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2008 Claudia Assaf Turma2006 Dissertacao Instituto Rio Branco PDF
2008 Claudia Assaf Turma2006 Dissertacao Instituto Rio Branco PDF
Brasília, 2008
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
Instituto Rio Branco
Brasília, 2008
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
INSTITUTO RIO BRANCO
TERMO DE APROVAÇÃO
_____________________________________________
MARCELO BöHLKE (ORIENTADOR )
_____________________________________________
( EXAMINADOR )
_____________________________________________
( EXAMINADOR )
DEZEMBRO, 2008
Dedico este trabalho a meus avós maternos
e paternos, que, sem recursos e, alguns, até
analfabetos, foram visionários, ao serem
capazes, com muita luta, de dar a meus
pais a maior das riquezas: educação.
AGRADECIMENTOS
Entre as páginas deste trabalho, apenas uma é capaz de materializar a sensação indescritível de
dever cumprido: esta. Isso porque o dever simplesmente não se cumpriria, não fosse a cooperação vital de
certas pessoas, cada uma a seu modo, sobretudo quando a fase final do processo ocorre durante minha
Primeiramente, agradeço a disposição infinita do meu orientador, Dr. Marcelo Bölhke. Além do
profundo conhecimento na matéria, foi capaz de me despertar para problemática cuja relevância para a
dignidade do ser humano até então eu desconhecia nos detalhes. Guiou-me não só no mérito do estudo,
mas, devo admitir, no companheirismo concretizado nas palavras de apoio quando mais precisei.
Igualmente, registro o apoio do Embaixador do Brasil em Doha, Anuar Nahes, com cujos sábios
conselhos contribuiu mais do que ele imagina para a conclusão de meu estudo.
Ademais, devo referir-me ao nome Marcela Pignanelli Pereira, Servidora exemplar do Itamaraty,
que, com aguçada organização, me assessorou na busca das fontes primárias que se mostraram vitais na
Agradeço, ainda, minha irmã Helena e minha prima Danielle. Essa, pelas valiosas opiniões;
aquela, porque, do Brasil, com sua infinita paciência diante de minhas detalhadas instruções, procedeu na
feitura das cópias físicas e digitais, mediando na logística entre mim e o Instituto Rio Branco para a
entrega;
Não posso deixar de mencionar a gratidão que sinto pela contribuição, indireta talvez, de meus
pais e minhas tias, pelo ensinamento de uma vida inteira, alicerce que sustenta os valores que hoje tenho.
Por fim, a base de tudo, a quem não encontro palavras para expressar o que sinto e sem os quais
qualquer realização ficaria incompleta. Meu marido, Fábio, e meu filho, Amin.
RESUMO
comparado com outras experiências de reassentamento no País, a fim de se obter projeção sobre o
possível resultado da ação de reassentar o grupo no Brasil, fator relevante para a análise dos
benefícios da decisão.
ABSTRACT
This work attempts to examine whether the benefits of the Brazilian decision in resettling
Palestinians from Ruweished refugee camp compensates its costs. It presents the legal regional
and international instruments on refuge and resettlement, the Brazilian legislation on the issue
and the decision process involved for the approval of the resettlement of the group. Moreover, a
project possible results of the Palestinian resettlement in Brazil, a decisive element to the
Introdução ...................................................................................................................... 8
3.4 Processo decisório do reassentamento dos refugiados de Ruweished pelo Brasil .... 56
INTRODUÇÃO
viviam no Iraque, acolhidos pelo regime de Saddam Hussein. Com a queda do líder iraquiano,
as famílias palestinas que viviam em território iraquiano passaram a ser perseguidas por grupos
opositores a Saddam, culminando na fuga desesperada desse contingente para, entre outras
localidades, o campo de Ruweished, criado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para
localizava-se em solo jordaniano, na região de fronteira com o Iraque. Com condições climáticas
adversas e sem infra-estrutura digna para abrigar pessoas, o grupo que ali se refugiava estava no
limite da sobrevivência, já sob pena de perder a própria vida. Ademais, a ausência absoluta de
inseriam, fazia, dessa forma, a rotina naquele local verdadeira violação aos tratados de direitos
humanos.
decidiu, em maio de 2007, aceitar as 22 famílias restantes que ainda viviam naquele campo de
Reassentamento Solidário, fato inédito no País em relação a refugiados de origem palestina. Com
a decisão, o Brasil permitiu que o campo insólito fosse extinto e que alguma perspectiva de vida
Este estudo pretende analisar os custos e os benefícios para o País e para a diplomacia
reassentamento.
9
refúgio e reassentamento. Para isso, no primeiro capítulo, será estudado o arcabouço jurídico do
tema, em que, além da distinção entre os institutos do refúgio e do reassentamento, serão vistos
para a Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, o Protocolo de 1967, a
legislação brasileira acerca dos direitos dos refugiados e dos reassentados, por ser essa uma
reassentamento, ainda pouco difundido na própria sociedade brasileira e, até mesmo, no meio
diplomático.
competência, que cuidam do refúgio. Os destaques serão para o ACNUR, a Agência das Nações
isso, haverá parâmentros conhecidos para o posterior estudo comparado que possibilitará a
Em seguida, no que diz respeito mais precisamente à saga dos refugiados palestinos
como um todo, no terceiro capítulo será feito brevíssimo recuo histórico sobre a origem da
questão palestina. Incluído nessa parte estará o chamado “direito do retorno”, tão defendido entre
que, naquele ano de 2007, completara sessenta anos (em 1947, houve a Partilha da Palestina pelas
Nações Unidas). Ainda nesse capítulo, será mostrado como surgiu o campo de Ruweished e, por
Brasil ainda está em sua fase inicial, será utilizado, como já mencionado, método comparado,
para ser possível a inferência de sucesso ou insucesso da ação. Os parâmetros serão as outras
Ainda no quarto capítulo, será feita a descrição de alguns dos custos e dos benefícios
Entre os custos, por exemplo, está o político, traduzido pela suposta incoerência em
aceitar refugiados produzidos por conflito – invasão do Iraque pelos EUA – ao qual o Brasil se
opôs, não sendo, em tese, aceitável que arque com custos dos subprodutos desse conflito.
concordar com a vinda de 22 famílias elevar o perfil do Brasil, no âmbito internacional, como
País que se preocupa com questões humanitárias, em especial com a causa palestina. Além disso,
protetor de políticas para refugiados. Para isso, o sucesso do reassentamento em tela, traduzido
11
pela integração harmônica dos refugiados com a comunidade local, contribuiria para tal
percepção.
A tudo isso soma-se a busca da política externa brasileira de hoje por um papel mais
América do Sul- Países Árabes são alguns elementos relevantes que sinalizam para uma política
produzidos por conflitos na região poderá impulsionar a visibilidade que o Brasil busca no
sentido de ser percebido como ator que se interessa genuinamente pelo tema.
Brasil em acolher pessoas que sobreviviam em barracas no meio de um deserto, fica aqui
receberam a notícia de que deixariam de vez aquela localidade. Alguns chegaram a afirmar, em
O refúgio é tema antigo, mas o arcabouço jurídico internacional que o define e regula
é recente. Se a problemática vivida pelos refugiados, entendidos como deslocados forçados, ainda
que motivados apenas por “fundado temor de perseguição”, existe desde quando guerras e
internacional para o tema em tela é relativamente recente, estabelecida pela primeira vez no
refúgio sob o viés humanitário, e, não, migratório. Segundo o Alto Comissário das Nações
Unidas para os Refugiados, António Guterres, “o Brasil é exemplo porque tem uma das mais
avançadas legislações do mundo em matéria de exílio, além de ter vasta experiência no assunto”1.
Soma-se a isso o passado histórico recente do País, em que perseguidos políticos latino-
Desde já, cabe ressalvar a distinção entre asilo político e refúgio. Embora ambos os
seja, proteger o indivíduo de perseguição em seu país de origem ou residência. Além disso,
no seu caráter humanitário. Ainda, ambos estão fundamentados no artigo 14 da Declaração dos
1
Agência de Notícias, “Ministro da Justiça recebe Alto Comissário da ONU”, 07/11/2005. Disponível na Internet:
<www.mj.gov.br>. Acesso em 15 out 2008.
13
Direitos Humanos2. Talvez por essas similitudes, os institutos do asilo político e do refúgio sejam
A Constituição Federal de 1988 declara em seu art. 4º que o Brasil rege-se nas
suas relações internacionais pelos princípios da "prevalência dos direitos
humanos e da concessão do asilo político".
O asilo político é tratado, ainda, em título próprio da Lei nº 6.815/80 (Estatuto
do Estrangeiro), que dispõe que o estrangeiro admitido no território nacional na
condição de asilado político ficará sujeito, além dos deveres que lhe forem
impostos pelo Direito Internacional, a cumprir as disposições da legislação
vigente e as que o Governo brasileiro lhe fixar3.
século XX; (b) o asilo é discricionário do Estado, enquanto o refúgio é regulado por normas
internacionais; (c) a necessidade real de haver uma perseguição, no caso do asilo, e, no refúgio, a
suficiência em existir simplesmente o temor fundado de perseguição; (d) o asilo pode ser
Pelo fato de possuir arcabouço jurídico interno específico para a matéria, alicerçado
parceria com órgãos internacionais específicos para refugiados, o Brasil tornou-se ator
reconhecido em matéria de refúgio e reassentamento, capacitado a atuar de forma cada vez mais
2
1. Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países; 2. Este
direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum ou por
atividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações Unidas.
3 Disponível na Internet: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em 15 out 2008.
4 BOHLKE, 2008. JUBILUT, 2006.
14
relevante e independente no acolhimento daqueles que recomeçam a vida do nada, ainda que se
simplesmente deslocados internos: o ACNUR. Por fim, será feito recuo histórico do processo
vivido pelo Estado brasileiro na evolução de seu ordenamento jurídico para refugiados e
à proteção da pessoa humana. Dessa forma, elaboraram-se tratados temáticos os mais variados,
sobre o Direito das Crianças (1989), para citar apenas três entre muitos outros. Assim sendo, a
5
Relatório divulgado pelo CONARE afirma que o Brasil possuía, em 31/12/2007, 3.815 refugiados e reassentados
(para diferenciação entre refugiado e reassentado, ver item 1.2 deste estudo), dos quais 90,7% são refugiados em
primeiro país de asilo. Estatística do ACNUR estima total de 11.400.000 de refugiados em todo mundo, em
dezembro de 2007. Disponível na Internet: <http://www.csem.org.br/2008/dia_do_refugiado2008_o_desafio_
das_politicas_publicas_rosita_milesi.pdf>, p. 2. Acesso em 15 dez 2008.
15
Muito antes, porém, casos mais urgentes de necessidade de proteção dos direitos
haviam sido codificados. São eles: o direito internacional humanitário, para situações de conflito
década de 1920, cuidando daqueles indivíduos perseguidos dentro de seus próprios países por
motivos diversos.
Humanos, Direito Humanitário e Direito dos Refugiados – sistemas distintos entre si, outros,
como Antônio Augusto Cançado Trindade e Guido Fernando Silva Soares, por outro lado,
consenso – o que existe – de que seja inquestionável a necessidade da proteção à pessoa humana.
Mais especificamente em relação ao tema deste estudo, refugiados são indivíduos que necessitam
de tal proteção e, dessa forma, o compromisso daqueles atores que se dedicam solidariamente a
6
JABILUT, 2006, p. 58-59.
