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Variedades Diferenciáveis

Publicações Matemáticas

Variedades Diferenciáveis

Elon Lages Lima

impa
Copyright © 2011 by Elon Lages Lima

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Capa: Noni Geiger / Sérgio R. Vaz

Publicações Matemáticas
• Introdução à Topologia Diferencial – Elon Lages Lima
• Criptografia, Números Primos e Algoritmos – Manoel Lemos
• Introdução à Economia Dinâmica e Mercados Incompletos – Aloísio Araújo
• Conjuntos de Cantor, Dinâmica e Aritmética – Carlos Gustavo Moreira
• Geometria Hiperbólica – João Lucas Marques Barbosa
• Introdução à Economia Matemática – Aloísio Araújo
• Superfícies Mínimas – Manfredo Perdigão do Carmo
• The Index Formula for Dirac Operators: an Introduction – Levi Lopes de Lima
• Introduction to Symplectic and Hamiltonian Geometry – Ana Cannas da Silva
• Primos de Mersenne (e outros primos muito grandes) – Carlos Gustavo T. A. Moreira e Nicolau
Saldanha
• The Contact Process on Graphs – Márcia Salzano
• Canonical Metrics on Compact almost Complex Manifolds – Santiago R. Simanca
• Introduction to Toric Varieties – Jean-Paul Brasselet
• Birational Geometry of Foliations – Marco Brunella
• Introdução à Teoria das Probabilidades – Pedro J. Fernandez
• Teoria dos Corpos – Otto Endler
• Introdução à Dinâmica de Aplicações do Tipo Twist – Clodoaldo G. Ragazzo, Mário J. Dias
Carneiro e Salvador Addas Zanata
• Elementos de Estatística Computacional usando Plataformas de Software Livre/Gratuito –
Alejandro C. Frery e Francisco Cribari-Neto
• Uma Introdução a Soluções de Viscosidade para Equações de Hamilton-Jacobi – Helena J.
Nussenzveig Lopes, Milton C. Lopes Filho
• Elements of Analytic Hypoellipticity – Nicholas Hanges
• Métodos Clássicos em Teoria do Potencial – Augusto Ponce
• Variedades Diferenciáveis – Elon Lages Lima
• O Método do Referencial Móvel – Manfredo do Carmo
• A Student's Guide to Symplectic Spaces, Grassmannians and Maslov Index – Paolo Piccione e
Daniel Victor Tausk
• Métodos Topológicos en el Análisis no Lineal – Pablo Amster
• Tópicos em Combinatória Contemporânea – Carlos Gustavo Moreira e Yoshiharu Kohayakawa
• Uma Iniciação aos Sistemas Dinâmicos Estocásticos – Paulo Ruffino
• Compressive Sensing – Adriana Schulz, Eduardo A.B.. da Silva e Luiz Velho
• O Teorema de Poncelet – Marcos Sebastiani
• Cálculo Tensorial – Elon Lages Lima
• Aspectos Ergódicos da Teoria dos Números – Alexander Arbieto, Carlos Matheus e C. G.
Moreira
• A Survey on Hiperbolicity of Projective Hypersurfaces – Simone Diverio e Erwan Rousseau
• Algebraic Stacks and Moduli of Vector Bundles – Frank Neumann
• O Teorema de Sard e suas Aplicações – Edson Durão Júdice

IMPA - ddic@impa.br - http://www.impa.br - ISBN: 978-85-244-0267-8


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What win I if I gain the thing I seek?


A dream, a breath, a froth of fleeting joy.

Prefácio
Estas notas são uma reimpressão não modificada do texto de
um curso introdutório sobre Variedades Diferenciáveis, que lecio-
nei algumas vezes no IMPA, anos atrás. Ao escrevê-las, vali-me
dos apontamentos do meu então aluno Jair Koiller. A presente
edição foi digitada por Rogerio Dias Trindade. As figuras foram
produzidas por Francisco Petrúcio. A todas estas pessoas, meus
agradecimentos.

Rio de Janeiro, maio de 2007

Elon Lages Lima


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Conteúdo

Capı́tulo I - Cálculo Diferencial . . . . . . . . . . . . . .1


1. Espaço euclidiano de dimensão p . . . . . . . . . . . . 1
2. Casos particulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
3. Derivadas de ordem superior . . . . . . . . . . . . . . 6
4. Versão intrı́nseca da regra da cadeia . . . . . . . . . . 8
5. A desigualdade do valor médio . . . . . . . . . . . . . 11
6. Derivadas parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
7. O teorema da função inversa . . . . . . . . . . . . . . 15
8. Forma local das submersões e o teorema das funções
implı́citas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
9. A forma local das imersões . . . . . . . . . . . . . . . 20
10. O teorema do posto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
11. Campos de vetores em Rn . . . . . . . . . . . . . . . . 28
12. Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

Capı́tulo II - Superfı́cies nos Espaços Euclidianos . . 31


1. Parametrizações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2. A noção de superfı́cie . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3. Mudança de coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . 36
4. O espaço tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
5. Como obter superfı́cies . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
6. Exemplos de superfı́cies . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
7. Grupos e Álgebras de Lie de matrizes . . . . . . . . . 60
8. Campos de vetores tangentes a uma superfı́cie . . . . . 63
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Capı́tulo III - Vetores Normais, Orientabilidade e


Vizinhança Tubular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

1. Campos de vetores normais a uma superfı́cie . . . . . . 71


2. Superfı́cies Orientáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
3. A vizinhança tubular de uma superfı́cie compacta . . . 86
4. A vizinhança tubular de uma superfı́cie não-compacta 93

Capı́tulo IV - Variedades Diferenciáveis . . . . . . . 102

1. Sistemas de coordenads locais . . . . . . . . . . . . . 102


2. Mudança de coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . 105
3. Variedades diferenciáveis . . . . . . . . . . . . . . . 106
4. Exemplos de variedades . . . . . . . . . . . . . . . . 108
5. Variedades definidas por uma coleção de injeções . . 113
6. Variedades de Grassmann . . . . . . . . . . . . . . . 123

Capı́tulo V - Aplicações Diferenciáveis entre


Variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

1. Aplicações diferenciáveis . . . . . . . . . . . . . . . . 130


2. O espaço tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
3. A derivada de uma aplicação diferenciável . . . . . . 137
4. Algumas identificações naturais . . . . . . . . . . . . 139
5. A aplicação esférica de Gauss . . . . . . . . . . . . . 141
6. Estruturas de variedade em um espaço topológico . . 143
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Capı́tulo VI - Imersões, Mergulhos e


Subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147

1. Imersões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
2. Mergulhos e subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . 151
3. Subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
4. O espaço tangente a uma variedade produto.
Derivadas parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156
5. A classe de uma subvariedade . . . . . . . . . . . . . 157
6. Imersões cujas imagens são subvariedades . . . . . . 159
7. A curva de Kronecker no toro . . . . . . . . . . . . . 163

Capı́tulo VII - Submersões, Transversalidade . . . . 168

1. Submersões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
2. Relações de simetria . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
3. Grupos de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
4. Transversalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
5. Transversalidade de funções . . . . . . . . . . . . . . 181
6. Aplicações de posto constante . . . . . . . . . . . . . 183

Capı́tulo VIII - Partições da Unidade e suas


Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186

1. Funções auxiliares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186


2. Algumas noções topológicas . . . . . . . . . . . . . . 190
3. Partições da unidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
4. O lema de Urysohn diferenciável . . . . . . . . . . . 196
5. Aplicações diferenciáveis em subconjuntos arbitrários
de variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
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Capı́tulo IX - Métricas Riemannianas . . . . . . . . 205

1. Variedades riemannianas . . . . . . . . . . . . . . . . 205


2. A norma da derivada . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
3. A distância intrı́nseca . . . . . . . . . . . . . . . . . 215
4. A topologia geral de uma variedade . . . . . . . . . . 219
5. Isometrias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222

Capı́tulo X - Espaços de Funções . . . . . . . . . . . 230

1. Funções semicontı́nuas em uma variedade . . . . . . 230


2. Espaços de funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233
3. Invariância da topologia de W 1 (M ; N ) . . . . . . . . 237
4. Estabilidade de certas aplicações diferenciáveis . . . . 243
5. Aproximações em classe C 1 . . . . . . . . . . . . . . 251
6. Topologias de classe Cr . . . . . . . . . . . . . . . . 259

Capı́tulo XI - Os Teoremas de Imersão e


Mergulho de Whitney . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269

1. Conjuntos de medida nula em uma variedade . . . . 270


2. Imersões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 274
3. Imersões injetivas e mergulhos . . . . . . . . . . . . 379
4. Espaços de Baire . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 286
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Capı́tulo I

Cálculo Diferencial

Apresentamos neste capı́tulo alguns resultados clássicos do Cál-


culo Diferencial em espaços euclidianos. Enfatizamos o aspecto
geométrico do Teorema da Função Inversa, que aplicaremos para
obter as “formas locais” de certas aplicações diferenciáveis. Esses
resultados serão amplamente utilizados no estudo das superfı́cies
e das variedades diferenciáveis.
Omitimos a maior parte das demonstrações, pois o objetivo
principal deste capı́tulo é fixar a notação e a terminologia para os
subseqüentes. As demonstrações omitidas podem ser encontradas
nas referências citadas no fim deste capı́tulo.

1 Espaço euclidiano de dimensão p


Como se sabe, o espaço euclidiano de dimensão p é o conjunto
Rp de todas as seqüências x = (x1 , . . . , xp ) de p números reais.
Os vetores e1 = (1, 0, . . . , 0), e2 = (0, 1, 0, . . . , 0), . . . , ep =
(0, . . . , 1) constituem a base natural de Rp .
Seja U um subconjunto aberto do Rm .
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2 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

Uma função vetorial f : U → Rn fica perfeitamente determi-


nada por suas coordenadas

f 1 , . . . , f n : U → R,

definidas pela relação

f (x) = (f 1 (x), . . . , f n (x)), x ∈ U.

Escrevemos f = (f 1 , . . . , f n ).
Rm Rn
f (U )
U f

f (x)
x

Figura 1.1.

Diz-se que a aplicação f : U → Rn é diferenciável no ponto


x ∈ U quando existe uma transformação linear T : Rm → Rn tal
que
r(h)
f (x + h) = f (x) + T · h + r(h), com lim = 0.
h→0 |h|
(O donı́nio natural de uma aplicação cuja diferenciabilidade que-
remos investigar é um conjunto aberto, a fim de que seja arbitrário
o modo pelo qual o ponto variável x + h tende para o ponto x.)
É fácil de ver que as condições acima implicam:
f (x + th) − f (x)
T · h = lim
t→0 t
o que é interpretado geometricamente pela Figura 1.2:
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[SEC. 1: ESPAÇO EUCLIDIANO DE DIMENSÃO P 3

Rm Rn
U f
Th

x+h f (x + h)
f (x)
x

Figura 1.2.

É única, portanto, a transformação linear T : Rm → Rn que dá


a boa aproximação de f perto de x. Ela é chamada a derivada de
f no ponto x e é indicada por f 0 (x) ou Df (x).
A aplicação f é diferenciável no ponto x se, e somente se, cada
uma de suas coordenadas f i o for. E além disso vale a equação

Df (x) · h = (Df 1 (x) · h, . . . , Df n (x) · h).

Se T é uma transformação linear de Rm em Rn , isto é, T ∈


L(Rm , Rn ), a matriz de T em relação às bases usuais do Rm e do
Rn é a matriz (tij ) com n linhas e m colunas cujo elemento (i, j) é
a i-ésima coordenada do vetor T · ej ; imaginando cada T · ej como
vetor-coluna, temos:

M (T ) = (T · e1 · · · T · ej · · · T · em ).

A matriz associada a T = f 0 (x) chama-se matriz jacobiana


de f no ponto x e é indicada por Jf (x). O elemento (i, j) desta
∂f
matriz é a i-ésima coordenada do vetor (x) = f 0 (x) · ej =
∂xj
(Df 1 (x)·ej , . . . , Df n (x)·ej ), denominado j-ésima derivada parcial
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4 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

de f no ponto x. Portanto
 1 
∂f ∂f 1 ∂f 1
 ∂x1 (x) ∂x2 (x) . . . ∂xm (x) 
 
 
 2 2 2 
 
Jf (x) =  ∂f (x) ∂f (x) . . . ∂f (x) 
 ∂x1 ∂x 2 ∂x m 
 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 ∂f n ∂f n ∂f n 
(x) (x) . . . (x)
∂x1 ∂x2 ∂xm

2 Casos particulares
a) Seja J ⊂ R um intervalo aberto. Um caminho em Rn é
simplesmente uma aplicação f : J → Rn .

Diz-se que o caminho f : J → Rn tem vetor-velocidade no ponto


t0 ∈ J se existe o limite
df f (t0 + h) − f (t0 )
(t0 ) = lim
dt h→0 h
cuja interpretação é dada na Figura 1.3:
df
Rn dt (t0 )
J f (t0 + h)
t0 + h f f (t0 )
t0

Figura 1.3.
df
O vetor-velocidade (t0 ) existirá se, e somente se, o caminho
dt
f : J → R for diferenciável no ponto t0 . A identificação de f 0 (t0 )
n
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[SEC. 2: CASOS PARTICULARES 5

df
com (t0 ) é dada pelo isomorfismo
dt
L(R, Rn ) ≈ Rn
T 7→ T · 1
ou seja,
df f (t0 + h) − f (t0 )
(t0 ) = f 0 (t0 ) · 1 = lim ·
dt h→0 h
b) Seja f : U ⊂ Rm → R uma função real diferenciável em x ∈ U .
A derivada f 0 (x) é um elemento de L(Rm , R) = (Rm )∗ , espaço
dual do Rm . É tradicional chamar f 0 (x) a diferencial de f no
ponto x e indicá-la por df (x). A matriz jacobiana de f tem uma
linha e m colunas, a saber
 
∂f ∂f
Jf (x) = (x), . . . , m (x) .
∂x1 ∂x
Pm ∂f
Obtém-se assim a relação clássica df (x) · h = i
(x) · hi .
i=1 ∂x
O produto interno natural de Rm induz um isomorfismo
Rm ≈ (Rm )∗
x 7→ x∗ , x∗ (y) = hx, yi.
O gradiente de f no ponto p ∈ U é o vetor grad f (p) ∈ Rm
que corresponde ao funcional linear f 0 (p) ∈ (Rm )∗ por este iso-
morfismo.
Em outras palavras, o gradiente é caracterizado pela proprie-
dade
h grad f (p), vi = f 0 (p) · v para todo v ∈ Rm .
∂f
Em particular, h grad f (p), ei i = (p), ou seja,
∂xi
X ∂f
grad f (p) = (p)ei .
∂xi
i
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6 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

A expressão de grad f (p) em termos de uma base arbitrária


(não ortonormal) é complicada. A definição intrı́nseca, que vimos
acima, é muito conveniente para as aplicações teóricas.

3 Derivadas de ordem superior


Dado U ⊂ Rm aberto, diremos que uma aplicação
f : U → Rm é diferenciável em U quando ela for diferenciável
em todos os pontos x ∈ U . Define-se então a aplicação derivada

f 0 : U → L(Rm , Rn )
x 7→ f 0 (x).

Algumas vezes imaginamos f 0 como sendo a aplicação que a


cada x ∈ U associa a matriz jacobiana Jf (x). Deste modo, f 0 se
torna uma aplicação de U em Rmn .
Dada T ∈ L(Rm , Rn ), escreve-se |T | = sup{|T ·u|; u ∈ Rm , |u| =
1}. Isto define uma norma no espaço vetorial L(Rm , Rn ). Como
f 0 toma valores nesse espaço, é natural indagar se f 0 é contı́nua
ou mesmo se f 0 tem derivada. Dizemos que f é continuamente
diferenciável ou de classe C 1 , e escrevemos f ∈ C 1 , quando f é
diferenciável em U e f 0 : U → L(Rm , Rn ) é contı́nua.
Se f 0 : U → L(Rm , Rn ) tem derivada no ponto x ∈ U , dizemos
que f é duas vezes diferenciável no ponto x e escrevemos

f 00 (x) : Rm → L(Rm , Rn )

para indicar a derivada de f 0 em x. A rigor, f 00 (x) é um ele-


mento de L(Rm , L(Rm , Rn )), mas existe um isomorfismo natu-
ral L(Rm , L(Rm , Rn )) ≈ L2 (Rm , Rn ) que associa a cada trans-
formação linear T : Rm → L(Rm , Rn ) a transformação bilinear
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[SEC. 3: DERIVADAS DE ORDEM SUPERIOR 7

Te : Rm × Rm → Rn tal que T (u, v) = (T · u) · v. Isto nos per-


mite considerar a derivada segunda de f em x como sendo uma
transformação bilinear, f 00 (x) : Rm × Rm → Rn .
As derivadas de ordem superior podem ser definidas indutiva-
mente. Se f : U ⊂ Rm → Rn é (k − 1)-vezes diferenciável em U ,
então
f (k−1) : U → Lk−1 (Rm , Rn )

é uma aplicação de U no espaço das aplicações (k − 1)-lineares de


Rm em Rn .
Se f (k−1) for diferenciável no ponto x ∈ U , diremos que f é
k-vezes diferenciável neste ponto. O isomorfismo canônico

L(Rm , Lk−1 (Rm , Rn ) ≈ Lk (Rm , Rn )

permite considerar a derivada de f (k−1) em x como sendo uma


aplicação k-linear de Rm em Rn . Se f (k) (x) existe em cada ponto
x ∈ U , define-se a aplicação f (k) : U → Lk (Rm , Rn ), e se f (k) for
contı́nua diz-se que f é de classe C k ou k-vezes continuamente
diferenciável, e escreve-se f ∈ C k ou f ∈ C k (U, Rn ).
O conjunto C k (U, Rn ) de todas as aplicações f : U → Rn que
são k vezes continuamente diferenciáveis é um espaço vetorial real
(de dimensão infinita).
A importante classe C ∞ das aplicações infinitamente diferen-
ciáveis é a interseção de todas as classes C k ,

C∞ = C0 ∩ C1 ∩ C2 ∩ . . .

É claro que C ∞ ⊂ · · · ⊂ C k ⊂ C k−1 ⊂ · · · ⊂ C 1 ⊂ C 0 .


Pode-se mostrar que uma aplicação f : U → R é de classe C k se
existem, e são contı́nuas em U , todas as derivadas parciais mistas
de f até a ordem k inclusive. (Vide 1.6 adiante.)
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8 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

4 Versão intrı́nseca da regra da cadeia

Sejam U ⊂ Rm e V ⊂ Rn conjuntos abertos, f : U → Rn


uma aplicação diferenciável no ponto x ∈ U , com f (U ) ⊂ V , e
g : V → Rp uma aplicação diferenciável no ponto y = f (x) ∈ V .
Então a aplicação composta g◦f : U → Rp é diferenciável no ponto
x e (g ◦ f )0 (x) = g 0 (y) ◦ f 0 (x) : Rm → Rp .
É útil ter em mente os diagramas

f g f 0 (x) g 0 (y)
p m n
U V R R R Rp

g◦f (g ◦ f )0 (x)

Considerando as matrizes jacobianas de f , g e g ◦ f obtemos a


antiga regra da cadeia,

n
(
∂(g i ◦ f ) X ∂g i ∂f k 1≤i≤p
(x) = (f (x)) · (x), ·
∂xj ∂y k ∂xj 1≤j≤m
k=1

Aplicações

1) Seja f : U → Rn diferenciável em x0 ∈ U . Dado v ∈ Rm ,


seja λ : t 7→ λ(t) um caminho em U , diferenciável em t = 0, com
λ(0) = x0 e λ0 (0) = v. Então f 0 (x0 ) · v é o vetor-velocidade do
caminho t 7→ f (λ(t)) em t = 0.
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[SEC. 4: VERSÃO INTRÍNSECA DA REGRA DA CADEIA 9

Rm Rn
U f 0 (x0 ) · v
t
v
0 λ f f (λ(t))
λ(t)
f (x0 )
x0

Figura 1.4.

2) Seja f : U → Rn diferenciável em x ∈ U ⊂ Rm e admitamos que


f tem uma inversa g = f −1 : V → Rm , V ⊂ Rn , (isto é, f (U ) = V ,
g(V ) = U , f ◦ g = idV e g ◦ f = idU ) que é diferenciável no ponto
y = f (x). Então f 0 (x) : Rm → Rn é um isomorfismo, cujo inverso
é g 0 (y) : Rn → Rm . Em particular m = n.
Um difeomorfismo f : U → V é uma bijeção diferenciável cuja
inversa é também diferenciável. Se ambas, f e f −1 são de classe
C k , dizemos que f é um difeomorfismo de classe C k .
A aplicação t ∈ R 7→ t3 ∈ R é exemplo de um homeomorfismo
diferenciável C ∞ que não é um difeomorfismo.

Para finalizar, examinaremos as derivadas sucessivas da apli-


cação composta gf , onde g e f são r vezes direrenciáveis.
A regra da cadeia pode escrever-se, resumidamente, como

(1) (gf )0 = g 0 f · f 0 .

Isto significa, evidentemente, que (gf )0 (x) = g 0 (f (x)) · f 0 (x), para


cada x ∈ U , o ponto indicando composição de aplicações lineares.
Observemos que, se L1 e L2 são lineares (e a composta L2 · L1 faz
sentido), a aplicação (L1 , L2 ) 7→ L2 · L1 é bilinear. Resulta então
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10 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

da regra de derivação de aplicações bilineares, que (1) acarreta

(gf )00 = (g 0 f )0 · f 0 + g 0 f · f 00 .

Usando a regra da cadeia:

(2) (gf )00 = g 00 f · (f 0 , f 0 ) + g 0 f · f 00 .

Na fórmula (2), usamos a notação B · (L1 , L2 ), onde B é bilinear


e L1 , L2 são lineares, para indicar a aplicação bilinear (h, k) 7→
B(L1 · h, L2 · k). Observe-se que a aplicação (B, L1 , L2 ) 7→ B ·
(L1 , L2 ) é trilinear. Portanto, derivando (2), obtemos

(3) (gf )00 = g 00 f · (f 0 , f 0 , f 0 ) + 3g 00 f · (f 00 , f 0 ) + g 0 f · f 00 .

Na fórmula (3), se L, L1 , L2 , L3 são lineares, se B é bilinear e T é


trilinear, as notações T ·(L1 , L2 , L3 ) e T ·(B, L) indicam respectiva-
mente as aplicações trilineares (h1 , h2 , h3 ) 7→ T (L1 · h1 , L2 · h2 , L3 ·
h3 ) e (h1 , h2 , h3 ) 7→ T (B(h1 , h2 ), L · h3 ). De maneira análoga, de-
rivando (3), obteremos a fórmula para a 4a¯ derivada da composta
gf :

(4) (gf )IV = g IV f · (f 0 , f 0 , f 0 , f 0 ) + 6g 00 f · (f 00 , f 0 , f 0 )


+ 4g 00 f · (f 00 , f 0 ) + 3g 00 f · (f 00 , f 00 ) + g 0 f · f IV .

As notações são análogas às anteriores. De um modo geral, uma


indução fácil permite constatar que, dado i, para cada partição
i1 + · · · + ik = i, existe um inteiro n(i1 , . . . , ik ) tal que a i-ésima
derivada da aplicação composta gf tem a expessão seguinte:
i
X
(i)

(g ◦ f ) = n(i1 , . . . , ik )g k f · f (i1 ) , . . . , f (ik )
k=1

onde, para cada k, temos i1 + · · · + ik = i.


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[SEC. 5: A DESIGUALDADE DO VALOR MÉDIO 11

5 A desigualdade do valor médio


Se x, y ∈ Rm , indiquemos por

[x, y] = {x + t(y − x); 0 ≤ t ≤ 1}

o segmento de reta fechado ligando x e y. O correspondente seg-


mento de reta aberto é

(x, y) = {x + t(y − x); 0 < t < 1}.

Seja f : U → Rn contı́nua no conjunto aberto U ⊂ Rm . Se


o segmento de reta fechado [x, x + h] está contido em U e f é
diferenciável em todos os pontos do segmento aberto (x, x + h),
então

|f (x + h) − f (x)| ≤ M · |h|, onde M = sup |f 0 (x + th)|.


0≤t≤1

(Lembremos que se T : Rm → Rn é uma transformação linear então


|T | = sup |T · v|. )
|v|=1

Rn
U
f
f (x + h)
h x+h f (x)
x

Figura 1.5.
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12 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

O quociente de |f (x + h) − f (x)| por |h| não excede

M = sup |f 0 (x + th)|.
0≤t≤1

Seja U ⊂ Rm aberto. Uma aplicação diferenciável f : U → Rn


diz-se uniformemente diferenciável no conjunto X ⊂ U quando
para todo ε > 0 existe δ > 0 tal que |h| < δ implica |f (x + h) −
f (x) − f 0 (x) · h| < ε · |h|, seja qual for x ∈ X.
É uma conseqüência da desigualdade do valor médio que se
K ⊂ U é compacto, então toda aplicação f : U → Rn , de classe
C 1 , é uniformemente diferenciável em K. (Vide AERn , pag. 28.)
Como aplicação deste fato, temos a proposição abaixo. (Vide
AERn , pag. 31, Exercı́cio 3.)

Proposição. Seja f : U → Rn de classe C 1 num aberto U ⊂


Rm . Se f 0 (x) : Rm → Rn é injetiva em todos os pontos x de um
compacto K ⊂ U , então existem números reais c > 0 e δ > 0 tais
que |f (y) − f (x)| ≥ c|y − x| quaisquer que sejam x ∈ K, y ∈ U
com |g − x| ≤ δ.

Demonstração: Definamos λ : K × S m−1 → R pondo


λ(x, u) = |f 0 (x) · u|. Como λ > 0 em todos os pontos do conjunto
compacto K × S m−1 , existe c > 0 tal que λ(x, u) ≥ 2c, sejam
quais forem x ∈ K, u ∈ S m−1 . Daı́ resulta que |f 0 (x) · h| ≥ 2c · |h|
para todo x ∈ K e todo h ∈ Rm . Ora, sendo f uniformemente
diferenciável em K, existe δ > 0 tal que |h| < 0 implica x + h ∈ U
e |f (x + h) − f (x) − f 0 (x) · h| < c · |h| para todo x ∈ K. Conseqüen-
temente, se x ∈ K, y ∈ U e |y − x| < δ, teremos:
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[SEC. 6: DERIVADAS PARCIAIS 13

|f (y) − f (x)|
= |f 0 (x) · (y − x) + f (y) − f (x) − f 0 (x) · (y − x)|
≥ |f 0 (x) · (y − x)| − |f (y) − f (x) − f 0 (x) · (y − x)|
≥ 2c · |y − x − c|y − x| = c · |y − x|.

6 Derivadas parciais

Seja Rm = E ⊕ F o espaço euclidiano Rm , escrito como soma


direta de dois subespaços E, F . Cada elemento z ∈ Rm é repre-
sentado por um par z = (x, y), x ∈ E, y ∈ F .
Dados um aberto U ⊂ Rm e uma aplicação f : U → Rn , as de-
rivadas parciais de f num ponto (a, b) ∈ U são aplicações lineares
∂1 f (a, b) : E → Rn , ∂2 f (a, b) : F → Rn , definidas pelas relações

r1 (h)
f (a + h, b) = f (a, b)+∂1 f (a, b) · h+r1 (h), com lim →0
h→0 |h|

e
r2 (k)
f (a, b + k) = f (a, b)+∂2 f (a, b) · k+r2 (k), com lim → 0.
h→0 |k|

Naturalmente, f pode possuir uma, ambas, ou nenhuma das deri-


vadas parciais em um ponto (a, b) ∈ U .
A derivada parcial ∂1 f (a, b), caso exista, é a derivada da apli-
cação parcial x 7→ f (x, b) no ponto a ∈ E, estando tal aplicação
definida em um aberto de E contendo a. Analogamente, ∂2 f (a, b)
é a derivada, em b ∈ F , da aplicação parcial y 7→ f (a, y).
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14 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

É imediato ver que, se f : U → Rn é diferenciável no ponto z =


(a, b) ∈ U , então as derivadas parciais existem e ∂1 f (z) = f 0 (z)|E,
∂2 f (z) = f 0 (z)|F . A recı́proca é falsa, como se aprende no cálculo
elementar.
O teorema abaixo dá uma condição suficiente para diferencia-
bilidade em termos de derivadas parciais.

Teorema. Sejam U ⊂ Rm um aberto e Rm = E ⊕ F uma decom-


posição em soma direta. Uma aplicação f : U → Rn é de classe
C 1 se, e somente se, para todo z = (x, y) ∈ Rm as derivadas par-
ciais existem e, além disso, as aplicações ∂1 f : U → L(E, Rn ) e
∂2 f : U → L(F, Rn ) são contı́nuas.

No caso da decomposição usual Rm = E1 ⊕ · · · ⊕ Em , onde


cada Ei é o subespaço unidimensional gerado pelo i-ésimo vetor
básico ei , para cada z = (x1 , . . . , xm ), identificamos ∂i f (z) com o
vetor

∂f f (x1 , . . . , xi + t, . . . , xm ) − f (x1 , . . . , xm )
i
(x) = lim ·
∂x t→0 t

Podemos então enunciar o

Corolário. Seja U ⊂ Rm um aberto. Uma aplicação f : U → Rn ,


f (z) = (f 1 (z), . . . , f n (z)), é de classe C k se, e somente se, todas
as derivadas parciais mistas

∂αf i
(z), z ∈ U, 1 ≤ i ≤ n, 1 ≤ i1 , . . . , iα ≤ m
∂xi1 . . . ∂xiα

de ordem α ≤ k existem e dependem continuamente de z ∈ U .


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[SEC. 7: O TEOREMA DA FUNÇÃO INVERSA 15

7 O teorema da função inversa

Sejam U ⊂ Rm um aberto e f : U → Rm uma aplicação C k


(1 ≤ k ≤ ∞) tal que, num ponto x0 ∈ U , a derivada f 0 (x0 ) ∈
L(Rm ) é um isomorfismo. Então f aplica difeomorficamente uma
vizinhança menor V de x0 sobre uma vizinhança W de f (x0 ).

Rm Rn
U f (V ) = W

V
x

Figura 1.6.

Deve-se lembrar sempre que se f : U → V é um difeomorfismo


então, para todo x ∈ U , f 0 (x) : Rm → Rm é um isomorfismo, mas
o Teorema da Função Inversa não é uma recı́proca completa deste
fato. Ele permite apenas concluir que se f ∈ C k (k ≥ 1) e f 0 (x)
é um isomorfismo para todo x ∈ U , então f é um difeomorfismo
local, isto é, cada x ∈ U tem uma vizinhança aplicada por f difeo-
morficamente sobre uma vizinhança de f (x).

A aplicação f : R2 → R2 , definida por f (z) = ez , fornece um


exemplo de difeomorfismo local C ∞ que não é globalmente um
difeomorfismo.
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16 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

O teorema da função inversa evidencia o fato de ser f 0 (x0 ) uma


“boa aproximação” de f , pois a informação de que f 0 (x0 ) é um
isomorfismo acarreta ser f biunı́voca em uma vizinhança de x0 .

8 A forma local das submersões e o teorema


das funções implı́citas

Seja U ⊂ Rm+n um aberto. Uma aplicação diferenciável


f : U → Rn chama-se uma submersão quando, para todo x ∈ U , a
derivada f 0 (x) : Rm+n → Rn é sobrejetora. O exemplo tı́pico é a
projeção

π : Rm+n = Rm × Rn → Rn
(x, y) 7→ y.

Com relação ao teorema abaixo, lembramos que, dada uma


transformação linear sobrejetora T : Rm+n → Rn , se tomamos
E = núcleo de T e
F = qualquer subespaço suplementar de E em Rm+n então,
necessariamente, a restrição

T |F : F → Rn é um isomorfismo.

Teorema (forma local das submersões). Sejam U ⊂ Rm+n um


aberto e f : U → Rn uma aplicação de classe C k , k ≥ 1. Suponha
que, no ponto z0 ∈ U , a derivada f 0 (z0 ) : Rm+n → Rn é sobreje-
tora. Escolhida uma decomposição em soma direta E ⊕ F = Rm+n
(z0 = (x0 , y0 )) tal que ∂2 f (z0 ) = f 0 (z0 )|F é um isomorfismo, então
f se comporta localmente como uma projeção. Com isto queremos
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[SEC. 8: FORMA DAS SUBMERSÕES E O TEOREMA DAS FUNÇÕES 17

dizer que existem abertos V , W , Z, com

x0 ∈ V, V ⊂ E,
z0 ∈ Z, Z ⊂ U,
f (z0 ) ∈ W, W ⊂ Rn ,

e um difeomorfismo de classe C k , h : V × W → Z tal que f ◦


h : (x, w) 7→ w.
Convém ter em mente a Figura 1.7, que põe em relevo o caráter
geométrico do difeomorfismo h:

U
Z
ξ(x, c) Rn
z0

f
V ×W h
W
(x, c) π = f ◦ h : (x, w) 7→ w
c = f (z0 )
(x0 , c)

E x x0 V

Figura 1.7.

Fazendo uso do teorema da função inversa podemos demons-


trar rapidamente a forma local das submersões, como se segue:
Seja ϕ : U → E × Rn de classe C k , definida por ϕ(x, y) =
(x, f (x, y)). A derivada ϕ0 (z0 ) : Rm+n → E × Rn é dada pela
fórmula (h, k) 7→ (h, ∂1 f (z0 )·h+∂2 f (z0 )·k), h ∈ E, k ∈ F . Obser-
vemos que a aplicação linear (u, v) 7→ (u, (∂2 f (z0 ))−1
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18 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

(v − ∂1 f (z0 ) · u)), u ∈ E, v ∈ Rn , é a inversa de ϕ0 (z0 ) e ganhemos


o direito de aplicar o teorema da função inversa. Se escrevemos
f (z0 ) = c, ϕ é um difeomorfismo de classe C k de uma vizinhança
de z0 sobre uma vizinhança de (x0 , c). Esta última pode ser esco-
lhida na forma V × W , onde V é aberto em E e W é aberto em
Rn . Ponhamos

Z = ϕ−1 (V × W ) e ϕ−1 : V × W → Z.

Resta examinar o aspecto da composta f ◦ h.


Como ϕ(x, y) = (x, f (x, y)) segue-se que h = ϕ−1 é da forma
h(x, w) = (x, h2 (x, w)). Se (x, w) ∈ V × W , então

(x, w) = ϕ ◦ h(x, w)
= ϕ(x, h2 (x, w))
= (x, f (x, h2 (x, w)))
= (x, f ◦ h(x, w)).

Logo f ◦ h(x, w) = w, para todo (x, y) ∈ V × W .


Corolário. Uma submersão de classe C k (k ≥ 1) é uma aplicação
aberta.

Observações:
1) Pode parecer estranho aplicar o teorema da função inversa a
ϕ : U ⊂ Rm+n → E × Rn pois E × Rn não é um espaço euclidiano.
O leitor está convidado a justificar esta passagem.
2) Da relação f ◦ h = π : V × W → W resulta que a derivada
f 0 (p) é sobrejetora para todo p ∈ Z. Assim o conjunto dos pontos
p ∈ Rm+n tais que f 0 (p) é sobrejetora é aberto.
3) A decomposição em soma direta Rm+n = E ⊕F pode ser sempre
tomada com E e F gerados pelos eixos coordenados. É o que
faremos doravante em todas as aplicações. Com efeito:
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[SEC. 8: FORMA DAS SUBMERSÕES E O TEOREMA DAS FUNÇÕES 19

Uma decomposição em soma direta do tipo Rm+n = Rm ⊕Rn si-


gnifica uma partição {e1 , . . . , em+n } = {ei1 , . . . , eim }∪{ej1 , . . . , ejn }
da base canônica do Rm+n . Dada a partição, pomos Rm ⊂ Rm+n
como sendo subespaço gerado por {ei1 , . . . , eim } e Rn ⊂ Rm+n
como o subespaço gerado pelos vetores restantes {ej1 , . . . , ejn }. É
óbvio que Rm+n é a soma direta desses dois subespaços e escreve-
mos Rm+n = Rm ⊕ Rn .
Uma vez dada tal decomposição, escrevemos os elementos de
Rm+n como pares z = (x, y), x ∈ Rm e y ∈ Rn . Por exemplo, seja
R3 = R2 ⊕ R, onde R2 é gerado por e1 , e3 e R por e2 . Então todo
z = (x1 , x2 , x3 ) será denotado por z = (u, v), u = (x1 , 0, x3 ) ∈ R2
e v = (0, x2 , 0) ∈ R.
Dada uma aplicação linear sobrejetora T : Rm+n → Rn , e-
xiste uma decomposição Rm+n = R ⊕ Rn tal que T |Rn : Rn →
Rn é um isomorfismo. Basta observar que os vetores T e1 , . . . ,
T em+n geram Rn e portanto é possı́vel selecionar dentre eles uma
base {T ej1 , . . . , T ejn }. Sejam i1 , . . . , im os ı́ndices restantes. A
partição {1, 2, . . . , m + n} = {i1 , . . . , im } ∪ {j1 , . . . , jn } fornece a
decomposição desejada.

4) Na demonstração do teorema surgem fatos importantes,


que devemos destacar: o difeomorfismo h é da forma h(x, w) =
(x, h2 (x, w)), x ∈ V , w ∈ W . Isto significa que as “fibras” {x}×W
são movimentadas apenas no sentido vertical, como aparece na
Figura 1.7. Outra novidade aparece se consideramos a aplicação
ξ = ξ0 : V → F , ξ(x) = h2 (x, c), de classe C k . Observemos que
f (x, ξ(x)) = c para todo x ∈ V . Por outro lado, se (x, y) ∈ Z
é tal que f (x, y) = c, então (x, y) = h ◦ ϕ(x, y) = h(x, c) =
(x, h2 (x, c)) = (x, ξ(x)), ou seja, y = ξ(x). Este fato é o im-
portante teorema das funções implı́citas, que pode ser sintetizado
na seguinte afirmação:
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20 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

O conjunto f −1 (c)∩Z é o gráfico da aplicação x ∈ V 7→ ξ(x) =


h2 (x, c) ∈ F , de classe C k .

Em outras palavras, a equação f (x, y) = c define, implicitamente,


na vizinhança de x0 , a aplicação y = ξ(x), de classe C k cuja
derivada é dada por
 −1
ξ 0 (x) = − ∂2 f (x, ξ(x)) ◦ ∂1 f (x, ξ(x)).

O parâmetro c pode variar no aberto W . Conclui-se que


existem abertos V ⊂ E, contendo x0 , W ⊂ Rn contendo c e
Z ⊂ U contendo z0 tais que para cada y ∈ W e para cada x ∈ v
existe um único ξ(x, y) = h2 (x, y) ∈ F tal que (x, ξ(x, y)) ∈ Z
e f (x, ξ(x, y)) = y. Tal situação fica também evidente na Figura
1.7.
Veremos no Capı́tulo II que o conjunto f −1 (c) ∩ Z é uma su-
perfı́cie m-dimensional de classe C k no Rm+n (seção 2.5.2).

9 A forma local das imersões


Seja U ⊂ Rm um aberto. Uma aplicação diferenciável f : U →
Rm+n chama-se uma imersão quando, para cada x ∈ U , a deri-
vada f 0 (x) : Rm → Rm+n é uma transformação linear injetora. O
exemplo tı́pico é a inclusão

i : Rm → Rm × Rn = Rm+n , x 7→ (x, 0).

Teorema (forma local das imersões). Sejam U ⊂ Rm um aberto


e f : U → Rm+n uma aplicação de classe C k , k ≥ 1. Suponha
que no ponto x0 ∈ U a derivada f 0 (x0 ) : Rm → Rm+n é injetora.
Então f se comporta localmente como uma inclusão. Com isto
queremos dizer que existem abertos V , W , Z, com
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[SEC. 9: A FORMA LOCAL DAS IMERSÕES 21

f (x0 ) ∈ Z, Z ⊂ Rm+n ,
x0 ∈ V, V ⊂ U ⊂ Rm ,
0 ∈ W, W ⊂ Rn ,
e um difeomorfismo de classe C k , h : Z → V ×W , tal que h◦f (x) =
(x, 0), para cada x ∈ V .
A Figura 1.8, que corresponde a m = n = 1, indica geometri-
camente a situação geral. Convém entendê-la bem.
F Z
f (x)

f E = f 0 (x0 ) · Rm
h

W ⊂ Rn
V i=h◦f ξ
x0 (x0 , 0) 0
U ⊂ Rm

π
V
x0

Figura 1.8.

Demonstração: Seja E = f 0 (x0 ) · Rm e escolhamos para F qual-


quer suplementar de E em Rm+n , ou seja, Rm+1 = E ⊕ F . De-
finamos a aplicação de classe C k , ϕ : U × F → Rm+n , dada por
ϕ(x, y) = f (x) + y. Então ϕ(x0 , 0) = f (x0 ) e, se (u, v) ∈ Rm × F ,
temos ϕ0 (x0 , 0) · (u, v) = f 0 (x0 ) · u + v. É imediato ver que ϕ0 (x0 , 0)
é um isomorfismo. Pelo teorema da função inversa, ϕ é um difeo-
morfismo de classe C k de uma vizinhança de (x0 , 0) sobre uma vi-
zinhança de f (x0 ). Podemos escolher a primeira da forma V × W ,
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22 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

com x0 ∈ V ⊂ U e 0 ∈ W ⊂ F , e escrever Z = ϕ(V × W ).


Seja h = ϕ−1 : Z → V × W . Como ϕ(x, 0) = f (x), segue-se que
h ◦ f (x) = h ◦ ϕ(x, 0) = (x, 0), x ∈ V .
Para concluir, identificamos F com Rn (escolhendo uma base para
F ) a fim de simplificar o enunciado do teorema.
Observação: Se π : V × W → V , π(x, w) = x, é a primeira
projeção, então ξ = π ◦ h : Z → V goza da propriedade
ξ ◦ f (x) = π ◦ h ◦ f (x) = π(x, 0) = x. Portanto ξ|f (V ) = (f |V )−1 .
Conclusão: f é um homeomorfismo de V sobre f (V ) cujo inverso
é a restrição a f (V ) da aplicação ξ : Z → V de classe C k . Esta
observação será de importância no futuro.
A interpretação intuitiva de uma imersão f : U → Rm+n (k ≥
1) é a seguinte: para cada conjunto aberto suficientemente pe-
queno V ⊂ U ⊂ Rm , f (V ) é uma “superfı́cie m-dimensional no
Rm+n ” dotada de um “plano tangente” f (x) + f 0 (x) · Rm em cada
ponto f (x) ∈ f (V ). Este plano varia continuamente com x ∈ V .
Esta interpretação geométrica das imersões será desenvolvida no
próximo capı́tulo.

10 O teorema do posto
O posto de uma aplicação linear T : Rm → Rn é a dimensão de
sua imagem T ·Rm , isto é, o número máximo de vetores linearmente
independentes entre T e1 , . . . , T em . O posto de T é igual a r
(ρ(T ) = r) se, e somente se, a matriz de T (relativamente às bases
canônicas de Rm e Rn , por exemplo) tem um determinante menor
r × r não nulo e todo determinante menor de ordem r + 1 é nulo.
O posto de uma aplicação diferenciável f : U ⊂ Rm → Rn num
ponto x ∈ U é, por definição, o posto de sua derivada f 0 (x) : Rm →
Rn . Por exemplo, uma submersão f : U → Rn tem posto n em
todo ponto x ∈ U . Analogamente, uma imersão f : U ⊂ Rm → Rn
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[SEC. 10: O TEOREMA DO POSTO 23

tem posto m em cada ponto. Por esta razão, as submersões e as


imersões são denominadas as aplicações de posto máximo.

A aplicação que associa a cada x ∈ U o posto de f em x é


semi-contı́nua inferiormente. Mais precisamente, se f tem posto r
num ponto x ∈ U , existe uma vizinhança V do ponto x tal que f
tem posto ≥ r em todos os pontos de V . Com efeito, existe um
determinante menor r × r não nulo da matriz jacobiana Jf (x).
Por continuidade, este menor não se anula em uma vizinhança V
do ponto x, de modo que o posto de f é ≥ r em todos os pontos
de V .

O teorema a ser demonstrado nesta seção estuda as aplicações


de posto constante. Contém, como casos particulares, as formas
locais das aplicações de posto máximo.

Lembramos que um subconjunto A de um espaço vetorial E é


convexo se, para cada par de pontos x, y ∈ A, o segmento de reta
[x, y] está contido em A. Por exemplo, uma bola aberta Bδ (a), de
centro em a e raio δ, num espaço normado, é convexa. Realmente,
dados x, y ∈ Bδ (a) e 0 < t < 1, temos |[(1 − t)x + ty] − a| =
|(1−t)(x−a)+t(y −a)| ≤ (1−t)|x−a|+t|y −a| < (1−t)δ +tδ = δ.
A bola fechada de centro a é raio δ também é convexa.

Se A ⊂ E × F é subconjunto do produto cartesiano de dois


espaços vetoriais, dizemos que A é verticalmente convexo se todo
segmento de reta vertical [(x, y 0 ), (x, y 00 )] cujas extremidades estão
em A, está inteiramente contido em A. Por exemplo, se A = V ×W
onde V é qualquer subconjunto de E e W ⊂ F é convexo, então
k é verticalmente convexo.
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24 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

F
A=V ×W
W

E
V

Figura 1.9. Os conjuntos A e B são verticalmente convexos.

Lema 1. Seja U ⊂ Rm × Rn um aberto verticalmente convexo.


Se f : U → Rp tem segunda derivada parcial ∂2 f identicamente
nula em U então f é independente da segunda variável, isto é,
f (x, y) = f (x, y 0 ) para quaisquer (x, y) e (x, y 0 ) em U .
Demonstração: Dados (x, y) e (x, y 0 ) ∈ U , o caminho
ϕ : [0, 1] → Rp dado por ϕ(t) = f (x, (1−t)y+ty 0 ) está bem definido
e é diferenciável. Como ϕ0 (t) = ∂2 f (u, (1 − t)y + ty 0 ) · (y 0 − y) = 0
para todo t ∈ [0, 1], resulta que ϕ é constante. Em particular,
ϕ(0) = ϕ(1), ou seja f (x, y) = f (x, y 0 ).

Lema 2. Seja E ⊂ Rm+p um subespaço m-dimensional. Existe


uma decomposição em soma direta Rm+p = Rm ⊕ Rp tal que a
primeira projeção π : Rm+p → Rm , π(u, v) = u, aplica E isomor-
ficamente sobre Rm .
Demonstração: Escolhamos uma base {u1 , . . . , um } em E. A
menos que seja E = Rm+p (isto é, p = 0) existe um vetor básico
ej1 ∈ Rm+p − E. Então u1 , . . . , um , ej1 são linearmente inde-
pendentes e geram um subespaço E1 ⊂ Rm+p . A menos que
E1 = Rm+p (p = 1), existe um vetor básico ej2 ∈ Rm+p − E1 .
Então u1 , . . . , um , ej1 , ej2 são linearmente independentes. Pros-
seguindo o raciocı́nio, obteremos vetores básicos ej1 , . . . , ejp tais
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[SEC. 10: O TEOREMA DO POSTO 25

que {u1 , . . . , um , ej1 , . . . , ejp } seja uma base do Rm+p . Isto deter-
mina as decomposições em soma direta Rm+p = Rm ⊕Rp = E⊕Rp .
A projeção π, relativa à primeira decomposição, transforma R p em
zero, logo aplica E isomorficamente sobre Rm .
Teorema do Posto. Sejam U ⊂ Rm+n um aberto e f : U →
Rm+p uma aplicação de classe C k (k ≥ 1). Suponha que f tem
posto m em todos os pontos de U . Então, para todo z0 ∈ U existem
difeomorfismos de classe C k

α, de um aberto do Rm × Rn sobre uma vizinhança de z0


β, de uma vizinhança de f (z0 ) sobre um aberto em Rm × Rp .

tais que β ◦ f ◦ α : (x, y) 7→ (x, 0)

U ⊂ Rm+n
Rp Z0
Z
f (U )
f (Z )
z0 f f (z0 )

β Rm
α

(x, y) βf α : (x, w) 7→ (x, 0)


βf (Z) = V × 0
(x0 , y0 ) (x0 , 0) (x, 0)
V × W ⊂ R m × Rn
V × W 0 ⊂ Rm × Rp

Figura 1.10.

Demonstração: Sejam z0 ∈ U , arbitrário, e E = f 0 (z0 ) · Rm+n ⊂


Rm+p . Pelo Lema 2 existe uma decomposição em soma direta
Rm+p = Rm ⊕ Rp cuja primeira projeção aplica E isomorficamente
sobre Rm . Então (π ◦ f )0 (z0 ) = π ◦ f 0 (z0 ) : Rm+1 → Rm é sobre-
jetora. Pela forma local das submersões existe um difeomorfismo
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26 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

α ∈ C k de um aberto V0 × W ⊂ Rm × Rn sobre uma vizinhança de


z0 tal que πf α(x, y) = x. Isto significa que f α(x, y) = (x, λ(x, y))
onde λ : V0 × W → Rp é de classe C k .
Afirmação: ∂2 λ ≡ 0. Realmente, para cada ponto (x, y) ∈ V0 × W
tem-se

(f ◦ α)0 : (h, k) 7→ (h, ∂1 λ · h + ∂2 λ · k), h ∈ Rm , k ∈ Rn .

Segue-se que π ◦ (f α)0 : (h, k) 7→ h. Se denotarmos por Exy a


imagem da aplicação linear (f α)0 (x, y), levando em conta que
dim Exy = m concluiremos que π leva isomorficamente Exy sobre
Rm , para cada (x, y) ∈ V0 × W . Se em algum ponto (x, y) a de-
rivada ∂2 λ fosse não-nula, isto é, ∂2 λ · k 6= 0 para algum k ∈ Rn ,
então (f α)0 (0, k) = (0, ∂2 λ · k) 6= 0. Por conseguinte, π levaria um
vetor não-nulo de Exy no zero, o que contradiz a condição de iso-
morfismo. Podemos supor que W é conexo. Pelo Lema 1 resulta
que λ(x, y) não depende de y.
Seja α(x0 , y0 ) = z0 . Consideremos a injeção i : V0 → V0 × W ,
dada por i(x) = (x, y0 ). Então f α(x, y) = f αi(x) = (x, λ(x, y0 ))
para todo (x, y) ∈ V0 × W . Como f αi tem derivada injetora em
x0 , podemos aplicar a forma local das imersões: existe um difeo-
morfismo β ∈ C k , de uma vizinhança de f (z0 ) sobre um aberto
em Rm × Rp tal que βf αi : x 7→ (x, 0), x ∈ V ⊂ V0 . (V é uma
vizinhança de x0 , possivelmente menor que V0 ).
Finalmente, β ◦ f ◦ α(x, y) = β ◦ f ◦ α ◦ i(x) = (x, 0), o que
conclui a demonstração.
Proposição. Sejam U ⊂ Rm um aberto e f : U → Rn de classe
C 1 . Para cada r = 0, 1, . . . , p (p = min{m, n}), seja Ar o interior
do conjunto dos pontos x ∈ U nos quais f tem posto r. Então
A = A0 ∪ · · · ∪ Ap é (aberto e) denso em U .
Demonstração: Seja V um subconjunto aberto não vazio de U .
Queremos mostrar que V ∩ A =
6 ϕ. Consideremos um ponto x ∈ V
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[SEC. 10: O TEOREMA DO POSTO 27

onde o posto de f assume seu valor máximo r0 em V . Como a


aplicação x ∈ U 7→ ρ(f 0 (x)) é semi-contı́nua inferiormente, existe
uma vizinhança W ⊂ U de x na qual o posto de f é ≥ r0 . Então o
posto de f é exatamente igual a r0 em todos os pontos de W ∩ V .
Ou seja, ϕ 6= W ∩ V ⊂ Ar0 . Logo V ∩ A 6= ϕ.
Corolário 1. Dada f : U → Rn de classe C 1 , existe um subcon-
junto aberto denso A ⊂ U tal que o posto de f é constante em
cada componente conexa de A.

A2
A1

A0
A1

Figura 1.11.

Corolário 2. Seja U ⊂ Rm aberto. Se uma aplicação f : U → Rn


de classe C 1 é 1 − 1, então m ≤ n e o conjunto dos pontos x ∈ U
tais que f 0 (x) : Rm → Rn é injetora é aberto e denso em U .
Demonstração: Seja A = A0 ∪ · · · ∪ Ap , p = min{m, n}, como na
proposição. Pelo teorema do posto, f não pode ser injetora em A r ,
a menos que r = m = p. Portanto m ≤ n e Ar = ϕ para r 6= m,
de modo que A = Am . Isto demonstra o corolário, pois o conjunto
dos pontos x ∈ U tais que f 0 (x) tem posto m é claramente aberto.
Corolário 3. Seja U ⊂ Rm aberto. Se uma aplicação f : U → Rn
de classe C 1 é aberta, então m ≥ n e o conjunto dos pontos x ∈ U
tais que f 0 (x) : Rm → Rn é sobrejetora é aberto e denso em U .
A demonstração é, mutatis mutandis, como a anterior.
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28 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

11 Campos de vetores em Rn
Seja U um subconjunto aberto em Rn . Um campo de vetores
em U e simplesmente uma aplicação v : U → Rn . Se v ∈ C k
dizemos que o campo de vetores é de classe C k .
Sejam p ∈ U e v : U → Rn um campo vetorial de classe C k .
Chama-se curva integral do campo v, com condição inicial p, a um
caminho diferenciável λ : J → U , definido num intervalo aberto
contendo 0 ∈ R, tal que λ(0) = p e λ0 (t) = v(λ(t)) para todo
t ∈ J.
Visualizamos o campo v associando um vetor v(x) ∈ Rn a cada
ponto x ∈ U . O vetor-velocidade de uma curva integral de v num
determinado ponto é justamente o vetor associado a este ponto
pelo campo v.

v(x)
x

Figura 1.12.

Consideraremos agora o teorema de existência e unicidade das


curvas integrais.

Teorema. Sejam U um subconjunto aberto do Rn e v : U → Rn


um campo vetorial de classe C 1 . Dado qualquer p ∈ U , existe uma
curva integral λ : (−c, c) → U do campo v com condição inicial
λ(0) = p. Se µ : (−ε, ε) → U for outra curva integral de v com
µ(0) = p, então λ = µ num intervalo (−δ, δ) ⊂ (−c, c) ∩ (−ε, ε).
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[SEC. 11: CAMPOS DE VETORES EM RN 29

Demonstração: Seja B uma bola fechada de centro p, na qual


as normas |v| e |v 0 | são limitadas por uma constante k > 0. Em
particular, x, y ∈ B implica |v(x) − f (y)| ≤ k|x − y|. Seja c um
número real positivo tal que o produto ck seja menor do que 1 e
do que o raio de B.
Consideremos o espaço métrico E, formado pelos caminhos
contı́nuos λ : [−c, c] → B, com a métrica da convergência uniforme.
Sabe-se que E é completo. Definamos uma aplicação f : E → E
pondo, para cada λ ∈ E, f (λ) = µ, onde
Z t
µ(t) = p + v(λ(s)) ds.
0

Note-se que |µ(t)−p| ≤ ck < raio de B, donde µ(t) ∈ B e portanto


µ ∈ E. Observe-se também que se µ1 = f (λ1 ) e µ2 = f (λ2 ) então,
para cada t,
Z t
|µ1 (t) − µ2 (t)| ≤ |v|λ1 (s)) − v(λ2 (s))|ds ≤
0
≤ ck · sup |λ1 (s) − λ2 (s)|
s

e portanto d(µ1 , µ2 ) ≤ ck · d(λ1 , λ2 ). Como ck < 1, vê-se que


f : E → E é uma contração. Pelo teorema do Ponto Fixo para
contrações (ver [2], Capı́tulo X, Proposição 9), existe um único
caminho λ : [−c, c] → B tal que f (λ) = λ. Isto significa
Z t
λ(t) = p + v(λ(s)) ds.
0

Pelo Teorema Fundamental do Cálculo, esta igualdade equivale a


afirmar
λ0 (t) = v(λ(t)), λ(0) = p.
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30 [CAP. I: CÁLCULO DIFERENCIAL

Logo λ é uma curva integral com origem em p. Dada qualquer


outra curva integral µ : (−ε, ε) → U com µ(0) = p, podemos res-
tringir λ e µ a um intervalo [−δ, δ] tal que δk < 1 e δk < raio de
B. Então λ = µ em [−δ, δ] pela unicidade do ponto fixo.

12 Referências
[1] Serge Lang - Analysis I, Addison-Wesley, Reading 1968.

[2] Elon L. Lima - Análise no Espaço Rn , Coleção Matemática


Universitária, IMPA, 2004.

[3] Walter Rudin - Princı́pios de Análise Matemática, Ao Livro


Técnico, Rio, 1970.

[4] Michael Spivak - Calculus on Manifolds, Benjamin, New


York, 1966.
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Capı́tulo II

Superfı́cies nos Espaços


Euclidianos

A noção de superfı́cie de dimensão m num espaço euclidiano


Rn (n ≥ m) é generalização direta dos objetos que econtramos
na geometria diferencial clássica – as curvas em R3 ou R2 que
possuem vetor tangente em cada ponto e as superfı́cies em R3 que
possuem plano tangente em cada ponto.

1 Parametrizações
Seja U0 um subconjunto aberto de Rm . Uma imersão de classe
C k , ϕ : U0 → Rn , diz-se um mergulho de classe C k de U0 em Rn ,
quando ϕ é um homeomorfismo de U0 sobre ϕ(U0 ).
Dizemos também que ϕ é uma parametrização de classe C k e
dimensão m do subconjunto U = ϕ(U0 ) ⊂ Rn .
Em relação à injetividade de ϕ0 (x) : Rm → Rn , lembremos que
as seguintes condições são equivalentes:

(i) ϕ0 (x) : Rm → Rn é injetora.


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32 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

∂ϕ
(ii) (x) = ϕ0 (x) · ej , j = 1, . . . , m são vetores linearmente
∂xj
independentes.

 
∂ϕi
(iii) A matriz jacobiana n×m, Jϕ(x) = (x) , tem posto m,
∂xj
isto é, algum de seus determinates menores m × m é distinto
de zero.

Rn
∂ϕ U
∂x2

∂ϕ
ϕ
∂x1
x = ϕ(x0 )
Rm
e2

x0 e1
U0

Figura 2.1.

Exemplos:
1) Parametrizações de dimensão 1.
Seja J um intervalo aberto de números reais. Um caminho de
classe C k , ϕ : J → Rn , é um mergulho se, e somente se, ϕ : J →
ϕ(J) é um homeomorfismo e o vetor velocidade ϕ0 (t) nunca se
anula. Existem imersões biunı́vocas C ∞ de um intervalo aberto
dos reais em R2 que não são homeomorfismos sobre sua imagem.
Voltaremos a tratar do assunto posteriormente. A Figura 2.2 ilus-
tra esta situação:
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[SEC. 1: PARAMETRIZAÇÕES 33


R R


ϕ ψ

R2

Figura 2.2.

2) Parametrizações de dimensão 2 em R3 .
Seja U0 um subconjunto aberto em R2 e ϕ : U0 → U = ϕ(U0 ) ⊂
R3 , ϕ(u, v) = (ϕ1 (u, v), ϕ2 (u, v), ϕ3 (u, v)) uma parametrização de
classe C k .
O conjunto U = ϕ(U0 ) é chamado uma superfı́cie local. A
independência linear dos vetores
 1   1 
∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ2 ∂ϕ3 ∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ2 ∂ϕ3
= , , e = , ,
∂u ∂u ∂u ∂u ∂v ∂v ∂v ∂v

é equivalente a ser não-nulo o produto vetorial n = n(u, v) =


∂ϕ ∂ϕ
× , chamado vetor normal a U no ponto ϕ(u, v).
∂u ∂v

R3
n(u, v)

ϕ ∂ϕ
U
∂v
∂ϕ
ϕ(u, v) ∂u

R2
U0

Figura 2.3.
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34 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

2 A noção de superfı́cie
Rn
M

p U

ϕ
Rm
U0

Figura 2.4.

Definição: Uma superfı́cie m-dimensional do Rn (de classe C k ) é


um subconjunto não vazio

M = M m ⊂ Rn

no qual todo ponto p possui uma vizinhança aberta U dotada de


uma parametrização de classe C k e dimensão m.
O conjunto M tem a topologia induzida de Rn . Assim a vizi-
nhança U é a interseção de M com um conjunto aberto em Rn .
O número n − m é chamado a co-dimensão de M em Rn .
Uma superfı́cie de dimensão n no Rn+1 é denominada uma
hiperfı́cie.
Uma superfı́cie zero-dimensional em Rn é um conjunto de pon-
tos isolados. Uma superfı́cie de dimensão n em Rn é um subcon-
junto aberto de Rn . Vemos assim que os casos extremos não têm
maior importância. Mais interessante é o exemplo abaixo.
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[SEC. 2: A NOÇÃO DE SUPERFÍCIE 35

S 2 ⊂ R3

Figura 2.5.

A esfera unitária de dimensão n é o conjunto

S n = {y ∈ Rn+1 ; hy, yi = 1}.

S n é uma hiperfı́cie compacta de classe C ∞ em Rn+1 . Vamos


mostrar que 2(n + 1) parametrizações são suficientes para cobrir
a esfera.
Para cada i = 1, 2, . . . , n + 1, ponhamos:

Hi+ = {y ∈ Rn+1 ; y i > 0} e Hi− = {y ∈ Rn+1 ; y i < 0}.

Estes são os semi-espaços abertos determinados pelo hiperplano


y i = 0.
Os conjuntos

Ui+=Hi+∩S n={y ∈ S n | y i > 0} e Ui−=Hi−∩S n = {y ∈ S n | y i < 0}

S
n+1
são abertos em S n e (Ui+ ∪ Ui− ) = S n . Cada uma destas
i=1
vizinhanças Ui+ é dotada de uma parametrização de classe C ∞ , a
saber
ϕ± ±
i : B → Ui ; i = 1, . . . , n + 1
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36 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

p
x = (x1 , . . . , xn ) 7→ (x1 , . . . , xi−1 , ± 1 = |x|2 , xi , . . . , xn ).

Estamos indicando com B a bola aberta de centro 0 e raio 1 em


Rn : B = {x ∈ Rn ; |x| < 1}.
Para n = 1 temos S 1 = {(x, y) ∈ R2 ; x2 + y 2 = 1}, o cı́rculo
unitário do plano. O procedimento acima consiste em tomar y
como parâmetro nos semi-cı́rculos abertos U1+ = {(x, y) ∈ S 1 ; x >
0} e U1− = {(x, y) ∈ R2 ; x < 0}, enquanto que x será o parâmetro
em U2+ e U2− . Um parâmetro mais natural para o S 1 é o ângulo,
que passamos a descrever no fim da seção 3.

