrumento de estratégia de crescimento acelerado, conhecido como milagre brasileiro
mediante incentivos fiscais para o setor produtivo, privilegiando a acumulação privada em
detrimento da equidade tributária. ” (SILVA, 2013).

Tais medidas resultaram em uma estabilização temporária das finanças públicas,


entretanto o Regime não parou por aí e elevou a carga tributária do Produto Interno Bruto
(PIB), possibilitando o equilíbrio dos gastos do Estado.

Com a chegada da Constituição Federal de 1988 as garantias e direitos sociais foram


ampliados, sendo que para tal fim também foi necessário instituir e aumentar tributos
elevando assim a carga tributária, contudo a questão da equidade tributária não foi resolvida.

Além do mais, essa nova Magna Carta consagrou os princípios gerais do Código
Tributário Nacional (CTN) definindo a repartição das receitas tributárias entre os entes
federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), a competência para a instituição
de tributos e as limitações ao poder de tributar.

Conclui-se que primeiramente os tributos, no Brasil, possuíam caráter meramente


arrecadatório, visando apenas financiar os gastos da família real. Passados alguns períodos
históricos, ocorreram diversas mudanças sociais os tributos ganharam uma conotação social
mais específica, pois parte de sua arrecadação seria revertida à sociedade, inclusive, a
tributação teve participação imprescindível em toda evolução do país, porque possibilitou ao
Estado prover infraestrutura e obter recursos em períodos de crise.

1.6 – ASPECTOS CONCEITUAIS

Para melhor compreendermos as peculiaridades inerentes aos tributos e sua


contextualização no ambiente social, se faz indispensável estabelecermos alguns conceitos, os
quais serão imprescindíveis para o entendimento das disposições que virão a seguir.

Dessa forma, elencaremos conceitos necessários, sempre com uma ótica social, de
aspectos relacionados entre os tributos e sua contextualização social.
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1.6.1 - Relação do direito tributário com a sociedade

O Direito Tributário é ramo da Ciência do Direito, e visa regrar as relações jurídicas


entre quem tem o direito de receber e quem tem o dever de pagar valores decorrentes de
tributos (BARRAGAN, 2015), e por este motivo deve sempre se amoldar ao tipo de poder
que rege um determinado país, seja ele ditatorial, democrático, socialista, dentre outros, ou
seja, o Direito Tributário visa garantir a manutenção do Estado e de seus interesses de acordo
com as suas peculiaridades.

Como pudemos observar em nosso histórico, a tributação foi capaz de fomentar


diversas revoluções sociais ao redor do mundo e também em nosso país, com o exemplo
clássico da já explanada Inconfidência Mineira, onde por não suportar mais o pagamento da
derrama, os donos dos garimpos se revoltaram contra a coroa portuguesa.

Evidencia-se, então, que para haver regramento e normatização do Direito Tributário


em uma determinada sociedade se faz necessário amplo conhecimento sobre os aspectos
sociais daquela comunidade, caso contrário, jamais haverá justa equalização destas relações
jurídicas e, dessa forma, quando o desiquilíbrio se torna insuportável pela sociedade, haverá
rumores de mudanças.

1.6.2 - Sujeitos da relação tributária e suas peculiaridades

Deve-se ainda, compreender quem são os sujeitos das relações tributárias, que são
divididos em duas categorias: sujeito ativo (credor) e sujeito passivo (devedor).

De acordo com Barragan (2015) não devemos classificar o sujeito ativo como sendo o
Estado, tendo em vista que a conceituação de Estado para o Direito Administrativo envolve
pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado, e o Código
Tributário Nacional (CTN) em seu artigo 119 descreve: “ Sujeito ativo da obrigação é a
pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento. ”

As referidas pessoas jurídicas de direito público são: União, Estados, Distrito Federal,
Municípios, Autarquias e Fundações Públicas, excluindo-se então a Sociedade de Economia

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Mista e a Empresa Pública, as quais são pessoas jurídicas de direito privado e por isso não
podem ser sujeitos ativo do Direito Tributário. Descaracterizando assim o sentido amplo de
Estado como sendo sujeito ativo da relação tributária.

Já o sujeito passivo da obrigação principal da relação tributária de acordo com o CTN


pode ser: o contribuinte, o qual terá relação direta e pessoal com a constituição do fato
gerador, ou o responsável, que possui obrigação decorrente de lei. Insta considerar que o fato
gerador é conceituado pelo CTN em seu artigo 114 como sendo o próprio acontecimento de
certa situação que a lei prevê como sendo tributável.

Barragan (2015) leciona que o poder de tributar se demostra em forma de uma ação
impositiva do sujeito ativo, porque não cabe ao sujeito passivo negociar ou dialogar com o
fisco, cabendo lhe apenas pagar o que lhe é imposto.

A atual carga tributária brasileira é inegavelmente pesada recaindo diretamente sobre


os ombros dos cidadãos, porém tem importância substancial para o desenvolvimento do país,
distribuição de renda e investimentos, mas como bem sabemos em certos casos há a
incidência do fator corrupção, evidenciando a necessidade de uma participação mais próxima
do cidadão em relação às políticas de gastos e recolhimento de tributos.

De acordo com Costa (2009) a tributação, dentre outras incumbências do Estado é a


atividade que consiste na instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.

“A instituição de tributos é atividade típica do Estado, indelegável e exercida


mediante lei, em sentido formal e material. Já a arrecadação e fiscalização tributárias
constituem competências administrativas e, portanto, passíveis de delegação a pessoas de
direito público ou privado”. (COSTA, 2009).

Barragan (2015) nos informa que mesmo que a tributação seja uma incumbência do
Estado, não quer dizer que seja obrigado a exercê-la. A competência tributária é facultativa,
mas, quando exercida ou não, gerará consequências àquele ente. O direito do Estado de
tributar resume-se a um dever dos particulares em arcar com o ônus de serem tributados, o
que lhes viabiliza o exercício de outros direitos. Evidenciando assim que muitos dos direitos
previstos no ordenamento jurídico, para sua proteção, dependem dos valores advindos da
receita tributária.

  21  
1.6.3 - Tributação e direitos fundamentais

Na visão de Costa (2009) a adequação da tributação ao exercício de direitos


fundamentais está cada vez mais intrínseca na compressão de Direito Tributário e, vem se
afirmando certa visão humanística sobre a tributação, pois essa atividade do Estado não visa
apenas gerar recursos para custear os serviços públicos, mas, também, o asseguramento do
exercício de direitos públicos subjetivos.

“Assim é que a tributação constitui instrumento para o atingimento dos


objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,
consubstanciados na construção de uma sociedade livre, justa e solidária;
na garantia do desenvolvimento nacional; na erradicação da pobreza e da
marginalização e na redução das desigualdades sociais e regionais; bem
como na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
No presente, estão indissoluvelmente associadas as ideias de tributação e
cidadania. Há que se entender que ser cidadão também é ser contribuinte. ”
(COSTA, 2009).

Conceituando basicamente, os direitos fundamentais são aqueles inerentes à própria


natureza do homem e por isso serão protegidos com os recursos advindos da tributação.