16
minimizar o sofrimento desse grupo insere-se na seriedade com que entendem a proteção e a
promoção dos direitos humanos em sua própria sociedade nacional. Como ensina a Diretora do
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951; e o Protocolo sobre o Estatuto dos
de refúgio é a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 19518, adotada pelas Nações
Unidas e ratificada pelo Brasil em 1961. O fato de a Convenção de 1951 ser considerada marco
determinasse a condição de refugiado. Tanto assim que aqueles já legalmente reconhecidos como
refugiados não perderam esta condição com a entrada em vigor da Convenção de 1951. Ao
7
Disponível na Internet: <http://www.csem.org.br/2008/dia_do_refugiado2008_o_desafio_das_politicas_publicas_
rosita_milesi.pdf>, p. 1. Acesso em 15 dez 2008.
8
A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados foi assinada em Genebra em 28/07/1951, adotada por 41 votos a
favor, cinco contra e dez abstenções, durante a Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto
dos Refugiados e Apátridas, convocada pela Resolução 429 (V) da AGNU, de 14/12/1950. Entrou em vigor em
22/04/1954 e, na ordem jurídica brasileira, em 28/01/1961, pelo Decreto 50.215.
17
contrário, logo o primeiro artigo do documento reza que o termo “refugiado” aplicar-se-á também
àqueles que tiveram de fugir de seu país em função da II Guerra Mundial, possibilitando, dessa
9
O Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1967, foi adotado e aberto à adesão pela Resolução 2.198 (XXI)
da AGNU, de 16/12/1966, e aprovada anteriormente pela Resolução 1.186 (XLI) do ECOSOC, de 18/11/1966. O
referido Protocolo entrou em vigor na ordem jurídica brasileira em 07/08/1972, pelo Decreto 70.946.
10
A limitação temporal explica-se quando a Convenção enquadra apenas as vítimas de aconteceimentos ocorridos
antes de 1951; a limitação geográfica, apenas vítimas do continente europeu, afirmação desta opção (a).
18
refugiado. Para evitar o fluxo de imigrantes advindos dos países de menor desenvolvimento
relativo e que deixavam sua terra natal por motivos econômicos, ou para evitar o
à Convenção o fizeram optando pela definição (a), ou seja, não estariam violando o tratado ao
rejeitar estrangeiros extra-europeus que tradicionalmente buscavam aquele continente para ali se
família, ou, até mesmo, para resguardar a própria vida. Ao todo, 25 Estados, incluindo o Brasil,
A primeira delas fazia referência a quem poderia ser considerado refugiado. Cogitou-se a
inclusão da expressão “pessoas desprovidas de proteção estatal”, o que permitiria a inclusão não
só de refugiados, como também de apátridas – como preferia o bloco socialista. Estados Unidos e
Outra divergência dizia respeito à justificativa usada pelo indivíduo, uma vez atendido o critério
internacional seria somente aquele com fundado temor de perseguição em função de seu grupo
19
étnico, religião, nacionalidade, filiação a certo grupo social ou opiniões políticas, ainda que tal
indivíduo seja enviado, contra sua vontade, para território onde estará sob risco de morte ou onde
sabe que poderá ser encaminhado a terceiro território em que será perseguido; regra que impede a
punição por entrada irregular em um Estado, fundamental para o solicitante de refúgio; princípio
da não-discriminação; regras sobre documentação de viagem; e regras sobre trabalho a ser dado
ao refugiado.
documento ainda não considerava outros aspectos, igualmente importantes, sendo o principal
dias atuais. A necessidade de um conceito de refugiado mais abrangente fazia-se cada vez mais
urgente.
contingentes de deslocados produzidos fora da Europa e após 1951, foi assinado o Protocolo
Sobre o Estatuto dos Refugiados, ou simplesmente Protocolo de 1967, o que levou à criação do
Logo em seu preâmbulo, o Protocolo já deixa claro por que foi criado:
Colômbia pela Universidade de Cartagena das Índias e apoiado pelo governo colombiano. Na
que dez países participantes chegaram em relação a ações a serem tomadas a partir dali. Vale
21
destacar que o documento agregou outras características para a definição de refugiado, além
participantes do Colóquio em Cartagena das Índias, refugiado era também aquele que, “devido a
grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade
Convenção de 1951, bem como ao Protocolo de 1967. Estabeleceu, ainda, uma gama de
recomendações viáveis, porém negligenciadas até então. Na Declaração, foram listadas dezessete
nos mais diversos organismos internacionais e Estados extra-americanos, sobretudo no que tange
documento reafirmou as bem-sucedidas diretrizes já em vigor ao longo dos dez anos pós-
Cartagena, bem como destacou outros aspectos interessantes de se notar, como a chamada
específica para a grave problemática daqueles perseguidos dentro de seu próprio território
nacional – o caso dos deslocados internos, cujo número crescia a cada dia naquela década.
Vinte anos após Cartagena, surge mais um marco no arcabouço jurídico regional e
que geraria conseqüências positivas para a problemática dos refugiados em nível mundial. Em
22
ao Vigésimo Aniversário da Declaração de Cartagena, que produziu não só mais uma Declaração
– igualmente relevante –, mas, sobretudo, o Plano de Ação do México para Fortalecer a Proteção
reassentamento solidário, proposto pelo Brasil, a ser abordado mais adiante neste estudo, após
duração. Em 2001, por ocasião dos cinqüenta anos da assinatura da Convenção de 1951, o
ACNUR organizou as chamadas Consultas Globais – uma série de reuniões em que diversos
tema, bem como as deficiências que ainda existiam. Em uma das reuniões, realizada em Genebra,
foram discutidas justamente as chamadas três soluções duradouras para um refugiado, já previstas
solução ideal, em que o indivíduo, por vontade própria, optaria por retornar a sua terra natal, o
que ocorria quando os riscos que justificaram sua fuga não mais existiam; ou (ii) a integração
na medida em que o retorno à pátria-mãe não só sinaliza para o fim da perseguição de outrora,
23
mas, sobretudo, representa o reencontro do indivíduo com sua memória de vida, seu patrimônio
cultural, sua tradição, seus entes queridos que ficaram, seu lar. Já a segunda solução – a
integração local no primeiro país de refúgio – é a solução que também resolveria, em tese, a
situação daquele que não mais pode regressar à terra natal. Ao se integrar efetivamente à
sociedade acolhedora, o refugiado volta a ser cidadão, com dignidade e direitos civis e políticos,
para dar prosseguimento à vida. Volta a sentir o pertencimento a um agrupamento humano, ainda
O reassentamento, por sua vez, explica-se pelo fato de nem sempre o refugiado
encontrar condições propícias para recomeçar sua vida no primeiro país em que busca asilo.
Quando, já acolhido como refugiado, os riscos a que ele estava exposto continuam a existir, ou
quando novos riscos surgem, o indivíduo poderá ser oficialmente encaminhado a um outro país
Cabe lembrar que não há hierarquia entre as três soluções duradouras citadas. Todas
são igualmente importantes e cada caso irá definir qual a mais adequada. Muitas vezes, será o
Em outros termos,
11
JABILUT, 2006, p. 58-59.
12
VIEIRA, 2005, p. 130.
24
reassentamento. Enquanto aquele é regido por regras internacionais bem definidas as quais um
Estado-parte não pode, em tese, se eximir de cumprir, este resulta da ação voluntária do Estado.
Em outros termos, acolher como refugiado aquele que, observadas certas condições, encontra-se
em território nacional é obrigação do país que é parte dos tratados específicos do tema, ao passo
solidário daquele que se propõe a oferecer seu território para reassentar refugiados.
o Brasil e alguns países da América Latina, são definidos pelo ACNUR como emergentes em
matéria de reassentamento. Isso porque só recentemente países desta região firmaram acordo com
o Alto Comissariado se voluntariando para acolher refugiados ainda em risco no primeiro país de
O ACNUR lamenta que muitas vezes os países desenvolvidos que possuem programa
de reassentamento o fazem com base em critérios usados para sua política de imigração, mais
seletiva, sem viés humanitário. Países em desenvolvimento, segundo o ACNUR, por sua vez,
parceria com o ACNUR, que se compromete a assistir o país em todas as fases do processo de
nacional. No Brasil, foi a partir de 1997, com a promulgação da Lei nº 9.474/1997, estudada mais
adiante, que o reassentamento entra oficialmente para o ordenamento jurídico interno. O Brasil
decidiu por desenvolver política de reassentamento no ano de 1999, assinando com o ACNUR o
25
Acordo Marco para Reassentamento de Refugiados. Pelo acordo, estabeleceram-se regras claras,
sempre técnicas, acerca dos critérios a serem considerados no momento da decisão pelo
princípios já estabelecidos nos tratados de que o Brasil é parte bem como na sua legislação
estratégico do ACNUR no Brasil, mostram que entre 2002 e 2007 foram reassentadas no país 284
pessoas, sendo 52% do sexo masculino e 48% do feminino. A maioria desses reassentados – 159
– chegaram com idade entre 18 e 59 anos, e 109 deles, com idade entre 5 e 17 anos. Os demais
eram crianças com menos de 5 anos e um indivíduo com mais de 60 anos. Ainda segundo o
IMDH, entre 2007 e 2008, foram reassentados mais 530 indivíduos no território brasileiro, sendo
380 colombianos e 150 palestinos. Do total de reassentados até hoje, 64% estão na área urbana e
36% na área rural. O custo financeiro para a vinda dessas pessoas é do ACNUR, que conta com
entidades da sociedade civil e com o governo brasileiro para atuarem na integração local.
O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (Office of the
United Nations High Commissioner for Refugees ou UNHCR) foi criado pela Resolução 319 (IV)
da Assembléia Geral das Nações Unidas (AGNU), de 1949, e seu Estatuto, aprovado em 1950,
anexado à Resolução 428 (V) da AGNU. Em 1951, o ACNUR dava início às suas atividades.
Com sede em Genebra, o principal objetivo do ACNUR é a busca das três soluções
duradouras para os refugiados, já citadas no item 1.2 deste estudo. Para isso, empregam
aproximadamente seis mil funcionários, 80% dos quais trabalhando no terreno. O Alto
Comissariado mantém-se por meio de doações feitas pelos Estados, pelo setor privado e por
doadores particulares. Seu orçamento anual está na ordem de um bilhão de dólares por ano. A
estratégia de trabalho do órgão está na chamada parceria tripartite: ACNUR, sociedade civil e
governo.
Além das doações financeiras, o ACNUR – presente em mais de cem países – conta
com rede de instituições da sociedade civil, com cuja parceria é capaz de dar eficácia e eficiência
a seus projetos, sobretudo no que diz respeito à integração local, seja do refugiado, seja do
reassentado. Em 2008, mais de 22 milhões de pessoas estão sob a proteção do ACNUR mundo
afora. Outra parceria fundamental para os trabalhos do ACNUR é a que mantém com o governo
de cada país.