3 Mudança de coordenadas

Sejam M = M m ⊂ Rn uma superfı́cie de classe C k e ϕ : U0 →


U uma parametrização do aberto U ⊂ M . Os pontos de U são
determinados por m quantidades (ou parâmetros):

(x1 , . . . , xm ) ∈ U0 7→ p = ϕ(x1 , . . . , xm ) ∈ U.

Se V0 é um conjunto aberto do Rm e ξ : V0 → U0 é um difeo-


morfismo de classe C k , então

ϕ ◦ ξ : V0 → U

é ainda uma parametrização de U . A aplicação ξ é normalmente


denominada uma mudança de coordenadas (Fig. 2.6).
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[SEC. 3: MUDANÇA DE COORDENADAS 37

M
Rn
U
p

ϕ ψ

Rm
ξ
x = (x1 , . . . , xm ) y = (y 1 , . . . , y m )

U0
V0

Figura 2.6.

Mostremos agora que esta é a única maneira de obter novas


parametrizações de U .
Se ϕ : U0 → U e ψ : V0 → V são parametrizações em M tais
que U ∩ V 6= ϕ, é evidente que a aplicação

ξ = ψ −1 ◦ ϕ : ϕ−1 (U ∩ V ) → ψ −1 (U ∩ V )

é um homeomorfismo entre abertos do Rm .


M
ϕ V ψ
U0 U
V0

ξ = ψ −1 ◦ ϕ

Figura 2.7.

Mas não se pode concluir de imediato a diferenciabilidade de


ψ −1
◦ ϕ, visto que ψ −1 não está definida num aberto do Rn . Para
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38 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

contornar esta dificuldade, apresentamos o seguinte resultado, que


dá conta de uma situação um pouco mais geral.
Proposição 1. Sejam V0 um subconjunto aberto do Rm e ψ : V0 →
V uma parametrização de classe C k do conjunto V ⊂ Rn . Dados
U0 ⊂ Rr , aberto, e f : U0 → V ⊂ Rn de classe C k , então:
(i) a composta ψ −1 ◦ f : U0 → V0 ⊂ Rm é de classe C k

(ii) para x ∈ U0 e z = ψ −1 ◦f (x) temos (ψ −1 ◦f )0 (x) = [ψ 0 (z)]−1 ◦


f 0 (x).
Demonstração: (i) Como ψ : V0 → V é uma imersão (injetora)
C k , para cada ponto p ∈ V existem um aberto Z em Rn que
o contém e uma aplicação de classe C k , g : Z → Rm , tal que
g|(V ∩ Z) = ψ −1 (v. observação da seção 9 do Cap. I).
Seja p um ponto arbitrário de f (U0 ) ⊂ V . Então ψ −1 ◦ f =
g ◦ f : f −1 ((U0 ) ∩ Z) ⊂ Rr → Rm . Resulta então que ψ −1 ◦ f é de
classe C k , pois f e g o são.
Rr Rn V
f
f (U0 )
U0 p

ψ
ψ −1
◦f
V0

Rm

Figura 2.8.

(ii) Ponha h = ψ −1 ◦ f e aplique a regra da cadeia à igualdade


ψ ◦ h = f.
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[SEC. 3: MUDANÇA DE COORDENADAS 39

Corolário. Sejam U0 e V0 subconjuntos abertos em Rm e ϕ : U0 →


V , ψ : V0 → V parametrizações de classe C k do mesmo conjunto
V ⊂ Rn . Então a mudança de coordenadas ξ = ψ −1 ◦ ϕ é um
difeomorfismo de classe C k .
O Corolário acima permite estender o conceito de aplicação
diferenciável, até agora só definido no caso em que o domı́nio era
um aberto do espaço euclidiano.
Seja M m ⊂ Rn uma superfı́cie de classe C k . Diremos que uma
aplicação f : M → Rs é diferenciável num ponto p ∈ M quando
existe uma parametrização ϕ : U0 → U , de classe C k , com p ∈ U ,
tal que f ◦ ϕ : U0 → Rs é diferenciável no ponto p0 ∈ U0 , onde
ϕ(p0 ) = p. Segue-se da Proposição 1 que f ◦ ψ = (f ◦ ϕ) ◦ (ϕ−1 ◦ ψ)
é diferenciável no ponto ϕ−1 (p), seja qual for a parametrização ψ,
de classe C k , de uma vizinhança de p. Esta definição não depende,
portanto, da parametrização ϕ escolhida.
Vê-se facilmente como estender à aplicação f : M m → Rs a
noção de classe C k . Observa-se, porém, que tal noção tem sentido
apenas quando M é uma superfı́cie de classe C k . Do contrário,
f ◦ ϕ pode ser de classe C k para uma certa parametrização ϕ sem
que o seja para outras.
Se tivermos M m ⊂ Rr e N n ⊂ Rs superfı́cies de classe C k ,
diremos que f : M → N é diferenciável no ponto p ∈ M quando,
considerada como aplicação de M em Rs , f for diferenciável
naquele ponto.
Analogamente se define f : M m → N n de classe C k : para cada
p ∈ M deve existir uma parametrização ϕ : U0 → U ⊂ M , de
classe C k , com p ∈ U , tal que f ◦ ϕ : U0 → N ⊂ Rs seja de classe
C k . Pela Proposição 1, f ◦ ϕ ∈ C k seja qual for a parametrização
ϕ : U0 → U , de classe C k , com p ∈ U .
Observemos o seguinte: a fim de que f : M → N seja de classe
k
C é necessário e suficiente que, para todo p ∈ M existam para-
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40 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

metrizações C k , ψ : V0 → V ⊂ N e ϕ : U0 → U ⊂ M , com p ∈ U ,
f (U ) ⊂ V e tais que ψ −1 ◦ f ◦ ϕ : U0 → V0 ⊂ Rn seja de classe C k .

M N
V
U f
p f (p)

ϕ Rm ψ Rn
U0 ψ −1 ◦ f ◦ ϕ V0

Figura 2.9.

Demonstração: Seja f : M → N de classe C k . Dado p ∈ M ,


tomemos uma parametrização ψ : V0 → V ⊂ N de classe C k , com
f (p) ∈ V , V0 ⊂ Rn . Como f é contı́nua, existe uma parame-
trização ϕ : U0 → U ⊂ M , com p ∈ U , tal que f (U ) ⊂ V . Por
definição de f ∈ C k , vemos que f ◦ ϕ : U0 → V ⊂ Rs e de classe
C k . Em virtude da Proposição 1, segue-se que ψ −1 ◦ f ◦ ϕ : U0 →
V0 ⊂ Rn é de classe C k . A recı́proca é deixada a cargo do leitor.

Corolário. Se f : M → N e g : N → P são de classe C k então


g ◦ f : M → P é de classe C k .
Por exemplo, se M m ⊂ Rr é uma superfı́cie de classe C k , então
a aplicação da inclusão i : M m → Rr é de classe C k . Do mesmo
modo, se M m ⊂ W , onde W é um aberto em Rr , a aplicação de
inclusão i : M → W também é de classse C k . Se f : W → Rs for
de classe C k , então a restrição f |M : M → Rs será de classe C k
(estamos supondo M ∈ C k !) pois f |M = i ◦ f , logo podemos
aplicar o Corolário.
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[SEC. 3: MUDANÇA DE COORDENADAS 41

Exemplo - (O ângulo como parâmetro em S 1 .)


A aplicação exponencial de R em R2 é o homomorfismo do
grupo aditivo dos reais no grupo multiplicativo dos números com-
plexos, dado por

ξ : R → R2 , t 7→ eit = (cos t, sen t).

A exponencial ξ é uma imersão C ∞ não-injetora, pois ξ 0 (t) =


(− sen t, cos t) 6= 0 para todo t, e ξ(s) = ξ(t) se, e só se, s−t = 2kπ,
k ∈ Z. Intuitivamente, ξ enrola a reta em torno de S 1 , sem esticá-
la, no sentido anti-horário. O número t é uma determinação do
ângulo (em radianos) que ξ(t) ∈ S 1 faz com o semi-eixo positivo
dos x.
ϕ
U0 ξ(t) V0
t
ξ x
t

Figura 2.10.

Seja t ∈ R, arbitrário, porém fixo neste raciocı́nio. Seja ϕ


uma parametrização C ∞ de uma vizinhança de ξ(t) ∈ S 1 , com
ϕ(x) = ξ(t) (ϕ pode ser uma das parametrizações anteriormente
construı́das). Como [ϕ−1 ◦ ξ]0 (t) = [ϕ0 (x)]−1 ◦ ξ 0 (t) 6= 0, o teo-
rema da função inversa garante que ϕ−1 ◦ ξ é um difeomorfismo
de uma vizinhança U0 de t ∈ R sobre uma vizinhança V0 de x ∈ R
(Fig. 2.6). Conseqüentemente, ξ = ϕ ◦ (ϕ−1 ◦ ξ) : U0 → ξ(U0 ) é um
homeomorfismo. Em outras palavras, a exponencial ξ : R → S 1
é um homeomorfismo local. A conclusão é que em cada intervalo
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42 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

aberto (a, b) ⊂ R com b − a ≤ 2π, a exponencial

ξ : (a, b) → S 1

é uma parametrização do cı́rculo. Ela é geometricamente mais


significativa que as parametrizações ϕ±
i descritas anteriormente.

π “ √ ”
p = (cos t, sin t) = x, 1 − x2

ξ t
(−1, 0) (1, 0)
t x
0

-1 0 x 1

ϕ−1 ◦ ξ : (0, π) → (−1, 1)


t 7→ x = cos t

Figura 2.11.

4 O espaço tangente
Uma caracterı́stica importante das superfı́cies diferenciáveis é
que elas possuem, em cada ponto, uma aproximação linear, que é
seu plano tangente.
Sejam M = M m ⊂ Rn uma superfı́cie de dimensão m e classe
C k (k ≥ 1). Seja ϕ : U0 → U uma parametrização com p = ϕ(x) ∈
M , x ∈ U0 . O espaço tangente a M no ponto p é o espaço vetorial
de dimensão m
T Mp = ϕ0 (x) · Rm .
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[SEC. 4: O ESPAÇO TANGENTE 43

∂ϕ
Os vetores (x) = ϕ0 (x) · ei , i = 1, . . . , m formam uma base de
∂xi
T Mp .
Esta definição só terá utilidade se mostramos que o espaço
tangente em p independe da escolha da parametrização ϕ. Seja
ψ : V0 → V uma outra parametrização em p. Seja ξ = ψ −1 ◦
ϕ : ϕ−1 (U ∩ V ) → ψ −1 (U ∩ V ) a mudança de coordenadas, como
p = ϕ(x) = ψ(z). Ora, ξ é difeomorfismo, logo ξ 0 (x) · Rm = Rm .
Finalmente, pela regra da cadeia, temos

ϕ0 (x) · Rm = ψ 0 (z) · ξ 0 (x) · Rm = ψ 0 (z) · Rm .

U ∩V
ϕ * Y ψ

ϕ−1 (U ∩ V ) - ψ −1 (U ∩ V )
ξ

Rn
ϕ0 (x) ψ 0 (z)
 I

Rm - Rm
ξ 0 (x)

A proposição abaixo dá uma caracterização para T M p que é


bastante significativa por seu conteúdo geométrico:
Proposição 2. Os elementos de T Mp são os vetores-velocidade
em p dos caminhos diferenciáveis contidos em M que passam por
p. Mais precisamente,

T Mp = {v = λ0 (0); λ : (−ε, ε)→M⊂Rn diferenciável, λ(0)=p}.


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44 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

Demonstração: Seja v ∈ T Mp . Por definição do espaço tangente


T Mp , existe uma parametrização ϕ : U0 → U com ϕ(x) = ϕ tal
que
ϕ(x + tu) − ϕ(x)
v = ϕ0 (x) · u = lim , u ∈ Rm .
t7→0 t
Escolhendo ε > 0 suficientemente pequeno, a imagem do caminho
t ∈ (−ε, ε) → x + tu ∈ Rm está toda contida em U0 . Assim v é
o vetor velocidade em t = 0 do caminho em M , λ(t) = ϕ(x + tu),
λ(0) = p.
Por outro lado, seja λ : (−ε, ε) → M um caminho diferenciável
com λ(0) = p. Consideremos uma qualquer parametrização
ϕ : U0 → U tal que p ∈ U . Podemos supor, sem perda de ge-
neralidade, que λ(t) ∈ U para todo t ∈ (−ε, ε). Então, pela Pro-
posição 1, o caminho ϕ−1 ◦λ : (−ε, ε) → U0 ⊂ Rm é diferenciável e,
escrevendo u = (ϕ−1 ◦ λ)0 (0), temos u = [ϕ0 (x)]−1 · λ0 (0). Portanto
λ0 (0) = ϕ0 (x) · u, como querı́amos demonstrar.
O espaço vetorial tangente T Mp é um subespaço vetorial de Rm
e, por conseguinte, passa pela origem. Nas ilustrações geométricas,
porém, sempre desenhamos a variedade afim tangente p+T Mp que
e paralela a T Mp e passa por p.

p + T Mp

Figura 2.12.
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[SEC. 4: O ESPAÇO TANGENTE 45

O espaço tangente em um ponto de uma superfı́cie de dimensão


zero consiste apenas do vetor zero. O espaço tangente T Up a uma
superfı́cie de dimensão n, U ⊂ Rn , é igual a todo o Rn .
O espaço tangente (T S n )p à esfera unitária S n consiste em
todos os vetores v ∈ Rn+1 que são perpendiculares a p. De fato,

p⊥ = {v ∈ Rn+1 ; hv, pi = 0}

é um subespaço vetorial de dimensão n do Rn+1 . Além disso,


se v ∈ (T S n )p , então v = λ0 (0), onde λ : (−ε, ε) → S n é um
caminho diferenciável com λ(0) = p. Diferenciando a identidade
hλ(t), λ(t)i = 1, obtemos

2hλ0 (t), λ(t)i = 0,

e, pondo t = 0, vem hv, pi = 0. Portanto (T S n )p ⊂ p⊥ . Como o


espaço tangente a S n em p tem dimensão n, resulta que

(T S n )p = p⊥ .

Terminamos esta seção definindo o referencial móvel associado


a uma parametrização.
Sejam M = M m uma superfı́cie de classe C k em Rn , e ϕ : U0 →
U ⊂ M uma parametrização em M . Denominamos referencial
móvel associado a ϕ no ponto p = ϕ(x) ao conjunto
 
∂ϕ ∂ϕ
Bϕ (x) = (x), . . . , m (x)
∂x1 ∂x

base do espaço tangente a M no ponto p. Um vetor tangente


P ∂ϕ
v ∈ T Mp se escreve da forma v = αi i (x). Consideremos o
∂x
problema de determinar as coordenadas de v com respeito a uma
nova base Bψ (y), originada de outra parametrização ψ : V0 → V
tal que ψ(y) = p.
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46 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

Seja ξ a mudança de coordenadas, isto é,



ϕ [ϕ−1 (U ∩ V )] = ψ ◦ ξ.

Então
ϕ0 (x) = ψ 0 (y) · ξ 0 (x) (regra da cadeia) e

∂ϕ
(x) = ϕ0 (x) · ej = ψ 0 (y) · (ξ 0 (x) · ej )
∂xj
X ∂ξ i
= ψ 0 (y) · (x) · ei
∂xj
i
X ∂ξ j
= (x) · ψ 0 (y) · ei
∂xj
i
X ∂ξ i ∂ψ
= j
(x) · i (x).
∂x ∂y
i

A relação acima mostra que a matriz de passagem da base Bψ (x)


para a base Bψ (y) de T Mp é a matriz jacobiana de ξ no ponto x.
Podemos resumir tudo isto nas equações
X ∂ϕ X ∂ψ
v= αi i
(x) = βi i (y)
∂x ∂y
X ∂ξ i
βi = (x) · αj .
∂xj
j

5 Como obter superfı́cies


Seja M um subconjunto de Rn . Se queremos mostrar que
M é uma superfı́cie, é necessário obtermos parametrizações de
vizinhanças de todos os pontos de M ; esta tarefa, requerida pela
definição, pode vir a ser trabalhosa. Nesta seção apresentamos
outras maneiras de se obterem superfı́cies.
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[SEC. 5: COMO OBTER SUPERFÍCIES 47

5.1 O gráfico de uma aplicação C k .


Sejam U ⊂ Rm aberto e f : U → Rn uma aplicação de classe
C k . Então o gráfico de f ,

G(f ) = {(x, f (x)); x ∈ U }

é uma superfı́cie de dimensão m e classe C k no Rm+n .


Realmente, ϕ : U → G(f ), ϕ(x) = (x, f (x)), é uma parame-
trização de todo o conjunto G(f ).
É claro que nem toda superfı́cie é um gráfico: a esfera S n , por
exemplo, não o é. Generalizando, nenhuma superfı́cie compacta
pode ser, globalmente, um gráfico.
Localmente, toda superfı́cie de classe C k é o gráfico de uma
aplicação da mesma classe. Provemos isto.

Proposição 3. Seja M m ⊂ Rn uma superfı́cie de classe C k .


Então todo ponto p ∈ M possui uma vizinhança V , parametrizada
por uma aplicação de classe C k ψ : V0 → V , da forma ψ(y) =
(y, f (y)), y ∈ V0 ⊂ Rm .
Demonstração: Seja ϕ : U0 ⊂ Rm → U ⊂ M uma parame-
trização de uma vizinhança U de p = ϕ(x). Escolhamos uma
decomposição Rn = Rm ⊕ Rn−m de tal modo que a primeira
projeção π : Rn → Rm leve T Mp isomorficamente sobre Rm (Lema
2, seção 10 do Cap. I). Seja η = π ◦ ϕ : U0 ⊂ Rm → Rm .
Então η 0 (x) = π ◦ ϕ0 (x) : Rm → Rm é um isomorfismo. Pelo
teorema da função inversa, η é um difeomorfismo C k de uma vi-
zinhança menor, U1 3 x, sobre uma vizinhança V0 3 π(p). Indi-
quemos com ξ = η −1 : V0 → U1 o difeomorfismo inverso. Então
ψ = ϕ ◦ ξ : V0 ⊂ Rm → V = ψ(v0 ) ⊂ Rn é uma nova parame-
trização de uma vizinhança de p. Da relação

π ◦ ψ = π ◦ (ϕ ◦ ξ) = (π ◦ ϕ) ◦ ξ = η ◦ ξ = idV0
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48 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

segue-se que a primeira coordenada de ψ(y), relativa à decom-


posição Rn = Rm ⊕ Rn−m , é y. Chamemos f (y) a segunda co-
ordenada. Então ψ(y) = (y, f (y)), y ∈ V0 . Nota-se que ψ =
(π|V )−1 : V0 → V , isto é, a parametrização que faz de V um gráifco
é simplesmente a inversa local da projeção π : Rm ⊕ Rn−m → Rm
que leva T Mp sobre Rm isomorficamente.

p
ϕ T Mp
π
U0 η V0
x
U1 ξ

Figura 2.13.

5.2 Superfı́cies definidas implicitamente.


Seja f : R3 → R dada por f (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 . Então
f ∈ C ∞ , e a esfera unitária S 2 fica definida implicitamente pela
equação f (x, y, z) = 1. Se g(x, y, z) = x2 + y 2 − z 2 , então g −1 (c) é
uma superfı́cie de classe C ∞ para cada c 6= 0 (um hiperbolóide de
uma folha para c > 0, um hiperbolóide de duas folhas para c < 0).
Por outro lado a equação g(x, y, z) = 0 define um par de cones
com vértice comum. Por um argumento topológico (conexão) vê-
se que nenhuma vizinhança aberta do vértice 0 = (0, 0, 0) em
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[SEC. 5: COMO OBTER SUPERFÍCIES 49

g −1 (0) é homeomorfa a um aberto do R2 . Logo g −1 (0) não é uma


superfı́cie.
O teorema abaixo dá condições suficientes para que a equação
f (x) = c defina uma superfı́cie.

Proposição 4. Sejam U ⊂ Rm+n aberto e f : U → Rn uma


aplicação de classe C k . Seja c ∈ Rn . Consideremos o conjunto

M = {p ∈ U.f (p) = c e f 0 (p) : Rm+n → Rn é sobrejetora}

Então

(i) M é aberto em f −1 (c).

(ii) Supondo que M é não vazio, M é superfı́cie de dimensão m


e classe Ck do Rm+n , e

(iii) (T M )p = Ker f 0 (p) para todo p ∈ M .

Demonstração: (i) imediato. (ii) Seja p ∈ M .


Pelo teorema as funções implı́citas (seção 8 do Cap. I), existem
uma decomposição Rm+n = Rm ⊕Rn com p = (x0 , y0 ), vizinhanças
p ∈ Z ⊂ Rm+n , x0 ∈ V ⊂ Rm , e uma aplicação ξ : V → Rn , de
classe C k , tal que G(ξ) = Z ∩ f −1 (c). Assim ϕ : V → Z ∩ f −1 (c),
dada por ϕ(x) = (x, ξ(x)) é uma parametrização de classe C k de
uma vizinhança aberta de p ∈ f −1 (c). Pela Observação 2, seção
8 do Cap. I, vem Z ∩ f −1 (c) ⊂ M , o que conclui a demonstração
de (ii).
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50 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

Rn Rn
U
Z

M p f
c

V Rm

Figura 2.14.

(iii) Seja v ∈ T Mp . Consideremos um caminho λ : (−ε, ε) → M


tal que λ(0) = p e λ0 (0) = v. Então f 0 (p) · v = f 0 (λ(0)), λ0 (0) =
(f ◦λ)0 (0) = 0, pois f ◦λ é constante (= c). Portanto v ∈ Ker f 0 (p).
Como T Mp e Ker f 0 (p) são subespaços m-dimensionais do Rm+n
e T Mp ⊂ Ker f 0 (p) segue-se que T Mp = Ker f 0 (p).
Observações:
1) Sejam U ⊂ Rm aberto e f : U Rn uma aplicação diferenciável.
Um ponto c ∈ Rn chama-se valor regular de f quando, para cada
x ∈ U tal que f (x) = c, a derivada f 0 (x) : Rm → Rn é uma
transformação linear sobrejetiva.
Se não existe x ∈ U tal que f (x) = c então c é trivialmente um
valor regular de f . Quando n = 1, o funcional linear f 0 (x) : Rm →
R ou é zero ou é sobrejetiva. Neste caso o número real c é valor
regular de f se, e somente se, f 0 (x) 6= 0 para todo x ∈ f −1 (c).
Por exemplo, seja f : R3 → R dada por f (x, y, z) = x2 +y 2 −z 2 .
Representando por (dx, dy, dz) a base canônica de (R3 )∗ , então
f 0 (x, y, z) = 2x dx + 2y dy − 2z dz. Segue-se que f 0 (x, y, z) = 0
somente para x = y = z = 0; como f (0, 0, 0) = 0, vemos que
0 ∈ R é o único valor não-regular de f .
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[SEC. 5: COMO OBTER SUPERFÍCIES 51

O teorema que acabamos de provar se reescreve da seguinte


maneira, tendo em vista a definição de valor regular:

Teorema 1. Sejam U ⊂ Rn aberto e f : U → Rn−m de classe C k ,


k ≥ 1. Se c ∈ Rn−m é um valor regular de f , ou bem f −1 (c) é
vazio ou bem é uma superfı́cie m-dimensional de classe C k em Rn .
Além disso, para cada p ∈ f −1 (c), o espaço tangente T [f −1 (c)]p é
o núcleo de f 0 (p) : Rn → Rn−m .

Observações:
2) A imagem inversa f −1 (c) pode ser uma superfı́cie sem que c
seja um valor regular. Por exemplo, seja f : R2 → R dada por
f (x, y) = y 2 . 0 ∈ R não é valor regular de f mas f −1 (0) = eixo
dos x é uma superfı́cie C ∞ de dimensão 1 em R2 .
3) Mesmo quando c ∈ Rn não é valor regular de f : U → Rn ,
o primeiro enunciado do teorema garante que M = f −1 (c) ∩
{p ∈ U ; f 0 (p) é sobrejetiva} é uma superfı́cie. Convém notar que
M não é necessariamente denso em f −1 (c). Por exemplo, seja
f : R2 → R dada por f (x, y) = x2 y. Como f 0 (x, y) = 2xy dx +
x2 dy, f 0 (p) = 0 se, e só se, p está no eixo dos y.
Neste exemplo a imagem inversa de 0 ∈ R é a união dos eixos
coordenados x e y (não é superfı́cie), enquanto que M consiste no
eixo dos x menos a origem.
Localmente, qualquer superfı́cie M m ⊂ Rn , de classe C k
(k ≥ 1), pode ser definida implicitamente, isto é, como imagem
inversa de um valor regular de uma aplicação de classe C k . Mais
precisamente:

Proposição 5. Seja M m ⊂ Rn uma superfı́cie de classe C k


(k ≥ 1). Para cada ponto p ∈ M , existe um aberto Ω em Rn ,
contendo p, e uma aplicação g : Ω → Rn−m , de classe C k , tal que
0 ∈ Rn−m é um valor regular de g e M ∩ Ω = g −1 (0).
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52 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

Demonstração: Pela Proposição 3, dado p ∈ M , existe uma


decomposição Rn = Rm ⊕ Rn−m em soma direta e uma vizinhança
aberta U de p em M tal que a projeção π : Rn → Rm (relativa
à decomposição acima) aplica U homeomorficamente sobre um
aberto U0 ⊂ Rm e ϕ = (π|U )−1 : U0 → U é uma parametrização de
classe C k tendo-se evidentemente ϕ(x) = (x, f (x)), onde f : U0 →
Rn−m é de classe C k . Ponhamos Ω = U0 × Rn−m . Então Ω é
aberto em Rn . Definamos g : Ω → Rn−m por g(x, y) = f (x) − y.
É imediato que U = Ω ∩ M = f −1 (0). Além disso, em cada ponto
(x, y) ∈ Ω, a derivada g 0 (x, y) : Rm ⊕ Rn−m → Rn−m é dada por
g 0 (x, y) · (u, v) = f 0 (x) · u − v. Para qualquer v ∈ Rn−m , temos
v = g 0 (x, y) · (0, −v), logo g é uma submersão. Em particular,
0 ∈ Rn−m é um valor regular de g.

6 Exemplos de superfı́cies

1) A esfera S n definida implicitamente.


Seja f : Rn+1 → R definida por f (x) = hx, xi. Como f 0 (x)·h =
2hx, hi, todo real não nulo c é valor regular de f ∈ C ∞ . Se c < 0
então f −1 (c) é vazio. Se c > 0 então f −1 (c) é a esfera de dimensão
n com centro na origem 0 ∈ Rn+1 e raio c. O espaço tangente a
esta esfera no ponto p é o núcleo de f 0 (p), a saber, o conjunto de
todos os vetores v ∈ Rn+1 tais que hp, vi = 0, ou seja, o hiperplano
perpendicular a p.
2) O toro de dimensão 2
Seja U = Rp 3 − {eixo dos z}. A função f : U → R, dada por
2
f (x, y, z)z 2 + x2 + y 2 − 2 , é de classe C ∞ . A derivada f 0 (p)
é 6= 0 para todo p = (x, y, z) fora do cı́rculo S = {(x, y, z) ∈
R3 ; x2 + y 2 = 4, z = 0}. Quando p ∈ S, f 0 (p) = 0. Portanto
0 ∈ R é o único valor não-regular de f . para 0 < c < 4, f −1 (c) é
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[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERFÍCIES 53


o toro gerado pela rotação de um cı́rculo de raio c cujo centro
percorre S.

z p = (x, y, z) z

c g
b
2 (x, y, 0)
y y
S

p
x b= x2 + y 2 − 2 x

Figura 2.15.

O leitor deve tentar imaginar a forma das superfı́cies (des-


conexas e não-compactas) f −1 (c) quando c ≥ 4.
O toro T 2 = f −1 (i) é também a imagem da aplicação g : R2 →
R3 dada por g(s, t) = 2u(t) + v(s, t), onde u(t) = (cos t, sen t, 0)
e v(s, t) = (cos s · cos t, cos s · sen t, sen s). Se I, J ⊂ R são dois
intervalos abertos de comprimento 2π então g : I × J → R 2 é uma
parametrização C ∞ de um subconjunto aberto de T 2 .
3) Matrizes de posto constante
Seja M (m × n; R) o espaço vetorial das matrizes reais m × n
e indiquemos com M (m × n; k) ⊂ M (m × n, R) o subconjunto
formado pelas matrizes m × n de posto k. Isto significa que cada
matriz X ∈ M (m × n, k) tem um menor k × k que é 6= 0, mas
todos os seus menores de ordem > k são nulos.
Vamos mostrar que M (m × n, R) é uma superfı́cie de classe
C ∞ e dimensão k · (m + n − k) em M (m × n, R) ≈ Rmn .
Escrevamos
! as matrizes X ∈ M (m × n; R) em blocos X =
A B
, onde A é k × k, B é k × (n − k), C é (m − k) × k e D
C D
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54 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

é (m − k) × (n − k).
Seja W = {X ∈ M (m × n, R); det A 6= 0}. É evidente que W
é aberto em Rmn .
n; k) = {X ∈ W | D = CA−1 B}. De fato,
Afirmação: W ∩ M (m × !
A B
o posto de X = é igual ao posto do produto
C D

! ! !
Ik 0 A B A B
−1 = .
−CA Im−k C D 0 D − CA−1 B

Conseqüentemente, o posto de X é k se, e somente se, D−CA−1 =0.


Parametrizamos U = W ∩ M (m × n; k) por meio da aplicação
de classe C ∞ , ϕ : U0 → U , definida no aberto

 2
U0 = (A, B, C) ∈ Rk × Rk(n−k) × R(m−k)×k ; det A 6= 0

!
A B
e dada por ϕ(A, B, C) = .
C CA−1 B
É claro que ϕ é uma parametrização pois π ◦ ϕ = id, onde
!
A B
π: 7→ (A, B, C).
C D

Se X ∈ M (m × n; k) é arbitrária, existe um difeomorfismo de


classe C ∞ , h : M (m×n, R) → M (m×n, R), que deixa M (m×n, k)
invariante e tal que h(X) ∈ U . (h é, por exemplo, uma conveniente
troca de linhas e de colunas). Então X ∈ h−1 (W ) ∩ M (m × n, k) e
h−1 ◦ ϕ é uma parametrização C ∞ de h−1 (U ) = h−1 (W ) ∩ M (m ×
n; k).
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[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERFÍCIES 55

M
h

X
U

ϕ Rk(m+n−k)

U0

Figura 2.16.

4) O grupo especial linear ou unimodular


Identificamos o espaço vetorial M (n × p, R) das matrizes reais
com n linhas e p colunas com o espaço euclidiano Rnp .
Se A é uma matriz n × p, representamos por A1 , . . . , Ap os
vetores-coluna de A. O espaço M (n×p, R) tem uma base canônica
{Er,s ; 1 ≤ r ≤ n, 1 ≤ s ≤ p}: o elemento (r, s) de Er,s é igual a 1
e os restantes são nulos.
Se A = (aij ) ∈ M (n, R), indicamos com Ars a matriz
(n − 1) × (n − 1) obtida de A pela eliminação da r-ésima linha
e s-ésima coluna.
O grupo linear GL(Rn ) é o subconjunto aberto de M (n, R) for-
mado pelas matrizes invertı́veis ou, equivalentemente, pelas ma-
trizes com determinante diferente de zero.
2
A função real det : Rn ≈ M (n, R) → R é de classe C ∞ , pois
det(X) é n-linear nos vetores colunas de X. Pela expressão geral
da derivada de uma função n-linear, tem-se
n
X
0
det (X) · H = det(X 1 , . . . , H i , . . . , X n ), X, H ∈ M (n, R).
i=1
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56 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

Em particular, para X = I = matriz identidade n × n,


X X
det0 (I) · H = det(e1 , . . . , H i , . . . , en ) = hii = traço de H
i i

e
∂ det
(X) = det0 (X) · Er,s = (−1)r+s det Xsr .
∂xrs

Consideremos a restrição det : GL(Rn ) → R. Da expansão do


determinante ao longo de uma linha (ou coluna), segue-se que,
dada A ∈ GL(Rn ), existe algum menor det(Ars ) 6= 0. Isto mostra
que det : GL(Rn ) → R é uma submersão de classe C ∞ . Em outras
palavras, todo real não-nulo c é valor regular de det | GL(Rn ).
Conclui-se que o conjunto

SL(Rn ) = {x ∈ GL(Rn ); det X = 1} = (det)−1 (1)

2
é uma superfı́cie de dimensão n2 − 1 e classe C ∞ em Rn . SL(Rn )
é chamado grupo especial linear ou grupo unimodular. Evidente-
mente,
(
XY ∈ SL(Rn )
X, Y ∈ SL(Rn ) ⇒ .
X −1 ∈ SL(Rn )

Ou seja, SL(Rn ) é um subgrupo de GL(Rn ), que é uma su-


perfı́cie C ∞ . O espaço tangente a SL(Rn ) em I é o conjunto de
todas as matrizes de traço nulo, em virtude do Teorema 1 e de ser
det0 (I) · H = traço de H.
5) O grupo ortogonal
Dada uma matriz m × n, X = (xij ), chama-se transposta de X
à matriz n × m X ∗ = (xji ), que se obtém de X trocando ordena-
damente suas linhas por suas colunas.
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[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERFÍCIES 57

A transposição goza das seguintes propriedades:

X ∗∗ = X,
(X + Y )∗ = X ∗ + Y ∗ ,
(c · X)∗ = c · X ∗ ,
(XY )∗ = Y ∗ X ∗ ,
I ∗ = I,
X ∈ GL(Rn ) ⇒ X ∗ ∈ GL(Rn ), (X ∗ )−1 = (X −1 )∗ .

Uma matriz real n × n X diz-se simétrica se X ∗ = X, e


anti-simétrica se X ∗ = −X. As marizes simétricas e as matrizes
anti-simétricas formam subespaços vetoriais S(Rn ) e A(Rn ) de
n n
M (n, R), de dimensões (n + 1) e (n − 1), respectivamente.
2 2
Dada uma matriz arbitrária X ∈ M (n, R), então

XX ∗ , X + X ∗ ∈ S(Rn ),
X − X ∗ ∈ A(Rn ),
1 1
X = (X + X ∗ ) + (X − X ∗ ).
2 2
Esta última identidade mostra que M (n, R) = S(Rn ) ⊕ A(Rn ).
O grupo ortogonal O(Rn ) é o conjunto de todas as matrizes
reais n × n, X, tais que XX ∗ = I. O leitor deve verificar que
O(Rn ) é um subgrupo de GL(Rn ). Geometricamente, um ope-
rador linear em Rn é uma isometria (isto é, preserva distâncias)
se, e somente se, sua matriz com respeito à base canônica do Rn
é ortogonal.
Vamos demonstrar que O(Rn ) é uma superfı́cie compacta de
n 2
dimensão (n − 1) e classe C ∞ em Rn .
2
Consideremos a aplicação de classe C ∞
n
f : M (n, R) → S(Rn ) ≈ R 2 (n+1) , f (X) = XX ∗ .
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58 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

Se mostrarmos que I ∈ S(Rn ) é valor regular de f então, aplicando


o Teorema 1, concluiremos que O(Rn ) = f −1 (I) é superfı́cie C ∞
n n 2
de dimensão n2 − (n + 1) = (n − 1) em Rn .
2 2
Seja portanto X ∈ f −1 (I) = O(Rn ). Queremos provar que a
derivada f 0 (X) : M (n, R) → S(Rn ), dada por f 0 (X) · H = XH ∗ +
SX
HX ∗ , é sobrejetiva. Dada S ∈ S(Rn ), seja V = · Então
 ∗   2
SX SX S S
f 0 (X) · V = X + · X ∗ = (XX ∗ ) + XX ∗ = S.
2 2 2 2
Nota. Para achar V ∈ M (n, R) tal que XV ∗ + V X ∗ = S, apela-
S
mos para a sorte. Tentamos achar V tal que XV ∗ = V X ∗ = ·
2
SX
Esta última igualdade fornece imediatamente V = ·
2
n
Observemos que O(R ) é subconjunto fechado de M (n, R), por
ser a imagem inversa de I pela função contı́nua f . Quando identi-
2
ficamos M (n, R) ≈ Rn , O(Rn ) passa a ser subconjunto da esfera
2 √
de centro em O ∈ Rn e raio n, pois cada vetor linha de uma
matriz X ∈ O(Rn ) tem comprimento 1.
2
Portanto, o grupo ortogonal é fechado e limitado em Rn , ou
seja, é compacto.
O grupo ortogonal O(Rn ) tem duas componentes conexas

O+ (Rn ) = {X ∈ O(Rn ); det X > 0},


O− (Rn ) = {X ∈ O(Rn ); det X < 0}.

Esta afirmação equivale a dizer que, dadas duas matrizes or-


togonais X e Y de determinante positivo, existe um caminho
contı́nuo
λ : [0, 1] → O + (Rn )

tal que λ(0) = X e λ(1) = U . Os Exercı́cios A), B) e C) abaixo


fornecem um roteiro para a demonstração deste fato.
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[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERFÍCIES 59

Em resumo, O(Rn ) é um subgrupo de GL(Rn ) que é uma su-


perfı́cie C ∞ . O espaço tangente a O(Rn ) em I é o núcleo de
f 0 (I), isto é, o subespaço de M (n, R) formado pelas matrizes anti-
simétricas.
Note-se que O + (R2 ) é canonicamente isomorfo 1
! a S pela cor-
cos θ − sen θ
respondência (cos θ, sen θ) 7→ .
sen θ cos θ

Exercı́cios
A) Seja α : [a, b] → M um caminho contı́nuo numa superfı́cie
diferenciável M m ⊂ Rn . Dada uma base ortonormal {u1 , . . . ,
um } ⊂ T Mα(a) , existem aplicações contı́nuas v1 , . . . , vm : [a, b] →
Rn tais que v1 (a) = u1 , . . . , vm (a) = um e, para cada t ∈ [a, b],
{v1 (t), . . . , vm (t)} é uma base ortonormal de T Mα(t) .
[Sugestão: Existe uma partição finita de [a, b] por meio de in-
tervalos justapostos, em cada um dos quais α toma valores numa
vizinhança parametrizada de M . Basta então considerar o caso em
que α([a, b]) ⊂ U e existe uma parametrização ϕ : U0 → U ⊂ M .
Tome p0 ∈ U0 tal que ϕ(p0 ) = α(a) e uma base {u01 , . . . , u0m } ⊂ Rm
tal que ϕ0 (p0 ) · u0i = ui , i = 1, . . . , m. Defina w1 , . . . , wm : [a, b] →
Rn pondo wi (t) = ϕ0 (ϕ−1 (α(t))) · u0i e obtenha v1 , . . . , vm ortonor-
malizando os wi por Gram-Schmidt.]
B) Sejam {u1 , . . . , um+1 } e {w1 , . . . , wm+1 } bases ortonormais po-
sitivas do espaço Rm+1 . Existem m + 1 aplicações contı́nuas
v1 , . . . , vm+1 : [0, 2] → Rm+1 tais que vi (0) = ui , vi (1) = wi
(i = 1, . . . , m + 1) e, para cada t ∈ [0, 2], {v1 (t), . . . , vm+1 (t)}
é uma base ortonormal (necessariamente positiva) de Rn+1 .
[Sugestão: Seja vm+1 = α : [0, 1] → S m um caminho contı́nuo
em S m , ligando um+1 a wm+1 . Usando o exercı́cio anterior, ob-
tenha v1 , . . . , vm : [0, 1] → Rm+1 contı́nuas, com vi (0) = ui e, para
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60 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

cada t ∈ [0, 1], B(t) = {v1 (t), . . . , vm (t), α(t)} sendo uma base or-
tonormal de Rm+1 . Por continuidade, B(t) é positiva
para todo t ∈ [0, 1]. Usando indução, obtenha caminhos contı́nuos
v1 , . . . , vm : [1, 2] → (T S m )vm+1 = Rm começando com
{v1 (1), . . . , vm (1)} e terminando com {w1 , . . . , wm }, mantendo-se
sempre ortonormais.]

C) O grupo O(Rm ) possui duas componentes conexas.


[Sugestão: As colunas de uma matriz ortogonal m × m, de
determinante positivo, constituem uma base ortonormal positiva
do espaço Rm .]

7 Grupos e Álgebras de Lie de matrizes

Um subgrupo G ⊂ GL(Rn ) chama-se um grupo de Lie (de


2
matrizes) quando é uma superfı́cie C ∞ do espaço M (n, R) = Rn .
Exemplos de grupos de Lie de matrizes são O(Rn ) e SL(Rn ).
Evidentemente, o próprio GL(Rn ) e o grupo trivial, reduzido à
matriz identidade, são grupos de Lie.
Os grupos de Lie de matrizes são também chamados grupos de
Lie lineares.
Dado um grupo de Lie de matrizes G ⊂ GL(Rn ), o espaço veto-
rial tangente (T G)I a G no ponto I = matriz identidade chama-se
a álgebra de Lie do grupo G. Vejamos a explicação para este nome.
Dadas duas matrizes n × n, A e B, chama-se colchete de Lie
de A e B à matriz n × n:

[A, B] = AB − BA.

A operação (A, B) → [A, B] entre matrizes n × n é bilinear,


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[SEC. 7: GRUPOS E ÁLGEBRAS DE LIE DE MATRIZES 61

isto é, satisfaz:

[A + A0 , B] = [A, B] + [A0 , B]
[A, B + B 0 ] = [A, B] + [A, B 0 ]
[αA, B] = α[A, B] = [A, αB].

Em vez de comutatividade, tem-se [A, B] = −[B, A] (anti-


comutatividade). Em vez de associatividade, tem-se a identidade
de Jacobi

[A, [B, C]] + [C, [A, B]] + [B, [C, A]] = 0.

Estas propriedades seguem-se diretamente da definição.


Seja A ⊂ M (n, R) um subespaço vetorial de matrizes n × n, tal
que A, B ∈ A ⇒ [A, B] ∈ A. Nestas condições, A chama-se uma
álgebra de Lie de matrizes.
Evidentemente, o conjunto M (n, R) de todas as matrizes reais
n × n é uma álgebra de Lie. O mesmo ocorre com o subespaço
formado pela única matriz 0.
Dada qualquer matriz quadrada A, tem-se [A, A] = 0 e por-
tanto [sA, tA] = st[A, A] = 0, sejam quais forem os números reais
s, t. Segue-se que todo subespaço vetorial A, de dimensão 1, de
M (n, R) é uma álgebra de Lie, na qual [A, B] = 0 sempre.
Seja A = T O(Rn )I o espaço vetorial tangente ao grupo de Lie
O(Rn ) na matriz identidade. Sabemos que A é o conjunto das
matrizes anti-simétricas n × n. É fácil verificar que o colchete de
duas matrizes anti-simétricas ainda goza desta propriedade. Em
outras palavras, A, B ∈ A ⇒ [A, B] ∈ A. Portanto, A é uma
álgebra de Lie.
Da mesma maneira, se = SL(Rn ) então T GI consiste das
matrizes de traço nulo. Como tr(AB) = tr(BA), vemos que
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62 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

tr([A, B]) = 0 sejam quais forem A, B ∈ M (n, R). Em parti-


cular, A, B ∈ T GI = [A, B] ∈ T GI , donde T GI é uma álgebra de
Lie.
Propomo-nos agora a demonstrar que, seja qual for o grupo de
Lie de matrizes G ⊂ GL(Rn ), o espaço vetorial tangente T GI é
uma álgebra de Lie de matrizes.
Para isso, usaremos a exponencial de uma matriz. Dada A ∈
M (n, R), pomos
A2 A3 An
eA = I + A + + + ··· + + ...
2! 3! n!
Demonstra-se em Álgebra Linear que esta série sempre converge
e que, quando AB = BA, tem-se

eA · eB = eA+B .

Em particular, e(s+t)A = esA · etA , eA · e−A = e0 = I, donde


eA é invertı́vel, com (eA )−1 = e−A .
Derivando termo a termo a série de potências, obtemos
d tA
e = A · etA .
dt
Em particular, f : R → GL(Rn ), definido por f (t) = etA , é
um caminho C ∞ cujo vetor velocidade no ponto t = 0 é A. Um
resultado mais preciso é o seguinte:
Lema. Seja G ⊂ M (n, R) um grupo de Lie de matrizes. Dada
A ∈ T GI , tem-se etA ∈ G para todo t ∈ R.
A demonstração deste lema será adiada para a seção seguinte.
Aqui, o usaremos para demonstrar o resultado abaixo.
Proposição 6. Seja G um grupo de Lie de matrizes. Dadas
A, B ∈ T GI , tem-se [A, B] ∈ T GI . Em outras palavras, o espaço
vetorial tangente a G na matriz identidade é uma álgebra de Lie.
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[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERFÍCIE 63

Demonstração: Para todo t ∈ R, ponhamos α(t) = etA e β(t) =


etB . Em virtude do Lema, temos α ∈ G e β(t) ∈ G para todo t,
logo podemos considerar o caminho λ : [0, ∞) → G, definido por
√ √ √ √
λ(t) = α( t)β( t)α(− t)β(− t). Escrevendo

t2 A 2 t2 B 2
α(t) = I + tA + + ρ(t) e β(t) = I + tB + + σ(t),
2 2
ρ(t) σ(t)
onde lim 2
= lim 2 = 0, um cálculo simples mostra que
t→0 t t→0 t
ε(t)
λ(t) = I + t[A, B] + ε(t), onde lim = 0. Logo, λ0 (0) = [A, B].
t→0 t
Como λ(t) ∈ G para todo t ≥ 0, vemos que [A, B] ∈ T GI .
Observemos, para finalizar, que o espaço vetorial tangente
T GX0 num ponto X0 ∈ G consiste em todas as matrizes X0 A, onde
A ∈ T GI . Com efeito, os caminhos diferenciáveis
λ : (−ε, ε) → G, com λ(0) = X0 são os da forma λ(t) = X0 · µ(t),
onde µ : (−ε, ε) → G é diferenciável, com µ(0) = I. Portanto
λ0 (0) = X0 · µ0 (0) = X0 A, A ∈ T GI . Por motivo análogo,
T GX0 = {BX0 ; B ∈ T GI }.

8 Campos de vetores tangentes a uma su-


perfı́cie
Seja M m ⊂ Rn uma superfı́cie de classe C k . Um campo de
vetores em M é uma aplicação v : M → Rn . Em conformidade
com a definição geral (vide seção 3), diremos que o campo v é
de classe C r quando, para cada ponto p ∈ M , existe uma pa-
rametrização ϕ : U0 → U , de classe C k , com p ∈ U , tal que
v ◦ ϕ : U0 → Rn é de classe C r . No caso de ser r ≤ k, seja qual
for a parametrização ψ : V0 → V , de classe C k , com p ∈ V , tem-se
v ◦ ψ = (v ◦ ϕ) ◦ (ϕ−1 ◦ ψ), logo v ◦ ψ ∈ C r . Assim, a noção de
campo de classe C r tem sentido intrı́nseco (isto é, não depende da
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64 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

escolha da parametrização) desde que r ≤ k, onde k é a classe da


superfı́cie M .
O campo v : M → Rn diz-se tangente à superfı́cie M quando
v(p) ∈ T Mp para todo p ∈ M .
Um subconjunto aberto U ⊂ M é ainda uma superfı́cie de
classe C k . Logo tem sentido considerar campos de vetores tan-
gentes definidos em U . Em particular, se ϕ : U0 → U é uma pa-
rametrização de classe C k , um campo v de vetores tangentes de
classe C r em U fica determinado por uma aplicação v0 : U0 → Rn ,
de classe C r , tal que v0 (x) ∈ T Mϕ(x) para todo x ∈ U0 , sendo o
campo v : U → Rn definido a partir de v0 por v = v0 ◦ ϕ−1 , isto é,
v(p) = v0 (x), p = ϕ(x).
∂ϕ
Por exemplo, dada a parametrização ϕ, os vetores (x),
∂x1
∂ϕ
. . . , m (x) constituem, para cada x ∈ U0 , uma base do espaço
∂x
∂ϕ
vetorial tangente T Mp , p = ϕ(x). As aplicações : U0 → R n )
∂xj
(j = 1, . . . , m) são de classe C k−1 e por conseguinte os m cam-
pos de vetores tangentes vj : U → Rn , definidos por vj (ϕ(x)) =
∂ϕ
(x), são de classe C k−1 em U . Eles constituem o referencial
∂xj
móvel associado à parametrização ϕ.
Seja v : M → Rn um campo de vetores tangentes. Em cada
ponto p = ϕ(x) da vizinhança parametrizada U o vetor v(p) se
∂ϕ
escreve como combinação linear dos vetores básicos (x) ∈ T Mp
∂xj
assim:
Xm
∂ϕ
v(p) = αj (x) i (x), p = ϕ(x).
∂x
j=1

Isto define m funções reais α1 , . . . , αm : U0 → R. Mostraremos


que, se r ≤ k − 1, então v ∈ C r se, e somente se, as funções
α1 , . . . , αm : U0 → R, acima definidas, são de classe C r , para cada
parametrização ϕ : U0 → U , de classe C k . Mais geralmente, temos:
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[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERFÍCIE 65

Proposição 7. Sejam v1 , . . . , vm : M → Rn campos vetoriais


de classe C r (r ≤ k) tangentes a uma superfı́cie M m ⊂ Rn , de
classe C k , tais que, em cada ponto p ∈ M , {v1 (p), . . . , vm (p)}
é uma base de T Mp . Todo campo vetorial tangente v : M →
Rn se escreve, de modo único, em cada ponto p ∈ M , como
Pm
v(p) = αi (p)vi (p). Isto define m funções reais α1 , . . . , αm :
i=1
M → R. O campo v é de classe C r se, e somente se, as funções
αi são de classe C r .
Demonstração: Se α1 , . . . , αm : M → R são de classe C r , é
claro que v = Σ αi vi é de classe C r . Reciprocamente, suponha-
mos v ∈ C r . Para demonstrar que as funções αi são de classe
C r , como se trata de um fato local, podemos admitir que se
tem uma parametrização ϕ : U0 → U , de classe C k , aplicações
de classe C r , v, v1 , . . . , vm : U0 → Rn , α1 , . . . , αm : U0 → R, tais
que {v1 (x), . . . , vm (x)} é uma base de T Mϕ(x) e

v(x) = α1 (x)v1 (x) + · · · + αm (x)vm (x),

para todo x ∈ U0 . Sejam V (x) a matriz n×m cujas colunas são os


vetores v1 (x), . . . , vm (x) e A(x) o vetor coluna cujas coordenadas
são α1 (x), . . . , αm (x). As aplicações x 7→ V (x), x 7→ v(x) são de
classe C r em U0 . Em cada ponto x ∈ U0 , a matriz V (x) possui
uma submatriz m × m invertı́vel. Restringindo, se necessário, o
aberto U0 , podemos supor que esta matriz é a mesma em todos
os pontos e, por simplicidade de notação, admitiremos que ela é
formada
  pelas m primeiras colunas de V (x), ou seja, que V (x) =
P (x)
, onde P (x) é m × m invertı́vel e Q(x) é (n − m) × m. A
Q(x)
aplicação x 7→ P (x)−1 é de classe C r em U0 , o mesmo se dando
com a aplicação x 7→ B(x), onde B(x) = (P (x)−1 , 0) é uma matriz
m × n cujas últimas n − m colunas são nulas. Como B(x) · V (x) =
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66 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

matriz identidade m × m, temos

A(x) = B(x) · V (x) · A(x) = B(x) · v(x).

Logo x 7→ A(x) = (α1 (x), . . . , αm (x)) é de classe C r em U0 , como


querı́amos demonstrar.
Corolário. Seja r ≤ k − 1. Um campo vetorial v : M → Rn ,
tangente a M , é de classe C r se, e somente se, para cada parame-
trização ϕ : U0 → U , de classe C k , e cada p = ϕ(x) ∈ U , tem-se
Pm ∂ϕ
v(p) = αj (x) j (x), onde as funções α1 , . . . , αm : U0 → R,
j=1 ∂x
assim definidas, são de classe C r .
Com efeito, dada ϕ, restrinjamos v ao aberto U , onde estão
∂ϕ
definidos os campos · Pela proposição anterior, v ∈ C r em U
∂xj
se, e somente se, as funções αj são de classe C r .
Vimos que, em cada vizinhança parametrizada U de uma su-
perfı́cie de classe C k , existem campos de classe C k−1 que consti-
tuem uma base do espaço tangente em cada ponto de U . Mostra-
remos agora que o mesmo não ocorre com campos de classe C k , a
menos que a superfı́cie já fosse de classe C k+1 .
Proposição 8. Seja M m ⊂ Rn uma superfı́cie de classe C k .
Se cada ponto p ∈ M possui uma vizinhança na qual se podem
definir m campos tangentes linearmente independentes de classe
C k , então M é de classe C k+1 .
Demonstração: Dado um ponto arbitrário p0 ∈ M , mostraremos
que existe uma vizinhança de p0 que pode ser munida de uma
parametrização de classe C k+1 . Por hipótese, podemos definir,
numa vizinhança U de p0 , m campos v1 , . . . , vm : U → Rn de
classe C k que constituem, em cada p ∈ U , uma base do espaço
tangente T Mp . Seja Rn = Rm ⊕Rn−m uma decomposição em soma
direta tal que a projeção correspondente π : Rn → Rm aplique
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[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERFÍCIE 67

T Mp0 isomorficamente sobre Rm . Restringindo U , se necessário,


podemos admitir que ϕ = (π|U )−1 seja uma parametrização de
classe C k , definida em U0 = π(U ). Para cada x ∈ U0 e cada vetor
u ∈ Rm , o vetor v = ϕ0 (x) · u ∈ T Mϕ(x) é caracterizado, entre os
vetores tangentes a M no ponto ϕ(x), pela propriedade π · v = u.
Para todo x ∈ U0 , seja V (x) a matriz n × m cujas colunas são
os vetores v1 (ϕ(x)), . . . , vm (ϕ(x)). Então x 7→ V (x) é de classe
C k em U0 e cada  matriz
 V (x) tem posto m. Podemos admitir
P (x)
que V (x) = , onde P (x) é m × m invertı́vel e Q(x) é
Q(x)
(n−m)×m. A aplicação x 7→ P (x)−1 é de classe C k em U0 . Pondo
B(x) = V (x) · P (x)−1 , como as colunas de V (x) geram T Mϕ(x) ,
vemos que as colunas de B(x) também têm essa propriedade. Além
disso,
 x 7→ B(x) é de classe C k em U0 . Mas é claro que B(x) =
Im
, onde Im = matriz identidade m × m. Logo, os vetores
C(x)
w1 (x), . . . , wm (x), que constituem as colunas de B(x), dependem
de x em classe C k e são tais que π · wi (x) = ei = i-ésimo vetor
básico de Rm . Notando que os vetores wi (x) são tangentes a M
no ponto ϕ(x), segue-se que wi (x) = ϕ0 (x) · ei para todo x ∈ U0 .
∂ϕ
Como as aplicações x 7→ (x) = ϕ0 (x) · ei são de classe C k em
∂xi
U0 , para i = 1, . . . , m, concluimos que a parametrização ϕ é de
classe C k+1 , o que termina a demonstração.
A seguir, estenderemos para superfı́cies o teorema de existência
e unicidade de curvas integrais de campos vetoriais, que foi de-
monstrado no Capı́tulo I para o caso de abertos no espaço eucli-
diano.
Dado um campo vetorial tangente v : M m → Rn , uma curva
integral de v, com origem num ponto p ∈ M , é um caminho dife-
renciável λ : (−ε, +ε) → M , com λ(0) = p e λ0 (t) = v(λ(t)) para
todo t.
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68 [CAP. II: SUPERFÍCIES NOS ESPAÇOS EUCLIDIANOS

Proposição 9. Seja v um campo de vetores tangentes de classe


C k−1 (k ≥ 2) numa superfı́cie M m ⊂ Rr de classe C k . Para
cada ponto p ∈ M existe uma curva integral de v em M , com
origem p. Duas curvas integrais de v com origem p coincidem
numa vizinhança de 0.
Demonstração: Dado p ∈ M , seja ϕ : U0 → U ⊂ M uma para-
metrização C k de uma vizinhança U de p em M . Definimos um
campo de vetores u : U0 → Rm , de classe C k pela condição:

ϕ0 (x) · u(x) = v(ϕ(x)), para todo x ∈ U0 .

A regra da cadeia mostra que µ : (−ε, ε) → U0 é uma curva integral


de u com origem p0 = ϕ−1 (p) se, e somente se, ϕ ◦ µ : (−ε, ε) → U
é uma curva integral de v com origem p = ϕ(p0 ). A Proposição 6
segue-se então da Proposição do Capı́tulo I.
Corolário 1. Sejam W ⊂ Rr um aberto, M m ⊂ W uma superfı́cie
de classe C k (k ≥ 2) e v : W → Rr um campo de vetores de
classe C k−1 em W , tal que v(p) ∈ T Mp para todo p ∈ M . Se
λ : (−ε, ε) → Rr é uma curva integral de v com origem num ponto
p ∈ M então existe δ > 0 tal que |t| < δ ⇒ λ(t) ∈ M .
Com efeito, a restrição de v a M é um campo de vetores tan-
gentes a M , de classe C k . Pela Proposição 6, para todo p ∈ M
existe uma curva integral de v, com origem p, contida em M . Por
unicidade, essa curva é a restrição de λ a uma vizinhança de 0.
Corolãrio 2. Seja G ⊂ M (n, R) um grupo de Lie. Para toda
matriz A ∈ T GI , e todo t ∈ R, tem-se etA ∈ G.
Dada A, consideremos o campo de vetores v : GL(Rn ) →
M (n, R), definido por v(X) = AX. O caminho λ : R → GL(Rn ),
definido por λ(t) = etA · X é uma curva integral de v com origem
X. Quando x ∈ G, tem-se v(X) ∈ T GX . (Vide observação final
da seção anterior.) Segue-se do Corolário 1 que, para cada x ∈ G,
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[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERFÍCIE 69

existe ε > 0 tal que etA · X ∈ G sempre que |t| < ε. Em particular,
tomando X = I, temos etA ∈ G para |t| < ε. Dado qualquer t real,
escrevemos t = t1 + · · · + tk com |t1 | < ε, . . . , |tk | < ε. Conclui-
mos que eti A ∈ G, i = 1, . . . , k, e portanto (sendo G um grupo)
etA = et1 A · et2 A · · · · · etk A ∈ G.
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Capı́tulo III

Vetores Normais,
Orientabilidade e
Vizinhança Tubular

Consideraremos, neste capı́tulo, o seguinte problema: quais


são as superfı́cies de classe C k , M m ⊂ Rn que podem ser obtidas
como imagem inversa M m = f −1 (c) de um valor regular c ∈ Rn−m
para uma aplicação f : U → Rn−m , de classe C k , definida numa
vizinhança aberta U ⊃ M no espaço Rn ?
Veremos que, para n − m = 1, ou seja, quando M é uma hi-
perfı́cie, M é imagem inversa de um valor regular de aplicação
definida num aberto de Rn se, e somente se, M é orientável. Vere-
mos também que, para uma hiperfı́cie M , ser orientável equivale
à existência de um campo contı́nuo de vetores normais em M .
No caso geral, em que n − m pode ser > 1, orientabilidade é
uma condição necessária porém não suficiente. Para obter uma
condição suficiente, introduzimos a noção de vizinhança tubular,
que constitui um dos conceitos básicos mais importantes no estudo
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[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERFÍCIE 71

das variedades diferenciáveis.


Demonstraremos o teorema de Whitney, segundo o qual M m ⊂
Rn é imagem inversa de um valor regular de aplicação definida
numa sua vizinhança se, e somente se, existem em M n−m campos
contı́nuos de vetores normais, linearmente independentes em todos
os pontos de M .

1 Campos de vetores normais a uma su-


perfı́cie
Diremos que um vetor u ∈ Rn é normal à superfı́cie M m ⊂ Rn
no ponto p ∈ M quando u for perpendicular a todos os vetores
tangentes a M no ponto p, isto é, quando se tiver hu, vi = 0 para
todo v ∈ T Mp . O conjunto dos vetores normais a M m no ponto p
é um subespaço vetorial de dimensão n − m (= codimensão de M )
do espaço euclidiano Rn . Indicaremos este subespaço vetorial com
T Mp⊥ ou νMp . Em cada ponto p ∈ Rn , o espaço Rn se decompõe
na soma direta Rn = T Mp ⊕ νMp .
Um campo de vetores normais à superfı́cie M m ⊂ Rn é uma
aplicação v : M → Rn tal que v(p) ∈ νMp para todo p ∈ M .
Conforme a definição geral (seção 3 do Cap. II), diz-se que v ∈
C r quando, para cada ponto p ∈ M existe uma parametrização
ϕ : U0 → U , cuja classe é a mesma de M , tal que p ∈ U e v ◦
ϕ : U0 → Rn é de classe C r . Quando r ≤ k, esta noção tem sentido
intrı́nseco, isto é, não depende da parametrização ϕ escolhida.
Mostraremos logo adiante, porém, que uma superfı́cie de classe
C k não se pode esperar que existam muitos campos de vetores
normais de classe superior a C k−1 .

Exemplos de campos de vetores normais


1) v : S n → Rn+1 , dado por v(p) = p, é um campo normal C ∞ .
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72 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

2) Para toda M m ⊂ Rn , v : M → Rn , dado por v(p) = 0 em todos


os pontos p ∈ M , é normal, de classe C ∞ .
3) Sejam U0 ⊂ R2 aberto e ϕ : U0 → R3 um mergulho de classe C k ,
com U = ϕ(U0 ). Então v : U → R3 , definido pelo produto vetorial
v(p) = ϕ0 (x) · e1 × ϕ0 (x) · e2 , p = ϕ(x), é um campo de vetores
normais de classe C k−1 , diferente de zero em todos os pontos da
superfı́cie U .
O Exemplo 3 se generaliza para hiperfı́cies, mediante o conceito
de produto vetorial de n vetores em Rn+1 , que recordaremos agora.
Dados v1 , . . . , vs ∈ Rn+1 , indiquemos com [v1 , . . . , vs ] a matriz
(n + 1) × s cujo i-ésimo vetor coluna é vi . O produto vetorial de n
vetores v1 , . . . , vn ∈ Rn+1 é o vetor v = v1 × · · · × vn caracterizado
por hv, hi = det[v1 , . . . , vn , h], para todo h ∈ Rn+1 . Em particular,
para i = 1, . . . , n + 1, temos hv, ei i = (−1)n+i+1 · det(αi ), onde αi
é a matriz n × n cujos vetores colunas são obtidos de v1 , . . . , vn
pela omissão da i-ésima coordenada. Isto fornece a expressão v =
P
n+1
(−1)n+i+1 det(αi ) · ei , o que permite considerar v = v1 × · · · ×
i=1
vn como um “determinante simbólico” v = det[v1 , . . . , vn , E], no
qual os elementos da última coluna E são os vetores e1 , . . . , en+1 .
Tal determinante deve ser desenvolvido segundo os elementos da
última coluna.
O produto vetorial v = v1 × · · · × vn ∈ Rn+1 é linear em
cada um dos seus fatores. Além disso, v é perpendicular ao su-
bespaço gerado por v1 , . . . , vn , pois hv, vi i = 0. Com efeito, este
produto escalar é, para todo i ≤ n, um determinante com duas
colunas iguais. A aplicação (v1 , . . . , vn ) 7→ v1 × · · · × vn é de classe
C ∞ . Notamos que v1 × · · · × vn 6= 0 se, e somente se, os ve-
tores v1 , . . . , vn são linearmente independentes. Finalmente, como
det[v1 , . . . , vn , v1 × · · · × vn ] = |v1 × · · · × vn |2 ≥ 0, concluimos que,
se os vi são independentes, então {v1 , . . . , vn , v1 × · · · × vn } é uma
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[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERFÍCIE 73

base positiva do espaço Rn+1 .