“Os direitos fundamentais dão suporte à atividade tributante do Estado, ao mesmo


tempo em que configuram limites intransponíveis a essa mesma atividade” Costa (2009),
justificando assim a ação tributária do Estado, contudo, limitando-o pela mesma razão.

Nas palavras de Machado (2009) “ Tendo-se em vista que o sistema tributário é


organizado com base em conceitos jurídicos praticamente universais e constitui notável
limitação ao poder de tributar, é razoável entender-se que sua preservação é um direito
fundamental do cidadão. ”

Devemos nos ater, ainda, ao caráter humanístico, garantidor e protetor social


intrínseco em nosso ordenamento jurídico onde já no primeiro artigo de nossa Carta Magna
temos o seguinte texto:

“1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;

  22  
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político. ” (CF, 1988)

Para que esses fundamentos básicos e constitucionais sejam seguidos, se faz


indispensável a intervenção do Estado para gerir e administrar tal situação, sendo que será
necessário também capital financeiro para esse fim, que será recolhido através da tributação.
Denota-se então a forte ligação dos tributos com a sociedade.

De acordo com Sabbag (2014) “O Estado necessita, em sua atividade financeira,


captar recursos materiais para manter sua estrutura, disponibilizando ao cidadão
contribuinte os serviços que lhe compete, como autêntico provedor das necessidades
coletivas”.

Esse breve estudo nos remete a visão de que o próprio funcionamento do Estado é um
direito do cidadão o qual não deixa de ser fundamental.

1.6.4 - Definição de tributo

É imprescindível para o nosso estudo sabermos qual é a clara definição de tributo, e ao


contrário da maioria dos ramos do Direito, o referido conceito não foi dado por juristas, mas
sim pela própria lei, afastando assim qualquer eventual controvérsia que poderia existir.

De acordo com o CTN (Código Tributário Nacional) em seu artigo terceiro: “ Tributo
é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir,
que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada”.

Silva (2013) em sua obra Função Social dos Tributos explica o artigo do CTN
anteriormente citado com palavras de melhor entendimento como sendo; todo pagamento
obrigatório ao Estado, efetuado em dinheiro, todavia, podendo ser admitido, através de lei,
por algo equivalente à moeda ou nela conversível, valor este não decorrente de penalidade por
ato ilícito. Não existindo tributo sem lei que o institua, a qual também disporá sobre a maneira

  23  
como este será cobrado, não podendo haver discricionariedade, ou seja, conveniência e
oportunidade na atividade do administrador público.

Para entendermos ainda melhor o conceito de tributo, mister compreender o


significado desta palavra dentro do Direito Tributário.

Popularmente usamos erroneamente a palavra “imposto” para definir qualquer


prestação pecuniária feita ao Estado, mas devemos nos atentar que tais prestações na verdade
se chamam “tributos”, e imposto é apenas uma forma presente neste gênero, pois existem
ainda outras três, sendo elas: as taxas, empréstimos compulsórios e contribuições.

Através desses conceitos, podemos denotar a estreita relação entre tributos e


contribuintes, não relacionada apenas à obrigação de pagar, que este último tem para com o
primeiro, mas sim na reciprocidade da relação, onde Estado e contribuintes são dotados de
deveres e obrigações, sendo que a finalidade de toda essa sistemática é grandiosa, qual seja a
manutenção da sociedade em seu sentido mais amplo da palavra.

Compreendemos ainda que a sistemática tributária, já em seus conceitos, nos


demonstra uma forte ligação com uma função social. Apesar de expropriar uma parcela dos
bens dos cidadãos sem dar-lhes, se quer, a possibilidade de se opor a esta imposição, visa um
objetivo maior, o qual é proteger, em todos os aspectos, a sociedade.

Observa-se também, que ao mesmo tempo que o fisco exerce certo poder em desfavor
dos contribuintes, este mesmo órgão possui limitações e responsabilidades, cabendo à
população as conhecer e cobrar sua aplicabilidade. E ainda constata-se a essencialidade dos
tributos para a existência da vida em sociedade, tendo em vista que as receitas tributárias são
indispensáveis para garantia dos direitos fundamentais dos contribuintes.

  24  
CAPÍTULO II

O TRIBUTO E SUA FUNÇÃO SOCIAL

Neste capítulo, buscaremos identificar através de princípios constitucionais e


disposições legais, características presentes nos tributos que os vinculam à sociedade.
Demonstrando que sua grande finalidade é atingir uma função social, a qual é grandiosa e tem
o potencial de definir os objetivos de um Estado, bem como propiciar sua evolução ou
decadência.

Não obstante, observaremos que a função social do tributo não deve atingir a
sociedade apenas diretamente, ou seja, reverter a receita tributária em benefício do cidadão
especificamente, sendo que a simples manutenção do Estado, já é um atingimento da função
social do tributo, pois o pleno funcionamento do país é condição “sine qua non” para o bem-
estar social e a preservação dos direitos da população.

2.1 - FISCALIDADE E EXTRAFISCALIDADE

Basicamente, quando pensamos em tributos nos vem à mente que estes servem para o
abastecimento dos cofres públicos. Esse é o conceito de fiscalidade que leva em consideração
o tributo apenas como ferramenta de arrecadação, forma de gerar riqueza para o Estado, tal
conceito tem origem histórica, quando os lideres arrecadavam recursos apenas para sua
própria manutenção, como leciona Barragan (2015).

Nas palavras de Becho (2013) “ A fiscalidade é usada para a situação mais comum,
em que a entidade tributante institui os tributos para abastecer os cofres públicos”.

Entretanto, conforme Costa (2009) com uma visão e função mais evoluída, denota-se
um outro conceito antagônico ao de fiscalidade, sendo este o de extrafiscalidade, que seria um
instrumento de tributação para inibir ou incentivar comportamentos, com o objetivo de
realizar outros valores constitucionalmente previstos.

  25  
“No mundo moderno, o tributo é largamente utilizado com o objetivo de
interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos
ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo,
finalmente os efeitos mais diversos na economia. (...) os autores em geral
apontam o uso do tributo com essa finalidade como um produto do moderno
intervencionismo estatal. A esta função intervencionista do tributo dá-se o
nome de função extrafiscal. ” (MACHADO, 2009)

Becho (2013) nos esclarece que a extrafiscalidade é fator que caracteriza tributos que
não possuem apenas importância fiscal, todavia vão além da intenção de arrecadar, buscando
finalidades diferentes, como: “a regulação do mercado produtor ou consumidor de bens”.
Servindo como exemplo os impostos de: importação, exportação, sobre produtos
industrializados e sobre operações financeiras, todos previstos pela Constituição Federal (art.
153, incisos I, II, IV e V). Sendo que o objetivo desses impostos não seria apenas elevar o
saldo dos cofres públicos, mas sim, regular o mercado de produção e de consumo, através de
rápidos ajustes em suas alíquotas. A Administração Pública, com este recurso, pode interferir
diretamente na exação de tributos, com a intenção principal de estimular ou inibir certas
condutas.

A ferramenta de extrafiscalidade busca defender princípios sociais e econômicos


constitucionalmente previstos (COSTA, 2009).