O Brasil, que faz parte do Comitê Executivo do ACNUR desde sua criação, possui
atuantes instituições que, juntamente com esta agência das Nações Unidas, capacitam o Estado
reforçado, ainda mais, após a promulgação da legislação nacional específica, de 1997, bem como
ACNUR no país e cuja legislação faz do Brasil um dos Estados mais respeitados pelo órgão da
decide por acolher um refugiado em risco, é o ACNUR que arca com os custos da viagem do
27
indivíduo para o país, bem como a sua manutenção pelos primeiros 24 meses. O país acolhedor,
por sua vez, contribui não só cedendo o território e as documentações que dão cidadania, mas
bem-estar e à dignidade do refugiado transcende o imaginário do cidadão comum que não vive o
drama da fuga de sua própria terra natal para reconstruir a vida a partir do zero. Não fosse a
dedicação diuturna dos trabalhadores e dos parceiros desses órgãos, a problemática hoje, já tão
dinâmico na formulação e aplicação das normas acordadas em qualquer âmbito. Por isso mesmo,
foi o pioneiro no Cone Sul na elaboração de lei para regulamentar o refúgio e o reassentamento
em seu território. Com viés humanitário e baseado em critérios tão-somente técnicos, o governo
geográfica. Além disso, o Brasil fez reservas aos artigos quinze e dezessete, não reconhecendo o
de 1967, o Brasil passaria a reconhecer esses dois direitos, mas mantinha a reserva geográfica – o
que impedia o Brasil de aceitar como refugiados os perseguidos políticos que chegavam ao País
28
durante os regimes militares latino-americano. Mesmo porque essas pessoas que chegavam
estavam fugindo de seus países pela mesma razão que os brasileiros perseguidos fugiam do
Brasil. Por meio de instituições ligadas à Igreja católica, os que buscavam refúgio no Brasil
começavam a ser atendidos, recebendo hospedagem e alimentação até que pudessem ser
seguramente encaminhados a outro país. A cláusula da reserva geográfica só foi revogada pelo
Brasil em 1989, pelo Decreto nº 98.608, quando, finalmente, o País comprometia-se a receber
Regulamentou no seu ordenamento jurídico interno, entre outras providências, mecanismos para
conceito para incluir aqueles que devido a grave e generalizada violação de direitos humanos,
são obrigados a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país – em
citado, o Governo brasileiro assinou, em 1999, Acordo Marco com o ACNUR para o
13
Definição de refugiado, segundo a Convenção de 1951, é toda pessoa que, devido a fundados temores de ser
perseguido por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país
de sua nacionalidade e proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha
sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido a este temor, não quer a ele
voltar.
14
“O reassentamento de refugiados em outros países deve ser caracterizado, sempre que possível, pelo caráter
voluntário” (Lei nº 9.474/1997, artigo 45).
15
“O reassentamento de refugiados no Brasil se efetuará de forma planificada e com a participação coordenada dos
órgãos estatais e, quando possível, de organizações não-governamentais, identificando áreas de cooperação e de
determinação de responsabilidades” (Lei nº 9.474/1997, artigo 46).
29
território. Foi a partir daí que o Estado brasileiro passava a reconhecer legalmente o
como também outorgar documentação que permite ao solicitante reconhecido como refugiado ou
reassentado acolhido residir legalmente no país, trabalhar e ter acesso aos serviços públicos. O
Arquidiocesana de São Paulo e do Rio de Janeiro e ACNUR, sendo que o Alto Comissariado
definidas pelo Plano de Ação do México. Trata-se de sugestão do governo brasileiro para
internacional.
O Reassentamento Solidário foi proposto pelo Brasil nos encontros consultivos para a
participação de vinte países. As consultas tinham por objetivo analisar os desafios em matéria de
refúgio que se impunham aos Estados latino-americanos e identificar formas de assistir os países
1984.
30
Ao todo, houve quatro reuniões consultivas naquele ano de 200416. Cada uma gerou
um informe consensual que, juntos, deram origem ao Plano de Ação do México para Fortalecer a
diretrizes que guiariam os Estados participantes em suas políticas públicas sobre refúgio e
reassentamento. O terceiro capítulo do Plano de Ação cuida das soluções duradouras no âmbito
do refúgio como um todo, conforme explicado no item 1.2 deste capítulo. São elas o retorno
voluntário, a integração local e o reassentamento, sem haver a idéia de uma ordem hierárquica, a
despeito de o retorno voluntário ser considerada a solução ideal. As soluções duradouras tratadas
no Plano de Ação estão em linha com aquelas definidas pelo ACNUR, com a ressalva de que se
faz que eles devam ser acolhidos por centros urbanos, facilitando a integração; e, ainda, o fato de
Colômbia com Equador, Panamá e Venezuela. Assim sendo, com base nessas características
típicas da região, o Plano de Ação definiu suas três soluções duradouras aplicadas ao contexto
Segundo o ACNUR,
16
Reuniões preparatórias consultivas para Cartagena +20 (México), todas ocorridas em 2004: São José, Costa Rica,
em 12 e 13 de agosto; Brasília, Brasil, em 26 e 27 de agosto; Cartagena das Índias, Colômbia, em 16 e 17 de
setembro; e Bogotá, Colômbia, em 6 e 7 de outubro.
31
latino-americano para a problemática dos refugiados e sugerida pelo Brasil, em 2004, por ocasião
17
Disponível na Internet: <http://www.acnur.org/paginas/?id_pag=7054>. Acesso em 12 nov 2008.
32
Ciente de que o reassentamento constitui uma das soluções duradouras fundamentais em matéria
de refúgio, o Brasil decidiu tornar-se país acolhedor de refugiado em risco no primeiro país de
refúgio. Firmou com o ACNUR o Acordo Marco para Reassentamento de Refugiados18 em 1999.
Dessa forma, o Brasil não restringiu sua contribuição tão-somente aos instrumentos
internacionais vinculantes do qual é parte em se tratando de refúgio, mas foi além, oferecendo,
sem a obrigação de fazê-lo, seu território para receber aqueles acolhidos em outro país, porém
Declaração de Cartagena (1984) e da Lei nº 9.474/1997 – que utiliza definição de refugiado mais
ampliada do que daquelas contidas nos acordos internacionais. Trata-se de projeto que guiaria a
partir daquele ano de 1999 o reassentamento de refugiados no Brasil, que, por meio do
integração à sociedade brasileira, mas também à auto-suficiência – o que permite que o refugiado
âmbito de elaboração do Plano de Ação do México, em 2004, uma resposta regional cuja essência
18
O documento possui dez tópicos: (1) objetivo, (2) critérios de elegibilidade, (3) critérios para o reassentamento, (4)
seleção de candidatos, (5) descrição dos benefícios, (6) procedimento de seleção, (7) formalidades de chegada e
documentação, (8) reunião familiar, (9) execução e implementação do projeto e (10) instalação doméstica e serviços
consulares.
33
foi a solidariedade como principal vetor para justificar o acolhimento voluntário do refugiado em
analisa, por meio do CONARE, a situação exata em que se encontra o solicitante. O processo de
seleção inclui análise subjetiva embasada por documentos que comprovem direta ou
indiretamente as razões dadas pelo solicitante. Nesta análise deverão, ainda, ser consideradas
diferenciado, incluindo o tipo de atenção profissional psicológica dada ao indivíduo que chega.
Poderá, por exemplo, haver a necessidade de proteção jurídica ou física ou ser refugiado vítima
precipuamente feito pelo CONARE. Há duas formas possíveis de o Comitê analisar o perfil dos
solicitantes: por dossiê elaborado pelo ACNUR ou, idealmente, por dados coletados in loco pelos
confrontadas com a realidade que o Brasil pode oferecer. O objetivo da ida da missão é
com cada candidato, a fim de conhecer suas expectativas, bem como mostrar um pouco da
realidade brasileira. A missão também poderá contar com representantes do ACNUR-Brasil ou,
ainda, com integrantes de ONG que atua como entidade executora de acolhimento de refugiados.
oportunidade de questionar os refugiados para averiguar os riscos sob que dizem estar, transmitir
34
a realidade do Brasil, por meio de vídeos, fotos, explicações, folhetos, e, ainda, comparar as
uma vez reassentado, da área de moradia (rural ou urbana), da disposição por parte do candidato
de partir para um novo país e tentar reiniciar a vida numa nova cultura. Baseado no conjunto de
processo. Os gastos com a viagem do refugiado a ser reassentado recaem sobre o ACNUR ou
sobre um patrocinador, não sobre recursos do Tesouro Nacional. Uma vez em território
brasileiro, o ACNUR conta com o apoio de entidades da sociedade civil, como organizações não-
na linha de frente entre o país e o acolhido. Ao chegar ao país, o indivíduo é conduzido ao seu
local de residência provisória pela instituição que o orientará e dará todo o apoio necessário para
entidade executora, sempre em parceria com o ACNUR, até que o refugiado reassentado consiga,
por conta própria, pagar por sua subsistência. Para isso, é fundamental o acesso desse contingente
a programa de emprego, crédito produtivo e capacitação profissional, a fim de que atinja a auto-
suficiência o quanto antes. Nesse sentido, o Governo brasileiro, por sua vez, garantirá que os
reassentados tenham sua documentação emitida, ingressem no sistema público de ensino, tenham
Neste capítulo, serão descritas as duas primeiras experiências brasileiras para para
2.1 OS AFEGÃOS
Desde o final dos anos de 1970, até a virada do século, o Afeganistão vivia sob guerra
civil, sofrendo também invasões, como foi o caso da antiga União Soviética, em 1979. Durante
aqueles vinte anos de conflito, cerca de cinco milhões de afegãos buscaram refúgio nos países
próximos, sem necessariamente deixarem de ser perseguidos ou continuar a viver sob risco.
instalados em Porto Alegre. Tratava-se do primeiro grupo de refugiados que o Brasil reassentava
O processo decisório utilizado pelo CONARE foi via dossiê elaborado pelo ACNUR
sediado nos países de primeiro refúgio dos candidatos – Índia e Irã. Isso porque os técnicos
brasileiros a caminho daqueles países viram-se obrigados a abortar a missão por causa dos
curso para aprender o português nos primeiros meses, o que obstaculizou a integração local. O
idioma natal não era conhecido pelas comunidades já estabelecidas no Brasil. Desenvolveram
atividades variadas, desde cozinhar até consertar tapete persa, orientados pela entidade executora,
dos riscos que corriam no primeiro país de refúgio, os afegãos mostraram profunda insatisfação
Ministério da Justiça para expressá-la. Além disso, havia profissionais técnicos, como Abdul
Rahimi – técnico em engenharia, à época contando 38 anos de idade – que trabalhava como
36
porteiro, e reclamava do baixo salário. Vieram para o País sem saber ao certo o que os aguardava,
reassentamento entendendo que o salário de R$ 260,00 seria por dia, não por mês. Já outros,
como o comerciante Abdul Nabizada, à época com 35 anos, não mais suportava a saudade que
O fim dos riscos no Afeganistão associado à inadaptação dos afegãos no Brasil levou
a maior parte desses reassentados a decidirem pela repatriação voluntária – uma das soluções
2.2 OS COLOMBIANOS
colombianos que viviam na Costa Rica e no Equador. Foram reassentados no Rio Grande do Sul,
conjunturais, porém, em comum, a situação de risco que viviam no primeiro país de refúgio.
Parte deles carecia de proteção legal ou física onde estavam refugiados, além de não possuir
Alguns eram fazendeiros, que, após visitados por membros das Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (FARC), foram ameaçados caso não optassem por se associar ao grupo guerrilheiro,
37
deslocados internos, mas, diante da contínua perseguição, acabaram emigrando para países
vizinhos, como o Equador. Lá, indivíduos com sotaque colombiano continuavam a ameaçá-los, o
que tornou a vida no primeiro país de refúgio muito perigosa e arriscada. Casos mais graves
envolviam repetidas tentativas de assassinato, fazendo que a vida ficasse inviável no primeiro
país de refúgio.
satisfatória e dentro do previsto. Nos primeiros três meses, estudaram de forma intensiva o
idioma, com apoio da entidade executora, conforme previsto e já informado por época da
entrevista. Aqueles com perfil rural fixaram-se em área de atividade pesqueira ou de plantação.
Outros priorizaram a busca pelo emprego de forma a obter a auto-suficiência antes mesmo do fim
do prazo estabelecido pelo ACNUR para oferecer salário de sustento da família – ajudada pela
capacitação profissional também promovida pelo ACNUR em parceria com a sociedade civil.
corriam risco no primeiro país de refúgio continuaram a crescer nos anos subseqüentes, exigindo
cada vez mais a solidariedade regional para promover a solução durdoura para este grupo em
38
permanente perseguição. O Brasil, por sua vez, está atento para que o caráter puramente solidário
e humanitário que embasa seu programa de reassentamento não importe para dentro do território
nacional o conflito que motivou a perseguição dos acolhidos. Advém daí o cuidado e a
tendo por meta única a solidariedade, com a devida atenção para a segurança nacional.