Para uso na demonstração da Proposição 5, abaixo, notemos
P
n
o seguinte: se w1 , . . . , wn ∈ Rn são tais que wj = αji vi , (j =
i=1
1, . . . , n), então w1 × · · · × wn = det(αji ) · v1 × · · · × vn . Para provar
isto, indiquemos com A a matriz n×n (αji ). Então [w1 , . . . , wn ] =
[v1 , . . . , vn ] · A. Seja A e a matriz n × (n + 1) obtida acrescen-
tando a A uma última coluna, igual a en+1 . Para cada vetor h ∈
Rn+1 teremos então [w1 , . . . , wn , h] = [v1 , . . . , vn , h] · A e e portanto
det[w1 , . . . , wn , h] = det A e · det[v1 , . . . , vn , h]. Como det A
e = det A,
concluimos que det[w1 , . . . , wn , h] = det A·det[v1 , . . . , vn , h], e por-
tanto w1 × · · · × wn = det A · (v1 × · · · × vn ).
Exemplo
4) Seja M n ⊂ Rn+1 uma hipersuperfı́cie de classe C k . Dada uma
parametrização ϕ : U0 → U , de classe C k , define-se em U um
campo v de vetores normais de classe C k−1 , pondo-se, para cada
∂ϕ1 ∂ϕ
p = ϕ(x) ∈ U , v(p) = 1
(x) × · · · × (x). Como em cada
∂x ∂xn
∂ϕ ∂ϕ
ponto p = ϕ(x) ∈ U os vetores tangentes 1
(x), . . . , n (x)
∂x ∂x
são linearmente independentes, vemos que v(p) 6= 0 para todo
p ∈ U . Além disso, como νMp tem dimensão 1, se tomarmos outra
parametrização ψ : V0 → V , e definirmos w : V → Rn por w(p) =
∂ψ ∂ψ
1
(y) × · · · × n (y), p = ψ(y), teremos w(p) = a(p) · v(p) com
∂x ∂x
a 6= 0, para todo p ∈ U ∩ V . Pela última observação feita acima,
vemos que a(p) é o determinante
  damatriz de passagem  da base
∂ϕ ∂ϕ ∂ψ ∂ψ
(x), . . . , n (x) para a base (y), . . . , n (y) , onde
∂x1 ∂x ∂x1 ∂x
p = ϕ(x) = ψ(y). Ora, esta é a matriz jacobiana do difeomorfismo
ϕ−1 ◦ ψ : ψ −1 (U ∩ V ) → ϕ−1 (U ∩ V ). Com efeito, escrevendo
ξ = ϕ−1 ◦ψ, a matriz jacobiana (αji ) de ξ no ponto y é caracterizada
P i
por ξ 0 (y) · ej = αj ei . Como ψ = ϕ ◦ ξ, temos ψ 0 (y) · ej =
i
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74 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

P
ϕ0 (x) · ξ 0 (y) · ej = ϕ0 (x) · αji ϕ0 (x) · ei . Daı́ verifica-se que a
i
matriz de passagem dos ϕ0 (x) · ei para os ψ 0 (y) · ej é a matriz
jacobiana de ξ no ponto y.
Outros exemplos de campos de vetores normais resultam da
proposição seguinte. Lembremos o gradiente de uma função real
diferenciável f : U → R, definida num aberto U ⊂ Rn , introduzido
na Seção 3 do Capı́tulo I. Tem-se

 
∂f ∂f
grad f (p) = (p), . . . , n (p) .
∂x1 ∂x

Proposição 1. Seja f : U → R uma função real de classe C r ,


definida no aberto U ⊂ Rn . Seja c um número real. Se M ⊂ Rn
é uma superfı́cie contida em f −1 (c), então grad f : M → Rn é um
campo de vetores normais, de classe C r−1 em M .

Demonstração: Para cada p ∈ M e cada v ∈ T Mp , seja


λ : (−ε, +ε) → M um caminho diferenciável, com λ(0) = p e
λ0 (0) = v. Então f (λ(t)) = c para todo t e por conseguinte
(f ◦ λ)0 = 0. Logo h grad f (p), vi = f 0 (p) · v = (f ◦ λ)0 (0) = 0.
Isto mostra que grad f (p) é normal a M . Por outro lado, é evi-
dente que grad f ∈ C r−1 .

Corolário. Seja M m = f −1 (c) ⊂ Rm+n uma superfı́cie ob-


tida como imagem inversa de um valor regular de uma aplicação
f : U → Rn , de classe C k no aberto U ⊂ Rm+n . Escrevamos
f = (f 1 , . . . , f n ). Então grad f 1 , . . . , grad f n : M → Rm+n são
campos de vetores normais de classe C k−1 em M , os quais consti-
tuem uma base de νMp em cada ponto p ∈ M .
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[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERFÍCIE 75

Com efeito, se c = (c1 , . . . , cn ) então M ⊂ (f i )−1 (ci ) para cada


i = 1, . . . , n e portanto grad f i é normal a M , pela Proposição 1.
Além disso, como c é valor regular de f , em cada ponto p ∈ M =
f −1 (c) a derivada f 0 (p) : Rm+n → Rn é sobrejetiva. As n linhas
da matriz de f 0 (p) são portanto linearmente independentes. Ora,
essas linhas são os vetores grad f i (p).

Seja M m ⊂ Rm+n uma superfı́cie de classe C k . Para cada


ponto p0 ∈ M existem Ω ⊂ Rm+n aberto, com p0 ∈ Ω e f : Ω → Rn
de classe C k tal que 0 ∈ Rn é um valor regular de f e Ω ∩ M =
f −1 (0). (Cfr. Proposição 5, Cap. II.)

Sejam f 1 , . . . , f n : Ω → R as funções coordenadas de f . Como


vimos, grad f 1 , . . . , grad f n : U → Rm+n são campos vetoriais de
classe C k−1 em U , que formam em cada ponto p ∈ U uma base do
espaço normal. Portanto, um campo arbitrário de vetores normais
v : U → Rm+n determina univocamente (e é determinado por) n
funções reais α1 , . . . , αn : U → R tais que
n
X
v(p) = αi (p) grad f i (p)
α=1

para cada p ∈ U . Quando r ≤ k − 1, o campo v é de classe C r


se, e somente se, as funções αi são de classe C r . Isto decorre da
seguinte
Proposição 2. Sejam v1 , . . . , vn : M m → Rm+n campos vetoriais
de classe C r (r ≤ k), normais a uma superfı́cie de classe C k ,
tais que, em cada ponto p ∈ M , {v1 (p), . . . , vn (p)} é uma base
do espaço normal νMp . Todo campo normal v : M → Rm+n se
escreve, de modo único, em cada ponto p ∈ M , como v(p) =
α1 (p) · v1 (p) + · · · + αn (p) · vn (p). Isto define n funções reais
α1 , . . . , αn : M → R. O campo v é de classe C r se, e somente
se, as funções αi o são.
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76 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

Demonstração: Omitida, por ser análoga à da Proposição 7,


Capı́tulo II.
Mostraremos a seguir que, se M m ⊂ Rm+n é de classe C k ,
porém não de classe C k+1 , M admite localmente n campos de
vetores normais linearmente independentes de classe C k−1 , porém
não de classe C k .

Proposição 3. Seja M m ⊂ Rm+n uma superfı́cie de classe C k . Se


todo ponto de M possui uma vizinhança na qual se podem definir
n campos de vetores normais linearmente independentes de classe
C k , então M é de classe C k+1 .
Demonstração: Sejam v1 , . . . , vn : M m → Rm+n campos nor-
mais de classe C k , definidos no aberto U ⊂ M , linearmente in-
dependentes em cada ponto. Para cada p ∈ U , seja V (p) a
matriz (m + n) × n cujas colunas são os vetores vi (p). Como
V (p) temposton, sem perda de generalidade podemos supor que
A(p)
V (p) = , onde A(p) é n × n invertı́vel. Pondo W (p) =
B(p)  
−1 In
V (p) · A(p) , vemos que W (p) = , onde In = matriz
C(p)
identidade n × n e C(p) é m × n. Evidentemente, p 7→ W (p) é
de classe C k em U e, como as colunas de W (p) são combinações
lineares das de V (p), concluimos que as colunas de W (p) for-
mam, em cada ponto p ∈ U , uma base do espaço normal νMp .
Consideremos agora a matriz Z(p), com m linhas e m + n co-
lunas, definida como Z(p) = (−C(p), Im ), onde Im = matriz
identidade m × m. Efetuando a multiplicação por blocos, temos
Z(p) · W (p) = −C(p) · In + Im · C(p) = −C(p) + C(p) = 0. Isto
significa que as linhas de Z(p) e as colunas de W (p) são duas a
duas ortogonais. Como estas formam uma base de νMp , segue-se
que as linhas de Z(p) definem em U m campos vetoriais tan-
gentes, de classe C k , linearmente independentes em cada ponto.
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[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERFÍCIE 77

Pela Proposição 8 do Capı́tulo II, concluimos que M ∈ C k+1 .

3.1 Observações; a faixa de Moebius


1) Se, num aberto U de uma superfı́cie M m ⊂ Rn acham-se defini-
dos s campos de vetores normais v1 , . . . , vs : U → M , de classe C r ,
linearmente independentes em cada ponto de U , então os vetores
vi podem ser supostos ortonormais, isto é, todos de comprimento
1, dois a dois ortogonais. Com efeito, se tal não for o caso, apli-
caremos aos vi o processo de ortogonalização de Gram-Schmidt,
substituindo-os por u1 , . . . , us , onde
v1 u02
u1 = , u2 = , u02 = v2 − (v2 , u1 )u1
|v1 | |u02 |
n−1
X
u0n
un = , u0n = vn − hvn , ui iui .
|u0n |
i=1

2) Seja M m ⊂ Rm+1 uma hiperfı́cie C k (k ≥ 1) que possui um


campo contı́nuo de vetores normais unitários v : M → Rm+1 . Seja
γ : [a, b] → M um caminho contı́nuo em M com γ(a) = γ(b).
Então, dada qualquer famı́lia contı́nua a um parâmetro u(t), de
vetores normais unitários ao longo de γ (isto é, t 7→ u(t) é contı́nua
e, para cada t ∈ [a, b], u(t) ∈ T Mγ(t) é normal a M no ponto γ(t)),
tem-se necessariamente u(a) = u(b).

Figura 3.1.
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78 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

Com efeito, indiquemos por v(t) o vetor v(γ(t)). Então v(t)


depende continuamente de t ∈ [a, b]. Ora, hu(t), v(t)i = ±1 e,
sendo [a, b] conexo, deve ser hu(t), v(t)i constante. Em particular,
hu(s), v(s)i = hu(b), v(b)i. Como v(a) = v(b) segue-se que u(a) =
u(b).
3) Vejamos agora um exemplo de uma superfı́cie M 2 ⊂ R3 que
não possui campo contı́nuo de vetores normais que não se anula
em ponto algum.
Pela Observação 1, esta superfı́cie não pode ser definida impli-
citamente.
Trata-se da faixa de Moebius.
A faixa de Moebius M é o espaço obtido do retângulo [0, 2π] ×
(0, 1) pela identificação dos pontos (0, t) e (2π, 1−t), t percorrendo
o intervalo (0, 1).
(0, 1) (2π, 1) (0, 1) (2π, 0)

(0, 0) (2π, 0) (0, 0) (2π, 1)

Figura 3.2.

Figura 3.3.

Como superfı́cie em R3 , a faixa de Moebius é obtida pela


rotação de um segmento de reta aberto, de comprimento 1, cujo
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[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERFÍCIE 79

centro se apoia num cı́rculo de raio 1. Enquanto o centro do seg-


mento desliza sobre o cı́rculo, o segmento realiza uma rotação de
180◦ até o final da primeira volta. Uma descrição mais precisa é
dada pela aplicação de classe C ∞

f : (0, 1) × R → R3 ,

1
onde f (s, t) = γ(t) + s − δ(t), sendo γ(t) = (cos t, sen t, 0) e
2
t t
δ(t) = cos · γ(t) + sen · e3 .
2 2

Figura 3.4.

A imagem de f é a faixa de Moebius M 2 ⊂ R3 . Para cada intervalo


aberto I ⊂ R de amplitude ≤ 2π a restrição de f a (0, 1) × J
parametriza um subconjunto aberto de M .
∂f 1 
O caminho v : [0, 2π] → R3 definido por v(t) = ,t ×
∂s 2
∂f 1  t t t
, t = − cos t sen , − sen t sen , cos é contı́nuo, |v(t)| =
∂t 2 2 2 2
1 para todo t, e v(t) é normal à faixa de Moebius no ponto γ(t)
(no centro da faixa) para todo t ∈ [0, 2π]; é importante notar que
v(0) = −v(2π), enquanto que γ(0) = γ(2π). A Observação 2 mos-
tra que não pode existir um campo contı́nuo de vetores normais
não nulos na faixa de Moebius M .
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80 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

2 Superfı́cies Orientáveis

A existência ou não de um campo contı́nuo de vetores normais


unitários em uma hiperfı́cie M n ⊂ Rn+1 está ligada ao conceito
mais geral de orientabilidade que estudaremos agora.
Um atlas de classe C k numa superfı́cie M m ⊂ Rn é uma coleção
A de parametrizações ϕ : U0 → U ⊂ M , de classe C k , tal que os
conjuntos abertos U formam uma cobertura de M .
Duas parametrizações de classe C k , ϕ : U0 → U e ψ : V0 → V
dizem-se coerentes se, ou bem U ∩ V = ∅, ou bem U ∩ V 6= ∅ e a
mudança de coordenadas ξ = ϕ−1 ◦ ψ tem determinante jacobiano
positivo em todos os pontos de seu domı́nio ψ −1 (U ∩ V ).
Um atlas A chama-se coerente quando todos os pares de para-
metrizações ϕ, ψ ∈ A são coerentes.
Uma superfı́cie M diz-se orientável quando existe um
atlas coerente em M . Uma vez escolhido um atlas coerente P,
dizemos que M está orientada. As parametrizações que são coe-
rentes com aquelas de P são chamadas de positivas, as outras são
ditas negativas.
Cada subconjunto aberto W de uma superfı́cie orientável M
é também uma superfı́cie orientável. Realmente, dado um atlas
coerente P em M , a coleção PW das restrições ϕ|ϕ−1 (U ∩ W ) das
parametrizações ϕ : U0 → U , ϕ ∈ P, é um atlas coerente em W .
A seguinte proposição fornece exemplos de superfı́cies orientá-
veis.

Proposição 4. Seja M m ⊂ Rn uma superfı́cie de classe C k ,


k ≥ 1. Se existem n − m campos contı́nuos de vetores normais
v1 , . . . , vn−m : M → Rn tais que v1 (p), . . . , vn−m (p) são linear-
mente independentes em cada ponto p ∈ M , então M é orientável.
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[SEC. 2: SUPERFÍCIES ORIENTÁVEIS 81

Demonstração: Seja P o conjunto das parametrizações de classe


C k , ϕ : U0 → U ⊂ M , tais que:
(i) U0 é conexo.
(ii) para cada x ∈ U0 , a matriz n × n, Aϕ(x), cujas colunas são
ϕ0 (x) · e1 , . . . , ϕ0 (x) · em , v1 (ϕ(x)), . . . , vn−m (ϕ(x)), tem determi-
nante positivo. Vamos mostrar que P é um atlas coerente em M .
Seja p ∈ M , arbitrário. Consideremos uma parametrização de
classe C k , ϕ : U0 → U ⊂ M , com U0 ⊂ Rm conexo e p ∈ U . Então
ou ϕ ∈ P, ou (por infelicidade) det[Aϕ(x)] < 0 para todo x ∈ U0 .
Neste caso, substituı́mos ϕ pela parametrização ψ : V0 → U dada
por ψ(x1 , . . . , xm ) = ϕ(−x1 , . . . , xm ), que certamente pertence à
coleção P. Isto mostra que as imagens das parametrizações per-
tencentes a P constituem uma cobertura de M .
Resta provar que, dadas ϕ : U0 → U e ψ : V0 → V , elementos
de P com U ∩V 6= ϕ, então ϕ−1 ◦ψ : ψ −1 (U ∩V ) → ϕ−1 (U ∩V ) tem
determinante jacobiano positivo em cada ponto z ∈ ψ −1 (U ∩ V ).
Seja ϕ(x) = ψ(z). Escrevamos
m
X
ψ 0 (z) · ej = βji ϕ0 (x) · ei ; j = 1, . . . , m.
i=1

Então det[Aψ(z)] = det(βji ) det[Aϕ(x)], logo det(βji ) > 0. Mas


a matriz jacobiana de ϕ−1 ◦ ψ em z é precisamente (βji ), o que
conclui a demonstração.
Corolário. Se M m ⊂ Rn é a imagem inversa de um valor regular
de uma aplicação de classe C k f : U → Rn−m ( U ⊂ Rn aberto),
então M é orientável.
Atenção: A recı́proca da Proposição 4 e de seu corolário é falsa
em geral. A condição de orientabilidade é mais fraca do que a
existência de n − m campos contı́nuos de vetores normais linear-
mente independentes em cada ponto. Existem exemplos de su-
perfı́cies M m ⊂ Rn orientáveis que não possuem n − m campos
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82 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

contı́nuos de vetores normais linearmente independentes em cada


ponto. Tais exemplos são complicados e fogem ao nı́vel deste texto.
Estudamos a seguir um caso especial em que a recı́proca é verda-
deira, a saber, quando M é uma hiperfı́cie.

Proposição 5. Seja M n ⊂ Rn+1 uma hiperfı́cie de classe C k .


Então M é orientável se, e somente se, existe um campo contı́nuo
de vetores normais u : M n → Rn+1 , com u(p) 6= 0 para todo
p ∈ M.
Demonstração: Metade da proposição resulta da Proposição 4.
Basta então mostrar que se pode definir numa hiperfı́cie orientável
M n ⊂ Rn+1 um campo contı́nuo de vetores normais u : M →
Rn+1 , com |u(p)| = 1 para todo p ∈ M . Seja P um atlas coerente
em M . Dado p ∈ M , tomemos uma parametrização ϕ : U0 → U
pertencente a P, com p = ϕ(x) ∈ U , consideremos o produto ve-
torial w(p) = ϕ0 (x) · e1 × · · · × ϕ0 (x) · en (vide Seção 1) e ponhamos
u(p) = w(p)/|w(p)|. Isto definirá um campo de vetores normais
unitários u : M → Rn+1 , de classe C k−1 , desde que mostremos que
u(p) ∈ νp M não depende da escolha da parametrização ϕ ∈ P.
Como a dimensão de νp M é 1, só existem dois valores unitários
normais a M no ponto p, os quais diferem apenas em sinal. Deve-
mos então verificar que, se ψ : V0 → V é outra parametrização em
P, com p = ψ(y) ∈ V , teremos ψ 0 (y) · e1 × · · · × ψ 0 (y) · en = a · w(p),
com a > 0. Isto porém resulta de ser a o determinante jaobiano
da mudança de coordenadas ϕ−1 ψ, o qual é positivo em virtude
da coerência do atlas P. (Vide Exemplo 4, na Seção 1).

Observação: Ficou demonstrado acima que se u : M n → Rn+1 é


um campo contı́nuo de vetores normais unitários numa hiperfı́cie
de classe C k então M é orientável e n é automaticamente de
classe C k−1 . E reciprocamente, se M é orientável de classe C k
então existe em M um campo de classe C k−1 de vetores normais
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[SEC. 2: SUPERFÍCIES ORIENTÁVEIS 83

unitários.
Daremos agora um exemplo de uma superfı́cie compacta P 2 ⊂
R4 não orientável. É um fato topológico, cuja demonstração es-
capa às finalidades destas notas, que toda hiperfı́cie compacta
M n ⊂ Rn+1 é necessariamente orientável.
Exemplo: O plano projetivo P 2 ⊂ R4 (cf. Hilbert e
Cohn-Vossen, “Geometry and Imagination”, pag. 340). Seja
f : R3 → R4 a aplicação de classe C ∞ definida por f (x, y, z) =
(x2 − y 2 , xy, xz, yz). O plano projetivo é o conjunto P 2 = f (S 2 ),
imagem por f da esfera unitária S 2 ⊂ R3 . Afirmamos que P 2 é
uma superfı́cie de dimensão 2 e de classe C ∞ no R4 . Isto será feito
em etapas (i), (i)) e (iii).
(i) Provemos inicialmente que, dados p, q ∈ S 2 , f (p) = f (q) se, e
somente se, p = ±q.
Com efeito, é evidente que f (p) = f (−p). Por outro lado se
f (p) = (a, b, c, d), p = (x, y, z) ∈ S 2 , então tem-se:

(I) x2 − y 2 = a, xy = b, xz = c, yz = d

(II) x2 − y 2 = a, dx2 = bc, cy 2 = bd, bz 2 = cd, x2 + y 2 +


z 2 = 1.

Se b = c = c = 0, as equações (I) mostram que pelo me-


nos duas (donde exatamente duas) das coordenadas x, y, z são
nulas, a restante devendo ser necessariamente igual a ±1. Neste
caso, f −1 (0, 0, 0, 0) = (0, 0, ±1), f −1 (1, 0, 0, 0) = (±1, 0, 0) e
f −1 (−1, 0, 0, 0) = (0, ±1, 0).
Se algum dos números b, c, d for 6= 0, as equações (II) determi-
narão x2 , y 2 , z 2 , enquanto as 3 últimas equações (I) mostram que
uma escolha de sinal numa coordenada determina o sinal das ou-
tras duas, donde f −1 (a, b, c, d) consiste de exatamente dois pontos
antı́podas p = (x, y, z) e −p = (−x, −y, −z).
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84 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

(ii) Mostremos agora que, em cada ponto p = (x, y, z) ∈ S 2 , a


derivada f 0 (p) : R3 → R4 leva o plano tangente (T S 2 )p ⊂ R3 inje-
tivamente no R4 .

Isto é feito observando a matriz jacobiana


 
2x −2y 0
y x 0
 
Jf (x, y, z) =  
z 0 x
0 z y

Dois dos menores 3 × 3 de Jf são 2 × (x2 + y 2 ) e 2y(x2 + y 2 ).


Logo Jf tem posto 3 exceto quando x = y = 0. Segue-se que
f 0 (p) : R3 → R4 é injetora para todo p ∈ S 2 −{a, −a}, a = (0, 0, 1).

Os pontos ±a são examinados separadamente: A matriz jaco-


biana Jf mostra que

f 0 (±a) · e1 = ±e3 e f 0 (±a) · e2 = ±e4 .


Como os planos tangentes a S 2 nos pontos ±a coincidem e são
gerados por e1 e e2 , resulta que dim[f 0 (±a) · (T S 2 )±a ] = 2.

(iii) Pelo resultado acima, para cada parametrização de classe


C ∞ , ϕ : U0 → S 2 , de um subconjunto aberto de S 2 , a aplicação
f ◦ϕ : U0 → R4 é uma imersão C ∞ . Se ϕ(U0 ) é suficientemente pe-
queno para não conter par algum de pontos antı́podas, então f ◦ ϕ
será 1 − 1. Resta mostrar que f ◦ ϕ é um homeomorfismo de U0
sobre um subconjunto aberto U = f ◦ ϕ(U0 ) de P 2 . Isto é verdade
porque f : S 2 → P 2 é uma aplicação aberta: Dado um subcon-
junto aberto A ⊂ S 2 , suponhamos, por absurdo, que f (A) não
seja aberto em P 2 . Então existe uma seqüência de pontos xn ∈ S 2
tais que f (xn ) → f (y), y ∈ A e f (xn ) ∈
/ f (A). Esta última relação
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[SEC. 2: SUPERFÍCIES ORIENTÁVEIS 85

significa que xn ∈ / A e xn ∈ / −A = {−x; x ∈ A}. Como S 2


é compacta, podemos supor (considerando uma subseqüência, se
necessário) que x ∈/ A ∪ (−A). Pela continuidade de f , no entanto,
f (x) = f (y) ∈ f (A), donde x = ±y ∈ ±A, contradição.

A superfı́cie de classe C ∞ P 2 = f (S 2 ) é compacta pois é ima-


gem contı́nua por f do compacto S 2 .

O plano projetivo é concebido “abstratamente” como o espaço


quociente S 2 /E da esfera unitária S 2 pela relação de equivalência
E cujas classes de equivalência são {p, −p}, p ∈ S 2 . Dotamos
S 2 /E da topologia co-induzida pela aplicação canônica π : S 2 →
S 2 /E.

Notemos que E é precisamente a relação de equivalência deter-


minada por f : S 2 → P 2 . Por f ser aberta e do diagrama clássico

f
S2 - P2

π f (π(x)) = f (x)
f
?
S 2 /E

resulta que f¯: S 2 /E → P 2 é um homeomorfismo.

Portanto, a superfı́cie P 2 ⊂ R4 é uma imagem “concreta” do


plano projetivo S 2 /E, no espaço euclidiano R4 .

Resta apresentar uma justificativa para a não-orientabilidade


de P 2 . Uma razão é que P 2 contém uma faixa de Moebius, a
imagem por f de uma faixa equatorial em S 2 , como mostra a
figura 3.5.
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86 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

B0 M
A0 f
N
A
B
f (A) = f (A0 ) = M ; f (B) = f (B 0 ) = N .

Figura 3.5.

Se P 2 fosse orientável e A fosse um atlas coerente em P 2 , as res-


trições a M das parametrizações de P 2 , pertencentes a A, forne-
ceriam uma orientação de M , o que é impossı́vel.
Em particular, não existe aplicação de classe C 1 , g : W → R2
definida num aberto W ⊂ R4 contendo P 2 tal que P 2 = g −1 (c),
onde c ∈ R2 é valor regular de g.

3 A vizinhança tubular de uma superfı́cie


compacta
Seja M m ⊂ Rm+n uma superfı́cie de classe C k , k ≥ 1.
Diz-se que o segmento [p, a] = {p+t(a−p); 0 ≤ t ≤ 1} é normal
a M no ponto p se p ∈ M e v = a − p ∈ νMp .

a Rm+n
v
T Mp
p

Mm

Figura 3.6.

A bola normal (de dimensão n) B ⊥ (p; ε) é a reunião dos seg-


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[SEC. 3: A VIZINHANÇA TUBULAR DE UMA SUPERFÍCIE COMPACTA 87

mentos normais a M no ponto p, de comprimento < ε. Logo

B ⊥ (p; ε) = {x ∈ Rm+n ; |x − p| < ε, hx − p, vi = 0 ∀ v ∈ T Mp }

B 1 (p; ε)
p
ε
M
p + vMp

Figura 3.7.

Diz-se que o número real ε > 0 é um raio normal admissı́vel


para um subconjunto X ⊂ M quando, dados dois segmentos [p, a]
e [q, b], normais a M , de comprimento < ε, com p 6= q ∈ X, tem-se
[p, a] ∩ [q, b] = ∅.
q
p
<ε <ε
X b
a

Figura 3.8.

Em outras palavras, B ⊥ (p; ε) ∩ B ⊥ (q; ε) = ∅ se p 6= q ∈ X e ε


for um raio normal admissı́vel para X.
Demonstraremos agora o teorema da vizinhança tubular para
superfı́cies M m ⊂ Rm+n , compactas, de classe ≥ 2.
O leitor pode provar, como exercı́cio, que em nenhuma vizi-
nhança da origem existe um raio normal admissı́vel para a curva
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88 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

y = x4/3 , de classe C 1 no plano R2 . Devemos considerar, portanto,


superfı́cies de classe C k , k ≥ 2.

Proposição 4. Seja M m ⊂ Rm+n uma superfı́cie compacta de


classe C k , k ≥ 2. Então:

(1) Existe ε > 0, raio normal admissı́vel para M .


(p 6= q em M ⇒ B ⊥ (p; ε) ∩ B ⊥ (q; ε) = ∅).
S
(2) A reunião Vε (M ) = B ⊥ (p; ε) dos segmentos normais a
p∈M
M de comprimento < ε é um aberto do Rm+n chamado a
vizinhança tubular de M de raio ε.

(3) A aplicação π : Vε (M ) → M , que associa a cada ponto q ∈


Vε (M ) o pé do único segmento normal que o contém, é de
classe C k−1 .

Vε (M )
p
ε
ε

B ⊥ (p; ε)

Figura 3.9.

Demonstração:
(i) A proposição vale localmente: todo ponto p0 ∈ M pertence
a um aberto U ⊂ M para o qual existe raio normal admissı́vel
εU > 0.
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[SEC. 3: A VIZINHANÇA TUBULAR DE UMA SUPERFÍCIE COMPACTA 89

Com efeito, em virtude das observações que seguem o Corolário


da Proposição 1, existe uma parametrização ϕ : V0 → V , de classe
C k , de uma vizinhança p0 ∈ V ⊂ M e n campos de vetores normais
unitários, de classe C k−1 , v1 , . . . , vn : V → Rm+n , mutuamente or-
togonais em cada ponto. (A ortonormalidade justifica-se por 3.1.)

Consideremos a aplicação Φ : V0 ×Rn → Rm+n , de classe C k−1 ,


P
n
dada por Φ(x, α1 , . . . , αn ) = ϕ(x) + αi vi (ϕ(x)). Geometrica-
i=1
mente, Φ é a extensão de ϕ que aplica, isométrica e linearmente,
a variedade linear {x} × Rn sobre a variedade linear ϕ(x) + νMp ,
para cada x ∈ V0 .

Φ V
V0 × 0
M

V0 × R n

Figura 3.10.

Para cada x ∈ V0 , a matriz jacobiana de Φ no ponto (x, 0) tem


por colunas os vetores

∂ϕ
(x), 1 ≤ i ≤ m e vj (ϕ(x)), m + 1 ≤ j ≤ m + n.
∂xi
Os m primeiros formam uma base para T Mϕ(x) enquanto que os
n últimos constituem uma base para νMϕ(x) . Por conseguinte,
Φ0 (x, 0) : Rm+n → Rm+n é um isomorfismo.
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90 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

Seja ϕ(x0 ) = p0 . Pelo teorema da função inversa, existe uma


vizinhança aberta de (x0 , 0) em Rm × Rn , que se aplica difeo-
morficamente sobre uma vizinhança de p0 em Rm+n . Podemos
tomar a primeira do tipo U0 × B n (ε), onde x0 ∈ U0 ⊂ V0 ⊂ Rm
e raio ε > 0. Se escrevemos U = ϕ(U0 ), Φ transforma difeo-
morficamente U0 × B n (ε) na reunião Vε (U ) de todos os segmentos
normais de origem em U e comprimento < ε (ver Figura 3.10).
Dados p 6= q ∈ U , tem-se B ⊥ (p; ε) ∩ B ⊥ (q; ε) = ∅, pois dois
segmentos normais de comprimentos < ε, com origem em dois
pontos distintos ϕ(x), ϕ0 (x) ∈ U , são imagens de segmentos da
forma x × I, x0 × I 0 , com x 6= x0 , I e I 0 contidos em raios da
bola B n (ε). Logo os segmentos dados Φ(x × I) e Φ(x0 × I 0 ) são
disjuntos.
O retângulo comutativo (onde π1 é a projeção do produto no
primeiro fator)

Vε (U )
π - U

6 6
Φ ϕ

π1
U0 × B n (ε) - U0

mostra que Vε (U ) é aberto em Rm+n e que a aplicação


π : Vε (U ) → U é de classe C k−1 .
(ii) A proposição vale globalmente. Por compacidade, M pode ser
recoberta por um número finito U1 , . . . , Ur de vizinhanças, cada
uma das quais possui raio normal admissı́vel ε1 , . . . , εr .
Seja ε > 0 inferior a todos os εi e tal que 2ε é número de
Lebesgue da cobertura U1 , . . . , Ur . Afirmamos que ε é raio normal
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[SEC. 3: A VIZINHANÇA TUBULAR DE UMA SUPERFÍCIE COMPACTA 91

admissı́vel para M . Com efeito, dados dois segmentos normais


[p, a] e [q, b] de comprimento < ε, ou p e q pertencem ao mesmo
Ui , ou |p − q| ≥ 2ε. No primeiro caso, os segmentos dados são
disjuntos pois ε < εi . No segundo caso, são disjuntos porque um
triângulo não pode ter dois lados menores que ε e o terceiro ≥ 2ε.

q
p
≥ 2ε <ε
<ε M
b
a

Figura 3.11.

As demais afirmações da proposição têm caráter local e por-


tanto seguem-se de (i). Com efeito,
[
Vε (M ) = Vε (U )

é um subconjunto aberto do Rm+n e π : Vε (M ) → M é de classe


C k−1 .
Diremos que a vizinhança tubular Vε (M ) é equivalente ao espaço
produto M × B n (ε) se existir um difeomorfismo h : M × B n (ε) →
Vε (M ) com as seguintes propriedades:

(i) O triângulo

M × B n (ε)
h - Vε (M )

π1 s + π
M
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92 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

é comutativo, isto é, π ◦ h = π1 .


(ii) Para cada p ∈ M , h é uma isometria da “fibra” π1−1 (p) =
p × B n (ε) sobre a “fibra” π −1 (p) = B ⊥ (p; ε).
Nestas condições diremos que h é uma equivalência entre estes
conjuntos.
Exemplo
1 1
A aplicação h : S 1 × − , → V1/2 (S 1 ), dada por h(z, t) =
2 2
(1 + t)z é uma equivalência entre a vizinhança tubular V1/2 (S 1 )
1 1
do cı́rculo e o produto de S 1 pelo intervalo − , .
2 2
Proposição 5. Seja M ⊂ R m m+n uma superfı́cie compacta de
classe C ∞ . As seguintes condições acerca de M são equivalentes:
1) M = f −1 (a), onde a é valor regular de uma aplicação de
classe C ∞ , f : U → Rn , U ⊂ Rm+n aberto.

2) Existem em M n campos de vetores normais de classe C ∞ ,


linearmente independentes em todos os pontos.

2’) Existem em M n campos de vetores, de classe C ∞ , trans-


versais a M em todos os pontos (isto é, em cada p ∈ M , os
n campos geram um suplemento para T Mp ).

3) Toda vizinhança tubular de M é equivalente a um produto.

Demonstração: 1) ⇒ 2). Basta tomar v1 (p) = grad f 1 (p), ...,


vn (p) = grad f n (p).
2) ⇒ 2’) Evidente.
0
2) ⇒ 2) Basta projetar, em cada ponto, os vetores dois campos
transversais sobre o espaço normal.
2) ⇒ 3) Podemos supor que os n campos são unitários e dois
a dois ortogonais. Seja h : M × B n (ε) → Vε (M ) definido por
h(x, α1 , . . . , αn ) = x + Σ αi vi (x).
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[SEC. 4: A VIZINHANÇA TUBULAR DE UMA SUPERFÍCIE NÃO COMPACTA 93

3) ⇒ 1) Consideremos o diagrama

h−1 π2
Vε (M ) - M × B n (ε) - B n (ε)

π s + π1
M

Seja f = π2 ◦ h−1 : Vε (M ) → Rn . Então 0 ∈ Rn é valor regular de


f ∈ C ∞ e M = f −1 (0).
Observação: O teorema é válido para superfı́cies compactas de
classe C k , 2 ≤ k < ∞. A demonstração acima não se aplica porque
a projeção da vizinhança tubular tem classe C k−1 apenas.

4 A vizinhança tubular de uma superfı́cie


não compacta
Nesta seção consideramos superfı́cies M m ⊂ Rm+n de classe
≥ 2, não necessariamente compactas.
Dada uma função contı́nua ε : M → R, estritamente positiva,
S ⊥
escrevemos Vε (M ) = B (p; ε(p)), onde B ⊥ (p; ε(p)) é, como
p∈M
antes, a bola aberta normal a M no ponto p, com raio ε(p).
Proposição 6. Se M m ⊂ Rm+n é de classe ≥ 2, existe uma
função ε : M → R, contı́nua, estritamente positiva, tal que

(1) Vε (M ) é aberto em Rm+n , e M ⊂ Vε (M ).

(2) Se p 6= q em M , então B ⊥ (p; ε(p)) ∩ B ⊥ (q; ε(q)) = ∅.

Assim, cada ponto x ∈ Vε (M ) pertence a um único segmento


normal [p, a), com p ∈ M e |a − p| = ε(p).
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94 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

(3) A projeção π : Vε (M ) → M , que associa a cada ponto x ∈


V (M ) o pé do único segmento normal que o contém, é de
classe C k−1 .

(4) Para cada ponto p ∈ M existe uma vizinhança U ⊂ M e


um homeomorfismo h da imagem inversa π −1 (U ) sobre o
produto U × B n (onde B n ⊂ Rn é a bola aberta de centro 0
e raio 1) tal que o diagrama

π −1 (U )
h - U × Bn

π π1
R
U
comuta.
Vε (M ) é chamada a vizinhança tubular da superfı́cie M de
raio ε.
Para provarmos a Proposição 6, precisamos de dois lemas:
Lema 1. Seja M m ⊂ Rm+n uma superfı́cie de classe ≥ 2. Mesmo
que M não seja compacta, todo subconjunto compacto K ⊂ M
possui um raio normal admissı́vel αK > 0. Ou seja, dois seg-
mentos normais a M , de comprimento < αK com origem em dois
pontos distintos de K, são sempre disjuntos. Além disso, αK pode
S ⊥
ser tomado de tal modo que se VαK (K) = B (p; αK ), então
p∈K
tem-se VαK (K) ∩ M = K.
Demonstração: Seja L ⊂ M uma vizinhança compacta de K.
Segue-se da demonstração da Proposição 4 que existe um raio
normal admissı́vel αL para L. Tomando
1
αK = min{αL , d(K, M − L)},
2
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[SEC. 4: A VIZINHANÇA TUBULAR DE UMA SUPERFÍCIE NÃO COMPACTA 95

então VαK (K) ∩ M = K. De fato, q ∈ VαK (K) ∩ M ⇒ [q ∈ M e


d(q, K) ≤ αK < d(K, M − L)] ⇒ [q ∈ M e q ∈/ M − L] ⇒ q ∈ L.
Como q ∈ VαK (K), existe p ∈ K tal que |p − q| ≤ αK < αL
e [p, q] é segmento normal a M no ponto p. Ora, p, q ∈ L e
|p − q| < αL , logo q = p ∈ K.

VαK (K)
K M

Figura 3.12.

Lema 2. Seja M m ⊂ Rm+n uma superfı́cie de classe C K (K ≥ 2).

(1) Existe uma seqüência de conjuntos compactos K1 , K2 , . . . ,


S
contidos em M tais que Ki ⊂ int Ki+1 e M = Ki .
i=1

(2) Existem também números reais ε1 ≥ ε2 ≥ · · · > 0 tais que,


para p ∈ Ki , q ∈ Kj e p 6= q, tem-se:

(a) B ⊥ (p; εi ) ∩ B ⊥ (q; εj ) = ∅.

K2 K3
K1

Figura 3.13.
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96 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

Demonstração: A afirmação (1) resulta simplesmente de ser


a superfı́cie M um espaço localmente compacto com base enu-
merável.
Quanto à afirmação (2), pelo Lema 1 existe, para cada i ∈ N ,
um número real αi > 0, raio normal admissı́vel para Ki , com
Vαi (Ki ) ∩ M = Ki .
Tomamos, por motivos técnicos, α1 ≥ α2 ≥ . . .
Pomos ε1 = α2 e ε2 = α3 . Suponhamos definidos ε1 ≥ · · · ≥ εs
de modo que εi ≤ αi+1 e a condição (a) do enunciado seja válida
para i, j ≤ s. Definimos, por indução, o número εs+1 de tal modo
que:
s−1
[
 
(*) 0 < εx+1 < min αs+2 , εs , d Ks+1 − int Ks , Vεi (Ki ) .
i=1

Então a condição (a) será válida para i, j ≤ s + 1.


Com efeito, temos três casos a considerar:
1o¯ caso: i, j ≤ s. Hipótese de indução.
2o¯ caso: i = s e j = s + 1. Então a afirmação é trivialmente
correta, pois εs ≤ αs+1 .
3o¯ caso: p ∈ Ks+1 − Ks e q ∈ Ki0 , i0 < s.
Consideremos dois segmentos normais a M , [p, a] com com-
primento < εs+1 e [q, b] com comprimento < εi0 . Como p ∈
S
s−1
Ks+1 − int Ks e [q, b] ⊂ Vεi0 (Ki0 ) ⊂ Vεi (Ki ), a equação (*)
i=1
mostra que εs+1 < d(p, [q, b]). Logo [p, a] ∩ [q, b] = ∅. Isto conclui
a demonstração do Lema 2.
Demonstração da Proposição 6: Seja, com a notação do Lema
S

2, V (M ) = Vεi (Ki ). Introduzamos ε : M → R, uma função
i=1
contı́nua estritamente positiva definida por ε(p) = dist(p, Rm+n −
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[SEC. 4: A VIZINHANÇA TUBULAR DE UMA SUPERFÍCIE NÃO COMPACTA 97

V (M )). Como 0 < ε(p) ≤ εi para p ∈ Ki − Ki−1 , segue-se


que Vε (M ) ⊂ V (M ) e, por conseguinte, cada ponto x ∈ V (M )
pertence a um único segmento normal a M .

Vε (M )

Figura 3.14.

(1) Provemos que Vε (M ) é aberto em Rm+n . Consideremos uma


cobertura de M por vizinhanças parametrizadas U , em cada uma
das quais estão definidos n campos de vetores normais unitários,
mutuamente ortogonais, v1 , . . . , vn : U → Rm+n , de classe C k−1 .
Seja ϕ : U0 ⊂ Rm → U uma parametrização de U . O conjunto
A = {(x, y) ∈ U0 × Rn ; |y| < ε(ϕ(x))} é aberto em Rm × Rm .
Como Φ : A → π −1 (U ), definido por Φ(x, y) = ϕ(x) + Σ y i vi (ϕ(x))
é um difeomorfismo, resulta que π −1 (U ) é aberto em Rm+n . Mas
S
Vε (M ) = π −1 (U ), quando U percorre a cobertura tomada. Logo
Vε (M ) é aberto.

(2) O diagrama comutativo

π-
π −1 (U ) U
6 6
Φ ϕ

π1
A - U0
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98 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

mostra que π ∈ C k−1 .


(3) Basta tomar h : U × B n → π −1 (U ) definida por h(p, y) =
Φ(ϕ−1 (p), ε(p) · y). Então h é um homeomorfismo e π ◦ h(p, y) =
(ϕπ1 ◦Φ−1 ◦Φ) (ϕ−1 (p), ε(p), y) = p, o que conclui a demonstração
da Proposição 6.
Atenção: A noção de vizinhança tubular, dada por este teorema,
será generalizada num capı́tulo posterior, com o objetivo de obter
uma projeção π : Vε (M ) → M com a mesma classe de diferencia-
bilidade que M .
Lembremos que B n = {x ∈ Rn ; |x| < 1}.
Definição. Dada uma superfı́cie M m ⊂ Rm+n de classe ≥ 2, di-
zemos que uma vizinhança tubular Vε (M ) é equivalente ao espaço
produto M ×B n se existir um homeomorfismo h : M ×B n → Vε (M )
tal que o diagrama

M × Bn
h - Vε (M )

π1 s + π
M

seja comutativo.
Nestas condições diremos que h é uma equivalência.
Proposição 7. Seja M m ⊂ Rm+n uma superfı́cie de classe C ∞ .
Então cada uma das condições abaixo acarreta a seguinte:

(1) M = f −1 (a), onde a é valor regular de uma aplicação de


classe C ∞ , f : U → Rn , U ⊂ Rm+n aberto.

(2) Existem em M n campos de vetores normais de classe C ∞ ,


linearmente independentes em todos os pontos.
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[SEC. 4: A VIZINHANÇA TUBULAR DE UMA SUPERFÍCIE NÃO COMPACTA 99

(3)’ Existem em M n campos de vetores, de classe C ∞ , trans-


versais a M em todos os pontos.

(3) Toda vizinhança tubular de M é equivalente a um produto.

Demonstração:
(1) ⇒ (2). Basta tomar vi (p) = grad f i (p), 1 ≤ i ≤ n.
(2) ⇒ (2)0 . Evidente.
(2) ⇒ (3). Podemos supor que os n campos são unitários e dois
a dois ortogonais. Seja h : M × B n → Vε (M ) o homeomorfismo
definido por h(x, α1 , . . . , αn ) = x + ε(x)Σ αi vi (x). Então h é uma
equivalência.
Atenção: Provaremos mais adiante neste livro que a função
ε : M → R pode ser tomada de mesma classe que a superfı́cie
M . Com isto seremos capazes de provar a implicação (3) ⇒ (1),
como se segue:
Consideremos o diagrama

h ∈ C ∞- π2
- Bn
Vε (M ) M × Bn
π s + π1
M

Seja f = π2 ◦ h−1 : Vε (M ) → B n . Então 0 ∈ Rn é valor regular de


f ∈ C ∞ e M = f −1 (0).

Aplicações
1) Na Seção 3 vimos que a faixa de Moebius não pode ser definida
implicitamente. Isto também decorre da Proposição 7, pois não
existe homeomorfismo h : M × (−1, 1) → Vε (M ), onde Vε (M ) é
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100 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANÇA

qualquer vizinhança tubular da faixa de Moebius. Com efeito,


Vε (M )−M é conexo (verifique!) enquanto que h−1 (Vε (M )−M ) =
M × (−1, 1) − M × {0} não é conexo.

2) Admitindo o enunciado mais forte da Proposição 7, a ser de-


monstrado posteriormente, podemos provar que todo grupo de Lie
de matrizes pode ser definido como imagem inversa de um va-
2
lor regular. Sejam Gm ⊂ Rn , um grupo de Lie de matrizes
de codimensão k = n2 − m e X ∈ G um elemento diferente
de I. Consideremos a aplicação ϕX : GL(Rn ) → GL(Rn ) dada
por ϕX (Y ) = XY . ϕX é um difeomorfismo de classe C ∞ ,
cujo inverso é ϕX −1 . Além disso ϕX (G) = G. O isomorfismo
2 2
ϕ0X (I) : Rn → Rn , dado por Y 7→ XY , leva (T G)I em (T G)X .
Escolhamos {A1 , . . . , Ak }, base de um suplemento de (T G)I em
2
Rn . Então XA1 , . . . , XAk é base de um suplemento de (T G)X .
Em suma, os k = n2 − m campos vi (X) = X · Ai são transversais
a G em todos os seus pontos.

A1 Ak

I
XA1 XAk
T GI

T GX
X
G

Figura 3.15.

Observação: A solução acima obtida para o problema de carac-


terizar as superfı́cies que podem ser definidas “implicitamente” é
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page 101

[SEC. 4: A VIZINHANÇA TUBULAR DE UMA SUPERFÍCIE NÃO COMPACTA 101

devida a H. Whitney (Annals of Math. 37 (1936) pg. 865). Ela


representa tudo o que se pode dizer sem usar os métodos da to-
pologia algébrica. Fica faltando saber em que condições sobre M
uma vizinhança tubular Vε (M ) é equivalente a um produto. Como
vimos, M deve ser orientável. Mas tal condição está muito longe
de ser suficiente. Para abordar este problema de maneira eficiente
é indispensável considerar as classes caracterı́sticas da superfı́cie
M . A literatura sobre este assunto é vasta. Veja-se, por exemplo,
N. Steenrod – “The Topology of Fibre Bundles-- (Princeton Univ.
Press, 1951). No caso presente, o problema deve ser enunciado do
seguinte modo:
“Em que condições um espaço topológico X é homeomorfo a
uma superfı́cie M m ⊂ Rn que possui uma vizinhança tubular equi-
valente a um produto?” Tais espaços topológicos foram estudados
por J.H.C. Whitehead, que os chamou de π-variedades (Annals of
Math. 41 (1940) pg. 825). Ver também as notas de J. Milnor
“Differential Topology.
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Capı́tulo IV

Variedades Diferenciáveis

A noção de superfı́cie M m ⊂ Rn , desenvolvida nos capı́tulos


anteriores, ainda que adequada para muitos propósitos, possui
contudo dois inconvenientes. O primeiro é de caráter estético: não
se pode pensar na superfı́cie em si mesma, sem fazer referência ao
espaço euclidiano que a contém. O segundo inconveniente é de
ordem prática: existem na natureza objetos importantes, seme-
lhantes a superfı́cies, que não se apresentam contidos num espaço
euclidiano. Tais são, por exemplo, os espaços projetivos (como o
P 2 , introduzido no Capı́tulo III e artificiosamente imerso em R4 )
e, mais geralmente, as variedades Grassmanianas.
A grosso modo, uma variedade diferenciável é como uma su-
perfı́cie, só que não precisa estar contida em um espaço euclidiano.

1 Sistemas de coordenadas locais


Seja M um espaço topológico. Um sistema de coordenadas
locais ou carta local em M é um homeomorfismo x : U → x(U ) de
um subconjunto aberto U ⊂ M sobre um aberto x(U ) ⊂ Rm .
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[SEC. 1: SISTEMAS DE COORDENADAS LOCAIS 103

Dizemos que m é a dimensão de x : U → x(U ).


Para cada p ∈ U tem-se x(p) = (x1 (p), . . . , xm (p)). Os números
xi = xi (p), i = 1, . . . , m são chamados as coordenadas do ponto
p ∈ M no sistema x.

Exemplos:

1) Coordenadas cartesianas

Sejam M = Rm , U ⊂ Rm um aberto e x : U → Rm a aplicação


de inclusão, x(p) = p. As coordenadas introduzidas em U pelo
sistema x são denominadas “coordenadas cartesianas”.

2) Coordenadas polares

Sejam M = R2 , α um número real arbitrário e Uα ⊂ R2 o


complementar da semi-reta r = {(t cos α, t sen α).t ≥ 0}.
Construimos um sistema de coordenadas locais x : Uα → R2
como se segue: Consideramos a faixa Vα = {(ρ, θ) ∈ R2 ; ρ >
0, α < θ < α + 2π} e definimos ϕ : Vα → Uα por ϕ(ρ, θ) = ρ eiθ =
(ρ cos θ, ρ sen θ). É claro que ϕ é uma bijeção contı́nua (a rigor,
C ∞ ). Aplicando o teorema da função inversa vê-se que ϕ é um
difeomorfismo; seja x : Uα → Vα ⊂ R2 o difeomorfismo inverso
de ϕ.
As coordenadas introduzidas em Uα chamam-se “coordenadas
polares”.
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104 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

r ϕ α + 2π
x α Vα

Uα = R 2 − r

Figura 4.1.

3) Parametrizações de superfı́cies
Seja ϕ : U0 → U uma parametrização do subconjunto aberto
U , contido na superfı́cie M m ⊂ Rn . O homeomorfismo inverso
x = ϕ−1 : U → U0 ⊂ Rm é um sistema de coordenadas locais
em M .

U M

x
ϕ

Rm

U0

Figura 4.2.

Um atlas de dimensão m sobre um espaço topológico M é


uma coleção A de sistemas de coordenadas locais x : U → Rm em
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[SEC. 2: MUDANÇA DE COORDENADAS 105

M , cujos domı́nios U cobrem M . Os domı́nios U dos sistemas


de coordenadas x ∈ A são chamados as vizinhanças coordenadas
de A.
Por exemplo, os sistemas de coordenadas que são os inversos
das parametrizações em uma superfı́cie M m ⊂ Rn formam um
atlas de dimensão m sobre M .
Um espaço topológico M no qual existe um atlas de dimensão
m chama-se uma variedade topológica de dimensão m. Em outras
palavras, M é uma variedade topológica de dimensão m se, e so-
mente se, cada ponto de M tem uma vizinhança homeomorfa a
um aberto do Rm .
Exemplos:
1) Seja X um conjunto qualquer. Consideremos em X a topologia
discreta. A famı́lia de funções ϕx : {x} → {0} ∈ R0 , onde x ∈ X,
é um atlas de dimensão 0 em X.
2) Toda superfı́cie M m ⊂ Rn é uma variedade topológica de di-
mensão m.
Observação: Sejam M um espaço topológico e A uma coleção
de cartas x : U → x(U ) ⊂ Rm(x) , cujos domı́nios U formam uma
cobertura aberta de M . É possı́vel provar que a dimensão m
das cartas locais é constante em cada componente conexa de M
(teorema da invariância da dimensão). Na definição que demos a
constância de m é postulada. Em todos os casos que considerare-
mos a seguir, (variedades diferenciáveis) o fato de m ser constante
decorre imediatamente do teorema da função inversa.

2 Mudança de coordenadas
Dados os sistemas de coordenadas locais x : U → Rm e y : V →
Rm no espaço topológico M , tais que U ∩ V 6= ∅, cada ponto
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106 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

p ∈ U ∩ V tem coordenadas xi = xi (p) no sistema x e coordenadas


y i = y i (p) relativamente ao sistema y.
A correspondência

(x1 (p), . . . , xm (p)) ←→ (y 1 (p), . . . , y m (p))

estabelece um homeomorfismo ϕxy = y◦x−1 : x(U ∩V ) → y(U ∩V )


que é chamado mudança de coordenadas.
M

U V

x y

y◦x−1

Rm

Figura 4.3.

Se z : W → Rm é outro sistema de coordenadas locais tal que


U ∩ V ∩ W 6= ∅ então

ϕxz = ϕyz ◦ ϕxy : x(U ∩ V ∩ W ) → z(U ∩ V ∩ W ).

Tem-se ϕxx = idx(U ) e ϕxy = (ϕyx )−1 .

3 Variedades Diferenciáveis
Um atlas A sobre um espaço topológico M diz-se diferenciável,
de classe C k (k ≥ 1), se todas as mudanças de coordenadas
ϕxy , x, y ∈ A são aplicações de classe C k . Escreve-se então
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[SEC. 3: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS 107

A ∈ C k . Como ϕyx = (ϕxy )−1 , segue-se que os ϕxy são, de


fato, difeomorfismos de classe C k . Em particular, se escrevemos
ϕxy : (x1 , . . . , xm ) 7→ (y 1 , . . . , y m ), então o determinante jacobiano
∂y i 
det é não-nulo em todo ponto de x(U ∩ V ).
∂xj
Seja A um atlas de dimensão m e classe C k num espaço to-
pológico M . Um sistema de coordenadas z : W → Rn em M diz-se
admissı́vel relativamente ao atlas A se, para todo sistema de coor-
denadas locais x : U → Rm , pertencente a A, com U ∩ W 6= ∅, as
mudanças de coordenadas ϕxz e ϕzx são de classe C k . Em outras
palavras, se A ∪ {z} é ainda um atlas de classe C k em M .
Exemplos:
1) Se A é um atlas de classe C k em M e x : U → Rm pertence a A
então, para cada subconjunto aberto V ⊂ U , a restrição y = x|V é
admissı́vel em relação a A. Se ξ : x(U ) → Rm é um difeomorfismo
de classe C k , então ξ ◦ x : U → Rm é admissı́vel relativamente a A.
2) Seja A o atlas de classe C ∞ em R que consiste de uma única
carta local x = id : R → R. Seja z : R → R o sistema de coorde-
nadas dado por z(t) = t3 . Então z não é admissı́vel em relação a
A pois, embora ϕxz (t) = t3 seja de classe C ∞ , ϕzx (t) = t1/3 não é
diferenciável em t = 0.
Um atlas A, de dimensão m e classe C k , sobre M , diz-se
máximo quando contém todos os sistemas de coordenadas locais
que são admissı́veis em relação a A. Todo atlas de classe C k em M
pode ser ampliado, de modo único, até se tornar um atlas máximo
de classe C k : basta acrescentar-lhe todos os sistemas de coorde-
nadas admissı́veis.
Definição. Uma variedade diferenciável, de dimensão m e classe
C k é um par ordenado (M, A) onde M é um espaço topológico
de Hausdorff, com base enumerável e A é um atlas máximo de
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108 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

dimensão m e classe C k sobre M .


A exigência de que o atlas seja máximo não é essencial mas
é conveniente. Em alguns contextos admitem-se variedades não-
Hausdorff ou sem base enumerável. Na realidade, porém, os teo-
remas mais importantes exigem estas hipóteses. É o caso dos
teoremas de imersão de Whitney, que veremos no Capı́tulo X.
Em termos mais explı́citos, para provar que (M, A) é uma va-
riedade diferenciável de dimensão m e classe C k devemos verificar
que
i) M é um espaço topológico de Hausdorff com base enumerável.

ii) A é uma coleção de homeomorfismos x : U → Rm , de conjun-


tos abertos U ⊂ M sobre abertos x(U ) ⊂ Rm .

iii) Os domı́nios U dos homeomorfismos x ∈ A cobrem M .

iv) Dados x : U → Rm e y : V → Rm pertencentes a A com


U ∩ V 6= ∅, então ϕxy : x(U ∩ V ) → y(U ∩ V ) é um homeo-
morfismo de classe C k .

v) Dado um homeomorfismo z : W → Rm de um aberto W ⊂


M sobre um aberto z(W ) ⊂ Rm , tal que ϕzx e ϕxz são de
classe C k para cada x ∈ A, então z ∈ A.
Para todo r ≤ k, uma variedade de classe C k pode ser olhada
como variedade de classe C r , pois qualquer atlas de classe C k está
contido num único atlas máximo de classe C r .

4 Exemplos de variedades

1) Os Espaços Euclidianos
Consideremos em Rm o atlas A contendo o único sistema de
coordenadas x = id : Rm → Rm . É claro que A é um atlas de classe
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[SEC. 4: EXEMPLOS DE VARIEDADES 109

C ∞ e dimensão m em Rm . Para cada k = 0, 1, . . . , ∞ seja Ak o


atlas máximo de classe C k em Rm que contém A. O par (Rm , Ak ) é
uma variedade de dimensão m e classe C k . Considerar o espaço Rm
como variedade C k significa admitir, em cada aberto U ⊂ Rm , não
somente as coordenadas cartesianas dos seus pontos como também
qualquer sistema de coordenadas “curvilı́neas” y : U → Rm , dado
por um difeomorfismo de classe C k de U sobre o conjunto y(U ) ⊂
Rm , que é necessariamente aberto. É claro que A0 ⊃ A1 ⊃ · · · ⊃
A∞ . Quanto mais diferenciável quer-se o atlas, menos cartas locais
são admissı́veis.
Seja B o atlas de classe C ∞ em R que consta do único sistema
de coordenadas t ∈ R 7→ t3 ∈ R. O par (R, B) é uma variedade
diferenciável de classe C ∞ . Notemos que (R, B) 6= (R, A∞ ).

2) Subvariedades abertas
Um subconjunto aberto W de uma variedade C k tem uma es-
trutura natural de variedade de classe C k , dada pelo atlas máximo
em W , formado por todos os sistemas de coordenadas admissı́veis
x : U → Rm em M , cujos domı́nios U estão contidos em W .

3) Superfı́cies em Rn
Toda superfı́cie de dimensão m e classe C k , M m ⊂ Rn , é uma
variedade diferenciável de dimensão m e classe C k , com o atlas
A formado pelos sistemas de coordenadas x : U → Rm , inversos
das parametrizações ϕ : U0 ⊂ Rm → U ⊂ M , de classe C k . A
Proposição 1 do Capı́tulo II mostra que A é um atlas de classe
C k . Na realidade, A é um atlas máximo de classe C k . De fato,
seja z : W → z(W ) ⊂ Rm um sistema de coordenadas, admissı́vel
em relação a A. Então ψ = z −1 : z(W ) ⊂ Rm → W ⊂ M é um
homeomorfismo. Para cada p ∈ W existe uma parametrização
ϕ : U0 → U , p ∈ U ⊂ M , de classe C k . Como z é admissı́vel,
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110 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

ϕ−1 ◦ψ : z(U ∩V ) → ϕ−1 (U ∩W ) é um difeomorfismo de classe C k .


Portanto, ϕ ◦ (ϕ−1 ◦ ψ) : z(U ∩ W ) → U ∩ W é uma parametrização
de classe C k de uma vizinhança de p. Como p ∈ W é arbitrário,
segue-se que ψ = z −1 : z(W ) → W é uma parametrização de classe
C k , i.e., z ∈ A. Então A é máximo.

4) Produto de variedades
Sejam (M m , A) e (N n , B) variedades de classe C k . Vamos
introduzir no espaço topológico produto M × N uma estrutura
de variedade de dimensão m + n e classe C k , por meio do atlas
A × B formado pelso sistemas de coordenadas x × y : U × V →
Rm+n , dados por (x × y)(p, q) = (x(p), y(q)), x ∈ A, y ∈ B.
Como (x1 × y1 ) ◦ (x × y)−1 = (x1 ◦ x−1 ) × (y1 ◦ y −1 ), segue-se que
A × B é um atlas de classe C k . Este atlas está contido num único
atlas maximal de classe C k , que define em M × N a estrutura de
variedade produto.

5) O espaço projetivo real de dimensão n


Na geometria projetiva clássica, para simplificar o enunciado
de vários teoremas, era costume acrescentar ao Rn um hiperplano
ideal no infinito, como se segue: (1) Se dá a cada reta λ no Rn um
único “ponto no infinito” pλ . (2) A igualdade pλ = pµ ocorre se,
e somente se, as retas λ e µ são paralelas. (3) O hiperplano H
contém os pontos “ideais” pλ e somente estes. A reunião Rn ∪ H
chamava-se o espaço projetivo de dimensão n.
Desejando aplicar métodos analı́ticos à geometria projetiva,
considerava-se o espaço euclidiano Rn imerso em Rn+1 , definido
pela condição xn+1 = 1. Aparecia assim uma bijeção natural
do espaço projetivo de dimensão n sobre o conjunto de todas as
retas do Rn+1 passando pela origem. Realmente, a cada ponto
ordinário p ∈ Rn corresponde a reta que liga este ponto à origem; e
a cada ponto “ideal” pλ corresponde a reta, contida no hiperplano
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[SEC. 4: EXEMPLOS DE VARIEDADES 111

xn+1 = 0, passando pela origem e paralela a λ. Por conseguinte,


o espaço projetivo podia ser imaginado como o conjunto de todas
as retas que passam pela origem em Rn+1 . Como cada reta do
Rn+1 intersecta a esfera unitária S n em exatamente dois pontos
antı́podas, somos conduzidos à seguinte definição formal:
O espaço projetivo real de dimensão n é o espaço quociente da
esfera unitária S n pela relação de equivalência p ∼ q ⇔ p = ±q,
∀ p, q ∈ S n .
Os pontos de P n são portanto os conjuntos

[p] = {p, −p}, p ∈ S n .