Conforme visto, o uso da ferramenta da extrafiscalidade tem interferência direta na


economia do país com objetivos protecionistas da iniciativa privada, da economia, do
emprego, controle de inflação, dentre outras possibilidades, visando o bem-estar social.

Denota-se que o uso deste recurso é capaz de gerar efeitos sociais exponenciais, bem
como direcionar o país para o caminho desejado através de estímulos aos contribuintes.

2.2 - PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Nas palavras de Costa (2009), à primeira vista pode-se pensar que os tributos, ao
tirarem parte do patrimônio do indivíduo estariam, na verdade, se chocando com direitos
fundamentais, uma vez que, dificultariam ou inviabilizariam o exercício de tais direitos,

  26  
entretanto, parece claro que diversos direitos assegurados em nosso ordenamento jurídico
dependem de recursos capitalizados através da tributação, para sua proteção.

“ (...) Universalmente vem se afirmando uma visão humanista da tributação, a


destacar que essa atividade estatal não busca apenas gerar recursos para o custeio de
serviços públicos, mas, igualmente, o asseguramento do exercício de direitos públicos
subjetivos” (COSTA, 2009).

Destarte, a tributação se faz indispensável para o cumprimento dos objetivos


fundamentais do brasil, baseados na construção de uma sociedade justa, solidária e livre; na
promoção do bem de todos, sem preconceitos; na garantia do desenvolvimento nacional; na
redução das desigualdades sociais; bem como na erradicação da pobreza e da marginalização.
Assim percebemos a ligação entre tributação e cidadania, e que ser cidadão também é ser
contribuinte e que este deve arcar com seus deveres fundamentais, que não estão previstos na
constituição, mas, são deveres subjetivos aos homens que convivem em sociedade, de acordo
com Costa (2009).

Os direitos fundamentais que o tributo, através de sua função social, visa proteger, são
aqueles inerentes à própria natureza do homem e estão previstos em nossa carta magna a qual,
inclusive, lhes definiu como clausula pétrea (art. 60, § 4°, IV, CF) e de execução imediata
(art. 5°, §1°, CF), evidenciando a importância e indisponibilidade destes direitos
fundamentais, conforme Costa (2009).

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta (...)


§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir: (...)
IV – os direito e garantias individuais. ” (CF, 1988).

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...)
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata. ” (CF, 1988).

Sabendo da grandiosidade destes direitos, parece-nos óbvio que a ação estatal de


exigir tributos toca diretamente os direitos fundamentais.

“Essa relação necessária revela-se, especialmente, mediante a eleição dos


fatos que o legislador constituinte apreende nas regras-matrizes de
incidência tributária e pela maneira pela qual o Estado exerce a atividade
tributante.

  27  
Os fatos abrigados nas regras-matrizes de incidência tributária hão de ser,
sempre, de significativo conteúdo econômico, de modo a conferir suporte à
exigência de tributos. E a tributação, por sua vez, há de ser desenvolvida
dentro dos balizamentos constitucionais, impondo-se a edição de leis
tributárias com a observância dos princípios pertinentes, a adoção de uma
conduta ética no exercício da fiscalização, a lisura dos procedimentos
administrativos e a edição, pelo Fisco, de atos normativos nos estritos
limites legais, dentre outras providencias. ” (COSTA, 2009).

Costa (2009) conclui que os direitos fundamentais justificam à atividade tributante do


Estado e, ao mesmo tempo delimitam essa mesma atividade.

Há de se visualizar, a estreita conexão entre direitos fundamentais e tributação,


conexão esta que é cada vez mais pertinente ao direito moderno e à sociedade contemporânea.

2.3 - DIREITO DE PROPRIEDADE, VEDAÇÃO AO CONFISCO E CAPACIDADE


CONTRIBUTIVA

Ainda dentro do escopo dos direitos fundamentais, porém de forma mais minuciosa,
podemos observar no artigo 5°, XXII de nossa magna carta que é garantido, aos cidadãos, o
direito de propriedade a qual deve ser entendida em sentido genérico, podendo ser um bem
móvel ou imóvel.

Segundo Barragan (2015), o Estado ao garantir aos indivíduos o direito de propriedade


está se revestindo de legitimidade para cobrar tributos sobre os mesmos, pois se encarregará
de toda uma estrutura para assegurar este direito, ou seja, o Estado lhe proporciona o acesso à
propriedade e em contrapartida expropriará parte desse bem.

Observa-se o paradoxo causado, tendo em vista que o Estado lhe garante um direito e
ao mesmo tempo tem autonomia para cerceá-lo.

Eis que nos exsurge o princípio da vedação ao confisco (art. 150, inciso IV, CF), que
de acordo com Barragan (2015), o Estado não poderá elevar a carga tributária de forma a
afastar o indivíduo de acessar a propriedade.

  28  
Para Sabbag (2014), o confisco se apresenta como a absorção, pelo Estado, da
propriedade particular, sem justa indenização. O que se demonstra um tributo
inconstitucional.

Todavia, sabe-se que em nosso país a desigualdade social é tamanha que, certa carga
tributária pode ser insuportável para um contribuinte, mas, considerada levíssima por outros,
fato que poderia limitar o acesso à propriedade apenas aos menos afortunados.

Momento em que se faz indispensável nos debruçarmos sobre outro princípio


constitucional, o da capacidade contributiva (artigo 145, §1°, CF).

“Art. 145, § 1°. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão
graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração
tributária, especialmente identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

Costa (2009) defende que a majoração tributária deve levar em conta circunstâncias
que digam respeito ao próprio contribuinte, ou seja, o cidadão deverá ser onerado de acordo
com as suas possibilidades econômicas, visando a manutenção do mínimo vital, aquela
riqueza mínima, objetivando propiciar ao contribuinte, ao menos, uma vida digna.

Para Machado (2009) não deve ser admitida a cobrança de tributos, mesmo que
instituída ou aumentada por lei, se não houver capacidade contributiva, sendo que tal
capacidade deve ser entendida como um limite ao arbítrio dos governantes.

Unindo o princípio da capacidade contributiva com o da vedação ao confisco, “ pode-


se afirmar que o tributo será confiscatório quando exceder a capacidade contributiva” Costa
(2009).

Os princípios se analisados de forma separada nos demonstram apenas limitações


estatais, entretanto, quando sobrepostos, nos ampliam a abrangência e definem um caráter
social em tais medidas, que buscam proteger a sociedade como um todo da força
desproporcional que o Estado possuí.

  29  
Nas palavras de Sabbag (2014), “ toda entidade impositora que confisca, na seara
tributária, vai além da capacidade contributiva do cidadão, estiolando-a com intenção
predatória. (...) a capacidade contributiva se esgota onde se inaugura o confisco”.