39
relacionam sob nenhum aspecto, não fosse a decisão do Brasil em acolher contingente de
palestinos que tentavam sobreviver naquele local sob condições naturais as mais adversas. O
programa de reassentamento solidário, já visto, surgiu com a intenção de servir aos deslocados e
palestinos do campo de Ruweished foi decisão cujos custos e benefícios serão analisados mais
palestina. Pretende, ainda, analisar um dos mais complexos subproduto do conflito israelo-
palestino, que já ultrapassa meio século: os refugiados e, com eles, o chamado “direito de
Ruweished, na Jordânia, e a situação dos palestinos que nele viviam. Será descrito o processo
decisório que culminou na aceitação brasileira pelo acolhimento das últimas famílias palestinas
que ainda sobreviviam naquele campo de refugiados, e, por fim, serão apresentadas algumas
questão palestina, mas passaremos a breve relato para situá-la na história. As raízes históricas do
tema em tela remontam à antigüidade, período em que vários povos conviviam na Palestina –
também chamada de Canaã bíblica, ou ainda, Sion, pelos judeus mais ortodoxos.
O território foi conquistado em 1200 a.C. pelo povo hebreu, cujos integrantes mais
tarde seriam conhecidos como judeus. A idéia motivadora da conquista daquele território pelos
40
hebreus surgiu muitos séculos antes, em 1850 a.C., com um crente chamado Abraão, mercador da
cidade de Ur (situada no atual Iraque), que, como a maioria naquele tempo, era politeísta.
Naquele ano, Abraão recebeu uma mensagem de um deus instruindo para abandonar tudo e partir
em busca de um novo lar: Canaã, ou Palestina, uma área banhada pelo rio Jordão a leste e pelo
mar Mediterrâneo a oeste. Abraão obedeceu àquela voz divina e seguiu viagem, acompanhado de
seguidores, escravos e família. Durante o trajeto teve dois filhos: Ismail, mais velho, filho de sua
escrava Agar; e Isaac, filho de sua esposa, Sara. Os judeus traçam sua origem genealógica até
crerem em um deus único, ao contrário das crenças politeístas prevalecentes naquele período.
habitavam o local, entre eles também hebreus e filisteus, povo que dava nome ao território.
Etimologicamente, a palavra “Palestina” significa “terra dos filisteus”. A origem do povo filisteu
grupo indo-europeu, que vivia harmoniosamente com os povos de origem semita naquela região.
O motivo da chegada dos filisteus à Palestina também divide especialistas. A explicação mais
comumente aceita é a que afirma terem sido os filisteus “povos do mar” que, após derrotados
pelos egípcios em batalhas marítimas, refugiaram-se no que passou a se chamar Terra dos
Filisteus, ou Palestina.
Para sobreviver, os povos que viviam na Palestina antes da chegada dos seguidores de
Abraão disputavam recursos escassos e estavam sob o jugo de potências estrangeiras. Com o fim
da Idade do Bronze no Oriente Médio a partir de 1200 a.C., quando se iniciou a interrupção
41
como foi o caso dos filisteus, dos arameus e dos persas. Ao longo da costa mediterrânea, por
A famosa tomada de Jerusalém em 587 a.C. pelo rei da Babilônia, bem como outras
conquistas estrangeiras, levou o povo judeu a cada vez mais deixar as terras onde vivia,
fenômeno conhecido como a Diáspora judaica, indo a maioria se instalar na Europa e em outras
partes do Oriente Médio. Devido à Diáspora judaica, ocorrida no início da Era cristã, os judeus se
A partir daí, a dominação da Palestina variou com o passar dos séculos. Com a
expansão do Império Romano, Roma incluiu a Palestina no rol de terras sob sua dominação. Nos
primeiros séculos da Era Cristã, duas revoltas dos judeus contra a dominação romana marcaram
de vez a saída dos judeus da Palestina. Seus templos sagrados foram destruídos. O Muro das
Lamentações – hoje local sagrado de peregrinação judaica –, por exemplo, foi o que restou do
primeiro templo destruído. Com a acelerada diáspora judaica após as revoltas contra os romanos,
quatro da Era Cristã, com a divisão do Império Romano, a Palestina ficou sob a administração do
19
ATLAS DE HISTÓRIA MUNDIAL. Rio de Janeiro: RD, 2001, p.58.
42
Império Romano do Oriente ou Bizantino. No século VII, com o advento do Islã – a terceira
revolução monoteísta da história humana – a Palestina passou a ser fortemente influenciada pelos
árabes, que difundiram a mensagem deixada pelo líder profético Mohammed (Maomé) no âmbito
da expansão do islã.
Estado cristão na Palestina, por volta do século XII, visto que se tratava de território que acolhera
o profeta Jesus e seus seguidores. Como se vê, as três religiões monoteístas tiveram na Palestina
– a Terra Santa – motivos de adoração ao longo dos últimos três mil anos, alternando-se, cada
uma a seu tempo, dependendo de suas lideranças e motivações. Por volta do século XIX, a
Na Europa, onde viviam espalhados geração após geração, os judeus do século XIX
que decidiram não mais se submeter às perseguições que perduravam havia séculos. Sob a
liderança do austríaco Theodor Herzl, que, em 1895, escrevera o livro “O Estado judeu”, os
judeus estabeleceram objetivo claro e bem definido: precisavam fundar um lar dos judeus, fosse
onde fosse, um Estado que acolheria os descendentes de Abraão perseguidos mundo afora. No
final do século XIX, quando a Palestina estava sob o domínio do Império Otomano, fortemente
islamizado, essa busca pelo Estado judeu ficou conhecida pelo termo Sionismo.
O local escolhido para a fundação de um Estado para acolher o povo judeu foi
debatido durante o Congresso de Basiléia, de 1897, convocado por Herzl. Entre as opções
estavam a Argentina e o Quênia; no entanto, judeus ortodoxos exigiram que o local para a
fundação do lar judeu necessariamente fosse a Palestina – a Terra Prometida a Abraão em 1850
20
BOTELHO, 2006, p. 30.
43
a.C. Uma vez definido o território, já a partir daquele século, levas de judeus deixaram a Europa
rumo à Palestina – cuja população era basicamente composta por árabes muçulmanos.
Na versão oficial de Israel, é equivocada a idéia de que os judeus não tinham direito à
terra hoje chamada de Israel, por não mais habitarem a região desde a Diáspora, ocorrida no
É um erro achar que todos os judeus foram forçados à Diáspora pelos romanos
após a destruição do segundo templo de Jerusalém, no ano 70 d.C e que só 1800
anos depois regressaram à Palestina exigindo seu país de volta21.
Seja como for, nas primeiras duas décadas do século XX, cerca de quarenta mil
judeus chegavam à Palestina, onde, à época, já habitavam cerca de meio milhão de árabes
palestinos. Lá, os judeus recém-chegados compravam terras vendidas pelos próprios árabes e se
Palestina recebeu apoio do governo britânico, materializado pela Declaração Balfour, em 1917.
As vastas terras sob seu domínio foram divididas entre Inglaterra e França, que recebiam
mandatos da Liga das Nações. A Palestina, que possuía em seu território dois povos que não mais
suportariam a dominação estrangeira, ficou sob administração inglesa. Cada um queria, ao fim e
ao cabo, administrar a si próprio, e, assim, pôr um basta àquela eterna dominação sob a qual
Inicialmente pressionada pela população árabe, que se incomodava cada vez mais
com a aquiescência dos ingleses em relação à entrada acelerada de judeus, a Inglaterra passou a
proibir as levas migratórias – que, mesmo assim, continuavam a entrar na Palestina. Militantes
21
BARD, 2004, p. 9.
44
sionistas lutavam tanto contra tropas britânicas quanto contra os próprios palestinos, e vice-versa.
Se, no início do século XX, a Palestina contava com menos de cem mil judeus, em 1947, eles
somavam mais de meio milhão, resultado das migrações descontroladas e em massa para a
Diante da mistura potencial e real para conflito que se transformara aquela região, os
Unidas. Era o ano de 1947 e os conflitos na Palestina eram já constantes. As Nações Unidas
decidiram resolver a questão, dividindo o território em dois: 55% ficariam para os judeus, e 45%,
para os árabes palestinos. A cidade de Jerusalém, sagrada para as três religões monoteístas,
permaneceria sob administração das Nações Unidas, para, assim, ser considerada solo
internacional. Era a Resolução 181, conhecida como Plano de Partilha da Palestina, que, naquele
mesmo ano de 1947, a Assembléia Geral, reunida sob a presidência do brasileiro Osvaldo
Estado, dando-lhe o nome de Israel23, a 14 e maio de 1948. Data daí o início dos graves conflitos
que perduram até hoje na Palestina. Isso porque os árabes não aceitaram a Partilha, alegando
22
Em 29 de novembro a Assembléia Geral das Nações Unidas decidiu por 33 votos contra 13, e 10 votos nulos, a
favor do Plano de Partilha. A divisão seria no mesmo dia em que a Inglaterra desocupasse a Palestina; os EUA e a
União Soviética também aprovaram o plano. Os 33 países que votaram a favor do Plano de Partilha da Palestina, na
AGNU, foram: África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Belárus, Canadá, Costa Rica, Dinamarca,
República Dominicana, Equador, Estados Unidos, Filipinas, França, Guatemala, Haiti, Holanda, Islândia, Libéria,
Luxemburgo, Nova Zelândia, Nicarágua, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, Suécia, Tchecoslováquia,
Ucrânia, URSS, Uruguai e Venezuela. Os 13 países que votaram contra o plano foram: Afeganistão, Cuba, Egito,
Grécia, Iêmen, Índia, Irã, Iraque, Líbano, Paquistão, Arábia Saudita, Síria e Turquia. Os 10 países que anularam seus
votos foram: Argentina, Chile, China, Colômbia, El Salvador, Etiópia, Honduras, México, Reino Unido e Iugoslávia.
Um estado não participou, a Tailândia. Os países árabes protestaram contra a decisão da ONU através da Corte de
Justiça Internacional, afirmando que não era correto dividir um país contra a vontade da maioria da população, mas o
apelo foi negado. Disponível na Internet: <www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/06/356673.shtml>, Centro de
Mídia Independente). Acesso 20 nov 2008.
23
Eretz Israel, em hebraico.