Seja π : S n → P n a aplicação canônica π(p) = [p]. Damos


a P n a topologia quociente, isto é, a topologia co-induzida pela
aplicação canônica. Em outras palavras, declaramos que o sub-
conjunto A ⊂ P n é aberto quando π −1 (A) é aberto em S n . Então
π : S n → P n é contı́nua. Além disso, dado um espaço topológico
X, uma aplicação f : P n → X é contı́nua se, e somente se, f ◦
π : S n → X é contı́nua.
Se U ⊂ S n é aberto então π −1 (π(U )) = U ∪ (−U ) é aberto
em S n , logo π(U ) ⊂ P n é aberto. Portanto π : S n → P n é uma
aplicação aberta.
Mostremos que P n pode ser munido da estrutura de variedade
diferenciável de dimensão n e classe C ∞ :
(1) Como S n tem base enumerável e π : S n → P n é uma
aplicação contı́nua e aberta, segue-se que P n tem base enumerável
(cf. Elon L. Lima, Elementos de Topologia Geral, pag. 337). Se
p 6= q ∈ S n não são antı́podas, existem vizinhanças p ∈ V e q ∈ W
em S n tais que V ∩W = ∅ e V ∩(−W ) = ∅. Isto significa que π(V )
e π(W ) são vizinhanças disjuntas de π(p) e π(q), respectivamente.
Logo P n é de Hausdorff. Sendo ainda S n compacta e π contı́nua,
vê-se que o espaço projetivo P n = π(S n ) é compacto.
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112 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

(2) P n possui um atlas [A], de classe C ∞ e dimensão n.


Seja A o atlas C ∞ em S n que consiste nos sistemas de coordenadas
locais

x± ± ±
i = (ϕi ) : Ui −→ Bn (0, 1) ⊂ R
n

(x1 , . . . , xi , . . . , xn+1 ) (x1 , . . . , xi−1 , xi+1 , . . . , xn+1 )

(ver Seção 2).


Para cada i = 1, . . . , n + 1, a aplicação canônica π : S n → P n
leva os hemisférios Ui± homeomorficamente sobre o mesmo sub-
conjunto aberto Wi ⊂ P n . Definimos um sistema de coordenadas
locais wi : Wi → Rn por wi = x+ + −1
i ◦ (π|Ui ) , i = 1, . . . , n + 1.
A coleção A = {w1 , . . . , wn+1 } é um atlas de dimensão n em
P n . Para provar que A ∈ C ∞ , observemos o seguinte. Dado
p ∈ Wi ∩ Wj , temos p = π(x), para um único x ∈ S n tal
que xi > 0. Então wi (p) = (x1 , . . . , xi−1 , xi+1 , . . . , xn+1 ). Se
xj > 0, então x ∈ Uj+ e portanto wj (p) = (x1 , . . . , xj−1 , xj+1
, . . . , xn+1 ). Se, porém, for xj < 0, então −x ∈ Uj+ e por-
tanto wj (p) = (−x1 , . . . , −xj−1 , −xj+1 , . . . , −xn+1 ). Segue-se que
o domı́nio wj ◦ wi−1 é a reunião de dois abertos disjuntos, num dos
quais wj ◦wi−1 = x+ + −1
j ◦(xi ) e, no outro, wj ◦wi−1 = x+ + −1
j ◦α◦(xi ) ,
onde α(x) = −x. Vê-se que wj ◦ wi−1 ∈ C ∞ .
Para cada k = 0, 1, . . . , ∞, indiquemos por [A]k o único atlas
máximo de classe C k que contém A. O par (P n , [A]k ) é o espaço
projetivo real de dimensão n visto como variedade de classe C k .
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[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLEÇÃO DE INJEÇÕES 113

5 Variedades definidas por uma coleção de


injeções

Seja X um conjunto. Se X possui estrutura de variedade dife-


renciável, então sua topologia fica perfeitamente determinada pelo
atlas. De modo preciso:

Lema 1. Sejam X um conjunto (sem estrutura topológica) e A


uma coleção de injeções x : U ⊂ X → Rn satisfazendo as seguintes
condições:

(1) Para cada x ∈ A, x : U → Rn , x(U ) é aberto em Rn .

(2) Os domı́nios U das aplicações x ∈ A cobrem X.

(3) Se x : U → Rn e y : V → Rn pertencem a A e U ∩ V 6= ∅,
então x(U ∩ V ) e y(U ∩ V ) são abertos em Rn e a aplicação
y ◦ x−1 : x(U ∩ V ) → y(U ∩ V ) é de classe C k . (Segue-se que
y ◦ x−1 = (x ◦ y −1 )−1 é um difeomorfismo de classe C k ).

Nestas condições, existe uma e somente uma topologia em


X relativamente à qual A é um atlas de classe C k em X.

Demonstração: Unicidade. Seja τ uma topologia em X tal que


A é um atlas de classe C k sobre (X, τ ). Então os domı́nios U dos
homeomorfismos x : U → x(U ) ⊂ Rn são elementos de τ e cobrem
X. Se A ⊂ X é aberto então A ∩ U ∈ τ logo x(A ∩ U ) é aberto em
Rn . Por outro lado, se A ⊂ X é tal que x(A ∩ V ) é aberto em Rn
S −1
para todo x ∈ A, então A = x (x(A ∩ V )) é aberto em X.
x∈A
Conclusão: A ∈ τ ⇔ x(A ∩ U ) é aberto em Rn para cada x ∈ A.
Isto mostra a unicidade de τ e nos dá uma pista para demonstrar a
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114 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

Existência. Declaramos um subconjunto A ⊂ X aberto se, e


somente se, x(A ∩ U ) ⊂ Rn é aberto para todo x : U → Rn em
A. Deixamos como exercı́cio para o leitor verificar, usando as
condições (1), (2) e (3), que isto define realmente uma topologia
em X, segundo a qual cada conjunto U ⊂ X é aberto e cada
x : U → x(U ) ⊂ Rn é um homeomorfismo.
A topologia de uma variedade M pode ser visualizada assim:
se um ponto variável p ∈ M tende para um ponto p0 ∈ M , e se
x : U → Rn é um sistema de coordenadas locais em p0 , mais cedo
ou mais tarde o ponto p estará em U e x(p) tenderá para x(p0 )
no Rn .
Devemos adicionar mais hipóteses ao Lema 1 se desejamos que
a topologia de X tenha base enumerável.
Lema 2. A topologia X, definida pelo “atlas” A satisfazendo (1),
(2) e (3) tem base enumerável se, e somente se

(4) A cobertura de X por meio dos domı́nios U das aplicações


x ∈ A admite subcobertura enumerável.

Demonstração: (⇒) Se (4) se verifica então X é união enu-


merável de abertos U , cada um dos quais tem base enumerável
sendo homeomorfo a um aberto do Rn . Logo X tem base enu-
merável.
(⇐) Resulta do conhecido Teorema de Lindelöf: Num espaço
topológico com base enumerável, toda cobertura aberta admite
uma subcobertura enumerável.
Observação: A topologia de X, obtida de acordo com o Lema 1,
é localmente de Hausdorff. Quer dizer, se p 6= q são pontos de X
pertencentes ao mesmo domı́nio U de uma aplicação x ∈ A, então
p e q possuem vizinhanças disjuntas pois U é aberto em X e é
homeomorfo ao espaço de Hausdorff x(U ) ⊂ Rn .
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[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLEÇÃO DE INJEÇÕES 115

Em cada caso concreto, a aplicação dos Lemas 1 e 2 com o


propósito de definir uma estrutura de variedade diferenciável deve
ser seguida de investigação sobre a Hausorffcidade da topologia de
X. Esta investigação poderá ser abreviada usando o

Lema 3. A topologia de X, definida por um “atlas” A satisfa-


zendo (1), (2) e (3) é de Hausdorff se, e somente se, cumpre:

(5) Para qualquer par de sistemas de coordenadas x : U → Rm ,


y : V → Rm com U ∩ V 6= ∅, não existe seqüência de pontos
zi ∈ x(U ∩ V ) tal que zi → z ∈ x(U − V ) e (y ◦ x−1 )(zi ) →
z 0 ∈ y(V − U ).

Demonstração: (⇒) Se a topologia de X não é de Hausdorff


então existem pontos p 6= q ∈ X com a propriedade: toda vizin-
hança de p e toda vizinhança de q têm interseção não vazia.
Consideremos sistemas de coordenadas x : U → x(U ) ⊂ Rm em
p e y : V → y(V ) em q. Então U ∩ V 6= ∅. Como a topologia
de X é localmente de Hausdorff, necessariamente p ∈/V eq∈ / U.
Sejam U1 ⊇ U2 ⊇ . . . um sistema fundamental enumerável de
vizinhanças de p e V1 ⊇ V2 ⊇ . . . um sistema fundamental de
vizinhanças de q. Escolhamos, para cada i, pi ∈ Vi ∩ Ui . Então
x(pi ) = zi → x(p) ∈ x(U − V ) e y ◦ x−1 (zi ) = y(pi ) → y(q) ∈
y(V − U ).

(⇐) Se existem sistemas de coordenadas x : U → Rm e y : V →


Rm , com U ∩ V 6= ∅ e seqüência de pontos zi ∈ x(U ∩ V ) tais
que zi → z ∈ x(U − V ) e (y ◦ x−1 )(zi ) → z 0 ∈ y(V − U ) então
x−1 (zi ) → p = x−1 (z) ∈ U − V e y −1 (y ◦ x−1 (zi )) = x−1 (zi ) →
q = y −1 (z 0 ) ∈ V − U . Como p 6= q a seqüência x−1 (zi ) tem dois
“limites”. Logo X não é de Hausdorff.
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116 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

U V

q
p

x(U ) y◦x−1 y(V )


y(V − U )

x(U − V ) zi z0
z

Figura 4.4.

Exemplos:

1) Variedades não-Hausdorff
A topologia de X dada pelo Lema 1 é, como vimos, localmente
de Hausdorff.
Nem sempre, porém, o atlas A define uma topologia de Haus-
dorff em X.
Vejamos um exemplo. Seja X = A ∪ B ∪ C, onde A = {(s, 1) ∈
R ; s ≤ 0}, B = {(s, −1) ∈ R2 ; s ≤ 0} e C = {(s, 0) ∈ R2 ; s > 0}.
2

A
a
C

B
b

Figura 4.5.
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[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLEÇÃO DE INJEÇÕES 117

Consideremos o atlas A = {x, y} sobre X, onde x : A ∪ C → R


é dada por x(s, t) = s e y : B ∪ C → R é definida por y(s, t) = s.
As condições (1), (2) e (3) do Lema 1 são claramente satisfeitas
(com k = ∞), mas a topologia de X definida pelo atlas A não é
de Hausdorff: duas quaisquer vizinhanças dos pontos a = (0, 1) e
b = (0, −1) em X têm pontos em comum.
Este exemplo não é tão artificial quanto possa parecer. X é
homeomorfo ao espaço quociente R2 /E do plano R2 pela relação
de equivalência E cujas classes são as retas verticais x = constante,
|x| ≥ 1, e os gráficos das funções ga (x) = (1 − x2 )−1 + a, |x| < 1,
a ∈ R arbitrário.

A a
C

B
b

Figura 4.6.
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118 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

Com efeito: Seja f : R2 → X definida por



(1 − x, 1) ∈ A,
 se x ≥ 1
f (x, y) = (x + 1, −1) ∈ B, se x ≤ −1


(ea , 0) ∈ C, se (x, y) ∈ Graf(ga )

É fácil ver que E é a relação de equivalência em R2 definida


por ϕ.

Consideremos a aplicação canônica ϕ : R2 → R2 /E e a bijeção


f¯: R2 /E → X definida por f¯(ϕ(x, y)) = f (x, y).

f
R2 - X

ϕ
f
?
2
R /E

Como f é contı́nua e aberta, segue-se que a topologia de X


é a co-induzida por f . Resulta daı́ que f¯: R2 /E → X é um
homeomorfismo.

A seguir, apresentaremos outro exemplo de “variedade” de


dimensão 1 que não é de Hausdorff.

Seja X = A1 ∪ A2 ∪ A3 ∪ A4 ∪ {a12 , a23 , a34 , a14 }, onde A1 =


{(x, x) ∈ R2 ; x > 0}, A2 = {(−x, x) ∈ R2 ; x > 0}, A3 = −A1 ,
A4 = −A2 , a12 = (0, 1), a23 = (−1, 0), a34 = (0, −1) e a14 = (1, 0).
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[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLEÇÃO DE INJEÇÕES 119

A2
A1
a12

a23 a14

a34
A3
A4

Figura 4.7.

Consideremos o atlas A = {x12 , x23 , x34 , x14 } sobre X definido


por

x12 : A1 ∪ a12 ∪ A2 → R
(x, y) 7→ x
x23 : A2 ∪ a23 ∪ A3 → R
(x, y) 7→ y
x34 : A3 ∪ a34 ∪ A4 → R
(x, y) 7→ x
x14 : A1 ∪ a14 ∪ A4 → R
(x, y) 7→ y

As condições (1), (2) e (3) do Lema 1 são claramente satisfeitas


(com k = ∞) mas a topologia de X definida pelo atlas A não é
de Hausdorff: duas quaisquer vizinhanças dos pontos a12 e a23
têm em comum pontos de A2 . Apesar de parecer o contrário, este
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120 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

exemplo é ainda menos artificial do que o anterior, pois o espaço


topológico X que acabamos de definir é o quociente de R2 − {0}
pela relação de equivalência cujas classes são as órbitas do sistema
de equações diferenciais ẋ = x, ẏ = −y. Como se sabe, a órbita
deste sistema que passa pelo ponto (x, y) ∈ R2 − {0} é a curva
parametrizada t 7→ (x · et , y · e−t ). Com exceção dos pontos (x, 0) e
(0, y), localizado sobre os eixos, tais curvas são ramos de hipérbole:

Figura 4.8.

2) Espaços Projetivos (bis)

Encaremos o espaço projetivo P n como o conjunto de todas as


retas H ⊂ Rn+1 que passam pela origem.
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[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLEÇÃO DE INJEÇÕES 121

x3
H ∈ U3

1
(y 1 , y 2 , 1)

R2 ⊂ R 3 x2
(x3 = 1)
O

(y 1 , y 2 , 0)
x1 H0 ∈
/ U3

Figura 4.9.

Os elementos H ∈ P n podem ser descritos por um sistema de


coordenadas homogêneas. Cada vetor não-nulo v = (y 1 , . . . , y n+1 ) ∈
H é uma base de H e para cada real t 6= 0, tv é ainda uma base
de H. As coordenadas y 1 , . . . , y n+1 , definidas a menos de um fator
arbitrário t 6= 0, se chamam as coordenadas homogêneas de H.
Podemos introduzir coordenadas não-homogêneas em P n
desde que trabalhemos localmente. Para cada α = 1, 2, . . . , n + 1,
seja Uα o conjunto de todas as retas, passando pela origem em
Rn+1 , cujas coordenadas homogêneas y 1 , . . . , y n+1 satisfazem a
condição y α 6= 0. Seja xα : Uα → Rn definida por xα (H) =
(y α )−1 (y 1 , . . . , y α−1 , y α+1 , . . . , y n+1 ). Geometricamente, xα (H) ∈
Rn é obtida pela interseção da reta H com o hiperplano y α = 1,
omitindo-se depois a α-ésima coordenada. Afirmação: a famı́lia
A = {xα : Uα → Rn | α = 1, . . . , n + 1} satisfaz as condições dos
lemas anteriores, ou seja:

1) xα : Uα → Rn é uma bijeção, para cada α = 1, . . . , n + 1.


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122 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

2) Os domı́nios Uα cobrem P n .

3) Seja α < β. Então

Uα ∩Uβ = {H ∈ P n ; ∀ v = (y 1 , . . . , y n+1 ) ∈ H −{0}, y α 6= 0 6= y β },

logo
xα (Uα ∩ Uβ ) = {y ∈ Rn ; y β−1 6= 0}

e
xβ (Uα ∩ Uβ ) = {y ∈ Rn ; y α 6= 0}

são abertos do Rn . Além do mais,

xβ ◦ (xα )−1 : xα (Uα ∩ Uβ ) → xβ (Uα ∩ Uβ )

é um difeomorfismo de classe C ∞ definido por

(x1 ,. . ., xn ) 7→ (xβ−1 )−1 · (x1 ,. . ., xα−1 , 1, xα ,. . ., xβ−2 , xβ ,. . ., xn ).

4) A cobertura de P n por meio dos Uα é finita.

5) Sejam α < β e zi ∈ xα (Uα ∩ Uβ ) uma seqüência tendendo para


x ∈ xα (Uα −Uβ ). Se indicamos zi = (x1i , . . . , xni ) então a seqüência
de números reais (xiβ−1 )i∈N converge para zero, pois z β−1 = 0. Por
conseguinte, a seqüência

xβ ◦ (xα )−1 (zi ) = (xiβ−1 )−1 (x1i ,. . ., xα−1


i , 1, xαi ,. . ., xiβ−2 , xβi ,. . ., xni )

não converge. Logo a topologia de P n é de Hausdorff.


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[SEC. 6: VARIEDADES DE GRASSMANN 123

6 Variedades de Grassmann
A variedade de Grassmann Gr (Rn+r ) é o conjunto de todos os
subespaços vetoriais de dimensão r do espaço euclidiano Rn+r .

G2 (R3 )

Figura 4.10.

Em particular, P n = G1 (Rn+1 ).
Os elementos H ∈ Gr (Rn+r ) podem ser descritos por coordena-
das homogêneas, dadas por uma matriz real (n+r)×r, Y = (yji ), de
posto r, cujas colunas v1 = (y11 , . . . , y1n+r ), . . . , vr = (yr1 , . . . , yrn+r )
formam uma base de H. É fato conhecido que todas as outras
P r Pr
bases de H são da forma w1 = ak1 vk , . . . , wr = akr vk , onde
k=1 k=1
A = (aij ) é uma matriz r × r invertı́vel. Então as coordenadas
homogêneas Y A, A ∈ GL(Rr ), do elemento H ∈ Gr (Rn+r ), estão
definidas a menos de multiplicação à direita por uma matriz in-
vertı́vel r × r.
Podemos introduzir coordenadas não-homogêneas em
Gr (Rn+r ), desde que trabalhemos localmente. Estabeleçamos pri-
meiro algumas notações.
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124 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

Dados um subconjunto α = {i1 < · · · < ir } ⊂ {1,. . ., n + r}


com r elementos e uma matriz Y ∈ M ((n + r) × r), denotamos
por α(Y ) a submatriz r × r de Y formada pelas linhas de ordem
i1 , . . . , ir . Analogamente, indicamos por α∗ o complementar de α
em {1, . . . , n + r} e α∗ (Y ) a submatriz n × r de Y formada pelas
linhas que não foram usadas em α(Y ). Valem as equações:

α(Y · A) = α(Y ) · A e α∗ (Y · A) = α∗ (Y ) · A.

Para cada α = {i1 , . . . , ir } como acima, seja Uα ⊂ Gr (Rn+r ) o


conjunto de todos os r-planos H ∈ Gr (Rn+r ) tais que a projeção
ortogonal πα : Rn+r → Rrα sobre o subespaço gerado pelos vetores
básicos ei1 , . . . , eir leva H isomorficamente sobre Rrα . Isto significa
que para cada matriz Y de coordenadas homogêneas de H, α(Y )
é invertı́vel.
x3

H 0 6∈ U{1,2}

H ∈ U{1,2}

x1
π{1,2} p

x2

Figura 4.11.

Vamos definir agora uma bijeção xα : Uα → Rnr que será


um sistema de coordenadas locais em Gr (Rn+r ). Os valores de
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[SEC. 6: VARIEDADES DE GRASSMANN 125

xα serão dados como matrizes n × r, como se segue: dado um


subespaço H ∈ Uα , seja Y uma qualquer matriz de coordena-
das homogêneas de H. Escrevemos xα (H) = α∗ (Y · α(Y )−1 ) =
α∗ (Y ) · α(Y )−1 .

Notemos que Y0 = Y ·α(Y )−1 ) é a única matriz de coordenadas


homogêneas de H tal que α(Y0 ) = Ir . Então xα está bem definida.
Além disso, xα é 1 − 1: se H, K ∈ Uα são representados por
matrizes Y0 , Z0 com α(Y0 ) = α(Z0 ) = Ir e xα (H) = xα (K),
então α∗ (Y0 ) = α∗ (Z0 ), logo Y0 = Z0 , donde H = K. Notemos
finalmente que xα (Uα ) = Rnr : dada uma matriz W ∈ Rnr , seja
f a única matriz (n + r) × r tal que α∗ (W
W f ) = W e α(W f ) = Ir .
É claro que Wf tem posto r. Seja H o subespaço do R n+r gerado
f
pelas colunas de W . Então H ∈ Uα e xα (H) = W .

Apliquemos os lemas da Seção 3 para mostrar que Gr (Rn+r ) é


uma variedade de classe C ∞ e dimensão nr, compacta. As duas
primeiras afirmações são óbvias:

(1) Cada xα : Uα → Rnr é uma bijeção.

(2) Os domı́nios Uα cobrem Gr (Rn+r ).

(3) Sejam α, β dois subconjuntos de {1, . . . , n + r}, com r elemen-


tos, tais que Uα ∩ Uβ 6= ∅. Consideremos as aplicações contı́nuas
α̃ : M (n × r) → M (n + r) × r), dada por α̃(W ) = W f (α∗ (W
f) = W ,
α(W f ) = Ir ), e β : M ((n + r) × r) → M (r × r), Y 7→ β(Y ). Então
xα (Uα ∩Uβ ) = (β ◦ α̃)−1 [GL(Rr )]. Conseqüentemente, xα (Uα ∩Uβ )
é aberto em Rnr . Além disso, dada W ∈ M (n × r), o subespaço
H = x−1 f
α (W ) tem por base as colunas da matriz W = α̃(W ).
Logo xβ ◦ x−1 ∗ −1
α (W ) = β (α̃(W )) · β(α̃(W )) . Isto evidencia clara-
mente que a mudança de coordenadas xβ ◦ x−1 α : xα (Uα ∩ Uβ ) →
xβ (Uα ∩ Uβ ) é de classe C .∞
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126 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS


(4) Pelo Lema 1, as n+r r bijeções xα : Uα → Rnr definem uma
topologia em Gr (Rn+r ), em relação à qual formam um atlas A
de classe C ∞ . Como A é finito, esta topologia possui base enu-
merável.
(5) Gr (Rn+r ) é um espaço de Hausdorff.
Sejam α 6= β e Wi ∈ xα (Uα ∩ Uβ ) uma seqüência tendendo
para W ∈ xα (Uα − Uβ ). Então β(α̃(W )) não é invertı́vel. Logo a
seqüência [β(α̃(Wi ))]−1 não converge e portanto xβ ◦ x−1α (Wi ) =
∗ −1
β (α̃(Wi )) · [β(α̃(Wi ))] não converge.
A variedade de Grassmann é compacta. Com efeito, seja
Vr (Rn+r ) o conjunto de todas as matrizes (r + n) × r de posto
r. Para cada Y ∈ Vr (Rn+r ) seja H = π(Y ) o subespaço gerado
pelas colunas de Y . Isto define uma aplicação natural

π : Vr (Rn+r ) → Gr (Rn+r ).

Provemos inicialmente que π é contı́nua: para cada α = {i1 , . . . , ir },


denotamos por Vα = π −1 (Uα ) o conjunto de todas as matrizes
Y ∈ Vr (Rn+r ) tais que α(Y ) é invertı́vel. Como Vα é aberto em
Vr (Rn+r ), basta provar que π|Vα é contı́nua. Considerando o sis-
tema de coordenadas xα : Uα → Rrn , vê-se que xα ◦ (π|Vα ) : Y 7→
α∗ (Y ) · α(Y )−1 . Logo π|Vα é contı́nua.
Consideremos agora o conjunto C de todas as matrizes
(n + r) × r cujas colunas v1 , . . . , vr satisfazem a condição hvi , vj i =
δij . Evidentemente C é fechado e limitado em R(n+r)r , logo com-
pacto. Como cada H ∈ Gr (Rn+r ) possui uma base ortonormal,
Gr (Rn+r ) = π(C) é compacto.

Nota: Apresentamos agora um modo intrı́nseco de introduzir co-


ordenadas locais em Gr (Rn+r ). Para cada par α = (E, F ) de
subespaços do Rn+r com E ⊕ F = Rn+r e dim E = r, seja Uα o
conjunto de todos os H ∈ Gr (Rn+r ) tais que H ∩ F = {0}. Isto
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[SEC. 6: VARIEDADES DE GRASSMANN 127

significa que a projeção πE : E ⊕ F → E leva H isomorficamente


sobre E.
Definimos os sistemas de coordenadas

xα : Uα → L(E, F )

pela regra xα (H) = πF ◦ (πE |H)−1 : E → F . Geometricamente,


xα (H) = u é a transformação linear de E em F cujo gráfico é H
(ver Figura 4.12).
H ∈ G1 (R3 )

v πF vF

πE
E
vE 0

Figura 4.12.

Nesta versão aparece uma novidade: os sistemas de coorde-


nadas locais xα têm por imagem espaços vetoriais L(E, F ) (de
dimensão rn) ao invés de tomarem valores no Rrn . Porém, se
for do nosso desejo, podemos passar em qualquer instante para
matrizes n × r.
A versão intrı́nseca se relaciona com a anterior do seguinte
modo: cada subconjunto α = {i1 , . . . , ir } ⊂ {1, . . . , n + r} define
um par α = (Rrα , Rnα∗ ) de subespaços suplementares em Rn+r , onde
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128 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIÁVEIS

Rrα é gerado por ei1 , . . . , eir e Rnα∗ pelos restantes. A transformação


linear u = xα (H) = πα∗ ◦ (πα |H)−1 : Rrα → Rnα∗ tem por matriz
associada às bases canônicas de Rrα e Rnα∗ exatamente a matriz
xα (H) definida na versão original.
Sejam α = (E, F ) e α0 = (E 0 , F 0 ). A mudança de coordenadas
xα0 ◦ xα−1 : L(E, F ) → L(E 0 , F 0 ) faz corresponder a u = xα (H) ∈
L(E, F ) a transformação linear u0 = xα0 (H) ∈ L(E 0 , F 0 ) como se
segue:
Seja ũ : E → E ⊕ F definida por ũ(x) = x + u(x). Então a imagem
de ũ é H. Como πE 0 ◦ ũ : E → E 0 é um isomorfismo. Por conse-
guinte, u0 = (xα0 ◦ x−1 0
α )(u) é dada por u = πF 0 ◦ ũ ◦ (πE 0 ◦ ũ) .
−1

Isto mostra que xα0 ◦ xα ∈ C .1 ∞


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Capı́tulo V

Aplicações Diferenciáveis
entre Variedades

Vimos no Capı́tulo I o que se entende por aplicação diferenciá-


vel entre espaços euclidianos. Este conceito se generaliza de modo
natural, pois uma variedade se comporta localmente como se fosse
um subconjunto aberto de um espaço euclidiano.

Sendo assim, pode-se desenvolver um cálculo diferencial em


variedades: para definir a noção de derivada de uma aplicação
f : M → N entre variedades, associaremos a cada p ∈ M um
espaço vetorial, chamado o espaço tangente a M no ponto p e in-
dicado por T Mp . A derivada f 0 (p) será uma transformação linear
de T Mp para T Nf (p) .

Os teoremas da função inversa e das funções implı́citas, as for-


mas locais, os conceitos de imersão, mergulho e submersão se es-
tendem ao contexto das variedades. O conteúdo geométrico dessas
idéias será explorado nos Capı́tulos V, VI e VII.
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130 [CAP. V: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES

1 Aplicações diferenciáveis
Sejam M m , N n variedades de classe C r (r ≥ 1). Diz-se que
uma aplicação f : M → N é diferenciáel no ponto p ∈ M se exis-
tem sistemas de coordenadas x : U → Rm em M , y : V → Rn em
N , com p ∈ U e f (U ) ⊂ V tais que y ◦ f ◦ x−1 : x(U ) → y(V ) ⊂ Rn
é diferenciável no ponto x(p).
M N
f
U p
V f (p) = q

x y

Rm y ◦ f ◦ x−1 Rn
x(p) y(p)
x(U ) y(V )

Figura 5.1.

A aplicação fxy = y ◦ f ◦ x−1 é denominada a expressão de f


nas coordenadas locais x, y.
Observe-se que, em particular, f : M → N é contı́nua no ponto
p ∈ M.
Como as mudanças de coordenadas em M e N são difeomorfis-
mos de classe C r , a definição de diferenciabilidade independe dos
sistemas de coordenadas x, y: para todo par de sistemas de coor-
denadas x0 : U 0 → Rm em M e y 0 : V 0 → Rn em N , com p ∈ U 0 ,
f (U 0 ) ⊂ V 0 , a aplicação fx0 ,y0 = y 0 ◦ f ◦ (x0 )−1 será diferenciável
no ponto x0 (p).
Dizemos que f : M → N é diferenciável se f for diferenciável
em todos os pontos de M .
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[SEC. 1: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS 131

Dizemos finalmente que f : M → N é de clase C k (k ≤ r) se,


para cada p ∈ M , existem sistemas de coordenadas locais x : U →
Rm em M , y : V → Rn em N , com p ∈ U e f (U ) ⊂ V tais que
y ◦ f ◦ x−1 : x(U ) → y(V ) é de classe C k .
Segue-se da definição que uma aplicação f : M → N é de classe
k
C quando existem um atlas A sobre M e um atlas B sobre N
tais que para cada y ∈ B existe x ∈ A relativamente aos quais a
expressão de f é de classe C k .
Isto implica que, para toda carta x0 : U 0 → Rm do atlas máximo
de M e para toda carta y 0 : V 0 → Rn do atlas máximo de N com
f (U 0 ) ⊂ V 0 , a expressão local fx0 ,y0 será de classe C k . Com efeito,
dado p ∈ M , sejam x ∈ A e y ∈ B tais que fxy : x(U ) → y(V ) é de
classe C k . Então fy0 x0 : x0 (U ∩ U 0 ) → y 0 (V ∩ V 0 ) pode ser escrita
como

fy0 x0 = y 0 ◦ f ◦ (x0 )−1 = y 0 ◦ y −1 ◦ y ◦ f ◦ x−1 ◦ x ◦ (x0 )−1


= (y 0 ◦ y −1 ) ◦ fxy ◦ (x ◦ (x0 )−1 ) = ϕyy0 ◦ fxy ◦ ϕxx0 ∈ C k .

Quando dissermos que f : M → N é de classe C k admitiremos,


ao menos implicitamente, que M e N são de classe C r , r ≥ k.
A composta de duas aplicações f : M → N e g : N → P de
classe C k é também uma aplicação de classe C k .
Um difeomorfismo f : M → N é uma bijeção diferenciável cuja
inversa é também diferenciável. Se ambas f e f −1 são de classe
C k , dizemos que f é um difeomorfismo de classe C k .
Exemplos:
1) Sejam U ⊂ Rm um aberto e f : U → Rn uma aplicação. Po-
demos considerar o conjunto U como uma variedade de classe C k
(Exemplo 1, Seção 4 do Cap. IV). Então f é diferenciável no sen-
tido das variedades se, e somente se, f é diferenciável no sentido
do Capı́tulo I. Mais geralmente, se M m ⊂ Rn e N p ⊂ Rq são
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132 [CAP. V: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES

superfı́cies de classe C k então uma aplicação f : M m → N p é de


classe C r (r ≤ k) no sentido de variedades se, e somente se, o é no
sentido da Seção 3 do Capı́tulo II.
2) Sejam M m uma variedade de classe C k e x : U → Rm um
sistema de coordenadas em M . Consideremos em U sua estrutura
natural de subvariedade aberta de M (Exemplo 2, Seção 4 do Cap.
IV). Então x é um difeomorfismo de classe C k de U sobre x(U ).
De fato, a expressão de ambas x e x−1 nos sistemas de coordenadas
locais x e id : Rm → Rm é a aplicação identidade de x(U ).
Em particular, dada uma parametrização ϕ : U0 → U ⊂ M em
uma superfı́cie de classe C k , M m ⊂ Rn , vê-se que ϕ e ϕ−1 são
difeomorfismos de classe C k .
3) Os caminhos diferenciáveis são as aplicações diferenciáveis
α : I → M , onde I é um intervalo aberto da reta real. A condição
de diferenciabilidade de α exige que α seja contı́nua e que, dado
um sistema de coordenadas x : U → Rm em M , para todo subin-
tervalo J tal que α(J) ⊂ U , a composta x ◦ α : J → x(U ) seja um
caminho diferenciável em Rm .
4) As funções reais diferenciáveis são as aplicações diferenciáveis
f : M → R. Para todo sistema de coordenadas x : U → Rm em
M , a função composta f ◦ x−1 : x(U ) → R deve ser uma função
diferenciável de m variáveis reais, definida num aberto x(U ) ⊂ Rm .
5) Sejam M , N1 , N2 variedades de classe C r . Uma aplicação
f : M → N1 × N2 é de classe C k (k ≤ r) se, e somente se, f =
(f1 .f2 ), onde as coordenadas f1 : M → N1 e f2 : M → N2 são de
classe C k . Realmente, considerando em N1 × N2 os sistemas de
coordenadas locais do tipo y1 × y2 : V1 × V2 → Rn1 × Rn2 (ver
Exemplo 4, Seção 4 do Cap. IV), vê-se que (y1 × y2 ) ◦ f ◦ x−1 =
(y1 ◦ f1 ◦ x−1 , y2 ◦ f2 ◦ x−1 ). Lembremos, em seguida, que uma
aplicação g = (g1 , g2 ) : x(U ) → Rn1 × Rn2 é de classe C k se, e
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[SEC. 1: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS 133

somente se, ambas g1 : x(U ) → Rn1 e g2 : x(U ) → Rn2 são de


classe C k .

6) Sejam A o atlas máximo de classe C k sobre R que contém o


sistema de coordenadas id : R → R, e B o atlas máximo de classe
C k sobre R que contém y : R → R definida por y(t) = t1/3 . Então
A 6= B (ver Exemplo 1, Seção 4 do Cap. IV) e M = (R, A)
e N = (R, B) são duas estruturas distintas de variedade C k no
mesmo conjunto R. A função f : M → M definida por f (t) = t1/3
não é diferenciável. No entanto, a função g : M → N , g(t) = t1/3
é um difeomorfismo de classe C k .

7) Consideremos a aplicação f : Gr (Rn+r ) → Gn (Rn+r ) que asso-


cia a cada subespaço de dimensão r, H ⊂ Rn+r , seu complemento
ortogonal f (H) = H ⊥ .
Afirmação: f é um difeomorfismo de classe C ∞ .

H1

Figura 5.2.


Como (H ⊥ ) = H, é suficiente provar que f ∈ C ∞ . Para cada
α = {i1 , . . . , ir }, vê-se que f (Uα ) = Uα∗ . Calculemos a expressão
de f nos sistemas de coordenadas xα : Uα → Rrn , yα∗ : Uα∗ →
Rrn . Seja H ∈ Uα , arbitrário. Então xα (H) = α∗ (Y0 ) onde Y0
é a matriz (n + r) × r de coordenadas homogêneas de H tal que
α(Y0 ) = Ir . Analogamente, yα∗ (H ⊥ ) = α(Z0 ), onde Z0 é a matriz
(n + r) × n, que representa H ⊥ , tal que α∗ (Z0 ) = In . As colunas
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134 [CAP. V: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES

de Z0 , sendo vetores de H ⊥ , são ortogonais às colunas de Y0 , base


de H. Isto significa que t Y0 · Z0 = 0. Sem perda de generalidade,
podemos supor que α = {1, . . . , r}, logo Y0 e Z0 podem ser escritas
 
Y0 = IAr , Z0 = IBn , onde A = xα (H) é n × r e B = yα∗ (H ⊥ )
é r × n. Então t Y0 · Z0 = Ir · B = t A · In = B + t A = 0. Logo
B = −t A. Conclusão: yα∗ ◦ f ◦ (x + α)−1 : A 7→ −t A, portanto
f ∈ C ∞.

2 O espaço tangente

Recordemos que o espaço tangente T Mp a uma superfı́cie M m ⊂


Rn , num ponto p ∈ M , é o conjunto de todos os vetores v ∈ Rn que
são vetores-velocidade, em p, de caminhos diferenciáveis contidos
em M .
Porém, se M é uma variedade diferenciável, os “vetores tan-
gentes v ∈ T Mp ” deverão ser obtidos abstratamente, pois M não
está contida em nenhum espaço euclidiano. Apresentamos agora
uma das maneiras de se construir o espaço tangente.
Seja M m uma variedade de classe C k e seja p um ponto de M .
Indicamos por Cp o conjunto de todos os caminhos λ : J → M ,
definidos num intervalo aberto J, contendo 0, tais que λ(0) = p e
λ é diferenciável em 0. (Ver Exemplo 3 da Seção 1.) Se λ ∈ Cp
e x : U → Rm é um sistema de coordenadas em M , com p ∈ U ,
pode acontecer que a imagem λ(J) não esteja inteiramente contida
em U . Em vista disso, toda vez que escrevemos x ◦ λ, estamos
admitindo que o domı́nio de λ foi suficientemente reduzido a um
intervalo aberto menor J 0 , contendo 0, tal que λ(J 0 ) ⊂ U .
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[SEC. 2: O ESPAÇO TANGENTE 135

Diremos que dois caminhos λ, µ ∈ Cp são equivalentes, e es-


creveremos λ ∼ µ, quando existir um sistema de coordenadas
locais x : U → Rm em M , com p ∈ U , tal que x ◦ λ : J → Rm
e x ◦ µ : I → Rm têm o mesmo vetor-velocidade em t = 0, isto é,
(x ◦ λ)0 (0) = (x ◦ µ)0 (0).

Vale a pena observar que, neste caso, a igualdade


(x ◦ λ)0 (0) = (x ◦ µ)0 (0) será verdadeira para todo sistema de co-
ordenadas x : U → Rm em M , p ∈ U . Resulta daı́ que a relação
λ ∼ µ é de fato uma relação de equivalência em Cp .

O vetor-velocidade λ̇ de um caminho λ ∈ Cp é, por definição, a


classe de equivalência de λ. Ou seja, λ̇ = {µ ∈ Cp ;
µ ∼ λ}. Portanto, dados λ, µ ∈ Cp , tem-se λ̇ = µ̇ se, e somente
se, (x ◦ λ)0 (0) = (x ◦ µ)0 (0) para algum (logo para todo) sistema
de coordenadas locais x : U → Rm em M , com p ∈ U .

O conjunto quociente Cp / ∼ será indicado por T Mp e será cha-


mado o espaço tangente à variedade M no ponto p. Veremos que
T Mp possui todas as propriedades “desejáveis” para um espaço
tangente.

Por exemplo, pode-se dar a T Mp uma estrutura natural de


espaço vetorial sobre R, da seguinte maneira:

Cada sistema de coordenadas locais x : U → Rm em M , com


p ∈ U , dá origem a uma bijeção x̄ = x̄(p) : T Mp → Rm , definida
por x̄(λ̇) = (x ◦ λ)0 (0). É evidente que x̄ está bem definida e é
injetora. Mostremos que x̄ e sobrejetora. Dado v ∈ Rm , seja λ ∈
Cp dado por λ(t) = x−1 [x(p) + tv]. Então x̄(λ) = (x ◦ λ)0 (0) = v.
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136 [CAP. V: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES

M
U
λ̇
p

v = x(λ)
x(p)
x◦λ
Rm

Figura 5.3.

Damos a T Mp uma estrutura de espaço vetorial real, exigindo


que a bijeção x̄ : T Mp → Rm venha a ser um isomorfismo. Em
outras palavras, as operações de soma e produto de um vetor por
um número real são definidas pelas equações

λ̇ + µ̇ = (x̄)−1 (x̄(λ̇) + x̄(µ̇)),


c · λ̇ = (x̄)−1 (c · x̄(λ̇)).

O fato crucial é que estas operações não dependem da escolha


do sistema de coordenadas x. Com efeito, dado y : V → Rm em
M , com p ∈ V , então ȳ = (y ◦ x̄−1 )0 ◦ x̄ : T Mp → Rm .

T Mp
x y

R
Rm - Rm
(y◦x−1 )0
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[SEC. 3: A DERIVADA EM UMA APLICAÇÃO DIFERENCIÁVEL 137

Como (y ◦ x−1 )0 (x(p)) é um isomorfismo, os sistemas de coor-


denadas x e y originam a mesma estrutura de espaço vetorial em
T Mp .
Dados um sistema de coordenadas locais x : U → Rm em M
 ∂ ∂
e um ponto p ∈ U , indicamos por (p), . . . , (p) a base
∂x1 ∂xm m
de T Mp que é levada pelo isomorfismo x̄ : T Mp → R sobre a

base canônica {e1 , . . . , em }. Às vezes escreveremos em vez de
∂xi
∂ ∂
i
(p). O vetor básico ∈ T Mp é a classe de equivalência de
∂x ∂xi
qualquer caminho λ ∈ Cp tal que (x ◦ λ)0 (0) = ei .

3 A derivada em uma aplicação diferenciável


Sejam M m , N n variedades diferenciáveis e f : M → N uma
aplicação diferenciável no ponto p ∈ M .
A derivada de f no ponto p é a transformação linear f 0 (p) :
T Mp → T Nf (p) que associa a cada v = λ̇ ∈ T Mp o elemento
f 0 (p) · v = (f ◦ λ)· ∈ T Nf (p) , vetor-velocidade do caminho f ◦ λ ∈
Cf (p) .

(f ◦ λ)
λ̇
f f (p)
J p
λ
N
0 M
f ◦λ

Figura 5.4.

Devemos verificar que f 0 (p) é uma transformação linear bem


definida. Tomemos assim sistemas de coordenadas x : U → Rm
em M , com p ∈ U e y : V → Rn em N , com f (p) ∈ V e f (U ) ⊂ V .
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138 [CAP. V: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES

Dado v = λ̇ ∈ T Mp , então (y ◦ f ◦ λ)0 (0) = (y ◦ f ◦ x−1 ◦ x ◦ λ)0 (0) =


0 ◦ (x ◦ λ)0 (0).
fxy
Isto mostra que: 1) O vetor velocidade do caminho f ◦ λ ∈
Cf (p) depende apenas do vetor velocidade de λ. Por conseguinte,
f 0 (p) · v = (f ◦ λ)· está bem definido. 2) O diagrama

f 0 (p)
T Mp - T Nf (p)

x y
? ?
Rm - Rn
0
fxy

é comutativo. Logo f 0 (p) : T Mp → T Nf (p) é uma transformação


 ∂  ∂
linear, cuja matriz em relação às bases de T M p e de
∂xi ∂y i
∂y i 
T Nf (p) é a matriz jacobiana da aplicação fxy : x(U ) → Rn
∂xj
no ponto x(p).
Proposição 1. (Regra da cadeia.) Sejam M , N , P variedades
diferenciáveis, f : M → N uma aplicação diferenciável no ponto
p ∈ M e g : N → P uma aplicação diferenciável no ponto f (p) ∈
N . Então g ◦ f : M → P é diferenciável no ponto p ∈ M e (g ◦
f )0 (p) = g 0 (f (p)) ◦ f 0 (p) : T Mp → T Pgf (p) .
Demonstração: Consideremos os sistemas de coordenadas
x : U → x(U ) em M , y : V → y(V ) em N e z : W → z(W ) em
P , tais que p ∈ U , f (U ) ⊂ V e g(V ) ⊂ W .
Ora, fxy = y ◦ f ◦ x−1 : x(U ) ⊂ Rm → y(V ) ⊂ Rn é dife-
renciável em x(p) e gyz = z ◦ g ◦ y −1 : y(V ) ⊂ Rn → z(W ) ⊂ Rp
é diferenciável em y(f (p)). Pela regra de cadeia usual (Capı́tulo
I, Seção 4) resulta que gyz ◦fxy = z ◦(g ◦f ) ◦ x−1 : x(U ) → z(W ) é
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[SEC. 4: ALGUMAS IDENTIFICAÇÕES NATURAIS 139

diferenciável no ponto x(p). Logo g ◦ f : M → P é diferenciável


no ponto p ∈ M . Dado v = λ̇ ∈ T Mp , então

(g ◦ f )0 (p) · λ̇ = (g ◦ f ◦ λ)· = (g ◦ (f ◦ λ))·


= g 0 (f (p)) · (f ◦ λ)· = g 0 (f (p)) · f 0 (p) · λ̇.

Observações:

1) Se f = id : M → M então f 0 (p) = id : T Mp → T Mp para todo


p ∈ M.
2) Se f : M → N é um difeomorfismo então, para todo
p ∈ M , f 0 (p) : T Mp → T Nf (p) é um isomorfismo, cujo inverso
é (f −1 )0 (f (p)) = [f 0 (p)]−1 .

4 Algumas identificações naturais


1) T (Rm )p = Rm para todo p ∈ Rm .
Consideremos o sistema de coordenadas x = id : Rm → Rm .

O isomorfismo id : T (Rm )p → Rm , λ̇ 7→ (0) ∈ Rm , fornece a
dt
identificação desejada. Estamos identificando, em cada p ∈ Rm , a
coleção λ̇ = {µ ∈ Cp ; µ ∼ λ} com o vetor v ∈ Rm tal que µ0 (0) = v
para todo µ ∈ λ̇.

p v

Figura 5.5.

2) O espaço tangente a uma superfı́cie


Temos duas definições para o espaço tangente a uma superfı́cie
M ⊂ Rn , de classe C k : O espaço tangente “concreto”, que foi
m
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140 [CAP. V: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES

definido no Capı́tulo II e o espaço tangente “abstrato”, construı́do


na Seção 2 deste capitulo.
Identificaremos cada vetor tangente “abstrato” λ̇ com o vetor
“concreto” v ∈ Rn tal que v = µ0 (0) para todo µ ∈ λ̇.
Isto é equivalente a considerar a aplicação de inclusão i : M →
R (que é de classe C k ) e identificar T Mp com sua imagem pela
n

derivada i0 (p) : T Mp → T (Rn )p ≡ Rn .


3) Espaço tangente a um subconjunto aberto
Seja U um subconjunto aberto de uma variedade M m de classe
k
C . U pode ser visto como uma variedade de dimensão m e classe
C k (ver Exemplo 2, Seção 4 do Cap. IV).
Na definição de T Mp , p ∈ U , não há perda de generalidade em
se considerar somente os caminhos λ : J → M , λ ∈ Cp , tais que
λ(J) ⊂ U . Isto significa que T Up = T Mp .
Formalmente, estamos considerando a aplicação de inclusão
i : U → M e identificando T Up com T Mp por meio do isomorfismo
i0 (p) : T Up → T Mp .
Estas três identificações acarretam algumas outras:
4) A derivada no sentido das variedades é generalização
natural da derivada em Rn . (Ver Exemplo 1, Seção 1.)
Dada uma aplicação diferenciável f : U → Rn (U ⊂ Rm aberto),
a presente noção de derivada f 0 (p) : T Up → T (Rn )f (p) se reduz à
“antiga”, através das identificações T Up = Rm , T (Rn )f (p) = Rn .

f f 0 (p)
U - Rn T Up - T (Rn )f (p)

id id i0 (p) id0 (p)


? ? ? Df (p) ?
U - Rn Rm - Rn
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[SEC. 5: A APLICAÇÃO ESFÉRICA DE GAUSS 141

5) Sejam M m uma variedade diferenciável e x : U → x(U ) ⊂ Rm


um sistema de coordenadas locais em M . Então x é um difeomor-
fismo de U sobre x(U ).

x0 (p)
U
x - x(U ) T Mp - T (Rm )x(p)

x id x(p) id

? ? ? ?
id- m id - Rm
x(U ) x(U ) R

Para cada p ∈ U , a derivada x0 (p) : T Up → T (Rm )x(p) coincide


com o isomorfismo x̄ : T Mp → Rm (ver Seção 2).
De agora em diante será abandonada a notação temporária x̄.

6) Sejam M uma variedade diferenciável e λ : J → M , λ ∈ Cp ,


um caminho em M (λ(0) = p). A derivada λ0 (0) : R → T Mp é
dada por λ0 (0) · r = (λ ◦ αr )· , onde αr (t) = rt. Identificaremos a
aplicação linear λ0 (0) com o vetor velocidade λ0 (0) · 1 = λ̇ ∈ T Mp ,
abandonando, de agora em diante, a notação λ̇. Mais geralmente,,
seja λ : (a, b) → M um qualquer caminho diferenciável. Para cada
c ∈ (a, b) escrevemos λ0 (c) em vez de λ0 (c) · 1 e dizemos que λ0 (c) ∈
T Mλ(c) é o vetor-velocidade do caminho λ(t) em t = c.

5 A aplicação esférica de Gauss


Seja M m ⊂ Rm+1 uma hiperfı́cie orientável de classe C k ,
k ≥ 2. Vimos no Capı́tulo III (Proposição 5) que existe um campo
u : M → Rm+1 , de classe C k−1 , de vetores unitários, normais a M .
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142 [CAP. V: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES

u(p)
u(p)
Sm

Mm
p
0

Rm

Figura 5.6.

Como u(p) ∈ S m para todo p ∈ M , vemos que u : M → S m é


de classe C k−1 (cfr. Seção 3 do Cap. II).
Em cada ponto p ∈ M , os espaços tangentes T Mp e
T (S m )u(p) , considerados como subespaços do Rm+1 , são iguais,
já que ambos são o complemento ortogonal de u(p). Por conse-
guinte, a derivada de u é um endomorfismo u0 (p) : T Mp → T Mp .
O número real K(p) = det(u0 (p)) chama-se a curvatura gaus-
siana de M no ponto p. Em cada componente conexa de M
há duas escolhas, u e −u, para um campo contı́nuo de vetores
unitários normais a M . Quando a dimensão de M é par,
det(u0 (p)) = det(−u0 (p)), e a curvatura gaussiana K(p) não de-
penderá da escolha de u. Se m é ı́mpar, K(p) está definido a
menos de sinal.
Uma propriedade importante da derivada u0 (p) : T Mp → T Mp
é que ela é auto-adjunta, isto é, hu0 (p) · v, wi = hv, u0 (p) · wi para
todos v, w ∈ T Mp . Para provar isto, seja ϕ : U0 → U uma pa-
rametrização de uma vizinhança U de p ∈ M . Sejam ϕ(x0 ) = p,
ϕ0 (x0 ) · v0 = v, ϕ0 (x0 ) · w0 = w. Para cada x ∈ U0 , tem-se
hu(ϕ(x)), ϕ0 (x) · w0 i = 0. Por diferenciação, segue-se que

hu0 (p) · ϕ0 (x0 ) · v0 , ϕ0 (x) · w0 i + hu(p), ϕ00 (x0 ) · (v0 , w0 )i = 0.


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[SEC. 6: ESTRUTURAS DE VARIEDADE EM UM ESPAÇO TOPOLÓGICO 143

Portanto hu0 (p) · v, wi = −hu(p)ϕ00 (x0 ) · (v0 , w0 )i. Como ϕ00 (x0 ) é,
pelo teorema de Schwarz, uma forma bilinear simétrica, segue-se
que hu0 (p) · v, wi = hu0 (p) · w, vi.
Os valores próprios da transformação linear u0 (p) são, por-
tanto, números reais k1 ≥ · · · ≥ km . Estes números são deno-
minados de curvaturas principais de hiperfı́cie M no ponto p. É
claro que K(p) = k1 · · · · · km .
Grande parte da Geometria Diferencial Clássica é estudada
usando a aplicação de Gauss. Muitas propriedades topológicas
globais de M se refletem no comportamento de K.

6 Estruturas de variedade em um espaço


topológico
Dada uma variedade diferenciável (M, A), é fácil definir outra
estrutura de variedade diferenciável (M, B), de mesma classe que
a anterior, sobre o mesmo espaço topológico M . Basta considerar
um homeomorfismo ϕ : M → M que não seja um difeomorfismo,
e definir

B = {x ◦ ϕ : ϕ−1 (U ) → Rn ; x : U → Rn em A}.

É claro que B herda de A a propriedade de ser um atlas di-


ferenciável máximo. Entretanto, do fato de ϕ não ser um difeo-
morfismo, deduz-se imediatamente que B 6= A. Isto se exprime
dizendo que os atlas A e B definem em M estruturas distintas de
variedade diferenciável. Por outro lado a aplicação

ϕ : (M, B) → (M, A)

é um difeomorfismo (verificação trivial), o que se exprime dizendo


que as duas estruturas de variedade que estamos considerando em
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144 [CAP. V: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES

M são distintas, porém equivalentes. Estas considerações sugerem


algumas perguntas:
1) Dada uma variedade diferenciável (M, A) será possı́vel defi-
nir em M uma nova estrutura não equivalente à primeira? Ou
seja, existirá outro atlas diferenciável máximo B, sobre M , tal
que (M, A) não é difeomorfa a (M, B)?
(Problema da unicidade da estrutura diferenciável.)
2) Dada uma variedade topológica M , isto é, um espaço topoló-
gico, munido de um atlas máximo A0 , de classe C 0 , existirá um
atlas diferenciável A ⊂ A0 ? Em outras palavras, admitirá toda
variedade topológica uma estrutura de variedade diferenciável?
(Problema da existência de uma estrutura diferenciável.)
3) Uma variedade M , de classe C k , admitirá uma estrutura de
variedade de classe C s com s > k?
O problema 1) foi resolvido por J. Milnor (Annals of Mathe-
matics, vol. 64 (1956), págs. 395-405). Já se sabia que, em di-
mensões baixas, (1,2,3) duas estruturas diferenciáveis quaisquer
numa variedade eram equivalentes. Esperava-se que a unicidade
(a menos de um difeomorfismo) fosse válida em todos os casos.
Surpreendentemente, Milnor obteve exemplos de várais estruturas
diferenciáveis não equivalentes na esfera S 7 .
O problema 2) foi resolvido por S. Smale e, independente-
mente, por M. Kervaire. Existem variedades topológicas que não
admitem estrutura de variedade diferenciável. Aqui, novamente,
surge uma pergunta natural: como deve ser a topologia de uma
variedade de classe C 0 para que ela admita uma estrutura dife-
renciável?
O problema 3) foi resolvido por H. Whitney (Annals of Ma-
thematics, vol. 37 (1936) págs. 645-680). Todo atlas máximo
A1 , de classe C 1 , sobre uma variedade M , contém um atlas A de
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[SEC. 6: ESTRUTURAS DE VARIEDADE EM UM ESPAÇO TOPOLÓGICO 145

classe C ∞ . (Isto será demonstrado mais adiante, no Capı́tulo XI.)


Mais do que isso: Whitney demonstrou que A pode ser tomado
analı́tico. Em termos menos precisos: toda variedade de classe C 1
admite uma estrutura de classe C ∞ e, até mesmo, uma estrutura
analı́tica.
Uma discussão mais completa dos problemas e resultados acima
mencionados foge ao nı́vel deste livro. Um problema antigo e de
maior dificuldade é o da classificação das variedades diferenciáveis
de uma dada dimensão n (duas variedades M n , N n pertencem à
mesma “classe de difeomorfismo” se, e somente se, são difeomor-
fas). Este problema está resolvido em dimensões 1 e 2. Uma
variedade diferenciável M 1 é difeomorfa ao cı́rculo

S 1 = {(x, y) ∈ R2 ; x2 + y 2 = 1},

se for compacta, ou à reta R, se não for compacta. A classi-


ficação das variedades M 2 não é tão simples mas está completa-
mente feita. Duas variedades de dimensão 2 são difeomorfas se e
só se são homeomorfas. Para a classificação (por homeomorfismos)
das M 2 compactas, veja-se Seifert-Threlfall, “Lecciones de Topo-
logia”, Capı́tulo VI. Uma M 2 compacta orientável e caracterizada
pelo seu gênero (número de “asas” acrescentadas a uma esfera
para obter M 2 ). Elas são: a esfera (gênero 0), o toro (gênero
1), etc. Uma M 2 compacta não orientável é caracterizada pelo
seu “recobrimento orientável”, dado por uma variedade compacta
orientável M f2 e uma aplicação regular

f2 → M 2
π: M

tal que π −1 (q) tem 2 pontos, para cada q ∈ M 2 . Por exemplo,


o plano projetivo é recoberto pela esfera, a “garrafa de Klein”
pelo toro, etc. Para a classificação das M 2 não compactas, veja-
se Kererkjartó: “Vorlesungen uber Topologie”, Berlin, 1932. Em
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146 [CAP. V: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS ENTRE VARIEDADES

dimensão 3, sabe-se que toda variedade topológica M 3 possui uma


estrutura diferenciável, e que duas variedades diferenciável M 3 e
N 3 são difeomorfas se e somente se são homeomorfas. Mas o
problema de classificar as variedades M 3 por homeomorfismos tem
resistido às tentativas dos topólogos. Em particular, não se sabe se
uma variedade compacta, simplesmente conexa, de dimensão 3, é
ou não homeomorfa à esfera S 3 (conjectura de Poincaré). S. Smale
demonstrou que uma variedade simplesmente conexa M n , que tem
os mesmos grupos de homologia de uma esfera S n , é homeomorfa
a S n , se n 6= 3, 4. Os casos n = 3, 4 continuam em aberto.
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Capı́tulo VI

Imersões, Mergulhos e
Subvariedades

O objetivo principal deste capı́tulo é introduzir o conceito de


subvariedade.
Intuitivamente, uma subvariedade M m ⊂ N n está situada em
N de modo análogo a uma superfı́cie M m ⊂ Rn , situada em Rn .
É feita, também, uma discussão elementar das relações que
existem entre as noções de imersão e de mergulho.
A curva de Kronecker no toro é discutida em detalhe. Trata-se
de um exemplo importante, inclusive do ponto-de-vista histórico,
de uma imersão injetiva R → T 2 cuja imagem é densa.

1 Imersões

Sejam M m , N n variedades de classe C k (k ≥ 1) e f: M → N


uma aplicação diferenciável.
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148 [CAP. VI: IMERSÕES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Um ponto p ∈ M diz-se um ponto regular de f quando a


derivada f 0 (p) : T Mp → T Nf (p) é injetiva. Caso contrário, p diz-se
um ponto singular ou crı́tico de f .

Tomando coordenadas locais x : U → Rm em M e y : V → Rn


em N , com f (U ) ⊂ V , a derivada f 0 (p), p ∈ U , transforma-se na
0 (x(p)) : Rm → Rn , onde f −1
derivada fxy xy = y ◦ f ◦ x . Em outras
palavras, o diagrama abaixo é comutativo.

f 0 (p)
T Mp - T Nf (p)

x0 (p) y 0 (f (p))
? ?
Rm - Rn
0 (x(p))
fxy

Um ponto p ∈ U ⊂ M é regular para f se, e somente se,


0 (x(p))
fxy é injetiva.

O conjunto dos pontos regulares p ∈ M de uma aplicação de


classe C k , f : M → N , (k ≥ 1) pode ser vazio. Por exemplo, isto
ocorre sempre que dim M > dim N .

Proposição 1. (Forma local das imersões em variedades.) Seja


p ∈ M um ponto regular para a aplicação f : M → N de classe
C k , k ≥ 1. Então existe um sistema de coordenadas x : U → Rm
em M , com p ∈ U , e um difeomorfismo de classe C k , y : V →
Rm × Rn−m , (V ⊂ N aberto) tais que f (U ) ⊂ V e fxy = y ◦ f ◦
x−1 : x(U ) → x(U ) × {0} ⊂ Rm × Rn−m é a aplicação de inclusão,
isto é, fxy (w) = (w, 0). Em particular, o conjunto dos pontos
regulares p ∈ M de f é aberto em M .
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[SEC. 1: IMERSÕES 149

M f f (p)
U
V
p
y Rn−m
x
y(V )
fxy x(U ) × 0
m 0
R x(U )

Rm

Figura 6.1.

Demonstração: Dados quaisquer sistemas de coordenadas


x : U → Rm em M e z : V → Rn em N , com f (U ) ⊂ V , conside-
remos os diagramas

f f 0 (p)
U - V T Mp - T Nf (p)

x z x0 (p) z 0 (f (p))

? ? ? ?
x(U ) - z(V ) Rm - Rn
fxz 0 (x(p))
fxz

Observemos que x(U ) ⊂ Rm é aberto, fxz : x(U ) → Rn é


de classe C k e fxz0 (x(p)) é injetiva. Logo, pela forma local das

imersões (Capı́tulo 1, seção 9), restringindo se necessário os


domı́nios, conclui-se que existe um difeomorfismo de classe C k ,
ξ : z(V ) → x(U ) × W ⊂ Rm × Rn−m (0 ∈ W ⊂ Rn−m aberto), tal
que (ξ ◦ fxz )(u) = (u, 0).
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150 [CAP. VI: IMERSÕES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES

f
U - V

x z

? ?
fxz
x(U ) - z(V )

R ?
x(U ) × W

Concluimos a demonstração tomando y = ξ ◦ z.


Observação: O difeomorfismo de classe C k , y : V → y(V ) ⊂
Rn , será um sistema de coordenadas em N se a classe de N for
exatamente igual a k.
Uma aplicação diferenciável f : M → N diz-se uma imersão se
todo ponto p ∈ M é um ponto regular para f , isto é, a derivada
f 0 (p) : T Mp → T Nf (p) é injetiva para cada p ∈ M .
Proposição 2. Seja f : M m → N n uma imersão de classe C k .
Uma aplicação g : P r → M m é de classe C k se, e somente se, g é
contı́nua e f ◦ g : P r → N n é de classe C k (k ≥ 1).
Demonstração: Suponhamos que g seja contı́nua e que f ◦ g ∈
C k . Pela Proposição 1, para cada p ∈ P existem um sistema de
coordenadas x : U → Rm em M , com g(p) ∈ U , e um difeomor-
fismo de classe C k , y : V → Rm × Rn−m , (V ⊂ N aberto) tais
que f (U ) ⊂ V e fxy = y ◦ f ◦ x−1 : x(U ) → Rm × Rn−m é da
forma fxy (w) = (w, 0). Como g é contı́nua, podemos encontrar
um sistema de coordenadas z : Z → Rr em P , com p ∈ Z, tal que
g(Z) ⊂ U . Portanto (f ◦ g)zy = y ◦ f ◦ g ◦ z −1 : z(Z) → Rm × Rn−m
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[SEC. 2: MERGULHOS E SUBVARIEDADES 151

faz sentido e é da forma (f ◦ g)zy = (gzx , 0). Como f ◦ g ∈ C k ,


segue-se que (f ◦ g)zy ∈ C k , logo gzx ∈ C k . Conclusão: g ∈ C k .
A recı́proca é óbvia.