Sabbag (2014) relaciona, também, o confisco tributário com o direito de propriedade,


descrevendo que como o Estado brasileiro defende o direito de propriedade, caso se aproprie
desta por meios confiscatórios, estaria violando o próprio direito que anteriormente previu
como sendo fundamental. Entende-se como apropriação confiscatória “a injusta apropriação
do patrimônio particular, parcial ou integralmente, sem a correspondente indenização,
levando ao seu comprometimento, em face da insuportabilidade da carga tributária imposta”
Sabbag (2014). O princípio de vedação ao confisco viabiliza o direito de propriedade. Não se
busca uma proteção absoluta, à propriedade, contra a incidência de tributo, mas o objetivo é
evitar que o Estado por meio da tributação anule a riqueza privada.

2.4 - FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Insta consignar, que apesar de impor restrições à tributação, bem como garantir a
propriedade, a Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso XXIII exprimi que a propriedade
atenderá a sua função social.

“Na medida em que a titularidade do direito de propriedade pressupõe manifestação


de riqueza, revela-se inegável que a tributação sobre ela incidente insere-se nos contornos da
função social a ser por ela cumprida, especialmente à vista da ideia de justiça distributiva”
Costa (2009). Para a autora, a propriedade tem uma conotação pública, e a sociedade deve
extrair benefícios desse direito exercido por seu titular.

Em uma seara ainda mais ligada à função social da tributação, cabe-nos estudar o
Imposto Territorial Rural, que está expresso pela Constituição Federal da seguinte forma:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:


(...)
VI – propriedade territorial rural;
(...)
§ 4° O imposto previsto no inciso VI do caput:

  30  
I – será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a
manutenção de propriedades improdutivas;
II – não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as
explore o proprietário que não possua outro imóvel; ”.

Vale conceituar, primeiramente, para que possamos entender o inciso I do artigo


acima exposto, que de acordo com Sabbag (2014) “progressividade é técnica de incidência
de alíquotas variadas, cujo aumento se dá na medida em que se majora a base de cálculo do
gravame”.

Barragan (2015) leciona especificamente sobre o caso do Imposto Territorial Rural


(ITR) que, a própria Constituição Federal nitidamente promove que a Administração Pública
pode por meio da tributação, impor que o proprietário de certa unidade rural dê uma
destinação econômica para a terra e, consequentemente, assim, estará atendendo ao princípio
da função social da propriedade, já que a geração de renda provida por aquele território tem
impacto escalonar e direto na economia do país, gerando empregos, renda, favorecendo a
balança comercial, ou seja, movimentando capital e gerando diversos benefícios para a
sociedade.

Para Costa (2009) “ exsurge a importância do imposto em estudo como instrumento a


viabilizar o efetivo cumprimento da função social da propriedade rural, na medida em que o
proprietário rural será estimulado a produzir mais para pagar menos imposto, beneficiando-
se, consequentemente, a sociedade”, ou seja, quanto mais se produz em uma propriedade
rural, menos tributos serão devidos ao fisco.

No mesmo sentido de pensamento Sabbag (2014) descreve que o ITR tem função
extrafiscal, para auxiliar no disciplinamento da propriedade rural, combatendo os grandes
latifúndios improdutivos, fomentado a redistribuição de terra no país. “ O que se quer com tal
exação não são “ proprietários”, mas “ proprietários assíduos e produtivos em prol da
nação”. A progressividade do ITR desestimula a manutenção de propriedades improdutivas,
entretanto, não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando o proprietário
que as explorar, não possuir outro imóvel.

Fica claro que o Estado, por meio deste recurso, poderá evitar que grandes
latifundiários mantenham enormes porções de terra sem nenhuma utilização, não obstante
protegerá àquele que possui apenas uma pequena gleba e a mantém quase que em caráter de

  31  
subsistência familiar, com alíquotas diferenciadas em ambos os casos, sendo que a finalidade
será sempre valorizar a sociedade como um todo.

Essa situação não é diferente quando tratamos de Imposto Predial Territorial Urbano
(IPTU) disposto na constituição republicana da seguinte forma:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:


(...)
I – propriedade territorial urbana;
(...)
§ 1° Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, §
4°, II, o imposto previsto no inciso I poderá:
(...)
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

“ Art. 182. (...)
§ 4° É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para
área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do
proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado,
que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
(...)
II – imposto sobre a propriedade predial territorial urbana progressivo no
tempo; ”.

Para Sabbag (2014) os municípios durante a execução da política urbana, devem


estabelecer normas de ordem pública e interesse social, regulando o uso da propriedade
urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do
equilíbrio ambiental, caso contrário, o imposto deve ser majorado de forma a pressionar o
proprietário a dar adequado aproveitamento àquele imóvel.

O poder público busca através de medidas pecuniárias, de caráter tributário, orientar a


sociedade à um objetivo coletivo ao invés de apenas proteger o interesse particular, visando o
atingimento da maior quantidade de pessoas possíveis.

  32  
2.5 - FUNDAMENTOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO MANTIDO PELOS
TRIBUTOS

Conforme Barragan (2015), o Estado Democrático de Direito busca tanto garantir as


liberdades públicas, quanto os direitos de forma igualitária, respeitando sempre a medida da
desigualdade dos indivíduos.

Esse Estado Democrático de Direito, ainda de acordo com Barragan (2015), está
expresso em nossa carta magna, já em seu artigo primeiro, onde estão estabelecidos os
fundamentos de nossa República.

O referido artigo é composto de cinco incisos, os quais tem relação com os tributos,
apesar de já termos transcrito esse artigo nesta pesquisa se faz indispensável sua presença
novamente:

“1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político. ”

Barragan (2015) faz conexões da exação tributária com cada um destes fundamentos,
afirmando que o tributo é o núcleo do Estado Democrático de Direito argumentando que,
primeiramente: a soberania, só poderá ser exercida se houverem recursos para manter a
estrutura de proteção às fronteiras, recursos esses que serão gerados pela arrecadação
tributária; cidadania, ser cidadão não é apenas ter direitos políticos, mas poder exercer direitos
e deveres perante a sociedade, direitos que se transcendem na seara fiscal, na forma de poder
exigir que o Estado cumpra com a sua função, poder exigir do outro que honre com as suas
obrigações tributárias, bem como os deveres, sendo de contribuir honestamente para a
manutenção deste mesmo Estado.

De acordo com Becho (2013), quando a constituição em seu artigo art. 1° informa que
nosso país é uma República, no âmbito tributário, significa que os tributos incidirão sobre
todas as pessoas independentemente de eventuais títulos nobiliárquicos que algum venha a
possuir. Interpretando os incisos I e II deste artigo constitucional, percebe-se que a soberania

  33  
detém uma série de funções, todavia fazendo referência à apenas duas, elencaremos a
diplomacia e a força militar armada, que são serviços indispensáveis à soberania nacional e
que precisam de recursos financeiros para seu exercício, que virá invariavelmente do próprio
povo o qual contribuirá com parcela do seu próprio sustento para a manutenção do Estado,
tudo isso na forma de tributo. Na mesma linha de pensamento segue a cidadania, que é a
participação do povo nos liames do Estado, entendendo que será cidadão àquele que influir
nos destinos da Estrutura Estatal, ou seja, os tributos serão fixados pelos próprios cidadãos,
tendo em vista que são esses escolhem seus representantes os quais lidarão com a questão
tributária.