45
receber menos da metade do território em questão. Ainda, não ficaram satisfeitos com a
descontinuidade de suas terras: Cisjordânia e Faixa de Gaza. Se, para os judeus, o 14 de Maio
Tinha início a primeira guerra entre judeus e árabes, a chamada Guerra de Independência de
Como resultado dos conflitos, todos os três envolvidos nas lutas – israelenses,
jordanianos e egípcios – saíram vitoriosos. Derrotados estavam os palestinos. Isso porque, após a
referida guerra, a divisão do território ficou da seguinte forma: Israel passava a contar com um
território de 80% da Palestina, portanto bem acima dos 55% definidos pela Partilha decidida
pelas Nações Unidas; a Faixa de Gaza ficou com o Egito; a Cisjordânia ficou com os jordanianos;
e, por fim, Jerusalém ficou dividida, com sua parte oriental sob domínio da Jordânia, e a parte
ocidental, de Israel. Para os palestinos, nada. Ao contrário, estatística oficial das Nações Unidas
mostra que o conflito gerou cerca de 750 mil refugiados palestinos que, sob fogo cruzado ou
aconselhados pelos árabes, tiveram de abandonar suas casas e se instalar em países vizinhos. Aí
está, portanto, a origem da saga dos refugiados palestino, tal como o termo é entendido hoje. A
título de exemplo, atualmente, mais da metade da população da Jordânia, para onde muitos
Em dezembro de 1949, a Resolução 302 (IV) da AGNU criou a Agência das Nações
Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), para lidar
com a problemática que nascia naquele momento e que perdura até os dias de hoje. A agência
atua na Jordânia, no Líbano, na Síria e, ainda, dentro dos próprios Teritórios Palestinos Ocupados
46
(TPOs) – Cisjordânia e Faixa de Gaza, onde diversos pontos de controle israelenses não
permitem a livre circulação do cidadão palestino. Ressalva-se que o campo de Ruweished, objeto
onze da Resolução 194 (III) da AGNU, de 11 de dezembro de 1948. A referida Resolução afirma
que se deve permitir aos refugiados que desejam retornar a suas casas e viver em
paz com seus vizinhos, que o façam o quanto antes, e que indenização a título
compensatório deverá ser paga àqueles que decidirem por não retornar, bem
como a todos os bens perdidos ou danificados que, sob os princípios da lei
internacional ou por razões de igualdade, devem ser reparados pelo governo ou
autoridade responsável;
Instrui à Comissão de Conciliação a facilitar a reparação, o reassentamento e a
recuperação econômica e social dos refugiados e o pagamento de compensação,
e manter relação estreita com o Diretor da UNRWA e, por meio dele, com os
órgãos e as agências adequados das Nações Unidas.
adoção da Resolução 194, foi condicionada à aceitação de todas as resoluções já aprovadas pela
AGNU até então, bem como à concordância de Israel em não considerar a matéria dos refugiados
descendentes, cujo território de residência entre junho de 1946 e maio de 1948 era a Palestina, e
que, por conseqüência da guerra de 1948, perdeu sua casa e sua fonte de sobrevivência24.
refugiados palestinos, alegando, também, que a guerra de 1948 produziu considerado contingente
de refugiados judeus.
Embora tenha se ouvido falar muita coisa sobre a situação dos refugiados
palestinos, pouco se diz sobre os judeus que fugiram dos países árabes. [...] O
número de judeus que fugiu dos países árabes nos anos que se seguiram à
independência de Israel foi quase o dobro do de árabes que deixaram a Palestina.
[...] Até novembro de 2003, 101 das 681 resoluções da ONU sobre o conflito do
Oriente Médio referiram-se diretamente aos refugiados palestinos. Nenhuma
mencionou os refugiados judeus dos países árabes26.
24
Disponível na Internet: <http://www.un.org/unrwa/refugees/whois.html>. Acesso em 18 nov 2008.
25
BOTELHO, 2006, p. 41.
26
BARD, 2004, p. 144.
48
Apesar disso, o problema dos refugiados judeus foi solucionado, sendo a maioria
absorvida por Israel, como afirma o próprio Bard, ao escrever que “dos 820 mil refugiados judeus
deste estudo, porém é importante ter em mente que cada enfrentamento produziu número
substantivo de novos refugiados, para não contar as gerações seguintes de descendentes que
nascem já em país de refúgio. Dessa forma, a agência das Nações Unidas possui hoje (2008)
1950, início de suas operações. Somam-se aos registrados na UNRWA aqueles palestinos que se
encontram em campos ou países não administrados pela agência, como é o caso dos refugiados
total de refugiados palestinos mundo afora. Dados de final de 2006 do Escritório Central de
Estatística da Palestina28 revelam que mais de dez milhões de palestinos vivem espalhados pelo
mundo, na seguinte proporção estimada: cinco milhões dentro dos TPOs; 2,8 milhões na
Jordânia; 1,6 milhão em outros países árabes; e 600 mil fora do mundo árabe.
palestino, e se reforça em conseqüência das pífias condições de vida em grande parte dos campos
de refugiados. Em relação aos campos situados dentro dos TPOs, por exemplo, relatório de 2007
Nos TPOs, o estado dos refugiados palestinos continua precário, com alta taxa
de desemprego, pobreza e deterioração econômica resultante de profunda
27
BARD, 2004, p. 144.
28
PALESTINIAN CENTRAL BUREAU OF STATISTICS, Statistical Abstract of Palestine, n. 8. Disponível na
Internet: <http://atlas.pcbs.gov.ps/atlas/Default.asp>. Acesso em 1 dez 2008.
49
oficiais da paz não poderiam prescindir. Já para israelenses, a expressão representa a subjugação
do Estado de Israel. Isso porque, a população em Israel, em estatística divulgada pelo governo
israelense em maio de 2008, é de 7,2 milhões, sendo, desses, quase seis milhões de judeus. A
volta dos refugiados para a região representaria, em termos numéricos, uma desproporção entre
árabes e judeus israelenses – o que o governo de Israel não admite dentro de sua estratégia de
segurança, defendendo, em seu lugar, indenizações aos palestinos que desejariam retornar.
órgão que cuida especificamente dos refugiados palestinos. Essas pessoas dirigiram-se em fuga
quando cerca de cinco mil refugiados saíram de Haifa e Jaffa; pós-1967 (Guerra dos Seis Dias); e
1991, expulsos do Kuaite e de outros países vizinhos após a Primeira Guerra do Golfo.
29
Disponível na Internet: <http://www.un.org/unrwa/publications/pdf/ComGen-AR2007.pdf>, p. 7.
30
Esta estimativa é do Human Rights Watch. O ACNUR estima que apenas quinze mil palestinos viviam no Iraque
antes da invasão de 2003 (telegrama 939, de 26 de abril de 2007, de DELBRASGEN).
31
Telegrama 939, de 26 de abril de 2007, de DELBRASGEN.
50
sessenta quilômetros da fronteira com o Iraque. Deserto, com condições adversas para a
sobrevivência humana, o local foi criado em 2005 pelo ACNUR para receber os palestinos
palestinos de Ruweished passa pelo contexto iraquiano em que se inseriam antes da queda de
Saddam Hussein.
no território iraquiano. Tanto assim que os iraquianos não ligados ao regime de Saddam – era a
maioria da população, e composta por xiitas – sentiam certa revolta em ter em seu país cidadãos
mais bem tratados pelo sistema do que eles próprios, iraquianos. Pelo tratamento que receberam
no Iraque, os palestinos lá refugiados não precisaram ser cadastrados como tal pela UNRWA,
mesmo porque o governo iraquiano assim exigia, preferindo acolhê-los por conta própria32.
Possuíam documento especial, bem como direitos de cidadão comum. Várias gerações nascidas
deste contingente vêem no Iraque seu país de origem, não fosse a história do drama vivido na
Com o fim do acolhimento iraquiano por força da guerra, esse grupo de palestinos e
seus descendentes se viram sem pátria e sem documentação válida, pois nem como refugiados
32
Idem.
51
Com a queda de Saddam Hussein, teve início sangrenta violência sectária. Após a
invasão dos EUA, em 2003, os iraquianos xiitas, até então alijados do poder, vislumbraram a
possibilidade de exercer a liderança no país dilacerado. Dessa forma, milícias armadas atacaram
as estruturas e as instituições que tivessem qualquer ligação com o líder deposto. Além disso,
grupos armados da facção sunita, ligada ao baathismo de Saddam, também passaram a perpetrar
atos de terror contra a maioria xiita. Os palestinos não estariam, portanto, livres dos ataques
arbitrários levados a cabo por setores mais violentos dos dois lados.
vizinhos. Em outros termos, os palestinos que lá viviam eram apenas uma parte do problema.
Havia também os iraquianos que fugiam em desespero. Essa busca continuou mesmo após a
queda de Saddam, já que atos terroristas contra civis inocentes passaram a ser a ordem do dia. A
fuga em massa de cidadãos iraquianos foi inevitável e, com o tempo, esgotou a capacidade dos
relatam que os iraquianos em busca de sobrevivência ficavam no país vizinho sob a bandeira da
temporariedade, ou seja, não recebiam o status de refugiado. Mesmo porque, ressalva-se, nem a
33
Rafeef Ziadah, “A Lenda”. In A Intifada Eletrônica, 11 de março de 2007. Disponível na Internet:
<http://rafaelfortes.wordpress.com/2007/04/07/refugiados-palestinos-do-iraque-artigo-traduzido/>. Acesso em 15
dez 2008.
34
Esses dois países referem-se aos refugiados pela palavra “hóspede” (Telegrama 283, de 29 de julho de 2007, da
Embaixada do Brasil em Amã – Núcleo Iraque).
52
relatos de ingresso das filhas de famílias iraquianas na prostituição35. Era época em que entravam
por dia cerca de dois mil iraquianos36 na Síria por dia – já com seus serviços públicos sem
A insatisfação dos países receptores não tardou. Não achavam justo terem de arcar
com o produto gerado por conflito ao qual se opuseram, sem qualquer ajuda financeira vinda de
fora, sobretudo daqueles responsáveis pela invasão. Em agosto de 2007, a previsão feita pela
burocracia síria era a de que, caso nada fosse feito, a quantidade de “hóspedes” iraquianos
atingiria a marca dos dois milhões – número que representaria 10,8% da população de 18,5
A situação dos países lindeiros chegou ao limite. Mesmo querendo ajudar, não mais
o podiam fazer, vendo-se obrigados a fechar suas fronteiras. O ACNUR entendia o esgotamento.
35
Desperate Iraqi Refugees Turn to Sex Trade in Syria, The New York Time. Disponível na Internet:
<http://www.nytimes.com/2007/05/29/world/middleeast/29syria.html?_r=3&th=&oref=slogin&emc=th&pagewante
d=print&oref=slogin&oref=slogin>. Acesso em 29 mai 2007.
36
Telegrama 369, de 09 de agosto de 2007, da Embaixada do Brasil em Damasco.
37
Idem.
38
Idem.
53
segundo ele, acolhiam, respectivamente, um milhão e 750 mil iraquianos. Com pouco apoio
internacional, reconhecia, ainda, que os dois países vinham, sozinhos, sofrendo o impacto e
indivíduos em seus territórios, para não mencionar a dificuldade de integração local de tamanho
contingente39.
mais agravada, porque, fora do Iraque, enquanto os iraquianos continuavam classificados como
vizinhos, que, como já mencionado, em seguida se fecharam. Com as fronteiras já quase todas
bloqueadas, restou o desespero. Pais de família palestina eram torturados e mortos diante de seus
familiares. Ameaças por escrito chegavam às casas de palestinos, determinando que deixassem o
Iraque ou morreriam.
O depoimento40 de uma família de refugiados, Walid Tamimi e sua esposa, Huda, que
vivia de forma tranqüila em Bagdá com os filhos, contando à época cinco anos, e outro, três
iraquiana. Huda afirmou que “as ameaças de milícias xiitas eram constantes”. Uma delas, por
escrito e até hoje guardada pelo casal, foi colocada na porta da casa da família, e lia: “Nós
sabemos que você é palestino. Para garantir a sua sobrevivência e a de seus filhos, você tem de
39
Telegrama 885, de 20 de abril de 2007, de DELBRASGEN.
40
TAMIMI, Walid e Huda. Rio de Janeiro, 24/07/2008. Entrevista a Luciana Marinho (CBN).