Exercı́cio. Encontrar uma imersão f : R → R2 , de classe C ∞ , e


uma aplicação descontı́nua g : R → R tais que f ◦ g : R → R2 seja
de classe C ∞ .

Corolário. Sejam N uma variedade de classe C k , pelo menos,


M um espaço topológico e f : M → N uma aplicação contı́nua.
Então existe no máximo uma estrutura de variedade C k em M
que torna f uma imersão de classe C k .
Demonstração: Suponhamos que existam dois atlas máximos de
classe C k em M , A e B, tais que f : (M, A) → N e f : (M, B) → N
são imersões de classe C k . A aplicação identidade g : (M, A) →
(M, B) é contı́nua e f ◦ g = f : (M, A) → N . Pela Proposição 2,
resulta que g ∈ C k . Isto significa que para cada x : U → Rm em
A e y : V → Rn em B, com U ∩ V 6= ∅, a mudança de coordena-
das y ◦ x−1 é de classe C k . Analogamente, a aplicação identidade
(M, B) → (M, A) é de classe C k , logo todas as mudanças de coor-
denadas x ◦ y −1 , x ∈ A e y ∈ B, também são de classe C k . Como
A e B são atlas máximos de classe C k , conclui-se que A = B.

2 Mergulhos e subvariedades
Sejam M m , N n variedades de classe C k (k ≥ 1).
Diz-se que uma aplicação f : M → N é um mergulho se

(i) f é uma imersão.

(ii) f é um homeomorfismo de M sobre o subespaço f (M ) ⊂ N .


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152 [CAP. VI: IMERSÕES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Na Seção 6 veremos exemplos de imersões injetivas que não


são homeomofismos sobre sua imagem.

Observação: Quando f : M → N é um mergulho de classe C k ,


a Proposição 2 fica simplificada, pois não será preciso supor que
g é contı́nua. De fato, se f ◦ g ∈ C k , então g = f −1 ◦ (f ◦ g) é
contı́nua.

Uma subvariedade M m de classe C k de uma variedade N n de


classe C r (r ≥ k) é um subconjunto M ⊂ N , com a topologia
induzida pela de N , e dotado de uma estrutura de variedade C k
tal que a aplicação de inclusão i : M → N é um mergulho de
classe C k .

Segue-se do corolário anterior que existe no máximo uma es-


trutura de variedade C k que faz de M uma subvariedade C k de N .

Devido à importância do conceito, explicitamos as condições


que devem ser verificadas a fim de que M seja uma subvariedade
de classe C k de N .

(i) M é uma variedade de classe C k .

(ii) M ⊂ N e a topologia de M é induzida pela de N .

(iii) Para cada p ∈ M , existem sistemas de coordenadas y : V →


Rn em N e x : U → Rm em M tais que p ∈ U ⊂ V e y ◦
x−1 : x(U ) → Rn é uma imersão de classe C k . (Então y ◦ x−1
é necessariamente um mergulho, pois a topologia de U é induzida
pela de V .)
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[SEC. 2: MERGULHOS E SUBVARIEDADES 153

Intuitivamente, M está situada em N assim como uma su-


perfı́cie de classe C k em Rn .
N

V
U
p
M
y

y(V )
x Rn

y ◦ x−1
x(U )
Rm x(p)

Figura 6.2.

Exemplos

1) As subvariedades de classe C k de Rn são precisamente as su-


perfı́cies M ⊂ Rn , de classe C k .

2) Sejam M e N variedades de classe C k e f : M → N um mer-


gulho de classe C k . Então f (M ) é uma subvariedade de classe C k
de N .

3) Um subconjunto aberto U ⊂ N , considerado como variedade


(ver Exemplo 2, Seção 4 do Cap. IV) é uma subvariedade de
N , da mesma classe e dimensão. Reciprocamente, toda variedade
n-dimensional M n ⊂ N n é um subconjunto aberto de N . Real-
mente, para cada par x, y como em (iii), y ◦ x−1 : x(U ) → Rn é,
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154 [CAP. VI: IMERSÕES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES

pelo teorema da função inversa, uma aplicação aberta. Segue-se


S
que M = [y −1 ◦ (y ◦ x−1 )(x(U ))] é um subconjunto aberto de N .

Em particular, se uma variedade conexa N n contém uma sub-


variedade compacta M n , de mesma dimensão, então M = N .

3 Subvariedades

Na prática, as três condições que devemos verificar para que M


seja uma subvariedade de classe C k de N podem ser simplificadas
pelas seguintes proposições.

Proposição 3. Sejam N uma variedade C r e M um subcon-


junto de N . Suponhamos que para cada p ∈ M exista um sis-
tema de coordenadas y : V → Rn em N , com p ∈ V , e uma
aplicação injetiva x : M ∩ V → Rm tais que x(M ∩ V ) é aberto
e y ◦ x−1 : x(M ∩ V ) → Rn é um mergulho de classe C k . Então
existe uma (única) estrutura de variedade C k em M que o torna
uma subvariedade de classe C k de N .

Demonstração: Dotando M da topologia induzida pela de N ,


cada aplicação x = (y ◦ x−1 )−1 ◦ y : M ∩ V → x(M ∩ V ) será um
homeomorfismo. A coleção A de todas estas aplicações x : M ∩
V → x(M ∩ V ) é um atlas de classe C k em M . Realmente, se
x : M ∩V → Rm relaciona-se com y : V → Rn da maneira indicada
no enunciado e x1 : M ∩ V1 → Rm relaciona-se com y1 : V1 → Rn , e
se M ∩V ∩V1 6= ∅, então x1 ◦x−1 = (y1 ◦x−1 −1 −1
1 )◦(y1 ◦y )◦(y◦x ) ∈
Ck.
A unicidade da estrutura de variedade em M é um fato geral,
visto na Seção 2.
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[SEC. 3: SUBVARIEDADES 155

N
V

M ∩V

M
y

Rn−m

y(M ∩ V )
0 π1

Rm

Figura 6.3.

Proposição 4. Seja N n uma variedade de classe C r . Para que


um subonjunto M ⊂ N sejam uma subvariedade de dimensão m
e classe C k (k ≤ r) de N é necessário e suficiente que, para cada
p ∈ M , exista um aberto V ⊂ N , p ∈ V , e um difeomorfismo de
classe C k y : V → Rm × Rn−m tal que y(M ∩ V ) ⊂ Rm × {0}.
(⇒) A condição é necessária. Resulta imediatamente da forma
local das imersões (Proposição 1) e da definição de subvariedade.
(⇐) A condição é suficiente. Resulta imediatamente da Pro-
posição 3, tomando

x = (π1 ◦ y) | (M ∩ V ) : M ∩ V → Rm .

Corolário. Seja N uma variedade de classe C r . Dado M ⊂ N ,


se cada p ∈ M possui uma vizinhança V em N tal que M ∩ V é
uma subvariedade de dimensão m e classe C k de N (k ≤ r) então
M é uma subvariedade de dimensão m e classe C k de N .
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156 [CAP. VI: IMERSÕES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Observação: Espaço tangente a uma subvariedade.


Seja M m ⊂ N n uma subvariedade de classe C k . Em
cada ponto p ∈ M identificamos o espaço tangente T Mp
com um subespaço de T Np , por meio da aplicação linear injetiva
i0 (p) : T Mp → T Np , onde i : M → N é a inclusão.
Como casos especiais deste procedimento, tem-se as identi-
ficações T Up = T Np para um subconjunto aberto e T Mp ⊂ Rn
quando M m ⊂ Rn é uma superfı́cie.

4 O espaço tangente a uma variedade pro-


duto. Derivadas parciais
Seja M m × N n um produto de variedades C k (ver Exemplo 4,
Seção 4 do Cap. IV).
Em cada ponto (p, q) ∈ M × N , o espaço tangente
T (M × N )(p,q) contém dois subespaços importantes E, F . O
primeiro, E, consta de todos os vetores-velocidade λ0 (0) de ca-
minhos do tipo λ(t) = (λ1 (t), q), enquanto que o segundo, F ,
é formado pelos vetores-velocidade µ0 (0) dos caminhos da forma
µ(t) = (p, µ2 (t)). Tomando um sistema de coordenadas x × y em
torno de (p, q), vê-se facilmente que o isomorfismo (x×y)0 : T (M ×
N )(p,q) → Rm × Rn leva E sobre Rm × 0 e F sobre 0 × Rn .
Conseqüentemente, T (M × N )(p,q) = E ⊕ F .
Do Exemplo 5, Seção 1, do Cap. V, resulta que as projeções
π1 : M ×N → M , π2 : M ×N → N , e as inclusões iq : M → M ×q ⊂
M × N , jp : N → p × N ⊂ M × N são de classe C k . As duas
primeiras são as coordenadas da aplicação identidade de M × N ,
enquanto que as duas últimas têm uma coordenada constante e a
outra é a identidade.
As relações π1 ◦ iq = id : M → M e π2 ◦ jp = id : N → N
acarretam (pela regra da cadeia) que iq e jp são mergulhos de
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[SEC. 5: A CLASSE DE UMA SUBVARIEDADE 157

classe C k (logo M × q e p × N são subvariedades C k de M × N )


e que as derivadas de π1 e π2 em (p, q) são sobrejetoras.
É óbvio que T (M × q)(p,q) = E e T (p × N )(p,q) = F .
Identificamos E e F com T Mp e T Nq respectivamente, por
meio dos isomorfismos i0q (p) : T Mp → E e jp0 (q) : T Nq → F .
Escrevemos finalmente T (M × N )(p,q) = T Mp ⊕ T Nq .
As derivadas parciais de uma aplicação diferenciável
f : M × N → P são aplicações lineares ∂1 f (p, q) : T Mp → T Pf (p,q)
e ∂2 f (p, q) : T Nq → T Pf (p,q) , definidas como sendo as derivadas
das aplicações f ◦ iq : M → P e f ◦ jp : N → P nos pontos p ∈ M
e q ∈ N , respectivamente.
Tomando em M × N sistemas de coordenadas locais do tipo
x × y, a “nova” noção de derivada parcial reduz-se a “antiga”,
vista na Seção 6, Capı́tulo I.
Por conseguinte, valem todos os resultados locais vistos no
Capı́tulo I, tais como o teorema das funções implı́citas, o teorema
da função inversa e a forma local das submersões. O leitor está
convidado a estender formalmente as generalizações destes teore-
mas ao contexto das variedades.

5 A classe de uma subvariedade


Na definição de subvariedade, não demos muita atenção à sua
classe de diferenciabilidade. Por isso, talvez seja interessante es-
clarecer, por meio de um exemplo, que uma variedade N , de classe
C k , pode possuir uma subvariedade M , de classe C r , r < k, de
tal modo situada em N que não existe em M uma estrutura de
variedade C r+1 tomando-a uma subvariedade de N .
Seja N = R2 , com sua estrutura habitual de variedade de
clase C ∞ e M = {(x, y) ∈ R2 ; x4 = y 3 }. Então M = f −1 (0), onde
f : R2 → R é a função de classe C ∞ definida por f (x, y) = x4 − y 3 .
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158 [CAP. VI: IMERSÕES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Se 0 ∈ R fosse um valor regular de f , M seria uma subvariedade


de classe C ∞ do R2 . (Seção 5.2, Cap. II.) Tal não é o caso. Apesar
disso, M é ainda uma subvariedade de classe C 1 do R2 , pois é o
gráfico da função y = x4/3 , de classe C 1 .

y = x4/3

Figura 6.4.

Suponhamos que M pudesse receber uma estrutura de varie-


dade de classe C 2 do R2 . A projeção π : R2 → R, π(x, y) = x,
daria origem a uma função ϕ = π|M : M → R, de classe C 2 .
Como ϕ é um homeomorfismo e em nenhum ponto de M o espaço
tangente T Mp é vertical, ϕ seria um difeomorfismo de clase C 2 .
Sua inversa ϕ−1 : R → M seria uma aplicação de classe C 2 , do tipo
t 7→ (t, g(t)), g ∈ C 2 . Isto implicaria imediatamente g(t) = t4/3 ,
uma contradição, pois t4/3 não é C 2 .
O homeomorfismo ϕ = π|M pode ser usado para transportar a
estrutura de variedade C ∞ de R para M : o sistema de coordenadas
ϕ : M → R está contido em um único atlas máximo A ∈ C ∞ em
M . No entanto, a variedade de classe C ∞ (M, A) é apenas uma
subvariedade de classe C 1 de R2 , pois a inclusão i : M → R2 é de
classe C 1 mas não é de classe C 2 .
Podem-se dar exemplos semelhantes para cada r. Por
exemplo, o gráfico de y = |y|r+1 é somente uma subvariedade
de classe C r de R2 .
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[SEC. 6: IMERSÕES CUJAS IMAGENS SÃO SUBVARIEDADES 159

6 Imersões cujas imagens são subvariedades


Uma imersão f : M → N pode deixar de ser um mergulho por
dois motivos:
(i) f não é injetiva.
O exemplo tı́pico é a aplicação de classe C ∞ , f : R → R2 ,
definida por f (t) = (2 cos t + t, sen t).

f (R)

Figura 6.5.

(ii) f é injetiva mas f : M → f (M ) ⊂ N não é um homeo-


morfismo, onde f (M ) tem a topologia induzida pela de N . (Ver
Fig. 6.6.)

R
f

Figura 6.6.

Notemos que em nenhum dos exemplos da Fig. 6, f (R) é uma


subvariedade de R2 . Notemos também que f : R → f (R) (com a
topologia induzida) não é aberta.
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160 [CAP. VI: IMERSÕES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Uma imersão de classe C k (k ≥ 1) f : M → N é localmente


injetiva. Mais precisamente, cada ponto p ∈ M possui uma vizi-
nhança U tal que f |U é um mergulho (Proposição 1).
Quando dim M = dim N , uma imersão f : M → N é na rea-
lidade um difeomorfismo local: cada ponto p ∈ M possui uma
vizinhança U que é levada difeomorficamente por f sobre uma vi-
zinhança de f (p). Em particular, quando dim M = dim N , uma
imersão é uma aplicação aberta.
A proposição abaixo mostra em que condições a imagem de
uma imersão f : M → N é uma subvariedade.

Proposição 5. Seja f : M m → N n uma imersão de classe C k


(k ≥ 1). Então f (M ) é uma subvariedade de dimensão m e classe
C k de N se, e somente se, f : M → f (M ) é uma aplicação aberta
(f (M ) com a topologia induzida pela de N ). Em particular, se f
é um mergulho então f (M ) é uma subvariedade de N .
Demonstração: (⇒) Suponhamos que f : M → f (M ) seja aberta.
Cada ponto p ∈ M possui uma vizinhança U , domı́nio de um sis-
tema de coordenadas x : U → Rm tal que f |U é um mergulho (ver
Proposição 1) e f (U ) = V é aberto em f (M ).

N
U
f f (U )
p
M f (p)
x x̃

x(U )

Figura 6.7.
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[SEC. 6: IMERSÕES CUJAS IMAGENS SÃO SUBVARIEDADES 161

As aplicações x̄ = x ◦ (f |U )−1 : V → Rm , assim obtidas, defi-


nem um atlas de classe C k em f (M ). Pela Proposição 3, f (M ) é
de fato uma subvariedade de classe C k de N .

(⇐) Reciprocamente, suponhamos que f (M ) seja uma subva-


riedade de classe C k de N . Então, pela Proposição 2, f : M →
f (M ) é uma imersão de classe C k , e portanto uma aplicação
aberta.
f i ∈ Ck
M f (M ) N

. . . logo f ∈ C k .
i ◦ f ∈ Ck

Exemplos:

1) A aplicação f : R → R2 , dada por f () = eit , é uma imersão C ∞


tal que f : R → f (R) = S 1 é uma subvariedade C ∞ do R2 .

2) Seja g : S 2 → R4 definida por g(x, y, z) = (x2 − y 2 , xy, xz, yz).


Então g : S 2 → g(S 2 ) é uma imersão C ∞ aberta, pois P 2 = g(S 2 )
é uma subvariedade do R4 .

Observações:

1) Note-se que, na Proposição 5, não estamos supondo f injetiva!

2) Será mostrado brevemente que uma aplicação de classe C 1 não


pode transformar uma variedade em outra de dimensão maior. Por
conseguinte, não será preciso admitir, no enunciado da Proposição
5, que f (M ) é m-dimensional.
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162 [CAP. VI: IMERSÕES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES

3) Um problema interessante é o de investigar condições suficientes


para que uma imersão f : M → N seja um mergulho. Por exem-
plo, quando M é compacta toda imersão injetiva f : M → N é
um homeomorfismo sobre f (M ), logo um mergulho. Isto porque
toda aplicação contı́nua e injetiva de um espaço compacto sobre
um espaço de Hausdorff é um homeomorfismo. Outra condição
suficiente é a seguinte.

4) Mergulhos próprios.

Dada uma seqüência (pn ) em uma variedade M , escrevemos


pn → ∞ para indicar que (pn ) não possui nenhuma subseqüência
convergente. Dada uma aplicação f : M → N entre variedades,
chama-se conjunto-limite de f ao conjunto

L(f ) = {q ∈ N ; q = lim f (pn ), pn → ∞ em M }.

Uma aplicação f : M → N , entre variedades, denomina-se


aplicação própria quando é contı́nua e pn → ∞ em M acarreta
f (pn ) → ∞ em N . Em outras palavras, L(f ) = ∅. É fácil ver,
pela propriedade de Bolzano-Weierstrass, que isto é equivalente a
dizer que para cada compacto K ⊂ N , f −1 (K) ⊂ M é compacto.
Toda aplicação própria é fechada.
Em particular, uma imersão injetiva própria é um mergulho e,
além disso, f (M ) é um subconjunto fechado de N .
A inclusão i : R → R2 , i(x) = (x, 0) é um mergulho próprio de
R em R2 .
Um segmento de reta aberto e limitado em R2 é imagem de
um mergulho R → R2 que não é uma aplicação própria.
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[SEC. 7: A CURVA DE KRONECKER NO TORO 163

As figuras abaixo são exemplos ilustrativos de mergulhos não


próprios de R em R2 .

Figura 6.8.

7 A curva de Kronecker no toro


O toro de dimensão 2, T 2 ⊂ R3 , é a imagem de R2 pela
aplicação f : R2 → R3 , de classe C ∞ , dada por f (x, y) = (2 cos 2πx+
cos 2πy · cos 2πx, 2 sen 2πx + cos 2πy · sen 2πx, sen 2πy).
É fácil ver que
(i) f : R2 → R3 é uma imersão de classe C ∞ .
(ii) f (x, y) = f (x0 , y 0 ) = x0 − x ∈ Z, y 0 − y ∈ Z.
Mostremos agora que a aplicação f : R2 → T 2 é aberta. Resul-
tará então da Proposição 5 que T 2 é uma superfı́cie de dimensão
2 e classe C ∞ no espaço R3 .
Seja Z × Z ⊂ R2 o subgrupo aditivo formado pelos vetores de
coordenadas inteiras. Dados w, w 0 ∈ R2 , temos f (w) = f (w 0 ) ⇔
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164 [CAP. VI: IMERSÕES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES

w − w0 ∈ Z × Z, ou seja, a relação de equivalência definida por


f em R2 tem por classes de equivalência as classes laterais do
subgrupo Z×Z ⊂ R2 . Consideremos a aplicação canônica π : R2 →
R2 /Z × Z, tomando valores no grupo quociente R2 /Z × Z (munido
da topologia quociente). Dado A ⊂ R2 aberto, temos π −1 (π(A)) =
S
A + r, uma reunião de abertos. Segue-se que π(A) é aberto
r∈Z×Z
em R2 /Z × Z, donde π é uma aplicação aberta. Notemos ainda
que o grupo quociente R2 /Z × Z é compacto, pois é a imagem do
compacto [0, 1] × [0, 1] ⊂ R2 pela aplicação contı́nua π.

Temos o diagrama comutativo clássico:

f
R2 - T2

π
f
?
R2 /Z × Z

onde f¯ é a bijeção contı́nua induzida por f . Como T 2 ⊂ R3 é


Hausdorff e o domı́nio de f é compacto, segue-se que f¯ é um
homeomorfismo. Conseqüentemente f é aberta, pois f¯ constitui
uma “equivalência” entre f e π.
Assim T 2 ⊂ R3 é uma superfı́cie C ∞ e f : R2 → T 2 é uma
imersão.
Através do homeomorfismo f¯, transporta-se para o grupo quo-
ciente R2 /Z × Z a estrutura de variedade C ∞ que T 2 possui, o que
torna π uma imersão e f¯ um difeomorfismo, ambos C ∞ .
As imagens dos caminhos x 7→ f (x, y0 ), y 7→ f (x0 , y) chamam-
se respectivamente os paralelos e os meridianos de T 2 .
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[SEC. 7: A CURVA DE KRONECKER NO TORO 165

Consideremos os caminhos no toro do tipo T 7→ f ◦λ(t), λ(t) =


(t, at) ∈ R2 .

f
t λ
λ(t)
0
f (λ(t))

R2
R

Figura 6.9.

Se a = m/n é um número racional (na forma mais simples)


então f λ(R) é uma curva fechada em T 2 . Com efeito, f λ(0) =
f λ(n) pois λ(0) = (0, 0) e λ(n) = (n, m) ∈ Z × Z. Geometrica-
mente, f λ(R) intersecta cada meridiano n vezes e cada paralelo m
vezes.
Suponhamos agora que a seja um número irracional. Então,
para s 6= t ∈ R, o ponto λ(s) − λ(t) = (s − t, a · (s − t)) ∈ R2 jamais
terá ambas as coordenadas inteiras. Por conseguinte, f ◦ λ : R →
T 2 é uma imersão injetiva. Sua imagem f ◦λ(R) é chamada a curva
de Kronecker no toro. Geometricamente, a curva de Kronecker dá
infinitas voltas em torno de cada paralelo e de cada meridiano do
toro, fazendo com todos eles um ângulo constante.

Figura 6.10.
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166 [CAP. VI: IMERSÕES, MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Provaremos agora que a curva de Kronecker é um subconjunto


denso do toro. Como f é um homeomorfismo local de R2 sobre
T 2 , é suficiente mostrar que os pontos de R2 que se aplicam por f
em pontos da curva de Kronecker formam um conjunto denso em
R2 . Explicitamente, devemos provar que o conjunto

X = {(t + m, at + n); t ∈ R, m, n ∈ Z}

é denso em R2 quando a é irracional.


Usaremos o
Lema. Se a é um número irracional, então o conjunto G = {ma+
n; m, n ∈ Z} é denso em R.
Demonstração: Como G é subgrupo aditivo de R é suficiente
mostrar que para cada ε > 0 existe g ∈ G com 0 < g < ε (com
efeito, se isto ocorrer, os múltiplos kg, k ∈ Z, decomporão a reta
em intervalos de comprimento < ε). Escrevamos G+ = {g ∈
G; g > 0}. Suponhamos, por absurdo, que 0 < β = inf G+ .
Afirmação: neste caso, β ∈ G+ . Realmente, se fosse β ∈ / G+ ,
existiriam, pela definição de ı́nfimo, elementos distintos de G+ ar-
bitrariamente próximos de β. A diferença entre dois dos tais ele-
mentos é arbitrariamente pequena e é ainda um elemento de G+ .
Portanto β ∈ G+ . Afirmação: G é gerado por β. Dado g ∈ G,
escrevamos |g| = qβ +r, q ∈ Z, 0 ≤ r < β. Então r = |g|−qβ ∈ G,
logo r = 0, donde |g| ∈ G e portanto g ∈ G. Escrevamos a = nβ e
a + 1 = mβ como elementos de G. Então 1 = (m − n)β, ou seja,
β é racional, donde a é racional, o que é uma contradição. Isto
conclui a demonstração do lema.
Mostremos agora que X é denso em R2 . Dado (x, y) ∈ R2 e
ε > 0, existem, pelo lema, m, n ∈ Z tais que |y − ax − am̃ − n| < ε.
Escrevamos t = x + m̃, m = −m̃. Então (t + m, at + n) = (x, ax +
am̃ + n). Logo d((x, y), (t + m, at + n)) < ε.
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page 167

[SEC. 7: A CURVA DE KRONECKER NO TORO 167

Por vários motivos, a imersão injetiva f ◦ λ : R → T 2 não é


um mergulho. Um deles é que a curva de Kronecker f ◦ λ(R) não
é localmente conexa. Outro é que, em virtude da Proposição 4,
quando m < n, uma subvariedade M m ⊂ N n não pode ser um
subconjunto denso de N .
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page 168

Capı́tulo VII

Submersões,
Transversalidade

Os conceitos de valor regular e submersão generalizam-se fa-


cilmente ao contexto das Variedades Diferenciáveis, assim como
todos os resultados obtidos em capı́tulos anteriores: a forma local
das submersões, o teorema da função inversa, etc...
Vários exemplos serão discutidos: as aplicações do cı́rculo S 1
e dos planos projetivos P n , os grupos de Lie.
Concluimos o capı́tulo com uma exposição do conceito de trans-
versalidade, introduzido por René Thom.

1 Submersões

Seja f : M → N uma aplicação de classe C k , k ≥ 1. Um ponto


c ∈ N diz-se um valor regular de f se, para cada p ∈ f −1 (c), a
derivada f 0 (p) : T Mp → T Nc é sobrejetiva.
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[SEC. 1: SUBMERSÕES 169

Quando c ∈ N − f (M ) então c é obviamente um valor regular


de f . Se algum c ∈ f (M ) é valor regular de f , então dim M ≥
dim N .
O resultado abaixo estende o Teorema 1, Capı́tulo II.
Proposição 1. Seja c ∈ N um valor regular de uma aplicação
f : M m → N n , de classe C k (k ≥ 1). Então, ou bem f −1 (c) é
vazio, ou bem f −1 (c) é uma subvariedade (m − n)-dimensional de
M , de classe C k . O espaço tangente a f −1 (c) em cada ponto p é
o núcleo de f 0 (p) : T Mp → T Nc .
Demonstração: Se f −1 (c) 6= ∅, seja p ∈ f −1 (c). Tomemos
coordenadas x : U → Rm em M , p ∈ U e y : V → Rn em N ,
c = f (p) ∈ V , com f (U ) ⊂ V . Então y(c) é valor regular da
aplicação fxy = y ◦ f ◦ x−1 : x(U ) → Rn .

M
N

f −1 (c)
f

U p
V
c
x y
m
x(U ) R
fxy y(V ) Rn
y(c)

Figura 7.1.

Pelo Teorema 1, Capı́tulo II, fxy −1 (y(c)) é uma superfı́cie

de dimensão m − n e classe C no Rm . Pela Proposição 5,


k

x−1 (fxy
−1 (y(c))) = f −1 (c) ∩ U e uma subvariedade de classe C k de
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170 [CAP. VII: SUBMERSÕES, TRANSVERSALIDADE

M . Do corolário da Proposição 4 resulta que f −1 (c) é uma sub-


variedade de M . A afirmação sobre o espaço tangente é deixada
para o leitor.
Proposição 2 (Forma local das submersões para variedades.)
Seja f : M → N uma aplicação de classe C k (k ≥ 1). Suponha
que no ponto p ∈ M a derivada f 0 (p) : T Mp → T Nf (p) seja sobre-
jetiva. Então existem um sistema de coordenadas y : V → Rn em
N , f (p) ∈ V , e um mergulho de classe C k , x : U → Rn × Rm−n ,
(x será um sistema de coordenadas em M se M ∈ C k ) tais que
x(U ) = W × Z, f (U ) ⊂ V e fxy = y ◦ f ◦ x−1 : W × Z → Rn é
da forma fxy (w, z) = w. Em particular, o conjunto X dos pontos
p ∈ M onde f tem derivada sobrejetiva é aberto e f |X é uma
aplicação aberta.
Nn
Mm
V
p f
U f (p)

x y
Z n−m
fxy
y(V ) = W n
n
W

Figura 7.2.

Demonstração: Resulta imediatamente da forma local das sub-


mersões. (Vide Seção 8, Cap. I.) Deixamos ao leitor a verificação
dos detalhes.
Diz-se que uma aplicação diferenciável f : M → N é uma sub-
mersão se todo c ∈ N for valor regular de f . Isto é equivalente
a dizer que para cada p ∈ M a derivada f 0 (p) : T Mp → T Nf (p) é
sobrejetiva.
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[SEC. 1: SUBMERSÕES 171

Observações:
1) Pela Proposição 2, toda submersão é uma aplicação aberta.
2) Se f : M → N é uma submersão, então dim M ≥ dim N .
3) Quando dim M = dim N os conceitos de submersão, imersão e
difeomorfismo local coincidem.
4) As imersões e as submersões são chamadas aplicações de posto
máximo. (O posto de uma aplicação diferencável f : M → N , no
ponto p ∈ M , é a dimensão da imagem de f 0 (p).)

Proposição 3. Seja f : M → N uma submersão sobrejetiva de


classe C k . Uma aplicação g : N → P é de classe C k se, e somente
se, g ◦ f : M → P é de classe C k .
Demonstração: Suponhamos que g ◦ f : M → P seja de classe
C k . Dado c ∈ N , arbitrário, existe a ∈ M tal que c = f (a).
Sejam x : U → Rn × Rm−n , a ∈ U , um difeomorfismo de classe C k
(U ⊂ M aberto) e y : V → Rn , c ∈ V , um sistema de coordenadas
em N tais que f (U ) ⊂ V e fxy = y ◦ f ◦ x−1 : (w, z) 7→ w. Então
g ◦ f ◦ x−1 = g ◦ y −1 ◦ fxy : (w, z) 7→ gy −1 (w). Por hipótese, g ◦ f ◦
x−1 : x(U ) → P é de classe C k . Por conseguinte g◦y −1 : y(V ) → P
é de classe C k , logo g ∈ C k . A recı́proca é óbvia.

Corolário. Sejam M uma variedade de classe C k , N um conjunto


e f : M → N uma aplicação sobrejetiva. Então existe no máximo
uma estrutura de variedade de classe C k em N que torna f uma
submersão de classe C k .
Demonstração: Sejam N1 e N2 estruturas de variedade C k em
N tais que f1 = f : M → N1 e f2 = f : M → N2 são am-
bas submersões de classe C k . Consideremos a aplicação identi-
dade i : N1 → N2 . Como i ◦ f1 = f2 é de classe C k segue-se
da proposição que i : N1 → N2 é de classe C k . Analogamente,
j : N2 → N1 é de classe C k . Por conseguinte, N1 = N2 .
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172 [CAP. VII: SUBMERSÕES, TRANSVERSALIDADE

Exemplo
O espaço projetivo P n tem a única estrutura diferenciável que
torna π : S n → P n uma submersão de classe C ∞ .

Observação. O leitor não deixará de perceber a assimetria exis-


tente entre a Proposição 2 do Capı́tulo VI e a Proposição 3 do
Capı́tulo VII, bem como entre seus corolários.
Esta assimetria resulta do fato seguinte: se f : M → N é uma
submersão sobrejetiva de classe C 1 , então a topologia de N fica
perfeitamente determinada por f e M , pois f é uma aplicação
contı́nua e aberta. Segue-se daı́ que N tem a topologia co-induzida
por f .
Por outro lado, para uma imersão injetiva f : M → N , a to-
pologia de N não determina a de M . As figuras abaixo ilustram
várias topologias em M ⊂ R2 para as quais i : M → R2 é uma
imersão C ∞ :

Figura 7.3.

2 Relações de simetria

2.1 - Aplicações do cı́rculo S 1

A aplicação exponencial ξ : R → S 1 , dada por ξ(t) = eit , é uma


submersão de classe C ∞ de R sobre S 1 .
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[SEC. 2: RELAÇÕES DE SIMETRIA 173

Pela Proposição 3, um aplicação f : S 1 → M , do cı́rculo S 1


numa variedade diferenciável M , é de classe C k se, e somente se,
g = f ◦ ξ : R → M é um caminho de classe C k em M .

R
g=f ◦ξ
ξ
? f R
S1 - M

Na realidade, as aplicações g : R → M do tipo g = f ◦ ξ são


precisamente os caminhos em M tais que g(t + 2π) = g(t) para
todo t ∈ R. Mais geralmente, os caminhos periódicos de classe
C k , g : R → M (de perı́odo p ∈ R), induzem, por passagem ao
quociente, as aplicações de classe C k , ḡ : S 1 → M .

R
g
 2πit

ξp ξp (t) = e p
? g R
S 1 - M

A aplicação exponencial ξ : R → S 1 é também uma imersão


de classe C ∞ . Pela Proposição 2 do Capı́tulo VI, uma aplicação
g : M → R é de classe C k se, e somente se, ξ ◦ g : M → S 1 é de
classe C k .
O cı́rculo S 1 pode também ser considerado como o grupo quo-
ciente R/Z do grupo aditivo dos números reais pelo subgrupo Z
dos números inteiros. Com efeito, o homomorfismo ξ : R → S 1
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174 [CAP. VII: SUBMERSÕES, TRANSVERSALIDADE

induz, por passagem ao quociente, um isomorfismo ξ : R/Z ≈ S 1 ,


o qual é um homeomorfismo pois R/Z é compacto e S 1 é de Haus-
dorff. A estrutura de variedade C ∞ em R/Z, transportada de S 1
pelo homeomorfismo ϕ, é a única que faz da projeção canônica
π : R → R/Z uma submersão.
Considerações análogas podem ser feitas a respeito da iden-
tificação do grupo quociente Rn /Zn com o toro n-dimensional
T n = S 1 × · · · × S 1 . (Vide Seção 7, Cap. III, para o caso n = 2.)

2.2 - Aplicações do espaço projetivo P n


É fácil de ver que a projeção canônica π : S n → P n é uma
submersão de classe C ∞ . Por conseguinte, uma aplicação g : P n →
M é de clase C k se, e somente se, g ◦ π : S n → M é de classe C k .
Em outras palavras, as aplicações de classe C k definidas em P n são
obtidas, por passagem ao quociente, das aplicações f : S n → M
de classe C k tais que f (p) = f (−p) para todo p ∈ S n .

Sn
f
π g(π(p)) = f (p)
? g R
Pn - M

Por dualidade, uma aplicação f : M → S n é da classe C k se,


e só se, π ◦ f : M → P n é de classe C k , pois π é também uma
imersão.

2.3 - Um difeomorfsmo entre P 1 e S 1


Consideremos a aplicação de classe C ∞ , f : S 1 → S 1 , definida
por f (z) = z 2 . É claro que f é sobrejetiva e f (z) = f (w) ⇔
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[SEC. 3: GRUPOS DE LIE 175

z = ±w. f induz uma bijeção contı́nua (logo um homeomorfismo,


pois P 1 é compacto) de classe C ∞ , g : P 1 → S 1 , caracterizada por
g ◦ π = f.

f
S1 - S1

π
g
?
P1

Pela regra da cadeia, para provar que g : P 1 → S 1 é um di-


feomorfismo local, basta mostrar que f é uma imersão. Isto é
claro, pois f 0 (z) : T (S 1 )z → T (S 1 )z 2 é dada por f 0 (z) · h = 2z · h
(multiplicação de números complexos). Logo g : P 1 → S 1 é um
difeomorfismo de classe C ∞ .

Nota: Este fato é válido apenas para n = 1.

3 Grupos de Lie
Um grupo de Lie é uma variedade G, de classe C ∞ , dotada
de uma estrutura de grupo cuja multiplicação m : G × G → G,
m(x, y) = xy, é uma aplicação de classe C ∞ .

Provemos que, para cada x ∈ G, as aplicações


`x : G → G, `x (y) = xy (translação à esquerda por x),
rx : G → G, rx (y) = yx (translação à direita por x),
ξ : G → G, ξ(x) = x−1 (inversão)
são difeomorfismos de classe C ∞ .
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176 [CAP. VII: SUBMERSÕES, TRANSVERSALIDADE

Da teoria dos grupos sabemos que `x , rx e ξ são bijeções. A


rigor,

(`x )−1 = `x−1


(rx )−1 = rx−1
(ξ)−1 = ξ.

Basta mostrarmos, então, que as aplicações acima são de


classe C ∞ .
Consideremos em G × G a estrutura de variedade produto.
Então jx : G → G × G definida por jx (y) = (x, y) é um mergulho
de classe C ∞ . Como `x = m ◦ jx segue-se que `x ∈ C ∞ . Analo-
gamente, ix : G → G × G, ix (y) = (y, x) é um mergulho de classe
C ∞ e rx = m ◦ i x ∈ C ∞ .
Para provar que ξ ∈ C ∞ faremos uso do Teorema das Funções
Implı́citas. A multiplicação m : G × G → G num grupo de Lie é
uma submersão, pois

∂2 m(x, y) = (m ◦ jx )0 (y) = `0x (y) : T Gy → T Gxy

é um isomorfismo.
Por conseguinte, a equação m(x, y) = e (e ∈ G é o elemento
neutro de G) define, na vizinhança de cada x ∈ G, uma aplicação
η ∈ C ∞ tal que m(x, η(x)) = x · η(x) = e. Então η(x) = x−1 , ou
seja η(x) = ξ(x). Assim, temos ξ ∈ C ∞ .
A teoria dos grupos de Lie é um ramo importante da Ma-
temática que se origina das Variedades Diferenciáveis e tem aplica-
ções importantes à Geometria, às Equações Diferenciais e à Fı́sica.
Os grupos de Lie de matrizes foram discutidos no fim do
Capı́tulo II.
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[SEC. 4: TRANSVERSALIDADE 177

4 Transversalidade
Sejam f : M → N uma aplicação de classe C k e S ⊂ N
uma subvariedade C k de N . Em que condições a imagem inversa
f −1 (S) é uma subvariedade de classe C k de M ? Uma resposta a
esta questão é dada por meio da noção de transversalidade. Trata-
se de uma generalização natural do conceito de valor regular. Por
meio desta noção pode-se dar um significado preciso ao fato de
duas figuras se intersectarem em “posição geral”.
Sejam f : M m → N n uma aplicação de classe C k e S s ⊂ N n
uma subvariedade de classe C k .
Diz-se que f é transversal a S no ponto p ∈ f −1 (S) quando
f 0 (p) · T Mp + T Sf (p) = T Nf (p) , ou seja, quando a imagem de f 0 (p)
junto com o espaço tangente a S em f (p) geram T Nf (p) .
Diz-se que f é transversal a S se, para todo ponto
p ∈ f −1 (S), f é transversal a S em p.

f (M )
f N
S

Figura 7.4.

Exemplos
1) S = {c}.
Então f é transversal a c se, e somente se, c é valor regular
de f .
2) f (M ) ∩ S = ∅.
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178 [CAP. VII: SUBMERSÕES, TRANSVERSALIDADE

Então f é automaticamente transversal a S.


3) Se f é uma submersão então f é transversal a S, qualquer que
seja a subvariedade S ⊂ N .

Observação: Se f (M ) ∩ S 6= ∅ e f é transverssal a S então


dim M + dim N ≥ dim S. Em outras palavras, quando dim M +
dim S < dim N , dizer que f : M → N é transversal a S significa
que f (M ) ∩ S = ∅.

Recordemos que, dada uma subvariedade S s ⊂ N n de classe


Ck, existe, para cada q ∈ S, um difeomorfismo de classe C k ,
y : V → Rs × Rn−s (q ∈ V ⊂ N aberto), tal que y(V ∩ S) ⊂ Rs × 0
(Proposição 4, Seção 3, Cap. VI). Seja U ⊂ M tal que f (U ) ⊂ V
e consideremos a segunda projeção π : Rs × Rn−s → Rn−s .

V
U M
f
p N
f −1 (S) S
y
Rn−1
π
Rs × 0 0

Figura 7.5.

A condição de transversalidade pode ser reduzida à de valor


regular:

Lema. A aplicação f : M → N é transversal a S nos pontos


de U ∩ f −1 (S) se, e somente se, 0 ∈ Rn−s é valor regular de
π ◦ y ◦ (f |U ) : U → Rn−s .
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[SEC. 4: TRANSVERSALIDADE 179

Demonstração: Seja p ∈ U ∩ f −1 (S) = [π ◦ y ◦ (f |U )]−1 (0).


Ponhamos f (p) = q. Então (y ◦ f )0 (p) · T Mp = y 0 (q) · f 0 (p) · T Mp =
E e y 0 (q) · T Sq = Rs × {0}. Como y 0 (q) : T Nq → Rs × Rn−s é um
isomorfismo, as condições

(i) f 0 (p) · T Mp + T Sq = T Nq

(ii) E + Rs × {0} = Rs × Rn−s

(iii) π(E) = Rn−s

(iv) [π ◦ y ◦ (f |U )]0 (p) · T Mp = Rn−s

M
N f 0 (p) · T Mp

f 0 (p) T Sq
p
q
S
T Mp

y 0 (q)
Rn−s
E
s π
R 0
0

Figura 7.6.

são todas equivalentes, o que conclui a demonstração.


Dada uma subvariedade S s ⊂ N n , o número n − s chama-se a
codimensão de S em N .
Proposição 4. Seja f : M → N uma aplicação de classe C k ,
transversal a uma subvariedade S ⊂ N , de classe C k . Então
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180 [CAP. VII: SUBMERSÕES, TRANSVERSALIDADE

(i) Ou bem f −1 (S) = ∅ ou bem f −1 (S) é uma subvariedade de


classe C k de M , cuja codimensão em M é igual à codimensão
de S em N .
(ii) Neste caso, T (f −1 (S))p = f 0 (p)−1 [T Sf (p) ] para todo
p ∈ f −1 (S).

Demonstração: Para cada p ∈ f −1 (S), seja q = f (p) ∈ V .


Considere um difeomorfismo y : V → Rs × Rn−s de classe C k como
o do lema. Seja U 3 p um aberto de M tal que f (U ) ⊂ V . Pela
hipótese de transversalidade, pelo lema e pela Proposição 1, vê-se
que f −1 (S)∩U = [π ◦y ◦(f |U )]−1 (0) é uma subvariedade de M , de
dimensão m − (n − s) e classe C k . O espaço tangente a f −1 (S) ∩ U
em p é o núcleo de (π ◦ y ◦ f )0 (p), que é evidentemente a imagem
inversa de [f 0 (p)]−1 T Sq . A proposição fica provada lembrando o
corolário da Proposição 4, Seção 3, Cap. VI.

Corolário 1. Se f : M → N é uma submersão de classe C k então,


para toda subvariedade S ⊂ N de classe C k , f −1 (S) é o conjunto
vazio ou uma subvariedade de M de classe C k .

Corolário 2. Sejam N n , S s ⊂ M m subvariedades de classe C k .


Se N ∩ S 6= ∅ e se em cada ponto p ∈ N ∩ S, T Np + T Sp = T Mp ,
então N ∩ S é uma subvariedade de M cuja dimensão é n + s − m.
Além disso T (N ∩ S)p = T Np ∩ T Sp .
Em particular, se M 2 , N 2 ⊂ R3 são de classe C k tais que,
em cada ponto p ∈ M ∩ N , os planos tangentes T Mp e T Np são
distintos, então M ∩ N é uma curva de classe C k em R3 .
Outro caso especial ocorre quando M n , S m−n ⊂ M m são tais
que T Np ⊕ T Sp = T Mp em todo p ∈ N ∩ S. Então N ∩ S é uma
variedade de dimensão 0, isto é, um conjunto discreto de pontos
em M .
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[SEC. 5: TRANSVERSALIDADE DE FUNÇÕES 181

Figura 7.7.

Se duas subvariedades N, S ⊂ M são tais que T Np + T Sp =


T Mp em todo ponto p ∈ N ∩ S, dizemos que N e S estão em
posição geral, ou que se cortam transversalmente.

5 Transversalidade de funções
Diz-se que duas aplicações diferenciáveis f : M → P , g : N →
P são transversais nos pontos p ∈ M , q ∈ N , se f (p) = g(q) =
r ∈ P e T Pr = f 0 (p) · T Mp + g 0 (q) · T Nq .
Seja f × g : M × N → P × P definida por (f × g)(p, q) =
(f (p), g(q)). A diagonal ∆ = {(p, p); p ∈ P } ⊂ P × P é uma
subvariedade de P × P difeomorfa a P através da aplicação δ:
P P ×P

δ :P →P ×P

δ(p) = (p, p)

Proposição 5. Duas aplicações diferenciáveis f : M → P , g : N →


P são transversais nos pontos p ∈ M , q ∈ N (f (p) = g(q) = r)
se, e somente se, f ×g : M ×N → P ×P é transversal a ∆ ⊂ P ×P
em (p, q).
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182 [CAP. VII: SUBMERSÕES, TRANSVERSALIDADE

Demonstração: Da Álgebra Linear sabemos que, dados dois su-


bespaços A, B ⊂ E de um espaço vetorial E, temos A + B = E,
se, e somente se, (A × B) + D = E × E, onde D é a diagonal de
E × E. O resultado segue-se daı́, tomando

A = f 0 (p) · T Mp , B = g 0 (q) · T Nq , E = T Pr
A×B = (f ×g)0 (p, q)·T (M ×N )(p,q) = f 0 (p)×g 0 (q)·T Mp ×T Nq
D = T ∆r,r) .

Quando f : M → P , g : N → P são transversais em todos os


pares p ∈ M , q ∈ N com f (p) = g(q) dizemos simplesmente que f
e g são transversais. Por exemplo, se uma das aplicações f , g for
uma submersão, então f e g serão transversais.

Proposição 6. Se duas aplicações f : M → P , g : N → P , de


classe C k (k ≥ 1), são transversais então o conjunto Q = {(p, q) ∈
M × N ; f (p) = g(q)} é uma subvariedade de M × N , de classe C k
e dim Q = dim M + dim N − dim P .
Demonstração: Basta observar que Q = (f × g)−1 (∆) e aplicar
as Proposição 4 e 5.

Exemplos
Qualquer aplicação f : M → N de classe C k é transversal a
i : N → N , pois a última é uma submersão. Por conseguinte,
Q = {(p, q) ∈ M × N ; q = f (p)} é uma subvariedade de classe C k
de M × N , e dim Q = dim M . Obviamente, Q é o gráfico de f .
Isto podia ser visto de outro modo, pois Q é a imagem de M pelo
mergulho f˜: M → M × N , f˜(p) = (p, f (p)).
Sejam f : M m → N n uma submersão de classe C k e Γ =
{(p, q) ∈ M × M ; f (p) = f (q)} o gráfico da equivalência indu-
zida por f . Então Γ é uma subvariedade de N , de classe C k e
dimensão 2m − n.
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[SEC. 6: APLICAÇÕES DE POSTO CONSTANTE 183

6 Aplicações de posto constante

Lembremos que o posto de uma aplicação diferenciável


f : M m → N n no ponto p ∈ M é a dimensão da imagem da sua
derivada f 0 (p) : T Mp → T Nf (p) .
Se f : M m → N n é de classe C k , onde k ≥ 1, então o posto
de f num ponto p ∈ M é uma função semi-contı́nua inferiormente
do ponto p. Isto significa que cada ponto p ∈ M possui uma
vizinhança V tal que o posto de f em todos os pontos de V é
maior do que ou igual ao posto de f no ponto p.
É claro o que significa dizer que f : M m → N n tem posto
constante. Por exemplo, imersões e submersões são aplicações de
posto constante.
Sejam G, H grupos de Lie e f : G → H um homomorfismo
diferenciável. Então f tem posto constante. Com efeito, sendo f
um homomorfismo, dados a, p ∈ G arbitrários, temos f (a · p) =
f (a) · f (p), o que se pode escrever como f ◦ `a = `f (a) ◦ f : G → H,
usando as translações à esquerda `a : G → G e `f (a) : H → H.
Tomando p, q ∈ G quaisquer e pondo a = gp−1 , temos então os
diagramas comutativos:

` `0
G −−−a−→ G T Gp −−−a−→ T Gq
   
 f 
f 0 (p)y
f 0 (q)
fy y y
H −−−−→ H T Hf (p) −−0−−→ T Hf (q)
`f (a) `f (a)

onde as derivadas `0a e `0f (a) são tomadas nos pontos p e f (p) respec-
tivamente. Como estas transformações lineares são isomorfismos,
concluimos que f 0 (p) e f 0 (q) têm o mesmo posto.
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page 184

184 [CAP. VII: SUBMERSÕES, TRANSVERSALIDADE

Proposição 7. (Teorema do posto para variedades.) Seja f :


M m → N n uma aplicação de classe C k (k ≥ 1) de posto constante
r, entre variedades de classe C k . Para todo ponto p ∈ M exis-
tem sistemas de coordenadas x : U → Rm em M , com p ∈ U , e
y : V → Rn em N , com q = f (p) ∈ V , tais que y ◦ f ◦ x−1 : (x1 , . . . ,
xr , xr+1 , . . . , xm ) 7→ (x1 , . . . , xr , 0, . . . , 0).
Demonstração: Conseqüência imediata do teorema do posto em
espaços euclidianos. (Vide Seção 10, Cap. I.)

Proposição 8. Seja f : M m → N n de classe C k (k ≥ 1) e posto


constante r. Para cada q ∈ N , se f −1 (q) 6= ∅ então f −1 (q) é uma
subvariedade de classe C k e dimensão m − r em M .
Demonstração: Dado p ∈ f −1 (q), tomemos coordenadas x, y
como na Proposição 7. Sejam x(U ) = U1 × U2 ⊂ Rr × Rm−r e
y(q) = (a, 0) ∈ Rr × Rn−r . Então x(U ∩ f −1 (q)) = a × U2 , o que
permite considerar x|(U ∩ f −1 (q)) como um sistema de coordena-
das locais em f −1 (q), tomando valores no aberto U2 ⊂ Rm−r .
Como aplicação da Proposição 8, concluimos que, se f : G → H
é um homomorfsimo C ∞ entre grupos de Lie, seu núcleo K =
f −1 (e) é um subgrupo normal fechado, o qual é uma subvariedade
de G e portanto um grupo de Lie.
A Proposição 8 permite ainda estender para variedades os re-
sultados finais da Seção 10, Cap I. Enunciaremos tais fatos sem
demonstração. O leitor poderá supri-las.

Proposição 9. Seja f : M m → N n uma aplicação de classe C k


(k ≥ 1). Para cada r = 0, 1, . . . , s (s = min{m, n}) seja Ar o
interior do conjunto dos pontos p ∈ M nos quais f tem posto r.
Então A = A0 ∪ · · · ∪ As é (aberto e) denso em M .

Corolário 1. O posto de f é constante em cada componente co-


nexa de um subconjunto aberto e denso A ⊂ M .
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[SEC. 6: APLICAÇÕES DE POSTO CONSTANTE 185

Corolário 2. Se f é injetora, então m ≤ n e o conjunto dos


pontos p ∈ M onde f tem posto m é aberto e denso em M .
Corolário 3. Se f é aberta, então m ≥ n e o conjunto dos pontos
p ∈ M nos quais f tem posto n é aberto e denso em M .
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page 186

Capı́tulo VIII

Partições da Unidade e
suas Aplicações

1 Funções auxiliares

Indicaremos com B(r) = {x ∈ Rm ; |x| < r} a bola aberta de


centro em 0 ∈ Rm e raio r. Quando houver necessidade, escreve-
remos Rm (r) em vez de B(r).
Seja M m uma variedade de classe C k . Dados um ponto p ∈ M
e um aberto p ∈ A ⊂ M existem sempre um aberto U , com
p ∈ U ⊂ A, e um sistema de coordenadas x : U → Rm tal que
x(U ) = B(3).
[Tomamos um qualquer sistema de coordenadas y em torno
de p; por translação, podemos supor que y(p) = 0. Existe r > 0
tal que y −1 (B(r)) ⊂ A. Pomos U = y −1 ((r)) e x = h ◦ y onde
h : Rm → Rm é a homotetia h(v) = 3v/r.]
Quando tivermos um tal sistema de coordenadas usaremos le-
tras U , V , W para representar os conjuntos U = x−1 (B(3)),
V = x−1 (B(2)), W = x−1 (B(1)).
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[SEC. 1: FUNÇÕES AUXILIARES 187

U
V M
W

x
B(3)
B(2)
B(1) 3
2
1
0

Figura 8.1.

A estes sistemas de coordenadas x : U → B(3) associaremos


funções ϕx : M → R, de classe C k , tais que:

a) 0 ≤ ϕx (q) ≤ 1 para todo q ∈ M ;

b) ϕx (W ) = 1, ϕx (M − V ) = 0.

Uma função ϕx com as propriedades acima será chamada uma


função auxiliar do sistema de coordenadas x.
Para se provar a existência de funções auxiliares basta exibir
uma função ϕ : Rm → R, de classe C ∞ , tal que

a’) 0 ≤ ϕ(y) ≤ 1 para todo y ∈ Rm ;

b’) ϕ(y) = 1 para |y| ≤ 1, ϕ(y) = 0 para |y| ≥ 2.

De fato, a função ϕx : M → R, definida por


(
ϕ(x(q)), se q ∈ U,
ϕx (q) =
0, se q ∈ M − V
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188 [CAP. VIII: PARTIÇÕES DA UNIDADE E SUAS APLICAÇÕES

será evidentemente uma função auxiliar.


Comecemos com a função α : R → R, definida por α(t) =
exp(−1/t) para t > 0, e α(t) = 0 para t ≤ 0.

1
α(t) = e− t

0 t

Figura 8.2.

Como α é claramente C ∞ em R−{0} e todas as suas derivadas


tendem para 0 quando t → 0, resulta que α é uma função de classe
C ∞ em R.
Consideremos agora a função β : R → R, de classe C ∞ , definida
por β(t) = α(t + 2) · α(−t − 1). Então β(t) = exp[(t + 2)(t + 1)]−1
para −2 < t < −1 e β(t) = 0 para os demais valores de t.

1
β(t) = e (t+1)(t+2)
−2 < t < −1

−2 −1 t

Figura 8.3.
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[SEC. 1: FUNÇÕES AUXILIARES 189


Z +∞ Z −1
Seja b = β(s) ds = β(s) ds. A integral indefinida
−∞ −2

Z +∞
1
γ(t) = β(s) ds
b −∞

é uma função de classe C ∞ tal que 0 ≤ γ(t) ≤ 1 e γ(t) = 1 para


t ≥ −1. Além disso, γ cresce de 0 para 1 quando t varia de −2 a
−1.

γ(t)
1

−2 −1 t

Figura 8.4.

Definamos finalmente ϕ : Rm → R por ϕ(x) = γ(−|x|)

ϕ(t)
1

−2 −1 1 2 t

Figura 8.5.
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190 [CAP. VIII: PARTIÇÕES DA UNIDADE E SUAS APLICAÇÕES

A norma |x| em Rm considerada acima deve provir de um pro-


duto interno,
|x| = hx, xi1/2 ,

a fim de que x 7→ |x| seja uma função de classe C ∞ em Rm − {0}.


Como γ é constante perto de x = 0, resulta que ϕ ∈ C ∞ .
Mais geralmente, para cada número real ε > 0, existe uma
função ϕε : Rm → R, de classe C ∞ , tal que 0 ≤ ϕε (x) ≤ 1 para
todo x, ϕε (x) = 0 para |x| ≥ 2ε. Basta tomar ϕε (x) = ϕ(x/ε).

2 Algumas noções topológicas


Seja M uma variedade de classe C k . As funções auxiliares
serão usadas na Seção 3 para obter “partições da unidade” em
M.
Recordemos primeiramente, nesta seção, alguns conceitos da
Topologia Geral.
(I) Dados um espaço topológico X e uma aplicação f : X →
Rm , o suporte de f é, por definição, o fecho do conjunto

{x ∈ X; f (x) 6= 0}.

Usaremos a notação supp(f ) para indicar o suporte de f . Dado


x ∈ X, dizer que x ∈
/ supp(f ) significa que f se anula em todos os
pontos de uma vizinhança de x.
Exemplo. Usando as notações da Seção 1, vê-se que as funções
auxiliares ϕx : M → R têm como suporte os conjuntos

V = x−1 (B(2)) = x−1 (B(2)).

Observemos que existem funções auxiliares definidas em M


com suportes arbitrariamente pequenos. Basta notar que dado
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[SEC. 2: ALGUMAS NOÇÕES TOPOLÓGICAS 191

um sistema de coordenadas y em torno de um ponto p ∈ M , com


y(p) = 0, as imagens inversas y −1 (B(r)) constituem uma base de
vizinhanças de p, quando r percorre um intervalo (0, α).
(II) Uma famı́lia C = (Cα )α∈A de subconjuntos de um espaço
topológico X chama-se localmente finita quando todo ponto x ∈ X
possui uma vizinhança que intersecta apenas um número finito
de Cα ’s.
Mais precisamente, C é localmente finita se, e somente se, para
cada x ∈ X existem uma vizinhança V 3 x e um subconjunto
finito {α1 , . . . , αr } ⊂ A tais que
V ∩ Cα 6= ∅ ⇒ α ∈ {α1 , . . . , αr }.
Exemplos
1) A famı́lia C que consiste de todos os intervalos de reta (n, +∞) ⊂
R, n = 0, 1, 2, . . . é localmente finita.
2) Toda famı́lia finita é localmente finita. Uma famı́lia C = (Cα )α∈A
de subconjuntos de X diz-se pontualmente finita quando todo
ponto x ∈ X pertence somente a um número finito de Cα ’s. Toda
famı́lia localmente finita é pontualmente finita. A recı́proca é falsa:
cada ponto p ∈ R pertence no máximo a um número finito de in-
tervalos (1/n, 2/n), n = 1, 2, 3, . . . mas toda vizinhança de 0 ∈ R
intersecta uma infinidade de tais intervalos.
Dada uma famı́lia localmente finita C = (Cα ) de subconjun-
tos de X, segue-se da definição de compacidade por cobertura
abertas que um conjunto compacto K ⊂ X só poderá intersectar
um número finito de conjuntos Cα . Ou seja, dado K ⊂ X com-
pacto, existe um subconjunto finito A0 = {α1 , . . . , αr } ⊂ A tal
que K ∩ Cα 6= ∅ = α ∈ A0 . A demonstração é fácil e é deixada
para o leitor. Em particular, dada uma famı́lia localmente finita
C = (Cα ) num espaço compacto X, tem-se Cα = ∅ salvo para um
número finito de ı́ndices α.
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192 [CAP. VIII: PARTIÇÕES DA UNIDADE E SUAS APLICAÇÕES

Quando (Cα )α∈A é uma famı́lia localmente finita de subcon-


S S
juntos de um espaço topológico X, tem-se C α = C α .
Toda variedade diferencáel é um espaço localmente compacto.
Uma famı́lia C = (Cα ) de subconjuntos de um espaço localmente
compacto X é localmente finita se, e somente se, cada conjunto
compacto K ⊂ X intersecta apenas um número finito de Cα ’s.
Mais exatamente, dado K, deve existir A0 = {α1 , . . . , αs } ⊂ A tal
que Cα ∩ K 6= ∅ implica α ∈ A0 .

(III) Um espaço topológico com base enumerável goza da pro-


priedade de Lindelöf: Toda cobertura aberta de X admite uma
subcobertura enumerável. Daı́ se conclui sem dificuldade que se
X é um espaço topológico com base enumerável e C = (Cα ) é uma
famı́lia localmente finita de subconjuntos de X, então Cα = ∅ ex-
ceto para um subconjunto enumerável de α’s. Esta é a situação
que encontraremos nas variedades diferenciáveis.

(IV) Seja X um espaço topológico. Dada uma coleção (ϕα )α∈A


de funções ϕα : X → R, tais que a famı́lia (supp(ϕα ))α∈A dos seus
suportes é pontulamente finita, então a soma

X
ϕ= ϕα
α∈A

tem sentido. De fato, para cada x ∈ X existe um conjunto finito


de ı́ndices A0 = {α1 , . . . , αr } ⊂ A tal que ϕα (x) = 0 se α ∈
/ A0 .
Definimos então ϕ(x) = ϕα1 (x) + · · · + ϕαr (x).
Se (supp(ϕα ))α∈A é localmente finita e as ϕα são contı́nuas
então ϕ é contı́nua. Com efeito, para cada x0 ∈ X existem uma
vizinhança V 3 x0 e ı́ndices α1 , . . . , αr em A tais que ϕ(x) =
ϕα1 (x) + · · · + ϕαr (x) para todo x ∈ V .
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[SEC. 3: PARTIÇÕES DA UNIDADE 193

3 Partições da unidade
P
Sejam M uma variedade de classe C r e ϕ = ϕα a soma de
α∈A
uma famı́lia (ϕα )α∈A de funções de classe C k em M cujos suportes
formam uma famı́lia localmente finita. Cada p ∈ M possui uma
vizinhança Vp tal que ϕ(q) = ϕα1 (q) + · · · + ϕαr (q), para todo q ∈
Vp . [Os ı́ndices α1 , . . . , αs são os mesmos para todos os pontos q ∈
P
Vp .] Isto mostra que ϕ = ϕα é de classe C k , por ser localmente
α∈A
uma soma finita de funções de classe C k . Além disso, sendo M um
espaço topológico com base enumerável, necessariamente ϕα ≡ 0
salvo para uma quantidade enumerável de ı́ndices α.
Definição. Seja M uma variedade de classe C r . Uma partição
da unidade de classe C k (k ≤ r) em M é uma famı́lia de funções
(ϕα )α∈A , de classe C k , tais que
1) Para todos os p ∈ M e α ∈ A, ϕα (p) ≥ 0;
2) A famı́lia C = (supp(ϕα ))α∈A é localmente finita em M ;
P
3) Para todo p ∈ M tem-se ϕα (p) = 1.
α∈A

Em vista de 2), a soma em 3) é finita em cada ponto p ∈ M .


Tem-se também 0 ≤ ϕα (p) ≤ 1 por causa de 3) e de 1).
A definição acima inclui o caso de partições da unidade finitas,
ϕ1 + · · · + ϕn = 1. É suficiente tomar ϕα ≡ 0 salvo para um
número finito de ı́ndices α. É claro que toda partição da unidade
em uma variedade compacta é finita (ver Seção 2, Observação 2).
Seja C = (Cα )α∈A uma cobertura de M . Dizemos que uma
P
partição da unidade ϕβ = 1 está subordinada à cobertura C
β∈B
se, para todo β ∈ B, existe α ∈ A tal que supp(ϕβ ) ⊂ Cα .
Intuitivamente, a cobertura C é uma medida do tamanho dos
suportes das funções ϕβ , no seguinte sentido:
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194 [CAP. VIII: PARTIÇÕES DA UNIDADE E SUAS APLICAÇÕES

Dadas duas coberturas C, C 0 de um conjunto X, dizemos que


C é mais fina que C 0 , ou C refina C 0 , ou C é um refinamento de C 0
quando, para todo C ∈ C, existe algum C 0 ∈ C 0 tal que C ⊂ C 0 .
Por exemplo, uma partição da unidade Σ ϕβ = 1 está subordi-
nada à uma cobertura C = (Cα ) se, e somente se, os suportes das
funções ϕβ formam uma cobertura que refina C.
A relação “C é mais fina que C 0 ” é reflexiva e transitiva mas
não é anti-simétrica.
P
Dizemos que uma partição da unidade ϕα = 1 é estri-
α∈A
tamente subordinada a uma cobertura C quando C = (Cα )α∈A
tem ı́ndices no mesmo conjunto que as funções ϕα e, além disso,
supp(ϕα ) ⊂ Cα para todo α ∈ A.