“a estipulação da cidadania no art. 1o da Carta Magna nos oferece a


possibilidade de vislumbrar ao menos uma das pessoas que suportarão o
tributo para o bem da soberania nacional: o próprio cidadão. Ele poderá
não ser o único a contribuir com o sustento da máquina pública, mas a sua
participação contribuindo para a existência do país enquanto nação
independente se faz, desde um primeiro momento, como exercício de
cidadania.
Com isso, começa-se a pensar não mais sobre a justificativa constitucional
para a existência e conformação do tributo, mas avança-se no início da
conformação da relação jurídico-tributária, como sendo de índole
constitucional e significando, em pelo menos um aspecto, na entrega de
meios financeiros pelo cidadão (sujeito passivo) ao Estado (sujeito ativo),
para que este reste soberano”. (BECHO) 2013.

Prosseguindo nosso estudo para a dignidade da pessoa humana, segundo Barragan


(2015), estamos diante do mais importante fundamento do Estado Democrático de Direito e,
esse fundamento tem ligação estreita com a capacidade contributiva, pois quando a
capacidade do contribuinte é respeitada o fisco garantirá a esse cidadão o mínimo necessário,
o qual seria o mínimo para a existência digna daquele indivíduo, se esta quantia mínima for
garantida, estamos diante preservação do fundamento da dignidade da pessoa humana.
Devendo esse mínimo existencial não apenas garantir a subsistência do cidadão, mas sim uma
vida digna, tendo assegurado a seu favor lazer, moradia, saúde, educação, dentre outros
aspectos, ou seja, caso o Estado tribute além da possibilidade daquele indivíduo
provavelmente estará tirando, demasiadamente, recursos deste e inviabilizando que o
contribuinte goze de uma vida digna.

Ainda de acordo com Barragan (2015) o Estado protege os valores sociais do trabalho
e da livre iniciativa através da instituição de políticas fiscais que visam facilitar o exercício de

  34  
certas atividades, definindo cargas tributárias que sejam viáveis e acessíveis ao exercício de
determinadas profissões.

Quando tal medida é tomada, em uma primeira análise poderíamos interpretar que o
governo estaria arrecadando menos tributos, no entanto, ao se fomentar e viabilizar o
exercício do trabalho evita-se que haja a sonegação fiscal, tendo em vista que o contribuinte
tem capacidade contributiva sobre aqueles valores; favorece ao crescimento do setor privado e
estimula a geração de empregos, ou seja, proteger os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa através de uma tributação justa, inteligente e flexível gera efeitos em escala, os
quais favorecem a sociedade como um todo, e no final das contas acabam aumentando a
arrecadação de tributos, já que com o crescimento das empresas haverá mais bens sendo
produzidos e circulando o que consequentemente eleva a arrecadação. Conforme leciona
Barragan (2015).

Barragan (2015) define ainda que em relação ao pluralismo político, este é protegido
constitucionalmente através da não incidência de impostos sobre todo e qualquer partido,
tampouco em fundações por eles criadas (art. 150, inciso IV, alínea “c” CF), protegendo
assim a diversidade de legendas existentes em nosso país, evitando que haja uma certa
supremacia de algum partido que eventualmente venha a ser mais capitalizado do que outro.

Para Sabbag (2014) a imunidade fiscal concedida aos partidos políticos visa defender
a liberdade política, tendo em vista que os partidos políticos dão sustentação e autenticidade
ao regime democrático e ao liberalismo, estando dimensionado entre não estatal e estatal,
entretanto com finalidade excepcionalmente pública.

Na mesma linha de pensamento Costa (2009) defende que caso ocorressem a


exigência de impostos aos partidos políticos, certamente estaríamos diante de um obstáculo a
estas entidades, fato este que jamais deve ocorrer.

2.6 – FINANCIAMENTO DAS ATIVIDADES ESTATAIS

Como vimos anteriormente, é função do Estado garantir os direitos fundamentais do


cidadão, viabilizar o trabalho e o emprego, estruturar as transações de bens, garantir a
  35  
soberania através da defesa externa e segurança interna, além de manter sua organização na
forma de uma República Federativa.

Para que tudo isso ocorra, faz se indispensável a existência de recursos estatais os
quais são arrecadados de uma fonte majoritária e principal chamada de tributo.

Conforme Silva (2013) o tributo é a principal fonte de arrecadação do Estado, tendo


em vista que quando a Constituição Federal fomenta o domínio individual sobre os bens
econômicos, o Estado somente poderia angariar fundos retirando uma parcela do lucro da
economia privada, ou seja, com um Estado pouco intervencionista e fomentador da iniciativa
privada, este perde espaço para explorar as atividades comerciais, entretanto abre caminho
para os particulares, mas lhe cobrará uma parcela do lucro auferido o qual será destinado a
sua manutenção e cumprimento de seus preceitos.

Para Machado (2007) “A tributação é, sem sombra de dúvida, o instrumento de que se


tem valido a economia capitalista para sobreviver. Sem ele não poderia o Estado realizar
seus fins sociais, a não ser que monopolizasse toda a atividade econômica”.

Silva (2013) nos demonstra ainda o caráter da solidariedade que está presente nos
tributos, que transcendem de duas formas: podendo ser solidário em razão da capacidade
contributiva, quando cada cidadão deve contribuir apenas com o que a sua condição
econômica lhe proporciona, bem como no sentido de solidariedade entre os contribuintes,
onde todos contribuem de acordo com a sua capacidade para possibilitar que todos tenham
acesso à saúde, educação, habitação, justiça, segurança pública entre outras coisas.

Seria uma espécie de “rateio” das necessidades coletivas, cada um contribuindo com o
que pode para que a sociedade seja mantida e preservada, respeitando sempre as necessidades
e individualidades de cada cidadão.

Relacionando o conceito de tributo com os aspectos acima tratados, percebemos que


sua obrigatoriedade se dá em razão de sua essencialidade para com os fundamentos do Estado
brasileiro, ou seja, caso fosse facultativo, talvez a maioria dos contribuintes não concordasse
em realizar os pagamentos, o que seria inadmissível e incompatível com a organização social
e os preceitos constitucionais de nosso país.

Ao analisarmos outra característica conceitual, podemos perceber que a lei define que
o tributo deve ser pago preferencialmente em dinheiro e, caso a lei determine, pode ser pago

  36  
com algo equivalente, essa determinação, sob a ótica da função social do tributo, visa facilitar
a relação entre o fisco e o contribuinte, pois a moeda nacional é bem fungível e de acesso
comum, todavia não impede que eventualmente o pagamento seja realizado de outra forma,
caso seja mais vantajoso para ambas as partes ou o contribuinte não tenha outra maneira de
satisfazer a dívida.

Por fim, percebe-se a legalidade na cobrança dos tributos, já que deve haver lei
anterior que o defina, não podendo o cidadão ser pego desprevenido, o que afrontaria os
direitos fundamentais já tão debatidos, tampouco a forma de cobrança poderá ser feita de
maneira discricionária, devendo o fisco estar vinculado a alíquotas e regras previamente
determinadas, demonstrando a impessoalidade que a administração pública deve exercer.