54
desaparecer de toda a região num prazo de 72 horas”. Tudo foi deixado para trás, a construção
de anos de trabalho, bem como as recordações da família, que se dirigiu para a fronteira.
tempestades de areia, em área fronteiriça entre o Iraque e a Jordânia, para os palestinos que
fugiam em desespero das perseguições no Iraque – seu primeiro país de refúgio – e que não mais
eram aceitos nos países vizinhos, esgotados que estavam. É o caso do campo de Ruweished, em
espaço considerado “terra de ninguém” na Jordânia, país que não tinha mais condições para
receber em seu sistema público novos refugiados, cedendo, apenas, o espaço fronteiriço para o
refugiados não poderiam sair dali, nem receber visitas não autorizadas pelo governo jordaniano.
porque a alternativa seria a tortura e a morte perpetradas por milícias armadas no Iraque. No
refúgio, não havia escola, casas, lojas, universidades, hospitais. Eram as barracas fornecidas pelo
ACNUR, os escorpiões e a areia. O verão com temperaturas acima de quarenta graus e o inverno
afirmam que crianças nascidas no campo, já contando quatro anos de idade, não conheciam nada
vizinhos, ocorrida em Genebra. Após a reunião, o Alto Comissário para refugiados, António
Guterres, ficou otimista diante da conscientização que o evento foi capaz de transmitir aos
Estados participantes.
dramáticos eventos de 1948”41. Continuou Guterres: “A escala do problema fala por si: 1,9
muitos países até então sem contato mais direto com a problemática vivida pelo refugiados
produzidos pela invasão. Com o ano-base de 2007, divulgou-se que 43% dos iraquianos
na Europa e 0,5% espalhados no resto do mundo. Países que acolhiam os iraquianos eram Síria
(1,2 milhão), Jordânia (750 mil), Egito (cem mil), Irã (54 mil), Líbano (quarenta mil) e Turquia
41
Telegrama 926, de 24 de abril de 2007, de DELBRASGEN.
42
Idem.
56
(dez mil)43. As delegações participantes reconheceram a grave situação vivida pelos iraquianos, o
fardo gerado para os países vizinhos, a ineficácia da integração local como solução duradoura
terceiros países para grupos mais vulneráveis. Mesmo reconhecendo que a solução ideal para o
reassentamento seria a única solução que se fazia urgente para muitos, afinal a situação no Iraque
RUWEISHED
deslocados internos e dos refugiados no Iraque e em países vizinhos, convocada pelas Nações
Unidas e realizada em Genebra, que o Brasil, em sua intervenção, mostrou que o país sabia da
população civil.
tinha ciência da deterioração das condições humanitárias no Iraque e países lindeiros. Lamentou,
ainda, a escalada da violência sectária em território iraquiano. Reconheceu que aquela poderia ser
considerada uma das piores crises humanitárias dos últimos anos. Afirmou, em uníssono com o
Alto Comissário, que a solução ideal seria o retorno voluntário dos refugiados para suas cidades
de origem. Reafirmou, por fim, que o Governo brasileiro entendia que a crise iraquiana requereria
43
Idem.
57
migratória, em especial dos países capazes de receber esse contingente cuja vida estava
evidentemente ameaçada.
refugiados da África e das Américas. Reafirmou, neste sentido, que os critérios para a aceitação
brasileira de refugiados em risco em seu primeiro país de asilo seguiam tão-somente parâmetros
técnicos. Explicou que o CONARE seria o órgão do Governo brasileiro responsável pela decisão,
uma vez analisados os subsídios a ele entregues. Esclareceu, ainda, a composição do CONARE,
reiterando que o Brasil estaria atento para o desdobramento dos acontecimentos, a fim de oferecer
Américas, Phillippe Lavanchy, manteve encontros no Chile com autoridades nacionais, em busca
comunidade palestina no país. Documento do Itamaraty45 revela que, durante a visita à América
do Sul, Lavanchy também visitou Argentina e Uruguai – países que igualmente possuem
programas de reassentamento – mas esses dois países não haviam sinalizado, na ocasião,
44
Ver capítulo I, item 1.5.
45
Telegrama 885, de 20 de abril de 2007, de DELBRASGEN.
46
Recorda-se que, desde 2006, Lavanchy já havia contactado o Governo brasileiro para verificar a possibilidade de
reassentar os palestinos de Ruweished (Telegrama 376, de 27 de fevereiro de 2007, de DELBRASGEN).
58
York, Shapiro fundou o Movimento Internacional de Solidariedade (IMS), uma ONG pró-
Palestina que advoga, por meios não-violentos, o fim da ocupação de Israel em territórios
palestinos. Ficou conhecido quando, ao tentar evacuar palestinos feridos no ataque ao quartel-
general de Yasser Arafat, em 2001, ficou preso com o então líder palestino. Shapiro havia
visitado Ruweished, produzindo um CD com depoimentos das famílias palestinas que lá viviam.
Ruweished, iniciou trabalho independente na busca de solução humanitária para aquelas famílias.
Por não serem afiliados a nenhuma ONG ou às Nações Unidas, o movimento estava em
condições para explorar várias frentes, concentradas nas seguintes categorias: (a) evacuar os
refugiados palestinos dos campos de fronteira, entre os quais Ruweished; (b) estabelecer um
centro de evacuação temporário dentro do Iraque para a comunidade palestina que permanecia
em Bagdá; (c) levantar fundos para manter o referido centro de evacuação temporário bem como
para ajudar os países na evacuação dos palestinos do Iraque. Todas essas iniciativas ganharam o
Adam Shapiro mantinha contato com o ACNUR e, à época, efetuava gestões pessoais
Estados tivessem política nacional em matéria de reassentamento pela América do Sul. Seu
interesse pela América do Sul residia no fato de essa região já possuir vastas comunidades de
47
Fax oficial OF-016, da Embaixada do Brasil em Amã, Jordânia, para o Itamaraty, em 29 de maio de 2007.
59
Durante sua conversa, afirmou que uma das fontes de ressentimentos entre o nacional iraquiano e
teria sido a formação, em 2001, de uma força paramilitar nova, a Jaysh Al-Quds
(Exército de Jerusalém), com o objetivo de ‘libertar’ Jerusalém. Saddam Hussein
teria forçado homens iraquianos, na maior parte xiitas e curdos, a servir no
exército, quando os palestinos eram isentos do serviço militar48.
No mês seguinte, em maio de 2007, o ativista viajou para o Brasil, com o objetivo de
fazer gestões pessoais junto a membros do Congresso Nacional, CONARE, Cáritas e outros. No
Ministério das Relações Exteriores, encontrou-se com funcionários da Divisão das Nações
Unidas e da Divisão do Oriente Médio I. O objetivo seria o de sensibilizar pessoas com poder de
Mayada Bamie, em 8 de maio de 2007, fez chegar ao Itamaraty documento assinado por ela
acerca da questão dos refugiados, que, indiretamente, também mostrava sua refutação pela visita
Varese, havia lhe comunicado que o Alto Comissariado em Brasília estava de posse de um
pedido para que o Governo brasileiro aceitasse “um grupo de palestinos advindos do campo de
48
Telegrama 939, de 26 de abril de 2007, de DELBRASGEN.
49
Telegrama 977, de 1 de maio de 2007, de DELBRASGEN.
60
refugiados de Ruweished no Iraque (sic)50”. Afirmava, ainda, que tanto a OLP quanto a
Autoridade Nacional Palestina (ANP) haviam decidido que o tema refugiados do Iraque só seria
resolvido no contexto árabe, não cabendo qualquer outra solução. Foi além, mencionando que a
questão dos refugiados palestinos deveria ser tratada à luz da Resolução 194 (III)51 da AGNU.
Disse ainda:
(soberano, diga-se) de o Brasil receber o ativista, bem como a possibilidade da decisão brasileira
OLP e da ANP.
aceitar refugiados palestinos, sinalizando que, se concordasse, o Brasil o faria por força de tal
dos deslocados internos e dos refugiados no Iraque e em países vizinhos, o jornal Estado de São
Paulo publicava a manchete “Brasil é pressionado a aceitar refugiados”. A matéria afirmava que
tanto as Nações Unidas quanto os EUA pressionavam o Brasil a dar refúgio a palestinos que
50
O campo de Ruweished ficava em solo jordaniano, na fronteira com o Iraque.
51
Ver item 3.2 deste estudo.
61
viviam no Iraque. Dizia, ainda, que a hesitação do Brasil se dava porque, ao aceitar o pedido, isso
seria uma forma de dar aval àquela guerra. Como se sabe, o Brasil oficialmente se opôs à decisão
estadunidense de invadir o Iraque. Arcar com parte do prejuízo não seria justo, pensava-se.
brasileiro é levado diretamente ao CONARE para, em reunião colegiada, deferir ou não o pedido,
com base tão-somente em critérios técnicos, definidos por parâmetros humanitários e apolíticos,
indivíduos refugiados em cada caso não são variáveis consideradas. Não cabe aos membros do
CONARE julgar se o cidadão comum que sofre no asilo está vivendo indignamente por causa de
decisões equivocadas de seu Estado ou de seus representantes políticos, muito menos se tais
Como qualquer pedido que lhes chega à mão, o CONARE, em 25 de maio de 2007,
realizou reunião plenária. Na reunião, o Comitê decidiu aprovar proposta formulada pelo
pelo ACNUR52. Lembramos que o ACNUR é parte do CONARE, porém sem poder de voto.
Caberia, ainda, ao ACNUR a missão de constituir equipe que iria pessoalmente àquele campo de
refugiados para dar-lhes informações a respeito das perspectivas de condições de vida no Brasil,
para orientação cultural ao grupo de refugiados palestinos de Ruweished. O projeto teve duração
de dois meses. Objetivou transmitir aos cidadãos palestinos a serem reassentados no Brasil
52
Ofício 321 do CONARE, Ministério da Justiça, endereçado à DNU, Itamaraty.
53
Despacho telegráfico 127, de 1 de junho de 2007, da SERE (Itamaraty).
62
noções de cultura, legislação e economia do País. Também cumpriu tutorias de ensino da língua
portuguesa. Os cursos foram ministrados por dois funcionários brasileiros do ACNUR sediados
54
Itamaraty, nota à imprensa número nº 455, 21 de setembro de 2007.
63
Bamie, por ocasião da visita de Shapiro ao Brasil antes da decisão do CONARE em acolher os
refugiados, o Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, Embaixador Celso Amorim,
recebia carta do seu homólogo palestino, Riad Al-Maliki, de saudação ao Governo brasileiro e
totalizando 108 indivíduos. Com a vinda deles para o País, o campo fechou. A transferência
ocorreu em três levas, entre setembro e dezembro de 2007. Um total de 56 palestinos foi para
Mogi das Cruzes, interior de São Paulo; outros 52 foram para o Rio Grande do Sul, mais
precisamente para as cidades de Santa Maria, Venâncio Ayres, Sapucaia do Sul e Pelotas.56
mostra-se satisfatória para uns, mas problemática para outros. Uns reclamam de determinadas
mostram certo grau de insatisfação ressalvam que não reclamam do Brasil ou da nova condição
de vida – afinal, afirmam, à exceção do risco que corriam no Iraque, nada poderia ser pior que o
campo no deserto57.
55
Carta recebida na Subsecretaria de Assuntos Políticos-II (SGAP-II) do Itamaraty, em 12 de novembro de 2007, sob
o protocolo 831.
56
MARINHO, Luciana. Reportagem da Rádio CBN, de 25 de julho de 2008.
57
HASSAN ZARIFI. São Paulo/SP, 22 de dezembro de 2008. Entrevista concedida à autora.