Proposição 1. Sejam M uma variedade diferenciável e C uma


cobertura aberta de M . Então C possui uma refinamento U =
{U1 , U2 , . . . } localmente finito, formado por domı́nios de sistemas
de coordenadas xi : Ui → Rm tais que xi (Ui ) = B(3) para todo i.
Além disso, pondo Vi = x−1 −1
i (B(2)) e Wi = xi (B(1)), os Wi ’s
ainda constituem uma cobertura (localmente finita) de M .

Demonstração: Sendo um espaço de Hausdorff localmente com-


pacto, com base enumerável, M pode ser escrito como reunião
S
enumerável M = Ki de compactos tais que Ki ⊂ int Ki+1 para
i = 1, 2, . . .
O compacto K2 pode ser coberto com um número finito de
conjuntos aberto do tipo W cujos U ’s correspondentes estão conti-
dos no interior de K3 e em algum aberto da cobertura C. Analoga-
mente, a “faixa” compacta K3 − int K2 pode ser coberta por um
número finito de conjuntos do tipo W tais que cada um dos U ’s
correspondentes está contido em K4 − K1 e em algum conjunto
aberto C ∈ C.
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[SEC. 3: PARTIÇÕES DA UNIDADE 195

K4
K3 − intK2 K3
U
p K1 K2

Figura 8.6.
Fazendo o mesmo raciocı́nio para K4 − int K3 , Kr = int K4 ,
etc., obtemos uma cobertura enumerável {W1 , W2 , . . . } de M e,
correspondentemente, uma cobertura U = {U1 , . . . , Un , . . . }.
A cobertura U refina C, por construção, e é localmente finita
de uma maneira especial pois cada Ui , estando contido em algum
Kj , intersecta apenas um número finito dos outros U ’s.
Observação: Quando M é compacta, a Proposição 1 é trivial.
A cobertura U = {U1 , . . . , Un } é finita, obtida imediatamente da
definição de compacidade por cobertura de abertos.
Corolário. Dada uma cobertura aberta C=(Cα )α∈A de uma va-
P
riedade M ∈ C k , existe uma partição da unidade ψi = 1,
i∈N
de classe C k , subordinada à cobertura C.
Demonstração: Seja U = {U1 , U2 , . . . } a cobertura de M ob-
tida na demonstração da Proposição 1. Consideremos a famı́lia
de funções auxiliares ϕxi : M → R, de classe C k , associadas aos
P
sistemas de cordenadas xi : Ui → Rm . A soma ϕ = ϕxi será
i
bem definida pois U é localmente finita. Pondo ψi = ϕxi /ϕ então
Σ ψi = 1 e obtemos a desejada partição da unidade.
Teorema 1. Dada uma cobertura aberta C = (Cα )α∈A de uma va-
P
riedade M de classe C k , existe uma partição da unidade ϕα =
α∈A
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196 [CAP. VIII: PARTIÇÕES DA UNIDADE E SUAS APLICAÇÕES

1, de classe C k , estritamente subordinada à cobertura C.


P
Demonstração: Seja ψi = 1 partição da unidade subordinada
i∈N
a C, obtida pelo corolário anterior. Assim, para cada i ∈ N, existe
α ∈ A tal que Ui ⊂ Cα . Tomemos uma “função de escolha”
f : N → A, isto é, Ui ⊂ Cf (i) para todo i ∈ N.
P
Ponhamos ψα = ψi . Como U é localmente finita, tem-se
f (i)=α

[ [
Vi = Vi.
f (i)=α f (i)=α
S
Logo supp(ψα ) = Vi.
f (i)=α
Afirmamos que (supp(ψα ))α∈A é uma famı́lia localmente finita. De
fato, como U é localmente finita, dado p ∈ M existem V 3 p e
J = {i1 , . . . , ir } ⊂ N tais que

Ui ∩ V 6= ∅ ⇒ i ∈ J.

Seja A0 = f (J). Se supp(ψα ) ∩ V 6= ∅ então U i ∩ V 6= ∅ para


algum i tal que f (i) = α. Então Ui ∩ V 6= ∅. Segue-se que i ∈ J,
e portanto α = f (i) ∈ A0 . Em suma, supp(ψα ) ∩ V 6= ∅ ⇒
α ∈ A0 . Conseqüentemente (supp(ψα )) é localmente finita. A
demonstração fica concluı́da pondo
X
ψ= ψα e ϕα = ψα /ψ.
α∈A

Então Σ ϕα = 1 e supp(ϕα ) ⊂ Cα .

4 O lema de Urysohn diferenciável


Seja M uma variedade diferenciável, de classe C k . Uma partição
da unidade de classe C k subtordinada a uma cobertura M = U ∪V ,
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[SEC. 4: O LEMA DE URYSOHN DIFERENCIÁVEL 197

formada por dois abertos, consiste de duas funções de classe C k ,


ϕ, ψ : M → R, tais que ϕ, ψ ≥ 0, ϕ + ψ = 1, supp(ϕ) ⊂ U e
supp(ψ) ⊂ V . Isto nos leva à
Aplicação 1 (Lema de Urysohn diferenciável). Sejam F , G dois
subconjuntos não vazios, fechados e disjuntos, de uma variedade
M ∈ C k . Existe uma função f : M → R de classe C k , tal que
0 ≤ f ≤ 1, f (F ) = 0 e f (G) = 1.
Demonstração: Como F ∩ G = ∅, temos uma cobertura aberta
M = (M − f ) ∪ (M − G). Seja f + g = 1 uma partição da unidade
de classe C k tal que supp(f ) ⊂ M − F e supp(g) ⊂ M − g. A
função f : M → R cumpre as condições requeridas.
Como aplicação do lema de Urysohn diferenciável, mostre-
mos que, dado um subconjunto fechado F de uma variedade dife-
renciável M ∈ C k , existe uma função f : M → R de classe C k que
se anula precisamente nos pontos de F .
Aplicação 2. Seja F um subconjunto fechado de uma variedade
M de classe C k . Então existe uma função f : M → R, de classe
C k , tal que F = f −1 (0).
Demonstração: Primeiro caso: F = K é compacto e M = Rm .
 1
Para cada i ∈ N seja Vi = x ∈ Rm ; d(x, K) < .
i T
Então todos os Vi ’s são abertos, V1 ⊃ V2 ⊃ . . . e K = Vi .
Pela Aplicação 1 existe, para cada i, uma função de classe C ∞ ,
fi : Rm → R, tal que 0 ≤ fi ≤ 1, fi (K) = 0 e fi (Rm − Vi ) = 1.
As funções fi podem anular-se em pontos de Vi que não estão
P

em K. Mas se encontrarmos constantes αi > 0 tais que f = ci f i
i=1
seja uma função de classe C ∞ , então f vai anular-se somente nos
pontos de K. Realmente, x ∈ / K implica x ∈ Rm − Vi para algum
i, logo fi (x) = 1, donde f (x) 6= 0.
Encontremos agora tais constantes ci > 0.
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198 [CAP. VIII: PARTIÇÕES DA UNIDADE E SUAS APLICAÇÕES

Para cada i ∈ N, fi é constante fora do compacto V i . Sendo as-


(j)
sim, todas as derivadas fi , j = 1, 2, 3, . . . , são funções contı́nuas
com suporte compacto e, por conseguinte, são limitadas. Ou seja,
para cada i = 1, 2, . . . e para cada j = 0, 1, 2, . . . , e para cada j =
(j)
0, 1, 2, . . . existe uma constante Mij > 0 tal que |fi (x)| < Mij
(0)
para todo x ∈ Rm . [Aqui fi = fi e Mi0 = 1 para todo i].
1
Escolhamos números reais αij tais que 0 < αij ≤ i e
2 Mij
αi,j+1 ≤ αij para todo i = 1, 2, . . . e j = 0, 1, 2, . . . Isto pode ser
1
feito tomando αi0 = e, após escolhermos α1j , α2j , . . . ,
2i
 1
αi,j , . . . , pondo αi,j+1 = min αi,j , i .
2 Mi,j+1
P

(j)
Então, para cada j ≥ 0 fixo, a série αkj fi é dominada por
i=1
P∞ 1
i
, e portanto converge absoluta e uniformemente em Rm .
i=1 2
Consideremos a “diagonal” αi = αii , i = 1, 2, . . . . Nota-se
P
que i > j = ci ≤ αij . Logo ci fi , bem como todas as séries
i
P (j)
ci fi , convergem uniformemente no Rm .
i

Resulta daı́ ( ) que f = Σ ci fi é uma função de classe C ∞ , com
(j)
f (j) = Σ ci fi . Isto conclui a demonstração do primeiro caso.

Observação: A função que acabamos de construir é constante


(igual a Σ ci ) fora da vizinhança V1 ⊃ K.
Tomando f /Σ ci ao invés de f , podemos sempre supor que
f = 1 fora de uma dada vizinhança de K.

Segundo caso (geral): Seja U = (Ui ) uma cobertura localmente


finita de M , formada por domı́nios de sistemas de coordenadas
Ui = x−1 −1 −1
i (B(3)). Ponhamos Vi = xi (B(2)) e Wi = xi (B(1)).

(*) Vide AERn , Capı́tulo VI, Prop.7.


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[SEC. 5: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS EM SUBCONJUNTOS ARBITRÁRIOS199

Para cada i ∈ N, seja Ki = W i ∩ F . Então Ki é um subcon-


S
junto compacto de Vi e F = Ki . Usando o difeomorfismo
xi : Ui → B(3) obtemos, pelo primeiro caso, uma função de classe
C k fi : M → R tal que fi (M − vi ) = 1 e fi−1 (0) = Ki .

Ui M xi (Ki )
Ki Vi 3
F 2
Wi xi 1

Figura 8.7.

Definimos f : M → R pondo f (p) = f1 (p) · f2 (p) · f3 (p) . . . .


Cada ponto p ∈ M possui uma vizinhança V que interesecta
apenas um número finito de conjuntos Ui1 , . . . , Uis . Então f =
fi1 · fi2 · · · fis em V pois nesta vizinhança as outras fi ’s são iden-
ticamente 1. Além disso, f (p) = 0 ⇔ fi (p) = 0 para algum
i ⇔ p ∈ Ki para algum i ⇔ p ∈ F . Isto conclui a demonstração.

5 Aplicações diferenciáveis em subconjun-


tos arbitrários de variedades
Sejam M , N variedades de classe C k , pelo menos, e X ⊂ M um
subconjunto arbitrário. Uma aplicação f : X → N diz-se de classe
C k se, para cada ponto p ∈ X, existe uma aplicação fp : Vp → N ,
de classe C k , definida numa vizinhança aberta Vp ⊂ M de p, tal
que fp = f em Vo ∩ X.
Exemplos
1) Se V ⊂ M é um subconjunto aberto e f : V → N é uma
aplicação de classe C k , então f |X : X → N é de classe C k para
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200 [CAP. VIII: PARTIÇÕES DA UNIDADE E SUAS APLICAÇÕES

todo subconjunto X ⊂ V . Em particular, a aplicação de inclusão


i : X → M é de classe C k .
2) No caso em que X ⊂ M é uma subvariedade de classe C k , tem-
se duas definições para o conceito “f : X → N é de classe C k ”. A
primeira é a da Seção 1, Cap. V, considerando-se X como uma
variedade diferenciável. Na segunda definição, olhamos para X
simplesmente como um subconjunto de M . Devemos mostrar que
estas definições são equivalentes.
Pela Proposição 4, Seção 3, Cap. VI, para cada ponto p ∈ X
existe uma vizinhança p ∈ Vp ⊂ M e um difeomorfismo

x : Vp → U × W ⊂ Rs × Rm−s

(m = dim M, s = dim X) de classe C k tal que x(Vp ∩X) = u×{0}.

M
p Vp
X
f
N

W
π
0 U ×0
π
U

Figura 8.8.

Se f : X → N é de classe C k no sentido da Seção 1, Cap. V


então definimos fp : Vp → N por fp = f ◦ x−1 ◦ π ◦ x, onde π : U ×
W → U × 0 é a primeira projeção. Como π(x(q)) = x(q) para
todo q ∈ X ∩ Vp , temos fp |(X ∩ Vp ) = f |(X ∩ V0 ) e é claro que
fp é de classe C k na vizinhança aberta Vp ⊂ M . Logo f ∈ C k no
sentido da definição recente.
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[SEC. 5: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS EM SUBCONJUNTOS ARBITRÁRIOS201

Reciprocamente, suponhamos que, para cada p ∈ X, exista


uma aplicação de classe C k , fp : Vp → N , definida na vizinhança Vp
de p e coincidindo com f em Vp ∩ X. Como a inclusão i : X ∩ Vp →
Vp é de classe C k , vê-se que f = fp ◦ i : X ∩ Vp → N é de classe
C k . Logo f ∈ C k como aplicação entre variedades.

Mostraremos agora que toda aplicação f : X → Rn , de classe


Ck num subconjunto X ⊂ M , é a restrição de uma aplicação
g : V → Rn , de classe C k , definida numa vizinhança aberta V
do subconjunto X. Mais tarde iremos generalizar este resultado,
considerando aplicações f : X → N , onde N é uma variedade
diferenciável. Em outras palavras, o Exemplo 1 é o mais geral
possı́vel.
Antes, porém, demonstremos o

Lema. Seja U um subconjunto aberto de uma variedade dife-


renciável M ∈ C r . Sejam f : U → Rn uma aplicação de classe
C k (k ≤ r) e ϕ : M → R uma função de classe C k cujo suporte
está contido em U . Então a aplicação λ : M → Rn , definida por
λ(p) = ϕ(p)f (p) se p ∈ U e f (p) = 0 se p ∈ M −U , é de classe C k .

Demonstração: É evidente que λ é de classe C k em U . Além


disso λ é de classe C k em M − supp(ϕ), visto que é identicamente
zero neste conjunto. Ora, uma aplicação diferenciável em dois
abertos é diferenciável na reunião destes. Logo λ ∈ C k em M =
U ∪ (M − supp(ϕ)).

Por abuso de notação, escrevemos ϕ(p) · f (p) em vez de λ(p),


mesmo quando p ∈/ U.
Este lema justifica a definição de suporte como sendo o fecho
e não apenas o conjunto dos pontos onde a função não se anula.
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202 [CAP. VIII: PARTIÇÕES DA UNIDADE E SUAS APLICAÇÕES

Aplicação 3. Seja M uma variedade de classe C r . Dada uma


aplicação f : X → Rn , de classe C k (k ≤ r) definida num subcon-
junto X ⊂ M , existe uma aplicação g : V → Rn , definida numa
vizinhança aberta V ⊂ M de X, tal que g|X = f .

Demonstração: Seja U uma cobertura de X por abertos de M


tais que, para cada U ∈ U, existe uma aplicação fU : U → Rn , de
classe C k , que coincide com f em U ∩ X. A reunião dos conjuntos
P
U ∈ U é uma sub-variedade aberta V ⊂ M . Seja ϕU = 1
U ∈U
uma partição da unidade de classe C k , estritamente subordinada à
cobertura U. Para cada U ∈ U, a aplicação λU = ϕU fU é de classe
C k (vide lema anterior) e a famı́lia (supp λU )U ∈U é localmente
P
finita. Logo, g = λU é de classe C k em V . Quando p ∈ X,
P U ∈U P
g(p) = ϕU (p)fU (p) = ϕU (p)f (p) = f (p), pois podemos, na
U U
soma, desprezar as parcelas ϕU (p) · fU (p) com p ∈
/ U . Isto conclui
a demonstração.

Quando X ⊂ M é um subconjunto fechado, a Aplicação 3 pode


ser consideravelmente melhorada, como se segue:

Aplicação 4 (Teorema de Tietze diferenciável). Seja X um sub-


conjunto fechado de uma variedade M ∈ C r . Toda aplicação
f : X → Rn , de classe C k (k ≤ r), pode ser estendida a uma
aplicação h : M → Rn , de classe C k , definida em toda a varie-
dade.

Demonstração: Pela Aplicação 3, existe uma aplicação g:V →


Rn , de classe C k , que estende f a uma vizinhança V do subcon-
junto fechado X.
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[SEC. 5: APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS EM SUBCONJUNTOS ARBITRÁRIOS203

V M

Figura 8.9.

Consideremos um conjunto aberto U tal que X ⊂ U ⊂ U ⊂ V .


Isto pode ser feito pois M é um espaço topológico normal (∗) .
Seja λ : M → R uma função de classe C k tal que λ(X) = 1,
λ(M − U ) = 0 (cf. Aplicação 1). Então h : M → Rn , definida por
h(p) = λ(p) · g(p) se p ∈ V e h(p) = 0 se p ∈ M − V , é de classe
C k e coincide com f em X.

Observações finais
1) A Aplicação 3 continua verdadeira se substituimos Rn por qual-
quer variedade N ∈ C k . (Este resultado mais forte será provado
no Capı́tulo , quando faremos uso dos instrumentos adequados:
mergulho em Rn e vizinhança tubular).
2) Por outro lado, a Aplicação 4 não é válida para aplicações
que tomam valores numa variedade arbitrária. Por exemplo, a
identidade i : S 1 → S 1 não pode ser estendida a uma aplicação
F : R2 → S 1 , de classe C 2 . Com efeito, suponhamos por absurdo
que isto pudesse ocorrer.
Escrevamos F (x, y) = (f (x, y), g(x, y)). Como F |S 1 = id, tem-
se
f (cos t, sen t) = cos t, g(cos t, sen t) = sen t,

(*) Vide ETG, pag. 235.


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204 [CAP. VIII: PARTIÇÕES DA UNIDADE E SUAS APLICAÇÕES

para todo t ∈ R. Portanto, se escrevermos


∂f ∂f ∂g ∂g
df = dx + dy e dg = dx + dy,
∂x ∂y ∂x ∂y
a integral curvilı́nea abaixo é calculada imediatamente:
Z Z
I= f dg − g df = cos t · (sen t) − sen t · d(cos t)
S1 S1
Z 2π
= (cos2 t + sen2 t) dt = 2π.
0

Por outro lado, como S 1 é o bordo do disco D 2 , o Teorema de


Green fornece:
Z    
∂g ∂f ∂g ∂f
I= f −g dx + f −g dy
SI ∂x ∂x ∂y ∂y
ZZ  
∂f ∂g ∂f ∂g
= 2 − dxdy.
D2 ∂x ∂y ∂y ∂x

Ora, a expressão dentro dos colchetes na integral dupla acima é


identicamente nula, pois é o determinante cujas colunas são os
∂F ∂F
vetores = F 0 (x, y) · e1 e = F 0 (x, y) · e2 , os quais são coli-
∂x ∂y
neares por serem tangentes a S 1 no mesmo ponto F (x, y). Assim
I = 0, uma contradição.
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Capı́tulo IX

Métricas Riemannianas

1 Variedades riemannianas
Uma métrica riemanniana numa variedade diferenciável M é
uma correspondência que associa a cada ponto p ∈ M um produto
interno no espaço tangente T Mp .
Seja g uma métrica riemanniana em M . Indicamos com gp (u, v)
ou g(p; u, v) o produto interno dos vetores u, v ∈ T Mp . Quando
não há perigo de confusão usamos a notação hu, vip ou simples-
mente hu, vi.
O comprimento ou norma do vetor tangente u ∈ T Mp é defi-
nido da maneira óbvia por
p
|u| = |u|p = g(p; u, u).

Uma variedade diferenciáel onde está definida uma métrica


riemanniana chama-se uma variedade riemanniana. Em termos
mais precisos, trata-se de um par (M, g) onde g é uma métrica
riemanniana na variedade M .
Uma métrica riemanniana em que os produtos internos nos
diversos espaços tangentes não estão relacionados entre si não tem
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206 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS

interesse. É desejável que o produto interno dependa pelo menos


continuamente do ponto p ∈ M , num sentido que faremos preciso
a seguir.
A cada sistema de coordenadas em M , x : U → Rm associamos
a função
g x : x(U ) × Rm × Rm → R,
definida por g x (x(p); a, b) = hx0 (p)−1 · a, x0 (p)−1 · bip . Notemos
que, para cada p ∈ U , tem-se um produto interno em Rm , dado
por
(a, b) 7→ g x (x(p); a, b).
Consideremos também as funções
x
gij : U → R, 1 ≤ i, j ≤ m,

x (p) = g x (x(p); e , e ) = h ∂ ∂
definidas por gij i j i
(p), j (p)ip .
∂x ∂x
Se a = (α1 , . . . , αm ) e b = (β 1 , . . . , β m ) são vetores em Rm ,
P i ∂ P j ∂
então u = x0 (p)−1 ·a = α i
(p) e v = (x0 (p)−1 ·b = β (p),
i ∂x j ∂xj
P x
logo g x (x(p); a, b) = g(p; u, v) = gij (p)αi β j .
i,j

Definição. Diz-se que a métrica riemanniana g em M é de


classe C k se, para cada sistema de coordenadas x em M , a função
g x : x(U ) × Rm × Rm → R é de classe C r ou, equivalentemente, se
x : U → R são de classe C r .
as funções gij
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[SEC. 1: VARIEDADES RIEMANNIANAS 207

Exemplos
1) A métrica euclidiana. Sejam M = Rm e g(p, u, v) = hu, vi =
P i i
u v para u, v ∈ T (Rm )p ≡ Rm .
i
2) Toda superfı́cie M m ⊂ Rn de classe C k possui uma métrica
riemanniana natural, de classe C k−1 . Basta considerar, em cada
espaço tangente T Mp ⊂ Rn , o produto interno induzido de Rn .
Com efeito, dado um sistema de coordenadas x : U → Rm em M ,
sua inversa ϕ = x−1 : x(U ) → U ⊂ Rn é uma parametrização de
classe C k . Conseqüentemente, a função g x : x(U ) × Rm × Rm → R,
dada por g x (x(p); u, v) = hϕ0 (x(p))·u, ϕ0 (x(p))·vi, é de classe C k−1 .
Observemos que
 
x ∂ϕ ∂ϕ
gij (p) = (x(p)), j (x(p)) .
∂xi ∂x

3) Seja f : M → N uma imersão de classe C k . Dada uma métrica


riemanniana h ∈ C r em N , definimos uma métrica riemanniana g
em M pondo

g(p; u, v) = h(f (p); f 0 (p) · u, f 0 (p) · v)

ou seja, hu, vip = hf 0 (p) · u, f 0 (p) · vif (p) .


Diz-se que a métrica riemanniana g é induzida pela imersão f .
É fácil de ver que hu, vip é de fato um produto interno em T Mp e
que, além disso, h ∈ C r implica g ∈ C s , s = min{k − 1, r}.
No exemplo anterior, a métrica riemanniana natural em uma
superfı́cie M m ⊂ Rn é induzida pela aplicação de inclusão
i : M → Rn .
A definição de métrica riemanniana de classe C r pode ser for-
mulada mais elegantemente, em termos de métricas induzidas. Se
g é uma métrica riemanniana numa variedade M e x : U → Rm é
um sistema de coordenadas em M , então g x é a métrica induzida
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208 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS

em x(U ) pela imersão x−1 : x(U ) → M . Dizemos que g ∈ C r se


g x : x(U ) × Rm × Rm → R é de classe C r para todo sistema de
coordenadas x : U → Rm . Sejam x : U → Rm e y : V → Rm sis-
temas de coordenadas numa variedade M , de classe C k , munida
de uma métrica riemanniana g. Suponhamos U ∩ V 6= ∅. Nas
exposições clássicas de Análise Tensorial desempenham um papel
proeminente as fórmulas que relacionam as funções gij x : U ∩V → R
y
com as funções gij : U ∩ V → R. Vamos apresentá-las, como uma
homenagem à tradição.
Para cada ponto q ∈ U ∩ V , seja (∂xα /∂y i ) a matriz jacobiana
de x ◦ y −1 no ponto y(q).
∂ m ∂xα
P ∂
Então i
(q) = i
· α (q). Segue-se que:
∂y α=1 ∂y ∂x
  X α  
x ∂ ∂ ∂x ∂xβ ∂ ∂
gij (q) = , = ,
∂y i ∂y j q ∂y i ∂y j ∂xα ∂xβ q
α,β
X ∂xα ∂xβ x
= gαβ (q).
∂y i ∂y j
α,β

y
Note-se que isto exibe gij como função de classe C k−1 das
x ; assim não se pode esperar obter uma métrica riemanniana
gαβ
de classe C k numa variedade de classe C k .
Estudaremos agora as métricas riemannianas que se podem
definir num subconjunto aberto U ⊂ Rm . Lembremos que uma
transformação linear G ∈ L(Rm ) chama-se positiva definida quando
é simétrica (isto é hG · u, vi = hu, G · vi para quaisquer u, v ∈ Rm )
e, além disso hG · u, ui > 0 para todo u 6= 0 em Rm .
Seja G : U → L(Rm ) uma aplicação de classe C k , tal que G(p)
é positiva definida, para todo p ∈ U . Definiremos uma métrica
riemanniana g, de classe C k em U , pondo

(*) g(p; u, v) = hG(p) · u, vi, p ∈ U, u, v ∈ Rm .


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[SEC. 1: VARIEDADES RIEMANNIANAS 209

Reciprocamente, dada a métrica g ∈ C k em U , reobtemos G


do seguinte modo. Para p ∈ U fixo, cada vetor u ∈ Rm define
um funcional linear v 7→ g(p; u, v) em Rm . A este funcional cor-
responde um único vetor G(p) · u tal que a equação (*) acima se
verifica. Evidentemente u 7→ G(p) · u é linear e a matriz de G(p)
em relação à base canônica de Rm é (gij (p)) = (g(p; ei , ej )), de
modo que G : U → L(Rm ) assim definida, é de classe C k .
Quando não houver perigo de confusão, escreveremos hu, vip
p
e |u|p , em vez de g(p; u, v) e g(p; u, u), respectivamente, para
indicar o produto interno e a norma de vetores u, v ∈ (T U )p ,
relativamente à métrica riemanniana g. Note-se que T Up difere
de Rm apenas porque o produto interno pode ser diferente. As
notações hu, vi e |u| indicarão o produto interno e a norma usuais
do espaço euclidiano Rm .
Lema. Sejam S = S(Rm ) o subespaço vetorial de L(Rm ) for-
mado pelas transformações lineares simétricas e P = P(Rm ) o
subconjunto de S formado pelas transformações positivas defini-
das. Então P é um subconjunto aberto convexo de S e a aplicação
f : P → S, definida por f (P ) = P 2 , é um difeomorfismo C ∞ de
P sobre si mesmo.
Demonstração: Sabe-se da Álgebra Linear que todo operador
positivo definido tem uma única raiz quadrada positiva; logo f
é uma bijeção de P sobre si mesmo. Deixamos para o leitor o
trabalho de provar que P é aberto em S e convexo. Resta então
mostrar que, para cada P ∈ P, a derivada f 0 (P ) : S → S, dada por
f 0 (P ) · H = P H + HP , é injetiva (e portanto um isomorfismo).
Sabemos que os autovalores de P são todos positivos e que Rm
possui uma base ortonormal formada por autovetores de P . Então,
se P H + HP = 0, para cada um desses autovetores u ∈ Rm , com
P · u = λ · u, λ > 0, teremos P (H · u) = −H(P u) = −H(λ · u) =
−λ(H · u). Como P não pode admitir o autovalor negativo −λ,
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210 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS

devemos ter H · u = 0 para todos os elementos de uma base de


Rm , donde H = 0. O lema está demonstrado.

Dado P ∈ P, escreveremos P = f −1 (P ) ∈ P.
Proposição 1. Seja g : U × Rm × Rm → R uma métrica rieman-
niana de classe C k num aberto U ⊂ Rm . Existe uma aplicação
Γ : U → L(Rm ), de classe C k , tal que, para cada p ∈ U , o opera-
dor Γ(p) é positivo e |v|p = |Γ(p) · v|, v ∈ Rm . Em outras palavras,
a norma de v ∈ T Up , dada pela métrica riemanniana g é igual à
norma euclidiana usual do vetor Γ(p) · v.
Demonstração: Seja G : U → L(Rm ) definida por g(p; u, v) =
p
hG(p) · u, vi. Usando o Lema, seja Γ(p) = G(p). Então, para
quaisquer v ∈ Rm e p ∈ U , temos:
|v|p = hΓ(p)2 · v, vi1/2 = hΓ(p) · v, Γ(p) · vi1/2 = |Γ(p) · v|.
Isto conclui nosso estudo local das métricas riemannianas. Em se-
guida, provaremos a existência global de uma métrica riemanniana
em qualquer variedade.
Proposição 2. É possı́vel definir uma métrica riemanniana de
clase C k−1 em qualquer variedade M ∈ C k .
Demonstração: Seja U = (Ui ) uma cobertura localmente finita
de M por domı́nios de sistemas de coordenads xi : Ui → Rm com
xi (Ui ) = B(3), para cada i = 1, 2, 3, . . . . Seja ϕi : M → R uma
função auxiliar de classe C k , associada ao sistema xi . (Vide Seção
1, Cap. VIII.) Em cada vizinhança coordenada Ui ⊂ M uma
métrica riemanniana gi ∈ C k−1 é induzida do Rm pondo
gi (p; u, v) = hx0i (p) · u, x0i (p) · vi.
Obtemos uma métrica riemanniana g em M pondo

X
g(p; u, v) = ϕi (p) · gi (p; u, v).
i=1
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[SEC. 2: A NORMA DA DERIVADA 211

[Como sempre, entendemos que ϕi (p)·gi (p; u, v) = 0 se p ∈


/ Ui ]. Os
detalhes podem ser verificados facilmente. Por exemplo, se u 6= 0
é um elemento de T Mp , então
X
g(p; u, u) = ϕi (p) · gi (p; u, u) > 0,
i

pois ϕi (p) > 0 e gi (p; u, u) > 0 para todo i tal que p ∈ Vi .

2 A norma da derivada
Inicialmente recordaremos alguns fatos sobre normas em espa-
ços de aplicações lineares.
Sejam E, F espaços vetoriais de dimensão finita, dotados de
produtos internos, os quais indicaremos com o mesmo sı́mbolo
hu, vi, enquanto |u| representará uma das normas induzidas por
eles.
Quando definimos a norma de uma transformação linear
T : E → F como |T | = sup{|T · u|; u ∈ E, |u| = 1}, tornamos
L(E; F ) um espaço vetorial normado. Esta definição é conve-
niente por várias razões, uma das quais sendo que faz sentido em
dimensão infinita. Uma desvantagem séria porém é que T 7→ |T |
não é uma função diferenciável em L(E; F ).

Exemplo. Seja R2 com o produto interno usual. Dados x, y ∈


R, consideremos a transformação linear T : R2 → R2 , cuja ma-

triz relativa à base canônica é x0 y0 p. Para cada vetor unitário
u = (cos θ, sen θ), temos |T · u| = x2 cos2 θ + y 2 sen2 θ. Por

conseguinte, |T | = M , onde M é o máximo da função θ 7→
x2 · cos2 θ + y 2 · sen2 θ. Um simples exercı́cio de cálculo nos mos-
tra que |T | = max{|x|, |y|}. Daı́ resulta que a função T 7→ |T |
não é diferenciável, pois compondo-a com a aplicação diferenciável
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212 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS


(x, y) 7→ x0 y0 obtemos (x, y) 7→ max{|x|, |y|}, a qual não é dife-
renciável nas diagonais do plano.
A fim de eliminar esta dificuldade, introduziremos agora um
produto interno em L(E; F ).
A cada A ∈ L(E; F ) corresponde sua adjunta A∗ ∈ L(F ; E),
caracterizada pela igualdade

hA · v, wi = hv, A∗ · wi, v ∈ E, w ∈ F.

O produto interno de duas transformações lineares A, B ∈


L(E; F ) será definido por

hA, Bi = tr(A∗ B),

onde tr significa o traço. Note-se que A∗ B ∈ L(E), de modo que


seu traço tem sentido.
Se tomarmos bases ortonormais em E e F e supusermos que
as matrizes de A e B, relativas a essas bases, são respectivamente
(aij ) e (bij ) então as matrizes de A∗ e B ∗ , relativas às mesmas
bases, são as transpostas (aji ) e (bji ). Portanto
X
hA, Bi = tr(A∗ B) = aij bij .
,j

Vemos pois que, se E = Rm e F = Rn , o produto interno


hA, Bi coincide com o produto interno euclidiano usual em Rnm ,
quando fazemos as identificações

L(Rm ; Rn ) ≈ M (n × m; R) ≈ Rnm .

Vemos ainda que tr(A∗ B) = tr(BA∗ ) = tr(AB ∗ ) = tr(B ∗ A).


Os axiomas do produto interno são facilmente verificados. Ob-
temos uma nova definição de norma de uma transformação linear
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[SEC. 2: A NORMA DA DERIVADA 213

A ∈ L(E; F ), no caso em que E e F têm produtos internos, a


saber
p p
||A|| = hA, Ai = tr(A∗ A).

A função A 7→ ||A||2 é agora de classe C ∞ em L(E; F ), en-


quanto que A 7→ ||A|| é C ∞ exceto no ponto 0 ∈ L(E; F ).
Para todo v ∈ E, vale a desigualdade

|A · v| ≤ ||A|| · |v|.

Com efeito, ela é equivalente a hA · v, A · vi ≤ ||A||2 · hv, vi, ou


seja, a hA∗ A · v, vi ≤ tr(A∗ A) · hv, vi.
Para provar esta última, observemos que o operador A∗ A ∈
L(E) é simétrico e não-negativo, logo existe uma base ortonormal
{u1 , . . . , um } ⊂ E tal que A∗ A · ui = λi · ui , com λi ≥ 0. Seja
v = Σ αi vi . A desigualdade que queremos provar torna-se

Σ λi (αi )2 ≤ (Σ λi ) · (Σ(αj )2 ),

o que é evidente, pois os λi são ≥ 0.


Seja agora f : M → N uma aplicação diferenciável entre varie-
dades riemannianas. Em cada ponto p ∈ M , a derivada de f é uma
transformação linear f 0 (p) : T Mp → T Nf (p) , entre espaços veto-
riais com produtos internos, de modo que tem sentido considerar
as normas |f 0 (p)| e ||f 0 (p)|| discutidas acima.
Proposição 3. Seja f : M m → N n uma aplicação de classe C k+1 ,
entre variedades que possuem métricas riemannianas de classe C k .
A função λ : M → R, definida por λ(p) = ||f 0 (p)||2 , é de classe C k .
Demonstração: Como se trata de um problema local, admitimos
que f : U → V é uma aplicação de classe C k+1 de um aberto
U ⊂ Rn , e são dadas métricas riemannianas g em U , e h em V ,
ambas de classe C k .
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214 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS

Para cada p ∈ U , indiquemos com Ep = T Up o espaço eucli-


diano Rm com o produto interno gp = h , ip e, para q ∈ V , seja
Fq = T Vq o espaço Rn com o produto interno hq = h , iq . Sejam
G : U → L(Rm ) e H : V → L(Rn ) as aplicações de classe C k tais
que, para quaisquer p ∈ U , q ∈ V , tem-se hu, vip = hG(p) · u, vi,
u, v ∈ Rm e hw, ziq = hw, H(q) · zi, onde w, z ∈ Rn . Indi-
quemos com f 0 (p)# : Fq → Ep , q = f (p) a adjunta da deri-
vada f 0 (p) : Ep → Fq . Quando considerarmos f 0 (p) como trans-
formação linear de Rm em Rn , sua adjunta será indicada, como de
costume, por f 0 (p)∗ . Para todos v ∈ Rm , w ∈ Rn , p ∈ U e q ∈ V ,
temos

hv, G(p)f 0 (p)# · wi = hG(p) · v, f 0 (p)# · w)i


= hv, f 0 (p)# · wip = hf 0 (p) · v, wiq
= hf 0 (p) · v, H(q) · wi = hv, f 0 (p)∗ H(q) · wi.

Portanto G(p)f 0 (p)# = f 0 (p)∗ H(q), ou seja, f 0 (p)# = G(p)−1


f 0 (p)∗ H(f (p)). Concluimos, finalmente, que

||f 0 (p)||2 = tr(f 0 (p)# f 0 (p)) = tr[G(p)−1 f 0 (p)∗ H(f (p))],

o que mostra ser λ : U → R, definida por λ(p) = ||f 0 (p)||2 , uma


função de classe C k . A proposição está demonstrada.
Se desejarmos usar a norma

|f 0 (p)| = sup{|f 0 (p) · u|q ; u ∈ T Mp , |u|p = 1, q = f (p)},

então podemos apenas afirmar o seguinte:

Proposição 4. Seja f : M m → N n uma aplicação de classe C k+1 ,


entre variedades dotadas de métricas riemannianas de classe C k .
A função µ : M → R, definida por µ(p) = |f 0 (p)|, é contı́nua.
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[SEC. 3: A DISTÂNCIA INTRÍNSECA 215

Demonstração: Podemos admitir que f : U → V é de classe


C k+1 entre abertos U ⊂ Rm , V ⊂ Rn , munidos de métricas rie-
mannianas, g em U , h em V , ambas de classe C k . Pela Proposição
1, existem aplicações contı́nuas Γ : U → L(Rm ) e ∆ : V → L(Rn )
tais que |v|p = |Γ(p) · v| e |w|q = |∆(q) · w| para quaisquer v ∈ Rm
e w ∈ Rn . Então

µ(p) = sup{|f 0 (p) · v|f (p) ; v ∈ Rm , |v|p = 1}


= sup{|∆(f (p)) · f 0 (p) · v|; v ∈ Rm , |Γ(p) · v| = 1}
= sup{|∆(f (p)) · f 0 (p) · Γ(p)−1 · u|; u ∈ Rm ; |u| = 1}
= |∆(f (p)) · f 0 (p) · Γ(p)−1 |,

onde a última norma é a do sup em L(Rm ; Rn ). Como


m n
| | : L(R , R ) → R é contı́nua, a proposiçáo está demonstrada.

3 A distância intrı́nseca
Numa variedade riemanniana M , faz sentido falar em muitos
conceitos geométricos. Por exemplo, podemos definir o compri-
mento de um caminho α : [a, b] → M , de classe C 1 , imitando o
Z b
3
que se faz em R , isto é, pondo `(α) = |α0 (t)| dt. Nesta ex-
p a
pressão, |α0 (t)| = hα0 (t), α0 (t)iα(t) é a norma do vetor tangente
α0 (t) ∈ T Mα(t) , segundo o produto interno definido pela métrica
de M . Podemos também considerar |α0 (t)| como a norma da de-
rivada α0 (t) : R → T Mα(t) . Pela Proposição 4, segue-se que o in-
tegrando |α0 (t)| é uma função contı́nua de t e portanto a integral
que define `(α) tem sentido.
Um caminho α : [a, b] → M diz-se seccionalmente de classe C 1
se α é contı́nuo e existe uma partição a = t0 < t1 < · · · < tm = b
tal que αi = α|[ti , ti+1 ] é de classe C 1 para todo i = 0, 1, . . . , n − 1.
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216 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS

Usaremos a notação α = {α0 , . . . , αn−1 } para indicar um caminho


seccionalmente C 1 . Ainda neste caso podemos definir o compri-
mento de α por

`(α) = `(α1 ) + · · · + `(αn ).

A aditividade da integral mostra que `(α) não depende da


escolha da partição.
No que se segue, M será uma variedade riemanniana conexa,
de classe C k .
Dados dois pontos arbitrários p, q ∈ M , existe um caminho
α : [0, 1] → M seccionalmente de classe C k , tal que α(0) = p e
α(1) = q.
Com efeito, consideremos um qualquer caminho contı́nuo
β : [0, 1] → M ligando p a q e tomemos uma partição 0 = t0 <
t1 < · · · < tn = 1 tal que β([ti , ti+1 ]) ⊂ Ui para cada i =
0, . . . , n − 1, onde Ui é o domı́nio de um sistema de coordenadas
xi : Ui → Rm cuja imagem é convexa. Para cada i = 0, . . . , n − 1
seja αi : [ti , ti+1 ] → M a imagem por x−1 i do segmento de reta
em R que liga xi (β(ti )) a xi (β(ti+1 )), ou seja, αi (t) = x−1
m
i [(1 −
t)xi (β(ti ))+txi (β(ti+1 ))], ti ≤ t ≤ ti+1 . Então α = {α0 , . . . , αn−1 }
é um caminho seccionalmente de classe C 1 ligando p a q.
Podemos então definir a distância intrı́nseca d(p, q) entre dois
pontos p, q de uma variedade riemanniana conexa como d(p, q) =
inf{`(α); α seccionalmente C 1 em M , ligando p a q}.
Proposição 5. Seja M uma variedade diferenciável, com uma
métrica riemanniana de classe C 0 . A distância intrı́nseca acima
definida satisfaz os axiomas que definem um espaço métrico.
Demonstração: Sem dúvida, d(p, q) = 0, d(p, q) ≥ 0, d(p, q) =
d(q, p) e d(p, r) ≤ d(p, q) + d(q, r). Resta verificar que p 6= q ⇒
d(p, q) > 0. Segue-se do axioma de Hausdorff que existe uma
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[SEC. 3: A DISTÂNCIA INTRÍNSECA 217

vizinhança U do ponto p tal que q ∈ / U . Podemos supor que U está


contido no domı́nio de um sistema de coordenadas x em M tal que
x(U ) = B(1) e x(p) = 0. Então U é compacto. pela Proposição
4, vemos que 0 < δ = sup{|x0 (r)|; r ∈ U } < ∞. Como q está no
exterior de U , para cada caminho α : [a, b] → M , seccionalmente
C 1 , ligando p a q, existe α ∈ [a, b] tal que α(c) está na fronteira
de U , ou seja, |x(α(c))| = 1. Resulta daı́ que
Z c Z c
0
1≤ |(x ◦ α) (t)| dt ≤ δ |α0 (t)| dt ≤ δ `(α).
a a

1
Portanto, `(α) ≥ para todo caminho seccionalmente C 1 ligando
δ
p a q, donde d(p, q) > 0.
M

U q
p α(0)

x(α(c))

0 = x(p)

Figura 9.1.

Empregaremos o adjetivo “intrı́nseco” para qualificar todos os


conceitos de espaço métrico relativos à distância intrı́nseca d.
Proposição 6. A topologia de M definida pela distância intrı́nseca
coincide com a topologia original de M .
Demonstração: Seja p ∈ M .
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218 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS

(i) Toda vizinhança p ∈ V ⊂ M contém uma bola intrı́nseca


de centro em p. Com efeito, seja x : V1 → Rm um sistema de
coordenadas em torno de p tal que p ∈ U ⊂ U ⊂ V1 ⊂ V , com
x(p) = 0 ∈ x(U ) = B(1). Pelo argumento da Proposição 5, tem-se

1
q ∈ M − V ⇒ q ∈ M − U ⇒ d(p, q) ≥ ·
δ

1 1
Em outras palavras, d(p, q) < ⇒ q ∈ V , isto é, B p; ⊂V.
δ δ
(ii) Toda bola intrı́nseca de centro p e raio ε > 0 contém uma
vizinhança coordenada do ponto p.
Seja x : V → Rm um qualquer sistema de coordenadas em
torno de p. Podemos supor que x(p)=0 e que δ= sup{|x0 (r)−1 |; r ∈
V } < ∞. Seja B uma bola aberta no espaço euclidiano, contida
em x(V ), com centro na origem e raio menor que ε/δ. Escrevamos
U = x−1 (B). Afirmamos que U está contido na bola intrı́nseca
B(p; ε), de centro p e raio ε. De fato, dado q ∈ U podemos ligar
q e p pelo caminho α : [0, 1] → M dado por α(t) = x−1 (t · x(q)).
Como |x(q)| < ε/δ temos

Z 1
`(α) = |α0 (t)| dt =
0
Z 1
= [x0 (x−1 (tx(q)))]−1 · x(q) dt ≤
0
Z 1
ε
≤ δ|x(q)| dt < δ · = ε.
0 δ

Isto mostra que d(p, q) < ε, ou seja U ⊂ B(p; ε), o que conclui a
demonstração.
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page 219

[SEC. 4: A TOPOLOGIA GERAL DE UMA VARIEDADE 219

4 A topologia geral de uma variedade

4.1 - Propriedade de Hausdorff


Consideremos novamente o Exemplo 1, Seção 5, Cap. IV, onde
uma variedade não-Hausdorff M foi definida pelo atlas A = [x, y],
com x : A ∪ C → R, y : B ∪ C → R, (A ∪ C) ∩
(B ∪ C) = C e x|C = y|C.
Existe uma única métrica riemanniana em M em relação a
qual x e y são isometrias. Esta métrica é induzida por x em A ∪ C
e por y em B ∪ C.
A variedade riemanniana M é conexa: para ligar os pontos a e
b por um caminho contı́nuo, devemos partir de a, seguir ao longo
de C até certo ponto, retornar pelo mesmo caminho e chegarmos
assim em b.
a A

C
B
b

Figura 9.2.

Vemos que existem caminhos de comprimentos arbitrariamente


pequenos ligando a e b, logo d(a, b) = 0 muito embora a 6= b.
Portanto a implicação p 6= q ⇒ d(p, q) > 0 (ponto crucial da
Proposição 4) pode não ser verdadeira em uma variedade não-
Hausdorff M . A distância intrı́nseca define apenas uma pseudo-
métrica em M .
Outro fato ainda mais desagradável é que a topologia (não-
Hausdorff) de M definida pela pseudo-métrica intrı́nseca jamais
irá coincidir com a topologia original de M . Realmente, a topo-
logia original de M sempre é localmente de Hausdorff, enquanto
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220 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS

que a topologia definida por uma pseudo-métrica autêntica nunca


é localmente de Hausdorff.
No exemplo acima, o ponto b pertence a toda pseudo-bola cen-
trada em a mas não está em nenhuma vizinhança coordenada do
ponto a.

4.2 - O axioma da base enumerável

Aos objetos que forem quase variedades diferenciáveis, faltando


ser cumprida apenas a exigência da base enumerável, chamaremos,
à falta de nome melhor, de multiplicidades diferenciáveis.
De qualquer maneira, uma multiplicidade diferenciável tem
base enumerável localmente, isto é, cada ponto p ∈ M posui uma
vizinhança (de coordenadas) que tem base enumerável.
Por conseguinte, uma multiplicidade é um espaço E1, embora
não necessariamente E2.
É realmente fácil dar exemplos de multiplicidades diferencáveis
que não possuem base enumerável de abertos. Basta considerar a
soma topológica de uma quantidade não enumerável de cópias de
uma variedade diferenciável não vazia M0 . Ou equivalentemente,
seja M = M0 × A o produto cartesiano de uma variedade dife-
renciável M0 com um espaço discreto e não-enumerável A. Estes
exemplos são triviais porque fornecem uma multiplicidade M não-
conexa. Por outro lado, não é tão fácil obter exemplos de multipli-
cidades conexas sem base enumerável, embora tais objetos existam
(ver R. Nevanlinna, “Uniformisierung”, pag. 51, para um exemplo
bi-dimensional e Milnor “Der Ring der Vektorraumbündel”, pag.
39, para um caso unidimensional).
Todos os resultados dos Capı́tulos IV e VII, bem como as Pro-
posições 5 e 6 deste capı́tulo, se aplicam às multiplicidades dife-
renciáveis.
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[SEC. 4: A TOPOLOGIA GERAL DE UMA VARIEDADE 221

Proposição 7. Seja M uma multiplicidade conexa de classe C k .


As seguintes condições são equivalentes:

(i) M possui base enumerável (i.e., M é uma variedade).


(ii) M admite partições da unidade (i.e., toda cobertura aberta
de M admite uma partição da unidade de classe C k a ela
subordinada).
(iii) Existe uma métrica riemanniana de classe C k−1 em M .

Demonstração:
(i) ⇒ (iii) Corolário 1 da Proposição 1, Capı́tulo VIII.
(ii) ⇒ (iii) Proposição 1, Capı́tulo IX.
(ii) ⇒ (i) Pela Proposição 4, M é um espaço metrizável.
Como, além disso, M é conexo e localmente compacto, segue-se
que M tem base enumerável. (Vide ETG, Corolário, pag. 225).
Corolário. Seja M uma multiplicidade diferenciável conexa e N
uma variedade de classe C 1 . Se existe uma imersão f : M → N
de classe C 1 então M é uma variedade.
Com efeito, tomando uma métrica riemanniana de classe C 0
em N , a imersão f induz em M uma métrica riemanniana de classe
C 0 . Pela Proposição 7, M possui base enumerável, ou seja, é uma
variedade.
Observação: O corolário acima não é trivial, mesmo se f for
injetiva, pois a topologia de M pode ser consideravelmente mais
fina do que a induzida por f . Obviamente, o resultado é imediato
quando f for um mergulho.
Exemplo. No espaço euclidiano Rn , sua métrica usual coin-
cide com a métrica intrı́nseca. Por outro lado, numa superfı́cie
M m ⊂ Rn , a distância usual em Rn não induz em M sua métrica
intrı́nseca, nem mesmo quando M é um subconjunto aberto de
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222 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS

Rn (ou seja, m = n), salvo se esse aberto é convexo. Por exem-


plo, se omitirmos do plano R2 o segmento [−1, +1] do eixo dos
y, obteremos um aberto no qual a distância intrı́nseca entre os

pontos (−1, 0) e (1, 0) é 2 2, em vez de 2. Na esfera S n ⊂ Rn+1 ,
a distância intrı́nseca entre dois pontos p, q é o comprimento do
menor dos arcos de cı́rculo máximo que ligam p a q. (Se p 6= −q,
há apenas 2 desses arcos. Se p = −q, há uma infinidade, todos de
mesmo comprimento, π.) É claro que se S ⊂ M é uma subvarie-
dade e dS , dM indicam as distâncias intrı́nsecas respectivas, então
dM (p, q) ≤ dS (p, q) para quaisquer p, q ∈ S.

5 Isometrias
Em toda esta seção, M m e N n designarão variedades de classe
C k+1 dotadas de métricas riemannianas de classe C k .
Seja f : M → N diferenciável. Diremos que sua derivada
f 0 (p) : T Mp → T Nq , q = f (p), preserva o produto interno quando
hf 0 (p) · u, f 0 (p) · viq = hu, vip para quaisquer u, v ∈ T Np . Como se
sabe, isto ocorre se, e somente se, f 0 (p) preserva a norma, ou seja,
|f 0 (p) · u|q = |u|p para todo u ∈ T Mp .
Quando uma aplicação diferenciável f : M → N preserva o
produto interno em todos os pontos p ∈ M , dizemos que f é uma
imersão isométrica de M em N . Isto implica, em particular, que
dim M ≤ dim N e que f é localmente injetiva. Se, além disso, f
for um homeomorfismo de M sobre f (M ), diremos que f é um
mergulho isométrico de M em N . Uma imersão isométrica de
uma variedade riemanniana em outra de mesma dimensão chama-
se uma isometria local. Uma isometria f : M → N é uma bijeção
diferenciável cuja derivada, em todos os pontos, preserva o produto
interno. Toda isometria é um difeomorfismo.
Exemplos. 1) Seja J ⊂ R um intervalo aberto. Para que um
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[SEC. 5: ISOMETRIAS 223

caminho f : J → M , de classe C 1 , seja uma imersão isométrica,


é necessário e suficiente que em todos os pontos t ∈ J, seu vetor
velocidade f 0 (t) tenha comprimento 1. Quando isto ocorre, então,
para cada intervalo fechado [a, b] ⊂ J, o caminho f |[a, b] tem com-
Z b Z b
0
primento b − a, pois `(f |[a, b]) = |f (t)| dt = dt = b − a. Re-
a a
ciprocamente, se o comprimento de cada caminho restrito f |[a, b]
é b − a então, para cada t ∈ J devemos ter |f 0 (t)| = 1. Com efeito,
Z b
fixando a em J, obtemos t − a ≤ `(f |[a, t]) = |f 0 (s)| ds para
a
qualquer t > a em J. Derivando em relação a t, vem 1 = |f 0 (t)|,
como querı́amos. Em virtude deste fato, um caminho cujo vetor
velocidade tem comprimento 1 em todos os pontos diz-se parame-
trizado pelo comprimento de arco.
É interessante observar que para todo caminho f : J → M , de
classe C r (r ≥ 1), tal que f 0 (t) 6= 0 para todo t ∈ J, existe uma
reparametrização, isto é, um difeomorfismo ϕ : I → J, de classe
C r , tal que f ◦ ϕ : I → M é parametrizado pelo comprimento
de arco. Com efeito, escolhamos
Z um ponto a ∈ J e definamos
t
λ : J → R pondo λ(t) = |f 0 (s)| ds. (Aqui λ(t) < 0 se t < a.)
a
Evidentemente, λ ∈ C r e λ0 (t) = |f 0 (t)| > 0. Segue-se que λ é
crescente e é um difeomorfismo de J sobre um intervalo aberto
I ⊂ R. Seja ϕ = λ−1 : I → J. Então o caminho reparametrizado
f ◦ ϕ : I → M é tal que, para cada 0 = λ(t) ∈ I, temos

1 |f 0 (t)|
|(f ◦ ϕ)0 (s)| = |f 0 (ϕ(s)) · ϕ0 (s)| = |f 0 (t) · | = = 1.
λ0 (t) λ0 (t)

Por conseguinte, f ◦ ϕ é parametrizado pelo comprimento de arco.


Um caso particular: f : R → R2 , definida por f (t) = (cos t, sen t),
é uma imersão isométrica da reta no plano, cuja imagem é o cı́rculo
unitário S 1 .
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224 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS

2) Seja λ : J → R2 um caminho de classe C r (r ≥ 1), parame-


trizado pelo comprimento de arco. Aplicaremos a faixa aberta
U = J × R ⊂ R2 em R3 , pondo f (x, y) = (λ(x), y) ∈ R2 × R.
Então f : U → R3 é uma imersão isométrica. Se λ for um homeo-
morfismo sobre λ(J), então f será um mergulho isométrico e, por
conseguinte, uma isometria de U sobre a superfı́cie f (U ), que é
chamada o cilindro reto de base λ(J).
3) Seja f : R2 → R4 definida por f (x, y) = (cos x, sen x, cos y,
sen y). Então f é uma imersão isométrica, cuja imagem f (R2 )
é um toro (de dimensão 2) em R4 . Com efeito, a relação de equi-
valência induzida por f tem como classes de equivalência as classes
laterais do subgrupo Z × Z ⊂ R2 e portanto existe uma decom-
posição:

f
R2 - R4

π
f
?
R2 /Z × Z

No diagrama acima, π é o difeomorfismo local canônico de R2


sobre o toro T 2 = R2 /(Z×Z). (Vide Capı́tulo VI, Seção 7). Como
f¯ ◦ π = f ∈ C ∞ , segue-se da Proposição que f¯ ∈ C ∞ . Como f¯
é claramente uma imersão biunı́voca e T 2 é compacto, concluimos
que f¯ é um mergulho do toro T 2 em R2 , cuja imagem coincide
com f (R2 ).
Mais geralmente, de modo análogo, podemos definir, para cada
inteiro m, uma imersão isométrica f : Rm → R2m , de classe C ∞ ,
cuja imagem é um toro de dimensão m. Em outras palavras, em
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[SEC. 5: ISOMETRIAS 225

cada toro pode-se introduzir uma métrica riemanniana que o torna


localmente isométrico ao espaço euclidiano.
Note-se que não pode existir uma imersão isométrica
f : R2 → R3 cuja imagem seja o toro. Mais geralmente, não existe
uma superfı́cie compacta M 2 ⊂ R3 que seja localmente isométrica
ao plano R2 . Isto resulta de fatos conhecidos de Geometria Di-
ferencial pois uma superfı́cie localmente isométrica ao plano tem
curvatura gaussiana identicamente nula, enquanto que toda su-
perfı́cie compacta M 2 ⊂ R2 deve possuir pelo menos um ponto
cuja curvatura gaussiana é positiva. (Vide M.P. do Carmo “Ele-
mentos de Geometria Diferencial”, pág. 106, Exerc. 14.)
4) Seja T : Rn → Rn um operador ortogonal. Munido do seu pro-
duto interno natural, Rn é uma variedade riemanniana e T é uma
isometria. Conseqüentemente, se M m ⊂ Rn é uma superfı́cie tal
que T (M ) = M , então f = T |M é uma isometria de M . (Bem
entendido, estamos considerando em M a métrica riemanniana
induzida de Rn .) Em particular, como T (S n−1 ) = S n−1 para
toda transformação T ∈ O(Rn ), obtemos uma infinidade de iso-
metrias f : S n−1 → S n−1 considerando as restrições à esfera S n−1
de operadores ortogonais em Rn . Assim temos a aplicação antı́poda
α : p 7→ −p, as reflexões (x1 , . . . , xn ) 7→ (x1 , . . . , −xi . . . , xn ), etc.
Outras superfı́cies podem ser transformadas sobre si mesmas por
meio de certos operadores ortogonais. (Diz-se então que a su-
perfı́cie exibe um certo tipo de simetria.) Por exemplo, o toro de
revolução, obtido como por rotação de um cı́rculo vertical em torno
do eixo x = y = 0, admite as isometrias (x, y, z) 7→ (x, y, −z),
(x, y, z) 7→ (x, −y, z), p 7→ −p, etc.
5) Sabemos que, dadas uma imersão f : M m → N m , de classe
C k+1 , e uma métrica riemanniana h em N , de classe C k , existe
uma métrica riemanniana g em M , de classe C k , que torna f uma
isometria local. Basta tomar g = métrica induzida por f . (Vide
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226 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS

Seção 1, Cap. IX.) Consideremos agora a situação oposta. Dada


a imersão f , entre variedades de mesma dimensão, supomos que
M possui uma métrica riemanniana e queremos saber se existe
uma métrica em N que torna f uma isometria local. Condição
necessária e suficiente para que isto ocorra é a seguinte: Se p, q ∈
M são tais que f (p) = f (q), então a transformação linear f 0 (q)−1 ◦
f 0 (p) : T Mp → T Nq é uma isometria linear.