Fica cristalino, ao analisarmos este capítulo, constatar que o tributo possuí função
social, pois de uma forma ou de outra, sendo direta ou indiretamente, afeta a sociedade e
causa impactos de grande monta sobre os contribuintes.

Denota-se ainda a indispensabilidade do tributo, sem o qual a vida em sociedade seria


inviável, já que sua arrecadação fornece subsídios para o funcionamento do Estado como um
todo e consequentemente a busca do bem-estar social.

Apesar de ficar claro a sua necessidade ao bom desenvolvimento social é perceptível,


também, que a população enxerga os tributos como o grande vilão de nosso país, destarte em
nosso próximo capítulo faremos uma análise do porque isso ocorre.

  37  
CAPÍTULO III

EM BUSCA DA JUSTIÇA SOCIAL

Conforme pudemos analisar no capítulo anterior, os tributos possuem uma função


social a qual é inerente a sua existência, sendo que os recursos advindos da tributação
deveriam ser revertidos à população e também a própria tributação deveria ser exercida com
responsabilidade para atingir a sua finalidade social.

Denotamos também, que apesar de termos um sistema fiscal de alta complexidade,


toda essa sistemática visa garantir preceitos sociais estabelecidos por nossa Magna Carta.

Nas palavras de Silva (2013) “(...) a função social dos tributos está vinculada ao uso
do Sistema Tributário Nacional como um instrumento efetivo para que o Estado cumpra sua
função social de promover o bem comum, a igualdade e a justiça, por meio do
desenvolvimento social e econômico”.

Todavia, ainda conforme Silva (2013) “a essência do Direito é sua aplicação prática
– dever das autoridades públicas. ” O que está disposto em nossa Constituição não deve ser
apenas um conjunto belas palavras ou declarações de boas intenções. O regramento jurídico
foi criado para agir sobre a vida do cidadão. Dessa forma, não basta apenas a igualdade
pregada formalmente, devendo os direitos fundamentais serem garantidos na prática, na
própria realidade social. A igualdade material deve ser buscada em seu aspecto humanista e
ideológico, o que significa acesso aos bens de vida, garantindo a dignidade do cidadão e um
mínimo de conforto.

Não é difícil observar que no Brasil a função social do tributo não é aplicada, tendo
em vista a tamanha disparidade de classes sociais e o alto nível de sobrevivência em caráter
de subsistência de alguns contribuintes, bem como o descaso quanto a esta situação, por parte
de nossos governantes. Baseado nesse triste fenômeno brasileiro, Ives Gandra Martins em sua
obra Sistema Tributário na Constituição de 1988, classifica o tributo como norma de rejeição
social.

“As denominadas leis naturais – na moderna concepção de direito natural,


que não se choca com o direito positivo, visto que há normas que o Estado
apenas reconhece e outras que o cria – são, quase sempre, normas de
aceitação social. O respeito ao direito à vida é típica norma de

  38  
comportamento, que seria cumprida pela maior parte de qualquer
população, mesmo que sanção não houvesse. Para tais normas compreende-
se que as normas sancionatórias sejam secundárias, visto que o brilho das
normas primárias ou de comportamento por si só assegura a força de sua
aplicação e aceitação pela comunidade. Desta forma, quanto às normas de
aceitação social, Cossio tem razão, sendo a norma sancionatória mero
apêndice de aplicação restrita aos desajustados sociais.
O mesmo não acontece quanto às normas de rejeição social. Nestas,
prevalece a necessidade da norma sancionatória, única capaz de fazer
cumprir a norma de rejeição social. O tributo, como quer Paulo de Barros
Carvalho, é uma norma. É uma norma de rejeição social. Vale dizer, sem
sanção não seria provavelmente cumprida. A sanção é que assegura ao
Estado a certeza de que o tributo será recolhido, visto que a carga
desmedida que implica traz, como consequência, o desejo popular de
descumpri-la. ” (MARTINS, 1998)

Para Gonçalves (b) (2015), a rejeição social do tributo é incompatível com sua própria
natureza, já que sua função social visa custear a atividade estatal, a distribuição de renda e
consequentemente fomentar o bem comum, ou seja, não há porque haver rejeição se a função
do tributo é das mais nobres possíveis.

Não é difícil constatar, que a rejeição se dá em razão de que os nossos governantes


tendem a tributar mais do que o necessário para a atividade estatal e, não satisfeitos, por
diversas vezes, estes mesmos governantes dão destinação incorreta para as rendas públicas, o
que demonstra que eles não se importam com a coletividade.

De acordo com Silva (2013) em nosso país, a carga tributária é suportada de forma
dificílima pela população, principalmente pelos consumidores e assalariados. Porém,
ironicamente, são esses dois grupos os que menos tem conhecimento acerca do minucioso e
complexo Sistema Tributário Nacional.

Dentro dessa sistemática, conforme Gonçalves (b) (2015), detêm-se, que o risco de ser
sancionado em razão da sonegação, se torna cada vez mais aceitável, por parte do contribuinte
na medida do tamanho da carga tributária. Ou seja, quanto maior a carga tributária, mais
propicio à sonegação estará o contribuinte. Este ciclo, inevitavelmente, garante ao Estado
promover o agravamento das sanções, bem como o aumento de carga tributária, gerando uma
roda infinita que apenas estimula a rejeição social ao tributo.

Afinal, o que é carga tributária? Seguindo os ensinamentos de Silva (2013), podemos


concluir que carga tributária é: “um indicador entre o volume de recursos pagos a título de
tributos e o PIB (Produto Interno Bruto). Este, por sua vez, representa a soma de tudo o que

  39  
é produzido no país em um espaço de tempo. Carga Tributária expressa a parcela de tudo o
que é produzido pela sociedade e que se destina aos cofres públicos”.

É indispensável neste momento, estabelecermos uma comparação entre as cargas


tributárias de diversos países para que possamos compreender nossa atual situação em relação
a este aspecto. Para tanto, foram compilados dados extraídos da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, referentes a estudos realizados, demonstrando a
carga tributária de diversos países. Através de tais informações foram selecionados os 20
países que possuem a maior carga tributária.

Tabela I: Ranking dos 20 países com maior carga tributária em 2012

Ranking País Carga Tributária


1º Dinamarca 47,2
2º França 44,0
3º Bélgica 44,0
4º Finlândia 42,8
5º Itália 42,7
6º Suécia 42,3
7º Noruega 42,3
8º Áustria 41,7
9º Luxemburgo 38,5
10º Hungria 38,5
11º Eslovênia 36,5
12º Alemanha 36,5
13º Holanda 36,3
14º Brasil 35,6
15º Islândia 35,3
16º Barbados 34,0
17º República Tcheca 33,8
18º Grécia 33,7
19º Reino Unido 33,0
20º Nova Zelândia 33,0
Fonte: Organization for Economic Co-operation and Development

  40  
Podemos constatar que o Brasil está entre os países que mais cobram tributos em
relação ao PIB, entretanto apenas estes dados não são suficientes para determinar se a carga
tributária de um país é alta ou não, devendo, para tanto, saber qual é a destinação do montante
destes recursos.