64
Rasim Zaidan, um dos reassentados, mostrou que o grupo vivia, por razões óbvias,
melhor do que no deserto de Ruweished, mas foi categórico em afirmar que alguns aspectos
deveriam ser revistos com urgência. Zaidan, palestino nascido em 1966, cresceu no Iraque e
viveu quatro anos e meio no Campo de Ruweished, até ser reassentado no Brasil. Disse estar feliz
com o acolhimento no País, onde reside, sozinho, em Mogi das Cruzes (SP). Destacou o fato de
não se sentir discriminado, admirando que no Brasil “todos são amigos de todos”. Apesar disso,
assinalou que sofria por não ter ninguém da família por perto. Seus parentes estariam mundo
afora, uns na Europa, outros na Síria. Tentava conseguir visto para ir visitá-los, mas alegou que o
“passaporte amarelo” que lhe fora concedido possuía a data de validade de apenas dois meses, o
que não era aceito em nenhum consulado. Também reclamou da falta de funcionários para dar-
lhe assistência. A maior problemática, no entanto, residia na dificuldade de integração por causa
da barreira lingüística. Alegou que os árabes presentes no Brasil não lhe ajudavam. Reclamava
que os palestinos reassentados não estavam recebendo aulas de português de forma intensiva,
como prometido, “apenas seis horas por semana”. Além disso, alegou que muitos não
encontravam os remédios de que precisavam na rede pública de saúde. Zaidan fez parte do grupo
que chegou a acampar em frente à sede do ACNUR, em Brasília, em julho de 2008. Só saiu
quando o ACNUR prometeu que a situação melhoraria. Decidiu retornar a Mogi das Cruzes. Na
viagem, relatou, um grupo armado entrou no ônibus em que viajava e roubou todos os
documentos que já lhe haviam sido concedidos, incluindo a carteira de trabalho. Até o momento
de seu depoimento ao telefone ainda não havia conseguido obter segunda via do que fora
roubado. Dizia não mais suportar a justificativa que costuma receber dos órgãos que o assiste,
qual seja, a de que estava em situação bem pior em Ruweished e, por isso, deveria parar de
65
reclamar. Por fim, insistiu no ponto em que desde que chegou pedia para se consultar com
comunidade local, segundo o movimento Palestina para Todos e a ONG do Rio Grande do Sul,
desenvolviam seu potencial. É o caso de Ali Abu Taha, um reassentado que ingressou em time de
futebol em Brasília. Deixou Mogi das Cruzes e hoje, por causa do clube onde trabalha, o Brazsat,
reside na capital federal. Em entrevista durante a matéria da Rádio CBN, Taha manifestou
processo de reassentamento. Ele é xiita; ela, sunita. Além da linha religiosa, discordam
livremente também das preferências dos times brasileiros de futebol para os quais torcem. Os
filhos, agora com nove e cinco anos, já mostram desenvoltura com o português e formaram rede
de amizades60. Sabbah, reassentado em Sapucaia do Sul (RS), deu sinais de integração com a
58
RASIM ZAIDAN. Mogi das Cruzes/SP. 22 de dezembro de 2008. Entrevista concedida em árabe à autora.
59
ALI ABU TAHA. Brasília. 25 de julho de 2008. Entrevista concedia à jornalista Luciana Marinho (CBN).
60
WALID TAMIM e HUDA. Mogi das Cruzes/SP. 25 de julho de 2008. Entrevista concedia à jornalista Luciana
Marinho (CBN).
61
SABBAH. Sapucaia do Sul/RS. 25 de julho de 2008. Entrevista concedia à jornalista Luciana Marinho (CBN).
66
PALESTINOS
gerou custos e benefícios para o País e, em especial, para a diplomacia brasileira. A ação foi
sociedade civil concernente, seja dos demais Estados envolvidos ou interessados na problemática
do refúgio.
A análise de tais custos e benefícios, objeto central deste estudo, será feita neste
acolher os palestinos de Ruweished. Como este estudo está sendo escrito um ano depois da
chegada dos reassentados, não se tem, portanto, tempo suficientemente significativo para
qualquer julgamento acerca do sucesso ou do insucesso do reassentamento em tela. Por isso, será
feito breve estudo comparado entre o acolhimento dos palestinos de Ruweished – que ainda se
adaptam ao Brasil – e outros dois acolhimentos cujos resultados já são conhecidos: dos afegãos e
dos colombianos, ambos já vistos no capítulo II. Com base na comparação de alguns aspectos que
podem ter influenciado no resultado final, ficará viável a avaliação que sinalize para o resultado
O estudo comparado entre os três casos de reassentamento em tela tem por objetivo
pelo Brasil em final de 2007. Por ser um processo ainda em curso – faz um ano que eles
67
será analisado para, em seguida, contrastá-lo com o resultado, conhecido (afegãos e colombianos)
ou não (palestinos).
Para cada caso, serão consideradas quatro variáveis independentes: (a) cumprimento
das etapas necessárias para a decisão pelo acolhimento; (b) barreira lingüística; (c) posse de
brasileiro.
No caso dos afegãos, não foi possível o envio de missão do CONARE para o Irã ou a
equivocadas que por ventura estivessem contidas no imaginário daqueles refugiados em busca de
um segundo país de refúgio. Por causa dos acontecimentos terroristas de 11 de setembro, que
prejudicaram o deslocamento internacional, não foi possível o envio de missão com técnicos
brasileiros para encontrar com os refugiados afegãos que diziam correr risco no Irã e na Índia.
experiência brasileira – ocorreu por dossiê, com base em entrevistas levadas a cabo por
funcionários do ACNUR local, que pouco ou nada sabiam da realidade brasileira. Eram cinco
famílias, totalizando 23 indivíduos, reassentados em Porto Alegre em abril de 2001. Para se ter
idéia da discrepância entre expectativas dos solicitantes e realidade brasileira, existe depoimento
68
de afegãos que pensavam ser o salário mínimo, à época de R$ 261,00, pagamento diário, não
foi constituída missão tripartite CONARE-ACNUR-ONG, todos sediados no Brasil, que viajaram
à Costa Rica e ao Equador para realizar entrevistas com os solicitantes colombianos. Durante o
processo, foram coletadas as expectativas individuais, bem como apresentada idéia das condições
sediados em Amã, fluentes no idioma árabe, que expuseram a realidade brasileira e tomaram nota
das expectativas do grupo. Embora aquele fosse momento em que qualquer oferta soava
alentadora, dadas as condições de vida adversas a que estavam submetidos no deserto jordaniano,
os palestinos de Ruweished vieram ao Brasil já sabendo que deveriam passar por processo de
adaptação e que estariam sujeitos a todo tipo de inadaptação possível de ocorrer. Ainda no campo
de Ruweished, palestras foram proferidas, fotos foram mostradas, situação econômica foi
explicada às famílias palestinas. Estavam plenamente cientes de que a vinda para o Brasil não
representaria o fim dos seus problemas, mas a entendiam como início de uma fase de vida, a
despeito das adversidades a que estariam ainda expostos e que estariam dispostos a superar.
adaptação em território brasileiro. Primeiramente, não foi organizado curso de língua portuguesa
Posteriormente, uns reclamavam da dificuldade que sentiam para aprender a língua. Soma-se a
69
isso a ausência de comunidade afegã previamente instalada no Brasil, o que poderia contribuir no
processo de aprendizagem do idioma. Como se sabe, o Afeganistão não se inclui nas tradicionais
levas migratórias que se dirigiram para o Brasil, em especial ao longo do século XX.
No caso colombiano, o idioma português não pode ser entendido como barreira à
território brasileiro. Tais aulas eram oferecidas intensivamente nos três primeiros meses, sempre
com o apoio das entidades executoras. Soma-se a isso a estrutura gramatical e a proximidade
continente americano, o que facilitou a interação entre os colombianos e os brasileiros que com
eles conviviam.
ministradas aulas de português antes mesmo de sua chegada ao Brasil. Nas primeiras semanas, já
era possível perceber a desenvoltura, em especial das crianças palestinas, para com o idioma
Outra vantagem que muito contribuiu para a adaptação lingüística dos palestinos
refere-se à presença de substantivo contingente de origem árabe no Brasil, além de entidades não-
governamentais voltadas para a causa palestina que se mostraram dispostas a contribuir para a
adaptação de seus conterrâneos, como foi o caso da Fepal (Federação Árabe-Palestina do Brasil),
não atendida. Havia profissionais técnicos empregados como porteiros de prédio. Outros,
sem perspectivas, apenas para a sobrevivência diária, ou atividades outras. Como não falavam o
português, não poderiam desempenhar ofício que necessitava de comunicação. Soma-se a esse
No caso dos colombianos, o grupo foi dividido entre os que tinham perfil rural e
urbano. Aqueles com perfil rural desenvolveram atividades com que tinham mais familiaridade,
como pesca e plantio. Aqueles com perfil urbano foram reassentados nas cidades.
comércio, alguns vêm abrindo seu próprio negócio com micro-crédito facilitado. Como ainda
estão na fase de adaptação e recebendo recursos do ACNUR até completar 24 meses, a maioria
dos palestinos ainda não definiu como será a vida profissional. Há, ainda, o caso dos jovens que
executoras diretamente envolvidas com o reassentamento afegão revelam que a inadaptação aos
costumes e à rotina de vida brasileira se mostrou como fator relevante pela decisão de deixar o
se com o abismo cultural que separava a cultura afegã da brasileira. Os afegãos, advindos das
regiões de montanha e com costumes característicos daquela região, viam-se oprimidos diante do
modo de vida singular que encontraram em território brasileiro, sem nada que lhes fosse familiar.
a adaptação do grupo. Além da aproximação lingüística, a divisão dos colombianos pela área de
vida. Dessa forma, as atividades desempenhadas não alterou muito o modo de fazer e de viver
colombiano. Soma-se a isso a proximidade geográfica, que acabou por gerar no imaginário do
grupo a sensação, ainda que possivelmente infundada, de proximidade com a terra natal.
se estabelecer em um país como o Brasil, onde igrejas estão por toda parte, encontram o conforto
pelo futebol. Embora não haja relações diretas entre os reassentados e a atuação nessa
supervaloriza o esporte também adorado em seu país de origem permite a sensação de “estar em
casa”, emprestando à adaptação, ainda que em seu nível inconsciente, um tom mais familiar.
Não menos importante está a gastronomia. O café, também parte essencial da dieta
colombiana, pode ser entendido como um fator capaz de facilitar a integração entre os que vieram
e a comunidade local.
Por fim, na literatura, o consagrado escritor colombiano Gabriel García Marques, lido
de ambos os povos, além do fato por si só – a consagração de escritor colombiano no Brasil – ser
um elemento de aproximação.
No caso palestino, tem-se uma situação singular, já que as diferenças não causam
estranheza, como de se esperar. Apesar das drásticas diferenças culturais entre palestinos e
72
começar pela transferência da Corte portuguesa ao Brasil, em 1808. “A família real veio
acompanhada de frei Antônio Abrantes (1737-1813), profundo arabista português que dava aulas
O interesse de D. Pedro II pela tradição de origem árabe também era marcante. Ele
tornou-se profundo conhecedor da história egípcia e apaixonado pela cultura árabe, chegando a
A imigração árabe em diferentes fases, desde final do século XIX até o final do século
origem árabe. Na literatura, escritores daquela origem também são lidos no Brasil, como Mansur
Chalita, Milton Hatoum, Raduan Nasser, entre outros consagrados. Como bem resume o escritor
No comércio, por vários mercados Brasil afora, é possível observar a presença das
ruas com lojas no estilo dos “suqs” árabes. No idioma, cerca de mil palavras do português vieram
62
ZAIDAN, 2005, p. 95.
63
ZAIDAN, 2005, p. 95.
64
ZAIDAN, 2005, p. 96-97.