Com efeito, em cada ponto p ∈ M , a derivada f 0 (p): T Mp →


T Nf (p) é um isomorfismo linear. Logo existe um único produto
interno em T Nf (p) que a torna uma isometria. Se q ∈ M é outro
ponto tal que f (p) = f (q), o produto interno induzido por f 0 (q)
em T Nf (q) coincide com o anterior, pois f 0 (p) = f 0 (q) ◦ L, onde
L : T Mp → T Mq é a isometria f 0 (q)−1 ◦ f 0 (p). Assim, existe uma
métrica riemanniana em N que torna f uma isometria local. Sendo
f ∈ C k+1 , isto faz com que tal métrica (induzida localmente por
f −1 ) seja de classe C k . A recı́proca é óbvia. Como exemplo de tal
situação, sejam M m uma variedade com uma métrica riemanniana
de classe C k e f: M m → N m um difeomorfismo local de classe C k+1
com a seguinte propriedade: dados p, q ∈ M com f (p) = f (q),
existe uma isometria ϕ : M → M , de classe C k+1 , tal que f ◦ ϕ =
f e ϕ(p) = q. Então existe uma métrica riemanniana de classe
C k em N que torna f uma isometria local. Com efeito, temos
f 0 (ϕ(p))◦ϕ0 (p) = f 0 (p), ou seja ϕ0 (p) = f 0 (p)−1 ◦f 0 (p), sempre que
f (p) = f (q). Como ϕ0 (p) : T Mp → T Mq é uma isometria linear,
o resultado segue-se. Aplicações: existem métricas riemannianas
no espaço projetivo P m e no toro T m = Rm /(Z × · · · × Z) que
tornam as aplicações canônicas π : S m → P m e π 0 : Rm → T m
isometrias locais. Com efeito, a aplicação antı́poda ϕ : S m → S m
é uma isometria tal que π(p) = π(q) ⇔ q = ϕ(p). Além disso,
π 0 (p) = π 0 (q) ⇔ a = q − p ∈ Zm . A translação ϕ : x 7→ x + a é
uma isometria de Rm tal que π ◦ ϕ = π 0 e ϕ(p) = q. A métrica de
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[SEC. 5: ISOMETRIAS 227

P n que torna π : S m → P m uma isometria local chama-se métrica


elı́ptica. A métrica de T m que torna π 0 : Rm → T m uma isometria
local é chamada métrica achatada.
6) Seja G um grupo de Lie. Uma métrica riemanniana em G diz-se
invariante à esquerda quando, para todo g ∈ G, a translação à es-
querda `g : h 7→ gh é uma isometria de G. Analogamente se define
métrica invariante à direita de métrica bi-invariante. Em todo
grupo de Lie, existe uma métrica invariante à esquerda. Basta
considerar um produto interno na álgebra de Lie T Ge e estendê-lo
por translação à esquerda, isto é, impondo que, para cada g ∈ G, a
derivada `0g (e) : T Ge → T Gg seja uma isometria. Isto é suficiente
para que cada derivada `0g (h) : T Gh → T Ggh preserve o produto
interno. De maneira análoga se mostra que todo grupo de Lie
pode ser munido de uma métrica invariante à direita.
7) Mostraremos agora que o grupo ortogonal O(Rm ), conside-
2
rado como superfı́cie em L(Rm ) = Rm , herda deste espaço eucli-
diano uma métrica bi-invariante. Com efeito, associemos a cada
A ∈ L(Rm ) a aplicação linear `A : L(Rm ) → L(Rm ) que consiste
na multiplicação à esquerda por A, ou seja, `A (X) = A · X. Consi-
deremos em L(Rm ) o produto interno hX, Y i = tr(X ∗ Y ). Então,
se A : Rm → Rm for ortogonal, `A : L(Rm ) → L(Rm ) também será
ortogonal, pois h`A (X), `A (Y )i = hAX, AY i = tr(X ∗ A∗ AY ) =
tr(X ∗ Y ) = hX, Y i. A recı́proca também vale: se `A for ortogo-
nal, A o será. A demonstração é deixada a cargo do leitor. De
qualquer modo, concluimos que, para cada A ∈ 0(Rm ), `A é uma
isometria de L(Rm ). Por conseguinte, se G ⊂ L(Rm ) é um grupo
de Lie que contém a transformação ortogonal A, então ` A (G) = G
e, por conseguinte, a restrição `A |G é uma isometria de G, quando
tomamos neste grupo sua métrica riemaniana natural, induzida
de L(Rm ). Por exemplo, o grupo unimodular SL(Rm ) contém o
grupo ortogonal. Logo, para cada A ∈ O(Rm ), a translação à es-
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228 [CAP. IX: MÉTRICAS RIEMANNIANAS

querda `A é uma isometria de SL(Rm ). Evidentemente, para cada


A ∈ O(Rm ), `A é uma isometria de O(Rm ), ou seja, a métrica
2
natural do grupo ortogonal (induzida pelo espaço euclidiano Rm )
é invariante à esquerda. (Mas a métrica natural de SL(Rm ) não
é invariante à esquerda.) Tudo o que foi dito acima se aplica
para a translação à direita rA : X 7→ X · A. Basta notar que
tr(XY ) = tr(Y X). Segue-se que a métrica riemanniana natural
de O(Rm ) é bi-invariante.
8) Seja f : M → N uma imersão isométrica. Então f preserva
o comprimento de arco, isto é, se λ : [a, b] → M é um caminho
de classe C 1 , então `(f ◦ λ) = `(λ). Com efeito, para cada t ∈
[a, b], temos |(f ◦ λ)0 (t)| = |f 0 (λ(t)) ◦ λ0 (t)|. O resultado segue-se
por integração. Reciprocamente, se f : M → N é de classe C 1 e
preserva comprimento de arco, então, para cada p ∈ M e para cada
u ∈ T Mp com |u| = 1, podemos obter um caminho λ : (−ε, +ε) →
M , de classe C 1 , parametrizado pelo comprimento de arco (vide
Exemplo 1), tal que λ(0) = p e λ0 (0) = u. Então f ◦λ também será
parametrizado pelo comprimento de arco. Por conseguinte |f 0 (p) ·
u| = |f 0 (λ(0)) · λ0 (0)| = |(f ◦ λ)0 (0)| = 1. Assim, a transformação
linear f 0 (p) : T Mp → T Nf (p) leva vetores de comprimento 1 em
vetores de comprimento 1. Logo f 0 (p) preserva normas e f é uma
imersão isométrica.
Se considerarmos as variedades riemannianas M e N como
espaços métricos, munidos das distâncias intrı́nsecas, uma imersão
isométrica f : M → N satisfaz a condição d(f (p),f (q)) ≤ d(p, q).
Com efeito, para todo caminho λ : [a, b] → M , seccionalmente C 1 ,
com λ(a) = p e λ(b) = q, o caminho f ◦ λ liga f (p) a f (q) e tem o
mesmo comprimento que λ. Podem eventualmente existir camin-
hos em N , ligando f (p) a f (q), que não são da forma f ◦ λ, onde
λ liga p a q em M . Por isso pode acontecer que d(f (p), f (q)) <
d(p, q). (Vide f : R → R2 , f (t) = (cos t, sen t).) Mas quando f é
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[SEC. 5: ISOMETRIAS 229

uma isometria (difeomorfismo cuja derivada, em cada ponto, pre-


serva o produto interno) então d(f (p), f (q)) = d(p, q) para quais-
quer p, q ∈ M e portanto f : M → N é também uma isometria no
sentido de espaços métricos.
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Capı́tulo X

Espaços de Funções

1 Funções semicontı́nuas em uma variedade

Seja X um espaço topológico. Uma função real f : X → R


diz-se semicontı́nua inferiormente no ponto a ∈ X quando, para
cada ε > 0, existe uma vizinhança V de a tal que x ∈ V implica
f (a) − ε < f (x). De modo análogo se define semi-continuidade
superior.
Exemplos
1) Uma função é contı́nua se, e somente se, é semicontı́nua inferior
e superiormente.
2) Um subconjunto A ⊂ X é aberto se, e somente se, sua função ca-
racterı́stica f : X → R (definida por f (A)=1, f (X −A)=0) é semi-
contı́nua inferiormente. Analogamente, um subconjunto fechado
é caracterizado pela semi-continuidade superior de sua função ca-
racterı́stica.
3) Se f1 , . . . , fs são funções semicontı́nuas inferiormente (resp. su-
periormente) então o mesmo se dá para f = inf{f1 , . . . , fs } (resp.
g = sup{f1 , . . . , fs }).
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[SEC. 1: FUNÇÕES SEMICONTÍNUAS EM UMA VARIEDADE 231

4) Seja R([a, b]; Rn ) o conjunto de todos os caminhos contı́nuos e


retificáveis α : [a, b] → Rn com a métrica d(α, β) = sup |α(t) −
a≤t≤b
β(t)|. Então a função comprimento de arco,
` : R([a, b]; Rn ) → R
é semicontı́nua inferiormente, como se sabe da Análise.
Proposição 1. Sejam g, h : M → R, respectivamente, funções
semicontı́nuas inferior e superiormente numa variedade M ∈ C k ,
tais que h(p) < g(p) para cada p ∈ M . Então existe uma função
f : M → R, de classe C k , tal que h(p) < f (p) < g(p) para todo
p ∈ M.
Demonstração: Para cada p ∈ M escrevamos ap = 21 [g(p) +
h(p)]. Então h(p) < ap < g(p), logo existe uma vizinhança Vp
de p em M tal que h(q) < ap < g(q) para todo q ∈ Vp . Em
outras palavras, existe uma cobertura aberta V = (Vp )p∈M de M
e uma famı́lia de números reais (ap )p∈M tais que q ∈ Vp ⇒ h(p) <
P
ap < g(q). Consideremos uma partição da unidade ϕp =
p∈M
1 estritamente subordinada à cobertura V. A função f : M →
R, de classe C k , que estamos procurando, é obtida pela “média
P
ponderada” f = ap ϕp . Com efeito, dado q ∈ M , temos
p∈M
h(q) < ap < g(q) se q ∈ Vp e ϕp (q) = 0 se q ∈ / Vp . Logo h(q) =
P P P
ϕp (q) · h(q) < ap ϕp (q) = f (q) < ϕp (q)g(q) = g(q).
p p p

Corolário 1. Seja C = (Cα )α∈A uma cobertura localmente finita


de uma variedade M ∈ C k . Seja (aα )α∈A uma famı́lia de números
reais positivos, com ı́ndices no mesmo conjunto A. Então existe
uma função f : M → R, de classe C k , tal que p ∈ Cα ⇒ 0 <
f (p) < aα .
Demonstração: Podemos supor que os conjuntos Cα são fecha-
dos, pois a famı́lia (C α )α∈A também é localmente finita. Defina-
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232 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

mos g : M → R pondo g(p) = inf{aα ; p ∈ Cα }. Se provarmos que


g é semicontı́nua inferiormente então existirá, pela Proposição 1,
uma função f : M → R tal que 0 < f (p) < g(p) ≤ aα para todo
p ∈ M . Em verdade, a função g é semicontı́nua inferiormente de
um modo bastante curioso: cada ponto p ∈ M possui uma vizin-
hança Vp tal que q ∈ Vp ⇒ g(q) ≥ g(p) (todo ponto é mı́nimo
local). Com efeito, cada ponto p ∈ M possui uma vizinhança Vp
que intersecta apenas um número finito de conjuntos Cα1 , . . . , Cαs .
Como estes conjuntos são fechados, restringindo as vizinhanças V p ,
se necessário, podemos supor que cada Vp só intersecta os Cαi que
contêm p.
Vp Cα

V 0p

C α0
Figura 10.1.
Em outras palavras, dado q ∈ Vp , se q ∈ Cα então p ∈ Cα . Logo
g(q) = inf{aα ; q ∈ Cα } ≥ inf{aα ; p ∈ Cα } = g(p).
Corolário 2. Seja g : M → Rn uma aplicação contı́nua numa
variedade M de classe C k . Dada uma função contı́nua ε : M → R
com ε(p) > 0 para todo p ∈ M , existe uma aplicação f : M → Rn ,
de classe C k , tal que |g(p) − f (p)| < ε(p) para todo p ∈ M .
Demonstração: Consideremos primeiro o caso n = 1. Como
ε(p) > 0 tem-se, para todo p ∈ M , g(p) − ε(p) < g(p) + ε(p). Pela
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[SEC. 2: ESPAÇOS DE FUNÇÕES 233

Proposição 1, existe uma aplicação f : M → R, de classe C k , tal


que g(p)−ε(p) < f (p) < g(p)+ε(p) para todo p ∈ M . O caso geral
resulta daı́, considerando cada coordenada de g separadamente.

2 Espaços de funções
Sejam X um espaço topológico e Y um espaço métrico.
Denotemos por W 0 (X; Y ) o conjunto das aplicações contı́nuas
f : X → Y , dotado da topologia na qual as vizinhanças básicas
de uma aplicação f ∈ W 0 (X; Y ) são os conjuntos W 0 (f ; ε), onde
ε : X → R+ é uma função contı́nua e W 0 (f ; ε) = {g ∈ W 0 (X; Y );
d(f (x), g(x)) < ε(x) ∀ x ∈ X}.
Quando ε descreve as funções contı́nuas > 0 em X, W 0 (f ; ε)
descreve um sistema fundamental de vizinhanças de f .
Esta topologia é denominada a topologia de Whitney de
classe C 0 .
Se X não for compacto, W 0 (X; Y ) não será metrizável, pois
nenhum dos seus pontos terá sistema fundamental enumerável de
vizinhanças; no entanto, usaremos a notação d(f, g) < ε signifi-
cando que d(f (x), g(x)) < ε(x) para todo x ∈ X.
Um outro modo de obter um sistema fundamental de vizi-
nhanças de f ∈ W 0 (X; Y ) é considerar os conjuntos W (f ; U ), onde
U é um aberto contendo o gráfico G(f ) em X × Y e W (f ; U ) =
{g ∈ W 0 (X; Y ); G(g) ⊂ U }.
Para verificar a equivalência entre as duas definições, basta no-
tar que, dada ε : X → R contı́nua e positiva, então o conjunto U =
{(x, y) ∈ X ×Y ; d(y, f (x)) < ε(x)} é um aberto que contém G(f ) e
W (f ; U ) ⊂ W 0 (f ; ε). Reciprocamente, dado o aberto U ⊂ X × Y
contendo G(f ), definimos a função contı́nua positiva ε : X → R
pondo, para cada x ∈ X, ε(x) = dist[(x, f (x)), X × Y − U ]. Então
W 0 (f ; ε) ⊂ W (f ; Y ).
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234 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

U G(f )
G(g)

Figura 10.2.

Pelo Corolário 2, quando M é uma variedade de classe C k ,


as aplicações f : M → Rn de classe C k formam um subconjunto
denso de W 0 (M ; Rn ). Mais adiante mostraremos que este fato é
verdadeiro se Y = N é qualquer variedade diferenciável. (Vide
Corolário da Proposição 9.)
Outra topologia que às vezes se considera no conjunto das
aplicações contı́nuas f : X → Y , de um espaço topológico X num
espaço métrico Y , é a topologia da convergência uniforme nos
compactos. O espaço topológico correspondente será denotado
por C 0 (X; Y ). As vizinhanças básicas de uma aplicação contı́nua
f : X → Y são descritas nesta topologia por dois “parâmetros”:
uma parte compacta K ⊂ X e um número real δ > 0. Estas
vizinhanças são os conjuntos

V (f ; K, δ) = {g ∈ C 0 (X; Y ); d(f (x), g(x)) < δ, ∀ x ∈ K}.

É claro que a aplicação identidade

i : W 0 (X; Y ) → C 0 (X; Y )

é contı́nua, isto é, a topologia de Whitney é mais fina que a da


convergência uniforme nas partes compactas.
Se M é uma variedade diferenciável, o espaço C 0 (M ; Y ) é me-
trizável. Se, além disso, o espaço métrico Y tiver base enumerável,
o mesmo ocorrerá com C 0 (M ; Y ). (Vide ETG, pags. 362, 363.)
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[SEC. 2: ESPAÇOS DE FUNÇÕES 235

Quando X é compacto, toda função contı́nua ε : X → R atinge


o seu mı́nimo, e portanto a outra aplicação identidade

j : C 0 (X; Y ) → W 0 (X; Y )

também é contı́nua. Neste caso W 0 (X; Y ) = C 0 (X; Y ) é me-


trizável por d(f, g) = sup{d(f (x), g(x)).x ∈ X}.
É evidente que quando M é uma variedade de classe C k , as
aplicações f : M → Rn de classe C k também formam um subcon-
junto denso de C 0 (M ; Rn ), pois a topologia de Whitney é mais
fina.
Para o estudo das variedades diferenciáveis é mais interessante
considerar a topologia de Whitney de classe C k , que definiremos
agora.
Sejam M e N variedades diferenciáveis de classe C k (k ≥ 1).
Admitamos que exista um mergulho ϕ : N → Rn de classe C k .
(Para simplificar a notação vamos supor que N ⊂ Rn é uma su-
perfı́cie de classe C k .) Mostraremos no próximo capı́tulo que esta
hipótese adicional não é uma restrição; isto é, toda variedade pode
ser mergulhada em algum espaço euclidiano.
Escolhamos uma métrica riemaniana em M , de classe C k−1
(isto é, pelo menos de classe C 0 ).
Indiquemos com W 1 (M ; N ) o conjunto das aplicações f: M→
N de classe C 1 , dotado da topologia na qual as vizinhanças básicas
de uma aplicação f ∈ W 1 (M ; N ) são os conjuntos

W 1 (f ; ε) = {g ∈ W 1 (M, N ); |f (p) − g(p)| < ε(p) e


0 0
|f (p) − g (p)| < ε(p)}.

Na expressão acima, ε : M → R é uma função contı́nua e


positiva e |f 0 (p) − g 0 (p)| é a norma da aplicação linear f 0 (p) −
g 0 (p) : T Mp → Rn (tomada em qualquer dos sentidos da Seção 3,
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236 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

Cap. IX). Observemos que T Nf (p) e T Ng(p) são subespaços do


Rn , logo podemos considerar f 0 (p) e g 0 (p) como transformações
lineares de T Mp em Rn .
O leitor verificará que W 1 (M ; N ) é um espaço de Hausdorff.
Doravante, sempre que empregamos a notação W 1 (M ; N ), es-
taremos admitindo tacitamente que M é uma variedade de classe
C k , munida de uma métrica riemaniana de classe C k−1 , (k ≥ 1) e
que N é uma superfı́cie de classe C k em algum espaço euclidiano.
Mostraremos na Seção 3 que a topologia de W 1 (M ; N ) inde-
pende da métrica riemaniana escolhida em M e do mergulho de
N em algum espaço euclidiano.
Em geral, W 1 (M ; N ) não é metrizável. No entanto, escrevere-
mos freqüentemente |f − g|1 < ε significando que |f (p) − g(p)| <
ε(p) e |f 0 (p) − g 0 (p)| < ε(p) para todo p ∈ M .
Uma outra topologia no conjunto de todas as aplicações
f : M → N de classe C 1 é a topologia da convergência uniforme
de classe C 1 nos subconjuntos compactos de M . Este espaço to-
pológico será denotado por C 1 (M ; N ). As vizinhanças básicas de
uma aplicação f ∈ C 1 (M ; N ) são os conjuntos V 1 (f ; K, δ), onde
K ⊂ M é um subconjunto compacto, δ um número real positivo e
V 1 (f ; K, δ) = {g ∈ C 1 (M ; N ); |f (p) − g(p)| < δ e |f 0 (p) − g 0 (p| < δ
para todo p ∈ K}.
A aplicação identidade

i : W 1 (M ; N ) → C 1 (M ; N )

é contı́nua, isto é, a topologia de Whitney de classe C 1 é mais fina


que a topologia C 1 da convergência compacta.
Obviamente, quando M é compacto, tem-se W 1 (M ; N ) =
C 1 (M ; N ).
O espaço C 1 (M ; N ) é metrizável, com base enumerável.
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[SEC. 3: INVARIÂNCIA DA TOPOLOGIA DE W 1 (M ; N ) 237

3 Invariância da topologia de W 1 (M ; N )
Mostraremos nesta seção que a topologia de W 1 (M ; N ) não
depende da métrica riemaniana escolhida em M nem da maneira
como N está mergulhada no espaço euclidiano. Para isto, exami-
naremos o comportamento de W 1 (M ; N ) como functor das “variá-
veis” M e N .
Sejam M , M1 , M2 variedades riemanianas e N , N1 , N2 su-
perfı́cies no espaço euclidiano. Uma aplicação ϕ : M1 → M2 , de
classe C 1 , induz uma aplicação

ϕ∗ : W 1 (M2 ; N ) → W 1 (M1 ; N ),

definida por ϕ∗ (f ) = f ◦ ϕ.
Por outro lado, uma aplicação de classe C 1 , ϕ : N1 → N2 ,
induz
ϕ∗ : W 1 (M ; N1 ) → W 1 (M ; N2 ),

definida por ϕ∗ (f ) = ϕ ◦ f .
Tem-se (ϕ ◦ ψ)∗ = ψ ∗ ◦ ϕ∗ e (ϕ ◦ ψ)∗ = ϕ∗ ◦ ψ∗ . Além disso,
(id)∗ = id e (id)∗ = id, de modo que se ϕ é um difeomorfismo
então ϕ∗ é uma bijeção, com (ϕ∗ )−1 = (ϕ−1 )∗ . Analogamente,
(ϕ∗ )−1 = (ϕ−1 )∗ .
Ocorre o seguinte: quando ϕ : N1 → N2 é de classe C 1 , a
aplicação induzida ϕ∗ : W 1 (M.N1 ) → W 1 (M ; N2 ) é contı́nua e
portanto, quando ϕ é um difeomorfismo, ϕ∗ é um homeomorfismo.
Isto será demonstrado logo mais.
Infelizmente, porém, nem todas as aplicações ϕ : M1 → M2 de
classe C 1 induzem aplicações ϕ∗ : W 1 (M2 ; N ) → W 1 (M1 ; N ) que
são contı́nuas. Mesmo assim, quando ϕ é um difeomorfismo, ϕ∗ é
um homeomorfismo.
Examinemos primeiro ϕ∗ .
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238 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

Se a variedade M não é compacta, existe uma função contı́nua


positiva ε : M → R tal que inf{ε(p); p ∈ M } = 0. Então, para
qualquer f ∈ W 1 (M ; N ), a vizinhança básica W 1 (f ; ε) não contêm
aplicações constantes (exceto, possivelmente, f ). Em outras pala-
vras, quando M não é compacta, as alicações constantes formam
um subconjunto discreto do espaço W 1 (M ; N ).
Segue-se daı́ que a inclusão natural c : N → W 1 (M ; N ), a qual
associa a cada ponto q ∈ N a aplicação constante cq : M → N
(com cq (p) = q para todo p ∈ M ), é descontı́nua se M não for
compacta e se dim N > 0.
Por outro lado, se tomarmos uma variedade reduzida
a um ponto a, então W 1 (a; N ) é homeomorfa a N pela aplicação
W 1 (a; N ) → N que leva cada f ∈ W 1 (a; N ) em sua imagem
f (a) ∈ N . Assim, se M é uma variedade não-compacta e se
dim N > 0, então a aplicação ϕ : M → a, de classe C 1 , induz
uma aplicação ϕ∗ : W 1 (a; N ) → W 1 (M ; N ), a qual é descontı́nua
pois equivale a c : N → W 1 (M ; N ) através do homeomorfismo
natural W 1 (a; N ) ≈ N .
A proposição abaixo será útil mais adiante.
Proposição 2. Seja ϕ : M1 → M2 uma aplicação de classe C 1 .
Dados um compacto K ⊂ M1 e um número η > 0, existe um
número δ > 0 tal que f, g ∈ W 1 (M2 ; N ), |f − g|1 < δ em ϕ(K)
implicam |f ϕ − gϕ|1 < η em ϕ(K).
Demonstração: Tomemos um número real A ≥ sup{|ϕ0 (p)|;
p ∈ K} e ainda com A ≥ 1. Ponhamos δ = η/A. Então,
se f, g ∈ W 1 (M2 ; N ) são tais que |f (q) − g(q)| < δ para todo
q ∈ ϕ(K), segue-se que |f (ϕ(p)) − g(ϕ(p))| < δ ≤ η e
|(f ϕ)0 (p) − (gϕ)0 (p)| = |f 0 (ϕ(p)) · ϕ0 (p) − g 0 (ϕ(p)) · ϕ0 (p)|
≤ |f 0 (ϕ(p)) − g 0 (ϕ(p))| · |ϕ0 (p)| < δ · A ≤ η
para todo p ∈ K, como querı́amos demonstrar.
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[SEC. 3: INVARIÂNCIA DA TOPOLOGIA DE W 1 (M ; N ) 239

Corolário. Se M1 for compacta, então toda ϕ : M1 → M2 de


classe C 1 induz ϕ∗ : W 1 (M2 ; N ) → W 1 (M1 ; N ) contı́nua.
Com efeito, dada uma função contı́nua positiva ε : M1 → R,
temos η = inf{ε(p); p ∈ M1 } > 0. Pela proposição, existe uma
função contı́nua positiva (constante) δ : M2 → R tal que g ∈
W 1 (f ; δ) ⇒ gϕ ∈ W 1 (f ϕ; η) ⊂ W 1 (f ϕ; ε), o que prova a continui-
dade de ϕ∗ .
Refinaremos agora o argumento acima e concluiremos que ϕ∗
é contı́nua quando ϕ é própria.
Proposição 3. Seja ϕ : M1 → M2 uma aplicação própria de
classe C 1 . Então ϕ∗ : W 1 (M2 ; N ) → W 1 (M1 ; N ) é contı́nua.
Demonstração: Dada ε : M1 → R contı́nua e positiva, defini-
remos η : M1 → R pondo η(p) = ε(p)/(1 + |ϕ0 (p)|), para todo
p ∈ M1 . Obteremos em seguida uma função contı́nua δ : M2 → R
tal que 0 < δ(ϕ(p)) < η(p) para todo p ∈ M1 . Para isso, considere-
S
mos uma cobertura localmente finita M2 = Kα por conjuntos
a∈A
compactos Kα . Como ϕ é própria, para cada α ∈ A a imagem
inversa ϕ−1 (Kα ) é compacta, logo aα = inf{η(p); p ∈ ϕ−1 (Kα )} é
> 0, salvo se ϕ−1 (Kα ) = ∅, em cujo caso poremos aα = 1. Pelo
Corolário 1 da Proposição 1, existe δ : M2 → R contı́nua tal que
0 < δ(q) < aα para todo q ∈ Kα . Dado qualquer p ∈ M1 , tem-se
ϕ(p) ∈ Kα para algum α. Segue-se que δ(ϕ(p)) < aα ≤ η(p), como
querı́amos.
Afirmamos que, dadas g, f ∈ W 1 (M2 ; N ), se g ∈ W 1 (f ; δ)
então gϕ ∈ W 1 (f ϕ; ε). Com efeito, de |g − f | < δ em M2 , segue-
se trivialmente que |gϕ − f ϕ| < δϕ < ε em M1 . Além disso, de
|g 0 − f 0 | < δ em M2 concluimos que, em M1 vale:

|(gϕ)0 − (f ϕ)0 | = |g 0 ϕ · ϕ0 − f 0 ϕ · ϕ0 | ≤ |g 0 ϕ − f 0 ϕ| · |ϕ0 | <


< |g 0 ϕ − f 0 ϕ| · (1 + |ϕ0 |) < δ · (1 + |ϕ0 |) < ε.
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240 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

A Proposição 3 está demonstrada.


Corolário 1. Se a aplicação ϕ : M1 → M2 , de classe C 1 , for
um homeomorfismo sobre um subconjunto fechado de M2 , então
ϕ∗ : (M2 ; N ) → W 1 (M1 ; N ) será contı́nua.
Com efeito, neste caso ϕ é própria.
Corolário 2. A topologia de W 1 (M ; N ) não depende da métrica
riemaniana tomada em M .
Com efeito, se g, h são métricas riemanianas de classe C 0
em M , ponhamos M1 = (M, g) e M2 = (M, h). A aplicação
identidade i : M1 → M2 é um difeomorfismo, o qual induz, pela
Proposição 1, um homeomorfismo i∗ : W 1 (M2 ; N ) → W 1 (M1 ; N ).
Como i∗ = identidade, vemos que as topologias de W 1 (M1 ; M ) e
W 1 (M2 ; M ) são a mesma.
Observações:
1) Segue-se da Proposição 2 que ϕ∗ : C 1 (M2 ; N ) → C 1 (M1 ; N ) é
contı́nua, seja qual for ϕ : M1 → M2 de classe C 1 .
2) O leitor atento observará que W 1 (M ; N ) possui uma estru-
tura uniforme natural, definida pelos conjuntos W 1 (ε) = {(f, g) ∈
W 1 (M ; N )×W 1 (M ; N ); |f −g|1 < ε}. (Vide ETG, pag. 145.) Em
relação a esta estrutura uniforme, a aplicação ϕ∗ da Proposição 3
é uniformemente contı́nua.
Proposição 4. Uma aplicação ϕ : N1 → N2 , de classe C 1 , in-
duz, através da regra ϕ∗ (f ) = ϕ ◦ f , uma aplicação contı́nua
ϕ∗ : W 1 (M ; N1 ) → W 1 (M ; N2 ).
Antes, um resultado auxiliar:
Lema 1. Fixemos uma cobertrua localmente finita C =(Kα )α∈A
da variedade M , por meio de conjuntos compactos Kα . Uma base
de vizinhanças para f ∈ W 1 (M ; N ) pode ser obtida considerando-
se todas as famı́lias ã = (aα )α∈A de número reais aα > 0, com
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[SEC. 3: INVARIÂNCIA DA TOPOLOGIA DE W 1 (M ; N ) 241

ı́ndices em A, e pondo, para cada famı́lia ã,

W 1 (f ; ã)={g∈W 1 (M ; N );|g − f |1 < aα em Kα , para todo α ∈ A}.

Demonstração: Seja W 1 (f ; ε) uma vizinhança básica de f . De-


finamos ã = (aα )α∈A pondo aα = inf{ε(p); p ∈ Kα }. Como ε
é contı́nua e Kα é compacto, temos aα > 0 para todo α ∈ A.
Além disso, W 1 (f ; ã) ⊂ W 1 (f ; ε). Reciprocamente, dada a famı́lia
ã, pelo Corolário 1 da Proposição 1, existe uma função contı́nua
ε : M → R tal que p ∈ Kα = 0 < ε(p) < aα . Logo W 1 (f ; ε) ⊂
W 1 (f ; ã).
Demonstração da Proposição 4: Seja f ∈ W 1 (M ; N1 ). Fixe-
S

mos uma cobertura localmente finita M = Ki por compactos.
i=1
Para provar a continuidade de ϕ∗ no ponto f , dada uma seqüência
b̃ = (bi ) de números reais positivos, devemos achar uma seqüência
ã = (ai ), ai > 0, tal que |g −f |1 < ai em Ki ⇒ |ϕ◦g −ϕ◦f |1 < bi ,
i = 1, 2, 3, . . . .
Isto será feito em duas etapas.
1¯a etapa - Para cada i = 1, 2, 3, . . . seja Li uma vizinhança com-
pacta de f (Ki ). Então ai = dist[f (Ki ), N1 − Li ] é um número
positivo tal que |f − g| < ai em Ki ⇒ g(Ki ) ⊂ Li .
Como ϕ é uniformemente contı́nua em Li , podemos diminuir,
se necessário, os números positivos ai , de modo que x, y ∈ Li ,
|x − y| < ai ⇒ |ϕ(x) − ϕ(y)| < bi .
Resulta daı́ que |g − f | < ai em Ki implica |ϕg − ϕf | < bi em
Ki .
2¯a etapa - Analisemos agora a expressão |(ϕg)0 − (ϕf )0 |. Sejam
N1 ⊂ Rr e N2 ⊂ Rs . Usando a Aplicação 3, Capı́tulo VIII, pode-
mos supor que ϕ é a restrição de uma aplicação Φ : V → Rs ,
de classe C 1 onde V é uma vizinhança aberta de N1 em Rr .
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242 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

[A razão para introduzirmos Φ é que, para p, q ∈ N1 , p 6= q,


Φ0 (p) − Φ0 (q) : Rr → Rs faz sentido, enquanto que ϕ0 (p) − ϕ0 (q)
nada significa.]
Se g ∈ W 1 (M ; N1 ) temos

|(ϕf )0 − (ϕg)0 | = |(Φf )0 − (Φg)0 | = |Φ0 f · f 0 − Φ0 g · g 0 |


= |Φ0 f · f 0 − Φ0 g · f 0 + Φ0 g · f 0 − Φ0 g · g 0 |
≤ |Φ0 f − Φ0 g| · |f 0 | + |Φ0 g| · |f 0 − g 0 |.

Vamos impor, agora, as restrições finais aos ai .


Como Φ0 : Li → L(Rr , Rs ) é uniformemente contı́nua, podemos
bi
supor que x, y ∈ Li , |x − y| < ai ⇒ |Φ0 (x) − Φ0 (y)| · | sup |f 0 | < ·
Ki 2
bi
Podemos supor também que ai · sup |Φ0 | < ·
Li 2
Então, se g ∈ W 1 (M ; N1 ) é tal que |g − f |i < ai em Ki , tem-se

|(Φg)0 − (Φf )0 | ≤ |Φ0 g| · |g 0 − f 0 | + |Φ0 g − Φ0 f | · |f 0 |


bi bi
< + = bi .
2 2

Corolário. A topologia de W 1 (M ; N ) não depende da maneira


como N se acha mergulhada no espaço euclidiano.

Sejam ϕ1 : N → Rr e ϕ2 : N → Rs dois mergulhos de classe


C 1 de N em espaços euclidianos. Ponhamos N1 = ϕ1 (N ), N2 =
ϕ2 (N ). A aplicação ϕ = ϕ2 ◦ ϕ−1 1 : N1 → N2 é um difeomorfismo
de classe C 1 , logo ϕ∗ : W 1 (M ; N1 ) → W 1 (M ; N2 ) é contı́nua e, na
realidade, é um homeomorfismo pois (ϕ∗ )−1 = (ϕ−1 )∗ .
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[SEC. 4: ESTABILIDADE DE CERTAS APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS 243

4 Estabilidade de certas aplicações


diferenciáveis
A topologia de Whitney de classe C 1 é suficientemente fina
para permitir a estabilidade de certas propriedades geométrico-
diferenciais e suficentemente grossa para admitir que aplicações
com propriedades desejáveis formem um conjunto denso. Por
exemplo, mostraremos adiante que se uma aplicação de classe C 1 é
uma imersão, uma submersão, um mergulho, um difeomorfismo ou
transversal a uma subvariedade fechada, ela manterá a mesma pro-
priedade após sofrer uma pequena perturbação no sentido desta to-
pologia. Na seção seguinte, mostraremos que se M, N ∈ C k então
as aplicações C k formam um subconjunto denso em W 1 (M ; N ).
Proposição 5. As imersões de classe C 1 formam um subconjunto
aberto Im1 (M ; N ) ⊂ W 1 (M ; N ). Também as submersões formam
um aberto Sub1 (M ; N ) ⊂ W 1 (M ; N ).
Demonstração: Mostremos primeiro um resultado preliminar:
sejam U ⊂ Rm aberto e K ⊂ U compacto. Seja f : U → Rn
uma aplicação de classe C 1 tal que f |K é uma imersão (isto é,
f 0 (x) : Rm → Rn é injetora para todo x ∈ K). Então existe
η > 0 tal que g ∈ C 1 (U, Rn ), |g − f |1 < η em K ⇒ g|K é uma
imersão. Com efeito, indiquemos com O ⊂ L(Rm ; Rn ) o subcon-
junto aberto formado por todas as transformações lineares injeti-
vas de Rm em Rn . Sabemos que f 0 : U → L(Rm ; Rn ) é contı́nua
e f 0 (K) ⊂ O. Como f 0 (K) é compacto e O é aberto, tem-se
η = dist[f 0 (K), L(Rm ; Rn ) − O] > 0. Assim, se g ∈ C 1 (U, Rn )
e |g − f |1 < η em K então g 0 (K) ⊂ O, o que prova o resultado
preliminar. Daı́, e da Proposição 2, segue-se que se x : U → Rm
é um sistema de coordenadas em M , se K ⊂ U é compacto e
se f : M → N ⊂ Rn , de classe C 1 , é uma imersão em K, então
existe δ > 0 tal que toda aplicação g : M → N , de classe C 1 , com
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244 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

|g − f |1 < δ em K, é uma imersão em K. (Basta tomar ϕ = x−1


na Proposição 2.)
S
Completemos agora a demonstração. Seja M = Ui uma co-
bertura localmente finita de M como na Proposição 1 do Capı́tulo
S
VIII. Fixemos a cobertura localmente finita M = V i para definir
a topologia de W 1 (M ; N ) (ver Lema 1). Pelo que vimos, para cada
ı́ndice i existe um ai > 0 tal que g ∈ W 1 (M ; N ) com |g − f |1 < ai
em V i implica ser g|V i uma imersão. Ponhamos ã = (ai ). Então
a vizinhança W 1 (f, ã) de f em W 1 (M ; N ) consiste apenas em
imersões. A afirmação relativa a submersões se demonstra exata-
mente da mesma maneira.
Observações:
1) A menos que M seja compacta, as imersões f : M → N não
formam um subconjunto aberto de C 1 (M ; N ). (A topologia da
convergência compacta C 1 não é suficientemente fina para detec-
tar a estabilidade das imersões.) Por exemplo, sejam f = id ∈
C 1 (R; R), K um subconjunto compacto de R e ε > 0. Existe
sempre uma aplicação g ∈ V 1 (f ; K, ε) que não é uma imersão.

g ∈ C1
K ⊂ [a, b]
x ∈ [a, b] ⇒ g(x) = x

[ ]
a b

Figura 10.3.

2) O conjunto das imersões f : M → N pode muito bem ser vazio.


Este é o caso quando dim M > dim N , por exemplo.
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[SEC. 4: ESTABILIDADE DE CERTAS APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS 245

Proposição 6. Os mergulhos de classe C 1 , f : M → N , formam


um aberto Merg1 (M ; N ) ⊂ W 1 (M ; N ).
Demonstração: Inicialmente, um resultado preliminar: sejam
U ⊂ Rm aberto, K ⊂ U compacto e convexo, e f : U → Rn uma
aplicação de classe C 1 tal que f |K é um mergulho. Então existe
η > 0 tal que toda g : U → Rn de classe C 1 com |g − f |1 < η em
K é um mergulho de K.
Com efeito, pelo resultado preliminar da Proposição 5, existe
η > 0 tal que |g − f |1 < η 0 em K ⇒ g|K uma imersão. Mostra-
0

remos agora que, diminuindo η 0 se necessário, g|K será injetiva.


Pela Proposição da Seção 5, Capı́tulo I, existem números c > 0
e δ > 0 tais que |f (x) − f (y)| ≥ c|x − y| para quaisquer x ∈ K,
y ∈ U , com |x − y| < δ. No conjunto compacto A = {(x, y) ∈
K × K; |x − y| ≥ δ}, a função contı́nua (x, y) 7→ |f (x) − f (y)| só
assume valores positivos. Logo existe um número d > 0 tal que
 c d
|f (x) − f (y)| ≥ d para todo (x, y) ∈ A. Seja η = min η 0 , , .
2 3
Afirmamos que se g : U → Rn é de classe C 1 e |g − f |1 < η em
K, então g|K é injetiva. Com efeito, sejam x, y ∈ K, x 6= y. Es-
crevamos h = g − f . Temos |h(z)| < η e |h0 (z)| < η para todo
z ∈ K. Como K é convexo, podemos aplicar a desigualdade do
valor médio e obter |h(x) − h(y)| ≤ η · |x − y|, para quaisquer
x, y ∈ K. Para mostrar que g(x) 6= g(y), notemos que

|f (x) − f (y)| ≤ |g(x) − g(y)| + |g(y) − f (y) − (g(x) − f (x))|.

Daı́ se seguem:
(1) |g(x) − g(y)| ≥ |f (x) − f (y)| − |h(x) − h(y)|;
(2) |g(x) − g(y)| ≥ |f (x) − f (y)| − |h(x)| − |h(y)|.
Consideraremos dois casos
Primeiro: 0 < |x − y| < δ. Então, usando (1), obtemos
c c
|g(x) − g(y)| ≥ c|x − y| − |x − y| = |x − y| > 0.
2 2
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246 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

Segundo: |x − y| ≥ δ. Então (x, y) ∈ A. Usando (2), obtemos

d d d
|g(x) − g(y)| ≥ d − − = > 0.
3 3 3

Em qualquer hipótese, temos g(x) 6= g(y).


Completemos agora a demonstração. Seja f : M → N ⊂ Rn
S
um mergulho. Tomamos M = Ui , uma cobertura localmente
finita de M , como na Proposição 1 do Capı́tulo VIII, e fixamos
S
a cobertura localmente finita M = V i para definir a topologia
1
de W (M ; N ). (Vide Lema 1.) Do que acabamos de provar e
da Proposição 2, resulta que, para cada i, existe ai > 0 tal que
g ∈ W 1 (M ; N ), |g − f |1 < ai em V i = g|V i é um mergulho.
Como f é um homeomorfismo de M sobre f (M ), temos di =
dist(f (W i ), f (M − Vi )) > 0

M
f f (M − Vi )

Wi
Vi f (Wi )
Ui

Figura 10.4.

Escolhamos os ai ’s de tal modo que ai < di /3 e lim ai = 0.


i→∞
Afirmamos que W 1 (f ; ã) ⊂ Merg1 (M ; N ). É claro que W 1 (f ; ã) ⊂
Im1 (M ; N ). Mostremos ainda que se g ∈ W 1 (f ; ã) então g é inje-
tiva. Sejam p, q ∈ M com p 6= q. Ora, p ∈ Wi para algum i. Se
q ∈ Vi , então g(p) 6= g(q). Se q ∈ M − Vi então |f (p) − f (q)| ≥ di .
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[SEC. 4: ESTABILIDADE DE CERTAS APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS 247

Logo

|g(p) − g(q)| ≥ |f (p) − f (q)| − |f (p) − g(p)| − |f (q) − g(q)|


≥ di − di /3 − di /3 > 0.

Resta mostrar que toda aplicação g ∈ W 1 (f ; ã) é um homeo-


morfismo de M sobre g(M ). Em outras palavras, se (pn ) é uma
seqüência em M com g(pn ) → g(p), p ∈ M então necessariamente
pn → p.
1¯a hipótese - Existe um conjunto compacto K ⊂ M contendo
todos os pontos pn . Neste caso, a afirmação é imediata, pois uma
aplicação contı́nua e injetiva de um compacto é um homeomor-
fismo sobre sua imagem.
2¯a hipótese - Não existe um conjunto compacto K ⊂ M contendo
todos os pontos pn . Neste caso podemos encontrar uma sub-
seqüência p0n tal que para cada compacto K ⊂ M existe apenas
um número finito de valores de n com p0n ∈ K. Ponhamos i(n) =
inf{i; p0n ∈ V i }. Segue-se que lim i(n) = ∞, logo lim ai(n) = 0.
n→∞ n→∞
Como |f −g| < ai em V i , tem-se lim |f (p0n )−g(p0n )| = 0, portanto
n→∞
lim f (p0n ) = g(p). Seja i tal que p ∈ Wi . Então, para todo n su-
n→∞
ficientemente grande, p0n ∈ M − Vi portanto |f (p) − f (p0n )| ≥ di .
Segue-se que

di ≤ lim |f (p) − f (p0n )| = |f (p) − g(p)|.


n→∞

Isto é uma contradição, pois |f − g| < di /3 em V i . A conclusão é


que a 2a¯ hipótese não pode ocorrer e a demonstração está termi-
nada.
Escólio da Proposição 6 - Seja K ⊂ M compacto. Se f ∈
W 1 (M ; N ) é tal que f |K é um mergulho, então existe um número
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248 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

real δ > 0 tal que g ∈ W 1 (M ; N ), |g − f |1 < δ em K = g|K é um


mergulho.
Demonstração: Tomemos uma cobertura finita K ⊂ W1 ∪ · · · ∪
Wr , onde Wi ⊂ Vi ⊂ Ui , como na demonstração da Proposição 6.
Em cada Ui , f é um mergulho e existe ai > 0 tal que |g − f |1 < ai
em V i = g|V i é um mergulho. Para cada i = 1, . . . , r, bi =
dist[f (W i ∩ K), K − Vi ] > 0 pois f |K é um homeomorfismo. Seja
δ > 0 um número menor do que todos os ai e os bi /3. Se |g−f |1 < δ
em K então g|K é um mergulho. (Isto se mostra exatamente como
na demonstração da Proposição 6.)
Proposição 7. O conjunto de todos os difeomorfismos f:M m →
N n (sobre N !) é um aberto Dif 1 (M ; N ) ⊂ W 1 (M ; N ).
Demonstração: Suponhamos inicialmente que M e N são co-
S
nexas. Seja M = Ui cobertura localmente finita de M como
na Proposição 1, Capı́tulo VIII. Dado um difeomorfismo f ∈
Dif 1 (M ; N ), este possui uma vizinhança W 1 (f ; ã) que consiste
apenas em mergulhos de M em N . Afirmação: se tomamos os
ai de modo que lim ai = 0 então toda aplicação g ∈ W 1 (f ; ã) é
i→∞
sobre N . Como N é conexa e g é uma aplicação aberta, é sufi-
ciente mostrar que g(M ) é fechado em N . Consideremos pois uma
seqüência g(pn ) → q ∈ N . Queremos mostrar que existe p ∈ M
tal que g(p) = q. Em princı́pio, há duas possibilidades.

Primeira: A seqüência (pn ) tem uma subseqüência convergente


p0n → p ∈ M . Neste caso, lim g(p0n ) = g(p) logo q = g(p) ∈ g(M ).
n→∞

Segunda: A seqüência (pn ) não tem nenhuma subseqüência con-


vergente. Vamos provar que esta hipótese não pode ocorrer.
Nenhum subconjunto compacto de M pode conter uma infi-
nidade de termos pn . Assim se i(n) = inf{i; pn ∈ V i }, tem-
se lim i(n) = ∞, logo lim ai(n) = 0. Isto implica que 0 ≤
n n→∞
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[SEC. 4: ESTABILIDADE DE CERTAS APLICAÇÕES DIFERENCIÁVEIS 249

lim |f (pn ) − g(pn )| ≤ lim ai(n) = 0. Portanto lim f (pn ) = q.


n→∞ n→∞ n→∞
Como f é sobre N , q = f (p) para algum p ∈ M . Ora, f é um
homeomorfismo, logo f (pn ) → f (p) acarreta pn → p, contradição.
Passemos agora ao caso geral. Dado um difeomorfismo f : M →
S
N , seja M = Ms a decomposição de M em componentes co-
S
nexas. A decomposição de N pode ser escrita como N = Ns ,
onde f (Ms ) = Ns0 . Para cada s, escolhamos um ponto ps ∈ Ns ;
seja qs = f (ps ) ∈ Ns0 . Como cada Ns0 é aberto em N , tem-se
dist[qs ; N − Ns0 ] = cs > 0. Portanto, dado g ∈ W 1 (M ; N ), se
|g − f | < cs em Ms , devemos ter g(Ms ) ⊂ Ns0 . Usando uma
S
cobertura M = Ki por conjuntos compactos e conexos para de-
finir a topologia de W 1 (M ; N ), cada Ki estará contido em alguma
componente Ms . Assim, se exigimos que a seqüência ã = (ai ) seja
tal que ai < cs sempre que Ki ⊂ Ms , as aplicações g ∈ W 1 (f ; ã)
vão atender à condição g(Ms ) ⊂ Ns0 . A proposição segue-se por-
tanto do primeiro caso.

Observação: O análogo da Proposição 6 não vale para


C 1 (M ; N ). Por exemplo, a aplicação id : B 2 (1) → B 2 (1) não é
ponto interior do subconjunto de C 1 (B(s); B(s)) formado pelos
difeomorfismos. A diferença é que na topologia de Whitney temos
liberdade de considerar funções ε : B(1) → R tais que ε(x) → 0
quando x tende a um ponto do bordo. Assim, uma pequena per-
turbação (no sentido W 1 (M ; N )) de um difeomorfismo de M sobre
N é obrigada a continuar sobre N .
Examinaremos agora a estabilidade das aplicações que são trans-
versais a uma subvariedade fechada. Primeiro provaremos um
lema.

Lema. Seja K um subconjunto compacto da variedade riemaniana


M . Dada uma aplicação λ : M → Rs , de classe C 1 , da qual 0 ∈
Rs é um valor regular, existe um numero real δK > 0 tal que se
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250 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

µ : M → Rs é de classe C 1 com |µ − λ|1 < δK em K, então 0 é


valor regular de µ|K.
Demonstração: O conjunto U dos pontos p ∈ M tais que
λ0 (p) : T Mp → Rs tem posto s é um aberto contendo λ−1 (0),
restrito ao qual λ é uma submersão. Logo, podemos obter um
aberto A, contendo K ∩ λ−1 (0), tal que A é um compacto contido
em U e portanto λ|A é uma submersão. Além disso, λ(K − A)
é um subconjunto compacto de Rs , que não contém 0; daı́ a =
dist[λ(K − a), 0] > 0. Além disso, existe δ > 0 tal que se µ : M →
Rs é de classe C 1 com |µ − λ|1 < δ em A, então µ|A é uma sub-
mersão. (Vide Proposição 5.) Ou seja, neste caso, todo y ∈ R s é
valor regular de µ|A. Por outro lado, |µ − λ|1 < a em K implica
O∈ / µ(K − A). Assim, se pusermos δK = min{δ, a}, veremos que
|µ − λ|1 < δK em K implica que 0 é valor regular de µ|K.

Proposição 8. Seja S uma subvariedade fechada de N . Então


o conjunto das aplicações f : M → N que são transversais a S é
aberto em W 1 (M ; N ).
Demonstração: Seja Z uma cobertura de S por domı́nios de
sistemas de coordenadas y : Z → Rn tais que y(Z ∩ S) ⊂ π −1 (0),
onde π : Rn → Rs projeta nas últimas s coordenadas (s = codi-
mensão de S em N ). Como S é fechada, podemos recobrir M por
abertos U tais que f (U ) ∩ S = ∅ ou f (U ) ⊂ Z para algum Z ∈ Z.
S
Refinando esta cobertura, podemos admitir que M = Ui é local-
mente finita, com sistemas de coordenadas xi : Ui → Rm , tais que
xi (Ui ) = B(3), mantendo-se ainda que xi (Ui ) ⊂ N − S, ou então
S
xi (Ui ) ⊂ Z para algum Z ∈ Z. Usaremos a cobertura M = V i
(Vi = x−1 1
i (B(2))) para definir a topologia de W (M ; N ). Dado i,
se f (Ui ) ∩ S = ∅, então escolhemos ai > 0 tal que |f − g|1 < ai em
V i implique g(V i ) ∩ S = ∅. Isto é sempre possı́vel porque então
f (V i ) será um compacto, disjunto do fechado S em N . Logo g é
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[SEC. 5: APROXIMAÇÕES EM CLASSE C 1 251

(trivialmente) transversal a S em V i . Se, porém, f (Ui ) ∩ S 6= ∅,


então f (Ui ) ⊂ Z para algum Z ∈ Z. Assim como f é transversal
a S, (vide Lema, Seção 4, Capı́tulo VII) considerando o sistema
de coordenadas y : Z → Rn e a projeção π : Rn → Rs , vemos que
0 ∈ Rs é um valor regular da aplicação λ = π ◦ y ◦ f : Ui → Rs . Em
virtude do Lema...., existe δi > 0 tal que |π ◦ y ◦ f − π ◦ y ◦ g|1 < δi
em V i implica que 0 ∈ Rs é um valor regular de π ◦ y ◦ g. Mas, em
virtude da Proposição 4, podemos achar ai > 0 tal que |g−f |1 < ai
em V i implica |π ◦ y ◦ f − π ◦ y ◦ g|1 < δi em V i e portanto que
g é transversal a S em V i . A seqüência ã = (ai ) define portanto
uma vizinhança W 1 (f ; ã) de f constituida apenas por aplicações
g : M → N que são transversais a S.

Observação: Se S não for fechada em N , as aplicações f : M →


N que são transversais a S podem não constituir um conjunto
aberto. Por exemplo, sejam M = R, N = R2 e S = {(x, x2 ); x >
0}. O leitor pode verificar que, arbitrariamente próximo da aplica-
ção f : R → R2 dada por f (x) = (x, 0), existem aplicações g : R →
R2 que não são transversais a S, embora f o seja (trivialmente,
pois f (R) ∩ S = ∅).

5 Aproximações em classe C 1
O Corolário 2 da Proposição 1 é um teorema de aproximação
em classe C 0 . Dadas uma aplicação f : M → Rn , de classe C 0
numa variedade de classe C k , e uma função contı́nua positiva
ε : M → R, encontramos uma cobertura aberta localmente finita
S
M = Vi e, para cada i, um ponto pi ∈ Vi tal que |f (p) −
f (pi )| < ε(p) para todo p ∈ Vi . Logo, a constante f (pi ) é uma
ε-aproximação de f (p) em Vi . Tomando uma partição da uni-
P
dade ϕi = 1, de classe C k , com supp(ϕi ) ⊂ Vi , formamos a
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252 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

P

média ponderada g(p) = ϕi (p)f (pi ) dos valores f (pi ) e isto
i=1
nos proporcionou uma aplicação g : M → Rn , de classe C k , com
|g(p) − f (p)| < ε(p) para todo p ∈ M .

Nesta seção obteremos um teorema de aproximação em classe


C1 segundo o qual, se M é uma variedade de classe C k , então,
dadas uma aplicação f : M → Rn de classe C 1 e uma função
contı́nua positiva ε : M → R, existe uma aplicação de classe C k ,
g : M → Rn , com |g(p) − f (p)| < ε(p) e |g 0 (p) − f 0 (p)| < ε(p) para
todo p ∈ M .
Com este objetivo, vamos introduzir um processo mais refinado
de calcular médias ponderadas, que usa integrais em vez de somas.
Tal processo chama-se regularização de uma função.

Dados um conjunto K ⊂ Rm e um número η > 0, indiquemos


S
com Vη (K) = B(x; η) a união de todas as bolas abertas com
x∈K
centro em um ponto de K e raio η.
Se K está contido em um conjunto aberto U ⊂ Rm , dadas as
aplicações de classe C r f, g : U → Rn e um número δ > 0, escre-
vemos “|f − g|r < δ em K ” significando que |f (j) (x) − g (j) (x)| < δ
para todo x ∈ K e j = 0, 1, . . . , r. Como sempre, a 0-ésima deri-
vada de uma função é a própria função.

Proposição 8. Sejam U ⊂ Rm aberto e K ⊂ U compacto. Dados


um número δ > 0 e uma aplicação f : U → Rn , de classe C r , existe
uma aplicação g : Rm → Rn , de classe C ∞ , tal que |g − f |r < δ
em K (0 ≤ r < ∞).

Demonstração: Seja η > 0 tal que Vη (K) ⊂ U .


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[SEC. 5: APROXIMAÇÕES EM CLASSE C 1 253

U
Vη (K)

Figura 10.5.

Pela Aplicação 4, Capitulo VIII, existe h : Rm → Rn , de classe C r ,


tal que h = f em Vη (K). Se η for tomado suficientemente pequeno
então, para j = 0, 1, . . . , r,

sup{|h(j) (x + y) − hj (x)|; x ∈ K, |y| ≤ η} < δ.

Seja ϕη : Rm → R uma função não-negativa,


Z de classe C ∞ , tal
que ϕη (y) = 0 quando |y| ≥ η e tal que ϕη = 1. Definamos
g : Rm → Rn pondo
Z Z
g(x) = ϕη (y)h(x + y) dy = ϕη (z − x)h(z) dz.

A igualdade destas integrais resulta da mudança de variáveis óbvia


z = x + y. Pela regra de Leibniz (ver AERn , pag. 66) temos
Z
g (x) = ϕη (y)h(j) (x + y) dy, j = 0, 1, . . . , r e
(j)

Z
g (j) (x) = (−1)j ϕ(j)
η (z − x)h(z) dz, para todo j.

Como ϕη ∈ CZ∞ vemos, pela segunda relação, que g ∈ C ∞ .


Além disso, como ϕη = 1, para cada x ∈ K e para j = 0, 1, . . . , r
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254 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

tem-se

|g (j) (x) − f (j) (x)| = |g (j) (x) − h(j) (x)|


Z

= ϕη (y)[h(j) (x + y) − h(j) (x)]dy
Z
(j) (j)
≤ sup |h (x + y) − h (x)| · ϕη (y) dy < δ.
|y|≤η

A demonstração do nosso “teorema de aproximação em classe


C 1 ” se baseia no seguinte lema, onde B(r) denota a bola aberta
de centro 0 e raio r no Rr .
Lema. Seja f : B(3) → Rn uma aplicação de classe C 1 . Dado um
número real δ > 0, existe uma aplicação h : B(3) → Rn de classe
C 1 , tal que

(1) h = f em B(3) − B(2);


(2) |h − f |1 < δ em B(3);
(3) h ∈ C ∞ em B(1).

Além disso, em parte alguma de B(3) h é menos diferenciável do


que f .
Demonstração: Seja ϕ : Rm → R uma função auxiliar de classe
C ∞ , com 0 ≤ ϕ ≤ 1, ϕ(B(1)) = 1 e ϕ[B(3) − B(2)] = 0. Seja
g : Rm → Rn uma aplicação de classe C ∞ tal que
|g − f |1 < δ/2A em B(2), onde A ≥ 1 + |ϕ|1 (isto é,
1 + |ϕ(x)| ≤ A e 1 + |ϕ0 (x)| ≤ A para todo x ∈ Rn ).
Definamos h = f + ϕ · (g − f ) : B(3) → Rn , isto é, h(x) =
f (x) + ϕ(x) · (g(x) − f (x)) para todo x ∈ B(3). Temos:
(1) Em B(3) − B(2), h = f .
(2) |h − f | = |ϕ| |g − f | ≤ |g − f | < δ/2A < δ
|(h − f )0 | = |ϕ0 (g − f ) + ϕ(g 0 − f 0 )|
≤ |ϕ0 | |g − f | + |ϕ| |g 0 − f 0 | < δ.
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[SEC. 5: APROXIMAÇÕES EM CLASSE C 1 255

(3) Em B(1), h(x) = g(x), logo h ∈ C ∞ em B(1).


Além disso, como h = f + ϕ · (g − f ) vemos que h é não menos
diferenciável do que f .

Proposição 9. Sejam M uma variedade e N ⊂ Rn uma su-


perfı́cie, ambas de classe C k . As aplicações de classe C k formam
um subconjunto denso em W 1 (M ; N ).
Demonstração: Dadas uma aplicação f : M → N , de classe C 1 , e
uma função contı́nua ε : M → (0, ∞), devemos encontrar g : M →
N , de classe C k , com |g − f |1 < ε em M .
Fixemos uma cobertura de N por domı́nios de sistemas de co-
ordenadas y : Z → Rn . Podemos recobrir M por conjuntos abertos
U , com fecho compacto, tais que f (U ) está contido em algum Z.
Pela Proposição 1 do Capı́tulo VIII, esta cobertura aberta de M
pode ser refinada por outra, enumerável, localmente finita e for-
mada por domı́nios de sistemas de coordenadas xi : Ui → Rm tais
que xi (Ui ) = B(3). Para cada i, existe portanto um sistema de
coordenadas yi : Zi → Rm tal que o conjunto compacto f (U i ) está
contido em Zi . Como sempre, Vi = x−1 −1
i (B(2)), Wi = xi (B(1))
e os Wi cobrem M . Podemos supor que cada xi estende-se conti-
nuamente ao fecho U i .
Construiremos agora, por indução, uma seqüência de aplicações
f0 , . . . , fi , . . . de M em N nas seguintes condições:
(1) f0 = f ;
(2) fi = fi−1 em M − Vi ;
(3) fi é de classe C k em W1 ∪ · · · ∪ Wi ;
c
(4) |fi − fi−1 |1 < i em M ;
2
(5) fi (U j ) ⊂ Zj para todo j.
Seja f0 = f . Suponhamos definidas f0 , f1 , . . . , fi−1 , com aque-
las propriedades.
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256 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

M N

Ui Zi
Wi
Vi
fi−1

xi yi
B(3)
B(2)

B(1) λ
yi (Zi )

Figura 10.6.

A fim de obter fi , consideremos os sistemas de coordenadas


xi : Ui → Rm , yi : Zi → Rn (xi (Ui ) = B3 , fi−1 (U i ) ⊂ Zi ).
Pelas Proposições 2 e 4, existe δ > 0 tal que, se λ, µ: B(3)→
yi (Zi ) são aplicações de classe C 1 com |λ − µ|1 < δ em B(2), então
|yi−1 ◦ λ ◦ xi − yi−1 ◦ µ ◦ xi |1 < ε/2i em V i .
Ponhamos λ = yi ◦ fi−1 ◦ (xi )−1 : B(3) → yi (Zi ) ⊂ Rn .
Pelo lema precedente, existe µ : B(3) → Rn de classe C 1 , com
µ = 1 em B(3) − B(2), µ ∈ C k sempre que λ ∈ C k , µ ∈ C ∞ em
B(1) e |µ − λ|1 < δ em B(3).
Definimos fi : M → N pondo fi = fi−1 em M − Vi e fi =
−1
yi ◦ µ ◦ xi em Ui . As condições 1) a 4) são imediatamente ve-
rificadas para fi . Quando à condição 5), observemos que apenas
um número finito de conjuntos U j intersetam U i pois U i é com-
pacto e a cobertura (U 1 , U 2 , . . . ) é localmente finita. Para cada
um desses U j , o compacto Kj = λ(xi (U j ∩ U i )) está contido no
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[SEC. 5: APROXIMAÇÕES EM CLASSE C 1 257

aberto Aj = yi (Zj ∩ Zi ). Logo ρj = dist(Kj , Rn − Aj ) > 0. Se


tomarmos o cuidado de exigir que δ < ρj para todos os ı́ndices j
tais que U j ∩ U i 6= ∅, então teremos a condição fi (U j ) ⊂ Zj satis-
feita para todos os valores j = 1, 2, 3 . . . . A definição indutiva da
seqüência f0 , f1 , . . . , fi , . . . está portanto completa.
Todo ponto p ∈ M possui uma vizinhança aberta Ws que
interseta apenas um número finito dos conjuntos Vj . Seja i o
mais alto ı́ndice tal que Ws ∩ Vi 6= ∅. Então i ≥ s, donde
fi ∈ C k em Wj . Também j > i = Ws ⊂ M − Vj , e por-
tanto fi = fi+1 = fi+2 = . . . em todos os pontos do aberto
Ws . Logo tem sentido definir g : M → N pondo g(p) = lim fi (p)
i→∞
para cada p ∈ M . Além disso, g ∈ C k pois todo p ∈ M pos-
sui uma vizinhança Vs na qual g coincide com uma aplicação
fi ∈ C k . Finalmente, em Ws temos

|g − f |i = |fi − f0 |1 < |fi − fi−1 |1 + |fi−1 − fi−2 |1 + · · · +


i
X ε
+ |f1 − f0 |1 < < ε,
2r
r=1

o que completa a demonstração.


Corolário. As aplicações f : M → N de classe C k formam um
subconjunto denso de W 0 (M ; N ).
Proposição 10. Seja M uma variedade de classe C k (k ≥ 1).
Suponha que f ∈ W 1 (M ; Rs ) é um mergulho. Então em toda
vizinhança de f existem mergulhos g : M → Rs tais que

(i) Em parte alguma de M , g é menos diferenciável do que f .


(ii) g(M ) é uma superfı́cie de classe C ∞ em Rs .

Demonstração: Vamos tomar como modelo a prova da propo-


sição anterior. Seja U = (U1 , U2 , . . . ) uma cobertura localmente
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258 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

finita de M por domı́nios de sistemas de coordenadas xi : Ui →


B m (3) tais que, pondo Vi = x−1 −1
i (B(2)), Wi = xi (B(1)) os Wi ’s
cobrem M . Dada uma função contı́nua ε : M → (0, ∞) podemos
admitir, pela Proposição 6, que W 1 (f ; ε) é uma vizinhança de f
em W 1 (M ; Rs ) consistindo apenas em mergulhos.
Para obter uma aplicação g ∈ W 1 (f ; ε) satisfazendo (i) e
(ii) construiremos, por indução, uma seqüência de aplicações
f0 , . . . , fi , . . . de M em Rs nas seguintes condições:

(1) f0 = f ;
(2) fi = fi−1 em M − Vi ;
(3) fi (W1 ∪ · · · ∪ Wi ) é uma superfı́cie de classe C ∞ em Rs ;
(4) |fi − fi−1 |1 < ε/2i em M .
(5) em parte alguma de m, fi é menos diferenciável do que fi−1 .

Seja f0 = f . Suponhamos definidas f0 , . . . , fi−1 com aquelas


propriedades.
A fim de obter fi ponhamos a = inf{ε(p)/2i ; p ∈ V i }. Existe
b > 0 tal que |λ ◦ xi − µ ◦ xi |1 < a em V i se λ, µ : B(3) → Rs são
aplicações de classe C 1 com |λ − µ|1 < b em B(2)
[cf. Proposição 2].
Seja λ = fi−1 ◦ (xi )−1 : B(3) → Rs . Pelo lema que precede a
Proposição 8, existe uma aplicação µ : B(3) → Rs tal que µ = λ
em B(3) − B(2), µ ∈ C ∞ em B(1), |µ − λ|1 < b em B(3) e µ não
é menos diferenciável do que λ. Seja fi = µ ◦ xi em Ui e fi = fi−1
em M − Vi .
É fácil de verificar que as condições (1) a (5) são satisfeitas.
Para completar a demonstração basta definir g = lim fi .
i→∞
Observação: Mostraremos no capı́tulo seguinte que, para toda
variedade M de classe C 1 , existe um mergulho f : M → Rs , de M
em algum espaço euclidiano Rs . Pela Proposição 9, esse mergulho
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[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE C R 259

pode ser tomado de modo que f (M ) seja uma superfı́cie de classe


C ∞ . Então considerando as parametrizações locais ϕ ∈ C ∞ em
f (M ), as aplicações ϕ−1 ◦ f constituirão um atlas (máximo) C ∞
em M , contido no atlas original de M , o qual era apenas de classe
C 1.

6 Topologias de classe C r (∗)

Sejam M , N variedades de classe C k e r um inteiro, 0 ≤ r ≤ k.