De acordo com Silva (2013) o dinheiro advindo dos tributos é utilizado pelo Estado de
três formas:

1. Pagamento de aposentadorias, pensões, benefícios previdenciários e assistenciais,


que segundo pesquisas realizadas pelo IPEA em 2009, tais pagamentos consomem 15% do
PIB.

2. Pagamento de juros decorrentes da dívida pública que, também de acordo com o


IPEA, chegam a quase 5% do PIB.

3. Custeio de serviços públicos oferecidos à população e, neste caso, devem ser


deduzidos os dois valores anteriormente dispostos, ou seja, o valor que será revertido
diretamente à população em forma de benefício é de 15,5% do PIB.

Através de tais dados podemos constatar que a carga tributária do Brasil é alta, tendo
em vista que em porcentagem em relação ao PIB o valor tributado é considerável, não
obstante o retorno social direto, ou seja, o atingimento da função social direta dos tributos
dispõe de um capital de menos da metade do total arrecadado.

Ainda de acordo com Silva (2013), deve-se levar em consideração “a avaliação que
a população faz dos serviços públicos em comparação com outros países”, para que
possamos analisar o cumprimento da função social. Muito se discute que caso tivéssemos
serviços públicos de boa qualidade, não nos importaríamos em suportar uma carga tributária
até mais alta, como as de alguns países de Europa.

Antes de analisarmos os dados referentes ao bem-estar social é indispensável


verificarmos os países com melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). Insta
consignar que o IDH é obtido através da comparação de níveis de riqueza, educação,
expectativa de vida, alfabetização, dentre outros fatores de diversos países do mundo. É uma
forma padronizada de avaliar e medir o bem-estar de uma população.

  41  
Tabela II: Ranking de Índice de Desenvolvimento Humano

Ranking País IDH


1º Noruega 0,944
2º Austrália 0,933
3º Suíça 0,917
4º Países Baixos 0,915
5º Estados Unidos 0,914
6º Alemanha 0,911
7º Nova Zelândia 0,91
8º Canadá 0,902
9º Singapura 0,901
10º Dinamarca 0,9
11º Irlanda 0,899
12º Suécia 0,898
13º Islândia 0,895
14º Reino Unido 0,892
15º Hong Kong, China 0,891
16º Coréia 0,891
17º Japão 0,89
18º Liechtenstein 0,889
19º Israel 0,888
20º França 0,884
(...)
79º Brasil 0,744
Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Através desta tabela, podemos denotar que a maioria dos países que possuem as
maiores cargas tributárias, também possuem alto IDH, todavia observamos também que
alguns países que se quer aparecem na lista das maiores cargas tributárias, estão entre os
melhores IDHs, ou seja, a arrecadação tributária e o Índice de Desenvolvimento Humano não
tem relação direta, sendo que o mais importante é a destinação dada ao dinheiro, o
planejamento social e não apenas o quanto o Estado é capaz de arrecadar.

Infelizmente, observamos, ainda, que o Brasil está longe dos melhores da lista quando
o assunto é IDH, estando apenas na 79º posição, entretanto alcança o 14º lugar na tabela de
maiores cargas tributárias.

  42  
Neste momento, nos é propicio a análise de outra tabela, agora organizada pelo
Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), referentes aos dados coletados em
2013, onde estão classificados os países com melhores Índices de Retorno De Bem-Estar à
Sociedade.

Preliminarmente, devemos esclarecer que o Índice de Retorno De Bem-Estar à


Sociedade (IRBES), é o resultado da soma da carga tributária, ponderada percentualmente
pelo valor de parâmetro, com o IDH, ponderado da mesma maneira. E foi ordenado pelo
IBPT de forma decrescente relativo ao IRBES de cada Estado. Tal índice é regulado da
seguinte forma: quanto maior sua porcentagem, melhor é o retorno dos valores arrecadados
em forma de tributo para a sociedade. O IBPT esclarece, ainda, que para se chegar aos
números apresentados, utilizou a ponderação de 15% relativa à carga tributária e 85% em
relação ao valor do IDH, por entender que o IDH elevado, independente da carga tributária de
um país, é mais significativo do que a carga tributária elevada, independentemente do IDH.
Portanto, o IBPT entende que o IDH deve ser ter um peso muito maior para a composição dos
números.

Tabela III: Índice de Retorno De Bem-Estar à Sociedade

Ranking País IRBES


1º Austrália 162,91
2º Coréia do Sul 162,79
3º Estados Unidos 162,33
4º Suíça 161,78
5º Irlanda 158,87
6º Japão 156,73
7º Canadá 156,48
8º Nova Zelândia 155,44
9º Israel 155,41
10º Reino Unido 152,99
11º Uruguai 151,91
12º Eslováquia 151,51
13º Espanha 151,38
14º Islândia 150,25
15º Alemanha 150,23

  43  
16º Grécia 148,98
17º República Tcheca 148,97
18º Noruega 148,32
19º Argentina 147,8
20º Eslovênia 146,97
21º Luxemburgo 144,69
22º Suécia 141,15
23º Áustria 141,01
24º França 140,69
25º Bélgica 140,21
26º Itália 140,13
27º Hungria 139,8
28º Dinamarca 139,52
29º Finlândia 139,12
30º Brasil 137,94
Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação

Vale salientar que, os trinta países acima elencados foram retirados da lista dos trinta
Estados com maiores cargas tributárias, ou seja, dentre os países que possuem as maiores
percentagens de carga tributária no mundo, o Brasil está em último quando o assunto é
oferecer bem-estar à população, ou seja, o Brasil arrecada recursos suficientes como tantos
outros países, no entanto por uma questão de falta de consciência fiscal, não consegue
satisfazer a população em suas mais básicas necessidades, de forma a não atender a função
social do tributo.

Segundo, ainda, o IBPT este foi o quinto ano consecutivo que o Brasil ficou com a
última colocação. Nas palavras do executivo do IBPT João Eloi Olinike (2015):

“Mesmo com os sucessivos recordes de arrecadação tributária, - marca


que, em 2015, já chegou aos R$ 800 bilhões de tributos-, o Brasil continua
oferecendo péssimo retorno aos contribuintes, no que se refere à qualidade
do ensino, atendimento de saúde pública, segurança, saneamento básico,
entre outros serviços. E o pior, fica atrás de outros países da América do
Sul, como Uruguai e Argentina, que ocupam, respectivamente, a 11° e 19°
colocações no ranking”.

Ao estudarmos os dados ora levantados, fica claro e evidente que a função social do
tributo não tem seus preceitos cumpridos no Brasil, tendo em vista que em nosso país

  44  
possuímos uma carga tributária relativamente alta, um IDH baixo, consequentemente nosso
Índice de Retorno De Bem-Estar à Sociedade não é satisfatório.

3.1 – CONSCIÊNCIA FISCAL

A função social do tributo só será exercida no Brasil quando o cidadão tiver uma
consciência fiscal dos seu direitos e deveres em matéria de ordem tributária, o que
consequentemente fornece subsídios para que os governantes também possuam tal
consciência, tendo em vista que estes são escolhidos pelos próprios contribuintes e ainda ao
perceberem que a população possuí certo conhecimento na área tributária, tomarão decisões
mais coesas e benéficas à todos.