73
do árabe, sobretudo a maioria daquelas que se iniciam por “al” ou “a”, como alface, azeite e
Como se vê, tendo por base os quatro aspectos abordados – (a) etapas cumpridas para
aceitação do acolhimento, (b) barreira lingüística, (c) posse de ofício anterior, e (d) aproximação
parte do grupo não foi considerado; e não se percebeu traços culturais que dialogassem. Sabemos,
português foi ensinado de modo intensivo logo da chegada do grupo acolhido, para não
mencionar a similaridade das estruturas lingüísticas entre espanhol e português, sendo ambas
iniciais necessárias para a deliberação do CONARE, com visitas in loco e comunicação clara
lingüística, aulas do idioma português foram ministradas ao grupo, com as crianças já integradas
nas escolas públicas logo nos primeiros meses da chegada ao Brasil. Isso para não mencionar a
serviços, abrindo o próprio comércio. Não está sendo diferente com o grupo de palestino recém-
chegado de Ruweished, que já auferem renda resultante do pequeno negócio que abrem.
fortes traços culturais em diferentes campos unem os dois povos, como já citado.
reassentamento em cada caso –, pode-se inferir que a integração local dos palestinos de Ruweishd
acolhidos pelo Brasil em final de 2007 será satisfatória, haja vista a semelhança entre palestinos e
acolhimento –, conclui Rosita Milesi que alguns ensinamentos puderam ser extraídos da primeira
Quanto às condições para uma eventual repatriação voluntária – uma das soluções
consideradas duradouras pelas Nações Unidas – ressalva-se que a volta dos refugiados afegãos
espalhados pela Ásia para seu país de origem vinha se intensificando já em 200266, daí a
tendência dos reassentados afegãos no Brasil optarem pela volta, motivados ainda mais pela
65
MILESI, 2003, p. 170.
66
BBC. “Crise levou Brasil a receber refugiados afegãos”. Disponível na Internet: <http://www.bbc.co.uk/
portuguese/noticias/2002/020827_refugiadosg.shtml>. Acesso em 2 dez 2008.
75
inadaptação ao Brasil. Não é o caso dos colombianos, tampouco dos palestinos, ambos ainda sob
DIPLOMACIA BRASILEIRA
Ruweished implicou custos e benefícios para o Estado brasileiro. Esta parte do estudo pretende
expor alguns custos gerados para o Brasil e benefícios que a ação poderá trazer para a diplomacia
do País.
justificar para a sociedade brasileira a decisão em acolher refugiados palestinos deslocados após a
invasão do Iraque por tropas estadunidenses – episódio em que a posição do Brasil foi claramente
contrária. Não seria, portanto, aceitável que o Brasil arcasse com custos dos subprodutos desse
conflito. Esse custo fica diluído no momento em que o CONARE deixa claros seus critérios no
processo decisório, pautando-se pelo humanitarismo da questão, não importando, como já visto,
as causas que levaram ao sofrimento de determinado grupo de indivíduos. Nesse aspecto, importa
menos – ou nada – o mérito da questão do que o grau de sofrimento dos seres humanos
serem questionados se o Brasil estava agindo bem ao acolher refugiados palestinos, alguns
cidadãos brasileiros responderam que não, alegando a incapacidade do País em cuidar de suas
próprias mazelas internas. Não poderia, portanto, absorver outros necessitados. A este argumento,
podemos dizer que não procede. Primeiramente, os custos envolvidos para a vinda do reassentado
76
e para a sua manutenção nos primeiros 24 meses da chegada correm pelo ACNUR, em parceria
com as entidades executoras. O custo para o Estado brasileiro estaria no ingresso de mais pessoas
no sistema público de saúde e educação; entretanto, um grupo de pouco mais de cem palestinos
não será a causa dos problemas que ainda vigoram nesses sistemas, há décadas sem solução e
cuja melhora dependeria de transformações estruturais, ainda que poucos precisassem fazer uso
surgiu de prejudicar as relações bilaterais Brasil-OLP ou Brasil-ANP, haja vista a oposição inicial
feita pela Delegação palestina em Basília. A Delegação mostrou-se refratária à vinda desses
palestinos a país tão distante dos territórios palestinos. Ainda, interferiu em assuntos internos, ao
mostrar seu descontentamento com o recebimento do ativista Adam Shapiro por autoridades
brasileiras, como já relatado no capítulo III, item 3.4. Em nota enviada ao Itamaraty, já estudada,
67
MILESI, 2003, p. 168.
77
alegou a Delegada especial da Palestina no Brasil em 2007 que o tema “refugiados palestinos”
palestino para longe da região enfraqueceria a causa palestina. Este possível custo diplomático,
sobretudo em momento em que o Brasil pretende exercer papel mais atuante na mediação do
conflito israelo-palestino, também diluiu-se, uma vez que os dirigentes palestinos louvaram a
decisão brasileira pelo acolhimento e as relações bilaterais se fortaleceram ainda mais, com
implicou benefícios para o País. Não se pode deixar de considerar como benefício a elevação do
perfil do Brasil, no âmbito internacional, como país que se preocupa com questões humanitárias,
em especial com a causa palestina. Em momento em que as políticas imigratórias dos países
desenvolvidos se tornam cada vez mais restritivas, o Brasil dá exemplo de espírito humanitário,
além de mostrar que sua política, tão elogiada em matéria de refúgio e reassentamento, não é letra
abrangência da sua classificação de refugiados, que inclui também aqueles que fogem devido a
Ruweished no Brasil sinalizam para a integração harmônica deles com a comunidade local.
ganhos para a política externa brasileira. Aceitar voluntariamente contingente palestino que
perecia em um deserto certamente beneficiará o papel mais substantivo que o Brasil busca na sua
78
política externa para temas médio-orientais como um todo, nomeadamente no conflito israelo-
organização da Cúpula América do Sul-Países Árabes, já caminhando para sua segunda edição,
em 2009, são alguns elementos decisivos que mostram o interesse nacional estratégico em temas
políticos referentes aos árabes. O acolhimento de refugiados produzidos por conflitos na região
credencia e subsidia os diplomatas brasileiros em suas gestões pelo papel mais atuante brasileiro
na referida mediação.
Além disso, a ação voluntária brasileira reforça o compromisso que o País demonstra
ter perante a comunidade internacional com os instrumentos jurídicos dos quais é parte,
americano e sua legislação interna para o tema. Há um abismo entre ser tão-somente parte e ser
ator atuante, ainda que em escala relativamente baixa. Nesse caso, a intenção e os esforços
possíveis resultados negativos, certamente não passam despercebidos. Isso demonstra vontade
política e, em especial, solidariedade internacional para com o outro que sofre, não importando
sua nacionalidade, religião, cor, origem ou qualquer outro fator ainda capaz de se constituir
em matéria de solidariedade internacional. Entendemos que o espírito solidário basta por si, e o
que só aceitam ações que contribuam para a realização concreta do interesse nacional, a eles
internacional, o que certamente ajudará o Brasil em vários outros pleitos, seja em pedidos de
mais de cem palestinos que tentavam sobreviver no campo de Ruweished implicou custos e
benefícios, como qualquer política pública de tamanha magnitude que envolve a dignidade de
seres humanos. A ponderação entre esses custos e benefícios será feita nas considerações finais, a
CONSIDERAÇÕES FINAIS
soberania e de personalidade, sobretudo hoje. O mundo passa por momento em que as sociedades
nacionais, ao mesmo tempo que se globalizam, se fecham para o outro que sofre, estrangeiro em
e grupos humanos inocentes perecem aos milhões. É nesse exato contexto que o Brasil, assim
como outros poucos, assumem o compromisso de trazer, de forma responsável, para dentro de
de mandatários, porque não mais seriam aceitos em nenhum outro local do planeta. O humanismo
que embasa a decisão soberana do Estado brasileiro, ainda que criticada, está inserida tão-
somente nos princípios da solidariedade internacional para com o outro Estado, e que, na prática,
Primeiramente, o custo político em relação ao Brasil arcar com subproduto de uma situação à
qual se opôs não pode ser aceito como válido, uma vez que os parâmetros de decisão do
CONARE não levam em conta a causa do sofrimento humano, e, sim, o sofrimento em si.
Ademais, não haveria motivo para se preocupar com drenagem de recursos destinados ao cidadão
brasileiro para acolher o refugiado reassentado, na medida em que o tesouro nacional não
desgaste nas relações bilaterais Brasil-ANP ou OLP, como já visto, não se materializou, apesar da
81
Os benefícios, por sua vez, justificariam por si a ação soberana brasileira pelo
Brasil como Estado que se preocupa com refugiados, mas também expõem de forma inequívoca a
busca papel de maior peso no processo de paz naquela região. Ademais, as repercussões para a
diplomacia brasileira do acolhimento de refugiados gerados por conflito que ocupa posição
destacada na pauta internacional de hoje, por si só, justificam o interesse que o referido
acolhimento gera para os profissionais atuantes na arena internacional, como é o caso dos
diplomatas.
diplomático. Vivemos um momento em que conflitos estouram por diversos pontos do mundo,
gerando contingentes perseguidos em sua terra natal cada vez maiores. A aceitação de refugiados
vindos de tão longe contribui para a conscientização e a humanização daqueles que estão na linha
de frente da negociação, entre eles o corpo diplomático dos Estados, ainda que sejamos um país,
Colômbia). São os profissionais da linha de frente que, por sua vez, poderão trabalhar
que vê na fuga de sua própria terra natal, onde está a fonte de sua identidade cultural, a única
2007 será bem-sucedido. O estudo comparado mostrou a tendência para uma adaptação
satisfatória das famílias palestinas acolhidas, harmonizadas e integradas com a comunidade local
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e brasileira como um todo. Com base no exposto no capítulo anterior, os benefícios pela decisão
mencionados ou não se justificaram ou se diluíram com o passar do tempo. Assim sendo, o fato
em si poderá motivar o País, via CONARE, a dar continuidade a sua política de reassentamento
solidário, sempre aprimorando o processo com base no aprendizado trazido por cada experiência.
acerca dos direitos dos refugiados e dos reassentados. Como mencionado na introdução do
estudo, trata-se de legislação de vanguarda, que poderá definir padrões ou modelo para possíveis
política pública nos moldes do reassentamento aqui estudado e que culminou na chegada
propriamente dita dos refugiados acolhidos. Trata-se de processo longo, complexo, que envolveu
vontade política dos mais diferentes órgãos da Administração Pública, além de gestões
diplomáticas nas mais variadas instâncias, que, juntos, trabalharam em sintonia para a
concretização do projeto.
que embasa tal política. Mostrou ainda a força de sua legislação interna, que funciona, não
decora. Não fosse assim, o País buscaria esquivar-se de qualquer subproduto de um conflito a que
despeito da realidade interna que muitas vezes poderia passar a idéia oposta. Ao perceber o
em seus pleitos pela participação ativa em foros dedicados a matérias de Direitos Humanos, entre
eles o disputado Conselho de Diretos Humanos, recente e importante instância onusiana. Como já
guiar as decisões soberanas do País. Temos que, por ocasião do acolhimento do pequeno grupo
grande imprensa a favor do Brasil foram amplamente divulgados, como o de Hope Hanlan, então
que “vários países nos dão dinheiro, mas não querem receber os refugiados. Nós apreciamos
multiplicam-se e se fazem presentes não só na grande mídia, mas também no meio diplomático.
Por fim, não é demais afirmar que a grandeza da decisão do Brasil em receber os
refugiados palestinos que fugiam do Iraque talvez só seja percebida, na sua essência e totalidade,
por aqueles que pereciam pouco a pouco no campo insólito de Ruweished, ou seja, pelos próprios
refugiados. Este estudo pretendeu contribuir para que tal decisão fosse igualmente percebida por
demais atores, sejam nacionais, sejam estrangeiros, com o objetivo maior de motivar o espírito
muitos defendem a falácia chamada choque de civilizações como a causa de todos os conflitos e,
por isso mesmo, restringem ainda mais suas políticas imigratórias, o ato voluntário e soberano do
Brasil em receber o pequeno grupo de refugiados traz, acima de tudo, a renovação de esperança
para a vida daqueles seres humanos envolvidos. Essa constatação, isolada, por si só, já
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recompensaria o Brasil pela decisão tomada. Nesse sentido, nada mais oportuno do que
remetermos o leitor, no derrardeiro parágrafo, ao texto da epígrafe deste estudo. São as palavras
escritas por respeitado jurista brasileiro e que materializam o humanismo basilar da decisão pelo
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Lei nº 9.474/1997;
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Fontes primárias