No conjunto das aplicações f : M → N , de classe C k , introduzire-
mos agora uma topologia segundo a qual uma vizinhança de f é
constituida pelas aplicações cujos valores, juntamente com os va-
lores de suas derivadas sucessivas até a ordem r, estão próximos
dos valores correspondentes de f . Isto é o que se chama uma
“ topologia de classe C r .”
Nas seções anteriores, estudamos a topologia de Whitney de
classe C 1 , que origina os espaços W 1 (M ; N ). Para questões de
estabilidade (isto é, para mostrar que certos conjuntos são aber-
tos), W 1 é bastante útil pois um grande número de conceitos di-
ferenciais dependem apenas da derivada primeira e, além disso,
como a aplicação identidade W r → W 1 é contı́nua, todo aberto
em W 1 (M ; N ) é também aberto em W r (M ; N ). Por outro lado,
para questões de aproximação, (ou seja, para provar que certos
conjuntos são densos) não basta provar isto em classe C 1 .
Apresentaremos a seguir a topologia de Whitney de classe C r .
Inicialmente, estabeleceremos alguns fatos no espaço euclidiano.
Seja f : U → R2 uma aplicação de classe C r , definida num
aberto U ⊂ Rm . Dado um compacto K ⊂ U , a norma de classe
(∗)
A leitura desta seção pode ser adiada sem prejuı́zo para a continuidade
do entendimento.
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260 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

C r de f em K é o número |f |K,r , definido como o maior dos r + 1


números reais abaixo:

sup |f (x)|, sup |f 0 (x)|, . . . , sup |f (r) (x)|.


x∈K x∈K x∈K

Às vezes escreveremos “ |f |r < ε em K ” para significar


|f |K,r < ε.
Lema 1. Sejam U ⊂ Rm , V ⊂ Rn abertos, ϕ : U → V de classe
C r e K ⊂ U compacto. Existe um número real A > 0 tal que,
para toda f : V → Rs de classe C r , tem-se |f ϕ|K,r ≤ A · |f |ϕ(K),r .
Demonstração: Para cada i = 1, 2, . . . , r, a i-ésima derivada da
aplicação composta f ◦ ϕ tem a expressão abaixo. (Vide Capı́tulo
I, seção 4.)
X 
(f ◦ ϕ)(i) = n(i1 , . . . , ik )f (k) ϕ · ϕ(i1 ) , . . . , ϕ(ik ) .
1≤k≤i
i1 +···+ik =i

Segue-se que, em cada ponto x ∈ K, a aplicação i-linear


(f ◦ ϕ)(i) tem sua norma sujeita à desigualdade:
i
|(f ϕ)(i) | ≤ Ni · |f |ϕ(K),i · |ϕ|K,i ,
P
onde Ni = n(i1 , . . . , ik ), i1 +· · ·+ik = i. Portanto, se tomarmos
i
A ≥ max Ni · |ϕ|K,i e A ≥ sup |ϕ(x)|, teremos |f ϕ|K,r ≤ A ·
1≤i≤r x∈K
|f |ϕ(K),r .
Lema 2. Sejam U ⊂ Rm , V ⊂ Rn abertos, K ⊂ U compacto e
f : U → V , ϕ : V → Rs aplicações de classe C r . Dado um número
real ε > 0, existe δ > 0 tal que se g : W → V for de classe C r ,
definida num aberto W , com K ⊂ W ⊂ U , e |g − f |K,r < δ então
|ϕg − ϕf |K,r < ε.
Demonstração: A fim de simplificar a notação, consideraremos
r = 2. O caso geral se prova analogamente. Seja L uma vizinhança
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[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE C R 261

compacta de f (K) contida no aberto V . Então d = dist[f (K), Rs −


L] > 0. Na escolha de δ que faremos a seguir, suporemos que
0 < δ < d. Assim sendo, |g(x)−f (x)| < δ em K implica g(K) ⊂ L.
Sabemos que

(ϕg − ϕf )00 = ϕ00 g · (g 0 , g 0 ) + ϕ0 g · g 00 − ϕ00 f · (f 0 , f 0 )−ϕ0 f · f 00


= (ϕ00 g − ϕ00 f ) · (g 0 , g 0 ) + ϕ00 f · (g 0 , g 0 − f 0 )
+ ϕ00 f · (g 0 −f 0 , f 0 ) + (ϕ0 g − ϕ0 f ) · g 00
+ ϕ0 f · (g 00 − f 00 ).

Segue-se que, em cada ponto x ∈ K, a norma da aplicação


bilinear (ϕg − ϕf )00 está sujeita à desigualdade:

(*) |(ϕg − ϕf )00 | ≤ |ϕ00 g − ϕ00 f | · |g 0 |2 + |ϕ00 f | · |g 0 − f 0 |·


· (|f 0 | + |g 0 |) + |ϕ0 g − ϕ0 f | · |g 00 | + |ϕ0 f | · |g 00 − f 00 |.

Seja A = |f |K,2 + 1. A segunda exigência que faremos relativa-


mente a δ é que seja 0 < δ < 1. Então |g − f |K,2 < δ implicará
|g 0 | < A e |g 00 | < A em K. (Evidentemente, já temos |f 0 | < A e
|f 00 | < A em K.) Notemos que existe um número real B > 0 tal
que |ϕ0 | < B e |ϕ00 | < B em L. Além disso, ϕ, ϕ0 e ϕ00 são unifor-
memente contı́nuas em L, de modo que podemos impor a δ que,
ε
para x, y ∈ L, |x−y| < δ ⇒ |ϕ(x)−ϕ(y)| < ε, |ϕ0 (x)−ϕ0 (y)| <
4A
ε ε
e |ϕ00 (x) − ϕ00 (y)| < 2
· Finalmente, suporemos que δ < (e
4A 8AB
ε
portanto δ < ). Então a desigualdade (*) mostra que
4B
|g − f |K,2 < δ ⇒ |(ϕg − ϕf )00 | < ε em K.

Nas mesmas condições, temos ainda |ϕg − ϕf | < ε em K.


Finalmente, como

|(ϕg − ϕf )0 | ≤ |ϕ0 g − ϕ0 f | · |g 0 | + |ϕ0 f | · |g 0 − f 0 |,


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262 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

vemos que |g − f |K,2 < δ ⇒ |(ϕg − ϕf )0 | < ε em K.


Em conclusão, se |g − f |K,2 < δ então |ϕg − ϕf |K,2 < ε.
Passaremos agora à definição da topologia de Whitney de
classe C r .
Consideremos uma variedade M e uma superfı́cie N ⊂ Rs , am-
bas de classe C k . Para 0 ≤ r ≤ k, indicaremos com W r (M ; N ) o
conjunto das aplicações f : M → N , de classe C r , munido da topo-
logia de Whitney de classe C r . Um sistema fundamental de vizin-
hanças de f : M → N nessa topologia é descrito do seguinte modo.
Fixamos um atlas A (contido no atlas máximo de M ), formado por
sistemas de coordenadas x : U → Rm cujos domı́nios constituem
uma cobertura localmente finita de M , com x(U ) = B(3) para
todo x ∈ A. Como de costume, escreveremos V = x−1 (B(2)),
W = x−1 (B(1)) e, sempre que for necessário, suporemos que os
W ’s cobrem M . Fixando o atlas A, consideraremos as famı́lias
ã = (ax )x∈A , de números reais ax > 0, com ı́ndices no conjunto
A. Para cada uma dessas famı́lias poremos

W r (f ; ã) = {g ∈ W r (M ; N ); |gx−1 − f x−1 |r < ax em B(2),


∀ x ∈ A}.

Quando o atlas A é mantido fixo e ã percorre todas as famı́lias de


números reais ax > 0, x ∈ A, os conjuntos W r (f ; ã) constituem
um sistema fundamental de vizinhanças de f no espaço topológico
W r (M ; N ) que fica assim definido.
Devemos mostrar que, se tomarmos outro atlas B em M , com
propriedaes análogas às de A, obteremos um sistema fundamental
de vizinhanças equivalente ao anterior, ou seja, cada vizinhança
de f num sistema contém uma vizinhança de f no outro sistema.
Para evitar dúvidas, escreveremos Ux par indicar o domı́nio
do sistema de coordenadas x. Do mesmo modo, escreveremos Vx ,
Wx , etc. Temos que provar o seguinte
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[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE C R 263

Lema 3. Sejam A, B atlas localmente finitos (contidos no atlas


máximo) de M cujos elementos têm imagem B(3). Dada uma
famı́lia de números reais by >, y ∈ B, existe uma famı́lia de
números reais ax > 0, x ∈ A, tais que |f ◦ x−1 |r < ax em B(2)
para todo x ∈ A implica |f ◦ y −1 |r < by em B(2) para todo y ∈ B.
Demonstração: Dado x ∈ A, existe um número finito de sistemas
y ∈ B tais que V y ∩ V x 6= ∅. Pelo Lema 1, para cada um desses
y, existe Axy > 0 tal que

|f ◦y −1 |r = |(f ◦x−1 )◦(x◦y −1 )|r ≤ Axy ◦|f ◦x−1 |r em y(V x ∩V y ).

Escolhamos ax > 0 tal que Axy · ax < by para todos os y ∈ B (em


número finito) tais que V y ∩ V x 6= ∅. Então |f ◦ x−1 |r < ax em
x(V x ) ⇒ |f ◦ y −1 |r < y(V x ∩ V y ). Escolhidos todos os ax , x ∈ A,
suponhamos que f : M → N seja tal que |f ◦ x−1 |r < ax em x(V x )
para cada x ∈ A. Então para qualquer y ∈ B, temos |f ◦y −1 |r < by
S
em cada y(V x ∩ V y ) e portanto em B(2) − y(V x ∩ V y ).
x
Definido o espaço topológico W r (M ; N ),observamos que, para
r ≥ s, a aplicação identidade i : W r (M ; N ) → W s (M ; N ) é contı́-
nua. Concluimos portanto que todo conjunto aberto em W 1 (M ; N )
é aberto em W r (M ; N ) para todo r ≥ 1. Em particular, as
imersões, as submersões, os mergulhos e os difeomorfismos for-
mam conjuntos abertos em W r (M ; N ) para todo r ≥ 1. (Vide
Proposições 5, 6 e 7 na Seção 4, deste capı́tulo.) Não é, porém,
uma conseqüência da Proposição 9 que, quando M e N são de
classe C k , as aplicações f : M → N de classe C k formem um sub-
conjunto denso de W r (M ; N ). De qualquer maneira, este fato é
verdadeiro e se demonstra da maneira análoga à da Proposição 9,
tendo em vista os Lemas 1 e 2 desta seção e o fato de que a regu-
larização nos fornece uma aproximação local em classe C r (vide
Proposição 8, na Seção 5 deste capı́tulo).
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264 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

Podemos, então, enunciar que se M e N são de classe C k ,


o conjunto das aplicações f : M → N de classe C k é denso em
W r (M ; N ) para todo r, com 0 ≤ r ≤ k.
Um atlas localmente finito A (contido no atlas máximo de M ),
formado por sistemas de coordenadas x : Ux → Rm , com x(Ux ) =
B(3), será chamada canônico.

Proposição 11. Seja ϕ : M1 → M2 uma aplicação própria de


classe C r . Então ϕ∗ : W r (M2 ; N ) → W r (M1 ; N ), definida por
ϕ∗ (f ) = f ◦ ϕ, é contı́nua.
Demonstração: Seja A um atlas canônico em M2 . Como ϕ é
própria, os abertos ϕ−1 (Vx ), x ∈ A, que cobrem M1 , são relati-
vamente compactos. Seja B um atlas canônico de M1 , tal que
os domı́nios dos seus sistemas de coordenadas formam um refina-
mento (localmente finito) da cobertura (ϕ−1 (Vx ))x∈A . Podemos
então definir uma “função de escolha” λ : B → A tal que, para
cada y ∈ B, V y ⊂ ϕ−1 (V λ(y) ), ou seja, ϕ(V y ) ⊂ V λ(y) . Como
B é localmente finito e (em virtude de ϕ ser própria) os abertos
ϕ−1 (V x ) são relativamente compactos, segue-se que, para cada
x ∈ A, existe no máximo um número finito de sistemas y ∈ B
tais que λ(y) = x. Usemos os atlas A e B para definir as vizin-
hanças básicas nos espaços W r (M2 ; N ) e W r (M1 ; N ) respectiva-
mente. Consideremos f ∈ W r (M1 ; N ) e uma famı́lia de números
reais by > 0, y ∈ B. Para cada x ∈ A, com x = λ(y), temos
f ϕy −1 = f x−1 ◦ xϕy −1 numa vizinhança de B(2) = y(V y ). Pelo
Lema 1, existe, par cada y ∈ λ−1 (x), um número real Ay > 0, tal
que
|f ϕy −1 |r ≤ Ay · |f x−1 |r em B(2).

Escolhamos, para cada x ∈ A, um número real ax > 0, do seguinte


modo: se não existir y ∈ B tal que λ(y) = x, tomemos ax = 1.
Caso contrário, escolhamos ax de tal modo que Ay · ax < by para
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[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE C R 265

todo y ∈ λ−1 (x). Como λ−1 (x) é finito, isto pode ser feito. Desta
maneira, se f, g ∈ W r (M2 ; N ) são tais que |f x−1 −gx−1 |r < ax em
B(2) para todo x ∈ A, então |f ϕy −1 − gϕy −1 | < by em B(2) para
todo y ∈ B, o que prova ser ϕ∗ (f ) = f ϕ uma aplicação contı́nua.

Proposição 12. Sejam M uma variedade, N1 ⊂ Rn , N2 ⊂ Rs


superfı́cies, todas de classe C k , e ϕ : N1 → N2 de classe C r , 0 ≤
r ≤ k. A aplicação ϕ∗ : W r (M ; N1 ) → W r (M ; N2 ), definida por
ϕ∗ (f ) = ϕ ◦ f , é contı́nua.
Demonstração: Em virtude da Aplicação 3, Capı́tulo VIII, pode-
mos estender ϕ a uma vizinhança V de N1 no espaço euclidiano Rn .
Usaremos a mesma notação para indicar a extensão ϕ : V → N2 ,
de classe C r . Dada f ∈ W r (M ; N1 ), sejam A um atlas canônico
de M e b̃ uma famı́lia de números reais bx > 0, x ∈ A. Para cada
x ∈ A existe, em virtude do Lema 2, um número real ax > 0 tal
que, se g ∈ W r (M ; N1 ) e |gx−1 − f x−1 |r < ax em B(2), então
|ϕgx−1 − ϕf x−1 |r < bx em B(2). Logo, ϕ∗ é contı́nua.
Segue-se da Proposição 12 que a topologia de W r (M ; N ) não
depende do mergulho de N no espaço euclidiano. Isto também re-
sulta da proposição seguinte, a qual fornece uma alternativa para
definir a topologia de W r (M ; N ) sem mencionar métrica riema-
niana em M nem supor N mergulhada no espaço euclidiano.
Sejam M , N variedades de classe C k e f : M → N uma
aplicação de classe C r , 0 ≤ r ≤ k. Utilizando a Proposição 1
da Seção 3, Capı́tulo VIII, obtemos um atlas localmente finito A,
contido no atlas máximo de M , formado por sistemas de coor-
denadas x : U → Rm com x(U ) = B(3) e f (U ) ⊂ Z, onde Z é
domı́nio de um sistema de coordenadas y : Z → Rn em N .
Para cada x ∈ A, escolhamos, de uma vez por todas, um sis-
tema de coordenadas y = y(x) : Zx → Rn em N , com f (Ux ) ⊂ Zx .
Dada uma famı́lia de números reais ax > 0, x ∈ A, introduzire-
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266 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

mos o conjunto Γr (f ; ã), formado pelas aplicações g : M → N , de


classe C r , tais que g(V x ) ⊂ Zx para todo x ∈ A e, além disso,

|ygx−1 − yf x−1 |r < ax em B(2), para todo x ∈ A.

Note-se que, sendo V x compacto, g(V x ) ⊂ Zx implica a exis-


tência de um aberto Ax , com V x ⊂ Ax ⊂ Ux , tal que g(Ax ) ⊂ Zx .
As aplicações ygx−1 e yf x−1 são definidas na vizinhança aberta
x(Ax ) do compacto B(2) em Rm .
Na proposição seguinte, a fim de poder considerar a topologia
de W r (M ; N ), suporemos que N ⊂ Rs é uma superfı́cie.
Proposição 13. Mantendo fixo o atlas A e fazendo variar a
famı́lia ã, os conjuntos Γr (f ; ã) constituem um sistema fundamen-
tal de vizinhanças de f em W r (M ; N ).
Demonstração: Dado Γr (f ; ã), definiremos uma famı́lia
b̃ de números reais bx > 0, x ∈ A, tal que W r (f ; b̃) ⊂ Γr (f ; ã).
Primeiro, uma precaução. Para cada x ∈ A, temos dx =
dist[f x−1 (B(2)), Rn −y(Zx )] > 0. Imporemos que seja 0 < bx < dx
para cada x ∈ A. Isto nos assegurará que toda g : M → N com
|gx−1 − f x−1 | < bx em B(2) cumpre a condição g(V x ) ⊂ Zx .
Agora, usaremos o Lema 2. Segundo ele, para cada x ∈ A,
o número bx > 0 pode ser tomado de tal forma que |ygx−1 −
yf x−1 |r < bx em B(2) implica |gx−1 − f x−1 | < ax em B(2). (Es-
tamos tomando ϕ − y −1 no lema.) Isto significa que W r (f ; b̃) ⊂
Γr (f ; ã). De maneira análoga mostra-se que, reciprocamente, dada
b̃ = (bx ), existe ã = (ax ) tal que Γr (f ; ã) ⊂ W r (f ; b̃).
Para finalizar, diremos uma palavra sobre a topologia da con-
vergência uniforme de classe C r nas partes compactas. No conjunto
das aplicações f : M → N de classe C r , introduzimos a topolo-
gia segundo a qual um sistema fundamental de vizinhanças de
f : M → N é definido considerando-se uma cobertura localmente
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[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE C R 267

S
finita M = Ui por domı́nios de sistemas de coordenadas xi : Ui →
Rm tais que xi (Ui ) = B(3) (i = 1, 2, 3, . . . ). Para cada número
real c > 0 e cada inteiro j, pomos

V r = {g : M → N, g ∈ C r ,|gx−1 −1
i − f xi |r < ε em B(2);
i = 1, . . . , j}.

Acima, estamos admitindo que N ⊂ Rs é uma superfı́cie no espaço


euclidiano. Os conjuntos V r (f ; j, ε), quando j percorre os inteiros
positivos e ε > 0 é um número real, formam um sistema funda-
mental de vizinhanças de um espaço topológico que indicaremos
com C r (M ; N ).
Do mesmo modo como em W r , obtemos ainda um sistema
fundamental de vizinhanças de f : M → N em C r (M ; N ) se im-
S
pusermos à cobertura M = Ui que, para cada i, exista um
sistema de coordenadas yi : Zi → Rn em N , tal que f (Ui ) ⊂ Zi .
Em seguida, para cada inteiro j e cada real c > 0, pomos

∆r (f ; j, ε) = {g : M → N ; g ∈ C r , g(V i ) ⊂ Zi e
|yi gx−1 −1
i − yi f xi |r < ε em B(2), para cada i = 1, 2, . . . , j}.

Quando j > 0 varia entre os inteiros e ε > 0 entre os reais, os


conjuntos ∆r (f ; j, ε) constituem um sistema fundamental de vizin-
hanças equivalente àquele formado pelos V r (f ; j, ε), portanto de-
finindo ainda em C r (M ; N ) a topologia da convergência uniforme
de classe C r nas partes compactas. Note-se que as vizinhanças
∆r podem ser definidas sem que N esteja mergulhada no espaço
euclidiano.
A aplicação identidade W r (M ; N ) → C r (M ; N ) é contı́nua.
Segue-se que as aplicações f : M → N , de classe C k , (onde M e
N são de classe C k ) formam um subconjunto denso de C r (M ; N ).
Não é verdade, entretanto, que as imersões, submersões, mergu-
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268 [CAP. X: ESPAÇOS DE FUNÇÕES

lhos e difeomorfismos constituam abertos em C r (M ; N ) salvo, evi-


dentemente, quando M é compacta, caso em que C r (M ; N ) =
W r (M ; N ).
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Capı́tulo XI

Os Teoremas de Imersão
e Mergulho de Whitney

Os resultados principais deste capı́tulo são os teoremas de


Whitney, segundo os quais se pode aproximar arbitrariamente
qualquer aplicação de classe C k f : M m → R2m por uma imersão e
qualquer f : M m → R2m+1 (ainda de classe C k ) por uma imersão
biunı́voca. Além disso, qualquer variedade M m pode ser mer-
gulhada como um subconjunto fechado em R2m+1 . Como conse-
qüência da discussão, resultará que todo atlas máximo de classe
C 1 numa variedade contém um atlas C ∞ . Inicialmente exporemos
as noções básicas sobre conjuntos de medida nula numa variedade.
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270 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSÃO E MERGULHO DE WHITNEY

1 Conjuntos de medida nula em uma varie-


dade

Um cubo C ⊂ Rm é um produto cartesiano C=[a1 ,a1+r] × · · · ×


[am , am + r] de m intervalos fechados de mesmo comprimento r.
O número r é chamado a aresta do cubo C. O volume de C é
definido por vol(C) = r m . Quando a métrica de Rm é dada pelo
P i i √
produto interno hx, yi = x y , o diâmetro de C é n m.
Dizemos que um conjunto X ⊂ Rm tem medida nula em Rm
quando, para todo ε > 0, é possı́vel achar uma cobertura enu-
S
∞ P
merável de X por cubos, X ⊂ Ci , tal que vol(Ci ) < ε.
i=1 i
Notação: med(X) = 0 em Rm .
Se X ⊂ Y ⊂ Rm então med(Y ) = 0 em Rm implica med(X) =
0 em Rm .

Proposição 1. Se X1 , X2 , . . . , Xi , . . . são conjuntos de medida


S∞
nula em Rm , então X = Xi tem medida nula em Rm .
i=1
Demonstração: Seja dado ε > 0. Podemos achar, para cada
S
i, uma cobertura enumerável Xi ⊂ Cij por cubos tais que
j
P S
vol(Cij ) < ε/2i . Resulta daı́ que X ⊂ Cij é uma cobertura
j
P i,j P
enumerável de X por cubos Cij tal que vol(Ci,j ) < ε/2i = ε.
i,j i
Logo med(X) = 0 em Rm .

Corolário 1. Todo subconjunto enumerável de Rm tem medida


nula.

Corolário 2. Um subconjunto X ⊂ Rm tem medida nula se, e


somente se, cada ponto p ∈ X possui uma vizinhança Vp tal que
med(X ∩ Vp ) = 0 em Rm .
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[SEC. 1: CONJUNTOS DE MEDIDA NULA EM UMA VARIEDADE 271

Demonstração: A parte do “somente se”é evidente. Por outro


S
lado, da cobertura X ⊂ Vp com med(Vp ∩X) = 0 obtemos, pelo
p∈X
S

teorema de Lindelöf, uma subcobertura enumerável X ⊂ V pi .
S i=1
Pela proposição, X = (Vpi ∩ X) tem medida nula em Rm .
i

Exemplo 1. Seja C = I1 × · · · × Im um cubo. Para qualquer


s > 0, C × 0 tem medida nula em Rm × Rs = Rn+s , como pode
facilmente ser verificado.
Os conjuntos de medida nula são úteis no estudo das variedades
diferenciáveis por dois motivos: primeiro porque têm interior va-
zio, e segundo porque suas imagens mediante aplicações de classe
C 1 possuem também medida zero. Estes fatos serão provados logo
em seguida.

Sejam X e Y espaços métricos. Uma aplicação f : X → Y


diz-se lipschitziana quando existe uma constante k > 0 tal que
d(f (x), f (y)) ≤ k d(x, y) para todos x, y ∈ X. Dizemos que f é lo-
calmente lipschitziana se todo ponto p ∈ X possui uma vizinhança
Vp tal que f |Vp é lipschitziana.
Uma aplicação lipschitziana é uniformemente contı́nua, logo
uma aplicação localmente lipschitziana é contı́nua. Se X ⊂ Rm ,
toda aplicação f : X → Rn , de classe C 1 , é localmente lipschit-
ziana, pela desigualdade do valor médio.

Proposição 2. Se X ⊂ Rm tem medida nula e f : X → Rm é


localmente lipschitziana, então f (X) tem medida nula em Rm .
Demonstração: Todo ponto p ∈ X possui uma vizinhança Vp
na qual f é lipschitziana, com constante kp . A cobertura X =
S S
n
Vp possui uma subcobertura enumerável X = Vpi . Portanto,
p i=1
pela Proposição 1, podemos supor que f é lipschitziana: |f (x) −
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272 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSÃO E MERGULHO DE WHITNEY

f (y)| ≤ k|x − y| para todos x, y ∈ X. Dado ε > 0, existe uma


S P
cobertura enumerável X ⊂ Ci por cubos Ci , com vol(Ci ) <
√ −m i
ε(2k m) . Seja ri a aresta de Ci . Como para todo i, o diâmetro
√ √
de Ci é ri m, o diâmetro de f (X ∩ Ci ) é ≤ k ri m. Resulta daı́

que f (X ∩ Ci ) ⊂ Ki , onde Ki é um cubo de aresta 2kri m.
√ √ P
Ora, vol(Ki ) = (2kri m)m = (2k m)m vol(Ci ) logo vol(Ki ) =
√ mP S S
(2k m) vol(Ci ) < ε. Como f (X) = f (X ∩ Ci ) ⊂ Ki ,
i i
f (X) tem medida nula em Rm .
Diz-se que um subconjunto X de uma variedade diferenciável
M tem medida nula em M se, para todo p ∈ X, existe um sistema
de coordenadas locais x : U → Rm , com p ∈ U , tal que x(U ∩ X)
tem medida nula em Rm .
Se med(X) = 0 em M então, para qualquer sistema de coorde-
nada y : V → Rm em M , tem-se med(y(V ∩ X)) = 0 em Rm . Isto
resulta imediatamente da proposição anterior. Outra conseqüência
da Proposição 2 é que a imagem de um conjunto X ⊂ M m de me-
dida nula por uma aplicação de classe C 1 , f : M m ⊂ N m , é ainda
um conjunto de medida nula (note que dim M = dim N ). Os
seguintes são corolários da Proposição 2:

Corolário 1. Seja M m ⊂ N n uma subvariedade de classe C 1


(pelo menos). Se m < n, então M tem medida nula em N .
Demonstração: Em torno de cada ponto p ∈ M existe um
sistema de coordenadas locais x : U → Rm × Rn−m em N , com
x(U ) = V × W , W ⊂ Rn−m aberto, e x(U ∩ M ) = V × 0. Pode-
mos supor que V ⊂ Rm é o interior de um cubo. Pelo Exemplo 1,
x(U ∩ M ) tem medida nula em Rn . Isto demonstra a proposição.

Corolário 2. Seja f : M → N uma aplicação de classe C 1 . Se


dim M < dim N , então f (M ) tem medida nula em N .
Demonstração: Ponhamos s = dim N − dim M . Consideremos
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[SEC. 1: CONJUNTOS DE MEDIDA NULA EM UMA VARIEDADE 273

a aplicação g : M × Rs → N , de classe C 1 , definida por g(p, y) =


f (p). Ora, dim(M × Rs ) = dim N e, pela proposição acima, M ×
{0} tem medida nula em M × Rs . Resulta daı́ que g(M × {0}) =
f (M ) tem medida nula em N .
Proposição 3. Numa variedade diferenciável, todo conjunto de
medida nula tem interior vazio.
Demonstração: Basta provar para Rm e, nesse caso, é suficiente
mostrar que um cubo não tem medida nula. Para isso, usaremos
o fato, conhecido de Cálculo, de que o volume de um cubo C∞ é a
S

integral de sua função caracterı́stica χC . Se C ⊂ Ci então, por
i=1
S
k P
k
compacidade, C ⊂ Ci . Segue-se que χC ≤ χCi e portanto:
i=1 i=1

Z Z X
k k Z
X
vol(C) = χC ≤ χC i = χC i
i=1 i=1
k
X ∞
X
= vol(Ci ) ≤ vol(Ci ).
i=1 i=1

Assim, para 0 < ε < vol(C), não é possı́vel achar cobertura enu-
S
∞ P∞
merável C ⊂ Ci com vol(Ci ) < ε.
i=1 i=1
Exemplo 2. As esferas são simplesmente conexas. Vejamos:
Sejam X, Y espaços topológicos. Dizemos que duas aplicações
contı́nuas f, g : X → Y são homotópicas, e escrevemos f ∼ g,
quando existe uma aplicação contı́nua H : X × [0, 1] → Y tal que
H(x, 0) = f (x) e H(x, 1) = g(x) para todo x ∈ X. A relação “ f
e g são homotópicas ”é uma relação de equivalência.
Duas aplicações contı́nuas f, g : X → Rn são sempre homotó-
picas. Para ver isto basta considerar H : X × [0, 1] → Rn dada por
H(x, t) = (1 − t)f (x) + t g(x).
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274 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSÃO E MERGULHO DE WHITNEY

Se f, g : X → S n são aplicações contı́nuas tais que f (x) 6=


−g(x) para todo x ∈ X, então f e g são homotópicas. Basta
tomar H : X × [0, 1] → S n definida por
(1 − t)f (x) + tg(x)
H(x, t) = ·
|(1 − t)f (x) + tg(x)|
Se uma aplicação contı́nua f : X → S n não é sobrejetiva, então
f é homotópica a uma constante. Com efeito, existe um ponto
p ∈ S n tal que f (X) ⊂ S n − {p}. Como a projeção estereográfica
é um homeomorfismo ϕ : S n − {p} → Rn , (vide ETG, pag. 44)
podemos pensar em f como uma aplicação de X em Rn e, como
tal, ela é homotópica a uma constante.
Um espaço topológico diz-se simplesmente conexo quando toda
aplicação contı́nua f : S 1 → X é homotópica a uma constante.
Afirmamos que, para n > 1, a esfera S n é simplesmente conexa.
Realmente, dada uma aplicação contı́nua f : S 1 → S n , existe uma
aplicação de classe C 1 , g : S 1 → S n , tal que |g(x) − f (x)| < 2 para
todo x ∈ S 1 (ver Corolário 2 da Proposição 1, Seção 1, Cap. X).
Por conseguinte, f (x) 6= −g(x) para todo x ∈ S 1 , logo f ∼ g, como
sabemos, pelo Corolário 2 da Proposição 2, g(S 1 ) tem medida nula
em S n . Em particular g não é sobrejetiva, logo g é homotópica a
uma constante. Por transitividade, f também o é.

2 Imersões
Dados um conjunto Y e um vetor v no espaço euclidiano Rs ,
indicaremos com Y + v a imagem de Y pela translação x 7→ x + v,
ou seja Y + v = {y + v ∈ Rs ; y ∈ Y }. Mostraremos abaixo como
separar dois conjuntos em Rs mediante translação de um deles.
S

Lema 1. Dada f : M m → Rs de classe C 1 , seja X = Ni uma
i=1
reunião enumerável de superfı́cies de codimensões maiores do que
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[SEC. 2: IMERSÕES 275

m em Rs . Salvo um conjunto de medida nula, para todo vetor


v ∈ Rs tem-se [f (M ) + v] ∩ X = ∅.
Demonstração: Dizer que [f (M ) + v] ∩ X 6= ∅ significa afirmar
que existem p ∈ M e, para algum i, q ∈ Ni tais que f (p)+v = q, ou
seja v = q−f (p). Isto equivale a dizer que v pertence à reunião das
imagens das aplicações ϕi : M ×Ni → Rs , onde ϕi (p, q) = q −f (p).
Ora, como dim M +dim Ni < s para cada i, segue-se que a imagem
de cada ϕi tem medida nula em Rs . A reunião também tem medida
nula e o lema fica demonstrado.
Os lemas abaixo referem-se à seguinte situação:
B(3) é a bola aberta de raio 3 e centro 0 em Rm , f : B(3) → Rs é
uma aplicação de classe C r (r ≥ 1) e s ≥ 2m.

Lema 2. Dado ε > 0, existe uma imersão g : B(3) → Rs , de


classe C ∞ , com |g − f |1 < ε em B(3).
Demonstração: Em virtude da Proposição 9, Capı́tulo X, po-
demos supor f ∈ C ∞ . Tentemos obter g : G(3) → Rs da forma
g(x) = f (x) + A · x, onde A é uma matriz s × m. Então teremos
g 0 (x) = f 0 (x) + A; o problema é obter A bem pequena e de tal
modo que f 0 (x) + A não tenha posto inferior a m para ponto al-
gum x ∈ B(3). Ora, as matrizes s × m de posto i < m constituem
uma superfı́cie Ni ⊂ Rsm cuja codimensão é (m − i)(s − i). (Vide
Seção 6, Capı́tulo II, Exemplo 3.) Como s ≥ 2m, e i ≤ m − 1,
temos (m − i)(s − i) ≥ 1 · [2m − (m − 1)] = M + 1. Logo,
cada superfı́cie Ni tem codimensão > m em Rsm . A aplicação
f 0 : B(3) → L(Rm , Rs ) = Rsm é de classe C ∞ . Pelo Lema 1, para
qualquer matriz A fora de um conjunto de medida nula em Rsm ,
f 0 (x) + A tem posto m, qualquer que seja x ∈ B(3). Isto quer
dizer que g(x) = f (x) + A · x é uma imersão. Como um conjunto
de medida nula não pode conter uma vizinhança de 0 ∈ Rs , pode-
mos escolher A tão pequena quanto desejemos, o que fará |g − f |1
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276 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSÃO E MERGULHO DE WHITNEY

arbitrariamente pequeno em B(3).

Lema 3. Dado ε > 0, existe h : B(3) → Rs , de classe C r , tal que


|h − f |1 < ε em B(3), h = f em B(3) − B(2) e h|B(1) é uma
imersão C ∞ .

Demonstração: Seja ϕ : B(3) → [0, 1] uma função auxiliar, com


ϕ ∈ C ∞ , ϕ(B(1)) = 1 e ϕ(B(3) − B(2)) = 0. Seja a > 0 uma
constante tal que 1 + |ϕ(x)| + |ϕ0 (x)| < a para todo x ∈ B(3).
Usando o Lema 2, obtemos uma imersão g : B(3) → Rs , de classe
C ∞ , tal que |g − f |1 < ε/a em B(3). Definimos, em seguida,
h : B(3) → Rs pondo

h(x) = f (x) + ϕ(x) · (g(x) − f (x)).

Para x ∈ B(3) − B(2), temos ϕ(x) = 0, donde h(x) = f (x). Para


x ∈ B(1) temos ϕ(x) = 1 e portanto h(x) = g(x). Além disso,
|h − f | ≤ |g − f | < ε e |h0 − f 0 | ≤ |ϕ0 | · |g − f | + |ϕ| · |g 0 − f 0 | < ε
em B(3).
O lema abaixo é uma versão mais refinada do que acabamos
de demonstrar.

Lema 4. Seja F ⊂ B(3) um subconjunto fechado tal que f |F é


uma imersão. Dado ε > 0, existe h : B(3) → Rs de classe C r tal
que |h − f |1 < ε em B(3), h|B(1) ∪ F é uma imersão e h = f em
F ∪ [B(3) − B(2)].

Demonstração: Observemos que K = F ∩ B(2) é compacto e


que basta obter h tal que |h − f |1 < ε em B(3), h|B(1) ∪ K é
imersão e h = f em K ∪ [B(3) − B(2)].
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[SEC. 2: IMERSÕES 277

Figura 11.1.

Seja V uma vizinhança aberta de K tal que V é compacto e contido


em B(3). Podemos supor que ε é tão pequeno que |h − f |1 < ε
implique h|V ser uma imersão. Seja ξ : B(3) → [0, 1] de classe C ∞
tal que ξ = 0 em K ∪[B(3)−B(2)] e ξ = 1 em B(1)−V . Ponhamos
h = f + ξ · (g − f ) onde g, obtida pelo Lema 2, é uma imersão
C ∞ de B(3) em Rs tal que |g − f |1 < ε/a em B(3), a constante
a satisfazendo a > |ξ(x)| + |ξ 0 (x)| + 1 para todo x ∈ B(3). Tem-
se |h − f |1 < ε. Em particular, h|V é imersão. Como h = g
em B(1) − V , segue-se que h|B(1) − V , é imersão. Do mesmo
modo, h|K é imersão pois h = f em K. Por conseguinte, h é uma
imersão em B(1) ∪ K, pois B(1) ∪ K ⊂ (B(1) − V ) ∪ K. As demais
afirmações do lema são imediatas.
Proposição 4. Seja M m uma variedade de classe C k e dimensão
m. Se s ≥ 2m, as imersões g : M m → Rs , de classe C 1 , consti-
tuem um conjunto aberto e denso em W 1 (M m ; Rs ).
Demonstração: Basta provar a densidade. (Vide Proposição 5,
Capı́tulo X.) Dadas ε : M → R contı́nua, positiva e f : M → Rs
de classe C 1 , devemos obter uma imersão g : M → Rs , de classe
C 1 , tal que |g − f |1 < ε em M . Para isso consideraremos uma
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278 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSÃO E MERGULHO DE WHITNEY

S

cobertura enumerável, localmente finita M = Ui , por domı́nios
i=1
de sistemas de coordenadas xi : Ui → Rm tais que xi (Ui ) = B(3)
e, pondo Vi = x−1 −1
1 (B(2)), Wi = xi (B(1)), temos ainda M =
S
Wi . Definiremos indutivamente uma seqüência de aplicações
f0 , f1 , . . . , fi , . . . se M em Rs , todas de clase C 1 , tais que
(i) f0 = f e fi = fi−1 em M − Vi ;
ε
(ii) |fi − fi−1 |1 < i em M ;
2
(iii) fi é uma imersão em W 1 ∪ · · · ∪ W i .
Começamos pondo f0 = f e, supondo já definidas f1 , . . . , fi−1
com as propriedades acima, passamos a definir fi . Seja λ = fi−1 ◦
x−1 s
i : B(3) → R . Pela Proposição 2, Capı́tulo X, existe a > 0 tal
que se µ : B(3) → Rs , de classe C 1 , satisfaz |µ − λ|1 < a em B(2),
ε
então |µ ◦ xi − λ ◦ xi |1 < i em V i . Seja F = xi [(W 1 ∪ · · · ∪
2
W i−1 ) ∩ Ui ]. Pelo Lema 4, existe µ : B(3) → Rs , de classe C 1 tal
que |µ − λ|1 < ε em B(3), µ = 1 em [B(3) − B(2)] ∪ F e µ é uma
imersão em B(1) ∪ F .
Definamos fi : M → Rs pondo fi = fi−1 em M −Vi e fi = µ◦xi
em Ui . Vê-se que fi cumpre as condições (i), (ii) e (iii) acima. Para
finalizar, definimos f : M → Rs como o limite f (p) = lim fi (p).
i→∞

Observações:
1) Se k > 1, as imersões f : M m → Rs (s ≥ 2m) de classe C k
formam um subconjunto denso de W 1 (M ; Rs ), pela Proposição
9, Capı́tulo X. Tal conjunto, evidentemente, não é aberto em
W 1 (M ; Rs ). Entretanto, a mesma demonstração acima se aplica
para a topologia W r . (Vide Seção 6, Capı́tulo X.) Podemos então
concluir que, se M ∈ C k (k ≥ r) e 2m ≤ s, então as imersões
f : M m → Rs , de classe C r , formam um subconjunto aberto denso
de W r (M ; Rs ).
2) Se existe um subconjunto fechado X ⊂ M m tal que f |X é uma
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[SEC. 3: IMERSÕES INJETIVAS E MERGULHOS 279

imersão, onde f : M m → Rs é de classe C r , então, dada qualquer


ε : M → R contı́nua e positiva, existe uma imersão g : M → Rs ,
de classe C r , tal que |g − f |r < ε em M e g = f em X. Para
obter isto basta, na demonstração da proposição acima, tomar
F = xi [(X ∪ W 1 ∪ · · · ∪ Wi−1 ) ∩ Ui ].
3) Dadas duas variedades arbitrárias M m , N s , de classe C r , com
s ≥ 2m, o conjunto das imersões f : M m → N s , de classe C r , é
aberto e denso em W r (M ; N ). A demonstração se faz de modo
inteiramente análogo ao do caso N = Rs , tomando-se apenas o
cuidado de exigir que, para cada i, se tenha f (Ui ) ⊂ Zi , onde
Zi ⊂ N é domı́nio de um sistema de coordenadas yi : Zi → Rs .
4) É possı́vel demonstrar que toda variedade de dimensão n ad-
mite uma imersão em R2m−1 . Entretanto as imersões em geral não
constituem um subconjunto denso de W 1 (M m ;
R2m−1 ). Por exemplo, para m = 1, temos 2m − 1 = 1. En-
tretanto, as imersões não são densas em W 1 (R; R) pois a função
x 7→ x2 não pode ser aproximada por imersões. Com efeito, qual-
quer função C 1 -próxima de y = x2 deve ter pontos onde a derivada
é positiva e pontos de derivada negativa. Logo, deve ter pontos
onde a derivada é nula. Conseqüentemente, não é uma imersão.

3 Imersões injetivas e mergulhos


Mostraremos aqui que toda variedade de dimensão m pode ser
mergulhada no espaço euclidiano R2m+1 . Isto será conseqüência
de resultados mais precisos que estabeleceremos. Incialmente, ve-
jamos um fato de Topologia Geral.

Lema 1. Sejam C = (Cα )α∈A e D = (Dα )α∈A coberturas local-


mente finitas do espaço topológico X, tais que D α ⊂ Cα para todo
α ∈ A. Existe uma cobertura aberta U de X tal que se U, V ∈ U e
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280 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSÃO E MERGULHO DE WHITNEY

U ∩ V 6= ∅ então U ∪ V está contido em algum Cα .


Demonstração: Para cada x ∈ X escolhamos um ı́ndice α(x) ∈
A tal que x ∈ Dα(x) . Como a famı́lia (D α )α∈A é ainda localmente
finita, podemos, para cada x ∈ X, tomar uma vizinhança aberta
Ux , contida em Dα(x) e disjunta dos D α que não contêm x. Ou
seja, Ux ∩ Dα 6= ∅ ⇒ x ∈ D α . Diminuindo Ux se necessário,
podemos ainda fazer com que x ∈ D α ⇒ Ux ⊂ Cα . Obtemos
assim uma cobertura aberta U = (Ux )x∈X tal que Ux ⊂ Dα(x) e
Ux ∩ Dα 6= ∅ ⇒ Ux ⊂ Cα , quaisquer que sejam x ∈ X e α ∈ A.
Nestas condições, Ux ∩ Uy 6= ∅ ⇒ Ux ∩ Dα(y) 6= ∅ ⇒ Ux ⊂ Cα(y) ⇒
Ux ∪ Uy ⊂ Cα(y) a última implicação valendo porque Uy ⊂ Cα(y) .
O lema está demonstrado.

Proposição 5. Seja M m uma variedade de dimensão m e classe


C k . Se s ≥ 2m + 1, as imersões injetivas g : M → Rs , de classe
C k , constituem um subconjunto denso de W 1 (M ; Rs ).
Demonstração: Dadas f ∈ W 1 (M ; Rs ) e ε : M → R contı́nua po-
sitiva, devemos obter uma imersão de classe C k e injetiva, g : M →
Rs , tal que |g − f |1 < ε em M . Pela Proposição 9, Capı́tulo X,
podemos supor f ∈ C k . Em virtude da Proposição 4, podemos
supor que f é uma imersão e que |g − f |1 < ε ⇒ g imersão. Como
toda imersão é localmente um mergulho, a Proposição 1, Capı́tulo
VIII e o Lema 1 acima garantem a existência de uma cobertura
S

localmente finita M = Ui por domı́nios de sistemas de coorde-
i=1
nadas xi : Ui → Rm tais que xi (Ui ) = B(3) e, se Ui ∩ Uj 6= ∅, então
f |(Ui ∪ Uj ) é injetiva. Como de hábito, poremos Vi = x−1 i (B(2)) e
−1
suporemos que os Wi = xi (B(1)) cobrem M . Definiremos indu-
tivamente uma seqüência de imersões f1 , f2 , . . . , fi , . . . de M em
Rs com as seguintes propriedades:

(i) f1 = f e fi = fi−1 em M − Vi ;
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[SEC. 3: IMERSÕES INJETIVAS E MERGULHOS 281

ε
(ii) |fi − fi−1 |1 < em M (e portanto fi é uma imersão);
2i
(iii) Se W r ∩ W s 6= ∅ então fi |(W r ∪ W x ) é injetiva (e portanto
um mergulho);
(iv) fi é injetiva em W 1 ∪ · · · ∪ W i .

Pomos f0 = f e, supondo f0 , . . . , fi−1 definidas e gozando dessas


propriedades, passamos à definição de fi . Seja ϕi : M → [0, 1]
uma função de classe C k tal que ϕi (W i ) = 1, ϕi (M − Vi ) = 0
e, além disso ϕi (W j ) = 0 para todo j < i com W j ∩ W i = ∅.
Poremos fi (p) = fi−1 (p) + ϕi (p) · v, onde v ∈ Rs é um vetor que
obteremos de modo a fazer cumprir as propriedades (i) a (iv). A
propriedade (i) é satisfeita para todo v e (ii) valerá para qualquer
v cuja norma |v| seja suficientemente pequena. Para cumprir (iii),
basta considerar os W r e W s que intersetam V i . Há um número
finito destes. Pelo Escólio que se segue à Proposição 6 do Capı́tulo
X, (iii) valerá para qualqur v ∈ Rs suficientemente pequeno. Ainda
por esse Escólio, fi será um mergulho em W 1 ∪· · ·∪W i−1 para todo
v suficientemente pequeno. Para satisfazer (iv), escolhamos v,
conforme o Lema 1 da seção anterior, de tal modo que [fi−1 (Ui ) +
v] ∩ fi−1 (Uj ) = ∅ para todo j < i com W i ∩ W j = ∅. Se p ∈ W i
e q ∈ W j (com j < i e W i ∩ W j = ∅) então fi (p) = fi−1 (p) + v e
fi (q) = fi−1 (q). Portanto fi (p) 6= fi (q). Segue-se que fi é injetiva
em W 1 ∪ · · · ∪ W i , o que conclui a construção da seqüência (fi ).
Para finalizar, pomos g = lim fi .

Corolário. Seja M m uma variedade compacta de dimensão m e


classe C k . Se s ≥ 2m + 1 os mergulhos f : M → Rs , de classe C k ,
constituem um subconjunto denso de W 1 (M ; Rs ) e os mergulhos
de classe C 1 formam um aberto denso em W 1 (M ; Rs ).
Com efeito, sendo M compacta, um mergulho de M é simples-
mente uma imersão injetiva.
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282 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSÃO E MERGULHO DE WHITNEY

Observações:
1) Segue-se das demonstrações acima que os mergulhos de classe
C r da variedade compacta M m , de classe C r , no espaço euclidiano
Rs (s ≥ 2m + 1) formam um aberto denso em W r (M.Rs ).
2) Dadas duas variedades arbitrárias M m , N s , de classe C r , com
s ≥ 2m + 1, as imersões injetivas f : M m → N s , de classe C r , for-
mam um subconjunto denso de W r (M m ; N s ). Se M for compacta,
os mergulhos de classe C r de M em N formam um subconjunto
aberto e denso de W r (M m ; N s ). [Vide Observação 3 na seção
anterior.]
3) As imersões injetivas f : M m → R2m+1 não formam um sub-
conjunto aberto de W 1 (M ; R2m+1 ). Com efeito, a imersão injetiva
f : R → R2 , cuja imagem tem a forma do algarismo 6, pode ser
arbitrariamente aproximada em classe C 1 por imersões que não
são injetivas

Figura 11.2.

4) A imersão f : S 1 → R2 , cuja imagem tem a forma do algarismo


8, não pode ser aproximada (sequer em classe C 0 ) por uma imersão
biunı́voca. Isto mostra que 2m + 1 é a dimensão mı́nima para a
validez da proposição anterior. Pode-se, entretanto, demonstrar
(com métodos bem mais avançados) que o conjunto das imersões
biunı́vocas, e mesmo dos mergulhos, de M m em R2m é não-vazio,
para toda M m .
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[SEC. 3: IMERSÕES INJETIVAS E MERGULHOS 283

5) Os mergulhos de uma variedade não-compacta M m em R2m+1


não formam um subconjunto denso de W 1 (M ; R2m+1 ). Isto se
deve a uma razão meramente topológica. Sejam X, Y espaços
métricos e f, g : X → Y aplicações contı́nuas. Lembremos que o
conjunto limite L(f ) é formado pelos pontos y = lim f (xn ), onde
xn → ∞ em X. É fácil verificar que se existe um c > 0 tal que
d(f (x), g(x)) < c então L(f ) = L(g). Suponhamos agora que
L(f ) contém uma bola B(f (a); ε), a ∈ X. Neste caso f : X → Y ,
mesmo que seja injetiva, não será um homeomorfismo sobre f (X),
pois a aplicação contı́nua injetiva f é um homeomorfismo sobre
sua imagem se, e somente se, L(f ) ∩ f (X) = ∅. Mais ainda se
d(g(x), f (x)) < ε para todo x ∈ X então g : X → Y tampouco
poderá ser um homeomorfismo sobre f (X). Com efeito, teremos
g(a) ∈ B(f (a), ε) ⊂ L(f ) = L(g) e portanto L(g) ∩ g(X) 6= ∅.
Construiremos agora uma imersão injetiva f : R → R3 , de classe
C ∞ , tal que L(f ) contém um cubo ao qual pertencem vários pon-
tos de f (R). Resultará que nenhuma g : R → R3 suficientemente
próxima de f poderá ser um mergulho. Para definir f , tomamos
o cubo unitário

An

Bn

An+1

Figura 11.3.

C = [0, 1]×]0, 1] × [0, 1] ⊂ R3 . Por cada ponto (r, s, 0) de co-


ordenadas racionais r, s na base de C fazemos passar um seg-
mento vertical J = (r, s) × [0, 1]. Enumeramos esses segmentos na
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284 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSÃO E MERGULHO DE WHITNEY

forma Jn , n ∈ Z. Exprimimos a reta como reunião de intervalos


unitários justapostos An , Bn , n ∈ Z, onde An = [2n, 2n + 1] e
Bn = (2n + 1, 2n + 2). Fazemos com que f aplique An sobre Jn
isometricamente e usamos o intervalo Bn para ligar suavemente
An com An+1 . É imediato que L(f ) ⊃ C.
Mostraremos agora que existem de fato mergulhos de M m em
Rn+1 .
Proposição 6. Seja M m de classe C k e dimensão m. Se s ≥ 2m+
1, os mergulhos próprios g : M m → Rs , de classe C 1 , constituem
um aberto não-vazio em W 1 (M ; Rs ).
Demonstração: Seja Σϕi = 1 uma partição da unidade de classe
C k em M . A função real λ : M → R, definida por λ(p) = Σi·ϕi (p),
é própria. Tomando-se um vetor v 6= 0 em Rs e pondo-se f (p) =
λ(p)·v, obtém-se uma aplicação própria f : M → Rs , de classe C k .
Pela proposição anterior, existe uma imersão injetiva g : M →
Rs , de classe C k , tal que |f (p) − g(p)| < 1 para todo p ∈ M .
Isto implica L(g) = L(f ) = ∅, donde g é própria e portanto um
mergulho. Assim não é vazio o conjunto dos mergulhos próprios
de M em Rs . Este conjunto é a interseção de dois abertos, (as
aplicações próprias e os mergulhos) logo é aberto.
Corolário. Seja M m uma variedade de classe C k , k ≥ 1. Existe
um mergulho f : M m → R2m+1 , de classe C k , tal que a imagem
f (M ) é uma superfı́cie de classe C ∞ .
Com efeito, basta usar a Proposição 10 do Capı́tulo X.
Proposição 7. Todo atlas máximo de classe C k (k ≥ 1) numa
variedade M m contém um atlas (máximo) de classe C ∞ .
Demonstração: Vide Observação seguinte à Proposição 10, Ca-
pı́tulo X.
Proposição 8. Toda variedade M m de classe C k possui uma
métrica riemaniana completa de classe C k−1 .
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[SEC. 3: IMERSÕES INJETIVAS E MERGULHOS 285

Demonstração: Devemos obter em M uma métrica riemaniana


cuja distância intrı́nseca correspondente torne M um espaço mé-
trico completo. Consideremos um mergulho próprio f : M → Rs ,
de classe C k e tomemos em M a métrica riemaniana induzida
por f da métrica usual em Rs . Ela faz de f uma isometria, de
modo que, por simplicidade, podemos identificar M com f (M ),
tomando assim M como uma superfı́cie em Rs . Como f é própria,
a superfı́cie M será um subconjunto fechado de Rs . Seja (pn ) uma
seqüência de Cauchy em M , relativamente à distância intrı́nseca d.
Como |p−q| ≤ d(p, q), segue-se que (pn ) é de Cauchy relativamente
à norma de Rs . Sendo este espaço completo, existe p ∈ Rs tal que
lim |p − pn | = 0. Como M é fechada em Rs , temos p ∈ M . Como a
distância intrı́nseca e a norma definem em M a mesma topologia,
temos lim d(pn , p) = 0. Assim, M é completo relativamente à
distância intrı́nseca.
Observações:
1) Os mergulhos próprios de classe C k formam um subconjunto
não-vazio de W 1 (M ; Rs ), o qual só é aberto se k = 1. Se, porém,
tomarmos a topologia de Whitney de classe C k , os mergulhos de
classe C k formam um aberto em W k (M m ; Rs ), s ≥ 2m + 1.
2) Vimos que se f : M → Rs mergulha M sobre um subconjunto fe-
chado de Rs então a métrica euclidiana de Rs induz em M , através
de f , uma métrrica riemaniana completa. Deve-se observar que a
recı́proca é falsa: dado um mergulho isométrico f : M → Rs , onde
M é uma variedade riemaniana completa, f (M ) pode deixar de
ser um subconjunto fechado de M . Exemplo: tome o mergulho
f : R → R2 , definido por f (t) = (1 + et )eit . (Geometricamente,
f (R) espirala em torno do cı́rculo S 1 quando t → −∞.) Repara-
metrizando f pelo comprimento de arco, obteremos um mergulho
isométrico g : R → R2 . Entretanto, g(R) = f (R) não é um sub-
conjunto fechado de R2 . Em outras palavras: considerando uma
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286 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSÃO E MERGULHO DE WHITNEY

superfı́cie M ⊂ Rs com a métrica riemaniana induzida por Rs , a


distância intrı́nseca pode fazer de M um espaço métrico completo,
sem que M seja um subconjunto fechado de Rs .
3) Dadas arbitrariamente duas variedades M m , N s , de classe C k ,
com s ≥ 2m + 1, os mergulhos de classe C k de M m em N s consti-
tuem um subconjunto aberto não-vazio de W k (M ; N ). Para ver
isto, basta considerar em N um sistema de coordenadas y : V → Rs
tal que y(V ) = Rs . Obtido um mergulho g : M → Rs , a composta
y −1 ◦ g : M → N será também um mergulho.

4 Espaços de Baire
Nesta seção, melhoraremos a Proposição 5, mostrando que,
para s ≥ 2m, as imersões injetivas de M m em Rs formam um
conjunto de Baire em W 1 (M ; Rs ). Isto é mais do que dizer que
elas formam um subconjunto denso. Com efeito, a interseção de
dois subconjuntos densos de um espaço X pode ser vazia (por
exemplo: [racionais] ∩ [irracionais] = ∅) mas a interseção de uma
famı́lia enumerável de conjuntos de Baire, num espaço de Baire X,
é ainda um conjunto de Baire, e portanto denso em X. Os conjun-
tos de Baire são os análogos topológicos dos complementares de
conjuntos de medida nula em Rn . Essa analogia, entretanto, não
funciona em qualquer espaço topológico, mas apenas nos espaços
de Baire. Passemos às definições formais.
O análogo topológico de um conjunto de medida nula é um
conjunto magro. Um subconjunto S de um espaço topológico diz-
S

se magro em X quando S = Si é reunião enumerável de conjun-
i=1
tos Si ⊂ X tais que int(S i ) = ∅. Assim um conjunto S é magro
S

em X se, e somente se, S ⊂ Fi onde cada Fi é um subconjunto
i=1
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[SEC. 4: ESPAÇOS DE BAIRE 287

fechado de X com int Fi = ∅.


O complementar de um subconjunto magro é chamado um
conjunto de Baire. Portanto, um subconjunto B de um espaço
topológico x é um conjunto de Baire em X se, e somente se,
T

B = Ai é a interseção enumerável de subconjuntos Ai ⊂ X
i=1
tais que int Ai é denso em X. Para que B ⊂ X seja um subcon-
junto de Baire em X é necessário e suficiente que A contenha uma
interseção enumerável de subconjuntos abertos e densos em X.
Uma reunião enumerável de subconjuntos magros de X é ma-
gra em X. Por dualidade, uma interseção enumerável de subcon-
juntos de Baire de X é também um subconjunto de Baire de X.
Um espaço topológico X diz-se um espaço de Baire quando
todo subconjunto de Baire B ⊂ X é denso em X. Equivalente-
mente, X é um espaço de Baire se todo subconjunto magro de X
tem interior vazio.
O conhecido “Teorema da Categoria de Baire”afirma que to-
dos os espaços métricos completos, bem como todos os espaços to-
pológicos localmente compactos de Hausdorff são espaços de Baire.
Imitaremos agora a demonstração deste resultado clássico, ob-
tendo a

Proposição 9. Qualquer que seja a variedade diferenciável M ,


W 1 (M ; Rs ) é um espaço de Baire.
T
Demonstração: Seja B = Ai a interseção de uma seqüência
enumerável A1 , A2 , . . . , Ai , . . . de subconjuntos abertos densos de
W 1 (M ; Rs ). Queremos mostrar que B é denso em W 1 (M ; Rs ).
Seja U um qualquer subconjunto aberto e não-vazio neste espaço.
Provaremos a existência de um elemento f ∈ U ∩ B. Dada uma
função contı́nua e positiva ε : M → R indicaremos com W 1 [g; ε]=
{h ∈ W 1 (M ; Rs ); |h − g|1 ≤ ε} a “bola fechada”com centro g ∈
W 1 (M ; Rs ). Como A1 é aberto e denso, existem f1 ∈ W 1 (M ; Rs )
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288 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSÃO E MERGULHO DE WHITNEY

e ε1 : M → (0, ∞) tais que W 1 [f1 ; ε1 ] ⊂ A1 ∩U . Como A2 é aberto


e denso, podemos encontrar f2 ∈ W 1 (M ; Rs ) e ε2 : M → (0, ∞)
tais que W 1 [f2 ; ε2 ] ⊂ A2 ∩ W 1 [f1 · ε1 ] ⊂ A1 ∩ A2 ∩ U . Por indução,
encontramos uma seqüência de aplicações f1 , f2 , . . . , fi , . . . em
W 1 (M ; Rs ) e uma seqüência de funções contı́nuas ε1 , ε2 , ... :M →
(0, ∞) tais que W 1 [fi ; εi ] ⊂ Ai ∩ [fi−1 ; ei−1 ] ⊂ A1 ∩ · · · ∩ Ai ∩ U .
Podemos supor ε1 ≥ ε2 ≥ · · · ≥ εi ≥ . . . e que εi (p) < 1/i para
todo p ∈ M .
Notemos que para todo p ∈ M e para todo par de naturais i,
r tem-se

(*) |fi (p) − fi+r (p)| ≤ εi (p) e |fi0 (p) − fi+r


0
(p)| ≤ εi (p)

pois fi+r ∈ W 1 [fi ; εi ]. Por conseguinte (fi (p)) e (fi0 (p)) são se-
qüências de Cauchy em Rs e L(T Mp ; Rs ) respectivamente. Logo
existem, para cada p ∈ M , os limites f (p) = lim fi (p) ∈ Rs e
i→∞
fˆ(p) = lim fi0 (p) ∈ L(T Mp ; Rs ). Fazendo r → ∞ nas desigual-
i→∞
dades (*) obtemos

(**) |fi (p)−f (p)| ≤ εi (p) < 1/i e |fi0 (p)− fˆ(p)| ≤ εi (p) < 1/i

para todo inteiro i e para todo p ∈ M .


Queremos mostrar que f ∈ C 1 e que f 0 (p) = fˆ(p) para todo
p ∈ M . Basta mostrar isto localmente. Em torno de cada ponto
de M , consideraremos um sistema de coordenadas x : U → Rm e,
por simplicidade, poremos ϕ = x−1 . Podemos sempre supor que
|ϕ0 | é limitada em x(U ). Então, as desigualdades (**) implicam
que a seqüência de aplicações fi ϕ : x(U ) → Rs e fi ϕ · ϕ0 : x(U ) →
L(Rm ; Rs ) convergem uniformemente em x(U ) para f ϕ e fˆϕ · ϕ0 ,
respectivamente. Por um teorema conhecido de Análise (vide
AERn , Prop. 7 do Cap. 6), segue-se que f ϕ ∈ C 1 e (f ϕ)0 = fˆϕ·ϕ0 .
Isto significa que f ∈ C 1 em U e, como (f ϕ)0 = f 0 ϕ · ϕ0 , temos
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[SEC. 4: ESPAÇOS DE BAIRE 289

f 0 = fˆ em U . Como os abertos U cobrem M , concluimos que


f ∈ W 1 (M ; Rs ) e fˆ(p) = f 0 (p) para todo p ∈ M . As desigual-
dades (**) significam que

\
f∈ W 1 [f ; εi ] ⊂ (A1 ∩ A2 ∩ · · · ∩ Ai ∩ . . . ) ∩ U
i=1

como querı́amos demonstrar.


Observações:
1) Não se pode concluir, na demonstração acima que fi → f no
sentido do espaço W 1 (M ; Rs ).
2) Para todo r ≥ 0, W r (M ; Rs ) é um espaço de Baire. A demons-
tração se faz nas mesmas linhas da anterior.
3) Para M m e N s quaisquer, W r (M m ; N s ) é um espaço de Baire.
(Usar o mesmo princı́pio da demonstração acima, tomando coor-
denadas locais em N , com imagem Rs .)
O resultado abaixo refina a Proposição 5.
Proposição 10. Seja M m uma variedade de dimensão m e classe
C k . Se s ≥ 2m + 1, as imersões injetivas g : M → Rs , de classe
C 1 , formam um conjunto de Baire em W 1 (M.Rs ).
Demonstração: Seja X o conjunto das imersões injetivas de
S
classe C 1 de M em Rs . Escrevendo M = Xi como reunião
enumerável de compactos, com Ki ⊂ Ki+1 , vemos que X =
T
Xi onde, para cada i = 1, 2, . . . , Xi é o conjunto das aplicações
f : M → Rs , de classe C 1 , tais que f |Ki é um mergulho. Basta
então demonstrar que cada Xi é aberto e denso em W 1 (M ; Rs ).
Que Xi é aberto segue-se do Escólio seguinte à Proposição 6,
Capı́tulo X. Que é denso, demonstra-se do mesmo modo que na
Proposição 5.
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ACRÉSCIMOS E ESCLARECIMENTOS

As abreviaturas AERn e ETG referem-se aos livros:

“ Análise no Espaço Rn - por Elon Lages Lima.


Coleção Matemática Universitária, IMPA, 2004.

“Elementos de Topologia Geral- por Elon Lages Lima.


Editora Ao Livro Técnico, 1970.

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