Para Silva (2013) é necessário que haja uma reforma no Sistema Tributário Nacional
para que o tributo atenda aos preceitos constitucionais e cumpra com sua função social.
“Somente o cumprimento efetivo dos princípios constitucionais permitirá que o Sistema
Tributário Nacional se torne um instrumento para o alcance de uma das funções essenciais
do Estado moderno: eliminação das desigualdades sociais e desequilíbrios econômicos
regionais, objetivando o alcance do bem comum”. Para se construir uma tributação mais
justa, deve-se reafirmar em lei princípios essenciais do sistema que não estão sendo
observados.

“Nota-se que o problema parece residir não no tributo em si, mas na forma
como o mesmo é manejado, basta, portanto, que a filosofia que define o bem
comum seja mais ou menos falsa, em especial na concepção dos
governantes, para que estes empreguem o aparato estatal em benefício de si
mesmos e não da sociedade, o que por sua vez acarreta a rejeição do
indivíduo à tributação; impedindo este mesmo indivíduo de reconhecer o
tributo como um direito seu e reafirmando a necessidade de uma maior
análise da fiscalidade sob o rigor do método sociológico, não apenas no
sentido de identificar suas reais dimensões sociais, mas, outrossim, a fim de
se promover a educação de governantes em face da função social do
tributo”. (GONÇALVES (b), 2015)

Gonçalves (a) (2015) relata que apesar de todos os ideais previstos em nossa
Constituição Federal, estamos distantes dos objetivos de igualdade e justiça, visto sobre a

  45  
ótica da arrecadação tributária, onde quem mais sofre é a população mais pobre,
principalmente por sua baixa capacidade de expressar suas verdadeiras vontades, bem como
pela falta de representação desta classe.

O mesmo autor prossegue com o pensamento concluindo que, as classes sociais mais
pobres arcam com a maior carga tributária, em razão de um sistema tributário regressivo e
concentrador de renda, o qual vai na contramão do que está disposto em nossa Magna Carta.
Ainda, a população mais pobre tem pouca força política para efetivamente mudar o atual
sistema ou pressionar o governo para que os preceitos fundamentais sejam, de fato,
cumpridos, conforme a lei.

Para que o atual cenário, no qual quem mais trabalha é quem mais paga tributos e
menos recebe retorno, se altere, é indispensável que seja instituída a educação fiscal
(Consciência Fiscal), sendo esta propiciada a todos os cidadãos, inclusive, inserida no quadro
das instituições de ensino, com o objetivo de manter essa importante temática em constante
debate. Entretanto, esta não é uma tarefa fácil, pois há uma grande reprovabilidade inserida na
sociedade quando o assunto é tributo, porém com investimento dos gestores públicos, a longo
prazo, no fomento deste tipo de educação, com certeza serão colhidos bons frutos, os quais
seriam capazes de, enfim, colocar o Brasil como o país do presente e não do futuro.

“Só uma população consciente de seus direitos e deveres será capaz de


pressionar as autoridades constituídas da República para que esse quadro
de injustiça fiscal seja revertido. Por isso, a Educação Fiscal tem um papel
importante na construção da chamada consciência fiscal, especialmente
junto à parcela menos informada e mais pobre da população, duplamente
penalizada pela realidade das finanças públicas no Brasil(...)”.
(GONÇALVES (a), 2015)

Machado (2010) acredita que, apesar de lentamente, a consciência fiscal vem se


afirmando no ambiente social, tendo em vista que as pessoas estão percebendo o quão
impactante os tributos são em suas vidas.

Silva (2013) defende que o objetivo da Educação Fiscal é desenvolver competências e


habilidades, valores e atitudes necessárias ao exercício de direitos e deveres dentro da relação
cidadão x Estado, a qual é recíproca. “Conhecer a função socioeconômica dos tributos, a
aplicação dos recursos públicos e as estratégias e os meios para o exercício do controle
democrático possibilita a construção da cidadania tributária”.
  46  
Um cidadão tributariamente consciente participa das propostas de governo, fiscaliza os
gastos e as arrecadações públicas. O envolvimento do cidadão nesta matéria gera uma certa
pressão social sobre o desempenho dos administradores públicos e sobre os objetivos sociais
que foram alcançados. Essa situação, propicia à ambas as partes (Estado e contribuinte) uma
equalização, tendo em vista que os dois lados são detentores de direitos e deveres e, a
principal objetivo de todos, é o atingimento de uma finalidade social satisfatória, um bem
social maior.

“(...) na maioria dos casos não há como se determinar com exatidão o valor
dos tributos que oneram o preço das mercadorias e dos serviços. Essa
dificuldade, todavia, será facilmente superada por uma disposição na lei
que estabeleça o critério pela qual o ônus tributário será fixado, de sorte a
assegurar a indicação desse ônus com a maior aproximação possível da
realidade. Com isto será formada, com certeza a consciência fiscal
necessária, tanto para evitar excessos na cobrança, como e especialmente
para evitar os desvios na aplicação dos recursos públicos”. (MACHADO,
2010)

Destarte, devemos buscar a construção da Consciência Fiscal, fator indispensável para


que haja em nosso país uma justa reforma tributária, com o fim de tornar todo o sistema mais
simples, transparente e justo, o qual efetivamente reverta benefícios aos contribuintes e
cumpra com seus preceitos constitucionais.

  47  
CONCLUSÃO

Fica claro constatar, através dos estudos realizados, que os tributos possuem uma
função social, a qual é preceituada desde a base dos princípios tributários, contidos em nossa
Magna Carta, até o regramento geral do sistema.

Podemos perceber ainda, que a essência do tributo é subsidiar a estrutura do Estado


para que este proporcione aos cidadãos vida em sociedade de forma viável e harmoniosa,
respeitando as diferenças e as minorias, bem como socorrendo aos necessitados que
eventualmente não se adaptem tão bem ao nosso modelo social.

Apesar de tudo isso estar disposto em nossos princípios jurídicos e em nosso


ordenamento, fica evidente que na prática o funcionamento se dá de forma divergente a estes
preceitos, tendo em vista que a capacidade contributiva não é respeitada, e ainda os valores
arrecadados pela tributação, em via de regra, tomam rumos espúrios, vindo a não atingir sua
função social que é tão nobre e essencial.

Nosso país possuí uma das maiores cargas tributárias do mundo, todavia retribui aos
contribuintes com o pior índice de bem-estar dentre os países auferidos. Situação esta gerada
pela alta incidência de corrupção e, invariavelmente, a falta de planejamento dos gestores
públicos em matéria de aplicação de recursos.

Para solucionar esta problemática deve-se realizar um projeto de educação tributária,


com o fim de amadurecer os conhecimentos dos brasileiros com relação a esse aspecto.
Criando assim a Consciência Fiscal, a qual deve também ser exercida pelos próprios
legisladores e administradores públicos, na forma de respeito tanto na cobrança dos tributos
quanto na aplicação de suas receitas.

Dessa forma teremos gestores melhores, eleitos com maior cuidado e legitimidade, os
quais serão pressionados por uma população que tem consciência de seus atos, direitos e
também deveres.

  48  
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3.

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